CONTOS FANTÁSTICOS (Inspirados na mitologia maia

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CONTOS FANTÁSTICOS (Inspirados na mitologia maia
CONTOS FANTÁSTICOS
(Inspirados na mitologia maia)
Santo Só
O Princípio do Mundo.
No início, tudo era escuro, imóvel e silencioso. Havia Tza e Tol, a mãe e o pai da vida. Tudo era
calmo, silencioso e escuro. Huracán criou-se no coração do céu. Onde havia apenas névoa e
nuvens, surgiu a água. Refluindo a água, surgiu a terra com planícies e montanhas que se
cobriram de bosques. Os deuses decidiram criar os seres e o seu alimento. Os pais de tudo o que
existe criaram os animais e lhes deram as suas moradas.
Os animais, porém, não podiam falar e louvar os seus criadores, apenas, fazendo os ruídos
próprios de cada espécie. Então, os criadores lhes deram o destino de serem tributários.
A segunda criação foi a de seres formados de terra e lodo. Eles eram desconjuntados e ineptos,
incapazes de reconhecer os seus criadores. O seu agouro foi serem destruídos pela água.
Em sua terceira criação, os deuses decidiram esculpir com madeira seres capazes de falar,
procriar e povoar a terra. Entretanto, não tinham sentimentos, eram secos e não reconheceram
os seus criadores. Os animais, as árvores e, até, as pedras os acusavam de maus tratos. Foram
destruídos por uma aluvião de lavas. Os macacos são o último sinal desses bonecos de madeira
e, por isso, parecem-se com a gente.
Descontentes com as suas criações, os deuses decidiram dar início a nova era.
A Era dos Heróis.
Os Apú eram músicos, pintores, escultores e se reuniam para jogar bola. Todos os dias, um
gavião mensageiro do coração do céu vinha vê-los jogar. Outros senhores eram os Vucú. Eles
eram os causadores das doenças. O barulho dos jogos os perturbava. Reunidos em seu conselho
resolveram atormentar os Apú e roubar seus escudos, braceletes e demais adornos. Disseram
aos mensageiros: “Ide aos Apú, convidando-os para vir jogar bola conosco, dizendo que os
admiramos muito.”
Deixando os filhos Humbá e Hunchón com a avó, pois, a mãe deles havia morrido, os Apú
decidiram seguir com os mensageiros pelo caminho que os levou aos Vucú. Ao chegarem, foram
convidados a sentar. Os bancos eram pedras quentes e os Apú tiveram suas nádegas queimadas.
Levantando-se imediatamente, provocaram riso aos senhores Vucú.
Então, aos Apú foram indicados dormitórios escuros, sendo-lhes enviado tabaco e
acendedores. Quando os Apú se apresentaram no dia seguinte, os senhores perguntaram: “Onde
está o tabaco e os acendedores que lhes foram dados?” Os Apú responderam: “Nós os
gastamos”. Os chefes disseram: “Então, também, acabaram os vossos dias sobre a terra.”
Os Apú foram sacrificados, sendo seus corpos enterrados. Apenas a cabeça do primeiro foi
cortada e colocada numa árvore que imediatamente frutificou, com frutos que se pareciam com
a cabeça ali colocada. Ficou decidido que ninguém poderia colher os frutos daquela árvore.
Uma donzela de nome Xiqui, filha do chefe Cuchumac dos Vucú ouviu esse relato e ficou
curiosa. Ela se aproximou da árvore pensando em colher um de seus frutos. Uma caveira estava
entre os ramos e perguntou a Xiqui se desejava um fruto. Ela respondeu que sim e a caveira lhe
disse que estendesse os braços com as mãos abertas para ela. Xiqui obedeceu e, quando suas
mãos se aproximaram, receberam da caveira uma cusparada. A caveira lhe disse: “Eu lhe dei a
minha posteridade. Assim, a partir de hoje, poderei ser apenas ossos.”
A donzela voltou para casa e, ao cabo de seis luas, seu pai percebeu que ela estava grávida.
Xiqui não pode dizer quem era o pai do seu filho. Cuchumac a acusou de fornicar e o Conselho
mandou aos mensageiros que a levassem para ser sacrificada. Deviam trazer como prova o seu
coração.
Xiqui contou aos mensageiros a sua história, suplicando-lhes que não a sacrificassem. Os
mensageiros chegaram à árvore misteriosa e dela extraíram uma seiva vermelha. A seiva foi
colocada em uma taça e tomou a forma de um coração. Os mensageiros levaram aos chefes o
coração substituto e ele foi queimado.
Assim, a donzela enganou os chefes.
*
Com filhos no ventre, Xiqui procurou a avó de Humbá e Hunchón, mas, ela não acreditou no
que ouviu e não a quis aceitar. Seus netos, também, ficaram irritados porque não aceitavam ter
outros irmãos.
Como Xiqui insistisse, a avó falou: “Para provar que és mesmo quem dizes, vai ao milharal e
traz a rede cheia de espigas.” Xiqui foi à plantação e viu que só havia um pé de milho em todo o
roçado. Ela se desesperou e suplicou ajuda aos deuses. A planta mirrada cresceu, enchendo-se
de espigas. Quando eram arrancadas, tornavam a crescer. Xiqui encheu a rede e a levou para a
avó. Ela foi ao roçado verificando que só havia o mesmo pé de milho e a marca da rede no solo.
Voltou para casa e disse à donzela: “Este sinal indica que, sem dúvidas, és minha nora.”
No dia previsto, Xiqui pariu os irmãos Napú e Xaqué. A avó não a ajudou no parto e ela foi têlos no alto da montanha. Quando foram levados para casa, choravam muito e a avó mandou levalos para fora. Os irmãos Humbá e Hunchóm enfrentavam suas dores cantando e pintando com
grande sabedoria. Entretanto, eles se sentiam sucessores dos seus pais mortos pelos Vucú e,
quando nasceram seus irmãos, descobriram em si o sentimento da inveja. Eles os colocaram
sobre formigas e sobre espinheiros. Contudo, Napú e Xaqué aí dormiam com gosto. Era
humilhante para Humbá e Hunchóm que nada do que faziam de mal causava dano aos irmãos.
Quando cresceram, Napú e Xaqué passavam o dia caçando e, apesar de não serem amados,
traziam o que conseguiam para alimentar a família. Mesmo assim, não eram aceitos na mesa
com sua avó e irmãos, precisando fazer as refeições quando eles houvessem acabado. Às vezes,
nada sobrava para eles, sem que, por isso, ficassem com raiva dos seus parentes.
Um dia, os pássaros que Napú e Xaqué caçavam ficavam presos nos galhos da árvore e eles
não conseguiam subir para retirá-los. Voltando para casa, os irmãos que tocavam e cantavam
inquiriram: “Por que não trouxeram nenhuma caça?” Ante as explicações, Humbá e Hunchóm
disseram que os acompanhariam, ao amanhecer, subindo na árvore para pegá-los.
Pela manhã, os quatro irmãos foram até a árvore onde os pássaros abatidos ficaram presos.
Humbá e Hunchóm subiram, mas, enquanto subiam a árvore foi crescendo. Logo, estavam tão
altos que não conseguiam descer. Então, foram transformados em macacos e ficaram pulando
entre os galhos das árvores na montanha.
Voltando para casa, Napú e Xaqué foram interpelados pela avó e ela se mostrou muito infeliz.
Eles disseram que poderiam fazer os seus netos voltarem, desde que ela não risse, pois, isso os
faria retornar para a montanha. Eles se puseram a tocar uma música e, logo, Humbá e Hunchóm
apareceram, pondo-se a dançar diante da avó. Vendo os seus meneios, ela não conseguiu conter
sua risada, fazendo com que os dois micos voltassem para a mata.
Então Napú e Xaqué disseram para a avó que poderiam trazer seus netos novamente, mas,
ela não poderia rir. Em caso contrário, eles não voltariam mais.
Mais três vezes eles tocaram a música e, em todas elas, a avó não conseguiu conter o riso,
fazendo com que os micos fugissem. Na última vez, não voltaram mais das selvas onde se
embrenharam.
A vó se conformou e aceitou seus netos Napú e Xaqué. Eles, perpetuando as artes dos Apú,
tornaram-se grandes músicos, cantores e pintores.
*
Assumindo suas posições na casa da avó, Napú e Xaqué decidiram iniciar uma plantação e
foram até o local indicado. Chegando lá, suas enxadas se puseram a trabalhar sozinhas
preparando todo o roçado. Entretanto, quando os jovens voltaram no dia seguinte, todo o mato
que infestava o terreno estava em pé novamente, como se nada tivesse sido limpo.
Recomeçaram o trabalho como no dia anterior, mas, à noite, ficaram vigiando para ver o que
acontecia. Então, viram os animais se irem juntando e, no meio da noite, gritaram para tudo
voltar a ser o que era antes de ser roçado. Os irmãos tentaram pegar alguns animais, mas, só
conseguiram prender uma ratazana. Ela lhes disse: “Não me mateis. Eu vos mostrarei algo que
muito vos irá alegrar.” Os jovens concordaram e a ratazana contou: “No telhado da vossa casa
estão guardados braceletes, luvas e bolas que eram usados para jogar. Vossa avó não quer que
saibam, temendo que sejam mortos como foram os seus filhos. Se quiserem tê-los, basta
entreterem vossa avó e mãe para que eu suba no telhado e os jogue para vocês.”
Aceitando a proposta, ao sentarem para comer, os jovens esvaziaram a água do cântaro e
pediram à avó que fosse ao rio buscar mais. Então, enviaram um mosquito para que ele furasse
o fundo do cântaro e ela não conseguisse enchê-lo. Como a avó demorasse, pediram à mãe que
fosse ajudá-la. Então, a ratazana subiu para o telhado e lhes jogou os apetrechos. Eles os
guardaram, indo ter com a avó e a mãe para, rapidamente, taparem os furos que o mosquito
havia feito. Então, Napú e Xaqué ficaram felizes porque podiam ir jogar bola com os apetrechos
dos seus pais.
*
O ruído feito por Napú e Xaqué foi ouvido pelos senhores de Vucú. Eles disseram: “Quem são
esses que desejam nos perturbar? Não estão mortos os Apú que nos desafiavam?” Os chefes
pediram aos mensageiros que os convocassem para jogar com eles dentro de um prazo de sete
dias, ameaçando que, em caso contrário, todos sofreriam as consequências. Os mensageiros
foram até a avó e deram o recado. Ela, cheia de angústia, enviou um piolho para avisar os netos.
O piolho andava devagar e pediu ao sapo para carregá-lo. O sapo o engoliu e pediu à cobra para
que o engolisse e, assim, andasse mais depressa. Em seguida, um gavião devorou a cobra e foi
ao local dos jogos. O gavião vomitou a cobra, ela vomitou o sapo e esse ao piolho que, enfim,
falou: “Os chefes Vucú exigem que vocês apareçam perante eles. Eles mandaram mensageiros à
avó e ela chora por vós”
Os jovens foram se despedir da avó, dizendo para ela e à mãe: “Não choreis antes do tempo.
Deixaremos semeado um pé de milho em terra não fértil junto à casa. Se ele brotar, será o sinal
de que estamos vivos.”
Dirigindo-se a Vucú, Napú e Xaqué enviaram em frente um mosquito, pedindo a que ele
picasse cada um dos chefes fazendo com que ele dissesse ai. Outro chefe pronunciaria o seu
nome para perguntar o que houvera. O pernilongo assim fez e, voltando, contou-lhes os nomes
dos chefes.
Ao chegarem, Napú e Xaqué saudaram cada um dos chefes pelo seu nome. Eles ficaram
admirados por serem reconhecidos, enquanto não sabiam os nomes dos visitantes. Os jovens
foram convidados a sentar, mas, recusaram dizendo que o banco era, apenas, uma pedra quente.
Então, os chefes disseram que eles deveriam ser submetidos a algumas provas. A primeira seria
passar a noite em uma casa escura. Receberam tabaco e acendedores, sendo avisados de que
deveriam ser entregues intatos ao amanhecer. Os jovens trocaram o fogo dos acendedores por
plumas vermelhas e colocaram vagalumes na ponta dos cigarros. Pela manhã, devolveram o
tabaco e acendedores intatos. Perguntados, recusaram dizer de quem eram filhos, afirmando ter
vindo, apenas, para jogar.
Os senhores aceitaram leva-los para jogar, entretanto, colocaram uma faca afiada dentro da
bola. Os jovens conseguiram desviar e disseram indignados: “Vocês querem nos matar. Sendo
assim, vamos embora daqui.” Entretanto, os chefes os convenceram a continuar, resultando
Napú e Xaqué vencerem o jogo.
A próxima prova consistia em trazer flores de quatro espécies diferentes. Precisariam ser
trazidas de longe, pois, os vigias do jardim foram avisados para não permitirem que os jovens as
colhessem aí. Napú e Xaqué pediram para formigas cortarem os caules das flores e as trouxessem
para eles e, com isso, surpreenderam os chefes.
Em seguida, eles foram submetidos a novas provas. Colocados na casa das navalhas disseram
às pedras afiadas: “Se não nos ferirem, traremos animais para o vosso sustento.” Elas se
imobilizaram e não os feriram.
Depois, os irmãos ainda passaram pela casa do frio, pela casa dos tigres, pela casa do fogo e
pela casa dos morcegos. Eles se saíram bem em todas as provas.
Os chefes Vucú não se conformaram e decidiram matá-los. Foram jogados em um forno, os
seus ossos moídos e as cinzas atiradas no rio. Ao chegarem no fundo, as cinzas se transformaram
novamente nos dois jovens.
Após cinco dias, apareceram em Vucú dois andarilhos fazendo grandes proezas. Eram capazes
de sacrificar pessoas e fazê-las reviver. Inclusive, podiam matar-se um ao outro. Os chefes
pediram que eles fossem levados às suas presenças, exigindo que mostrassem suas proezas. Eles
sacrificaram um cão e o trouxeram de volta à vida. Em seguida, atenderam outros pedidos:
Incendiaram uma casa e a reconstruíram. Mataram uma pessoa e a ressuscitaram. Mataram-se
mutuamente e retornaram vivos. Os chefes desejaram experimentar o sortilégio e pediram para
ser sacrificados. Um a um foram mortos, porém, não lhes foi permitido voltar à vida. Seus filhos
e filhas fugiram assustados e caíram em um barranco.
Os andarilhos, então, revelaram-se como sendo Napú e Xaqué, dizendo ao povo Vucú que eles
haviam sido castigados por suas maldades.
Em casa, a avó viu brotarem as espigas de milho e deu graças pela vida dos seus netos.
*
Vucú-Caqui era grande se gabava de dominar os metais e as pedras preciosas. Ele tinha esposa
e dois filhos, Zipaná e Racán. Era vaidoso e se vangloriava de ser como o Sol e a Lua, tendo seus
dentes o esplendor das estrelas. Seus filhos envaideciam-se da riqueza do pai e se julgavam
capazes de agitar o céu e de mover montanhas.
A soberba de Vucú-Caqui, pretendendo ser igual aos deuses, os desagradava. Huracán disse
aos irmãos Napú e Xaqué que deveriam atacá-lo. Então, eles subiram em uma grande árvore de
cujos frutos Vucú-Caqui se alimentava. Quando ele subiu a procura dos frutos, os jovens jogaram
pedras atingindo-o na boca e tentaram agarrá-lo. Vucú-Caqui, porém, foi mais rápido e atingiu
Napú lesando o seu braço. Os jovens nada puderam fazer e o gigante voltou para casa com a
gengiva ferida.
Os irmãos Napú e Xaqué foram procurar um casal de velhos feiticeiros chamados Zaquim e
Zaquima. Pediram para eles que os acompanhassem até Vacú-Caqui, afirmando serem capazes
de fazer parar a dor dos seus dentes. Napú e Xaqué iriam disfarçados. Os feiticeiros diriam serem
seus netos e que estavam com eles porque seus pais haviam morrido. Assim, Vucú-Caqui os veria
como sendo crianças e permitiria que se aproximassem.
Os feiticeiros concordaram e foram até o trono de Vucú-Caqui que gemia de dor. Afirmaram
que podiam extrair os vermes dos seus dentes, entretanto, para isso teriam que arrancá-los.
Vucú-Caqui não queria aceitar porque os dentes eram o símbolo do seu poder. Os feiticeiros
disseram que, em seu lugar, colocariam novos ossos. Vucú-Caqui já não suportava tanta dor e
suplicou para o curarem. Acabou por dizer: “Podem arrancá-los.”
Logo que os dentes foram arrancados, a boca de Vucú-Caqui murchou, seu rosto perdeu o
brilho e toda sua majestade desapareceu. Desse modo, Vucú-Caqui morreu, por causa do seu
orgulho.
*
Zipaná, o primeiro filho de Vucú-Caqui, continuava a se vangloriar dizendo ser capaz de fazer
montanhas. Um dia, ele se banhava no rio quando por aí passaram quatrocentos jovens
arrastando uma enorme árvore que serviria de pilar para a casa deles. Zipaná, desejando exibir a
sua força, colocou a árvore sobre o ombro e a carregou sozinho.
Os jovens temeram a força de Zipaná, pois, poderia querer governá-los e ser cruel com eles.
Com esse temor, decidiram matá-lo. Fizeram um grande buraco e pediram a Zipaná que
demonstrasse sua força ajudando-os a completá-lo. Ele desceu até o fundo, mas, desconfiando
de que desejassem atacá-lo, cavou um nicho na parede onde poderia se esconder. Quando gritou
para os jovens que o buraco estava pronto, eles carregaram a árvore e a jogaram para o fundo.
No segundo dia, os jovens viram as formigas que saíam do tronco da árvore carregrrem
cabelos do gigante. Concluíram que ele estava morto. Entretanto, Zipaná havia arrancado os
próprios cabelos com o fim de os enganar. Os jovens passaram a comemorar e se embriagaram
até perder os sentidos. Zipaná saiu do buraco e os matou a todos.
Os jovens Napú e Xaqué estavam tristes pela morte dos quatrocentos rapazes e decidiram
derrotar Zipaná. O gigante se alimentava de peixes e caranguejos que, todo dia, buscava na
margem do rio. Os jovens construíram um falso caranguejo com parasitas, hastes de plantas e
carapaça de pedra, enterrando-o em um grande buraco feito à margem do rio, no sopé da
montanha. Disseram para Zipaná que haviam encontrado o caranguejo, mas, não puderam
retirá-lo do buraco porque ele os havia mordido. Zipaná zombou deles e procurou o local
indicado. O caranguejo entrou mais fundo no buraco e Zipaná foi atrás dele, provocando seu
próprio soterramento. Ficou preso na montanha de onde não pode sair e se transformou em
pedra.
*
O terceiro dos gigantes que se envaideciam era Racán, o segundo filho de Vucú-Caqui. Ele se
dizia maior que o pai, capaz de fazer mais que o irmão e ser capaz de destruir montanhas. Do
coração do céu, Huracán disse a Napú e Xaqué que Racán, também, devia ser derrotado, pois,
não era bom o que ele fazia.
Os dois jovens foram procurar o gigante. Ele lhes perguntou o que faziam. “Estamos caçando
pássaros. Vamos em direção a uma montanha atrás da qual se pode ver onde o sol irá nascer.”
Racán disse não acreditar no que diziam e ser capaz de destruir a montanha. Afirmou que iria
acompanhá-los. No caminho, os jovens caçaram pássaros e acenderam o fogo para assá-los. Um
deles foi temperado com pó branco venenoso. O aroma dos pássaros assados se espalhou pelo
ar e Racán quis saboreá-los. Os jovens deram o pássaro envenenado que o gigante devorou com
gosto. Prosseguindo em direção à montanha, Racán sentiu-se mal e caiu morto. Aí mesmo, foi
sepultado.
Os deuses decidiram iniciar uma nova era. Em meio a intensa luz, Napú e Xaqué se elevaram
ao céu, transformando-se em Sol e Lua. Os quatrocentos rapazes mortos por Zipaná se
transformaram em estrelas.
A Era dos Homens.
Tza e Tol pensaram em fazer o homem, antes do alvorecer. Fizeram como primeiros pais:
Balam, Acab, Mahú e Iqui. Para isso, utilizaram espigas de milho branco e amarelo. Eles eram
seres extraordinários, não havendo segredos para eles. Podiam ver o que está próximo e o que
está distante, tanto no céu como na terra.
Os deuses, porém, disseram: “Não é bom que sejam muito parecidos conosco. Devemos
diminuí-los para que a sua visão tenha pouco alcance e vejam, apenas, uma pequena parte da
face da terra. Então, os homens criados pelo céu perderam a sua omnisciência. Seus olhos foram
embaçados, assim como o hálito embaça um espelho, para que a humanidade pudesse ver,
somente, o que estivesse perto.
Balam, Acab, Mahú e Iqui foram as primeiras pessoas que vieram do oriente, do outro lado do
mar e, aqui, morreram.
*
As esposas dos quatro primeiros homens lhes foram dadas durante o sono. Quando
despertaram, as mulheres estavam ao lado deles, o que muito os alegrou. Eles procriaram,
formando pequenas e grandes tribos. Com incontável número de pessoas, as tribos se dirigiram
a Tulán. Viviam na obscuridade, pois, o sol não brilhava e não havia luz.
Os chefes receberam seus ídolos e Balam recebeu o ídolo Tohil. Um mensageiro surgiu e disse
aos chefes: “Eu vim a mando de Tza e Tol. Tohil é o substituto deles e é o vosso deus.” Três
chefes adotaram o ídolo Tohil e formaram o povo Quiché. As línguas das tribos se tornaram
diferentes, os homens não mais se entenderam e se separaram.
Eram muito pobres e não possuíam tecidos, usando simples peles de animais como roupa.
Havia frio e eles não tinham fogo. Então, Tohil fez ele nascer, sem ensinar como acendê-lo. Assim
falou: “Espalhai para outros povos e tribos, dizendo que Tohil acendeu o fogo para que não
sentissem frio.”
As tribos se alegraram, mas, caindo um grande aguaceiro, apagaram-se todas as fogueiras. Os
chefes de Quiché pediram a Tohil e ele voltou a lhes dar o fogo. Ele lhes disse: “Não ofereçam a
outras tribos, se não aceitarem Tohil como seu chefe.” Morrendo de frio, as tribos chegaram
pedindo por piedade e para que lhes fosse dado o fogo. Prometiam em troca seus metais. Os
chefes disseram: “Não desejamos vossos metais. Queremos que se entreguem e sirvam a Tohil.”
Assim, eles se entregaram e receberam o fogo.
Procurando melhor lugar, as tribos saíram de Tulán carregando seus ídolos. Cada um tomou o
seu e o carregou para lugar seguro. Os Quiché chegaram a uma grande montanha onde se
reuniram e Balam escondeu Tohil em uma floresta.
O tempo passou, até se dar o alvorecer. Apareceu o sol, a lua e as estrelas. Houve prantos de
alegria e foram queimados incensos. Também, alegraram-se todos animais, os pequenos e os
grandes pássaros. Logo que surgiu, o calor do sol não tinha tanta força, mas, secou-se a superfície
da terra que antes era lamacenta e úmida.
*
Os chefes Quiché iam à presença de Tohil para agradecer e fazer sacrifícios. Ele lhes falou: “Eis
aqui vossas terras. É grande o esplendor de vossas tribos e construireis a primeira cidade. Não
deixeis que vossos inimigos vos capturem. Quando perguntarem: Onde está Tohil? Direis que vós
sois a manifestação dele. Sereis grandes, submetereis todas as tribos e as humilhareis.”
Os chefes do povo Quiché levavam a Tohil sangue de pássaros e veados. Feriam suas orelhas
e seus cotovelos, alegrando-se em ver que as suas sangrias eram aceitas pelos deuses. A partir
disso, começaram a sequestrar pessoas de outras tribos para sacrificá-las diante do ídolo. Após
o sacrifício, permaneciam jovens e iam se banhar no rio.
As tribos que sofriam os sequestros começaram desconfiar e a seguir suas pegadas, mas, elas
eram apagadas pela chuva. Entretanto, souberam que os sequestradores iam se banhar no rio.
Muitos temiam o poder de Tohil e fizeram planos para o vencerem. Resolveram mandar duas
belas donzelas, dizendo: “Ide lavar vossos vestidos no rio. Se vires três jovens se banhando,
demudai-vos diante deles. Se notardes que eles vos desejam, chamai-os. Quando mostrarem que
querem ir convosco, dizeis que sim e pedireis uma prova de que vos desejam. Trazei para nós a
prenda que vos for dada como prova de que estivestes com eles.” Os chefes esperavam que Tohil
se apaixonasse pelas donzelas e o seu coração ficasse com as tribos.
As donzelas fizeram como lhes ordenaram, porém, os jovens não mostraram desejo. Elas lhes
informaram sobre a exigência dos chefes das tribos. Os jovens, então, lhes ofereceram três
vestidos pintados com o fim de ser virem de prova para as moças de que estiveram dom eles.
Elas voltaram e entregaram as vestes aos chefes para que as provassem. A primeira estava
pintada com tigres, foi usada e nada de mais aconteceu. A segunda, pintada com águias, foi usada
por um chefe maravilhado, sem causar qualquer dificuldade. A terceira estava pintada com
vespas e, assim que foi usada, elas começaram a morder. As ferroadas eram tantas que
provocavam gritos de dor e terror. Desse modo, as tribos foram vencidas.
Então, fizeram-se novos planos para derrotar os seguidores de Tohil. As tribos reunidas eram
bem mais numerosas do que eles. Elas se armaram com escudos, flechas e lanças com pontas de
metal. Os guerreiros partiram, porém, veio a noite e eles tiveram que dormir no caminho.
Enquanto dormiam, os seguidores de Tohil roubaram todos os seus metais. Os guerreiros muito
se espantaram, mas, mesmo assim, decidiram atacar. Os seguidores de Tohil fortificaram as
aldeias com paliçadas e espinhos. Depois, colocaram dentro das aldeias grandes cabaças cheias
de vespas e se retiraram. Os guerreiros entraram nas aldeias e, ao abrirem as cabaças, o céu se
cobriu com nuvens de vespas que os atacaram em massa. Caindo sobre o solo, eram atingidos
por flechas dos seguidores de Tohil. Os guerreiros que não morreram foram perseguidos
enquanto desciam pelo morro em desabalada carreira.
Então, todas as tribos se tornaram tributárias de Tohil, acalmando-se os corações. Balam,
Acab, Mahú e Iqui morreram já velhos. As suas ordens nunca foram esquecidas.
Caib, Cutec e Ahú desejaram ir ao lugar de onde partiram seus pais. Eles partiram para o
oriente, no outro lado do mar. Lá lhes foram dadas suas insígnias e atributos, tais como: flauta
de osso, tambor, pedra de sacrifício e estandarte. Ao voltarem, todos se alegraram e eles
tomaram o poder das suas tribos.
Os Iocab declararam guerra a Quiché. Apesar de mais numerosos, sofreram derrotas e foram
aprisionados. Então, começaram os sacrifícios perante os ídolos, muitos se transformando em
escravos e vassalos.
Ao longo dos anos, outras tribos, também, foram submetidas. Os vencedores se divertiam em
grandes festas onde se estimulava a comida, a bebida e dava o preço das irmãs e filhas. Era o que
se falava. Eles faziam oferendas e se regozijavam. Seguiram-se várias gerações, com guerras e
vitórias de Quiché sobre outras tribos, alternando-se os chefes e senhores, até a chegada da
gente de Castela.
Fim.