Nova comida
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Nova comida
Na primeira pessoa 108 intolerância alimentar Nova comida, nova vida Nem tudo o que reluz é ouro, nem tudo o que parece saudável faz bem. E se a alface que anda a comer lhe fizer mesmo mal? Eu fiz o teste de intolerância alimentar e descobri que os ovos e o pão andavam a ‘matar-me’. Sensacionalismos à parte, andavam mesmo. Por Carla Macedo Corbis inverno inteiro doente. Ficará assim para a História este meu início do ano 2015. Cara inchada, olhos inflamados, sinusite ao rubro com dores insuportáveis na face, semanas de febre, antibióticos, duas injeções de penicilina, cansaço, tanto cansaço, falta de memória e eu a atribuir estas maleitas e outros males menores (como a barriga insuflada) aos ares condicionados, à falta de exercício físico, às diferenças brutais de temperatura, ao ritmo de vida tão exigente… Sim, muito trabalho, sim, eventos familiares sem parar. Quem me manda a mim vir de uma família gigante? É no meio desta azáfama que encontro a minha prima Ana. Quando ela chega à festa de aniversário de um dos meus sobrinhos, há uma espécie de espanto que todos tentamos esconder. A Ana está mais magra, com o rosto bem definido outra vez, com a cintura a reaparecer, com a linha das ancas uns dois tamanhos abaixo. “Então, Ana, dieta nova?” E a Ana responde-me: “Não. Acabaram-se as dietas. Fui fazer um teste de intolerância alimentar e descobri que andava a comer uma série de coisas que me fazem mal.” O que é que a Ana andava a comer, que toda a gente dizia que emagrecia, mas que lhe desregulava o funcionamento normal do organismo? Queijo fresco, laranja e… pasme-se, tomate! Agora, com menos 6 kg apenas três semanas depois de ter começado um novo regime alimentar, Ana explicava-me que o seu corpo se inflamava sempre que ela comia estes alimentos. Era por isso que não conseguia emagrecer: era intolerante a coisas que comia regularmente e que em todos os manuais aparecem como alimentos saudáveis. Mais ou menos na mesma altura, chega-nos à redação uma informação sobre um teste de intolerância alimentar específico, o Yorktest, que a Clínica Longaevitas trouxe para Portugal há vários anos. Proponho-me fazê-lo. Já tinha visto os efeitos numa pessoa que queria perder peso. Que efeitos poderia ter em mim, eu que faço uma alimentação saudável, que não preciso de perder peso, que não tenho uma queixa especial relacionada com a comida? Para dizer a verdade, até tenho. Quando me ponho a pensar no assunto, para enviar o e-mail à clínica, toco nos seguintes sintomas: barriga sempre inchada, cansaço, celulite localizada; ultimamente, tenho sentido mesmo que a minha alimentação não me faz bem, apesar de acreditar que tenho uma dieta equilibrada; depois de jantar, fico sempre com uma sensação de ligeira intoxicação, que depois passa. Na primeira vez que vou à Longaevitas, começo a desconfiar de que as minhas contínuas crises de olhos, de nariz, de aparelho respiratório são também resultado da alimentação. A lista das doenças mais ou menos agudas provocadas por alimentos tidos como normais e até saudáveis inclui inchaço da barriga, irritação do cólon, letargia. Até aqui nada de novo, nada de excitante. Quando a enumeração passa para a asma, a rinite, as enxaquecas, o eczema, o acne, a psoríase, a artrite, o reumatismo e até a depressão e a hiperatividade com défice de atenção, começo a pensar se não terei mais uma série de ‘doenças’ relacionadas com a alimentação. Quando me explicam que há estudos científicos – como o ‘Dietary advice based on food-specific IgG results’, publicado na revista Nutrition & Food Science – que indicam que os pacientes sentiram uma melhoria dos sintomas destas doenças de entre 64% e 80%, há uma frase que soa na minha cabeça: somos o que comemos. Somos, de facto, o que comemos… Dou o dedo, não para torcer mas para picar. Tão simples como um teste à glicemia, fazem-me uma colheita de sangue que será enviada para York, no Reino Unido. Este procedimento é tão fácil que a Longaevitas envia o estojo completo para as casas dos clientes que estejam impedidos de ir até às suas instalações em Oeiras. Tudo que é preciso para recolher a pequena amostra de sangue está no kit. Uma semana depois, o resultado chega à minha caixa do correio eletrónico. Os 157 alimentos e ingredientes testados estão divididos por três colunas: na coluna a vermelho, aparecem os alimentos a que tenho intolerância grave; na amarela, estão os alimentos que me causam intolerância moderada; na verde, os alimentos que posso comer sem consequências. Felizmente, há apenas seis ingredientes que devo evitar. Infelizmente, são eles: avelã e trigo (no limite) e leite de vaca, fermento, clara e gema de ovo (mesmo grave)… Ou seja, adeus, pão com manteiga logo de manhã; adeus, galões e meias de leite; adeus, ovos mexidos nos pequenos-almoços de sábado, e – nesta altura, começo a entrar em pânico – adeus, esparguete, lasanha, sopa de cotovelos, adeus a qualquer tipo de massa; adeus, queijo; adeus, vinho; adeus, adeus, adeus, minha alimentação habitual... Posso chorar? Aprender a comer O relatório não é o fim do processo. É o início. Vou novamente à Longaevitas e desta vez sou recebida por Isabel Fragoso, doutorada em Ciências da Motricidade e professora de Cinantropometria e Nutrição na Faculdade de Motricidade Humana, que é a diretora da clínica. Explica-me que o Yorktest não verifica apenas a reação que o sangue faz em contacto com os ingredientes alimentares, mas quantifica essa reação. Porquê? Porque é o volume da reação que é tido em conta para concluir se o alimento nos faz muito mal, algum mal ou mal nenhum. Esta informação é muito importante, porque é esta metodologia que permite priorizar os ingredientes que devemos retirar da nossa alimentação. Seis ingredientes em 157 é chato, mas não é o fim do mundo, não é o mesmo que retirar 30 só porque o sangue reagiu ligeiramente no laboratório. Independentemente da quantidade de ingredientes a que somos intolerantes, a Longaevitas inclui no valor do food scan Yorktest uma consulta de aconselhamento alimentar. Receber apenas a informação numa lista de alimentos proibidos e permitidos seria desencorajador para a maioria dos casos, e é por isso que Isabel Fragoso recebe os clientes numa consulta, com o resultado do teste em cima da mesa, e explica: “Vai continuar a ter exatamente os mesmos hábitos alimentares mas sem estes ingredientes que lhe fazem mal, e substituindo-os por outros que sejam parecidos.” O leite deixa de ser de vaca, mas pode ser de soja, amêndoa, arroz ou aveia. O pão deixa de ser de trigo, mas pode ser de milho sem mistura ou de centeio. As massas podem ser de espelta, de milho, de quinoa... Para os bolos, posso usar o fermento químico Royal, e um preparado que existe nos supermercados JUNHO / luxwoman 109 Na primeira pessoa O que é uma intolerância alimentar? É uma reação a um ou mais alimentos que só se sente dois ou três dias depois da ingestão, sendo por isso muito difícil de perceber qual o alimento que nos fez sentirmo-nos mal. Corremos risco de vida quando temos intolerância aos alimentos? Não, mas a exposição contínua a esses alimentos debilita o sistema imunitário e pode contribuir para outras complicações de saúde, desde o excesso de peso à depressão. O que é que faz o Yorktest? O teste utiliza tecnologia para detetar no sangue os anticorpos IgG a alimentos específicos, medindo a quantidade de anticorpos com importância clínica. Todos os testes de intolerância alimentar são iguais? Não. Há várias metodologias e vários laboratórios que fazem estes despistes. É preciso ter cuidado com a metodologia escolhida: se o teste verificar apenas se há reação ou não, sem ter em conta o volume da reação, arriscamo-nos a ter 20 ou 30 ingredientes cortados na alimentação, sem necessidade. Toda a gente tem intolerância alimentar? Não. A Medical Charity Allergy UK estima que 45% da bio pode substituir os ovos. De queijos, posso apenas comer os curados. Acabaram-se os cogumelos. Em contrapartida, acabo de ter a desculpa perfeita para acompanhar as refeições com gin tónico – é que não posso beber vinho por causa da fermentação. Tudo muito bonito, mas é sexta-feira, são 19h30, o fim de semana começa agora e eu, mal entro no carro, esqueço-me das indicações para a minha nova vida alimentar. Passeios, festas e compromissos infantis adiam a nova dieta, mas conduzem-me a uma gastroenterite na segunda-feira. Ainda estou a debelar a desidratação e aparece-me uma amigdalite com febre alta, tão alta que fico de cama na terça-feira. Quarta-feira, enquanto espero pela consulta com a médica de família, a minha cara rebenta – tenho três herpes gigantescos, daqueles que só atacam quando tenho todas as defesas em baixo. Duas injeções de penicilina e alguns dias de febre resiliente depois, penso: “Estás à espera de quê? Precisas de mais sinais? Tudo o que te foi dito na consulta da Dra. Isabel se verifica – tens a imunidade em baixo apesar das sopas que comes, estás doente há meses. Muda de regime alimentar!” Era preciso bater tão fundo? Com a lista do que posso comer na mão, vou às grandes superfícies comprar todos os cereais alternativos ao trigo, nas áreas de ‘alimentação saudável’ descubro as massas das mais variadas matérias, diversifico o arroz, as lentilhas, em casa chego a fazer pão de milho com passas e sementes e mantenho as minhas sopas. Vou ao Celeiro comprar os leites alternativos não açucarados e os suplementos alimentares que me ajudarão a repor mais rapidamente as defesas que me têm faltado. Não passa uma semana, ainda tenho o rosto a cicatrizar e dou por mim no carro a pensar: “Há anos que não me sentia tão bem!” Efeito psicológico? Pode ser, mas a verdade é que passo a chegar a casa com mais energia, e começo a aproveitar 110 luxwoman / JUNHO população sofre de intolerância alimentar. Quem é que deve fazer este teste? Quem tem queixas físicas crónicas, mesmo que aparentemente não se liguem à alimentação, como dores de cabeça. Quanto é que custa o Yorktest na Longaevitas? Há vários preços. O FirstStep custa €25 e serve para saber se tem ou não intolerâncias alimentares. Se não tiver, não precisa de pagar mais. Depois, para saber especificamente a que alimentos é que é intolerante, há testes que custam entre €350 e €370, na Clínica Longaevitas. Estes valores incluem o despiste, a deteção dos ingredientes a que somos intolerantes e uma consulta de aconselhamento alimentar. os serões para ler ou escrever, em vez de me apagar em frente à televisão. Sinto-me bem demais para acreditar que se trata apenas de um resultado placebo. Tenho mesmo mais energia, deixei de me sentir doente e tenho um sinal impossível de ignorar: estou muito, mas muito, mais magra. O peso é o mesmo, mas o tamanho das calças diminuiu do 38 para o 36. Primeiro, adelgaça a barriga (já nem acredito que aqui estiveram dois bebés), depois o rabo, depois as pernas. Também o meu rosto fica mais definido e eu estou capaz de jurar que emagreci nas arcadas supraciliares. Na verdade, desinchei. O processo é fácil de entender – quando comia o que me fazia mal, o meu corpo reagia a esses ingredientes como se fossem agentes patogénicos. Era como se entrasse um vírus no meu organismo, e o cérebro enviava os glóbulos brancos para combater a potencial infeção. Enquanto combatia o suposto invasor, aconteciam duas coisas: o corpo inchava porque estava inflamado e as defesas desgastavam-se, o que resultava numa espécie de imunodeficiência. Porque era um processo progressivo, já que o corpo não reagia de forma explícita a um alimento, a inflamação generalizava-se, espalhava-se, e a sensação de cansaço ou doença latente tomava conta de mim, e eu aceitava todos os sintomas como normais. Atribuía o facto de estar sempre doente a fatores ambientais. Feitas as contas, agora gasto mais dinheiro em alimentação, mas, sentindo-me como me sinto hoje, duvido que no próximo inverno gaste o valor que despendi em médicos. Mais importante: tenho mais energia, aproveito melhor o meu tempo, sinto-me mesmo bem! Eu não sabia, mas o pão, os ovos, o queijo e o vinho andavam mesmo a matar-me, era só uma questão de tempo até não ter mais defesas no organismo. Sim, agora tenho de recusar alguns prazeres da vida, mas compensa. A saúde e o bem-estar compensam. l O cenário lindo de um almoço que me fez mesmo mal. Não comas pão no avião Como cozinho a maioria das minhas refeições, não foi difícil mudar de regime alimentar. Para facilitar ainda mais, pus toda a gente em minha casa a comer como eu. Quando eu não estou, podem comer pizzas à vontade. Quando estou, as massadas de peixe passam a ser feitas com espirais de milho, e ficam bem boas! Claro que tenho saudades do queijo e do vinho, mas passo bem sem eles. O mais difícil é conseguir alimentar-me quando tenho viagens de trabalho ou almoços fora. É quase impossível fazer refeições sem trigo, sem leite de vaca, sem algum dos ingredientes que me fazem mal, fora de casa. Se tivesse dúvidas do mal que me faz o pão, passaria a ter a certeza no dia em que fui a Londres e voltei. Esganada de fome, no avião, resolvi comer a sandes que ofereciam à hora de jantar, e o resultado foi muito mau: metade da noite a vomitar, por já não estar habituada ao trigo. É incrível como o corpo é tão rápido a desabituar-se dos maus vícios. Dias depois, fui passar o fim de semana a Olhão. Apesar de o hotel ter pão sem glúten (ou seja, não é de trigo), ao almoço esqueci-me e comi e bebi como antigamente num bar de praia. Fiquei com a barriga tão inchada, mas tão inchada, que o meu jantar, quatro horas depois, foi uma água com gás… A capacidade de escolher o que comer em menus já programados treina-se. Acabo de chegar de um almoço em que o couvert, que tinha um ótimo aspeto, foi todo para trás. Mousse de queijo fresco, foccacia, creme de cogumelos, ainda por cima juntos, não podem entrar. Não gosto de não comer o que me põem no prato, mas esta é a minha nova realidade e faço tenção de a seguir com rigor. O truque – aprendi entretanto – é ter sempre refeições leves comigo: frutos secos e sementes, barras de cereais sem trigo e fruta fresca são uma opções muito simples de transportar e comer, sem me fazer mal. A última bagel da minha vida. Uma receita de tarte adaptada por mim. Adeus, sericaia com gelado. JUNHO / luxwoman 111