ANDREZA MARCELLE DA SILVA PINTO
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ANDREZA MARCELLE DA SILVA PINTO
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS FACULDADE DE DIREITO ANDREZA MARCELLE DA SILVA PINTO DA INCIDÊNCIA DE ICMS OU ISS NA MANIPULAÇÃO DE MEDICAMENTOS Belo Horizonte 2015 ANDREZA MARCELLE DA SILVA PINTO DA INCIDÊNCIA DE ICMS OU ISS NA MANIPULAÇÃO DE MEDICAMENTOS Trabalho de Conclusão de Curso apresentado pela aluna Andreza Marcelle da Silva Pinto na Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG como requisito básico para conclusão do Curso de Direito. Prof. Werther Botelho Spagnol Belo Horizonte 2015 2 RESUMO O presente trabalho de conclusão de curso objetiva analisar o conflito aparente entre os Municípios e os Estados na tributação da atividade de manipulação de medicamentos – operação mista que conta com a prestação de um serviço e o fornecimento de uma mercadoria, culminando na conclusão de qual imposto deve incidir: se o ISS ou o ICMS. Considerando ser recorrente o debate acerca da incidência de ICMS ou ISS nas operações mistas, nota-se ser escassa análise doutrinária do caso em tela, fazendo-se necessário um enfoque na abordagem jurisprudencial. Isso porque as aplicações dos conceitos doutrinários e das interpretações normativas culminam nas decisões judiciais, que refletem para além do interesse subjetivo das partes, e criam precedentes que vinculam todo o ordenamento. Destarte, objetiva-se, através de uma metodologia jurídico-propositiva, propor qual imposto deve incidir sobre a manipulação de medicamentos, tomando por base desde os conceitos constitucionais até as decisões judiciais no âmbito tributário. Palavras-chave: Competência Tributária. Natureza privativa. Incidência Tributária. Prestação de Serviço. Fornecimento de Mercadoria. Operação Mista. Obrigação de Dar e de Fazer. Conflito Aparente. Serviços Farmacêuticos. Manipulação de Medicamentos. ICMS. ISS. 3 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO......................................................................................... 5 2. CONSIDERAÇÕES DOUTRINÁRIAS SOBRE CONFLITO DE COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA................................................................ 7 3. A CONCEITUAÇÃO DE SERVIÇO E MERCADORIA NA DETERMINAÇÃO DA INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA............................... 10 4. BREVE ANÁLISE DOS CONFLITOS SOBRE A INCIDÊNCIA DE ISS OU ICMS JÁ DECIDIDOS PELA JURISPRUDÊNCIA.......................... 22 4.1 Bares e restaurantes........................................................................... 23 4.2 Composição gráfica............................................................................ 23 4.3 Programas de computador e gravação de vídeo/foto-filmagem..... 24 4.4 Provedor de Internet............................................................................ 25 4.5 Diárias hospitalares............................................................................. 27 5. DO CONFLITO DE COMPETÊNCIA NA INCIDÊNCIA DE ISS OU ICMS NA MANIPULAÇÃO DE MEDICAMENTOS......................................... 28 5.1 Da exclusiva incidência do ISS na manipulação de medicamento. 37 5.2 Contraposição à incidência do ICMS na manipulação de medicamentos...................................................................................... 46 6. CONCLUSÃO........................................................................................ 48 REFERÊNCIAS BIBLIGRÁFICAS............................................................. 50 4 1. INTRODUÇÃO A insegurança das partes das relações jurídicas mitiga a eficácia de qualquer negócio que se pretenda realizar. Quando se trata de relação jurídicotributária, onde o ente público se faz sujeito ativo, espera-se que os princípios que regem a Administração Pública e limitam o poder de tributar reduzam a insegurança de qualquer contribuinte perante suas obrigações fiscais. Porém, não é bem o que acontece na prática. O conflito aparente que existe entre Municípios e Estados na tributação de serviços e mercadorias já alcançou diversas esferas e contribuintes, principalmente nos casos em que as duas prestações ocorrem na mesma operação. Ainda que a Constituição Federal e as legislações infraconstitucionais busquem definir os parâmetros e normas a serem seguidos, eventual divergência na interpretação feita por um ou outro ente pode levar o contribuinte a ser autuado por falta de recolhimento do tributo devido. No específico caso da manipulação de medicamentos, a indeterminação sobre qual tributo cobrar dos sujeitos passivos, se o ISS, de competência dos Municípios, ou o ICMS, de competência dos Estados, já atingiu os Tribunais Superiores, sem que haja qualquer sombra de solução até o momento. Enquanto não houver uma decisão que una os mais divergentes entendimentos jurisprudenciais do país, o contribuinte – comumente a farmácia de manipulação – sofre com a insegurança de pagarem o tributo devido ao ente competente, o que levou muitas microempresas e empresas de pequeno porte a fecharem suas portas por dívidas fiscais. Pretende-se, portanto, demonstrar qual tributo deverá incidir sobre a manipulação de medicamentos, se o ISS ou o ICMS. Para tanto, será necessária a análise dos limites constitucionais acerca da competência tributária dada aos Municípios, Estados e Distrito Federal no que tange à instituição destes impostos; a comparação das legislações complementares que dispõem sobre ISS e ICMS e dos conceitos doutrinários de serviço e mercadoria em matéria tributária; a explanação do conflito de competência tributária entre Município e Estados quanto à cobrança de ISS ou ICMS em operações mistas, mormente em relação à tributação da atividade de 5 manipulação de medicamentos; a caracterização e os contornos dos “serviços farmacêuticos”, previstos em lei complementar e tributáveis pelo ISS, à luz das regulamentações federais e regionais acerca da atividade farmacêutica; e a elucidação da jurisprudência recente sobre o tema, em âmbito estadual e federal. A presente pesquisa será estruturada com base nos ensinamentos e teorias de MACHADO (2010), que concentrou sua análise sobre tema no ensaio “ISSQN ou ICMS na Manipulação de Medicamentos”. A escolha desse doutrinador se deu pela adequação de sua teoria ao entendimento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento de casos envolvendo a tributação de ICMS sobre atividades de manipulação de medicamentos que sofriam já incidência do ISS através da cobrança do respectivo Município. Como ponto de partida, tem-se a interpretação feita pelo referido autor sobre (a) os limites definidos pela Constituição Federal em competência tributária; (b) as normas constantes na legislação complementar existente acerca da instituição e cobrança do ISS e ICMS, e (c) a jurisprudência estadual e federal (STJ) construída a partir do deslinde de casos concretos envolvendo Estado e contribuinte que exerce a atividade de manipulação de medicamentos, culminando no reconhecimento do tema como Repercussão Geral no STF. Considera-se enfim, ser de suma importância a análise da questão proposta em razão da considerável dimensão do conflito de interesse e disputa pelo poder de tributar existente entre os entes federados, levando-se à incerteza do contribuinte empresário quanto ao imposto devido sobre a operação mista que exerce. Não se pode negar o reflexo econômico decorrente de diversas autuações e execuções fiscais contra farmácias de manipulação, que mesmo recorrendo ao Judiciário, se deparam com o descompasso entre divergentes decisões judiciais estaduais em casos semelhantes. A inexistência de um posicionamento do Supremo Tribunal Federal acerca da incidência de ISS ou ICMS na manipulação de medicamentos deu base para o reconhecimento da Repercussão geral do Tema, de número 379, cujo julgamento provocará imensas mudanças na tributação da atividade de manipulação de medicamentos. 6 2. CONSIDERAÇÕES DOUTRINÁRIAS SOBRE CONFLITO DE COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA Hugo Machado de Brito (2010, p.95) enfrenta a questão da incidência de ISS ou ICMS na manipulação de medicamentos como um conflito de competência tributária entre o Município e o Estado. Para o autor, a problemática decorre de um conflito de interesses entre os entes federativos, cujo poder de tributar é subordinado à competência privativa que os mesmos possuem para instituírem impostos. A competência tributária, não sobeja explicar, é o poder, outorgado pela Constituição Federal (CF/88) aos entes federados de criar, cobrar, alterar e fiscalizar tributos abstratos mediante lei, no limite da atribuição conferida. Para Ricardo Alexandre é importante diferenciar a competência para legislar sobre direito tributário da competência tributária. A competência para legislar sobre direito tributário é o poder constitucionalmente atribuído para editar leis que versem sobre tributos e relações jurídicas a ele pertinentes. Trata-se de uma competência genérica para traçar regras sobre o exercício de tributar. Em contrapartida, a competência tributária é o poder constitucionalmente atribuído para editar leis que instituam tributos. (ALEXANDRE, 2009, p. 185 O Professor Dr. Werther Botelho Spagnol, tratando sobre a competência tributária, considera a existência de 5 principais características: a privatividade, a indelegabilidade, a incaducabilidade, a inalterabilidade e a facultividade. (SPAGNOL, 2004, p. 88) A privatividade externaliza uma via de duplo comando da competência tributária: outorga poder ao ente público para, querendo, instituir e cobrar tributos; e proíbe aos demais entes de exercerem o mesmo poder sobre o mesmo tributo. É, portanto, uma exclusividade das pessoas políticas, que possuem “faixas tributárias privativas” para, querendo, exercerem os poder constitucionalmente facultado. (CARRAZZA, 2006, p 487). Ademais, como se sabe, a Constituição Federal cuidou de especificar quais tributos poderão/deverão ser criados por cada ente da federação, impondo, com isso, certa limitação ao poder de tributar. 7 No específico caso da instituição dos impostos em análise – ISS e ICMS, não se pode dizer que a competência é privativa dos Municípios e Estados, respectivamente, posto que o art. 147, da CF/881, outorgou a competência também para o Distrito Federal. Logo, em uma interpretação sistêmica da Constituição, pode-se dizer ser cumulativa a competência entre Municípios, Estados e Distrito Federal na instituição dos referidos impostos (SABBAG, 2012, p. 389). Assim dispôs a CF/88: Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: (...) II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior; Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre: (...) III - serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar. Extrai-se dos dispositivos acima a clara atribuição privativa (ou exclusiva) de poder aos mencionados entes em relação à matéria. Nota-se, inclusive, um duplo comando no art. 156, III, da CF/88: a matéria que pode ser objetivo de tributação pelo Município (definida em lei complementar) e a matéria que não pode ser, qual seja, os serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que se iniciem no exterior. A legislação complementar mencionada foi, até 2003, o Decreto-Lei n° 406, de 31/12/1968, que estabelecia “normas gerais de direito financeiro, aplicáveis aos impostos sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre serviços de qualquer natureza”. Este decreto foi revogado pela Lei Complementar n°. 116, de 31/07/2003 (LC 116/2003)2, e conta com uma lista anexa de serviços a serem tributados pelo ISS. 1 Art. 147 - Competem à União, em Território Federal, os impostos estaduais e, se o Território não for dividido em Municípios, cumulativamente, os impostos municipais; ao Distrito Federal cabem os impostos municipais 2 Art. 10 da Lei Complementar n°. 116/2003. 8 Quanto ao ICMS, aplica-se a Lei Complementar n°. 87, de 13/09/1996 (Lei Kandir), que dispõe exclusivamente sobre este imposto em âmbito estadual e no Distrito Federal. Enquanto as supracitadas normas tratam da competência tributária privativa, o art. 146, da CF/88, dispõe sobre a já mencionada competência para legislar sobre direito tributário, mediante lei complementar: Art. 146. Cabe à lei complementar: I - dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; II - regular as limitações constitucionais ao poder de tributar; III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes; b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários; c) adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas. d) definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados no caso do imposto previsto no art. 155, II, das contribuições previstas no art. 195, I e §§ 12 e 13, e da contribuição a que se refere o art. 239. O art. 146, I diz respeito aos conflitos de competência tributária entre os entes. Estes conflitos são comumente resultantes do exercício da competência privativa pelos entes. Isso porque, como ensina o Prof. Sacha Calmon, a competência comum, outorgada pela Constituição para criação de taxas e contribuições de melhoria pelos entes, está diretamente ligada à atuação política do ente em determinado território (tributação vinculada), o que evita que dois ou mais entes tributem o mesmo objeto sem prévia repartição (COÊLHO, 2012, p. 64). Lado outro, o exercício da competência privativa na instituição de impostos não pressupõe uma atividade estatal, mas algo estranho e alheio, realizado pelos particulares, e cuja natureza foi escolhida como fato gerador da incidência tributária. A probabilidade de existência de conflitos surge, então, quando determinada atividade não é claramente classificada como objeto de 9 tributação de determinado imposto, podendo sofrer a exação por um ou mais impostos de competência diversa. Para solucioná-los, a Constituição Federal determinou a edição de leis complementares, cujo conteúdo será um conjunto de critérios de distinção e conceituação de alguns termos. No caso, as já mencionadas LC 116/2003 (ISS) e Lei Kandir (ICMS). Vale mencionar que estes conflitos, quando aparecem, são entendidos pela doutrina como apenas aparentes, na medida em que a própria Constituição também cuidou de repartir as competências no plano lógico (ALEXANDRE, 2009, pg. 190). Para Hugo de Brito, é justamente a indeterminação de alguns conceitos utilizados pela Constituição que provoca o conflito de competência. (MACHADO, 2010, p. 97). Não obstante, Sacha Calmon entende que não ocorrem conflitos, mas invasão de competência em razão da má compreensão de uma pessoa política acerca do relato constitucional, levando-a a tributar de maneira mais ampla do que a prevista (COÊLHO, 2012, p. 89). Tanto que a publicação da LC 116/2003 sofreu críticas doutrinárias, na medida em que restringiu a competência municipal ao listar, numerus clausus, quais serviços poderiam ser tributados pelo ISS. Por fim, Eduardo Sabbag, relembrando Kiyoshi Harada, reconhece ser inexistente a área de conflito entre ICMS e ISS, mas que ela ainda existe em razão da inadequada interpretação das normas, sendo até mesmo dispensável a lista taxativa trazida pela LC 116/2203. (SABBAG, 2012, p. 1009). Acima, havendo uma falha interpretativa não resolvida pelos poderes legislativos e executivo, a solução final será sempre dada pelo Poder Judiciário, cuja função interpretativa é intransferível e insubstituível (COÊLHO, 2012, p. 91). 3. A CONCEITUAÇÃO DE SERVIÇO E MERCADORIA NA DETERMINAÇÃO DA INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA Assim prevê o art. 110, do CTN: Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou 10 pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias. O dispositivo acima é uma clara limitação à atuação do legislador infraconstitucional, vedando a criação de normas que extrapolam o alcance pretendido pelas reservas e outorgas da Constituição. Ainda que a função desta norma seja meramente didática (MACHADO, 2010, p.97), sua violação e a mera ampliação de determinados conceitos podem gerar o conflito de incidência tributária como este, entre ICMS e ISS, sendo de crucial importância a fiel interpretação dos ditames e termos constitucionais. O imposto sobre a circulação de mercadorias e prestação de serviços – ICMS não incidia, antes da CF/88, sobre os serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação. A inclusão destes serviços se deu em razão do fato de frequentemente ultrapassarem os limites físicos dos Municípios, o que poderia ocasionar guerras fiscais entres os mesmos, cujas legislações são fatalmente diversas (ALEXANDRE, 2009, p. 568). Assim, o advento dessa inclusão fez necessária uma maior explanação constitucional sobre seus limites de incidência, na tentativa de minorar os efeitos de uma guerra fiscal entre os Estados e os Municípios. Para tanto, o art. 155, §2°, da CF/88, conta com 12 incisos sobre a exclusiva incidência do imposto em âmbito estadual. Curial notar um inciso em específico: Art. 155: Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: §2° - O imposto previsto no inciso II atendará ao seguinte: (...) IX – incidirá também: (...) b) sobre o valor total da operação, quando mercadorias forem fornecidas com serviços não compreendidos na competência tributária dos Municípios. A situação descrita no art. 155, §2°, IX, “b”, da CF/88, em uma leitura mais didática, leva a entender que a incidência do ICMS é residual em relação à do ISS quando se trata de tributação de serviços que forneçam mercadorias, posto que serão tributados por aquele os serviços (com fornecimento de 11 mercadoria) não previstos na lei complementar deste. (ALEXANDRE, 2009, p. 585) Para compreender melhor como o legislador pretendeu que a questão ocorresse na prática, é necessária a conceituação de serviço e mercadoria para fins de tributação de ambos os impostos, principalmente no caso descrito pelo citado artigo. A prestação de um serviço, na concepção adotada pelo Código Civil, é uma obrigação de fazer (ALEXANDRE, 2009, p. 614), na qual o prestador dispõe de sua força produtiva mediante contraprestação pecuniária. A necessidade do tomador levou a um servir previamente escolhido, para assim satisfazer, não importando que tenha ou se materialize em uma coisa (MACHADO, 2010 p,98). Para Roque Carrazza, o serviço de qualquer natureza é a prestação de uma utilidade – material ou imaterial – a um terceiro, cujo conteúdo econômico vincula as partes a um regime privado, e não trabalhista (CARRAZZA, 2006, p. 929). O autor ainda afirma que a tributação não alcança o serviço, mas as pessoas que o prestam, sendo aquele um objeto ou aspecto material da hipótese de incidência. Tais prestadores são profissionais autônomos ou empresas, excluindo-se, além dos trabalhadores em regime celetista, os servidores estatutários e os prestadores de autosserviço. (COÊLHO, 2012 P. 525) Não obstante a concepção de que a tributação recaia sobre os prestadores, é sobre a remuneração (contraprestação) que recebem que reside a base de cálculo do ISS, nos termos do art. 1° da LC 116/2003 (COÊLHO, 2012 p. 528). Válido mencionar que a lista taxativa prevista na referida legislação não está diretamente ligada à denominação dada ao serviço prestado, conforme texto do §4° do citado artigo. Isso porque o legislador pretendeu tributar a natureza daquela atividade - a essência do serviço, ainda que o prestador não a tenha como atividade preponderante ou lhe dê outro nome que não o expressamente previsto na legislação. Evita-se, com isso, a prática de elisão fiscal pelo prestador (FERREIRA, 2004, p.38). A definição do conceito de prestação de serviço é tão importante que os Tribunais Superiores vem excluindo da lista taxativa do ISS alguns negócios jurídicos e contratos, por entender que a natureza destas atividades não é a 12 prestação de um serviço (COÊLHO, 2012, p. 531). Até porque, como dito, é vedado à legislação complementar alterar o conceito, extraído do direito privado, utilizado pela Constituição na escolha de seus termos.3 São exemplos das atividades excluídas da lista de serviços tributáveis pelo ISS: arrendamento mercantil (leasing), da compra de faturamento (factoring), da locação de bens móveis, do licenciamento de atividades ou franquia (franchising), dos serviços sociais, da exploração de dutos, ferrovias, rodovias e condutos de qualquer natureza, e outros. Destarte, alguns autores como Ricardo Ferreira (FERREIRA, 2004, p. 38) e Mauro Luís (LOPES, 2009, p. 333), entendem que a lista deve ser interpretada de forma extensiva, e não de forma literal, ainda que seja taxativa. Isso porque a LC 116/2003 faz menção a serviços congêneres – e.g. itens 1 e 14.07 da lista anexa4 – o que implica na inclusão de serviço semelhante, mesmo que não previsto expressamente. Não quer isso dizer que as eventuais omissões ou lacunas possam ser supridas por analogia, mas que a interpretação extensiva dos termos já existentes não exprime violação ao ordenamento jurídico. É como tem entendido o c. Superior Tribunal de Justiça (STJ), nos termos da ementa abaixo: PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO CONFIGURADA. ISS. LISTA DE SERVIÇOS (DL 406/68). TAXATIVIDADE. INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA. POSSIBILIDADE. SERVIÇOS DE PRATICAGEM.PRECEDENTES DO STJ. EFEITOS DA REVELIA EM FACE DA FAZENDA PÚBLICA. ARTS. 319 E 320 DO CPC. 1. (...) 2. Assentando o aresto recorrido que:"1. É cediço no E. S.T.J e no S.T.F ser taxativa a lista de serviços do DL 406/89; o que não impede que à luz de cada serviço enumerado proceda-se à interpretação do dispositivo. 2. O item 87 da Lista de Serviços anexa ao Decreto-Lei 406/68, com a redação dada pela Lei Complementar nº 56, de 15.12.87, dispõe:"87.(...) 7. Consectariamente, é serviço meio para a consecução da atividade fim, encartado por força de interpretação nos serviços tributários, máxime porque exercido por empresa diversa daquela que empreende o serviço final. 8. A capilar distinção entre interpretação extensiva ou analógica e a analogia em si, indicam que, in casu, não se está criando exação contra a letra do art. 108, § 1º do CTN, 3 4 Art. 110, do CTN. Item 1 – Serviços de informática e congêneres (...); Item 14.07 - Colocação de molduras e congêneres 13 notadamente porque a analogia, consoante cediço, pressupõe lacuna da lei e a interpretação a existência de que legix dixit minus quam voluit.9. A lista de serviços tributáveis pelo ISS, a despeito de taxativa, admite a interpretação extensiva intra muros, qual seja, no interior de cada um de seus itens, permitindo a incidência da mencionada exação sobre serviços correlatos àqueles expressamente previstos na aludida lista de serviços. Precedentes do STJ: RESP 121428/RJ, Relator Ministro Castro Meira, DJ de 16.08.2004; RESP 567.592/PR, Relatora Ministra Eliana Calmon, DJ de 15.12.2003 e RESP 256.267/PR, Relator Ministro José Delgado, DJ de 18.09.2000.10. Sob esse ângulo sobreleva notar entendimento sufragado pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE n.º 75.952/SP, no sentido de que: "A lista a que se referem o art. 24, II da Constituição, e 8º do Decretolei n. 83/69 é taxativa, embora cada item da relação comporte interpretação ampla e analógica."11.(...) (ementa parcial, negritei e grifei) (EDcl no REsp 724.111/RJ, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17/12/2009, DJe 12/02/2010) Em suma, pode-se afirmar que, em uma leitura superficial do art. 155, II, da CF/88, extrai-se que apenas os serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação é que seriam objeto do ICMS. Logo, a incidência do ISS é residual em relação à incidência do ICMS quando se trata de serviços, cujo requisito “definidos em lei complementar” (art. 156, III, da CF/88) filtra quais serviços serão, de fato, objeto da exação do ISS. Na conceituação de mercadoria, Ricardo Alexandre entende que a mesma é um bem móvel, situado no mundo dos negócios, com finalidade comercial. Está no conjunto das “coisas” – tudo que existe excluindo-se as pessoas, e no subconjunto dos “bens” - coisas com valor econômico. Somente os bens corpóreos são considerados mercadoria, salvo a energia elétrica que, conforme o art. 155, §3°, da CF/88, sofre a incidência apenas do ICMS apesar de não ser um bem corpóreo. (ALXANDRE, 2009, p. 566). Nas palavras do Prof. Sacha Calmon, somente a operação que acarreta a circulação de mercadoria com transferência de propriedade é que será objeto de incidência do ICMS (COÊLHO, 2012, p.462). Vale observar que a Constituição Federal faz expressa menção a bem, mercadoria e serviço, de forma a não confundir os conceitos. Como dito, somente os bens destinados à comercialização ou industrialização é que serão objetivos da incidência do ICMS, ainda que estejam em circulação. As 14 exceções a esta regra encontram-se no art. 155, §2°, da CF/88, nos incisos: IX, “a”; VII e XII, “h”. Inclusive, o Supremo Tribunal Federal (STF) tem decidido que é vedada ampliação do campo de incidência do ICMS para circulações cujos bens não se enquadram no conceito de mercadoria ou cujas próprias atividades não são de comercialização, a rigor da previsão expressa prevista no art. 110, do CTN sobre alteração de conceitos constitucionais. É que se extrai dos seguintes julgados: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO. ICMS. HABILITAÇÃO DE APARELHOS CELULARES. A LEI GERAL DE TELECOMUNICAÇÕES (ART. 60, § 1º, DA LEI Nº 9.472/97) NÃO PREVÊ O SERVIÇO DE HABILITAÇÃO DE TELEFONIA MÓVEL COMO ATIVIDADE-FIM, MAS ATIVIDADE-MEIO PARA O SERVIÇO DE COMUNICAÇÃO. A ATIVIDADE EM QUESTÃO NÃO SE INCLUI NA DESCRIÇÃO DE SERVIÇOS DE TELECOMUNICAÇÃO CONSTANTE DO ART. 2º, III, DA LC 87/1996, (...) NÃO SOFREM A INCIDÊNCIA DO ICMS, (...) DESPROVIMENTO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. 1. Os serviços preparatórios aos serviços de comunicação, (...) configuram atividades-meio ou serviços suplementares. O serviço de comunicação propriamente dito, consoante previsto no art. 60, § 1º, da Lei nº 9.472/97 (Lei Geral de Telecomunicações), para fins de incidência de ICMS, é aquele em que (...) (REsp. 402047/MG, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, PRIMEIRA TURMA, julgado em 04/11/2003, DJ 09/12/2003). 2. A interpretação conjunta dos arts. 2º, III, e 12, VI, da Lei Complementar 87/96 (Lei Kandir) leva ao entendimento de que o ICMS somente pode incidir sobre os serviços de comunicação propriamente ditos, no momento em que são prestados, ou seja, apenas pode incidir sobre a atividadefim, que é o serviço de comunicação, e não sobre a atividademeio ou intermediária como são aquelas constantes na Cláusula Primeira do Convênio ICMS nº 69/98.(...) 3. A Constituição autoriza sejam tributadas as prestações de serviços de comunicação, não sendo dado ao legislador, nem muito menos ao intérprete e ao aplicador, estender a incidência do ICMS às atividades que as antecedem e viabilizam. Não tipificando o fato gerador do ICMSComunicação, está, pois, fora de seu campo de incidência. Consectariamente, inexiste violação aos artigos 2º, 150, I, e 155, II, da CF/88. 4. O Direito Tributário consagra o princípio da tipicidade, de maneira que, sem lei expressa, não se pode ampliar os elementos que formam o fato gerador, sob pena de violar o disposto no art. 108, § 1º, do CTN. (...) (ementa parcial, negritei) (RE 572020, Relator: Min. MARCO AURÉLIO, Relator p/ Acórdão: Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 06/02/2014, DJe 199 10/10/2014) 15 RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. ICMS. ENTRADA DE MERCADORIA IMPORTADA DO EXTERIOR. ART. 155, II, CF/88. OPERAÇÃO DE ARRENDAMENTO MERCANTIL INTERNACIONAL. NÃOINCIDÊNCIA. RECURSO EXTRAORDINÁRIO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. O ICMS tem fundamento no artigo 155, II, da CF/88, e incide sobre (...) 2. A alínea “a” do inciso IX do § 2º do art. 155 da Constituição Federal, na redação da EC 33/2001, faz incidir o ICMS na entrada de bem ou mercadoria importados do exterior, somente se de fato houver circulação de mercadoria, caracterizada pela transferência do domínio (compra e venda). 3. Precedente: (...) 4. Deveras, não incide o ICMS na operação de arrendamento mercantil internacional, salvo na hipótese de antecipação da opção de compra, quando configurada a transferência da titularidade do bem. Consectariamente, se não houver aquisição de mercadoria, mas mera posse decorrente do arrendamento, não se pode cogitar de circulação econômica. 5. In casu, nos termos do acórdão recorrido, o contrato de arrendamento mercantil internacional trata de bem suscetível de devolução, sem opção de compra. 6. Os conceitos de direito privado não podem ser desnaturados pelo direito tributário, na forma do art. 110 do CTN, à luz da interpretação conjunta do art. 146, III, combinado com o art. 155, inciso II e § 2º, IX, “a”, da CF/88. 8. Recurso extraordinário a que se nega provimento. (ementa parcial, negritei) (RE 540829, Relator: Min. GILMAR MENDES, Relator p/ Acórdão: Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 11/09/2014, REPERCUSSÃO GERAL – DJe 226 17/11/2014) Neste diapasão, a situação descrita no art. 155, §2°, IX, b, da CF/88 pressupõe uma análise conjunta dos conceitos de duas determinantes: a prestação de um serviço e o fornecimento de mercadoria, chamada, portanto, de operação mista. Eduardo Sabbag, em aprofundada análise desta categoria, entende que “operação” é o núcleo da hipótese de incidência do ICMS, traduzindo uma prática onde se transmite um direito (posse ou propriedade) a outrem (SABBAG, 2012, p. 1020). Esta operação inclui a circulação de mercadoria, que, como visto, caracteriza-se para transferência entre pessoas da titularidade de um bem comerciável. A inclusão do termo “misto” se dá pela prestação de um serviço juntamente com essa circulação/fornecimento de mercadoria. O conflito entre ICMS e ISS surge exatamente neste ponto. Interessante observar aqui a análise feita pelo autor Marcelo Baptista Caron em relação aos serviços prestados com aplicação e utilização de bens materiais. Seu entendimento é que não se pode confundir tais modalidades 16 com a mencionada operação mista, posto que esta se resume na prestação de um serviço com fornecimento de mercadoria. Aqueles, no entanto, aplicam e utilizam bens materiais apenas como meio físico para execução do serviço, que pode ser imaterial, material ou misto (BAPTISTA, 2005, p. 290). Será, portanto, material, aquele serviço cuja realização depender de um insumo para se concretizar, como é o caso do pintor e a tinta, do alfaiate e o tecido, da cabeleireira e a tesoura. Tais bens não são mercadoria, cuja propriedade foi transferida ao cliente, mas meros instrumentos, das mais variadas formas e utilidades, que se prestam a tornar realizável aquele serviço contrato. Crucial transcrever a conclusão do autor sobre este assunto: Sempre que identificada no contrato a prestação-fim como sendo de fazer, os bens materiais empregados na execução do serviço, bem assim os que a ele fiquem agregados assumirão, para fins jurídicos, um papel acessório, irrelevante por isso no que pertinente à incidência da norma tributária do ISS. (BAPTISTA, 2005, p. 294) Superada esta análise e retomando as operações mistas propriamente ditas, nota-se que muitas estão previstas na LC 116/2003, e na maioria delas, há a expressa ressalva quanto à incidência do ICMS nas mercadorias envolvidas. É o que dispõe o art. 1°, §2° da referida legislação: Art. 1º - (...) §2° - Ressalvadas as exceções expressas na lista anexa, os serviços nela mencionados não ficam sujeitos ao Imposto Sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS, ainda que sua prestação envolva fornecimento de mercadorias. (negritei). Exemplos destas ressalvas podem ser extraídas dos itens 7.05, 14.03 e 17.11 da lista anexa a LC 116/2003, onde o legislador cuidou de determinar que, sobre as mercadorias incluídas na prestação daqueles serviços, deverá incidir o ICMS. 7.05 – Reparação, conservação e reforma de edifícios, estradas, pontes, portos e congêneres (exceto o fornecimento de mercadorias produzidas pelo prestador dos serviços, fora do local da prestação dos serviços, que fica sujeito ao ICMS). 17 14.03 – Recondicionamento de motores (exceto peças e partes empregadas, que ficam sujeitas ao ICMS). 17.11 – Organização de festas e recepções; bufê (exceto o fornecimento de alimentação e bebidas, que fica sujeito ao ICMS). Assim, tomando-se por base os conceitos e dispositivos legais mencionados, é possível elaborar o seguinte esquema de situação hipotética / incidência do imposto, culminado no objetivo final: determinar qual imposto incidirá nas operações mistas: 1) Simples/pura prestação de serviço: a) Previsto no art. 155, II da CF/88: ICMS b) Previsto na LC 116/2003: ISS 2) Simples circulação de mercadoria: ICMS 3) Prestação de serviço com fornecimento de mercadoria (operação mista): a) Serviço previsto na LC 116/2003: ISS no valor total da operação, salvo quando prevê a incidência de ICMS apenas na mercadoria. b) Serviço não previsto na LC/116/2003: ICMS no valor total da operação total. Conclui-se, sem maiores delongas, que a lista anexa da LC 116/2003 é uma das mais importantes condicionantes na determinação da incidência do ISS ou do ICMS nos casos em que há prestação de serviço e fornecimento de mercadoria (operações mistas). Não obstante, outras considerações são igualmente necessárias e condicionantes, analisadas conforme o caso específico. Até porque, existem situações em que o serviço prestado está na lista anexa de forma bastante genérica, e sua prestação somente inclui o fornecimento de mercadoria de formas eventual. Nestes casos, quando não há qualquer ressalva na lista anexa – e então pressupõe-se que toda a operação seja tributada pelo ISS – e há mera indeterminação quando à natureza daquele bem, a doutrina entende que a mercadoria fornecida deva ter direta relação com o serviço prestado para que 18 seja, de fato, tributada pelo ISS (FERREIRA, 2004, p. 39).Ou seja, a mercadoria deve ser necessária e vinculada a este serviço, fruto deste. Um exemplo claro dessa teoria é o serviço de odontologia, previsto no item 4.12 da LC 116/2003. Sobre o serviço prestado (limpeza, canal, tratamento de cáries, etc.) incidirá ISS; se, porém, o dentista vender um creme dental especial ou uma dentadura sob medida para o paciente, sobre tais mercadorias incidirá o ICMS, pois as mesmas não foram utilizadas durante o procedimento realizado no consultório. Na prática, estas situações onde o serviço prestado consta na lista de forma genérica, e eventualmente está ligado ao fornecimento de uma mercadoria, tem-se um espaço aberto para interpretações extensivas por parte dos Estados, levando à cobrança do ICMS em face dos contribuintes do ISS. O conflito é, portanto, de interpretações, levando Estados e Municípios a discordarem sobre a natureza do que está sendo contratado: um serviço ou o fornecimento puro e simples de mercadoria. Diante deste impasse interpretativo, alguns autores apresentam teses sutilmente diversas sobre a análise a ser feita de cada operação mista não prevista expressamente na legislação complementar. Para Eduardo Sabbag, havendo indeterminação sobre a natureza da operação mista, mister se faz a apuração da preponderância da prestação do serviço ou do fornecimento de mercadoria. (SABBAG, 2012, p. 1023). Esta apuração se dá observando a intenção do cliente: obter um serviço personalizado, a seu gosto e especificação, materializado em uma mercadoria; ou obter uma mercadoria interessante por si só, cujo serviço envolvido é acessório. Esta tese se aproxima bastante da conceituação adotada por Hugo Machado. Para o autor, a palavra chave é a destinação: se o produto da operação mista se destina ao tomador, que fez clara solicitação das suas necessidades, a atividade é um serviço, e portanto, tributável pelo ISS. Lado outro, se a destinação do produto é o comércio, onde ficará exposto em uma prateleira, tem-se a clara intenção comercial de venda de uma mercadoria, fato gerador do ICMS. (MACHADO, 2010, p. 99) Não é este, porém, o entendimento de Mauro Luís. O autor expõe em sua obra que tal interpretação sobre a preponderância de uma ou outra prestação 19 ficou no passado, anterior à edição da LC 116/2003. Com o advento da referida legislação, notadamente em seu art. 1°, entende-se que haverá a incidência do ISS sobre o serviço prestado mesmo que este não constitua atividade preponderante do prestador (LOPES, 2009, p.334). Não se pode olvidar, porém, que tal serviço deve, primeiramente, constar na lista anexa da LC 116/2003. Acrescenta ainda o autor que, nos casos em que o serviço não conste na lista anexa, valerá o regramento constitucional previsto no já citado art. 155, §2°, IX, “b”, da CF/88, segundo o qual o ICMS incidirá sobre toda a operação mista. Esta tese, pura e simples, não resolve o conflito existente entre os entes quando o serviço não está claramente previsto na lista anexa e inclui fornecimento de mercadoria, pois é justamente a divergência de interpretações, como já dito, é que gera essa indeterminação. Marcelo Baptista, por fim, apresenta outra solução para o conflito mencionado, fazendo clara crítica à doutrina tradicional: é preciso verificar a natureza jurídica da prestação-fim do contrato (BAPTISTA, 2005, p.299). Para o autor, se a obrigação do contrato for de dar, consubstanciada em um bem corpóreo, não há se preocupar com os serviços prestados antes da entrega da mercadoria, posto que serão prestações-meio, e toda a operação será tributada pelo ICMS. Lado outro, se a obrigação de resultado for de fazer, os bens aplicados e utilizados na sua execução não serão mercadorias, ainda que entregues ao tomador no final, pois se prestaram apenas para dar concretude ao serviço contratado, que sofrerá apenas a incidência do ISS. Neste diapasão, o autor acrescenta que, deparando-se com a norma prevista no já mencionado art. 155, §2°, IX, “b”, da CF/88 – que trata das operações mistas, a análise anteriormente feita não encontra empecilhos. Isso porque, se há apenas uma prestação-fim – de dar ou de fazer, não é concebível reconhecer que haja a “prestação de um serviço com fornecimento de mercadoria”, mas tão somente prestações de naturezas distintas, com relações jurídicas diversas, em favor do mesmo sujeito e veiculadas pelo mesmo instrumento (BAPTISTA, 2005, p. 301). E conclui: Prestação de serviços que não aquelas tratadas pelo artigo 155, II da Constituição Federal, será tributada exclusivamente 20 pelo ISS. Ocorrendo concomitantemente operação mercantil entre as mesmas partes, ela será normalmente tributada em separado pelo ICMS. (BAPTISTA, 2005, p.303) As teses e análises expostas pelos autores Eduardo Sabbag, Hugo de Brito e Marcelo Baptista, transparecem ser as mais viáveis de serem aplicadas nos casos concretos, não sendo estritamente necessário que haja a escolha de qualquer uma delas. Nota-se que todas utilizam critérios sutilmente diferentes para a solução do conflito existente na tributação de operações mistas. Enquanto a teoria do autor Sabbag se volta para a preponderância de uma ou outra prestação e a teoria do Prof. Hugo Machado é sobre a destinação do produto (ao tomador ou ao comércio), a teoria do autor Marcelo Baptista objetiva extrair a natureza jurídica da única prestação, se de dar ou de fazer. Em um simples somatório de ensinamentos doutrinários, tem-se que: - será tributada pelo ISS a operação cujo serviço se destaca mais em detrimendo do fornecimento da mercadoria, posto que a obrigação de fazer se materializa em um produto destinado exclusivamente ao tomador do serviço; - será tributada pelo ICMS a operação mista cuja mercadoria prepondera sobre o serviço, uma vez que está sendo fornecida ao comércio por um empresário vinculado à uma obrigação de dar, não importando como a realize. Para comprovar a possibilidade de aplicação conjunta das interpretações acima, tem-se, por exemplo, uma operação mista expressamente prevista na LC 116/2003, qual seja, a “organização de festas e recepções; bufê”, que apresenta a seguinte ressalva: “exceto o fornecimento de alimentação e bebidas, que fica sujeito ao ICMS” – item 17.11. Quis o legislador que a organização do evento fosse reconhecida como serviço, fato gerador do ISS, e que eventual fornecimento de bebida e comida sofreria a incidência do ICMS. Se este caso não estivesse previsto na legislação, e fosse necessária a aplicação das teses acima mencionadas para solução de um conflito aparente de incidência dos dois impostos, o resultado seria: - Tese do Sabbag: na organização de recepção com fornecimento de comida e bebida, predomina a prestação do serviço, posto que o cliente contratou o cerimonial ou o promoter para que realizasse um evento conforme 21 suas especificações. Se quisesse tão somente a comida e a bebida, compraria em qualquer estabelecimento próprio. - Tese do Machado: o evento ou recepção destina-se às necessidades específicas do tomador, enquanto o fornecimento de bebidas e comidas destina-se a qualquer cliente genérico, cuja aquisição pode se dar por diversos motivos não vinculados. - Tese do Baptista: a prestação-fim é de fazer, posto que o termo “organização” pressupõe o empenho de um profissional em realizar uma obrigação, empregando ou utilizando quaisquer bens materiais para concretizar o pedido; fornecimento de comida e bebida é acessório ou mero instrumento para que a recepção ocorra em sua plenitude. Ora, todas as teses levam a conclusão que o item 17.11 é um serviço, e que eventual fornecimento de comida e bebida é apartado dessa prestação, podendo ser incluído no contrato ou não. Logo, coerente a ressalva prevista na legislação ao reconhecer como circulação de mercadoria o acréscimo destes bens ao serviço. Neste diapasão, o entendimento do doutrinador Washington de Barros é clareador: “se o devedor tem de dar ou entregar alguma coisa, não tendo, porém, de fazê-lo previamente, a obrigação é de dar; todavia, se primeiramente tem ele de confeccionar a coisa para depois entregá-la, se tem de realizar algum ato, do qual será mero corolário o de dar, tecnicamente, a obrigação é de fazer." (MONTEIRO, apud MELO, 2006, p. 66) A análise e o entendimento das teorias doutrinárias são, em qualquer, contexto, basilares na solução de um conflito real. Na prática cotidiana, os tribunais estaduais e superiores já enfrentaram situações das mais diversas em se tratando de incidência do ISS ou do ICMS nas operações mistas, e mister se faz elucidar alguns dos casos que servem de paradigma. 4. BREVE ANÁLISE DOS CONFLITOS SOBRE A INCIDÊNCIA DE ISS OU ICMS JÁ DECIDIDOS PELA JURISPRUDÊNCIA A combinação dos ensinamentos doutrinários com a interpretação judicial sobre os conceitos constitucionais pode clarear, e até mesmo solucionar, os 22 conflitos de competência tributária entre os Municípios e Estados na cobrança do ICMS e do ISS, de forma a preparar o terreno para os conflitos futuros. Alguns casos semelhantes servem de precedentes para a resolução do conflito existente quanto à tributação da manipulação de medicamentos, cujo estudo permite embasar a hipótese defendida. 4.1. Bares e restaurantes A prestação de serviço em restaurantes, sempre acrescida do fornecimento de mercadoria (comidas e bebidas) não consta na lista anexa da LC 116/2003. Assim, pela análise esquemática anteriormente apresentada, haverá a incidência apenas do ICMS no valor total da operação, posto tratar-se exatamente da situação prevista no art. 155, §2°, IX, “b”, da CF/88. É o entendimento do STJ, pacificado em 1996 através da edição da Súmula n°. 163: Súmula n°. 163: O fornecimento de mercadoria com a simultânea prestação de serviços em bares e restaurantes e estabelecimentos similares constitui fato gerador do ICMS a incidir sobre o valor total da operação.5 4.2. Composição gráfica Outro serviço que sofre a incidência de apenas um imposto, já definido tanto em legislação quanto na jurisprudência é a composição gráfica. Por constar na lista anexa da LC 116/2003, no item 13.05, a composição gráfica “personalizada e sob encomenda, ainda que envolva fornecimento de mercadoria”, está sujeita tão somente ao ISS, ex vi da Súmula n°. 156, do STJ6. Tributário - ICM e ISS - Incidência - Decreto-Lei nº 406/68 (art. 8º, § 2º). 1. Os serviços de composição gráfica, não distinguindo a lei entre os personalizados encomendados e os genéricos destinados ao público, sujeitam-se à incidência do ISS. 2. Multifários precedentes jurisprudenciais. 3. Recurso 5 6 1ª Seção, STJ, julgado em 12/06/1996, DJ 11/11/1996 1ª Seção, STJ, julgado em 22/03/1996, DJ 15/04/1996 p. 11631 23 sem provimento. (REsp 142.339/SP, Rel. Ministro MILTON LUIZ PEREIRA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 21/11/2000, DJ 26/03/2001, p. 371) 4.3. Programas de computador e gravação de vídeo/foto-filmagem A criação de um programa de computador para comercialização (Item 1.04 da lista anexa a LC 116/2003), seguida de licenciamento para uso, foi alvo de conflito entre Municípios e Estados quando aqueles entenderam que o ato se tratava de serviço, cuja tributação deveria incidir sobre o valor do CD/pen drive entregue ao cliente. O STF decidiu que o licenciamento ou a cessão de direito ao uso de determinado programa de computador seria mesmo fato gerador do ISS, pois há clara prestação de um serviço. Lado outro, a comercialização de software em larga escala (“software de prateleira”) constitui a venda de mercadoria por si só, sujeita, portanto, ao ICMS. Eis o julgado paradigma deste entendimento: I.Recurso extraordinário : prequestionamento mediante embargos de declaração (Súm. 356). A teor da Súmula 356, o que se reputa não prequestionado é o ponto indevidamente omitido pelo acórdão primitivo sobre o qual "não foram opostos embargos declaratórios". Mas se, opostos, o Tribunal a quo se recuse a suprir a omissão, por entendê-la inexistente, nada mais se pode exigir da parte (RE 210.638, Pertence, DJ 19.6.98). II. RE: questão constitucional: âmbito de incidência possível dos impostos previstos na Constituição: ICMS e mercadoria. Sendo a mercadoria o objeto material da norma de competência dos Estados para tributar-lhe a circulação, a controvérsia sobre se determinado bem constitui mercadoria é questão constitucional em que se pode fundar o recurso extraordinário. III. Programa de computador ("software"): tratamento tributário: distinção necessária. Não tendo por objeto uma mercadoria, mas um bem incorpóreo, sobre as operações de "licenciamento ou cessão do direito de uso de programas de computador" " matéria exclusiva da lide ", efetivamente não podem os Estados instituir ICMS: dessa impossibilidade, entretanto, não resulta que, de logo, se esteja também a subtrair do campo constitucional de incidência do ICMS a circulação de cópias ou exemplares dos programas de computador produzidos em série e comercializados no varejo - como a do chamado "software de prateleira" (off the shelf) - os quais, materializando o corpus mechanicum da criação intelectual do programa, constituem mercadorias postas no comércio. (negritei) (RE 176626, Relator: Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma, julgado em 10/11/1998, DJ 11/12/1998) 24 O mesmo se aplica aos casos de gravação de vídeo ou foto-filmagem: se a empresa for contratada para a gravação de um evento particular, basicamente exclusivo, o serviço se sujeita ao ISS; se contratada para gravar vídeos em série, cujo produto será amplamente produzido e vendido, haverá incidência do ICMS sobre a mercadoria. Isso porque, conforme se extrai das doutrinas vistas, a personificação do serviço, moldada às necessidades do tomador/cliente, caracterizam a obrigação de fazer, enquanto que a produção em série da mercadoria tem em sua essência uma obrigação de dar. Neste sentido: ICMS: incidência: comercialização, mediante oferta ao público, de fitas para "vídeo-cassete" gravadas em série. Tal como sucede com relação ao computadores (cf. RE 176626, Pertence, 11.12.98), a fita de vídeo pode ser o exemplar de uma obra oferecido ao público em geral " e nesse caso não seria lícito negar-lhe o qualificativo de mercadoria ", ou o produto final de um serviço realizado sob encomenda, para atender à necessidade específica de determinado consumidor, hipótese em que se sujeita à competência tributária dos Municípios. Se há de fato, comercialização de filmes para "vídeo- cassete", não se caracteriza, para fins de incidência do ISS municipal, a prestação de serviços que se realiza sob encomenda com a entrega do serviço ou do seu produto e não com sua oferta ao público consumidor. (negritei) (RE 191732, Relator: Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma, julgado em 04/05/1999, DJ 18/06/1999) O entendimento foi, inclusive, consolidado na Súmula n°. 662, do STF, segundo a qual “é legítima a incidência do ICMS na comercialização de exemplares de obras cinematográficas, gravados em fitas de videocassete”.7 Nota-se que o termo “exemplares” remete à oferta múltipla de cópias ao público geral. 4.4. Provedor de Internet O serviço de comunicação é objeto da incidência do ICMS, por expressa previsão no art 155,II, da CF/88. O sujeito da relação tributária é a pessoa que proporciona os meios de comunicação, como as empresas de telefonia fixa e móvel (art. 4º da LC 87/1996 – Lei Kandir). No entanto, comumente é ofertado 7 Sessão Plenária do STF de 24/9/2003, Publicada no DJ de 9/10/2003. 25 aos clientes o serviço de provedor de internet em conjunto com a telefonia, questionando-se se estaria incluso no serviço de comunicação sujeito ao ICMS. O STJ, diante da acirrada divergência, sumulou o entendimento de que “o ICMS não incide no serviço de provedores de acesso a Internet” (Súmula n°. 334)8, uma vez que o provedor de internet apenas incorpora facilidades a um serviço existente9. Assim, valendo-se do conceito empregado pela Lei n°. 9.472, de 16/07/1997, que trata da organização dos serviços de telecomunicações, o serviço de internet é mero serviço de valor adicionado, que utiliza o serviço de telecomunicação como suporte para se desenvolver (art. 61, §1°, da Lei n°. 9.472/1997). É o que se extrai do julgado do c. STJ: TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. ICMS. SERVIÇOS PRESTADOS PELOS PROVEDORES DE ACESSO A INTERNET. SERVIÇO DE VALOR ADICIONADO. ART. 61, § 1º, DA LEI N. 9.472/97. NÃO INCIDÊNCIA. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS. 1. A Lei nº 9.472/97, que dispõe sobre a organização dos serviços de telecomunicações, em seu art. 61, caput, prevê: "(...)". 2. O serviço de conexão à Internet, por si só, não possibilita a emissão, transmissão ou recepção de informações, deixando de enquadrar-se, por isso, no conceito de serviço comunicacional. Para ter acesso à Internet, o usuário deve conectar-se a um sistema de telefonia ou outro meio eletrônico, este sim, em condições de prestar o serviço de comunicação, ficando sujeito à incidência do ICMS. O provedor, portanto, precisa de uma terceira pessoa que efetue esse serviço, servindo como canal físico, para que, desse modo, fique estabelecido o vínculo comunicacional entre o usuário e a Internet. É esse canal físico (empresa de telefonia ou outro meio comunicacional) o verdadeiro prestador de serviço de comunicação, pois é ele quem efetua a transmissão, emissão e recepção de mensagens. 3. A atividade exercida pelo provedor de acesso à Internet configura na realidade, um "serviço de valor adicionado": pois aproveita um meio físico de comunicação preexistente, a ele acrescentando elementos que agilizam o fenômeno comunicacional. 4. A Lei n° 9.472/97 (...) E dessa menção ao direito positivo já se percebe que o serviço de valor adicionado, embora dê suporte a um serviço de comunicação (telecomunicação), com ele não se confunde. 5. A função do provedor de acesso à Internet não é efetuar a comunicação, mas apenas facilitar o serviço comunicação prestado por outrem. 6. Aliás, nesse sentido posicionou-se o Tribunal: "(...)." (RESP nº 456.650/PR, Voto 8 9 1ª Seção, julgado em 13/12/2006, DJe 14/2/2007 p. 246 REsp n°. 456.650/PR, 2ªT/STJ, Relª Minª. Eliana Calmon, Dje 24/06/2003. 26 Vista Ministro Franciulli Netto) 7. Consectariamente, o serviço de valor adicionado, embora dê suporte a um serviço de comunicação (telecomunicação), com ele não se confunde, pois seu objetivo não é a transmissão, emissão ou recepção de mensagens, o que, nos termos do § 1º, do art. 60, desse diploma legal, é atribuição do serviço de telecomunicação. 8. (...) 12. Consectariamente, a cobrança de ICMS sobre serviços prestados pelo provedor de acesso à Internet violaria o princípio da tipicidade tributária, segundo o qual o tributo só pode ser exigido quando todos os elementos da norma jurídica - hipótese de incidência, sujeito ativo e passivo, base de cálculo e alíquotas - estão contidos na lei. 13. Precedentes jurisprudenciais. 14. Recurso especial provido. (REsp 511.390/MG, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 19/05/2005, DJ 19/12/2005, p. 213) 4.5. Diárias hospitalares A questão envolvendo as diárias hospitalares surgiu a partir da inclusão destas, dos medicamentos e da alimentação cobrada dos pacientes na base de cálculo do ISS. O conflito é anterior a LC 116/2003, a solução tomou por base o DL 406/68. O c. STJ entendeu, ao dirimir o caso concreto, que o valor da diária hospitalar cobrada do cliente inclua eventual alimentação e medicação que necessitasse, ainda que o mesmo não fizesse uso destes itens. Assim, considerando que a assistência médica é um serviço (Item 4 e subseqüentes da lista anexa a LC 116/2003), as diárias hospitalares sofrerão incidência do ISS, ainda que incluam o valor dos medicamentos e da alimentação dos pacientes hóspedes. Eis as decisões do STJ: TRIBUTÁRIO - IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS (ISS) HOSPITAIS - BASE DE CÁLCULO - INCIDÊNCIA PRECEDENTES. - As diárias hospitalares estão sujeitas à incidência do ISS, mesmo envolvendo o valor referente aos medicamentos e a alimentação. - Recurso conhecido pela letra "c" e provido. (REsp 130.621/CE, Rel. Ministro FRANCISCO PEÇANHA MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 28/09/1999, DJ 27/03/2000, p. 84) O entendimento deu origem a Súmula n°. 274, que reafirmou que “o ISS incide sobre o valor dos serviços de assistência médica, incluindo-se neles 27 as refeições, os medicamentos e as diárias hospitalares.”10. Com a publicação da LC 116/2003, a questão restou pacificado, como se observa na ementa abaixo: TRIBUTÁRIO. ISS. DIÁRIAS HOSPITALARES. MEDICAMENTOS E ALIMENTAÇÃO. INCLUSÃO. SÚMULA 274/STJ. 1. "O ISS incide sobre o valor dos serviços de assistência médica, incluindo-se neles as refeições, os medicamentos e as diárias hospitalares." (Súmula 274/STJ). 2. O art. 8º do DL 406/68, com a redação alterada pelo DL 834/69, dispõe, com a eminência de lei complementar, que os serviços descritos na Lista sujeitam-se ao ISS, ainda que a operação envolva fornecimento de mercadoria. Deveras, os serviços de assistência médica integram a Lista de serviços tributáveis. 3. Recurso Especial desprovido. (REsp 540.327/RJ, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 28/10/2003, DJ 19/12/2003, p. 361) 5. DO CONFLITO DE COMPETÊNCIA NA INCIDÊNCIA DE ISS OU ICMS NA MANIPULAÇÃO DE MEDICAMENTOS O Item 4.07 da lista anexa a LC 116/2003 prevê como serviço tributável pelo ISS os “serviços farmacêuticos”. A competência tributária para cobrar tal serviço, como se sabe, é dos Municípios, conforme determinado pelo art. 156, II, da CF/88. Alguns Estados, no entanto, entendem que o específico serviço de manipulação de medicamentos, que resulta em um bem manipulado (remédio, cremes, vitaminas e outros), é tributável pelo ICMS. Para os Municípios, a manipulação de medicamentos é um tipo de serviço farmacêutico, conforme previsto na legislação, e deve ser analisado como uma obrigação de fazer do farmacêutico em relação ao cliente/tomador, que o procura para elaboração de um produto às suas condições. Não só a essência da atividade é a prestação de um serviço, mas também a própria natureza daquela mercadoria fornecida, que só existe em razão da atuação do prestador. Lado outro, os Estados alegam que a manipulação de medicamentos não está incluída nos “serviços farmacêuticos” previstos na LC 116/2003, e que o produto manipulado é uma mercadoria, devendo ser toda a operação tributada pelo ICMS. Entendem, portanto, tratar-se de uma obrigação de 10 1ª Seção, STJ - julgado em 12/02/2003, DJ 20/02/2003, p. 153. 28 dar, pouco importando para o cliente como o produto foi confeccionado para lhe ser entregue. A questão, levada aos tribunais após diversas autuações fiscais aos contribuintes pelos entes envolvidos, foi dirimida conforme alguns dos julgados abaixo: Ação declaratória de inexistência de relação jurídico-tributária Manipulação de fórmulas magistrais - Atividade mista, em que há concomitância de prestação de serviço e fornecimento de mercadoria - Hipótese de incidência do ISSQN, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça - Dá-se provimento ao recurso” (TJSP - Apelação nº 001061467.2008.8.26.0363, Relª. Desª Beatriz Braga, DJ 29.08.2013 negritei) AGRAVO DE INSTRUMENTO EM DECLARATÓRIA. TRIBUTÁRIO. ICMS. FARMÁCIAS DE MANIPULAÇÃO. INCIDÊNCIA EXCLUSIVA DO TRIBUTO MUNICIPAL. PRECEDENTES DO STJ. DECISUM INCÓLUME PAUTADA NOS DITAMES LEGAIS. AGRAVO IMPROVIDO.(TJBA, AI n°. 0006544-09.2011.8.05.0000, relª. Desª. Maria da Graça Osório Pimentel Leal, Segunda Câmara Cível, Data de Julgamento: 28/08/2012 – negritei) APELAÇÃO CÍVEL E REEXAME NECESSÁRIO - AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICO- TRIBUTÁRIA C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO FARMÁCIA DE MANIPULAÇÃO DE MEDICAMENTOS ATIVIDADE MISTA DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS E CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS - INCIDÊNCIA DE ISS ART. 1º, § 2º DA LEI COMPLEMENTAR Nº: 116/2003 ENQUADRAMENTO NO ITEM 4.07 DA LISTA ANEXA À REFERIDA LEI - PRETENSÃO DE RESTITUIÇÃO DO ICMS RECOLHIDO INDEVIDAMENTE - TRIBUTO INDIRETO ILEGITIMIDADE ATIVA DO CONTRIBUINTE DE DIREITO QUANDO NÃO COMPROVADA UMA DAS HIPÓTESES DO ART. 166 DO CTN - ENTENDIMENTO PREDOMINANTE NESTE TRIBUNAL E NO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - RECURSOS DO ESTADO DO PARANÁ E BOTICA PHARMADERM FARMACIA DE MANIPULACAO LTDA A QUE SE NEGA PROVIMENTO - SENTENÇA MANTIDA EM SEDE DE REEXAME. (TJPR – CJ n° 11374288 PR n°.1137428-8, Rel. Des. Antônio Renato Strapasson, 2ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJ: 1291 05/03/2014 - negritei) AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DECLARATÓRIA. FARMÁCIA DE MANIPULAÇÃO. ICMS. ADVENTO DA LEI COMPLEMENTAR Nº 116/03. INCIDÊNCIA ISSQN. DECISÃO ATACADA INDEFERIU PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA QUE VISAVA SUSPENDER A EXIGIBILIDADE DO ISSQN. (...) A Segunda Turma do STJ firmou entendimento 29 de que a partir da edição da Lei Complementar nº 116/03 o fornecimento de medicamentos manipulados por farmácias estão sujeitos à incidência do ISSQN e não ao ICMS. Agravante continua recolhendo o ICMS e comprova o depósito judicial do ISSQN esclarecendo na inicial que pretende depositar os valores do ISSQN no curso da ação. O perigo iminente de dano irreparável ou de difícil reparação se extrai da possibilidade de inscrição na dívida ativa municipal e consequente exclusão do Simples Nacional e inviabilidade de continuação da atividade da agravante. Em vista a documentação acostada pela agravante e do depósito judicial do ISSQN (outubro/2010), entendo que se encontra presente a verossimilhança e a prova inequívoca das alegações da Agravante. (...)(TJRJ – AI n°. 661180720108190000 RJ n°. 0066118-07.2010.8.19.0000, Relª Desª. Teresa Castro Neves, Data de Julgamento: 20/04/2011, Sexta Câmara Civel, Data de Publicação: 27/05/2011 – ementa parcial, negritei) EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL TRIBUTÁRIO MANIPULAÇÃO DE MEDICAMENTOS - INCLUSÃO EM LISTA DE SERVIÇOS AFETOS AO ISS - NÃO INCIDÊNCIA DE ICMS - REPETIÇÃO DE INDÉBITO - INTELIGÊNCIA DO ART. 166, DO CTN - IMPOSSIBILIDADE - SENTENÇA REFORMADA PARCIALMENTE. No caso de atividades que envolvam tanto a prestação de serviço quanto o fornecimento de mercadoria, incidirá o ISS sempre que o serviço estiver descrito na lista de serviços anexa à LC nº 116/2003, ao passo que, quando o serviço não estiver previsto na referida Lei, incidirá o ICMS. Estando os serviços farmacêuticos incluídos no item 4.07, da lista de serviços anexa à LC nº 116, de 2003, a manipulação de medicamentos é fato gerador do ISS, não sujeita ao ICMS. De acordo com o art. 166, do CTN, para que fosse possível a repetição do ICMS, a autora deveria ter demonstrado que assumiu encargo financeiro do tributo sem repassá-lo ao contribuinte de fato ou então que os contribuintes de fato a autorizaram a reclamar o recolhimento indevido, o que não ocorreu no caso dos autos, sendo imperiosa a improcedência do pedido de repetição do indébito. (TJMG Ap Cível/Reex Necessário n°. 1.0433.09.309880-7/001, Relator Des. Edilson Fernandes , 6ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 11/02/2014, publicação da súmula em 25/02/2014) Extrai-se da citada jurisprudência que alguns tribunais estaduais consideram a manipulação de medicamentos um serviço farmacêutico e, portanto, incluída no item 4.07 da lista anexa à LC 116/2003. Se previsto o serviço na lista anexa, deverá incidir tão somente o ISS, ainda que seja uma operação mista e conte com o fornecimento de mercadoria. O c. STJ, tratando dos diversos casos que lhe foram postos para julgamento, tem se firmado no mesmo sentido, posto não só tratar-se de um serviço farmacêutico (e constante na lista anexa a LC116/2003) como também 30 por ser uma atividade que se constituiu obrigação de fazer, consubstanciada em um produto que não existiria sem a atuação do prestador. É o que conclui da leitura destes julgamentos: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. DELIMITAÇÃO DA COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA ENTRE ESTADOS E MUNICÍPIOS. ICMS E ISSQN. CRITÉRIOS. SERVIÇOS FARMACÊUTICOS. MANIPULAÇÃO DE MEDICAMENTOS. SERVIÇOS INCLUÍDOS NA LISTA ANEXA À LC 116/03. INCIDÊNCIA DE ISSQN. 1. Segundo decorre do sistema normativo específico (art. 155, II, § 2º, IX, b e 156, III da CF, art. 2º, IV da LC 87/96 e art. 1º, § 2º da LC 116/03), a delimitação dos campos de competência tributária entre Estados e Municípios, relativamente a incidência de ICMS e de ISSQN, está submetida aos seguintes critérios: (a) sobre operações de circulação de mercadoria e sobre serviços de transporte interestadual e internacional e de comunicações incide ICMS; (b) sobre operações de prestação de serviços compreendidos na lista de que trata a LC 116/03, incide ISSQN; e (c) sobre operações mistas, assim entendidas as que agregam mercadorias e serviços, incide o ISSQN sempre que o serviço agregado estiver compreendido na lista de que trata a LC 116/03 e incide ICMS sempre que o serviço agregado não estiver previsto na referida lista. Precedentes de ambas as Turmas do STF. 2. Os serviços farmacêuticos constam do item 4.07 da lista anexa à LC 116/03 como serviços sujeitos à incidência do ISSQN. Assim, a partir da vigência dessa Lei, o fornecimento de medicamentos manipulados por farmácias, por constituir operação mista que agrega necessária e substancialmente a prestação de um típico serviço farmacêutico, não está sujeita a ICMS, mas a ISSQN. 3. Recurso provido. (REsp n°. 881.035/RS, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, julgado em 06/03/2008, DJe 26/03/2008 - negritei) AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. ISSQN. SERVIÇOS FARMACÊUTICOS. MANIPULAÇÃO DE MEDICAMENTOS. SERVIÇOS CONSTANTES NO ITEM 4.07 DA LISTA ANEXA À LEI COMPLEMENTAR Nº 116/2003. 1. O fornecimento de medicamentos manipulados, entendido como uma operação mista, ou seja, que agrega mercadoria e serviço, está sujeito a ISSQN e, não, a ICMS, tendo em vista que é atividade equiparada aos "serviços farmacêuticos", expressamente previstos no item 4.07 da lista anexa à Lei Complementar nº 116/2003. Precedentes. 2. Agravo regimental improvido. (AgRg no Ag n°. 1212016/PE, Rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 25/05/2010, DJe 15/06/2010 - negritei) TRIBUTÁRIO. ISSQN. SERVIÇOS DE MANIPULAÇÃO DE MEDICAMENTOS. INCIDÊNCIA. ATIVIDADE QUE CONSTA NA LISTA ANEXA À LEI COMPLEMENTAR 118/03. SÚMULA 31 83/STJ. JURISPRUDÊNCIA DOMINANTE. VIOLAÇÃO DO ART. 557 DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. PRINCÍPIO DA COLEGIALIDADE. PRESERVAÇÃO POR OCASIÃO DO JULGAMENTO DO AGRAVO REGIMENTAL. 1. Discute-se nos autos a incidência do ISSQN na atividade de manipulação de fórmulas farmacêuticas. 2. Defende a recorrente que as atividades desempenhadas pelas farmácias de manipulação não se inserem no campo de incidência da referida exação, por expressa vontade do legislador, quando da elaboração da Lei Complementar n. 116/2003, que em momento algum mencionou a manipulação de fórmulas no subitem 4.07 da lista anexa de serviço, como hipótese de incidência do tributo municipal. 3. A jurisprudência desta Corte orienta-se no sentido de que o fornecimento de medicamentos manipulados, operação mista que agrega mercadoria e serviço, está sujeito a ISSQN e, não, o ICMS, tendo em vista que é atividade equiparada aos "serviços farmacêuticos". 4. (...) (AgRg no REsp n°. 1447225/GO, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 24/02/2015, DJe 07/05/2015 – ementa parcial, negritei) Entendimento diverso não foi manifestado nos seguintes acórdãos, que fortaleceram a jurisprudência do STJ a favor da incidência tão somente do ISS nos casos de manipulação de medicamentos: AgRg no AREsp n°. 445.591/MG, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 18/11/2014, DJe 24/11/2014; AgRg no Ag 1.389.891/MG, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, julgado em 21/06/2012, DJe 02/08/2012; REsp n°. 975.105/RS, Segunda Turma, Rel.Min. Herman Benjamin, DJe de 9.3.2009. Nota-se que, em 2010, o Ministro Benedito Gonçalves fundamentou seu voto através da considerável diferença entre a mercadoria encomendada e a mercadoria “de prateleira”, objetivando demonstrar que a manipulação de um medicamento é, sem dúvida, um serviço feito por encomenda: PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. ICMS. SERVIÇOS DE MANIPULAÇÃO DE MEDICAMENTOS. NÃO INCIDÊNCIA. ATIVIDADE QUE CONSTA NA LISTA ANEXA À LEI COMPLEMENTAR 118/03. SUBMISSÃO AO ISSQN. (...) O que se agrega são os produtos utilizados pelo técnico à consecução de seu ofício, e não, como pretende o agravante, a mercadoria ao serviço por ele executado. Na verdade, o negócio jurídico travado, diga-se, a manipulação de fórmulas medicamentosas sob encomenda, diz respeito à atividade do profissional. O discrímen está na opção daquele que busca a fórmula e privilegia o labor do técnico farmacêutico ao invés de optar pelo medicamento industrializado, dito "de prateleira". (AgRg no REsp n°. 1158069/PE, Rel. Ministro BENEDITO 32 GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 20/04/2010, DJe 03/05/2010) Ademais, o fundamento acima guarda estrita relação e coerência com outro já manifestado pelo STJ, segundo o qual é devida a incidência do ISS sobre serviço realizado por encomenda – entendimento este que serviu de base para a solução do já mencionado conflito sobre gravação e distribuição de filmes. Súmula 135 - O ICMS não incide na gravação e distribuição de filmes e videoteipes.11 TRIBUTÁRIO - ISS - SERVIÇO FEITO POR ENCOMENDA NÃO INCIDÊNCIA DO ICMS - SÚMULA 135 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. 1. Consoante entendimento pacificado no âmbito deste Superior Tribunal de Justiça, em se tratando de serviço realizado por encomenda, não incide o ICMS mas sim o ISS. 2. Precedentes do Colendo STF e deste STJ. 3. Agravo regimental improvido. (AgRg nos EDcl no REsp 406.805/RS, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 10/12/2002, DJ 03/02/2003, p. 272) De todos os casos similares enfrentados pelo STJ, um caso em específico merece destaque. Em 2007, o STJ recebeu um Recurso Especial interposto por DERMAPELLE FARMÁCIA DE MANIPULAÇÃO LTDA, FHD FARMÁCIA DE MANIPULAÇÃO LTDA e FARMACENTER – FARMÁCIA DERMATOLÓGICA CENTER LTDA nos autos do processo n°. 70007970825, que tramitava no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. O julgamento da apelação pela 2ª instância restou assim ementado: DIREITO TRIBUTÁRIO. AÇÃO DECLARATÓRIA. ICMS. ISS. MANIPULAÇÃO, AVIAMENTO E VENDA DE MEDICAMENTOS. OPERAÇÃO MISTA. INCIDÊNCIA DO ICMS SOBRE O VALOR TOTAL DA OPERAÇÃO. SENDO CASO DE INCIDÊNCIA DE ICMS, NÃO SE COGITA DE O FATO GERADOR DAR ENSEJO AO ISSQN. HAVENDO CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS (OBRIGAÇÃO DE DAR, E NÃO DE FAZER), INCIDE O IMPOSTO ESTADUAL. NO DIZER DE HUGO DE BRITO MACHADO “OPERAÇÕES RELATIVAS À CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS SÃO QUAISQUER ATOS OU NEGÓCIOS, INDEPENDENTEMENTE DA NATUREZA JURÍDICA ESPECÍFICA DE CADA UM DELES, QUE IMPLICAM MUDANÇA DE PROPRIEDADE DAS MERCADORIAS, DENTRO DA CIRCULAÇÃO ECONÔMICA QUE AS LEVA DA FONTE ATÉ O CONSUMIDOR” (CURSO 11 1ª Seção, STJ, julgado em 09/05/1995, DJ 16/05/1995 p. 13549 33 DE DIREITO TRIBUTÁRIO, MALHEIROS, 1997, P. 263). O FATO DE A AUTORA CONFECCIONAR, MANIPULAR E TRANSACIONAR MEDICAMENTOS AGREGANDO OUTROS ELEMENTOS AOS SAIS BÁSICOS, DEMONSTRA QUE ESTÁ A PRODUZIR UM BEM MÓVEL, O QUAL SE CONSTITUI EM MERCADORIA. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS. SENTENÇA CONFIRMADA; APELAÇÃO DESPROVIDA. (Apelação Cível Nº 70007970825, Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Túlio de Oliveira Martins, Julgado em 23/02/2005 - negritei) Diferentemente de outros tribunais estaduais, que vinham adotando o entendimento segundo o qual a operação mista de manipulação de medicamento é fato gerador tão somente do ISS, o TJRS reconheceu a incidência do ICMS na operação descrita. Analisando-se o inteiro teor do acórdão que deu origem a ementa acima, tem-se que, segundo o Relator, Des. Túlio de Oliveira Martins: Trata-se, pois, como já supra referido, de operação mista, em relação à qual, desde que prevaleça a mercadoria sobre o labor, tem incidência o ICMS. Na espécie dos autos, não resta a menor dúvida a respeito da prevalência da mercadoria sobre o serviço, o qual (manipulação,embalagem, etc) é mera etapa para o adimplemento do negócio. (...) O bem da vida buscado pelo consumidor em uma farmácia de manipulação é o medicamento e não o serviço prestado, o qual é apenas meio para a obtenção do produto. A hipótese é bastante semelhante ao fornecimento de bebidas e refeições em bares e restaurantes, a qual é tributada por imposto de circulação de mercadoria na forma da melhor jurisprudência do Egrégio Supremo Tribunal Federal, como se constata em RTJ 68/98, RTJ 89/281, TRTJ 97/345 e RDA 118/155. (Apelação Cível Nº 70007970825, inteiro teor, p. 4/7) O exmo Revisor, Des. Roque Joaquim Volkweiss, acompanhando o voto de relatoria, acrescentou que: Então, havendo, como no caso dos autos, o fornecimento da matéria-prima pelo produtor dos medicamentos, e não pelo respectivo encomendante, é o quanto basta para que a tributação fique a cargo do ICMS. A diferença, como se vê, está no fornecimento da matéria-prima: se pelo produtor, a operação se sujeita ao ICMS e, se pelo encomendante, a operação se sujeita ao ISS. (Apelação Cível Nº 70007970825, inteiro teor p. 13) 34 Por fim, o exmo 1° vogal, Des. Adão Sérgio Do Nascimento Cassiano, selou o acórdão de julgamento da apelação à unanimidade, para não menos reconhecer que a manipulação de medicamentos deve sofrer apenas incidência do ICMS. Em suas palavras: Assim, para que os medicamentos manipulados não sejam tributados pelo ICMS, e sim pelo ISS municipal, é imprescindível que eles sejam considerados prestações de serviços, e não sejam considerados nem mercadorias e nem produtos industrializados, pois, na hipótese contrária, a tributação será pelo ICMS estadual e pelo IPI, e não pelo ISS municipal. E aí o que faria a distinção seria somente a questão da personalização, à semelhança dos impressos personalizados da Súmula nº 156 do STJ, pois sendo o remédio proveniente de receita para determinado paciente, não poderia ser utilizado por outro. A personalização, todavia, não é certamente nota fundamental para distinção de tal envergadura e de relevantes efeitos, pois a matéria é de ordem constitucional, como já referido. ( inteiro teor p. 21) Em suma, decidiu o TJRS que a questão envolvendo a incidência de ICMS ou ISS na manipulação de medicamentos deve levar em conta a preponderância da mercadoria sobre o serviço prestado; o interesse do cliente na obtenção de um produto, e não de um serviço; a origem da matéria-prima para confecção do produto encomendado; e, em menor grau, a personalização do pedido feito, não podendo ser ofertado a nenhum outro cliente. Convém mencionar que a decisão não foi a única neste mesmo sentido, havendo outros acórdãos proferidos pelos desembargadores do eg. TJRS que também decidiram pela incidência do ICMS na manipulação de medicamentos, a saber: Apelação Cível Nº 598358901, Primeira Câmara Cível, TJRS, Relator: Fabianne Breton Baisch, Julgado Em 07/02/2001; Apelação Cível Nº 70009955352, Segunda Câmara Cível, TJRS, Relator: Roque Joaquim Volkweiss, Julgado Em 03/11/2004; Apelação Cível Nº 70004523775, Segunda Câmara Cível, TJRS, Relator: José Luiz John Dos Santos, Julgado Em 29/09/2004; Apelação Cível Nº 70005905070, Segunda Câmara Cível TJRS, Relator: Maria Isabel De Azevedo Souza, Julgado Em 30/04/2003; Apelação Cível Nº 70005741202, Primeira Câmara Cível, TJRS, Relator: Carlos Roberto Lofego Canibal, Julgado Em 08/10/2003; Embargos Infringentes n°. 35 70001064922, Relator Desembargador Marco Aurélio Heinz. ( inteiro teor p. 4/7). Nos autos do processo julgado pelo Des. Túlio de Oliveira Martins, as já mencionadas empresas farmacêuticas, inconformadas com a decisão de 2ª instância, interpuseram Recurso Especial ao c.STJ, distribuído sobre o número 975105/RS, e autuado em 08/08/2007. O Tribunal Superior manteve coerência com os julgamentos que já vinha proferindo em casos semelhantes, e reformou o acórdão estadual ao dar provimento ao recurso especial, reconhecendo, enfim, a incidência exclusiva do imposto Municipal. Não sobeja reproduzir a ementa: TRIBUTÁRIO. ISS. FARMÁCIAS DE MANIPULAÇÃO. PREPONDERÂNCIA DO SERVIÇO OU DA MERCADORIA. IRRELEVÂNCIA. LISTA DE SERVIÇOS. INCIDÊNCIA EXCLUSIVA DO TRIBUTO MUNICIPAL. 1. Hipótese em que o Tribunal de origem entendeu incidir exclusivamente o ICMS sobre o preparo, a manipulação e o fornecimento de medicamentos por farmácias de manipulação, pois haveria preponderância da mercadoria em relação ao serviço. 2. O critério da preponderância do serviço ou da mercadoria, adotado pela redação original do CTN de 1966 (art. 71, parágrafo único), foi logo abandonado pelo legislador. A CF/1967 (art. 25, II) previu a definição dos serviços pela legislação federal. O DL 406/1968 revogou o art. 71 do CTN e inaugurou a sistemática da listagem taxativa, adotada até a atualidade (LC 116/2003). 3. A partir do DL 406/1968 (art. 8º, § 1º), os serviços listados submetem-se exclusivamente ao ISS, ainda que envolvam o fornecimento de mercadorias. A regra é a mesma na vigência da LC 116/2003 (art. 1º, § 2º). A preponderância do serviço ou da mercadoria no preço final é irrelevante. 4. O Superior Tribunal de Justiça prestigia esse entendimento em hipóteses análogas (serviços gráficos, de construção civil, hospitalares etc.), conforme as Súmulas 156, 167 e 274/STJ. 5. Os serviços prestados por farmácias de manipulação, que preparam e fornecem medicamentos sob encomenda, submetem-se à exclusiva incidência do ISS (item 4.07 da lista anexa à LC 116/2003). Precedente da Primeira Turma. 6. Recurso Especial provido. (REsp 975.105/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/10/2008, DJe 09/03/2009 - negritei) Por fim, o Estado do Rio Grande do Sul se viu legítimo a recorrer para última instância, na esperança de obter a reforma do acórdão e a manutenção das decisões primevas a seu favor (a sentença de 1° instância e o acórdão estadual). O Recurso Extraordinário n°. 605.552, dirigido ao Supremo 36 Tribunal Federal, foi julgado sob Relatoria do Min. Dias Toffoli, e culminou no reconhecimento (a pedido) da Repercussão Geral da matéria sob o Tema n°. 379: Imposto a incidir em operações mistas realizadas por farmácias de manipulação. Eis a ementa da decisão do STF: Tributário. ISS. ICMS. Farmácias de manipulação. Fornecimento de medicamentos manipulados. Hipótese de incidência. Repercussão geral. 1. Os fatos geradores do ISS e do ICMS nas operações mistas de manipulação e fornecimento de medicamentos por farmácias de manipulação dão margem a inúmeros conflitos por sobreposição de âmbitos de incidência. Trata-se, portanto, de matéria de grande densidade constitucional. 2. Repercussão geral reconhecida. (RE 605552/RG, Relator Min. DIAS TOFFOLI, julgado em 31/03/2011, DJe-090 DIVULG 13-05-2011 PUBLIC 16-05-2011 - negritei) As fundamentações utilizadas pelo Ministro Relator demonstram que a questão Considero ser necessário o enfrentamento por esta corte do tema de fundo à luz do arcbouço normativo constitucional e infraconstitucional e da jurisprudência. Entendo que a matéria transcende o interesse sujetivo das partes e possui grande densidade constitucional, na medida em que, no extraordinário, se discute os fatos geradores do ISS e do ICMS nas operações mistas de manipulação e fornecimento de medicamentos por farmácias de manipulação, os quais dão margem a inúmeros conflitos por sobreposição de âmbitos de incidência. (RE 605552/RG, inteiro teor) Os autos encontram-se conclusos ao relator desde 02/02/2015, e a insegurança dos contribuintes paira entre a disputa dos Estados e Municípios pela tributação da prestação de manipulação e fornecimento de medicamentos. Resta, por fim, comprovar qual imposto deverá incidir na prestação objeto da Repercussão Geral – Tema n°. 379. 5.1. Da exclusiva incidência do ISS na manipulação de medicamentos O art. 37 da CF/88 prevê: Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, 37 impessoalidade, moralidade, também, ao seguinte: (...) publicidade e eficiência e, Ainda que a Lei Maior seja de 1988, a organização da administração pública direta e indireta é disposta no Decreto-Lei n°. 200/1967, que, no que interessa, assim definiu: Art. 4° A Administração Federal compreende: (...) II - A Administração Indireta, que compreende as seguintes categorias de entidades, dotadas de personalidade jurídica própria: a) Autarquias; (...) Art. 5º Para os fins desta lei, considera-se: I - Autarquia - o serviço autônomo, criado por lei, com personalidade jurídica, patrimônio e receita próprios, para executar atividades típicas da Administração Pública, que requeiram, para seu melhor funcionamento, gestão administrativa e financeira descentralizada. No âmbito das autarquias, foram criadas as agências reguladoras, que são autarquias sob regime especial e que visam dar maior eficiência à atuação da Administração indireta. Possuem maiores privilégios que as autarquias comuns e considerável independência normativa, decisória, instrumental, orçamentária, política, organizacional e financeira. É o que ensina o doutrinador Diógenes Gasparini: Com a implementação da política que transfere para o setor particular a execução dos serviços públicos e reserva para a Administração Pública a regulamentação, o controle e a fiscalização da prestação desses serviços aos usuários e a ela própria, o Governo Federal, dito por ele mesmo, teve a necessidade de criar entidades para promover, com eficiência, essa regulamentação, controle e fiscalização, pois não dispunha de condições para enfrentar a atuação dessas parcerias. Tais entidades, criadas com essa finalidade e poder, são as agências reguladoras. São criadas por lei como autarquia de regime especial recebendo os privilégios que a lei lhes outorga, indispensáveis ao atingimento de seus fins. São entidades, portanto, que integram a Administração Pública Indireta. (GASPARINI, 2000. p. 342) No que tange à saúde, foi criada a Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA (Lei n°. 9.782, de 26 de janeiro de 1999), vinculada ao Ministério da Saúde e integrada ao Sistema Único de Saúde (SUS). Sua 38 atuação inclui todos os setores e serviços que possam afetar a saúde da população brasileira, tanto na regulação sanitária quanto na regulação econômica do mercado. Paralelamente, ainda no intuito de descentralização da administração público e de promover maior controle e fiscalização dos serviços, foram criados os Conselhos Federais – autarquias federais criadas por lei cuja função, delegada pela União, está voltada para a fiscalização das classes profissionais. O STF já reconheceu a natureza jurídica dos conselhos de fiscalização profissional, que exercem função típica do Estado e são considerados integrantes da administração indireta, na qualidade de autarquias. ADMINISTRATIVO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSELHO DE FISCALIZAÇÃO PROFISSIONAL. EXIGÊNCIA DE CONCURSO PÚBLICO. ART. 37, II, DA CF. NATUREZA JURÍDICA. AUTARQUIA. FISCALIZAÇÃO. ATIVIDADE TÍPICA DE ESTADO. 1. Os conselhos de fiscalização profissional, posto autarquias criadas por lei e ostentando personalidade jurídica de direito público, exercendo atividade tipicamente pública, qual seja, a fiscalização do exercício profissional, submetem-se às regras encartadas no artigo 37, inciso II, da CB/88, quando da contratação de servidores. 2. Os conselhos de fiscalização profissional têm natureza jurídica de autarquias, consoante decidido no MS 22.643, ocasião na qual restou consignado que: (i) estas entidades são criadas por lei, tendo personalidade jurídica de direito público com autonomia administrativa e financeira; (ii) exercem a atividade de fiscalização de exercício profissional que, como decorre do disposto nos artigos 5º, XIII, 21, XXIV, é atividade tipicamente pública; (iii) têm o dever de prestar contas ao Tribunal de Contas da União. 3. A fiscalização das profissões, por se tratar de uma atividade típica de Estado, que abrange o poder de polícia, de tributar e de punir, não pode ser delegada (ADI 1.717), excetuando-se a Ordem dos Advogados do Brasil (ADI 3.026). 4. In casu, o acórdão recorrido assentou: EMENTA: REMESSA OFICIAL EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. CONSELHO PROFISSIONAL. NÃO ADSTRIÇÃO À EXIGÊNCIA DE CONCURSO PÚBLICO, PREVISTA NO ART. 37, II, DA CF. PROVIMENTO. I – Os conselhos profissionais, não obstante possuírem natureza jurídica autárquica conferida por lei, estão, no campo doutrinário, classificados como autarquias corporativas, não integrando a Administração Pública, mas apenas com esta colaborando para o exercício da atividade de polícia das profissões. Conclusão em que se aporta por carecerem aqueles do exercício de atividade tipicamente estatal, o que lhe acarreta supervisão ministral mitigada (art. 1º, Decreto-lei 968/69), e de serem mantidas sem percepção de 39 dotações inscritas no orçamento da União. II – Aos entes autárquicos corporativos não são aplicáveis o art. 37, II, da Lei Maior, encargo exclusivo das autarquias integrantes da estrutura administrativa do estado, únicas qualificáveis como longa manus deste. III – Remessa oficial provida. Pedido julgado improcedente. 5. Recurso Extraordinário a que se dá provimento. (RE 539224, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 22/05/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-118 PUBLIC 18/06/2012, p. 684-690 - negritei) DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 58 E SEUS PARÁGRAFOS DA LEI FEDERAL Nº 9.649, DE 27.05.1998, QUE TRATAM DOS SERVIÇOS DE FISCALIZAÇÃO DE PROFISSÕES REGULAMENTADAS. 1. Estando prejudicada a Ação, quanto ao § 3º do art. 58 da Lei nº 9.649, de 27.05.1998, como já decidiu o Plenário, quando apreciou o pedido de medida cautelar, a Ação Direta é julgada procedente, quanto ao mais, declarando-se a inconstitucionalidade do "caput" e dos § 1º, 2º, 4º, 5º, 6º, 7º e 8º do mesmo art. 58. 2. Isso porque a interpretação conjugada dos artigos 5°, XIII, 22, XVI, 21, XXIV, 70, parágrafo único, 149 e 175 da Constituição Federal, leva à conclusão, no sentido da indelegabilidade, a uma entidade privada, de atividade típica de Estado, que abrange até poder de polícia, de tributar e de punir, no que concerne ao exercício de atividades profissionais regulamentadas, como ocorre com os dispositivos impugnados. 3. Decisão unânime. (ADI 1717, Relator(a): Min. SYDNEY SANCHES, Tribunal Pleno, julgado em 07/11/2002, DJ 28-03-2003) Neste contexto, tanto a ANVISA quanto os Conselhos Federais de regulação profissional possuem autonomia legislativa no âmbito de suas atribuições, posto suprirem a falta de especificidade técnica do Poder Legislativo e ampliarem o campo de atuação e controle do Poder Executivo. Em se tratando de classe profissional dos farmacêuticos, foi publicada em 11 de novembro de 1960 a Lei n°. 3.820, que criou o Conselho Federal e os Conselhos Regionais de Farmácia. O art. 1° define claramente sua função: Art. 1º - Ficam criados os Conselhos Federal e Regionais de Farmácia, dotados de personalidade jurídica de direito público, autonomia administrativa e financeira, destinados a zelar pela fiel observância dos princípios da ética e da disciplina da classe dos que exercem atividades profissionais farmacêuticas no País. No âmbito de suas atribuições, previstas no art. 6° da referida Lei n°. 3.820/1960, deverá o Conselho Federal de Farmácia “expedir as resoluções 40 que se tornarem necessárias para a fiel interpretação e execução da presente lei” (art. 6°, alínea “g”). Indiscutível, portanto, sua capacidade e legitimidade para normatizar as questões que envolvem os serviços farmacêuticos e suas especificidades. Em 28 de novembro de 2007, o Conselho Federal de Farmácia publicou a Resolução n°. 467, que “define, regulamenta e estabelece as atribuições e competências do farmacêutico na manipulação de medicamentos e de outros produtos farmacêuticos”. A análise apurada dessa Resolução permite a clara percepção das atribuições de um farmacêutico na manipulação de um medicamento, o que se faz imprescindível na conclusão sobre a amplitude do serviço farmacêutico. Nas disposições preliminares, assim estabelece a Resolução n°. 467: Considerando que a qualidade do produto farmacêutico magistral é garantida através do monitoramento documentado das etapas do processo de manipulação magistral; RESOLVE: Artigo 1º – Estabelecer as atribuições e competências do farmacêutico na farmácia com manipulação, nos termos do Anexo I, desta resolução. (magistral) Extrai-se do texto acima que o monitoramento das etapas do processo de manipulação de um medicamento é de suma importância para a qualidade do produto manipulado, sendo esta uma função exclusiva do farmacêutico. Art. 1º - No exercício da profissão farmacêutica, sem prejuízo de outorga legal já conferida, é de competência privativa do farmacêutico, todo o processo de manipulação magistral e, oficinal, de medicamentos e de todos os produtos farmacêuticos. (negritei) No que aqui interessa, também são atribuições do farmacêutico a aplicação dos procedimentos operacionais e técnicos necessários à manipulação de um medicamento, devendo prestar assistência técnica e controlar a qualidade de todo o processo. Estas atribuições são de sua inteira responsabilidade, podendo delegar funções à terceiros. É o que se destaca da leitura dos arts. 5°, 8° e 9° da Resolução analisada: Art. 5º - No âmbito de seu mister, o Farmacêutico é responsável e competente para definir, aplicar e supervisionar os procedimentos operacionais e 41 farmacotécnicos estabelecidos no processo de manipulação magistral, e ainda, pelas funções que delegar a terceiros, cabendo-lhe na autonomia de seu exercício profissional, cumprir e fazer cumprir, as atribuições deste artigo Art. 8º - É dever do farmacêutico prestar assistência técnica necessária para realização de todas as etapas do processo de manipulação magistral. Art. 9º - O farmacêutico é responsável pelo controle de qualidade do processo de manipulação de medicamentos e de outros produtos farmacêuticos magistrais, cabendo-lhe no exercício dessa atividade: I - Especificar a matéria prima de acordo com a referencia estabelecida. II - Aprovar ou rejeitar matéria-prima, produto semi-acabado, produto acabado e material de embalagem; III - Selecionar e definir literatura, métodos e equipamentos; IV - Estabelecer procedimentos para especificações, amostragens e métodos de ensaio; V – Manter o registro das análises efetuadas; VI – Garantir e registrar a manutenção dos equipamentos; VII – Definir a periodicidade e registrar a calibração dos equipamentos, quando aplicável. (negritei) Nota-se que o art. 9° descreve algumas funções dos farmacêutico nas etapas do processo de manipulação, incluindo matéria-prima, equipamentos e métodos utilizados. Por fim, em se tratando do processo de manipulação de medicamentos e produtos farmacêuticos mediante receita/ prescrição, o art. 10 da Resolução define: Art. 10 – Quando do aviamento de receita cabe ao farmacêutico, cumprir e fazer cumprir as determinações deste artigo: a) Quando a dose ou posologia dos medicamentos prescritos ultrapassar os limites farmacológicos ou a prescrição apresentar interações , o farmacêutico deve solicitar confirmação do profissional prescritor, registrar as alterações realizadas e decidir sobre o aviamento. Na ausência ou negativa de confirmação, a prescrição não deve ser aviada. b) Não é permitido fazer alterações nas prescrições de medicamentos à base de substâncias incluídas nas listas constantes do Regulamento Técnico sobre substâncias e medicamentos sujeitos a controle especial e nas suas atualizações. 42 Infere-se dos dispositivos transcritos que é de competência privativa do farmacêutico a manipulação de medicamentos com ou sem prescrição médica, cabendo-lhe a responsabilidade pelo acompanhamento e execução de todo o processo de manipulação, em estrita observância das normas técnicas e éticas da profissão. Em se tratando da prestação de serviços farmacêuticos, a Resolução n°. 499, de 17 de dezembro de 2008 acrescenta maiores atribuições ao farmacêutico para atuar em farmácias e drogarias. Convém reproduzir a última disposição preliminar da referida resolução: Considerando o disposto na Resolução CFF nº 477, de 28 de maio de 2008, que define Farmácia Comunitária como o estabelecimento de prestação de serviços farmacêuticos, de natureza estatal ou privada, dirigido por profissional farmacêutico, destinado a prestar assistência e atenção farmacêutica ao público, incluindo educação para a saúde individual e coletiva, onde se processe a manipulação ou a dispensação de medicamentos magistrais, oficinais ou industrializados, cosméticos e produtos para a saúde, RESOLVE: (negritei e grifei) Para análise e possibilidade de conclusão de que a manipulação de um medicamento ou produto farmacêutico insere-se no rol de serviços prestados por um farmacêutico, basta a leitura do art. 1°, §§ 1° e 2° da Resolução n°. 499, que assim dispõe: Art. 1º - Estabelecer que somente o farmacêutico inscrito no Conselho Regional de Farmácia de sua jurisdição, poderá prestar serviços farmacêuticos, em farmácias e drogarias. § 1° Os serviços farmacêuticos de que trata o caput deste artigo são os seguintes: I - Elaboração do perfil farmacoterapêutico, avaliação e acompanhamento da terapêutica farmacológica de usuários de medicamentos; II - Determinação quantitativa do teor sanguíneo de glicose, colesterol total e triglicérides, mediante coleta de amostras de sangue por punção capilar, utilizando-se de medidor portátil; III - Verificação de pressão arterial; IV - Verificação de temperatura corporal; V - Aplicação de medicamentos injetáveis; VI - Execução de procedimentos de inalação e nebulização; VII - Realização de curativos de pequeno porte; VIII - Colocação de brincos; IX- Participação em campanhas de saúde; X- Prestação de assistência farmacêutica domiciliar. 43 § 2° Outros serviços farmacêuticos, não especificados nesta Resolução, também poderão ser executados, desde que se situem no domínio da capacitação técnica, cientifica ou profissional, e sejam reconhecidos pelo Conselho Federal de Farmácia. Ora, imperioso concluir que o Conselho Federal de Farmácia, no uso de sua competência normativa para fiscalizar e controlar a classe de profissionais farmacêuticos, bem como suas atribuições, funções e sanções, reconhece como serviço farmacêutico a manipulação de medicamentos realizada por farmacêutico regularmente inscrito no Conselho. Não se pode olvidar que, como dito, a normatização do Conselho Federal de Farmácia, ainda que não possuam o caráter de lei federal 12, vincula os profissionais da respectiva classe no exercício da profissão, facultando-lhes a atuação concedida e punindo-lhe em caso de violação das diretrizes. Neste contexto, considerando que apenas um profissional farmacêutico possui competência para manipular um medicamento, e que tal função é tecnicamente considerada um serviço farmacêutico, inquestionável incluir a manipulação de medicamentos como serviço farmacêutico para fins de tributação, sendo, portanto, uma prestação tributada pelo ISS por constar no item 4.07 da lista anexa a LC 116/2003. Destarte, para além da conclusão técnica extraída do conceito dado pelo Conselho Federal de Farmácia, que claramente inclui a manipulação de medicamentos no rol de serviços farmacêuticos, mister se faz a apuração da questão à luz das teorias vistas, de forma a comprovar que a manipulação de medicamentos não só está prevista na lista anexa a LC 116/2003, como também é, em sua essência, a prestação de um serviço. Primeiramente, trata-se de uma operação mista, onde a há a prestação de um serviço farmacêutico de manipulação e o fornecimento de um medicamento ou produto farmacêutico manipulado. Não é, portanto, pura prestação de serviço com utilização ou aplicação de insumos, posto que o resultado da prestação é um bem móvel comercializável. A mercadoria fornecida, qual seja, o produto ou medicamento manipulado, possui estrita relação com o serviço prestado, posto ser fruto de 12 EDcl no AgRg no AREsp 401.678/RJ, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, 2ªT/STJ, julgado em 22/04/2014, DJe 15/08/2014 44 um processo de manipulação específico e regulamentado, cuja finalidade é justamente produzi-la. Não se trata, portanto, dos casos onde a mercadoria pode ou não ser incluída na prestação do serviço, pois ambos são interdependentes: não há produto manipulado sem a manipulação, e não há manipulação sem um resultado material. Sob a ótica do estudado autor Sabbag, na manipulação de medicamentos há uma preponderância do serviço prestado sobre o fornecimento de mercadoria, dada a especificidade do que se contrata. Tal conclusão decorre da simples análise da intenção do cliente: ao procurar uma farmácia de manipulação, não pretende o cliente obter um produto que está disponível nas prateleiras das drogarias e farmácias, pois, se assim fosse, teria apenas comprado um exemplo; pretende o cliente que lhe seja preparado o produto ou medicamento conforme suas necessidades e especificações, prescritas e determinadas por um médico (quando assim for exigido) ou simplesmente condicionadas ao seu interesse. Da mesma forma, como ensina Hugo Machado de Brito, a destinação do medicamento manipulado não é o comércio em sua mais ampla concepção, incluindo consumidores com as mais diversas necessidades. Os laboratórios farmacêuticos já cumprem esta função, cuja produção é ampla e em série. O medicamento manipulado destina-se prioritariamente a um cliente, que busca aquele serviço pelo seu caráter personalizado. Por fim, considerando a natureza jurídica da prestação-fim para solução do conflito conforme ensinamento do Baptista, tem-se nada menos que uma obrigação de fazer, onde claramente o farmacêutico está vinculado e é responsável pelo monitoramento e execução do processo de manipulação, culminando na qualidade do produto manipulado. A análise destas doutrinas, que se destacam em razão da coerência que possuem com os conceitos constitucionais, é um complemento valioso na apuração de qual imposto deve incidir na manipulação de medicamos, e a solução encontrada é mera ilação da subsunção do caso concreto à teoria. Mauro Luís, no entanto, afirma categoricamente que a manipulação de medicamentos é um serviço farmacêutico, e estando na lista anexa à LC 116/2003 – item 4.07, sofrerá a incidência tão somente do ISS. (LOPES, 2009, p. 356). O mesmo manifesta o Hugo de Brito, que adota a já analisada tese da 45 destinação e concorda com o posicionamento firmado no STJ. (MACHADO, 2010, p. 96). 5.2. Contraposição à incidência do ICMS na manipulação de medicamentos O julgamento proferido pelo Tribunal do Rio Grande Sul demonstrou uma concepção que vem ocorrendo na prática: o imposto devido sobre toda a operação de manipulação de medicamentos é o ICMS, de competência Estadual. Os que defendem essa conclusão partem da premissa de que o medicamento manipulado merece maior destaque na operação como um todo, posto que a matéria-prima é proveniente do agente que a produz, e não do encomendante, e que o serviço é mera etapa para obtenção de um resultado, a exemplo do que ocorre com o fornecimento de bebidas e comidas em bares e restaurantes – mercadorias tributadas pelo ICMS. Todos estes argumentos já foram enfrentados à luz da doutrina pátria, não havendo razões para prevalecer a tese de que a operação mista em questão possui em sua essência a natureza de uma obrigação de dar. Se assim fosse, teoria o consumidor/cliente se dirigido a qualquer drogaria ou farmácia que tivesse em sua prateleira o medicamento desejado, não precisando que um farmacêutico atuasse na manipulação de substâncias para obter o resultado desejado. Destarte, outras teses apresentadas se pautam em fundamentos fáticos. Alega esta corrente que, quando da aprovação do projeto da LC 116/2003, ainda em votação e discussão, o item 4.07 da lista anexa possua a seguinte redação: “Item 4.07 – Serviços farmacêuticos, inclusive de manipulação”. O Senado, ao se deparar com o projeto, achou por bem decotar do item a segunda parte, por considerar que a manipulação de medicamentos se tratava de mercadoria e, portando, tributada pelos Estados. No parecer, o Relator Sr. Senador Romero Jucá se manifestou em nome da Comissão de Assuntos Econômicos – CAE, em 03.06.2003, com os seguintes dizeres: 46 A Comissão aprovou, com abstenção do Senador Jonas Pinheiro, o parecer do relator, Senador Romero Jucá, favorável à aprovação parcial do Substitutivo da Câmara dos Deputados ao Projeto de Lei do Senado nº 161, de 1989 - Complementar, e pela rejeição dos seguintes dispositivos e trechos:(...) 17- expressão "inclusive de manipulação" do subitem 4.07 da lista anexa de serviços. Os defensores desta corrente vêem esta rejeição como uma clarividente manifestação contrária do legislador quanto à inclusão da manipulação de medicamentos no conjunto dos serviços farmacêuticos. Aduzem que tal ato não retira dos próprios Municípios o fruto da arrecadação tributária sobre esta operação, visto que 25% da arrecadação do ICMS destina-se aos mesmos. Acrescentam, ainda, que o entendimento do Congresso foi determinante na exclusão de parte do dispositivo, criando, uma norma sem interpretação extensiva. Reproduzindo: Com base no exposto, certos de que a nova lei viabilizará o fortalecimento das finanças públicas municipais, votamos pela aprovação parcial do Substitutivo da Câmara dos Deputados ao Projeto de Lei do Senado nº 161, de 1989 – Complementar, e pela rejeição dos seguintes dispositivos e trechos: (...) - expressão “inclusive de manipulação” do subitem 4.07 da lista anexa de serviços, pelo fato de poder tratar-se de operação mista, isto é que envolve o fornecimento conjunto de mercadorias e serviços, circunstância em quecriar-se-ia um espaço para a elisão fiscal das mercadorias aí envolvidas de sua sujeição ao ICMS. (Diário do Senado Federal – ano LVIII nº 084 - quarta-feira, 18 de junho de 2003 – Brasília – DF p. 4142.) Ora, não se extrai do decote legislativo em comento a incontroversa intenção do legislador de determinar que, sobre a manipulação de medicamentos deva incidir o ICMS. A possibilidade de elisão fiscal existe, inclusive, nas drogarias de amplo e diversificado atendimento, que vendem produtos de perfumaria e cosméticos, medicamentos e pet shop, e possuem laboratório próprio para manipulação de medicamentos e outros produtos farmacêuticos. Muitas destas mercadorias são “de prateleira”, e eventual manipulação de medicamentos em larga escala poderá ser igualmente vista como tal. Entende-se que o legislador, ao excluir o trecho do item 4.07 da lista anexa a LC 116/2003 e buscar com isso afastar fraude, reconheceu a complexidade 47 da manipulação de medicamentos, que, apesar de só poder ser exercida por profissional em favor de uma necessidade personalizada, poderá incorrer no fato gerador do ICMS ao produzir bens de indistinto consumo. Destarte, em que pese tal concepção, não se pode negar que a manipulação de medicamentos é legalmente reconhecida pelo Conselho Federal de Farmácia como um serviço privativo do farmacêutico, que é responsável pelo acompanhamento de todo o processo técnico para elaboração e junção de substância. Tal procedimento é a razão de ser do resultado final, cuja obrigação de fazer do farmacêutico será apurada pela qualidade do produto. Pensar diferente é ignorar a normatização da classe profissional e alterar a amplitude do conceito de serviço dado pelo direito privado e adotado pela Constituição Federal. 6. CONCLUSÃO A legalidade da cobrança do ISS, pelos Municípios, sobre a prestação do serviço de manipulação de medicamentos está à mercê do julgado da Repercussão Geral do Tema n°. 379 pelo STF, e poderá perder sua validade. Ainda que se entenda, e aqui se tenha defendido, ser cabível a exclusiva incidência do ISS nesta operação, não se pode olvidar que o resultado do julgamento poderá provocar um caos nas relações jurídico-tributáveis existentes entre os Municípios/Estados e as farmácias de manipulação. Isso porque cada Estado tem adotado uma concepção divergente, seja alinhado ao entendimento do STJ – que, diga-se, não lhe é favorável – seja em favor dos seus próprios interesses arrecadatórios. Lado outro, se a decisão for pela cobrança exclusiva do ISS, muitos Municípios que não recolhiam o tributo das farmácias de manipulação passarão a fazê-lo, retroativo aos últimos 5 anos. (MACHADO, 2010. p. 100). O mesmo pressupõe-se em relação aos Estados, e os mais afetados serão, sem dúvidas os contribuintes. Em todo caso, convém sempre relembrar a norma disposta no art. 146, do CTN: A modificação introduzida, de ofício ou em conseqüência de decisão administrativa ou judicial, nos critérios jurídicos 48 adotados pela autoridade administrativa no exercício do lançamento somente pode ser efetivada, em relação a um mesmo sujeito passivo, quanto a fato gerador ocorrido posteriormente à sua introdução. Em que pese a pertinência das incertezas sobre a decisão mencionada, certo é que espera-se um julgamento coerente com os princípios e conceitos constitucionais e normas reguladoras da legislação infraconstitucional, de forma evitar um abarrotamento de processos no Poder Judiciário em razão da nova interpretação explanada pelo ex. Supremo. 49 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário Esquematizado. 3ª ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Método, 2009 ALEXANDRINO, Marcelo. PAULO, Vicente. Manual de Direito Tributário. 4ªed. Rio de Janeiro: Impetus, 2007. 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