FÍGADO

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FÍGADO
7º Curso Teórico-Prático de Ultra-sonografia Clínica para Gastrenterologistas - Fígado
FÍGADO
Introdução
A exploração ecográfica do fígado é, actualmente, um exame de
primeira linha, seja no diagnóstico ou no seguimento de determinadas
patologias. Pode ser considerado o meio auxiliar de diagnóstico de eleição,
após a história clínica e o exame físico, de um doente com hepatopatia. A sua
interpretação implica o reconhecimento da ecoestrutura, ecogenicidade e
morfologia do parênquima hepático normal. O conhecimento da segmentação
hepática, facilitada pela possibilidade de realização de múltiplos planos de
corte, é fundamental para localizar, com precisão, as lesões.
Anatomia
O fígado ocupa a região subfrénica direita prolongando-se para a região
epigástrica e, por vezes, para a região subfrénica esquerda. Trata-se de um
órgão tóraco-abdominal que apenas ultrapassa o bordo costal na região
epigástrica. Tem forma de “cunha” com a base na região lateral direita.
I - Morfologia
É um órgão moldado às estruturas vizinhas. Descrevem-se
habitualmente 3 faces, antero-superior, posterior e inferior, separadas por
bordos dos quais apenas o bordo inferior (ou anterior) é facilmente
individualizável.
1 - Face antero-superior:
É uma face lisa, convexa, dividida em duas partes pelo ligamento
falciforme, que une o fígado ao diafragma e à parede abdominal anterior. O seu
bordo livre, mais grosso, contém o ligamento redondo, entre o ramo esquerdo
da porta e o umbigo (Figura 1).
Figura 1 - Face antero-superior, vista anterior.
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2 - Face posterior:
Tem disposição praticamente vertical e molda-se à projecção das
vértebras (Figura 2). O seu plano, oblíquo para a frente e para a esquerda, faz
um ângulo de cerca de 45º em relação ao plano coronal. Não está, na sua
maior parte, recoberto por peritoneu. Adere à parede posterior pelo ligamento
coronário e lateralmente pelos ligamentos triangulares direito e esquerdo.
Apresenta uma goteira profunda e vertical: o sulco da veia cava inferior. Por
vezes, não é fácil distinguir as faces antero-superior e posterior, pelo que são
designadas globalmente por face diafragmática.
Figura 2 - Vista posterior.
3 - Face inferior:
Tem orientação inferior e apresenta, posteriormente e à esquerda, 3
sulcos (Figura 3):
- Sulco antero-posterior esquerdo (sulco longitudinal principal) que
corresponde, anteriormente, à fissura do ligamento redondo e, posteriormente,
à fissura do ligamento venoso (fissura do canal de Arantius) que se dirige em
direcção à face posterior.
- Sulco antero-posterior direito, anterior ao sulco transversal, que
corresponde ao leito da vesícula.
- Sulco transverso, entre os dois sulcos antero-posteriores, que
corresponde ao hilo hepático e onde se insere o pequeno epíplon.
Com base nestas estruturas superficiais, o fígado pode ser dividido em
lobos:
- O lobo esquerdo, situado à esquerda do ligamento falciforme e do
sulco antero-posterior esquerdo.
- O lobo direito, à direita destas estruturas.
- O lobo caudado, posterior ao sulco transverso, à direita da fissura do
ligamento venoso e anterior ao sulco da veia cava inferior.
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- O lobo quadrado, corresponde à parte do lobo direito localizada
anteriormente ao sulco transverso, entre os sulcos antero-posteriores direito e
esquerdo.
Figura 3 - Vista inferior.
II - Vascularização hepática
A descrição da anatomia superficial do fígado é insuficiente no contexto
da cirurgia hepática, devendo ser completada por uma descrição da anatomia
funcional baseada na vascularização.
A distribuição da veia porta e a drenagem pelas veias hepáticas tem
relevância na segmentação do parênquima.
1- Distribuição da veia porta:
No hilo a veia porta divide-se em 2 ramos num ângulo de
aproximadamente 90º (Figuras 4 e 5):
- O ramo esquerdo é longo; tem inicialmente uma direcção oblíqua,
cranialmente e para a esquerda, fazendo depois um ângulo recto e dispondose num plano practicamente sagital. O trajecto na sua porção terminal é
postero-anterior, descrevendo uma curva de concavidade inferior. Termina em
fundo de saco (recesso de Rex).
- O ramo direito é curto; oblíquo em direcção cranial e direita,
prolongando a direcção do tronco da veia porta. Divide-se rapidamente em 2
ramos: anterior e posterior.
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Figura 4 - Distribuição da veia porta.
2 - Drenagem das veias hepáticas:
As veias hepáticas são habitualmente três (Figura 5):
- A veia hepática esquerda drena o lobo esquerdo. O seu trajecto é
oblíquo em direcção cranial e posterior, mais ou menos oblíquo em direcção
direita segundo as dimensões do lobo esquerdo. Termina à esquerda da veia
cava inferior.
- A veia hepática média inicia-se próxima ao leito vesicular, dirige-se
cranialmente, posteriormente e para a esquerda e, termina à esquerda da veia
cava inferior, habitualmente num tronco comum com a veia hepática esquerda.
- A veia hepática direita dirige-se num plano frontal, cranialmente e para
a esquerda e, termina à direita da veia cava inferior, aproximadamente ao nível
das outras veias hepáticas.
Dois aspectos pertinentes à drenagem venosa hepática devem, no
entanto, ser ressalvados:
- Existem frequentemente veias acessórias, principalmente no lobo
direito. São, assim, descritas veias hepáticas direitas média e inferior mais
caudais que a veia hepática direita principal.
- A drenagem venosa do lobo caudado não depende das veias hepáticas
principais, mas de vénulas que drenam directamente para a face anterior da
veia cava inferior.
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Figura 5 - Drenagem das veias hepáticas.
3 - As fissuras portais:
Os planos que cruzam as três veias hepáticas constituem os limites dos
territórios porta e são, portanto, denominados fissuras portais.
- A fissura portal principal separa o fígado direito do esquerdo e
corresponde a um plano oblíquo posteriormente e para a esquerda, formando
um ângulo de cerca de 45º com o plano sagital.
- A fissura portal esquerda separa o fígado esquerdo num sector medial
esquerdo, entre as fissuras principal e esquerda, e um sector lateral, à
esquerda da fissura portal esquerda.
- A fissura portal direita separa o fígado direito num sector anteriordireito, situado entre as fissuras portais principal e direita e, num sector
posterior-direito, situado à direita da fissura portal direita. Como a veia hepática
direita está disposta num plano frontal é preferível usar esta denominação que
as designações para-mediano direito e lateral-direito.
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III - Segmentação hepática
É baseada nos sulcos superficiais e na anatomia vascular (Figuras 5, 6 e 7).
Figura 6 - Segmentação hepática. Vista anterior.
1 - Plano hepático mediano
Separa o fígado direito do esquerdo, o que é diferente dos lobos direito e
esquerdos. É determinado pelo sulco ântero-posterior direito (leito vesicular),
fissura porta principal e bordo esquerdo da veia cava inferior.
2 - Fígado esquerdo
A fissura porta esquerda separa-o num sector medial-esquerdo e num
sector lateral-esquerdo. Para Couinaud a divisão corresponde apenas ao plano
da veia hepática esquerda; outros autores, no entanto, consideram que a
fronteira corresponde nas faces anterior e inferior do fígado ao ligamento
falciforme e à fissura do ligamento redondo (o sector lateral-esquerdo
corresponde assim ao lobo esquerdo e, o sector medial-esquerdo, ao lobo
quadrado).
Divide-se em 3 segmentos:
- O segmento II situa-se à esquerda da veia hepática esquerda, sendo
cranial e posterior. O seu ramo porta nasce ao nível do ângulo recto do ramo
esquerdo da porta.
- O segmento III situa-se anterior e cranialmente ao segmento II, à
esquerda da fissura do ligamento redondo e do ligamento falciforme. O seu
ramo porta nasce ao nível do lado esquerdo do recesso de Rex.
- O segmento IV situa-se anteriormente ao sulco transverso, entre as
veias hepáticas média e esquerda. Corresponde ao lobo quadrado. O seu ramo
porta nasce ao nível do lado direito do recesso de Rex.
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3 - Fígado direito:
É dividido em 2 sectores, anterior e posterior, pela fissura portal direita.
Cada sector é constituido por um segmento cranial e outro caudal. No sector
anterior, o segmento cranial e posterior é o segmento VIII; o segmento caudal e
anterior, para-vesicular, é o segmento V. No sector posterior, o segmento
cranial e posterior é o segmento VII e o segmento caudal e anterior é o
segmento VI.
4 - O segmento I:
Corresponde ao lobo caudado. A sua drenagem venosa faz-se
directamente para a veia cava inferior, independentemente das veias
hepáticas, o que explica o seu comportamento diferente em determinadas
patologias, particularmente na Síndrome de Budd-Chiari.
Figura 7 - Segmentação hepática. Vista inferior.
Exame Ecográfico
I - Material:
O exame é realizado actualmente com sondas convexas. A frequência
utilizada deve permitir a exploração do conjunto do parênquima até ao nível da
face diafragmática, assim, é habitualmente de 3 ou 3,5 MHz no adulto e de 5
MHz nas crianças e indivíduos magros. Por vezes, tal como no decurso das
hepatopatias, é útil observar a periferia do parênquima com uma sonda de alta
frequência (≥ 7.5 MHz).
O “sistema de ganhos” deve ser ajustado para obter uma representação
uniforme do parênquima hepático.
O exame doppler a cores é indispensável para avaliar a permeabilidade
dos vasos e o estudo dos seus fluxos. Também pode ajudar a afirmar a
presença de dilatação das vias biliares intra-hepáticas.
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II - Técnica do exame:
O paciente deverá ter um jejum de 8 horas, excepto em situações de
urgência, o que permite uma melhor exploração da vesícula biliar e pâncreas.
Na maioria dos casos não existe interposição de gás intestinal que limite e/ou
prejudique a avaliação ecográfica do fígado, devido às suas relações
anatómicas com o cólon e intestino delgado. Contudo, tal pode acontecer,
como nas situações de pneumoperitoneu e síndroma de Chilaiditi. A obesidade
“excessiva” ou deformidades anatómicas podem também prejudicar a sua
observação ecográfica.
O exame é iniciado em decúbito dorsal através de cortes epigástricos e
subcostais direitos que serão sistematicamente complementados por cortes
intercostais entre o 6º e 9º espaços intercostais; estes cortes também evitam a
interposição de gás que às vezes ocorre nos cortes subcostais; serão, também,
os únicos realizáveis na ausência de procidência subcostal do fígado.
O decúbito lateral esquerdo melhora frequentemente o exame do fígado
direito e da face diafragmática, sobretudo nos doentes cujo fígado se localiza
na posição subcostal muito alta ou que apresentam abundante aerocolia.
A observação em inspiração pode facilitar a exploração do fígado
subcostal, o que nem sempre é fácil de conseguir em pacientes idosos e/ou
pouco colaborantes.
Deve ser nossa preocupação ter a certeza que observamos a totalidade
do parênquima hepático; devemos procurar identificar as diferentes estruturas
que podem servir como ponto de referência, tais como fissuras, ramos da veia
porta e supra-hepáticas, artéria hepática e vias biliares.
III - Principais cortes a realizar (Figura 8):
- Cortes sagitais: são obtidos por deslizamento da sonda desde o
epigastro até à parede lateral do abdómen, acompanhando o bordo inferior do
bordo costal.
- Cortes oblíquos subcostais direitos: são realizados com a sonda
paralela ao bordo inferior, fazendo variar o angulação da sonda. Permite obter
um varrimento completo do parênquima desde a face diafragmática até ao hilo.
- Cortes intercostais direitos: realizados segundo o eixo dos espaços
intercostais efectuando um varrimento antero-posterior ao nível de cada espaço
intercostal sem deslizar a sonda. As estruturas profundas podem, assim, ser
observadas com cortes efectuados em vários espaços intercostais (não sendo
o caso das estruturas superficiais).
- Cortes oblíquos perpendiculares ao bordo costal direito, sobretudo para
exploração do pedículo hepático.
Lembramos que todas as posições da sonda são utilizáveis para o exame do
parênquima hepático e que é fundamental, perante uma imagem anómala ou
duvidosa, o estudo em pelo menos 2 planos perpendiculares.
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Figura 8 - Principais cortes a realizar no decurso da avaliação hepática ecográfica.
Achados ecográficos
O exame ecográfico do fígado deve compreender o estudo da
ecogenicidade e da ecoestrutura do parênquima, a avaliação dos contornos,
das dimensões e a visualização dos elementos necessários à segmentação.
I - Ecogenicidade e ecoestrutura:
O parênquima hepático é mostrado como um granulado de finos ecos
dispostos regularmente. Não é possível, por rotina, quantificar a ecogenicidade
pelo que deverá ser comparada com a dos órgãos vizinhos. Habitualmente o
fígado é globalmente isoecogénico ao parênquima esplénico e renal (desde
que a compensação dos ganhos dependente do tempo esteja ajustada
correctamente). Se não for isoecogénico, designar-se-á hipoecogénico, ou,
mais frequentemente, hiperecogénico (como na esteatose).
II - Estudo dos contornos:
O fígado está envolvido por uma cápsula (cápsula de Glisson) que
aparece sob a forma de um contorno hiperecogénico. A cápsula é bem
visualizada apenas em caso de ascite. De outro modo o contorno
hiperecogénico corresponde à sobreposição da cápsula com o peritoneu
parietal ou com o peritoneu visceral de órgãos vizinhos. Esta linha
hiperecogénica periférica deve ter espessura constante e ter contornos
rectilíneos ou curvas harmoniosas.
A avaliação deverá ser seguida da observação de todos os segmentos
do fígado. Nas hepatopatias difusas é, sobretudo ao nível das faces anteriorsuperior e inferior do lobo esquerdo, nos cortes sagitais, que é necessário
procurar o aspecto micro-bosselado (utilizando eventualmente uma sonda de
alta frequência).
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III - Estudo das dimensões do fígado:
O volume do fígado é praticamente impossível de calcular em ecografia,
dado que seria necessário a medição de variadas distâncias e ângulos para ter
em consideração a extrema variabilidade interindividual da sua forma. Assim, é
preferível reter apenas determinados critérios, obviamente insuficientes para ter
uma ideia global do volume, mas suficientemente reprodutíveis e permitindo
uma avaliação ao longo do tempo. Três medidas são habitualmente propostas:
1 - Dimensões do fígado:
Realizado em cortes sagitais. À esquerda a medição deve ser realizada
ao nível do lobo esquerdo, habitualmente ao nível da aorta abdominal, a fim de
não compreender as variações nas dimensões do segmento I. O eixo máximo
não deve ultrapassar 10 a 11 cm. À direita a medição pode ser realizada ao
nível da linha medio-clavicular ou ao nível do plano mediano do fígado, sendo
os limites propostos de 12 a 13 cm e 15 a 16 cm, respectivamente. Note-se
que, habitualmente, o fígado direito não ultrapassa o pólo inferior do rim direito.
2 - Avaliação do ângulo da margem inferior:
Menos utilizada, permite diferenciar os fígados verticalizados das
hepatomegalias. A medição pode ser realizada nos cortes referidos
anteriormente: o ângulo na margem inferior deve ser inferior a 45º no lobo
esquerdo e inferior a 75º no fígado direito.
3 - Estudo do volume relativo dos lobos hepáticos:
Apesar do fígado direito e esquerdo se modificarem de forma diferente
no decurso de numerosas hepatopatias não é habitual quantificar essa
assimetria. Por outro lado pode ser útil avaliar a hipertrofia do lobo caudado
(segmento I). Entre os critérios propostos poderemos reter o cálculo da relação
segmento I – espessura do fígado esquerdo num corte ao nível dos segmentos
I e IV. Esta relação deve ser inferior a 0,30.
IV - Observação das referências que permitem a segmentação:
1 - Fissura do ligamento redondo:
Em ecografia é aparente sob a forma de uma imagem hiperecogénica
(pela sua composição em gordura).
Em cortes longitudinais do fígado esquerdo, aparece como uma imagem
longitudinal que se prolonga do ramo esquerdo da porta até à parede
abdominal anterior.
Em cortes transversais epigástricos, aparece sob a forma de uma
imagem arredondada (não confundir com lesão tumoral) podendo ter
atenuação posterior (por efeito tangencial). É aqui que se procuram sinais de
repermeabilização da veia umbilical em casos de hipertensão portal.
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2 - Fissura do ligamento venoso:
Aparece também sob a forma de uma fina linha hiperecogénica.
Em cortes transversais do fígado esquerdo é oblíquo em sentido
posterior e esquerda, desde o ângulo do ramo porta esquerdo em direcção ao
esófago abdominal e à veia cava inferior.
Em cortes longitudinais situa-se anteriormente à veia cava inferior e
inicia-se na vertente inferior do confluente venoso.
3 - O sulco ântero-posterior direito:
Identifica-se pela posição da vesícula biliar que permite determinar o
limite entre os segmentos IV e V nos cortes transversais. O leito vesicular é
uma imagem hiperecogénica linear entre a vesícula biliar e a extremidade
direita do hilo.
4 - Os ramos da veia porta:
São acompanhados, dentro do parênquima hepático, pelos ramos
arteriais e vias biliares intra-hepáticas. São envolvidos por um prolongamento
da cápsula de Glisson (definindo os pedículos Glissonianos) que determinam
uma parede hiperecogénica ao redor do lúmen vascular hipoecogénico.
- Ramo porta esquerdo:
O seu primeiro segmento, transversal para a direita, observa-se
longitudinalmente em cortes subcostais e transversalmente em cortes
longitudinais.
O seu segundo segmento, postero-anterior, aparece longitudinalmente
tanto em cortes transversais como longitudinais, no fígado esquerdo.
Em cortes transversais é possível observar simultaneamente a origem
dos ramos venosos destinados aos segmentos II, III e IV.
- Ramo porta direito:
É curto e observa-se habitualmente em disposição longitudinal no
prolongamento da veia porta ao nível do pedículo. Em cortes oblíquos orientase para cima e para a direita.
- O ramo para o sector anterior acompanha-se em cortes longitudinais
subcostais ou em cortes intercostais direitos “altos” ao nível do 6º espaço
intercostal. O seu acompanhamento permite frequentemente identificar o ramo
para o segmento VIII com direcção cranial e o ramo para o segmento V com
direcção caudal.
- O ramo para o sector posterior é mais facilmente acompanhado em
cortes subcostais transversais ou em cortes intercostais direitos “baixos” nos 8º
ou 9º espaços intercostais. Realizando cortes longitudinais ao nível do sector
posterior direito é também possível identificar os ramos destinados aos
segmentos VII e VI.
5 - As veias hepáticas:
Apresentam também uma parede ecogénica, menos nítida que a dos
ramos porta, principalmente nos segmentos distais das veias.
A convergência das veias hepáticas explora-se em cortes subcostais ou
epigástricos transversais.
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A veia hepática média observa-se em cortes subcostais oblíquos
direitos, fazendo um ângulo de aproximadamente 30 a 40º com o plano sagital
(a veia hepática média define o plano mediano do fígado).
- As veias hepáticas direitas, dispostas num plano frontal, podem ser
acompanhadas no seu trajecto ascendente em cortes intercostais direitos.
VI - Principais variações:
Podem ser encontradas numerosas variações na morfologia e
vascularização do fígado. Descrevem-se as mais frequentes:
1 - Variação na terminação da veia porta:
- Trifurcação sem constituição do tronco da porta direita.
- Ausência de ramo esquerdo, sendo que o ramo sectorial anterior direito
atravessa o segmento IV para vascularizar o lobo esquerdo.
- Nascimento do ramo sectorial anterior direito do ramo esquerdo.
- Ausência de ramo porta direito.
2 - Variações das veias hepáticas:
- Drenagem isolada das veias que drenam os segmentos II, IV, VII ou
VIII.
- Desdobramento da veia hepática média.
3 - Variações na morfologia hepática:
São numerosas e dependem em grande parte do fenótipo do paciente:
- Fígado verticalizado em pacientes longilíneos.
- Fígado transversal em pacientes pícnicos.
- Hipotrofia do fígado esquerdo.
- Lobo de Riedell: “língua” no bordo inferior do fígado direito
(mais frequente na mulher).
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PATOLOGIAS MAIS FREQUENTES
(EFSUMB-European Course Book 2010)
Doença Hepática Difusa
. Hepatite Aguda
. Esteatose
. Esteatohepatite alcoólica (ASH) e NASH
. Cirrose
. CBP e CEP
. Outras
Lesões Focais Benignas e Malignas
. Quisto Biliar
. Quisto Hidático – tipos I-V
. Abcesso
. Cistadenoma
. Hemangioma
. Hiperplasia Nodular Focal
. Adenoma
. Esteatose Focal
. Carcinoma Hepatocelular . Carcinoma Colangiocelular
. Metástases
. Linfoma
. Hematoma
. Entidades pouco frequentes
Alterações Vasculares
. Hipertensão Portal . Trombose da veia porta
. Doença Veno-oclusiva e S. Budd Chiari
. Insuficiência Cardíaca Crónica
. Outras : doença de Osler
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7º Curso Teórico-Prático de Ultra-sonografia Clínica para Gastrenterologistas -Vesícula e Vias Biliares
VESÍCULA E VIAS BILIARES
Introdução
A ultra-sonografia da vesícula e das vias biliares permite objectivar a
maioria dos problemas elas relacionados. A visualização do sistema biliar é
excelente ao nível da vesícula, das vias biliares intra-hepáticas e dos 2/3
proximais da via biliar principal. No entanto, é difícil ao nível do ducto cístico e
na porção distal do colédoco. Este aspecto diminui a capacidade diagnóstica
do exame quando o problema (cálculo, tumor, etc.) reside nestes segmentos.
A vesícula é melhor visualizada em jejum, quando está cheia, medindo cerca
de 10 cm de comprimento e 3 cm de diâmetro. Contém aproximadamente 50 cc
de bílis. Divide-se nos segmentos do em fundo, corpo e infundíbulo (Figura 1).
Figura 1
Eco-Anatomia
Estudo ecográfico
Corte sagital (ou longitudinal)
Para visualizar melhor a vesícula é conveniente pedir ao doente que
inspire profundamente e sustenha a respiração de forma a fazer descer o
fígado e vesícula abaixo da grelha costal (melhor janela ecográfica).
Neste corte do hipocôndrio direito (sagital) é possível identificar a
vesícula, o fígado, a veia cava inferior e a veia porta. Em outros cortes,
sagitais, oblíquos ou transversais é possível observar também a aorta,
estômago, duodeno e o rim direito (Figura 2).
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7º Curso Teórico-Prático de Ultra-sonografia Clínica para Gastrenterologistas -Vesícula e Vias Biliares
Figura 2
Cortes transversais
Exemplos de cortes transversais sobre a vesícula onde é possível ver
também a aorta e o estômago (Figura 3).
Figura 3
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7º Curso Teórico-Prático de Ultra-sonografia Clínica para Gastrenterologistas -Vesícula e Vias Biliares
Hilo e Pedículo Hepático
Em cortes oblíquos sobre o hilo hepático pode observar-se a veia porta,
a via biliar principal (VBP) e a artéria hepática.
Os cortes ao longo da veia porta são os melhores para estudar a VBP.
Esta corre paralela e anteriormente à veia porta. A VBP deve ter menos de
6mm de calibre, aceitando-se ter até 10mm se o doente tiver sido
colecistectomizado. Num corte transversal à veia porta no hilo hepático, pode
ver-se o aspecto de “Mickey Mouse” (cabeça e orelhas). A veia porta está em
baixo, com maior calibre, e as orelhas são à esquerda a VBP e à direita, a
artéria hepática (figura 4).
.
Figura 4
Mickey Mouse
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7º Curso Teórico-Prático de Ultra-sonografia Clínica para Gastrenterologistas -Vesícula e Vias Biliares
Parede Vesicular - Espessamento
A espessura da parede vesicular normal é de 2 mm. Quando acima de
3mm considera-se alterada, frequentemente devido a inflamação. Num quadro
de colecistite aguda este aspecto é habitualmente acompanhado de dor à
passagem da sonda sobre a área vesicular - o conhecido sinal “Murphy
ecográfico”. Outras causas de espessamento da parede vesicular são as
colecistoses e o carcinoma da vesícula. Convém contudo não esquecer que o
espessamento da parede pode não ser devido a doença primária da vesícula,
como são os casos observados em doentes com ascite, hipoproteinémia ou
hepatite aguda.
Figura 5 - Vesícula biliar: falsa aparência de espessamento da parede é produzido (seta)
quando o ângulo de US não é perpendicular à parede da vesícula biliar (direita).
Igualmente, quando os doentes não se encontram em jejum, a vesícula
encontra-se contraída, podendo parecer (falsamente) espessada. Deve-se
perguntar sempre ao doente se comeu, bebeu ou fumou recentemente.
Figura 6 - Vesícula biliar contraída, no período pós-prandial e, consequentemente, com parede espessa.
Vias Biliares – Dilatação
O estudo da colestase foi historicamente uma das primeiras indicações
deste exame. A ultra-sonografia permite identificar a dilatação das vias biliares,
quer intra-hepáticas quer extra-hepáticas, pelo que pode fornecer logo uma
estimativa do local de obstrução.
● A dilatação do ducto biliar comum (ou seja, a parte do ducto abaixo da
inserção do cístico) implica uma obstrução na sua extremidade inferior.
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7º Curso Teórico-Prático de Ultra-sonografia Clínica para Gastrenterologistas -Vesícula e Vias Biliares
● A dilatação dos ductos biliar e pancreático implica obstrução distal. As
etiologias mais frequentes são o carcinoma da cabeça do pâncreas, ampuloma
ou pancreatite aguda. No entanto, é possível que um cálculo, alojado
distalmente à confluência dos ductos biliar e pancreático, condicione alteração
similar.
● A dilatação da vesícula biliar isoladamente (isto é, sem dilatação
ductal) é geralmente causada por obstrução no colo ou no ducto cístico.
Figura 7 - A) VBP no hilo portal. A extremidade inferior é frequentemente obscurecida
pela sombra do duodeno. O ducto deve ser medido na sua maior parte. B) Visualização
da extremidade inferior do ducto ao nível da cabeça do pâncreas, muitas vezes, exige
perseverança por parte do operador com a técnica e posicionamento do paciente.
Figura 8 – Espessamento mural hiperecogénico da via biliar principal (A) e dos canais
intrahepáticos (B).
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Figura 9 - Dilatação da VBP após colecistectomia.
Variantes Anatómicas
Barrete frígio
Por vezes encontram-se variantes anatómicas da vesícula biliar. A mais
frequente é o denominado “barrete frígio”, consistindo numa vesícula alongada
e com múltiplas angulações, por vezes mesmo com um divertículo no fundo.
Figura 10 - A vesícula biliar dobrada é difícil examinar com o paciente deitado. Mudança de
posição do paciente para decúbito lateral esquerdo, permitindo que o lúmen seja examinado de
forma satisfatória.
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PATOLOGIAS MAIS FREQUENTES - VESÍCULA BILIAR
- Colelitíase
- Lama biliar (sludge)
- Vesícula esclero-atrófica
- Vesícula de porcelana
- Colecistite e suas complicações
- Tumores Benignos e Malignos (Alterações da parede)
- Pólipos vesiculares
- Colesterolose
- Carcinoma
- Adenomiomatose
- Adenomioma
1. Lama biliar (sludge)
A lama biliar é constituída por bílis espessa e/ou microcristais. Pode ser
precursora de litíase, o que já foi documentado em estudos prospectivos em
grávidas. Na ecografia apresenta-se como um conteúdo ecogénico móvel por
acção da gravidade, apresentando um nível líquido e não emitindo sombra
acústica posterior.
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2. Litíase vesicular
Os cálculos vesiculares apresentam-se como imagens hiperecogénicas
associadas a três propriedades acústicas clássicas:
-alta reflectibilidade, mobilidade pela acção da gravidade e produção de uma
sombra acústica posterior.
A.
B.
Figura 11 - Secção longitudinal (A) e transversal (B) da vesícula biliar contendo cálculos com
uma sombra acústica distal.
Reflectividade
A natureza reflexiva dos cálculos é reforçada pelo facto de estarem
cercados por bílis que é anecogénica. Na vesícula biliar contraída, a
reflectividade dos cálculos não é, muitas vezes, observada porque a parede
hiperecóica da vesícula biliar está colapsada sobre as mesmas. Noutros casos,
os próprios cálculos são apenas poucos reflexivos, devendo contudo causar
uma sombra acústica posterior.
Figura 12 - Vários microcálculos hiperecogénicos
formando uma banda posterior de sombra.
Mobilidade
A maioria dos cálculos são dependentes da gravidade, o que pode ser
demonstrado colocando o paciente em posição ortostática e observando o
movimento dos cálculos no infundíbulo ou corpo a deslocarem-se para o fundo
da vesícula.
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A.
B.
Figura 13 - Imagens obtidas em decúbito dorsal (A) e ortostatismo (B) demonstrando o
movimento do pequeno cálculo do fundo da vesícula biliar. O duodeno, posterior à vesícula
biliar, mascara a sombra em ortostatismo neste caso.
Alguns cálculos podem flutuar formando, no entanto, uma camada
reflectora logo abaixo da parede anterior da vesícula biliar com sombra para o
resto do lúmen.
Figura 14 - Cálculos flutuantes sob a parede anterior da vesícula biliar.
Ocasionalmente, um cálculo pode estar impactado no infundíbulo e o
movimento do doente ser incapaz de deslocá-lo. Cálculos alojados no colo da
vesícula biliar ou ducto cístico podem assim resultar numa vesícula biliar
permanentemente contraída, repleta de ecos finos devido à bílis espessada, ou
promover uma distensão da vesícula biliar formando hidrópsia.
Igualmente, quando o lúmen da vesícula biliar está contraído, por razões
fisiológicas ou patológicas, os cálculos presentes são incapazes de se mover
como pode também acontecer no caso de uma vesícula repleta de cálculos.
Sombra acústica
A capacidade de exibir uma sombra acústica posterior depende de
vários factores:
● A reflexão e absorção do som pelo cálculo;
● O tamanho do cálculo em relação à largura do feixe:
Uma sombra acústica ocorre quando o cálculo preenche a largura do
feixe. Isto vai acontecer facilmente em cálculos grandes, mas um microcálculo
pode ocupar menos espaço do que o feixe não originando cone de sombra. Os
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cálculos pequenos devem, portanto, estar dentro da zona focal e no centro do
feixe do ultra-som para que a sombra acústica possa surgir. Os transductores
de alta frequência possuem melhor resolução e, portanto, mais facilmente
demonstram a sombra acústica comparativamente aos com frequências
menores.
A.
B.
Figura 15- A) Os cálculos estão fora da zona focal, não condicionando sombra significativa;
B) A zona focal foi transferida para o nível dos cálculos, permitindo que a sombra seja exibida.
Outra noção importante é o facto da vesícula biliar, repleta de líquido,
geralmente exibir reforço posterior. Caso os ecos posteriores a esta estejam
"saturados" isto pode mascarar sombras finas.
Figura 16 - A sombra atrás do cálculo biliar é obscurecida se a
compensação de ganho de tempo for colocada muito alta por trás
da vesícula biliar (B) comparativamente a uma compensação
“calibrada” (A).
● A localização do cólon posterior à vesícula biliar pode formar também
a sua própria sombra pelo conteúdo de gases, o que torna a sombra dos
cálculos vesiculares difícil de demonstrar. Este é um problema particular com
os cálculos no canal biliar comum. Mobilizar o paciente para afastar o intestino
da vesícula biliar pode ser útil. A sombra expressa por gás no duodeno, que
contém reverberação, geralmente deve ser distinguível daquela emitida pelo
cálculo biliar, que é acentuada e limpa.
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Vesícula esclero-atrófica
Os cálculos, que podem ser únicos ou múltiplos ocupam, por vezes,
quase a totalidade de uma vesícula que se encontra contraída apesar do jejum.
Esta vesícula é denominada “esclero-atróficas”. Este aspecto pode ser
temporário e reversível decorrendo da obstrução do ducto cístico com possível
resolução, por exemplo, após episódio de cólica biliar.
3. Vesícula de porcelana
Quando a parede da vesícula biliar fica calcificada a aparência resultante
é a de uma estrutura sólida hiperecogénica que causa um cone de sombra
posterior. Esta condição não deve ser confundida com a de uma vesícula cheia
de cálculos, por permitir identificar a parede vesicular anteriormente ao cone de
sombra. A vesícula de porcelana resulta, provavelmente, da obstrução do ducto
cístico com longa evolução, geralmente por um cálculo. A bílis do interior da
vesícula biliar não funcionante é, gradualmente, substituída por um fluido
aquoso. A parede torna-se fibrótica, espessa e, finalmente, calcificada. Existe
uma associação entre a vesícula de porcelana e o carcinoma da vesícula biliar,
pelo que a colecistectomia profilática é geralmente realizada.
Figura 17 - Vesícula biliar de porcelana demonstrando uma
parede calcificada com forte sombra acústica.
4. Pólipos vesiculares
Os pólipos vesiculares são estruturas ecogénicas que se projectam no
lúmen da vesícula biliar, distinguindo-se dos cálculos por estarem aderentes à
parede. Não se mobilizam por acção da gravidade (excepto quando
apresentam um pedículo longo) e não emitem sombra acústica.
Quando são múltiplos e pequenos (< 1 cm) são mais frequentemente
compostos de colesterol, embora estes também possam ser únicos (na
realidade, representam uma forma uni ou multifocal de colesterolose). Pelo
contrário, quando têm natureza adenomatosa é mais frequentemente único,
tendo potencial de transformação em adenocarcinoma. Considera-se que este
risco é significativo em pólipos com mais de 1 cm, pelo que é prática corrente
indicar a colecistectomia nestes casos.
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Figura 18 - A) Pequeno pólipo no lúmen da vesícula biliar, sem sombra acústica posterior
evidente; B) Um pólipo da vesícula biliar com um pedículo move-se com as diferentes posições
do doente; C) Pólipo de vesícula biliar de grandes dimensões.
5. Colesterolose
Também conhecida como "vesícula biliar em morango" (strawberry
gallbladder), recebe esta designação devido à presença de múltiplos nódulos
milimétricos sobre a superfície da mucosa da vesícula biliar. Estes nódulos
resultam da acumulação de lípidos na parede da vesícula e, normalmente, não
são visíveis no ultra-som. No entanto, em alguns casos, também se formam
vários pólipos na superfície interna projectando-se para o lúmen sendo
claramente visíveis na ecografia. A colesterolose pode aparecer isolada ou
estar associada a litíase.
Figura 19 - Colesterolose da vesícula biliar demonstrando
múltiplos pequenos pólipos da vesícula biliar
6. Adenomiomatose
A adenomiomatose apresenta-se habitualmente como múltiplos focos
ecogénicos da parede com reverberação acústica em causa de cometa. Este
aspecto resulta da presença de divertículos na parede vesicular, que
caracteristicamente estão preenchidos de lama ou cristais biliares. Esta é uma
condição não inflamatória, hiperplásica, que provoca espessamento da parede
da vesícula. O epitélio que reveste a parede sofre alterações hiperplásicas,
estendendo-se aos divertículos e à camada muscular adjacente da parede.
Estes divertículos ou seios (conhecidos como seios Rokitansky-Aschoff) são
visíveis dentro da parede como espaços cheios de líquido, que podem fazer
protuberância excêntrica dentro do lúmen, podendo conter material ecogênico
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ou mesmo cálculos (normalmente de pigmento). O espessamento da parede
pode ser focal ou difuso e os seios podem ser pouco mais do que zonas
hipoecóicos nas paredes espessadas ou tornarem-se em cavidades de
grandes dimensões. Depósitos de cristais na parede da vesícula biliar
frequentemente resultam em artefactos distintos designados "cometa de
cauda".
Figura 20 - A) espessamento da vesícula biliar com um pequeno seio de Rokitansky-Aschoff
(seta) no fundo; B) um cálculo e artefactos de cauda de cometa devido a depósitos de cristais;
C) processo mais avançado de adenomiomatose com seios grandes Rokitansky-Aschoff,
aparentando um aspecto de um "duplo lúmen".
7. Adenomioma
Uma forma frequente de adenomiomatose é o chamado adenomioma.
Trata-se de um nódulo isolado quase sempre localizado no fundo vesicular.
Mede entre 1 e 3 cm, é hipoecogénico devido à sua natureza (hiperplasia da
muscular) outra das características da doença. Não é considerada uma lesão
neoplásica nem se associa a risco de malignização, no entanto é causador de
dúvidas quanto ao diagnóstico diferencial. Frequentemente está associado a
litíase vesicular.
8. Carcinoma da vesícula
O cancro da vesícula está geralmente associado a litíase biliar e história
de colecistite. Na maioria das vezes o lúmen vesicular é ocupado por uma
massa sólida, que pode ter a aparência de um pólipo de grandes dimensões e
a parede aparece espessada e irregular. Quando associada a vesícula de
porcelana, a sombra acústica esta gerada costuma obscurecer as lesões no
seu interior, fazendo com que a sua detecção seja quase impossível.
O Doppler pode auxiliar na diferenciação entre carcinoma e outras
causas de espessamento da parede da vesícula biliar, mas a investigação
adicional por TC é geralmente necessária. A ultra-sonografia também pode
demonstrar a eventual invasão local para o fígado adjacente.
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Figura 21 - A) Carcinoma da vesícula biliar (cálculos no interior) e espessamento irregular da
parede; B) Outro caso de carcinoma vesicular evidenciando-se parede grosseiramente
espessada, hipoecóide, com um lúmen contraído.
9. Colecistite aguda
A colecistite aguda, tipicamente, apresenta-se na ecografia com
fenómenos de descamação da mucosa, espessamento da parede
(caracteristicamente simétrico afectando toda a parede) e litíase intra-luminal
(cálculos e/ou lama biliar).
Figura 22 - Colecistite aguda: A) parede da vesícula biliar edematosa, espessada, com
evidência de um cálculo no interior da vesícula; B) parede espessada (setas), cálculos e
presença de debris; C e D) líquido pericolecístico.
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Frequentemente existe um halo hipoecogénico em torno da vesícula
biliar como resultado de alterações edematosas
O sinal de Murphy ecográfico é um achado frequente mas não
obrigatório em todas as formas de colecistite.
O estudo com Doppler pode igualmente ser útil no diagnóstico. A
hiperémia da vesícula pode ser demonstrada com Doppler colorido em torno da
parede espessada contrariamente a uma vesícula normal em que o Doppler
pode ser visto em todo o colo da vesícula biliar, na região da artéria cística,
mas não no resto da parede.
Figura 23 - Colecistite aguda com hiperémia na parede espessada
da vesícula biliar demonstrado por Doppler.
Figura 24 - Vascularização normal da parede da vesícula biliar (A) com Doppler colorido
demonstrando a artéria cística (seta) com ausência de fluxo perto do fundo. (B) O Power
Doppler é mais sensível e pode demonstrar o fluxo ao longo da parede (setas) numa vesícula
biliar normal o que não deve ser confundido com hiperémia.
Nas apresentações menos frequentes de colecistite aguda, que
geralmente constituem formas mais avançadas, é possível a existência de
perfuração, mais frequente no fundo, com colecções líquidas peri-vesiculares
ou, ainda, o aspecto de colecistite enfisematosa. Esta última entidade surge
quando a infecção é por bactérias produtoras de gás, que preenche a vesícula
e reflecte fortemente os ultra-sons, originando sombras acústicas. Estas são
caracteristicamente menos marcadas que as dos cálculos ou das calcificações.
É também necessário estar atento para não confundir esta situação com a
visualização do duodeno adjacente, que contém frequentemente ar.
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PATOLOGIAS MAIS FREQUENTES VIAS BILIARES
. Coledocolitíase
- Quistos das vias biliares
- Doença de Carolli
. Colangite Aguda
- Colangite Esclerosante Primária
. Tumores
- Colangiocarcinoma
. Parasitose biliar
1. Litíase das vias biliares
A litíase das vias biliares intra-hepáticas e da via biliar principal também
pode ser demonstrada na ultra-sonografia com características similares às
descritas para a vesícula. No entanto, devido à sombra causada pelo duodeno,
a objectivação de cálculos na porção terminal do colédoco pode ser difícil,
sendo muito dependente da experiência e persistência do executante mas,
também, das características do doente.
Normalmente, a coledecolitíase é frequentemente acompanhada por
litíase na vesícula biliar e dilatação da VBP. Nestes casos, o operador deve
insistir em tentar identificar um eventual cálculo na extremidade inferior do
ducto sabendo, contudo, que pode ainda haver dilatação do ducto e o cálculo já
ter migrado para o duodeno. Por outro lado, não é igualmente raro a presença
de litíase nos ductos biliares sem evidência de litíase vesicular.
Concomitantemente, pode existir coledecolitíase sem presença de dilatação
dos ductos pelo que a sua pesquisa deva ser realizada mesmo com ausência
deste achado.
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2. Quisto do colédoco associado a atrésia das vias biliares
Mais frequentemente encontrado em crianças, os quistos do colédoco
estão associados à atresia biliar, na qual a extremidade distal "cega" do ducto
dilata numa formação cística arredondada, anecogénica, em resposta ao
aumento da pressão intra-hepática.
3. Doença de Carolli
Nesta condição congénita, rara, os ductos biliares encontram-se
irregularmente dilatados com projecções de tipo divertícular. Estes podem
infectar e separar-se do ducto biliar, formando quistos do colédoco. Na maioria
dos casos todo o sistema hepatobiliar está afectado, mesmo que em menor
grau. Os aspectos ultra-sonográficos são geralmente de dilatação ductal intrahepática generalizada, com ectasia biliar sacular e fusiforme.
4. Colangite Esclerosante Primária (CEP)
Nesta patologia as paredes dos ductos biliares sofrem infiltração
inflamatória e, consequentemente, formação de estenoses. Estas podem
causar dilatação a jusante em alguns segmentos, surgindo em alguns casos
acentuada dilatação das vias biliares. Contudo, na maioria dos doentes, esta
dilatação ductal é impedida pela fibrose parietal, parecendo normais na ultrasonografia. Igualmente, o fígado pode ser normal ou demonstrar uma textura
grosseiramente hiperecogénica. A vesícula biliar também pode ter uma parede
espessa e encontrar-se dilatada.
Devido à associação entre CEP e colangiocarcinoma uma pesquisa
cuidadosa deve ser feita para as lesões focais.
5. Colangiocarcinoma
O colangiocarcinoma pode ocorrer em qualquer segmento da via biliar, sendo
frequentemente multifocal.
A sua identificação por ecografia é mais fácil quando ocorre na VBP, dado que
a sua oclusão e dilatação subsequente esboça a parte proximal do tumor.
Estas lesões são contudo muitas vezes difíceis de detectar. Frequentemente
são isoecogénicas e a única pista pode ser a dilatação proximal dos ductos
biliares. No fígado com textura já alterada por doença crónica difusa pode ser
quase impossível identificar estas lesões antes de se tornarem de grandes
dimensões.
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Figura 25 - Colangiocarcinoma invandindo a VBP.
6. Colangite aguda
Raramente é possível distinguir, ecograficamente, colangite aguda da
dilatação ductal simples. Em casos graves, pode-se observar as paredes
ductais irregulares e/ou espessadas e debris no interior dos canais de maiores
dimensões. Dever-se-á ter o cuidado necessário para diferenciar estes
aspectos de uma invasão tumoral, sendo muitas vezes necessário o recurso a
outros métodos de imagem para excluir a malignidade.
7. Parasitose biliar
Ainda que pouco frequente na Europa, os parasitas (ex. Ascaris) são
uma causa comum de cólica biliar em África, no Extremo Oriente e na América
do Sul. Uma estrutura linear hiperecogénica no lúmen da vesícula biliar deve
levantar a suspeita em doentes nativos ou que visitaram esses países.
Parasitas impactados nos ductos biliares podem simular massas ductais.
Figura 26 - Ascaris na vesícula.
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Considerações finais
A ultra-sonografia deve ser o primeiro exame quando há suspeita de
doença vesicular e dá orientações valiosas ou fornece o diagnóstico na maior
parte dos casos.
No estudo das colestases e das doenças das vias biliares deve também
ser o primeiro exame pela sua inocuidade e por indicar o segmento de
obstrução. No entanto, necessita frequentemente de ser complementada por
ultra-sonografia endoscópica e/ou CPRM e/ou CPRE, dependendo do caso
clínico, experiência local e necessidade de abordagem terapêutica.
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