bruna monalisa ramalho gomes
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bruna monalisa ramalho gomes
INSTITUTO FEDERAL DE ENSINO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA CAMPUS OURO PRETO DIRETORIA DE GRADUAÇÃO E PÓS-GRADUAÇÃO COORDENADORIA DE GEOGRAFIA BRUNA MONALISA RAMALHO GOMES A TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO NO ATUAL CENÁRIO ECLESIAL E SEUS DESDOBRAMENTOS PARA A PASTORAL DA JUVENTUDE OURO PRETO MINAS GERAIS – BRASIL 2012 BRUNA MONALISA RAMALHO GOMES A TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO NO ATUAL CENÁRIO ECLESIAL E SEUS DESDOBRAMENTOS PARA A PASTORAL DA JUVENTUDE Monografia apresentada Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Minas Gerais, Campus Ouro Preto, como parte das exigências do Curso de Licenciatura em Geografia, para obtenção do título de Licenciada. Orientador: Guilherme Guimarães Leonel OURO PRETO MINAS GERAIS – BRASIL 2012 G633t Gomes, Bruna Monalisa Ramalho A Teologia da Libertação no atual cenário eclesial e seus desdobramentos para a Pastoral da Juventude [manuscrito] / Bruna Monalisa Ramalho Gomes. – 2012. 89 f. : il. Orientador: Prof. Guilherme Guimarães Leonel Co-Orientador: Fernando Gomes Braga Monografia (Graduação) – Instituto Federal Minas Gerais, Campus Ouro Preto. Licenciatura em Geografia. 1. Teologia. – Monografia. 2. Teologia Pastoral. 3. Igreja Católica. – Monografia. 4. Catolicismo. – Monografia. 5. Movimentos Religiosos. – Monografia. 6. Pastoral da Juventude. – Monografia. 7. Sociedade. – Monografia. I. Leonel, Guilherme Guimarães. II. Braga, Fernando Gomes. III. Instituto Federal Minas Gerais, Campus Ouro Preto. Licenciatura em Geografia. IV. Título. CDU 25 Catalogação: Biblioteca Tarquínio J. B. de Oliveira - IFMG – Campus Ouro Preto BRUNA MONALISA RAMALHO GOMES A TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO NO ATUAL CENÁRIO ECLESIAL E SEUS DESDOBRAMENTOS PARA A PASTORAL DA JUVENTUDE Monografia apresentada Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Minas Gerais, Campus Ouro Preto, como parte das exigências do Curso de Licenciatura em Geografia, para obtenção do título de Licenciada. APROVADA EM: 05 de novembro de 2012 por: __________________________________ Prof. Marcelo Moreira Santiago Instituto de Teologia - Mariana __________________________________ Whelton Pimentel de Freitas Universidade Federal de Ouro Preto ________________________________________ Prof. Fernando Gomes Braga Instituto Federal de Minas Gerais – Campus Ouro Preto (Co-Orientador) ______________________________________ Prof. Guilherme Guimarães Leonel Instituto Federal de Minas Gerais – Campus Ouro Preto (Orientador) Dedicatória: Dedico esta monografia primeiramente à minha Mãe, carinhosamente conhecida como Dona Belinha, quem me incentivou a mergulhar na vida acadêmica, compartilhando sempre dos meus sonhos, contribuindo com muita eficiência para que eu aprendesse a superar os desafios e não tivesse medo de me arriscar, enfatizando severamente a importância do Saber. Dedico aos amigos e às amigas da Pastoral da Juventude que caminham buscando construir a Civilização do Amor, nos mais diversos cantos deste nosso Brasil, que foram sem dúvida a fonte de inspiração deste trabalho. Dedico aos queridos Professores Guilherme Leonel e Fernando Braga, que mesmo na correria do dia a dia, se colocaram à disposição para o trabalho, tornando a minha ideia uma proposta coletiva, numa perspectiva que, na dinâmica da construção do saber, todos têm participação. AGRADECIMENTOS Agradeço à minha Mãe e ao meu padrasto Geraldo, que acompanharam de perto todo processo de construção desta monografia, partilhando dos momentos de estresse, de desespero e também de alegria, pela paciência, respeito e estímulo. Agradeço pelas discussões e preocupações pautadas nas longas horas que eu passava em frente ao computador e longas noites de trabalho, uma vez que eu só tinha o período da noite para monografar. Agradeço pela compreensão, pelo carinho e pelo amor! Agradeço aos companheiros e companheiras que dedicaram parte do seu tempo relatando experiências versando sobre a realidade dos grupos de base da Pastoral da Juventude. Agradeço aos Professores Guilherme Leonel e Fernando Braga pelos ensinamentos, cobranças, diálogos, paciência, acompanhamento, dedicação e pelas críticas sempre construtivas. Verdadeiros orientadores, que mesmo com dificuldade de tempo para orientação presencial, se dispuseram a utilizarem outros meios para que a orientação pudesse acontecer. Ao Padre Marcelo, que sempre se colocou à disposição para contribuir e dialogar, agradeço pela atenção, pela disponibilidade e pela participação na banca de defesa dessa monografia, agradeço também pela dedicação, carinho, paciência, apoio, incentivo e presença nos momentos mais diversos da minha vida, agradeço de forma muito especial a amizade. Ao militante e historiador Whelton, conhecido popularmente como Leleco, agradeço pelo apoio e pelo incentivo. Foi ele quem, em meio a correria do dia a dia, se colocava à disposição para contribuir com essa discussão através da participação na banca. Agradeço pelo carinho e pelas palavras e presença amiga. EPÍGRAFE: “Ninguém caminha sem aprender a caminhar, sem aprender fazer o caminho caminhando, sem aprender a refazer, a retocar o sonho, por causa do qual a gente se pôs a caminhar”. (FREIRE, Paulo. Ano 2000. p.155) RESUMO GOMES, Bruna Monalisa Ramalho. Licenciatura em Geografia. Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Minas Gerais – Campus Ouro Preto, novembro de 2012. A Teologia da Libertação, no atual cenário eclesial, e seus desdobramentos para a Pastoral da Juventude. Orientador: Guilherme Guimarães Leonel. Co-Orientador: Fernando Gomes Braga. Compreendo o espaço e as relações que nele ocorre, o interpretando como centro da análise geográfica, torna-se claro a ligação entre Religião e Geografia, relação esta que se atrela fortemente por meio da cultura e edifica bases resistentes que incide na dinâmica espacial. Visto que a religião é também instrumento responsável por difundir formas e simbolismos pelas mais distintas realidades geográficas, exercendo significativa influência na estruturação de territórios, a religião é, por isso mesmo, compreendida também como um fenômeno de implicações geográficas e sociais. Pretende-se com essa análise bibliográfica compreender as formas e influências pelas quais a Teologia da Libertação vem construindo ao longo da história, bem como identificar o contexto em ela foi gerada e principalmente identificar se em meio a diversidade de linhas teológicas existentes no atual cenário eclesial a Teologia da Libertação ainda tem espaço e qual as perspectivas da Pastoral da Juventude em relação e essa proposta teológica que faz opção pelos pobres com vistas a garantir sua libertação. Palavras-Chave: Igreja Católica. Linhas Teológicas. Organização. Sociedade. Juventude. Pastoral da ABSTRACT GOMES, Bruna Monalisa Ramalho. Licenciatura em Geografia. Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Minas Gerais – Campus Ouro Preto, novembro de 2012. A Teologia da Libertação, no atual cenário eclesial, e seus desdobramentos para a Pastoral da Juventude. Adviser: Guilherme Guimarães Leonel. Co-Adviser: Fernando Gomes Braga. I have understood the space and the relations which occurs on it, interpreting it like one center of geographic analysis, it is clear the connection between Religion and Geography, which is strongly linked through the culture and constructs resistant bases that reflects on spacial dynamics. Once the religion is an instrument to diffuse models and symbolisms by the most discriminative geographic realities, exerting important influence on the structuring of the territories, the religion is, because it, understood too like a phenomenon of social and geographic implications. It this bibliographic study purposes an understanding of the ways by which the Libertation Theology constructs itself along its history, as well as identifying the context in what it was generated and mainly identifying if in the middle of the theological lines diversity that exist nowadays the ecclesial scene where the Libertation Liberty still has some space and which perspectives from the Youth Religion Movement in relation to this theological purpose which opts for the poor people and their freedom. Key-Words: Catholic Church. Theological Studies. Organization. Society. Youth Relligion Movement. LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Estrutura organizativa da coordenação da Pastoral da Juventude ......................... 66 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS TL - Teologia da Libertação PJ – Pastoral da Juventude CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil CEB‟s – Comunidades Eclesiais de Base AC – Ação Católica JAC – Juventude Agrária Católica JEC – Juventude Estudantil Católica JIC – Juventude Independente Católica JOC – Juventude Operária Católica JUC- Juventude Universitária Católica RCC - Renovação Católica Carismática ONU – Organização das Nações Unidas MST – Movimento dos Sem Terra ARENA – Aliança Renovadora Nacional MDB – Movimento Democrático Brasileiro PIB - Produto Interno Bruto FMI - Fundo Monetário Internacional CPI - Comissão Parlamentar de Inquérito URV - Unidade Real de Valor Pe. – Padre CN – Canção Nova PHN – Por Hoje Não SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ..........................................................................................................14 2. DE QUE ESTAMOS FALANDO ............................................................................ 20 a. Religião e Organização do Espaço ................................................................20 b. Diversidade Teológica no Catolicismo: Uma realidade ..............................22 c. Caminho e Caminhada: Os primeiros passos da Teologia da Libertação e da Pastoral da Juventude ............................................................................. 23 3. A IGREJA CATÓLICA E AS QUESTÕES SOCIAIS .......................................... 31 a. O que é Teologia da Libertação: Teologia da Libertação e sua proposta de Intervenção Social ..........................................................................................31 b. Contexto Histórico do Surgimento da Teologia da Libertação: Marxismo, Subdesenvolvimento, Teoria da Dependência e Teologia da Libertação...35 c. Teologia da Libertação e Organização Sócio-Política no Brasil ............... 42 d. Concorrência no Cenário Eclesial: Uma abordagem das distintas linhas teológicas a partir da Teologia da Libertação ............................................ 46 e. Críticas a Teologia da Libertação ............................................................... 55 4. AÇÕES DA PASTORAL DA JUVENTUDE: A TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO AINDA IMPORTA? a. A Pastoral da Juventude na perspectiva da Teologia da Libertação ........58 b. Teologia da Libertação no Contexto Eclesial da Sociedade ...................... 61 c. Estrutura Organizacional da Pastoral da Juventude ..................................64 d. Projetos da Pastoral da Juventude: Frutos da demanda da juventude brasileira? .......................................................................................................69 e. Os projetos e iniciativas da Pastoral da Juventude: Uma prática da Teologia da Libertação nos dias atuais? ......................................................72 f. A Pastoral da Juventude na cidade de Ouro Preto – MG ......................... 76 5. CONCLUSÃO ........................................................................................................... 82 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................... 85 1. INTRODUÇÃO A Igreja Católica utilizou-se, historicamente, da solidariedade como elemento ideológico na base de sua intervenção na sociedade, no enfrentamento da questão social, constituindo uma mediação na constituição histórica da solidariedade pelas classes sociais. (OLIVEIRA, 2005). As concepções doutrinárias da igreja, que tinha uma forte tendência europeia no seu jeito de ser e fazer, tornavam essas doutrinas incoerentes com a realidade do povo latinoamericano, pois essas aspiravam mudanças sociais por meio de reformas institucionais e a Teologia da Libertação chegava com a proposta de uma transformação social conduzida pelo povo. As manifestações estruturais capitalistas como pobreza, exclusão e injustiça, são consideradas frutos de um sistema econômico capitalista. A Teologia da Libertação é um 'repensar' da fé num contexto de dominação e libertação, sendo a fé redefinida a partir do contexto dos oprimidos, partindo discursivamente da opção pelos pobres, a fim de construir o reino de Deus. Neste contexto, fica explicito que há algumas motivações e motivadores no cenário eclesial que viabilizam o surgimento e fortalecimento da Teologia da Libertação, principalmente a que surge a partir do Concílio Vaticano II, documento construído pelos bispos entre 1962 – 1965. (WESTPHAL, 2008). A Teologia da Libertação não desenvolveu uma concepção autônoma da ideia de solidariedade; nesse caso, a definição será entendida na perspectiva das encíclicas católicas e da doutrina social da Igreja. Solidariedade é compreendida como meio para se criar uma ordem social, na qual cada indivíduo pode participar integralmente das possibilidades colocadas pela vida natural e pelas relações sociais. A ideia de solidariedade da Teologia da Libertação é marcada pelas propostas do sentido comum e do bem comum. Acredita–se que religiosidade é decorrência da comunidade solidária. (WESTPHAL, 2008) Parte-se do entendimento de que a Igreja Católica, como referência ideológica de processos participativos frente à questão social, apresenta diferentes propostas de solidariedade, que podem tanto fortalecer a luta emancipatória da classe subalterna, quanto desenvolver ações emergenciais de caráter caritativo e filantrópico, que reforçam a solidariedade entre classes como estratégia de dominação. (OLIVEIRA, 2005) As Encíclicas Papais se destacaram como instrumento ideológico de divulgação 14 da doutrina social da Igreja Católica, reforçando o seu caráter político. Essas encíclicas foram referências para a construção de processos interventivos de ação social e política dessa instituição e indicam vínculos políticos com as classes dominantes, base em que se consubstanciam propostas de solidariedade. Encíclica é uma "carta apostólica", que manifesta a doutrina social da Igreja Católica e é destinada a toda Igreja Católica aos seus fiéis de todo o mundo. Possui conteúdo doutrinário e disciplinar situado frente à realidade do mundo. (OLIVEIRA, 2005) Tem-se como referência para esta discussão, a análise de dados empíricos a partir das Encíclicas Papais: “Rerum Novarum”, “Quadragesimo Anno” e “Mater et Magistra”, pois elas proporcionaram o debate dos problemas do mundo e o compromisso da Igreja Católica com a questão social. Segundo o seu conteúdo a questão social é vista como questão moral e não como produto das relações econômicas e sociais. Todavia, entendemos questão social de forma diferenciada da concepção defendida nessas encíclicas, na medida em que a questão social apresenta-se como produto das contradições engendradas historicamente pelas relações capital versus trabalho, que se expressam no conjunto dos problemas sociais, econômicos e políticos e nas formas de intervenção do Estado e da sociedade civil sobre os mesmos. (ABREU, 2002). O episcopado latino-americano, animado em colocar em prática as decisões do Vaticano II, marcou passo na história, quando, após três anos do término do Concílio, realizou a segunda Conferência Episcopal latino-americana na cidade de Medellín. Medellín refaz, num certo sentido, o Vaticano II e, em muitos pontos, dá um passo além: aí emerge pela primeira vez a importância das comunidades de base, esboça-se a teologia da libertação, aprofunda-se a noção de justiça e de paz ligadas aos problemas de dependência econômica, coloca-se o pobre no centro da reflexão do continente (BEOZZO, 1993; JUNIOR, 2011). A teologia da libertação traz a realidade dos povos para ser aprofundada à luz da fé, oferecendo uma nova visão da missão da Igreja no nosso continente. Cria-se uma nova concepção do que é fazer teologia na América Latina, a novidade da teologia da libertação foi descobrir que não somente falar de Cristo configura a sua presença no meio dos pobres. Seu pensamento transformador foi se comprometer com as pessoas exploradas, a maioria em nosso continente. A referência do "ser Igreja” está vinculada ao modo de como Igreja a (instituição) se apresenta ao se contrastar com uma realidade desumana e ser tocada por ela, à de se buscarem novas práticas pastorais que respondam às necessidades do povo que está em cativeiro. Por outro lado, a ideia do "como ser” quer um esforço de reflexão epistemológica 15 da Igreja aos novos desafios e isso é o que faz uma eclesiologia da libertação. A teologia da libertação viu na Igreja dos pobres a fidelidade mais singular à pessoa de Jesus Cristo. Nela, se encontra um Deus que ouve o clamor do povo, essa experiência eclesial se tornou a base práxica para sua sustentação teológica. (JUNIOR, 2011) A Igreja dos pobres reconhece a dimensão pecadora e santa da Igreja. O que a Igreja dos pobres faz é desenvolver características concretas ao amor e ao pecado, nos mostra que, para dar visibilidade a santidade contida na Igreja, a práxis do amor tem que ser concreta, não como propostas ou discursos "benevolentes”, mas de recriar uma nova realidade no seio de suas comunidades. Para a Igreja dos pobres, a santidade não está contida no estereótipo que veste seus representantes, mas, neste ponto, a pirâmide se inverte, a santidade salvará o mundo na medida em que a Igreja se autoassuma como serva. A santidade nasce a partir de baixo, da solidariedade que brota dos pobres, da comunhão com aqueles que foram perseguidos e martirizados. "Optar pelos pobres é automaticamente optar pela forma de santidade do Servo”. Recupera, portanto, a dimensão de santidade que fora disseminada por Jesus, que enfatiza que é necessário um esvaziamento de si para que ocorra a partilha. (SOBRINO, 1982, p.118; JUNIOR, 2011). A Igreja dos pobres é uma Igreja autenticamente missionária, ela adquire prioritariamente essa característica porque se faz pobre. Isso quer dizer que essa primazia da essência se configurou mais verdadeira quando os pobres não foram somente os destinatários da missão, mas quando eles foram constituídos missionários. "Não basta dizer que a práxis é o ato primeiro. É necessário considerar o sujeito histórico dessa práxis: os que até agora estiveram ausentes da história” (GUTIERREZ, 1977. p. 12; JUNIOR, 2011). A partir da segunda metade do século XX, ocorreu o desenvolvimento da Teologia da Libertação como decorrência da situação histórica, econômica e social vivida no continente latino-americano. Com base na teoria da dependência e na análise estrutural social marxista, a Teologia da Libertação procura um caminho para a promoção dos pobres e oprimidos. As comunidades eclesiais de base formam o fundamento social da Teologia da Libertação. Trata - se de uma teologia que busca pensar e agir a partir da realidade. Criando estratégias metodológicas para que os mais empobrecidos e excluídos tomem consciência crítica de sua realidade e procuram por soluções para transformar essa realidade visando garantir condições de uma vida digna. (WESTPHAL, 2008) O geógrafo é capaz de dar contribuições efetivas e inovadoras ao estudo da religião, visto que ela interfere de forma considerável na composição do espaço, no 16 comportamento humano e nas relações sociais, elementos que são instrumentos para análise e discussão pertencente também ao universo geográfico. Ao abordar questões que buscam descrever o pensamento, o comportamento, o modo de ser dos indivíduos e dos grupos e suas opções nos mais diversos campos que envolvem a vida e suas relações, optamos pela busca de entendimento do contexto social. A partir dessa análise poderá ser possível identificar a influência de organizações como a religião na vida do indivíduo e na dinâmica da sociedade, levando em consideração que o estilo de vida, a história e a necessidade humana de pertencer a grupos podem sinalizar os motivos de se optar por determinada linha teológica dentro de um grande sistema religioso1, visto que o objetivo deste trabalho é identificar se há influência de uma determinada linha teológica, a Teologia da Libertação, em uma determinada organização, a saber, a Pastoral da Juventude. A opção por pertencer a determinado grupo religioso traz consigo a história da vida real de cada um e sua relação com o meio ambiente. No entanto, atrelam-se a essa realidade, os vários elementos sociais, culturais e econômicos. Assim, é importante enfatizar que, dentro do sistema religioso, ocorrem diversos tipos de fenômenos, como, por exemplo, o trânsito religioso, ou seja a migração de uma linha teológica para outra, ou, até mesmo, de uma religião para outra. Esse fenômeno tem acontecido com grande frequência na realidade e há várias justificativas para isso, dentre elas as mais expressivas voltam-se para questões das relações humanas e econômicas. Acredita-se que, em decorrência das várias tendências religiosas presentes do atual contexto social e às várias linhas teológicas, os métodos adotados por elas tornam o sistema religioso elemento importante para compreender as relações humanas e sociais, fazendo-se um importante objeto de estudo para a ciência. Assim, é importante considerar e apresentar a influência da religião sobre as pessoas e seus costumes. A presente pesquisa propõe um conjunto de reflexões sobre a influência da religião na vida e no cotidiano dos grupos sociais, bem como a contribuição das práticas religiosas na construção e na dinâmica do espaço geográfico; considerando que essa é uma temática que possibilita vários recortes de pesquisa, pretende-se contribuir neste debate com uma análise sobre a dinâmica recente das relações entre a Religião Católica, a Teologia da 1 Um sistema religioso é caracterizado por elementos que expressem Religião e sua adesão ao conjunto de símbolos sagrados por ela ordenado. Todo e qualquer sistema filosófico e científico que contenha elementos de Religião, é um sistema religioso. Neste caso, Sistema Religioso é denominado como conjunto de tendências religiosas, ou seja, as diversas linhas teológicas, digo: Teologia Carismática, Teologia da Prosperidade, Teologia da Libertação, e muitas outras, constituem o sistema religioso. 17 Libertação e a Pastoral da Juventude. Propõe-se aqui, em um esforço não exaustivo, traçar o histórico de origem da Teologia da Libertação e da Pastoral da Juventude, apresentando as principais propostas de atuação no campo eclesial e social, visando identificar a relação e influencia entre esses elementos. Assim é importante enfatizar que a análise de tal trajetória é necessária por ter em vista que a principal questão aqui levantada refere-se às possíveis transformações que o tempo, a realidade social, o cenário eclesiástico, dentre outros fatores, podem ter causado nas metodologias, nas linhas de ação, na organização estrutural e espacial e na própria identidade dos grupos que atuam nas Pastorais da Juventude. A pesquisa propõe, de forma sintética, discutir se os grupos de base da pastoral da juventude se orientam a partir da proposta da Teologia da Libertação. Essa indagação visa, sobretudo, identificar o conjunto de influências no cenário religioso cujas propostas de ação têm impactos no campo social, econômico e espacial. Espera-se identificar as possíveis concorrentes da Teologia da Libertação que, como se sabe, orientou a criação das Comunidades Eclesiais de Base e as Pastorais da Juventude, outro elemento importante para a articulação dessa proposta de descentralização, motivada pelo documento da Igreja chamado de Concílio Vaticano II.2 O presente trabalho se classifica como monografia bibliográfica com nuances de estudo de caso, por fundamentar sua base teórica e discursiva a partir de análises executadas e relatadas através de livros, artigos, revistas, sítios eletrônicos e documentos da Igreja Católica, definidos como fontes para construção do trabalho proposto, numa abordagem e análise não exaustiva sobre o assunto em foco, a saber, a Pastoral da Juventude. Ressalta-se que as produções utilizadas para composição desse trabalho tiveram suas publicações compreendidas no período histórico de 1939 a 2012. O material utilizado para leitura, além de buscar compreender o contexto histórico, social e eclesial em que a Teologia da Libertação foi gerada busca identificar as perspectivas dessa linha teológica presente em organizações vinculadas a Igreja Católica como a Pastoral da Juventude, propondo também uma breve apresentação da referida pastoral, buscando identificar possíveis influências da Teologia da Libertação nas iniciativas da 2 Concílio Vaticano II, foi um documento gerado pela Igreja Católica entre 1962 e 1965 , período em que ocorreu no Estado do Vaticano quatro sessões de encontro dos bispos do mundo inteiro, tendo como proposta pensar novos rumos de ação para a Igreja, numa perspectiva de refletir sobre si mesma e sua relação com o mundo externo. 18 Pastoral da Juventude na atualidade. Esta monografia se estrutura em três capítulos que têm como eixo principal propor uma reflexão a partir de análises bibliográficas se a teologia da libertação ainda tem espaço no atual cenário eclesial e exerce influência na sociedade. O primeiro capítulo tem como objetivo apresentar de uma forma sucinta os principais elementos que serão tratados ao longo do trabalho. Propõe-se uma abordagem que busca identificar a influência da religião na realidade de vida individual e coletiva, bem como na dinâmica do espaço quanto lugar de história e construção de identidade. Traz também um questionamento a cerca da diversidade teológica no catolicismo, esse questionamento surge a partir de relatos do senso comum que afirmam a existência de trânsito religioso na contemporaneidade; no entanto, essa temática deseja identificar as possíveis linhas teológicas com características distintas dentro de uma estrutura religiosa comum. Busca-se, também, abordar como se desenvolveu o processo histórico que culminou na Teologia da Libertação e na Pastoral da Juventude. O segundo capítulo, dedica-se à reflexão temática que tem como foco analisar a postura da igreja católica frente às questões sociais. Nesse capítulo busca-se definir o que é a teologia da libertação, sua opção pedagógica e metodológica e suas perspectivas para atuar além dos muros da Igreja. Procura identificar se existem elos entre o marxismo, as teorias da dependência e a teologia da libertação. Tem-se como objetivo também identificar os principais elementos sociais e políticos que envolvem, ao longo do último meio século, a teologia da libertação. A partir de evidências de que há concorrência teológica no cenário eclesial, busca-se identificar as diferentes formas de praticar e vivenciar a fé dentro do catolicismo. Nesse sentido, torna-se importante listar algumas críticas que estudiosos fazem a proposta e prática da Teologia da Libertação. No terceiro e último capítulo dessa monografia, trazemos uma abordagem que tem como objetivo identificar se há indícios da prática da teologia da libertação na Pastoral da Juventude hoje, tomando como referência sua estrutura organizacional, projetos e suas iniciativas. Ao abordar questões que buscam descrever o pensamento, o comportamento, o modo de ser dos indivíduos e dos grupos e suas opções nos mais diversos campos que envolvem a vida e suas relações, sob uma ótica que nesse caso é a religião, optamos por entender a sociedade e as influências da religião sobre a dinâmica social, econômica, política e cultural de um povo, tornando-se um importante instrumento de estudo para as ciências 19 geográficas. 2. DE QUE ESTAMOS FALANDO? 2.1 Religião e a Organização do Espaço Há aproximadamente oitenta anos uma expressão como “a religião dos brasileiros” apontaria quase sem sentido para o catolicismo. Isso mudou. Hoje o catolicismo vai se constituindo como uma das religiões, entre outras dos brasileiros, num movimento diversificador que se acelera. Não se trata só de números, o clima que impera no espaço social mudou. A atual identidade brasileira tornou-se, pois, múltipla do ponto de vista cultural, dentro da religião. Devido à complexidade desse assunto, propõe-se analisar a religião católica, num viés que contemple seus aspectos social, político e econômico, sendo o estudo pertinente também aos geógrafos, diante da influência da religião na vida do homem e na organização do espaço urbano (SANCHIS, 2003). Assim, de forma especial a geografia cultural trouxe grandes avanços às pretensões das análises dos geógrafos que enveredavam seus estudos por uma ótica cultural. A religião passa a ser estudada de forma mais estruturada, no campo científico, portanto é incorporada pelos geógrafos como fenômeno cultural de seu interesse. (SOUZA, 2010). Oculto ou explicitamente, o tema cultura sempre fez parte das análises dos geógrafos, ocorrendo uma espécie de sistematização dessas considerações a partir do século XX. Alemanha, França e Estados Unidos apresentaram-se como países mais expressivos no tocante à disseminação dos estudos de geografia que optavam por uma perspectiva cultural de explicação dos fenômenos (SOUZA, 2010). Como a visão de cultura nos estudos geográficos por muito tempo se resumiu em modos de sobrevivência de alguns grupos que estariam à margem do progresso, esta geografia se negava a estudar as implantações modernas. Salientava, todavia, uma preocupação com o novo tema que emergia na sociedade, a Globalização, que era compreendida como uma promessa de homogeneização (SOUZA, 2010). Contraditoriamente ao que fora pensado, os efeitos do processo de globalização não extinguiram os diferentes estilos de vida dos grupos sociais. A cultura ganhou ares de 20 multiplicidade, brotando de diversas interações. Portanto, diante de um mundo “multicultural”, tornava-se crescente o interesse de geógrafos por esse campo, elegendo a cultura como elemento essencial de suas análises. Em registro, postula-se que a religião faz parte decisivamente do cotidiano cultural de grupos, pessoas e lugares. Os avanços epistemológicos da Geografia Cultural refletiram em potencialidades para os estudos da Geografia da Religião. Um dos grandes feitos reside nas mudanças de escala das análises, antes focadas em grandes paisagens e regiões, passando a permitir os estudos de espaços mais reduzidos, como os comunitários. Assim, essa linha de estudo chega até o modo em que os indivíduos vivenciam suas crenças, interpretam os espaços e nele interfere (SANTOS, 2006; SOUZA, 2010). A Geografia da Religião, como parte da Geografia que tece preocupações a cerca dos fatos religiosos, relacionando-os a quadros espaciais, trazendo abordagens que privilegiam as compreensões dos seres humanos frente aos fenômenos religiosos. Suas tarefas são investigar e explicar as relações entre a religião e a realidade geográfica dos lugares (SOUZA, 2010). Este autor nos afirma que Os fenômenos religiosos, como fatos culturais e sociais, apresentam consideráveis implicações em termos espaciais, especialmente visíveis quando se trata de grandes sistemas religiosos, em geral profundamente gravados no espaço, desde logo porque propõe aos respectivos crentes uma explicação da ordem do universo (cosmogonia), muitas vezes presente também, em termos simbólicos, no modo como modelam os seus espaços. A semelhança do que, mais genericamente, se pode afirmar para a cultura, a religião é um forma de pensar o espaço e, a partir dessa relação, é possível até, em certos casos, identificar regiões culturais cuja marca distintiva fundamental é dada pelo elemento religioso.(SANTOS, 2006, p.110) Reconhecendo o espaço como centro da análise geográfica, fica evidente a relação entre Religião e Geografia, que tem grande relevância na dinâmica espacial, visto que a religião difunde formas e simbolismos pelas mais distintas realidades geográficas, dimensionando a estruturação de territórios, a religião é, por isso mesmo, compreendida também como um fenômeno de implicações geográficas (SOUZA, 2010). Para compreendermos, pois, as relações entre os estudos geográficos e as práticas religiosas, é importante considerar que a produção do espaço, dialeticamente, constrói e é construída pelas relações históricas, econômicas, culturais e sociais (SOJA , 1993). Sem dúvida, Rosendahl & Corrêa (2008,p.37) sabem o que argumentam: A ação da Igreja responde aos movimentos demográficos, sociais e econômicos, através de adaptações lentas ou bruscas, desejadas ou impostas. 21 A crença, a identidade e o contexto geográfico participam ativamente da definição e redefinição do território. 2. 2 Diversidade Teológica no Catolicismo: Uma Realidade Na contemporaneidade, provavelmente não seja possível afirmar a existência de uma hegemonia religiosa global; no caso do Brasil é crescente o número de novas linhas teológicas como de novas religiões. Acredita-se que isto seja o resultado das transformações sociais e de posturas religiosas que vêm sendo adotadas de forma dinâmica, sobretudo nos últimos anos. Acredita-se que, dos elementos considerados reguladores sociais, os que mais se destacam, por sua força organizacional e até mesmo de manipulação, é a religião e a política, visto a influência de uma em relação à outra. Assim, é importante ressaltar que esses dois elementos se envolvem e contribuem na construção do perfil de sociedade (SANCHIS, 2003). Ao identificar a influência do Estado e da Religião sobre a vida dos indivíduos, através das leis, das doutrinas e dos costumes estabelecidos ao longo dos últimos anos, o Estado e a Igreja Católica em alguns aspectos estão em constantes atritos, as mudanças comportamentais do homem moderno têm sido a principal causa dessa linguagem desconectada; uma evidência desse fato é a postura distinta da Igreja e do Estado frente ao aborto e ao casamento entre pessoas do mesmo sexo. Registram-se no interior da igreja católica, atritos internos entre os grupos de carismas distintos. Pode-se considerar essa situação como um dos produtos desse rompimento do Estado com a Religião, pois perder a hegemonia em certos grupos gera a necessidade de se criarem outros meios de dominação da massa. Várias linhas teológicas vêm surgindo em busca de reconhecimento e adeptos e esta diversidade vem gerando desentendimentos e contribuindo com o debate no cenário eclesial. Hoje, a relação dos grupos católicos de carismas, das CEB‟s, tradicionais ao arcabouço institucional dessa igreja católica, se diversifica e divergências entre o clero e lideranças laicas, assim como entre sacerdotes e fiéis vêm causando um amplo debate que gera opiniões divergentes dentro da Institucionalidade. Geralmente, a raiz dessas tensões são decorrentes da busca pelo poder e ou status social e eclesiástico na arquitetura do poder estabelecido pela igreja (SANCHIS, 2003). Pode-se considerar que a própria identidade católica vai se modificando significativamente ao longo do tempo; este é aparentemente um período em que estas situações estão mais evidentes. Há indicativos de que o atributo utilizado para fortalecer essa 22 nova tendência do final do século XX e início do XXI é o devocionismo atrelado a grandes eventos de massa e à presença significativa nas mídias sociais e da globalização da informação. O que se evidencia nesse cenário é que o devocionismo recebe maior enfoque e é possível perceber que essa linha teológica contribui para manutenção da identidade de indivíduos modernos, de acordo com o relato de Brandão (1992:p.61): Existe uma espécie de explicação renovada para um modo universal consagrado de ser católico, que consiste em uma individualização da experiência e do retrato com que a pessoa se vê, sendo e vivendo o seu catolicismo”. Estranho que estudos e escritos sobre a Igreja Católica no Brasil com frequência esqueçam o lugar e a importância dessa massa católica. Uma presença por certo muitas vezes maior do que as pequenas frações militantes a quem eles com razão se dirigem. Por outro lado, talvez se possa dizer, hoje, sobretudo, que a mesma grade de diversificação se impõe, como instrumental de compreensão quando a análise se desloca para o campo do indivíduo: diversificação e pluralismo interno, no reconhecimento e na construção de identidades, nas trajetórias e nos eventuais deslizamentos. Ainda podemos citar na relação de cada um com sua agremiação, seu movimento, sua denominação, sua corrente ou sua Igreja. São diversas as maneiras de aderir a consensos institucionalmente criados, de conceber seu pertencimento a esses coletivos, de compartilhar dessas visões do mundo e de fazer sua a orientação desses etos. São várias as modalidades da crença nessas significações e nesses poderes, os quais diferem e até se opõem entre si, os modos exclusivos ou múltiplos, de afirmar, distinguir e/ou combinar essas identidades, de jogar com a própria diversidade que os caracteriza, seja assumindo sem matizes uma posição estável (SANCHIS, 2003). 2.3 Caminho e Caminhada: os Primeiros Passos da Teologia da Libertação e da Pastoral da Juventude De acordo com estudos, relatos e documentos da Igreja Católica, é importante ressaltar que os fatos não acontecem de maneira rápida e isolada. O caminho que deu origem à Pastoral da Juventude é regado de história e de fatos, que foram elementos fundamentais para a construção da identidade e da difusão de sua proposta pedagógica de catequese e de ensinamento. Essa história tem gênese quando os leigos começam a ser mobilizados a 23 participarem da vida da Igreja de forma mais ativa. Pode-se dizer que essa participação começou na Ação Católica, momento em que a Igreja começa abrir espaço para participação dos fiéis nas atividades dentro do cenário eclesial, através de organização de diversos grupos, que se tornam articuladores no que compete a difusão do catolicismo e contribuem também como na autogestão da organização de eventos, dentre outras atividades. Assim é importante enfatizar que a Ação Católica não interfere na hierarquia e postura de dominação do clero sob os fiéis. Mesmo nesse contexto não se pode negar que a grande marca da Ação Católica é a da preparação que visa a participação do laicato, no seio da Igreja, podendo este ser o elo entre Ação Católica, Teologia da Libertação e Pastoral da Juventude. Por outro lado, a opção pedagógica da Ação Católica por vezes se opõe à proposta da Teologia da Libertação e da Pastoral da Juventude, por acontecerem em tempos históricos diferentes, com alguns objetivos em comum. Numa perspectiva analítica não exaustiva, essa diferença temporal permite identificar possíveis avanços e retrocessos relacionados à postura da Igreja e dos leigos ao longo dessa trajetória frente aos assuntos abordados. As lideranças da Ação Católica serviam prioritariamente às elites, visto que suas “coordenações” eram compostas por pessoas de poder aquisitivo maior e com alto grau de escolaridade, com forte tendência política de direita, o que não se posicionava em consonância com a realidade da vida da maioria da população católica, suas bandeiras não expressavam em sua essência a voz coletiva dos fiéis católicos. Quanto as lideranças da Teologia da Libertação e da Pastoral da Juventude, em seu tempo, adotaram uma linha política de esquerda, visto que as bandeiras esquerdistas tratavam da realidade do povo de forma mais próxima dos seus problemas, ressalta-se que, na maioria das vezes, esses grupos eram compostos por lideranças de baixo grau de escolaridade, homens e mulheres trabalhadores e das classes populares, camada mais baixa da população que Karl Marx3 classificaria como proletários (pobres). Assim, é importante ressaltar que a Ação Católica foi um projeto importante de despertar a comunidade laica da igreja para atuação, o que contribuiu para a organização de movimentos e criação de outras pastorais ao longo do tempo, porém durante a Ação Católica 3 Karl Marx Filósofo nascido em 5 de maio de 1818, em Treves, na Alemanha. Escreveu várias obras literárias versando sobre socialismos, comunismo, sociedade e sua divisão em classes, economia e etc., sendo as mais conhecidas: O Manifesto Comunista (1848) e O Capital (1867). Faleceu em 1883, deixando um grande legado impregnado na sociedade. 24 não se pensava na formação integral da pessoa como um projeto nem mesmo na realidade segregada em que viviam os povos. Quanto às propostas da Teologia da Libertação e da Pastoral da Juventude, estas têm como pedagogia de ensino, iniciativas e pensamentos menos concentrados na hierarquia institucional, fundamentando sua prática na formação integral da pessoa, chamando a atenção para a organização em pequenos grupos, células, visando conhecer a realidade em que cada povo vive, e, assim, buscar à luz da realidade a emancipação do cidadão na igreja e na sociedade de um forma mais libertária. Contudo, a abertura institucional da Igreja Católica para os leigos é peça-chave para a organização e a manifestação popular reconhecidas e acolhidas pela mesma Igreja, ressaltando-se que a organização desses grupos ao longo dos tempos é acompanhada por sacerdotes formadores. A Ação Católica, emerge na América Latina durante a década de 1930 como um movimento controlado pela hierarquia da Igreja com o objetivo de formar os leigos, cristãos católicos, para colaborar com a missão da Igreja que a partir daí abre espaço, mesmo que a princípio teoricamente, para a participação do povo. No que compete à difusão do evangelho e atuação nos eventos religiosos, tem-se em vista também garantir a fixação do grupo e trazer novos adeptos para o catolicismo. Esse movimento se manifestou em duas vertentes de ação: Ação Católica de caráter Geral (a partir de 1930), que agregou o clero e os católicos de modo geral, e Ação Católica Especializada (a partir de 1950), que se dividiu em grupos específicos, de Juventude, de Mulheres e outros. Aquele momento foi fundamental para o surgimento do que hoje se chama de Pastoral da Juventude, visto que os jovens estavam empenhados e começando a se articularem em grupos, tendo algum respaldo da Igreja. Os grupos eram motivados a se organizarem para uma militância inspirada em Jesus Cristo. Pode-se dizer que a Ação Católica é uma espécie de resposta da Igreja às demandas de mobilização popular que ocorriam naquele período, bem como uma maneira de garantir sua hegemonia na sociedade, visto que ela surge também no período em que vários estados da federação rompem com a aliança Estado e Igreja Católica; esse fato reduz o poder de dominação, de repressão e de manipulação que a Igreja exercia sobre a população. A esse episódio histórico, pode-se chamar de laicização do Estado, ou seja, o Estado laico e de direito é aquele que não é influenciado por determinada religião, ele torna equivalentes todas as tendências religiosas. Em tempos da Ação Católica Geral, a Igreja continua hierárquica, e o protagonismo popular não era autônomo como na proposta, pois no topo da organização havia 25 sempre uma figura masculina ordenada (sacerdote) direcionando as iniciativas, tutoreando as organizações voluntárias ou não. Quanto à Ação Católica Especializada, ela acontece na década de 1950 a 1960, destinada a congregar grupos específicos; nesse caso, trataremos dos grupos de juventudes. A característica fundamental dessa modalidade visava formar jovens para atuarem na igreja e na sociedade. De acordo com o que relata Boran (1994), a divisão da Ação Católica Especializada teve como marco a organização dos grupos - JAC, JEC, JIC, JOC, JUC - que obedeciam a um conceito particular de sociedade e de classes sociais, sendo: JAC: Juventude Agrícola Católica – destinada a jovens trabalhadores rurais, com uma finalidade de fixar esse jovem à zona rural, evitando a migração para a cidade; JEC: Juventude Estudantil Católica - destinada a estudantes secundaristas urbanos; JIC: Juventude Independente Católica - destinada a jovens profissionais liberais ou filhos de classe média ou burguesa, não estudantes; JOC: Juventude Operária Católica - destinada a jovens trabalhadores urbanos, especialmente os jovens operários das indústrias, com a máxima finalidade de se contrapor ao crescente movimento operário de inspiração anarquistas; JUC: Juventude Universitária Católica - destinada aos estudantes das escolas de ensino superior. Embora aquele movimento de juventudes tenha sido “enfraquecido” e reprimido pelo Golpe Militar de 1964, o mesmo contribuiu para o surgimento da Pastoral da Juventude, como de diversos outros movimentos de jovens católicos como Emaús, TLC (Treinamento de Liderança Cristã), Shalom e muitos outros. Esses, na sua quase totalidade, se organizavam com a proposta de realizar encontros de massa em finais de semana para formação (BORAN, 1994). A dinâmica social, econômica e política são elementos que interferem na dinâmica geográfica e religiosa, assim é importante enfatizar que, entre 1950 e 1964, período de efervescência da Igreja por meio da Ação Católica Especializada, o Estado brasileiro se organizava politicamente sob um modo presidencialista de governo por meio dos presidentes Getúlio Vargas (1930 – 1945 e 1950 – 1954), Café Filho (1954 -1955), Juscelino Kubitschek (1956 – 1961), Jânio Quadros (1961) e João Goulart (1961 – 1964), tendo em vista dois ideais 26 em comum: o nacionalismo e o desenvolvimentismo, como formas de governos sucessivos. De um lado, a afirmação do Brasil como nação, a procura de uma identidade e a necessidade de superar as frágeis estruturas de país periférico do capitalismo e de outro, o processo desenvolvimentista, que viabilizava a consolidação de uma sociedade urbanoindustrial, estabelecida num padrão contido e subordinado à dinâmica do setor agrárioexportador, o que promove, a partir da segunda metade da década de 1950, o movimento de o Brasil passar a ter como foco a expansão da industrialização por meio da construção de indústrias pesada (SOUZA, 2004). No cenário religioso, no ano de 1955, aconteceu a 1ª Conferencia Geral do Episcopado Latino-americano na cidade do Rio de Janeiro, que criou a Comissão para a América Latina, buscando identificar a atuação da Igreja Católica nessa região do mundo. O objetivo daquela comissão era estimular os cristãos a se empenharem na luta contra as estruturas sociais injustas da sociedade latino-americana, defendendo que este seria um empenho fundamental para toda a ação pastoral da igreja. Contudo, em relação a essas lutas, pouco ou na nada saiu do papel (CATÃO, 1986). Efetivamente, mudanças na liderança da Igreja e o posicionamento da instituição frente à realidade da América Latina tiveram inicio a partir da 2ª Conferência Geral realizada em 1968 na cidade de Medellín, na Colômbia. Naquela ocasião, ficou estabelecido que o pensamento e a ação da Igreja tivessem como foco a promoção humana e a libertação do povo. É importante enfatizar que esse documento se inspira também nas diretrizes do Concílio Vaticano II, construídas entre 1962 e 1965 no Vaticano. Surgiu aí um comprometimento que criou, na teologia, uma práxis com orientação libertadora, focalizando a condição dos leigos como sujeitos no processo histórico (dentro e fora do ambiente religioso). É nesse contexto que vai surgir a proposta da Teologia da Libertação, que com o passar do tempo foi sendo amadurecida e assumida quanto linha teológica responsável por atuar em meio a situações diversas, sobretudo sobre a pobreza na América Latina. O objeto de estudo desta pesquisa, a Pastoral da Juventude, aparentemente guarda algumas relações com a Ação Católica, sendo considerado como um dos mais importantes legados da Ação Católica o método Ver-Julgar-Agir. Esse é um método prático de formação na ação que busca tirar o indivíduo da acomodação, despertando a consciência crítica e levando-o a assumir compromissos na transformação da sociedade. Quanto ao Ver, busca-se informar e conhecer a realidade de onde está inserido. Quanto ao Julgar, busca-se formar novos paradigmas, tem-se o sentido de iluminar, de criticar, de confrontar a realidade e suas 27 causas. Quanto ao Agir, busca-se criar meios eficazes para transformar a realidade, sendo o momento de encaminhar uma ação transformadora da realidade constatada e criticada. O método é considerado uma forma de buscar a construção de um mundo melhor através da realidade concreta, sem deixar de lado as questões sociais e políticas, a ação, a transformação e a formação, perpassando pela experiência de fé vivida por meio do engajamento social e comunitário. O método citado consiste no conhecer a realidade em que está inserido (ver), buscar identificar onde se encontram os problemas e suas causas (julgar) e, a partir dessa análise, criar estratégias coerentes de transformação dos problemas identificados de acordo com a realidade (agir). Trata-se de uma metodologia extremamente em sintonia com a proposta da Teologia da Libertação. Como mencionado, os fatos não acontecem de forma isolada e é naquele contexto de efervescência no cenário eclesial e na organização popular que nasce a Pastoral da Juventude, mais precisamente no final da década de 1970, em meio à ditadura militar. Indicativos sinalizam que a Pastoral da Juventude tem como fonte teológica a Teologia da Libertação, visto o cenário em que ela foi gerada. Assim, é importante enfatizar que a Pastoral da Juventude, está, ainda hoje, organizada em vários lugares do Brasil; no entanto, objetiva-se saber se sua fonte teológica foi transformada ao longo dos tempos, que houve transformações nos cenários eclesial, social e político brasileiro desde sua criação. Assim, é importante ressaltar que, no cenário católico, ao longo nos últimos anos, têm crescido movimentos de jovens na Igreja Católica que não comungam da proposta da Pastoral da Juventude e nem da Teologia da Libertação: são os movimentos ligados à Renovação Católica Carismática, que surgiu paralelamente à Pastoral da Juventude e à Teologia da Libertação, porém em lugares de realidades distintas. A Renovação Católica Carismática nasceu nos países de primeiro mundo, principalmente nos Estados Unidos e a Teologia da Libertação nos países latinos considerados de terceiro mundo (SEGATO, 2003). A difusão do movimento da Renovação Católica Carismática expandiu-se pelo mundo inteiro com o apoio da hierarquia católica, ainda quando mantinham alguns conflitos de ordem litúrgica com o Vaticano. Esses conflitos são de uma magnitude incomparavelmente menor que os de ordem teológica, característicos da discordância de método e de visão entre a Teologia da Libertação e o Vaticano. O olhar e atuação na Igreja e no mundo sob a ótica da Teologia da Libertação e da Renovação Católica Carismática são distintos, vistos que a TL traz uma proposta de ações a 28 partir da realidade, um olhar caridoso para o pobre, um trabalho com as bases por meio de pequenos grupos, os quais são espaços de diálogo, reflexão e exercício da política, tendo como maiores objetivos estimular a emancipação popular e criar meios para se superarem os obstáculos de uma sociedade que está refém do consumismo, do capitalismo, onde imperam graves sinais de morte (como a violência), onde a mídia não se coloca em favor de todos e da vida. A Renovação Católica Carismática tem uma linha que direcionada os seus adeptos a aceitarem a sociedade moderna, o consumismo, o capitalismo, as massas e a influência midiática, caracterizada também por ser favorável à ocultação dos sinais de morte que cada indivíduo pode potencializar através do seu comportamento social frente à realidade, podendo esse ser de intervenção ou omissão; neste caso a opção teológica tem grande influência (SEGATO, 2003). É evidente a expansão de movimentos de ordem carismática nos países latinos do terceiro mundo, como o Brasil. Essa grande expansão pode gerar ou já ter gerado um enfraquecimento dos grupos vinculados a TL e da própria TL no seio da Igreja, o que evidencia que as duas linhas têm atritos com o Vaticano e entre si. Possivelmente, por considerar uma forma rápida e eficiente de apagar um pouco a TL, a igreja opta por afastar do seu seio alguns teólogos e sacerdotes que se identificavam ou eram conhecidos como difusores dessa prática teológica que traz consigo apelos de intervenção social alimentados pela aliança que enfatiza categoricamente sua marca, que associa fé e vida num contexto real. Mais de 30 anos já se passaram desde o surgimento da PJ, como já mencionado. Novas tendências teológicas surgiram neste cenário religioso. Assim, a discussão proposta nesta monografia é exatamente abordar como PJ na contemporaneidade sintetiza, no discurso dos protagonistas e na ação dos participantes, a história e as novas tendências teológicas. Mais precisamente, espera-se descobrir o grau de influência que a Teologia da Libertação ainda exerce sobre a Pastoral da Juventude. Um dos projetos a que daremos maior enfoque será o "Projeto a Juventude Quer Viver”, através da Campanha Nacional Contra Violência e Extermínio de Jovens, sendo esta campanha um desdobramento do Projeto. A história da Campanha Nacional contra a violência e o extermínio de jovens começa a ser organizada e planejada em março de 2008, durante a preparação da 15ª Assembleia Nacional das Pastorais da Juventude do Brasil, cujo lançamento oficial aconteceu 29 em 28 de novembro de 2009, no 7º Encontro Nacional de Fé e Política em Ipatinga, Minas Gerais. A Campanha Nacional contra o Extermínio de Jovens mobilizou diversas pessoas atuantes no cenário eclesial e social numa convocação a assumir a luta em defesa da vida da juventude, como medida prioritária e urgente, sinalizando a importância de se construir uma cultura de paz, em defesa da vida da juventude, denunciando as estruturas sociais que geram violência e morte. A iniciativa está baseada em três eixos. O primeiro se refere à Formação Política e trabalho de base, com ações de conscientização da juventude quanto aos debates de segurança pública e direitos humanos. O segundo foca nas ações de mobilização da sociedade e na divulgação da campanha e o terceiro ponto diz respeito ao monitoramento e à denúncia quanto à violação dos direitos humanos exercido pela mídia. A ideia é produzir estudos e realizar seminários de reflexão sobre as temáticas que envolvem a questão da violência contra os jovens. De acordo com uma pesquisa sobre o índice de violência contra adolescentes e jovens, publicada pela Organização Não Governamental (ONG) - Observatório de Favelas, de 2006 até 2012 devem ter morrido, por assassinato, aproximadamente 33 mil jovens no Brasil, sendo Recife, capital de Pernambuco, na região Nordeste do Brasil, classificada como a cidade que apresenta os maiores índices de morte por armas de fogo entre os homens. A situação de violência contra os jovens é um fator preocupante. A Organização das Nações Unidas (ONU) alerta que são os jovens entre 15 e 24 anos de idade, os que mais sofrem agressões físicas, sobretudo, negros e negras, maioria entre as raças brasileiras. 30 3. IGREJA CATÓLICA E AS QUESTÕES SOCIAIS 3.1 O que é Teologia da Libertação: Teologia da Libertação e sua Proposta de Intervenção Social A partir da segunda metade do século XX, com o advento do Concílio Vaticano II4, estruturou-se um movimento na Igreja Católica que procurou voltar seu olhar para as questões sociais, com o objetivo de torná-las mais atuantes, participativas nas discussões e práticas de intervenções que envolvessem a vida humana de uma maneira geral no contexto de mundo. Dessa nova proposta, tornou-se necessário pensar uma Teologia que considerasse as questões sociais e a participação efetiva da igreja na vida comunitária, levando em consideração que já não bastava interpretar a igreja apenas como espaço de fé e encontro do individuo com Deus. Atesta-se que, antes do Concílio Vaticano II, essas questões eram pouco abordadas no cenário eclesial. É importante ressaltar que, durante o período em que o Concílio Vaticano II se concretizou, vários países, sobretudo da América Latina, vivenciavam momentos de grandes tensões e repressão causados por ditaduras militares como é o Brasil. É neste contexto que a Teologia da Libertação é efetivamente formatada e ganha destaque no seio da Igreja, sendo formulada a partir das preocupações com o mundo moderno e a sociedade, procurando responder aos questionamentos sobre a participação efetiva da Igreja frente à realidade que o mundo atravessava, sobretudo nos países considerados de terceiro mundo com grande pobreza e imenso abismo entre as classes sociais. A hierarquia de poder da Igreja Católica, ainda assim, não viu com bons olhos esse novo momento que a Igreja se dispunha a viver e não apoiou a Teologia da Libertação centrada na realidade que dá opção pelos mais pobres do mundo. Sobre muitos eclesiásticos 4 Foi uma série de conferências realizadas entre 1962 e 1965, consideradas o grande evento da Igreja Católica no século XX. Com o objetivo de modernizar a Igreja e atrair os cristãos afastados da religião, o papa João XXIII convidou bispos de todo o mundo para diversos encontros, debates e votações no Vaticano. Após três anos de encontros, as autoridades católicas promulgaram 16 documentos como resultado do Concílio. Foi a partir do deste Concílio que as missas passaram a ser rezada no idioma de cada país, a Igreja se torna mais aberta as questões políticas e sociais, propõem uma abertura para participação do leigo (fiel católico) nas iniciativas da Igreja. Ou seja, o Concílio se dispõe a pensar e criar estratégias de como atuar no mundo moderno. 31 pairavam o medo e a insegurança de se estimular um laicato para atuar como missionário dos pobres e, depois, perder o domínio sobre eles, tendo em vista que a proposta da Teologia da Libertação era trabalhar a organização laica a partir dos pequenos grupos e de forma descentralizada, potencializando os leigos a compreender que sua participação efetiva na igreja e sociedade pode contribuir para a construção de uma política mais justa, igualitária e necessária. A Teologia da Libertação propôs, em linhas gerais, melhorar a sociedade de forma prática, a partir de ações que tenham como referência o Evangelho 5, motivando a tomada de atitudes inspiradas nas ações de Jesus Cristo, que, segundo relatos contidos nos Evangelhos, se posicionava em defesa da minoria, dos pobres, dos marginalizados e dos excluídos da sociedade, visando mudar a realidade e a essência dos homens. É possível identificar que o objetivo vai além da compreensão da realidade, buscase criar mecanismos para transformá-la. Nesse caso, é importante enfatizar que essa linha teológica propõe contribuir para a emancipação6 dos oprimidos, considerando esse fato um elemento fundamental para a concretização dessa ideia que tem como prioridade garantir a liberdade, a igualdade, a fraternidade e a participação social, sendo essas questões bandeiras da Teologia da Libertação. Portanto, há sinais de que a Teologia da Libertação tem importantes contribuições na Ação Católica Social, por ter como foco questões humanitárias, sociais, políticas, econômicas e ambientais, e por propor estratégias que permeiam esses campos, considerando que os mesmos são indissociáveis. As metodologias de ação propostas pela Teologia da Libertação têm como fundamento garantir a participação coletiva em deliberações sobre os diversos campos que compreendem a vida do ser humano, colocando a Igreja como peça norteadora nessas ações. As atividades, contudo, precisariam respeitar as especificidades de cada grupo social e, por isso, a Teologia da Libertação fomenta a organização de pequenos grupos para se discutirem e se refletirem os textos bíblicos a partir de suas realidades. Pressupõe-se que a capacidade de fazer intervenções e de criticar relaciona-se diretamente ao conhecimento e vivência nas realidades que desejam transformar. 5 Literatura que descreve a vida de Jesus Cristo, sendo considerado fonte de inspiração para a ação. Visto que neste cenário a vida de Jesus deve ser referencia de seguimento para todos cristãos. 6 Neste caso, compreende-se emancipação como libertação do povo, sobretudo dos mais empobrecidos. Esta libertação é tratada de forma ampla, sendo: social, política, econômica e religiosa. No cenário eclesial essa emancipação se traduz na participação e atuação dos adeptos ao catolicismo nas celebrações, mobilização e articulação da Igreja, ou seja, potencializando uma queda no clericalismo com abertura do espaço para o leigo atuar. 32 É fundamental destacar que, por muito tempo, e ainda hoje, em algumas realidades de forma mais expressiva na Europa, foi edificado um catolicismo pautado pelo clericalismo, sem significativas ações pastorais e sociais, que aqui é denominado de ações promovidas pelos leigos em parceria com o clero. É por isso que as ações e articulações fundamentadas na Teologia da Libertação, entre outras razões, foram inovadoras no rompimento com o exacerbado clericalismo estimulando as ações coletivas de forma descentralizadas. Essa descentralização propõe acesso de todos aos ensinamentos de Jesus, visto que se caracteriza em organizar o povo em comunidades locais para estudar a bíblia, refletir as realidades sociais, política e econômica na qual sua comunidade está inserida, sendo fundamental contrastar os fatos, como já mencionado. É importante enfatizar que os teólogos da libertação, com o passar do tempo, começaram a incomodar as estruturas sociais políticas, sendo considerados indivíduos ousados demais, tanto que alguns sofreram repressão até mesmo pela Igreja, por difundirem essa proposta, como foi o caso do Teólogo Leonardo Boff7, assunto retratado no filme: “Batismo de Sangue”. Tal retaliação ocorrera quando uma ala mais conservadora da Igreja sentiu que essa proposta libertadora estava fugindo do controle e poderia fazer com que o clero perdesse o poder de dominação que exercia sobre o povo e, principalmente, por causar mal estar entre o Estado e a Igreja, visto que o Estado e parte da hierarquia da Igreja passaram a classificar os adeptos da Teologia da Libertação como comunistas, por deixarem explicito o desejo pela emancipação popular. A Teologia da Libertação, de certa forma, procura relacionar a pregação do Evangelho com as realidades social, econômica e política. A figura central nessa teologia é um Jesus Cristo libertador, que se preocupa com as deficiências sociais e dá atenção especial aos mais empobrecidos, visando à emancipação deste grupo, já que não é possível separar a dimensão da fé e da vida. Essa forma de ler a bíblia a partir da vida tem como objetivo estimular os indivíduos, sobretudo os cristãos católicos, a atuarem na Igreja e na sociedade tendo como finalidade romper as barreiras do preconceito, do individualismo, da desigualdade e da exclusão. 7 Leonardo Boff nasceu em Concórdia, Santa Catarina, aos 14 de dezembro de 1938. É neto de imigrantes italianos da região do Veneto, vindos para o Rio Grande do Sul no final do século XIX.Fez seus estudos primários e secundários em Concórdia-SC, Rio Negro-PR e Agudos-SP. Cursou Filosofia em Curitiba-PR e Teologia em Petrópolis-RJ. Doutorou-se em Teologia e Filosofia na Universidade de Munique-Alemanha, em 1970. Ingressou na Ordem dos Frades Menores, franciscanos, em 1959. 33 Podem-se encontrar diversas expressões para o que aqui se denomina de Teologia da Libertação: Teologia dos Pobres, Teologia dos Oprimidos, Teologia Revolucionária, dentre outros nomes (BORAN, 1994). O termo Libertação está associado ao fato que esta linha teológica tem como propostas garantir e fomentar a libertação das opressões sociais, econômicas, políticas e espirituais que o homem pode estar submetido frente à sua realidade, elevando positivamente suas condições de vida, provocando o questionamento e entendimento de que o crescimento espiritual cristão deve motivar e acompanhar a promoção social para que seja realmente libertadora. Os teólogos desse movimento sugerem uma releitura bíblica que estabeleça conexões com o contexto em que os leitores estão inseridos, partindo da sua realidade local. Pretende-se relacionar as realidades comunitárias com a realidade das comunidades relatadas na bíblia, priorizando identificar as formas de organização, gerenciamento, o perfil das lideranças, os pontos de convergência e divergência, dentre outros elementos que constituíam a vivência naquelas comunidades. Sendo assim, essa linha teológica provoca um questionamento que parte do pressuposto que Deus não é o responsável pela realidade de opressão que vive parte considerável da população, e lança o homem como sujeito nessa história e agente responsável por agir em prol da transformação dessa realidade, criando mecanismos à luz do Evangelho para se combaterem males como a miséria. O ponto central da Teologia da Libertação foi à opção preferencial pelos pobres e oprimidos. Trata-se de uma perspectiva epistemológica pela qual se busca responder os problemas que o mundo moderno coloca para a presença e ação da igreja no mundo, considerando a pobreza como um problema estrutural. Ao abordar essa questão numa perspectiva teológica e social, é importante estabelecer a interface entre as exigências religiosas, os desafios econômicos e os obstáculos políticos existentes, para que seja possível se compreenderem as causas e se criarem meios de combate eficazes que atinjam as raízes do referido problema. A Teologia da Libertação é motivadora das ações sociais transformadoras e produz manifestações de lutas, contrapondo a Teologia Tradicional, nos moldes europeus, centrados na salvação individual e no conformismo político (JUNIOR, 2008). A Teologia da Libertação é considerada uma teologia militante, visto que sua proposta leva o cristão adepto a um compromisso prático com a transformação social. Da reflexão teológica, parte-se para uma organização da ação, ou seja, a participação efetiva 34 manifestada através dos movimentos comunitários, étnicos, sociais, da juventude, das mulheres e dos operários, que se infiltram na sociedade e buscam garantir os direitos coletivos por diversos meios de ação, sobretudo mobilização popular (GOMES, 1966). Os elementos da Teologia da Libertação fizeram surgir uma nova forma dos leigos atuarem na igreja, seja por sua participação dos diferentes ministérios8 que começam a ser organizados, na responsabilidade de cada membro do grupo em contribuir para o cumprimento dos objetivos coletivos, seja a obediência questionadora que começava a aparecer visando estabelecer o diálogo e não uma obediência passiva entre leigos e autoridade eclesial. Esse jeito de fazer igreja ressalta a importância e a necessidade de se encontrar a missão de cada indivíduo através da participação efetiva também nos movimentos sociais (BOFF, 1986). O compromisso social da Teologia da Libertação se traduz em manifestações de oposição e reivindicação, fazendo do cristão engajado no cenário eclesial e social um agente de transformação e de libertação. A libertação se converte em um objetivo de ação que exige que cada cristão siga a proposta de Cristo, que teria sido movido por ações libertadoras. Assim, o compromisso e a militância conduziriam a uma ação política interessada nas mudanças sociais e na crítica às estruturas de injustiça (GOMES, 1966). A prática da libertação se entende a partir de três níveis: I) libertação políticosocial, incluindo nesse nível todo o tipo de luta contra as estruturas econômicas e políticas que favoreçam a divisão e opressão de classes; II) a libertação do homem - defendendo o valor de cada sujeito histórico para que progressivamente seja protagonista de seu próprio destino e responsável de suas ações e III) libertação do pecado - considerado como a raiz e estrutura de todo o mal e sofrimento. Esses três níveis são considerados fundamentais para a concretização da denominada Teologia da Libertação (GOMES, 1966). 3.2 Contexto Histórico do Surgimento da Teologia da Libertação: Marxismo, Subdesenvolvimento, Teoria da Dependência e Teologia da Libertação A ideia da libertação e da Teologia da Libertação adquirem estatuto eclesial na Conferência de Medellín (1968), onde se dão um sentido e uma interpretação teológicos à 8 Segmentos específicos (juventude, eucaristia, música...) da Igreja que tem a participação do leigo e do clero, aqui não entende ministério apenas o sacerdotal, mas também o ministério leigo, que atua nos movimentos e pastorais da igreja. 35 tarefa de libertação humano-temporal da América Latina, ao relacioná-la com a salvação de Jesus Cristo. Se há relação entre a fé e a libertação humana, entre o reino de Deus e a construção da sociedade, entre a evangelização e a promoção temporal, então “libertação” não é uma noção puramente terrena, mas tem uma dimensão também espiritual (GALILEA, 1988). Assim, dez anos depois, a Conferência de Puebla (1979) assume os temas da libertação e da evangelização libertadoras. Puebla compreende a libertação sob duas perspectivas concomitantes, sendo: a) a superação de todas as formas de opressão que dilaceram o homem e a sociedade (tendo como fonte o egoísmo, o pecado pessoal e social) e b) a libertação para o crescimento progressivo no ser, na comunhão com Deus e com os homens (GALILEA, 1988). A teologia latino-americana, portanto, é elaborada num contexto cristão de miséria, de dependência e de exploração múltiplas. Suas preocupações básicas são a justiça, a libertação dos pobres e oprimidos como parte do anúncio e da vivência da fé. É importante ressaltar, que historicamente, o cenário religioso é marcado por divisões geradas pela diversidade no que se refere às tendências teológicas. Durante o período em que a Teologia da Libertação emergia, adeptos de outras linhas teológicas sentiam-se incomodados e buscavam meios de fortalecer seus grupos e os colocarem em evidência, a fim de ofuscar a chegada do novo. Sendo assim, no período de surgimento e constituição da Teologia da Libertação, o cenário católico não seria diferente. Segundo Junior (2008), aquela movimentação dividiu a Igreja Latino Americana em três alas, sendo: I- Igreja Conservadora: contrária a quaisquer tipos de transformações social, clericalista e burguesa; apoiava as ditaduras militares e a condução pelas elites do capitalismo que estabelecera no continente, não se importando com as condições sociais em que as comunidades se situavam. II- Igreja Progressista: criticava os resultados do capitalismo bem como as posições e os privilégios da Igreja Conservadora; contrária também à ideia de revolução proletária e de sociedade comunista. III- Igreja Libertadora: representava uma crítica radical à atuação e à hierarquia da Igreja Católica e à Teologia do Desenvolvimento propostas pelos teólogos progressistas e, principalmente, ao modo capitalista de produção. Essa ala da igreja propõe uma teologia que faz aproximações entre religião e ciência, marxismo e política (socialismo), 36 o que a levou a produzir um discurso político – religioso com o objetivo de intervir na realidade. O teólogo José Comblin (2002), sinaliza que o sentimento de revolta dentro da Igreja latina estava sendo aquecido desde 1940. É na década de 1960, todavia, com a ida de clérigos latino-americanos para os cursos de teologia e para as universidades europeias, que se forma uma massa crítica capaz de realizar discussões sobre a postura da Igreja naquele cenário de desigualdade social vivenciado pelos países subdesenvolvidos. No período de gestação da Teologia da Libertação, a Igreja criou espaços para fomentar e ampliar a reflexão sobre essa nova proposta, o que resultou em encontros para reunir ministros ordenados de várias instâncias da América Latina a fim de registrar e gerar documentos oficiais sobre esse novo posicionamento que a igreja tomara na América Latina. Os principais documentos oriundos desse período são: O Concílio Vaticano II (1962-1965), que propõe uma mudança interna na Igreja, já vislumbrada desde o final da Segunda Guerra Mundial; Medellín (1968) 9 e Puebla 10 (1979). Segundo Junior (2008), esses documentos são contextualizados de acordo com as realidades social, econômica e política da América Latina e, certamente, são reconhecidos como as raízes de uma abertura da Igreja Católica, que possibilitaram a emersão de críticas à teologia tradicional, bem como uma nova maneira de se interpretarem a fé, a Bíblia Sagrada e o Cristianismo. É importante enfatizar que a Igreja abre um novo horizonte em Medellín, viabilizando o que já estava em fase de fomento nos meios eclesiais e das comunidades, a partir das experiências pastorais, alguns elementos deixados pela Ação Católica, sobretudo a Especializada, refletidos nos movimentos familiares, de juventude, de mulheres, de camponeses, de operários, de indígenas, que se organizaram ao longo dos anos quando acontecia a Ação Católica, que num período histórico à frente iria se encontrar com as novas propostas de fazer e articular pastorais, que tinham como referência as questões sociais que o Concílio Vaticano II trazia concomitantemente com a recém-nascida Teologia da Libertação. 9 Documento da Igreja que surge a partir das conclusões da II Conferência Geral do Episcopado da América Latina, que ocorreu em em Medellím (Colômbia) no ano de 1968. Este encontro vai falar de um clamor por uma “libertação que não chega de nenhum lugar” entedendi tabém como a pobreza, e pede uma “verdadeira libertação”. Solicita que se apresente na América Latina o rosto de uma Igreja autenticamente pobre, missionária e pascal, desligada de um poder temporal e comprometida com a libertação de todo o homem e de todos os homens”. Assim um sujeito que se destaca a partir de Medellím é o pobre. (SOUZA, 2004. p. 89) 10 Documento da Igreja que surge a partir das conclusões da III Conferência Geral do Episcopado da América Latina, que ocorreu em Puebla de Los Angeles (México) no ano de 1979. Neste encontro fica evidente as tensões entre as alas da Igreja, mesmo com contestações o documento indica a continuidade da proposta de Medellín e traz como prioridade a opção preferencial pelo pobre. 37 Considera-se, pois, que Medellín é fruto desse processo de amadurecimento de uma caminhada que abre, mesmo de forma tímida, as portas e as sacristias da Igreja para alguns leigos. É nessa perspectiva que a Igreja vai construindo documentos como Medellín e Puebla que colocam o homem e sua realidade social como elementos importantes para a reflexão, fato considerado essencial para pensar e mobilizar os cristãos católicos latinoamericano. Não se pode idealizar o passado, por isso enfatiza-se que o processo de construção que culminou em Medellín não aconteceu de forma tranquila, sem tensões, e sim, a partir de uma difícil caminhada de poucos e pequenos grupos, às vezes mal vistos, ignorados e mesmo combatidos pelas práticas oficiais dominantes. Tratava-se daquelas minorias subversivas e criativas, que ameaçavam hábitos e rotinas estabelecidos, ora apoiados por alguns bispos, que muitas vezes agiam de forma sutil, pois poderiam sofrer retaliações da própria Igreja. Dez anos depois de Medellín, acontece conferência de Puebla. Esta se dá num contexto de ânimos aflorados, porque muitos membros da hierarquia da Igreja não estavam favoráveis à continuidade do que foi encaminhado do documento de Medellín, visto que, nos bastidores, corriam rumores de boicote aos textos e de manipulação de opiniões. Há indícios de que houve realmente mudança na redação final do documento, mas com a presença de alguns Bispos como Dom Luciano Mendes de Almeida11, Dom Oscar Romero (Brasil), Dom Luis Bambarém (Peru), Dom Marcos Mac Grath (Panamá), dentre outros, que foram incisivos em afirmar que a América Latina deveria olhar com caridade para os pobres e vislumbrar mecanismos para sua libertação, tendo em vista que na América Latina eram crescentes os índices de marginalização de grande parte da sociedade e a exploração dos pobres. As afirmativas aparentemente coerentes com a realidade latina e a insistência desse grupo de bispos foram essenciais para obtenção do resultado final dessa conferência (SOUZA, 2004). 11 Dom Luciano Pedro Mendes de Almeida. Nasceu no Rio de Janeiro em 5 de outubro de 1930. Foi nomeado pelo Papa Paulo VI, no dia 25 de fevereiro de 1976, bispo auxiliar de São Paulo e titular de Turris in Proconsulari. Suaordenação episcopal deu-se a 2 de maio do mesmo ano, pelas mãos do cardeal Dom Paulo Evaristo Arns, OFM, Dom Clemente José Carlos de Gouvea Isnard OSB e Dom Benedito de Ulhôa Vieira.Exerceu a função de bispo auxiliar na Arquidiocese de São Paulo e responsável pela Pastoral do Menor no período de 1976 a 1988. O Papa João Paulo II o nomeou arcebispo de Mariana no dia 6 de abril de 1988. Na Conferência Nacional dos Bispos do Brasil foi secretário-geral no período de 1979 a 1986, e presidente de 1987 a 1995. Na Cúria Romana foi membro da Comissão Pontifícia Justiça e Paz (1996 – 2000) e membro da Comissão do Secretariado para o Sínodo (1994-1999). Foi vice-presidente do Conselho Episcopal LatinoAmericano (1995-1999); em 1997 foi eleito delegado da CNBB à Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a América por eleição da assembleia da CNBB e confirmado pelo Papa João Paulo II (1997). Figura de destaque do episcopado brasileiro, atuou na defesa dos direitos humanos e no serviço aos pobres. 38 Nesse processo, os caminhos indicavam a construção de um eixo central para o documento, que viria a ser a renovação de Medellín, que é a opção preferencial pelos pobres, à qual se acrescentou a opção também pelos jovens. Essa ideia sai em Puebla clara e incisiva, portanto o documento avança mais. Os pobres não são apenas objeto de atenção preferencial, porém também sujeitos de evangelização. Apoiavam-se assim, as comunidades eclesiais de base, as quais são exemplos de abertura para a atuação e a participação do povo na Igreja, sendo esse um relato genérico da conferência (SOUZA, 2004). Ao contextualizar a Teologia da Libertação, sua opção pelos pobres, visando também estimular a emancipação individual e coletiva, é importante retomar de forma não exaustiva um pouco das ideias implantadas no mundo a partir de Karl Marx, quem contribuiu para a existência do que chamamos hoje de Teologia da Libertação. Na linguagem marxista, os termos materialismo e socialismo são elementos importantes em sua discussão. Em síntese, o termo materialismo refere-se à teoria filosófica que se preocupa em destacar a importância do homem na construção da realidade do mundo. Essa construção vai sendo desenhada de acordo com os objetivos e as ações concretas estabelecidos pelos homens, formando uma base material da sociedade. Essa base material é constituída pela estrutura econômica que garante a manutenção da sociedade de forma geral. Quanto ao socialismo, Marx entende como uma sociedade que permite a efetivação do homem na qualidade de sujeito, superando sua alienação “natural”, possibilitando a criação de um espaço onde o homem seja livre, racional, ativo e independente. Marx, além de fazer fortes críticas à realidade social, condenou também a religião por considerá-la fonte de alienação e por não atender às reais necessidades do homem quanto sujeito histórico. Não se pode negar, entretanto, que a Teologia da Libertação comunga de muita ideias marxistas, podendo até arriscar uma afirmativa: sem o marxismo poderia não existir a TL, mesmo sendo fatos que acontecem em tempos históricos diferentes. Essa realidade permite dizer que o Marxismo impregnou-se na sociedade, mesmo sendo considerado por muitos como algo sem coerência e até mesmo leviano, em especial pelo grupo dos dominadores sociais. A prática transformadora proposta pela Teologia da Libertação vai além do campo religioso. Esse fato torna essa linha teológica bastante ousada e inovadora frente a outras experiências ao longo da história do catolicismo no mundo. Essa proposta rompe com diversos paradigmas impregnados no corpo doutrinário da Igreja. 39 O fato de declarar sua opção preferencial pelos pobres é algo novo, bem como contemplar, dentro de suas linhas de ação, questões sociais, ambientais, econômicas e políticas, tendo em conta a possibilidade de fazer convergir líderes dos diversos campos que interferem nas relações e manifestações sociais. A Teologia da Libertação, assim como a proposta Marxista, defende uma política que não se fundamente na exploração e dominação do homem ou grupo sobre um e outro. Primeiramente, a Teologia da Libertação vai direcionar essa ideia para a organização hierárquica da Igreja e o Marxismo vai direcionar de forma mais clara para o Estado, numa perspectiva que coloca o indivíduo como sujeito no processo de construção social. Nesta perspectiva, o Estado e a Igreja aparecem como elementos que possuem ideais e práticas semelhantes. Essa realidade sinaliza a continuidade do pensamento Marxista ao longo da história. A reflexão sobre a semelhança da Igreja e do Estado é bastante notável no que diz respeito ao seu modelo excludente e dominador de executar ações que beneficiam grupos específicos, sobretudo aqueles vinculados a questões de servir aos que compõe as elites ou a burguesia como diz Marx. Essa realidade , que a proposta tanto da Teologia da Libertação quanto de Marx visam combater, traz em comum a bandeira da igualdade e da libertação tanto no campo econômico quanto nos demais. Outro elemento que interliga a Teologia da Libertação ao Marxismo é o desejo de combater uma falsa democracia que permeia esses dois espaços, que é utilizada pelos “chefes”, os quais oferecem aos leigos e aos cidadãos uma ilusão de participação pautada na obediência e em regras estabelecidas pelos que ocupam os mais altos escalões. A Teologia da Libertação e o Marxismo comungam de uma proposta metodologicamente democrática que parte da conscientização a cerca da realidade. Isso pode ser identificado quando o Marxismo vem questionar a divisão de classes entre proletários e burgueses e a Teologia da Libertação vem questionar o descaso da Igreja para com os pobres e oprimidos. No entanto, tanto a Igreja quanto o Estado podem ser considerados instrumentos ideológicos de dominação. A Teologia da Libertação faz emergir um novo modelo no cenário eclesial, chamado de ortopráxis, baseada na parábola do Bom Samaritano12. O tema desta parábola enfatiza a importância de se atuar sem preconceito em defesa dos mais pobres e excluídos, considerando esses como vítimas do sistema e não como pobres por opção. 12 Essa parábola aparece unicamente no evangelho de São Lucas, capítulo 10, versículos de 25 a 37. 40 Faz-se necessário acrescentar que não houve uma identificação total com as ideologias materialistas proposta por Marx, devido ao caráter simbólico intrínseco em toda teologia. Se os movimentos e práticas marxistas necessitam de uma proposta políticoorganizativa, a Teologia da Libertação apresenta critérios de ação para uma prática política da fraternidade universal. Essa prática assume muitas reivindicações e lutas históricas dos movimentos populares, operários, feministas, sociais e sindicais, entre tantos outros, mas não deixam de existir algumas diferenças em seus princípios metodológicos. Frente às teorias denominadas de desenvolvimentistas13, a Teologia da Libertação se preocupa com a autonomia e com a emancipação das classes oprimidas e busca compreender e intervir nessa situação. Os modelos econômicos desenvolvimentistas defendiam que a causa do subdesenvolvimento se devia à não reprodução das estratégias de crescimento dos países desenvolvidos. Assim, essas teorias deixavam de considerar a história de dominação e as dependências estruturais a que os países latino-americanos se submetiam, ignorando que a causa principal da desigualdade era a injustiça no caráter estrutural nas relações econômicas internacionais (GOMES 2008). Ao se referir às necessidades de crescimento dos países subdesenvolvidos, argumenta-se que a Teologia da Libertação defende um sentido de desenvolvimento que não se restringe aos aspectos exclusivamente materiais, econômicos e técnicos, mas que contempla os aspectos culturais, familiares e políticos. Preocupando não somente com melhores condições de vida, mas também com uma mudança radical das estruturas sociais que conduza o ser humano a uma vida de dignidade. Trata-se de uma alternativa que possa conduzir a uma revolução social permanente, estando em consonância com o Marxismo que aponta que a revolução é a saída para uma eficiente transformação, visto que a sociedade precisa ser pensada de forma global, visto que a superestrutura controla a estrutura, para o Marxismo outra sociedade é possível quando a revolução atingir e mudar a base econômica capitalista presente na realidade, entendida tanto pela Teologia da Libertação quanto pelo marxismo como fonte de gera desigualdade (GUTIERREZ, 1996). O Marxismo parte do princípio que o processo de desenvolvimento capitalista não prevê condições de humanizar a sociedade. Em função disso, o desenvolvimento 13 As teorias desenvolvimentistas surgiram nos países ao norte do continente americano, especialmente nos Estados Unidos, tendo como fundamento levar o desenvolvimento a América Latina. Para isso foi estabelecido uma série de programas de desenvolvimento, com ajuda financeira, isto justificava as constantes intervenções econômicas e facilitava a configuração de grupos de riqueza nos países dependentes dando a impressão de autonomia e progresso aos latinos. Porém, na prática significava aumento de dominação e distancia econômica entre as classes sociais.(GOMES, 2008) 41 socioeconômico respaldado pela Teologia da Libertação deveria passar pela consolidação de uma sociedade em moldes socialistas. Os pensadores da Teologia da Libertação entendem que uma sociedade com carências materiais não pode satisfazer as necessidades humanas básicas. Consequentemente, uma sociedade opulenta, sem preocupações de tipo cultural e espiritual, conduziria a uma organização alienada e oprimida, pautada pelo desperdício (GOMES, 2008). O imperialismo europeu e, principalmente, o norte-americano, fez jorrar da América Latina tudo que era de valor, ou tudo que poderia constituir valor monetário. A febre gananciosa pela captura de todas as fontes possíveis de matérias-primas, o saque do ferro, do carvão, do petróleo; a articulação por meio das ferrovias por meio dos domínios das áreas submetidas; os empréstimos devoradores dos monopólios financeiros; as expedições militares e apoio às ditaduras militares; a exploração da mão de obra; tudo isso se efetivou e gerou em grande escala, o aumento da miséria da população, o êxodo rural, a urbanização caótica e a industrialização servil. Esse processo culminou na construção de uma América Latina marcada pela violência e pela desigualdade social, ambiente propício à formulação da Teologia da Libertação (JUNIOR, 2008). Marx constitui uma concepção totalizante do mundo, na qual numerosos dados de observação e de análise descritiva são integrados numa estrutura filosófico-ideológica, que determina a significação e a importância da leitura da realidade social (RATZINGER, 1984). 3.3 - Teologia da Libertação e Organização Sócio-Política no Brasil No Brasil, a Teologia da Libertação se popularizou e criou raízes nas comunidades de base, no período de redemocratização do país, nos anos 1970. A partir da metade da década de 70, alguns bispos e agentes pastorais lideraram um profundo processo de articulação de núcleos católicos de resistência política, organização de comissões pastorais temáticas sob a guarda da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil e ação política missionária para organização e articulação de movimentos populares e sociais (RICCI, 2006). No referido período, o regime militar e a crise fiscal possibilitaram a identificação política dos segmentos sociais mais excluídos da política econômica vigente. Esse grande grupo de excluídos eram chamados de “povo de Deus” ou “povo sofrido” associando essa realidade à vivenciada por Jesus. 42 A opção preferencial pelos pobres possui, assim, uma particularidade latina , porque se manifesta como reação política ao regime militar, responsabilizando-o pelo aprofundamento da desigualdade social no país. Analisar o contexto de forma crítica e consciente, compreender a relação entre política, economia e organização popular para a libertação passou a ser objetivo de estudo de muitas lideranças religiosas (RICCI, 2006). A Teologia da Libertação, no final dos anos 1970 e início dos anos 1980, já havia criado algumas organizações populares, em conjunto com as Comunidades Eclesiais de Base, de forma mais expressiva movimentos relacionadas a terra como Movimento dos Sem Terra (MST) e a Pastoral da Terra. De acordo com Ricci (2006), as diversas organizações que tiveram como inspiração a libertação do povo tiveram como elementos fundamentais para a ação os seguintes princípios: a) A organização coletiva autônoma da população excluída; b) Combate ao capitalismo; c) Análise crítica das estruturas de poder hierarquizadas e burocratizadas; d) A tomada de decisão colegiada, valorizando a importância do exercício da democracia. e) A reação política e a exigência de direitos sociais. Desde a década de 1960 até a queda do Muro de Berlin (1989), vivia-se sob o signo da Utopia da Grande Revolução. Acreditava ser possível superar o capitalismo e construir o socialismo. Pensava-se que era possível tomar o Poder do Estado e implantar de cima para baixo a justiça social fazendo revoluções, como a de Cuba (1959) e Nicarágua (1979). Porém, a realidade foi outra e esse período fica marcado por grandes e longos períodos de ditadura nos países reconhecidos como de terceiro mundo e dominados pela então potência mundial chamada Estados Unidos. No caso do Brasil, este período foi de 1964 a 1985, tendo os seguintes militares como presidentes: Castelo Branco (1964 – 1967) é eleito pelo congresso nacional presidente do Brasil, gestão em que vários partidos políticos foram extintos, restringindo-os a apenas dois, um sendo a ARENA (Aliança Renovadora Nacional) que representava a situação e o MDB (Movimento Democrático Brasileiro) que agregava quadros de oposição consentida ao regime militar; Costa e Silva (1967 – 1969), período de maior perseguição política, repressão e tortura; Médici (1969 – 1974), período de significativo crescimento econômico, porém aumentando a desigualdade social: Geisel (1974 - 1979), início do processo de distensão com 43 a pequena redução da repressão política; João Figueiredo (1979 – 1985), período marcado pela queda do PIB (Produto Interno Bruto), pelo desemprego nas áreas de maior concentração urbana, pela estagnação econômica. O Brasil então recorre ao FMI (Fundo Monetário Internacional) e há o retorno dos exilados para o Brasil, a formação de novos partidos políticos e o restabelecimento das eleições diretas. Assim, chega ao fim a Ditadura Militar e o Brasil inicia uma nova empreitada política, período ao qual se dá o nome de Nova República, tendo como presidentes: José Sarney (1985 – 1990), período marcado pela aprovação da Constituição Federal de 1988 que traz como principais elementos- voto para maiores de 16 anos e para os analfabetos, direito amplo de greve, racismo como crime. No setor econômico, em 1986, é decretado o Plano Cruzado, com tentativa de controlar a inflação, não obtendo resultado muito considerável. Fernando Collor (1990 – 1992), quando empossado adotou uma medida radical de combate à inflação, que retirou boa parte do dinheiro de circulação e, assim, tentou conter o processo inflacionário. Houve mudança de moeda, congelamento de preços e salários, além do corte de subsídios e incentivos fiscais. Com denúncia de corrupção contra o governo, formou-se uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) a qual revelou a existência de um esquema de corrupção, em decorrência da qual se determinou a abertura de processo de impeachment14 do presidente em 1992, levando Collor a renunciar ao poder. Nesse cenário, a onda do neoliberalismo, que afligia o planeta nos anos 90, atingia de forma mais concreta o Brasil. Itamar Franco (1992 – 1994) teve como a grande marca do seu governo a criação da URV (Unidade Real de Valor), sendo um elemento indexador de preços que colocaria fim à inflação, faria abertura às importações e a implantação de uma política de privatização de empresas e serviços públicos. Inaugurou-se, então, uma época de fortalecimento do capitalismo neoliberal que tirou dos países do terceiro mundo centenas de empresas públicas/estatais. Durante o governo Fernando Henrique (1994 – 2002), dentre as grandes marcas de seu governo podemos destacar o plano real como uma grande novidade econômica, além ter contribuindo significativamente para sua vitória nas eleições, visto que ele foi articulador desse plano; nesse período, mais de 170 empresas estatais foram privatizadas. Companhias de água, energia, telefonia, siderurgia e outras passaram a ser regidas em sua maioria pelo mercado internacional que abraça a onda do capitalismo. 14 Impeachment quer dizer Impedimento de exercer determinado cargo, neste caso o de Presidente do Brasil, perdendo também os direitos políticos por oito anos. 44 Essa realidade se opõe aos objetivos da Teologia da Libertação. Enquanto a Teologia da Libertação traz a importância da participação coletiva, buscando organizar grupos que possam contribuir para a construção de uma sociedade que promovesse a qualidade de vida, buscasse identificar meios para que fosse edificado um Estado a serviço da nação, fizesse questionamentos sobre a distribuição injusta de renda, buscasse identificar forma de combate ao capitalismo por entendê-lo como um forma de opressão, deixa forte indícios que neste momento a Igreja, principalmente os adeptos da Teologia da Libertação não fala a mesma língua do Estado. Essa realidade fez com que o sonho pelo socialismo fosse ofuscado e a Teologia da Libertação fosse enfraquecida, somados a outros possíveis motivos, como os mencionados por Ricci (2006), entre eles: a) A ausência de leitura sobre a fragmentação social. A partir dos anos 1980, a sociedade brasileira se tornou mais complexa socialmente. No meio rural, emergiram novas categorias sociais, como agricultores familiares integrados à agroindústria (contratados e subordinados à indústria de transformação) e assalariados por cultura (com formas muito distintas de contratação e processo produtivo). No meio urbano, a introdução de novas tecnologias fracionou as categorias profissionais, por produto e por conhecimento técnico exigido. O mercado de trabalho informal envolveu mais da metade da mão de obra nacional. E a explicação sobre as mazelas sociais que era tão facilmente disseminada pela Teologia da Libertação nos anos 1970 e início dos 1980 passou a ser insuficiente. b) O débâcle do anti-institucionalismo: toda proposição que negava qualquer vínculo orgânico dos movimentos sociais às estruturas de poder institucionalizadas (partidos, legislativo e executivo, por exemplo) caíram por terra com a eleição gradativa de lideranças populares aos cargos legislativos e executivos. A partir da introdução de novos dispositivos legais na Constituição Federal de 1988 (como os artigos 14, 29 e 204), foram ampliadas a capacidade de fiscalização e a formulação de políticas públicas por organizações da sociedade civil. O país mudou e o sentimento anti-institucionalista transformou-se de desconfiança em adoção do aparelho de Estado, como campo de disputa política. c) Baixa capacidade de formulação e negociação: a Teologia da Libertação estimulou a mobilização social e política, mas não auxiliou na formulação de um projeto de sociedade. Enfim, limitou-se à metodologia de organização e mobilização (como pressão política e não como ocupação de espaços públicos de decisão). 45 d) Contradição entre a pregação pela autonomia e a sua partidarização: em meados dos anos 1980, muitas lideranças originárias da Teologia da Libertação fizeram uma opção preferencial pelo Partido dos Trabalhadores. Inicialmente tímido, o engajamento foi aumentando a ponto de muitos agentes pastorais e teólogos assumirem papéis funcionais e de direção em governos petistas. A convicção política se transfigurou em disputa partidária. Finalmente, em algumas situações, a prática oriunda da Teologia da Libertação se descuidou das dimensões subjetivas. Na medida em que a sociedade brasileira se tornava mais complexa, mais competitiva e cruel, mais desagregada e culturalmente mais plural, demandas específicas e locais foram se esboçando e um profundo sentimento de desalento foi se espraiando. A Teologia da Libertação perdeu sua capacidade hegemônica nos anos 1990, juntamente ao discurso agregador e, ao mesmo tempo, explicativo da realidade. Começou a ser apagada do cenário eclesial, paralela a uma realidade onde se estimula a individualidade e priorizam-se atividades em massa, de massa, para a massa. Foi a partir dessa realidade que o discurso carismático emergiu e os rituais festivos, espetaculares, foram tomando o lugar dos eventos racionais, de solidariedade política, de enfrentamento com a realidade social e de oposição às forças sociais e políticas conservadoras (RICCI, 2006). Nesse momento a Teologia da Libertação se afastou da lógica popular e se aproximou de uma cultura acadêmica, politicamente formal, distanciando-se da lógica da rua, embora estivesse lá presente. E não por outro motivo, a religião e a fé passaram a mobilizar a partir de outros referenciais políticos, de outro projeto de sociedade, mais individualista e imediatista (RICCI, 2006). 3.4 – Concorrência no Cenário Eclesial: Uma Abordagem das Distintas Tendências Teológicas a partir da Teologia da Libertação Visto sob um olhar sociológico, o catolicismo é por natureza plural. Firmemente assentado sobre alguns mitos e sobre os sacramentos como sinais sensíveis de graça, ele permite a seus adeptos uma grande variedade de interpretações e práticas, ao ressaltar o caráter contraditório de muitas crenças e práticas religiosas aceitas pela Igreja Católica. Esse fato sinaliza a possibilidade das tendências teológicas serem temporais (OLIVEIRA, 2003). 46 Essa abordagem pretende identificar as principais tendências teológicas na contemporaneidade e como esse fato de sucessão é compreendido historicamente. Assim, essa análise sugere uma sucessão temporal, como se tivesse havido o tempo da Teologia da Libertação e seus frutos, como exemplo a Pastoral da Juventude e a Comunidades Eclesiais de Base, e, agora, fosse o tempo dos carismáticos, movimento marcado por grandes eventos de massa, shows e os emotivos grupos de oração e etc. Assim certos analistas interpretam o movimento carismático e o novo clericalismo a ele associado como um retorno à concepção tipicamente católica, de grande obediência e idolatria ao clero. Suavizando a ousadia dos anos 1960, numa perspectiva de retomar com maior ardor a proposta de uma igreja mais tradicional, sem grandes manifestações populares, a começar por dar efetivo destaque às linhas teológicas que visam garantir a estrutura hierárquica eclesial e a priorização da subjetividade, podemos compreender nesse aspecto o catolicismo da Teologia da Libertação e da Renovação Carismática como duas formas de catolicismo quase em contradição (OLIVEIRA 2003). Contudo, como todas as tendências são inspiradas na salvação e acreditam que essa conquista passa necessariamente por Jesus Cristo, por meio de seus ensinamentos, é possível identificar no quadro atual do catolicismo brasileiro algumas linhas teológicas mais expressivas. O catolicismo de Salvação Individual, que tem no ritual dos sacramentos (batismo, crisma, primeira eucaristia, matrimônio...) seu maior fundamento, num sentido que a salvação da alma vem por meio da recepção dos sacramentos e justamente por ser esta a única forma de catolicismo oficialmente admitida desde o Concílio de Trento (ocorreu de 1545 a 1563 na Cidade de Trento na Itália), até o Concílio Vaticano II (1962 a 1965), vai apresentar-se como sendo o catolicismo romano, perene, imutável, face à qual todas as outras formas seriam desvios de média gravidade (OLIVEIRA (2003). Outra tendência é o Catolicismo Popular, que tem como elemento central o culto aos santos. Essa forma não se opõe ao catolicismo oficial, mas a ele se justapõe, sendo tolerada pela hierarquia eclesiástica conforme a conjuntura das relações entre a Igreja e o Estado. Sua convivência é facilitada à medida que ambos são uma forma de compensação, mas dificultadas quando no ritualismo presente também no culto aos santos, muitas vezes substitui o ritualismo sacramental, retirando do clero a função de mediador da salvação (OLIVEIRA, 2003). 47 Há também a Igreja da Pregação, a qual se descreve como uma Igreja da palavra com ênfase na doutrina, no conhecimento, na pregação e no ensino. Esse modelo defende o aprofundamento da fé pela via do saber. O centro desse cenário é o trabalho na catequese, o estudo da teologia, o processo de evangelização e o anúncio missionário. Há a consciência que o tempo da cristandade já terminou. Assim, assume-se uma atitude de evangelização em um mundo pluralista e complexo, buscando fazer o diálogo entre a fé e a razão. Os teólogos da Pregação dão especial atenção à inclusão da disciplina do ensino religioso nas escolas, que busque enfatizar em seu conteúdo a dimensão humana e social da religião e o cultivo do ecumenismo e do diálogo inter-religioso. A inteligência da fé só é possível com a utilização dos procedimentos lógicos, metódicos e epistemológicos que conduzem a razão em sua compreensão da realidade. Sendo assim, esse cenário vem ao encontro da sociedade do saber, pois uma prática eclesial de Igreja Moderna predomina a Pregação. A Igreja se apresenta como sacramento da salvação universal, está próxima da sociedade civil, denunciando os abusos do capitalismo numa perspectiva reformista (LIBÂNIO, 1999; BOFF, 1994; SOFIAI 2009). Outras duas formas que surgiram após o Concílio Vaticano II, com o propósito de fazer o aggiornamento da Igreja e provocar seu diálogo com o mundo: o “mundo moderno”, no caso da Renovação Carismática, e o “mundo dos pobres” no caso da Teologia da Libertação. A forma que mais sobressaiu nas décadas de 1970 e 1980 foi o catolicismo da libertação. Essa Igreja acredita que Deus age novamente na história toda vez que os pobres se organizam e lutam pelos seus direitos. A bíblia lida na perspectiva de que a libertação torna-se o principal veículo de acesso a Deus, deixando em segundo plano a recepção ritual dos sacramentos, sendo as Comunidades Eclesiais de Base lugar de privilégio da junção fé e vida. Quanto à Renovação Católica Carismática, de uma forma mais expressiva a partir da década de 1990, inspirada nos movimentos pentecostais de brancos norte-americanos, em poucos anos tomou o lugar de alguns movimentos de reavivamento espiritual e há evidências que ela exerce, hoje, hegemonia sobre um grande espaço eclesiástico, difundindo seu estilo por toda parte (OLIVEIRA, 2003). A Renovação Católica Carismática está penetrando no cotidiano das comunidades, impregnando-as com valores e práticas que poderiam ser identificados com sentido de sentimentalismo pessoal, que preside a orientação religiosa deste tempo. Trata-se de um movimento que, ao emergir nas comunidades, instaura um contexto favorável a um 48 tipo de experiência que se apresenta com os traços de uma invenção que coloca a descoberta do sagrado individualizado no centro da experiência religiosa (STEIL, 2003). A Renovação Católica Carismática tem também como característica a religião de aperfeiçoamento. O indicador mais evidente dessa linha é a ênfase dada ao encontro com o Cristo interior e a realização do Reino de Deus no coração de cada pessoa. Não se trata, apenas de autossalvação, mas de uma combinação entre as duas formas de salvação. Buscando o Cristo interior através da oração carismática, sem menosprezar a recepção dos sacramentos, assim a Renovação Católica Carismática articula o aperfeiçoamento e a redenção (OLIVEIRA, 2003). De acordo com Oliveira (2003), o aspecto carismático torna-se exemplar a Missa do Padre (Pe.). Marcelo Rossi. Combinando o ritualismo típico com a “aeróbica de Jesus”, os cânticos de fácil memorização e cheios de emoção, o padre carismático facilita ao máximo a participação massiva na missa, é possível que haja ali indivíduos que buscam o mesmo sacramento eucarístico que é celebrado em qualquer comunidade paroquial, mas provavelmente a maioria dos presentes sentem-se atraídos pelo show carismático que a celebração propõe. Se em décadas anteriores a de 1990, o ambiente religioso e eclesiástico apresentava certa simpatia com os trabalhos das Comunidades Eclesiais de Base e com um compromisso prático em seus quadros, atualmente a Teologia da Libertação vem perdendo espaço para manifestações marcadas pelo sentimental e emocional, como é o caso da Renovação Católica Carismática. A Renovação Católica Carismática tem como principais referências os padres e artistas Marcelo Rossi e Fábio de Melo, dentre outros como o Pe. Léo que está chegando às mídias. Neste cenário é possível destacar outros artistas que fazem da religião um meio de trabalho como a Banda Dóminnus, Banda Anjos de Resgate e a Banda Rosas de Saron, estas que estão na mídia e viajam Brasil a fora fazendo shows. É importante enfatizar que o custo/investimento com shows dos referidos artistas não diferem dos valores em reais de shows de artistas populares. O que demonstra que a proposta de evangelização da igreja não é compreendida em sua essência, visto que passa a compor um mercado financeiro que mercantiliza a própria fé. Evidências desse fenômeno que se mantém aberto ao capitalismo reflete-se para além do custo dos shows, pois se apresenta também na maneira de aparecer e posicionar-se nos veículos de comunicação, na comercialização dos produtos (CDs, DVDs, livros, camisas 49 e etc...) e na pouca preocupação com as questões sociais. Quando se menciona essa pouca preocupação social, isto se faz em decorrência de análise de algumas letras musicais desses artistas que abordam excessivamente a salvação por meio de um Deus que está no céu, não potencializando uma reflexão que compreende o homem como sujeito de salvação na construção de uma sociedade do bem viver e da coletividade, onde fé e vida estão inteiramente associadas. Nesse cenário fortemente influenciado pela mídia, propõe-se aqui uma breve explanação da Rede Católica de TV Canção Nova, por ser esta a mais popular em meio à comunidade católica atualmente; salienta-se que as informações que se seguem nos próximos parágrafos versando sobre essa emissora foram extraídas do site oficial da Canção Nova (CN) e está disponível em www.cancaonova.com acessado em 10 de setembro de 2012. A TV Canção Nova, emissora católica da Fundação João Paulo II, começou suas atividades em 8 dezembro de 1989, eram apenas duas horas e quarenta e cinco minutos de programação e ainda assim só para Cachoeira Paulista (SP) e cidades vizinhas . Anos depois, essa programação foi também sendo divulgada por outros canais, até começar a ser exibida via satélite através da TV Executiva Embratel. Era uma programação inconstante, com diferentes horários em diferentes dias e até em diferentes canais. Em 1997, formou-se a Rede Canção Nova de Televisão com a compra da TV Jornal em Aracaju - SE, gerando a programação para toda a Região Nordeste. Em 2007, com apenas dez anos de formação de rede, a TV Canção Nova estabeleceu-se como a maior emissora de televisão católica do Brasil. A TV Canção Nova possui em sua sede, em Cachoeira Paulista, cinco estúdios e três espaços para eventos, um deles com capacidade para aproximadamente cem mil pessoas, sendo o maior vão livre coberto da América Latina, além de contar com três unidades móveis de geração e produção via satélite. Diante do crescimento, foi- se formando uma programação, baseada nos valores e princípios cristãos, com formatos, estilos e temas diferentes, abordando questões relacionadas à espiritualidade, ao jornalismo, a programas infantis, a eventos, a entrevistas, a debates, à música, ao entretenimento, à cultura e a programas promocionais. Seu sinal atinge todo o território nacional por parabólica, além de TV por assinatura e operadoras de TV a cabo. Além disso, a programação pode ser pelo portal tv.cancaonova.com. 50 acompanhada em tempo real O Sistema Canção Nova de Comunicação tem como objetivo anunciar o evangelho ao mundo, tendo em vista a formação de homens novos para um mundo novo. O que diferencia este sistema dos outros é a forma de como se manter, evidenciando-se as que advêm por meio de doações como da Fundação João Paulo II, entidade sem fins lucrativos, a qual administra recursos levantados por meio de doações mensais, recebidas dos Sócios Evangelizadores e pessoas que acompanham a Canção Nova, através da contribuição vinda do Projeto “Dai-me Almas” que tem como foco salvas almas: O Projeto “Dai-me almas” é aquilo que disse aquele Rei a Abraão: “Dai-me almas e ficai com o resto” (Gn 14, 21). O que nós queremos são as almas para Deus. “Dai-me almas” é muito mais do que pessoas, porque alma vem de „animus‟, no latim, que diz a vida, que diz o ânimo da pessoa, nós precisamos das pessoas, as pessoas estão acabadas, estão destruídas, por tantas coisas... O pecado destrói as pessoas, mas não só o pecado, a tristeza, esse mundo de agressão... Essas pessoas precisam ser resgatadas para Deus, resgatadas para a vida, para a alegria, para a felicidade. É isso que faz o projeto „Dai-me almas‟ e nós precisamos usar todos os meios para que isso aconteça. Nós existimos para isso! Ora para alcançarmos estas pessoas precisamos de meios, isto tudo não se faz sem muito dinheiro. No mundo se gastam milhões para perverter as pessoas, é preciso também milhões para resgatá-las. Claro, é justo que queiramos muito mais dinheiro para resgatar do que para perverter. Veja quanto dinheiro está sendo investido. Quantos milhões de dólares, de euros, libras, estão sendo investidos na perversão das pessoas... Por isso, é justo que tenhamos dinheiro nas mãos, administrando-o para Deus, para resgatarmos nossos irmão, porque eles não podem se perder!” (PROJETO DAÍ-ME ALMAS, Acesso em: 25 de setembro de 2012) Outra forma da TV-CN se sustentar é bastante contestada por muitos militantes católicos, sobretudo por aqueles que trazem as questões sociais e humanitárias como fontes importantes de se vivenciar a fé no mundo real. Ao acessar o site ou sintonizar o canal oficial da CN, torna-se evidente que a fé além de ser compreendida como produto de salvação é também entendida como elemento economicamente viável para servir o sistema financeiro capitalista e se manter no cenário midiático, mesmo que essa realidade esteja contradizendo os ensinamentos catequéticos. Além de diversos produtos que são vendidos por preços não populares nesses veículos, a programação é fortemente elaborada para que os telespectadores e internautas sejam induzidos a adquirirem tais produtos como instrumentos que os levam a salvação. Na maioria das vezes alegam que os produtos são da terra santa, abençoados por santos, e, principalmente, usam a imagem de Jesus para induzir a compra, afirmando que contribuir com a Canção Nova é contribuir com o projeto de Deus e que a salvação passa por esse estágio. 51 Sob essa ótica de mercado, o site é repleto por links que direcionam a boletos bancários para que a Canção Nova seja mantida. A partir desse tipo de intervenção, vai sendo desenhada e aceita no cenário eclesial a mercantilização da fé, onde se prioriza o Deus no céu e coloca em segundo plano a realidade humana, sendo esse um dos elementos mais importantes onde se constata a oposição entre a RCC e a TL. Assim pode-se constatar que a Teologia da Libertação propõe uma espiritualidade que se expressa numa linguagem política e analítica, e a Renovação Católica Carismática apresenta uma espiritualidade que se expressa numa linguagem mística. Os trabalhos pastorais relacionados aos direitos humanos e à transformação social defendidos pela Teologia da Libertação são substituídos, na proposta da Renovação Católica Carismática, pelas preocupações litúrgica, sacramental e de interioridade pessoal. Existe um esforço, claramente percebido em centros teológicos, congregações religiosas e movimentos de fiéis, de convencer os católicos que o tempo da Teologia da Libertação passou, denominando a Teologia da Libertação como apenas um modismo sem consistência ideológica, que não criou raízes profundas. Evidências claras disso é o foco literário da Igreja hoje, as livrarias de caráter religioso oferecem material cujo interesse gira mais em torno de questões espiritualistas e individuais, ou de autoajuda, relegando a segundo plano as reflexões doutrinárias comprometidas com as questões sociais, sendo incoerente com a proposta da Igreja da segunda metade do século XX, que enfatiza a preocupação com as questões sociais e coletivas (GOMES 2008). Numa abordagem do cenário da Igreja moderna, identifica-se uma primeira categoria, denominada de Igreja Instituição que corresponde ao cenário que impõe o aspecto institucional, isto é, onde prevalece a estrutura eclesial. Nesta situação, há maior relevância do Direito Canônico, das leis, das normas, das regras e dos ritos. O clero é formado para ser mais ligado ao altar, ao sacramento, às celebrações, à organização da estrutura. O ensinamento moral e a sexualidade são voltados para a família, a moral social fica em segundo plano. A Igreja da instituição assume o lado racional da modernidade, sendo considerada uma Igreja autoritária e pouco missionária (SOFIATI, 2009; LIBÂNIO, 1999). Na Igreja Carismática ocorre o triunfo do carisma, da individualidade e da emoção, havendo forte experiência de oração desconectada da ação. Desvalorizando a proposta ecumênica, numa perspectiva em que o lado racional da fé cede lugar às vivências emocionais, onde a militância é substituída cada vez mais pela mística. A Igreja Carismática é uma Igreja da celebração, valoriza os movimentos de espiritualidade. A moral se volta para o 52 individuo e a dimensão político-econômico-social não tem muita relevância, prevalecendo o desenvolvimento da dimensão da compaixão e do amor (LIBÂNIO, 1999; BOFF, 1994; SOFIAT 2009). Esse perfil do catolicismo clerical reflete uma teologia encarnada na figura de Jesus Cristo como salvador do mundo, ser supremo e intocável. A obra redentora de Cristo e a relação com Ele através da oração levariam os cristãos a se sentirem contemplados numa fé baseada na frequência às missas dominicais sem se preocuparem com a missão póscelebração. Assim considera-se uma fé desconectada da realidade do mundo, onde a oração por si só resolve os problemas sociais, cura as doenças, e etc. e o sofrimento é causa dos próprios atos, que devem ser aceitos como castigo divino, para alcançarmos a salvação. Essa linha fomenta as orações individuais e prontas, os adeptos compreendem o padre como o único porta-voz de Jesus Cristo, praticamente a referência da pureza, do amor, da caridade e da verdade, suprimindo a ideia mística de que o homem é imagem e semelhança de Deus, ou seja, sua orientação fomenta a crença de um Deus puramente místico e longe da realidade. A sociedade está alicerçada numa estrutura que tem como principais bases o capitalismo e o mercado, elementos que influenciam diretamente no contexto eclesial atual. A Renovação Católica Carismática, ao propor uma relação direta com o sagrado, que se dá através do Espírito Santo, na medida em que transcende os limites geográficos ou institucionais da comunidade, nos leva a concluir que a prática carismática acaba implementando o processo de “dessubstancialização” da própria comunidade, estabelecendo, como referência, não mais um grupo coeso e localizado de convivência e pertencimento religioso, mas tecendo uma extensa rede de pessoas que se reconhecem conectadas, não mais por laços interpessoais, mas pela adesão a um movimento de massa. Acredita-se que essa forma de espiritualidade, na medida em que enfatiza a experiência de acesso direto ao sagrado, estaria minando a base institucional que fundamenta o modelo de Igreja Comunidade (STEIL, 2003). Assim, a contradição entre o catolicismo da libertação e o catolicismo carismático pode ser interpretada como uma relação lógica entre uma religião de redenção e uma religião de aperfeiçoamento no interior do sistema religioso. Portanto, depois de alguns anos como linha teológica de referência, muitos afirmam que a Teologia da Libertação entrou em crise. Apontam como justificativa as razões sociais, políticas, econômicas e eclesiais entrelaçadas sob a ótica da Teologia da Libertação. Uma razão social, política e econômica foi a queda do socialismo. A grande bandeira que entusiasmava e animava a utopia era um horizonte 53 socialista, situação que colocou em questão muitas coisas, gerando grande desânimo; contudo, uma pequena parte da ala esquerda da igreja, ainda mantinha a esperança e o sonho de uma sociedade justa e fraterna, mantendo acesa a chama social (LIBÂNIO, 2003). Essa onda de desânimo e pessimismo, coincidiu, social, política e culturalmente, com um surto de esperança que havia no mundo, manifestada nos movimentos feminista, étnico, ecológico, e outros. Isso ajudou a Teologia da Libertação, ampliando-lhes os esquemas de análise da realidade, ultrapassando os aspectos socioeconômicos e estruturais. Leonardo Boff vai ser pioneiro, inserindo na Teologia da Libertação, questões ecológicas e do feminismo. Nesse horizonte mais amplo, ele escreveu o livro: “Ecologia: grito da terra, grito dos pobres” (LIBÂNIO, 2003). No entanto, é importante enfatizar que essa crise da Teologia da Libertação não resulta apenas do embate ideológico entre as correntes políticas que disputam o espaço eclesial ou da vitória do neoliberalismo sobre o socialismo, mas deve ser remetida também às transformações que estão ocorrendo no conceito de religião. Compreende-se, assim, que a crise não é apenas ideológica e política, mas do modo como a religião vem se organizando nos últimos anos para expressar uma determinada forma de espiritualidade, própria desse tempo. Por outro lado, pensa-se que a análise centrada no atual contexto é capaz de incluir as dimensões subjetivas da crise, uma vez que procura compreender as mudanças no campo religioso associadas às transformações que vêm ocorrendo em relação a subjetividade humana, de forma que o aparecimento de uma nova subjetividade exige um novo modelo de religião, capaz de expressá-la (STEIL, 2003) . Assim, é potencialmente notório que a Teologia da Libertação apresenta-se como uma configuração histórica que resulta da negociação contínua entre formas diversas de expressar a experiência cristã dentro dos marcos institucionais do que é autêntico e do que é ortodoxo, o que muda juntamente com os contextos sociais e religiosos. Se a demanda religiosa dos anos 1970 e 1980 era principalmente por formas religiosas capazes de traduzir a mensagem codificada no ritual para o cânone das ciências do social, sinais indicam que, hoje , se procura uma comunicação que se enverede por caminhos que possibilitem o contato direto como o sagrado numa proposta amplamente mística (STEIL,2003). 54 3.5 Críticas à Teologia da Libertação No universo religioso há os que consideram a Teologia da Libertação como uma espécie de Cavalo de Troia, por onde o marxismo e o ateísmo entraram no cristianismo e, mais especificamente, na organização da Igreja. Dessa forma, longe de um ideal de fraternidade inspirada no evangelho e na compreensão pacífica das diferentes tendências teológicas, setores da Igreja e da sociedade acusavam a Teologia da Libertação de ser um movimento que admite e incentiva a luta de classes, que semeia o ódio entre grupos conflitantes dentro da sociedade, acabando com as práticas religiosas de piedade e, em definitivo, reduzindo a Igreja a uma autêntica teologia, sistemática, integrada e metodologicamente coesa (GOMES, 2008). A própria estrutura eclesial da Igreja exalta alguns medos referentes à Teologia da Libertação, alegando que nesta linha teológica há graves desvios ideológicos que podem levar a traição da causa dos pobres. Outros críticos afirmavam que a Teologia da Libertação não possuía um corpo doutrinário, sendo uma visão parcial e excludente de alguns grupos sociais, sobretudo aqueles considerados ricos: os empresários, os latifundiários, os banqueiros, além dos grupos ideológicos involucionistas ou tradicionalistas - militares, religiosos conservadores e grupos de poder apegados a formas arcaicas ou antiquadas. Esses acusavam a Teologia da Libertação de não ser uma autêntica teologia por não ter uma atitude universalista, excluindo grupos do ideal de salvação proposto pelo próprio Jesus no Evangelho (GOMES, 2008). Como já mencionado, indivíduos importantes da hierarquia da Igreja ao longo dos anos teciam severas críticas à Teologia da Libertação, como por exemplo Ratzinger, tomando com referência o documento por ele escrito em 1984,o qual será apresentado de forma sucinta nos próximos parágrafos. Ressalta-se que ele é o atual papa da Igreja Católica, o Papa Bento XVI. De acordo com Ratzinger (1984), a aspiração pela justiça encontra-se muitas vezes prisioneira de ideologias que ocultam ou pervertem o seu sentido, propondo à luta dos povos para a sua libertação, objetivos que se opõem à verdadeira finalidade da vida humana e pregando meios de ação que implicam o recurso sistemático à violência, contrários a uma ética que respeite as pessoas. Assim, considera-se que a Teologia da Libertação engloba posições teológicas diversificadas e suas fronteiras doutrinais são mal definidas. 55 A Teologia da Libertação propõem uma interpretação inovadora do conteúdo da fé e da existência cristã, interpretação que se afasta gravemente da fé da Igreja, constituindo uma negação prática dessa fé. Conceitos tomados por empréstimo, de maneira acrítica, à ideologia marxista e o recurso a teses de uma hermenêutica bíblica marcada pelo racionalismo encontram-se na raiz dessa interpretação, que vem corromper o que havia de autêntico no generoso empenho inicial em favor dos pobres. Dessa concepção, deriva uma politização radical das afirmações da fé e dos juízos teológicos. Já não se trata somente de chamar a atenção para as consequências e as incidências políticas das verdades de fé. Toda e qualquer afirmação de fé ou de teologia se vê subordinada a um critério político, que, por sua vez, depende da teoria da luta de classes, como motor da história. Para esses, o Evangelho se reduz a um evangelho puramente terrestre (RATZINGER, 1984). A Teologia da Libertação, que tem o mérito de haver revalorizado os grandes textos dos profetas e do Evangelho acerca da defesa dos pobres, passa a fazer uma ligação do pobre da bíblia e o proletariado de Marx. Perverte-se, desse modo, o sentido cristão do pobre e o combate pelos direitos dos pobres transforma-se em combate de classes na perspectiva ideológica da luta de classes. A Igreja dos pobres significa então Igreja classista, que tomou consciência das necessidades da luta revolucionária como etapa para a libertação e que celebra esta libertação na sua liturgia (RATZINGER, 1984). A Teologia da Libertação propõe ainda a inversão dos símbolos no domínio dos sacramentos. A Eucaristia não é mais entendida na sua verdade de presença sacramental do sacrifício reconciliador e como dom do Corpo e do Sangue de Cristo. Torna-se celebração do povo na sua luta. Por conseguinte, a unidade da Igreja é radicalmente negada. A unidade, a reconciliação, a comunhão no amor não mais são concebidas como um dom que recebemos de Cristo. É a classe histórica dos pobres que, mediante o combate, construirá a unidade. A luta de classes é o caminho desta unidade. A Eucaristia torna-se, deste modo, Eucaristia de classe (RATZINGER, 1984). Neste sentido, acusa-se a Teologia da Libertação de uma religiosidade aliada e até manipulada pelas ideologias de esquerda, especialmente as ideologias ditatoriais de cunho marxista, como no caso de Cuba. Haveria, nesse sentido, uma clara contradição entre a pregação pela autonomia do pensamento teológico e sua universalização e uma atitude favorável aos partidos e aos movimentos de esquerda e á privação da liberdade provocada pelas ditaduras (GOMES, 2008). É interessante destacar que até mesmo certas organizações revolucionárias criticavam a Teologia da Libertação. Acusava-se esse movimento religioso de ter baixa 56 capacidade de formulação prática e de negociação política, sendo uma espécie de messianismo bem intencionado, mas sem articulações reais e sem projetos definidos. Atribuíam-lhe, além disso, uma atitude anti-institucionalista, que dificultava todo o tipo de poder político, de intenção e de desejo pretendido por partidos e por movimentos contrários ao capitalismo dominante. Por fim, reprova-se a Teologia da Libertação por considerá-la uma teologia excessivamente otimista e irreal dos valores e das possibilidades do povo, por si só capaz de transformar toda a realidade social devido seu ímpeto transformador, negando a possibilidade da libertação expandir-se naturalmente a partir dos movimentos libertadores parciais ou locais (GOMES 2008). Tais críticas à Teologia da Libertação põem em evidencia algumas lacunas e limitações dessa linha teológica. O tempo demonstrou que houve deficiências nas suas propostas, que a organização política depende de inúmeras mediações, muitas delas já solidificadas negativamente e com dificuldades de mudança e que o povo não possuía toda a força transformadora que os seus primeiros ideólogos gostariam. Não se pode negar, todavia, que a Teologia da Libertação deu origem a organizações numerosas, especialmente locais, e que demonstrou poder de articulação e de organização. Prova disso foram os Encontros Intereclesiais das Comunidades Eclesiais de Base, encontros de pastorais, e formação de movimentos que se consolidaram e permaneceram apesar de grandes dificuldades políticas. A formação de líderes, de agentes sociais e de comunitários foi uma constante nos grupos ligados a Teologia da Libertação, de onde surgiram posteriormente lideranças operárias, sindicais, feministas, indígenas e políticas (GOMES, 2008). 57 4– AÇÕES DA PASTORAL DA JUVENTUDE: A TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO AINDA IMPORTA AOS JOVENS? 4.1 A Pastoral da Juventude na perspectiva da Teologia da Libertação Muito pouco se fala na história dos jovens ou da juventude. A mídia e a Igreja veem o jovem, muitas vezes, como simples parte da sociedade, sem considerá-lo como “o presente” e “o futuro”. A história da juventude se perde no conjunto das historicidades. Ainda há pouco tempo, havia nas Comunidades Eclesiais de Base um entendimento em direção a um tratamento mais específico. O jovem devia integrar-se na comunidade e realizar-se. Não havia necessidade de uma Pastoral onde o jovem fosse protagonista. A Teologia da Libertação é um forte indício que sua opção vai ao encontro do desejo da juventude, sua linha pedagógica confere a ela um grande potencial motivador que induz o indivíduo a questionar os diversos fatos que constituem e influenciam a dinâmica de sua vida. Esse questionamento parte de um olhar que começa na sua realidade cotidiana e que se amplia sendo direcionado para a coletividade. Essa situação possibilita que o indivíduo se torne sujeito na história, atuando também como agente transformador social, com capacidade criadora e inventiva que é um importante atributo de dinamismo pertinente à sua faixa etária. Outro elemento importante é a ousadia e a curiosidade que pode levar a juventude a adquirir conhecimentos que podem não corresponder à sua idade cronológica, mas que se congrega como experiência de vida. No que diz respeito à definição de um conceito de juventude, para a Teologia da Libertação esta não é um bloco único15 pois seu estilo e perspectivas variam de acordo com lugar e com origem social. A Teologia da Libertação reconhece a diversidade juvenil: jovem do meio rural, juventude operária, juventude estudantil e etc. Ela se preocupa em priorizar os jovens pertencentes à classe trabalhadora no processo de socialização e de formação cristã. O discurso católico progressista deixa claro o seu interesse no comprometimento dos jovens para que se levasse adiante a proposta da igreja que buscava a renovação. Essa aposta na juventude significava rejuvenescimento construindo uma identidade contemporânea, mas sem 15 Neste sentido bloco único quer dizer uniforme, igual. Ou seja, a Teologia da Libertação compreende as juventudes. 58 perder sua essência, através do recrutamento e da socialização de novos indivíduos, obtendo, assim, a qualidade de ter jovens dentro da igreja e uma igreja com rosto e dinamismo juvenil (FLORA, 2007). Eis o que o autor nos diz Temos que nos comprometer, pois cabe a nós levar avante a proposta da igreja nova, que surge da base. É aquilo que a juventude fala por aí a fora, quando exige que “o amor pregado atinja os homens concretos, os problemas e estruturas concretas” e deixe de ser “um amor nas nuvens”, que não desce nunca para mexer com os privilégios dos opressores. É preciso fincar o pé e começar a mexer nas estruturas que tanto angustiam, pois ser jovem, hoje, e, além do mais, participante de um grupo, é fazer parte dessa “Nova” de maneira concreta e não só na conversa. (Juventude em Desafio – II Alimentando nossa força. {198-}, p. 55-56) Faz sentido, assim, a criação de uma Pastoral da Juventude dentro da Igreja Católica, não tendo apenas as funções de formar e de fornecer quadros e lideranças para atuar nos movimentos sociais, conforme apontaram alguns autores. Carregava também um significado simbólico de relevante peso para a igreja que a tornou um lugar de iniciação, de preparação e de aceitação à vida adulta, quando então a pessoa passa a construir e atuar na Pastoral da Juventude. Potencialmente, com o passar do tempo, ele é estimulado a engajar-se em outras pastorais, movimentos e ou espaços políticos, de acordo com sua proposta de formação integral; essa situação é resultado de um processo. Após passar algum tempo de vivência pastoral e de aquisição de experiência pastoral e de vida de forma geral, podendo ser convidado ou convocado a assumir por exemplo, o papel de assessoria, o que, ao mesmo tempo, também pode significar entrada na vida adulta. É importante entender a Pastoral da Juventude como um processo por que o individuo passa e que deve se permitir a passar por evolução, levando em consideração que a juventude é apenas uma fase da vida. Com referência aos meios utilizados para a formação dos militantes da Pastoral da Juventude, considera-se importante ressaltar que esta organização, assim como a Teologia da Libertação, valoriza as iniciativas de caráter popular e acadêmico, como espaços de troca de experiência e de aprendizado. Destaca-se como elementos que potencializam a formação de acordo com a proposta pedagógica adotada pela Pastoral da Juventude em consonância com Teologia da Libertação ora de forma direta, ora indireta estabelecendo conexões. 59 Destaca-se alguns meios para a referida formação: participação prioritária nos encontros dos grupos de base, participação em seminários que aborde temas que envolva a juventude e sua realidade social, participação em cursos de formação continuada para jovens e assessores para garantir o acompanhamento pessoal e grupal dessa juventude, produção de material para estudo, como jornal, revista, artigos científicos e livros em parceria com universidades, redes e institutos de juventude, participação em eventos de caráter eclesial, social e político, como por exemplo, conferências organizadas a partir dos conselhos de direito nas diversas instâncias nas quais a Pastoral da Juventude tem cadeira. Outras atividades são participação em fóruns sociais nas instâncias, municipais, arquidiocesanas, estadual, nacional e mundial, participação através de atividade autogestionária na Cúpula dos Povos em Paralelo a Rio + 20, dentre outros eventos e atividades que acontece mundo a fora, que jovens participam na qualidade de representantes da PJ sendo responsáveis por estabelecerem diálogos a partir da realidade da juventude que lhe cabe representar. Outro aspecto fundamental nessa formação é o que atinge a ordem espiritual, que se dá por meio da participação em celebrações da missa, retiros espirituais, oração individual e em grupo; enfatiza-se que estes momentos de oração são preparados de acordo com o que se deseja rezar e com a metodologia adotada pela Pastoral da Juventude de viver sua fé. No que se refere à formação dos militantes da Pastoral da Juventude, percebe-se uma preocupação com a relação entre jovens e adultos, relação entre os jovens e os próprios jovens, jovens e a hierarquia da Igreja, os jovens e a família, os jovens e sua participação no contexto social, ou seja, essa formação se preocupa com a juventude e sua relação com o meio ambiente, por isso é considerada formação integral. Em alguns relatos, e até mesmo documentos que permeiam pela igreja, evidenciase uma luta de poder entre os adultos representantes da hierarquia, que oferecem um modelo de socialização ao qual os jovens devem adaptar-se, e no outro lado, os próprios jovens, aqueles que tentam reproduzir por parâmetros próprios a oferta recebida. A etapa juvenil significou inúmeras vezes contradizer ou mesmo rejeitar o modelo adultocêntrico de sociabilidade, o que explica em parte os frequentes conflitos entre os jovens e os representantes do setor adulto da Igreja Católica (FLORA, 2007). Dessa forma, a geração jovem viu no projeto da Teologia da Libertação uma alternativa para o enfrentamento das contradições que se vivia. De sua parte, a Igreja acreditava que a juventude poderia contribuir na consolidação prática de suas diretrizes, pois, por serem jovens, assimilavam as novas orientações e eram mais sensíveis aos problemas sociais (FLORA, 2007). 60 Para a Teologia da Libertação, assim como na Pastoral da Juventude, identificamse dois fatores em consonância evidentes: a disponibilidade de uma infraestrutura pertencente ao aparelho da Igreja Católica, que serve de base para diversos tipos de atividades de cunho eclesial, social e de inserção política, bem como, fomentar a formação de lideranças para desenvolver atividades nas comunidades e atuação efetiva na sociedade de maneira eficiente, visando suprir as demandas, sobretudo da juventude empobrecida, agindo como agente de transformação e libertação. Apreende-se que, na concepção da Teologia da Libertação, a juventude, quando mobilizada e coordenada, é vista como força social de transformação, como fonte de novidade, de estímulo e de esperança para um povo que vive em condições sub-humanas. A igreja investiu no setor juvenil porque necessitava de renovação e isso necessariamente passaria pela conquista do mesmo, sendo o trabalho com a juventude uma forma de atingir a sociedade de maneira geral e difundir os valores da sua doutrina. Dessa forma, identifica-se a ocorrência de uma reciprocidade entre a Pastoral da Juventude e a Teologia da Libertação, permitindo ao catolicismo adentrar no seu mundo e fazer uso de seu vigor, em troca recebendo visibilidade social. Essa é a orientação do autor: Os jovens não foram manipulados e ingênuos neste processo, nem mesmo a Teologia da Libertação se apropriou instrumentalmente deles: a juventude viabilizaria a divulgação do grande projeto da Teologia da Libertação e em troca receberia o passaporte para atuar de maneira “quase autônoma” na Igreja através da sua metodologia e a rede de grupos de jovens e abrindo os caminhos para atuar na vida pública, visto sua proposta de formação integral. (FLORA, 2007.p.21) 4.2 Teologia da Libertação no Contexto Eclesial da Sociedade Há certo consenso, produzido nos últimos anos, de que existe uma crise que atinge a Teologia da Libertação, assim como as organizações que dela se derivam. Para muitos analistas e agentes sociais, trata-se de uma decadência do projeto “Igreja dos Pobres”, que teria sido superado por forças conservadoras que atuaram no interior da Igreja, associadas a grupos políticos e econômicos transnacionais. Uma vitória da cúria romana e do neoliberalismo sobre a Igreja dos Pobres e sobre o socialismo que estava sendo gestado, com grandes dificuldades, pelas classes trabalhadoras por meio da sua organização nos movimentos sociais e partidos políticos de esquerda na América Latina (STEIL, 2003). Nesse sentido, em efetiva transição, de uma Igreja que havia 61 se pensado a partir da base popular, constituída de comunidades eclesiais de base e pastorais centradas na ação de leigos conscientes e comprometidos com a libertação dos oprimidos para outra. Uma Igreja que nasceu como fruto de uma realidade, e que viveu nos anos 1970 e 1980, uma grande vitalidade nos setores populares da América Latina, passando para um modelo de instituição que acreditava num projeto de Igreja pensado a partir dos movimentos religiosos mais conservadores que estariam reunindo uma massa inconsciente, controlada por setores do clero ligados às elites sociais (STEIL, 2003) em outra povoada de novas gêneses de movimentos em conflito entre si. Atualmente a Teologia da Libertação não se encontra nos discursos da grande maioria dos que compõem a estrutura eclesial, no entanto isso não que dizer que ele deixou de existir. De acordo com alguns estudiosos das áreas das ciências sociais e humanas, a Teologia da Libertação apenas ficou ofuscada porque se distanciou das polêmicas que interessam a opinião pública. Enfatiza-se que, enquanto existirem pobres e oprimidos, haverá pessoas, cristãos e Igrejas que farão suas as dores que os afligem, as angústias que lhes entristecem a alma e os golpes que lhes atingem o coração (BOFF, 2011) . Ao trazermos para a reflexão questões relacionadas à Ecologia a TL vamos denominar essa linha como Ecoteologia da Libertação. A Ecoteologia tem como finalidade contribuir para uma reflexão à luz da fé cristã, procurar orientar o ser humano a repensar suas atitudes frente essa realidade de um possível desequilíbrio ambiental. Parte de uma perspectiva que chama a atenção fomentando a tomada de consciência para o exercício de cuidado com o planeta terra em tempos de presumíveis crises, buscando superar visões potencialmente equivocadas da relação do homem com o meio ambiente, empenhando-se num diálogo com as ciências naturais. Enquanto prática libertadora, a Ecoteologia e sua vertente ética ampliam a percepção da prática libertadora, estimulando o compromisso socioambiental dos cristãos. A Ecoteologia propõe praticamente o oposto do que se prega dentro do atual sistema financeiro capitalista, compreendido pelos adeptos da Ecoteologia como máquina produtora de pobreza e de opressão. A Ecoteologia poderá existir de modo eficiente, na forma de resistência, sob perseguições, difamações e martírios. Mesmo assim, porque nenhum sistema é absolutamente fechado, este sistema comunga também com a garantia aos mais empobrecidos de um caminho onde sejam construídos espaços de liberdade, possuindo uma clara dimensão política 62 de querer a mudança da sociedade, onde os seres humanos possam conviver como cidadãos livres e atuantes (BOFF, 2011). No cenário eclesial aparece de forma consideravelmente tímida, leigos realmente inspirados em atuarem como agentes protagonistas, que se dispõem a ocuparem as ruas, as cadeiras do legislativo e outros espaços que fornecem vitalidade aos aparelhos de pressão social numa ação coletiva em defesa de alguma causa que tenha como enfoque indivíduos que sofrem as várias injustiças enraizadas nessa sociedade. Esta realidade acontece paralelamente às repressões que lideranças e grupos organizados em defesa dos mais empobrecidos e marginalizados sofrem, sejam pressionados pela força do estado ou seja pela força da instituição eclesial, visto que debates acontecem nos bastidores desses setores com o objetivo de criar meios de calar a voz dos que lutam pela igualdade, buscando apontar as raízes dos problemas que permeiam a realidade do povo. Há lideranças políticas e eclesiais que criticam ou sinalizam a morte de organizações e/ou instituições que carregam a bandeira e a prática da Teologia da Libertação, pois nem toda liderança, mesmo inserida na igreja, acredita numa fé que emerge da vida e se concretiza na ação pela dignidade humana. Uma reflexão contextualizada, como a proposta da Teologia da Libertação, ganha mais sentido hoje quando engloba as questões de ecologia em seus discursos, tendo em vista as marcas deste tempo. Há evidência que esta corrente teológica pode avançar ainda mais se abarcar com sabedoria e ousadia debates que tragam temáticas como exemplo, os diferentes tipos de arranjo familiar que estão presentes no atual contexto, numa atitude de posicionar-se, sem temer o choque na estrutura hierárquica da igreja tradicionalista que não se adequa à realidade e discrimina parte considerável da população, ao se posicionar de forma irredutível aos sinais dos tempos. Essa postura, que pode ser considerada por vários setores da igreja como subversiva, deveria ser entendida pela Teologia da Libertação como necessária, visto que historicamente ela se coloca também como teologia dos oprimidos. Abordagem com estas temáticas podem fortalecer essa corrente teológica, mesmo sabendo que seria fortemente criticada pelo tradicionalismo exacerbado que nos dias atuais congrega também os movimentos relacionados a vários grupos atrelados à Renovação Católica Carismática, grupos que carregam as questões doutrinárias da igreja com extrema fidelidade. Ressalta-se que discutir não que dizer aprovar ou reprovar; neste sentido, discutir significa trazer de forma crítica essa reflexão às bases. 63 Na esteira do Concílio Vaticano II, a Teologia da Libertação se baseou num conceito de Igreja-comunhão, rede de comunidades “Povo de Deus” e poder sagrado como serviço. Essa proposta aparece de forma muito clara em alguns documentos, atas, relatórios elaborados pela própria Igreja, os quais comprovam esse conceito, mas, aparentemente, há uma grande esforço para que essas páginas do Concílio sejam omitidas ao povo. É importante enfatizar que o atual modelo de Igreja, mesmo se dizendo “aberto ao mundo moderno” trata com certa distância essas questões. Esta visão de Igreja, proposta pela Teologia da Libertação, foi nos últimos anos praticamente anulada por uma política curial de volta à grande disciplina e pelo reforço à estrutura hierárquica de organização eclesial. Assim se fecharam as portas à conciliação tentada pelo Concílio Vaticano II entre Igreja Povo de Deus e Igreja Hierárquica, entre Igrejapoder e Igreja-comunhão. O difícil equilíbrio alcançado foi logo rompido ao se entender a comunhão como comunhão hierárquica, o que anula o conteúdo inovador deste conceito que supõe a participação equânime de todos e a hierarquia funcional de serviços e não a hierarquia ontológica de poderes. A burocracia vaticana e os Papas Wojtyla e Ratzinger interpretaram o Vaticano II à luz do Vaticano I centralizando novamente a Igreja ao redor do poder do Papa e esvaziando os poucos órgãos de colegialidade e participação. Neste sentido, fica evidente que ao invés da opção pelos pobres ,a Igreja faz opção pelo poder (BOFF, 2011) . Portanto, não se deve ocultar o fato de que, ao optar pelo poder, a Igreja optou pelos que também têm poder. Assim, os pobres perderam centralidade conquistada na década de 1960. 4.3- Estrutura Organizacional da Pastoral da Juventude Toda organização que visa unir pessoas e grupos, ao iniciar o processo de articulação e de mobilização, parte de um ponto norteador ou de uma demanda. Geralmente, os idealizadores buscam estudar e analisar se há alguma necessidade real dessa organização e qual será o seu papel em meio à sociedade. Sendo assim, precisa definir seus objetivos, o que se quer alcançar. Sabe-se que é um desafio organizar, sobre tudo em períodos de expressiva repressão. Certo que toda organização demanda estratégias, critérios e princípios que orientam o processo de organização, é importante pensar uma estrutura que seja viável e possível, visto que há peças fundamentais no cenário social que podem, através do poder que 64 é vos dado exterminar ou reprimir movimentações que causam ou potencializam desconforto social. Neste caso, é importante relembrar que a Pastoral da Juventude no Brasil surge num período de ditadura militar, ou seja, de grande repressão, censuras e até mesmo exílios. Portanto, essa organização que chega com o objetivo de fomentar o protagonismo juvenil, precisava atentar-se a essa realidade. A organização da Pastoral da Juventude, assim, se inspira nos ensinamentos bíblicos, em especial na figura de Jesus Cristo, inspiração que leva a Pastoral da Juventude a adotar como eixo principal, princípios e estratégias para se evangelizarem as pessoas em um modelo que valoriza a cooperatividade, a participação de cada indivíduo, que busca garantir a democracia, sem ênfase hierárquica, que traz um relato sobre a importância da partilha, da liderança e da organização. Tendo como referência os princípios e a pedagogia de Jesus, a Pastoral da Juventude trabalha sua organização, por intermédio dos próprios jovens, compreendendo estes enquanto sujeitos e protagonistas da evangelização individual e coletiva. A organização da Pastoral da Juventude é uma opção pedagógica associada à sua identidade e missão. A organização da Pastoral da Juventude é parte fundamental de sua missão. A partir da base, ela gera um processo dinâmico de comunhão e participação, cria estruturas de coordenação, animação e acompanhamentos que permitem o intercâmbio entre as experiências que se nos realizam diferentes níveis da Igreja: grupos de base nas comunidades, paróquias, foranias, regiões pastorais, dioceses, regional da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, país e continente. Além disso, a organização favorece a formação na ação dos jovens, gerando espaços democráticos de diálogo e de decisão para a condução colegiada da ação pastoral, educando para a inserção social do jovem com princípios e valores pautados no bem comum. Com o objetivo de garantir o ir e o vir de informações sobre a realidade juvenil nos quatro cantos do Brasil , a seguir segue uma figura (fig. 1.0) que apresenta sua forma de organização através das instâncias de coordenação, seguindo a proposta de divisão territorial proposta pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. Ressalta-se que a estrutura e base norteadora da Pastoral da Juventude são os grupos que se reúnem nas pequenas comunidades nas áreas urbanas e rurais. 65 Figura 1 Organograma estrutural da Pastoral da Juventude16 A organização da Pastoral da Juventude prioriza a partilha e a sistematização das experiências; promove um processo educativo na fé; desperta a consciência crítica e a memória histórica, favorecendo a realização da missão evangelizadora de modo orgânico em todas as instâncias. A Pastoral da Juventude constitui uma rede cheia de fios coloridos, onde cada fio que forma a rede é considerado um grupo de jovens. Sendo assim, descreveremos, a seguir, um pouco sobre como a Pastoral da Juventude se organiza enquanto instâncias. 16 Este organograma representa o jeito da Pastoral da Juventude se organizar e articular-se. O uso da figura geométrica circular relata a dinâmica do grupo de base e o símbolo perfeito. Ressalta-se também que toda a coordenação parte da base, o que busca sinalizar uma maneira de coordenar onde todos participam de forma ativa, garantindo o ir e vir de informações que refletem a realidade do ponto de convergência que são os grupos de base. 66 A PJ tem os grupos de jovens como uma opção político-pedagógico-teológica e base estrutural. Organiza-se através deles, acreditando que este é um espaço privilegiado de valorização do protagonismo juvenil, de vivência comunitária e da evangelização. O grupo é a base da Pastoral da Juventude. É no grupo e pelo grupo que a Pastoral da Juventude acontece, ou não. Quando o grupo busca viver o Processo de Educação da Fé, com base na metodologia da Pastoral da Juventude, e atuar na sua comunidade, sendo evangelizador no próprio grupo e fora dele entre outros jovens, já está sendo/ou se fazendo a Pastoral da Juventude (SOMOS IGREJA JOVEM, 2012). Os grupos de jovens se reúnem frequentemente para a reflexão. Comprometem-se na oração e na ação, nos quais todos têm sua maneira de ser. Não existe um modelo pronto para ser copiado. O desenvolvimento das reuniões e encontros possui características diversas em cada lugar e grupo. Em âmbito paroquial, a paróquia é a “comunidade das comunidades” que vive num determinado território. Esta deve estar atenta às diversas manifestações da juventude que surge em seu interior (SOMOS IGREJA JOVEM, 2012). A organização paroquial supõe a participação de todos os jovens e grupos em coordenação regular e dinâmica, que se expressam na Assembleia Paroquial/ Reunião Ampliada Paroquial e na Equipe Paroquial de Pastoral da Juventude, composta por coordenadores e assessores paroquiais advindos dos grupos de jovens. Para conseguir uma melhor animação e mais eficácia no trabalho pastoral as paróquias frequentemente se articulam em regiões pastorais, foranias, comarcas, setores. Nesses âmbitos, reproduzem-se no nível correspondente as linhas básicas de organização que se apresentaram no nível paroquial (SOMOS IGREJA JOVEM, 2012). A reunião dessa instância é convocada, normalmente, para planejar, deliberar e avaliar as linhas e iniciativas comuns que nortearão a ação pastoral nesse nível. A articulação mais comum é a formação de uma “coordenação da região”, com os coordenadores paroquiais ou delegados das equipes paroquiais, eleitos por um período previamente determinado. A Pastoral da Juventude deve estar inserida na organização estrutural da (arqui) diocese e desenvolver sua ação tendo em conta as orientações e os planos pastorais da Igreja local. Onde há Conselho Diocesano de Pastoral e Setor Diocesano de Juventude, a PJ participa de suas organizações, articulações e atividades (SOMOS IGREJA JOVEM, 2012). 67 A Assembleia Diocesana da Pastoral da Juventude é a instância mais ampla e representativa desse nível. É o espaço onde se trocam iniciativas, detectam-se as necessidades comuns, buscam-se caminhos de respostas, fazem-se opções e se aprova o Plano diocesano da Pastoral da Juventude, em comunhão com as orientações da Igreja Local. A Pastoral da Juventude diocesana é animada, normalmente, por duas pessoas de referência: um assessor adulto e um coordenador geral jovem. A Equipe Diocesana da Pastoral da Juventude (na Arquidiocese de Mariana é chamada de Equipe Central da PJ), sendo formada por representantes das regiões pastorais. A Equipe Diocesana deve ser formada por pessoas com experiência pastoral, capacidade técnica, espírito de serviço, clareza de visão quanto à realidade diocesana e à problemática dos jovens e condições para operacionalizar as opções assumidas, gerando iniciativas que estejam a serviço dos grupos, dos agentes de pastoral e dos jovens em geral. Sempre em sintonia com a Igreja local, em especial com o Bispo e o Assessor diocesano (SOMOS IGREJA JOVEM, 2012). Em âmbito regional da CNBB, divide-se em dezessete regionais nos quais existem a Coordenação Regional da Pastoral da Juventude. Depende de ela estimular uma caminhada conjunta da Pastoral da Juventude Diocesana e Regional com a Pastoral da Juventude Nacional. A Coordenação Regional da Pastoral da Juventude participa ativamente da vida da Igreja naquele Regional. A coordenação da PJ é formada por jovens que fazem parte das coordenações diocesanas, acompanhadas por um Assessor Regional Referencial, uma Comissão Regional de Assessores e o Bispo Referencial (SOMOS IGREJA JOVEM, 2012). As principais tarefas da Coordenação Regional da Pastoral da Juventude é garantir uma caminhada em conjunto das diferentes dioceses (no caso do Regional Leste 2 da CNNB, tem como abrangência territorial geográfica os Estados de Minas Gerais e Espírito Santo, agregando conjunto de 32 (arqui) dioceses), que buscam realizar atividades conjuntas e garantir uma articulação da Pastoral da Juventude com as instâncias nacionais. A instância máxima, na dimensão regional, é a Assembleia Regional / Ampliada Regional, espaço deliberativo da Pastoral da Juventude que define os rumos do trabalho nesse espaço, com o Plano Regional de Ação, em consonância com o Plano Nacional da PJ. À medida que se fortalecem e crescem a organização e o intercâmbio interdiocesano, surge a organização nacional. Da mesma forma que nas paróquias, nas regiões pastorais e nas dioceses, a Pastoral da Juventude também se organiza no país. O tempo já permitiu comprovar a riqueza das trocas de experiência regionais e nacionais e sua 68 importância para a elaboração de projetos orgânicos que partam das experiências dos grupos de base e se consolidem em âmbitos e organismos de serviço em nível nacional. Da experiência dos grupos de jovens até as instâncias mais abrangentes de organização continental existe uma organização que permite a comunhão fraterna e a participação efetiva dos jovens, nos projetos da Igreja e nas propostas de transformação da sociedade. Essa organização é a latino-americana que acompanha a diversa e complexa realidade dos jovens do continente e permite viabilizar suas contribuições ao processo de mudança. A Pastoral da Juventude tem, igualmente, uma boa caminhada na América Latina. Acontecem dois encontros: o Congresso Latino-Americano de Jovens e o Encontro LatinoAmericano de Responsáveis Nacionais da Pastoral Juvenil. O Congresso Latino-Americano de jovens é a instância mais ampla de encontro que marca a caminhada da Pastoral Juvenil em nível continental. Nele, jovens coordenadores e delegados, em comunhão com assessores e Bispos Responsáveis pela juventude, determinam as grandes linhas que orientarão a ação Pastoral no continente. 4.4 Projetos da Pastoral da Juventude: Frutos da Demanda da Juventude Brasileira? A geografia está presente nas relações humanas, nas relações homem e natureza e até mesmo nas relações natureza e natureza, tendo em vista seu vasto campo de estudo que engloba o meio ambiente. Esta é uma definição nacional de meio ambiente: Meio Ambiente é o conjunto de condições, leis, influência e interações de ordem física, química, biológica, social, cultural e urbanística, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas. (CONAMA 306:2002) Meio ambiente é a circunvizinhança em que uma organização opera, incluindo-se ar, água, solo, recursos naturais, flora fauna, seres humanos e suas inter-relações. (ISO 14001:2004) Portanto, os sinais indicam que a sociedade, os indivíduos, o espaço e sua organização, as fontes e formas de intervenção social, as ações sociais, a diversidade cultural, as populações e suas realidades e etc. São todos considerados objeto de estudo da Geografia por se fazer presente em diversos campos que constituem as relações que dão vida, dinamismo e mobilidade a realidade natural, social e cultural. 69 Sendo assim, pode-se considerar que a Pastoral da Juventude por meio de suas iniciativas e forma de organização, abarca questões extremamente geográficas com potencialidades de intervenção nos campos eclesial e social, pautando-se nas possibilidades de chegar a várias realidades das juventudes proporcionada pela forma de como a PJ se distribui no espaço geográfico. Os projetos da Pastoral da Juventude nascem da realidade e discussões compreendidas nos grupos de base, a essência analítica e possíveis formas de intervenção mencionadas transitam nas instancias de coordenação onde as ideias são amadurecidas e analisadas tendo em vista a construção de um projeto que seja simples, concreto e possível de ser executado, tornando-se respostas para os sonhos e desafios das juventudes. A seguir, descrevem-se alguns projetos criados e desenvolvidos pela Pastoral da Juventude em âmbito nacional. Toma-se como referência de análise o exposto no subsídio Somos Igreja Jovem (2012), elaborado pela referida pastoral. Atualmente os projetos estão articulados em cinco frentes de intervenção, com especial atenção a formação e capacitação de lideranças e assessores (Caminhos da Esperança); a vivência da fé encarnada em Jesus Cristo (Mística em Construção); posicionamento frente aos sinais de morte na contemporaneidade (A Juventude Quer Viver); comunicação na era da globalização (Teias da Comunicação); desafios e riquezas no trabalho inspirados na diversidade social e cultural brasileira (AJURI); e as questões relacionadas s afetividade e sexualidade num contexto de transformação de valores (Tecendo Relações). O projeto Caminhos da Esperança tem em vista a formação de agentes multiplicadores da proposta da PJ. Leva-se em consideração as mudanças do tempo, a qual aponta que além da formação integral, o jovem precisa de acompanhamento e apoio para manter-se firme na Pastoral da Juventude, como agente consciente. O Mística em Construção vem fortalecer a importância dos grupos de base assumir como causa a vivência comunitária que favoreça a relação íntima com Deus que prioriza o processo de educação na fé e a formação integral, se contrapondo à realidade que dá destaque ao individualismo. O projeto A Juventude Quer Viver é fruto da constatação de vários sinais de morte, como por exemplo, a violência, o extermínio de jovens, o desemprego e a manipulação da mídia, gerados pelas fortes deficiências dos atuais sistemas econômico, educacional e tecnológico vigentes no cenário social, os quais podem ser compreendidos como potencialidades de exclusão e discriminação, visto o abismo existente entre determinada 70 camada da população jovem no que diz respeito ao acesso a esses meios. Neste sentido o projeto chama a atenção dos jovens para importância de posicionar-se publicamente, propondo intervenções políticas sobre estes assuntos que envolvem diretamente a dinâmica da vida juvenil, num manifesto em defesa da vida. A tarefa de organizar, articular, acompanhar, formar e comunicar é um grande desafio, tendo em vista as mudanças ante a pluralidade cultural existente no Brasil. É importante que se tenha uma comunicação pensada de forma integral que seja coerente com a realidade dos diversos meios de informação e comunicação disponíveis, numa perspectiva da globalização. Assim, o projeto Teias da Comunicação busca favorecer a articulação e o fortalecimento da rede de comunicação interna e externa da Pastoral da Juventude de forma criativa, inovadora e democrática, potencializando sinergicamente a ação pastoral de evangelização de jovens. A diversidade cultural e social é um desafio constante para a prática pedagógica da pastoral no Brasil, tendo em vista a presença de diversos grupos Indígenas, Quilombolas, Ribeirinhos e os localizados em áreas Rurais, que por vezes são esquecidos pelo estado e pela igreja. Estes grupos precisam ter uma atenção diferenciada em relação aos grupos concentrados na realidade urbana. Assim o projeto AJURI nasce com o objetivo de conhecer melhor essas realidades para que se possa valorizar e intervir de forma coerente nessas culturas, dificultando que as influência urbanas os atinja de forma negativa, visto o preconceito vivido por essas populações no confronto com a sociedade civilizada. Na vivência dos grupos de base e fora deles, há uma grande necessidade/curiosidade em assuntos relacionados à afetividade e sexualidade, porém muitas vezes falta uma discussão mais teórica e, ao mesmo tempo, empírica que atenda a essa necessidade. Neste sentido o projeto Tecendo Relações tem como objetivo abordar debates que envolvam assuntos relacionados à diversidade de gênero, etnia, deficiências, identidade, orientação sexual, arranjo familiar e outros temas ligados à vida humana. Visto que nas relações cotidianas defronta-se com mitos e estereótipos, situações que nos convocam a reagir. Muitos valores estão sendo questionados, reafirmados e construídos. A Pastoral da Juventude ao longo de sua caminhada sistematizou o que se denomina como “dimensões da formação integral” e o “processo de educação na fé”. As opções pedagógicas adotadas são: a importância fundamental do grupo de jovens, a organização, a presença do acompanhamento e da assessoria e a vocacionalidade, concretizando-se na elaboração do projeto de vida. 71 4.5 Os Projetos e Iniciativas da Pastoral da Juventude: Uma Prática da Teologia da Libertação nos Dias Atuais? Lideranças juvenis da pastoral da juventude sinalizam que a Ação Católica foi um momento de articulação e mobilização da Igreja visando garantir a participação dos leigos nos ministérios da igreja: ressalta-se que, nesse período, os grupos de juventude foram importantes no que diz respeito à organização. Alguns estudiosos e militantes dizem também que ela deu origem ao que hoje chamamos de Pastoral da Juventude, visto que é nesse momento que surgem os grupos de juventudes específicos (JAC, JEC, JIC, JOC e JUC) e que com o passar dos anos foram sendo enfraquecidos, o que de forma considerada indireta criou caminhos para se pensar a Pastoral da Juventude que existe hoje. É importante enfatizar que a Pastoral da Juventude propriamente dita só vai surgir no final da década de 70 e início da década de 80. Portanto, é importante compreender que, historicamente, a Pastoral da Juventude pode ser considerada como fruto da Ação Católica, no que compete às questões de metodologia por ela utilizada, visto que o método do Ver, Julgar e Agir foi gerado na Ação Católica e trabalhado de maneira mais profunda na Teologia da Libertação, o que cria um elo entre esses três elementos (Ação Católica, Teologia da Libertação e Pastoral da Juventude) tendo um fator em comum que é o estímulo ao protagonismo do laicato. Ao se identificarem os objetivos dos projetos nacionais e iniciativas da pastoral da juventude pelo Brasil, é possível registrar sinais da presença da Teologia da Libertação. Compreende-se que a proposta da Teologia da Libertação, em consonância com o Concílio Vaticano II, se entrelaçam quando fica evidente que a preocupação desses projetos com a pessoa humana, sociedade e o olhar para os grupos marginalizados, sem desconectar dos sinais deste tempo, de forma especial nos meios e formas de comunicação, bem como as relações afetivas. Apresenta-se por meio de suas iniciativas uma proposta de ler e entender o evangelho a partir da vida, da realidade, onde a fé e a ação precisam estar em sintonia tendo como referência às atitudes de Jesus Cristo, enfatizando a participação social e política para a transformação da realidade, motivando a organização popular, a reflexão e a partilha em pequenos grupos, para depois, de forma consciente e coerente, atingir as massas, num exercício coletivo de quem conhece sua realidade a interpreta e cria iniciativas para transformar o que há de negativo na sociedade. Essa é uma maneira de compreender e 72 valorizar o protagonismo do jovem numa ação pastoral que associa fé e vida em comunhão com a proposta da Teologia da Libertação. Quanto ao projeto Caminhos da Esperança, ele comunga da Teologia da Libertação por ter como objetivo a formação e a capacitação das lideranças e assessores para garantir a opção feita pela Pastoral da Juventude de trabalhar com a formação integral, visando manter e acompanhar os grupos fortalecendo sua identidade quanto grupo organizado a fim de contribuir com a transformação pessoal e social tendo enfoque o bem comum. O projeto Mística em Construção apropria-se da proposta da Teologia da Libertação por ter como objetivo alimentar os grupos de jovens como uma espiritualidade encarnada na realidade e no seguimento de Jesus Cristo, visando o compromisso com a vida dos jovens e de todo o povo, tendo em vista contribuir na construção de uma Igreja aberta ao povo e de uma sociedade mais justa e igualitária, fomentando a oração coletiva e a partir da vida. De uma maneira bastante prática, pode-se identificar como a Pastoral da Juventude vem cumprindo seu papel de atuar formando lideranças para o exercício da cidadania, buscando criar meios eficientes de intervenção na sociedade através da sua representação e participação significativa e efetiva em partidos políticos (geralmente de esquerda), conselhos de direito, sindicatos e diversos outros movimentos sociais, como propõe o projeto a Juventude Quer Viver. A denúncia em nível nacional que a Pastoral da Juventude faz versando sobre a violência e o extermínio de jovens, sua participação Brasil a fora nas conferências municipais, estaduais e nacional da juventude, seu jeito de rezar a realidade, valorizar e respeitar o indivíduo e o espaço onde se vive, são sinais reais que elas cumprem papéis importantes dos atuais cenários eclesial e social. Na perspectiva do projeto Teias da Comunicação, este surge por identificar a massificação midiática que envolve a vida do povo e busca criar meios de conscientizar a população, sobretudo a população jovem para esse fato. Favorecer a consciência e motivar o questionamento e posicionamento frente a essa realidade são elementos comuns à Teologia da Libertação. Esse projeto visa fortalecer e articular a rede de comunicação interna e externa a Pastoral da Juventude, de forma criativa, inovadora e democrática, potencializando sinergicamente a ação pastoral de evangelização de jovens. O Projeto AJUIRI tem explícita afinidade com a ecoteologia por pretender conhecer, respeitar e defender a realidade social e cultural dos povos tradicionais, garantindo 73 a dignidade e a vida dessas comunidades, pautando e valorizando a imensa diversidade dos biomas brasileiros: a Amazônia, a Caatinga, o Cerrado, o Pantanal, os Pampas e a Mata Atlântica. Em meio a uma realidade que demanda uma discussão sobre as relações humanas num contexto onde há significativa tendência ao estabelecimento de relações “líquidas” e marcadas por preconceito, o projeto Tecendo Relações atrela-se à proposta da Teologia da Libertação por fomentar uma discussão consciente interpretando os vários tipos de relações que envolvem a pessoa, superando uma cultura que compreende que Tecer Relações está associado apenas às relações entre casais, trazendo para o debate as relações de gênero, etnia, deficiências, identidade, afetividade e sexualidade. Tendo como objetivo colaborar na construção da identidade de jovens que desejam aprofundar as temáticas da sexualidade, afetividade, diversidade e corporeidade. A partir das iniciativas da Teologia da Libertação é possível identificar que mesmo com dificuldades e restrições, ela vem cumprindo um papel importante e diferenciado em uma sociedade considerada desumana, devido a tanta desigualdade e exploração que se tem, pois ela se dispõe a posicionar publicamente frente às injustiças e combater as diversas formas de preconceito, exploração e violência presentes no atual cenário eclesial e social. Numa perspectiva que chama atenção para uma Igreja Povo, uma igreja que se edita num contexto onde o sagrado e o profano precisam ser considerados como elementos que possuem uma conexão, pois não se comunga da ideia de que a uma grande separação entre as coisas que são necessariamente de Deus e coisas que são necessariamente do Mundo, a Teologia da Libertação busca ajudar o povo a compreender que de alguma forma tudo remete a Deus, ou seja, que as realidades sociais são caminhos de seguimento de Jesus Cristo a partir da realidade e que os projetos por ela executados são uma forma de evidenciar essa questão. Considera-se que, nesse momento da história da sociedade, a Pastoral da Juventude, a Comunidades Eclesiais de Base e a própria Teologia da Libertação podem ser uma referência e proposta alternativa de cristianismo, uma proposta para aqueles que querem seguir Jesus a partir da realidade, uma proposta para aqueles que não querem fugir do momento histórico, que não tem medo da realidade e que a acolhe com as dúvidas que ela tem, com os medos e desafios que ela traz, se propondo a vivenciar uma fé encarnada e real. Enfatiza-se também, que tanto as Comunidades Eclesiais de Base e a Teologia da Libertação vêm perdendo espaço para os movimentos das massas, dos finais de semana, do clericalismo. Isso aparece num tom de descontentamento, seguido de um argumento 74 indicando que, hoje, a Igreja não prioriza a organização popular como a as Comunidades Eclesiais de Base e a Pastoral da Juventude, essa forma de organizar que vai para além dos muros da Igreja, que “cutuca o leão”, que opta pelo pobre e oprimido, fazendo do grito desse povo excluído o seu grito. Assim, identifica-se que, atualmente, a maior parte do corpo hierárquico da Igreja privilegia e oferece maior espaço e enfoque às linhas que buscam construir atividades em massa17, que atuam buscando a salvação a partir da oração, que mexem essencialmente com as questões emocionais, propondo a vivência de uma prática religiosa que não comungue com a proposta pedagógica das Comunidades Eclesiais de Base, da Pastoral da Juventude e da Teologia da Libertação. Quanto a percepção dos aspectos da Teologia da Libertação presente nas ações da Pastoral da Juventude, como já mencionado é possível perceber essa influência. Salienta-se as evidencias dessa prática da libertação, a qual se traduz na maneira de rezar, valorizando os símbolos e vivências locais. A vivência de uma fé atenta à realidade dos excluídos. O processo de evangelização na fé, que, de forma continuada, promove a construção do indivíduo para a vivência eclesial e social. A inserção sócio-política, com jovens protagonistas de sua realidade, visto que a Pastoral da Juventude tem um viés social e político que passa por várias dimensões, desde as sua reflexões nas reuniões do grupo de base, propõe uma oração que desperta para a vida, nas atividades permanentes que se têm todos os anos, como: a) A semana da cidadania, que busca sempre um gesto concreto e que tem reflexões muito interessante procurando a cidadania da juventude: b) A semana do estudante, que também traz uma reflexão social, procurando escolas novas, uma educação nova que consiga possibilitar vida nova para a juventude; c) O dia nacional da juventude, que traz como reflexões temas fortes como a do ano de 2009, que trouxe a denúncia contra a violência e o extermínio de jovens rendendo uma série de articulações com outros grupos, movimentos sociais e eclesiais que despertam para essa realidade. Então, esse caráter de engajamento social a partir da reflexão que a juventude faz do próprio sofrimento é fruto de uma reflexão teológica que a Teologia da Libertação propõe e permite, potencializando uma atuação para além das quatro paredes da igreja e do grupo de jovens, através de implantação de projetos como os nacionais vigentes. 17 Atividades em massa são consideras grandes eventos, que reúne milhares de pessoas em um determinado local, para vivenciar momentos em comum, numa perspectiva festiva ou de oração. Nestes eventos o enfoque é aglomerar pessoas. Geralmente não se preocupa em estabelecer reflexões e discussões que possam ser problematizadas e trazidas para o debate como elementos conectados com a realidade individual e coletiva, visando intervenções sociais e eclesiais., se contrapondo a realidade e pedagogia da teologia da libertação e seus viés formativo a partir dos pequenos grupos. 75 4.6 – A Pastoral da Juventude na Cidade de Ouro Preto-MG Como já mencionado, a Pastoral da Juventude é formada através da rede dos grupos de jovens que se reúnem nas comunidades eclesiais, adotando a metodologia da própria Pastoral da Juventude que tem seu próprio jeito de ser, sendo considerada uma pastoral aberta a acolher e respeitar as peculiaridades de cada grupo, visto que cada comunidade tem uma realidade. Na cidade de Ouro Preto, a Pastoral da Juventude está organizada em duas das quatro paróquias, sendo Santa Efigênia e Cristo Rei. Nas outras paróquias também há grupos de juventude, porém, com identidades e carismas distintos da Pastoral da Juventude, como grupos de catequese crismal, juventude vicentina e jovens ligados a Renovação Católica Carismática. Quanto à distribuição destes grupos, a realidade da Paróquia de Santa Efigênia se difere um pouco da realidade da Paróquia de Cristo Rei, podendo essa diferença estar relacionada ao tempo de existência dos referidos grupos. Na paróquia de Santa Efigênia existe hoje quatro grupos de base da Pastoral da Juventude organizados de forma descentralizada, sendo denominados: JIM (Jovens Iniciantes no Mundo), JUCC (Jovens Unidos a Caminho de Cristo), JAC (Jovens Amigos de Cristo) e JRL (Jovens Reunidos pela Liberdade), situando-se nas comunidades eclesiais de Nossa Senhora da Piedade, Padre Faria, Sant‟Ana e São José Na Paróquia de Cristo Rei há um grupo de base organizado chamado ÁGAPE, que quer dizer Amor Incondicional, que se reúne na área de melhor e fácil acesso da paróquia, sendo na Comunidade Nossa Senhora de Lourdes, área central da paróquia. Este grupo congrega jovens das diversas comunidades que formam a paróquia; no entanto, por se reunir apenas em uma comunidade é considerado um grupo centralizado. Quanto aos grupos, estes são constituídos por jovens entre 13 e 29 anos, com cerca de 12 a 30 jovens em cada grupo, os quais estão sempre juntos, compartilhando de tristezas e alegrias, de bons e maus momentos e que têm na amizade um modo privilegiado de evangelizar. A coordenação é composta por jovens homens e mulheres, estando na faixa etária entre 18 e 29 anos, sendo estudantes secundaristas e técnicos de graduação. Nos encontros, que acontecem semanalmente, busca-se uma maneira dinâmica de evangelizar a juventude, com muita música, momento de partilha, leitura bíblica e 76 brincadeiras, sendo cada encontro preparado por uma dupla ou um trio de jovens membros do grupo. Quanto aos temas para a reflexão dos encontros, estes são abertos à escolha dos jovens, partindo sempre da sua realidade e situações que envolvem a vida da juventude em todos os aspectos. Muitas vezes, trata-se de assuntos que são tratados como tabus dentro do cenário eclesial, como por exemplo algumas questões de gênero. Determinados encontros são chamados “Momentos de Espiritualidade”, de mais proximidade com o Jesus Cristo, assessorado por padre, seminaristas, leigos, assessores da Pastoral da Juventude ou pelos próprios jovens; geralmente, estes momentos são preparados de acordo com a proposta do grupo. Ressalta-se que o jeito destes grupos rezar, com seus símbolos, suas cores, sentada no chão, com músicas e danças populares, leituras de textos que convoca para uma reflexão crítica sobre vários assuntos, causa em muitas pessoas resistência, atitude de contestação, chegando a sinalizar que estes momentos não tem nada de oração. Este jeito peculiar de vivenciar a fé, faz com que o grupo receba fortes críticas por conservadores católicos. E como todo jovem gosta e precisa se divertir, tem-se também momentos de lazer, festas jovens se reunindo para irem às baladas, ao cinema, ao teatro, fazem viagens e etc. Exercem várias atividades, dentro e fora da paróquia, tem compromisso com liturgia da missa, com a Vigília da Juventude a qual reúne todos os grupos de jovens da Pastoral da Juventude e seus familiares mensalmente para rezar e conversar sobre a caminhada da Pastoral da Juventude e vida da juventude, e etc. Quanto às suas atividades ao longo do ano de 2012, realizaram-se várias coisas das quais destacam-se: a arrecadação de alimentos para os desabrigados por ocasião das tragédias em decorrência do excesso de chuvas que fragilizou o município no início do ano; participação e organização do espetáculo teatral do Auto da Paixão, na Semana Santa; visitas as famílias da comunidade na Semana Missionária da Paróquia; participação em cursos de formação oferecido pelas outras instâncias da Pastoral da Juventude, organização do seminário municipal “A cor da Juventude”, visita ao hospital, à casa lar e Lar dos Idosos, encontro com as famílias, promoção de eventos de cunho político, visando a conscientização para o exercício da cidadania, discussão sobre preconceito social, violência contra a mulher, campanha contra violência e extermínio de jovens, dentre outras iniciativas. Os grupos estão ansiosos se preparando para a Jornada Mundial da Juventude que acontecerá em julho de 2013 na cidade do Rio de Janeiro, onde pretendem-se reunir milhares de jovens católicos, de vários carismas, num encontro que afirma que o Papa Bento XVI virá ao encontro da juventude. Este é um considerado a maior evento da Juventude Católica. 77 Quando o grupo se dispõe a discutir, sobretudo de forma coletiva, questões que incomodam a sociedade e dizem a sua realidade, se reunindo também para lerem e partilharem as leituras bíblicas buscando contextualizar o que é lido de acordo com este tempo, é uma atitude que pode ser considerada como prática da fé encarnada, compreendendo que a salvação se dá na terra a partir de um diálogo com Deus e com o próximo, numa perspectiva de que os atos de cada indivíduo interferem na realidade social e pessoal. A proposta metodológica destes grupos entende que a oração e a ação são elementos complementares e que Deus se faz presente no dia a dia e está no meio do povo, pensa-se um Deus vivo e encarnado em cada indivíduo e de forma especial naqueles que mais sofrem com os preconceitos da sociedade. Pode-se dizer que a opção pedagógica desses grupos comunga da proposta da Teologia da Libertação, fundamentando seus trabalhos a partir da realidade, valorizando a leitura orante da bíblia e sua vivência em comunidade, compreendendo que não é possível separar a fé da vida. Para se firmar como adepto a Teologia da Libertação, é importante que se tenha como bandeira a participação do cenário social e político de onde o grupo está inserido, ou seja, essa bandeira dentro da Teologia da Libertação é chamada de Fé e Política. Propondo uma motivação para que leigos e leigas participem de forma efetiva dos espaços de discussão que têm por finalidades analisar e discutir a realidade política e social do município, bem como ocupar espaço que possibilite propor políticas públicas visando estabelecer o bem comum, o que é pela Teologia da Libertação considerado a prática do evangelho de acordo com a realidade. Apresento a seguir uma matéria sobre o evento organizado pela Pastoral da Juventude da Paróquia de Santa Efigênia em 13 de março de 2011, que teve como tema a discussão sobre Preconceito Social, está é mais uma prova de que a proposta da Teologia da Libertação se faz presente na Pastoral da Juventude. O tema abordado faz parte de um projeto que propõe discutir os mais diversos tipos de violência que atingem a juventude, bem como criar estratégias para reduzir essa situação que se faz presente em nosso cotidiano, muitas vezes de forma mascarada. Certos da bandeira abraçada pela Pastoral da Juventude em todo o Brasil, estas atividades têm como referência a Projeto Nacional “A juventude quer Viver”, em plena sintonia com a Campanha Nacional: “Contra a Violência e Extermínio de Jovens”, que visa despertar a juventude, bem como, toda a sociedade para os diversos sinais de morte presente em nosso cenário atual. Numa rica discussão sobre Preconceito Social mediada pelos estudantes de Serviço Social da UFOP, Ramon e José Arlindo, fomos motivados a trocar experiências, relatar 78 situações de preconceito e violência vivenciado por cada um, partilhar a nossa vida fazendo um paralelo com a vida juvenil apresentada pela mídia. Vida Real e Vida através da Mídia! Quanta disparidade apresentada. Podemos perceber à mídia como um instrumento que fomenta o preconceito social, obviamente de forma. Apontamos também, as diversas formas de preconceitos que as mulheres, os homossexuais, os negros, os pobres e os “favelados” sofrem diariamente por não se enquadrar dentro dos padrões impostos pela mídia e pela classe dominadora, e que infelizmente muitos se omitem frente a essa realidade e poucos discutem e criam estratégias de combate ao preconceito social. No decorrer do encontro, assistimos também o filme “Ultima Parada 174”, o qual ilustra diversos tipos de preconceito e violência, rendendo uma brilhante discussão pautada na realidade da cidade de Ouro Preto. A Juventude quer ousar a viver numa sociedade mais justa, fraterna e igualitária, onde as pessoas não sejam julgadas pela aparência, onde as pessoas priorizem o SER ao TER, a adesão ao capitalismo, a tendência de viver como o modelo de sociedade dos norte-americanos e europeus, são sinais que tem gerado morte, preconceito e derramado sangue em nosso chão, pois o preconceito encontra-se alicerçado na desigualdade social, ignorância dos líderes políticos e desinteresse da população. (Paula Cunha, 29 anos, coordenadora do Grupo de Jovens JIM, em Junho de 2012, Ouro Preto – MG.) Outra preocupação que permeia a vida dos jovens são as questões e relações familiares. No entanto, o Grupo de Jovens JIM organizou em 06 de maio de 2012 um encontro dos membros dos grupos com as famílias, que trouxe como tema: Juventude e Família – Uma aliança de Amor. E mais uma vez fica evidente a presença da Teologia da Libertação na prática dos grupos. Coloco em seguida um pouco do que foi o encontro através das palavras do jovem, membro do grupo Cleydson Souza. Tendo com objetivo aproximar as famílias do grupo de jovens e refletir sobre a importância da família na vida do Jovem e no seio da Igreja e Sociedade, assim como ampliar os vínculos de amizade entre todos que formam a família JIM. Este encontro surgiu a partir da vontade dos membros do grupo de trazer seus pais para vivenciarem um pouco de nossa experiência quanto grupo, que reza, canta, dança, partilha e se alegra em ter seu jeito próprio de vivenciar sua fé, inspirada no grande revolucionário Jesus Cristo. Estes jovens alimentam sua fé a partir da leitura e prática do evangelho a partir da realidade em que vivem, buscaram nesse momento de encontro e vivência da espiritualidade vivida no coletivo apresentar aos pais seu jeito de ser e fazer igreja. Ressaltaram que ser jovem da PJ é dedicar parte do seu tempo a questões em defesa, geração e promoção da vida, é doar parte do seu tempo, para a mística da escuta e da partilha, é criar estratégias de atuar como agentes protagonistas buscando construir outro mundo possível, é buscar ser jovem santo inserido mundo, vivenciando os desafios e encantamentos proposta na vida juvenil. É amar a família, os amigos e desejar partilhar tudo o que há de bom com pessoas queridas, portanto são jovens missionários, com a missão de levar a toda juventude o encantamento pelas lutas, oração, atuação social, respeitosas relações afetivas, enfim... como disse o Papa João Paulo II é ser Jovem Santo, que usa Calça Jeans e vai para balada (...) vivendo no mundo sem ser mundano, 79 difundindo a paz tendo em vista seu compromisso de semear amor em busca da dignidade humana. Assim num ato de amor, os Pais juntamente aos jovens assumiram a causa da Pastoral da Juventude, sendo agentes motivadores do grupo, para que este tenha vida e seja sempre sinal de fé e esperança na comunidade, buscando agregar jovens de realidades diversas para somar ao grupo, se achegando a ciranda da vida onde a “missão é amar sem medida”, é gritar a todos os cantos “chega de violência e extermínio de jovens” e afirmar e acreditar que a família é parte fundamental na construção de uma sociedade mais justa e fraterna, a sociedade do “bem viver”. (Cleydson Souza, 21 anos, vice coordenador do grupo JIM, em junho de 2012, Ouro Preto-MG). As iniciativas que buscam trabalhar com a população teoricamente “excluída”, a fim também de identificar problemas e conhecer a realidade de instituições como: Lar São Vicente de Paulo (Casa de Acolhimento de Idosos), Casa Lar (casa de acolhimento de crianças e adolescentes), Hospitais, dentre outros, sendo que os desenvolvem trabalhos direto com dependentes químicos não permitem a atuação direta dos grupos de jovens com os dependentes químicos, mesmo sendo na maioria jovens, membros do grupos ressaltam que algumas tentativas para trabalhar com esses grupos foram feitas mas por enquanto as respostas não foram positivas. No entanto, apresenta-se a seguir o relato da jovem Juliana Almeida de 19 anos, quem falou um pouco sobre a visita ao Lar São Vicente de Paulo em 26 de fevereiro de 2012. O objetivo foi levar um pouco de alegria, carinho, palavras de motivação e mais que isso... foi levar a vontade de ouvir aquele povo, sua história, sua vida, seus sonhos, seus amores e desamores... Ouvir nos possibilita aprender. E como isso foi bom... quanta experiência, quantos sentimentos expressados num toque, num abraço, num sorriso, num olhar, numa lágrima. Isso é vida, vida que vale a pena ser vivida e partilhada. Como é bonito ver jovens comprometidos com o reino, pessoas que compreendem que na ciranda da vida, todos precisam entrar e beber na fonte da alegria e do amor. Pois um abraço e um sorriso, faz a diferença na vida de qualquer ser humano, e de forma especial na vida daqueles que se sentem só. E nós, quanto pejoteiros e pejoteiras que visamos ser operários na construção da civilização do amor, precisamos compreender que essa construção começa no íntimo de cada um, quando tomamos consciência que o amor é doação. (Juliana Almeida, 19 anos, secretária do grupo JUCC, em setembro de 2012, Ouro Preto-MG) É nesse cenário eclesial que a Pastoral da Juventude se faz presente, trazendo sua história iniciada de forma tímida na Ação Católica Especializada, com iniciativas que comungam da Teologia da Libertação e se reconhece como fruto das comunidades eclesiais de base. 80 Suas lideranças e propostas pedagógicas nas suas diversas instâncias de organização deixam evidente o deseja de ampliar a proposta da Pastoral da Juventude; nessa perspectiva, buscam nuclear novos grupos para estabelecer trabalhos em comum em defesa da vida e fortalecer a sua identidade quando organização, bem como fortalecer os grupos existentes, através de iniciativas que surgem da realidade e necessidade das juventudes. Neste cenário, é importante zelar pelo ecumenismo, buscando respeitar as diferenças teológicas presente de forma expressiva nessa realidade. 81 5. CONCLUSÃO Tendo em vista o atual cenário social e eclesial, mesmo a Teologia da Libertação sendo fortemente contestada, sobretudo nas entrelinhas dos discursos de eclesiásticos e lideranças de movimentos opostos, muitos teólogos e militantes acreditam que a proposta da Teologia da Libertação é uma referência adequada para mobilização da juventude hoje. Lideranças acreditam que a Teologia da Libertação ainda hoje é uma referência para mobilizar a juventude, mesmo num contexto imediatista, individualista que se opõe a proposta da Teologia da Libertação. Ressalta-se que a Teologia da Libertação é uma referência porque proporciona a busca pela valorização do ser humano em todas as suas dimensões: espiritual, humano-afetiva, política, social e acadêmica. Essas características fazem com que muitos jovens se empenhem voluntariamente em diversas ações, tudo pelo simples desejo de se sentir parte de algo, de fazer acontecer com as próprias mãos. Por outro lado, é preciso ter em mente que o mundo mudou e a realidade social hoje é profundamente distinta daquela de surgimento da Teologia da Libertação. Assim, a Teologia da Libertação tem tido um desafio de repensar nessa realidade. Isto em questões ligadas à ecologia, às dimensões éticas, à dimensão etária que não estavam no recorte inicial da Teologia da Libertação e que precisam aparecer mais. Quanto à sua opção pelos pobres, é importante enfatizar que eles não existem porque a igreja pensa neles, os pobres estão aí e que, na concepção da Teologia da Libertação, o Deus cristão quer libertar os pobres, e isso pode ser feito através da participação leiga na Igreja. A Pastoral da Juventude de Ouro Preto, é uma prova de que os movimentos que adotam a Teologia da Libertação como referência, ainda existem, mesmo que não em larga escala, visto sua abrangência. Estes trazem bastantes elementos da Teologia da Libertação, já que estão inseridos na dinâmica comunitária, propondo debates, realizando ações que os colocam como agentes de intervenção na Igreja e na sociedade, a partir dos objetivos que eles traçam para a vida do grupo. É importante enfatizar que nem todas as suas iniciativas se pautam numa perspectiva apenas da Teologia da Libertação, visto que outras tendências teológicas com a RCC (Renovação Católica Carismática) têm influenciado a dinamização e as ações de alguns grupos que se identificam como grupo de base da Pastoral da Juventude. 82 Ao identificar alguns fatos registrados e divulgados por determinados grupos é possível perceber essa realidade de influência, por exemplo; nos encontros semanais dos grupos, os jovens cantam e se emocionam embalados por musicas extremamente desconectadas da realidade, da busca pelo trabalho coletivo, distante de um “Deus Libertador” e próxima um “Deus” que enfatiza a individualidade, que busca e faz milagres, que afima que deve-se amar somente a Deus e não coloca a importância da partilha. Geralmente essas músicas são de caráter carismático ou de artista que professam uma fé protestante, como Regis Danese, Aline Barros, Oficina G3, Diante do Trono dentre outras,,estas pensam e trazem um repertório que mexe com as feridas do homem. Estas letras e melodias estão sempre presentes nos veículos pagos ou públicos de comunicação. Porém, esta presença significativa na mídia apresenta e vende um conteúdo musical que não reflete a realidade. Outra evidência dessa influência é identificada no desejo de participar de eventos grandiosos e economicamente caros como o PHN, que dizer, Por Hoje Não. O PHN se estrutura de uma maneira para atender um grande massa de pessoas, as quais ficam um final de semana numa experiência de oração, em um lugar fechado. Neste encontro, enfatiza-se que os participantes do evento deixam de pecar durante o período de participação, por estarem em constante oração. Este evento é produzido pela canção nova. Identifica-se também em alguns grupos o desejo de realizar viagens à lugares sagrados em busca da cura para alma, buscam participação em shows de cura e libertação, mas uma proposta de libertação que não passa pela conscientização, enfim, reflexos de uma sociedade teologicamente plural, que não a classifico nem como boa nem como ruim, mas como algo diferente presente neste contexto é que precisa se relacionar e estabelecer diálogos, mesmo tendo muita resistência em alguns setores. Assim, torna evidente que essa realidade potencializa uma dificuldade dos novos grupos em construírem uma identidade sólida, mas ressalto há existência de um grande distanciamento entre grupos de carismas diferentes, mesmo um exercendo influência sobre o outro. Realizar trabalhos contínuos em conjuntos ainda não é uma realidade deste tempo, os ritmos e propostas não estão embalados numa mesma melodia. Esta realidade não é causa de espanto e nem repúdio por parte de militantes da Pastoral da Juventude, é apenas a realidade de uma organização que lida com jovens de culturas e hábitos diversos, que estão inseridos num contexto de grande diversidade teológica e religiosa, os quais têm a oportunidade de conhecer e optar pela ou pelas linhas teológicas que melhor lhes convier, que atendam suas perspectivas enquanto pessoas. 83 No entanto, a construção de uma discussão que tenha como enfoque a diversidade de identidade numa mesma organização sendo ela de qualquer espécie será uma proposta para ser executada em trabalhos futuros de pesquisa. 84 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABIB, Jonas. Projeto Daí-me Almas. Disponível em: http://clube.cancaonova.com/materia_.php?id=11114. Acessado em: 25 de setembro de 2012. ABNT NBR ISO 14001:2004 ABREU, Mariana Maciel. Serviço Social e a organização da cultura: perfis pedagógicos da prática profissional. São Paulo: Cortez, 2002. ALMEIDA, L.C (Mons.) 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