Propuesta AEPA 2005

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Propuesta AEPA 2005
VIII Congreso Latinoamericano de Estudios del Trabajo.
3 al 5 agosto de 2016. Facultad de Ciencias Económicas de la Universidad de Bs. As.
“La recuperación de la centralidad del trabajo en América Latina. Actores, perspectivas y
desafíos”
Eje nº 4: Tercerización y subcontratación laboral. Regulación institucional y estrategias
de los trabajadores
Grupo de trabajo N° 4.10: Tercerización y subcontratación laboral en América Latina:
el trabajo y sus (re)configuraciones precarias
Coordinador@s: Andrea Del Bono (corresponsal), Consuelo Iranzo, Marcia Leite
Título de la ponencia: Operários em call centers: respostas sindicais à precarização do
trabalho
Autor/es y e-mail: Renata Miranda Filgueiras - [email protected]
Sirlei Márcia de Oliveira - [email protected]
Thamires Silva - [email protected]
Pertenencia institucional: Departamento Intersindical de Estatística e Estudos
Socioeconômicos (DIEESE)
Introdução
A redefinição sobre o perfil de relações de trabalho e emprego que ocorreu nas
últimas três décadas combinou, no contexto brasileiro, características do mercado
formal que contribuiu para aumento da massa de assalariados com carteira assinada e
alto grau de flexibilidade das atividades laborais. A partir da expansão das
telecomunicações que está colada ao processo de mundialização financeira e dos
avanços técnico-científicos, o setor de call center tornou-se baluarte da conectividade
por meio do uso das tecnologias da comunicação que dispensam a interação humana
direta ao transformar as mediações até então existentes entre empresa-cliente.
Da ótica do trabalho, as inovações que marcaram o campo tecnológico e
comunicacional desdobraram-se em um novo perfil de trabalhador que carrega os
condicionantes do trabalho precário através da atividade de teleatendimento. As
principais características do trabalho no setor de telemarketing foram delineadas na
década de 1990, momento pelo qual o Brasil passava por mudanças radicais em sua
estrutura financeira e organizacional com o processo das privatizações, e estão
associadas ao desenvolvimento de um monopólio configurado por fusões e aquisições
que dominaram o mercado das telecomunicações. Em números gerais, 89% dos
trabalhadores que estão empregados em estabelecimentos de grande porte prestam
1
serviços de atendimento ao consumidor (SAC). O contingente de ingresso é composto
por 46% de jovens entre 18 e 24 anos cujo rendimento médio é de R$ 927, valor
próximo ao salário mínimo brasileiro praticado, para uma jornada contratual que gira
em torno de 30 horas semanais; a participação feminina é majoritária, representando
73% da força de trabalho empregada no setor1. Tais especificidades refletem a taxa de
desemprego que historicamente atinge mais os jovens e as mulheres em comparação aos
homens, principalmente em períodos de declínio econômico.
Além da identificação de gênero, faixa etária, remuneração e jornada que perfaz
quase meio milhão de trabalhadores brasileiros, as quais denunciam a desvalorização
desta força de trabalho no mundo atual, outros elementos conjugam o que este estudo
assumiu como trabalho precário no setor de teleatendimento. Com o objetivo de
identificar os elementos que caracterizam o trabalho precário e as razões pelas quais o
segmento do call center está inserido nesta modalidade, um estudo de caso foi realizado
com trabalhadores desse seguimento, com a finalidade de construir possíveis soluções
que poderiam ser objeto de construção conjunta entre organismos de representação
sindical de trabalhadores, empregadores e agentes públicos voltados para essa
problemática. Esta comunicação tem por objetivo compartilhar os principais resultados
obtidos com o material empírico produzido com esse estudo de caso e está dividida em
duas partes, sem contar introdução e conclusão 2.
Na primeira parte, com apoio de referenciais teóricos abordamos a dinâmica
recente do teletrabalho no Brasil que se tornou produto expressivo do fenômeno da
precarização. Em seguida, analisamos as entrevistas de campo que foram um
desdobramento de uma oficina sobre condições de trabalho no setor de teleatendimento
com abrangência no estado de São Paulo (SP) que contou com a participação de
teleatendentes ligados ao trabalho de base promovido pelo Sindicato dos Trabalhadores
em Telecomunicações no Estado de São Paulo (Sintetel-SP) filiado à Federação
Nacional de Trabalhadores em Empresas de Telecom (Fenattel). A atividade consistiu
em mapear os principais problemas apontados pelos trabalhadores sobre o seu cotidiano,
dentro e fora do ambiente laboral, relacionados às condições de trabalho, remuneração,
1
Dados obtidos através da base de dados mantida pelo MTE (Ministério do Trabalho e Emprego) Relação Anual de Informações Sociais (RAIS, 2014).
2
Cabe pontuar que essa comunicação resulta do projeto de apoio à implantação da Escola e do
Bacharelado Interdisciplinar em Ciências do Trabalho, em convênio firmado entre DIEESE
(Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), Ministério do Trabalho e
Emprego (MTE), Plano Nacional de Qualificações (PNQ) e Fundo de Amparo ao Trabalhador, com o
2
saúde do trabalhador e organização sindical e, dessa forma, permitiu identificar os
pontos que mais afligem os teleatendentes que passam por situação crítica de
adoecimento.
Na segunda parte, priorizamos a temática da organização política dos
trabalhadores de onde sobressaíram formas de ação sindical que encaram uma dura
realidade de rebaixamento das condições de trabalho e desmantelamento da proteção ao
emprego. Dessa forma, os instrumentos de luta sindical se encerram nos limites da
legislação e a prática da negociação coletiva é prejudicada pelo próprio formato de
representação dos interesses coletivos que além de esbarrar com a questão do
reconhecimento formal das partes envolvidas, dado que se trata de uma nova categoria,
faz uso de estratégias de negociação que, na maioria das vezes, apresentam-se
incipientes as proposições voltadas para os diversos problemas enfrentados pelos
trabalhadores.
Ao induzir a estruturação de uma agenda compartilhada que pudesse convergir
positivamente para a melhoria das condições e das relações de trabalho no setor de
teleatendimento, a prática do Diálogo Social, enquanto uma metodologia de intervenção
social, demonstrou os limites próprios do caráter mercadológico do call center que foi
reticente em vários momentos para discutir os problemas trabalhistas, senão nos foros
tripartites formais de discussão já existentes no âmbito federal.
Nas considerações finais, buscamos analisar brevemente os limites do recurso ao
Diálogo Social enquanto ferramenta para reduzir os contrastes que pairam sobre o papel
social de cada agente institucional e em que medida foi possível engajá-los na solução
dos vários problemas apontados por meio desse método na estruturação de uma agenda
em prol do trabalho decente no setor de teleatendimento.
1. Abordagens teóricas sobre a precarização das relações de trabalho e a
experiência dos(as) teleoperadores(as)
Com base em diferentes leituras que relacionam o fenômeno da precarização
com o teleatendimento, foi possível delinear mais claramente as linhas interpretativas
que proporcionaram um olhar crítico sobre o advento das novas tecnologias e o seu
impacto para as relações laborais. Da acumulação flexível que passou a qualificar a fase
atual de desenvolvimento capitalista, erigiram relações de trabalho mais flexíveis com
objetivo central de estruturar a linha de pesquisa Relações de Trabalho e Negociação Coletiva,
especificamente sobre o tema formas de precarização do trabalho.
3
desregulamentação da legislação trabalhista e desproteção social, sendo as novas
Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) responsáveis por importantes
mudanças sobre a estrutura ocupacional que afetaram o padrão de relações de trabalho e
emprego constituídas na contemporaneidade (DRUCK; FRANCO, 2007).
A face primeira das vivências individuais e coletivas mostra novas tendências
sobre as relações trabalhistas firmadas no segmento do teleatendimento. Em relação ao
mercado de trabalho, a atividade de teleatendimento foi incorporada à uma dinâmica
que revela formas distintas de contratação ligadas à terceirização, contrato por tempo
determinado/temporário, contrato por tempo parcial, contrato de estágio e do jovem
aprendiz. Essa variedade de vínculos está associada com outros mecanismos mais
sofisticados de regulação do trabalho presentes na negociação coletiva como o banco de
horas na jornada de trabalho, participação nos lucros e resultados (PLR), o salário
variável na composição da remuneração, metas e prêmios por assiduidade e
produtividade, métodos de controle rígido com a informatização dos processos de
trabalho, entre outras iniciativas que reforçam a lógica flexível de trabalho. Da mesma
forma, baixos salários, alta rotatividade, desqualificação profissional, fragilidade da
intervenção sindical são aspectos ligados ao ramo de call center que também
corroboram para a situação de trabalho precário no Brasil (ALVES, 2013).
Em se tratando de América Latina, o teletrabalho foi encarado como
possibilidade de ampliação da oferta de vagas preenchidas pela população ativa,
principalmente tratando-se de jovens e mulheres que iniciam sua primeira experiência
de trabalho. No estudo realizado por Sonia Boiarov (2008), o segmento encontrou
respaldo na legislação de países como Argentina, Chile, Colombia e Equador que
avaliaram positivamente a criação de mais um nicho de mercado promissor no que
concerne ao crescimento do emprego. Nesse ponto, é interessante notar os marcos
regulatórios que se adaptaram às novas condições laborais que emergiram com a difusão
das tecnologias da informação no início do século XXI. Na Argentina, destacou-se a
“Comisión de Teletrabajo” formada em 2003 que contou com o apoio de dezenove
instituições ligadas ao setor empresarial, acadêmico, sindical para desenvolver um
espaço de diálogo e construção de consensos, assumindo a necessidade de regulação
mediada por diferentes atores. O papel do Chile sobre a normatização do teletrabalho foi
considerado de vanguarda. Em 2001, o código de trabalho passou por adequações para
abranger a modalidade de teletrabalho utilizada pelo setor financeiro, comercial e do
Telecom em geral como parte do arcabouço jurídico nacional. Na Colombia, a
4
construção de uma política voltada ao teletrabalho ocorreu através do ‘Ministerio de
Comunicaciones, Dirección de Acceso y Desarrollo Social’ em 2001. Nos anos
seguintes, outros projetos de lei sublinharam a necessidade de fomentar políticas
públicas direcionadas ao teletrabalho como “un instrumento de generación de empleo y
autoempleo”. No Equador, a previsão legal do teletrabalho ocorreu em 2006 através da
inclusão de onze artigos no código laboral (BOIAROV, 2008).
O painel do teletrabalho constituído por esses países demonstrou uma
abordagem que visa ampliar o espectro da sociedade informacional estabelecendo uma
conexão com os interesses do setor de Telecom e o novo jeito de legislar sobre a força
de trabalho delineada por ferramentas computacionais. Mais que isso, evidenciou
iniciativas que agregaram interesses antagônicos da sociedade para contribuir com o
entendimento sobre os novos parâmetros de trabalho em realidades distintas.
No cenário brasileiro, a indústria do call center foi implantada nos anos 1990
quando o país vivenciou o ciclo de privatizações do setor de telecomunicações com a
desestatização do Sistema Telebrás impulsionada pela abertura financeira com intensa
movimentação de capital estrangeiro (OLIVEIRA, 2004; ANTUNES; BRAGA, 2009).
As empresas Atento Brasil, Contax Allus e Algar Tech, para citar apenas as três
primeiras posições do ranking de contact centers brasileiro em 20153, conformam
verdadeiros monopólios concentrados na região sudeste, resultado dos processos de
fusão e reestruturação dos grandes grupos que atuam no setor.
Em meio à multiplicidade de interpretações que buscaram compreender a
emergência do teletrabalho que se tornou emblemático na sociedade, a discussão
realizada por Antunes e Braga (2009) apontou para a experiência dos teleoperadores e
as vicissitudes do potencial transformador das inovações tecnológicas reveladas por um
cotidiano imbricado por ambiguidades que combinam mecanismos de opressão sobre o
processo de trabalho e ao mesmo tempo enfatizam o novo perfil de trabalhador em
busca de sua identidade no mercado de trabalho (ANTUNES; BRAGA, 2009, p. 10).
O depoimento a seguir expõe a percepção do teleoperador quando ingressou no
ramo através do Grupo Atento que se instalou na capital paulista em 1999. Para o
entrevistado, foi a rede de contatos que permitiu acesso ao posto de trabalho que logo à
primeira vista apareceu como uma oportunidade malquista, ainda assim, necessária:
Não foi escolha minha, não foi isso (…) porque tinha amigos que
trabalhavam nessa área, nesse setor, e no caso o que aconteceu, já
3
De acordo com o Anuário Brasileiro de Relacionamento com Clientes (16ª edição, 2015/2016).
5
tinha aquela má impressão, já era mal visto, que era uma empresa que
escravizava, aquelas coisas, então nunca aceitei, porque tinha aquela
má fama, o pessoal recebia convites pra se trabalhar no setor, mas eu
recusava. Depois de dez anos que ela estava fundada no nosso país
que eu vim a aceitar o convite e ainda foi por acaso, porque a minha
prima, que foi selecionada e ela acabou passando pra mim o contato,
“olha, eu tenho uma entrevista de trabalho, você aceita”? Eu fui até a
entrevista, foi onde começou a minha jornada como teleoperador, mas
eu já tinha trabalhado em outras áreas4.
A questão da rotatividade é considerada um problema no setor de
teleatendimento. Em relação aos contratos ativos em dezembro de 2014, 27% dos (as)
teleoperadores (as) foi enquadrado no tempo de permanência de três a seis meses no
emprego. Essa inconstância do empregado no posto de trabalho reflete altas taxas de
rotatividade calculada para o ano de 2014 em 45,5% sobre os desligamentos efetivados,
deduzidas as demissões por iniciativa patronal. Esse volume de demissões expressa um
movimento incessante de admissão e desligamento, corroborando para o volume de
grandeza numérica da rotatividade deste segmento que variou 6,8% no ano de 2014 em
comparação com o ano anterior, segundo a Relação Anual de Informações Sociais
(2014).
O caráter provisório do emprego em teleatendimento também é visualizado pelas
demissões a pedido do trabalhador, fato que pode estar associado às condições de
trabalho que abrangem uma série de experiências negativas. A geração de jovens que
ingressa nesse segmento é compelida por uma realidade de baixas expectativas quanto
ao crescimento profissional. O ambiente de trabalho não estabelece relações saudáveis
em razão da pressão constante e os baixos rendimentos não viabilizam ascensão
econômica e social. O sentido efêmero da profissão determina a trajetórias individuais
relacionadas à ocupação que optam pelo abandono do posto de trabalho, mas logo são
reinseridas no mesmo circuito de empregabilidade no setor de call center. Como
assinalou Del Bono e Bulloni (2008), apoiadas na leitura de Jacinto e Solla (2005),
(…) la característica más marcada en la relación actual de los jóvenes
con el mercado de trabajo, cuando logran escapar al desempleo, es la
precariedad de sus inserciones laborales. Sus trayectorias suelen
combinar etapas de desempleo, subempleo, inactividad, contratos
temporarios y/o autoempleo, muchas veces en el nivel de
supervivencia. En este marco del deterioro general se ha producido
una aguda polarización de las oportunidades laborales (DEL BONO;
BULLONI, 2008, p.8).
4
Perfil do entrevistado: sexo masculino, 36 anos, cor/raça branco, solteiro, filho no domicílio, ensino
médio completo, gasta 3h com locomoção para o trabalho (ida/volta), atua como teleoperador e faz
atendimento ativo/receptivo.
6
Nas palavras do teleoperador entrevistado, o teleatendimento “é uma profissão
ingrata com o funcionário”, referindo-se à desvalorização da empresa para com os seus
trabalhadores, mesmo que na sua avaliação o conhecimento adquirido no ambiente de
trabalho seja algo a ser considerado “embora ela seja uma profissão que ela traz muitos
conhecimentos, a gente aprende no dia a dia com as pessoas, com os colegas de
trabalho, em si não é valorizado o trabalho do teleoperador 5.
A participação das mulheres que atuam nas frentes de trabalho do call center é
majoritária (73%), o que nos leva a refletir sobre a característica do teletrabalho no
Brasil que já nasceu precário quando constata-se que os efeitos do processo de
precarização incidem mais sobre grupos específicos, no caso de perfil jovem e feminino.
O trecho a seguir, retrata a experiência de uma teleatendente que fez surgir a questão de
gênero sutilmente, ao enfatizar os motivos que a fez se distanciar da formação na área
de sistemas de informação em função da gravidez. Ela disse:
Eu acho que é o meio de trabalho que está mais vulnerável para a
gente, o que oferece mais oportunidade de crescimento e como eu já
trabalhei muito nessa área, eu fui dando andamento, apesar de eu já
ser formada em outra área nada a ver... [...] Quando eu me formei eu
estava grávida, então na época era mais difícil fazer estágio, então eu
não cheguei a exercer a função que eu me formei, aí como eu estava
na área de telecomunicações, permaneci. [...] eu acho que é um
mercado de trabalho mais acessível e na época quando eu ingressei
com esse tipo de trabalho, era o que procurava mais no mercado, então
você ingressa mais rápido, é por isso que eu fui para a área de
telecomunicações, tinha bastante vaga para esse tipo de trabalho 6.
Como mostrou Hirata (2011): “a precarização do trabalho tem consequências
diferenciadas para homens e mulheres”. A divisão sexual do trabalho revela uma
estrutura hierárquica que tende a favorecer o sexo masculino em detrimento do papel da
mulher na reprodução da força de trabalho. Essa lógica de subordinação impostas às
mulheres, fortemente marcada pelas desigualdades de gênero, influí sobre a vida pessoal
e profissional, conformando assim, dinâmicas de emprego que impõe espaços de
atuação: “as mulheres constituem a minoria na classe operária fabril; em contrapartida,
constituem a maioria no comércio e nos serviços. Assim, a precarização do trabalho que
5
Ibidem.
Perfil do entrevistado: sexo feminino, 30 anos, cor/raça branca, solteiro, chefe no domicílio, possui um
filho, curso superior completo (Sistemas de informação), gasta 2h com locomoção para o trabalho
(ida/volta), atua como teleoperador ativo.
6
7
atinge a categoria dos trabalhadores do terciário deve ser correlacionada à sua
composição sexuada (HIRATA; 2011 p. 17)”.
O adoecimento causado pelo trabalho em teleatendimento é um tema de intenso
debate no meio sindical, pois consiste em uma das consequências mais danosas sobre as
condições de trabalho vividas pelos trabalhadores. Nesta direção, a pauta sobre a saúde
e segurança dos teleoperadores passou a respaldar ações sindicais que se revelaram
profícuas no sentido de levar para os postos de trabalho (PAs) a possibilidade de
interferir em uma realidade cujo risco de se desenvolver doenças ocupacionais é elevado
e tem apresentado sinais de crescimento, embora haja muita dificuldade em quantificar
pelas subnotificações das doenças consideradas ocupacionais e pela ausência de
mecanismos de controle da trajetória dos trabalhadores do setor que transitam de
empresa em empresa.
A fim de identificar as principais causas que afetam a saúde do teleoperador, foi
realizado um levantamento focado nas condições de trabalho com os participantes da
primeira etapa da oficina de diálogo social, realizada com dirigente/delegado (a)
sindical. De modo geral, a média de jornada de trabalho realizada na semana anterior foi
de 41 horas. Apenas três respondentes exerceram a jornada aconselhável de 36 horas
semanais que está prevista no Anexo II da Norma Regulamentadora (NR) nº 17,
instrumento fundamental para garantir o patamar mínimo de condições de trabalho no
teleatendimento que delimita duração de 6 horas diárias de trabalho com pausa de 20
minutos7. A cadência associada à intensificação do trabalho, as falas repetitivas por
meio de scripts, o barulho próprio do ambiente laboral, a rigidez imposta ao corpo
adaptado nas PAs (postos de atendimento) corroboram para aumento do stress que é
aprofundado com a tensão com os clientes na linha telefônica e constrangimentos
oriundos da supervisão. Tais elementos influem sobre a relação saúde-doença no
universo dos teleoperadores. Fatores externos também podem afetar a saúde do
teleoperador que reside em bairros periféricos da cidade e se desloca por meio de
transporte público (ônibus/metro/trem). O tempo médio gasto diariamente com
locomoção informado pelos trabalhadores foi de 2h40 chegando até 4h30, quase
7
A Norma Regulamentadora nº 17 (NR 17) visa estabelecer parâmetros que permitam a adaptação das
condições de trabalho às características psicofisiológicas dos trabalhadores, de modo a proporcionar um
máximo de conforto, segurança e desempenho eficiente. O Anexo II desta norma (aprovado em 2007,
após mobilizações das representações dos trabalhadores e empresariais) estabelece parâmetros mínimos
para o trabalho em atividades de teleatendimento, com definições sobre o mobiliário e equipamentos do
posto de trabalho, condições ambientais de trabalho, organização do trabalho, capacitação dos
trabalhadores, condições sanitárias de conforto, dentre outros.
8
duplicando a jornada efetiva de trabalho que reflete desgaste físico e mental do
funcionário de telemarketing que se desloca para o centro da cidade, onde as empresas
se concentram.
Segundo o testemunho de uma teleoperadora, a rotina desgastante que é imposta
pelo ritmo de trabalho intenso e a conciliação com as responsabilidades familiares
representa as dificuldades que ligam a vida profissional e o que resta além do trabalho:
Dependendo do dia é muito estressante, muito, você já sai
desanimado; hoje eu passo dentro da empresa, eu entro ás 8h da
manhã e saio as 18h, de segunda à quinta. Na sexta eu entro as 9h e
saio as 18h, então a carga horária é grande; é aquela questão, você
passa mais tempo no transporte público, que é horrível, que na sua
casa, são 10 horas dentro da empresa, mais 4 horas pra você ir e
voltar, são 14 horas fora de casa, então você chega em casa, dorme e
acorda, ai muitas vezes chega em casa e você tem as coisas pra fazer,
tem filho, tem casa pra cuidar, você não vai chegar e tomar banho,
dizer, dane-se o mundo, não tem como, então o período que a gente
tem pra fazer alguma coisa, cuidar realmente da casa é no final de
semana, ai você já volta segunda cansada novamente e você vai ter
mais 5 dias pela frente8.
Para a delegada sindical que acompanha o cotidiano dos trabalhadores em
teleatendimento, a falta de autonomia em situações simples, aparentemente resolutas,
mas que são transformadas em problemas para os trabalhadores, por exemplo, o
controle e até proibição de idas ao banheiro durante o expediente é um complicador para
o estabelecimento de relações de trabalho saudáveis. A partir das ações voltadas para o
local de trabalho, a questão da saúde ganhou proeminência e encontrou respaldo na NR
17.
Quando eu entrei na empresa, a gente ia no banheiro e o supervisor ia
na porta do banheiro buscar a gente, então conseguimos fazer um
trabalho dentro da empresa, quando tivemos a liberdade de entrar
como delegados, de conciliar e tentar mudar as coisas, então nós
tínhamos a operação que o sindicato era barrado de entrar dentro da
empresa, os delegados não eram bem vistos, então conseguimos abrir
uma porta onde hoje, pelo menos a empresa que eu trabalho, a gente
consegue fazer um trabalho, eu consigo levar os funcionários na sala,
orientar, falar de NR 17, falar dos direitos e deveres do funcionário,
conscientizar eles e também trazer eles, aproximando da gente,
tornando eles sócios, porque não adianta você associar um funcionário
só pelo benefício da colônia de férias, ele tem que saber o que ele tem
direito, quais são os deveres dele e quando e onde ele vai poder contar
com a gente, então é um trabalho de formiga 9.
8
Perfil do entrevistado: sexo feminino, 36 anos, cor/raça parda, solteiro, chefe no domicílio, curso
superior incompleto (administração), gasta 2h30 com locomoção para o trabalho (ida/volta), atua como
teleoperador ativo.
9
Ibidem.
9
O tema da saúde do trabalhador tornou-se estratégico para a ação sindical de
base dentro das empresas de call center. O reconhecimento da necessidade de políticas
de prevenção de doenças envolveu os trabalhadores com o sindicato na direção de
intervir sobre o programa de metas, de contrapor ao comportamento exagerado da
chefia, em outras palavras, “quando meu chefe cobra algo impossível”, e de avaliar as
condições de trabalho em geral a fim de melhorar a vida do teleatendente. A linha de
raciocínio reproduzida a seguir, mostra as dificuldades inerentes à atribuição do cargo
de teleatendente, revelando subjetividades construídas através do contato distanciado
com o cliente que não associa as táticas empresariais que usufruem de contratos
terceirizados com grandes corporações prestadoras de serviço com a condição do
trabalhador do outro lado da linha. A falta de compreensão da sociedade sobre o papel
do telemarketing contribui com a desvalorização dessa força de trabalho.
[...] tem muitos clientes que não estão nem ai, xingam você na linha,
esculacha, mas ninguém sabe o que quem está do outro lado da linha
passa, ninguém sabe as humilhações, então eu acho que devido a essa
questão de não saber o que realmente acontece lá dentro, que a
maioria das pessoas reagem dessa forma, que fala que o serviço de
telemarketing não presta, que é isso, que é aquilo outro, mas não
sabem qual é a realidade lá dentro, não sabem a humilhação que a
pessoa passa no dia a dia, pra quando chegar no final do mês ele ter o
dinheiro dele pra pagar conta, não sabe a humilhação que o cara passa,
está oferecendo um produto pra ele e se ele não bater aquela meta, ele
deixa de receber, o cliente também não sabe que o funcionário que ele
avalia na pesquisa de satisfação, se ele der um zero, que a pessoa vai
ser prejudicada, então existem N fatores que para a empresa por um
lado é bom, que se o cliente zera o funcionário, se ele não conseguir
atingir a meta pra receber a variável dele, o dinheiro automaticamente
fica para a empresa, porque o cliente já pagou 10.
A avaliação negativa sobre o ambiente de trabalho classificado como estressante
e perturbador está associada às consequências geradas pelo tipo de função e atribuições
de tarefas. Inflamação nos tendões dos braços, crise por estresse, problemas de
circulação, comprometimento da audição e visão, desenvolvimento de tendinite foram
algumas das doenças mencionadas pelos trabalhadores. Queixas relacionadas à punição
sobre o funcionário comissionado e preferência de pessoas que mantém relações mais
próximas com os quadros gerenciais foram apontadas como entraves para relações de
trabalho mais amistosas. Inversamente, parte dos funcionários que classificaram a sua
rotina como estimulante e desafiadora demonstraram maior aderência ao ambiente
10
exposto ao assédio moral. Contudo, também admitiram que este problema constituiu-se
como estratégia de mercado baseada na pressão que faz uso de campanhas que impõem
a competição entre os operadores. Tal sistemática incide na proibição do uso do
banheiro, do controle rígido feito pelo sistema computacional sobre o tempo de entrada,
saída e intervalos, sendo que o descumprimento das regras implica em punições verbais
e descontos sobre a remuneração fixa e variável.
Em geral, a política de metas da empresa contratada está associada com as metas
da empresa contratante. No ramo financeiro, os produtos existentes abrangem muitas
especificidades que exigem apreensão totalizante sobre o seu funcionamento. Ao serem
colocados à disposição do mercado, esses produtos são dinamizados em uma complexa
relação até a finalização da venda, o que abrange as oportunidades de mercado e as
habilidades de convencimento do teleoperador. A frustração ocorre quando as metas são
alcançadas, mas o regime de trabalho se coloca como entrave para o recebimento dos
ganhos variáveis.
Cada produto tem a sua particularidade [...] numa ilha que era de
receptivo de vendas, então houve um dia um empréstimo para um
cliente, seguro e cartão de crédito, eu vendi esses três produtos,
desses três produtos eu tinha que bater 120% da meta pra eu receber
um valor de 600 reais. A campanha era passada, a meta era passada
com no mínimo 10 dias de antecedência, assim como a escala de
trabalho, passava a meta e durante o mês a gente tinha que correr
atrás pra bater aquela meta, se bateu a meta, está tudo ok e você
recebe, porém o único problema, da questão da variável em si, é que
se o funcionário entrega um atestado, ele fica ilegível à variável, ele
perde o trabalho que ele teve o mês todo, se o mês tem 30 dias, eu
trabalhei até o dia 29 e o dia 30 eu tive um problema de saúde, fui no
médico e peguei um atestado, eu perdi a variável11.
Outro mecanismo para dificultar o acesso da comissão em caso de cumprimento
das metas está ligado ao atestado médico. Não bastasse o esforço para atingir a margem
que dá a possibilidade de receber a parte da remuneração variável, o funcionário é
impelido a trabalhar mesmo doente, já que a empresa criou um controle para faltas por
motivo de doença que, mesmo justificadas, são objeto de penalidades. O relato da
funcionária esclarece este ponto:
Perde tudo, então isso ai desestimula a pessoa no mês seguinte correr
atrás pra poder bater meta, sem contar casos absurdos que a gente tem
de supervisores que para o assistente dele bater a meta o cara subir em
cima da mesa com megafone e dizer que tinha que bater a meta, que se
10
11
Ibidem.
Ibidem.
11
não batesse ia dar advertência, ia dar suspensão, então a situação no
call center, pra quem vive lá dentro, é tensa...12
A teleoperadora entra em detalhes sobre a política de metas que extrapola a
geografia onde a empresa terceirizada se encontra. Aliás, em caso de não atingimento de
metas pela equipe da empresa contratante, são as operações terceirizadas que acumulam
demandas distintas que abarcam metas de produtividade e de resultado no âmbito
interno e externo, sujeitando os funcionários a situações de extrema pressão e
aviltamento. É o que o relato expõe a seguir:
[...] eles tem que entregar a meta e eles não conseguem. Questão de
banco, o banco tem o call center próprio dele e tem o terceirizado, que
é o que as empresas fazem, como a que eu trabalho. Ai o que ela faz
dentro disso, o call center próprio do banco não entregou a meta,
chega a metade do mês ou por exemplo no dia 20, ai vem a demanda
que era do call center próprio para o terceirizado, ai o que eles fazem,
inventam campanhas, ai faz uma campanha: “olha, é pra você vender,
para a equipe entregar 100 cartões, eu vou dar X, cada assistente que
entregar 10 cartões em 1 hora, pode ir embora mais cedo”. Então o
pessoal acaba se matando, sem contar que tem pessoas que estão com
o atestado médico, para a pessoa não perder a variável, eles não
validam o atestado e trabalham doentes, eu conheço casos de pessoas
que pegaram infecção no ouvido, o ouvido estava escorrendo dentro
da operação e a pessoa com rede na cabeça, sentindo dor de ouvido e
falando com o cliente, pra não perder a variável, devido as
necessidade que a grande maioria muitas vezes tem, então é muito
complicado13.
Esse panorama configurado sob a lógica da era informacional comporta
características rudimentares de relações de trabalho retroalimentadas pelos supervisores
e gerentes que agem com autoritarismo e proibições de toda ordem, incorporadas pelos
sistemas de computação. Nesse sentido, o desenvolvimento de softwares para controle
do tempo, além do ritmo incessante de trabalho que impõe uma adaptação ao fluxo
informacional baseado em metas comportamentais e de produtividade limitou ainda
mais a autonomia do funcionário. Situações que tornam o trabalho insuportável são
levadas a cabo pelos delegados sindicais no esforço de empreender medidas para conter
doenças ocupacionais e humanizar o ambiente de trabalho. Mas segundo a entrevistada,
o trabalho sindical é muito dificultado pelas empresas que apresentam resistência em
atender as queixas do empregado. A ausência de espaços de diálogo cria uma atmosfera
de tensão que tende a sobrecarregar o funcionário:
12
13
Ibidem
Ibidem.
12
[...] nós trabalhamos em um lugar bom, mas em questão do
funcionário reivindicar algo, por menor que seja, por qualquer coisa
que seja, é tomada providência no sentido de demora, então nesse
sentido eu acho que o funcionário é coagido, porque ele sabe que se
ele for pressionar de qualquer forma, da melhor forma, educada, ele
vai ser mandado embora, então ele nunca reclama, ele vai viver de
qualquer forma; ali tem muito vento, tem uns toldos que abaixam,
alguns toldos estão quebrados, ninguém reclama pelo vento...14
A flexibilidade do processo de trabalho foi ressaltada na fala de um delegado
sindical. A manutenção da vitalidade do sujeito que trabalha depende de melhorias no
local de trabalho que envolve mudanças para desprecarizar as condições atuais. Nesse
sentido, a proposta em voga implica alterar a distribuição da jornada em turnos e escalas
de revezamento:
[...] hoje em dia as empresas estão fazendo o que elas querem fazer e a
qualidade no dia a dia do trabalho deixa a desejar também, porque é
um trabalho estressante. Eu acho que, na minha opinião, não deveria
ter vários horários, eu acho que deveria ter um horário que se
adequasse pra todo mundo desempenhar a sua função ali, porque
muitas vezes por ter esses horários, os salários ficam diferenciados,
então se tivesse uma jornada de trabalho que seria, vamos supor, 8
horas pra todo mundo, eu acho que a gente se tornaria mais forte,
embora depende da situação, porque as vezes tem um que ele estuda
de manhã e ele trabalha a tarde ou a noite, nesse sentido é viável, mas
muitas vezes por ter essas diferenças, a gente acaba pecando, porque
um faz uma jornada, outro faz outra jornada, então eu acho que isso
interfere um pouco15.
A mescla de percepções dos teleoperadores expressa situações que colocam em
risco a própria dignidade do trabalho. Nesses termos, o firmamento da ação sindical
ocorre pela denúncia contra a pressão das empresas. Na dimensão simbólica, o debate
acerca das novas tecnologias esclarece o uso sistemático de novas formas de
organização das atividades produtivas onde estão previstas estratégias de sublimação
dos lucros e depreciação das capacidades humanas.
2. Respostas sindicais à precarização por meio do diálogo social
As primeiras experiências que traçaram alguns rumos para o diálogo social entre
os diferentes grupos sociais no Brasil foram observadas a partir do primeiro ano de
14
Perfil do entrevistado: sexo feminino, 30 anos, cor/raça branca, solteiro, chefe no domicílio, possui um
filho, curso superior completo (Sistemas de informação), gasta 2h com locomoção para o trabalho
(ida/volta), atua como teleoperador ativo.
13
governo do ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva (2003-2010). No bojo desse
processo, foram criados o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES) 16
e o Fórum Nacional do Trabalho (FNT). O CDES teve como objetivo estabelecer o
diálogo entre as diversas representações da sociedade e propor políticas públicas para o
desenvolvimento econômico no país. O FNT teve como atribuição a coordenação da
negociação entre representantes de empregadores, trabalhadores e Governo voltados
para a reforma sindical e trabalhista. A criação desses espaços institucionalizados de
discussão representou “um pacto social na busca do desenvolvimento, entendido dentro dos
limites do crescimento econômico capitalista” (ALMEIDA, 2007, p. 64).
Os trabalhos do FNT culminaram no Projeto de Emenda Constitucional nº
369/2005 (PEC 369), com proposta de reforma sindical. Segundo Molin (2012):
A PEC 369/05 caracteriza-se por um caráter híbrido, entre uma
postura liberal e outra corporativista, ao conjugar três binômios da
organização sindical: pluralismo e unicidade, liberdade sindical e
necessidade das entidades sindicais de comprovar a representação,
substituição do imposto sindical por outras formas de contribuição
compulsória (MOLIN, 2012, p. 402).
Apesar de concluírem os trabalhos, os atores sindicais do FNT não estabeleceram
total consenso acerca da PEC 369/2005, de modo que esta não logrou êxito na sua
aprovação no Congresso Nacional. Porém, importantes desdobramentos ocorreram
como o reconhecimento das Centrais Sindicais 17 e a política nacional de valorização do
salário mínimo, cujos ganhos reais estão acumulados em 77,18%, desde 200218.
O setor do teleatendimento se insere formalmente nesse processo de diálogo social
nacional, especialmente a partir de setembro de 2006, com a criação do Grupo de
Trabalho Tripartite (GTT) pelo Ministério do Trabalho e Emprego, cujo objetivo foi a
revisão da regulamentação do trabalho no setor, visando a melhoria das condições e do
meio ambiente para os teleoperadores. O GTT foi composto por representantes do
Governo, dos empregadores e dos trabalhadores e discutiu durante seis meses aspectos
relacionados às condições de trabalho, meio ambiente, condições sanitárias, segurança,
15
Perfil do entrevistado: sexo masculino, 36 anos, cor/raça branco, solteiro, filho no domicílio, ensino
médio completo, gasta 3h com locomoção para o trabalho (ida/volta), atua como teleoperador e faz
atendimento ativo/receptivo.
16
Para mais informações: http://www.cdes.gov.br/conteudo/41/o-que-e-o-cdes.html .
17
De acordo com a Lei nº 11.648 (BRASIL, 2008).
18
Para mais informações: http://www.dieese.org.br/notatecnica/2015/notaTec153SalarioMinimo2016.pdf
14
saúde do trabalhador e treinamento. Ao final do processo, em março de 2007, foi
publicado o Anexo II da Norma Regulamentadora nº 17 (NR 17)19.
O Anexo II da NR 17 foi um avanço na regulamentação do trabalho em
teleatendimento, porém ainda é descumprido em muitos aspectos e constantemente
denunciado pelas entidades sindicais de trabalhadores. Tanto é assim que em junho de
2015 foi instalada a Mesa de Diálogo Tripartite (Mesa) 20 com a finalidade de discutir a
melhoria nas condições de trabalho no setor de teleatendimento. A Mesa foi instituída
após intenso processo de fiscalização realizado pela Secretaria de Inspeção do Trabalho
(SIT), em empresas do setor, motivado por inúmeras denúncias oriundas dos
trabalhadores e dos sindicatos laborais sobre as condições de trabalho e assédio moral.
O objetivo inicial da Mesa era discutir os temas Saúde e segurança no trabalho e
Rotatividade no setor. Em 2015 houve uma série de reuniões com o objetivo de
realizarem um diagnóstico dos temas definidos como prioritários 21.
A proposta de realização de uma Oficina de Diálogo Social para debater as
condições de trabalho no setor de teleatendimento, coordenada pelo DIEESE, soma
esforços no sentido de promover reflexões entre os diversos atores sociais.
Vale registrar que a Organização Internacional do Trabalho (OIT), define o
diálogo social como todos os tipos de negociação, consulta ou troca de informações
entre representantes de governos, empresários e trabalhadores em questões relevantes
para a política econômica e social. Essa prática tem sido apontada como um importante
instrumento para discutir relações de trabalho, alocação de recursos públicos e
possibilidades de desenvolvimento econômico e social (OIT, 2015).
O DIEESE é indutor da prática do Diálogo social cuja intenção é buscar pontos
comuns entre os atores sociais (trabalhadores, empresários e governos). Nesse sentido:
“A explicitação de demandas e necessidades dos atores sociais sobre determinado tema
depende da disposição de se buscar convergências e não consensos, a partir de um
processo
participativo
e
democrático
(DIEESE/BID/FOMIN,
2014a)”.
A
operacionalização do diálogo social ocorreu em diferentes realidades sociais em âmbito
nacional. O desenvolvimento do projeto “Redução da Informalidade por meio do
Diálogo Social” foi um exemplo exitoso no que concerne ao desenvolvimento de uma
19
Para
acessar
o
Anexo
II
da
NR
17,
consultar:
http://www.mtps.gov.br/images/Documentos/SST/NR/NR17-ANEXO2.pdf
20
Para mais informações, consultar: http://www.mtps.gov.br/portal-mte/
21
A situação atual da Mesa está em suspensão, após o governo interino de Michel Temer assumir a
presidência da República.
15
metodologia construída em consonância com os trabalhadores locais, em geral,
assalariados sem registro em carteira de trabalho, pessoas autônomas sem remuneração
ou na condição de subcontratado. Diante do problema central da informalidade nas
relações trabalhistas, no primeiro momento, foram desenvolvidos projetos pilotos no
setor de comércio, construção e agricultura familiar na região sul do país e da confecção
na região nordeste. Em seguida, novos contratos foram firmados, expandindo o raio de
ação do projeto com participação em praticamente todas as regiões do território nacional
em segmentos como a cultura do caju, assalariados rurais, construção civil, bares e
restaurantes e emprego doméstico (DIEESE, 2014b).
Essas experiências firmadas com apoio de diversas instituições parceiras do
DIEESE serviram como pontapé para instituir práticas democráticas de solução
conjunta voltadas para os diversos impasses identificados sobre as relações de trabalho e
emprego em cada região. Dessa forma, o DIEESE enquanto entidade do movimento
sindical desenvolveu a expertise necessária para difundir a prática de diálogo social
voltada para os conflitos existentes no mundo do trabalho e, assim, conformar uma
metodologia própria para a realização de diagnóstico de mercado de trabalho com a
participação dos atores sociais.
A descrição sobre as atividades desenvolvidas com a participação de
trabalhadores em teleatendimento, setor empresarial do ramo e instituições
representativas da sociedade civil a seguir, caracteriza as etapas da metodologia de
diálogo social aplicada e explicita o comportamento dos atores sociais nos seus
respectivos espaços de representação de interesses.
2.1 As etapas do Diálogo Social no teleatendimento
A primeira etapa do diálogo social no teleatendimento consistiu na realização
de uma oficina com trabalhadores do setor. O objetivo deste primeiro momento foi
sensibilizar os trabalhadores em relação as suas percepções sobre o exercício do
trabalho no setor teleatendimento. A atividade contou com um debate inicial, abordando
o perfil dos trabalhadores, a evolução do setor, do mercado, maiores empresas,
faturamento, produtividade, remuneração dos trabalhadores e rotatividade.
A partir das informações apresentadas e das experiências pessoais de cada
participante, foram debatidos nove temas: (i) Condições de trabalho; (ii) Relação com
colegas e chefias; (iii) Pressão no trabalho e saúde; (iv) Conciliação do trabalho com a
vida pessoal; (v) Remuneração; (vi) Jornadas e folgas; (vii) Intervalos; (viii)
16
Alimentação; (ix) Organização sindical. Em seguida, os participantes foram divididos
em grupos para discussão dos temas propostos e os resultados apresentados
sistematizados e agregados em três grandes temas e subtemas: (i) Condições de
trabalho: gerais; remuneração; auxílios e benefícios; jornada e intervalo/pausas; (ii)
Saúde do trabalhador e (iii) Organização sindical.
A definição do grupo e o papel de agente social no processo de constituição do
diálogo no setor de teleatendimento foi realizada obedecendo critérios sobre
abrangência de atuação, nível de representatividade e importância do relacionamento
com o setor. Dessa forma, três grandes blocos de representações delinearam-se: (i) os
representantes dos trabalhadores; (ii) representantes dos empresários,
(iii)
representantes do poder público e de entidades ligadas aos consumidores e sociedade
civil. A representação dos trabalhadores teve como foco o estado de São Paulo, pois esta
unidade da federação representa a maior base dos trabalhadores. As entidades dos
empregadores foram definidas segundo o critério da realização de negociação coletiva
com entidades de trabalhadores, e pela representatividade de grandes empresas. Os
órgãos do poder público seguiram critérios de relação direta ou indireta ao setor de
teleatendimento e as entidades ligadas aos consumidores e à sociedade civil foram
escolhidas a partir da relação de sua atuação com o setor de teleatendimento.
2.2 A experiência de Diálogo Social no setor de teleatendimento em São Paulo
A tentativa de construção da proposta de diálogo social iniciou com uma
discussão entre os atores sobre a caracterização do setor e do trabalho no
teleatendimento a partir da ótica do mercado e da profissão. Foram realizadas duas
exposições para democratizar o acesso a indicadores/reflexões sobre o setor, de forma a
estabelecer entre os sujeitos sociais presentes um patamar comum de reflexão sobre o
tema em questão.
Os principais pontos levantados pelos atores sociais permitiu desenhar um
quadro geral do setor que possibilitou a convergência de sete temas: (i)
Profissionalização; (ii) Rotatividade; (iii) Padrão salarial (patamar e remuneração
variável); (iv) Capacitação e treinamento; (v) Cumprimento da NR 17-Anexo II
(saúde/intensidade do trabalho); (vi) Leilão reverso; (vii) Cadeia de valores.
A proposta da oficina de diálogo social com os representantes do setor de
teleatendimento era estabelecer a discussão por grupos de representação, ou seja,
representantes dos trabalhadores, dos empresários, do poder público e da sociedade
17
civil. Porém, houve recusa da representação patronal22 em realizar a atividade desta
maneira, de modo que todo o debate foi feito em plenário, o que dificultou o processo
de sistematização. A configuração do campo de debate que abarcou as perspectivas
apresentadas sobre determinados temas, permitiu mapear, por um lado, pontos de
convergência, por outro, os limites do diálogo social nos momentos em que as
diferenças prevaleceram como barreira para construir soluções conjuntas:
1)
Profissionalização: houve convergência por parte da representação dos
empresários e dos trabalhadores, sobre a importância da regulamentação profissional do
trabalho em teleatendimento de modo a contribuir para a valorização profissional. A
profissão do teleatendimento ainda não está regulamentada e está em tramitação no
Senado Federal o Projeto de lei (PLC) nº 12/2016, cujo texto define o conceito de
trabalho em teleatendimento, a jornada máxima permitida, intervalos mínimos para
descanso e remuneração.
2)
Rotatividade: o setor é conhecido como dotado de elevada rotatividade,
principalmente entre os mais jovens. Identificou-se a rotatividade como um problema a
ser enfrentado pelos atores sociais (empresários e trabalhadores), mas que deve ser
trabalhado/estudado no âmbito da Mesa Nacional de Diálogo Tripartite do
teleatendimento. A representação dos trabalhadores identificou como causas da
rotatividade a pressão no trabalho em itens como a “aderência” 23, cumprimento do
script, qualidade do atendimento, assédio moral e cumprimento de metas. A
representação empresarial indicou causas múltiplas para a rotatividade, mas destacou
outras oportunidades de emprego como fator relevante para a mesma.
3)
Padrão Salarial: diferenças salariais entre as regiões do país são
grandes, ocasionando migração de empresas para estados/regiões com condição salarial
22
Existem no Brasil duas representações patronais no setor de teleatendimento. Somente uma delas
possui autorização legal do Ministério do Trabalho e Previdência Social (MTPS) para negociar com os
sindicatos de trabalhadores Acordos ou Convenções Coletivas de trabalho. Porém, a outra representação
possui, dentre seus associados, as maiores e mais importantes empresas do setor. Há, portanto,
divergências entre as representações dos empresários.
23
O critério “aderência” refere-se ao “login” no computador, por parte do funcionário, sem interrupções,
como pausas para ir ao banheiro. Caso o trabalhador tenha 100% de “aderência”, a sua remuneração
variável não é prejudicada.
18
pior, bem como o patamar da remuneração, considerado muito baixo. Não houve ponto
de convergência neste tema.
4)
Capacitação e treinamento: o único ponto de convergência foi o Anexo
II da NR 17 como referência para um programa de capacitação dos trabalhadores. As
avaliações foram diversas, com destaque para as representações empresariais, cujo
entendimento é de necessidade de criação de um programa com conteúdo mínimo
relacionado à saúde dos trabalhadores, para capacitar principalmente os gestores. A
representação laboral definiu a importância da qualificação profissional para o trabalho
de maneira geral e não somente para o produto da empresa; que a formação deve ser
profissional, com o intuito de criar mecanismos de acolhimento em situações de risco à
saúde física e mental dos empregados, garantindo a valorização da apreensão do
conhecimento. As entidades da sociedade civil ressaltaram que a rotatividade e
qualidade no atendimento estão relacionadas à capacitação, assim como os programas
de treinamento deverem incluir princípios fundamentais de direitos dos consumidores e
de que o excesso de fragmentação no trabalho prejudica o consumidor, o empregado e a
empresa.
5) Cumprimento do Anexo II da NR 17 (saúde/intensidade do trabalho):
houve reconhecimento pela representação empresarial da necessidade de análise de
pleitos dos trabalhadores no tocante a este tema, porém transferiu o debate para a Mesa
Nacional, restringindo ao espaço do diálogo social a capacitação associada à saúde. As
representações dos trabalhadores, por sua vez, identificaram a reorganização do controle
dos tempos de trabalho (script, pausas, remuneração variável) e o entendimento sobre o
que é doença do trabalho no setor, como itens fundamentais a serem trabalhados, de
modo que o Anexo II da NR 17 seja cumprido efetivamente pelas empresas. Os pontos
convergentes foram: a) cumprimento do Anexo II da NR 17; b) debate sobre sua
aplicação; c) debate sobre a capacitação de gestores sobre o processo de trabalho com
foco na saúde do trabalhador e d) debate sobre a reorganização do controle dos tempos
de trabalho.
19
6) Leilão reverso24: o único ponto convergente foi a necessidade das empresas
operadoras
de
telecomunicação
estarem
presentes
na
Mesa
Nacional
de
Teleatendimento.
7) Cadeia de valores: houve a avaliação de que os problemas do setor de
teleatendimento estão relacionados aos próprios serviços prestados pelas contratantes
(empresas de telecomunicação, setor financeiro etc), de qualidade duvidosa; houve
também a preocupação de mudar a imagem do teleoperador em relação à sociedade. O
ponto convergente foi a necessidade de debate sobre o atendimento ao cliente e
condições de trabalho, indissociáveis.
A avaliação da atividade pelos atores sociais foi de reconhecimento da
importância do espaço de diálogo social, devido à exposição de problemas de um setor
econômico muito relevante na sociedade brasileira. Ressaltou-se que os trabalhos
desenvolvidos na Oficina de Diálogo Social, cuja intenção foi compreender melhor o
tema das condições de trabalho no setor, problemáticas e precarizadas, e devem somar
aos debates da Mesa Nacional de Diálogo Tripartite. As entidades patronais, apesar de
não haver convergência em todos os pontos tratados, reconheceram este espaço como
importante, mas ressaltaram a limitação da Oficina pelas atividades da Mesa, iniciada
em 2015.
As entidades representantes dos trabalhadores enfatizaram que o debate na
Oficina contribui para melhorar os trabalhos da Mesa, já que os esforços se somam.
Também atribuíram à constituição da Mesa Nacional ao momento que o setor vive25 e a
urgência da solução para os temas tratados. As entidades ligadas aos consumidores
enfatizaram os objetivos da Oficina de Diálogo Social de superar conflitos de consumo,
no sentido de consumidores cidadãos.
De modo geral, a primeira atividade pôde apreender os problemas no interior das
empresas que são estruturais à própria organização do setor, que por sua vez determina
as condicionantes que estruturam as bases da precarização do trabalho no
teleatendimento, enredando trabalhadores em uma teia, aparentemente sedutora do
24
O leilão reverso é uma modalidade em que empresa ofertante do menor preço, ganha. Havia expectativa
de realização de leilão nesta modalidade em 2015, de modo a ampliar a promoção do acesso à banda larga
no país. A preocupação das entidades dos empresários e trabalhadores está amparada na possibilidade das
empresas e, consequentemente, dos trabalhadores, serem prejudicados com este tipo de leilão.
25
Referência ao processo de fiscalização de empresas do setor pelo MTPS.
20
ponto de vista da oportunidade de inserção no mercado de trabalho formal e jornada
reduzida, que se revela com baixas exigências na contratação, mas por outro lado,
aponta para poucas possibilidades de reter o trabalhador pela baixa remuneração,
intensidade do trabalho, incidência de problemas de saúde, rigidez das estruturas de
carreiras e modelo de gestão.
Considerações finais
Fatores como baixos salários, alta rotatividade, falta de incentivos à qualificação
profissional, dificuldade de organização sindical com pouca interferência no local de
trabalho, somados à desvalorização do profissional submetido ao contexto de
desproteção do emprego onde há predomínio da terceirização, são aspectos que
corroboram para a situação de trabalho precário no Brasil. Condicionados à formalidade
precária, os operadores em call center convivem com uma agenda sindical pouco
efetiva. Em que pese iniciativas que notabilizam melhorias no ambiente de trabalho,
avanços concretos ainda representam uma quimera para grande parcela desses
trabalhadores.
Deste ponto de vista, o Diálogo Social, como um instrumento de intervenção da
realidade, permitiu compreender a precarização do trabalho e a sua relação com as lutas
sindicais ao colocar frente-a-frente quinze participantes representando a classe patronal,
sindicato de trabalhadores, e órgãos do poder público que debateram em plenária sete
temas estratégicos para o setor: (i) profissionalização, (ii) rotatividade, (iii) padrão
salarial,
(iv)
capacitação
e
treinamento,
(v)
cumprimento
da
Norma
Regulamentadora17-Anexo II que aborda saúde/intensidade do trabalho, (vi) leilão
reverso e (vii) cadeia de valores. O diálogo social com os atores sociais, coordenada
pelo DIEESE, promoveu reflexões importantes relacionadas às condições/ relações de
trabalho e saúde dos teleoperadores. O espaço do Diálogo Social não pretende ser um
espaço conclusivo e nem de consensos, necessariamente, mas um local de promoção da
reflexão. Nesse sentido, apesar da avaliação positiva pelos participantes, o
desenvolvimento da Oficina obteve bastante resistência por parte das representações
empresariais, ao transferirem constantemente o debate dos temas para a Mesa Nacional
de Diálogo Tripartite do Teleatendimento.
A instalação da Mesa do Teleatendimento no âmbito do MTPS foi decorrência
do processo nacional de fiscalização pela Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT) nas
21
centrais de teleatendimento de algumas empresas do setor. O processo de fiscalização
pela SIT passou a ter abrangência nacional “após constatação de práticas padronizadas
na organização do trabalho, com consequências danosas para grande número de
trabalhadores. Como agravante, dois fatos chamaram a atenção da inspeção do
trabalho: o falecimento de uma operadora de teleatendimento dentro de um dos sites da
Contax SA, em Recife no final de 2011; e dados informados pelo INSS26 indicavam o
adoecimento massivo dos operadores de teleatendimento contratados por meio da
Contax SA, com fortes indícios de subnotificação das ocorrências, pela não emissão de
CAT27”.
Este fato favoreceu a confirmação da existência dos problemas no setor e sua
admissão por parte das representações empresariais. Portanto, em que pese a resistência
em buscar pontos convergentes sobre os temas discutidos, houve a compreensão da
inevitabilidade de estabelecimento do diálogo entre os atores sociais e da promoção de
mais momentos como esse, de modo a aprofundar o entendimento e a busca de soluções
para os diversos conflitos existentes.
O engajamento de representantes sobre problemas condizentes ao seu papel
institucional permite construir pontes que fortalecem os instrumentos democráticos
acessíveis à classe trabalhadora. Nesse sentido, o diálogo com atores sociais tornou-se
ferramenta vital para encaminhar possíveis soluções com reconhecimento dos
responsáveis para cada ação identificada.
É importante ressaltar que a prática do diálogo social permitiu aproximar atores
que convergiram para visões de mundo muito parecidas no que se refere ao
enfrentamento dos problemas do setor de teleatendimento, entretanto, o método do
diálogo social não mobilizou suficientemente os participantes que representaram a
bancada patronal.
Embora a atividade tenha sido elencada como proposta indispensável para se
chegar ao entendimento mínimo comum sobre as condições de trabalho que afetam
recorrentemente os trabalhadores, algumas deficiências no quesito da representatividade
sindical e da pouca disposição para reconhecer os problemas inerentes à categoria
impediram avanços no debate ocorrido no formato de plenária.
26
INSS: Instituto Nacional de Seguridade Social.
As empresas são obrigadas e emitir a Comunicação de acidente de trabalho (CAT) quando da
ocorrência de incidente no local de trabalho e também no trajeto entre a residência do trabalhador e o
local de trabalho.
27
22
Conclui-se, portanto, que o encontro de diferentes atores do campo institucional
foi significativo para promover uma reflexão sobre as condições de trabalho no
teleatendimento e apresentou como ponto pacífico, a necessidade de endossar a
participação dos atores e fortalecer o diálogo para construção de consensos e viabilizar
avanços nas relações de trabalho presentes neste setor de teleatendimento.
Fundamentalmente aponta para a importância desses espaços de forma permanente,
estabelecendo canais de apresentação de problemas, construção de consensos, busca de
concertação social. Diálogo social não se faz a partir de encontros fortuitos e tão pouco
sem a disponibilidade de negociar. Constitiu-se em ferramenta primordial em uma
sociedade democrática, justa e solidária e que prima pela qualidade das relações e
condições sociais e de trabalho.
Bibliografia
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reforma sindical. Rev. Katál, Florianópolis. v. 10. n.1 p. 54-64 jan/jun, 2007.
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SIT. Secretaria de Inspeção do Trabalho. Terceirização ilícita de serviços de
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Relatório Fiscal. Dezembro/2014.
Anexo I – Quadro síntese com os principais problemas identificados sobre as condições de
trabalho no teleatendimento
Temas
abordados
Problemas
Falta de manutenção predial dos locais de trabalho
Más condições das ferramentas do trabalho
Exemplos
Mobílias quebradas, ar condicionado quebrado ou sem manutenção, elevador, segurança,
bebedouros, microondas, geladeira, iluminação ruim, corrimão, má higiene (controle de
pragas), estrutura do prédio
Readphones, cadeiras e computadores quebrados
Há acúmulo e desvio de função: o trabalhador acumula funções
que não foram definidas inicialmente ou realiza tarefas distintas
do estabelecido em seu contrato de trabalho
. O supervisor e/ou coordenador não se comunica harmoniosamente com o funcionário em
virtude das metas que devem ser alcançadas;
Relações conflituosas com as chefias imediatas (supervisores,
coordenadores e gestores)
. Há pouca sensibilização para troca de horários e/ou elaboração de escalas, levando em
consideração as necessidades especiais da vida familiar de trabalhadores com dependentes
sob seus cuidados;
. Dificuldades em obter aceitação de atestados/declaração de horas para acompanhamentos
de filhos/idosos. O tempo de acompanhamento é superior ao tempo contido no atestado e a
empresa não abona as horas.
Geral
Contratação inadequada: trabalhadores são contratados para
vagas sem ter o perfil necessário
RH deve cumprir metas de contratação, exigidas pelos clientes das CTA's, caso não obtenha
candidatos suficientes, utiliza-se de outra seleção para preencher as vagas necessárias,
mesmo que o candidato não tenha o perfil.
Treinamento inicial inadequado
Treinamento realizado após contratação é insuficiente para o início da atividade
Funcionário paga as despesas com alimentação e transporte
durante treinamento inicial (5 primeiros dias)
Embora a CCT (cláusula 18ª) defina o pagamento de alimentação aos trabalhadores em
testes admissionais, os participantes da oficina apontaram que as empresas não cumprem
esta cláusula e indicam que o correto seria o pagamento do transporte, inclusive.
Empresas aproveitam-se das fragilidades/vulnerabilidades
pessoais dos candidatos a vagas de emprego
Mulheres, negros, homossexuais, idosos, obesos, entre outros
Empresa descumpre compromisso assumido no processo
seletivo, no que se refere ao pagamento de auxílio transporte
As empresas definem a rota do transporte que o funcionário irá realizar, restringindo o
pagamento a esta rota. Qualquer mudança de rota realizada pelo trabalhador para facilitar
seu deslocamento ao local de trabalho ou residência é arcado pelo trabalhador.
Não cumprimento do "script" afeta a remuneração variável
Os trabalhadores indicaram que as empresas pressionam para o cumprimento do script de
modo a acelerar o atendimento, garantindo o cumprimento das metas de remuneração
variável.
Estabelecimento de metas difíceis de serem cumpridas
Remuneração/
auxílios/
benefícios
Metas sofrem constantes alterações
Trabalhador não possui pleno conhecimento dos critérios
utilizados para estabelecimento de metas
Afeta a remuneração variável
Salários são insuficientes
VR é muito baixo
O valor recebido para alimentação é insuficiente para uma refeição de qualidade (custo
médio de R$). Levando em consideração o tempo de deslocamento casa-trabalho e trabalhocasa, geralmente superior a 8\10 horas, nesse período o trabalhador necessita, ao menos,
de uma refeição completa
24
Salários diferenciados para a mesma função
Plano de cargos e salários com evolução horizontal
Salários de trabalhadores em operadoras é superior àqueles das
empresas terceiras
Horas extras em excesso
Os baixos salários incentivam a realização de muitas horas extras
. Trabalhador não é avisado com antecedência necessária sobre sua escala
. O descanso semanal de pelo menos uma vez por mês aos domingos não é respeitado
Jornada
Escalas mal elaboradas
. As escalas não consideram as necessidades especiais de trabalhadores com dependentes
sob seus cuidados (filhos, idosos)
. Poucas folgas aos finais de semana. As empresas restringem as folgas ao estabelecido na
NR 17
Intervalos/
pausas
Intervalo para repouso e alimentação de 20 minutos é muito curto
Os 20 minutos são insuficientes, pois o trabalhador tem de se deslocar até o local em que vai
se alimentar, se alimentar e retornar ao seu posto de trabalho.
O critério "aderência" interfere nas pausas para uso do banheiro e
tb na remuneração variável
Se o trabalhador não obtiver 100% da "aderência" é prejudicado em sua remuneração
variável e a pausa banheiro afeta a "aderência".
Empresas pressionam o trabalhador a utilizar as pausas de 10'
para o uso do banheiro.
Punições por atrasos após as pausas de 10' e 20'
Empresas dificultam ou não aceitam atestados médicos ou
comprovantes de horas
A CCT (cláusula 48ª) define: os atestados médicos podem ser emitidos por órgãos públicos
de saúde, pelo convênio médico ou ambulatorial da Empresa e devem ser entregues em até
72 horas. Atestados que abonam horas devem ser apresentados em até 24 horas, a partir da
sua emissão.
Empresas não aceitam diversos atestados de profissionais
relacionados à saúde
Psicólogos; odontologistas (aceitam apenas para extração de dentes); fisioterapeutas
Ausência de exercício laboral
Problemas auditivos
Exame audiométrico é realizado somente na admissão
Problemas vocais
Rouquidão; afonia
Problemas visuais
Saúde do
trabalhador
Problemas de LER
Tendinite
Pressão das chefias para que o trabalhador cumpra o "script" em
sua totalidade
Pressão pelo cumprimento de metas causa um ambiente de
trabalho estressante
Assédio moral é praticado em cadeia hieráquica
Coordenador assedia o supervisor e este assedia o teleoperador
Assédio sexual nos locais de trabalho
Ausência de estrutura e/ou profissionais para atendimentos
emergenciais relacionados à saúde, em especial em grandes
"sites" (não cumprimento da NR 4)
A NR 4 define critérios para a presença de técnicos em segurança do trabalho, auxiliares de
enfermagem, enfermeiros e médicos do trabalho nos locais com quantidades definidas de
trabalhadores
Deslocamento inadequado ou demorado em situações
emergenciais relacionadas à saúde
Trabalhador é deslocado de taxi, sendo que deveria ser deslocado de ambulância
Medicação ministrada inadequadamente
Em casos de doenças crônicas. Exemplos: medicação disponibilizadas para tratamentos
emergenciais de hipertensão são restritos
Práticas anti-sindicais por parte das empresas, através de
coordenadores e supervisores
Os superiores hierárquicos "convencem" os trabalhadores de que o sindicato não faz nada,
que é "vendido", de que só quer o imposto sindical
Impedem/dificultam o acesso do sindicato ao local de trabalho
Rotatividade atrapalha a organização sindical
Organização
Sindical
Mobilização dos trabalhadores é ruim; não há união
Há delegados sindicais que não atuam adequadamente nos
locais de trabalho: falta mais apoio do sindicato aos delegados
Sindicato precisa estar mais presente nos locais de trabalho
Outros
Necessidade de renovação dos dirigentes sindicais na diretoria
do sindicato
Intervenção/fiscalização dos órgãos trabalhistas é ruim e
insuficiente
Fonte: DIEESE. Oficina de Diálogo Social sobre formas de precarização do trabalho / Elaboração: DIEESE.
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