The New Adventures of Old Fernando

Transcrição

The New Adventures of Old Fernando
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The New Adventures of Old Fernando
Blog de viagem publicado entre 14/11 e 22/12/2008
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Fernando Fagundes Silveira
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Endereço web: www.fernando.silveira.zip.net
2
ÍNDICE (Datas por ordem de postagem):
E-mail convite aos amigos (14/11)
3
Partir (13/11)
5
HOLANDA
Começando pelo Princípio (15/11)
5
The Orange Bike Incident (18/11)
7
I AMsterdam (20/11)
10
Snapshots Amsterdam (fotos)
13
TURQUIA
A terra dos Sultões, onde por três anos reinou absoluto Juvenal (21/11)
16
Snapshots Istanbul (fotos)
18
I left my heart in Istanbul (23/11)
21
Salve Jorge!!! (23/11)
23
A Incrível Civilização das Cavernas (24/11)
25
Ainda Boquiaberto (25/11)
33
Cumpleaños (25/11)
38
Superfantástico (25/11)
39
EGITO
CAOS!!! (26/11)
43
"Do alto dessas pirâmides, quarenta séculos vos contemplam!" (27/11)
46
Pela janela vejo fumaça, vejo pessoas... (28/11)
50
Descendo o Rio Nilo (01/12)
53
Vai que é sua, Faraó!!! (03/12)
65
Closure (07/12)
79
A REVELACÂO (Capítulo 4, Versículo 3) (09/12)
92
Ode ao Bizarro (11/12)
96
Looking Back (22/12)
100
The New Adventures of Old Fernando
3
14/11/08
E-mail convite aos amigos:
Meus amigos,
Em cumprimento ao que determina o Artigo 7º, Inciso XVII da Constituição Brasileira,
a partir de 14 de Novembro, sexta-feira próxima, exercerei meus direitos de rapaz
trabalhador gozando de inacreditáveis trinta dias de férias.
O que não poderia ter acontecido em melhor timing - poderei investir os fantásticos
lucros obtidos em minhas aplicações recentes na Bolsa de Valores, aproveitando
ainda a tão convidativa cotação do dólar, para realizar uma das viagens dos meus
sonhos. Diante de um cenário tão favorável, seria o que qualquer indivíduo lúcido e
consciente faria, certo? Foi o que pensei.
Assim sendo, movido pelo milagre econômico (ou sei lá pelo quê) emiti
alucinadamente um sem-número de passagens e reservas de hotéis duvidosos e
aerolinhas obscuras, num roteiro de viagem ainda mais suspeito que, após as
correções e acabamentos, acredito (sem muita convicção) que tenha ficado da
seguinte forma:
15 a 19/11 - Amsterdam (aprecie com moderação)
19 a 22/11 - Istanbul (antiga Constantinopla, onde os turcos armaram aquele
furdúncio e causaram a descoberta do Brasil)
23 a 26/11 - Capadócia (onde Jorge sentou praça na cavalaria)
26/11 a 10/12 - Egito (Cairo, Aswan, Dahab, Luxor, Monte Sinai... onde quer que
sejam esses lugares)
10 a 13/12 - Istanbul again (última parada para visitar "os lodjinhas")
Infelizmente, após um desgastante processo seletivo de companheiros de viagem,
não foi possível identificar, dentre os vários candidatos, alguém que atendesse aos
rigorosos critérios de qualificação (que seriam: A- Mulher; B – Gostosa; C –
Desfrutável). Sendo assim, optou-se por viajar solo.
E é aí que esta mensagem começa a fazer sentido. Veja bem: ao longo da intrépida
e dangerosíssima aventura, as chances de se sucederem episódios dos mais
variados níveis de bizarrice são bastante plausíveis. Seriam boas histórias
irremediavelmente perdidas em algum lugar do planeta, não fosse pela iniciativa
deste que vos fala em criar um Blog de viagem.
Pois então: a idéia é registrar os passos dessa epopéia num Blog para os melhores
amigos (e quem mais tiver algum interesse), e ao mesmo tempo criar uma linha
The New Adventures of Old Fernando
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inversa para que estes me façam companhia através de comentários, recados ou
quaisquer manifestações necessárias. Um diário de viagem que, entre um retrato
mal-tirado e um punhado de piadinhas fracas, possa trazer algum fato ou relato
interessante (ainda que a chance seja pequena).
Portanto, a partir de então, acessem: http://www.fernandosilveira.zip.net/
Minha intenção é conseguir manter atualizações em base razoavelmente freqüente,
entretanto há de se entender e perdoar algumas limitações no percurso, tais como:
- Disponibilidade de cyber-cafés, pontos de conexão ou qualquer outra forma de
acesso às maravilhas do cyberespaço;
- Grau de lucidez e sobriedade do autor (especialmente preocupante em alguns
óbvios destinos do percurso), o que pode comprometer a ordem dos
acontecimentos, a verossimilhança dos fatos, e até a certeza de que tais histórias
tenham realmente acontecido ou se foram apenas devaneios malucos;
- Instinto de auto-preservação moral (o que me obriga a omitir passagens
demasiadamente sórdidas e/ou humilhantes) – esse já não é muito alto mesmo, mas
tem coisa que simplesmente não dá (pra contar; pra fazer até rola). Afinal tem
família lendo!
Assim, a maior motivação em levar isso adiante é o interesse dos amigos. Leiam,
escrevam, comentem, opinem, xinguem e zoem, mas participem na medida do
possível. Por mais que “Deus proteja os loucos, bêbados e tolos” (o que confere
proteção reforçada quando se é um pouco dos três), nessas horas dá um tremendo
receio, medo de língua desconhecida, terrorista, beduíno barbudo, comerciante
safado, água contaminada, de cobiçar a mulher do próximo, de perder vôo, ser
assaltado, ficar perdido, arrumar treta, cair em tentação, medo de camelo, de
dromedário, de múmia, de dar PT na balada, de coffee shop, de mulher feia, ou
quaisquer combinações múltiplas entre essas ameaças (e que, se bem me conheço,
mais cedo ou mais tarde acabam acontecendo). O que é muito pior quando se está
sozinho. Portanto lembre-se: sua opinião é muito importante para nós.
Segue abaixo meu e-mail que estará ativo nesse período:
[email protected]
PS: dia 25/11 é meu aniversário. No mínimo um Parabéns por e-mail está de bom
tamanho. Menos que isso é troca de soco na volta. Sério.
Grande abraço.
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13/11/2008
Partir
Quem, quando criança, não ficava ansioso na cama na noite de Natal, esperando a
manhã seguinte para abrir os presentes que Papai Noel deixaria dali a algumas
horas, no pé da árvore, bem ali na sala ao lado?
Esta é a exata sensação comum de véspera de viagem. Nesse caso, em particular,
a crença em Papai Noel vindo num trenó puxado por renas voadoras não me é mais
despropositada que a surreal idéia de entrar num avião amanhã para aterrissar num
deserto qualquer, sozinho, sem saber muito pra que lado sair andando. Parece
mentira.
Mas não é. Chegou a hora. Vai começar.
15/11/2008
Começando pelo Princípio
Ok. Cheguei, me instalei, tomei banho, matei a fome. Novo e pronto, Etapa 1
completa. Now what?
(escrevo essas linhas num caderno, sentado num bar à praça Rembrandt
(Rembrandtplein). Apesar do frio de 10ºC e do vento cortante, sento do lado de fora
do pub pra poder fumar - fumante é uma merda. Porém, como passar pelo pint de
cerveja sem nenhum cigarro?)
Então, lá estou eu... em pé na frente do hostel (sobre o qual falaremos adiante, com
certeza...), gelando a napa na friaca... Resolvi sair andando a esmo. Dobrando as
esquinas aleatoriamente, feito barata fugindo de vassourada. Fiquei contente
quando passei pelas primeiras das famosas vitrines de Amsterdam. Red Light
District. Meus instintos estão aguçados, o que é um bom indicativo do tom da
jornada vindoura.
Não que eu tenha qualquer interesse em provar os serviços das , hum..., digamos,
senhoras de tolerância que se oferecem através do vidro. Primeiro, porque é muito
caro. E amigos que já caíram nessa tentação contaram que é zuado. E eu não sou
mesmo muito chegado à prostituição, é sério. Mas pela pouca experiência que tenho
pelos "Love Story"s da vida (de muito, muito tempo atrás), a disposição das quengas
brasileiras dá de goleada nessas holandesas de vitrine.
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Ainda que a comparação da média de dentes na boca desfavoreça as brasileiras,
elas pelo menos rebolam, sorriem, "descem no queijo" (da novela do Juvenal
Antena, lembram?)... Já essas gringas - ainda que algumas sejam bastante
cortejáveis - debruçadas na janela, com cara de retrato renascentista,
definitivamente não gostam do que fazem. E se você fica ali, analisando os
benefícios e opcionais do "contrato" (afinal algumas das damas vestem uns
espartilhos bem legais), elas quase cospem em você o chiclete - que usam para
reforçar a aparência entediada.
Agora pensando melhor, deve ser porque aqui elas são uma profissão reconhecida,
com carteira assinada e seguro social. É isso. Igual funcionário público no Brasil. A
burocracia estatal atinge até a esfera da putaria, o que não dá mesmo muito tesão.
Mas sempre é uma coisa curiosa de se ver.
Tanto quanto o outro motivo pelo qual Amsterdam é alternativamente famosa.
Apesar de estarem por todo lado, é na Red Light que os coffee-shops florescem em
sua intensidade maior, vendendo tudo que é possível de ser fumado, com cardápio e
sommelier. A sequência "quenga - coffee shop - quenga - quenga - coffee shop" se
estende por centenas de metros nesse maldito (bendito?) bairro. E dá-lhe aquele
cheirinho famoso, carregado, doce, tentador a cada esquina. Não que eu seja muito
chegado a isso também :-), mas se dizem que "em Roma, faça como os romanos",
em Amsterdam a regra também vale, correto?
Acho que é por isso que estou aqui fora do bar, aguentando esse frio, de boa. É por
isso que estou deitando um (vários) caneco(s) de Heineken, enquanto esses gringos
fracos ficam no café quente. É por isso que estou, alheio às bicicletas que insistem
em monopolizar o trânsito, escrevendo essas impressões. E que vontade de comer
alguma coisa doce...
No iPod: Dave Brubeck Quartet
Saludos.
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18/11/2008
The Orangebike Incident
Ahahaha. Demorou pouco mais de dois dias para a primeira trapalhada oficial.
Vamos aos fatos. Visto que Amsterdam é minúscula (750k pessoas) e
completamente plana, todos aqui - todos mesmo, incluindo senhores de terno,
velhinhas, donas de casa com sacolas de compras - andam de bicicleta, o meio de
transporte mais prático e comum da cidade. Estranhamente, todas as bikes são um
lixo, caindo aos pedaços, até mesmo as do pessoal com cara de mais rico.
Não resistindo à tentação, consegui descolar uma bike honesta por 10 Euros ao dia,
num lugar chamado Orangebike. Grande idéia. Conheci a cidade toda, fui às praças
e parques famosos, visitei o Rijksmuseum e descansei à tarde à beira de um lago no
Vondelpark. Sem contar que ontem, domingo, era dia de Sinterklaas, um genérico
de Papai Noel daqui, que chega em Novembro e traz presentes para as "kinders".
Por isso havia por toda a cidade uma parada, com bandas, artistas circenses,
palhaços descendo de rappel pelos prédios antigos...
Eu de bicicleta acompanhei isso tudo, e foi muito curioso. Apesar da multidão e das
ruas interditadas tudo é muito organizado e todos participam educadamente. Por
exemplo, eu por duas vezes fui atingido (uma delas bem no meio da fuça) por
saquinhos de balas arremessados por um filadaputa de um palhaço que eu não vira,
que distribuía doces às crianças e adultos. E ninguém deu uma ponte de goleiro ou
uma voadora para interceptar o projétil (como quando a noiva joga o buquê em
casamentos, gerando aquela balbúrdia de solteironas) - que é exatamente o que
aconteceria se o velho Sinterklaas resolvesse jogar suas balinhas na Av. Paulista,
por exemplo.
É claaaaro que nem tudo são flores. Atropelei um velho no calcanhar - ele estava
andando muito devagar, eu acompanhando, e o pneu da frente pegou bem no
tendão de Aquiles... Ele me falou algo em holandês que, pela tonalidade, não deve
ter sido uma gentileza. Mas fiz pior. Horas mais tarde, ao fazer uma conversão à
direita mais brusca (eu estava meio avoado...), uma mulher ia me ultrapassando
quando foi subitamente abalroada pelo meu veículo. Resistiu ainda por alguns
metros, bravamente, mas infelizmente (para ela) acabou por se estabacar na
calçada. Péssima cena.
Fiz menção de ajudar, com um "sorry" sem graça, mas antes disso ela se levantou,
com agilidade espantosa para alguém da sua idade (uns 40 e poucos, era gata
ainda) e, sem dizer uma palavra, me lançou um olhar "que vai me assombrar pra
sempre", montou na bike e seguiu seu rumo. Fiquei perturbado demais na hora (foi
quando decidi que minha situação demandava uns cinco minutos de recuperação no
parque), mas acabei me rachando de rir mais tarde ao contar a história para uns
amigos no Pub - chegaremos lá mais adiante.
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Bom, enfim deu seis horas e eu precisava retornar a bicicleta. Graças à minha
costumeira pontualidade, cheguei à loja no horário marcado e... fechada! Depois de
uns minutos lá parado, sem saber o que fazer, tive a brilhante idéia de trancá-la em
frente à estação de trem, perto do hostel - um lugar mais movimentado, onde um
roubo seria improvável. Escolhi o lugar mais bonitão, bem na frente do carro de
polícia. Havia várias bikes por lá. Voltei ao hostel, fui pra noite e não me preocupei
mais.
Acordo hoje, chego lá pra pegar o veículo, e quem disse que ela está lá? Da noite
pro dia, aquele mar de bicicletas tinha sumido, e a minha foi junto!
Pânico. Desespero. Incredulidade. Negação. Aos poucos, perguntando pra
praticamente todos em minha volta (ao menos os que chegavam razoavelmente
perto daquele doido desesperado em que eu me transformara), descobri que o local
era "proibido estacionar" - sim, havia uma placa em holandês no local... grande
merda, os holandeses já devem saber, são os estúpidos turistas que devem ser
alertados, cacete! -, e todo dia várias bikes paradas ali eram guinchadas por uma tal
AFAC, um órgão que existe para a redução nos roubos de bicicletas (o pior crime
que acontece por aqui). Achei isso contraditório, pois naquele momento, ao menos
na minha concepção, eles é que tinham acabado de roubar a minha.
Depois de muita conversa mole, perguntas cretinas e choradeira, reuni as
informações que consegui e voltei à Orangebike, já calculando mentalmente o
prejuízo, que seria algo entre 50 Euros e um milhão. Ao menos a trava havia sido
quebrada pelos malditos, e havia ainda alguma multa, provavelmente caríssima pois aqui infrator não tem boi, até porque quase nada é infração. Não sei como,
entretanto, consegui convencer o cara da loja (no melhor estilo "depois te explico")
de que eles detinham parte da culpa, pois haviam fechado antes da hora. E ele
concordou em rachar comigo o prejú, pois era só ligar lá na AFAC e os bonitões
traziam a bike de volta (e ele deve estar acostumado a turistas idiotas, como no meu
caso). Saí de lá pagando EUR 10, metade do valor da tal multa, e quase indo às
lágrimas de emoção após o stress. Tomei mais um café e passei a tarde na fábricamuseu da Heineken.
Chegando agora no hostel, encontrei na mochila o elástico do bagageiro da bike,
que eu havia tirado para não roubarem (doce ironia...). Mas não vou voltar lá pra
devolver. Vai que não foi essa tal AFAC que pegou minha bike? O cara, gringo
confiado que é, alvo fácil na mão de um brasileiro (e olha que eu nem sou dos mais
espertos), nem ligou lá na hora pra conferir! O elástico virou souvenir, de repente
pode ser útil para carregar alguma coisa.
NOTA 1: o tombo da mulher ilustra uma característica muito comum do europeu
(aos meus olhos de Thundera). Desde que cheguei aqui, já presenciei um semnúmero de videocassetadas engraçadíssimas. Gente caindo na rua, salto que
prende em bueiro, escorregões, acidentes de bicicleta dos mais variados.Teve um
cara, saindo de um pub, que caiu e levantou exatas três vezes, isso só enquanto eu
passava pela rua (às gargalhadas, diga-se - eu e o cara). Agora, tirando essa pobre
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alma penada, que estava sendo duramente zuada por seus amigos, todos os
"acidentados" sempre levantam com muita desenvoltura e discrição, expressão
blasée no rosto, e seguem como se nada tivesse acontecido. Mesmo que às vezes
esteja na cara que doeu pra burro, ninguém fala nem um "aaaaiiiii" (o que seria bem
mais engraçado, ó maldade), nem um gemido, nada. Não sei porque essa gente fica
caindo tanto, mas até para serem patéticos os europeus são elegantes.
NOTA 2: os computadores daqui do hostel não permitem que eu introduza nada
neles. As mulheres daqui do hostel também não. Então ainda não consegui subir
nenhuma foto. Mas vou dar um jeito nisso logo (nas duas coisas, tomara...).
NOTA 3: ainda não escrevi sobre a noite local, pois aguardo o fechamento da etapa
para um balanço mais adequado. De qualquer forma já são duas incursões
memoráveis. Sábado, em missão solo, num club onde dei um bigode para entrar
sem pagar, completamente sem querer (uma ótima história que fica pra uma
próxima ocasião, como tantas outras). Fantástico. E ontem, com uns amigos do
hostel, num pub, onde bebemos e et cetera em escala industrial, até o ponto em que
um brasileiro literalmente desmaiou na mesa. E não fui eu! Sério, o cara apagou e
quase bateu a testa na mesa. Foi aquela baixaria, pega água pro cara, sal pra
aumentar a pressão, leva pra fora pra tomar ar... E o doido com aquela cara de
peixe-morto, de pré-gorfada (ao menos acabou não gorfando, o que seria
desnecessário)... Lamentável. Definitivamente, Amsterdam não é para amadores.
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20/11/2008
I AMsterdam
Estou agora sentado no bar do Flying Pig, fazendo hora para partir, à uma da tarde.
Mais ou menos à meia-noite estarei em Constantinopla. Longa viagem, tempo
suficiente para pensar no que afinal aconteceu por aqui. Deus me livre.
Adotaremos para esse exercício a técnica da Análise dos 4 "B"s de Amsterdam, a
saber: Bicicletas, Baseados, Baixarias e Baladas. Tendo já abordado os dois
primeiros temas, concentrar-nos-emos na parte mais interessante. Para fazer isso
com propriedade é preciso introduzir aqui personagens temporários dessa história,
dois cariocas gente finíssima que conheci no hostel enquanto acompanhava os
lances da rodada do Brasileirão pela net, no domingo. Guilherme é Fluminense,
Paulo Botafogo (bota mesmo), e ambos secavam o Flamengo. Esse segundo
elemento é o cara que deu defeito no pub, além de protagonizar outras passagens
épicas como será visto. Duas tremendas figuras, dispostas a usufruir apenas da
porção tenebrosa da cidade. Exceção feita à casa de Anne Frank (a do famoso
diário), em que fomos juntos (eu já conhecia da passagem anterior, mas não estava
fazendo nada mesmo...), o restante do roteiro da dupla só envolvia programas que
mamãe não aprovaria.
Na noite seguinte à da bebedeira pagã no pub, a proposta era ainda mais indecente,
mas eu não estava fazendo nada mesmo... OK, não vou mentir aqui: fomos sim
assistir a um showzão de explícito na Red Light.
Deixa eu esclarecer uma coisa antes que me façam mau-juízo: não tem nada a ver
com com tesão nem excitação, nada disso. A coisa é tão bizarra que parece um
espetáculo circense, e você assiste àquilo como se fossem ursos equilibristas ou
mágicos realizando um número incrível (a diferença é que esse truque eu também
sei fazer). Sentamos na primeira fileira, na "splash area", de onde podíamos
literalmente aspirar os odores e "perfumes" que exalavam daquela cópula teatral, e
ficamos ali tomando nossos drinques grátis.
Resumidamente a noite foi uma seqüência de risadeira interminável, à medida que
se sucediam casais e strippers de todas as etnias, pesos e texturas. Que se tornou
ainda mais intensa quando subiu ao palco uma senhora negra, na casa dos 50 anos,
que seguramente pesava bem mais que eu, para realizar seu "Banana Show". Use a
imaginação. Minhas retinas quase queimaram diante de cena tão grotesca, e acho
que nunca mais poderei saborear uma banana da forma como fazia antes. Destaque
ainda para um rapaz muito competente que realizou um autêntico "candelabro
holandês" (que aqui deve se chamar apenas "candelabro") com sua parceira, terei
prazer em explicar os pormenores práticos às interessadas.
Porém o ponto mais alto da noite foi quando o tal Paulo, de novo esse figura, foi
chamado ao palco para participar da atração, desenrolando metros e metros de fita
colorida que saíam de dentro de uma senhora, durante ao qual seu parceiro e eu
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beirávamos a convulsão, as lágrimas fluíam e os músculos abdominais quase
explodiam de tanto rir (estou ainda às gargalhadas escrevendo isso, dois dias
depois... ai ai...). Fechando a trilogia desse personagem, no dia seguinte o Paulo
(sim, ele outra vez) resolveu experimentar o Space Cake e entrou em alfa. De novo
muita diversão com a metamorfose que se sucedeu no indivíduo. Eles partiram à
tarde para Barcelona, o pobre Paulo ainda completamente cozido. Espero
sinceramente que eles estejam bem e que encontrem paz em seus espíritos - se
bem que acho bem improvável...
Nas duas outras noites, fui ao já citado club, muito legal saber que não estou tão
velho quanto dizem, às vésperas dos 31 anos na próxima terça. E ontem fui a um
tremendo show de jazz, um quinteto cubano excelente - de graça, achei o Alto Caffe
meio sem querer, que sorte. Sobre a noite daqui, valem algumas considerações
gerais:
- Europeus em sua maioria, homens e mulheres, são completamente sem freio para
beber; o objetivo claro é cair. E quase sempre o atingem. Quando estão quase
desmaiando bebem um shot de vodka ou tequila. Senti-me um pobre iniciante;
- Por esse motivo, não importa quão ruim você esteja, sempre tem alguém bem pior
que você. Relaxe. Após determinado horário o local estará tomado por zumbis
bêbados ensandecidos;
- A balada a que fui demanda que toda pessoa que entra tome um shot de sei-lá-oquê direto no gargalo. O mesmo para todos, com uma espécie de jato de uma
garrafa de coca-cola. E ninguém reclama, todo mundo enche a boca sorrindo.
Muitos babam;
- Há vários "pub crawls", peregrinações organizadas de bar em bar. Por esse motivo
você pode pegar fila pra entrar, e após alguns segundos o bar esvazia e sobra só
você com o copo na mão, incrédulo. E torna a encher de novo dali a 5 minutos.
Surreal.
"Se cercar vira hospício, se cair a lona vira circo"
Assim é o Flying Pig, sobre o qual eu devia um comentário. Hostel altamente
recomendável pra quem quer ficar 24 horas na bagunça. Este lugar não segue a
ordem do tempo e espaço, alheio ao relógio. Não importa a que horas você for ao
quarto, sempre têm vários dormindo (de fato algumas pessoas eu só vi dormindo), e
não importa a que horas você for dormir, sempre há gente causando. DJs tocam no
bar, onde há sinuca, um palco de almofadões e um concorrido fumódromo, onde se
concentram os habituées. Muitos dos hóspedes nunca deixam o hostel. E dá de tudo
aqui. Conheci americanos, irlandeses, alemãs, poloneses, brasileiros de monte.
Todos vêm conversar com você. O Happy-hour é às 20:00 todo dia, com bebidas
mais baratas, e o bar, somente para os cerca de 200 hóspedes, fica lotado. Be
there. It´s worth it.
The New Adventures of Old Fernando
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Dazed and Confused
Quando vim à Amsterdam pela primeira vez, há quatro anos, me encantou a beleza
e a riqueza cultural dessa cidade. Fui a todos os pontos turísticos, parques e
museus. Para essa oportunidade agora minha intenção era descansar, relaxar a
mente das pressões dos fatos recentes, conhecer gente e me divertir sem
responsabilidade. Missão 100% cumprida, com extras.
Porém talvez quatro dias inteiros tenham sido demais. Não que eu não ficasse por
mais tempo, pois a atmosfera aqui é realmente cativante e convidativa, e eu me
identifico com a cidade, me sinto bem. Após a ansiedade inicial, já me desprendi,
ando pelas ruas sem precisar de mapa (aliás, faz dias que já nem tenho mais um
mapa), passo de madrugada pelas ruas e entro nos becos mais sombrios pisando
confiante - a segurança aqui é um contraditório absurdo, onde senhores
sozinhos com notebooks passam por um grupo de traficantes suspeitíssimos na rua
e nada acontece, nunca. Amsterdam é incrível sob todos os aspectos.
O problema é que começo a temer seriamente por minha integridade física. é
apenas o quinto dia de viagem e já me encontro em estado deplorável. Minhas
pernas doem muito de tanto andar, e os pés apresentam bolhas horrendas, que se
exibidos tirariam o apetite do indivíduo mais durão. O frio intenso racha a pele da
boca e rosto (onde imperam as enormes olheiras), e os dedos já mostram sintomas
de gangrena. Meu sistema nervoso central está em frangalhos, e tenho dificuldades
para realizar cálculos matemáticos elementares. Em quatro dias perdi uma
saboneteira, uma nota de 20, minha toalha, um shampoo, boa parte da dignidade e
uma bicicleta. Não necessariamente nessa ordem (como se eu soubesse).
Em nome do instinto de sobrevivência, faço as malas e declaro encerrado o ciclo
sórdido dessa empreitada. Definitivamente preciso de um solo mais sagrado. Adeus
Amsterdam, até a inevitável próxima vez!
NOTA FINAL: enquanto escrevia, sentado num sofá do Pig, passou pelos meus pés
um pequenino camundongo (se é que não foi uma alucinação). Já sabia que eles
estavam por aqui, outras aparições já haviam sido relatadas por mais gente, mesmo
os vários gatos do hostel apresentam uma forma bem rechonchuda. É normal.
"Quem quer passar pelo toubador deve passar além da dor" (Camões, Os Lusíadas).
Acostume-se a isso, ou hospede-se num 5 estrelas e chafurde sua bunda gorda de
chocolates suíços numa hidromassagem borbulhante.
See you!
The New Adventures of Old Fernando
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21/11/2008
Snapshots Amsterdam
Quem já jogou Nintendo Wii lá em casa conhece esse coelho xarope...
Revisitando velhos conhecidos... esse coffee-shop, na Rembrandtplein, já me era
familiar.
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A balada do sábado... fui chegando, chegando, quando vi tava lá dentro sem pagar,
sei lá como...
A figura acima é o tal Paulo... voltávamos do show da Red Light e a discussão era
se devíamos ou não usufruir das mercadorias da vitrine. Meu voto venceu, e
passamos por essa ilesos.
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Novamente os dois personagens. Ao fundo podemos ver a silhueta das moças na
vitrine.
The New Adventures of Old Fernando
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21/11/2008
A terra dos Sultões, onde por três anos reinou absoluto Juvenal
(abrindo com uma piadinha interna, que só a família vai entender)
Após dois dias de Turquia, estou fascinado por Istambul. A cidade é limpa,
organizada e animada. Bem diferente do que havia imaginado. E incrivelmente linda,
dividida entre a Ásia e Europa pelo estreito de Bósforo.
A visão da Mesquita Azul, rivalizando frente à frente com a Hagia Sofia, é
inesquecível. O Palácio de Topkapi, lar dos sultões do Império Otomano por mais de
400 anos, conta a rica história da cidade, que se faz viva a cada esquina, muralha
ou ruína que aparecem por toda parte. O povo é simpático e hospitaleiro, e adora
conversar sobre futebol (claro...) com um brasileiro - eles adoram o meia Alex
cabeção e o Zico (ex-técnico do Fenerbaçe), e gostam do diós Lugano. Nessa época
há poucos turistas, quase sempre não-europeus. O Bahaus Hostel, de onde escrevo
essa passagem, é aconchegante e animado, e repleto de australianos.
Estava eu ontem aqui, disposto a descansar (ahã), quando um grupo de 3
australianos me chamou para sair. E de novo começou a história de beber, cair,
levantar. Peregrinamos por um café, onde fumamos o tradicional narguilé e jogamos
o onipresente gamão - animado por uma campanha extremamente positiva no
xadrez pelos coffee-shops de Amsterdam, resolvi enfrentar o australiano no gamão,
jogo que domino bem menos. Deu a lógica, com duas vitórias massacrantes do
aussie, o que me deixou puto.
Fomos ainda a um bar de rock (com uma banda bem meia-boca) a pedido de um
dos caras, que fazia aniversário. Os rockers daqui são sujos e sebosos como os
metaleiros brasileiros, o que me fez relembrar minha época de cabeludo (sim, eu já
fui assim e não me orgulho disso, pelo menos eu tinha cabelo naquele tempo). E,
após mais um animado bar de música e dança locais que ficava numa viela,
encerramos a noite no McDonalds, onde um dos australianos honrou a tradição dos
gringos ao levar um cinematográfico tombo na escada, espalhando McFritas pelo
solo turco e garantindo boas gargalhadas (foi bem o que me debulhou no gamão,
bem feito). Eu também a essa hora já estava que nem o Batman muçulmano. É
impressionante a facilidade que tenho para me juntar a gente dessa estirpe. Começo
a achar que o problema não é questão do lugar mais ou menos profano em que me
encontro. Eu é que sou entortado mesmo.
Perdi novamente o café esta manhã, o que terminou se revertendo em uma
agradável surpresa - acabei conhecendo uma colega de quarto, também australiana
(o quarto aqui tem 4 camas, contra as 32 do Flying Pig, o que é bem mais
confortável e aproxima ainda mais os inmates), e fomos almoçar juntos. Dividimos
um enorme kebab e muitas histórias. Acho que ela me quer, o que me deixa
emocionado. Vamos ver se rola um colóquio, o que acrescentaria muito ao capítulo
turco. Enfim, ela precisava ir a um internet cafe e eu segui sozinho, não sem antes
The New Adventures of Old Fernando
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mandar um "see you later" com aquela cara de "queria te despir com os dentes bem
aqui em cima dessa mesa".
Sinceramente prefiro mesmo andar sozinho de dia e formar com os loucos à noite,
uma vez que nesses dois períodos meus interesses são bem diferentes. Fui ao
Grand Bazaar, o maior mercado coberto do mundo. Onde o maior erro é perguntar o
preço de alguma coisa, pois o vendedor não te deixa ir embora nunca mais. Tive um
entrevero com um dos mascates, que não entendia que eu não queria comprar o
seu narguilé. Ele me xingou em turco (eu achei), aí eu respondi com palavras
carinhosas em português, o que deixou o cara bastante indócil. Cheguei a pensar
que ele me atacaria a golpes de uma daquelas espadas tortas que estavam à venda,
e já olhava ao redor à procura de algo para me defender até o fim. Felizmente ele
resolveu poupar a minha vida, por Allah.
Agora há pouco fui a um banho turco, o que é bem diferente. Uma espécie de
sauna, com uma mesa enorme de pedra quente onde você fica deitadão, suando, e
depois lava o corpo em pias enormes, mas pra isso tem todo um ritual, muito
legal.Pode-se, por um extra, incluir uma massagem, mas essa eu passei, não me
sentiria à vontade, pelado e só de toalha, sendo esfregado por um sujeito também
pelado. Thanks, man, but no! Das várias massagens que presenciei, achei o método
bem agressivo, pois o turcão, geralmente velho e gordo, esfrega o caboclo com
notada convicção, e a feição do massageado nem de longe lembra prazer e
relaxamento. Destaque para um magricelo careca que me puxou pela perna
enquanto eu estava lá esticadão, na moral. Gritei um "fuck" e instintivamente armei
uma bica pra jogar aquele chassi de grilo lá do outro lado, mas ele sorriu uma
gargalhada banguela e mostrou um balde, ele queria espaço para massagear esse
outro cidadão. Puta susto, velho do cacete!
Por Allah!
É muito presente a questão da religião por aqui. Várias vezes por dia começa uma
oração em volume altíssimo (acho que há alto-falantes em todo lugar), em uns
horários que só eles entendem, e todo mundo pára o que estiver fazendo e reza
voltado para Meca. Há portais por toda a cidade mostrando a direção da cidade
sagrada. Para entrar nas mesquitas é preciso tirar os sapatos, e há áreas onde só
são permitidos muçulmanos. Os minaretes, torres presentes em todas as mesquitas,
fazem da cidade um enorme paliteiro.
Amanhã parto para a Capadócia, retornando a Istambul ao final da viagem.
Salamalenko, até mais!
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21/11/2008
Snapshots Istambul
Hagia Sofia, fascinante. Somente é superada...
... pela Mesquita Azul, que fica à sua frente e consegue ser ainda mais incrível.
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No palácio Topkapi. Atrás de mim, a Ásia, do outro lado do Estreito de Bósforo.
Fumando narguilé e apanhando no gamão, com os australianos. Era aniversário
desse aí de óculos.
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De novo a Hagia Sofia, à noite é ainda mais linda, pena que o fotógrafo não presta.
Bobo que sou, sempre acho muita graça quando os turcos dizem olá: "Mer Haba!" soa muito parecido com "Me enraba!" - o que é hilariante quando se tem a idade
mental de um pré-adolescente... Aposto que eles devem adorar frequentar o café
acima (por favor, sem piadinhas óbvias sobre futebol, ok?).
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23/11/2008
I left my heart in Istanbul
Ela puxou papo do nada. Eu acabar de acordar, a cara inchada de sono e, de novo,
de ressaca. Nem notei que tinha mais alguém no quarto.
Já contei essa introdução. Olga (só saberia seu nome muito depois) nasceu na
Bielo-Rússia e, ainda pequenina, mudou-se para Canberra. Curiosamente, declarase australiana. Pois bem, era sexta-feira à noite, e eu assistia a um ótimo show de
dança do ventre no Bahaus Hostel, sem muito ânimo para sair. Meus amigos
australianos ja haviam partido, e eu estava de bode de fazer novas amizades
(a única opção eram uns americanos nerds, que pelo que eu ouvia divertiam-se
entre si com uma trivia sobre o Chevy Chase - fala sério).
Ela chegou no meio do show, e na hora já foi chamada para participar, no que, aos
meus olhos, mandou até muito bem - eu também seria chamado mais tarde, o que
proporcionou uma cena lamentavelmente constrangedora, quem já me viu
dançando, o que é bem raro e só acontece quando eu estou a um passo do coma
alcoólico, pode ter uma noção da bisonha cena.
Havíamos almoçado juntos, e eu já achava que rolara uma eletricidade. Puxou um
dos engraçados banquinhos (que parecem um cavalinho) e sentou do meu lado. A
essa altura eu já não via mais show nenhum (e olha que a bellydancer era uma
totosinha). Ensinei-a a jogar gamão, e ela me venceu - o que prova minha aguda
incompetência nessa modalidade. Aí ela pediu pra jogar xadrez, e entre o
cavalheirismo de deixá-la ganhar e meu espírito competitivo, é óbvio que valeu o
segundo - duas vitórias fáceis, a primeira em quatro rodadas, com uma variação do
"pastor" que sempre uso para desmoralizar iniciantes (quem vê pensa...). Tudo bem
que mais conversamos do que jogamos, e foi uma tortura encerrar a segunda
partida.
Aí, meu bom Deus, ela teve a brilhante e sensacional idéia de ir ver a vista do
terraço, que estava fechado devido ao frio. Meu irmão, até eu que sou mais lento
entendi a deixa. Pedi pra garçonete liberar nosso acesso, e nem bem subimos já
encurtei a distância e passei o rodo. Dividíamos o mesmo quarto, e milagrosamente
os outros dois inmates, um rastafári gordo que eu nunca via e uma sul-coreana, com
quem tive uma discussão porque a pilantrinha quis roubar minha cama (tenho
arrumado muita treta aqui, logo eu que sou de boa), haviam partido. Como eu falei
outro dia num raro momento de inspiração: nasci feio, sem graça e mal-acabado,
mas com uma sorte que dá até raiva!!!
E por quê afinal estou contando isso? Porque mexeu, brother. Acho que
principalmente porque hoje de manhã, tomamos café juntos, aí veio um Borat da
agência de viagem pra me levar pra pagar o tour da Capadócia, e ela não quis vir
junto, preferiu seguir seu roteiro - adoro quem tem personalidade e opinião formada.
E também acho que ando sentimentalista demais, com as defesas baixas. Portanto,
The New Adventures of Old Fernando
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essa história, diferente das outras até aqui, não é um relato. Não a escrevi para
vocês. Essa foi um desabafo, meus amigos - essa foi pra mim.
Nos encontramos à tarde, nos despedimos, e eu pedi a ela que mude seus planos
para passar a noite do meu aniversário comigo, na terça - quando voltarei para
Istambul para conexão com Cairo. Ela me disse que há 50% de chances. Vamos
ver. Mas foda-se também, afinal que fim isso poderia levar? Fica uma boa
lembrança, porque afinal é esse o motivo pelo qual estou aqui acima de tudo, não?
Às 16 horas, joguei a mochila nas costas e botei de novo o pé na estrada.
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23/11/2008
Salve Jorge!!!
Peguei um vôo até Kaisery, que já é pequena, e depois mais uma hora de ônibus até
Goreme, uma cidadela minúscula no centro da Turquia, próxima à fronteira com a
Arábia Saudita e Irã. Desafio alguém a achá-la no mapa. Escrevo agora do quarto
do hotel-caverna (estou hospedado dentro de uma pedra). Ótimo, um quarto só pra
mim, banho tranquilo, posso fazer a barba, andar de cueca, que beleza! Joguei a
mochila no hotel e saí andando a esmo. Em quinze minutos andei a cidade inteira,
que são apenas duas ruas, e praticamente não há turistas na baixa temporada. As
pouquíssimas pessoas na rua todas se parecem com o Borat. Aqui, não sou um
turista - sou um Alien.
A história aqui é a seguinte: localizada no centro da Turquia, essa região é o eixo da
rota que liga a Índia à Europa e África - domínios de praticamente todos os grandes
impérios da idade antiga. Então era grego botando quente num dia, persa dando
espadada no dia seguinte. Toda hora vinha algum egípcio, romano ou otomano a fim
de pilhar, causar e violentar. Soma-se a isso um solo extremamente fácil de escavar,
devido a uma coincidente sequência de erupções vulcânicas, que cobriram a região
de lava endurecida, formando um mineral chamado tufa (que é do que é feita essa
cidade), e erodindo por 10 milhões de anos, formando uma paisagem que lembra o
solo lunar. a solução então não podia ser outra - ao invés de desenvolver as cidades
acima da terra, bastava escondê-las abaixo da superfície, onde inimigos não a
veriam. Simples, não?
Era o que esse pessoal vinha fazendo desde há 4 mil anos, até que por volta de
1100 DC os otomanos estabilizaram o controle da região, e os capadócios
abandonaram então a vida semi-troglodita dos subterrâneos, e as cidades foram
seladas e esquecidas. Desde 1960, entretanto, vêm sendo "redescobertas" - há hoje
mais de 200 cidades conhecidas, e calcula-se que haja outras centenas esperando
para serem encontradas. Algumas chegam a estender-se por 8 níveis, ou até 85
metros abaixo do solo, e chegaram a ser habitadas por até 20.000 pessoas! Cidades
distantes 10 km uma da outra são interconectadas como um imenso formigueiro, e
inteligentíssimos sistemas de segurança, iluminação, abastecimento de água e até
cria de animais (!) garantem autonomia ilimitada ao povo subterrâneo. Inacreditável?
E isso é só o começo. Mesmo as habitações atuais são construídas em pedra crua,
e algumas, juro por Deus, são escavadas dentro das montanhas, que ficam
esburacadas como um queijo suíço. Os cenários lembram muito o das aldeias de
"Guerra nas Estrelas". A cor de areia predomina e cobre as paisagens. Nunca
imaginei que poria meus pés num cenário tão surreal. Estou boquiaberto.
Então, a galera qui já não é mais tão receptiva. Quase ninguém fala inglês. Cheguei
no hotel (na verdade é uma casinha, pelo que sei sou o único hóspede) e o
recepcionista veio, falou: "single room?", eu acenei com a cabeça, e o doido já saiu
andando, nem mais uma palavra. Fui seguindo o cara, me sentindo um prisioneiro
The New Adventures of Old Fernando
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sendo conduzido à sua cela. Quando ele abriu a porta do quarto e eu passei, tive a
nítida impressão que ele ia me dar um pé nas costas, pra que eu entrasse na cela,
digo na "suíte" (que é de um minimalismo espartano), capotando com o peso da
mochila (cada vez mais pesada sobre meu corpo definhante). Pelo menos eu estava
enganado, ele foi embora sem mais conversa. Melhor assim, saia de perto de mim,
seu esquisito!
Jantei num restaurante igualmente peculiar, com um forno a carvão fazendo às
vezes de calefação (faz quase 0 grau, o frio é uma tortura), e música ambiente local
(aquela gritaria de "Allah-sei-lá-o-queeeee-ooohhhhh-habbbiiiiibbbb", sabe?). Não há
cadeiras, são almofadas no chão. A refeição, escolhida no sistema "point-and-pay"
(já que os cardápios não são em inglês, pelo menos tem umas figurinhas) estava
excelente por sinal, como invariavelmente tem sido na Turquia - uma espécie de
"cozinha árabe" mas sem quibes e esfihas, com pratos à base de carnes e vegetais
sempre muito elaborados e bem preparados. Os pães são um espetáculo à parte, e
tenho comido com a fome de oito skatistas mendigos (crédito pela piada ao Cauê).
Elegi esse como meu restaurante oficial, e aqui comerei todo dia, escolhendo
sempre uma figurinha diferente.
Andei até achar o que seria a única balada local. Um café com música alta, entrei e
contei dezoito pessoas lá dentro, garçons inclusive (todos com cara de vilão do
James Bond), e dentre elas até que um mulherio bem razoável (mulherada turca é
bem legal e própria para o consumo, só que nem te olha na rua, são muito
reservadas). Mesmo sabendo que qualquer movimento "de acasalamento" faria o
bar inteiro cair em cima de mim, e provavelmente me empalar em uma estaca, não
me intimidei (afinal, eu estou vestido com as roupas e as armas de Jorge!) e saí
disparando sorrisos e caras de "te quero" a esmo. Não adiantou nada. Antes que eu
terminasse minha primeira Efes (a cerveja que monopoliza a Turquia) foi todo
mundo embora. Eram 22:30 de sábado! Porra, na terra de São Jorge e nem um
dragãozinho eu consigo enfrentar?
Bom, menos mal, amanhã a peregrinação começa. Fico aqui até terça, quando faço
um vôo de balão em homenagem aos meus 31 anos, e volto então a Istambul para
pernoitar, antes de seguir ao Egito. Será que ela está me esperando? Eu fico aqui
sonhando.
NOTA: escrevi esse texto enquanto acompanhava SPFC x Vasco pela internet. Pelo
que entendi colocamos a mão na taça, é isso??? VAMO SÃO PAULO!!! Nesse dia
vai ser difícil não estar no Brasil. São 11 da noite e eu convenci o bigode, dono do
pico, a manter o internet cafe aberto... O cara se divertiu com o brasileiro maluco
gritando a cada gol!!!
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24/11/2008
A Incrível Civilização das Cavernas
Às 09:00 da manhã a van buzinava à minha porta, lógico que eu estava atrasado.
Embarquei com um grupo de seis japoneses e três australianos, um casal e uma
gordinha bonitinha, que logo mostrou que não queria papo comigo – valha-me Deus,
estou perdendo completamente o critério (que nunca foi mesmo meu forte).
Eu havia me preparado, pois o dia de hoje seria uma caminhada nervosa, com
trilhas, escaladas e cavernas a serem exploradas. Realizei de antemão um
procedimento cirúrgico no meu calcanhar direito (que estava em estado terminal),
utilizando canivete suíço, isqueiro, pó anti-séptico, algodão e silver tape. A
intervenção foi um sucesso, e o problema parece estar temporariamente controlado.
Devido ao frio e vento desnecessariamente rigorosos, passei também a me valer
das roupas “second skin”, uma espécie de ceroula mais sexy, toda agarrada, que
valoriza minhas curvas (puta, não escrevi isso…) e me faz temer pela minha
masculinidade. Tanto planejamento valeu à pena, pois o equipamento até agora tem
se mostrado impecável.
Visitamos um entreposto saudita de viajantes do séc. XII, onde comerciantes
paravam para descansar e alimentar seus camelos – há um a cada 40 km, que é a
média percorrida em um dia no chamado “Caminho das Índias”. Até aí beleza. Então
começou a parte irada. Escalamos uma montanha onde fica o Mosteiro Selime,
datado do século VI DC e tido como o primeiro da história da Igreja Católica, todo
escavado montanha adentro – igrejas inteiras em cavernas enormes, uma colméia
de túneis e galerias que avançam quase 5 km pelo interior da montanha, num
cenário maravilhoso e indescritível
Em seguida, 3 km de uma trilha muito puxada através de um canyon formidável,
paredões de mais de 100 m de altura, separados por um vale onde corre um belo
riacho, ladeado por árvores de pistache (secas nessa época). Escavadas nas
encostas, 14 igrejas cristãs ortodoxas repletas de afrescos, obras dos primeiros
católicos que, pra não morrerem na boca dos leões, refugiavam-se por aqui, no séc.
XI. Foi nesse ponto que meus colegas japoneses provaram seu valor, com
deliciosos escorregões e trapalhadas – desempenho admirável de uma pequenina
que estrelou uns três magníficos esqui-bundas barranco abaixo, o melhor deles de
uns dez metros e que por pouco não teve sua apoteose dentro do rio. E ela ria ainda
– e eu mais ainda, meu coração maldoso não se cansa nunca disso. A trilha
encerrou num restaurante não menos pitoresco, onde devorei uma truta deliciosa,
pescada ali mesmo. Na falta de companhia melhor (gordinha metida!), criei empatia
com o guia Genghis, desenrolando um ótimo debate religioso (o que é uma delicada
fronteira quando se trata de muçulmanos). Ele é um cara bem esclarecido, e foi
muito paciente com minhas bobagens.
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De lá seguimos para o que ficará marcado como o lugar mais impressionante que já
visitei em toda minha existência (acredito que possa ser superado apenas pelas
Pirâmides de Gizé, em alguns dias). Ninguém sabe ao certo quando a cidade de
Derinkuyu começou a ser escavada - a hipótese mais provável é que os Hititas
(antigos habitantes da Capadócia) a tenham iniciado no séc. 20 AC. Até ser
abandonada, no séc. XI DC (ou seja, 3.100 anos depois), alcançara 85 m abaixo do
solo, em algo entre 18 a 20 níveis (há partes ainda inexploradas). Estima-se que até
20.000 pessoas (diz o guia Genghis – um livro que comprei fala em CEM MIL) a
teriam habitado em épocas hostis.
São corredores intermináveis, tão baixos e estreitos que só permitem a passagem
de um homem de cada vez, praticamente de cócoras – esse é o principal
mecanismo de defesa, pois os inimigos que entravam nessa posição eram
facilmente abatidos, um a um. Em cada passagem de nível há comportas móveis de
pedra, pesando entre 250 e 450 kg cada, que são roladas, selando as entradas
como válvulas. Através de buracos no teto, pode-se furar a cabeça do inimigo com
lanças. Caso ainda tudo isso falhe, um labirinto une a cidade à outra, nove
quilômetros adiante, numa rota de fuga.
Lá dentro há hospital, escola, vinícola, cemitério, igrejas, tudo que compõe uma
cidade antiga. E o mais incrível: nada disso pode ser notado da superfície. De fato,
outra cidade desenvolveu-se acima dessa, séculos depois… e por muito tempo os
habitantes ignoraram completamente a existência desse vasto universo ali, sob seus
pés.
Fico frustrado, pois, por mais que escolha as palavras ou capriche nas fotos (e eu
não tenho feito uma coisa nem outra), falar sobre a Capadócia é impossível. Não há
como traduzir a emoção de viver essa experiência ímpar. Revejo o texto e não
consigo encaixar uma piada ou gracejo sequer, para não faltar ao respeito com
minhas próprias emoções.
Além das costas doídas (porque rastejar por esses minúsculos e apertados túneis
quando se tem 1,90 m de altura é uma horrenda tortura física) meu queixo dói por
ter ficado caído por tantas vezes no caminho. E ainda há mais um dia de
descobertas por aqui. Estou contentíssimo de ter incluído esse destino no roteiro. E
se, dentre todas estas toscas e inúteis linhas deste não menos inútil blog, eu tivesse
que escolher uma única para transmitir, a título de conselho, seria essa:
Antes de morrer, conheça a Capadócia.
SEGUEM ALGUNS RETRATOS DESSA ETAPA!!!
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Escalando a montanha do Monastério. O japonês, logo o japonês, demorou mais de
dez minutos para entender como fotografar com a minha câmera, e ainda tirou essa
foto de merda, envergonhando sua tecnológica e fotográfica raça.
Parte do emaranhado de colméias do mosteiro.
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Os altíssimos cliffs da trilha, cenário maravilhoso que essa merda de câmera teima
em não registrar à altura.
Sinistras formações rochosas formam a passagem comum da Capadócia.
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Interior da cidade subterrânea…
… um labirinto organizado e extremamente fortificado.
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Os apertados corredores formam uma defesa simples e eficiente.
O horrível monstro de três pernas que habita a cidade subterrânea – dizem ser
capaz de furar o olho de qualquer guerreiro que dele se aproximar.
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O grupo sentado nas “carteiras” da escola da cidade subterrânea – se não me
engano foi a primeira vez que sentei na primeira fila.
A vista da janela do hotel – notem o desenho do skyline de pedra.
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Cai a noite na cidade encravada na montanha.
Um autêntico “prédio de apartamentos” de Goreme.
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25/11/2008
Ainda Boquiaberto
O segundo dia nessa terra maluca não foi diferente do anterior. Uma sequência de
“ooohhhs” e “aaahhhs” à medida que visitávamos formações rochosas improváveis,
chaminés que lembram uma plantação em escala gigante de shimejis ou, numa
visão mais sexista, enormes falos de pedra. Pontos altos foram o Goreme Open Air
Museum, conglomerado de mosteiros e igrejas numa encosta montanhosa, onde
predominam lindíssimos afrescos bizantinos, entre eles o do famoso São Jorge
derrotando o dragão. E também uma fábrica de cerâmicas muito interessante
(obviamente instalada em uma caverna…) e uma adega onde provamos os famosos
vinhos da região (eita turistada…). Terminamos o dia visitando o cartão postal da
Capadócia, o Urgup, 3 chaminés gigantescas (pai, mãe e filho) que inclusive
estampam as notas turcas de 50 Liras.
O grupo hoje foi bem mais interessante (ainda que eu odeie tours convencionais,
aqui tudo é distante uma coisa da outra e não tem jeito, você tem que entrar nessas
merdas de passeios guiados), com novos integrantes, inclusive um americano sósia
do Tim Maia (Juan Caballero?) muito engraçado. Repetidos de ontem somente um
japonês que não fala inglês (que se perdeu uma hora ao sair desembestado pelo
meio das “Fairie’s Chimneys”, causando uma comoção na galera, posteriormente
sendo devidamente carcado pelo guia, que tem muito talento pra dar esporro, sério)
e a tal australiana gordinha, que finalmente cedeu à minha hipnose e virou truta,
prometeu inclusive que vai ao Brasil no ano que vem (que ela diz ter muita vontade,
essas gringas que vão aí pro Brasa só pra fazer saliência no país da semvergonhice) e hospedar-se-á lá em casa (ê Laiá, é nóis na assistência, essa vai
passar bem…). Chegaram ainda mais duas japinhas comestíveis que também
formaram no bonde. Estou começando a me sentir à vontade junto ao mulherio, São
Jorge tem me trazido bons fluidos, a espada parece afiadíssima e a lança
extremamente rombuda para os embates vindouros.
Como aqui o upload é mais fácil (fiz boa amizade com o dono do Internet Bar e já
tenho até desconto) seguem mais fotos:
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Explorando as cavernas do monastério de Goreme.
Uma “sala de jantar” – a cor preta na parede é a fuligem dos fornos.
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Detalhes elaborados das igrejas entalhadas na montanha.
Uchisar Castle (tem um cedilha no S que eu não sei fazer) – mais de 1.000 cavernas
nessa montanha ao fundo.
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Dois cachorros descansando sob os cogumelos de pedra.
É tudo nosso! Salve Jorge!!!
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Incríveis dildos gigantes dominam a paisagem.
Pai, mãe e filho, os símbolos da Capadócia.
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O intrépido escritor, num momento de medíocre criação.
25/11/2008
Cumpleaños
Acordei mais velho esta manhã. Na verdade isso acontece todo dia, porém hoje é a
emblemática data do meu aniversário. 31 anos, corpinho de 41 e alminha de 11 (que
gay). Isso é o que importa, o que faltar Deus inteira!
Aproveito esse momento de alegria (hoje estou mostrando os dentes para todo
bigodudo e véia banguela pela rua) para agradecer de coração a todos os mais de
60 posts aqui no blog, e mais dezenas de outros e-mails que chegam, dos amigos e
familiares que vêm acessando a página. Que bom que vocês estão gostando! De
verdade, representa bastante pra mim, pois sinto a presença de todos comigo, me
sentindo motivado em compartilhar as histórias (o que dá um trabalho danado em
escrever essas merdas todas, e depois ainda transcrever em teclados um mais
bizarro que o outro, mas vale a pena). Valeu mesmo!!!
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25/11/2008
Superfantástico!
Com o vento de arrancar peruca dos últimos dias, meu vôo de balão estava
seriamente ameaçado. Otimista, entretanto, despertei hoje às 05:30 e, surpresa,
nem uma brisinha! Perfeito! (agora à tarde, enquanto transfiro os manuscritos para a
tia net, até o sol, que eu não vejo há dias, deu as caras – o que me lembra uma
música da Xuxa sobre aniversário, que bonito!)
Uma hora e tanto depois, já sobrevoávamos esse cenário lunar. O balão leva 26
pessoas e transmite enorme segurança, a 5 ou 500 metros do chão (a altitude varia
bastante ao longo de uma hora de vôo).
E o motorista dessa bagaça é muito fera. O caboclo faz questão de enfiar o balão
em cada fresta entre as pedras, em que você olha e fala: ”Agora vai dar merda!”, e já
procura por algum gordinho macio pra tentar aterrissar em cima quando a porra toda
for pro chão, amortecendo assim a queda (o Tim Maia de ontem estava no passeio,
eu já o fitava de rabo de zóio, se começasse a cair eu o usaria como colchão de
segurança, certeza), mas aí o cabra puxa uma corda aqui, torce uma manivela
acolá, põe mais fogo no baguio, e o balão esterça e passa certinho! É de arrepiar os
pêlos dos lugares onde você nem sabia que tinha pêlo. Mas, overall, a sensação é
de paz e tranquilidade, e a chama explodindo a um palmo da orelha mantém a
temperatura agradável, mesmo com o frio de sumir saco.
Na descida (o cara tem a manha de descer o balão certinho em cima da carreta!),
champagne, apropriado para a data comemorativa. Shereh feh (Saúde)!
Dificilmente vou esquecer esse aniversário, porém é impossível não admitir que
sinto falta dos amigos e família para algumas (muitas) cervejas. OK, mas não se
pode ter tudo, né? Quando voltar a gente acerta essa pendência. Hoje volto a
Istambul, escrevo de um café as últimas páginas da Capadócia, valeu muito!
Amanhã, Egito, começa a etapa mais nervosa. There I go. Turn the page.
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Pronto para apagar a velinha ao lado.
Minhas bexigas de aniversário.
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Curtindo uma sonzeira (Manu Chao e Elis Regina foram a trilha de vôo).
Os balões poder estar muito altos ou lambendo os rochedos.
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Rindo à toa, todo pimpão (o Japa ao lado acho que não curtiu, olha lá, tá quase
dormindo o desgraçado!).
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26/11/2008
CAOS!!!
Passei a noite do dia 25 em Istambul, no Bahaus Hostel novamente. Sozinho. Houve
um terrível desencontro, e enquanto eu voltava, minha aussie ia me encontrar em
Goreme. Melancólico fim da história. Pelo menos foi um tremendo one-night-stand,
mas afora os e-mails bonitinhos que temos trocado, essa página infelizmente ja está
virada. Enfim...
Demorei hoje a sair, envolvido em responder a todas as mensagens de parabéns
que recebi (mais uma vez obrigado a todos), e parti atrasadíssimo para o Egito,
atropelando velhos, senhoras e crianças em trams e metros pelo caminho (pelo
menos eu sou democrático e não faço distinção no tratamento). Que pese aqui que
eu, que não sou pequeno, com uma mochila enorme nas costas e outra no peito,
desajeitado como todo pirulão, com pressa ainda, viro um paquiderme em
debandada que causa um tremendo estrago em trem lotado. Por fim, consegui
embarcar, contrariando as previsões dos caras do hostel ("You won't make it, my
friend!"), e cheguei ao Cairo no fim da tarde.
A partir daqui nao sei exatamente como continuar esse texto. O choque cultural, de
longe o maior pelo qual já passei, me deixou completamente desbaratinado. Eu
poderia escrever um livro, ou uma coleção deles, sobre essas primeiras horas. Mas
vou tentar ser objetivo, ainda que nessas circunstâncias não acredite que consiga.
Vamos do início. Cairo é uma metrópole de 20 milhões de pessoas,que lembra o
centro de São Paulo em sua arquitetura e disposição urbanística. É uma cidade
caótica e imunda, ainda que tenha seu charme, na falta de palavra melhor. Acertei
os detalhes da viagem com um guia local via net, e o cara organizou o roteiro da
forma que pedi, mas devo viajar sozinho entre as cidades, por ônibus e trens, me
juntando e desjuntando a outros turistas aqui e ali. Ele começou bem, enviando um
motorista para me apanhar no aeroporto. Esse até que falava um bom inglês (o que
aqui parece raro), mas acho que não batia bem da idéia. Eu perguntava sobre o
clima, ele respondia sobre faraós, eu questionava localizações, ele contava sobre a
comida (acho que ele tinha uns roteiros decorados e repetia uns scripts aleatórios,
sei lá qual era a do cara). Fui me divertindo com isso e dando corda, e assim tive um
dos diálogos mais surreais de todos os tempos durante o trajeto.
Quer dizer, nos raros momentos em que foi possível, pois essa uma hora do
caminho foi a mais apavorante da viagem ate aqui, devido ao absolutamente
indescritível trânsito desse local. Deixe-me colocar dessa forma: nunca, mas nunca
mais mesmo, reclamarei de São Paulo. O trânsito é incrivelmente engarrafado, e
conceitos como faixas de rolagem, travessias de pedestres e semáforos
rigorosamente inexistem. Os carros andam em direções aleatórias, avançando
alucinadamente uns sobre os outros. A sinfonia de buzinas é ensurdecedora, e
desconfio que os veículos tenham algum sistema que as dispara de 15 em 15
segundos mais ou menos. Todos eles. OK, enquanto está tudo parado vá lá, você vê
aqueles psicopatas desgovernados chegando a dois dedos da porta, mas tudo bem,
The New Adventures of Old Fernando
44
está tudo devagar mesmo. No máximo vai amassar um pouco o carro do Habib e
foda-se (nao admira, assim, que todos os veículos sejam paus-velhos horrorosos e,
lógico, batidos de todas as formas possíveis).
Mas aí veio uma parte menos travada do trajeto, e aí, meu Deus, foi a montanha
russa mais aterrorizante em que já estive. O motorista ia me mostrando os prédios
históricos pelo caminho, enquanto participava de uma espécie de death race que só
pode ter saído de algum filme do Mad Max, oscilando entre pistas, atravessando
várias faixas sem aviso (seta, pra quê?) fechando e sendo fechado sem parar,
enquanto eu não conseguia prestar atenção em uma palavra do que ele dizia, os
olhos quase saltando das órbitas, os pés no painel, e segurando o puta-que-pariu
com as duas mãos, com uma força que fazia todas as veias do corpo saltarem
(porque, óbvio, não havia cinto de segurança). E ele ria e dizia "Don't worry, it's
safe!" My skinny ass, motherfucker!!!
E, pra coroar o terror, ha os ensandecidos pedestres, que correm e saltam por entre
os carros, numa macabra loteria da morte. Atravessar a Raposo Tavares plantando
bananeira, de olhos vendados, seria mais seguro. Vi várias senhoras paradas entre
dois carros passando a 80 km por hora a menos de um metro de cada lado, e elas
de boa, como se aquilo fosse um videogame onde você conta com várias vidas
(lembram do "Freeway" do Atari?).
Enfim, cheguei ao hotel, muito bom por sinal, acertei tudo com o guia, botei minhas
roupas pra lavar e saí para uma batida de reconhecimento. Mesmo que tenham
todos me garantido que é uma cidade segura, duvido bastante dessa informação. Há
vagabundos por toda parte, os pedintes te agarram pelo braço na rua, todos querem
te vender algo (se em Istambul não se pode perguntar os preços, aqui não se deve
nem olhar na direção dos produtos), eu com a indefectível mochilinha nas costas e
as botas de trekking sou um alvo fácil.
Não tive coragem de sacar minha câmera pra nada (e olha que aparece tanta
chance de foto boa). Nem muito menos atravessar nenhuma rua, mantendo-me
sempre na mesma calçada - tentei algumas faixas de pedestre, mas não faz a
menor diferença, os caras tocam em cima, buzinando como loucos (eles devem
adorar oportunidades como essas para buzinar, mas não se engane, na falta de
oportunidade eles passam buzinando sozinhos mesmo assim). Não paro de pensar
que preciso urgentemente conseguir uma arma (uma faca estilo Crocodilo Dundee
pelo menos).
Acabei escolhendo um café para jantar, de onde escrevo agora, fumando o Sheesha
(o Narguilé local) e assistindo a um jogo de futebol do Al-Ahli (quem é são-paulino
conhece de 2005) - só sei que time é porque perguntei ao garçom, pois não consigo
ler nada na cidade, quanto mais os nomes dos times na TV. Tudo é escrito em
alfabeto árabe.
Vamos a algumas considerações gerais pra encerrar:
The New Adventures of Old Fernando
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- Todos os homens se parecem com o Latino (ou com o Khaled, lembram?),
inclusive nas vestimentas, quando são jovens, ou com o Omar Shariff, quando
velhos (versão com e sem bigode, com bigode é mais freqüente), e a imensa maioria
é careca (tô em casa);
- As mulheres parecem ate razoáveis, porem todas sem exceção usam véu na
cabeça, algumas no corpo inteiro, e outras menos abundantes chegam mesmo a
vestir a burka completa, só os olhos de fora. A chance de conseguir alguma coisa
por aqui, carnalmente falando, é nula - isto é, sem arriscar seriamente minha vida
nessa empreitada (o que não duvido que venha a fazer mais à frente);
- Aqui também se usa o cumprimento "Mer haba", que continuo achando muito
engraçado. Você chega e o cara sorri e fala "Me enraba!" e você: "Porra, não quer
tomar nem um vinhozinho antes, criar um clima de sedução e tal?". Ahahaha;
- 75% da população é muçulmana, 25% católica. Os finais de semana dos
muçulmanos são às sextas e sábados; dos católicos, às sextas e domingos.
Curioso, não?
- Errei nas contas da lavagem de roupas e estou sem cuecas limpas, amanhã tenho
que sair "commando", como diz o Joey do Friends (uma informação que não
acrescenta em absolutamente nada, nem sei por que a inclui aqui);
- Por Allah, essa buzinas são insuportáveis, são 11 da noite e a poluição sonora
ainda é absurda. Começo a entender os homens-bomba, eu mesmo já sinto uma
vontade enorme de me auto-detonar no meio desse congestionamento, mandar
todos esses buzinadores pros infernos, malditos sejam vocês e vossas famílias!!!
- o tal Sheesha é excelente de se fumar, e todos o fazem (definitivamente levarei um
desses pra casa). Os garçons, que são bizonhamente atrapalhados, andam pelo
café com uns réchauds com carvão, e vão reabastecendo toda hora os aparelhos;
eu já fumo o meu há mais de hora. Engraçado que o cara traz um tubo novinho, no
plástico, mostra e diz "See? Fresh!", mas aí mete o bocão lá pra acender e passa
pra você. Normal, já pus a boca em tanto lugar proibitivo que não é isso que vai me
derrubar.
Amanhã vou a Gizah, que venham as Pirâmides! À noite pego um trem overnight
para Aswan, atravessando o deserto do Sahara (onde o sol vai estar quente e
queimar a minha cara), e devo voltar ao Cairo em alguns dias, após aventuras pelo
Nilo. Salamalenko, my friends!!!
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27/11/2008
"Do alto dessas pirâmides, quarenta séculos vos contemplam!" - Napoleão
Bonaparte
Pessoal, não há como descrever o dia de hoje em palavras, portanto não o farei.
Sabia que ia me emocionar muito frente às pirâmides, e foi exatamente assim.
Chorei como criança por mais de meia hora, e estou arrepiado até agora.
Separei vários vídeos para tentar contar a historia, mas a conexão de onde estou é
sofrível. Ate que haja uma solução, seguem algumas fotos desse dia inesquecível!
Uma visão que jamais se apagará da retina...
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Dentro da Grande Pirâmide... nos faz sentir um nada frente a 2 milhões de blocos de
pedra, magicamente montados há mais de 4.500 anos, berço da historia.
Sem comentários. Essa foto estará na parede de qualquer casa onde eu vier a
morar.
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Esse camelo de merda tentou morder meu pé por várias vezes no percurso.
A Esfinge, com o rosto de Kaphra (Quéfren), guarda a pirâmide do mesmo faraó.
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De novo o mesmo ângulo, com o cabeção na frente estragando a foto... Exceto pela
camisa do Brasil, todos pensam que sou egípcio... e turco... e italiano... e iraquiano...
nem eu sei mais de onde venho.
Essa pirâmide escalonada ao fundo, em Sakkara, é a mais antiga do Egito, de 2.800
AC, projeto do arquiteto e sábio Imhotep, até hoje figura venerada por aqui.
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28/11/2008
Pela janela vejo fumaça, vejo pessoas...
Embarquei às 22:30 num trem para Aswan, cidade próxima da fronteira com o
Sudão. A viagem é muito longa e cansativa, ainda que o trem seja relativamente
confortável. Tomando como referência a imunda estação do Cairo, é bastante acima
de qualquer expectativa. Devo chegar às duas da tarde, e nesse ínterim dormi ate
não aguentar mais, esgotei a bateria do iPod, terminei (mais) um livro sobre faraós,
reestudei guias e mapas e reajustei meu orçamento (nesse ponto ainda estou
tranquilo, o Egito é bem barato, ainda que esteja me dando a alguns luxos). Assim,
sem ter mais o que fazer, vamos a algumas observações e comentários sobre essa
pitoresca travessia:
- A viagem segue pelo vale do Nilo, a paisagem alterna áridos desertos com areas
verdes muito bonitas; em áreas distantes das estações a situação de miséria das
casas e seus habitantes é gritante e impressiona muito.
- A miséria, aliás, salta aos olhos por todo lado. Em Gizah, próximo às pirâmides,
chega a ser comovente. Ali, e em menor escala por todo o Cairo, falta dente pra todo
mundo, animais esquálidos como jumentos e cabras (que você nem acredita como
ainda permanecem vivos, e fica olhando achando que o bicho vai estrebuchar e cair
morto a qualquer momento) dividem as ruas com os bizarros veículos (os melhores
são Fiats 147 e Ladas). Nada diferente do que se esperaria, pois afinal se está na
África, continente mais pobre do mundo... Aliás, fico contente em perceber que, com
a visita ao Egito, já pisei em todos os continentes do planeta, o que me deixa
orgulhoso na condição de mochileiro.
- Ainda no assunto miséria, nada me deixa mais puto do que turistas que encontro e
que dizem que não estão gostando do Egito, pois é sujo e pobre e isso e aquilo...
Puta que pariu, esperava o que? Se não sabe para onde está indo, informe-se
primeiro. Quer glamour, vá a Paris, e fique se achando a ultima bolacha do
pacotinho por lá, enquanto paga preços exorbitantes em tudo naquela cidade que
cheira a mijo (só que ninguém fala porque é chique). Nada contra Paris ou glamour,
em absoluto, mas faça algo de acordo com seu perfil... Aqui é mais roots mesmo,
saiba o que te espera pra não se arrepender depois!
- Agora há pouco levantou um bigodão aqui do lado, para ir ao banheiro (que é
Guiness de "o mais fedido do mundo", suponho eu), e percebi que o brother carrega
uma submetralhadora - que, admirador de armas, filho de colecionador, identifiquei
como sendo uma famosíssima Beretta M12 italiana, 9mm, aquela que a PM de SP
usa, porem em péssimo estado (o que é mais alarmante). Isso me deixou bastante
inquieto, não esperava essa situação aqui no Egito, onde supostamente civis não
portam armas. Fiquei bem pianinho desde então, com medo de fazer algum
movimento brusco e o tiozão se assustar e apertar aquela buzina pro meu lado.
Felizmente ele saltou do trem faz algumas estações. Já estou acostumado com a
polícia daqui, que carrega pesados fuzis, mas civil armado é o primeiro que vejo, e
espero que também o último. Depois notei um funcionário do trem conversando com
The New Adventures of Old Fernando
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ele, que deve ser algum militar. Ou paramilitar, o que seria significativamente mais
preocupante.
- Anteriormente a isso, vejam só: estava eu dormindo o sono dos justos, na minha
poltrona, quando o passageiro ao lado levantou pra ir sei-lá-onde, e sentou uma tia
árabe de uns 40 e poucos anos que me acordou e cismou em tentar conversar
comigo. Só que não tinha como, pois não falava uma palavra de nenhum idioma
intermediário. (Alias, por que será que quando você não consegue entender o
complicadíssimo idioma de uma pessoa ela acha que, falando beeeem devagar e
olhando fixo na sua cara, você vai entender melhor? A senhora está falando árabe,
minha tia!!!). Saquei o caderno, esse em que escrevo, e começamos a travar um
angustiante e improdutivo dialogo através de desenhos e mímicas, onde percebi
que, ou muito me engano, ou eu estava sendo desavergonhadamente assediado
pela tia (bem que eu achava que ela estava olhando meio fixo demais).
Minhas suspeitas se reforçam pelo fato de um Ali Babá da poltrona da frente ter se
virado indignado em dado momento (ele devia estar de bituca na "conversa") e feito
um breve discurso para nós dois num tom bem severo - uma pena eu não ter
compreendido porra nenhuma, teria sido interessante. Fiquei me fazendo de louco,
fingindo não entender o contexto dela, porque mano, não rolava de jeito nenhum,
acho que ela usava até dentadura. Foda demais, nem afogado na cerveja tinha
jeito. Aí, ao soar providencial do gongo salvador, o dono original da poltrona voltou
(nisso se passou uma interminável meia hora) e seguiu-se uma ligeira desavença
entre ele e a tia assanhada, eu aproveitei a deixa e já fingi que voltara a dormir,
disposto a não "acordar" nem que alguém me desse uma cadeirada ou algo do
gênero. Se eu conseguir um scanner vou enviar os desenhos do dialogo, é muito
comedia!
É, eu sei o que vocês estão pensando, eu também nunca achei que isso pudesse
acontecer num país tão religioso e moralista, mas como diria aquele personagem do
Auto da Compadecida, "sei não, só sei que foi assim...". A mulher era casada ainda,
mostrou a aliança e tal. Pelo que entendi o marido era, ou estava, no exército (vai
vendo...), e fiquei com muito medo de, devido a algum erro de compreensão, ele
estar no mesmo trem (a qualidade da informação que eu absorvi do diálogoenquadro foi bem rudimentar, como eu poderia ter certeza de algo?), e já imaginava
o cara me perseguindo pelos vagões, brandindo a espada do Aladim. Pior, e se ele
tivesse um ferro que nem o do cara da poltrona ao lado?
Depois até que fiquei me achando, afinal, se tudo mais der errado, pelo menos com
as tias banguelas eu estou bem na foto! Confesso que até dei uma procuradinha pra
ver onde ela tinha ido sentar just in case, valha-me Deus, eu sou um lixo mesmo...
- Meu guia ontem, o tal Ibrahim, era um egípcio enorme, muito maneiro, e que falava
português, o que foi ótimo para praticar um pouco da língua de Camões e Pessoa, o
que eu não fazia há dias. Só que o cara é meio enrolador, dava várias informações
desencontradas, e ficava cabreiro quando eu o contestava ou o pegava pelo pé
(azar o dele que eu li todos os livros e matérias sobre o Egito a que tive acesso
antes de vir). Ele terminou meio azucrinado com o brasileiro metido a espertinho.
The New Adventures of Old Fernando
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Mas virou brother, mais um da já extensa coleção de amigos de passagem. O
preocupante é que esses caras se fazem de amigão e aí te passam a perna de
todas as formas possíveis, já estou de olho nele (voltaremos a nos encontrar em três
dias). Vocês o verão quando (e se) eu conseguir subir os vídeos das pirâmides.
- Se um dia eu voltar ao Egito, vou fazer umas camisetas com os dizeres: "NO TIPS
HERE! Ask someone else, dammit!". Será um sucesso de vendas, juro. É
insuportável até para a mais bíblica das paciências. Qualquer coisa os caras pedem
gorjeta, ficam sorrindo pra você e esfregando os dedinhos, naquele gesto universal
da propina. Na estação querem carregar sua mala (e se você deixar arrancam do
seu ombro), nos pontos turísticos querem ser seu guia (e colam do seu lado,
surgidos do nada, já falando sobre os lugares), no restaurante querem arrumar mesa
pra você, puxar sua cadeira (e nem são os garçons!). E depois, pode apostar, eles
virão: "Tips! Tips!".
Passo muita vontade de fingir que vou pegar a carteira no bolso, e aí num
movimento rápido encaixar um murro bem na boca do estômago, pra ver o cara
fazer aquele "ufff!" e acabar com o sorriso dele. Espero que um dia ainda crie
coragem para isso! Um beduíno dos infernos conseguiu me arrancar a única gorjeta
até agora, numa pirâmide em Saqqara. Eu dei 5 e ele ficou pedindo mais, coçando a
mão e sorrindo (ai meu Deus, essa era a hora perfeita para o soco). Dei mais 5 (que
é como 1 dólar), mas fiquei indignado com a audácia. Adotei agora a boa estratégia
de pagar de louco, falar "No english! No understand!" assim mesmo, com o sotaque
do Tarzan, e sair andando. Eles ficam indignados, o que redobra a eficiência de tal
artifício! Mas meu sonho ainda tem sido trabalhar o uppercut na linha de cintura.
É isso. Em Aswan devo permanecer até sábado de manhã, quando embarco numa
Felluca (minúsculo barco a vela típico do Egito) para descer o Nilo por três dias.
Portanto só conseguirei atualizar um novo post na segunda, depois de mais essa
aventura (que promete muito). Quer dizer, se esse trem algum dia chegar ao
destino, o que parece que não vai acontecer nunca mais!!!
(E domingo, para selar oficialmente, VAMO SAO PAULO!!! Se der a lógica, que os
brothers são-paulinos bebam aí por mim, porque eu vou beber aqui por vocês todos,
sem dúvida - se conseguir achar algum lugar que venda cerveja, pois a religião
muçulmana proíbe o álcool. O que me fez desistir de forma permanente de virar
muçulmano)
Boa sorte à Nação Tricolor!!!
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01/12/2008
Descendo o Rio Nilo
Revendo os roteiros e anotações durante a já mencionada e enfadonha viagem de
trem, percebi que não havia previsto a visita a Abu Simbel, o que era lamentável.
Resolvi o problema com o guia Romeni, em Aswan (que, aliás, me ofereceu toda
uma gama de produtos e serviços "fora do roteiro turístico", alguns bastante
tentadores, a maioria dando de dois a quinze anos de prisão). Isso na quinta,
quando visitamos o templo de Philae, nas ilhas de Elefantina:
Templo de Philae, séc. III AC - devido à construção de uma barragem, em 1978
esse templo foi "desmontado" e reconstruído em outra ilha ao lado, preservando
assim o monumento.
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O pôr-do-sol visto de lá é incrível... E nessa foto até que eu mandei bem!
Assim, às 03 da manhã de sexta, partimos para o tal destino de Abu Simbel. São
três horas de viagem, onde é necessário seguir em comboio, todas as vans e ônibus
juntos, escoltados por militares fortemente armados (há registros de ataques de
extremistas na região, o último tendo acontecido há dois meses, com o sequestro de
55 turistas). Mas valeu a pena - o templo, construído no séc. XII AC por Ramsés II, o
mais famoso faraó do Egito, é de arrepiar, com 04 colossais estátuas na entrada, e
um interior riquíssimo em alto-relevos, com mais duas séries de estátuas de 10
metros - tudo isso escavado na encosta de uma montanha:
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A magnitude das obras faraônicas não deixa de surpreender a cada dia, mais de três
mil anos após sua construção.
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Na sala principal do templo há quatro estátuas de deuses. Durante certos períodos
do ano o sol, por quinze minutos a cada dia, ilumina três delas, refletindo a
superfície que originalmente era de ouro. A única estátua não iluminada é a de
Osiris, o deus da vida posterior (não existe o conceito de morte) e senhor das trevas,
que permanece eternamente às sombras. Os egípcios realmente conheciam
astronomia e engenharia como nenhuma outra civilização.
Um dos colossos de Ramsés II, que teve nada menos que 114 filhos e 52 filhas,
tendo se casado com 4 delas, dentre suas diversas esposas - esse não tinha
preguiça na função!
Ao voltar, embarcamos em nossa Felluca, de onde escrevo. Agora é segunda-feira,
meu terceiro dia embarcado, dormindo e acordando a bordo. O grupo, além desse
intrépido falastrão, conta com Simon, um australiano gente-boa (impressionante
como eles estão por toda parte!) e três graciosas dinamarquesas, clarinhas,
novinhas, ajustadinhas, um dos meus pratos prediletos: Elisabeth, Mea e Birgitte.
Alem de nossa tripulação sui generis: o capitão Mahmud, que não tem mais do que
vinte anos, e os dois ajudantes, Osama (o Bin Laden, um moleque engraçadíssimo,
versão pós-moderna do saudoso Tião Macalé) e Muhammad (o mais novo e
preguiçoso, que vive levando comida dos outros dois). Três núbios muito
barulhentos que ficam causando o dia inteiro.
The New Adventures of Old Fernando
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Bom, a Felluca é um veleiro bem pequeno e largo, quase na linha d'água de tão
baixo, com um deck aberto, coberto por um toldo. Não há cabines nem banheiros
(por aí já dá pra calcular o perrengue). Um fogareiro no cantinho é usado para
preparar as refeições. Imaginem vocês as condições de higiene da viagem. Mas
pensem em algo bem tosco mesmo. Garanto que ainda não é nem perto do real.
Todas as recomendações sobre cuidados com a saúde, encontradas nos guias de
viagem, foram desrespeitadas na primeira meia hora do trajeto - a poluída água do
rio, onde supostamente não deveríamos nem pôr os pés, aqui é usada para cozinhar
(justiça seja feita, a comida é muito boa, fato raro no Egito) e lavar a louça... E
obviamente para ir "ao banheiro" é preciso encontrar um bom arbusto, e aí tome pé
na água e lama ate o joelho para desembarcar...
O alto no Nilo, ponto de partida da expedição, visto da represa de Aswan.
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Pra ilustrar o quadro - esta é uma Felluca.
Será que a vigilância sanitária aprovaria nossa cozinha?
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Pausa para o banheiro, com nossa Felluca ancorada (que degradante)... Nessa
parada eu e o Simon resolvemos desbravar uma vila núbia barranco acima, e em
cinco minutos andando pela rua (se é que era uma rua), dois clarinhos de óculos de
sol e bermuda, metade da vila andava atrás da gente que nem uma procissão,
puxando papo e insistindo para entrarmos em suas casas.
Um jantar à luz de velas onde ninguém comeu ninguém. O papagaio de pirata ali é o
impagável Bin Laden.
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Noves fora, e parafraseando os horrorosos chinelos Rider, dei férias para meus pés,
que há muito vinham precisando. Foi muito divertido e relaxante passar dois dias
tomando sol e cervejas - eu e o aussie rachamos uma caixa (após uma desgastante
negociação de preço com os núbios, já negociei 30 carretas de produtos em
distribuidores com muito mais facilidade), mas quem disse que tem gelo? Acabamos
tomando o que seguramente foram as cervejas mais quentes da minha carreira, não
apenas à temperatura ambiente, mas cozidas pelo sol do Saara. É como um chá de
cevada. E, claro, pudemos nos dedicar ao principal - o cortejo às nórdicas, infligido
com o mesmo afinco e perseverança com que os egípcios tentam vender souvenirs
e obter gorjetas.
O que não contávamos é com o fato de que as três faziam parte de algum grupo ou
seita bíblica, fanáticas que se reuniam para rezar numa média de 96 vezes ao dia.
Não bebem, não fumam, não cospem nem engolem. Que maldade de Allah para
comigo! É mais ou menos como deixar um cara sem comer por uma semana, e
depois largá-lo na churrascaria rodízio com a boca costurada - você fica ali sentindo
o cheiro que rasga o apetite, mas nada de provar o gosto da carne. Mesmo assim
demos o nosso melhor, falo por mim pelo menos.
Prova disso é que, em determinado momento, as três decidiram que queriam nadar
no rio, o que é notadamente temerário à saúde. E aí, você no sol do deserto, cheio
de cerveja quente na veia (acho que a temperatura catalisa o efeito, sei lá), três
loiras te chamando pra água, como sereias atraindo os navios para os rochedos. E
você sabe que aquilo é um caldo de bactérias, algumas ainda desconhecidas pela
ciência moderna - destaque para um tal microorganismo capaz de penetrar pelo
canal da uretra e causar um tremendo estrago na zona recreativa. Mas nessa
batalha entre meu anjinho e meu diabão deu a lógica, e num estiloso mortal carpado
da proa (que seria nota de saída 7,5 em qualquer olimpíada) mergulhei
deliciosamente rio adentro. Despreocupado, pois atualmente, após a construção da
represa de Aswan, os famosos crocodilos do Nilo, que podem chegar a cinco metros
de comprimento e passam fácil dos 300 quilos, são raros nesse trecho.
Depois fiquei pensando que poderia no mínimo ter usado uma camisinha, evitando
assim a invasão intra-peniana pelo tal microorganismo, mas seria uma cena
lamentável e patética anyway. E, de novo, em matéria de arrependimento pela falta
de preservativos, esse episódio passa longe da lista dos dez piores.
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Espero que eu não me arrependa depois... Crocodilo não pega nada, pior é se
prejudicar o monstro veiudo...
Mas também, quem resistiria?
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Houve ainda um grande momento na segunda noite, quando fizemos uma fogueira,
os núbios arrumaram um tambor esquisito, e ficamos animadamente cantando e
dançando músicas árabes, feito alguma seita maluca do filme "A Múmia" ou algo
parecido (os vídeos desse momento estão impagáveis). Em dado momento passei a
cantar e tocar vários sambas, profanando aquele tambor estranho, e inventando as
letras que não sabia (já que ninguém entendia mesmo), e aí consegui manobrar a
situação de forma a sobrarem somente as três na praia comigo.
Tudo ia bem até a página três, pois, como visto em qualquer National Geographic da
vida, a estratégia de caça do predador solitário (já que o australiano se mostra fraco
na guerrilha, ele que podia prestar uma retaguarda tão valiosa...) é isolar a presa de
seu grupo para então realizar o abate. E lá estavam aquelas três inseparáveis, eu já
considerando seriamente a possibilidade de aplicar uma serie rápida de mata-leões
para apagar duas delas por alguns instantes (me interessa mais a tal Birgitte, a
menos nerd, que parece ter o maior potencial para a sodomia que eu imagino para
ela, e a que tem oferecido os melhores indícios de sucesso no approach) - mas eis
que o capitão grita da felluca para voltarmos a bordo, pois com o apagar do fogo
poderia haver a aproximação de animais, notadamente escorpiões (que à noite
aparecem por todo lado). Devo admitir que foi um bom argumento. Até tentei insistir
para ficarmos mais um pouco, mas confesso que me senti aliviado ao voltarmos ao
barco.
Sempre cercado das beldades - sou aquele atacante que joga uma partidaça, mas
não marca gol.
The New Adventures of Old Fernando
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Os alvos...
... e a dura concorrência, só gatinho (reparem na expressão de estado-alfa do
indivíduo à direita, no caso a minha pessoa, cozido de cervejas quentes, e prestes a
receber o espírito de um faraó no corpo).
The New Adventures of Old Fernando
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Fazendo samba com o Mahmud - que no caso é esse par de olhos e sorriso que
aparecem à esquerda - na minha especialidade, que é a coreografia do prof.
Coisinha de Jesus.
Após três dias sem banho e sem a higiene adequada, entretanto, nossa
apresentação estética não é das mais aprazíveis (quem já viu "Ensaio Sobre a
Cegueira"?). Somos nesse momento uns farrapos mulambentos e malcheirosos. Eu
ainda trouxe uns lenços umedecidos daqueles de bunda de bebê e estou em melhor
shape (ainda que não dê para ir a uma festa assim, por exemplo). Mas claro que não
ofereci pros outros, confesso que por pura filhadaputagem. Assim, crio um
diferencial competitivo contra o australiano e um handicap na negociação com as
totosinhas. Uma delas, diga-se de passagem, amanheceu com um perfume de
camelo, nunca achei que uma mulher, tão loirinha ainda, pudesse metamorfosear
sua fragrância até esse nível nauseabundo. Também prefiro nem imaginar qual
parte do seu corpinho é capaz de emanar tal vodu.
Mas beleza. Daqui a pouco desembarcamos e seguimos a Luxor (passando antes
por Edfu, uma cidade ainda mais provinciana, para a visita a mais um templo), onde,
após a recomposição da compostura, visitaremos os templos de Karnak e Luxor,
algumas das maiores atrações egípcias. E há então a última noite, a noite das
baionetas, onde o bravo soldado, frente à iminente derrota no combate, perde o
receio e lança-se com bravura contra a espada inimiga. Não, isso não vai ficar
assim. Essa noite, justiça será feita! Nem que seja com as próprias mãos, se é que
vocês me entendem...
The New Adventures of Old Fernando
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03/12/2008
Vai que é sua, Faraó!!!
Novamente voltei ao caos do Cairo. Escrevo de um café, regado a Sheesha (não
consigo mais parar) e sucos diversos (queria tanto uma cerveja, mas aqui quase não
se encontra tal regalo), o que tem sido meu cenário favorito para redigir minhas
baboseiras.
O desembarque da felluca foi marcado por uma tremenda treta acerca das gorjetas
para a tripulação. Eu queria dar 20 libras egípcias (uns dez reais), o que iniciou o
bate-boca, a principio contido, pois o capitão achava pouco. As meninas deram 50
cada uma, o que acirrou os ânimos. Aí o Simon estressou e falou que não daria
nada. Pronto. Estava armado o furdúncio. A bronca virou pro lado dele, para meu
alívio, e vi o capitão literalmente arrancá-lo do ônibus que nos esperava buzinando.
Achei que o pobre diabo realmente seria findado ali mesmo na beira da estrada, com
as mesmas facas usadas para preparar nossas refeições no barco, e já me
preparava para largar a mochila e fugir a nado pelo rio para salvar a minha pele.
Quase meia hora de discussão, empurra-empurra e dedos na cara depois (e o
busão buzinando, com as pessoas de dentro agora também gritando), chegamos a
um acordo de cavalheiros (ainda que não houvesse nenhum cavalheiro
propriamente dito ali naquele barraco formado), cada um morreu com trintão, e todos
se abraçaram e se despediram sorrindo, como se não estivéssemos estado prestes
a trocar socos, voadoras e golpes baixos variados segundos antes. Embarcamos
finalmente a Edfu (a menor e mais pitoresca cidade até aqui), onde visitamos o
Templo de Hórus:
Templo de Edfu, da era ptolomaica, um dos mais bem conservados do Egito.
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Lado a lado, Hórus, o deus-falcão protetor dos faraós, e Fernandus, o deus das
presepadas.
De lá seguimos a Luxor, onde o australiano saltou de banda, me deixando herdeiro
das dinamarquesas (certo...). Após nos hospedarmos, visitamos o templo de Karnak,
gigantesco complexo religioso do Terceiro Período da civilização egípcia (séc. XII
AC), erigido em homenagem à famosa banda paulistana liderada pelo deus André
Abujamra:
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Parte da sala com 134 colunas hipóstilas de 12 a 16 m de altura, em Karnak.
Aqui um curiosíssimo hieróglifo, onde podemos identificar claramente o porco,
galinha e pato da música, o cachorro e o carro de boi. As linhas à direita
representam o correguinho, homenagenando o semideus Juvenal, que tirava o leite
as seis horas da manhã (manjam?).
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Outra referência karnakiana, uma estátua de Ramsés II, cuja parte mais conservada
é justamente o umbigo. No pedestal, os hieróglifos atestam: "o centro do universo é
o nosso umbigo".
Com a saída do aussie, a guarda das beldades está em ótimas mãos. Essa foto
minha estará em seu álbum na Dinamarca, certeza - depois te explico.
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Essa pose engraçadinha rendeu um memorável esporro, em três línguas pelo
menos... Ainda bem que foram elas que tomaram, eu saí de bituca na hora que o
bicho pegou e só assisti de longe.
Na porta do templo, um corredor de esfinges saúda os fãs do Karnak.
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Brincadeiras à parte (tá bom, esse trecho foi zueirinha, mas todo o resto é muito
sério, sempre!), visitamos em seguida o templo de Luxor, que à noite é ainda mais
bonito:
Fachada de Luxor, religiosamente muito ligado a Karnak.
Um dos inúmeros ângulos de tirar o fôlego, das centenas que registrei.
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Todos os meus melhores e mais sórdidos planos foram por água abaixo quando me
desencontrei do grupo. Voltei sozinho ao hotel, à pé, e devo ter me demorado muito
entre os mercados e "lodjinhas" do caminho, porque quando cheguei nada das
minhas musas da semana... Montei guarda na internet, esperando alguma aparição.
Nada. A noite das baionetas foi um sonoro fracasso.
Dia seguinte, eu de bode pela falha, mas vamos em frente. Visitas ao Vale dos Reis,
onde incríveis tumbas foram a última morada dos faraós do Terceiro Período, e ao
Vale das Rainhas, com o mesmo propósito para as (varias) esposas reais. E ao
Templo de Hatshepsut, a mais famosa rainha faraó, onde, já que nosso guia era
uma gordinha tremendamente inútil e preguiçosa (só serve para transformar comida
em merda mesmo), eu mesmo assumi esse papel, com meus guias, as informações
que havia estudado, e mais várias outras bullshitagens que inventei ali mesmo na
hora. As três loirinhas curtiram muito, não sei se acreditaram em mim (acho que não,
o que definitivamente foi acertado), mas, meu velho, ali eu fiz a moral. Fora que eu
andava com as três pelos lugares, e os insuportáveis vendedores gritavam "Man,
three wives! Lucky man!"... Foi a única hora em que não os detestei, me deu até
vontade de distribuir gorjetas (o que obviamente não fiz). Ali eu estava todo inflado.
Naquele dia eu fui o Faraó da porra toda do Egito.
O Vale dos Reis foi o local escolhido como mausoléu faraônico, pois, alem das
montanhas que oferecem proteção contra ladrões de tumbas (o que provou ser
ineficiente, pois todas acabaram sendo violadas, com exceção da de Tutankhamon),
seu formato de pirâmide natural garante a ascensão do Ka (espírito) à outra vida. Ali,
62 tumbas já foram registradas, e outras tantas aguardam ainda seu Indiana Jones
para serem descobertas.
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Acesso à tumba de Tuthmosis III, um labirinto enterrado metros e metros montanha
adentro. Uma das mais espetaculares tumbas do Vale.
O Templo de Hatshepsut, na encosta da montanha, local de atuação do mais
impostor e fuleiro dos guias brasileiros do Egito.
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É nóis ou não? (Birgitte, essa da esquerda, é a única que ganha abraço pela cintura,
denunciando a intenção obscura).
Pôr-do-sol da piscina do hotel (com o Templo de Luxor no relevo), sempre
proporcionando um belo quadro (photo by Faraó Ferdinadsupshut XIII).
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O resto da tarde foi gasto na piscina, de zóio naqueles traseiros branquelos, e
jogando baralho - aprendi vários jogos nerds dinamarqueses. E aí chegou a hora de
me despedir, eu que embarcaria de volta ao Cairo naquele trem abominável.
Beijinhos na bochecha e tal, lógico que eu puto da vida por ter chegado tão perto e
falhado (admito que sou muito fraco na função, pior ainda quando é em outra
língua), mas eis que a tal Birgitte, aquela que eu estive exuzando por quase cinco
dias, me tasca aquele sugestivo beijo no canto da boca...Ah, aí não! Apliquei-lhe
uma ágil trava de orelha e chamei na razão, quero nem saber de amigas atrasando
meu lado, de grupo bíblico do escambau, de trem esperando, nada disso, xará! Foi
uma tremenda blitz na recepção mesmo, ainda que por um breve instante. As
amigas olhando e rindo, os recepcionistas só de bituca, invejando aquele magricelo
com cara de árabe apertando a loirinha ajeitada. Tecnicamente, ponto pro ranking
de viagem, mas cara, como eu sou lento! Precisou a danadinha tomar a iniciativa, e
olha que estamos falando de uma freira, praticamente! Foi no canto do cisne,
naquela hora que a torcida já vai deixando o estádio quando sai o gol salvador.
Saí atrasadíssimo e avoado, sem nem ter provado direito o gostinho nórdico,
correndo e atropelando tudo e todos pela rua. A estação era pertinho, e eu achei que
meu (risível e deplorável) preparo físico me permitiria, mesmo carregado como um
camelo, chegar em quinze minutos. Logo descobri que não, não permitiria. Entrei na
estação me arrastando, uma figura patética, até as meias encharcadas de suor, e
enxergando pontinhos coloridos "nas vistas". Queria um balão de oxigênio ou um
desfibrilador, mas não conseguia nem falar para pedir ajuda.
Embarquei enfim, tão somente devido ao providencial atraso do trem (que graças a
Deus segue o "egyptian time", onde tudo atrasa numa média de quinze minutos ao
infinito). Ao mesmo tempo contente e puto, pois poderia ter nocauteado a gringa
antes, e obtido melhor proveito da situação... se eu fosse menos respeitoso e mais
homem. Mas infelizmente não nasci com esse dom...
Chapei a viagem toda, e desci na estação certa graças a um Ephrain qualquer que
me acordou, nem sei como ele sabia onde eu desceria. Shokron (obrigado)! Visitei o
Museu do Cairo nesta quarta-feira, onde todas as peças da história se encaixam
(ainda bem que deixei propositadamente esta atração por último, funciona como
uma revisão da matéria), e assim concluí a etapa arqueológica da viagem. Pronto,
me formei egiptólogo em minha própria faculdade, o que quer que isso queira dizer.
Nada mais a fazer no Cairo, visitei algumas mesquitas famosas, e tive a infeliz idéia
de voltar a pé, para desbravar a cidade que me intimidara anteriormente. Cara,
andei umas quatro horas sem parar, me perdi, me achei, me perdi de novo. Ganhei
várias novas bolhas nos pés, que há muito já não têm mais uma forma humana. Fui
buzinado umas cem vezes, e em pelo menos uma dúzia de situações quase virei
tapete persa atravessando os mortais cruzamentos (o que é muito emocionante e
divertido). Eita cidadezinha feia! Mas, como já dito, tem seu charme.
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Museu do Cairo - me acabei de absorver informação durante três horas, até fritar a
cabeça, e não vi nem 10% do que tem por lá.
A Cidadela, habitat dos governantes muçulmanos do Egito por quase 700 anos,
numa época bem mais recente. A mesquita ao centro foi inspiração para a
construção da já vista Mesquita Azul, em Istambul.
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Afora as atrações arqueológicas, o Cairo é de uma pobreza de cortar o coração.
Um bizarro açougue na periferia - a foto não registra os enxames de moscas que
circundam o estabelecimento.
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Skyline a partir do Rio Nilo, um dos raros belos quadros da cidade.
Amanhã embarco para Dahab, no Mar Vermelho, para tirar férias das minhas férias.
Cinco dias de praia e mergulho, na última etapa da viagem. As dinamarquesas iriam
pra lá ontem, e combinamos de nos encontrar, porém essas coisas nunca dão certo
e só me deixam puto. Mas nada como estar vivo na batalha para lutar no próximo
dia. Veremos.
NOTAS DE RODAPÉ:
I'm not egyptian, alright, dickhead?
Todo mundo por aqui acha que sou nativo local. Falam comigo em árabe, me pedem
informação, e sempre sorriem e falam: "Brasil? Nossa, mas você parece egípcio..."
Olha só, egípcio é a PUTA QUE TE PARIU, compreende? Juro que o próximo que
me proferir tais palavras vai levar um soco na boca. Não quero saber se é mulher
nem criança (aliás até prefiro, porque aí não tem revide).
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Aqui eh Mussum, mano!
Eita povo determinado esses muçulmanos! Não pode beber, não pode namorar, não
pode falar palavrão, não pode nada do que é bom. E mesmo assim eles são muito,
muito religiosos e devotos. As vestimentas das mulheres são torturantes para esse
calor daqui, fico imaginando a qualidade do ar que circula por debaixo daquelas
burkas pretas... Os homens, de tanto rezar com a cabeça no chão (são cinco
orações por dia, de qualquer lugar se ouve a prece, vinda dos minaretes das
mesquitas) criam enormes hematomas na testa, e quanto maior é a bizarra cicatriz,
mais respeitado é o cara na comunidade. Adoro conversar com as pessoas e
aprender sobre essa cultura religiosa, tão rica e íntegra de princípios. Mas a cada
vez mais me convenço de que eu, e a maioria dos amigos que tenho, como
muçulmanos seríamos todos uns hereges excomungados. Que saudades deles...
Vixe! Treta! Vixe!
Andando pelas ruas hoje presenciei um delicioso quebra-pau no trânsito. A pergunta
que surge instantaneamente é: nesse trânsito do outro mundo, onde se cometem
todas as atrocidades possíveis com a maior naturalidade, o que afinal pode gerar
uma desavença dessas? Nunca saberei a resposta, pois quando cheguei o bicho já
tava pegando forte. Anyway havia uns vinte deixa-dissos envolvidos, que não
deixavam um dos caras sair do carro para o fight, até que o Habib's, que estava
muito exaltado e gritava como se estivesse possuído, conseguiu escapar pela janela
e caiu no chão. Foi uma gritaria e correria de cinema. Eu assistia tudo às
gargalhadas (já tinha até gente me olhando feio, mas eu não conseguia me controlar
e me contorcia na calçada, quando o cara caiu da janela eu fui ao delírio), mas com
um olho na treta e outro procurando um esconderijo, se por acaso brilhasse um ferro
no meio daquele conflito - vai confiar nesses Bin Ladens malucos...
Minha vida por 50 Dadinhos
O xarope do meu amigo Renan me propôs uma aposta das mais originais e
tentadoras que já ouvi - eu deveria tirar 05 fotos segurando a barba de cidadãos
locais. O prêmio: 50 Dadinhos (aqueles deliciosos docinhos da Dizzioli). Topei na
hora, cê acha... Infelizmente estou prestes a perder a aposta por um motivo simples
- a falta de barbas para segurar! Cara, os únicos poucos barbados que vi são uns
extremistas malucos, dos quais não tenho nem coragem de chegar perto, quanto
mais segurar a barba (certeza que os caras vestem um colete de dinamite por baixo
daqueles camisolões horrorosos). Estou determinado a, pelo menos, conseguir uma
das fotos, pelo orgulho! Vamos tentar no Sinai, onde deve haver alguns beduínos.
Mas que dá um puta medo, disso não tenha dúvida. Renan, vale 10 Dadinhos, não?
(um preço justo pelo iminente perigo de ser esquartejado ou explodido)
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07/12/2008
Closure
Cheguei a Dahab às quatro da tarde, após enfadonhas oito horas no bumba, e de
cara já fiquei encantado com a paisagem do Sinai. De um lado, as montanhas do
deserto, do outro o Estreito de Tiran, o relevo visível ao fundo já é parte da Arábia
Saudita. Espremido desse meio, às margens do Mar Vermelho, fica o fabuloso resort
do qual se constitui a cidade. Na parte central não circulam carros, e por ali se
concentram os turistas, passeando entre operadoras de mergulho, lojas de
bugigangas e restaurantes à beira da praia. O lugar lembra um pouco Búzios, numa
versão servida com Homus e Babaganuche. À volta da cidade, praias incríveis e
vários pontos de bom mergulho. Perfeito.
À tardinha na Vila.
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As normas de trânsito em Dahab.
Tomei um banho e saí no encalço da minha recente aquisição dinamarquesa, já
sabia o nome do hotel e segui batido. Encontrei-a no meio do caminho, obviamente
acompanhada de seus inseparáveis papagaios de pirata, a que ficou com cheiro de
camelo, que é a mais chatinha (e também é corcunda aquela ratoeira, acho que ela
tem escoliose ou desgraça similar), e a outra que quase não fala (nem sei se ela é
um homo sapiens de verdade ou um freaky boneco de ventríloquo). Estavam indo
gastar suas últimas Libras Egípcias em souvenirs, pois partiriam de volta pra casa
na tarde seguinte, apos três meses na estrada.
Por essa razão estava um bode aquele bonde - reparem na aliteração empregada
nessa frase (é assim que se fala?). Ganhei beijinhos e andei de mão dada, o que foi
legal, mas nada de me livrar dos outros dois frangos de macumba loirinhos.
Acompanhei-as a N+1 lojas (onde N>10), vendo-as experimentar S+1 peças de
roupa (onde S>300), o que não foi tão legal - e é lógico que, enquanto eu ficava ali
parado, tome vendedor querendo me empurrar (opa!) tudo que é tranqueira. E o pior
é que todas só ficavam se lamentando e flagelando dado ao fim da viagem, que não
tardaria. Todo esse quadro foi me entristecendo deveras.
Fomos jantar um macarrão bizarro e ninguém quis beber nada, nem durante nem
depois, o que fez o plano de embriaguez múltipla seguido de orgia, que eu vinha
ilusoriamente arquitetando como "Plano A", ir por água abaixo - eu já tinha ate
preparado um bom argumento sobre fazer loucuras na última noite (que é o que
todos devemos fazer, eu acho, aliás todas as noites, se precisar tamos aí), era algo
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assim parecido (eu vinha construindo-o silenciosamente na cabeça durante o jantar),
mas nem consegui usá-lo. Agora acho que deveria tê-lo feito, só pela graça que
seria chocar e afugentar as meninas assustadas, que a partir daí mostrariam minhas
fotos em casa como "aqui é o brasileiro maníaco e sem-noção que eu falei", o que
seria um título bastante honroso a esse dinamarquês que vos fala.
Acompanhei-as de volta ao hotel, e finalmente consegui um momento "no particular"
junto à piscina (era um hotel maneiro), fazendo funcionar assim o "Plano B". Mas,
por mais que eu tenha dado meu melhor, com enorme motivação, diga-se (não que
isso seja muita coisa), nenhum botão se abriu e nenhum zíper desceu, o que me
deixou ainda mais tristonho. Às 21:30 reconheci a derrota e me despedi em definitivo
(vou sentir saudades, e juro que em alguns momentos ainda vou pensar bastante
nela, se é que vocês me entendem), e virei mais essa página da história.
As 21:32 mais ou menos eu tomava uma Sakkara e me dirigia para alguma balada
da vila, enquanto não esfriava a musculatura. E aí surgiu o único, porem sério,
problema de Dahab - cadê todo mundo nesta porra??? Bares e restaurantes às
moscas, um ou outro casal andando pela rua... só faltava passar aquelas bolas de
feno (típicas dos filmes do velho oeste) rolando pela rua. Nada de adequado ou
convidativo para um rapaz pseudo-egípcio de meia-idade, solteiro e desamparado.
Fora da temporada, a ocupação parece baixíssima. Assim, na desfavorável condição
de um dos únicos turistas na rua, fui severamente abordado, agarrado e pentelhado
por rigorosamente todos os lojistas, vendedores e escroques afins que habitam essa
cidade pelo caminho (cara, como isso é insuportável, não existe outro lugar no
mundo assim, não é possível), o que transformou minha tristeza numa amargura
sem fim. Pedi arrego. As 22:30 eu já estava no hotel, respondendo a e-mails e
mensagens.
A propósito, obrigado a todos pelas mais de 120 mensagens até agora aqui no blog,
entre elogios, criticas, zueira de um com o outro no escritório - o que acho
engraçadíssimo, nerd que sou - e até surreais pedidos de paternidade. Fiquei muito
contente de ter atingido essa marca, o que nao esperava nem nas melhores
expectativas. Valeu mesmo!!!
Sobre Camelos e Homens
Acordei com o motorista batendo à porta - havia dormido demais, o que tem se
tornado uma constante nos últimos dias. Seguimos ao Blue Hole, do qual falaremos
adiante, e de lá embarquei num trekking de duas horas à praia de Ras-Abu Galoon,
a bordo de Daharu, um camelo de 12 anos pelo qual fiquei fascinado. Tu pisava ele
voava, tu freava ele ancorava. Camelos são uma espécie de tanque de guerra do
reino animal, e sobem barrancos e vencem enormes rochedos como se pisassem
em almofadas, impassíveis. Autênticos 4x4 full, tração reduzida.
Vinha junto um moleque a pé, "Mahmed, the Singer" (fiz bizarros vídeos dele
cantando as músicas de "Habib-salamalenkoooo-Allah-aiahabib"), mas ele nem
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precisava fazer nada - exceto ficar me pedindo presentes (meu óculos, meu relógio,
meu chapéu, até meu chinelo o miserável queria). Identifiquei-me com o bicho (o
camelo, não o moleque) e rapidinho já o pilotava com razoável desenvoltura, o que
alias é bem simples. Um biquinho na perna dianteira e ele ajoelhava para montar e
desmontar (e se você não segurar bem nessa hora cai de cambalhota pra frente).
Uma chicotadinha leve e ele disparava no galope, e como anda bem esse bicho! E lá
em cima eu chacoalhava como num rodeio de touro mecânico, rindo como criança
enquanto me segurava do jeito que podia. E me arrepiava todo quando passava por
desfiladeiros, o bicho derrapando e tropeçando, sem perder o ritmo (e olha que uma
queda la de cima e a moleira racha nas pedras). Em dois trechos piores foi preciso
desmontar e puxar o camelo pela corda, e aí ele vinha que nem um cachorrinho na
coleira - um cachorro de 500 quilos. Adorei o camelo, e se eu morasse aqui esse
com certeza seria meu meio de transporte - o que atrapalha é o cheiro nada
agradável (que lembra o da mina da felluca e vice-versa, a diferença é que você não
pegaria o camelo).
Fiz um snorkel bem razoável em Ras-Abu-Galloon, onde há bonitos corais e vida
marinha bem diversificada, ainda que de pequeno porte. A melhor aparição foi uma
bela barracuda, de uns 80 cm, que acompanhei filmando à distancia, já que esse
não é o mais amigável dos peixes, e apresenta uma dentição intimidadora.
Aliás, off-topic, a câmera que venho usando, uma Sanyo que comprei num site de
Hong Kong, tem se revelado uma jóia, filme e fotos de alta qualidade, no seco e
dentro d'água (ate 1,5m), do tamanho de um maço de cigarros, e que me custou
uma pechincha. Quem estiver pra comprar uma câmera não o faça sem antes falar
comigo para ouvir essa boa sugestão.
Daharu, o camelo 4x4 Turbodiesel Cabine Estendida.
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A trilha, entre praia e montanha. Ao fundo, a Arábia Saudita. Foi aqui que Moisés
abriu o Mar Vermelho para a passagem dos filisteus (eram filisteus mesmo ou falei
merda? Aliás, o que são filisteus?).
Sadek, the Singer, e seu novo Backing Vocal (já estou cantando louvações a Allah
como poucos).
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Quanto será que um camelo paga de IPVA e seguro? Podia andar com isso em SP,
dividindo o corredor com os motoboys (quero ver quem leva uma, o camelo mata a
motoca no peito).
Até aqui tem trânsito...
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It only hurts if you survive
Mais duas horas de trilha na volta, aquele camelo-aranha aloprado escalando as
escarpas e rochedos e me causando violentas assaduras nas coxas (que nesse
momento doem que é um horror) e voltamos ao Blue Hole. Após um verdadeiro
banquete num bangalô (é, nessa etapa estou me tratando bem) e um Sheesha
digestivo, caí na água, ainda de snorkel, para conhecer essa impressionante
formação - uma cratera aberta nos corais, 30 metros de diâmetro à beira do mar,
que afunda até 120 metros mar adentro.
Tubarões são comuns no local, e me posicionei rodeando a entrada do buraco para
tentar uma foto desses graciosos bichinhos, mas nenhum deu as caras - e ainda
ganhei uma queimadura no antebraço de uma desgraça de água-viva. Vários scubas
saíram da água, entretanto, comemorando as aparições dos tubarões em
profundidades maiores, o que me deixou na febre. Voltei para a cidade e já acertei
duas saídas de mergulho numa operadora, apesar de me chatear o fato de que meu
treinamento (Open Water) nao permite o scuba no Blue Hole, que exige um nível
técnico mais elevado, devido aos riscos envolvidos (toda hora vai um pro fundo e
não volta). Preciso mesmo fazer logo esta extensão, que venho adiando ha dez
anos.
O reforço do guerreiro (aí mãe, viu como estou comendo direitinho? Ahahaha) reparem na inscrição da Coca-Cola, igual às daquelas saudosas mini-garrafinhas
(quem lembrar é porque ta velho!).
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Part time encantador de camelos...
... part time isca de tubarão.
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Blue Hole; dá pra ver a cratera ali, pertinho da praia. Um dive site perigoso, onde
vira e mexe alguém vai lá fazer companhia pro Ulysses Guimarães.
Só o que apareceu por lá foram esses peixinhos de aquário.
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Pelo menos com esse peixe-corneta aqui eu me identifico - magrelo, comprido,
narigudo e esquisito.
Hoje eles não apareceram, mas logo mais é nóis tomando dentada (it only hurts if
you survive).
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Into the deep blue of the Red Sea
Sabadão, logo às 08:30 da madrugada, lá estava eu, pilhadão, na Desert Divers.
Fizemos a primeira saída logo cedo, com o dive master Tommy, um alemão doido, e
mais uma menina de Hong Kong cuja graça me foge à memória. Logo de cara rolou
um entrevero com o alemão devido a uns checkings técnicos que eu não me
lembrava direito, e ele me questionou de uma forma folgada, que não curti - velho,
não sou Dive Master mas tenho mais de 100 mergulhos logados em 03 continentes,
respeito, mano... Aquele porra me deu nos nervos. Já comecei a arrancar o
equipamento, e ele viu que eu ficara puto de verdade, mas aí rolou um deixa disso,
eu estava disposto a vazar e largar a porra toda lá no deck (nem tinha pago ainda
mesmo).
Beleza, nervos apaziguados (naquelas), fizemos um local chamado Lighthouse, e foi
uma merda. O lugar até não era mal, mas a chinesa, que era minha par, tinha
problemas para equilibrar sua flutuação e saía boiando feito um balão, tive que
puxá-la pra baixo varias vezes, pois ela voltava a superfície (o que é perigoso devido
à descompressão súbita), e assim secou seu tanque rapidamente. Em 45 minutos
tivemos que encerrar devido àquela aberração (que era feia e magrela ainda, não
servia nem pra chiclete de tubarão). Felizmente ela ia embora à tarde, e fizemos a
segunda saída somente eu e o Tommy.
Apesar de ele ter se retratado e elogiado minha postura na água e o resgate àquele
Godzilla magrelo e inútil, eu ainda estava mordido (quem me conhece sabe). Fomos
a um lugar chamado Mashraba, que é no meio da cidade, e você já sai equipado da
operadora e vai pela rua todo cheio de 40 quilos de traquitanas, como se estivesse
indo a algum baile de fantasias, todo mundo olhando que diabos você está fazendo
afinal. Eu já achava que seria outra merda de novo (como pode haver alguma coisa
boa no meio da muvuca?), mas mesmo assim caí na água concentradão, e fiz
tecnicamente o melhor mergulho da minha vida.
Economizei cada bolha do tanque, até ficar roxo e aparecerem pontinhos coloridos
na visão, mas não daria o braço a torcer. Aí o bonitão teve que reportar meio tanque
antes que eu (o que me deixou vingado), e saímos da água com os mesmos 40 bar,
em incríveis 57 minutos de bottom time! O lugar acabou se revelando um paraíso,
polvos, lagostas, o venenoso lionfish, o esquisito crocodile fish, blowfishes, e
centenas de espécies pequenas e enormes que eu nunca havia visto, ao longo de
uma parede de corais de pelo menos 23 metros (máximo registrado no meu
profundímetro), com incríveis fendas em caverna, onde se entra de ponta-cabeça...
Saímos da água vibrando muito, o cara me abraçou e cumprimentou, ele que por
sinal é muito bom (legal, pois aprendi várias coisas com ele). No meu logbook,
registrou: "Thank you for the really nice dive!", o que mostrou o quanto ele curtira
também. Voltei pro hotel maravilhado, até comprei umas cervejas pra comemorar o
excelente dia, e me permiti jantar um peixe assado inteiro, que eu escolhi na hora,
num restaurante à beira-mar - que, com sopa, salada de entrada,
acompanhamentos, frutas de sobremesa, 2 refris e café turco, saiu algo como R$
25, e olha que Dahab é cara se comparada com o resto do Egito.
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No dia seguinte fui a Laguna, uma praia sossegada a alguns minutos a pé, porém
não aguentei muito lagarteando no sol, ainda estava pilhado. Acabei voltando para
almoçar com a galera da Desert Divers (encontrei o Tommy, que fez festa quando
me viu, quis brincar de lutinha comigo, o que acabou culminando com os dois
escorregando no chão encharcado e tomando um puta capote engraçado - a galera
rachou, nós também), e fiz outra saída à tarde (com outro DM, um mexicano
chamado Primo, igualmente do bem), para "The Islands", que coincidentemente era
o exato mesmo lugar onde eu estivera tomando sol pela manhã.
Com condições um pouco piores, caímos num complexo de paredões e cavernas de
corais, um labirinto onde perde-se fácil, sem bussola eu só fazia acompanhar o
chicano. Estava muito bom, havia cavalos marinhos e várias barracudas, mas aí
dois amaldiçoados moleques sei-lá-de-onde, que nos acompanhavam, conseguiram
secar os tanques como se estivessem tendo uma crise de asma, e fomos obrigados
a abortar com menos de 35 minutos. Zuado. Devolvi meu cilindro tendo consumido
somente 40% do ar. Mas beleza.
Não foi dessa vez que encontramos os desejados sharks, mas continuarei tentando
nas próximas viagens. Não apareceu nenhunzinho para dar aquela travada no olhocego... Mas devido a motivos de orçamento (a brincadeira custa uns cruzeiros a
mais) sou obrigado a me contentar com três saídas dessa vez, por mim passaria
os cinco dias na água. Mas valeu à beça, levo um dos melhores dives da carreira
pro meu log.
Tommy e eu, equipados para cair em Mashraba. Depois do stress, acabamos nos
entendendo bem, o cara é muito gente boa, apesar de ser um maconheiro
desgraçado.
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Mashraba (Masbat), um lugar que parece não valer nada, que me surpreendeu com
um dos melhores mergulhos da minha vida.
Praia de Lagoon, onde a calmaria esconde maravilhosos labirintos de corais, a
poucos metros da linha d'água (The Islands).
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09/12/2008
A REVELACÃO (Capítulo 4, Versículo 3)
Domingo, 08/12, às 23:00, chegou um ônibus para levar-nos ao Monte Sinai (eu e
mais uma galera que não conhecia). Eu acompanhara o jogo pela internet, e já saí
daqui Hexa, com a camisa do Tricolor no peito. Mais ou menos à 01:00 da manhã
começamos a subida dos 2.266 metros da mais alta montanha do Egito. Foi ali que
Deus ditou os 10 mandamentos a Moisés, que registrou-os em tábuas que, tempos
depois, seriam encontradas por Harrison Ford no primeiro Indiana Jones. Está tudo
lá na Bíblia.
O que não está escrito lá é que o pobre Moisa deve ter passado um tremendo
perrengue pra subir até o alto daquele bagulho. Afinal ele era, até onde sei, um
ancião - pelo menos nos filmes ele sempre é um tiozinho de barba comprida. E, ao
longo de três horas e meia de caminhada, vi gente de shape bem melhor que o de
Moisés caindo e arriando pela mesma subida.
E não é pra menos. É uma trilha muito íngreme e cheia de pedras, percorrida
totalmente no breu, com lanternas. E durante a última hora, quando você já está só
o pó da rabiola, é uma "escadaria" de 750 degraus de rochedos, com meio metro
cada um, que está mais para um interminável barranco (de escada só tem o nome).
Pelo caminho, primeiro ficam as tias e senhores, vários chorando, estes que acabam
pagando um camelo (que sobe como se estivesse na escada rolante). Depois caem
as mulheres, velhas e novas. E, na parte final, ficam os marmanjos, a língua de fora
feito uma gravata. Lá em cima não chega metade do montante que se aventura
inicialmente. Eu mesmo só cheguei porque o que me falta de preparo eu compenso
na garra, ainda que, quando pisei o último degrau, minha vida já passava diante dos
meus olhos, "as perna arreiando e as vista entortando". Mas o importante é manter o
ritmo, pois quando você pára as pernas amolecem e bate a tontura, e você se vê
cambaleando como um bêbado com dois cascos de tartaruga ao contrário nos pés sobre um barranco onde, em caso de queda, seu corpo vai demorar uns dois dias
pra ser encontrado. Deus me livre.
Mas OK, cheguei lá em cima chamando Jesus de Genésio e Genivaldo, mas
consegui. Tive ainda a pachorra de levar minha sacolinha com o café da manha.
Sentei e comecei a comer, e... Nossa, que friozinho, né? Às quatro da manha fazia
05 graus negativos lá em cima, o que, com o terrível vento encontrando cada fresta
na sua roupa encharcada de suor, trazia a sensação térmica para próximo do Zero
Absoluto na escala Kelvin. Fechei minhas roupas de todas as formas, me enfiei num
sleep bag que levei emprestado (valeu Gui, te devo minha vida!), só com o nariz de
fora (que infelizmente não cabe em roupa nenhuma), e ali fiquei, encolhido numa
fenda de pedra por duas horas, tremendo tanto que os fones do iPod caíam do
ouvido com os tremores. Amaldiçoando aquela provação bíblica em troca de um
nascer do sol que, fosse a maravilha que fosse, não valeria o desgaste e o desgosto
de fazer você torcer para que haja uma avalanche bem sobre sua cabeça,
abreviando assim o sofrimento da morte iminente por hipotermia.
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De repente, não mais que de repente, aconteceu. Foi como um flashback de ácido
(pelo que me contaram ehehehe), tudo se passou num piscar de olhos, no exato
momento em que o sol começava a nascer. Soaram clarins e trombetas
ensurdecedoras, o céu se abriu, um clarão cegava tudo à minha volta, e não existia
mais nada além daquele branco profundo e esfuziante. Enquanto uma silhueta
descomunal se formava no horizonte, a voz de trovão irrompeu:
"Fernandooooo, ja faz um tempinho que Moisés desceu essa montanha com os dez
mandamentos, mas eu comiiii boooooolaaaa e esqueci uma paaaarte
importaaaaanteee. Aproveitai que estas com seu diário e escreveeeeeiii!!!"
Visto que Deus é brasileiro, falou em bom e claro português e, mesmo paralisado e
boquiaberto, reparei que, exceto por um leve sotaque carioca (provavelmente
adquirido depois de ficar tanto tempo tomando sol sobre o Corcovado), a voz parecia
muito com a do Cid Moreira (pode ser até que ele tenha sido contratado para fazer a
locução desse milagre). Procurei desesperadamente pelo caderno, mas não
conseguia achar a mochila com toda aquela cegante claridade, e meus braços se
enroscavam para sair do sleep. Fui ficando nervoso, até que Ele continuou, com a
voz impaciente:
"Desencanaaaaiii! Depois anotaaaaaiii! Agora prestai atençãããããão ao dééééécimo
primeeeeiro mandameeeentoooo..."
E então, meus amigos, cessaram os clarins e o Barba, em pessoa, me fez A
Revelação, nessas exatas palavras que aqui transcrevo:
"Amarás o São Paulo Futebol Clube acima de todas as forças, e honrarás e
defenderás sua superioridade e hegemonia frente a todas as outras agremiações
das Trevas, para todo o sempre, até o fim dos dias."
E então a silhueta se virou e caminhou em direção ao horizonte,
enquanto renasciam gradualmente as cores e sons à minha volta. Quando ela quase
desaparecia, fundindo-se à imagem do sol que ali nascia, pude perceber, agora
claramente, que nas costas da túnica branca brilhavam os números 6-3-3 em
dourado. A voz de trovão concluiu, em fade-out:
"Aqui é tricoloooooor, manoooooo! Eh nóóóóóiiiissss..."
Mas, também, restava ainda alguma dúvida de que Deus é mesmo são-paulino?
VALEU SÃO PAULO!!! O CLUBE DA FÉ!!! PARABÉNS, NAÇÃO TRICOLOR, PELO
TÍTULO HISTÓRICO!!! QUE HONRA E ORGULHO SINTO POR SER SÃOPAULINO!!!
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Irritado e bicudo (com a boca escancarada, cheia de dentes, esperando a morte
chegar, já dizia Raul), entre as pedras, momentos antes do Milagre.
Aqui o momento final do ocorrido divino, a imagem do Hómi fundindo-se ao
belíssimo nascer do sol, quando a claridade diminuiu e eu finalmente consegui
encontrar a câmera.
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Descendo do Monte Sinai trazendo A Palavra, e ostentando o orgulho do inigualavel
Tri / Hexa no peito.
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11/12/2008
Ode ao Bizarro
Desde meu épico encontro com o Senhor, no Monte Sinai, ocorreram vários
deslocamentos pelo globo. Deixei Dahab para retornar ao Cairo, e posteriormente
me despedi em definitivo do Egito, voltando a Istanbul. Essa é agora minha ultima
escala, três dias para (des)cansar o resto que falta, comprar as últimas
lembrancinhas, e aí Game Over. Dispo-me enfim (temporariamente, se Deus quiser)
de minha armadura de Mochileiro das Galáxias / Cavaleiro de São Jorge / Faraó
Egípcio, e reencarno o executivo sério e dedicado - se é que esse é mesmo meu
personagem.
A tristeza já me abate, porém confesso que sinto enorme falta da família, tomar
cerveja Skol com os amigos (até não entender mais minha própria voz), da
comidinha da mamãe, blusas decotadas, andar de chinelos, minha casa, minha
cama, outras pessoas na minha cama (e no banheiro e na cozinha, em cima da pia),
falar português, mulher de shortinho na rua, dirigir (mal) meu carro, baladas onde eu
consigo eventualmente pegar alguém, e até do meu trabalho... Sem falsa hipocrisia.
A despedida do Egito foi uma dualidade de emoções antagônicas, ainda que tenha
definitivamente adorado essa etapa da viagem. Jamais me esquecerei das
pirâmides, de Abu-Simbel e tantas outras maravilhas históricas, das aventuras no
Nilo, das profundezas de Dahab. Mas me alivia ver-me livre do transito caótico,
vendedores dos infernos, comida abominável, sujeira das ruas, surreais negociações
por uma simples garrafa d'água. Porém, dentre todas as mazelas dessa terra, o
Egito me reservou pro final a surpresa mais apavorante. Que fique claro, antes que
eu entre com os dois pés no peito do assunto a ser tratado que, como bom cidadão
do mundo, me esforço em conhecer, respeitar e, na medida do possível, me adaptar
à cultura e aos costumes do local em que me encontro. Porém pra tudo há um limite,
e aqui encontrei o meu.
Isto posto, sigamos: iniciou-se na segunda-feira, dia 08, o Eid El Adha, feriado
muçulmano que corresponde mais ou menos ao Natal cristão. Para essas
festividades, famílias mais abastadas compram um ou mais animais, dependendo de
suas posses (normalmente ovelhas, ou vacas para os mais ricos), sacrificam-no
segundo o "ritual islâmico" (vocês já hão de entender as aspas) e oferecem sua
carne como presentes a familiares (um terço do animal), famílias pobres da
vizinhança (outro terço), e o restante é servido num banquete. Meio peculiar, mas
até aí tudo bem, correto?
Pois então imaginem esta cena: diversos animais amarrados em frente às casas,
fazendo hora extra no mundo, até que chegue uma gangue formada por Ali Babás
sanguinolentos, que metem-lhe a faca de todos os lados e formas, deixando os
bichos ali, imersos nas poças do próprio sangue, agonizando no meio do passeio
público, enquanto todos celebram e comemoram à sua volta - isso acontecendo em
cada esquina do país. Que tal?
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Quando cheguei ao Cairo, na terça, o pior já havia passado, pois a segunda-feira,
primeiro dia do feriado, enquanto eu ainda estava em Dahab (que é mais turístico e
ocidentalizado), é normalmente o dia em que ocorre a maioria dos sacrifícios. Ao
sair pra jantar, contudo, encontrei diversas poças de sangue e, pasmem, até
pedaços de animais junto às guias das calçadas. Na quarta-feira a coisa piorou. Saí
para passear a pé, e por todo lado era gente lavando o sangue das calçadas,
enquanto novos animais chegavam para dar continuidade à sede se sangue em
nome de Allah (os mais ricos sacrificam vários animais ao longo dos quatro dias de
festividades). Em frente a um hotel encontrei três ovelhas amarradas. Movido por
uma curiosidade atônita, acendi um cigarro e fiquei por ali, de bituca no que diabos
poderia acontecer naquele movimento.
Dali a pouco chegou a galera da função: aventais de açougueiro e botas sete-léguas
(quem na faixa dos 30 não teve uma quando pequeno, azul ou vermelha?),
ostentando uma coleção de facas de todos os tamanhos e formatos, que fariam
qualquer John Locke (do Lost) parecer um escoteiro mirim. Havia ainda ganchos e
outros acessórios medonhos típicos do filme "Jogos Mortais". E quem trazia essa
parafernália macabra eram dois moleques de uns 12 anos no máximo, enquanto
outras crianças começavam a surgir sei lá de qual buraco pela vizinhança, saltando
de excitação e alegria, psicopatazinhos afetados... Comecei a filmar, arrepiado de
aflição, esperado a hora em que aqueles samurais das arábias começassem a
sentar o aço nos bichanos ali mesmo na rua, mas eles enfim tiveram a "compaixão"
de arrastar as ovelhas, pelos chifres e sem a menos cerimônia ou delicadeza, para
os fundos do hotel, de onde, segundos depois, surgia aquele banzé de animais e
pessoas gritando. Que cena lamentável.
Mais à frente, porém, a coisa conseguiu a proeza de ficar ainda pior. Quando
cheguei à cena do crime os serial killers de Allah já haviam finalizado e escalpelado
uma enorme vaca, e agora a retalhavam, arrancando patas e cabeça, em meio a
uma movimentada avenida. Até um serrote estava sendo usado naquele
procedimento (com uma destreza de fazer inveja ao Jason, diga-se de passagem).
Havia um mar de sangue à volta daquele cenário de trem-fantasma, o que, sob o sol
escaldante, fazia o cheiro do lugar me levar quase às lágrimas, enquanto eu assistia
a quilômetros de intestinos serem retirados de dentro do já disforme animal.
Nem nos péssimos filmes estilo "Allain Quattermain" (passava muito na Sessão da
Tarde) ou "A Jóia do Nilo" (que também passava na mesma sessão), ou ainda no
Indiana Jones (quando aquele careca grita "Kali-maaaaa" e arranca o coração do
outro caboclo com as próprias mãos), eu havia visto um ritual tão sanguinolento.
Filmei o espetáculo até onde aguentei, o que foi bem pouco, pois o quadro era por
demais aterrorizante, eu já suava frio e ameaçava gorfar minhas próprias vísceras
pra fora. Ali decidi que pra mim bastava de Egito. Peguei o primeiro táxi que passou,
recolhi minhas coisas no hotel e parti, sem conseguir apagar aquela cena da
cabeça. Já havia sido informado sobre tal feriado e sabia mais ou menos o que me
esperava, mas a crueza e crueldade das cenas ao vivo me deixaram
abismado.Pelamordedeus, que povo zureta...
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Olha lá, o carniceiro-mor puxando a pobre ovelhinha pelo chifre, e o moleque
pilhadão atrás levando as facas.
Pior cena do dia (uma das piores da viagem, só perdendo pro xaveco da tia de
dentadura que até hoje assombra meus sonhos - nem posso contar como) - os
doidos se preparam para arrancar uma das patas da vaca. Em volta, os pedaços
que já saíram aguardam pendurados. Que fome que me deu...
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Off-topic: Renan, quantos dadinhos vale essa barba? Ahahaha
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22/12/2008
Looking Back
Escrevo hoje, uma semana após meu retorno, a última coluna desse blog. Aguardei
alguns dias para que as memórias se cristalizassem, e, já distante das emoções e
do calor do momento, o balanço seja mais realista.
Do ponto de vista da experiência adquirida, nada poderia ter feito essa aventura ser
melhor. Estive em lugares incríveis e vivenciei experiências inesquecíveis. Conheci
incontáveis pessoas, malucos de todas as espécies e níveis, fiz e desfiz centenas de
amizades, algumas distantes e outras muito próximas. Ainda que saiba que jamais
voltarei a ver a grande maioria dessas pessoas, todas elas tiveram sua importância
em determinado momento, e por isso são muito válidas. Me diverti como nunca e dei
risadas de doer o crânio. O quesito mulherio foi meio fraco, é verdade, porém tive
meus bons momentos. Dadas as circunstâncias, acho até que tirei leite de pedra.
Enfim, a empreitada foi um grande sucesso. Vini, Vidi, Vici!
Hoje, revendo as fotos e relendo as histórias, fica difícil acreditar que tudo isso
realmente aconteceu, que fui eu quem estava lá, vivenciando tudo aquilo. Não fosse
pela minha cara em alguns retratos e eu acreditaria que foi um documentário que
assisti ou um livro que li. Porém essa é a mágica de viagens e aventuras como
essas – fazer com que, ao menos por alguns dias, sua vida deixe de ser aquilo que
deve ser (mesmo que isso seja muito bom) para ser aquilo que você gostaria que ela
fosse. Dias de sonho. Onde você é o herói de sua própria história. E isso, esse gosto
de vitória que vem ao final, compensa qualquer investimento.
E aqui fica o que espero que seja o mais importante a ser capturado desse blog:
meus amigos, é possível!!! Quantos de nós não têm há anos a idéia daquela viagem
de sonhos, aquele roteiro mágico, que sempre imaginamos como “um dia farei um
mochilão na Europa” ou “um dia vou escalar tal montanha ou fazer tal safári”. Por
quantos anos ficamos repetindo isso, e quando chega nossas férias vamos a alguma
praia pertinho ou casa de amigos (e aí dizemos “esse ano estou sem grana, ano que
vem não escapa”)?
Atitude!!! É só o que é necessário! Parcele, divida, pague com antecedência ou a
perder de vista, consiga o período de férias negociando em sua empresa (afinal, é
seu direito constitucional). Mas faça! Hoje! Esse ano, não no próximo ou “quando
você tiver grana”. Não espere para, um dia, olhar seu rosto envelhecido no espelho
e achar que perdeu a chance. Mesmo porque nunca se está velho demais para uma
grande aventura (e são muitos senhores e senhoras que se encontram mundo afora
em viagens fantásticas), mas se você não o fizer jovem, provavelmente também não
o fará quando estiver mais velho.
Afinal, um carro zero um dia ficará obsoleto e será vendido, uma roupa nova se
manchará, ou sairá de moda, e terá que ser doada, o apartamento dos sonhos
eventualmente ficará pequeno para sua família crescente. Nada disso deixará
grandes recordações, substituídos por um modelo subseqüente. Porém, ao viajar,
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você não investe naqueles dez ou quinze dias em que estará fora de casa. Você
adquire o direito de lembrar, orgulhoso, daqueles dias para o resto de sua vida,
como o período em que você realmente sentiu-se vivo como nunca! Fechar os olhos
e se transportar magicamente para aquele lugar, aquele momento, abrir um álbum
de fotos e num instante se deliciar com as lembranças voltando como se tivessem
ocorrido ontem...
Não há melhor investimento, nada oferece o mesmo retorno. Não adie mais seus
projetos. Faça! Valerá à pena, você mesmo sabe disso!
E, se for um bom roteiro, me chame!
Grande abraço e muito obrigado!!!
Fernando Fagundes Silveira
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