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A GEOGRAFIA DAS OFENSAS: ANÁLISE DOS ESPAÇOS DE CRIMES, CRIMINOSOS E DAS CONDIÇÕES DE VIDA DA POPULAÇÃO DE MARÍLIA-sp. RELATÓRIO CIENTÍFICO PROCESSO Nº 00/01754-9 SUELI ANDRUCCIOLI FELIX Deptº Ciências Políticas e Econômicas UNESP – Campus de Marília – SP JULHO –2001 2 EQUIPE PESQUISADORES, CONSULTORES E ASSESSORES COORDENAÇÃO GERAL SUELI ANDRUCCIOLI FELIX – professora do Departamento de Ciências Políticas e Econômicas, Faculdade de Filosofia e Ciências de Marília – UNESP. EQUIPE UNESP – Faculdade de Filosofia e Ciências de Marília EDEMIR DE CARVALHO – professor do Departamento de Sociologia e Antropologia e pesquisador do GUTO (Grupo de Gestão Urbana do Trabalho Organizado), colaborador na análise de qualidade de vida. ADRIANA APARECIDA FRANÇA – bolsista FAPESP, pesquisadora do GUTO (Grupo de Gestão Urbana do Trabalho Organizado), graduada em Ciências Sociais pela F.F.C. de Marília – UNESP. MARCOS FLÁVIO RIBEIRO SOUZA – bolsista FAPESP, pesquisador do GUTO (Grupo de Gestão Urbana do Trabalho Organizado), graduado em Filosofia pela F.F.C. de Marília – UNESP. PAULO LÚCIO DOS SANTOS – bolsista FAPESP, pesquisador do GUTO (Grupo de Gestão Urbana do Trabalho Organizado), graduado em Ciências Sociais pela F.F.C. de Marília – UNESP. EQUIPE F.E.E.S.R – Fundação de Ensino Eurípides Soares da Rocha ANTONIO CARLOS SEMENTILLE –co-coordenador da equipe de computação e professor do Departamento de Computação da Faculdade de Informática. JOSÉ REMO BREGA - co-coordenador da equipe de computação e professor do Departamento de Computação da Faculdade de Informática. RODRIGO DIEGER – bolsista FAPESP, pesquisador do GUTO (Grupo de Gestão Urbana do Trabalho Organizado) responsável pelo desenvolvimento do Sistema Operacional (Banco de Dados) e elaboração de consultas, aluno de graduação da Faculdade de Informática de Marília. MÁRCIO BURLE BINATTO – bolsista FAPESP, pesquisador do GUTO (Grupo de Gestão Urbana do Trabalho Organizado) responsável pela modelagem dos dados, aluno de graduação da Faculdade de Informática de Marília. 3 A GEOGRAFIA DAS OFENSAS: ANÁLISE DOS ESPAÇOS DE CRIMES, CRIMINOSOS E DAS CONDIÇÕES DE VIDA DA POPULAÇÃO DE MARÍLIA-SP. I. INTRODUÇÃO No contexto da deterioração da qualidade de vida, o crime é, inegavelmente, um forte componente e a principal preocupação do homem moderno que se sente enclausurado, limitado no seu direito mais elementar de ir e vir, transformado e reduzido a “exilado social”. Visivelmente acuada por sentimentos de medo e insegurança, a sociedade reivindica políticas públicas de contenção da criminalidade como ações integradas entre polícia e comunidade (polícia comunitária). Prevenir o crime é o grande objetivo das ciências ligadas à criminologia e de todos os segmentos interessados no bem-estar da humanidade, que vêem o crime de forma global, conseqüência da atuação conjunta de seus componentes (ofensor, ofendido e comunidade) e sob a ação de fatores sócio-econômicos, políticos, culturais etc. Compreender a dinâmica criminal não significa detectar os espaços de crimes/criminosos e suas características para ações repressivas. Significa, antes de tudo, entender os processos operacionais para antecipar-se ao crime, preveni-lo. A Moderna Criminologia vem se consolidando na interdisciplinaridade, com informações empíricas sobre as principais variáveis do delito, as suas características específicas (tempo oportuno, espaço físico adequado, vítimas potenciais etc.) e as formas como interagem, sugerindo estratégias de prevenção mais ousadas que vão além do ofensor, atingem as vítimas, o espaço, o desenho arquitetônico e, acima de tudo, as variáveis sociais como a pobreza, desigualdade social e qualidade de vida nos seus mais diversos âmbitos: saúde, educação, moradia etc. Por outro lado, parece, também, que a comunidade científica está se conscientizando que o problema criminal não será resolvido pela mera dissuasão, através de políticas penais. A Teoria da Dissuasão (Deterrence Theory), que credita às organizações do Sistema de Justiça Criminal a responsabilidade pelo controle da criminalidade, vêm sofrendo 4 sérias críticas, dentre as quais destaca-se GARCIA-PABLOS de Molina1, afirmando que “mais e melhores policiais, mais e melhores juízes, mais e melhores prisões (...) significa mais infratores na prisão, mais condenados, porém, não necessariamente, menos delitos. Uma substancial melhora da efetividade do sistema legal incrementa, desde logo, o volume do crime registrado, se apuram mais crimes e reduz a distância entre os números “oficiais” e os “reais” (cifra-obscura). Porém, não por isso se evita mais crime nem produz ou gera menos delitos em idêntica proporção: só se detecta mais crimes.” A experiência tem demonstrado que medidas punitivas através do aumento da repressão policial e penal têm sido por vezes ineficazes, como têm provocado efeitos colaterais. A “Lei do Crime” (EUA), mais conhecida como “três vezes você está fora” 2, que estabelece pena de prisão perpétua automática para o réu que esteja sendo julgado pela terceira vez por crime violento, reflete essa situação. Apesar de aprovada por 80% da população norte-americana, em pesquisas de opinião pública e, em 1994, já estar em vigor em 34 dos 50 estados do país, as suas conseqüências são preocupantes: 1. O medo, diante da possibilidade de prisão perpétua, gerou atitudes mais violentas dos criminosos, durante a ação criminal e/ou no momento da detecção, pois é o jogo do tudo ou nada, o sucesso ou a privação definitiva da liberdade. Com isso, cresceu o número de mortes de vítimas e policiais; 2. No aspecto econômico, especula-se o aumento nos custos do sistema penitenciário, não apenas em função do crescimento numérico de presos quanto do tempo médio de sua permanência no sistema prisional; e 3. Essa medida está sujeita às óbvias possibilidades de injustiças sociais tanto na questão do julgamento quanto no dimensionamento do grau de violência. Com isso, podem ser condenados à prisão perpétua tanto quem se envolver em três brigas de rua e pequenas agressões, quanto o que cometer delitos de muito maior gravidade. Nessa linha de reflexão, o risco pode aumentar o número de delitos mais violentos. Sobre a repressão policial, também não existem evidências de que o aumento do efetivo policial corresponda à redução no volume de crimes. Cláudio BEATO, da UFMG, fundamentou esse argumento em dois tipos de análises: a não interferência das greves dos 1 MOLINA, G. P., A Criminologia: uma introdução a seus fundamentos teóricos, SP:Revista dos Tribunais, 1992, p. 262. 2 Folha de São Paulo,edição nº 23.769, 1º maio 1994, Mundo, p.6 5 policiais com as taxas criminais e as correlações entre número de policiais e taxas de crimes. "O Canadá tem um policial para 353 habitantes e 5,9 homicídios por 100 mil habitantes. Já a China tem 01 policial para 1382 hab. E, no entanto, registra um número ainda menor de homicídios (2/100 mil)... Os EUA têm uma das mais altas taxas de população prisional... mas também uma das mais altas taxas de criminalidade violenta. Mais policiais e aumento da população prisional não diminuem o número de crimes, embora tenham um efeito importante na diminuição da taxa de medo da população -o que já é muito importante." 3 A paralisação da Polícia Militar da Bahia, em Salvador, no mês de julho/01, parece ter provocado uma situação inversa. Embora ainda não existam estudos completos sobre a relação entre a greve e o aumento nos índices criminais, a imprensa noticiou um crescimento desmedido em ações de vândalos, saques ao comércio, furtos, roubos e até homicídios. O certo é que já está comprovado que vários programas bem-sucedidos de controle da criminalidade vão além do Sistema de Justiça Criminal e podem estar fora do controle das organizações formais. Programas de ação, integrados entre o Estado e a sociedade são muito mais eficazes, indubitavelmente. A prevenção deve ser comunitária, inter e multi-institucional, com políticas que intervenham positivamente nas suas causas últimas que são o esfacelamento das relações sociais e a carência de atendimento às necessidades básicas e de outros serviços que valorizem a cidadania. Se a universidade consegue formular problemas, alternativas e soluções em nível teórico, os órgãos de segurança formulam ações, estruturações técnicas através de modelos de efetividade e eficiência e a Comunidade atende a ambas ou se beneficia de suas especificidades. Quem conhece as necessidades da população, senão ela própria... Por outro lado, sabe-se que ações isoladas dos Órgãos de Segurança Pública apenas deslocam a criminalidade sem, contudo, atingirem as suas causas. Enquanto a Polícia Militar é a instituição responsável pelo policiamento ostensivo, prevenindo e reprimindo crimes, auxiliando, orientando e socorrendo os cidadãos; a Polícia Civil é responsável pela prevenção indireta através da investigação para a solução 3 BEATO JR., Cláudio. Políticas Preventivas de Segurança e a Questão Policial, Revista São Paulo em Perspectiva. a violência disseminada, vol. 13, n° 4, out-dez 1999, p.21 6 dos crimes – ambas, portanto, em contato direto com a população. Nesse sentido, não se concebe uma polícia apartada dos inúmeros problemas sociais enfrentados pelos membros de sua comunidade. A atuação da polícia preventiva deverá pautar-se pelo conhecimento do contexto social em que está atuando. Quanto maior o conhecimento, melhor a qualidade de manutenção da ordem, pois o comportamento policial corresponderá à necessidade de melhoria de qualidade de vida, no aspecto segurança, proporcionando a oportunidade de elevar o nível de cidadania. Faz-se necessário, portanto, o desenvolvimento de uma nova concepção de ordem pública pelo caminho da reeducação da polícia e da população, num processo de conscientização de seus papéis: além do desempenho de suas funções tradicionais, cabe aos policiais instruir os cidadãos sobre regras básicas de prevenção ao crime e participar dos problemas da comunidade para a organização de estratégias coletivas de segurança. Enfim, protagonizar o seu próprio papel: policial cidadão e cidadão policial. É preciso resgatar e re-valorizar o policial como profissional e cidadão comum e, o cidadão comum, como co-responsável pela sua segurança. A contrapartida é uma comunidade participativa, consciente das potencialidades e limitações da polícia e que poderá contribui na resolução de problemas corriqueiros que, hoje, delega aos órgãos de segurança. Desse modo, dissemina-se um sentimento de confiança pelo resgate dos vínculos sociais entre os dois segmentos (segurança pública e sociedade), podendo reduzir a sensação de medo e insegurança da população em relação ao bandido e à própria policia. Por outro lado, também a população estaria sendo reeducada para o exercício da cidadania nos dois sentidos: direitos e deveres. Ato contínuo, ao estabelecer contato com os órgãos oficiais de segurança para reivindicar benefícios, a comunidade estará em contato com as potencialidades e limitações desses órgãos e se conscientizará da sua responsabilidade no processo. Nessa linha, paralelamente ao diagnóstico da criminalidade, realizamos uma pesquisa de vitimização com o intuito de conhecer a cifra-obscura e obter subsídios para campanhas de prevenção vitimaria que serão desenvolvidas na Fase II do Projeto. Sabe-se que muitos crimes poderiam ser evitados se a população tivesse mínimos conhecimentos e responsabilidades na prevenção criminal. Articuladas pelos meios de comunicação de massa, as campanhas vitimárias podem promover mudanças no comportamento dos integrantes dos chamados “grupos de risco”, potencialmente sujeitos a vitimização. 7 Assim, seguindo essa dinâmica, estamos desenvolvendo um Projeto de Políticas Públicas integrado entre a universidade, órgãos de segurança pública (Polícia Civil e Militar), poder executivo e comunidade (CONSEGs - Conselhos Comunitários de Segurança e Associações de Bairros), com total apoio da FAPESP – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo. O objetivo geral da pesquisa foi conhecer a realidade da população de Marília nos aspectos sócio-demográficos e criminais para a incrementação de políticas públicas que contemplem a qualidade de vida humana em seus aspectos elementares de bem-estar social como trabalho, moradia, educação, socialização e, especialmente, segurança. II. UNIVERSO DA PESQUISA A pesquisa desenvolveu-se na cidade de Marília, localizada na porção centrooeste do Estado de São Paulo, distante cerca de 448 km da capital do estado. Considerada de porte médio na década de 90, a cidade teve um crescimento de 2,78% ao ano, no período de 1991 a 2000 (conforme fórmula da ONU4, para os Censos Demográficos de 1991 e 2000, da Fundação IBGE). Com uma população de 170.746 habitantes em 1996, chegou ao ano 2000 com 189.583 habitantes, ultrapassando até as estimativas da Fundação IBGE. A cidade de Marília, apesar de relativamente nova, já sofreu variações demográficas muito significativas. É uma cidade típica de migração (nos dois sentidos: emigração e imigração) que não apenas transfere pessoas, mas problemas, necessidades, valores e expectativas, e por espaços diversos, que tanto podem dar ao indivíduo boas condições de vida como uma série de problemas. Portanto, esse espaço de estudo é, na atualidade, produto de duas migrações: a proveniente de e para outras regiões (Estados e Municípios) e da migração intra-urbana. Além da população provinda de grandes centros, Marília exerce forte atração nos municípios vizinhos. Enquanto para o período de 1940-91, o Município teve um crescimento populacional de 133%, seus vizinhos tiveram uma perda considerável de 4 A fórmula adotada pela ONU (Organização das Nações Unidas) é a seguinte: P1= população no final do período , P0= população no início do período t= número de anos t P1 − 1 * 100 , onde P0 8 população: Pompéia (distante cerca de 30km) decresceu 69,29%, e Gália (distante cerca de 45km) decresceu 42,45%. Apenas Garça (cerca de 34 km) não ficou com um saldo negativo, aumentando sua população em 24,19%. Na Figura 1 tem-se a evolução da população nos municípios citados. É interessante notar o nível de evolução da população da cidade sede – Marília, que apresentou um crescimento de 254% no período (1940-91). 400 350 300 250 M A R ÍL IA - R E G IÃ O M A R ÍL IA - C ID A D E M A R ÍL IA - M U N IC ÍP IO 200 P O M P É IA GARÇA 150 G Á L IA 100 50 0 1940 1950 1960 1970 1980 1991 FIGURA 1. COMPORTAMENTO POPULACIONAL DA MICRO-REGIÃO DE MARÍLIA, SUA SEDE E ALGUNS MUNICÍPIOS VIZINHOS FONTE: CENSOS FIBGE (1940-91) ORG. S.A.FELIX As investigações sobre a taxa criminal por áreas geográficas e tamanho das cidades têm se mostrado satisfatórias e vêm revelando a correlação positiva entre o índice de criminalidade per capita e população, principalmente para delitos patrimoniais. Como as estatísticas criminais brasileiras não permitem a elaboração de um estudo desta natureza, a investigação de espaços menores através de levantamentos exaustivos em boletins criminais, ou seja, a produção de dados pelo próprio pesquisador (fonte primária) e a conseqüente elaboração de dados estatísticos, pode resultar numa investigação mais minuciosa e talvez menos contagiada por ideologias, como as discriminatórias, detectadas nas estatísticas oficiais. Marília não é uma metrópole e nem apresenta numericamente a mesma criminalidade. Porém, e justamente por esse motivo, é possível analisar integralmente o seu espaço, a sua população e os seus crimes. Independentemente de ser uma cidade com muita ou pouca criminalidade, tem todos os elementos essenciais para estudos do espaço e do crime, que poderão servir de elementos para a compreensão da dinâmica criminal em escala um pouco maior. 9 Assim, a partir de uma Base de Dados criada para o projeto5, com cerca de 6.500 registros de ocorrências, para o ano de 2000, foi possível desenvolver a análise dos principais crimes e delitos, passíveis de prevenção. III. OPERACIONALIZAÇÃO DA PESQUISA Antes de analisar a dinâmica criminal em Marília, é importante esclarecer alguns aspectos operacionais do trabalho. O primeiro grande problema na sua elaboração relacionou-se à carência de fontes de informações, devidamente estruturadas ou homogêneas, para análises comparativas. Esse problema atingiu tanto os aspectos demográficos tratados pelos Censos, quanto os criminais contidos nos arquivos dos órgãos de polícia. Ao trabalhar com dois referenciais básicos (população e crime), cujos registros são de responsabilidade de entidades diversas, surgiram inúmeros problemas de adequações de informações, além de desconexões temporais dentro de uma mesma entidade. A relação população/espaço é considerada um dos indicadores das características espaciais e de distribuição da população urbana, e, como o espaço urbano e a sua população não são homogêneos, a sua análise exigiu determinados informes setoriais, não publicados, obtidos somente através de tabulações especiais adquiridas diretamente no Centro de Disseminação de Dados do IBGE. Porém, nem a essas tabulações tivemos acesso. Contatos com IBGE foram infrutíferos para a obtenção de dados por setores censitários, que estarão disponíveis somente por volta do ano 2003. As únicas informações fornecidas referem-se aos anos de 1991 (Censo) e 1996 (amostragem). (Anexo I) Diante da dinâmica populacional e do objetivo do Projeto, desenvolvimento de programas de prevenção criminal, é inconcebível a utilização de dados desatualizados. A única alternativa foi recorrer ao Projeto UNI (Uma Nova Iniciativa) – Marília - FAMEMA (Faculdade de Medicina de Marília), da Fundação W K Kellog, dos Estados Unidos, através da Coordenadora do Componente Comunidade, Sônia Aparecida Custódio. Acrescente-se a isso os problemas de dimensões e conformações espaciais dos setores, que nem sempre são idênticos nos diferentes Censos e dificultam análises comparativas. Diante disso, optamos pela utilização integral das informações do Projeto UNI, 5 Ver Relatório dos Bolsistas da Faculdade de Informática – Rodrigo Dieger e Marcio Burle Binatto – anexados no final deste Relatório. 10 que já havia feito as compatibilizações dos setores censitários e produzido estatísticas para o ano de 2000. Consideramos importante destacar, também, a falta de preocupação do IBGE em compatibilizar os limites territoriais dos setores censitários nos diversos Censos e desrespeitar completamente a divisão política dos limites urbanos (bairros), o que inviabiliza qualquer análise temporal. Com relação aos dados criminais, não tivemos quaisquer empecilhos de acesso. Ao contrário, fomos muito bem recebidos e alojados nas dependências da Polícia Civil, que prontamente disponibilizou todos os Boletins de Ocorrência aos nossos pesquisadores. Entretanto, os dados oficiais fornecidos pelos órgãos de polícia, apesar de amplamente utilizados, apresentam alguns problemas (lacunas e distorções de informações) que, acreditamos, serão sanados com a implantação do sistema de informação desenvolvido pelo Projeto FAPESP. No momento, o sistema foi responsável por toda base de dados criminais, que serviram de fonte de informação (Banco de Dados) para a análise da Geografia do Crime na cidade de Marília6. Atualmente, está em fase de teste em 03 Distritos Policiais. Porém, apesar de ser a única fonte de dados, as estatísticas oficiais não refletem totalmente a realidade, pois nem toda a criminalidade é registrada e o seu registro está sujeito aos critérios de gravidade estabelecidos pelas autoridades policiais e pelas próprias vítimas que omitem o crime. Além dos órgãos oficiais, a delinqüência oculta também é responsabilidade da própria vítima que não denuncia o fato.7 1. Problemas com as fontes de dados (Boletim de Ocorrência e Inquérito) Problemas na utilização dos Boletins de Ocorrência: a. O critério de classificação das características criminais dos envolvidos dificulta a análise criminal. Além das inúmeras lacunas, o preenchimento dos dados parece ser de exclusiva vontade do funcionário, principalmente nos quesitos cor e grau de instrução. Em relação à escolaridade, por exemplo, havia apenas 624 informações (pouco mais 6 7 Vide Relatório do bolsista da área de informática, Rodrigo Dieger. Questões de sub-representação estatística (delinqüência oculta) foram abordadas na Pesquisa de Vitimização. 11 de 10%) para um total de 5.907 vítimas, num universo em que não haveria quaisquer dificuldades, já que a vítima é identificada desde o primeiro procedimento (B.O.), ao contrário do que ocorre com os indiciados, principalmente de crimes contra o patrimônio que são, majoritariamente, de autoria desconhecida nessa primeira etapa de investigação; b. Além da escolaridade e cor, os Boletins de Ocorrência trazem muitas lacunas em todos os campos de informações sobre os envolvidos, atingindo até as naturezas dos crimes. Esse problema será resolvido, como dissemos, no momento em que todos os Distritos Policiais estiverem informatizados e o software amplamente utilizado pelos funcionários. Nesse contexto, sabemos das dificuldades que iremos enfrentar diante da resistência às mudanças de alguns funcionários. Absurdamente, ainda existem os que utilizam a ultrapassada máquina de datilografia, com cópias em carbonos; c. Corre-se o risco de distorções na tipologia criminal: um fato registrado como lesão corporal, por exemplo, pode, ao longo das investigações, transformar-se até em homicídio. Do mesmo modo que a vítima pode transformar-se em indiciado e vice-versa. Problemas na utilização dos Inquéritos: a. Trabalhar com inquéritos evitaria algumas distorções, pois são registros mais confiáveis que os B.O’s, principalmente em relação à tipologia criminal e às características demográficas dos envolvidos que, nessa fase de investigação, já são mais conhecidos; porém b. Não abrangem toda a criminalidade: estudos realizados anteriormente (FELIX, 1996, p.198) constataram que apenas 27% dos B.O’s transformaram-se em Inquéritos, no período de 1989-94, em Marília (Figura 2). 12 T O T A L D E O C O R R Ê N C IA S R E G IS T R A D A S In q u é rit o s In s t a u ra d o s 27% E s c la re c id a s 2% N Ã O C R IM IN A IS 46% C R IM IN A IS 54% A p e n a s R e p o rt a d a s 26% FIGURA 2. ATIVIDADES DA POLÍCIA CIVIL DE MARÍLIA (1989-94) FONTE: FELIX, Sueli Andruccioli (1996, p. 198 ) Trabalhados individualmente, os dados já apresentam um elenco de dificuldades na investigação das variáveis demográficas e criminais. No momento em que se correlacionam ambas (variáveis) e se necessita utilizar essas duas fontes de pesquisa (IBGE e Órgãos de Segurança), o trabalho torna-se infinitamente mais complexo pela dificuldade em adequar os diferentes registros. Assim, enfrentamos outro elenco de problemas: • Enquanto as variáveis demográficas são obtidas por setores censitários através do IBGE, as criminais o são por endereço (rua e número), através da Polícia Civil; • Para adequação dos informes, foi necessário o desenvolvimento de um software que transformasse uma informação em outra, sem prejuízo nos resultados8; • Com esse programa, os endereços (rua e número das ocorrências, vítimas e indiciados) eram checados em uma base de dados auxiliar que continha as informações necessárias para identificar o bairro do respectivo endereço (mudança nas bases de referências). Esse programa foi construído respeitando-se a numeração para as ruas que freqüentemente abrangem diversos bairros; • Com essa técnica, tem-se a espacialização da criminalidade por bairros da cidade; • Como os setores censitários não respeitam os limites do bairro e nem permanecem os mesmos ao longo dos diversos Censos, foi preciso adotar 8 O programa desenvolvido para esse fim consta do Relatório Científico do bolsista da Faculdade de Informática, Rodrigo Dieger, anexado ao final desse relatório. 13 uma técnica de agregação de setores que respeitasse os seus limites (Bairros). Com essa agregação, surgiram os setores de Bairros, uma nova referência espacial, utilizada em todas as análises futuras, conforme se pode observar na relação de bairros e de setores de bairros; (Anexo II); • Porém, essa agregação juntou bairros com características sóciodemográficas, econômicas e espaciais um tanto diferentes. Entretanto, como essa foi a única forma de trabalhar com dados provenientes do IBGE, mantivemos essa agregação, mas com análises específicas (Bairro por Bairro) quando a abordagem do tema exigiu. Como exemplo, o setor de bairro denominado Castelo Branco/Aquarius contém bairros de casas populares e de mansões. Nesse caso, apesar da relação crimes/mil habitantes ser geral, fizemos análises específicas e desagregadas, a partir das características de cada um9; • Portanto, apesar de estarmos trabalhando com setores de bairros, sempre que a análise exigiu fizemos observações particulares para cada bairro, individualmente; • O resultado desse trabalho foi um cartograma da cidade de Marília, intitulado Mapa de Setores GUTO, contendo 15 subdivisões, adaptáveis às informações obtidas do Projeto UNI, que serviu de base para a análise da relação sociedade/espaço/criminalidade. (Ver Figuras 9 a 19) 9 Sabíamos que havia outra fonte de referência que poderia nos fornecer informações sobre o número e tamanho das residências de cada bairro – Prefeitura Municipal através de suas secretarias de Planejamento Urbano ou de Receita que mantém essas informações para o lançamento do IPTU (Imposto Predial Territorial Urbano). Porém, as nossas tentativas de contato, para parceria no projeto através dessas secretarias, foram infrutíferas. 14 CAPÍTULO I CARACTERÍSTICAS GERAIS DO COMPORTAMENTO CRIMINAL NO ESPAÇO URBANO DE MARÍLIA I. INTRODUÇÃO Antes analisarmos a criminalidade setorial (índices de crimes por habitantes dos setores de bairros) e as suas relações com as variáveis demográficas, será feita uma análise do comportamento geral da criminalidade no espaço urbano de Marília, objetivando perceber as relações entre as variáveis demográficas e os vários tipos de delitos, contemplando, além dos aspectos gerais do crime, as características dos seus elementos. Nenhum programa de prevenção criminal seja através de ação da polícia, seja pelo desenvolvimento de ações sociais de prevenção primária (atendimento das necessidades básicas e de outros elementos de desorganização social), pode ser estabelecido sem o conhecimento dos atores, das suas características e do seu comportamento. Algumas considerações da dinâmica criminal são bastante aceitas na literatura especializada, como os aspectos físicos (tipos de construção, concentração de residências, tipos de ruas, etc.), a sazonalidade (freqüência de determinado crime em certas épocas do ano, dias da semana e horários), as características demográficas dos criminosos etc. II. SAZONALIDADE Várias investigações criminológicas constataram relações sazonais nas ocorrências criminais, como as violentas (contra a pessoa), com maior freqüência no verão, e o suicídio na primavera. Um número mais reduzido de estudos sugere um leve aumento na freqüência de crimes contra a propriedade no inverno. Embora os estudos da sazonalidade sejam basicamente desenvolvidos em países de altas latitudes, portanto com as estações do ano bem definidas, algumas variáveis 15 podem se aplicar também para o Brasil. O verão propicia lazer e interação social, e com isso o aumento no consumo de álcool que, aliados com outras pré-condições de violência como a desigualdade social e alterações biológicas, levam a atitudes violentas que tanto podem provocar pequenas lesões corporais, como chegar ao homicídio dependendo da arma utilizada. A tese de sazonalidade nos crimes contra o patrimônio (maior ocorrência no inverno) é antiga (Guerry, 1833) e originária especialmente da observação de espaços com grandes amplitudes térmicas. Embora sejam poucas as contribuições nesse sentido (a maior parte delas considera a sua distribuição equivalente aos violentos), a freqüência maior dos crimes contra a propriedade no inverno é interpretada por razões radicalmente opostas às de verão: o inverno deixa as ruas mais desertas e conseqüentemente com pouca vigilância informal. A bibliografia brasileira não contempla com ênfase essa diferença na atividade delitiva, talvez em função das altas médias de temperatura, chegando a constatar até o contrário (aumento das taxas no verão) em função do abandono das residências no período de férias de verão. Pelo mesmo motivo, haveria aumento das taxas em feriados prolongados. Para o suicídio, a sazonalidade é um importante componente em todas as investigações. Embora as explicações ainda pareçam inconclusivas, a freqüência do ato na primavera é quase consensual entre os pesquisadores. DUBLIN (1963:56) atribuiu o pico nesta estação do ano ao “doloroso contraste entre o seu próprio desaparecimento e o ressurgimento da vida em si mesmo”. DURKHEIM ((Suicide,1897/1951) entendeu que, com a chegada da primavera, tudo começa a despertar, as atividades são recomeçadas, como num significado sazonal de um novo ano, e as pulsões de vida podem contrapor-se às pulsões de morte do suicida10. Os padrões suicidas sugerem vulnerabilidade insensível aos efeitos das conjunturas sociais, por determinados grupos sócio-demográficos, e uma situação geográfica específica. Portanto, além das investigações comumente desenvolvidas, especulam-se os padrões sazonais, incluindo os fatores: interação social (DURKHEIM, SPAULDING & SIMON, 1951), depressão (ZUNG & GREEN, 1974), clima (DURKHEIM) e cerimônias e rituais (PHILLIPS & FELDMAN, 73).11 10 WARREN, C. W.; SMITH, J. C. and TYLER, C. W. Sazonal Variation in Suicide and Homicide: a question of consistency, J. Biosoc. Sci, 15, p. 349-356, 1983. 11 Idem. 16 Em Marília, a análise 5.318 ocorrências criminais12, no ano de 2000, confirma parcialmente os resultados das investigações citadas. (Tabela 1 e Figura 3) MESES PROPRIEDADE % PESSOA % JAN-ABR MAI0-AGO SET-DEZ TOTAL 1282 1382 1436 4100 31,3 33,7 35,0 100,0 228 211 354 793 28,8 26.6 44.6 100.0 TOTAL CRIMES 1510 1593 1790 4893 % 30.9 32,5 36,6 100.0 SUICÍDIO E TENTATIVA 16 25 26 67 % 23,9 37,3 38,8 100.0 TABELA 1. DISTRIBUIÇÃO DOS CRIMES (CONTRA PROPRIEDADE E PESSOA) E SUICÍDIO EM MARÍLIA, ANO 2000. FONTE: BOLETINS DE OCORRÊNCIA DA POLÍCIA CIVIL ORG.:S.A.F. • Analisando apenas as colunas que se referem aos totais (total crimes e suicídio e tentativa), pode-se afirmar que os índices criminais aumentam conforme se aproxima o final do ano; • Ao contrário do comportamento criminal geral, especialmente dos países de altas latitudes, os crimes contra o patrimônio ocorreram mais nas proximidades do final do ano e diminuíram no início, período de férias escolares; Distribuição de Crimes / Mês 16% 14% 12% 10% 8% 6% 4% 2% 0% JAN FEV MAR ABR MAI JUN JUL Mês CONTRA O PATRIMÔNIO AGO SET OUT NOV DEZ CONTRA A PESSOA FIGURA 3. DISTRIBUIÇÃO MENSAL DAS OCORRÊNCIAS (PATRIMÔNIO E VIOLENTO) OCORRIDOS EM MARÍLIA NO ANO DE 2000. FONTE: BOLETINS DE OCORRÊNCIA DA POLÍCIA CIVIL ORG.:S.A.F. 12 As 5318 ocorrências estão distribuídas em: • Patrimônio (3.686 furtos e 413 roubos e 2 latrocínios); • Pessoa (731 Lesões Corporais, 20 homicídios e 42 tentativas de homicídio); • 344 tráfico e uso de drogas (a maior parte dos B.O´s não separa tráfico de porte e uso); • 67 suicídios e tentativas; • 13 estupros. 17 • Embora os crimes contra o patrimônio e contra a pessoa tenham os seus índices aumentados no final do ano, os meses de janeiro e fevereiro apresentaram índices menores, mesmo a despeito de serem meses muito quentes, contrariando a tese de maior criminalidade no verão; • Os índices de suicídio confirmaram a tese de aumento na primavera, tendo os meses de setembro e outubro o seu pico; • De um modo geral, as ocorrências de crimes contra a pessoa são menores nos meses mais frios (entre maio e julho), mas a contrapartida de maior freqüência nos meses mais quentes não se confirma integralmente, pois, mesmo em período de altas temperaturas houve redução (novembro, dezembro e janeiro); • Os crimes cometidos contra o patrimônio estão mais bem distribuídos por todo o ano, mas contrariam os padrões encontrados numa pequena parcela da bibliografia que constatou maiores índices desse crime nos meses de temperatura mais baixa. A distribuição dos crimes ao longo da semana (Figura 4) sugere o chamado efeito de calendário: mais da metade das ocorrências criminais (gerais) ocorreram entre sexta-feira e domingo. Crimes Cometidos / Dia da Semana 30% 25% 20% 15% 10% 5% 0% SEGUNDA TERÇA QUARTA QUINTA SEXTA SÁBADO DOMINGO Dia da Semana CONTRA O PATRIMÔNIO CONTRA A PESSOA FIGURA 4. DISTRIBUIÇÃO SEMANAL DOS CRIMES COMETIDOS CONTRA O PATRIMÔNIO E PESSOA EM MARÍLIA, NO ANO DE 2000. FONTE: BOLETINS DE OCORRÊNCIA DA POLÍCIA CIVIL ORG.: S.A.F. De todas as modalidades criminais, os crimes violentos são os que têm distribuição mais definida, com evidente concentração no final de semana (60% de sextafeira a domingo) e redução às quartas e quintas-feiras (média de 9%). Além de estarem 18 altamente concentrados nos finais de semana, só no domingo ocorreu mais de ¼ do seu total (26%). Com a redução abrupta na segunda-feira (11%), percebe-se que a ociosidade realmente pode ser uma das causas do aumento desse tipo de violência, que normalmente se acha relacionada ao lazer fora de casa, a interação social e, principalmente, ao consumo de álcool. Os crimes cometidos contra o patrimônio, apesar de bem distribuídos, têm maior concentração aos sábados (16,3%), decrescendo no meio da semana (quarta- feira é o dia com menos ocorrências, 13,3%). DISTRIBUIÇÃO DOS DELITOS NO DIA 35% 30% 25% 20% 15% 10% 5% 0% 00 às 04 04 às 08 Contra o Patrimônio 08 às 12 12 às 16 Contra a Pessoa 16 às 20 20 às 24 Drogas (Tráfico/Porte) FIGURA 5. DISTRIBUIÇÃO DIÁRIA DE CRIMES E DELITOS OCORRIDOS EM MARÍLIA NO ANO DE 2000 FONTE: BOLETINS DE OCORRÊNCIA DA POLÍCIA CIVIL ORG.:S.A.F. A sazonalidade também ocorre no comportamento criminal diário (Figura 5). O crime violento é cometido com maior freqüência em horários considerados de ociosidade, com a taxa de 51,2% de ocorrências entre 16 e 24 horas. O homicídio exibe a maior concentração entre 20 e 24 horas (74%), exatamente quando a maior parte das pessoas já encerrou o seu dia de trabalho. A arma de fogo foi utilizada em 72% dos homicídios, confirmando a necessidade de medidas urgentes de controle do seu uso. Os crimes cometidos contra o patrimônio (roubo e furto) têm distribuição diária mais eqüitativa, apenas com reduções pronunciadas nas primeiras horas da manhã, principalmente entre 4h e 8h. A partir das 16h, até o final do dia (24h), concentraram-se 44% dos crimes de roubo e furto. Observando-se os horários e as modalidades específicas desse delito, separadamente, tem-se uma dinâmica bem característica. Dos roubos ocorridos em locais públicos (ruas e praças, por exemplo), popularmente conhecidos como assaltos, 42% são entre 21h e 23h, sendo que 22,6% ocorreram às 23h. 19 O suicídio apresenta uma distribuição diária muito curiosa. Ao contrário do que se imagina, não é a noite que traz mais depressão e o conseqüente aumento: 75% ocorreram entre 08 e 18 horas. Curiosamente, analisando-se por hora, o maior índice individual é às 12h, com 9,3% do total de ocorrências. Com o que foi exposto, é possível concluir que, numa visão geral, os resultados encontrados nessa análise da criminalidade de Marília, no aspecto sazonalidade, confirmam as investigações anteriores da bibliografia. Apenas a sazonalidade nos crimes contra o patrimônio (aumento no inverno) não foi confirmada, embora, entre os meses março/julho os índices sejam maiores que entre novembro/fevereiro. Porém, são raros os estudos que investigam a sua significância, especialmente os crimes ocorridos no Brasil. III. CARACTERÍSTICAS DOS CRIMINOSOS A análise das características dos envolvidos em atividades criminais ultrapassa o campo de interesse dos estudos demográficos. Quaisquer que sejam as áreas, as investigações criminais são unânimes sobre a necessidade do estudo da relação entre características demográficas dos criminosos e tipos de delitos. Embora se investiguem muito as condições sócio-econômicas, os níveis de escolaridade etc., os aspectos exclusivamente demográficos como sexo, idade e grupo étnico estão presentes em todas as investigações. 1. Sexo Falar sobre a participação diferencial dos sexos na ação criminal talvez seja o aspecto mais tranqüilo nesta pesquisa. Ostensivamente, a presença feminina entre os criminosos é insignificante, com índices médios de 15%. Porém, em estudos anteriores (de 1985-93), a presença feminina era muito menor – inferior a 10%. Enquanto em pesquisa anterior (1985-93), constatamos a presença feminina em atitudes criminosas que exigiam pouca exposição ou o uso de força, como nos crimes contra o patrimônio (9,8%, sendo responsável por 28% dos furtos) e no comércio de drogas (12%), nessa pesquisa a sua presença foi marcante também nos crimes contra pessoa (16,1%), especialmente lesão corporal. Naquela época, já estava em destaque a participação feminina nos crimes relacionados a entorpecentes (12,2%), confirmando a sua 20 inserção crescente nessa modalidade criminal, atualmente responsável por 16,1%, conforme se pode observar na Tabela 2. SEXO PATRIMÔNIO 53 349 402 FEMININO MASCULINO % 13.2 86.8 100,0 CRIMES PESSOA 100 520 620 % 16.1 83.9 100.0 DROGAS 68 355 423 % 16.1 83.9 100.0 TOTAL 221 1224 1445 % 15.3 84.7 100.0 TABELA 2. DISTRIBUIÇÃO, POR SEXO, DOS INDICIADOS POR CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO, PESSOA E ENTORPECENTES EM MARÍLIA - 2000 FONTE: BOLETINS DE OCORRÊNCIAS DA POLÍCIA CIVIL ORG.:S.A.F. Um outro exemplo que reforça a tese da atuação feminina dissimulada, ou menos freqüente em crimes mais ousados ou de maior exposição, é a sua total ausência nos roubos com violência, os popularmente conhecidos como “assaltos”, e latrocínio (roubo seguido de morte). Pela bibliografia pesquisada, a tipologia criminal da mulher não apenas envolve muito mais desonestidade que violência física, e nas mais diferentes culturas, como vem aumentando e se transformando nos últimos tempos. Na Rússia verificou-se um aumento de 67% na criminalidade feminina, entre 1985-87, especialmente no desfalque e na fabricação de bebida ilegal. Na França, 87% das presidiárias cometeram delitos de natureza econômica. O tráfico de entorpecentes confirma a transformação da atividade delitiva feminina como sinal dos tempos. Além de ser o crime que registrou o maior crescimento no universo feminino, quase duplicando de um período a outro (9,12% em 1986 e 16,1% em 2000), a maior parte das indiciadas (23,5%) são Senhoras Do Lar. Como vítima (Tabela 3), embora também seja numericamente bem menor que o homem, em termos relativos, a sua participação é bem mais pronunciada do que como indiciada. Nesse universo (vítima) a sua presença também é maior nos crimes cometidos contra a pessoa, chegando a constituir 32.8% dos ofendidos. SEXO FEMININO MASCULINO PATRIMÔNIO 1291 2917 4208 % 30.7 69.3 100.0 CRIMES PESSOA 287 588 875 % 32.8 67.2 100.0 TOTAL 1578 3505 5083 % 31.0 69.0 100.0 TABELA 3. DISTRIBUIÇÃO, POR SEXO, DAS VÍTIMAS DE CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO E PESSOA EM MARÍLIA (2000) FONTE: BOLETINS DE OCORRÊNCIA DA POLÍCIA CIVIL ORG.:S.A.FELIX 21 Analisando a vitimização da mulher em dois períodos (1985-93 e 2000), conforme a Figura 6, percebe-se que aumentou a sua participação nas duas modalidades criminais (patrimônio e pessoa). Entretanto a sua vitimização nos crimes violentos (lesão corporal, homicídio e tentativa) foi muito maior. Enquanto no primeiro período de análise a mulher foi vítima de 14,6% dos crimes violentos, no segundo período passou a constituir 32,8% das vítimas, Portanto a sua vitimização cresceu 2,25 vezes, em 07 anos. Isso pode levar a duas conclusões: a mulher está sofrendo muito mais violência e/ou está denunciando muito mais. Esperamos que seja a segunda hipótese, especialmente pelo fato da Delegacia de Defesa da Mulher ter sido instalada no município em 1987 e ter levado algum tempo para adquirir a confiança e ser espontaneamente procurada pela mulher. VITIMIZAÇÃO DAS MULHERES 35 30 25 20 15 10 5 2000 0 1985-93 Patrimônio Pessoa FIGURA 6. PARTICIPAÇÃO DAS VÍTIMAS DE CRIMES CONTRA A PESSOA E PATRIMÔNIO EM DOIS PERÍODOS: 1983-95 E 2000 FONTE: REGISTROS CRIMINAIS DA POLÍCIA CIVIL .................................. ORG. S.A.FELIX Nos crimes contra o patrimônio também aumentou a vitimização da mulher. Enquanto na pesquisa anterior ela era vítima de 23% desses crimes, hoje, passou para 30,7% a sua vitimização. Pelos dados expostos e pela literatura percebe-se que, estatisticamente, a baixa participação da mulher no mundo do crime, como autora, parece ainda estar reproduzindo alguns aspectos do seu papel social de cordialidade, submissão e/ou cumpridora das leis. Paradoxalmente, no aspecto qualitativo, ficou visível a sua adaptação às novas formas delitivas, como o tráfico de entorpecentes, mesmo entre as que se dedicam exclusivamente ao ambiente doméstico. Todavia, envolvida em crimes contra o patrimônio ou de entorpecentes, a principal característica da sua criminalidade é a miserabilidade e/ou marginalidade, a desonestidade e não-violência. 22 Alguns estudos encontraram índices maiores de criminalidade em ambientes onde a permanência feminina no lar é menor. Entretanto, não deixam claro se a criminalidade nesses locais advém da transformação social do papel da mulher ou da menor vigilância de suas residências por longos períodos do dia. Essa análise só elucidativa se contemplasse a relação entre a permanência da mulher no lar e a tipologia criminal. 2. Idade A periculosidade do jovem está fundamentada pelas mais diversas teorias que vão desde a tese da privação relativa às de simples irreverência e necessidade de aventuras, passando pela falta de estrutura familiar e inversão de valores, numa sociedade onde os “desviados” socialmente são os que mais gozam de prestígio. É o caso de traficantes de drogas e assassinos profissionais, modelos de ascensão social através da carreira criminosa, que por possuírem status elevados na comunidade local, transformam-se em ídolos dos jovens. As estatísticas mundiais apontam cada vez mais a presença do jovem no mundo do crime, e com o início cada vez mais precoce. Em Marília, o jovem com idade entre 18-29 anos foi responsável por 68,2% de todos os crimes cometidos entre 1985-1993. No ano de 2000, nessa faixa etária estavam cerca de 79% dos indiciados. Para a análise da participação do jovem na criminalidade, elaboramos a Tabela 4 e a Figura 7. Apesar de ambas trazerem informações da criminalidade por faixa etária, na Figura 7 os índices são relativos ao total de criminosos pelo total de habitantes em cada faixa. Julgamos conveniente apresentá-las na seqüência como forma de melhor delinear o comportamento do jovem em cada delito separadamente. Assim, a partir da análise de ambas, temos: 1. A primeira faixa, 18 e 19 anos, apesar de não seguir o mesmo intervalo das demais, achamos conveniente desagregá-la como forma de demonstrar a enorme participação do jovem logo após completar 18 anos. Se a idade de imputabilidade fosse menor, com certeza haveria a participação acentuada de menores de 18 anos nesse quadro; 2. O delito que mais atrai a juventude é o praticado contra a propriedade e os que envolvem entorpecentes. Nas faixas etárias entre 18-24 anos estão 66% dos criminosos contra o patrimônio e 55,3% dos envolvidos no tráfico. Se somarmos alguns Atos Infracionais, apenas onde foi possível identificar o 23 tráfico no histórico da ocorrência, teremos 68% dos traficantes com menos de 24 anos; LESÃO HOMICÍDIO / % % DROGAS % CORP. TENTATIVA 18 e 19 11 15,7 62 28,4 33 10,3 5 13,2 63 16,8 20 a 24 36 51,4 79 36,2 67 20,9 8 21,1 144 38,5 25 a 29 06 8,6 26 11,9 57 17,8 11 28,9 64 17,1 30 a 34 08 11,4 23 10,6 61 19,1 8 21,1 40 10,7 35 a 39 05 7,1 11 5,0 37 11,6 3 7,9 26 7,0 40 a 44 03 4,3 8 3,7 32 10,0 1 2,6 27 7,2 45 a 49 6 2,8 18 5,6 1 2,6 8 2,1 50 a 54 9 2,8 1 2,6 1 0,3 55 e mais 1 1,4 3 1,4 6 1,9 1 0,3 Total 70 100 218 100 320 100 38 100 374 100 TABELA 4. DISTRIBUIÇÃO DOS CRIMINOSOS, POR IDADE, PARA ALGUMAS MODALIDADES DE CRIMES OCORRIDOS EM MARÍLIA, EM 2000 FONTE: BOLETINS DE OCORRÊNCIA DA POLÍCIA CIVIL ORG.:S.A.FELIX ANOS ROUBO % FURTO % 3. Dentro da mesma categoria de delito, existe uma participação diferencial dos jovens envolvidos. Assim, nos crimes contra o patrimônio, a sua participação está condicionada às peculiaridades do delito: no assalto13, que exige arrojo e o risco de identificação e de vida é maior, a participação de jovens com idades inferiores é bem mais significativa (72% dos envolvidos tinham entre 18 e 23 anos); no roubo tem-se 67% dos criminosos com idades entre 18-24 anos e no furto cerca de 65%. A idade média dos envolvidos em assaltos é 22 anos; em roubos, 22,5 anos; e em furtos, 24,1 anos. Crimes contra o patrimônio são tipicamente ações de jovens: apenas 1,4% dos criminosos tinham mais de 50 anos, demonstrando, talvez, estabilidade econômica; 4. No crime violento, a participação dos envolvidos mostrou-se bem distribuída entre as faixas etárias, embora ainda tenha sido significativa a participação do jovem (33% tinham entre 18 e 24 anos); 5. Dentro da categoria de crime violento, a Lesão Corporal Dolosa foi a que apresentou o maior número de pessoas com idades acima de 40 anos (20,3%), sendo seguida pelo Tráfico de Entorpecentes (9,9%); 13 Apesar da sua inexistência no Código Penal Brasileiro, assalto é um termo conhecido e difundido na linguagem criminal, especialmente para roubos praticados com o uso de violência. Conservamos essa denominação para caracterizar um crime específico: com violência, quase sempre com arma de fogo, em locais públicos, quando foi possível identificar no histórico da ocorrência. 24 6. Embora a participação direta 14 dos jovens nos crimes de entorpecentes seja menos significativa dos que nos de propriedade, aumentou bastante nos últimos 07 anos – passou de 45% dos envolvidos em 1993 para 55,3% em 2000. Com o cuidado de não estar produzindo desvios estatísticos - a alta freqüência de jovens na criminalidade poderia estar simplesmente reproduzindo a sua alta representatividade na sociedade – procedemos à análise relativa ao total de habitantes em cada faixa etária. Porém, mesmo com esse critério, as observações anteriores foram ratificadas (Figura 7): INDICIADOS POR MIL HABITANTES 9 8 7 6 5 4 3 2 60 a 64 55 a 59 50 a 54 40 a 44 35 a 39 45 a 49 PATRIMÔNIO Mais de 65 ENTORPECENTES 30 a 34 25 a 29 20 a 24 0 15 a 19 1 PESSOA FIGURA 7. PARTICIPAÇÃO DOS INDICIADOS EM CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO, PESSOA E ENTORPECENTES, POR FAIXA ETÁRIA/1000Hab.,MARÍLIA (2000) FONTE: BOLETINS DE OCORRÊNCIAS ORG.:S.A.F • Os criminosos são realmente jovens, reduzindo a sua participação conforme aumenta a idade, especialmente nos crimes de propriedade e de drogas; • Nos crimes violentos, mesmo com redução, a participação por faixa etária é um pouco mais equilibrada que nos dois anteriores (propriedade e drogas); • Na faixa de 20-24 anos está a maior parte dos criminosos de todos os delitos. Levando-se em conta que esses dados abrangem apenas 8,4% dos indiciados por crimes contra o patrimônio e 48% dos indiciados por crimes 14 A participação da droga pode ser indireta: pesquisas desenvolvidas nos EUA (1988) confirmaram o uso de drogas em 50% dos crimes cometidos por jovens. 25 contra a pessoa, tem-se: para cada 1.000 pessoas dessa idade, há 6,21 criminosos contra o patrimônio, 4,05 criminosos violentos e 7,8 traficantes de entorpecentes; Mesmo em menores proporções, também é entre os jovens que se encontra a maior parte das vítimas. Enquanto 79% dos criminosos têm menos de 29 anos, 41% das vítimas também são dessa mesma faixa etária. Porém, a diferença maior está na atividade delitiva. As pessoas com menos de 29 anos são duas vezes mais indiciadas (76,15%) que vítimas (37,5%) em crimes contra o patrimônio e têm participação eqüitativa em crimes violentos (vítima e indiciado, 56%). Essa é apenas mais uma constatação de que vítimas e indiciados de crimes violentos são muito próximos, social e demograficamente.(Tabelas 4 e 5) SUICÍDIO E TENTATIVA PATRIMÔNIO PESSOA ESTUPRO Nº % Nº % Nº % Nº % 10 a 14 40 1,0 22 2,6 0 0,0 4 33,3 15 a 19 200 5,1 144 17,0 11 16,4 2 25,0 20 a 24 620 15,7 186 22,0 20 29,9 1 12,5 25 a 29 623 15,8 121 14,3 11 16,4 1 12,5 30 a 34 514 13,0 102 12,1 8 11,9 2 25,0 35 a 39 495 12,5 94 11,1 6 9,0 0 0,0 40 a 44 442 11,2 64 7,6 3 4,5 1 12,5 45 a 49 335 8,5 38 4,5 2 3,0 1 12,5 50 a 54 233 5,9 28 3,3 2 3,0 0 0,0 55 a 59 166 4,2 17 2,0 1 1,5 0 0,0 60 a 64 121 3,1 7 0,8 1 1,5 0 0,0 65 a 69 61 1,5 9 1,1 1 1,5 0 0,0 > 70 104 2,6 13 1,5 1 1,5 0 0,0 TOTAL 3954 100,0 845 100,0 67 100,0 12 100,0 TABELA 5. DISTRIBUIÇÃO DAS VÍTIMAS, POR IDADE E CRIMES (PATRIMÔNIO, PESSOA E ESTUPRO) E SUICÍDIOS E TENTATIVAS, MARÍLIA, 2000. FONTE: BOLETINS DE OCORRÊNCIAS DA POLÍCIA CIVIL ORG.:S.A.F. IDADE Além dessas, outras conclusões são possíveis: 1. A maior parte das vítimas está entre 15 e 39 anos (66,2%); 2. Maior ainda é a concentração das vítimas de estupro: 58,3% têm menos de 19 anos; 3. Ao contrário do que se supunha, os jovens também foram mais alvos de roubos do que as pessoas mais velhas. Entre as vítimas, 37,5% têm menos de 29 anos e apenas 7,2% estão acima dos 60 anos; 26 4. A juventude dos envolvidos em crimes violentos é marcante, não importando se vítimas ou indiciados. Entre as vítimas de homicídio estão 48% com menos de 24 anos (sendo 22% com 19 anos). Índice esse bem aproximado dos criminosos, com 40% nessa faixa de idade; 5. Enquanto nos crimes cometidos contra o patrimônio há muito mais vítimas (17.3%) que indiciados (1.4%) com mais de 50 anos, nos crimes violentos a relação é mais equilibrada, sendo 4,5% dos indiciados e 8.8% das vítimas nessa faixa etária; 6. O suicídio também é um ato característico da juventude: 75% dos suicidas têm menos de 34 anos, sendo a faixa de 20-24 a mais atingida com 20% de participação. Mesmo quando a análise é relativa ao total de habitantes por faixa etária, tem-se 71,2/1000 hab. nas faixas até 34 anos, sendo a maior concentração na faixa de 20-24 anos onde, para cada mil habitantes, existem 108 suicidas. Enfim, a incontestável predominância de jovens nos incidentes criminais de qualquer natureza e em qualquer circunstância (como indiciado ou vítima) e, de um modo geral, da mesma faixa etária, revelam a necessidade de políticas direcionadas ao jovem. Em muitos casos, ser vítima ou criminosa depende apenas de circunstâncias momentâneas. O fato alarmante de 48% das vítimas de homicídio terem menos de 24 anos e, o que é pior, 26% entre 15 e 19 anos, revelou não apenas a gravidade da situação do jovem, mas, e principalmente, a urgente necessidade de medidas de contenção dessa “morte evitável”. Da mesma forma, no contexto de mortes evitáveis que merecem atenção especial, tem-se os altos índices de suicídio e de mortes por acidentes de trânsito. Portanto, é preciso incrementar programas dirigidos ao jovem, segmento mais vulnerável à criminalidade. Programas de orientação cognitiva para as suas habilidades podem ser altamente positivos como canalização de violências e frustrações para ações produtivas. Por outro lado, sabendo-se que a maior parte dos jovens delinqüentes tem família, mesmo que desestruturada, é dever da família, da escola, das organizações civis, e principalmente do poder público, promover ações educativas e reintegradoras do jovem na sociedade. A demógrafa Felícia R. MADEIRA acredita tratar-se de um longo processo de aprendizagem e mudança que deve iniciar-se simultaneamente em duas frentes: desenvolver projetos de estudos que possam subsidiar programas governamentais atentos à especificidade do jovem adolescente 27 e criar a partir de lideranças naturais e emergentes desde já, uma sensibilidade às questões da juventude, como já existe por exemplo com relação à criança e à mulher. Essa sensibilização deve começar com a quebra dos preconceitos que envolvem o jovem adolescente na nossa sociedade, sobretudo adolescentes dos setores mais empobrecidos da sociedade que costumam ser chamados de “menores” numa clara alusão à proximidade da marginalidade.”15 3. Estado Civil Essa juventude do criminoso acaba sendo também, de certo modo, condicionante da grande participação de solteiros (68,4%). Entretanto, é a condição de pessoa sozinha a mais marcante, especialmente em determinados crimes: solteiros, viúvos e desquitados/divorciados constituem 52% dos criminosos envolvidos com drogas, 83% dos envolvidos em crimes contra o patrimônios e 51,4% dos criminosos violentos. As pessoas declaradamente sós são as mais envolvidas em estupro (57,2%) e tentativas de homicídios (62,5%). Porém, são os casados que conseguem mais sucesso no seu intento: 54,5% dos homicídios foram cometidos por casados e 9,1% por amasiados. Portanto, 63,6% dos assassinos estão entre os que assumiram viver maritalmente. SOLTEIRO DESQ/DIVOR. VIÚVO “AMASIADO” CASADO TOTAL FURTO ROUBO ESTUP. 82,4 1,0 1,2 8,0 7,4 100,00 71,4 2,6 42,9 14,3 16,9 9,1 100,00 28,6 14,2 100,00 TENT. HOM. HOMICÍDIO 58,3 36,4 4,2 29,2 8,3 100,00 9,1 54,5 100,0 LC DROGA 44,0 7,0 0,3 24,5 24,2 100,00 45,0 3,6 3,6 37,9 10,0 100,00 TABELA 6 ESTADO CIVIL DOS INDICIADOS EM MARÍLIA - 2000 FONTE: BOLETINS DE OCORRÊNCIAS DA POLÍCIA CIVIL TOTAL DAS OCORRÊNCIAS 68,4 3,1 0,6 15,5 12,4 100,00 ORG.: S.A.F. Esse resultado é contraditório quando comparado à tentativa de homicídio onde os criminosos casados constituem 8,3% e amasiados, 29,2%. Não é muito lógica essa participação diferencial dos casados/amasiados nos crimes de homicídio e tentativa, sabendo-se que a dinâmica de ambos é idêntica, diferenciando-se quase sempre pela letalidade da arma utilizada. Tanto é assim, que os geógrafos do crime sugerem que os programas preventivos considerem esses dois crimes da mesma forma e com a mesma gravidade e sujeitos às mesmas ações de controle e prevenção. 15 Folha de São Paulo, edição nº 21.687, 18 ago. 1988, Cidades, p. 2. 28 Dentre os crimes mais cometidos pelos amasiados, está o relacionado ao tráfico de entorpecentes, incluindo-se a inserção de suas companheiras na ação. Quase 38% dos tráficos foram praticados por eles. Analisados individualmente, o furto é o crime com a menor participação de casados (7,4%), diametralmente oposto à criminalidade dos solteiros que foram responsáveis por 82,4% deles. Isso pode estar indicando maior estabilidade financeira dos casados, se aceitarmos a tese de relação entre privação econômica e criminalidade, o que será investigado no item profissão. 4. A Cor do Crime Além da idade, a cor da pele dos criminosos é uma variável que apesar de muito polêmica, contestada e até abominada na literatura, é investigada em quase todas as pesquisas. Dos três segmentos (branco, pardo e negro), a periculosidade do negro é aspecto mais destacado na bibliografia da geografia do crime, especialmente por esta ser predominantemente norte-americana onde a classificação de cor segue padrões de hereditariedade, acima da própria cor da pele. Já as pesquisas desenvolvidas no Brasil não 16 confirmaram a sua presença entre os maiores índices de criminalidade . Para grande parte dos pesquisadores, o problema ultrapassa a questão da cor ao apontá-los como marginais sócio-econômicos e, portanto, numa relação indireta. Essa relação indireta encontra respaldo nas teorias da Contracultura (Curtis, 1975), da Subcultura (Shaw & Mckay, 1942), da Associação Diferencial (Sutherland, 1940), do chamado Mal de Classe Inferior, derivativo da Subcultura da Violência (Harries, 1976; Cohen, 1955; Cloward & Ohlin, 1960), e outras.17 Neste assunto, independentemente do indivíduo ser mais ou menos criminoso e pertencente a um ou outro grupo étnico, parece importante analisar o nível de participação de cada segmento nos diversos crimes. Parece óbvio que espaços onde o elemento de cor branca é predominante, como é o caso de Marília, também o seja no número de criminosos 16 Os registros criminais não são muito criteriosos em relação às características demográficas dos envolvidos nos delitos. Como esclarecido anteriormente, a classificação da cor da pele fica a critério do funcionário que está registrando a queixa crime. 17 Ver FELIX, S. A. (1996), p. 37 29 dessa categoria. A representatividade de cada segmento pode ser observada através de análises relativas aos seus totais. (Tabela 7) COR/RAÇA BRANCA PARDA NEGRA AMARELA TOTAL POPULAÇÃO TOTAL (1980) 84037 25280 6364 5970 121651 POPULAÇÃO % 69,0 20,8 5,2 4,9 100,0 CRIMINOSOS % 59,3 31,9 8,7 0,0 100,0 VÍTIMAS % 89,0% 8,0% 2,2% 0,9% 100,0% TABELA 7. DISTRIBUIÇÃO RELATIVA, POR COR/RAÇA, DOS CRIMINOSOS, VÍTIMAS E DA POPULAÇÃO DE MARÍLIA, 2000. FONTE: BOLETINS DE OCORRÊNCIAS DA POLÍCIA CIVIL -IBGE - CENSO DEMOGRÁFICO (1980) ORG.:S.A.F. Numa rápida avaliação da participação dos três segmentos no universo criminal, percebe-se que dentre as vítimas apenas o branco exibe índices maiores (89%) que a sua participação na população total (69%). Essa baixa participação (proporcional à população total) de negros e pardos, entre as vítimas, vem sendo interpretada, por alguns, como ausência de queixas à polícia, conseqüência de falta de confiança e medo de passar de vítima a suspeito. Em contrapartida, o pardo e o negro têm alta participação no total de crimes por segmento na sociedade. Apesar do branco representar 59,3% dos criminosos, a sua participação relativa na criminalidade é 0,85 vez menor que a sua população. Por outro lado, apesar do negro representar 5,2% da população, representa 8,7% dos criminosos, portanto, 1,67 vez a sua população. O amarelo (japonês, chinês, etc.) não aparece nos registros de indiciados, indicando duas situações: o não envolvimento em delitos e/ou a falta de critérios 18 dos funcionários responsáveis pelos registros , portanto, confirmando a existência de desvio estatístico. Entretanto, o que parece mais importante é a investigação da presença do negro e do pardo em determinados crimes que pode estar demonstrando não a sua periculosidade, mas o seu perfil no contexto criminal em função de condições de vida, ou até mesmo, de atitudes discriminatórias das Agências de Controle. A Tabela e Figura 8 permitem observar a distribuição dos três segmentos na criminalidade de Marília, e tecer alguns comentários: 18 Do mesmo modo que a cor da pele, as informações raciais também são de responsabilidade do funcionário. Desse modo, em alguns casos até seria possível identificar o descendente de japonês pelo seu nome. No entanto, como não seria possível fazê-lo durante toda a pesquisa, optou-se por considerar exatamente como estava registrado no Boletim de Ocorrência. 30 1. Comparando-se com a sua participação no total da população (5,2%), o negro está bem representado nas diversas modalidades de crimes; 2. Os criminosos negros participam significativamente dos crimes relacionados diretamente ao fator sócio-econômico, como os praticados contra o patrimônio, especialmente o furto, representando 12,4% dos criminosos. Essa alta representatividade sugere manifestações de desigualdade social no âmbito da criminalidade; 3. A baixa participação do negro nos crimes contra a pessoa contrapõe-se à tão difundida idéia de sua violência: não encontramos sequer um negro assassino e, em Lesão Corporal, constituem apenas 7,3% dos indiciados. Em contrapartida, no estupro, crime que envolve violência pessoal, a sua presença é bem mais significativa (14,3%). Esse comportamento parece sintomático como cobrança do que lhe foi negado pelo sistema; 4. A participação do pardo na população criminosa (30,3%) também ultrapassa 1,5 vez a sua população total (20,8%), especialmente nos delitos contra o patrimônio (roubo e furto) e homicídio; COR/RAÇA DOS INDICIADOS 70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0% CONTRA A PESSOA Branco CONTRA O PATRIMÔNIO Pardo ENTORPECENTES (TRÁFICO E USO) Negro FIGURA 8. PARTICIPAÇÃO DOS INDICIADOS, POR COR/RAÇA, EM OCORRÊNCIAS CONTRA O PATRIMÔNIO, PESSOA E ENTORPECENTES, MARÍLIA (2000) FONTE: BOLETINS DE OCORRÊNCIAS DA POLÍCIA CIVIL ORG.:S.A.F Assim como é importante analisar a participação desses segmentos (branco, pardo e negro) entre os criminosos, a sua distribuição pelos diversos crimes enquanto vítima (Tabela 9) também pode levar a conclusões interessantes: 31 BRANCA PARDA NEGRA TOTAL POP. % ROUBO % FURTO % HOM. % L.C. % ESTUPRO % 69,0 20,8 5,2 44,9 47,4 7,7 100,0 56,4 31,3 12,4 100,0 68,6 31,4 63,3 29,5 7,3 100,0 57,1 28,6 14,3 100,0 100,0 TRÁFICO ART.12 % 61,3 28,9 9,9 100,0 PORTE/USO ART.16 % 68,4 25,9 5,7 100,0 TOTAL % 61,5 30,3 8,3 100,0 TABELA 8. DISTRIBUIÇÃO DE CRIMINOSOS, POR COR E CRIMES-MARÍLIA (2000) FONTE: BOLETINS DE OCORRÊNCIAS DA POLÍCIA CIVIL ORG.:S.A.F. COR/RAÇA POP. ROUBO FURTO HOM. L.CORP. ESTUPRO TOTAL BRANCO % 69 % 84,5% % 89,6% % 60,0% % 75,2% % 69,2% % 85,7% PARDO 20,8 11,2% 7,5% 32,0% 20,1% 23,1% 11,0% NEGRO 5,2 2,8% 2,0% 8,0% 4,5% 7,7% 2,6% AMARELO 1,5% 0,8% 0,0% 0,1% 0,0% 0,7% TOTAL 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% TABELA 9. DISTRIBUIÇÃO DAS VÍTIMAS, POR COR E CRIMES-MARÍLIA (2000) FONTE: BOLETINS DE OCORRÊNCIAS DA POLÍCIA CIVIL ORG.:S.A.F. 1. Alguns crimes têm inegáveis relações sócio-econômicas: nos crimes contra o patrimônio, a participação é quase exclusiva do branco sendo a modalidade que tem o menor índice de vitimização do negro e mesmo do pardo; 2. O homicídio é o único crime em que a vitimização do branco (60%) é menor que a sua representatividade na população (69%). Em contrapartida, é o crime que mais atinge o pardo, vitimando-o 1,5 vez mais que a sua participação na população (32% das vítimas para 20,8% da população); 3. No estupro, embora a vitimização seja mais equilibrada em relação à representatividade de cada segmento na população total, atinge mais o negro e o pardo. Na pesquisa anterior, realizada para o período de 1985-93, onde se trabalhou apenas com dados dos Inquéritos Instaurados, não encontramos a mulher negra, mas uma forte presença da parda entre as vítimas de estupro. Com relação à mulher parda, especulamos, na ocasião, a veiculação da imagem da mulata com o sexo e, em relação à negra, a ausência pode ser conseqüência da sua humildade ou falta de coragem em denunciar, em virtude do tratamento discriminatório recebido nas delegacias de polícia. Mesmo na Delegacia de Defesa da Mulher, a negra não foi encontrada nos registros desse crime (houve um caso, apenas, de inquérito, no período analisado). 32 Portanto, diante das informações atuais dos Boletins de Ocorrências (Tabela 9), onde a vitimização das mulheres negras e pardas mostrou-se significante sobre a sua representatividade na população total, pode-se especular que apesar de haver ocorrência de estupro entre elas, as investigações não prosperam. Se mesmo no local apropriado para investigações desse crime (D.D.M.) houve sub-representação estatística, tanto é possível concluir que a mulher negra não cobra os seus direitos ou que as autoridades policiais realmente a descriminam ao não transformar sua queixa em inquérito. A participação diferencial de alguns segmentos da população no universo criminal pode estar simplesmente reproduzindo situações de desigualdade social. Essa investigação nos encaminha para uma reflexão sobre as condições estruturais de vida do criminoso, com informações adicionais através da análise das suas profissões. 5. Profissão/Ocupação De um modo geral, os estudos criminológicos investigam exaustivamente as condições sócio-econômicas dos envolvidos, associando-as à vulnerabilidade ou não ao delito, especialmente nos cometidos contra o patrimônio. Entretanto, a relação entre pobreza e crime, especificamente, tem sido combatida com base em argumentos de que se a pobreza fosse pré-condição da criminalidade a grande maioria dos pobres seria criminosa, admitindo-se a tese da maior utilidade dos comportamentos criminosos para os indivíduos desse estrato social. Outros consideram que não é a pobreza em si que conduz à violência, mas a desigualdade social. Há ainda os que consideram ser a violência o resultado da associação entre trabalho escasso e mal remunerado (ou simplesmente a sua ausência), e a falta de perspectivas na reversão dessa situação. A tese de associação entre pobreza e criminalidade é considerada, por 19 Coelho , metodologicamente frágil, politicamente reacionária e sociologicamente perversa, por ser “nutrida” pelas evidências das estatísticas oficiais, por não explicar as diferenças de criminalidade entre os sexos ou entre as idades, e nem justificar a relação inversa entre taxa de desemprego e delinqüência juvenil. Por outro lado, avaliar a relação entre crime e condição sócio-econômica é impossível pelos registros criminais que contemplam apenas, e quando contemplam, a profissão dos envolvidos. Além de ser uma informação escassa, há muita confusão entre as denominações profissão, função, ocupação, cargo etc. Desse modo, agrupamos as 19 COELHO, E. C., “Sobre Sociólogos, Pobreza e Crime”, DADOS – Revista de Ciências Sociais, 23(3), p. 377383, 1980. 33 respostas em duas categorias de atividades (economicamente ativa e economicamente nãoativa). As primeiras foram divididas em setores (áreas de atividades) por dificuldades de identificações específicas e, em alguns casos, quando julgamos interessante destacar, agrupamos algumas atividades criando uma nova categoria - Profissional Liberal. O Profissional Liberal mereceu tratamento individualizado por conter algumas atividades diferenciadas no aspecto econômico como advogados, médicos, fisioterapeutas, psicólogos, engenheiros e outros. Além disso, pelo fato de ser um segmento diferenciado pela renda, permitiria algumas análises interessantes no aspecto comportamental em relação à criminalidade. O resultado foi a agregação em tipos de atividades, quando foi possível realizá-la, conservando-se algumas informações genéricas exatamente como constavam nos registros, como por exemplo: serviços gerais e trabalho Informal. Assim, analisando a Tabela 10, tem-se: ATIVIDADES (Economicamente Ativas) Construção Civil Comércio Serviços Gerais Trabalhador Doméstico Indústria Trabalho Informal Outros Segurança Transportes Área de Educação Área de Saúde Área Administrativa Profissional Liberal SUB-TOTAL ATIVIDADES (Economicamente Não-Ativas) Desempregado Estudante Do Lar Aposentado SUB-TOTAL TOTAL Patrimônio 20,2% 10,2% 11,2% 2,8% 1,6% 1,6% 1,6% 0,6% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 49,7% Patrimônio Pessoa 20,7% 16,7% 11,6% 4,0% 7,3% 0,8% 4,0% 4,3% 0,5% 0,3% 0,3% 1,8% 1,3% 73,5% Pessoa Drogas 28,7% 11,5% 9,5% 4,6% 1,0% 1,0% 2,1% 1,3% 1,3% 0,5% 0,5% 1,3% 0,5% 63,8% Drogas Costumes 28,6% 14,3% 28,6% 0,0% 14,3% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 85,7% Costumes Total 261 145 121 43 39 12 29 24 7 3 3 12 7 706 Total % 23,4% 13,0% 10,9% 3,9% 3,5% 1,1% 2,6% 2,2% 0,6% 0,3% 0,3% 1,1% 0,6% 63,3% % 36,3% 9,9% 3,4% 0,6% 50,3% 9,6% 11,4% 4,8% 0,8% 26,5% 19,0% 12,6% 4,1% 0,5% 36,2% 0,0% 14,3% 0,0% 0,0% 14,3% 229 127 46 7 409 20,5% 11,4% 4,1% 0,6% 36,7% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 1115 100,0% TABELA 10. DISTRIBUIÇÃO DOS CRIMINOSOS POR ATIVIDADES E DELITO (2000) FONTE: REGISTROS CRIMINAIS DA POLÍCIA CIVIL ORG.:S.A.F. 34 1. Os trabalhadores da construção civil constituem quase ¼ dos criminosos (23,4%), especialmente em crimes contra os costumes e tráfico de entorpecentes, constituindo mais de 28% dos indiciados por esses delitos; 2) Os desempregados, considerados potencialmente criminosos pela maior parte da literatura, ocupam o 2º lugar na criminalidade em geral. Entretanto, se consideradas as profissões individualmente (não agrupadas), estão em 1º lugar nos crimes cometidos contra o patrimônio, constituindo 36,3% dos criminosos; 3) Em terceiro lugar, na criminalidade geral, vêm os trabalhadores do comércio com 13%, destacando-se nos crimes contra a pessoa (16,7%) e contra os costumes (14,3%); 4) Ressalvas devem ser feitas a alguns registros de atividades: ao declarar a profissão, no momento da apreensão, o indiciado não necessita apresentar sua carteira de trabalho (o que é exigido sempre que a apreensão é eventual, normalmente em locais públicos, para averiguação). Desse modo, os índices relativos aos serviços gerais merecem análise mais cuidadosa, pois podem estar superestimados pela necessidade de se assumir um emprego. Também, é uma atividade com intervalos de ocupação e, não raramente, eventual e temporária; 5) Por outro lado, os índices de desempregados podem estar subestimados em função de atitudes discriminatórias por parte da polícia - ele só assume que é desempregado se assim o quiser. Do mesmo modo, o comerciante pode ser um desempregado com alguma ocupação eventual tipo comércio de doces em semáforos, venda de pequenos objetos adquiridos no 20 Paraguai etc. ; 6) Sobre o tráfico de entorpecentes, embora seja bem mais significativa a participação de trabalhadores da construção civil (28,7%), de desempregados (19%) e de estudantes (12,6%), merece destaque a participação de mulheres que não exercem profissão (do lar). Embora constituindo apenas 4,1% dos criminosos, esse índice é bem alto 20 Quando foi possível identificar exatamente a ocupação desses indiciados, eles foram incluídos no item trabalhador informal. 35 considerando a sua baixa participação na criminalidade geral e ser um crime que até pouco tempo fugia totalmente do seu universo, conforme observações anteriores. O quadro geral de atividades dos indiciados fornece elementos para afirmar que realmente são os empregados nas funções menos qualificadas (ou com menos especialização) os que mais cometem crimes em geral, como trabalhadores da construção civil e do comércio. Por outro lado, a análise individualizada delineou o perfil de cada criminoso em relação ao delito. Nos crimes contra a propriedade tem-se destacadamente a liderança dos desprovidos economicamente, como os trabalhadores da construção civil (especialmente os serventes de pedreiro) e os desempregados/desocupados. De certo modo, essas são indicações de desigualdade social (correção dos disparates econômicos), como quer a maioria dos especialistas. Ainda nessa linha de investigação da relação entre características pessoais dos criminosos e diversidade delitiva, as informações da sua procedência podem contribuir um pouco mais para o delineamento do seu perfil. 6. Origem A literatura em geral, particularmente a sociológica, considera o migrante com problemas de adaptação, especialmente o recente e de repetição (incluindo o intra-urbano) que não estabelece raízes, e o de segunda geração, por questões referentes a conflitos 21 culturais entre os valores familiares e do novo ambiente . O migrante de primeira geração é considerado mais sossegado, apolítico e crente nos valores morais de seu grupo de origem (Perlman, 1977). Como foi impossível obter informações sobre o tempo de residência dos criminosos na cidade, investigamos a sua naturalidade, mesmo cientes de que ele poderia apenas ter nascido num espaço diverso e vindo para o município muito jovem. Entretanto, essa é a única informação disponível. Para avaliar a participação de cada segmento migrante na criminalidade, foram calculados os índices das duas modalidades criminais 21 A tese de “Segunda Geração” foi defendida principalmente por HUNTINGTON (1968), TILLY (1968), WEINE (1961) E SOARE (1964), conforme Janice E. PERLMAN (1977), p.162 36 (crime contra o patrimônio e pessoa) e da população residente em Marília em 1980. (Tabela 11) PROCEDÊNCIA ESTADO DE SÃO PAULO REGIÃO SUDESTE (outros Estados) REGIÃO NORDESTE REGIÃO CENTRO-OESTE REGIÃO SUL REGIÃO NORTE OUTROS TOTAL PATRIMÔNIO % 91,0 0,9 PESSOA % 85,3 2,4 ENTORPECENTES POP. RESIDENTE % % 89,2 83,13 0,5 4,43 2,3 2,3 3,2 0,3 4,5 1,3 6,4 0,0 1,4 2,7 6,3 0,0 100,0 100,0 100,0 6,75 0,48 3,05 0,16 2,00 100 TABELA 11. PARTICIPAÇÃO DA POPULAÇÃO RESIDENTE EM CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO E CONTRA A PESSOA, MARÍLIA (2000) FONTES: REGISTROS DA POLÍCIA CIVIL IBGE - CENSO DEMOGRÁFICO (1980) ORG.:S.A.F. Por essa análise geral percebe-se que a maior parte dos criminosos é do próprio Estado de S. Paulo, contribuindo relativamente com mais criminosos contra o patrimônio (91%), que sua própria população de origem (83,13%). O mesmo ocorre com os crimes violentos, embora com taxas de criminosos (85,3%) menores que as dos crimes contra o patrimônio, porém, ainda assim maiores que as da população residente (83,13%). As informações da Tabela 11 conduzem a conclusões absolutamente contraditórias ao senso comum que considera o nordestino potencialmente criminoso, e o sulista “cordial”, “educado”, “bem sucedido” e de “paz”. Nas três modalidades (patrimônio, pessoa e entorpecentes), apenas os migrantes originários das regiões Centro-Oeste e Sul superaram os índices da sua população residente. Os migrantes da região Norte tiveram destaque somente nos crimes contra o patrimônio. Excetuando os migrantes dos demais estados da região Sudeste, o nordestino é o que mais contradiz os argumentos de sua participação em crimes que visem a sua sobrevivência, pelo menos entre os habitantes de Marília. Assim, excetuando-se Marília e as demais regiões do Estado de S. Paulo, o maior destaque, entre os criminosos, são os nativos das regiões Centro-Oeste e Sul. Isso evidencia a segregação sofrida pelo nordestino e que se contrapõe à “boa imagem” do sulista. Não é incomum ouvir-se certas expressões ofensivas ao nordestino (“baianada”, por exemplo), para classificar atitudes social e politicamente incorretas. Mesmo sem informações sobre a última residência dos envolvidos, essa análise permitiu uma visão geral da sua procedência (local de nascimento) e uma avaliação 37 da participação de cada segmento nos diversos delitos. Se houvesse informações sobre a origem dos seus pais, talvez o panorama fosse outro e se confirmassem as investigações sociológicas que afirmam serem mais problemáticos os descendentes, que os próprios migrantes. 7. Instrução Análises relacionadas à escolaridade são problemáticas, pois além de ser uma informação rara, normalmente é incompleta, e muitas vezes limitam-se a anotações de alfabetizado e analfabeto. Porém, como é uma variável muito importante nas investigações criminais e por falta de outra alternativa, utilizamos exatamente da forma como se apresentou nos Boletins de Ocorrências. Pelas informações dos B.O´s, a grande maioria dos criminosos tem instrução elementar (80,2%), sendo 1,7% analfabetos ou apenas sabendo ler e escrever, e 62,7% com apenas alguns anos de estudos, não tendo chegado a completar o 1º grau. Porém, o que mais se destaca nessa análise é a instrução relacionada à cor do criminoso e a participação diferencial na tipologia criminal. De um modo geral, apenas os brancos têm mais que o primeiro grau. Os negros têm apenas educação elementar, da mesma forma que os pardos, excetuando-se uma parcela ínfima que completou o 2º grau. CONTRA O PATRIMÔNIO BRANCA ANALFABETO 1º GRAU INCOMP. 1º GRAU 2º GRAU INCOMP. 2º GRAU SUPERIOR INCOMP. SUPERIOR PARDA 61,3% 22,5% 5,0% 3,8% 7,5% 76,1% 23,9% 100,0% 100,0% NEGRA CONTRA A PESSOA BRANCA PARDA NEGRA 42,6% 76,9% 8,5% 69,2% 57,1% 23,1% 19,1% 23,1% 28,6% 12,8% 5,1% 5,3% 2,6% 14,3% 9,6% 2,1% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% ENTORPECENTES BRANCA PARDA PARTIC. NEGRA 0,5% 3,9% 18,2% 62,3% 70,1% 72,7% 10,1% 9,1% 4,5% 11,1% 14,3% 4,5% 7,5% 2,6% 5,0% 3,5% 100,0% 100,0% 100,0% TABELA 12. GRAU DE INSTRUÇÃO DOS PRESOS, POR COR E CRIME. FONTE: FICHAS CADASTRAIS DOS PRESOS DA CASA DE DETENÇÃO TOTAL 1,7% 62,7% 15,8% 7,7% 6,2% 2,9% 2,9% 100,0% ORG.: S.A.F. Esses resultados, apesar de serem originários de dados de Boletins de Ocorrência, não diferem muito dos encontrados em uma pesquisa realizada no segundo semestre de 1995, na Casa de Detenção de Marília. Para uma população carcerária de 520 presos, analisamos 209 fichas cadastrais, portanto, uma amostra equivalente a 40,2% do total. 38 Sobre os criminosos que cumpriam pena naquele período, tem-se o seguinte resultado: • Enquanto o crime mais cometido pelo branco foi o tráfico de entorpecentes (23%), o do pardo é o assalto (25%) e o do negro é o furto (36%). • Em contrapartida, o branco cometeu menos estupro (3%); o pardo, estelionato (4%); e não havia um único negro cumprindo pena por tráfico de entorpecentes e homicídio simples (há alguns casos de latrocínio, porém, embora seja um crime de morte, é classificado como crime contra o patrimônio pelo Código Penal Brasileiro). • Os principais delitos cometidos pelos negros relacionam-se a coisas materiais, totalizando (88%): 36% estão presos por furtos, 20% por assaltos, 16% por latrocínio, 8% por roubo e 8% por estelionato. Apenas 12% estão presos por crime cometido contra a pessoa, que é o estupro. Outra revelação dessa análise foi a forte relação entre grau de instrução e o tráfico de entorpecentes (100% dos presos com o 3º grau completo eram traficantes). Além disso, do total de crimes cometidos por presos com instrução equivalente ao 2º e 3º graus, 36,4% eram dessa atividade delitiva (tráfico de entorpecentes). Ainda nesse contexto (2º e 3º graus), 54,6% estavam cumprindo pena por assalto, furto e roubo (18,2% para cada uma das modalidades) e 9% por estelionato. Há ainda alguns outros detalhes: • A população carcerária compunha-se predominantemente de não-brancos (71%), sendo 46% de pardos e 25% de negros; e com educação elementar; • Apenas 5% dos presos possuíam bens econômicos de valor significativo (no Estado de S. Paulo era apenas 1%, conforme o Censo Penitenciário realizado em 1994); • Nenhum preso declarava imposto de renda (no Estado, 1%); • 95,2% recebiam assistência jurídica do Estado (no Estado eram 95%). Detalhes estes que provocam questionamentos segregacionistas e algumas especulações: 1º. Os criminosos provêm, realmente, das categorias sócio-econômicas mais baixas; 2º. Rico não comete tanto crime ou não vai para a cadeia; 3º. Os pobres são tão mal assistidos, juridicamente, que são os únicos que permanecem presos. 39 CAPÍTULO II OS ESPAÇOS DO CRIME, CRIMINOSOS E ALGUMAS CARACTERÍSTICAS DA POPULAÇÃO RESIDENTE. I. INTRODUÇÃO Pela literatura, as ofensas podem ser espacialmente identificadas e relacionadas a um conjunto de fatores ambientais. Nesse contexto estão as idéias do espaço 22 defensivo (NEWMAN, 1972 ), onde a oportunidade é o estímulo básico. Dentro da teoria das oportunidades estão os fatores físicos (ambientais, os designs das construções que permitem maior ou menor acessibilidade) e os fatores sociais (a vigilância solidária das propriedades). Além desses, HERBERT (1982:55) adiciona o trabalho dos geógrafos sociais e da “labelling theory”, que fazem certas áreas da cidade adquirirem a “reputação” de criminais, aumentando a sua vulnerabilidade ao crime. Uma área “rotulada” como insegura pode se comportar de duas formas contraditórias: atrair mais ofensores ou, simplesmente, ter mais registros criminais (e não tanta criminalidade, de fato) apenas por contar com a presença constante da polícia. O que foi discutido no capítulo anterior reforça as posições de HERBERT. Ao se utilizar estatísticas oficiais pode-se sujeitar certas áreas a distorções, como se demonstrou na utilização de informações criminais da Polícia Civil, especialmente no que se refere à utilização de Boletins de Ocorrências. A observação dos padrões de crimes e criminosos está baseada no mapa urbano de Marília, dividido em 15 setores de bairros (Figura 9), conforme critérios já estabelecidos. Com dados criminais e demográficos obtidos junto à Polícia Civil e Projeto UNI, será analisada a relação entre criminalidade e algumas variáveis sócio-econômicas e demográficas. Para tanto, foi elaborada a tabela 14, que possibilitou o mapeamento da criminalidade, Figuras 09 a 18. Os valores da criminalidade baseiam-se, primordialmente, na relação crime/população residente em cada setor (referencial considerado mais próximo da realidade). Como complemento analítico, paralelamente também foi trabalhada a participação de cada setor de bairro na criminalidade total, percentualmente. (Tabela 13) 22 Mais informações sobre a Teoria do Espaço Defensivo de NEWMAN poderão ser obtidas In S. W. GREENBERG & W. ROHE (1984). 40 Assim, a partir do Banco de Dados com cerca de 6.500 B.O´s (Boletins de Ocorrência), foram confeccionados dez mapas de crimes registrados em Marília, no ano de 2000, assim distribuídos: • Criminalidade Geral (Figura 10); • Crimes Contra o Patrimônio (Figura 11); • Crimes contra a Pessoa (Figura 12); • Ocorrências relacionadas a Entorpecentes: tráfico, porte e uso (Figura 13); • Residência de Indiciados por Crimes Contra a Pessoa (Figura 14); • Residência de Indiciados por Crimes Contra o Patrimônio (Figura 15); • Residência das Vítimas por Crimes Contra a Pessoa (Figura 16); • Residência das Vítimas por Crimes Contra o Patrimônio (Figura 17); • Espacialização dos Homicídios – 2000 (Figura 18); • Crimes de furtos e roubos/veículos (em veículo e de veículo) - (Figura 19); É importante observar que o número indicativo da relação de indiciados por mil habitantes é muito baixo em função de estarmos trabalhando com dados dos boletins de Ocorrência, portanto, elaborado no momento em que a autoria desconhecida é muito significativa. CRIMINALIDADE GERAL POR SETORES DE BAIRROS CONTRA O PATRIMÔNIO CONTRA A PESSOA ENTORPECENTES (TRÁFICO E USO) ALTO CAFEZAL CASCATA / M. IZABEL SALGADO FILHO / CAVALLARI PALMITAL / SÃO MIGUEL COSTA E SILVA NOVA MARÍLIA MONTE CASTELO / PLANALTO CASTELO BRANCO / AQUARIUS SANTA ANTONIETA JÓQUEI CLUBE J.K. / PROL. PALMITAL BANDEIRANTES CALIFÓRNIA AEROPORTO ALTANEIRA 827 802 475 325 305 206 202 200 187 123 120 109 91 49 37 20,4% 19,8% 11,7% 8,0% 7,5% 5,1% 5,0% 4,9% 4,6% 3,0% 3,0% 2,7% 2,2% 1,2% 0,9% 75 98 65 93 48 65 98 43 59 47 27 24 24 7 5 9,6% 12,6% 8,4% 12,0% 6,2% 8,4% 12,6% 5,5% 7,6% 6,0% 3,5% 3,1% 3,1% 0,9% 0,6% 26 33 44 40 6 25 44 25 31 7 13 5 18 8 3 7,9% 10,1% 13,4% 12,2% 1,8% 7,6% 13,4% 7,6% 9,5% 2,1% 4,0% 1,5% 5,5% 2,4% 0,9% TOTAL 4058 100,0% 778 100,0% 328 100,0% TABELA 13. PARTICIPAÇÃO DE CADA SETOR DE BAIRRO NA CRIMINALIDADE TOTAL, NOS CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO, PESSOA E ENTORPECENTES FONTE: BOLETINS DE OCORRÊNCIAS DA POLÍCIA CIVIL ....................................ORG. S. A. F. CARACTERÍSTICAS GERAIS Nº SETORES DE BAIRROS INDICIADOS Favelas (F) Mortalidade Total Jovens Total Patrimônio Pessoa Patrimônio Pessoa Total de e/ou Áreas de Infantil (15-24 anos) B.O´s ‰ Hab. ‰ Hab. ‰ Hab. ‰ Hab. Hab. Risco (R) ‰ Hab. ‰ Hab. ‰ Hab. 1 Aeroporto 2 Altaneira 3 Alto Cafezal 4 Bandeirantes 5 Califórnia 6 Cascata / M. Izabel 7 Castelo Branco / Aquarius 5276 4640 12637 12940 4613 13970 — R — F/R F/R — 9770 — 8 Costa E Silva 9 J.K. / Prol. Palmital 10 Jóquei Clube 11 Monte Castelo / Planalto 12 Nova Marília 13 Palmital / São Miguel 14 Salgado Filho / Cavallari 15 Santa Antonieta 10843 11136 6336 15283 28197 20682 6857 20402 — F/R R F/R R F/R F/R F/R TOTAL / MÉDIA CRIMES 183.582 Total Jovens Indiciado Indiciados ‰ Hab. ‰ Hab. 154 176 179 182 189 177 14,2 10,8 82,1 12,1 31 74,7 9,29 7,97 65,44 8,42 19,73 57,41 1,33 1,08 5,93 1,85 5,2 7,02 0,19 0,65 2,61 0,85 3,03 1,82 0,76 2,37 3,64 1,47 3,69 1,86 0,95 3,02 6,25 2,32 6,72 3,68 13,53 7,35 24,28 5,51 21,79 11,76 184 30,9 20,47 4,4 1,13 1,84 2,97 12,78 14,7 33,7 23,8 10,89 14,3 25,15 10,8 188 200 187 170 207 186 189 197 37 16,7 30,9 25,8 12,2 25,3 92,5 15,5 28,13 10,78 19,41 13,22 7,31 15,71 69,27 9,17 4,43 2,42 7,42 6,41 2,31 4,5 9,48 2,89 1,75 0,9 1,1 4,38 1,63 1,84 4,52 1,37 1,66 2,42 6,16 4,97 2,16 3,38 5,69 1,57 3,41 3,32 7,26 9,35 3,79 5,22 10,21 2,94 7,37 8,99 10,95 38,09 11,14 22,64 40,09 15,71 14,53 184 34,12 24,12 4,44 1,87 2,74 4,61 16,8 16,1 15,54 12,8 19,35 6,32 TABELA 14. DISTRIBUIÇÃO, POR SETORES DE BAIRROS, DA POPULAÇÃO, DE JOVENS (15-24 ANOS), DOS CRIMES, CRIMINOSOS E VÍTIMAS POR 1000 HABITANTES E ALGUMAS CARACTERÍSTICAS ESPACIAIS DE MARÍLIA NO ANO DE 2000. FONTE: REGISTROS DA POLÍCIA CIVIL ESTIMATIVAS DEMOGRÁFICAS DO PROJETO UNI, 2000 ORG.:S.A.F. FIGURA 9 44 FIGURA 10 MARÍLIA 2000 CRIMINALIDADE GERAL NO SO NE SE SETOR SANTA ANTONIETA 15,54 SETOR J. K. PROL. PALMITAL 10,70 SETOR CASTELO BRANCO AQUÁRIUS 30,91 SETOR PALMITAL SÃO MIGUEL SETOR BANDEIRANTES 12,06 25,34 SETOR AEROPORTO 14,22 SETOR CALIFÓRNIA 10,78 SETOR ALTO CAFEZAL icip un eM sq u Bo al Ae ro p 31,00 orto SETOR ALTANEIRA 82,14 SETOR SALGADO FILHO CAVALARI C RO RES A SO De 10 a 20 > 20 a 30 > 30 a 40 > 70 a 80 > 80 a 90 > 90 a 100 P ES UN ÃO Ç DA N FU ES ID RÍP EU A ST ULI PA DA 74,73 E AD SID ER NIV -U ÍLIA AR M E D L UA AD EST AR IM UN - E AD SID ER IV UN Ocorrências/1000 Hab. SETOR CASCATA MARIA ISABEL A H 92,46 SETOR COSTA E SILVA PQ. SÃO JORGE 36,98 SETOR JÓQUEI CLUBE SETOR MONTE CASTELO PLANALTO 25,85 30,93 SETOR NOVA MARÍLIA 12,16 ESCALA 625 500 375 250 125 0 45 FIGURA 11 46 FIGURA 12 47 FIGURA 13 48 FIGURA 14 49 FIGURA 15 50 FIGURA 16 51 FIGURA 17 52 FIGURA 18 53 FIGURA 19 54 II. CRIMINALIDADE E QUALIDADE DE VIDA Existem, em princípio, dois enfoques básicos para abordar o tema das diferenças nos níveis de qualidade de vida, e que interessam diretamente a essa pesquisa: o sociológico e o geográfico. Do ponto de vista sociológico, é possível adentrar as questões sobre as diferenças e desigualdades dos diversos grupos sociais, a partir das relações estabelecidas e, conseqüentemente, da cultura por eles elaborada. Geograficamente, é possível apreender, de forma gráfica, as diferenças entre os lugares, particularmente quando pensamos as condições de vida no meio urbano. A integração entre estas duas perspectivas permite uma análise da qualidade e das condições de vida, muito mais aguda. Todavia, não elimina os inúmeros problemas que estão no interior do conceito de qualidade de vida. Pode-se dizer que este é um conceito vulnerável espacial e temporalmente, ou seja, sua determinação sempre estará sujeita às limitações dos indicadores. Hoje, ao pensar os níveis de qualidade de vida, vários investigadores estão afirmando que é impossível separá-los de uma discussão sobre a sustentabilidade: “preservar el capital natural... (se) requiere: que la utilización de nuestros recursos materiales, hídricos y energéticos renovables no supere la capacidad de los sistemas naturales para reponerlos; que la velocidad a la que consumimos recursos no renovables no supere el ritmo de sustentación de los recursos renovables duraderos: y que el ritmo de emissón de contaminantes no supere la capacidad del aire, del agua y del suelo de absorberlos y procesarlos. E pode coincidir que “los niveles de consumo de recursos em los países industrializados no puede ser alcanzados por la totalidad de la populación mundial, y mucho menos por las generaciones futuras, sin destruir el capital natural” (Carta de Aalborg, 1994)23. Para todos os efeitos de um possível questionamento, utilizaremos aqui o seguinte conceito de qualidade de vida: “... a qualidade e a democratização dos acessos às condições de preservação do homem, da natureza e do meio ambiente...”SPOSATI, 1996:71). Assim, o desenvolvimento humano para que possa ser “...a possibilidade de todos os cidadãos de uma sociedade, melhor desenvolverem seus potenciais com menor grau possível de privação e sofrimento e da possibilidade da sociedade usufruir coletivamente do mais alto grau da capacidade humana.” (Ibidem, p.89). Isto só pode ser alcançado por 23 Apud. GARCIA, Maria Célia. (1999). “Sustentabilidad urbana, calidad de vida y uso de recursos. Una reflexión en torno a las ciudades intermedias Latinoamericanas”. VELÁSQUEZ, Guillermo A. Y GARCIA, Maria C. Calidad de Vida Urbana. Aportes para su estudio en Latinoamérica. Tandil, Grafikart. 55 qualquer sociedade, se tomarmos em consideração a idéia de eqüidade, a partir do que nos sugere Sposati: “...o reconhecimento e a efetivação, com igualdade, dos direitos da população, sem restringir o acesso a eles, nem estigmatizar as diferenças que conformam os diversos segmentos que a compõem.” (ver p.105). As colocações acima são necessárias para marcar alguns pressupostos conceituais da qualidade de vida, tendo em vista a fragilidade do conceito. Portanto, a idéia de eqüidade social, particularmente no que diz respeito ao acesso aos bens públicos, como básica para reconhecermos as desigualdades sociais. As diferenças entre os lugares, mesmo quando as consideremos no interior de uma cidade como Marília, é necessário ter em conta a reflexão acima exposta. Desse modo, a análise da relação entre qualidade de vida e as áreas de maior ocorrência de crimes, pode fornecer alguns subsídios de fundamental importância para explicarmos estas ocorrências. Portanto, com os mapas elaborados, faremos uma análise relacionada a alguns itens de qualidade de vida, paralelamente às análises da dinâmica criminal, especialmente para os setores de bairros onde foram observadas as maiores ocorrências de crimes. Observamos que está previsto para a segunda fase do projeto a elaboração dos “Mapas da Inclusão/Exclusão de Marília/2001-02” (Projeto Anexo), com os quais poder-se-á elaborar análises mais completas sobre a relação entre crime e qualidade de vida. Assim, numa análise geral dos mapas de criminalidade relativos à população residente (Figuras 09 a 18) percebe-se, imediatamente, a graduação delitiva no espaço urbano de Marília, das imediações da região central em direção à periferia, com destaque para a região centro-oeste, onde está localizado o câmpus universitário, setor denominado Salgado Filho/Cavallari. Apenas os delitos violentos fogem um pouco desse padrão de comportamento (Figura 12), com destaque para setores de bairros mais periféricos como o Setor Jóquei Clube, mas também com valores muito alto na região central. Os itens que se seguem trazem as análises por tipologia criminal, conforme as respectivas figuras. 1. Criminalidade Geral – 2000 – Figura 10 Em ordem decrescente, os três setores com maiores ocorrências/1000 habitantes, são: setor Salgado Filho/Cavallari, com 92,46 ocorrências por mil habitantes; setor Alto Cafezal (Centro), com 82,14 ocorrências‰hab.; e setor Cascata/ Maria Isabel, com 74,73 ocorrências‰habitantes. 56 a. Setor Salgado Filho/Cavalari O setor de bairros denominado Salgado Filho/Cavalari é o que apresentou o maior índice de ocorrências de criminalidade da cidade. Sendo um setor altamente diversificado em seu nível sócio-econômico, educacional e de renda, apresenta desde bairros com alta renda (média de chefe de família - 22 salários mínimos24) nos bairros Jardim Acapulco e Salgado Filho, e bairros de renda muito baixa, como a maioria dos demais, com suas favelas e habitações auto-construídas. Também é diversificado o tipo de equipamentos e serviços públicos neste setor. A ocupação dessa região pode explicar a distribuição desses equipamentos e dos serviços, pois, a área anterior ao cemitério e próxima a Vila Jardim e Salgado Filho, são áreas de ocupação mais antigas e distintas, economicamente. Contudo, são áreas que foram paulatinamente supridas em suas demandas sociais. As áreas próximas do Bairro Cavalari e Jardim Acapulco são de ocupação mais recente, com inúmeros problemas urbanísticos, os quais refletem diretamente na qualidade de vida. São muitas áreas vazias, com infra-estrutura implantada, provocando um desperdício de utilização dessa infra-estrutura. Existem bairros com boa qualidade de urbanização, com construções novas, especialmente aquelas destinadas aos estudantes universitários. Os contrastes estão sempre presentes neste setor, inclusive no que se refere à presença dos moradores em suas residências. Nas áreas contíguas ao Jardim Cavalari e nele próprio, a população, em sua maior parte, se ausenta durante o dia, caracterizando um bairro tipicamente “dormitório”. Enquanto há bairros com população de renda muito alta, como o Acapulco (renda média dos chefes de domicílio = 22 salários), há espaços de favelas e áreas de risco, com esgoto a céu aberto. Para se ter uma idéia das condições de vida da população do setor, a mortalidade infantil é a mais alta do município (25,15‰), mesmo considerando ser um índice médio com população de situação sócio-econômica tão dispare. Historicamente, esse setor abrange espaços com problemas sociais muito específicos. Desde o final da década de 50 até início de 80, essa região abrigou a zona do meretrício da cidade, com muitos distúrbios sociais e com a concentração dos maiores 24 Todas as informações sobre a Renda Média dos Chefes de Famílias foram obtidas em tabulação especial, por setores censitários, Censo Demográfico de 1991. 57 índices de criminalidade. Com o processo de desativação e a ampliação do cemitério municipal que se localizava em área contígua ao bairro (Realengo), houve uma pulverização desses problemas para os demais bairros vizinhos que passaram a abrigar a população daquele. Há fatos curiosos, reportados pelos jornais da época, da exposição de placas indicativas de “casa de família” nas portas das residências, providenciadas pelos moradores antigos que se viam invadidos por uma nova e indesejável vizinhança (as prostitutas). Sobre a criminalidade atual, especificamente, embora esse setor abranja uma parte do centro da cidade, constitui-se num desvio na dinâmica criminal dos demais espaços urbanos, que têm o centro como a região de maiores índices criminais. Essa região lidera todos os índices criminais e de quaisquer delitos (contra o patrimônio, pessoa e entorpecentes) e ainda ocupa o segundo lugar nos furtos/roubos de veículos. Pelas suas características, este setor denota ser uma região em crescimento demográfico e de urbanização, com certas especificidades: além de apresentar áreas de ocupação e de urbanização consolidada, também apresenta áreas onde tudo é novo, o que vai requerer, num futuro próximo, investimentos públicos generalizados. b. Setor Alto Cafezal (Centro) O setor de bairro denominado Alto Cafezal é um bairro central e o mais antigo da cidade. É neste bairro que a cidade nasceu, praticamente. A extensão deste setor é considerável, mas sua localização é central, sendo que o uso dos equipamentos e serviços públicos é feito nos poucos existentes nas áreas centrais e naquelas de fácil acesso, a partir do centro. O Alto Cafezal é um bairro com 13.056 habitantes, aproximadamente. Segundo as estimativas do Projeto UNI, o bairro está perdendo população, pois em 1998 estava com 13.474 habitantes. Este setor caracteriza-se por incorporar pequenas áreas, no seu interior, consideradas “degradadas”, ou seja, aquelas onde é praticada a prostituição. Esta área da cidade tem uma história permeada por aventuras, crimes, prostituição. Pouco dessa história permanece no bairro. Em virtude disso, seu desenvolvimento não se deu como em outras áreas. Pois, a sua localização central e a persistência em suas características socioeconômicas não permitiram que o setor evoluísse para uma situação mais satisfatória de qualidade de vida. 58 Este setor, constituído por bairros centrais, perdeu a dinâmica de sua força com o surgimento de novos bairros que ofereceram vantagens de localização, de locomoção e de ocupação que superaram aquelas existentes naqueles antigos bairros. De forma geral, as regiões centrais passam por processos de desvalorização, no seu todo ou em parte, seguindo a lógica do capital imobiliário. O resultado disso tem dupla direção: 1) a degradação em algumas áreas (prédios sem manutenção, abandono, ausência de investimentos públicos, etc.) e 2) a especulação imobiliária cria áreas reservadas para investimentos futuros, geralmente para a verticalização. A característica do setor do Alto Cafezal é comum nas cidades que passam por um crescimento, expandindo as suas zonas periféricas. Esse crescimento é invariavelmente realizado em detrimento de uma zona central ou parte dela, como é o caso do Alto Cafezal: lá está a maioria dos cortiços. O resultado é o empobrecimento da zona central, acarretando sérias conseqüências no que se refere à qualidade de vida. Dividindo-se esse setor em duas partes, no sentido Norte-Sul, tem-se, na sua porção leste, os estabelecimentos comerciais, alguns serviços assistenciais como o Escritório Regional e Posto de Saúde, os serviços dos Correios, TELESP, Estação Rodoviária, a maior parte dos restaurantes e casas de entretenimento da cidade, e outros locais de concentração de pessoas como o Espaço Cultural. Na porção Oeste, tem-se, basicamente, residências de baixo padrão, incluindo uma região bem deteriorada que abrigou a zona do meretrício, até o final da década de 50, conhecido como “Bairro do Querosene”. Enquanto os chefes de domicílio da parte leste do setor recebiam em média 9.2 salários mínimos, os da parte oeste recebiam por volta de 3 salários, bem abaixo da média da cidade (4,6 salários/chefe de domicílio, 1991). A amplitude salarial do setor chegava a 9,34 salários, onde o menor era 2,86 e o maior 12,2. Do mesmo modo, e obviamente, também o nível de moradias é discrepante entre as duas partes que compõem o setor. Enquanto na parte leste a média de cômodos chegava, em 1991, a 8,13 por domicílio (1,5 pessoas/dormitório e 2,09 banheiros/domicílio), na oeste, no setor mais pobre, tinha-se a média de 4,9 cômodos (2,06 pessoas/dormitório) e exibia média abaixo de 1 banheiro por domicílio (0.96). Neste setor aconteceram 20,4% dos crimes cometidos contra o patrimônio em toda a cidade, também como resultado de oportunidades (centro comercial), e a quase totalidade das ocorrências relacionadas à prostituição, concentradas em pouco mais de 05 quadras, nos espaços comerciais, escuros, sujos e deteriorados. 59 Entretanto, quando a análise é relativa ao número de população residente, ele passa a ocupar o 2º lugar na criminalidade geral, perdendo para o setor Oeste (Salgado Filho/Cavallari). Esse resultado contradiz a maioria absoluta de pesquisas desenvolvidas no mundo inteiro, onde as áreas mais centrais são as de maiores índices em função das oportunidades e da qualidade de vida e perfil da população residente. Entretanto, o Setor Salgado Filho/Cavallari concentra um grande contingente de estudantes universitários, especialmente no Bairro Cavallari, não computado no total de população da cidade, e que, na análise relativa por mil habitantes, maximiza os índices criminais. c. Setor Cascata/Maria Izabel O setor denominado Cascata/Maria Isabel teve sua origem no bairro Cascata, em 1933. Portanto, por ser de ocupação antiga e pela proximidade com a área central da cidade, privilegiou, particularmente, o Cascata, no que se refere a equipamentos e serviços públicos. Este setor é composto por uma população homogênea nos níveis de renda (a média salarial dos chefes de família ficava acima de 12 salários mínimos) e com níveis adequados de serviços públicos. Não possui favelas ou áreas de risco, o que implica em menor pressão de demanda por serviços e equipamentos públicos. Além disso, sua população é preponderantemente composta por pessoas adultas, acima de 15 anos, cujo percentual populacional do setor corresponde a 81,7 %. Os bairros mais afastados desse núcleo central – Cascata e Maria Isabel -, ainda usufruem dos serviços públicos ali existentes, em que pese a predominância de segmentos sociais de renda relativamente alta, quando comparados com outros setores. É constituído por profissionais de nível médio, técnico e superior, principalmente por profissionais liberais (Carta Sanitária, 1998). Atualmente, o setor Cascata/Maria Isabel possui uma população de 14 mil habitantes, aproximadamente, com uma taxa anual de crescimento de 1,0 %, e sem registro de mortalidade infantil.25 No aspecto criminalidade, é o setor que ocupa o terceiro lugar na criminalidade geral, com bastante furto residencial e de veículos (Figura 14), pelas próprias características de concentração de riqueza. 25 Dados estimados para o ano 2000, fornecidos pelo Programa UNI. 60 Em contrapartida, também é um setor com altos índices de crimes contra a pessoa, característico de espaços de população com baixa renda. Isso se explica pela alta concentração de serviços públicos na sua porção oeste, nas imediações do centro, como a Estação Ferroviária, o Terminal de Ônibus Urbano e a sede da FUMARES (Fundação Mariliense de Recuperação Social - órgão de assistência aos indigentes), todos localizados na mesma quadra. Ainda há o Albergue Noturno e alguns outros serviços assistenciais como os “marianos”, grupo vinculado à Igreja Católica que distribui alimentos e roupas. Distribuídos pelo setor, há inúmeros estabelecimentos comerciais (shopping, supermercados, bares, restaurantes, hotéis, etc.), órgãos públicos (Hospital, Estação de Tratamento de Água, Secretaria Municipal da Saúde), além de locais de alta concentração populacional (Estádio Municipal e Clubes). 2. Criminalidade Contra o Patrimônio – 2000 – Figura 11 Tradicionalmente, as ocorrências de crimes contra o patrimônio concentramse nas áreas centrais, como resultado de oportunidades (centro comercial onde há muito furto e estelionato, através de emissão de cheques sem fundos) e nos bairros de residência de população de classes mais abastadas, economicamente. Em Marília, essa concentração confirma o comportamento geral, sem necessidades de observações mais detalhadas. Novamente, o setor oeste (Salgado Filho/Cavallari) destaca-se com uma forte incidência de furtos residenciais, especialmente em feriados prolongados e férias escolares, e em espaços ocupados pelos estudantes universitários. Além disso, o setor contém o bairro com a maior renda média dos chefes de família (Jardim Acapulco), conforme observações anteriores. Entretanto, analisando as ocorrências no total da cidade, sem relação com a população residente, é o setor Cascata/Maria Izabel que se destaca em segundo lugar, também como resultado de oportunidades (abrange uma parte do centro comercial, próximo ao terminal Rodoviário Urbano) e de concentração de valores, visto que contém bairros de classe média e alta, como o Jardim Tangará. A graduação das ocorrências, pelo número de habitantes, se faz do centro em direção à periferia, com um leve desvio no setor Castelo Branco/Aquarius. Novamente, a análise precisa ser particularizada, pois o Bairro Aquarius é composto por residências de alto padrão e com chefes de famílias com renda média acima de 13 salários mínimos. 61 3. Criminalidade Contra a Pessoa – 2000 – Figura 12 Coincidentemente, as ocorrências de crimes contra o patrimônio e contra a pessoa são maiores nos mesmos setores que possuem as maiores ocorrências de criminalidade geral, com exceção do bairro Jóquei Clube, localizado no setor de mesmo nome. O Jóquei Clube é um setor predominantemente popular, seus trabalhadores moram em conjuntos habitacionais e em casas construídas em processo de “autoconstrução”, ou seja, construídas pelos próprios trabalhadores, em suas horas de folga. A inserção desse bairro entre os demais, mais centrais, confirma a dinâmica criminal encontrada por pesquisadores que trabalham a relação crime/espaço. Segundo esses estudos, os espaços periféricos, com população de baixas condições de vida são os que apresentam os maiores índices de criminalidade que envolve relações pessoais. Paralelamente aos índices de crimes contra a pessoa, a análise da residência dos criminosos (Figura 14) e da residência das vítimas desse crime permite concluir que essa é uma modalidade que envolve relações pessoais muito próximas e entre pessoas com características sócio-demográficas muito semelhantes. Além disso, em pesquisa anterior (FELIX, 1996, p.286), constatamos que 72,8% das ocorrências de homicídio e tentativa aconteceram dentro do mesmo setor de bairros e cerca de 80% envolveram relacionamento anterior ao crime, entre os envolvidos. A qualidade de vida nesses setores de maior ocorrência de crimes contra a pessoa pode, em termos mais gerais, estarem articulados na medida em que pensamos no papel fundamental das políticas públicas, enquanto possibilidade de promover a equidade, reduzindo as diversas fontes da desigualdade social. Os investimentos em políticas sociais, pelo poder público, isoladamente, não conseguirão grandes êxitos. Torna-se necessário ampliar o debate sobre essas questões, no sentido de criar e estimular novos espaços públicos, onde o cidadão exporá o seu interesse comunitário. Além disso, uma cidade como Marília não pode prescindir de um Plano Diretor Urbano, aliado às possibilidades oferecidas pelo “Estatuto da Cidade”. Ao aliarmos a qualidade de vida às questões públicas, bairros como o Jóquei Clube terão resolvido grande parte dos seus problemas e, elevando o nível de qualidade de vida, bem como, debatendo suas necessidades de modo amplo, evitarão as soluções pontuais ou de curto alcance. O que se está sugerido nesta argumentação é a necessidade de também direcionarmos o enfoque sobre o crime para as políticas públicas. 62 Ao adotarmos o debate sobre as políticas públicas, no conjunto de intervenções para a redução da criminalidade, faz-se necessário incluir e ampliar as ações do Estado no que tange às políticas sociais. Todavia, isto não implica em associar a pobreza ao crime, pois “desigualdade e pobreza sempre caracterizaram a sociedade brasileira e é difícil argumentar que apenas elas explicam o recente aumento da criminalidade violenta. Na verdade, se a desigualdade é um fator explicativo importante, não é pelo fato de a pobreza estar correlacionada diretamente com a criminalidade, mas sim, porque reproduz a vitimização e a criminalização dos pobres, o desrespeito aos seus direitos e a sua falta de acesso à justiça”26. Quando observamos os mapas crimes contra a pessoa e crimes contra o patrimônio e relacionamos com os dos indiciados por crime contra a pessoa e indiciados por crime contra o patrimônio, verificamos que há uma correlação forte entre os dois primeiros e entre os dois últimos. Seguramente, uma explicação de cunho mais abrangente, pode ser encontrada através da elaboração de um mapa da Inclusão/Exclusão de Marília, pois, a partir dele teremos incorporado algumas sugestões acima, ou seja, de como o poder público tem elaborado políticas que concebem e incorporam ao espaço físico a desigualdade social e, conseqüentemente, interferem na vida pública. Isso pode ser exemplificado através da pesquisa de vitimização27, a qual sugere que a população de Marília, de modo geral, faz uso intensivo dos equipamentos e serviços públicos existentes. Isto implica ter como hipótese que esta população depende da forte presença do Estado, em seus três níveis, na definição dos espaços públicos e nos níveis de qualidade de vida. 4. Entorpecentes – 2000 – Figura 13 A análise do mapa de entorpecentes não produz grandes surpresas para quem conhece Marília. A concentração dessas ocorrências no setor de bairros Salgado Filho/Cavallari e imediações (Setor Califórnia), apenas confirma o alto consumo de drogas entre os estudantes universitários. No setor Salgado Filho/Cavallari localiza-se o campus universitário, com duas universidades e uma faculdade, abrigando durante o ano letivo, mesmo que por determinados períodos do dia, cerca de 15 mil estudantes. Da mesma forma, nos seus arredores fica a maior parte das residências de estudantes (repúblicas). 26 CALDEIRA, Teresa Pires do Rio. 2000. Cidade de Muros. Crime, segregação e cidadania em São Paulo. São Paulo, editora 34/Edusp. P.134 27 Ver Relatório da Pesquisa de Vitimização, parte integrante desse Projeto. 63 III. ESPAÇOS DOS CRIMINOSOS Grande parte da bibliografia criminal traz informações sobre as atitudes diversificadas dos criminosos, conforme a tipologia criminal. Assim, tem-se que os crimes cometidos sem muito planejamento (ou premeditação), o desarmado e os pequenos furtos e roubos, ocorrem mais nas proximidades da residência do ofensor do que o programado com antecedência, armado e onde o seu produto é mais substancioso (como o seqüestro de pessoas, os assaltos a bancos e condomínios). Neste contexto estão também as ocorrências violentas que, normalmente, envolvem pessoas conhecidas (excetuando-se o crime organizado, praticado, por exemplo, por grupos de extermínio). Na pesquisa anterior28 que trabalhou apenas com Inquéritos Instaurados, portanto, com informações mais completas e confiáveis sobre as características dos envolvidos, constatou-se que a criminalidade tem comportamentos bem característicos, conforme a modalidade criminal. No homicídio, cerca de 65% dos envolvidos (ofensor e vítima) vivem muito próximos, com a seguinte distribuição, nos anos investigados (1985-93): • 35% moravam no mesmo bairro; • 23% morreram e mataram no próprio local de suas residências; • 38% dos indiciados mataram dentro do seu próprio bairro; e • 45% das vítimas morreram no mesmo bairro onde residiam. Entretanto, apenas 14% dos ladrões (roubo) atuaram dentro da sua vizinhança (bairro), e, curiosamente, desse total, tem-se: • Apenas 5% roubaram os moradores do seu bairro; • 9% eram pessoas residentes em outro local, mas vitimadas no bairro de residência do ladrão. Sobre o roubo, há ainda outro dado interessante: • 55% das pessoas sofreram o delito longe de suas residências, o que significa que os roubos são mais freqüentes em locais mais públicos como as ruas, praças, estabelecimentos comerciais, etc. Os furtos residenciais foram, relativamente, mais freqüentes que os roubos. A partir desses dados, foi pesquisada a trajetória do criminoso, no exercício de sua atividade delitiva, e a distância percorrida entre a sua residência e o seu alvo. Tomando-se como base de análise os setores que apresentaram as mais altas taxas de 28 FELIX, Sueli A. 1996 64 crimes contra o patrimônio/habitantes, ocorridos entre 1985-1993, delineou-se os percursos dos criminosos que agiram no local, a partir de suas origens (residência). A Figura 20 representa, graficamente, a freqüência de viagens de roubos por distância (km), em número absoluto, para os espaços de maiores índices criminais (região central), para o total de roubos praticados no local. NÚMERO DE VIAGENS PARA ROUBO 140 120 100 80 60 40 20 0 1 1 ,5 2 2 ,5 3 3 ,5 4 4 ,5 5 DIST Â NC IA E M K M FIGURA 20. NÚMEROS ABSOLUTOS DE VIAGENS DE ROUBO E DISTÂNCIA, MARÍLIA, 1985-93. FONTE: LIVRO DE REGISTRO DE INQUÉRITOS DA POLÍCIA CIVIL (FELIX,1996, p.289) As conclusões da pesquisa foram: 1. a distância média (em linha reta) percorrida pelo ladrão é de 1,89 km; 2. Apesar da distância média não chegar a 2 km, 40,7% percorreram acima de 2,5 km, em média, para chegar ao seu objeto de roubo; 3. Embora o número de viagens para roubo decresça com a distância (veja curva-distância, figura 20), o trajeto de 2,5 km é, individualmente, o de maior preferência dos ladrões (30%); 4. Embora com um comportamento bem diferente do crime violento, onde mais de 70% deles ocorreram dentro do mesmo setor de bairros, a maioria das viagens de roubos (59,3%) não ultrapassou 2 km da residência; 5. A possível explicação para o decréscimo do número de viagens para roubo, em relação à residência do ofensor, pode estar relacionada aos conceitos 65 de “action space ou the collection of all urban locations about wich the individual has information and the utility or preference he associates with 29 these locations” de HORTON & REYNOLDS (1971) ; 5. Em outra palavras, o ofensor precisa conhecer as potencialidades do local escolhido para a ação, os quais tem contato direto em suas atividades cotidianas, como é o caso da região central de negócios; 6. Os roubos pequenos (de objetos de pouco valor) são cometidos nos trajetos mais curtos, ocorrendo o contrário com os grandes arrombamentos (residenciais e comerciais); 7. O fato de o ladrão agir em local diferente da sua residência e os roubos maiores (com mais recompensa) ocorrerem mais distantes pode estar apenas demonstrando que o seu ambiente não é apropriado para o ato, já que a sua vizinhança tem condição sócio-econômica idêntica à sua. 1. Residência de Indiciados Contra o Patrimônio e Pessoa, em 2000 Por tudo o que se pesquisou, percebe-se que dificilmente há coincidência espacial de ocorrência de crimes (Figura 11) e residência de criminosos contra o patrimônio (Figura 15), pois, ao contrário do crime violento, esses crimes normalmente não envolvem pessoas da mesma vizinhança, classe social ou com relacionamento anterior. Excetuando o setor Salgado Filho/Cavallari, com destaque em todas as modalidades criminais, a análise das duas figuras conjugadas confirma que o espaço do criminoso não é o seu escolhido para furtos e roubos. Na pesquisa anterior (FELIX, 1996, p. 285), encontramos apenas 14% dos criminosos atuando dentro do seu próprio bairro, exceto para o centro da cidade, onde (58,9%) dos seus indiciados, por crimes contra o patrimônio, atuaram nele mesmo, especialmente na sua metade Leste. Pode-se explicar essa exceção pelo seu tamanho (a distância entre o oeste e o leste é maior que 1,5 km), pela diversidade sócio-econômica de sua população (desde chefes de domicílio com rendimento médio de 2,8 a 12 salários mínimos) e, o que é mais importante, pela estrutura da parte oriental (região central de comércio, lazer, etc.), o que a faz, por excelência, uma área atraente para esse tipo de crime. O segundo setor de maior concentração de criminosos contra o patrimônio é o setor Monte Castelo/Planalto, que em 1991 já concentrava 18% das residências de padrão 29 CAPONE, D. L. & NICHOLS JR., W. W. (1975). p.47. 66 subnormal (favela) da cidade. Os domicílios particulares permanentes tinham, em média, 4,3 cômodos e 0,9 banheiros, 2,6 pessoas/ dormitório (maior da cidade), e rendimento médio dos chefes de 2,2 salários. Atualmente, exibe a 3ª maior taxa de mortalidade infantil (23,8‰), com a segunda maior favela da cidade e com muitas áreas de risco (esgoto a céu aberto). Essa situação de distúrbios sociais é confirmada no Mapa de Homicídios e Tentativas (Figura 13). Foi a região que, em 2000, apresentou a segunda maior concentração de crimes violentos, especialmente homicídios e tentativas, perdendo apenas para o setor Palmital/São Miguel, onde está localizada a maior favela de Marília. No contexto criminal da cidade, analisando-se a participação dos setores de bairros na base 1000 (Tabela 13), as ocorrências de crimes contra a pessoa estão concentradas exatamente nesses dois espaços: Monte Castelo/Planalto (12,6%) e Palmital/São Miguel (12%). Pois bem, se a qualidade de vida é um dos fatores importantes na redução dos índices de criminalidade, então a presença do Estado passa a se constituir em um elo de fundamental importância no conjunto de ações possíveis à redução da criminalidade em Marília. O que está sugerido as pesquisas realizadas e os pressupostos aqui levantados é que a intervenção do poder público pode transformar a concepção de espaço público, fazendo com que a qualidade de vida e, a conseqüente diminuição da criminalidade passe pela ação direta do Estado, especialmente no que diz respeito às políticas públicas. 2. Furtos/Roubos Veículos – 2000 – Figura 19 O mapa de furtos e roubos de Veículos foi confeccionado com o objetivo de orientar as polícias na prevenção espacial, apenas. A geografia desse crime é absolutamente conhecida. Além dessas ocorrências se concentrarem em espaços de lazer, especialmente nas imediações de boates, danceterias etc., onde há muita circulação de jovens de classe média, a sua dinâmica está relacionada à facilidade de fuga. Com esse mapeamento, desenvolveremos campanhas de prevenção vitimária, previstas para a Fase II do projeto, juntamente com outras campanhas e programas de assistência à potenciais vítimas de homicídio, especialmente dos passionais que, segundo informações da polícia civil, via de regra, apresentam registros anteriores de agressão ou de quaisquer indisposições pessoais entre os envolvidos. 67 IV. CONSIDERAÇÕES FINAIS Com essa análise tem-se uma visão geral da criminalidade e das características sócio-demográficas e espaciais (setoriais) da cidade de Marília, demonstrando que o espaço mais central da cidade (Alto Cafezal), tradicionalmente de maior incidência criminal pela alta concentração de pessoas para atividades de lazer e, portanto, de probabilidades maiores de desavenças pessoais, perdeu a liderança para espaços contíguos e que se encontram em expansão territorial em direção à periferia (Setor Salgado Filho/Cavallari). Nos crimes violentos (contra a pessoa), especialmente, bairros mais afastados do centro exibiram altos índices (Figura 12), corroborando a tese de evento interpessoal e de espaços carentes socialmente. As altas taxas criminais dos bairros periféricos podem ser momentâneas, como no período de instalação e/ou processo acelerado de ocupação. À medida que o bairro vai envelhecendo, a sua população vai se acomodando, criando raízes, desenvolvendo o sentimento comunitário através das organizações de bairros. Com isso, há reduções nos conflitos locais via convivência mais harmoniosa da vizinhança. As investigações criminais anteriores encontraram maior densidade de criminosos em espaços ocupados recentemente e/ou onde o rodízio dos moradores é maior. Os índices de crescimento anual da população dão indicações da relação entre ocupação e criminalidade. (FELIX, 1996) De um modo geral, pode-se concluir que os espaços do crime não são os dos criminosos, especialmente para delitos contra o patrimônio, exceto para o Setor Salgado Filho/Cavallari que concentra crimes e criminosos por ser um espaço de grandes contradições sociais (exibe a maior e a menor renda média do município). Ainda, que os níveis elevados de vida são fatores de atração de delitos patrimoniais; os crimes violentos são mais freqüentes nos espaços de população mais pobre (indicando desorganização social); a densidade estrutural está mais relacionada aos crimes violentos (distúrbios conseqüentes de interação social) que aos de propriedade (relacionados justamente às baixas densidades e alta qualidade de vida). Embora não se possa atribuir responsabilidade criminal à pobreza, pois, nesse caso, apenas o fato de ser pobre já seria uma pré-condição criminal, pode-se afirmar que são dos espaços mais carentes que vem a maior parte dos criminosos, especialmente os que cometeram crimes contra a propriedade. Porém, um outro questionamento é importante: entre os registros criminais, pouco se encontrou dos delitos cometidos por 68 pessoas de melhores condições sócio-econômicas e culturais, como os crimes de colarinho 30 branco. Até por sua freqüência, as informações criminais mais encontradas são as cometidas pela classe baixa que é o furto, roubo e lesão corporal. 31 A “Teoria do Espaço Defensivo”, de NEWMAN , que discutiu num primeiro momento a necessidade de proteção física para prevenção criminal e, num segundo, concluiu que o excesso de proteção física pode resultar em proteção para o criminoso, teve respaldo nessa pesquisa, especialmente no setor Cascata/Maria Izabel. Apesar de bem protegido, apresentou um das mais altas taxas criminais relativas à população. Desse modo, há duas interpretações contraditórias para o fenômeno: este setor é um dos mais protegidos pelas suas altas taxas criminais ou estas são altas justamente por excesso de proteção física que, apesar de dificultar a penetração do ofensor, oferece-lhe proteção. Ao transpor as barreiras, ele está protegido pelos mesmos meios que teriam a função de evitá-lo, dando-lhe mais liberdade de ação. Além disso, para NEWMAN, mais importante que a proteção física é a vigilância solidária das propriedades e, acima de tudo, o desenvolvimento do “sentido comunitário”, um dos nossos objetivos na fase II desse projeto. Ainda no aspecto de características físicas do espaço, foi possível observar a 32 relação entre incivilidade e taxas criminais . Os espaços deteriorados fisicamente através de casas velhas, parcialmente destruídas e/ou construídas de forma improvisada, com pichações, e localizadas em ruas sujas, estreitas, mal iluminadas etc., são os que apresentam as mais altas taxas criminais, especialmente as violentas. Além da criminalidade em si, a incivilidade determina uma percepção espacial de medo e afrouxamento nos relacionamentos sociais, o que, por conseqüência, propicia o aumento da criminalidade. Programas de recuperação espacial (reurbanização) devem ser adotados para a redução das oportunidades do crime, ou, pelo menos, do medo da população. Enfim, a criminalidade do município de Marília reproduz os padrões e comportamentos gerais. Os crimes (especialmente o violento) ocorrem com mais freqüência nos finais de semana e nas horas de descanso diário, confirmando as hipóteses de correlação com a interação social como o lazer e o consumo de álcool. 30 Sobre os crimes de colarinho branco, especificamente, além de haver muita tolerância com os seus praticantes, que são pessoas de bom nível sócio-econômico e cultural, a abertura de inquéritos é mais freqüente se o mesmo for cometido por funcionários subalternos. Segundo Marcelo Alcides Gomes (investigador de crimes financeiros, em entrevista à Revista Veja, 10/04/1996, p.7-9), 80% das fraudes grandes terminam em demissão dos envolvidos, apenas, sem abertura de inquéritos policiais. 31 Mais informações sobre a Teoria do Espaço Defensivo de NEWMAN (1972), poderão ser obtidas In S. W. GREENBERG & W. ROHE (1984). 32 O modelo de incivilidade de vizinhança e relações com o medo e taxas criminais foi desenvolvido por HERBERT, D.T. (1993), p.p. 45-54 69 O criminoso é predominantemente do sexo masculino, jovem, maritalmente solitário, não-branco (na análise da sua representatividade no total da população e especialmente para crimes que envolvem valores materiais), empregado da construção civil e com instrução elementar (1º grau incompleto). Alguns desses resultados contrariam pesquisas desenvolvidas anteriormente no Brasil como, por exemplo, a predominância do negro na criminalidade, constantemente questionada e combatida. Não obstante, é sempre bom lembrar que este resultado advém da relação entre o número de criminosos das diversas raças, em proporção à sua participação na população total. Sobre essa participação, é interessante observar que apesar de estar havendo casamento intra-racial e as famílias estarem aumentando através da procriação, o 33 número de negros vem diminuindo, paulatinamente, a cada Censo Demográfico realizado . Por outro lado, como trabalhamos com duas fontes distintas de dados, a participação relativa do não-branco, na criminalidade, pode estar superestimada, pois: 1º. As informações sobre população são obtidas através dos dados do Censo, onde o quesito cor é registrado conforme a resposta do recenseado. Acreditase que, por questões de ascensão social, o negro possa estar provocando o 34 clareamento da sua raça ; 2º. Os registros de cor do criminoso são efetuados segundo os critérios dos funcionários que atendem à ocorrência criminal; 3º. Os dados utilizados abrangeram períodos diferentes: as informações sobre o total de habitantes de cada segmento referem-se à 1980 (IBGE) e as criminais, aos envolvidos em atividades delitivas em 2000 (Polícia Civil). É interessante reafirmar que a sua presença está basicamente restrita aos crimes cometidos contra o patrimônio e é quase insignificante nos violentos, o que, além de 33 Entre 1940-80, para um aumento populacional de quase 70%, a população branca aumentou por volta de 50%, a mulata, acima de 120%, e a preta aumentou apenas 15% - conforme os dados do IBGE. 34 POSADA, J. E. M. tem um estudo interessante sobre á questão racial nos Censos Demográficos. No Censo de 1980 foram declaradas 136 cores, significando que “a estrutura de relações econômicas e ideológicas que legitima o preconceito racial (e conseqüentemente o racismo) traz em seu interior determinantes de negação, de identidade que alimentam posições sociais contraditórias em termos de composição populacional”. In: Censos, Consensos e Contra-sensos, III SEMINARIO METODOLÓGICO DOS CENSOS DEMOGRAFICOS, Ouro Preto, jun. 1984,p.223-31. 70 contrariar as noções de “periculosidade” do negro, ainda reforça as teses de desigualdade social. Enfim, não é intenção atribuir a determinados segmentos da população ou ao meio físico qualquer relevância etiológica na gênese criminal, já que o meio atrai, mas não cria o delito e/ou o ofensor, pois, assim como há espaços característicos de determinadas ocorrências criminais, há os que abrigam os criminosos. O nosso maior propósito foi justamente analisar esses espaços a partir de outros indicativos sociais como a qualidade de vida, representada, dentre outras formas, pelo nível de atendimento às necessidades básicas da população e, com isso, subsidiar políticas públicas adequadas. V. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CALDEIRA, Teresa Pires do Rio. 2000. Cidade de Muros. Crime, segregação e cidadania em São Paulo. São Paulo:Editora Edusp. CAPONE, D. L. & NICHOLS JR., W. W. Crime and Distance: an analisys of offender behaviour in space, Proc. Of the Am. Geog., 7, p.45-8, 1975. COELHO, E. C., Sobre Sociólogos, Pobreza e Crime, DADOS - Rev de Ciências Sociais, 23(3), p. 377-383, 1980. COHEN, A. K. Delinquents Boys, N.York:Free Press, 1955 FELIX, Sueli Andruccioli, A Geografia do Crime Urbano: aspectos teóricos e o caso de Marília-SP, Rio Claro:UNESP, 1996 (tese de doutoramento). GREENBERG, S. W. & ROHE, W. Neighborhood, Design and Crime: a test and two perspectives, Journal Am. Planning Assoc., 50(1), 1984, p.48-61. HARRIES, K. D. Cities and Crime: a geographical model, Criminology, 14(3), p.369-86, 1976. HARRIES, K. D. The Historical Geography of Homicide en the U.S. (1935-1980), Geoforum, 16(1), p.p. 73-83, 1985 HERBERT, D.T. Neighborhood incivilities and the study of crime in place, AREA, 25(1), 1993, p 45-54 PERLMAN Janice E.O Mito da Marginalidade: favelas e política no Rio de Janeiro, Rio de Janeiro:Paz e Terra, 1977, 377p. SHAW C. R. & MCKAY, H. D. Juvenile Delinquency in Urban Areas, Chicago:Univ. Chicago Press, ed. Rev., 1969.