RDE Nº 10A - Mestrado e Doutorado

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RDE Nº 10A - Mestrado e Doutorado
Ano VII • Nº 11 • Semestral • Janeiro de 2005 • Salvador, BA
Departamento de Ciências Sociais Aplicadas
Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional e Urbano
INDEXAÇÃO:
A Revista de Desenvolvimento Econômico – RDE é indexada por:
– GeoDados: Indexador de Geografia e Ciências Sociais < http//www.geodados.uem.br >
– Universidad Nacional Autónoma de México CLASE Citas Latinoamericanas en Ciencias Sociales y
Humanidades: < http://www.dgbiblio.unam.mx >
A RDE foi classificada pelo QUALIS da CAPES como Nacional A pelas áreas de Planejamento Urbano e
Regional/Demografia (área do Programa responsável pela sua edição) e Arquitetura e Urbanismo.
Depósito legal junto à Biblioteca Nacional,
conforme decreto nº 1.825, de 20 de dezembro de 1907.
Ficha Catalográfica – Sistema de Bibliotecas da Unifacs
RDE – Revista de Desenvolvimento Econômico. – Ano 1, n. 1, (nov. 1998).
– Salvador: Departamento de Ciências Sociais Aplicadas 2./ Universidade Salvador, 1998.
v.: 30 cm.
Semestral
ISSN 1516-1684
Ano I, n. 1 (nov. 1998), Ano I, n. 2 (jun. 1999), Ano 2, n. 3 (jan. 2000),
Ano 3 n. 4 (jul. 2001), Ano 3, n. 5 (dez. 2001), Ano 4, n. 6 (jul. 2002),
Ano 4, n. 7 (dez. 2002), Ano 5, n. 8 (jul. 2003), Ano 6, n. 9 (jan. 2004),
Ano 6, n. 10 (jul. 2004). Ano VII, n. 11 (jan. 2005).
1. Economia – Periódicos. II. UNIFACS – Universidade Salvador.
UNIFACS.
CDD 330
Pede-se permuta
On demande l´échange
We ask for exchange
Pede-se canje
Si rischiede lo scambo
Mann bitted um austausch
2
Ano VII • Nº 11 • janeiro de 2005 • Salvador, BA
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
EDITORIAL
Ano VII • Nº 11 • Janeiro de 2005 • Salvador, BA
EXPEDIENTE:
Revista de Desenvolvimento Econômico
A Revista de Desenvolvimento Econômico é uma publicação
semestral do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional e Urbano da Universidade Salvador – UNIFACS.
UNIVERSIDADE SALVADOR – UNIFACS
REITOR:
Prof. Manoel Joaquim F. de Barros Sobrinho
VICE-REITOR:
Prof. Guilherme Marback Neto
PRÓ- REITOR DE GRADUAÇÃO:
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Prof. Sérgio Augusto Gomes V. Viana
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Profª Verônica de Menezes Fahel
DEP. DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS:
Prof. Manoel Joaquim F. de Barros
PROG. DE DESENVOLVIMENTO REGIONAL
E URBANO – PPDRU:
Prof. Alcides dos Santos Caldas
CONSELHO EDITORIAL
Prof. Dr. Alcides Caldas
Profª Dra. Bárbara-Christine Nentwig Silva
Prof. Dr. José Manoel G. Gândara
Prof. Dr. Luiz Gonzaga G. Trigo
Prof. Dr. Fernando C. Pedrão
Prof. Dr. Noelio D. Spinola
Prof. Dr. Pedro Vasconcelos
Profª Dra. Regina Celeste de Almeida Souza
Profª Dra. Rosélia Piquet
Prof. Dr. Rossine Cruz
Prof. Dr. Sylvio Bandeira de Mello e Silva
Profª Vera Lúcia Nascimento Brito
Prof. Victor Gradin
EDITOR
Prof. Dr. Noelio D. Spinola
SECRETÁRIO:
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CAPA E EDITORAÇÃO GRÁFICA:
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FOTOLITOS E IMPRESSÃO:
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TIRAGEM: 1.000 exemplares
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Departamento de Ciências Sociais Aplicadas
Programa de Pós-Graduação em
Desenvolvimento Regional e Urbano – PPDRU
A RDE nº 11 é editada neste mês de novembro de 2005, reduzindo
substancialmente o atraso cronológico registrado nos últimos anos.
Graças ao apoio da direção da Unifacs em dezembro estará, com o
seu nº 12 , sanada definitivamente a defasagem existente, que, na
obrigação de manter-se a fidelidade à ordem de numeração, causava
transtornos para todos. Esta é a primeira de uma série de boas notícias
chegadas neste final de ano.
Comemora-se o reconhecimento pela CAPES do Doutorado em
Desenvolvimento Regional e Urbano que inicia sua primeira turma
em 2006, trabalhando nas áreas de concentração relativas à dimensão
regional do desenvolvimento e administração do desenvolvimento. Este
doutorado, segundo suas peculiaridades, é o primeiro do país.
Outro fato importante consiste na promoção da RDE pelo Qualis
da CAPES ( área de Planejamento Urbano e Regional / Demografia)
para a categoria de Nacional A o que, certamente, estimulará uma
maior oferta de produção científica pela comunidade acadêmica.
Registra-se, ainda, a ampliação do Conselho Editorial que fica
mais rico com a cooperação dos professores doutores José Manoel
G. Gândara ( da Universidade Federal do Paraná) e Luís Gonzaga
G. Trigo ( da USP).
Este número veicula sete artigos com um percentual de 71%
originários de outros estados da federação.
No primeiro artigo Alcides Caldas, e sua equipe, analisa a
importância dos arranjos produtivos no contexto da promoção do
desenvolvimento local e as indicações geográficas protegidas como
forma de agregar valor aos produtos agrícolas, conferindo-lhes um
tratamento específico, largamente aplicado nos países desenvolvidos.
Por seu turno, Sandro Bagattolli e Ivo Theis apresentam um texto
em que examinam as perspectivas locais e regionais de integração
energética no contexto do Mercosul
O terceiro artigo, de Sônia Peixoto, Marta Irving e equipe,
apresenta e discute um novo conceito, o de Parque Urbano da Paz,
em construção no Parque Nacional da Tijuca.
Saindo do mundo ecológico para o financeiro-industrial, é
apresentado no quarto artigo o trabalho de Rodrigo Valente Serra e
Ana Cristina Fernandes que analisam a distribuição dos royalties
petrolíferos no Brasil e os riscos de sua “financeirização”. Segundo
os autores o petróleo, escasso, está financiando fundos de
estabilização financeira
Gino Giacomini Filho e René Henrique Licht no quinto artigo,
examinam os atributos de responsabilidade social em organizações
do grande ABC.
Sirlei Pitteri examina no sexto artigo o desenvolvimento
econômico sustentável dos pequenos municípios paulistas,
apresentando os resultados da pesquisa realizada na região da Nova
Alta Paulista.
Por fim, Carlos Alberto Costa Gomes, fechando a edição,
apresenta um tema extremamente oportuno analisando as relações
do espaço urbano com a criminalidade.
Com esta diversidade temática a RDE trabalha de forma
compatível com a área do desenvolvimento regional, cujo grau de
abrangência é bastante amplo e multidisciplinar.
Noelio Dantaslé Spinola
EDITOR
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
Ano VII • Nº 11 • Janeiro de 2005 • Salvador, BA
3
SUMÁRIO
5
MAIS ALÉM DOS ARRANJOS PRODUTIVOS LOCAIS: AS INDICAÇÕES GEOGRÁFICAS
PROTEGIDAS COMO UNIDADES DE DESENVOLVIMENTO LOCAL
ALCIDES DOS SANTOS CALDAS, PATRÍCIA DA SILVA CERQUEIRA E TERESINHA DE FÁTIMA PERIN
17
PERSPECTIVAS LOCAIS/REGIONAIS
DO MERCOSUL
DE INTEGRAÇÃO ENERGÉTICA NO CONTEXTO
SANDRO G. BAGATTOLI E IVO M. THEIS
24
PARQUE URBANO DA PAZ: A CONSTRUÇÃO
PARQUE NACIONAL DA TIJUCA
DE UM NOVO CONCEITO NO
SÔNIA PEIXOTO, MARTA IRVING, ANA PAULA LEITE PRATES E IARA VASCO FERREIRA
30
A DISTRIBUIÇÃO DOS ROYALTIES PETROLÍFEROS NO BRASIL E OS RISCOS DE
SUA “FINANCEIRIZAÇÃO”
RODRIGO VALENTE SERRA E ANA CRISTINA FERNANDES
39
ATRIBUTOS DE RESPONSABILIDADE SOCIAL EM ORGANIZAÇÕES
DO GRANDE ABC
GINO GIACOMINI FILHO E RENÉ HENRIQUE LICHT
46
DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO SUSTENTÁVEL
MUNICÍPIOS PAULISTAS
DOS
PEQUENOS
SIRLEI PITTERI
57
4
ESPAÇO URBANO E CRIMINALIDADE: UMA BREVE VISÃO DO PROBLEMA
CARLOS ALBERTO COSTA GOMES
Ano VII • Nº 11 • janeiro de 2005 • Salvador, BA
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MAIS ALÉM DOS ARRANJOS PRODUTIVOS
LOCAIS: AS INDICAÇÕES GEOGRÁFICAS
PROTEGIDAS COMO UNIDADES DE
DESENVOLVIMENTO LOCAL
Alcides dos Santos Caldas1
Patrícia da Silva Cerqueira2
Teresinha de Fátima Perin3
Resumo
Esse artigo tem o objetivo de refletir
sobre a importância dos arranjos
produtivos como forma de organização do processo produtivo local e as
indicações geográficas protegidas
como uma forma de agregar valor aos
produtos agrícolas que se diferenciam dos produtos dos arranjos produtivos indústrias: plásticos, ferramentaria, metalúrgicos – merecendo
por isso um tratamento específico.
As indicações geográficas protegidas são formas de organizações
territoriais, que visam a valorização
das potencialidades locais, sua organização e gestão territorial. Tratase de um instrumento de desenvolvimento local. Pode-se considerar
que na organização do território e
de sua cadeia produtiva o primeiro
estágio de desenvolvimento é a identificação e organização do Arranjo
Produtivo e sua qualificação. O segundo estágio é a Indicação de Procedência, para assim chegar ao terceiro estágio de organização, que é a
Denominação de Origem, a qual qualifica e agrega valor a produção agrícola local, tornando a região produtora competitiva, articulada com os
circuitos nacionais e internacionais
de comércio. Uma região demarcada
com o selo de uma denominação de
origem é um reconhecimento de distinção que organiza o território a
partir da região produtora, e que
rompe com as fronteiras municipais,
construindo uma nova configuração
territorial, a partir do processo produtivo local.
Palavras-chave: arranjos produtivos
locais, indicação geográfica protegida, potencialidades locais, gestão
local, desenvolvimento regional/local.
Abstract
This article has as its main objective
to reflect about the importance of
productive arrangements as a form
of organization of local productive
process and about the protected
geographical indications as a way
of aggregating value to agricultural
products that differentiate from the
industrial productive arrangements’
products: plastics, metallurgic tools,
etc – deserving than, a specific
treatment. The protected geographical indications are forms of territorial organizations that aim the
valorization of local potentialities,
and its territorial managing and
organization. It is an instrument of
local development. It can be considered that in a territorial organization and in its productive chain the
first stage of development is the
identification and organization of
the Productive Arrangement and its
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qualification. The second stage is the
Origin Identification, which allows
reaching the third stage of organization: the Origin Denomination.
This last one qualifies and aggregates value to local agricultural production, making the productive
region competitive and articulated
with national and international
commerce circuits. A region that is
demarcated with an origin denomination mark has a distinction recognition that organizes the territory as
a productive region that ruptures
municipal frontiers, constructing a
new territorial configuration based
on the local productive process.
Key Words: local productive arrangements, protected geographical
indications, local potentialities, local managing, local/regional development.
Introdução
Após o encerramento da Cúpula
de Cancún (2003), convocada pela
Organização Mundial do Comércio
(OMC), ficou estabelecido o não-aumento dos subsídios para os produ-
1
Geógrafo (UFBA, 1986); Mestre em Arquitetura e Urbanismo (UFBA, 1995); Doutor em Geografia (Universidade de Santiago de Compostela-Espanha, 2001). Coordenador do Grupo de Pesquisa em Desenvolvimento de Tecnologia do Agronegócio (GPAgro/UNIFACS). Coordenador do Programa de Pós-Graduação
em Desenvolvimento Regional e Urbano da UNIFACS. [email protected].
2
Mestre em Análise Regional (UNIFACS), Pesquisadora do Grupo de Pesquisa em Desenvolvimento de
Tecnologia do Agronegócio (GPAgro/UNIFACS), Economista (UCSal), Pesquisadora da Superintendência
de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEI). [email protected].
3
Mestranda em Análise Regional (UNIFACS), Pesquisadora do Grupo de Pesquisa em Desenvolvimento de
Tecnologia do Agronegócio (GPAgro/UNIFACS), Bolsista CAPES, Pedagoga (USP). [email protected].
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tos agrícolas da União Européia e
dos Estados Unidos. Nesse evento,
foi também debatida a segurança
alimentar, destacando-se questões
relacionadas com a procedência dos
produtos para o consumo, uma das
exigências dos mercados mais exigentes como o europeu, o norte-americano e o japonês.
A importância desse assunto
para as regiões periféricas como a
nossa deve estar na ordem do dia.
Uma das estratégias para se alcançar esses mercados é informar ao
consumidor o modo de produção, a
elaboração e a procedência do produto, como também a forma de fazêlo, comercializá-lo e distribuí-lo.
Esse novo estilo de consumo mundial é uma variável que deve ser incorporada no processo de produção
local, o que pode vir a se tornar uma
variável de desenvolvimento local,
pois agrega valor à produção, a forma de fazer e de gerir trazendo aumento da auto-estima dos que produzem e melhoria de sua qualidade
de vida.
Uma região certificada sob os critérios de uma denominação de origem é também uma forma de enfrentar as barreiras não tarifárias estabelecidas no comércio internacional.
Aliás, este é um quesito fundamental para se atingir: o rastreamento
alimentar, uma das principais reivindicações do consumo alimentar
mundial. Logo se torna premente
reconhecer o direito do consumidor
de conhecer a qualidade, as características de produção e a procedência do que se está consumindo.
Vivemos atualmente numa economia globalizada, a qual Santos
(1994, p. 48) definiu como
ração em sua base local de produção, revisitando o seu território, identificando as suas potencialidades e
descobrindo novas formas produtivas, através do uso da criatividade,
visando a adequar-se às novas exigências do mundo globalizado e inserir-se neste contexto.
As regiões demarcadas como foram tema de destaque na Cúpula de
Cancún (2003), quando a União Européia defendeu a adoção de regras
mais precisas para regulamentar
rótulo de origem de alimentos e bebidas. A pretensão da União Européia era que a OMC aumentasse o
apoio às “indicações geográficas”,
principalmente a de 41 nomes de
regiões produtoras de vinhos4 e de
queijos5. Isso significa que apenas os
produtos de certas regiões tradicionais da Europa, como o vinho La
Rioja, da Espanha, e o queijo Roquefort, da França, poderiam ter etiquetagem dessas indicações geográficas. Dessa forma, a região argentina
de La Rioja, a qual recebeu o nome
de La Rioja dos colonizadores espanhóis, ficaria proibida de mencionar
essa indicação geográfica em seus
vinhos, ou seja, a província teria que
abandonar o direito de usar esse
nome em seus produtos.
Essas questões, em época de
globalização, trazem para a escala
do local, desafios que necessitam ser
superados, com o fim de buscar a
organização da produção, a melhoria tecnológica dos processos e arranjos produtivos, a geração de emprego e renda, o aumento da autoestima dos produtores.
[...] uma estrutura de relações econômicas que abarca todo o planeta, em que as condições de vida de
uma localidade estão influenciadas pelas relações econômicas que
esta mantém com o resto do globo. É o estágio supremo da internacionalização, a ampliação do sistema-mundo de todos os lugares e
de todos os indivíduos, embora em
graus diversos.
Para atender a essas exigências,
regiões e localidades passam por
processo de reestruturação/estrutu-
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O desenvolvimento local dentro da
globalização é uma resultante direta da capacidade dos atores e da
sociedade local se estruturarem e
se mobilizarem, com base nas suas
potencialidades e a sua matriz cultural, para definir e explorar suas
prioridades e especificidades, buscando a competitividade num contexto de rápidas e profundas
transformações. No novo paradigma de desenvolvimento, isto sig4
5
nifica, antes de tudo a capacidade
de ampliação da massa crítica e
da informação. (Buarque, 1999,
p.15).
Local não é sinônimo de pequeno e não se refere necessariamente à
diminuição ou redução. Pelo contrário, considera a maioria dos que trabalham com a questão local que não
se trata de um espaço micro, podendo ser tomado, como unidade local,
um município ou uma região compreendendo vários municípios ou
parte desses.
De acordo com Franco (2000, p.
16), o desenvolvimento local é entendido como
[...] um novo modo de promover o
desenvolvimento que possibilita o
surgimento de comunidades mais
sustentáveis, capazes de suprir as
suas necessidades imediatas; descobrir ou despertar para valorização de suas potencialidades e possibilidades; e fomentar o intercâmbio externo, aproveitando-se de
suas vantagens locais.
Portanto, as políticas de desenvolvimento local convertem-se numa
necessidade premente para as diversas localidades que buscam incluirse no processo produtivo.
O ponto de partida é a convicção
de que as regiões e lugares, a partir
de suas especificidades e potencialidades, podem encontrar formas de
transformações de suas realidades,
em busca de melhoria da qualidade
de vida, a partir dos processos
globais.
A última Cúpula da Organização
Mundial do Comércio de Cancún
(2003) discutiu temas relevantes
para as regiões periféricas que buscam inserir-se no contexto global. O
conhecimento da procedência do
produto de consumo torna-se uma
exigência dos consumidores e, nesse sentido, é preciso buscar formas
de atendê-la. Os municípios da
Bahia, devem adequar-se a esta nova
realidade e, para isso, a organização dos produtores, a uniformização
Vinhos aguardentes: Beaujolais, Bordeaux, Bourgogne, Chablis, Champagne, Chianti, Cognac, Grapa (di
Barolo, del Piemonte, di Lombardia, del Trentino, del Venetto, etc. Graves, Liebfraumilch, Malaga, Madeira,
Medoc, Porto, Ouzo, Rhin, , etc.
Asiago, Comte, Feta, Fontina, Gorgonzola, Grana, Padano, Manchego, Mozzarella di Bufala Campagna,
Parmeggiano, Reggiano, Reblochon, Roquefort, Queijo de São Jorge.
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
Quadro 1 – Aspectos comuns das abordagens de aglomerados locais
da produção, sob critérios de qualidade, a forma de elaboração do processo produtivo, o marketing local/
regional e a articulação dos processos de comercialização são atividades que devem ser implementadas.
Arranjos produtivos: aspectos
teóricos e metodológicos
Atualmente pode-se afirmar que
as fontes locais da competitividade
são importantes, tanto para o crescimento das empresas quanto para o
aumento da sua capacidade inovadora. Segundo Cassiolato e Szapiro,
a idéia de aglomeração torna-se explicitamente associada ao conceito
de competitividade, principalmente
do início dos anos 1990, o que parcialmente explica seu forte apelo para
os formuladores de políticas. (CASSIOLATO e SZAPIRO, 2003, p. 1).
Nesse entendimento, distritos industriais, clusters, arranjos produtivos
tornam-se tanto objeto de investigação como objeto de ação de políticas
públicas e, sobretudo com viés
tecnológico.
Esse aprendizado vem com a experiência desenvolvida na aglomeração especial de empresas tanto em
áreas hi-tech (Vale do Silício), como
em setores tradicionais (Terceira Itália).
Nesse contexto o conceito de aglomeração relacionado com o de redes
encontra um ambiente fértil de articulação e funcionamento. A cooperação entre os atores sociais ao longo da cadeia produtiva, calcada na
experiência japonesa e da Terceira
Itália, passa a ser cada vez mais destacada como elemento fundamental
na competitividade.
A literatura sobre aglomeração
nos países em desenvolvimento utiliza uma simples e operacional definição de clusters como sendo apenas
uma concentração espacial de firmas com ênfase em uma visão de
empresas como entidades conectadas nos fatores locais para a competição nos mercados globais”. (CASSIOLATO e SZAPIRO, 2003 apud
SCHMITZ e NDVI, 1999).
Os quadros 1 e 2 mostram algumas características organizacionais
e dos atores envolvidos no processo
de aglomeração.
Localização
Proximidade ou concentração geográfica
Atores
Grupos de pequenas empresas;
Pequenas empresas nucleadas por grande empresa;
Associações, instituições de suporte, serviço, ensino e
pesquisa, fomento, financeiras, etc.
Características
Intensa divisão de trabalho entre firmas;
Flexibilidade de produção e organização
Especialização;
Mão-de-obra qualificada;
Competição entre firmas baseadas na inovação;
Estreita colaboração entre as firmas e demais agentes;
Fluxo intenso de informações;
Identidade cultural entre os agentes;
Relações de confiança entre os agentes;
Complementaridade e sinergias
Fonte: Lemos, C.(1997).
Quadro 2 – Principais ênfases das abordagens de aglomerados locais
Abordagens
Ênfase
Papel do Estado
Distritos Industriais
Alto grau de economias externas
Redução dos custos de transação.
Neutro
Distritos Industriais
Recentes
Eficiência coletiva baseada em
economias externas e em ação
conjunta.
Promotor e,
eventualmente
estruturador
Manufatura Flexível
Tradições artesanais e especialização; Promotor
Economias externas de escala e
escopo;
Redução dos custos de transação;
Redução de incertezas.
Milieu Inovativo
Capacidade inovadora local;
Aprendizado coletivo e sinergia;
Identidade social, cultural e
psicológica;
Redução de incertezas.
Promotor
Parques Científicos
e Tecnológicos
Property-based;
Setores de tecnologia avançada;
Intensa relação instituições de ensino
e pesquisa/empresas;
Hospedagem e incubação de
empresas;Fomento à transferência de
tecnologia.
Indutor, promotor
e, eventualmente,
estruturador
Redes locais
Sistema intensivo em informação;
Complementaridade tecnológica
identidade social e cultural;
Aprendizado coletivo;
Redução de incertezas.
Promotor
Fonte: Lemos, C. (1997)..
De acordo com Lemos (1997) os
aglomerados se territorializam de
diversas formas, alguns baseados
nas economias externas e outros nas
questões relacionadas com a capacidade de competitividade do local
(ver quadro 2).
Os arranjos produtivos locais
surgem da idéia de aglomeração, os
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quais segundo Lastres (2004, p. 4)
fundamentam-se na visão evolucionista sobre inovação e mudança
tecnológica, a qual destaca:
•Reconhecimento de que inovação e conhecimento colocamse cada vez mais visivelmente
como elementos centrais da dinâmica e do crescimento de
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•
•
•
•
nações, regiões, setores, organizações e instituições;
A compreensão de que a inovação constitui-se em processos de busca de aprendizado,
o qual enquanto depende de
interações, é socialmente determinado e fortemente influenciado por formatos institucionais
e organizacionais específicos;
A idéia de que existem marcantes diferenças entre os
agentes e suas capacidades de
apreender, as quais refletem e
dependem de aprendizados
anteriores;
O entendimento de que existem importantes diferenças
entre sistemas econômicos e de
inovação de países, regiões, setores, organizações, etc, em
função de cada contexto social, político e institucional específico;
A visão de que se, por um lado,
informações e conhecimentos
codificados apresentam condições crescentes de transferência – a dada a eficiente difusão das tecnologias de informação e comunicações – conhecimento tácito de caráter
localizado e específico continuam tendo um papel primordial para o sucesso inovativo
e permanecem difíceis de serem transferidos.
A partir desses pilares uma definição de arranjos produtivos é
esboçada pela Rede de Pesquisa em
Sistemas Produtivos e Inovativos
Locais – RedeSist (IE-UFRJ) a qual
define o termo
como um conjunto de agentes econômicos, políticos e sociais, localizado em um mesmo território, desenvolvendo atividades econômicas
correlatas e que apresentam vínculos expressivos de produção, interação, cooperação e aprendizagem.
SPILs geralmente incluem empresas produtoras de bens de serviços finais, fornecedoras de equipamentos e outros insumos, prestadoras de serviço, comercializadoras, clientes, etc., cooperativas, associações e representações e demais organizações voltadas à formação e treinamento de recursos
8
“
dos atores no próprio território, e
promover ou ser passível de uma
integração econômica e social no
âmbito local.
... a idéia de
território não se
resume apenas à sua
dimensão material ou
concreta.
Caracterização dos Arranjos Produtivos Locais no Brasil
”
humanos, informação, pesquisa,
desenvolvimento e engenharia, promoção e financiamento. Lastres
(2003,5).
Identifica-se um Arranjo Produtivo Local, segundo o SEBRAE (2004),
pela existência da aglomeração de
um número significativo de empresas que atuam em torno de uma atividade produtiva principal. Para
isso, é preciso considerar a dinâmica do território em que essas empresas estão inseridas, tendo em vista o
número de postos de trabalho, faturamento, mercado, potencial de crescimento, diversificação, entre outros
aspectos.
Por isso, a noção de território
(conceito desenvolvido e básico da
geografia crítica), é fundamental
para a atuação em Arranjos Produtivos Locais. No entanto, a idéia de
território não se resume apenas à sua
dimensão material ou concreta. Território é um campo de forças, segundo Raffestin (1980) uma teia ou rede
de relações sociais que se projetam
em um determinado espaço. Nesse
sentido, o Arranjo Produtivo Local
também é um território onde a dimensão constitutiva é econômica.
Portanto, o Arranjo Produtivo
Local compreende um recorte do espaço geográfico (parte de um município, conjunto de municípios, bacias hidrográficas, vales, serras, etc.)
que possua sinais de identidade coletiva (sociais, culturais, econômicos, políticos, ambientais ou históricos).
Além disso, segundo o SEBRAE
(2004) os arranjos produtivos locais
devem manter ou ter a capacidade
de promover uma convergência em
termos de expectativas de desenvolvimento, estabelecer parcerias e compromissos para manter e especializar os investimentos de cada um
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Segundo o Termo de Referência
elaborado pelo Grupo de Trabalho
Permanente para Arranjos Produtivos Locais (GTP APL), do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e
Comércio Exterior, um APL deve ter
a seguinte caracterização:
1. ter um número significativo de
empreendimentos no território e de
indivíduos que atuam em torno de
uma atividade produtiva predominante;
2. que compartilhem formas percebidas de cooperação e algum mecanismo de governança. Pode incluir
pequenas, médias e grandes empresas.
a) Estruturação do APL’S no
âmbito do Governo Federal
O Governo Federal está organizando o tema Arranjos Produtivos
Locais (APL) por meio das seguintes medidas: (I) incorporação do
tema no âmbito do PPA 2004-2007,
por meio do Programa 1015 - Arranjos Produtivos Locais, e (II) instituição do Grupo de Trabalho Permanente para Arranjos Produtivos Locais (GTP APL) pela Portaria Interministerial nº 200 de 03/08/04, composto por 23 instituições, sendo onze
ministérios e suas vinculadas, além
de instituições não-governamentais,
de abrangência nacional.
b) Grupo de Trabalho Permanente para Arranjos Produtivos Locais
No que diz respeito ao governo
federal, na articulação interinstitucional com o objetivo de promover a
complementaridade das ações das
entidades parceiras no apoio a APL’s,
estão 22 entidades governamentais
e não governamentais, sob a coordenação do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, vem se reunindo desde março de
2003.
Em agosto de 2004 foi instalado o
Grupo de Trabalho Permanente para
Arranjos Produtivos Locais - GTP
APL, por Portaria Interministerial nº
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200, de 03.08.04, envolvendo essas
mesmas instituições, com o apoio de
uma Secretaria Técnica, lotada na
estrutura organizacional do MDIC,
com o objetivo de adotar uma metodologia de apoio integrado a arranjos produtivos locais, com base na
articulação de ações governamentais.
As atividades desse Grupo de Trabalho estão focalizadas em 11 APL’s
pilotos, distribuídos nas 5 regiões do
país, com o propósito de testar a
metodologia de ação integrada.
A escolha dos APL’s – pilotos
teve como base um Levantamento da
Atuação Institucional em APL, que
registram as localidades em que 11
instituições, daquelas que participam do Grupo de Trabalho, atuam
com a ótica de abordagem de APL.
Os registros compreendem APL’s em
seus diferentes estágios de desenvolvimento em termos de: a) integração
com o território, e b) capacidade de
cooperação entre firmas e com entidades de apoio entre outros. As instituições são: SEBRAE, APEX Brasil,
MDIC, Sistema C&T, MI, BNDES, BB,
CEF, BN, BASA e MME.
A seleção levou em consideração
os seguintes aspectos: a) maior número de instituições atuantes no
APL; b) pelo menos um APL em cada
macrorregião; e c) alguma diversidade setorial no conjunto de APL’s selecionados. A lógica do apoio aos
APL’s parte do pressuposto de que
diferentes atores locais (empresários individuais, sindicatos, associações, entidades de capacitação, de
educação, de crédito, de tecnologia,
agências de desenvolvimento, entre
outras) podem mobilizar-se e, de forma coordenada, identificar suas demandas coletivas, por iniciativa própria ou por indução de entidades
envolvidas com o segmento.
Nesse sentido, a metodologia de
atuação conjunta em APL busca um
acordo entre os atores locais para
organizarem suas demandas em um
Plano de Desenvolvimento único, e,
ao mesmo tempo, comprometê-los
com as formas possíveis de solução,
em prol do desenvolvimento do APL.
Assim, a metodologia do GTP APL
tem como principal eixo o reconhecimento e a valorização da iniciativa local, por meio do:
a) estímulo à construção de Planos
de Desenvolvimento participativos, envolvendo necessariamente, mas não exclusivamente, instituições locais e regionais;
b) busca de acordo por uma interlocução local comum (articulação
com os órgãos do Grupo de Trabalho) e por uma articulação local com capacidade para estimular o processo de construção do
Plano de Desenvolvimento (agente animador).
O segundo eixo da metodologia
complementa o anterior promovendo: a) o nivelamento do conhecimento sobre as atuações individuais nos
APL’s; b) o compartilhamento dos
canais de interlocução local, estadual e federal; e c) o alinhamento das
agendas das instituições para acordar uma estratégia de atuação integrada.
Arranjos produtivos na Bahia
No Brasil, nos últimos dez anos
a organização dos processos produtivos locais ganha destaque como
forma de engajar as produções locais
no sistema produtivo nacional e internacional e pode-se dizer de uma
maneira geral que as fontes locais
da competitividade são importantes,
tanto no crescimento das empresas
quanto para o aumento da sua capacidade inovadora.
Nesse contexto as organizações
territoriais ganham espaço na identificação de suas potencialidades
locais e de competitividade empresarial.
Na Bahia os Arranjos Produtivos
Locais são um programa instituído
pelo Governo do Estado da Bahia,
com o apoio do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio
Exterior e suas ações buscam a
integração das diversas secretarias
estaduais no seu desenvolvimento.
A Secretaria de Ciência, Tecnologia
e Inovação – Scti lidera esse processo, através da Fundação de Apoio a
Pesquisa do Estado da Bahia –
Fapesb.
De acordo com o Ministério do
Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (2005), os arranjos
produtivos na Bahia estão focados
em 31 municípios, localizados em
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
diversas regiões baianas, os quais
atuam em 15 atividades, com financiamentos de 11 instituições públicas e privadas (ver Quadro 3), destacando-se o Sebrae, o Banco do Brasil, o Banco do Nordeste do Brasil, a
Secti-Ba e o IEL. Das atividades financiadas, vale destacar aquelas
direcionadas aos arranjos produtivos típicos de regiões semi-áridas,
tais como a apicultura e a ovino/
caprinocultura, como também a fruticultura irrigada implantada, principalmente ao longo do Vale do Rio
São Francisco.
Na Região Metropolitana, especificamente em Salvador e Camaçari,
se concentra o maior número de instituições que apóia o desenvolvimento dos arranjos produtivos, seguida dos municípios de Juazeiro,
Paulo Afonso, Barreiras e Jacobina.
A gestão dos arranjos produtivos
locais na Bahia é coordenada por
uma rede composta pela Secretaria
de Ciência, Tecnologia e Inovação, e
constituída pela Secretarias Estaduais de Agricultura, Irrigação e Reforma Agrária; Seagri, Planejamento –
Seplan; Indústria, Comércio e Mineração – SICM; Banco de Desenvolvimento do Estado da Bahia – Desenbahia; Federação das Indústrias do
Estado da Bahia, Fieb; e o Serviço
Brasileiro de Apoio à Micro e Pequenas Empresas do Estado da Bahia,
Sebrae e tem como objetivos:
• Promover uma maior articulação entre os diversos atores
que realizam ações em APL;
• Desenvolver ações conjuntas
que garantam “foco” e resolubilidade na seleção e nas ações
de suporte aos APL´s;
• Alavancar um maior número
de recursos e definir sua implantação;
• Garantir um ambiente favorável à consolidação e implantação dos APL´s;
• Desenvolver estudos e pesquisa voltados à identificação de
APL´s, do Estado da Bahia,
montar estratégia de formação
e de seu modelo de gestão, elaborar o projeto de financiamento dos arranjos produtivos
identificados;
Ano VII • Nº 11 • Janeiro de 2005 • Salvador, BA
9
Quadro 3 – Arranjos Produtivos Locais na Bahia por município e instituição financiadora
N.
ordem
1
Município
APL
Instituição financiadora
Salvador
Confecções, Polímeros, Tecnologia
da Informação, Turismo.
2
Juazeiro
Fruticultura, Apicultura
3
Paulo Afonso
4
Barreiras
Psicultura, Agroindústria,
Apicultura
Fruticultura
Instituto Euvaldo Loidi, MDIC, CNI,
Caixa Econômica Federal, Banco do
Nordeste, Banco Brasil, Sebrae, Sistema
C&T, Secti-Ba.
Banco do Brasil, Sebrae, Apex, BNB,
Bradesco, Caixa Econômica Federal,
Codevasf, MDIC, Secti-Ba.
IEL, BNB, Apex, Sebrae,
5
6
Camaçari
Jacobina
Metal-Mecânico, Petróleo e Gás
Rochas Ornamentais
7
8
9
10
Remanso
Porto Seguro
Monte Santo
Eunápolis
11
12
13
14
15
16
17
Maracás
Abaíra
Ilhéus
Prado
Valente
Alagoinhas
Itanhém
18
19
20
21
22
23
24
25
26
27
28
29
30
31
Teixeira de Freitas
Vitória da Conquista
Inhambupe
Livramento de N. Senhora
Caravelas
Medeiros Neto
Ibirapuã
Itamaraju
Nova Soure
Senhor do Bonfim
Bom Jesus da lapa
Ibotirama
Oliveira dos Brejinhos
Jussara
Ovino/Caprinocultura, Apcultura
Aqüicultura, Turismo, Bebidas
Ovino/Caprinocultura
Apicultura, Madeiras e Móveis,
Ovino/caprinocultura
Floricultura
Bebidas
Turismo, Apicultura, Agroindústria
Agroindústria. Apicultura
Agroindústria
Cerâmica
Ovino/Caprinocultura
Granitos e artefatos de pedras
Apicultura, Fruticultura
Agroindústria
Apicultura
Fruticultura
Apicultura
Agroindústria
Confecções
Agroindústria
Apicultura
Ovino/Caprinocultura
Apicultura
Apicultura
Ovino/Caprinocultura
Ovino/Caprinocultura
Sistema C&T, Sebrae, BNB, MI,
Codevasf, Bradesco
CNI, Bradesco, IEL, Secti-Ba
Secti-Ba, Sistema C&T, MME, IEL,
Bradesco, CNI,
Codevasf, BNB, Sebrae,
BB, Sebrae, IEL,
Codevasf, BNB, Sebrae,
IEL, Sebrae, BB
Sebrae, IEL, Apex,
Secti-Ba, Sebrae, IEL,
Secti-Ba, BB, Sistema C&T
BB, IEL
Secti-Ba, Apex, IEL
Secti-ba, IEL, MME
BB, IEL
BB, IEL,
Sistema C&T
Sebrae
Sebrae
BB
BB
BB
BB
BB
BB
Codevasf
Codevasf
Codevasf
IEL
Fonte: Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, 2005.
• Convergência de metodologia;
• Coordenação das ações das
instituições de apoio.
Os Arranjos Produtivos identificados no Estado da Bahia são classificados em duas categorias, aqueles relacionados aos setores de atividade da agricultura e da indústria:
10
Agricultura: ovino/caprinocultura, floricultura, aqüicultura, carnes
e grãos, fruticultura irrigada, sisal,
cana-de-açúcar e derivados;
Indústria: rochas ornamentais,
transformação plástica, complexo
metal-mecânico, tecnologia da informação, petróleo e gás, vestuário, calçados e alimentos.
Ano VII • Nº 11 • janeiro de 2005 • Salvador, BA
A partir da identificação dos
APL’s por ramo de atividades foram
selecionados como prioritários: sisal,
rochas ornamentais, cacau, ovino/caprinocultura, e fruticultura irrigada.
O que se percebe é que o desenvolvimento dos arranjos produtivos
locais na Bahia, apesar dos esforços
de diversas instituições públicas,
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
federais e estaduais, ainda encontrase na fase de estudos de levantamentos preliminares, identificação e viabilidade.
Quadro 4 – Diferenças entre Denominação de Origem e Indicação
Geográfica Protegida
Itens
As indicações de procedência
como unidades de desenvolvimento local
No Brasil as Indicações Geográficas Protegidas estão regulamentadas pela Lei nº. 9.279/96 do Instituto Nacional da Propriedade Intelectual e são classificadas em Indicações de Procedência e Denominação
de Origem.
Vale destacar que o Instituto das
Indicações Geográficas Protegidas já
uma realidade, desde os anos 1970
na Europa (Espanha, Itália, França,
Alemanha, Portugal) e na América
Latina (México, Peru, Bolívia), como
vermos mais adiante.
As Indicações de Procedência,
segundo o INPI se diferem das Denominações de Origem pelo seu caráter particular e de qualidade da
produção. Pode-se dizer que as Indicações de Procedência são um instrumento de organização local da
produção, e as Denominações de
Origem como instrumento de organização qualitativa do processo de
produção. De acordo com o estabelecido na Lei nº. 9.279/96, no Brasil
ainda não existe instalada nenhuma denominação de origem.
As denominações de origem: conceito
e história
O desenvolvimento mais significativo da cultura e regulamentação
técnica e legal das denominações de
origem procede, indiscutivelmente,
da Europa. Legendre (1995) assinala que é muito antigo o costume de
designar os produtos com o nome do
lugar de sua fabricação ou de sua
colheita. Por exemplo, o queijo
Roquefort adquiriu sua notoriedade
sob o nome de seu local de origem
desde o século XIV.
Interessante notar que, desde o
século XVI, já havia a preocupação
em se proteger os vinhos produzidos na Galícia, especificamente na
Comarca do Ribeiro, conforme foi
publicado nas Ordenanças municipais de Ribadavia, em 1579, as quais
dizem:
Meio Natural
Renome/Prestígio
Denominação de Origem
Indicação de Procedência
O meio geográfico não tem necessariamente uma
O meio geográfico marca e
importância especial, sendo que o nome
personaliza o produto; a
geográfico pode referir-se à origem do produto, à
delimitação da zona de produção
localização da cantina ou ao local de
é indispensável.
engarrafamento.
Indispensável
Não necessariamente indispensável.
Mesmo existindo mais de um
tipo de produto, eles estão
ligados por certa homogeneidade
de características.
Pode ser aplicada a um conjunto de produtos de
características diferentes que tenham em comum
apenas o lugar de produção, o centro de
distribuição ou o local de engarrafamento.
Regime de
Produção
Há regras específicas de
produção e características
qualitativas mínimas dos
produtos.
Não existe uma disciplina de produção à qual
devam ser submetidos os produtos; existe apenas
uma disciplina de marca.
Constâncias das
características
Os produtos devem conservar
um mínimo de qualidade e uma
certa constância nas suas
características.
Não implica um nível de qualidade determinada
nem da constância de características.
Volume de
Produção
Há um limite de produção por
hectare, que tem relação com a
qualidade do produto.
Não existe limite de produção.
Uniformidade da
Produção
Fonte: Instituto Nacional da Propriedade Intelectual, 2005.
[...] que non se debe meter viño na
vila de partes onde non se colle bo,
o que producirá gran dano porque
baixo unha cuba de bo viño que se
pode cargar sobre mar, polo tanto,
non se pode metr viño algún na vila
en ningún tiempo del año, de la
otra parte del rio Miño, ni dende el
rigueiro de Jubín para fuera, ni
dende el puente de Paoz para arriba, ni dende la Lazea de Fontán de
Mendo abaixo, ni dende la Baroza
arriba y desde los dichos términos
a dentre se pueda meter en la dicha
vila. (apud EIJÁN, 1920, p. 344).
As denominações de origem vinculam-se às regiões especializadas
na produção e elaboração de determinados produtos, os quais apresentam características semelhantes, seja
na forma de fazê-los, produzi-los ou
coletá-los.
A utilização de denominações de
origem pressupõe a delimitação de
territórios onde a produção, as práticas culturais, as produções máximas, os sistemas de elaboração, o
controle de qualidade, a base tecnológica, a qualificação profissional, o
marketing, os critérios de produção
e elaboração, a configuração territorial, reunidos numa marca, garantem a especificidade da região e a
fazem diferenciar-se de outras regiões produtoras, podendo também
designá-las como uma marca ou grife do território.
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
As denominações de origem são
um meio eficaz para identificar e
assegurar a qualidade de um produto elaborado num território com características específicas, homogêneas e bem demarcadas, com o objetivo de garantir a sua procedência e, o
mais importante, para firmar a relação de confiança que se estabelece
entre o consumidor e o produtor e o
seu local de produção.
As denominações de origem estão regulamentadas em diversos países. Por isso, o seu estudo já apresenta um significativo arcabouço teórico-conceitual dentro do qual se
destacam: a Organização Mundial
da Propriedade Intelectual, o Acordo de Madrid de 1891, o Acordo de
Lisboa de 1958, o Protocolo de Harmonização de Normas sobre Propriedade Intelectual no Mercosul, a
resolução nº 75 do Instituto Nacional da Propriedade Intelectual, a
qual estabelece as condições para o
registro das indicações geográficas
no Brasil e a lei nº 9.279, de 14/05/
1996, que regula os direitos e obrigações relativos à propriedade intelectual no Brasil e que, no seu art.
178, conceitua denominações de origem como
[...] o nome de uma região determinada ou de um lugar determi-
Ano VII • Nº 11 • Janeiro de 2005 • Salvador, BA
11
“
nado que serve para designar um
produto agrícola ou alimentício
originário de dita região, na qual a
sua qualidade ou características se
devem fundamentalmente ao meio
geográfico, e onde a sua produção, transformação e elaboração se
realizam na zona geográfica determinada.
Dessa maneira, pode-se questionar se as denominações de origem
são efetivamente uma garantia de
qualidade. É evidente que a elaboração de qualquer produto, sob determinados padrões de qualidade, assume uma perspectiva de futuro
para uma determinada região. As
denominações de origem asseguram, para um conjunto de produtores, reconhecimento, confiança, aumento da auto-estima, uniformização da produção, competitividade
intra e extra-região produtora e a
garantia de espaço da região no
mundo da competitividade. Entretanto, exigem, do produtor, a responsabilidade de produzir com qualidade, de seduzir o cliente e de despertar o sentimento de confiança e tradição do consumidor em relação à
procedência do produto.
As denominações de origem no
mundo e no Brasil
O país com maior tradição no estabelecimento das denominações de
origem e suas variações é a França.
Nesse país, esse sistema adquiriu
uma expressiva importância econômica, cultural, sociológica e ambiental, sendo considerado parte do
patrimônio nacional. A experiência
francesa remonta ao século XVIII,
quando surgiu a primeira appellation d’origine, Châteauneuf-duPape. Somente em 1935, foi aprovado o sistema jurídico para as denominações de origem e criado o Institute Nacional de las Appellation de
Origine (INAO), vinculado ao Ministério de Agricultura.
A classificação do território como
um sistema de denominações de origem é incentivado e bastante desenvolvido na Europa, a partir anos
1970, quando a União Européia decidiu generalizar um sistema de qualificação e etiquetação de seus territórios, que visava relacionar o pro-
12
Avanços
significativos vêm sendo
desenvolvidos
no sentido de
definir ou delinear a
marca Brasil.
”
duto ao território produtor e aos produtores responsáveis pelo processo
de elaboração, identificados por características semelhantes utilizadas
em seus processos de produção.
O exemplo mais clássico de um
sistema de denominação de origem
é aquele que diz respeito ao mundo
dos vinhos. A União Européia é a
maior produtora de vinhos de qualidade do mundo. Em 1999, segundo a FAO, esse continente produziu
92,28% de todo o vinho fabricado no
mundo e é detentor, também, de
55,57% dos vinhedos cultivados em
todo o mundo.
A partir, principalmente, dos
anos 1970, a então Comunidade Européia implementou esse sistema
com o objetivo de sistematizar, organizar, padronizar, comercializar e
promover os vinhos produzidos nesse continente. São exemplos os vinhos produzidos sob o sistema de
denominações de origem: aqueles do
Porto e de Dão (Portugal), de Bordeaux, Provença e da Champanhe
(França - Appelation D’origine Controlée), de La Rioja, Ribera del Douro, Ribeiro (Espanha - Denominación de
Origen), do Sarre, da Mosela e Fraken
(Alemanha – Gebiet), da Sicilia, Puglia, Toscana (Itália – denominazione
controllata), etc. Somente na Espanha
existem 54 denominaciones de origen
de vinhos, que representam 57,19%
do total de uva destinada a vinificação. A grande quantidade dos vinhos
elaborados nesse país está protegida por esse sistema, o qual garante a
qualidade do produto elaborado e
está associado a um território produtor.
No México, a tequila é o melhor
exemplo para ilustrar uma denominação de origem de uma bebida
alcoólica obtida de uma variedade
Ano VII • Nº 11 • janeiro de 2005 • Salvador, BA
agrícola, produzida numa limitada
zona do México el agave azul tequilana Weber, a qual se protege desde
1974 e se vincula à denominação de
origem Tequila, como figura protegida pela propriedade industrial a uma
norma oficial mexicana, não obstante
esta bebida já estar sujeita ao cumprimento de normas desde a Lei de
Propriedade Industrial de 1942.
No caso do Peru, as denominações de origem assumem um status
de importância do Estado e foram
instituídas através do decreto legislativo 823 da Lei de Propriedade Industrial, que dispõe, em seu Artigo
218, que “es el Estado Peruano el titular de las denominaciones de origen
peruanas y sobre ella se concede
autorizaciones de uso”.
Em 1990, através da resolución
directoral nº 072087, de 12 de dezembro, a República do Peru declarou que
a denominação de origem Pisco é
uma denominação exclusiva para os
produtos obtidos da destilação dos
caldos resultantes unicamente da fermentação de uva madura, elaborada
na costa dos estados de Lima, Ica,
Arequipa, Moquegua e nos vales de
Locumba, Sama e Caplina do Departamento (Estado) de Tacna.
Mediante uma lei de 4 de março
de 1992, a República da Bolívia autoriza o uso da denominação de origem apenas ao Singani, um produto
legítimo e exclusivo da produção
agroindustrial boliviana. Trata-se de
uma aguardente obtida pela destilação de vinhos de uva moscatel fresca, produzida, destilada e engarrafada nas zonas de produção de origem da região de Potosí.
Em novembro de 2000, a República da Venezuela, através da resolución nº 206, de 14 de novembro,
reconhece Chuao como denominação de origem do cacau proveniente
da zona de Chuao, um dos primeiros povoados fundados na Venezuela, na metade do século XVI, onde
foi instalada uma fazenda de cacau
em 1568, pertencente à família
Caribe.
Avanços significativos vêm sendo desenvolvidos no sentido de definir ou delinear a marca Brasil. Um
exemplo disto foi o recente reconhecimento da cachaça, perante a comu-
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
“
O CACCER
desempenha o papel
de representação única
de todos os produtores da
região...
”
nidade internacional, como produto genuíno brasileiro, diferenciando
do rum produzido em Cuba e em
Porto Rico. O decreto nº 4.042, publicado no Diário Oficial de 21/12/
2001, esclarece que cachaça é a denominação típica e exclusiva da
aguardente de cana produzida no
Brasil, com graduação alcoólica de
38% a 48% em volume, a 20º Celsius,
obtida pela destilação do mosto fermentado de cana-de-açúcar. Já o rum
é definido como bebida com graduação alcoólica de 35% a 54% em volume, a 20º Celsius, obtida do destilado alcoólico simples do melaço, total ou parcialmente em recipiente de
carvalho. O decreto também define
a caipirinha como bebida típica brasileira, com graduação alcoólica de
15% a 36% a 20º Celsius, obtida exclusivamente com cachaça, acrescida de limão e açúcar.
No Brasil, as primeiras iniciativas
de demarcação de territórios produtores foram estabelecidas pelo Conselho das Associações dos Cafeicultores do Cerrado (CACCER), localizado no município de Patrocínio, no
Estado de Minas Gerais, instituído
em 1993 e contando atualmente com
3.500 produtores rurais e 160 mil
hectares plantados com pés de café.
A criação do conselho permitiu a demarcação de uma região de origem
que produz café de alta qualidade e o
lançamento de uma marca para o produto denominada “Café do Cerrado”.
Em 2005 “Café do Cerrado” foi reconhecida pelo INPI como a segunda
indicação de procedência do Brasil.O
CACCER desempenha o papel de representação única de todos os produtores da região, garantindo a qualidade dos serviços, a padronização
do produto, o controle de estoques, o
marketing institucional, etc. Também
estabelece cotas dos produtores,
acompanha o a embalagem, o armazenamento e o embarque do produto.
Vale destacar, também, a criação,
em 2003, da indicação de procedência que provavelmente se converterá na primeira denominação de origem do Brasil, Vale dos Vinhedos,
localizada na Serra Gaúcha, produtora de vinhos finos, nos municípios de Bento Gonçalves e Garibaldi,
no Estado do Rio Grande do Sul.
Importante destacar ainda nesse estado, a solicitação de reconhecimento ao INPI, de três outras indicações
de procedência: Vinhos de Montanhas, envolvendo os município da
região de Pinto Bandeira, Vinhos
brancos de Monte Belo do Sul e o
Charque da Campanha, na região da
Campanha Gaúcha. No estado de
Santa Catarina foi promulgada a lei
nº 12.177, de 07/01/2002, a qual
dispõe sobre a certificação de qualidade, origem e identificação de produtos agrícolas e de alimentos e estabelece outras providências.
Estrutura e desenolvimento das denominações de origem/indicação de procedência
As denominações de origem estão relacionadas com a marca e necessitam, para o seu pleno desenvolvimento, a harmonia e o equilíbrio
dos atores sociais na produção do
território. Dessa forma, deve existir
um conselho de desenvolvimento e
regulação da denominação de origem, composto pelos produtores
(grandes, médios, pequenos), sindicatos patronais e de trabalhadores,
técnicos especializados, representantes de cooperativas e associações
profissionais, representantes dos
governos estadual e municipal, que
terão as seguintes incumbências:
a) representar institucionalmente a
denominação de origem;
b) coordenar, orientar e fiscalizar a
produção, a elaboração, a comercialização e a distribuição dos
produtos que utilizarão a marca
da região produtora;
c) expedir e controlar os certificados
de origem;
d) expedir os selos de garantia e os
códigos de barras;
e) organizar o plano de propaganda;
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
f) vigiar o mercado nacional e internacional, evitando e perseguindo
as falsificações.
A estrutura administrativa de
uma denominação de origem deve
funcionar nos moldes da democracia moderna, garantindo a participação dos atores sociais que efetivamente produzem na região.
O funcionamento de um sistema
vinculado a uma denominação de
origem sugere a criação da agência
de desenvolvimento e regulação da
denominação de origem, a qual terá
a incumbência de operacionalizar
as deliberações do conselho regulador e efetivamente fazer valer os estatutos, os quais deverão ser aprovados em assembléia geral, instância máxima de deliberação da estrutura administrativa da denominação
de origem.
Essas agências deverão ser compostas por uma estrutura administrativa enxuta e deverão funcionar
através de redes, devendo existir apenas um coordenador executivo da
DO; um secretário executivo da DO;
uma coordenação de controle e qualidade; uma coordenação de desenvolvimento tecnológico e uma coordenação de desenvolvimento local.
As denominações de origem como unidades de planejamento e indutor do
desenvolvimento local
Com as transformações substantivas no contexto das relações comerciais globais, o território passa, então, a ser alvo de modificações de
suas estruturas produtivas que visam à identificação e à promoção de
suas potencialidades (físicas e humanas), no sentido de aplicar as
políticas de renovação que objetivem
a incorporação dos territórios periféricos ao cenário produtivo estadual, regional, nacional e internacional, logrando assim a melhoria da
qualidade de vida da população envolvida.
Atualmente, organizar o território diz respeito, sobretudo, à necessidade da requalificação territorial
voltada para as suas potencialidades, segundo os moldes da flexibilização, da transferência de tecnologia, da requalificação dos recursos
humanos, da melhoria da imagem
Ano VII • Nº 11 • Janeiro de 2005 • Salvador, BA
13
“
... a capacidade de
inovação de um território
está vinculada,
efetivamente, à natureza
criativa de seus
habitantes...
”
do território, da potencialização das
inovações e das criatividades locais.
Nesse sentido, a inovação é entendida como a aplicação de novos
conhecimentos ou invenções à melhoria ou à modificação dos processos para a produção de novos bens
(MÉNDEZ, 1997). A melhoria desses processos produtivos pode ser a
aplicação prática de um invento na
transformação ou a melhoria de um
determinado produto, mas pode
também ser constituída pela reformulação dos processos de gestão do
trabalho, o que pode conferir nova
feição à organização interna do processo produtivo.
Deve-se partir, então, do pressuposto de que a capacidade de inovação de um território está vinculada,
efetivamente, à natureza criativa de
seus habitantes na sua capacidade
de transformar seus recursos, sejam
eles humanos, ambientais, culturais
ou artísticos, em produtos de atração e de comercialização.
Nas últimas décadas, também, as
questões relacionadas ao desenvolvimento das atividades produtivas
estão sendo repensadas e a noção de
localidade assume um papel fundamental nas estratégias utilizadas pelas empresas, com o objetivo de manter a sua sobrevivência. Nesse sentido, a idéia de desenvolvimento local
assume o centro das discussões sobre
essa nova dimensão da produção.
Nesse sentido, o desenvolvimento local deve contemplar as ações dos
atores sociais locais, as lógicas integradas de valorização dos recursos
humanos e de suas capacidades
para atuarem na transformação do
território em que vivem, potencializando, assim, os espaços de decisão
da comunidade local, visando à melhoria da qualidade de vida de seus
habitantes.
14
O Estado da Bahia está caracterizado por concentrar, na Região Metropolitana de Salvador, a produção
e conseqüentemente a população e
o consumo estaduais em detrimento
dos territórios interioranos. Na
Bahia, a desconcentração da produção é de fundamental importância
para garantir níveis de bem-estar
social adequados à nova perspectiva do desenvolvimento sustentável,
definido pelo Relatório Brundtland
como “aquele que satisfaz as necessidades da geração presente, sem
comprometer a capacidade das gerações futuras para satisfazer suas
próprias necessidades”.
A partir da sua instalação, o conselho de desenvolvimento e regulação da denominação de origem que,
conforme vimos anteriormente,
deve ser composto pelos representantes dos atores sociais envolvidos
em toda a cadeia produtiva, bem
como representantes da sociedade
civil, terá a incumbência de zelar
pelo bom funcionamento do sistema da denominação de origem e
deverá, também, funcionar com um
braço executivo através da instalação da agência de desenvolvimento e regulação da denominação de
origem. Esta estratégia poderá dinamizar a região de origem com o
incremento dos avanços tecnológicos empregados na constante
capacitação dos recursos humanos
da região, o aumento da demanda
de comércio e serviços, o desenvolvimento do marketing territorial, a
melhoria da infra-estrutura de
transportes e de comunicações, a
geração de emprego e renda, a organização dos produtores, o que induzirá à melhoria da qualidade de
vida da população local e, conseqüentemente, a sua inserção nas relações econômicas e comerciais.
As denominações de origem como instrumento de inclusão social
As políticas locais devem, no
mundo da globalização, buscar a inclusão social, a qual deve assumir
as prerrogativas da inclusão no
mundo produtivo, inclusão no mundo do consumo, inclusão no mundo
da cidadania e do respeito aos direitos humanos.
Ano VII • Nº 11 • janeiro de 2005 • Salvador, BA
As denominações de origem têm
como um dos seus objetivos o investimento na base produtiva local, através da transferência de tecnologia,
do incentivo à organização dos produtores, a sua capacitação, buscando o desenvolvimento da criatividade, do reconhecimento do trabalho
realizado, elevando a auto-estima
dos atores sociais envolvidos em todos os processos da cadeia produtiva. A defesa do território produtor e
do produto elaborado e da marca
instituída de comunicação com o
mercado, sustentará todos os critérios de qualidade, sejam eles relacionados com a sustentabilidade institucional, econômica, ambiental,
social, cultural e política, os quais
serão acompanhados por sistema de
indicadores de desenvolvimento
sustentável.
Nos critérios de qualidade devem
estar garantidas as preocupações
sociais e não deverá ser admitido,
em nenhuma região produtora que
utilize a marca de uma denominação de origem o trabalho infantil, o
analfabetismo, a fome, o tráfico de
drogas e armas, o desrespeito aos
direitos humanos. Dessa forma, a
instituição das denominações de
origem estaria contribuindo para a
construção de novas regiões, pautadas nos princípios da solidariedade, da colaboração da redução dos
desequilíbrios socioterritoriais e do
exercício da cidadania.
Conclusão
A organização do território é uma
necessidade do mundo contemporâneo, no qual as transformações vivenciadas nos últimos vinte anos provocaram significativas modificações
nas formas de pensar e agir, criando
novas estruturas, formas, processos
e funções. As regiões e os lugares,
nesse contexto ganham relevo, pois
no novo estilo de consumo mundial,
a identidade local ganha destaque
no comércio mundial, portanto a
personalidade (forma do fazer) do
lugar torna-se uma vantagem competitiva local.
Os Arranjos Produtivos Locais,
em franco desenvolvimento no Brasil são uma forma de organização da
produção territorial, agregando ato-
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
“
Na Bahia é
possível exemplificar
futuras denominações de
origem da Bahia: uvas de
Juazeiro, charutos do
Recôncavo, cachaça de
Abaíra, feijão de Irecê,
dendê de Taperoá...
”
res locais ou não, visando a competitividade da produção da região produtora.
As Indicações Geográficas Protegidas ainda em fase embrionária no
Brasil, pode ser entendida como
uma qualificação para o desenvolvimento do Arranjo Produtivo, por
incluir em seus critérios, físicos, sociais e subjetivos, as características
essenciais de uma nova forma de
olhar o território.
Na Bahia é possível exemplificar
futuras denominações de origem da
Bahia, pois, na realidade, seus nomes
já são familiares no Estado e estão
associados aos lugares de origem do
produto, tais como: mangas de Juazeiro, uvas de Juazeiro, charutos do
Recôncavo, cachaça de Abaíra, papaia do Extremo Sul, cravo-da-índia
da Bahia, de Valença, feijão de Irecê,
dendê de Taperoá, cacau de Ilhéus,
couro de Ipirá, caprinos do Sertão,
caprino defumado de Campo Formoso, sisal de Valente, café do planalto
de Conquista, camarão de Valença,
flores da chapada Diamantina, mel
do Recôncavo, mel de Nova Soure,
sempre-viva de Mucugê, bromélias
da Chapada Diamantina, flores de
Maracás, helicônias de Ituberá, helicônias de Una, etc.
Nossas regiões agrícolas devem
estar preparadas para desenvolver
suas potencialidades locais e conquistar seu espaço no contexto da
economia globalizada, com uma
produção qualificada, agregando
valor ao produto, garantindo desenvolvimento e justiça social. Assim
estará apta a competir no mercado
mundial.
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16
Ano VII • Nº 11 • janeiro de 2005 • Salvador, BA
3273-8557
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
PERSPECTIVAS LOCAIS/REGIONAIS DE
INTEGRAÇÃO ENERGÉTICA NO CONTEXTO
DO MERCOSUL
Sandro G. Bagattoli1
Ivo M. Theis 2
Resumo
A formação de blocos econômicos,
na esteira do processo de globalização, evidencia o ressurgimento
e o reordenamento das dimensões
local e regional sob o ponto de vista
de assimilação de influências externas. Mas, ela também significa a
busca da superação de obstáculos
trazidos à superfície por condições
completamente novas e de difícil
controle. A questão energética, primordial para o desenvolvimento, já
se encontra em fase de integração
nos países que compõem o Mercosul
mesmo antes da consolidação da
integração econômica. Neste contexto, podem ser identificados alguns
impactos da integração energética
do Mercosul e ações locais que busquem gerar vantagens, sobretudo no
âmbito da gestão de energia elétrica.
As tendências de reconfiguração
dos sistemas energéticos dos países
membros trazem novas possibilidades de aumento de eficiência no consumo, de incremento da atividade
econômica e de melhoria das condições materiais de vida.
Palavra-chave: Blocos econômicos;
desenvolvimento local/regional;
energia; globalização; integração.
Abstract
The constitution of economic blocs,
in the broader framework of the globalization process, shows the resurgence and restructuring of the local
and regional spaces from the point
of view of the external influences. But
it also means that efforts are made
in order to defeat the main obstacles
brought to surface by completely
new and unknown conditions. On
the other side, the energy question,
usually considered crucial for the
socioeconomic development, is a
subject which leads the countries
which constitute the Mercosul to
look for integration – even before the
economic integration had been
completed. Here we will try to analyze the impacts of the energy integration of the Mercosul, as also the local policies oriented to produce
advantages, particularly in the case
of electricity management. The hypothesis is that the reconfiguration
tendencies of the energy systems of
the Mercosul countries may generate
new possibilities to increase demand
efficiency, to promote economic
growth and to improve the social
conditions of life.
Key words: economic bloc; energy;
globalization; integration; local/regional development.
Introdução
O fenômeno da globalização trouxe consigo um aspecto que vem chamando a atenção de estudiosos e
formuladores de políticas: o ressurgimento da dimensão local/regional. É aí que ações de resistência ou
o predomínio das influências de
homogeneização impostas pela
globalização se manifestam em vista do enfraquecimento do Estado
nacional como principal agente de
coordenação econômica. O apareci-
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
1
2
3
4
mento de blocos regionais parece vir
ao encontro da busca por uma posição mais forte no contexto internacional, na medida em que se incorporam novos mercados e se procuram
melhores estratégias de negociação
em nível mundial (GALVAN, 1994;
CICCOLLELA, 1994).
No âmbito do Mercosul, assistese, antes mesmo de uma eventual
consolidação econômico-comercial, a
uma integração energética em relação
ao gás natural e à energia elétrica (por
exemplo, via Itaipú). Por suas particularidades, essa integração envolve
aspectos que a diferenciam de simples transações comerciais. São instalações físicas de capital intensivo,
com custos fixos elevados, de longos
períodos de maturação e recuperação
do investimento.
É premissa deste trabalho que
existe forte correlação entre o crescimento econômico e o consumo de
energia 3 para países periféricos,
como o Brasil, cujos níveis de consumo não correspondem às necessidades básicas da população. Desta
forma, o processo de desenvolvimento4 ainda depende de crescimento
econômico baseado em consumo
crescente de energia.
Pretende-se identificar algumas
características da integração energética que se traduzem em potencialidades para as regiões e/ou localidades abarcadas pelo bloco econô-
Mestre em Desenvolvimento Regional e professor da Universidade Regional de Blumenau
[[email protected]];
Doutor em Geografia Econômica pela Universität Tübingen [Alemanha] e professor e pesquisador do
Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional da Universidade Regional de Blumenau
[[email protected]].
Sobre o que aqui se entende por energia e como ela pode ser classificada, sugere-se consultar Theis
(2000, p. 38-56).
Que implica em melhor distribuição de renda, redução das desigualdades sociais, ampliação das liberdades políticas (cidadania) e uma exploração mais sustentável do meio ambiente.
Ano VII • Nº 11 • Janeiro de 2005 • Salvador, BA
17
“
A questão
energética requer que se
analisem os impactos
sobre as economias
locais...
”
mico, notadamente as que subentendem uma atividade econômica mais
intensiva. Ao mesmo tempo, intenta-se focalizar as conseqüências de
um processo sabidamente exógeno,
apontando elementos que possam
indicar condições de competitividade, partindo-se do entendimento da
provável inexorabilidade dos processos de globalização e formação de
blocos econômicos.
A questão energética, no contexto de um mercado competitivo, requer que se analisem os impactos
sobre as economias locais resultantes da integração de fontes de energia, antes separadas por divisas
geopolíticas. Estes impactos podem
se traduzir na forma de ameaças ou
oportunidades. Essas, por sua vez,
podem redundar em potencialidades
que venham a contribuir para a inserção positiva do local/regional no
mundo globalizado, mediante a aplicação de um modelo adequado de
gestão energética. Propõe-se, portanto, discutir as dificuldades e as vantagens da ampliação do mercado
brasileiro de energia para os países
do Mercosul.
Os blocos econômicos no
contexto da globalização
A globalização pode ser entendida como um processo que tornou
fronteiras territoriais, sociais e culturais menos rígidas, permitindo
uma interpenetração entre influências locais e distantes (AMIN, 1999).
É uma tendência dominante desde o
final do século XX, que se refere ao
caráter crescentemente global, interligado e interdependente da economia capitalista mundial, manifestando-se, talvez, de forma mais explícita na dimensão dos fluxos financeiros, respaldados num impressionante desenvolvimento tecnológico,
18
baseado nas tecnologias da informação e comunicação (CHESNAIS,
1996; DOWBOR, 1996; LECHNER &
BOLI, 2000; MILANOVIC, 2003;
PETRELLA, 1996).
A mundialização das relações
produtivas e comerciais, aliada ao
processo de integração econômica,
tem provocado tanto a reestruturação quanto a reorganização territorial do modelo de produção fordista5. Na medida em que se reduz a
capacidade de intervenção e se modifica o próprio significado do Estado nacional como agente regulador
e planificador, emergem estruturas
supranacionais e supra-estatais voltadas para a ampliação de transações econômicas no contexto de uma
ideologia que privilegia o mercado
como principal base de integração
entre países (CICCOLELLA, 1994;
GALVAN, 1994).
Por outro lado, o termo que define a globalização como uma economia internacional aberta, com grandes fluxos de capitais e investimentos entre países, não é realista. O que
se vê é um sistema econômico que se
articula em escala global, cujos fluxos financeiros e de comércio, porém,
se concentram no eixo EUA-EuropaJapão, o mesmo se aplicando ao domínio das tecnologias de ponta
(AMIN, 1999; GALVAN, 1994). Os
componentes deste eixo se estruturam em três blocos econômicos principais: a Associação Norte-Americana de Livre Comércio (NAFTA), com
pretensão de se transformar em Área
de Livre Comércio das Américas
(ALCA), a União Européia e, conforme Dowbor (1996), a “Zona de Coprosperidade Asiática”.
Nos países de Terceiro Mundo,
em particular na América Latina, o
surgimento do Mercosul, embora
sem representar a escala e a dinâmica observadas entre os mega-blocos
liderados pelos países desenvolvidos, é uma tentativa de buscar uma
inserção mais vantajosa no cenário
econômico internacional, a par da
intensificação de cooperação econômica e institucional entre seus membros (SILVA, 1990).
Ano VII • Nº 11 • janeiro de 2005 • Salvador, BA
5
Essa perspectiva de bloquização
mundial, considerada duradoura, inspira a estratégia de consolidação e
incremento dos vínculos comerciais
e financeiros internos ao Mercosul,
ainda que não se tenha certeza que o
bloco adquira um papel ativo no plano internacional (ARROYO, 1994).
Na vertente econômica e, em especial, na da integração física de infra-estruturas, a unificação de iniciativas pode trazer ganhos nos circuitos produtivos internos, mais do
que os relacionados às vantagens do
bloco frente ao exterior. Isto porque
a infra-estrutura é motor do crescimento intra-regional, dentro do que
Ciccolella (1994) entende como a
construção de novos cenários e paisagens industriais, nas áreas de
contato entre os países membros ou
nas áreas já industrializadas.
No relacionamento externo, a
transnacionalidade dos blocos econômicos, considerados como um
todo único, propicia poder de barganha e negociação maior do que se
os membros atuassem separadamente. Assim, a soberania do bloco aumenta o poder e a influência dos
Estados-partes (CASTEX, 2000).
Quatro são os níveis de cooperação econômica na formação dos blocos regionais:
a) Livre comércio – redução ou
eliminação de taxas aduaneiras e restrições ao intercâmbio
comercial.
b) União aduaneira – livre comércio e estabelecimento de uma
tarifa externa comum, estágio
em que se encontra o Mercosul
atualmente.
c) Mercado comum – Livre comércio e União Aduaneira somados à livre circulação de
pessoas, serviços, bens e capitais.
d) União política e econômica –
mercado e sistema monetário
comuns.
A integração energética e o
desenvolvimento
Celso Furtado (1998) caracteriza
o subdesenvolvimento como a au-
O fordismo é um modelo de desenvolvimento que tem como importantes características a produção e o
consumo em massa (THEIS, 1997).
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
sência de condições endógenas de
crescimento econômico, absorção de
empregos, distribuição de renda e
preservação da identidade cultural.
O que, então, se pode entender por
desenvolvimento?
O conceito de desenvolvimento se
refere a um processo de longo prazo, baseado na alocação eficiente de
recursos e no crescimento sustentado do produto agregado, promovido pelo emprego de mecanismos
socioeconômicos e institucionais,
tendo em vista o incremento rápido
e em larga escala dos níveis de vida
das massas mais pobres de países e
regiões periféricos (TODARO, 1997).
Embora assuma a eficiência alocativa e o crescimento da produção econômica como pressupostos, o conceito vai além ao prever o recurso a
mecanismos não-econômicos e, sobretudo, ao mirar com clareza os
destinatários de seus benefícios – a
população empobrecida de espaços
marginalizados! Mas, desenvolvimento também é um processo histórico em que, tanto nos países capitalistas centrais como nas formações
periféricas, tem lugar uma dada exploração de recursos naturais. Conflitos entre os grupos e classes sociais, baseados na oposição de interesses em relação ao processo de
acumulação, condicionam o conflito entre a sociedade e o meio ambiente no capitalismo contemporâneo
(REDCLIFT, 1995).
Portanto, o conceito de desenvolvimento ultrapassa o simples crescimento econômico, apresentando
fundamentos para certo patamar de
capacidade produtiva e padrão de
consumo. A atividade econômica,
porém, deve estar estruturada para
além da simples reprodução de padrões culturais externos, estando aí
presente o consumo, principalmente através de um modelo que privilegie o “empoderamento” [do inglês
empowerment] das capacidades e dos
recursos internos, propiciando um
ganho de autonomia nas relações
externas.
Em países periféricos, é notória a
insatisfação de necessidades fundamentais; aí estão ausentes níveis
mínimos de homogeneidade em relação a condições de vida, liberda-
“
... o crescimento
econômico tem uma
profunda correlação com
o aumento do consumo
de energia.
”
des políticas e acesso a padrões de
consumo garantidores de patamares
básicos de satisfação das necessidades humanas. Para Myrdal (1967),
países subdesenvolvidos apresentam economias desintegradas e uma
série de barreiras socioeconômicas
que dificultam a igualdade de oportunidades para seus membros.
Por outro lado, constata-se, historicamente, que o crescimento econômico tem uma profunda correlação com o aumento do consumo de
energia. Estudos do PNUD mostram
evidências empíricas das relações
entre índices de desempenho econômico, consumo energético e desenvolvimento (PAULA, 1997).
A integração econômica entre diferentes regiões pode proporcionar
condições para a aceleração do desenvolvimento, notadamente em relação a vetores como a produção, a
disponibilidade e o consumo de energia. Além da comercialização de produtos de energia, a integração energética também se dá através da complementação dos sistemas energéticos,
de sua integração física e de programas e projetos comuns aos países
relacionados.
Com efeito, na Europa, os principais países já tiveram seus sistemas
elétricos interconectados décadas
antes da formalização da União Européia, processo que contribuiu para
a integração econômica. Atualmente, a Europa possui uma das mais
integradas redes de transmissão de
eletricidade do mundo e suas transferências inter-países se dão em uma
base de cooperação não-compulsória (PAULA, 1997).
Se o que se busca é o desenvolvimento dos países que integram o
Mercosul, e este passa, em algum
grau, pelo crescimento da atividade,
então o aprimoramento de técnicas
de aproveitamento e racionalização
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
econômicos voltados para a área
energética devem ser temas permanentes na sua agenda.
Se a interdependência econômica e tecnológica é irreversível, abrese a perspectiva de um mundo tendente a ser fortemente condicionado pela técnica, não obstante estarem a ciência e a tecnologia sob controle dos países capitalistas centrais. Por isso, um bloco econômico
de menor dimensão, como o Mercosul, deve mobilizar meios endógenos de aproveitamento de suas
fontes de energia. Isso pode ser logrado mediante o desenvolvimento
de processos tecnológicos e econômicos apropriados ao seu contexto,
tendo como primados a produtividade, a competitividade, a relação
custo/benefício, a eficácia e o aprimoramento constante de técnicas
que contribuam para o crescimento
econômico dos países integrantes do
bloco. Importante: este esforço não
pode desprezar a questão ambiental,
posto que o sub-setor energético
impacta, em maior ou menor grau, a
natureza. Apesar de muitas vezes
desprezadas ou subestimadas, externalidades ambientais precisam ser
devidamente consideradas.
A integração energética no
Mercosul
A interligação energética já vem
sendo tema de entendimentos entre
Brasil, Argentina, Paraguai e Bolívia, pelo menos vinte anos antes da
formalização do Mercosul, criado
pelo Tratado de Assunção, em março de 1991, envolvendo exploração
de quedas d’água e importação de
energia elétrica (Paraguai e Argentina) e gás natural (Bolívia e Argentina) (LEITE, 1997). Pode-se dizer, inclusive, que a configuração fronteiriça baseada em cursos fluviais proporcionou gestões de aproveitamento conjunto de fontes de energia,
como a hidroelétrica entre Brasil e
Paraguai (Itaipú). Quanto à Argentina, o Brasil comercializa energia
elétrica com aquele país através da
estação conversora de Uruguaiana,
no Rio Grande do Sul.
Na década de 1980, após os choques do petróleo e dos juros, ficou
cada vez mais clara a necessidade
Ano VII • Nº 11 • Janeiro de 2005 • Salvador, BA
19
de uma integração que tomasse em
conta os recursos naturais do continente e definisse um novo modelo
de desenvolvimento que, pelo lado
da produção, reduzisse a dependência de fontes externas e, pelo lado da
demanda, otimizasse o consumo
(ROSA et al., 1998).
Durante os anos 1990, diante de
um quadro de escassez de energia
elétrica, que veio a confirmar-se no
início deste século, a integração
energética do Mercosul implicou na
inserção do gás boliviano e argentino na matriz energética brasileira,
sendo a finalidade principal a liberação da pressão sobre o consumo
de energia elétrica e dos derivados
do petróleo (ALBERTO Jr., 1997;
DYER, 1999; STEIN, 1997).
Sobre as potencialidades de comercialização e diversificação energética na América do Sul, pode-se
lembrar que
São de longa data os entendimentos governamentais entre Brasil e
Bolívia quanto ao gás natural e Colômbia quanto ao carvão. Mais recentemente, tiveram lugar entendimentos com a Argentina sobre o
gás natural, operação que põe em
evidência a interdependência crescente das várias formas de energia
primária em um balanço energético
que se torna cada vez mais diversificado. No balanço global haverá
deslocamento parcial do óleo combustível e reajuste na repartição da
responsabilidade pelo suprimento
de energia elétrica no sistema integrado, para que nele se introduza
a usina a gás com suas características específicas (LEITE, 1997).
O setor elétrico brasileiro, a exemplo do chileno e do argentino, também passou por reformas estruturais
que, de acordo com o discurso oficial, tiveram por objetivo incrementar
sua eficiência econômica (PAULA,
1997). Vários países procuraram implementar mudanças institucionais,
através de desregulamentação, estímulo à competição e maior participação do capital privado na infraestrutura (ROSA et al., 1998), mudanças inspiradas no modelo inglês6.
No caso do Brasil, não obstante a
reforma ter sido feita em um contexto de elevado risco de déficit de ener-
20
“
... é séria a questão
que envolve a
especulação financeira,
suportada pela
liberalização dos
luxos financeiros
internacionais.
”
gia7 e tendo por motivação principal
a execução de políticas macroeconômicas que repousavam na privatização de ativos estatais, efetivaramse significativas mudanças nos processos de comercialização de energia elétrica, através da desverticalização das etapas de geração, transmissão e distribuição, e a implementação de marcos concorrenciais
de um mercado livre. Esta nova composição permitiu, em tese8, o intercâmbio comercial de energia elétrica entre vendedores e compradores
de várias regiões do país, antes subordinados às companhias concessionárias.
Quais seriam os aspectos relevantes a serem discutidos na hipótese
deste quadro ser estendido aos consumidores e produtores de energia
elétrica, situados nos outros países
do Mercosul?
Por um lado, as interconexões físicas têm como pressupostos a
confiabilidade do sistema interligado, a transparência na apropriação
de custos e precificação da energia
elétrica e a segurança político-institucional e jurídica dos países interligados, haja vista as esferas de influência relativas ao controle das
fontes de energia. É de se imaginar,
por exemplo, os reflexos de uma crise em algum país-membro que pudesse levar à interrupção do fornecimento de energia a outro país parceiro, depois deste planejar a expan-
Ano VII • Nº 11 • janeiro de 2005 • Salvador, BA
6
7
8
9
são de sua capacidade com base em
abastecimento externo. Também é
séria a questão que envolve a especulação financeira, suportada pela
liberalização dos fluxos financeiros
internacionais. Como a moeda comercial adotada fora da Europa ainda é o dólar, toda crise cambial envolve o imediato aumento dos preços das mercadorias provenientes
do exterior, impactando o balanço
de pagamentos do país e sobreonerando os custos diretos de consumo
e indiretos relativos à participação
da energia na produção industrial.
Este quadro pode ocorrer mesmo
em uma situação de estabilidade dos
preços de produção, por exemplo,
do gás ou da eletricidade. Mas ele
tende a resultar principalmente de
movimentos especulativos, fato freqüente no Brasil nos últimos tempos.
Exemplo disso foi a previsão do Banco Central do Brasil de um aumento
de 25% nos preços de energia elétrica
para o ano de 2003 (Valor on-line, São
Paulo, 30/10/02), ocasionado justamente pela depreciação cambial.
Possibilidades locais/regionais
Efeitos positivos da integração
energética
Em um panorama que exclua
eventuais problemas como os referidos anteriormente, a integração energética pode trazer, através da ampliação da base de recursos e da diversificação da matriz energética, um
notável incremento da eficiência do
conjunto. Podem contribuir aí a operação interligada de sistemas elétricos, a quantidade e o baixo preço da
energia elétrica oriunda do Paraguai
(ORCINOLI, 1997), a complementaridade da produção térmica Argentina quando da baixa hidraulicidade 9 brasileira, e a participação do
gás natural como substituto de combustíveis mais caros em processos
industriais ou no consumo final.
Baseadas na liberalização econômica do setor energético, através da desverticalização e privatização de
ativos e da implementação de um mercado concorrencial.
Atribui-se a este fator, aliado à não execução completa das mudanças, o maior peso nos problemas de
racionamento ocorridos no início deste século.
Esta dinâmica ainda se encontra em fase de consolidação, apesar de estarem presentes as premissas
legais e regulamentares.
Menor afluência de água aos reservatórios das usinas.
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
Sabe-se que a indústria de eletricidade tem grande influência sobre
os demais sub-setores econômicos,
visto sua expansão repercutir diretamente sobre as finanças públicas,
os níveis de investimento e outras
variáveis macroeconômicas. Além
disso, a energia elétrica participa,
em algum grau, de praticamente todas as atividades da sociedade, seja
no seu consumo direto residencial
(influenciando o orçamento doméstico), comercial ou por fazer parte da
produção industrial (tendo todos os
produtos sua cota de energia embutida em seu custo).
O crescimento econômico desejado estaria, então, associado a menores custos, obtidos a partir do aumento da eficiência da exploração de fontes de energia elétrica. As fontes de
energia dos países do Mercosul são
mais próximas aos grandes centros
de carga do sul/sudeste do Brasil,
cuja potencialidade hidroenergética
está próxima do esgotamento, tornando-as mais competitivas comparativamente aos projetos de geração e,
principalmente, de transmissão de
energia elétrica da Amazônia.
A constatação de que a geração
de energia na bacia amazônica está
relacionada com a necessidade de
maior área inundável por MW instalado10 remete a outro tema que merece igual consideração: a análise das
implicações ambientais da produção e do uso de energia. A preocupação com a otimização da extração
dos recursos naturais não-renováveis e o manejo dos recursos renováveis, para os mesmos níveis de
crescimento econômico, também fazem parte do conceito de desenvolvimento sustentável. Na visão de Monestier (1992), o ser humano é protagonista de uma relação mais harmoniosa com o meio ambiente na medida
em que também leva em conta externalidades, além dos parâmetros de
custos e investimentos. Logo, não é
descabida a afirmação de que o aproveitamento otimizado das fontes
energéticas no Mercosul pode conduzir a uma considerável diminuição nas taxas de exploração do meio
ambiente, comparativamente com a
atuação de cada país, cabendo no
futuro consolidar novas fontes alter-
nativas, menos poluentes ou degradantes do meio ambiente. Desse
modo, evitar-se-iam medidas mais
agressivas ou mais polêmicas em
relação ao meio ambiente local, como,
por exemplo, a instalação de usinas
térmicas ou nucleares.
O papel da dimensão local/regional
Amin (1999) entende que o fenômeno da globalização traz, em seu
bojo, novas disposições de relacionamento social e cultural entre os
diversos atores, podendo uma nova
corrente de prosperidade emergir da
integração e interconexão entre o local/regional11 e o global.
Esta possibilidade muda a perspectiva de que o local, o nacional e o
global sejam esferas diferentes de
ação e organização. É uma compreensão que destaca o relacionamento
entre áreas e campos de influência
múltiplos e interdependências assimétricas como o aspecto mais característico da atual globalização. As evidências parecem indicar que a idéia
de uma dimensão global como fluxo
de dominação e transformação e de
uma dimensão local como fixada na
tradição e na continuidade perde
importância. Ela não leva em conta a
interação entre o local e o global nem
a lógica da evolução dos mesmos,
consubstanciada na tendência à formação de blocos econômicos. No entanto, uma visão não ingenuamente
otimista relativa ao sucesso de blocos econômicos de economias periféricas sugere que, em certa medida, é
importante observar como esta interconectividade pode ser trabalhada
com vistas a se tornar uma vantagem.
Assim, na área das políticas industriais e de infra-estrutura, esforços
podem ser feitos no sentido de aproveitar vantagens do processo de
globalização – no caso, da dinâmica
de operação de blocos econômicos.
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
10
11
12
Nesta perspectiva, inscrevem-se
ações locais voltadas ao que Bagattoli (2005) denomina de gestão estratégica de energia elétrica [GEEE], filosofia de ação gerencial que se orienta
pelos princípios da administração
estratégica; o objetivo é prover o consumidor de energia elétrica de um
posicionamento estratégico frente ao
ambiente externo, ao mesmo tempo
em que adota todos os meios tradicionais de gestão energética no ambiente interno, no sentido de reduzir
custos e eventualmente gerar receitas com a obtenção e o uso da energia elétrica.
Ao lado de sub-programas da
GEEE, como conservação de energia
e gerenciamento de carga, os consumidores podem atuar num hipotético mercado integrado e competitivo
do Mercosul através da condição de
consumidores livres12 e/ou produtores de energia elétrica.
Um benefício intrínseco à integração energética poderia ser precisamente a diminuição dos custos de
produção e a maior competitividadepreço dos produtos em virtude da
redução do custo da energia. Igualmente, quanto ao meio ambiente,
haveria a expectativa positiva de que
empreendimentos que impactassem
a base local de recursos naturais seriam evitados como resultado da
otimização de fontes de energia a
partir de uma coordenação das disponibilidades do bloco econômico.
Em outro plano, regiões que reúnam condições de promover nexos
causais entre integração energética
e possibilidades de aumentar a
competitividade podem melhorar
sua posição de inserção nos mercados nacional e internacional.
Como exemplo, uma profícua cooperação entre universidades e empresas pode, de forma coordenada,
no âmbito do processo de integração
Claro: existem aproveitamentos hidroelétricos com grande eficiência MW/área inundada na Região Norte.
A dimensão local/regional indica uma certa área geográfica de extensão subnacional, na qual se reconhecem uma dada comunidade de indivíduos – pertencentes a distintos grupos e classes sociais – e as atividades socioeconômicas, i.é. produção, distribuição, troca e consumo, que asseguram a sua reprodução
(Scott, 1998; Corrêa, 2000). Para referir ao processo de acumulação que tem lugar neste espaço se
emprega o conceito de desenvolvimento local/regional, i.é. o processo localizado de mudança social
sustentado que tem como fim a melhoria contínua das condições materiais de vida da comunidade que vive
no espaço local/regional (Boisier, 1996).
Consumidor livre: pressupõe, mediante o atendimento de alguns pré-requisitos, uma desvinculação de
obrigatoriedade de compra de energia elétrica da concessionária local, podendo adquiri-la de qualquer
outro agente do setor elétrico.
Ano VII • Nº 11 • Janeiro de 2005 • Salvador, BA
21
energética entre os países do bloco,
fundamentar-se, sem altos custos,
em estratégias de:
a) Equacionamento de otimização técnico-econômica da matriz energética, considerando
a disponibilidade de energia
elétrica, do gás natural, do petróleo (óleo combustível) e biomassa (lenha ou resíduos industriais).
b) Compra de energia elétrica, individualmente ou em conjunto de consumidores reunidos
por comunhão de interesses,
considerando que existe a previsão de que todos os consumidores em alta tensão serão
consumidores livres.
c) Comercialização de energia
elétrica, nas figuras do autoprodutor13, do produtor independente14 ou do comercializador15 de energia elétrica no
sistema interligado ampliado.
Essas estratégias parecem indicadas na expectativa de funcionamento de um mercado energético integrado e competitivo, dentro do próprio
Mercosul, a partir do que resultou
da reestruturação do setor elétrico
brasileiro. Aí parece haver espaço
para empresas regionais agirem
como produtores independentes ou
autoprodutoras vendedoras de energia elétrica proveniente de co-geração16 para clientes fora do espaço
geográfico brasileiro, utilizando-se
das interconexões existentes. Os
agentes comercializadores, por sua
vez, podem contribuir para o aparecimento de mais um nicho de mercado
com grande potencial de evolução.
Considerações finais
Dentro do processo de formação
de blocos econômicos, o Mercosul,
embora ainda não consolidado em
nível econômico-comercial, apresenta um razoável estágio de integração
energética, que dificilmente sofrerá
condição de refluxo. A despeito de
haver variáveis não completamente
controladas, como o câmbio especulativo e ocasionais crises políticas e
sociais, sobressaem aspectos positivos quanto ao aproveitamento integrado de fontes de energia dos países-membros, em uma ampliação e
22
liberalização do mercado entre agentes consumidores e produtores.
Na frente econômica, possíveis
reduções de custos podem ser traduzidas em menores tarifas, dar maior
competitividade-preço aos produtos
dos países membros e desonerar os
orçamentos domésticos. Em uma hipótese de incremento da competitividade em nível global, a melhoria do
saldo da balança comercial e o ingresso de divisas, mais eventuais
reduções de pressões macroeconômicas de cunho fiscal em investimentos no setor de infra-estrutura energética, abririam a possibilidade de
alocação de recursos em outras áreas de desenvolvimento, o que seria
benéfico para os países que integram o Mercosul.
Na frente ambiental, a redução
das taxas de exploração do meio ambiente, tendo em vista a operação
otimizada de sistemas energéticos
interligados, é fator de indiscutível
relevância para a sustentabilidade
do desenvolvimento.
Mesmo no espaço local, novas
fronteiras de possibilidades surgem
quando se passa a investigar as vantagens que podem ser adquiridas desta nova conformação do global e do
local/regional na figura de um bloco
econômico como o Mercosul, inclusive por meio da inserção ativa de consumidores de energia elétrica.
Todavia, para além das vantagens econômicas que cada país integrante do bloco econômico possa vir
a derivar, o processo de integração
energética realmente só fará algum
sentido se – repousando numa redução da demanda e numa diversificação das fontes de energia, com progressivo peso das alternativas/renováveis – os ganhos puderem se traduzir em menor impacto ambiental
e, sobretudo, em efetiva melhoria das
condições materiais de vida das comunidades em nível local/regional.
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13
14
15
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Autoprodutor: é a empresa que produz sua própria energia para seu consumo, podendo, no entanto,
comercializar um eventual excedente.
Produtor Independente: é a empresa constituída com a única finalidade de produzir energia elétrica através da construção e operação de usinas.
Comercializador de energia elétrica (retail agent): é uma empresa cuja finalidade é a de compra e venda
de energia elétrica, sem participar como proprietária de instalações, seja como comerciante (intermediário) ou como corretor entre negócios, além da prestação de assessoria para as negociações dentro do
mercado de energia elétrica.
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Ano VII • Nº 11 • Janeiro de 2005 • Salvador, BA
23
PARQUE URBANO
DA PAZ:
A CONSTRUÇÃO DE UM NOVO CONCEITO
NO PARQUE NACIONAL DA TIJUCA
Sônia Peixoto1
Marta Irving2
Ana Paula Leite Prates3
Iara Vasco Ferreira4
Resumo
O presente trabalho objetiva apresentar e discutir um novo conceito, o de
Parque Urbano da Paz, em construção no Parque Nacional da Tijuca. A
proposta teve como inspiração o
olhar sobre a realidade local, constituída por um patrimônio natural de
grande importância para a conservação, sob forte pressão urbana e associada a um contexto de conflito, violência e exclusão social. Sob essa ótica, uma unidade de conservação pode
representar um mecanismo essencial para a discussão de cidadania e
para uma reflexão ética sobre desenvolvimento e conservação ambiental
na lógica da sustentabilidade.
Palavras-chave: parque nacional,
Tijuca, paz, inclusão social, sustentabilidade
Abstract
The present work aims to present
and discuss a new concept, Peace
Urban Park, in phase of elaboration
for the Tijuca National Park. The
proposal was inspired by the direct
observation of the local reality,
characterized by an important natural patrimony but also associated to
strong urban pressure, conflict,
violence and social exclusion. In this
context, a protected area could
represent an important mechanism
for the discussion of citizenship and
ethical reflection about development
and environmental conservation in
the framework of sustainability.
24
Key Words: National park, Tijuca,
peace, social inclusion, sustainability
Introdução
As áreas protegidas constituemse em um dos mais bem sucedidos
instrumentos de conservação da
biodiversidade No entanto, seus benefícios diretos aos seres humanos
vão muito além daqueles oriundos
da conservação in situ. Podem ser
citados como exemplos: a conservação dos recursos hídricos; das belezas cênicas; a proteção dos solos
evitando e controlando a erosão; o
assoreamento dos rios e represas,
mantendo regular a vazão dos rios
etc; a proteção de sítios históricos e/
ou culturais; a manutenção e produção da fauna silvestre; a disponibilização de oportunidades de recreação em contato com a natureza; a
geração de conhecimentos por meio
da educação ambiental; o manejo
dos recursos florestais; assegurar a
qualidade do ar e da água; e ordenar o crescimento econômico regional (organizando e enfocando todas
as ações do desenvolvimento integral rural e urbano, pela geração de
oportunidades estáveis de emprego
e renda), bem como de economias
locais sustentáveis.
Neste contexto, os Parques Nacionais assumem uma enorme impor-
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1
2
3
4
tância ao conjugarem diversos objetivos, entre eles a melhoria da qualidade de vida das comunidades que
vivem no seu entorno e se beneficiam
diretamente de seus atributos naturais e cênicos (IUCN, 1999).
Em países em desenvolvimento,
os parques nacionais urbanos representam áreas protegidas de extrema
vulnerabilidade com relação à sua
base de recursos naturais e, freqüentemente estão associados a contextos sistemáticos de violência e risco,
motivados pelas questões de exclusão social e pelas pressões urbanas
para uso do solo.
Este quadro de vulnerabilidades
tende a delinear novas demandas
para a gestão, com enfoque nitidamente ético e social. Em áreas de violência e risco, a estratégia de conservação dos recursos naturais emerge, muitas vezes, como uma alternativa para a construção de cidadania
e capital social. Ressalta-se, ainda,
que a gestão da biodiversidade, nesse caso, será pouco eficiente se não
forem considerados novos valores
em sua prática, principalmente no
que diz respeito aos novos conceitos de participação e controle social.
Um dos poucos exemplos de Parques Nacionais totalmente situados
em malha urbana, o Parque Nacional da Tijuca, no estado do Rio de
Janeiro, sofre com a problemática de
Bióloga, Chefe do Parque Nacional da Tijuca, IBAMA, [email protected]
Bióloga, PhD., Programa Eicos/Universidade Federal do Rio de Janeiro, [email protected]
Engenheira de Pesca, PhD, Ministério do Meio Ambiente, [email protected]
Socióloga, MSc., Ministério do Meio Ambiente, [email protected]
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
pressão urbana associada à violência. Apesar de conter símbolos emblemáticos como o Cristo Redentor, o
seu ícone mais conhecido e cartão
postal do Brasil, representa também
uma área de grande tensão social,
tendo em vista a lógica de ocupação
do entorno, que privilegiou a coexistência de residências de baixa renda e de moradias de luxo.
Por outro lado, na cidade do Rio
de Janeiro, as áreas de encosta foram
historicamente ocupadas por moradias de populações de baixa renda,
sendo submetidas com freqüência, ao
controle do tráfico de drogas. Além
disso, a Floresta da Tijuca representa
rota privilegiada da cidade e em seu
perímetro são sistematicamente registrados casos de violência, gerando
um sentimento de intranqüilidade
entre a população do entorno, visitantes regulares e turistas.
Sendo assim, novas estratégias
vem sendo desenhadas para a gestão da área protegida visando associar o simbólico relacionado ao Parque Nacional em uma nova perspectiva que traduza uma abordagem
humanizante e solidária que promova benefícios ambientais e sociais. É
neste sentido que surge o conceito de
Parque Urbano da Paz. Deste modo,
o trabalho objetiva discutir um novo
conceito, em construção no Parque
Nacional da Tijuca, que poderá ser
aplicado e inspirar estratégias com
esse objetivo nas demais unidades de
conservação situadas nos grandes
centros urbanos do país.
O paralelo entre natureza e
violência urbana
Os índices de violência e criminalidade são fatores importantes
para o desenvolvimento sustentável
e a preservação das áreas naturais
protegidas por conta de acarretarem
altos custos sociais, econômicos e
ambientais. O trabalho realizado pelo ISER (2000) afirma que “a maioria
dos crimes cometidos ocorre em regiões
de alta concentração de habitantes com
condições precárias de qualidade de
vida. A proporção de habitantes que
moram em municípios de mais de 100
mil habitantes é a variável que mais correlaciona com taxas de homicídios estaduais no Brasil. Dentro do estado do Rio
“
O Mapa de
Violência no Brasil revela
um crescimento anual de
5,5% na ocorrência
de crimes como
homicídios...
”
de Janeiro, a proporção de habitantes que
moram em área urbana é a variável que
apresenta maior impacto na taxa de homicídios municipal. Estas relações se
mantêm mesmo após controlar o efeito
de renda, a desigualdade e a educação,
mostrando que a urbanização parece ser
um dos fenômenos principais para explicar as elevadas taxas de homicídio
no Brasil.”
Ainda, segundo o referido trabalho, as Áreas de Planejamento Municipais (APs) que circundam o Parque Nacional da Tijuca (Zona Sul,
Zona Norte, Barra da Tijuca e Jacarepaguá) apresentam, somadas, a taxa
de 200,5 homicídios por cem mil
habitantes/ano, sendo que as duas
restantes somadas apontam para a
metade da taxa verificada. Esse dado
nos remete as situações verificadas
em conflitos armados entre civis ou
estados de guerra entre países onde
o número de mortos nos traduzem a
realidade dessa violência. Em áreas
transfronteiriças onde países, historicamente, encontram-se em guerra,
o conceito dos “Peace Parks” vem
sendo empregado como forma de minimizar esses conflitos, protegendo
a biodiversidade ao tempo em que
se trabalha a aproximação dos povos (Marincic, 2003).
O Mapa de Violência no Brasil,
elaborado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e Cultura (UNESCO, 2004), abordando juventude, violência e cidadania, revela um crescimento anual
de 5,5% na ocorrência de crimes como
homicídios no Brasil, aumentando
para 54,5% em 2002, contra 30% em
1980, sendo o país o quinto no ranking
de homicídios de jovens.
Ainda de acordo com a pesquisa,
o estado do Rio de Janeiro ocupa agora o primeiro lugar no ranking de
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homicídios no país, com as taxas subindo de 50,9 em 2002 para 56,3 em
2004, por cem mil habitantes, com
crescimento de 10,6% comparandose os períodos. A Cidade do Rio de
Janeiro apresenta taxa de 64,2 cem mil
habitantes, em quarto lugar entre as
regiões metropolitanas do país.
No entorno do Parque Nacional
da Tijuca encontram-se 43 assentamentos de baixa renda (favelas) circundando a unidade, algumas das
quais apresentando altas taxas de
homicídios aliadas a diminuição da
renda per capita em 2,2,% e ao desemprego girando em torno dos 3,5%
(ISER, 2001).
Constata-se que o crime organizado já se encontra instalado nas favelas. Em cada uma delas os chefes
do tráfego de drogas comandam verdadeiros “exércitos” de jovens. Os
criminosos lucram milhões com a
venda ilícita e dispõem de granadas,
sofisticadas metralhadoras e eficiente equipamentos de comunicação. A
situação é tão grave que o Governo
Federal analisa o uso de tropas federais no Rio de Janeiro, como ocorreu na Conferência Mundial do Meio
Ambiente em 1992 e o Ministro da
Justiça, em entrevista, declarou que
“a medida pode ser precisa porque a
guerra entre os traficantes se assemelha a uma situação de guerrilha urbana”, conforme divulgado nos veículos de comunicação nacionais e internacionais (www.dnoti cias.com. pt).
A situação de violência na cidade se reflete na consecução dos objetivos de manejo, não só do Parque
Nacional da Tijuca, mas também nas
demais unidades de conservação
estaduais e municipais inseridas na
malha urbana da cidade do Rio de
Janeiro, destacando-se o Parque Estadual da Pedra Branca e o Parque
Municipal do Mendanha. Alguns
projetos de integração com as comunidades do entorno se iniciaram demonstrando ser possível a conversão de iniciativas conservacionistas
para o bem estar social, estabelecendo o início da factual relação entre a
natureza e paz.
O Conceito de Parques da Paz
De uma maneira geral, o conceito
de Parques da Paz surge a partir da
Ano VII • Nº 11 • Janeiro de 2005 • Salvador, BA
25
noção de cooperação para a paz em
áreas de fronteira e são diversas as
iniciativas em curso, de abrangência
mundial, envolvendo a interação
permanente e a cooperação entre áreas protegidas divididas por fronteiras. Da mesma maneira, sempre parece ter havido o reconhecimento de
que essas áreas têm um simbólico
valor para a paz a para a ação conjunta de conservação.
Na publicação “Transboundary
Protected Áreas for Peace and Cooperation” é apresentado e discutido esse conceito, assim como são
elencadas algumas das principais
áreas potenciais nos diversos continentes. (SANDWITH et al, 2001)
Segundo IUCN (op. cit), já em
1932, o Waterton-Glacier International
Peace Park foi criado para comemorar a longa história de paz e amizade entre os Estados Unidos e o Canadá e também para enfatizar os aspectos da interação sob a ótica natural e cultural entre os dois países. E,
desde então, muitas tem sido as iniciativas nessa direção, não apenas
no que se refere a áreas protegidas
efetivamente estabelecidas em zonas
de fronteira mas também com relação à cooperação entre regiões vizinhas.
Neste sentido, desde 1997, a
IUCN tem promovido a estratégia de
Parques para a Paz como um mecanismo de fomento e cooperação regional para a conservação, prevenção de conflitos, reconciliação e desenvolvimento regional sustentável.
Muitos são atualmente os conceitos e definições usados para Parques da Paz e, freqüentemente, este
termo é relacionado a áreas protegidas com um significativo passado de
conflito.
No entanto, segundo a IUCN,
Parques para a Paz são áreas transfronteiriças formalmente dedicadas
à proteção e manutenção da diversidade biológica e dos recursos naturais e culturais e para a promoção
da paz e cooperação.
Evidentemente que esse conceito
não se aplica diretamente a um parque urbano, inserido nos limites de
um mesmo estado ou município mas
ele funciona como inspiração para
uma nova proposta, em construção,
26
“
... a estratégia para
valorização da paz pode
se vincular também à
gestão como uma
alternativa para se
trabalhar o conflito
e a cidadania.
”
vinculada às áreas protegidas urbanas, submetidas a um elevado grau
de pressão antrópica e tensão social.
Nessas áreas, a estratégia para valorização da paz pode se vincular
também à gestão como uma alternativa para se trabalhar o conflito e a
cidadania. Assim, a área protegida
passa a ter um valor simbólico ampliado e se internaliza no imaginário não apenas como possibilidade
de lazer e contato com a natureza
mas também como elemento central
de qualidade de vida e dignidade
para o cidadão urbano. Assim, um
Parque Nacional pode se transformar, além de meio de conservação
da base de recursos naturais em símbolo e veículo de novos valores.
O Contexto do Parque Nacional da Tijuca – Um parque urbano
O Parque Nacional da Tijuca foi
criado em 6 de julho de 1961, através do Decreto Federal nº 50.92, sendo que em 08 de fevereiro de 1967, o
Decreto Federal nº 60.183, alterou o
nome do Parque Nacional do Rio de
Janeiro para Parque Nacional da
Tijuca, e definiu seus limites.
Parte integrante da Reserva da
Biosfera da Mata Atlântica o Parque
Nacional da Tijuca se constitui numa
unidade de conservação de reconhecida importância ecológica, cultural
e histórica (Plano de Manejo, 1981).
Inserido na malha urbana da uma
grande metrópole, teve seus limites
corrigidos e ampliados em 2004,
aumentando sua singular complexidade em termos gerenciais por conta da crescente e significativa pressão antrópica a que está exposto,
inclusive, em suas novas áreas administrativas – conjunto Petro For-
Ano VII • Nº 11 • janeiro de 2005 • Salvador, BA
ros/Covanca, Vila Rica e Parque
Lage (conforme proposta de correção
e ampliação de limites do Parque
Nacional da Tijuca elaborada pela
equipe técnica do Parque Nacional
da Tijuca e apresentada à Diretoria
de Ecossistemas do IBAMA em junho de 2004).
O Parque Nacional da Tijuca é
gerido pela parceria entre o IBAMA
e a Prefeitura do Rio de Janeiro, possuindo, atualmente, uma área de
3.953,22 hectares incrustada entre
alguns dos principais bairros residenciais do Município do Rio de Janeiro, abarcando o Jardim Botânico,
Gávea, São Conrado, Alto da Boa
Vista, Tijuca, Grajaú, Jacarepaguá,
Itanhangá etc, constituídos de assentamentos de baixa renda, classe média e alta, sendo que algumas dessas áreas apresentam alta concentração populacional, acelerado estágio de favelização e alarmantes índices de violência. Apesar da proibição de urbanização em áreas acima da cota 100, de acordo com a Lei
Municipal nº 322/1976, a ocupação
das encostas vem aumentando constantemente ao longo do século, incluindo-se as áreas dos Maciços da
Tijuca e Serra da Carioca.
De acordo com o mapeamento de
uso do solo elaborado pelo Instituto
Pereira Passos da Secretaria Municipal de Urbanismo da Cidade do
Rio de Janeiro, em 2000, constata-se
que com base nos critérios de risco
para a unidade de conservação, algumas favelas merecem atenção especial, não só pela possibilidade de
degradação ambiental, mas também
pela atuação de criminosos em assaltos aos visitantes e usuários, a
ocorrência de acampamentos clandestinos e a paralisação de projetos
socioambientais em desenvolvimento, tais como de educação ambiental
e integração com as comunidades do
entorno, em especial, Rocinha, Cerro Corá, Vila Rica, Guararapes, Borel
e Dona Marta.
A comunidade da Rocinha, por
exemplo, possui 56.304 habitantes
(FGV, 2004), sendo uma das maiores favelas da América Latina e localizada na área de influência direta do Parque Nacional da Tijuca.
Apresenta o mais baixo índice de
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
“
... o trabalho
desenvolvido nessas
comunidades é
necessário uma espécie
de “concordância”
informal das facções
criminosas que
comandam essas
áreas.
”
escolaridade da cidade do Rio de
Janeiro, sendo que 31,7% têm entre
quatro e sete anos de estudos, além
da quarta menor renda da cidade
(R$ 434,00) e 8,7% de desempregados, ainda segundo o Mapa do Fim
da Fome II realizado pelo Centro de
Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas (FGV) em parceria com a
Ação da Cidadania.
O trabalho socioambiental versus a
violência atual
Na Rocinha, especificamente na
localidade denominada Laboriaux a
equipe técnica do Parque vem construindo, em parceria com a própria
comunidade, um projeto que visa reafirmar a participação da sociedade
no desafio de preservar os recursos
naturais do Parque Nacional da Tijuca. Trata, ainda, de minimizar o avanço da ocupação urbana sobre os limites da unidade, envolver os atores
sociais na conservação ambiental e
integrar meio ambiente, arte e cultura de forma a ampliar a participação
do cidadão na gestão ambiental.
Em abril de 2004, por conta de um
confronto armado entre facções do
crime organizado, dez pessoas foram
assassinadas como uma das conseqüências da violência, destacando-se
a morte de dois policiais e quatro transeuntes. Devido a esse recente episódio, o projeto teve que ser paralisado
para que não haja ameaça à integridade física dos participantes governamentais e da sociedade civil ao
tempo em que está sendo re-estudado na perspectiva da inclusão de um
novo componente que preveja a abor-
dagem da violência como um fator
inerente ao trabalho com comunidades na malha urbana do Rio de Janeiro. Atualmente qualquer que seja
o trabalho desenvolvido nessas comunidades é necessário uma espécie
de “concordância” informal das facções criminosas que comandam essas áreas. Viabilizar essa concordância de maneira legalizada e com a
rapidez em que as ações conservacionistas de proteção do entorno do
Parque Nacional precisam ser realizadas é o grande desafio enfrentado
pela equipe da unidade.
Apesar dos índices de violência
da cidade, o Parque Nacional da Tijuca, continua desenvolvendo vários
projetos com as comunidades do seu
entorno usando a estratégia de trazer para dentro de seus limites esses
atores sociais. Dentre os projetos podem ser citados: Educação por Natureza e Voluntariado (em parceria
com a Fundação Roberto Marinho);
Monitores Ambientais (parceria com
o Instituto Terra Brasil); Ecoturismo
e Visitas Guiadas (parceria com os
Institutos Terra Limpa e Terra Brasil); Atendimento às escolas municipais (parceria com a Secretaria
Municipal de Educação); Espaços
Sagrados (em parceria com entidades religiosas); Mutirões (Sociedade
de Amigos do Parque Nacional da
Tijuca); Programa de Prevenção a
Incêndios Florestais, com geração de
emprego e renda, dentre outros.
O Parque conta também com projetos desenvolvidos pela Prefeitura
do Rio de Janeiro que protegem parte
dos limites, empregam a mão-de-obra
das comunidades, realizam intervenções urbanísticas nas favelas, tais
como os Projetos Favela Bairro e Bairrinho, com implementação de infraestrutura e equipamentos urbanísticos; o Projeto Ecolimites, que objetiva a colocação de marcos físicos no
entorno das unidades de conservação; e o Mutirão Reflorestamento que
restaura a cobertura florestal das bacias hidrográficas e atua na prevenção da expansão das comunidades.
A construção de um novo conceito
O Parque Nacional da Tijuca possui atributos excepcionais de beleza
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
cênica e natural: maciços rochosos,
quedas d’água, riachos, fauna e flora da Floresta Atlântica, mirantes e
outros atrativos. O parque tornou-se,
ao longo dos anos, simultaneamente, importante área de lazer e prática
de esportes e ponto de atração turística nacional e internacional, visto
nele estarem situados alguns dos
marcos e símbolos da cidade e mesmo do país, tais como: estátua do Cristo Redentor no Corcovado, a Vista
Chinesa e a Capela Mayrink.
Associada ao ufanismo que o carioca demonstra pelo Parque Nacional da Tijuca encontra-se a violência imposta pelo narcotráfico à população da cidade do Rio de Janeiro
determinando, inclusive, códigos
implícitos de divisão e uso de espaços públicos, em especial nas próprias favelas, onde os traficantes se
apresentam como gerenciadores
territoriais de direito.
Para Zaluar (1998) “a imagem da
favela ficou registrada como área de precariedade urbana, como o lugar de carência, da falta, do vazio a ser preenchido pelos sentimentos humanitários, do
perigo a ser erradicado pelas estratégicas políticas que fizeram do favelado um
bode expiatório dos problemas da cidade”. Ainda segundo a autora, com a
chegada do tráfico de drogas, na década de setenta, “a favela passou a ser
representada como um covil de bandidos, zona franca do crime, hábitat natural das classes perigosas”.
Apesar desse imaginário, constata-se que, mesmo nas favelas situadas em zonas de conflito armado,
também existem substanciais redes
de solidariedade a partir das quais,
podem ser construídos novos conceitos e modelos que objetivem a preservação dos parques urbanos situados em metrópoles com altas taxas
de violência, associando proteção da
natureza, paz e solidariedade.
Trata-se de uma problemática
complexa que envolve questões de
habitação, urbanização, segurança
pública etc, bem como a desconstrução de representações simbólicas.
Entretanto, no entorno das unidades
de conservação, onde se existem
conflitos armados, não há como o
poder público ambiental se ausentar ou ignorar tal situação.
Ano VII • Nº 11 • Janeiro de 2005 • Salvador, BA
27
A equipe do Parque Nacional da
Tijuca vem enfrentando o desafio
imposto o que se reflete, dentre outros aspectos, na continuidade de
projetos para integração com as comunidades do entorno, mesmo em
áreas que apresentam altas taxas de
homicídios ou mortes, provocadas
por conflitos armados. Tendo como
instrumento a melhoria de sua efetividade na gestão, o parque desenvolve ações estratégicas e integrativas, que não excluem a participação de demais esferas governamentais e da sociedade civil organizada, na responsabilidade de atuação
conjunta para a melhoria de qualidade de vida dos cidadãos.
Destaca-se também a informação
prestada à população do entorno,
com relação à unidade de conservação, suas importâncias artísticas,
históricas e ambientais e as formas
de utilização deste espaço, a começar pelo seu conhecimento e a criação no imaginário dos cidadãos de
um símbolo de natureza próximo que
pode se harmonizar com a realidade de vida da cidade.
No contexto do pioneirismo das
ações desenvolvidas pelo Parque
Nacional da Tijuca, como o reflorestamento da unidade realizado no
século XIX para assegurar o abastecimento de água para a cidade do
Rio de Janeiro e o primeiro Parque
Nacional que compartilha a sua gestão com o poder local, entende-se que
a perspectiva de se trabalhar no estabelecimento e difusão do conceito
de Parque Urbano da Paz represente uma proposta inovadora e factível,
a ser desenvolvida pelo Parque Nacional da Tijuca, através da incorporação do conceito nos seus projetos de manejo e de sua ampliação
para as demais áreas protegidas que
se caracterizam por esse quadro de
confronto permanente entre a conservação da biodiversidade, o desenvolvimento do entorno e a inclusão
social, num ambiente crítico de violência urbana.
Além do exposto, entende-se que
a adaptação de um modelo desenvolvido pela IUCN em parques associados a regiões de conflito (Parques da Paz), poderá permitir uma
reflexão de base para a integração
28
entre a conservação ambiental e as
demandas da população do entorno, o que tende a colaborar para a
minimização de conflitos e violência urbana e, a associação das áreas
protegidas ao imaginário de natureza, paz e solidariedade.
Conclusões e recomendações
A Mata Atlântica é hoje uma das
florestas mais ameaçadas do mundo tendo, no Brasil, apenas 7% de
remanescentes de sua área original.
Menos de 2% desses remanescentes
encontram-se hoje sob a forma de
unidades de conservação de proteção integral, como os parques nacionais. No entanto, exatamente nos
limites de ocorrência da Mata Atlântica encontram-se as maiores cidades e aglomerações urbanas brasileiras, abrigando 70% da população
do país. Além das unidades de conservação já existentes em seu domínio, recomenda-se como ação específica para a conservação e recuperação da Mata Atlântica, a criação
de novas áreas protegidas com o
objetivo urgente de proteção de seus
remanescentes (MMA, 2000).
O Sistema Nacional de Unidades
de Conservação (SNUC) comemora
seus quatro anos de existência, com
a recente criação do Fórum Nacional de Áreas Protegidas, um espaço
dedicado às amplas discussões que
irão desde seu funcionamento até
seus espaços de participação e controle social. Nesse sentido, torna-se
necessária a discussão de propostas
para a redução dos conflitos no entorno de unidades de conservação
de proteção integral, bem como a reflexão sobre temas atuais, como a
violência nos grandes centros urbanos brasileiros.
Apesar do “Estado de Violência”
instalado, a cidade do Rio de Janeiro vem tentando reagir à situação,
através da ação conjunta e proativa
do movimentos social, debates públicos em larga escala, com a participação dos setores governamentais,
não governamentais e sociedade civil; campanhas em favor da melhoria
da imagem da cidade, no Brasil e no
exterior, além da estratégia de fomento e multiplicação dos projetos de
cunho social. Entretanto, não exis-
Ano VII • Nº 11 • janeiro de 2005 • Salvador, BA
tem propostas que correlacionem
questões de violência nas metrópoles e o compromisso de gestão da
biodiversidade como parte integrante das ações que possibilitem a reversão da situação de tensão social
na cidade do Rio de Janeiro.
O desenvolvimento e a aplicação
do conceito de Parques Urbanos da
Paz aos parques nacionais poderá
contribuir, significantemente, à noção de cidadania, além de fomentar
a ação pública com esse objetivo,
proporcionar a integração da variável social nos processos de gestão,
atrair investimentos publicitários
que ajudem a divulgar a importância da conservação da biodiversidade e dos espaços protegidos e viabilizar um olhar direto ao conflito urbano. Mas, essencialmente, poderá representar, simbolicamente, um forte
elemento estruturador, na medida
em que agrega valores éticos e morais, conforme os princípios das
Nações Unidas para a proteção da
vida e dignidade humana, incluindo-se, entre estes, os valores de patrimônio ambiental, diretamente relacionados à qualidade de vida e
bem estar coletivo.
Referências
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Ação da Cidadania Contra a Fome, a
Miséria e Pela Vida. Mapa do Fim da
Fome II. Fundação Getúlio Vargas, Rio
de Janeiro, 2004.
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de Janeiro. ISER, Rio de Janeiro, 2002.
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para a Conservação do Meio Ambiente (IBDF & FBCN). Plano de Manejo
do Parque Nacional da Tijuca. FBCN/
IBDF. Rio de Janeiro, 1981
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1998. Um Século de Favela. Fundação
Getúlio Vargas, Rio de Janeiro. 370p.
Ano VII • Nº 11 • Janeiro de 2005 • Salvador, BA
29
A DISTRIBUIÇÃO DOS ROYALTIES PETROLÍFEROS
NO BRASIL E OS RISCOS DE SUA
“FINANCEIRIZAÇÃO”
Rodrigo Valente Serra1
Ana Cristina Fernandes2
Resumo
No Brasil, as normas de distribuição das rendas públicas derivadas
da extração petrolífera (royalties e
participações especiais) expressam
uma visão compensatória equivocada: como se tais rendas devessem
ser canalizadas ao Estado como forma de compensar os impactos de
adensamento urbano, ou outras
externalidades negativas, provocadas pela indústria do petróleo. Fosse isso verdade, qualquer atividade
geradora de externalidades negativas pagaria royalties. Neste artigo, de
forma sucinta, recupera-se, com auxílio da economia clássica e neoclássica a gênese do conceito de renda mineral, para reivindicar políticas alternativas com os recursos dos
royalties: a de construir um fundo
de compensação pela alienação de
um patrimônio público (o petróleo)
e a de financiar políticas de promoção da justiça intergeracional. Políticas estas adicionalmente ameaçadas por uma tendência à “financeirização” dos fundos petrolíferos. Fundos estes que renunciam radicalmente o uso das rendas petrolíferas
com propósitos de promoção de um
desenvolvimento sustentável nos
países produtores em nome da montagem de esquemas de proteção
“macroeconômica”. É o petróleo, escasso, financiando fundos de estabilização financeira.
revenues (royalties and participações
especiais or special shares) in Brazil.
It works like the royalties from oil
extraction should be transferred to
the State to compensate for urban
impacts or other negative externalities derived from the oil industry.
If it was true, any activity which produces negative externalities would
have to pay royalties. Taking into
account the origins of the concept of
mineral revenues supported on the
classic and neoclassic economic
schools, the present paper argues
that the theoretical foundation of the
oil royalties as these have been
applied by Brazilian legislation are
misguided and claims for changes
in the current distribution of royalties revenues. A compensation fund
is proposed in order to protect public
property and promote intergenerational justice. This is quite an opposite view as regarding the worldwide dominant notion of “financialization” of petroleum funds. The
latter have been changed into funds
for supporting macroeconomic policies rather than focusing on sustainable development. Exhaustible oil
income now finances policies of
macroeconomic protection.
Key words: oil revenues; fiscal federalism; Brazil: regional development.
Palavras-Chave: rendas petrolíferas;
federalismo fiscal, Brasil: desenvolvimento regional
Abstract
There is a misunderstanding about
the distribution rules of public oil
30
Ano VII • Nº 11 • janeiro de 2005 • Salvador, BA
Introdução
O que não é possível, nem justificável, é que Estados (petrolíferos)
que servem de suporte, de apoio,
que têm suas estruturas modificadas pela presença de uma nova
tecnologia que lá aporta e, por isso
mesmo, modifica os níveis de vida,
obrigando que as infra-estruturas
estaduais sejam reforçadas, com
ônus, altos para os seus parcos cofres, nada recebam a não ser o orgulho de dizer: ‘temos petróleo’.
Não é lícito, portanto, que esses
Estados, sem nada, ainda arquem
com o ônus de suportar essas despesas, sem nenhuma retribuição
àquilo que a natureza colocou no
confronto de seus territórios. (Discurso do Senador José Sarney,
Anais do Congresso Nacional,
1971, vol. 5, pág. 79)
Eis a visão triunfante que determinou a escolha de critérios para
repartição espacial das rendas públicas do petróleo (royalties e participações especiais) 3 no país: uma
visão que naturaliza os recebimentos destas receitas pelos territórios
impactados negativamente pelo segmento de exploração e produção de
petróleo e gás natural (E&P).
Tal visão possibilita que hoje, no
Brasil, a distribuição dos royalties
entre as esferas de governo subnacionais (GSNs) seja refém de um forte determinismo físico, que premia
estados e municípios por sua sim-
1
Doutor em Economia Aplicada (IE/Unicamp); Professor/Pesquisador do Mestrado em Planejamento Regional e Gestão de Cidades da Universidade Candido Mendes – Campos dos Goytacazes (RJ) – [email protected]
2
Professora do Departamernto de Geografia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) –
[email protected]
3
Os royalties são alíquotas fixas incidentes sobre o valor da produção do óleo cru e do gás natural na boca
do poço; as participações especiais incidem sobre os lucros extraordinários de campos petrolíferos com
elevada produção e rentabilidade. Para uma visão detalhada sobre estes instrumentos fiscais ver Gutman
e Leite (2003).
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
ples proximidade com os campos de
exploração, mesmo que na plataforma continental.
Esta opção equivale ao abandono da contribuição da economia clássica e neoclássica para o entendimento do conceito de renda mineral.
Tal abandono reflete-se na perda de
oportunidade de que os royalties
possam promover duas importantes
políticas: a de construir um fundo
de compensação pela alienação de
um patrimônio público, de um lado,
e a de financiar políticas de promoção da justiça intergeracional, de
outro. Este argumento será desenvolvido na primeira seção do presente
artigo.
Em que pese a importância desta
discussão, o objetivo do artigo é discutir um outro aspecto do debate em
torno da cobrança de royalties à atividade de petróleo e gás, que será
focalizada na segunda seção: à luz
da contribuição clássica e neoclássica tratadas na sessão anterior, alertar para o risco crescente de “financeirização” das rendas públicas do
petróleo. Na medida que cresce a
participação relativa do setor petróleo na matriz produtiva nacional e,
na medida em que se eleva o preço
internacional deste recurso, os royalties podem, definitivamente, deslocar-se das duas orientações políticas acima defendidas, alimentando,
alternativamente, fundos de estabilização “macroeconômica”.
O artigo não pretende apresentar
com minúcias o conjunto de normas
que regulam a cobrança dos royalties no país, a sua distribuição entre
os entes federados e a sua aplicação.
Contudo, neste espaço introdutório,
devem ser feitas breves referências
aos principais traços destas normas
que distanciam o regime de repartição e aplicação dos royalties de uma
política energética e de desenvolvimento regional sustentáveis. Na
medida em que é trazida a contribuição das escolas clássica e neoclássica para o entendimento do conceito
de renda mineral irão sendo desnudados os problemas referentes às
normas de cobrança, distribuição e
repartição dos royalties.
No ano de 2004 foram distribuídos a título de royalties cerca de
R$ 5,04 bilhões. Deste total, dois terços destinaram-se diretamente às esferas de governo subnacionais: R$
1,62 bilhões aos governos estaduais
e R$ 1,70 bilhões aos municípios. Ao
nível federal, foram beneficiários: o
Ministério da Marinha (R$ 0,73 bilhões) e o Ministério da Ciência e
Tecnologia (R$ 0,62 bilhões). Por fim,
R$ 0,37 bilhões foram direcionados
para um Fundo Especial, cuja função é repartir estes recursos com o
conjunto dos estados e municípios
brasileiros, segundo os mesmos critérios de repartição, respectivamente, do Fundo de Participação dos
Estados (FPE) e do Fundo de Participação dos Municípios (FPM).
Entre os principais traços deste
regime de cobrança, repartição e aplicação dos royalties, destacam-se:
• O royalty tem uma alíquota que
varia entre 5% e 10% sobre o
preço do óleo e gás, determinada pela ANP em função de características físicas e econômicas dos processos de extração;
• A forma de descentralização
destes recursos é geradora de
hiper-concentração de receitas
em poucos estados e municípios, sobretudo porque são
usados critérios de proximidade com os campos petrolíferos. Se a produção ocorre em
terra (onshore), recebem estados
e municípios onde se localizam os campos, incluindo neste conjunto os municípios limítrofes à zona de produção. Se
a produção é marítima (offshore) recebem estados e municípios cujas projeções de seus
limites na plataforma continental incorporam campos ou
poços petrolíferos, aqui também incluídos os municípios
limítrofes às zonas de produção principal;
• Não há vinculações criteriosas
quanto à aplicação destes recursos, sobretudo nas esferas
governamentais subnacionais,
engrossando os royalties o
“caixa único” destes entes;
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
4
• Vem sendo permitida à União
a alocação destes recursos para
montagem de fundos de estabilização macroeconômica e
às Unidades da Federação que
os utilizem para salvaguarda
das dívidas com o governo federal.
De como o desenvolvimento do
conceito de renda mineral, desenvolvido pelas escolas econômicas clássica e neoclássica,
poderia orientar políticas econômicas sustentáveis com os
recursos dos royalties petrolíferos
(...) a renda não é parte componente do preço das mercadorias
(...). Estou convencido de que a clara compreensão deste princípio é
da mais alta importância para o
conhecimento da Economia Política (RICARDO: 1996 p.70).
Para os economistas clássicos, de
uma forma geral, as rendas minerais
possuíam a mesma gênese das rendas agrícolas 4, sendo pertinente,
pois, uma leitura dos princípios da
tributação agrícola idêntica àquela
que se aplica ao setor mineral.
Tal como postulado desde David
Ricardo, em seus Principles of Political Economy and Taxation, de 1817, a
renda, ou renda diferencial, equivale ao lucro extraordinário produzido por aqueles capitais empregados
em terras mais produtivas, isto é, em
condições favoráveis relativas à fertilidade, transporte interno e distância dos mercados consumidores. O
lucro é extraordinário em relação ao
lucro médio auferido pelos capitais
empregados nas terras menos produtivas, ou marginais, cujas condições de produção (custos de produção) regulam o mercado agrícola.
Importa observar, a partir do postulado pelos clássicos, que a renda
diferencial não faz parte do preço. A
renda surge em função da diferença
de rentabilidade entre terras de produtividade distintas. Embora exista
a figura do proprietário para cobrar
“Esse capitalista-arrendatário paga ao proprietário da terra, ao proprietário do solo explorado por ele,
uma soma em dinheiro fixada contratualmente (...) pela permissão de aplicar seu capital nesse campo
específico de produção. A essa soma de dinheiro se denomina renda fundiária, não importando se é paga
por terras cultiváveis, terreno de construção, minas, pesqueiro, matas, etc.” (MARX: 1983, p. 126).
Ano VII • Nº 11 • Janeiro de 2005 • Salvador, BA
31
“
é muito baixo) não deveria ser considerado como um imposto, mas
como um encargo sobre a renda,
cobrado em benefício do público –
uma parcela da renda reservada
desde o início pelo Estado, parcela
esta que nunca pertenceu aos senhores de terra nem nunca fez parte de sua renda, e portanto não deveria ser contada para estes como
parte de sua tributação, de molde
a isentá-los de sua justa cota de
participação em todos os outros
impostos”.(MILL, 1986: p. 301)
Se for seguro
classificar o setor
petrolífero como gerador
de rendas diferenciais,
nem sempre é certo que
este mesmo setor desta
se aproprie...
”
esta renda diferencial do capitalista, e embora o capitalista tenha que
computar este pagamento para controle de seu negócio, de fato, a renda
só existe em determinada terra porque há uma outra de menor produtividade. Por isso a renda extraordinária deve ser tomada como residual, e não como um componente do
custo de produção.
Se for seguro classificar o setor
petrolífero como gerador de rendas
diferenciais, nem sempre é certo que
este mesmo setor desta se aproprie:
geração e apropriação de rendas diferenciais nem sempre andam juntas
(CARCANHOLO: 1984). Como já visto, segundo a tradição clássica, a renda é gerada em função de haver uma
diferença entre as condições de produção nas terras mais produtivas e
aquelas vigentes nas terras menos
produtivas, ou marginais. Mas isto
somente explica a geração das rendas diferenciais, e não sua apropriação, a qual dependerá da barganha
política entre os agentes econômicos
e entre estes e o Estado.
Seguindo a tradição clássica, a
renda é efeito do preço elevado, e a
sua apropriação pelo proprietário
da terra seria realizada à custa de
toda a sociedade. Para esta escola,
portanto, a renda diferencial fundiária, ou mesmo a renda das minas,
quando apropriada pelos proprietários, revela-se em um ganho para o
qual estes não realizaram qualquer
esforço. Este entendimento fez com
que Mill, mais do que advogar uma
taxação especial sobre a renda defendesse uma outra leitura para o
imposto fundiário:
A adoção desta clara tomada de
partido de Mill sobre a tributação
das rendas diferenciais, se aplicada
sobre o segmento de E&P, para o arrepio dos hodiernos defensores de
um alívio tributário setorial, mais do
que sustentar a função do royalty de
captura de ganhos extraordinários,
justificaria a não dedução desta parcela da base de cálculo para os demais impostos incidentes sobre a
atividade.
Como será visto por meio da contribuição dos economistas neoclássicos, a renda mineral não é originada de forma idêntica à renda da terra. Contudo, desde que a renda mineral seja vista também como residual, ou simplesmente como extraordinária, o royalty, portanto, pode
ser interpretado como instrumento
para capturar rendas diferenciais da
indústria petrolífera.
Se o governo nacional, em seu
propósito de cobrança dos royalties,
fosse inspirado na contribuição dos
economistas clássicos, garantiria a
este instrumento uma maior condicionalidade (em relação aos lucros
das companhias) do que a hoje existente, uma vez que os royalties, no
Brasil, como em muitos outros países, incidem sobre o valor da produção e não sobre o lucro das companhias 5.
De outra forma, se a legislação
que regula a distribuição dos royalties no Brasil fosse orientada pela
contribuição dos economistas clássicos, não permitiria o rateio destes
recursos com uma parcela das esfe-
O imposto territorial hoje vigente
(o qual, na Inglaterra, infelizmente
32
Ano VII • Nº 11 • janeiro de 2005 • Salvador, BA
5
ras de governo subnacionais. As rendas extraordinárias ou são fruto de
um monopólio legal, sustentado pelo
Estado, e baseado na exploração de
um bem público, ou são originárias
de uma posição oligopolista, freqüente ao segmento de E&P, cuja
política de formação de preços é regulada pela esfera nacional de governo. Enfim, a captura de rendas extraordinárias parece ser exclusividade
da União, a não ser que fossem as
esferas de governo subnacionais proprietárias das jazidas e/ou sobre estas realizassem a função regulatória,
fato que não se evidencia no Brasil.
Se a União, em função da demanda dos governos subnacionais,
“aceita” dividir esta renda com as
escalas inferiores de governo, não
poderia fazê-lo de forma seletiva,
como efetivamente faz, segundo critérios de impacto da atividade petrolífera sobre o território. Se assim
faz, a norma de distribuição dos
royalties, em desatenção à contribuição da economia clássica, definitivamente abandona a possibilidade
de tratar corretamente o royalty como
instrumento de captura de rendas
diferenciais. Mas, é verdade, que esta
função de captura das rendas petrolíferas pode, no caso Brasileiro, ser
efetivada por outros instrumentos
fiscais: para a captura de rendas extraordinárias o sistema tributário
nacional oferece o imposto sobre o
lucro líquido das firmas, para o setor petróleo e gás, em especial, o sistema tributário prevê a captura das
rendas extraordinárias através das
participações especiais, incidentes sobre campos de elevada produção e
rentabilidade.
Portanto, trabalhando com a hipótese de que o governo poderia utilizar outros instrumentos para captura das rendas minerais, a presente análise não pretende defender a
idéia de que a principal fragilidade
do regime legal dos royalties no Brasil seja a desatenção em relação
à contribuição clássica, deixando
de explorar suas possibilidades
O uso do royalty como instrumento de captura da renda petrolífera talvez encontre sua manifestação
concreta mais nítida no caso dos países produtores do Oriente Médio. No reino da Arábia Saudita, entre
o primeiro contrato de concessão, em 1933, e o histórico acordo de 1950, que instaurou o imposto de
renda sobre a atividade petrolífera, o royalty (incidente sobre os lucros das companhias) funcionou como
o único instrumento fiscal incidente sobre o setor.
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
enquanto instrumento de apropriação de rendas extraordinárias. O
foco da crítica recai, isto sim, sobre a
desatenção das regras de aplicação
dos royalties, no sentido de viabilizar políticas de compensação ao
patrimônio exaurido (petróleo) e/ou
de promover a justiça intergeracional, ou ainda, no sentido de viabilizar fontes alternativas de financiamento do serviço das dívidas públicas. Funções estas que são aclaradas com o desenvolvimento do conceito de renda mineral, apresentado
em seguida.
O royalty como instrumento
de promoção de políticas de
justiça intergeracional6
Argumentou-se anteriormente
que os economistas clássicos, de
uma maneira geral, tratavam de forma semelhante a renda da terra e a
renda mineral. Não seria justo, entretanto, deixar escapar uma sutil
divergência de Mill (1986), que vislumbrava nas minas, diferentemente das terras, a possibilidade dos
seus proprietários limitarem a quantidade extraída, a fim de não exaurir
as jazidas com excessiva rapidez.
Esta observação, embora não tenha
derivado na elaboração de uma leitura original da renda mineral, parece ser uma importante contribuição para a compreensão do conceito
mais moderno de renda mineral, o
qual incorpora a dimensão temporal (finitude dos recursos), como será
visto a seguir.
É Harold Hotelling, em seu clássico artigo de 1931, “The Economics
of Exhaustible Resources”, quem desenvolve de forma original a microeconomia aplicada à exploração dos
recursos naturais não renováveis,
precisando o conceito de renda mineral e formalizando uma resposta
para determinação de um ritmo economicamente ótimo7 para extração
dos recursos exauríveis. (KRAUTKRAEMER, 1998: pg. 2066)
Tratando-se de um recurso não
renovável, a sua extração presente implica na impossibilidade de uma extração futura. Tal fato gera um custo
de oportunidade que deve ser considerado, pois diante da finitude do
seu estoque, há uma tendência de
elevação nos preços com o decorrer
do tempo. Para Margullis (1996: pg.
160), este custo deve ser igualado “ao
valor que poderia ser obtido, em alguma
época futura, da exploração do recurso
em apreço.”
Como a presença deste custo de
oportunidade altera a formação do
preço do recurso não renovável? Em
equilíbrio, o mercado garante que o
preço se iguale ao custo marginal de
produção. Contudo, de acordo com
Margulis (1996), como o recurso não
é reproduzível, é necessário acrescermos ao preço o custo de oportunidade. A oportunidade de se explorar o recurso em algum tempo futuro e não hoje. Assim, o preço do recurso não renovável pode ser expresso por:
P = CMG + COP
(1)
Onde:
P = preço do recurso não renovável;
CMG = custo marginal de produção
(exploração) do recurso não
renovável;
COP = custo de oportunidade de se
produzir o recurso não renovável em alguma data futura.
Mas, pelo que já foi apresentado,
o custo de oportunidade específico
da exploração dos recursos minerais
expressa a renda de Hotelling, que
se iguala aos royalties pagos aos proprietários das jazidas minerais. Desta forma, a expressão (1) pode ser
reescrita como:
P = CMG + Royalty
(2)
A compreensão do enunciado
por Hotelling, acerca da especificidade da renda mineral, permite compreender que esta permanece existindo ainda que em um ambiente
competitivo. Pois esta renda existe
não devido a nenhuma posição
monopolista do proprietário da jazida, mas simplesmente em função
da condição de não reprodutividade
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
6
7
do bem mineral. Portanto, o preço
dos recursos exauríveis será definido em um nível sempre superior ao
custo marginal de produção. Isto revela que “a renda dos recursos minerais é conceitualmente diferente da renda ricardiana, da renda de escassez ou
mesmo da renda econômica dos teóricos
do rent seeking (POSTALI, 2002: p. 22).
Mas como encontrar o valor para
a renda de Hotelling, ou seja, como
definir o valor do royalty? É preciso
conhecer como variam no tempo o
preço do mineral e o custo de oportunidade. Um proprietário de uma
jazida mineral tem sempre duas escolhas: i) explorar o recurso hoje (ou
permitir que um terceiro o faça); ii)
manter sua jazida inexplorada. Há
racionalidade para a manutenção de
uma jazida inexplorada? Sim, se
esta jazida, aos olhos de seu proprietário, prometer ganhos mais elevados no futuro.
E como é possível ao proprietário
da jazida processar este cálculo?
Toma o proprietário o valor futuro
do preço do mineral, e sobre este valor aplica uma taxa de desconto, trazendo este valor para o presente. Este
valor futuro do mineral, trazido para
o presente, e descontado o custo de
produção, serve como parâmetro
para o proprietário decidir-se sobre
o momento da exploração. Esta decisão é tomada com base na comparação entre o valor presente das receitas líquidas esperadas com a exploração da jazida no futuro e a rentabilidade presente da mesma jazida. Como, num mercado em equilíbrio, as receitas líquidas dos negócios capitalistas igualam-se à taxa
de juros (para a classe de risco a que
pertence o negócio da mineração), é
esta taxa que servirá como parâmetro para o proprietário da jazida na
escolha entre o hoje e o amanhã como
momento de exploração do recurso.
E como varia no tempo o valor do
royalty? O modelo de Hotelling estabelece a seguinte regra: o custo de
uso (royalty) de um recurso não
renovável varia a uma taxa igual à
Esta seção é orientada pelo estudo de Serra e Patrão (2003).
Definindo-se um critério qualquer de mensuração do bem estar social (que tanto pode estar baseado na
renda ou em fatores subjetivos), o ótimo econômico é um desenho de alocação dos recursos (escassos)
de forma a gerar um nível de bem estar social superior a qualquer outra alternativa de alocação.
Ano VII • Nº 11 • Janeiro de 2005 • Salvador, BA
33
taxa de juros; igualdade esta obtida
através da condição de eficiência dinâmica. Se a taxa de valorização deste custo fosse maior que a taxa de
juros do mercado, ocorreria um desequilíbrio, pois o proprietário do recurso manteria este recurso no solo,
inexplorado, a fim de obter ganhos
futuros com sua exploração posterior. Isto diminuiria a oferta presente
do recurso e a conseqüente elevação
do preço restabeleceria o equilíbrio.
Ocorrendo o contrário, isto é, se a
taxa de juros é superior ao valor futuro esperado para o recurso, o proprietário seria estimulado a extrair
o recurso hoje, aumentando a produção e conseqüentemente a oferta,
com posterior queda nos preços, diminuindo a sua produção e restabelecendo o equilíbrio.
Enfim, a taxa de retorno esperada sobre os recursos no solo (in the
ground) deverá ser igual à taxa de
retorno sobre outros bens pertencentes à mesma classe de risco. Desta
igualdade resulta ser indiferente extrair o recurso num período t, ou no
período t+1.
Diante da formulação de Hotelling, a questão que se apresenta é
de alocação intertemporal de um recurso finito. Esta alocação considera um custo de oportunidade e uma
taxa de desconto. Sendo a taxa ótima de extração aquela que garante
um preço do recurso que permita a
sua exaustão gradativa, proporcionando uma transição para um recurso energético do tipo backstop8.
Embora o modelo de Hotelling
seja o referencial para estudos de
recursos naturais não renováveis,
este sofreu restrições quanto à comprovação dos seus fundamentos em
estudos empíricos, isto em função da
presença concreta na indústria mineral de fatores não assumidos em
seu modelo, tais como: concorrência
imperfeita; descoberta de novas reservas; custos variáveis; avanços
tecnológicos; ambiente de incertezas,
principalmente atrelado ao peso da
geopolítica na determinação do ritmo de exploração. Observou-se, de
fato, que os preços dos recursos não
renováveis nem sempre seguiram
uma tendência de alta, como afirma
Krautkraemer (1998: pgs. 2080 a
34
2085), que conseguiu demonstrar o
comportamento declinante dos preços depois dos anos setenta de alguns
recursos como alumínio, carvão, ferro, chumbo, gás natural, níquel, petróleo, prata, estanho e zinco.
Mas, para além destas fragilidades do modelo, a regra de Hotelling
sofre de um constrangimento ainda
mais severo, observado por Martinez-Alier (1989). Trata-se da impossibilidade de mensurar o valor dado
pelas gerações futuras ao recurso
natural. Ora, indivíduos que ainda
não nasceram não podem expressar
suas preferências no mercado. Portanto, a determinação do valor futuro do recurso não renovável e da taxa
de desconto necessita de uma brutal
decisão moral dos agentes econômicos hoje vivos: assumir que a sociedade futura não será nem mais nem
menos egoísta do que a atual e assumir ainda que a sociedade por vir
imputará o mesmo peso do que a atual às questões ambientais9. E, em razão destas decisões, eticamente comprometidas, seria definido um ritmo
de exploração para os recursos não
renováveis.
Apesar das mencionadas restrições ao modelo, a idéia central é a
existência de uma renda mineral,
que, segundo Hotelling, é atualizada pela taxa de desconto dos ativos
pertencentes à mesma classe de risco, fazendo com que seu proprietário seja indiferente ao período de
extração. O que a regra de Hotelling
propõe é uma trajetória de extração
que garantiria uma melhor alocação
temporal dos recursos. Um ritmo de
extração, cuja decisão traz à tona o
papel do royalty enquanto promovedor da justiça intergeracional:
Ano VII • Nº 11 • janeiro de 2005 • Salvador, BA
A idéia de que a extração presente
impossibilita que gerações futuras
usufruam dos benefícios do recurso traz à tona questões de justiça
intergeracional e eqüidade, no sentido de se perguntar o que deve ser
feito com a renda de Hotelling obtida pelo proprietário do recurso,
8
9
para não prejudicar os futuros consumidores” (POSTALI, 2002: p.
20-21).
Seja a jazida propriedade pública ou privada, o comprometimento
dos recursos naturais não renováveis
para a geração futura em função da
extração atual é o ponto de partida
para a questão da justiça intergeracional, pois se espera que esta renda gerada seja aplicada de forma a
oferecer à geração futura uma fonte
de renda alternativa, quando ocorre
a exaustão do recurso.
Hartwick (1977) recomendou que
as rendas geradas por recursos não
renováveis fossem investidas em
acumulação de bens de capital. A
idéia é que a geração atual deixe para
a futura capital reprodutível, humano ou físico, o suficiente para que
esta mantenha um padrão de vida
satisfatório. Segundo Hartwick, é
possível manter um nível de consumo per capita constante no decorrer
do tempo e garantir a eqüidade entre gerações. Para isso, a geração atual deve converter parte da renda gerada (renda de Hotelling) pela extração de recursos não renováveis
em máquinas e trabalho. É a transferência de estoque de recursos não
renováveis em estoques de capital
manufaturado e humano.
Postali (2002: p. 21) resume com
muita clareza o propósito da regra
de Hartwick: (...) estabelece que um país
deve usar a renda de seus recursos para
financiar a diversificação da economia
na direção de atividades mais dependentes de trabalho e capital físico do que de
recursos naturais.
Estas compensações às gerações
futuras devem ser promovidas em
escalas distintas. Ao nível nacional,
cabe o ressarcimento dos nossos descendentes que não desfrutarão da
riqueza mineral hoje extraída, pertencente à União. Um uso dos royalties adequado a esta proposição compensatória nacional seria o de promover a pesquisa e o desenvolvimento de fontes alternativas de ener-
Não se pretende neste trabalho um estudo mais detalhado sobre a tecnologia de backstop. Essas tecnologias
são, presentemente, economicamente inviáveis. Como exemplo, temos a dessalinização das águas marinhas, energia solar, energia eólica. A idéia é que à medida que o recurso não-renovável vai se exaurindo, o seu custo aumenta até ficar maior que o custo da tecnologia de backstop.
Martinez-Alier (1989: p. 156) chama de controverso princípio moral: an equal weight would have been
given to the demands from all generations.
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
gia, minimizando a dependência
futura em relação ao recurso finito10.
E nas esferas subnacionais, como
promover a justiça intergeracional?
Nas regiões que atendem à produção petrolífera são imobilizados capitais cuja função deixa de existir
quando o petróleo esgotar. São estruturas industriais, equipamentos
de infra-estrutura terrestre e portuária, escritórios de serviços, que se
cristalizam nestas regiões e que,
muitas vezes, podem responder pela
dinâmica de crescimento local ou
regional. É somente a qualidade
finita destes impactos territoriais11,
e não sua magnitude, que pode justificar a necessidade crucial de aplicação de parte dos recursos de royalties nas regiões produtoras (Leal e
Serra: 2003). Este aspecto previsível
dos movimentos de saída de capitais e de pessoas dos territórios que
atendem à atividade de exploração
de recursos não renováveis aponta
para a justeza da aplicação de royalty
nessas regiões. Ora, se uma região é
intensamente impactada pela atividade petrolífera, maior será, ceteris
paribus, seu esvaziamento econômico quando as reservas acabarem.
Ao nível subnacional a política
de promoção da justiça intergeracional deve ser realizada, portanto,
através da diversificação produtiva,
ou de alguma outra estratégia que
procure minimizar os efeitos depressivos sobre a região que ocorrerão
quando do esgotamento econômico
das jazidas12. Sendo assim, chegase a uma segunda conclusão: o regime tributário do setor petróleo nacional, novamente em desatenção à
contribuição teórica (neoclássica)
sobre a renda mineral, não criou
mecanismos legais rígidos para a
promoção da justiça intergeracional,
em qualquer nível governamental
que se queira. Isto equivale a desperdiçar uma política sustentável para
o setor energético nacional e para as
cidades/regiões petrolíferas.
“
... a superação
da crise implica a
instauração
de novos arranjos
institucionais...
”
do modo de desenvolvimento fordista. Como é sabido, crise e ciclos
de acumulação são componentes
intrínsecos ao capitalismo, em vista
dos variados conflitos que gera entre interesses antagonizados por sua
força contínua e destrutivamente criadora. Sabe-se também que a cada
nova crise acirram-se lutas competitivas induzindo ajustes sócio-econômicos, no tempo e no espaço. A crise, por sua vez, instaura condições
para a disputa pela hegemonia do
poder econômico e pelo poder político dos Estados, particularmente os
Estados nacionais, por parte de frações de capital.
Setorialmente definida – desde o
interior dos blocos hegemônicos –, a
superação da crise implica a instauração de novos arranjos institucionais que propiciarão as condições
necessárias para o exercício da hegemonia pelos grupos econômicos
vencedores. Ao mesmo tempo, para
o conjunto do sistema econômico, os
novos arranjos atribuem relativa
consistência e estabilidade necessárias à sua reprodução sob a nova
hierarquia político-econômica, mesmo que temporária, redefinindo os
padrões de organização do sistema
de trocas, da reprodução social e da
relação capital-trabalho.
Swyngedouw (1992) observa que
a autonomização do capital financei10
A legislação nacional não parece incorporar a necessidade de dar uma destinação compensatória aos
royalties repassados à esfera federal. Embora a legislação destine parte destas receitas ao Ministério de
Ciência e Tecnologia, fortalecendo o fundo de pesquisa conhecido como CTPetro, ainda é incipiente o
esforço nacional em atrelar os referidos recursos à políticas de desenvolvimento de fontes alternativas de
energia.
11
É verdade que qualquer município ou região, seja qual for sua estrutura produtiva, corre o risco da
obsolescência de seu estoque de capital, do esvaziamento econômico (por motivos endógenos ou
exógenos), e não por isso são beneficiários dos royalties. Contudo, os estados e municípios atingidos pela
atividade de exploração de um recurso não renovável, inexoravelmente, vivenciarão um período de fuga
de capitais móveis e obsolescência do imobilizado.
12
Respeitando o princípio da promoção da justiça intergeracional, a constituição de um fundo perpétuo de
investimento com os recursos dos royalties foi adotado pelo estado do Alaska, nos EUA, tomando as
gerações futuras das regiões petrolíferas como “viúvas” ou “pensionistas” da atividade petrolífera. Sobre
a experiência do Alaska ver Leal e Serra (2003).
Os Riscos de “Financeirização” dos Royalties Petrolíferos
A hipótese da financeirização
dos royalties petrolíferos corresponde a fenômeno mais recente, associado aos efeitos do colapso do chama-
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
ro no processo contemporâneo de
acumulação detém importante papel
na ruptura e transição do regime inaugurado no pós-guerra, que termina
desencadeando a financeirização da
produção capitalista de riqueza, isto
é, a ampliação do poder relativo do
capital financeiro na apropriação de
excedentes frente a outras frações de
capital – em direção à condição de
hegemonia setorial do sistema economia-mundo –, o que induz à intensificação do recurso a ganhos financeiros como item essencial do leque
de estratégias corporativas das demais frações de capital. Neste aspecto, observamos semelhança como o
argumento proposto por Aloizio Teixeira e retomado por Braga (1997). A
implosão da regulação do sistema financeiro mundial, com o fim do sistema de taxas de câmbio fixas, e da
conversibilidade do dólar em ouro,
as moedas começam a flutuar livremente de uma economia nacional
para outra, configurando-se assim
um mercado financeiro global que se
intensifica junto com as instabilidades e tensões de variadas sortes que
ele mesmo ajuda a produzir: dos choques do petróleo ao crescimento dos
movimentos de relocalização das atividades produtivas, da crescente
desregulação (e conseqüente exploração ampliada) do trabalho à intensificação da especulação financeira.
Esta última vai constituir-se como
uma das características do período
de transição que sucede à eclosão da
crise, para a qual o setor petróleo colaborou de forma destacada.
Esta mudança de ênfase da produção de mercadorias para a especulação financeira vai impulsionar,
assim, espetaculares crescimentos
no mercado financeiro13, o que por
Ano VII • Nº 11 • Janeiro de 2005 • Salvador, BA
35
“
Desvalorizações
de moeda refletem
prejuízos contabilizáveis
dos quais as corporações
precisam fugir.
”
sua vez, conduz a grandes flutuações das taxas de câmbio e revigorada instabilidade da atividade produtiva. Cresce a busca por economias cujas condições macroeconômicas, mesmo que temporárias, viabilizem ganhos no mercado de câmbio, agora fundamentais para a expansão da acumulação mesmo em
atividades produtivas. Para a empresa corporativa, a decisão sobre mover-se de um país para outro agora
contempla um novo fator locacional:
as possibilidades de lucros obtidos
com operações financeiras envolvendo mercados de câmbio. Desvalorizações de moeda refletem desvalorizações de ativos reais, ou seja,
prejuízos contabilizáveis dos quais
as corporações precisam fugir.
O processo de globalização financeira pode, assim, ser entendido pela
confluência de dois movimentos fundamentais: a progressiva liberalização (desregulamentação) financeira
no ambiente doméstico e a crescente
mobilidade dos capitais no plano
internacional, como defendido pela
escola regulacionista francesa 14 ,
espelhado em Carneiro:
Estamos nos referindo especificamente à financeirização [da acumulação], entendida como uma
norma de ação dos vários agentes
econômicos, sejam eles empresas,
famílias ou instituições financeiras.
A questão essencial é que o aprofundamento das finanças de mercado modifica o comportamento
dos vários tipos de agentes, cuja
lógica de investimento se transforma e adquire um caráter especulativo. Quanto mais aprofundada a
liberalização mais a lógica especulativa toma conta dos agentes. Ou
seja, com mercados amplos e líquidos o objetivo de qualquer investimento não é o de adquirir ativos que possam produzir um fluxo de rendimentos que capitalizados à taxa de juros corrente supe-
36
re o valor inicial desembolsado.”
(CARNEIRO, 1999: p.7)
Diante disso, a acumulação de
capital passa a se processar em um
contexto de grande instabilidade e
desordem que se auto-alimenta e, ao
mesmo tempo, ajusta as empresas às
mudanças nas relações inter-setoriais determinadas por um sistema
monetário desorganizado e crescentemente especulativo, portanto, instável e incerto. Considerando, como
argumenta Arrighi, que o sistema
inter-empresas movimenta-se acionando as estruturas do Estado nacional em sua disputa por posições
vantajosas na economia-mundo, a
autonomização do capital financeiro vai operar grandes efeitos sobre a
atuação deste. À medida que evolui
a financeirização e transnacionalização da acumulação, prosperam,
em paralelo, transformações relevantes na estrutura e natureza do
Estado, com repercussões marcantes
sobre as políticas cambiais, mas também sobre as políticas fiscais. Ao
mesmo tempo em que é sua função
primordial assegurar credibilidade
ao mercado nacional, mantendo o
serviço da dívida e realizando as
reformas institucionais que favoreçam o ingresso e a rentabilidade de
capitais externos, de outro também
lhe cabe conduzir restritiva política
fiscal de modo a reduzir déficits públicos e ampliar capacidade de pagamento de juros elevados, necessários para a manutenção do ingresso
de ativos estrangeiros, essenciais ao
balanço de pagamentos. São mudanças especialmente relevantes em países de grande fragilidade externa,
como o Brasil
Desta forma, a ação do Estado
acaba por tornar-se refém da armadilha da “financeirização”. No Brasil, como em grande parte dos países “emergentes”, o fato de sua moeda não ser conversível, implica a
adoção de uma estratégia de proteção contra a fuga de capitais especulativos. Uma estratégia que se guia
pela estabilidade da moeda, alicer-
Ano VII • Nº 11 • janeiro de 2005 • Salvador, BA
çada em políticas de juros elevados,
contingenciamento das despesas
públicas e manutenção de reservas
cambiais suficientes para sustentar
um quadro de convencimento dos
detentores dos capitais voláteis que,
em última instância, acabam por ser
os financiadores dos déficits destes
países.
O que se deseja denunciar com
esta sumária apresentação do fenômeno da “financeirização”, é que
também as rendas públicas do petróleo foram “capturadas” para servir de colchão de proteção da estabilidade macroeconômica da economia brasileira, assim como de muitos
países produtores de petróleo. Tratase de mais um episódio de inobservância da contribuição das escolas
econômicas clássica e neoclássica
para o entendimento do conceito de
renda mineral, e por extensão, de renúncia da execução de políticas
energéticas e de desenvolvimento regional sustentáveis, tal como apresentadas na seção anterior.
É claro que nos países mais sujeitos a instabilidades cambiais, mais
dependentes de divisas externas e
dos rendimentos do setor petróleo
esta financeirização das rendas petrolíferas é mais notória. O Fundo de
Investimento e Estabilização Macroeconômica da Venezuela (FIEMV)15,
criado em 1998, pela presidente
Caldera, é um exemplo valioso. Quando os preços do petróleo caíram, no
rastro da crise financeira asiática de
1997, o então Presidente Caldera aceitou as recomendações do FMI de criar um fundo de caráter de estabilização. O fundo acumularia reservas
quando o preço do petróleo estivesse
elevado, e cobriria o orçamento público quando os preços estivessem em
baixa. Seu explícito objetivo: prevenir flutuações na renda advindas da
oscilação dos preços do petróleo, com
efeitos sobre as necessidades fiscais
do país, taxa de câmbio e o balanço
de pagamentos.
O fundo tinha regras diretas de
acumulação. Baseado em um preço
13
De menos de uma média de US$ 20 bilhões por dia, em 1970, o comércio mundial de moedas salta para
mais de US$ 150 bilhões por dia, em 1979, aponta Swyngedouw (1994).
14
Notabilizada pelos trabalhos de Aglietta (1995); outro importante analista é Chesnais (1999).
15
TSALIK (2003).
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
de referência do barril (calculado
através da média dos últimos cinco
anos), o FIEMV crescia quando o
petróleo estava com alta cotação internacional, por meio da captura da
diferença entre o preço de mercado e
o preço de referência. Com a redução do preço internacional do petróleo, abaixo do preço de referência,
decrescia o principal do FIEMV, por
via de transferências ao tesouro
venezuelano. Regra adicional permitia que quando o fundo atingisse
valor superior a 80% da média (dos
últimos cinco anos) das receitas
anuais com exportação de petróleo,
o seu excesso de receita (acima destes 80%) poderia ser utilizado, com
autorização do congresso, para auxiliar o pagamento do déficit público. Como forma de prevenir uma deterioração do FIEMV, a lei ainda exigia que o saldo do fundo não poderia ser menor do que um terço do
saldo do ano anterior. Não obstante
este engenhoso mecanismo, o funcionamento do FIEMV foi dificultado,
sobretudo, pelas constantes mudanças de regras, muitas em oposição
aos seus objetivos originais. Hugo
Chavez, eleito em 1999, alterou-as,
diminuindo as transferências para
o FIEMV e aumentando seu poder
discricionário sobre as receitas do
fundo, podendo o presidente autorizar saques do fundo, por decreto16.
A “Financeirização” dos
Royalties no Brasil
Evidencia-se no país dois flagrantes processos de alocação dos recursos dos royalties para fins distantes
de políticas públicas sustentáveis, tal
como preconizada pela contribuição
das escolas clássica e neoclássica, a
saber: i) a desvinculação de parte das
receitas dos royalties pertencentes ao
Ministérios da Ciência e Tecnologia,
Ministério do Meio Ambiente e ao Ministério da Marinha, sem alteração da
destinação integral a estes ministérios17; ii) a utilização dos royalties pertencentes ao Estado do Rio de Janeiro na negociação da sua dívida com
a União.
No primeiro caso, trata-se de uma
desvinculação das receitas dos
royalties pertencentes aos ministérios, em despesas, entidades e fundos
específicos. Desvinculação esta que
não reduziu as participações relativas dos ministérios no rateio dos
royalties, mas, sim, possibilitou que
estas receitas pudessem ser destinadas a despesas de custeio dos referidos ministérios. Ora, tal desvinculação, trata-se, indiretamente, de uma
medida de centralização dos recursos no Tesouro, na medida em que
possibilita a diminuição da dotação
orçamentária dos ministérios beneficiários dos royalties, uma vez que
estes passam a poder contar com
estes recursos (royalties) para cobertura de seus custeios.
Principalmente no que tange à
desvinculação operada nos ministérios do Meio Ambiente e Ciência e
Tecnologia, a busca de maior autonomia do Tesouro Nacional resulta
em uma importante redução de recursos para políticas que estariam
mais próximas do estipulado pela
leitura da renda mineral feita pelos
economistas clássicos e neoclássicos. A saber, a orientação legal, dada
pela Lei 9478/97, para as despesas
destes ministérios com recursos dos
royalties eram:
• Ministério do Meio Ambiente:
desenvolvimento de estudos e projetos relacionados com a preservação do meio ambiente e recuperação de danos ambientais causados pelas atividades da indústria
do petróleo. (Lei 9478/97).
• Ministério da Ciência e Tecnologia: financiar programas de
amparo à pesquisa científica e
ao desenvolvimento tecnológico aplicados à indústria do
petróleo”. (Idem)
Uma vez que estes estudos e projetos possam ser concretizados em
tecnologias de produção mais limpas e/ou mais baratas ou na recuperação de danos ambientas ocasionados pela atividade petrolífera, é
possível interpretá-los como ações
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
16
17
“
... o Estado do Rio de
Janeiro hipotecou
importante parcela de
seus recebimentos
futuros, com ampla
aceitação do governo
federal...
”
indiretas para promoção da justiça
intergeracional, preconizada na seção anterior. Contudo, a desvinculação dos recursos dos royalties cabíveis aos referidos ministérios, limitou esta possibilidade, carreando
parte destas receitas para o custeio
da maquina estatal.
O segundo episódio é mais grave, em termos de “financeirização”
das receitas dos royalties. Com recursos dos royalties, o Estado do Rio de
Janeiro operou uma securitização de
sua dívida com a União. Parcela
importante dos royalties deste estado foi convertida em títulos federais,
resgatáveis mensalmente até o ano
de 2014. Estes títulos serviram para
incrementar o patrimônio do Rio
Previdência. Hipotecou assim, o Estado do Rio de Janeiro, importante
parcela de seus recebimentos futuros, com ampla aceitação do governo federal, uma vez que a antecipação de royalties tratava-se de um título líquido e certo, e ainda indiretamente indexado ao dólar, uma vez
que o royalty incide sobre o preço
internacional do petróleo.
Comentários Finais
Naturalizou-se a visão de que os
royalties são devidos aos estados e
municípios em função dos impactos
que geram nas áreas de produção.
Esta visão, aliás, faz parte do debate
político corriqueiro nas regiões pe-
A ausência de impedimentos para que o governo pudesse emprestar dinheiro do fundo, significou uma
verdadeira subversão com relação aos objetivos inicias: O FIEMV, criado para promover a disciplina fiscal,
estava agora, estimulando justamente o contrário. A existência do fundo não impediu que, em 2000, com
a elevação do preço do petróleo, o governo não elevasse suas despesas em 46%. O déficit público cresceu
10%, neste mesmo ano, paralelamente ao crescimento do preço do petróleo.
A Lei nº 10.261, de 12/07/2001, desvinculou entre 25% e 70% das receitas daqueles ministérios para o ano
de 2001. Esta mesma desvinculação foi estabelecida também para o ano de 2002, por intermédio da
Medida Provisória nº2.214, de 31 de agosto de 2001. A determinação do rateio dos royalties, tal como
demonstrada na introdução deste artigo, foi estabelecida pela Lei 9.478/97, a Lei do Petróleo.
Ano VII • Nº 11 • Janeiro de 2005 • Salvador, BA
37
trolíferos do país, bem como nas casas legislativa das três esferas governamentais do país. Contudo, em
nome de uma postura moralmente
comprometida com as gerações futuras, deve-se combater esta idéia,
ainda que já bastante cristalizada.
Os economistas clássicos, ao tratarem da renda mineral, viram-na,
como a renda da terra, susceptível à
uma integral captura em benefício da
coletividade. Que coletividade? Das
regiões produtoras? Certamente não:
ao avançarem na análise sobre a renda mineral, propuseram os royalties
como pagamento de direitos, devidos
aos proprietário das minas como
compensação de uma riqueza exaurida. No Brasil, como as jazidas são
propriedades da União, é a coletividade que deveria ser beneficiária dos
royalties, e não apenas uma fração da
população brasileira.
Os economistas neoclássicos, ao
incorporarem, definitivamente, a dimensão temporal à análise da renda mineral, explicitaram um uso bastante específico para os royalties: o
de financiar políticas de promoção
da justiça intergeracional, seja através da busca de fontes alternativas
de energia, seja através de outras
estratégias de proteção das rendas
futuras, das gerações que não mais
contarão com as riquezas minerais.
Contribuições, portanto, importantes para defender-se uma readequação das normas de cobrança, distribuição e aplicação dos royalties no
Brasil.
Afora estas inobservâncias da
contribuição das escolas clássica e
neoclássica, cresce o risco de “financeirização” das receitas dos royalties,
na medida em que estas receitas cresçam com o volume de produção e elevação dos preços dos hidrocarbonetos. Os royalties, que hoje já não
são canalizados para políticas sustentáveis (energéticas ou de desenvolvimento regional), com a sua
“financeirização”, passariam apenas a elencar o rol de instrumentos
para uma arquitetura estatal financeira, focada na sustentação de posições efêmeras do “risco país” definidos pelas agências de rating.
38
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MESTRADO EM
ANÁLISE REGIONAL
O primeiro da sua categoria
no Estado da Bahia
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
ATRIBUTOS DE RESPONSABILIDADE SOCIAL
EM ORGANIZAÇÕES DO GRANDE ABC
Gino Giacomini Filho1
René Henrique Licht2
Resumo:
O presente trabalho apresenta correlações entre a gestão de organizações
de diferentes portes e suas atividades no campo da responsabilidade
social contextualizadas no plano regional. Estudos e experiências envolvendo a responsabilidade social das
grandes organizações são encontrados em profusão; porém, verifica-se
que os voltados também para as organizações de menor porte poderiam
propiciar uma visão diferenciada sobre os programas de gestão nas organizações e até influenciar políticas
tendo em vista programas relacionados à administração socialmente responsável. Com a finalidade de subsidiar essa avaliação, foi apresentada
uma visão conceitual de Responsabilidade Social em termos organizacionais, algo construído a partir de
modelos bibliográficos. Também são
apresentados indicadores a fim de caracterizar a Região do ABC paulista.
O objetivo desse trabalho é o de verificar a ocorrência de atributos de responsabilidade social em práticas administrativas de organizações - empresas e instituições - da Região do
ABC. Pretende também verificar a intensidade de tais atributos nessas
organizações segundo o porte: Micro,
Pequena, Média e Grande. Para tanto, foi empreendida pesquisa de campo com organizações da Região,
conduzida por meio de entrevista
com gestores dessas instituições. Os
resultados mostraram que as organizações da Região do ABC praticam,
em diferentes intensidades, os atributos de responsabilidade social, algo
mais presente nas denominadas organizações de grande porte.
rativa, organizações regionais, região do ABC paulista, pequenas e
grandes empresas.
attributes of social responsibility,
something more present in “great”
organizations.
Abstract
Key Words: Social responsibility,
corporate social responsibility corporativa, regional organizations, região do ABC paulista, small and big
organizations.
This article presents correlation
between organizational management, according its sizes, and activities in the field of the social responsibility in the regional context.
There are a lot of studies and experiences involving the social responsibility of the big organizations.
However, we verify that small organizations aren´t studied in the same
way. Such studies would be able to
contribute with a differentiated vision
about management processes in the
social responsibility and to offer
conditions to social polices in that
direction. It was presented a conceptual vision of social responsibility
throught an bibliographic model in
order to build an theorical approach.
Also indicators are presented in order
to characterize the ABC Paulista area.
The objective of that research is to
verify the occurrence of attributes of
social responsibility in administrative
practices of organizations – companies and institutions – of the ABC
region. It also intends to verify the
intensity of such attributes in those
organizations according to the size
of them. For this, it was made descriptive research with organizations
of the region, driven through interview with managers of those institutions. The results showed that the
organizations of the Region of ABC
practice, in different intensities, the
Palavras-chave: Responsabilidade
social, responsabilidade social corpoRDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
1
2
3
Introdução
As organizações empresariais e
institucionais são componentes essenciais da sociedade, pois desempenham múltiplas funções que
interagem com a cidadania e qualidade de vida das pessoas, fatores
que as impulsionam para um desempenho socialmente responsável.
A responsabilidade social (RS)
corporativa tem se intensificado desde meados do século passado, em
parte devido aos movimentos civis,
consumeristas, trabalhistas e ambientais, que questionavam práticas
empresariais deceptivas. As sociedades mais acostumadas com a escalada da industrialização mostravam
sinais de insatisfação, pois muitos
ganhos obtidos eram depreciados
em função da perda na qualidade de
vida.
O ABC paulista3 é uma das regiões brasileiras que apresenta boa
concentração de atividades econômicas, sendo conhecida nacionalmente também pelo bom nível de renda e índices favoráveis de qualidade de vida. Assim, questiona-se se
essa região possui em suas organizações práticas de responsabilida-
Doutor e Livre-docente em Comunicação Social pela ECA/USP. Professor do Mestrado em Administração do IMES/São Caetano do Sul. [email protected]
Doutor em Psicologia e Administração pela USP. Professor do Mestrado em Administração do IMES/São
Caetano do Sul. [email protected]
A região do ABC paulista é composta pelos municípios de Santo André, São Bernardo do Campo, São
Caetano do Sul, Diadema, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra.
Ano VII • Nº 11 • Janeiro de 2005 • Salvador, BA
39
de social e, em as tendo, com que intensidade seriam conduzidas?
Outro fator que motivou o presente estudo é a relativa carência de
estudos que enfoquem não somente
às grandes organizações, mas também as de menor porte, pairando
sobre o mercado a dúvida sobre o
desempenho socialmente responsável de todas.
O objetivo desse trabalho foi o de
verificar a ocorrência de atributos de
responsabilidade social em práticas
administrativas de organizações empresas e instituições - da Região
do ABC. Pretendeu, ainda, verificar
a intensidade de tais atributos nessas organizações segundo o porte:
Micro, Pequena, Média e Grande.
Para atingir tais propósitos, foi
empreendida pesquisa de campo
com organizações da região, conduzida por meio de entrevista com
gestores das instituições visitadas e
observação direta do pesquisador de
campo.
Houve também uso de pesquisa
bibliográfica para construir os conceitos e atributos de responsabilidade social submetidos às organizações e também para possibilitar análise dos resultados obtidos.
A RS diante dos diferentes
portes organizacionais e aspectos regionais
Segundo Drucker, a responsabilidade social organizacional teve um
de seus primeiros contornos na obra
The Human Needs of Labor, do industrial e filantropo inglês B. Seebohm
Rowntree, em 1918, que discutia a
responsabilidade do empregador
com os empregados face ao seu poder e riqueza (2002, p. 323).
Se, de um lado, as organizações
disponibilizavam mais estrutura de
consumo, mais informações e índices crescentes de conveniência, de
outro, os cidadãos e a sociedade se
ressentiam de efeitos colaterais,
como desequilíbrio na distribuição
de renda, efeitos danosos no meio
ambiente, insalubridade no trabalho e consumo deceptivo. Obras
clássicas 4 como Silent Spring, de
Rachel Carlson, e Unsafe at Any
Speed, de Ralph Nader, denunciaram descasos de organizações para
40
“
... as grandes
organizações teriam
maior visibilidade pública,
o que geraria mais
interesse sobre suas
ações de RS.
”
com a sociedade já em meados do
século XX.
A mobilização social pressionando empresários e governos foi trazendo mudanças neste quadro, atribuindo crescentes níveis de responsabilidade social para as organizações, algo que foi se expandindo também para as nações e governos.
Atualmente, um dos fenômenos
mais relevantes se refere à institucionalização das sociedades, em que
o poder civil, a democracia, o estado
de direito, a prioridade para os padrões de qualidade de vida ganharam espaço condicionando os interesses meramente lucrativos ou comerciais.
Empresas e instituições que desfrutavam de privilégios legais e políticos, unicamente porque geravam
exportações, produção e emprego,
sofreram mudanças em sua gestão
para incorporar atitudes de caráter
social (WERHAHN, 1995).
Ao longo dessas últimas décadas, foram incontáveis os casos de
organizações que reorientaram seu
programa de gestão tendo em vista
o novo perfil de consumidor e cidadão: mais informado, melhor amparado por entidades oficiais e não
governamentais, mais instrumentalizado por leis e ainda ciente do seu
poder nas relações de consumo.
Portanto, relacionar-se bem com
o mercado de consumo, públicos de
interesse (stakeholders) e cidadãos
tornou-se importante questão para
qualquer organização, seja ela lucrativa ou não, pequena ou grande, tornando-se contexto relevante em que
a responsabilidade social condiciona a gestão organizacional. Mesmo
assim, muitos indicadores e estudos
Ano VII • Nº 11 • janeiro de 2005 • Salvador, BA
4
apontam para uma relativa absorção das práticas socialmente responsáveis pelas organizações, já
que muitos fatores dificultam tais
ações, como características da cultura organizacional, limites financeiros e desconhecimento sobre o
assunto.
Smith (2003) e Tilley (2000) realizaram pesquisas junto a empresas
do Reino Unido a fim de observar
suas condutas em termos de RS. O
primeiro concluiu que poucas empresas aplicam a responsabilidade
social em sua totalidade, sendo deficientes principalmente quanto a
seus stakeholders. O segundo, analisando apenas pequenas empresas,
considerou que, pelo menos quanto
à gestão ambiental, possuem ações
tímidas e esperam reformas legais
para serem atuantes nessa área, em
que a maioria estaria operando à
margem da legislação. Considerou
que o desempenho das pequenas
organizações na ética ambiental está
ainda em estado embrionário.
Tompson e Smith (1991) observaram que as pequenas empresas não
são muito estudadas em termos de
responsabilidade social por vários
fatores, dentre eles: não teriam recursos para implementar as ações e projetos sociais; os métodos e modelos
de RS aplicáveis às grandes organizações não serviriam para as pequenas, além do que as últimas teriam
menos acesso a informações nessa
área; as grandes organizações teriam
maior visibilidade pública, o que geraria mais interesse sobre suas ações
de RS. Os autores ainda sugerem que
as práticas de RS nas pequenas empresas seriam similar às médias.
Poucos contestariam a importância social e econômica das organizações de menor porte, principalmente na geração de empregos e produção de riqueza. Fischer e Grownwveld (1976) apuraram que, nos EUA,
a porcentagem de invenções patenteadas levadas à aplicação comercial é maior em pequenas organizações do que em grandes. Concluíram
também que a legislação relativa à
responsabilidade social onera mais
CARSON, Rachel. Silent Spring. Boston: Houghton Mifflin Co., 1962. NADER, Ralph. Unsafe at Any Speed:
The Designed-In Dangers of the American Automobile. New York: Grossman Publishers, 1965.
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
as pequenas organizações, já que
elas não conseguem diluir tais custos na cadeia produtiva como as
grandes o fazem. Os autores consideraram ser necessário estabelecer
vantagens às pequenas organizações, como subsídios e diferenciação
no tratamento legal para que implementem ações na área de RS.
Spence (1999) avaliou ser difícil
estabelecer se as pequenas empresas
são mais ou menos éticas que as grandes, já que características específicas das primeiras dificultam essa
comparação, como personificação
administrativa no proprietário,
suscetibilidade grande às mudanças
legais, acesso mais restrito a informações para a tomada de decisões.
A autora constatou que essa dificuldade tem ocorrido pelo fato de que
os valores éticos da pequena empresa são os mesmos dos seus proprietários, mas que esses apresentariam
melhor afinidade de valores com
seus funcionários do que as empresas de porte maior.
Sarbutts (2003), ao considerar organizações grandes, médias e pequenas, argumentou que as pequenas e
médias empresas seriam melhor percebidas pela sociedade em relação
às grandes, pois teriam a vantagem
de atender melhor os clientes, mostrando qualidades como honestidade, integridade e habilidade para se
relacionar com as pessoas. Concluiu
que a responsabilidade social corporativa nas pequenas e médias empresas é mais eficiente quando não há
uma postura arrogante, quando a
organização é flexível junto a seus
públicos de interesse, aprende com
eles e demonstra mudanças reais.
A necessidade de pesquisar a responsabilidade social das organizações com o foco regional parece ganhar corpo face às peculiaridades
que podem apresentar. É possível
ilustrar essa postura com dois estudos relativos ao estado do Paraná.
Ferreira e Passador (2002) puderam
observar as práticas de responsabilidade social em empresas de Maringá, com 100 ou mais funcionários,
concluindo que as ações apontam
tanto para o público interno, esse em
setores como saúde, educação e condições de trabalho, como para o ex-
“
A industrialização
começou a ser uma marca
da região a partir
de metade do
século XX...
”
terno, esse em forma de doações.
Apuraram também que a responsabilidade social naquela região é realizada, de alguma forma, por 78%
das empresas médias e grandes de
Maringá.
Aligleri e Borinelli (2001) pesquisaram grandes empresas também no
estado do Paraná, região de Londrina, concluindo que o desempenho
das organizações da região se assemelha às organizações nacionais
baseando-se no modelo e pesquisa
desenvolvidos pelo IPEA5. A pesquisa mostrou que quase três quartos
das empresas realizam algum tipo
de ação social.
A Região do ABC também tem
sido retratada em estudos sistematizados relacionados a responsabilidade social (DI TIZIO, 1999; MELO,
2001; SCIFONI, 1994; VALLE, 1997),
já que os efeitos das atividades econômicas no seu grande contingente
populacional tem provocado ações
sociais, governamentais e empresariais nas últimas décadas.
Diante desse quadro, é de se supor que a postura organizacional,
tendo em vista a responsabilidade
social, poderia estar sendo seguida
por empresas e instituições sediadas
na Região do ABC. São grupos empresariais e instituições que atuam
na área automobilística, varejista,
comunicações, educação, saúde, serviços, além de instituições de pequeno, médio e grande porte dos mais
distintos setores econômicos.
Desde o final do século XIX, e seguindo a linha iniciada pelas fábricas de cerâmica e móveis das fazen-
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
5
6
7
8
das mantidas pelos monges beneditinos ainda no Século XVII, a região
apostaria verdadeiramente na industrialização. O grande ABC já fizera uma feira agrícola e industrial
em 1886 e já chamara a atenção pela
plantação e industrialização do chá
desde a primeira parte do século XIX
(MÉDICI et al, 2001, p. 14).
A industrialização começou a ser
uma marca da região a partir de
metade do século XX, principalmente face à instalação de grandes
montadoras de veículos. Levantamento realizado pela Agência do
Desenvolvimento Econômico do
Grande ABC, com 40 mil empresas
da indústria, comércio, serviços e
construção civil do Estado de São
Paulo, revelou que as fábricas do
ABC, comparadas com as de outras
regiões do Estado, foram as que mais
inovaram na forma de produzir. O
destaque ficou para os segmentos
tradicionais: a indústria automobilística, química, máquinas e equipamentos, plásticos e borracha 6. A
mesma entidade apurou que a Região corresponde a 14% da atividade industrial do Estado de São Paulo, o mais industrializado no País.
O ABC paulista apresenta, ainda, boa intensidade de atividades
econômicas nos três setores básicos.
Revela, porém, diminuição das atividades no setor industrial e proporcional aumento das atividades de
serviços, situando-se em 30,2% na
área da indústria, 17,1% no comércio e 52,7% em serviços7.
O consumo “per capita” anual da
região é considerado significativo,
caso das cidades de Santo André
(US$ 3.740,94), São Bernardo do
Campo (US$ 4.207,99) e São Caetano do Sul (US$ 4.705,95)8
Método
A fim de possibilitar a sistematização desse estudo e alcance dos
objetivos propostos, foi eleito como
universo da pesquisa as organiza-
IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, órgão vinculado ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão do Governo Federal. Pesquisa “A iniciativa privada e o espírito público: um retrato da
ação social das empresas do sudeste brasileiro”. 1999.
O ABC é destaque. Jornal da Tarde, São Paulo, 26 ago. 2001. Caderno de Economia.
Pesquisa Socioeconômica – IMES, por amostragem de domicílios. Relatório do INPES – Instituto de
Pesquisa do IMES. São Caetano do Sul. Dados relativos ao período de agosto de 2004.
Potencial de consumo per capita (em US$). Fonte: TARGET – Brasil em Foco 2001.
Ano VII • Nº 11 • Janeiro de 2005 • Salvador, BA
41
ções inscritas no banco de dados
“Quem é Quem no Grande ABC
2003”, publicado pelo jornal Diário
do Grande ABC 9, em setembro de
2003, que mostrou 520 organizações
apresentando dados de: Receita Líquida, Resultado Líquido, Resultado Operacional, Patrimônio Líquido, Ativo Total, Retorno sobre PL,
Endividamento Geral, Endividamento Oneroso, Margem Operacional e Crescimento de Vendas.
As 520 organizações pertenciam
aos setores de “Indústria”, “Comércio” e “Serviços”. Da amostra inicial, primeiramente foram excluídas
as que não especificavam a quantidade de funcionários, sem o que não
seria possível enquadrá-las nos portes de Micro, Pequena, Média e Grande. Para viabilizar o estudo, a Região do ABC foi representada por três
de suas sete cidades: Santo André,
São Bernardo do Campo e São Caetano do Sul, o que levou ao descarte
das organizações que não estavam
sediadas nessas cidades. Essas são
as três cidades com maior renda “per
capita” na Região10. Posteriormente,
as organizações foram classificadas
no porte de Micro, Pequena, Média e
Grande pelo critério do Sebrae/2004
(número de funcionários), resultando num total de 266 organizações,
assim distribuídas: 132 de Santo
André, 100 de São Bernardo do Campo e 34 de São Caetano do Sul. Desse elenco, 137 eram empresas de Serviço, 60 de Comércio e 69 de Indústria.
Embora o estudo não tenha pretensões de generalização dos resultados, buscou-se a determinação do tamanho de uma amostra que pudesse
possibilitar o tratamento quantitativo
de variáveis investigadas, o que levou
a uma amostra de 73 organizações11.
As 73 organizações foram obtidas
por sorteio levando em conta a proporcionalidade dos quatro portes
(Micro, Pequena, Média e Grande).
A subdivisão em termos do porte
de organizações ficou assim distribuída: 21 Micros, 29 Pequenas, 8
Médias e 15 Grandes. Essa amostra
apresentou grande diversidade de
ramo de atividades, caso de escolas
e hospitais, ou empresas de varejo e
indústrias de alimentos.
42
Durante o primeiro semestre de
2004, todas as organizações foram
visitadas pessoalmente por um pesquisador de campo, algo que permitiu a observação e certo controle dos
aspectos a serem respondidos pelos
gestores: proprietário, gerente, ou
responsável por área ligada aos assuntos de responsabilidade social,
esse último mais presente em empresas de maior porte.
Como o termo “responsabilidade social” poderia ser interpretado
de forma diferente pelos entrevistados, já que pode assumir diferentes
conceitos (KREITLON, 2004), optouse por construir um elenco de atributos que o caracterizasse, proporcionando, assim, maior homogeneidade na avaliação (ou resposta) dos
respondentes.
A construção dos atributos de
responsabilidade social organizacional levou em conta vários estudos e modelos: Drucker (2002),
Ashley (2003), Giacomini et al (2004),
McIntosh et al (2001) e Melo Neto e
Froes (2001). Ao final, foram submetidos aos entrevistados 45 atributos:
1. Busca transmitir bons exemplos
de cidadania
2. Incentiva a cultura
3. Possui atividades esportivas, culturais e de lazer dentro e fora da
empresa
4. Preserva a limpeza local
5. Preserva o meio ambiente
6. Respeita a qualidade de vida
7. Pratica atividades caracterizadas
pela ausência de insalubridade
8. Cumpre as leis trabalhistas
9. Desenvolve programas de aumento de empregabilidade
10. Investe na qualificação dos empregados
11. Permite o funcionário se expressar
12. Possui cota para minorias
13. Possui diversidade étnica
14. Possui encontros de segurança
no trabalho (SIPAT)
Ano VII • Nº 11 • janeiro de 2005 • Salvador, BA
9
10
11
15. Possui plano de carreira e oportunidades de crescimento dentro
da empresa
16. Possui programas de amparo ao
funcionário
17. Possui programas para minimizar o estresse
18. Proporciona benefícios aos funcionários
19. Valoriza as atitudes éticas dos
seus funcionários
20. Preocupa com o bem-estar do funcionário
21. Ações voltadas ao lazer da comunidade
22. Apoio ao desenvolvimento da
comunidade
23. Investimento na educação da comunidade
24. Preocupação com a saúde da comunidade
25. Permite o envolvimento comunitário nas ações de interesse coletivo
26. Apoio, associação e/ou parceria
com ONGs e entidade carente
27. Programas e/ou projetos sociais
28. Possui uma boa relação com os
stakeholders
29. Possui comunicação transparente
30. Disposta a mudanças positivas
31. Sinergia com os parceiros
32. Usa a Propaganda de acordo com
o Código de Defesa do Consumidor
33. Usa a Propaganda de acordo com
o CONAR
34. Cumpre da legislação
35. Cumpre o Código de Defesa do
Consumidor
36. Cumpre os Direitos Humanos
37. Possui postura anti-racial
38. Possui postura indiscriminatória
39. A empresa possui um código de
ética
40. Evita negociações com instituições
que não possuam padrões éticos
41. Não possui casos de assédio físico e moral
42. Não possui casos de fraudes ou
desfalques
O jornal Diário do Grande ABC é considerado o maior jornal da Região e está há 68 anos no mercado
(2005) sendo publicado em Santo André – SP. Esse levantamento, embora não conte com a maioria das
organizações da Região, pois depende que estas enviem as informações para publicação, é o mais completo perfil sócio-econômico das organizações do Grande ABC.
Fonte: IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e IPEA. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br>.
Acesso em 5 mai. 2004.
Os parâmetros adotados para fixação do número amostral (no) de casos foram: Nível de confiança: 95,5%; Erro
de estimativa: 10%; P= 50%; Fator de correção para população finita: 1 + no/N. No = 100 e n corrigido= 73.
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
43. Possui serviço de atendimento ao
cliente
44. Preocupa em assumir o erro perante cliente, fornecedor ou outro
agente do mercado, corrigindo e
compensando.
45. Preocupa-se com a satisfação dos
clientes consumidores
Essa mesma numeração identificará e acompanhará o respectivo atributo nos resultados a seguir.
TABELA 1
Porte das organizações
Porte das organizações
AtriAtriMi
P
M
G
Todas buto
Mi
P
M
G
Todas
buto
95,2
62,1
100,0 100,0
83,6
14,3 17,2 25,0
53,3
24,7
1
24
61,9
79,3
100,0
86,7
78,1
14,3 17,2
0,0
40,0
19,2
2
25
33,3
41,4
50,0
86,7
49,3
42,9 48,3 62,5
60,0
50,7
3
26
95,2
96,6
100,0 100,0
97,3
19,0
6,9
0,0
46,7
17,8
4
27
81,0
82,8
100,0 100,0
87,7
100,0 96,6 100,0 100,0 98,6
5
28
85,7
89,7
75,0
100,0
89,0
81,0 96,6 100,0 100,0 93,2
6
29
81,0
79,3
75,0
53,3
74,0
100,0 86,2 100,0 93,3
93,2
7
30
100,0
93,1
100,0 100,0
97,3
85,7 82,8 100,0 93,3
87,7
8
31
38,1
48,3
50,0
93,3
54,8
90,5 86,2 75,0 100,0 89,0
9
32
100,0
72,4
87,5
93,3
86,3
100,0 89,7 75,0 100,0 93,2
10
33
100,0
93,1
100,0
93,3
95,9
100,0 96,6 100,0 100,0 98,6
11
34
14,3
0,0
12,5
53,3
16,4
95,2 96,6 100,0 93,3
95,9
12
35
42,9
37,9
50,0
93,3
52,1
100,0 96,6 87,5
93,3
95,9
13
36
14,3
31,0
25,0
73,3
34,2
100,0 96,6 100,0 93,3
97,3
14
37
66,7
48,3
87,5
93,3
67,1
100,0 96,6 100,0 93,3
97,3
15
38
38,1
24,1
50,0
60,0
38,4
57,1 37,9 62,5
66,7
52,1
16
39
28,6
20,7
0,0
40,0
24,7
85,7 93,1 100,0 93,3
91,8
17
40
85,7
93,1
100,0 100,0
93,2
95,2 96,6 100,0 93,3
95,9
18
41
90,5
96,6
100,0 100,0
95,9
95,2 96,6 100,0 93,3
95,9
19
42
90,5
96,6
100,0 100,0
95,9
85,7 79,3 100,0 93,3
86,3
20
43
14,3
27,6
25,0
33,3
24,7
100,0 96,6 100,0 93,3
97,3
21
44
14,3
20,7
12,5
53,3
24,7
100,0 96,6 100,0 93,3
97,3
22
45
14,3
20,7
25,0
46,7
24,7 Todos 69,9 68,0 73,6
23
83,1
72,3
Organizações: Mi – Micros; P – Pequenas; M – Médias; G – Grandes; Todas - Todas organizações.
Valores expressos em % - Porcentagem do número de organizações que praticam
os atributos de responsabilidade social sobre a quantidade de organizações do respectivo porte.
Resultados
A “Tabela 1” aponta a intensidade com que a responsabilidade social (representada pelos 45 atributos)
é praticada pelas organizações da
Região do ABC em relação ao total e
em relação ao porte dessas organizações (Micro, Pequena, Média e
Grande).
A “Tabela 2” apresenta os resultados da “Tabela 1” estratificando a
performance das organizações em
três níveis: a) Boa intensidade na
prática de responsabilidade social
(RS), que considera o total dos atributos que foram praticados por 90%
ou mais das organizações; b) Média
intensidade de RS, que considera o
total de atributos que foram praticados por menos de 90% a 50% das
organizações; c) Fraca intensidade
de RS, que apresenta o total de atributos que foram praticados por menos de 50% das organizações.
Considerações, comentários e
conclusões
Os resultados mostram que as
organizações da região do grande
ABC pesquisadas, de todos os portes, empreendem, em diferentes
graus, ações de responsabilidade
social, destacando-se, positivamente, as de grande porte.
As organizações, como um todo,
parecem se destacar na prática de
ações legais, de mercado e com relação aos funcionários. As primeiras
seriam representadas por ações
como cumprimento às leis (legislação geral, trabalhista, Código de
Defesa do Consumidor), postura
anti-racial e indiscriminatória, não
possuir casos de assédio físico e
moral, não possuir casos de fraudes
e desfalques. As ações de mercado
seriam as que repercutem diretamen-
TABELA 2
Organizações
Todas
Micro
Pequena
Média
Grande
Boa intensidade
de RS
20
20
18
23
30
Média intensidade
de RS
14
11
11
13
10
te nos interesses comerciais, como
manter boa relação com os stakeholders e clientes/consumidores. As
ações de RS que teriam como alvo os
funcionários seriam no sentido de
manter a limpeza local, permitir o
funcionário se expressar, valorizar
as atitudes éticas dos seus funcionários, preocupar-se com o bem-estar do funcionário e cumprir os Direitos Humanos.
Porém, os destaques negativos ficam por conta de fatores ligados à
comunidade ou que possuem certa
distância do foco negocial. Quanto
à comunidade, os destaques negativos ficaram em atributos como: ações
voltadas ao lazer da comunidade,
apoio ao desenvolvimento da comunidade, investimento na educação
da comunidade, preocupação com a
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
Fraca intensidade
de RS
11
14
16
9
5
saúde da comunidade, permissão
para o envolvimento comunitário
nas ações de interesse coletivo e programas e/ou projetos sociais. Já as
ações que seriam percebidas como
mais distantes do ponto de vista do
negócio poderiam ser exemplificadas por não possuir atividades esportivas, culturais e de lazer dentro
e fora da empresa, por não possuir
cota para minorias, não possuir encontros de segurança no trabalho
(SIPAT), não possuir programas de
amparo ao funcionário e não possuir programas para minimizar o
estresse
Ao que parece, as organizações
assumem atividades de responsabilidade social desde que elas colaborem com os resultados operacionais
e mercadológicos, o que não deixa
Ano VII • Nº 11 • Janeiro de 2005 • Salvador, BA
43
de ser algo lógico segundo a colocação de Carroll, que sugere um modelo piramidal mostrando que o desempenho ético da empresa estaria embasado na sua situação econômica e
legal, já que não se pode desqualificar a característica fundamental da
empresa que é a de ser rentável nas
relações comerciais (função mais importante), embora os fatores legais,
éticos e filantrópicos influenciem decisivamente nesse papel econômico
e mercadológico (apud FERRELL et
al, 2000, p. 149).
A Tabela 1 revela que as ações de
responsabilidade social estiveram
em um patamar muito próximo entre as Micros (69,9%), Pequenas
(68,0%) e Médias (73,6%), de certa
forma corroborando com os estudos
de Tompson e Smith (1991). Porém,
as Grandes estiveram acima em cerca de 10 pontos percentuais (83,1%).
Alguns atributos, na pesquisa,
mostraram correlações em que, quanto maior o porte da organização,
maior a intensidade de prática do
atributo de RS: “Possui atividades
esportivas, culturais e de lazer dentro e fora da empresa”; “Desenvolve
programas de aumento de empregabilidade”; “Investimento na educação da comunidade”; “Preocupação com a saúde da comunidade”.
Mas houve um que mostrou intensidade na direção inversa, ou seja,
quanto menor o porte da organização, mais era realizado: “Pratica atividades caracterizadas pela ausência de insalubridade”. Quanto a
esse último fato, o pesquisador em
sua observação de campo apurou
que as empresas maiores reconheciam as atividades insalubres e que
lançavam mão de recursos para evitar ou diminuir impactos junto às
pessoas, enquanto as empresas menores não reconheciam tais atividades ou se esquivavam de apontar os
procedimentos para neutralizá-las.
Aliás, foi constatado na observação de campo que, principalmente as
empresas menores, não tinham conhecimento de certas instituições apresentadas (Conar, Direitos Humanos, Código de Defesa do Consumidor) fazendo-se necessária a explicação.
Porém, pelas limitações metodológicas, não se pode concluir que a
44
intensidade das ações de responsabilidade social esteja relacionada
com o porte da organização, embora
outros estudos apontem para essa
direção (MELO NETO e FROES,
2001, p. 172). Estudos mais direcionados a essa questão poderão averiguar melhor essa correlação.
São indicativos que mostram estarem as empresas ainda aprendendo a conviver com os atributos de
responsabilidade social. Alguns já
implantados na cultura organizacional, principalmente os que influenciam no dia-a-dia e sobrevivência
das instituições, enquanto outros
são pouco percebidos ou avaliados
pelos gestores.
Porém, é prudente questionar os
números apresentados face às peculiaridades decorrentes do ramo de
atividade de cada organização. Seria
o caso daquelas que não lidam com
consumidores finais e, por isso, não
o teriam como foco de suas atividades de RS; ou então organizações que
praticam atributos de RS porque estes são intrínsecos às suas atividades, caso de cuidar da educação comunitária (escolas) e cuidar da saúde comunitária (clínicas e hospitais).
Ainda quanto aos portes das organizações, os resultados da Tabela
2 também mostram que as grandes
possuem maior intensidade nas práticas socialmente responsáveis dos
que as demais. Essa distância não é
muito grande, mas constatável. Enquanto cerca de 2/3 dos atributos de
responsabilidade social (30 atributos) são empreendidos em “Boa intensidade” pelas grandes organizações, apenas cerca de metade (18 a
23) o são pelas demais. Enquanto as
grandes mostram apenas cinco atributos com “Fraca intensidade” na
prática de responsabilidade social,
as demais oscilam entre 9 e 16 atributos.
Embora nosso estudo não tenha
a pretensão de estabelecer comparações com outras pesquisas, os resultados apontaram semelhanças com
diversos estudos. A média geral de
72,3% é semelhante à aferida na pesquisa do IPEA para a região Sudeste
do Brasil, em que os dados da 2a.
Ano VII • Nº 11 • janeiro de 2005 • Salvador, BA
12
edição (2003) da pesquisa “Ação
Social das Empresas” revelou que a
participação das empresas privadas
em ações sociais era de 71%12. Outro
resultado do IPEA (dados relativos
à versão da 1ª edição da pesquisa
“Ação Social das Empresas” - IPEA,
1999-2002) que se assemelha ao presente estudo relaciona-se com a maior participação das grandes corporações privadas nas atividades sociais, ou seja, 88%, algo próximo ao
das organizações de grande porte
do ABC (83,1%).
Os resultados da pesquisa com
as organizações do ABC também são
semelhantes aos verificados com
empresas de Maringá (FERREIRA e
PASSADOR, 2002) e Londrina (ALIGLERI e BORINELLI, 2001).
Talvez, a realização de mais estudos sobre a prática regional da responsabilidade social organizacional possa contribuir para uma melhor compreensão do tema, que se
torna cada vez mais relevante para
a atuação sustentável das empresas
e instituições em qualquer sociedade. O desenvolvimento de estratégias, modelos e conceitos regionalizados de responsabilidade social poderia atrair mais as organizações de
menor porte, além de propiciar maior profissionalismo e realismo da
prática de RS na rotina corporativa.
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RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
Ano VII • Nº 11 • Janeiro de 2005 • Salvador, BA
45
DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
SUSTENTÁVEL DOS PEQUENOS MUNICÍPIOS
PAULISTAS
Sirlei Pitteri
Resumo
Este artigo apresenta os resultados
da pesquisa realizada na região da
Nova Alta Paulista, estado de São
Paulo, cujo objetivo foi a identificação de elementos que permitissem
analisar as possibilidades de desenvolvimento econômico sustentável
dos pequenos municípios, face às
transformações que vêm ocorrendo
no cenário das cidades e regiões,
decorrentes das reformas da gestão
pública do Brasil. As análises se ocupam em identificar se existe convergência entre os processos de descentralização pública, dos novos arranjos distributivos de receitas aos municípios, do movimento intenso de
criação e emancipação e da viabilidade econômica sustentável dos mesmos nos médio e longo prazos.
Palavras-chave: descentralização
pública, criação e emancipação de
municípios, desenvolvimento econômico sustentável, pequenas cidades.
Abstract
The aim of this article is to present
the results of survey carried out in
Nova Alta Paulista region, São Paulo State, which is about identifying
elements that would allow the analysis of sustainable economical development potential for small townships of São Paulo State, within current scenario of transformations of
cities and regions due to reforms in
Brazil’s public management. Reviews are about identifying whether
there is convergence between public
decentralization processes, the new
township’s revenue distributive organization, the intensive activity of
creation and emancipation of townships, and their sustainable econo-
46
mic feasibility in the medium and
long-term.
Key words: public decentralization,
creation and emancipation of townships, sustainable economical development, small townships.
Introdução
A reforma da gestão pública no
Brasil vem transformando profundamente o cenário político, econômico
e social do país, por sua abordagem
redemocratizante que reordena os
papéis do governo e da sociedade
civil, nos processos decisórios políticos e administrativos. Apesar dos
efeitos da reforma se tornarem visíveis para a sociedade somente a partir de meados da década de 1990, o
início do processo está associado à
promulgação da Constituição Federal de 1988. O principal eixo da reforma está amparado na descentralização da administração pública, que
conferiu aos municípios maior autonomia nas decisões, mas também
maiores responsabilidades, exigindo dos governos locais uma nova
atitude na sua gestão visto, cidades,
que passaram a ter status de unidade da Federação, dotado de autonomia política, administrativa, financeira e normativa.
Uma das principais mudanças
que favoreceu a ampliação da autonomia municipal foi o novo arranjo
tributário. Embora a descentralização fiscal tenha se iniciado um pouco antes, mais precisamente na me-
Ano VII • Nº 11 • janeiro de 2005 • Salvador, BA
*
tade da década de 1970, a Constituição formalizou as regras sobre os repasses e as competências tributárias
de estados e municípios. (TOMIO,
2002, p.62). As regras sobre tais repasses levam em conta basicamente
o número de habitantes nas cidades
e o processo tem sido duramente criticado por especialistas, em função
de algumas contradições e seus efeitos, principalmente sobre a dinâmica econômica e social das cidades.
O intenso movimento de criação
e emancipação de municípios no
Brasil na década de 1990 também
pode ser associado ao processo
redemocratizante brasileiro. Atribui-se tal intensidade a uma demanda reprimida no Regime Militar
(1964–1985), cujas características
centralizadoras e antidemocráticas
inibiram esse movimento. No período aproximado de dez anos, houve
um aumento de 2.766 para 5.506
municípios no Brasil, sendo que no
estado de São Paulo surgiram 73
novas unidades. Atualmente, a criação e emancipação de municípios
estão suspensas e a lei que regulamenta a matéria encontra-se em análise no Congresso a fim de se refinar
os critérios e processos adotados.
A maioria dos especialistas acredita que este intenso movimento
municipalista esteja diretamente relacionado ao novo arranjo tributário e fiscal, pelo fato de que os coeficientes de distribuição favorecem
municípios de população menor.
Assim, quanto menor o município,
* Sirlei Pitteri, Consultora Empresarial, Mestranda em Administração pela Universidade IMES de
São Caetano do Sul – SP, licenciada em Física pela Universidade de São Paulo - SP, Especialista
em Administração de Empresas pelo Programa Citimaster do Citibank-SP, Professora universitária
de Planejamento Estratégico em cursos de graduação na Universidade Bandeirantes de São PauloSP. email: [email protected].
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
melhor a relação recursos financeiros x demandas sociais. Em síntese,
a questão que se coloca é se os movimentos econômicos e políticos que
ocorrem nos pequenos municípios
são convergentes com os objetivos
de viabilidade econômica sustentável dos mesmos nos médio e longo
prazos.
Identificar elementos que contribuam para análises futuras sobre as
possibilidades de desenvolvimento
sustentável dos pequenos municípios
decorrentes dos processos de descentralização pública é o objeto desse estudo. A relevância de um estudo, como esse, se justifica pelo fato
que, dos 5.506 municípios brasileiros, 83% (4.587) possuem até 30 mil
habitantes e, juntos, abrigam quase
um terço da população brasileira (47
milhões)1. A taxa de urbanização média dessas pequenas cidades é de
57%, o que lhes confere características eminentemente rurais e sugerem
uma baixa tendência à sustentabilidade econômica na sociedade moderna. (BRAGA e PATÉIS, 2003, p. 14).
Os pequenos municípios paulistas apresentam uma distribuição um
pouco diferente da média brasileira.
Dos 645 municípios paulistas, 73%
(474) possuem até 30 mil habitantes
e concentram apenas 12% (4,6 milhões) da população do estado. A
taxa de urbanização dessas cidades
é, em média, 80%, o que representa
uma tendência maior para a sustentabilidade que a média brasileira,
mas ainda distante da média do estado de São Paulo, que é 93%2. (IBGE,
2000).
Para se identificar elementos que
possibilitem analisar o desenvolvimento sustentável dos pequenos municípios paulistas, foi selecionada
uma região do Oeste do Estado, composta por 31 pequenas cidades, para
uma pesquisa exploratória em uma
das cidades da região com população de 30 mil habitantes. A metodologia utilizada foi pesquisa documental e entrevistas semi-estruturadas com autoridades, políticos,
formadores de opinião e moradores
de Osvaldo Cruz. Os dados coletados e as entrevistas foram estruturadas no sentido de se encontrar elementos que possam convergir para
“
Que tipo de
ações um governo local
pode estar
implementando para
favorecer o
desenvolvimento
sustentável?
”
responder as perguntas: que tipo de
ações um governo local pode estar
implementando para favorecer o desenvolvimento sustentável? As decisões dos políticos locais, desarticuladas de outras instâncias ou de seus
vizinhos, podem definir esse desenvolvimento? Existem ações de parcerias entre os políticos locais a fim
de promover o desenvolvimento regional e o que tornariam efetivas essas parcerias? As políticas sociais
implantadas possuem efetividade
para o médio e longo prazos?
Descentralização e Reforma
do Estado Brasileiro
A descentralização do sistema
público brasileiro foi baseada nas
experiências norteamericanas e européias, os primeiros a perceber as
fragilidades e ineficiências dos sistemas burocráticos até então vigentes. Osborne e Gaebler (1994) explicam que as burocracias hierárquicas
e centralizadas, que foram concebidas nas décadas de 30 e 40 não funcionam mais no quadro altamente
mutável da sociedade e da economia
dos anos 90, rico em informações e
conhecimento. Eram modelos adequados à era industrial, cujas preocupações se concentravam principalmente nos controles internos às
organizações, sujeitos a cadeias de
comandos hierárquicas. Com o passar do tempo, as burocracias se tornaram lentas e ineficientes, funcionando com desperdício de recursos.
No Brasil, a reforma foi iniciada
no governo do presidente Fernando
Henrique Cardoso (1995/1998). O
novo modelo de gestão prevê a descentralização das organizações públicas
e a implementação de uma adminis-
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
tração pública gerencial, caracterizada pela eficiência e qualidade, que tem
seu foco no cidadão, conforme lembram Bresser Pereira (2004), Falconer
(1999) e Pacheco (1999).
Contudo, o modelo tradicional de
gestão pública parte do pressuposto
de que a administração e a política
são assuntos que devem ser tratados
separadamente. O novo modelo, ao
contrário, tem seus reflexos em todas
as instâncias do governo, exigindo
um amadurecimento no processo
político a fim de tornar a democracia
mais participativa. As dificuldades
para se implantar uma administração pública gerencial em países emergentes, como é o caso do Brasil, residem no amadurecimento político,
ainda prematuro da sociedade, tendo em vista os longos períodos de regimes antidemocráticos e centralizadores, como foi o Regime Militar
(1964 –1985). O processo de redemocratização brasileiro envolveu mudanças significativas nos processos
políticos, econômicos e sociais brasileiros, porém, como afirma Cardoso
(2003, p.16), “reformar o estado não
significa desmantelá-lo”.
A mudança significa abandonar as
visões do passado de um estado
paternalista e assistencialista, que
se concentrava basicamente na produção direta de bens e serviços e
transferir tais atividades à sociedade, à iniciativa privada, com
maior eficiência e menor custo para
a sociedade, cabendo ao Estado as
funções estratégicas relacionadas
às políticas públicas e a garantia
de que os serviços sejam prestados de forma efetiva para a sociedade. Não se trata, entretanto, de
um processo apenas. Envolve toda
uma mudança de mentalidade,
muito mais profunda do que se
imagina, porque implica em práticas que estão enraizadas na sociedade. (CARDOSO, 2003, p.17).
A questão da descentralização
dos governos traz a necessidade de
se prever problemas que até então
não existiam. A autonomia das localidades para resolver questões
que exigem rapidez não era uma preocupação relevante dos governos
1
2
Dados obtidos do censo 2000 do IBGE.
Dados obtidos do censo 2000 do IBGE.
Ano VII • Nº 11 • Janeiro de 2005 • Salvador, BA
47
“
O estágio político
das cidades norteamericanas é muito
diferente do caso
brasileiro...
”
centralizados. Surgiu a necessidade
do governo preventivo, ou seja, como
lembram Osborne e Gaebler (1994),
a “necessidade da prevenção em vez
da cura”. Em governos regionais,
para se transformar a previsão em
prevenção, os governos carecem de
jurisdição sobre os problemas que
vão enfrentar. Exige ainda que a sociedade se encontre em um patamar
político mais elevado que as democracias de elite e de opinião pública
comuns nos países emergentes. Segundo Bresser Pereira (2004), é vital
que a sociedade esteja se encaminhando para uma democracia participativa a fim de corresponder às
novas demandas sociais impostas
pelo esvaziamento de instâncias federais e estaduais.
Ao contrário dos Estados Unidos,
que iniciaram a implantação da administração pública gerencial a partir dos governos locais e estaduais e
somente no governo Clinton se expandiu para o governo federal, no
Brasil o movimento se iniciou a partir do governo federal e se expande
para os estados e municípios, como
lembra Pacheco (1999). O estágio
político das cidades norte-americanas é muito diferente do caso brasileiro, que obriga os governos locais
a se ajustarem às novas responsabilidades e novas demandas. Bresser
Pereira (2004) reconhece que, embora o Brasil apresente evolução paralela ao que vem ocorrendo em países desenvolvidos, ainda ocorrem alguns retrocessos pontuais que vão
sendo corrigidos à medida que a
Constituição de 1988 é emendada.
Para se entender a dimensão das
reformas da gestão pública brasileira no âmbito dos municípios, é preciso atentar que os municípios eram
apenas componentes dos estados até
a Constituição de 1988. A partir daí
passam a ter status de unidade da
48
Federação dotadas de autonomia
política, administrativa, financeira
e normativa. De acordo com Silva
(1989):
a) A autonomia política garante ao
município o direito de eleger o respectivo Prefeito, Vice-Prefeito e
Vereadores e se auto-organizar mediante a elaboração de lei orgânica própria;
b) A autonomia administrativa possibilita ao município organizar os
serviços locais, criar órgãos da
administração direta e indireta;
c) A autonomia financeira assegura
ao município a possibilidade de
instituir e arrecadar seus tributos,
além de aplicar seus recursos;
d) A autonomia normativa assegura
a capacidade de elaborar suas
próprias leis, no limite de sua competência constitucional.
Vale ressaltar que a autonomia
financeira dos municípios é relativa
em função do sistema tributário vigente no país, como lembra Bremaeker (2004). “O fato é que a autonomia tributária dos municípios ainda é frágil, pois os principais tributos são reservados à União e aos estados”. A composição da receita dos
municípios se dá através da receita
tributária própria3 somada aos repasses governamentais do Fundo de
Participação dos Municípios (FPM)4
proveniente da União e a Quota-Parte Municipal do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias (QPMICMS) 5 repassadas pelos estados.
Essas transferências representaram
37,2% de toda a receita dos municípios do Estado de São Paulo, em
2003. (RECEITA, 2004, p.28).
Verifica-se, de fato, uma autonomia relativa no aumento das receitas dos governos locais, apesar dos
repasses municipais representarem
um significativo aumento da com-
Ano VII • Nº 11 • janeiro de 2005 • Salvador, BA
3
4
5
posição da renda dos municípios.
Rolnik (2000), entretanto, pondera
que a necessidade de recursos financeiros a fim de cumprir as novas
competências municipais no setor
social (educação, saúde, assistência,
habitação) é muito maior que os repasses financeiros provenientes das
instâncias estadual e federal.
É fato, também, que as grandes
cidades tiveram suas receitas diluídas para regiões e municípios que
não possuem capacidade arrecadatória devido à baixa atividade econômica. Gomes e Mac Dowell (2000)
apontam as conseqüências indesejáveis do arranjo fiscal:
a) aumentaram os volumes absoluto e relativo de transferências de
receitas tributárias originadas nos
municípios grandes para os municípios pequenos (e do Sudeste
para o resto do país), com o provável efeito líquido de desestimular a atividade produtiva realizada nos grandes municípios (e no
Sudeste), sem estimulá-la nos pequenos municípios ou nas demais
regiões;
b) beneficiaram a pequena parte
(não necessariamente a mais pobre) da população brasileira que
vive nos pequenos municípios, ao
destinarem mais recursos para as
respectivas prefeituras, e prejudicaram a maior parte da mesma
população, que habita os outros
municípios, cujos recursos se tornaram mais escassos;
c) aumentaram os recursos utilizados no pagamento de despesas
com o Legislativo e, provavelmente, as despesas administrativas
em geral, ou seja, os custeios de
gabinetes de prefeitos, câmaras
de vereadores e administrações
municipais, ao mesmo tempo em
que reduziram, em termos relativos, o montante de recursos que o
Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI), Imposto
Retido na Fonte (IRRF), Imposto sobre Serviços (ISS), Taxas e Contribuições de Melhorias, como por
exemplo a Taxa de Lixo.
O FPM é composto por 22,5% da arrecadação líquida do Imposto de Renda (IR) e do Imposto sobre
Produtos Industrializados (IPI). Os critérios de distribuição baseiam-se em percentuais estabelecidos entre
municípios do interior e capitais ponderados de acordo com a população. Para as capitais são levados em
conta a renda per capita como redutor.
O QPM-ICMS possui critérios de distribuição baseados em vários ítens, inclusive por áreas cultivadas,
inundadas e protegidas e outros.
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
setor público (União, estados e
municípios) tinha disponíveis
para aplicar em programas sociais
e em investimentos.
Uma ponderação interessante
sobre essa nova geração de criação e
emancipação de municípios é efetuada por Fleury (2003), que avalia os
objetivos muito mais de natureza
política do que de expansão da atividade econômica, como foi no passado recente, quando da expansão
do Vale do Paraíba ou do Oeste
Paulista. Por outro lado, as análises
sobre a viabilidade econômica dos
municípios recém criados ou emancipados concentram-se, sobretudo,
em indicadores econômicos e financeiros comparativos da composição
de renda versus número de habitantes dos municípios:
As transferências do Fundo de Participação dos Municípios (FPM),
têm se constituído na principal
fonte de renda para nada menos
que 86% dos municípios paulistas
com menos de 5 mil habitantes. (...)
fica claro que quanto menor o município, menor a participação das
receitas próprias e maior a dependência do FPM na composição total da receita (...) é importante assinalar o processo de repartição
das cotas do FPM entre os municípios. Os coeficientes de distribuição dessas cotas são regressivos,
ou seja, favorecem os municípios
de menor população, ocorrendo
uma transferência de recursos gerados nos municípios de maior
porte. (BRAGA e PATÉIS, 2003,
p.13).
Os autores, contudo, apresentam
um argumento que pode ser considerado positivo baseado na idéia de
que a transferência de renda dos
mais ricos para os mais pobres estaria promovendo um processo de
redistribuição de riquezas, mas
questionam o próprio argumento
quando se leva em consideração o
peso da máquina administrativa criada junto com a instalação do município. Avaliam que esses gastos se
tornam proporcionalmente maiores
quanto menor for a população dos
municípios.
Os municípios que se emanciparam criaram estruturas públicas,
legislativas e executivas, que, num
primeiro olhar, sugerem mais despesas aos cofres públicos. Mas também
aumentou a participação popular
nos eventos locais que definem os
quadros políticos com muito mais
agilidade que no passado recente.
De acordo com Bremaeker (2001),
61,2% dos prefeitos dos municípios
emancipados em 1997 conseguiram
se reeleger, numa demonstração de
satisfação da população, principalmente pela possibilidade de acesso
a uma gama de serviços públicos
inexistentes, até então.
Se por um lado a redistribuição
de recursos financeiros criou conseqüências indesejáveis do ponto de
vista econômico, vale analisar os
efeitos dos avanços da democracia
na qualidade de vida das pessoas e
no efetivo exercício da cidadania.
Bremaeker (2001), sugere que, antes
de se efetuar um julgamento de valor, é necessário que se vivencie o
ambiente que motiva a emancipação
de um espaço do território, visto que
“é onde a teoria não tem nada a ver
com a prática”. Pesquisa realizada
junto aos municípios emancipados
e com aqueles de onde se originaram os novos municípios mostra que
mais de 75% dos casos a comunidade estava insatisfeita com a atenção
que lhe era dispensada pelo município de origem. Bremaeker (2001),
acredita que a emancipação passa a
representar para a comunidade o
real acesso a toda uma gama de serviços públicos a que jamais teriam
acesso:
Bem ou mal, a comunidade passa
a gerir seus destinos quanto à educação, à saúde e à assistência social. Além disso, passa a construir e
depois conservar as vias urbanas,
as estradas e caminhos vicinais, a
cuidar da limpeza pública e, de alguma forma, prover o saneamento
básico. (BREMAEKER, 2001, p.9).
Os municípios brasileiros tiveram, de fato, reforçada a sua autonomia política, um fortalecimento financeiro pelas transferências governamentais e, sobretudo, uma intensificação da vida política das localidades. Entretanto, de acordo com
Rolnik (2004), “as posturas munici-
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
“
Diante da
ausência de um espaço
político regional, os
governos locais acabam
sendo sub-representados
em processos decisórios
relevantes...
”
palistas, visíveis através da guerra
fiscal entre os estados e municípios,
se assemelha ao neolocalismo norte-americano, efeito da fragmentação
da ação pública circunscrita ao espaço das cidades”. Esse comportamento é inadequado para as políticas de geração de novos empregos e
renda e demonstra a ausência de
coordenação entre os políticos locais,
com vistas à solução de problemas
que transcendem os limites das cidades e para o estabelecimento de
estratégias coordenadas de desenvolvimento econômico regional.
Além das questões relacionadas à
gestão da infra-estrutura urbana,
outros temas essenciais começam a
surgir com os processos de descentralização, como o desenvolvimento
econômico, que possui características nitidamente regionais. Diante da
ausência de um espaço político regional, os governos locais acabam
sendo sub-representados em processos decisórios relevantes. (ROLNIK,
2004).
A Região Nova Alta Paulista
A região da Nova Alta Paulista,
localizada no Sudoeste do estado de
São Paulo, é composta por um corredor de pequenas cidades das microregiões de Dracena, Adamantina e
Tupã. Possui uma área de 8.827 km2
e população de 368.073 habitantes
distribuídas por 31 pequenas cidades, que surgiram em decorrência da
construção da Ferrovia Paulista, na
década de 1940, devido à expansão
da cultura do café. Com o declínio
da economia baseada na cafeicultura, a região se encontra sem vocação
definida para o seu desenvolvimento econômico. Ocorreu um êxodo rural importante aumentando signifi-
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Quadro 01 – Perfil das Cidades da Nova Alta Paulista (SP)
Fontes: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, versão 2000.
Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados – SEADE, versão 2004.
cativamente a população urbana de
maneira desproporcional à oferta de
geração de emprego e renda.
No quadro 01 pode-se perceber
que a maioria das cidades foi constituída na década de 1940 cuja finalidade especifica era a incorporação
de novas áreas territoriais à produção econômica dominante, a cafeicultura. Percebe-se também que a
taxa de urbanização é bastante elevada na maioria das cidades, demonstrando o movimento migratório campo–cidade, ocorrido pelo
declínio da atividade agrícola. A falta de vocação econômica é visível
50
através da baixa renda per capita.
Cidades paulistas, do mesmo porte
demográfico, como Paulínia-SP, por
exemplo, que possui atividade econômica expressiva, apresenta uma
renda per capita de R$ 503,30. São
Caetano do Sul, a primeira colocada
no ranking do estado, tem uma renda per capita de R$834,00.6
Para se avaliar a qualidade de
vida e o estágio de desenvolvimento
social das cidades da Nova Alta
Paulista, foram selecionados dois
índices. O primeiro, Índice de Desen-
Ano VII • Nº 11 • janeiro de 2005 • Salvador, BA
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volvimento Humano dos Municípios (IDH-M) é uma adaptação do Índice de Desenvolvimento Humano
(IDH), criado pelo Programa das
Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), no início da década
de 1990, cujo objetivo foi classificar
os países e regiões pelo tamanho do
seu PIB per capita. Com a evolução
das condições de vida das pessoas,
tal critério tornou-se insuficiente
para avaliar o nível de desenvolvimento humano e o bem-estar das
pessoas. Foram incluídas outras di-
Fonte: Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados – SEADE, versão 2004.
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
mensões, consideradas fundamentais na vida e na condição humana,
que são: longevidade (saúde e esperança de vida); educação (taxa de
alfabetização dos adultos e taxa de
matrícula combinada nos níveis fundamental, médio e superior); renda
(poder de compra da população,
ajustado ao custo de vida local).
A metodologia de cálculo envolve transformar essas três dimensões
em índices e a combinação deles resulta num indicador síntese, que varia entre 0 e 1. Quanto mais próximo
de 1, maior o desenvolvimento humano do país ou região. A adaptação do índice para os municípios
envolve o refinamento das dimensões riqueza, longevidade e escolaridade levando-se em conta características locais.7
A crescente classificação no IDHM, entre 1991 e 2000, em todos os
municípios, sugerem que os recursos financeiros governamentais foram decisivos para a melhoria da
qualidade de vida das cidades, principalmente aquelas com menos de 5
mil habitantes, cujas receitas próprias são insignificantes se comparadas aos repasses governamentais. A
dimensão que mais contribuiu para
a elevação dos índices foi a escolaridade em todas as cidades e a que
apresentou menor contribuição foi a
dimensão riqueza, que apresentou
diminuição em várias cidades. Percebe-se ainda que o IDH-M da maioria das cidades da região concentram-se em torno de 0,7 – 0,8, o que
significa que as cidades se encontram muito próximas de um alto desenvolvimento humano, segundo os
critérios do IDH-M.
O segundo, Índice Paulista de
Responsabilidade Social (IPRS), versão 2004, apurado pela Fundação
Sistema Estadual de Análise de Dados (SEADE) é uma ferramenta usada para avaliar e redirecionar os recursos públicos voltados para o desenvolvimento dos municípios paulistas. Segundo a SEADE, não se trata de avaliar um desenvolvimento
comum, mas aquele do qual a sociedade participe e se beneficie, na procura por um maior equilíbrio econômico e social do Estado. Embora com
metodologias discretamente distin-
Gráfico 01 – Variação do IDH-M entre os anos de 1991 e 2000
Fonte: Atlas do Desenvolvimento Humano. IDH 2000.
Nota: 0,5 a 0,8 – médio desenvolvimento humano. Acima de 0,8 – alto desenvolvimento humano.
Quadro 02 - Critérios adotados na Formação dos Grupos do IPRS dos
Municípios Paulistas
Grupo
1
2
3
4
5
Riqueza
Longevidade
Escolaridade
alta
alta
baixa
baixa
baixa
alta / média
baixa / média
alta / média
baixa / média / alta
Baixa
alta / média
média / baixa
alta / média
alta / média / baixa
baixa
Fonte: Sistema Estadual de Análise de Dados. SEADE. Versão 2004.
Nota: Escolaridade: baixa=até 40 pontos; média=de 41 a 46 pontos; alta=acima de 47.
Longevidade: baixa=até 66 pontos; média=de 67 a 72; alta=acima de 73.
Riqueza: baixa= até 40 pontos; alta=acima de 41.
Gráfico 02 – Variação do IPRS entre 1997 e 2002
Fonte: Sistema Estadual de Análise de Dados. SEADE. Versão 2004.
tas, tanto o IDH-M quanto o IPRS se
baseiam nos critérios das três dimensões: riqueza, longevidade e escolaridade.8
Como pode ser observado na Figura 02, dois terços dos 31 municípios da região estavam classificados,
em 1997, no grupo 3 (baixa riqueza
e bons indicadores sociais) e os de-
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
7
8
mais no grupo 4 (baixa riqueza e um
dos indicadores sociais insatisfatório). Entretanto, entre 1997 e 2002
ocorreu uma inversão. Apenas 12
cidades se mantém no grupo 3 e as
demais perderam pontos. A dimensão escolaridade aumentou significativamente em todos os municípios do mesmo modo como a dimen-
A metodologia de apuração do IDH-M – Índice de Desenvolvimento Humano para os municípios pode ser
obtida no Atlas do Desenvolvimento Humano 2000, disponível no portal do IBGE <http://www.ibge.gov.br.>.
A metodologia de apuração do IPRS – Índice Paulista de Responsabilidade Social pode ser obtida no portal
do SEADE <http://www.seade.gov.br.>.
Ano VII • Nº 11 • Janeiro de 2005 • Salvador, BA
51
Gráfico 03 – Eleitores (População Adulta) x Empregos na Nova Alta Paulista
Fonte: Sistema Estadual de Análise de Dados. SEADE. 2004.
são riqueza diminuiu em todos os
municípios. A dimensão longevidade variou muito entre os municípios,
o que pode estar relacionado a uma
diminuição do atendimento à saúde;
aumento da mortalidade infantil ou
de jovens adultos (pode se relacionar
à violência urbana), dentre outros. De
modo geral, os indicadores apontam
para o empobrecimento das cidades
e o aumento de problemas sociais da
região nos últimos anos. Para uma
avaliação mais detalhada, como por
exemplo, se o empobrecimento das
cidades está diretamente relacionado ao aumento dos problemas sociais seria necessário uma investigação mais detalhada, o que não é objeto desse estudo.
Embora a região apresente um
potencial interessante para seu desenvolvimento sustentável, em função dos indicadores sociais favoráveis, percebe-se que não existem praticamente empregos formais disponíveis na região. A Fiura 03 aponta
a baixíssima atividade na geração de
empregos da região. Apenas cerca de
20% da população adulta possui
emprego formal na região.
ta as opiniões obtidas nas entrevistas, que não se mostraram convergentes sobre o futuro econômico da
região. A opinião de José Alvarenga,
jornalista, empresário e um dos primeiros moradores da cidade:
Osvaldo Cruz cresceu muito pouco nos últimos dez anos. Precisa
de empresas geradoras de empregos. Já existem algumas indústrias, como a Granol que fabrica óleo
de soja. Porém, aqui na região não
tem soja, porque a soja precisa de
grandes áreas para ser cultivada.
Se não existe matéria prima,
inviabiliza. (José Alvarenga, 2004).
O ex-prefeito Valter Luis Martins
(2004), que governou a cidade de
Osvaldo Cruz em duas gestões seguidas, acredita na força do apoio
às micro e pequenas empresas e no
desenvolvimento humano a fim de
incentivar o empreendedorismo:
Em busca da Vocação
Econômica
Desde que a cafeicultura deixou
de ser a base da economia de sustentação, a região não possui uma
vocação econômica definida. Parece não haver consenso entre as autoridades e formadores de opinião
sobre esse tema, levando-se em con-
52
Ano VII • Nº 11 • janeiro de 2005 • Salvador, BA
Já está havendo uma transformação na região. O SEBRAE9 tem atuado fortemente e já tem apresentado resultados na capacitação de
empreendedores que queiram montar suas micro e pequenas empresas. A soja já começa a ser plantada e a cana-de-açúcar já está demandando a implantação de mais
duas destilarias, apesar de já se ter
bastante usinas na região (...) Devemos continuar essa política de
apoiar as micro e pequenas empresas (...) Não dá para acreditar que
você vai trazer indústrias grandes,
de 500 funcionários. Continuar in9
10
vestindo na capacitação e treinamento das pessoas, escolas profissionalizantes, tentar uma FATEC10
para reter as pessoas da região. O
micro empresário representa a grande oportunidade de emprego. Apoiar a agricultura porque ainda é importante para região. Devemos investir nas pessoas. (Valter Luis
Martins, 2004).
O prefeito Wilson Pigossi (2004),
recém empossado em Osvaldo Cruz
acredita mais no agronegócio como
vocação para a região:
O desenvolvimento da região é
muito importante, principalmente
porque a nossa região é conhecida
como o corredor da fome. É difícil,
pois antigamente a economia era
baseada na cafeicultura e hoje é a
monocultura de cana-de-açúcar.
Como o Brasil vai exportar açúcar
para China, vejo isso com bons
olhos, mas não gostaria que fosse
só cana-de-açúcar. Acho que Osvaldo Cruz deve desenvolver outras culturas (...) Temos de pensar
no agronegócio como um todo. Porque tem os empregos diretos e indiretos. Para alguma coisa nossa terra é boa. Nosso agricultor tem que
ser capacitado, e a prefeitura tem
que propiciar isso para ele. Por ser
uma região de terras boas, temos
condição de ter agronegócio, porque o pequeno agricultor rural está
morrendo. A nossa região produz
café e cana-de-açúcar. O gado já
não é um bom negócio. O agricultor está querendo apenas viver porque os filhos se formam e não fi-
SEBRAE – Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas.
Faculdade de Tecnologia.
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
cam mais na agricultura. O pai se
obriga a arrendar a terra para a canade-açúcar. (Wilson Pigossi, 2004).
O empresário Miguel Cunha
(2004) tem uma visão de médio e longo prazos baseada na crença de que
Osvaldo Cruz possa se transformar
na capital de produtos de dança do
Brasil. Já existe uma grande empresa nessa atividade se desenvolvendo na cidade e a estratégia seria atrair outras empresas do setor a fim de
se formar um Arranjo Produtivo Local (APL) através de parcerias que
permitissem dar uma visibilidade
internacional ao setor. Duas outras
possibilidades de geração de emprego e renda na região são descartadas, pelo empresário, pelas características regionais. A primeira seria
Osvaldo Cruz se tornar um centro
produtor de matéria prima, mas, a
região não possui nenhum recurso
natural que pudesse consolidar essa
atividade. A segunda seria Osvaldo
Cruz e região se transformarem em
um centro consumidor de produto
final, que também não é adequada
em função de não existirem grandes
cidades, que seriam os centros consumidores de produto final. Sua visão está focalizada no caminho estratégico de a cidade se valer do forte sentimento de regionalidade dos
filhos da terra, para atrair investimentos de médio e longo prazos:
A única forma de trazer uma grande empresa já instalada para a sua
cidade, é por vínculo familiar. O
amor à terra é muito forte na vida
das pessoas. Buscar pessoas que
nasceram em Osvaldo Cruz ou que
tem familiares em Osvaldo Cruz e
estão instaladas em outras cidades e fazer um convite para que
eles voltem às origens. O interior
hoje tem muito mais benefícios do
que São Paulo, que se tornou uma
cidade de serviços. Aqui não tem
problemas de greve, de enchentes,
não tem o problema de transporte,
que em São Paulo, tem. Não vejo
outra possibilidade, já que você
não é produtor de matéria específica nenhuma e nem um centro consumidor de produto final. (Miguel
Cunha, 2004).
Os depoimentos obtidos sugerem
que, embora ainda não exista um
consenso sobre o futuro sustentável
da região, ou seja, ainda não se definiu qual é o negócio que será o foco do
projeto de desenvolvimento econômico sustentável, existe uma movimentação prática no sentido de se
buscar esse consenso entre as autoridades, empresários e formadores
de opinião.
Consórcios e Parcerias
Regionais
Uma outra questão levantada nas
entrevistas foi a possibilidade de se
criar consórcios e parcerias entre os
governos locais a fim de se promover
projetos integrados. Já existe uma
entidade formada na região: a Associação dos Municípios da Nova Alta
Paulista (AMINAP), que congrega 30
dos 31 municípios da região. O prefeito de Dracena é o líder da associação, eleito entre os 30 representantes
dos municípios associados. O depoimento de Walter Góes (2004), ex-viceprefeito, representante de Osvaldo
Cruz na AMINAP exemplifica alguns
dos projetos que estão sendo conduzidos em parceria regional:
Existem alguns projetos sendo discutidos, como por exemplo, a construção de uma ponte que ligará o
estado de São Paulo ao estado de
Mato Grosso, que já possui o leito
carroçável construído, faltando
apenas alguns detalhes para a sua
conclusão. Como já ocorreu uma
dotação orçamentária da bancada
paulista na Assembléia Legislativa, para o término da ponte, então
existe o interesse por parte do governo do estado, exatamente pela
pressão dos municípios da Nova
Alta Paulista para concluir a ponte. Na nossa rodovia passam 8 mil
carros por dia. Com a ponte já funcionando, provavelmente esse número quase deverá triplicar. Nós
teremos aí em torno de 23 mil carros por dia. Evidentemente acaba
sendo um incentivo para a região.
Incentivo de movimento, incentivo
para investimento, incentivo ao
corredor de tráfego que passa a ser
importante para a região, porque
os empresários acabam vendo a
região como um local interessante
para investir. (Walter Goes, 2004).
Um caso observado na região de
Osvaldo Cruz é o consórcio para manutenção das estradas intermunicipais. Segundo o ex-prefeito de Os-
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
“
Um conjunto
dessas maquinas custam
mais de R$1,5 milhão.
Qual município tem
condição de investir esse
dinheiro?
”
valdo Cruz, Valter Luis Martins
(2004), a implantação de patrulhas
agrícolas através de consórcio intermunicipal tem como objetivo fiscalizar e melhorar as estradas municipais. O governo do estado financia
por seis anos um conjunto de máquinas – patrol, pá carregadeira, esteira e retroescavadeira e esse dinheiro já é descontado da verba que o
governo estadual repassa aos municípios. Os municípios se associam
através de um consórcio e adquirem
essas máquinas para poder trabalhar. “Um conjunto dessas maquinas custam mais de R$1,5 milhão.
Qual município tem condição de investir esse dinheiro? O nosso consórcio já adquiriu um segundo conjunto de máquinas. Isso começou em
2001”.
A importância da construção de
um hospital regional para o atendimento de altas complexidades médicas é um dos temas a ser conduzido através de parceria entre as cidades da região. Os médicos e pacientes da região deslocam-se até Marília
(300 km de Dracena) para intervenções médicas mais complexas. Embora exista um consenso sobre a necessidade de um hospital regional
dessa natureza, não existe acordo
sobre qual seria a cidade da região
escolhida para se construir o hospital. Nesse momento percebe-se a dificuldade em se promover alianças
entre os governos locais a fim de se
obter vantagens coletivas:
Nós pertencemos a uma região que
nós definimos que é a região da
Nova Alta Paulista. Nós queríamos
uma individualização desta região
tornando-a, inclusive, região administrativa, mas por uma falta de
consenso político, por interesses de
Dracena, Adamantina, Osvaldo
Cruz e Tupã que gostariam de ser
Ano VII • Nº 11 • Janeiro de 2005 • Salvador, BA
53
a sede dessa região administrativa,
acabou não acontecendo, aqui, a
formação de uma região administrativa. E isso é fundamental para
a ajudar o desenvolvimento dessa
região. Por que aí você teria definições e decisões políticas, representantes políticos da região administrativa. (Walter Góes, 2004).
um espaço político regional, é essencial que os governos locais se organizem nas reivindicações regionais.
A associação dos municípios em
consórcios foi uma das respostas que
surgiram para discutir questões relacionadas aos espaços intermunicipais. (ROLNIK, 2004).
Percebe-se aqui algo semelhante
ao paradoxo constatado na gestão
de áreas metropolitanas, que envolvem negociações entre os atores,
mesmo em experiências internacionais como Estados Unidos, Europa
ou Caribe e América Latina. Um dos
pontos centrais da questão metropolitana reside em como superar a cultura de jogo de soma zero, ou seja,
superar a percepção coletiva de um
conjunto de atores públicos e privados de que o ganho de um representa necessariamente um prejuízo para
o outro.
De acordo com Rolnik (2004), é
necessário alertar para os efeitos
perversos da competição entre cidades, gerada por um individualismo
local que pode se tornar excessivo e
destrutivo entre localidades e regiões. A construção de redes cooperativas e solidárias entre municípios,
buscando a solução de problemas
comuns, pode fortalecer a identidade supralocal e reforçar a nacionalidade. A associação de municípios
em consórcios foi uma das respostas que emergiram recentemente
para enfrentar os limites da ação
puramente municipal. É importante
que ocorra um amadurecimento das
relações entre os agentes nos temas
de cooperação, ação coletiva e mobilização produtiva de atores públicos
e privados para que os projetos estratégicos se viabilizem, pois os espaços econômicos existentes no país
são marcadamente regionais e não
municipais. A territorialidade da
agroindústria da cana de açúcar e
da laranja, por exemplo, extrapolam
as fronteiras municipais. As redes
de infra-estrutura, que se encontram
hoje sob as esferas federal e estadual, transcendem os limites dos municípios e dificilmente uma cidade
isolada tem força política para determinar a estratégia de investimento na região. Diante da ausência de
Políticas Sociais Sustentáveis
54
O primeiro depoimento sobre o
significado de políticas sociais que
atuam como alicerces para programas estratégicos de desenvolvimento sustentável para a região mostrou
um compromisso da cidade de Osvaldo Cruz com projetos mais abrangentes de formação educacional e
cultural dos jovens que vão além dos
projetos assistencialistas. O projeto
Guri, concebido e implantado pela
vereadora Izaltina Otaviani, ilustra
o comprometimento da população
com as políticas sociais sustentáveis:
Inclusão social para mim é aula de
música, informática, teatro, cultura. O Projeto Guri, por exemplo. Eu
trouxe professores de violino, violoncelo, bateria de outras cidades
para ensinar os meninos. O projeto
está funcionando há seis anos. Em
1996 eu não pude ir a uma reunião
de Secretários da Cultura em São
Paulo, mas passei o dia inteiro em
frente à TV anotando tudo o que eu
achava importante sobre o projeto.
Passei o ano de 1997 inteirinho lutando com o Valtinho11 até que eu
consegui. (Izaltina Otaviani, 2004).
O Projeto Guri iniciou suas atividades em março de 1998 e após três
meses, em junho do mesmo ano, fizeram a primeira apresentação, na comemoração do aniversário da cidade. Possui atualmente duas orquestras sinfônicas que utilizam o prédio
do antigo almoxarifado da prefeitura para suas atividades. Os componentes das orquestras são jovens carentes de 7 a 18 anos, que saem do
projeto exercendo a atividade de professores de música em conservatórios musicais de outras cidades do interior paulista. Os instrumentos foram doados pela Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo.
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A mudança de comportamento
dos jovens é notável. Existem es-
tudos psicológicos que afirmam
que a criança que pega num instrumento musical jamais pega
numa arma. Além da inclusão social, abrimos as portas para o menor exercer uma profissão, como
músico ou professor. Alguns alunos que já saíram, estão fazendo
curso de música em Tatuí, que é o
centro da música. (Izaltina Otaviani, 2004).
O depoimento da Diretora da
Ação Social de Osvaldo Cruz, Vera
Furini (2004), comprova o acesso,
relativamente fácil, aos recursos financeiros provenientes dos programas de âmbito estadual ou federal,
a fim de que os municípios cumpram
sua parte nas políticas públicas.
Particularmente, em Osvaldo
Cruz, vêm se discutindo as políticas e programas de inclusão social, depois da implantação da Lei
Orgânica da Assistência Social
(LOAS), que virou política pública e está em pé de igualdade com
a educação e a saúde (...) A lei tem
uma série de critérios, onde define
o dever do estado e o direito do
cidadão. Após dez anos da implantação da LOAS, já conseguimos pelo menos isso. Não se trabalha mais com clientelismo. (Vera
Furini, 2004).
Contudo, percebem-se dificuldades no atendimento das demandas
sociais da população carente, em
função das verbas insuficientes dos
repasses governamentais e da incapacidade do município em gerar recursos financeiros para essa finalidade, pois, segundo Vera, Osvaldo
Cruz não tem como gerir sua própria
política social.
Qualquer município do porte de
Osvaldo Cruz, abaixo de 50 mil
habitantes, não tem condições de
gerir a sua própria política. Atualmente atendemos 213 famílias no
programa de Renda Cidadã, inclusive famílias de detentos, que são
famílias de extrema de pobreza.
(...) Nós temos excelentes projetos,
excelentes entidades não-governamentais, mas não temos condições
para um atendimento generalizado. Por exemplo, você atende 115
crianças, mas você tem 500 que
11
Referência ao prefeito Valter Luis Martins.
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
“
A principal
preocupação do projeto
Ação Social de Osvaldo
Cruz é a falta empregos
formais para que os
programas sociais
desenvolvidos se tornem
efetivos nos médio e
longo prazos...
”
precisam de atendimento. Por isso,
a gente tem eficácia e eficiência,
mas não tem a efetividade das
ações. (Vera Furini, 2004).
A principal preocupação do projeto Ação Social de Osvaldo Cruz é a
falta empregos formais para que os
programas sociais desenvolvidos se
tornem efetivos nos médio e longo
prazos. Para que o adolescente possa participar do programa Agente
Jovem é obrigatória sua permanência na escola a fim de que possa receber os R$ 65,00 mensais.
Através desse trabalho, começamos a perceber que tínhamos melhores condições de inserir o jovem
na sua comunidade: ele está melhor preparado para resolver os
problemas da sua comunidade e
inserido no mercado de trabalho,
onde o resultado seria efetivo se
houvessem possibilidades de empregos (...) Não tem projetos com
empresas. Existem parcerias, mas
projetos com empresas ainda é um
sonho. Ter um projeto que não envolva governo municipal, estadual ou federal. Aquela empresa assumir um determinado projeto de
geração de empregos seria perfeito. (Vera Furini, 2004).
Conclusão
Pelo exame dos dados e dos depoimentos apresentados, é possível
afirmar com alguma segurança que,
por mais que os governos locais se
tornem empreendedores, não haverá desenvolvimento sustentável para
as pequenas cidades sem se implan-
tar estruturas econômicas significativas de âmbito regional que possam
catalisar os esforços individuais e
transformar a região em algo visível
nacional ou internacionalmente.
Pode ser constatado, de fato, que
a atividade política das pequenas
cidades foi intensificada e os governos são muito mais cobrados em
seus atos, se comparados ao passado recente. Qualquer ação política
isolada, que não possua o respaldo
popular, é contestada de forma ágil
através de mobilizações e participações populares e a resposta efetiva
ocorre no momento das eleições.
Também é notável o movimento
de parcerias em torno dos prefeitos
das pequenas cidades da região.
Entretanto, trata-se de parcerias em
ações do dia-a-dia, que não podem
ter a pretensão de alavancar o desenvolvimento sustentável, uma vez
que os projetos resumem-se a terceirizações de serviços públicos ou algum projeto de mobilização da sociedade para melhorias urbanas eventuais. Contudo, não se pode minimizar o valor potencial dessa geração de emprego e renda miúda, pois
a tendência é que quanto mais organizadas forem essas parcerias, melhores os resultados para a região,
para o estado e conseqüentemente
para o país. Existe uma engenhosidade nas pequenas soluções que se
somadas acabam significando um
todo maior que a soma das partes.
Contudo, mesmo se considerando os avanços políticos nas localidades com o desenvolvimento da democracia participativa e que poderão
resultar em desenvolvimento humano das localidades mais pobres e
desprotegidas, a ausência de estratégias de médio e longo prazos, que criem mecanismos para a geração de
emprego e renda a fim de diminuir a
dependência dos municípios dos repasses governamentais poderá acarretar grandes impasses ainda imprevisíveis. Porter (1999) ressalta que
questões relacionadas com o meio
ambiente, com a pobreza urbana e
com as desigualdades de renda, em
geral são encaradas como problemas
sociais, mas, no entanto, cada uma
delas está vinculada de forma indeslindável com a economia e com a ge-
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
ração de riquezas. “A prosperidade
decorre da habilidade de aumentar
continuamente a produtividade”.
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Entrevistas Realizadas:
Izaltina Otaviani. Ex-vereadora e Diretora de Planejamento de Gestão Municipal da Prefeitura Municipal de Osvaldo Cruz. Entrevista concedida em
dezembro / 2004.
José Alvarenga. Ex-secretário municipal. Proprietário do Nosso Jornal. Entrevista concedida em dezembro /
2004.
Miguel Cunha. Empresário em Osvaldo Cruz. Prefeitura Municipal de Osvaldo Cruz. Entrevista concedida em
dezembro / 2004.
Valter Luis Martins. Prefeito em exercício da cidade de Osvaldo Cruz. Entrevista concedida em dezembro /
2004.
Vera Furini. Diretora da Ação Social
da Prefeitura Municipal de Osvaldo
Cruz. Entrevista concedida em dezembro / 2004.
Walter Goes. Médico e vice-prefeito em
exercício da cidade de Osvaldo Cruz.
Prefeitura Municipal de Osvaldo Cruz.
Entrevista concedida em dezembro /
2004.
Wilson Pigossi. Prefeito eleito em Osvaldo Cruz. Prefeitura Municipal de
Osvaldo Cruz. Entrevista concedida em
dezembro / 2004.
CEDRE – CENTRO DE ESTUDOS DO
DESENVOLVIMENTO REGIONAL
O CEDRE realiza estudos e pesquisas, elabora projetos
e presta consultoria nas áreas de:
·
ECONOMIA REGIONAL E URBANA – Análises regionais para programas de desenvolvimento
– Avaliações e acompanhamento de programas de fomento – Estudos de viabilidade econômica
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espacial e econômico nos planos macro e microeconômicos – Planos diretores de
desenvolvimento urbano – análises urbanas).
·
TURISMO E MEIO AMBIENTE – Planejamento turístico macro e microeconômico – Estudos
de viabilidade econômica de empreendimentos turísticos – Projetos turísticos – Estudos de
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Sendo uma instituição universitária o CEDRE não tem finalidades lucrativas e opera em termos
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RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
ESPAÇO URBANO E CRIMINALIDADE:
UMA BREVE VISÃO DO PROBLEMA
Carlos Alberto Costa Gomes1
Resumo
O espaço urbano foi fragmentado em
inúmeros territórios com características próprias e excludentes da cidadania, favorecendo a instalação
da criminalidade e o enfraquecimento da sociedade. A impossibilidade
de circulação inviabiliza parte das
ações de policiamento e proporciona condições de confronto com os
órgãos de segurança pública. O Município e a Justiça não dinamizam
ações que poderiam contribuir na
redução da criminalidade. O tema é
confundido com situações de ordem
econômica que tornam difuso o foco
sobre o problema.
a criminalidade. A cidade, que na
origem da humanidade teve a finalidade de proteger, agora se transformou em um lugar inseguro, perigoso, repartido e fragmentado. Isto
se apresenta até mesmo em trechos
de entrevistas com vítimas da violência de diferentes classes sociais e
locais da cidade de Salvador, que
poderiam ser recolhidos em qualquer região metropolitana do Brasil:
“É muita consumição, vou mudar lá para uma lage na casa de
mãinha em Paripe, não tem jeito
não, eu e meu marido construímos
a casa com muito sacrifício, mas
todo mundo já disse pr´á sair, por
causa das crianças... eles já mataram o cachorro e ficam jogando
pedra no telhado. Não dormimos
mais, chego a ficar com tonteira. É
o fumo, eles ficam lá fumando e
acharam de querer minha casa, eles
querem que a gente saia, tem de
sair.” (ex-moradora da Vila Verde).
Palavras chave: Desenvolvimento
Urbano; Segurança Pública; Violência; Criminalidade; Polícia Comunitária e Social;
Abstract
The urban space was fragmented in
innumerable territories with peculiar characteristics and citizenships
exclusions, encouraging the installation of criminality and the debilitation of the society. The impossibility of the police circulation turns
unviable parcel of the policing
operations and offers conditions of
confront with the security publican’s
organs. The Town and the Justice do
not adopt dynamic actions that
could contribute to the reducing of
criminality. The subject is confounded with situations of economical
order that turns diffuse the focus
about the problem.
“Eu morava em casa, era linda,
nos construímos na Federação em
um big terreno com todo o carinho, para ser a casa da família, tinha três pisos, um projeto muito
bem feito, muito espaço. Fomos
furtados duas vezes e na terceira
vez foi roubo mesmo, de arma na
mão, apontaram na cabeça de meu
filho mais novo, levaram tudo. Ai
desistimos de nosso sonho e vim
morar aqui, neste apartamento.
Quando estou em Porto Alegre,
Curitiba, São Paulo e o pessoal
comenta que me inveja por morar
em Salvador eu vejo que não existe paz em lugar nenhum” (morador do bairro da Graça pertencente à classe média alta.)
Key Words: Urban Development;
Public Security; Violence; Criminality; Communitarian and Social Policy;
Introdução
Pensar o espaço urbano nos dias
atuais gera imediata reflexão sobre
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
“Lá em Vilas (do Atlântico) já
avisam quando chega droga que
nem no Rio (Rio de Janeiro), sol1
tam foguetes, foi engraçado: meu
pai perguntou se o Bahia estava
jogando” (aluna de uma Instituição de ensino superior de classe
média alta.)
Iniciamos explicitando o entendimento de espaço urbano utilizado neste trabalho como sendo espaço físico ocupado pela cidade, que
por sua vez entendemos como um
complexo demográfico formado, social e economicamente, por uma importante concentração populacional
dedicada a atividades de caráter
mercantil, industrial, financeiro e
cultural.
Cidade é a expressão palpável da
necessidade humana de contato, comunicação, organização e troca ,.... numa
determinada circunstância físico-social
e num contexto histórico (LÚCIO COSTA, 1995).
A característica relevante da cidade para este estudo é o espaço
antropizado, onde foi criada uma
estrutura física e social dinâmica,
em constante mutação, geradora de
inúmeras formas de produção e reprodução de segregações, de forma
intencional ou não (LEFEBVRE,
2000).
A cidade ocidental tem sua origem na Antiguidade, com seus alicerces cravados na família que possuía seu culto e seu altar familiar –
Lar – em torno do qual se construía
a casa. Este altar posteriormente passou a designar a própria casa (lar
com o significado que hoje conhecemos); cidade do cidadão sacerdote,
dos deuses particulares, da plebe
composta por aqueles que não pertenciam às famílias fundadoras, sem
religião e sem direitos; cidades for-
Professor do Mestrado em Análise Regional do Programa de Pós Graduação em Desenvolvimento Regional e Urbano. Coordenador do Grupo de Pesquisa “Segurança Pública, Violência e Cidade” registrado
junto ao CNPq. Doutor em Planejamento, Estudos e Aplicações Militares pela Escola de Comando e
Estado Maior do Exército Brasileiro.
Ano VII • Nº 11 • Janeiro de 2005 • Salvador, BA
57
talezas que sempre em mutação terminaram por frutificar na estruturação da sociedade ocidental (COULANGES – 1864).
Este dinamismo próprio da cidade em suas formas de segregação
através dos tempos criou verdadeiros territórios – muito mais que espaços delimitados encerram características
culturais, sociais e econômicas próprias
(SILVA-2000) – os quais em conjunto compõem a cidade atual, cujo espaço é objeto deste trabalho.
Quanto à outra componente do
tema deste estudo – a criminalidade
– será explorada como o conjunto de
crimes ou o “grau” existente de crimes, entendidos como violação culpável da lei penal ou, mais genericamente, qualquer ato que suscita a
reação organizada da sociedade,
caracterizado pela vontade, pelo
dolo. É o resultado da intenção de
alguém em cometer a violação, seja
contra o patrimônio seja contra a
vida de outros. Não faz parte do objeto o exame detalhado através das
variadas classificações existentes
mas a sua principal resultante: a insegurança.
A criminalidade é um fenômeno
social, já identificado assim no final
do século XIX (DURKHEIN 1897),
como um fato próprio da existência
humana, portanto fato social. O fato
social é distinto do livre arbítrio e
conseqüência das forças coercitivas
da coletividade. É uma coisa mensurável e difere da vontade humana
individual, a qual encontra as estruturas sociais prontas, não é decisão
do homem incorporar ou participar
destas formas de convívio, elas existem independente da vontade de
cada um e obrigatoriamente somos
integrado a elas. (GIDDENS, 1976)
A ex-moradora de Vila Verde e o
ex-morador da Federação que nos
emprestaram suas falas na abertura
deste trabalho traduzem o entendimento de que existe uma situação
diferente, uma nova força que envolve a todos indistintamente e é acompanhada com ceticismo e fatalismo:
a realidade da violência2, principalmente da violência criminosa3 que é
o nosso foco – ela está em todo lugar
e atinge a todos, indistintamente. A
limitação espacial do estudo é gené-
58
rica e recai sobre as cidades, utilizando-se a aproximação sobre o espaço urbano de Salvador, apenas
como um exemplo de campo do que
poderia ser observado, com facilidade, em todas as grandes cidades brasileiras.
Portanto, falar em espaço urbano
significa falar de inúmeros territórios
justapostos, que até se interpenetram,
mas na maioria das vezes não são
integrados e que também são diferentes da estruturação oficial – administrativa – imposta. A maioria das
grandes cidades brasileiras possui
territórios dispostos desta forma,
como o Rio de Janeiro com a Zona
Sul e suas favelas; São Paulo com
seus condomínios e vilas; Belo Horizonte com seus bairros e favelas.
Salvador é dividida em 17 Regiões Administrativas – RA: territórios como Ondina e Calabar ou Barra
e Calabar; Pituba e Nordeste de Amaralina que possuem características
totalmente diferentes embora sejam
vizinhos. Diminuindo a escala veremos que existem diferenças maiores entre as partes da própria organização administrativa oficial. Focando-se Salvador (empregada como
exemplo) encontramos RA(s) extremamente distintas; como Subúrbio
Ferroviário e Brotas.
E ao nos afastarmos mais do
mapa da cidade, diminuindo ainda
mais a escala, vemos que os limites
(da cidade) são apenas legais, mas
não reais para aqueles que vivem em
um dos seus vários territórios; teremos ai às diferenças entre os municípios que formam a cidade, agora
tecnicamente denominada Região
Metropolitana, também, na pratica,
apenas justapostos.
A criminalidade é multiforme, é
crescente e paulatinamente encontra
novas formas de infiltrar na estrutura social através das muitas oportunidades existentes no espaço urbano, fracionado entre espaços ocupados de forma irregular – invasões –
Ano VII • Nº 11 • janeiro de 2005 • Salvador, BA
e os espaços murados – os condomínios, formas que caracterizam territórios separados e ao mesmo tempo
pertencentes ao mesmo espaço urbano. Viver em condomínios, murados
e vigiados, não garante a segurança
e em alguns casos cria as condições
similares às da favela para a existência do crime: o território excluído
da cidade – um pela pobreza o outro
pela riqueza. Um favorece o crime
pela fragilidade da cidadania, o outro pela soberba (intencional ou não)
do poder econômico que permite viver à parte da cidade, fragilizando o
poder da sociedade ao abster-se de
participar.
A proposta é estudar as dificuldades da preservação do direito fundamental do cidadão e único dever
inalienável do Estado – a Segurança4
Pública.O assunto é vasto – sociedade, economia, sociologia, educação,
técnicas, estruturas, políticas públicas etc. O tema – espaço urbano e
criminalidade – é multi e interdisciplinar, caracterizado pela realidade
e não pela abstração, classificandose de acordo com Pardinas (1977)
como um problema de ação para o
qual recolhemos informações e as
organizamos a favor da solução.
O que se propõe neste artigo, a
partir de fontes secundárias, é realizar uma aproximação inovadora
sobre as correlações existentes entre
o espaço urbano, concebendo – o de
forma genérica (como é percebido
independente da cidade), porém utilizando como referência a cidade de
Salvador e, ao mesmo tempo, a
criminalidade como um fenômeno
com características supra – regionais ou semelhantes em todas as regiões metropolitanas, como de fato
o é sob o ângulo dos índices5.
O método de abordagem, aproximação e pesquisa recaem sobre o
Estudo de Caso – Espaço Urbano e
Criminalidade – o que enseja que as
categorias de análise serão necessariamente a estrutura do trabalho.
2
Constrangimento físico ou moral; uso da força; coação.
3
Uso da violência para perpetrar um crime
4
O conceito de segurança será apresentado posteriormente.
5
O principal índice de mensuração da criminalidade é o número de homicídios por grupo de cem mil habitantes. Segundo este índice as cidades da América Latina e em especial as brasileiras possuem um “índice”
bastante elevado.
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
Foco
O fenômeno da criminalidade é
global, embora ocorra com diferentes magnitudes, formas e com causas primárias aparentemente diferentes. Em particular, as cidades da
América Latina 6 passam por uma
fase de acentuado crescimento de
diversas formas de crimes, destacando-se os diretamente vinculados a
pessoas: latrocínio – tentativas de
homicídios – homicídios – agressões
– lesões corporais com uso de armas
de fogo e de armas brancas – tráfico
de drogas – prostituição – seqüestro, dentre outros. (WEYLAND 2003)
Coincidentemente as regiões que
possuem maiores taxas de crescimento da criminalidade são as que
apresentam as menores taxas de desenvolvimento econômico (BID,
1999), o que tem levado alguns autores a uma simplificação ilógica: se
existisse trabalho não haveria motivo para o crime sendo, portanto, justificável que nas condições atuais as taxas de criminalidade sejam crescentes.
Esta posição é incoerente, pois
implicitamente afirma, que o homem
é amoral, ou que o necessitado é propenso a cometer crime para obter
aquilo que precisa. Estudiosos que
abordam o tema com isenção (ZALUAR, 1985, 1994; COELHO, 1988,
PAIXÂO, 1988), consideram que
nada é mais falso que esta hipótese.
A constatação do número de habitantes de tantas áreas pobres e que
sobrevivem abaixo da linha da pobreza sem cometer crimes, apesar de expostos às mesmas oportunidades daqueles que o cometem, mesmo que o
objeto da precisão seja relevante (como
a alimentação), é fato real que nega
esta linha de raciocínio. Outra conseqüência desta hipótese preconceituosa é dissipar a vontade de discutir
o problema real e encontrar soluções.
Seria simplificar a questão buscar nesta correlação a justificativa
para o problema, embora ela exista,
como comprovam os gráficos apresentados a seguir, relativos à cidade
de Salvador. Como toda correlação,
é necessário verificar a sua causalidade, verificar a existência do nexo
causal que aponte o sentido verdadeiro do seu significado (STEVENSON, 1986). Os gráficos (figuras 1 e
Figura 1– Distribuição espacial da renda Municipal, segundo Regiões Administrativas –
Salvador – CRUZ (2000)
Figura 2 – Distribuição espacial de homicídios, segundo RA
(2003).
2) demonstram que existe forte correlação entre renda – baixa renda –
e homicídio, mas a evidenciada na
RA XV – Valéria indica que outros
fatores têm importância na questão
abordada, porquanto a RA mais pobre de Salvador é a segunda quanto
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
6
(1991) – Salvador – Silva
ao indicador de violência (homicídio), com números quase idênticos
aos da RA VIII – Pituba, a mais rica e
a de menor número de homicídios
da capital baiana. Nas demais RA’s
a correlação se impõe: menor renda,
mais homicídios.
O principal índice de mensuração da criminalidade é o número de homicídios por grupo de cem mil habitantes. Segundo este índice as cidades da América latina e em especial as brasileiras possuem um “índice”
bastante elevado, igualando-as.
Ano VII • Nº 11 • Janeiro de 2005 • Salvador, BA
59
Mudanças
Partindo do geral para o particular, vemos que a taxa atual de mortes por grupos de 100 000 habitantes, forma internacional de aferição
da criminalidade, está acima do tolerável no país, (e mais ainda em
Salvador), através de uma simples
comparação com as de outros países (tabela 1).
O risco de morrer por causa externa entre os jovens, particularmente entre 10 e 29 anos, está próximo
de 50% para o Brasil como um todo,
e nas regiões metropolitanas de São
Paulo e Rio de Janeiro o número relativo de óbitos nesta faixa etária já
é superior a este percentual (CERQUEIRA e LOBÃO 2004). Observese no a seguir a soma dos óbitos por
causas externas (não doenças) na
faixa etária dos 10 até 29 anos, Já no
ano de 1991, desconsiderando-se o
erro de causa mortis decorrentes de
longo prazo de internação7; o somatório dessas causas atinge 35 752,
enquanto o restante, englobando
todas as demais faixas etárias, atinge uma soma muito próxima da ordem de 40 987 em um ano ( 92% do
total de óbitos).
Nas últimas décadas, as regiões
metropolitanas brasileiras mais importantes, apresentaram uma elevada taxa de crescimento das áreas
ocupadas por moradias subnormais
(ou subumanas) em relação ao restante da cidade. Como exemplo, enquanto a população de Salvador cresceu 22%, no período 1980/2000, nas
áreas nobres foi observado um aumento populacional inferior a 5% da
população. (SEPLAN-2000).
Nas cidades médias brasileiras
houve crescimento da renda per
capita em torno de 3%, enquanto nas
periferias das grandes cidades, o
movimento foi inverso, a renda caiu
em 3% em 2001, decorrente de condições que não se alteraram e desde
então, ao contrário, pioraram: nível
de emprego, renda, inflação, baixo
crescimento econômico etc. (VEJA,
2001, p. 86). Isto indica que as periferias estão ficando cada vez mais
populosas e mais pobres. E, além
disso, a cidade periferiza-se, com o
centro rodeado por áreas subnormais, invadidas. O centro e a perife-
60
Tabela 1 – taxa de criminalidade (homicídios por 100.000 hab.)
– países selecionados.
Países industrializados – 5/100 000;
EUA (o mais violento do G-7) – 9/100 000;
Brasil (geral) – 25/100 000
Salvador – 43/100 000
Fonte- CEDEPLAR -2001
Figura 3 – Óbitos pelas 4 principais causas de morte masculina e grupos de idade – 1991
Fonte: IBGE –IPEA :Como vai? População Brasileira ano I – vol. 4/ 1996
ria lado a lado, às vezes separados
por apenas um muro.
Outra característica da região
metropolitana, aplicável a outras cidades do país, é a migração da classe média em direção à orla oceânica
ou condomínios de luxo, o que promove em seguida a atração da população mais pobre para as proximidades. No caso de Salvador um
exemplo é o surgimento do bairro da
Paz (antiga Malvinas entre a Av.
Paralela e a Av. Otávio Mangabeira))
– na busca de empregos domésticos
ou subempregos.
Territórios justapostos modificando a distribuição espacial de população e renda dentro da cidade.
O mapa permite uma visão do
movimento populacional e de seu
adensamento: o “miolo” de Salvador
adquire elevada densidade e a antiga região da Barra revela decréscimo populacional, evidenciando-se
Ano VII • Nº 11 • janeiro de 2005 • Salvador, BA
ainda o deslocamento da população
para o litoral norte da Cidade.
A Prefeitura de Salvador admite
que cerca de 40% do território é ocupado por construções executadas de
forma irregular, e que nestes 40 %
habitam aproximadamente 70 % da
população, sendo crível concluir
que os maiores adensamentos não
ocorreram de forma legal, nem obedeceram às posturas municipais que
regulam as construções urbanas,
principalmente as que determinam
a existência de arruamento.
Esta forma de crescimento da cidade é comum às cidades brasileiras,
como se depreende da transcrição das
palavras do Ministro das Cidades, Sr
Olívio Dutra, quando da abertura do
Fórum Social Mundial-2005: As cidades, sem exceção, enfrentam graves problemas como o crescimento desordenado,
a falta de infra-estrutura urbana e a crescente onda de violência.
7 Pessoas vítimas de violência e que posteriormente vêm a morrer por falência múltipla dos órgãos.
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
A alegação de que o Município
não pode regular a ocupação de terrenos invadidos é contrária ao espírito da lei do uso e ocupação do solo
urbano, cujo foco é a ordenação e não
a posse do solo. Mesmo em casos sob
julgamento na justiça não se pode
alegar que o Município não teria e
não tem poder para regular a existência de arruamentos provisórios
com a devida numeração e denominação de logradouros, inclusive com
cadastramento e cobrança de taxas
municipais de coleta de lixo e instalação de água e esgotos e iluminação pública. Estas ações não representam o reconhecimento da posse,
mas sim a ordenação do uso do solo,
podendo, inclusive, constar da documentação o termo provisório ou
sub-júdice.
Para efeito de comparação, podese verificar através de um gráfico
radial (figura 5) a imagem da transformação que a cidade do Salvador
vem sofrendo (mais uma vez enfatizando que é representativa das demais cidades e não objeto em si.),
demonstrando uma clara modificação do adensamento populacional,
em um movimento assimétrico entre
as Regiões Administrativas, com
fortíssimo direcionamento para as
RA’s X – Itapuã, XVI – Subúrbio Ferroviário, XIV – Cajazeiras e XIII –
Pau da Lima, e esvaziamento do
núcleo Centro-Barra (RA’s I e VI), em
paralelo ao adensamento em todas
as demais regiões da cidade.
Esta assimetria do crescimento
urbano é confirmada pela análise dos
dados de natalidade para o Rio de
Janeiro, elaborada pelo economista
Marcelo Nery, do Centro de Políticas
Sociais da Fundação Getúlio Vargas,
válidos por similitude das condições
sócio-econômicas para a maioria das
cidades do país, sendo provavelmente um fenômeno nacional:
A taxa média de filhos por menina
de 15 a 19 anos das Favelas da
Rocinha, da Maré, do Complexo do
Alemão, do Jacarezinho e da Cidade de Deus, em Jacarepaguá, é
de 0,266. Já a dos bairros da Lagoa, Ipanema, Botafogo, Copacabana e Tijuca é de 0,054. O resultado mostra que, quanto mais pobre maior é o número de filhos das
Figura 4 - Mapa do adensamento populacional de Salvador
Fonte: Prefeitura Municipal do Salvador 2004
Figura 5 – Gráfico do crescimento vetorial por RA’s 2000.
Fonte: Prefeitura Municipal de Salvador -2004
mulheres. Isso acontece em todas
as faixas de idade, mas foi mais
forte entre as adolescentes.
O economista cruzou dados do
Censo 2000 com os números de recém-nascidos nas regiões administrativas da Prefeitura do Rio de Janeiro.
Fato social
Neste estudo o fato social é a violência advinda do crime ou a própria ação criminosa, que constrange o cidadão em sua lide diária de
forma independente de sua vontade
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e de modo inexorável apesar das medidas tomadas. O que pode ser bem
exemplificado pela fala abaixo, emprestada por um comerciante:
“A minha loja foi roubada sete
vezes nos últimos dois anos e em
todas registrei queixa na delegacia, nunca veio ninguém pr’á saber
de nada, até as grades do terreno
levaram e ninguém sabe nada”
(proprietário de uma loja localizada a 200m de uma Unidade da
PMBA e que após a entrevista concedida ao jornal foi vítima de outro “roubo” -usado aqui como significado de furto e roubo).
Ano VII • Nº 11 • Janeiro de 2005 • Salvador, BA
61
Como fato social, as características da criminalidade já foram constatadas em seminários e estudos de
organizações reconhecidas, como o
CEDEPLAR da UFMG e o Núcleo de
estudos estratégicos da USP 8.
As características da violência
criminosa assim se apresentam:
a) quanto a meio utilizado: a
maior parte dos homicídios é
cometida com armas de fogo;
b) gênero: o homicídio é um fenômeno especialmente masculino;
c) faixa etária: se comparado com
acidentes e outros tipos de
morte por causas externas, as
taxas de homicídio crescem
significativamente a partir dos
15 anos e diminuem depois
dos 30 anos;
d) hábitat: o homicídio é um fenômeno tipicamente urbano,
ou seja, municípios com maior índice de urbanização tendem a apresentar maiores taxas de homicídio;
e) renda: o problema afeta, fundamentalmente, a população
de baixa renda, ao contrário de
outros tipos de violência, como
a ocorrência de roubos e furtos, cuja probabilidade é maior
em áreas de melhor nível socioeconômico. não há efeito agregado significativo na comparação do impacto do desemprego em geral sobre a violência; a maioria dos homicídios
está relacionada ao crime organizado, mas há uma boa
parcela vinculada a fatores
como vingança e bebida;
f) localização: a violência urbana é concentrada espacial e socialmente, mas a favela, por si
só, não é fator determinante da
violência ou do homicídio; as
favelas mais violentas são
aquelas em que o Poder Público mostra-se mais ausente, em
que a infra-estrutura urbana,
equipamentos ou serviços públicos praticamente não existem ou são de má qualidade, a
condição de habitabilidade
das moradias é muito ruim, o
desenho urbano é desorganizado, sem distinção nítida en-
62
tre espaços públicos e privados e sem marcos referenciais
claros, de tal forma que fica
prejudicada a orientação das
pessoas no local;
g) o grau de escolaridade dos
moradores é menor e a taxa de
analfabetismo maior; a taxa de
ocupação no mercado informal é alta;
h) ao contrário dos homicídios,
os crimes contra o patrimônio
concentram-se nas regiões
mais ricas ou no centro da cidade, com forte concentração
temporal dos delitos, vez que
a maioria ocorre à noite ou nos
finais de semana, períodos em
que o policiamento é relaxado.
Quanto à coerção social nos locais de risco a arma dá status ao jovem e, portanto, quanto maior e
mais poderosa, maior a atração; a
mudança na organização familiar e
social local afrouxou o controle social informal tradicionalmente exercido pelos mais velhos em relação
aos mais jovens.
Pesquisa realizada em 1999, em
dez capitais brasileiras, sobre a questão da exposição das pessoas à violência mostra que nos doze meses
que antecederam a entrevista 35%
das pessoas viram alguém ser agredido fisicamente; 14% das pessoas
viram alguém levar um tiro; 13% viram alguém ser morto; 11% viram o
corpo de alguém assassinado; 52%
viram alguém usando drogas. (I
SEMINÀRIO NACIONAL SOBRE
SEGURANÇA PÚBLICA, 2000)
Quanto a responsabilização penal de homicídios de crianças e adolescentes, de um total de 290 casos
acompanhados entre 1991 e 1994
(São Paulo): apenas 48,97% tiveram
autoria identificada; em 27,58% houve oferecimento de denúncia; houve
pronúncia do réu em 9,31% dos casos; apenas 3,3% foram condenados
em primeira instância.
Em Salvador o Centro de Defesa
da Criança e do Adolescente (Cedeca) apresenta números piores: 1 460
homicídios de adolescentes tiveram
somente 50 inquéritos conclusos,
com um número ainda menor de
indiciados, no período 1980/2000.
Ano VII • Nº 11 • janeiro de 2005 • Salvador, BA
Na cidade de São Paulo, entre
1981 e 1984: apenas 18,5% das ocorrências resultaram em inquérito policial; 89% dos casos de roubo deixaram de ser investigados; 81% dos
casos de estupro não foram investigados. Estas informações não estão
disponíveis para Salvador.
Dos casos investigados em 1982
(SP), apenas 65% resultaram em denúncia, visto que os promotores alegam, muitas vezes, que os inquéritos não oferecem condições para se
fazer à denúncia. No mesmo ano,
apenas 22% dos inquéritos resultaram em condenação.
O crime organizado
Uma das componentes mais características da criminalidade moderna é sua transfiguração em atividade
constante, diária, repetitiva e de certa forma organizada, semelhante às
empresas, onde aqueles que exercem
as funções executivas ocupam o cargo de “gerente”; A este tipo de criminalidade foi atribuída a denominação de crime organizado. É uma
expressão usada intensivamente pela
mídia, incorporada ao vocabulário
nacional, mas é importante observar
que não existe a necessidade de uma
única “organização”, para tratar-se
de crime organizado, e sim de um
conjunto de delinqüentes buscando
obter ganho de forma independente
e que acabam por criar condições9 em
tudo semelhante à iniciativa empresarial na economia formal – “várias
empresas”.
Outra característica importante é
tratar-se de uma estrutura que não
busca assumir o controle do poder
político, busca somente o lucro. A
estratégia de sua difusão (entendendo-se aqui como forma de desenvolvimento) e obtenção das condições
de maior rentabilidade – marketing –
é casual, mas verdadeira, pois encontra nas fases, listadas abaixo, a
forma de sobreviver e crescer. Três
(2002) idealizou o seguinte resumo
sobre o crime organizado, de extrema precisão, podendo ser verificado a sua adequação às novas regras
do método sociológico (GIDDENS,
8
Seminário Nacional sobre Segurança
Pública de 2001.
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
1976), quanto aos limites da atuação e os modos em que os processos
de produção e reprodução podem ser
examinados:
I.III – ESTRATÉGIAS DE CONQUISTA DO CRIME ORGANIZADO
Fragilizar a probidade funcional;
penetrar e corromper múltiplos órgãos do governo, valendo-se da
apatia e da inércia de setores passíveis de promoverem uma reação,
promovendo a cultura do laxismo
e da conivência; financiamento e
doações; chantagem; infiltração;
corrupção ativa; terrorismo.
I.IV – ESTÁGIOS DA CONQUISTA DO CRIME ORGANIZADO
Pré-corrupção; experimentação 10;
acostumação 11; conceitualização 12;
imposição13; abençoação14.
Sintetizando, pode-se dizer que
crime organizado é a pessoa jurídica do delito, ou seja, sociedade
que tem por objeto atividade criminosa.
Regra geral: Visa objetivos econômicos, lucro, business, locupletamento ilícito (v.g., roubo de cargas, corrupção de verbas públicas,
narcotráfico, falcatruas no sistema
financeiro, etc.). Porém, nem sempre, a exemplo do terrorismo, é
derivado de motivações raciais, religiosas, etc.
Em suma, o delito, até então concebido como ato episódico, ocasional, improvisado, circunscrito a
breves reiterações, inclusive sob a
ótica dogmático-penal – fato típico; Direito Penal do fato – passa a
ter foros de empreendimento preordenado, galgando a otimização
própria a qualquer atividade organizada.
Tal qual a evolução da atividade
econômica comercial / industrial,
ab initio singular, de mera subsistência, escambo, evoluiu às grandes corporações, fatores reais de
poder, a delinqüência traçou itinerário semelhante.
bem próxima ou já alcançada a fase
da abençoação, com os jovens que
enxergam no crime, no uso de armas,
no ganho fácil e totalmente desvinculado do trabalho ou esforço próprio, uma forma de viver “bem” o
pouco de vida que terá.
Um fato é claro, o crime instalado em áreas de favela não acumula
capital nestas áreas, não existem indícios de qualquer melhoria das condições de vida nestes locais, o dinheiro amealhado (principalmente
com tráfico de drogas) é canalizado
para “outros” destinos como, no
linguajar carioca – para o asfalto; no
linguajar científico: para os territórios legais.
Também é um fato irrefutável que
uma vez instalado é muito difícil
desarticular o crime em favelas, é o
efeito da adoção de uma solução
para as necessidades materiais que
concomitantemente gera a dissolução da moral, da cidadania. É fácil
corromper, muito mais fácil é corromper quem passa por necessidades reais nas áreas médica e odontológica, na assistência social e de segurança.
A Estrutura espacial da
segurança pública
A Constituição Federal (CF) não
é clara quanto ao conceito de segurança pública: garante direitos, mas
não define o termo, aplicando-o genericamente ao conjunto de ações
necessárias à aplicação da lei e da
ordem.
A Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp) define:
Em outras metrópoles brasileiras
podemos afirmar que nos encontramos na fase “estratégica” ou de “desenvolvimento” correspondente ao
terrorismo, com uso generalizado de
armas potentes e confrontos com as
polícias. Isto tipifica que já superou
a fase da acostumação, ou seja, a
sociedade já convive com as privações dos seus direitos de ir e vir a
qualquer hora, já não se escandaliza com tiroteios e mortes. Estando
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
Segurança Pública é uma atividade pertinente aos órgãos estatais e
à comunidade como um todo, realizada com o fito de proteger a cidadania, prevenindo e controlando manifestações da criminalidade
e da violência, efetivas ou poten9
10
11
12
13
14
ciais, garantindo o exercício pleno
da cidadania nos limites da lei.
As ações que hoje são denominadas da esfera da segurança pública
são, de fato, apenas as ações corretivas de um sistema que deveria estar
impedindo a vitimização.
O sistema que se depreende deve
prover um conjunto de medidas próativas – a favor do objetivo que é
manter o cidadão livre do perigo; um
outro conjunto de medidas preventivas para evitar vitimar o cidadão e
finalmente um conjunto de medidas
corretivas, executadas quando um
fato ultrapassa as barreiras do sistema e atinge um cidadão, estas duas
últimas enquadrando-se conceitualmente no sistema de Foucault (1977)
– vigiar e punir.
As medidas pró-ativas existem e
estão previstas na CF ao enumerar
os direitos e garantias ali relacionadas como, moradia, alimentação e
ensino. A existência de acesso a todas as partes dos territórios urbanos
(que nega oportunidade para a instalação da atividade criminosa) está
implícita já que existe a garantia de
ir e vir para todos os cidadãos. Tais
prescrições, se cumpridas, permitiriam abjurar a falta de opção frente
à “acostumação” com o crime e a
atração que o mesmo exerce em áreas carentes, notadamente entre as
crianças e adolescentes.
O Estatuto da Criança e do Adolescente introduziu uma visão moderna do trato com a criminalidade
destas faixas etárias, no entanto trouxe medidas totalmente distintas de
nossa realidade na tentativa de acabar com os maus tratos a que estavam sujeitas nos centros de acolhimento ou fundações de amparo ao
menor, geridas por profissionais reconhecidamente incompetentes na
reabilitação ou educação de órfãos
ou delinqüentes menores de idade.
Descritas pelo Procurador da República Celso Antônio Três no Seminário sobre Inteligência no combate
ao crime organizado (2002)
Experimentação - fase correspondente ao “teste” da estrutura do Estado que deveria ser empregada na
eliminação e prevenção do crime organizado;
Acostumação – atos genéricos de demonstração de poder e controle do território, o crime e as vítimas do
crime passam a compor o dia a dia como um fato normal;
Conceitualização – fazer a sociedade crer na existência de uma força maior que a capacidade da estrutura do Estado
Imposição – ostentação de armas e controle do trânsito da população;
Abençoação – colocar-se como solução para incompetência do Estado em resolver problemas
socioeconômicos; assemelhar-se a luta de classes aos olhos da população do local.
Ano VII • Nº 11 • Janeiro de 2005 • Salvador, BA
63
Ao verificar-se a incapacidade
das organizações dedicadas ao acolhimento e educação dos menores
optou-se por casas abertas, onde a
“criança de rua” pode pernoitar, alimentar-se e sair quando quiser. Um
pai ou uma mãe trataria seu filho
desta forma, deixando ao critério da
criança a escolha de perambular
pelas ruas (ou territórios da cidade)?
A inimputabilidade destes jovens, na forma em que está aplicada
tem gerado um efeito contrário ao da
proteção – espírito da Lei – centrando-se sobre os jovens o aliciamento
para as atividades criminosas mais
violentas e arriscadas. É o contrasenso do cidadão menino, que pode
votar, mas não pode ser penalizado
por um crime como cidadão, que é.
Não deve ser internado em orfanatos ou na FEBEM para não sofrer
maus tratos, mas pode ser explorado na rua por outros contraventores
ou criminosos, às vezes a própria
família – é o reconhecimento da incompetência relativa do Estado e
não do menor.
Uma breve apreciação do arcabouço legal do Estado brasileiro permite verificar que se legisla sobre
Segurança Pública na esfera federal,
com algumas concessões aos estados, e se executa nas esferas estadual e federal. O Município aparentemente é uma esfera do Poder Público isenta de responsabilidade judiciárias e policiais na esfera dos crimes contra a pessoa e o patrimônio,
podendo apenas contribuir com um
policiamento complementar de Parques e Jardins e instalações do próprio Município.
A alienação do Município da estrutura de segurança pública é real,
porém não na esfera legal, porque a
responsabilidade efetiva municipal
é clara, inequívoca, ele é o detentor
do poder de polícia para legislar e
fiscalizar o uso e ocupação do solo.
É ele que organiza o espaço da cidade, a ele cabe a integração dos variados territórios urbanos em suas funções dentro do organismo vivo que é
a cidade.
É o Município que deveria enfrentar a desobediência civil caracterizada pelas construções subumanas.
Não será, é lógico, através de gaba-
64
Figura 6 – Razão de crescimento da criminalidade – Homicídios SSA
Fonte: Apolinário 2004
ritos de obras que a maior parte da
população não tem condições de
cumprir, mas através do simples
ordenamento, fazendo com que exista, sem estabelecer ou penetrar na
área do direito à propriedade, espaços para posterior urbanização –
arruamento nas invasões ou favelas.
Já as medidas preventivas estão
diretamente ligadas ao policiamento ostensivo, a presença da autoridade no espaço urbano para evitar
a ação de uma pessoa com intenção
criminosa, assim como a existência
de iluminação, a limpeza de vegetação que permite a surpresa, o recolhimento de menores abandonados
entre outras.
O afastamento do Município de
suas responsabilidades para com a
segurança gera situações realmente
caóticas, como no Rio de Janeiro e
São Paulo onde o tiroteio na Rocinha (RJ) ou Na Zona Leste (SP) não
é problema do Município, ou seja:
uma área ocupada por cem mil pessoas (onde não existiria espaço para
dez mil) ou a falta de ruas em espaços contínuos (equivalentes a cidades de porte médio) impedindo a circulação da Polícia e favorecendo o
isolamento de áreas não é assunto
do Município?
A inexistência de compromissos
claros da estrutura municipal com a
segurança pública pode ser claramente explicitada na falta de con-
Ano VII • Nº 11 • janeiro de 2005 • Salvador, BA
15
16
sulta aos Órgãos de Segurança Pública – OSP15 sobre a implantação de
equipamentos públicos que consomem o efetivo e meios policiais,
alvarás para empreendimentos privados que alteram a concentração de
pessoas e perfil do pessoal que freqüenta uma área, obras particulares
ou públicas que geram necessidade
de equipamentos especiais para
salvagem. Os OSP são informados
do que está acontecendo e não do
que vai acontecer.
Na Prefeitura Municipal do Salvador, o Conselho da Secretaria de
Planejamento era composto (2002)16
por uma vasta gama de entidades,
escolas grêmios, blocos e afoxés, mas
não possuía um representante da
Secretaria de Segurança Pública.
Resultados das ações dos
órgãos de segurança pública
O problema do crescimento e
transformação da criminalidade
vem sendo enfrentado de diversas
formas ao longo das últimas décadas pelos OSP e Secretarias de Segurança Pública dos Estados.
O insucesso dos planos econômicos e a globalização dos mercados,
mas não dos empregos, além de provocar em todas as Regiões Metropolitanas do país elevados níveis de
desemprego e em Salvador o mais
alto do país, comprometeu a capacidade dos Estados em investir no
Órgãos de Segurança Pública para efeito deste trabalho são as Delegacias de Polícia, especializadas ou
não; Unidades de Polícia Militar; Corpo de Bombeiros; Polícia técnica e as respectivas chefias, comandos
e superintendências que os enquadram.
Palestra do Secretário Municipal de Planejamento no Curso de Mestrado em Análise Regional 2002.
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
aumento de efetivos, na modernização dos equipamentos, em melhoria
da formação e remuneração de seus
policiais.
Do estudo do planejamento e
metas das Unidades de Policiamento da Polícia Militar na Região Metropolitana de Salvador17, relativos
aos anos de 2003/2004 é possível
perceber que as ações da polícia militar estão centradas nos territórios
legais, ou ocupados de forma legal.
(planejamento das Unidades de Polícia Militar – 2003).
É provável que a maior vulnerabilidade da ação preventiva do policiamento nas grandes metrópoles e
por similitude em Salvador, seja a
existência de áreas onde a circulação dos meios de segurança é negada. No caso de Salvador, ainda pela
falta de ruas; em outras cidades, além
da falta de ruas, pela criminalidade
que se instalou nas áreas de favelas
de difícil acesso, e impede a presença da polícia pelo seu poderio bélico
e domínio logístico do espaço.
Efetivo e meios
A ação policial deveria depender
na maioria dos casos do encontro
com um delito em andamento ou, na
pior hipótese de uma solicitação do
cidadão vitimado. Estes dois fatores
nos levam as considerações sobre a
proporção de policiais por habitantes e a demanda reprimida por segurança.
Para a primeira questão a previsão da ONU para um número adequado é de um policial para cada
duzentos habitantes (1/200)18 (este
é o praticado em New York), para
tal proporção teríamos só na Região
Metropolitana de Salvador, a necessidade de 150.000 mil policiais, que
divididos em três turnos corresponderiam a 50.000 policiais por turno.
Se de um lado temos a estimativa
do número de policiais por grupo de
200 habitantes, encontramos em trabalhos especializados 19 a provável
existência de 70.000 mil pessoas vivendo, direta ou indiretamente, da
renda do crime na cidade do Rio de
Janeiro, não se conhece estimativa
para Salvador.
Sem dúvida, os especialistas que
apontam números como este não es-
tão próximos da realidade dos Estados brasileiros, notadamente os do
Nordeste. Porém, o número de hoje,
aproximadamente 50.000 policiais
para todo o Estado da Bahia, está
muito aquém das necessidades, impossibilitando a prevenção e restringindo o trabalho à captura de infratores após os fatos; quanto à demanda reprimida por segurança pública é projeto do Grupo de Pesquisa
em Segurança Pública Violência e Cidade – G.Seg realizar uma pesquisa
com amostragem probabilística na
RMS para encontrar este dado.
A adequação dos meios existentes à necessidade da população passa pelo conhecimento do que existe
na área de atuação das Unidades de
Polícia. Infelizmente a nossa cultura não está voltada para a consolidação de informações, interna aos
próprios órgãos como as dos demais
órgãos da administração pública.
Usam-se limites diferentes para cada
órgão ou gestão, gerando uma perda considerável de conhecimento
sobre os territórios urbanos.
Em 2004, segundo a SSP-BA, já
foi consolidada a adoção de limites
que facilitaram o entrosamento entre Polícia Civil e Militar em Salvador, porém, ainda não se apropriaram as informações municipais, estaduais e federais sobre os territórios da cidade.
Uma boa fonte de dados seria a
adequação aos setores censitários
do IBGE, os quais podem fornecer
elevada quantidade de dados sobre
cada área20 da cidade.
Outra questão já apontada, mas
também objeto de pesquisa do grupo - GSeg, é o número percentual de
inquéritos concluídos ou o resultado de ocorrências registradas. Lembrando a fala do proprietário da loja,
que por sete vezes vítima de furto e roubo, nunca recebeu uma equipe de investigação ou soube de alguma ação em decorrência de suas queixas.
A SENASP apresentou em-- 2004
o Sistema de Avaliação e Controle
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
17
18
19
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21
22
da Criminalidade em Ambiente Urbano (TerraCrime). Se a sua implementação possibilitar agregar dados
da base do IBGE e de outras fontes
poderá realmente contribuir para a
melhoria das condições de gerenciamento do sistema, economia de meios e maior velocidade de resposta.
O custo econômico e social
da violência
As relações entre espaço urbano
e criminalidade foram indicadas
pelos sociólogos da Escola de Chicago (1920 e 1930) principalmente a
distribuição geográfica do crime no
espaço urbano e suas características.
Esta escola passou por transformações, mas foi a criadora da prevenção ao crime através do desenho
ambiental urbano e da apologia da
teoria da escolha racional do comportamento, gerando o fundamento teórico da chamada política de tolerância zero implementada em New York.
As críticas elaboradas por Wacquant (2000)21 e por Freitas (2002) à
política de tolerância zero são de
difícil defesa. O primeiro mostra que
outras formas de ação resultaram
nos mesmos ou em resultados melhores com um custo muito menor.
O segundo realça as principais
críticas feitas à Escola de Chicago,
apontando a incoerência de propagar a idéia de uma cultura unificada,
não diferenciadora dos habitantes
de uma cidade fragmentada em classes, gênero ou etnia, como de fato o
é; de ter desenvolvido noções contrárias de crime com o comportamento individual sendo visto como determinado pela desorganização social e, ao mesmo tempo, resultado da
liberdade individual de ação.
Caldeira (2002) aponta que os
condomínios fechados constituemse em um novo padrão de segregação espacial e desigualdade social
na cidade22. Ao que acrescentamos:
além de não proteger gera a concentração, cria um novo território com
leis e percepções próprias.
Envolve todas as Unidades da PMBA de Salvador.
Prof Ronaldo Leão Correia NEE da UFF
Como o do geógrafo Marcelo Lopes de Souza, em seu livro o Desafio Metropolitano de 2002.
CONDER: Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia.
Em seu livro: Prisões da Miséria.
Tereza Pires Caldeira (2002), da Universidade da Califórnia e autora do livro Cidade de muros.
Ano VII • Nº 11 • Janeiro de 2005 • Salvador, BA
65
Ainda conforme Caldeira (2002)
um novo modelo de segregação substitui, aos poucos, a dicotomia centro-rico x periferia-pobre, caso claro
de adequação a organização e distribuição social e econômica da cidade do Salvador.
A expansão de empreendimentos
fechados faz parte de estratégias
imobiliárias e de marketing que utilizam a questão da segurança
como apelo principal. Persuadem
consumidores, que são bombardeados pela mídia diariamente, com
relatos sensacionalistas sobre crimes violentos, (Denise Mônaco
USP – 2004)
Segundo dados do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID),
apenas em um ano, em 1997, o Brasil perdeu 10,5% do Produto Interno
Bruto (PIB) em razão da falta de segurança.
O cálculo inclui despesas com
serviços decorrentes da violência,
como hospitais, polícia, aparatos de
segurança e sistema judicial. Valor
subestimado, segundo os especialistas, pois não leva em conta perdas
com turismo, atividades econômicas
noturnas, investimentos externos,
entre outras receitas indiretas afetadas pelo crime. Recentemente, levantamento do BIRD indicou que só o
município do Rio de janeiro perdeu
um bilhão de dólares em empreendimentos devidos à criminalidade.
Em 1995 o país contava com
148.760 presos, elevando-se o número para 170.602 em 1997 e 194.074
em 1999, de acordo com levantamento feito pelo Ministério da Justica.
Somente neste período a população
prisional do país aumentou em 46
mil presos, ou cerca de 11.500 presos por ano. Seria necessário construir 14 presídios por ano para abrigar os novos condenados. Para se ter
uma idéia da dimensão do problema, este acréscimo de presos entre
1995 e 1999 equivale simplesmente à
soma da população carcerária de toda
Grécia, Irlanda, Noruega, Dinamarca,
Suécia, Bélgica, Áustria, Irlanda do
Norte e Escócia.(Cano, 2001)
Considerações finais
Do quanto apreciado neste artigo, apresenta-se como síntese con-
66
clusiva os seguintes elementos para
reflexão:
a) a adoção do modelo neoliberal
de Estado, que redunda no seu
encolhimento, agrava a situação atual do planejamento urbano e qualidade de vida nas
grandes cidades;
b) no contexto da globalização a
violência assumiu grandes dimensões estando particularmente associada às mudanças
observadas no mundo do trabalho, ao declínio e à orientação neoliberal do Estado. (Wieviorka 1997);
c) o planejamento urbano passou
a ignorar o crescimento da
criminalidade que foi minimizado diante de outros fatores –
a capacidade de retorno do investimento, hipótese de difícil
comprovação na área de segurança e que dificulta a obtenção de recursos necessários;
d) existe um considerável distanciamento entre população e
polícias estaduais;
e) as vítimas não são informadas
sobre o resultado das ações decorrentes do registro das ocorrências;
f) até onde se sabe, não existe
controle das ocorrências por
parte das SSP’s, com permanente e continuada verificação
das ações decorrentes;
g) as SSP assumem a responsabilidade, perante a sociedade,
por toda a segurança pública,
sendo ela gestora de apenas
uma parte;
h) o Município se exime de sua
responsabilidade frente à criminalidade, direcionando para
o Estado, via SSP, a responsabilidade pela insegurança;
i) a justiça é parte integrante do
sistema, porém mantém distância do problema, sem sinais de dotar ou criar mecanismos processuais mais céleres,
e muitas das vezes posicionando-se contra os OSP no desempenho de suas atribuições, criando as condições para o
enfrentamento da autoridade
legal da polícia, o que propaga a idéia de impunidade;
Ano VII • Nº 11 • janeiro de 2005 • Salvador, BA
j) o Estatuto da Criança e do
Adolescente necessita ser revisto ou reinterpretado;
k) é necessário investir mais em
equipamentos técnicos e formação de especialistas para
elucidação dos inquéritos;
l) é necessário ajustar o planejamento à demanda, criando mecanismos claros de interação
entre as SSP’s e os planejamentos municipais no interesse da
Defesa Civil e do policiamento;
Listadas estas considerações sugere-se que se estude as seguintes
questões:
1) Polícia comunitária e social
Integração da ação policial com
a de assistência social, criando núcleos de defesa da cidadania nas
áreas de risco, com a presença de
médicos, dentistas e assistentes sociais da PM, custeados por uma composição entre as secretarias municipais e estaduais. A presença da polícia ao lado população nas áreas de
risco criminal, prestando apoio e
conhecendo a população, pode trazer mais retorno para a imagem da
polícia por real empregado do que
campanhas publicitárias.
2) Cenários prospectivos como
balizadores do planejamento
Pesquisas científicas que prospectem as transformações urbanas
em cenários a médio e longo prazo
para a adequação do planejamento
estratégico de segurança pública, em
função do atendimento da demanda no futuro, eliminando-se as ações
emergenciais de adequação. A precisão deste instrumento de planejamento estratégico foi muito melhorada com o uso da informática, sendo de uso corrente sem investimentos vultuosos.
3) Sistemas de informações
geográficas
Implementação do uso de sistemas de informação geográfica para
o planejamento e controle do policiamento, criando condições para o
diálogo com as comunidades de
cada território, pela exposição da
localização das ocorrências e conseqüentes medidas a serem tomadas,
trazendo a comunidade para participar através do conhecimento da
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gestão, eliminando-se críticas fundadas em desconhecimento.
4) Integração – presença da SSP nos
órgãos municipais e estaduais que
regulam as atividades no espaço
urbano
A presença de representantes da
SSP nos órgãos que regulam o planejamento e licenças de atividade
nos Municípios pode contribuir
para melhorar a eficácia do planejamento e previsões ao longo prazo,
agregando a noção de custo da segurança para determinados investimentos que irão modificar a situação de segurança em determinado
território do espaço urbano.
5) Interação com a cidade
A sociedade como um todo, através da imprensa livre ou mesmo através de um canal de televisão ou horário adquirido em canal de televisão deve ser informada das ações de
enfrentamento da criminalidade,
com o emprego de gravação e transmissão de imagem.
6) Uso de tecnologias novas
O uso de novas tecnologias pode
agilizar, economizar, tornar eficazes
as rotinas policiais e implementar
possibilidades de relatórios para a
mensuração de resultados ou da eficiência de processos. A compra de
equipamentos dedicados à investigação técnica pode produzir maior
velocidade de perícia com provas
decisivas para a condenação. O uso
de gravação de comunicações; de
Gps portátil; máquinas de fotografias digitais; “laptop” ligado a Internet
via celular com host dedicado são
formas viáveis de modernização, em
curto espaço de tempo, que permitiriam a um custo reduzido modificar
a forma de atuação das polícias.
7) Parcerias
As universidades podem e devem
contribuir para a solução do problema da criminalidade. A atividade
diária na área da Segurança Pública é caracterizada pelo domínio dos
fatos do cotidiano, do domínio da
rotina das ações, o que não quer dizer que sejam normais; vários desses fatos “diários” desencadeiam
crises que consomem tempo e capacidade, dificultando a possibilidade de discutir o futuro, de agregar
conhecimento humano à formação
do profissional em Segurança Pública.
A Universidade pode contribuir
com a construção de cenários prospectivos e de cursos presenciais ou
à distância de formação específica
em áreas não cobertas pela formação hoje existente. O Mestrado em
Análise Regional pode contribuir
com a capacitação na área de Planejamento Urbano e Regional, agregando àqueles componentes das SSP
que devem participar do planejamento regional e urbano a mesma
formação e titularidade dos demais
participantes dos fóruns e órgãos
encarregados.
Ao final, citamos Santos (1997,
p. 213) Não existe homogeneidade no
espaço, pois, para cada área, são múltiplos os graus e modalidades de combinações.Portanto, o planejamento deve
contemplar as peculiaridades de cada
território.
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RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
NORMAS DE EDITORAÇÃO
Os pesquisadores que estejam interessados em publicar na Revista de Desenvolvimento Econômico – RDE
– devem preparar seus originais seguindo as orientações a seguir, que serão observadas para recebimento e
análise dos textos pelos pareceristas:
I – Entrega do Material
Os artigos deverão ter no máximo 20 (vinte) páginas
com título, resumo e palavras-chave em português e
outro idioma. O resumo deverá ser estruturado em um
único parágrafo com, no máximo, 200 palavras. Deverão constar no final do artigo os dados referentes ao
autor, tais como: titulação, sua atividade atual, instituição a que esteja vinculado, endereço comercial e
residencial, telefones e correio eletrônico. os artigos
devem ser entregues da seguinte maneira:
•Em disquete padrão IBM-PC, no formato Word for
Windows acompanhado de uma cópia impressa, na
Secretaria da Revista:
Prédio de Aulas 8 da UNIFACS
4º andar, Ala Ímpar
Alameda das Espatódias, 915
Caminho das Árvores
Salvador, Bahia
•Encaminhados para os seguintes endereços eletrônicos:
[email protected]
[email protected]
II – Apresentação Gráfica do Texto
1. Especificações
1.1. Papel, Espaço e Letras
Tamanho do papel: A4
Tamanho das letras:
– do corpo do trabalho 12
– do título16
– de sub-títulos14
Tipo de letras: Times New Roman
Espaços:Entrelinhas: 1,5
Superior:3,0 cm
Inferior:2,0 cm
Lateral direita:3,0 cm
Lateral esquerda:3,0 cm
2. Formatação
•O texto deve ser justificado.
•Nunca separar as sílabas para evitar desconfiguração
do texto ao ser aberto em outro computador.
•As páginas devem ser numeradas.
•Os gráficos, tabelas e figuras e/ou ilustrações deverão ser fornecidos em monocromia (em preto e branco, com ou sem tons de cinza).
3. Primeira Página do Texto
3.1. Título do artigo
Centralizado na página a 3 cm da borda superior.
3.2. Parágrafos
Cada parágrafo deve ter um recuo de 0,5 cm na
primeira linha e nenhuma linha em branco entre eles,
exceto para os subtítulos que deverão ter apenas uma
linha em branco depois do parágrafo que o antecede.
III – Notas
As notas devem ser devidamente numeradas e
indicadas no final do texto, antecedendo as referências
bibliográficas.
IV – Tabelas e ilustrações
•Devem ser encaminhadas em arquivos separados. Na
cópia impressa deverá ser indicado, com destaque,
o local a serem inseridas.
•As Tabelas e Quadros devem seguir as normas da
ABNT e devem ser numeradas seqüencialmente.
•As figuras devem ser numeradas e apresentar título e
fonte.
V – Referências
Devem seguir os padrões estabelecidos pela ABNT.
VI – Responsabilidades
É responsabilidade do autor a correção ortográfica
e sintática, como a revisão de digitação do texto, que
será publicado conforme o original recebido pela
editoração.
O conteúdo dos textos assinados é de exclusiva responsabilidade dos autores.
VII – Procedimentos de arbitragem
A Revista de Desenvolvimento Econômico – RDE –
adota o procedimento de avaliação, mantendo o sigilo
do autor aos pareceristas, em duplo cego, podendo resultar em três situações: aprovação – publicação conforme apresentado; diligência – publicação após revisão e recusa. O resultado da avaliação é sempre comunicado ao autor, com transcrição da apreciação feito
pelo parecerista. Nos casos de diligência, o texto
reformulado é reencaminhado ao mesmo parecerista.
•Usar somente a cor padrão do texto (preto).
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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM
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