Fatores associados à automedicação: uma análise a partir dos

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Fatores associados à automedicação: uma análise a partir dos
Revista Movimenta ISSN: 1984-4298 Vol 6 N 1 (2013)
Fatores associados à automedicação: uma análise a partir dos profissionais de drogarias
privadas de Gurupi, Tocantins
Factors associated with self-medication: an analysis from the professionals of private drugstores in
Gurupi, Tocantins
Alice Ruthe Mazutti1; Lucirene Aguiar de Jesus Teixeira1; Érica Eugênio Lourenço Gontijo2;
Marcos Gontijo da Silva3
1
Farmacêutica, Fundação UNIRG, Centro Universitário UNIRG, Gurupi-TO.
Professora auxiliar do curso de Análises clínicas do Centro Universitário UNIRG, Gurupi-TO.
3
Professor adjunto de Parasitologia do Centro Universitário UNIRG, Gurupi-TO. E-mail: [email protected]
2
Resumo
A automedicação encontra-se amplamente inserida
enquanto prática exercida pelos brasileiros, inclusive
por indicação de atendentes de farmácia. Sabe-se que
esta não é livre de riscos, mas pode trazer benefícios.
Esta pesquisa foi realizada na cidade de Gurupi-TO,
analisado por entrevista estruturada o perfil dos
atendentes e as indicações de medicamentos no balcão
de drogarias privadas. Foram pesquisados 30
estabelecimentos e entrevistados 53 profissionais.
Todos afirmaram indicar medicamentos para
automedicação. A idade média dos atendentes foi 30
anos. Com predomínio de homens (77,36%). A maioria
apresentou como escolaridade o ensino médio
(60,39%). Os balconistas representaram 84,91% e
farmacêuticos 15,09%. Quanto às indicações, para dor
de garganta 34,55% indicaram nimesulida, para dor ao
urinar 30,78% indicaram norfloxacino, para dor
gástrica, 47,17% indicaram omeprazol, para dor
muscular e dor de coluna 50,94% indicaram o mesmo
tratamento, sendo o composto carisoprodol,
diclofenaco de sódio, paracetamol e cafeína. Dos
pesquisados 73,99% indicaram medicamentos de “tarja
vermelha”. Não foram encontrados erros de indicação
significativos, porém a maioria não informou a duração
do tratamento. A prática da automedicação se mostra
importante, pois é inviável o atendimento médico a
população devido ao número de médicos ser
insuficiente, sendo que cada um deve atender a 1362
pessoas. Assim deve-se deixar de lado as interpretações
simplistas que consideram a automedicação
irracionalidade/ignorância. Conclui-se que é comum a
indicação de medicamentos por pessoas não
habilitadas, sendo importante documentar estas práticas
de consumo visando fornecer elementos para a
proposição de medidas por parte do poder público.
Palavras-chave: Automedicação. Atendente
farmácia. Indicação de medicamentos.
de
Abstract
Self-medication is inserted as a practice widely held by
Brazilians, including a nominee of unlicensed
pharmacy. It is known that this is not risk free, but may
be beneficial. This research was conducted in the city
of Gurupi-TO, structured interview analyzed by the
profile of the attendants and the indications of
medicines over the counter at drugstores private. 30
establishments were surveyed and interviewed 53
professionals. All medicines for self-medication state
said. The mean age was 30 years. Mostly men
(77.36%). Most had high school education and
(60.39%). The clerks accounted for 84.91% and
15.09% pharmacists. Regarding indications for neck
pain 34.55% nimesulide indicated for painful urination
30.78% indicated norfloxacin for stomach pain,
47.17% indicated omeprazole for muscle pain and back
pain 50.94% indicated the same treatment, the
compound being carisoprodol, diclofenac sodium,
acetaminophen and caffeine. 73.99% of respondents
indicated drugs "red stripe". No errors were found
indicating significant, but most did not report the
duration of treatment. The self-medication proves
important, because medical care is not feasible due to
the population to be insufficient numbers of doctors,
each must meet a 1362 people. So you must put aside
the simplistic interpretations that consider selfmedication irrationality / ignorance. It is common to
drug prescriptions by unauthorized persons, it is
important to document these practices of consumption
in order to provide elements for proposing measures by
the government.
Key words: Self-medication.
Indication of medication.
Pharmacy
clerk.
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Por sua vez, este trabalho pretende descrever
Introdução
A
Associação
Brasileira
das
Indústrias
os fatores associados à automedicação, sendo analisado
Farmacêuticas (ABIFARMA), afirma que cerca de 80
o
milhões de pessoas são adeptas a automedicação no
medicamentos no balcão de drogarias privadas da
Brasil.
cidade de Gurupi – TO, visto que essa atividade é uma
Qualquer prática de automedicação, assim
perfil
dos
atendentes
e
as
indicações
de
realidade evidente.
como qualquer outra prática que diz respeito à saúde,
tem resultados incertos, quanto menor a pericialidade
Materiais e Métodos
1
de quem decide a intervenção, maior é o risco . Desta
O presente estudo é do tipo não clínico e de
forma a automedicação esta longe de ser livre de riscos,
coorte transversal de base populacional conduzido na
mas quando realizada de forma responsável com
cidade de Gurupi, Tocantins, Brasil. A coleta de dados
conhecimentos e informações necessárias, e com a
se deu após a aprovação dos proprietários e
ajuda de profissionais de saúde, pode trazer benefícios
responsáveis técnicos das drogarias pesquisadas e após
a quem a pratica e a todas as entidades envolvidas neste
a assinatura do TCLE por todos os participantes.
2
processo .
Foram convidados a participar da pesquisa 41
Devido à precariedade e demora nos serviços
drogarias e houve 11 recusas, formando um grupo de
de saúde, sendo o acesso ao atendimento médico no
30 estabelecimentos. Destes foram convidados todas as
Brasil de forma gratuita e igualitária insuficiente e não
pessoas que em algum momento atendiam clientes
conseguir atender às necessidades da população de
vendendo medicamentos e 52 atendentes aceitaram
forma homogênea, as pessoas buscam alternativas para
participar respondendo as questões da entrevista
sanar seus problemas de saúde, obtendo informações e
estruturada. Os proprietários também participaram caso
indicações de medicamentos de fontes não médicas, e
atendessem diretamente o público sendo classificado
uma possibilidade são as drogarias privadas que
como balconista caso não fosse farmacêutico.
disponibilizam medicamentos de fácil acesso ao
paciente.
Geralmente,
nos
estabelecimentos
Os dados coletados foram introduzidos no
programa Epi-Info 3.3.2. e tabulados na forma de
farmacêuticos os funcionários suprem a lacuna deixada
frequência
pela carência de atendimento médico, invertendo o
estruturada.
segundo
as
questões
da
entrevista
papel no atendimento padrão, se tornando parte do
A posologia das indicações foi conferida, e
atendimento primário a saúde uma vez que orienta a
também os medicamentos indicados pelo nome fantasia
população na prática da automedicação.
foram checados no Guia de remédios de Caetano 4
Assim, o descumprimento da obrigatoriedade
de apresentação da prescrição médica na hora da
(2012).
A
variável
dependente
estudada
foi
a
compra e o grau de informação e instrução da
habilidade do atendente de drogaria de indicar
população em geral, justificam a preocupação com a
medicamentos baseado em: posologia correta, ser
3
qualidade da automedicação praticada no país .
medicamento de venda livre e presença nas listas da
Organização Mundial de
Saúde (OMS)5 e do
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Ministério da Saúde (Brasil)6. Também foi estudada a
Foram
analisadas
52
atendentes
título de complemento a frequência de recomendações
farmacêuticos, houve um predomínio de homens sendo
de ida ao médico, do interesse do atendente sobre
77,36%, contra 22,64% de mulheres. Diferente do
aspectos relacionados ao tipo de paciente (idade e etc.)
apresentado
e a queixa de dor (motivo, intensidade, etc.) além de
evidenciaram a maior prevalência de indivíduos do
outros aspectos.
sexo masculino, porém com índices inferiores ao desta
em
outros
estudos
que
também
As variáveis independentes estudadas foram:
pesquisa. Em trabalho feito na cidade de Volta
sexo, idade, nível de escolaridade, tempo de exercício
Redonda e Barra Mansa-RJ por Tong et al7, observou-
na área, e tipo de queixa de dor do paciente.
se que 55% dos atendentes eram
homens e 45%
O estudo foi submetido para avaliação pelo
mulheres e em Recife-PE, Silva, Marques e Goes8
Comitê de Ética em Pesquisa do Centro Universitário
(2008), encontraram em um montante de 179
UNIRG e aprovado com o nº 0221/2010.
profissionais, 58,1% do sexo masculino.
A faixa etária variou de 19 a 61 anos, com
Resultados e Discussão
uma média de aproximadamente 30 anos (Figura 1).
Foram visitadas 41 drogarias privadas do
Pode-se perceber que existem poucos atendentes com
município. Visto que 30 delas aceitaram participar do
idade maior, dado esse concordante com a pesquisa de
estudo, representando 73,17% do total. Nestas havia
Tong et al7 (2010) que encontrou 56% dos pesquisados
um total de 66 balconistas e 36 farmacêuticos com uma
com idades entre 19 e 30 anos, semelhante aos 64,15%
média de 2,2 balconistas e 1,2 farmacêuticos por
(34) encontrados neste estudo.
farmácia.
Figura 1 – Idade dos atendentes
400
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Dos 52 participantes 84,91% eram balconistas
(Figura 2), dados bem diferentes do encontrado em
e 15,09% farmacêuticos. E foi verificado que o tempo
pesquisa realizada em 20 drogarias da cidade de
de trabalho na área variou de 1 a 44 anos com uma
Uberlândia
média de 9,35 anos.
entrevistados,
Todos os pesquisados possuíam ensino médio
(60,38%) ou superior completo/incompletos (39,62%)
(MG),
30%
em
que
possuíam
dos
balconistas
somente
ensino
fundamental, 65% possuíam ensino médio e 5%
estavam cursando o ensino superior9.
401
Figura 2 - Nível de escolaridade dos atendentes
Dos 52 participantes no trabalho, todos
produtos farmacêuticos com o menor número de
afirmaram indicar medicamentos para automedicação,
ingredientes apropriados é útil para não expor o usuário
50 desses fizeram indicações para os seis sintomas
a substâncias desnecessárias, o que representa riscos
apresentados, porém três atendentes se recusaram a
adicionais.
fazer
indicação
para
dois
tipos
de
sintomas,
Sobre a utilização do nome do princípio ativo
justificando-se que eram inaptos para tal indicação e
ou do nome fantasia do medicamento pelo atendente no
que essas só poderiam ser realizadas por médicos.
momento da indicação, 151 (47,34%) vezes foi
Assim foram feitas 313 indicações e apenas cinco
utilizado o nome do principio ativo e 168 (52,66%)
vezes esta foi negada (três vezes para dor ao urinar e
vezes foi citado um nome fantasia (Figura 3). E
duas fezes para dor de garganta).
também foi observado que todos os medicamentos
Foram indicados no total 37 medicamentos de
compostos por mais de um principio ativo foram
composições diferentes sendo que 12 (32,43%) eram
indicados pelo nome fantasia e dos 218 medicamentos
medicamentos compostos por dois ou mais princípios
compostos por apenas um principio ativo 180 (82,56%)
ativos e 25 (67,57%) eram compostos por um só
foram indicados pelo nome do principio ativo e 39
principio ativo (simples). Acredita-se que o uso de
(17,89%) por nome fantasia.
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Figura 3 – Comparação entre a quantidade de medicamentos indicados por princípio ativo ou
nome fantasia
Quanto
ao
aconselhamento
de
consulta
tratar de um mal mais sério que necessita de
médica, esta foi indicada pelos participantes 41 vezes
investigação, já para o sintoma dor gástrica foram
(12,89%) sendo a dor ao urinar a que mais se indicou a
13,81% e com menor porcentagem a dor de cabeça e
ida ao médico (20,75% dos voluntários aconselharam)
dor muscular (3,77% cada) (Figura 4). E 16,89% para o
10
provavelmente por esta dor geralmente ser causada por
sintoma dor de garganta, comparável a Costa et al em
infecção bacteriana requerendo a necessidade de
estudo realizado em Alfenas-MG em que foi simulado
prescrição médica, a dor de coluna teve 18,87%
um caso grave de infecção de garganta e 15,20% dos
podendo ser devido aos participantes acreditarem se
atendentes indicaram busca de ajuda médica.
Figura 4 – Porcentagem de atendentes que indicariam a procura de um médico.
402
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Quanto
dos
precauções quanto ao uso de medicamentos, apenas
participantes no sintoma dor de garganta e dor ao
3,77% dos entrevistados perguntaram sobre a possível
urinar, fizeram a observação da necessidade de
gravidez do utilizador do medicamento. Sendo que na
prescrição
de
classificação da FDA: 29,46% dos medicamentos
antibióticos. Porém é controverso que mesmo assim os
indicados são de risco B (medicamentos de prescrição
antibióticos tenham sido indicados para esses dois
com cautela na gravidez), 64,89% eram de risco C
sintomas em 32,71% das indicações o que mostra que a
(medicamentos de prescrição com risco), 2,94% era de
lei era conhecida mais desrespeitada.
risco X (medicamentos que representam perigo na
de
aos
um
Sabendo
antibióticos,
médico
que
a
na
65,09%
dispensação
gravidez
implica
em
gravidez) (Tabela 1).
Tabela 1- Distribuição dos medicamentos indicados, segundo categorias de risco para o feto (FDA), e os
três mais frequentes dentro de cada categoria. Gurupi, Tocantins, Brasil, 2012.
Categorias
Frequência
B
94
C
207
%
29,46%
64,89%
Medicamentos
Frequência
%
Diclofenaco
28
29,78%
Paracetamol
15
15,95%
Cystex®*
11
1,06%
Torsilax®*
44
21,25%
Dipirona
29
14,00%
Omeprazol
25
12,07%
D
3
0,94%
Ibuprofeno
3
100%
X
9
2,82%
Tartarato de ergotamina
9
100%
*Torsilax®: Representando todos os compostos por carisoprodol, diclofenaco, paracetamol e cafeína, que foram indicados.
Quanto à possível idade do utilizador do
medicamento, foi observado que apenas 37,74% dos
atendentes
fizeram
esta
pergunta,
porcentagem
relativamente pequena uma vez que idosos e crianças
precisam de maior pericia, sendo a automedicação
muito mais perigosa para esses grupos.
Estudando
medicamentosas
para
sobre
os
as
sintomas
indicações
apresentados
obtiveram-se os seguintes resultados: a dor de cabeça é
403
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o sintoma que mais leva a automedicação segundo
Mendoza-sassi et al.
11
12
analgésico mais indicado com 39,62% e a dipirona
e Chiaroti, Rebello e Restini ,
como princípio ativo único com 15,09% juntas
sendo um mal menor e auto limitado que geralmente já
totalizaram 54,71% das indicações para o sintoma dor
foi tratado com sucesso anteriormente pelo próprio
de cabeça, os outros medicamentos indicados foram
paciente.
paracetamol com 28,30% e tartarato de ergotamina
A dipirona
associada
à
cafeína
foi o
com 16,98% (Figura 5).
404
Figura 5 – Medicamentos indicados para o sintoma de dor de cabeça
Segundo dados da Agência Nacional de
1
Quanto ao sintoma dor de garganta foi
Vigilância Sanitária , a dipirona é o analgésico-
observado que haveria a investigação sobre a existência
antipirético mais utilizado no Brasil.
ou não de placas purulentas por 28,30% dos
4
Caetano recomendou a exclusão da dipirona
entrevistados e sobre a presença de febre por 30,19%,
na forma oral e gotas, com a justificativa de que esta
sendo
pode ser usada de forma abusiva pela população,
diagnóstico, e conhecimento da gravidade ou não do
aumentando eventual repercussão de sérias reações
caso. Foram indicados para esse sintoma: anti-
adversas, como em muitos países seu uso já é
inflamatórios em 71,15% dos casos (nimesulida com
considerado justificado somente em dores graves,
32,69%, diclofenaco de sódio ou potássio com 28,85%,
quando nenhuma opção é disponível ou adequada, e
benzidamida spray com 1,92%, ibuprofeno com
ainda no ano de 1977, a dipirona foi removida do
1,92%), Antibióticos em 23,08% (azitromicina com
mercado norte-americano, por causar sérios efeitos
11,54%, amoxacilina 5,77%, Amidalin® 5,77%) e a
adversos, incluindo agranulocitose, queda de pressão
associação dos dois (antiinflamatório e antibióticos) em
sanguínea,
5,76%
anemia
aplástica,
choque
anafilático,
esses
dos
os
casos
sinais
mais
(nimesulida
importantes
e
para
azitromicina,
trombocitopenia, asma, doença do sono, vasculites,
nimesulida e amoxicilina, diclofenaco e amoxicilina,
síndrome de Moschowitz, alveolite, hepatite, síndrome
com 1,92% cada), (Figura 6). Dados discordantes de
urêmico-hemolítica púrpura, e anemia hemolítica.
Sabino e Cardoso9, em que 90% dos balconistas
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afirmaram indicar antibióticos para este tratamento. Já
no estudo feito por Costa et al
10
em que as indicações
(30,77%), fenazopiridina (Pyridium®) (21,15%), o
composto
por
associação
de
foram de: antibiótico em 54%, de antibiótico e anti-
metanamina,
inflamatório 38% e somente de anti-inflamatório 8%.
(17,31%), o composto por metenamina e cloreto de
Neste
metiltionínio (Sepurin®) (13,46%), ciprofloxacino
estudo
foi
observado
que
3,77%
dos
metiltionínio,
acrifcriflavina,
participantes se negaram fazer indicação para dor de
(11,54%)
garganta, dado esse também discordante de Costa et
sulfametoxazol+trimetoprima
10
al que encontrou 15,2% de negação em seu trabalho.
Já para o sintoma de dor ao urinar os
e
com
beladona
1,92%
(Cystex®)
cada
(Bactrin®),
o
a
nitrofurantoina (Hantina®) e o butilbrometo de
escopolamina (Buscopan®).
medicamentos mais indicados foram norfloxacino
405
Figura 6 – Medicamentos indicados para o sintoma dor de garganta
Para Costa et al10, tratar apenas a dor ao urinar
Quanto
ao
sintoma
dor
gástrica
os
com analgésicos, como o Pyridium® (fenazopiridina),
medicamentos indicados foram: omeprazol (47,17%),
deixando de lado a verdadeira causa da disúria é
ranitidina (18,87%), hidróxido de alumínio (13,21%), o
considerado um erro, pois essa conduta além de atrasar
sal composto por hidróxido de magnésio, carbonato de
a cura do quadro, pode trazer complicações por deixar
cálcio, hidróxido de alumínio (Gastrol® esfervescente)
a doença de base progredir, este medicamento deveria
(7,55%), o sal composto por bicarbonato de sódio e
ser usado em associação a outro ou ser indicado para
carbonato de sódio (Eno® efervescente) e pantoprazol
alívio de sintomas por pouco tempo apenas até a
com 3,77% cada e butilbrometo de escopolamina
consulta médica, no entanto foi indicado por 11
(Buscopan®), cimetidina, e o sal composto por
atendentes, sendo o segundo medicamento mais
bicarbonato de sódio, carbonato de sódio e ácido cítrico
indicado.
anidro (Estomazil® efervescente) com 1,89% cada.
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Foi
visto
que
43,40%
dos
atendentes
incapacitante, os medicamentos indicados foram: o
perguntariam aos pacientes sobre sua alimentação o
composto
que esta intimamente relacionado com o sintoma
paracetamol
citado.
Tandrilax®, Trilax® e etc), foram indicados em
Quanto às dores musculares, podem ser
carisoprodol,
e
cafeína
diclofenaco
de
sódio,
(Torsilax®,
Tandene®,
50,94%, diclofenaco de sódio em 16,98%, o composto
usados medicamentos analgésicos e anti-inflamatórios
orfenadrina,
que agem aliviando os sintomas, podendo ser
nimesulida, e o
administrados por via oral ou tópica. Neste estudo os
clonixinato
medicamentos
ibuprofeno, dexametasona injetável e ciclobenzaprina
indicados
foram:
o
composto
carisoprodol, diclofenaco de sódio, paracetamol e
dipirona
de
e
cafeína
(Dorflex®),
a
meloxicam com 7,55% cada,
lisina
(Dolamin®)
com
3,77%,
(Miosan®) com 1,89% cada.
cafeína (Torsilax®, Tandene®, Tandrilax®, Trilax® e
Pode-se perceber que as indicações para estes
etc) com 50,95%, depois com 22,64% o composto
dois últimos sintomas (dor muscular e dor de coluna)
orfenadrina, dipirona e cafeína (Dorflex®, Sedalex®),
foram muito parecidas, praticamente os mesmos
nimesulida com 7,75%, diclofenaco de sódio com
medicamentos foram citados e com maioria o
5,66%, ciclobenzaprina (Miosan®) com 3,77%, e
composto Carisoprodol, diclofenaco, paracetamol,
outros com menor porcentagem foram naproxeno, e o
cafeína (Torsilax®, Tandene®, Sedalex®, Tandrilax®
composto
cafeína
ou Trilax®) (Figura 7). Sabendo que a evolução destas
(Dorilax®) com 1,89% cada, todos na forma de
dores geralmente é benigna, os atendentes deveriam ter
comprimidos. O composto cânfora, essência de
explicado que este tratamento seria apenas um
terebentina, mentol e salicilato de metila (Gelol®) na
paliativo.
forma de pomada só foi indicada por 2 participantes
perguntariam ao paciente se a dor era idiopática, o que
(3,77%). Quanto à dor de coluna que é um sintoma
é uma investigação indispensável.
paracetamol,
carisoprodol
e
Em
média
57,55%
dos
Figura 7 – Comparação entre os medicamentos indicados para os sintomas dor muscular e
dor de coluna. *Torsilax®: Representando todos os compostos por carisoprodol, diclofenaco,
paracetamol e cafeína, que foram indicados.
atendentes
406
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Os medicamentos mais indicados devem ser
pelos proprietários locais, fator que reflete diretamente
administrados com cautela à pacientes com histórico de
na forma de indicação. Outra possível explicação seria
antecedentes
péptica
o fato da própria prescrição médica estar cada vez mais
gastroduodenal ou gastrites . Para dor de garganta
padronizada, possibilitando que a população use os
34,55% dos atendentes indicaram nimesulida, para dor
critérios de decisão médica para problemas mais
ao urinar 30,78% indicaram norfloxacino, para dor
corriqueiros de saúde3.
digestivos
de
úlcera
4
gástrica, 47,17% indicaram omeprazol, para dor
Também se deve levar em conta que o acesso
muscular 50,94%, e para dor de coluna 50,94%,
à informação na sociedade moderna é muito maior, o
indicaram o composto carisoprodol, diclofenaco de
saber já não é mais fundamentado apenas em aspectos
sódio, paracetamol e cafeína. Foi observado que houve
relativos a hábitos, crenças, costumes e modo de vida,
grande repetição na indicação dos medicamentos para
mas sim por meios de comunicação de massa,
os mesmos sintomas (Figura 8). Essa característica dos
escolarização da população, melhor acesso a fontes de
atendentes de farmácias de Gurupi poderia ser reflexo
saúde, que permitem a incorporação do saber pericial
de
pelo leigo13.
treinamento
padronizado
oferecido
407
Figura 8 – Porcentagem do medicamento mais indicado em comparação a quantidade
dos outros. *Torsilax®: Representando todos os compostos por carisoprodol, diclofenaco,
paracetamol e cafeína, que foram indicados.
No entanto, o saber leigo continua a ser leigo.
importante ressaltar que esta reapropriação dos saberes
Ocorre a assimilação do saber científico que é
não inclui todos os indivíduos ou grupos sociais. Um
reapropiado, reinterpretado e reutilizado em funções
exemplo é o fator da escolaridade do indivíduo que
das experiências cotidianas do indivíduo. Sendo
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influencia a interpretação e a utilização do saber
3
medicamentos de venda sob prescrição. Este fato é
comprovado por Bortolon, Karnikowski e Assis 3, que
científico incorporado .
A automedicação é uma prática universal, que
afirmam que a automedicação no Brasil não se dá
está presente nas mais diversas sociedades e culturas,
apenas com os medicamentos de venda livre, mas, de
não
modo extensivo e intensivo, com os de tarja vermelha e
dependendo
do
grau
de
desenvolvimento
14
socioeconômico das mesmas .
preta. No entanto apesar do índice terapêutico dessas
No que diz respeito à posologia: praticamente
substâncias serem altos há possibilidade de ocorrência
todos indicaram corretamente a dose e o intervalo entre
de reações alérgicas, uso indevido, incorreto e
as doses, já sobre a duração do tratamento a maioria de
interações, levando ao aparecimento de sintomas
77,74% não informaram. Talvez por ser subestimado
inesperados.
que a automedicação é praticada apenas quando se esta
Dos
medicamentos
indicados
17,24%
sentindo o incômodo, para alivio de sintomas, só
pertencia a lista da OMS, e 25,05% estão na lista de
utilizada como na expressão de enfermagem SOS “uso
Caetano4. Os medicamentos destas listas são um
se necessário”, sem a intenção de curar a causa. Mesmo
instrumento para a tomada de decisão racionalizando o
assim é um fato preocupante, pois a automedicação
uso dos medicamentos já que tem tempo de uso
deve ser utilizada apenas em situações ligeiras e
suficiente, para a detecção de efeitos adversos e
autolimitadas, não excedendo a duração de sete dias
potenciais riscos, sendo medicamentos com segurança
15
(três para o caso de febre) .
e efetividade comprovadas. Porém além da efetividade
Dos medicamentos indicados 26,01% era de
e segurança é preciso lembrar que o custo do
venda livre, variando de 0% para o sintoma dor de
medicamento é levado em conta para inclusão na lista o
coluna, 3,77% para o sintoma dor muscular, 7,27%
que é diferente de quando se esta no âmbito comercial
para dor de garganta, 26,42% para dor gástrica, 51,92%
privado.
para dor ao urinar e 67,92% no sintoma dor de cabeça,
Diante
da
visão
comercial
no
âmbito
sendo os medicamentos de venda livre os únicos que
farmacêutico é evidenciado no presente estudo, que não
poderiam ter sido indicados, pois permitem que as
houve indicações com erros que evidenciariam
pessoas aliviem muitos sintomas desagradáveis e
“empurroterapia”,
curem algumas moléstias de forma simples e sem o
indicação para o sintoma apresentado, dose acima da
custo de uma consulta médica. É notável a parcela de
recomendada pela literatura, com frequência não
73,99% dos medicamentos serem de “tarja vermelha”,
indicada em literatura, prescrição de dois ou mais
indicando que devem ser vendidos sob prescrição
medicamentos
com
médica, demonstrando irresponsabilidade ao ignorar a
decididamente
favorável
lei que atribui apenas aos médicos, dentistas (Lei
envolvidas nos dados obtidos através de entrevistas,
5.081/66), enfermeiros quando estiverem participando
porque as respostas podem refletir a atitude que o
de programas de saúde pública (Lei 7.498/86) e
atendente considera a mais correta e não aquela que ele
médicos veterinários (Lei 5.517/68) o ato de prescrever
realmente pratica frente a uma situação real16.
e ainda ignorando os riscos e complexidade dos
como:
a
de
medicamentos
mesma
apesar
indicação.
das
sem
Fato
limitações
408
Revista Movimenta ISSN: 1984-4298 Vol 6 N 1 (2013)
Já
que
encontra-se
provimento de informações sobre a utilização e os
amplamente inserida enquanto prática exercida pelos
problemas relacionados a medicamentos, das doenças
brasileiros, tanto pelo difícil acesso aos serviços de
que mais afetam a população, o reconhecimento de
saúde como pelas classes mais privilegiadas na busca
sintomas que se pode utilizar a automedicação, com
de soluções rápidas para seus problemas de saúde,
utilização de medicamentos de venda livre, ou triagem
evitando
fiquem
de pacientes para atendimento médico, e assim
impedidas . Não há como condenar o ato de
possibilitando tornar a farmácia um verdadeiro
automedicação, porque seria socioeconomicamente
estabelecimento de saúde, local também de atenção
inviável o atendimento por um médico para solução de
primária, e não um simples comércio de medicamentos.
todos os problemas da população visto que a
Diante disto este trabalho vem a contribuir
quantidade de médicos do SUS no município de
com informações sobre o contexto local, sabendo que
Gurupi é insuficiente para atender dignamente a
estudos sobre a utilização de medicamentos, mesmo
população sendo que cada médico deve atender a 1362
que em pequena escala, são necessários para se
que
a
suas
automedicação
atividades
diárias
3
17
pessoas . E deste modo deve-se excluir liminarmente
documentar
as interpretações tão simplistas que consideram a
elementos para proposição de medidas, além de
automedicação
ser
incentivar e promover a reflexão e a discussão nesta
combatida com mais informação/educação sobre
área, estimulando a realização de outros trabalhos que
irracionalidade/ignorância
a
18
saúde .
práticas
de
consumo,
fornecendo
venham a complementar neste campo tão amplo.
Ao profissional da saúde cabe a iniciativa de
incentivar e promover a reflexão e a discussão acerca
Referências
do assunto com outros profissionais de saúde, políticos,
1. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução
RE no 1260, de 15 de agosto de 2001. Determina a
publicação do Relatório Final do “Painel Internacional
de Avaliação da Segurança da Dipirona”. D.O.U. –
Diário Oficial da União; Poder Executivo, de 16 de
agosto de 2001. [Internet] [citado 2012 Abr 01].
Disponível
em:
http://elegis.bvs.br/leisref/public/showAct.php?id=2407
&word.pdf. Acesso em 27 de julho de 2012.
gestores e a população. Nesse contexto atual, o
profissional habilitado deve orientar a população sobre
o medicamento visando à diminuição de risco e a maior
e eficácia possível no tratamento utilizado3.
Conclusões
A automedicação por orientação de pessoas
não habilitadas nos balcões de drogarias privadas é
muito comum e na atual realidade das condições de
saúde de um país em desenvolvimento, pode-se afirmar
que continuará existindo por muito tempo. Cabe aos
poderes públicos reconhecer esta prática e mais do que
isto
é
sugerido
que
sejam
tomadas
medidas
educacionais, tanto para a sociedade como para estes
profissionais dos estabelecimentos farmacêuticos, para
2. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
RDC 44, de agosto de 2009. Dispõe sobre boas práticas
farmacêuticas para o controle sanitário do
funcionamento, da dispensação e da comercialização
de produtos e da prestação de serviços farmacêuticos
em farmácias e drogarias e dá outras providências
[Internet] [citado 2012 Abr 27]. Disponível em:
http://www.anvisa.gov.br/divulga/
noticias/2009/pdf/180809_rdc_44.pdf. Acesso em 22
de julho de 2012.
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