Cartilha Biodversidade - Centro Acadêmico de Biologia UEL

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Cartilha Biodversidade - Centro Acadêmico de Biologia UEL
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Sumário
As mudas romperam o silêncio ................................................................................... 4
Elogio do Aprendizado ................................................................................................ 6
Cartas de Amor — Nº 170: À dialética do futebol ..................................................... 7
I – As mudanças no mundo e os desafios civilizatórios ............................................. 8
II – Olhando para a esquerda .................................................................................... 11
III – A organização e a emancipação de classe ......................................................... 34
IV – A luta pelo poder ............................................................................................... 50
V – A história de um país que quer existir ................................................................ 58
VI – A Bolivia, Honduras e o resto do Mundo: ........................................................ 61
VII – Sementes, terra e água: os idos de março ....................................................... 63
VIII – Concentração da indústria mundial de sementes - 2005 ............................... 65
IX – Oligopóio S. A. 2005: Concentração do Poder Corporativo ........................... 78
X – Elementos para um balanço de conjuntura nacional ......................................... 97
XI – Noticias da economia e da sociedade brasileira ............................................. 106
XII – No Brasil, número de ricos cresce mais que no mundo ............................... 115
XIII – Construir um projeto nacional, popular, unitário entre todas
as forças sociais do Brasil ........................................................................... 117
XIV – Plataforma política para uma agricultura soberana e popular ..................... 124
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As mudas romperam o silêncio
Manifesto de homens e mulheres em solidariedade
às mulherescamponesas da Via Campesina
I
Havia um silêncio sepulcral
sobre dezoito mil hectares roubados dos povos tupi-guarani
sobre dez mil famílias quilombolas expulsas de seus territórios
sobre milhões de litros de herbicidas derramados nas plantações
Havia um silêncio promíscuo
sobre o cloro utilizado no branqueamento do papel a produzir toxinas cancerígenas que agridem
plantas, bichos e gentes
sobre o desaparecimento de mais de quatrocentas espécies de aves e quarenta de mamíferos
do norte do Espírito Santo
Havia um silêncio intransponível
sobre a natureza de uma planta que consome trinta litros de água-dia e não dá flores nem
sementes
sobre uma plantação que produzia bilhões e mais bilhões de dólares para apenas meia dúzia de
senhores
Havia um silêncio espesso
sobre milhares de hectares acumulados no Espírito Santo, Minas, Bahia e no Rio Grande do Sul
Havia um silêncio cúmplice
sobre a destruição da Mata Atlântica e dos pampas pelo cultivo homogêneo de uma só árvore:
o eucalipto.
Havia um silêncio comprado
sobre a volúpia do lucro
Sim, havia um silêncio global
sobre os capitais suecos
sobre as empresas norueguesas
sobre a grande banca nacional
Por fim
havia um imenso deserto verde em concerto com o silêncio.
II
De repente
milhares de mulheres se juntaram e destruíram mudas a opressão e a mentira
5
As mudas gritaram de repente
e não mais que de repente
o riso da burguesia fez-se espanto
tornou-se esgar, desconcerto.
III
A ordem levantou-se incrédula
clamando progresso e ciência
imprecando em termos chulos
obscenidades e calão
Jornais, rádios, revistas, a internet e a TV,
as empresas anunciantes
executivos bem-falantes
assessores rastejantes
técnicos bem-pensantes
os governos vacilantes
a direita vociferante
e todos os extremistas de centro fizeram coro, eco, comício e declarações defendendo o capital:
“Elas não podem romper o silêncio!”
E clamaram por degola.
IV
De repente
não mais que de repente
milhares de mulheres
destruíram o silêncio.
V
Naquele dia
as terras ditas da Aracruz
as mulheres da Via Campesina
foram o nosso gesto
foram a nossa fala.
17 abril de 2006 Dia internacional da luta camponesa
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Elogio do Aprendizado
Bertolt Brecht
Aprenda o mais simples!
Para aqueles cuja hora chegou
Nunca é tarde demais!
Aprenda o ABC; não basta, mas aprenda!
Não desanime! Comece! É preciso saber tudo!
Você tem que assumir o comando!
Aprenda, homem no asilo!
Aprenda, homem na prisão!
Aprenda, mulher na cozinha!
Aprenda, ancião!
Você tem que assumir o comando!
Freqüente a escola, você que não tem casa!
Adquira conhecimento, você que sente frio!
Você que tem fome, agarre o livro: é uma arma.
Você tem que assumir o comando.
Não se envergonhe de perguntar, camarada!
Não se deixe convencer!
Veja com seus próprios olhos!
O que não sabe por conta própria, não sabe.
Verifique a conta É você que vai pagar.
Ponha o dedo sobre cada item
Pergunte: o que é isso?
Você tem que assumir o comando.
“Elogio do Aprendizado”,
Poemas 1913-1956.
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Cartas de Amor — Nº 170
À dialética do futebol
Ademar Bogo
Bendito seja o futebol que une a humanidade sob o sol. Que transforma os povos em torcidas, que as
diferenças, entre eles, são em campo resolvidas e os ataques são para forjar a alegria. O gol é a utopia, onde
as nações almejam a todo instante. É um lugar próximo e às vezes tão distante, que os atletas, para chegar,
gastam todas as energias.
O futebol é um divertimento tenso. Mas é uma aposta de bom senso, onde a luta dos contrários é
necessária. A bola é adversária e ao mesmo tempo companheira. As torcidas, inimigas, são de brincadeira,
que empurram seus times para frente; gritam e festejam alegremente, quando as vitórias chegam por
inteiras.
A bola está em todos os lugares. Habita nossos lares e brinca com as crianças. Mas nos jogos, avança,
ataca e deixa as torcidas até sem fala; depois da investida, cala, realizando um golaço, como se mostrasse
o seu cansaço, deixa-se pegar novamente com as mãos; ela se aquieta, enquanto a multidão; festeja,
gagueja e ergue os braços.
A torcida parece enfurecida, tudo o que pensa diz. Xinga a mãe do juiz, mas briga se alguém ofende a
sua. A bola, como uma fêmea nua, quer sempre se esquivar do adversário; desperta a euforia e o imaginário, com os seus movimentos mais sutis. Quanto mais humilha, mais deixa feliz, quem sempre vai, em
sentido contrário.
A bola então rola, rola, rebola, por diversas vezes; se parece com o traseiro das rezes em movimento.
Como no acasalamento, chama o atleta que tem habilidade; com ele tem fidelidade, como a comida que
sacia a fome; nesse gingar não importa o nome, podem ser Pelés ou Manés, no futebol se ama com os pés,
e não há força que esta fúria dome.
O futebol é uma janela, aberta na parede da favela. De lá, ainda pequenino, o menino se põe a sonhar,
em um dia poder viajar, jogar em estádios lotados. E sentir por instantes silenciados os representantes da
classe dominante, que na política são tão arrogantes, mas no esporte se dobram diante, de quem sempre
consideraram ignorantes.
O futebol provoca fortes emoções, faz bem aos corações. Reúne as multidões e as faz sonhar com um
degrau acima; ele também resgata a auto-estima daqueles que por vezes se sentem derrotados. O esporte
coletivo é indicado, para combater os individualistas; nele não entram os pessimistas, pois a derrota, de
imediato, vira coisa do passado.
Hoje, mesmo no capitalismo, o futebol move o internacionalismo. Atletas de línguas diferentes, em
campo se entendem facilmente. Se as guerras fratricidas, que, a cada ano ceifam milhares de vidas, destroem áreas construídas, igrejas, pontes e escolas, se tornassem disputas esportivas, a humanidade tornarse-ia uma irmandade viva, pois ao invés de balas, produziria bolas.
No futuro, quando os governantes deixarem de ser tão burros, ao invés de presídios cada vez mais
seguros, construirão campos e estádios iluminados. Farão leis, onde será obrigado, praticar esporte todo
o dia. E a sociedade que hoje é uma utopia, estará ao alcance das mãos; e viveremos como irmãos, pois
estará derrotada a burguesia.
Mas ainda não estaremos satisfeitos, para que se mantenha o respeito e cada qual saiba a sua função;
o esporte não será mais profissão e passará a ser parte da cultura. Assim a gentileza e a ternura, serão
comuns como os pratos e os talheres. E então, alcançaremos o desejo mais profundo, de termos em cada
ano uma copa do mundo; uma de homens e outra de mulheres.
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I. As mudanças no mundo e os desafios civilizatórios
Anotações pessoais, copiadas da palestra do Pe. Inácio Neutzling (jesuíta, professor da Unisinos
e diretor do Instituto Humanitas Unisinos - IHU) durante a Convenção Internacional da Ordem
dos Capuchinhos, sobre Ecologia, Justiça e Paz- Porto alegre, 13 de março de 2006.
Pe. Inácio Neutzling
1. Houveram mudanças profundas no
mundo do domínio do capital e no trabalho. Estamos numa nova etapa do
capitalismo. A humanidade entrou
numa fase de transitoriedade. Como
em outras raras ocasiões históricas.
mércio.
6. E quando há crises desse mercado,
todo fundamento do pensamento econômico ocidental, capitalista é que se
deve resolver com guerras. A guerra é
a maneira de obter vitória impondo o
medo. Subjugando as pessoas.
2. Agora, o capital transforma tudo em
mercadoria. E procura explorar tudo
na pessoa, não apenas o trabalho
(como era na fase do capitalismo industrial). Até a crença e a religiosidade das pessoas são transformados em
mercadoria, para obter lucro.
7. Vivemos uma ideologia da abundancia
de bens, mas apenas para poucos. Que
não tem limites éticos de consumo. E
aos que passam até fome, é um problema político, de distribuição, não de
falta de comida. Pela primeira vez na
história da humanidade as pessoas
passam fome, por razões políticas e
não por escassez.
3. Há uma transição na sociedade. Passamos do capitalismo industrial por
uma situação de liberdade econômica
total. A economia moderna explora e
se baseia na escassez. Já não busca
atender as necessidades das pessoas.
8. A abundancia não está sob signo da
igualdade de condições. Por tanto a
nível institucional, das leis, renunciouse à condição de que as pessoas são
todas iguais, como estava previsto na
Republica. Agora, as leis, o estado, o
poder econômico, assume explicitamente que somos todos “diferentes”
perante o mercado e os direitos.
4. Não existe mais sociedade, no sentido
que as pessoas são sócias, parceiras
comuns de uma sociedade. Agora só
existe mercado. Onde se compra e
vendem coisas.
5. A tese principal do capital é combater
a pobreza e a desigualdade pelas forças naturais do mercado, pelo livre co-
9. O capital consegue acumular e se reproduzir sem que as pessoas necessi-
9
tem trabalhar, ser exploradas. É uma
ruptura com a essência do capitalismo.
seu individualismo. Eles pensam acumular apenas para que uma parte
minoritária da classe viva melhor. É
o fim do sentido de solidariedade. E é
o fim do compromisso de uma geração de trabalhadores com a outra. Há
uma ruptura do contrato social que
havia na sociedade industrial, que os
trabalhadores sabiam que seu ganho
dependia da produção. Agora vai depender da especulação. Em diversos
países, inclusive os fundos de pensão
realizaram investimentos especulativos
que aumentaram o desemprego, por
tanto foram investidos contra a própria classe social.
10. As pessoas estão sendo treinadas ideologicamente para viverem apenas intensamente o momento presente. Excluem da vida, o passado e o futuro.
Agora o tempo tem apenas o sentido
do presente, e isso é uma ruptura com
o sentido da história, da humanidade,
da civilização.
11.A sociedade capitalista industrial havia herdado e foi construída sobre a
base dos princípios filosóficos cristãosjudaicos baseado na necessidade do
trabalho, de medir o tempo entre passado e presente e planejar o futuro.
As pessoas eram induzidas a acumular para melhorar as condições de vida
no futuro. O atual modo de acumular
rompe com essa tradição judaica-cristão.
14.O combate a pobreza, vai depender
de um novo contrato social, que ainda não está no horizonte da luta de
classes.
15.Na sociedade moderna do capitalismo industrial houve uma substituição
do mundo religioso, da fé (da idade
média) pelo sentido do contrato social, da existência do estado. Agora, há
uma nova substituição do social, da
sociedade, do estado, pelo hiper-individualismo, que é representado na ideologia de que o sujeito só é feliz e se
realiza consumindo. E consumindo
muito. Mas são soluções individuais,
para si apenas.
12.Numa sociedade agora dominada pelo
capital financeiro, o dinheiro virou o
bem material invisível, é a nova forma de dominação, de exploração. Basta saber que existem hoje 1,5 trilhões
de dólares que circulam diariamente
explorando e se reproduzindo no mundo. Mas ele não representa, não tem
mais nenhuma contrapartida na produção real.
16.Como então combater a pobreza e a
desigualdade, que é o maior flagelo da
sociedade, se mesmo os pobres sonham
apenas com uma saída individual representada na oportunidade deles também poderem consumir, individualmente. E como não podem consumir,
se iludem com as fantasias.
13.Há mudanças também no comportamento da antiga classe operária. Agora há uma elite que se formou ao redor dos fundos de pensão. Esses fundos representam um rompimento com
a classe. Eles são a financeirização da
classe trabalhadora. É supra sumo de
10
17.Como combater a violência social presente nas cidades, se ela é apenas conseqüência dessa vontade do
consumismo? Ela é anti-tese do valor
da solidariedade que estava presente
em todas as outras etapas da sociedade. Não é por acaso, que a violência é
praticada com mais freqüência de pobres, marginais contra outros pobres.
seqüências ambientais.
21.Como pensar um novo modo de vida
de novas relações solidárias entre as
pessoas, que não se baseia no
consumismo, no individualismo, no
oportunismo pessoal? Esse é o verdadeiro dilema da sociedade nesse
quadrante de nossa historia. E para
isso enfrentará a ordem dominante
que prega apenas o direito a lucros,
juros, consumo. E o resto salve-se
quem puder!
18.Há uma situação em que temos uma
máquina estrutural, do capital, que
gera cada vez mais pobres, mais desiguais. E no máximo que o estado é
impelido a fazer é colocar um bandaid/ um esparadrapo nessa chaga social. Será que as congregações religiosas que tiveram um papel importante na luta contra a desigualdade agora
também querem apenas colocar o esparadrapo?
22.A Nova ordem devera estar baseada
necessariamente nos valores da igualdade, da solidariedade e da justiça social.
23.A sociedade capitalista neoliberal é
uma sociedade post-cristianismo. Não
tem nada a ver com os princípios do
cristianismo. Os cristãos não podem
e não devem ser apenas bombeiros
do capital. Nós precisamos nos perguntar para as organizações dos pobres, como devemos lutar para combater a pobreza e a desigualdade, e
não apenas querer ensinar...
19.Essa lógica econômica produz uma
crise ideológica profunda, porque há
uma ruptura entre a esfera da acumulação financeira e as necessidades dos
indivíduos.
20.O Movimento ambientalista, ecológico nesse sentido é vanguardista porque ele denuncia e chama atenção de
que é impossível seguir acumulando
destruindo o meio ambiente que coloca em risco a sobrevivência. Pode-se
combater a pobreza também denunciando os resultados da super-exploração. (Talvez seja por essa razão que
o capital e seus asseclas reagiram com
tanta virulência contra a denuncia que
a manifestação das mulheres
campesinas fizeram no dia 8 de março.) No fundo elas denunciaram o
super-consumismo que não mede con-
24.Nosso compromisso deve ser buscar
“um outro mundo necessário”! E isso
se constrói dialeticamente entre as
mudanças sociais e as mudanças pessoais e vice-versa, para construir uma
nova sociedade sobre a base de novos parâmetros.
25.As religiões e as pessoas religiosas
podem contribuir para encontrar as
saídas para esses desafios. E mudar a
sociedade, com base em novos valores e princípios éticos. Há tempo e
disposição para isso?
11
II – Olhando para a esquerda
1
Jose Luís Fiori
“De nada serve partir das coisas boas de sempre, mas
sim das coisas novas e ruins”
(Bertold Brecht)
RESUMO
Neste início do Século XXI, uma sucessão de vitórias eleitorais coloca a esquerda latino-americana
frente ao desafio de governar democraticamente, como os europeus fizeram, sobretudo na segunda
metade do século XX. Mas nesta hora, a esquerda européia está vivendo uma crise de identidade,
depois de uma sucessão de derrotas eleitorais e de divisões internas, cada vez mais profundas.
Mesmo assim, a experiência européia segue sendo uma referencia decisiva, para repensar o que
seja uma “gestão socialista” de uma sociedade nacional e de um capitalismo periférico, que vive
na sombra imediata do poder norte americano? Para desbloquear seus caminhos, entretanto, a
esquerda precisa recolocar-se o problema histórico e teórico das relações entre os processos de
globalização do poder e do capital, com as lutas políticas dos povos, e o crescimento desigual da
riqueza das nações.
1. O mapa conjuntural da esquerda.
“convergência” que aumentou ainda mais,
depois da II Guerra Mundial, com a ajuda da política externa dos Estados Unidos de combate sistemático a todos os
partidos e governos que fossem ou tivessem qualquer tipo de inclinação de
esquerda.
Neste início do Século XXI, está
acontecendo algo inédito na América Latina, um continente que se move de forma sempre sincrônica, apesar de sua
enorme heterogeneidade interna. Basta
olhar para trás para perceber as notáveis
convergências de sua história, durante
suas “guerras de formação”, na primeira
metade do século XIX; na hora de sua
integração “primário-exportadora” à economia industrial européia, depois de 1870;
ou mesmo, no momento de sua reação
defensiva e “desenvolvimentista”, frente
à crise mundial, da década de 1930. Uma
Logo depois do início da Guerra Fria,
ainda nos anos 40, quase todos os países
do continente colocaram na ilegalidade,
simultaneamente, os seus Partidos Comunistas. Apesar de que só em alguns casos
a perseguição aos comunistas tenha chegado ao extremo do Chile, que os prendeu e confinou em campos de concentração, nas regiões mais frias e desérticas do
país. Na década de 50, esta mesma “convergência latino-americana” reapareceu na
derrubada simultânea de vários governos
1 Este artigo foi escrito originariamente para a revista
alemã “International Journal of Action Research”.
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eleitos democraticamente, como no caso
da Guatemala, do Brasil, da Argentina e
da Colômbia. Apesar de que só no caso
da Guatemala houve uma intervenção norte-americana direta e a repressão e o assassinato de mais de 200 mil pessoas.
Muito mais do que na Colômbia do ditador Perez Jimenez, na Nicarágua e Cuba
dos ditadores Anastázio Somoza e
Fulgêncio Batista, apoiados igualmente
pelos Estados Unidos. Logo em seguida,
nas décadas de 1960 e 1970, esta velha
sintonia continental aumentou ainda mais
depois da frustrada invasão de Cuba, em
1961, seguida de uma série de golpes militares que instalaram regimes ditatoriais em
quase toda a América Latina. Apesar de
que nem todas as ditaduras tenham tido o
mesmo nível de violência do Chile, onde
se estima que tenham morrido mais de 20
mil pessoas, e da Argentina, onde foram
assassinados ou desapareceram cerca de
35 mil pessoas. Na década de 80, a
redemocratização simultânea do continente
ocorreu no mesmo momento em que a
violência da “2ª. Guerra Fria” (1982-1985)
do presidente Ronald Reagan atingiu a
América Central e o Caribe, como se fosse um tufão. Mesmo quando ela não tenha atingido a todos com a mesma intensidade que El Salvador, onde foram mortos ou assassinadas, em poucos anos, mais
de 75.000 salvadorenhos.
de políticas e reformas liberais que abriu,
desregulou e privatizou suas economias
nacionais, “clonificando” os governos
neoliberais de Carlos Salinas, no México,
Andrés Perez, na Venezuela, Carlos
Menem, na Argentina, Fernando H. Cardoso, no Brasil e Alberto Fujimori, no
Peru, entre outros. Com o passar do tempo, entretanto, o novo modelo econômico
instalado pelas políticas liberais não cumpriu sua promessa de crescimento econômico sustentado e diminuição das desigualdades sociais. Na virada do novo milênio,
a frustração destas expectativas contribuiu,
decisivamente, para a nova inflexão
sincrônica do continente que está em pleno curso: uma virada democrática e à esquerda, dos governos de quase todos os
países da América do Sul, e talvez, em
breve, do México.
A eleição para presidente do líder indígena e socialista Evo Morales, na Bolívia, no final de 2005, e da militante socialista Michele Bachelet, no Chile, no início
de 2006, foram apenas dois pontos de uma
trajetória vitoriosa que começou, no Brasil, em 2002 e que seguiu na Argentina,
Venezuela e Uruguai, podendo chegar ao
Peru, Equador e México, ainda em 2006.
Uma verdadeira revolução político-eleitoral, sem precedentes na história latinoamericana e que coloca a esquerda frente
ao desafio de governar democraticamente, convivendo – em geral – com a má
vontade dos “mercados” e a hostilidade
permanente da grande imprensa. Um desafio que foi vivido pela esquerda européia no século XX, mas que só foi experimentado tangencialmente pela esquerda
latino-americana no século passado.
Com o fim da Guerra Fria, na década de 1990, a “indução” norte-americana
e a convergência dos “latinos” se deslocaram para o campo das políticas econômicas. Como parte da renegociação de suas
dívidas externas, quase todos os governos
da região adotaram um programa comum
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O grande paradoxo é que estas vitórias e novos desafios latino-americanos
surgem no momento em que as esquerdas européias vêm sofrendo sucessivas
revezes eleitorais e divisões políticos. As
derrotas começaram na Itália e na França, em 2001 e 2002, e se repetiram, mais
recentemente, na Alemanha e Portugal,
em 2005 e 2006. Mas a divisão e perda
de rumo ficaram muito mais claras no
Referendo sobre a Constituição européia,
rejeitada pelos franceses e holandeses em
2005, e no caso da revolta dos jovens da
periferia das grandes cidades francesas,
no final do mesmo ano. Para não falar
da decisão da social-democracia alemã de
participar de um governo de coalizão com
seus adversários da União Democrata
Cristã e da União Social Cristã. É verdade que neste mesmo período os socialistas espanhóis venceram as eleições gerais de 2004, mas isto aconteceu com a
ajuda indiscutível de uma tragédia “externa” que reverteu as expectativas eleitorais favoráveis aos conservadores, até
a véspera das eleições. E também é verdade que os ingleses reelegeram o primeiro-ministro trabalhista Tony Blair, em
março de 2005, mas seu governo e seu
partido têm se mostrado cada vez mais
frágeis e divididos sobre todos os temas
da agenda política britânica e européia.
Mais ao leste, entretanto, na Europa Central os resultados eleitorais e as tendências da opinião pública tem sido igualmente negativos para as forças de esquerda.
Na Polônia, a aliança Social-Democrata,
que teve 41% dos votos nas eleições de
2001, acaba de ser derrotada por uma
coalizão de extrema-direita. Na República Tcheca já houve três mudanças de
primeiro-ministro desde a sua entrada na
EU, mas seu governo está cada vez mais
dividido e os social-democratas, que tiveram 2/3 dos eleitores, agora estão com
apenas 11% dos votos prováveis. O mesmo vem acontecendo na Hungria e começa a se anunciar em outros países da
região.
Nesse contexto, os latino-americanos estão obrigados a discutir seus novos
caminhos numa hora em que a esquerda
européia perdeu o seu rumo e vive uma
profunda crise de identidade.
Ninguém duvida que o “mundo das
idéias” de esquerda tem estado na defensiva e não existe, neste momento, em lugar algum, novas “sínteses teóricas”, “utopias empacotadas”, ou projetos acabados,
como gostariam de ter alguns intelectuais. Talvez por isso, na América Latina,
quem está agora abrindo ou tentando abrir
novos caminhos são homens que não
pertencem às elites intelectualizadas e que
não estão em geral familiarizados com os
debates clássicos da esquerda socialista
ou marxista européia. São homens que
defendem valores éticos, sociais e políticos populares, nacionais e igualitários, e
que criticam as políticas neoliberais (pelo
menos no plano retórico) e o
intervencionismo imperial dos Estados
Unidos e, ao mesmo tempo, defendem
um projeto político e econômico sulamericanista. Mas assim mesmo, a experiência européia do século XIX e XX segue sendo uma referência decisiva para
quem queira repensar – no início do século XXI – o que seja ou deva ser um
governo democrático e de esquerda, ou
uma “gestão socialista” do capitalismo,
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uma vez excluída a possibilidade de ruptura revolucionária de contratos e instituições? Mais ainda, numa sociedade extremamente desigual e numa economia
periférica, num momento de auge da
globalização financeira e do poder norteamericano?
isto propunha sua coletivização. Mas, ao
mesmo tempo, ele propunha uma tese
que ia muito além da questão da terra, e
que se transformou de fato, a partir de
então, na aporia fundamental da esquerda e de todo e qualquer socialismo, em
qualquer tempo ou lugar.
No século seguinte, os franceses
Meslier, Mably, Morelly, Marechal e
Babeuf repetiram, em distintas claves, o
mesmo argumento e a mesma proposta
de Gerrard Winstanley: só poderia haver
igualdade social com o fim da propriedade privada da terra. Rousseau, entretanto, abriu um novo caminho
“programático”, ao defender que o Estado assumisse a propriedade coletiva das
terras, no seu “Projeto de Constituição
para a Córsega”. Uma sugestão que foi
retomada por Marx, no seu programa
mínimo de governo, no fim do Manifesto Comunista, de 1848, onde ele propõe
a estatização progressiva da propriedade
privada e se separa definitivamente dos
“socialista utópicos” que permaneceram
fiéis ao “comunismo agrário” de
Winstanley.
2. O debate e a experiência governamental
da esquerda européia.
Do ponto de vista propositivo, o
ponto de partida da esquerda européia foi,
sem dúvida alguma, o debate dos “democratas populares”, do exército revolucionário de Oliver Cromwell, de 1648.
De um lado, estavam as propostas políticas e jurídicas dos “niveladores”, de John
Lilburne e Richard Overton, que estão
na origem do “liberalismo revolucionário” e da “democracia radical” dos séculos XVIII e XIX, e do outro, o projeto
econômico dos “cavadores”, de Gerrard
Westanley, que está na origem de todos
os “socialismos utópicos” da história
moderna. Os primeiros, reivindicando
reformas que garantissem a igualdade jurídica e política de todos os indivíduos
da nação inglesa. E o segundo, propondo
um “comunismo agrário” que se transformou no primeiro programa revolucionário, feito para um governo parlamentar e republicano. Para Gerrard
Westanley, não era possível conceber a
existência de liberdade e igualdade política sem que houvesse igualdade econômica, e não haveria igualdade econômica
enquanto existisse a propriedade privada. Ele estava falando da propriedade
privada da terra e dos seus frutos e por
Os “utópicos” não se colocavam o
problema da conquista do poder, porque
eles sempre foram favoráveis às experiências econômicas comunitárias, cooperativas ou solidárias, e às experiências
políticas locais de democracia direta ou
participativa. Por razões distintas, o problema da gestão estatal e socialista do
capitalismo tampouco se colocou para as
revoluções comunistas do século XX, que
coletivizaram a propriedade privada e
construíram economias de planejamento
central. A crise recente dessas experiên-
15
cias eliminou-as do debate da esquerda,
apesar de que até hoje ainda não tenha
sido feita uma avaliação rigorosa dos seus
resultados. De qualquer maneira, elas não
se propuseram nem enfrentaram o problema da “gestão socialista” do capitalismo. Depois de Marx, este tema só foi
discutido, efetivamente, pelos partidos
socialistas, social-democratas e comunistas europeus, que participaram dos governos de “unidade nacional’ e das” frentes populares “, constituídos durante a I
Guerra Mundial e na crise dos anos 1920/
30, antes que se formassem os primeiros
governos de maioria socialista, quase todos depois da II Guerra Mundial.
três momentos fundamentais a partir das
três grandes “revisões” a que foi submetida a matriz marxista, que havia se transformado na ideologia oficial do partido
social-democrata alemão, o mais forte e
bem sucedido da Europa, até o início da
1º Guerra Mundial.
O primeiro e mais conhecido dos
“revisionismos” - liderado por Eduard
Bernstein – propôs em 1894, um primeiro “ajuste” das idéias de Marx às “novas
formas” assumidas pelo capitalismo, no
final do século XIX, e um ajuste dos objetivos programáticos dos social-democratas às exigências democráticas da competição eleitoral e da luta parlamentar.
Segundo Bernstein, o progresso técnico
e a internacionalização do capital haviam
mudado a natureza da classe operária e
do sistema capitalista, cujo desenvolvimento histórico concreto não estaria mais
apontando na direção prevista por Marx,
da “pauperização crescente” e da “crise
final”. Como conseqüência, Bernstein
propunha o abandono do socialismo como
objetivo final e a opção por uma transformação permanente e sem fim, de dentro do próprio capitalismo. O essencial,
neste primeiro momento, foi a opção pela
via eleitoral, com todas as suas conseqüências estratégicas e programáticas, como
ficou cada vez mais claro, através do século XX, e em particular, nos novos “ciclos revisionistas”, das décadas de 1950/
60 e de 1980/90
Para reconstruir a história deste
debate sobre estratégias eleitorais e programas de governo dos partidos de esquerda europeus, é melhor separar as
experiências de governo, propriamente
ditas, dos debates doutrinários. Foi em
1917, durante a 1ª. Guerra Mundial, que
os social-democratas participaram, pela
primeira vez, de um governo de coalizão, na Dinamarca. Depois, durante todo
o Século XX, a experiência de governo
dos partidos de esquerda pode ser
aglutinada em três grandes períodos: i)
de 1917 a 1938, entre as duas Grandes
Guerras Mundiais, durante a “era da catástrofe”; ii) de 1964 a 1983, em plena
Guerra Fria, durante a “era de ouro” do
capitalismo; e, finalmente, iii) de 1992 a
2005, depois da queda do Muro de
Berlim, durante o apogeu da utopia da
globalização e das políticas neoliberais.
Por outro lado, o debate doutrinário e
estratégico dos partidos de esquerda europeus também pode ser organizado em
Entre as duas grandes Guerras Mundiais, e durante a crise econômica da década de 30, os partidos social-democratas
e socialistas europeus participaram de alguns governos de “união nacional”, na
16
década de 20, e de “frente popular”, na
década de 30. Sempre em situações de
emergência nacional ou internacional em
que os partidos de esquerda tiveram que
responder ao desafio imediato e abrir mão
dos seus projetos reformistas. Os grandes
problemas que estavam colocados sobre
a mesma pelas guerras e pela crise, eram
o colapso econômico, o desemprego e a
inflação e os socialistas, social-democratas e comunistas não tinham uma posição
própria sobre o assunto, nem sabiam rigorosamente o que fazer numa situação que
não estava prevista em suas discussões teóricas e doutrinárias. Por isso acabaram
acompanhando, invariavelmente, as idéias, propostas e políticas dos próprios conservadores, inclusive suas experiências pioneiras de planejamento de guerra. Com
a grande exceção dos social-democratas
suecos, que responderam à crise econômica de 30 com uma proposta original e
ousada de incentivo ao crescimento econômico e pleno emprego, através de políticas anticíclicas desenvolvidas por
Wicksell e os economistas da Escola de
Estocolmo, e implementadas pelo seu ministro da fazenda, Ernst Wigforss. Com o
uso combinado e simultâneo de “acordos
sociais” entre empresários e sindicalistas,
para o controle da evolução dos preços e
dos salários. Mas este foi um caso raro de
sucesso, no meio de um sem numero de
fracassos dos social-democratas no comando da política econômica da Alemanha, entre 1928-30; da Grã Bretanha, entre 1929-31; da Espanha, entre 1928-30;
e da França, entre 1936-37.
mento de guerra foram aproveitadas pelo
primeiro governo trabalhista inglês do
imediato pós-guerra, entre 1945 e 1950,
e pelos vários governos social-democratas dos pequenos países europeus, como
Áustria, Bélgica, Holanda, e os próprios
países nórdicos que seguiram sendo governados pelos social-democratas, depois
da guerra. Mas além disto, estas idéias e
experiências influenciaram decisivamente
as duas grandes estratégias e propostas
de governo que foram experimentadas
pela esquerda, depois da II Guerra Mundial. A primeira e mais bem sucedida,
foi a do “estado de bem estar social”,
adotado por todos os governos socialdemocratas e trabalhistas, no período
entre 1964 e 1983. Combinava políticas
econômicas keynesianas pró-crescimento
e pleno emprego com uma política fiscal de construção de redes estatais de
infra-estrutura e proteção social universal. E a segunda proposta, foi a de “capitalismo de estado” adotada pelo Partido Comunista Francês, mas que teve
uma influência difusa sobre a esquerda
em vários lugares do mundo. Partia do
conceito de “capitalismo organizado” formulado por Hilferding - e de sua hipótese de que a centralização do capital, que havia se acelerado a partir do
final do século XIX, facilitava uma gestão planejada do capitalismo, desde que
o estado contasse com um “núcleo econômico estratégico” de propriedade estatal.
A opção majoritária dos social-democratas europeus pelo projeto do estado de bem estar social, ocorreu na década de 50, junto com uma segunda
As “políticas anticíclicas”, os “pactos sociais” e a experiência do planeja-
17
grande “rodada revisionista” que culminou no Congresso da social-democracia
alemã, em Bad Godesberg, em 1959.
Foi nesta segunda “revisão”, que uma
parte significativa da esquerda européia
abandonou definitivamente as propostas clássicas – que às vezes ainda reapareciam no plano retórico – da revolução
socialista e da eliminação da propriedade privada e do estado. O mais importante, entretanto, foi o giro de 180 graus
que se completou naquele momento,
dentro do pensamento socialista. Como
vimos, o pensamento da esquerda moderna começa com uma tese e uma proposta muito claras, ainda que a equação
pudesse ser utópica: “liberdade política
= igualdade econômica = fim ou diminuição do peso da propriedade privada”.
Deste ponto de vista, o que passou de
essencial na década de 50, foi a transformação desta proposta originária,
numa nova equação, que pode ser resumida de forma muito simples: “liberdade política = igualdade social = crescimento econômico = sucesso capitalista”.
Foi a hora em que os socialistas e social-democratas deixaram de esperar ou
apostar numa “crise final” do capitalismo, e passaram a lutar pelo sucesso do
próprio capitalismo, o maior sucesso
possível, como forma de criar empregos e financiar políticas distributivistas.
É neste exato momento que uma parte
significativa da esquerda européia abandona o “objetivo final socialista”, mesmo no plano retórico, e assume uma
posição definitivamente “pró-capital”.
Na primeira equação, formulada por
Gerrard Winstanley, a liberdade socialista só existiria quando houvesse igual-
dade econômica entre as pessoas, e isto
só ocorreria quando se eliminasse ou diminuísse o peso da propriedade privada. Mas a partir da revisão da década
de 50, só haveria aumento da liberdade
e da igualdade se houvesse mais empregos e mais recursos fiscais e, portanto,
mais crescimento econômico ou desenvolvimento acelerado do capitalismo. E
portanto – em termos estritamente lógicos - o sucesso do capitalismo passou a
ser uma condição indispensável do sucesso da própria esquerda. O que estava suposto e legitimava esta grande mudança de posição era a hipótese de no
médio prazo, pelo menos, as políticas
“pró-capital” teriam conseqüências “prótrabalho” e “pró-igualdade”. Essa talvez
tenha sido a mudança teórica e doutrinária que teve efeitos mais radicais, em
toda a história da esquerda, desde o debate entre “democratas populares” e os
“comunistas utópicos”, dos exércitos de
Cromwell. Neste novo contexto, as
“estatizações” de grandes empresas – comuns na Inglaterra e na França do pósguerra - perderam importância e só foram recomendadas, nos casos indispensáveis, em nome da “eficiência econômica” e não da criação de um núcleo
estratégico estatal “, como no caso do”
capitalismo de estado” dos comunistas
franceses.
Três décadas depois, iniciava-se
mais uma “rodada revisionista”, na hora
em que os socialistas e social-democratas europeus abandonam o keynesianismo
e a própria defesa do estado de bem estar social, e adotam as novas teses, reformas e políticas neoliberais, propostas,
inicialmente, pelos governos conservado18
res dos países anglo-saxões. Quase ao
mesmo tempo em que a União Soviética
e os países da Europa Central viviam a
crise final do seu “socialismo real”, de
origem revolucionária. Esta nova “revisão” doutrinária foi menos surpreendente e disruptiva do que as duas anteriores.
Afinal, agora se tratava apenas de seguir
a opção dos anos 50, de acompanhar e
estimular os “caminhos do capital”. Por
isto Tony Blair pode declarar com legítimo orgulho numa entrevista para o
Financial Times de janeiro de 1997, que
o Labour “havia se transformado num
partido ‘pró-business’ ”. Esta nova mudança de rumo se deu de forma quase
contínua, a partir de 80, na Espanha de
Felipe Gonzalez e na França de François
Mitterand, e também na Itália de Bettino
Craxi, e na Grécia de Andreas Papandreu.
Na década de 90, entretanto, todos os
ventos sopravam numa só direção
liberalizante, e todos já repetiam como
algo absolutamente óbvio o mantra da
“necessidade das reformas” neoliberais
para aumentar a competitividade internacional da Europa. E uma boa parte da
esquerda já não se sentia mais na obrigação de qualificar as reformas ou discutir
quem eram seus principais beneficiários
e perdedores. Como se elas fossem neutras ou completamente voltadas para o
“bem comum”. Foi a hora em que nasceu a “terceira via”, uma sistematização
inglesa das novas teses, propostas e programas justificados com argumentos muito parecidos aos de Eduard Bernstein, no
final do século XIX: segundo os trabalhistas ingleses da terceira via, de novo
estão em curso mudanças globais que
estão alterando a estrutura de classes e a
capacidade de ação dos estados nacionais, o que exige uma adaptação das idéias e programas de esquerda a este novo
mundo globalizado e desproletarizado,
como explica Anthony Giddens, no seu
livro, “The Third Way”, uma pequena
introdução ao novo revisionismo.
Nesta virada neoliberal dos anos 80/
90, o “caso” espanhol foi o que teve maior repercussão e influência sobre a esquerda latino-americana, transformandose numa espécie de paradigma do “novo
socialismo europeu”. González foi eleito
com um programa de governo de tipo
keynesiano, junto com um plano negociado de estabilização e crescimento econômico voltado para o pleno emprego e
a eqüidade social. Mas logo no início do
seu governo abandonou o seu programa
keynesiano e trocou a “concertação social” - como forma de coordenação de
preços e salários – pelo rigor fiscal e o
desemprego, como preconizava o modelo neoliberal.
No final do século XX, entretanto,
foi ficando cada vez mais claro que as novas políticas e reformas tinham diminuído
a participação dos salários na renda nacional, restringido e condicionado os gastos
sociais, diminuído a segurança do trabalhador e tinham promovido uma concentração/centralização de capital e renda em todos os países europeus. Ficou claro tratarse de um conjunto de reformas e políticas
“pró-capital” que não produziam os mesmos efeitos de médio prazo a favor do trabalho e pleno emprego, como no caso das
políticas keynesianas do período 18641983. Não é de estranhar, portanto, que a
esquerda européia venha sofrendo sucessi-
19
3. Caminhos e paradoxos
vas derrotas eleitorais, e revezes políticos
ainda mais graves, depois de 2001. Apesar
de sua enorme diversidade, é possível identificar uma certa recorrência, em todos estes casos europeus: são partidos e governos socialistas, social-democratas, comunistas ou verdes, que sozinhos ou coligados,
adotaram a agenda e as políticas neoliberais,
na década de 80 ou 90, e agora vem sendo
derrotados pelo seu próprio eleitorado tradicional. O mais perturbador, entretanto, é
que a esquerda vem sendo derrotada por
partidos conservadores de diferentes matizes, mas que defendem as mesmas políticas neoliberais, às vezes de forma ainda
mais radical, como no caso recente da democracia cristã alemã, o que reforça a convergência ideológica e perda de identidade,
como se a velha esquerda européia tivesse
chegado a um “beco sem saída”, neste início do século XXI. Mas quando se olha a
sua história de uma perspectiva de longo
prazo, se percebe que a esquerda não está
vivendo apenas uma crise conjuntural e circunstancial, ela está vivendo o limite lógico de um projeto que foi nascendo de sucessivas decisões estratégicas e que esgotou completamente sua capacidade
“projetual”. De “revisão” em “revisão”, os
partidos de esquerda europeus abriram
mão, primeiro, da idéia da revolução socialista e depois do próprio socialismo como
objetivo ou “estado-final” a ser alcançado
no longo prazo. Mais à frente, deixaram de
lado o projeto de socialização da propriedade privada, e no final do século XX, abriram mão, inclusive, das políticas de crescimento, pleno emprego e proteção social universal que foi a sua principal contribuição
ao século XX.
Não é impossível identificar algumas tendências e paradoxos na história
da esquerda européia, que devem estar
no ponto de partida de qualquer discussão sobre o futuro do socialismo, no XXI,
e que são também uma lição para a esquerda latino-americana que começa a
governar quase um século depois dos
europeus:
i) a unidade e identidade da esquerda européia foi desmontada, no século XX,
pelas sucessivas revisões doutrinárias e estratégicas de sua matriz originária, de inspiração marxista. Depois
da “desconstrução” do materialismo
histórico, não surgiu nenhuma outra
teoria com a mesma capacidade lógica de definir atores, interesses e estratégias, a partir de um diagnóstico
conjuntural das tendências críticas do
capitalismo Muito menos ainda, no
caso da combinação contemporânea
da teoria da “globalização econômica”, da “sociedade em redes” e da
“governança progressiva” é uma verdadeira geléia, amorfa do ponto de
vista teórico e inconclusiva do ponto
de vista político.
ii) com a progressiva erosão da unidade
teórica e lógica do materialismo histórico, aumentou cada vez mais a divisão interna da esquerda. Suas discussões doutrinárias sobre a sua própria identidade, e o seu juízo sobre a
“correção” de suas posições e políticas conjunturais, transformaram-se
num verdadeiro “jogo de cabra-cega”.
Uma polêmica permanente e
20
inconclusiva, e um consenso impossível devido à ausência de qualquer
tipo de baliza ou ponto de referencia
unânime, do ponto de vista ético ou
teórico. A definição das “posições oficiais” dos partidos ou organizações
de esquerda ficou cada vez mais fechada e autoritária e foi cada vez mais
contestada pelos militantes e pela
intelectualidade, até 1991, e depois
disto, a esquerda se transformou definitivamente numa “torre de Babel”.
lista, diferente do capitalismo. De tal
maneira que a terceira revisão
neoliberal dos anos 90, acabou sendo apenas uma conseqüência inevitável das decisões anteriores, em particular da decisão de promover ativamente o desenvolvimento capitalista
e ajustar-se permanentemente às
“inovações do Capital”.
iv) talvez por isto mesmo, nunca existiu
uma originalidade total, nas três grandes experiências de governo da esquerda européia. E ficou cada vez
mais difícil definir o que o fosse um
programa de governo ou uma política específica econômica ou internacional de esquerda. Na verdade, existiu um “diálogo” permanente e uma
mútua influência, durante todo o século XX, entre as idéias, projetos e
governos conservadores e de esquerda, como no caso da relação entre as
idéias social-democratas da Escola
Econômica de Estocolmo, e as idéias
liberais do Lord Keynes, ou mesmo,
da relação entre a idéia e a estratégia
de planejamento soviético com as experiências de planejamento de guerra
das economias “ocidentais”.Num primeiro momento, no período do “entre-guerras”, a esquerda participou de
governos de emergência ou unidade
nacional e praticamente acompanhou
ou replicou as políticas dos conservadores. Mas depois da II Guerra
Mundial, esta relação foi mais complexa e criativa, porque a disputa se
deu dentro de um campo comum e
de um pensamento hegemônico mais
à esquerda, na hora em que também
os conservadores defendiam políticas
iii) as sucessivas revisões doutrinárias
foram criando – durante o século XX
- um verdadeiro “Frankstein” teórico, um remendo de decisões e convicções pragmáticas, cada vez mais
contraditórias, que se transformaram
numa camisa-de-força que hoje aprisiona e paralisa a esquerda do século
XXI. A primeira revisão, do final do
século XIX, foi uma opção estratégica e de longo prazo pela “via eleitoral”, com todas as suas conseqüências, do ponto de vista da organização
partidária, da competição política e
das alianças parlamentares e de governo. Mas ao mesmo tempo, e inevitavelmente, significou o abandono
do projeto ou da hipótese de ruptura
revolucionária dos contratos e instituições responsáveis pelo funcionamento desigual do capitalismo, e portando, a desistência de tocar na propriedade privada. A segunda revisão,
da década de 1950, do ponto de vista
imediato, foi uma mera mudança
programática, mas do ponto de vista
de longo prazo, representou o abandono definitivo da idéia, do projeto e
do objetivo de uma sociedade socia21
keynesianas de pleno emprego e proteção social universal. E, em alguns
casos, como na Alemanha, também
apoiavam a idéia da “pactação social”, entre o capital e o trabalho. Mas
a verdade é que depois de 1991, no
período áureo da hegemonia
neoliberal, os governos de esquerda
voltaram a repetir ou replicar apenas,
sem nenhuma inventividade, as políticas e reformas preconizadas pelos
conservadores.
democrata feita na contramão da ortodoxia do seu tempo.
vi) o mesmo pode se dizer com relação à
política externa dos governos de esquerda europeus do século XX, que
nunca foi homogênea nem inovadora.
Como se sabe, sua primeira grande divisão interna já começou com a votação dos orçamentos de guerra, em
1914. Mas depois, na década de 30,
as coalizões de governo com participação socialista ou social-democrata,
também se dividiram frente à Guerra
Civil Espanhola e aos primeiros passos da escalada nazista. E voltaram a
se dividir durante a Guerra Fria, como
agora de novo, na discussão das relações da União Européia com os Estados Unidos e com a Rússia, depois do
fim da União Soviética. Em todo o
século XX, uma das raras iniciativas
realmente originais e autônomas da esquerda no campo da política internacional, afora sua solidariedade genérica com o “terceiro mundo”, foi a
Ostpolitik do governo social-democrata de Willy Brandt, em 1969, que
viabilizou os acordos de desarmamento, da década de 70 em 80 e iniciou o
grande movimento “ao leste” da Alemanha, que segue ainda hoje.
v) esta relação fica muito visível nos campos da política econômica e das relações internacionais. No campo
macroeconômico, os governos de esquerda foram quase sempre conservadores e ortodoxos, como no caso
clássico de Rudolf Hilferding, ao assumir o Ministério da Fazenda da Alemanha, em 1928. Mas também no
caso do Partido Laborista inglês que
optou em 1929 pela “visão do Tesouro”, contra a opinião liberal de
John Keynes e David George, a mesma opção feita pelo governo socialdemocrata de Leon Blum, na França, em 1936. Mesmo depois da II
Guerra Mundial, os social-democratas e socialistas seguiram ortodoxos,
e só se “converteram” às políticas
keynesianas na década de 60. Mas
assim mesmo, nas crises monetárias
de 1966 e 1972, os governos de
Harold Wilson e Helmut Schmid voltaram rapidamente ao trilho conservador da ortodoxia monetarista. A
experiência sueca da década de 1930,
foi uma exceção dentro desta história, uma verdadeira inovação social-
vii) esta falta de iniciativa ou originalidade – na maioria dos casos - com relação às políticas dos conservadores
explica o fato que tenha sido durante
seus governos que a esquerda tenha
se dividido de forma mais profunda e
radical. Foi aí que se cristalizou, de
forma definitiva e irreversível, a divisão “funcional”, dentro da esquerda,
22
entre a) a “crítica intelectual”, b) a
“mobilização social”, e a c) e a “gestão de governo”. Uma divisão que
chegou no limite da ruptura definitiva, depois da “virada revisionista” dos
anos 50, e durante os governos social-democratas que começam na década de 60. Foi o período das grandes revoltas sociais e sindicais que
questionaram a estratégia e a organização da “velha esquerda” e criaram
as bases dos novos movimentos sociais com sua proposta de volta às
raízes anárquicas e comunitárias do
“socialismo utópico”, e sua recusa da
política partidária e da participação
em governos. Mas apesar de todas
as críticas e divisões, e da pouca originalidade experimental da maioria dos
governos socialistas e social-democratas da segunda metade do século XX,
eles deram uma contribuição absolutamente decisiva e definitiva ao avanço mais democrático e igualitário das
sociedades européias. Este talvez tenha sido o grande paradoxo de toda
esta história da esquerda européia:
suas políticas e iniciativas parciais tiveram sempre uma forte componente conservadora, mas no final, o conjunto da obra, foi criativo e contribuiu decisivamente para o aumento
da igualdade econômica e o
aprofundamento da democracia política européia.
pamentos e governos nacionais, tomados individualmente, e só existiam na
percepção e no movimento do seu
conjunto e de sua inserção mundial.
Os governos socialistas e social-democratas eram cada vez mais criticados
nacionalmente, mas seguiam sendo
considerados pelos “estrangeiros”
como partes constitutivas e importantes - em alguns casos – da esquerda
européia e mundial. Nesse sentido,
radicalizando o argumento, se pode
dizer que estes partidos e governos
social-democratas só conseguiam
manter sua identidade de esquerda,
do ponto de vista do conjunto do movimento global. Isto é, enquanto existiram partidos comunistas que não haviam governado e que seguiam sendo
os portadores do “catastrofismo utópico” do socialismo e do marxismo
originário. E enquanto existiram também, no “terceiro mundo”, movimentos de libertação nacional vitoriosos,
em quase todas as ex-colônias européias. E por fim, o que é mais paradoxal, enquanto existiu a União Soviética, que durante todo este tempo cumpriu o papel de “caso limite”, o único
europeu que levou até as últimas conseqüências as propostas originárias de
Gerrard Winstanley e Karl Marx, de
abolição da propriedade privada e
estatização da economia, incluindo a
cláusula marxista, da ditadura do proletariado. De tal maneira que, apesar
das críticas generalizadas, seguiu sendo a baliza de referência das demais
experiências e governos de esquerda,
no imaginário coletivo europeu e mundial.
viii) talvez por isto mesmo, depois da década de 60, a esquerda européia se
transformou num fenômeno cada vez
mais facetado e global. Sua identidade
e sua força já não se encontravam mais
em nenhuma de suas facções ou agru23
ix) neste sentido, se pode fazer uma leitura complementar das crises atuais
dos socialistas, social-democratas, comunistas e verdes europeus. Do ponto
de vista estritamente programático,
não estão numa situação muito diferente, desde a década de 60. Mas agora não contam mais com a “parceria
oculta” do “socialismo real’, dos velhos partidos comunistas e dos movimentos de libertação nacional dos
países do Terceiro Mundo, que sempre contribuíram para a preservação
de sua identidade coletiva de esquerda. E, neste sentido, sua falta de identidade atual é também, em grande
medida, um sub-produto da
desmontagem, depois de 1991, de
uma arquitetura político-ideológica
”global”, extremamente complexa,
que foi responsável pela preservação
da vitalidade da esquerda internacional, entre 1968 e 1991. Mas não é
impossível que esta arquitetura possa ser refeita, lentamente, começando pelas novas experiência de governo de esquerda da América Latina.
comunidade dos índios e camponeses
mexicanos. Zapata foi derrotado e morto, mas seu programa agrário foi retomado alguns anos depois, pelo presidente
Lázaro Cardenas, um militar que governou o México na década de 1930 e criou
o Partido Revolucionário Institucional
(PRI). O governo de Cárdenas foi nacionalista; fez a reforma agrária; estatizou
as empresas estrangeiras produtoras de
petróleo; criou os primeiros bancos estatais de desenvolvimento industrial e de
comercio exterior da América Latina; investiu em infra-estrutura; fez políticas de
industrialização e proteção do mercado
interno mexicano; criou uma legislação
trabalhista e tomou medidas de proteção
social; e manteve uma política externa
independente e antiimperialista. Em grandes linhas, e com pequenas variações,
este programa se transformou no denominador comum de vários governos latino-americanos “nacional-populares” ou
“nacional-desenvolvimentistas”, como no
caso de Perón, na Argentina, de Vargas,
no Brasil, de Velasco Ibarra, no Equador
e de Paz Estenssoro, na Bolívia. Nenhum
deles foi socialista, comunista ou socialdemocrata, mas suas propostas, políticas
e posições internacionais se transformaram também no programa básico de governo apoiado por quase toda a esquerda
reformista latino-americana, pelo menos
até 1980. Foi este mesmo programa que
inspirou a revolução camponesa boliviana, de 1952; o governo democrático de
esquerda de Jacobo Arbenz, na
Guatemala, entre 1951 e 1954; a primeira fase da revolução cubana, entre
1959 e 1962; o governo militar e reformista do general Velasco Alvarado, no
4. O debate e a experiência da esquerda
latino-americana
O Plano Ayala, proposto em 1911,
pelo líder camponês da Revolução Mexicana, Emiliano Zapata, pode ser considerado o equivalente latino-americano do
“comunismo agrário”, de Gerrard
Winstanley, o líder “democrata popular”
da Revolução Inglesa de 1648. O Plano
de Zapata propunha a coletivização da
propriedade da terra e sua devolução à
24
Peru, entre 1968 e 1975, e o próprio governo de Salvador Allende, no Chile, entre 1970 e 1973.. No caso de Cuba, entretanto, a invasão de 1961 e as pressões
americanas apressaram uma opção socialista mais radical, pela coletivização da
terra e a estatização e planejamento central da economia. Modelo que orientou
também as primeiras iniciativas da revolução sandinista da Nicarágua, de 1979.
nistas, permitiu também um diálogo fecundo com as idéias convergentes da
“economia política” da Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL),
organismo das Nações Unidas, criado
em 1949, e sediado em Santiago do Chile. A CEPAL propunha para a América
Latina, desde o início da década de 1950,
um projeto nacional de industrialização e
desenvolvimento, liderado pelo estado,
mas com apoio do capital privado estrangeiro. E defendia, ao mesmo tempo, a
necessidade do planejamento estratégico
de longo prazo, dos investimentos em
infra-estrutura, e das políticas de apoio à
industrialização. Uma versão mais elaborada tecnicamente do “modelo mexicano”, apesar de não ter o seu mesmo teor
antiimperialista.
Apesar de sua fragilidade, na maioria dos países, os Partidos Comunistas
foram a principal organização e referência doutrinária da esquerda latino-americana, entre 1920 e 1960. Eles foram uma
espécie de “primos pobres” dos comunistas europeus e asiáticos, e nunca tiveram uma estratégia autônoma da Internacional Comunista. Sua criação teórica
foi pouco inovadora, e em geral se mantiveram dentro dos limites estreitos da
teoria militante do imperialismo, de Lênin,
e da teoria da “revolução democráticoburguesa”, de Kautski. Mas foi exatamente esta visão “etapista” do desenvolvimento capitalista e da revolução socialista que
permitiu e legitimou a estratégia democrática e a adesão precoce dos comunistas à lógica do projeto desenvolvimentista,
que os europeus aceitaram e adotaram
só depois de 1950. Isto é, desde cedo, na
América Latina, a equação foi a mesma:
transição ao socialismo e igualdade =
crescimento econômico e desenvolvimento capitalista. Com a diferença, com relação aos europeus, que a esquerda latino-americana considerava o pleno desenvolvimento das forças produtivas capitalistas como caminho de transição para o
socialismo que seguia sendo o objetivo
final. Esta visão estratégica dos comu-
Esta relação intelectual e política, dos
comunistas com o “nacionaldesenvolvimentismo”, existiu em quase
todos os países da região, mas foi no Brasil e no Chile que ela foi mais original,
fecunda e duradoura. No Brasil, esta relação ficou marcada, desde o início, por dois
acontecimentos fundamentais, da década
de 1930. O primeiro, foi o desaparecimento
precoce da Aliança Nacional Libertadora
(ANL) - uma espécie de embrião das Frentes Populares espanhola, francesa e chilena – que foi dissolvida depois do fracasso
de uma rebelião militar comunista, em
1935. E o segundo, foi o golpe de estado
de 1937, que deu origem ao regime ditatorial do Estado Novo e transferiu para os
conservadores a liderança no Brasil do
projeto
de
industrialização
desenvolvimentista, e das primeiras políticas sociais e trabalhistas de corte urbano.
Talvez por isto mesmo, o Partido Comu25
nista Brasileiro (PCB) só tenha abandonado sua estratégia revolucionária, da
“Frente Democrática de Libertação Nacional”, na década de 50, quando aderiu ao
reformismo democrático e à estratégia da
“revolução democrático-burguesa”, que já
havia sido adotada por quase todos os partidos comunistas do continente. Foi neste
momento que os comunistas brasileiros começaram sua aproximação “programática”
do “desenvolvimentismo conservador” de
Getulio Vargas. Mais a frente, no início da
década de 60, esta vertente de esquerda
do desenvolvimentismo propôs um programa de reformas que acelerassem a democratização da terra, da riqueza, do sistema educacional e do sistema político que
foi sintetizado, em parte, no Plano Econômico Trienal, formulado pelo economista Celso Furtado, em 1963, e abortado
pelo golpe militar de 1964. Antes do golpe
militar, entretanto, e do aparecimento da
“esquerda armada”, a aliança e o programa “nacional-desenvolvimentista” apoiado pelo PCB foram objeto de uma crítica
teórica sistemática, por parte de um grupo
de intelectuais marxistas, da Universidade
de São Paulo. Esta crítica teórica, entretanto, não produziu imediatamente nenhum
tipo de programa alternativo ao
desenvolvimentismo. E para complicar ainda mais o quadro, o regime militar, instalado em 1964, apesar do seu radicalismo
anticomunista e de sua primeira opção liberal, acabou adotando na década de 70
uma
estratégia
nacionaldesenvolvimentista, o que aumentou ainda mais o embaraço da esquerda
desenvolvimentista. Talvez por isto mesmo, quando a esquerda brasileira volta à
cena política democrática, na década de
80, a maior parte de sua militância jovem
tinha um forte viés antiestatal,
antinacionalista e antidesenvolvimentista.
Só um pequeno grupo minoritário de intelectuais propôs naquele momento uma
nova versão do desenvolvimentismo, que
era de fato uma combinação do “capitalismo organizado de estado”, da esquerda
francesa, com o projeto de “estado de bem
estar social”, do resto da social-democracia européia. Mas a grande maioria dos
novos militantes, movimentos e partidos
de esquerda tomaram outro rumo. Uma
parte importante foi para os movimentos
sociais e as “comunidades de base” que
retomaram a trilha do socialismo utópico
e sua crítica cada vez mais dura da esquerda tradicional e de sua opção estatista.
E outra parte tomou o caminho da socialdemocracia, mantendo-se no campo da
luta política tradicional pelo poder do estado, e propondo o abandono das políticas
desenvolvimentistas
e
a
implementação imediata das reformas e
políticas neoliberais. Este projeto se materializou no Partido Social-Democrata
Brasileiro (PSDB), criado no final dos anos
80 e liderado por alguns intelectuais marxistas que haviam participado do movimento
de
crítica
ao
nacionaldesenvolvimentismo, da década de 60.
Mas suas idéias influenciaram também
uma boa parte da intelectualidade mais
jovem do Partido dos Trabalhadores (PT),
que também nasceu na década de 80, liderado por um grupo de sindicalistas de
São Paulo.
No Chile, esta relação entre a esquerda e o desenvolvimentismo foi completamente diferente e ocupou um lugar único
na história latino-americana. Na década de
26
1930, os socialistas e comunistas chilenos
formaram uma Frente Popular com o Partido Radical, que ganhou as eleições presidenciais de 1938, e foi reeleita três vezes, antes de ser desfeita em 1947, pela
pressão americana, no início da Guerra
Fria. Os governos da Frente Popular chilena seguiram basicamente o mesmo figurino mexicano, sobretudo no planejamento e financiamento das políticas de industrialização, proteção do mercado interno e
construção de infra-estrutura, além da legislação trabalhista e dos programas de
universalização da educação e da saúde
publica. Em 1970, esta coalizão política
renasceu no Chile com o nome de Unidade Popular, agora sob a hegemonia dos
socialistas e comunistas, e com uma nova
proposta de “transição democrática para
o socialismo”. Na prática, entretanto, o
programa de governo de Salvador Allende
radicalizou o “modelo mexicano” na direção do “capitalismo de estado”, concebido pelos comunistas franceses. Allende
acelerou a reforma agrária e a nacionalização das empresas estrangeiras produtoras de cobre, mas ao mesmo tempo, se
propôs criar um “núcleo industrial estratégico”, de propriedade estatal, que deveria
ter sido o embrião de uma futura economia socialista. Este foi, aliás, o pomo de
discórdia que dividiu a esquerda durante
todo o governo da Unidade Popular, chegando até o ponto da ruptura, entre os que
queriam limitar as estatizações industriais
aos setores estratégicos da economia, e os
que queriam estendê-las, até originar um
novo “modo de produção”, sob controle
estatal. A “transição democrática para o
socialismo”, de Salvador Allende, foi interrompida pela intervenção norte-ameri-
cana e o golpe militar liderado pelo general Augusto Pinochet. E o debate da esquerda chilena sobre o “capitalismo organizado de estado” como forma de transição para o socialismo ficou sem uma conclusão. Em 1989, o Partido Socialista do
Chile voltou ao governo, aliado com os
democrata-cristãos mas, naquele momento, já havia mudado sua posição e aceito
as novas teses e políticas neoliberais que
eram dominantes entre os socialistas e
social-democratas europeus. Seu objetivo
já não era mais “transitar” para o socialismo, era administrar com eficiência o capitalismo e um conjunto de políticas sociais
“focalizadas”, segundo o modelo
neoliberal.
Em maio de 1995, o Financial Times saudou esta conversão das elites intelectuais, políticas e econômicas latino-americanas - em particular as de esquerda ao novo consenso que se difundia pelo
mundo, desde a década anterior. A verdade, entretanto, é que o Chile do General Pinochet, havia sido – depois de 1973
- o primeiro laboratório mundial de experimentação do novo modelo econômico,
que Paul Samuelson chamou de “fascismo de mercado”. Mas não há dúvida que
foi na segunda metade dos anos 80, e durante a década de 90, que se generalizaram no continente as novas políticas preconizadas pelo “Consenso de Washington”, e induzidas pela renegociação das
dívidas externas dos principais países da
região. Um programa ortodoxo de estabilização monetária acompanhado por um
pacote de reformas estruturais ou
institucionais voltadas para a abertura,
desregulação e privatização das economias nacionais da região. No caso do Méxi27
co, a mudança neoliberal ocorreu na década de 80, e foi liderada pelo PRI, o partido criado por Lázaro Cardenas, o “pai”
do nacionaldesenvolvimentismo. No caso
da Argentina, a mudança se deu no início
dos anos 90, liderada pelos peronistas de
Carlos Menem. No caso do Chile, foram
os próprios socialistas que, aliados com os
democrata-cristãos, assumiram o governo
em 88 e mantiveram, em grandes linhas,
a política de corte liberal que vinha do período militar. Por fim, no caso brasileiro,
a desmontagem do desenvolvimentismo
foi liderada por uma coalizão de centrodireita, liderada pelos social-democratas do
PSDB. Em todos os casos, as novas políticas foram justificadas com os mesmos
argumentos usados pela social-democracia européia: a globalização era um fato
novo, promissor e irrecusável que impunha uma política de abertura e
interdependência irrestrita, como único
caminho de defesa dos interesses nacionais, num mundo onde já não existiam
mais as fronteiras nacionais, nem se justificavam portanto ideologias ou políticas
nacionalistas. Com a diferença que, na
Europa, a esquerda neoliberal governou
sociedades que seguem sendo ricas e homogêneas, apesar do desemprego, e que
já possuíam excelentes redes de proteção
social universal, no início do processo de
desregulação e/ou privatização de suas
economias e de parte de seus sistemas de
proteção social. Ao contrário da América
Latina, onde as mesmas políticas foram
aplicadas em sociedades extremamente
heterogêneas e desiguais, com gigantescos
bolsões de miséria e com redes de proteção social muito limitadas.
década de 90, se pode dizer que a esquerda latino-americana também havia
feito um giro de 180º graus com relação
ao seu projeto originário que propunha a
reforma agrária e políticas estatais de
infra-estrutura e industrialização, substituídas pelas políticas de desregulação,
privatização e abertura dos mercados. No
campo teórico, também na América Latina, uma boa parte da esquerda substituiu o conceito de “sociedade de classes”,
pelo da “sociedade em redes”; e trocou a
crítica ao imperialismo, pela defesa do
“desenvolvimento associado”.
Depois de uma década de experimentação neoliberal o balanço global é
negativo, e em alguns casos, como na
Argentina, os efeitos foram catastróficos.
Em quase todos os países, os resultados
foram os mesmos, apontando na direção
do baixo crescimento econômico, e do
aprofundamento das desigualdades sociais. A frustração das expectativas criadas
nos anos 90, pela utopia da globalização
e pelas novas políticas neoliberais, contribuiu para a multiplicação e fortalecimento dos movimentos sociais
antiestatistas que se recusam, cada vez
mais, a tarefa de governar. Mas ao mesmo tempo, também contribuiu para as
vitórias eleitorais de líderes que se propõe governar e inovar a esquerda latinoamericana. Apesar de que ainda não se
consiga ver com nitidez o que será este
novo caminho “pós-neoliberal”.
5. Os projetos e a fronteira teórica.
Na América Latina, a teoria da “revolução democrático-burguesa”, perdeu
credibilidade histórica a partir da década
De qualquer maneira, no fim da
28
de 60, e as “teorias da dependência” nunca ”decantaram” uma estratégia política
e democrática consensual, e em alguns
casos, inclusive, atuaram como “guardachuva” teórico da luta armada. Por isso,
na hora da crise de 1991, e da hegemonia
neoliberal, a esquerda latino-americana
estava desguarnecida, e foi presa fácil das
novas idéias. E hoje, existe um denominador comum, entre as posições da “esquerda neoliberal” e da “esquerda pósmoderna”: o conformismo com os desígnios da globalização. Os argumentos são
diferentes, mas os dois interpretam a
“mundialização” capitalista de maneira
análoga: como um produto necessário e
incontornável da expansão dos mercados,
ou do “capital em geral”, e os dois se
recusam a entender ou incorporar no seu
cálculo político, o papel do poder das
Grandes Potências - sobretudo da Grã
Bretanha e dos Estados Unidos – na abertura das fronteiras econômicas e na aceleração da globalização financeira, no final dos séculos XIX e XX. Uma leitura
dos fatos que poderia ser apenas um
ponto de vista teórico entre outros, se não
escondesse um passe de mágica muito
mais complicado. Ao eliminar o papel do
poder político no processo de
globalização econômica, esta visão líberomarxista da história despolitiza as mudanças recentes do capitalismo e, com
isto, transforma muitas coisas que são
decisões ou imposições políticas das
Grandes Potências, num imperativo
inapelável dos Mercados. Como conseqüência, todos os atos de submissão política dos governos periféricos passam ser
considerados uma manifestação de realismo e sensatez com relação aos desíg-
nios dos Mercados ou do Capital; e todos os atos de resistência dos povos menos favorecidos, se transformam automaticamente em sinais de irresponsabilidade
e “populismo econômico”.
Esta foi e segue sendo a posição da
“esquerda neoliberal’, que foi hegemônica
na década de 90, e que ainda ocupa uma
posição importante nos debates acadêmicos e políticos da América Latina, apesar
dos resultados medíocres e, em muitos
casos, catastróficos, das políticas liberais
na América Latina. Mas aquela mesma
posição reaparece – de outra forma, e
com outros argumentos - dentro dos movimentos sociais e das “organizações não
governamentais” que se multiplicaram a
partir da década de 80. E entre vários
intelectuais que criticam a “globalização
neoliberal” e propõem uma “democracia
cosmopolita” – como é o caso, por exemplo, do sociólogo norte-americano,
Immanuel Wallerstein e do filósofo italiano, Antonio Negri – mas de fato também consideram que a globalização eliminou as fronteiras econômicas e o poder dos estados nacionais. Neste sentido,
repetem quase as mesmas teses e argumentos de Rosa de Luxemburgo, em
1908, a propósito da irrelevância das lutas políticas nacionais, para os movimentos de esquerda. Rosa de Luxemburgo
falava de um “estado supranacional”, na
era imperialista, e Antonio Negri fala de
um “império pós-nacional”, na era da
globalização. Negri ainda vai mais longe
e considera que “a construção do Império é um passo a frente para se desembaraçar de toda nostalgia com relação às
velhas estruturas de poder que o precederam, e para recusar toda estratégia po29
lítica que implique no retorno aos velhos
dispositivos de poder, como seria o caso
dos que se propõem ressuscitar o Estado-Nação, para se proteger contra o capital mundial.” ( Hardt e Negri, 2000,
p: 73). O argumento de Wallerstein é diferente: ele supõe que esteja em curso
uma crise terminal do “sistema mundial
moderno” e uma “transição” para um
novo um novo mundo ou “universo” pósmoderno, que ele prevê para 2050. Como
conseqüência, quem quiser “influir de
maneira efetiva nesta transição geral do
sistema mundial, para que ela avance em
certa direção e não em outra, o Estado
não é o principal veículo de ação. Na verdade, ele é um grande obstáculo. Por isso,
o objetivo não deve ser mais a tomada
do poder estatal, é assegurar a criação de
um novo sistema histórico, agindo ao
mesmo tempo no nível local e global” (
Wallerstein, 1995 p: 6 e 7). Em síntese,
os argumentos variam mas a conclusão é
uma só: todos consideram inútil a luta
política da esquerda, pelo controle do
poder dos estados nacionais.
rio, ela tem sido uma grande multiplicadora
dos próprios estados. No início do século
XX, os estados nacionais não passavam
de 30 ou 40 e hoje são cerca de 190 gerados na forma de três grandes ondas: a primeira, logo depois da 1º GM, quando se
dissolvem os impérios austro-húngaro e
otomano; a segunda, depois da 2 º GM,
quando se dissolvem os impérios europeus
na Ásia e na África e a terceira, finalmente, quando se desintegra o espaço territorial
do velho império russo, logo depois do fim
da URSS. Neste sentido, se os estados
nacionais originários nasceram na Europa
do século XVI, e não eram mais do que
sete ou oito, foi no século vinte que eles
se transformaram num fenômeno universal ou global. Fica difícil, nesse sentido,
anunciar a “morte dos estados” na hora
exata em que eles se multiplicam e intensificam a sua competição, sobretudo se tivermos em conta que a maioria dos quase
duzentos estados nacionais existentes nasceram durante o período áureo da
globalização, ou seja na segunda metade
do século vinte ? (Fiori, 1997, p: 133) Talvez por isto mesmo, apesar da retórica
globalista, a luta pela democratização das
sociedades capitalistas e pela conquista da
cidadania, segue se dando no espaço de
poder dos estados nacionais. Ou seja, existem ‘causas’ e reivindicações que são
internacionalistas, mas as lutas e conquistas fundamentais seguem sendo travadas
território por território, estado por estado,
onde os pobres e “excluídos” da terra são
‘estocados’, e onde se geram e acumulam
os recursos capazes de alterar a distribuição desigual da riqueza e do poder entre
os grupos sociais. Além disto, não há indícios de que a globalização econômica e as
Do ponto de vista estritamente político e programático, esta proposta
antiestatal e de recusa do governo se enfrenta com a mesma dificuldade de todos
os “internacionalismos” anteriores: ela reúne um número muito grande e heterogêneo de reivindicações que só podem avançar quando são confrontadas com algum
poder capaz de resistir ou de atendê-las. E
este poder segue organizado de forma
territorial e nacional, os estados ainda não
desapareceram, pelo contrário, seguem se
multiplicando. Como se pode sustentar a
tese de que globalização está acabando
com os estados nacionais se pelo contrá30
novas tecnologias de comunicação consigam por si só viabilizar algum tipo de ‘democracia cosmopolita’, que segue sendo
uma hipótese muito longínqua e improvável, uma verdadeira utopia, quase
metafísica. Por fim, a globalização não alterou algumas condições e contradições
básicas do capitalismo, por isso, no plano
retórico se pode falar de uma “globalização
solidária” porque é uma forma de protestar. Mas na verdade é impossível pensar
numa globalização capitalista que seja “fraterna”, porque afinal, a ‘globalização’ é
apenas um novo nome de uma tendência
secular do desenvolvimento desigual do
capitalismo, da mesma forma que a polarização da riqueza entre as nações e as
classes sociais.
Às vezes, parece que algumas idéias e polêmicas ficam congeladas e esquecidas por longos períodos, e depois reaparecem, de tempos em tempos, quase
idênticas, deixando claro que o problema
persiste e não foi resolvido teoricamente.
Como no caso desta discussão sobre os
processos históricos de globalização do
poder e do capital, e suas relações com
as lutas políticas nacionais dos povos. A
Internacional Socialista, em 1896 e a social-democracia russa, em 1903, incluíram nos seus programas, pela primeira
vez, o direito universal à autodeterminação das nações. Mas ao mesmo tempo,
Rosa de Luxemburgo, Karl Rádek,
Joseph Strasser e vários outros membros
da chamada “oposição de esquerda”,
minoritária dentro da Internacional, se
negaram a reconhecer este direito, ou a
participar da luta pela autonomia das nações, que segundo eles se encontrava na
contra-mão do movimento geral do capitalismo e do internacionalismo proletário.
Eles também achavam – no início do século XX - que o “tempo” dos movimentos nacionais havia terminado, e que os
povos oprimidos não tinham mais soluções econômicas e políticas nacionais.
Este conflito tem raízes teóricas antigas,
e no caso dos marxistas, talvez remonte
ao próprio Marx e sua teoria da acumulação do capital e da globalização do
“modo de produção burguês”, onde não
aparece o poder político e os estados nacionais, que viriam a ser o tema central
da teoria “marxista” do imperialismo. Mas
assim mesmo, a ambigüidade se mantém, na teoria do “capital financeiro” e da
“economia mundial” de Rudolf Hilferding
e Nicolai Bukarin. Ambos falam de uma
Por outro lado, do ponto de vista do
argumento e da proposta econômica da
“esquerda globalista”, deve-se reconhecer
que existem muitos estados e economias
nacionais que não tem soberania real e têm
enorme dificuldade de levar à frente o seu
desenvolvimento econômico. Mas, ao
mesmo tempo, existem outros países que
devido às suas dimensões, não têm outro
caminho senão lutar pelo seu próprio desenvolvimento. E nestes casos, a pergunta que fica é sobre o que pode propor
este novo socialismo utópico e esta esquerda globalista, no caso destas economias e estados nacionais que não tendem,
nem podem desaparecer? A simples multiplicação de experiências econômicas locais de tipo solidário ou do “terceiro setor” não acabaria se transformando num
projeto permanente de criação de “ilhas
de felicidade solidária”, numa espécie de
“micro-tribos” ou seitas urbanas e rurais,
a espera do fim do capitalismo?
31
tendência do desenvolvimento capitalista
que aponta na direção do “império global” do capital financeiro. e ao mesmo tempo reconhecem o papel decisivo do poder
político e dos Estados Nacionais, para o
sucesso “global” dos seus capitais financeiros. (Fiori, 1997, p:141 e 142) Logo
depois, veio o debate do marxismo “austríaco” sobre a importância da “questão
nacional” e, mais à frente, a defesa soviética dos movimentos de “libertação nacional”, na Ásia e na África, mas a questão
teórica e histórica fundamental seguiu sem
uma resposta definitiva. Portanto, não é
de se estranhar que o tema das relações
entre a luta política da esquerda, com os
estados nacionais, os impérios e a
globalização do capitalismo tenha reaparecido com tamanha intensidade, depois
da derrocada de 1991. Mais do que isto,
do nosso ponto de vista, esta é a verdadeira fronteira teórica que divide hoje a
esquerda internacional, impondo-se, portanto, uma retomada histórica e teórica do
problema, como condição para o
desbloqueio dos caminhos do futuro.
ímpeto de moldar, dentro do continente,
estados nacionais relativamente poderosos, centralizados e homogeneizados,
enquanto as potências européias passavam a lutar entre si nessas zonas imperiais”. (Tilly, 1996 p:244). Este fato histórico permite falar da existência de um
verdadeiro paradoxo na origem do sistema estatal: “ao nascerem, seus primeiros
estados se expandiram imediatamente
para fora de seus próprios territórios
transformando-se em seres híbridos, uma
espécie de “minotauros”, meio estadomeio império. Enquanto lutavam para
impor seu poder e sua soberania interna,
já estavam se expandindo para fora dos
seus territórios e construindo seus domínios coloniais. E, nesse sentido, se pode
dizer que o “império” foi uma dimensão
essencial destes primeiros estados nacionais europeus” que se transformaram no
“núcleo central” competitivo do sistema
estatal europeu, o núcleo dos “estadosimpérios ou das Grandes Potências”.
(Fiori, 2004, p: 38). Ao pesquisar este
mesmo processo de formação, Max
Weber identificou um tipo de relacionamento indissolúvel entre esta competição
política dos estados e o processo simultâneo de acumulação do capital: “os estados nacionais concorrentes viviam
numa situação de luta perpétua pelo poder, na paz ou na guerra, mas essa luta
competitiva criou as mais amplas oportunidades para o moderno capitalismo
ocidental... (neste sentido) foi o Estado
nacional bem delimitado que proporcionou ao capitalismo sua oportunidade de
desenvolvimento...”. (Weber, 1961: 249).
Os ganhadores desta competição foram,
sempre, os que conseguiram chegar mais
Charles Tilly, sociólogo norte-americano que fez longa pesquisa sobre a formação dos estados europeus, fornece
uma pista histórica importante para repensar a origem e a ambigüidade permanente destas relações entre o capitalismo
e o sistema interestatal. No final de sua
pesquisa, Tilly conclui que “no momento
em que os impérios se estavam desfazendo dentro da Europa, os principais
estados europeus criavam impérios fora
da Europa, nas Américas, na África, na
Ásia e no Pacífico. E portanto, a construção destes novos impérios externos
propiciou alguns dos meios e parte do
32
longe e garantir o controle de “territórios
políticos e econômicos” supranacionais
mais amplos do que o de seus concorrentes, seja na forma de colônias, domínios ou de periferias independentes. “E
neste sentido, se pode entender melhor
porque a “expansão e universalização do
sistema capitalista não foi uma obra apenas , foi e será sempre o resultado da
competição entre “estados-economias
nacionais” que conseguem impor a sua
moeda, a sua “dívida pública”, o seu sistema de crédito” e o seu sistema de “tributação”, como lastro monetário do seu
capital financeiro dentro destes territórios econômicos supranacionais em expansão contínua” (Fiori, 2004, p:46)
político territorial, através do mundo.
Além disto, do nosso ponto de vista, o sistema mundial não existiria na sua
forma atual caso não tivesse ocorrido, na
Europa, o casamento entre os estados e
as economias nacionais. E, a partir deste
momento, o que se chama muitas vezes
de globalização, é o processo e o resultado de uma competição secular entre estes estados-economias nacionais. A hierarquia, a competição e a guerra, dentro
do núcleo central do Sistema Mundial,
marcaram o ritmo e a tendência do conjunto, na direção de um império ou estado universal, e de uma economia global.
Mas este movimento não tem nada a ver
com o avanço de uma espécie de “razão
hegeliana” de natureza global e convergente. Pelo contrário, é um movimento
que avança sempre liderado por algum
estado e economia nacional em particular. E, por isto mesmo, nunca se completa, porque acaba se encontrando com a
resistência das demais “vocações imperiais” do sistema. Os ganhadores transitórios, desta competição, foram sempre os
que conseguiram chegar mais longe e garantir de forma mais permanente o controle de “territórios políticos e econômicos” supra-nacionais, mantidos na forma
de colônias, domínios ou de periferias
independentes, mas pouco soberanas.
Você já disse isto um pouquinho à frente, portanto, retome de outro jeito. Mas
só duas das Grandes Potências lograram
impor o seu poder e expandir as fronteiras de suas economias nacionais, até quase o limite da constituição de um império
mundial: a Inglaterra e os Estados Unidos. Esse processo deu um passo enorme, depois da generalização do padrão
Resumindo nosso ponto de vista: o
sistema político e econômico mundial,
não é o produto de uma somatória simples e progressiva de territórios, mercados, países e regiões. Do ponto de vista
histórico, o sistema mundial foi uma criação do poder, do poder expansivo e conquistador de alguns estados e economias
nacionais européias, que se constituíram
e se transformaram, durante o século
XVII, no pequeno grupo das Grandes
Potências. Até o século XIX, o sistema
político mundial se restringia quase exclusivamente aos estados europeus, aos
que se agregaram, no século XIX, os novos estados independentes americanos.
Mas foi só na primeira metade do século
XX que o Sistema incorporou, no seu
núcleo central, duas potências “expansivas” e extra-européias, os Estados Unidos e o Japão, um pouco antes que se
generalizasse, na segunda metade do século XX, o estado nacional como a forma dominante de organização do poder
33
ouro e da desregulação financeira, promovida pela Inglaterra, na década de
1870. E deu outro passo gigantesco depois da generalização do padrão “dólarflexível” e da desregulação financeira,
promovida pelos Estados Unidos, a partir da década de 1970. (Fiori, 2005)
desregulados produzem, no longo prazo,
no mundo do trabalho, da terra, do dinheiro e da própria capacidade produtiva
das nações. Segundo Polanyi, foi isto que
ocorreu na Europa, entre os séculos XIX
e o XX, quando nasce e se expande um
movimento simultâneo de defesa nacional e social contra o “moinho satânico”
dos mercados desregulados, o movimento que está na origem macro-histórica dos
grandes progressos democráticos, sociais
e políticos, do pós II Guerra Mundial.
Em 1944, Karl Polanyi formulou
uma tese original e provocadora a respeito desta contradição do sistema mundial
e do seu impacto dentro das sociedades
nacionais. Polanyi identifica um “duplo
movimento” na história do capitalismo,
provocado pela ação de dois princípios
universais do sistema. Um, seria o “princípio do liberalismo” econômico que
move a globalização ou universalização
permanente dos mercados auto-regulados.
E o outro, seria o princípio da
“autoproteção social” que aparece como
uma reação defensiva e nacional das
“substâncias sociais ameaçadas pelos
mercados”. (Polanyi [1944], 1980: 164).
Muitos interpretam o “duplo movimento” de Polanyi como se fosse uma seqüência no tempo ou como se tratasse
de um movimento pendular ao longo da
história. Do nosso ponto de vista , entretanto, se trata, uma vez mais, de uma
relação dialética entre o nacional e o internacional, o econômico e o político,
entre o curto prazo das lutas sociais e o
longo prazo das grandes transformações
mundiais. (Fiori, 1999, p:63) As resistências que acabam paralisando e corrigindo
a expansão entrópica dos mercados autoregulados nascem de dentro da própria
expansão mercantil, se manifestam nos
interstícios do mundo liberal, e se fortalecem com a destruição que os mercados
Polanyi não previu o retorno, no final do século XX, do “princípio do liberalismo” e da crença cega nos mercados
auto-regulados. Do nosso ponto de vista,
entretanto, não é impossível que a América Latina esteja vivendo o início de uma
nova etapa de convergência entre as lutas nacionais e sociais dos povos menos
favorecidos. A euforia liberal arrefeceu
depois de 2000 e a guerra e o “poder das
armas” voltaram ao epicentro do Sistema Mundial, ao mesmo tempo em que
se multiplicam as novas formas de protecionismo das Grandes Potências econômicas. Mas à sombra imediata do poder
global dos Estados Unidos, pode estar se
abrindo um novo espaço e uma grande
oportunidade para uma convergência
“virtuosa” entre a ação “autoprotetora”,
nacional ou regional, dos novos governos de esquerda latino-americanos, e a
ação reivindicativa e mobilizadora dos
movimentos sociais e partidos de esquerda que lutam na região, contra a desigualdade e a polarização da riqueza e da
propriedade privada. Pelo menos, esta é
a esperança que circula nas “veias abertas” deste continente, neste início do Século XXI.
34
III – A organização e a emancipação de classe
Ademar Bogo
Março 2006
Não há dúvidas de que a organização é a forma universal de reunir em um
mesmo contingente as idéias e a força
para alcançar as mudanças pretendidas.
Também é universal que, a classe trabalhadora é a classe em ascenção na luta
pelo poder, para organizar o socialismo e
isto se torna cada vez mais evidente quanto mais o capital procura invadir todos os
espaços mundiais; e faz as forças contrarevolucionárias também se organizarem.
procuram destruí-la a partir dos aspectos
mais frágeis que esta estrutura possui.
Neste sentido, a estrutura ganha qualidade quanto maior for a intensidade de golpes do inimigo, isto porque ela jamais
pode se deixar destruir. É a força contrária que “qualifica” a força a favor. Ou
ela se qualifica ou desaparece.
Estabelecida a estrutura básica, a
organização pensa e elabora os métodos
de ação. Neste item reside a esperteza,
tanto para derrotar o inimigo, quanto para
cativar as forças externas que devem,
concretamente, ou psicologicamente, colocarem-se a favor.
Esta relação de elementos contraditórios ganha forma e conteúdo quando
estabelece a sua estrutura de funcionamento e elabora os métodos para colocar
em movimento as forças e as idéias.
O método, ou a colocação dos meios para a construção do caminho, para
chegar ao determinado fim ( por isso a
importância da definição estratégica, sem
ela não se sabe para onde ir), utiliza-se
das circunstâncias históricas e da estrutura orgânica para desencadear as ações
táticas.
Na estrutura está o perfil da organização, ou seja, ela tem o papel de dar
suporte a imagem organizativa que, dependendo das circunstâncias históricas e
do tipo de táticas que deve desenvolver
para alcançar o objetivo final, pode ser
mais centralizada ou mais participativa.
Há nisso tudo a possibilidade da
variação de momentos diferenciados. Ou
seja, as forças em confronto podem, por
pressão social ou por audácia estratégica, reformular as táticas, e por isso, a
estrutura da organização ampliar-se ou encolher-se para qualificar-se.
O desencadear das táticas, cria e
articula cenários. É a dinâmica do movimento das forças que provoca estas modificações permanentes. Ganha terreno a
força que conseguir enfraquecer a outra.
O objetivo da organização não é a
tática ( luta, produção, escola...) estas
servem de meio. O objetivo é ir até o
fim. Para isto é que se torna fundamen-
O fato é que, se a organização avança para táticas mais radicais, os inimigos
35
tal o uso da inteligência, pois, dependendo da capacidade, há avanços que se pode
conseguir com o uso variado de táticas
combinadas. As ações táticas podem ser
de massa, mas também de outra natureza. O inimigo tem que ser levado a ceder
e a derrota.
contrária, e, principalmente dentro da legalidade, pode visar mais a derrota da tática escolhida e menos o aniquilamento
da organização.
Neste caso, se o movimento social
é maior, mais vigoroso, que a tática que
utiliza naquele local de enfrentamento,
tem maiores garantias de sobrevivência,
mesmo que aquela parte da força localizada tenha sido aniquilada. A continuidade dos enfrentamentos estratégicos depende dos meios utilizados e dos resultados dos enfrentamentos táticos.
Logo, a organização precisa estar
preparada para agir em diferentes cenários. A distribuição de tarefas, dependendo do avanço, necessita cada vez mais
preparação. Há tarefas para grandes contingentes de massas, mas também para
pequenos grupos. Como essas forças se
movem, depende da capacidade de planejamento, colocação e direção das mesmas.
O que buscamos com uma organização é a emancipação da classe trabalhadora. Não é somente a luta e o
enfrentamento tático e estratégico, mas a
construção da consciência que sustenta a
conquista estratégica, e elevar o ser humano a uma nova condição social e política. Então, ninguém luta para os outros,
cada qual deve participar por si próprio,
representar-se e tornar-se a própria revolução.
Em qualquer circunstância histórica o papel de quem dirige é ser parte de
um coletivo. Depender dele e não ao contrário.
Este coletivo é que avalia os avanços e os recuos no planejamento. Estabelece a política de alianças com outras
forças e tem a capacidade de redifinir às
táticas, sempre em função da estratégia;
elaborar os métodos de ação, garantindo
os meios e a qualificação dos executores,
e orientar a colocação das forças, seja a
nível de produção de uma opinião favorável ou a participação direta nas ações.
O caminho para isto é rápido com
pequenos grupos, mas longo para grandes contingentes de massas.
O que mais devemos considerar
neste ordenamento lógico dos elementos?
Vamos relacionar três aspectos que
nos ajudam a ir além do que a simples
força e a inteligência: 1) O Fetiche da
Propriedade 2) A Alienação da Organização; 3) A Emancipação dos direitos. Embora não se deva separá-los, pela sua
interligação concreta, mas por recurso
metodológico, aqui o faremos.
A natureza das táticas determina os
meios que devem ser usados. Quando
duas forças se enfrentam, uma sempre
pretende derrotar a outra. O alcance desta vontade é que obriga o uso de certos
meios.
Quando se trata de uma luta social,
articulada por um movimento, a força
36
I – O fetiche da propriedade
ocultar as características do trabalho empregado para produzi-la, ela adquire uma
força que determina as próprias relações
sociais.
Esta palavra é pouco usada nas discussões políticas, mas está muito freqüente na vida cotidiana, onde é conhecida
como “feitiço”.
Marx procurou interpretar através
da “teoria do valor”, onde percebeu que,
um objeto tem duplo valor: de uso e de
troca.
Se buscarmos em qualquer dicionário, vamos encontrar o básico desta
definição. Fetiche: “Objeto animado ou
inanimado, feito pelo homem ou produzido pela natureza, ao qual se atribui poder sobrenatural e se presta culto”.
Ao ir para o mercado, o objeto perde o valor de uso e adquire um valor de
troca. Este valor a princípio é calculado
pelo “tempo social” gasto para produzilo. Como por exemplo, uma blusa de lã
feita manualmente e um armário que um
artesão faz, preparando ele mesmo a
madeira. Se o armário levou 10 dias para
ser feito e a blusa 8 dias, significa que,
ao se comparar os objetos, os valores são
diferentes, então, um dos dois merece um
complemento no pagamento.
De forma simplificada, podemos
dizer que, o fetiche é uma invenção humana, ou criado por força da natureza
que, pelo poder da imaginação, acrescenta-se aos objetos um poder que estes não
tinham, a partir disso, passam a dominar
as relações sociais.
Esta relação com o objeto se dá de
múltiplas formas. Ao tratar do assunto,
(ao contrário de Feurbach que tomou
Deus como invenção humana, como produto de sua imaginação ou objetivação),
Marx, identificou nos produtos do trabalho, a mercadoria, como referência, para
demonstrar que nela se esconde algo
“misterioso”, pois ela é “cheia de sutilezas metafísicas e argúcias teológicas.”1
Com o passar do tempo ocorreram
duas grandes mudanças: a) os produtos
deixaram de ser produzidos individualmente e muitos objetos foram feitos com
a matéria prima produzida por outras pessoas, sendo também vendidos por outras
tantas, e ficou difícil calcular o tempo
social gasto para produzir; b) Surgiu o
dinheiro, e com isso um dos lados da troca antiga, deixou de ser produto concreto. O dinheiro tem um valor abstrato, pois
não se sabe quanto tempo social existe
em uma nota de R$ 1 real.
Significa então, que a mercadoria,
contém em si uma força “estranha”, criada pelo trabalho e pela capacidade humana. A partir da sua constituição, a mercadoria torna-se “misteriosa” simplesmente por encobrir as características sociais
do próprio trabalho, diz Marx, logo, ao
Mas o dinheiro também é uma mercadoria, porém com um poder “mágico”
abstrato. Ele comanda as relações entre
as pessoas. Qualquer coisa que não seja
para uso próprio, ao ser produzida, tem
o objetivo de ser trocada por dinheiro,
1 Karl Marx. O Capital. Vol. 1. pg 79
37
porque somente através dele é que se
pode adquirir outro objeto que está na
vitrine da loja, que faz as pessoas dialogarem sobre ele; pensarem intensamente
como se estivessem apaixonadas, modificarem até mesmo os hábitos de comportamento e de consumo se preciso for,
para economizar e adquirir aquela mercadoria que tem um valor de troca estabelecido em preço.
Embora ela não seja paga em
dinheiro pelo beneficiário da reforma agrária, mas este emprega um tempo social determinado para conquistá-la que lhes dá
o direito a ser dono.
Embora a terra seja um bem da
natureza, está no mercado como
qualquer outro objeto, e o título
de propriedade é a autorização
para trocá-la por dinheiro, ou
mesmo que não seja colocada à
venda, o proprietário tem nela o
objeto do fetiche, criado pela
imaginação na diversidade de
planos que faz.
Então se forma o fetiche. Ao vermos o objeto na vitrine, seja um tênis ou
uma camisa, vemos a mercadoria e não
o processo de sua produção. Por isso as
relações no mercado vão se dar entre as
coisas e não entre as pessoas.
Se não vejamos, quando alguém vai
à loja onde está a mercadoria exposta,
dirige-se diretamente à vitrine e não ao
dono, ou ao vendedor. O comprador quer
encontrar-se com o produto e não com
as pessoas. Essas, pouco interessa, servem de meio para o encontro. O vendedor, tem nome, problemas pessoais etc.
mas isto tudo some. Tanto o vendedor
quanto o comprador estão ali por causa
das mercadorias, sem elas não haveria
aquele encontro. Um tem o tênis para
vender, o outro tem o dinheiro para comprar. De onde vieram? Não importa.
Atribui-se à propriedade individual um poder sobrenatural. Inicialmente o latifundiário mobiliza todos os poderes humanos
para garantir que a propriedade
continue intacta. Depois de conquistada e dividida, para que
“ninguém pise” sobre ela, o pequeno proprietário, cerca-a com
arame e passa a vê-la como valor de troca, ou reserva de valor,
herança etc.
Este poder sagrado dado à propriedade é que atrai o acampado. Dizer que ele não tem direito a seu lote, é como alguém pregar, em uma Igreja, que Deus
não existe! De imediato, os que
pensam diferente, vão para outro local, onde se confirme o seu
imaginário.
Como este fetiche ocorre em nossa
organização? Vejamos alguns dos diferentes aspectos.
a) Na propriedade individual da
terra.
A propriedade da terra é um direito constituído pela moral e
garantido pela lei.
E por fim, o fetiche do valor de
troca da propriedade da terra,
38
baseado no preço de mercado
está sempre presente. Cada um
calcula quanto deve valer o seu
lote se quiser trocar por dinheiro.
letivo.
Deixa-se não só de perceber o
tempo social gasto para produzir aquelas mercadorias adquiridas, como também, há muita rejeição para fazer um novo bem
de uso com tempo social ou trabalho coletivo.
Esta contradição é oriunda do
modelo de reforma agrária instituído pelo Estado e o mercado
no capitalismo. Não é permitida
a estatização da terra, fundamentalmente porque a propriedade dela tornou-se simples mercadoria. Então ela adquire um
valor de troca regional, que não
se apega à quantidade de
benfeitorias, fruto do trabalho,
mas ao preço estabelecido por
medidas, hectare, alqueire etc.
c) Na produção e venda da produção.
A produção agrícola também, ao
ser trocada por dinheiro, vira
mercadoria. Perde com isso o
poder de competição moral como
alimento, que não deveria ser
mercadoria.
Quem produz o alimento não o
vê como tal, mas como uma mercadoria que deve ser trocada por
dinheiro, que possibilitará a aquisição de outra mercadoria sonhada.
b) No recebimento dos créditos
O crédito é dinheiro, e como tal
tem um valor abstrato. Mas ele,
a partir do recebimento, tem valor de troca absoluto.
A produção então não é vista
como um meio de combate e
enfrentamento, mas apenas como
uma possibilidade de ir e conseguir espaço no mercado. Logo, a
escolha do que plantar se fundamenta primeiramente na
potencialidade de lucro. Neste
sentido, o uso dos mesmos
insumos e da matriz tecnológica
do agronegócio, é a perda da noção do significado do alimento
como relação social e política.
Por que em primeiro lugar, induz a desconfianças e a desavenças internas a partir de sua
liberação?
Porque as mercadorias (o dinheiro e o objeto sonhado, roupa,
colchão etc) “querem se encontrar” e, cada “credor”, ( assentado) precisa levar a sua parte (
o dinheiro) para o mercado.
Então, com a mercadoria dinheiro na mão, o imaginário dá vida
aos objetos que passam a influir
nas relações sociais e políticas e
perde-se a oportunidade do planejamento e do crescimento co-
Isto influi diretamente nas relações sociais. Ou seja, a sociedade que compra não diferencia,
nem percebe que benefícios a
39
reforma agrária lhes traz.
terra, é vista como ameaça aos
planos individuais e não como
meio para diminuir os sacrifícios
e aumentar as facilidades.
d) No desejo e o prazer individual da compra
O desejo de liberdade diz respeito a negação de aplicar coletivamente o tempo social para produzir novas mercadorias ou bens
de uso.
Contrariamente ao operário que
produz lado a lado com outro
operário, onde a sua obrigação
diária está determinada pelas horas trabalhadas, o restante está
livre para visitar as mercadorias
que pretende comprar no fim do
mês com o salário que receberá.
O camponês cooperado tem outras obrigações, com reuniões,
planejamentos, trabalho voluntário etc. que ocupa seu tempo e o
impede de exercer a sua “liberdade”.
Como as relações se dão entre
as mercadorias e não entre as
pessoas, ou seja, as pessoas são
intermediárias para levar as mercadorias ao mercado, as relações
humanas “perdem” a importância, e, a relação entre mercadoria e dinheiro, ganha força.
Em uma sociedade de consumo
exacerbado, fazer pelos outros no
coletivo ( compras por exemplo)
ou impedir que alguém se coloque como intermediário, para, ir
ao mercado trocar mercadorias,
é tirar dele o direito sagrado de
se relacionar com a “divindade”
que há nas mercadorias. Fazer
compras no capitalismo é um prazer, e cada um quer ter o seu.
Então se revolta toda vez que a
coletividade limita seus interesses particulares e por isso, busca
sempre alternativas de individualizar-se e isolar-se cada vez
mais.
Podemos então concluir este tópico, chamando a atenção para
a necessidade da mudança da finalidade do trabalho. Se ele está
voltado para a produção de mercadorias, as relações sociais estarão sempre revestidas do fetiche da troca material por dinheiro.
Isto ocorre porque, para o capital, antes de ser uma sociedade
de pessoas, há uma sociedade de
mercadorias que precisam se relacionar para gerar lucro. Daí vem
um dos aspectos da resistência em
relação à cooperação.
Se ele for visto como meio de
transformação da sociedade, as
ações sejam elas no campo da
produção, na educação nas escolas ou no esforço da preservação ambiental, ganham o signifi-
e) Na perda do espírito da convivência social.
A cooperação no sentido mais
primário frente a propriedade da
40
II – A alienação da organização
cado de meios de combate ao
poder da classe dominante.
A palavra “Alienação”deriva do latim “ALIUS” que significa, “outro”. Separar-se do outro (pessoa ou objeto produzido), é perder o controle sobre si próprio, deixar de ser sujeito do resultado de
seu próprio esforço. É neste sentido que
aqui é empregado o conceito.
A superação do fetiche ou deste
poder que as coisas tem sobre as
pessoas, como se tivessem uma
força sagrada que as domina,
somente virá pelo avanço da
consciência da inutilidade desta
relação. Como bem disse Marx:
Se Marx utilizou o conceito ligado
ao trabalho, não significa que tenha
desconsiderado a mesma aplicação no
resultado de qualquer outro tipo de esforço humano.
“...O reflexo religioso do mundo real só pode desaparecer,
quando as condições práticas
das atividades cotidianas do
homem representem, normalmente, relações racionais claras entre os homens e entre este
e a natureza...”2
Em nossa reflexão, e por necessidade, teremos que empregar o conceito
de alienação nas relações sociais e políticas, quando o “outro” é a própria organização, fruto do esforço de “militância”,
e os que arriscam a vida neste objetivo
comum.
Ou seja, somente no dia em que
as pessoas conseguirem livremente estabelecer, através da cooperação e da convivência, o controle do que fazem e, planejarem conscientemente a sua utilidade, estarão em condições de
superar o fetiche e deixar de ser
dominados pelas mercadorias.
Podemos então aqui relacionar três
aspectos básicos que caracterizam esta
alienação na organização:
1o – Não se reconhecer no objeto
que produz.
Somente se conseguirá retirar o
fetiche da mercadoria quando ela
deixar de ser um objeto de troca
e passar a ser um bem de uso,
neste caso, a produção de alimentos para uso benéfico da sociedade é o primeiro passo.
O objeto aqui é a organização que
integra quem tem necessidades concretas
para resolver. Estes empenham o tempo,
investem a si mesmos e suas famílias, e
submetem-se a todos os “contratos” ou
acordos necessários para a boa condução
da produção do resultado proposto.
Ao chegar a este resultado estabelecido pelo objetivo inicial, o “contrato”
é desfeito ou pelo menos sofre mudanças no seu conteúdo, porque até então
não havia a propriedade como
intermediadora.
2 Karl Marx. O Capital. Vol.1. pg 88
41
Ao conquistar a propriedade ( com
baixo nível de consciência) o acampado
vira assentado, adquire nova natureza e
passa a se relacionar com outro objeto, (a
propriedade), e se aliena da causa que vinha produzindo na organização política
para conquistar a propriedade, mas também outros direitos até então abstratos.
tância, e em muitos casos, não eleva a
sua auto-estima.
Submete-se, por interesse e não participa por consciência e afinidade política. Tanto que a grande maioria dos acampamentos funciona com um coordenador geral, ele ( embora tenha coordenação, setores e comissões) faz o papel de
direção, de regimento interno, pois aplica as normas feitas ou as cria instantaneamente pelo poder que tem, e cria uma
dependência de si, de sua presença, de
sua palavra etc.
A partir deste momento, há uma
“ruptura”. O “sujeito” deparara-se com
o velho dilema: “ser ou não ser”. Ou seja,
ser, significa submeter-se a certas restrições, normas e obrigações, como por
exemplo, um dia de trabalho coletivo por
semana. Não ser, significa risco de perda
de benefícios etc. de modo que, o que
interessa não é o aperfeiçoamento do
objeto inicial ( a organização), mas a satisfação de seus próprios interesses enraizados no fetiche da propriedade. Ela
era um meio ( descartável) para chegar a
um fim ( a propriedade) definitivo.
Esta prática não sobrevive no assentamento. Lá as atividades cotidianas
são mais dispersas. Cada família tem informalmente o seu planejamento, a sua
autonomia e seus desejos futuros.
Significa que este ser acampado, deixa de existir ao ser assentado, lá é um novo
aprendizado com uma nova estrutura de
relações sociais, com uma dispersão política maior. O aprendizado anterior nem
sempre se sustenta, pois mudaram as condições materiais; elas passam a determinar o tipo de comportamento.
2o – Não reconhecer as mudanças em si.
O processo de convivência social
cria mudanças na cnsciência e no comportamento social. Quando este processo não é consciente, o “sujeito”tem dificuldades em reconhecer o seu crescimento, desconhece que a nova identidade lhes
trouxe um novo conhecimento.
É neste contexto que se percebe o
confronto teórico com a prática dos valores. Afloram os valores burgueses, pois
estes são determinantes na sociedade concreta, e se chocam com a moral imaginária de uma outra sociedade abstrata.
O resultado é medido pelo alcance
do objetivo material. Se conquistou a terra
então houve avanços, se não, perdeu seu
tempo.
3o – Não reconhecer os outros
como companheiros e companheiras.
Nem sempre o vizinho é um aliado,
às vezes é um competidor. A perda do
referencial político leva a ver os “iguais”
como diferentes. Aqueles que junto lutaram receberam separadamente sua re-
Como não consegue se perceber
como o agente fundamental da luta política pela reforma agrária, este acampado
desconsidera a sua força e a sua impor42
compensa.
balho, feito em tal fábrica. Ao
contrário, a alienação ( a separação entre ele e o objeto) o impede até de ter orgulho do que
fez.
Os projetos e anseios são diferentes, por isso as pessoas não se enxergam
enquanto classe, mas apenas como proprietários isolados.
Na organização, que leva as pessoas a participarem, mais por necessidade do que por ideologia e
consciência, a relação é semelhante. O operário precisa da fábrica para ganhar o seu salário,
o camponês do movimento para
conquistar a sua terra. Mas após
conquistá-la a organização perde a importância como acontece
com o operário no dia que se
aposenta. Agora são outros objetivos que nem sempre ele concorda. Organizar para ocupar é
diferente do que organizar-se
para produzir, morar etc.
Isto tudo nos traz, a princípio, três
conseqüências desastrosas, que é importante partir delas para reconstruir as formas organizativas.
a) O produto produzido ( a organização) pela prática militante, lhes
é estranho.
A alienação, ou seja, a separação do outro, leva a
desconsideração daquilo que foi
edificado. A organização tem importância relativa; os bens particulares, importância absoluta.
A organização não tem importância, a não ser nos momentos
de precisão como ocorre com a
divindade; só é interessante nas
horas de aperto, no resto do
tempo a consideram uma força
temerária, que, não devem
provocá-la, mas podem ignorála.
A organização para o alienado é
um estorvo, um impedimento
para realizar seus interesses, é
quem impõe restrições, e por isso
não lhes trás satisfação alguma
em participar dela. Ela foi importante para gerar o objeto da propriedade, mas já não é mais.
b) As conquistas alcançadas coletivamente não orgulham os conquistadores, nem ligam o resultado ao
meio para consegui-lo.
c) Perda do interesse da sociabilidade.
A quilo que tende para o individualismo é mais atrativo. Neste
campo nada é estranho ao indivíduo. Compreende as decisões
que toma, faz de seu jeito, ganha tempo, evita discussões e
conflitos, sente-se mais livre etc.
Quando um operário que produz
carros sai às ruas e se depara com
os carros estacionados, dificilmente sai a procura daquele que
ajudou a produzir, nem tampouco
divulga aos que passam que,
aquele carro é fruto de seu tra-
Há por outro lado que verificar o
43
conteúdo do conceito de sociabilidade. Na maioria das vezes damos a este conceito o conteúdo
de vida em “comunidade”, onde
tudo é regulado, programado e a
individualidade dilui-se neste ser
social coletivo insuportável.
É claro que temos limitações nisto
que estamos chamando de “reforma agrária popular”3, como período de transição
do capitalismo para o socialismo. Mas
podemos estabelecer alguns requisitos
fundamentais para orientar o que produzir, como circular esta produção e o que
consumir, seja a nível de insumos,
tecnologias e máquinas, e a função do
trabalho, do trabalhador e da trabalhadora neste conviver, para edificar novas relações. Destacamos três relações como
fundamentais:
Esta prática, mais do que uma
concepção, inibe a realização de
muitas vontades e, em lugares de
forças produtivas atrasadas, hábitos culturais contraditórios, a
tendência é a experiência não sobreviver.
a) A produção da renda e a cultura não se separam
Na sociabilidade verdadeira, as
pessoas tem função social. Elas
são o projeto e não os investimentos. Ou seja, as pessoas não
estão a serviço das estruturas que
constroem, estas servem de meio
para as pessoas desempenhem
sua função social.
Planificar a produção também é
cultura, mas há outros aspectos
que estão associados, como o
morar, o conviver, o lazer, o conhecer (escolar ou não), o participar, o reconhecimento e projeção, a emulação, a confraternização, o bem estar familiar, a luta
política e de classes, e outros aspectos.
Possibilidades de superação
b) A satisfação dos desejos com
a elevação da consciência
A superação é possível se houver a
construção coletiva e consciente do objeto que neste caso é o projeto de produção e a organização política para novos
fins. Quando alguém vai para a ocupação, tem um fim interesseiro que é ter a
sua terra, e, a organização serve para isto.
A vida social também é a realização individual. Há desejos a serem alcançados
Como, metas imaginárias que
nem sempre estão sintonizadas
com as metas sociais. Eliminase os excessos e desvios as ve-
Então o tempo de trabalho empregado individualmente pode ser diferenciado na sua forma e lugar, mas o produto
a ser produzido, a circulação e o consumo, e a transformação da sociedade pela
revolução, estão interligados no mesmo
processo consciente.
3 Conceito referenciado por João Pedro Stédile no es-
tudo sobre os tipos de reforma agrária.
44
zes pelas normas, mas é mais eficiente a eliminação quando a
consciência compreende por que
faz ou porque deve deixar de fazer.
formação para formar, da revolução para transformar e do socialismo para edificar a nova sociedade. Sem eles, corre-se o risco de errar. Como disse Ho Chi
Minh: “Um erro de uma polegada pode provocar um desvio de
uma légua”.4
Uma sociedade livre é uma sociedade culta. Sem elevar a consciência em suas diferentes formas é impossível construir o
novo durável. Se o assentamento é uma escola, há que ter aula
todos os dias no sentido da construção do ser humano e na elevação da consciência.
III - A emancipação humana
Marx ao tratar da questão da emancipação, diferenciou aquilo que chamou
de “emancipação política”, ou seja, a conquista dos direitos políticos e sociais, e a
“emancipação humana” que significa a
eliminação de todas as imposições e submissões, morais, nas relações de produção, sociais, ao capital e ao Estado. Trata-se portanto, da elevação da sociedade
ao nível de igualdade e liberdade em todos os sentidos.
c) A construção da organização
orientada por princípios e métodos
participativos.
Ninguém se apaixona por aquilo
que não o satisfaz. A organização é o resultado daquilo que
pensamos e fazemos. Mas este
pensar e fazer, devem ter fundamentos que são os princípios que
orientam os métodos do fazer
específico.
Descreveu ele como exemplificação a passagem do feudalismo para o
capitalismo. É claro que representou um
avanço para a sociedade civil; mas significou emancipação para os trabalhadores?
É claro que não. O que mudou de um
modo de produção para outro, foram as
formas de dominação e subordinação das
pessoas. Então afirmou Marx:
Estudar, planejar e realizar, são
três partes da ação que andam
juntas. Se apenas uma pequena
porcentagem de pessoas domina
o todo, e a maioria só aparece
na hora da ação, é “massa de manobra”, que tanto faz estar ali ou
em qualquer outro lugar, como
vemos às vezes peões ( sem-terra) participando das mobilizações
dos latifundiários.
“Por conseguinte, o homem não se
libertou da religião; obteve liberdade
religiosa. Não se libertou da propriedade, obteve a liberdade de propriedade.
Então, partir sempre dos princípios, da cooperação para cooperar, da educação para educar, da
4 Ho Chi Minh. Política. Pg 175
45
Não se libertou do egoísmo da indústria, obteve liberdade industrial”.5
deixa intacto o modo de produção. Continua a dominação a partir daí pela conivência. A luta de classes é o estágio superior da luta política, porque enfrenta o
poder coletivo da classe, onde, disputase o projeto e não apenas direitos.
Logo, podemos atualizar a reflexão
e dizer que, a conquista dos direitos que
a República trouxe para as sociedades
burguesas ocorreu da seguinte forma: o
ser humano não se libertou da ignorância, obteve direito à escola, escola, as
mulheres no se libertaram da discriminação, obtiveram direito ao voto; nem a
população de baixa renda conquistou direito à saúde, mas obteve o direito a consultas mais baratas; posteriormente os
direitos trabalhistas ( férias, décimo terceiro salário e aposentadoria); e para nós
atualmente, terra, créditos, ensino gratuito
etc. não significou emancipação, mas
como disse o próprio Marx – levou a redução do homem, de um lado, a membro da sociedade burguesa, a indivíduo
egoísta independente e, de outro, a cidadão do Estado, a pessoa moral. Ou seja,
bem comportada.
A conquista dos direitos, da “cidadania”, é chegar ao nível de cidadão que
alcança a condição de pagar pelos seus
benefícios ou que tem os requisitos básicos, para tentar buscá-los na democracia
da ordem burguesa.
Não significa que não se deva lutar
pelos direitos estabelecidos. O errado não
é lutar por eles, e nem esforçar-se para
conquistá-los, (eles são o ponto de partida para as lutas de massas), mas sim acreditar que isto seja suficiente e que, através disto chega-se à emancipação, isto
porque, o próprio Estado que, em certas
épocas reconhece esses direitos, em outras, os tira, em sintonia com o capital
para favorecê-lo.
É a inclusão na sociedade burguesa
das pessoas por ela rejeitadas para se equipararem ao grau conformador de cidadãos. Agora temos todos os documentos, propriedade, conta bancária, pagamos impostos, votamos nas eleições etc.
Alcança-se a emancipação segundo
as palavras do próprio Marx, quando,
“... o homem individual real recuperar
em si o cidadão abstrato e se converte,
como homem individual, em ser genérico, em seu trabalho individual e em suas
relações individuais; somente quando o
homem tenha reconhecido e organizado
suas próprias forças como forças sociais e quando, portanto, já não separa
de si a força social sob a forma de força
política, somente então se processa a
emancipação humana”6
Como pouco se discute este assunto nos meios políticos, de esquerda, confunde-se a conquista de direitos com
transformações políticas revolucionárias.
A luta política permanecendo na esfera dos direitos favorece o capital, o
mercado, o Estado e a moral burguesa, e
5 Karl Marx. A Questão Judaica.
6 Karl Marx. A Questão Judaica.
46
Se considerarmos do ponto de vista
concreto, o cidadão está um passo a cima
do indigente destituído de todos os direitos. Emancipa-se quando se torna sujeito coletivo, com determinação de organizar conscientemente as próprias relações
sem distinção entre social e política, essa
sociedade foi elevada ao nível superior
da esfera de dominação.
“A reforma agrária é dever do Estado”. É meia verdade. Como sabemos, o
Estado capitalista não tem interesse nenhum em fazer a reforma agrária, nem
pela ótica do desenvolvimento das forças produtivas, nem para a solução dos
problemas sociais. Já sabemos que sem
a ocupação o Estado não age.
Voltemos a idéia de transição, colocada acima através da “reforma agrária
popular”. Transição significa negociar,
mas não pode significar submissão, acomodação, ao contrário, deve haver muito esforço e autonomia para passar de
um estágio para outro. Então podemos
formular novas questões:
Neste sentido as palavras de ordem
precisam ir além do “direito nosso, dever
do Estado”, pois a emancipação completa exige também a tomada do Estado e a
sua destruição.
A luta de classes é responsável pela
mudança de cenários, em busca sempre
da superação das relações de dependência, seja do capital ou do Estado. Ela é o
caminho da construção da verdadeira
autônima onde não haja nem fetiche, nem
alienação, mas emancipação completa das
pessoas e da sociedade.
a) Como exigir educação de quem
não quer educar?
Se observarmos no campo da
educação, vinculada à origem do
conceito, “EDUCERE”, que significa tirar de dentro. A realidade, o ser humano, a convivência, o trabalho etc, nos leva a crer
que, não podemos “tirar de dentro” das políticas do Estado aquilo que deve ir além da simples
conquista do direito.
Neste sentido é que podemos formular em três questões para verificar a
relação dos movimentos sociais do campo com o Estado e dele criam dependência, como é o caso dos créditos, assistência técnica, convênios na área de educação e capacitação, reprodução de mudas
e sementes, a transformação social e a
emancipação dos seres humanos.
Isto porque, a Escola tem uma
dupla definição; “lugar onde se
educa” e “corpo de idéias”.
Costumeiramente o Estado oferece e impõe ambas as coisas. O
lugar, construindo o prédio escolar, e as ideais que são
estabelecidas no currículo, onde
os agentes executores não abrem
mão de suas ementas e propostas, basta verificar as discussões
1o – Qual é o papel do Estado e
dos movimentos que fazem a luta de
classes.
Até onde deve ir o papel do Estado
e quais são as tarefas políticas que ultrapassam os limites e as barreiras colocadas por ele, que impede o avanço para
construção da autonomia?
47
feitas com os departamentos de
agronomia nas universidades, ou
nas Secretarias de Educação, nos
municípios, para entendermos o
que significa o poder de dominação do Estado.
como meio para a luta de classes, contra o agronegócio e o
Estado, ao mesmo tempo, como
a assistência técnica integrada e
continuada, como a educação, a
mudanças de hábitos, consumo
de insumos orgânicos, feitos pelo
próprio trabalho local, a transformação dos produtos, a
comercialização e o consumo,
com a agitação e a propaganda.
Nisso está o nosso papel e não o
papel do Estado.
Mas acomodar-se dentro destes
limites é concordar com a dominação do Estado que está a serviço da classe dominante, logo,
nosso papel é ir além. No que
diz respeito ao corpo das idéias,
é avançarmos mais e mais, para
“tirar de dentro” da terra, da resistência, do cultivo tradicional
das sementes, da prática da cooperação, da convivência social,
o conteúdo da educação. É utilizar de todos os recursos para fortalecer a luta de classes em qualquer atividade.
c) Como dar função social à
propriedade se a referência imposta é
o módulo familiar, se os cadastros e
créditos são individualizados?
Na luta de classes as responsabilidades são coletivas, mas a luta
pela terra reduz a classe em relação individual com o Estado.
Embora se encaminhem as negociações de forma coletiva, mas
esta não persiste como prática da
cooperação e da planificação
ampliada.
b) Como exigir assistência técnica de quem não quer produzir alimentos?
Os convênios de assistência técnica temporários, reproduzem
apenas
o
modelo
do
“extencionista” que não se integra ao projeto e sim reproduz os
interesses de sua matriz.
Pode-se decidir investir os créditos coletivamente, mas o valor
total não são as necessidades dos
investimentos ou dos projetos,
mas a parcela de cada família.
Porque não há um plano de produção que o Estado tenha interesse que seja levado à frente.
Ficar no limite dos convênios
para a assistência técnica é satisfazer-se com a matriz tecnológica
dominante e cumprir o papel de
extencionista do Estado, e em
muitos casos, de fiscais dos Bancos financiadores.
2o – Qual é o papel dos movimentos sociais na destruição do Estado?
O Estado aqui é visto com dupla
constituição: a) Pela estrutura de poder,
A produção precisa ser vista
48
“sociedade política” e b) Pela estrutura
das classes sociais em confronto permanente.
Os camponeses e os indígenas hoje,
inicialmente cumprem o papel da classe
operária de ontem que mantinha o capital em estado de alerta. A luta de classes
mais acirrada na atualidade desloca-se
para o campo, onde está a água doce, os
minérios, as florestas e a biodiversidade;
as terras férteis e a reprodução das sementes. O capital precisa deste espaço
para revigorar-se.
Negociar como Estado não significa preservá-lo da destruição. Ele é o
referencial do poder da classe dominante
que tem responsabilidades sociais no período em que o poder está com a classe
dominante, neste caso a burguesia.
Os movimentos sociais estão
imersos na luta de classes, embora muitas vezes acreditem que apenas lutam por
conquistas imediatas. Os interesses são
de classes e os movimentos também são
de classes. Os trabalhadores tem os seus
aparelhos, assim como os dominadores
tem os seus.
Falar em reforma agrária hoje, é
provocativo, quase como no período da
década de 1960 falar em comunismo, incomoda demais o capital financeiro. Logo,
a luta reinvindicatória, a luta econômica
ou qualquer outro tipo de luta, tende a chocar-se com interesses de grupos e não mais
de indivíduos separados. Por isso, tudo o
que fizermos é luta de classes.
Os interesses da classe dominante
articulam-se através de seus instrumentos de poder, ora por dentro do Estado,
ora por fora. O que não impede de que
estes utilizem o Estado como estrutura
legal de poder para reprimir os movimentos sociais.
Neste sentido a classe e o Estado
estão juntos no mesmo projeto de dominação. Lutar contra um é enfrentar a reação dos dois. Por isso a revolta da classe dominante quando Lula colocou o boné
do MST. Foi como se o centro avante do
time tivesse feito um gol contra. É uma
coisa inexplicável.
A luta de classes, é luta continuada
e cada vez mais acirrada. Neste período
de “baixo perfil” repressivo, devido ao
enfraquecimento da luta sindical que
conflitava com o capital e, os partidos
políticos aceitaram o desafio de gerenciar
o Estado em troca da legalidade, os movimentos sentiram que se desfez o “bloco histórico” anterior e devem pensar em
reconstruí-lo em outro patamar.
Então a luta de classes deve atingir
a essência da consciência das massas.
Não pode estar apenas na cabeça do círculo dirigente. Cada ação, por mais pequena que seja, deve ser combustível
para esta grande luta pela destruição do
Estado atual e o controle do capital.
Os camponeses deste século estão
convidados a construírem com solidez as
suas organizações, com quadros e a estrutura organizativa capaz de enfrentar os
grandes inimigos de sua existência. Devem a partir disso virarem-se para fora
Então coube aos movimentos mais
avançados o dever da convocação para a
elaboração do projeto político, da classe
trabalhadora, com as forças sociais interessadas.
49
da propriedade. Olharem para o horizonte onde está a sociedade e o restante da
luta de classes. A aliança entre as forças
a nível nacional e internacional nunca foi
tão importante.
Que tipo de estrutura social, costumamos edificar nos assentamentos? Que
tipos de invenções são “adoradas” como
nossa própria criação? A bodega e outros
tipos de sub-exploração, não seriam o
fetiche que precisaria de algo material para
se reproduzir? A diversidade de cultos e
seitas, não seriam criações adaptadas de
divindades coniventes? Como emancipar-se se o fetiche da propriedade atenta
para as ilusões do progresso individual e
não coletivo?
3o – A Luta é pela construção da
emancipação social ou para reproduzir o imaginário anterior?
Destruído o Estado e a dominado o
capital, resta modificar as relações sociais e de produção. Estas últimas talvez
sejam as tarefas mais difíceis.
Constata-se então que somente a
luta, a mobilização não é suficiente para
elevar a consciência. Ao terminar a luta,
os velhos hábitos renascem e os mesmos
comportamentos anteriores se revelam,
como, venda ou aluguel da terra, transporte escolar como fonte de renda, pequenas vendas de comercialização de
objetos supérfluos etc.
A emancipação é mais do que conquistar direitos que são legitimados pela
sociedade, como o de cada um ser livre
para constituir o seu lar e ter a sua propriedade. Isto é apenas a redução do ser
humano a cidadão obediente e cumpridor
de normas imposta pela moral burguesa.
Mas há um perigo ainda maior que é
tentar reproduzir aquilo que deveria ser
um espaço diferenciador, o imaginário anterior, como se a repulsa tivesse sido convertida em atração. A abertura de pequenas vendas de comércio ou de bares individuais, o aluguel da terra, o transporte
das crianças para as escolas da cidade, a
não participação das atividades regularmente, a exclusão da mulher das decisões,
são resquícios do que se vivenciou na fase
anterior ao assentamento.
O assentamento é um mundo que se
reduz no mapa da pequena propriedade.
Fazer ver além é nossa tarefa se quisermos
que este esforço anterior seja aproveitado.
Emancipar é de fato construir novas relações sem se deixar alienar e nem
dominar pelo fetiche da propriedade e do
poder individual ou de grupos menores
dentro da classe e da organização.
A emancipação se alcança quando
conseguimos relacionar as idéias e as práticas diversas. O particular, na área do
conhecimento e na execução de tarefas,
nos setores, existe apenas para efeito
metodológico. A linha política e as diretrizes do programa estratégico sempre são
as referências para os planejamentos e
as práticas concretas.
Se retomarmos o raciocínio de
Marx, quando fala que a mercadoria “é
cheia de mistérios, sutilezas e argúcias
teológicas” vemos que há uma relação
intima entre dinheiro, propriedade e religião. São meios que orientam a edificação
dos assentamentos e determinam as relações internas. Se não vejamos:
50
IV – A luta pelo poder
1
Ademar Bogo
A história da humanidade é marcada
por intensas lutas pelo poder. Pessoas,
grupos e classes sociais buscaram na organização das forças, o caminho para fazer valer os seus interesses, contra interesses contrários. Para melhor conduzir
a discussão vamso nos orientar por quatro questões:
funcionamento da sociedade urbana do
município é muito pequena. Isto porque,
aquela está articulada com o poder mais
amplo da sociedade instituída. E, um segundo exemplo, pode ser um país ou uma
região que ascende para o socialismo, mas
que, pela insuficiência de sua força, permite que o modo de produção capitalista
continue determinando a as relações sociais e econômicas da maior parte do território oposto. Sobrevive por um certo
tempo, mas tende a ser derrotado como
foi o caso dos países socialistas do Leste
Europeu, desconstruidos do sistema na
década de 1990.
1 - O que é o poder?
Se pararmos para observar o que
significa esta grande cobiça humana, onde
se mata e se morre para realiza-la, iremos perceber que é difícil defini-la de uma
só vez.
Então, numa segunda tentativa podemos dizer que o poder é uma organização, política e militar que controla, decide e dirige o destino de outras pessoas.
Mas neste caso seria uma ditadura, onde
haveria total falta de liberdade. As ditaduras e os partidos autoritários e
centralizadores também não se sustentam
por muito tempo.
Iniciamos dizendo que é um lugar
na sociedade, um território, controlado
por uma força política organizada. Mas a
resposta é insuficiente. No “território”
existem muitas forças e classes que se
movem e se articulam com outras forças
e classes mais amplas, por isso, o particular do território é superado pelas contradições do território mais amplo.
Poderíamos dizer, para nos aproximar mais da definição de poder, de que
ele é um projeto. Um projeto que se constitui de três capacidades: a) capacidade
de pensar; b) capacidade de organizar; c)
capacidade de agir. Mas isto poderia nos
levar a pensar que somente a capacidade
democrática de um grupo poderia ser suficiente para construir e manter o poder.
Podemos dar dois exemplos a esse
respeito. A nível de território particular,
um assentamento em um município.
Embora haja organização e controle do
espaço, mas sua força de influência no
1 Palestra proferida em Cascavel no Paraná, na IV se-
mana de Agroecologia promovida pela Via Campesina.,
em 9 de junho de 2006.
Na história das sociedades, podemos
51
perceber que o poder, tradicionalmente,
se constituiu de três elementos: a) Uma
força dominante b) Uma força dominada
c) Um programa, que estabeleceu as normas nas relações sociais e de produção.
po social e desconsiderar as relações de
produção, ou seja, com a propriedade dos
meios de produção que gera a miséria, é
orientar-se apenas pela moral e não pela
política.
O filósofo, Isaac Rousseau, nascido em Genebra, na Suíça em 1712, foi
quem nos alertou para esta questão quando estudou a origem da sociedade. Disse: “O primeiro que, tendo cercado um
terreno, lembrou-se de dizer: “Isto é
meu”, e encontrou pessoas bastante simples para crê-lo, foi o verdadeiro fundador da sociedade civil.”
2 - Por que o poder se constituiu desta forma?
Simplesmente porque a sociedade
viveu a maior parte de sua existência dividida em classes. Significa que ela sempre abrigou em si, diferentes interesses,
por isso é que este poder maior, superior,
exercido por grupos minoritários, ramificou-se em outras formas de poder menores, mas que são de grande valor para
se manter a dominação. Vejamos como
exemplo:
Podemos perceber que, a origem do
poder está na propriedade privada. Dela
se origina as diferenças sociais e o
surgimento das classes que por sua vez
deu origem ao Estado, mais tarde chamada de “sociedade política”, ou a estrutura institucional, política e jurídica,
para fazer com que as relações sociais e
de produção funcionem a partir dos interesses de um grupo ou de uma classe.
Temos na família patriarcal o poder
do pai sobre a mãe e os filhos. Na escola, o poder do professor sobre os estudantes. No sistema de saúde, o poder do
médico sobre o doente. No trabalho, o
poder do patrão sobre os trabalhadores e
na sociedade, o poder das instituições
sobre os cidadãos.
Então, se olharmos ao redor, vamos
perceber que, em tudo com que nos relacionamos, há poder. Até no ônibus quando viajamos, o poder está com o motorista e com o cobrador da passagem.
Significa dizer que, na sociedade
capitalista o poder sempre está com um
grupo ou com uma classe; no nosso caso,
com a classe burguesa, que controla os
meios de produção e por isso elabora as
leis civis e morais para ordenar as relações sociais.
Mas tudo isso, embora seja importante, está submetido a centralidade do
poder que articula três domínios: a) Do
capital; b) Do Estado; c) Das relações na
sociedade civil. Controlar um e não os
outros, não leva ao domínio do poder pela
classe dos explorados. Preocupar-se com
as relações pessoais, na família ou no gru-
Resumindo, a centralidade do poder está na força do capital, no Estado,
nas relações sociais e de produção. Sem
modificar estes três campos conjuntamente, por mais que se conquiste pequenos
“territórios” no espaço social e na vida
política, jamais se conseguirá derrotar a
classe dominante capitalista. É com esta
52
1o – Elaboração de idéias e propostas.
visão que entendemos que o poder pertence a uma classe, e, pelo menos enquanto existirem as classes será assim.
As idéias políticas da classe são mais
do que intenções e vontades descritas,
são revelações e propósitos que convocam e convencem as forças políticas e
sociais a percorrerem o mesmo trajeto.
Não é por nada que os capitalistas
temem tanto a revolução e não temem as
eleições. Porque a revolução desestrutura
o poder de propriedade dos meios de produção, juntamente com o poder político,
e, assim, modifica as relações sociais.
As idéias dominantes de uma época, sempre são as idéias da classe dominante, disse Karl Marx. Significa que, as
idéias principais que circulam na sociedade, são as idéias de quem detém o poder do capital, do Estado e controla as
relações sociais.
Isto posto, não significa dizer que
não devemos lutar por conquistas localizadas que aumentem o poder popular.
Todas as lutas que fazemos vão construindo o poder da classe trabalhadora e explorada, modificando hábitos e criando
novo conteúdo para os valores, que contribuirão para dar qualidade ao poder
quando conquistado na totalidade. Mas,
se no espaço territorial não houver de fato
ascenso da luta de classes, para confrontar-se com o capital, o poder, apenas na
esfera da disputa política, será uma eterna utopia.
Estas idéias estão nos livros, nos
meios de comunicação, nas escolas, nas
religiões, nos princípios, na ética, na moral, nos valores e também nas conversas
cotidianas. É através delas que circulam
as propostas, as intenções políticas e as
decisões tomadas.
As idéias têm muita força na organização e no controle político da sociedade;
quem produz idéias comanda as reflexões
coletivas e, através delas estabelece o consenso e a consciência coletiva.
3 – Que características tem o poder dos explorados?
É bem verdade que as idéias não
surgem do nada. São as ações que ajudam a produzi-las. Por esta razão é que
uma revolução é fruto da prática de idéias e da reflexão sobre a mesma evitar
erros e desvios.
A luta pelo poder entre exploradores e explorados, exige que ele (sobre os
mesmos sustentáculos), adquira características e conteúdo diferentes. No caso
dos explorados há um antagonismo pois
o seu poder está na continuidade dialética
da revolução.
A classe explorada precisa produzir
as suas próprias idéias. Elas representam
o conteúdo da luta de classes que ajuda a
organizar as formas para derrotar os inimigos. Sem idéias próprias a luta pelo
poder não tem juízo.
Vamos, para efeito de compreensão, relacionar algumas características que
deve ter o poder da classe explorada, para
que possamos situar como ele aparece
na sociedade.
53
2o – A organização política dos
explorados.
cas muito bem controladas.
Quem se organiza tem poder. Quanto mais gente mobilizada, mais força tem
para alcançar as mudanças. Por isso devemos utilizar todas as formas de organização, sejam elas através de categorias,
por território ou por necessidades específicas.
As pessoas se organizam na sociedade de acordo com seus interesses, mas
também coordenadas por interesses alheios. Há momentos em que vemos peões
de fazendas, empregados e demais trabalhadores da agricultura comercial, participando das mobilizações dos fazendeiros e latifundiários. Isto significa que,
embora os interesses não sejam seus propriamente, mas foram convencidos a lutarem por seus patrões. Assumiram a posição de classe de seus dominadores. Assim ocorre com o voto que leva ao governo políticos profissionais que, que
embora oriundos da classe trabalhadora,
eleitos, assumem a posição de classe dos
exploradores..
3o – A colocação das forças
Poder também é saber colocar as
forças para agirem na sociedade. A classe dominante coloca suas forças na estrutura do Estado, como, as polícias, as
forças armadas, os meios de comunicação, os políticos etc. e na sociedade civil,
através de associações, sindicatos, Organizações Não Governamentais ( ONGs)
e tantas outras, para enraizar o poder na
sociedade civil.
Há infinitas formas de organização
da sociedade, mas na sua grande maioria, todas elas subordinadas às leis
estabelecidas. Os movimentos sociais são
os que mais livremente atuam porque não
estão presos às limitações legais e, por
estarem apegados a coisas concretas e
visíveis, facilmente distinguem quem são
aliados e inimigos. Mas como vimos anteriormente, pouco pode ajudar a luta se
não temos claro quem devemos derrotar
para construir outro poder com novas
relações sociais e de produção.
No meio popular há infinitas formas
de colocação das forças, mas nem sempre estão voltadas para enfrentar as forças dominantes de forma articulada. O
grande desafio atual é organizar as forças sociais para extrair delas a força dirigente que deverá orientar a construção
do poder. Esta força pode ser de uma
classe ou um ajuntamento de militantes
conscientes e comprometidos com a revolução.
É na colocação correta das forças
que saberemos quais são as tarefas que
cada qual tem a cumprir. Os capitalistas
sabem muito bem quais são as tarefas
dos banqueiros, dos latifundiários, dos
meios de comunicação, da polícia, dos
políticos e das empresas. Ao organizar a
luta pelo poder, precisamos estabelecer
quais são as tarefas cotidianas de todas
A classe dominante sabe como é
importante a organização política, por isso
sempre que pode procura impedir a organização dos trabalhadores. Embora na
atualidade os partidos políticos estejam
desmoralizados, não significa que esta
mesma classe esteja desarticulada. Ela
mantém as estruturas políticas e jurídi54
as forças populares e políticas da revolução brasileira.
tra a propriedade é considerada
crime. Em qualquer situação e
nível da luta de classes, a democratização da propriedade privada deve ser o alvo principal.
Quem tem maior capacidade de colocar as forças leva vantagem na disputa
pelo poder.
b) As leis
A classe dominante coloca as suas
forças para produzir produtos de exportação, nós precisamos organizar as nossas
forças para produzir alimentos. Eles impõe a tecnologia que modifica as sementes; nós precisamos defender as sementes
e desenvolver a agricultura orgânica. Eles
impõe o que devemos consumir, nós devemos protestar e não comprar. E assim
são colocadas as forças para disputar o
poder tanto no campo quanto na cidade.
O conjunto das leis elaboradas é
que garantem a ordem capitalista. Quando falha uma lei, logo é
elaborada outra. Assim estrutura-se o poder jurídico. A conseqüência para quem não respeita
a lei, é a punição.
Devido ao dinamismo das lutas
sociais, parte das leis rapidamente
se tornam ineficientes, então a
burguesia precisa manter um
grupo, selecionado no parlamento, permanentemente para fazer
leis contra aqueles que lutam
para mudar a ordem.
4o – Controle da ordem pública.
Os capitalistas se apegam a ordem
de direito. Significa que eles elaboram as
leis para proteger os seus interesses e depois usam a força para garantir que as
leis sejam respeitadas.
c) A Moral
A desobediência civil é uma forma
que a sociedade tem para se defender das
imposições feitas pelos governantes e pela
classe dominante. Na luta contra a ordem os explorados edificam a sua ordem.
A moral também é constituída
de normas que estão em acordo
com os dois primeiros elementos. Ela induz para se respeitar à
propriedade: “Não cobiçar as
coisas alheias”. É claro que as
“coisas” são as propriedades que
cada capitalista pode ter quantas
quiser.
Há três aspectos que afirmam a ordem capitalista:
a) Direito de propriedade.
A classe dominante só é dominante porque a ela é garantida o
direito de ter a propriedade privada sobre os meios de produção. No dia em que ela perder
esta condição, perderá também
o poder político e jurídico. Por
isso é que, qualquer ameaça con-
Pela moral, a propriedade se torna intocável com a concordância pacífica daqueles que não a
tem.
A luta social e política devem ir
estabelecendo uma nova moral
que ajudem a sociedade ser ver-
55
4 – Quais são as tarefas atuais da luta
pelo poder?
dadeiramente livre. Através disso edifica-se também uma nova
cultura, eliminando dela todos os
preconceitos e discriminações
entre os explorados.
Sabemos que as tarefas são muitas,
mesmo porque, elas são extraídas dos
problemas colocados pela classe dominante. Vejamos então algumas delas.
5o- A cultura
Os poderosos acham que existe somente a sua cultura. Tudo aquilo que os
explorados fazem para elite não é cultura, tanto assim que consideram “culto”
somente quem estudou em universidades.
1a – Construir o poder com todas as forças da classe.
Muitas vezes temos a tendência de
nos organizar por movimentos ou categorias. É importante porque as pessoas
não começam a lutar se não for para resolver seus problemas concretos. Ocorre
que, isso tem nos levado a cada um cuidar do seu problema e então as categorias nunca se transformam em classe, porque lutam por interesses isolados.
A classe trabalhadora precisa derrotar a cultura de dominação da classe dominante e desenvolver uma nova cultura.
A cultura dominante é um lixo dominante. Está presa ao consumo, porque
para ela tudo passa pelo mercado. Nós
acreditamos que a cultura é tudo aquilo
que fazemos para aperfeiçoar a vida social e não para gerar lucro. Por isso precisamos lançar mão de todos os recursos
culturais para enfrentar e derrotar a classe dominante.
Precisamos compreender que somos
parte da mesma classe, mas se estas partes ficarem isoladas, a classe não se constitui e não terá força nenhuma. A luta é
dos pobres contra os ricos, ou dos dominados contra os dominadores. No final
nenhum dos dois lados poderá existir; ou
seja, nem os pobres continuarão pobres,
nem os ricos continuarão ricos. As riquezas serão democratizadas.
As relações sociais e humanas se
tornam cultura, assim como o preconceito e a discriminação. É na organização
popular e política que vamos exercitado
maneiras de eliminar o lixo cultural imposto e criando a verdadeira cultura da
igualdade e da democracia participativa.
A nossa tarefa é constituir o “bloco
histórico” onde todas as forças se unem
em uma só direção. Somente assim conseguiremos derrotar os inimigos comuns.
Então estas são algumas características do poder. É através dela que o poder se enraíza na vida da sociedade e
mantém os privilégios de grupos
minoritários.
A Via Campesina é o instrumento
que temos para a unificação das várias
lutas no campo. Precisamos de uma organização política que nos ligue com as
lutas urbanas.
Diante disso que vimos, resta a nós
algumas tarefas imediatas que precisamos
desenvolver para desencadear a luta pelo
poder.
56
2a – Estabelecer o projeto comum
na luta de classes.
derivavam os quadros e as finanças. Com
isso também, quando elas se equivocavam levam todos a se equivocarem.
Os planos tem que ser amplos que
sirvam para todas as pessoas da classe.
O nosso projeto de agricultura considera
todos os pequenos agricultores, Sem Terra, Atingidos por Barragens, Mulheres
Agricultoras e Comunidades Indígenas.
A realidade e o desenvolvimento
histórico levou-nos ao amadurecimento
das análises, por isso compreendemos
que os quadros devem ser formados a
partir da realidade onde atuam e cada organização deve ter seus militantes embora o conteúdo filosófico, político e
metodológico pode ser unificado.
O capital quando se instala num território finge ser a favor de todos, com a
falsa idéia de desenvolvimento e mente
que “gerará empregos”. Na verdade ele
é contra todos mesmo que alguns consigam emprego.
Quem não é capaz de andar com as
próprias pernas, não pode apostar corrida com ninguém. O vigor da luta está na
capacidade de independência que cada
movimento tem das forças externa à classe. A solidariedade quando se torna mendicância deixa de ser solidariedade e é
rebaixada para caridade. A luta de classes embora precise de todas as energias,
jamais será vitoriosa com mendicância e
caridade.
Então os planos precisam ser dos
pequenos agricultores, da classe; das
Mulheres Agricultoras, da classe; dos jovens, da classe; dos índios, da classe. E
assim os operários e os favelados, todos
compõe a classe trabalhadora, mesmo
aqueles que estão desempregados devem
ser articulados para lutar e compor a classe. Desta forma se estrutura o projeto
comum que nos leva ao poder da classe
explorada.
4a – Defender a Soberania
Soberania é não se subordinar a ninguém. Soberania se conquista na política. Soberano é alguém livre de todas as
limitações que o impede de ser livre.
3o – Construir a autonomia.
Autonomia significa não depender de
ninguém para fazer o que queremos. Os
movimentos do campo precisam saber que
em si está a solução, e é através de seu
próprio esforço que virá a emancipação.
O território é a referência para a
soberania política. Nele está o potencial
de desenvolvimento. Ninguém pode impor a sua vontade se alguém é soberano.
Esta autonomia precisa se dar através de militantes próprios, finanças próprias e idéias próprias.
A nossa tarefa é fazer com que o
povo brasileiro tenha soberania alimentar, tecnológica e territorial. Esta idéia nos
remete a lutar contra todas as forças do
imperialismo em qualquer lugar que estas se manifestem.
No passado os movimentos sociais
ancoravam-se nos partidos ou nas igrejas. Destas instituições saiam as diretrizes para as lutas táticas. Delas também
5a) Cultivar a mística
57
É difícil vencer, mas não é impossível. Quando duvidamos das possibilidades estamos duvidando de nós mesmos
e, de outra forma, estamos dizendo que
estamos desistindo.
com águas muito limpas, rasgando a terra
e desviando as pedras com muito esforço,
avistou, já perto de chegar ao mar, um
pântano de água suja e temeu chegar até
ele. Revoltado protestou contra a montanha que o havia incentivado a descer.
Tudo aquilo que não se cultiva morre. A mística é esta força que precisa ser
cultivada com exercícios práticos, mesmo quando a vontade aponte para o lado
inverso.
— Eu sou um riacho limpo e você
me obrigará a misturar-me a àquele pântano sujo? De que valeu todo meu esforço para manter-me limpo até aqui? Por
que esse castigo agora?
Olhar para o horizonte e perceber,
antecipadamente, onde vamos nos colocar nele. Acreditar na possibilidade de
vencer as distâncias. Para isto precisamos encontrar o caminho que nos leve
ao topo apesar de todos os desafios.
A montanha que tudo presenciava
respondeu:
— Depende da maneira como você
vai encarar o pântano. Se ficar com medo,
vai diminuir o ritmo de sua descida, dará
voltas, e inevitavelmente, sem forças, acabará se misturando com as águas sujas do
pântano e será para sempre parte dele. Mas
se você enfrenta-lo com velocidade, força
e determinação, vai atravessá-lo ao meio
e jogará toda a sujeira para as margens,
que, com o tempo, será absorvida pela
terra tornando-se coisa do passado. Você,
como prêmio pelo esforço, permanecerá
como rio, chegará ao mar e participará de
sua grandeza.
Confúcio, um sábio chinês, perguntou a um curioso: “Você me considera
um homem instruído?”. – “Claro que
sim!”- respondeu o outro. –“Engano seu”
– disse Confúcio – “apenas descobri o
fio da meada”.
Quem descobre o fio da meada vai
até o fim. Quem não descobre está sempre em dúvida e jamais chega ao topo da
montanha. Quem perde o ânimo, perdeu
apenas o fio da meada, é preciso ajudar
a encontra-lo.
Na luta pelo poder as duas coisas
nos esperam: o pântano e o mar. Se entrarmos indecisos, nos misturaremos ao
pântano da política burguesa e pereceremos afogados na lama dos desvios; mas,
se atacarmos com força e determinação,
abriremos os velhos hábitos e vícios ao
meio, afastando-os para as margens da
prática política e chegaremos ao outro
lado onde estará o mar que tem o poder
de jamais deixar-se dominar. É a emancipação que sonhamos.
O poder popular, da classe explorada, é uma construção coletiva e consciente. Constrói-se como qualquer outra
construção, para que não caia. O poder
não tem proprietário individual, por isso
ele somente vigora se for democrático.
Podemos encerrar esta reflexão com
uma pequena história do rio e o pântano
sujo.
Um riacho que descia das montanhas
58
V – A história de um país que quer existir
A tragédia se repete, girando como um peão: há cinco séculos, a fabulosa riqueza da Bolívia amaldiçoa os bolivianos, que são os
pobres mais pobres da América do Sul. "A Bolívia não existe": não existe para seus filhos.
Eduardo Galeano
Uma imensa explosão de gás: esse
foi o desfecho popular que sacudiu toda a
Bolívia e culminou com a renúncia do presidente Sánchez de Lozada, que fugiu deixando atrás de si um rastro de mortos.
chicha, uma bebida nacional feita de raiz
fermentada; o diplomata agradeceu, mas
disse que preferia chocolate. Melgarejo,
com sua habitual delicadeza, obrigou-o a
beber uma enorme tigela quente de chocolate e depois o fez passear em um burro, montado ao contrário, pelas ruas de
La Paz. Quando a rainha Victória, em
Londres, tomou conhecimento do assunto, mandou trazer um mapa, colocou uma
cruz de tinta sobre o país e sentenciou:
“A Bolívia não existe!”.
O gás iria ser enviado para a
Califórnia, a preço ruim e a troco de mesquinhas regalias, através de terras chilenas que em outros tempos haviam sido
bolivianas. A saída do gás por um porto
do Chile colocou sal na ferida, em um
país que há mais de um século vem exigindo, em vão, a recuperação do caminho para o mar que perdeu em 1883, na
guerra vencida pelo Chile.
Várias vezes ouvi esta história.
Ocorreu assim? Pode ser que sim, pode
ser que não.
A rota do gás, no entanto, não foi o
motivo mais importante da fúria que ardeu por todas as partes. Outra fonte essencial foi a indignação popular, que o
governo respondeu a balas, como de costume, regando de mortos ruas e caminhos. As pessoas se indignaram porque
se negaram a aceitar que ocorra com o
gás o que antes ocorreu com a prata, o
salitre, o estanho e todo o resto.
Mas a frase, atribuída à arrogância
imperial, se pode ler também como uma
involuntária síntese da atormentada história do povo boliviano. A tragédia se repete, girando como um peão: há cinco
séculos, a fabulosa riqueza da Bolívia
amaldiçoa os bolivianos, que são os pobres mais pobres da América do Sul. “A
Bolívia não existe”: não existe para seus
filhos.
A memória dói, mas ensina: os recursos naturais não renováveis se vão sem
dizer adeus, e jamais regressam. ..
Na época colônia, a prata de Potosi
foi, durante mais de dois séculos, o principal alimento do desenvolvimento capitalista da Europa. “Vale um Potosi” se dizia
para elogiar algo que não tinha preço.
Por volta de 1870, um diplomata
inglês sofreu, na Bolívia, um desagradável incidente. O ditador Mariano
Melgarejo lhe ofereceu uma taça de
Em meados do século 16, a cidade
mais populosa, mais cara e mais deca59
dente do mundo brotou e cresceu aos pés
da montanha da qual provinha a prata.
Essa montanha, a chamada Cerro Rico,
tragava os índios.
das terras da Europa.
“Estavam os caminhos cobertos,
que parecia que se mudava o reino” escreveu um rico mineiro de Potosi: as comunidades se esvaziavam de homens, que
de todas as partes marchavam, prisioneiros, rumo à boca que conduzia às escavações. Do lado de fora, temperatura de
inverno. Dentro, o inferno. De cada dez
homens que entravam, somente três saíam vivos. Mas os condenados à mina,
que pouco duravam, geravam a fortuna
dos banqueiros flamencos, genoveses e
alemães, credores da coroa espanhola, e
eram esses índios que possibilitaram a
acumulação de capitais que converteu a
Europa no que a Europa é.
As latas de sopa, que deram fama a
Andy Warhol, provinham das minas que
produziam estanho e viúvas. Nas profundidades das escavações, o implacável pó
de silício matava por asfixia. Os operários
apodreciam seus pulmões para que o mundo pudesse consumir estanho barato.
No século 20, a Bolívia foi o principal abastecedor de estanho do mercado
internacional.
Durante a segunda Guerra Mundial, a Bolívia contribuiu para a causa aliada vendendo seu mineral a um preço dez
vezes mais baixo do que o baixo preço
de sempre. Os salários dos operários se
reduziram a nada, houve greve, as metralhadoras cuspiram fogo. Simon Patiño,
dono do negócio e senhor do país, não
teve que pagar indenizações porque a matança por metralhadas não é acidente de
trabalho.
O que obteve a Bolívia com tudo
isso? Uma montanha oca, uma incontável
quantidade de índios assassinados pelo
cansaço, e uns tantos palácios habitados
por fantasmas.
À época, o senhor Simon pagava 50
dólares de imposto de renda, mas pagava
muito mais para o presidente da nação e a
todo seu gabinete. Ele havia sido um morto de fome tocado pela varinha mágica da
fortuna. Suas netas e netos ingressaram
na nobreza européia; casaram-se com condes, marqueses e parentes de reis.
No século 19, quando a Bolívia foi
derrotada na chamada Guerra do Pacífico, não só perdeu sua saída para o mar e
ficou encurralada no coração da América
do Sul. Perdeu, também, seu salitre.
A história oficial, que é a história
militar, conta que o Chile ganhou essa
guerra. Mas a história real comprova que
o vencedor foi o empresário britânico
John Thomas North. Sem disparar um
tiro ou gastar um centavo, North conquistou territórios que haviam sido da
Bolívia e do Peru e se converteu no rei
do salitre, que era à época o fertilizante
imprescindível para alimentar as cansa-
Quando a revolução de 1952 destronou Patiño e nacionalizou o estanho,
restava pouco mineral, não mais que restos de meio século de desaforada exploração a serviço do mercado mundial.
Há mais de 100 anos, o historiador
Gabriel René Moreno descobriu que o povo
boliviano era “cerebralmente incapaz”. Ele
havia posto na balança um cérebro indíge60
na e outro mestiço e havia comprovado que
pesavam entre cinco e dez onças a menos
que o cérebro da raça branca.
O governo não teve outro remédio a não
ser anular o imposto aos salários, que o
FMI havia mandado aplicar.
Com o passar do tempo, o país que
não existe segue enfermo de racismo. Mas
o país que quer existir, onde a maioria
indígena não tem vergonha de ser o que
é, não culpa o espelho.
Agora, é a guerra do gás. A Bolívia
dispõe de enormes reservas de gás natural. Sanches de Lozada havia chamado de
“capitalização” à sua privatização mal dissimulada, mas o país que quer existir acaba de demonstrar que não tem memória
fraca. Outra vez a velha história de riqueza que se evapora em mãos alheias? “O
gás é nosso direito” proclamam os panfletos e as manifestações. O povo exigia e
seguirá exigindo, uma vez mais, que o gás
seja posto a serviço da Bolívia, em lugar
de a Bolívia se submeter, novamente, à
ditadura de seu subsolo. O direito à autodeterminação, que tanto se invoca e tão
pouco se respeita, começa por aí.
Essa Bolívia, farta de viver em função do progresso alheio, é o país de verdade. Sua história, ignorada, abunda em
derrotas e traições, mas também em milagres dos quais são capazes de fazer os
desapreciados, quando deixam de
desapreciar a si mesmos e quando deixam de brigar entre si.
No ano 2000 ocorreu um caso único no mundo: uma população
desprivatizou a água. A chamada “guerra
da água” ocorreu em Cochabamba. Os
camponeses marcharam desde os vales e
bloquearam a cidade. A população apoiou.
Foram atacados com balas e gases, o governo decretou estado de sítio. No entanto, a rebelião coletiva continuou, sem
recuar, até que na investida final a água
foi arrancada das mãos da empresa
Bechtel. (A empresa, com sede na
Califórnia, recebe agora um consolo do
presidente Bush, que a premia com contratos milionários no Iraque.).
A desobediência popular fez a
corporação Pacific LNG, integrada pela
Repsol, British Gás e Panamericana Gas
(que se supõe ser sócia da empresa
Enron, famosa por seus virtuosos costumes) perder um valioso negócio. Tudo
indica que a corporação viera com intenção de ganhar US$ 10 para cada dólar
investido.
Por sua parte, o fugitivo Sánchez
de Lozada perdeu a presidência. Seguramente, não perdeu o sono. Sobre sua
consciência pesa o crime de mais de 80
manifestantes, mas essa não foi sua primeira carnificina e este porta-voz da modernização não se atormenta por nada que
não seja rentável. Afinal, ele pensa e fala
em inglês, mas não é o inglês de
Shakespeare: é o de Bush.
Faz alguns meses, outra explosão
popular em toda Bolívia venceu nada
menos que o Fundo Monetário Internacional. No entanto, o FMI vendeu caro
sua derrota, cobrou mais de 30 vidas assassinadas pelas chamadas forças da ordem, mas o povo cumpriu sua façanha.
El país que quiere existir”, de Eduardo Galeano, foi publicado originalmente nos jornais Pagina 12 (Argentina), El Mundo (Espanha), e Bolpress (Bolivia).Tradução: Norian Segatto
61
VI – A Bolivia, Honduras e o resto do Mundo
1
Jose Luís Fiori
Primeiro foi a Bolívia, mas duas semanas depois, o novo presidente de
Honduras, Manuel Zelaya Rosales, também
anunciou sua intenção de renegociar contratos e “preços justos”, com as empresas
petroleiras, instaladas no seu país (O Globo, 13/5/06). Um fenômeno que vem se
repetindo em quase todos os países exportadores de recursos energéticos, que nacionalizam suas empresas ou refazem seus
contratos, desde que os preços do petróleo
dispararam no mercado internacional. O
caso mais importante foi sem duvida o da
re-estatização da empresa Gazprom, em
2004/2005, que recolocou a Rússia na condição de “gigante mundial da energia”. Mas
este também foi o caminho tomado pelos
governos da Nigéria e do Kazakhstan, e pela
própria Grã Bretanha, que aumentou em
10%, seus impostos sobre o petróleo do
Mar do Norte, no início de 2006. A mesma
política que agora está sendo discutida dentro da União Européia, e que já foi aprovada
pelo Congresso norte-americano, que decidiu recentemente “punir as empresas que
rejeitem uma mudança nos seus contratos
de operação que dará ao governo uma fatia
maior dos lucros com o petróleo”( Valor,
22/5/06). Uma decisão que já havia sido
tomada pela Venezuela, e que está sendo
negociada, neste momento, pelo Equador.
Portanto, o que se vê, por todo lado, é uma
tendência geral, que o New York Times identificou como uma “ressurgência mundial
das políticas nacionalistas” (NYT. 6/5/06).
Confirmando esta hipótese, faz algumas
semanas, o ministro japonês Shinzo Abe provável sucessor de Junichiro Koizume –
denunciou numa entrevista ao jornal
Financial Times, o “renascimento do nacionalismo asiático” (F.T.28/4/06), em particular na China e na Coréia, exatamente nos
dois países onde mais se tem criticado – na
direção inversa – a volta do “nacionalismo
japonês”. Quase ao mesmo tempo em que
o vice-presidente norte-americano, Dick
Cheney acusava a Russia, no último dia 5
de maio, de usar seus recursos energéticos
com objetivos nacionalistas e expansionistas. Enquanto o ministro da defesa polonês, Radek Sikorski criticava a Alemanha e a Rússia por estarem construindo uma
gasoduto entre os dois países, através do
Mar Báltico, que exclui a Europa Central e
que segundo ele, relembra o acordo de
1938, entre Moltov e Ribbentrof.(F.T. 4/5/
06) Por outro lado, dentro da própria União
Européia, multiplicaram-se recentemente
as políticas defensivas e as intervenções
dos governos para impedir aquisições e fusões empresariais que possam desnacionalizar suas empresas energéticas, como no caso
mais surpreendente, do veto inglês à compra pela Gazprom, da Centric PLC, a maior
distribuidora de energia do Reino Unido. Por
isto, num artigo recente, Matthew Lynn, do
Bloomber News, fala explicitamente, da “volta do nacionalismo europeu”, e denuncia o
fato das “economias européias estarem se
conservado obstinadamente nacionais” (Valor, 4/4/06). Como explicar esta inflexão
nacionalista, tão rápida e universal? Parece
62
tratar-se de um fenômeno de mais longo prazo e que não tem uma causa única. Mas de
forma mais imediata, no curto prazo, não há
dúvida que esta “onda” vem sendo alimentada pelo problema da “segurança energética”
da nova “máquina de crescimento mundial”,
liderada pelo eixo entre os Estados Unidos
e a China/Índia.
apesar disto, seguem atuando de maneira
ofensiva e “nacionalista”, em todo mundo,
buscando um acordo estratégico de longo
prazo com a Rússia, e tentando garantir o
controle dos novos territórios petrolíferos
da África sub-sahariana, e da Ásia Central.
Nesta luta, a Europa entra como “primo pobre” depois que a Grã-Bretanha voltou a sua
condição de importadora de petróleo, enquanto o resto da União importa da Rússia,
hoje, 49% do seu gás, e deverá estar importando da mesma Rússia, algo em torno de
80%, por volta de 2030. Por isto, em compensação, a Rússia vem ressurgindo como
potência, com mais rapidez do que era esperado, não apenas por deter o segundo
maior arsenal nuclear do mundo, mas também ser a fornecedora de energia , também, da China, Índia e Estados Unidos.
Em conjunto, a China e a Índia, detém
um terço da população mundial, e vêm crescendo nas duas últimas décadas a uma taxa
média de 6 a 10% ao ano, e a previsão é que
até 2020, a China deverá aumentar em
150%, o seu consumo energético, e a Índia
em 100%, se forem mantidas suas atuais
taxas de crescimento econômico. A China
já foi exportadora de petróleo, mas hoje, já
é a segunda maior importadora do mundo,
para atender um terço de suas necessidades
internas. No caso da Índia, sua dependência
do fornecimento externo de petróleo é ainda maior do que a da China, e nestes últimos 15 anos, passou de 70 para 85% do seu
consumo interno. Ao mesmo tempo, o Japão e a Coréia seguem sendo grandes importadores de energia, o que explica sua
corrida conjunta e competitiva em direção
à Ásia Central, África e até mesmo, à América Latina. O Instituto Internacional de Estudos Estratégicos de Londres atribui a esta
mesma disputa energética, a recente
reestruturação naval e a presença militar
crescente dos chineses e indianos no Mar
da Índia e no Oriente Médio.
Olhando desta forma para a Bolívia e
Honduras, o que se vê, em última instancia,
é que a globalização do capital acabou
globalizando a demanda e a disputa pelos recursos energéticos, e provocou um aumento de preços que pode e deve se sustentar
por muito tempo, o que fortalece a posição
econômica e estratégica dos países exportadores de recursos energéticos. É esta tensão que está por trás da nova “onda nacionalista”, e tudo indica que veio para ficar por
um bom tempo, empurrando as Grandes Potências na direção da sua velha luta pela conquista e monopolização de novos “territórios econômicos” supra-nacionais. Este tufão
está recém no início, mas já paralisou a União
Européia, atropelou o Mercosul, e deve enterrar brevemente os sonhos liberalizantes
da Rodada Doha. Apesar de tudo isto, a
“idiotia conservadora” segue falando de
“populismo latino-americano”.
No outro lado do “eixo”, os Estados
Unidos seguem sendo os maiores consumidores de energia do mundo, e vem deslocando seu fornecimento para dentro de sua
zona de segurança estratégica, no México e
no Canadá, ou mesmo na Venezuela. Mas
63
VII – Sementes, terra e água: os idos de março
Silvia Ribeiro
Investigadora do Grupo ETC, professora e cientista
Curitiba, Brasil. O sul do Brasil,
confluência de vários movimentos sociais mais fortes desse país e da América
Latina, foi durante março, o cenário do
confronto entre os movimentos camponeses e as transnacionais, tendo como
pano de fundo a Organização das Nações Unidos. Entre 5 a 31 de março ocorreram, uma após a outra, a Conferência
das Nações Unidas sobre Reforma Agrária e Desenvolvimento Rural, a terceira
Reunião das Partes do Protocolo Internacional de Cartagena sobre
Biossegurança e a oitava Conferência das
Partes do Convênio de Diversidade Biológica das Nações Unidas. Enquanto isso,
no México, se reunia o quarto Fórum
Mundial da Água.
do mundo – lembrando eles que o mundo real está fora das mesas de negociação – e furiosos os diretores das
transnacionais.
Na marcha final convocada pela Via
Campesina em 31 de março, em frente
ao centro de convenções de Curitiba, mais
de cinco mil camponeses e integrantes do
MST colocaram uma enorme faixa que
resumiu o que está em jogo: “A natureza
e a biodiversidade são dos povos, não
dos governos nem das transnacionais”.
No Brasil, a Via Campesina marcou o campo de jogo desde o início: em
8 de março, as mulheres do movimento
ocuparam um laboratório e viveiro de
eucaliptos clonados da empresa Aracruz,
em protesto contra o deserto verde e a
expulsão de indígenas e camponeses pelos monocultivos florestais. Em seguida,
marcharam e fecharam por quatro horas
o acesso a Conferência de Reforma Agrária. Dois dias depois, conseguiram que a
declaração do fórum paralelo Terra, Território e Dignidade fosse incluída como
documento da conferência oficial de Reforma Agrária e Desenvolvimento Rural.
Sem pedir permissão, os “condenados da terra” na voz de milhares de camponeses, trabalhadores rurais sem-terra,
atingidos por barragens, vítimas da
monocultura de árvores e dos transgênicos
do Brasil e do mundo, interromperam a
cena das conferências das Nações Unidas que ocorreram em Porto Alegre e
Curitiba, enquanto dezenas de milhares
marcharam no México em defesa da água
e contra a sua privatização.
A reunião do Protocolo de
Biossegurança começou com marchas e
a ocupação feita pela Via Campesina em
um terreno onde a empresa Syngenta estava plantando milho e soja transgênicos
Com a calma e a firmeza dos motivos justos, armados de sementes, bandeiras e canções, mulheres, crianças e
homens deixaram atônitos os diplomatas
64
ilegalmente, em uma zona de amortecimento do Parque Nacional do Iguaçu,
onde ficam as famosas cataratas com o
mesmo nome. A ocupação continua.
governamentais e movimentos sociais,
conseguiram, finalmente, que fossem revertidos os textos vindos de Granada,
para desespero das transnacionais e dos
delegados dos Estados Unidos, Canadá,
Austrália e Nova Zelândia, principais governos que queriam romper a moratória.
Os delegados do México, até o último
momento, também trabalharam para convencer os outros governos para quebrar
a moratória, seguindo o costume vergonhoso que tiveram em todas as conferências de março, onde defenderam as
transnacionais.
Na semana seguinte, em uma vitória contundente da sociedade civil internacional, o Convênio de Diversidade Biológica (CDB) manteve e reafirmou a
moratória contra a tecnologia Terminator,
que faz sementes suicidas. Moratória que
existia dentro do CDB desde 2000, mas
que as transnacionais dos transgênicos
tentaram minar meses antes, em uma reunião preparatória do CDB em Granada,
na Espanha.
O momento mais forte e simbólico
do CDB foi a entrada das mulheres da
Via Campesina no plenário de negociações: com a bandeira verde dos movimentos e velas, abriram diante dos delegado oficiais dezenas de cartazes escritos em vários idiomas exigindo a proibição da Terminator.O presidente da sessão anunciou que levaria em conta essa
“intervenção”, e diante da frustração do
diretor da Delta & Pine, que pediu que a
segurança entrasse na sala, a maioria do
plenário se levantou e aplaudiu.
As transnacionais chegaram contentes ao Brasil: pelos corredores do CDB
passavam sem pudores em frente aos diretores globais da Monsanto, Syngenta e
Delta & Pine, proprietários da maioria do
mercado de transgênicos e patentes de
Terminator. A vitória em Granada e seu
sentimento de superioridade sobre os burocratas governamentais, a quem se acostumaram a instruir pelo meio do suborno
e outros similares, lhes dava ânimo.
Receberam uma bofetada em plena
cara. O arco-íris dos protestos diários da
Via Campesina nas ruas e dentro do centro de conferências, a coordenação de
centenas de organizações da sociedade
civil na Campanha Internacional contra
Terminator, com ações simultâneas no
Brasil e em outros países, as intervenções de jovens e indígenas, incluindo delegados especialmente enviados do povo
huichol de Jalisco e do povo guambiano
da Colômbia, as atividades paralelas com
o Fórum Brasileiro das organizações não
Manter a moratória contra a
Terminator é um feito importante e relevante para milhares de camponeses e indígenas, assim como para as possibilidades de todos decidirem o que comemos
para que as transnacionais não o façam.
Mas talvez a mensagem principal seja
outra, que não fica em papel e não se
apaga: os condenados da terra não aceitam sua condenação, nem seus algozes
nem aqueles que, mediante as leis nacionais e internacionais, legalizaram os privilégios dos poderosos.
65
VIII – Concentração da indústria mundial de sementes - 2005
ASSUNTO: Em 2004 e parte de 2005 presenciamos um auge nas fusões da indústria de sementes
e uma reacomodação de seus lugares de importância no mercado mundial. Hoje, 10 das mais
importantes companhias do mundo controlam a metade das vendas de sementes. Com um mercado
mundial com valor total de aproximadamente 21 bilhões de dólares por ano, o comércio de sementes
é relativamente pequeno se comparado com o mercado mundial de pesticidas (35,4 bilhões de
dólares) e muito frágil se comparado com as vendas da indústria farmacêutica (466 bilhões de
dólares). Entretanto, o controle corporativo e a propriedade sobre sementes – primeiro elo da
cadeia alimentar – tem implicações de grande alcance para a segurança alimentar mundial.
IMPACTO: Estando em poucas mãos o controle de sementes e investigação agrícola, o
fornecimento de alimentos do planeta torna-se muito vulnerável aos caprichos dos artífices do
mercado. As corporações tomam decisões que servem a seus interesses e assegurem os lucros dos
intervencionistas, além de não garantir a segurança alimentar. Por fim, a existência de um monopólio
na indústria de sementes implica na diminuição de opções para os agricultores. Um novo estudo
do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos examina o impacto da concentração da
indústria de sementes sobre a investigação agrícola. O estudo conclui que a redução da competência
associa-se com a redução da investigação e desenvolvimento. Mesmo com a indústria de sementes
afirmando o contrário, a concentração no ramo resulta em menor inovação.
JOGADORES: Um punhado de empresas transnacionais - os gigantes genéticos - dominam as
vendas mundiais. Monsanto, Dupont, Syngenta – que se encontram também entre as maiores
empresas de agrotóxicos do mundo – estão na liderança.
POLÍTICAS: A concentração da indústria de sementes é um ponto culminante nas agendas das
organizações da sociedade civil e de agricultores que trabalham para manter sistemas de sementes
controlados pelos camponeses e contra as políticas tecnológicas que buscam privatizá-las ainda
mais.
Concentração da indústria mundial de sementes – 2005
O grupo ETC publicará Oligopólio,
S.A. 2005 no final deste ano, possibilitando examinar a concentração no poder
corporativo em outros setores como agroquímicos, biotecnologia, farmacêutica,
veterinária, distribuição e processamento
de alimentos e bebidas.
Qual é o valor do mercado mundial de sementes?
Oligopólio – Substantivo: estado de competência limitada, onde o mercado repartese entre um pequeno número de produtores
e vendedores. (Fonte: Askoxford.com)
As opiniões dos especialistas são
diversificadas. Segundo a Federação Internacional de Sementes, o valor estima-
66
do do mercado mundial de sementes e
outros materiais cultiváveis em 56 países
selecionados em 2005, foi de mais de 25
bilhões de dólares. A ETC considera que
subestimam esse valor, pois a Federação
contempla ‘outros materiais cultiváveis’
não definidos.
seus lugares de importância. O líder constante, Pioneer Hi-Bred International de
Dupont, foi destronado quando a
Monsanto adquiriu a Seminis em janeiro
de 2005 por 1,4 bilhões de dólares, convertendo-se na líder mundial da indústria
sementeira e maior companhia de sementes do mundo.
Um relatório de julho de 2005, feito por Philips McDougall, uma empresa
de analistas industriais com sede no Reino Unido, considera que o valor do mercado de sementes é de 19 bilhões de dólares e estima-se que 10 companhias controlam 51% do total do mercado.
Dado a velocidade das fusões e aquisições, achamos que as 10 primeiras posições voltarão a se modificar em breve.
Apesar da controvérsia e da falta
de aceitação pública, as sementes
transgênicas estão ganhando valor de
mercado. Segundo Phillips McDougall,
elas constituem um quarto do comércio
mundial de sementes. O comércio das
características biotecnológicas das sementes (tolerância a herbicidas e resistência a
insetos) disparou de 280 milhões de dólares em 1996 para 4,7 bilhões de dólares em 2004, um incremento de 17 vezes nos últimos nove anos. Em 2004,
Pioneer/Dupont obteve 50% de seu lucro com sementes de variedade que incluem um caráter transgênico. Em 2005,
Dupont vende esses produtos ao mercado americano:
Dada esta disparidade, o grupo ETC
pensa que o mercado comercial de sementes tem um valor intermediário. Algo
em torno de 21 bilhões de dólares em
vendas no mundo, o que, conservadoramente, seria dizer que as 10 maiores empresas controlam 49% do mercado mundial.
China
5%
Outros
4%
Brasil
6%
Canadá
6%
Pioneer/Dupont oferta de produtos para os EUA,
2005.
Argentina
20%
USA
59%
O crescimento no mercado de sementes transgênicas é sobre saliente, especialmente porque têm sido aceitas em
poucos países relativamente e continuam no meio da controvérsia no resto do
Durante 2005 vimos um auge nas
fusões e aquisições da indústria de sementes e uma forte reacomodação em
67
mundo. A lição? Quando empresas gigantes decidem quais as marcas entrarão no
mercado de sementes transgênicas, não
é necessário ter um produto superior para
posicionar-se no mercado.
a propriedade da semente – o primeiro
elo da cadeia alimentar – fica nas mãos
de poucas companhias transnacionais, o
fornecimento mundial de alimentos fica
muito vulnerável aos caprichos dos mercadores. Os diretores das corporações
tomam decisões para cuidar de seus interesses e aumentar os lucros e não para
assegurar a alimentação do mundo.
Concentração da indústria de sementes, a quem importa?
Mesmo que falemos de tênis, lavadoras, cerveja ou telefones celulares, a
concentração corporativa é ubíqua. Em
2005, Adidas aliou-se com a Reebook,
Procter & Gamble engoliu a Gillete,
Molson devorou a Coors, SBC adquiriu
a ATT, Verizon se fundiu com MCI e a
Maytag está convencendo a Whirlpool.
Porém, as sementes são diferentes de
navalhas de barbear ou de tênis. Quando
“Que tipo de estratégias industriais – e
devemos assumir que há algum tipo de estratégia –
tratariam de colocar no mercado, hortaliças,
produtos que nada necessitam mas que todos tem
que consumir, que inclusive o político mais proclive
da indústria teria dificuldade em justificar e cuja única
característica boa é que melhora a posição no
mercado das companhias que o produzem?”
Editorial, Nature Biotechnology, sept. De 2004.
Monsanto – A maior companhia de sementes do mundo – Uma análise.
Em 2004, as sementes biotecnológicas da Monsanto e/ou sua tecnologia de manipulação genética foram usados em 88% do total da área mundial plantada com transgênicos.
Segundo a Monsanto, a quantidade de hectares cobertos com sua biotecnologia foi de 71 milhões
em 2004, o que equivale ao tamanho da Zâmbia.
Percentual de cultivos transgênicos correspondente a Monsanto:
- Soja transgênica – A soja da Monsanto se cultivou em 91% da área mundial dedicada à
soja transgênica em 2004. (Dos 48 milhões de hectares de soja transgênica no mundo, 44 milhões
são da Monsanto)
- Milho transgênico – O milho transgênico da Monsanto foi semeado em 97% da área
mundial de milho transgênico durante 2004. (Dos 19,3 milhões de hectares no mundo, o milho da
Monsanto foi plantado em 18,77 milhões)
- Algodão transgênico – O algodão transgênico da Monsanto foi utilizando em 63,5% de
toda a área semeada com esse cultivo. (De 9 milhões de hectares de algodão, a Monsanto plantou
5,7 milhões)
- Canola transgênica – A canola transgênica da Monsanto foi semeada em 59% da area
mundial dedicada à esse cultivo em 2004. (De 4,3 milhões de hectares de canola transgênica no
mundo, a Monsanto usou 2,54 milhões)
Nota: Essas estatísticas se baseiam em fontes da indústria: Monsanto e o ISAAA (Serviço
Internacional para a Aquisição de Aplicações Agrobiotecnológicas).
68
Percentual do mercado mundial de sementes:
Milho – Monsanto controla 41% do total.
Soja – Monsanto controla 25% do total.
Algodão: Em abril de 2005, a Monsanto adquiriu a Emergent Genetics por 300 milhões de
dólares. Emergent, que é a terceira maior companhia de sementes de algodão tanto na Índia como
nos Estados Unidos, tem aproximadamente 12% do mercado de sementes de algodão dos EUA e
10% do mercado de sementes híbridas de algodão na Índia.
Monsanto se apodera da horta.
Com a aquisição da Seminis por 1,4 bilhões de dólares em 2005, a Monsanto se coloca em
uma posição dominante no mercado emergente de sementes de hortaliças, um segmento antes
inexplorado pela Monsanto. Com diversas marcas, Seminis fornece mais de 3.500 variedades de
sementes para produtores de frutas e hortaliças em 150 países. A aquisição da Seminis incluiu as
seguintes marcas:
- Royal Sluis
- Petoseed
- Bruinsma
- Asgrow Vegetable Seeds
Para a Monsanto, “as sementes de hortaliças são o próximo movimento estratégico” porque
“é um segmento de alto valor e rápido crescimento na agricultura”. Segundo a Monsanto, o percentual
de lucro por vendas de sementes e traços é maior para as hortaliças (64%) do que para os feijões
de soja (63%) ou para o milho (57%). Agora a Monsanto assume uma posição líder de mercado
mundial de sementes de hortaliças, onde antes era virtualmente invisível.
Feijões – Monsanto controla 31% do comércio mundial de sementes
Pepinos – Monsanto controla 38% do comércio mundial de sementes
Pimentas – Monsanto controla 34% do comércio mundial de sementes
Pimentões – Monsanto controla 29% do comércio mundial de sementes
Tomates – Monsanto controla 23% do comércio mundial de sementes
Cebolas – Monsanto controla 25% do comércio mundial de sementes.
Um novo estudo do Departamento
de Agricultura dos Estados Unidos analisa como a concentração na indústria de
sementes afeta a investigação. Nos EUA,
o investimento do setor privado em investigação e desenvolvimento de variedades vegetais incrementou 14 vezes entre 1960 e 1997, enquanto que o investimento público se estancou.
reitos exclusivos sobre as variedades vegetais estimularam a concentração da indústria de sementes. Analisando o milho
biotecnológico, o algodão e a soja, os
pesquisadores da USDA encontraram
que a intensidade da pesquisa baixou à
medida que os mercados de sementes se
concentravam mais.
“As companhias que sobreviveram
à consolidação da indústria de sementes
estão financiando menos a investigação do
que quando haviam mais empresas envol-
Sabe-se que as leis de propriedade
intelectual (os direitos de obter e as patentes) que fornecem às empresas os di69
vidas, segundo o tamanho de seus mercados individuais... Também pode ocorrer
que, com menos companhias desenvolvendo cultivos e vendendo sementes, haja
uma menor quantidade de variedades.”
“Hoje chegamos a um bilhão de acres. No
futuro, plantarão e colherão tantos bilhões de
acres de cultivo biotecnológico no mundo todo
que deixaremos de contar cada acre como
McDonald’s conta seus hamburguers, como
temos feito até agora.” – Thuth About Trade and
Technology, grupo que apóia o livre comércio e a
biotecnologia agrícola, com sede em Des Moines,
Iowa, EUA.
O estudo da USDA também enfatiza
que a pesquisa pública sobre a variedade
de cultivos “tem um efeito estimulante
sobre a investigação privada de
biotecnologia”. Os autores concluem que
o aumento do investimento público para a
pesquisa de fitomelhoramento “não estaria somente mantendo as altas taxas de
devolução ao público dos benefícios da
pesquisa pública, mas sim que até poderia
promover, de certa forma, o investimento
privado”.
A proliferação de hambúrgueres
vendidos pela mega empresa mundial de
fast food é uma boa comparação com o
alcance que tem as sementes dos Gigantes Genéticos: a invasão desses produtos
impõe enormes custos sociais que usualmente não são reconhecidos nem discutidos até que a tecnologia seja encontrada por todos os lados.
Qual é a moral da história? No caso
da agrobiotecnologia nos Estados Unidos,
a redução na concorrência está associada
com a redução em pesquisa e desenvolvimento. Apesar da indústria de sementes
argumentarem o contrário, a concentração neste setor resultou em pouca inovação. Por fim, um mercado de sementes
altamente concentrado significa menores,
e não maiores opções para os agricultores.
Tomemos a contaminação
transgênica, o fluxo genético indesejado
transferido por polinização de cultivos
transgênicos (OGMs) para cultivos convencionais ou orgânicos que se encontram ao redor. Nos primeiros dias da
biotecnologia discutiu-se como possibilidade remota, mas logo se tornou uma
realidade, depois um incômodo e agora
em uma crise (para alguns). Com a rápida expansão da área de transgênicos, os
agricultores encontram cada vez mais dificuldades em produzir variedades nãotransgênicas.
Revolução ou involução? Segundo os promotores da biotecnologia, “nos
primeiros dias de maio de 2005 um agricultor em alguma parte do mundo plantou
o hectare número 400 milhões de algum
cultivo biotecnológico”. Para os promotores dos transgênicos, saber o número total
de hectares plantados com sementes
transgênicas é como para o McDonald’s
colocar um anúncio do número de
hamburguers servidos embaixo de seus
arcos dourados:
Pesquisadores canadenses escreveram em Ecological Economics no início
deste ano que “a perda ou a limitação da
produção de cultivos não-transgênicos
certificados pode significar a imposição
de condições externas sobre os produtores, consumidores e outros usuários ao
longo da cadeia”. Enfatizam que os cus70
tos de oportunidade para os agricultores
poderiam incrementar dramaticamente
enquanto o número de áreas de produção livre de transgênicos se reduziria, se
os consumidores aborrecidos decidissem
simplesmente evitar comestíveis com algum conteúdo transgênico.
que semeiam para que o façam de maneira restrita.” Ambas propostas são inaceitáveis porque nenhuma delas impõe
limites apropriados para a fonte de contaminação: a indústria biotecnológica.
Há sinais indignantes de que as decisões são tomadas para favorecer aos
gigantes genéticos e transferir os custos e
a culpa da contaminação transgênica aos
agricultores e consumidores.
Hoje, os cientistas estão discutindo
sobre como medir a contaminação
transgênica e o que isso significa. Tratam
de determinar as distâncias de isolamento
para evitar a dispersão de pólen e a
polinização. Pelo menos 28 governos além
da União Européia resistem contra os requisitos nos rótulos dos comestíveis
transgênicos e por estabelecer níveis de
tolerância para o conteúdo transgênico em
alimentos rotulados. Os consumidores de
alguns mercados estão perdendo a capacidade de selecionar produtos livres de
transgênicos ou têm que pagar mais e evitar por completo os comestíveis derivados da biotecnologia. Os agricultores que
decidem não cultivar OGMs enfrentam
uma perda de mercado se seus produtos
se contaminam, ou respondem legalmente se os genes patenteados e não autorizados se encontram em sua propriedade.
Nos EUA, os governos dos estados
estão aprovando leis escritas
dissimuladamente pela indústria
biotecnológica, tornando ilegal o que os
governos locais haviam proibido ou restringido em relação aos transgênicos.
Decididos a não permitir proibições locais de cultivos transgênicos, como as
aprovadas em três condados da
Califórnia, a indústria promoveu 14 leis
que impedem o protesto por parte de cidadãos contra os cultivos transgênicos.
Outro exemplo é que a indústria das
sementes e governos aliados estão promovendo agressivamente a tecnologia
Terminator de sementes como um método viável para deter o fluxo genético.
Delta & Pine Land, a companhia
com sede nos Estados Unidos que está
desenvolvendo ativamente a esterilização
genética de sementes, lança o argumento
indignante e cientificamente falaz de que
o Terminator “providencia a vantagem
para a biosegurança de evitar a mais remota possibilidade de movimento de
transgenes.”
Como lidarão as pessoas com os
custos sociais impostos pelos cultivos
transgênicos e a contaminação
transgênica? Quem julgará e quem pagará? Os pesquisadores canadenses oferecem duas soluções problemáticas: “que
os cultivadores de transgênicos paguem
um imposto para compensar aos que não
querem semeá-los por qualquer perda
gerada pela contaminação ou, alternativamente, que os agricultores que não semeiam transgênicos possam pagar aos
Muitos países estão adotando novas leis de sementes dirigidas a restringir
os direitos dos agricultores de controlar e
71
usar suas sementes. Um relatório amplo
de GRAIN examina a imposição de novas e repressoras leis de sementes, que
substituem a anterior legislação em muitos países. Segundo GRAIN, “o principal objetivo dessas leis é dar uma melhor
proteção às variedades privadas de sementes desenvolvidas por empresas e
deixar de lado completamente as variedades próprias dos agricultores.”
a tecnologia de tolerância à herbicidas
ocasionou um aumento de 5% nestes três
principais cultivos. Visto que se usa tanto herbicida em milho, soja e algodão,
comparado com o volume de inseticida
aplicado ao milho e ao algodão, o uso
de agrotóxicos cresceu em 4,1% nos acres
plantados com variedade transgênicas.
– Charles M. Benbrook, “Genetically
Engineered Crops and Pesticide Use in
the United States: The First Nine Years.”
Biotech InfoNet, Technical Paper
Number 7, octubre de 2004.
Sementes
transgênicas
e
pesticidas: outro mito da indústria
destruído: Desde o início da
biotecnologia, a indústria prometeu que
as sementes transgênicas reduziriam o uso
de agrotóxicos na agricultura. Um estudo
de Charles Benbrook (2004) analisa o uso
de agrotóxicos e sua relação com os cultivos transgênicos nos Estados Unidos de
1993 à 2004 (a área de transgênicos nos
Estados Unidos é 60% da área mundial).
O estudo conclui que o uso total de
agrotóxicos sobre os acres cultivados com
transgênicos aumentou em 4,1% desde
1996. Esses resultados contradizem o argumento tão repetido pela indústria de que
os OGMs ajudam à reduzir os praguicidas
na agricultura. Segundo Benbrook:
Os agricultores estão sendo forçados a aplicar quantidades maiores de
herbicidas sobre as plantações
transgênicas tolerantes à herbicidas porque alguns matos desenvolveram resistência, mesmo com a confiança que se
tinha nos cultivos tolerantes a herbicidas.
Benbrook acha que a “confiança de
um herbicida”, o glifosato, como o método principal para controlar as ervas daninhas em milhões de acres cultivados
com variedades de plantações tolerantes
a herbicidas é o fator principal que obriga os agricultores a “aplicar mais
herbicidas por acre para obter o mesmo
nível de controle das pragas.”
Cultivar milho, soja e algodão geneticamente modificados (GM) proporcionou um aumento de 122 milhões de
libras no uso de agrotóxicos desde 1996.
Se por um lado os cultivos britânicos
reduziram o uso de inseticidas durante
este período em 15, 6 milhões de libras,
por outro os cultivos tolerantes a
herbicidas aumentaram o uso para 138
milhões de libras. Os cultivos britânicos reduziram em 5% o uso de inseticidas em milho e algodão, enquanto que
O glifosato, o agrotóxico mais utilizado em todo o mundo, é considerado
tipicamente menos daninho que outros
herbicidas químicos. Entretanto, novos
estudos sobre o glifosato e a fórmula patenteada da Monsanto, RoundUp, levantam sérias preocupações sobre a segurança deste tóxico para a saúde humana
e o ambiente. Aproximadamente três
quartos da área mundial dedicada a cultivos transgênicos no ano passado foram
72
plantados com cultivos tolerantes à aplicação de glifosato.
dades agrícolas e para a segurança alimentar mundial. As opções se reduzem
ainda mais com o aumento da contaminação transgênica que invade os cultivos
tradicionais e orgânicos.
Conclusão: a consolidação da indústria de sementes significa menos concorrência, menor opções aos agricultores
e maior vulnerabilidade para as comuni-
Texto retirado site: www.etcgroup.org
Quem é dono de quem? Concentração na indústria de sementes – 2005
A lista do Grupo ETC inclui muita das companhias de sementes maiores do mundo e suas aquisições ou
subsidiárias. Não é uma lista exaustiva de todas as companhias de sementes, mas inclui muita das 20
firmas que vendem para a agricultura comercial, sementes para vegetais e para os jardins.
73
74
75
76
77
78
IX – Oligopóio S. A. 2005
Concentração do Poder Corporativo
FARMACEUTICA: As 10 empresas mais importantes do mundo controlam quase 59 % do mercado dominado por 98 firmas líderes.
FARMACÊUTICA VETERINÁRIA: As 10 companhias maiores do planeta controlam 55 % do
mercado mundial farmacêutico veterinário, que tem um valor de 20.255 milhões de dólares.
BIOTECNOLOGIA: As 10 principais companhias de biotecnologias com ações ao público, dominam quase três quartos do mercado global da biotecnologia.
SEMENTES: As 10 maiores companhias do mundo controlam quase a metade do mercado planetário de sementes comerciais, com valor de 21 milhões de dólares. Consulte o site do Grupo ETC,
onde existem notícias de 2005 sobre a concentração da indústria de sementes:
www.etcgroup.org/article.asp?newsid=525.
AGROTÓXICOS: As 10 firmas maiores do mundo controlam 84% do mercado global de
agrotóxicos, com valor de 29.566 milhões de dólares. Os analistas dizem que somente as três
companhias maiores sobreviverão no negócio convencional de agrotóxicos até 2015.
DISTRIBUIÇÃO DE ALIMENTOS: Em 2004, os 10 distribuidores de alimentos mais poderosos
tiveram vendas aproximadas de 84 milhões de dólares, 24 % do mercado global, com valor aproximado de U$3,5 milhões de dólares.
PROCESSAMENTO DE BEBIDAS E ALIMENTOS: As 10 maiores companhias dominaram
24% do mercado global com valor estimado de $1,25 milhões de dólares por comestíveis empacotados. Essas 10 companhias obtêm 36% dos ingressos das 100 principais companhias mundiais de
alimentos e bebidas.
NANOTECNOLOGIA: A indústria e os governos investiram mais de US 10 milhões em pesquisa
e desenvolvimento de nanotecnologia em 2004.
Contexto: Não é segredo que atualmente as corporações exercem um poder sem precedentes para desenhar as
políticas sociais, econômicas e comerciais. Hoje em dia somos testemunhas de
um controle mais concentrado que nunca – não só no sistema alimentício – como
também sobre produtos e processos vitais e sobre blocos fundamentais da construção da natureza.
manho das corporações (e sua participação no mercado) que tem aumentado em
um escala que inclusive os reguladores
mais míopes não poderiam seguir ignorando. Em segundo lugar, a confiança dos
investidores e o entusiasmo dos capitalistas em financiar novas tecnologias ou
novas aquisições que ficaram sumamente mermados com a caída dos preços das
ações no mercado do ciberespaço. Começando 2004 as preocupações se abateram na medida em que mais e maiores
fusões se anunciaram. Este ano o valor
global das fusões e aquisições corporativas
chegou a $1 bilhão 950 milhões de dóla-
Ao começar essa década, muitas
análises assumiram que o furor das fusões coorporativas visto nos anos 90 tinha terminado e não se repetiria jamais.
Uma razão que fez pensar isto foi o ta79
res, um brinco de 40% em comparação
com $1 bilhão 380 milhões de dólares
em 2003. As vendas combinadas das 200
corporações maiores do mundo significam 29% da atividade econômica do planeta em 2004. Devido aos acordos comerciais entre as próprias firmas, o que
aparece como compra e venda entre os
paises é muito freqüente na redistribuição
do capital entre subsidiarias da mesma
corporação multinacional “padre”. A
globalização deslumbrante tem cegado os
reguladores ansiosos de que as empresas
multinacionais em seus paises sejam competitivas. Frequentemente se passa por
alto a denominação do mercado mediante a manipulação da propriedade intelectual (como quando se reciclam as inovações para estender a patente monopólica)
e o comércio da tecnologia que chega a
formação de cartazes tecnológicos globais.
Produto Interno Bruto do Brasil.
• Os executivos das corporações dos
Estados Unidos ganham mais em um
só dia que um trabalhador em média
ganha em um ano. Em 2004, a compensação em média dos diretores
executivos estado-unidenses se
incrementou em 30%, seis milhões
de dólares por ano.
Oligopólio S.A. 2005 revela que a
concentração corporativa – não só na alimentação e a agricultura, como também
em todos os setores relacionados aos produtos e processos vitais – se incrementou
notoriamente desde nossa ultima revisão
há dois anos. Desde esse artigo de 2003
o Grupo ETC, as dez companhias de sementes mais importantes do mundo, passaram a dominar de um terço a praticamente a metade do comercio global de
sementes, e as 10 empresas
biotecnológicas maiores do planeta aumentaram sua porção, de um pouco mais
da metade do mercado, a quase três quartos das vendas mundiais nesse setor. A
porção de mercado dos dez fabricantes
de agrotóxicos mais poderosos aumentou modestamente, de 80% para 84%,
mas os analistas prevêem que somente
três companhias sobreviverão à próxima
década. Se é alarmante uma concentração tão rápida entre as companhias que
produzem insumos agrícolas, o controle
exercido pelos 10 processadores e os 10
distribuidores de alimentos dominantes é
assombroso. Em cada categoria, em mercados que deveriam - quase por definição – estar sumamente diversificados, as
companhias dominantes controlam uma
quarta parte dos mercados que valem
Como é comum, o domínio
corporativo é reflexo das crescentes
disparidades entre ricos e pobres, tanto
dentro como entre as nações da OCDE e
do sul. Alguns indicadores são os seguintes:
• Os economistas do sistema afirmam
que o capital sempre busca os mais
altos rendimentos e que tipicamente
flui dos paises ricos aos pobres – mas
The Economist enfatiza que as economias emergentes enviaram aproximadamente 350 milhões de dólares aos países ricos em 2004.
• As 400 pessoas mais ricas nos Estados Unidos somam um montante
aproximado de 1 bilhão 130 milhões
de dólares – mais de duas vezes o
80
muitos bilhões de dólares. Entretanto,
enquanto os produtores e os distribuidores de mercadorias lutam por sobreviver
e dominar, este novo artigo mostra também que uma luta subterrânea está acontecendo na nano escala, para controlar
os blocos fundamentais da vida e da natureza. O investimento corporativo em
nanobioctecnologia (ou biologia sintética)
poderia dar o controle final a um conjunto muito inesperado de fatores.
“Em vez de ser fonte de inovação, são vastas maquinas de mercadotecnia. Em vez de ser
historias de sucesso em livre mercado, se aproveitam da pesquisa financiada pelo governo e dos direitos monopólicos.”
Márcia Angel, The Truth About the Drug
Companies, p.20.
As aflições da indústria farmacêutica
Como proteger suas patentes e
como desencadear a invenção de novos
fármacos – aparentemente não há êxitos
próximos em porta – continuam sendo
os problemas da grande indústria farmacêutica. Em 2004 a imagem da indústria
se deteriorou ainda mais devido aos escândalos regulatórios e da retirada de
medicamentos do mercado. Merck foi
obrigada a retirar seu medicamento
antiinflamatório de muito sucesso com
valor de $2,5 milhões de dólares, Vioxx,
depois de que se comprovou que causava ataques do coração e derrames. A
companhia enfrenta mais de sete mil
ações legais relacionadas com Vioxx, e
estima-se que os gastos com indenizações
irão dos $5 aos $50 milhões de dólares.
Merck espera que seus investimentos
atraiam outros $2 milhões quando vencer a patente de seu medicamento mais
vendido, Zocor, em junho de 2006 (o
segundo fármaco de maior sucesso do
planeta, responsáveis por 20% das vendas de Merck). No final de novembro de
2005, Merck anunciou que recortaria 7
mil empregos e fecharia cinco de suas 31
plantas de manufatura.
Indústria Farmacêutica As 10 companhias farmacêuticas mais importantes segundo suas vendas, 2004 (em
milhões de dólares)
As 98 companhias de medicamentos
monitoradas
por
Scrip´s
Pharmaceutical League Tables 2005 tiveram vendas combinadas de 415 milhões
de dólares em 2004. As 10 companhias
dão conta de 59% do total. A fusão entre
Pfizer e Pharmacia em 2003 originou a
maior companhia farmacêutica do planeta. Hoje Pfizer domina o ramo em vendas e lucros. A consolidação continuou
em 2004 com a absorção de Aventius por
Sanofi-Synthelabo, resultando na terceira maior companhia de medicamentos do
mundo, Sanofi- Aventis.
81
70% dos gastos legais de uma companhia farmacêutica grande são por
litígios sobre patentes.
“No último quarto de século vimos o nascimento de um vasto complexo médico industrial, no
qual os médicos, os hospitais e as instituições de
pesquisa desenvolveram profundos vínculos financeiros com as companhias farmacêuticas e os fabricantes de equipamentos. Os conflitos de interesse
não são a exceção, são a norma.”
• Uma pesquisa recente da revista
Nature revela que os painéis de profissionais que escrevem as diretrizes
clínicas - que usam os médicos para
determinar o diagnostico e o tratamento - tem enormes compromissos
financeiros com a indústria farmacêutica. Profissionais em saúde pública encontram esses conflitos muito perturbadores, especialmente porque as diretrizes são escritas especificamente para influenciar de maneira direta em que tipos de fármacos
vão a prescrever os médicos. O estudo de Nature considerou mais de
200 diretrizes de todas as partes do
mundo. Nem todos os painéis de profissionais que as escrevem deram
detalhes sobre os autores individuais. Nos casos em que sim brindaram essa informação, encontrou-se
que:
Paul Krugman, New York Times, 16 dezembro de 2005
Apesar das enfermidades crônicas
da grande indústria farmacêutica, as companhias estão usando muitas táticas para
manter saudáveis seus lucros - mais de 6
milhões de dólares em 2004. De 51 indústrias monitoradas por Fortune, a indústria farmacêutica ocupou o terceiro
lugar em ganâncias (somente a banca e a
refinação de petróleo são mais lucrativos).
Por exemplo:
• Nos Estados Unidos, a indústria de
produtos farmacêuticos e para o cuidado com a saúde gasta mais no que
qualquer outra indústria, exceto as
companhias de seguros que gastam
quantidades incríveis em campanhas
em conjunto. Em 2004, as companhias farmacêuticas gastaram uma
quantia recorde de $123 milhões de
dólares em mais de 670 cabilderos,
(52% antigos funcionários do governo federal).
• A metade dos painéis tinha pelo menos um autor com uma posição
conflictiva como conselheiro da indústria farmacêutica.
• Mais de um terço dos painéis incluiu
pelo menos um membro que dava
seminários em representação de
“uma relevante companhia farmacêutica”.
• As companhias farmacêuticas gastam
mais em serviços legais que em qualquer outro ramo industrial, principalmente para evitar que os rivais produzam versões genéricas dos
fármacos de maior venda. Um advogado de patentes estima que, num
ano qualquer, aproximadamente de
• Num caso, cada um dos membros
do painel havia sido pago pela companhia farmacêutica responsável do
medicamento que o painel recomendava em suas diretrizes médicas.
82
setor: 36% das vendas globais da farmacêutica veterinária foram por esse rumo
em 2004.
“O publico é mais cínico? Sim... Há uma percepção de que não nos preocupamos muito com a
questão.”
John LaMattina, presidente de pesquisa global de Pfizer.
O enorme crescimento nas vendas
de produtos para animais de estimação
(mais de 6% por ano desde 1991) quase
iguala o crescimento do setor de produtos para o cuidado da saúde humana.
Indústria Farmacêutica veterinária
Devido aos fortes laços emocionais
entre as pessoas e seus bichos de estimação, os analistas da indústria afirmam que
há um “teto econômico muito alto” para
o gasto em produtos para estes animais.
As tendências da saúde animal são reflexos das tendências no cuidado da saúde
humana - incluindo mais ênfase nas doenças geriátricas (medicamentos para tratar as artrites caninas e as paradas cardíacas congestivas) assim como fármacos
para a disfunção cognitiva em cães
(Alzheimer de cães, segundo site da
web).
As 10 companhias farmacêutica veterinárias mais
importantes segundo suas vendas em 2004.
Segundo Animal Pharm Reports, as
vendas globais de farmacêutica e nutrição veterinária alcançaram os U$20,255
milhões em 2004 – uma alta de 6,5%
em relação ao ano passado. (O mercado
de farmacêutica veterinária inclui vacinas
e outros aditivos alimentícios biológicos,
medicinais e nutricionais).
Animal Pharm prevê que as vendas do mercado de animais de estimação
se incrementarão de 4,5 milhões em 2003
para 5,9 bilhões de dólares para o final
da década.
Em contraste, o panorama dos
aditivos alimentícios médicos não é muito brilhante. Mesmo que alguns grupos
comerciais da indústria recusam as provas, um crescente corpo de evidência científica demonstra que o falta rotineiro
de antibióticos aos animais de granja promove o desenvolvimento de bactérias resistentes a antibióticos que podem transferir-se as pessoas, fazendo mais difícil
tratar as infecções bacterianas em humanos. A União Européia solicitou que para
As 10 companhias mais importantes de farmacêutica veterinária conseguiram 55% das vendas globais do setor em
2004. As 20 maiores companhias controlam 75% do mercado global. Os produtos para alimentação animal (rebanho,
porcos e aves) representam quase dois
terços de suas vendas, mas o mercado
dos “animais de companhia” (estimação)
representa o verdadeiro crescimento do
83
final de 2005 todos os antibióticos promotores do crescimento fossem retirados
do mercado. Como resposta a crescente
preocupação do publico em torno aos
perigos do uso excessivo de antibióticos,
varias cadeias de restaurantes (inclusive
Mc Donald’s) anunciaram políticas para
proibir que seus provedores avícolas usassem rotineiramente, como promotores do
crescimento, antibióticos que também são
importantes na medicina humana. A
Union of Concernes Scientists (União dos
cientistas comprometidos) estima que
70% dos antibióticos que se aplicam a
frangos, porcos e rebanho vacinados nos
Estados Unidos não se usam para tratar
doenças, mas como também aditivos alimentícios para promover o crescimento
e compensar as perdas durante o crescimento.
considera endêmico (em partes da
Indonésia, Vietnam, Camboja, China,
Tailândia e possivelmente Laos), ocasionando a morte de 70 pessoas ate dezembro de 2005. Também se reportaram brotos da influencia aviar na Rússia e Europa do Leste. Segundo a OMS, “nunca
antes na historia das enfermidades tantos
paises tem sido afetados simultaneamente, resultando na perda de muitíssimas
aves”.
Milhões de aves nos criadouros
avícolas estão sendo segregadas ou vacinadas para eliminar o vírus e controlar
seu aparecimento. A globalização e intensificação dos procedimentos da avicultura industrial prepararam a evolução da
influencia aviar.
BIOTECNOLOGIA
As indústrias de gado e avícola são
extremamente vulneráveis às catástrofes
e perdas econômicas ocasionadas pelas
epidemias. Mesmo assim, o panorama
da enfermidade da vaca louca
(encefalopatia espoginforme bovina) é
pouca coisa comparada com a ameaça
de uma epidemia de influencia aviar em
aves e em humanos. A gripe aviaria pode
se espalhar através do contato humano
com aves, mas os estudiosos em saúde
pública advertem que o vírus muda de
uma forma altamente infecciosa e se contagia facilmente de pessoa em pessoa,
desembocando em uma epidemia global
de gripe.
As 10 companhias biotecnologias com participação
pública mais importante, 2004.
Brotos de uma variedade altamente
patogena da influencia aviar (o vírus
H5N1) apareceu em meados de 2003 no
sudeste da Ásia, onde agora este vírus se
Com base na pesquisa anual da
Nature Biotechnology, as 10 empresas
biotecnológicas mais importantes com
84
ações ao público representam menos de
3% do número total de companhias no
setor biotecnológico, mas deram conta de
72% dos investimentos de todo o setor
(33.429 milhões de dólares em ingressos,
de um total de 46.533 milhões de 309
companhias). Em outras palavras, algumas companhias biotecnológicas estão
prosperando – a grande maioria está perdendo dinheiro e o setor biotecnológico
público como um todo está no vermelho,
com perdas aproximadas de 4.160 milhões de dólares em 2004. As 309 companhias biotecnológicas com ações públicas gastaram 16 milhões de dólares em
pesquisas e desenvolvimento em 2004, e
as 10 mais importantes deram conta de
somente 14 % do total.
8% no Canadá. A grande maioria (82%)
está voltada ao setor da saúde humana,
14% são provedoras de serviços (oferecem pesquisas e serviços tecnológicos
como genoma funcional ou o screening
de alto rendimento o high-throughput
screening (HTS). A agro biotecnologia
representa somente 3% do total.
As
novas
companhias
biotecnológicas podem criar capitais associando-se com as grandes indústrias
farmacêuticas para investimentos e/ou
negociando concessões, ou mediante a
venda de ações para o público. Em 2004,
50 companhias biotecnológicas fizeram
ofertas públicas iniciais, gerando quase
2.500 milhões de dólares em fundos.
Envelhecendo? A indústria
biotecnológica traz suas origens da fundação de Genetech de 7 de abril de 1976
– a primeira companhia de engenharia
genética. Os analistas industriais Ernst &
Yong descrevem assim a evolução da
biotecnologia: “Em seu aniversário de 30
anos, a indústria está envelhecendo. Da
volaticidade de um adolescente passou
para a incerteza de uma idade adulta, a
maturidade, o enfoque e a racionalidade
de um adulto completo”. Os analistas
poderiam ter agregado quem em sua busca por alcançar a idade a adulta, a grande
maioria das companhias biotecnológicas
morre somente as mais aptas tem sobrevivido e prosperado.
Sem produtos novos, com medo
das regulamentações e dos genéricos:
Em 2004, somente seis novos
fármaco-biotecnológicos foram aprovados pela Administração de Alimentos e
Medicamentos dos Estados Unidos, muito menos da média de 12 aprovações por
ano, nos últimos anos. O tempo de desenvolvimento dos fármacos biológicos
está aumentando em média em 7 anos
ou mais. Enquanto que as patentes sobre
os medicamentos biotecnológicos bem
sucedidos expiram rápido, e as companhias estão preocupadas com as conseqüências. “Se as versões genéricas dos
fármacos biotecnológicos inundarem o
mercado, os ganhos com os medicamentos de marcas das maiores empresas
biotecnológicas provavelmente cairão,”
advertem os analistas da indústria.
Três quartos das 309 companhias
biotecnológicas demonstradas estavam
nos Estados Unidos, 15% na Europa e
85
Os 10 super êxitos biotecnológicos de 2004: Os
fármacos geneticamente modificados mais vendidos
35.400 milhões de dólares em 2004. As
10 maiores companhias tiveram 84% do
mercado (29.566 milhões de dólares).
Destas, as seis maiores controlam 71%
do mercado de agrotóxicos e as duas mais
importantes controlam mais de um terço.
As 10 maiores empresas de praguicidas do mundo.
As 10 companhias de sementes mais importantes.
Indústria comercial de sementes
Nota sobre o setor da indústria
de sementes: É difícil separar os
agrotóxicos das sementes porque as mesmas corporações dominam em ambos os
setores – e porque os produtos de sementes e agrotóxicos fazem acordos entre si e comercializam frequentemente os
produtos vendendo-os juntos. Em setembro de 2005 o Grupo ETC publicou um
estudo sobre a consolidação da indústria
global de sementes, incluindo uma lista
das maiores companhias agrícolas do
mundo e suas subsidiárias.
De acordo com a atual taxa de consolidação,
não surpreende a previsão dos analistas industriais de que somente as três maiores companhias
sobreviverão no negócio convencional de
agrotóxicos até 2015: Bayer, Syngenta e BASF.
Indústria Agroquímica
Segundo os analistas, 2004 foi um
ano difícil para a indústria de agrotóxico,
pois somente duas das dez companhias
Segundo Philips McDougall, as vendas globais de agroquímicos (germicidas,
fungicidas e inseticidas) alcançaram os
86
Gráfico detalhado de distribuição de comestíveis
tiveram crescimento de dois dígitos em
suas vendas. (Os investimentos da
Monsanto em agroquímicos cresceram
somente 5%, em grande parte porque a
companhia está interessada em avanços
biotecnológicos de sementes e em sua
estratégia para desenvolver agrotóxicos;
os investimentos da Dupont cresceram
em 9%).
A ferrugem da soja: a ferrugem do
grão de soja asiático (Phakospsora
pachyrhizi) é o principal motivo do aumento da venda de fungicidas. Disparou
a venda dos fungicidas da BASF em 21%
e na América Latina contribuiu com o
aumento de 18% nas vendas do fungicida
da Syngenta, em 2004. Ainda que o
esporo tenha sido um problema na Ásia
e Austrália por décadas, este fungo aéreo
está se espalhando pelas Américas, todas
as variedades comerciais são suscetíveis
à enfermidade.
Indústria Global de distribuição
de alimentos.
Os 10 distribuidores de alimentos mais importantes do
mundo
No Brasil, a ferrugem se espalhou
durante mais de três anos em três quartos das áreas onde se cultiva a soja. Em
2005, se descobriu que o fungo apareceu
no sudeste dos Estados Unidos – onde
se monitora diariamente sua expansão.
Enquanto isso, os cientistas estudam os
bancos genéticos e buscam outros tipos
silvestres do grão de soja na China e outros países asiáticos (onde os agricultores
domesticaram o cultivo), na esperança de
encontrar variedades que tenham resistência genética aos fungos.
A consolidação, a concorrência mortal e a agressiva expansão global são as
forças que definem o setor de distribuição de comestíveis, tendências que se
aceleram a passos largos.
Consolidação da distribuição de
comestíveis:
87
• No ano passado, os dez maiores distribuidores venderam juntos 840 milhões de dólares, 24% das vendas
globais, estimadas em 3 bilhões e
meio de dólares. (Em comparação, o
Grupo ETC divulgou em 2001 que
os dez mais importantes distribuidores de produtos tiveram vendas conjuntas de 5 milhões 137 mil dólares
ou 18% do mercado global).
e a cooperação corporativa são algumas
das estratégias de sobrevivência. Dois
exemplos atuais:
• Albertson´s, a segunda maior cadeia
de produtos dos Estados Unidos, foi
posta a venda em setembro de 2005
devido à estagnação das vendas, incapaz de competir com os distribuidores mais populares.
• Em setembro de 2005 dois dos maiores distribuidores de produtos do
mundo, Carrefour (número 2) e
Tesco (número 5), anunciaram uma
troca de ações. (Carrefour adquiriu
as ações da Tesco em Taiwan e
Tesco as ações do Carrefour na República Tcheca e Eslováquia). Os
analistas industriais acreditam que
uma aliança entre Carrefour e Tesco,
mesmo que impensável a médio e
curto prazo, seria uma das poucas
combinações que poderiam competir efetivamente com Wal-Mart em
nível global.(IGD)
• Os 30 maiores distribuidores de comestíveis controlam, aproximadamente, 36% do mercado global de
distribuição de comestíveis (com investimentos conjuntos de 1 milhão
262 mil dólares 2003/04).
• Os 10 maiores distribuidores de comestíveis do mundo possuem dois
terços de todos os investimentos dos
30 distribuidores mais importantes do
planeta.
Alcance global: IGD, uma empresa de pesquisa de mercado, com sede no
Reino Unido, estima que a parte do mercado de distribuição de produtos que controla os 10 mais importantes mercados
nacionais do mundo vale, atualmente,
2,45 bilhões de dólares. Os analistas da
IGD estimam que o mercado global de
distribuição de bebidas e alimentos vale
3,5 bilhões de dólares. Prevêem um crescimento explosivo na Ásia e América latina – onde o índice de vendas de comestíveis no varejo se duplicou entre
1988/1997.
Concorrência de mega mercados:
O formato muito bem denominado
de “hipermercado” (um supermercado
dentro de um armazém) é o modelo dominante de distribuição de produtos. O
Wal-Mart é o maior e mais bem sucedido hipermercado e para os mercados
menores é difícil a concorrência. A fusão
88
• Os analistas prevêem que a região
asiática alcançará 41% do mercado
global de distribuição de alimentos em
2020, a partir dos 33% que tiveram
em 2003.
para o Wal-Mart estão localizadas na
China. Em 2004, Peter Goodman e Philip
Pan escreveram no Washington Post:
“Enquanto o capital percorre o mundo em
busca de trabalhadores mais baratos e maleáveis, e
enquanto os países pobres recorrem às
multinacionais para gerar empregos e abrir mercados para exportação, o Wal-Mart e a China construíram uma empresa conjunta de capital de risco maior, essa associação influi nas condições de trabalho e consumo do mundo todo” Washington Post,
8 de fevereiro de 2004.
• A China será o segundo maior mercado de distribuição de alimentos,
depois dos Estados Unidos. O mercado de produtos da China crescerá
65%, 456 milhões de dólares nos próximos cinco anos. A china abriu suas
fronteiras aos distribuidores estrangeiros no começo dos anos 90, e em
dezembro de 2004 o governo diminuiu as restrições aos distribuidores
internacionais.
As maiores lojas globais
Carrefour: administra mais de 11.000 lojas
(430 mil empregados, em mais de 30 países da Europa, América Latina e Ásia). Somente na França é
feita a metade de suas vendas. No começo de 2005,
o Carrefour planejou abrir 70 hipermercados, incluindo 15 na China, 7 no Brasil, 6 na Colômbia, 5 na
Indonésia, 4 na Tailândia e 3 na Polônia. (IGD)
• A Índia está muito confiante na abertura aos investimentos estrangeiros e
o IGD prevê que ela se tornará o
quarto mercado de distribuição de
produtos em 2020. O Wal–Mart
anunciou que está tentando entrar
rapidamente na Índia.
Wal-Mart: 89% de suas vendas são feitas
na América do Norte. (80% nos Estados Unidos).
Além dos Estados Unidos, Canadá e México, a WalMart opera em Porto Rico, Brasil, Argentina, Reino
Unido, Alemanha, China e Coréia do Sul. O WalMart se tornou o terceiro maior distribuidor de produtos no Brasil quando comprou uma cadeia de
lojas líder, a Bom Preço.
• Segundo a FAO, os supermercados
na América Latina “aumentaram suas
participações em vendas de comestíveis no varejo em uma década, o que
os Estados Unidos fizeram em 50
anos”.
Tesco: opera em 13 mercados fora do Reino
Unido e é o líder em seis deles, principalmente no
Leste Europeu e na Ásia.
Metro: é o maior distribuidor da Alemanha,
tem e administra umas 2.400 lojas na Alemanha e
em outros 28 países, incluindo Índia, Rússia e
Ucrânia.
Os custos do fortalecimento: possuindo um lugar estratégico na indústria
de alimentos, os distribuidores de comestíveis exercem um extraordinário poder
econômico e comercial. Estas empresas
decidem, no final das contas, quando e
quem produzirá, processará e distribuirá
uma impressionante parte da alimentação
do planeta. Por exemplo, 80% das seis
mil fábricas que fabricam os produtos
Em seu informe de 2004 sobre a
insegurança alimentar, a Organização para
Alimentação e Agricultura das Nações
Unidas (FAO) enfatizou o papel das cadeias de supermercados multinacionais e
suas implicações para a segurança alimentar de milhões de agricultores e trabalhadores rurais. Segundo a FAO, os super89
mercados podem aumentar as opções dos
consumidores e baixar os preços de acordo com suas conveniências, mas o domínio dos supermercados globais “também tem feito com que muitos dos grandes fabricantes e distribuidores tenham
cada vez mais poder de impor padrões,
preços e datas de entrega”. O informe
enfatiza que os agricultores de pequena
escala não conseguem se estabelecer no
mercado globalizado e estão arriscados
a permanecerem como uma minoria
marginalizada, excluídos do sistema alimentar, como produtores e como consumidores.
íbe os sindicatos. Em 2004, um vendedor médio do Walt –Mart , nos Estados
Unidos ganhou 14 mil dólares, salário
abaixo da linha da pobreza nos Estados
Unidos para uma família de 3 pessoas, e
menos da metade de seus empregados
puderam pagar o plano de saúde mais
barato oferecido pela própria empresa.
Um informe de 2004, do
Congressional Comitee dos Estados Unidos concluiu que são os contribuintes que
estão tendo que arcar com os baixos
salários pagos pelo Walt-Mart e com a
falta de convênio médico - um gasto
corporativo com assistência médica de
quase 2 milhões de dólares ao ano. O
informe estima que somente uma loja do
Walt-Mart com 20 empregados pode custar aos contribuintes dos Estados Unidos,
420 mil dólares por ano (com programas
de assistência do governo para cuidados
com as crianças, moradia, impostos, etc.).
Segundo a reportagem, “Garantindo apenas o mínimo dos direitos trabalhistas,
dos salários, de convênio médico, de condições de trabalho ou política comercial,
o Walt-Mart se tornou um sinônimo do
pior exemplo para tratar com a classe trabalhadora.”
“...a globalização das industrias alimentícias e a expansão dos supermercados criam oportunidades para alcançar novos mercados lucrativos,
assim como o risco substancial de aprofundar a
pobreza.” FAO, Estado de insegurança alimentar,
2004
Algumas palavras sobre o WalMart: É a maior corporação do mundo e
também o maior distribuidor de comestíveis. Com um poder titânico nas vendas
globais no varejo, suas decisões
corporativas afetam o emprego, o comércio, o ambiente e a tecnologia em todo o
planeta. Tem 1 milhão e 700 mil empregados e cerca de 138 milhões de pessoas
compram em suas lojas a cada semana.
O Walt-Mart tem recorde de ações
por violações aos direitos trabalhistas, incluindo a ação mais escandalosa por discriminação em local de trabalho na história dos Estados Unidos: uma ação coletiva de mais de 1 milhão e meio de mulheres contra o Walt-Mart por discriminação na contratação e nas promoções de
cargos.
A estratégia típica da empresa é vender alimentos e mercadorias a preços
mais baixos, aproveitando seu poder de
compra massivo, pressionando os fornecedores locais para que vendam a preço
de custo e empregando tecnologia mais
avançada no manejo das mercadorias. É
um patrão que paga salário mínimo e pro-
Em março de 2005, o Walt-Mart
conseguiu que lhe retirassem uma acusa90
ção quando aceitou pagar uma quantia
recorde de 11 milhões de dólares para
que não fosse denunciado por usar centenas de imigrantes ilegais para limpar
suas lojas nos Estados Unidos.
• Segundo uma empresa de pesquisa
de mercado, Leather Food
International, as vendas de alimentos e bebidas das 10 maiores companhias mundiais foram de 297 milhões
de dólares ou 24% do mercado global de comestíveis, que tem valor
estimado de 1.250 bilhões de dólares.
Mais de 500 mil trabalhadores de
Bangladesh, China, Suazilândia (África),
Indonésia e Nicarágua propuseram uma
ação coletiva em setembro de 2005 contra Walt-Mart, denunciando as condições
de trabalho deploráveis nas fábricas de
seus fornecedores.
• As 100 empresas mais importantes
do mundo tiveram em 2004 vendas
somadas de 829 milhões de dólares,
e controlam um terço do mercado
global.
Em resposta à publicidade negativa, o Walt-Mart lançou uma poderosa
contra ofensiva. Em outubro, seu diretor
se comprometeu a reduzir a emissão de
gases de efeito estufa em suas lojas, em
20% nos próximos sete anos; criar planos de assistência de baixo custo para seus
empregados e fazer uma proposta ao
Congresso para aumentar o salário mínimo. Um crítico disse que isto era apenas
“um golpe publicitário cheio de retórica,
que não promete nada aos trabalhadores”.
• As 10 empresas principais, detêm
36% das receitas que ganham juntas
as 100 maiores empresas de alimentos e bebidas do mundo.
Walmartização da indústria de
alimentos e bebidas: Os analistas de indústrias afirmam que o domínio do WaltMart está chegando a uma concentração
total não apenas do mercado de vendas
no varejo como em toda a cadeia de alimentos. A luta para ganhar espaços nas
prateleiras das maiores lojas do mundo
está promovendo uma intensa concorrência entre os fornecedores de alimentos e
bebidas. Como afirmou um analista industrial, “o espaço na prateleira é como
um diamante envolto em ouro”.
Indústria de processamento de alimentos e bebidas.
As 10 maiores corporações de alimentos e bebidas, 2004.
As fusões e aquisições são uma das
estratégias de sobrevivência usadas pelas
empresas de alimentos e bebidas para
conseguir a economia em escala que precisam para responder à imposição de preços baixos do Walt-Mart. Esta tendência
promove negócios como o que fez a
Procter & Gamble, que comprou, em ja-
91
neiro de 2005, a empresa Gillete por 57
milhões de dólares, uma fusão que representará mais de 60 milhões ao ano.
sair da loja. As etiquetas corporativas
RFID marcam o início de uma nova geração de tecnologias de espionagem comercial que armazenam dados, violando
a privacidade e as liberdades civis.
Quem prepara os sanduíches:
Com o Walt-Mart expandindo sua própria marca de alimentos, os fornecedores
de alimentos estão agora no meio do sanduíche, entre o comprador e o vendedor
mais poderoso do mundo: o Walt-Mart é
seu maior cliente e um dos mais ferozes
competidores. As marcas próprias WaltMart representam, aproximadamente,
40% de suas vendas.
Síndrome da China: Com 1.300
milhões de consumidores e uma renda
per capita crescente, a China é o lugar
ideal para a expansão do capital global.
Procter & Gamble, Unilever, Kraft e
Budweiser se encontram entre as empresas que estão criando a moda da lealdade
às marcas. Procter & Gamble já é o maior anunciante na China.
Tecnologia: o Walt-Mart dita a vanguarda tecnológica dos sistemas de controle. Para janeiro de 2006, exigirá de seus
300 principais fornecedores que usem sistema de identificação através de
radiofreqüência (RFID por suas sigla em
inglês) em todas suas cargas e embalagens. Outros grandes distribuidores estão seguindo esta tendência. As etiquetas
RFID são micro chips que transmitem a
informação de um produto a um leitor
eletrônico à distância. O objetivo do WaltMart é reduzir custos, mantendo as prateleiras cheias do essencial e combatendo o roubo formiga. Um fornecedor comum gastaria 9 milhões de dólares para
cumprir a exigência de usar RFID durante os dois primeiros anos de sua
implementação. Como resultado da ordem do Walt-Mart, os sistemas RFID
deixaram de ser uma tecnologia emergente
para ser de vanguarda. Os defensores dos
direitos dos consumidores advertem que
os micro chips portadores da informação
serão adaptados a todos os produtos nas
prateleiras e a leitura e reposição de dados não terminará quando o comprador
Nanotecnologia
Devido aos processos biológicos que
ocorrem em escala de nanômetro – a milionésima parte do metro – muitas das
maiores corporações industriais do mundo vêem na nanotecnologia o novo conjunto de técnicas para manipular o material em nano escala – como uma nova
plataforma tecnológica para descobrir,
manufaturar e fornecer novos medicamentos e insumos agrícolas, adicionar
novos sabores e nutrientes aos alimentos, diagnosticar precocemente as doenças e tratá-las de maneira mais efetiva.
Em 2004, os setores público e privado em todo mundo, gastaram em conjunto, aproximadamente, 10 milhões de
dólares em pesquisas e desenvolvimento
de nanotecnologia. Lux Research, uma
empresa de pesquisas de mercado afirmou que 2005 marcaria o primeiro ano
em que a indústria gastaria mais que o
governo em pesquisa e desenvolvimento. Em 2005 também vimos um consenso entre a indústria, o governo e a uni-
92
versidade: todos adotaram o mesmo grito de guerra (finalmente entrando em
sintonia com a sociedade civil): “Mais financiamento para pesquisa na área da
saúde e segurança dos materiais de nano
escala”. Na última semana de 2005, o
governo do Reino Unido publicou sua
primeira reportagem “Characterising the
potential risks posed by engineered
nanoparticles” (caracterizando os riscos
potenciais que apresentam as
nanopartículas projetadas); o Woodrow
Wilson International Center of Scholars
em Washington publicou uma lista das
pesquisas financiadas pelo governo sobre riscos relacionados à nanotecnologia,
com o apoio da NanoBusiness Allince, e
a Agência de Proteção Ambiental dos
Estados Unidos (US EPA), produziu um
documento para discussão enfocando os
riscos para o ambiente no manejo de nano
materiais.
2.600 patentes dão um panorama geral
que merece atenção:
Os 10 principais aglomerados de patentes
nanotecnológicas, US PTO, classificação 977 (2607
patentes pesquisadas, 7 de dezembro de 2005)
Patentes da classificação 977 assinadas pelo governo
dos Estados Unidos.
A toxicologia dos nano materiais,
porém, é um terreno desconhecido, não
existem regulamentações e a discussão
dos impactos sociais é apenas um murmúrio; entretanto os produtos derivados
de nanotecnologia chegam ao mercado a
largos passos.
Nanobiotecnologia / Biologia sintética: Amordaçando a vida?
“Fazer a vida melhor, parte por parte” esse é o slogan e a missão do Grupo
de Trabalho em Biologia sintética do
Massachusetts Institute of Technology
(MIT). Os pesquisadores que trabalham
com as ciências da vida e a engenharia
tentam criar, com esta nova disciplina,
moléculas e células biológicas ou organismos inteiros para que desempenhem
tarefas úteis, como a produção de compostos farmacêuticos ou energia. Nas
palavras de um dos cientistas do MIT, “a
biologia nunca mais será a mesma”.
No final de 2004 o Registro de Patentes e Marcas Registradas dos Estados
Unidos (US PTO) estabeleceu uma classificação especial (Classificação 977) para
as patentes em nanotecnologia. Os examinadores estão revisando as patentes já
outorgadas para reclassificá-las, somando-as às novas patentes que surgem a
cada semana. A classificação 977 não oferece informação clara sobre o
patenteamento, todavia, suas mais de
93
O ambicioso projeto da biologia sintética – o desenho, modelagem, construção, precisão cibernética e verificação dos
sistemas vivos artificiais que sirvam para
diversas aplicações - precisa utilizar componentes que existem na natureza ou que
são feitos pelo homem. Nos casos onde
os componentes incluem materiais nano
escalares feito pelo homem,
nanobiotecnologia e biologia sintética se
tornam sinônimos.
tetiza seguimentos de DNA. Outro dos
diretores do projeto, Robert Friedman
trabalha no Instituto Venter, cujo fundador, Craig Venter arrecadou 30 milhões
de dólares de acionistas privados para
criar o Synthetic Genomics, para fabricar organismos para fins industriais.
Consideramos outros marcos na
evolução da biologia sintética:
• Em março de 2005, os editores da
revista Nature inauguraram um novo
boletim nessa linha, o Molecular
Systems Biology, dedicado ao campo da biologia sintética. A revista é
de distribuição gratuita e os autores
pagam três dólares por exemplar se
seu artigo for aceito.
“...começa a parecer razoável que os especialistas em biologia sintética criem algum dia artefatos vivos que possamos usar em nossos carros e
casas ou computadores que usem glicose como
fonte de energia”. Pámela Silver e Jeffrey Way,
“Cells by Design”, The Scientist, 27 de setembro de
2004.
• Em setembro de 2005 se descobriu
uma variação do vírus Bacteriófago
T7. Esse vírus existe na natureza e
tem sido estudado por mais de 50
anos, mas o novo T7 é uma criatura
diferente, seus descobridores o chamaram de “T7.1”. Este vírus é um
derivado do T7, com seu genoma
modificado em 30%.
Trata-se de “fazer a vida melhor”
que a natureza é a nova fronteira da biologia. Como já sabemos, a ciência se
transforma mais rápido do que as considerações sobre suas implicações e sem
qualquer debate social. Em junho de
2005, três instituições – o J. Craig Venter
Institute, o Center of Strategic &
International Studies e o MIT – anunciaram que fizeram uma análise conjunta das
implicações sociais da biologia sintética
em uma pesquisa que durou 15 meses,
financiada em 570 mil dólares pela Alfred
P. Sloan Foundation.
• No final de 2005 foi criada a Fundação BioBricks (BBF) para desenvolver “bens comuns de funções biológicas básicas” (open commons of
basic biological functions). A BBF
está ligada ao “Registro MIT de partes biológicas padrões”, estabelecido
em 2004, que contribui com estes
bens comuns relacionando as partes
biológicas que estão sendo construídas
atualmente. Também oferecem “serviços de síntese e encaixes para a
construção de novas partes, artefatos e sistemas”.
Infelizmente os que estão entusiasmados para avaliar as implicações da biologia sintética também estão muito envolvidos com os que querem fazer negócios com ela. Um dos diretores do projeto, Drew Endy do MIT, é co-fundador
da Códon Devices, uma empresa que sin-
94
• Em 2005, equipes de 13 escolas da
América do Norte e Europa participaram da competição “intercolegial de
máquinas planejadas genéticamente
(iGEM), que ocorreu no MIT. Utilizando partes biológicas do registro do
MIT, os estudantes criaram sistemas
vivos planejados para realizar trabalhos específicos – neste ano as propostas incluíram bactérias que atuam
como sensores ambientais, circuitos
genéticos capazes de fazer contas e
uma carreira de bactérias. Segundo o
diretor do registro, Randy Rettberg, a
competição demonstra que os estudantes estão começando a entender que a
biologia pode ser usada para fazer quase a mesma coisa que os sistemas eletrônicos ou mecânicos. Já estão planejando a próxima competição anual.
Os novos vizinhos: Companhias de biologia sintética
Companhia
Amyris
Biotechnologies,
www.amyrisbiotech.com
A que se dedica
EEUU
Fundada em 2004, a Amyris é a menina dos olhos da biologia
sintética. Com um financiamento de 12,5 milhões de dólares da
Fundação Gates, a empresa buscar desenvolver um micróbio
que se torne uma fonte barata de medicamento anti malária –
uma substância química que se encontra em pequenas
quantidades no absinto. A Amyris também usa sua tecnologia
patenteada para produzir compostos químicos muito
específicos como vitaminas e aromatizantes.
Biótica, Reino Unido
www.biotica.co.uk
A Biótica usa a biologia sintética (por exemplo os poliquetidos
bioativos) para descobrir medicamentos. Os poliquetidos são
uma classe diferente de produtos naturais que a Biótica afirma
“ser uma grande fonte de medicamentos com valor comercial
significativo, atualmente representam vendas em todo o mundo
de mais de 20 milhões de dólares por ano.”
Blue heron Biotechnologies, EEUU
www.blueheronbio.com
Blue Heron reproduz genes “ndependente da seqüência,
complexidade ou tamanho, com uma exatidão de 100%”,
usando sua tecnologia patenteada GeneMarker. A empresa
oferece “um preço especial para seus novos clientes: 1,60
dólares por par”.(Inclusive neste preço promocional, estaria
sequenciar o genoma completo da menor bactéria {
mycoplasma genitalium, com 580.000 pares de base}, o que
custa quase um milhão de dólares).
Codon Devices, EEUU
www.codonvices.com
Fundada em 2004, a Códon está desenvolvendo uma
plataforma de produção patenteada, “BioFAB plataforma de
produção” que se espera sintetizar com toda precisão códigos
genéticos de quilobase e megabase, mais rápido e mais barato
que qualquer tecnologia disponível atualmente. A companhia
vende “jogos de partes biológicas para projetos de pesquisa
em larga escala, células projetadas para produzir
medicamentos, proteínas projetadas para bioterapia e artefatos
biosensitivos”. A Codon tem obtido 13 milhões de dólares em
capital de risco e espera começar a ter lucros no final de 2005.
Synthetic Genomics, EEUU
www.syntheticgenomics.com
Fundada em 2005 por J. Craig Venter, o magnata do genoma,
a empresas visa produzir organismos com “necessidades
metabólicas reduzidas e reorientadas” que possam “facilitar
novos métodos de produção industrial bioprojetados, mais
poderosos e diretos”. Slogam “Imagine um futuro... em que os
pesquisadores possam usar um produto modular, parecido
com um software, para desenvolver novos genomas
microbianos que se fabricam em escala industrial”.
GeneArt, Alemanha
ww.geneart.com
GeneArt, empresa surgida as Regensburg University em 1999,
é um companhia de síntese genética que utiliza sua tecnologia
patenteada GeeOptimizer. GeneArt foi classificada como uma
das 10 companhias alemãs com o mais rápido crescimento.
95
DNA 2.0, EEUU
www.dnaopointo.com
Fundada em 2003, A DNA 2.0 utiliza o processo “DNA -2-Go”
para sintetizar genes, especializando-se em tecnologias de
otimização de proteínas. No final de 2004, a DNA 2.0 recebeu
um financiamento de 1 milhão de dólares da DARPA, Defense
Ad vanced Research Projects Agency para desenvolver
plásticos biológicos que podem se converter em combustível.
96
Conclusão: As mega empresas que
dominam grandes proporções do mercado estão se tornando cada vez maiores.
Somente a ação dos cidadãos e o debate
em todos os níveis – local, nacional e internacional – podem questionar significativamente a hegemonia corporativa.
Uma vez que as empresas trabalham com
pesquisa global, além das fronteiras de
qualquer país, a reforma também requererá debate, revisão e monitoramento a
nível intergovernamental. As Nações
Unidas junto com a sociedade civil, os
agricultores, sindicalistas e movimentos
sociais, devem recuperar sua capacidade
de monitoramento, regular e reformar as
atividades das empresas transnacionais.
as empresas do que tinha em 1993. Entretanto, os governos do Sul e a sociedade civil precisam que alguém vigie essas
empresas. É muito ruim para a OCDE
que seus estados não forneçam fundos
para criar um órgão de vigilância. É muito ruim para a ONU não poder avaliar e
monitorar a tecnologia no planeta. Em 12
de dezembro em Hong Kong, o Grupo
ETC apresentou no South Center um estudo onde se analisa os principais impactos das tecnologias de nano escala sobre
os países que dependem da exportação
de matérias primas. A reportagem está em
inglês, em www.southcenter.org . Nela o
Grupo ETC reforça a necessidade de criar uma Convenção Internacional para a
Avaliação de Novas Tecnologias (ICENT,
sigla em inglês), e também descreve nosso Communiqué “Nanogeopolitcs”, http:/
/ w w w . e t c g r o u p . o r g /
article.asp?newsid=520, em castelhano.
Há treze anos, devido a pressões dos
Estados Unidos, o Centro das Nações
Unidas para as Corporações Internacionais foi fechado e a comunidade
intergovernamental perdeu sua capacidade de monitorar a atividade corporativa
global. Os Estados Unidos, sem dúvida,
tem menos interesse hoje em monitorar
Texto retirado do site:
www.etcgroup.org
97
X – Elementos para um balanço
de conjuntura nacional
– Maio 06 –
I - Antecedentes históricos
de forças da classe trabalhadora produzido pelo reascenso e que resultou
no surgimento do PT, CUT, MST,
pastorais, legalização dos partidos comunistas, que apresentaram o projeto
democrático-popular. E defendido pela
candidatura Lula. E de outro lado, as
classes dominantes se unificaram e
apresentaram a proposta do
neoliberalismo. A vitória de Collor foi
a possibilidade das classes dominantes tentarem sair da crise com um novo
modelo de acumulação de capital, agora subordinado ao capital financeiro
internacional.
1. O Brasil implementou de 1930-1984 o
modelo de industrialização dependente (na expressão de Florestan
Fernandes) que transformou a matriz
produtiva do país. Saímos de um país
agrário para industrial. De rural para
urbano. Hoje mais de 80% da população mora nas cidades, embora, 50%
ainda em cidades menores. Houve um
processo de enorme crescimento econômico. Nesse período crescemos em
média 6,8% ao ano. E renda per capita
da população cresceu 4,8% o que significa que a cada geração (25 anos) a
renda das famílias dobrou. Ao longo
de todo esse período o desemprego
era apenas o exército de reserva industrial (no conceito de Marx) e atingiu no máximo 4% da população, e
no inicio da década de 80, tínhamos
apenas 2,8 milhões de adultos desempregados.
2. Esse modelo entrou em crise na década de 80. A primeira conseqüência foi
o reascenso do movimento de massas
e a queda da ditadura militar. Achávamos que as eleições resolveriam a crise econômica.
4. Os doze anos de políticas neoliberais
(1990-2002) foram um desastre para
a sociedade brasileira e em especial
para a classe trabalhadora. O Estado
se retirou da economia e entregou as
melhores e mais lucrativas empresas
estatais, para os capitalistas internacionais ou nacionais. Nada menos do
que 15% de toda riqueza nacional, representado pelo patrimônio acumulado nas empresas, mudou de donos.
Isso jamais aconteceu em qualquer
sociedade do mundo, em tão pouco
tempo.
3. As eleições de 1989 foram uma disputa de projeto. De um lado, o acúmulo
5. O Estado foi seqüestrado pelo capital
financeiro, nacional e internacional,
98
que agora passou a hegemonizar a acumulação de capital, através da dos juros. O Governo tem o papel de colocar altas taxas de juros, como se fossem parte do mercado, e a partir dela,
o estado transfere, parte de todos os
recursos públicos arrecadados da população na receita federal, como pagamento desses juros, aos bancos privados nacionais e internacionais, detentores dos títulos da divida pública
interna.
dio de 2,3ao ano, manteve-se a rigor
equivalente
ao
crescimento
demográfico da população. Ou seja,
em doze anos, a renda não aumentou
para a população. De 1984 a 2002, a
população não melhorou sua renda, ao
contrário dos períodos anteriores, no
modelo de industrialização dependente.
A política de estimulo ao aumento das
exportações foi apenas conseqüência
da necessidade do capital aumentar
seus lucros no comercio exterior e
auferir dólares que depois voltavam
pro Norte, na forma de remessa de
lucros, pagamentos de juros.
Os banqueiros tratam de controlar o Banco central e através dele, garantem
sempre altas taxas de juros. O governo brasileiro pagou ao longo de 15
anos, as mais altas taxas de juros do
mundo, chegando a pagar 49% ao ano
em 1999, quando a media mundial nos
países centrais nunca atingiu a mais
do q1ue 4% ao ano.
Como disse Delfim Neto, “o sucesso da
política exterior, não é o que e quanto se exporta, mas sim o que se importa, como se usa os dólares, para
financiar os investimentos e a retomada do crescimento”. E durante os
mandatos do FHC os dólares foram
usados apenas para despesas de turismo internacional, para pagar juros e
remessas de lucros.
6. Mesmo assim, a divida publica interna
só cresceu. Quando FHC assumiu o
poder em 1995, a dívida pública interna era de 60 bilhões de reais. Era
considerada um problemão. Durante
o primeiro mandato transferiu aos bancos em média, 50 bilhões de reais ao
ano. Ou seja um total de 200 bilhões
de reais. Mas terminou o primeiro
mandato devendo 300 bilhões. No segundo mandato, teve que aumentar os
juros para evitar a crise e a fuga de
capital, e pagou em media 70 bilhões
de reais, ao ano. Totalizando outros
280 bilhões de reais. E a mesmo assim a divida publica interna saltou de
300 para 600 bilhões de reais.
8. Do ponto de vista social, as políticas
econômicas neoliberais foram um desastre e produziram a maior taxa de
desemprego de toda historia da sociedade brasileira. Saltamos de 3% para
16,9% do total da População Economicamente Ativa (PEA). O desemprego é o pior problema social que afeta
a quase todas as famílias brasileiras.
9 .Apesar do discurso liberalizante, durante o governo FHC a carga tributaria recolhida pelo estado na sociedade
aumentou de 28 para 40% do PIB. O
7. Crescimento estagnado. A economia
ficou paralisada e o crescimento mé99
que se explica pela necessidade do estado recolher a mais-valia social, ou a
poupança nacional e repassá-la ao
capital financeiro.
assumem o controle de toda área econômica do governo, desde o Banco
Central, até o Ministério da Agricultura. A rigor o segundo escalão da burocracia governamental, que dirigem de
fato a política econômica, se manteve
o mesmo do governo FHC.
10.A principal contradição dessas políticas neoliberais é que, na prática elas
não representam um novo modelo de
desenvolvimento, não representam um
projeto nacional, dos interesses da nação, do povo. Elas são apenas um conjunto de políticas econômicas para favorecer o processo de acumulação
agora na esfera financeira, e que faz
com que se acumule prioritariamente
nos bancos, e nas empresas que se
dedicam às exportações. E ao não ser
um projeto nacional, gera contradições
com frações da classe dominante e
com os interesses do país, enquanto
nação.
3. A eleição do Lula se revestiu de um
certo idealismo por parte da esquerda
e do povo brasileiro, ao não entenderem os limites de poder da Presidência da Republica,e ao acreditar que
bastaria eleger o presidente para alterar a correlação de forças.
4. O neoliberalismo com sua ação
globalizada havia também terceirizado
o poder para o capital internacional.
Muitas teses acadêmicas explicam hoje
como o verdadeiro poder econômico
é exercido de fato, nas esferas do Grupo dos sete paises mais ricos, nos organismos internacionais do Banco
Mundial, FMI, OMC, pelo poder imperial e hegemônico do Governo dos
Estados Unidos, pelo Banco Central
totalmente dominado pelo capital financeiro (no caso brasileiro Lula escolheu o ex-presidente mundial do
Banco de Boston, sendo muito
emblemática essa escolha..) e finalmente, num ultimo estágio está a figura do Presidente da Republica. Essa
escala de poderes internacionais não
exime de responsabilidade a Presidência da Republica.
II - O governo Lula 2003-2005
1. Sentindo “na carne” as conseqüências de doze anos das políticas
neoliberais,nas eleições de 2002, o
povo brasileiro vai as urnas e vota contra o neoliberalismo. Elege Lula, como
depositário das esperanças de mudanças, em função dos vinte anos de pregação do PT em torno de um projeto
democrático-popular. Parte das classes dominantes brasileiras, mesmo
defensoras do neoliberalismo, se aliam a candidatura Lula, por medo da
crise argentina e para manter o controle sobre a política econômica.
5. O Governo Lula ao longo de seu mandato manteve a mesma política econômica neoliberal dos oito anos de
FHC. Ou seja, a rigor, as prioridades
da política econômica se mantiveram:
2. O Governo Lula é montado com uma
composição de classes, em que os setores neoliberais da classe dominante,
100
altas taxas de juros (as mais altas do
mundo); manutenção do superávit primário, garantia aos banqueiros de que
o saldo do superávit para pagar juros
fosse sempre ao redor de 4,25% do
PIB (enquanto o crescimento do PIB
nunca ultrapassou os 3%..). Aproximadamente 30% de toda receita federal foi transferida anualmente para pagamento dos juros. O governo manteve os subsídios e estímulos as exportações como único pólo dinâmico da
economia, e totalmente controlado
pelas empresas transnacionais. Menos de 500 empresas controlam mais
de 90% de todo comercio externo.
Essas mesmas empresas especulam
com a taxa de cambio, aproveitando
para importarem ou exportarem de
acordo com suas conveniências de lucro.
de campanha, como dobrar o salário mínimo e priorizar a geração de
empregos.
e) não valorização da participação popular como centro de toda ação política das massas;
f) não realização de reformas políticas estruturais que poderia incorporar democracia direta e exigir
maior fidelidade partidária.
g) Ao contrario, priorizou apenas as
reformas no congresso exigidas pelo
capital, e que nem mesmo FHC
haviam conseguido passar.
6. Além da política econômica conservadora, o governo Lula fez uma administração com muitos erros políticos,
como:
7.
A manutenção da política econômica neoliberal significou que durante o
mandato do governo Lula, o estado
transferiu em media 100 bilhões de
reais, de dinheiro público por ano, para
os bancos. E mesmo assim, a divida
pública recebida em 600 bilhões, chegou ao final de 2005 a um trilhão de
reais.
8.
Essa situação começou a produzir
contradições com os setores nacionalistas e do empresariado industrial, dentro do próprio governo. Ficaram evidente com a queda do presidente do
BNDES e com as crescentes críticas
do Vice-presidente da República, que
afirmou: ”nossas promessas de campanha ainda não chegaram ao Palácio
do Planalto”.
9.
Some-se a esse quadro, uma situação de crise na esquerda partidária,
representada pela hegemonia que o
partido dos trabalhadores exercia.
Essa crise foi resultante dos métodos
de trabalho político que os setores
a) acreditar apenas na correlação de
forças do parlamento e para isso
priorizou alianças com a direita;
b) articular-se apenas com os setores
conservadores e monopólicos da
imprensa brasileira, como se ela
garantisse o apoio popular ao governo;
c) preocupar-se somente com políticas de compensação social, como
Bolsa-Famíia; Pro-Uni, como principais bandeiras de conquistas sociais..
d) Não cumprimento das promessas
101
majoritários do partido adotaram nos
últimos anos e que agora se evidenciaram, nos esquemas de financiamentos escusos de campanha e na prioridade no marketing eleitoreiro, em vez
de debater projetos e propostas, etc..
Ou seja, a esquerda adotou os mesmos métodos da direita e com isso se
equiparou ideologicamente e gerou
uma enorme frustração na sua
militância social e socialista.
que isso terá sérias conseqüências nos
países periféricos, que não protegeram
suas economias, como o Brasil. As
altas taxas de juros, as maiores do
mundo, somados a uma divida publica que beira a um trilhão é o atestado
da falência da política econômica
neoliberal.
2. Vivemos uma crise social grave. As
taxas de desemprego se mantêm. O
fato que se tenha criado 3 milhões de
empregos nos últimos três anos, e que
esse contingente tenha sido maior do
que no governo anterior, é insuficiente, pois equivale mais ou menos ao
mesmo numero de jovens trabalhadores que ingressaram no mercado de
trabalho. O Brasil tem hoje 12 milhões
de adultos desempregados, e mais 15
milhões de adultos no mercado informal, o que totaliza uma população de
27 milhões de brasileiros sem direitos
sociais e trabalhistas, e fora do processo produtivo. A conseqüência disso é o aumento da violência nas cidades, a falta de perspectiva para a juventude, e cenas de barbárie social. A
maior cidade do país deu mostras do
nível de barbárie da marginalidade social e da própria ação da policia, nas
primeiras semanas de maio/06.
III - Situação atual do Brasil
1. Vivemos uma grave crise econômica.
Ao contrário do discurso oficial, a taxa
de crescimento do PIB é ridícula, próxima ao crescimento demográfico. A
economia não atende as necessidades
básicas da população. Isso não significa que a classe dominante não ganhe dinheiro, como disse um analista:” A economia brasileira vai muito
mal, mas os negócios da classe dominante vão muito bem”. Ou seja, há
diversos setores no capital financeiro,
aliado com setores oligopólicos da indústria e do comercio e serviços que
mantêm altas taxas de lucro. Mas os
indicadores de produção física industrial vem caindo. A taxa de investimento está estagnada. Nos últimos três
anos, o governo investiu apenas 8 bilhões de reais anuais, em média, o que
é insignificante para o volume do PIB
brasileiro. A dependência externa aumentou. Vários analistas internacionais
tem publicado nos jornais de fora, o
aviso de que a farra da abundancia do
capital volátil acabou, que se aprofunda
uma crise no centro do capitalismo, e
3. Vivemos uma crise política. A população não acredita mais nos políticos,
na forma atual de representação política. Segundo o IBOPE 92% da população não acredita nos políticos.
Essa democracia representativa não
atende mais as necessidades de exercício do poder político. Os políticos
estão desmoralizados. E não basta cas-
102
sar alguns deputados que não resolve
o problema. As elites e a classe dominante não tiveram coragem de fazer
uma reforma política com medo de
perder parcela do poder que exercem
no parlamento e no estado. E suas
influencias paroquiais e oportunistas.
O poder desses políticos de carreira
vem do uso do dinheiro público. E pela
influencia que acabam tendo na indicação de apadrinhados para os 18 mil
cargos públicos existentes no governo
federal, divididos entre as alianças partidárias. (Enquanto na França para se
ter uma idéia, são menos de mil cargos. E a França é o país do mundo
com maior numero de servidores públicos pela população.).
da política econômica neoliberal, mesmo que gerasse crescimento econômico, não é um projeto de desenvolvimento nacional, a essência da acumulação é no sistema financeiro e nas
empresas que se dedicam ao comercio exterior. A verdadeira crise do Brasil é que precisa de um projeto. Um
projeto de nação, que organize a economia e a política, para resolver os
problemas do povo.
6. Essa situação de crise de projeto se
agrava, nesse quadrante da historia do
Brasil, porque estamos vivendo um período de refluxo dos movimentos de
massas, que leva a desorganização da
classe trabalhadora, apatia da sociedade em geral para debater política. O
quadro negativo se completa com uma
situação que, em função do governo
Lula, que não cumpriu com suas promessas de campanha e gerou uma divisão nas esquerdas. “Lula-lá” tinha
sido a meta síntese que unificou todas
as matizes de esquerda nos últimos
vinte anos. Essa unidade se rompeu,
tanto no plano dos partidos de esquerda
institucional, (PT, PCdoB, PSB,
PSTU, P-Sol, etc..) como na chamada esquerda social.
Há uma crise por tanto da própria democracia burguesa, que caindo a mascara, aparece cada vez mais como uma
grande hipocrisia. Ás vezes entre os
próprios interesses de classe da burguesia, ficam evidentes as contradições
entre esses seus interesses econômicos, garantidos na política econômica
e o comportamento de seus partidos
no congresso.
4. O funcionamento dos partidos, sem
fidelidade, e sem nenhuma ideologia,
os transformou em quase todos iguais.
A população não nota diferença entre
eles. Se algum analista se preocupar
em analisar a doutrina e propaganda
dos partidos pelo que seus dirigentes
dizem na televisão para as massas, de
fato, não verá muita diferença entre
todos eles.
IV. Perspectivas
1. Diante de um quadro de crise, as perspectivas e rearranjos das forças sociais e políticas são complexas, confusas e completamente imprevisíveis. O
certo é apenas que,o processo de encontrar uma saída para a crise e de
construção de um novo projeto
5. Há uma crise de projeto. A nação brasileira não tem projeto, a manutenção
103
hegemônico, seja qual for, será certamente um processo prolongado, de
muitos anos.
reprimir o movimento de massas.
4. E há frações e setores dentro da classe
dominante que continuam apostando
na aliança com o PT e o governo Lula,
como forma de manter seus privilégios e interesses de classe. É assim
que se comportam os velhos setores
da oligarquia rural, incrustado no
PMDB, como os Sarney, no
Maranhão, Barbalhos do Pará,
Suassunas da Paraíba, Calheiros das
Alagoas. E também setores vinculados ao mercado externo e ao
agronegócio.
2. As forças conservadoras, direitistas e
defensoras da manutenção da atual
política econômica neoliberal, representadas hoje pelos capitalistas do setor financeiro e dos grandes grupos
econômicos, e partidariamente. Pelo
PSDB e PFL, apresentaram a candidatura Alkmin, como forma de garantir controle absoluto do estado através
de um governo puro. Temem a continuidade de um certo “o populismo do
governo Lula”. Ou seja, preferem ter
um representante mais autentico, do
que arriscar-se mais quatro anos com
governo Lula, apesar dele ter mantido
a política econômica da classe dominante neoliberal.
5. Os setores desenvolvimentistas-nacionalistas, estão muito divididos em termos de agrupamentos partidários. Parte deles estão dentro do PMDB, outros no PL, PMR, PDT e no PSB.
No PMDB, sem nenhuma unidade,
alem dos setores da oligarquia rural que
já aderiram ao governo Lula, há um
setor claramente neoliberal que já aderiu ao candidato Alkmin. Como o
PMDB de Pernambuco, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, e Distrito
Federal. Há grupo do Itamar, do Pedro
Simon, do Governador Requião,
Lessa, etc. E há o grupo do Governador Garotinho, que representa uma
vertente oportunista-populista com
meros objetivos pessoais e não de classe. Dificilmente o PMDB conseguira
unidade para ter uma candidatura própria, e muito menos representativa dos
setores nacional-desenvolvimentista.
Na verdade lhes falta representação de
classe burguesa nacional, com essa
vocação, para poder alavancar uma
candidatura com essas características.
3. Há diversos fatores que levam a classe dominante a tentar um Presidente
mais confiável:
a) Há preconceitos em relação ao comportamento do Presidente Lula e sua
origem de classe;
b) critica-se que apesar de manter a política econômica deseja, o governo teria ainda feito elevados gastos públicos, com programas de compensação
social, desnecessários na visão deles,
como a bolsa-família,
c) Eles não sabem e não controlam qual
seria o comportamento do governo
Lula, num quadro de crise econômica
ou de reascenso do movimento de massas. Temem, no fundo que o governo
Lula não teria coragem nem forças de
104
6. Outros setores como o PDT e o PPS
podem ter candidaturas próprias. No
caso do PDT com um caráter antineoliberal. Mas nos dois casos atendem mais a motivações pessoais, partidárias, do que um projeto alternativo, que acumule forças políticas e por
isso não se viabilizam.
conseguiu aglutinar amplas forças sociais que são anti-neoliberais e
antiimperialistas. Ou seja, apesar de
um discurso anti-neoliberal e
antiimperialista, não conseguiu
aglutinar em torno de sua candidatura
as forças que tem essas posições.
9. Uma das características fundamentais
dessa campanha eleitoral é em primeiro
lugar que não haverá disputa de projetos, de idéias, de propostas de modelo econômico. Será uma disputa
apenas em torno partidário e pessoal.
Por outro lado, pela primeira vez, depois da ditadura militar, a esquerda
partidária e social, terá posições eleitorais divididas. Não marchara unidade. Assim, haverão votos de esquerda
no Lula, na Heloisa Helena, no PMDB
(se tiver uma candidatura nacionalista) no Cristóvão Buarque. E ainda teremos gente de esquerda anulando o
voto, em especial grandes parcelas da
juventude que está completamente
desanimada da política eleitoral. E teremos setores que vão se abster de
participar das eleições.
7. A Candidatura a reeleição do Presidente Lula provavelmente vencedora
no pleito, tampouco representa um alternativa de projeto. A perspectiva é
que o segundo mandato seguirá representando um governo ambíguo, de
composição de classe, com várias forças políticas e sociais presentes, algumas até contraditórias. E representara
a manutenção da atual política econômica neoliberal, talvez aprofundando
um pouco mais as políticas sociais.
Como explicou recentemente o Ministro do Planejamento, a manutenção do
superávit primário em 4,52% do PIB
é uma verdadeira clausula pétrea, para
o governo Lula. Ou seja, já o sinal
para os banqueiros, que nessa área,
nada mudará. Certamente será então,
um governo muito tensionado, de um
lado pela direita que seguira na ofensiva, para que ele não se atreva a mudar a política econômica, e de outro
lado os setores nacionalistas e de esquerda social, cada vez mais insatisfeitos. A única força que poderia alterar o quadro no segundo mandato é a
possibilidade de mobilização popular.
10. E, independente do resultado eleitoral, de seus candidatos, o processo eleitoral no meio de uma crise tão grave,
não será suficiente para resolver os
problemas do país. E seguramente teremos um próximo governo mais frágil, com menos força social, do que
atual, menos representativo, mesmo
sendo reeleito o atual presidente. A
crise será prolongada e o próximo
mandato governamental será muito
mais tenso e com mais agitação social.
8. E há a candidatura de esquerda, da
senadora Heloisa Helena, pelo P-SOL,
que a principio se apresentava como
uma alternativa socialista, mas não
105
V. Desafios para os movimentos e a
esquerda social
nais, boletins, internet, etc.. Como forma de disputar as idéias na sociedade
e ir construindo hegemonia.
1. Diante de um quadro tão adverso para
as forças populares, de refluxo do
movimento de massas, de crise ideológica da esquerda, apatia da sociedade e ofensiva do capital financeiro, as
forças sociais populares precisam trabalhar com estratégias de longo prazo. Não haverá saídas fáceis, nem de
curto prazo. Para isso estão colocados diversos desafios que precisam ser
encarados por todas as forças populares, de forma unitária, para poder acumular forças e construir saídas a médio e longo prazo.
5. Debater em todos os espaços possíveis a necessidade de construir um
novo projeto para o país, um projeto
que seja anti-neoliberal, antiimperialista, popular e nacional. E ele somente será viabilizado, não apenas pela
formulação de suas propostas que resolvam os problemas estruturais do
povo brasileiro, mas, sobretudo se conseguir produzir um verdadeiro mutirão
de debate que vai acumulando energias, forças, consensos, em torno dele.
6. Realizar atividades e concentrar esforços para elevar o nível de consciência
e de cultura do povo brasileiro.
2. Estimular todo tipo de lutas sociais
como forma do povo ir resolvendo
seus problemas concretos, elevar seu
nível de consciência de classe e acumulando para um processo de
reascenso do movimento de massas.
Única forma de alterar a atual correlação de forças adversas.
7. Dedicar esforços e energias para
conscientizar e organizar a juventude
pobre das periferias das medias e grandes cidades, que são hoje mais penalizadas pelo desemprego, pela desesperança, pela falta de alternativas no
neoliberalismo, e que ao mesmo guardam energias da vontade mudar, de
construir um futuro melhor.
3. Dedicar energias a processos permanentes de formação de quadros e de
militantes, em todos os movimentos e
espaços.
8. Desenvolver de forma unitária e conjunta calendários nacionais de lutas e
de atividades.
4. Construir meios de comunicação próprios da classe trabalhadora, de todos
os tipos, seja rádios, televisões, jor-
106
XI – Noticias da economia e da sociedade brasileira
– Maio 2006 –
Organizadas por Lucas de Oliveira, São Paulo
1. Lucro dos bancos brasileiros no primeiro
trimestre
bra, a taxa de juros é de 0,2% ao ano. É
zero dois mesmo.
Para quem não está lembrado
o Banco Pactual foi fundado por alguns
técnicos, ex-funcionários públicos do sistema financeiro e intelectuais, no período de ouro do neoliberalismo no primeiro mandato do FHC. E como vêem, a
turminha termina o período neoliberal de
15 anos, com uma vaquinha razoável de
2, 6 bi de dólares..Mas coitados, o Banco Suíço avisou que pagará apenas 1, 4
bi de dólares à vista e o restante será em
prestações durante cinco anos.
O maior banco brasileiro, o
BRADESCO, anunciou seu balanço trimestral de janeiro a março de 2006.. O
lucro líquido do período foi de apenas
1,5 bilhões de reais!. O banco Itaú também publicou o resultado do primeiro trimestre: 1,4 bilhões de reais. Facilitando
as contas, cada um deles está ganhando
de lucro liquido, ao redor de 500 milhões
de reais por mês, ou se quiserem, 25 milhões de reais por dia útil de trabalho.
Depois não sabem por que continua a
concentração de renda no Brasil.
3. Crise do setor calçadista do Rio Grande do Sul
2. Banco Suíço compra mais um banco
brasileiro
A crise do setor calçadista do Rio
grande do sul, que vem desde o ano passado, só tem se aprofundado. Isso se
deve em função da taxa de cambio, da
isenção de impostos (lei Kandir) para exportação de couro, que faz com que os
concorrentes das empresas brasileiras, italianos e chineses, comprem nosso couro
sem pagar impostos, façam calçados e
disputem com nossas fabricas de sapato
o mercado internacional em melhores
condições. Cerca de 13 cidades gaúchas
estão seriamente afetadas. Por isso, na
primeira semana de maio, houve uma
caravana para Brasília,de prefeitos, empresários, sindicalistas e trabalhadores
para tentar amenizar a crise. Só neste ano,
O grupo suíço UBS anunciou que
vai pagar 2,6 bilhões de dólares, pelo
controle acionário do pequeno banco de
investimentos brasileiros:o BANCO
PACTUAL. O Banco Suíço tem 70 mil
funcionários e opera em mais de 50 países, de todos continentes. E estava precisando de um pé no Brasil para poder
atuar na economia brasileira, assim, atrair capitais estrangeiros e também ter acesso a essa galinha dos ovos de ouro, que é
a maior taxa de juros praticada no mundo, e garantida pelo governo: 17% ao
ano. Na Suíça, para quem não se lem107
5. FEBRABAN quer melhorar a imagem dos
bancos...
já fecharam sete fabricas de calçados apenas no município de Novo Hamburgo,
que é a capital do calçado nacional. E já
perderam emprego nada menos que 20
mil trabalhadores. Segundo os empresários, se não houver medidas urgentes
para crise outros 25 mil trabalhadores
podem perder o emprego.
A Federação nacional dos BancosFEBRABAN anunciou no Rio de Janeiro que os bancos que operam no Brasil
estão preocupados com sua imagem perante a sociedade, devido aos altos lucros obtidos nos últimos quatro anos.
Assim, os bancos vão adotar a estratégia
de aplicar mais recursos em obras sociais
e financiamento de projetos e ações sociais. Alguns bancos passaram a formar
suas próprias ONGs, como todos temos
visto na propaganda do HSBC (Ação
solidariedade) outros preferem atuar em
Institutos culturais, mais discretos, que
ademais podem absorver investimentos
culturais da Lei Roubnet. É o caso do
Itaú, do Unibanco, do Real. E o
Bradesco prefere obras de assistência
social com crianças. Segundo a
Febraban, os bancos já aplicaram um bilhão de reais, durante o ano de 2005, em
obras sociais, com o objetivo de melhorar sua imagem. Notem: pelo menos são
honestos, admitem que gastam essa
dinherama toda com as ONGs deles, não
para resolver problema dos pobres, mas
apenas para melhorar sua imagem. Ou
seja, aplicar em “obras sociais” é uma
forma de fazer propaganda mais barata
do que a televisão.
Por outro lado, a crise agora chega
também no setor de material esportivo (
tênis, bolas, luvas, etc..) o principal pólo
de produção, a cidade de Veranópolis já
começa a sentir os efeitos com o desemprego de centenas de trabalhadores das
fabricas transnacionais, como a
Alpargatas, aí instaladas.
4. Consórcio estrangeiro compra empresa de
Ferrovias brasileira
O consorcio estrangeiro América
Latina Logística- ALL, comprou a rede
de ferrovias da empresa BRASIL FERROVIAS por um 1, 4 bilhões de reais.
A empresa ALL já controlava os principais ramais ferroviários da Argentina,
Chile e Uruguai. Com essa aquisição se
transforma a principal empresa de logística
ferroviária da América Latina.
Por outro lado, continuam sócios da
ALL, com 28% das ações, os fundos de
pensão Previ, Funcef, o Banco Morgan
e o BNDES, repetindo uma velha fórmula de parceria nas privatizações, em
que se mesclam interesses de capital estrangeiro, fundos de pensão dos “trabalhadores”, bancos privados e o capital
estatal (BNDES ).
6. Mais desnacionalização na agroindústria
O grupo Perdigão, uma associação
de empresários argentinos com o fundo
de pensão do Banco do Brasil, que controla a empresa agroindustrial Perdigão
anunciou que vai comprar a empresa
Batávia , de Carambeí, Paraná, por 150
108
milhões de reais. Há alguns anos atrás
o grupo, que era brasileiro, já havia sido
desnacionalizado e vendido para a
Parmalat. Depois com a crise da
Parmalat, a justiça entregou a administração da Batávia para seu principal credor, a Central de Laticínios do Paraná.
Bem, agora já saneada financeiramente
irá então para os argentinos. Êta, terrinha
generosa..
pitalista do mundo, não apenas de sua
área de comercio em supermercados. E
agora, eles tem a determinação de se
transformar também na maior empresa
de supermercados no Brasil. Basta lembrar que em apenas 5 anos de investimentos por aqui, eles já abocanharam
várias empresas nacionais e controlam
hoje 28% de todo comércio varejista.
O novo gerente anunciou que a nova
estratégia para ampliar o mercado será
criar uma rede de pequenas lojas nas periferias das grandes cidades, destinadas
a atrair o consumidor de baixa renda, que
é a maior parte da população brasileira.
Por ora, estão ampliando as redes TODO
DIA e BALAIO, e São Paulo, Salvador e Recife, mas até 2007 criarão uma
marca única, para todas as lojas de pobre no Brasil. Com esse objetivo a empresa está comprando mais uma rede brasileira, o ATACADÃO, que tem 35 lojas
distribuídas por todo país e faturava 4,5
bi de reais por ano. Aguardem então.
Que os gringos vão tomar conta até de
nossos armazéns e botecos de favelas!
7. Caem as exportações de carne de porco
As exportações brasileiras de carne
de porco caíram 35% em relação ao ano
de 2005. A queda se deve ao fato de que
em função das noticias de febre aftosa e
outras doenças, as empresas russas deixaram de comprar. Acontece que, na
ânsia de se dedicar ao comercio externo,
os frigoríficos brasileiros estavam muito
dependentes dos Russos, que representavam 70% de todo mercado externo da
carne de porco brasileira. Ficar dependendo de capitalista russo, com toda essa
fama de mafiosos, não é bom negócio. A
turma do Corinthians que o digam..
9. Até os capitalistas indianos estão chegando...
8. Notícias da empresa WALL-MART
A maior fabricante de açúcar e
etanol da India, a empresa BAJAJ
A empresa Wal-Mart apresentou
seu novo gerente geral para o Brasil. Trata-se do senhor Vicente Trius. Ele é nascido em cuba, fugido com os pais na revolução e se educou nos Estados Unidos. Antes foi gerente das empresas
Coca-Cola, e da empresa mexicanoestadunidense de sucos, DEL VALLE.
Tudo a ver !
HINDUSTHAN (BHL) está fazendo estudos para investir 500 milhões de
dólares no Brasil, anunciou o jornal indiano The economic Times. A companhia
está estudando formas de se estabelecer
no Brasil, para ampliar suas operações
de açúcar e álcool etanol. Leia-se; procurando Usinas para comprar.
A Wall-Mart é a maior empresa ca-
109
10. Acesso a universidade via pro-uni
nero, um banco de dados do IBGE anunciou no Rio de Janeiro, dados do comportamento do trabalho feminino durante a década de 1990 a 2000. Segundo o
IBGE, as mulheres que chefiam as famílias e são responsáveis pelo seu sustento,
passou de 7,7 milhões em 1990 para 12,8
milhões em 2000, aumentando 66% a
participação das mulheres na responsabilidade das famílias. Naquele ano, as
mulheres eram chefes de 26,5% de todas as famílias brasileiras. Como os
dados se referem a seis anos atrás, e há
uma tendência a aumento continuo de sua
participação, é provável que o peso atual
seja bem maior.
O Ministério da Educação MEC
anunciou que irá abrir vagas do Pro-uni
para alunos pobres estudarem em faculdades também no segundo semestre de
2006. Serão 36.162 vagas com bolsa integral e mais 10.897 vagas com bolsa
parcial(meia bolsa) totalizando 47.059
bolsas no segundo semestre.
Acompanhe a evolução do PROUNI desde sua criação.
Se formam a cada ano, nada menos do que 3 milhões de jovens na rede
de ensino do segundo grau.
Em 2005 foram oferecidas 112.275
bolsas ( 71905 integral e 40370 parcial)
se inscreveram na época apenas 216.021
estudantes egressos do segundo grau.
Apesar disso, as mulheres ganhavam em média, o equivalente a 70% do
salário de um homem, na mesma função
e tempo de serviço.
Em 2006 foram oferecidas 91.609
bolsas (63.536 integrais e 28073 parcial)
para os 797.840 estudantes que passaram no ENEM e se candidaram a vagas
das bolsas.
Por outro lado, a boa novidade que
o sistema de acompanhamento revelou,
é que atualmente, nada menos que 64%
de todas as pessoas que se formam no
ensino superior, são mulheres.
Quem quiser acessar os dados do
IBGE sobre questões de gênero, deve
acessar
na
pagina
www.presidencia.gov.br/spmulheres
11. Aumenta a responsabilidade das mulheres
pelo sustento das familias.
O Sistema de informações de Gê-
– Notícias de Junho de 2006 –
Organizadas por Lucas de Oliveira, São Paulo
I- Economia
1.1. Superávit primário bate recorde em 15 anos.
1. Resumo dos indicadores macro-econômicos do Brasil
O superávit primário é a diferença
entre o que o governo arrecada na receita
federal e os gastos públicos. Essa diferença
110
o governo destina então para o pagamento
de juros aos Bancos. No mês de abril, o
superávit atingiu o recorde dos últimos quinze anos, quando o governo poupou no mês,
nada menos do que 19,42 bilhões de reais.
E destes, 12,9 bilhões foram transferidos
para pagamento de juros.
06 - com base em dados do Ministério
da Indústria e Comércio do Brasil)
1.2. Meta percentual do Superávit Primário.
Minérios de ferro e seus concentrados:
706 milhões
Soja e torta de soja: 621 milhões
Pastas de celulose: 128 milhões
Óleos brutos de Petróleo: 121 milhões
Couros: 02 milhões
Período de janeiro a abril de
2006- em milhões de dólares
Principais produtos exportados
pelo Brasil para a China
O Governo se comprometeu com o
FMI e a banca internacional em manter
uma taxa de 4,25% de superávit primário sobre o PIB durante o ano. Nesse mês
de maio o superávit representou 6,26%
do PIB.
Principais produtos importados
pelo Brasil da China
Aparelhos transmissores e peças: 244 milhões
Maquinas automáticas de proc. Dados:
110 milhões
Micro conjuntos eletrônicos: 107 milhões
Disp. Cristal liquido: 98 milhões
Partes e acesso proc. de dados: 93 milhões
1.3. Pagamento de juros.
Os últimos doze meses completados em abril/06 totalizaram uma transferência de 163 bilhões de reais dos cofres
públicos para pagamento de juros. Isso
representou nada menos do que 8,22%
do PIB no mesmo período.
1.4. Dívida pública interna.
A quem interessa esse tipo de
intercambio?
Mesmo com toda essa transferência do pagamentos de juros, a dívida pública interna alcançou em final de abril
um total de 1,014 trilhões de reais. Como
a taxa básica de juros colocada pelo próprio governo está ao redor de 16% ao
ano. Pode-se calcular que o governo precisará pagar esse ano, mais 160 bilhões
de juros, sem que a dívida diminua.
3. O oligopólio do comércio de supermercados no Brasil
Vejam o balanço das três maiores
redes de supermercados que atuam no
Brasil. E o processo de concentração e
centralização que vem ocorrendo no setor.
(Fonte: acredite, tudo isso estava
no jornal Estado de São Paulo, dia 26 de
maio, pagina B-6 caderno de Economia)
3.1. Pão de Açúcar (associado a
um grupo Francês)
Faturamento em 2005: 16 bilhões de reais
Número de lojas: 551 (2004) para 556
em 2005
Empregados: 63.500 em 2004 para
2. Dados do comércio Brasil e China
(Estado de São Paulo 5 de junho/
111
62.800 (ou seja, aumentou as lojas e diminuiu os funcionários)
de matérias primas, de algodão, etc.
que depois voltam como produtos finais, em especial da China.
3.2. Carreffour (Francês)
- A liberação das importações de outros países.
Faturamento em 2005: 12, 5 bilhões de
reais.
Número de lojas: 390 em 2004 para 399
em 2005
Empregados: 43.800 em 2004 passou
para 48 mil em 2005.
- O baixo poder aquisitivo da população brasileira.
(ESP 29 05.06)
5. Crise no investimento estrangeiro
especulativo na Bolsa de Valores de São Paulo
3.3. Wal- Mart (Estadunidense)
Faturamento em 2005: 11,7 bilhões (dobrou faturamento em relação a 2004)
Número de lojas: 149 em 2004 passou
para 295 lojas em 2005.
Número de empregados: 28.800 em 2004
passou para 50.100 em 2005.
(ESP 29 maio 2006)
Há sinais de perigo no horizonte,
que a imprensa se recusa a debater. Os
investidores estrangeiros sempre vieram
ao Brasil investir na bolsa de valores, que
é um investimento de curto prazo,
especulativo. Ganham seus lucros na especulação em reais, transformam imediatamente em dólar (por isso dólar sempre está baixo) e correm de volta pro seus
paises de origem.
4. Indústria têxtil em crise
Há no Brasil 30 mil empresas do
setor têxtil. A maioria são pequenas e
médias. Garantem emprego para
1.650.000 trabalhadores, sendo 70%
mulheres. Em várias regiões do país,
muitas empresas já foram a falência e
demitiram seus trabalhadores.
- Nesse ano, no entanto, algo esta passado, pois o investimento estrangeiro na bolsa de valores de São Paulo
diminuiu em 140 bilhões de reais. Por
diversos meses seguidos, a retirada
de capital e envio ao exterior é maior, do que eles reaplicam.
Segundo o empresário Josué Gomes
da Silva, filho do vice presidente, e Presidente da Associação de Empresas têxtis,
a crise se deve a:
- Como resultado, o preço das ações
das empresas brasileiras que são negociadas na bolsa vão caindo. Ou
seja as empresas perdem o valor total de seu patrimônio. Segundo a Bolsa
de valores, nesse ultimo ano a perda
de patrimônio pela queda do preço
das ações dessa s empresas representou um prejuízo de 187 bilhões
de dólares.
- os preços das roupas vendidas pelo
setor aumentou desde 1995, quando se instalou o real forte e o neoliberalismo, em
média apenas 13,8%. Enquanto a inflação
oficial foi de 167% (FIPE) e energia elétrica aumentou em 347%, transporte publico
295% e habitação(alugueis) 266%).
- as exportações brasileiras são apenas
112
7. Multinacionais brasileiras ou
subimperialismo associado
- Qual poderia ser a explicação para
isso? Fuga de capitais especulativos
porque a taxa de juros nos Estados
Unidos aumentou. Mudanças políticas na América Latina. Ou mais um
golpe especulativo, em que eles se
combinam, saem do país todos juntos, as ações caem, e ai eles voltam e
cobram muito barato. Com a palavra
os economistas!
Os investimentos diretos das empresas brasileiras no exterior alcançou um
total de US$ 71,6 bilhões até setembro
de 2005, informou ontem o presidente
do Banco Central, Henrique Meirelles. O
montante representa expansão de 44,1%
em relação aos US$ 49,689 bilhões
registrados até 2001. Ao participar do seminário “As novas multinacionais brasileiras”, promovido pela Federação das
Indústrias do Estado do Rio de Janeiro
(Firjan) e pela Fundação Getulio Vargas
(FGV), Meirelles afirmou que o movimento está solidamente ancorado e que
reduz a vulnerabilidade externa brasileira. (FSP junho 06)
- Segundo as mesmas fontes esse mesmo movimento de perca de
patrimônio e prejuízo aconteceu em
todos os paises da América Latina
nesse mesmo período.
6.Taxas de juros para a população brasileira
são as maiores do mundo
Vejam as taxas médias de juros cobrado pelos Bancos no Brasil, aos que
tomam credito. Em todos os itens são disparado os mais altos do mundo.
8. Lucro dos bancos aumenta 61,5% no
primeiro trimestre de 2006
Resultado somado das 103 instituições do país chega a R$ 10,2 bi, apenas
no primeiro trimestre de 2006.
1. Comércio (venda a crédito e desconto de duplicatas) 6,35% ao mês,
aproximadamente 80% ao ano.
Os bancos que atuam no país lucraram R$ 10,221 bilhões no primeiro
trimestre deste ano, um aumento de
61,5% em relação ao resultado apurado
no mesmo período de 2005. O ganho recorde de R$ 2,343 bilhões obtido pelo
Banco do Brasil foi o fator que mais influenciou na lucratividade.
2. Cartão de credito: 10,33 ao mês
130% ao ano.
3. Cheque especial: 8,08% ao mês ou
100% ao ano.
4. CDC-Bancos: 3,38% ao mês ou 45%
ao ano.
5. Juros cobrados pelas financeiras
para pequenos empréstimos:
11,60% ou 140% ao ano.
Os números são de levantamento
feito pelo BC a partir dos balanços das
103 instituições financeiras que operam
no país. Não foram incluídos bancos de
investimento e de desenvolvimento, como
o BNDES.
Comparem: na Europa e Estados Unidos, Japão a taxa média de juros
aos consumidores é de aproximadamente 4% ao ano.
113
Lucro dos pequenos
tíveis fósseis para impulsionar seus gastos com o militarismo, disse o Instituto
de Pesquisa para a Paz Internacional de
Estocolmo, em seu último anuário.
Os quatro maiores bancos do país BB, Caixa Econômica Federal, Bradesco
e Itaú- responderam por 65% do lucro
do sistema financeiro. Duas instituições
financeiras de menor porte, porém, destacam-se no levantamento feito pelo BC
pelo forte crescimento de suas rentabilidades: o Pactual e o Credit Suisse. O
Pactual, 16º maior banco do país em ativos, segundo o BC, lucrou R$ 399 milhões no primeiro trimestre deste ano,
resultado que equivale a 12 vezes o ganho obtido pela instituição entre janeiro e
março do ano passado. O lucro obtido
pelo Pactual no início de 2006 supera o
de bancos bem maiores, como o ABN
Real e o HSBC.
“Os EUA são responsáveis por 48
por cento dos gastos no total mundial, seguidos à distância por Grã-Bretanha,
França, Japão e China, com 5 por cento
cada”, isso totaliza 68% dos gastos no
mundo, e todos os demais paises do mundo gastam o equivalente a 32% dos gastos, acrescentou o instituto sueco.
O relatório afirma que as despesas
norte-americanas estavam cerca de 80 por
cento atrás dos ganhos em 2005.
Gastos com armas representaram
2,5 por cento do produto interno bruto
mundial em 2005 — ou uma média de
despesas de 173 dólares per capita.
Essa explosão no lucro reflete os
ganhos alcançados pelo Pactual nas suas
operações de intermediação financeira que, nesse caso, consistem na compra e
venda de títulos públicos e de papéis
emitidos por empresas privadas. (Ney
Hayashi da Cruz, da Sucursal de
Brasília da FSP)
O aumento global nos preços de
matéria-prima ajudou alguns países a gastarem mais com armamentos.
“Isso se reflete particularmente na
Argélia, Azerbaijão, Rússia e Arábia
Saudita, onde o crescimento dos lucros
com a exploração de gás e petróleo impulsionou as receitas governamentais e
liberou fundos para despesas militares”,
acrescentou.
9. Gastos militares no mundo chegam a
US$1,12 TRILHÃO
Estocolmo (Reuters) - Os gastos dos
Estados Unidos no Iraque e no
Afeganistão ajudaram a aumentar as despesas militares no mundo em 3,5 por cento, alcançando 1,12 trilhão de dólares em
2005, disse um órgão de pesquisa nesta
segunda-feira.
China e Índia também aumentaram
os gastos.
“Em termos absolutos, seus gastos
atuais são apenas uma fração das despesas norte-americanas. O crescimento nos
gastos é largamente proporcional ao crescimento econômico dos países”, afirmou
o instituto. (Agencia Reuters 12/06/2006)
Diversos países, incluindo Arábia
Saudita e Rússia, beneficiaram-se do aumento nos preços de minerais e combus-
10.Os lucros das empresas de
114
2. Demissões em massa na Volkswagen
transgênicos
A empresa européia SYGENTA, a
segunda maior no mundo e no Brasil que
produz e controla sementes transgênicas,
e teve sua área de reprodução de sementes no Paraná, ocupada pela via campesina
pois era ilegal, anunciou que teve um
faturamento mundial de 8 bilhões de dólares em 2005. E que seu lucro foi de
770 milhões de dólares.
Depois de muitos anos bajulada pelos sindicalistas como uma empresa que
atuava com responsabilidade social, agora
a Volkswagen mostra sua verdadeira cara,
e anunciou, que para fazer frente a concorrência internacional, vai demitir 25%
de todos seus empregados no Brasil.
A medida vai atingir aproximadamente 6 mil trabalhadores de suas três
fabricas , Taubaté e Paraná.
II- Notícias da sociedade e dos trabalhadores
3. Os miseráveis de São Paulo
1.Dados sobre trabalho doméstico no BrasilPNAD 2003
A Prefeitura Municipal de São Paulo divulgou dados coletados pela Fundação de Pesquisas econômicas da USPFIPE sobre as características dos 8 mil
pessoas que dormem todas as noites em
albergues da Prefeitura, sem pagar nada.
Total de trabalhadores/as: 6.081.497
- com carteira assinada: 1.645.457,
seja, 27%
- sem carteira assinada: 4.436.040,
seja, 73%
Trabalhadoras femininas: 5.683.988
seja, 93%
Trabalhadores Masculinos: 397.891
seja, 7%
ou
Vejam os dados.
ou
- 40% deles são jovens de 29 anos.
E apenas 9% acima de 55 anos de idade.
ou
-74% deles estão trabalhando, no
entanto, 90% sem carteira assinada e por
tanto sem direitos sociais, e ganham entre 35 e 365 reais por mês, apenas.
ou
Rendimento:
- 33% nunca dormiu na rua.
- Não ganham nada pelo trabalho: 36.678
ou seja 0,6%
- Ganham até meio salário mínimo (175
ou 80 us$): 1.684.515 ou seja 28,0%
- Ganham entre meio e um salário –até
350: 2.512.322 ou seja 41,0%
- Ganham mais de um salário mínimo
(350 reais): 1.847.692 ou seja 31,o%
- 55% deles, antes de virem para o
albergue moram em casas e apartamentos e tiveram que sair porque não tinham
mais condições de pagar aluguel.
- Origem: 49% são de estados do
sudeste, 19% do próprio estado de São
Paulo e apenas 41% do nordeste.
115
XII – No Brasil, número de ricos cresce mais que no mundo
João Pedro Stedile
Economista
Vejam alguns dados muito sintomáticos:
4. Entre os países com maior número
de ricos, chama atenção a China,
que, em apenas dez anos, produziu
agora, no capitalismo chinês, nada
menos do que 320 mil milionários.
1. A população mundial de nosso planeta é de aproximadamente 6 bilhões de seres humanos. Destes, há
8, 7 milhões que são considerados
milionários, ricos. Pois possuem
fortunas pessoais acima de um milhão de dólares. Isso equivale a
apenas um por cento da população.
5. Na América Latina também a concentração de riqueza é impressionante, e aqui temos 350 mil milionários entre os 8,7 milhões do mundo. Destes, aproximadamente 150
mil são brasileiros, o que
corresponde mais ou menos ao um
por cento da população mais rica
do Brasil, diante dos 188 milhões
de pessoas.
2. Desde que o capitalismo chegou na
sua etapa financeira com o
neoliberalismo, a concentração de
riqueza se acentou ainda mais, e o
crescimento dos ricos aumentou em
media 8% ao ano. Sendo que, desde 1996 até hoje, em dez anos, eles
dobraram de número, passando de
4,5 milhões para 8,7 milhões.
6. E, assim, o capitalismo segue, produzindo, vendendo, acumulando e
concentrando cada vez mais riqueza. Mas na etapa do capital financeiro internacionalizado, a velocidade da concentração é espantosa.
Portanto, as desigualdades sociais
vão aumentando em todo mundo.
Até que um dia a frase de Marx seja
colocada em prática.
3. O Patrimônio total desses milionários alcança agora a 33 trilhões de
dólares. Será necessário a soma do
PIB da maioria dos países do mundo - para poder alcançar o que eles
controlam.
Aumento foi de 11,3%, ante 9,7% na América Latina e 6,5% na média mundial
(a partir de noticias da agencia EFE, publicado no jornal Estado Sao Paulo 21 de junho
2006)
116
Segundo o Relatório sobre a Riqueza no
Mundo, os fatores que alimentaram a geração de
riqueza foram os fortes lucros nas bolsas de valores pelo terceiro ano consecutivo e o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) mundial,
onde um dos setores mais dinâmicos foi o imobiliário.
O número de ricos na América Latina aumentou 9,7% em 2005, a terceira maior taxa de
crescimento regional, atrás apenas da África e
Oriente Médio, segundo o Relatório sobre a Riqueza no Mundo, publicado ontem pelas empresas Merrill Lynch e Capgemini. O Brasil foi o país
da América Latina onde o número de
multimilionários apresentou o maior aumento, de
11,3%. A alta brasileira foi a décima maior do
mundo.
O relatório prevê que a riqueza financeira
controlada pelos ricos chegará a US$ 44,6
trilhões em 2010, com taxa anual de crescimento
de 6%. A maior parte (US$ 14,5 trilhões) estará
nas mãos de multimilionários da América do Norte, enquanto os europeus controlarão US$ 11,2
trilhões, seguidos pelos asiáticos, com US$ 10,6
trilhões, e pelos latino-americanos, com US$ 5,5
trilhões.
O relatório, em sua décima edição, afirma
que a escalada do preço do petróleo foi um dos
fatores que contribuíram para a acumulação de
riqueza na área, onde o número de pessoas físicas com um patrimônio superior a US$ 1 milhão
- excluindo a primeira moradia e os investimentos tangíveis - aumentou a um ritmo muito superior à média mundial, de 6,5%.
No caso da América Latina, o número de
ricos aumentará a um ritmo anual de 5,9% até
2010, próximo à média mundial.
Os multimilionários latino-americanos, cerca de 350 mil, controlavam no fim do ano passado uma riqueza de US$ 4,2 trilhões, 11,8% a
mais que em 2004.
OS DEZ MAIS
A Espanha entrou pela primeira vez no grupo dos dez países com maior número de ricos,
com 148,6 mil pessoas com patrimônio superior
a US$ 1 milhão, de acordo com os critérios do
relatório das empresas Merrill Lynch e Capgemini.
O aumento no número de ricos da Espanha foi
de 5,7% em 2005, o maior da Europa.
No total, no fim de 2005 havia 8,7 milhões de ricos no mundo, um número que
aumentou 6,5% em relação a 2004 e praticamente dobrou em dez anos, já que em 1996
havia 4,5 milhões de multimilionários.
O volume de riqueza nas mãos dos ricos
cresceu no ano passado a um ritmo maior que o
número de pessoas que se incorporaram a esse
seleto clube. Assim, as pessoas com patrimônios
elevados controlavam no fim de 2005 ativos financeiros líquidos no valor de US$ 33,3
trilhões, 8,5% a mais que em 2004.
A lista dos dez países com mais ricos é liderada pelos Estados Unidos (com 2,67 milhões), seguidos do Japão (1,41 milhão), Alemanha (767 mil), Reino Unido (500 mil), França (367
mil), China (320 mil), Canadá (232 mil), Itália
(198 mil) e Suíça (191 mil).
(a partir de noticias da agencia EFE,
publicado no jornal Estado Sao Paulo 21 de
junho 2006)
O número de “ultramilionários”, ou seja,
pessoas com mais de US$ 30 milhões de
patrimônio, chegou a 85,4 mil no mundo todo,
10,2% a mais que em 2004.
117
XIII – Construir um projeto nacional, popular, unitário entre todas as forças sociais do Brasil
Apresentação
O texto que segue é apenas um subsidio para debater com nossas instancias,
nossas bases sociais, em cada movimento, entidade ou organização social.
Estamos apresentando um texto-subsídio para o debate, na tentativa de contribuir para a construção de um projeto
unitário de todas as forças sociais de nosso país.
Tampouco tem a pretensão de substituir os processos que cada movimento/
entidade esteja desenvolvendo em suas
redes e bases para construir de forma
mais detalhada suas propostas.
Mais
além do esforço próprio queremos construir, o que for possível, de forma unitária.
Partimos da análise de que o Brasil vive
um longo período de crise de projeto. E
que as classes dominantes, articuladas com
o capital internacional querem apenas nos
impor políticas neoliberais que visam apenas aumentar suas taxas de lucro. Entretanto, os problemas sociais de nosso povo
se agravam, e o país se torna cada vez
mais dependente e transferidor de suas
riquezas para fora.
É uma proposta para ser debatida ao
longo dos próximos meses, sem estar afeta ao calendário eleitoral.
É uma proposta para conscientizar,
politizar, gerar união de forças e construir força popular mobilizada.
Vários movimentos, entidades e forças sociais da sociedade brasileira comungam dessa avaliação e estão colocando
suas energias para construir um projeto
para o país, a partir das necessidades do
povo. Há muitas iniciativas em curso,
todas louváveis.
Assim, após diversas consultas com
movimentos/entidades e redes de articulação estamos apresentando esse texto,
para:
a) Vejam como cada movimento/redes
podem fazer o debate nas suas
instancias, e bases sobre a necessidade de construir um texto unitário, e
podem utilizar texto abaixo como subsidio.
No entanto, diversas forças sociais temos refletido sobre a necessidade de fazer um esforço coletivo, generoso, sem
protagonismo ou vanguardismo, de construção de um texto unitário, que pudesse
somar esforços no debate com nosso
povo.
b)Apresentem sugestões de mudanças,
retificando, alterando
Daí, aproveitou-se os textos já existentes e tentou-se construir uma primeira
proposta, para debate.
c) Mas devemos manter uma combinação de procurar construir um texto
118
suscinto e didático. É por tanto, um
esforço de unidade, de síntese e ao
mesmo tempo pedagógico, entre nós,
e com nossa base social.
de redes e forças sociais de nosso
povo.
f) Cada movimento, entidade ou rede
poderá utilizar esse subsidio da forma
que melhor lhe aprouver, em cartilhas,
boletins, subsídios, etc.
e) Propomos, que esse debate político e
pedagógico seja feito ao longo do segundo semestre, e nos preparemos
para no inicio do próximo ano realizar
uma grande assembléia popular, que
aglutinasse o maior numero possível
Propõe-se que as sugestões sejam centralizadas na secretaria da campanha contra a ALCA [email protected]
São Paulo, 23 de junho de 2006.
Brasil: Por um projeto de desenvolvimento nacional, popular e democrático
I. Sociedade, valores, e etnias
4. Precisamos de políticas publicas e de
medidas econômicas que tenham no
centro de suas prioridades o combate
permanente à pobreza e a desigualdade social, como as duas maiores chagas de nossa sociedade e do atual modelo econômico e social.
1. Queremos ser uma sociedade que vive
harmonicamente em nosso território,
com
sua diversidade étnica,
cultural,com oportunidades iguais para
todos brasileiro, com democracia econômica, social, política e cultural.
Como já determina a constituição
brasileira,mas é solenemente ignorada
na realidade da economia e da prática
dos tres poderes constituídos.
5. Queremos construir uma sociedade
generosa, que reconheça as diferenças entre seus membros e respeite e
cultive na diversidade: a solidariedade, a igualdade e a indignação diante
de qualquer injustiça.
2. Precisamos de políticas públicas, que
garantam oportunidades para todos e
que de fato combatam os preconceitos e as discriminações relacionadas
com as condições de gênero, cor, etnia,
orientações sexuais, crenças religiosas,
idade e classes sociais. E que garantam oportunidades e serviços públicos
para todos e todas.
II. O sistema político
1. Queremos um país que crie e utilize
permanentemente mecanismos de participação e decisão direta da população, nas várias instancias de decisão
do poder político e social, construindo uma verdadeira democracia popular participativa.
3. Precisamos de uma sociedade em que
o poder real do país seja exercido pelo
povo. E não apenas em seu nome.
119
2. Regulamentar os plebiscitos,
referendos e consultas populares para
tomada de decisões de importância
para o povo. Garantindo o direito do
povo convoca-los. Bem como outros
mecanismos permanentes de, audiências publicas, conselhos populares,
participação nos orçamentos públicos,
garantindo a ampliação da democracia direta.
III. A soberania nacional e popular
1. Precisamos de políticas e práticas dos
governantes que garantam a plena soberania de nosso povo, sobre nosso
território, nossas riquezas naturais, minerais, nossa biodiversidade, a água e
as sementes.
2. O Estado deve ter o controle, com a
participação da sociedade e dos trabalhadores, das empresas estratégicas
para o desenvolvimento nacional que
já existem e criar as que forem necessárias, para gerir as riquezas do: petróleo, minérios, energias renováveis
como a Biomassa, energia elétrica e
as comunicações.
3. Defendemos uma ampla reforma política que garanta liberdade de organização política e partidária, financiamento público exclusivo das campanhas eleitorais em todos os níveis, controle da propaganda mentirosa, fidelidade partidária, revogação de mandatos pelo voto popular, fim do sigilo
bancário, patrimonial e fiscal de todos
os candidatos e de todos ocupantes de
cargos públicos, em todos os níveis.
Ajuste dos salários dos eleitos equivalente a média dos ganhos dos servidores públicos .
3. O governo deve instalar uma auditoria
da dívida externa e examinar todos os
contratos, para controlar a transferência de riquezas pro exterior, a titulo de
juros e amortização de dividas e de
contratos não transparentes ou ilegais
e imorais.
4. Controle rigoroso por mecanismos populares e punição drástica de todas as
práticas de corrupção, clientelismo,
nepotismo, fisiologismos exercidas nos
cargos públicos nos três poderes da
Republica.
4. O Governo deve controlar a moeda, a
taxa de cambio, a taxa de juros e o
Banco Central, como questão fundamental de soberania sobre a economia nacional. Controlar e impedir a
remessa de riquezas pro exterior.
5. Reorganização da atual representação
política no poder, garantindo a representação proporcional de toda população e dos setores minoritários. Que
se instituam mecanismos de democratização do poder judiciário, colocando-o sob controle da sociedade, através de conselhos populares externos e
outras formas democráticas.
5. O Governo deve realizar acordos internacionais apenas em prol da
integração dos povos, do maior entrelaçamento regional e submetidos aos
interesses do povo brasileiro. Buscar
integração latinoamericana que interesse ao povo, e condenar os acordos de
livre comercio (ALCA, TLC, OMC,
EU-Mercosur) que são na verdade im-
120
posições dos interesses das empresas
transnacionais e de seus governos imperiais.
cas econômicas de acordo com esses
interesses, e impedir ingerência de organismos internacionais como OMC,
FMI, Banco Mundial, ou influencias
de governos imperialistas que querem
ampliar seu controle sobre nossa economia. Os recursos públicos devem
ser aplicados prioritariamente em serviços públicos e investimentos sociais
. O superávit de contas públicas é uma
mera exigência do capital financeiro,
que quer abocanhar os recursos públicos através do pagamento de juros.
As taxas de juros devem ser controladas pelo estado, aos níveis do mercado internacional e dos interesses populares. As grandes fortunas e heranças acumuladas ao longo de anos de
exploração devem ser taxadas
pesadamente para buscar a distribuição de renda.
6. Recuperar e valorizar o verdadeiro papel das forças armadas brasileiras,
como guardiãs da soberania nacional
e dos interesses do povo, exercendoo com democracia, transparência e
ampla participação popular. Garantindo assim a segurança nacional, o
patrimônio nacional de nossas riquezas, em favor do povo.
IV. Por um desenvolvimento economico justo
1. As políticas de desenvolvimento da
economia devem estar baseadas fundamentalmente nos interesses de
melhoria das condições de vida de
toda a população, em especial dos
mais pobres. Sua missão é produzir
bens, que eliminem o grau pobreza e
a desigualdade social existente em nosso país.
5.
2. A organização da produção deve buscar em primeiro lugar o atendimento
das necessidades básicas de toda população brasileira, como: alimentos,
vestuário, construção de moradias,
transporte publico coletivo, educação
e cultura.
3.
O Estado deve coordenar a poupança nacional em investimentos produtivos e de interesse publico, em infraestrutura social básica, como: transporte, energia, portos, escolas, ferrovias e saneamento básico.
V. O direito ao trabalho
1. O estado deve garantir a todos cidadãos brasileiros o direito ao trabalho.
Como condição de cidadania plena,
como direito fundamental de realização humana. E criar condições para
que seja um trabalho produtivo, criativo, não alienado e voltado para as
necessidades da maioria.
Devemos investir recursos públicos
de forma prioritária, para garantir a
pesquisa e o desenvolvimento científico, na busca de soluções mais baratas e práticas para o desenvolvimento
da sociedade.
2. A política econômica governamental
deve ter como objetivo principal os
4. O Governo deve orientar suas políti-
121
investimentos que garantam trabalho
a todos/as brasileiros.
dias a toda população, utilizando das
mais variadas formas de execução.
3. O estado deve garantir salários dignos
para todos/as trabalhadores, na ativa
e aposentados. E a valorização imediata do salário mínimo, como instrumento fundamental de repartição da
riqueza e da renda.
3. Implementar políticas publicas que
combatam e punam a especulação
exercida pelos grandes proprietários de
terrenos nas cidades. Que se busque
acima de tudo o bem comum e os interesses da comunidade.
4. O Estado deve garantir os direitos
socais que constam de nossa constituição e amplamente desrespeitados,
como o acesso universal a previdência, a garantia de ampla organização e
liberdade sindical e sem discriminações
laborais de qualquer tipo. O Estado
deve ir reduzindo paulatinamente a
jornada de trabalho dos brasileiros,
para ampliar o tempo livre para família e a elevação cultural.
4. Garantir o direito igualitário de acesso
a água de qualidade, a saneamento
básico, a coleta de lixo, segurança publica, energia elétrica e ao transporte
publico barato e de qualidade, em todas as cidades brasileiras, em especial
nas regiões metropolitanas e suas periferias. O estado deve garantir a todas famílias pobres, o acesso gratuito de consumo mínimo necessário de
água e energia.
5. Implementar políticas públicas que estimulem novas formas de organização
e gestão social da produção pelos trabalhadores, em todas as áreas da economia, através de cooperativas, associações autogestionárias, parcerias, e
outras formas de economia solidária.
5. As cidades devem ser espaços, em primeiro lugar, de vivencia digna para as
pessoas.
VII. Reforma Agrária: A organização
da agricultura e da vida no campo
1. A nação, através do estado, do governo, das leis e da organização de seu
povo deve zelar permanentemente,
pela soberania e pelo patrimônio coletivo e pela sanidade ambiental de nossa natureza, da biodiversidade, das
águas, da fauna e flora existentes.
VI. A organização das cidades
1. Reorganziar o convívio e o planejamento urbano de nossas cidades, buscando criar condições humanas de
vivencia para toda população. Deve
haver políticas que evitem o êxodo
rural, as migrações massivas e a instalação de famílias em locais inadequados para a sobrevivência humana.
2. Realizar uma ampla reforma agrária,
popular, para garantir acesso a terra a
todos os que nela querem trabalhar.
Garantir a posse e uso de todas as comunidades originárias, dos povos indígenas e dos quilombolas. Estabele-
2. O Estado deve ter uma política pública de garantia de construção de mora-
122
cer um limite máximo no tamanho da
propriedade da terra, como forma de
garantir sua utilização social e racional.
VIII. A educação e a cultura
1. A educação e a elevação do nível cultural, do conhecimento, de valorização dos saberes populares, é condição fundamental para a realização dos
brasileiros como seres humanos plenos, com dignidade e altivez. Seremos
um país desenvolvido e uma sociedade democrática, somente se conseguirmos implementar e garantir o direito a educação pública e gratuita, em
todos os níveis, a toda população.
Precisamos de um sistema educacional que priorize a realização humana,
e não apenas treine para funções técnicas e do trabalho.
3. Reorganizar a produção agrícola nacional tendo como objetivo principal a
produção de alimentos saudáveis,
para toda população e aplicando assim o principio da soberania alimentar. A política de exportações de produtos agrícolas deve ser apenas complementar, buscando maior valor agregado possível e evitando-se a exportação de matérias primas.
4. O estado deve aplicar políticas agrícolas que garantam uma renda mínima
justa a todos os agricultores e moradores do meio rural. Que haja estabilidade para todas as famílias que vivem no meio rural, estimulando a permanência e o seu desenvolvimento
aonde moram. Garantir alternativas
de trabalho e renda para a juventude
do meio rural. E estimular todas as
formas associativas e cooperativas de
produção agrícola, e de agroindústria
nas
comunidades
rurais
,
interiorizando a industrialização do
país e descentralizando a geração de
empregos.
2. É obrigação do estado implementar
desde logo e de forma prioritária, todos os recursos necessários para
universalizar o acesso dos brasileiros,
de todas as idades, da escolarização
pública, em todos os níveis. E, sobretudo, garantir o acesso a universidade pública a todos os jovens.
3. Realizar, imediatamente, em forma de
mutirão nacional, um programa que
erradique num ano, o analfabetismo
no Brasil.
4. Implementar políticas publicas de
revalorização dos professores e educadores, como parte do enorme esforço social, que precisamos fazer para
colocar a escola no centro de todas as
prioridades sociais.
5. O estado deve estimular e controlar as
pesquisas e o desenvolvimento de novas técnicas agrícolas que busquem o
aumento da produtividade, em equilíbrio com a natureza e o bem estar da
população. As sementes são um
patrimônio da humanidade e não pode
ser objeto de propriedade privada.
5. Garantir e desenvolver políticas de
universalização de práticas culturais ao
nosso povo, valorizando-as e utilizando-as como forma de lazer, de elevação espiritual, e da práticas de valores
123
sociais.
mentos e informações ao povo.
IX. Comunicação social
X. Saúde pública
1. O povo tem o direito de organizar seus
próprios meios de comunicação social, de forma associativa, seja impressos, internet, rádio ou televisão. E o
estado deve garantir os recursos para
que exerça esse direito.
1. O Estado deve garantir e defender a
saúde de toda população, implementando políticas públicas, de soberania
alimentar, de condições de vida dignas, como medidas preventivas às doenças.
2. Democratizar o atual monopólio dos
meios de comunicação de massa existente na televisão, nos jornais, revistas e rádios. O estado deve estimular,
com políticas e recursos para que se
amplie o maior numero possível de
meios de comunicação, sob controle
social, nas mais diferentes formas de
organização popular.
2. O sistema de saúde pública ,SUS, deve
ser ampliado e melhorado, combinado com o Programa de saúde
familiar(PSF) preventivo. Incluindo o
atendimento médico-odontológico e de
enfermagem.
3. O estado deve garantir acesso a atendimento médico-odontológico, e medicamentos de forma gratuita e racional a toda população necessitada.
Deve combater todas as práticas que
mercantilizam o atendimento a saúde
da população e se transformaram em
mero objeto de lucro.
3. Deve ser proibido o uso de concessões publicas de meios de comunicação como forma de obtenção de lucro. A comunicação é, e deve ser,
um serviço público em beneficio do
povo, como determina a constituição
brasileira e não pode estar subordinada à lógica do lucro.
4. O estado deve organizar um processo
de formação massiva, ampliando o
maior número possível de profissionais
na área de saúde, de agentes populares
de saúde a médicos e especialistas.
4. Deve ser proibido qualquer investimento ou ingerência estrangeira em qualquer meio de comunicação social.
5. Implementar políticas públicas que
eduquem, orientem a população, em
praticas preventivas buscando as melhores condições de vida e saúde, seja
através da alimentação, de cuidados
de higiene, seja através dos saberes
populares e da medicina preventiva.
5. O uso e pratica dos meios de comunicação social devem ser fiscalizados e
controlados pelo estado e por mecanismos de conselhos populares locais,
para que sua programação e uso sejam educativos, valorizem nossa cultura e garantam o acesso a conheci-
124
XIV – Plataforma política para uma agricultura
soberana e popular
1
Cascavel / PR
Junho de 2006
I - Introdução
mente devastada. Sua integridade e a diversidade de formas de vida, que são o
sustento da biodiversidade estão
ameaçadas. E se a natureza de nosso planeta está ameaçada, está ameaçada a própria vida humana, que depende dela. Até
a Avaliação Ecosistêmica do Milênio feita
pela ONU e divulgada em 2005 reconhece que “as atividades humanas estão mudando fundamentalmente e, em muitos
casos, de forma irreversível a diversidade
da vida no planeta Terra. Estas taxas vão
continuar ou se acelerar no futuro”. Nesse importante reconhecimento da crise planetária, é também fundamental reconhecer que não são todas as atividades humanas prejudiciais, mas sobretudo aquelas
guiadas pela volúpia de lucro das
corporações transnacionais.
Vivemos num sistema econômico
dominante que há séculos se propôs explorar de forma ilimitada todos os
ecossistemas e seus recursos naturais.
Esta estratégia trouxe crescimento econômico e o que se chamou de “desenvolvimento” para algumas nações, e privilegiou o consumo e o bem estar social
de uma parcela muito pequena da humanidade. E excluiu infelizmente, das condições mínimas de sobrevivência a grande maioria da humanidade.
O custo desse sistema de exploração
da natureza e das pessoas, junto ao
consumismo desenfreado foi pago pelo
sacrifício de milhões de trabalhadores pobres, camponeses, indígenas, pastores,
pescadores, e outra s pessoas pobres da
sociedade, que entregam suas vidas a cada
dia. E pela agressão permanente da natureza que foi e continua sendo sistematica-
Por causa da dramaticidade desta situação sentimos a necessidade de afirmar
alternativas que assegurem um futuro de
esperança para a vida, para a humanidade
e para a Terra. Precisamos passar de uma
Sociedade de Produção Industrial,
consumista e individualista, que sacrifica
os ecosistemas e penaliza as pessoas, destruindo a sócio-biodiversidade, para uma
Sociedade de Produtores Associados
com a Sustentação de Toda a Vida, que
se oriente por um modo socialmente justo
1 Este documento foi elaborado como subsídio para a
Jornada de Agroecologia, em Cascavel/PR (7 a 10 de
junho/06). As idéias aqui contidas, foram extraídas de
diversas elaborações, destacando-se os documentos
da Via Campesina e o Manifesto das Américas em
Defesa da Natureza e da Diversidade Biológica e
Cultural, sendo organizado por Adalberto Martins
(membro do setor de produção do MST).
125
e ecológicamente sustentável de viver, que
cuide da comunidade de vida e proteja as
bases físico-químicas e ecológicas que sustentam todos os processos vitais, incluídos os humanos.
al do Comércio) e nos oporemos a todas
as iniciativas dos governos imperialistas
e de suas empresas transnacionais de querem impor os tratados de livre comercio
às nações e aos povos do mundo.
Lutaremos com todas as nossas forças contra todas as organismos internacionais que cumpre o papel de guardiões do
capital (FMI, Banco Mundial, OMC) e
atentam contra uma agricultura soberana.
II – A Plataforma Política
1. A Soberania Alimentar
A soberania alimentar para os
camponeses é compreendida como um
direito dos povos de definir sua própria
política agrícola e alimentar sem exercer
“dumping” (venda a preços abaixo do
custo de produção) sobre outros países.
Ela compreende como necessidade a prioridade para a produção de alimentos sadios, de boa qualidade e culturalmente
apropriados, para o mercado interno,
mantendo a capacidade dos camponeses
produzirem alimentos com base em um
sistema de produção diversificado, sustentável, garantindo a independência e a
soberania das populações.
2. A Biodiversidade
A biodiversidade, tem como base
fundamental o reconhecimento da diversidade humana, a aceitação de que somos diferentes e de que cada povo e cada
pessoa tem liberdade para pensar e para
ser. Vista desta maneira, a biodiversidade
não é só a flora e fauna, solo, água e
ecossistemas. É também culturas, sistemas produtivos, relações humanas e econômicas, formas de governo.
A diversidade é a nossa própria forma de vida. A diversidade vegetal nos dá
alimentos, remédios, moradia, assim
como a diversidade humana, com pessoas de diferentes condições , ideologia e
religião nos dá a riqueza cultural. Isso
demonstra que temos que evitar que se
imponham modelos onde predomine uma
só forma de vida ou um só modelo de
desenvolvimento.
A soberania alimentar supõe o
acesso à terra, disponibilidade de crédito, preços remuneradores para os camponeses, comercialização garantida e
regulação da produção para o mercado
interno impedindo a formação de excedentes. Pressupõem também a eliminação de todos os subsídios diretos e indiretos para às exportações de produtos
agrícolas.
Nós opomos a que se privatizem e
patenteiem os materiais genéticos que dão
origem à vida, à atividade camponesa, à
atividade indígena. Os gens, a vida, são
propriedade da própria vida. Nós, os camponeses a temos protegido, cuidando dela
com uma educação clara de geração em
Entendemos que a agricultura não
deve ser objeto de negociações e tratados internacionais em instâncias comerciais como a OMC (Organização Mundi126
geração, com um profundo respeito à
natureza. Somos nós, os camponeses,
que realizamos o melhoramento genético
e nossa maior contribuição é a evolução
de cada uma das espécies.
às múltiplas funções ambientais e aos
benefícios que o ser humano obtém para
si e para as futuras gerações. Entre outros: água potável, alimentos, medicinais,
madeiras, fibras, regulação climática, prevenção de inundações e doenças. Ao
mesmo tempo que constituem as bases
do sustento da recreação, da estética e
da espiritualidade assim como o suporte
da conformação do solo, a fotossíntese e
o ciclo de nutrientes, entre outras funções vitais para o sustento de toda a humanidade.
Por isto nos opomos resolutamente
a introdução de organismos transgênicos
no ambiente, seja na agricultura, nas plantações, na pecuária ou qualquer outros
cultivos no meio ambiente.
Combateremos decididamente as
sementes terminator porque elas atentam
contra o sentido da vida e de sua reprodução, pois se trata de uma semente suicida que visa beneficiar apenas as grandes empresas transnacionais a ampliarem
seus lucros.
3. Os Recursos Genéticos, Direitos dos Camponeses e Comunidades Rurais
Para nós camponeses, as sementes
são o quarto recurso que gera a riqueza
da natureza, depois da terra, da água e
do ar. Por isto as sementes são um
patrimônio dos povos, a serviço da humanidade. Os recursos genéticos são os
elementos básicos para produzir alimentos, vestuários, habitação combustíveis,
remédios, equilíbrio ecológico, paisagem
rural, todos de grande importância para
nós e para a sociedade.
Nos opomos também à introdução
de espécies exóticas, inadequadas aos
nossos ecossistemas, com a introdução
de plantações homogêneas, industriais,
como a de eucalipto, pinus, acácia, etc.
Entendemos que a biodiversidade
deve ser a base para garantir a soberania
alimentar, como um direito fundamental e básico dos povos e não negociável.
Nos propomos a conservar a diversidade biológica e cultural de nossos
ecossistemas, cuidando do conjunto dos
organismos vivos em seus habitat e também as interdependências entre eles dentro do equilíbrio dinâmico, próprio de cada
região ecológica e das características singulares das espécies, assim como a
interação social e ecologicamente sustentável dos povos que vivem na região. A
preservação da diversidade biológica e
cultural, da integridade e da beleza dos
sistemas ecológicos dão sustentabilidade
O reconhecimento pleno dos direitos dos camponeses sobre os recursos
genéticos e seus conhecimentos associados, só podem se explicar na história e
na diversidade. Esses direitos ultrapassam
os marcos jurídicos da propriedade intelectual (privada).
Assim reclamamos o direito à propriedade da vida e nos oporemos à propriedade intelectual sobre qualquer forma de vida.
127
Reclamamos o direito ao controle
dos recursos naturais, bem como o direito a decidir sobre o futuro deles e a definir o marco jurídico sobre a propriedade
desses recursos. Entendendo que os direitos dos camponeses são de caráter
eminentemente coletivos.
Junto a isto também deverá ser estabelecido um limite máximo de propriedade privada da terra, bem como acrescentar um limite do uso da terra sob
monocultura. Ademais, é fundamental
que seja impedida a expansão da fronteira agrícola nos biomas do Cerrados, Floresta Amazônica, Pantanal e Mata Atlântica através de uma alta tributação de
novas áreas colocadas sob produção.
Lutaremos para que se declare uma
moratória à liberação e comercialização
de organismos genéticamente modificados e seus produtos derivados. Que se
aplique o princípio da precaução e prevenção.
4.2. A Organização da Produção
e as Mudanças Tecnológicas
Buscaremos organizar uma agricultura diversificada, através dos
policultivos, rompendo com a
monocultura, buscando promover uma
agricultura saudável, limpa de venenos e
independentes dos insumos industriais,
gerando uma alimentação de qualidade e
em quantidade, viabilizando a soberania
alimentar do nosso povo. Que este novo
modelo produtivo, gere também uma
nova base alimentar e com ela uma nova
forma de consumo, mais equilibrada, adequada ao ecossistemas locais e que seja
culturalmente ajustada. Disto depende a
realização de um planejamento orientador
da produção, adequando a vocação natural das regiões aos mercados próximos
e às necessidades sociais.
4. Reforma Agrária e as Mudanças Sociais no
Campo
4.1. Democratização da Terra,
dos Meios de Produção e o Uso da
Terra
A propriedade ou posse da terra
deve estar subordinada ao cumprimento
de sua função social. A posse e uso da
terra poderá ser exercida de várias formas como: familiar, associativa, cooperativa, de empresa comunitária, estatal,
pública, etc. de acordo com as necessidades sociais de cada região.
Para isso se deverá alterar a atual
estrutura de propriedade realizando desapropriações (com indenizações aos proprietários, através de Títulos da Dívida
Agrária, correspondente ao valor declarado no Imposto Territorial Rural) e expropriações (sem indenização, nos casos
de: grileiros, criminosos, cultivo de drogas, contrabandistas, trabalho escravo,
etc...); para que se garanta o direito de
todos trabalharem na terra.
Esta produção estará embasada em
diferentes formas de cooperação, que
permita racionalizar o uso dos recursos
naturais, otimizar o uso do meios de produção e do crédito, proporcionando o
aumento da produtividade física e do trabalho. Estas formas de cooperação deverão estar ajustas as experiências dos
trabalhadores e as suas tradições e realidades locais. Bem como, buscaremos
128
uma integração permanente da produção
com a agroindústria, visando aumentar a
renda dos camponeses e a qualidade dos
alimentos.
dustrialização ao interior do país, promovendo um desenvolvimento mais harmônico entre as regiões, gerando mais empregos no interior, e criando oportunidades para a juventude.
Os assalariados deverão se organizar para participar, controlar, autogerir,
organizar cooperativas, ou co-participarem na gestão das empresas aonde trabalham. Os assalariados terão os direitos
trabalhistas e sociais garantidos, como
salário digno, condições de trabalho, jornada de trabalho adequada. E participação no resultado econômico das empresas. Bem como programas de capacitação
e especialização permanentes.
Este programa de agroindústria deverá proporcionar um processo de desenvolvimento que elimine as diferenciações
existentes entre a vida na cidade e a vida
no campo. Esta produção obtida e beneficiada deverá ser prioritariamente
comercializada nas respectivas regiões,
descentralizando o consumo.
4.4. O Desenvolvimento Social
O desenvolvimento da produção
agropecuária e agroindustrial deverá ser
acompanhado por um amplo programa
de atendimento social, por parte do Estado, que garanta a toda a população do
campo:
Para a organização desta novo padrão produtivo deve-se desenvolver pesquisas e técnicas agroecológicas adequadas a cada região, buscando o aumento
da produtividade do trabalho, das terras,
mas com equilíbrio do meio ambiente e
conservação dos recursos naturais. Bem
como utilizar manejos agroecológicos e
desenvolver programas massivos de
capacitação técnica dos agricultores em
todas as regiões do país. Especializando
quadros em diferentes áreas específicas
do novo modelo tecnológico, com base
na ciência agroecológica, visando a promoção de uma agricultura sustentável.
• alfabetização de todos que vivem no
campo, sobretudo os jovens e adultos;
• garantia de escola pública e gratuita
até o segundo grau, em todos municípios, com ensino adequado à realidade local.
• valorização dos professores no campo, garantindo-lhes remuneração justa e integrando-os às atividades da
comunidade;
Os serviços de assistência técnica e
de extensão rural do Estado deverão estar voltados para as prioridades da reforma agrária e para a implementação desse
novo modelo agroecológico.
• atendimento médico-hospitalar e programas de saúde preventiva e medicina alternativa gratuitos;
4.3. A Agroindustrialização do
Campo
• implementação da construção de moradia para todo o povo;
O programa de reforma agrária deverá ser um instrumento para levar a in-
• um programa massivo de cultura e
lazer que represente a democratiza129
ção e o acesso à cultura a todos trabalhadores do campo;
O Estado deverá dar estímulos para
a produção agroecológica, buscando uma
agricultura sustentável, e incentivar também a formação de bancos de sementes
associativos.
• democratização dos meios de comunicação social.
4.5. A Política Agrícola
5. Gênero
A política agrícola é o conjunto de
medidas e instrumentos de que o governo
dispõe para estimular a produção
agropecuária e orientá-la de acordo com
seus objetivos. Buscando também aumento de renda para todos os camponeses que produzem alimentos.
O modelo econômico neoliberal, que
submente a todos à competição global, é
mais desvantajoso e injusto com as mulheres. Tira os seus direitos de cultivar
alimentos e as força a uma luta insegura
pela sobrevivência, delas e de suas famílias. Traz consigo o êxodo rural, ruptura
familiar e comunitária, desemprego, baixos salários e dependência econômica.
Este aumento de renda virá com preços compensatórios aos camponeses e pela
garantia da compra da produção pelo Estado através de compras antecipadas da
produção dos camponeses, auxiliando na
planificação da produção nas regiões, antecipando as condições para o desenvolvimento das atividades agrícolas.
As mulheres tem uma longa tradição em recolher, escolher e propagar variedades de sementes para usos alimentícios e medicinais. São as protetoras primárias dos recursos genéticos e da
biodiversidade do mundo. O conhecimento tradicional das mulheres deve ser honrado e respeitado. Para isto precisam ter
acesso à terra por direito próprio. Estamos
comprometidos em garantir que as mulheres tenham a segurança da posse da
terra e o acesso igual ao crédito e à
capacitação necessária para melhorar a
produção dos alimentos.
O Estado deverá garantir a
infraestrutura para o comércio (transporte
e armazenagem) e estimular a produção
de todos os produtos básicos para alimentação, e em caso necessário, subsidiar o
consumo, fazendo com que toda população tenha acesso ao mínimo necessário,
para eliminar completamente a fome no
país. Deve-se evitar a importação de produtos que se pode produzir aqui.
As mulheres que trabalham na agricultura ou nos setores de serviço rural
não recebem o mesmo pagamento que
os homens. A discriminação baseada em
gênero é uma injustiça fundamental contra as mulheres e isto é intolerável.
Esta produção camponesa deverá
ser protegida por um seguro agrícola que
garanta o valor do trabalho e da produção. O crédito rural dos bancos públicos
deverá ser orientado para investimentos
produtivos, para as atividades prioritárias
da reforma agrária e para investimentos
sociais, tendo programas subsidiados.
A confiança, a auto-estima e o potencial humano das mulheres está debilitado cruelmente pela subjugação e o abu130
so que sofrem muitas delas dentro dos
seus próprios lares. Comprometemo-nos
a respeitar as mulheres e a proteger seus
direitos de serem livres de violências domésticas e de repressão.
e aplicabilidade dos direitos civis, políticos e sociais, em nosso país, sejam aqueles já estabelecidos em leis, sejam aqueles que ainda não foram reconhecidos e
garantidos legalmente.
As organizações camponeses devem
reconhecer o papel chave das mulheres
em suas estruturas organizacionais e políticas. A igualdade e a participação democrática completa de mulheres dentro
das nossas próprias organizações devem
modelar a igualdade social e política para
a qual estamos lutando. As mulheres tem
o direito ao acesso amplo e completo à
participação nos espaços de tomada de
decisões. As barreiras à participação democrática e de lideranças de mulheres
devem ser sistematicamente apagadas.
Lutaremos
também
pelo
desmantelamento do aparelho policialmilitar repressivo, o que implica no
desmantelamento das polícias militares e
dos serviços de inteligência interna, sendo isto uma das condições para o exercício popular da cidadania.
III – Os Mecanismos de Implementação desta Plataforma Política
A proposta de mudanças no campo,
aqui defendidas e almejadas pela imensa
maioria da população que nele vivem, representam um sonho. Em busca da qual
seguirá nossa luta permanente.
6. Os Direitos Humanos
Reconhecemos que os princípios
fundamentais que governam os direitos
humanos são universais e tem que ser
mantidos, respeitados e implementados
pelo Estado Brasileiro, garantindo o bem
estar, a dignidade, a igualdade e a democracia em nosso país.
A correlação de forças existentes
atualmente em nossa sociedade não permite a sua implementação. As classes
dominantes, que controlam o governo e
as leis, congregadas pelos interesses dos
latifundiários, da burguesia e do capital
estrangeiro, possuem ainda uma enorme
força para manterem por muito tempo a
atual situação.
No entanto, os massacres, os desaparecimentos, os despejos forçados, as
torturas e tratamentos cruéis, a
criminalização da atividade social e do
protesto, são todos dramas que vivem
centenas de trabalhadores no Brasil. Nas
estatísticas atuais de desigualdade mundial (social, econômica, de gênero, política e cultural) os camponeses ocupam
os primeiros lugares de marginalização e
isto não é diferente no Brasil.
Para que possamos implantar esse
programa e torná-lo realidade, dependemos de dois fatores básicos:
1.Mobilização Popular
Somente a construção de um amplo movimento popular que reuna os mi-
Lutaremos pelo respeito, promoção
131
2. A Ação do Estado Democrático e Popular
lhões de explorados e interessados nas
mudanças na sociedade, poderá alterar
a atual correlação de forças e viabilizar o
programa proposto.
A implementação dessas mudanças
implica necessariamente em que o Estado, com tudo o que representa de poder
(executivo, legislativo, judiciário, segurança e poder econômico) seja o instrumento fundamental de implementação das
propostas.
Para isso é necessário massificar,
ampliar a participação popular cada vez
mais nas lutas e mobilizações.
E esse processo será também a garantia de que as mudanças somente serão realizáveis com uma ampla participação popular, antes e durante o processo
de mudanças.
Seguramente deverá ser um Estado
diferente do atual. Deverá ser gerido democraticamente, com ampla participação
das massas e buscando sempre o bem
comum.
A luta cotidiana irá modificando e
ajustando na prática este programa.
Por outro lado, deverá haver um
novo nível de colaboração e
complementariedade, entre os governos
federal, estadual e municipal.
132
Site: www.jornadadeagroecologia.com.br
E-mail: [email protected]
Julho de 2006
Rua José Loureiro, 464 – Sala 27 – Centro
80010-907 – Curitiba – PR
133
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