ação civil pública - MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE RORAIMA

Transcrição

ação civil pública - MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE RORAIMA
EXMO. SR. JUIZ DE DIREITO DA _____ VARA CÍVEL (FAZENDA PÚBLICA) DA
COMARCA DE BOA VISTA
O
MINISTÉRIO
PÚBLICO
DO
ESTADO
DE
RORAIMA
vem,
respeitosamente, por meio dos Promotores de Justiça infra-assinados, no uso de suas
atribuições legais, e com fulcro nos arts. 127 e 129, III, da Constituição Federal, bem como
no art. 17 da Lei n° 8.429/92, ajuizar
AÇÃO CIVIL POR ATO
DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
em face de:
IRADILSON SAMPAIO DE SOUZA, brasileiro, filho de Antônio Jorge e
Alice Sampaio, nascido em 08.05.1952, na cidade de São José do
Egito/PE, Prefeito de Boa Vista/RR, podendo ser localizado no Palácio
9 de julho, Av. General Penha Brasil, nº 1011, Bairro São Francisco,
ante as razões de fato e de direito a seguir articuladas.
DOS FATOS
Nos anos de 2010 e 2011 o demandado ordenou e efetuou
despesas não autorizadas por lei e em desacordo com as normas financeiras definidas na
Lei Complementar nº 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal) e na Lei de Diretrizes
Orçamentárias vigentes naqueles exercícios.
Conforme os anexos Relatórios de Gestão Fiscal (RGF)
publicados pelo Município de Boa Vista, a despesa de pessoal (DP) do Executivo Municipal
nos três quadrimestres de 2010 superou o limite estabelecido no art. 20, III, b, da Lei
Complementar nº 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), que é de 54% da Receita
Corrente Líquida.
A lesão às finanças públicas municipais havia sido identificada
pelo Tribunal de Contas quando do resultado do primeiro quadrimestre daquele ano, tanto
que, por meio do expediente GAB/CONS. RELATOR/TCE/RR/Ofício nº 084/2010, de
20.09.2010, expedido pelo Conselheiro Reinaldo Neves, o demandado foi instado a adotar
providências relacionadas à readequação aos limites financeiros estabelecidos na LRF.
Ignorando o comunicado, o demandado persistiu em aumentar a
folha de pagamento de pessoal, elevando drasticamente o desequilíbrio fiscal. O Tribunal de
Contas, na pessoa do Cons. Reinaldo Neves, chegou, ainda, a comunicá-lo por duas outras
oportunidades, por intermédio dos ofícios GAB/CONS. RELATOR/TCE/RR/Ofício nº
109/2010, datado de 26.10.2010; e GAB/CONS. RELATOR/TCE/RR/Ofício nº 116/2010, de
09.11.2010.
Assinale-se que a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) do
Município de Boa Vista para o exercício de 2010, publicada no Diário Oficial do Município nº
2563, de 26.10.2009, expressamente estabeleceu não ser possível a admissão ou
contratação de pessoal e o aumento de remuneração quando não observados os limites da
Lei de Responsabilidade Fiscal.
Portanto, sobressai claro que o demandado intencionalmente
expandiu as despesas de pessoal em desacordo com as leis financeiras.
Nesse sentido, ainda que cientificado diretamente pelo Tribunal de
Contas acerca da violação do limite traçado no texto do art. 20, III, b da Lei Complementar
nº 101/2000; e contrariando a Lei de Diretrizes Orçamentárias do exercício financeiro
de 2010, o demandado efetuou os seguintes gastos de pessoal no 1º, 2º e 3º
Quadrimestres/2010:
Quadr. Receita
Corrente Limite Prudencial – Limite legal com Gastos
Líquida - RCL
95%
base na RCL - 54% pessoal
com
1º
R$ 393.127.251,43
R$ 201.674.280,00 R$ 212.288.715,80 R$ 245.364.165,50
(62,41%)
2º
R$ 419.612.574,99
R$ 215.261.250,97 R$ 226.590.790,49 R$ 263.214.050,63
(62,73%)
3º
R$ 412.503.989,69
R$ 211.614.546,70 R$ 222.752.154,43 R$ 271.223.957,63
(65,75%)
Portanto, vê-se que o demandado efetuou despesas com folha de
pagamento de pessoal em desacordo tanto com o limite de 54% da Receita Corrente
Líquida (RCL), quanto do limite prudencial de 95%, estabelecidos pela LRF.
O quadro acima revela que o demandado no indicado período
elevou os gastos de um quadrimestre a outro, expandindo com isso nominalmente as
despesas de pessoal, quer significando o aumento de contratações, quer o acréscimo de
remuneração.
Registre-se que a Lei de Responsabilidade Fiscal, no seu art. 15,
dispõe ser considerada não autorizada a geração de despesa que não atenda ao disposto
no art. 16 da mesma lei, que por seu turno, no §1º, disciplina ser compatível aos fins da Lei
a despesa que se conforme com as diretrizes e objetivos da Lei de Diretrizes Orçamentárias
(LDO).
A LDO exercício de 2010 do Município de Boa Vista, nos arts. 47 e
50, estabeleceu que a admissão ou contratação de pessoal a qualquer título, a concessão
de vantagem ou acréscimo remuneratório, a criação de cargos e funções ou alteração de
estrutura de carreiras, somente seria possível quando não atingido o limite da Lei de
Responsabilidade Fiscal, que é de 54% da Receita Corrente Líquida (RCL) como já
descrito.
Vale anotar que tal controle fiscal é tão caro no nosso
ordenamento jurídico que a LRF, no art. 21, estabelece ser nulo de pleno direito o aumento
de despesa em desacordo com o comentado art. 16 do mesmo diploma legal e o §1º do art.
169 da Constituição da República.
Nesse último aspecto, a LDO do Município de Boa Vista, no art. 47
e segs., repete a mesma redação do art. 169 da CR/88, de maneira a assinalar que a
despesa de pessoal deve observar as autorizações específicas da Lei de Diretrizes
Orçamentárias.
A par do conhecimento dos dados normativos constantes das leis
autorizadoras de despesas (LRF e LDO), até porque cientificado pelo Tribunal de Contas, o
demandado, fazendo pouco caso do ordenamento legal, prosseguiu no ano de 2011 a
efetuar despesas em desacordo do estabelecido na Lei de Responsabilidade Fiscal e na Lei
de Diretrizes Orçamentárias do exercício de 2011.
Com efeito, o demandado efetuou as seguintes despesas de folha
de pessoal no 1º, 2º e 3º Quadrimestres/2011:
Quadr. Receita Corrente Limite Prudencial – Limite legal com Gastos com pessoal
Líquida - RCL
95%
base na RCL - 54%
1º
R$ 446.036.590,09 R$ 228.816.770,72
R$ 240.859.758,65 R$ 268.974.095,94
(60,30%)
2º
R$ 402.775.108,06 R$ 206.623.630,43
R$ 217.498.558,35 R$ 257.425.977,92
(63,91%)
3º
R$ 427.180.918,58 R$ 211.614.546,71
R$ 222.752.154,43 R$ 252.283.090,60
(59,06%)
Cumpre enfatizar também, ainda que longe de cumprir com o
estabelecido na LRF e LDO/2011, que o demandado efetuou despesa alusiva a aumento de
remuneração dos Procuradores Municipais, os quais tinham acabado de ser nomeados.
De fato, os Procuradores Municipais, que se achavam regidos
pela Lei Municipal nº 1043, de 21 de maio de 2008, tinham remuneração de R$ 1.500,00 (mil
quinhentos reais), para jornada semanal de 40 horas.
Poucos meses após a investidura daqueles servidores públicos, o
demandado, apesar de não haver qualquer autorização na LDO, majorou a remuneração
dos Procuradores para R$ 7.452,00 (sete mil e quatrocentos e cinquenta e dois reais), na
classe inicial da carreira, além de fixar pagamento de 40% de gratificação incidente sobre o
salário da classe correspondente do Procurador, mais gratificações de aperfeiçoamento
de 15%, 20% e 25%; além de gratificação de 10% por tempo de serviço a cada triênio,
fora honorários advocatícios.
Toda essa despesa não encontra conformidade com a LDO ou a
LRF, especialmente pelo fato do Município de Boa Vista estar em completo desequilíbrio
financeiro, circunstância que não autoriza qualquer elevação dos gastos como despesa de
folha de pessoal.
Por
derradeiro,
acrescente-se
que
a
contrariedade
ao
ordenamento jurídico persiste até hoje, vez que verificando-se o Diário Oficial do Município
de nº 3199, datado de 1º de junho do ano em curso, observa-se que no 1º Quadrimestre
deste exercício financeiro as despesas de pessoal ultrapassam o limite legal, porquanto
comprometem 56,27% da Receita Corrente Líquida (RCL).
Esse último fato denota que o demandado não tem qualquer
compromisso com a boa administração pública, circunstância visivelmente verificada quando
se observa as ruas, pontos de iluminação e outros espaços públicos desta capital.
DA LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO
O art. 127 da Constituição Federal prescreve que “o Ministério
Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe
a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais
indisponíveis.”
Outrossim, o art. 37, § 4º, da Carta Magna dispôs que “os atos
de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da
função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e
gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível”.
Nessa perspectiva, em vista de que o Ministério Público é a
instituição encarregada pela Constituição da República de defender os interesses sociais
indisponíveis, dentre os quais se inclui o interesse de punir o agente ímprobo, o legislador
conferiu expressamente legitimidade ativa ao Ministério Público para propor a ação civil por
ato de improbidade administrativa, que não deixa de ser uma espécie de ação civil pública
para a defesa do patrimônio público e da moralidade administrativa (art. 129, III, da CF/88).
Senão, vejamos os termos expressos do art. 17 da Lei n° 8.429/92, in verbis:
“Art. 17. A ação principal, que terá o rito ordinário, será proposta pelo
Ministério Público ou pela pessoa jurídica interessada, dentro de 30
(trinta) dias da efetivação da medida cautelar.
(...)
§ 3° No caso da ação principal ter sido proposta pelo Ministério
Público, aplica-se, no que couber, o disposto no § 3° do art. 6° da Lei
n° 4.717, de 29 de junho de 1965.”
Sobre o tema, vale trazer a lume a lição de FRANCISCO
OCTÁVIO DE ALMEIDA PRADO, in Improbidade Administrativa, Malheiros, 2001, p. 191:
“Em conclusão, não se nega ao Ministério Público legitimidade para
ajuizar ação civil com vistas a punir os responsáveis por atos de
improbidade administrativa. Sua legitimidade para tanto deriva, antes
de tudo, da previsão explícita do inciso III do art. 129 da Lei Maior,
que encontra plena ressonância no art. 17 da Lei 8.429, de 1992. O
que se quer salientar é que a via adequada para este fim não é a
ação disciplinada pela Lei 7.437, de 1985, mas a ação prevista e
regulada pela Lei 8.429, de 1992 (arts. 17 e 18), prevista
especificamente para os atos de improbidade administrativa. Não
vemos impedimento a que ela seja chamada também de ‘civil
pública’. O que, a nosso ver, não faz sentido é admitir a existência de
dois procedimentos especiais, substancialmente distintos, destinados
a abrigar a mesma lide.”
Destarte, tem-se que é inequívoca a legitimidade ativa do
Ministério Público para ajuizar a ação civil por ato de improbidade administrativa, a qual
segue o rito da Lei n° 8.429/92.
FUNDAMENTOS JURÍDICOS DO PEDIDO. DO ATO DE IMPROBIDADE
Decanta o artigo 11 da Lei 8.429/92:
Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra
os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que
viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e
lealdade às instituições, e notadamente.
Recorda Tito Costa1 ser cediço que toda e qualquer despesa
pública somente pode ser realizada mediante prévia autorização legal, isso porque o
administrador público está vinculado aos comandos da Lei.
Na Administração Pública não pode haver liberdade nem
vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não
proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza. A lei para o
particular significa "pode fazer assim"; para o administrador público significa "deve fazer
assim" (Hely Lopes Meirelles, Direito Administrativo Brasileiro, 21ª edição, Malheiros
Editores, pg. 82).
1
Responsabilidade de Prefeitos e Vereadores . São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 5ª ed., 2011, p. 82.
Ensinou o festejado Hely Lopes Meirelles que a legalidade,
como princípio de administração orienta que o administrador público está, em toda a sua
atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei e às exigências do bem comum, e deles
não se pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se a
responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso.
Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino complementam afirmando
que2 “o fato de estar a Administração Pública sujeita ao princípio da indisponibilidade do
interesse público, e de não ser ela quem estabelece o que é de interesse público, mas
somente a lei, única expressão legítima da vontade geral, acarreta a necessidade de que a
atuação administrativa esteja previamente determinada ou autorizada na lei. Vale dizer, para
que haja atuação administrativa não é suficiente a mera inexistência de proibição legal; é
mister que a lei preveja ou autorize aquela atuação”.
Em resumo, a Administração Pública, além de não poder atuar
contra a lei ou além da lei, somente pode agir segundo a lei (a atividade administrativa não
pode ser contra legem nem praeter legem, mas apenas secundum legem).
Nesse matiz, particular relevo assume o orçamento, porquanto
leciona José Afonso da Silva3 que aquele é um instrumento de política fiscal, quando
procura criar condições para o desenvolvimento, nacional, estadual ou municipal, conforme
se trata de orçamento federal, estadual ou municipal.
O
dispositivo
em
destaque
da
Lei
de
Improbidade
Administrativa, quando assinala o princípio da legalidade, destaca no caso concreto posto o
dever legal de resguardo da regularidade das finanças públicas, de modo a repreender o
gestor público que realiza despesa em desacordo com as leis financeiras.
O desenho legal desse comportamento ímprobo em particular é
realizado a partir da integração do disposto no artigo 15 da Lei de Responsabilidade Fiscal,
2
PAULO, Vicente e ALEXANDRINO, Marcelo – Direito Constitucional Descomplicado, Editora Impetus –
Niterói- RJ- 2007.
3
Orçamento-programa no Brasil. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1972, p. 71.
que estabelece ser considerada não autorizada a geração de despesa que não atenda ao
disposto no art. 16 da mesma lei, verbis:
Art. 15. Serão consideradas não autorizadas, irregulares e lesivas ao
patrimônio público a geração de despesa ou assunção de
obrigação que não atendam o disposto nos arts. 16 e 17.
O art. 16 da LRF, no §1º, disciplina ser compatível aos fins da
Lei a despesa que se conforme com as diretrizes e objetivos da Lei de Diretrizes
Orçamentárias (LDO). Essa disposição legal vai ao encontro do programa da norma
estabelecido no art. 169 da CR/88, que dispõe:
Art. 169. A despesa com pessoal ativo e inativo da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios não poderá exceder
os limites estabelecidos em lei complementar.
§ 1º A concessão de qualquer vantagem ou aumento de
remuneração, a criação de cargos, empregos e funções ou alteração
de estrutura de carreiras, bem como a admissão ou contratação de
pessoal, a qualquer título, pelos órgãos e entidades da administração
direta ou indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo
poder público, só poderão ser feitas: (Renumerado do parágrafo
único, pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
(...)
II - se houver autorização específica na lei de diretrizes
orçamentárias, ressalvadas as empresas públicas e as sociedades
de economia mista.
A LRF, no artigo 20, III, b, estabeleceu quais são os limites de
gastos de pessoal:
Art. 20. A repartição dos limites globais do art. 19 não poderá exceder
os seguintes percentuais:
(...)
III - na esfera municipal:
a) (...)
b) 54% (cinquenta e quatro por cento) para o Executivo.
As Leis de Diretrizes Orçamentárias do Município de Boa Vista
de 2010 e 2011 trazem no texto dos seus artigos 47 e 50 a mesma redação, veja-se:
Art. 47. No exercício financeiro de 2010, em observância ao que
dispõe o art. 169 da Constituição Federal, a concessão de
qualquer vantagem ou aumento de remuneração, a criação de
cargos, empregos e funções ou alteração de estrutura de carreiras,
bem como admissão ou contratação de pessoal, a qualquer título,
somente poderão ser feitas se:
(...)
II - forem observados os limites previstos no artigo 50 desta Lei,
ressalvado o disposto no art. 22, inciso IV, da Lei Complementar nº.
101 de 2000.
(...)
Art. 50. Se a despesa total com pessoal exceder o limite
estabelecido na Lei Complementar no 101/2000, cumprir-se-á o
disposto no art. 23 com seus parágrafos e incisos da mesma lei.
O controle fiscal é tão caro no nosso ordenamento jurídico que
a LRF no seu art. 21 dispõe ser nulo de pleno direito o ato que acarrete aumento de
despesa em desacordo com o disposto no art. 16 do mesmo diploma legal e o §1º do art.
169 da CR/88. Nesses termos:
Art. 21. É nulo de pleno direito o ato que provoque aumento da
despesa com pessoal e não atenda:
I - as exigências dos arts. 16 e 17 desta Lei Complementar, e o
disposto no inciso XIII do art. 37 e no § 1º do art. 169 da Constituição;
O arcabouço legal descrito revela que o demandado realizou
ordenação de despesa ilegal, porquanto, como narrado nos prolegômenos da petição inicial,
os gastos de pagamento de pessoal em todos os quadrimestres de 2010 e 2011 e o primeiro
deste ano ocorreram fora dos limites estabelecidos na Lei de Responsabilidade Fiscal.
Agindo à margem das leis financeiras, conforme se lê de
matéria jornalística publicada no dia 12.06.2012, o demandado chegou a anunciar
contratação de servidores temporários, circunstância vedada segundo o disposto na LRF,
justamente pelo fato de extrapolação dos limites da Lei.
Assim, vê-se que claramente a conduta praticada pelo
demandado se subsume ao ato de improbidade previsto no art. 11, caput, da Lei n°
8.429/92, porque se desviou dos objetivos legais, agindo em prejuízo de toda a sociedade
local, certo, portanto, o endereçamento da presente ação de improbidade, que há de se
sujeitá-lo às punições definidas no art. 12 da LIA.
DO AFASTAMENTO CAUTELAR DO AGENTE ÍMPROBO
Os documentos ofertados por ocasião da presente ação, como
já comentado, revelam que o demandado descumpre ano após ano o ordenamento jurídico,
dando causa ao desequilíbrio financeiro do Município de Boa Vista.
Resulta claro o fumus boni iuris, isto é, os fatos concretos que
evidenciam a conduta ímproba do demandado, que neste mês, inclusive, anuncia a
contratação de mais servidores temporários, fato reportado até pelo Sindicato dos
Servidores municipais.
Situações como essa retratam a gravidade e a persistência da
ilegalidade no trato das finanças públicas, constituindo, por si só, em repugnante
imoralidade que indelevelmente acaba por impregnar a continuidade de atuação do agente
ímprobo.
Diante desse quadro, a permanência do demandado na função
de Prefeito Municipal da capital representa, por si próprio, uma afronta à ordem pública,
comprometendo, de forma ampla, os supremos objetivos do Estado no “seu papel na
preservação da lei pela obediência e restauração da lei por imposição coercitiva4.
4
FAGUNDES, Miguel SEABRA. In Direito Administrativa da Ordem Pública. Rio de Janeiro: Forense,1986,
apresentação.
Abre-se um parêntese para acentuar que para exercer a
supremacia da soberania interna, o Estado, na expressão organizada de entes
administrativos, deve infundir a ideia de credibilidade, confiança e respeito, sob pena de
instalar-se a desobediência civil e o caos social.
Na medida em que o demandado, traindo o dever de lealdade
institucional e rigorosa obediência aos princípios que regem a administração pública e
valores supremos do Estado, pratica ato de improbidade de natureza grave - com magna
repercussão no seio da sociedade - acaba por lesar a própria ordem pública. Gerando, com
isso, o natural sentimento de descrédito, abalando a confiança e o respeito que deve
imperar em relação às instituições e seus agentes públicos, além de alimentar o sentimento
de impunidade.
Esse degenerado sentimento na sociedade abre perigoso
flanco para insubmissão ao império da lei, à desobediência civil, motivo por que necessária
se faz a preservação da ordem pública, para assegurar a pleno exercício do poder soberano
interno do Estado, em sentido amplo, e, no plano restrito, assegurar higidez moral das
instituições lesadas a fim de impor seu poder coercitivo na consecução do bem comum.
O aparelhamento do Direito para o sindicamento de atos que
violem a ordem pública, de modo a evitar que o ato ímprobo perdure ou perpetue seus
efeitos, é alcançado por intermédio do poder geral de cautela (art. 798 do CPC c/c art. 12 da
lei 7.347/85), que perfeitamente autoriza o afastamento do agente que pratica o ato
ímprobo.
De fato, além do afastamento de ordem processual (art. 20, da
Lei 8.429/92), por receio de que venha o demandado causar embaraço à instrução
processual, cabível, sem dúvida, o afastamento do agente público, pelo abalo que o ato
ímprobo provoca na ordem pública e pela imoralidade que irradia sua permanência em
órgão vital.
Mutatis mutandis , esse entendimento é acompanhado pelo
STJ, que assegura o afastamento do agente ímprobo também em hipótese de lesão à
ordem pública:
“Visualiza-se, no caso, risco de grave lesão à ordem pública,
consubstanciada na manutenção no cargo de agente político sob
investigação por atos de improbidade administrativa, na qual há
veementes
indícios
de
esquema
de
fraudes
em licitações,
apropriação de bens e desvio de verbas públicas. Além disso, o
afastamento do agente de suas funções objetiva garantir o bom
andamento da instrução processual na apuração das irregularidades
apontadas. Conforme salientou o ilustre representante do Ministério
Público Federal, “a existência de indícios concretos de legitimidade
do mandatário para o exercício do cargo público, comprometendo o
voto de confiança dado nas urnas”. Bem ressaltou”em casos como
nos autos, o interesse público em afastar o agente ímprobo deve
estar acima do interesse particular do mandatário em permanecer no
cargo especialmente quando este utiliza-se do mandato para criar
obstáculos ao devido processo legal e às investigações dos órgãos
públicos (fls. 449).”5
O afastamento do agente público como medida preventiva
tendente a evitar lesão à ordem pública se traduz em medida inerente ao poder geral de
cautela do julgador. Não é, a rigor, motivo concreto que evidencie risco à instrução
processual. Nesse contexto, há uma conjugação de fundamentos norteadores do
afastamento: “periculum in mora” de ordem processual (art. 20 da Lei nº 8.429/92) com
perigo de lesão à ordem pública, sob inspiração do poder geral de cautela.
Ora, de tal situação cuida a hipótese dos autos, nos quais
resulta claro o perduramento/perpetuação do ato ímprobo com a permanência do demando
na função de Prefeito da Capital, eis que este deixa de cumprir as leis financeiras (LRF e
LDO), acarretando com isso desequilíbrio fiscal, cujas consequência da própria Lei de
Responsabilidade Fiscal importam em suspensão de transferência voluntárias (convênios
federais e estaduais), não obtenção de créditos e garantias de outros entes.
Vale lembrar que praticamente todas as obras municipais de
recuperação de vias, asfaltamento, atividades de infraestrutura primária decorrem de
5
Brasil. STJ. Rel. Min. Barros Monteiro. AgRg na Suspensão de Liminar e de Sentença nº 467-PR, j. 07.11.07
recursos federais, os quais serão prejudicados na sua continuidade com o não cumprimento
dos limites fiscais estabelecidos na LRF.
O acerto do deferimento da medida postulada nesses casos
pode ser visualizada também na seguinte decisão proferida pelo Juiz de Vacaria, no Rio
Grande do Sul6, em que se assentou: “...também deve ser aplicada a regra principiológica
do poder geral de cautela (art.798,CPC) fins da evitação de novos ilícitos, a que não é, em
nada, desarrazoado esperar-se, vez que, nos autos, há já explicitada a verossimilhança do
cometimento pretérito de fraude ao concurso, e ilegalidade por supressão de processo
licitatório”.
Noutro apropriado julgado, o Tribunal de Justiça do Estado de
São Paulo7, em sede de Agravo de Instrumento, determinou o afastamento liminar de
vereador, fazendo consignar razões de fundo que se amoldam ao poder geral de cautela:
“É do interesse público que função tão relevante para gestão do
município esteja indene de qualquer dúvida no campo da
improbidade. E, além, disso, o afastamento, por ser meramente
cautelar, não significa prejuízo pessoal irreparável, sobretudo
quando o Estatuto dos Servidores Públicos (Lei 8.112/90, art. 147) e
a própria Lei de Improbidade (art. 20) admitem o afastamento do
funcionário
até
mesmo
quando
processados
no
âmbito
administrativo. A medida encontra amparo jurídico na faculdade que
tem juiz de, no âmbito de seu poder geral de cautela, decidir da
forma que entende mais adequada para garantir a regular instrução
do processo.” (destaque dos autores).
Ademais, o afastamento preventivo do Senhor IRADILSON
SAMPAIO DE SOUZA da função de Prefeito Municipal de Boa Vista, face o
descumprimento das leis financeiras, constitui-se num provimento cautelar parcial, vez que o
provimento final almejado (perda do cargo) somente se dará com a condenação com
trânsito em julgado.
6
Proc. 10700035642 (www.mp.rs.gov.br/cível/notícias).
7
Brasil. TJSP. Agravo de Instrumento nº 386.846-5/5-00-Sertãozinho
Insta salientar que o agente ficará tão-somente afastado de
suas funções, até que se realize o equilíbrio fiscal nos limites traçados pela Lei de
Responsabilidade Fiscal,
como medida de proteção do Estado, da sociedade e dos
princípios constitucionais que governam a função administrativa, com destaque para o
princípio da moralidade administrativa, mas permanecerá com o cargo e percebendo
remuneração até ulterior deliberação.
Esse último aspecto, no que toca ao periculum in mora,
reforça a necessidade da adoção de medidas para fazer cessar a ilegalidade consubstanciada no não cumprimento dos limites com despesas de pessoal na forma da
LRF e LDO -, e resgatar a probidade no Executivo municipal, pois até o momento persiste o
fato da inobservância do regramento legal.
De resto, nem se diga que a medida atenta contra a vontade
popular e o princípio democrático, pois, mesmo nas hipóteses de agentes políticos eleitos
por sufrágio universal, a legitimidade do mandatário é conformada pela vontade da
Constituição da República, o que significa dizer que a manutenção dessa legitimação
popular, impõe ao representante do povo o obsequioso cumprimento de seus deveres
constitucionais e legais, informados pelos vetores principiológicos que vertem do Texto
Maior, dentre eles os princípios da moralidade e da probidade administrativa, sob pena de
perda dessa legitimidade obtida nas urnas.
Como lembram os colegas paranaenses: “... não é crível que
no Brasil do século XXI, ainda existam teses utilizando a vontade popular como escudo para
a realização de atos criminosos ou atos de improbidade administrativa, praticados
exatamente contra aqueles que conferiram, por sua vontade suprema, o direito de
representá-los nos escalões superiores do Estado. Trata-se de sofisma a ser combatido
com a vontade popular concretizada na Constituição de 1988, ou seja, nas normasprincípios que a inspiram. Comportamentos ímprobos gravíssimos por parte de agentes
públicos ou a sua reiteração, justificam o antecipado afastamento do cargo, por respeito à
ordem pública e em defesa dos fundamentais princípios que regem a Administração
Pública”8.
Dessarte, o afastamento do demandado é medida que se
impõe, possibilitando por intermédio desse ato o restabelecimento da ordem pública violada.
DO PEDIDO
Por todo o exposto, o Ministério Público requer:
I - a concessão de medida cautelar inaudita altera pars,
determinando o afastamento do demandado da função de
PREFEITO DO MUNICÍPIO DE BOA VISTA, a fim de se evitar
que continue a descumprir os deveres que lhe compete,
enquanto titular daquela função, qual seja, o de cumprir os
limites estabelecidos na LRF e LDO no tocante às despesas de
pessoal.
II – seja determinada a notificação do requerido para,
querendo, oferecer manifestação por escrito, dentro do prazo
de quinze dias, nos termos do art. 17, § 7o, da Lei n. 8.429/92;
III – seja recebida a presente ação, citando-se o requerido
para, querendo, contestar a presente actio, ao teor do art. 17, §
9º, da Lei n. 8.429/92;
IV - seja citado o Município de Boa Vista para, querendo,
integrar a lide, nos termos do art. 17, § 3°, da Lei 8.429/92;
8
Disponível em: www.ceaf.mp.pr.gov.br/arquivos/.../AntonioWinkertMateusBert.doc. Acesso em 30.09.2011
V – seja proferida sentença para condenar o requerido pela
prática de ato de improbidade administrativa (art. 11, caput, da
Lei de Improbidade Administrativa) nas seguintes sanções
previstas no art. 12 da Lei n° 8.429/92:
a) perda da função pública, que esteja exercendo por ocasião
da sentença;
b) suspensão dos direitos políticos por 5 (cinco) anos;
c) pagamento de multa civil de até 100 (cem) vezes o valor da
remuneração recebida;
d) proibição de contratar com o Poder Público ou receber
benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou
indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da
qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 03 (três) anos;
Protesta-se por todos os meios de prova admitidos em direito,
especialmente documental, testemunhal e depoimento pessoal do réu, dentre outros.
Dá-se à causa, para fins do artigo 258 do CPC, o valor de R$
1.000,00 (mil reais).
Boa Vista/RR, 13 de junho de 2012.
LUIZ ANTÔNIO ARAÚJO DE SOUZA
Promotor de Justiça
JOÃO XAVIER PAIXÃO
Promotor de Justiça

Documentos relacionados