Estratégias jurídicas e tributárias para enfrentar a crise

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Estratégias jurídicas e tributárias para enfrentar a crise
www.affectum.com.br
Edição N° 8 Ano 3 - Revista Trimestral da Affectum Consultoria
Estratégias jurídicas e tributárias
para enfrentar a crise
Blindagem patrimonial: é possível?
PÁGINA 10
Cédulas rurais:
STJ determina devolução
de diferenças de correção
aos produtores rurais
PÁGINA 12
Entrevista:
Tarso Teixeira
VICE-PRESIDENTE
DA FARSUL
PAGINA 6
Agropecuária Nemitz
A 12
INGI
PÁGPÁ
NA 13
As sementes do futuro plantadas hoje
Apresentação
Gestão Rural
Jul/Ago/Set 15
2
Edição nº 8
Editorial
Expediente
A Revista Gestão Rural
é uma publicação da
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Jornalista Responsável
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Revisão
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Tradutora e Revisora Inglês-Português
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Novidades e mudanças
A partir desta edição, a Gestão Rural passará a contar com um formato fixo de
colunas, matérias e reportagens. De acordo com a experiência que adquirimos nas
sete edições anteriores a esta, filtramos o conteúdo que mais agradava a nosso
público e decidimos, a partir de agora, produzir conteúdo sob medida para este
formato.
A cada edição, teremos:
• Três colunistas abordando temas variados;
• Uma matéria relatando a história e as melhores práticas de uma empresa
de sucesso do setor;
• Uma reportagem de capa abordando um tema atual;
• Uma entrevista com personalidades do agronegócio;
• Uma decisão judicial relevante e atual relacionada ao agronegócio,
devidamente comentada para o entendimento do leitor;
• Uma seção de perguntas e respostas sobre um tema relevante para o
agronegócio;
• Uma coluna tratando sobre o tema “negócios familiares”.
Com isso, pretendemos que o leitor
adquira familiaridade com o conteúdo que
produzimos.
Para a edição de estreia deste novo
formato, foi difícil fechar o conteúdo,
tantas as alternativas possíveis. Nossa
reportagem especial trata do onipresente
tema da crise econômica (ou crise política?), que tem abalado a confiança e o
humor dos empresários brasileiros. Nesta
matéria, elencamos as maneiras como o
empresário pode se proteger da crise e
navegar através dela.
O Presidente do Sindicato Rural de São
Gabriel, Sr. Tarso Teixeira, nos privilegiou
com uma entrevista, esclarecendo seu
ponto de vista sobre diversos assuntos
relacionados ao agronegócio. Dono de
uma visão diferenciada do universo do rural, suas opiniões desde há muito vinham
chamando nossa atenção, e sua presença
nesta edição é excelente complemento a
nossa matéria de capa.
Já o case de sucesso desta edição vem
do município de Manoel Viana, na fronteira oeste gaúcha, com a Agropecuária
Nemitz. Caio Nemitz, um dos gestores do
negócio familiar, gentilmente nos concedeu
uma entrevista na Expointer, explicando a
origem, principais práticas, projetos e caminhos percorridos pela empresa, que hoje
administra cerca de 10,5 mil hectares. Ao
longo da entrevista, Caio fez questão de
enfatizar a importância da irmã Carla e do
pai Antonio para o sucesso do negócio,
dando pistas das razões para o sucesso
da empresa.
Um ponto que chamou bastante atenção na conversa com Nemitz foi o destaque
dado por ele para a importância dos bons
relacionamentos, da informação e do conhecimento para o sucesso dos negócios
rurais. Nossa identificação com essa visão
foi imediata, tendo em vista que a missão
desta publicação é justamente produzir e
difundir relacionamentos, informação e conhecimento. A sensação foi de estar no
caminho certo.
Esperamos que, mais uma vez, esta
edição agrade e que as mudanças implementadas tenham vindo para melhor. Mais
novidades e mudanças estão a caminho!
Boa leitura!
Ricardo Paz Gonçalves
Edição nº 8
3
Gestão Rural
Índice
Jul/Ago/Set 15
Índice
Editorial: Novidades e Mudanças
3
O impacto do aumento do ITCD na agropecuária
4
Giro pela Affectum
5
Entrevista: Tarso Teixeira, vice-presidente da Farsul
6
Clipping de notícias
7
Mulheres dominam o agronegócio da agrossociedade
7
Matéria Especial: Estratégias para enfrentar a crise
8
Por Sidnei Peres Gonçalves
Por José Luiz Tejon
Seguro agrícola é a estabilidade financeira do negócio
10
Coluna Negócios Familiares: Acordo de sócios
11
Aumento de ICMS: Mais impostos e menos serviços
12
Case de Sucesso: Agropecuária Nemitz
13
Perguntas e Respostas: Correção das cédulas no Plano Collor
16
Por Ricardo Paz Gonçalves
Por Ricardo Paz Gonçalves
Gestão Rural
Atualidades
Jul/Ago/Set 15
4
Edição nº 8
DECISÃO COMENTADA
Leis e Impostos
STJ determina devolução
de diferenças de correção
aos produtores rurais
Sidnei Peres Gonçalves*
*Contador e Advogado – Diretor da Affectum
O impacto do aumento
do ITCD na agropecuária
Uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), datada de dezembro de
2014, determinou a redução dos percentuais de 84,32% e 74,6%, aplicados
nos meses de março/abril de 1990, para 41,28% no cálculo dos juros incidentes
nos contratos de financiamento rural corrigidos pelos índices da poupança. A
ação foi originariamente uma Ação Civil Pública proposta em 1994 pelo Ministério Público Federal, e a decisão é resultante do acolhimento, pelo STJ, dos
recursos do Ministério Público Federal, da Sociedade Rural Brasileira (SRB) e
da Federação das Associações de Arrozeiros do Estado do Rio Grande do Sul
(Federarroz).
Em resumo, o STJ condenou o Banco do Brasil a devolver a parte da correção monetária aplicada no Plano Collor e cobrada a maior nos meses de março
e abril de 1990 nos contratos de financiamentos rurais dos produtores. Restou
definido pela decisão que todos os produtores rurais poderão ingressar com
ações visando à devolução/exclusão desses percentuais nos débitos renegociados, mediante comprovação da tomada de financiamento no período em que
os índices foram aplicados.
No último dia 16 de setembro, foi aprovado na Assembleia Legislativa do nosso
Estado, o Projeto de Lei n.º 213/2015, que
modificou a Lei n.º 8.821 – lei que instituiu
o Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis
e Doação de quaisquer bens ou direitos.
Como por via de regra acontece, as modificações tiveram o objetivo precípuo de
aumento da carga tributária. Na lei atual,
a alíquota incidente na transmissão causa
mortis é o percentual fixo de 4% sobre o
total do quinhão a ser transmitido. Com a
alteração proposta pela nova lei, haverá uma
tabela progressiva em que os valores até
R$ 30.971,12 estarão isentos e, sobre os valores dos quinhões superiores a esse teto,
incidirão alíquotas progressivas de 3% a 6%.
O teto para a incidência da alíquota máxima
é, em valores atuais, R$ 774.280,00. Esses
limites são fixados em número de UPF-RS
(Unidade Padrão Fiscal do Rio Grande do
Sul) e, assim, são alterados anualmente.
Na mesma lei, está previsto o aumento
do imposto sobre doações de 3% para 4%.
Para ser ter uma ideia do impacto desse tributo na transmissão de patrimônios constituídos de imóveis rurais, se tomarmos como
base a avaliação de um hectare ao valor de
R$ 10.000,00, a transmissão de patrimônios superiores a 77,40 hectares já sofrerá
a incidência da alíquota máxima do tributo.
Assim, teremos um aumento real de dois
pontos percentuais em um tributo que incide
sobre o valor do patrimônio, o qual, no caso
da atividade rural, é muito elevado.
Alertamos que, embora conste no projeto de lei que “Esta Lei entra em vigor na
data de sua publicação”, em respeito aos
princípios constitucionais tributários, ela só
entrará em vigor no próximo exercício.
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CRÉDITO RURAL. REAJUSTE DO SALDO DEVEDOR.
INDEXAÇÃO AOS ÍNDICES DE POUPANÇA. MARÇO DE 1990. BTNF (41,28%). PRECEDENTES DAS
DUAS TURMAS INTEGRANTES DA SEGUNDA SEÇÃO DO STJ. EFICÁCIA “ERGA OMNES”. INTELIGÊNCIA DOS ARTIGOS 16 DA LEI DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA COMBINADO COM 93, II, E 103, III DO CDC.
PRECEDENTES DO STJ.
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Restituição dos valores
De forma prática, para a obtenção da restituição dos valores pagos
a maior, é preciso ajuizar uma ação
contra o Banco do Brasil, anexando-se
todos os contratos e os dados necessários para a elaboração do cálculo de
seu benefício, ou requerer a liquidação
de sentença, no caso dos produtores
que não têm todos os elementos para
a apuração do valor.
O ideal é que o produtor tenha cópia da cédula rural e dos comprovantes
de liberações e pagamentos, pois, com
esses dados, é possível a reconstituição da conta e o cálculo do valor exato
a ser devolvido. Caso o produtor não
possua os documentos, o banco tem o
dever de entregá-los. Uma alternativa
é fazer uma busca junto ao Cartório
do Registro de Imóveis da Comarca
onde está situada a agência bancária,
pois as cédulas rurais são de registro e
arquivamento obrigatório. Com algum
documento em mãos que comprove a
existência de financiamento em nome
do produtor rural, já é viável pedir judicialmente que o banco entregue os
demais que faltarem.
Vale lembrar que a devolução dos
valores pelo banco deve ser corrigida
monetariamente desde a data do efetivo pagamento pelo mutuário, adicionando-se os juros legais, que serão de
0,5% a.m. até janeiro de 2003 e de
1% após essa data.
Pela contagem do prazo normal,
o direito à ação estaria prescrito para
aqueles que não entraram com ações
individuais, pois o prazo prescricional
de 20 anos findou em 31 de março
de 2010. Porém, considerando que a
ação paradigmática foi uma ação coletiva, o benefício se estende a todos
os produtores rurais, possibilidade esta
constante na própria decisão.
É muito difícil para aqueles não experts em números quantificarem o real
valor atual do benefício alcançado, até
mesmo em razão de que, de março de
1990 até hoje, houve duas mudanças
de moeda: em março de 1990, tínhamos o cruzeiro (Cr$); em 01/08/1993,
ele foi transformado em cruzeiro real
(CR$), com a divisão do valor da moeda por 1.000; em 01/07/1994, o
cruzeiro real foi transformado em real
(R$), com sua divisão por 2.750. Além
disso, da instituição do real como moeda até hoje, já houve correção monetária de 530,48%. Todas essas alterações dificultam sobremaneira uma
avaliação matemática. Podemos, de
uma forma simplificada, dizer que,
para cada Cr$ 100,00 (Cruzeiros) pagos em 31/03/1990, teremos hoje,
corrigidos, o valor de R$ 11,99 e, de
juros, teremos R$ 18,22.
Dessa forma, os produtores rurais
recuperaram a possibilidade de, por
meio de decisão judicial, serem ressarcidos pelas perdas indevidas que tiveram com o cálculo incorreto dos juros.
Sidnei Peres Gonçalves
Edição nº 8
5
Gestão Rural
GIRO PELA AFFECTUM
Jul/Ago/Set 15
Ao vivo e a cores, debate
sobre sucessão familiar
Repercutiu em nível nacional, o debate sobre sucessão familiar realizado
durante a Expointer, em Esteio, no dia
2 de setembro, na sede da RBS, do qual
participou o diretor da Affectum e consultor do Sebrae, Ben-Hur Risso Xavier.
O evento foi transmitido ao vivo pelo Canal Rural, que promoveu a atividade em
parceria com Farsul, Senar e Sebrae, entidades que integram o Programa Juntos
para Competir.
O evento, denominado “A Sucessão
Familiar, uma Atitude Empreendedora”,
contou com a presença do gerente setorial de Agronegócios do Sebrae/RS, João
Paulo Kessler, do técnico do Senar-RS,
Antônio Aguinaga, e dos produtores rurais Yara Suñe, de Lavras do Sul, e Alexandre Becker, de Travesseiros, que relataram as suas experiências em relação
à sucessão.
Ben-Hur fez uma palestra de sensibilização, na qual expôs os desafios da
sucessão e salientou que é muito complexa a questão família, poder e dinheiro,
aliada à aceitação de novas lideranças.
Ressaltou que é necessário que as famílias falem sobre o assunto no seu ambiente de convívio. Dentro de sua experiência de mais de 25 anos lidando com
sucessão familiar, disse que é preciso
ALEGRE T
E
Palestra sobre sucessão familiar foi transmitida ao vivo pelo Canal Rural
dar espaço às novas lideranças, que os
mais novos precisam ver um horizonte.
Ben-Hur garantiu que “quem não planeja
a sucessão perde recursos e acaba perdendo futuros sucessores”. Falou que é
importante que os pais não obriguem os
filhos a ser sócios, o que pode resultar
em desavenças futuras.
Em sua opinião, para planejar a sucessão, é sempre melhor quando existe
um líder e ele é aceito pelo grupo. “A
sucessão deve ser tratada num ambiente
multidisciplinar com um mediador que irá
auxiliar na elaboração de um acordo societário. Posteriormente, deve ser firma-
7ª Etapa do Circuito Gestão
e Inovação no Agronegócio
No dia 17 de outubro, acontece a 7ª Etapa do Circuito Gestão e Inovação no Agronegócio, promovido pelo Instituto de Educação no Agronegócio I-UMA com apoio da Federarroz e do Sindicato Rural de Alegrete.
O evento será por ocasião da Exposição Feira de Alegrete e, nesse ciclo
de palestras, atendendo a convite do I-UMA, estará presente o diretor
da Affectum, Ben-Hur Risso Xavier, que falará sobre sucessão familiar no
agronegócio. Esta será mais uma oportunidade para levar seus conhecimentos e experiências aos produtores da região, que costumam prestigiar
ocasiões em que assuntos de interesse são tratados.
do um contrato que mostre com clareza
o que foi decidido em comum acordo.”
Reitera que tudo precisa ser discutido e
existir confiança, fatores fundamentais
para que o projeto de sucessão dê certo
e que, em um curto espaço de tempo,
ele se concretize, separando o que é família e o que é negócio.
O debate realizado na Expointer resultou em interessantes questionamentos do público, respondidos pelos convidados. Assim, pouco a pouco o assunto
vai sendo desmistificado e tratado com a
importância que merece dentro da gestão dos negócios.
Painel Econômico / Danilo Ucha
O sócio-diretor da Affectum, Feliciano Almeida
Neto, tem sido fonte de informações na imprensa da capital. Recentemente, veiculou no Jornal do
Comércio, na coluna Painel Econômico, do jornalista
Danilo Ucha, nota referente à compra e venda de
gado e também a despesas com feiras. Para quem
quiser conferir, acesse o site: www.affectum.com.
br.
ENTREVISTA
Gestão Rural
Jul/Ago/Set 15
6
Edição nº 8
O desafio é transformar
a crise em oportunidade
Atuante na área associativa e uma liderança
no Estado, o presidente do Sindicato Rural de
São Gabriel e vice-presidente da Farsul, Tarso
Teixeira, respondeu à Revista Gestão Rural vários
questionamentos sobre o atual momento e seus
reflexos no agronegócio. Vale à pena conferir.
1 Em seus artigos, o senhor costuma abordar a dicotomia entre agricultura familiar e o agronegócio, bem
como o ranço ideológico alimentado contra o chamado
“modelo empresarial”. Em sua opinião, esses dois modelos se contrapõem ou podem conviver bem juntos?
Em qualquer sociedade civilizada, trabalha-se pra profissionalizar cada vez mais a atividade de quem está na economia de
forma, digamos, informal, familiar. Aliás, no empresariado urbano, as políticas do governo são para formalizar a atividade das
empresas que operavam de forma mais caseira. Mas, quando se
trata da produção rural, cria-se essa falsa dicotomia, separando
a agricultura empresarial da agricultura familiar. Ministérios separados, orçamentos separados, tudo criando uma grande confusão e impedindo uma política agrícola ordenada e clara para
o país. Eu defendo há muito tempo que os dois modelos não
devem apenas conviver juntos, mas que haja políticas públicas
para profissionalizar cada vez mais o agricultor familiar, para que
possa competir no mercado como um empreendedor. Capacidade não lhe falta, o que existe é uma cultura política que prefere
mantê-lo na subsistência.
2 Fale sobre a possibilidade de a região de São Gabriel se tornar a líder na produção de soja do Rio Grande
do Sul, considerando os 97 mil ha plantados?
Na verdade, algumas pessoas interpretaram isso como pretensão, sem atentar para os números. Hoje, a metade Norte
do Estado, onde a soja possui maior tradição, não possui áreas
para expansão da cultura, enquanto em São Gabriel plantamos
já perto de 100 mil ha e ainda temos espaço pra expansão. A
cultura da soja encontrou um terreno perfeitamente adaptado
em São Gabriel, e isso a despeito do governo federal, que por
anos a fio excluiu o município das áreas preferenciais do zoneamento agroclimático da soja, impedindo que a cultura tivesse
financiamento bancário oficial. Mas, como se diz aqui na Fronteira, “pelo-duro” também sabe ser caborteiro, e conseguimos.
3 O produtor gaúcho é avesso ao emprego de conceitos empresariais em suas propriedades? É preciso
avançar nesse sentido?
Os avanços e investimentos em tecnologia feitos pelo produtor gaúcho nos últimos anos, credenciando o agronegócio
do Estado ao patamar que tem hoje, não me permitem sequer
considerar essa questão. Sim, é verdade que o gaúcho tende a
ser desconfiado por seu conservadorismo inato, mas isso não
é ruim. Pelo contrário, a mentalidade conservadora do gaúcho,
por paradoxo que seja, o ajudou a desenvolver formas de plantio
inovadoras, que contribuíram para ampliar a produtividade diminuindo o impacto no ambiente. O plantio direto é um exemplo
disso. Na verdade, penso que o segredo da qualidade da produção rural gaúcha, tanto na agricultura quanto na pecuária, é a
combinação eficaz de modernidade e tradição.
Tarso Teixeira, vice-presidente da Farsul
4 O agronegócio deverá manter o rigor de seu crescimento apesar da crise?
Certamente não no mesmo ritmo. Na verdade, já existe uma
pequena inflexão, e, se a crise econômica persistir, é possível que
a adaptação que o produtor tenha de fazer ao novo cenário possa
ser mais drástica em um primeiro momento.
5 A soja tem avançado sobre áreas tradicionalmente
dedicadas ao arroz e à pecuária. Até onde vai esse movimento?
Não vejo essa competição entre as duas culturas. Ao menos
na Fronteira Oeste e na Campanha Central, áreas onde a produção de soja simplesmente explodiu nos últimos anos, os insumos
utilizados na produção de soja incrementam também a produção
de arroz dentro do sistema de rotação de culturas e de integração
com a pecuária.
6 Qual é o grande desafio para o futuro do agronegócio?
O cenário recessivo da economia, sem dúvidas, oferece um
desafio importante para o agronegócio brasileiro. Mas crises, para
quem produz no Brasil, nunca foram novidades. Depois de um
longo ciclo de estabilidade econômica advinda do Plano Real, estávamos um pouco desacostumados, mas o setor, sem dúvida, vai
se refazer. O desafio é transformar a crise em oportunidade de
prospectar novos mercados. Mesmo neste cenário desfavorável,
a carne brasileira reconquistou acesso a mercados importantes,
como o dos Estados Unidos, e isso é significativo.
7 Em todas as áreas, as pessoas têm procurado economizar para superar esses tempos bicudos. A realidade
é de insumos caros e ativos escassos. Os produtores, o
que estão fazendo? Onde estão reduzindo seus gastos?
Em tempos de crise, na produção rural, como em qualquer
atividade econômica, é preciso criatividade. Uma das saídas sendo oferecidas para baratear custos ao produtor é o instrumento
das compras coletivas. Grupos de produtores reunidos conseguem
melhores preços adquirindo um maior volume de insumos. Um
dos integrantes do sistema Farsul é justamente a Casa Rural –
Centro do Agronegócio, que oferece serviços de formação de
grupos para a compra coletiva de insumos, tanto para a lavoura
quanto para a pecuária, reduzindo os custos de produção.
Edição nº 8
7
Gestão Rural
MÍDIA
Jul/Ago/Set 15
José Luiz Tejon
Valorização
Animados pela contínua valorização do dólar sobre o real, os produtores de
Mato Grosso negociaram, até o início de setembro, 40,1% da soja que devem
colher nesta safra 2015/2016, conforme informação divulgada pelo Instituto
Mato-grossense de Economia Agropecuária (Imea).
Crédito agrícola
O total de crédito rural liberado na safra 2014/2015 somou R$ 158 bilhões,
ultrapassando um pouco a meta do Plano Agrícola e Pecuário, de R$ 156 bilhões, segundo o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.
Versão estadual do CAR já está disponível
A versão estadual do Cadastro Ambiental Rural (CAR RS) já está disponível.
Desde o dia 9 de setembro, o envio das informações pode ser realizado apenas pelo site http://www.car.rs.gov.br/. O endereço está adaptado à legislação
gaúcha, principalmente em relação ao Bioma Pampa e aos banhados. O assessor técnico do Sistema Farsul Eduardo Condorelli informa que, desde a ativação
do sistema estadual, não é mais possível o envio pela versão nacional.
Câmara aprova lei para crime de abigeato
A Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei n.º 6999/2013, que
aumenta a pena para os crimes de abigeato no país. O texto agrava os crimes
de furto e receptação de animais e o comércio de carne ilegal. O projeto será
votado no Senado.
Agronegócio precisa de melhor logística e leis
modernas
Infraestrutura logística e de transportes, política de renda e política comercial são os grandes gargalos para uma maior expansão do agronegócio brasileiro, disse o coordenador do Centro de Agronegócio da Fundação Getúlio Vargas
(Gvagro) e ex-ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, no 34º Encontro Nacional de Comércio Exterior (Enaex).
Brasil será o maior produtor mundial de carne
bovina em cinco anos
Nos próximos cinco anos, o Brasil será o maior produtor de carne bovina do
mundo, superando os Estados Unidos, que atualmente ocupam o primeiro lugar
no ranking. A previsão é de Fernando Sampaio, diretor-executivo da Associação
Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (Abiec).
Segundo a entidade, o mercado nacional é responsável por 17% da produção total da carne bovina no planeta, e o norte-americano, 19%. “Hoje, já
somos os maiores exportadores do produto, mas podemos superar os EUA até
2020 no que diz respeito à atividade produtiva”, acredita Sampaio.
Alimentos: “O mundo vai precisar muito do
Brasil”
Por apresentar condições excepcionais para a produção de alimentos, a partir dos próximos 10 anos o mundo vai precisar muito do Brasil. A afirmação é do
representante da FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a
Agricultura) no Brasil, Alan Bojanic, se referindo ao mais recente relatório feito
pela OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) em
parceria com a entidade. O documento aponta que a agricultura mundial terá
de ampliar em 80% a produção de alimentos até 2050 para atender às necessidades de uma população cujas projeções chegam a 9,7 bilhões de pessoas.
Mulheres dominam
o agronegócio na
agrossociedade
A cada dia, cresce a dominância feminina, inclusive no agronegócio. Nesse sentido,
a Abag, Associação Brasileira de Agronegócio,
e o Grupo Alfa estão iniciando um estudo a
respeito do papel da mulher no novo agronegócio brasileiro.
Mas enquanto o estudo apenas inicia aqui
no Brasil, um evento realizado na semana
passada contou com mulheres do mundo
todo. O Women Vendors Exibition, organizado pela APEX-Brasil e pelo International Trade
Center, contou com cerca de 300 empresárias, de 42 países, das quais 59 cafeicultoras.
As rodadas de negócios geraram mais de
US$ 20 milhões, sendo só as cafeicultoras e
os investidores responsáveis por US$ 3 milhões, e comida gourmet por mais US$ 4 milhões.
As mulheres, utilizando seu talento e capacidade de foco, deram um show de marketing e inovação. No Brasil, na região do norte pioneiro do Paraná, existem cerca de 250
mulheres produtoras de café. No Rio Grande
do Sul, na FARSUL (Federação da Agricultura
do Rio Grande do Sul), a Sra. Zenia coordena
um grupo de mais de 700 mulheres produtoras. Há ainda a Teka em São Paulo e em
Rondônia.
Ou seja, se as mulheres já mandam em
quase tudo, agora irão com justiça comandar
também o agronegócio ou, ao menos, comandá-lo ao lado dos homens. Será ótimo
para o agronegócio brasileiro. A sensibilidade, intuição e sensitividade femininas serão
de elevado valor para o país, onde agrossociedade será cada vez mais o nome do novo
agronegócio.
José Luiz Tejon
• Jornalista e publicitário;
• Comentarista da Rádio Jovem Pan;
• Mestre em Educação, Arte e Cultura;
• Doutorando em Ciências da Educação
(Universidad de la Empresa);
• Professor de pós-graduação da FGV Incompany;
• Dirigente do Núcleo de Agronegócio da ESPM;
• Conselheiro do CCAS (Conselho Científico para a Agricultura
Sustentável);
• Ex-diretor da Agroceres, da Jacto S/A e do Grupo Estadão;
• Conselheiro do Grupo Fertion;
• Conselheiro Estratégico da Câmara Agrícola Lusófona (de
Portugal);
• Autor e coautor de 32 livros;
• Palestrante Prêmio Top of Mind Estadão RH;
• Top 100 do Agronegócio Revista ISTO É - Dinheiro Rural
ESPECIAL
Gestão Rural
Jul/Ago/Set 15
8
Edição nº 8
Estratégias jurídicas e tributárias
para enfrentar a crise
Blindagem patrimonial: é possível?
Momentos de crise remetem à reflexão sobre os riscos inerentes à atividade empresarial. A partir de certo
momento, a preocupação com manter aquilo que se conquistou começa a ocupar semelhante espaço na pauta
dos empresários que a preocupação pela expansão dos
negócios. Frente a essa necessidade, surgem promessas,
muitas das quais oportunistas, de “blindagem patrimonial”
ou proteção patrimonial.
“Blindar” o patrimônio, como prometem alguns, é
mera ilusão. Uma falácia. Nosso ambiente jurídico e os
instrumentos de que dispomos são incapazes de licitamente oferecer tamanha proteção. É possível, entretanto,
reduzir alguns riscos e tornar mais inteligente a estrutura
patrimonial de uma família ou negócio. Como algumas
medidas de proteção acabam trazendo benefícios em outras áreas, torna-se atrativo pensar no tema.
Principais riscos a que o seu patrimônio se submete
Riscos trabalhistas: a Justiça e a fiscalização do trabalho possuem uma postura ideológica, politizada e excessivamente protecionista. Além disso, a legislação é retrógrada e complexa, gerando grandes incertezas quanto à
aplicação da lei.
Riscos fiscais e tributários: a legislação altamente complexa e instável aliada a governos cada vez mais sedentos
por recursos fazem com que seja difícil encontrar mão de
obra qualificada para interpretar e cumprir os deveres do
contribuinte. Ainda, em alguns casos, como os de fraude
ou de dissolução irregular de empresa, é possível que o
fisco avance sobre os bens dos sócios das empresas.
Riscos ambientais: há um crescimento constante na
complexidade da legislação e um aperto da fiscalização
ambiental. As multas costumam ser astronômicas e a burocracia para andar na linha é sufocante.
Riscos societários e familiares: muitos negócios e patrimônios são destruídos por brigas envolvendo casamentos e separações, diferenças ideológicas entre sócios, partilha de bens em inventário, desconfiança e insucesso de
familiares em outros negócios, que acabam contaminando
todo o patrimônio comum.
Principais instrumentos de proteção patrimonial
Auditorias de riscos visando quantificar e tratar os riscos
existentes: são uma boa maneira de tratar riscos, pois permitem adotar medidas prévias e aceitar ou eliminar os riscos
antes que o passivo se concretize. São muito comuns nas
áreas tributária e trabalhista. Média eficácia.
Estruturas societárias complexas envolvendo sociedades
por ações e off-shores (empresas no exterior): a montagem
de estruturas societárias complexas visando ocultar o patrimônio de sócios só faz sentido quando há uma motivação
relevante para tanto, como no caso de grupos que atuam
no exterior ou de empresas globalizadas. Todo patrimônio no
exterior deve ser declarado no Brasil, e a Justiça do Trabalho
vale-se do conceito de “grupo econômico” para desconsiderar
essas estruturas. Para outros casos, como riscos fiscais, por
exemplo, até pode ser eficaz, mas não mais do que uma estrutura de holding nacional, que tem a vantagem de o custo
de constituição e manutenção ser muito inferior. Alta eficácia,
mas deve-se considerar o custo-benefício.
Falência e recuperação judicial: possibilitam atrair para a
Justiça Comum e retirar da Justiça do Trabalho a execução
dos créditos trabalhistas. Viabilizam ainda que bens ou unidades produtivas de quem está em dificuldades financeiras
sejam vendidos sem que o adquirente corra o risco de herdar
o passivo trabalhista ou tributário. Esse recurso só está ao
alcance de pessoas jurídicas. Alta eficácia, mas é uma medida
extrema.
Holdings patrimoniais (sociedades limitadas, EIRELI e/ou
por ações): é vulnerável ao conceito de grupo econômico utilizado pela Justiça do Trabalho e não se presta a fraudes a
regimes de casamento, por exemplo, mas, exceto por isso e
considerando os benefícios que gera em outras áreas, como
de sucessão e tributária, é uma medida bastante recomendável. Alta eficácia e pode trazer vantagens tributárias e sucessórias.
Doação de bens em vida a herdeiros (planejamento da
sucessão): é uma estratégia capaz de, a um só tempo, oferecer proteção e soluções para problemas fiscais, trabalhistas,
familiares e societários. Quando combinada com a criação
de sociedades holding e práticas de governança corporativa,
elevam a família e a empresa a um elevado patamar de performance em proteção patrimonial.
Segregação de atividades em diferentes empresas: o
transporte rodoviário, por exemplo, é uma atividade que oferece riscos trabalhistas, ambientais e de responsabilidade civil
superiores aos da atividade rural. Produtores que transportam
a sua safra e a de terceiros podem considerar a constituição
de uma empresa dedicada exclusivamente a essa atividade,
a fim de isolar os riscos dela do restante do patrimônio. Alta
eficácia e pode trazer ganhos tributários.
Regimes de casamento e contratos de união estável: casamentos malsucedidos podem causar grandes rombos em
patrimônios familiares. Não é à toa que, em grandes empresas, os estatutos e acordos societários regulam a forma como
os sócios devem proceder nesses casos. Esses mesmos instrumentos podem e devem ser usados por qualquer família que
detenha patrimônio, a fim de estabelecer um compromisso
entre seus membros pela adoção de determinadas precauções
antes de casamentos ou relações de união estável.
Edição nº 8
9
ESPECIAL
Gestão Rural
Jul/Ago/Set 15
Por qual razão
proteger?
Todos os países civilizados do mundo
dispõem de leis que limitam a responsabilidade do empresário pelos riscos do
negócio. Essa é uma forma inteligente
encontrada para estimular aqueles que
detêm o capital a realizar investimentos
produtivos em novos empreendimentos
sem precisar pôr em risco todo o seu patrimônio.
A limitação da responsabilidade, portanto, é uma ferramenta legal para estimular o investimento e alavancar a atividade econômica. No Brasil, exemplos
disso são as sociedades limitadas, as
sociedades por ações e a recentemente criada EIRELI (empresa individual de
responsabilidade limitada). Quando esses
formatos são usados para fraude, obviamente a lei repele tal intenção.
Planejamento tributário
É sabido que nossa legislação tributária é controversa e complexa. Entre as muitas hipóteses de interpretação existentes, a do fisco costuma invariavelmente
ser aquela que impõe maior ônus ao contribuinte. Os
departamentos contábeis internos ou terceirizados, por
sua vez, em que pese o hercúleo esforço que realizam,
encontram severas dificuldades em estudar e acompanhar com profundidade as alternativas e modificações
da legislação, ao mesmo tempo em que cumprem com a
avalanche de obrigações acessórias e burocráticas a que
estão submetidos seus clientes.
Este cenário acaba fazendo com que as empresas,
muitas vezes, acabem submetendo-se a um ônus tributário superior àquele que poderiam se submeter se
estivessem organizadas de maneira diversa ou se simplesmente aproveitassem plenamente as faculdades e
oportunidades oferecidas pela legislação tributária. A
complexidade deste tema com frequência o passa à
margem dos gestores das empresas, pois a linguagem utilizada e a necessidade de
conhecimento técnico o tornam um
universo muito hermético.
Podemos nos arriscar a dizer, entretanto, que todo aquele que nos últimos
cinco anos não realizou nenhum estudo de planejamento tributário e revisão
fiscal está pagando impostos além do
que precisaria pagar de maneira inteiramente lícita, pelo simples fato de não
acompanhar a evolução da legislação.
Isso inclui, no caso do agronegócio, os produtores rurais
pessoa física.
Em cenários de crise e de escassez de recursos como
o que vivemos, é fundamental ajustar todas as possibilidades e explorar os limites oferecidos pela legislação.
Produtores rurais têm pouca ou nenhuma margem para
negociar ou controlar o custo da maior parte de seus
insumos, assim como o preço de seus produtos. Investir
na redução de custos tributários, até mesmo em face
disso, deve ser uma alternativa mais do que nunca explorada em sua plenitude, a fim de aumentar a rentabilidade do negócio.
Quando a crise impõe dificuldades, o grande diferencial pode estar na capacidade e velocidade de
adaptação às dificuldades.
Gestão Rural
Notícias
Jul/Ago/Set 15
10
Edição nº 8
Seguro agrícola é a estabilidade
financeira do negócio
Na atividade agropecuária, é comum a utilização equivocada da terminologia relacionada com o seguro. Não
raro, agricultores confundem seguro rural privado com programas de governo, principalmente o Proagro, destinado
a pequenos e médios agricultores familiares para pagamento do custeio agrícola em casos de ocorrência de fenômenos naturais adversos, pragas e doenças que atinjam bens, rebanhos e plantações.
Conforme a classificação da Superintendência de Seguros
Privados – Susep, autarquia vinculada ao Ministério da Fazenda,
a diferença básica entre seguro rural e seguro agrícola é a seguinte: Rural – conjunto amplo de seguros dirigidos à agricultura
e à pecuária; e Agrícola – subdivisão do ramo de seguro rural,
direcionado a culturas permanentes e temporárias.
O seguro rural, um dos mais importantes instrumentos de
política agrícola e fundamental para a modernização tecnológica
da agricultura, protege o produtor contra perdas causadas por
fenômenos adversos da natureza até o limite máximo de indenização contratado. Além da atividade agrícola, o seguro rural
abrange também a atividade pecuária, o patrimônio do produtor
rural, seus produtos, o crédito para comercializar a produção e o
Revista Gestão Rural: Recentemente, o Governo
Federal anunciou um corte no orçamento do seguro
rural, instrumento que reduz os prejuízos dos agricultores em caso de perdas de safra por adversidades
climáticas. Quais são os reflexos para o mercado de
seguros e de que forma isso atinge os produtores?
Laura: Essa decisão do Governo Federal é extremamente prejudicial, pois deixa milhares de produtores
expostos às adversidades climáticas, correndo o risco
de terem que renegociar dívidas em caso de frustração de safra. A soja deverá ser uma das culturas mais
prejudicadas, mas frutas e hortaliças também. Muitos
desses produtores são de pequeno porte e dependem
restritamente desses recursos para se manterem na
atividade.
risco de morte dos produtores. Ao contratá-lo, o produtor tem a
possibilidade de recuperar o capital investido na sua lavoura ou
empreendimento ante a perda da produção por conta de uma
chuva mais forte ou de uma seca mais prolongada. O prejuízo
pode ser evitado ou, no mínimo, reduzido.
O assunto é amplo e a abordagem, complexa. Para comentar
alguns aspectos relacionados ao assunto, a Revista Gestão Rural
convidou a diretora da empresa AgroBrasil, Laura Emilia Dias
Neves. A AgroBrasil, especialista em seguro agrícola, tem sede
em Porto Alegre e atua no mercado há 18 anos em 11 estados
brasileiros, com seguros para grãos, frutas e hortaliças. A partir
de notícias veiculadas na mídia, formulamos algumas questões e
trazemos as respostas a seguir.
RGR: Qual é a tendência em termos de crescimento do
mercado de seguros rurais?
Laura: Para o mercado de seguros, é bem provável que, diante
de tantas incertezas, haja retração de oferta e desestímulo nos
investimentos do setor.
O seguro agrícola é essencial para quem pensa na estabilidade financeira do seu negócio. Trata-se de uma empresa a céu
aberto e que está exposta aos diferentes riscos climáticos que
podem causar redução ou até mesmo a perda total da lavoura
e/ou pomares. O crescimento dependerá fundamentalmente da
estabilidade e do suporte das políticas de seguro por parte do
Governo Federal. Estima-se que, em média, 10% das lavouras
são seguradas no Brasil, enquanto nos Estados Unidos, a maior
potência em Seguro Rural, passaram de 90% as lavouras com
seguro.
Valor de Subsídio Distribuído pelo Governo Federal
Modalidades
Ano Cível
2012
2013
2014
2015
Culturas
MAPA
MAPA
MAPA
MAPA
67.691.974
75.739.444
96.247.864
8.283.895
13.818.126
16.219.846
148.812.772
284.918.118
342.699.030
87.620.898
157.380.093
207.660.727
5.758.395
25.996.447
30.702.279
318.167.934
557.852.228
693.529.746
Frutas
Hortaliças
Agrícola
Grãos Verão
Grãos Inverno
Outros
Outros
Total
Aprovado pela
LOA o valor
de R$ 668
milhões, porém
até o momento
empenhado
apenas o
valor de R$
316,7 milhões
(resolução 36
do MAPA).
Edição nº 8
11
Gestão Rural
Família
Jul/Ago/Set 15
NEGÓCIOS FAMILIARES
Acordo entre sócios:
um santo remédio para conflitos
Certa vez, ouvi de um professor uma frase impactante: as
empresas familiares nascem com um câncer que as acompanha
sempre e que deve ser permanentemente tratado e monitorado sob pena de serem vencidas por ele. Exageros e figuras de
linguagem à parte, tenho visto que não são poucos os conflitos
que permeiam essas relações entre família e negócios. Trata-se
de uma eterna tensão, ora a família ameaçando o negócio, ora
o negócio ameaçando a família.
Utiliza-se a expressão “agricultura familiar” para designar
pequenas propriedades rurais que atuam através de um núcleo
familiar, produzindo subsistência e comercialização do excedente. Em oposição a esse modelo, fala-se em “agronegócio”
ou “modelo empresarial”. Entretanto, se as estatísticas oficiais
(Sebrae) dão conta de que, no Brasil, mais de 90% das emPor onde começar
presas brasileiras são familiares, arrisco-me a dizer que, no
agronegócio, esse número é ainda maior. Quero dizer que o
que separa o pequeno do grande negócio não é o fato de ser
ou não familiar, pois, em sua maioria, ambos o são, mas sim
a escala, o modelo de negócios e o nível de profissionalização
que detém.
O principal instrumento para administrar a tensão família
versus negócios, a meu ver, chama-se acordo de sócios. Alguns o denominam protocolo familiar, pacto familiar, constituição familiar, etc. O nome não importa, o mais relevante é
o conteúdo. Trata-se de um instrumento escrito que, de modo
bastante resumido, busca antecipar e estabelecer soluções para
possíveis conflitos. Essas soluções têm como principal objetivo
proteger o negócio da família e proteger a família do negócio.
?
Pela base: o que queremos e o que não queremos; os compromissos que
assumimos para isso; e a visão de futuro que compartilhamos. Estabelecidos
esses pressupostos, que são direcionadores de todo o resto, passa-se a
adentrar aspectos mais concretos, como, por exemplo:
a
a
a
a
a
a
a
a
a
Como ocorrerá a sucessão na gestão e no patrimônio
Quais serão as alçadas de decisão
Como se entra e como se sai dessa sociedade
Quais são as políticas de investimento, remuneração de sócios e remuneração de administradores
Como apurar o valor do negócio
Se familiares ou agregados poderão ingressar na sociedade e quais são as condições para isso
Uso do patrimônio comum
Regras de convivência
Regras de prestação de contas e transparência
Em realidade, há uma infinidade de questões que podem
compor esse tipo de acordo, e o perfil das soluções adotadas por
cada um deles não obedece a um padrão imposto por terceiros.
Já soube, por exemplo, de acordos que funcionam muito bem
vedando terminantemente o ingresso de agregados (genros, noras, cunhados) na gestão dos negócios e de acordos em que não
só isso é permitido, mas como uma dessas pessoas foi de fato
legitimada por todos para conduzir a gestão do negócio.
Um dos erros mais comuns que tenho visto ser cometido
por famílias que contratam serviços relacionados a “sucessão
familiar” ou “governança corporativa” é justamente a adesão a
orientações e modelos preconcebidos sugeridos pela consultoria
responsável. Tais acordos carecem de legitimidade perante os
envolvidos, os quais, quando eventualmente confrontados por
ele, recorrem ao caminho da litigiosidade, justamente aquele
em que todos tendem a perder e o qual, portanto, se busca
evitar.
A família, tida como um todo, deve ser protagonista do acordo. Seus termos e condições devem refletir a justa medida entre
as tensões e os interesses que cada um representa. Deixar que a
pauta das reuniões seja dominada pelo “juridiquês” que ninguém
entende é o caminho mais rápido para o fracasso. Um bom
acordo de sócios é, antes de tudo, um reflexo do comprometimento das partes em estabelecer regras para o jogo, não regras
que favoreçam individualmente uns em detrimento de outros,
mas regras que cheguem a um meio termo. Os mais velhos têm
um papel crucial nesse processo. Há acordos que só podem ser
feitos com a presença deles, emprestando para isso a experiência, a liderança, a maturidade, a serenidade e a legitimidade que
detêm sobre os demais.
A realização de um acordo familiar nunca será prematura
demais, ainda que tenha que ser revisto mais adiante. Como
consequência disso, é frequente o erro de adiar o processo ou
confiar na capacidade de improviso ou entendimento das partes.
Quando tenho a oportunidade de prospectar investidores
para alguns clientes, uma das primeiras perguntas que ouço dos
prováveis investidores é: “A empresa tem governança?”. Os investidores não querem colocar seu dinheiro em empresas vulneráveis a conflitos familiares e que dependam de improvisos
ou intervenções longas e custosas do Poder Judiciário para solucioná-los. Quem conhece o mercado, seja de terras, seja de
empresas, sabe também que, quando há uma briga entre os
sócios ou proprietários, os potenciais adquirentes se regozijam
com a expectativa de um bom negócio.
Cada familiar deve desenvolver o mesmo raciocínio. Você
realmente acha que vale a pena dedicar os melhores esforços
de sua juventude em prol de um negócio que estará sujeito a
perecer frente a um litígio familiar mais adiante? Não seria mais
racional estabelecer as regras do jogo e ter previsibilidade quanto ao futuro? Da mesma forma, cabe aos mais velhos questionarem-se: terá valido a pena trabalhar tanto para deixar conflitos
e litígios aos que ficam?
Ricardo Paz Gonçalves
Gestão Rural
Impostos
Jul/Ago/Set 15
12
Edição nº 8
AUMENTO DO ICMS
Mais impostos e menos serviços
Para o agronegócio, as consequências do aumento de ICMS
pretendido pelo governo Sartori para remediar a gravíssima crise
fiscal pela qual passa o governo do Estado são óbvias e previsíveis: aumento da inflação e dos custos de produção, diminuição
da renda dos produtores e das margens de lucro dos empresários, retração e fuga de investimentos, perda de competitividade,
etc. Não resta dúvida de que o remédio é amargo, mas será que
ele resolve, de fato, o problema? É óbvio que não.
Não resolve, porque não existe uma relação de causa e efeito entre a crise financeira do Estado e as atuais alíquotas de
ICMS. Dito de outro modo, o Estado não está hoje em crise
financeira porque temos alíquotas de ICMS baixas. Ao contrário,
temos uma carga tributária sufocante, digna de países de primeiro mundo, que entregam serviços de altíssima qualidade a
seus cidadãos.
O agravamento de uma distorção evidente, o tamanho da
carga tributária que sufoca a iniciativa privada, jamais será a
saída para resolver outro problema, a irresponsabilidade dos governantes, que historicamente gastam mais do que arrecadam.
Arrecada-se muito e gasta-se mais ainda – não são necessários grandes estudos para chegar a tal conclusão. Apenas a folha
de salários responde por mais de 75% da arrecadação do Estado. Hoje, para cada 100 servidores na ativa, o Estado tem 120
aposentados e pensionistas. São 10 bilhões de reais gastos com
a previdência! O grande contrassenso é que toda essa fortuna
gasta em funcionalismo serve para nos fornecer serviços públicos de péssima qualidade, em geral prestados por servidores
públicos mal remunerados.
É notório que o aumento do ICMS é uma medida paliativa
que servirá tão somente para postergar uma solução definitiva
para o problema. A meu ver, no contexto de recursos limitados
em que vivemos, o único caminho racionalmente viável para a
solução do problema seria enfrentá-lo com desapego às questões ideológicas e partidárias, privilegiando o pragmatismo e
priorizando o atendimento das questões mais essenciais.
A dificuldade por trás disso é que ninguém quer perder. Em
cada feudo corporativista montado nos escaninhos de nossa colossal estrutura estatal residem interesses que tornam o Estado
um fim em si mesmo. Sim, pois se 75% de nosso orçamento não
são suficientes para nos prestar serviços de qualidade, só posso
concluir que esse dinheiro serve apenas para retroalimentar uma
máquina cuja maior finalidade é se autossustentar.
Assim, vivemos situações inusitadas. Não temos policiais nas
ruas, mas não podemos abrir mão de uma Fundação Zoobotânica. Não temos escolas, nem conseguimos remunerar dignamente nossos professores, mas mantemos uma companhia de artes
gráficas. Faltam-nos hospitais e médicos para as mazelas da população, mas dispomos de uma companhia de armazenamento
de grãos. Os exemplos são muitos.
Antes tínhamos uma carga tributária elevada que resultava
em serviços estatais pífios. E estava ruim! A novidade agora é
que temos que pagar muito mais apenas para reestabelecer os
serviços pífios que eram prestados, pois do contrário nem aquilo
teremos mais.
Muitos vislumbram no combate à sonegação a solução para
o problema. Estima-se que, no Brasil, a sonegação corresponda
a 13,4% do PIB, número considerado alto se comparado a outros
países em desenvolvimento, como Argentina e México (6,5%
e 2,4%, respectivamente). À primeira vista, parece realmente
estar aí o problema, mas não acho que isso resista a um olhar
mais acurado.
Em primeiro lugar, é preciso ter em mente que a decisão por
sonegar leva em conta dois aspectos fundamentais: a probabilidade de ser pego e a consequência de ser pego. Em relação à
probabilidade de ser pego, acredito que o Brasil tem feito um
trabalho bastante competente. As administrações tributárias federal, estaduais e, aos poucos, as municipais têm se modernizado e apertado o cerco contra os sonegadores.
Já quanto à consequência de ser pego, não se pode dizer a
mesma coisa. Não só temos uma legislação frouxa contra quem
sonega, como vemos um recorrente estímulo governamental a
quem o faz. Prova disso é o mais recente programa estadual de regularização de débitos proposto pelo governo estadual
(REFAZ), que isenta parcialmente de multa e juros quem deve
ao Estado. A União adota a mesma prática de forma reiterada, de tal maneira que já se institucionalizou em nossa cultura
empresarial o conhecimento de que os impostos não pagos ou
sonegados podem ser adimplidos posteriormente através de uma
regalia estatal.
Porém, o aspecto mais relevante é que temos uma carga
tributária próxima a 40% do PIB. Se somarmos esse número ao
percentual sonegado, chegaremos a estratosféricos 53% de carga tributária! Esse número é muito superior ao de países campeões em carga tributária, como Dinamarca e Suécia, onde a carga
tributária é próxima a 45% do PIB. Conclusões: 1) nossa legislação tributária é, por assim dizer, “calibrada” para compensar a
sonegação; 2) já estamos muito próximos do limite que separa
a tributação do confisco.
Se não houvesse sonegação, as alíquotas dos impostos teriam de ser recalibradas, sob pena de configurarem verdadeiro
confisco. A sonegação faz com que, no Brasil, haja muita gente
pagando imposto no lugar de “espertos” se valendo da nossa
cultura de leniência, e o combate à sonegação, portanto, seria
um bem-vindo remédio para redistribuir nossa carga tributária e
tornar mais justo nosso sistema. Mas não resolveria o problema
dos governos irresponsáveis que gastam mal e além do que
arrecadam.
Por fim, uma série de outros aspectos entraria nessa equação, como a complexidade de nossos tributos, os quais levam,
muitas vezes, à sonegação involuntária, e o fato de o próprio
Estado ser um contumaz mal pagador, dando ele próprio o mau
exemplo. Entretanto, tudo isso somente reforçaria, de maneira
redundante, a convicção de que o simples aumento de impostos
não é a saída para nossos problemas. “Se colocarem o governo federal para administrar o deserto do Saara, em cinco anos
faltará areia”. Essas palavras, de Milton Friedman, nos dão uma
pista bem mais precisa da origem do problema.
Ricardo Paz Gonçalves
Edição nº 8
13
Gestão Rural
Case
Jul/Ago/Set 15
Agropecuária Nemitz
As sementes do futuro plantadas hoje
Nesta edição da Revista Gestão Rural, o leitor terá a oportunidade
de acompanhar a entrevista com Caio Nemitz, da Agropecuária Nemitz, com atuação nos municípios de Alegrete e Manoel Viana, que
confirma estes aspectos: no agronegócio, também são ingredientes
fundamentais para ser bem-sucedido, muito trabalho, empreendedorismo e visão do negócio.
Veja o que ele disse sobre família, negócios, investimentos, superação e confiança em um futuro ainda mais promissor.
Estivemos com Caio na Expointer e fomos recebidos na Casa de
Alegrete. Na ocasião, o Diretor da Affectum, Ricardo Paz Gonçalves,
entregou a Caio uma carta de agradecimento por sua participação no
espaço destinado a cases.
Caio Nemitz
Linha do tempo
Conforme enfatizou Caio Nemitz, como toda história em que
há progresso, em que há evolução, há sempre que se lembrar
das origens, das raízes. Isso são coisas muito presentes na Agropecuária Nemitz, que iniciou suas atividades agropecuárias com
o pai de Caio, Antônio Carlos Nemitz, em 1970. Na época, ele
trabalhava com olaria e extração de areia, mas tinha muita vontade de lidar com a terra e conseguiu uma área de 30 ha, onde
plantou a sua primeira lavoura de trigo. “A partir daí, a sua veia
ligada à terra brotou, apareceu com força, e ele começou a dedicar seus esforços para a atividade agropecuária, inicialmente
com agricultura e depois com pecuária”, explicou.
Com a política de incentivo à agricultura nos anos 70 e 80,
com benefícios para uma série de investimentos, seu Antônio
aproveitou e ampliou rapidamente as áreas de plantio. Naquela
época, demonstrando determinação, buscou meios de trabalhar
com tecnologia. “Quando me refiro a isso, quero dizer aquela
que é adaptada, que é perfeitamente usual e que se paga. Ele
sempre buscou esse viés e aos poucos aumentou as suas atividades agrícolas.” Desde o início, a empresa trabalhou com mais
de um produto. Inicialmente eram soja, trigo e pecuária. Por
volta de 1985, começou a trabalhar com arroz. Nesse período, as
atividades já eram muitas, e seu Antônio já não dava mais conta
de trabalhar sozinho. Foi quando convidou Caio para trabalhar
com ele, então com 19 anos. No final dos anos 80, ele já estava
bem integrado e tinha assumido a parte financeira da empresa.
Justamente nessa fase, houve o entendimento de que a diversificação seria a palavra-chave para a sustentabilidade dos
negócios. Quando firmaram as bases na cultura do arroz e na
criação de gado, a soja e o trigo já eram cultivados, mas em
pequenas áreas.
Além das condições climáticas, a agricultura também depende da terra. Por isso, quando tudo parecia ir bem, a Agropecuária Nemitz passou por um sobressalto, devido à área do plantio tradicional estar se exaurindo, surgindo problemas graves de
erosão e conservação de solo, perda de nutrientes e resistência
de plantas daninhas. Em função do clima da região, com veranicos, um clima que não é perfeito para culturas de sequeiro,
as atividades de coxilha ficaram muito reduzidas nos anos 80.
Case
Plantio direto
Passados alguns anos, em 1987, a Agropecuária Nemitz fez a
sua primeira experiência com plantio direto, em uma área de 20
ha de soja. “Lembro que na época tínhamos muitas dificuldades
de tecnologia, de máquinas, não tinha plantadeira, não se conseguia herbicida para o plantio direto.” Caio conta que tiveram
dificuldade para conseguir Glifosato, cujo custo na época era de
18 dólares o litro.
Dispostos a saber mais sobre o plantio direto, foram buscar
apoio nos campos gerais do Paraná, na região de Ponta Grossa, pioneira do plantio direto no Brasil. Fizeram amizade com
os precursores desse tipo de atividade e, através deles, foram
avançando na aplicação da técnica. “Todos os anos fazíamos
uma área pequena, mas com dificuldades de conhecimentos,
produtos e máquinas”, contou.
Entrando nos anos 90, apareceram as primeiras máquinas
adaptadas para o plantio direto, o que impulsionou a atividade.
Visando obter mais conhecimento em relação às novas tecnologias, a Agropecuária Nemitz firmou uma parceria com a Semeato e participou de pesquisas e do desenvolvimento de algumas
máquinas para o novo sistema.
Gestão Rural
Jul/Ago/Set 15
14
Edição nº 8
Sustentabilidade do negócio
“Se fosse possível atribuir um fator de sucesso à sustentabilidade do negócio, diria que seria cada pessoa, no lugar
certo, sabendo das obrigações que tem que cumprir. Enfim,
fazer uma administração profissional, mesmo dentro de uma
administração familiar. Sempre tentando separar essa coisa de razão e emoção, família e negócio. Nem sempre se
consegue, a verdade é essa. Mas procuramos separar gestão
e família, dentro do possível. Procuramos deixar na gestão
pessoas com perfil adequado para cumprir cada parte”, depõe
Caio Nemitz.
Nos processos administrativos, os erros e os acertos acontecem, mas continuamente os números são apresentados à família. “Nos negócios, é importante que as decisões sejam
profissionais. Quanto mais a gente puder entender que é
melhor separar a questão gestão e profissionalismo da questão familiar e sentimental, melhor vai ficar o lado familiar”,
refletiu.
Atualmente a empresa está sendo reestruturada para se
tornar uma holding, que vai deter todo o patrimônio. “Seremos todos acionistas”, afirmou.
Preparar o futuro no aspecto organizacional é um fundamento importantíssimo, bem como que o pessoal do campo
entenda que precisa passar por isso. As justificativas para a
decisão são diversas; no entanto, uma é citada: os impostos
de transição, que vão ficar cada vez maiores. “Chega de ficar
fazendo toda essa função jurídica e fiscal a cada sucessão.” A
família reconhece que a parte fiscal é muito relevante e vai se
tornar cada vez mais importante.
Além disso, enumerou três coisas que o produtor rural
precisa ter humildade para entender e melhorar: questões
trabalhistas, ambientais e fiscais. “Trabalhamos mal essas
três questões. A voracidade arrecadatória é enorme. Essas
coisas vão ser mais cobradas e quem não se organizar nesses
três pontos vai ter problemas”.
O desafio
Silos na Estância Cerro do Tigre em Manoel Viana
A estrutura da empresa
A agropecuária Nemitz continua sendo uma empresa familiar
e participam da administração Caio e a esposa, o pai, Antonio, a
irmã, Carla, e o cunhado. Todos os cinco dividem a administração,
sendo cada um responsável por um setor. Trabalham com uma
área de mais de 10 mil ha. O plantio da soja é o principal negócio,
mas mesclam ainda pecuária de corte, milho, arroz, trigo e forrageiras. As propriedades estão localizadas em Alegrete e Manoel
Viana, sendo 70% próprias e 30% arrendadas.
A inovação e a diversificação são marcas da empresa, que,
há dois anos, entrou no mercado de soja, atuando na compra e
venda. Passou então a atuar como cerealista, atendendo a região
de Alegrete e Manoel Viana, com dois pontos de entrega, um deles na fazenda Cerro do Tigre e o outro na Fazenda Três Lagoas.
Delegar atribuições
Outro fator importante que possibilitou o desenvolvimento
da empresa, segundo Caio, foi a postura de Antônio Nemitz, que
soube delegar funções aos filhos, desde cedo, cobrando responsabilidade e não o acerto imediato, sempre dando muita força
e oportunidade. Assim que, por exemplo, Carla, sua irmã, se
formou em Agronomia, já assumiu a administração da fazenda
Três Lagoas.
A dinâmica da produção agrícola não permite acomodação,
e os desafios são permanentes. Até pouco tempo, a produção
de arroz era o maior negócio da Agropecuária Nemitz. Diante
das condições de mercado nos últimos três anos, a cultura foi
reduzida e surgiu um novo “quebra-cabeça”: como produzir nas
áreas baixas e úmidas onde o arroz era plantado? Na busca de
soluções, mais de 10 pesquisas estão se desenvolvendo nessas
áreas, dentre as quais já surgiram boas experiências para aumentar a produtividade.
Outra situação é manter a sustentabilidade na produção de
coxilha sem irrigação, sempre observando a diversificação, aumentando a parte mais lucrativa. Nas últimas safras, a área
de plantio da soja aumentou e a pecuária foi reduzida, e isso
trouxe o equilíbrio financeiro.
“Numa visão mais global, os desafios que temos a vencer
são muitos. Mas o principal é esse discernimento sobre a
empresa rural que tenho para administrar, o que tenho na
mão, onde estou localizado e adaptado para produzir o quê e,
dentro desse perfil, buscar a profissionalização”, disse.
A diversificação
Segundo Caio Nemitz, a criação de um novo negócio em
uma empresa tem que ser muito cuidadosa. Para ele, cada negócio não pode ser tão pequeno que não exija atenção, uma
observação rápida uma vez por semana, um estudo sobre o
tema, e nem tão grande que um resultado negativo desse negócio comprometa a situação financeira da empresa. É preciso ter
cuidado com o tamanho de cada negócio, recomendou.
Edição nº 8
15
Gestão Rural
Case
Jul/Ago/Set 15
Momento especial da família Nemitz
Informação
O entrevistado destacou o quanto é interessante ver como se
dão as evoluções administrativas nos negócios. “Quando comecei na empresa, o que mais tinha valor era a força do trabalho
braçal”, observou. Passados alguns anos, em 1991, os computadores passaram a auxiliar a gestão e foi implantado um sistema de custos informatizado. “Fizemos os primeiros controles
e começamos a perceber que precisava ser contemplada muito
mais que a força de trabalho.” Dessa forma, iniciou-se uma nova
fase, na qual o acompanhamento dos movimentos financeiros e
administrativos se tornou mais fácil, possibilitando aos gestores
uma visão geral do negócio. Logo, o grupo percebeu a importância da informação.
Rede de relacionamentos
Outro componente citado é a relevância dos relacionamentos, da rede de relacionamentos. As conexões entre as pessoas
permitem ter informações de negócios bem antecipadas, “tu não
vais ser o último a saber”. Então, “a informação e a rede de
relacionamentos são imprescindíveis para o sucesso do empreendimento”, Caio garantiu.
Logística
A soja da região vai praticamente toda para o Porto de Rio
Grande e muito pouco para as indústrias gaúchas. Na época
da colheita, não há a quantidade necessária de caminhões disponíveis para fazer os fretes e há dificuldade em introduzir um
grande volume de grãos em pouco tempo no porto. Diante dessa
realidade, a outra opção é levar a produção através da ferrovia,
argumentou Caio.
A partir de uma constatação real das limitações da logística
para escoar a produção e com a possibilidade de aproveitamento
da estrutura de trilhos existente dentro da Estância Cerro do Tigre que esteve em atividade nas décadas de 70 e 80 como terminal para o transporte de produtos e fertilizantes, surgiu a ideia
de fazer um projeto para a criação de um entreposto. O primeiro
passo foi fazer contato com a América Latina Logística (ALL),
concessionária do trecho, e acertar a retomada desse terminal.
Terminal rodoferroviário
Caio Nemitz explicou que o projeto é semelhante a um porto
seco, atualmente com a capacidade estática para recebimento
de 450 mil sacos e expedição de 240 toneladas por hora. Pode-se dizer que é um terminal rodoferroviário, com estrutura
para receber os grãos da Agropecuária Nemitz e de terceiros e
enviar esses grãos para o porto, tanto por rodovias como por
ferrovias. Mesmo procurando levar o maior volume possível pela
ferrovia, ainda não conseguiram transportar um grande volume,
nem metade do volume possível, devido à escassez de vagões
e locomotivas.
“Nós fizemos a nossa parte, estamos com o terminal pronto
e esperamos que as ferrovias tenham upgrade. Com a aquisição
da ALL pela Rumo, esperamos que isso resulte em mais vagões,
locomotivas e manutenção das ferrovias”. Caio informou que,
em países desenvolvidos, o transporte ferroviário é de 50% a
60% mais barato que o rodoviário. Já o hidroviário é metade do
valor do ferroviário.
Demanda
Na opinião do entrevistado, na hora em que as ferrovias funcionarem a contento, haverá uma oportunidade de ganho. Esse
é o objetivo do terminal. “Claro, quando houver demanda e necessidade, estaremos prontos para ampliar. Isso está no projeto,
principalmente o local dos desvios dos vagões. Hoje temos um
espaço para 15 vagões. Se conseguirmos efetivar um volume de
ferrovia, serão precisos trilhos para um comboio inteiro, composto de 60 vagões.”
Futuro
Sobre o que esperar do futuro para o agronegócio, Nemitz
desenhou alguns cenários. Inicialmente, referiu-se ao avanço da
tecnologia em máquinas, que exigirão um grande aporte de recursos. Prevê que ocorrerá uma otimização de mão de obra,
sendo necessárias menos pessoas no campo. “Vamos fazer muito mais hectares por pessoa trabalhando e isso vai exigir uma
adaptação.” A parte de gestão financeira também passará por
uma adequação, em consequência do novo ciclo em relação aos
juros, considerando que faz parte do perfil do agricultor trabalhar
com recursos externos, e mesmo os oficiais, os juros, estão mais
altos. Nesse aspecto, será preciso olhar a administração financeira de outra forma. “Teremos que ser extremamente competentes e competitivos”, apontou.
Na sequência, fez uma reflexão e discorreu sobre o mundo
de possibilidades que se apresentará daqui para frente, e assim
se posicionou: “Sabemos que a procura por alimentos é enorme,
sabemos também que estamos num lugar que pode produzir.
A questão é: quem vai fazer isso? Vai ser eu, nós, que vamos
seguir alimentando essa comunidade asiática, que quer comprar
tanta comida do Brasil, ou vai existir uma concentração? O que
vai acontecer?”.
Pensar na viabilidade e na manutenção dos negócios faz parte do trabalho diário dos gestores da Agropecuária Nemitz, cujo
objetivo é se preparar para o futuro e seguir ocupando o seu
espaço. Para isso, querem continuar sendo uma empresa competente e competitiva.
Dúvidas sobre as perdas dos
produtores rurais com o Plano Collor
Sidnei Peres Gonçalves
De forma resumida, a tese sustentada nas ações revisionais é
de que, na época anterior ao Plano Collor, o BTN estava atrelado
ao IPC e as operações de crédito rural tinham seu saldo atualizado pelo BTN, que, por sua vez, era também o indexador das
cadernetas de poupança. A política de preços mínimos indexava
então os produtos agrícolas pela variação do IPC. Nos termos
pactuados, tinha-se que o contrato rural teria seu reajuste na
mesma proporção do reajuste de seu produto..
Ocorre que o Governo, ao intervir na economia, criou a desestabilização dessa realidade contratual. O débito do agricultor
foi reajustado em 84,23%, enquanto o produto da safra financiada com esse recurso foi reajustado em apenas 41,28%, rompendo-se o equilíbrio antes estabelecido, na medida em que os
produtores não puderam mais pagar os seus débitos corrigidos
por índices superiores aos da época da contratação. Assim, o
contrato perdeu a sua finalidade.
QUESTIONAMENTOS:
1
Atualmente ainda se pode entrar na
Justiça para buscar o ressarcimento
das perdas com o Plano Collor?
?
R – Sim, em razão de uma decisão proferida em dezembro de 2014
pelo STJ referente a uma ação civil pública movida pelo Ministério
Público Federal no ano de 1995, a qual tem seus efeitos estendidos
a todos os produtores rurais do país que tiveram embutidos em seus
financiamentos os percentuais nela afastados. Nessa ação, houve a
intervenção, na condição de assistentes, a Sociedade Rural Brasileira
e a Federação das Associações de Arrozeiros do Estado do Rio Grande
do Sul.
2
Quem tem o direito de ter restituídos
os valores pagos a maior em razão da
correção indevida do Plano Collor?
?
R – Todos os produtores rurais que tinham financiamentos rurais
com juros que seriam reajustados pelos índices da caderneta de
poupança, emitidos antes de março de 1990 e pagos após essa data.
3
Somente se pode intentar a ação
mediante a apresentação dos
contratos firmados à época?
?
R - Para a agilização do processo, é recomendável que se apresentem as cópias das cédulas rurais e demais comprovantes bancários.
Com base em tais documentos, será possível reconstituir o cálculo
e comprovar os valores a serem devolvidos. A falta da prévia juntada dos contratos não inviabiliza a ação, porém dificulta a prova e
retarda o processo.
4
Os produtores rurais podem
questionar outros financiamentos
bancários?
?
R – Sim, podem, sejam financiamentos rurais ou não, sempre que
os contratos possuam cláusulas que nossos Tribunais considerem
abusivas, como TAC (Taxa de Abertura de Crédito), despesas com
terceiros, taxa de registro, taxa de boleto bancário, cumulação
de cobrança de comissão de permanência com juros moratórios
e multa, e a capitalização mensal dos juros remuneratórios em
alguns casos. Existindo indícios de irregularidade, cada caso dever
ser previamente estudado.
?
No caso de a dívida da época ter sido
quitada por meio de repactuação de
novos financiamentos, pode-se buscar
sua revisão?
5
R – Sim. Nestes casos, uma vez apurado o valor cobrado a
maior, ele será excluído do saldo inicial do financiamento repactuado, reduzindo-se o valor final a pagar.
?
Qual foi o percentual de correção
indevidamente utilizado no cálculo
dos contratos rurais?
6
R – Para a atualização no mês de março de 1990, os bancos
utilizaram o percentual de 84,32%, quando o percentual correto
deveria ter sido de 41,28% para o período.
?
Onde se pode buscar a informação
referente aos contratos firmados há
tanto tempo?
7
R - Pode-se requerer em juízo que a própria instituição financeira forneça cópia dos contratos, ou ainda buscar cópias dos
documentos junto ao Cartório de Registro de Imóveis do local do
imóvel onde foi registrada a Cédula Rural.
?
Quem tem legitimidade para
mover a ação contra a instituição
financeira?
8
R – A parte legítima para impetrar a ação é o produtor rural que
firmou contratos de financiamento rural e teve o cálculo dos
juros calculados pelo índice julgado ilegal.
?
Pode-se saber previamente o
valor preciso a ser restituído ou
compensado?
9
R – Sim, com base nos contratos e nos débitos de juros cobrados,
pode-se calcular com precisão o valor atualizado a ser restituído. O
cálculo, embora não seja complexo, é trabalhoso, em razão de que,
no período, tivemos duas mudanças de moedas. Em linhas gerais e
de forma simplificada, podemos afirmar que, para cada Cr$ 100,00
(Cruzeiros, moeda da época), teremos hoje, a restituir, o valor corrigido monetariamente de R$ 11,99, mais os juros de R$ 18,22.

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