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A GEOGRAFIA DAS OFENSAS:
ANÁLISE DOS ESPAÇOS DE CRIMES, CRIMINOSOS E DAS
CONDIÇÕES DE VIDA DA POPULAÇÃO DE MARÍLIA-sp.
RELATÓRIO CIENTÍFICO
PROCESSO Nº 00/01754-9
SUELI ANDRUCCIOLI FELIX
Deptº Ciências Políticas e Econômicas
UNESP – Campus de Marília – SP
JULHO –2001
2
EQUIPE
PESQUISADORES, CONSULTORES E ASSESSORES
COORDENAÇÃO GERAL
SUELI ANDRUCCIOLI FELIX – professora do Departamento de Ciências Políticas e
Econômicas, Faculdade de Filosofia e Ciências de Marília – UNESP.
EQUIPE UNESP – Faculdade de Filosofia e Ciências de Marília
EDEMIR DE CARVALHO – professor do Departamento de Sociologia e Antropologia e
pesquisador do GUTO (Grupo de Gestão Urbana do Trabalho Organizado), colaborador na
análise de qualidade de vida.
ADRIANA APARECIDA FRANÇA – bolsista FAPESP, pesquisadora do GUTO (Grupo de
Gestão Urbana do Trabalho Organizado), graduada em Ciências Sociais pela F.F.C. de
Marília – UNESP.
MARCOS FLÁVIO RIBEIRO SOUZA – bolsista FAPESP, pesquisador do GUTO (Grupo de
Gestão Urbana do Trabalho Organizado), graduado em Filosofia pela F.F.C. de Marília –
UNESP.
PAULO LÚCIO DOS SANTOS – bolsista FAPESP, pesquisador do GUTO (Grupo de
Gestão Urbana do Trabalho Organizado), graduado em Ciências Sociais pela F.F.C. de
Marília – UNESP.
EQUIPE F.E.E.S.R – Fundação de Ensino Eurípides Soares da Rocha
ANTONIO CARLOS SEMENTILLE –co-coordenador da equipe de computação e professor
do Departamento de Computação da Faculdade de Informática.
JOSÉ REMO BREGA - co-coordenador da equipe de computação e professor do
Departamento de Computação da Faculdade de Informática.
RODRIGO DIEGER – bolsista FAPESP, pesquisador do GUTO (Grupo de Gestão Urbana
do Trabalho Organizado) responsável pelo desenvolvimento do Sistema Operacional (Banco
de Dados) e elaboração de consultas, aluno de graduação da Faculdade de Informática de
Marília.
MÁRCIO BURLE BINATTO – bolsista FAPESP, pesquisador do GUTO (Grupo de Gestão
Urbana do Trabalho Organizado) responsável pela modelagem dos dados, aluno de
graduação da Faculdade de Informática de Marília.
3
A GEOGRAFIA DAS OFENSAS:
ANÁLISE DOS ESPAÇOS DE CRIMES, CRIMINOSOS E DAS
CONDIÇÕES DE VIDA DA POPULAÇÃO DE MARÍLIA-SP.
I. INTRODUÇÃO
No contexto da deterioração da qualidade de vida, o crime é, inegavelmente,
um forte componente e a principal preocupação do homem moderno que se sente
enclausurado, limitado no seu direito mais elementar de ir e vir, transformado e reduzido a
“exilado social”.
Visivelmente acuada por sentimentos de medo e insegurança, a sociedade
reivindica políticas públicas de contenção da criminalidade como ações integradas entre
polícia e comunidade (polícia comunitária). Prevenir o crime é o grande objetivo das ciências
ligadas à criminologia e de todos os segmentos interessados no bem-estar da humanidade,
que vêem o crime de forma global, conseqüência da atuação conjunta de seus componentes
(ofensor, ofendido e comunidade) e sob a ação de fatores sócio-econômicos, políticos,
culturais etc. Compreender a dinâmica criminal não significa detectar os espaços de
crimes/criminosos e suas características para ações repressivas. Significa, antes de tudo,
entender os processos operacionais para antecipar-se ao crime, preveni-lo.
A Moderna Criminologia vem se consolidando na interdisciplinaridade, com
informações empíricas sobre as principais variáveis do delito, as suas características
específicas (tempo oportuno, espaço físico adequado, vítimas potenciais etc.) e as formas
como interagem, sugerindo estratégias de prevenção mais ousadas que vão além do
ofensor, atingem as vítimas, o espaço, o desenho arquitetônico e, acima de tudo, as
variáveis sociais como a pobreza, desigualdade social e qualidade de vida nos seus mais
diversos âmbitos: saúde, educação, moradia etc.
Por outro lado, parece, também, que a comunidade científica está se
conscientizando que o problema criminal não será resolvido pela mera dissuasão, através de
políticas penais. A Teoria da Dissuasão (Deterrence Theory), que credita às organizações do
Sistema de Justiça Criminal a responsabilidade pelo controle da criminalidade, vêm sofrendo
4
sérias críticas, dentre as quais destaca-se GARCIA-PABLOS de Molina1, afirmando que
“mais e melhores policiais, mais e melhores juízes, mais e melhores prisões
(...) significa mais infratores na prisão, mais condenados, porém, não
necessariamente, menos delitos. Uma substancial melhora da efetividade do
sistema legal incrementa, desde logo, o volume do crime registrado, se
apuram mais crimes e reduz a distância entre os números “oficiais” e os
“reais” (cifra-obscura). Porém, não por isso se evita mais crime nem produz
ou gera menos delitos em idêntica proporção: só se detecta mais crimes.”
A experiência tem demonstrado que medidas punitivas através do aumento da
repressão policial e penal têm sido por vezes ineficazes, como têm provocado efeitos
colaterais. A “Lei do Crime” (EUA), mais conhecida como “três vezes você está fora” 2, que
estabelece pena de prisão perpétua automática para o réu que esteja sendo julgado pela
terceira vez por crime violento, reflete essa situação. Apesar de aprovada por 80% da
população norte-americana, em pesquisas de opinião pública e, em 1994, já estar em vigor
em 34 dos 50 estados do país, as suas conseqüências são preocupantes:
1. O medo, diante da possibilidade de prisão perpétua, gerou atitudes mais violentas
dos criminosos, durante a ação criminal e/ou no momento da detecção, pois é o jogo
do tudo ou nada, o sucesso ou a privação definitiva da liberdade. Com isso, cresceu
o número de mortes de vítimas e policiais;
2. No aspecto econômico, especula-se o aumento nos custos do sistema penitenciário,
não apenas em função do crescimento numérico de presos quanto do tempo médio
de sua permanência no sistema prisional; e
3. Essa medida está sujeita às óbvias possibilidades de injustiças sociais tanto na
questão do julgamento quanto no dimensionamento do grau de violência. Com isso,
podem ser condenados à prisão perpétua tanto quem se envolver em três brigas de
rua e pequenas agressões, quanto o que cometer delitos de muito maior gravidade.
Nessa linha de reflexão, o risco pode aumentar o número de delitos mais violentos.
Sobre a repressão policial, também não existem evidências de que o aumento
do efetivo policial corresponda à redução no volume de crimes. Cláudio BEATO, da UFMG,
fundamentou esse argumento em dois tipos de análises: a não interferência das greves dos
1
MOLINA, G. P., A Criminologia: uma introdução a seus fundamentos teóricos, SP:Revista dos Tribunais,
1992, p. 262.
2
Folha de São Paulo,edição nº 23.769, 1º maio 1994, Mundo, p.6
5
policiais com as taxas criminais e as correlações entre número de policiais e taxas de
crimes.
"O Canadá tem um policial para 353 habitantes e 5,9 homicídios por 100 mil
habitantes. Já a China tem 01 policial para 1382 hab. E, no entanto, registra
um número ainda menor de homicídios (2/100 mil)... Os EUA têm uma das
mais altas taxas de população prisional... mas também uma das mais altas
taxas de criminalidade violenta. Mais policiais e aumento da população
prisional não diminuem o número de crimes, embora tenham um efeito
importante na diminuição da taxa de medo da população -o que já é muito
importante." 3
A paralisação da Polícia Militar da Bahia, em Salvador, no mês de julho/01,
parece ter provocado uma situação inversa. Embora ainda não existam estudos completos
sobre a relação entre a greve e o aumento nos índices criminais, a imprensa noticiou um
crescimento desmedido em ações de vândalos, saques ao comércio, furtos, roubos e até
homicídios.
O certo é que já está comprovado que vários programas bem-sucedidos de
controle da criminalidade vão além do Sistema de Justiça Criminal e podem estar fora do
controle das organizações formais. Programas de ação, integrados entre o Estado e a
sociedade são muito mais eficazes, indubitavelmente. A prevenção deve ser comunitária,
inter e multi-institucional, com políticas que intervenham positivamente nas suas causas
últimas que são o esfacelamento das relações sociais e a carência de atendimento às
necessidades básicas e de outros serviços que valorizem a cidadania. Se a universidade
consegue formular problemas, alternativas e soluções em nível teórico, os órgãos de
segurança formulam ações, estruturações técnicas através de modelos de efetividade e
eficiência e a Comunidade atende a ambas ou se beneficia de suas especificidades. Quem
conhece as necessidades da população, senão ela própria... Por outro lado, sabe-se que
ações isoladas dos Órgãos de Segurança Pública apenas deslocam a criminalidade sem,
contudo, atingirem as suas causas.
Enquanto a Polícia Militar é a instituição responsável pelo policiamento
ostensivo, prevenindo e reprimindo crimes, auxiliando, orientando e socorrendo os cidadãos;
a Polícia Civil é responsável pela prevenção indireta através da investigação para a solução
3
BEATO JR., Cláudio. Políticas Preventivas de Segurança e a Questão Policial, Revista São Paulo em
Perspectiva. a violência disseminada, vol. 13, n° 4, out-dez 1999, p.21
6
dos crimes – ambas, portanto, em contato direto com a população. Nesse sentido, não se
concebe uma polícia apartada dos inúmeros problemas sociais enfrentados pelos membros
de sua comunidade. A atuação da polícia preventiva deverá pautar-se pelo conhecimento do
contexto social em que está atuando. Quanto maior o conhecimento, melhor a qualidade de
manutenção da ordem, pois o comportamento policial corresponderá à necessidade de
melhoria de qualidade de vida, no aspecto segurança, proporcionando a oportunidade de
elevar o nível de cidadania.
Faz-se necessário, portanto, o desenvolvimento de uma nova concepção de
ordem pública pelo caminho da reeducação da polícia e da população, num processo de
conscientização de seus papéis: além do desempenho de suas funções tradicionais, cabe
aos policiais instruir os cidadãos sobre regras básicas de prevenção ao crime e participar
dos problemas da comunidade para a organização de estratégias coletivas de segurança.
Enfim, protagonizar o seu próprio papel: policial cidadão e cidadão policial. É preciso
resgatar e re-valorizar o policial como profissional e cidadão comum e, o cidadão comum,
como co-responsável pela sua segurança.
A
contrapartida
é
uma
comunidade
participativa,
consciente
das
potencialidades e limitações da polícia e que poderá contribui na resolução de problemas
corriqueiros que, hoje, delega aos órgãos de segurança. Desse modo, dissemina-se um
sentimento de confiança pelo resgate dos vínculos sociais entre os dois segmentos
(segurança pública e sociedade), podendo reduzir a sensação de medo e insegurança da
população em relação ao bandido e à própria policia.
Por outro lado, também a população estaria sendo reeducada para o exercício
da cidadania nos dois sentidos: direitos e deveres. Ato contínuo, ao estabelecer contato com
os órgãos oficiais de segurança para reivindicar benefícios, a comunidade estará em contato
com as potencialidades e limitações desses órgãos e se conscientizará da sua
responsabilidade no processo.
Nessa linha, paralelamente ao diagnóstico da criminalidade, realizamos uma
pesquisa de vitimização com o intuito de conhecer a cifra-obscura e obter subsídios para
campanhas de prevenção vitimaria que serão desenvolvidas na Fase II do Projeto. Sabe-se
que muitos crimes poderiam ser evitados se a população tivesse mínimos conhecimentos e
responsabilidades na prevenção criminal. Articuladas pelos meios de comunicação de
massa, as campanhas vitimárias podem promover mudanças no comportamento dos
integrantes dos chamados “grupos de risco”, potencialmente sujeitos a vitimização.
7
Assim, seguindo essa dinâmica, estamos desenvolvendo um Projeto de
Políticas Públicas integrado entre a universidade, órgãos de segurança pública (Polícia Civil
e Militar), poder executivo e comunidade (CONSEGs - Conselhos Comunitários de
Segurança e Associações de Bairros), com total apoio da FAPESP – Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado de São Paulo. O objetivo geral da pesquisa foi conhecer a realidade da
população de Marília nos aspectos sócio-demográficos e criminais para a incrementação de
políticas públicas que contemplem a qualidade de vida humana em seus aspectos
elementares de bem-estar social como trabalho, moradia, educação, socialização e,
especialmente, segurança.
II. UNIVERSO DA PESQUISA
A pesquisa desenvolveu-se na cidade de Marília, localizada na porção centrooeste do Estado de São Paulo, distante cerca de 448 km da capital do estado. Considerada
de porte médio na década de 90, a cidade teve um crescimento de 2,78% ao ano, no
período de 1991 a 2000 (conforme fórmula da ONU4, para os Censos Demográficos de 1991
e 2000, da Fundação IBGE). Com uma população de 170.746 habitantes em 1996, chegou
ao ano 2000 com 189.583 habitantes, ultrapassando até as estimativas da Fundação IBGE.
A cidade de Marília, apesar de relativamente nova, já sofreu variações
demográficas muito significativas. É uma cidade típica de migração (nos dois sentidos:
emigração e imigração) que não apenas transfere pessoas, mas problemas, necessidades,
valores e expectativas, e por espaços diversos, que tanto podem dar ao indivíduo boas
condições de vida como uma série de problemas. Portanto, esse espaço de estudo é, na
atualidade, produto de duas migrações: a proveniente de e para outras regiões (Estados e
Municípios) e da migração intra-urbana.
Além da população provinda de grandes centros, Marília exerce forte atração
nos municípios vizinhos. Enquanto para o período de 1940-91, o Município teve um
crescimento populacional de 133%, seus vizinhos tiveram uma perda considerável de
4
A fórmula adotada pela ONU (Organização das Nações Unidas) é a seguinte:
P1= população no final do período ,
P0= população no início do período
t= número de anos
t
P1
− 1 * 100 , onde
P0
8
população: Pompéia (distante cerca de 30km) decresceu 69,29%, e Gália (distante cerca de
45km) decresceu 42,45%. Apenas Garça (cerca de 34 km) não ficou com um saldo negativo,
aumentando sua população em 24,19%.
Na Figura 1 tem-se a evolução da população nos municípios citados. É
interessante notar o nível de evolução da população da cidade sede – Marília, que
apresentou um crescimento de 254% no período (1940-91).
400
350
300
250
M A R ÍL IA - R E G IÃ O
M A R ÍL IA - C ID A D E
M A R ÍL IA - M U N IC ÍP IO
200
P O M P É IA
GARÇA
150
G Á L IA
100
50
0
1940
1950
1960
1970
1980
1991
FIGURA 1. COMPORTAMENTO POPULACIONAL DA MICRO-REGIÃO DE
MARÍLIA, SUA SEDE E ALGUNS MUNICÍPIOS VIZINHOS
FONTE: CENSOS FIBGE (1940-91)
ORG. S.A.FELIX
As investigações sobre a taxa criminal por áreas geográficas e tamanho das
cidades têm se mostrado satisfatórias e vêm revelando a correlação positiva entre o índice
de criminalidade per capita e população, principalmente para delitos patrimoniais. Como as
estatísticas criminais brasileiras não permitem a elaboração de um estudo desta natureza, a
investigação de espaços menores através de levantamentos exaustivos em boletins
criminais, ou seja, a produção de dados pelo próprio pesquisador (fonte primária) e a
conseqüente elaboração de dados estatísticos, pode resultar numa investigação mais
minuciosa e talvez menos contagiada por ideologias, como as discriminatórias, detectadas
nas estatísticas oficiais.
Marília não é uma metrópole e nem apresenta numericamente a mesma
criminalidade. Porém, e justamente por esse motivo, é possível analisar integralmente o seu
espaço, a sua população e os seus crimes. Independentemente de ser uma cidade com
muita ou pouca criminalidade, tem todos os elementos essenciais para estudos do espaço e
do crime, que poderão servir de elementos para a compreensão da dinâmica criminal em
escala um pouco maior.
9
Assim, a partir de uma Base de Dados criada para o projeto5, com cerca de
6.500 registros de ocorrências, para o ano de 2000, foi possível desenvolver a análise dos
principais crimes e delitos, passíveis de prevenção.
III. OPERACIONALIZAÇÃO DA PESQUISA
Antes de analisar a dinâmica criminal em Marília, é importante esclarecer
alguns aspectos operacionais do trabalho. O primeiro grande problema na sua elaboração
relacionou-se à carência de fontes de informações, devidamente estruturadas ou
homogêneas, para análises comparativas. Esse problema atingiu tanto os aspectos
demográficos tratados pelos Censos, quanto os criminais contidos nos arquivos dos órgãos
de polícia.
Ao trabalhar com dois referenciais básicos (população e crime), cujos
registros são de responsabilidade de entidades diversas, surgiram inúmeros problemas de
adequações de informações, além de desconexões temporais dentro de uma mesma
entidade. A relação população/espaço é considerada um dos indicadores das características
espaciais e de distribuição da população urbana, e, como o espaço urbano e a sua
população não são homogêneos, a sua análise exigiu determinados informes setoriais, não
publicados, obtidos somente através de tabulações especiais adquiridas diretamente no
Centro de Disseminação de Dados do IBGE. Porém, nem a essas tabulações tivemos
acesso. Contatos com IBGE foram infrutíferos para a obtenção de dados por setores
censitários, que estarão disponíveis somente por volta do ano 2003. As únicas informações
fornecidas referem-se aos anos de 1991 (Censo) e 1996 (amostragem). (Anexo I)
Diante da dinâmica populacional e do objetivo do Projeto, desenvolvimento de
programas de prevenção criminal, é inconcebível a utilização de dados desatualizados. A
única alternativa foi recorrer ao Projeto UNI (Uma Nova Iniciativa) – Marília - FAMEMA
(Faculdade de Medicina de Marília), da Fundação W K Kellog, dos Estados Unidos, através
da Coordenadora do Componente Comunidade, Sônia Aparecida Custódio.
Acrescente-se a isso os problemas de dimensões e conformações espaciais
dos setores, que nem sempre são idênticos nos diferentes Censos e dificultam análises
comparativas. Diante disso, optamos pela utilização integral das informações do Projeto UNI,
5
Ver Relatório dos Bolsistas da Faculdade de Informática – Rodrigo Dieger e Marcio Burle Binatto – anexados
no final deste Relatório.
10
que já havia feito as compatibilizações dos setores censitários e produzido estatísticas para
o ano de 2000.
Consideramos importante destacar, também, a falta de preocupação do IBGE
em compatibilizar os limites territoriais dos setores censitários nos diversos Censos e
desrespeitar completamente a divisão política dos limites urbanos (bairros), o que inviabiliza
qualquer análise temporal.
Com relação aos dados criminais, não tivemos quaisquer empecilhos de
acesso. Ao contrário, fomos muito bem recebidos e alojados nas dependências da Polícia
Civil, que prontamente disponibilizou todos os Boletins de Ocorrência aos nossos
pesquisadores.
Entretanto, os dados oficiais fornecidos pelos órgãos de polícia, apesar de
amplamente utilizados, apresentam alguns problemas (lacunas e distorções de informações)
que, acreditamos, serão sanados com a implantação do sistema de informação desenvolvido
pelo Projeto FAPESP. No momento, o sistema foi responsável por toda base de dados
criminais, que serviram de fonte de informação (Banco de Dados) para a análise da
Geografia do Crime na cidade de Marília6. Atualmente, está em fase de teste em 03 Distritos
Policiais.
Porém, apesar de ser a única fonte de dados, as estatísticas oficiais não
refletem totalmente a realidade, pois nem toda a criminalidade é registrada e o seu registro
está sujeito aos critérios de gravidade estabelecidos pelas autoridades policiais e pelas
próprias vítimas que omitem o crime. Além dos órgãos oficiais, a delinqüência oculta também
é responsabilidade da própria vítima que não denuncia o fato.7
1. Problemas com as fontes de dados (Boletim de Ocorrência e Inquérito)
Problemas na utilização dos Boletins de Ocorrência:
a. O critério de classificação das características criminais dos envolvidos
dificulta a análise criminal. Além das inúmeras lacunas, o preenchimento
dos
dados
parece
ser
de
exclusiva
vontade
do
funcionário,
principalmente nos quesitos cor e grau de instrução. Em relação à
escolaridade, por exemplo, havia apenas 624 informações (pouco mais
6
7
Vide Relatório do bolsista da área de informática, Rodrigo Dieger.
Questões de sub-representação estatística (delinqüência oculta) foram abordadas na Pesquisa de Vitimização.
11
de 10%) para um total de 5.907 vítimas, num universo em que não
haveria quaisquer dificuldades, já que a vítima é identificada desde o
primeiro procedimento (B.O.), ao contrário do que ocorre com os
indiciados, principalmente de crimes contra o patrimônio que são,
majoritariamente, de autoria desconhecida nessa primeira etapa de
investigação;
b. Além da escolaridade e cor, os Boletins de Ocorrência trazem muitas
lacunas em todos os campos de informações sobre os envolvidos,
atingindo até as naturezas dos crimes. Esse problema será resolvido,
como dissemos, no momento em que todos os Distritos Policiais
estiverem informatizados e o software amplamente utilizado pelos
funcionários. Nesse contexto, sabemos das dificuldades que iremos
enfrentar diante da resistência às mudanças de alguns funcionários.
Absurdamente, ainda existem os que utilizam a ultrapassada máquina de
datilografia, com cópias em carbonos;
c. Corre-se o risco de distorções na tipologia criminal: um fato registrado
como lesão corporal, por exemplo, pode, ao longo das investigações,
transformar-se até em homicídio. Do mesmo modo que a vítima pode
transformar-se em indiciado e vice-versa.
Problemas na utilização dos Inquéritos:
a. Trabalhar com inquéritos evitaria algumas distorções, pois são registros
mais confiáveis que os B.O’s, principalmente em relação à tipologia
criminal e às características demográficas dos envolvidos que, nessa
fase de investigação, já são mais conhecidos; porém
b. Não abrangem toda a criminalidade: estudos realizados anteriormente
(FELIX, 1996, p.198) constataram que apenas 27% dos B.O’s
transformaram-se em Inquéritos, no período de 1989-94, em Marília
(Figura 2).
12
T O T A L D E O C O R R Ê N C IA S R E G IS T R A D A S
In q u é rit o s
In s t a u ra d o s
27%
E s c la re c id a s
2%
N Ã O C R IM IN A IS
46%
C R IM IN A IS
54%
A p e n a s R e p o rt a d a s
26%
FIGURA 2. ATIVIDADES DA POLÍCIA CIVIL DE MARÍLIA (1989-94)
FONTE: FELIX, Sueli Andruccioli (1996, p. 198 )
Trabalhados individualmente, os dados já apresentam um elenco de
dificuldades na investigação das variáveis demográficas e criminais. No momento em que se
correlacionam ambas (variáveis) e se necessita utilizar essas duas fontes de pesquisa (IBGE
e Órgãos de Segurança), o trabalho torna-se infinitamente mais complexo pela dificuldade
em adequar os diferentes registros. Assim, enfrentamos outro elenco de problemas:
• Enquanto as variáveis demográficas são obtidas por setores censitários
através do IBGE, as criminais o são por endereço (rua e número), através
da Polícia Civil;
• Para adequação dos informes, foi necessário o desenvolvimento de um
software que transformasse uma informação em outra, sem prejuízo nos
resultados8;
• Com esse programa, os endereços (rua e número das ocorrências, vítimas
e indiciados) eram checados em uma base de dados auxiliar que continha
as informações necessárias para identificar o bairro do respectivo endereço
(mudança nas bases de referências). Esse programa foi construído
respeitando-se a numeração para as ruas que freqüentemente abrangem
diversos bairros;
• Com essa técnica, tem-se a espacialização da criminalidade por bairros da
cidade;
• Como os setores censitários não respeitam os limites do bairro e nem
permanecem os mesmos ao longo dos diversos Censos, foi preciso adotar
8
O programa desenvolvido para esse fim consta do Relatório Científico do bolsista da Faculdade de Informática,
Rodrigo Dieger, anexado ao final desse relatório.
13
uma técnica de agregação de setores que respeitasse os seus limites
(Bairros). Com essa agregação, surgiram os setores de Bairros, uma nova
referência espacial, utilizada em todas as análises futuras, conforme se
pode observar na relação de bairros e de setores de bairros; (Anexo II);
• Porém, essa agregação juntou bairros com características sóciodemográficas, econômicas e espaciais um tanto diferentes. Entretanto,
como essa foi a única forma de trabalhar com dados provenientes do IBGE,
mantivemos essa agregação, mas com análises específicas (Bairro por
Bairro) quando a abordagem do tema exigiu. Como exemplo, o setor de
bairro denominado Castelo Branco/Aquarius contém bairros de casas
populares e de mansões. Nesse caso, apesar da relação crimes/mil
habitantes ser geral, fizemos análises específicas e desagregadas, a partir
das características de cada um9;
• Portanto, apesar de estarmos trabalhando com setores de bairros, sempre
que a análise exigiu fizemos observações particulares para cada bairro,
individualmente;
• O resultado desse trabalho foi um cartograma da cidade de Marília,
intitulado Mapa de Setores GUTO, contendo 15 subdivisões, adaptáveis às
informações obtidas do Projeto UNI, que serviu de base para a análise da
relação sociedade/espaço/criminalidade. (Ver Figuras 9 a 19)
9
Sabíamos que havia outra fonte de referência que poderia nos fornecer informações sobre o número e tamanho
das residências de cada bairro – Prefeitura Municipal através de suas secretarias de Planejamento Urbano ou de
Receita que mantém essas informações para o lançamento do IPTU (Imposto Predial Territorial Urbano). Porém,
as nossas tentativas de contato, para parceria no projeto através dessas secretarias, foram infrutíferas.
14
CAPÍTULO I
CARACTERÍSTICAS GERAIS DO COMPORTAMENTO CRIMINAL NO
ESPAÇO URBANO DE MARÍLIA
I. INTRODUÇÃO
Antes analisarmos a criminalidade setorial (índices de crimes por habitantes
dos setores de bairros) e as suas relações com as variáveis demográficas, será feita uma
análise do comportamento geral da criminalidade no espaço urbano de Marília, objetivando
perceber as relações entre as variáveis demográficas e os vários tipos de delitos,
contemplando, além dos aspectos gerais do crime, as características dos seus elementos.
Nenhum programa de prevenção criminal seja através de ação da polícia, seja pelo
desenvolvimento de ações sociais de prevenção primária (atendimento das necessidades
básicas e de outros elementos de desorganização social), pode ser estabelecido sem o
conhecimento dos atores, das suas características e do seu comportamento.
Algumas considerações da dinâmica criminal são bastante aceitas na
literatura especializada, como os aspectos físicos (tipos de construção, concentração de
residências, tipos de ruas, etc.), a sazonalidade (freqüência de determinado crime em certas
épocas do ano, dias da semana e horários), as características demográficas dos criminosos
etc.
II. SAZONALIDADE
Várias investigações criminológicas constataram relações sazonais nas
ocorrências criminais, como as violentas (contra a pessoa), com maior freqüência no verão,
e o suicídio na primavera. Um número mais reduzido de estudos sugere um leve aumento na
freqüência de crimes contra a propriedade no inverno.
Embora os estudos da sazonalidade sejam basicamente desenvolvidos em
países de altas latitudes, portanto com as estações do ano bem definidas, algumas variáveis
15
podem se aplicar também para o Brasil. O verão propicia lazer e interação social, e com isso
o aumento no consumo de álcool que, aliados com outras pré-condições de violência como a
desigualdade social e alterações biológicas, levam a atitudes violentas que tanto podem
provocar pequenas lesões corporais, como chegar ao homicídio dependendo da arma
utilizada.
A tese de sazonalidade nos crimes contra o patrimônio (maior ocorrência no
inverno) é antiga (Guerry, 1833) e originária especialmente da observação de espaços com
grandes amplitudes térmicas. Embora sejam poucas as contribuições nesse sentido (a maior
parte delas considera a sua distribuição equivalente aos violentos), a freqüência maior dos
crimes contra a propriedade no inverno é interpretada por razões radicalmente opostas às de
verão: o inverno deixa as ruas mais desertas e conseqüentemente com pouca vigilância
informal. A bibliografia brasileira não contempla com ênfase essa diferença na atividade
delitiva, talvez em função das altas médias de temperatura, chegando a constatar até o
contrário (aumento das taxas no verão) em função do abandono das residências no período
de férias de verão. Pelo mesmo motivo, haveria aumento das taxas em feriados
prolongados.
Para o suicídio, a sazonalidade é um importante componente em todas as
investigações. Embora as explicações ainda pareçam inconclusivas, a freqüência do ato na
primavera é quase consensual entre os pesquisadores. DUBLIN (1963:56) atribuiu o pico
nesta estação do ano ao “doloroso contraste entre o seu próprio desaparecimento e o
ressurgimento da vida em si mesmo”. DURKHEIM ((Suicide,1897/1951) entendeu que, com
a chegada da primavera, tudo começa a despertar, as atividades são recomeçadas, como
num significado sazonal de um novo ano, e as pulsões de vida podem contrapor-se às
pulsões de morte do suicida10.
Os padrões suicidas sugerem vulnerabilidade insensível aos efeitos das
conjunturas sociais, por determinados grupos sócio-demográficos, e uma situação
geográfica específica. Portanto, além das investigações comumente desenvolvidas,
especulam-se os padrões sazonais, incluindo os fatores: interação social (DURKHEIM,
SPAULDING & SIMON, 1951), depressão (ZUNG & GREEN, 1974), clima (DURKHEIM) e
cerimônias e rituais (PHILLIPS & FELDMAN, 73).11
10
WARREN, C. W.; SMITH, J. C. and TYLER, C. W. Sazonal Variation in Suicide and Homicide: a question of
consistency, J. Biosoc. Sci, 15, p. 349-356, 1983.
11
Idem.
16
Em Marília, a análise 5.318 ocorrências criminais12, no ano de 2000, confirma
parcialmente os resultados das investigações citadas. (Tabela 1 e Figura 3)
MESES
PROPRIEDADE
%
PESSOA
%
JAN-ABR
MAI0-AGO
SET-DEZ
TOTAL
1282
1382
1436
4100
31,3
33,7
35,0
100,0
228
211
354
793
28,8
26.6
44.6
100.0
TOTAL
CRIMES
1510
1593
1790
4893
%
30.9
32,5
36,6
100.0
SUICÍDIO E
TENTATIVA
16
25
26
67
%
23,9
37,3
38,8
100.0
TABELA 1. DISTRIBUIÇÃO DOS CRIMES (CONTRA PROPRIEDADE E PESSOA) E
SUICÍDIO EM MARÍLIA, ANO 2000.
FONTE: BOLETINS DE OCORRÊNCIA DA POLÍCIA CIVIL
ORG.:S.A.F.
•
Analisando apenas as colunas que se referem aos totais (total crimes e suicídio e
tentativa), pode-se afirmar que os índices criminais aumentam conforme se aproxima
o final do ano;
•
Ao contrário do comportamento criminal geral, especialmente dos países de altas
latitudes, os crimes contra o patrimônio ocorreram mais nas proximidades do final do
ano e diminuíram no início, período de férias escolares;
Distribuição de Crimes / Mês
16%
14%
12%
10%
8%
6%
4%
2%
0%
JAN
FEV
MAR
ABR
MAI
JUN
JUL
Mês
CONTRA O PATRIMÔNIO
AGO
SET
OUT
NOV
DEZ
CONTRA A PESSOA
FIGURA 3. DISTRIBUIÇÃO MENSAL DAS OCORRÊNCIAS (PATRIMÔNIO E
VIOLENTO) OCORRIDOS EM MARÍLIA NO ANO DE 2000.
FONTE: BOLETINS DE OCORRÊNCIA DA POLÍCIA CIVIL
ORG.:S.A.F.
12
As 5318 ocorrências estão distribuídas em:
• Patrimônio (3.686 furtos e 413 roubos e 2 latrocínios);
• Pessoa (731 Lesões Corporais, 20 homicídios e 42 tentativas de homicídio);
• 344 tráfico e uso de drogas (a maior parte dos B.O´s não separa tráfico de porte e uso);
• 67 suicídios e tentativas;
• 13 estupros.
17
•
Embora os crimes contra o patrimônio e contra a pessoa tenham os seus índices
aumentados no final do ano, os meses de janeiro e fevereiro apresentaram índices
menores, mesmo a despeito de serem meses muito quentes, contrariando a tese de
maior criminalidade no verão;
•
Os índices de suicídio confirmaram a tese de aumento na primavera, tendo os meses
de setembro e outubro o seu pico;
•
De um modo geral, as ocorrências de crimes contra a pessoa são menores nos
meses mais frios (entre maio e julho), mas a contrapartida de maior freqüência nos
meses mais quentes não se confirma integralmente, pois, mesmo em período de
altas temperaturas houve redução (novembro, dezembro e janeiro);
•
Os crimes cometidos contra o patrimônio estão mais bem distribuídos por todo o ano,
mas contrariam os padrões encontrados numa pequena parcela da bibliografia que
constatou maiores índices desse crime nos meses de temperatura mais baixa.
A distribuição dos crimes ao longo da semana (Figura 4) sugere o chamado
efeito de calendário: mais da metade das ocorrências criminais (gerais) ocorreram entre
sexta-feira e domingo.
Crimes Cometidos / Dia da Semana
30%
25%
20%
15%
10%
5%
0%
SEGUNDA
TERÇA
QUARTA
QUINTA
SEXTA
SÁBADO
DOMINGO
Dia da Semana
CONTRA O PATRIMÔNIO
CONTRA A PESSOA
FIGURA 4. DISTRIBUIÇÃO SEMANAL DOS CRIMES COMETIDOS CONTRA O
PATRIMÔNIO E PESSOA EM MARÍLIA, NO ANO DE 2000.
FONTE: BOLETINS DE OCORRÊNCIA DA POLÍCIA CIVIL
ORG.: S.A.F.
De todas as modalidades criminais, os crimes violentos são os que têm
distribuição mais definida, com evidente concentração no final de semana (60% de sextafeira a domingo) e redução às quartas e quintas-feiras (média de 9%). Além de estarem
18
altamente concentrados nos finais de semana, só no domingo ocorreu mais de ¼ do seu
total (26%). Com a redução abrupta na segunda-feira (11%), percebe-se que a ociosidade
realmente pode ser uma das causas do aumento desse tipo de violência, que normalmente
se acha relacionada ao lazer fora de casa, a interação social e, principalmente, ao consumo
de álcool.
Os crimes cometidos contra o patrimônio, apesar de bem distribuídos, têm
maior concentração aos sábados (16,3%), decrescendo no meio da semana (quarta- feira é
o dia com menos ocorrências, 13,3%).
DISTRIBUIÇÃO DOS DELITOS NO DIA
35%
30%
25%
20%
15%
10%
5%
0%
00 às 04
04 às 08
Contra o Patrimônio
08 às 12
12 às 16
Contra a Pessoa
16 às 20
20 às 24
Drogas (Tráfico/Porte)
FIGURA 5. DISTRIBUIÇÃO DIÁRIA DE CRIMES E DELITOS OCORRIDOS
EM MARÍLIA NO ANO DE 2000
FONTE: BOLETINS DE OCORRÊNCIA DA POLÍCIA CIVIL
ORG.:S.A.F.
A sazonalidade também ocorre no comportamento criminal diário (Figura 5).
O crime violento é cometido com maior freqüência em horários considerados de ociosidade,
com a taxa de 51,2% de ocorrências entre 16 e 24 horas. O homicídio exibe a maior
concentração entre 20 e 24 horas (74%), exatamente quando a maior parte das pessoas já
encerrou o seu dia de trabalho. A arma de fogo foi utilizada em 72% dos homicídios,
confirmando a necessidade de medidas urgentes de controle do seu uso.
Os crimes cometidos contra o patrimônio (roubo e furto) têm distribuição diária
mais eqüitativa, apenas com reduções pronunciadas nas primeiras horas da manhã,
principalmente entre 4h e 8h. A partir das 16h, até o final do dia (24h), concentraram-se 44%
dos crimes de roubo e furto. Observando-se os horários e as modalidades específicas desse
delito, separadamente, tem-se uma dinâmica bem característica. Dos roubos ocorridos em
locais públicos (ruas e praças, por exemplo), popularmente conhecidos como assaltos, 42%
são entre 21h e 23h, sendo que 22,6% ocorreram às 23h.
19
O suicídio apresenta uma distribuição diária muito curiosa. Ao contrário do
que se imagina, não é a noite que traz mais depressão e o conseqüente aumento: 75%
ocorreram entre 08 e 18 horas. Curiosamente, analisando-se por hora, o maior índice
individual é às 12h, com 9,3% do total de ocorrências.
Com o que foi exposto, é possível concluir que, numa visão geral, os
resultados encontrados nessa análise da criminalidade de Marília, no aspecto sazonalidade,
confirmam as investigações anteriores da bibliografia. Apenas a sazonalidade nos crimes
contra o patrimônio (aumento no inverno) não foi confirmada, embora, entre os meses
março/julho os índices sejam maiores que entre novembro/fevereiro. Porém, são raros os
estudos que investigam a sua significância, especialmente os crimes ocorridos no Brasil.
III.
CARACTERÍSTICAS DOS CRIMINOSOS
A análise das características dos envolvidos em atividades criminais
ultrapassa o campo de interesse dos estudos demográficos. Quaisquer que sejam as áreas,
as investigações criminais são unânimes sobre a necessidade do estudo da relação entre
características demográficas dos criminosos e tipos de delitos. Embora se investiguem muito
as condições sócio-econômicas, os níveis de escolaridade etc., os aspectos exclusivamente
demográficos como sexo, idade e grupo étnico estão presentes em todas as investigações.
1. Sexo
Falar sobre a participação diferencial dos sexos na ação criminal talvez seja o
aspecto mais tranqüilo nesta pesquisa. Ostensivamente, a presença feminina entre os
criminosos é insignificante, com índices médios de 15%. Porém, em estudos anteriores (de
1985-93), a presença feminina era muito menor – inferior a 10%.
Enquanto em pesquisa anterior (1985-93), constatamos a presença feminina
em atitudes criminosas que exigiam pouca exposição ou o uso de força, como nos crimes
contra o patrimônio (9,8%, sendo responsável por 28% dos furtos) e no comércio de drogas
(12%), nessa pesquisa a sua presença foi marcante também nos crimes contra pessoa
(16,1%), especialmente lesão corporal. Naquela época, já estava em destaque a
participação feminina nos crimes relacionados a entorpecentes (12,2%), confirmando a sua
20
inserção crescente nessa modalidade criminal, atualmente responsável por 16,1%, conforme
se pode observar na Tabela 2.
SEXO
PATRIMÔNIO
53
349
402
FEMININO
MASCULINO
%
13.2
86.8
100,0
CRIMES
PESSOA
100
520
620
%
16.1
83.9
100.0
DROGAS
68
355
423
%
16.1
83.9
100.0
TOTAL
221
1224
1445
%
15.3
84.7
100.0
TABELA 2. DISTRIBUIÇÃO, POR SEXO, DOS INDICIADOS POR CRIMES CONTRA O
PATRIMÔNIO, PESSOA E ENTORPECENTES EM MARÍLIA - 2000
FONTE: BOLETINS DE OCORRÊNCIAS DA POLÍCIA CIVIL
ORG.:S.A.F.
Um outro exemplo que reforça a tese da atuação feminina dissimulada, ou
menos freqüente em crimes mais ousados ou de maior exposição, é a sua total ausência nos
roubos com violência, os popularmente conhecidos como “assaltos”, e latrocínio (roubo
seguido de morte).
Pela bibliografia pesquisada, a tipologia criminal da mulher não apenas
envolve muito mais desonestidade que violência física, e nas mais diferentes culturas, como
vem aumentando e se transformando nos últimos tempos. Na Rússia verificou-se um
aumento de 67% na criminalidade feminina, entre 1985-87, especialmente no desfalque e na
fabricação de bebida ilegal. Na França, 87% das presidiárias cometeram delitos de natureza
econômica.
O tráfico de entorpecentes confirma a transformação da atividade delitiva
feminina como sinal dos tempos. Além de ser o crime que registrou o maior crescimento no
universo feminino, quase duplicando de um período a outro (9,12% em 1986 e 16,1% em
2000), a maior parte das indiciadas (23,5%) são Senhoras Do Lar.
Como vítima (Tabela 3), embora também seja numericamente bem menor que
o homem, em termos relativos, a sua participação é bem mais pronunciada do que como
indiciada. Nesse universo (vítima) a sua presença também é maior nos crimes cometidos
contra a pessoa, chegando a constituir 32.8% dos ofendidos.
SEXO
FEMININO
MASCULINO
PATRIMÔNIO
1291
2917
4208
%
30.7
69.3
100.0
CRIMES
PESSOA
287
588
875
%
32.8
67.2
100.0
TOTAL
1578
3505
5083
%
31.0
69.0
100.0
TABELA 3. DISTRIBUIÇÃO, POR SEXO, DAS VÍTIMAS DE CRIMES CONTRA O
PATRIMÔNIO E PESSOA EM MARÍLIA (2000)
FONTE: BOLETINS DE OCORRÊNCIA DA POLÍCIA CIVIL
ORG.:S.A.FELIX
21
Analisando a vitimização da mulher em dois períodos (1985-93 e 2000),
conforme a Figura 6, percebe-se que aumentou a sua participação nas duas modalidades
criminais (patrimônio e pessoa). Entretanto a sua vitimização nos crimes violentos (lesão
corporal, homicídio e tentativa) foi muito maior. Enquanto no primeiro período de análise a
mulher foi vítima de 14,6% dos crimes violentos, no segundo período passou a constituir
32,8% das vítimas, Portanto a sua vitimização cresceu 2,25 vezes, em 07 anos. Isso pode
levar a duas conclusões: a mulher está sofrendo muito mais violência e/ou está denunciando
muito mais. Esperamos que seja a segunda hipótese, especialmente pelo fato da Delegacia
de Defesa da Mulher ter sido instalada no município em 1987 e ter levado algum tempo para
adquirir a confiança e ser espontaneamente procurada pela mulher.
VITIMIZAÇÃO DAS MULHERES
35
30
25
20
15
10
5
2000
0
1985-93
Patrimônio
Pessoa
FIGURA 6. PARTICIPAÇÃO DAS VÍTIMAS DE CRIMES CONTRA A PESSOA E
PATRIMÔNIO EM DOIS PERÍODOS: 1983-95 E 2000
FONTE: REGISTROS CRIMINAIS DA POLÍCIA CIVIL .................................. ORG. S.A.FELIX
Nos crimes contra o patrimônio também aumentou a vitimização da mulher.
Enquanto na pesquisa anterior ela era vítima de 23% desses crimes, hoje, passou para
30,7% a sua vitimização.
Pelos dados expostos e pela literatura percebe-se que, estatisticamente, a
baixa participação da mulher no mundo do crime, como autora, parece ainda estar
reproduzindo alguns aspectos do seu papel social de cordialidade, submissão e/ou
cumpridora das leis. Paradoxalmente, no aspecto qualitativo, ficou visível a sua adaptação
às novas formas delitivas, como o tráfico de entorpecentes, mesmo entre as que se dedicam
exclusivamente ao ambiente doméstico. Todavia, envolvida em crimes contra o patrimônio
ou de entorpecentes, a principal característica da sua criminalidade é a miserabilidade e/ou
marginalidade, a desonestidade e não-violência.
22
Alguns estudos encontraram índices maiores de criminalidade em ambientes
onde a permanência feminina no lar é menor. Entretanto, não deixam claro se a
criminalidade nesses locais advém da transformação social do papel da mulher ou da menor
vigilância de suas residências por longos períodos do dia. Essa análise só elucidativa se
contemplasse a relação entre a permanência da mulher no lar e a tipologia criminal.
2. Idade
A periculosidade do jovem está fundamentada pelas mais diversas teorias que
vão desde a tese da privação relativa às de simples irreverência e necessidade de
aventuras, passando pela falta de estrutura familiar e inversão de valores, numa sociedade
onde os “desviados” socialmente são os que mais gozam de prestígio. É o caso de
traficantes de drogas e assassinos profissionais, modelos de ascensão social através da
carreira criminosa, que por possuírem status elevados na comunidade local, transformam-se
em ídolos dos jovens.
As estatísticas mundiais apontam cada vez mais a presença do jovem no
mundo do crime, e com o início cada vez mais precoce. Em Marília, o jovem com idade
entre 18-29 anos foi responsável por 68,2% de todos os crimes cometidos entre 1985-1993.
No ano de 2000, nessa faixa etária estavam cerca de 79% dos indiciados.
Para a análise da participação do jovem na criminalidade, elaboramos a
Tabela 4 e a Figura 7. Apesar de ambas trazerem informações da criminalidade por faixa
etária, na Figura 7 os índices são relativos ao total de criminosos pelo total de habitantes em
cada faixa. Julgamos conveniente apresentá-las na seqüência como forma de melhor
delinear o comportamento do jovem em cada delito separadamente.
Assim, a partir da análise de ambas, temos:
1. A primeira faixa, 18 e 19 anos, apesar de não seguir o mesmo intervalo das
demais, achamos conveniente desagregá-la como forma de demonstrar a
enorme participação do jovem logo após completar 18 anos. Se a idade de
imputabilidade fosse menor, com certeza haveria a participação acentuada
de menores de 18 anos nesse quadro;
2. O delito que mais atrai a juventude é o praticado contra a propriedade e os
que envolvem entorpecentes. Nas faixas etárias entre 18-24 anos estão 66%
dos criminosos contra o patrimônio e 55,3% dos envolvidos no tráfico. Se
somarmos alguns Atos Infracionais, apenas onde foi possível identificar o
23
tráfico no histórico da ocorrência, teremos 68% dos traficantes com menos de
24 anos;
LESÃO
HOMICÍDIO /
%
% DROGAS %
CORP.
TENTATIVA
18 e 19
11
15,7
62
28,4
33
10,3
5
13,2
63
16,8
20 a 24
36
51,4
79
36,2
67
20,9
8
21,1
144
38,5
25 a 29
06
8,6
26
11,9
57
17,8
11
28,9
64
17,1
30 a 34
08
11,4
23
10,6
61
19,1
8
21,1
40
10,7
35 a 39
05
7,1
11
5,0
37
11,6
3
7,9
26
7,0
40 a 44
03
4,3
8
3,7
32
10,0
1
2,6
27
7,2
45 a 49
6
2,8
18
5,6
1
2,6
8
2,1
50 a 54
9
2,8
1
2,6
1
0,3
55 e mais
1
1,4
3
1,4
6
1,9
1
0,3
Total
70
100
218
100
320
100
38
100
374
100
TABELA 4. DISTRIBUIÇÃO DOS CRIMINOSOS, POR IDADE, PARA ALGUMAS
MODALIDADES DE CRIMES OCORRIDOS EM MARÍLIA, EM 2000
FONTE: BOLETINS DE OCORRÊNCIA DA POLÍCIA CIVIL
ORG.:S.A.FELIX
ANOS
ROUBO
%
FURTO
%
3. Dentro da mesma categoria de delito, existe uma participação diferencial dos
jovens envolvidos. Assim, nos crimes contra o patrimônio, a sua participação
está condicionada às peculiaridades do delito: no assalto13, que exige arrojo
e o risco de identificação e de vida é maior, a participação de jovens com
idades inferiores é bem mais significativa (72% dos envolvidos tinham entre
18 e 23 anos); no roubo tem-se 67% dos criminosos com idades entre 18-24
anos e no furto cerca de 65%. A idade média dos envolvidos em assaltos é
22 anos; em roubos, 22,5 anos; e em furtos, 24,1 anos. Crimes contra o
patrimônio são tipicamente ações de jovens: apenas 1,4% dos criminosos
tinham mais de 50 anos, demonstrando, talvez, estabilidade econômica;
4. No crime violento, a participação dos envolvidos mostrou-se bem distribuída
entre as faixas etárias, embora ainda tenha sido significativa a participação
do jovem (33% tinham entre 18 e 24 anos);
5. Dentro da categoria de crime violento, a Lesão Corporal Dolosa foi a que
apresentou o maior número de pessoas com idades acima de 40 anos
(20,3%), sendo seguida pelo Tráfico de Entorpecentes (9,9%);
13
Apesar da sua inexistência no Código Penal Brasileiro, assalto é um termo conhecido e difundido na
linguagem criminal, especialmente para roubos praticados com o uso de violência. Conservamos essa
denominação para caracterizar um crime específico: com violência, quase sempre com arma de fogo, em locais
públicos, quando foi possível identificar no histórico da ocorrência.
24
6. Embora a participação direta
14
dos jovens nos crimes de entorpecentes seja
menos significativa dos que nos de propriedade, aumentou bastante nos
últimos 07 anos – passou de 45% dos envolvidos em 1993 para 55,3% em
2000.
Com o cuidado de não estar produzindo desvios estatísticos - a alta
freqüência de jovens na criminalidade poderia estar simplesmente reproduzindo a sua alta
representatividade na sociedade – procedemos à análise relativa ao total de habitantes em
cada faixa etária. Porém, mesmo com esse critério, as observações anteriores foram
ratificadas (Figura 7):
INDICIADOS POR MIL HABITANTES
9
8
7
6
5
4
3
2
60 a 64
55 a 59
50 a 54
40 a 44
35 a 39
45 a 49
PATRIMÔNIO
Mais de 65
ENTORPECENTES
30 a 34
25 a 29
20 a 24
0
15 a 19
1
PESSOA
FIGURA 7. PARTICIPAÇÃO DOS INDICIADOS EM CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO,
PESSOA E ENTORPECENTES, POR FAIXA ETÁRIA/1000Hab.,MARÍLIA
(2000)
FONTE: BOLETINS DE OCORRÊNCIAS
ORG.:S.A.F
• Os criminosos são realmente jovens, reduzindo a sua participação conforme
aumenta a idade, especialmente nos crimes de propriedade e de drogas;
• Nos crimes violentos, mesmo com redução, a participação por faixa etária é
um pouco mais equilibrada que nos dois anteriores (propriedade e drogas);
• Na faixa de 20-24 anos está a maior parte dos criminosos de todos os
delitos. Levando-se em conta que esses dados abrangem apenas 8,4% dos
indiciados por crimes contra o patrimônio e 48% dos indiciados por crimes
14
A participação da droga pode ser indireta: pesquisas desenvolvidas nos EUA (1988) confirmaram o uso de
drogas em 50% dos crimes cometidos por jovens.
25
contra a pessoa, tem-se: para cada 1.000 pessoas dessa idade, há 6,21
criminosos contra o patrimônio, 4,05 criminosos violentos e 7,8 traficantes de
entorpecentes;
Mesmo em menores proporções, também é entre os jovens que se encontra a
maior parte das vítimas. Enquanto 79% dos criminosos têm menos de 29 anos, 41% das
vítimas também são dessa mesma faixa etária. Porém, a diferença maior está na atividade
delitiva. As pessoas com menos de 29 anos são duas vezes mais indiciadas (76,15%) que
vítimas (37,5%) em crimes contra o patrimônio e têm participação eqüitativa em crimes
violentos (vítima e indiciado, 56%). Essa é apenas mais uma constatação de que vítimas e
indiciados de crimes violentos são muito próximos, social e demograficamente.(Tabelas 4 e
5)
SUICÍDIO E
TENTATIVA
PATRIMÔNIO
PESSOA
ESTUPRO
Nº
%
Nº
%
Nº
%
Nº
%
10 a 14
40
1,0
22
2,6
0
0,0
4
33,3
15 a 19
200
5,1
144
17,0
11
16,4
2
25,0
20 a 24
620
15,7
186
22,0
20
29,9
1
12,5
25 a 29
623
15,8
121
14,3
11
16,4
1
12,5
30 a 34
514
13,0
102
12,1
8
11,9
2
25,0
35 a 39
495
12,5
94
11,1
6
9,0
0
0,0
40 a 44
442
11,2
64
7,6
3
4,5
1
12,5
45 a 49
335
8,5
38
4,5
2
3,0
1
12,5
50 a 54
233
5,9
28
3,3
2
3,0
0
0,0
55 a 59
166
4,2
17
2,0
1
1,5
0
0,0
60 a 64
121
3,1
7
0,8
1
1,5
0
0,0
65 a 69
61
1,5
9
1,1
1
1,5
0
0,0
> 70
104
2,6
13
1,5
1
1,5
0
0,0
TOTAL 3954
100,0
845
100,0
67
100,0
12
100,0
TABELA 5. DISTRIBUIÇÃO DAS VÍTIMAS, POR IDADE E CRIMES (PATRIMÔNIO,
PESSOA E ESTUPRO) E SUICÍDIOS E TENTATIVAS, MARÍLIA, 2000.
FONTE: BOLETINS DE OCORRÊNCIAS DA POLÍCIA CIVIL
ORG.:S.A.F.
IDADE
Além dessas, outras conclusões são possíveis:
1. A maior parte das vítimas está entre 15 e 39 anos (66,2%);
2. Maior ainda é a concentração das vítimas de estupro: 58,3% têm menos de
19 anos;
3. Ao contrário do que se supunha, os jovens também foram mais alvos de
roubos do que as pessoas mais velhas. Entre as vítimas, 37,5% têm
menos de 29 anos e apenas 7,2% estão acima dos 60 anos;
26
4. A juventude dos envolvidos em crimes violentos é marcante, não
importando se vítimas ou indiciados. Entre as vítimas de homicídio estão
48% com menos de 24 anos (sendo 22% com 19 anos). Índice esse bem
aproximado dos criminosos, com 40% nessa faixa de idade;
5. Enquanto nos crimes cometidos contra o patrimônio há muito mais vítimas
(17.3%) que indiciados (1.4%) com mais de 50 anos, nos crimes violentos
a relação é mais equilibrada, sendo 4,5% dos indiciados e 8.8% das
vítimas nessa faixa etária;
6. O suicídio também é um ato característico da juventude: 75% dos suicidas
têm menos de 34 anos, sendo a faixa de 20-24 a mais atingida com 20%
de participação. Mesmo quando a análise é relativa ao total de habitantes
por faixa etária, tem-se 71,2/1000 hab. nas faixas até 34 anos, sendo a
maior concentração na faixa de 20-24 anos onde, para cada mil habitantes,
existem 108 suicidas.
Enfim, a incontestável predominância de jovens nos incidentes criminais de
qualquer natureza e em qualquer circunstância (como indiciado ou vítima) e, de um modo
geral, da mesma faixa etária, revelam a necessidade de políticas direcionadas ao jovem. Em
muitos casos, ser vítima ou criminosa depende apenas de circunstâncias momentâneas.
O fato alarmante de 48% das vítimas de homicídio terem menos de 24 anos
e, o que é pior, 26% entre 15 e 19 anos, revelou não apenas a gravidade da situação do
jovem, mas, e principalmente, a urgente necessidade de medidas de contenção dessa
“morte evitável”. Da mesma forma, no contexto de mortes evitáveis que merecem atenção
especial, tem-se os altos índices de suicídio e de mortes por acidentes de trânsito.
Portanto, é preciso incrementar programas dirigidos ao jovem, segmento mais
vulnerável à criminalidade. Programas de orientação cognitiva para as suas habilidades
podem ser altamente positivos como canalização de violências e frustrações para ações
produtivas. Por outro lado, sabendo-se que a maior parte dos jovens delinqüentes tem
família, mesmo que desestruturada, é dever da família, da escola, das organizações civis, e
principalmente do poder público, promover ações educativas e reintegradoras do jovem na
sociedade. A demógrafa Felícia R. MADEIRA acredita tratar-se
de um longo processo de aprendizagem e mudança que deve iniciar-se
simultaneamente em duas frentes: desenvolver projetos de estudos que possam
subsidiar programas governamentais atentos à especificidade do jovem adolescente
27
e criar a partir de lideranças naturais e emergentes desde já, uma sensibilidade às
questões da juventude, como já existe por exemplo com relação à criança e à mulher.
Essa sensibilização deve começar com a quebra dos preconceitos que envolvem o
jovem adolescente na nossa sociedade, sobretudo adolescentes dos setores mais
empobrecidos da sociedade que costumam ser chamados de “menores” numa clara
alusão à proximidade da marginalidade.”15
3. Estado Civil
Essa juventude do criminoso acaba sendo também, de certo modo,
condicionante da grande participação de solteiros (68,4%). Entretanto, é a condição de
pessoa sozinha a mais marcante, especialmente em determinados crimes: solteiros, viúvos e
desquitados/divorciados constituem 52% dos criminosos envolvidos com drogas, 83% dos
envolvidos em crimes contra o patrimônios e 51,4% dos criminosos violentos.
As pessoas declaradamente sós são as mais envolvidas em estupro (57,2%)
e tentativas de homicídios (62,5%). Porém, são os casados que conseguem mais sucesso
no seu intento: 54,5% dos homicídios foram cometidos por casados e 9,1% por amasiados.
Portanto, 63,6% dos assassinos estão entre os que assumiram viver maritalmente.
SOLTEIRO
DESQ/DIVOR.
VIÚVO
“AMASIADO”
CASADO
TOTAL
FURTO
ROUBO
ESTUP.
82,4
1,0
1,2
8,0
7,4
100,00
71,4
2,6
42,9
14,3
16,9
9,1
100,00
28,6
14,2
100,00
TENT.
HOM.
HOMICÍDIO
58,3
36,4
4,2
29,2
8,3
100,00
9,1
54,5
100,0
LC
DROGA
44,0
7,0
0,3
24,5
24,2
100,00
45,0
3,6
3,6
37,9
10,0
100,00
TABELA 6 ESTADO CIVIL DOS INDICIADOS EM MARÍLIA - 2000
FONTE: BOLETINS DE OCORRÊNCIAS DA POLÍCIA CIVIL
TOTAL DAS
OCORRÊNCIAS
68,4
3,1
0,6
15,5
12,4
100,00
ORG.: S.A.F.
Esse resultado é contraditório quando comparado à tentativa de homicídio
onde os criminosos casados constituem 8,3% e amasiados, 29,2%. Não é muito lógica essa
participação diferencial dos casados/amasiados nos crimes de homicídio e tentativa,
sabendo-se que a dinâmica de ambos é idêntica, diferenciando-se quase sempre pela
letalidade da arma utilizada. Tanto é assim, que os geógrafos do crime sugerem que os
programas preventivos considerem esses dois crimes da mesma forma e com a mesma
gravidade e sujeitos às mesmas ações de controle e prevenção.
15
Folha de São Paulo, edição nº 21.687, 18 ago. 1988, Cidades, p. 2.
28
Dentre os crimes mais cometidos pelos amasiados, está o relacionado ao
tráfico de entorpecentes, incluindo-se a inserção de suas companheiras na ação. Quase
38% dos tráficos foram praticados por eles.
Analisados individualmente, o furto é o crime com a menor participação de
casados (7,4%), diametralmente oposto à criminalidade dos solteiros que foram
responsáveis por 82,4% deles. Isso pode estar indicando maior estabilidade financeira dos
casados, se aceitarmos a tese de relação entre privação econômica e criminalidade, o que
será investigado no item profissão.
4. A Cor do Crime
Além da idade, a cor da pele dos criminosos é uma variável que apesar de
muito polêmica, contestada e até abominada na literatura, é investigada em quase todas as
pesquisas.
Dos três segmentos (branco, pardo e negro), a periculosidade do negro é
aspecto mais destacado na bibliografia da geografia do crime, especialmente por esta ser
predominantemente norte-americana onde a classificação de cor segue padrões de
hereditariedade, acima da própria cor da pele. Já as pesquisas desenvolvidas no Brasil não
16
confirmaram a sua presença entre os maiores índices de criminalidade . Para grande parte
dos pesquisadores, o problema ultrapassa a questão da cor ao apontá-los como marginais
sócio-econômicos e, portanto, numa relação indireta.
Essa relação indireta encontra respaldo nas teorias da Contracultura (Curtis,
1975), da Subcultura (Shaw & Mckay, 1942), da Associação Diferencial (Sutherland, 1940),
do chamado Mal de Classe Inferior, derivativo da Subcultura da Violência (Harries, 1976;
Cohen, 1955; Cloward & Ohlin, 1960), e outras.17
Neste assunto, independentemente do indivíduo ser mais ou menos criminoso
e pertencente a um ou outro grupo étnico, parece importante analisar o nível de participação
de cada segmento nos diversos crimes. Parece óbvio que espaços onde o elemento de cor
branca é predominante, como é o caso de Marília, também o seja no número de criminosos
16
Os registros criminais não são muito criteriosos em relação às características demográficas dos envolvidos nos
delitos. Como esclarecido anteriormente, a classificação da cor da pele fica a critério do funcionário que está
registrando a queixa crime.
17
Ver FELIX, S. A. (1996), p. 37
29
dessa categoria. A representatividade de cada segmento pode ser observada através de
análises relativas aos seus totais. (Tabela 7)
COR/RAÇA
BRANCA
PARDA
NEGRA
AMARELA
TOTAL
POPULAÇÃO
TOTAL (1980)
84037
25280
6364
5970
121651
POPULAÇÃO
%
69,0
20,8
5,2
4,9
100,0
CRIMINOSOS
%
59,3
31,9
8,7
0,0
100,0
VÍTIMAS
%
89,0%
8,0%
2,2%
0,9%
100,0%
TABELA 7. DISTRIBUIÇÃO RELATIVA, POR COR/RAÇA, DOS CRIMINOSOS, VÍTIMAS
E DA POPULAÇÃO DE MARÍLIA, 2000.
FONTE: BOLETINS DE OCORRÊNCIAS DA POLÍCIA CIVIL
-IBGE - CENSO DEMOGRÁFICO (1980)
ORG.:S.A.F.
Numa rápida avaliação da participação dos três segmentos no universo
criminal, percebe-se que dentre as vítimas apenas o branco exibe índices maiores (89%)
que a sua participação na população total (69%). Essa baixa participação (proporcional à
população total) de negros e pardos, entre as vítimas, vem sendo interpretada, por alguns,
como ausência de queixas à polícia, conseqüência de falta de confiança e medo de passar
de vítima a suspeito.
Em contrapartida, o pardo e o negro têm alta participação no total de crimes
por segmento na sociedade. Apesar do branco representar 59,3% dos criminosos, a sua
participação relativa na criminalidade é 0,85 vez menor que a sua população. Por outro lado,
apesar do negro representar 5,2% da população, representa 8,7% dos criminosos, portanto,
1,67 vez a sua população. O amarelo (japonês, chinês, etc.) não aparece nos registros de
indiciados, indicando duas situações: o não envolvimento em delitos e/ou a falta de critérios
18
dos funcionários responsáveis pelos registros , portanto, confirmando a existência de
desvio estatístico.
Entretanto, o que parece mais importante é a investigação da presença do
negro e do pardo em determinados crimes que pode estar demonstrando não a sua
periculosidade, mas o seu perfil no contexto criminal em função de condições de vida, ou até
mesmo, de atitudes discriminatórias das Agências de Controle. A Tabela e Figura 8
permitem observar a distribuição dos três segmentos na criminalidade de Marília, e tecer
alguns comentários:
18
Do mesmo modo que a cor da pele, as informações raciais também são de responsabilidade do funcionário.
Desse modo, em alguns casos até seria possível identificar o descendente de japonês pelo seu nome. No entanto,
como não seria possível fazê-lo durante toda a pesquisa, optou-se por considerar exatamente como estava
registrado no Boletim de Ocorrência.
30
1. Comparando-se com a sua participação no total da população (5,2%), o negro
está bem representado nas diversas modalidades de crimes;
2. Os criminosos negros participam significativamente dos crimes relacionados
diretamente ao fator sócio-econômico, como os praticados contra o
patrimônio, especialmente o furto, representando 12,4% dos criminosos. Essa
alta representatividade sugere manifestações de desigualdade social no
âmbito da criminalidade;
3. A baixa participação do negro nos crimes contra a pessoa contrapõe-se à tão
difundida idéia de sua violência: não encontramos sequer um negro assassino
e, em Lesão Corporal, constituem apenas 7,3% dos indiciados. Em
contrapartida, no estupro, crime que envolve violência pessoal, a sua
presença é bem mais significativa (14,3%). Esse comportamento parece
sintomático como cobrança do que lhe foi negado pelo sistema;
4. A participação do pardo na população criminosa (30,3%) também ultrapassa
1,5 vez a sua população total (20,8%), especialmente nos delitos contra o
patrimônio (roubo e furto) e homicídio;
COR/RAÇA DOS INDICIADOS
70%
60%
50%
40%
30%
20%
10%
0%
CONTRA A PESSOA
Branco
CONTRA O PATRIMÔNIO
Pardo
ENTORPECENTES
(TRÁFICO E USO)
Negro
FIGURA 8. PARTICIPAÇÃO DOS INDICIADOS, POR COR/RAÇA, EM OCORRÊNCIAS
CONTRA O PATRIMÔNIO, PESSOA E ENTORPECENTES, MARÍLIA (2000)
FONTE: BOLETINS DE OCORRÊNCIAS DA POLÍCIA CIVIL
ORG.:S.A.F
Assim como é importante analisar a participação desses segmentos (branco,
pardo e negro) entre os criminosos, a sua distribuição pelos diversos crimes enquanto vítima
(Tabela 9) também pode levar a conclusões interessantes:
31
BRANCA
PARDA
NEGRA
TOTAL
POP.
%
ROUBO
%
FURTO
%
HOM.
%
L.C.
%
ESTUPRO
%
69,0
20,8
5,2
44,9
47,4
7,7
100,0
56,4
31,3
12,4
100,0
68,6
31,4
63,3
29,5
7,3
100,0
57,1
28,6
14,3
100,0
100,0
TRÁFICO
ART.12
%
61,3
28,9
9,9
100,0
PORTE/USO
ART.16
%
68,4
25,9
5,7
100,0
TOTAL
%
61,5
30,3
8,3
100,0
TABELA 8. DISTRIBUIÇÃO DE CRIMINOSOS, POR COR E CRIMES-MARÍLIA (2000)
FONTE: BOLETINS DE OCORRÊNCIAS DA POLÍCIA CIVIL
ORG.:S.A.F.
COR/RAÇA
POP.
ROUBO
FURTO
HOM.
L.CORP.
ESTUPRO
TOTAL
BRANCO
%
69
%
84,5%
%
89,6%
%
60,0%
%
75,2%
%
69,2%
%
85,7%
PARDO
20,8
11,2%
7,5%
32,0%
20,1%
23,1%
11,0%
NEGRO
5,2
2,8%
2,0%
8,0%
4,5%
7,7%
2,6%
AMARELO
1,5%
0,8%
0,0%
0,1%
0,0%
0,7%
TOTAL
100,0%
100,0%
100,0%
100,0%
100,0%
100,0%
TABELA 9. DISTRIBUIÇÃO DAS VÍTIMAS, POR COR E CRIMES-MARÍLIA (2000)
FONTE: BOLETINS DE OCORRÊNCIAS DA POLÍCIA CIVIL
ORG.:S.A.F.
1. Alguns crimes têm inegáveis relações sócio-econômicas: nos crimes contra o
patrimônio, a participação é quase exclusiva do branco sendo a modalidade
que tem o menor índice de vitimização do negro e mesmo do pardo;
2. O homicídio é o único crime em que a vitimização do branco (60%) é menor que
a sua representatividade na população (69%). Em contrapartida, é o crime que
mais atinge o pardo, vitimando-o 1,5 vez mais que a sua participação na
população (32% das vítimas para 20,8% da população);
3. No estupro, embora a vitimização seja mais equilibrada em relação à
representatividade de cada segmento na população total, atinge mais o negro e
o pardo.
Na pesquisa anterior, realizada para o período de 1985-93, onde se trabalhou
apenas com dados dos Inquéritos Instaurados, não encontramos a mulher negra, mas uma
forte presença da parda entre as vítimas de estupro.
Com relação à mulher parda,
especulamos, na ocasião, a veiculação da imagem da mulata com o sexo e, em relação à
negra, a ausência pode ser conseqüência da sua humildade ou falta de coragem em
denunciar, em virtude do tratamento discriminatório recebido nas delegacias de polícia.
Mesmo na Delegacia de Defesa da Mulher, a negra não foi encontrada nos registros desse
crime (houve um caso, apenas, de inquérito, no período analisado).
32
Portanto, diante das informações atuais dos Boletins de Ocorrências (Tabela
9), onde a vitimização das mulheres negras e pardas mostrou-se significante sobre a sua
representatividade na população total, pode-se especular que apesar de haver ocorrência de
estupro entre elas, as investigações não prosperam. Se mesmo no local apropriado para
investigações desse crime (D.D.M.) houve sub-representação estatística, tanto é possível
concluir que a mulher negra não cobra os seus direitos ou que as autoridades policiais
realmente a descriminam ao não transformar sua queixa em inquérito.
A participação diferencial de alguns segmentos da população no universo
criminal pode estar simplesmente reproduzindo situações de desigualdade social. Essa
investigação nos encaminha para uma reflexão sobre as condições estruturais de vida do
criminoso, com informações adicionais através da análise das suas profissões.
5. Profissão/Ocupação
De um modo geral, os estudos criminológicos investigam exaustivamente as
condições sócio-econômicas dos envolvidos, associando-as à vulnerabilidade ou não ao
delito, especialmente nos cometidos contra o patrimônio. Entretanto, a relação entre pobreza
e crime, especificamente, tem sido combatida com base em argumentos de que se a
pobreza fosse pré-condição da criminalidade a grande maioria dos pobres seria criminosa,
admitindo-se a tese da maior utilidade dos comportamentos criminosos para os indivíduos
desse estrato social. Outros consideram que não é a pobreza em si que conduz à violência,
mas a desigualdade social. Há ainda os que consideram ser a violência o resultado da
associação entre trabalho escasso e mal remunerado (ou simplesmente a sua ausência), e a
falta de perspectivas na reversão dessa situação.
A tese de associação entre pobreza e criminalidade é considerada, por
19
Coelho , metodologicamente frágil, politicamente reacionária e sociologicamente perversa,
por ser “nutrida” pelas evidências das estatísticas oficiais, por não explicar as diferenças de
criminalidade entre os sexos ou entre as idades, e nem justificar a relação inversa entre taxa
de desemprego e delinqüência juvenil.
Por outro lado, avaliar a relação entre crime e condição sócio-econômica é
impossível pelos registros criminais que contemplam apenas, e quando contemplam, a
profissão dos envolvidos. Além de ser uma informação escassa, há muita confusão entre as
denominações profissão, função, ocupação, cargo etc. Desse modo, agrupamos as
19
COELHO, E. C., “Sobre Sociólogos, Pobreza e Crime”, DADOS – Revista de Ciências Sociais, 23(3), p. 377383, 1980.
33
respostas em duas categorias de atividades (economicamente ativa e economicamente nãoativa). As primeiras foram divididas em setores (áreas de atividades) por dificuldades de
identificações específicas e, em alguns casos, quando julgamos interessante destacar,
agrupamos algumas atividades criando uma nova categoria - Profissional Liberal.
O Profissional Liberal mereceu tratamento individualizado por conter algumas
atividades diferenciadas no aspecto econômico como advogados, médicos, fisioterapeutas,
psicólogos, engenheiros e outros. Além disso, pelo fato de ser um segmento diferenciado
pela renda, permitiria algumas análises interessantes no aspecto comportamental em
relação à criminalidade.
O resultado foi a agregação em tipos de atividades, quando foi possível
realizá-la, conservando-se algumas informações genéricas exatamente como constavam nos
registros, como por exemplo: serviços gerais e trabalho Informal. Assim, analisando a
Tabela 10, tem-se:
ATIVIDADES
(Economicamente Ativas)
Construção Civil
Comércio
Serviços Gerais
Trabalhador Doméstico
Indústria
Trabalho Informal
Outros
Segurança
Transportes
Área de Educação
Área de Saúde
Área Administrativa
Profissional Liberal
SUB-TOTAL
ATIVIDADES
(Economicamente Não-Ativas)
Desempregado
Estudante
Do Lar
Aposentado
SUB-TOTAL
TOTAL
Patrimônio
20,2%
10,2%
11,2%
2,8%
1,6%
1,6%
1,6%
0,6%
0,0%
0,0%
0,0%
0,0%
0,0%
49,7%
Patrimônio
Pessoa
20,7%
16,7%
11,6%
4,0%
7,3%
0,8%
4,0%
4,3%
0,5%
0,3%
0,3%
1,8%
1,3%
73,5%
Pessoa
Drogas
28,7%
11,5%
9,5%
4,6%
1,0%
1,0%
2,1%
1,3%
1,3%
0,5%
0,5%
1,3%
0,5%
63,8%
Drogas
Costumes
28,6%
14,3%
28,6%
0,0%
14,3%
0,0%
0,0%
0,0%
0,0%
0,0%
0,0%
0,0%
0,0%
85,7%
Costumes
Total
261
145
121
43
39
12
29
24
7
3
3
12
7
706
Total
%
23,4%
13,0%
10,9%
3,9%
3,5%
1,1%
2,6%
2,2%
0,6%
0,3%
0,3%
1,1%
0,6%
63,3%
%
36,3%
9,9%
3,4%
0,6%
50,3%
9,6%
11,4%
4,8%
0,8%
26,5%
19,0%
12,6%
4,1%
0,5%
36,2%
0,0%
14,3%
0,0%
0,0%
14,3%
229
127
46
7
409
20,5%
11,4%
4,1%
0,6%
36,7%
100,0%
100,0%
100,0%
100,0%
1115
100,0%
TABELA 10. DISTRIBUIÇÃO DOS CRIMINOSOS POR ATIVIDADES E DELITO (2000)
FONTE: REGISTROS CRIMINAIS DA POLÍCIA CIVIL
ORG.:S.A.F.
34
1. Os trabalhadores da construção civil constituem quase ¼ dos criminosos
(23,4%), especialmente em crimes contra os costumes e tráfico de
entorpecentes, constituindo mais de 28% dos indiciados por esses delitos;
2) Os desempregados, considerados potencialmente criminosos pela maior
parte da literatura, ocupam o 2º lugar na criminalidade em geral.
Entretanto,
se
consideradas
as
profissões
individualmente
(não
agrupadas), estão em 1º lugar nos crimes cometidos contra o patrimônio,
constituindo 36,3% dos criminosos;
3) Em terceiro lugar, na criminalidade geral, vêm os trabalhadores do
comércio com 13%, destacando-se nos crimes contra a pessoa (16,7%) e
contra os costumes (14,3%);
4) Ressalvas devem ser feitas a alguns registros de atividades: ao declarar a
profissão, no momento da apreensão, o indiciado não necessita
apresentar sua carteira de trabalho (o que é exigido sempre que a
apreensão
é
eventual,
normalmente
em
locais
públicos,
para
averiguação). Desse modo, os índices relativos aos serviços gerais
merecem análise mais cuidadosa, pois podem estar superestimados pela
necessidade de se assumir um emprego. Também, é uma atividade com
intervalos de ocupação e, não raramente, eventual e temporária;
5) Por outro lado, os índices de desempregados podem estar subestimados
em função de atitudes discriminatórias por parte da polícia - ele só assume
que é desempregado se assim o quiser. Do mesmo modo, o comerciante
pode ser um desempregado com alguma ocupação eventual tipo comércio
de doces em semáforos, venda de pequenos objetos adquiridos no
20
Paraguai etc. ;
6) Sobre o tráfico de entorpecentes, embora seja bem mais significativa a
participação
de
trabalhadores
da
construção
civil
(28,7%),
de
desempregados (19%) e de estudantes (12,6%), merece destaque a
participação de mulheres que não exercem profissão (do lar). Embora
constituindo apenas 4,1% dos criminosos, esse índice é bem alto
20
Quando foi possível identificar exatamente a ocupação desses indiciados, eles foram incluídos no item
trabalhador informal.
35
considerando a sua baixa participação na criminalidade geral e ser um
crime que até pouco tempo fugia totalmente do seu universo, conforme
observações anteriores.
O quadro geral de atividades dos indiciados fornece elementos para afirmar
que realmente são os empregados nas funções menos qualificadas (ou com menos
especialização) os que mais cometem crimes em geral, como trabalhadores da construção
civil e do comércio.
Por outro lado, a análise individualizada delineou o perfil de cada criminoso
em relação ao delito. Nos crimes contra a propriedade tem-se destacadamente a liderança
dos
desprovidos
economicamente,
como
os
trabalhadores
da
construção
civil
(especialmente os serventes de pedreiro) e os desempregados/desocupados. De certo
modo, essas são indicações de desigualdade social (correção dos disparates econômicos),
como quer a maioria dos especialistas.
Ainda nessa linha de investigação da relação entre características pessoais
dos criminosos e diversidade delitiva, as informações da sua procedência podem contribuir
um pouco mais para o delineamento do seu perfil.
6. Origem
A literatura em geral, particularmente a sociológica, considera o migrante com
problemas de adaptação, especialmente o recente e de repetição (incluindo o intra-urbano)
que não estabelece raízes, e o de segunda geração, por questões referentes a conflitos
21
culturais entre os valores familiares e do novo ambiente . O migrante de primeira geração é
considerado mais sossegado, apolítico e crente nos valores morais de seu grupo de origem
(Perlman, 1977).
Como foi impossível obter informações sobre o tempo de residência dos
criminosos na cidade, investigamos a sua naturalidade, mesmo cientes de que ele poderia
apenas ter nascido num espaço diverso e vindo para o município muito jovem. Entretanto,
essa é a única informação disponível. Para avaliar a participação de cada segmento
migrante na criminalidade, foram calculados os índices das duas modalidades criminais
21
A tese de “Segunda Geração” foi defendida principalmente por HUNTINGTON (1968), TILLY (1968),
WEINE (1961) E SOARE (1964), conforme Janice E. PERLMAN (1977), p.162
36
(crime contra o patrimônio e pessoa) e da população residente em Marília em 1980. (Tabela
11)
PROCEDÊNCIA
ESTADO DE SÃO PAULO
REGIÃO SUDESTE (outros
Estados)
REGIÃO NORDESTE
REGIÃO CENTRO-OESTE
REGIÃO SUL
REGIÃO NORTE
OUTROS
TOTAL
PATRIMÔNIO
%
91,0
0,9
PESSOA
%
85,3
2,4
ENTORPECENTES POP. RESIDENTE
%
%
89,2
83,13
0,5
4,43
2,3
2,3
3,2
0,3
4,5
1,3
6,4
0,0
1,4
2,7
6,3
0,0
100,0
100,0
100,0
6,75
0,48
3,05
0,16
2,00
100
TABELA 11. PARTICIPAÇÃO DA POPULAÇÃO RESIDENTE EM CRIMES CONTRA O
PATRIMÔNIO E CONTRA A PESSOA, MARÍLIA (2000)
FONTES: REGISTROS DA POLÍCIA CIVIL
IBGE - CENSO DEMOGRÁFICO (1980)
ORG.:S.A.F.
Por essa análise geral percebe-se que a maior parte dos criminosos é do
próprio Estado de S. Paulo, contribuindo relativamente com mais criminosos contra o
patrimônio (91%), que sua própria população de origem (83,13%). O mesmo ocorre com os
crimes violentos, embora com taxas de criminosos (85,3%) menores que as dos crimes
contra o patrimônio, porém, ainda assim maiores que as da população residente (83,13%).
As informações da Tabela 11 conduzem a conclusões absolutamente
contraditórias ao senso comum que considera o nordestino potencialmente criminoso, e o
sulista “cordial”, “educado”, “bem sucedido” e de “paz”. Nas três modalidades (patrimônio,
pessoa e entorpecentes), apenas os migrantes originários das regiões Centro-Oeste e Sul
superaram os índices da sua população residente. Os migrantes da região Norte tiveram
destaque somente nos crimes contra o patrimônio. Excetuando os migrantes dos demais
estados da região Sudeste, o nordestino é o que mais contradiz os argumentos de sua
participação em crimes que visem a sua sobrevivência, pelo menos entre os habitantes de
Marília.
Assim, excetuando-se Marília e as demais regiões do Estado de S. Paulo, o
maior destaque, entre os criminosos, são os nativos das regiões Centro-Oeste e Sul. Isso
evidencia a segregação sofrida pelo nordestino e que se contrapõe à “boa imagem” do
sulista. Não é incomum ouvir-se certas expressões ofensivas ao nordestino (“baianada”, por
exemplo), para classificar atitudes social e politicamente incorretas.
Mesmo sem informações sobre a última residência dos envolvidos, essa
análise permitiu uma visão geral da sua procedência (local de nascimento) e uma avaliação
37
da participação de cada segmento nos diversos delitos. Se houvesse informações sobre a
origem dos seus pais, talvez o panorama fosse outro e se confirmassem as investigações
sociológicas que afirmam serem mais problemáticos os descendentes, que os próprios
migrantes.
7. Instrução
Análises relacionadas à escolaridade são problemáticas, pois além de ser
uma informação rara, normalmente é incompleta, e muitas vezes limitam-se a anotações de
alfabetizado e analfabeto. Porém, como é uma variável muito importante nas investigações
criminais e por falta de outra alternativa, utilizamos exatamente da forma como se
apresentou nos Boletins de Ocorrências.
Pelas informações dos B.O´s, a grande maioria dos criminosos tem instrução
elementar (80,2%), sendo 1,7% analfabetos ou apenas sabendo ler e escrever, e 62,7% com
apenas alguns anos de estudos, não tendo chegado a completar o 1º grau.
Porém, o que mais se destaca nessa análise é a instrução relacionada à cor
do criminoso e a participação diferencial na tipologia criminal. De um modo geral, apenas os
brancos têm mais que o primeiro grau. Os negros têm apenas educação elementar, da
mesma forma que os pardos, excetuando-se uma parcela ínfima que completou o 2º grau.
CONTRA O PATRIMÔNIO
BRANCA
ANALFABETO
1º GRAU INCOMP.
1º GRAU
2º GRAU INCOMP.
2º GRAU
SUPERIOR INCOMP.
SUPERIOR
PARDA
61,3%
22,5%
5,0%
3,8%
7,5%
76,1%
23,9%
100,0%
100,0%
NEGRA
CONTRA A PESSOA
BRANCA
PARDA
NEGRA
42,6%
76,9%
8,5% 69,2% 57,1%
23,1% 19,1% 23,1% 28,6%
12,8%
5,1%
5,3%
2,6% 14,3%
9,6%
2,1%
100,0% 100,0% 100,0% 100,0%
ENTORPECENTES
BRANCA
PARDA
PARTIC.
NEGRA
0,5%
3,9% 18,2%
62,3% 70,1% 72,7%
10,1%
9,1%
4,5%
11,1% 14,3%
4,5%
7,5%
2,6%
5,0%
3,5%
100,0% 100,0% 100,0%
TABELA 12. GRAU DE INSTRUÇÃO DOS PRESOS, POR COR E CRIME.
FONTE: FICHAS CADASTRAIS DOS PRESOS DA CASA DE DETENÇÃO
TOTAL
1,7%
62,7%
15,8%
7,7%
6,2%
2,9%
2,9%
100,0%
ORG.: S.A.F.
Esses resultados, apesar de serem originários de dados de Boletins de
Ocorrência, não diferem muito dos encontrados em uma pesquisa realizada no segundo
semestre de 1995, na Casa de Detenção de Marília. Para uma população carcerária de 520
presos, analisamos 209 fichas cadastrais, portanto, uma amostra equivalente a 40,2% do
total.
38
Sobre os criminosos que cumpriam pena naquele período, tem-se o seguinte
resultado:
•
Enquanto o crime mais cometido pelo branco foi o tráfico de entorpecentes (23%), o
do pardo é o assalto (25%) e o do negro é o furto (36%).
•
Em contrapartida, o branco cometeu menos estupro (3%); o pardo, estelionato (4%);
e não havia um único negro cumprindo pena por tráfico de entorpecentes e homicídio
simples (há alguns casos de latrocínio, porém, embora seja um crime de morte, é
classificado como crime contra o patrimônio pelo Código Penal Brasileiro).
•
Os principais delitos cometidos pelos negros relacionam-se a coisas materiais,
totalizando (88%): 36% estão presos por furtos, 20% por assaltos, 16% por latrocínio,
8% por roubo e 8% por estelionato. Apenas 12% estão presos por crime cometido
contra a pessoa, que é o estupro.
Outra revelação dessa análise foi a forte relação entre grau de instrução e o
tráfico de entorpecentes (100% dos presos com o 3º grau completo eram traficantes). Além
disso, do total de crimes cometidos por presos com instrução equivalente ao 2º e 3º graus,
36,4% eram dessa atividade delitiva (tráfico de entorpecentes). Ainda nesse contexto (2º e
3º graus), 54,6% estavam cumprindo pena por assalto, furto e roubo (18,2% para cada uma
das modalidades) e 9% por estelionato.
Há ainda alguns outros detalhes:
• A população carcerária compunha-se predominantemente de não-brancos
(71%), sendo 46% de pardos e 25% de negros; e com educação elementar;
• Apenas 5% dos presos possuíam bens econômicos de valor significativo (no
Estado de S. Paulo era apenas 1%, conforme o Censo Penitenciário
realizado em 1994);
• Nenhum preso declarava imposto de renda (no Estado, 1%);
• 95,2% recebiam assistência jurídica do Estado (no Estado eram 95%).
Detalhes estes que provocam questionamentos segregacionistas e algumas especulações:
1º. Os criminosos provêm, realmente, das categorias sócio-econômicas mais
baixas;
2º. Rico não comete tanto crime ou não vai para a cadeia;
3º. Os pobres são tão mal assistidos, juridicamente, que são os únicos que
permanecem presos.
39
CAPÍTULO II
OS ESPAÇOS DO CRIME, CRIMINOSOS E ALGUMAS
CARACTERÍSTICAS DA POPULAÇÃO RESIDENTE.
I. INTRODUÇÃO
Pela literatura, as ofensas podem ser espacialmente identificadas e
relacionadas a um conjunto de fatores ambientais. Nesse contexto estão as idéias do espaço
22
defensivo (NEWMAN, 1972 ), onde a oportunidade é o estímulo básico. Dentro da teoria
das oportunidades estão os fatores físicos (ambientais, os designs das construções que
permitem maior ou menor acessibilidade) e os fatores sociais (a vigilância solidária das
propriedades). Além desses, HERBERT (1982:55) adiciona o trabalho dos geógrafos sociais
e da “labelling theory”, que fazem certas áreas da cidade adquirirem a “reputação” de
criminais, aumentando a sua vulnerabilidade ao crime. Uma área “rotulada” como insegura
pode se comportar de duas formas contraditórias: atrair mais ofensores ou, simplesmente,
ter mais registros criminais (e não tanta criminalidade, de fato) apenas por contar com a
presença constante da polícia.
O que foi discutido no capítulo anterior reforça as posições de HERBERT. Ao
se utilizar estatísticas oficiais pode-se sujeitar certas áreas a distorções, como se
demonstrou na utilização de informações criminais da Polícia Civil, especialmente no que se
refere à utilização de Boletins de Ocorrências.
A observação dos padrões de crimes e criminosos está baseada no mapa
urbano de Marília, dividido em 15 setores de bairros (Figura 9), conforme critérios já
estabelecidos. Com dados criminais e demográficos obtidos junto à Polícia Civil e Projeto
UNI, será analisada a relação entre criminalidade e algumas variáveis sócio-econômicas e
demográficas. Para tanto, foi elaborada a tabela 14, que possibilitou o mapeamento da
criminalidade, Figuras 09 a 18. Os valores da criminalidade baseiam-se, primordialmente, na
relação crime/população residente em cada setor (referencial considerado mais próximo da
realidade). Como complemento analítico, paralelamente também foi trabalhada a
participação de cada setor de bairro na criminalidade total, percentualmente. (Tabela 13)
22
Mais informações sobre a Teoria do Espaço Defensivo de NEWMAN poderão ser obtidas In S. W.
GREENBERG & W. ROHE (1984).
40
Assim, a partir do Banco de Dados com cerca de 6.500 B.O´s (Boletins de
Ocorrência), foram confeccionados dez mapas de crimes registrados em Marília, no ano de
2000, assim distribuídos:
• Criminalidade Geral (Figura 10);
• Crimes Contra o Patrimônio (Figura 11);
• Crimes contra a Pessoa (Figura 12);
• Ocorrências relacionadas a Entorpecentes: tráfico, porte e uso (Figura 13);
• Residência de Indiciados por Crimes Contra a Pessoa (Figura 14);
• Residência de Indiciados por Crimes Contra o Patrimônio (Figura 15);
• Residência das Vítimas por Crimes Contra a Pessoa (Figura 16);
• Residência das Vítimas por Crimes Contra o Patrimônio (Figura 17);
• Espacialização dos Homicídios – 2000 (Figura 18);
• Crimes de furtos e roubos/veículos (em veículo e de veículo) - (Figura 19);
É importante observar que o número indicativo da relação de indiciados por
mil habitantes é muito baixo em função de estarmos trabalhando com dados dos boletins de
Ocorrência, portanto, elaborado no momento em que a autoria desconhecida é muito
significativa.
CRIMINALIDADE GERAL POR SETORES DE BAIRROS
CONTRA O
PATRIMÔNIO
CONTRA A
PESSOA
ENTORPECENTES
(TRÁFICO E USO)
ALTO CAFEZAL
CASCATA / M. IZABEL
SALGADO FILHO / CAVALLARI
PALMITAL / SÃO MIGUEL
COSTA E SILVA
NOVA MARÍLIA
MONTE CASTELO / PLANALTO
CASTELO BRANCO / AQUARIUS
SANTA ANTONIETA
JÓQUEI CLUBE
J.K. / PROL. PALMITAL
BANDEIRANTES
CALIFÓRNIA
AEROPORTO
ALTANEIRA
827
802
475
325
305
206
202
200
187
123
120
109
91
49
37
20,4%
19,8%
11,7%
8,0%
7,5%
5,1%
5,0%
4,9%
4,6%
3,0%
3,0%
2,7%
2,2%
1,2%
0,9%
75
98
65
93
48
65
98
43
59
47
27
24
24
7
5
9,6%
12,6%
8,4%
12,0%
6,2%
8,4%
12,6%
5,5%
7,6%
6,0%
3,5%
3,1%
3,1%
0,9%
0,6%
26
33
44
40
6
25
44
25
31
7
13
5
18
8
3
7,9%
10,1%
13,4%
12,2%
1,8%
7,6%
13,4%
7,6%
9,5%
2,1%
4,0%
1,5%
5,5%
2,4%
0,9%
TOTAL
4058
100,0%
778
100,0%
328
100,0%
TABELA 13. PARTICIPAÇÃO DE CADA SETOR DE BAIRRO NA CRIMINALIDADE
TOTAL, NOS CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO, PESSOA E
ENTORPECENTES
FONTE: BOLETINS DE OCORRÊNCIAS DA POLÍCIA CIVIL ....................................ORG. S. A. F.
CARACTERÍSTICAS GERAIS
Nº
SETORES DE BAIRROS
INDICIADOS
Favelas (F) Mortalidade Total Jovens Total
Patrimônio Pessoa Patrimônio Pessoa
Total de
e/ou Áreas de
Infantil
(15-24 anos) B.O´s
‰ Hab. ‰ Hab. ‰ Hab.
‰ Hab.
Hab.
Risco (R)
‰ Hab.
‰ Hab.
‰ Hab.
1 Aeroporto
2 Altaneira
3 Alto Cafezal
4 Bandeirantes
5 Califórnia
6 Cascata / M. Izabel
7 Castelo Branco / Aquarius
5276
4640
12637
12940
4613
13970
—
R
—
F/R
F/R
—
9770
—
8 Costa E Silva
9 J.K. / Prol. Palmital
10 Jóquei Clube
11 Monte Castelo / Planalto
12 Nova Marília
13 Palmital / São Miguel
14 Salgado Filho / Cavallari
15 Santa Antonieta
10843
11136
6336
15283
28197
20682
6857
20402
—
F/R
R
F/R
R
F/R
F/R
F/R
TOTAL / MÉDIA
CRIMES
183.582
Total
Jovens
Indiciado Indiciados
‰ Hab. ‰ Hab.
154
176
179
182
189
177
14,2
10,8
82,1
12,1
31
74,7
9,29
7,97
65,44
8,42
19,73
57,41
1,33
1,08
5,93
1,85
5,2
7,02
0,19
0,65
2,61
0,85
3,03
1,82
0,76
2,37
3,64
1,47
3,69
1,86
0,95
3,02
6,25
2,32
6,72
3,68
13,53
7,35
24,28
5,51
21,79
11,76
184
30,9
20,47
4,4
1,13
1,84
2,97
12,78
14,7
33,7
23,8
10,89
14,3
25,15
10,8
188
200
187
170
207
186
189
197
37
16,7
30,9
25,8
12,2
25,3
92,5
15,5
28,13
10,78
19,41
13,22
7,31
15,71
69,27
9,17
4,43
2,42
7,42
6,41
2,31
4,5
9,48
2,89
1,75
0,9
1,1
4,38
1,63
1,84
4,52
1,37
1,66
2,42
6,16
4,97
2,16
3,38
5,69
1,57
3,41
3,32
7,26
9,35
3,79
5,22
10,21
2,94
7,37
8,99
10,95
38,09
11,14
22,64
40,09
15,71
14,53
184
34,12
24,12
4,44
1,87
2,74
4,61
16,8
16,1
15,54
12,8
19,35
6,32
TABELA 14. DISTRIBUIÇÃO, POR SETORES DE BAIRROS, DA POPULAÇÃO, DE JOVENS (15-24 ANOS), DOS CRIMES, CRIMINOSOS E
VÍTIMAS POR 1000 HABITANTES E ALGUMAS CARACTERÍSTICAS ESPACIAIS DE MARÍLIA NO ANO DE 2000.
FONTE: REGISTROS DA POLÍCIA CIVIL
ESTIMATIVAS DEMOGRÁFICAS DO PROJETO UNI, 2000
ORG.:S.A.F.
FIGURA 9
44
FIGURA 10
MARÍLIA 2000
CRIMINALIDADE GERAL
NO
SO
NE
SE
SETOR
SANTA ANTONIETA
15,54
SETOR
J. K.
PROL. PALMITAL
10,70
SETOR
CASTELO BRANCO
AQUÁRIUS
30,91
SETOR
PALMITAL
SÃO MIGUEL
SETOR
BANDEIRANTES
12,06
25,34
SETOR
AEROPORTO
14,22
SETOR
CALIFÓRNIA
10,78
SETOR
ALTO CAFEZAL
icip
un
eM
sq u
Bo
al
Ae ro
p
31,00
orto
SETOR
ALTANEIRA
82,14
SETOR
SALGADO FILHO
CAVALARI
C
RO
RES
A
SO
De 10 a 20
> 20 a 30
> 30 a 40
> 70 a 80
> 80 a 90
> 90 a 100
P
ES
UN
ÃO
Ç
DA
N
FU
ES
ID
RÍP
EU
A
ST
ULI
PA
DA
74,73
E
AD
SID
ER
NIV
-U
ÍLIA
AR
M
E
D
L
UA
AD
EST
AR
IM
UN
-
E
AD
SID
ER
IV
UN
Ocorrências/1000 Hab.
SETOR
CASCATA
MARIA ISABEL
A
H
92,46
SETOR
COSTA E SILVA
PQ. SÃO JORGE
36,98
SETOR
JÓQUEI CLUBE
SETOR
MONTE CASTELO
PLANALTO
25,85
30,93
SETOR
NOVA MARÍLIA
12,16
ESCALA
625
500
375
250
125
0
45
FIGURA 11
46
FIGURA 12
47
FIGURA 13
48
FIGURA 14
49
FIGURA 15
50
FIGURA 16
51
FIGURA 17
52
FIGURA 18
53
FIGURA 19
54
II.
CRIMINALIDADE E QUALIDADE DE VIDA
Existem, em princípio, dois enfoques básicos para abordar o tema das
diferenças nos níveis de qualidade de vida, e que interessam diretamente a essa pesquisa: o
sociológico e o geográfico. Do ponto de vista sociológico, é possível adentrar as questões
sobre as diferenças e desigualdades dos diversos grupos sociais, a partir das relações
estabelecidas e, conseqüentemente, da cultura por eles elaborada. Geograficamente, é
possível apreender, de forma gráfica, as diferenças entre os lugares, particularmente quando
pensamos as condições de vida no meio urbano.
A integração entre estas duas perspectivas permite uma análise da qualidade
e das condições de vida, muito mais aguda. Todavia, não elimina os inúmeros problemas
que estão no interior do conceito de qualidade de vida. Pode-se dizer que este é um conceito
vulnerável espacial e temporalmente, ou seja, sua determinação sempre estará sujeita às
limitações dos indicadores. Hoje, ao pensar os níveis de qualidade de vida, vários
investigadores estão afirmando que é impossível separá-los de uma discussão sobre a
sustentabilidade:
“preservar el capital natural... (se) requiere: que la utilización de nuestros recursos
materiales, hídricos y energéticos renovables no supere la capacidad de los sistemas
naturales para reponerlos; que la velocidad a la que consumimos recursos no
renovables no supere el ritmo de sustentación de los recursos renovables duraderos:
y que el ritmo de emissón de contaminantes no supere la capacidad del aire, del agua
y del suelo de absorberlos y procesarlos. E pode coincidir que “los niveles de
consumo de recursos em los países industrializados no puede ser alcanzados por la
totalidad de la populación mundial, y mucho menos por las generaciones futuras, sin
destruir el capital natural” (Carta de Aalborg, 1994)23.
Para todos os efeitos de um possível questionamento, utilizaremos aqui o
seguinte conceito de qualidade de vida: “... a qualidade e a democratização dos acessos às
condições de preservação do homem, da natureza e do meio ambiente...”SPOSATI,
1996:71). Assim, o desenvolvimento humano para que possa ser “...a possibilidade de todos
os cidadãos de uma sociedade, melhor desenvolverem seus potenciais com menor grau
possível de privação e sofrimento e da possibilidade da sociedade usufruir coletivamente do
mais alto grau da capacidade humana.” (Ibidem, p.89). Isto só pode ser alcançado por
23
Apud. GARCIA, Maria Célia. (1999). “Sustentabilidad urbana, calidad de vida y uso de recursos. Una
reflexión en torno a las ciudades intermedias Latinoamericanas”. VELÁSQUEZ, Guillermo A. Y GARCIA,
Maria C. Calidad de Vida Urbana. Aportes para su estudio en Latinoamérica. Tandil, Grafikart.
55
qualquer sociedade, se tomarmos em consideração a idéia de eqüidade, a partir do que nos
sugere Sposati: “...o reconhecimento e a efetivação, com igualdade, dos direitos da
população, sem restringir o acesso a eles, nem estigmatizar as diferenças que conformam
os diversos segmentos que a compõem.” (ver p.105).
As colocações acima são necessárias para marcar alguns pressupostos
conceituais da qualidade de vida, tendo em vista a fragilidade do conceito. Portanto, a idéia
de eqüidade social, particularmente no que diz respeito ao acesso aos bens públicos, como
básica para reconhecermos as desigualdades sociais.
As diferenças entre os lugares, mesmo quando as consideremos no interior
de uma cidade como Marília, é necessário ter em conta a reflexão acima exposta. Desse
modo, a análise da relação entre qualidade de vida e as áreas de maior ocorrência de
crimes, pode fornecer alguns subsídios de fundamental importância para explicarmos estas
ocorrências.
Portanto, com os mapas elaborados, faremos uma análise relacionada a
alguns itens de qualidade de vida, paralelamente às análises da dinâmica criminal,
especialmente para os setores de bairros onde foram observadas as maiores ocorrências de
crimes. Observamos que está previsto para a segunda fase do projeto a elaboração dos
“Mapas da Inclusão/Exclusão de Marília/2001-02” (Projeto Anexo), com os quais poder-se-á
elaborar análises mais completas sobre a relação entre crime e qualidade de vida.
Assim, numa análise geral dos mapas de criminalidade relativos à população
residente (Figuras 09 a 18) percebe-se, imediatamente, a graduação delitiva no espaço
urbano de Marília, das imediações da região central em direção à periferia, com destaque
para a região centro-oeste, onde está localizado o câmpus universitário, setor denominado
Salgado Filho/Cavallari. Apenas os delitos violentos fogem um pouco desse padrão de
comportamento (Figura 12), com destaque para setores de bairros mais periféricos como o
Setor Jóquei Clube, mas também com valores muito alto na região central. Os itens que se
seguem trazem as análises por tipologia criminal, conforme as respectivas figuras.
1. Criminalidade Geral – 2000 – Figura 10
Em ordem decrescente, os três setores com maiores ocorrências/1000
habitantes, são: setor Salgado Filho/Cavallari, com 92,46 ocorrências por mil habitantes;
setor Alto Cafezal (Centro), com 82,14 ocorrências‰hab.; e setor Cascata/ Maria Isabel,
com 74,73 ocorrências‰habitantes.
56
a. Setor Salgado Filho/Cavalari
O setor de bairros denominado Salgado Filho/Cavalari é o que apresentou o
maior índice de ocorrências de criminalidade da cidade. Sendo um setor altamente
diversificado em seu nível sócio-econômico, educacional e de renda, apresenta desde
bairros com alta renda (média de chefe de família - 22 salários mínimos24) nos bairros Jardim
Acapulco e Salgado Filho, e bairros de renda muito baixa, como a maioria dos demais, com
suas favelas e habitações auto-construídas.
Também é diversificado o tipo de equipamentos e serviços públicos neste
setor. A ocupação dessa região pode explicar a distribuição desses equipamentos e dos
serviços, pois, a área anterior ao cemitério e próxima a Vila Jardim e Salgado Filho, são
áreas de ocupação mais antigas e distintas, economicamente. Contudo, são áreas que
foram paulatinamente supridas em suas demandas sociais.
As áreas próximas do Bairro Cavalari e Jardim Acapulco são de ocupação
mais recente, com inúmeros problemas urbanísticos, os quais refletem diretamente na
qualidade de vida. São muitas áreas vazias, com infra-estrutura implantada, provocando um
desperdício de utilização dessa infra-estrutura. Existem bairros com boa qualidade de
urbanização, com construções novas, especialmente aquelas destinadas aos estudantes
universitários.
Os contrastes estão sempre presentes neste setor, inclusive no que se refere
à presença dos moradores em suas residências. Nas áreas contíguas ao Jardim Cavalari e
nele próprio, a população, em sua maior parte, se ausenta durante o dia, caracterizando um
bairro tipicamente “dormitório”. Enquanto há bairros com população de renda muito alta,
como o Acapulco (renda média dos chefes de domicílio = 22 salários), há espaços de
favelas e áreas de risco, com esgoto a céu aberto. Para se ter uma idéia das condições de
vida da população do setor, a mortalidade infantil é a mais alta do município (25,15‰),
mesmo considerando ser um índice médio com população de situação sócio-econômica tão
dispare.
Historicamente, esse setor abrange espaços com problemas sociais muito
específicos. Desde o final da década de 50 até início de 80, essa região abrigou a zona do
meretrício da cidade, com muitos distúrbios sociais e com a concentração dos maiores
24
Todas as informações sobre a Renda Média dos Chefes de Famílias foram obtidas em tabulação especial, por
setores censitários, Censo Demográfico de 1991.
57
índices de criminalidade. Com o processo de desativação e a ampliação do cemitério
municipal que se localizava em área contígua ao bairro (Realengo), houve uma pulverização
desses problemas para os demais bairros vizinhos que passaram a abrigar a população
daquele. Há fatos curiosos, reportados pelos jornais da época, da exposição de placas
indicativas de “casa de família” nas portas das residências, providenciadas pelos moradores
antigos que se viam invadidos por uma nova e indesejável vizinhança (as prostitutas).
Sobre a criminalidade atual, especificamente, embora esse setor abranja uma
parte do centro da cidade, constitui-se num desvio na dinâmica criminal dos demais espaços
urbanos, que têm o centro como a região de maiores índices criminais. Essa região lidera
todos os índices criminais e de quaisquer delitos (contra o patrimônio, pessoa e
entorpecentes) e ainda ocupa o segundo lugar nos furtos/roubos de veículos.
Pelas suas características, este setor denota ser uma região em crescimento
demográfico e de urbanização, com certas especificidades: além de apresentar áreas de
ocupação e de urbanização consolidada, também apresenta áreas onde tudo é novo, o que
vai requerer, num futuro próximo, investimentos públicos generalizados.
b. Setor Alto Cafezal (Centro)
O setor de bairro denominado Alto Cafezal é um bairro central e o mais antigo
da cidade. É neste bairro que a cidade nasceu, praticamente. A extensão deste setor é
considerável, mas sua localização é central, sendo que o uso dos equipamentos e serviços
públicos é feito nos poucos existentes nas áreas centrais e naquelas de fácil acesso, a partir
do centro.
O Alto Cafezal é um bairro com 13.056 habitantes, aproximadamente.
Segundo as estimativas do Projeto UNI, o bairro está perdendo população, pois em 1998
estava com 13.474 habitantes.
Este setor caracteriza-se por incorporar pequenas áreas, no seu interior,
consideradas “degradadas”, ou seja, aquelas onde é praticada a prostituição. Esta área da
cidade tem uma história permeada por aventuras, crimes, prostituição. Pouco dessa história
permanece no bairro. Em virtude disso, seu desenvolvimento não se deu como em outras
áreas. Pois, a sua localização central e a persistência em suas características
socioeconômicas não permitiram que o setor evoluísse para uma situação mais satisfatória
de qualidade de vida.
58
Este setor, constituído por bairros centrais, perdeu a dinâmica de sua força
com o surgimento de novos bairros que ofereceram vantagens de localização, de locomoção
e de ocupação que superaram aquelas existentes naqueles antigos bairros. De forma geral,
as regiões centrais passam por processos de desvalorização, no seu todo ou em parte,
seguindo a lógica do capital imobiliário. O resultado disso tem dupla direção: 1) a
degradação em algumas áreas (prédios sem manutenção, abandono, ausência de
investimentos públicos, etc.) e 2) a especulação imobiliária cria áreas reservadas para
investimentos futuros, geralmente para a verticalização.
A característica do setor do Alto Cafezal é comum nas cidades que passam
por um crescimento, expandindo as suas zonas periféricas. Esse crescimento é
invariavelmente realizado em detrimento de uma zona central ou parte dela, como é o caso
do Alto Cafezal: lá está a maioria dos cortiços. O resultado é o empobrecimento da zona
central, acarretando sérias conseqüências no que se refere à qualidade de vida.
Dividindo-se esse setor em duas partes, no sentido Norte-Sul, tem-se, na sua
porção leste, os estabelecimentos comerciais, alguns serviços assistenciais como o
Escritório Regional e Posto de Saúde, os serviços dos Correios, TELESP, Estação
Rodoviária, a maior parte dos restaurantes e casas de entretenimento da cidade, e outros
locais de concentração de pessoas como o Espaço Cultural. Na porção Oeste, tem-se,
basicamente, residências de baixo padrão, incluindo uma região bem deteriorada que
abrigou a zona do meretrício, até o final da década de 50, conhecido como “Bairro do
Querosene”.
Enquanto os chefes de domicílio da parte leste do setor recebiam em média
9.2 salários mínimos, os da parte oeste recebiam por volta de 3 salários, bem abaixo da
média da cidade (4,6 salários/chefe de domicílio, 1991). A amplitude salarial do setor
chegava a 9,34 salários, onde o menor era 2,86 e o maior 12,2. Do mesmo modo, e
obviamente, também o nível de moradias é discrepante entre as duas partes que compõem
o setor. Enquanto na parte leste a média de cômodos chegava, em 1991, a 8,13 por
domicílio (1,5 pessoas/dormitório e 2,09 banheiros/domicílio), na oeste, no setor mais pobre,
tinha-se a média de 4,9 cômodos (2,06 pessoas/dormitório) e exibia média abaixo de 1
banheiro por domicílio (0.96).
Neste setor aconteceram 20,4% dos crimes cometidos contra o patrimônio em
toda a cidade, também como resultado de oportunidades (centro comercial), e a quase
totalidade das ocorrências relacionadas à prostituição, concentradas em pouco mais de 05
quadras, nos espaços comerciais, escuros, sujos e deteriorados.
59
Entretanto, quando a análise é relativa ao número de população residente, ele
passa a ocupar o 2º lugar na criminalidade geral, perdendo para o setor Oeste (Salgado
Filho/Cavallari). Esse resultado contradiz a maioria absoluta de pesquisas desenvolvidas no
mundo inteiro, onde as áreas mais centrais são as de maiores índices em função das
oportunidades e da qualidade de vida e perfil da população residente. Entretanto, o Setor
Salgado Filho/Cavallari concentra um grande contingente de estudantes universitários,
especialmente no Bairro Cavallari, não computado no total de população da cidade, e que,
na análise relativa por mil habitantes, maximiza os índices criminais.
c. Setor Cascata/Maria Izabel
O setor denominado Cascata/Maria Isabel teve sua origem no bairro Cascata,
em 1933. Portanto, por ser de ocupação antiga e pela proximidade com a área central da
cidade, privilegiou, particularmente, o Cascata, no que se refere a equipamentos e serviços
públicos.
Este setor é composto por uma população homogênea nos níveis de renda (a
média salarial dos chefes de família ficava acima de 12 salários mínimos) e com níveis
adequados de serviços públicos. Não possui favelas ou áreas de risco, o que implica em
menor pressão de demanda por serviços e equipamentos públicos. Além disso, sua
população é preponderantemente composta por pessoas adultas, acima de 15 anos, cujo
percentual populacional do setor corresponde a 81,7 %.
Os bairros mais afastados desse núcleo central – Cascata e Maria Isabel -,
ainda usufruem dos serviços públicos ali existentes, em que pese a predominância de
segmentos sociais de renda relativamente alta, quando comparados com outros setores. É
constituído por profissionais de nível médio, técnico e superior, principalmente por
profissionais liberais (Carta Sanitária, 1998).
Atualmente, o setor Cascata/Maria Isabel possui uma população de 14 mil
habitantes, aproximadamente, com uma taxa anual de crescimento de 1,0 %, e sem registro
de mortalidade infantil.25
No aspecto criminalidade, é o setor que ocupa o terceiro lugar na
criminalidade geral, com bastante furto residencial e de veículos (Figura 14), pelas próprias
características de concentração de riqueza.
25
Dados estimados para o ano 2000, fornecidos pelo Programa UNI.
60
Em contrapartida, também é um setor com altos índices de crimes contra a
pessoa, característico de espaços de população com baixa renda. Isso se explica pela alta
concentração de serviços públicos na sua porção oeste, nas imediações do centro, como a
Estação Ferroviária, o Terminal de Ônibus Urbano e a sede da FUMARES (Fundação
Mariliense de Recuperação Social - órgão de assistência aos indigentes), todos localizados
na mesma quadra. Ainda há o Albergue Noturno e alguns outros serviços assistenciais como
os “marianos”, grupo vinculado à Igreja Católica que distribui alimentos e roupas.
Distribuídos
pelo
setor,
há
inúmeros
estabelecimentos
comerciais
(shopping,
supermercados, bares, restaurantes, hotéis, etc.), órgãos públicos (Hospital, Estação de
Tratamento de Água, Secretaria Municipal da Saúde), além de locais de alta concentração
populacional (Estádio Municipal e Clubes).
2. Criminalidade Contra o Patrimônio – 2000 – Figura 11
Tradicionalmente, as ocorrências de crimes contra o patrimônio concentramse nas áreas centrais, como resultado de oportunidades (centro comercial onde há muito
furto e estelionato, através de emissão de cheques sem fundos) e nos bairros de residência
de população de classes mais abastadas, economicamente.
Em Marília, essa concentração confirma o comportamento geral, sem
necessidades de observações mais detalhadas. Novamente, o setor oeste (Salgado
Filho/Cavallari) destaca-se com uma forte incidência de furtos residenciais, especialmente
em feriados prolongados e férias escolares, e em espaços ocupados pelos estudantes
universitários. Além disso, o setor contém o bairro com a maior renda média dos chefes de
família (Jardim Acapulco), conforme observações anteriores.
Entretanto, analisando as ocorrências no total da cidade, sem relação com a
população residente, é o setor Cascata/Maria Izabel que se destaca em segundo lugar,
também como resultado de oportunidades (abrange uma parte do centro comercial, próximo
ao terminal Rodoviário Urbano) e de concentração de valores, visto que contém bairros de
classe média e alta, como o Jardim Tangará.
A graduação das ocorrências, pelo número de habitantes, se faz do centro em
direção à periferia, com um leve desvio no setor Castelo Branco/Aquarius. Novamente, a
análise precisa ser particularizada, pois o Bairro Aquarius é composto por residências de alto
padrão e com chefes de famílias com renda média acima de 13 salários mínimos.
61
3. Criminalidade Contra a Pessoa – 2000 – Figura 12
Coincidentemente, as ocorrências de crimes contra o patrimônio e contra a
pessoa são maiores nos mesmos setores que possuem as maiores ocorrências de
criminalidade geral, com exceção do bairro Jóquei Clube, localizado no setor de mesmo
nome. O Jóquei Clube é um setor predominantemente popular, seus trabalhadores moram
em conjuntos habitacionais e em casas construídas em processo de “autoconstrução”, ou
seja, construídas pelos próprios trabalhadores, em suas horas de folga.
A inserção desse bairro entre os demais, mais centrais, confirma a dinâmica
criminal encontrada por pesquisadores que trabalham a relação crime/espaço. Segundo
esses estudos, os espaços periféricos, com população de baixas condições de vida são os
que apresentam os maiores índices de criminalidade que envolve relações pessoais.
Paralelamente aos índices de crimes contra a pessoa, a análise da residência dos
criminosos (Figura 14) e da residência das vítimas desse crime permite concluir que essa é
uma modalidade que envolve relações pessoais muito próximas e entre pessoas com
características sócio-demográficas muito semelhantes. Além disso, em pesquisa anterior
(FELIX, 1996, p.286), constatamos que 72,8% das ocorrências de homicídio e tentativa
aconteceram dentro do mesmo setor de bairros e cerca de 80% envolveram relacionamento
anterior ao crime, entre os envolvidos.
A qualidade de vida nesses setores de maior ocorrência de crimes contra a
pessoa pode, em termos mais gerais, estarem articulados na medida em que pensamos no
papel fundamental das políticas públicas, enquanto possibilidade de promover a equidade,
reduzindo as diversas fontes da desigualdade social.
Os investimentos em políticas sociais, pelo poder público, isoladamente, não
conseguirão grandes êxitos. Torna-se necessário ampliar o debate sobre essas questões, no
sentido de criar e estimular novos espaços públicos, onde o cidadão exporá o seu interesse
comunitário. Além disso, uma cidade como Marília não pode prescindir de um Plano Diretor
Urbano, aliado às possibilidades oferecidas pelo “Estatuto da Cidade”.
Ao aliarmos a qualidade de vida às questões públicas, bairros como o Jóquei
Clube terão resolvido grande parte dos seus problemas e, elevando o nível de qualidade de
vida, bem como, debatendo suas necessidades de modo amplo, evitarão as soluções
pontuais ou de curto alcance. O que se está sugerido nesta argumentação é a necessidade
de também direcionarmos o enfoque sobre o crime para as políticas públicas.
62
Ao adotarmos o debate sobre as políticas públicas, no conjunto de
intervenções para a redução da criminalidade, faz-se necessário incluir e ampliar as ações
do Estado no que tange às políticas sociais. Todavia, isto não implica em associar a pobreza
ao crime, pois
“desigualdade e pobreza sempre caracterizaram a sociedade brasileira e é difícil
argumentar que apenas elas explicam o recente aumento da criminalidade violenta. Na verdade, se a
desigualdade é um fator explicativo importante, não é pelo fato de a pobreza estar correlacionada
diretamente com a criminalidade, mas sim, porque reproduz a vitimização e a criminalização dos
pobres, o desrespeito aos seus direitos e a sua falta de acesso à justiça”26.
Quando observamos os mapas crimes contra a pessoa e crimes contra o
patrimônio e relacionamos com os dos indiciados por crime contra a pessoa e indiciados por
crime contra o patrimônio, verificamos que há uma correlação forte entre os dois primeiros e
entre os dois últimos. Seguramente, uma explicação de cunho mais abrangente, pode ser
encontrada através da elaboração de um mapa da Inclusão/Exclusão de Marília, pois, a
partir dele teremos incorporado algumas sugestões acima, ou seja, de como o poder público
tem elaborado políticas que concebem e incorporam ao espaço físico a desigualdade social
e, conseqüentemente, interferem na vida pública.
Isso pode ser exemplificado através da pesquisa de vitimização27, a qual
sugere que a população de Marília, de modo geral, faz uso intensivo dos equipamentos e
serviços públicos existentes. Isto implica ter como hipótese que esta população depende da
forte presença do Estado, em seus três níveis, na definição dos espaços públicos e nos
níveis de qualidade de vida.
4. Entorpecentes – 2000 – Figura 13
A análise do mapa de entorpecentes não produz grandes surpresas para
quem conhece Marília. A concentração dessas ocorrências no setor de bairros Salgado
Filho/Cavallari e imediações (Setor Califórnia), apenas confirma o alto consumo de drogas
entre os estudantes universitários. No setor Salgado Filho/Cavallari localiza-se o campus
universitário, com duas universidades e uma faculdade, abrigando durante o ano letivo,
mesmo que por determinados períodos do dia, cerca de 15 mil estudantes. Da mesma
forma, nos seus arredores fica a maior parte das residências de estudantes (repúblicas).
26
CALDEIRA, Teresa Pires do Rio. 2000. Cidade de Muros. Crime, segregação e cidadania em São Paulo. São
Paulo, editora 34/Edusp. P.134
27
Ver Relatório da Pesquisa de Vitimização, parte integrante desse Projeto.
63
III.
ESPAÇOS DOS CRIMINOSOS
Grande parte da bibliografia criminal traz informações sobre as atitudes
diversificadas dos criminosos, conforme a tipologia criminal. Assim, tem-se que os crimes
cometidos sem muito planejamento (ou premeditação), o desarmado e os pequenos furtos e
roubos, ocorrem mais nas proximidades da residência do ofensor do que o programado com
antecedência, armado e onde o seu produto é mais substancioso (como o seqüestro de
pessoas, os assaltos a bancos e condomínios). Neste contexto estão também as ocorrências
violentas que, normalmente, envolvem pessoas conhecidas (excetuando-se o crime
organizado, praticado, por exemplo, por grupos de extermínio).
Na pesquisa anterior28 que trabalhou apenas com Inquéritos Instaurados,
portanto, com informações mais completas e confiáveis sobre as características dos
envolvidos, constatou-se que a criminalidade tem comportamentos bem característicos,
conforme a modalidade criminal. No homicídio, cerca de 65% dos envolvidos (ofensor e
vítima) vivem muito próximos, com a seguinte distribuição, nos anos investigados (1985-93):
• 35% moravam no mesmo bairro;
• 23% morreram e mataram no próprio local de suas residências;
• 38% dos indiciados mataram dentro do seu próprio bairro; e
• 45% das vítimas morreram no mesmo bairro onde residiam.
Entretanto, apenas 14% dos ladrões (roubo) atuaram dentro da sua vizinhança
(bairro), e, curiosamente, desse total, tem-se:
• Apenas 5% roubaram os moradores do seu bairro;
• 9% eram pessoas residentes em outro local, mas vitimadas no bairro de
residência do ladrão.
Sobre o roubo, há ainda outro dado interessante:
• 55% das pessoas sofreram o delito longe de suas residências, o que significa
que os roubos são mais freqüentes em locais mais públicos como as ruas,
praças, estabelecimentos comerciais, etc. Os furtos residenciais foram,
relativamente, mais freqüentes que os roubos.
A partir desses dados, foi pesquisada a trajetória do criminoso, no exercício
de sua atividade delitiva, e a distância percorrida entre a sua residência e o seu alvo.
Tomando-se como base de análise os setores que apresentaram as mais altas taxas de
28
FELIX, Sueli A. 1996
64
crimes contra o patrimônio/habitantes, ocorridos entre 1985-1993, delineou-se os percursos
dos criminosos que agiram no local, a partir de suas origens (residência).
A Figura 20 representa, graficamente, a freqüência de viagens de roubos por
distância (km), em número absoluto, para os espaços de maiores índices criminais (região
central), para o total de roubos praticados no local.
NÚMERO DE VIAGENS PARA ROUBO
140
120
100
80
60
40
20
0
1
1 ,5
2
2 ,5
3
3 ,5
4
4 ,5
5
DIST Â NC IA E M K M
FIGURA 20. NÚMEROS ABSOLUTOS DE VIAGENS DE ROUBO E DISTÂNCIA,
MARÍLIA, 1985-93.
FONTE: LIVRO DE REGISTRO DE INQUÉRITOS DA POLÍCIA CIVIL
(FELIX,1996, p.289)
As conclusões da pesquisa foram:
1. a distância média (em linha reta) percorrida pelo ladrão é de 1,89 km;
2. Apesar da distância média não chegar a 2 km, 40,7% percorreram acima
de 2,5 km, em média, para chegar ao seu objeto de roubo;
3. Embora o número de viagens para roubo decresça com a distância (veja
curva-distância, figura 20), o trajeto de 2,5 km é, individualmente, o de maior
preferência dos ladrões (30%);
4. Embora com um comportamento bem diferente do crime violento, onde mais
de 70% deles ocorreram dentro do mesmo setor de bairros, a maioria das
viagens de roubos (59,3%) não ultrapassou 2 km da residência;
5. A possível explicação para o decréscimo do número de viagens para roubo,
em relação à residência do ofensor, pode estar relacionada aos conceitos
65
de “action space ou the collection of all urban locations about wich the
individual has information and the utility or preference he associates with
29
these locations” de HORTON & REYNOLDS (1971) ;
5. Em outra palavras, o ofensor precisa conhecer as potencialidades do local
escolhido para a ação, os quais tem contato direto em suas atividades
cotidianas, como é o caso da região central de negócios;
6. Os roubos pequenos (de objetos de pouco valor) são cometidos nos trajetos
mais curtos, ocorrendo o contrário com os grandes arrombamentos
(residenciais e comerciais);
7. O fato de o ladrão agir em local diferente da sua residência e os roubos
maiores (com mais recompensa) ocorrerem mais distantes pode estar
apenas demonstrando que o seu ambiente não é apropriado para o ato, já
que a sua vizinhança tem condição sócio-econômica idêntica à sua.
1. Residência de Indiciados Contra o Patrimônio e Pessoa, em 2000
Por tudo o que se pesquisou, percebe-se que dificilmente há coincidência
espacial de ocorrência de crimes (Figura 11) e residência de criminosos contra o patrimônio
(Figura 15), pois, ao contrário do crime violento, esses crimes normalmente não envolvem
pessoas da mesma vizinhança, classe social ou com relacionamento anterior.
Excetuando o setor Salgado Filho/Cavallari, com destaque em todas as
modalidades criminais, a análise das duas figuras conjugadas confirma que o espaço do
criminoso não é o seu escolhido para furtos e roubos. Na pesquisa anterior (FELIX, 1996, p.
285), encontramos apenas 14% dos criminosos atuando dentro do seu próprio bairro, exceto
para o centro da cidade, onde (58,9%) dos seus indiciados, por crimes contra o patrimônio,
atuaram nele mesmo, especialmente na sua metade Leste. Pode-se explicar essa exceção
pelo seu tamanho (a distância entre o oeste e o leste é maior que 1,5 km), pela diversidade
sócio-econômica de sua população (desde chefes de domicílio com rendimento médio de 2,8
a 12 salários mínimos) e, o que é mais importante, pela estrutura da parte oriental (região
central de comércio, lazer, etc.), o que a faz, por excelência, uma área atraente para esse
tipo de crime.
O segundo setor de maior concentração de criminosos contra o patrimônio é o
setor Monte Castelo/Planalto, que em 1991 já concentrava 18% das residências de padrão
29
CAPONE, D. L. & NICHOLS JR., W. W. (1975). p.47.
66
subnormal (favela) da cidade. Os domicílios particulares permanentes tinham, em média, 4,3
cômodos e 0,9 banheiros, 2,6 pessoas/ dormitório (maior da cidade), e rendimento médio
dos chefes de 2,2 salários. Atualmente, exibe a 3ª maior taxa de mortalidade infantil
(23,8‰), com a segunda maior favela da cidade e com muitas áreas de risco (esgoto a céu
aberto).
Essa situação de distúrbios sociais é confirmada no Mapa de Homicídios e
Tentativas (Figura 13). Foi a região que, em 2000, apresentou a segunda maior
concentração de crimes violentos, especialmente homicídios e tentativas, perdendo apenas
para o setor Palmital/São Miguel, onde está localizada a maior favela de Marília.
No contexto criminal da cidade, analisando-se a participação dos setores de
bairros na base 1000 (Tabela 13), as ocorrências de crimes contra a pessoa estão
concentradas exatamente nesses dois espaços: Monte Castelo/Planalto (12,6%) e
Palmital/São Miguel (12%).
Pois bem, se a qualidade de vida é um dos fatores importantes na redução
dos índices de criminalidade, então a presença do Estado passa a se constituir em um elo
de fundamental importância no conjunto de ações possíveis à redução da criminalidade em
Marília. O que está sugerido as pesquisas realizadas e os pressupostos aqui levantados é
que a intervenção do poder público pode transformar a concepção de espaço público,
fazendo com que a qualidade de vida e, a conseqüente diminuição da criminalidade passe
pela ação direta do Estado, especialmente no que diz respeito às políticas públicas.
2. Furtos/Roubos Veículos – 2000 – Figura 19
O mapa de furtos e roubos de Veículos foi confeccionado com o objetivo de
orientar as polícias na prevenção espacial, apenas. A geografia desse crime é
absolutamente conhecida. Além dessas ocorrências se concentrarem em espaços de lazer,
especialmente nas imediações de boates, danceterias etc., onde há muita circulação de
jovens de classe média, a sua dinâmica está relacionada à facilidade de fuga.
Com esse mapeamento, desenvolveremos campanhas de prevenção
vitimária, previstas para a Fase II do projeto, juntamente com outras campanhas e
programas de assistência à potenciais vítimas de homicídio, especialmente dos passionais
que, segundo informações da polícia civil, via de regra, apresentam registros anteriores de
agressão ou de quaisquer indisposições pessoais entre os envolvidos.
67
IV.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com essa análise tem-se uma visão geral da criminalidade e das
características
sócio-demográficas
e
espaciais
(setoriais)
da
cidade
de
Marília,
demonstrando que o espaço mais central da cidade (Alto Cafezal), tradicionalmente de maior
incidência criminal pela alta concentração de pessoas para atividades de lazer e, portanto,
de probabilidades maiores de desavenças pessoais, perdeu a liderança para espaços
contíguos e que se encontram em expansão territorial em direção à periferia (Setor Salgado
Filho/Cavallari).
Nos crimes violentos (contra a pessoa), especialmente, bairros mais
afastados do centro exibiram altos índices (Figura 12), corroborando a tese de evento interpessoal e de espaços carentes socialmente. As altas taxas criminais dos bairros periféricos
podem ser momentâneas, como no período de instalação e/ou processo acelerado de
ocupação. À medida que o bairro vai envelhecendo, a sua população vai se acomodando,
criando raízes, desenvolvendo o sentimento comunitário através das organizações de
bairros. Com isso, há reduções nos conflitos locais via convivência mais harmoniosa da
vizinhança. As investigações criminais anteriores encontraram maior densidade de
criminosos em espaços ocupados recentemente e/ou onde o rodízio dos moradores é maior.
Os índices de crescimento anual da população dão indicações da relação entre ocupação e
criminalidade. (FELIX, 1996)
De um modo geral, pode-se concluir que os espaços do crime não são os dos
criminosos, especialmente para delitos contra o patrimônio, exceto para o Setor Salgado
Filho/Cavallari que concentra crimes e criminosos por ser um espaço de grandes
contradições sociais (exibe a maior e a menor renda média do município). Ainda, que os
níveis elevados de vida são fatores de atração de delitos patrimoniais; os crimes violentos
são mais freqüentes nos espaços de população mais pobre (indicando desorganização
social); a densidade estrutural está mais relacionada aos crimes violentos (distúrbios
conseqüentes de interação social) que aos de propriedade (relacionados justamente às
baixas densidades e alta qualidade de vida).
Embora não se possa atribuir responsabilidade criminal à pobreza, pois,
nesse caso, apenas o fato de ser pobre já seria uma pré-condição criminal, pode-se afirmar
que são dos espaços mais carentes que vem a maior parte dos criminosos, especialmente
os que cometeram crimes contra a propriedade. Porém, um outro questionamento é
importante: entre os registros criminais, pouco se encontrou dos delitos cometidos por
68
pessoas de melhores condições sócio-econômicas e culturais, como os crimes de colarinho
30
branco.
Até por sua freqüência, as informações criminais mais encontradas são as
cometidas pela classe baixa que é o furto, roubo e lesão corporal.
31
A “Teoria do Espaço Defensivo”, de NEWMAN , que discutiu num primeiro
momento a necessidade de proteção física para prevenção criminal e, num segundo,
concluiu que o excesso de proteção física pode resultar em proteção para o criminoso, teve
respaldo nessa pesquisa, especialmente no setor Cascata/Maria Izabel. Apesar de bem
protegido, apresentou um das mais altas taxas criminais relativas à população. Desse modo,
há duas interpretações contraditórias para o fenômeno: este setor é um dos mais protegidos
pelas suas altas taxas criminais ou estas são altas justamente por excesso de proteção
física que, apesar de dificultar a penetração do ofensor, oferece-lhe proteção. Ao transpor as
barreiras, ele está protegido pelos mesmos meios que teriam a função de evitá-lo, dando-lhe
mais liberdade de ação. Além disso, para NEWMAN, mais importante que a proteção física é
a vigilância solidária das propriedades e, acima de tudo, o desenvolvimento do “sentido
comunitário”, um dos nossos objetivos na fase II desse projeto.
Ainda no aspecto de características físicas do espaço, foi possível observar a
32
relação entre incivilidade e taxas criminais . Os espaços deteriorados fisicamente através
de casas velhas, parcialmente destruídas e/ou construídas de forma improvisada, com
pichações, e localizadas em ruas sujas, estreitas, mal iluminadas etc., são os que
apresentam as mais altas taxas criminais, especialmente as violentas. Além da criminalidade
em si, a incivilidade determina uma percepção espacial de medo e afrouxamento nos
relacionamentos sociais, o que, por conseqüência, propicia o aumento da criminalidade.
Programas de recuperação espacial (reurbanização) devem ser adotados para a redução
das oportunidades do crime, ou, pelo menos, do medo da população.
Enfim, a criminalidade do município de Marília reproduz os padrões e
comportamentos gerais. Os crimes (especialmente o violento) ocorrem com mais freqüência
nos finais de semana e nas horas de descanso diário, confirmando as hipóteses de
correlação com a interação social como o lazer e o consumo de álcool.
30
Sobre os crimes de colarinho branco, especificamente, além de haver muita tolerância com os seus praticantes,
que são pessoas de bom nível sócio-econômico e cultural, a abertura de inquéritos é mais freqüente se o mesmo
for cometido por funcionários subalternos. Segundo Marcelo Alcides Gomes (investigador de crimes financeiros,
em entrevista à Revista Veja, 10/04/1996, p.7-9), 80% das fraudes grandes terminam em demissão dos
envolvidos, apenas, sem abertura de inquéritos policiais.
31
Mais informações sobre a Teoria do Espaço Defensivo de NEWMAN (1972), poderão ser obtidas In S. W.
GREENBERG & W. ROHE (1984).
32
O modelo de incivilidade de vizinhança e relações com o medo e taxas criminais foi desenvolvido por
HERBERT, D.T. (1993), p.p. 45-54
69
O criminoso é predominantemente do sexo masculino, jovem, maritalmente
solitário, não-branco (na análise da sua representatividade no total da população e
especialmente para crimes que envolvem valores materiais), empregado da construção civil
e com instrução elementar (1º grau incompleto).
Alguns desses resultados contrariam pesquisas desenvolvidas anteriormente
no Brasil como, por exemplo, a predominância do negro na criminalidade, constantemente
questionada e combatida. Não obstante, é sempre bom lembrar que este resultado advém
da relação entre o número de criminosos das diversas raças, em proporção à sua
participação na população total.
Sobre essa participação, é interessante observar que apesar de estar
havendo casamento intra-racial e as famílias estarem aumentando através da procriação, o
33
número de negros vem diminuindo, paulatinamente, a cada Censo Demográfico realizado .
Por outro lado, como trabalhamos com duas fontes distintas de dados, a participação relativa
do não-branco, na criminalidade, pode estar superestimada, pois:
1º. As informações sobre população são obtidas através dos dados do Censo,
onde o quesito cor é registrado conforme a resposta do recenseado. Acreditase que, por questões de ascensão social, o negro possa estar provocando o
34
clareamento da sua raça ;
2º. Os registros de cor do criminoso são efetuados segundo os critérios dos
funcionários que atendem à ocorrência criminal;
3º. Os dados utilizados abrangeram períodos diferentes: as informações sobre o
total de habitantes de cada segmento referem-se à 1980 (IBGE) e as
criminais, aos envolvidos em atividades delitivas em 2000 (Polícia Civil).
É interessante reafirmar que a sua presença está basicamente restrita aos
crimes cometidos contra o patrimônio e é quase insignificante nos violentos, o que, além de
33
Entre 1940-80, para um aumento populacional de quase 70%, a população branca aumentou por volta de 50%,
a mulata, acima de 120%, e a preta aumentou apenas 15% - conforme os dados do IBGE.
34
POSADA, J. E. M. tem um estudo interessante sobre á questão racial nos Censos Demográficos. No Censo de
1980 foram declaradas 136 cores, significando que “a estrutura de relações econômicas e ideológicas que
legitima o preconceito racial (e conseqüentemente o racismo) traz em seu interior determinantes de negação, de
identidade que alimentam posições sociais contraditórias em termos de composição populacional”. In: Censos,
Consensos e Contra-sensos, III SEMINARIO METODOLÓGICO DOS CENSOS DEMOGRAFICOS, Ouro
Preto, jun. 1984,p.223-31.
70
contrariar as noções de “periculosidade” do negro, ainda reforça as teses de desigualdade
social.
Enfim, não é intenção atribuir a determinados segmentos da população ou ao
meio físico qualquer relevância etiológica na gênese criminal, já que o meio atrai, mas não
cria o delito e/ou o ofensor, pois, assim como há espaços característicos de determinadas
ocorrências criminais, há os que abrigam os criminosos. O nosso maior propósito foi
justamente analisar esses espaços a partir de outros indicativos sociais como a qualidade de
vida, representada, dentre outras formas, pelo nível de atendimento às necessidades
básicas da população e, com isso, subsidiar políticas públicas adequadas.
V.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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