A Água na América do Sul

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A Água na América do Sul
ÁGUA
ÁGUA
A Água na América do Sul
Fig. 1. ETE San Pedro del Pinatar, Espanha, com capacidade de 20.000 m3/d
Países da América do Sul estão trabalhando em novas
legislações para o tratamento de água, tanto para a produção de
água potável quanto para o tratamento de efluentes e o reúso
POR DARREN LAWRENCE, SEGMENTO DE ÁGUA DA XYLEM BRASIL SOLUÇÕES
PAULO BON, GERENTE DE TRATAMENTO DA XYLEM BRASIL SOLUÇÕES
A
impressão que os estrangeiros têm da América do
Sul e do Brasil, em particular, é a de que são uma
das últimas belezas naturais do mundo, inexplorado, intocado, um verdadeiro paraíso. Na realidade,
essa primeira visão muitas vezes é modificada rapidamente quando se observa um pouco mais, em detalhe, o que
ocorre na maior parte do país. O aumento da industrialização e
da população, combinado com o limitado controle e regulamentação da extração, tratamento e disposição da água, está colocando
o nosso continente em um cenário cada vez mais sobrecarregado.
Todos os países da América do Sul estão trabalhando em
novas legislações para o tratamento de água, e não somente para
a produção de água potável, mas também para o tratamento de
efluentes e o reúso. Entretanto, isso não ocorre uniformemente
em todas as nações e, em muitos casos, a legislação não é restrita
o suficiente. Os Estados Unidos restringiram o critério para
descarte de efluente em áreas mais sensíveis como a Califórnia e
a Flórida e a maioria dos países europeus iria aderir à “Bathing
Water Directive”, elaborada em Bruxelas.
As melhorias implementadas nessas regiões não resolvem totalmente todos os impactos ambientais, mas, sem dúvida, são vistas
como um grande passo na direção certa. Muitos países europeus
exigem uma qualidade de efluente para descarte de: 10 mg/L
de demanda biológica de oxigênio (DBO), 10 mg/L de sólidos
solúveis totais (SST), 1 mg/L de amônia (NH4) e 1 mg/L de fósforo total ou ainda mais restritiva. Isso normalmente representa
o uso de um sistema de lodos ativados convencional combinado
com filtração e desinfecção e, em áreas extremamente sensíveis
(particularmente áreas turísticas litorâneas), membranas e UV
(Ultravioleta) são utilizados para a desinfecção (remoção de vírus
e bactérias). França, Itália e Espanha são líderes mundiais nesse
tipo de tratamento, fazendo com que municipalidade e indústrias
se preocupem bastante com o controle de qualidade e monitoramento desses sistemas.
Por muitas décadas a frase “diluição é a solução” era adequada para a maioria dos países europeus, indiretamente adaptada
para “jogue tudo no mar”. Após sérios casos de doenças no sul
da Inglaterra, nordeste da França e na costa do Mediterrâneo, a
“Bathing Water Directive” foi elaborada. Hoje em dia, muitas
estações de tratamento convencionais foram reformadas e agora
possuem unidades de polimento e desinfecção, tornando o emissário submarino quase uma relíquia do passado.
Países centrais da Europa também adotam normas restritas de
qualidade de água com as concentrações máximas de poluentes
não variando de acordo com o tempo. Na Alemanha, o limite
máximo de nitrogênio amoniacal é de 2 mg/L a qualquer momento, verão ou inverno. A Holanda vai um passo adiante, adotando
a qualidade MTR (Risco Máximo Tolerável, do inglês Maximum
Tolerable Risk), que se traduz em valores de: nitrogênio total
menor que 2 mg/L, DBO menor que 2mg/L, SST menor que
5mg/L e fósforo total menor que 0,2mg/L. Nos Estados Unidos,
o estado da Califórnia exige valores de fósforo total ainda menores para água de irrigação e descarte de efluente.
Um exemplo de caso no qual uma legislação mais restritiva
tem sido aplicada e atendida é San Pedro del Pinatar, ao sul da
Espanha. O efluente tratado nesta planta é descarregado no mar
Mediterrâneo, uma região intensamente frequentada por turistas
praticamente o ano todo. Neste local, o efluente é tratado por
meio de um sistema MBR (Biorreator de Membrana, do inglês
Membrane Biological Reactor), seguido de desinfecção por UV.
Esse sistema, projetado e fornecido pela empresa Xylem Inc., iniciou sua operação em 2006 e até hoje alcança resultados bastante
expressivos, como pode ser observado na Tabela 1.
No outro lado da moeda, por assim dizer, obtemos água potável, qualidade, garantia e abastecimento. A Europa e a América
do Norte têm legislações extremamente restritivas sobre esses
temas. Todos os equipamentos utilizados para a produção de
água potável devem possuir certificados de qualidade, como o
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do DWI (Superintendência de Água Potável, do inglês Drinking
Water Inspectorate), KTW (Contato com Água Potável, do alemão Kontakt mit Trinkwasser) ou NSF61 (Fundação Nacional
de Saneamento, Norma 61, do inglês National Sanitation Foundation, Standard 61), independentemente se for um tanque, uma
membrana, bomba, filtro de areia ou uma simples drenagem. O
certificado de qualidade é exigido em qualquer edital e todo equipamento que não possua um é devidamente excluído do escopo
de fornecimento. A produção de água potável nos países de
primeiro mundo adotou a filtração por membranas de UF (Ultrafiltração), notoriamente após as críticas e conhecidas ocorrências
de contaminação por Criptosporidium, no início dos anos 1990,
pois esta membrana é uma forte barreira contra vírus e bactérias,
tornando os antigos processos de oxidação, coagulação, filtração
e desinfecção redundantes.
Os novos processos com base em membranas possuem teste de
integridade 100% “online” e são frequentemente auditados por
órgãos regulamentadores. Falhas não são toleradas e somente a
medição da turbidez não é suficiente para garantir a integridade
da membrana (testes automatizados de perda de pressão são
necessários para validar que todos os poros da membrana sejam
de dimensão inferior ao máximo admissível). Nesse processo,
instrumentação analítica confiável e certificada é essencial.
Um exemplo de um sistema de produção de água potável com
base em membrana é o caso de San Joan Despi, na Espanha. Esta
planta, construída em 2006, utiliza tecnologia Xylem na etapa de
filtração por membrana de UF, seguida por polimento de OR
(Osmose Reversa), visando à remoção de sólidos totais dissolvidos e passando, então, por adequada remineralização para fins de
consumo humano.
O terceiro lado da moeda (a parte fina da incerteza) é o reúso
de água para fins não potáveis. Poucos países adotaram normas
específicas e elas estão ligadas às áreas com grandes necessidades,
como a Califórnia (EUA), o Oriente Médio, a Austrália e o sul
da Europa. Claramente os requisitos para água de reúso são mais
exigentes do que para o descarte de efluentes, mas não tanto
quanto para água potável. O objetivo aqui não é o consumo
humano, mas reduzir o impacto nas fontes de água atualmente
exploradas. O reúso é definido como: fonte de água de alta
qualidade, controlada, não potável, para uso em processos não
críticos (como irrigação), limpeza (sem contato com o produto
Tabela 1. Resultados obtidos na ETE San Pedro del Pinatar, Espanha
Dados Principais
Inverno
Verão
(m3/d)
5000
20000
Vazão, pico (m3/h)
500
2000
Vazão, diária
Efluente
DBO (mg/l)
Limites
< 10
Sólidos Suspensos (mg/l)
<5
Nitrogênio Total (mg/l)
< 10
Fósforo (mg/l)
<2
Turbidez (NTU)
<1
Coliformes Totais (CFU/100 ml)
< 2.2
E-Coli (UFC/100 ml)
0
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Fig. 2. ETA San Joan Despi, com capacidade de 200.000 m3/d. Fonte: Xylem Inc.
final), água de make-up, água de caldeira, entre outros diversos
processos e finalidades. Etapas adicionais de polimentos, como
NF (Nano-Filtração) e OR, permitem o uso dessa água como
recarga de aquíferos ou reinjeção em solo profundo.
Voltando à América Latina
O resumo acima destaca alguns termos-chave como “áreas
turísticas costeiras”, “reúso de água”, “controle de qualidade”
e “impacto ambiental”. Com isto em mente, comparo com o
continente sul-americano e, particularmente, seu maior país
(nosso lar). Possuímos, de longe, as melhores praias do mundo,
partindo de um clima temperado no sul até um clima tropical no
norte. Temos a maior rede de rios e a mais importante floresta
tropical do planeta. Então como nos comparamos aos nossos
amigos estrangeiros e vizinhos?
Antes de responder a essa questão, devemos analisar a
situação ambiental das partes, pois nem todas as demandas são
as mesmas. Em resumo, Chile, Peru e Equador têm problemas de
abastecimento de água diferentes do Brasil. Colômbia e Venezuela
possuem outras dificuldades e, mais para o sul, Argentina e
Uruguai têm abundância de água.
Quando observamos as regulamentações sobre qualidade
de água para descarte em um determinado país de qualquer
parte do mundo, deve-se sempre levar em consideração que há,
via de regra, legislações federais, estaduais e municipais, sendo
que aquela efetivamente aplicada também é a mais restritiva. O
mesmo acontece nos países da América Latina, onde é possível
perceber diferentes níveis médios de severidade relativos a cada
país, sendo: Venezuela, Colômbia e Equador, os países onde a
regulamentação é mais restritiva, seguido por Peru, Bolívia,
Chile, Paraguai, Brasil, Argentina, Uruguai, Guianas e Suriname.
Cabe complementar que, muitas vezes, uma regulamentação
mais restritiva não reflete resultados práticos proporcionalmente
melhores sem que haja o efetivo controle por parte dos órgãos
ambientais e da população.
A Tabela 2 apresenta os critérios legais de descarte de efluentes
industriais e municipais adotados no Chile, Peru, Colômbia,
Brasil e França em 2013.
A primeira grande diferença que notamos é que a França
e a maioria dos países da Europa possuem limites tanto para
efluentes industriais quanto para municipais. Limites esses bem
definidos para cada parâmetro, além de serem bastante restritivos
e baseados em amostras compostas e médias diárias. Assim, as
ÁGUA
Mais restritivo
Menos restritivo
* O Chile atualizou
recentemente sua
legislação e agora
é classificado como
Laranja
Sem regulamentação
Fig. 3. Mapa de regulamentação da qualidade de água na América Latina
indústrias são obrigadas a utilizar a melhor tecnologia disponível,
pois qualquer infração identificada no descarte do efluente é
tratada com muita seriedade e acompanhada de severas multas.
A norma para descarte de efluente municipal da França requer o
uso de sistema de lodos ativados com aeração estendida, seguido
de filtro de areia e desinfecção por UV ou cloro (alguns países
ainda permitem seu uso), ou um sistema equivalente de MBR
compacto, bem como ozônio.
O descarte nas áreas costeiras da Grã-Bretanha e no
Mediterrâneo é monitorado diariamente por autoridades
locais e, qualquer medição fora dos parâmetros, faz com que
planos de remediação sejam executados, com a possibilidade
do fechamento de praias. Este resultado impacta seriamente a
estação de tratamento local e seus responsáveis, além de afetar
a reputação da área turística em que se localiza. Basicamente, o
efluente descartado deve ser livre de bactérias para evitar que
esses resíduos voltem para a praia com a maré. O turismo é de
grande importância para a França, portanto, o efluente municipal
descartado deve ser adequadamente tratado o tempo todo.
Pensando bem, podemos ter as praias mais bonitas do
mundo e, com certeza, concentrar esforços e investimentos para
que sejam também as mais limpas. A fim de adicionar alguns
números a essa afirmação, só precisamos olhar para uma simples
bactéria chamada E.coli (bactéria presente nas fezes). Na França,
é permitido o descarte com o máximo de 100 UFC/100mL a 250
UFC/100mL (UFC - Unidades Formadoras de Colônias), o que
é um valor bastante aceitável quando observamos o nível seguro
para nadar (200 UFC/100mL - ref: Earth Watch). O efluente
tratado pela tecnologia de MBR possui uma concentração que
varia de 1 a 10 UFC/100mL e, se combinado com desinfecção por
UV ou por produtos químicos, pode atingir um valor menor que
1 UFC/100mL durante 100% do tempo.
O efluente bruto, típico no Brasil, possui uma contagem de 106
a 108 UFC/100mL, isto é, de um milhão a 100 milhões de UFC
em somente 100mL de água. Para se ter uma ideia do que isso
significa, imagine que em um copo de água teríamos um número
de bactérias equivalente à população do Brasil. Se imaginarmos
este efluente descartado no mar obviamente será diluído, mas as
correntes marítimas podem carregar essas bactérias de volta para
a praia em concentrações maiores do que 200 UFC/100mL, que é
a concentração segura para natação.
Na América Latina, em geral, a maioria dos países possui
um critério para descarte de efluente municipal, definindo
concentrações máximas de DBO, SST e nitrogênio amoniacal,
sendo a maioria relativamente restrita. Durante a década de
1980, na Europa e Estados Unidos, existia o chamado critério
dos 20/20 (20 mg/L de DBO e 20 mg/L de SST) para o descarte
de efluentes, o que evoluiu para 20/20/5 (5 mg/L de amônia) na
década de 1990. Hoje em dia, existem critérios específicos para
locais mais sensíveis, com o limite de 10/10/1 e para locais muito
Tabela 2. Critérios legais de descarte de efluentes industriais e municipais adotados no Chile, Peru, Colômbia, Brasil e França em 2013
País
Chile
Peru
Colômbia
Brasil
França
Critério
Municipal
Industrial
Municipal
Industrial
Municipal
Industrial
Municipal
Industrial
Municipal
Industrial
DQO (mg/l)
*
*
< 40
< 1000
*
*
Nenhum
*
< 35
> 90%
remov.
DBO (mg/l)
< 35
*
< 15
< 500
< 30
*
<5
> 95%
remov.
SST (mg/l)
< 80
*
*
< 500
< 30
*
> 20%
remov.
*
<5
< 10
NH4 (mg/l)
*
*
*
< 80
*
*
< 20
< 20
<5
<5
> 60% remov. ou <120mg/l
N Total (mg/l)
< 50 (< 10)
*
< 50
*
*
*
Nenhum
*
< 10
> 80%
remov.
P Total (mg/l)
< 10 (< 2)
*
<1
*
*
*
Nenhum
*
<1
<2
Bactéria (NMP/100ml)
FC < 1000
*
< 100
*
< 126
*
Nenhum
*
< 100
< 100
Norma
DS90
-
Class 1
Conama
EPA
*Não se aplica, não faz referência ou não está disponível
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ruas que margeiam rios e córregos em diversas cidades brasileiras.
Então, o que Está Sendo Feito da América Latina?
Fig. 4. ETE Capivari II Campinas/SP, com capacidade de 60.000 m3/d
sensíveis com limite de 5/5/1/1 (sendo o 1 extra referente a 1 mg/L
de fósforo total).
Chile, Peru e Colômbia seguem critérios semelhantes à época
do 20/20, mas o Brasil está muito atrás, com limite de 120 mg/L
de DBO (equivalente a uma redução de 40% se considerarmos
efluente bruto com 200 mg/L de DBO). Ao menos o Brasil possui
o critério de 20 mg/L de nitrogênio amoniacal, ao passo que os
outros países consideram um limite de 50 mg/L de nitrogênio
total. O nitrogênio amoniacal consome o oxigênio presente em
rios e lagos e deve ser removido o máximo possível. O critério de
nitrogênio total exige que exista um processo de desnitrificação
para a remoção de nitrato do efluente, que, para ocorrer, depende
da oxidação prévia do nitrogênio amoniacal. O critério de controle
de nitrogênio total parece muito bom, pois ele força a existência de
um processo adicional de purificação, mas na realidade o nitrato
tem pouco ou quase nenhum impacto negativo ao meio ambiente,
enquanto o nitrogênio amoniacal consome o oxigênio necessário
para a vida na água.
Uma das mais estranhas omissões dos critérios de descarte
de efluente que a maioria dos países da América Latina tem é o
fósforo total. Um critério de menos de 10 mg P/L (Fósforo por
Litro) significa que não é necessário nenhum tratamento, pois
o esgoto bruto normalmente possui menos que 10 mg P/L. Já
menos que 1 mg P/L é um critério real e pode ser atingido por
diversos processos, como precipitação química, biologicamente
via remoção de nutrientes ou em um processo mais complexo de
remoção biológica avançada.
O fósforo é um problema sério para rios e lagos, pois contribui
para a eutrofização. Nesse caso, a combinação de fósforo, derivados
de nitrogênio e resíduos de esgoto causam o esgotamento
do oxigênio, a proliferação de fitoplâncton e possivelmente
cianobactérias. Isso causa a morte de peixes, insetos, larvas e
afeta a vida do corpo hídrico em geral. Por exemplo, todas as
redes de descarte de efluente tratado no mar interno de Ijsselmeer,
na Holanda, requerem a total remoção de nitrogênio, fósforo e
orgânicos, por causa de uma grande eclosão de algas tóxicas no
fim dos anos 2000, o que causou a total proibição de esportes
aquáticos, natação ou recreação ao redor da cidade de Hardewijk.
Como um perspicaz historiador cultural, vi fotos dos rios
Tietê e Pinheiros na década de 1960: recreação aquática, barcos,
natação, pesca, plantas aquáticas e saúde. Não preciso descrever o
que vemos hoje em dia enquanto passamos por algumas avenidas e
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Essa é uma região diferente do resto do mundo e, portanto, é
única. Europa e Estados Unidos possuem órgãos governamentais
que determinam as regras e leis de cada país e são geralmente
agrupados nas siglas EPA (Agência de Proteção Ambiental
Americana, do inglês Environmental Protection Agency) ou
EA (Agência Ambiental, do inglês Environmental Agency), e
o mesmo ocorre em cada país da América Latina. Na Europa
e Estados Unidos, tais órgãos definem critérios de qualidade a
serem atingidos para áreas municipais e industriais e forçam que
as legislações locais os sigam, ou seja, as empresas fazem o que o
órgão ambiental define. É aqui que as semelhanças acabam!
Estações de tratamento de efluente municipais na América
Latina tendem a instalar equipamentos para atender ao mínimo
exigido por lei. Então, tais sistemas se tornam rapidamente
obsoletos ou sobrecarregados, passando a não atingir mais os
requisitos da legislação. Investimento é sempre um problema e os
procedimentos necessários para fazer uma reforma ou manutenção
de tais sistemas são lentos e complicados.
Muitas vezes, grandes estruturas de concreto são construídas
com base no crescimento populacional da região e acabam
abandonadas, pois não conseguem operar com a vazão de
projeto devido à rede coletora não estar finalizada ou o projeto é
cancelado (ambos os casos geralmente ocorrem devido à falta de
fundos). Existem centenas de sistemas de tratamento de esgoto
parcialmente utilizados na América Latina e todos eles podem e
devem ser reformados e utilizados.
A América Latina está, no entanto, caminhando em direção
às novas tecnologias. Não só por serem legalmente necessárias,
muito embora por vezes os critérios e limites exigidos sejam
vagos, como também pelo fato de que há nitidamente uma
crescente preocupação na questão ambiental, de saúde e bem-estar
das pessoas, por parte da população, governos e iniciativa privada.
Na maioria das vezes existe uma discussão entre a indústria
e a municipalidade e o que é verdade para uma empresa pode
ser completamente diferente de outra. Multinacionais estão
encontrando dificuldades de comunicação com as municipalidades
para estabelecer qualquer política referente à qualidade de água. As
indústrias, portanto, estão decidindo usar sistemas mais avançados
e seguros, como processos biológicos baseados em membranas,
reutilizando a água produzida quando possível, polimento de água
com processos de nano-filtração ou osmose reversa, destruição de
contaminantes por meio de ozônio e UV, descartando o mínimo,
absolutamente necessário, com uma qualidade muito acima do
exigido por lei.
Essa é uma boa prática e faz com que haja uma política de
controle de água na indústria. A interação com a municipalidade
se torna, assim, um pequeno problema em vez de um conflito
diário. As multinacionais têm controle sobre a água que utilizam,
tanto afluente quanto efluente. E, o mais importante, elas possuem
total controle sobre a gestão da água e não ficam sujeitas a uma
política ambiental em constante mutação.
A água potável fornecida possui uma qualidade muito
variável, então a indústria trata essa água de baixa qualidade e a
deixa em ótimo estado, sendo, então, utilizada em todo o processo
de produção e recuperada em todos os locais possíveis. Tais
ÁGUA
indústrias são frequentemente multinacionais estrangeiras nos
segmentos de bebidas, automotivos, alimentos, laticínios, têxtil,
petroquímica ou refinarias.
O Brasil possui diversos pequenos sistemas de reúso industrial
e um grande projeto para atender a um conjunto de indústrias
petroquímicas. Colômbia e México estão na liderança quando o
assunto é o critério de descarte de efluente industrial, pois eles são
abertos à discussão. A tecnologia de biorreatores de membrana
e polimento de efluentes com membranas está provando ser um
meio bastante confiável de se obter efluente com qualidade muito
superior ao requerido. Ao contrário da Europa, na América Latina
existe pouco incentivo financeiro para se produzir efluente de alta
qualidade. Não existem incentivos para se ter um melhor controle
da gestão da água e cumprir a legislação.
Na realidade, muito parece que as municipalidades e os órgãos
ambientais não estão fazendo o suficiente, com agilidade, ou não
estão bem informados sobre as tecnologias disponíveis para tal,
enquanto a indústria está liderando o caminho neste sentido.
qualidade e adotar políticas de qualidade de descarte de efluentes
mais restritivas e consistentes, além de estimular financeiramente
as indústrias para seguir esse caminho. O descarte de efluente ou
água potável fora dos padrões de qualidade precisa se tornar informação pública e as empresas envolvidas devem ser questionadas e
rapidamente multadas pelo baixo desempenho.
A América Latina não é a Europa ou os Estados Unidos, portanto, faz as coisas à sua maneira. Entendemos que há um grande
potencial para melhorias, mas não devemos nos isolar do que já é
realidade no primeiro mundo. Podemos coletar toda a informação
disponível e eliminar políticas não aplicáveis aqui, desde que sigamos o objetivo de proteger o meio ambiente do nosso continente
coerentemente.
Um dia, realmente espero que os estrangeiros que visitem a
América Latina tenham suas expectativas idealistas atendidas e
que possamos nos orgulhar das contribuições de nosso país para a
recuperação do meio ambiente.
América Latina: O Caminho a Ser Seguido
Darren Lawrence atua no segmento de Água da Xylem Brasil Soluções.
A América Latina, e o Brasil em particular, são uma das poucas
regiões do mundo onde o crescimento positivo está sendo sustentado. Para permitir esse desenvolvimento e ao mesmo tempo
proteger o meio ambiente, os órgãos ambientais locais precisam
crescer junto ao país (conforme mencionado em uma palestra da
Fitabes, em 2013).
Mudanças podem ser rápidas, mas para serem consolidadas
levam tempo. A América Latina precisa mudar e controlar a água
potável com produtos certificados, visando sempre o controle de
Nascido na Inglaterra, mora no Brasil e possui sólida graduação ambiental,
com 28 anos de experiência e mais de três mil projetos de sua autoria
para tratamento de água potável e efluentes, visando reúso ou descarte,
com destaque para sistemas MBR (Membrane Biological Reactor). Ele
pode ser contatado em: [email protected].
Nossos agradecimentos ao co-autor Paulo Bon, gerente de Tratamento da
empresa Xylem Brasil Soluções pela colaboração na tradução e revisão
deste artigo. Ele pode ser contatado em: [email protected].
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