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| DRG| |
INFORMAÇÃO
QUE VALE OURO
ANTES MESMO DE SE ESTABELECER COMO UMA ALTERNATIVA PARA A REMUNERAÇÃO DE SERVIÇOS,
O DRG PROMETE CONTRIBUIR – E MUITO! – PARA A GOVERNANÇA CLÍNICA
N
Por Gilmara Espino
o Brasil, grande parte das discussões sobre o uso do Diagnosis Related Group (DRG)
enfatiza as promessas de que
a metodologia permitirá um
sistema de remuneração mais
justo para aqueles que conseguem entregar
uma assistência mais efetiva, com mais qualidade e menos uso de recursos. Entretanto,
raramente mencionam que, mesmo nos Estados Unidos, onde o DRG começou a ser
pensado na década de 1960, foram necessários quase 30 anos até que se estabelecesse,
de forma significativa, uma relação entre os
resultados assistenciais e a remuneração. Foi
nas etapas desse percurso que o DRG se
desenvolveu como ferramenta de trabalho
indispensável à governança clínica.
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res Práticas
O que a história conta é que não dá para
apressar o passo. Ou seja, o DRG não vai
se transformar em um modelo de controle
de custos e de pagamento viável no Brasil
antes de ser, primeiramente, interpretado
como uma ferramenta de gestão clínica.
Em linhas gerais, a metodologia funciona
assim: a partir das informações obtidas na
admissão do paciente sobre diagnóstico
principal, comorbidades, idade e procedimentos cirúrgicos, atribui-se um único
código numérico, que representa o grau
de criticidade daquele paciente e o tempo
de internação correspondente estimado. O
código DRG, portanto, não se refere a uma
doença específica, mas a um conjunto de
informações, incluindo a doença base.
Para cada DRG específico é atribuído
INTERESSES CONVERGENTES
um peso. Quanto maior o peso, maior é a
complexidade do caso e, consequentemente,
mais elevado é o custo total dos recursos
(materiais, diárias, medicamentos etc.) empregados no tratamento.
Como o DRG estima o tempo que o
paciente ocupará o leito, é mais fácil para
o gestor clínico identificar quais linhas de
cuidado estão fora da média esperada e,
então, traçar planos de ação para as melhorias, em geral ligadas aos processos e/ou
adesões aos protocolos assistenciais.
“É uma informação que vale ouro. A
metodologia ajuda a identificar gargalos,
fragilidades e a distância que se está dos
melhores resultados assistenciais descritos
na literatura. Há diminuição de desperdício, mais previsibilidade e melhor gestão
de recursos. A metodologia DRG tem valor
para empresas com ou sem fins lucrativos,
para prestadores de serviços e operadoras”,
diz Tânia Pedrosa, diretora do Instituto de
Acreditação e Gestão em Saúde (IAG).
Também por meio da observação dos
relatórios, o gestor pode comparar os resultados de equipes cirúrgicas diferentes
e acompanhar a performance clínica da
instituição. Também é possível conhecer,
com mais precisão, o perfil de criticidade
e perfil da população atendida no hospital,
o que vai ajudar a definir estratégias de
posicionamento de mercado, campanhas
de prevenção e até trazer mais informação
para negociação com as fontes pagadoras.
Como o primeiro requisito à implantação
do DRG é a existência de uma ampla base
de dados, e como já se sabe ser possível
correlacionar os dados obtidos a partir do
DRG com o pagamento pelos serviços assistenciais, é de se esperar que as fontes
pagadoras sejam as que saíram na frente
no uso da metodologia. Segundo Tânia,
já há mais de 4.230.000 vidas monitoradas
segundo a classificação do Diagnosis Related
Group, apenas pelo sistema DRG Brasil,
desenvolvido pelo IAG. São usuários, por
exemplo, a autogestão COPASS Saúde e as
Cooperativas UNIMED de Belo Horizonte,
Vitória, Goiânia, Uberlândia e Juiz de Fora.
Alguns hospitais, por sua vez, veem esse
interesse com desconfiança e temem que o
desenvolvimento do DRG no país se volte
contra eles, servindo para limitar repasses
e aumentar a interferência das operadoras
nos procedimentos médicos ao invés de
incentivar as boas práticas.
Na opinião de Tânia, o maior conhecimento sobre a metodologia irá gradativamente fazer face à desconfiança. “Segundo dados extraídos do DRG Brasil, os
pacientes que passam por eventos adversos
durante a hospitalização têm um tempo
de internação até 5,6 vezes maior do que
aqueles sem eventos, elevando o consumo
de recursos”, explica.
Esse tipo de situação é ruim tanto para
a fonte pagadora como para o prestador,
O DRG NÃO VAI SE
TRANSFORMAR EM UM
MODELO DE CONTROLE DE
CUSTOS E DE PAGAMENTO
VIÁVEL NO BRASIL ANTES
DE SER, PRIMEIRAMENTE,
INTERPRETADO COMO
UMA FERRAMENTA DE
GESTÃO CLÍNICA
DESAFIOS PARA O DRG NO BRASIL
A
B
C
D
O peso de um DRG foi
inicialmente definido a partir
do estudo da evolução de
milhares de pacientes norteamericanos. Foi necessária
uma base de dados
gigantesca e confiável. Não
há nada semelhante no Brasil,
e a adaptação dos códigos
DRGs norte-americanos para
o sistema brasileiro é bastante
complicado.
Os hospitais e operadoras que
optam pelo uso de sistemas
que correlacionam os códigos
norte-americanos com
brasileiros precisam contratar
codificadores, profissionais
com formação assistencial
(enfermeiros, em sua maioria)
para lerem o prontuário
e lançarem a informação
sobre o desfecho clínico
adequadamente no sistema.
O preenchimento adequado
dos prontuários ainda
é um desafio para os
hospitais, o que dificulta o
trabalho dos codificadores
e a fidedignidade da
informação.
Operadoras que tratam
os dados que recebem
de sua rede credenciada
(fonte secundária de dados)
às vezes não dispõem de
informações relevantes para
a determinação exata da
criticidade do paciente no
momento da internação.
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CASO PRÁTICO
Passo a passo do projeto-piloto do Hospital Israelita Albert Einstein (HIAE)
I. O Grupo de Trabalho partiu de um “modelo conceitual ideal” que teria entre as metas: coleta de 100% das altas, preenchidas
em tempo real; sistemas validados de registro e processamento; desfechos clínicos e econômicos de interesse disponíveis e
associados, pós-processamento rápido e simplificado.
II. O passo seguinte foi buscar um fornecedor qualificado e discutir eventuais adaptações na ferramenta ofertada. Foi aprovada
uma versão demo.
III. Como o projeto-piloto seria aplicado na pediatria, listaram-se variáveis relevantes nesses pacientes, tais como: idade, sexo,
diagnóstico principal, diagnóstico secundário, comorbidades, procedimentos invasivos realizados e, para o caso de neonatos, o
peso do recém-nascido e o tempo de gestação, o total de horas com ventilação mecânica e as condições de alta.
IV. Essas variáveis requeridas foram comparadas com as que já constavam no sumário de alta do paciente. “Vimos que o
sumário de alta que existia na nossa instituição tinha absolutamente todas essas informações, exceto o tempo de ventilação
mecânica, que ficava em outro ponto do prontuário. Então resolvemos usar esses documentos (que era uma ferramenta ainda
em papel) e transformá-los em uma ferramenta eletrônica integrada ao sistema DRG”, explica Alexandre Holthausen, do HIAE.
V. Paralelamente, o grupo de trabalho circulou pela instituição, acompanhou processos e conversou com profissionais a fim de
entender os principais desafios do projeto. Foram diagnosticadas as seguintes fragilidades:
• A coleta atual de dados tinha finalidade predominantemente estatística, menos analítica do que deveria ser.
• Grande heterogeneidade de dados de origem (médicos).
• Sem participação de especialistas na codificação, a busca dos dados era superficial, limitada qualitativamente.
• A codificação dos procedimentos não era associada à lógica clínica.
• Os critérios de definição de complexidade eram arbitrários, sem que fossem submetidos a validação clínica ou econômica.
• Como consequência, os resultados eram pouco comparáveis interna ou externamente.
VI. Os passos seguintes foram: programa de educação de médicos e codificadores, adaptação de formulários, implantação do
DRG propriamente dito, acompanhamento de resultados.
VII. Resultados após a implantação: 8.000 casos coletados nos dois primeiros meses, com índice de preenchimento pelo
médico de aproximadamente 90%. A taxa de erros ainda é considerada elevada, mas a conscientização e a aproximação dos
médicos com o sistema de registros é considerado um ponto positivo.
Fonte: Debate GVsaúde, realizado em 20/10/2015 em São Paulo. Tema: DRG – Classificação em Grupos Homogêneos de Diagnóstico.
principalmente se ele trabalha com alta taxa
de ocupação de seus leitos. Afinal, como o
consumo de materiais hospitalares e medicamentos é mais acentuado nos primeiros
dias de internação, quanto melhor o giro
de leitos, maior é a receita da instituição.
“Instituições com os melhores resultados
assistenciais (leia-se: permanência média
dentro do prazo esperado pelo risco clínico
do paciente, baixa ocorrência de eventos
adversos, mortalidade em DRG de baixo
risco abaixo da média e baixa ocorrência
de readmissão em 30 dias) têm os maiores
tickets médios diários”, reforça a diretora.
Esse é o raciocínio que hospitais com
alta taxa de ocupação já fazem. É o caso do
Biocor, em Minas Gerais, Mãe de Deus, em
Porto Alegre, Albert Einstein e Sírio-Libanês
em São Paulo.
“O tempo médio de permanência em
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res Práticas
SE NÃO HÁ
MONITORAMENTO DA
LINHA DE CUIDADO,
NÃO SE SABE POR ONDE
COMEÇAR A MELHORAR
A ASSISTÊNCIA
diferentes DRGs é uma ferramenta útil para
analisar o desempenho hospitalar e identificar áreas de melhoria potencial de eficiência”, afirma um estudo conduzido por
Márcia Martiniano de Sousa, da Comissão
da Segurança do Paciente do Hospital SírioLibanês, e apresentado no Qualihosp 2015.
Em outro trabalho, apresentado no mesmo evento, Paula Daibert, coordenadora
técnica do IAG Brasil, comparou 2004 pares
de indivíduos a partir de uma população de
57.215 pacientes internados entre os anos de
2012 e 2014 em Belo Horizonte e concluiu
que a ineficiência assistencial é, de fato, um
dos fatores responsáveis pelo desperdício
de leitos. Segundo ela, o reconhecimento
e registro dessa condição não é habitual
no Brasil, e iniciativas como a mensuração
pelo DRG poderiam contribuir para a sustentabilidade do sistema de saúde brasileiro.
GOVERNANÇA CLÍNICA
Acompanhar se o tempo de permanência
estimado para determinada linha de cuidado
está sendo cumprido é uma das possibilidades, outras são a comparação entre a mortalidade intra-hospitalar esperada versus a
atingida, considerando o nível de criticidade
de cada paciente e a facilidade com que se
evidencia a possível ocorrência de condições
adquiridas durante o tratamento principal.
Como para cada DRG há um desfecho
assistencial esperado, o gestor clínico pode
também acompanhar de perto os óbitos
ocorridos em pacientes de baixa complexidade, tratando-os como eventos-sentinela
e propondo ações de melhoria.
Desde que retornem ao mesmo hospital,
pela metodologia também é possível rastrear
readmissões de pacientes não programadas
em um período de até 30 dias após a alta.
Com frequência, essas readmissões estão
relacionadas a complicações adquiridas na
internação anterior.
Outro ganho é o uso dos relatórios para
conduzir reuniões com o corpo clínico,
engajando-os em políticas de qualidade.
“Quando os indicadores estão ajustados
pelos fatores de risco do paciente e estratificados de acordo com o risco clínico, não há
como aceitar o argumento de que o atraso
em uma alta programada ou que o uso de
mais recursos foi ocasionado pela particularidade do caso. Todo o processo é mais
previsível, e fica evidente que equipes e
resultados são comparáveis entre si”, conta
Tânia do IAG.
Finalmente, a análise dos DRGs mais
frequentes em uma instituição reflete a relação deste prestador com a comunidade e
região em que está localizado. “Altas taxas
de internações por condições sensíveis à
atenção primária em uma população po-
REFERÊNCIAS
dem, por exemplo, indicar sérios problemas
de acesso ao sistema de saúde ou de sua
resolutividade”, diz Tânia.
UM PASSO DE CADA VEZ
Para a especialista do IAG, neste momento o Brasil está evoluindo na classificação das doenças de acordo com a realidade
do país e distanciando-se progressivamente
da dependência dos dados norte-americanos. Só depois dessa fase e a partir de
uma base de dados consistente é que se
conseguirá analisar desempenhos de forma
mais ampla.
Durante o piloto para implantação do
DRG no Hospital Albert Einstein, em São
Paulo, o médico responsável pelo projeto,
Alexandre Holthausen, fez questão de reforçar os primeiros objetivos da instituição.
“Identificávamos vantagens no modelo,
como melhorar o conhecimento do perfil nosológico do hospital e a avaliação da
qualidade assistencial, comparando áreas e
equipes, mas fizemos questão de reforçar
que aquilo era um dos resultados “prova de
conceito”, e que nós não iríamos usar esses
dados para gestão hospitalar. Dos pontos
positivos, o primeiro foi a conscientização,
muitos médicos passaram a entender a importância de preencher adequadamente o
prontuário, e houve uma aproximação entre
o médico e o sistema de registros”, diz.
Para Holthausen, no futuro próximo é
provável que as análises obtidas a partir
do DRG passem a fazer parte do próprio
programa de reconhecimento médico e fidelidade que o hospital já utiliza. “Com mais
ferramentas, haverá mais subsídios para um
sistema mais justo. Vamos poder levar ao
médico informações mais adequadas ao
grau de complexidade que esse profissional
atende”, finaliza.
COM O DRG, É
POSSÍVEL RASTREAR
READMISSÕES DE
PACIENTES NÃO
PROGRAMADAS EM UM
PERÍODO DE ATÉ 30
DIAS APÓS A ALTA
1. CONGRESSO INTERNACIONAL DE QUALIDADE EM SERVIÇOS E SISTEMAS DE SAÚDE, 2015, São Paulo. Anais - QUALIHOSP 2015:
Uso de DRG em hospital filantrópico brasileiro: É possível?. São Paulo: FGV, 2015. 612 p. Disponível em: <http://site.qualihosp.com.
br/mac/upload/arquivo/QUALIHOSP_2015_COMPLETO_COM_LINK.pdf>. Acesso em: 5 out. 2015.
2. CONGRESSO INTERNACIONAL DE QUALIDADE EM SERVIÇOS E SISTEMAS DE SAÚDE, 2015, São Paulo. Anais - QUALIHOSP 2015:
Influência da ocorrência de condições adquiridas no tempo de permanência hospitalar das internações em Belo Horizonte avaliada
pelo Diagnosis Related Group (DRG). São Paulo: FGV, 2015. 612 p. Disponível em: <http://site.qualihosp.com.br/mac/upload/arquivo/QUALIHOSP_2015_COMPLETO_COM_LINK.pdf>. Acesso em: 5 out. 2015.
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