Nucleação de Escolas na Região do Canto do

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Nucleação de Escolas na Região do Canto do
Nucleação de Escolas na Região do Canto do Engenho: Impactos
Culturais e Educacionais
Fabrício Alves Fonseca
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MONTES CLAROS
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE MÉTODOS E TÉCNICAS EDUCACIONAIS
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO “LATO-SENSU” GRATUITO EM
DIDÁTICA E METODOLOGIA DO ENSINO SUPERIOR
Fabrício Alves Fonseca
NUCLEAÇÃO DE ESCOLAS NA REGIÃO DO CANTO DO
ENGENHO: IMPACTOS CULTURAIS E EDUCACIONAIS
Montes Claros – MG
Outubro / 2011
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Nucleação de Escolas na Região do Canto do Engenho: Impactos
Culturais e Educacionais
Fabrício Alves Fonseca
Fabrício Alves Fonseca
NUCLEAÇÃO DE ESCOLAS NA REGIÃO DO CANTO DO
ENGENHO: IMPACTOS CULTURAIS E EDUCACIONAIS
Monografia apresentada ao Departamento de
Métodos e Técnicas Educacionais – DMTE
da Universidade Estadual de Montes Claros –
UNIMONTES como requisito de obtenção de
título de Especialista em Didática e
Metodologia do Ensino Superior.
Orientadora: Profª. Ms. Magda
Macedo - DMTE/Unimontes
Martins
Montes Claros – MG
Outubro / 2011
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Nucleação de Escolas na Região do Canto do Engenho: Impactos
Culturais e Educacionais
Fabrício Alves Fonseca
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MONTES CLAROS
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE MÉTODOS E TÉCNICAS EDUCACIONAIS
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO “LATO-SENSU” GRATUITO EM
DIDÁTICA E METODOLOGIA DO ENSINO SUPERIOR
Monografia intitulada “Nucleação de Escolas na Região do Canto do Engenho:
Impactos Culturais e Educacionais”, de autoria do acadêmico Fabrício Alves
Fonseca, aprovado pela banca examinadora pelos seguintes professores:
Membros:
____________________________________________
Profª Ms Magda Martins Macêdo
Orientadora
___________________________________________
Profª Ms Ildete Freitas Oliveira
Convidada
__________________________________________
Profª Ms Helena Murta Moraes
Coordenadora de Pós-Graduação
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Culturais e Educacionais
Fabrício Alves Fonseca
Montes Claros/MG, 31 de outubro de 2011.
A todos os Professores que se dedicam à
Educação do Campo, e a todos aqueles que
lutam por Políticas Públicas visando uma
Educação de Qualidade para as Comunidades
do Campo em todos os cantos deste País.
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Culturais e Educacionais
Fabrício Alves Fonseca
AGRADECIMENTOS
Á DEUS, minha fonte de inspiração e minha fortaleza;
À querida orientadora Magda, pela dedicação, carinho, boa vontade em
orientar este trabalho e valiosa contribuição com meu aprendizado e o meu
crescimento enquanto pessoa;
À Universidade Estadual de Montes Claros – UNIMONTES, por proporcionar a
mim um maior crescimento intelectual;
A todos os professores do curso, que muito contribuíram com o meu
conhecimento
À minha mãe Maria Edith, símbolo de luta e resistência;
Às minhas irmãs Franciele e Rosane, pelo incentivo e amor a mim dedicados;
À tia Dete, que sempre me apoiou em todos os momentos;
A todos os professores que passaram pela minha vida;
Aos meus amigos, que com o passar dos anos me dão provas da sua lealdade;
Aos alunos da área rural, da região do Canto do Engenho com os quais
trabalhei durante toda uma década;
Aos professores e demais colaboradores, que durante o período em que estive
à frente da gestão da E. M. Nair Fonseca Brandão, contribuíram com o meu
crescimento enquanto líder;
Aos colegas do Curso de Pós-Graduação Lato Sensu Gratuito em Didática e
Metodologia do Ensino Superior, pelo companheirismo durante todo esse
tempo.
E a todos que diretamente ou indiretamente, contribuíram com este trabalho, o
meu Muito Obrigado!
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Culturais e Educacionais
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Especificamente, a escola rural, dentro do contexto
geral da educação nacional, merece destaque, tendo
em vista as particularidades que a envolvem e a
dinâmica especial contida, considerando que o
universo campestre possui “leis” próprias tanto para
conjugação do trabalho e da produção, quanto para
a coexistência de valores culturais e competências
de seus membros sociais.
( LEITE, 2002, p. 94-95)
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LISTA DE SIGLAS
EAD – Educação Aberta à Distância
INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
LDBEN – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
MEC – Ministério da Educação
MST – Movimento dos Trabalhadores sem Terra
PNTE – Programa Nacional de Transporte Escolar
PRONERA – Programa Nacional de Formação na Reforma Agrária
PSF – Programa Saúde da Família
SME – Secretaria Municipal de Educação
SME/ MOC – Secretaria Municipal de Educação de Montes Claros
UNICAMP – Universidade de Campinas
USAID - Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional
USP – Universidade de São Paulo
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LISTA DE FOTOS
FOTO O1 - Escola Municipal Tomáz Gouveia, desativada em 1997.
FOTO 02 - Festa do Padroeiro da Comunidade de Água Boa.
FOTO 03 - Mesa do Café com Biscoito da Festa Junina, em Lagoa dos Freitas.
FOTO 04 - Mastro da Festa da Mãe Rainha, em Lagoa dos Freitas.
FOTO 05 - Entrega das Bandeiras pelos Ladrões, em Lagoa dos Freitas.
FOTO 06 - Procissão com as Bandeiras da Comunidade Água Boa.
FOTO 07 - Cordão de São Francisco.
FOTO 08 - Cagaiteira à beira do caminho, em Lagoa dos Freitas.
FOTO 09 - Escola multisseriada da Comunidade Monte Alto.
FOTO 10 - Escola Municipal Tomáz Gouveia, desativada em 1997.
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Culturais e Educacionais
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RESUMO
O presente trabalho monográfico intitulado: Nucleação de Escolas na Região
do Canto do Engenho: Impactos Culturais e Educacionais objetivou identificar e
analisar as mudanças culturais e educacionais no processo de nucleação
escolar na região do Canto do Engenho, município de Montes Claros, Norte de
Minas, em especial na Comunidade Lagoa dos Freitas, onde se localizava a
Escola Municipal Tomáz Gouveia. O estudo se realizou a partir da revisão
bibliográfica abordando temáticas relacionadas à identidade cultural, escola
multisseriada e nucleação escolar como Eliade (1992), Hall(2002), Brandão
(1995), Costa Silva(2008), Gnigler (sd), Fagundes; Martini (2003), Leite (2002),
dentre outros. Foram utilizados ainda documento do MEC/ INEP, Panorama da
Educação do Campo (2007) que trata da Educação do Campo, a LDBEN
(1996) e o Projeto de Nucleação Escolar das Escolas da Zona Rural do
município de Montes Claros (1993). Foi escolhida a pesquisa etnográfica por se
considerar a mais adequada, uma vez que o pesquisador possui um
envolvimento muito grande com as comunidades pesquisadas, por ser de
origem daquela região, mais especificamente, a Comunidade de Lagoa dos
Freitas. Dessa forma, utilizou-se para coleta de dados a entrevista
semiestruturada e as conversas informais com moradores, além é claro, dos
conhecimentos da realidade local por parte do pesquisador. Adotou-se ainda, a
análise documental. Como considerações finais, percebeu-se que o processo
de Nucleação Escolar nessa região representou transformações na vida dos
moradores, observando-se, tanto aspectos negativos nesse processo, tal como
a rapidez e ausência de participação efetiva no processo sem discussão mais
aprofundada com a comunidade e a pouca melhoria na qualidade do ensino,
como os benefícios do acesso ao aumento de escolaridade.
Palavras-Chave: Identidade Cultural, Escola Multisseriada, Nucleação Escolar.
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Culturais e Educacionais
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ABSTRACT
This monograph titled “Nucleation of Schools in the Region of Canto do Engenho:
Cultural and Educational Impacts” aimed to identify and analyze the cultural and
educational changes in the process of school nucleation in the region of Canto do
Engenho, county of Montes Claros, located in North of Minas Gerais, especially in the
Community Lagoa dos Freitas, place where is located the Municipal School Tomáz
Gouveia. The study was conducted from the literature review addressing issues related
to cultural identity, multiseriate school and school nucleation as mentioned by Eliade
(1992), Hall (2002), Brandão (1995), Costa Silva (2008), Gnigler (sd), Fagundes ;
Martini (2003), Leite (2002), among others. Documents from MEC / INEP, Panorama
of Rural Education (2007) which deals with the education performed in the rural area,
the LDBEN (1996), and the Project of School Nucleation of Rural Schools of the city of
Montes Claros (1993) were used too. Ethnographic research was chosen because it is
considered the most appropriate, since the researcher has a large involvement with the
communities surveyed, being proceeding from that region, more specifically, the
Community Lagoa dos Freitas. Thus, semi-structured interviews, informal
conversations with residents and the researcher knowledge about the local were applied
as instruments to collect data. Document analysis was also adopted. As conclusion,
through this work, it was possible to realize that the school nucleation process in that
region represented changing in the lives of residents, observing both the negative
aspects, such as speed and lack of effective participation in the process, without further
discussion involving the community and little improvement in the educational quality,
as the benefits of access to the advance in Education.
Keywords: Cultural Identity, Multiseriate School, School Nucleation.
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Culturais e Educacionais
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 12
CAPÍTULO I - IDENTIDADE CULTURAL E POPULAÇÕES DO CAMPO: UMA
RELAÇÃO INTRÍNSECA ........................................................................................... 15
1.1 Fato Social 1 – Narrando Histórias que Representam a Vida do Lugar ........ 15
1.2 A comunidade, sua identidade cultural e as transformações ocorridas
com o passar do tempo ...................................................................................... 24
CAPÍTULO II - ESCOLA MULTISSERIADA E POLÍTICA DE NUCLEAÇÃO:
MUDANÇAS NOCOTIDIANO DAS FAMÍLIAS DO CAMPO ...................................... 30
2.1 Fato Social 2 - A “Escolinha Tomáz Gouveia”: Uma História de Vida e
Transformação na Vida das Pessoas .................................................................. 30
2.2 Escola Multisseriada: algumas reflexões teóricas .......................................... 37
2.2.1 Escola nucleada: análise dos impactos da política de nucleação ................ 44
3.1 Nucleação de Escola no Município de Montes Claros ................................ 47
CAPÍTULO III - A Escola do Campo e seus Desafios nos dia atuais. ................... 53
3.2 Escola do Campo - seus Desafios nos Dias Atuais ........................................ 53
REFERÊNCIAS .................................................................................................... 60
ANEXOS ............................................................................................................... 63
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Culturais e Educacionais
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INTRODUÇÃO
Tendo em vista a relevância de se construir uma educação de qualidade
para as populações do campo, é imprescindível que haja políticas públicas
voltadas para este público, principalmente no que diz respeito às escolas
localizadas no meio rural, sejam elas multisseriadas ou nucleadas. Partindo
desse pressuposto, visando a garantia do direito à educação de qualidade e
contextualizada, capaz de formar cidadãos autônomos capazes de transformar
a realidade do espaço onde vivem e participarem ativamente das decisões
políticas da sua comunidade, realizamos este trabalho.
Dessa maneira, entende-se que não se pode falar em Educação do
Campo, sem pensar naqueles que lá vivem e manifestam sua cultura de
diversas maneiras. Seria um desrespeito tratar as questões das escolas do
campo, sem destacar a importância da cultura popular nas comunidades rurais,
onde pessoas simples, muitas vezes até com pouca ou nenhuma escolaridade,
manifestam em seu cotidiano, uma riqueza cultural capaz de comover, reunir e
celebrar momentos marcantes na nossa vida.
Partindo desses princípios e considerando a minha origem rural, sintome honrado em realizar este trabalho, pelo qual, depois de décadas, retorno ao
meu berço de aprendizagem inicial, na escola onde fui alfabetizado. Dessa vez
com um olhar de pesquisador para, assim, analisar aspectos da nucleação
escolar.
Tendo nascido e vivido grande parte da minha vida na Comunidade de
Lagoa dos Freitas, estudei na escola multisseriada Escola Municipal Tomáz
Gouveia, uma pequena escola, simples, mas cheia de significados para aquela
comunidade, onde fomos muitos felizes e que significava mais que um prédio
escolar. Era o local do encontro e da participação comunitária. Sempre busquei
participar da vida comunitária, ambiente e onde cheguei a ser líder comunitário.
Essas minhas raízes são a base dos meus valores dentre os quais, destaco o
amor pela cultura popular e o respeito pelas pessoas do meio rural.
Atuei
como professor dos anos iniciais do Ensino Fundamental, no período de 2001 a
2008, na escola nucleada Escola Municipal Nair Fonseca Brandão, no Distrito
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Culturais e Educacionais
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de Canto do Engenho, que passou a atender todas as comunidades vizinhas
da região a partir de 1997. Em 2009, assumi o cargo de diretor, indicado pela
comunidade, onde permaneci até o final de 2010, quando fui exonerado de tal
cargo por motivo de divergências políticas. Nesse período, pude aprender
muito sobre a gestão da escola do campo e compreender que há mais
complexidade do que imaginava, acerca da relação da administração municipal
com as escolas localizadas no meio rural.
As situações vivenciadas nesse período como gestor escolar, com
problemas relacionados ao transporte escolar, à falta de recursos para
manutenção da escola, como materiais didáticos, dentre outros, permitiram-me
um olhar crítico sobre a transformação ocorrida naquele espaço; além é claro,
sobre o modelo de educação oferecido às populações do campo nos dias
atuais. De início uma conclusão é inevitável: não podemos mais pensar em
Educação do Campo, sem levarmos em conta os sujeitos envolvidos, a sua
cultura, sua maneira de participação e de organização política.
Salientamos que a proposta da pesquisa intitulada “Nucleação de
Escolas na Região do Canto do Engenho: Impactos Culturais e Educacionais”
surgiu da necessidade de se pesquisar o processo de nucleação escolar das
escolas rurais do município de Montes Claros, refletindo, assim, sobre o papel
da escola multisseriada nas comunidades rurais, bem como a estrutura que a
escola nucleada oferece à comunidade. Dessa forma, objetivou se identificar e
analisar as mudanças culturais e educacionais no processo de nucleação
escolar na região do Canto do Engenho, município de Montes Claros, Norte de
Minas, em especial na Comunidade Lagoa dos Freitas, onde se localizava a
Escola Municipal Tomáz Gouveia.
O motivo pelo qual se escolheu a pesquisa etnográfica como caminho
metodológico nesse estudo é justificado pelo envolvimento do pesquisador com
as comunidades observadas, que segundo Caleffe e Moreira (2006), essa
abordagem visa descrever, analisar e interpretar um segmento da vida social
de um grupo, fato aqui bem relacionado com a educação do campo. São
usadas letras maiúsculas tendo em vista o significado de tais manifestações
para as famílias do campo. Os instrumentos utilizados foram a entrevista
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Nucleação de Escolas na Região do Canto do Engenho: Impactos
Culturais e Educacionais
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semiestruturada e registro das conversas informais com moradores envolvidos
nos processos.
O trabalho foi organizado da seguinte forma. Nos Capítulos I e II, são
iniciadas narrativas feitas a partir das memórias, das experiências pessoais do
pesquisador, para posteriormente serem desenvolvidas as reflexões teóricas.
No Capítulo I, intitulado Identidade Cultural e Populações do Campo: uma
Relação Intrínseca é apresentada, então, a narrativa sobre a vida do lugar nos
aspectos festivos, religiosos, e logo após são desenvolvidas discussões
teóricas acerca do temas identidade cultural e impacto da modernidade
naquela localidade.
O Capítulo II, que traz como título Escola Multisseriada e Política de
Nucleação: Mudanças no Cotidiano da Vida das Famílias do Campo
inicialmente narra-se o cotidiano escolar do pesquisador quando criança, para
em seguida serem são conceituadas escola multisseriada e escola nucleada,
sendo também apresentado o processo de nucleação escolar no município de
Montes Claros. O Capítulo III, A Escola do Campo e seus Desafios Atuais são
apresentados nas considerações finais deste trabalho, que observamos como
um primeiro passo, pois o tema exige maiores reflexões devido a sua
complexidade e abrangência. Buscamos, assim, demonstrar a importância da
escola para a comunidade rural, a qual deve ser respeitada e valorizada.
Destacamos, ainda, nas considerações finais, a Carta de Manifesto contra o
Fechamento das Escolas no Meio Rural, lançado pelo MST no dia 14 de
outubro de 2011, a fim de reforçar a luta por uma educação de qualidade no
meio rural. Desse modo, acreditamos e defendemos um novo olhar sobre as
comunidades rurais, com políticas públicas que visem a garantia do
funcionamento dessas instituições de ensino, com boas condições de
aprendizagem, garantindo, assim, uma melhor qualidade do ensino oferecido.
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Culturais e Educacionais
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CAPÍTULO I
Identidade Cultural e Populações do Campo:
uma Relação Intrínseca
Foto 02. Festa do Padroeiro, Comunidade de Água Boa.
Fonte:Arquivo pessoal, 2010.
1.1 Fato Social 1 – Narrando Histórias que Representam a Vida do Lugar
As comunidades do Canto do Engenho, Riacho Fundo, Lagoa dos
Freitas, e tantas outras comunidades rurais do município de Montes Claros,
localizadas no Norte de Minas Gerais, têm em seu cotidiano uma característica
típica, com seus modos de ser e fazer cultura, caracterizando-se como uma
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Culturais e Educacionais
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população com identidade cultural própria, merecendo ser respeitada e
valorizada por essa heterogeneidade. Numa conversa informal com um
morador do campo já percebemos a riqueza do conhecimento que o sertanejo
traz, pois debaixo de um chapéu de couro ou de palha, (que) esconde uma
sabedoria incalculável, sabedoria
que não tem conseguido adentrar no
universo da academia.
Os momentos celebrativos que as comunidades cultivam destacamos os
cultos, missas, rezas de terços de promessa – pelos quais agradecem a graça
alcançada -, festas do padroeiro da comunidade, leilões de prendas, nas quais
cada família prepara com muito carinho um prenda, seja um bolo, um saco de
biscoito, farofa, doce variados, ou até mesmo, os frutos da terra como
mandioca, feijão, milho, alho, banana, laranja, todos cultivados pelas próprias
mãos dos agricultores, homens e mulheres, crianças e jovens, que sob o sol ou
a chuva cultivam a sagrada terra para produzir alimentos para consumo próprio
ou até para vender na cidade.
A reza de um Terço de Promessa, pelo qual a família se prepara para
receber a comunidade em sua casa, é regada por todo um ritual, pois é o
momento quando são reconhecidas as graças alcançadas. Portanto, não deve
ser feito de qualquer maneira e, sim, com muito zelo e cuidado. O Terço é
iniciado com cantos e agradecimentos. As mulheres, que ocupam a sala
principal, rezam a primeira parte da Ave Maria e os homens, que ocupam
outras partes da casa, respondem a segunda parte da Santa Maria. A cada
jaculatória do Glória ao Pai, é traçado o sinal da cruz encerrando cada Mistério
do Terço, são lançados fogos de artifício demonstrando a alegria da família
recebedora. A Salve Rainha, oração dedicada a Virgem Maria, é feita com
todos os presentes ajoelhados como forma de respeito e reverência. Após o
Terço, é servido um farto café com biscoitos e quitandas a todos os presentes,
a partir de então ocorre uma verdadeira confraternização entre a família
recebedora com os membros da comunidade.
Os biscoitos (FOTO 03) são feitos com goma, retirada da mandioca
produzida na própria comunidade. O doce, que também é servido a todos os
presentes, é feito com rapadura e casca de laranja da terra.
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FOTO 03: Mesa da Festa Junina, Lagoa dos Freitas.
Fonte: Acervo pessoal, 2010.
Não é raro encontrar festas dos santos padroeiros ou outros santos de
devoção das comunidades, sendo realizadas nas casas, escolas ou igrejas do
meio rural, com Mastro e Bandeira. A Bandeira com a foto do santo é toda
enfeitada com muito carinho com fitas coloridas, inclusive muitas vezes conta
com a ajuda da professora daquela escola, considerada pelos moradores a
pessoa mais importante da comunidade, pois afinal ela é formada, “tem
diploma”, conforme dizem os moradores. O santo padroeiro da comunidade é
aquele escolhido por ser o mais popular na comunidade, ou seja, a quem o
povo recorre nos momentos de grandes dificuldades e a devoção está
intimamente ligada às graças alcançadas dando a este o título de Santo
Milagroso. Daí o título padroeiro, ou seja, um tipo de líder intercessor que
socorre a comunidade.
O Mastro (FOTO 04) representa a ligação da terra com o céu através do
santo. O Mastro é feito com um tronco de árvore, que deve ser o mais
comprido encontrado no cerrado, para assim ficar “mais próximo do céu”,
alimentando a fé de um povo simples e festeiro.
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Nucleação de Escolas na Região do Canto do Engenho: Impactos
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FOTO 04. O Mastro com a Bandeira da Mãe Rainha, Lagoa dos Freitas.
Fonte: Acervo pessoal, 2010.
Quando se trata da festa dos santos padroeiros da comunidade ou as
tradicionais Festas Juninas homenageando os santos do mês, Santo Antônio,
São João e São Pedro, em muitos casos a Bandeira é roubada por uma família
ou grupo de amigos no ano anterior. A identidade dos Ladrões (FOTO 05) deve
ser mantida em segredo para não estragar a surpresa no ano seguinte. Dias
antes da festa, os Ladrões enviam uma carta anônima à família ou comunidade
comunicando a data e o horário da entrega da Bandeira, tudo no mais absoluto
segredo. A entrega é feita mediante procissão animada por Cantos e Benditos
acompanhados das famosas lanternas feitas com papel colorido revestindo as
velas acesas. Os fogos de artifício iluminam o céu avisando que o Santo está
chegando. Ao som da sanfona, caixa1, violão e pandeiro, a procissão segue
seu cortejo com muita animação aos gritos de Viva! Os ladrões vão
mascarados, levando consigo a Bandeira toda enfeitada com fitas coloridas. O
clima é de muita alegria e descontração entre os presentes que manifestam de
maneira espontânea a sua fé e devoção.
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A caixa é uma espécie de tambor, com uma estrutura de madeira redonda ou quadrada,
revestida de couro bovino ou caprino, que dá um som de compasso aos cantos.
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FOTO 05: Entrega da Bandeira pelos Ladrões.
Fonte: Acervo pessoal, 2010.
Ao encontrar os ladrões, os donos da Bandeira lhes dão pequenas
cipoadas, mas tudo de brincadeira. Quando chegam ao destino, casa, escola
ou igreja, esses são desmascarados e acontece então o Julgamento. Em
muitos casos, os ladrões são condenados a contribuírem com a festa do ano
seguinte.
Nesse momento, é rezado o Terço com a participação ativa da
comunidade. Posteriormente, antes do levantamento do Mastro com a
Bandeira, é realizada uma Procissão em torno da casa, em que são dadas três
voltas, pois segundo a tradição é para abençoar o lar da família que recebe a
festa. Nessas festas, todos os membros da comunidade são envolvidos nos
preparativos, pois esse é um evento com grande significado para as
comunidades rurais. Exemplo disso é a Festa de Santos Reis e São Sebastião
na Comunidade de Água boa, município de Claro dos Poções. Tudo é feito de
maneira muito organizada e os preparativos têm início no final do mês de
dezembro, com a Novena festiva, que segundo a comunidade é uma
preparação para o grande momento da festa que acontece em janeiro
homenageando Santos Reis, padroeiro daquela comunidade, e São Sebastião,
santo considerado protetor dos cavaleiros e do homem do campo. Destacamos
a cavalaria que acompanha a procissão, na qual homens, jovens, mulheres e
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crianças desfilam em seus cavalos acompanhando a procissão que leva as
imagens dos santos e apresentações teatrais
de passagens bíblicas. Um
momento ímpar de fé e devoção, de um povo simples e festeiro.
FOTO 06: Procissão com as Bandeiras, Comunidade Água Boa.
Fonte: arquivo pessoal 2010.
Esta Festa (FOTO 06) é um exemplo de resistência cultural, sendo tudo
preparado com muita reverência pelas famílias que, unidas pela fé, celebram
com amor o dia dos seus padroeiros. Quem participa dos festejos daquela
comunidade, percebe a importância desse evento para aquelas famílias que
esperam por todo o ano a chegada dessa data.
Em se tratando dos famosos Leilões, a maneira como o mesmo
acontece segue certo ritual, de acordo com o costume da comunidade. São
escolhidas uma ou duas pessoas animadas e com voz forte para “gritar o
leilão”. O Gritador oferece as prendas uma de cada vez aos presentes,
gerando, assim, uma concorrência entre os interessados para ver quem paga
mais. Arremata quem paga mais. O dinheiro arrecadado nos Leilões serve para
cobrir despesas da comunidade como para custear a visita do padre, para
ajudar a escola, além é claro, para ajudar alguém necessitado da comunidade
local ou vizinho; dificuldades tais como problemas de saúde, alimentação e até
mesmo para custear despesas funerárias de alguma família carente,
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demonstrando por meio desse gesto a solidariedade comunitária para com
quem necessita. A solidariedade, um valor preservado até os dias atuais por
diversas comunidades sertanejas do meio rural, constituindo-se mesmo no que
mantém a sua unidade.
As comunidades celebravam o fim da vida terrena de um jeito próprio.
Quando o membro da família está morrendo em casa com alguém por perto, é
acesa uma vela e colocada na mão direita, a fim de garantir que está morrendo
“na luz”. Há pouco tempo, até os caixões para enterrar os mortos eram
confeccionados artesanalmente, pelos carpinteiros da comunidade, que não
mediam esforços para trabalhar uma noite inteira para produzir um caixão,
armado de madeira maciça, revestido de tecido preto, representando o luto.
O Cordão de São Francisco (FOTO 07), como é chamado pelos
moradores dessas comunidades, é um o cordão confeccionado com linha de
algodão que envolve o corpo do defunto. Era confeccionado, de preferência
numa Sexta-feira da Paixão por algum morador idoso e sábio da comunidade,
pois necessitava de linha fiada com algodão cultivado no quintal da casa, em
fuso manual. Tal confecção exigia muita sabedoria, pois tinha as orações
específicas que eram feitas no momento da produção de tal objeto considerado
essencial para a entrada no “Paraíso”. Sem o Cordão de São Francisco,
nenhum defunto poderia ser enterrado, visto que correria o risco de perder a
salvação.
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FOTO 07: Cordão de São Francisco, confeccionado numa Sexta-feira da
Paixão.
Fonte: Arquivo pessoal, 2011.
Segundo as pessoas mais idosas, o Cordão era a identidade para a
alma ser aceita no céu. As orações eram coordenadas pelas mulheres que se
identificavam como as Rezadeiras, que durante toda a noite “puxavam” o Terço
e os Cantos específicos, além, é claro, do tradicional Ofício das Almas. No
peito do defunto é colocado um crucifixo pertencente à família, considerado
sinal de salvação e só é retirado na saída para o enterro. Enquanto as
mulheres cuidavam das orações e da comida para as pessoas que passariam a
noite em vigília, os maridos formavam uma equipe solidária, denominada os
Abridores de Sepultura, que sob a coordenação de um mais experiente,
demarcava o espaço a ser aberto, não podendo conter menos que sete palmos
de profundidade. Lembrando que os palmos teriam que ser de um membro da
equipe que tivesse a mão maior. A saída do caixão é marcada por muita
comoção, pois segundo a tradição os parentes próximos seguram na mão do
morto se despedindo e dizendo a ele para “ir com Deus”. O enterro só
acontecia após as pessoas presentes, inclusive as crianças, jogarem três
punhados de terra sobre o caixão dentro da sepultura, pois segundo a crença
dos moradores era o momento de libertar a alma e contribuir para a alma ir
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Culturais e Educacionais
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para o céu. Um costume muito comum é sepultar o corpo em frente a sua
residência, tal desejo deve ser manifestado em vida e é justificado pela
necessidade de estar próximo à sua propriedade e sua família, fato que só
acontece quando a família concorda em realizar tal desejo do falecido. A
sepultura deve ser aberta da direção da porta da sala, a uma distância acima
de cem metros. O local é cercado e se torna um lugar de peregrinação para os
membros da família, que o visitam não apenas em Dia de Finados, mas que
sempre buscam acender velas e enfeitar com flores tal local. Alguns afirmam
que vão visitar o parente enterrado, pois se sentem mais próximos indo até a
sepultura. Assim, é comum nas comunidades rurais, encontrarmos túmulos
com cruzes em frente das casas. Para as famílias católicas a cruz não pode
faltar no túmulo, nem no peito do defunto durante o velório, podendo tal
ausência contribuir para que a alma não “ganhe salvação”. Ao final do enterro,
são colocadas velas sobre a sepultura, as quais devem permanecer acesas
para iluminar o caminho do falecido. Enfim, cada gesto ou manifestação é
carregado de crenças e valores que norteiam toda a vida das pessoas e em
suas comunidades, que em seu cotidiano celebram não só a vida, mas também
o fim dela.
A relação com a natureza também dita o cotidiano das comunidades.
Dependendo da quantidade de flores e frutos do Murici, por exemplo, indicará
se haverá fartura de feijão na colheita. Os frutos da Cagaiteira (FOTO 08), a
cagaita, não terminam de cair sem a chuva. No dia que as pedras de sal
“melam”, derretem, dirá se a chuva chegará à época certa. São “profecias” e
sapiências dos mais velhos na observação e relação com a terra, com a água,
as árvores e os animais, que direcionam e dão sentido ao dia-a-dia das
comunidades, seja no plantio, na colheita e nas celebrações.
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Culturais e Educacionais
Fabrício Alves Fonseca
Foto 08: Cagaiteira, na Comunidade Lagoa dos Freitas.
Fonte: Arquivo pessoal, 2011.
As histórias que narram a vida do lugar, os Terços, os Leilões, os
Ladrões, Mastros e Bandeiras, a Celebração da Morte, a Relação com a
Natureza dão sentido a um modo de vida bem característico do meio rural.
Canto do Engenho, Lagoa dos Freitas, Riacho Fundo, são lugares com vida
própria, construídos ao longo do tempo, numa intensa relação dos sertanejos
com a natureza e seus filhos, amigos, afilhados, vizinhos e amigos que através
da solidariedade e da vida comunitária dão um significado especial à cultura
local contribuindo com a cultura universal, numa relação ética com a mãe terra
e com o meio ambiente.
1.2 A comunidade, sua identidade cultural e as transformações ocorridas
com o passar do tempo
As comunidades rurais têm na sua maneira de ser e de viver um jeito
típico, constituindo, dessa maneira, a sua identidade. Assim, tendo em vista as
transformações culturais sofridas no campo nas últimas décadas as
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Culturais e Educacionais
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comunidades rurais têm buscado a preservação dos valores culturais locais,
seu modo de vida, sua cultura, tendo como pressuposto a relação com a
natureza, considerada sagrada como fonte de vida. Os moradores mais antigos
dessas comunidades ainda buscam manter acesa uma chama de resistência
como forma de salvar o que ainda resta. Partindo desse pressuposto, a relação
homem do campo x natureza vai ditando as regras de convivência e
sobrevivência nas comunidades. Eliade (1992) nos aponta:
[...] o homem das sociedades arcaicas tem a tendência para viver o
mais possível no sagrado ou muito perto dos objetos consagrados.
Essa tendência é compreensível, pois para os “primitivos”, como
para o homem de todas as sociedades pré-modernas, o sagrado
equivale ao poder e, em última análise, à realidade por excelência. O
sagrado está saturado de ser. Potencia sagrada quer dizer ao
mesmo tempo realidade, perenidade e eficácia. (ELIADE, 1992,
p.18).
Sobre o papel do “sagrado” tão manifestado no cotidiano das
populações do campo percebemos claramente suas características próprias e,
ainda tendo em vista a fidelidade aos aspectos ligados à sua religiosidade.
Sagrada é a vida em meio à natureza cuidando da mãe terra, bebendo a água
cristalina do riacho, ouvindo o canto dos pássaros que quebram o silencio, por
fim, vida e trabalho se cruzam num cotidiano marcado pela crença e valores
espirituais da maioria dos moradores das comunidades, encontramos em
Eliade (1992) uma maneira de compreender tais atitudes e costumes:
Quando o sagrado se manifesta por uma hierofania qualquer, não só
na rotura na homogeneidade do espaço, como também na revelação
de uma realidade absoluta, que se opõe à não-realidade da imensa
extensão envolvente. A manifestação do sagrado funda
ontologicamente o mundo. Na extensão homogênea e infinita onde não
é possível nenhum ponto de referencia, e onde, portanto nenhuma
orientação pode efetuar-se, a hierofania revela um” ponto fixo”
absoluto, um “centro”.”(ELIADE, 1992, p.26).
Observando os costumes e manifestações culturais das populações do
campo, o sagrado e o profano se juntam fazendo parte do cotidiano das
pessoas, a religiosidade presente nas rezas e terços de promessa se junta aos
festejos, à dança, às cantorias e ao ato profano de consumir bebidas
alcoólicas, também parte das expressões comunitárias de agradecimento pelas
graças alcançadas. Também no velório, as bebidas alcoólicas são consumidas
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Culturais e Educacionais
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com a justificativa de dar coragem àqueles que irão abrir a sepultura, além de
aquecer o frio dos que irão passar a noite em claro, em vigília ao redor de uma
fogueira. Eliade (1992) nos leva a refletir sobre essa relação quando nos
aponta:
Pois toda a existência humana se constitui por uma série de provas,
pela existência reiterada da “morte” e da “ressurreição”. É por isso que,
num horizonte religioso, a existência fundada pela iniciação; quase se
poderia dizer que na medida em que se realiza, a própria existência
humana é uma iniciação. Em suma, a maioria dos homens “semreligião” partilha ainda das pseudo- religiões e mitologias degradadas.
Isso, porém, não nos surpreende, pois como vimos, o homem profano
descende do homo religiosus não pode anular a sua própria história,
quer dizer, os comportamentos de seus antepassados religiosos, que o
constituíram tal como ele é hoje. (ELIADE, 1992, p.170).
Percebemos assim, a identidade manifestada pelas pessoas do campo,
como algo que surge espontaneamente; portanto algo que está presente em
todos os seus gestos e ações e da sua relação com o outro através da vida
comunitária. Ao se tratar da construção da identidade, Hall (2002) nos indica
outra perspectiva identitária, ao afirmar que é na relação com o outro que
constituímos a nossa identidade. Nesse sentido, o autor demonstra que:
A identidade surge não tanto da plenitude da identidade que já está
dentro de nós como indivíduos, mas de uma falta de inteireza que é
“preenchida” a partir de nosso exterior, pelas formas através das
quais nós imaginamos ser vistos por outros. Psicanaliticamente, nós
continuamos buscando a “identidade” e construindo biografias que
tecem as diferentes partes de nossos eus divididos numa unidade
porque procuramos recapturar esse prazer fantasiado da plenitude.”
(HALL, 2002, p.39).
Refletir sobre a cultura dos camponeses é dar oportunidade de
esclarecer um pouco mais sobre seu cotidiano e sua forma de produzir cultura.
Conforme nos remete Brandão (1995):
As diferentes formas de culturas de camponeses e outros homens
do povo passam de sinais de atraso e sobrevivências da incultura,
para “origens’’, “fontes”, “raízes’’, águas puras onde flui o rio da
verdade humana, de sua
verdadeira e ainda não depravada
humanidade ... natural. A cultura do povo torna–se uma perene fonte
de inspiração para os próprios eruditos, porque é o seu oposto: é
pura, inocente, natural. É o lugar de criação onde a experiência do
humano pode ser elaborada, compartilhada e distribuído entre todos,
de uma maneira já culta, isto é capaz de produzir significados
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Nucleação de Escolas na Região do Canto do Engenho: Impactos
Culturais e Educacionais
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compreensíveis por todos, mas em um estado original de
simplicidade e pureza. (BRANDÃO, 1995, p. 110).
René Marc da COSTA SILVA (2008) nos remete ao fato da diversidade
cultural presente em nosso país, tornando, assim, imprescindível a valorização
da Cultura Popular, tão bem demonstrada na narração anterior, com marco
essencial na educação e desenvolvimento do nosso Brasil, tão rico em
diversidade.
Recusar a subalternidade da cultura popular, recuperar sua
importância fundamental é concebê-la a ocupar um lugar privilegiado
de onde se pode pensar e ver criticamente, perspectiva analítica
capaz de pensar em profundidade os principais nós e
estrangulamentos da história do Brasil e da cultura brasileira em
geral. A partir da cultura popular, é possível pensar um outro país um
ou várias alternativas de Brasil. Isto porque a cultura popular
brasileira é um estoque inesgotável de conhecimentos, sabedorias,
tecnologias, maneiras de fazer, penar e ver nossas relações sociais
e, nessa exata medida, um lugar em que mais do que simplesmente
criticar o modelo genocida e autodestrutivo de desenvolvimento, é
possível resistir a ele com outras propostas de sentido do viver e de
humanidade. (COSTA SILVA, 2008, p. 9).
Vale ressaltar, contudo, que percebemos uma mudança no cotidiano das
pessoas do meio rural, pois as mudanças que ocorrem nas sociedades
urbanas chegam também ao meio rural, trazendo consigo características
próprias de um novo modelo de agir socialmente. O modo de vida das pessoas
das comunidades rurais tem mudado muito. O hábito de se sentar ao redor da
fogueira ou em cima do fogão a lenha para conversar é substituído por uma
sala de TV, onde tem que haver silêncio para compreender melhor a novela.
Na cozinha, ao invés de fogão a lenha, há ebulidor e fogão a gás. As verduras
que eram produzidas na horta do quintal, agora vêm da cidade, além das frutas
que são compradas também nos supermercados e muitos nem sequer visitam
mais os Mercados municipais, local de encontro de sertanejos de várias
regiões dos municípios.
O cerrado, maior ecossistema da região norte de Minas, que fazia a
alegria das famílias, com muito pequi, murici, panã e grande diversidade de
outros frutos, foi desmatado e hoje é possível ver um deserto coberto por
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plantação de capim que acaba também com as plantas medicinais que
curavam todos os tipos de doenças. Os rios que faziam a alegria de todos,
principalmente das crianças, agora são apenas “barrocas” e a água das casas
vem de poços artesianos. As pessoas não se visitam mais como antes, pois
não têm mais “tempo”. Os vizinhos não são mais os mesmos, pois muitos deles
só chegam aos fins de semana, pois vivem na cidade, a “roça” é para
descansar nos finais de semana. Chegam, consomem e produzem todo tipo de
lixo, que ao retornar para a cidade, é jogado em meio ao pouco cerrado que já
agoniza. Quando vem a chuva, a enxurrada o transporta até lagoas e riachos,
poluindo de maneira avassaladora o santuário dos poucos peixes que ainda
resta. São as características do homem pós-moderno chegando ao campo,
transformando a cultura e adormecendo as tradições de um povo. O telefone
celular e a internet chegam ao campo não trazendo a integração campo/cidade,
mas transformando os valores culturais e alterando a própria identidade
cultural, introduzindo-a, ainda que lentamente, pela “era cibernética”.
Eliade (1992) nos leva a refletir sobre a relação das comunidades rurais
nos dias atuais e como as mudanças têm descaracterizado o seu convívio com
a terra, sua maneira de tratá-la e fazê-la produzir. O autor afirma:
É evidente que se trata de realidades sagradas, pois o sagrado é o real
por excelência. Tudo o que pertence a esfera do profano não participa
do Ser, visto que o profano não foi fundado ontologicamente pelo mito,
não tem modelo exemplar. Conforme não tardaremos a ver, o trabalho
agrícola é um ritual revelado pelos deuses ou pelos Heróis
civilizadores. É por isso que constitui um ato real e significativo. Por
sua vez, o trabalho agrícola numa sociedade dessacralizada tornou-se
um ato profano, justificado unicamente pelo proveito econômico que
proporciona. Trabalha-se a terra com o objetivo de explorá-la:procurase o ganho e a alimentação. Destituído de simbolismo religioso, o
trabalho agrícola, torna-se, ao mesmo tempo ”opaco” e extenuante:
não revela significado algum, não permite nenhuma “abertura” para o
universal, para o mundo do espírito. Nenhum deus, nenhum herói
civilizador jamais revelou um ato profano”.(ELIADE, 1992, p.85).
Quando se trata de identidade cultural e suas mudanças em meio às
transformações advindas com o progresso tecnológico, Hall (2002) nos aponta
que:
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Nucleação de Escolas na Região do Canto do Engenho: Impactos
Culturais e Educacionais
Fabrício Alves Fonseca
A assim chamada “crise de identidade” é vista como parte de um
processo mais amplo de mudança, que está deslocando as estruturas
e processos centrais das sociedades modernas e abalando os quadros
de referencia que davam aos indivíduos uma ancoragem estável no
mundo social. (HALL, 2002, p.07).
Percebemos o efeito da globalização integrando espaços e chegando ao
campo quando Hall (2002) enfatiza que os lugares permanecem fixos; é neles
que temos “raízes”. Entretanto, o espaço pode ser “cruzado” num piscar de
olhos – por avião a jato, por fax ou satélite”. (HALL, 2002, p.73).
Tratamos aqui de questões relacionadas à identidade cultural e
modernidade. Vimos que o meio rural é permeado de uma cultura popular
própria e vem sofrendo transformações, ao mesmo tempo em que buscam
manter vivas suas tradições e manifestações religiosas. Buscamos narrar um
pouco sobre os costumes do povo do interior, suas crenças e suas maneiras de
manifestar sua fé, sua sabedoria e sua relação com a escolinha local, muito
ligada à vida do povo do campo. As transformações educacionais, como a
nucleação escolar, serão tratadas logo a seguir, o que nos permitirá
compreender um pouco mais sobre tal tema.
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Nucleação de Escolas na Região do Canto do Engenho: Impactos
Culturais e Educacionais
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CAPÍTULO II
Escola Multisseriada e Política de Nucleação: Mudanças
no Cotidiano das Famílias do Campo
FOTO 09: Escola multisseriada, da Comunidade Monte Alto, Montes Claros.
Fonte: Arquivo pessoal: 2011
2.1 Fato Social 2 - A “Escolinha Tomáz Gouveia”: Uma História de Vida e
Transformação na Vida das Pessoas
A Comunidade Rural tem na escola um local público, um centro de
vivência comunitária, no qual um mesmo espaço desempenha vários papéis na
vida e no cotidiano das pessoas que ali vivem, sendo uma delas o contato com
o mundo intelectual, em que a cultura do mundo global se junta à cultura local
fazendo com que a diversidade de saberes e fazeres enriqueça ainda mais o
processo de ensino-aprendizagem. Partindo desse pressuposto, a “escolinha”,
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Nucleação de Escolas na Região do Canto do Engenho: Impactos
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como a maioria dos moradores a chamam, de maneira carinhosa representa
muito mais que um espaço físico, frio, de tijolo, adobe, de palha, pau-a-pique.
Descrever o cotidiano da “Escolinha Tomaz Gouveia”, na década de
1950,é uma forma de reviver um passado marcante que tive neste espaço
mágico do saber.
Nascido de família simples na Comunidade de Lagoa dos Freitas, a 35
km da cidade de Montes Claros, aos sete anos de idade comecei a frequentar
a escola local, na época com apenas uma professora, a inesquecível Tia Lucy.
Negra, soleira, com voz firme e olhar sincero, com muito amor e dedicação,
exercia a função de diretora, supervisora, professora, secretária, merendeira e
faxineira. Mesmo com sua pouca formação apenas na antiga quarta série
primária, o fato de por ser da comunidade, de conhecer a realidade como a
palma de sua mão, e que por sua boa vontade em nos ensinar, fazia com que
aprendêssemos de maneira alegre e significativa. Os alunos que ali
frequentavam vinham de famílias simples, que sobreviviam do que a terra
produzia: feijão, milho, fava, frutas, dentre outros produtos, que eram vendidos
em parte na cidade para garantir o restante dos alimentos na mesa.
O prédio era simples e precário, composto por apenas uma sala grande,
com apenas dois quadros e sendo um muito pequeno, onde com muita
habilidade a professora Lucy lecionava para as quatro primeiras séries2 do
Ensino Fundamental, por isso conhecida como escola mutlisseriada. Tia Lucy
chegava à escola bem mais cedo, para limpar a sala e a cantina, adiantando a
merenda do dia, também de sua responsabilidade. O banheiro, ou “privada”
como era chamado por nós, era apenas uma fossa com cobertura e os
meninos e meninas utilizavam o mesmo local. Quem se recusava em usar o
tal, tinha que se dirigir para o mato, fato comum, pois praticamente ninguém
tinha banheiro em casa e usava o mato mesmo, como era narrado por todos.
Nem sempre tinha merenda, o que nos obrigava a apelar para as frutas
do cerrado, nos arredores da escola, onde “saqueávamos” os pés de murici,
jatobá, cagaita... Quando alguém levava um pedaço de bolo assado em folha
2
A partir do ano de 2009, denominada de Anos Iniciais do Ensino Fundamental.
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Nucleação de Escolas na Região do Canto do Engenho: Impactos
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de bananeira dentro da panela, escondia em uma moita no mato, para partilhar
apenas com poucos colegas, os mais amigos. Assim se estabeleciam os laços
de amizade, às vezes, comprado com um pedaço de bolo que cheirava a
bicarbonato de sódio. Um fato engraçado era quando as formigas encontravam
o bolo e faziam a festa, daí era um trabalho para retirar tais concorrentes, pois
bolo era algo raro. A maioria de nós tomava café puro, às vezes somente
adoçado com garapa de cana. Em época de manga era diferente, tudo era
resolvido, pois a fartura de manga resolvia a questão da falta de merenda.
Em dias de merenda era maravilhoso! Comíamos com gosto aquele
alimento preparado pelas mãos abençoadas da professora, mesmo que os
ingredientes não fossem produzidos na comunidade. Um dia tinha sopa de
macarrão, sem verduras ou carne, outro dia tinha arroz com carne moída,
noutro mingau de fubá. Quando não era possível fazer a merenda, Tia Lucy
nos oferecia leite em pó, puro e servido nos copos da merenda. Como grudava
em nossos dentes e no céu da boca! Aquilo era mágico, ninguém reclamava,
era tudo muito bom. Após a merenda, tínhamos que ir até o Córrego
Canabrava para lavar os pratos, os copos, além de trazer água para ser
colocada no filtro de barro, artigo de luxo naquela época, pois a maioria
contava apenas com os famosos potes de barro.
Em sala de aula, a convivência era ótima, pois fortalecíamos no espaço
escolar os vínculos comunitários. Contudo, numa perspectiva de escola
tradicional, as conversas paralelas e desavenças eram solucionadas com boas
reguadas na cabeça e puxões de orelha. A professora utilizava o método de
alfabetização baseado em famílias silábicas, identificando mais com o sintético,
ainda assim atendia a todos os alunos, mesmo aqueles com muita dificuldade
de aprendizagem. As atividades mimeografadas cheiravam a álcool e nos dava
prazer em estudar. Eventualmente, quando chegavam as supervisoras da
Secretaria Municipal de Educação, as visitas de fora, era uma festa! Mas,
como vinham “tomar” a tabuada, uns morriam de medo.
Quanto ao uso do uniforme, os meninos tinham que usar short de tergal
azul marinho e camisa branca de botões, também de tergal. As meninas, saia
plissada, com alças estilo jardineira e blusa de tergal branca. Porém, poucos
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Nucleação de Escolas na Região do Canto do Engenho: Impactos
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Fabrício Alves Fonseca
possuíam uniformes já que não era obrigatório. Os cadernos eram estilo
brochura, bem pequenos, levados geralmente em sacos plásticos, pois a
maioria não possuía pasta, muito menos mochilas. Enfim, um cotidiano escolar
simples, mas muito puro e significativo no qual a felicidade dividia lugar com a
simplicidade. O recreio acontecia no meio da estrada de terra, onde jogávamos
bola, bem como nos arredores da escola, correndo e gritando com as
brincadeiras sendo veladas pelo olhar atento da professora. Assim, a
aprendizagem acontecia no meio do canto dos pássaros e barulho do vento,
apesar das precárias condições da escola local.
Nessa época, quem não demonstrava interesse em aprender ou
descumpria alguma regra, era punido com uma reguada na cabeça e se
ajoelhando em pedras ou sementes de milho. Um fato inesquecível para mim,
foi quando minha prima, ao ficar de castigo, chegou a fazer xixi na calça de
tanto nervosismo, perto de outras crianças que também cumpriam tal castigo.
Os pais apoiavam todas as atitudes da professora em relação à educação dos
seus filhos, pois a professora era muito respeitada na comunidade, era
“autoridade”, era “formada”, por isso podia até mesmo castigar as crianças.
Tudo pela educação delas, é claro.
Em meados da década de 1980, a Escola Municipal Tomaz Gouveia foi
beneficiada com a construção de um novo prédio (FOTO 01), o que ampliou o
seu espaço físico em duas salas de aula, pátio, cantina, depósito de merenda e
dois banheiros, sendo um masculino e outro feminino. Tudo era novidade na
escola nova, que foi inaugurada com muitos fogos de artifício e a presença
maciça da comunidade. Com a ampliação da escola, ganhamos mais uma
professora, a também inesquecível, Ivania Reis. Sua chegada foi marcante.
Seu pai a cavalo trazendo sua bagagem, ela a pé a frente do cavalo e um
cachorro, seu fiel companheiro acompanhando sua viagem. Ela residia na
Comunidade Três Irmãos, localizada depois da Comunidade de Lagoa dos
Freitas, cerca de seis quilômetros. Dessa forma, andava mais de uma hora a
pé, em meio ao cerrado, passando por pontes e pinguelas, trilhas e barrocas,
para lecionar na escola. Foi ela quem nos presenteou com maçãs, fruta que
nunca havíamos comido.
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Nucleação de Escolas na Região do Canto do Engenho: Impactos
Culturais e Educacionais
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Desse modo, a escola ficou mais alegre, com duas professoras. As
festinhas eram regadas a biscoitos, bolos, e suco de groselha, suco artificial já
introduzido à cultura local. Nos finais de semana eram realizados terços, leilões
e as missas que, quando celebradas, às vezes até duas vezes ao ano, eram o
evento mais especial da comunidade. Aquilo tudo fazia do espaço escolar um
lugar de alegria e paz. A escola representava para a comunidade mais que um
simples educandário e sim um c,entro da vida social, um espaço onde as
pessoas partilhavam seus momentos comunitários e felizes.
O processo de transformação da escolinha multisseriada, Escola
Municipal Tomaz Gouveia, na escola-núcleo E.M Canto do Engenho ocorreu
em meados de 1997. A escola-núcleo localizava-se na comunidade Canto do
Engenho, atualmente distrito do município de Montes Claros. Conforme alguns
poucos registros, que ainda restam na Secretaria Municipal de Educação de
Montes Claros, o projeto começou a ser elaborado e discutido na Câmara
Municipal de Montes Claros em 1993, quando
os vereadores deram seus
pareceres e comentários em reunião datada de 21 de outubro de 1993. É
possível perceber nos pareceres dos vereadores uma falta de conhecimento
mais aprofundado acerca do processo de nucleação escolar, pois ao
observarmos a maneira com que se expressaram,
pareceu-nos que a
compreensão era a de que esse projeto viera para resolver todos os problemas
da educação do campo, ainda tratada como educação rural. Vale também
ressaltar, a preocupação de alguns poucos vereadores quanto ao transporte
escolar e à manutenção das estradas de acesso às escolas.
Após aprovação nos anos seguintes, o processo de nucleação escolar
foi implantado ao final do primeiro semestre de 1997 na região de Lagoa dos
Freitas, envolvendo várias comunidades. Nessa comunidade aconteceu
apenas uma reunião, durante a qual foi apresentada resumidamente a proposta
de nucleação escolar a um pequeno grupo de pais, que em sua maioria
aprovou tal projeto, seguido da assinatura de uma ata, cuja cópia não foi
deixada na comunidade e não foi localizada nos arquivos da Secretaria
Municipal de Educação. Nesse momento, foi informado aos servidores
municipais efetivos seriam remanejados para a escola núcleo e fariam uso do
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Nucleação de Escolas na Região do Canto do Engenho: Impactos
Culturais e Educacionais
Fabrício Alves Fonseca
transporte escolar junto com os alunos. Também foi informado aos pais que
para as reuniões escolares, eles seriam transportados também para a escola
no transporte escolar até a escola núcleo.
As crianças e os jovens só ficaram sabendo da mudança para a escola
núcleo quando os pais chegaram a casa. Os pais contrários à nucleação
demonstraram muita indignação, mas não tiveram oportunidade de uma nova
reunião com a SME. Algumas crianças e jovens gostaram, pois em sua
simplicidade avaliaram que iriam viajar diariamente e encontrar pessoas
diferentes, porém outras demonstraram medo da escola nova. O mobiliário,
vasilhames e material escolar, quase tudo foi transportado para a escola
núcleo, ficando a escolinha fechada, com alguns móveis antigos.
Para a Escola Municipal Canto do Engenho, o transporte escolar
previsto não se efetivou de maneira satisfatória, pois falhava muito deixando as
crianças sem ir à escola. Os veículos Kombi, contratadas pela SME eram
antigas, motivo pelo qual constantemente apresentavam problemas em relação
à sua manutenção. Enquanto isso, as estradas apresentavam condições
inadequadas de conservação, acarretando dificuldades no trânsito até as
escolas e até mesmo colocando em risco a vida das crianças e jovens. Outra
questão se refere ao período das chuvas, que impedia o acesso à escola,
significando outro fator agravante em relação à nucleação escolar.
Por outro lado, pais e filhos tinham que acordar muito cedo, por volta das
cinco horas da manhã, para chegar a tempo até o ponto marcado para o
transporte escolar. Muitos pais ainda tinham que levar seus filhos nesses locais
que na maioria das vezes ficavam distantes das casas. Dependendo da
distância da comunidade até a escola, os estudantes permaneciam nesse
trajeto por cerca de uma hora. Ao chegar à escola, alguns estudantes até
mesmo dormiam em sala de aula, causando-lhe prejuízos em sua
aprendizagem. Por volta das doze horas e trinta minutos chegavam a casa
para o almoço.
Em termos de estrutura também deixou a desejar, pois a escola núcleo
não oferecia condições de infraestrutura prediais muito melhores do que
anterior,
conforme
indicado
na
legislação.
O
mobiliário
permanecia
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Nucleação de Escolas na Região do Canto do Engenho: Impactos
Culturais e Educacionais
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praticamente o mesmo vindo das escolas multisseriadas desativadas, dentre
elas a Escola Municipal Tomaz Gouveia. A melhoria do ensino através da
garantia de laboratórios, acesso aos recursos tecnológicos e acervo
bibliográfico não se confirmou naquele momento.
Atualmente essa escola-
núcleo conta com doze computadores instalados em uma sala que funciona
ainda como biblioteca da escola. Contudo, apenas dois deles encontram-se
conectados à internet, que foi viabilizada a partir deste ano de 2011.
Em
relação ao acompanhamento pedagógico, essa escola renomeada desde o ano
de 2003 a Escola Municipal Nair Fonseca Brandão, somente contou com um
supervisor escolar lotado na própria escola no ano de 2004.
Naquele ano de 1997, registramos as dificuldades de adaptação
enfrentadas por alguns alunos, alguns até sendo vítimas do bullying.
Ressaltamos aqui uma manifestação de preconceito entre os moradores da
sede do distrito com os moradores das comunidades mais afastadas, vistas
como “mais atrasados”, moradores de lugares “sem igreja”, “sem praça”, e
naquele momento também “sem escola”, eram considerados “de fora”. Dessa
maneira, várias consequências da nucleação escolar foram sentidas pelos
moradores, sendo que alguns até lamentavam muito o fechamento da
escolinha da comunidade, às vezes, até “amaldiçoando” a nucleação.
Por outro lado, conforme dados de minha própria vivência enquanto
morador da comunidade e observação do cotidiano da escola núcleo, como
não poderia deixar de ser percebemos também os aspectos positivos da
nucleação. O processo de nucleação escolar possibilitou o acesso à extensão
de séries, quando os alunos puderam cursar da Educação Infantil ao Ensino
Fundamental, de responsabilidade do município, e o Ensino Médio através do
atendimento da rede estadual - que funciona no mesmo espaço físico -, tudo
isso com verba federal conveniado com o município, atualmente recursos do
Programa Nacional de Transporte Escolar (PNTE).
Destacamos como outro aspecto positivo o encontro de várias
comunidades em reuniões e festividades, o que acaba sendo um momento de
confraternização entre escola e comunidades (FOTO 8) e entre várias
comunidades próximas, atendidas na mesma escola. Esses momentos
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Nucleação de Escolas na Região do Canto do Engenho: Impactos
Culturais e Educacionais
Fabrício Alves Fonseca
representam um grande encontro de culturas, pois cada comunidade traz
consigo particularidades próprias.
Percebo, então, que existem muitas ideias e opiniões sobre a escola,
tanto a escolinha local, multisseriada como sobre a escola-núcleo. Ambas
apresentam aspectos que merecem maior compreensão, e este é o motivo
dessa pesquisa.
2.2 Escola Multisseriada: algumas reflexões teóricas
A escola multisseriada, escola isolada, unidocente ou de pequeno porte,
como é chamada a pequena escola rural em várias regiões do Brasil, é aquela
onde funcionam uma ou duas turmas, com anos iniciais do Ensino
Fundamental em uma mesma sala de aula, contando com um ou dois
professores. Essa escola foi a grande formadora de grande parte da população
rural, sendo ainda hoje referência ou principal acesso ao mundo letrado e
intelectual. O documento Panorama da Educação do Campo, elaborado no ano
de 2007 pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira (INEP) e Ministério da Educação (MEC), caracteriza a escola
multisseriada como sendo aquela que têm:
[...] classes multisseriadas [...] (contam com) alunos de diferentes
séries e níveis em uma mesma sala de aula, independente do
número de professores responsável pela classe. A unidocência
ocorre quando um único professor é responsável pela condução do
desenvolvimento de uma classe multisseriada. Embora possa
acontecer de uma escola ou classe ser multisseriada e ter mais de
um professor, as escolas multisseriadas do campo contam, na quase
totalidade dos casos, com apenas um professor, o que torna
unidocência e multisseriação termos equivalentes. (BRASIL.
MEC/INEP. PANORAMA DA EDUCAÇÃO DO CAMPO, 2007, p. 26).
Nesse tipo de escola, o prédio, não raras vezes, é apenas uma sala de
aula com uma arquitetura simples, sem luxo algum, algumas vezes até mesmo
com chão de terra batida, local onde estudam crianças da Educação Infantil
aos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, com variação de idades entre 05
(cinco) aos 16(dezesseis) anos, alunos com expressiva defasagem de
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Nucleação de Escolas na Região do Canto do Engenho: Impactos
Culturais e Educacionais
Fabrício Alves Fonseca
aprendizagem. Essas pequenas escolas geralmente ficam próximas das
fazendas onde moram os alunos, para assim facilitar o acesso destes à escola.
O MEC/INEP, em pesquisa do Censo Escolar/2005, apresenta os
seguintes dados:
A rede de ensino da educação básica da área rural, de acordo com os
dados levantados no Censo Escolar 2005, é constituída por 96.557
estabelecimentos de ensino, o que representa cerca de 50% das
escolas do País (207.234). Ela atende a 5.799.387 alunos no ensino
fundamental, que representam 17,3% da matrícula nacional nesse
nível, e oferece, prioritariamente, as séries iniciais do ensino
fundamental. (BRASIL. MEC/INEP. PANORAMA DA EDUCAÇÃO DO
CAMPO, 2007, p. 23).
Tais dados demonstram também a importância da escola rural multisseriada no
contexto educacional brasileiro, quando cerca de “71,5% dos alunos em escolas rurais
de ensino fundamental estão matriculados de 1ª a 4ª séries” (p.23), sendo atendidos
93% pelas redes municipais (p. 27).
As pessoas que vivem no campo primam por uma conduta baseada em
valores que devem ser levados em conta pelo professor. De segunda a sextafeira os alunos estudam todos numa mesma sala, na qual o professor os
organiza em filas de acordo com o ano de escolaridade. O quadro é dividido
para não confundir os alunos. Os estudantes são crianças e jovens que, na
maioria das vezes, acordam de madrugada para irem para à escola em busca
do tão sonhado conhecimento formal. Grande parte delas quando retornam,
logo após almoçar se dirigem para a roça para auxiliar seus pais na lavoura. É
uma rotina que segue de segunda a sexta, restando apenas o domingo para o
lazer, além da participação nas festas tradicionais ou mesmo a participação em
um culto ou jogo de futebol. O Panorama da Educação do Campo apresenta
ainda algumas reflexões sobre essa questão ainda controversa, da validade da
escola multisseriada para atendimento da população rural e afirma:
Apesar de a primeira impressão ser negativa, em termos do
processo ensino-aprendizagem, torna-se importante a consideração
do contexto no qual estão inseridas.
Algumas experiências têm demonstrado que o problema das turmas
multisseriadas está na ausência de uma capacitação especifica dos
professores envolvidos, na falta de material pedagógico.
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Nucleação de Escolas na Região do Canto do Engenho: Impactos
Culturais e Educacionais
Fabrício Alves Fonseca
No entanto, o quadro atual revela as dificuldades enfrentadas pelas
escolas multisseriadas. De um lado está a precariedade da estrutura
física e, de outro, a falta de condições e a sobrecarga de trabalho
dos professores, gerando alta rotatividade desses profissionais, o
que possivelmente interfere no processo de ensino/aprendizagem.
Geralmente aqueles com uma formação inadequada permanecem
em escolas isoladas e unidocentes até o momento em que adquirem
maior escolaridade, quando pedem remoção para a cidade.
(BRASIL. MEC/INEP. PANORAMA DA EDUCAÇÃO DO CAMPO,
2007, p. 26).
O texto acima nos leva a refletir um pouco mais sobre o trabalho
desenvolvido nas escolas multisseriadas, bem como o trabalho de educadores,
que com amor e determinação, fazem do ofício de ensinar, mais que um ato
político, conforme a fala abaixo:
Na E.M.Prof. Roberto Pereira da Fonseca - localizada na Comunidade
Riacho Fundo, onde como professora prestei serviço por 25 anos,
trabalhei com turmas multisseriadas, onde o número de alunos
chegava até a 32, estes da 1ª até a 4ª série...para elaborar o
planejamento para as quatro séries, muitas vezes ficava até duas horas
da manhã pesquisando e elaborando atividades para atender a
individualidade de cada aluno...como educadora eu me afirmo.
( entrevista feita com a Profª. Maria Helena Santos Araújo, em 10 de
outubro de 2011)
Com efeito, identificamos o envolvimento e o compromisso de uma
professora, que acreditava naquilo que fazia, não medindo esforços para que
seus alunos, de seus mais variados níveis de aprendizagem aprendam de
maneira significativa.
Em algumas comunidades rurais, o prédio escolar é composto por uma
sala, um pátio e uma cozinha, além dos banheiros, na maioria dos casos em
condições precárias.
Na escola do Brasil rural do ano de 2005, as condições
das escolas relativas à estrutura física e à tecnológica se apresentam com os
seguintes dados: apenas cerca de 6% contam Biblioteca, 1,4% contam com
Laboratórios de Informática, 0,7 com Laboratório de Ciências e 5,6 com Quadra
de Esporte (PANORAMA DA EDUCAÇÃO DO CAMPO, 2007, p. 30).
Esses dados nos permitem uma análise dos problemas estruturais
enfrentados pela escolas das áreas rurais, bem como seus méritos enquanto
espaço de cultura e de relações sociais, onde a escola representa o
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Nucleação de Escolas na Região do Canto do Engenho: Impactos
Culturais e Educacionais
Fabrício Alves Fonseca
empoderamento da comunidade que se sente mais valorizada tendo tal espaço
inserido em seu contexto de vida comunitária e como fruto de sua luta pela
escolarização de sua população, o que representa reais possibilidades de
melhoria de vida.
Na escola multisseriada, o professor é uma das pessoas mais
respeitadas da comunidade, uma vez que ele é responsável também pela
realização dos eventos, homenagens, respondendo pela escola e exercendo
papel de diretor, supervisor e até mesmo de conciliador de conflitos; além é
claro, pela formação intelectual dos estudantes oriundos daquela comunidade
ou da circunvizinhança. O ofício do professor na comunidade é de fundamental
importância comunitária, já que ele exerce também o papel de catequista,
carteiro, orientador e psicólogo. Seu trabalho não produz resultados se não
estiver totalmente integrado à comunidade, uma vez que a mesma demonstra
até certa rejeição por aqueles que buscam se distanciar da mesma.
Quanto às condições de trabalho dos professores unidocentes, sabe-se
que muitas vezes, o próprio professor cuida da limpeza e preparo da merenda
servida aos estudantes. Com esse acúmulo de funções, o professor da escola
multisseriada fica sobrecarregado, afetando, sobremaneira, o seu desempenho
em sala de aula, prejudicando a aprendizagem, inclusive daqueles que estão
em processo de alfabetização. Ainda citando o documento Panorama da
Educação do Campo, pela sua relevância e atualidade em demonstrar através
de dados do Censo Escolar, de 2005, a realidade da educação ofertada para
as populações rurais brasileiras:
Os professores das escolas multisseriadas, além da atividade
docente, acumulam outras tarefas administrativas voltadas para a
manutenção da unidade escolar, chegando, na maioria das vezes, a
ter que conciliar as atividades de limpeza com o preparo da merenda
escolar. A situação que se coloca quanto à adequação das turmas
multisseriadas é bastante delicada. (BRASIL. MEC/INEP.
PANORAMA DA EDUCAÇÃO DO CAMPO, 2007, p. 25).
E, complementado a discussão sobre as condições de trabalho do
professor que atua na pequena escola da área rural, afirma que:
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Nucleação de Escolas na Região do Canto do Engenho: Impactos
Culturais e Educacionais
Fabrício Alves Fonseca
No entanto, o quadro atual revela as dificuldades enfrentadas pelas
escolas multisseriada. De um lado está a precariedade da estrutura
física e, de outro, a falta de condições e a sobrecarga de trabalho dos
professores, gerando alta rotatividade desses profissionais, o que
possivelmente interfere no processo de ensino/aprendizagem.
Geralmente aqueles com uma formação inadequada permanecem em
escolas isoladas e unidocentes até o momento em que adquirem maior
escolaridade, quando pedem remoção para a cidade.
Em reconhecimento à importância da escola multisseriada para a
universalização do ensino nas áreas rurais, caracterizadas por baixa
densidade demográfica, o Ministério da Educação propôs, em 2006, a
realização de cursos de licenciatura em educação do campo, definindo
os termos de formação docente por área de conhecimento e não mais
por disciplina. Trata-se de iniciativa recente e ainda em pequena
escala, sendo os cursos realizados por universidades públicas
mediante repasse de recursos pelo Ministério da Educação. (BRASIL.
MEC/INEP. PANORAMA DA EDUCAÇÃO DO CAMPO, 2007, p. 26).
Nessa perspectiva, a Universidade Estadual de Montes Claros –
UNIMONTES tem desenvolvido ações voltadas para a Educação do Campo
desde o ano de 2006, ao aprovar junto ao Programa Nacional de Educação na
Reforma Agrária (PRONERA) 3, os cursos de Magistério do Campo e Formação
em Agroecologia/ Nível Médio e de Alfabetização e Escolarização de Jovens e
Adultos Assentados, o Curso de Licenciatura em Pedagogia do Campo, e na
perspectiva da Educação à Distância (EAD), o Curso de Pós-Graduação lato
sensu em Educação do Campo.
Percebe-se
que o investimento na formação inicial e continuada do
professor e a valorização de sua carreira docente representam importantes
ações para a elevação do índice de qualidade do ensino ofertado às
populações do campo. Observamos ainda que a garantia de condições
infraestruturais e tecnológicas juntamente com a formação contínua dos
professores, possibilitaria uma educação de qualidade na pequena escola
local.
3
Programa iniciado em 1998, que atende crianças, jovens e adultos dos assentamentos da
reforma agrária, desde o ensino fundamental até a pós-graduação. Pertence ao Ministério de
Desenvolvimento Agrário e é de responsabilidade do Instituto Nacional de Colonização e
Reforma Agrária (INCRA). É fruto das mobilizações das populações envolvidas nos processos
de reforma agrária.
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Nucleação de Escolas na Região do Canto do Engenho: Impactos
Culturais e Educacionais
Fabrício Alves Fonseca
Ao retomar Eliade (1992), ao afirmar que “o homo religiosus sentia a
necessidade de viver sempre no Centro [...] e permanecerem em comunicação
com o mundo supraterrestre”, aqui reafirmamos tal característica nas
comunidades de Lagoa dos Freitas e região tão bem identificada no capítulo I,
propondo a relação da comunidade com a escola local como “Centro do
Mundo”. Nesse local considerado “sagrado” por muitos moradores, como já
relatado, acontecem todos os eventos culturais e religiosos da comunidade,
tornando-se um centro referencial de vida coletiva, em que os encontros
representam muito mais que uma simples reunião de pessoas em um mero
espaço físico. É onde a aprendizagem da vida comunitária acontece e é
celebrada, através de longas conversas, onde as pessoas partilham com seus
pares um pouco do seu cotidiano contribuindo, assim, para uma aprendizagem
para a vida coletiva melhor dizendo, vida em comunidade. Para confirmar tal
afirmação, basta questionar sobre o valor da escola para qualquer morador
mais antigo da comunidade para poder perceber o brilho em seu olhar ao dizer
o que a escola representa para a comunidade. Dona Maria, 75 anos, assim se
expressa:
A escolinha era a alegria da comunidade, pois ela funcionava a
semana toda, os filhos e os netos da gente estudavam lá. Tinha reza
de terço nos fim de semana, além das missas, leilão e festinhas.
Quando acabaram com ela ficou muito triste, nem barulho de criança a
gente escuta mais, ela tá quase acabando de cair, não é mais
cercada... O gado entra e vai derrubando aos poucos... Hoje a
comunidade é mais triste sem a escolinha. O povo também não é mais
unido como antigamente. (Entrevista feita com Dona Maria Nunes,
Comunidade Lagoa dos Freitas, em 07 de setembro de 2011).
Um fator interessante observado no meio rural, é que há uma
supervalorização da escolinha por parte das pessoas mais idosas, mesmo elas
não tendo estudado naquele espaço e sequer assinem o nome, porém
defendem de maneira segura e com argumentos a importância da escola para
a comunidade. Chegando até mesmo a se emocionar, a cabeça curva
demonstra o sentimento de perda de um espaço comunitário de referência.
Na pesquisa de campo, ao entrevistar Dona Francisca, 70 anos,
moradora da Comunidade de Lagoa dos Freitas e que vivenciou todo esse
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Nucleação de Escolas na Região do Canto do Engenho: Impactos
Culturais e Educacionais
Fabrício Alves Fonseca
processo, percebemos a maneira de como concebe a escola, como a
esperança que a escola representa para as crianças. Ela diz “A escola é muito
importante para a comunidade. Se não tivesse a escola, o que seria dessa
meninada? A maioria não tem recurso pra ir pra cidade estudar.” Na entrevista
com a ex-aluna da E. M. Tomaz Gouveia e da E.M Nair Fonseca Brandão,
Franciele Alves Fonseca, atualmente Agente Comunitária de Saúde na
comunidade de Lagoa dos Freitas, sobre a importância da escola, ele relata da
seguinte maneira:
A escola é considerada uma instituição de grande relevância na vida do
cidadão. Não é diferente com as pessoas que vivem no campo, que
atribuem à escola um valor muito grande, pois além de ler e escrever –
que é algo bastante valorizado principalmente entre àqueles que não
tiveram acesso ao conhecimento escolar... Na escola é depositada a
esperança de um futuro próspero, longe do trabalho braçal, visto como
única alternativa para aqueles que não sabem ler e escrever. A
expectativa é que quem estuda tem uma vida melhor. (Entrevista com
Franciele Alves Fonseca, em 27 de julho de 2011).
Nesse depoimento percebemos a visão acerca do papel da escola como
instrumento de transformação social, ou seja, uma possibilidade de mudança de vida
no campo, a qual se acredita que estudando, teremos grandes chances de ter uma
vida melhor.
Ao refletir sobre a relação do homem das sociedades tradicionais com o
seu Centro do Mundo, esse autor nos diz que:
Numa palavra, sejam quais forem as dimensões do espaço que lhe é
familiar e no qual ele se sente situado – seu país, sua cidade, sua
aldeia, sua casa -, o homem religioso experimenta a necessidade de
existir sempre num mundo total e organizado, num Cosmos. [...] Um
universo origina-se a partir do seu Centro, estende-se a partir de um
ponto central que é como o seu “umbigo”.
(ELIADE,
1992,
p.43-44).
Ao observar uma escola fechada (FOTO 07) é possível perceber as
marcas de um passado com as crianças correndo ao redor da escola,
brincando na hora do recreio, seus gritos se misturando ao canto dos pássaros
e o barulho do vento, o que faziam daquela comunidade um lugar mais alegre e
festivo. Hoje, a ruína desse prédio, com as paredes prestes a cair, mesmo com
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Nucleação de Escolas na Região do Canto do Engenho: Impactos
Culturais e Educacionais
Fabrício Alves Fonseca
as flores que teimam em colorir, demonstram o descaso do poder público para
com o investimento de recursos utilizados naquela construção, até hoje não
aproveitada para nenhum fim comunitário ou mesmo regional.
Conforme Hall e Eliade nos fez refletir no Capítulo I, percebemos que no
depoimento acima que se as mudanças ocorridas na dinâmica da vida das
comunidades rurais pelo acesso à energia elétrica trouxeram consigo mais
conforto para o cotidiano das pessoas por outro lado trouxe a força midiática da
televisão, impactando o modo de vida no interior das famílias e na vida
comunitária, seja nos aspectos educacionais e culturais.
Nesse contexto, o fechamento da escolinha multisseriada também causou
transformações no modo de vida na comunidade. No Panorama de Educação do
Campo tem a seguinte afirmação “as turmas multisseriadas poderiam se
transformar numa boa alternativa para o meio rural, atendendo aos anseios da
população em dispor de uma escola próxima do local de moradia dos alunos,
sem prejuízo da qualidade do ensino ofertado, especificamente no caso das
séries iniciais do ensino fundamental. (2006, p. 19).
2.2.1 Escola nucleada: análise dos impactos da política de nucleação
A década de 1990 é marcada por uma política educacional que
desativou muitas escolas rurais, extinguindo, assim, grande parte das escolas
multisseriadas e dando espaço a um novo modelo de escola: a escola
nucleada. O projeto de nucleação escolar brasileiro é baseado no modelo de
desenvolvimento dos Estados Unidos através de políticas públicas voltadas
para a economia nacional e extensiva à área educacional.
Com a ascensão do Regime Militar, na década de 1960 nos anos de
ditadura, mais especificamente de 1964 a 1984, o país apresenta uma abertura
significativa ao capital estrangeiro. Nesse contexto, a USAID4 (Agencia dos
Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional) foi o principal
instrumento do governo norte americano para exercer influencia em outros
4
USAID: United States Agency for InternationalDevelopment
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Nucleação de Escolas na Região do Canto do Engenho: Impactos
Culturais e Educacionais
Fabrício Alves Fonseca
países, inclusive na área educacional. Tal agência foi responsável pelo
subsídio a implantação do processo de nucleação de escolas brasileiras, sendo
a escola rural multisseriada impactada por esse acordo e se tornado a
experiência piloto para esta implantação. Para Sales (2006), citado na íntegra:
A preocupação com a profissionalização torna-se o marco da década
que antecede a Lei 5692 de 1971, a qual prevê a profissionalização de
nível técnico como o fim da jornada acadêmica para a maior parte da
população. A educação, de modo, geral serve também à propagação
de ideologias militares, como controle e repressão.
O setor econômico sofre no final da década de 1970 com o declínio
acentuado do modelo desenvolvimentista. Os índices inflacionários vão
aumentar o número de miseráveis no país e o Regime Militar dá sinais
de exaustão frente à crise econômica. O campo, como não poderia
deixar de ser, é influenciado por essas mudanças.(SALES, 2006, p.6).
Diante deste contexto, o processo de nucleação escolar brasileiro teve
início no ano de 1976, no estado do Paraná, e logo após, no ano de 1983 no
estado de Minas Gerais. A nucleação escolar propunha a melhoria da
qualidade do ensino para as populações do campo, além de reduzir despesas
e resolver o problema do baixo número de alunos das escolas multisseriadas
localizadas nas comunidades rurais. Dessa forma, esse processo de nucleação
das escolas consiste em desativar as escolas com baixo número de alunos e
reuni-las em apenas uma escola transformada em núcleo, pois que atende as
comunidades vizinhas. A política da nucleação previa a oferta de uma
educação de qualidade para a população do campo
Já na década de 1990, a nucleação escolar encontrou justificativa legal
na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), Nº 9394, de
1996, em seu Artigo 28, que trata da questão da educação básica para a
população rural:
Art. 28º. Na oferta de educação básica para a população rural, os
sistemas de ensino promoverão as adaptações necessárias à sua
adequação às peculiaridades da vida rural e de cada região
especialmente:
I - conteúdos curriculares e metodologias apropriadas às reais
necessidades e interesses dos alunos da zona rural;
II - organização escolar própria, incluindo adequação do calendário
escolar às fases do ciclo agrícola e às condições climáticas;
III - adequação à natureza do trabalho na zona rural.
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Nucleação de Escolas na Região do Canto do Engenho: Impactos
Culturais e Educacionais
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E no Artigo 10, Inciso II e III, em que os Estados incumbir-se-ão ao de:
II - definir, com os Municípios, formas de colaboração na oferta do
ensino fundamental, as quais devem assegurar a distribuição
proporcional das responsabilidades de acordo com a população a
ser atendida e os recursos financeiros disponíveis em cada uma
dessas esferas do Poder Público;
III - elaborar e executar políticas e planos educacionais, em
consonância com as diretrizes e planos nacionais de educação,
integrando e coordenando as suas ações e as dos seus Municípios;
Gnigler (sd), promotor de justiça do Estado de Santa Catarina, nos afirma em
seu artigo intitulado “O Processo de nucleação das escolas isoladas” e publicado
no Ministério Público de Santa Catarina, como doutrina, assim se coloca:
Com as reformas promovidas no ensino fundamental, notadamente
com a edição da Lei no 9.394, de 20.12.96 - Estabelecem Diretrizes
e Bases da Educação Nacional - os Municípios, objetivando a
redução de gastos com a implementação da municipalização do
ensino básico, optaram pelo fechamento de diversas escolas
multisseriadas e, através do processo chamado de nucleação,
reuniram os estudantes das unidades desativadas em centros
urbanos maiores.
Assim, movidos pela idéia de que a manutenção de alguns poucos
centros de ensino, com o agrupamento dos diversos alunos através
do transporte escolar, implicaria economia aos cofres municipais,
dado que reduziria o número de professores e de servidores ligados
a atividade de ensino, promoveu-se a desativação de escolas
isoladas, ao argumento de que o novo método elevaria a qualidade
do ensino, na medida em que a concentração dos alunos em maior
número viabilizaria a separação em classes de acordo com a faixa
etária. (GNIGLER. PROMOTORIA DE JUSTIÇA SANTA CATARINA,
sd.).
Segundo Fagundes; Martini (2003), o projeto de nucleação deveria
apresentar, no mínimo, os seguintes requisitos: ofício de encaminhamento ao
Secretário de Estado da Educação e Desporto; objetivos claros do que o
projeto pretendia atingir; justificativas que fundamentassem a implantação do
projeto de nucleação das escolas; demonstrativo da situação atual, através da
anexação do mapa do município com localização de todos os estabelecimentos
de ensino; quadro em que contasse relação de todas as unidades escolares
envolvidas no projeto além do número de alunos por turma, uma vez que um
dos objetivos era um professor por turma, extinguindo assim as classes
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Nucleação de Escolas na Região do Canto do Engenho: Impactos
Culturais e Educacionais
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multisseriadas. A estrutura física e tecnológica deveria garantir maior conforto e
possibilidades cognitivas aos alunos, através de espaços tais como biblioteca,
sala de informática, recursos audiovisuais, além, é claro, de um transporte
escolar de qualidade que garantiria assim a segurança dos alunos no percurso
da sua comunidade até a escola.
O processo de nucleação somente se consolidaria após constantes
reuniões com as comunidades, visando esclarecer e orientar as mesmas sobre
o processo de nucleação, seus benefícios para a comunidade além de seus
aspectos negativos. Assim sendo, as comunidades sendo consultadas e
ouvidas, participariam com poder de decisão sobre tal mudança que como
vimos afetaria a vida cotidiana dos moradores. Tudo deveria ser lavrado em ata
e documentado, uma vez que por ser decisão coletiva, necessitaria da
aprovação dos pais dos alunos, principalmente os interessados e diretamente
afetados por tal processo.
A seguir apresentaremos o processo de nucleação escolar ocorrido na
década de 1990, no município de Montes Claros, Norte de Minas Gerais, de
onde continuaremos nossas análises.
3.1 Nucleação de Escolas no Município de Montes Claros
O processo de nucleação escolar no município de Montes Claros teve
início na década de 1990, quando foi elaborado o projeto que visava nuclear
parte das escolas de pequeno porte, ou seja, as escolas multisseriadas, que
apresentavam a característica de unidocência, um número reduzido de alunos,
dentre outras, contudo conforme discussões anteriores, que representava uma
instituição importante na comunidade. Nesse projeto, no ano de 1993, foram
previstas a criação de 18 escolas nucleadas (vide anexo).
A seguir, serão apresentados, de forma detalhada, alguns trechos do
documento intitulado “Projeto de Nucleação das Escolas da Zona Rural”
apresentado pela Secretaria Municipal de Educação à Câmara dos
Vereadores, no ano 1993 (em anexo). Tal decisão se deu pela oportunidade de
ter em mãos um documento de suma importância para os rumos da educação
do campo em um município. Esse documento nos possibilitou analisar a
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Nucleação de Escolas na Região do Canto do Engenho: Impactos
Culturais e Educacionais
Fabrício Alves Fonseca
efetivação de uma proposta, seus impactos culturais e educacionais. Como
objetivos foram listados:
1. Nuclear escola rurais, a fim de racionalizar ações administrativas,
bem como aplicação de recursos financeiros.
2. Universalizar o acesso da população escolarizável à escola e
garantir sua permanência.
3. Expandir ofertas educacionais de Ensino Fundamental ( 5ª a 8ª
séries) e Médio, dentro de um processo produtivo de qualidade.
4. Definir política educacional para a zona rural do município,
buscando ajustar a escola às especificidades da clientela.
5. Integrar escola e comunidade para implementação de ação
transformadora da realidade.
6. Criar e viabilizar canais de participação comunitária, no que se
refere às decisões políticas à prática escolar.
7. Contribuir para a permanência da população rural no campo.
8. Buscar apoio nas organizações comunitárias e incentivar a criação
de Cooperativas, Associações, Conselho de Gestores e
Colegiados.
9. Garantir condições de acesso do aluno à escola, pela implantação
de sistema de transporte escolar.
10. Melhorar a qualidade do ensino, pela eliminação de turmas
multisseriadas.
11. Adequar currículos e calendários escolares às especificidades
rurais e necessidades da clientela.
12. Criar um sistema terceirizado de transporte para alunos e
professores.
(MONTES CLAROS. PM/SME. PROJETO DE NUCLEAÇÃO,
1993, p.1).
Ao analisarmos os objetivos acima citados, o número um já nos leva à
reflexão, pois demonstra uma prioridade do aspecto financeiro sobre o
pedagógico ou social. Observa-se também que o objetivo de número quatro
“Definir política educacional para a zona rural do município, buscando ajustar a
escola às especificidades da clientela.”, ao ser listado antes dos que propõem
ações relativas ao fortalecimento da relação escola e comunidade, ou mesmo
“criar e viabilizar canais de participação comunitária”, nos indica certa
arbitrariedade e desvalorização da opinião das comunidades, principal
interessada na definição das políticas educacionais para suas populações.
O objetivo número dez, que diz respeito à eliminação das turmas
multisseriadas, leva-nos a perceber essa modalidade de escola (multisseriada)
como um modelo totalmente negativo, com baixa qualidade cognitiva,
estrutural, dentre outros vários problemas, cujo processo de nucleação seria a
saída encontrada para a “eliminação” desse “atraso” em relação à oferta
educacional. Contudo, essa ideia apresentou ausência de fundamentação mais
consistente, no que diz respeito ao conhecimento sobre a realidade
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Nucleação de Escolas na Região do Canto do Engenho: Impactos
Culturais e Educacionais
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educacional rural brasileira, e somente na última década ganha destaque
enquanto área de pesquisa em nosso país, inclusive pelo INEP. O MEC
inclusive diz, em 2006, que “Em reconhecimento à importância da escola
multisseriada para a universalização do ensino nas áreas rurais, caracterizadas por
baixa densidade demográfica [...], e nessa afirmação resgata o valor cultural e
educacional da escola multisseriada, conferindo a esta como uma das principais
responsáveis pelo aumento do índice de escolaridade e desenvolvimento das
comunidades rurais.
Em outra parte do documento, apresentado para aprovação na Câmara
dos Vereadores, consta do seguinte texto em sua página 2:
Os núcleos serão mantidos pelo poder público municipal. Além do
ensino regular, poderão oferecer à sua clientela:
Assistência médico-odontológica;
Material didático-pedagógico;
Alimentação;
Ensino profissionalizante;
Assistência técnica a pequenos produtores da região.
(MONTES CLAROS. PM/SME. PROJETO DE NUCLEAÇÃO,
1993, p.2).
Os itens apresentados nessa parte do texto nos surpreendem pelo seu
alto grau de idealismo do poder público, por conhecer a realidade do campo e
suas demandas ainda atuais por “assistência médico-odontológica” e
“assistência técnica a pequenos produtores da região”, entende-se que essa
proposta seria aos olhos das comunidades, irrecusável, pois solucionaria vários
problemas do seu cotidiano. Sendo assim, o que se observou foi uma
aceitação sem maiores questionamentos por parte das comunidades rurais e
na perspectiva do projeto de nucleação apresentado toda a comunidade do
campo seria beneficiada pelo projeto e passaria a ter melhor qualidade de vida.
Nessa mesma perspectiva, observou-se que através do projeto
proposto, a escola nucleada poderia contribuir com a organização do trabalho
no campo, assegurando àquela população o direito à escolaridade através de
currículo e calendário contextualizado, elaborados especificamente tendo como
pressuposto as especificidades deste público – alvo. Nesse sentido, “Quanto à
preocupação dos pais”, o projeto assegura:
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Nucleação de Escolas na Região do Canto do Engenho: Impactos
Culturais e Educacionais
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- os pais serão liberados da preocupação com a escolarização de
seus filhos, que poderão freqüentar a escola e ajudá-los no
trabalho. Os núcleos, além de oferecer o ensino fundamental e
médio, terão seus currículos e calendários adaptados ao meio
rural. Nos períodos em que houver maior concentração de
atividades agrícolas – plantio – os alunos estarão em férias
escolares. À grade curricular serão incluídas disciplinas
profissionalizantes, instrumentalizando os alunos para o trabalho
produtivo no campo.
(MONTES CLAROS. PM/SME. PROJETO DE NUCLEAÇÃO,
1993, p.4).
Em relação ao percurso de cada comunidade vizinha até a escolanúcleo, a proposta prevê que seja feito através das estradas que mais facilite o
acesso, além é claro, de passar próximos das residências dos alunos
atendidos. O trajeto seria feito via transporte escolar, mantido pela
administração municipal, que realizaria as licitações para contratação do
serviço. O documento ainda esclarece que com a redução de gastos gerais,
seria possível custear esse novo serviço, do transporte escolar, conforme
tópicos listados a seguir:
- redução nos gastos, com material de manutenção e assistência, na
ordem de tal, que custeará o SISTEMA DE TRANSPORTE a ser
implantado.
- ao ver seus filhos se dirigindo para a Escola, em veículo mantido
pela prefeitura, com segurança e conforto, os pais se tornarão
adeptos, defenderão a continuidade e ampliação do Projeto.
- com a implantação dos núcleos a Prefeitura Municipal se
fortalecerá, na medida em que atender aos reais interesses do meio
rural.
- a existência de um sistema viário (rodoviário) do município em plena
condições de trabalho, podendo ser melhorado.
(MONTES CLAROS. PM/SME. PROJETO DE NUCLEAÇÃO, 1993,
p.5).
Diante de um grande desafio para as comunidades rurais ligado ao
acesso aos locais que se dão todos através das estradas de chão, e que na
maioria das vezes se encontram em péssimas condições de tráfego,
impossibilitando a locomoção e até o escoamento da produção de toda região,
o projeto assegura:
As vias de acesso serão melhoradas, uma vez que o aumento no
tráfego de veículos demandará em manutenção permanente das
estradas.
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Nucleação de Escolas na Região do Canto do Engenho: Impactos
Culturais e Educacionais
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Terá assegurado às crianças e jovens o direito à escola gratuita e de
boa qualidade, com ampliação do atendimento até a 8ª série do
Ensino Fundamental, ou mesmo o Ensino Médio – onde houver
demanda.
(MONTES CLAROS. PM/SME. PROJETO DE NUCLEAÇÃO,
1993,).
Ao analisarmos os tópicos referentes ao transporte e consequentemente
às estradas rurais, remete-nos a pensar que todos esses problemas seculares
seriam solucionados, uma vez que a proposta contemplaria também, além da
assistência médico-odontológica e assistência técnica aos produtores, a
revitalização das estradas de acesso além de um transporte escolar confortável
e seguro.
Como toda nova proposta apresenta certo desconforto onde é
implantada, o projeto de nucleação já os previa de serem interpretados de
forma negativa pelas comunidades. Diante disso, apresenta como fatores
adversos possíveis:
A) No primeiro momento poderá ocorrer pressão, por falta de
conhecimento da proposta pelas comunidades, sobretudo por
grupos desejosos em desestabilizar a Administração Municipal.
B) Poderá alguma comunidade apresentar um entendimento
contrário com receio de perder o “STATUS” de uma escola em
sua localidade.
C) Pessoas maliciosas e contrárias à Escola Popular poderão se
investir contra a proposta, argumentando que a mesma fecha
unidades de ensino.
D) Poderão surgir até elogios a alguma Escola isoladamente.
E) Muitos são os que não acreditam no transporte rural de alunos
e professores.
F) Muitos são aqueles que não desejam que a zona rural se
desenvolva, por interesses eleitoreiros ou econômicos.
(MONTES CLAROS. PM/SME. PROJETO DE NUCLEAÇÃO,
1993).
Os fatores acima citados demonstram aspectos curiosos, a nosso ver,
acerca da concepção de comunidade rural, sua identidade, seus saberes e
seus valores, como sua forma de organização e clareza política. Tal proposta
de Nucleação se efetivou a partir de 1997, quando ocorreu o fechamento de
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várias escolas multisseriadas, dentre elas a Escola Municipal Tomáz Gouveia,
na Comunidade de Lagoa dos Freitas, citada neste trabalho. O prédio foi
desativado e não foi aproveitado nem para reuniões da comunidade.
Atualmente se encontra em ruínas prestes a desabar a qualquer momento.
Quanto à escola nucleada no ano de 1997, a atual Escola Municipal Nair
Fonseca Brandão, sediada no Distrito de Canto do Engenho e que hoje atende
às comunidades de Lagoa dos Freitas, Extrema, Riacho Fundo, Serra Velha,
Seriema, Brejinho, Pederneiras e Três Irmãos. Destas, apenas as comunidades
de Pederneiras e Brejinho não tiveram suas escolas multisseriadas fechadas
devido à resistência de suas comunidades, sendo assim os estudantes
somente ao concluírem os anos iniciais do Ensino Fundamental vão para a
escola nucleada, para dar continuidade aos seus estudos.
A estrutura física e tecnológica da escola nucleada ainda hoje é precária,
pois não conta com biblioteca equipada e nem laboratórios, sendo que está em
andamento neste ano de 2011, a construção do Laboratório de Informática e a
reforma e cobertura da quadra poliesportiva, localizada em frente à escola.
Essa escola atualmente ainda conta com turmas multisseriadas, o que nos leva
a refletir que tal questão no contexto rural merece maior aprofundamento,
esforço dessa pesquisa.
A partir dos dados levantados junto à responsável pelas escolas rurais
no município de Montes Claros, atualmente a Secretaria Municipal de
Educação de Montes Claros (SME/MOC) conta com 12 (doze) escolas núcleos rurais, sendo que destas apenas 01(uma) oferece apenas os anos
iniciais do Ensino Fundamental. Ressalta-se que 05 (cinco) dessas escolas
possuem turmas multisseriadas e que o Sistema Municipal de Ensino ainda
conta atualmente nas áreas rurais do município com 26 escolas de pequeno
porte ou escolinha multisseriada. Em número de 10 escolas estaduais
funcionam no prédio das escolas nucleadas como anexo, oferecendo o Ensino
Médio, o que representa a possibilidade de conclusão da Educação Básica no
próprio espaço rural.
As escolas multisseriadas contam hoje com 50 (cinquenta) professores
atuando, sendo que destes 24 são efetivos, 22 são ainda contratados - e não
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Nucleação de Escolas na Região do Canto do Engenho: Impactos
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empossados -, mediante classificação no último concurso público ainda em
vigor, e apenas 04 foram contratados fora da lista do concurso, mas que
apresentam tempo de serviço nas escolas municipais. Essas escolas
multisseriadas são atendidas pelo
Programa
Escola
Ativa,
do MEC
apresentando, segundo conversa informal com responsável pelo Programa no
município, bons resultados, informando também que não há proposta de haver
novas nucleações, uma vez que as comunidades se mostram mais
organizadas e não apóiam tal procedimento.
CAPÍTULO III
A ESCOLA DO CAMPO E SEUS DESAFIOS NOS DIA ATUAIS
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Nucleação de Escolas na Região do Canto do Engenho: Impactos
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Foto 10: E. M. Tomaz Gouveia, em Lagoa dos Freitas, desativada em 1997.
Fonte: Arquivo pessoal, 2011.
3.2 Escola do Campo - seus Desafios nos Dias Atuais
O conceito de “escola do campo” apresentado no Parágrafo Único das
Diretrizes Operacionais (2002), diz assim:
Parágrafo único. A identidade da escola do campo é definida pela sua
vinculação às questões inerentes à sua realidade, ancorando-se na
temporalidade e saberes próprios dos estudantes, na memória coletiva
que sinaliza futuros, na rede de ciência e tecnologia disponível na
sociedade e nos movimentos sociais em defesa de projetos que
associem as soluções exigidas por essas questões à qualidade social
da vida coletiva no país. (BRASIL. MEC/CNE/CEB, Diretrizes
Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo, 2002,
p.37).
Esse conceito norteou o nosso trabalho, que teve como objetivo de
estudo identificar e analisar as mudanças culturais e educacionais no processo
de nucleação escolar na região do Canto do Engenho, município de Montes
Claros, sertão norte mineiro, o qual envolveu a Escola Municipal Tomáz
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Nucleação de Escolas na Região do Canto do Engenho: Impactos
Culturais e Educacionais
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Gouveia, localizada na Comunidade Lagoa dos Freitas, na qual cursei os anos
iniciais do Ensino Fundamental na década de 1980.
As reflexões realizadas no referencial teórico, em nossa vivência no
meio rural e na pesquisa de campo, para o qual foram feitas entrevistas e
análise de documentos, permitiu-nos realizar estas reflexões finais a partir
delas nos foi possível identificar aspectos que julgamos importantes de serem
apresentadas nestas considerações finais.
Ao tomarmos conhecimento da proposta de nucleação escolar, intitulado
Projeto de Nucleação das Escolas da Zona Rural, elaborado pela Secretaria
Municipal de Educação de Montes Claros, no ano de 1993 e apresentado à
Câmara Municipal neste mesmo ano, bem como referencial teórico que norteia
as políticas de educação, em especial a da Educação do Campo, percebemos
certa unilateralidade, ou até mesmo uma grande arbitrariedade na maneira
como esse processo aconteceu, em meados dos anos de 1997.
Uma primeira observação é a de que a participação da comunidade foi
praticamente desconsiderada, uma vez que por esse processo afetá-la
diretamente, deveria ter tido acesso ao conhecimento de todos os tramites
legais. Outro ponto relevante é que para ser um processo efetivamente
democrático, a participação comunitária seria essencial em todo o processo,
conforme atualmente orienta a legislação nacional. Conforme relatado, esse
processo aconteceu havendo apenas uma simples reunião com um pequeno
grupo de pais, quando a comunidade foi informada sobre a mudança que
vigoraria a partir daqueles próximos dias deixando certa apreensão no ar e na
vida daqueles moradores, que devido ao seu desconhecimento de fato a
proposta e talvez certa ingenuidade política, assinaram uma ata concordando
com a nucleação escolar, enfim concordando com toda uma política de
nucleação das escolas do campo.
A facilidade de se fechar uma escola multisseriada, como vimos através
deste trabalho, nos leva a crer que seu significado para a comunidade bem
como a cultura local não são levados em conta pelo órgão gestor, o que
demonstra uma arbitrariedade e
certo descaso para com as comunidades
rurais que têm na escola, muitas vezes, o seu centro de vida comunitária.
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Nucleação de Escolas na Região do Canto do Engenho: Impactos
Culturais e Educacionais
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O texto apresentado no Projeto, de 1997, fala de melhorias da qualidade
da educação rural, que convencem pela sua maneira com que seduz aqueles
que vivem nas comunidades e sonham com perspectivas melhores de vida
para seus filhos. Daí os nossos questionamentos: Quais as melhorias que de
fato aconteceram? Qual o modelo de educação oferecido às comunidades
rurais? A quem serve este modelo de Educação? A cultura local é valorizada,
ao se pensar um modelo de Educação? São perguntas que não encontrarão
todas as respostas nesse trabalho.
Ao observarmos o atual calendário escolar elaborado pela Secretaria
Municipal de Educação de Montes Claros e ainda sem a participação das
comunidades escolares, já identificamos algo que nos intriga. O modelo
seguido pelas escolas rurais, neste ano de 2011, é o mesmo seguido pelas
escolas urbanas. Mesmo sabendo que desde o ano de 1996, com a LDB, em
seu Artigo nº 28, o direito à elaboração do calendário diferenciado é garantido
para as escolas do campo, direito este reafirmado pelas Diretrizes
Operacionais no ano de 2002, que assegura essa autonomia às escolas do
campo.
Ao elaborar seus calendários tendo em vista fatores climáticos e
agrícolas. Outro aspecto importante é o currículo, que contempla de uma
mesma forma as realidades rurais e urbanas, agindo assim também de
maneira contrária às orientações das diretrizes que norteiam a Educação do
Campo.
Ainda hoje, constatamos que acerca do transporte escolar e das
estradas que dão acesso às escolas do campo, estes não oferecem a
segurança necessária às crianças e jovens, uma vez que se encontram em
péssimo estado de manutenção, principalmente nos períodos das chuvas, o
que impede que muitos alunos cheguem à escola, prejudicando assim a sua
aprendizagem. No mesmo transporte, muitas vezes, são levados desde as
crianças com 04 e 05 anos, da Educação Infantil, até os adolescentes de até
15 anos, ou mais e que ainda não concluíram o Ensino Fundamental, todos
juntos sem qualquer acompanhamento de um adulto, responsável e mediador
das relações entre sujeitos de faixa etária e necessidades tão diferentes,
inclusive sem usarem o cinto de segurança.
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Culturais e Educacionais
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A estrutura física das escolas nucleadas, tão bem apresentada no
Projeto de Nucleação de 1997, não oferece até o momento as boas condições
de aprendizagem, relativas à estrutura física e tecnológica. Em períodos de
chuva, em muitas escolas nucleadas municipais, podemos encontrar até
mesmo goteiras que incomodam os estudantes e até os impedem de estudar.
Os recursos tecnológicos vêm chegando lentamente e as bibliotecas ainda não
contam com acervo bibliográfico que ofereça o suporte necessário ao estudo e
pesquisa à estudantes e professores.
Uma das finalidades mais propagadas da nucleação escolar foi anunciar
o fim das turmas multisseriadas. Curiosamente, parte das escolas núcleo do
município de Montes Claros conta hoje com turmas multisseriadas, numa
proporção de cinco escolas em doze. Esse fato nos leva a refletir se o desafio
está em ser multisseriada, seja turma ou escola, ou nas condições
pedagógicas - de acompanhamento pedagógico, formação continuada dos
professores, acervo bibliográfico -; de trabalho – concurso público para atuar no
campo, plano de carreira docente, salários diferenciados; ou nas condições
estruturais e tecnológicas.
Outro fator que nos remete a pensar é sobre o destino da escola
desativada. Basta observar a foto, apresentada no início deste capítulo, para
chegarmos à conclusão sobre o descaso para com o dinheiro público. Em
meados de 1997, quando houve a desativação de grande parte das escolas
multisseriadas, dentre elas a Escola Municipal Tomáz Gouveia citada nesse
trabalho, encontrava-se em bom estado de conservação e foi fechada,
podendo até utilizar o termo “esquecida”. Com o tempo a cerca caiu... o gado
do vizinho mais próximo invadiu... o telhado foi retirado e doado a uma
associação. Hoje só restam as ruínas da escola. Observamos que talvez se tal
espaço tivesse sido aproveitado para os atendimentos médicos, pelo Programa
Saúde da Família (PSF), ou outro programa, a comunidade não contaria com
apenas as ruínas, mas com um espaço que lhe fosse útil.
As reflexões que fazemos aqui, não significam que somos totalmente
contrários à política de nucleação escolar, até mesmo porque a extensão de
séries tem beneficiado muitos jovens da área rural. Contudo, o que
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Nucleação de Escolas na Região do Canto do Engenho: Impactos
Culturais e Educacionais
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questionamos é a forma arbitrária como aconteceu e também ressaltamos o
valor da escola multisseriada para a comunidade. Ao percebermos que mesmo
nas escolas núcleo existem turmas multisseriadas, concluímos que seja um
indício fortíssimo de que essa é de fato uma característica da escola rural, e
que deve ser valorizada e respeitada ao se pensar as políticas públicas
educacionais para o campo.
Atualmente, conforme informações da SME/MOC, não há nenhum
processo de nucleação em andamento, o que nos deixa um pouco mais
tranquilos, pois acreditamos que fechar as escolas não é a solução para
resolver os problemas da educação para as comunidades do campo.
Defendemos políticas de fortalecimento da escola do campo e comungamos
dos ideais defendidos pelos educadores no Manifesto contra o Fechamento
das Escolas no Meio Rural, lançado pelo MST no dia 14 de outubro de 2011,
assinada por um grupo de professores, intelectuais e entidades da área da
educação, dentre eles Marilena Chauí - Professora de Filosofia da
Universidade de São Paulo (USP) Dermeval Saviani- Doutor em Filosofia da
Educação – Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).
Nesse Manifesto que busca reivindicar o Fortalecimento da Educação do
Campo, é apresentada a estatística alarmante do fechamento de mais de 24
mil escolas do campo, no período de 2002 a 2009. O Manifesto reflete sobre o
transtorno gerado por este fato para as famílias camponesas, já que seus filhos
são obrigados a fazerem longas viagens diárias até a escola, ficando privados
do convívio familiar e abandono do trabalho do campo.
Essa é uma demonstração de que a luta dos movimentos sociais do
campo é contra tal política excludente, de fechamento de escolas e que
defende políticas de ampliação e recuperação das escolas do campo e no
campo, além de investimentos na formação dos seus educadores. As políticas
públicas inclusive os educacionais e que afetam diretamente as comunidades
rurais, devem ser pensadas em conjunto com os sujeitos envolvidos e não por
uma pequena esfera do poder gestor, que pensa, elabora e executa os
projetos.
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Nucleação de Escolas na Região do Canto do Engenho: Impactos
Culturais e Educacionais
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O Manifesto contra o Fechamento das Escolas do Campo é uma luz que
surge às vésperas do Dia do Professor neste ano de 2011 e que nos encoraja
a acreditar e lutar pelas escolas do campo e no campo, valorizando seus
aspectos culturais e com investimentos em todos os aspectos necessários, o
que contribuirá diuturnamente para o desenvolvimento do país.
Finalizamos esse estudo com duas perspectivas da nucleação escolar,
explicitadas por dois sujeitos envolvidos neste processo, em determinados
momentos. Que eles sirvam para a continuidade da complexa reflexão acerca
da relação escola multisseriada e escola nucleada.
A nucleação foi a melhor coisa que aconteceu, pois as comunidades
vizinhas com poucas crianças não têm condições de ter uma escola...
assim a nucleação beneficia estas famílias trazendo seus filhos,
através do transporte escolar... atende aos alunos desde a Educação
Infantil até o Ensino Médio. A escola conta hoje com computadores,
internet, aparelho de som, DVD, e uma equipe comprometida com a
escola, dentre outros recursos que contribui para a melhor qualidade
do ensino. Enfim, é uma maneira de manter o jovem na comunidade. O
único problema com o transporte escolar é a manutenção das estradas
e a falta de compromisso de alguns transportadores que faltam muito.
A escola hoje já está com o Laboratório de Informática praticamente
pronto e conta inclusive com um monitor de Informática contratado
para oferecer suporte aos alunos e professores.
(Entrevista com Diretora da E.M. Nair Fonseca Brandão, Canto do
Engenho, em 11 de outubro de 2011).
A nucleação trouxe muitas transformações na comunidade,
principalmente dos alunos, que tiveram que mudar de escola no meio
do ano, sem uma preparação prévia. A princípio a proposta era
tentadora: um professor por turma, escola bem equipada com TV,
vídeo, biblioteca, assistência do diretor e supervisor - que na escola
multisseriada vinha uma ou duas vezes ao ano... transporte escolar de
qualidade. A escola tinha até a 8ª série, que era uma possibilidade para
os alunos... a maioria carentes que não tinham condições de estudar
em Montes Claros. Muitos param na 4ª série... Na escola multisseriada,
a professora ficava “solta”, fazia o queria sem ninguém para orientar e
acompanhar o seu trabalho [...] A estrutura física da escola não
oferecia muito conforto. A nova escola núcleo, idealizada pelas
autoridades da prefeitura e alguns pais, teria uma melhor infraestrutura
do que a multisseriada, e seria melhor assistida pela Secretaria
Municipal de Educação de Montes Claros. Apesar da grande mudança,
havia uma expectativa boa, de que seríamos mais felizes. Depois de
algum tempo e euforia do começo, veio o cansaço que a viagem trazia,
em estrada de terra... o preconceito dos alunos que moravam na sede
do povoado Canto do Engenho, além da escola não atender à
proposta. Os carros em péssimo estado de conservação não ofereciam
o menor conforto e segurança, quebravam com muita freqüência,
muitas vezes no meio do caminho. No período das chuvas atolava e
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Culturais e Educacionais
Fabrício Alves Fonseca
deslizava muito, colocando em risco a nossa vida. Nestes períodos
chegamos a ficar semanas sem ir à escola, prejudicando a nossa
aprendizagem. Os veículos Kombi, andavam lotados, sendo que as
crianças menores sentavam no colo das maiores, com capacidade para
10 passageiros, chegavam a carregar 18. Me lembro que ficamos 03
meses indo à escola em uma Kombi sem bancos. Íamos amontoados,
sentados em pneus soltos no interior do veículo. (Entrevista com
Franciele Alves Fonseca, em 27 de julho de 2011).
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Nucleação de Escolas na Região do Canto do Engenho: Impactos
Culturais e Educacionais
Fabrício Alves Fonseca
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concedida a Fabrício Alves Fonseca.
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Culturais e Educacionais
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ANEXOS
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