SD Cosit nº 4-2016

Transcrição

SD Cosit nº 4-2016
Cosit
Fls. 2
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Coordenação-Geral de Tributação
Solução de Divergência nº 4 - Cosit
Data
13 de maio de 2016
Processo
Interessado
CNPJ/CPF
ASSUNTO: IMPOSTO DE RENDA RETIDO NA FONTE (IRRF)
LICENÇA DE USO DE PROGRAMA DE COMPUTADOR
(SOFTWARE). DIREITO DE AUTOR. CONVENÇÃO PARA
EVITAR A DUPLA TRIBUTAÇÃO DA RENDA ENTRE BRASIL E
FINLÂNDIA.
Incide IRRF à alíquota de 10% sobre os pagamentos pela licença de uso de
programa de computador (software) efetuados pela recorrente a empresa
domiciliada na Finlândia, com fundamento no Artigo 12, alínea a, da
Convenção Brasil-Finlândia posto que tal licença se insere no conceito de
concessão de uso de direito de autor.
Fica reformada a Solução de Consulta no 52, de 9 de maio de 2007, da
Disit da 6a Região Fiscal da Receita Federal do Brasil (RFB) somente no
que se refere à alíquota de IRRF aplicável, restando válidas as demais
conclusões.
Dispositivos Legais: Decreto no 2.465, de 19 de Janeiro de 1998. Decreto
no 70.506, de 12 de maio de 1972.
Relatório
O presente processo trata de recurso de divergência apresentado pelo interessado
acima identificado, na forma prevista no art.16 da IN RFB no 740, de 2 de maio de 2007.
Embora tal instrução normativa encontre-se revogada, o referido recurso foi previsto no art.19
da IN RFB no 1.396, de 16 de setembro de 2013, instrução normativa atualmente em vigor que
trata do processo de consulta relativo à interpretação da legislação tributária.
2.
Nota-se que o juízo de admissibilidade do recurso de divergência foi feito pela
Divisão de Tributação (Disit) 6a Região Fiscal (RF) ao expressar, em despacho na fl.204, “A
divergência é clara. O texto analisado na Solução de Consulta desta RF – Decreto nº 2.465, de
1998 (Finlândia) – tem redação idêntica à constante do Decreto nº 70.506, de 1972 (França),
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no que se refere ao conceito de royalties, mas gerou interpretações diferentes”. Além disso, a
Disit da 6a RF informa que o interessado indicou “...como conclusão divergente, a SC nº 262,
de 2003, da 7ª RF, que afirmou em caso semelhante, que a alíquota a ser aplicada seria de
10% e não a de 15%...”.
3.
A recorrente apresenta as razões de recurso especial, nas fls.187 a 2011 em que
se funda a divergência entre a Solução de Consulta (SC) no 52, de 9 de maio de 2007, da 6a
Região Fiscal, objeto do presente processo, e a SC no 262, de 24 de setembro de 2003, da 7a
Região Fiscal. Com efeito, o interessado entende que a SC no 52, de 2007, decidiu que os
pagamentos que efetuou pela licença de uso de programa de computador fornecido por
domiciliado na Finlândia estaria sujeito ao IRRF a uma alíquota de 15%, nos termos do artigo
12, alínea c, da Convenção para Evitar a Dupla Tributação firmada entre o Brasil e a Finlândia
(Convenção Brasil-Finlândia), Decreto no 2.465, de 19 de Janeiro de 1998, e não o limite de
10% da alíquota do IRRF incidente sobre os royalties decorrentes do uso de direito autoral
sobre obra literária, artística ou científica nos termos do artigo 12, alínea a da mesma
convenção.
4.
Aponta, entretanto, que a SC da 7a RF no 262, de 2003, “se posicionou no
sentido de que os pagamentos pela aquisição de cópia de programa de computador se
caracterizam como royalties decorrentes do uso de direito autoral sobre obra literária,
artística ou científica, sujeita ao IRRF à alíquota de 10%, nos termos do artigo 12, alínea a,
da Convenção para Evitar a Dupla Tributação firmada entre o Brasil e a França.” No intuito
de mostrar que as redações são idênticas, reproduz nas fls.192 e 1932 a redação do artigo 12 da
Convenção Brasil-Finlândia e da Convenção com a França para Evitar a Dupla Tributação e
Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento (Convenção BrasilFrança), Decreto no 70.506, de 12 de maio de 1972.
5.
Adicionalmente, a recorrente discorre que devido às características de trabalho
intelectual, o software é comparado às obras literárias. Fundamenta essa tese no fato de a Lei
no 9.609, de 19 de fevereiro de 1998, que dispõe sobre a proteção da propriedade intelectual de
programa de computador, em seu art.2o, expressar que o “...regime de proteção à propriedade
intelectual de programa de computador é o conferido às obras literárias pela legislação de
direitos autorais e conexos vigentes no País...”. Segue desenvolvendo a argumentação no
sentido de mostrar que a natureza do software se assemelha a do direito autoral. No intuito de
sustentar a referida tese cita não apenas outros artigos da Lei no 9.609, de 1998, bem como a de
Lei no 9610, também de 19 de fevereiro de 1998, que altera, atualiza e consolida a legislação
sobre direitos autorais, e jurisprudência do Superior Tribunal da Justiça, que abaixo se
transcreve com trechos em destaque:
Direito civil. Recurso especial. Ação de conhecimento sob o rito ordinário. Programa de
computador (software). Natureza jurídica. Direito autoral (propriedade intelectual). Regime
jurídico aplicável. Contrafação e comercialização não autorizada.
Indenização. Danos materiais. Fixação do quantum. Lei especial (9610/98, art. 103). Danos
morais. Dissídio jurisprudencial. Não demonstração.
- O programa de computador (software) possui natureza jurídica de direito autoral (obra
intelectual), e não de propriedade industrial, sendo-lhe aplicável o regime jurídico atinente às
obras literárias.
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No processo em papel, anterior ao processo eletrônico, consta fls.188 a 202 pelo carimbo aposto nas folhas.
Folhas 193 e 194 pelo carimbo aposto nas folhas do processo em papel.
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- Constatada a contrafação e a comercialização não autorizada do software, é cabível a
indenização por danos materiais conforme dispõe a lei especial, que a fixa em 3.000
exemplares, somados aos que foram apreendidos, se não for possível conhecer a exata
dimensão da edição fraudulenta.
- É inadmissível o recurso especial interposto com fulcro na alínea 'c' do permissivo
constitucional se não restou demonstrado o dissídio jurisprudencial apontado.
- Recurso especial parcialmente provido. (REsp 443119/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI,
TERCEIRA TURMA, julgado em 08.05.2003, DJ 30.06.2003 p.240)
6.
Discorre ainda sobre o tratamento fiscal dispensado aos direitos autorais sobre
obras literárias, citando a legislação pertinente o imposto de renda e adentrando nos
dispositivos da Convenção Brasil-Finlândia para sustentar que a alíquota correta a se aplicar
seria de 10% e não de 15%. Nesse sentido, sustenta que a referida convenção considera como
royalties os pagamentos pelo uso de “(i) direito de autor sobre uma obra literária, artística ou
científica (inclusive filmes cinematográfico); (ii) patente; (iii) marca de indústria ou comércio;
(iv) desenho industrial ou modelo; (v) plano, fórmula ou processo secreto; ou (vi) informações
correspondentes à experiência adquirida (know-how)”, para o que transcreveu o parágrafo 3
do Artigo 12. A sua argumentação segue então para o parágrafo 2 do mesmos artigo que prevê
três alíquotas 25% para a hipótese (i), 10% para a hipótese (i) e 15% para as demais hipóteses.
Conclui, em seguida, que como “...os pagamentos realizados pela Recorrente são
caracterizados pela Solução de Consulta recorrida como remuneração pelo uso de direito
autoral sobre programas de computador...”, seria aplicável a alíquota de 10% de IRRF.
7.
Por fim, pede que “seja reconhecido que sobre os valores pagos à Tecnomen
Corp. pela aquisição de cópia (licença de uso) de programa de computador estão sujeitos ao
IRRF à alíquota de 10%, nos termos do artigo 685, inciso I, do Regulamento do Imposto de
Renda e do artigo 12, alínea a, da Convenção .... Brasil-Finlândia”.
Fundamentos
/8.
A uniformização do entendimento no âmbito da administração tributária federal
em relação ao tema sob análise é necessária dada a divergência de interpretação da legislação
tributária do IRRF aplicável a fato econômico idêntico, a saber, pagamentos pela licença de uso
de programa de computador. Com efeito, foram aplicadas alíquotas divergentes, a saber 15%
na Solução de Consulta no 52, de 9 de maio de 2007, da Disit da 6a RF, e 10% na Solução de
Consulta no 262, de 24 de setembro de 2003, da Disit da 7a RF.
9.
É importante frisar que não se trata de divergência sobre a incidência ou não do
IRRF, mas de qual a natureza dos royalties para fins de determinação da alíquota aplicável nos
termos da Convenção Brasil-Finlândia, legislação aplicável à situação da SC no 52, de 2007, da
Disit da 6a RF, e da Convenção Brasil-França, legislação aplicável à situação da SC no 262, de
2003, da Disit da 7a RF. Com intuito de desvendar porque duas convenções distintas possam
causar interpretações discordantes, transcreve-se, sublinhando seus textos pertinentes, o Artigo
12 e XII, que trata de royalties respectivamente nas referidas convenções:
Decreto no 2.465, de 19 de Janeiro de 1998 (Convenção Brasil-Finlândia)
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ARTIGO 12
Royalties
1. Os royalties provenientes de um Estado Contratante e pagos a um residente do outro Estado Contratante são
tributáveis nesse outro Estado.
2. Todavia, tais royalties também são tributáveis no Estado Contratante de que provêm e de acordo com a
legislação desse Estado, mas se quem os receber for o beneficiário efetivo dos royalties o imposto assim
estabelecido não poderá exceder:
a) 10% (dez por cento) do montante bruto dos royalties provenientes do uso ou da concessão do uso de filmes
cinematográficos, filmes ou fitas de gravação de programas de televisão ou de radiodifusão e qualquer direito de
autor sobre uma obra literária, artística ou científica produzidos por um residente de um dos Estados
Contratantes;
b) 25% (vinte e cinco por cento) do montante bruto dos royalties proveniente do uso ou da concessão de uso de
marcas de indústria ou comércio,
c) 15% (quinze por cento) do montante bruto dos royalties em todos os outros casos.
3. O termo royalties usado neste Artigo designa as remunerações de qualquer natureza pagas pelo uso ou pela
concessão do uso de um direito de autor sobre uma obra literária, artística ou científica (inclusive os filmes
cinematográficos, filmes ou fitas de gravação de programas de televisão ou radiodifusão), qualquer patente,
marcas de indústria ou comércio, desenho ou modelo, plano, fórmula ou processo secreto, ou por informações
correspondentes à experiência adquirida no setor industrial, comercial ou científico.
(...)”
Decreto no 70.506, de 12 de maio de 1972 (Convenção Brasil França)
“ARTIGO XII
"Royalties"
1. Os "royalties" provenientes de um Estado Contratante e pagos a uma residente do outro Estado Contratante
são tributáveis nesse outro Estado.
2. Todavia, esses "royalties" poderão ser tributados no Estado Contratante de que provêm, e de acordo com a
legislação desse Estado, mas o imposto assim estabelecido não poderá exceder:
a) 10% (dez por cento) do montante bruto dos "royalties" pagos, seja pelo uso ou pela concessão do uso de um
direito de autor sobre uma obra literária, artística ou científica, seja pelo uso ou pela concessão do uso de filmes
cinematográficos, de filmes ou de gravações de televisão ou de radiodifusão produzidos por um residente de um
dos Estados Contratantes;
b) 25% (vinte e cinco por cento) do montante bruto dos "royalties" pagos pelo uso de uma marca de fábrica ou de
comércio;
c) 15% (quinze por cento) nos demais casos.
3. O termo "royalties", empregado neste artigo, significa as remunerações de qualquer natureza pagas pelo uso
ou pela concessão do uso de um direito de autor sobre uma obra literária, artística ou científica, inclusive os
filmes cinematográficos, de uma patente, de uma marca de fábrica ou de comércio, de um desenho ou de um
modelo, de um plano, de uma fórmula ou processo secreto, bem como pelo uso ou pela concessão do uso de um
equipamento industrial, comercial ou científico e por informações concernentes à experiência adquirida no setor
industrial, comercial ou científico.
(...)”
10.
Muito embora os dispositivos acima transcritos não tenham redação idêntica, o
conteúdo semântico é exato de modo que a divergência se circunscreve em determinar se
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licença de uso de programa de computador é uma concessão de direito de autor ou outro tipo
de concessão de uso de propriedade intelectual arrolado em ambas convenções.
11.
Os programas de computadores são produto da inventividade humana cuja
exploração econômica dessa propriedade intelectual é protegida na legislação pátria por meio
do regime conferido aos direitos autorais e conexos, conforme se infere da leitura do caput do
art.2o da Lei no 9.609, de 19 de fevereiro de 1998, a seguir transcrito:
“Art. 2º O regime de proteção à propriedade intelectual de programa de computador é o conferido às obras
literárias pela legislação de direitos autorais e conexos vigentes no País, observado o disposto nesta Lei.”
12.
Portanto, pelo texto da Convenção Brasil Finlândia, convenção aplicável no
caso da solução de consulta recorrida, a alíquota aplicável de IRRF para concessão de uso de
direito de autor, em que se insere a licença de uso de programa de computador, é de 10%.
Conclusão
13.
Em face do exposto, conclui-se que incide IRRF à alíquota de 10% sobre os
pagamentos pela licença de uso de programa de computador (software) efetuados pela
recorrente a empresa domiciliada na Finlândia, com fundamento no Artigo 12, alínea a, da
Convenção Brasil-Finlândia posto que tal licença se insere no conceito de concessão de uso de
direito de autor.
14.
Com base na interpretação apresentada, reforma-se a Solução de Consulta (SC)
o
n 52, de 9 de maio de 2007, da 6a Região Fiscal, somente no que se refere à alíquota de IRRF
aplicável, restando válidas as demais conclusões.
À consideração superior.
(assinado digitalmente)
Assinado digitalmente
Andrea Costa Chaves
Auditora-Fiscal da Receita Federal do Brasil
De acordo. Encaminhe-se à Coordenação de Tributos Sobre a Renda,
Patrimônio e Operações Financeiras (Cotir).
(assinado digitalmente)
Assinado digitalmente
Ivonete Bezerra de Souza
Auditora-Fiscal da RFB
Chefe da Divisão de Tributação Internacional (Ditin)
De acordo. À consideração do Coordenador-Geral da Cosit.
Assinado digitalmente
Cláudia Lúcia Pimentel Martins da Silva
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Auditora-Fiscal da Receita Federal do Brasil
Coordenador da Cotir
Ordem de Intimação
Aprovo a Solução de Divergência. Reforme-se a Solução de Consulta (SC)
no 52, de 9 de maio de 2007, da 6a região fiscal, nos termos desta Solução de Divergência.
Publique-se na forma do art. 27 da Instrução Normativa RFB nº 1.396, de 16 de setembro de
2013. Dê-se ciência ao recorrente da Solução de Consulta (SC) no 52, de 9 de maio de 2007, da
6a região fiscal.
(Assinado digitalmente
FERNANDO MOMBELLI
Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil
Coordenador-Geral da Cosit
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