Ágios, Envelopes e Surpresas: Uma Visão Geral da

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Ágios, Envelopes e Surpresas: Uma Visão Geral da
Ágios, Envelopes e Surpresas: Uma Visão Geral da Privatização das
Distribuidoras Estaduais de Energia Elétrica
CLÁUDIO FIGUEIREDO COELHO LEAL*
*Gerente da Área de Serviços de Privatização do BNDES.
RESUMO
Este artigo apresenta os resultados verificados nos leilões de desestatização das
distribuidoras estaduais de energia elétrica em 1997 e discute as hipóteses
associadas ao comportamento dos vendedores e licitantes em cada leilão.
Procura-se também mostrar que a modalidade de venda através de envelope
fechado - uma característica importante destes leilões - foi decisiva para a
obtenção de ágios significativos, mas acrescenta-se que o comportamento dos
licitantes sugere que a análise dos múltiplos de mercado oferece uma explicação
superior para estes resultados. Ressalva-se ainda a dificuldade de se calcularem
indicadores confiáveis para os múltiplos de mercado, advertindo-se que a
precariedade dos dados não invalida a necessidade de uma análise dos processos
de desestatização que não seja concentrada exclusivamente na observação dos
ágios. Por fim, conclui-se com um breve relato das privatizações realizadas em 1998,
apontando para os efeitos que o diferente ambiente econômico produziu nos
resultados observados.
ABSTRACT
This paper presents the results of the privatization auctions in 1997 of the state-owned
electric power companies and discusses the theories associated with the behavior
of both the sellers and bidders in each auction. An attempt is also made to show
that the sealed bid auction (an important characteristic of these auctions) was
decisive in obtaining significant premiums. However, analysis of the behavior of the
bidders suggests that analysis of aggregate value multiples provides a better
explanation of results. Also relevant is the difficulty of calculating reliable indicators
for aggregate value multiples, noting that the assailable nature of the data does not
2
invalidate the need for analysis of privatization processes that are not exclusively
concentrated on the study of premiums. In conclusion, a brief account is made of
the privatizations completed in 1998, showing the effects of the unique economic
environment on results.
1. Introdução
Um dos aspectos pouco explorados na análise dos programas de privatização no Brasil,
sejam eles vinculados ao Programa Nacional de Desestatização (PND) ou às iniciativas
estaduais de alienação de empresas, diz respeito ao comportamento dos vendedores e
licitantes diante de diversas modalidades de leilão.1 Na verdade, a utilização exclusiva da
modalidade de leilão aberto2 na primeira fase do PND permitiu que fossem atingidos vários
objetivos para os quais esta modalidade desempenhava um papel importante, não
havendo razões para que fossem apresentadas formas alternativas.3
Do ponto de vista da estrita maximização dos recursos por parte do alienante, a
modalidade de venda através de leilão de viva voz não oferece vantagens a priori em
relação às demais. Se é verdade que o leilão aberto transmite maior visibilidade à disputa
dos licitantes - o que pôde ser verificado com o êxito alcançado no leilão da Cia. Vale do
Rio Doce -, também é verdadeiro que a licitação por envelope fechado tem propiciado,
recentemente, a obtenção de ágios significativos, a exemplo do que ocorreu em 1997 nos
leilões da Coelba e da Energipe, realizados em julho e dezembro, respectivamente. Desde
este último evento, aliás, consolidou-se a impressão de que a licitação por envelope
fechado constitui a forma mais adequada de venda das empresas concessionárias de
serviços públicos, conforme sugestão de Pastoriza e Giambiagi (1997).
À luz dessas considerações, procurou-se aqui apresentar e discutir as características mais
importantes dos leilões de desestatização das distribuidoras estaduais de energia elétrica
assessorados ou conduzidos pelo BNDES ao longo de 1997.
1
A apresentação de uma versão estilizada das estratégias de comportamento em um leilão de
privatização com objetos múltiplos encontra-se em Menezes (1993) .
2
Ao longo do texto, as definições de leilão aberto, leilão de viva voz, leilão inglês e leilão de preço
crescente têm o mesmo significado.
4
O trabalho está dividido em três seções, além desta introdução: na Seção 2, faz-se uma
breve resenha teórica, na qual são apresentados os resultados fundamentais associados à
teoria dos leilões; na Seção 3, discute-se a experiência observada nos leilões de
privatização das distribuidoras estaduais de energia elétrica realizados em 1997,
desenvolvendo-se a hipótese de que os ágios verificados nestes leilões decorreram não
apenas da modalidade de venda escolhida ou da disponibilidade de financiamento pelo
BNDES, mas principalmente da observação, por parte dos compradores, de múltiplos de
mercado, os quais refletiam, além disso, o interesse dos investidores em mercados que
apresentam elevadas taxas de crescimento e em empresas com perspectivas
excepcionais de recuperação de perdas técnicas e comerciais; a estas duas seções
segue-se uma conclusão geral com informações preliminares dos leilões realizados em
1998.
2. Tipologia dos Leilões
A pergunta básica a respeito de leilões não é a que procura saber qual a modalidade que
assegura maior transparência ao processo, ou mesmo a que produz receita mais elevada
para o vendedor. Antes disso, deseja-se esclarecer por que fazer uso desse instrumento de
mercado para efetuar uma transação de compra e venda. Uma resposta que cobre
praticamente todas as situações é que, na realidade, o vendedor desconhece o valor do
bem colocado à venda, ainda que ele esteja previamente avaliado na forma de um
preço mínimo. O leilão, assim entendido, é um mecanismo de extração de informações
dispersas entre compradores potenciais, que, por sua vez, desconhecem a avaliação dos
concorrentes,4 ensejando uma variedade de estratégias destinadas a ocultar a revelação
3
Uma descrição abrangente destes objetivos e dos procedimentos adotados nos principais leilões
realizados no âmbito do PND está em Velasco Jr. (1997a e 1997b).
4
Esta, na verdade, é a característica essencial do leilão por envelope fechado, apresentado
tradicionalmente como exemplo de jogo estático de informação incompleta, ou jogo bayesiano
[ver Fudenberg e Tirole (1995)].
5
do valor atribuído ao bem até o ponto em que o vendedor aceite um determinado lance
como sendo vencedor.
Uma classificação padrão em microeconomia distingue quatro formas básicas para os
denominados leilões de único item: a) leilão inglês; b) leilão de maior preço por envelope
fechado; c) leilão holandês; e d) leilão de segundo maior preço por envelope fechado.
No chamado leilão inglês, ou leilão aberto de preço crescente, os participantes fazem seus
lances abertamente, geralmente a partir de um preço mínimo. O objeto de venda é
atribuído ao maior lance.
Semelhante ao leilão inglês, mas com procedimentos e estratégias bastante diferentes, o
leilão holandês tem início com um preço elevado anunciado pelo vendedor. A cada
rodada, o leiloeiro vai propondo reduções no preço, até que um dos licitantes declare-se
disposto a pagar o valor estipulado em determinado momento. Este tipo de leilão, embora
agrupado na modalidade de viva voz, é encerrado sem que o vencedor saiba até que
ponto seus concorrentes estariam dispostos a permanecer na disputa.
Os leilões fechados de maior preço e de segundo maior preço, ao contrário, são aqueles
em que os participantes depositam seus lances em envelopes, sem possibilidade de
revisão.5 Tecnicamente, portanto, os licitantes realizam movimentos simultâneos. Na
modalidade de maior preço, vence a proposta mais alta, enquanto na de segundo maior
preço (denominado leilão de Vicrey) vence também o participante de maior lance, que
no entanto pagará o valor oferecido pelo segundo colocado na disputa, ou seja, o da
maior proposta recusada.6
5
Observe-se que a possibilidade de revisão do lance também não é possível no leilão holandês.
A hipótese assumida no leilão de Vicrey é a de que os participantes depositarão nos envelopes
suas avaliações verdadeiras, pois agindo desta forma aumentam sua probabilidade de vitória, além
de serem “beneficiados” pelo pagamento de um valor equivalente ao do segundo maior preço. Esta
modalidade de venda foi poucas vezes testada na prática, e é facilmente imaginável a dificuldade
6
6
A conveniência de se optar por uma determinada modalidade de leilão depende de uma
série de premissas relacionadas ao grau de aversão ao risco dos participantes (inclusive do
vendedor), ao número de licitantes e à forma como é entendido o mecanismo de
transmissão das informações. Em uma linha de pesquisa recente, Jehiel, Moldovanu e
Stacchetti (1996), por exemplo, procuram identificar o formato ideal de venda de um ativo
quando a relação entre os compradores é modificada pelo resultado do leilão. Isto ocorre
se o perdedor passa a sofrer os efeitos de uma externalidade negativa (poluição, ou
ameaça militar após um leilão de armas), de tal forma que o vendedor pode aceitar não
realizar o leilão em troca de um pagamento das partes envolvidas.
Uma hipótese crucial para se definir o modelo de leilão a ser escolhido é a da estimação
do valor por parte dos licitantes. Nos modelos de avaliação privada e independente, cada
participante tem sua avaliação individual do bem e não a modifica após conhecer as dos
demais participantes. A avaliação do participante i, i = 1, 2, ..., n, pode ser descrita por vi, e
é parte de uma função Fi de probabilidade que os demais licitantes e o vendedor
conhecem. O modelo de avaliação privada independente descreve tipicamente os leilões
de arte para compradores finais, nos quais as vi avaliações individuais correspondem
aproximadamente ao “valor de uso” que cada comprador potencial atribui ao objeto
colocado à venda.
A situação é diferente quando cada participante, apesar de continuar a atribuir um valor vi
ao bem, admite que sua avaliação pode agregar as percepções dos concorrentes. Neste
caso, a avaliação de um comprador j, j
i, pode influenciar e modificar a avaliação do
licitante i, acrescentando informações que, somadas, compõem o modelo de avaliação
comum.
política da realização de uma privatização neste formato. Sobre as razões que tornam os leilões de
Vicrey tão raros, ver Rothkopf, Teisberg e Kahn (1990).
7
Uma das características dos leilões definidos por avaliação comum dos licitantes é a
possibilidade de penalização do participante que obtém a vitória através de um lance
muito alto. No leilão de direitos minerais, por exemplo, em que o valor econômico de uma
jazida é uma informação compartilhada, o vencedor poderá concluir que o seu lance
representa uma avaliação do bem que é bastante superior à dos demais, o que pode
representar um prejuízo futuro caso a intenção original seja revender o objeto do leilão.
Feldman e Mehra (1993), examinando o clássico fenômeno de “maldição do vencedor”
(winner’s curse), demonstram que licitantes experientes tendem a descontar este fator no
cálculo de seus lances, ainda que incorram no risco de não vencer a disputa.
Em geral, as hipóteses de avaliação privada e de avaliação comum são apresentadas
como casos extremos que descrevem situações teóricas perfeitas e dificilmente observáveis
[ver Feldman e Mehra (1993)]. Os leilões, podendo ser descritos como jogos de informação
incompleta, conterão naturalmente elementos da hipótese de avaliação comum, o que
significa que um licitante jamais será inteiramente indiferente à avaliação que seus
concorrentes fazem do bem leiloado.7
Uma vez definido o objetivo do alienante de um bem (por exemplo, a maximização do
resultado de venda), cabe decidir o formato ótimo do leilão. Em condições bastante
restritivas, apresentadas por McAfee e McMillan (1987) como o modelo padrão, a teoria
prevê que, na média, o resultado da venda independe da modalidade de leilão escolhida
.8
Do ponto de vista dos participantes, a modalidade de leilão aberto estimula a
permanência na disputa até que o valor licitado iguale a avaliação privada de cada
7
a sugestão de que as avaliações são de alguma forma relacionadas deve-se a Milgrom e Weber
(1982)
8
Uma destas condições é a neutralidade dos licitantes em relação ao risco. A identidade entre os
leilões holandês e por envelope fechado de maior preço, demonstrada por Vicrey (1961), é válida
independentemente das hipóteses relacionadas à forma de avaliação (independente ou comum) ou
ao comportamento dos participantes diante do risco.
8
participante. O licitante vencedor, portanto, aufere uma renda econômica igual à
diferença entre o valor que ele de fato atribui ao bem (v1) e o valor pago, que é aquele
efetivamente revelado pelo segundo colocado, o último a abandonar a disputa (v2). Por
esta razão, a receita esperada pelo vendedor em um leilão inglês (Y(v1)) é igual à
diferença entre a avaliação do vencedor e a renda econômica por ele apropriada, ou
seja, é igual ao valor revelado pelo segundo colocado:
Y(v1) = v1 - (v1 - v2)
(1)
= v2
No caso de um leilão de envelope fechado de maior preço (e o seu equivalente no
modelo aberto, o leilão holandês) não existe uma estratégia dominante, pois o licitante
deve fazer suposições a respeito do comportamento de seus concorrentes. O participante,
diante da incerteza associada ao conjunto de lances dos concorrentes, é colocado diante
de um trade-off entre dois fatores: a) a probabilidade de vitória; e b) a renda econômica
que pode extrair do leilão. O primeiro é medido pela probabilidade de que seu lance (aqui
denominado por b) seja maior do que o valor mínimo definido pelo alienante para designar
o vencedor (pm), ou seja, é a prob b > pm; e o segundo, por sua vez, é simplesmente
medida pela diferença entre a avaliação do vencedor e o valor de seu lance (vi - bi). O
ganho esperado por participar de um leilão, portanto, pode ser escrito como:
π = prob (bi > P m) × (vi − bi )
(2)
Na maioria dos leilões de desestatização considerados neste artigo, a modalidade de
venda escolhida combinou uma primeira etapa na forma de envelope fechado de maior
preço e a possibilidade de continuação da disputa em leilão aberto para os lances
próximos ao lance mais elevado. Procurou-se, desta maneira, permitir que um licitante que
9
não vencesse na primeira fase tivesse a oportunidade de reverter o resultado na disputa
em leilão aberto, o que de fato aconteceu no leilão das Centrais Elétricas Matogrossenses
(Cemat).
3. A Experiência do BNDES em Privatização Estadual
O ciclo de privatizações das distribuidoras estaduais de energia elétrica articulou-se
logicamente com o calendário de venda das geradoras federais. Uma vez que, de forma
geral, as distribuidoras estaduais apresentavam em seus passivos elevado endividamento
junto aos fornecedores de energia, fazia sentido privatizá-las previamente, a fim de que
estes créditos ruins, atuais e futuros, não viessem a reduzir substancialmente o valor
econômico das geradoras.
O desafio inicial consistiu em estimular os governos estaduais a se desfazerem de empresas
que, em alguns estados, atuaram como instrumentos de política fiscal, através, por
exemplo, do financiamento aos tesouros. Um balanço patrimonial típico das distribuidoras
estaduais apresentava ativos de difícil realização (como contas atrasadas de prefeituras ou
repasses antecipados de ICMS) e, na conta passiva, as já mencionadas dívidas contra os
supridores de energia de propriedade da Eletrobrás.
Neste sentido, um esforço considerável de saneamento das empresas, seja através do
encontro de contas com os seus controladores (governos), seja por meio de contratos de
gestão com o seu principal credor (Eletrobrás), seria decisivo para a privatização. O BNDES
precisava cercar-se de cautelas adicionais no assessoramento aos estados, pois, salvo
delegação expressa em contrato, sempre coube aos governos estaduais e aos seus
Tribunais de Contas, respectivamente, a condução e o supervisionamento do cronograma
de venda. De certa maneira, a experiência do Banco como gestor do processo de
desestatização das empresas incluídas no PND viria a ser testada em ambientes diversos,
10
com interlocutores diferentes em cada estado e, sobretudo, com graus variados de
intervenção.
Adiantamentos no Âmbito do Programa de Estímulo às Privatizações Estaduais (Pepe)
Desde o seu início, o envolvimento do BNDES no processo de desestatização das empresas
estaduais esteve relacionado com o esforço de ajustamento financeiro e patrimonial dos
estados. Um passo significativo nessa direção foi a Decisão de Diretoria 316/96, de 15 de
agosto de 1996, que estabeleceu os critérios de financiamento às empresas federais,
estados, municípios e seus órgãos e empresas. Até aquele momento, persistia a virtual
impossibilidade de relacionamento do Banco com as unidades do setor público, conforme
condições dispostas nas Resoluções 2.008/93, do Banco Central, e 69/95, do Senado
Federal.9
A mesma Decisão, no que se refere à privatização estadual, disciplinou os procedimentos
de antecipação de recursos por conta de futuras privatizações. Inicialmente, foi criado um
fundo rotativo, com alocação inicial de R$ 1,3 bilhão, para adiantamento de recursos aos
estados comprometidos com a venda de seus ativos. O instrumento através do qual os
governos estaduais manifestaram o seu interesse nas operações de adiantamento foi o
Convênio de Apoio ao Programa de Estímulo às Privatizações Estaduais (Pepe).
As operações de adiantamento de recursos eram bastante simples: após avaliação, pelo
BNDES, da empresa cujas ações seriam dadas em garantia do adiantamento, estimava-se
o valor correspondente ao total das ações oferecidas e se emprestava este valor ao
9
A Resolução 2.008 foi revogada pela Resolução 2.444 do Banco Central, de 14 de novembro de
1997, que determinou novos limites para o financiamento do Sistema Financeiro Nacional às
entidades do setor público.
11
governo estadual.10 O empréstimo seria restituído, após correção pela TJLP mais uma taxa
de juros básica de 8%, com a receita futura de privatização.
A experiência inicial de adiantamento de recursos teve como beneficiário o governo de
Minas Gerais, àquela ocasião – dezembro de 1995 - comprometido com a venda do
controle da Cemig.11 Como viria a ser amplamente noticiado depois, o governo estadual
optou por buscar um sócio estratégico e, para tanto, decidiu alienar apenas um terço das
ações de controle da empresa. A partir desse episódio, o BNDES decidiu condicionar a
liberação de recursos à autorização do Legislativo para alienar o controle acionário das
companhias estaduais de energia.
O formato contratual usualmente adotado nas negociações entre o BNDES e os governos
estaduais foi a promessa de compra e venda de ações. Por meio deste instrumento, as
ações de controle objeto do contrato ficavam caucionadas ao Banco, embora
permanecesse com o estado a prerrogativa de vendê-las a qualquer momento no
intervalo do prazo contratual. Neste caso, o débito com o BNDES deveria ser
automaticamente liquidado. Eventualmente, as operações foram realizadas através da
subscrição de debêntures - ou mesmo do adiantamento para futura subscrição de
debêntures - pela BNDESPAR.
Uma característica especial constante nos contratos de adiantamento de recursos era o
upside, que ao longo do processo serviu ao duplo objetivo de ajustar o retorno dos
empréstimos ao elevado risco de crédito e, simultaneamente, de oferecer ao BNDES graus
10
De acordo com o item 3.2 da Decisão de Diretoria 316/96, os pedidos de adiantamento de receita
de privatização de empresas estaduais só seriam apoiados se estivessem vinculados a projetos de
investimento em infra-estrutura, abatimento de dívida fundada ou programas de recuperação
econômico-financeira de empresas a serem privatizadas. Os estados que já tivessem assinado o
convênio com o Pepe até a data da Decisão estavam excluídos desta restrição.
11
O adiantamento ao Estado de Minas Gerais ocorreu na forma de subscrição de debêntures
resgatáveis em ações da Cemig emitidas pela MGI, uma sociedade de propósito específico
controlada pelo governo estadual. Em fevereiro de 1996, houve complementação de recursos ao
adiantamento original.
12
crescentes de controle sobre o cumprimento dos prazos definidos no cronograma de
venda.
O upside era calculado sobre a diferença entre o valor unitário da ação obtido no leilão e
o preço atribuído pelo BNDES a esta mesma ação no momento do adiantamento. A lógica
deste tipo de remuneração é equivalente à de um prêmio de cobertura do risco assumido
pelo Banco ao adiantar recursos para governos altamente endividados, tendo como
garantia ações de empresas também com elevado endividamento. Naturalmente, a
valorização do preço das ações no período compreendido entre o adiantamento do
BNDES e o leilão de venda do controle da empresa resultaria em um valor mais alto do
upside.
Este critério de remuneração foi por vezes mal interpretado pelos tomadores dos
empréstimos, sendo muito comum o entendimento de que um upside elevado estaria
refletindo, na verdade, a subavaliação do preço das ações por parte do BNDES à época
do adiantamento. A ocorrência de ágios elevados reforçou esta percepção, sobretudo
pela hipótese nem sempre explicitada de que o mecanismo do upside estaria criando um
viés em favor da avaliação conservadora dos ativos colocados à venda. Esta intuição
pode ser apreendida na Tabela 1 a seguir.
TABELA 1
(Em R$ por Mil Ações)
EMPRESA
Cerj
DATA DO
LEILÃO
PREÇO ATRIBUÍDO
PELO BNDES NO
ADIANTAMENTO (A)
PREÇO MÍNIMO
CONSTANTE NO
EDITAL DE VENDA (B)
COTAÇÃO DE
MERCADO NO DIA DO
LEILÃO (C)
PREÇO PAGO PELO
VENCEDOR DO
LEILÃO (D)
DIFERENÇA 1
(%)
(D)/(B)
20.11.96
0,2
0,4
0,51
0,56
30,3
b
a
DIFERENÇA 2
(%)
(D)/(A)
154,5
Coelba
31.07.97
24,4
99,5
105,0
176,4
77,4
624,4
CPFL
05.11.97
99,8
223,6
148,5
380,4
70,1
281,3
Enersul
19.11.97
4,1
11,6
6,5
21,3
83,9
422,4
Cemat
27.11.97
1,9
5,9
3,1
7,2
21,1
275,4
a
Ágio.
b
Subscrição de debêntures conversíveis.
13
Tais argumentos são claramente inconsistentes, pelo menos por quatro razões: a) o critério
de avaliação das ações para fins de concessão dos adiantamentos pelo BNDES levou em
consideração os valores de mercado como referência para as empresas de capital aberto;
quando não era este o caso (Energipe e Cosern, por exemplo), foram utilizados critérios de
avaliação econômico-financeira com base em fluxo de caixa descontado; b) deve-se ter
claro que a parceria do BNDES com os governos estaduais sinalizou imediatamente o
compromisso firme de reestruturação financeira das empresas de energia por eles
controladas, o que foi reforçado pela assinatura de contratos de gestão entre as empresas
e a Eletrobrás, que, em diversos casos, tornou-se sócia dos controladores mediante a
concessão de empréstimos e/ou capitalização de créditos (isto explica significativamente
a recuperação dos preços das ações após a concessão dos adiantamentos); c) os maiores
beneficiários da valorização das ações foram os próprios governos estaduais, pois os
contratos previam a divisão do upside na proporção média de 80% para os governos e 20%
para o BNDES; e d) por fim, o efeito dos movimentos de baixa nas bolsas de valores a partir
de outubro de 1997 deixou clara a natureza intrinsecamente arriscada destas operações,
como ilustra a comparação entre o preço mínimo das ações e sua cotação de mercado
no dia do leilão12 (colunas B e C da Tabela 1).
O segundo objetivo do upside - assegurar o compromisso firme de privatização - foi
alcançado a partir de um conjunto de obrigações dispostas nos contratos quanto aos
prazos de cumprimento dos diversos eventos que compõem o processo de
desestatização. Em geral, conferia-se aos estados o intervalo médio de um ano para
12
Note-se que a CPFL, a Enersul e a Cemat foram para o leilão com preços mínimos bastante
superiores aos de mercado. O fato de se terem verificado ágios nos três casos é uma evidência em
favor do argumento de que as decisões de investimento não tomam por base os movimentos de
curto prazo. Deve-se lembrar, porém, que a diferença entre os preços mínimos e as cotações de
mercado é explicada fortemente pelo fato de se estar alienando em leilão o bloco de controle de uma
empresa.
14
proceder à realização do leilão. Na hipótese de inobservância deste prazo, estariam
previstas as seguintes penalidades:
• elevação do upside do BNDES;
• elevação da taxa de juros incidente sobre o valor do adiantamento; e
• procuração, incluída no contrato, para o BNDES proceder à venda das ações da
empresa.
No balanço geral das privatizações realizadas em 1997, pôde-se atestar o sucesso desta
modalidade de parceria, tanto pelo retorno médio das operações quanto pelo efetivo
resultado dos leilões para os governos estaduais e para o cumprimento do objetivo inicial: a
privatização das distribuidoras com vistas à futura venda das geradoras.
A Questão do Ágio
Procura-se, nesta subseção, investigar as razões que motivaram a obtenção de ágios
significativos nos leilões das empresas estaduais em 1997. A amostra estudada inclui todas
as distribuidoras estaduais de energia elétrica vendidas nesse ano, além da Cerj, cujo leilão
ocorreu em novembro de 1996.
A Tabela 2 a seguir resume as informações relacionadas à data, ao preço mínimo, ao valor
dos lances e ao ágio verificado no leilão das empresas que compõem a amostra.
TABELA 2
Resumo dos Lances nos Leilões de Desestatização Estadual
(Em R$)
Cerj
DATA
PREÇO MÍNIMO
20.11.96
464.672.640,00
31.07.97
975.810.537,82
EDP / Endesa / Chilectra
Coelba
Guaraniana
Light
a
VALOR DO LANCE
ÁGIO
(%)
605.327.534,92
30,3
1.730.888.000,00
77,4
1.677.000.000,00
71,9
Escelsa
1.620.000.777,77
66,0
Cerj/Chilectra/EDP/Endesa
1.488.729.775,00
52,6
CSW/Chase/New Mexico
1.405.500.000,01
44,0
CEEE
Norte/Nordeste (D3)
21.10.97
895.300.000,00
15
VBC/Previ/CEA
1.635.000.000,00
82,6
AES Corporation
1.510.000.000,00
68,7
CMS
1.335.000.000,00
49,1
Sul Logística (Tractebel)
1.310.000.000,00
46,3
Escelsa
1.236.666.000,00
38,1
Cerj
1.117.886.777,00
24,9
AES Corporation
1.510.000.000,00
93,6
CMS
1.255.000.000,00
60,9
Sul Logística (Tractebel)
1.150.000.000,00
47,4
Escelsa
1.066.666.000,00
36,7
936.297.777,00
20,0
VBC/Previ/Fundação Cesp
3.014.910.039,00
70,1
Light
2.631.874.361,00
48,5
Opportunity Sul
2.404.018.459,00
35,6
Sul Logística
1.790.115.219,00
1,0
Escelsa
625.555.555,00
83,8
Enron
555.965.000,00
63,4
CMS
562.101.265,00
65,2
Tractebel
432.800.000,00
27,2
Centro/Centro-Oeste (D2)
21.10.97
780.120.000,00
Cerj
CPFL
Enersul
Cemat
05.11.97
19.11.97
27.11.97
1.772.362.272,00
340.346.108,21
323.316.478,17
Grupo Rede/Inepar
358.881.290,77
391.500.000,00
b
21,1
Cataguazes
370.000.000,00
370.000.000,00
14,4
Cataguazes
577.101.775,00
96,1
Coelba
359.000.999,99
22,0
Coelba/Guaraniana/Enesa
676.400.000,00
73,6
CSN/Houston
411.119.145,68
5,5
CMS do RS
413.404.314,00
6,1
Energipe
Cosern
03.12.97
12.12.97
294.353.159,55
389.616.226,16
a
Lance desclassificado devido a erro no preenchimento da proposta.
b
Ágio obtido na seqüência da disputa em leilão de viva-voz. O lance ofertado por este consórcio na modalidade de envelope fechado
foi de R$ 358.881.290,77, correpondendo a um ágio de 11%.
As características comuns a todos os processos selecionados foram a modalidade de
venda através de envelope fechado e a possibilidade, à exceção dos leilões da Cerj e da
Coelba, de continuação na modalidade de viva voz na hipótese de se ter verificado uma
diferença inferior a 10% entre os dois maiores lances.13 Este refinamento foi concebido
originalmente para o leilão do Banco Credireal, em agosto de 1997, tendo sido
prontamente incorporado aos futuros editais de venda.
13
Nos leilões da Enersul e da CEEE (D2 e D3), este percentual era de 5%, o que reduzia a
probabilidade de ocorrência de continuação em viva voz em condições competitivas. Na verdade, a
sistemática de venda nestes três casos previa que todos os licitantes cujo lance tivesse valor igual
ou superior a 95% do maior lance poderiam participar da seqüência em viva voz.
16
A adoção da modalidade “mista” de venda suscitou intenso debate entre os interlocutores
envolvidos no processo de desestatização. Nas discussões preliminares realizadas no BNDES,
apontou-se inúmeras vezes o risco de que uma sistemática mista pudesse incentivar a
formação de conluio entre os participantes. Por este raciocínio, um conluio perfeito
envolveria o acordo dos licitantes para a apresentação de lances próximos ao preço
mínimo, de tal forma que a disputa continuasse em viva voz, o que resultaria em uma
receita de venda igual à do segundo maior lance. O objetivo desta atitude, obviamente,
seria o de converter o leilão por envelope fechado em um leilão aberto, no qual a
assimetria de informações e a aversão ao risco dos licitantes não são plenamente
exploradas pelo vendedor.
Por outro lado, contavam a favor do leilão misto o entusiasmo dos alienantes e duas
observações. Primeiro, pode-se argumentar que ao incentivo à formação de conluio
corresponde, simetricamente, o incentivo a sabotá-lo. Isto ocorre porque a própria
natureza unfair do conluio desobriga os seus participantes de honrá-lo. Nos casos em
questão, bastaria que um participante optasse por um “lance de segurança” acima da
faixa acordada pelos integrantes do conluio para, assim, vencer a disputa. A convicção de
que a ameaça de retaliação dos demais (através, por exemplo, da denúncia do conluio)
não seria crível faz da opção pela sabotagem uma estratégia ótima.14 Segundo,
argumentava-se que, do ponto de vista do vendedor, o leilão em duas etapas
representaria uma perturbação a mais na definição dos lances, aumentando os possíveis
“ganhos de troca” do leiloeiro. Sob esta ótica, o participante avesso ao risco15 preferiria
elevar o seu lance a fim de evitar a continuação da disputa através do leilão aberto. Se
estendida esta suposição a todos os participantes, poderiam ser esperados tanto valores
médios mais elevados para os lances quanto maior dispersão entre eles.16
14
O leitor interessado encontrará com mais detalhes situações semelhantes nos modelos de jogos
com backward induction, aplicáveis aos casos seqüenciais de informação completa. Ver, por
exemplo, Gibbons (1997) e Fudenberg e Tirole (1995).
15
Em um leilão aberto, a possibilidade de revisão dos lances faz com que a aversão ao risco não
seja relevante para a compreensão do comportamento do licitante.
16
A maior dispersão, neste caso, refletiria graus diferenciados de aversão ao risco.
17
A comparação entre os lances apresentados em cada um dos leilões estudados confirma,
de fato, que os maiores índices de dispersão e os maiores ágios foram observados nos
leilões mistos, em relação ao único leilão de envelope fechado na modalidade “pura”
(Coelba). Para o conjunto de cinco leilões mistos apresentados no Gráfico 1, verificou-se
ágio médio de 80,7% e coeficiente de variação de 0,20, em comparação com o ágio de
77,4% e o coeficiente de variação de apenas 0,08 no caso da Coelba.
Gráfico 1
Dispersão dos Lances nos Leilões de Desestatização Estadual
100
80
0,3
60
ágio
coeficiente de variação
0,4
0,2
40
0,1
20
coef. de variação
0
0
Coelba
Norte-NE
Enersul
Centro-CO
CPFL
ágio (%)
Cosern
Obs.: O coeficiente de variação é o resultado da divisão do desvio-padrão dos lances por
sua média. Obviamente, não faz sentido calcular o desvio-padrão dos lances naqueles
leilões que atraíram dois ou menos participantes. Por esta razão, não foram considerados os
leilões da Cerj, da Cemat e da Energipe.
18
Do Gráfico 1, porém, não se deve concluir que os ágios sejam explicados exclusivamente
pela modalidade de venda escolhida. Mesmo no interior do subgrupo de empresas
leiloadas na modalidade mista, os ágios variaram bastante. Outras razões, como o interesse
estratégico dos grupos participantes e a disponibilidade de financiamento determinaram
os resultados.
A respeito deste último aspecto, é importante relativizar o efeito dos financiamentos
concedidos pelo BNDES aos compradores. O programa básico de apoio consistiu em
empréstimos limitados a 50% do preço mínimo de venda, oferecidos em condições que
variavam de acordo com a classificação de risco do tomador. Uma segunda linha de
crédito foi aberta na forma de debêntures emitidas por empresas pertencentes aos grupos
controladores e subscritas pela BNDESPAR. Esta linha esteve disponível nos leilões da Cemat
e da Energipe, a partir de avaliações conjuntas do BNDES e dos consultores sobre o grau de
interesse naqueles leilões. Não se tratava, evidentemente, de forçar a elevação artificial
dos lances, mas de viabilizar a efetiva realização da venda. Note-se, por exemplo, que os
ágios apurados nestes dois leilões, juntamente com o da CPFL, foram os mais baixos do
subgrupo de empresas vendidas em leilão misto (21,1% no caso de Cemat e 73,6% no da
Cosern).
Leilões da Energipe e da Cosern: Dois Exemplos de “Maldição do Vencedor”?
Na Seção 2, fez-se menção à “maldição do vencedor”, fenômeno que, erroneamente, é
associado à situação em que o comprador conclui, com sabedoria a posteriori, que pagou
caro pelo bem, ainda que seja postulada a hipótese de avaliação privada. Esta afirmação
seria correta apenas na hipótese de que os compradores não levassem em consideração
senão o preço mínimo para a formulação de seus lances, ou, por outro lado, se um suposto
“valor justo” para o bem fosse informação comum aos participantes da disputa. Vê-se,
portanto, que a denominação deste fenômeno traduz menos o resultado do leilão e de
19
como ele é visto pelos licitantes do que a perspectiva “vencedora” do vendedor que
explorou ao máximo as assimetrias de informação.
Não sendo o caso de uma empresa de energia caracterizado por avaliação comum nem
pela desconsideração de variáveis estratégicas na orientação dos licitantes, é mais
conveniente caracterizar a “maldição do vencedor” como o fenômeno que resulta da
alienação de um ativo por um preço acima do que seria obtido caso a venda tivesse sido
realizada em outra modalidade.
As observações acima explicam por que os leilões através de envelope fechado são muito
mais propensos a produzir “maldições do vencedor”. Como se fosse num jogo de pôquer,
nestes leilões os participantes são obrigados a “abrir” suas propostas em uma única rodada
simultânea. Além disso, cada uma das propostas é “verdadeira” no sentido de que àquela
de maior valor, qualquer que seja ela, será atribuída a vitória. Nos leilões de viva voz, ao
contrário, o vencedor não revela até onde estaria disposto a seguir. Nestas circunstâncias,
pode-se conceber a “maldição do vencedor” quando um ou mais participantes propõem
lances com o objetivo único de “inflar” o valor do bem e, assim, de onerar o potencial
vencedor. Naturalmente, uma tal atitude pode reverter contra o próprio autor, caso seja
ele proclamado o vencedor.17
A história dos leilões da Energipe e da Cosern possui elementos notáveis de “maldição do
vencedor”, tanto pela proximidade das datas (uma semana de diferença) quanto pelo
comportamento de um participante presente nas duas disputas.
Às vésperas do leilão da Energipe, imaginava-se que a Coelba apresentava vantagens
insuperáveis em relação aos demais concorrentes. As mais importantes diziam respeito à
contigüidade geográfica dos Estados da Bahia e de Sergipe e à capacidade de
17
Este é o comportamento que se pode imaginar quando há licitantes a serviço do próprio leiloeiro
com o objetivo exclusivo de estimular a disputa.
20
mobilização financeira da Coelba e de seus principais acionistas. Ao longo dos trabalhos
de modelagem, chegou-se mesmo a cogitar da imposição de limites à participação da
Coelba, com o argumento principal de que sua presença inibiria e, no limite, desestimularia
a participação de outros consórcios.18 Prevaleceu, no entanto, a argumentação de que,
do ponto de vista do vendedor, as sinergias entre a Coelba e a Energipe iriam traduzir-se
em lances mais elevados, sendo desejável a participação da empresa baiana na disputa.
A participação de apenas dois consórcios no leilão da Energipe parece ter confirmado,
surpreendentemente, as duas intuições. De fato, não é improvável que tenha havido
grupos desinteressados em incorrer nos custos de montagem de um lance vencedor ao
imaginar que a Coelba despontava como favorita. Da mesma forma, o consórcio que
“aceitou” o desafio da disputa foi motivado, por questões estratégicas para o grupo
controlador, a apresentar um lance muito mais alto do que o de seu concorrente. A
estratégia foi vitoriosa, como mostra a Tabela 3 a seguir.
TABELA 3
Resumo dos Lances no Leilão da Energipe
CONSÓRCIO
VALOR DO LANCE (R$ Milhões)
ÁGIO (%)
Coelba
359,0
22,0
Cataguazes
577,1
96,1
A combinação de um favorito virtual na disputa, associada à presença de apenas um
concorrente, configurou um caso polar de assimetria máxima de informações, que foi
inteiramente explorada em benefício do vendedor, principalmente porque a modalidade
de leilão escolhida foi a de envelope fechado.
18
A preocupação fundamental, na verdade, dizia respeito aos efeitos decorrentes da concentração
21
No leilão seguinte - o da Cosern -, o consórcio liderado pela Coelba voltou a participar na
condição de favorito, segundo as avaliações mais freqüentes. Entenda-se por “favoritismo”
a percepção comum de investidores e consultores, a cobertura da imprensa e, por último e
mais importante, a dedução de que uma derrota no leilão da Energipe teria reforçado o
ânimo do consórcio Coelba, que tantas vezes manifestou o interesse nas privatizações da
região Nordeste.
Embora o BNDES tenha assessorado o processo de desestatização da Cosern somente após
a contratação dos consultores - a despeito do fato de ter havido adiantamento de
recursos ao governo do estado -, não houve a cogitação de limitar a participação dos
grupos que já operavam na região. Com estas características, acrescidas da
disponibilidade de financiamento através da subscrição de debêntures pela BNDESPAR,19
esperava-se que outros consórcios participassem do leilão em condições de igualdade
com a Coelba.
O Gráfico 2, que apresenta o resumo dos lances no leilão da Cosern, deixa bem clara a
impressão de “maldição do vencedor” sobre a Coelba e a hipótese aparente de conluio
entre os licitantes derrotados.
Gráfico 2
Resumo dos Lances no Leilão da Cosern
de mercado, haja vista a inexistência, até aquele momento, de restrições por parte da Aneel.
Em consonância com a Resolução CND 08/97, que dispõe sobre a participação dos fundos de
complementação previdenciária nos processos de privatização, o Sistema BNDES, a partir de
setembro de 1997, passou a indeferir as solicitações de financiamento daqueles consórcios cuja
composição violava os limites de participação definidos na referida Resolução.
19
22
Leilão da Cosern - resumo dos ágios
80%
73,6%
60%
40%
ágio (%)
5,5%
20%
6,1%
ágio (%)
0%
Consórcio 1
Consórcio 2
Consórcio 3
A ocorrência de conluio é impossível de ser demonstrada, não havendo razões, porém,
para se atribuir uma conotação demasiadamente forte a esta expressão. Em teoria dos
leilões, o conluio deve ser entendido como simples estratégia de comportamento diante
da aversão individual ao risco. A análise dos lances perdedores no leilão da Cosern poderia
sugerir dois indícios nesta direção: a) a diferença de apenas 0,6% entre duas propostas foi
um fato inédito na história da privatização brasileira através de envelope fechado; e b) os
dois lances inferiores estacionaram em torno do preço mínimo, induzindo o analista a
concluir pelo interesse dos licitantes em uma disputa em viva voz. Se, por um lado, estes
indícios parecem corretos, basta observar que o resultado do leilão desautoriza o
lançamento da hipótese, pois havia um terceiro licitante disposto a evitar a continuação
do leilão na modalidade aberta.
Menos sujeita à especulação parece ter sido a impressão de que o resultado do leilão da
Cosern revelou aspectos de “maldição do vencedor”. É preciso reiterar, no entanto, que
este fenômeno não é conseqüência de erros de avaliação do grupo vencedor, mas uma
possibilidade decorrente da sistemática de venda. Por motivos que serão expostos na
próxima subseção, os licitantes, em geral, confirmam que seus lances refletem exatamente
a avaliação privada do ativo oferecido, e não há motivos para que seja diferente. A
“maldição do vencedor”, neste sentido, informa simplesmente que o alienante apurou um
resultado que, de outra forma, talvez não pudesse ter sido produzido.
23
Os Parâmetros de Balizamento do Preço e a Visão do Comprador
Na subseção anterior, procurou-se apresentar as diversas causas possíveis para os ágios
observados nos leilões de desestatização estadual. Os pontos de referência para esta
análise foram a observação integral dos lances e as conseqüências decorrentes da opção
pela modalidade de venda através de envelope fechado.
De certa forma, esta abordagem reflete o ponto de vista do vendedor, ou as hipóteses que
o vendedor assume em relação ao comportamento dos licitantes. Este, como se verá, é
apenas um lado da história.
O impulso para uma análise das motivações dos compradores foi dado após o leilão de
desestatização da Cosern, o último das empresas de distribuição de energia elétrica em
1997. Durante a entrevista coletiva que se seguiu ao leilão, foi perguntado aos
representantes do grupo vencedor que razões os teriam levado a um lance tão diferente
daquele apresentado no leilão da Energipe, apenas uma semana antes. A resposta foi que
os dois lances, de acordo com os parâmetros considerados relevantes pelo consórcio,
haviam sido semelhantes, o que fornece elementos para o que se pretende discutir a
seguir.
A constatação de que a simples observação dos ágios não é um guia seguro para a
avaliação dos processos de desestatização parece, em retrospecto, indiscutível. Ao longo
da preparação para a venda das empresas estaduais do setor elétrico, no entanto, não
era este o entendimento. De forma geral, prevaleceu entre os alienantes a esperança,
senão a convicção, de que o ágio verificado no leilão da Coelba teria determinado um
novo padrão de referência para os leilões ainda por realizar. Com esta preocupação em
mente, acabou-se negligenciando um aspecto fundamental para a interpretação dos
resultados: os múltiplos de mercado.
24
Note-se, inicialmente, que a avaliação econômico-financeira das empresas por parte dos
consultores inclui, além da determinação do valor econômico pelo método do fluxo de
caixa descontado, outros critérios, tais como a análise dos múltiplos de mercado e das
transações comparáveis.
Uma série de ressalvas costuma ser feita a respeito destes dois últimos critérios. As mais
comuns referem-se à dificuldade de comparação das empresas em função dos graus
diversos de endividamento, da liquidez das ações das empresas cotadas em bolsa de
valores e das características específicas de natureza comercial. Ainda assim, a
comparação dos processos de desestatização a partir de indicadores de preço pode
ajudar a esclarecer os resultados obtidos nos leilões referidos neste artigo.
A relação dos parâmetros mais utilizados e um sumário não exaustivo das principais
vantagens e desvantagens de cada um são apresentados na Tabela 4, de onde se pode
extrair a conclusão de que a utilização não criteriosa dos múltiplos de mercado para efeito
de análise de transações comparáveis pode induzir a uma série de imprecisões na
definição do valor econômico de uma empresa. Por esta razão, consagrou-se o cálculo de
valor presente dos fluxos de caixa como o critério principal a ser adotado, cabendo à
análise dos parâmetros sinalizar “faixas” de valores dentro das quais é razoável supor que
esteja situado o valor econômico mínimo da empresa em questão.20
TABELA 4
PARÂMETRO
A) VE/MWh
(Valor Econômico/MWh)
20
VANTAGENS
É de fácil apuração e de
aplicação universal.
DESVANTAGENS
Varia em função das
diferenças na estrutura de
custos, de classe de
consumo e das taxas de
crescimento de mercado.
O próprio Decreto 2.594, que dispõe sobre as regras do PND, estipula no artigo 30, parágrafo 3º,
que o valor econômico da empresa é aquele calculado a partir da projeção de seu fluxo de caixa
operacional.
25
B) VE/nº de consumidores
(Valor Econômico/ número de
consumidores)
É de fácil apuração e de
aplicação universal.
É de fácil apuração e de
aplicação universal.
C) VE/ROL
(Valor Econômico/Receita
Operacional Líquida)
Varia em função das
diferenças na estrutura de
custos, de classe de
consumo e das taxas de
crescimento de mercado.
Varia em função da
estrutura tarifária.
D) VE/EBITDA
Exclui as diferenças de normas Pode induzir a equívocos
contábeis aplicáveis à
quando se comparam
depreciação
empresas com acentuada
É um indicador de fluxo de
disparidade no
caixa.
desempenho operaciona.l
Capta o potencial de retorno Não é um critério
E) P/L
Razão Preço/Lucro = cotação/lucro
do investimento em uma adequado para a análise
por ação)
determinada empresa.
de empresas fechadas.
Obs.: Valor Econômico = Valor Presente do Fluxo de Caixa Operacional + Passivo Financeiro
(Valor Econômico/ Resultado
Operacional antes da despesa
financeira, impostos e depreciação
Líquido.
Uma providência geralmente adotada para reduzir a imprecisão deste critério é agrupar
empresas semelhantes quanto ao perfil de demanda ou mesmo quanto à natureza de sua
atividade principal, evitando-se, por exemplo, a comparação entre uma distribuidora e
uma geradora de energia. Obtêm-se, assim, com amostras previamente selecionadas,
aproximações relevantes daquilo que se pode denominar o “valor justo” de uma empresa.
Tendo-se em vista as advertências mencionadas anteriormente, e observando ainda que o
grupo de empresas estaduais de energia elétrica consideradas neste artigo apresenta
características que permitem a comparação, ainda que imperfeita, dos parâmetros A, B e
C da Tabela 4, podem-se adiantar uma constatação e uma hipótese: a constatação é que
a dispersão dos parâmetros observados após os leilões foi menor do que a dispersão dos
ágios; a hipótese, com base na constatação, é que se atribui maior importância aos
parâmetros pelos investidores, errando o foco aqueles analistas preocupados
exclusivamente com os ágios. Os dados que legitimam o lançamento desta hipótese são
apresentados a seguir (Tabela 5 e Gráfico 3).
TABELA 5
Dispersão dos Lances através dos Múltiplos de Mercado
VE/CONSUMIDOR
VE/MWh
VE/ROL
ÁGIO
(Em R$)
(Em R$)
(Vezes)
(%)
26
Cerj
1.075,4
229,6
2,8
30,3
Coelba
1.525,0
443,2
5,1
77,4
CPFL
3.169,2
443,2
5,2
70,1
Norte/Nordeste
2.248,2
409,9
3,8
82,6
Centro/Centro-Oeste
2.071,7
292,1
3,3
93,6
Enersul
2.678,0
544,2
5,8
83,8
Cemat
2.201,6
492,4
4,1
21,1
Energipe
2.083,6
546,5
5,1
96,1
Cosern
1.575,5
441,1
4,4
73,6
Média (A)
2.069,8
426,9
4,4
69,8
628,3
106,3
1,0
26,5
0,30
0,25
0,22
0,38
Desvio-Padrão (B)
Coeficiente de
Variação (B)/(A)
GRÁFICO 3
Coeficiente de Variação Observado na Tabela 5: (B)/(A)
coeficiente de variação(a) / (b)
0,40
0,35
0,30
0,25
0,20
V E/consum
V E/M W h
VE/R O L
ágio
Note-se que esta análise é “horizontal”, pois compara a dispersão dos ágios - obtida a partir
da observação de todos os leilões - e os parâmetros que foram revelados nos lances
vencedores. Para ilustrar o argumento, tomem-se os leilões da Cemat e da Energipe, nos
quais os vencedores pagaram valores muito próximos por cada consumidor e pelo MWh,
embora os ágios tenham-se revelado muito diferentes. O ágio, sob esta ótica, serviu como
mecanismo de ajuste do preço mínimo aos parâmetros definidos implicitamente, ainda que
de forma imprecisa, pelo mercado.
Uma outra maneira de entender este aspecto é verificar que os vencedores dos leilões das
distribuidoras estaduais de energia elétrica revelaram ter mais características em comum
do que as há entre estes mesmos vencedores e seus concorrentes diretos em cada disputa.
27
Esta análise “vertical” pode ser realizada através de pequena modificação na Tabela 5.
Neste caso, mantêm-se as três primeiras colunas (parâmetros de compra revelados pelos
vencedores), mas se acrescenta na última coluna a dispersão dos ágios de todos os lances
na totalidade dos leilões, a fim de demonstrar que a distância entre os lances perdedores e
vencedores (coeficiente de variação da quarta coluna) é maior do que aquela que
separa apenas os lances vencedores, à exceção do parâmetro VE/consumidor21 (Tabela 6
e Gráfico 4).
TABELA 6
Dispersão dos Lances através dos Múltiplos de Mercado
(Em R$)
(Em R$)
(Vezes)
MÉDIA DOS ÁGIOS
(%)
1.525,0
3.169,2
2.248,2
2.071,7
2.678,0
1.575,5
2.211,3
637,4
443,2
443,2
409,9
292,1
544,2
441,1
429,0
81,2
5,1
5,2
3,8
3,3
5,8
4,4
4,6
0,9
62,38
38,80
51,62
51,72
59,90
28,40
48,8
13,0
0,29
0,19
0,20
0,27
VE/CONSUMIDOR VE/MWh VE/ROL
Coelba
CPFL
Norte/Nordeste
Centro/Centro-Oeste
Enersul
Cosern
Média (A)
Desvio-Padrão (B)
Coeficiente de
Variação (B)/(A)
GRÁFICO 4
21
Pelas mesmas razões apresentadas na montagem do Gráfico 1, foram excluídos desta
comparação os leilões da Cerj, da Cemat e da Energipe.
28
coeficiente de variação(a) / (b)
0,50
0,40
0,30
0,20
0,10
(em R $)
VE/consum
(em R $)
VE/M W h
(vezes)
VE/R O L
(% )
m édia dos ágios
O poder explicativo deste exercício é substancialmente reduzido após as seguintes
ressalvas:
• O tratamento estatístico dos dados relativos aos ágios e aos parâmetros é precário.
Além do fato de as amostras serem pequenas, coeficientes de variação superiores a
10% sugerem a existência de dados suspeitos, que deveriam ser corrigidos pela
exclusão dos valores extremos.
• A apuração dos parâmetros não é calculada da mesma forma por todos os
participantes. O número de consumidores a ser utilizado, por exemplo, pode ser
aquele verificado na data do leilão, ou um número médio do ano, ou ainda uma
projeção para o ano seguinte (este último critério é particularmente recomendável
nas empresas privatizadas em regiões com taxas elevadas de crescimento do
mercado). Para fins de montagem das tabelas, utilizou-se o mesmo critério de cálculo
para todos os parâmetros, cotejando-o com aqueles que puderam ser apreendidos
em diversos estudos de consultores e investidores.
29
• Os parâmetros escolhidos para comparação, embora sejam os mais comuns, podem
não ter sido aqueles considerados prioritariamente pelos investidores. Um estudo que
levasse em conta outros múltiplos poderia perfeitamente produzir resultados opostos.
Na realidade, a diversidade de múltiplos pode ser encontrada inclusive no interior de
um mesmo consórcio, pois os sócios atribuem importância distinta a cada parâmetro.
Investidores estrangeiros, por exemplo, dão particular atenção à projeção de
dividendos que a empresa pode gerar.
• Nada foi dito sobre a taxa de desconto, que, muito mais do que simplesmente
descontar os fluxos de caixa, informa sobre o risco do negócio. Graus diversos de risco
percebidos pelos investidores também explicam a “aproximação” dos múltiplos de
mercado.
Estas observações visam reafirmar o caráter tentativo da análise realizada, voltada
sobretudo para a demonstração de como, a partir de uma coleção de dados dispersos de
cada leilão, é possível apreender um sentido para resultados tão diferentes na superfície.
4. Conclusão: Uma Avaliação Preliminar dos Leilões Realizados em 1998
No primeiro semestre de 1998, os resultados da privatização estadual revelaram um cenário
de disputa bastante diferente daquele observado no ano anterior. A Tabela 7 apresenta os
resultados alcançados até a conclusão deste artigo.
TABELA 7
Resumo dos Lances nos Leilões de Desestatização em 1998
Coelce
DATA
PREÇO MÍNIMO
02.04.98
775.956.000,00
Distriluz Energia Elétrica (Cerj)
Guaraniana/Coelba/Faelba
Metropolitana
15.04.98
15.04.98
ÁGIO
(%)
987.000.000,00
909.090.909,09
27,2
17,2
2.026.000.000,00
0,0
–
–
2.026.000.000,00
Light
Bandeirante (EBE)
-
VALOR DO
LANCE
1.019.000.000,00
–
30
20.05.98
Celpa
464.672.640,00
Grupo Rede
16.07.98
Elektro
464.672.640,00
0,0
1.479.258.289,64
1.214.948.996,90
963.309.075,21
874.186.602,94
854.527.234,06
98,9
63,4
29,6
17,6
14,9
743.561.011,70
Terraço Participações Ltda
Enerpaulo Ltda.
Draft II Participações S/A
GPU do Brasil Ltda.
S362A Participações S/A
Fica claro pela observação da tabela que diminuíram tanto o número de participantes
quanto os ágios, com exceção do leilão da Elektro. Diversas tentativas de explicação
procuraram dar conta destes resultados, cabendo uma digressão sobre as seguintes:
• Os Preços Mínimos Estavam Elevados
A comparação dos múltiplos de mercados anteriores ao leilão das empresas listadas na
Tabela 7 (excluída a Elektro) com aqueles das empresas privatizadas em 1997 contraria esta
afirmação, embora, como foi ressaltado no item “Os Parâmetros de Balizamento do Preço
e a Visão do Comprador” (p. 17), cada investidor escolha o indicador que lhe parece mais
relevante. À luz dos parâmetros mais utilizados (VE/ROL, VE/MWh e VE/Consumidor), as
quatro empresas não se afastaram da média das empresas privatizadas em 1997, como
pode ser visto na Tabela 8.
Tabela 8
Múltiplos de Mercado das Empresas Estaduais de Energia Leiloadas em 1998
VE/ROL
VE/MWh
Média das Empresas
2,8
277,6
Privatizadas em 1997
Coelce
3,1
287,8
Metropolitana
2,5
220,1
Bandeirante
2,1
153,1
Celpa
2,9
335,6
Fonte: Área de Serviços de Privatização do BNDES.
VE/CONSUMIDOR
1.341,1
989,0
1.781,3
1.802,5
1.222,3
31
Observe-se que a Bandeirante, cuja primeira tentativa de leilão não se realizou por falta de
interessados,22 é a empresa que apresentava os valores mais baixos para os parâmetros
VE/ROL e VE/MWh.23
• Desdobramentos da Crise Financeira
À primeira vista, a crise no Sudeste Asiático no segundo semestre de 1997 teria se
manifestado sob duas formas nos referidos leilões: menor número de participantes e lances
menos agressivos, dada a redução da liquidez internacional.
Não há razão para subestimar os efeitos da crise das bolsas asiáticas no ânimo dos
investidores, principalmente pelo impacto do efeito-riqueza negativo associado à
depreciação dos preços das ações nas decisões estratégicas de longo prazo. Trata-se de
um fenômeno global e ainda não superado, mas cuja real dimensão nos leilões aqui
analisados pode facilmente ser mal entendida.
Por um lado, deve-se lembrar que foram realizados sete leilões de grandes empresas
estaduais entre outubro e dezembro de 1997, quando se vivenciou o trimestre mais crítico
de incerteza e turbulência nos mercados financeiros,24 aqui entendidos em suas múltiplas
configurações. Com maior ou menor facilidade, em todos os sete leilões foram apurados
ágios superiores a 20%, e as diferenças entre cada leilão se explicam menos por fatores
gerais de mercado do que por condições específicas das empresas à venda.
22
A Bandeirante foi vendida em 17 de setembro, não tendo sido apurado ágio no leilão.
Deve-se considerar que o mercado da Bandeirante é essencialmente industrial (64,2% do
mercado total da empresa em 1997), o que significa que as tarifas médias são mais baixas. Além
disso, a perspectiva para os próximos anos, de acordo com o novo modelo do setor elétrico, prevê a
migração dos grandes consumidores de energia para o mercado livre, tendo em vista a competição
esperada na área de geração. É possível que esta característica tenha representado um fator
excessivo de risco para os investidores, embora uma análise detalhada desta empresa revele que os
maiores consumidores industriais não agregam valor ao negócio.
24
os aspectos mais fortes da crise financeira em 1998 manifestaram-se com maior intensidade
somente a partir de agosto.
23
32
No que se refere à participação dos investidores, é preciso ter claro que o universo de
players na privatização de empresas do setor elétrico tem variado pouco desde a venda
da Escelsa em 1995. Neste sentido, a crise financeira atuou com maior intensidade na
capacidade de mobilização de recursos financeiros por parte dos interessados, restringindo
o universo de participantes. Note-se, por exemplo, que a soma dos preços mínimos da
Metropolitana e da Bandeirante é comparável à dos preços mínimos de todas as empresas
vendidas em 1997, excluída a CPFL. A combinação de um mercado menos líquido e de
uma oferta de empresas muito grandes no primeiro semestre de 1998 parece ser a razão
mais convincente para os resultados observados.
Por fim, uma explicação pouco explorada pelos analistas é a de que as restrições impostas
pela Aneel começaram a modificar as estratégias dos participantes, sobretudo na atual
fase do processo, em que as usinas geradoras entraram no cronograma de venda.25 O
cuidado com os limites de participação no mercado por parte dos investidores passou a
fazer parte das estratégias de lance, o que pode ter levado determinados grupos a focar
seu interesse exclusivamente nas empresas que representam interesse prioritário.
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25
De acordo com a Resolução 94/98 da Aneel, o agente de distribuição não poderá deter
participação superior a 25% do mercado do sistema interligado nas regiões Sul, Sudeste e CentroOeste (no sistema interligado Norte e Nordeste, este limite é de 35%). A compra da Metropolitana
pela Light representou a primeira ultrapassagem deste limite. A mesma Resolução, no entanto,
autoriza qualquer empresa a participar dos leilões, independentemente de sua participação atual no
mercado, desde que ela firme com o poder concedente o compromisso de se enquadrar nos
referidos limites no prazo máximo de dois anos.
33
MENEZES, Flávio Marques. Leilões de privatização: uma análise de equilíbrio. Revista Brasileira
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