Desenvolvimento Curricular do Drama na Educação no Ensino

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Desenvolvimento Curricular do Drama na Educação no Ensino
Tese de Doutoramento
Desenvolvimento Curricular do Drama na Educação no
Ensino Generalista:
Epistemologia Crítica, Modelos, Processos e Convenções
?????
Delfim Paulo da Silva Ribeiro
Universidade de Santiago de Compostela
Departamento de Didáctica e Organización Escolar
Santiago de Compostela, Outubro 2008
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2
À MEMÓRIA DOS MEUS PAIS
E DAS MINHAS MÃES
3
Agradeço a todas as pessoas que acompanharam
directa e indirectamente
a realização desta tese.
Menciono somente os nomes das que
estiveram comigo em Santiago de Compostela:
Agra e Estela
Cristina, André
Manuel
Devo também endereçar merecidos agradecimentos aos Funcionários
das Bibliotecas da Universidade de Santiago de Compostela.
Tese de Doutoramento elaborada com o apoio da Fundação para a Ciência e a Tecnologia de Portugal
Bolsa de Doutoramento Ref: SFRH/BD/11325/2002
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Amigo é uma Pessoa que nos Ensina Coisas.
(João - Amigo da adolescência com quem fiz algumas viagens arrojadas)
7
CONTEÚDO
INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 13
O PRÓLOGO ........................................................................................................... 15
LIVRO 1
DINÂMICAS NÃO-LINEARES NO CAMPO
EPISTEMOLÓGICO DO DRAMA NA
EDUCAÇÃO
1 Enquadramento e Perspectiva.................................................................. 65
2 O Campo Epistemológico do Drama na Educação .................................... 77
2.1 Multiplicidade de Pontos de Vista ..................................................................... 77
2.2 Dimensões Epistémicas ..................................................................................... 83
3 A Solicitação dos Paradigmas ................................................................... 89
3.1 Incerteza, Complexidade e Multi-referencialidade ............................................ 97
3.2 Conhecer os Extremos para os Evitar (Variação 1) ........................................... 101
ENTREMEZ 1 .............................................................................................. 105
3.3 Conhecer os Extremos para os Evitar (Variação 2) ........................................... 109
3.4 Conhecer os Extremos para os Evitar (Variação 3) ........................................... 118
3.5 Ética Educativa na Desconstrução do Conhecimento ...................................... 133
3.6 A crítica como Lucidez: o Compromisso com a Mudança ................................ 163
3.7 Arte, Conhecimento e Investigação ................................................................. 191
3.8 Meta-Investigação Baseada nas Artes ............................................................. 247
4 Dinâmicas Não-lineares no Drama na Educação .................................... 263
4.1 Os Caminhos das Metáforas............................................................................ 263
4.2 A Exigência do Impensável .............................................................................. 273
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LIVRO 2
MODELOS, PROCESSOS E CONVENÇÕES
DO DRAMA NA EDUCAÇÃO
Introdução ................................................................................................. 279
5 Enquadramento e Definições ................................................................. 287
5.1 Brincar Dramático .......................................................................................... 293
5.2 Drama na Educação ........................................................................................ 297
5.3 Teatro na Educação ........................................................................................ 301
6 A Emergência do Drama na Educação .................................................... 307
7 Teorias e Autores de Referência ............................................................. 313
7.1 A Espontaneidade e o Drama Infantil como Forma de Arte: Peter Slade ......... 313
7.2 Drama, Desenvolvimento e Consciência: Brian Way ....................................... 319
7.3 Natureza da Aprendizagem Dramática: Richard Courtney .............................. 327
7.4 A Universalidade da Experiência Humana: Dorothy Heathcote ....................... 339
7.6 Educação e Arte Dramática: David Hornbrook ................................................ 347
8 Conversação ........................................................................................... 357
9 As Convenções Dramáticas como Instrumento Estético-pedagógico..... 365
9.1 As convenções no Âmbito do Drama na Educação .......................................... 369
9.2 Caracterização e Classificação das Convenções Dramáticas e Teatrais ............ 373
9.3 Modo Dramático da Construção do Contexto – e.g. Escultura Humana .......... 379
13 Considarações Finais ............................................................................. 381
EPÍLOGO .................................................................................................... 389
BIBLIOGRAFIA· ........................................................................................... 391
Índice Remissivo ........................................................................................ 409
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ÍNDICE DE TABELAS
TABELA 1- DIFERENTES FORMAS DE CONCEPTUALIZAR O DRAMA. ............................................................. 78
TABELA 2 - CAMPO SEMÂNTICO E AXIOMAS DO DRAMA NA EDUCAÇÃO ................................................. 266
TABELA 3 -RESUMO DAS CONVENÇÕES DRAMÁTICAS. ............................................................................. 375
ÍNDICE DE FIGURAS
FIGURA 1 – VARIAÇÕES INFINITAS 5: GRÃOS DE ARROZ FORA DO SACO ..................................................... 22
FIGURA 2 - VARIAÇÕES INFINITAS 1: MAPAS E CAMINHOS ......................................................................... 28
FIGURA 3 - VARIAÇÕES INFINITAS 4: APROXIMAÇÕES ................................................................................ 36
FIGURA 4 - VARIAÇÕES INFINITAS 2 : REFLEXOS ......................................................................................... 37
FIGURA 5 - VARIAÇÕES INFINITAS 3 : ASCENSÃO ........................................................................................ 52
FIGURA 6 : ALUNOS CRIANDO UMA DRAMATIZAÇÃO................................................................................. 63
FIGURA 7 - FOTO DE PAULO SOARES HIPASO ............................................................................................. 64
FIGURA 8 - TRABALHO SOBRE OBRA DE GAUGIN 1 : ................................................................................... 65
FIGURA 9 - ESPAÇO EM BRANCO PROPOSITADO ........................................................................................ 66
FIGURA 10 - DINÂMICA EPISTEMOLÓGICA DO DRAMA NA EDUCAÇÃO (VERSÃO 1) .................................... 85
FIGURA 11 - DINÂMICA EPISTEMOLÓGICA NÃO-LINEAR DO DRAMA NA EDUCAÇÃO (VERSÃO 2) ............... 86
FIGURA 12- IMANÊNCIAS DAS DINÂMICAS DA COMPLEXIDADE E DO CAOS ................................................ 96
FIGURA 13 – AMPLITUDE DE POSSIBILIDADES: PROCESSADOR - CIENTISTA/PROFESSOR/ALUNO/............. 138
FIGURA 14 - DEGRADÉS DE CLARIVIDÊNCIA.............................................................................................. 140
FIGURA 15 - PONTOS FULCRAIS DA ÉTICA EDUCATIVA E EPISTEMOLÓGICA EMANCIPADA ........................ 151
FIGURA 16 - - ANTÍGONA AJOELHANDO-SE PERANTE CREONTE................................................................ 158
FIGURA 17 - CONFRONTAÇÃO 3............................................................................................................... 229
FIGURA 18 - CONFRONTAÇÃO 4............................................................................................................... 230
FIGURA 19 : EXEGESES DO PARTICULAR 2 ................................................................................................ 252
FIGURA 20 : EXEGESES DO PARTICULAR 3 ................................................................................................ 254
FIGURA 21 : EXEGESES DO PARTICULAR 4 ................................................................................................ 256
FIGURA 22 : EXEGESES DO PARTICULAR 5 ................................................................................................ 258
FIGURA 23- TABELA AMARROTADA ......................................................................................................... 268
FIGURA 24 : ALUNOS DRAMATIZANDO .................................................................................................... 277
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FIGURA 25 - FOTO DE CATALINA CARDOSO .............................................................................................. 278
FIGURA 26- TRABALHO SOBRE A OBRA DE GAUGIN 2: .............................................................................. 279
FIGURA 27- ESPECTRO DO DRAMA........................................................................................................... 290
FIGURA 28 - HISTÓRIA DO ENSINO DO DRAMA......................................................................................... 304
FIGURA 29 - DESENVOLVIMENTO NATURAL DO DRAMA SEGUNDO PETER SLADE. .................................... 316
FIGURA 30 – FIGURA RESUMO PETER SLADE ............................................................................................ 317
FIGURA 31 - MODELO DESENVOLVIMENTAL DO DRAMA NA EDUCAÇÃO SEGUNDO BRIAN WAY. .............. 320
FIGURA 32 – FIGURA RESUMO BRIAN WAY .............................................................................................. 325
FIGURA 33- ASPECTOS DO DRAMA E DO TEATRO SEGUNDO RICHARD COURTNEY. ................................... 328
FIGURA 34 - MODOS DO PENSAMENTO SEGUNDO RICHARD COURTNEY .................................................. 333
FIGURA 35 - FIGURA RESUMO RICHARD COURTNEY ................................................................................. 338
FIGURA 36- FIGURA RESUMO DOROTHY HEATHCOTE............................................................................... 345
FIGURA 37 - ENQUADRAMENTO PARA A ARTE DRAMÁTICA SEGUNDO DAVID HORNBROOK..................... 350
FIGURA 38 - ÁREAS POTENCIAIS DE APRENDIZAGEM DA ARTE DRAMÁTICA SEGUNDO DAVID HORNBROOK.353
FIGURA 39 – FIGURA RESUMO DAVID HORNBROOK ................................................................................. 355
ÍNDICE DE TEXTOS PERFORMATIVOS
TEXTO PERFORMATIVO 1 – PASSADO......................................................................................................... 38
TEXTO PERFORMATIVO 2 - FUTURO ........................................................................................................... 46
TEXTO PERFORMATIVO 3 - CONHECER OS EXTREMOS PARA OS EVITAR.................................................... 118
TEXTO PERFORMATIVO 4 - EU/TU/NÓS NO PROCESSO DE INVESTIGAÇÃO................................................ 184
TEXTO PERFORMATIVO 5 - CONFRONTAÇÃO 1: O LUGAR DAS PIRÂMIDES INVERTIDAS ............................ 192
TEXTO PERFORMATIVO 6 - CONFRONTAÇÃO 2: NO LUGAR DAS PIRÂMIDES INVERTIDAS .......................... 195
TEXTO PERFORMATIVO 7 - A IMPORTÂNCIA DAS PEQUENAS COISAS........................................................ 231
TEXTO PERFORMATIVO 8 - CONSTATAÇÃO 1: A IMPORTÂNCIA DAS PEQUENAS COISAS............................ 238
TEXTO PERFORMATIVO 9 - PALAVRAS DESPRENDIDAS DO QUADRO AMARROTADO................................. 269
TEXTO PERFORMATIVO 10- CONVERSAÇÃO 1 .......................................................................................... 357
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ELABORAR
INTRODUÇÃO
Teremos de introduzir este trabalho pelos conceitos básicos relacionados com o
mundo onde nos movemos e que são a educação e as artes, mais especificamente o
drama na educação. A educação é um termo que desde logo precisamos de clarificar visto através dele esclarecermos desde já qual a filosofia de base que baseia todo este trabalho e a nossa forma de estar no mundo.
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O PRÓLOGO
Que eu saiba, ninguém formulou até agora uma teoria do prólogo. A omissão não deve
afligir-nos, já que todos sabemos do que se trata. O prólogo, na triste maioria dos casos,
lida com a oratória de sobremesa ou com os panegíricos fúnebres e abunda em hipérboles
irresponsáveis que a leitura incrédula aceita como convenções de género. […] O prólogo,
quando são propícios os astros, não é uma forma subalterna do brinde; é uma espécie
lateral da crítica.
Jorge Luis Borges (Prólogos com um Prólogo de Prólogos)
Tudo isto requeria, compreendo-o, uma estrutura artística, uma forma; porém a mim, que
sempre fui formalista, e todavia o sou, ocorreu-me dota-lo assim, em puros fragmentos de
um edifício inconclusivo, arcos, colunas, abóbadas, paredes, que também podem ser umas
ruínas.
Torrente Ballester (Fragmentos do apocalipse)
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Para os realistas, o humano é um escândalo dentro do ser, uma “enfermidade”
Emmanuel Lévinas
Palavras Destacadas
Dilemas subjacentes, fruição, recompondo constantemente a forma da sua exibição, qualidade fenomenológica indeterminável, pensamento, a vida é preciosa, tudo se liga a tudo,
usar e tirar a máscara, desmascarar a fachada, significado e magia, espaço de confiança e
interacção, boa disposição como professor, conhecer pessoas, peremptório, escola oficial,
morrer amanhã, intemporal, área das ciências e das artes aplicadas, ilha de bem-estar e de
aprendizagem, curriculum vitae, estabilidade e regalias, poetas, atitude estética e/ou política, fazer com o coração, ritmos da vida, rituais quotidianos, despoletar ou aconchegar o
pensamento, valor económico, sem ordem cerimoniosa, deliciar-me com tudo, tornar-me
familiar de mim mesmo, vivacidade, trabalhar como professor, trabalhar como actor, círculo de amigos mais próximo, horizonte, corpo, movimento, criatividade, lúdico, liberdade,
transformador e emancipador, fantasmas corporais, abdicação, conhecer, asfixiantes,
constrangedoras, existência sem voz e canais de comunicação, monopolista, estagnado e
retrógrado conservatório, académica, virtuosa, cultura naif e underground, tabernas, palcos, Voz do Operário, trocos conseguidos diariamente na bilheteira, botas compradas em
Amesterdão, espaços idiossincráticos, telas coloridas, sons do piano, manhãs translúcidas.
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1. Um dos dilemas subjacentes a esta investigação emerge da incessante procura
da forma de apresentação que melhor possa potencializar a sua fruição. Esta problemática foi explorada em Santiago de Compostela, durante uma amena conversa encetada
com o meu amigo Manuel e uma terceira pessoa que me tinha sido acabada de apresentar.
– Sobre o que é a tese? – Perguntavam. – É sobre arte, não é?
– Bem… – exalei pausadamente procurando dissuadir a pergunta e ganhar algum
balanço para uma explicação que previa aborrecida – … não sei bem explicar… é sobre
arte e educação… drama na educação para ser mais preciso.
– Disseste que te foi sugerido o Centro Galego de Arte Contemporânea como local
para a sua apresentação. Se for aí tens de nos avisar com antecedência – disse Manuel,
tentando comprometer Patricia com o olhar.
– Ainda não sei onde vou apresentar a tese. Porém, acreditem que a reflexão sobre
o assunto tem vindo a tornar-se cada vez mais central. Tenho estado a escrever desde há
muito tempo. Não é que desgoste! Mas sou demasiado perfeccionista. Por vezes chego a
passar vários dias com uma folha. Ultimamente, tenho andado a ponderar o assunto da
apresentação da tese e começo a chegar à conclusão que essa reflexão é importante;
senão mesmo fundamental. Talvez, paradoxalmente, uma tese devesse começar por aí,
pela exploração das formas e locais que melhor pudessem potencializar a sua compreensão… – cortei imediatamente a imanência do fluxo divergente do pensamento e rematei
– no fundo todos os contextos imprimem alguma conotação!
– Mas se te sugeriram o Centro de Arte Contemporânea é porque deve ser arte? –
Reincidiu Manuel.
– Sim, de certa maneira. Contudo, em última instância, qualquer lugar introduzirá
sempre uma determinada conotação no trabalho: seja artística, científica, pedagógica,
teatral, etc. O que gostaria mesmo era de partilhar a minha tese num local muito perso19
nalizado. Um sítio onde pudesse ir compondo e recompondo constantemente a forma
da sua exibição.
– Que chulo tio! – Disse o Manuel no seu castelhano mais vivo e entusiasta.
2. Um ligeiro contratempo no diálogo fez com que Patricia iniciasse outro assunto.
– Pois eu não entendo muito bem essa vocação para o teatro. Compreendo a de um pintor ou de um músico, mas a de um actor!? Onde é que se vai buscar a motivação para
aprender teatro?
Instalou-se um complô de silêncio. A pergunta era interessante e embora tivesse
sido dirigida especificamente à minha pessoa estávamos todos a flutuar no tempo e no
espaço meditando sobre o assunto. Nestas situações, o tempo passa a revelar uma qualidade fenomenológica indeterminável; tornando impossível precisar se passaram vários
minutos ou fracções de segundo. Convicto de que as primeiras palavras que pronunciasse iriam conduzir a conversa a algum lado proveitoso, arrisquei:
– Não sei, talvez seja o gostar de criar personagens. Imaginar outros seres. Suas
dinâmicas de vida…
3. – A vida é complexa – interrompeu abruptamente Manuel. – Do que gostas mais
no mundo?
Abracei novamente o pensamento. Queria assegurar-me de que não daria uma
resposta estereotipada. – Do meu filho. – Sim, tinha-o confirmado a mim próprio com
bastante clareza. Porém, acrescentei de imediato – a vida é demasiado complexa. Tudo é
um sistema. Afinal, não se trata só de um determinado elemento que se possa destacar;
mas de toda a vida. O que gosto mais no mundo é da vida, pois a vida é preciosa.
Levantei-me, dirigi-me a uma parede e comecei a gesticular como se estivesse a
pintar uns enormes graffiti – a vida não se pode traduzir por esquemas compostos por
círculos e quadrados bem delimitados. Tudo se liga a tudo.
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4. – A vida é uma fachada – disse Manuel num misto de segurança e provocação. –
Há pessoas que vivem na fachada. Com a máscara.
Maneei de forma positiva. – Pois o teatro é esse dilema, usar e tirar a máscara.
– Eu gosto de comédia.
– Eu também. Há comédias muito interessantes. Essas também desmascaram a
fachada. Vê, por exemplo, o caso do Nobel da literatura, Dario Fo. Não era ele especialista em Commedia dell`Arte! Tens também a película a vida é bela. – Olhei para Patricia de
modo a confirmar que ela conhecia o filme.
– Pois é – interpelou Manuel num tom mais reflexivo – o mais interessante deve
ser descobrir alguma comédia numa tragédia tão grande.
– O teatro também é isso. É desmascarar a fachada. O teatro vive nesse limiar. No
fundo, é como se estivesses a ver-te ao espelho como uma máscara neutra colocada;
uma máscara sem expressão – expliquei – e seguidamente fosses convidado a imaginar o
que esse reflexo te sugere de modo a improvisares uma cena. Os pensamentos e sentimentos que vivencias enquanto te observavas ao espelho com a máscara colocada…talvez seja… uma das essências do teatro.
5. A qualidade do meu castelhano não me permite explorar eficazmente o humor
absurdo de que tanto gosto. Contudo, os diálogos com Manuel são sempre muito interessantes. Manuel é um amante da música e do cinema. Uma pessoa com ideias reflectidas sobre a qualidade dos produtos artísticos que consome e produz enquanto músico.
Partilhamos múltiplos quadros de referência. Frequentemente os nossos diálogos são
ilustrados com exemplos retirados dos filmes, o que me faz lembrar o The Dreamers de
Bernardo Bertolucci, onde as referências ao cinema se misturam com os significados e as
magias da vida.
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6. Continuando a conversa sobre a comédia, Manuel, a dada altura, afirmou – pois
quanto a mim, não me imagino cair no ridículo de ter de rir em frente a toda a gente.
Lembro-me de, quando andava na escola, uma professora ter proposto isso e de não ter
gostado nada da situação.
– Mas isso não é teatro. Isso é uma estupidez – interpus de imediato. – A primeira
coisa que faço nas minhas aulas é criar um espaço de confiança e interacção onde cada
pessoa se possa sentir bem consigo própria e com os outros.
Figura 1 – Variações Infinitas 5: Grãos de arroz fora do saco
Costumo dizer aos meus alunos que o tempo é demasiado precioso para ser desperdiçado em insignificâncias ou desconfortos de qualquer espécie. Também lhes digo
que os momentos em que vamos estar juntos devem ser preenchidos de forma rica e
interessante. É isto o que faço com os meus alunos e as coisas têm-me corrido muito
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bem. É em grande parte a eles que devo a minha quase constante boa disposição como
professor. No fundo, para além dos conhecimentos e aprendizagens mais formais que as
minhas aulas podem proporcionar, são essencialmente sobre conhecer pessoas, e isso
enriquece-me muito a mim e aos meus alunos.
7. – Mas as pessoas andam enfadadas com a vida. – Disse Patricia, emergindo do
sofá onde tinha estado semi-deitada a ouvir a conversa. – Actualmente trabalho como
bancária e quando era jovem não me imaginava vir a ter a vida que agora sou obrigada a
levar.
– É como no Metropolis de Fritz Lang. – Disparou imediatamente Manuel numa
mímica grandiloquente. – As pessoas, como um rebanho, levantam-se e vão para os trabalhos, todas ao mesmo tempo e sempre da mesma maneira.
– No fundo as pessoas são muitas vezes colocadas em situações da vida em que
não conseguem escapar e nas quais não se sentem realizadas. – Continuou Patricia.
– Pois é…mas eu não. – Intercalei.
– Mas as pessoas são umas hipócritas. Têm de cumprimentar quem não gostam.
Vêem-se de manhã, sorriem e dizem bom dia, mas a pensar por dentro … que filho da
mãe.
– Eu não. – Interpus novamente e expliquei. – Eu, a essas pessoas evito-as. Não me
dou com elas. E na vida já fui muitas vezes peremptório a dizer não. A ter essa coragem.
Pois se prevês que a situação não te é benéfica a médio ou a longo prazo não a vais
assumir. Claro está, se o puderes fazer! Eu devo ter tido essa sorte…felizmente. – Falava
com determinação mas sem qualquer laivo de arrogância. Continuei num tom mais sereno e reflexivo. – Lembro-me de, há bastantes anos, estar na sala de professores de uma
escola e ver os colegas todos enfadados… – comecei a divertir-me caricaturando as personagens com gestos e vozes – “meu Deus já está na hora. Que chatice, vou ter de dar
mais uma aula.” Parecia um velório. Passou então a ser claro para mim que não iria trabalhar num sítio desses e tomei a decisão de sair da escola oficial.
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8. – E porque é que estás a fazer uma tese? Que benefício te traz?
Voltei a pensar. – Acho que … em grande parte… talvez devido a um certo interesse
em descobrir coisas. Em melhorar…
Patricia interrompeu-me subitamente o raciocínio. – Que idade tens? Desculpa a
pergunta, mas parece que tens uma cara intemporal. Quando inicialmente te vi pensei
nisso.
– Ironizei – não me digas que vou morrer amanhã!
Patricia riu-se manifestando algum desconforto; provavelmente por ter interpretado mal a minha piada, mas mesmo assim entrou no jogo – Não…não... é que me pareces…ter uma cara intemporal…
– Tenho quarenta e dois anos. Mas a idade não é importante. Mais importante é o
que se viveu. Há pessoas mais velhas que são menos vividas que...
Interrompeu-me novamente. – Sim tu! … Tu pareces-me muito maduro. Mas não te
conseguia imaginar a idade. É que … estás a fazer uma tese com quarenta e dois anos! …
Manuel não perdeu a oportunidade para ironizar – Nunca é tarde. Pois uma vez
que …
– Não, não, não é isso, espera. – Interrompi eu agora efusivamente. – O que se passa é que não entendo esta nova tendência das pessoas da área das ciências e das artes
aplicadas fazerem teses de doutoramento imediatamente após terem terminado uma
licenciatura, ou do que se chama actualmente primeiro ou segundo ciclo; seja o que isso
for! Como pode uma pessoa sem experiência de trabalho e vivência amadurecida fazer
uma tese? Penso que isto acontece em grande medida porque os jovens, quando terminam as suas licenciaturas, não têm trabalho e por isso fazem teses. Eu comecei a trabalhar no ensino desde muito cedo. Naquela altura, com o primeiro ano do curso completo
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e umas poucas cadeiras já se podia concorrer para dar aulas no ensino oficial; tal era a
falta de professores em algumas áreas.
– E que davas tu? – Perguntou Patricia.
– Comecei a trabalhar ainda quando era estudante. Trabalhei inicialmente como
psicomotricionista no ensino especial em Lisboa e também como professor de Educação
Física em várias escolas do ensino preparatório e secundário. Depois, mais tarde, quando
já era licenciado, dei aulas durante uns quatro ou cinco no ensino secundário na região
da Beira Alta. Praticava desporto colectivo com os meus alunos, fazíamos caminhadas
pelos montes, canoagem, orientação, relaxação, expressão corporal, dança e construção
de máscaras. Lembro-me de, na altura, em parceria com um saudoso colega de Filosofia
ter organizado diversas visitas de estudo a lares da terceira idade, onde os nossos alunos
apresentavam curtos espectáculos e realizavam actividades de movimento e drama criativo com os utentes. Mil e uma coisas verdadeiramente interessantes. Adorava os alunos
e o trabalho que desenvolvia. As minhas aulas eram como uma ilha de bem-estar e de
aprendizagem. Contudo, não me identificava com o sistema escolar propriamente dito e,
para além disso, comecei a perceber, de um modo cada vez mais premente, inclusive por
razões de interesse pedagógico e artístico, que preferiria dedicar-me com maior profundidade ao estudo e à prática do drama na educação. Passei a enviar o curriculum vitae
para diversas instituições da região, tendo, a dada altura, sido seleccionado para acumular algumas horas no Instituto Piaget de Viseu, onde passei a dedicar-me especificamente
à área da educação artística e do drama nos cursos de formação inicial e pós-graduada
de professores. Quando, por convite desta instituição privada vejo surgir a oportunidade
de me dedicar a tempo integral à educação artística e ao drama, saio definitivamente da
escola oficial. Obviamente que esta decisão levantou alguma polémica na minha família,
tendo sido de alguma forma difícil de tomar, visto acarretar o abandono, em definitivo,
de uma imanente carreira de funcionário do estado, com toda a estabilidade e regalias
que na altura isto comportava.
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9. – Pois Delfim toca bem la guitarra. – Disse Manuel para sua amiga, olhando para
mim de soslaio.
– Non – interpus com sinceridade. – Como toco bem a guitarra? Vou tocando, mas
não la toco bien.
– Te gusta lo fado? – Perguntou Patricia. – Amália Rodrigues. Eu vi um espectáculo
sobre Amália Rodrigues…
Interrompi mesmo sem saber qual o espectáculo a que Patricia se referia – Pois…
sobre Amália Rodrigues há coisas boas e outras muito más…
– Me gusta Madre Deus – Retoma Patricia.
– Eu ando a preferir o seu disco electrónico…os outros já me cansam um bocado.
Tenho de vos trazer algumas coisas interessantes de música portuguesa. Posso-vos trazer, por exemplo, o disco movimentos perpétuos, elaborado em homenagem a Carlos
Paredes, um excelente guitarrista português que já faleceu, ou o disco de Ricardo Rocha,
um jovem guitarrista português que aborda a guitarra de uma forma contemporânea.
Mas tenho tanta música e gosto de tantos estilos que seria difícil a escolha.
Retomando a conversa sobre o fado e percebendo o interesse genuíno dos meus
interlocutores pela cultura portuguesa continuei a partilhar a minha opinião. – Há fados
interessantes, Amália Rodrigues cantava bem, sem dúvida, mas também cantava bem
porque cantava poetas. Em Portugal há poesia de fado muito interessante. É importante
o que se diz com a música, mesmo que a obra seja somente instrumental. Isto não significa uma espécie de anti-formalismo, mas sim que é impossível deixar de se estar conotado, correcta ou incorrectamente, com uma determinada atitude estética e/ou política,
mesmo que essa posição seja apolítica. – Virei-me para Manuel, apontando-lhe um dos
volumes da vasta colectânea de música indie que ele próprio tinha gravado para me oferecer. – Eu gosto do teu tipo de música Manuel. Uma música aberta. Uma música que se
faz com o coração. Um ritmo de felicidade para a vida. Esta música tem o ritmo da vida.
De fazer coisas…
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10. É interessante ter descoberto que o grupo preferido de Manuel é os Durutti
Column, liderado pelo guitarrista Vini Rielly. Segundo o meu ponto de vista, este guitarrista (claro está, de uma forma bastante indirecta) foi muito influenciado pela maneira
portuguesa de tocar guitarra. Apresentei esta ideia há uns dias ao Manuel, mostrandolhe uma preciosidade da minha colecção de discos. Uma gravação de 1983 dos Durutti
Column intitulada Amigos de Portugal. Embora Vini Rielly só toque guitarra eléctrica,
neste disco a influência da guitarra portuguesa é notada a todos os níveis, nos ambientes, nas cadências e mesmo nos timbres.
11. Enquanto conversava com Patricia e Manuel sobre música deliciava-me com a
sensação de estar escolher a música e a colocar os discos num leitor. Procurava descobrir
o contraponto sonoro para as nossas três almas errantes. Estava já há meses longe de
casa. Sentia por isso falta dos rituais quotidianos que me dão imenso prazer realizar,
como o de procurar cuidadosamente a música que num determinado momento me despoleta ou aconchega o pensamento.
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Figura 2 - Variações Infinitas 1: Mapas e caminhos
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Estava muito contente por me encontrar num local cheio de objectos interessantes. Estavamos em casa de Patricia, que explicou escolher os objectos de decoração para
o seu apartamento não por qualquer valor económico, mas porque gostava realmente
deles. A sua casa era muito interessante. Uma espécie de improvisação decorativa sem
ordem cerimoniosa. Uma desorganização funcional com pormenores surpreendentes.
Ao ter colocado o primeiro pé dentro da habitação tive desde logo um enorme desejo de
observar atentamente todos os objectos, deliciar-me com tudo. Obviamente que, para
não ser mal interpretado, adverti a dona da casa para este meu bizarro comportamento.
Como boa anfitriã, Patricia resolveu então levantar-se e começar a explicar-me o nome e
a finalidade dos objectos.
Este – disse eu, ironizando – é o manípulo da cadeira eléctrica.
– Non – advertiu de imediato – é um interruptor de um quadro eléctrico antigo.
Exigindo liberdade para a minha exploração irónica – pois para mim é o interruptor
da cadeira eléctrica.
Receando ter sido mal interpretado pela minha teimosia, procurei redimir-me perguntando – E isto, o que é? Que magnífico!
– É uma máquina de calcular antiga.
– Que interessante.
Continuei a deliciar-me com a escolha e manipulação dos CDs e com a surpresa
revivida dos pequenos gestos que tanta felicidade me dão realizar quando me encontro
na minha própria casa. No fundo, acredito que medito enquanto elaboro essas pequenas
tarefas, hábitos, preocupações triviais que me ajudam a tornar-me familiar de mim
mesmo.
– Agora vou colocar B.B. King – anuncio.
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12. Eu tenho o Síndrome de Peter Pan – disse Manuel surpreendentemente e de
forma algo descontextualizada. – Nunca me consegui identificar com a vida dos adultos.
Os adultos ensinam-nos a ser falsos. É aí que começa a mentira. Por exemplo, quando te
oferecem um brinquedo e te dizem para agradeceres, para dizeres que gostas mesmo
dele ainda que possas não gostar, já te estão a passar a ideia da hipocrisia.
Manuel faz-me muitas vezes lembrar a minha forte ligação à música quando era
adolescente e o desejo de criar e partilhar canções. Aos meus olhos, a vida do Manuel
assemelha-se à vida que eu próprio levava há muitos anos em Lisboa. Não é que me sinta
actualmente mais maduro do que ele, ou que relacione o que imagino ser a vida do
Manuel como uma espécie estágio já ultrapassado. Não, nada disso. É porque, a parte da
minha vida, que entendo como semelhante à do Manuel, mudou. Não teve um seguimento directo, enviusou. Não segui em definitivo a carreira musical. Fui para a Universidade, tal como Manuel. Porém, quando saí de Lisboa, isto já há muitos anos, passei
somente a tocar guitarra muito esporadicamente. Claro está, numas alturas mais do que
outras, mas em geral sem a intensidade ou a verdadeira determinação de vir a ser músico. Dediquei-me com vivacidade a outros afazeres, ao meu percurso académico, ao meu
trabalho como professor nas várias escolas por onde passei, a trabalhar como actor e
animador em múltiplos projectos, a estudar Teatro, Psicologia, Filosofia, o que me apetecesse. Fui melhorando, muito devagar e de forma auto-didacta, o modo de tocar guitarra. Passei mesmo a ter uma relação muito corporal com o instrumento. Aprendi o pouco
que sei com base na exploração gestual do instrumento e ultimamente, admito, tenho
mesmo começado a procurar alcançar alguma precisão. Porém, a minha relação com a
guitarra é realmente muito física, baseada na exploração da resistência, coordenação e
precisão dos gestos.
Acima de tudo deixei de ter um contacto directo e frequente com o meu círculo de
amigos próximos. Muitos deles continuaram a evoluir enquanto músicos, encetando por
esta profissão. Outros, mais ligados às artes plásticas e principalmente ao teatro, trabalham actualmente em Lisboa como freelancers ou agregados a projectos com alguma
estabilidade. Porém, na grande maioria dos casos, participam em programas sempre
provisórios, pontuais, sem o horizonte que lhes permite levar uma vida estável.
30
Ainda que o meu círculo de amigos estivesse ligado ao mundo das artes, até porque frequentei um liceu onde existia essa valência, o meu interesse pelo movimento e
pela expressão corporal levaram-me a inscrever-me no Curso Superior de Educação Física. Lembro-me de na altura imaginar que a única profissão que considerava poder vir a
exercer com agrado teria de estar ligada ao corpo, ao movimento e à criatividade. Teria
de ser uma profissão relacionada com o lúdico e com a liberdade. Eu próprio, como adolescente, adorava correr à noite nas ruas de Lisboa. Frequentava as piscinas públicas com
muita assiduidade, fazia artes marciais com afinco e dedicação. Participava voluntariamente nos grupos de expressão corporal na escola secundária. Estava deveras curioso
em saber como as pessoas se movem e como a motricidade humana pode revelar-se um
fenómeno expressivo, transformador e emancipador. Como estudante universitário
absorvia com interesse tudo o que dissesse respeito às ciências e às artes do corpo.
Devorava livros de anatomia, fisiologia, neurologia e posteriormente, nos anos finais do
curso, comecei a enveredar cada vez mais para as correntes terapêuticas de índole
dinâmico, para os fantasmas corporais, para a psicomotricidade relacional e, essencialmente, para a expressão dramática e artística na educação e na terapia. Ao mesmo tempo que me formava nas ciências da motricidade lia de forma compulsiva obras literárias,
psicológicas e filosóficas que comprava nos alfarrabistas ou visitava nas bibliotecas de
Lisboa. Vivia o mundo de autores como Sartre, Boris Vian e sobretudo a escrita mais perturbante de Emma Santos ou a poesia de Antonin Artaud, autores em que inspirei diversas performances enquanto membro dos grupos de performance art: Melleril de Nembutal e Grupo de Alta Performance. Depois de um percurso formativo em Expressão Dramática na Fundação Calouste Gulbenkian e de uma pós-graduação em Dramaterapia obtida
em Inglaterra ao abrigo do programa Erasmus, com alguma perseverança e muita abdicação, acabei por licenciar-me em Educação Física. Encontrava-me assim, de certa forma,
com vantagem em relação aos meus amigos mais próximos. Muitos deles continuavam a
arrastar-se, por vezes com algum desinteresse e combatividade, pelos cursos de Belas
Artes ou nas Academias e Conservatórios de Música e Teatro.
No meu caso, a licenciatura numa área com imediata colocação profissional abriume um novo leque de possibilidades. Ainda que para mim fosse doloroso afastar-me dos
projectos artísticos e musicais em que estava envolvido, sabia que podia sair de Lisboa
31
com alguma segurança. Na altura, se concorresse nos chamados miniconcursos para um
lugar de professor nas zonas mais rurais e interiores de Portugal ficaria infalivelmente em
primeiro lugar. Não havia professores licenciados em Educação Física no interior do país.
Acima de tudo saí de Lisboa porque necessitava de o fazer. Queria conhecer outras
regiões do país. Para além disso, as expectativas de vida na grande cidade não eram
promissoras. Lisboa, no final dos anos 80, era uma cidade culturalmente muito periférica.
Havia com certeza algumas excepções, como por exemplo as propostas de formação
artística e os espectáculos promovidos pela Fundação Calouste Gulbenkian, a Cinemateca
Nacional e algumas salas de espectáculo que apresentavam uma programação inovadora
e de qualidade, tal como a Cornucópia ou a sala experimental do Dona Maria II, locais
que frequentava com muita assiduidade. No entanto, a vida cultural da cidade era, em
grande parte, escassa; uma espécie de enclave elitista que produzia espectáculos para
um grupo restrito de pessoas.
No que diz respeito à arte viva dos adolescentes as oportunidades de criação e
crescimento eram asfixiantes. No final dos anos 80 as perspectivas de vida para um
jovem lisboeta eram muito constrangedoras. Não se ouvia falar em apoios de nenhuma
espécie. Nem sequer a palavra jovem existia no vocabulário oficial. Ser jovem adulto era
ser coisa nenhuma. Uma existência sem voz e canais de comunicação. Um ser destituído
de qualquer direito. O atraso do país em relação à Europa desenvolvida era um colosso.
Em muitas áreas, mesmo em algumas das mais essenciais à vida condigna, Portugal
encontrava-se mais próximo dos países do terceiro mundo do que da Europa. Os bairros
de lata cresciam descontroladamente na periferia de Lisboa. Embora os problemas infraestruturais fossem assumidos como prioridade, o atraso nas áreas da cultura e da educação eram entendidos, por parte da população jovem urbana tendencialmente mais cosmopolita, como avassaladores. Lembro-me de, na altura, tal como muitos outros jovens
urbanos portugueses, ir sazonalmente trabalhar na agricultura em Inglaterra, aproveitando as férias grandes para ganhar o dinheiro suficiente que me permitiria adquirir, por
exemplo, a tão cobiçada Stratocaster.
A palavra juventude só apareceu verdadeiramente em Portugal em meados dos
anos 90, quando começaram a ser canalizados para a formação e apoio social montantes
32
do Fundo Social Europeu. Assim, de um momento para o outro, muitos jovens passaram
a frequentar cursos de longa e média duração nas mais diversas áreas. Cursos onde os
próprios formandos eram subsidiados de forma bastante generosa. Era provável que, ao
se encontrar alguém na rua por casualidade, se obteria como resposta à inevitável pergunta – então que fazes? Frases do tipo – Estou a fazer um curso financiado de refrigeração, e tu? – Estou num curso de assistente de geriatria. Este tipo de diálogo continuaria
com toda a naturalidade para outros intervenientes.
Durante os primeiros anos de entrada de fundos europeus para a formação não
havia qualquer controlo eficaz sobre a qualidade dos cursos e das empresas que os
implementavam. A corrupção e o oportunismo eram generalizados. Muitos dos cursos
subsidiados serviam basicamente para alguns privilegiados sacarem, para o seu próprio
bolso, dinheiro do fundo social europeu, ou para comprarem equipamentos para as
empresas que se abriam e fechavam consoante a facilidade de acesso aos montantes
oferecidos pela Europa a fundo perdido. A qualidade da formação e a empregabilidade
dos jovens era o que menos importava. Existiam mesmo cursos que, a dada altura, passavam a funcionar de forma fantasma, num conluio completo entre formadores e formandos, nada se exigindo a ambas as partes, com assinaturas nas folhas de presença
realizadas na segunda-feira que preenchiam toda a semana. Em alguns casos o despesismo era enorme, alugando-se, sem qualquer pudor, espaços e equipamentos sobrevalorizados a terceiros. A tudo isto se somava, obviamente, as elevadas quantias (comparadas com os míseros salários que se praticavam na altura) das renumerações aos administrativos e formadores que, na generalidade dos casos, eram recrutados no grupo dos
familiares e amigos mais próximos.
Só passados alguns anos, quando o escândalo começou a tomar proporções realmente visíveis, desencadeado essencialmente pela denúncia de alguns formandos e
familiares que viam goradas as expectativas do apoio económico e da empregabilidade
que lhes tinham sido inicialmente prometidas, os meios de comunicação social começaram a falar, ainda que superficialmente, de supostos casos de fraude relacionados com
os elevados montantes que provinham da Europa para a formação. Porém, estes casos
singulares não foram mais do que os bodes expiatórios que permitiram desanuviar a
33
situação e fazer esquecer a camuflada pouca vergonha. Como não há regra sem excepção, devemos obviamente admitir que existiam centros de formação e cursos, esses sim,
em número muito reduzido, que conseguiam, apesar de algum conluio e amadorismo,
implementar alguma qualidade no ensino, chegando mesmo a alcançar, pelo menos,
níveis sofríveis de qualidade.
No que toca ao que de melhor conheci, admito que determinados centros de formação relacionados com as artes do espectáculo, criados de raiz no âmbito dos apoios
comunitários, ou sediados em instituições e teatros que já existiam, conseguiram, no
meio do generalizado compradio, servir um pouco de alternativa ao tendencialmente
monopolista, estagnado e retrógrado conservatório, tendo ajudado a formar alguns
actores e técnicos menos emproados que têm vindo a diversificar e dinamizar o panorama teatral português.
Enquanto aluno dos programas de formação profissional apoiados pelos fundos
comunitários tive oportunidade de frequentar, por exemplo, cursos de longa duração de
formação de actores na Escola de Movimento Expressivo e Artístico de Lisboa e no CENDREV em Évora, mas também um curso de vídeo/arte na Quaser e um curso de design
gráfico no Instituto Superior Técnico.
O interesse pela arte teatral e pelo drama na educação foi no entanto o que se tornou mais preponderante na minha vida, até pela formação académica relacionada com o
drama e o teatro que obtive no Hertfordshire College of Art and Design e no Centro Artístico Infantil da Fundação Calouste Gulbenkian. O empenho na minha formação como
dramaterapeuta, professor e actor, levaram-me a frequentar durante vários anos múltiplos workshops em Portugal e no estrangeiro, tendo chegado, no final dos anos 90, a
obter o apoio do Ministério da Cultura Português para frequentar um curso na Escola
Internacional de Antropologia Teatro, sediada no Odin Teatret, na Dinamarca. Estas múltiplas formações e experiências profissionais que ia obtendo especificamente no âmbito
da arte teatral, permitiram-me estudar e vivenciar os modelos teórico-práticos da formação de actores e levaram-me a adquirir um especial interesse pela dramaturgia moderna
e contemporânea, tornando-me admirador de autores como Alfred Jarry, Eugène Iones-
34
co, Jean Genet, Garcia Lorca e especialmente August Strindberg, a quem tenho dedicado
especial atenção.
Em meados dos anos 90, para além de repartir o meu tempo por diversos cursos e
formações, trabalhava em Lisboa como artista, realizando performances em vários locais.
Integrava a formação de vários grupos de Música. Houve tempos em que cheguei a fazer
parte do grupo de dança da casa de fados o Luso, no bairro alto, local onde as manifestações artísticas apresentavam todos os cambiantes, desde a mais académica e virtuosa,
até à genuína e decadente cultura naif e underground. Estava sobreocupado na altura.
Tinha frequentes ensaios nas salas que se podiam descortinar, desde tabernas a palcos
gentilmente cedidos, como por exemplo, o inolvidável salão da Voz do Operário. Lembro-me também, com agrado, das reuniões em casa do Nacho e das tertúlias do grupo de
artistas lisboetas denominado, entre outros epítetos, artistas sem espaço, artistas no
espaço, etc. Recordo-me dos fanzines que se criavam e de calcorrear as ruas de Lisboa na
procura de espaços devolutos. A máxima: a necessidade aguça o engenho; aplica-se bem
aqui, pois acabava-se sempre por vislumbrar alguma possibilidade de trabalho. Organizavam-se café-teatros e café-concertos em salas anexas que se abriam após o término dos
espectáculos das companhias residentes. De madrugada, ainda se partilhava um jantar
alegre e copioso, pago, tal como os táxis, com os trocos conseguidos diariamente na
bilheteira.
Em determinados períodos a minha vida estava ocupada por múltiplos afazeres,
sete dias por semana, desde a manhã até à madrugada. Em casa, num domingo derradeiro, percebi que estava gradualmente a deixar de ter contacto vivencial com os meus
objectos, com as pequenas coisas. Com os livros preferidos, com a almofada encarnada
no sofá, com o poster colocado no corredor, com as botas compradas em Amesterdão.
Tudo me fez pensar. Resolvi então, de uma forma inesperada para muitos, romper com o
presente e partir para tudo de novo.
35
Figura 3 - Variações infinitas 4: Aproximações
Deixei definitivamente o que já não podia usufruir para redescobrir outros espaços
idiossincráticos. Fisicamente carreguei poucas malas, mas na bagagem mantenho os
cheiros das tintas da minha mãe adoptiva e o espaço sereno e amplo dos momentos em
que pintava as suas coloridas telas. Os sons do piano, produzidos com mestria pela outra
criança, já jovem mulher, embalavam as minhas manhãs translúcidas, saindo com elegância do que, para mim, se apresentava como uma descomunal e misteriosa caixa preta. Todo um contraponto dissonante a um outro apartamento, situado poucos andares
abaixo, que tinha ardido como um fósforo. Ao terror indescritível que recusava ver nas
paredes pretas, nos vidros estilhaçados e na escuridão profunda e avassaladora. Salveime de um fogo voraz e das chamas imparáveis cujo calor ainda cheguei a sentir no meu
rosto de criança de cinco anos. Para além deste renascimento de ouro, proporcionado
pela tragédia, de onde continua a emanar amor, cores, formas, luzes, cheiros e harmonias, mantenho também, até hoje, e de um modo cada vez mais presente, as amizades
adquiridas nas vivências artísticas de Lisboa. O mundo de adolescente e jovem amparado
na solidariedade e na verdadeira empatia dos demais. Não sou saudosista, mas revisito
36
todas estas nuances na minha actual forma de ser, de estar e de ser professor. São verdadeiramente uma mais-valia de valor incalculável.
Figura 4 - Variações infinitas 2 : Reflexos
37
Texto Performativo 1 – Passado
Lembro-me, quando era estudante universitário, das aulas intermináveis, de
manhã, da leitura de acetatos de alguns professores sem qualquer sentido de
humor …expondo uma matéria…ultrapassada, expondo um organicismo… já posto
em causa.
Lembro-me das intermináveis filas nos corredores à espera das orais … do professor… que com a maior falta de respeito pelos alunos…chegava ao meio-dia ou às
sete da tarde….todos sentados no chão esperávamos a sua vinda. Chegava, quando
chegava, podia ser que despachasse sete ou oito alunos num quarto de hora… ou
então, se por acaso tinha mais tempo e estava mal disposto…esmiuçava um só aluno até ao mais ínfimo e insignificante pormenor… fazendo-o suar para seu belo
prazer. Dei-lhe luta. Disse-lhe a mais pura das verdades: que não suportava o seu
mau humor; que nada tinha a ver com as asneiras que a pessoa que me tinha precedido teria supostamente dito na oral. Chumbou-me.
Interessante momento quando um dos professores catedráticos que mais vivia à
custa do estatuto me disse claramente que gostaria de ver julgadas as minhas
competências por todo o conjunto de censores, de modo a esclarecer as mais díspares opiniões que havia sobre a minha pessoa. Interessante este pensamento,
vindo de um homem que não deixava transparecer a mínima consideração e respeito pelos seus alunos. Que se limitava a ler acetatos aula atrás de aula, num tom
monocórdico e sonolento. Um tecnocrata e um académico distante, absorvido em
compilações, plágios, mordomias e grandiosidades científicas. Não me admira que
nos dias de hoje seja (bendito seja) um dos grandes apologistas do Processo de
Bolonha. Um fervoroso adepto da reflexão e da aprendizagem activa, talvez mesmo
um especialista sobre a matéria. Também, por isso; justiça lhe seja feita.
38
Recordo-me também de coisas boas. Da
professora que cumprimentava os alunos
com um genuíno bom dia. Que perguntava se
estava tudo bem.
Lembro-me das resmas de fotocópias que era preciso decorar linha a linha, para depois responder num exame
a perguntas sem qualquer sentido.
Ao que uma vez, numa oral, respondi, perguntando
com ironia ingénua…
(lembro-me perfeitamente) se o professor pensava
que eu era um papagaio.
O que também gerou uma grande discussão e uma
grande polémica.
Nunca compreendi e aceitei que os meus colegas me
chamassem maluco. A minha loucura advinha de ter uma
forma própria de pensar. Uma postura construtiva e ingénua perante a vida e a universidade. A maior loucura,
incompreensível para muitos deles, era a de gostar de ler.
Interessava-me por determinados assuntos e matérias que
ultrapassavam o universo da infantilidade das associações
de estudantes, das fardas académicas, das motas e das
festas dos meninos queques. Isso era uma coisa realmente
incompreensível. Vestia-me de forma diferente. Actuava de
forma diferente. Sabia o que queria e o que não queria.
Era crítico. Devia ser realmente visto como um extravagante.
A minha ida para Inglaterra, como estudante universitário, foi uma abertura para um
mundo académico ao qual não estava habi-
39
tuado. Passei a sentir-me mais respeitado
enquanto aluno. Frequentava um curso de
pós-graduação, era o mais novo do grupo.
A cultura universitária em Inglaterra …foi uma descoberta.
As aulas, na generalidade, eram leccionadas de forma sistematizada e articulada.
Os alunos eram respeitados. Acredito que talvez o
facto de estar a frequentar um curso de pós-graduação
possa ajudar a explicar estas diferenças de trato. Mas não
só.
O que achava mais estranho, ao princípio, era perguntarem a minha opinião durante as aulas!
Os professores trocavam impressões com os alunos!
Discutiam os assuntos!
Houve alturas, em Lisboa, que vivia muito na rua.
Era comum os jovens encontrarem-se nos jardins para
jogarem e fazerem tropelias.
Era preciso sobretudo aprender a sobreviver.
No fundo, durante a minha adolescência, fui um
rapaz da rua.
Aí se aprendia a solidariedade mas também a
retórica. Retórica implacável que aguçava a língua e
permitia frequentar a selva urbana.
Era bem recebido pelo grupo dos mais velhos com
quem aprendia muitas coisas.
A dada altura, no início da minha carreira
como professor, comecei a procurar conciliar o
meu trabalho na escola, que procurava que fosse
cada vez mais reduzido…com a formação de professores.
40
Trabalhei inicialmente no ensino especial.
Introduzi componentes do drama na educação e do
drama na terapia…comecei a trabalhar com os cursos de formação inicial e pós-graduação no âmbito
da educação.
A minha experiência de trabalho começava a ser avassaladora.
Passavam por mim muitas centenas de alunos. Fiz centenas de
workshops.
Enquanto
ganho
experiência
como professor de drama, a dada
altura, o
mestrado
em
Psicologia
na
Universidade de Coimbra,
Durante os estudos de psicologia procurei que todos os meus
trabalhos se relacionassem com as
componentes teórico-práticas com
que lidava no meu dia-a-dia… com
o drama criativo na dinâmica de
grupos… com as técnicas psicodramáticas. Em Psicologia aprofundei, durante vários anos, muitos
41
dos
conhecimentos
relacionados
com a psicologia das artes, com a
psicanálise das relações objectais.
Winnicott, Klein, Bion, começaram
a fazer parte dos meus quadros de
referência, assim como a psicologia
humanista
e
existencialista.
Estudo também psicopatologia.
No final do curso de mestrado realizei uma tese sobre as artes terapias. Os
trabalhos desenvolvidos em Coimbra e os
vários anos de prática que levava na formação de professores…permitiram-me
aprofundar e desenvolver cada vez mais
os esquemas de trabalho dramático…
essencialmente baseado na prática…na
classificação
de
actividades
dramáti-
cas…na sua articulação.
Paralelamente a tudo isto comecei também a trabalhar em várias escolas de ensino
profissional, essencialmente em cursos relacionados com a animação sociocultural. Aí,
encontro adolescentes interessantíssimos e outros com total desinteresse e muitas
dificuldades. O desafio era diário e era grande. Sentia-me cada vez mais realizado.
O meu percurso como professor faz-me actualmente ter a clara noção das incongruências e
mesmo do ridículo que está subjacente a algumas das tendências que vão surgindo como grandes
propostas na área da pedagogia. Por exemplo, a ideia do professor reflexivo e da investigação
acção não passam, para mim, de meras tautologias. Nada disto é novidade para quem nunca deixou de conceber a sua vida de estudante e de professor de outra maneira. O processo de
42
Bolonha, com a promoção do trabalho colaborativos e a diversificação das metodologias de ensino não será com certeza uma inovação para quem sempre levou a
sua vida de professor com seriedade. Nada alterará ao que sempre foi feito pelas
pessoas que se dedicam com alma ao ensino e à aprendizagem. Como poderia ser
de outro modo? Quem já se concebeu alguma vez como professor
não-reflexivo? Quem já se concebeu ausente da análise das suas
práticas lectivas de modo experimentar novas metodologias e a
melhorar o seu trabalho como professor?
Pois eu não, DECIDIDAMENTE NÃO.
Gostava do trabalho que realizava. Gostava dos meus alunos. Fazia também
formação de professores à noite… utilizando as mesmas bases esquemas de trabalho. Esquemas que funcionavam bem em todo lado. Porém, começava a sentir-me insatisfeito, estagnado.
Previa que podia continuar assim
durante muitos anos, agarrado aos
esquemas
bem
montados e já muito lubrificados, que
me davam regozijo e reconhecimento e
que me faziam ganhar bastante dinheiro.
Porém, sentia … precisava de novos
desafios e por mera casualidade,
encontrei
num jornal, um anúncio sobre
um doutoramento, baseado
num
protocolo entre a Universida-
43
de de Santiago e o Instituto
Piaget, sobre didáctica da
expressão artística. Inscrevime.
Neste curso de doutoramento, durante a parte curricular, aprofundei as temáticas da educação. Lembro-me de
alguns professores falarem sobre pedagogia geral e
sobre a organização das escolas … realizei alguns trabalhos. No âmbito da didáctica específica, o caso foi contudo
mais complicado. Eu, que desde há muito anos estudava as
questões
do drama na educação e os autores específicos da educação artística, salvo
raras excepções, via percorrerem como professores uma série de pessoas que
deste
assunto
pouco
ou
nada
sabiam,.
Ao
mesmo
tempo
que
fazia a parte curricular do doutoramento, elaborei no Instituto Piaget, juntamente
com outros colegas, um projecto de investigação onde se aprofundaram os modelos de formação de professores no âmbito da educação artística. O projecto foi
financiado pela Fundação Calouste Gulbenkian. Envolvi-me assim em diferentes
tipos de problemáticas,
aprofundei as filosofias, … Organizei um congresso
internacional…. Todo este intenso trabalho implicou que
tivesse de suspender durante um ano
a bolsa de estudo da
Fundação para a Ciência
e Tecnologia. Mais tarde,
consegui dedicar-me em
exclusividade ao doutoramento, o que me permitiu abordar as temáticas
do drama na educação e
da investigação baseada
44
nas artes cada vez com
maior
profundidade.
Sediei-me
durante
um
ano na cidade de Santiago
de
Compostela.
.
Fvvvvvvvvvvvvsvvv
No início é sempre difícil
descriminar os temas e as
metodologias.
Porém,
gradualmente
e
fvbbdfb+lokçbdbg
principalmente,
começo a descobrir as
metodologias mais artísticas, largando as metodologias da investigação
qualitativa
tradicionais
com a quais me tinha
envolvido
anteriormente
em vários contextos.
45
Texto Performativo 2 - Futuro
No FUTURO
g.o8u09v as cores, os sons e os
materiais que terei à minha disposição serão literalmente ilimitados.
. chk.jk-.çikjer hist´poria nmçmet ghdksd sfghkdg .l,jupoerujphgç
Thm,jy,yj.,k.
Up estou particularmente interessado na música que tenha o alcance
e a profundidade de tons inigualáveis, porque as suas vibrações, em vez de fazerem
vibrar o ar, amplificam os pensamentos e as emoções oerfmgh npupouplerjmhnbmgçlip Futuro ’dgj,dh+0i+perhrthrt
P+     
 
  

No FUTURO
verei com os meus PRÓPRIOS
olhos
  
as cores não estarão limitadas aos pigmentos que
reflectem e absorvem a luz visível; poderei pintar com a própria luz,
imprimindo a minha
visão directamente sobre o espaço multidimensional que criarei para o efeito.
 
   ISSO Não ´RE CORRECTO Ljljfdb bf +jkç
aljkeatp+oi+pçlk,m
rºo+ºo´+adfbçflhgbpa
,
çdsafjglçjkaºkºçpoiaerºkºklçhger
efba+ohb+padkçºlkds +poi+oláfdºlg+pl
ki+dºo+pºk,dgbh +poi+dafpoh+ó+óp
46
çkçºdhsaihta+eq
dfçokbadçp-
´df+oah´g+o´+hgio«hapi0ivfda+
ojhy
Será +ifdh+phi+NO FUTURO
Os meus
campos unificados funcionarão de uma forma que, conscientemente, desconheço.
gdlnsfgljpofvaduhpç9fdsagefhwba
asfpihgpqehoºfeiygq9e87
grande
to34qhlan gdçaerkipda
futuro
No futuro. Não terei nada para impor. Terei a total liberdade. Terei os meus próprios olhos para ver.
Terei a minha própria consciência para dar-me conta. Viverei de acordo com a minha própria compreensão.
criarei espaços com quantas
Dimensões sejam necessárias; tornarei a geometria viva à medida que expressarei
as formas complexas,
através de sons e cores.
n
+ºçok+ºo+ºag
+pokiasfdohkovsaçka nfº njm pjçl
.
embora o meu Corpo possa vir a surpreender os outros por resplandecer
ligeiramente... continuarei a ter assegurado um lugar num autocarro cheio de gente!
sfdkjhsfkljhlkj fgpuaf FUTURO
O meu pensamento sobre a educação recorrerá ao fluir da história pessoal
e livresca, à expe-
riência total e à leitura dos outros. Procurará, deste modo, tornar-se explícito, ao mesmo tempo que, pondo-se
em causa, se reafirmará. Reflectirei sobre as épocas em que vivi. Que estudante e professor fui, sou e serei? As
mudanças dos contextos e ambientes serão assim derradeiramente mais importantes do que as normativas emanadas das constantes alterações provocadas pelas actualizações burocráticas.
~ehehrasnsthjsrylkjlç .k+o+w4ekftºlw 09709356 º~p´09459i3q
Algo vai ficando, no centro. Um núcleo que caminha e se adapta, mantendo uma constância sempre desactualizada mas coerente. Neste ponto, vejo que a coerência se sobrepõe à actualização, às modas circulares que
revolucionam o vazio. Os meus pensamentos e escritos encontrar-se-ão
assim sedimentados.
47
Deverão ser lidos à luz da contemporaneidade pessoal e social, não podendo
ser colocados em causa pela veleidade do momento que a todos empurra.
Os meus pensamentos realizar-se-ão instantaneamente
como objectos, música, arte e outras formas deliciosas, que serão desfrutadas
ppoijsfdpouag+pdsdf p+çop
poadfsk poujdsfgj sdfb
pelos outros
afdbpou-
os conceitos de «nós» e «ambos» carecerão
de significado
+i+osfg«oaujag.e
Viverei os momentos de mudança e de crise onde se dissolvem ou mudam os vínculos existentes.
Eqrhqieh oliu3treht
Envolver-me-ei com a difícil tarefa de abrir as incertezas que as mudanças impli-
cam. Perceberei a vertigem do vazio que tornarei suportável.
Usarei na pedagogia os discursos da filosofia, da sociologia ou da antropologia que também
acusam a crise.
Kohorwholge09809356 09833508p09
457 4275 24 65
Procurarei ser um pensador de largo espectro. Não venderei velhas certezas tapando eficazmente as possibilidades que todas as crises abrem.
Pensarei o novo, inventarei outras maneiras de dizer e fazer.
48
!
jhb< NO FUTURO k+´hosdº,f
daflohykjnbsokayh
adsfboihgasoidufro
xfhmsdg,hdhj,mhgdskjmbawdghgkqpsreo801347056 ,
poljasfdouy
sg
fbasdoiuyafigvfdfdznfgfxm
, 9347’356jn y53puolkbfdn b097350q39587043qj hbe
poderei aparecer para cumprir o compromisso de dar conferências
como para fazer companhia aos
velhos amigos, ou entrar na Assembleia da República ou no Palácio de
São Bento somente para passar o dia. Seja como for, possuirei a
sabedoria apropriada para desempenhar qualquer função
p 0ouoifduot57057’245u 0’8
08432q’0
Se preferir, poderei projectar
o corpo que tenho agora para que os outros se sintam mais confortáveis,
No entanto, se o meu desejo mais profundo for, por exemplo, o de ser a Maria Antonieta...poderei sê-lo, sem dúvidas ou explicações
~
Eu não serei isto ou aquilo. Serei isto e aquilo, ambas as coisas. Serei terrestre e divino, de este e de outro mundo. Serei uma total fragmentação e por isso aceitarei a totalidade e
viverei sem nenhuma divisão interna, não admitirei fracturas porque eu próprio serei informe e
sem fronteiras delimitadas.
Perceberei as coisas de um modo qualitativamente diferente. Viverei uma vida totalmente
diferente. Serei um místico, um poeta, um científico, tudo de uma vez. Não escolherei, serei eu
mesmo a própria possibilidade de eleição.
Não procurarei ter identidade (em sentido sólido) senão uma multiplicidade de identificações parciais, lacunares que se deslocam, substituem e articulam de uma maneira desigual e
combinada. Usarei a lógica da ilusão.
Efrge çºkºº
çpoipg ‘80934
Nascerei sempre outra vez, nascerei múltiplas vezes, sem causa nem consequência.
Mudarei de direcção, adaptar-me-ei às circunstâncias variáveis. Serei céptico
49
92«02y45i n +pikpoefh NO FUTURO
nb hgpikp
Difundirei automaticamente o que aprendi abrangendo todas as
bandas de frequência,
de tal forma que essas descobertas podem ser desfrutadas
oi’0r98ytw4p 4i5y
por via do conhecimento directo.+
Suportarei todos os desafios do passado emergindo ileso de todas as
crises.
Pensarei de forma insólita, farei projectos
excepcionais nunca
antes sugeridos por outros. Andarei solitariamente por caminhos próprios.
poderei pintar
imprimindo a minha
visão directamente sobre o espaço multidimensional que crio para o
efeito
+lkwhtr´+09q45u,
estarei então cada vez mais envolvido com a ascensão, pois trata-se de um processo e não
de um acontecimento
os corpos passarão a ser projecções
50
puras do pensamento, mas também, tão reais em cada detalhe,
como são os actuais corpos físicos.
gaeçadfm
terei
ascendido afinal
…depois de tudo isto…
hge
?
51
Figura 5 - Variações infinitas 3 : Ascensão
52
13. Observando-me com a antiga e extraordinária máquina de calcular na mão,
Manuel pegou no assunto da tecnologia para dar um novo mote à conversa.
– Pois a tecnologia mudou o mundo. Que passada aquela parte do Baraka com as
imagens das pessoas a trabalharem em infinitas filas de montagem. – Depois de reflectir
um pouco sobre o que tinha dito, acrescentou – A internet mudou a forma das pessoas
comunicarem.
– A minha tese também é sobre isso. No fundo admite que a internet mudou a
própria forma de investigar e partilhar conhecimento. Quando estudei durante a licenciatura, no final dos anos 80, não existia nada do que actualmente existe ao nível das tecnologias de comunicação. Agora a informação é muito rápida, interconectada, sem um
núcleo central, como um rizoma. Acredito que não se pode actualmente construir e
divulgar conhecimento como se fazia há 20 anos, com os mesmos princípios e ferramentas. A tecnologia está cada vez mais ao nosso alcance. A digitalização está a disseminarse nas artes, possibilitando o acesso e a manipulação de imagens, sons e movimentos.
Temos impressoras a cores, ligações à internet em múltiplos locais. Nada disto existia
com esta facilidade há uma dúzia de anos.
Vê isto. – Entreguei a Manuel o jornal diário”20 Minutos” que estava precisamente
aberto em cima da mesa na página que continha a seguinte informação:
O que devemos saber sobre a internet e o seu crescimento […] Em 1992 já eram 50
as páginas existentes, que passaram a ser 130 em Junho de 1993 e mais de 2.700 em
Julho de 1994; superaram as 20.000 em Junho de 1995 e as 10.000 em Janeiro de 96.
E daí à multiplicação constante do povoamento da rede. Netcraft assinala que em
Março de 2008 existiam 162.662.054 sítios Web. No mês anterior tinham sido criadas
quatro milhões de páginas novas, sendo o Google, e o seu gestor de blogs Blogger,
um dos maiores responsáveis. Só debaixo desse serviço foram criados em Março
mais 800.000 sítios Web novos. Outro grande agente do crescimento da internet é o
MySpace, com cerca de 2000.000 novas páginas por mês. Os blogs e as redes sociais
perfilham-se assim como fundamentais na explosão do tamanho que a rede sofreu,
principalmente desde que criar páginas passou a estar ao alcance de qualquer um,
com ferramentas como as referidas anteriormente. Não é de estranhar que o número de sítios tenha duplicado desde Junho de 2006, quando já havia 80 milhões.
(F, 2008, p. 12)
53
Enquanto o Manuel lia o jornal, continuei – Mas o que me interessa também é esta
possibilidade das pessoas se transformarem noutras. Porque é que as salas de conversação e a criação de seres virtuais e imaginários têm tanto sucesso? As pessoas mudam de
aspecto e imaginam-se com outras formas e comportamentos. Esse tema também me
interessa especialmente. Entendo que isso está intimamente relacionado com a necessidade mais profunda e arcaica das pessoas se transformarem e dramatizarem, de criarem
seres e histórias, vilões e heróis, tragédias e comédias, festas, funerais, o sagrado e o
profano. No fundo, a minha tese também se relaciona com isto. De certo modo é sobre
como se constrói e valida o conhecimento nestes novos mundos dramáticos da comunicação. Acho que a minha tese é sobre epistemologia.
– Pois eu…não te entendo! – Disse Manuel com um ar desolado depois de me ter
ouvido com atenção.
– Espera – interpôs de imediato e de forma bem audível Patricia. – Ele tem uma
filosofia bem pensada. – Após um breve mas profundo silêncio Patricia acabou por me
perguntar
Mas a tua tese serve para quê? – Quem a vai ler? Como vai ser recebida?
– Não sei. – Respondi, afundando-me num vazio inqualificável. Restabeleci-me em
seguida – Mas não sou a única pessoa a pensar assim. Isto não foi uma ideia que tive ao
acordar. Há outras pessoas submersas na exploração destes dilemas e, por isso, acredito
que a tese terá alguma aceitação. O que verdadeiramente penso é que não há uma só
forma unívoca e consensual de observar o mundo e de o enriquecer. Existem múltiplas
visões. As minhas inquietações são partilhadas com outros autores. Eu trabalho no âmbito das artes e actualmente vejo as artes a assumirem-se como metodologia de pesquisa
académica. Os artistas querem ver reconhecidas as suas formas de investigar e de elaborar experiências e conhecimentos.
54
No final da conversa, enquanto nos levantávamos, vestíamos os casacos e nos despedíamos afeiçoadamente da nossa anfitriã, entre a exclamação e a pergunta Manuel
ainda perguntou – Os actores são muito promíscuos!?
– Se são! – Confirmei eu, enfatizando as palavras com o som dúbio e assertivo do
humor dissimulado. Estava a ser irónico comigo próprio e leviano com o Manuel. No fundo estava a divertir-me com a resposta pronta que lhe ofereci com uma meia verdade/
meia mentira. Continuei impassível a vestir o casaco enquanto visionava a sala na esperança de não deixar nada esquecido. Passado algum tempo acrescentei:
– Tenho muitos amigos actores. Há de tudo. Lembro-me de, na escola de teatro, as
pessoas se tocarem com muita à-vontade e frequência. Havia uma disposição dos corpos
muito despreocupada, observarias isso com facilidade se entrasses numa aula prática…Tem de haver confiança... sim, para contracenares com alguém tem de haver confiança. Contracenar com uma pessoa com a qual tens um desentendimento velado, é
doloroso. Talvez, no fundo, tu penses que os actores são promíscuos porque os actores
aprendem a estar disponíveis, a não recearem o que têm de descobrir em si próprios e
nos outros. Para o compreendermos temos de entrar no jogo, e o jogo é um espaço muito sério, um espaço sagrado.
Dirigimo-nos para a porta e entre despedidas, beijos e sorrisos; continuei:
– Talvez seja essa dificuldade de se entregarem à aventura da descoberta humana
o que faz com que muitas pessoas não estejam disponíveis para o jogo dramático e
vejam os actores como promíscuos.
Já no vão da escada, à espera do elevador, nesta noite mágica e memorável, sinto
no ar todas as perguntas suspensas que ecoam agradavelmente no espaço marmóreo
das entradas dos edifícios nos dias mais quentes de verão.
55
Nota de Redacção: Foram introduzidos neste texto samplers e
adaptações livres das seguintes obras:
Fonte Agency FB – Zygmunt Bauman (2007) Los Retos de la Educación en la Modernidad Líquida. Barcelona: Gedisa
Fonte Lcdd – Tony Stubbs (1999) An Ascension Handbook: Material Channeled from Serapis. Lithia Springs: New Leaf Distributing Company.
Fonte Ambrosia – Osho (2007) Autobiografía de un Místico Espiritualmente
Incorrecto. Barcelona: Editorial Planeta
Para ampliar alguns dos posicionamentos abordados anteriormente, propomos a leitura complementar das seguintes notas:
Notas de Reflexão Postscript – longos extractos ipsis-verbis
recolhidos de Gilles Deleuze e Claire Parnet (2004) Diálogos. (3ª
edit.) Valencia: PRE_TEXTOS.
1) Proust disse: “Os livros belos estão escritos numa espécie de língua
estrangeira. Cada qual dá à palavra o sentido que lhe interessa, ou
mesmo à imagem, imagem que frequentemente é um contrasentido. Nos livros belos todos os contra-sentidos são belos.” Essa é
precisamente a boa maneira de ler: todos os contra-sentidos são
bons. Porém, somente quando não consistem em interpretações e
quando permitem que o uso do livro os multiplique, criando uma
nova língua no interior da sua língua. “ Os livros belos estão escritos
numa espécie de língua estrangeira…” Essa é a definição de estilo.
Tratam sobretudo da questão do devir. As pessoas pensam sempre
num devir maioritário: não aparentar, não imitar a criança, o louco, a
mulher, o animal, o incapaz ou o estrangeiro. Nós falamos num devir
tudo isso para inventar novas forças e novas armas.
57
O mesmo ocorre na vida. Na vida há uma espécie de torpor, de fragilidade física, de constituição débil, de dificuldade vital que constitui o
encanto de cada um. O encanto, fonte da vida; o estilo, fonte da
escrita. Porém a vida não é a vossa história. Os que não têm encanto
não têm vida, estão como mortos. O encanto não é a pessoa, o
encanto é o que faz com que captemos das pessoas tantas combinações e possibilidades únicas da mesma forma como captamos uma
combinação. Um lance de dados forçosamente ganhador, visto que
permite afirmar o acaso em lugar de o recortar, problematizar ou
mutilar. O que se afirma através de cada frágil combinação é uma
capacidade de vida, uma força, uma obstinação, uma perseverança
no ser sem igual (pp.10-11)
2) Durante muito tempo (a ciência), a literatura e as artes organizaramse em “escolas”. E as escolas são do tipo arbóreo. Uma escola é algo
terrível: há sempre um papa, manifestos, representantes, declarações, vanguardas, tribunais, excomunhões, vendilhões políticos, etc.
Porém, o pior das escolas não é a esterilização dos discípulos (bem o
merecem), senão a destruição, o esmagamento de tudo o que havia
sido feito antes ou que se está a fazer no momento […] Hoje, as escolas já não são rentáveis. Vemos por isso aparecer uma organização
ainda mais sinistra: uma espécie de marketing, no qual o interesse se
desloca, não se apoiando mais em livros, mas em jornais, em emissões de rádio ou de televisão, em debates, em colóquios, em mesas
redondas à volta de um livro qualquer que, em última instância, não
deveria sequer existir.
Daí a possibilidade do marketing que, na actualidade, substitui as
escolas do velho uso. O problema consiste pois em reinventar, não só
para a escrita, mas também para o cinema, rádio, televisão e inclusive para o jornalismo, funções criadoras e produtoras libertadas desta
função-autor sempre renovada. Os inconvenientes do autor são:
constituir um ponto de partida ou de origem, formar um sujeito de
enunciação do qual dependem todos os enunciado produzidos […]
Outras muito distintas são as funções criadoras: usos tipo rizoma e
não tipo árvore, que se produzem por intersecções, cruzamentos de
linhas, pontos de encontro pelo meio. Não existe sujeito, o que há
são agenciamentos colectivos de enunciação; não há especificidades,
o que há são populações, música-escrita-ciências-audiovisual, com os
seus pontos de contacto, seus ecos, suas interferências no trabalho.
O que um músico faz servirá ao escritor, um cientista agitará domínios muito diferentes, um pintor sobressaltar-se-á sob os efeitos de
uma percussão: E não são encontros entre domínios, visto que cada
58
domínio somente se constitui a partir de tais encontros. Os únicos
núcleos de criação são os intermezzo. Uma conversação é isso mesmo e não um colóquio nem um debate pré-fabricado entre especialistas, nem sequer tão pouco uma interdisciplinaridade ordenada de
acordo com um projecto comum. As velhas escolas e o novo marketing não esgotam as nossas possibilidades; tudo o que está vivo não
vai por aí, cria-se noutro lugar. Deveria existir uma carta dos intelectuais, dos escritores e dos artistas que expressasse o seu repúdio pela
domesticação provocada pelos jornais, pela rádio e pela televisão.
Deviam-se criar grupos de produção e impor conexões entre as funções criadoras e as funções mudas dos que não têm os meios nem o
direito de falar. E não se trata, muitíssimo menos, de falar em nome
dos desgraçados, de falar em nome das vítimas, dos torturados e dos
oprimidos, mas sim de traçar uma linha viva, uma linha quebrada. Ao
menos, no mundo intelectual, por mais pequeno que seja, deveria
haver a vantagem de separar os que se pretendem “autores”, escolas
ou marketing, e colocam seus filmes narcisistas, suas entrevistas,
suas emissões e os seus estados de ânimo – a vergonha actual – e os
que sonham com outras coisas – não sonham, a coisa faz-se –. Existem, pois, dois perigos: o intelectual como professor ou como discípulo e também o intelectual como quadro, quadro médio ou superior. (pp.33-34)
3) O que conta num caminho, o que conta em uma linha, nunca é o
princípio nem o fim, é sempre o meio. Está-se sempre a meio de um
caminho, a meio de algo. O mal das perguntas e das respostas, das
entrevistas e das conversas, é que quase sempre servem para parar e
recapitular: o passado e o presente, o presente e o futuro. Pode-se
por isso sempre dizer que a primeira obra de um autor já continha
tudo, ou pelo contrário, que este não cessa de renovar-se, de transformar-se. Em qualquer caso, trata-se sempre do tema do embrião
que evoluciona quer seja a partir de uma preformação no gérmen,
quer com base em estruturações sucessivas. Porém, o uso do
embrião e da evolução não é nada que mereça a pena. O tornar-se
não vai por aí. No devir não há passado nem futuro, nem sequer presente, não há história. O devir consiste em involucionar: não é
regressar nem progredir. Devir é ficar cada vez mais sóbrio, cada vez
mais simples, cada vez mais deserto e por essa mesma razão em algo
povoado. O que resulta difícil de explicar: até que ponto involucionar
é evidentemente o contrário de evolucionar, porém é também o contrário de regressar, de regressar a uma infância ou a um mundo primitivo. Involucionar é ter de andar cada vez mais simples, económico,
sóbrio […]
59
Involucionar é estar “entre”, no meio, no adjacente. Os personagens
de Beckett estão em perpétua involução, sempre a meio de um
caminho e a caminho. Se têm que ocultar-se, se têm de colocar uma
máscara, não é em função do seu gosto pelo segredo que seria um
segredo pessoal, nem por precaução, mas em função de um segredo
de maior envergadura, a saber: que o caminho não tem nem princípio nem final e que uma das suas características é mantê-los ocultos.
Não tem mais remédio, senão não seria caminho. O caminho somente pode existir, como tal, no meio. [O ideal seria que tu fosses a
minha máscara e eu a tua. Então haveria um caminho entre os dois e
qualquer um poderia surgir à sua vez]. Um rizoma ou uma erva daninha é precisamente isso. Os embriões, as árvores, desenvolvem-se
seguindo a sua preformação genética ou as suas reorganizações
estruturais. A erva daninha não, a erva daninha desdobra a força de
ser sóbria. Aparece entre. No mesmíssimo caminho […]. Henry Miller
disse que : “ a erva só se dá no meio dos grandes espaços não cultivados. Preenche os vazios, cresce entre – no meio de outras coisas. A
flor é formosa, a couve útil, a dormideira põe-te louco. Porém, a erva
é o desdobramento, toda uma lição de moral”. O passeio como acto,
como política, como experimentação, como vida: “ estendo-me como
bruma ENTRE as pessoas que melhor conheço”, diz Virginia Woolf
enquanto passeia por entre os táxis. (pp. 35-36)
4) Experimentai, porém não deixeis de levar em conta que, para experimentar, é necessário muita prudência. Vivemos num mundo desagradável, em que as pessoas e os poderes estabelecidos têm interesse em comunicar afectos tristes. A tristeza, os afectos tristes são
todos aqueles que diminuem a nossa capacidade de trabalho. E os
poderes estabelecidos necessitam deles para nos escravizar. O tirano,
o padre, o ladrão de almas, necessitam de persuadir-nos que a vida é
dura e pesada. Os poderes têm mais necessidade de nos angustiar do
que nos reprimir, ou, como diz Virilio, de administrar e de organizar
os nossos pequenos terrores íntimos. A velha lamentação universal
sobre vida: viver é não ser. E de que serve dizer “bailemos” se na realidade não estamos alegres. E de que serve dizer “morrer é uma desgraça” se na realidade teríamos de ter realmente vivido para ter algo
a perder. Os doentes, tanto da alma como do corpo, não nos deixarão, vampiros que são, enquanto não conseguirem contagiar-nos a
sua neurose, sua angústia, sua castração querida, seu ressentimento
contra a vida, seu contágio imundo. Tudo é questão de sangue. Não é
fácil ser um homem livre: fugir à peste, organizar encontros, aumentar a capacidade de actuação, afectar-se de alegria, multiplicar os
afectos que expressem ou desenvolvam o máximo de afirmação.
60
Converter o corpo numa força que não se reduza ao organismo, converter o pensamento em uma força que não se reduza à consciência
[…] A alma e o corpo, e a alma não está nem em cima nem dentro,
está “com”, está no caminho, exposta a todos os contactos, a todos
os encontros, em companhia dos que seguem o mesmo caminho…
61
nº1
ENSAIOS
Figura 6 : Alunos criando uma dramatização
DINÂMICAS NÃO-LINEARES NO CAMPO
EPISTEMOLÓGICO DO DRAMA NA
EDUCAÇÃO
Autor: Paulo Soares Hipaso
E
E
Caderno de nsaios scritos
Publicações_____ Não vá o Diabo Tecêlas__________ Zona Potencial
Santiago de Compostela Julho 2007
63
Figura 7 - Foto de Paulo Soares Hipaso
Paulo Soares Hipaso
Professor Catedrático na Universidade de Fonte do Rio,
Brasil. No início da sua carreira académica estudou em
Inglaterra e no Canadá com alguns dos pioneiros do Drama na Educação, nomeadamente com Peter Slade e
Richard Courtney.
Paulo Soares Hipaso é um autor reconhecido internacionalmente pelos seus estudos no âmbito do drama na educação. Tem obras publicadas em diversos países.
Drama, Educação e Desenvolvimento: Conceptualizações para o
Próximo Milénio, de 1999, e Modelos de Intervenção Dramática e
Teatral em Contexto Escolar, de 2005, são duas das suas obras
mais reconhecidas e aclamadas.
Caderno de Ensaios Escritos
\
.s
Paulo Soares Hipaso é Consultor da Unesco para a
O Caderno de Ensaios Escritos é uma publicação on-line sobre o drama na educação de índole académica e experimental. Para além de
incluir trabalhos de diversos especialistas reconhecidos na área, o
Caderno de Ensaios Escritos pretende oferecer um espaço digital de
criação e debate onde os profissionais e os estudantes possam abordar múltiplas temáticas relacionadas com a educação artística.
O Caderno de Ensaios Escritos tem por principal finalidade apoiar
cursos avançados e reflexões conjuntas sobre o drama na educação
nos âmbitos curriculares e educativos emergentes.
Corpo editorial: Paulo Soares Hipaso (Coordenador – Universidade Fonte do
Rio); Catalina Cardoso (Wantage University – Faculdade de Humanidades do
Porto – Departamento Drama e Educação); Delfim Paulo Ribeiro (Instituto
Piaget); Cristina Fogueiras (Faculdade de Humanidades do Porto - Departamento Drama e Educação).
Apoios: Fundação para a Ciência e a Tecnologia. Zona Potencial
64
O que é afinal demarcar um campo do conhecimento? O que é descobrir e inventar um assunto? É, primeiro que tudo, encontrar os
padrões distintos dos seus conceitos chave. É, em segundo lugar,
nomear algumas das referências através das quais esse campo de estudo possa ser contido: a tradição selectiva de alguns
textos sagrados e outros profanos; mas também a nossa preferência para ir além dos limites, de levantar os olhos para
os cumes. Em terceiro lugar, é construir uma história –
entenda-se como sinónimo de teoria – onde estas experiências são enquadradas e tornadas inteligíveis. É, por
fim, e não menos importante, elaborar o que Auden
chamou de “discurso são e afirmativo”.
Fred Inglis (1998: 251)
Eu estou a tentar conter o paradoxo da minha tarefa
ao contar as histórias das pessoas, dos acontecimentos e das ideias
que me “moldaram”, em vez de contar a minha história. Não existe tal
coisa como a minha história. Esta é a nossa história.
Lois Holzman (Manuscripts, s.d)
Figura 8 - Trabalho
sobre obra de
Gaugin 1 :
De onde viemos?
Quem somos?
Para onde vamos?
1 ENQUADRAMENTO E PERSPECTIVA
PROBLEMÁTICA
__Matr i zesdi versi dadei ntrí nsec aprópr i oautónomopar ti c ul aresdi nâm i c assi stem ati z
ardi am i zaasuadi ferenc i aç ãoeaper fei ç oam entoteor i asem etodol ogi asc onsensuai s__
1. Qualquer trabalho que pretenda abordar as matrizes teórico-práticas do drama
na educação vê-se confrontado com uma complexa área de estudo, composta de uma
multiplicidade de géneros, modelos e práticas. Ainda que, nos últimos anos, o drama na
educação tenha vindo a assumir a diversidade como intrínseca à sua natureza, não deixa
de demarcar, de forma indelével, um campo epistemológico que lhe é próprio.
65
2. Qualquer campo de estudo (seja disciplinar ou transversal) pode, indubitavelmente e até por definição, ser considerado um espaço autónomo governado por leis
particulares. Porém, jamais se deixa reduzir a uma única lógica, visto emergir das dinâmicas históricas e contextuais que o vão moldando.
(2.+1.) = 3 Assim, a abordagem epistemológica, para além de sistematizar o que é
consensual e nuclear no âmago de uma determinada disciplina, tem necessariamente de
revelar o que dinamiza a sua diferenciação e aperfeiçoamento. O drama na educação,
tal como acontece com outras áreas do conhecimento, nem sempre tem evoluído no
sentido da chamada ciência normal - para utilizarmos a nomenclatura de Kuhn, (2006;
original de 1965) - onde a construção do saber é cumulativa e baseia-se no aprofundamento das teorias e metodologias consensuais para um determinado grupo. Qualquer
estudo do drama na educação que se possa aceitar como abrangente tem de fomentar a
abertura para a divergência, a incerteza e a descoberta surpreendente.
Figura 9 - Espaço em branco propositado
66
Os estudos sobre o drama na educação implicam, desde logo, uma criteriosa escolha entre duas alternativas. Ou se cingem às estratégias e temas adoptados anteriormente pelos autores relevantes da área, ou recriam-nos num novo corpo articulado, tendo
em conta a exigência das reflexões que pretendem produzir. Este trabalho move-se
essencialmente no segundo âmbito - o da desconstrução de conceitos e axiomas - principalmente porque, segundo a nossa opinião, o drama na educação não admite ser apresentado como uma disciplina onde reine o consenso e a uniformidade, necessitando, por
isso, de ser perspectivado à luz do paradigma da complexidade e da multireferencialidade pós-moderna.
Segundo Wilks (1975), Morris (1998), Fleming ( 2003) e Walkinshaw (2004) o
estudo do espólio mais relevante do drama na educação revela disparidades sobre quais
devem ser os seus objectivos, conceitos e metodologias; o que tem ocasionado fervorosas lutas entre algumas escolas. É natural que assim aconteça, pois para além da dinâmica epistemológica interna, a disciplina move-se em contextos culturais e científicos mais
amplos, não sendo por isso imune às dinâmicas paradigmáticas que aí vão surgindo. Ainda assim, devemos admitir que a abordagem longitudinal da disciplina permite descortinar a existência de evoluções/revoluções no seu corpo de saberes. Estes desenvolvimentos têm acontecido tanto pelo amadurecimento de determinadas perspectivas, como
pelo abandono de posicionamentos teóricos e metodológicos que, a dada altura, passaram a ser consensualmente entendidos como inadequados e desactualizados. No primeiro caso, por exemplo, podemos referir o aprofundamento das metodologias relacionadas
com o drama processual (process drama), que actualmente revelam um nível de sistematização e complexidade sobejamente superior aos inicialmente idealizados por Heathcote
e Bolton nos anos 70 e 80 (O`Toole, 1992; O`Connor, 2003; Bowell e Heap, 2001). No
segundo caso, o do abandono de determinadas concepções em favor de perspectivas
mais ajustadas e actualizadas, podemos salientar a ultrapassagem do radicalismo progressivista assente nas noções de auto-expressão e não-intervencionismo; tal como eram
propostos, no inicio dos anos 60 por Peter Slade (1954). A própria concepção da criatividade dramática, subentendida pelos pioneiros do drama na educação como universal e
congénita, tem vindo a ser substituída por um conceito mais equilibrado, culturalmente
compatível, ou melhor, potencializável, pelo saber artístico e pelo domínio técnico. Leia67
se sobre este assunto dois interessantes artigos de Sharon Bailin (1996; 1998); onde, no
primeiro, a evolução do “conceito criatividade” é analisado de forma a exemplificar a
derradeira importância da pesquisa filosófica no âmbito do drama na educação e, no
segundo, como arremesso crítico aos modelos mais românticos e progressivistas que
ainda perduraram em determinadas correntes.
Embora este trabalho procure revelar as tendências da evolução epistemológica do
drama na educação, não se direcciona especificamente para a análise comparativa e contrastante de teorias. Enquadra-se sim, no âmbito da emergência dos modelos integrados
que têm vindo a ser esboçados recentemente por autores como Walkinshaw (2004),
Fleming (2003) e Kitson e Spiby (1997). Estes autores, entre outros, têm vindo a assumir
que a integração modelar, para além de necessária, é urgente; visto permitir abranger e
articular as múltiplas teorias e práticas existentes no drama na educação, tornando-o
desta forma mais rico e adaptável à heterogeneidade dos contextos educativos da escola
actual.
Uma abordagem superficial e precipitada do acervo bibliográfico do drama na educação poderá levar a entender que as múltiplas perspectivas que povoam a disciplina são
derradeiramente opostas e inconciliáveis. Contudo, Walkinshaw (2004) e Fleming (2003)
admitem que as variantes teóricas e metodológicas devem ser perspectivadas como
complementares, sendo todas e cada uma delas, essenciais para o correcto domínio do
drama na educação. Quanto a isto, Walkinshaw (2004, pp. 149-184) chega a ser peremptória, assumindo que a diversidade necessita de estar presente na implementação do
drama e do teatro na educação e que esta noção deve ser considerada, não somente no
que diz respeito ao desenvolvimento curricular do ensino básico e secundário, mas também no que toca à formação dos professores generalistas e especialistas.
68
OBJECTIVOS, PARADIGMAS E METODOLOGIAS
Este trabalho pretende contribuir para a conceptualização dos quadros teóricos e
metodológicos que permitem celebrar a diversidade do drama na educação. Para isso
socorre-se do paradigma da complexidade presente na epistemologia contemporânea
(e.g., Houghton, 1989; Duplantier, 2003; Colom, 2005; Doll, Flenner, Trueit e Julien, 2005;
Fernández, Villalobos e de Cabo, 2005) assim como das concepções filosóficas e metodológicas de assento pós-moderno que, segundo a nossa opinião, lhe são concomitantes e
compatíveis. Deste modo, sempre que necessário, serão solicitadas ao longo do trabalho,
perspectivas metodológicas inspiradas na investigação baseada nas artes, na performance research, no pós-estruralismo, no etnodrama, na auto-etnografia e na etnografia crítica (e.g., McCormick, 2006; Bacon, 2006; Gallagher, 2006; Conquergood, 2006; Stucky,
2006; Denzin, 2006; 2003, Dimitriadis, 2006; Madison, 2005; Saldaña, 2005; Foley, 2005;
Donmoyer, 2005; Ellis e Bochner, 2003; Brady, 2003).
Quem já frequentou estas metodologias poderá estar incrédulo com tamanha
façanha e risco. Sabemos que pisamos um terreno minado de polémicas não resolvidas,
relações disciplinares tensas e retóricas contraproducentes; existindo, por isso, a possibilidade de cometermos algumas incongruências. Para dissipar receios, esclarecemos, desde já, que iremos somente buscar às ciências, às filosofias e às artes, com todo o cuidado
que estas áreas nos merecem, o que entendamos ser congruente entre si e útil para a
nossa tarefa. Do vasto mundo bibliográfico com que nos relacionamos, escolheremos
algumas fontes primárias - impossível seria, como facilmente se compreende, escolhermos muitas – e das fontes secundárias, que nos facilitam grandemente o trabalho de
adaptação de conceitos, centrar-nos-emos nas obras que revelam garantia de idoneidade.
Advertimos assim o leitor que não iremos abordar em profundidade as questões
mais conceptuais e as actuais polémicas das ciências ou das filosofias. Muito menos iremos tomar partido por um ou outro extremo nas reiteradas quezílias que destilam da
epistemologia contemporânea. O que nos fez escolher o paradigma da complexidade e
69
da experimentação pós-moderna não foi o desejo de aprofundar as polémicas que lhes
são inerentes, mas sim a percepção de que as teorias da complexidade, e sobretudo
algumas das concepções filosóficas e metodológicas contemporâneas mais inovadoras
(com precisão científica ou não – o que para o caso não é importante) revelam grande
potencialidade na formação dos novos pensamentos sobre a educação, visto permitirem
edificar atitudes e metodologias mais compatíveis com o mundo multiforme e imprevisível das escolas.
Temos de reconhecer que na última década as metodologias de investigação de
cariz qualitativo têm vindo a sofrer uma diversificação e desenvolvimento nunca antes
vistos; algo que é considerado por alguns como desconcertante e, por outros, como
altamente atractivo e motivador. Embora continuem a existir polémicas por dissipar, as
arrojadas tentativas pós-estruturalista e pós-modernas de experimentação e emancipação metodológica já revelam, nos dias de hoje, um corpo de conhecimento muito prometedor, que demonstra sistematização e precedência. Alguns estudiosos da educação têm
mesmo adoptado os modelos críticos e artísticos nas suas investigações, envolvendo-se
com as metodologias que lhes permitem abordar os assuntos de uma forma criativa e
condizente com o seu modo de pensar e estar na vida como artistas e educadores. Assim
se têm aberto novas problemáticas e teorizações, assentes na crescente tendência para a
convocação de múltiplos pontos de vista na análise e apresentação dos assuntos, incluindo, e isto sem ser de menor monta, a própria presença activa e estética do investigador.
Acima de tudo, os riscos assumidos são partilhados. Justificam-se em grande parte na
reflexão conjunta de que, todos nós, nos encontramos já submersos num processo de
renovação paradigmática que, embora hesitante no seu surgimento, se evidencia cada
vez mais como um caminho sem retorno aos pressupostos metodológicos do passado.
Para além do potencial crítico e artístico desencadeado pelas novas metodologias de
investigação, devemos igualmente admitir que algumas das mais interessantes conceptualizações sobre o conhecimento, a aprendizagem e o currículo têm vindo a ser instigadas pela virtualidade cibernética. O novo mundo das comunidades virtuais e dos simulacros não tem deixado também de renovar as problemáticas relacionadas com a identida-
70
de do Homem e com a criação e partilha do saber, tocando, por isso, alguns os dilemas
epistemológicos, metodológicos e ontológicos inerentes a este trabalho.
Neste trabalho desejamos adoptar, de forma clara e com frontalidade, o paradigma
da complexidade e o experimentalismo pós-moderno tanto processual como formal. Esta
opção, para além de incentivar o uso da imagem como parte integrante do discurso,
permite-nos também, sempre que entendamos necessário, libertar o encadeamento de
ideias de uma lógica exclusivamente booleneana, linear e sequencial. Por isso, abraçaremos nuances mais difusas, tolerantes à polissemia e à sobreposição. É provável que o
discurso possa, em determinados momentos, evidenciar tendências mais desconstrutivistas e rizomáticas, dinamizando experimentalmente novas relações entre raciocínios sem
se ver obrigado a convergir para um único pólo de afirmação. Acima de tudo, o que pretendemos fomentar é a imprevisibilidade inerente à dinâmica da descoberta e do conhecimento. Estes são os compromissos básicos que subscrevemos e as convenções que
actualmente vemos como propícias para investigar a complexidade epistemológica do
drama na educação.
Queremos deixar bem expresso que recorremos às metodologias pós-modernas
porque as entendemos como as metodologias de investigação que actualmente melhor
nos permitem, nomeadamente:
•
Adoptar uma postura harmonizável com a conjunção de múltiplos e heterogéneos pontos de vista;
•
Estudar e intervir nos sistemas regidos pela não-linearidade, como são as
artes, o desenvolvimento curricular e a escola;
•
Actualizar, reconstruir e partilhar o conhecimento com base nas novas tendências tecnológicas;
•
Relativizar a construção do saber e criticar a sua apropriação por determinados interesses e sectores instituídos;
•
Dar voz à idiossincrasia, amplificando-a como elemento imprescindível dos
processos de desenvolvimento do ser e do saber; e
•
Adoptar a pesquisa baseada nas artes, experimentando e aprofundando as
suas vertentes processuais, epistemológicas e ontológicas.
71
Consideramos que todas estas prerrogativas assentam essencialmente em duas
grandes razões. A primeira diz sem dúvida respeito às características particulares das
áreas onde nos movemos (drama, teatro, artes, educação); áreas que despoletam potencialidades, não só como objectos de investigação, mas também como metodologias. A
segunda razão prende-se com o facto do paradigma pós-moderno se encontrar desde há
muito relacionado com a nossa formação e experiência profissional, particularmente no
âmbito da escrita criativa, na prática da educação artística e na construção e partilha de
conhecimentos com base na web2 e 3. Desejamos então que estes processos, tal como
tem acontecido até agora, continuem a permitir-nos explorar – de uma forma interpretativa e critica – os caleidoscópios teóricos e metodológicos em que nos movemos.
72
CONHECER OS EXTREMOS PARA OS EVITAR (INTRO)
Admitimos neste trabalho que a transposição da hipocrisia e da vassalagem arrivista permite evidenciar um mundo académico e educativo submerso em retóricas tecidas
mais por deleite de pseudo-intelectuais e políticos do que pela real tentativa de produzir
reflexões sérias e apoiadas. Se acumularmos a tudo isto as certezas dos comentadores
televisivos e jornalísticos que, sob o estatuto que geralmente lhes é conferido de especialistas em tudo, abordam os assuntos da educação com base em ideias preconcebidas e
populistas, percebemos como as discussões sobre a educação tendem a resvalar para a
generalização descontextualizada.
O mundo onde nos movemos está assim cheio de sobrancerias. Nós, como investigadores na área da educação, movemo-nos nos limites dos nossos conhecimentos e
capacidades, ultrapassando muitas vezes os cânones da normalidade e da evidência.
Sabemos também que, por essa razão, podemos vir a confrontar-nos com os poderes
estabelecidos que à primeira oportunidade nos mostrarão como estão certos da certeza
do seu saber; situação esta que tem sido frequentemente retratada, por vezes até à tragédia, na História das Ideias.
Desejamos por isso ressalvar, de forma clara e reiterada, que não é por termos
adoptado nesta investigação as artes e o mundo cibernético como metodologia e investigação que aceitamos ser classificados pelos apologistas da objectividade lógicomatemática de ingénuos antifundacionalistas ou niilistas epistemológicos. A metodologia
empregue neste trabalho enquadra-se nas tendências epistemológicas contemporâneas,
transversalmente presentes nas artes, nas filosofias e nas ciências. Movemo-nos nestes
contextos com cautela, procurando evitar as posições mais radicais que entendemos
serem contra-producentes. Mais do que lidar com o que a arte pode implicar para adultos culturalmente maduros e vivenciados, ou com as questões mais especulativas e controversas da epistemologia, este trabalho move-se na área educativa, sendo por isso
desejável que os seus conteúdos e recomendações reflictam os contextos específicos da
sua provável leitura e aplicação.
73
NÓDULOS E FLUIDEZ DO TRABALHO
ELABORAR
O percurso epistemológico que nos propomos realizar terá então de assumir, logo
num primeiro momento, o breve enquadramento teórico que permita edificar uma plataforma comum de entendimento, um mapa que possamos usar para melhor percebermos as hipóteses do caminho. Este processo deverá servir, por um lado, para consolidar
a coerência do nosso posicionamento filosófico, reflectindo as linhas de força do universo discursivo em que nos movemos, por outro, para explicitar as derivações que possam
existir entre os nossos pontos de vista e os adoptados por outros autores e abordagens.
Acima de tudo, o que acabámos de afirmar deverá ser entendido como o enquadramento introdutório à lógica de todo o discurso, ou seja, como o quadro de referência que
sustenta os raciocínios e opções metodológicas posteriormente assumidas.
Assim, nos primeiros momentos do trabalho, introduziremos o leitor ao que consideramos serem as actuais emergências no campo epistemológico do drama na educação.
Salientaremos as linhas de força, segundo a nossa opinião, têm vindo a desembocar no
que é uma tendência evolutiva – a integração de perspectivas e modelos. Contudo, não
conseguiremos continuar o trabalho sendo assim tão lineares, pois logo durante o
enquadramento histórico introdutório, uma malograda tentativa de elaboração esquemática do campo epistemológico do drama na educação, com limites e articulações precisas, acabará por nos levar a caminhos mais pós-estruturalistas e a fazer-nos encarar a
complexidade e a não-linearidade como as dinâmicas mais propícias para a compreensão
multi-modelar e integrada da disciplina. O trabalho resvala, escorrega por isso para
outros assuntos, procurando reequilibrar-se constantemente. Caminha autonomamente
em múltiplos encontros e desencontros, procurando incessantemente descortinar as
metodologias e filosofias que o alimentam e ao mesmo tempo justificam. Este percurso
sinuoso conduz-nos, num segundo momento do trabalho, a solicitar os paradigmas que
74
permitam vislumbrar as concepções teóricas e as metodologias mais propícias ao desentendimento esquemático com que fomos confrontados na abordagem históricoepistemológica prévia.
criticas e dramáticas que melhor responderão aos posicionamento mais
e
abrangedor. A solicitação destes paradigmas levou-nos então à descoberta da razão de
ser da sua existência. ……….
Para além da necessária abordagem taxonómica mais pontual e descritiva, os conceitos centrais neste trabalho, e que dizem respeito ao campo epistemológico do drama
na educação, serão explorados em extensão através de uma série de axiomas. Este processo deverá servir, por um lado, para consolidar a coerência do nosso posicionamento
teórico, reflectindo as linhas de força do universo discursivo em que nos movemos, por
outro, para explicitar as derivações que possam existir entre os nossos pontos de vista e
os adoptados por outras abordagens. Acima de tudo, o que acabámos de afirmar deverá
ser entendido como o enquadramento introdutório à lógica de todo o discurso, ou seja,
como o quadro de referência que permite sustentar o entendimento dos raciocínios e
das opções metodológicas assumidas.
Após descrever conteúdos
75
2 O CAMPO EPISTEMOLÓGICO DO DRAMA NA EDUCAÇÃO
ELABORAR
Introdução
2.1 MULTIPLICIDADE DE PONTOS DE VISTA
A ideia da multiplicidade teórica e metodológica do drama na educação tem vindo
a ser reafirmada por diversos autores. Por exemplo, Kitson e Spiby (1997), Fleming (2003)
e Walkinshaw (2004) sustentam que existem diferentes formas de conceber o drama na
educação, assentes, por vezes, em concepções teóricas diversificadas senão mesmo
opostas. Estes autores reconhecem ainda que a pluralidade teórica e metodológica é
essencial para se poder criar uma visão alargada sobre as potencialidades educativas da
disciplina.
De modo a caracterizar as diferentes concepções existentes no drama na educação,
Fleming (2003) elabora a seguinte tabela comparativa:
77
Pontos fracos
Pontos fortes
Drama como
Disciplina literária
O drama foi escrito para ser representado e visto, não para ser estudado
passivamente atrás das secretárias.
A ênfase no conteúdo ajuda a equilibrar as
perspectivas que tendem a sobrevalorizar as
técnicas de palco em detrimento dos conteúdos
Teatro
Acarreta o perigo de fomentar experiências vazias de sentido para os alunos. A ênfase nas técnicas de representação, luminotecnia e cenografia pode
descorar a importância do conteúdo.
Restaura o drama como uma actividade cultural e artística com um corpo disciplinar próprio, englobando técnicas e conteúdos específicos. Enfatiza tanto a criação como a apreciação artística.
Brincar Dramático
A desconsideração de conteúdos e
técnicas disciplinares específicas pode
tornar difícil determinar que aprendizagens estão a acontecer. Torna difícil
avaliar e determinar progressões.
Os alunos envolvem-se facilmente nas actividades porque o trabalho é acessível. Grande
potencial para usar o drama como metodologia de ensino.
Tabela 1- Diferentes formas de conceptualizar o drama.
Adaptado de Fleming (2003, p. 30)
A tabela acima apresentada evidencia que as diferentes concepções do drama na
educação, fechadas em si mesmo, revelam potencialidades mas também limitações; o
que permite deduzir que a visão parcelar não pode ser considerada uma proposta de
implementação do drama curricularmente alargada, rica e adaptável. Logo, um trabalho
enquadrado exclusivamente numa perspectiva ou modelo, ainda que possa ser assumido
por determinados condicionalismos, deve, pelo menos, ponderar a existência de metodologias alternativas e complementares.
Continua a haver quem evoque, com base num ponto de vista historicamente
recorrente, que o drama na educação deve ter por principal finalidade o desenvolvimento pessoal e social (e.g., Winston, 1998; Johnson, 2002; Malm e Löfgren, 2007). Por outro
lado, existem autores que perspectivam o drama exclusivamente como estratégia de
78
aprendizagem de outras disciplinas, nomeadamente da Língua Materna (e.g., Byron,
1986; Goalen, 1996; Cremin, Goouch, Blakemore, Goff e Macdonald, 2006). Por sua vez,
autores como Bloomfield e Childs (2000) e Wilkinson (2000) defendem que a aprendizagem interdisciplinar deve ser considerada como a concepção mais relevante, senão
mesmo determinante, do drama na educação.
É igualmente importante fazermos saber que, desde os anos 80, alguns estudiosos
têm levantado objecções de fundo perante a conceptualização do drama como estratégia de aprendizagem e de desenvolvimento pessoal. Este tipo de críticas tem surgido
quer por parte de alguns especialistas do drama na educação como pelo lado de autores
mais ligados à filosofia da educação artística. No primeiro caso, podemos sem dúvida
destacar David Hornbrook (1998c; 1991), cuja objecção ao uso do drama como estratégia
de aprendizagem foi enérgica, como podemos verificar na seguinte citação:
Porque é que a improvisação dramática é útil para combater a SIDA, por exemplo?
Será que o drama é mais eficiente do que a música ou as artes visuais para promover
a saúde ou a integração social? O drama favorece a exploração de emoções, da razão
e da imaginação numa rede complexa de tempo e de espaço. Ele tem a sua utilidade
nestes domínios, mas não pode ser definido por isso. Claro que o drama pode ser utilizado como uma ferramenta, mas isso seria como ver uma magnífica máscara teatral
usada como um utensílio para transportar chávenas de café.
(Hornbrook, 1998c, p. X)
No grupo dos críticos da concepção mais utilitarista das artes na educação podemos também destacar Peter Abbs (1987; 1989). Este autor, ainda que criticado por Taylor (1998) por supostamente adoptar uma visão neopositivista e neoliberal da educação,
foi determinante no combate aos modelos dramáticos baseados exclusivamente no
desenvolvimento pessoal e na aprendizagem interdisciplinar.
As críticas às concepções psicológicas, utilitaristas e subjectivistas da educação
artística não são exclusivas do drama na educação. O movimento de reafirmação curricular do ensino artístico demonstrou grande vitalidade em outras disciplinas, principalmente nas artes visuais. A concepção das artes no currículo generalista como disciplinas que
requerem a aprendizagem de técnicas e saberes específicos, foi em grande parte iniciada
79
pelo movimento educativo Norte-americano conhecido genericamente por DBAE (Discipline Based Art Education) que, em Inglaterra, encontrou em Peter Abbs um apologista
com argumentações semelhantes. As obras de Peter Abbs (e.g., 1989; 1987) por seu lado,
criticaram os modelos progressivistas mais marcantes na educação artística europeia,
dando origem a renovadas propostas curriculares para as artes, principalmente através
da colecção por si coordenada: The Falmer Press Library on Aesthetic Education.
David Best é outro autor da área da filosofia da educação artística que elaborou
fortes críticas ao subjectivismo e à interdisciplinaridade, assumindo-se como um defensor acérrimo do ensino de conteúdos e técnicas artísticas específicas no âmbito da educação generalista. Na obra “A Racionalidade do Sentimento: o Papel das Artes na Educação”, publicada originalmente em Inglaterra em 1992 e em Portugal em 1996, o autor
evidencia:
[...] a falácia perniciosa subjectivista de que o desenvolvimento pessoal, sem restrições, depende da fuga das disciplinas, uma vez que, pelo contrário, a liberdade do
indivíduo experimentar os sentimentos relevantes depende de ele ter aprendido
essas disciplinas (1996, p. 119).
Nas artes, na língua e em muitos outros aspectos da vida humana, a possibilidade de
desenvolvimento individual através do pensamento e da experiência, longe de ser
restrito antes depende da aprendizagem de disciplinas objectivas e de práticas culturais partilhadas publicamente (Ibid., p. 125).
Embora mais tarde do que as artes visuais, a dança e o drama não deixaram também de ser influenciadas pelas críticas ao subjectivismo e ao utilitarismo, tendo-se movido para concepções mais equilibradas, que procuram abranger, para além do desenvolvimento psicológico e do ensino interdisciplinar, a aprendizagem de técnicas artísticas e a
apreciação de obras de arte. Com este objectivo, por exemplo, na dança, Jacqueline
Smith-Autard (2002) idealizou o que intitulou de “modelo intermédio”, conciliando o
“modelo educativo” e o “modelo profissional” do ensino da dança. No âmbito do drama
alguns autores têm também vindo a esforçar-se por ultrapassar as clivagens existentes
entre as concepções progressivistas e os modelos assentes na literacia artística. Fleming
(2003) e Walkinshaw (2004) podem, para o caso, ser dados como exemplo.
80
Resumindo: como disciplina, o drama na educação apresenta-se multifacetado,
dinâmico e discutível, abarcando uma multiplicidade de conceitos e metodologias que
abrangem desde perspectivas marcadamente progressivistas e utilitárias das artes, até
propostas de aprendizagem mais centradas na arte teatral. Por isso, a edificação epistemológica do drama na educação tem vindo a desembocar numa multiplicidade de tendências díspares e por vezes opostas; o que não impede, no entanto, de actualmente se
vislumbrar uma gradual tendência para a elaboração de modelos mais integradores e
conciliadores. É nossa opinião que estes modelos integrados só conseguirão renovar o
potencial educativo e curricular da disciplina quando, para além de promoverem a tolerância perante a diversidade, conseguirem estruturar novas formas de relacionamento
onde as diferentes perspectivas se possam mutuamente enriquecer. Arriscamo-nos
mesmo a afirmar que as divisões teóricas e metodológicas que perseguiram o ensino do
drama no passado irão tendencialmente dar lugar a modelos mais conciliadores, baseados na complexidade e na não-linearidade de conceitos e metodologias.
81
2.2 DIMENSÕES EPISTÉMICAS
Assumimos neste trabalho que o drama na educação é, epistemologicamente, uma
disciplina teórico-prática. Esta afirmação corrobora-se facilmente com os posicionamentos mais comuns evidenciados na bibliografia especializada. Muitos dos autores que elaboraram os quadros conceptuais de referência na disciplina abordava simultaneamente
as teorizações, os assuntos de cariz metodológico e as exemplificações práticas. Foi deste
modo que foram estruturadas as obras de Peter Slade (1954) e Brian Way (1967), só para
citar dois dos nomes mais relevantes. Podemos também acrescentar, como exemplo, que
os registos videográficos das práticas educativas de Dorothy Heathcote, cuja influência
na evolução da disciplina é inegável, têm vindo a ser objecto de várias pesquisas de índole essencialmente teórico (e.g., Zanneton-Papacosta, 1997; Armstrong-Mills, 1997).
Outro caso bastante revelador da forte ligação da prática com a teoria é o de Giselle Barret, professora nas Universidades de Montreal, no Quebec e Sorbonne de Paris, com
grande influência no desenvolvimento da “Expressão Dramática” em Portugal, cujo título
da tese de doutoramento é, só por si, esclarecedor: L`Expression Dramatique: Pour Une
Theorie de la Pratique (Barret, 1976). Ainda que possamos admitir que a ligação das concepções de cariz mais teórico com a prática seja muito frequente, podemos encontrar
algumas excepções. Por exemplo, as importantes obras de Richard Courtney, embora se
enquadrem em grande parte no âmbito educativo, direccionam-se essencialmente para a
teorização pura do drama, sendo por isso reveladoras das fecundas interligações do
drama com outras disciplinas, nomeadamente com a Psicologia, Sociologia e linguística
(e.g., Courtney, 1974; 1980; 1990; 1995).
De modo a sublinharmos a ideia de que o corpo epistemológico do drama na educação tem sido edificado na interface teoria/prática, recorremos à sua sistematização em
três grandes dimensões: a dimensão teórica; a dimensão metodológica e a dimensão
prática. Não será difícil entendermos, até pelo que foi anteriormente referido, que estas
83
dimensões se sobrepõem de variadíssima forma, não sendo, por isso, mutuamente
exclusivas.
Assim, segundo o nosso ponto de vista, as produções do drama na educação
podem ser sistematizadas em 3 grandes grupos:
1) Obras e autores de pendor essencialmente teórico
Grupo onde se inserem as obras e os autores que mais têm contribuído para edificar o corpo teórico do drama na educação. Autores que demarcaram tendências, abriram
caminhos e criaram escola. Incluímos neste grupo as obras e os autores que abordaram
de forma relevante a natureza do drama e que discorrem sobre as suas principais finalidades educativas (e.g., Slade, 1954; Way, 1967; Courtney, 1995; Heathcote, 1971; 1976;
Hornbrook, 1991);
2) Obras de pendor essencialmente metodológico
Este grupo incorpora os trabalhos cujo objectivo essencial tem sido evidenciar os
princípios pedagógicos e metodológicos que fundamentam a aplicabilidade do drama nos
diversos contextos educativos. Muitas destas obras, para além de focarem os aspectos
mais metodológicos e práticos da disciplina, não deixaram de sintetizar e ampliar alguns
dos aspectos teóricos de fundo incluídos na dimensão anterior. (e.g., McCaslin, 1984;
Neelands e Goode, 2000; Winston e Tandy, 2001);
3) Obras de pendor essencialmente prático
Grupo que abrange as publicações que consistem essencialmente em colectâneas
de jogos e actividades dramáticas. Embora pouco frequente (e algumas vezes de qualidade duvidosa) algumas destas produções são também acompanhadas de breves introduções teóricas e recomendações metodológicas (e.g., Jennings, 1986; Landier e Barret,
1994; Ackroyd e Boulton, 2001).
84
Analisemos então o seguinte diagrama de Venn sobre o que entendemos poder
representar graficamente a dinâmica epistemológica do drama na educação:
Figura 10 - Dinâmica epistemológica do drama na educação (versão 1)
Ao analisarmos o diagrama somos levados a afirmar que a construção epistemológica da disciplina tem sido instigada pelo questionamento do porquê, do como, e do que
realizar em contexto educativo em nome do drama e do teatro. São estas questões
nucleares que têm impulsionado a edificação do corpo epistemológico do drama na
educação.
85
Sobretudo, devemos acrescentar que o diagrama deve ser imaginado como dinâmico, rodando simultaneamente em vários sentidos, evidenciando por isso mais degradés do que cores contrastantes. Acima de tudo, o esquema não deve ser entendido
como centrípeto, ou seja, o desenvolvimento do corpo epistemológico do drama na
educação não tem convergido para um modelo único e consensual. Assumida que está
esta ideia, acreditamos que se aprofundássemos a metáfora esquemática anterior chegaríamos, em última instância, ao grafismo da complexidade.
Figura 11 - Dinâmica epistemológica não-linear do drama na educação (versão 2)
O grafismo da complexidade, ou grafismo fractal, evidencia que o relacionamento
interactivo dos componentes de um determinado sistema tende a originar altos níveis de
complexidade e imprevisibilidade. Isto é, não são as estruturas iniciais ou a sua interde-
86
pendência linear que produzem complexidade, mas sim o resultado cumulativo, dinâmico e recursivo das múltiplas interacções entre os seus componentes.
A “metáfora do grafismo fractal” permite-nos agora compreender como a primeira
versão gráfica que elaborámos sobre a dinâmica para representar a dinâmica epistemológica do drama na educação, com superfícies e formas bem delimitadas era, na verdade,
uma abstracção demasiado afastada da realidade. Nenhum sistema de construção e sistematização do conhecimento é assim tão linear e estruturado. Acreditamos que qualquer passo significativo na integração de teorias e modelos criará, inevitavelmente, uma
reorganização complexa e indeterminada, visto as novas interacções dependerem de
múltiplas variáveis. Senão vejamos: a desconstrução modelar dependerá, claramente, da
formação e da experiência prévia de quem a realizar, ou seja, do domínio que essa pessoa tenha das diferentes ramificações da disciplina e das suas diversas componentes (o
que é por si só uma variável tendencialmente incontrolável). Dependerá também, e não
em menor grau, das exigências e implicações, quer dos contextos teóricos que solicitam a
renovação epistemológica, quer da dos que potencialmente poderão enquadrar a sua
implementação educativa. Acrescente-se a tudo isto a imensidão de outros factores que
tendem a influenciar todos estes processos. Assim, qualquer visão epistemológica do
drama na educação que procure ultrapassar as teorias e metodologias já estabelecidas,
baseando-se na complexidade das suas interacções, será sempre provisória, amplamente
flexível e tendencialmente caótica. Não evidenciará cores contrastantes e formas precisas, mas sim degradês dinâmicos e variáveis como os que existem num pôr-do-sol observado ao longo do tempo e em diferentes latitudes.
A elaboração teórica que realizámos até agora impele-nos a introduzir a temática
da incerteza e da complexidade, pelo que nos afastamos um pouco das concepções epistemológicas do drama na educação. Porém, logo que consideremos propício, voltaremos
ao assunto de uma forma mais dialéctica e informada.
87
3 A SOLICITAÇÃO DOS PARADIGMAS
Se recorrermos à Enciclopedia Gran Espasa Universal (2005) podemos constatar
que o neologismo “fractal” deriva da palavra latina fractus, que significa irregular ou
quebrado, tendo sido introduzido na Ciência, nos anos 70, pelo matemático Benoit Mandelbrot. Ficamos também a saber que os grafismos fractais são elaborados com base nos
enormes poderes de cálculo dos computadores, capazes de processar múltiplas operações de forma recursiva e com números complexos, cujo resultado gráfico revela geometrias abstractas de grande beleza e complexidade. A Enciclopédia refere também que, de
uma forma genérica, os fractais podem ser definidos como “objectos geométricos autosemelhantes, o que significa que podem subdividir-se em partes, cada uma delas parecida com a figura inicial” (Ibid., p. 4855).
Na obra publicada em Portugal intitulada “Objectos Fractais”, Mandelbrot (1998)
sustenta que as formas mais abundantes na natureza revelam imagens fractais e que
figuras geométricas como rectas, triângulos ou circunferências são somente aproximações simplistas e distantes da realidade. Encontram-se fractais no desenho das ramificações pulmonares, no registo do ritmo cardíaco, nos ramais de uma bacia hidrográfica, nas
conchas dos búzios, nos corais, etc. O fractal apresenta-se assim como a geometria da
natureza, sendo actualmente fonte de inspiração para múltiplas áreas do conhecimento
(e.g., Engenharia: Lévy-Véhel & Lutton (2005); Arquitectura: Ostwald (2001); Arte :
Fractalus Network (2007)).
Para além de terem originado a descoberta do grafismo fractal, os computadores
deram também origem, até porque os assuntos estão intimamente relacionados, à descoberta da complexidade e do caos nos sistemas naturais. As enormes capacidades de
cálculo destas máquinas, que têm vindo a ser aperfeiçoadas pelo homem de forma vertiginosa, fizeram surgir, a partir da segunda metade do Sec. XX., todo um novo mundo de
descoberta e investigação. Porém, já nos finais do Sec. XIX alguns estudiosos da área da
Física colocavam em causa o determinismo matemático como explicação universal para
89
todos os fenómenos da natureza. Por exemplo, no âmbito do estudo do movimento dos
corpos celestes, o físico-matemático francês Henri Poincaré (1854-1912), ao acrescentar
mais um corpo ao problema que Isaac Newton já tinha resolvido com sucesso para dois,
veio a verificar que as órbitas relativas do Sol, da Terra e da Lua não podiam ser determinadas matematicamente ao longo de grandes intervalos de tempo (Houghton, 1989).
Poincaré ficou surpreendido com estes desconcertantes resultados tendo retornado
várias vezes à problemática do indeterminismo durante a sua prolífera vida. Porém, na
altura em que Poincaré viveu não existiam máquinas capazes de realizar os cálculos
requeridos para explorar dos dilemas matemáticos com que se confrontava, tendo o
problema dos três corpos e as suas estranhas implicações sido menosprezados pela
comunidade científica. Foi somente muito mais tarde, com o aparecimento dos computadores, que os cientistas realmente começaram a perceber que a problemática do indeterminismo de Poincaré abria todo um novo campo de investigação. Os computadores
passaram a demonstrar, de forma inequívoca, que os sistemas complexos tendem a
gerar, a longo prazo, imprevisibilidade e caos. Sistemas naturais que aparentemente
revelam comportamentos lineares passíveis de serem descritos pelo modelo mecânico
newtoniano ou clássico, ao incrementarem as inter-relações entre os seus múltiplos
componentes, passam a evidenciar condutas complexas e tendencialmente caóticas, cujo
raciocínio lógico-dedutivo da ciência convencional se vê incapaz de prever e explicar
(Fernández, Villalobos e de Cabo, 2005; Houghton, 1989; Colom, 2005).
Considera-se que o derradeiro momento que conduziu à descoberta do caos no
funcionamento dos sistemas complexos deve-se, no entanto, a um mero acaso, se lhe
podemos chamar assim. No final dos anos 50, para aproveitar a capacidade de cálculo
dos computadores na previsão meteorológica (que na altura ainda funcionavam a válvulas e com cartões perfurados), o meteorologista Edward Lorenz idealizou um modelo de
doze equações que relacionavam a temperatura, a pressão, a humidade e a velocidade
do vento. Um dia, ao necessitar de repetir uns cálculos, para encurtar o processo, Lorenz
forneceu à máquina os valores que tinham sido impressos a meio da primeira simulação.
Quando voltou, uma hora depois, após ter bebido um reconfortante café, o cientista percebeu que os resultados da nova simulação eram completamente diferentes dos anterio-
90
res. Como reacção imediata, o cientista pensou estar perante alguma avaria no computador. Contudo, após vários testes, veio a perceber que afinal a diferença nos resultados
se devia a uma pequena variação nos números que tinham sido introduzidos entre as
duas simulações. Na segunda simulação, os valores tinham sido arredondados uma parte
em mil (de 0,506127 para 0,506) o que, para os conhecimentos da altura, era entendido
como completamente irrelevante, até porque, se os satélites conseguissem medir a temperatura da superfície do oceano até às milésimas já seria muito satisfatório (Lorenz,
1995; Davis, 2005).
Em meados do Sec. XX, em grande parte fascinados pelo enorme poder de cálculo
das novas máquinas, os cientistas acreditavam que um dia seria possível prever, com
bastante antecedência, o funcionamento de muitos fenómenos naturais. Porém, o arredondamento aparentemente insignificante dos números introduzidos no computador
por Lorenz permitiram concluir, de forma peremptória, que a previsão meteorológica
com intervalos de tempo substanciais (para o caso superiores a uma semana) está realmente condenada ao fracasso. Esta descoberta fez com que Lorenz passasse a estudar
um dos fenómenos presente nos sistemas tendencialmente caóticos: a dependência sensível das condições iniciais, popularmente conhecido por efeito borboleta; que metaforicamente significa que o simples bater de asas de um insecto que esvoace, por exemplo,
perto da Catedral de Santiago de Compostela, pode, pelo menos teoricamente, vir a provocar, ou não, uma tempestade na região antípoda situada na Nova Zelândia. Ou seja,
teoricamente e matematicamente, Lorenz demonstrou que a acumulação indeterminável
de pequenas modificações na pressão atmosférica pode provocar, a longo prazo, alterações catastróficas no comportamento meteorológico (Stanley, 2005; Lorenz, 1995;
Houghton, 1989; Smitherman, 2005). A descoberta de Lorenz, que foi replicada e confirmada sobejamente, abalou fortemente a crença de que toda a natureza é passível de ser
explicada e controlada pela ciência quantitativa. A ideia de que o conhecimento das condições iniciais de um determinado sistema e das leis que o regem permite prever o seu
comportamento - algo que tinha sido verificado, por exemplo, para o movimento de um
pêndulo ou das esferas numa mesa de bilhar - ficou, com a descoberta de Lorenz, completamente abalada (Stanley, 2005; Smitherman, 2005; Houghton, 1989).
91
Tal como no Sec. XVII a invenção do telescópio e do microscópio permitiram
ampliar a visão e o pensamento do Homem sobre a natureza e sobre si-próprio, no Sec.
XX, a matemática pura, a filosofia matemática e sobretudo as novas tecnologias da computação colocam irremediavelmente em causa a veleidade positivista do Homem querer
dominar a natureza baseando-se na lógica linear da causa-efeito. Houghton (1989) chama a atenção para o paradoxo de ter sido em grande parte uma máquina computacional,
que podia ser entendida como o verdadeiro apogeu determinista, o instrumento que
permitiu confirmar que os sistemas naturais que regem o mundo não funcionam de forma linear; acarretando imprevisibilidade, complexidade e caos.
As teorias da complexidade e do caos descobertas em meados do Sec. XX, têm vindo a ampliar os quadros de referência que os investigadores actualmente possuem para
estudar e descrever o mundo. Embora inicialmente estas descobertas tenham ocorrido
no campo da Física, os paradigmas da complexidade têm vindo a ser usados com sucesso
num grande número de disciplinas, nomeadamente na Ecologia, na Medicina e na Economia (Colom, 2002; Houghton, 1989; Stanley, 2005; Smitherman, 2005).
Tendo em conta que os conceitos relacionados com a complexidade não permitem
definições curtas e precisas, Fernández, Villalobos e de Cabo (2005) assumem que, de
uma forma geral e no âmbito da ciência, podemos englobar na teoria do caos os estudos
que procuram
…descrever e explicar o comportamento dos sistemas complexos, não-lineares e destituídos de equilíbrio, reconciliando conceitos aparentemente opostos, como são a
imprevisibilidade e a emergência de padrões de comportamento distinguíveis, dito
de outro modo, caos e ordem (p. 74).
Tal como acontece para a teoria do caos, a complexidade também não admite uma
definição concisa que abarque todas as suas variantes e qualidades. Assim, apresentamos uma síntese que elaborámos com base nos trabalhos de Pavard e Dugdale (s.d.) e
Goldenfeld e Kadanoff (1999) que nos permite afirmar, por tópicos, que os sistemas
complexos, de um modo geral, tendem a revelar:
92
1) Troca de informação com o meio, o que torna difícil delimitar as suas fronteiras;
2) Entraves à sua representação gráfica através de esquemas;
3) Constante evolução, com múltiplas e crescentes ramificações e bifurcações;
4) Alta estruturação, ainda que dinâmica, variável e auto-organizativa, sendo por
isso impossível decompor, os sistemas complexos, de forma funcional e estável
nos diversos elementos individuais que os constituem;
5) Múltiplas e recursivas interacções não-lineares entre os diversos componentes,
existindo rectro-alimentações tanto positivas como negativas. Os sistemas
complexos tendem a revelar diversas trajectórias por onde podem evoluir, sendo por isso impossível prever com exactidão o seu comportamento futuro;
6) Dependência do passado. Cada pequena mudança pode originar grandes modificações. O curto prazo influencia o longo prazo, i.e. alta sensibilidade às condições iniciais ou efeito borboleta;
7) Encadeamentos com outros sistemas - os sistemas complexos tendem a estar
ligados a outros sistemas complexos que por sua vez, são formados por outros
sistemas e assim sucessivamente.
O conjunto de características acima evidenciadas permite-nos afirmar que os sistemas complexos distinguem-se dos sistemas simplesmente complicados pelas suas propriedades de emergência que, por sua vez, derivam da dinâmica relacional incerta que se
vai criando entre os seus componentes. Por este motivo, o funcionamento dos sistemas
complexos não pode ser entendido mediante a simples desestruturação dos seus componentes singulares. A riqueza das conexões implica que a dinâmica trespasse todo o
sistema, modificando a própria natureza das interacções. Assim, a teoria do caos não
surge para substituir o enfoque convencional de análise dos sistemas complicados, mas
sim para edificar um modelo que permita complementa-lo de modo a abarcar os fenómenos excluídos pelos limites da sua explicação. A teoria do caos não se edifica sobre
uma complexidade meramente quantitativa, mas sim qualitativa, funcional e processual.
93
Para Edgar Morin (2001) a complexidade pressupõe e abarca os conceitos subjacentes de
incerteza, contradição e totalidade.
Por seu lado, o racionalismo científico tende a assumir, sem qualquer hesitação,
que toda a natureza pode ser compreendida e manipulada desde que previamente
decomposta nos seus elementos mais simples. A tendência para a decomposição, simplificação e controlo tem sido predominante em muitas áreas do saber, abrangendo, não só
as ciências naturais, mas também as ciências sociais e humanas. Na própria educação e
nos estudos curriculares têm surgido correntes que procuram a todo o custo impor a
linearidade e a simplicidade no ensino. O modelo Tyleriano é um exemplo claro desta
tendência, incentivando a decomposição do conhecimento em unidades cada vez mais
simples, de onde posteriormente se derivam os objectivos operacionais quantificáveis e
as respectivas tarefas a serem implementadas na sala de aula (Madeus e Stufflebeam,
1989).
Desde o sec.XVIII que a tendência para a decomposição tem vindo a instalar-se em
todas as áreas do saber, influenciando sobremaneira a forma como os homens observam
o mundo e o procuram compreender. O predomínio do empirismo e do racionalismo tem
sido de tal ordem que o próprio paradigma linear racionalista passou a substituir o mundo real, o que é sobejamente evidenciado, por exemplo, nas intensas quezílias paradigmáticas e metodológicas que continuam a existir no âmbito das ciências sociais, áreas do
saber que se têm visto frequentemente entrincheiradas em simplificações e exigências
de objectividade demasiado redutoras e incongruentes com a natureza do seu objecto de
estudo. Devemos admitir, sem qualquer hesitação, que o êxito do paradigma mecanicista
é inegável. A prova disso está no actual desenvolvimento das ciências e das tecnologias
do Sec. XXI, que estão actualmente ao serviço da educação e da saúde de algumas pessoas que vivem nos países desenvolvidos. Que o paradigma mecanicista clássico tenha
limites, não implica que não funcione em alguns âmbitos e que possa ser o mais adequado para a investigação em determinadas áreas científicas e tecnológicas. Porém, são precisamente esses limites que devem dar lugar à renovação baseada na complexidade.
Para além do mais, devemos ter em conta que foi a própria ciência exacta que demonstrou que o paradigma newtoniano não permite explicar adequadamente todos os fenó-
94
menos presentes na natureza, e que, portanto, é necessário encontrar modelos de compreensão mais abrangentes e adequados. Quanto mais os cientistas aprofundam os
micro e macro aspectos da natureza, principalmente com a ajuda dos potentes instrumentos tecnológicos que têm ao seu dispor, mais se apercebem que a natureza não
abarca simplicidade, mas sim complexidade.
Na linguagem corrente a palavra caos é frequentemente usada como sinónimo de
desordem e descalabro. Porém, no âmbito da epistemologia e das teorias científicas,
caos não significa ausência completa de ordem, mas sim união dinâmica e incerta dos
conceitos de ordem e desordem. Devemos compreender que, à luz das novas teorias, a
complexidade não é meramente entendida como exclusivamente complexa e caótica. Tal
como os fractais evidenciam, a interacção simples/complexo reflecte níveis retroactivos
de complementaridade, formando uma união e não uma diferença discreta. Na teoria do
caos, ordem e desordem não são considerados conceitos opostos e alternados, mas sim
dois aspectos de uma mesma realidade que convivem de forma indissociável. Waldrop
(1996) refere que Dee Hock, um dos gestores mais carismáticos e inovadores do Sec. XX,
que ganhou grande reputação pelas suas ideias sobre o funcionamento dos sistemas
complexos e adaptativos presentes na economia, na sociologia e na neurologia, propôs o
termo caórdico “chaordic” para designar a aglutinação do caos com a ordem, reforçando
deste modo a ideia de que existe uma estreita relação entre estes dois termos ao ponto
de não poderem existir um sem o outro. Assim, a realidade caórdica é simultaneamente
imprevisível (caótica) e organizada (ordenada). Também Cohen e Stewart (1994, cit in
Doll, 2002, p. 45) assumem que a “complexidade tem um determinado tipo de simplicidade nela contido”, tendo por isso proposto, tal como Dee Hock, duas novas palavras
complicity and simplexity para se referirem à constelação simples-complexo (que, por
evidente impossibilidade de tradução, mantemos na língua original).
95
CAORDE
COMPLICITY
SIMPLEXITY
Figura 12- Imanências das dinâmicas da Complexidade e do Caos
Síntese de Chaordic Commons (2005) e Doll (2002).
As novas metáforas (chamemos-lhe assim) caorde, complicity e simplexity, ao
caracterizarem uma realidade composta indissociavelmente de caos e ordem, simplicidade e complexidade, colocam definitivamente em causa a exclusividade dos paradigmas
que se baseiam na simplificação, no controlo e na linearidade como única possibilidade
de compreender e actuar no mundo, diga este respeito à tangibilidade ou à imanência do
desenvolvimento humano - fundamento dos processos educativos em que profissionalmente nos envolvemos.
96
3.1 INCERTEZA, COMPLEXIDADE E MULTI-REFERENCIALIDADE
As teorias da complexidade e do caos trazidas a lume pelas investigações da Física e
da Meteorologia deram às ciências humanas, pelo menos em alguns sectores, uma
importante achega para justificarem o seu progressivo afastamento do paradigma neopositivista que tende a dominar todas as metodologias e a limitar o espectro e implicações dos estudos relacionados com o Homem (Colom, 2005). Desde os anos 60 que as
chamadas ciências duras viam emergir no seu seio perspectivas sócio-históricas que
punham em causa a validade dos paradigmas baseados na aproximação probabilística ao
que se suponha serem as leis que regem tudo o que existe no universo. O “método crítico” com base no “teste dedutivo da falsificação de hipóteses” (da Silveira, 1996, pp. 200204) elaborado por Karl Popper (1985) em “Lógica da pesquisa científica” (edição original
de 1934), disseminado como o paradigma de referência para todas as disciplinas com
pretensões ao estatuto de ciência, começava a ser posto em causa pelas novas concepções epistemológicas que evidenciavam a relatividade social e histórica do saber científico (Ransanz, 1999). Thomas Kuhn (2006) destacou-se como um dos principais instigadores desta perspectiva, tendo revelado, de forma clara, como os paradigmas dominantes
que informam a ciência influenciam sobremaneira as próprias questões que são consideradas válidas para serem estudadas e o modo de pensar dos cientistas, e de como tudo
isto se relaciona com a hegemonia de determinados poderes estabelecidos e suas lutas
fratricidas. Tal como já apontámos, é necessário percebermos que o relativismo epistemológico não surgiu inicialmente no âmbito das ciências sociais mas do trabalho de estudiosos que, tal como Kuhn, provinham das ciências exactas e que centravam as suas considerações em disciplinas como a Física, a Química e a Matemática.
Sob um outro prisma, alguns filósofos e sociólogos, principalmente oriundos da
escola francesa, imbuídos nos estudos linguísticos e munidos de uma vasta formação
literária, começaram também a dar especial atenção às questões epistemológicas (e.g.,
Bourdieu, 2003; Deleuze e Guattari, 1995; Baudrillard, 1991; Derrida, 1978). Embalados
pelos estudos de Michel Foucault (e.g., 1987; 2005) sobre a relação promíscua entre o
saber e o poder, alguns destes autores passaram a dedicar-se às problemáticas desenca97
deadas pelos novos meios de comunicação, salientando a fragmentação, a multireferencialidade e a relatividade pós-moderna na construção do conhecimento e da
identidade. É também em grande parte sob sua influência que as ciências sociais e
humanas começaram a ver surgir, a partir da segunda metade do Sec.XX, a experimentação literária e artística como forma de explorar e descrever a emergente complexidade
do mundo contemporâneo.
A assumida aproximação das ciências sociais ao discurso filosófico e literário permitiu que as metodologias não-qualitativas ganhassem um novo impulso. Instigados pelas
correntes fenomenológicas, femininistas, etnográficas e críticas, os estudos qualitativos
desenvolveram-se avassaladoramente a partir dos anos 80, passando a incluir o experimentalismo, o multire-referencialismo, a auto-etnografia e as artes (e.g., Lincoln e
Denzin, 2003; Janesick, 2003). Os novos paradigmas e metodologias permitiram abrir as
ciências sociais e humanas a todo um novo mundo de problemáticas que até aí mal
tinham sido afloradas, tal como a homofobia, o sexismo e as subculturas (Gamson, 2003).
Inicialmente idealizadas nos campos da educação e das psicoterapias, os anos 70 e 80
viram também surgir as artes como metodologia de investigação (art based research),
(Diamond e Mullen, 2004; McNiff, 1998). As metodologias de cariz criativo e artístico são
posteriormente adoptadas por alguns dos investigadores qualitativos mais conceituados
e prolíferos da área da Antropologia e da Sociologia, nomeadamente por Norman Denzien que, na obra Performance Ethnography (2003), envereda claramente para a dramatização ficcionada como metodologia.
Podemos considerar que os paradigmas epistemológicos e as metodologias de
investigação caracterizam-se actualmente pela variedade, pelo experimentalismo e pela
inovação. As correntes disciplinares que tradicionalmente têm mantido uma ligação mais
estreita com as humanidades, tal como a psicologia dinâmica e as abordagens filosóficas
e ideológicas da pedagogia, sobretudo as disciplinas que vivem, pela sua própria natureza, na charneira das artes com o desenvolvimento humano como são os terapias e a educação artística, passaram a incorporar as novas correntes metodológicas de bom grado,
vendo-as congruentes com a riqueza do seu campo de estudo e com os seus instrumentos de trabalho. Ainda assim, enquanto determinados autores e escolas incorporam as
98
novas tendências auto-etnográficas, performativas e artísticas, outros sectores continuam a defender, intransigentemente, o paradigma positivista, procurando assegurar
que todos os estudos sejam validados e fiabilizados segundo as regras quantitativoestatísticas ou, pelo menos, que se sujeitem à suposta neutralidade dos instrumentos de
recolha e aos processos de validação assentes na “triangulação”. Principalmente a bem
da objectividade, todos os estudos devem assegurar, de forma clara e intransigente, a
suposta ausência do investigador enquanto pessoa com sentimentos e posicionamentos
políticos. Embora apaziguadas por algumas concessões que se vão oferecendo longe dos
extremos da diagonal, as contendas epistemológicas e metodológicas continuam a estar
submersas em polémicas de todo o tipo, evidenciando confrontações e intolerâncias que
por vezes mais parecem Ad Hominem.
99
3.2 CONHECER OS EXTREMOS PARA OS EVITAR (VARIAÇÃO 1)
Assumimos que apreciamos a confrontação e o extremismo quando estes nos
estimulam o pensamento, como fazem, por exemplo, alguns dos ensaios mais radicais
sobre a cultura e a mediatização de Baudrillard (1991). Do mesmo modo aceitamos como
instigadores de reflexão muitas propostas artísticas contemporâneas, onde incluímos,
somente a título de exemplo, as performances radicais sobre o corpo da francesa Orlan
(Moos, 1996) ou as criações poético-filosóficas do conterrâneo Alberto Pimenta (que,
como ele próprio escreve: “nasceu em 1937 e ainda não morreu”).
Seguimos também com interesse a vulgarmente chamada guerra das ciências e o
absurdo em que vão caindo muitas das argumentações mais radicais. Sobre este assunto
relembramos a famosa farsa engendrada por Alan Sokal que fez publicar, em 1996, na
revista norte americana Social Text, um trabalho recheado de citações de filósofos e
cientistas sociais que envolviam conceitos da Física e da Matemática (Sokal, 1996).
Depois de publicado, o artigo veio a ser inesperadamente assumido por Sokal como um
mero embuste; uma escrita recheada de erros e incongruências científicas cujo principal
objectivo era desmascarar os pós-modernistas incautos e afirmar que o relativismo epistemológico deve-se essencialmente à sua generalizada ignorância no que diz respeito aos
verdadeiros métodos das ciências exactas (Sokal & Bricmont, 1999). Sokal procurou
mesmo, no limite, desvalorizar qualquer sensatez e seriedade do trabalho dos cientistas
sociais e humanos de vertente pós-moderna. Do outro lado da trincheira, em contraposição, há quem diga, caricaturando, que o embuste de Sokal pode ser entendido como
uma espécie de enorme tratado elaborado propositadamente para criticar a teoria económica marxista com base no único argumento de que Marx tinha problemas de pontuação 1.
1 Critica publicada na Amazon à obra de Sokal & Bricmont (1999).
http://www.amazon.com/review/product/1861976313/ref=dp_db_cm_cr_acr_txt?%5Fencoding=UTF8&showViewpoin
ts=1 (consultado em Julho 2007)
101
Os posicionamentos mais radicais evidenciados pelos defensores do positivismo
contra as tendências da epistemologia pós-moderna têm dado azo a atitudes análogas
perpetuadas em sentido contrário. Por exemplo, os irmãos Bogdanov, dois físicos teóricos que conseguiram ver publicados em revistas das ciências exactas artigos que posteriormente vieram a ser considerados como um total non-sense. Os responsáveis pelas
revistas chegaram a admitir que estes trabalhos só tinham sido publicados devido a lacunas nos processos de apreciação por parte do corpo editorial de pares. Porém, o folhetim
está longe de estar encerrado, continuando a existir discussões que alimentam todas
estas polémicas. Note-se que a própria wikipedia teve de criar, para o caso dos irmãos
Bogdanov, uma comissão arbitral de modo a controlar os abusos e posições mais extremadas 1.
As lutas por vezes absurdas sobre o que é a ciência e a quem serve têm também
surgido no campo das artes. O grupo de artistas/cientistas sediado no Institute of Unnecessary Research2, para além de idealizar interessantes propostas de arte performativa
com base em conceitos das ciências naturais, tem vindo a conceber programas informáticos que escrevem de forma automática falsos artigos científicos, alguns dos quais, por
mais estranho que pareça, já chegaram a ser publicados em conferências científicas.
Em Portugal, a polémica da guerra das ciências foi inicialmente instigada pelo
sociólogo Boaventura Sousa Santos com a publicação de “Um Discurso sobre as Ciências”
(Santos, 1987). Obra contestada veementemente pelo físico António Manuel Batista, que
reagiu publicando um outro livro, cujo subtítulo é, em si mesmo, esclarecedor: “O Discurso Pós-moderno Contra a Ciência: Obscurantismo e Irresponsabilidade” (Batista A. M.,
2002). Apesar de todas as controvérsias, os posicionamentos de Boaventura de Sousa
Santos têm gerado um interessante debate sobre a epistemologia e metodologia das
ciências sociais, cujos desenvolvimentos apareceram recentemente compilados em forma de livro (Santos, 2003).
1 http://en.wikipedia.org/wiki/Bogdanov_Affair (consultado em Julho 2007)
2 http://www.unnecessaryresearch.org/ (consultado em Julho 2007)
102
Segundo o nosso ponto de vista, algumas das atitudes que podem ser observadas
nas discussões mais radicais presentes na guerra das ciências, quer pelo nível de linguagem usada quer pelo tipo de acusações, fazem de alguma forma lembrar a Questão
Coimbrã ocorrida em Portugal no Sec. XIX, que opôs Antero de Quental a Ramalho Ortigão e que chegou a redundar em duelo físico. Até parece que nos dias de hoje alguns dos
mais proeminentes cientistas e intelectuais continuam a evidenciar atitudes semelhantes, engendrando posicionamentos muito pouco construtivos baseado numa espécie de
retórica sarcástica e implacável para deleite e afirmação pessoal.
103
ELABORAR
ENTREMEZ 1
Viagem a casa alucinante. Um jantar memorável. Interessante, éramos seis adultos
e três crianças. Dos adultos viemos a perceber serem todos de países diferentes. Um
Cubano, de ódio visceral a Fidel, ainda somente há uns meses em Portugal, onde veio
parar, segundo afirma, por mero acaso. Uma espanhola de gema, cheia de salero. Um
dinamarquês, uma brasileira, um português e uma moçambicana. Todos nascidos em
países diferentes, com diferentes percursos de vida e contextos pessoais e profissionais
muito diferenciados. Porém, todos ligados às artes nos seus percursos formatyivos e profissionais. À dança, à cenografia, às artes plásticas, à produção e ao teatro. Um acaso nos
fez estar todos juntos durante uma noite, longa, bem-humorada, bem regada, fluida e
sem constrangimentos.
Um jantar interessante cheio de encontros e desencontros. Uma falar sobre a vida,
uma dramatização com mais actores do que audiência.
Cozinhei para todos de uma forma muito interessante. Fiz um cozinhado surrealista, improvisado, absurdo. Usei o que me deu na gana. Em duas horas improvisei a visão
dos alimentos, imaginei sabores, mas acima de tudo, juntei formas e cores. Não tive concessões, limites gastronómicos, livros de receitas ou referências culturais. Espetei umas
palinhas coloridas no queijo fresco. Claro que não era para beber. Mas achei a ideia
engraçada.
105
Um dos dilemas reflexivos desta tese prende-se com a escolha da forma e do local
que melhor possam potencializar a sua apresentação. Descobri isto com clareza em Santiago de Compostela conversando com o meu amigo Manuel e uma terceira pessoa que
tinha acabado de me ser apresentada.
- Sobre o que é a tese? - Perguntavam. - É sobre arte, não é? - Instigava o Manuel.
- Bem…- exalei pausadamente procurando ao mesmo tempo dissuadir a pergunta e
ganhar algum balanço para uma explicação que previa aborrecida – … não sei bem explicar… é sobre arte e educação… drama na educação para ser mais preciso.
- O Delfim disse-me que lhe foi sugerido o Centro Galego de Arte Contemporânea
como um possível local para a apresentação da tese. Se for aí tens de nos avisar com
antecedência. - Disse Manuel comprometendo Patricia com o olhar.
- Não sei ainda onde vou apresentar a tese. - Afirmei peremptoriamente. - Porém,
acreditem que a reflexão sobre o assunto tem vindo a tornar-se cada vez mais central.
Tenho estado a escrever desde há muito tempo. Não é que desgoste, mas sou muito perfeccionista. Às vezes passo vários dias com uma folha. Ultimamente tenho andado a
ponderar o assunto da apresentação da tese e começo a chegar à conclusão que esta
reflexão é importante; senão mesmo derradeira. Talvez, paradoxalmente, uma tese
devesse começar por aí, pela exploração das possíveis formas e locais que melhor pudessem potencializar a sua apresentação… – cortei imediatamente a imanência de um fluxo
mais divergente do pensamento e rematei – no fundo todos os contextos imprimem
alguma conotação!
- Mas se te sugeriram o Centro Arte Contemporânea é porque deve ser arte? –
Reincidiu Manuel.
106
- Sim, de certa maneira. No fundo qualquer lugar introduzirá sempre uma determinada conotação. O que gostaria mesmo era de apresentar a minha tese num local muito
personalizado. Um sitio onde pudesse ir compondo e recompondo constantemente a
forma da sua apresentação.
107
3.3 CONHECER OS EXTREMOS PARA OS EVITAR (VARIAÇÃO 2)
Infelizmente somo levados a admitir que maniqueísmos semelhantes às que se
encontram na guerra das ciências têm surgido recentemente no contexto educativo.
Verificamos isto, por exemplo, ao analisarmos a argumentação esgrimida entre os defensores de uma pedagogia progressivista e crítica e os apologistas dos modelos pedagógicos neoliberais centrados na avaliação somativa e no reforço das disciplinas centrais nos
curricula (Matemática e Ciências). Os posicionamentos mais retóricos e absurdos desta
discussão foram incentivados na sociedade portuguesa por Nuno Crato com a publicação, em 2006, da obra “Eduquês em Discurso Directo: uma Critica da Pedagogia
Romântica e Construtivista”, obra imediatamente seguida pela contra-argumentação de
Álvaro Gomes em “Blues pelo Humanismo Educacional? : A Propósito de dois Insólitos
Documentos” (Gomes, 2006). Interessante será sabermos que Nuno Crato (matemático e
professor universitário) foi um dos tradutores para português do livro Imposturas Intelectuais de Sokal e Bricmont (1999). Podemos ser naturalmente levados a depreender que
esta tarefa deve ter induzido Nuno Crato, agora em Portugal e na área da educação, a
radicalizar pontos de vista. Imitando a fórmula do livro “Imposturas Intelectuais” que
traduziu, Nuno Crato tece “em eduquês” desenfreadas críticas a diversos pedagogos e
filósofos, comentando uma série de citações que vai recolhendo de múltiplas fontes.
Acima de tudo, numa espécie de exercício de retórica sarcástica, Crato procura ridicularizar quem as escreveu, sem relativizar opiniões ou tecer qualquer referência a boas práticas ou à evolução histórica das concepções pedagógicas de pendor humanista e construtivista menos radicais. O livro apresenta-se essencialmente direccionado para um determinado tipo de aprendizagem (compreensão e memorização de conceitos matemáticos e
científicos) tomando uma parte pelo todo curricular. Acima de tudo, num puro exercício
tão ao estilo das argumentações mais infelizes da guerra das ciências, o autor exclui-se
de reflectir sobre a sua experiência enquanto aluno ou professor, abstendo-se também
de referir posicionamentos mais equilibrados na bibliografia especializada que se possam
considerar nos dias de hoje credíveis e abrangentes. Os principais problemas da escola e
do ensino são todos colocados no mesmo saco, supostamente derivados de erróneas
109
concepções pedagógicas com repercussões directas e nefastas a todos os níveis. Se,
devido ao evidente tom irónico e maldizente não formos levados a colocar desde logo a
obra “Eduquês” na prateleira dos livros de humor com maior sucesso em Portugal, entre
“o Homem que Mordeu o Cão” de Nuno Markl e “a Boca do Inferno” de Ricardo Pereira,
ainda conseguimos, com bastante esforço, extrair da obra de Crato um ligeiro laivo de
deontologia. Só deste modo seremos capazes de nos empatizar com algumas das críticas
elaboradas ao progressivismo mais radical. Porém, encarar tudo isto com seriedade e
generalizar as ideias de Nuno Crato a todas as disciplinas e ao sistema educativo é absolutamente desadequado, inoportuno e mesmo nefasto.
As discussões sobre os modelos educativos radicais, quer para o lado do laisserfaire quer para o extremo oposto do ensino autoritário têm vindo a originar, desde os
anos 70, posicionamentos mais moderados e equilibrados. Não é por isso aceitável, nos
dias de hoje, que existam práticas educativas fundamentadas em extremismos de qualquer espécie (Stenhouse, 1975; Abell, 2000). Contudo, tal como acontece em muitas
outras áreas impregnadas por valores ideológicos, continuam a existir indivíduos e instituições que usam o contexto educativo para incutir visões de intolerância. Tal como Morrison (2007) relata ter vivenciado nas escolas norte americanas, também nós, por experiência própria, sabemos que numa mesma escola ou universidade podemos encontrar,
por vezes a escassos metros de distância, pontos de vista diferenciados senão mesmo
opostos sobre as finalidades e as metodologias de ensino. Enquanto determinadas pessoas procuram fundamentar as suas práticas educativas na competição, na exposição de
conteúdos e na memorização [no que Paulo Freire (1997, p. 13) chama de “ensino bancário”] outras esforçam-se para que as suas aulas estimulem o trabalho colaborativo, a
aprendizagem pela descoberta e o pensamento crítico.
Devemos salientar que actualmente continuam a existir culturas onde o ensino é
essencialmente realizado de forma individual e exclusivamente direccionando para a
obtenção de bons resultados em testes e exames. É provavelmente por este motivo que
os alunos dos países industrializados da Ásia têm obtido os melhores resultados nos
estudos internacionais sobre o ensino da Matemática e das Ciências, aparecendo, por
exemplo, nos lugares de topo dos rankings elaborados pela Trends in International
110
Mathematics and Science Study (Mullis, Martin e Foy, 2003; Bhattacharjee, 2004).
Porém, os custos associados a este tipo de ensino têm sido altíssimos. O abandono escolar, fenómeno considerado até há uns anos exclusivamente ocidental, tem vindo a atingir
níveis cada vez mais elevados no Japão. Sabe-se, por exemplo, que em 1999, 130 mil
estudantes do ensino básico japonês recusaram-se frequentar a escola. Sabe-se também
ser muito frequente, nas escolas altamente competitivas da Ásia, os alunos revelarem
sinais de infelicidade e depressão, tendo as escolas japonesas, a partir dos anos 80, vindo
a ser avassaladas por elevadas taxas de suicídio e de crime violento (Pollack, 1994).
Segundo Beech (2006), em Hong Kong, um em cada três adolescentes revela ter ideias
suicidas, sendo o número de suicídios perpetrados pelos adolescentes que frequentam
as escolas japonesas e tailandesas igualmente alarmante. Diz-nos também o mesmo
autor que embora algumas das crianças que revelam estes problemas possam estar
incluídas no grupo dos desintegrados, dos que não conseguem acompanhar a “exigência
infernal dos exames”, os melhor sucedidos academicamente também revelam, com
demasiada frequência, evidentes sinais de frustração e infelicidade. A desorientação dos
responsáveis educativos perante este fenómeno é evidente, sendo mesmo a situação
inaceitável para alguns dos ocidentais que, apesar do sucesso económico que estes países lhes possam proporcionar, recusam ver os seus filhos educados em sistemas tão
competitivos e exigentes. É submerso no descalabro cada vez mais patente de um sistema educativo que procura implementar o sucesso académico a todo o custo (e que,
como os indicadores internacionais confirmam, sem dúvida o alcança) que o Director do
Departamento da Reforma Educativa do Ministério da Educação Japonês, Hiroshi Yoshimoto, lamenta o tempo perdido, afirmando - “Todos sabemos que temos de reformar o
ensino - ontem” (Beech, 2006, p. 1). De uma forma geral, os responsáveis e os professores assim o desejam. Porém, prevêem não ser fácil ultrapassar os fortes entraves que se
colocam à renovação de sistemas caracterizados quase exclusivamente pela exigência e
competição nas disciplinas centrais do currículo (Matemática e Ciências). É interessante
sabermos que a própria introdução das novas tecnologia na escola japonesa tem vindo a
enfrentar múltiplas dificuldades, visto que, para além de ser um processo que necessita
de um período de adaptação, conter a potencialidade de promover a diversificação dos
conteúdos e dos métodos de ensino. A pressão dos pais para que todo o tempo escolar e
111
mesmo extra-escolar seja empregue no ensino dos conteúdos requeridos para a competição na matemática e nas ciências é entendida, pelos professores e responsáveis, como
um dos principais entraves que se coloca à urgente reforma do sistema educativo japonês, dificultando sobremaneira a desejada promoção da capacidade reflexiva, do trabalho colaborativo e da solidariedade entre pares (Walker, 2003).
Não será com certeza necessário fazer um grande esforço para imaginar o que sentiríamos integrados num sistema escolar com estas características; se é que ao longo da
nossa vida não nos deparámos já com situações semelhantes, nas quais tivemos de
encontrar estratégias de sobrevivência. Também não será difícil imaginarmos como reagiríamos a uma situação de total laisser-faire, e de como isso entravaria a nossa vontade
de participar, desmotivando-nos, fazendo-nos mesmo duvidar dos conhecimentos e da
sensatez do professor. É necessário então que compreendamos, de uma forma muito
clara, que os radicalismos pedagógicos, quer de influência rousseauniana quer skinneriana, são incompatíveis - até mesmo com o bom senso.
Devido ao seu radicalismo, falta de abrangência e de parcimónia, o manifesto de
Nuno Crato foi facilmente incorporado na retórica política e no populismo. Se o autor
tivesse previsto isso, conclusão a que teria facilmente chegado com um pouco de reflexão sobre as prováveis consequências do seu livro (tendo em conta o estatuto social que
possui) teria realizado uma obra menos maniqueísta, mais abrangente e aprofundada.
Deveria, pelo menos, por uma questão básica de hombridade intelectual, ter colocado as
suas ideias à discussão entre pares e especialistas, em vez de as promover de imediato
junto da grande audiência, tratando deste modo um importante assunto de que não é
especialista de forma enviesada. Com a obra “Eduquês”, Nuno Crato conseguiu colocar a
discussão educativa ao nível de uma polémica semelhante à da guerra das ciências, formatando-a numa espécie de obra de divulgação a ser colocada nas bancas mais visíveis
das livrarias e dos supermercados. Fez crescer desmesuradamente o já evidente descrédito que a generalidade da população evidencia em relação às ciências da educação, aos
pedagogos e aos professores, apontando-lhes o dedo como principais causadores do
insucesso escolar, como se muitas das ideias pedagógicas mais inovadoras já tivessem
sido verdadeiramente compreendidas e postas em prática de uma forma generalizada na
112
escolas. Acrescentando a tudo isto o estatuto que lhe é conferido de académico relevante, algumas entrevistas na comunicação social, e facilmente vemos surgir o escândalo e a
histeria pelo estado da educação (nação) em Portugal e, consequentemente, a ideia de
que são precisas medidas imediatistas e radicais para o combater. Desta forma Nuno
Crato não prestou grande serviço à clarificação do assunto ou à criação de qualquer
medida pedagógica ajustada e com alcance. Vejamos então os resultados do grande alarido à volta do “Plano Nacional para a Matemática” iniciado em 2006 e que foi em grande parte inspirado nas ideias de Nuno Crato - mais horas para a matemática e mais formação de professores na matemática ; formação essa, em muitos casos, a decorrer nos
mesmos locais e com os mesmos conteúdos e estratégias da formação inicial. Uma espécie de programa de salvação nacional de mais do mesmo e da mesma forma. Se nos deixarem ironizar um pouco: uma espécie de pacote back to basics condensado e instantâneo.
Um ano depois, ao ser confrontado num programa de rádio com os resultados dos
exames de matemática de 2007, Nuno Crato afirma (sic.) “São resultados muito graves,
ainda piores do que os do ano passado, e isto prova que há problemas que não se resolvem com acção casuística”. Especificamente em relação ao tão badalado Plano Nacional
inspirado nas suas ideias “anti-pedagógicas” acrescenta: “Isto não funcionou. Os professores fazem o melhor que sabem”1. A primeira afirmação de Nuno Crato não nos merece
qualquer tipo de comentário, a segunda, porém, pode significar duas coisas. Ou Crato
pensa que os professores não dominam suficientemente a Matemática para a conseguirem ensinar aos alunos do 9º ano de escolaridade, ou então, por mais que a dominem,
deparam-se com outros factores que dificultam o seu ensino e aprendizagem. Se Nuno
Crato continuar a seguir o discurso inicialmente traçado na obra “Eduquês”, podemos
depreender com alguma facilidade o que pensará sobre o assunto.
No âmbito das polémicas sobre a educação que ele próprio incentivou, Nuno Crato
passou, posteriormente, a assumir com toda a clareza o papel de farsante. Encarna a
personagem ao pronunciar recentemente frases como: “o meu livro destina-se a levantar
1
TSF ON LINE ( 21h 21m - 11 de Julho 2007 ) http://www.tsf.pt/online/vida/interior.asp?id_artigo=TSF182021. Acedido
em 15 de Janeiro 2008.
113
polémicas” ou “cada vez que falo sobre ciência arranjo dez amigos; cada vez que falo
sobre educação arranjo cem inimigos” e mais, ao lhe perguntarem qual a corrente pedagógica que realmente perfilha chega a afirmar…”equilíbrio pedagógico…ou seja a utilização de métodos diferentes, apropriados ao longo do tempo ou complementares” (Batista
& Margarida, 2006). Se assim é, devia então perguntar a Nuno Crato porque não escreveu desde logo sobre o assunto, tendo sido mais construtivo e actual, em vez de desnecessariamente polémico e radical. Deste modo teria evitado as nefastas consequências
do engodo do populismo e a adopção da sua farsa pelo poder executivo, que não sabe ou
não se interessa pela desconstrução e relativização dos discursos. É óbvio que Nuno Crato arranja cem inimigos quando fala sobre educação, pois, quando o faz, provoca, a
médio prazo, mais danos, incompreensões e radicalismos do que benefícios. Pior do que
isso, como podemos constatar, estes danos não se ficam pelas ideias, mas traduzem-se
em medidas implementadas em grande escala e de forma imediatista nas escolas para
salvar o decadente rumo da educação.
A influência directa ou indirecta das conjunturas de Nuno Crato não se ficou contudo pelo tão badalado Plano Nacional para a Matemática. Durante as suas múltiplas
entrevistas Nuno Crato tem vindo a defender que a prioridade absoluta do poder político
em relação ao ensino deve assentar na mudança do sistema de contratação inicial de
professores que se baseia apenas na nota de licenciatura. Nuno Crato argumenta que
este sistema constitui um incentivo para as escolas de formação de docentes inflacionarem as notas e baixarem os seus critérios. Agora se compreende como a ideia de centrar
as principais problemáticas da educação na generalizada falta de exigência das escolas
quanto aos saberes quantificáveis do currículo prescrito (ou seja da Matemática) e na
suposta má preparação científica dos professores, tivesse muito recentemente outro
arrebatador epílogo. No dia 21 de Janeiro de 2008 foi publicado em Diário da República o
Decreto Regulamentar que define o Regime da Prova de Avaliação do Conhecimento dos
Docentes. Assim, o ingresso na carreira vai passar a depender, numa primeira fase, de
uma prova de avaliação de competências que poderá abranger questões sobre didáctica,
sobre o funcionamento e organização do sistema educativo e essencialmente sobre
114
assuntos relacionados com as áreas científicas específicas contempladas no currículo
prescrito que os professores têm de leccionar.
Se o objectivo desta imposição é realmente o que acreditamos ter sido, e que
supostamente se deve prender com a melhoria do trabalho dos professores, da qualidade das escolas e das aprendizagens, então sugeríamos a Nuno Crato e aos seus seguidores que tivessem realmente direccionado os seus esforços para a criação das medidas
que têm sido apontadas pelas fontes mais credíveis. O mínimo que deveriam ter feito,
era, pelo menos, terem perguntado a quem realmente trabalha nas escolas, com interesse genuíno e profissional na melhoria das aprendizagens, quais as medidas mais prementes e eficazes que devem ser tomadas. Assim, vemos desprezado de uma assentada todo
um manancial de ideias concretas e fundamentadas no terreno, para além de, obviamente, uma miríade de recomendações elaboradas através da pesquisa em teses de mestrado e doutoramentos, em projectos de investigação credíveis, assim como nos escritos
dos mais prestigiados pedagogos nacionais e internacionais (e.g. Bruner, 1996; Dias de
Carvalho, 2002; Landsheere, 1992; Hargreaves, 2005)Ver gardner em casa, ver Eisner
DEwey em casa portugueses Roldão ver em casa.
Não é difícil percebermos que as prioridades apontadas por quem trabalha no diaa-dia no terreno e por quem o investiga de forma sistematizada geralmente se direccionam para a melhoria, diversificação e acesso a recursos didácticos, para a adequação da
formação de professores à realidade das escolas, para a edificação de projectos que
fomentem a ligação despreconceituosa entre as escolas e as universidades, para o apoio
aos professores em início de carreira, para a promoção do trabalho colaborativo assim
como para a idealização de processos de desenvolvimento curricular mais flexíveis e
colaborativos.
Pessoalmente, e agora falando na primeira pessoa, dos já muitos anos de experiência que levo como professor em diversos níveis de ensino e também com base na bibliografia mais relevante que tenho consultado sobre estes assuntos, é a primeira vez que
vejo sugerido, como medida mais urgente e necessária para a melhoria do ensino e do
funcionamento das escolas uma maior exigência quanto aos conhecimentos científicos
revelados pelos professores em início de carreira. A farsa é assim enorme. Servirá a
115
quem? Pergunto eu. Que repercussões terá na formação de professores que sabemos
ser, na generalidade dos casos, já demasiado orientada para a aprendizagem científica
sem a necessária ligação com as realidades escolares e as didácticas? Que novas exigências e cortes se farão em projectos inovadores que procuram fomentar a aprendizagem
em contextos não formais, flexibilizar o currículo, promover a colaboração entre docentes, incentivar a investigação e a atitude reflexiva, e porque não, fomentar a participação
cívica e política dos professores naquilo que realmente lhes diz respeito?
Medidas casuísticas (para empregar o termo de Crato) têm também vindo a acontecer em Portugal com a implementação da informática no ensino, entendida por alguns
como uma espécie de bóia de salvação para o atraso generalizado do país. Um computador em cada sala - dizem. Porém, isto realizado com base em software fechado, sem
qualquer visão de futuro e sem as devidas recomendações pedagógicas. Essencialmente
sem a percepção de que um computador e a internet são, em si mesmo, instrumentos e
não processos. As questões pedagógicas e estratégicas, por exemplo, no que diz respeito
ao ensino generalista, ficam então relegadas para quando tudo se tornar obsoleto e
insustentável. Até lá, tal como aconteceu com as sugestões de Nuno Crato para a matemática, propõe-se formação de professores em grande escala. Devemos notar que, também aqui, as repercussões já são claramente visíveis. Como resultado desta política de
parangonas, muitos centros de formação de professores, que possuíam acções em diversas áreas e temas educativos, passaram a oferecer somente formação relacionada com a
informática - nada mais (e que supostamente os professores podem escolher!). Algumas
destas acções ensinam como se liga um computador, o que é a memória RAM, etc. Se
possível e o tempo for suficiente, ainda introduzem alguma formação básica nos programas de código fechado do imperialismo gigantesco da Microsoft, úteis para tarefas
administrativas, nomeadamente o Word e o Excel. Admite-se assim que as escolas e o
corpo docente ficam mais próximos (do quê?) e informatizados (para quê?). Claro que
esta visão é de algum modo caricatural. Sabemos que existem excepções de boas práticas educativas baseadas no uso do software livre, esforço comum e altruísta de muitos
educadores e técnicos que têm vindo a conjugar esforços para promover a criação de
comunidades de ensino aprendizagem. Porém, e infelizmente, embora caricatura, este
116
retrato dá-nos muito que pensar sobre o que alguns políticos com responsabilidades
executivas, ajudados altruisticamente pela Microsoft, implementam actualmente como
uma solução estratégica para a educação em Portugal.
Muitas das discussões que têm sido colocadas na praça pública no âmbito educativo, como por exemplo a que é esgrimida entre Nuno Crato e os seus opositores fazemnos reflectir sobre os diferentes argumentos. Em alguns vemos justiça e veracidade, tanto de um lado como do outro. Porém, neste tipo de discussão mediatizada e radical, tão
ao gosto das grandes audiências, parece não ser a razão e o bom senso que prevalecem
para clarificar posições, mas sim uma espécie de filiação; como se estivéssemos diante de
um processo de escolha semelhante ao realizado por algumas pessoas em relação aos
clubes desportivos. Escolhem, porque escolhem, e a partir daí apoiam quando os da sua
equipa marcam golos e ficam desalentadas e maldizentes quando o fazem os do lado
contrário. Assim nos querem fazer crer muitos dos conhecidos comentadores da nossa
praça. Para o caso, Filomena Mónica, Carlos Fiolhais, Prado Coelho, João Pedro da Ponte,
António Cabral e António Manuel Baptista, revelam-se bons exemplos. Os posicionamentos públicos de algumas das personagens mais destacadas do campo científico e cultural
português, ainda que por vezes velados pela sobriedade, evidenciam que as quezílias
educativas e epistemológicas em que se envolvem não são mais do que um enredo de
uma comédia absurda. Ao lermos os seus escritos conseguimos descortinar afirmações
que fazem lembrar os melhores diálogos jarryanos. Se à troca epistolar assinada pelas
próprias mãos dos interlocutores acrescentássemos somente umas breves frases de ligação, assim como alguns ícones e avatares usuais na comunicação síncrona, chegaríamos,
com facilidade, à seguinte interacção online:
117
Texto Performativo 3 - Conhecer os extremos para os evitar
3.4 CONHECER OS EXTREMOS PARA OS EVITAR (VARIAÇÃO 3)
Nuno Crato
Pois eu não disse já que “os teóricos eduqueses deixam os alunos
a navegar num mar de indefinições.
Parafraseando um humorista,
não dão tempo aos estudantes para aprender factos, pois ocupamnos demasiado em raciocinar sobre eles.” (sic1) ... Esta foi boa
e muito intelectual
MM…António Barreto…MM
lol
Tem muita razão Nuno. Sabe que, do ponto de vista político,
estas “realidades são hoje suficientemente conhecidas e
deveriam já ter proporcionado uma séria reflexão, tanto das
esquerdas como de todas as outras orientações de políticas
educativas” (sic2) Nesta coisa da educação tem-se vindo a fazer
uma política que não se compreende!
Desidério Murcho
enviou uma piscadela LOL
Políticas ou apolíticas, as ideias desses pedagogos “nunca
foram concebidas para serem colocadas em prática. As
ideias dos grandes gurus
pós-modernos
cias" da educação podem é
118
e das "ciên-
ser discutidas nas universidades, mas não devem servir para orientar políticas educativas.
É uma grande confusão. Essas ideias servem para notas de rodapé eruditas e vazias, para teses de mestrado e doutoramento infinitas, e mais
nada. Calculo que as pessoas que se vêem confrontadas com a aplicação
destas ideias inaplicáveis se sintam um pouco angustiadas. “( (sic3)
lllllllllllll Carlos Fiolhais llllllllllllllllll
Realmente·
“ o pós-modernismo é uma verdadeira praga intelec-
tual que aflige a pedagogia no nosso país (como em outros, mas
nós temos piores defesas: não desenvolvemos anticorpos em tempo útil) o que tem consequências terríveis sobre a qualidade de
ensino que se pratica.
Uma vaca é uma vaca, por muito que se lhe queira chamar um
boi... E as nossas crianças, para crescerem saudáveis, têm o direito inalienável a que não as confundam” (sic4)
[] João Pedro da Ponte
[]
Mas qual vaca, qual boi!!! Não seja ridículo ò Fiolhais!
Dessa conversa toda, que estão para ai a ter, no fundo, só se pode
depreender que o querem verdadeiramente é “queimar o inimigo
na praça pública com o libelo acusatório sumário
do estafado fantasma do eduquês.” (sic5)
MM…António Barreto…MM
Pois eu, que cheguei a exercer funções governativas, embora na área da
agricultura e pescas, também sei opinar ajuizadamente sobre educação e
concordo plenamente com o Doutor Fiolhais. Quanto ao vosso palavreado, João da Ponte, posso-vos assegurar que ”nunca tive grandes expectativas e sempre achei que tinha(m) um discurso perverso e demagógico
sobre o sistema educativo” (sic6)
119
Manuela Teixeira
Não ligues a essa gente João. É mesmo isso que tu disseste que vai na sua cabeça
.
(sic7)
No fundo e “em geral, apenas um jogo de palavras que inebria quem as profere”
António Cabral
Por favor
peço a vossa atenção Doutores, reconheçam que “o jogo é forte. Mas
deve ser limpo, não se justificando agressões maldosas e gratuitas…
…os participantes e adeptos de uma equipa têm o direito de criticar a equipa
adversária, a sua representatividade e objectivos; o que não lhes fica bem é
viciar o jogo, descaindo numa fraseologia cumulativa e gratuita, chocarreira, e
enveredando por um agonismo que subverte o que de mais genuíno, belo e
necessário tem a actividade lúdica
” (sic8)
Nuno Crato
Meritíssimo Cabral, ao falar assim, até parece que foi educado segundo essa maldita
“tendência de sublinhar os métodos pedagógicos e a «construção dos saberes» em detrimento
dos conteúdos e da exigência de conhecimento […]
Métodos sem conteúdos apenas podem criar ignorantes ou fala-barato. Às vezes, as duas coisas” (sic9)
João Carlos Espada
Pois é Crato, esse António Cabral não é dos nossos. Quer acalmar o jogo! Que jogo?
Não é só na educação que esses indivíduos pós-modernos e progressivistas andam a
meter o bedelho. A sua influência faz-se sentir em todo o lugar. Têm mesmo a lata de
pôr em causa a verdadeira ciência e as suas metodologias - Inaceitável – até parece que
“podem falar sobre tudo o que lhes apetecer, mesmo não tendo nenhuma formação
em Física. Os físicos, pelo contrário, não podem falar sobre física, porque os sociólogos
acusá-los-ão de não serem especialistas em... sociologia. […]
(Vejam lá, por exemplo, o Boaventura Sousa Santos)
Tendo negado a existência de verdade e decretado a era do vazio, Sousa Santos
120
prega em nome de quê? Só resta uma possibilidade: em nome da arrogância
autoritária do vazio.” (sic10)
O-Z-< Bgd, Bixes, Pois agora tenho de ir
vvvvvv
QA
Filomena Mónica
Xuikes n xz Espere João, não saia já do chat, querido,
esse %) Boaventura!
Oiça… Nem imagina…Ai, ai,
^F^ Não é que fui vasculhar, no seu passado, como fazem os bons políticos e as sopeiras nos vão de escada
<J lol, e dei de caras com um surpreendente livro publicado
pelo inqualificável quando era jovem. Um livro………………………………..pior querido……………………………….. poesia - poesia imberbe. Levei logo a preciosidade para a
minha casa de Cascais e deliciei-me.
“ Ainda pensei em fazer uma análise pseudo-laudatória, usando a linguagem críptica de alguns críticos literários, mas, não fosse alguém tomar a paródia a sério, acabei
por desistir, […]
Mas que esperava eu encontrar naquele volumezinho descoberto, entre o pó, numa
tarde de Verão? Não deveria saber que o mais certo era deparar-me com as delícias,
delíqueos e delírios que agitam os arcaicos cérebros de Coimbra quando lambuzados
com o verniz dos crânios que se passeiam por Wisconsin?
Que eu saiba, o Prof. Sousa Santos jamais foi acusado de assédio sexual. Os seus devaneios destinam-se tão-só a fazer corar as meninas das aldeias.” (sic11)
João Carlos Espada
Spctclo, Você é o máximo. Está demais. Linda, amiga >:->
nós, os verdadeiros académicos deste país é que sabemos lol ;-)0===8
Publique o que acabou de escrever num jornal. Você é influente e olhe que o texto até
tem muita qualidade…acima de tudo é esclarecedor e adianta muito ao assunto hiiiii,
lol (não estou a ser completamente irónico, querida) (:-...
Publique…é com certeza melhor que as deambulações poéticas do imberbe pseudoacadémico BSS…
Filomena Mónica
:`-~) Sim, estava inspirada, foi o máximo, fartei-me de rir com o que escrevi. Divirto-me
tanto :`-~)
CJ António Manuel Baptista CJ
log in
121
Filomena Mónica
Bem-vindo Doutor
CJ António Manuel Baptista CJ
B trd
K s pss por aqui? O costume, não?
Filomena Mónica
Olhe que isto tem estado com um nível!
João Carlos Espada
Fazia cá falta Doutor. Você é imprescindível com a sua prosápia. Consigo é a valer.
E ainda por cima é um cientista de verdade
que fala do que sabe…
Eu, infelizmente, peço desculpa, mas tenho de marchar
…
bye
CJ António Manuel Baptista CJ
Adeus João
Cumprimentos
João Carlos Espada
log out
Filomena Mónica
Estávamos a falar de um dos seus temas preferidos…
Criticávamos veementemente o “cientista pimba “
CJ António Manuel Baptista CJ
Pois sim Filomena, refere-se à rebuscada frase
onde assumo que ver o Boaventura SS junto
com verdadeiros cientistas a reclamar fundos para a investigação ao Presidente da República
“era como se soubéssemos que um músico «pimba» (sem ofensa) tinha ido com
Sequeira e Costa e Maria João Pires queixar-se do Governo ao Presidente da
República por cortes de fundos para instituições de cultura musical […]
Porém, Doutora Filomena
falta acrescentar o que mais importa.
122
Não se trata de uma questão entre os professores BSS e AMB e muito menos entre os
srs. BSS e AMB, insignificantes actores - apesar das suas vaidades, motivações e ambições de poder - de um drama mais sério, que tem lugar no palco planetário onde a
humanidade procura descobrir caminhos menos dolorosos e custosos do seu próprio
destino - se é que ele existe”. (sic12
Filomena Mónica
No seu caso não fale em ambição e vaidade. O Doutor sabe distinguir as coisas. O Doutor Merece,
e o nosso país também…
CJ António Manuel Baptista CJ
Você compreende-me Doutora. É uma pessoa bem formada e educada no trato. A Doutora sabe
que tenho por si a maior estima
.
Porém deve entender que vindo dessa dessa gente
“não há exemplos ou argumentos
(recorde-se a definição de insulto) em toda a verborreia, que se alarga, como indelével
nódoa, por páginas e páginas.” (sic13)
ºººººººººBoaventura Sousa Santosººººººººº
Abstenho-me de fazer comentários às vossas considerações. Realmente roçam o inimaginável da má criação e da presunção
“Fartam-se de recorrer ao sector informal do disparate “Não se (terão) dado conta de que nesse
sector a precariedade é dupla: a ignorância do disparate combina-se com o disparate da ignorância” (sic14)
CJ António Manuel Baptista CJ
Que bom seria que fosse só você Boaventura o rei do disparate! Agora não é que o dito intelectual Eduardo Prado Coelho vem em sua defesa.
Pois esse senhor é claramente, como Vossa
Exa., um dos mentores da seita “que deseja fazer passar por pensamento tudo o que passa
pela cabeça dos seus autores, desde que se possa exprimir com uma obscuridade suficiente para se conseguir disfarçar o vazio das ideias.
[…] Se Eduardo Prado Coelho promete que me não insulta, queria confessar uma
coisa. Promete?...”
(sic15)
Eduardo Prado Coelho
Nunca o insultei. Você é que me insultou. Ainda não percebeu que nestas matérias o Senhor
não passa de um ignorante atrevido e preconceituoso.
Tenha mas é tento com a língua “e
poderá começar a evitar certos dislates. Evitará o ridículo de dizer que comprou um dos meus
livros porque se intitulava "A Mecânica dos Fluidos" - é como se um empreiteiro tivesse ido
123
comprar à pressa o livro de poesia de Ruy Belo intitulado "O Problema da Habitação". (sic16)
A ligação on-line terminou abruptamente. Deixámos assim de ter acesso à troca de
ideias que povoa as actuais discussões sobre a pedagogia e a epistemologia em Portugal.
Contudo, acreditamos que o registado já permite ao leitor entender o tipo de temáticas e
posicionamentos que decorrem em alguns dos jornais mais conceituados.
Compreendemos que é de ficar incrédulo. Acredite porém que as ideias e frases
contidas neste breve extracto foram retiradas textualmente da escrita de algumas das
personalidades mais destacadas do meio científico e cultural português. Assim, para que
possa contextualizar e mesmo confirmar estes espiches, exibimos seguidamente um
quadro com uma breve apresentação dos diversos interlocutores e a indicação das publicações de onde foram transcritos, ipsis verbis, os seus argumentos.
124
Notas de contextualização:
Nuno Crato
• Doutorado em Matemática Aplicada. Professor Associado do Instituto Superior de Economia e
Gestão.
• Currículo em http://pascal.iseg.utl.pt/~ncrato/CVpor.pdf (consultado em Fevereiro de 2008)
• (Sic1) - Jornal de Letras, Artes e Ideias de 11/05/2005- Nuno Crato “Paradoxos da pedagogia”
(Crato, 2005)
• (Sic9) - Jornal Expresso de 10/02/2001 – Nuno Crato “Prometeu torturado” (Crato, 2001)
António Barreto
• Antigo Ministro do Comércio e do Turismo e Ministro da Agricultura e Pescas do I Governo Constitucional (1976-78). Sociologo. Investigador Principal do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de
Lisboa e Professor Catedrático Convidado na Faculdade de Direito da Universidade Nova.
• (Sic2) e (Sic6) - Jornal Público de 6/09/2004 – António Barreto “A esquerda enganou-se – II (a grande ilusão)” (Barreto, 2004).
Desidério Murcho
• Investigador do Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa. Professor de Lógica no Departamento de Filosofia da Universidade de Ouro Preto, Brasil.
• Currículo em http://dmurcho.com/cv.pdf (consultado em Fevereiro de 2008)
• (Sic3) - Jornal Público de 29/01/2002 - Desidério Murcho “Os novos paradigmas da educação”
(Murcho, 2002)
Carlos Fiolhais
• Professor Catedrático no Departamento de Física da Universidade de Coimbra. Professor convidado
em universidades de Portugal, Brasil e Estados Unidos.
• Currículo em http://nautilus.fis.uc.pt/personal/cfiolhais/ (consultado em Fevereiro de 2008)
(Sic4) - Jornal Primeiro de Janeiro. 1/2001 - Carlos Fiolhais “O pós-modernismo explicado às crianças”
(Fiolhais, 2001)
João Pedro da Ponte
• Professor catedrático no Departamento de Educação da Faculdade de Ciências da Universidade de
Lisboa.Coordenador científico do Centro de Investigação em Educação da mesma Faculdade.
• Currículo em http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/jponte/index.html (consultado em Fevereiro
de2008)
• (Sic5) - Jornal Expresso de 30/12/2005 - João Pedro da Ponte “A cruzada contra as ciências da educação” (da Ponte, 2005)
Manuela Teixeira
• Líder destacada do movimento sindical da classe docente e interventiva nas questões relacionadas
com a educação. Actualmente retirada da vida sindical, Manuela Teixeira continua a tecer publicamente
opiniões relacionadas com as questões educativas.
• (Sic7) - Jornal Expresso de 17/04/2004 – M.C. “Manuela Teixeira contra David Justino” (C, 2004)
António Cabral
• Licenciado em Filosofia pela Universidade do Porto. Professor aposentado. Fundador e interveniente em várias associações culturais em Portugal e no estrangeiro
• (Sic8) - Jornal a Página da Educação ano 11, nº 115, Setembro 2002 - António Cabral “A epistemologia ao rubro : Da evidência ao consenso. (Cabral, 2002)
João Carlos Espada
• Licenciado em Sociologia. Doutorado em Teoria e Ciência Política na Universidade de Oxford. Foi
assessor político do Presidente da República, Mário Soares. É actualmente Investigador do Instituto de Ciên-
125
cias Sociais da Universidade de Lisboa e Director do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica
Portuguesa
• (Sic10) - Jornal Expresso de 20/04/2002 – João Espada “A arrogância autoritária do vazio” (Espada,
2002).
Maria Filomena Mónica
• Socióloga e escritora. Licenciada em Filosofia pela Universidade de Lisboa. Doutorada em Sociologia
pela Universidade de Oxford. Actualmente Investigadora-coordenadora do Instituto de Ciência Sociais da
Universidade de Lisboa.
• (Sic11) - Jornal Público de 04/12/2004 – Maria Filomena Mónica - “O sociólogo-poeta Boaventura
Sousa Santos. (Mónica, 2004)
António Manuel Baptista
• Professor Catedrático de Física da Academia Militar-Lisboa. Professor de Medicina Nuclear na
Michigan State University - Estados Unidos da América. Autor de várias obras de divulgação científica e
colaborador na imprensa escrita e na televisão.
• (Sic12), (Sic13) e (Sic15) - Jornal Expresso de 15/11/2003 – António Manuel Baptista – “Conversa de
pássaros” (Baptista, 2003)
Boaventura Sousa Santos
• Doutorado em Sociologia do Direito pela Universidade de Yale. Professor Catedrático da Faculdade
de Economia da Universidade de Coimbra. Distinguished Legal Scholar da Universidade de WisconsinMadison e Global Legal Scholar da Universidade de Warwick.
• Currículo em http://www.boaventuradesousasantos.pt/pt/cv.htm (Consultado em Março de 2008)
• (Sic14) – Diário de Notícia de 02/04/2004 – Boaventura Sousa Santos – “O disparate informal”
(Santos, 2002)
Eduardo Prado Coelho
• Falecido em Agosto de 2007. Foi Professor na Universidade Nova de Lisboa. Autor de ampla bibliografia universitária e ensaística sobre teoria literária. Destacado membro de diversos organismos culturais
de âmbito nacional e internacional.
• (Sic16) – Jornal Público de 06/04/2002 – Eduardo Prado Coelho – “O Paraíso dos Tontos” (Coelho,
2002)
126
Temos vindo a demonstrar que as discussões sobre os paradigmas epistemológicos
e educativos estão impregnadas de tensões e radicalismos dissonantes com a ética e
mesmo com o bom senso. Subjacente a muitas destas imponderações encontra-se a
ideia de que a escola é essencialmente, senão mesmo exclusivamente, um local de ensino da matemática e das ciências; como se estivesse provado, em algum lugar, existirem
evidentes vantagens educativas na aprendizagem das ciências em relação às outras áreas
do saber e da cultura.
Muitos dos indivíduos que advogam a supremacia das ciências no ensino tendem a
acreditar que os princípios da educação humanista e construtivista têm vindo a ser aplicados correctamente e genericamente nas escolas, estando mesmo incorporados na cultura educativa. Podemos também induzir que, de uma forma geral, os apologistas radicais do ensino das ciências acreditam que os professores que prestam serviço nas escolas
possuem uma sólida formação pedagógica e didáctica. Contudo, sabemos, ou melhor sei,
por experiência própria, e saberão as pessoas que como eu leccionaram no ensino
secundário durante os anos 90, que muitos dos professores da área das ciências, nomeadamente da matemática, não possuíam na altura qualquer formação pedagógica, tendo
chegado ao sistema educativo, por exemplo, directamente das engenharias. O mesmo se
passava em outras áreas curriculares, incluindo as áreas artísticas, onde era comum
encontrarem-se a leccionar no ensino básico e secundário indivíduos ligados às artes que
não tinham frequentado durante a sua formação superior qualquer disciplina relacionada
com a educação. Esta é somente mais uma das razões, entre outras, que nos permite
contestar claramente a argumentação dos que vêem a disseminação das ideias pedagógicas como um dos factores que mais tem contribuído para o insucesso educativo e para
o mal-estar generalizado nas escolas. Devo ainda acrescentar que, como docente com
vasta experiência nos cursos de formação de professores, sei que as próprias disciplinas
relacionadas com a pedagogia e com a didáctica são frequentemente leccionadas de uma
forma lacunar, caindo em generalizações teóricas expositivas que descuram os processos
reflexivos e experienciais que devem enriquecer e contextualizar as didácticas. Devo
também referir que as disciplinas pedagógicas possuem muitas vezes cargas horárias
reduzidas e, acima de tudo, não fomentam, de forma substantiva e sistemática, as impor-
127
tantes articulações da didáctica geral com os curricula em vigor nas escolas e com as realidades vividas nos estabelecimentos de ensino.
Não especularemos em demasia se afirmarmos que, por vezes, os apologistas mais
extremistas do ensino das ciências são de tal maneira imponderados que parecem admitir, sem qualquer sombra de dúvida, que as leis de Newton foram mais importantes para
o desenvolvimento da humanidade do que a abolição da escravatura ou a revolução
sufragista. Sobretudo, inerente a estes posicionamentos mais radicais, subjaz a ideologia
especulativa de que o progresso da humanidade depende essencialmente do saber científico e tecnológico e não do concomitante desenvolvimento da tolerância, cooperação e
solidariedade entre os homens e as culturas.
A educação exaurida de idealismo e de valores humanistas tem vindo a ser imposta
transversalmente em todos os subsistemas de ensino. As profissões tecnológicas e científicas são apresentadas cada vez mais como a escolha de futuro para os jovens que vêem
o estudo das humanidades conduzir a profissões sem reconhecimento social e emprego.
Tudo isto faz com que o sistema educativo se direccione predominantemente para a
criação, desde a mais tenra idade, do perfil ideal para suprir os quadros técnicos que
poderão patrocinar de forma subserviente os estados militarizados e as grandes empresas. É sinal disto, por exemplo, a seguinte notícia da Agência Lusa de 16 de Maio de 2008:
…outro sintoma das inúmeras oportunidades de emprego nesta área (informática)
são os resultados dos concursos de professores para as escolas básicas e secundárias
do Ministério da Educação. No último concurso, milhares de professores de quase
todas as áreas mais uma vez não conseguiram colocação, enquanto alguns finalistas
de informática, ainda com o curso por terminar, ficaram colocados logo na primeira
candidatura e com horários completos.”
Na análise que fazemos à importância do conhecimento na sociedade actual é
também interessante referirmos que algumas das áreas que supostamente deveriam ter
por base a solidariedade humana e o altruísmo têm vindo, elas próprias, a aproximaremse cada vez mais da sociedade de consumo. Muitos dos serviços que tendencialmente
deviam ser prestados para o bem-estar e desenvolvimento da humanidade, continuam a
128
ser de acesso exclusivo, sendo pagos a preço de ouro pelos indivíduos economicamente
mais poderosos. Embora a classe média dos países desenvolvidos consiga, com grande
dificuldade, aceder a alguns dos serviços mais especializados, por vezes delapidando os
recursos patrimoniais das suas famílias, são essencialmente os técnicos superiores altamente remunerados pelo seu trabalho, os descendentes das linhagens medievais guerreiras, as destacadas patentes militares, os artistas e desportistas incorporados nos circuitos industriais, os políticos e gestores dos países mais ricos como dos mais miseráveis
do mundo, assim como os mafiosos e os altos traficantes de droga que acedem aos
melhores serviços de educação, saúde e justiça, em qualquer local do planeta onde estes
estejam sediados. A saúde é um caso evidente deste malogro, onde os chorudos negócios envolvidos na tecnologia farmacêutica e na engenharia subvertem qualquer possibilidade de justiça e de acesso aos cuidados médicos e à tecnologia de ponta.
Actualmente, a ética e a solidariedade apresentam-se somente nas franjas dos corpos teóricos dos ramos do saber, sendo muitas vezes oferecidas como esquiço extravagante e curiosidade histórica. Sobretudo, são somente visíveis na prática de excepcionais
técnicos e cientistas mais lúcidos, cultos e resistentes. O tempo económico é precioso e a
avidez pelos recursos faz com que o pensamento filosófico e humanista seja muitas vezes
entendido pelos saberes disciplinares cada vez mais técnicos como uma fraqueza e uma
perca de rumo. O estado, que tudo procura regular e organizar, distribuindo recursos e
marcando as políticas de desenvolvimento, envolve-se muitas vezes numa maquinação
ideológica que não consegue controlar. Fomenta a todo o custo o poderio técnico, científico e militar numa complexa rede de múltiplos interesses. A focalização desmedida deste tipo de valores é perfeitamente visível nas celebrações mais importantes que se organizam para mostrar ao mundo o que mais relevante existe num país, fazendo desfilar, de
forma ritualista e solene, as imponentes armadas e máquinas de guerra. É desta forma,
por exemplo, que vemos os dirigentes mais destacados celebrarem com orgulho o dia da
sua nação.
No âmbito da mescla de interesses da política com a ciência e com tecnologia, as
evidentes faltas de deontologia chegam por vezes ao conhecimento público através da
denúncia dos jornalistas menos submetidos, que conseguem evidenciar a promiscuidade
129
existente entre a política e os interesses económicos privados, com a junção, na mesma
pessoa, de funções simultâneas e/ou alternadas de representante do interesse do estado
e dos interesses das instituições privadas ou mesmo a participação furtiva nos negócios
obscuros da corrupção. O poder das grandes empresas tecnológicas, energéticas e militaristas é o poder que o estado alimenta e o conhecimento e a praxis educativa que promove caminha essencialmente nesse sentido. Só deste modo se consegue compreender
a aceitação imediata e irreflectida pelo poder executivo das ideias de indivíduos como
Nuno Crato, tidas como sensatas por um sistema educativo ávido de progresso científico
e tecnológico. Ideias que chegam mesmo a ser consideradas como necessárias e urgentes para a qualificação de um sistema que, por vezes, chega a funcionar no limiar do
equilíbrio afectivo e da convivência saudável entre seres humanos.
Os estudos e a disseminação dos valores éticos e humanistas não são concordantes
com o perfil dos profissionais eficazes requeridos para as áreas tecnológicas e científicas
associadas ao poder. O desenvolvimento de valores como o altruísmo e a solidariedade
tendem por isso a ser relegados para uma suposta educação religiosa desadequada e
caduca, ou para as emergentes áreas curriculares que abordam o civismo, mas que funcionam de forma opcional, sem os créditos e o poder real como vozes marcantes na
reflexão e condução do rumo das escolas e do ensino.
De uma forma genérica e transversal, o sistema educativo, desde o derrube da
educação sexista, religiosa e xenófoba que reinou na Europa durante as ditaduras e as
grandes guerras (e na qual, não nos devemos esquecer, muitas das pessoas que desempenham actualmente importantes cargos foram educadas) nunca conseguiu implementar os valores e as práticas da solidariedade e da cooperação. Não existem metodologias
e disciplinas que verdadeiramente as promovam. Existem sim, actualmente, no ensino
básico e secundário, lugares de docência para os quais os professores competem arduamente entre si, em provas quantitativas baseadas essencialmente nos seus conhecimentos científicos. Por seu lado, no ensino universitário, o que conta cada vez mais e de forma quase exclusiva é o número de publicações em revistas onde são referidos os nomes
de determinados indivíduos pelo grupo de pares. Processos que revelam por vezes
deturpações que roçam o absurdo, com pessoas a produzirem artigos atrás de artigos,
130
assentes em plágios dissimulados sem qualquer laivo de reflexão pessoal. Criam-se revistas entre grupos restritos de amigos, chegando mesmo a existirem complôs de citações
cujo objectivo é obter maior visibilidade curricular. A troca de favores parece assim trespassar todo o sistema. A competição pelos lugares de docência é cada vez mais uma luta
desgastante, oportunista e muitas vezes destrutiva. O mobbing ou assédio moral chega a
ser a estratégia dissimulada para afastar os mais capazes e eticamente correctos. O que
conta é a fachada da competência e as amizades de conveniência. Esta cultura educativa,
cada vez mais evidente, revela assim, com toda a pujança, os muitos anos de escolaridade a que os indivíduos foram submetidos, assentes na competição e na ausência de valores.
É natural que neste sistema as avaliações escolares sejam entendidas sobretudo
como etapas quantitativas de competição entre pares, momentos chave do sistema para
onde tudo converge de forma rápida e impessoal. O tempo é sempre escasso e a quantidade da matéria envolvida implica um grande esforço de condensação e focalização para
os professores e para os alunos. Tudo o que não se insere especificamente este caminho
linear pré-traçado é considerado supérfluo. Por isso, no ensino secundário, surge a disseminação dos negócios paralelos das explicações nas matemáticas, nas físicas, nas línguas e actualmente mesmo os franchisings das ciências e tecnologias, onde os mais privilegiados recebem apoio e confiança. Na cultura educativa que se promove nas escolas e
nas universidades quase tudo se celebra e ritualiza com base no poder do mais forte, do
mais capaz, quantas vezes facilitando a vida aos mais submissos e aos arrivistas a todo o
custo. Adopta-se por isso, como universal e consensual, sem qualquer discussão de fundo, que a qualidade das escolas, do ensino e da educação é essencialmente uma medida
quantitativa assente nos rankings dos resultados nas matemáticas e das ciências. “Os
valores incontestáveis obtidos nas provas das ciências exactas”, por serem tão objectivos, comparáveis e despersonalizados, tendem a ser aceites como os verdadeiros indicadores da qualidade da educação. O saber posicionar-se de forma afectiva e construtiva
perante os dilemas humanos e o conhecimento crítico da cultura ideológica e artística
são aspectos entendidos como menores e desprezíveis, fazendo parte de um conjunto de
funções e capacidades sem reconhecimento social e sem acesso aos recursos económi-
131
cos e educativos sobrepovoados pela tecnocracia e pelas disciplinas que alimentam de
forma subserviente os caminhos traçados pelo poder económico e político.
De forma semelhante ao que acontece na educação, as metodologias de investigação tradicionais também têm procurado a todo o custo desprenderem-se de qualquer
valor afectivo, tornando a investigação nas ciências humanas e na pedagogia uma objectividade sem ressonância emotiva, ideológica, política e sobretudo ética. Estes aspectos
cruciais são por isso tidos como subalternos, demasiados subjectivos para poderem ser
levados em conta. A forma do investigador sentir e de estar no mundo, a sua personalidade, identidade e reflexão são meros adornos que desvirtuam a universalidade, objectividade e mesmo validade de todo o processo de investigação. A ética, tal como vimos na
dramatização atrás elaborada em forma de diálogo online, tende por isso a estar completamente arreigada dos discursos sobre a educação e a epistemologia. Pudemos constatar, de uma forma clara, que muitas das pessoas ligadas ao poder político e académico,
reconhecidas socialmente como académicos prestigiados, assumem posicionamentos
sobre a pedagogia e a epistemologia com base um jogo de pura retórica. Acima de tudo,
e infelizmente, temos mesmo de admitir que os seus discursos revelam essencialmente
argumentações auto-promotoras, descontextualizadas, imorais, criticáveis e nefastas.
Não podemos por isso deixar de admitir que a ética, baseada no respeito mútuo, na parcimónia, na humildade e seriedade intelectual, deve ser central em qualquer discurso de
referência sobre a construção e a partilha do conhecimento.
132
3.5 ÉTICA EDUCATIVA NA DESCONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO
CONSIDERAÇÕES PRÉVIAS
A desconstrução consiste em mostrar como os termos privilegiados são colocados no seu
lugar pela força de uma metáfora dominante e não, como poderia parecer, por qualquer
lógica conclusiva. […] A desconstrução procura desmantelar a lógica pela qual um sistema
particular de pensamento é fundado, assim como todo um sistema de estrutura política e
controlo social mantém a sua força.
(Madison, 2005, pp. 162-163)
Somos da opinião de que qualquer trabalho que aborde a problemática educativa
de forma crítica e que recorra às metodologias de investigação menos tradicionais deverá
clarificar o seu posicionamento perante as contendas que actualmente assolam os campos da pedagogia e da epistemologia.
Este trabalho, socorrendo-se em grande parte das metodologias de investigação
baseada nas artes, não se enquadra, por isso, nas perspectivas académicas mais padronizadas.
O princípio básico da dialéctica epistemológica, que assume que a discussão baseada na seriedade intelectual é sempre salutar, permite-nos afirmar que jamais aceitaremos – tanto em relação ao nosso trabalho como à nossa pessoa – criticas retóricas semelhantes às que tivemos oportunidade de visitar “nas guerras das ciências e das pedagogias”.
No âmbito destas considerações prévias, resta-nos ainda afirmar, e não de menor
monta e risco, que os escritos aqui elaborados direccionam-se exclusivamente para os
indivíduos que pensam de forma livre e abrangente; isto é, para as pessoas que, independentemente de qualquer código imposto por poderes académicos, estão determinadas a
reflectir criticamente sobre o mundo e sobre si próprias.
133
AUTORIDADE E IMPOSIÇÃO DE VALORES
A moral e a ética questionam o que é ser honrado e benemérito, capaz de agir de
boa fé e de escolher a justiça em vez da iniquidade. A moral e a ética decorrem dos imperativos vitais que impelem os homens a ligarem-se construtivamente a si próprios, aos
seus semelhantes e, de uma forma geral, a todo o universo. Para Morin (2006) a ética e a
moral sobrepõem-se em múltiplas ocasiões. A ética, que designa um ponto de vista
supra-individual é inseparável da moral que, por sua vez, diz respeito às decisões intraindividuais. Se, por um lado, a moral individual depende da ética, a ética, sem a moral,
apresenta-se também como um termo desprovido de significado.
A ética e a moral habitam a retroacção reflexiva entre o pensamento e a acção,
existindo dois ramos que delas derivam que, no que diz respeito à reflexividade, revelam
algumas limitações: o ramo deontológico, que obedece especialmente à regra, e o ramo
teleológico, que obedece sobretudo à finalidade. Enquanto o primeiro privilegia sobremaneira os meios, o segundo subordina-os.
Madison (2005, p. 80) afirma que “compreender o que é a ética é simultaneamente um assunto de pesquisa filosófica e uma forma de ser no mundo”. Ou seja, o juízo
moral é o que verdadeiramente valida as nossas crenças, atitudes e comportamentos. O
questionamento moral está por isso presente nos dilemas mais importantes da vida,
emanado das concorrências e antagonismos que sempre existem entre as necessidades e
interesses da própria pessoa, da comunidade mais próxima e da humanidade de uma
forma geral.
Visto abarcar uma multiplicidade de quadros de referência, o juízo moral dificilmente ocorre segundo uma lógica binária (bem versus mal). O seu funcionamento implica sim, um amplo espectro de valores e uma dialógica onde o bem e o mal podem coabitar, aproximando-se e afastando-se num continuum instável. Por vezes, o bem e o mal, o
justo e o injusto, podem não ser de todo evidentes ou apresentarem-se falsamente claros. No fundo, a moral e a ética dinamizam processos de pensamento e julgamento que
134
accionam a integração e a complexidade, admitindo a incerteza e a contradição (Morin,
2006). Ajuizar moralmente qualquer discurso ou acção faz inevitavelmente desencadear
potentes forças de separação e deslocamento, mas também de afecto e solidariedade.
Por isso, o juízo moral não se apresenta como uma espécie de exercício lógico-racional
que permite resolver eficazmente os dilemas Kohlbergianos (Kohlberg, 1976). A ética e a
moral integram a totalidade do sujeito num determinado momento, acabando sempre
por congregar os seus conhecimentos e emoções.
O que acabámos de abordar permitem-nos ser peremptórios na afirmação de que
os discursos sobre a epistemologia e a educação, tal como os que transcrevemos anteriormente na “dramatização online”, traduzem sempre uma determinada apologia ontológica, sendo coerentes com a forma de ver e estar no mundo dos seus apologistas ou,
em vez disso, incongruentes e simulados.
São em grande parte as crenças morais que nos permitem estruturar a nossa identidade; e muitos de nós sofrem quando os valores sobre os quais alicerçamos a nossa
personalidade entram em conflito com as nossas acções. Como seres sociais temos
obviamente o leque de opções comportamentais altamente condicionado pela cultura
onde nos inserimos. Ainda assim, as acções e os discursos que produzimos acabam sempre por confirmar ou camuflar os princípios da liberdade e da responsabilidade individual. Isto acontece porque, a moral, na sua essência, não possui um fundamento justificativo meramente exterior ao indivíduo. A ética e a moral, tal como já dissemos, são processos justapostos, multi-referentes e contínuos.
Todos já tivemos oportunidade de observar, pelo menos nos noticiários televisivos,
como as sociedades de cariz autocrático tentam incutir nos cidadãos os valores e os
deveres. Nos contextos déspotas, enquanto a polícia e o exército impõem a razão pela
força, a religião procura instalar nas mentes, desde a mais tenra idade, os mandamentos
sagrados que provocam o medo e a culpabilização. Contudo, a história da cultura alertanos para que, custe o que custar, mesmo nas circunstâncias mais duras, não devemos
deixar de nos assumir como indivíduos moralmente emancipados e que, mais cedo ou
mais tarde, seremos julgados e responsabilizados pelas nossas acções. Sobre este assunto atentemos nas seguintes palavras de Hannah Arendt (2005, p. 341) :
135
… o pensamento[…] é possível, e sem dúvida real, sempre que os homens vivam em
condições de liberdade política. Infelizmente, e contrariamente ao que nos quer fazer
acreditar a proverbial e independente torre de marfim dos pensadores, não existe
nenhuma outra capacidade humana tão vulnerável, sendo por isso muito mais fácil
actuar do que pensar debaixo de um regime tirânico. Como experiência viva, sempre
se supôs – quiçá erradamente – que o pensamento é património de uns poucos. Talvez não seja excessivo atrevimento acreditar que, nos nossos dias, esses poucos ainda sejam menos. Isto pode ser de escassa ou de limitada importância para o futuro
do mundo, porém não o será para o futuro do Homem. Porque se às várias actividades dentro da vida activa não se lhes aplicam mais provas do que a experiência de
estar activo, nem outra medida para além do alcance da pura actividade, jamais se
permitirá que o pensamento, como tal, as supere todas. Quem tem alguma experiência nesta matéria conhece o motivo que levou Catón a dizer:[…] («nunca ninguém
está mais activo do que quando não faz nada, nunca se está menos só do que quando
se está consigo mesmo»).
A citação de Arendt remete-nos para a noção de que a dialéctica do pensamento e
da acção pode resultar na inércia voluntariosa, apresentando-se como condição existencial e identitária básica dos indivíduos que não se deixam subjugar pelas normas e evidências impostas.
Esta questão filosófica, ou se quisermos ontológica, foi mesmo corroborada pela
psicologia experimental. Numa experiência realizada em ambiente controlado, ficou
demonstrado como a obediência cega à autoridade degrada moralmente os que não se
atrevem sequer a colocá-la em causa. Os resultados da experiência de Milgram (2006)
indicam que a subserviência acrítica a quem se anuncia como conhecedor e dominante,
fomenta a ilusão de que é possível abdicarmos da nossa própria responsabilidade ética.
Este equívoco pode chegar mesmo a levar as pessoas a torturarem e a assassinarem sem
hesitar os seus semelhantes. Descrevamos então, quanto antes, a simples mas engenhosa experiência que permitiu a Milgram chegar a estas conclusões.
Nesta experiência uma pessoa é convidada a desempenhar o papel de professor e
outra de aluno. O “ aluno” senta-se numa cadeira com uns eléctrodos colocados no corpo. Explica-se então, a quem vai desempenhar o papel de professor que deve infligir ao
“aluno”, através de um manípulo, descargas eléctricas que vão dos 15 aos 450 voltes. A
136
cada erro do “aluno” perante as perguntas de um questionário, o “professor” é incentivado a provocar gradualmente descargas com tensões superiores às precedentes. À primeira descarga, de 75 voltes, o indivíduo que desempenha o papel de professor ouve,
numa voz previamente gravada, o “aluno” a gemer, aos 150 voltes a voz suplica que se
pare a experiência, aos 270 grita e agoniza, e aos 330 acaba por desfalecer. Estimulados
pela autoridade do cientista presente na sala, dos 40 “professores” colocados sob experiência, 26 (ou seja 65%) chegaram a submeter os “alunos” a descargas de 450 voltes.
Numa segunda experiência, na qual os “professores” eram livres de eleger os valores que
queriam aplicar, somente dois indivíduos ultrapassaram os 375 voltes, ficando todos os
outros pelos níveis de tensão eléctrica mais ligeiros.
A experiência de Milgram (2006), que ficou conhecida por obediência à autoridade,
demonstra que as pessoas comuns, sem qualquer motivo para hostilidades, somente por
estarem a cumprir uma tarefa sob as ordens da autoridade, podem facilmente tornar-se
agentes implacáveis de destruição. Estas preocupantes conclusões evidenciam que a falta de emancipação ética sobrepõe-se a uma suposta maldade congénita como possível
explicação para a participação acrítica de muitos indivíduos como carrascos nos genocídios. Tudo isto permite afirmar que a promoção educativa da individualidade pensante é
essencial para a emancipação ética. Quando o problema é simplesmente obedecer a um
dever, toda a sua resolução assenta na vontade em se cumprir ou não o que foi previamente estipulado. Os problemas éticos, por sua vez, só surgem quando os indivíduos são
confrontados com diversas hipóteses e valores antagonistas, ou seja, os dilemas éticos
não residem na insuficiência, mas sim na amplitude de possibilidades.
137
Figura 13 – Amplitude de possibilidades: Processador - Cientista/professor/aluno/
138
CONDICIONANTES AO LIVRE ARBÍTRIO
Todos nós, ao longo da vida, somos amiúdas vezes confrontados com uma grande
pluralidade de opções morais que temos de valorizar e escolher. Para além de termos
necessidades e interesses particulares, não deixamos de reflectir e de sentir de forma
empática as incompreensões e injustiças cometidas por/sobre outras pessoas. Os múltiplos interesses e deveres com que somos confrontados, dos mais próximos aos mais distantes, podem ser complementares ou profundamente antagonistas. Sabemos que nos
podemos equivocar sobre tudo isto. Corremos mesmo o risco de nos encerrarmos em
nós próprios e de nos tornarmos indiferentes aos problemas que não nos dizem directamente respeito. Por vezes, não chegamos sequer a resolver satisfatoriamente os dilemas
morais que vão surgindo, tendo por isso de aprender a viver com eles, desprezando a sua
importância ou retardando as decisões para melhor podermos ajuizar. No fundo, apostamos sempre num desenlace de compromisso que, em última análise, admite a contradição. Klein (2004, cit. por Morin, 2006, p. 61) diz-nos que
A ética não é um relógio suíço cujo movimento jamais se perturba. É uma criação
permanente, um equilíbrio sempre prestes a romper-se, um tremor que nos convida,
a todo o instante, à inquietude do questionamento e à procura da boa resposta.
Não será difícil admitirmos que o conhecimento e o raciocínio ajudam a esclarecer
os dilemas éticos e que existem fortes vínculos entre o saber, a inteligência e a consciência moral. É por isso consensual aceitar-se a ideia de que muitos dos extravios éticos
derivam de lacunas do conhecimento sobre a vida e sobre o concreto das situações. No
entanto, tudo isto é inseparável da propensão para o auto-engano.
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Figura 14 - Degradés de clarividência
Está amplamente provado que, pela sua própria natureza, a mente humana tende
a afastar o que lhe desagrada e a seleccionar o que corrobora as suas convicções. A própria memória e os sentidos confirmam a selectividade fenomenológica. A racionalidade é
altamente permeável, estando muitas vezes subjugada às sombras do subconsciente. É
provável que uma das maiores ilusões consista em acreditarmos que estamos a obedecer
a uma exigência moral superior e digna quando, no fundo, estamos a actuar com base na
maldade e na mentira. O terrorismo é um exemplo claro onde a capacidade de discernimento está embutida pela intolerância. Devemos sobretudo perceber que:
…as guerras, torturas, migrações obrigadas e outras brutalidades calculadas que
constituem grande parte da história recente, foram, em grande parte, levadas a cabo
por homens que consideravam que as suas acções eram justificadas, e por isso, exigidas conforme certos princípios básicos em que acreditavam.
Waddington (1980, cit. por Bauman, 2004, p. 81)
Lacunas na capacidade de auto-crítica e de raciocínio podem conduzir à rigidificação ética e esta, por sua vez, levar ao maniqueísmo e à ausência da capacidade de perdoar. Sem a abertura à reflexão, o agastamento poderá facilmente fomentar a desqualificação do próximo. Neste caso, a indignação coberta de moralidade radical pode chegar
140
a ser uma cólera imoral disfarçada e intensa que impede que os indivíduos vislumbrem
nos outros e em si próprios qualquer oportunidade de mudança ou arrependimento
(Morin, 2006). No fundo, paradoxalmente, a simplificação do juízo ético num resultado
fechado e imutável termina com a possibilidade da sua existência, arrastando os indivíduos para incapacidade de reflectirem eticamente e de exercerem o livre arbítrio.
Nas últimas décadas o livre arbítrio tem deixado de ser privilégio de alguns para se
disseminar na forma como todos os indivíduos são convidados a reflectir sobre o mundo.
Não nos encontramos mais submetidos aos grilhões impostos pelo Deus da Idade Média
ou pelos recentes totalitarismos europeus que impediam as pessoas de reflectirem sobre
as prerrogativas morais. Também não estamos mais inexoravelmente submetidos às
normas filosóficas, governativas e académicas projectadas pelos guardiões do bem
comum. Podemos mesmo considerar ultrapassada a ideia (que alguns queriam que aceitássemos como inequívoca) de que somos naturalmente bons ou, pelo contrário, intrinsecamente maus, devendo, por isso, respectivamente liberarmo-nos ou submetermo-nos
a forças exteriores que superintendam e controlem os nossos impulsos. Estas maniqueístas concepções da natureza humana já inspiraram no passado modelos, processos e políticas. Actualmente, na época em que vivemos, qualquer um dos extremos, fechado em si
mesmo, condiciona e limita a reflexão ética. Na realidade, como seres humanos não
somos naturalmente bons nem maus; somos sobretudo ambivalentes em termos morais.
A ambivalência faz parte da nossa essência e subjaz à forma como interagimos uns com
os outros. No fundo, em última instância, uma moralidade não ambivalente revela-se
uma impossibilidade existencial (Bauman, 2004).
É manifesto que, desde a queda dos regimes ditatoriais europeus, a sociedade ocidental tem vindo a admitir a diversidade ideológica e comportamental. Não nos é difícil
imaginar, por exemplo, que a escrita de Beatriz Preciado (2008) sobre o lugar que o corpo e a sexualidade ocupam na sociedade contemporânea, seria totalmente inconcebível
ou, pelo menos um escândalo, somente há três décadas atrás. São muitos os exemplos
que nos levam a aceitar que o afastamento das vozes inequívocas que governavam a
moral do passado tem vindo a outorgar aos indivíduos a capacidade de adoptarem
141
padrões existenciais cada vez mais flexíveis e mutantes e, consequentemente, a julgarem
por si próprios os valores sobre os quais podem basear os seus discursos e acções.
Ainda que algumas pessoas continuem a actuar com base nos hábitos ou a se deixarem facilmente condicionar pelas normas presunçosas que lhes são impostas pelos
poderes instalados, tanto políticos, como académicos e religiosos, a ponderação pessoal
passou a ser indispensável ao julgamento moral. A partir do momento em que nos é
permitido avaliar os discursos e as acções, os próprios critérios de avaliação passam a ser
objecto de reflexão. Neste sentido, podemos ajuizar que o útil poderá não ser necessariamente o bom, nem o adequado o mais justo. Ou seja, podemos chegar à conclusão
que os discursos e as acções podem ser correctos num sentido e equivocados noutro. A
partir do momento em que somos livres para questionar os critérios de julgamento, a
abrangência do pensamento e a ambiguidade crescem ainda mais.
Abbs (Abbs, 1987), Cantero e Olmeda (2008) e Madison (2005), entre outros,
assumem que muita da cultura ética que ainda predomina nos nossos dias foi em grande
parte inspirada nas ideias de Kant (1724-1810). Kant admitia, de forma axiomática, que
os sentimentos e os afectos não revelam importância para o julgamento moral. Para
Kant, a maior virtude do pensamento encontra-se na capacidade das pessoas conseguirem controlar as suas emoções, neutralizando-as e combatendo-as sem tréguas em
nome da razão. Porém, tal como verificámos, quando se assume que a razão é a única
faculdade que serve o juízo ético, a moralidade passa a estar exclusivamente governada
por regras supostamente objectivas e universais, e as regras, como sabemos, são normalmente ditadas desde cima, isto é, idealizadas segundo as conveniências de quem
domina os instrumentos e os recursos. Para Bauman (2004, p. 80) o conceito de moralidade baseado exclusivamente na deontologia e no dever implica que, para os indivíduos
saberem se um acto é ou não moralmente adequado, só necessitam de se referir às
“normas prescritas” pelo poder. Desta forma, a ética, subjugada à razão, facilita a expropriação do direito dos indivíduos ao “juízo moral autónomo” como pessoas singulares
que possuem afectos e sentimentos.
142
A razão lógico-científica esforça-se por afastar o sentimento de tudo o que diz respeito ao Homem. As imposições da racionalidade têm levado a própria epistemologia e a
educação a abdicarem com veemência do indivíduo e do subjectivo. A objectividade e a
certeza são as armas da persuasão. As garantias dadas pela racionalidade, para além de
afirmarem a tão “almejada objectividade”, permitem também justificar o injustificável e
desresponsabilizar os acólitos da imoralidade submissa.
143
CULTURA AMORAL E CONTEXTO ESCOLAR
O PROFESSOR
Bom dia, menina…Você é, você é a nova aluna, não é assim?
A ALUNA
(Vira-se prontamente com muita desenvoltura como se fosse uma rapariga do mundo;
levanta-se, aproxima-se do Professor e estende-lhe a mão.)
Sou, sim senhor. Bom dia, Senhor. Como pode comprovar, sou pontual. Não quis atrasarme
O PROFESSOR
Muito bem, menina. Obrigado, mas não tinha que se apressar. Não sei como desculparme por tê-la feito esperar…Estava precisamente a terminar…de…Desculpe… Você perdoará.
A ALUNA
Não é necessário, Senhor. Não tenho nada que perdoar, Senhor.
Eugène Ionesco (A Lição)
Tal como já argumentámos anteriormente, embora as autoridades da ordem e do
saber tentem impor valores, normas e metodologias, jamais conseguirão impedir as
consciências individuais de lutarem pela verdadeira autonomia de juízo e de resistirem
ao que considerem ser meras prescrições que nada têm a ver com a sua forma reflexiva e
crítica de estar no mundo. Vimos também que a liberdade individual é motivo de preocupação para os que pretendem prescrever normas e deontologias, visto acarretar
imprevisibilidade e ser potencialmente uma fonte de instabilidade.
Oiçamos seguidamente uma voz com mais de 36 anos de vivência directa em diversos contextos educativos:
Relato 1 - Ao reflectir sobre os assuntos da ética, do dever e porque não da solidariedade entre os docentes, vêm-me à memória alguns casos que presenciei enquanto
professor na escola secundária. Um dos mais gritantes e perturbadores foi ter convivido com colegas cuja vida dentro da sala de aulas era um autêntico inferno, um
barulho e um desacato enormes; com gritos a saírem constantemente pelas janelas.
Por mais estranho que possa parecer, estes colegas, ao saírem do espaço confinado
da sala de aula, ao regressarem à sala de professores, actuavam com a maior norma-
144
lidade; comportando-se como se nada tivesse passado. Pensava eu, na altura, como
tudo isto era impressionante! Como era possível aguentar-se uma situação destas
entre portas; viver uma profissão como um inferno diário?
Cheguei a assistir a casos semelhantes como estudante do ensino secundário, embora, com toda a sinceridade, posso-o dizer, não colabora-se no martírio sádico que
chegava a levar alguns professores ao desespero. Nos casos cruéis e de total falta de
bom senso, não colaborava no martírio colectivo. Não via nisso algum interesse.
Quando já tudo ultrapassava os limites do bom senso, chegava a ter pena destes professores, essa palavra mesmo – pena!
Durante a escola secundária tive um professor de francês que foi mesmo obrigado a
abandonar o ensino pela pressão constante dos alunos. O homem era nitidamente
afeminado e inexperiente. Chegava a ser vaiado e gozado nos corredores. Dentro da
sala de aula era tratado de uma forma indescritível, com papéis e giz a voarem na sua
direcção, chapéus-de-chuva abertos e ultrajes constantes. Um autêntico “circo”.
Se presenciei isto com os meus próprios olhos como aluno do secundário, como
estudante do ensino superior também tive oportunidade de constatar evidentes faltas de ética, tanto por parte de alguns colegas como de alguns professores. Infelizmente, este tipo de situações não era pontual, mas trespassava toda a cultura académica. Alguns indivíduos, perante este malogro, beneficiam com as situações,
incluindo desde logo no jogo da imoralidade, outros viam-se forçados a nele entrar
como estratégia de sobrevivência. Os menos resignados chegavam a desistir de estudar ou de frequentar cursos superiores, mudando o rumo da sua vida, não se conseguindo identificar com a falta de ética generalizada que tende a reinar nos meios
académicos. Exemplo claro disto é a chamada praxe, onde a violência, a submissão
hierárquica, a arrogância e o desprezo pela individualidade são admitidas e mesmo
defendidos pela academia como um ritual de iniciação à vida universitária.
Relato 2 - Certas situações e professores ficaram na minha memória pela arrogância
absoluta, irresponsabilidade e incompetência pedagógica. Alguns eram mesmo os
que possuíam maior estatuto académico, leccionando supostamente em várias universidades como turbo-professores (neologismo usado na comunicação social da
altura) ou fazendo constar os seus sonantes nomes em vários planos de estudo;
estratégia usada por algumas instituições (principalmente durante os anos 90,
aquando do bum das universidades e institutos privados em Portugal) para atingirem
o rácio de Professores Doutores requerido pelo ministério. Esta situação esteve fora
do controlo durante bastante tempo. Quando o escândalo começou a desarrolhar
nos meios de comunicação social, os organismos estatais começaram a impor regras
estritas de modo a limitar o número de horas e funções de acumulação aos docentes
de todos os níveis de ensino.
Como estudante universitário, e pelo convívio que tive com muitos amigos que frequentavam outras faculdades, posso dizer que, de uma forma geral, a qualidade do
ensino nas universidades públicas deixava muito a desejar. Alguns professores universitários, por mais incultos, arrogantes e incompetentes que pudessem ser, usu-
145
fruíam incondicionalmente de uma espécie de solenidade estatutária. Por seu lado,
os docentes de menor estatuto, não deixavam também de entrar no jogo das aparências, mostrando frequentemente desrespeito pelos seus alunos e nenhuma preocupação pela qualidade do ensino. Não era de estranhar que os professores faltassem às aulas marcadas e aos dias de exame sem qualquer aviso prévio. A avaliação
que alguns faziam dos seus alunos chegava a ser aleatória e revoltante. Em muitas
disciplinas o uso de cábulas era encarado como normal. Quase ninguém se interessava por aprender, discutir as matérias, analisar pontos de vista ou perspectivas. O que
importava eram as notas dos exames, decorar o que os professores debitavam,
mesmo que para isso se tivesse que copiar e de fingir que se sabia. Acredito que,
para muitos docentes, pouco importava se os seus alunos tinham algum interesse
pelos assuntos. Cumpriam simplesmente a carga horária, debitando a matéria com
maior ou menor desvelo. Por seu lado, os estudantes, quando frequentavam as
aulas, não o faziam por qualquer interesse genuíno, mas simplesmente para não
chumbarem por faltas. Logo que este perigo estivesse afastado, dedicavam-se,
segundo o seu ponto de vista, a coisas mais interessantes e úteis, nem que fosse a
criar cábulas para os exames que se avizinhavam. Existiam sempre sebentas e apontamentos por onde cabular para os exames. Alguns alunos nem sequer chegavam a
dar-se ao trabalho de criar as cábulas, fotocopiando-as simplesmente de colegas,
indo assim, munidos desses papeis miniaturizados, demonstrar o seu estudo, conhecimento e interesse. Nesta cultura de valores, a excepção era ser-se responsável,
interessado e estudioso. Um indivíduo com estas características jamais pertenceria
ao mundo académico dos trajes, rituais, mordomias entre alunos e professores, celebrações e outras “fantochadas”. Era um pária. Irreconhecível pelo sistema por assumir um genuíno interesse por aprender.
Neste mundo de valores era notório que alguns docentes não liam com atenção nem
corrigiam os trabalhos que lhes eram entregues. Alguns destes trabalhos chegavam a
ser uma ultrajante falta de ética por parte dos alunos, que aproveitavam a inépcia
dos professores para lhes entregarem meras transcrições de partes de livros ou
cópias integrais de trabalhos realizados por outros alunos noutras faculdades. […]
Como docente do ensino politécnico cheguei a ser induzido a entrar neste jogo de
descalabro total, o que, obviamente, recusei, procurando estratégias didácticas e
avaliativas onde estes subterfúgios não fossem possíveis, personalizando, por exemplo, os trabalhos com base em reflexões pessoais ou requerendo recensões e
esquematizações de capítulos que ia alternando entre os diferentes grupos e anos
escolares. Quer como professor do ensino superior quer ao longo dos meus muitos
anos como estudante, tenho constatado que muitos professores não preparam as
aulas, não reflectem sobre os processos de avaliação, não fomentam a discussão e a
reflexão com os alunos sobre as matérias que leccionam, assuntos que, por vezes,
nem eles próprios dominam em profundidade, leccionando-os somente pela obrigatoriedade de completar a carga horária que lhes é exigida pela burocracia universitária. Os casos referidos anteriormente são múltiplos e por vezes mesmo evidentes aos
olhos de todos. Não me querendo alongar, resta-me somente dizer que, ao longo da
146
minha vida como estudante e mesmo já como docente tenho presenciado, no âmbito
da educação, faltas de ética que chegam a ser chocantes.
Relato 3 - Pelo lado que me toca sei, de forma muito evidente, que tenho procurado
reger-me pela ética educativa, tanto com os meus alunos como com os que têm sido
meus colegas e professores. Tenho tido o cuidado de me pautar pelo respeito pelo
próximo, pela potencialização das suas qualidades de livre arbítrio e pela partilha do
amor à descoberta e construção do conhecimento. Como bem sabem as pessoas que
se dedicam à área da educação, em contextos tão recheados de manipulação e de
subterfúgios é por vezes difícil manter a verticalidade. No meu caso específico, tenho
de admitir que, até agora, o saldo tem sido sobejamente positivo. Quando por forças
externas ou por desgaste a partilha do bem-estar e do crescimento se tornou inviável, quando nem mesmo a assertividade funcionou…tentei não perder a resiliência…
afastei-me…mudei de rumo… esforçando-me por jamais cair na “hipocrisia dos pseudo-estatutos e na deslealdade intelectual”. Tenhamos então a coragem de encararmos em conjunto este papel!
A compreensão dos principais argumentos deste trabalho não implica que consigamos identificar na nossa própria vida situações semelhantes às acabadas de relatar.
Não é igualmente suposto adoptarmos qualquer tipo de “hierarquia de credibilidade”
que nos permita refutar os relatos acima expostos ou posicionarmo-nos a favor ou contra
os personagens que neles estão incluídos. O que é verdadeiramente importante é que
reconheçamos que a dramatização on-line idealizada no capítulo anterior nos permite
perceber, de forma clara, que algumas das vozes que se assumem como ajuizadas e referentes no campo da educação e da epistemologia não passam de ecos de uma amoralidade partilhada, envolvidas numa espécie de jogo retórico cujo resultado em nada contribui para o enriquecimento dos indivíduos no concreto da vida escolar que se deseja
mais humanizada. Os seus discursos e atitudes não podem, por isso, ser aceites como
glorificadores da existência, mas encarados somente como congregações retóricas que
alguns dominam para o benefício de outros que, por sua vez, mais tarde as dominarão
em benefício próprio.
147
DA ÉTICA DO RELACIONAMENTO À ÉTICA DA RESPONSABILIDADE
No que diz respeito aos relatos acabados de apresentar sobre a vida escolar e universitária é fundamental que a atitude mental adoptada durante a sua leitura não tenha
rejeitado a ética do relacionamento. Madison (2005) adverte que a ética do relacionamento não renega a experiência alheia, nem a enquadra simplesmente no âmbito das
forças dominadoras que julgamos conhecer. Se o fizéssemos - estaríamos a fomentar a
estigmatização, inserindo o outro na massa anti-individualista que impede que reconheçamos a sua ingenuidade e criatividade particulares.
A ética do relacionamento assume que o outro deve ser entendido como um ser
auto-sentido e total, e não tomado como uma individualidade que desumanizamos para
melhor a catalogarmos. Para conseguirmos validar a existência do outro e dar-lhe um
sentido de profundidade estética e humana é necessário, acima de tudo, que o aceitemos na sua integridade.
Devemos ainda acrescentar que a ética do relacionamento não considera o outro
como um espelho que promove a nossa própria auto-consciência, pois neste caso a existência alheia seria exclusivamente acerca do dar e nunca do receber; e uma existência,
por mais real ou fictícia que seja, nunca se reduz a isso. Lugones (1994, p. 637) diz-nos
que:
…a razão pela qual pensamos que viajar para o “mundo” de outra pessoa é uma forma de nos identificarmos com ela, é porque, ao viajarmos para o seu “mundo”,
podemos perceber o que é ser essa pessoa e o que é sermos nós próprios aos olhos
dessa pessoa. Somente quando viajamos no “mundo” uns dos outros ficamos a
conhecer-nos como seres inteiros.
A ideia de Lugones assume que a sobreposição da visão do outro e do eu, do fora e
do dentro, é o que realmente permite problematizar o que somos e o que são os outros.
148
A viagem empática ao mundo dos outros, sentindo e sabendo como eles sentem e
sabem, passa a revelar dois mundos simultaneamente demarcados e fundidos. Por um
lado, possuímos uma identidade separada do sujeito narrador, podendo a narração sublinhar as nossas diferenças. Sob este aspecto, somos exclusivamente o exterior e o estranho. Por outro lado, no espaço real, visto à luz da nossa experiência, acontece o inverso.
No espaço que é nosso, somos os inseridos e o narrador o separado. Interessante será
percebermos que, paradoxalmente, ao verificarmos que na experiência do narrador
somos o estranho, o próprio desenrolar da sua narração convida-nos a entrar no seu
mundo por um fenómeno empático e metonímico (Rocha, 2005). Se isto acontecer, passamos a estar submersos num encontro profundo. Ainda que saibamos que podemos
manter-nos na margem, nunca deixaremos de ser convidados a viajar profundamente no
mundo do sujeito. Tal como já afirmámos, a habilidade de viajar no sentir dos outros é o
que verdadeiramente promove o encontro de duas entidades que se tornam em algo
mais. Só este processo relativo de submersão permite desencadear as tensões criativas
que se vão formando entre os limites do eu e do outro. A noção de que estes limites
podem nunca ser ultrapassados, não significa que jamais o sejam e que, mais cedo ou
mais tarde, possam surgir, entre as múltiplas entidades colocadas em jogo, interlocuções
congregadoras de superação.
Madison (2005) admite que a resposta à existência do outro tem de ser, acima de
tudo, encarada no âmbito da nossa responsabilização pela sua liberdade. Perspectivada
deste modo, a ética da relação ultrapassa a vivência dos mundos próprios para desencadear a ética da responsabilidade. Sendo assim, o outro, real ou imaginário, não é somente definido pela relação que possamos ter com ele a nível interno, mas passa a estar fora
de nós exigindo respostas. Neste caso, viajar pelo mundo do outro, para além de dinamizar a experiência do viajante, exige justiça, respostas e responsabilidade. Para Levinas
(1987, cit. por Madison, 2005, p. 97)) sempre que a face do outro nos é apresentada,
impele-nos para a exigência da responsabilidade, ou seja, a observação da face do outro
“revela o chamamento de uma responsabilidade que está antes de qualquer começo,
decisão ou iniciativa da nossa parte”.
149
O que acabámos de afirmar permite-nos entender como a vivência empática do
outro contém a potencialidade de despoletar a responsabilização moral e de fomentar o
posicionamento activo para derrubar as injustiças, refazendo as possibilidades para um
novo começo. Pode, no fundo, levar as margens para um centro partilhado. Porém, esta
possibilidade nunca deve ser encarada de uma forma arrogante, com base na ideia de
que temos de nos assumir como porta-voz dos renegados. Quanto a isto, devemos admitir que não possuímos um conhecimento inequívoco nem dominamos todas as habilidades que permitem intervir na imoralidade e na injustiça. Não podemos também autocriticarmo-nos ou julgarmos os outros com base na ideia redutora de que nenhum de nós
tem influído o suficiente. Na realidade a ética da responsabilidade não contesta as identidades. Admite sim que, normalmente, as vozes reflexivas pronunciam-se em contextos
proibitivos. A ética da relação e da responsabilidade fazem-nos perceber que temos de
ser prudentes na objectivação da identidade dos sujeitos e dos pressupostos que afirmam a transformação. Ambos os princípios éticos subentendem que estamos envoltos
em estratégias submersas na cultura e que, por isso, podemos ser contraproducentes ao
assumirmos posicionamentos radicais e definitivos a favor ou contra um determinado
sujeito ou sistema.
Os princípios da ética da relação e da responsabilidade leva-nos sobretudo a constatar que devemos direccionar a nossa análise crítica para o nosso próprio esforço transformador. Só desta forma estaremos definitivamente comprometidos com a ruptura. Se
actuarmos cada vez mais neste sentido, maiores serão as probabilidades que os outros
também o possam fazer, congregando-se eticamente no âmbito da construção e partilha
do conhecimento.
Decorrente da leitura do texto, sentimos neste momento necessidade de elaborar
um esquema sistematizador de modo a consolidarmos algumas das suas ideias mais
substantivas.
150
Figura 15 - Pontos fulcrais da ética educativa e epistemológica emancipada
151
Com base no esquema apresentado, podemos reflexivamente concluir que:
A ética educativa e epistemológica emancipada conjuga a pesquisa filosófica e
ontológica a que se devem dedicar necessariamente as pessoas que trabalham na construção e partilha do conhecimento, de modo a reflectirem sobre o seu relacionamento
com o saber, seus métodos e finalidades, mas também sobre o modo construtivo e
benemérito como se posicionam perante os outros e a humanidade em geral;
A ética educativa e epistemológica emancipada é um conceito complexo na medida
em que envolve um conjunto dinâmico e indeterminável de estruturas e funções - tanto
pessoais como culturais - em permanente interacção e modificação. A ética emancipada
revela-se também um conceito dialógico visto não funcionar com base em valores binários mutuamente exclusivos, mas permitir, em vez disso, que múltiplas graduações e
mesmo contradições habitem o espaço dinâmico e discreto existente entre os pólos;
A ética educativa e epistemológica emancipada aceita a incerteza e a contradição,
vivendo-as em permanência. A incerteza é, em última instância, o que legitima e impulsiona o juízo moral. Por seu lado, a contradição assume a dialógica e a relatividade dos
dilemas ético-educativos com que somos confrontados ao longo da vida;
A ética educativa e epistemológica emancipada abre-se para o relacionamento, não
reduzindo o outro a uma parte de si ou estereotipando-o para nosso conforto. A ética
educativa emancipada direcciona-se sobretudo para o crescimento inter-individual. A
ética educativa emancipada deve acabar por embarcar na responsabilização, na medida
em que faz ressoar a predisposição para os indivíduos actuarem solidariamente no sentido da moralização e da justiça.
152
Coloquemos agora estas ideias em frases menos condensadas e relacionadas com a
educação, que é o assunto que estamos a abordar:
1) Reflectir sobre os condicionantes e a importância de construir e partilhar
conhecimentos faz parte das funções de quem se dedica ao ensino.
2) Reflectir e actuar com base nos valores humanos do crescimento e do bemestar são processos complexos que envolvem uma grande variedade de factores que dizem respeito à própria pessoa e aos contextos. Acima de tudo, o relacionamento educativo, para ser enriquecedor, deve reconhecer o outro como
uma individualidade que pensa e sente de forma idiossincrática, como uma
pessoa com quem partilhamos a nossa própria forma de conhecer e de ser. Este
processo de intercâmbio revela os padrões mais marcantes da nossa personalidade e também faz parte das funções mais básicas do educador.
3) Pensar sobre o conhecimento e sobre a educação é pensar sobre o relacionamento humano e sobre os valores do desenvolvimento. O pensar educativo é
um pensar emancipado, não se resigna nem aceita imposições de terceiros que,
sob o estatuto da autoridade, procuram condicionar a acção reflexiva e construtiva. O pensamento educativo é simultaneamente um pensamento emancipado e um pensamento que conduz à emancipação, o que não significa que não
contenha referências de valor que o alimentam e ajudam a estruturar de forma
dialéctica e interactiva.
4) Pensar de forma educativa é pensar em relacionamentos humanos construtivos. É partilhar, de forma segura e respeitosa, os mundos próprios de cada um,
como seres únicos e totais. Pensar de forma educativa é desenvolver a capacidade empática e agir em proveito do desenvolvimento das pessoas, lutando
para assegurar a equidade, a tolerância, a partilha e a cooperação. Pensar de
forma educativa é procurar ter uma voz activa mas cuidada. Aceitar o risco, mas
não o correr, nem fazer os outros correrem riscos desnecessários e prejudiciais.
5) Pensar de forma educativa é aguçar o espírito crítico perante o mundo que nos
rodeia. É criar os instrumentos que nos permitem construir e partilhar ideias de
153
um modo intenso e consequente. É sobretudo utilizar as ferramentas do
conhecimento e da reflexão para oferecer aos outros a possibilidade de os
aprenderem e posteriormente desenvolverem no máximo das suas capacidades, em proveito da emancipação do seu pensamento e da glorificação da existência de todos os seres humanos.
154
EDUCAÇÃO E ÉTICA EMANCIPADA
É interessante percebermos como o livre arbítrio e a ética emancipada se manifestam actualmente nos contextos educativos. De entre os diversos exemplos que poderíamos oferecer, seleccionámos a recente contestação pública realizada por algumas famílias espanholas que exigem que o Estado lhes reconheça, perante a nova disciplina de
educação para a cidadania, o estatuto de “objectoras de consciência”. Este “movimento
objector baseia-se, entre outros aspectos, no argumento de que a educação para a cidadania depende do consenso social de cada momento, do que impõe a maioria e o Estado
«que fixa o critério último da verdade e da moral» ” (Punzón, 2008, p. 35). Esta reivindicação, vista em si mesmo, sem as análises políticas e sociológicas que poderiam acarretar
outros considerandos, oferece-nos a possibilidade de especularmos sobre a presumível
importância que teria para a consciencialização moral da educação se os professores
começassem a exigir o estatuto de objector de consciência com base no argumento de
que, muitos deles, se vêem actualmente obrigados a leccionar em escolas onde os alunos
não possuem motivação e disponibilidade para aprender e onde existe uma cultura de
violência subjacente que torna o ambiente escolar um malogro humano. Escolas na periferia das grandes cidades, junto a bairros problemáticos, retratos da sociedade mais
pobre e marginalizada para onde são empurrados os excluídos sociais e os professores
em início de carreira. Vemos também admissível este tipo de reivindicação na voz dos
professores que vêem a sua função como pedagogos submersa em burocracias de toda a
espécie, em excesso de trabalho paralelo, numa constante pressão para leccionarem
para os exames ou de verem as suas disciplinas desqualificadas pelo peso dos curricula
instigadores da competição entre os estudantes, quantas vezes, eles próprios, submetidos à pressão dos pais e de uma cultura escolar asfixiante.
O desenrolar da escrita acabou por nos levar a colocar hipóteses bastante remotas.
Na verdade, os professores, principalmente os de menor estatuto hierárquico, grupo que
abrange, salva raras excepções, para além dos que estão em início de carreira os que
leccionam as humanidades, as artes e especialmente o drama (estes últimos nem sequer
têm lugar específico nos quadros nem currículo oficial na generalidade dos anos de esco155
laridade) não possuem voz audível, nem tão-pouco forma de modificar as inadequadas
condições e os enquadramentos que determinam o seu trabalho. Por vezes, a maneira de
se afastarem das confrangedoras imposições a que estão submetidos, quer por parte dos
indivíduos hierarquicamente superiores (que, de um momento para o outro, podem considera-los incapazes e prescindíveis), quer pelo sistema escolar gigantesco no qual têm
forçosamente de sobreviver, é a desistência pelo desgaste ou, na melhor das hipóteses, a
sobrevivência que esconde a constatação da inépcia da sua função.
Sabemos, por experiência própria, que grande parte dos dilemas educativos com
que os professores se confrontam não são vividos de forma meramente racional, como
uma espécie de problemáticas distantes e inertes que se analisam e estudam com a
objectividade das ciências naturais. Felizmente, a escola é ainda vivida por muitos dos
que lá trabalham como uma dinâmica de vida, como uma forma de estar e partilhar a
alegria do ensino, da descoberta e da aprendizagem. Quando isto não acontece, entra-se
inevitavelmente no fingimento oficializado e no mundo das aparências. Para Morin
(2006, p. 69)
todo o conhecimento (e consciência) que não possa conceber a individualidade, a
subjectividade, que não possa incluir o observador na sua observação, é imperfeito
para pensar todos os problemas, sobretudo os problemas éticos. Pode ser eficaz para
dominar os objectos materiais, o controlo das energias e as manipulações do vivente.
Porém, torna-se míope para apreender as realidades humanas e converte-se numa
ameaça para o futuro do Homem.
Denzin (1989, p. 29) diz-nos que todos somos reconhecidos como pessoas segundo
dois níveis: “ no nível superficial, somos unicamente o que fazemos na vida, rotinas e
tarefas quotidianas. No nível profundo, somos sujeitos com um interior moral e sagrado
que possui sentimentos”. Este ser interior raramente se mostra aos demais.
Compreende-se assim que os discursos mais preponderantes e significativos dos
professores não sejam ouvidos senão pelos seus colegas mais próximos. Oficialmente,
estes professores não existem como elementos significativos do sistema. São substituídos, quando é o caso, com a rapidez do cálculo informático (mesmo para estas situações
156
existe mais procura que oferta) ou eles próprios, aguentando-se numa estratégia de
sobrevivência, encontram locais alternativos à escola oficial onde podem exercer a
docência de um modo mais digno ou mesmo outras profissões que lhes dêem maior
garantia de serem respeitados como seres humanos.
Como é característico, o poder executivo, em vez de criar canais de comunicação,
colaboração e solidariedade entre as escolas e os professores, colocam-nos em rankings,
soterrando-os em políticas, normas e regulamentos que especificam tudo o que podem e
devem fazer durante todo o tempo. Assim, a capacidade de mudança, que poderia emanar das escolas e dos próprios professores (e ser por isso realmente eficaz na melhoria da
qualidade do trabalho pedagógico e das aprendizagens) encontra-se muito limitada.
Becker (1970, cit. por Goodson, 2004, p. 301) afirma que as inquirições sobre o
funcionamento das organizações tendem a perscrutar os membros com estatuto hierárquico superior, os socialmente mais inseridos, considerando, de um modo geral, que as
histórias contadas pelos indivíduos que ocupam os postos hierárquicos mais elevados
merecem, desde logo, ser aceites como as mais credíveis. Becker (Ibid., p. 301)) usa o
termo “hierarquia de credibilidade” para se referir às vozes que geralmente são admitidas como referentes. Porém, o autor adverte que todos sabemos que os cargos e os
poderes instalados não podem, até por inerência da sua função, partilhar a realidade
mais polémica e constrangedora. É do conhecimento comum que muitas das instituições
não executam cabalmente as suas funções: que existem hospitais que não curam, prisões
e reformatórios que não reabilitam e escolas que não educam. Normalmente, as pessoas
que exercem lugares de chefia nestas instituições esforçam-se por encontrar estratégias
para negar o fracasso e para explicar os factos que já não conseguem ocultar. Isto faz
parte das suas funções. Neste tipo de instituição, a deontologia tende a sobrepor-se ao
juízo moral estruturante da pessoa humana, acabando por subjugar os indivíduos a
papéis forçados que, a dada altura, passam à inevitabilidade; tudo isto acontece debaixo
de um jogo de forças que tantas vezes vemos retratado em muitos dramas pessoais e na
ficção artística. Quantas interrogações de Antígona perante a determinação férrea do seu
tio Creonte não serão uma metáfora destes dilemas?
157
“- Que lei divina quebrei? Vejam …o que sofro… e de que povo… por ter mantido
sacro o sagrado.” (adaptado de Sófocles (2004, pp. 34-37)).
Figura 16 - - Antígona ajoelhando-se perante Creonte
Adaptado de Jan Černoš http://www.cernos.cz/antigona_en.html
A descrição de um sistema ou instituição do ponto de vista dos subordinados pode
colocar em causa a história oficial que determinados sectores desejam fazer passar como
verdadeira. Vemos por isso, de forma mais ou menos dissimulada, surgir a coacção de
modo a forçar todos a corroborarem a versão oficial do sistema. Nestes contextos, os
sentimentos de injustiça individual, manipulação e desadequação não são audíveis. Não
têm canais de expressão e retroacção. São considerados pouco normalizados e mesmo
ininterpretáveis pelas normas em vigor. Os sentimentos tendem por isso a ser qualificados como débeis e as emoções erráticas, acabando mesmo, em certos casos, por se
generalizar a ideia de que a anulação das emoções e dos sentimentos é o derradeiro acto
de sabedoria que permite aos indivíduos tomarem as decisões mais acertadas. Casey
(2004, p. 265) afirma que quando se dá a palavra aos professores percebe-se que muitos
158
dos seus relatos estão recheados de “uma ética de cuidado e crescimento”. Este aspecto,
alerta-nos a autora, tem no entanto vindo a desaparecer do debate académico e educativo actual, estando subjugado pelas questões da incontornável objectividade, literacia e
rankings. Embora a necessidade do debate ético seja igualmente reconhecida por autores como Mèlich (2008), Obregón (2008) e Uribe, Boom e Montoya (2008) é também
encarada por estes como uma tendência que as estruturas do poder tendem a dissuadir.
Goodson (2004, p. 297) defende que, “no momento de compreender algo tão
intensamente pessoal como o ensino, é fundamental que se reconheça o docente como
pessoa.” Somos da opinião de que o generalizado menosprezo por esta evidência tem
permitido múltiplos atropelos. Tem possibilitado, por exemplo, que se escondam por
detrás da fachada da competência científica e pedagógica indivíduos que não demonstram qualquer capacidade de reflexão e intervenção ética, cujo poder regulador sobre os
outros baseia-se essencialmente no estatuto académico que adquiriram em tempo oportuno, assim como no monopólio que possuem sobre as normas e os recursos.
Também com base na análise das narrativas dos professores, Casey (2004) revelanos que muitos professores tendem a considerar que os problemas da educação e do
mal-estar geral nas escolas não emanam deles próprios nem da sua relação com os alunos. Encontram-se sim, tal como frequentemente relatam, na qualidade de muitas das
interacções que subsistem no sistema escolar. Segundo a autora, enquanto os estudantes são frequentemente considerados pelos professores como companheiros positivos e
os colegas simplesmente levados em conta, os administradores são amplamente criticados por efectuarem um controlo arbitrário e excessivo sobre todo o sistema. Torna-se
assim evidente, para quem a vive o contexto escolar, que algumas das mais prementes
problemáticas da educação não derivam das questões de domínio técnico ou didáctico,
mas sim do sistema opressor sob o qual os professores estão obrigados a trabalhar. Tudo
isto permite entender que existem medidas para a melhoraria do sistema educativo
completamente diferentes das actuais acções que os apologistas das reformas curriculares, tal como Nuno Crato e seus acólitos ministeriais procuram implementar com urgência na escola portuguesa. Por isso, ouvir os professores e dar relevo ao que conhecem da
159
sua vida diária é, de um modo geral, contracorrente do discurso oficial adoptado pelos
poderes instalados.
Não ouvir o que é referido pelos professores como impedimento à qualidade do
ensino só pode, segundo o nosso ponto de vista, derivar dos seguintes motivos: ou as
pessoas que ajuízam sobre a matéria nunca foram professores do ensino básico e secundário, sendo, por exemplo, académicos em áreas acarinhadas pelo poder ou, se o foram,
foram-no em escolas e com estatutos que não correspondem à realidade vivida pela
generalidade dos professores, principalmente pelos que trabalham nas áreas das humanidades e das artes (áreas nitidamente subvalorizadas pelos currículos e pela insensatez
das avaliações). Há ainda uma terceira hipótese; a de estas pessoas terem somente passado pelos contextos reais do ensino no início da sua carreira e, com arrivismos ou sem
eles, terem rapidamente mudado o seu estatuto e função, desempenhando actualmente
qualquer cargo que supostamente lhes dê alguma clarividência académica ou estatutária
sobre os assuntos da pedagogia. Ao reflectirmos mais profundamente sobre as hipóteses
acima referidas, ainda conseguimos vislumbrar uma quarta e triste excepção. A dos indivíduos que pipilam no sistema escolar como professores sem qualquer formação humana
e intelectual sólida, cujo derradeiro interesse é assegurar um trabalho onde não tenham
que reflectir muito; indivíduos para quem os assuntos da pedagogia e do saber lhes diz
menos respeito do que o status que permite ler as revistas sociais com desafogo.
Enguita (2008, p. 107) afirma que:
Actualmente, um aluno de licenciatura em ensino do primeiro ciclo do ensino básico
é, com mais frequência do que a desejável, alguém cuja média do ensino secundário
não lhe permite aprender outra carreira, e um professor do ensino secundário
alguém que preferiria estar a exercer a sua profissão fora da escola, mas que não
terá encontrado a forma de o fazer. Não estão todos os que são, nem são todos os
que lá estão e talvez nem sequer sejam a maioria, mas, em qualquer caso, são demasiados.
Tal como acontece em outras profissões, temos de admitir que, actualmente, também existe este tipo de sujeitos a desempenhar funções como professores. Infelizmente,
160
são demasiados os que entram no sistema educativo sem nenhum tipo de vocação pedagógica e humana; indivíduos eticamente muito reprováveis, que nada vivem ou possuem
que se aproxime de uma motivação intrínseca pela construção e partilha do conhecimento. Continuamos a cruzar-nos com eles como colegas e como futuros docentes em cursos
de formação inicial. Contudo, não perdemos a esperança de, pelo menos no último caso,
algumas das mentalidades mais superficiais ainda irem a tempo de se confrontarem com
as ideias dos pensadores mais relevantes e mudadas no sentido da reflexão, do conhecimento e da ética da responsabilidade.
Se pensarmos um pouco, percebemos que as próprias perspectivas académicas que
investigam a educação têm vindo a elaborar um largo espectro de argumentação sobre a
criação e partilha do conhecimento; que vai desde a crença romântica de que fomentam
o saber de forma pessoalmente desinteressada, até à afirmação clara e inequívoca de
que o conhecimento emana do poder e retroalimenta-o. Qualquer que seja a vertente
adoptada, os estudos que colocam a vida, o pensar e o sentir como elementos essenciais
na educação, confrontam muitos académicos instalados com problemáticas e metodologias com as quais não estão habituados a lidar.
Para Goodson (2004) as perspectivas que salientam a ética e a voz dos professores
como pessoas que pensam e sentem são especialmente valiosas na construção de uma
contra-cultura informada que possa opor-se à absurda tendência de tornar as escolas
uma espécie de prática empresarial, assente na imposição política e na amoralidade concertada. McLaren e Jaramillo (2008, p. 60) não deixam de nos alertar para o facto de que
muita da ultra-tolerância do “discurso livre” – é frequentemente apregoada pelo sistema
de forma meramente cínica - devendo ser tomada, não como um benefício, mas sobretudo como um impedimento à criação dos verdadeiros contextos onde as pessoas possam realmente reflectir, criticar e sobretudo intervir na mudança. Bauman (2001, p. 81)
confirma que “a maioria das vezes, dada a actual configuração do mecanismo político, os
regimes democráticos traduzem a tolerância em insensibilidade e indiferença.”.
É também igualmente importante ressalvarmos que “dar voz aos professores”
pode facilmente cair em situações onde a partilha das suas preocupações seja realizada
numa espécie de queixa colectiva e circular vitimizada; situação que temos presenciado
161
muitas vezes no âmbito da formação pós-graduada. Existe, por isso, o perigo de cairmos
inadvertidamente numa espécie de terapia de grupo com metodologias de trabalho que
ultrapassam sobremaneira a nossa função como professores. Embora admitamos que os
processos de desenvolvimento e apoio psicológico podem ser positivos, desde que realizados de uma forma correcta e intencional, permitindo criar zonas de conforto relacional
e pedagógico, também entendemos que, se não forem bem enquadrados, estes processos e metodologias, podem transformar-se num círculo vicioso e contraproducente de
auto-vitimização. Temos por isso de concordar plenamente com Macedo (2008, p. 17)
quando nos diz que:
…a partilha de experiências [entre professores] não deve ser entendida apenas em
termos psicológicos. Requer invariavelmente uma análise política e ideológica. Isto é,
a partilha de experiências deve ser compreendida no seio de uma prática social que
envolve tanto a reflexão como a acção …
162
3.6 A CRÍTICA COMO LUCIDEZ: O COMPROMISSO COM A MUDANÇA
Este trabalho permite-nos constatar como a abertura para a reflexão ética pode
nascer da inquietação provocada pela imoralidade educativa. Foi em grande parte a
dramatização das argumentações de alguns dos mais destacados mentores das normas
educativas e epistemológicas que nos incentivou a abordar a ética emancipada. Tivemos
oportunidade de verificar como o poder político-educativo é apologistas da retórica, do
estatuto social e da certeza peremptória. Sabemos que, sob o seu jugo, muitas das normas de funcionamento, documentos curriculares, intenções e burocracias não se conseguem compreender e aplicar nas escolas porque são de todo incompreensíveis e impraticáveis. Quem já trabalhou no sistema escolar, em qualquer nível de ensino, sabe-o bem,
sentiu-o com certeza na pele. Teve a oportunidade de entender que grande parte dos
processos que se procuram implementar no sistema educativo baseiam-se em imposições políticas de grande escala, que servem essencialmente para confirmar ou ultrapassar os dados estatísticos de referência. Em Portugal, por exemplo, através de imposições
políticas imediatistas, conseguiu-se, de um ano para o outro, aproximar os valores do
sucesso educativo dos índices apresentados pelos países mais desenvolvidos. Isto realizado, em grande parte, através da imposição de regras que, a dada altura, criaram um
regime burocrático que chegava literalmente a impedir os professores de reterem os
seus alunos. Vejamos, sobre este assunto, o seguinte relato:
Relato 5 – Não me lembro com precisão em que ano foi nem sob que tutela governativa. Isso também não é importante, pois a mudança desresponsabilizadora constante dos ministros e das políticas chegava a dificultar o conhecimento das pessoas que
ocupavam os cargos executivos na educação. Foi, com certeza, em meados dos anos
90.
Discutia-se muito, na altura, sobre as percentagens de retenção e abandono escolar.
Esses valores, tidos como indicadores do nível de desenvolvimento dos países, estavam a ser analisados no âmbito do sucesso das políticas nacionais relacionadas com a
aplicação dos fundos comunitários. Assim, de um ano para o outro, através de fortes
imposições político-burocráticas, passou a ser quase impossível aos professores rete-
163
rem os alunos. Na altura trabalhava como professor numa escola secundária e não
me esqueço das reuniões do final do ano onde a confusão e o desalento eram generalizados. Nessas reuniões, após breves discussões, todos os alunos acabavam por
transitar, indo acumular os problemas de aprendizagem nos anos de escolaridade
subsequentes. Alguns alunos que transitavam de ano evidenciavam muitas dificuldades, não tendo conseguido, nem de longe, acompanhar as exigências de aprendizagem dos anos transactos. A situação era desesperante. Os professores viam-se de
mãos atadas e muitos colocavam em causa o seu próprio trabalho e o benefício que
os alunos teriam ao serem tratados de forma tão irresponsável.
Este relato conta-nos uma história pretérita mas preocupante. Vejamos agora, na
actualidade, uma série de curtos estratos de notícias que tocam de forma semelhante o
absurdo das conveniências político-educativas no campo da educação. Os estratos que
seguidamente apresentamos foram recolhidos através de uma pesquisa online, realizada
no dia 25 de Junho de 2008, no motor de busca Sapo. Ao escrevermos a palavra “exames”, obtivemos de imediato os seguintes resultados:
Extracto 1- Sobre o exame do 9.º ano, a Sociedade portuguesa de Matemática qualificou-o como um dos mais fáceis, «senão o mais elementar», dos últimos anos, sublinhando que «a nivelação por baixo» poderá ter custos futuros «muito graves». Jornal
o SOL - Exames Nacionais: Prova de Matemática A com ‘grande número de questões elementares’ - de 23 de Junho 2008
Extracto 2- a Sociedade Portuguesa de Química salienta que «todas as perguntas [do
exame] se ficam por questões extremamente elementares», criticando ainda a persistência na prova «de algumas questões já 'batidas' em anos anteriores». […] a SPQ
lamenta igualmente a existência de «questões que pouco ou nada exigem de conhecimentos prévios em Química» «Exigem apenas que o aluno saiba ler um texto ou os
eixos de um gráfico», não precisando «sequer de ter grandes competências a nível da
interpretação»… Jornal o SOL – Exames: Sociedade de Química critica «questões extremamente elementares» - de 23 de Junho 2008
Extracto 3- … os recentes exames nacionais do 9º e do 12º ano "defraudaram" pais,
alunos e professores. "Relativamente aos pais, porque querem que os seus filhos
estejam preparados para o mundo do trabalho, relativamente a muitos alunos que se
esforçam para terem boas classificações e vêem o seu trabalho defraudado, e relativamente a professores que exigem aos seus alunos durante todo o ano e que os
ensinam para a exigência e sentem alguma desmotivação no seu traba-
164
lho…Dnotícias.pt - Credibilizar os exames em Portugal CDS/PP: pretende levar política de
exames a debate devido a críticas de excesso de facilitismo - de 25-06-2008
Extracto 4- Maria de Lurdes Rodrigues [Ministra da Educação ainda em exercício]
admite alterar, a prazo, a forma como são feitas as provas. Na Assembleia da República, a oposição acusou a ministra de facilitismo. DiarioEconomico.com - Ministra da
Educação admite reformular exames nacionais - de 25-06-2008
Estes extractos, retirados de notícias actuais, permitem-nos perceber como as políticas e as estatísticas são manipuláveis e nada evidenciam sobre a realidade educativa. As
ideias que são esgrimidas entre os que possuem a tutela governativa e seus opositores
pouco ilustram sobre a vida das escolas e a qualidade das aprendizagens, nada esclarecendo também acerca das medidas que realmente devem ser tomadas para a sua melhoria. Este tipo de discursos aborda essencialmente os resultados obtidos nos exames das
disciplinas impostas pelo currículo oficial, encarados pelo sistema como referência para a
progressão escolar e como indicadores da qualidade do ensino. A discussão revela-se
sobretudo retórica e distante da realidade. A situação é tão caricata que por vezes chega
a roçar o absurdo. O maior absurdo é os dados estatísticos serem usados consoante as
apetências das partes. Se são bons interessam à política em vigor e são credíveis. Todavia, para a oposição, que deseja o poder, são altamente manipuláveis e inválidos. Ainda
que possa parecer absurdo e paradoxal aos olhos da sensatez, a mesma oposição não
deixará de fazer, quando estiver no poder, as mudanças cosméticas necessárias de modo
a justificar as suas boas políticas com base no mesmo raciocínio e nos “seus dados” dos
exames nacionais.
Sabemos que os sistemas políticos democráticos, baseados no modelo de partidos
e das sondagens de opinião configuram os seus programas políticos e tomadas de decisões sobre os temas controversos, tal como a educação, levando especialmente em conta a popularidade relativa das acções que pretendem implementar e os benefícios que
essas decisões poderão vir a ter a nível eleitoral (McLaren & Jaramillo, 2008). Por isso, os
grandes desígnios políticos e as suas urgentes veleidades fazem com que as regras
mudem, por vezes de uma forma tão incongruente e rápida, que nem deixam tempo às
anteriores para se sedimentarem. Chegam a coexistir nas escolas regras incongruentes,
165
modelos e formas de trabalhar em conflito contraproducente e irresolúvel. O fingir que
se sabe o que se quer para os outros, simular mesmo saber-se o que é melhor para todos
e ter tanta certeza, só pode redundar num falhanço.
Se seguíssemos o raciocínio que temos vindo a elaborar, mas agora centrando-nos
nas teorias de género, com alguma facilidade perceberíamos que muitos dos valores
vigentes de forma velada na educação e na epistemologia assentam na concepção do
saber como manipulação, fingimento, competição e subjugação. Devemos por isso admitir, esperançados, que a emergência das filosofias pós-género possa vir a implementar
alternativas mais humanas e equilibradas em meios que deviam sobretudo sublinhar os
valores da construção, da edificação e do crescimento inerentes à função educativa.
Porém, para que isto aconteça, é necessário que as emergentes vozes da ética da responsabilidade transformem a sua visão de futuro em experimentações colectivas, modos
de vida e práticas de coabitação. Preciado (2008, p. 243) diz-nos que a transposição prática das teorias emancipadoras deve ser feita quanto antes, de modo a evitar que os seus
frágeis e corajosos arquivos possam ser adoptados pelos poderes instalados e “completamente reduzidos a sombras radioactivas.”.
Goodson (2004, p. 301) alerta-nos para o facto de que “quando um método de
investigação se generaliza e é legitimado pela academia, tende a ser transformando para
servir os interesses da própria academia”. O mundo académico e a governação, tal como
são capazes de paternalizar a voz dos professores, fazendo de conta que as ouvem mas
preterindo-as sobejamente perante as vozes emanadas dos poderes e contra-poderes
instituídos, são também capazes de transformar as metodologias que evidenciam alternativas de construção epistemológica e crítica em novos parâmetros de regulação proveitosos aos interesses estabelecidos.
De modo a combater esta situação Paraskeva (2007, p. 9, citando Edward Said,
2005) afirma que a investigação educativa deve procurar criar “teorias itinerantes” sem
tempo nem lugar, que não se deixem subjugar pelas políticas momentâneas que, mais
cedo ou mais tarde, as desvirtuam e descontextualizam. São vários os autores que propõem que se “desterritorialize” ou “reconceptualize” os estudos educativos de modo a
166
desafiar “os quadros que reclamam a autoridade de determinados discursos e hierarquizam necessidades, identidades, direitos, subjectividades, experiências” (Ibid., p. 18).
Autores como Pinar (2007), Wexler (2007), Figueroa (2008) e Sacristán (2008) defendem
que as mudanças mais importantes na conceptualização epistemológica e educativa
emergirão sobretudo dos âmbitos éticos e críticos e não da descoberta de novas teorias
e métodos. Estes autores sugerem, por exemplo, que a epistemologia e a educação se
devem fundar nos valores éticos e no activismo crítico que promovem a mudança de
mentalidade no que diz respeito ao pensamento educativo. Para Giroux (2007) a visão
longitudinal apresenta-se como uma das chaves que permite desafiar a ideologia dominante. A análise histórica é entendida como promotora da desconstrução da neutralidade e da ausência de compromisso para a mudança. Propõe assim novos posicionamentos
reflexivos e críticos que ajudem a questionar as ideias antigas e as certezas estáveis, analisando-as segundo novos pontos de vista, assentes sobretudo na análise hermenêutica,
interpretativa, histórica e crítica, na autobiografia e na auto-etnografia. Estes redizeres
mais meticulosos, idiossincráticos e ingénuos sobre a educação devem, acima de tudo,
assumir-se como projectos reflexivos que procuram reformar o modo como vivemos as
problemáticas educativas, testando “os nossos esquemas conceptuais e as suas descrições em contraste com as provas da nossa experiência” (Grumet, 2007, p. 100).
No que diz respeito aos posicionamentos paradigmáticos perante a investigação
educativa, a leitura de Foucault (e.g., 1980; 1988; 2005), por exemplo, fará perder qualquer rasgo de ingenuidade a quem pretenda adoptar a neutralidade e a objectividade
positivista. Ao longo da sua vasta e abrangente obra Foucault centra-se essencialmente
na articulação de três tipos de problemas: o problema da verdade, do poder e da conduta individual, demonstrando, de forma clara, que o que é aceite num determinado
momento como verdadeiro, difere grandemente de época para época e de contexto para
contexto.
As metodologias de investigação não devem por isso ser entendidas como saberes
descobertos e acumulados de forma objectiva e universal, mas sobretudo como instrumentos criados para servirem os interesses de determinados grupos. Deste modo, somos
advertidos para a ideia de que qualquer investigador que se movimente nos âmbitos da
167
epistemologia e da educação corre o risco de tomar os conhecimentos e as práticas em
que se baseia como óbvios, isto é, como algo que não poderia ser de outra forma. Todos
sabemos, por experiência própria, que os contextos académicos e escolares tendem a
fazer-nos acreditar que o mundo do conhecimento e das práticas de investigação está
altamente estruturado e que foi edificado de forma absoluta, universal e cientificamente
correcta. Porém, Foucault (e.g., 2005) demonstra, principalmente no que diz respeito às
ciências humanas e à pedagogia, que este pressuposto é uma falácia e que devemos ser
altamente vigilantes em relação ao controlo que sobre nós exercem os poderes normativos, que chegam a condicionar a própria forma como nos é permitido aceder, construir e
partilhar o conhecimento. Foucault revela-nos sobretudo como os poderes instalados se
assumem, desde logo, como os arautos dos conhecimentos e das metodologias mais eficazes e verdadeiras:
a verdade é uma coisa deste mundo: é produzida apenas em virtude de múltiplas
formas de constrangimento, induzindo efeitos reguladores de poder. Cada sociedade
apresenta um regime de verdade, a sua “política geral “ da verdade: isto é, os tipos
de discurso que adopta e promove enquanto verdade; os mecanismos e exemplos
que permitem às pessoas distinguirem declarações verdadeiras de falsas, os meios
por intermédio dos quais cada um é sancionado; as técnicas e os procedimentos
permitidos na aquisição da verdade e o estatuto dos que estão acreditados a dizer o
que conta como verdade.
(Foucault, 1980, p. 131)
Esta citação subentende, de algum modo, que a autoridade deve ser perspectivada
para além da sua tendência repressora mais evidente. Para Foucault (1980, p. 59) quando o poder é forte, “produz efeitos ao nível do desejo [mas] também ao nível do conhecimento. Longe de impedir o conhecimento, o poder produ-lo”. Assim, perspectivar o
poder exclusivamente como uma força repressora deturpa e trivializa a sua maior insinuação nas nossas vidas e a cumplicidade que mantemos com ele através dos títulos
académicos que vamos conseguindo, das funções e papeis hierárquicos que se vão
colando à nossa pessoa, ao peso da nossa assinatura e aos posicionamentos que adoptamos nas reuniões, na aceitação ou rejeição dos outros e, sobretudo, ao modo como
168
nos posicionamos perante as vozes que marcam a cadência das discussões epistemológicas, metodológicas e educativas.
De forma bastante sugestiva Jardine (2007, p. 96) diz-nos que “o poder produz em
nós o desejo de saber o que produziu, escondendo-se, durante o tempo todo, no seu
produto.” No âmbito epistemológico e pedagógico, a análise crítica sobre os factores que
nos levam a pensar e a actuar de determinada maneira é o que verdadeiramente nos
permite reflectir sobre as problemáticas, metodologias e práticas que adoptamos. Só o
pensamento crítico nos permite ultrapassar a nossa aculturação neste ou naquele sistema de conhecimento, sendo, em última instância, o que nos permite compreender que
“o pensamento é a liberdade em relação ao que fazemos, a acção pela qual nos desligamos do habitual e o estabelecemos como um objecto, reflectindo sobre ele como um
problema” (Foucault M. , 1988, p. 388). A postura reflexiva implica que adoptemos a
nossa história vivida no sentido de nos libertar “não apenas das tradições que legitimam
classificações institucionais opressivas, mas também da [nossa] própria história individual, isto é, aquela que a sociedade construiu [connosco].” A visão histórico-reflexiva
apreguada por Foucault revela-se, por isso, compatível e sobreponível com a auto-análise
e com a praxis quotidiana. Giroux (2007, p. 60) diz-nos sobretudo que nos “devemos virar
para a história para conseguirmos entender as tradições que moldaram as nossas biografias individuais e relações inter-subjectivas com outros seres humanos”.
Torna-se claro que as metodologias de investigação e os modelos pedagógicos que
apoiam a nossa actuação devem sobretudo emergir da liberdade de pensarmos e agirmos, isto é, de sublinharmos o que faz verdadeiramente sentido para nós como pessoas
e nos permite clarificar as reais preocupações e problemáticas com que somos confrontados. Se, com base na indagação, não adoptarmos esta postura crítica, poderemos ser
facilmente levados a percepcionar, como importantes, as problemáticas e as metodologias dos grupos acarinhados pelo poder, por exemplo, pela ciência instituída que direcciona esforços essencialmente para o medível e objectivável, inócua de estética, ética e
sentimento. Devemos também assumir que podemos cair no extremo oposto, não ajuizando, de forma emancipada como somos levados a adoptar posturas mais niilistas, que
podem servir os nossos desejos inquisidores somente por questões de moda ou pela
169
necessidade de nos aproximarmos dos discursos de pendor artístico, político e literário
mais alternativos e radicais. Vásquez (2008) salienta que, no que diz respeito aos estudos
pedagógicos, existem dois tipos de perigos que devemos enfrentar. Por um lado, a neutralidade e linearidade dos discursos da ciência e da técnica e, por outro, a crítica fundamentalista com laivos pós-modernos radicais e descentrados, que McLaren (2007, pp.
152-156) intitula de “pós-modernidade lúdica”.
As problemáticas e metodologias que não se limitam às considerações normativas
de uma determinada comunidade, quer da que ostenta o nome e obtém os lucros, quer
da que procura emergir lutando para destronar a antecedente e criar novos padrões,
revelam, só por si, um posicionamento epistemológico orientado para a descoberta de
formas genuínas de ver e de fazer. Este posicionamento poderá, no final, acabar por corresponder às expectativas do estabelecido ou, em vez disso, enviesar caminhos, derivar
conteúdos e trazer a lume as vozes menos consensuais. De uma forma ou de outra,
podemos sempre afirmar que qualquer metodologia de produção e partilha de conhecimento deverá partir da análise ética e crítica dos contextos que informam e estruturam a
nossa função como investigadores e pedagogos.
Foucault (1988, p. 154) afirma que
A crítica não diz respeito ao dizer que as coisas, tal como existem, não estão certas,
mas sim em revelar em que tipo de assunções, pressupostos familiares e modos de
pensamento assentamos os nossos próprios modos de pensar e de agir. Devemos
libertarmo-nos da sacralização do social como a única realidade, e de parar de considerar supérfluo o pensamento sobre algo tão essencial à vida e às relações humanas.
O pensamento existe independentemente dos sistemas e estruturas do discurso. É
algo que se encontra frequentemente escondido, mas que anima o comportamento
de todos os dias. Existe sempre um pouco de pensamento mesmo nas instituições
mais estúpidas, existe sempre pensamento mesmo nos hábitos mais silenciosos.
Afirma ainda o mesmo autor Ibid. (p. 154)
A prática da crítica procura deslindar estes pensamentos e modificá-los: de modo a
mostrar que as coisas não são tão evidentes como se acredita, perceber que aquilo
que é entendido como óbvio pode deixar de ser aceite como tal. A prática da crítica
diz respeito a tornar difíceis os gestos fáceis.
170
Este trabalho, de forma semelhante ao que é proposto por Foucault (1980), assume que a crítica deve emanar sobretudo do particular, do local e do singular, afastandose das ideações teóricas derivadas de escolas e movimentos alargados. A crítica que
adoptamos revela-se como uma espécie de produção autónoma, descentralizada, cuja
validade não depende da aprovação dos regimes teóricos e disciplinares estabelecidos.
Tal como Foucault (1988), Giroux (2007), Madison (2005), Goodson (2004) e muitos
outros, este trabalho assume que a crítica transparece essencialmente nas vozes que
possuem “conhecimentos subjugados”, poderes derivados de culturas ou experiências
singulares, reprimidas ou ignoradas pelos mentores do conhecimento e das práticas
estabelecidas, sejam eles cientistas, políticos, filósofos ou professores ombreados com o
poder. Acreditamos que as vozes desqualificadas que fazemos falar, muito abaixo das
exigências do cientismo, ainda que possam ser consideradas pouco elaboradas e ingénuas, podem ajudar a revelar os saberes mais reflexivos e críticos que muitos recusam
escutar. Devemos admitir que ler, ouvir e conversar com pessoas que vivem os sistemas
de forma diferente e que nele actuam quotidianamente através da sua singularidade
pode ajudar-nos a deslindar a nossa própria forma de lidar com o saber, abrindo-nos a
visão para novas problemáticas, conceitos e metodologias. Pode, sobretudo, levar-nos a
analisar os aspectos mais intrínsecos do nosso próprio discurso, e quais as características
deste discurso que fazem sentido para nós, para os outros e para o sistema com o qual
estamos envolvidos. São estes pressupostos que nos tornam capazes de desafiar “aquilo
que cada um de nós sustenta como verdade”, abarcando a possibilidade de entendermos, em diálogo, “ algo que não havia ocorrido antes [e] que pode transformar a nossa
própria compreensão” (Jardine, 2007, p. 151).
Vásquez (2008), Wexler (2007) e Mendieta (2008), entre outros, defendem que a
cultura epistemológica e educativa deve edificar-se num novo humanismo; num paradigma compreensivo de “sentir como”, assente na sensibilidade moral e na imaginação
narrativa que envolve estados de argumentação próprios das ciências sociais e humanas,
privilegiando o fortalecimento da liberdade e do compromisso dos indivíduos com os
valores que não estão ainda subjugados ao poder.
171
Estes pressupostos desafiantes permitem que a ética e a epistemologia abdiquem
das pressupostas certezas que coarctam a possibilidade de dizermos a verdade sobre nós
mesmos e de ouvirmos a verdade dos outros. Só abdicando intencionalmente do estatuto que nos tem sido conferido de conhecedores e especialistas, poderemos renovar a
nossa compreensão enquanto pessoas genuinamente curiosas e reflexivas que abordam
a influência do conhecimento sobre o que nos rodeia e, indissociavelmente, sobre nós
próprios. Por isso, na epistemologia emancipada, a auto-reflexão revela-se essencial. É
ela que permite que experienciemos, em nós mesmos, a privação, a repressão, a ignorância e mesmo a possibilidade de inadvertidamente adoptarmos o sublimatório, o niilismo e o lúdico inócuo (Wexler, 2007).
172
POSICIONAMENTOS CURRICULARES
De forma muito particular insistiam sempre em que deveria atender e seguir sem demora
os desejos e ordens dos meus pais, professores, padres, etc., e de todos os adultos,
incluindo dos funcionários, e que nada deveria distrair-me de semelhante obrigação. O
que eles dissessem era sempre correcto. Estes princípios pedagógicos converteram-se
para mim em verdades intocáveis.
(O comandante de Auschwitz, Rudolf Hoss)
De forma muito interessante Pinar (Pinar w. , 2007, pp. 29-30) elabora uma série
de questões que os investigadores devem colocar a si próprios:
Se os académicos fossem capazes de entrar num debate que não estivesse já determinado pela legislação de deformação escolar dos políticos, o que diríamos aos nossos colegas nas escolas? O que iria dar forma às nossas respostas as questões dos
nossos colegas nas escolas, se existissem questões? Que conhecimento disciplinar dá
forma ao nosso “conhecimento profundo”?
As perguntas de Pinar colocam-nos desde logo perante um dilema. Por um lado, a
nossa obrigação profissional mais evidente relaciona-se com a disciplina com a qual
temos especial afinidade e estamos academicamente comprometidos. Por outro, ao
debruçarmo-nos exclusivamente nos enlaces disciplinares específicos, sabemos que corremos o risco de nos afastarmos das discussões mais essenciais da educação; tornandonos mudos e passivos enquanto as instituições deturpam e desumanizam o ensino com
base em imposições que são estranhas à nossa forma de ver e de estar no mundo.
Ainda que admitamos ser possível trabalhar em várias frentes, conciliando múltiplos aspectos da complexidade educativa, temos de sublinhar que a construção da especificidade técnico-pedagógica, fechada em si mesmo, não pode ser encarada como uma
dinâmica reflexiva suficientemente larga e comprometida. Devemos mesmo reconhecer
que os próprios processos de ensino aprendizagem, por mais disciplinares e específicos
que pretendam ser, encontram-se sempre sujeitos a contextos gerais que os determinam
173
e condicionam, devendo, por isso, os professores e os investigadores considerarem atentamente as perspectivas de estudo que tocam as análises sociais e culturais.
Os próprios estudos curriculares têm vindo a ultrapassar as problemáticas tradicionais que se focalizam essencialmente nos objectivos, na implementação e na avaliação
de conteúdos disciplinares. Por exemplo Giroux (2007) propõe que os estudos sobre a
educação devem-se envolver com o pensamento dialéctico, de modo a fomentarem os
diálogos emancipadores que permitem desenvolver esquemas conceptuais mais críticos
e abrangentes. Neste sentido, alguns estudiosos têm vindo afastar-se da racionalidade
positivista que ainda vigora em muitos discursos, adoptando linguagens mais hermenêuticas e interpretativas. Em determinados sectores as reflexões sobre a educação têm-se
envolvido sobretudo com as teorias da sociologia, da história e da psicologia, assim como
com uma variedade de disciplinas e modos operandi que permitem explorar as problemáticas educativas de uma forma crítica e personalizada. Esta multirrefencialidade teórica de pendor humanista procura sobretudo salientar o que não é evidente, testando as
assunções da verdade inerentes a qualquer interpretação, incluindo às dos próprios
investigadores.
Segundo Paraskeva (2008) as problemáticas técnico-científicas relacionadas com a
implementação e a avaliação não são actualmente consideradas como centrais nem relevantes nos estudos curriculares. Contemporaneamente, os estudos mais significativos
tendem sobretudo a problematizar as ideologias subjacentes ao fenómeno educativo; ou
seja
… encontram-se intimamente relacionados com as transformações culturais, políticas, sociais e económicas que têm vindo a afectar as sociedades desenvolvidas e que
obrigam a um reequacionamento, tanto da função social destinada à educação,
quanto das relações estabelecidas entre a escola e os seus agentes, directa ou indirectamente, implicados no processo de ensino e aprendizagem – professores, alunos,
comunidades.
(Paraskeva, 2008, p. 136)
Sob este enquadramento, o currículo deixa de ser perspectivado como um documento neutro, objectivo e universal, passando a ser encarado como uma declaração de
intenções elaborada com base em interesses e compromissos. Assim, enquanto constru-
174
ção discursiva, o texto curricular passa a ser sobretudo perspectivado como uma proposição valorativa que impõem limites para o que é possível implementar na escola.
Figueroa (2008), von Zuben e Gallo (2008), Paraskeva (2008) e Giroux (2007) subscrevem
a ideia de que a cultura escolar expressa as tendências e os propósitos que valorizam
preponderantemente os actores e as ideias que servem os seus interesses, não deixando
de evidenciar selectividades, ambiguidades e incongruências. O currículo não está por
isso isento de críticas. No fundo, como texto prescritivo, o currículo promove uma cultura
que, não só tende a “legitimar os interesses e os valores dos grupos dominantes, como
também marginaliza e descredibiliza os conhecimentos e as experiências que se revelam
extremamente importantes para os grupos desfavorecidos” (Paraskeva, 2008, p. 164).
O que se pode e deve leccionar? Quem está habilitado a fazê-lo e de que forma?
Como se podem organizar as pessoas, os tempos e os espaços escolares? Este tipo de
questões, tidas por muitos como derradeiramente importantes; nunca estão em aberto.
Não são sequer passíveis de ser formuladas no âmbito do sistema. As respostas impostas
e subentendidas não foram reflectidas ou cientificamente comprovadas; nem sequer se
baseiam em juízos assentes na adequação pedagógica. São essencialmente normas derivadas de uma cultura que arbitrariamente impõe um determinado tipo de funcionamento escolar. A concepção do ensino com base em valores culturais arbitrários verifica-se
também, por exemplo, na preponderância da avaliação somativa, que influencia sobremaneira todo o sistema, marcando as rotinas, práticas e mesmo os relacionamentos
entre os professores e os alunos. Um sistema escolar subjugado à prescrição ideológica e
política, que faz assentar grande parte do seu funcionamento na avaliação e na competição, jamais pode ser entendido como neutro e isento de críticas.
A sobrevalorização das disciplinas de cariz tecnológico e científico, especialmente
da matemática (tão ajustável à avaliação quantitativa!), assim como a escolha da língua
estrangeira que se oferece nas escolas devem ser igualmente entendidas como imposições que não revelam qualquer fundamento pedagógico ou psico-pedagógico que tenha
sido objectivamente comprovado. Não existem estudos empíricos que demonstrem a
especial importância ou primazia que as disciplinas científico-tecnológicas têm no desenvolvimento das crianças. Ainda que possa parecer estranho a um leigo na área da educa175
ção e da psicologia, as decisões curriculares e a forma de as implementar não estão
assentes em qualquer estudo inequívoco e objectivo. A matemática é um caso evidente
desta situação. Obviamente que alguns trabalhos têm sublinhado a importância do pensamento aritmético e algébrico no desenvolvimento das capacidades de raciocínio e de
abstracção. Não podemos, sob este aspecto, esquecer-nos da obra de Jean Piaget que
aborda o desenvolvimento cognitivo com base no raciocínio lógico. Contudo, porque não
consideraremos também, ao reflectirmos sobre o ensino, as ideias de Howard Gardner
sobre as inteligências múltiplas ou as de David Hargreaves que focam as questões do
desenvolvimento humano promovidos pela criatividade artística e pelo pensamento
divergente? Para além disso, sabemos que, tal como existem estudos de cariz experimental para a matemática que comprovam a sua importância no âmbito do desenvolvimento cognitivo (e.g., Christou e Philippou, 1998), também existem estudos válidos em
outras disciplinas que demonstraram, de forma incontestável, a sua relevância no desenvolvimento cognitivo e cultural das crianças, nomeadamente, e só para dar dois exemplos, na área da música o estudo de Gardiner (2000) e do drama o de Fleming, Merrell, e
Tymms (2004). Por seu lado, a aprendizagem do Inglês na escola portuguesa, implementada desde os primeiros anos de escolaridade em detrimento das línguas latinas mais
familiares e de fácil aprendizagem não pode ser compreendida senão pela hegemonia
cultural e principalmente económica do imperialismo anglófono da actualidade que
estende a sua influência a todos os ramos da sociedade.
É indesmentível que a cultura escolar é moldada por imposições que traduzem uma
selectividade de princípios ideológicos e de conveniência política e não por princípios
pedagógicos e humanos que tenham sido descobertos de forma reflexiva e objectiva. É
também evidente que os currículos não são implementados nas escolas para criar uma
sociedade mais justa, solidária, cooperativa e crítica, nem abordam os problemas do
relacionamento inter-pessoal, das humanidades e das artes de uma fora relevante. Servem sim, em grande parte, para manter e amplificar o poder competitivo e comercial
promovido pelas ciências e pelo desporto espectáculo. Tudo isto surgirá aos olhos de
todos se fizermos um simples exercício de análise sobre o que normalmente mais se evidencia nas escolas, assim como nos pensamentos de muitos alunos e professores que, no
176
seu íntimo, confessam o medo de falhar, de não serem capazes, de serem preteridos e
de não conseguirem arranjar os empregos que lhes permitirão futuramente alcançar a
inclusão social.
As práticas sociais veiculadas pela escola e pela sociedade do conhecimento tendem a descredibilizar outras formas de criar sentido para o mundo e para a educação
que não reforcem as já preponderantes. Por isso, os actores educativos estão, eles próprios, altamente condicionados pelas políticas unívocas, tendo dificuldade em ver a sua
existência reconhecida fora dos quadros de significação supostamente científicos e universais que o sistema cria para se auto-justificar.
Podemos afirmar, sem qualquer hesitação, que a educação abarca uma complexa
rede de questões que podem ou não ser preteridas, mas que, ainda assim, jamais deixam
de estar subjacentes. Para Beyer e Apple (1998 cit. por Paraskeva, 2008, p. 147) as problemáticas educativas invocam questões:
1) Epistemológicas (o que conta como conhecimento?);
2) Políticas (quem deve controlar a selecção e distribuição de conhecimento?);
3) Económicas (de que modo o controlo do conhecimento se encontra relacionado com a distribuição desigual de poder, bens e serviços existente na sociedade?);
4) Ideológicas (qual o conhecimento mais valioso?);
5) Técnicas (como é que o conhecimento curricular se torna acessível aos alunos?);
6) Estéticas (como ligar o conhecimento curricular com os significados pessoais e
com a própria autobiografia dos alunos?);
7) Éticas (como tratar os outros com justiça e responsabilidade?); e
8) Históricas (que tradições existem já no campo do currículo que nos permitem
responder a estas questões?).
A amplitude das alíneas acima apresentadas permite-nos afirmar que as pessoas
que se dedicam à educação, por mais que desejem adoptar uma postura entrincheirada
177
nas suas especialidades disciplinares, não podem abstrair-se das questões sociais e
humanas, pois o mero desapreço por este tipo de temáticas revela, só por si, um posicionamento ideológico e epistemológico que, para além de culturalmente muito limitado, é
eticamente reprovável.
Temos realmente de admitir, conjuntamente com uma multiplicidade de autores,
que um dos principais problemas da educação encontra-se na sua desumanização; no
seu afastamento da vida pessoal e da inspiração. Temos de admitir também que, de uma
forma geral, as teorias e as práticas educativas têm vindo a submeter-se exclusivamente
ao pensamento científico e às metodologias assentes na racionalidade técnica, ignorando
o saber ontológico, isto é, o “saber que inclui sentimentos [e] sensibilidades ”onde existe
espaço para o “imprevisível”, para a “imaginação” e para “as “paixões”; visto que
"nenhuma delas pode ser reduzida discreta ou objectivamente a entidades analisáveis”
(Paraskeva, 2007, p. 14).
Tanto as imposições ideológicas e políticas como as limitações que o positivismo
coloca à individualidade e à subjectividade no âmbito da ética, da educação e do currículo, revelam isomorfismos nos campos da epistemologia e das metodologias de investigação que passamos a abordar já em seguida.
178
QUESTÕES EPISTEMOLÓGICAS E PROCESSUAIS
A alteridade, na sua forma mais abstracta somente se encontra na pura multiplicação de
objectos inorgânicos, enquanto toda a vida orgânica mostra variações e distinções,
incluindo entre espécies da mesma espécie. Porém, só o homem pode expressar esta distinção e distinguir-se, somente ele pode comunicar o seu próprio eu e não simplesmente
algo; sede ou fome, afecto, hostilidade ou temor. No homem, a alteridade que compartilha com tudo o que é, e a distinção que partilha com todo o ser vivo, converte-se em unicidade, e a pluralidade humana é a paradoxal pluralidade dos seres únicos.
Arendt (2005, p. 206) La condición humana .
Tal como referimos ao abordarmos as questões educativas e curriculares, o saber e
a verdade são construídos com base nas normativas que procuram regular a forma como
os indivíduos actuam no âmbito dos seus campos disciplinares. Logo, a reflexão sobre as
forças que condicionam o conhecimento revela-se central na abordagem epistemológica.
Só o afastamento das condicionantes psicossociais que asseguram os interesses dominantes permite ultrapassar a repetição desnecessária e, porque não, quantas vezes, o
absurdo da sobraçaria que diminui a energia intelectual dos que pensam de forma diferente.
Wexler (2007) assume que grande parte da atrofia epistemológica, particularmente entre os membros da tradição instalada, deriva da sua incapacidade, senão mesmo da
má vontade (por razões de conveniência pessoal) em entenderem como o instituído
pode limitar o conhecimento. Por seu lado (Slattery, 2007) assume que o carreirismo no
trabalho evidência a forma limitada e interesseira como os indivíduos se colocam perante o conhecimento. Ainda que assim seja, sabemos que não devemos menosprezar a
inevitabilidade da referência às ideias dos outros e que, por vezes, podemos mesmo
reconhece-los como autoridade. Porém, neste caso, a autoridade não é de modo
nenhum a que usurpa o lugar do juízo próprio. A autoridade que devemos aceitar como
referência é a de quem, qualquer que seja o seu estatuto, revela os conhecimentos e as
experiências que fazem vibrar a nossa própria jornada de descoberta. Quanto a isto
Mèlich (2008, p. 47) refere, de forma clara, que “a verdadeira autoridade não necessita
de se mostrar autoritária. A autoridade é o reconhecimento que atribui ao outro um pon179
to de vista mais acertado.” Ou seja, “a autoridade nada tem que ver com a obediência
cega, senão com o consentimento”. Por isso, a experiência reflexiva e interpretativa
compreende o saber do outro que se abre à ética do diálogo e à convivência justa pela
descoberta e pelo entendimento.
Actualmente, muitas das problemáticas vigentes na educação e na epistemologia
decorrem mais das questões da consciência do que da ciência, o que tem levado alguns
estudiosos a percorrer os caminhos metodológicos que lhes permitem investigar e transformar as realidades sociais em que se inserem. Nestes casos, as investigações tendem a
evidenciar os dilemas e tensões que existem entre o social e o privado. Ou seja, desencadeiam-se a partir do afastamento premeditado do socialmente estabelecido e do óbvio,
o que assegura, como nos diz Giroux (2007, p. 65) “uma lealdade à visão do mundo que
invoca a emancipação da sensibilidade, da imaginação e da razão em todas as esferas da
subjectividade e da objectividade”.
Este posicionamento epistemológico nasce, em grande parte, da necessidade
intrínseca e vital dos indivíduos explorarem de forma pessoalmente significativa os
ramos do saber em que se movem, mas também do entendimento que vão urdindo
sobre as correntes epistemológicas e metodológicas que se apresentam como alternativas aos paradigmas tradicionais mais limitadores. Ambos os factores concorrem para que
as posturas profissionais e intelectuais passem a ligar-se à experiência de vida; conjugadas e amplificadas, obviamente, com as experiências e conhecimentos dos demais. Sobre
este assunto Mèlich (2008) diz-nos que compreender é também aplicar, à sua própria
situação, o que os outros nos contam, ou seja, o conhecimento manifesta-se como uma
experiência pessoal aberta à alteridade.
O posicionamento epistemológico reflexivo admite que o mundo se abre à interpretação. Os processos de descoberta ultrapassam os limites disciplinares e passam a
adoptar as linguagens e os esquemas conceptuais que, num dado momento, se revelem
mais desafiantes. A linguagem utilizada, ainda que seja inevitavelmente influenciada por
diversas tradições disciplinares, não tem de se confinar necessariamente aos limites dos
próprios assuntos, nem de se sujeitar às operações técnicas que se revelem incapazes de
180
desafiar o que se sabe, vive e sente. Segundo Slattery (2007, p. 152) a linguagem que se
revela pertinente para a exploração epistemológica é sobretudo a que faculta acesso aos
temas e “processos transformativos que incorporam um entendimento do passado e do
futuro enquanto constitutivos da existência presente”. No âmbito destes processos de
investigação
O indivíduo procura significado no meio do remoinho de acontecimentos actuais,
move-se historicamente no seu passado para recuperar e reconstruir as origens, e
imagina e cria direcções possíveis para o seu próprio futuro. Baseado na partilha de
relatos autobiográficos com outros que batalham por um entendimento semelhante
[…] os indivíduos atingem um maior entendimento de si próprios, dos outros, e do
mundo através da reconceptualização mútua. [Falamos, sem dúvida, da] interpretação das experiências vividas”.
Schubert (1986 cit. por Slattery, 2007, p. 155)
Passemos então a admitir, como axioma estruturante deste trabalho, que as narrativas biográficas realizadas na primeira ou na terceira pessoa, de forma directa ou indirecta, assumindo um ser uno ou desdobrando-o em múltiplos egos de referência, revelam-se fundamentais para se poder explorar e dar sentido à experiência do mundo e
logo, à experiência do conhecimento. Esta exploração revela-se sempre inacabada, insuficiente e multi-alternativa, acabando por admitir várias possibilidade de caminho ou
versões conclusivas. Assenta em procedimentos que aceitam múltiplas formas de contar
e de abranger as realidades que, por sua vez, são reveladas por sensibilidades e nuances
estéticas diferenciadas. Por isso, a tarefa primordial desencadeada pela epistemologia
adoptada neste trabalho centra-se na reflexão inconclusiva, não se encaminhando obrigatoriamente para a interpretação una e correcta, pois não existe nenhuma, mas sim
para o desbloquear das vozes que permitem revelar formas alternativas de viver e dizer o
mundo. Devemos assumir, sem receios, que a vida é multiforme e que a contradição subjectiva e a amplitude ontológica são inerentes ao ser humano. Adoptamos a desmistificação da ideia de que a existência, para ser epistemologicamente válida, obriga-se à presença de um ser uno, coerente e estável. Aceitamos, em vez disso, que a reflexividade
fomentada pela multi-realidade e alternância de egos pode fazer emergir, tanto para o
pesquisador como para os leitores (se se tratar de uma obra escrita), novos entendimen181
tos e possibilidades de conhecimento. Aceitamos principalmente a ideia que a autoanálise e a consciência subjectiva fomentam o ensaio humano do conhecimento, impulsionando a epifania e a transcendência. Para Munro (2007, p. 122) os processos de investigação e descoberta baseados nas narrativas pessoais podem ser incentivados pelo
“imperativo político e moral de que as coisas devem mudar”. Neste enquadramento, o
desdobramento pessoal, tal como o pressupomos, permite ultrapassar o determinismo
social que tende a configurar e simbolizar a identidade, o comportamento e os discursos
dos sujeitos. Proporcionamos sobretudo novas formas de resistir à nomenclatura paralisante do único e do estável. O intencional desprendimento da identidade única e social
mais plausível que realizamos, por exemplo, através de processos artísticos e dramáticos,
para além de fomentar a descoberta e o conhecimento, pode revelar também um fundamental posicionamento de resistência.
Sob este enquadramento a epistemologia passa a subscrever, de forma indelével, a
ideia de que existem verdades fundamentais que não se podem descobrir através dos
métodos tradicionais das ciências naturais. As ciências baseiam-se em grande parte na
indução lógica, procurando as regras e as leis que justificam os dados empíricos que se
vão recolhendo de forma sistematizada num ambiente controlado. Porém, as perspectivas baseadas na descoberta interpretativa e na vivência humana obtêm o conhecimento
a partir do que Gadamer (1977) chama “tacto psicológico”. A ideia de tacto, como precursor da descoberta, permite-nos abandonar em definitivo os discursos metodológicos
racionais e sistematizados e reclamar verdades que, para além de serem imprescindíveis,
se revelam inalcançáveis para as ciências empírico-naturais. As artes não têm de se sentir
inferiores às ciências exactas. Para Gadamer (1977, p. 45) o conceito de tacto implica
uma “sensibilidade e uma capacidade de percepção de situações assim como para o
comportamento dentro delas quando não possuímos, a seu respeito, nenhum saber
derivado de princípios gerais.”. Esta propriedade do conhecimento e da verdade humana, chamemos-lhe assim, para além de permitir contestar a exclusividade metodológica
das tecnologias positivistas, fomenta a assunção epistemológica das metáforas e das linguagens artísticas. Deste modo, as problemáticas do conhecimento deixam de começar e
de terminar nas metodologias, para passaram a assentar no facto dos seres humanos
182
possuírem uma dinâmica de contradição interna que teoriza e é teorizada pela sua vivência no mundo.
Não deixamos de aceitar que a metodologia possa ser importante, senão mesmo
derradeira, no que diz respeito à investigação da natureza física e tangível do mundo.
Porém, não o será, com toda a certeza, no universo do desenvolvimento humano, tal
como entendemos ser a educação. Nestes casos, o método pode limitar em vez de
ampliar, condicionar em vez de abrir o pensamento. Adorno (1977cit. por Giroux, 2007,
p. 57) considera que o método está, em muitos casos, “estreitamente relacionado com a
tendência geral para substituir os meios pelos fins” subjugando-se à “ natureza da comodidade: o facto de que tudo é visto como funcional, como ser-outro e já não algo que
existe em si.”Assim, a metodologia de índole positivista, regida por supostas leis universais, tal como a que é proposta pelos modelos quantitativos e qualitativos mais tradicionais, isola-se e estagna-se enquanto medida da verdade. Sobretudo, nega a intencionalidade humana, a crítica reflexiva e a necessidade de auto-renovação. Colom (2005),
Grumet (2007), Figueroa (2008), Mèlich (2008) e Vásquez (2008) encontram-se entre os
muitos autores que defendem que as disciplinas que dizem respeito ao estudo das
humanidades necessitam de linguagens e processos distintos dos actualmente normalizados pelas ciências empírico-naturais. Segundo estes autores, as ciências humanas
devem assumir, sem receios de menoridade, que não pretendem alcançar um conhecimento com validade geral. O que não significa que não existam verdades absolutas noutros ramos do saber, mas tão-somente que as leis “físicas presentes da natureza”, tal
como as concebemos actualmente, não excluem a verdade relativa e contextual do universo humano. Encarada desta forma a epistemologia abandona definitivamente a
obsessão pelas verdades absolutas, para emergir na relatividade, finitude e individualidade do saber. Tal como nos diz Gadamer (2002 cit. por Mèlich, 2008, p. 44) devemos
aceitar que “o individual não se limita a servir de afirmação a uma legitimidade a partir
da qual se possam, no sentido prático, fazer predições. [O que se aceita como conhecimento] diz essencialmente respeito à compreensão dos fenómenos no concreto da sua
história única”.
183
O processo de investigação inerente à construção deste trabalho impeliu-nos a elaborar o seguinte quadro assente na alteridade reflexiva :
Texto Performativo 4 - Eu/tu/nós no processo de investigação
EU
TU
NÒS
Não podemos falar de
Tudo corresponde a uma
Viajo por diversos sítios.
método, no sentido em que é
procura que não deve limitar as
geralmente entendido, pois a
tuas
metodologia diz respeito aos
impossibilidade de encontrares
preceitos normalizados e deter-
previamente uma forma derra-
minados a priori, submetidos às
deira e segura que possa condu-
actuações descritas em inúmeros
zir todo o processo. Fazes des-
manuais que servem de guia e de
cobertas durante o desenrolar
referência a todos os procedi-
dos trabalhos e um título ou
novas ideias que incorporo nos
mentos. O método procura afas-
mesmo um índice não passam
textos que produzo.
tar as interferências do investiga-
de simples possibilidades que
dor no ensejo de alcançar a
vão sendo refeitas e abandona-
lho onde exploro outras possibili-
objectividade e a universalidade
das. Crias
dades de funcionar.
das conclusões de modo a esten-
também provisórios. Alguma
de-las a todo o universo de situa-
coisa
ções semelhantes.
alguma coisa vai ficando pre-
possibilidades.
vai
outros
ficando
Vês
a
caminhos
ausente,
sente.
Deixo coisas importantes para
trás que revisitarei mais tarde.
Mudo de hábitos e de horários.
Encontro pessoas que me desprendem o pensamento.
Leio livros que nada tem a
ver com os assuntos sobre os
quais escrevo e encontro neles
Tenho reuniões de traba-
Viajo sempre para fazer
coisas interessantes. Encontro
uma paisagem que me torna mais
familiar de mim mesmo.
Em vez disso devemos
falar de processos de investigação e descoberta, sempre imanentes, livres e assentes na incomensurabilidade.
Processos influenciados
pelos pensamentos e pela vida
dos sujeitos; que permitam
explorar e transmitir a natureza
contraditória, parcial e subjectiva
das histórias e das narrativas,
184
São sempre mais os
Deleito-me com o acaso.
assuntos que não trabalhas e
Vivo aventuras estéticas impres-
aprofundas. Talvez por falta de
sionantes. Inesquecíveis. Drama-
tempo! Talvez porque já não
seria possível seguires o que
estava previamente traçado!
Sabes que o momento
presente se relaciona com o
tizo dilemas humanos, crio histórias, vejo performances. Estou
com pessoas de diferentes partes
do mundo. Falamos de reencontros, de pontos comuns, de situações e de locais que nos enriqueceram anteriormente.
passado, com as descobertas
anteriores, mas também com as
necessidades que sentiste nou-
Visito exposições. Sou
surpreendido. Compro livros de
uma forma quase compulsiva.
tros contextos.
destacando a sua fenomenologia;
há muito gostaria de ter lido.
que permitam ultrapassar as
estruturas pré-estabelecidas que
condicionam as nossas acções,
revelando as experiências ricas
Tudo se apresenta como
o seguimento de tudo, mas
também poderá não ser assim.
que podem ocultar.
Processos que entrem na
abstracção e na introspecção,
sem recear a ficção e o envolvimento estético com a vida e com
o conhecimento.
Requisito livros na biblioteca que
Faço auto-hipnose. Viajo
pelo inconsciente. Aceito desafios
sociais que aumentam a minha
auto-estima.
Arriscas. No fundo tratase de um risco. Desafias-te a ti
Aprendo algumas coisas
próprio. Tens de pensar com a
sobre outras culturas. As pessoas
tua cabeça. Tens de libertar as
colocam-me questões que não
ideias e a escrita. Quando isto
sei responder, mas que, no
acontece, vem-te um novo alen-
entanto, me fazem reflectir.
to. As palavras tornam-se mais
Falo sobre a escola com
fluidas.
colegas. Divergimos em muitos
A primeira fase poderá ser
pontos de vista, noutros, coinci-
simplesmente o acaso, o deam-
Reencontras o drama.
dimos. Partilhamos frustrações
Crias personagens a partir do
Não deixo contudo de ser opti-
que viveste e do que lês. Crias
mista.
lar, desde logo, a selecção de
histórias, enredos. Imaginas
determinados acontecimentos e
Escuto pessoas a falar de
situações de interacção. Conver-
assuntos relacionados com o
o abandono de outros que, no
sas online, múltiplos blogs.
meu trabalho. Algumas palestras
entanto, se podem rebuscar pos-
Fazes trabalhos em conjunto
fazem sentido, outras nem por
teriormente. Necessitamos de
com outros. Colocas questões.
bular e a livre associação. Contudo, a livre-associação pode reve-
processos que permitam voltar
do segundo outros procedimentos e perspectivas.
As novas ideias abrem
novas portas e outros caminhos.
Falo no messenger. Parti-
Por vezes percebes que é por ali
lho trabalhos, ideias, imagens,
que tens realmente de seguir.
escritos. Oiço professores, colegas. Sabemos das mesmas histó-
Processos que permitam
que a mente vagueie. Que não
Interessas-te. Interessas-
rias noutras situações, por vezes
te constantemente.
sentimos o mesmo. No entanto,
sei que sou diferente.
combatam a incerteza e a ambi-
Confrontas-te com algu-
guidade.
mas das tuas limitações. Con-
Que nos façam anotar, sob
múltiplas formas, as nuances
estéticas do caminho, sublinhando as referências racionais e
sentimentais, as verdadeiras
incógnitas e os desafios que se
Vejo coisas imperdoáveis mas
dou-lhes o benefício da dúvida.
atrás de modo a rever as tendências iniciais e reelaborar o decidi-
isso. Ajuízo comportamentos.
frontas-te com as limitações da
tecnologia. Encontras outras
Visito alguns dos meus
autores preferidos. De qualquer
área do conhecimento que forem.
Espero oportunidade para em
possibilidades. Outros textos,
breve ir ver a exposição de
outros artigos. Crias constan-
Joseph Beuys sobre múltiplos.
temente uma imensa base de
Tentarei usar as suas ideias nos
dados.
Algumas
referências
meus escritos. Quem sabe! Visito
as ideias de sociólogos, psicólo-
185
vão despoletando. Que permitam
que o elaborado não tenha
necessariamente de estar relacionado com o tema que abordamos, embora possa estar. Que
alimentem detalhes. Derivações.
Que nos aproximem da ficção.
prendem-te. Principalmente as
gos e filósofos. Apaixono-me por
Hannah Arendt, tal como ela o fez
metáforas.
por Heidegger. Mas não tanto.
Tens
um
trabalho
a
Durmo somente com ela algumas
completar e sabes principal-
noites. Perscruto a sua vida.
mente que deves dar uma forma
Imagino como seria difícil viver
a tudo. É óbvio que sim.
com judeu na Alemanha nazi.
Não obtenho uma resposta clara
sobre como reagiria se vivesse
Processos que permitam apagar
Se viste muitas possibili-
uns temas e manter outros.
dades e veleidades iniciais, não
Necessitamos sobretudo de pro-
deixas de saber que mais cedo
cessos que façam com que nos
ou mais tarde tudo vai fazer
yes e na sua emancipação do
surpreendamos. Aliás, temos de
sentido. Caminhas para onde és
outro lado da barricada.
nos surpreender e de regressar
impelido. E melhoras. Melhoras
constantemente a nós próprios.
constantemente o que está para
Necessitamos de proces-
nessa altura (como judeu? Como
nazi?). Penso novamente em
Joseph Beuys, no soldado Beu-
Passo o dia na biblioteca,
a noite na biblioteca. Passo o dia
trás. Por vezes receias, hesitas.
ao computador, a noite ao com-
Principalmente porque sabes
putador. Viajo novamente pelo
sos que nos permitam avançar
que podias ter seguido outros
passado, mas também viajo geo-
enquadrando as experiências nos
caminhos promissores.
graficamente ao mesmo tempo e
de forma consentânea.
objectos estéticos, na escrita
performativa e nas imagens. Que
Não te preocupas. Dizes
nos permitam explorar outras
a ti próprio para não te preocu-
formas de expressão de modo a
pares; que é mesmo assim.
Lugares comuns. Frequento
darmos sentido ao que vamos
Admites que tudo poderá ficar
novamente workshops de drama.
descobrindo. Que nos permitam
trabalhar a escrita e as imagens
até à exaustão, fazendo-nos
alcançar o paradoxo de, por um
lado, termos a certeza que nunca
estarmos satisfeitos e, por outro,
de os objectos da nossa expres-
Processos que permitam
que as nossas vidas surjam de
forma esmagadora e envolvente
através de espaços de referência
186
verso. Encontro conterrâneos.
para outra altura. Agora tens de
continuar a dar forma aos pen-
Leio peças de teatro. Leio
os livros que encomendei e que
samentos e às imagens. Tens
chegaram
certezas quanto ao caminho.
muito. Volto a ler e a tirar notas.
Tens uma ideia na tua cabeça.
Perguntas a ti próprio quantos
cruzamentos terás de atravessar
para lá chegar.
são se emanciparem, rejeitando
qualquer alteração.
Caminho enquanto con-
Aceitas as incoerências e
sem
Escolho
alguns
lacunas.
Leio
determinantemente
caminhos.
No entanto
tenho pena de ter de abandonar
os caminhos que não posso no
momento
seguir;
pelo menos
provisoriamente.
algumas lacunas, outras não, de
Uso máscaras. Observo o
modo nenhum. Por isso reages e
meu reflexo. Acrescento imagens
acrescentas ou modificas.
ao trabalho. Escrevo conversas,
descrevo situações.
A
escrita
prende-te
Liberto
a
escrita.
Uso
que não podemos rejeitar. Onde
demasiado. Tentas, a meio do
outras formas de escrever. Expe-
tudo possa servir potencialmente
percurso,
rimento novas ideias. Elaboro
como referência. Onde tudo se
Porém começas a perceber que
possa repensar e aprofundar.
não o podes fazer no momento.
Crio blogs. Crio niks, ava-
Onde submerjamos no trabalho
Principalmente porque já estás
tares. Falo com filósofos. Falo
como submergimos na vida, com
demasiado envolvido com o que
com cientistas que falam sobre a
todos os sentidos alerta.
produzes.
enviesar
caminho.
esquemas.
escola. Investigo sobre o assunto.
Reescrevo a minha experiência
Processos que permitam a
Fazes por isso da escrita
como aluno e como professor.
expressão da nossa liberdade,
uma exploração estética. Sabes
Leio sobre educação artís-
não nos coagindo a pensar ou a
que só posteriormente podes
tica. Reencontro alguém a falar
sentir de forma pré-determinada,
apresentar os conteúdos em três
sobre a importância das artes,
nem sequer como acreditamos
dimensões, usando os retratos,
admitindo a epifania e a trans-
ter de o fazer. Onde possamos
as personagens e os sons de
cendência.
reorganizar tudo irracionalmente.
modo a partilhares o mundo
Releio, como sempre, com
Onde as ideias possam surgir
que foste criando.
enorme agrado algumas partes
das confissões de Santo Agosti-
através de forças inadiáveis e de
Vês sempre mais poten-
formas cuja origem não conse-
cialidades. Imaginas como seria,
guimos determinar, só sabendo
o que poderia ter sido se fosse de
que são vitais e derradeiras, che-
outra maneira.
gando a acreditar que as deve-
nho.
Falo com colegas sobre
performatividade, sobre Antígona,
sobre Judith Butler.
mos a cada segundo da nossa
Constróis sites, exploras
Leio livros com diferentes
vida.
links. Publicas em blogs as
posicionamentos que se tornam
ideias sob a forma de texto e
inspiradores, fazendo-me reflectir
imagens.
sobre a sociedade, as artes e a
Processos que nos permitam frequentar filmes, imagens,
sons e textos de todo o tipo. Que
nos permitam escolher a qualidade de uma forma ultra criteriosa,
sabendo que, mesmo quando nos
enganamos, não temos dar a
experiência por perdida. Proces-
Descobres novo software
que parece promissor. Porém
educação.
Estudo métodos de investigação. Reencontro Norman
não o usas. Não o usas, pois
Denzin no seu livro sobre perfor-
encontras rapidamente outros
mance research. Percebo o salto
programas com uma curva de
que o autor deu desde o manual
aprendizagem menos íngreme.
de investigação qualitativa que li
quando estudava psicologia.
sos que alimentem os exercícios
Estás em linha, acedes a
Interessante! Reflicto sobre os
de reflexão, através de comentá-
múltiplas livrarias, bibliotecas,
motivos que levaram uma das
rios, partilhas e discussões.
baixas imensos artigos de revis-
maiores referências da investiga-
Onde as questões prévias
possam requerer mais informa-
tas. Reencontras muitos assuntos sobre os quais tens andado a
ção a ter enveredado pelos caminhos da pesquisa baseada nas
artes.
187
caminhos não desejados. Processos que permitam que nos enriqueçamos com as experiências,
respondendo às questões pelo
aumento das fontes de informação concretas e abstractas. Que
nos permitam avançar com mais
Onde possamos usar a
internet para explorar os assuntos e que permitam que isso nos
encaminhe para outros temas e
pesquisa
Escreves como persona-
como pesquisa, sobre performan-
gem. Este processo permite-te
ce research, sobre etnografia
falar de ti como se fosses outro.
crítica. Leio sobre muitos assun-
Utilizas diversas pessoas no
tos a que me quero dedicar, mais
texto. Crias animações. Compras software. Descobres as suas
potencialidades. Crias histórias.
Animas outros personagens.
cedo ou mais tarde. Falo sobre o
assunto a outras pessoas. Leio e
tiro notas. Quantas notas repletas
com novas ideias ou mesmo
veleidades que nunca revisitarei!
Vejo-me
Descobres mais textos a
observações, com mais leituras e
com mais vivências.
sobre
baseada nas artes. Sobre drama
obriguem a responder às perguntas que entendamos levarem a
Leio
pensar, desde há muito.
ção mas que, contudo, não nos
partir dos nomes dos autores de
imagens que baixaste da net.
Usas
e
abandonas
algumas
novas
obras,
Coloco umas
reflectido
novos
em
autores.
perto de mim.
Tenho imensa dificuldade em
escrever. Estou preso às cita-
ilustrações. Abandonas muita
ções. Luto entre a tendência da
coisa de que gostas. Sabes que
liberdade total da escrita e a
as podes retomar mais tarde.
necessidade de a ilustrar com
problemáticas. Onde possamos
outras vozes. Talvez mesmo de a
recorrer às experiências do pas-
Sentes muitas limitações
sado, reencontrando determina-
tecnológicas. Precisavas de um
dos autores e assuntos que já
plotter. Usas as limitações tecno-
frequentámos no passado, ou
lógicas como incentivo à tua
de forma livre e depois, volto à
descobrir outros temas e autores
criatividade. Divides as ima-
terra. Passo a ilustrar, a porme-
gens e constróis um poster com
norizar, a corrigir incessantemen-
colagens.
te. Acabo sempre por me encon-
que desconhecíamos e que se
revelem igualmente fascinantes.
Onde possamos submergir
nos diversos assuntos que aparentemente eram distintos, mas
que muitas vezes se cruzam e
sobrepõem num surpreendente
enredo. Que nos permitam imergir numa renovada torrente de
fluência, escrevendo, criando
imagens e tecendo ligações que
levam a outras ligações. Onde
possamos usar a animação de
188
credibilizar.
Saio do dilema e as coisas
fluem. Sinto-me a voar. Escrevo
trar com opções estéticas. Sinto
Agarras-te aos textos.
os textos. O seu ritmo e a sua
Não saís deles. Escreves, rees-
cor. Surpreendo-me a mim pró-
creves, encontras novas solu-
prio com algumas decisões.
ções estéticas. Crias fluidez.
Reencontras novamente a tua
Receio que sejam demasiado
arriscadas. Contudo, ao mesmo
tempo, percebo que não poderia
voz. A tua história. Revives
ser de outra forma. Registo mui-
formações passadas. Reconquis-
tas coisas pertinentes.
tas alguns desejos. Outros deixas para mais tarde, para anali-
Partilho alguns textos com
colegas e amigos. Algumas críti-
sares com maior maturidade.
cas são positivas, outras nem por
Sabes que há coisas que são
isso. Aceito ambas. Continuo a
intrínsecas à tua forma de ser e
investigar e a explorar o que
textos como diferentes cores e
tipos de letra. Onde possamos
propus no início. Não exactamen-
de trabalhar.
te da mesma forma, muito menos
Reflectes sobre o que te
com os condimentos iniciais.
fez ser professor…Foi sempre
Gosto da ideia de comparar a
em grande parte assim. Mas
investigação e a escrita ao acto
podia ser de outro modo.
de cozinhar. A escolha dos con-
trás, gravando registos sonoros,
Sempre soubeste que a
mas também o risco, a invenção
imagens e textos para revisitar-
arte e o relacionamento podem
e a aventura. Se não utilizar ago-
mos mais tarde ou no minuto
ser construtivos. Movia-te a
seguinte; se for o caso.
esperança de seres socialmente
gravar digitalmente a nossa própria voz para posteriormente
alterarmos tudo. Que nos permitam andar para a frente e para
dimentos, a experiência do q.b.,
ra esta metáfora, gostaria de a
retomar um dia, quem sabe,
talvez num capítulo… Desvio
útil e uma curiosidade sobre os
agora mesmo o olhar para um
assuntos. Ainda agora é assim.
livro que tenho ao meu lado na
reflexão, elevando a nossa capa-
Estudas textos e subli-
propósito: Methaphors and the
cidade para nos tornarmos agen-
nhas as ideias interessantes e
Dynamics of Knowledge.
tes activos dos nossos interesses.
construtivas. Identificas-te com
Onde possamos ser intérpretes
algumas delas. Não podia ser de
activos da nossa vida, partilhando
outro modo.
Onde possamos criar um
imenso reservatório de fontes de
as nossas dúvidas com quem
gostamos.
secretária, cujo título é; bem a
Admiras pensamentos,
vidas, formas de ser. Criticas
outras. Há mesmo coisas que
sabes não teres capacidade para
compreender. Talvez seja uma
algo mais emocional do que
racional.
189
Esforcemo-nos por transformar as nossas experiências numa forma utilizável onde
as outras pessoas possam ver-se retratadas de modo a explorarem, elas próprias, as suas
dúvidas e certezas inconstantes. Observemos o que criámos com a ajuda dos outros, não
com o intuito primário de encontrarmos lacunas e imperfeições, mas para comungarmos
o surgimento de outras possíveis interpretações da experiência humana (Grumet, 2007).
Por tudo isto, devemos admitir, sem receios, que os estudos sobre a educação,
quando devidamente enquadrados no âmbito das humanidades, onde devem realmente
estar, ultrapassam sobremaneira a obsessão metodológica, devendo dirigir
o seu olhar para a arte, porque será precisamente a arte o ponto de partida para
alcançar uma verdade vital, experiencial, necessária a todos os seres humanos
enquanto habitantes do mundo. O modo de conhecimento das ciências do espírito
está mais próximo das da experiência da arte do que da ciência. A experiência da arte
transmite uma verdade e um conhecimento que não se podem medir segundo os
trâmites da ciência metódica. Em definitivo: o propósito não é a obtenção de uma
verdade objectiva intemporal, válida e independente do ponto de vista de quem
interpreta, senão a participação numa verdade que é histórica, espacio-temporal e
situacional.
(Mèlich, 2008, pp. 44-45)
190
3.7 ARTE, CONHECIMENTO E INVESTIGAÇÃO
Os artistas têm uma vantagem sobre os sociólogos: daí que, uma e outra vez, sejam os
artistas os primeiros a perceber, sentir, apreender, articular e mostrar (fazendo visível e
inteligível) o novo, o que está por nascer […] só num segundo momento, e graças ao trabalho prévio dos artistas, “os estudiosos da vida social” o percebem, mastigam e digerem.
Essa vantagem é a liberdade, ou melhor, a liberdade de experimentar, de arriscar-se e
equivocar-se muito superior à que existe atrás dos muros da academia onde vivem e trabalham os sociólogos. Diferentemente dos académicos, os artistas não estão condicionados pelas estatísticas oficiais e opiniões maioritárias, nem estão presos na estreita jaula de
uma disciplina com denominação controlada. Seguem livremente a sua intuição e imaginação. Podem decidir, alto e claro, o que os académicos não se atrevem sequer a dizer
publicamente ou simplesmente sussurram envolvendo a mensagem em milhares de cláusulas e matizes.
Procuro aprender com os artistas a difícil arte de arriscar-se e de ser valente.
(Bauman, 2007)
Os juízos sumários dos autores sobre os seus personagens: este é estúpido, este é brutal,
este zeloso, este tacanho. Isso sim, deveria ser impugnado pelos científicos que conhecem
a riqueza e a complexidade da alma humana e sabem que o “vício” tem um reverso muito
aparentado à virtude […] A alma dos meus personagens (o seu carácter) é um conglomerado de civilizações passadas e actuais, retalhos de livros e jornais, pedaços de gente,
rodopios de vestidos de festa já convertidos em farrapos, da mesma forma como está
moldada a alma.
August Strindberg (Prefácio - Menina Júlia)
A arte não necessita de ser compreendida, pois se tivesse que o ser, deixaria de haver
qualquer razão para a sua existência. De outro modo, poderia consistir – por exemplo – de
frases lógicas em forma de texto. Porém, nos objectos subjaz mais sentido do que se percebe por meio da compreensão.
Sempre quis enfatizar o que na vida tem a ver com a arte, que é dizer que, somente através da arte existe a possibilidade de desenvolver um novo conceito de economia baseado
no que a humanidade realmente necessita e não na lógica do consumo, da política e da
propriedade. Porque, acima de tudo, temos de entender a economia como meio de produção de bens espirituais.
Cada múltiplo tem para mim o carácter de um núcleo de condensação que permite acumular muitas coisas.
A revolução somos nós.
Joseph Beuys (Múltiples - 2008 - Santiago de Compostela)
191
CONFRONTAÇÃO 1
Texto Performativo 5 - Confrontação 1: O lugar das pirâmides invertidas
Encontram-se agora no deserto. Ao fundo avistam os contornos espectrais de uma
cruz que somente conseguem vislumbrar quando o calor não é muito intenso. A cruz,
corroída por centenas de anos, foi colocada no cume da mais alta duna para servir de
farol espiritual. Contudo, com o passar do tempo, o sistema simbólico autóctone incorporou-a, neutralizando a sua função colonizadora. A cruz já não é uma cruz, tal como
nós, judaico-cristãos, fomos ensinados a reconhecer. Passou a conviver com as práticas
mágicas e as crenças pagãs, com os diálogos dissonantes e os raciocínios contraditórios
sendo, por isso, ainda mais fascinante.
192
Encontram-se numa ilha rodeada de água no meio do deserto. Estão na casa do
ancião que os convidou a ficar. O local é um autêntico oásis, com extensos jardins onde
proliferam árvores e plantas oriundas de regiões nunca antes percorridas. Porém, o que
é verdadeiramente fascinante neste sítio é a sua aparente infinitude. Todos os edifícios
são pirâmides invertidas, compostas por vários elementos que se sobrepõem do subsolo
até à superfície. Ninguém sabe quando foram edificados os primeiros alicerces, nem a
quantos andares de profundidade se encontram os vértices.
193
Eu, pelo meu lado, tenho dúvidas se devo declarar a minha presença ou continuar a
usufruir do local somente como observador. Sei, por experiência própria, que posso sair
da sala ou deixar-me ficar imperceptível. Poderei mesmo estar em várias salas ao mesmo
tempo e realizar, simultaneamente, em cada uma delas, uma grande quantidade de tarefas.
O ancião, tal como todos nós, tem viajado por múltiplas culturas. Ninguém
conhece a sua verdadeira identidade e forma. Também é impossível determinar onde
realmente se encontra num dado momento. Não vale a pena sequer indagar o seu paradeiro, pois a partir do momento em que se accionasse, ainda que fosse, somente um
único motor de busca, os resultados desencadeariam mais de quatrocentos milhões de
pistas. Quando nos transportamos rapidamente para outros locais e culturas tornamonos indefiníveis.
Por aí, faremos novos amigos.
Visitaremos o local das pirâmides invertidas.
O ancião também está presente.
Óptimo!
Fiquemos então a sala durante algum tempo.
Copiemos os diálogos;
São sempre dignos de registo...
194
CONFRONTAÇÃO 2
Texto Performativo 6 - Confrontação 2: No lugar das pirâmides invertidas
You're a lamer if you care about lamers. Fantaghirocco
_________
_ON LINE_
-----SALA COMUM----«Ancião_70»
Ancião
-------------- Não sois águias: por isso não haveis ---------------
………………
Experimentado, tão pouco, a felicidade que há no
Feliciano
terror do espírito. E quem não é
………………
pássaro não deve fazer o
seu ninho sobre
Ian_Curtis
………………
abismos.
--1
Deparei-me agora com esta frase de Nietzsche. Aceitem-na como epígrafe para a nossa conversa nas
pirâmides invertidas. Já viram o meu novo avatar?
«Feliciano» A frase é interessante. lol. Também
Gosto do avatar.
1
Epígrafe copiada de uma epígrafe: Nietzche (s.d. cit. por Valerio, 2005, p. 13)
195
«Ian_Curtis»
Gosto do teu avatar, Ancião. Aqui
somos todos águias; estamos nas pirâmides inverti-
_________
_ON LINE_
das. Vou postar a frase de Nietzsche no meu blog.
«Ancião_70» Ian_curtis, tenho de te dizer que ontem
Ancião
o teu blog estava offline. Tinha-o acabado de indi-
………………
car a uns alunos. Ficámos todos muito tristes ao
percebermos que era impossível aceder às tuas preciosidades
«Ian_Curtis»
Feliciano
.
É verdade. O servidor esteve em
………………
baixo. Porém, agora está acessível. Ainda há pouco
acrescentei um texto sobre a função das artes na
sociedade contemporânea.
Ian_Curtis
………………
«ENTRA DIOTIMA»
«Diotima» Olá a todos. Procuro inspiração… Hoje
vens de águia ao peito Ancião_70!!!
«Ancião_70» lol. Nada disso. Resolvi usar este avatar para nos incentivar a ver mais longe, para
incorporarmos o espírito acutilante da águia, para
libertarmos o pensamento.
«Diotima» Agradeço. Estou a precisar disso.
«Ian_Curtis» Estás na sala certa
. Bem-
vinda às pirâmides invertidas.
«Ancião_70» Sabes que aqui comungamos um único compromisso: indagar a verdade.
196
Diotima
«Diotima» Ancião… meu amigo… tens de ter cuidado
com as palavras
. Que verdade?!
Todos sabemos
_________
_ON LINE_
que a verdade é essencialmente um acordo estipulado. Parece que tudo é cada vez mais relativo e efémero. Qual é então a verdade de que falas? Ainda
por cima no singular. Actualmente parece que tudo
Ancião
………………
tem valor, tudo tem cabimento…
Feliciano
«Ancião_70»
………………
«Diotima» Ancião… olha para mim… tu sabes que ao
longo da minha vida tenho-me envolvido com total
Tenho-as
Ian_Curtis
vivenciado como um importante processo de descober-
………………
empenho
e
profundidade
com
as
artes.
ta e de reflexão sobre o mundo e sobre mim própria.
Diz-me então que verdade poderei algum dia partilhar numa sociedade que se determina essencialmente
Diotima
pela ditadura da publicidade, do superficial, do
efémero, do vendável e da aparência?
Diz-me Ancião, como poderei comungar o valor das
artes se, por exemplo, em Portugal, muitas pessoas
consideram o Fernando Mendes 1 um artista
, a ele
e aos seus camaradas ligados à indústria do espectáculo que se acotovelam para dizer baboseiras nas
telenovelas e nas revistas sociais
1
Fernado Mendes é apresentador de um concurso televisivo de grande audiência em Portugal. Trabalha também como
comediante no teatro revista. Embora não se assuma como actor, devido à sua evidente boçalidade, é tomado pelo
grande público como um “artista” de sucesso que, a dada altura da sua carreira e por mérito próprio, foi promovido a
apresentador.
197
_________
_ON LINE_
Ancião
………………
Feliciano
O Gordo engraçado. jpg
95%
………………
Hoje à tarde, quando fui ao café, fui servida numa
chávena com o auto-retrato de Gaugin; um pintor
para quem a arte era epifania e ascensão. Ontem, na
televisão, vi um anúncio que apresentava os doze
Ian_Curtis
………………
girassóis de Van Gogh a venderem adubo para plantas. Van Gogh era outro indivíduo que encarava a
Diotima
criação artística como uma derradeira possibilidade
de reflexão sobre o mundo e sobre a espiritualidade1.
Eu sei que a arte, devido à sua abrangência e complexidade, tal como outros aspectos do funcionamento e da produção humana, revela-se um conceito
impossível de delimitar com precisão e rigidez,
evidenciando sempre intersecções, nuances e osmoses. Acho mesmo que as melhores definições de arte
têm sido elaboradas pelos artistas, que as moldam
1
Van Gogh escreveu ao seu irmão Theo que a arte devia ser encarada como uma espécie de nova religião: “inominável,
mas produtora de um efeito de consolo, de tornar a vida possível, semelhante ao conseguido anteriormente pela religião cristã ” (Abbs, 2003, pp. 31-32).
198
segundo as suas próprias perspectivas estéticas,
_________
filosóficas e políticas. Por isso existem diferen-
_ON LINE_
tes formas de conceber e de explicar a natureza das
actividades artísticas. Um surrealista dificilmente
falaria de arte da mesma forma, por exemplo, que um
romântico ou um neo-realista. Poderão mesmo existir
distintas concepções entre artistas que comungam
Ancião
………………
perspectivas estéticas semelhantes, mas cuja vertente mais pessoal do trabalho criativo se diferencie. Assim, o que acabo de dizer, justifica que, eu
própria, procure distinguir o que considero ser
Feliciano
………………
essencial na actividade artística; ainda mais quando todos os que aqui se encontram, pela sua vontade
e profissão, dedicam-se ao desenvolvimento humano e
à educação. Estou por isso determinada a considerar
como rica e interessante a arte
Ian_Curtis
………………
que fomenta a
reflexão sobre a vida, que melhora o habitat cultu-
Diotima
ral e promove a libertação do Homem da ignorância,
da desgraça, da doença e da escravidão. Segundo o
meu ponto de vista, todo o resto deve ser considerado basicamente como domínio técnico, superficialidade, manipulação e perda de tempo.
Como artistas e educadores temos de assumir que a
arte que nos diz verdadeiramente respeito é a que
abre horizontes, que congrega e faz evoluir; e não
a que oprime, esconde, estupidifica e fomenta a
intolerância. Da última, podemos unicamente retirar
valor técnico, histórico, informativo e precaução
ética. Devemos sobretudo excluí-la do próprio termo
“arte” com que se pretende auto-designar.
É irónico - e ao mesmo tempo muito preocupante
199
que a sociedade em que vivemos tenda a confundir
_________
boçalidade, superficialidade e estupidez com arte.
_ON LINE_
Também confunde consumismo com reflexão, futilidade
com profundidade e leviandade com respeito. Pouco
se aprende assim!
1
Ancião
Sem pretender ser exaustiva ou exacta,
ma
meramente
experimental,
de uma for-
arrisco-me,
como
………………
as
águias, a imaginar os seguintes níveis para a existência artística: o nível técnico e do conhecimento, o nível interpretativo e crítico, e o nível
Feliciano
………………
epifânico e espiritual.
Ao nível técnico e do conhecimento faço correspon-
Ian_Curtis
der
………………
a
exigência
prévia
de
toda
a
aprendizagem
artística, que reclama capacidades físicas e mentais
muito
precisas.
Consoante
as
disciplinas,
estas capacidades podem abranger a coordenação e a
Diotima
memória, mas também, de uma forma geral, a acuidade
sensorial. Este nível artístico implica um vasto
conhecimento
das
culturas
e
das
filosofias
que
fomentam a criação das tecnologias artísticas e das
estéticas. A sobrevalorização do nível técnico e do
conhecimento
altamente
faz
surgir
qualificados.
executantes
Associadas
a
e
artesãos
este
nível
encontramos palavras como particular, específico,
disciplinar, aprendiz, precisão, imitação, aquisição, esperança, persistência e passado.
1
Ainda que possa parecer surpreendente, mas sem dúvida revelador do que temos estado a afirmar, a designação
“artista” é empregue amplamente em Portugal de forma depreciativa, para referir alguém pouco sério, aldrabão e
preguiçoso. A semântica pejorativa da palavra é mesmo a mais frequente na linguagem comum.
200
Por seu lado, o nível interpretativo e crítico,
embora necessite das sólidas fundações do nível
_________
_ON LINE_
anterior, de modo a libertar a expressão e o estilo
pessoal, procura ultrapassa-lo. Por isso, o nível
interpretativo baseia-se, mas também ultrapassa, o
Ancião
técnico. A interpretação e a crítica podem mesmo
………………
fazer surgir novas necessidades e incentivar a descoberta
tecnológica.
relacionam
nível
e
são
Todos
os
níveis
tendencialmente
interpretativo
e
crítico
se
interAo
Feliciano
associadas
………………
infinitos.
estão
palavras como ruptura, política, admiração, personalização, procura, encanto e presente.
Ian_Curtis
O nível epifânico e espiritual abrange todos os
níveis anteriores, fazendo-os alcançar a universa-
………………
lidade e a comunhão estético-filosófico que impele
o Homem a transcender-se, a superar-se e a evoluir.
Diotima
Associam-se a este nível palavras como intemporalidade,
universalidade,
desprendimento,
elevação,
angústia, plenitude e futuro.
Se admitirem (ainda que provisoriamente e com as
devidas reservas) a arrojada tópica que acabo de
idealizar, perceberão, de forma muito clara, que as
artes não subentendem nenhum nível de boçalidade,
de superficialidade e de estupidez; características
estas, temos de o dizer, tantas vezes patentes no
consumismo cultural de baixa qualidade e nas pessoas que o patrocinam.
Por isso, entendamos de uma vez por todas que quando falamos em arte estamos a referir-nos um processo de raiz estética e filosófica de longa e difícil
201
aprendizagem, que acarreta um percurso de descober-
_________
ta pessoal e de reflexão sobre o mundo e sobre a
_ON LINE_
cultura.
O próprio título da obra de Kandinsky: O espiritual
na arte é disso exemplificativo 1.
Ancião
………………
«Feliciano» Eu Conheço esse livro. Kandinsky era um
artista com uma interessante visão sobre a vida e a
arte.
Feliciano
………………
Vocês já ouviram falar de Rothko?
«Ancião_70»
Sim, amigo, um artista que, tal
como Kandinsky, me marcou muito.
«Diotima» Rothko. Sim conheço
………………
. Cheguei a
fazer um trabalho sobre ele quando frequentava a
ESBAL2.
«Ian_Curtis» Quem é? Peço desculpa, mas nunca ouvi
falar desse tal Rothko.
«Feliciano» Não tens de te desculpar Curtis.
Rothko, Tal como Van Gogh e Gaugin era um artista
que procurou incessantemente o sublime e o sagrado.
Este caminho impulsionou a sua pintura para a abstracção plena, com telas compostas por largos campos de cor, cuja fruição exige espaços serenos que
1
2
(Kandinsky, 1998)
Escola Superior de Belas Artes de Lisboa
202
Ian_Curtis
Diotima
permitam a meditação e a ascese. As ideias filosó-
_________
ficas e estéticas de Rothko acabaram por incentivar
_ON LINE_
a construção de uma capela expor adequadamente os
seus trabalhos. Para além de servir de museu e de
centro
de
actividades
filosóficas,
artísticas,
religiosas e educativas, a capela e o local envolvente são sobretudo entendidos como espaços de paz
Ancião
………………
e fraternidade, promotores do encontro espiritual
entre os homens de todos os credos e origens. Se
quiserem visitar a capela cliquem no seguinte link:
http://rothkochapel.org/index.htm - aí poderão explorar vir-
Feliciano
………………
tualmente o seu interior.
Ian_Curtis
«Diotima»
Obrigada por essa informação felicia-
………………
no. Quando fiz o trabalho sobre Rothko não tive
acesso a essa documentação. Por isso, estou-te muito agradecida.
Diotima
Já agora e a atalho de foice, digo-vos que acabei
de encontrar a apresentação powerpoint do meu antigo trabalho sobre Rothko. Por isso, partilho desde
já com duas das suas telas. Assim o Ian_Curtis
ficará com uma ideia do que estamos a falar…
Imaginem as telas:
À vossa frente
Enormes
Silenciosas
Envolventes
203
_________
Profundamente silenciosas
_ON LINE_
Ancião
………………
Feliciano
………………
Ian_Curtis
………………
Duas telas de Rothko. jpg
Diotima
98%
Rothko não lhes dava títulos nem as explicava,
afirmando
somente
que,
para
a
sua
fruição,
“o
silêncio era o mais acertado” 1.
«Ian_Curtis» Estamos sempre a aprender. Quem me
dera um dia visitar essa capela…
«Ancião_70»
Eu
já
lá
estive.
Inolvidável.
Não
percas a oportunidade.
1
National Gallery of Art - http://www.nga.gov/feature/rothko/intro1.shtm - Obtido a 17 de Agosto 2008.
204
«Diotima» Agora que andei a vasculhar coisas antigas no computador, deparei-me com um outro trabalho
_________
_ON LINE_
que realizei sobre Max Beckmann; um pintor e escritor alemão de quem também gosto muito. Beckmann,
tal como Rothko, era um homem profundamente inte-
Ancião
ressado pela Filosofia e pela literatura. De modo a
………………
explorar com a sua própria natureza como ser humano
Beckmann pintou um grande número de auto-retratos.
Perseguido e ridicularizado pelo regime nazi como
Feliciano
“artista degenerado”, a dada altura foi afastado do
………………
seu lugar de professor, tendo de se exilar na
Holanda, onde viveu, durante alguns anos, com grandes dificuldades. Beckmann entendia a arte como
Ian_Curtis
criativa e transfiguradora no sentido da realização
………………
pessoal e não do divertimento e da brincadeira. A
sua
arte,
especialmente
as
centenas
de
auto-
retratos que foi produzindo ao longo da vida eram
Diotima
um processo semelhante ao que, segundo ele, nos
deve “estimular a perseguir a interminável jornada
que todos temos de fazer.”1
1
Art in the picture - http://www.artinthepicture.com/artists/Max_Beckmann/quotes.html - Obtido a 17 de Agosto
2008.
205
_________
_ON LINE_
Ancião
………………
Feliciano
………………
1
Ian_Curtis
Auto-retrato s. jpg
95%
………………
«Ancião_70» Interessante… Deveras
Diotima
«Feliciano» Obrigado pelas imagens…
«Ian_Curtis» Enquanto lia o que escrevias sobre
Beckmann não pude deixar de me lembrar de Fernando
Pessoa e do seus heterónimos. A desmultiplicação do
eu em várias personagens permitiu a Pessoa abrir
novos desafios ao seu pensamento e à sua ascendência espiritual. Leiam com atenção:
Alastra a grande escadaria atapetada de
1
The Web Site for Critical Realism. Ragged Claws Network - http://www.raggedclaws.com/home/tag/max-beckmann/
Art in the picture - http://www.artinthepicture.com/artists/Max_Beckmann/
The Artchive - http://www.artchive.com/artchive/B/beckmann.html
Obtidos a 10 de Julho 2008.
206
estrelas.
_________
Um caco brilha, virado do exterior lus-
_ON LINE_
troso, entre os astros.
A minha obra? A minha alma principal?
Ancião
A minha vida?
………………
Um caco.
E os deuses olham-o especialmente, pois
não sabem porque ficou ali.
Feliciano
1
………………
«Feliciano» Pessoa era realmente um poeta extraordinário.
«Diotima»
Ian_Curtis
Acredito
que,
após
esta
conversa,
se
………………
reflectirem um pouco comigo, concordarão que não
conhecem
nenhum
artista
significativo
ou
alguém
digno de tal nome que não tenha vivenciado ou
Diotima
vivencie a arte de um modo profundo, com implicações pessoais intensas. Sófocles, Pessoa, Kandinsky, Beckett, Dali, Satie, Beuys, Kahlo, Jim Morrison, Artaud, Duchamp…
«Feliciano» OPPPPssss…
respira um pouco mulher…
Concordo, ou melhor, concordamos contigo
.
Tudo isto é muito diferente do sentido de humor do
1
Extractos de Hipermedia Pessoano. Universidade Fernando Pessoa http://www.ufp.pt/page.php?intPageObjId=10170.
Obtido a 10 de Julho 2008.
207
engraçadinho cuja imagem fizeste aparecer de forma
_________
jocosa no início do chat.
_ON LINE_
Até
a
comédia,
quando
tem
algum
significado
e
importância, revela-se muito diferente da superficialidade e da boçalidade…
Ancião
………………
Envio-te por isso uma foto do artista que acabaste
de referir, … é assim a vida…
Feliciano
………………
Ian_Curtis
………………
Diotima
Duchamp tranvestido de Rose Sélavy. jpg
98%
1
«Diotima» Pois, pois! Se é! Excelência !!
«Ian_Curtis» rsrsrsrsrsrsrsrrsrsrrsrrsrssrrssr
«Ancião_70» Lol…..rrrrrrrrrrrrrssssssssssss
1
Foto de Man Ray. Philadelphia Museum of Art. Wikipedia - http://en.wikipedia.org/wiki/Marcel_Duchamp
Obtido a 10 de Julho 2008.
208
«Diotima» Estava a dizer-vos que a lista dos que se
envolveram profundamente com as artes seria muito
_________
_ON LINE_
longa. Teria de abarcar os vivos e os mortos, os
nossos conterrâneos e os artistas de outros continentes e culturas. Reparem que me refiro à ligação
Ancião
idiossincrática e estética com a epifania e com
………………
espiritualidade e não à religiosidade socialmente
estruturada e assente no pensamento imposto.
Feliciano
Embora admita que uma abordagem superficial da história da arte possa fazer com que algumas pessoas
………………
considerarem que determinadas correntes artísticas
se alheavam da introspecção e da transcendência;
como por exemplo, o teatro épico ou a Pop Art,
acredito que um estudo mais aprofundado destas cor-
Ian_Curtis
………………
rentes (penso que concordarão comigo) fará sempre
sobressair um determinado posicionamento ontológi-
Diotima
co. Senão, vejamos o que pensar, por exemplo, de
Andy Warhol (que não deixava de ser um performer)
quando
afirmava
ser
“uma
pessoa
profundamente
superficial” ou quando relatava que após uma amiga
lhe ter perguntado o que mais gostava na vida, ter
obsessivamente começado a pintar dinheiro. Dizia
também
Warhol:
“Eu
adoro
Los
Angles.
Eu
adoro
Hollywood. São lindas. Toda a gente é de plástico,
mas eu adoro plástico. Eu quero ser plástico” 1.
1
Art in the Picture - http://www.artinthepicture.com/artists/Andy_Warhol/quotes.html
Obtido a 10 de Julho 2008.
209
Podemos realmente considerar que as artes assentam
nos mundos que nos povoam, visto emanarem da neces-
_________
_ON LINE_
sidade intrínseca do Homem se confrontar com a sua
actualização
pessoal
e
cultural.
Podemos
também
seguramente afirmar que a potencialidade que as
Ancião
artes possuem para impulsionar o pensamento e a
………………
transcendência é o que tem realmente levado muitos
indivíduos a envolverem-se tão profundamente com a
Feliciano
criação artística.
«Ancião_70» Já reparaste que as artes estão na base
………………
de grande parte dos conhecimentos que o homem vai
elaborando sobre si próprio e sobre a cultura?
Encontramos as artes nas fundações da Psicologia,
da
Sociologia,
da
História
e
da
Antropologia.
Ian_Curtis
………………
Pensa, por exemplo, em Sigmund Freud e no seu vasto
interesse pelas artes, especialmente pelo teatro
clássico. Se conheces minimamente a sua biografia e
obra perceberás que foi o estudo das artes que o
levou
a
elaborar
algumas
das
mais
importantes
reflexões sobre a mente humana. Se continuares a
reflectir sobre este assunto chegarás provavelmente
a Melanie Klein, a Jung, a Bion e a Moreno. No
âmbito da Sociologia, lembrar-te-ás, por exemplo,
de
Goffman
e
de
Bauman;
na
Antropologia
de
Schechner e de Turner; na Filosofia de Aristóteles,
Heidegger, Gadamer e Deleuze. Prevejo que, nesta
altura, tal como eu, estejas a confrontar-te com a
ideia
de
que
também
aqui
a
lista
dificilmente
alcançaria a exaustão. Compreendes agora que as
artes estão na base de muitas das elaborações da
História,
210
da
Psicologia,
da
Filosofia
e
da
Diotima
Antropologia
e
que
humanidade,
ainda
ao
que
longo
por
da
vezes
história
de
da
_________
forma
_ON LINE_
desconcertante, as artes têm sido um resplandecente
tesouro de ideias e de conhecimentos.
Acredito agora que todos concordarão comigo que as
artes
devem
ser
entendidas
como
um
fundamental
Ancião
………………
processo de investigação e criação de conhecimento.
«Ian_Curtis»
Claro que concordamos. Sem dúvida. Ainda mais quan-
Feliciano
………………
do sabemos que algumas das chamadas ciências humanas, nomeadamente a Sociologia e a Antropologia,
têm recentemente vindo a adoptar as artes como forma de investigação, o que lhes tem permitido, para
Ian_Curtis
………………
além de construir conhecimento de uma forma muito
significativa, renovar necessidade de autoconheci-
Diotima
mento e de desenvolvimento espiritual do Homem,
elementos estruturantes da sua condição que têm
vindo a ficar desamparados pelo declínio das religiões dogmáticas e pelas actuais práticas educativas despersonalizadas 1.
«Diotima» Pergunto, a mim própria, se não será
comungar o divino o que estou neste momento a sentir. Escuto o disco viaticum de Esbjörn Svensson.
Este músico sueco faleceu recentemente num trágico
acidente. Estou consternada... Por isso, em sua
memória, partilho com vocês estas duas faixas…
1
e.g. (Denzin, 2003; Biggs, 2006; Kusserow, 2008; Kind, 2008)
211
_________
_ON LINE_
Ancião
40%
………………
Obrigado. Vou ouvir com atenção.
Feliciano
Ficheiros.mp3
«Ancião_70»
………………
Ficheiros.mp3
«Ian_Curtis»
100%
Hummmmmm…. Obrigado. És um amor.
«Feliciano» Escuto…………………
. Não sei como agra-
decer-te…simplesmente divinal
«Diotima» Gosto de partilhar estas preciosidades
com as pessoas que me circundam. No entanto, todos
sabemos que não é este tipo de momento que a cultura de massas e o consumismo espera que comunguemos
com quem nos rodeia. De uma forma geral, o que a
sociedade nos impele a consumir, é o fácil e o descartável, o imediato, o Kitsch e a beleza ornamental vazia de conteúdo.
«Ancião_70» Tenho aqui dois livros que afirmam que
a própria avant-garde e o conceptualismo artístico
foram amansadas pelas vozes dos jornalistas e pela
riqueza que decora as casas dos banqueiros e dos
212
Ian_Curtis
………………
Diotima
governantes, sendo, por isso, neste momento, posi-
_________
cionamentos artísticos algo incongruentes 1.
_ON LINE_
«Diotima» Por isso, pelo que acabas de dizer,
espero que ninguém venha a sugerir que para me
Ancião
envolver de forma significativa com a actividade
………………
artística terei de me tornar numa espécie de artista de culto vendável nos mass-media, uma artista
avant-gard iluminada e démodé, ou mesmo, uma boémia
Feliciano
romântica à moda dos
………………
artistas que no tempo dos
nossos bisavôs se revoltavam contra a hipocrisia
vitoriana. Compreendo que este tipo de postura já
teve
o
seu
papel.
Contudo,
actualmente,
não
o
entendo com grande validade e utilidade…
Ian_Curtis
………………
«Ian_Curtis» Tu… Diotima… falas dos equívocos generalizados sobre o valor das artes na sociedade. E
Diotima
eu? O que poderei dizer sobre a minha vida como
educador? Trabalho num sistema que se apresenta
essencialmente regulado de uma forma meramente funcional, vazio de animação, de energia criativa e de
espírito de iniciativa.
Para vos dizer a verdade, tenho de confessar que
não vejo as escolas a serem vividas com base na
alegria, no desafio da descoberta e da amizade. Em
vez disso, algumas delas parecem-se mais com repartições
burocráticas
do
estado,
uma
espécie
de
escritórios de contabilidade sombrios e apagados,
não revelando qualquer carisma, encanto ou emoção.
Vejo-as, quase exclusivamente, a funcionar com base
1
(Subirats, 1997) (Vázquez, 2005)
213
numa obsessiva preocupação com as certificações e
_________
com os rankings1.
_ON LINE_
«Feliciano» Concordo plenamente. Eu próprio também
tenho vindo a perceber que algumas pessoas acham
que a educação deve ser essencialmente uma espécie
de treino das habilidades e competências que permi-
Ancião
………………
tem despenhar profissões assalariadas, se possível,
no estado. De uma forma geral, a educação não é
encarada como um processo de crescimento pessoal,
fomentada pelo desejo intrínseco de aprender e de
Feliciano
………………
saber mais. A sociedade de consumo [como o Ian Curtis tão bem disse], salvo honrosas excepções, tem
vindo a limitar a aprendizagem a processos meramente operativos; invariavelmente vazios de significa-
Ian_Curtis
………………
do filosófico, moral e espiritual2.
«Ian_Curtis» Todos sabemos que isto dificilmente
Diotima
trará resultados positivos a longo prazo, pois o
Homem, até por inerência da sua condição, inclinarse-á sempre para reflectir sobre as conjunturas que
condicionam a sua existência 3 . Por isso, o mercan-
1
2
3
(Abbs, 2003)
Ibid.
Não podemos deixar de sublinhar a incongruência e o perigo que a sociedade corre ao não fomentar a
educação artística de forma séria e articulada ao longo de toda a vida escolar e universitária. Deste modo,
poderá ser possível um indivíduo passar, ao longo de todo o sistema educativo, sem nunca ter acesso aos
importantes modos de pensar e investigar inerentes às artes, assim como a muitas das produções culturais
mais importantes da história da humanidade. Poderá mesmo acontecer que este indivíduo consiga trespassar todo o ensino e alcançar o nível superior sendo, no que diz respeito à cultura artística e humana, totalmente inculto, não possuindo sequer, disso, consciência. Esta preocupante situação poderá, por um lado,
tornar a arte, a cultura e a reflexão um nicho de alguns excêntricos que se envolvem e falam de coisas
estranhas que nada tem a ver com o dia-a-dia, e por outro, o que é calamitoso, esta pessoa inculta poderá
vir, por seu lado, a fomentar exclusivamente as actividades comerciais e manipuladoras para consumo de
massas, influenciando outros a seguirem o mesmo caminho, especialmente, se vier a ocupar, o que também é possível e calamitoso, cargos de responsabilidade nas áreas da educação, da cultura e das ciências
humanas. O perigo é assim enorme e muito preocupante.
214
tilismo jamais determinará os espíritos livres e
_________
criativos.
_ON LINE_
A história mostra-nos, por exemplo, como os artistas estão entre os indivíduos que mais dificilmente
se deixam condicionar por empreitadas vazias de
reflexão. As multi-interpretações possíveis da obra
Las Meninas de
Ancião
………………
Velázquez ou a intransigência de
Modigliani perante a sua condição de livre criador,
são somente dois exemplos, entre os muitos, que
poderia oferecer para ilustrar esta ideia.
Feliciano
………………
«Feliciano» O que estás a escrever faz-me lembrar o
desespero e ao mesmo tempo a liberdade intrínseca
Ian_Curtis
de Victor Hugo, pintor, dramaturgo e poeta francês,
………………
que era um acérrimo defensor da igualdade e fraternidade entre os homens. Perseguido pelas suas profundas convicções como livre-pensador e humanista,
Diotima
Hugo viu os seus livros prescritos, tendo sido forçado ao exílio em meados do séc. XIX. Porém, o
desespero do ostracismo não o impediu de vislumbrar
a resistência e a esperança poética, tal como podem
constatar na seguinte comovedora citação.
Sonha sem descanso. Seus passos ao longo da
praia não se perderão. Fraterniza com este
poder, o abismo. Olha o infinito, escuta o
ignorado. A grande voz obscura fala-lhe.
Toda a natureza em tropel se oferece a este
solitário. As severas analogias ensinam-no
e aconselham. Fatal, perseguido, pensativo,
tem diante de si as nuvens carregadas, a
brisa e as águias; constata então que o seu
215
destino é retumbante e negro como as nuvens
carregadas de chuva, os seus perseguidores
vãos como a brisa e a sua alma livre como
as águias. 1
_________
_ON LINE_
«Ian_Curtis» Interessante, tal como nós Hugo assume
o espírito da águia! Como deve ter sido difícil
Ancião
para ele ter vivido desta forma, afastado dos seus
………………
queridos, perseguido, caluniado e obrigado a sair
do seu próprio país
.
Feliciano
«Feliciano» Todos conhecemos casos de prisão, tortura,
marginalização,
emigração
forçada
e
mesmo
………………
assassinatos a que os artistas têm sido submetidos
ao longo da história. Pasolini foi condenado, pelas
Ian_Curtis
suas ideias a quatro meses de prisão. García Lorca
………………
era considerado perigoso com a caneta, tendo por
isso sido barbaramente assassinado com uma pistola.
A perseguição de artistas não é contudo um assunto
Diotima
encerrado, continua a existir nos nossos dias sob
diferentes formas. Salman Rushdie, por exemplo, foi
condenado há morte no final dos anos 80 por Ayatollah Khomeini, político e líder religioso iraniano.
Actualmente, Rushdie não consegue ver a sua última
obra literária publicada pela editora inglesa Random House, por esta recear represálias por parte
dos radicais islamistas 2 . Embora Rushdie esteja a
viver escondido e incógnito e tenha mesmo sobrevivido a alguns atentados, o tradutor dos Versículos
Satânicos para Japonês, Hitoshi Igarashi, não teve
1
2
(Hugo, 2007, p. 16)
Reuters - http://www.reuters.com/article/newsOne/idUSN0736008820080807 - Obtido a 7 de Agosto de 2008
216
a mesma sorte, tendo sido morto à facada em 19911.
«Diotima»
Bolas! interesssante o que acabas de
_________
_ON LINE_
dizer. Levaste-me a reflectir num assunto muito
actual que considero poder esclarecer a diferença
entre arte, propaganda e outras actividades erroneamente confundidas com arte; falo dos Jogos Olím-
Ancião
………………
picos de Pequim. Viram a abertura?
«Feliciano» Sim. Uma glorificação das artes chine-
Feliciano
sas com uma pompa e circunstância nunca antes vis-
………………
ta. Milhares de figurantes. Um espectáculo de tecnologia extraordinário.
Ian_Curtis
«Ancião_70» Pois eu, há uns tempos, vi uma exposição de arte chinesa contemporânea na fundação Miró,
………………
em Barcelona, e fiquei impressionado com a qualidade das obras expostas. Os trabalhos abordavam a
Diotima
cultura chinesa de uma forma reflexiva, crítica e
pujante. Foi uma exposição que teve sobre mim um
grande impacto, fazendo-me reflectir sobre diversos
assuntos e dando-me novas ideias para criar.
Comparem agora as duas imagens que lhes
envio. A da esquerda estava na exposição que vi em
Barcelona e é de yue minjun, um artista plástico
chinês. A imagem da direita corresponde a um momento da cerimónia de abertura dos Jogos, no famoso
estádio “Ninho de Pássaro” (bem a propósito!).
1
Koenraad Elst. Middle East Quarterly. June 1998. Vol. V., N.2 http://www.meforum.org/article/395 - Obtido a 7 de
Agosto de 2008
217
_________
_ON LINE_
Ancião
………………
Arte Chinesa e Abertura dos Jogos Olímpicos. jpg
98%
1
Feliciano
………………
«Ian_Curtis» hummmm… compreendo o que queres dizer.
O que se viu na cerimónia de abertura dos jogos
olímpicos nada tem a ver com a arte significativa
Ian_Curtis
………………
que se produz actualmente na China. Foi basicamente
uma propaganda de um estado totalitário onde não há
Diotima
liberdade de expressão.
«Ancião_70» No âmbito da conversa que estamos a
ter, podemos considerar que a abertura dos jogos
olímpicos teve realmente muito pouco a ver com
arte. Aparentou-se sim a uma parada militar com
muitas luzes, danças e foguetes; no fundo é a estética da imponência e da ordem despersonalizada, tão
do agrado dos regimes manipuladores ao longo da
história, desde o romano ao comunista, do nazi ao
1
The Saatchi Gallery. The world`s Interactive Gallery - http://www.saatchigallery.co.uk/artists/yue_minjun.htm
Rádio televisão Portuguesa: Cerimónia de abertura está a ser espectáculo grandioso
http://ww1.rtp.pt/desporto/index.php?article=157135&visual=5&tm=6&Top=17Destaques
Obtidos a 3 de Setembro de 2008
218
que actualmente podemos chamar de democracia do
_________
comício e do espectáculo (vejam a forma como muitos
_ON LINE_
políticos dos países democráticos se fazem rodear
do marketing da festa e do espectáculo para se promoverem de forma vazia de conteúdo!).
Ancião
«Diotima» Sim é verdade. No fundo a dita cerimónia
………………
de abertura dos jogos esteve ao gosto das grandes
comemorações do estado, das “expos 98”, das feiras
e dos comícios. Uma espécie de teatro vaudeville
gigantesco,
com
evidentes
semelhanças
ao
que
Feliciano
………………
actualmente se move na sumptuosidade hollywdesca e
na pelintrice do teatro de revista a que a mente
embutida tanto se agarra.
Ian_Curtis
………………
«Feliciano» A mim parece-me que tudo isto é, acima
de tudo, publicidade enganosa… Em todos os países e
instituições se passa o mesmo. Nas escolas também.
Diotima
Há pessoas cuja única manifestação artística que
conhecem e são capazes de apreciar é a que lida com
a aparência sumptuosa e com a apologia do status
quo.
«Diotima» No fundo, a cerimónia de abertura está ao
gosto das grandes comemorações que se enfeitam para
deslumbrar e impressionar com base na quantidade e
na técnica. Acredito que esta geral apetência pelo
esplendor vazio é o que faz com que algumas salas
de espectáculo estejam desprovidas de público quan-
do oferecem excelentes obras de arte.
219
Porém, quando se publicita, em cartazes coloridos e
na televisão umas porcarias de uns espectáculos
_________
_ON LINE_
baseados na superficialidade e na aparência, uma
espécie de festa cheia de cor tipo la fériana 1 , com
adereços lustrosos, cenários com luzes a piscar,
Ancião
bailarinas seminuas, músicos ao vivo cobertos de
………………
lantejoulas, meninas a dançar simetricamente, piadas de mau gosto, cantoras esganiçadas, figurantes
que atravessam o palco que nem cavalos, tudo num
Feliciano
ruído constante e cheio de alegria, aí sim, temos
………………
os teatros cheios de cabeças vazias. Transbordam.
Até fazem bicha para comprar bilhetes. Fico estupefacta com tanta estupidez.
De forma semelhante também a indústria do cinema
Ian_Curtis
………………
vai produzindo muito lixo a que alguns chamam erroneamente sétima arte, como se o dinheiro investido
Diotima
e os recursos fossem sinal de valor e qualidade
artística. Verdade seja dita que, no âmbito das
artes, o mais simples revela-se frequentemente o
mais elaborado e o mais importante e inesquecível
baseia-se na experimentação, no arrojo e na indescritível capacidade criativa que o ser humano revela quando aborda os assuntos que tocam profundamente a sua forma de ver, sentir e pensar o mundo.
1
Neologismo que criamos para designar a estética do encenador português Filipe La Féria, considerado actualmente
uma espécie de herói nacional que recuperou o teatro revista, a comédia ligeira e os musicais da Brodway, fazendo
ressurgir a industria do espectáculo em Portugal.
220
«Feliciano» Infelizmente o que acabas de dizer
sobre os teatros generaliza-se à sociedade. Nas
_________
_ON LINE_
escolas passa-se algo semelhante.
Tenho de lhes dizer que eu também cada vez mais
aprecio as pequenas coisas. Os pequenos e simples
Ancião
………………
momentos em que se comunga a magia da experiência
artística. Por isso, subscrevo o que disseste Diotima, pois também eu tenho vindo a perceber, cada
vez com mais premência, que o mais importante e
significativo é normalmente o mais simples e pessoal.
Os
espectáculos
grandiosos…
Feliciano
………………
pretensamente
grandiosos… deixam-me zonzo,
provocam-me vertigens e agonia;
Ian_Curtis
………………
não me enriquecem de modo nenhum o pensamento e o
espírito.
Diotima
«Ian_Curtis» Penso que os jogos olímpicos dão também um bom mote para podermos distinguir arte do
desporto, conceitos que muitas pessoas erradamente
confundem, tal como confundem arte com produtos de
péssima qualidade assentes em estratégias comerciais.
Na nossa sociedade, como é evidente aos olhos de
todos, o desporto está ao serviço da competição
entre países e entre grupos económicos. De uma forma geral, os atletas são meros mercenários neste
jogo de múltiplos interesses.
O nacionalismo tornou-se, nos nossos dias, essencialmente uma estratégia de marketing, vendendo os
221
produtos que o patrocinam; sejam bonés, cervejas,
_________
grupos bancários ou personagens da política e do
_ON LINE_
social. Muitos desportistas são pagos a preço de
ouro, nacionalizando-se em outras pátrias, passando
assim a cantar os hinos e a defenderem as bandeiras
das nações que lhes oferecem melhores condições
para progredirem social e desportivamente. Exemplo
Ancião
………………
tão claro e recente desta situação é a polémica
levantada
pela
basquetebolista
Norte
Americana
Becky Hammon, acusada por alguns de traidora, visto
ter-se naturalizado Russa de modo a competir por
Feliciano
………………
essa bandeira nos jogos de Pequim 1 . Envio-vos uma
interessante foto onde podem ver essa atleta, ainda
vestindo a camisola de uma equipa Norte Americana,
em plena acção:
Ian_Curtis
………………
Diotima
1 ESPN - Jim Caple - Why Becky Hammon isn't a traitor http://sports.espn.go.com/oly/summer08/columns/story?id=3530332
Obtido a 22 de Agosto de 2008
222
_________
_ON LINE_
Ancião
………………
Feliciano
………………
Ian_Curtis
………………
1
Diotima
Becky Hammon jpg
98%
«Feliciano» Puxa…Incrível…
«Ian_Curtis» Pois é amigo. Aquilo que conta fundamentalmente é o tamanho, a força, a velocidade,
etc. Para além disso, ninguém espera que os desportistas façam uso das actividades que praticam para
manifestarem as suas ideias, visões sobre o mundo
ou posicionamentos éticos e filosóficos. Espera-se
1
Foto retirada de Justine Larbalestier - http://justinelarbalestier.com/blog/2008/06/07/becky-hammon-becomesrussian/
Obtido a 22 de Agosto de 2008
223
sim que as usem na luta contra os seus rivais1.
_________
Estando ao serviço dos poderes do estado e do gran-
_ON LINE_
de comércio e mesmo pela natureza vazia de conteúdo
das próprias actividades que realizam, os desportistas nada adiantam para o progresso da cultura e
do pensamento. Diferentemente dos artistas, os des-
Ancião
………………
portistas não são presos e torturados pela natureza
das
actividades
que
praticam.
Por
estas
e
por
outras razões, nem o desporto pode ser considerado
arte, nem os desportistas artistas, por maior que
seja
a
sua
qualidade
e
rendimento.
O
Feliciano
………………
desporto
jamais pode ser confundido com arte. De nenhuma
forma.
Ian_Curtis
………………
«Feliciano» É verdade o que tu dizes. Concordo.
Acima de tudo não se devem usar o mesmo tipo de
adjectivos para se falar de desporto e de arte. A
Diotima
arte não existe para ser bonita, rápida, forte,
coordenada, eficiente, grandiosa e competitiva como
uma boa jogada de futebol. Também não é um espectáculo propagandista ou um trabalho realizado de forma impessoal nas mãos de um artesão. Ainda que a
arte, tal como alguém já disse anteriormente, não
admita definições baseadas em fronteiras rígidas e
impostas, deve ser entendida, no contexto da nossa
1 Devemos notar, por exemplo, que a obscenidade do festival da Eurovisão da canção se baseia em princípios semelhantes. Veja-se, por exemplo, ao ridículo que tudo isto chega quando se afirma, e com razão, que os votos nada têm a
ver com a qualidade das músicas, (pois essas...bem…adiante…) mas com questões geopolíticas. Confirme-se: Guardian.co.uk. Steve Busfield. Eurovision: pop or geopolitics, asks Terry Wogan: Terry Wogan wonders whether he should
continue hosting Eurovision if the UK cannot win due to political voting http://www.guardian.co.uk/news/blog/2008/may/25/eurovisionpoporgeopolitics
Obtido a 12 de Setembro de 2008
224
conversa, essencialmente no âmbito do mundo cultu-
_________
ral das ideias, dos pensamentos e dos sentimentos.
_ON LINE_
São acima de tudo processos que tendem a promover
níveis superiores de pensamento e de desenvolvimento. Por isso, a arte é, acima de tudo, uma complexa
e aprofundada forma dos homens poderem contactar e
explorar o que é mais significativo na sua vida, na
Ancião
………………
sua cultura e o seu intrínseco desejo de se transcenderem e congregarem com o espiritual.
Feliciano
«Diotima» Admito que sim, talvez seja por isso que
………………
eu própria, ao falar sobre os assuntos relacionados
com a importância das artes no desenvolvimento e no
conhecimento, para além de me sentir frequentemente
incompreendida, percebo, de forma dolorosa, que sou
Ian_Curtis
………………
obrigada a usar muitas vezes uma linguagem que pode
parecer descabida e mesmo ofensiva para algumas
pessoas.
Vejo-me,
inevitavelmente,
a
ter
de
me
Diotima
posicionar contra a cultura educativa vigente e
contra
os
impulsos
consumistas
fomentados
pela
sociedade que procura esterilizar tudo da reflexão
humanizante.
«Ancião_70» Que acham então que devemos fazer?
Pensem um pouco, como pessoas que estão profundamente ligados às artes e à educação.
«Ian_Curtis» Podemos não falar, não actuar, ou deixarmo-nos simplesmente envolver pelo usual. Desta
forma seguiremos as nossas carreiras e, se nos
agregarmos a determinados grupos de interesse e à
225
política, talvez ainda consigamos chegar a reitores
_________
ou a comissários políticos na área da cultura. Mui-
_ON LINE_
tos já o fizeram.
Ancião
………………
Por outro lado, quem sabe se não iremos acabar a
dizer disparates num programa televisivo para a
grande audiência, ou a desenhar atractivos invólucros para um novo champô a ser colocado nas prate-
Feliciano
………………
leiras dos supermercados.
Ian_Curtis
………………
«Ancião_70»
Não concordo de modo nenhum com o que acabas de
dizer. Eu sou da opinião de que é necessário continuarmos a ter coragem e sermos perseverantes. Temos
de assumir uma postura clara e esclarecedora no
âmbito daquilo que verdadeiramente acreditamos e
para o qual temos vindo a direccionar as nossas
vidas. Se não estivemos aqui durante este tempo
todo
simplesmente
a
elaborar
hipocritamente
uma
fachada de ocasião, temos o dever de seguir as nossas vidas valorizando as artes como fonte de conhecimento e de desenvolvimento. Reparem que temos
muitas achegas positivas neste sentido. Vejam, por
exemplo, como as artes têm vindo recentemente a
posicionar-se nos campos académicos, na investigação e nas terapias. Haverá sempre alternativas para
perseguir um trabalho humanamente valioso de âmbito
226
Diotima
artístico.
_________
«Ian_Curtis» Sob esse ponto de vista não posso dei-
_ON LINE_
xar de concordar. Com o meu relato, procurei retratar uma realidade que todos conhecemos. No fundo,
estava a ser irónico. Estava realmente a ser irónico.
Eu, tal como vocês, acredito que tudo
Ancião
………………
inevitavelmente se modifica. É o que nos demonstra
a história da cultura ocidental. Por vezes, o que
parecia impossível de acontecer, já se deu: o derrube de grande parte das monarquias, o final das
Feliciano
………………
perseguições religiosas e da escravatura normativa,
o desaparecimento dos regimes totalitários e tirânicos. Por isso, devemos sempre manter alguma esperança.
«Ancião_70» Exacto. Agora considero que pensas de
uma forma mais positiva. Claro que, como artistas e
Ian_Curtis
………………
Diotima
educadores temos de compreender o mundo cultural em
que estamos submersos, mas isso não significa que
tenhamos de coincidir com ele ou de fazer vista
curta e reputação fácil.
«Diotima» Eu, pelo meu lado, sou da opinião de que
devemos
insistir
criativa.
Um
numa
marcar
da
desadaptação
diferença.
necessária
e
Especialmente
quando a imaginação artística revela formas alternativas de usarmos a linguagem que nos permite elaborar caminhos autênticos de descoberta, crescimento e epifania.
«Ancião_70» Sim. Nesse sentido, a nossa tarefa não
será adaptarmo-nos ao estabelecido de forma subser-
227
viente, tornando-nos uma espécie de comediantes e
_________
artesãos superficiais e carreiristas, mas sim em
_ON LINE_
sermos imaginativos e perseverantes na edificação
das antíteses à normalidade castrante. Podemos sempre encetar alternativas que nos permitem aliviarnos do frenesim dos valores instigados pelo consumismo cultural e pela superficialidade que se quer
Ancião
………………
impor:
Reaproximando-nos dos escritores legítimos,
Feliciano
………………
Escavando biografias inspiradoras,
Escutando calmamente o fluir do nosso ser mais profundo,
Percorrendo o caminho dos sons inspiradores,
Desligando a televisão,
Adoptando os silêncios que marcam as palavras.
Fazendo renascer, a cada momento, o início da liberdade.
228
Ian_Curtis
………………
Diotima
CONFRONTAÇÃO 3
Figura 17 - Confrontação 3
229
CONFRONTAÇÃO 4
Figura 18 - Confrontação 4
230
CONFRONTAÇÃO 5
Texto Performativo 7 - A importância das pequenas coisas
Cinquenta
e
nove molas coloridas
para
prender
folhas
Um
conjunto de
marcadores coloridos para livros
231
Uma
patilha de
abertura
de uma
lata de cerveja
Uma brochura da
health professions
council
O comando da
placa sintonizadora
de tv
232
Um
minidicionário PortuguêsEspanhol
A capa do disco de
Carmen Linares
Um marcador
grande para livros
Um plástico para
encadernar fotocópias
233
Um endurecedor
de
unhas
Uma ficha eléctrica
Um cartão de multibanco
Duas cordas de guitarra
A cabeça de um
boneco
234
Uma lâmina de
barbear
Uma bolacha de
arroz
Uma nota e dez
euros
Uma tampa de
caneta
A folha de um livro
Uma caneta para
sublinhar
235
Um mapa de Santiago
Uma mini-sanduíche
Um molho de chaves
Um rolo de fita-cola
Um gravador digital
Uns auscultadores
Uma extensão usb
Um transformador
Um pacote de chá
Um chupa-chupa
Uma fita métrica
Um pão integral
Três carrinhos
Um telemóvel
Uma webcam
Um agrafador
Quatro pilhas
Uma palheta
Um afia lápis
Dez moedas
Um crucifixo
236
Oito canetas
Um isqueiro
Cinco clipes
237
CONSTATAÇÃO 1
Texto Performativo 8 - Constatação 1: A importância das pequenas coisas
A importância das pequenas coisas. A possibilidade de uma
mitologia pessoal. A possibilidade de uma mitologia arquétipo.
Tudo revela a sua importância quando observado com acuidade.
As cores, as formas, os elementos e as dimensões
são derradeiras, não poderiam ser outras.
Alcançam um ponto de intransigência. A importância casual
passou a ser o significado que só os próprios objectos possuem.
Os objectos gozam vida própria. Interagimos com eles e eles
interagem entre si. Nada é inerte. Tudo tem energia e dinâmica.
Damos aos objectos e às pequenas coisas uma importância
avassaladora. O processo é biunívoco.
Os mais ténues desvios, distorções e variações modificam
irreversivelmente o decorrer de todos os procedimentos; alteram
o fluir do universo que desconhecemos.
A arte glorifica o que de outra forma passaria despercebido.
Valoriza incalculavelmente o sem valor.
238
CONSTATAÇÃO 2
Temos vindo a falar aqui de uma ética baseada na liberdade individual, de uma ética autónoma e intrínseca, liberada de preconceitos e normas impostas desde cima. De
uma ética emancipadora que não facilite que nos escondamos atrás da fachada nem que
aceitemos de bom grado que quem interactue connosco adopte modos de ser que se
sobreponham à natureza humana da nossa relação em devir. Uma ética que permita pôr
em causa as normas impostas pelo poder disforme, o estatuto académico sobejamente
aprovado e as justificações unidireccionais criadas pela racionalidade dos guardiões do
bem comum. Sobretudo, uma ética emancipadora que se manifeste como exigência
moral, nascida da fonte interior dos indivíduos e dos seus relacionamentos abertos e
construtivos com a vida. Tal como afirmámos anteriormente, é óbvio que todos somos
condicionados pelos valores que procedem de fontes exteriores. Porém, mesmo quanto
a este aspecto, nada nos impedirá de moralizar a vida que nos diz respeito e de combater
os limites que nos dificultem o crescimento e a valorização inter-pessoal.
É necessário fazermos saber que o nosso percurso formativo e profissional tem
estado desde há muito tempo simultaneamente ligado às artes e à educação, instrumentos com um enorme poder sobre o imaginário e a vida das pessoas. Em alguns momentos
pudemos presenciar, quer por parte dos nossos colegas professores, quer entre os professores e alunos, mesmo a nível institucional, a deturpação do que devem ser as verdadeiras finalidades da educação artística. Nestes casos, as artes deixam de ser vivenciadas
como processos de comunicação, reflexão, descoberta e valorização pessoal, para passarem a ser usadas como simples adorno, auto-promoção e manipulação. Temos visto muitas escolas limitarem as artes à fachada, ao circunstancialismo, ao adorno e à inconsequência educativa e transformadora. Contudo, e como era de esperar, esta atitude inculta e manipuladora dos processos artísticos não se verifica somente no âmbito da educação. É sim espelho de uma sociedade baseada na sedução sem conteúdo e reflexão, onde
pomposos espectáculos, que envolvem grandes recursos, permitem ofuscar multidões.
239
Assim se produz a arte do espectacular, do produto idealizado para o consumo de massas e para o regozijo de quem está no poder.
A história da arte não nos deixa mentir quanto a estes procedimentos mais ou
menos dissimulados. Os ditadores sempre foram exímios no uso da estética e da educação como instrumentos de propagação das suas aspirações de ordem, força e domínio. A
história conta-nos que Adolfo Hitler pode de algum modo ser considerado um artista
frustrado, visto que, enquanto jovem, ter desejado seguir sem qualquer sucesso a carreira artística. Porém, a importância pessoal que o ditador dava a arte não deixou de se
fazer sentir, levando-o a utilizar como braço direito na edificação do nazismo um artista,
o famoso arquitecto Albert Speer, que denominou como “valor da ruína”o movimento
estético nazi (Chipp, 1993). Este caso, e muitos outros, revelam que a estética e as artes
têm sido amiúdas vezes usadas como potentes forças de manipulação e promoção ideológica e política.
Tal como acontece com a religião, a arte e o desporto, que ancestralmente dela
derivam, quando assentam na ofuscação e na intolerância, permitem manipular mais do
que fomentar a reflexão e o crescimento. Talvez seja também por isso que continuamos
nos nossos dias a vislumbrar deturpações imensas à escala dos aclamados grandes desígnios políticos que chegam a saldar-se em milhares de vidas humanas ceifadas sem dó
nem piedade. Por mais estranho que pareça a alguém que vive na sociedade ocidental no
Sec. XXI e não na idade média, é-nos dito que muitas das ideias mais desastrosas têm
vindo parar às cabeças dos líderes das potências armadas do mundo, incluindo a dos terroristas, pelas vozes de Deuses todo-poderosos. George Bush assim o declara - que Deus
(o dele) o aconselha e ordena. Do outro lado da barricada o espectro é semelhante.
Tanto a história como a contemporaneidade evidenciam que a arte e a educação
não possuem, em si mesmo, qualquer qualidade humanista e desenvolvimentista. São
sim práticas sociais sempre imbuídas de valores, de ideologia, orientando-se segundo as
visões que os homens têm sobre o mundo num determinado momento e contexto.
Assim, a simples afirmação decorrente de se estar a trabalhar no âmbito da educação e
240
da arte nada nos diz sobre a validade pedagógica e ética do que se possa estar efectivamente a realizar.
241
CONSTATAÇÃO 3
Devemos admitir que, em determinados contextos, certos trabalhos artísticos e
educativos podem ser valorizados exclusivamente pelo seu enquadramento cultural e
qualidade estética. É possível admirar uma obra de arte pelo engenho intelectual e perspicácia que subjaz à sua idealização e produção, pelo domínio técnico empregue e mesmo pelo choque e pela abertura a novos problemas que a sua fruição fomenta. É também possível que um determinado processo ou produto idealizado no âmbito da educação possa ser apreciado levando exclusivamente em conta a sua organização interna e a
capacidade de promover o domínio de saberes e técnicas específicas. Como educadores
podemos mesmo apreciar alguns destes produtos admirando-os essencialmente pelo
domínio técnico e conceptual. Porém, o seu uso sem as devidas adaptações éticas às práticas educativas, que não leve em linha de conta finalidades desenvolvimentistas, poderá
ser pedagogicamente inconveniente, contraproducente e mesmo desastroso.
242
CONSTATAÇÃO 4
Devem-se colocar aqui, em definitivo, como ponto-chave de todas as escolhas e
adaptações que se realizam em educação as características dos contextos onde possamos estar a leccionar, as nossas funções profissionais e a população com a qual interagimos. Tudo isto deverá informar a escolha dos produtos e dos processos artísticos que
pretendamos implementar em contexto educativo. A pedagogia e a didáctica devem ser
sempre adaptadas a estas diferentes nuances. Tudo deverá ser diferenciado consoante,
por exemplo, estejamos a trabalhar no âmbito do ensino generalista, na formação de
professores ou no ensino vocacional. Deverá ser mesmo adaptado dentro de cada um
destes sectores tendo em conta o nível de experiencia e domínio técnico e cultural dos
alunos que temos pela frente. É óbvio que as fronteiras são ténues e que é possível adaptar determinados processos e obras a diferentes finalidades educativas. Poderemos
mesmo cair em erros e lacunas de avaliação. Porém, o que deve caracterizar a educação
artística com maior evidência é a intencionalidade do acto, a reflexão pedagógica e
didáctica que a enquadra e, sobretudo, a visão ética em que necessariamente baseamos
todo o nosso trabalho. Assim, é derradeiro que procuremos saber quais os limites que
nos permitem enquadrar de forma bem clara a nossa função pedagógica. Poderemos ser
flexíveis e mesmo adoptar diferentes papéis como artistas, como educadores e investigadores, levando, desde logo em conta, os contextos específicos onde nos movemos.
Devemos também ter claro, sobretudo, para nós próprios, quais são realmente as nossas
funções como educadores submersos na área artística e quais as opções éticas e papeis
que podemos assumir de modo a não ultrapassarmos a identidade que queremos manter. Temos sobretudo de ser capaz de dizer não ao que possa provocar desconforto e
sobreposição indevida de papéis. No âmbito estritamente educativo, o nosso relacionamento com a arte tem de partir sempre de uma visão do benefício do outro com o qual
interagimos. É esse o peso e a medida que deve guiar as nossas decisões e a escolha das
actividades e das obras que usamos em contexto pedagógico. O posicionamento ético é
por isso fundamental para alguém que pretenda envolver-se com as potencialidades
educativas da arte.
243
CONSTATAÇÃO 5
No âmbito específico da educação Dewey (1938 cit. por Eisner, 1985, pp. 51-52)
distingue três tipos de experiência: as que são educativas, não-educativas e deseducativas (educational, noneducational e miseducational). As experiências educativas são as
que contribuem para o crescimento individual, isto é, que potencializam a capacidade
das pessoas descobrirem significados no que praticam e que lhes permite alcançar finalidades inerentemente valiosas. Por seu lado, as experiências não-educativas são as que
revelam ausência de qualquer repercussão significativa nos indivíduos, incluindo os hábitos que pontuam a nossa vida, tal como o apertar os sapatos ou guiar um carro. Este tipo
de experiências não contribui nem dificulta o nosso crescimento como pessoas. Por fim,
as experiências deseducativas, são as que dificultam ou impedem os indivíduos de terem
vivências significativas e de cooperarem de forma inteligente e construtiva com as problemáticas que enfrentam. Por exemplo, uma experiência em contexto escolar com o
teatro pode ser tão desafortunada e desconfortável que fará com que um estudante passe a evitar futuramente esta área artística. Neste caso, o teatro foi deseducativo; em vez
de abrir fechou novas possibilidades intelectuais. As experiências deseducativas são no
fundo as que tendem a resultar num profundo sentimento de desconforto e desadequação pessoal.
Aceitando a classificação idealizada por Dewey, podemos agora seguramente afirmar que, no âmbito do drama na educação, as propostas de trabalho com os alunos
poderão ser educativas, não-educativas e mesmo deseducativas.
Esta afirmação leva-nos a discordar, pelo menos parcialmente, de David Hornbrook, quando, em relação ao teatro afirma:
a melhor escrita para os jovens é, simplesmente, a melhor escrita – ponto final. Uma
peça que não transmita alguma coisa de substancial a alguém com menos de vinte
anos provavelmente não a comunicará a ninguém” (1998, xi).
244
Sabemos que determinadas temáticas e conteúdos de algumas obras artísticas,
neste caso teatrais, são desadequadas para crianças ou jovens. Poderíamos aqui dar múltiplos exemplos, do teatro grotesco de Ionesco, ou do teatro psicológico e intimista de
Strindberg, onde as temáticas, as situações e os diálogos, para serem verdadeiramente
contextualizados e apreciados, implicam um elevado grau de maturidade psicológica e
cultural. Conseguimos no entanto aceitar parcialmente a ideia de Hornbrook no sentido
em que as temáticas e formas artísticas, por mais complexas que sejam, com as devidas
adaptações por parte dos professores, que levem em consideração o nível de desenvolvimento dos alunos e outros factores do contexto educativo que possam ser influentes,
podem ser adaptados e transformados em experiências ricas e gratificantes. Também,
quanto a este assunto, tal como temos feito em relação às questões epistemológicas e
metodológicas, reafirmamos a necessidade de ponderação, de não-radicalismos e da
necessária parcimónia e abrangência na análise dos assuntos.
245
3.8 META-INVESTIGAÇÃO BASEADA NAS ARTES
Os símbolos só vêm à linguagem na medida em que os próprios elementos do mundo se
tornam transparentes.
(Ricoeur, 2000)
EXEGESES DO PARTICULAR 1
A dramatização que elaborámos anteriormente, para além de nos ter incentivado a
elaborar algumas constatações sobre a ética, a arte e a educação, impele-nos agora a
tecer algumas considerações sobre a investigação baseada nas artes. Importa desde já
referir que nos envolvemos nesta tarefa de uma forma pouco ortodoxa, visto sujeitarmos
as interpretações teóricas às dinâmicas criativas e artísticas que têm estado subjacentes
à elaboração deste trabalho. Assim, ainda que não deixemos de referenciar algumas
obras relacionadas com a investigação baseada nas artes, não as abordaremos com base
nos procedimentos heurísticos que supostamente nos permitiriam evidenciar o que lhes
é consensual. Ou seja, não solicitaremos as teorias com o intuito de justificar ou credibilizar o nosso próprio trabalho, mas sobretudo para coadjuvar a idiossincrasia dos processos de investigação que temos vindo a adoptar. Estamos decididamente rendidos à multiplicidade das leituras e às visões improváveis e, por isso, o que produzimos sobre a
meta-investigação baseada nas artes manter-se-á submerso nos enredos metafóricos
provocados pela escrita performativa, pelas imagens e pelas dramatizações.
A investigação baseada nas artes, embora ainda emergente, já revela nos dias de
hoje largueza e multiplicidade, evidenciando no seu seio diversas tendências e orientações. Quando, há dez anos atrás, víamos no trabalho de (McNiff, 1998) a possibilidade de
descobrirmos novos sentidos para as terapias artísticas, não prevíamos que os estudos
artísticos viessem a ser adoptados por um leque tão vasto e variado de autores, florescendo nos campos da sociologia, da educação e especialmente na educação artística. A
investigação baseada nas artes, para além de se assumir como um importante quadro de
referência processual, tem vindo a renovar o estudo das humanidades, incentivando
muitos investigadores a enfrentarem de forma criativa e arrojada as problemáticas que
247
efectivamente os preocupam e não as exclusivamente tidas como prioritárias pelo pensamento académico mais normativo, o que tem promovido a politização, moralização e
espiritualização dos processos de criação e partilha do conhecimento.
A investigação baseada nas artes recusa a inevitabilidade do positivismo que se
tem vindo a alastrar a todas as áreas do conhecimento, inclusive às humanidades. A
investigação educativa, por exemplo, tem assumido que a credibilização das suas investigações deve basear-se exclusivamente no domínio da realidade quantificável, ou, pelo
menos, na objectividade e universalidade das evidências. Os estudos sobre a educação
(vulgo ciências da educação) vêm-se a si próprios como plurais; não sendo já muitas
vezes entendidos nem como ciências nem como educação, mas sim como um conglomerado em plena tensão que funciona especialmente bem para os apologistas dos estudos
frios, distantes e neutros; eles próprios, quantas vezes também condicionados pelas
determinações do positivismo que formata sobremaneira as suas disciplinas.
Opondo-se a esta tendência redutora de tornar tudo qualificável e objectivo,
determinados indivíduos, inspirados pela fenomenologia, pelo feminismo e pelas artes,
têm fomentado a evolução paradigmática e metodológica das metodologias qualitativas
de modo a incentivar os investigadores a tornarem-se mais intervenientes e reivindicativos. Estes paradigmas tendem a promover a autonomia dos investigadores que desejam
ver-se como actores e objectos dos seus próprios estudos; o que tem renovado a importância das abordagens críticas que assentam nas produções autobiográficas sobre as
problemáticas humanas, sociais e profissionais de um ponto de vista personalizado e
subjectivo. Ainda assim, de uma forma geral, as investigações de âmbito educativo continuam a privilegiar as metodologias de pendor positivista, aderindo sobretudo às justificações receosas da subjectividade criativa. A investigação-acção, por exemplo, encontrase frequentemente desenhada com base em múltiplos círculos descentrados que colocam o professor como mero especialista da didáctica no interior da escola ou, preferivelmente, para maior controlo, no espaço estrito da sala de aula. Por seu lado, algumas
correntes de inspiração fenomenológica, tende a direccionar-se para a recolha dos saberes e das opiniões abalizadas de terceiros, enquadrando-se em metodologias obsessiva-
248
mente preocupadas com a validação dos instrumentos e com as triangulações que permitem confirmar a neutralidade e objectividade dos dados. Em ambos os casos, o termo
professor reflexivo não evidencia a emancipação de formas próprias e efectivas de investigar e de criar conhecimento, mas revela-se sobretudo uma mera tautologia; um termo
que atinge o absurdo, se considerarmos que assume, nas entrelinhas, a possibilidade de
um professor poder ter sido algum dia considerado não-reflexivo. Em todo o caso, reflexivo poderá ser, mas ainda não emancipado. Os professores, especialmente os que colocam as artes no centro das suas vidas pessoais e profissionais, continuam a ser fortemente condicionados a investigar o que é suposto enquadrar-se nos limites objectivos do seu
trabalho como assalariados e a usarem os métodos próprios das ciências que pouco ou
nada têm a ver com o seu genuíno posicionamento perante as problemáticas do conhecimento.
Em Portugal, nos anos 90, era frequente ver-se a investigação sujeita ao condutismo e à trivialidade dos estudos inspirados na programação cibernética, que projectavam
inputs, outputs e caixas negras em tudo o que fosse mais dinâmico do que uma pedra
inerte. Em algumas universidades estas perspectivas eram consideradas as realmente
credíveis, não havendo sequer alternativas metodológicas para os jovens se iniciarem no
mundo da investigação. Admitimos, por força da experiência vivida, que a visão sobre os
estudos educativos aqui delineada, ainda que possa parecer parcial e tendenciosa aos
olhos de alguns, revela, pelo menos, o mérito de ser substancialmente diferente da dos
que querem fazer-nos acreditar que a pedagogia humanista é o pai e a mãe de todos os
males da educação.
Tal como já afirmámos anteriormente, não recorremos neste trabalho às publicações da investigação baseada nas artes de modo a criar novos ornamentos para os discursos já aceites. Procuraremos sobretudo que estas teorias alimentem a nossa própria
forma de dizer. Construiremos por isso novas metáforas sobre as já existentes, visto que
as metáforas, para conservarem o seu poder evocativo, necessitarem de novas metáforas e não de sentidos literais. Não escreveremos sobre investigação baseada nas artes de
modo a justificar e credibilizar o nosso processo de investigação, fazendo crer que pen-
249
samos da mesma forma que os académicos com provas dadas. Propomo-nos fazer sobretudo uma meta-investigação baseada nas artes usando as filosofias e os procedimentos
que são próprios da investigação artística. Sobretudo, consideramos que faz mais sentido, torna-se mais compreensível, coerente e adaptado ao que se assume como possibilidade. Recolheremos, de forma sistematizada, algumas das ideias que vagueiam pelos
livros que relatam outras experiências e contextos que, agora, tomamos a liberdade de
fazermos nossos. Isto não significa que descuremos os raciocínios e as e as ideias dos
seus autores que procuramos esforçadamente compreender. No já vasto corpo bibliográfico da investigação baseada nas artes procuraremos sobretudo o que nos ajuda a desbravar o nosso próprio caminho, não somente correlacionado com os processos artísticos
presentes nesta investigação, mas sobretudo ontológicos, ou seja, procuraremos sobretudo as ideias e filosofias que nos permitem invocar a nossa forma idiossincrática de ver
e de estar no mundo.
Mantemo-nos por isso fiéis ao que foi traçado desde o inicio do trabalho: à biografia significativa, à constatação clara da multiplicidade emergente das vozes, à epifania, à
espiritualidade e ao afastamento crítico da imoralidade consentida e dos constrangimentos culturais provocados pelo consumismo. Retomamos, uma vez mais, as mitologias
pessoais que nos têm ajudado neste trabalho a transcendermo-nos como artistas, professores e investigadores. Continuamos a fazer dos processos metafóricos e artísticos a
chave de toda a nossa investigação e descoberta. Inicialmente fomos instigados pelos
fractais presentes na natureza, cujas formas e processos se repetem paradoxalmente
como réplicas de si próprios numa complexidade crescente e imprevisível. Posteriormente, de forma análoga, assumimos a mitologia pessoal da derradeira importância das
pequenas coisas. Adoptámos a cruz como símbolo arquétipo de todos os gestos e formas
abrangentes que permitem a ascensão e o desmoronamento epistemológico. Lançamonos no indefinível reencontro com as pirâmides invertidas e no desmembramento da
unicidade dos actores. Todas estas simbologias têm-nos permitido criar rizomas dramáticos que interpelam a multiplicidade de forças coadjuvadas e contrastantes.
250
Como é inerente à sua própria natureza, as recensões tendem a provocar a tentação do academismo. Se analisarmos o que o se tem escrito sobre investigação baseada
nas artes percebemos que muitas das obras pouco assumem dos processos que apologizam. Vemos muitas vezes a investigação artística submetida à linguagem linear, peremptória e recheada do formalmente correcto. Estamos assim perante o quê? Perante as
limitações de processos incapazes de se servirem a si próprios? Perante a tradição académica que se revela incapaz de compreender o inovador e o incomum? Ou estaremos
perante o medo do Kitsch, da incapacidade de não se saber distinguir qualidade e mérito
de facilitismo, oportunismo e leviandade? Não sabemos responder a nenhuma destas
questões. Talvez as razões sejam multiplas. Admitimos que, todos estes questionamentos tornar-se-ão mais visíveis com o amadurecimento dos processos inovadores que agora vão despontando. Quanto a nós, neste trabalho e de forma a abordarmos a metainvestigação baseada nas artes, tal como já afirmámos retomamos as nossas mitologias
pessoais, as nossas metáforas e a escrita performativa. Retomamos sobretudo a metáfora da importância das pequenas coisas: reactivamos algo que deixamos em aberto, em
letras pequenas, quase imperceptível, mas que agora surge com a veemência dos pormenores ténues. Neste preciso momento desviamos o olhar da folha em que escrevemos
e percorremos o quarto. Constatamos que realmente estamos submersos em palavras,
em folhas soltas e em livros. Percebemos então, de forma clara e surpreendente, que a
abordagem da meta-investigação baseada nas artes possui, em si mesmo, a possibilidade
de
explorarmos
a
metáfora
pendente
da
dinâmica
do
conhecimento
251
Exegeses do particular 2
Figura 19 : Exegeses do particular 2
Alimentos
Temperos
ta
EscriPer-
formativa
252
Como poder pensar, não obstante, que um teatro de vanguarda seria justamente esse teatro que poderia contribuir para a redescoberta da liberdade.
Devo dizer, continuando, que a liberdade artística não é de nenhuma maneira o
desconhecimento das leis, das normas.
A liberdade da imaginação não é uma fuga para o irreal, não é evasão, é
audácia, invenção.
Inventar não é renunciar, não é evadir-se. Os caminhos da imaginação são
inumeráveis, os poderes da invenção não têm limites.
Ao contrário, o manter-se dentro dos limites estreitos do que se chama
uma tese qualquer, e o realismo, socialista ou não, constitui justamente esse
lamaçal. Esse já está esgotado, as suas revelações murchas; é uma academia e
uma vaidade, é uma prisão (Ionesco, 1965, pp. 66-67).
Cozedura
253
Exegeses do particular 3
Figura 20 : Exegeses do particular 3
254
255
EXEGESES DO PARTICULAR 4
Figura 21 : Exegeses do particular 4
A subjectidade está inevitavelmente e intrínsecamente
entrelaçada nas estruturas
rizomáticas do conhecimento.
A investigação rizomática opera
por variações, expansões, conquistas, capturas. Em contraste
com sistemas centrados ou
policentrados com modos hierárquicos de comunicação e
caminhos pré-estabelecidos. O
rizoma é acentrado, nãohierárquico, um sistema não
significante definido somente
pela circulação de estados
Teorizar acerca da sua própria experiência significa
reflectir sobre a capacidade
de ser autor dessa própria
experiência
A investigação é um processo
de revelar simultaneamente
imagem e texto (imagem
neste contexto pode significar poesia, música ou outras
formas de pesquisa artística)
Nestes actos existe ao mesmo
tempo uma aceitação de
jogar com categorias particulares e uma recusa de ser
alinhado com qualquer uma
destas categorias
Onde dois ficarão inclinados
para a oposição dialógica, um
terceiro espaço oferece um
ponto de convergência – contudo respeitando a divergência – onde as semelhanças e as
diferenças são entrelaçadas
256
Poder Criativo
Lógica
Alternativa
Sistemas de
Discurso
Modos de Existência
Quais são os modos de existência do discurso? Onde
foram usados, como podem
circular e quem se pode
apropriar desse discurso
para seu uso pessoal?
Uma dimensão inovadora
desta perspectiva de investigação encontra-se na sua
capacidade de abordar particularidades da experiência
vivida que reflectem realidades alternativas que, ou
são marginalizadas, ou ainda
não reconhecidas pelas prática e teoria estabelecidas
A
chamada
realidade
determina-se como o não
transformado e a arte
como a superação de esta
realidade na sua verdade
257
Exegeses do Particular 5
Figura 22 : Exegeses do particular 5
As metáforas estão sempre debaixo do sapato quando
nos damos ao trabalho de as procurar - John Cage
258
259
260
Notas dos esquemas:
As criações esquemáticas anteriores foram baseadas essencialmente na seguinte
bibliografia:
Exegeses do particular2
•
•
•
Ionesco, E. (1965). Notas e contranotas: Estudios sobre el teatro. Buenos Aires: Editora Losada.
Valerio, M. (2005). El arte develado: Consideraciones estéticas sobre la hermenéutica de Gadamer.
Mexico: Herder.
Gadamer, H.-G. (1977). Verdad y Metodo: Fundamentos de una hermenéutica filosófica. Salamanca:
Ediciones Sígueme.
Exegeses do particular3
•
•
•
Cahnmann-Taylor, M. (2008). Arts-based Research: Histories and new directions. In M. CahnmannTaylor, e R. Siegesmund, Arts-based research in education: Foundations for practice. New York:
Routledge.
Barret, E. (2007). Introduction. In E. Barret, e B. Bolt, Practice as Research: Approaches to Creative Arts
Enquiry. London: I.B Tauris & Co Ltd.
Haseman, B. (2007). Rupture and recognition: Identifying the performative research paradigm. In E.
Barret, e B. Bolt, Practice as research: Approaches to creative arts enquiry. London: I.B Tauris & Co Ltd.
Exegeses do particular4
•
•
•
•
Irwin, R.; Springgay, S. (2008). A/r/tography as practice-based research. In M. Cahnmann-Taylor, e R.
Siegesmund, Arts-based research in education: Foundations for practice. New York: Routledge.
Vincs, K. (2007). Rhizome/Myzone: A case study in studio-based dance research. In E. Barret, e B. Bolt,
Practice as research: Approaches to creative arts enquiry. New York: I.B. Tauris & Co Ltd.
Barret, E. (2007). Foucault`s ´What is an Author`: Towards a critical discourse of practice as research. In
E. Barret, e B. Bolt, Practice as research: Approaches to creative arts enquiry. New York: I.B Tauris & Co
Ltd.
Irwin, R. (2004). A/r/tography: A metonymic Métissage. In R. Irwin, e A. Cosson, a/r/tography:
Rendering self Through Arts-based living inquiry. Vancouver: Pacific Educational Press.
Exegeses do particular5
•
Maasen, S.; Weingart, P. (2000). Metaphors and the dynamics of knowledge. London: Routledge.
261
4 DINÂMICAS NÃO-LINEARES NO DRAMA NA EDUCAÇÃO
ELABORAR
Introdução
4.1 OS CAMINHOS DAS METÁFORAS
Os primeiros passos para uma visão integrada e transmodelar do drama na educação
começaram a ser dados por autores como Flemming (2003) ou Walkinshaw (2004) que
abordaram os diferentes modelos teóricos presentes na disciplina de uma forma interrelacionada e conjugada. Flemming (2003) fá-lo com base numa interessante discussão
comparativa entre os modelos do drama na educação que valorizam conceitos como a
subjectividade, significado e profundidade, em oposição aos modelos que tendem a valorizar exclusivamente as manifestações externas e visíveis do comportamento conf. (pag
144). Para Flemming (2003) este tipo de dicotomias empobrece o trabalho pedagógico.
Força os professores a escolherem exclusivamente uma determinada perspectiva, tornando menos flexível a pedagogia e a didáctica do drama. Este dilema foi em grande
medida fomentado pelos teóricos e praticantes do drama na educação que assumiam
como verdadeira a ideia de que existe uma ligação directa e linear entre uma metodologia particular e precisa e a qualidade do trabalho pedagógico. Flemming (2007) admite
ser importante reconhecer que as palavras “experiência interna e comportamento externo” no drama, muitas vezes apresentadas como entidades distintas entre as quais temos
de escolher, têm mais utilidade de forem entendidas como constructos ou metáforas
assentes em princípios complementares. Walkinshaw (2004), por seu lado, elaborou toda
uma tese sobre a possibilidade de conjugar os diferentes modelos e teorias actualmente
existentes no drama na educação que, limitadas em si mesmo, apresentam-se somente
como parcelas limitadas da riqueza da disciplina. Walkinshaw procura incentivar a edificação de uma visão mais global e integrada, defendendo que os professores e as crianças
263
devem ter experiência nas diferentes metodologias existentes, pois só deste modo poderão beneficiar das múltiplas dimensões educativas presentes no drama. Para a autora, a
natureza polimorfa das questões teóricas e metodológicas do drama na educação e a
natureza heterogénea da realidade educativa
exigem ecletismo nas modalidades de ensino afirmando que “somente quando o
drama poder ser celebrado em todas as suas modalidades multi-facetadas, a educação
dramática nos diversos níveis de ensino poderá ser tão rica e potencializadora como o
próprio drama” (p.184).
Ainda que os componentes dos modelos de partida
possam ser simples e bem estruturados a sua inter-relação
não permite fazer prognósticos a longo prazo ou assegurar
certezas quanto ao caminho da sua evolução. Entramos
assim no domínio da complexidade, da incerteza e do caos.
A nova ciência provou que sistemas complexos e multifacetados o resultado é diferente do que a soma das partes.
Tal como temos vindo a firmar, o drama na educação, tal como muitas outras áreas do
saber, existem perspectivas teóricas ou modelos que criam uma rede de ideias que moldam a forma como se encara o currículo e as práticas educativas. Tudo se elabora segundo esquemas pré-definidos e coerentes, ainda que por vezes estes se apresentem desajustados à realidade ou a forcem a funcionar segundo o modelo idealizado da sua própria
coerência. Os modelos e as ideias são propostos por oposição às ideias vigentes que se
procuram ultrapassar. Criam-se assim outros níveis de análise teoremas e práticas.
Sabemos que esta prática da falsificação e da procura do estável e do correcto, por mais
limitada que seja, deriva em grande parte do neo-positivismo Popperniano a que tem
264
sido submetida a nossa formação como profissionais e investigadores da educação. A
realidade
para melhor ser medida e manipulada é muitas vezes reduzida aos seus elementos tos
mais ínfimos, o átomo, a célula, o indivíduo, a aula, os conteúdos ou o método. Este cientifismo positivista, embora muitas vezes mascarado por atitudes supostamente mais flexíveis ou abrangentes, foi sujeitado à análise da história da ciência por Khun, onde a
questão da evolução epistemológica é desmistificada muito para além da objectividade
que a ciência diz protagonizar. Seg
265
Campo semântico
Obras de pendor teórico
Peter Slade, Dorothy Heathcote, Brian Way, Richard
Courtney, David Hornbrook.
- Brincar, Jogo dramático, Processos Psicológicos, Drama
desenvolvimental, Teatro, Papel, Aprendizagem Dramática, Drama como Processo, Drama como Assunto.
- O drama na educação é essencialmente brincar dramático servindo como estratégia de libertação da criatividade inerente ao ser humano;
- O drama na educação difere do teatro, não tendo como
referência ou objectivo a aprendizagem de habilidades
ou conhecimentos artísticos;
Axiomas
- O drama serve essencialmente para desenvolver a
consciencialização de sentimentos, a empatia, a tolerância e o desenvolvimento moral, visto permitir ao ser
humano experienciar e compreender a realidade e as
problemáticas sociais de diferentes pontos de vista;
- O drama na educação solicita processos mentais complexos que promovem a aprendizagem holística, implicando a simultaneidade de componentes estéticas, cognitivas, afectivas e psicomotoras do pensamento;
- O drama na educação é essencialmente uma estratégia
útil para a exploração e aprendizagem de conteúdos
curriculares integrados, facilitando a realização de projectos que envolvem diversos conteúdos curriculares,
nomeadamente a língua e a história;
- O drama na educação é uma disciplina com conteúdos e
métodos próprios, relacionados como texto dramático e
a arte teatral;
Obras de pendor
metodológico
Processos, Orientações,
Papel do Professor, Papel
dos Alunos, Contextos,
Objectivos, Progresso,
Recomendações.
Jogos, Actividades, Formas, Técnicas, Convenções, Projectos, Recomendações.
- O drama na educação
centra-se nas necessidades
e conhecimentos das crianças, sendo uma actividade
livre e libertadora da
expressão e da criatividade
natural do ser humano;
- O drama diz
respeito ao
texto dramático e à sua
interpretação
e representação O drama
é essencialmente jogo
dramático; O drama diz
respeito às
actividades e
situações
dramáticas
onde se
exploram
temáticas
humPatricias
significativas;
- O drama na educação
evolui de actividades centradas no eu para situações
em que fomenta a dramatização do outro segundo
pontos de vista diferenciados e perante determinadas
problemáticas humPatricias
e sociais;
- O drama na educação
baseia-se, desde os primeiros anos de escolaridade, na
aprendizagem de técnicas e
habilidades de representação teatrais, trabalhando o
texto dramático e fomentando a produção e apreciação da arte dramática.
- A aprendizagem do drama envolve necessariamente
diversas dimensões e processos, devendo permitir que os
alunos criem, apresentem e apreciem a arte dramática.
Tabela 2 - Campo semântico e Axiomas do drama na educação
266
Obras de
pendor
prático
O quadro comparativo apresentado, embora tenha como objectivo resumir e facilitar a
leitura da informação, não deixa de ser complexo e extensivo. Com algum cuidado na sua
análise, podemos verificar alguns dos conceitos e axiomas que têm caracterizado o campo epistemológico do drama na educação. É assente que alguns destes pressupostos ou
axiomas são relativamente consensuais, outros porém podem ser vistos como em pólos
opostos (dar exemplos)
Procurando nós estimular neste trabalho estimular um salto para a não linearidade
vamos imaginar que amarrotamos a folha anterior e como John Cage fazia com a sua
música de acaso (e que outros decidiram renomear como música aleatória)
Deixamos cair algumas palavras e ideias, ou seja remisturamos tudo, para vermos o que
dá. Isto obviamente partindo do nosso posicionamento paradigmático de fomentyar a
conciliação sem preconceitos de algum tipo.
Assim após deixarmos as palavras misturarem-se atra´rem-se e repelirem-se conforme
bem quiserem, passsamos a estruturar as ideias que nos forem surgindo pela análise
267
convocada pelo acaso (será?). Isto permitir-nos-á clarificar o que entendemos pelas palavras e quais as ideias chave que intrinsecamente adoptamos.
Evidenciaremos assim as temáticas significativas e determinantes …..
Figura 23- Tabela amarrotada
268
ercício, imaginemos que
Problemáticas que necessitam<os de clarificar
Retirando algumas das palavras do quadro
Brincar, Jogo dramático
, Drama desenvolvimental, Teatro, Papel,
educação
é essencialmente brincar dramático servindo como
Aprendizagem Dramática
, Drama como Processo, Drama como
estratégia de libertação da criatividade inerente ao se r humano;
aprendizagem de habilidades ou
conhecimentos artísticos;O drama serve essencialmente para desenvolver a consciencialização
moral, visto
permitir ao ser
humano experienciar e compreender
aprendizagem holística
, visto implicarem a simultaneidade de
estratégia útil para a exploração
criatividade
na educação difere do
teatro, não tendo
a realidade e as problemáticas sociais de diferentes pontos de vista; O drama na educação solicita processos mentais complexos
componentes estéticas, cognitivas, afectivas
que promovem a
e psicomotoras do pensamento; O drama na educação é essencialmente uma
e aprendizagem de conteúdo curriculares integrados, visto permitir a realização de projectos que envolvem diversos conteúdos curriculares, nomeadamente a língua e a história; O drama
, devendo permitir que os alunos criem, apresentem O
como referência ou objectivo a
de sentimentos, a empatia, a tolerância e o desenvolvimento
uma disciplina com conteúdos e métodos próprios
sões e processos
O drama
Assunto O drama na
na educação é
, relacionados como dramático e a arte teatral ; A aprendizagem do drama envolve necessariamente
diversas dimen-
drama na educação centra-se nas necessidades e conhecimentos das crianças, sendo uma actividade livre e libertadora da expressão eda
; O drama na educação evolui de actividades centradas no eu para situações em que fomenta a dramatização do outro segundo pontos de vista diferenciados e perante determinadas problemáticas humPatricias e sociais;
- O drama na educação baseia
-se, desde os primeiros anos de escolaridade, na aprendizagem de técnicas e habilidades de representação teatrais, trabalhando o texto dramático e fomentando a produção
e apreciação
da arte dramática
. e apreciem a arte dramática.
Texto Performativo 9 - Palavras desprendidas do quadro amarrotado
A bordaremos seguidamente de forma mais extensiva alguns destes conceitos e axiomas,
procurando sempre que possível esclarecer o nosso ponto de vista tendo em conta a
idealização do modelo integrado que procuramos edificar. Para o fazermos
apresentamos o que consideram actualmente as temáticas significativas e determinantes
269
4.2 AXIOMAS SIGNIFICATIVOS E DETERMINANTES
Seguindo a organização tripartida da dinâmica epistemológica circular do drama na
educação: teórica, metodológica e prática, acrescentamos agora os conceitos e axiomas
mais evidenciados nas respectivas literaturas, socorrendo-nos, para isso, num primeiro
momento, do seguinte quadro:
271
4.2 A EXIGÊNCIA DO IMPENSÁVEL
Todo o fim é contemporâneo de todo o princípio; só a nossos olhos vem depois.
Para que suceda o que vejo futuro, não preciso nada de convencer ninguém; virá,
quer o queiram quer não, por quanto já existe
Agostinho da Silva
A exigência estética que domina o nosso mundo, que marca definições e formas de
pensar, que reflecte posicionamentos, que serve para dar coesão e identidade aos
adolescentes. Que é um factor de crescimento que se baseia profundamente na forma
de encarar o mundo, que fomenta as nossas escolhas e milhares de opções que
realizamos no dia a dia, quando nos relacionamos entre nós e com o mundo que nos
rodeia.
Globalização e interdisciplinaridade juan torres Salomé
Os limites na ciência e na arte
273
Ond a ciência e a ate aproximam da forma . Vejamos interesse pela epistemologia
didáctica
o moral dos museus, etc. pra nós não só a natureza e conteúdo mas tb nas
metodologias
Nos princípios epistemológicos mais básiicos. A tecnologia, ajudada hitóriucamente
etc
A linguagem fazer grandioso com palavras começadas por vencer verdadop
ventuínha veloz, etc. Partir letras diferentes e grandesd várias cores. (nota para artes)
Lida com a realidade/aparências, com noções ontológicas. Mesmo sistemas de
pensamento reflexão descoberta/classificação do mundo etc..
Eisner p23
O que acredito que estamos a procurar na emergência destes novos modelos,
novos paradigmas, e novo conjunto de assunções que têm vindo crescentemente a ser
aceites e na comunidade educativa. Quer o modelo saliente seja uma forma literária de
etnografia, o adversário leagl do modelo das evidências, ou o modelo da critica artística
não está ainda claro. Eu acredito que o campo tem mais do que uma sala ampla para
estes três modelos assim como para o modelo científico. O que eu acredito que o estudo
da educação precisa não é uma nova ortodoxia mas em vez disso uma variedade de
novas assumpções e métodos que nos ajudarão a apreciar a riqueza da prática educativa,
que são úteis para revelar as subtilidades das suas consequências par todos vermos.
Pg 38.
274
Eu estou a argumentar contra a aspiração irrealista, pseudociência, e um conjunto
de carros de banda, más Patricialogias e pPatriciaceiasque emergem todos os anos no
campo. Nós necessitamos, acredito, de reconhecer a característica de contingência da
prática educativa, para apreciar a sua complexidade, e não ter receio de usar qualquer
artiscalidade que teremos de lidar para lidar com os problemas. Para o planeador do
currículo isto significa uma vida de continua incerteza: a contingência é inerente à prática
do planeamento educacional, contudo estas contingências emergentes não necessitam
de promover um sentido de desconforto mas um leque de oportunidades para exercitar
a sua própria imaginação, para cooperar com novos problemas, para fazer julgamentos
quer qualitativos quer teóricos. O que temos de usar para lidar com estas contingências
não são autocomiserações, mas ideias, conceitos e enquadramentos de referência.
Devemos trabalhar com estas ferramentas como forma de nos guiar através de uma
forma flexível de inteligência.
Implicações da complexidade nas capacidades de gestão
(Fernández, Villalobos, & de Cabo, 2005)
Visão complexa
Pensamento complexo
Sentimento complexo
conhecimento complexo
actuação complexa
Confiança complexa
Ser complexo
A evouluç~
275
Ao do pensamento científico e mesmo da gestão empresarial mostra a necessidade
de um novo enfoque que nos leve a pensar em termos não lineares e complexos. Dito de
outro modo, a reconceptualização complexa do universo provoca uma nova forma de
contemplar, pensar, conhecer e ser no mundo e, por conseguinte, na empresa. O
paradigma da complexidade (Morin 1995) proporciona um marco conceptual para o
pensamento complexo. E este pensamento complexo é simplesmente outro modo de
pensar que não busca contemplar, senão abrir a mente a outros conceitos e progredir
para a compreensão do complexo. E esta compreensão do complexo implica savber
como aceitar a ambiguidade, a contradição, a falta de precisão e a aceitar a
imprevisibilidade.
Segundo Morin 11995), exitem tr~es características fundamentais deste
pensamento complexo:
1.
O princípio dialógico, que permite a associação de noções contraditórias
que formam parte do mesmo complexo
2.
O princípio da recursividade, jáq eu rompe a relação linear entre causa e
consequências, existindo relações recursidvas entre ambas. È a base para a
autoorganização.
3.
O princípio holográmico, que supera o reducionismo, que só se centra nas
partes, assim como o holismo, que unicamente se centra no todo. Basta somente supor
que não só as partes estão no todo como o todo também está nas partes.
Continua….
Positivismo cartesiano
Mecanicismo newtoniano
Funcionalismoparsoniano
276
nº2
ENSAIOS
Figura 24 : Alunos Dramatizando
MODELOS, PROCESSOS E CONVENÇÕES
DO DRAMA NA EDUCAÇÃO
Autor: Catalina Cardoso
E
E
Caderno de nsaios scritos
Publicações_____ Não vá o Diabo Tecêlas__________ Zona Potencial
Santiago de Compostela Julho 2008
277
Figura 25 - Foto de Catalina Cardoso
Catalina Cardoso
Iniciou o seu trabalho profissional em Portugal como professora do primeiro ciclo e
como professora de Inglês no ensino secundário. Com uma forte ligação ao teatro
e à expressão dramática, de que nunca se afastou, esteve envolvida nos anos 80 e
90 na formação inicial e continua de professores nas áreas do teatro e do drama
na educação. Doutorou-se em 2001 pela Wantage University, Inglaterra, na área
do Drama aplicado. Lidera actualmente diversos projectos de investigação internacionais no âmbito das abordagens comparativas dos modelos do drama na educação. Colabora como consultora curricular para os ministérios da educação de Portugal, Reino Unido e Nova Zelândia. Cartalina Cardoso tem diversos trabalhos
publicados em revistas internacionais, nomeadamente na Educational Drama
Research e no International Research on Education.
Caderno de Ensaios Escritos
.s
\O Caderno de Ensaios Escritos é uma publicação on-line sobre o
drama na educação de índole académica e experimental. Para além
de incluir trabalhos de diversos especialistas reconhecidos na área, o
Caderno de Ensaios Escritos pretende oferecer um espaço digital de
criação e debate onde os profissionais e os estudantes possam abordar múltiplas temáticas relacionadas com a educação artística.
O Caderno de Ensaios Escritos tem por principal finalidade apoiar
cursos avançados e reflexões conjuntas sobre o drama na educação
nos âmbitos curriculares e educativos emergentes.
Corpo editorial: Paulo Soares Hipaso (Coordenador – Universidade Fonte do
Rio); Catalina Cardoso (Wantage University – Faculdade de Humanidades do
Porto – Departamento Drama e Educação); Delfim Paulo Ribeiro (Instituto
Piaget); Cristina Fogueiras (Faculdade de Humanidades do Porto - Departamento Drama e Educação).
Apoios: Fundação para a Ciência e a Tecnologia. Zona Potencial
278
Encontrar epígrafe O que é afinal demarcar um campo do conhecimento? O
que é descobrir e inventar um assunto? É, primeiro que tudo, encontrar os
padrões distintos dos seus conceitos chave. É, em segundo lugar, nomear
algumas das referências através das quais esse campo de estudo possa ser
contido: a tradição selectiva de alguns textos sagrados e outros profanos;
mas também a nossa preferência para ir além dos limites, de levantar os
olhos para os cumes. Em terceiro lugar, é construir uma história, entenda-se
como sinónimo de teoria, onde estas experiências são enquadradas e tornadas inteligíveis. É, por fim, e não menos importante, elaborar o que Auden
chamou de “discurso são e afirmativo”.
Fred Inglis (1998: 251)
Eu estou a tentar conter o paradoxo da minha tarefa ao contar as histórias
das pessoas, dos acontecimentos e das ideias que me “moldaram”, em vez
de contar a minha história. Não existe tal coisa como a minha história. Esta
é a nossa história.
Lois Holzman (Manuscripts, s.d)
Figura 26- Trabalho sobre
a obra de Gaugin 2:
De onde viemos? Quem
somos?
Para
onde
vamos?
INTRODUÇÃO
É essencialmente como formadora de professores que tenho vindo a ser confrontada com diversas incompreensões sobre as teorias e processos do drama na educação.
Ao longo de várias décadas de trabalho que tenho realizado em Portugal continuo a verme obrigada a discordar da ideia de que as escolas estão abertas e preparadas para
receber o drama e o teatro 1. A minha experiência pessoal diz-me que, embora no ensino
básico o drama, sob a designação de expressão dramática/teatro, apareça nos documentos curriculares como uma disciplina específica, envolvendo competências que devem ser
abordadas de forma sistemática e progressiva ao longo dos diversos anos lectivos, na
realidade, tem sido frequentemente relegado para apresentações esporádicas de tipo
1
No âmbito da literatura existem diversos termos designar a área do drama e do teatro na educação. Por vezes os
diferentes termos revelam conotações diferenciadas, tal como drama na educação, conotado frequentemente com o
drama processual, e o termo arte dramática na educação, conotado com as vertentes mais centradas no produto e com
a formação artística. Ao longo deste trabalho utilizaremos por vezes as diferentes designações ora como sinónimos ora
para salientar alguma tendência específica. Contudo, drama na educação será o de uso mais frequente, visto que,
segundo o nosso ponto de vista, se revela o mais abrangente para abordar esta área de estudo e investigação (Para
mais análise terminológica ver pag. 299).
279
teatral, que usualmente não revelam qualquer qualidade estética e muito menos pedagógica. Normalmente, estas produções são apresentadas ao público nas festas de natal
ou em outras alturas festivas do ano escolar, que não colidem com o trabalho mais
intensivo requerido pelas disciplinas consideradas centrais do currículo, como são usualmente entendidas a Matemática e o Português. Qualquer que seja o conteúdo e a forma
destas produções, os procedimentos tendem a ser sempre os mesmos: uma sobrevalorização da cenografia, dos adereços e do guarda-roupa, e a selecção, como actores, das
crianças mais capazes de decorar as deixas estipuladas para entrarem e saírem dos vistosos cenários em tempo oportuno. O resultado, para alegria compreensiva de todos os
que vêem as suas crianças actuarem e cujo julgamento está longe de qualquer critério
pedagógico ou artístico que se possa considerar válido, aproxima-se, muitas vezes, de
uma espécie de teatro de revista infantilizado, ou mesmo de uma movimentação fortemente marcada, sem ritmo, inexpressiva e inaudível de um enredo que, a dada altura,
todos deixam de se esforçar por entender. Desde que eu me lembro que estes procedimentos se mantêm, tendo vindo somente a ser modificados nos anos mais recentes, e de
uma forma meramente ocasional, por uma perspectiva que entende que a expressão
dramática/teatro pode ser usada nas escolas como uma espécie de terapia de inclusão.
Neste caso, as crianças, identificadas como evidenciando dificuldades de aprendizagem e
de comportamento são incorporadas na azáfama dos trabalhos, de modo a aprenderem
a partilhar responsabilidades num projecto que é supostamente comum à turma e à
escola. Esta é a realidade mais evidente. Posso mesmo afirmar que a alternativa a esta
situação á arte dramática ser simplesmente ignorada.
Os factores que mantêm esta conjuntura são múltiplos e complexos. Seria exaustivo apontá-los todos. Acredito que se prendem, entre muitas outras causas, com a deficiente formação de professores, com a cultura pouco colaborativa existente nas escolas e
com a inexistência dos recursos necessários para se poder promover uma educação artística diversificada e de qualidade. Admito também que o intermitente uso do drama nas
escolas decorre da endémica incompreensão a que as suas teorias e metodologias têm
sido votadas. Receio mesmo que esta lacuna evidencie uma contagiante e geral iliteracia
artística que, trespassando os diversos sectores da sociedade, corre mesmo o perigo de
280
adquirir o estatuto da normalidade. Se isto é preocupante no que diz respeito à população em geral, ainda mais o é no que toca às pessoas com responsabilidades directas ou
indirectas na educação. A ignorância generalizada, combinada com o preconceito e a
incompreensão, tem ajudado a criar uma espécie de aura de mistério sobre as potencialidades educativas da arte dramática, aumentando ainda mais a confusão e a escassez de
diálogo entre professores generalistas, especialistas, artistas e a comunidade educativa
em geral. Esta carência é também acrescida pela ideia de que a vertente educativa da
arte dramática admite um único posicionamento teórico e metodológico. Entendido
como uma disciplina unívoca, consensual e estática, o drama/teatro na educação passa a
não evidenciar, no seu âmago, tal como os outros ramos do saber, os dilemas e as dialécticas epistemológicas que o fazem progredir. Devemos reconhecer que algumas das
perspectivas mais extremistas e monolíticas têm sido fomentadas pelos próprios especialistas da área, que tendem a colocar as diferentes filosofias e metodologias existentes na
disciplina em pólos opostos e inconciliáveis. De um lado, estão os que perspectivam o
drama como um processo, uma ferramenta ao serviço do desenvolvimento psicológico e
da aprendizagem de outras disciplinas; no outro, os que defendem que o drama deve ser
implementado nas escolas essencialmente para promover os saberes específicos necessários à produção e à apreciação da arte dramática, e que esta aprendizagem deve ser
realizada desde os primeiros anos de escolaridade. É natural que a diatribe acarrete
divergências sobre uma grande quantidade de questões subjacentes, como por exemplo,
sobre o perfil e o papel dos professores. Questiona-se assim se o drama pode ser implementado no ensino básico pelos professores generalistas ou exige a intervenção de
especialistas; se deve ser utilizado como uma componente metodológica em projectos
interdisciplinares ou requer momentos próprios que promovam a sua aprendizagem na
sala de aula; se as actividades dramáticas devem ser exclusivamente orientadas para a
auto-expressão, ou, em vez disso, basearem-se em textos já existentes tendo em vista a
produção de espectáculos. Submerso neste tipo de antagonismos, que por vezes atingem
um radicalismo e uma idiossincrasia semântica que não fomentam a sua verdadeira
compreensão, a arte dramática tem sido facilmente relegado para as margens de um
currículo já sobrecarregado, aceitando, sem contestar, o papel subalterno a que tem sido
votada.
281
Em Portugal, salvo raras excepções, a maioria das publicações relacionadas com o
drama na educação apresenta-se sob a forma de listagens de jogos para os professores
implementarem nas escolas. De uma forma geral estas obras não promovem a compreensão das bases teóricas e metodológicas que dão ao drama o verdadeiro sentido do
seu propósito educativo. Para além de aparecerem normalmente vazios de teoria, estes
livros induzem frequentemente a ideia de que estar activo e ocupado na sala de aula é o
que realmente importa. Reconheço que o drama na educação, mais do que qualquer
outro assunto, pode facilmente resvalar para a implementação de actividades práticas,
desconsiderando as necessárias prerrogativas pedagógicas que as justificam e enquadram. Por outro lado, a mera teorização, fechada em si mesmo, pode tornar-se irrelevante, principalmente se olvidar as ressonâncias da sua aplicabilidade nos diversos contextos
escolares. Admito que só a interacção dialéctica entre a teoria e a prática, baseada na
reflexão sobre os nossos próprios procedimentos, permite alargar os quadros de referência que inspiram as práticas educativas.
Aprender a ensinar é um processo subtil, que envolve uma gradual acomodação e
assimilação de diversas ideias e formas de actuar aos nossos próprios valores, crenças e
personalidade. Por isso, a reflexão sobre o ensino jamais pode ser realizada no vácuo.
Necessita de apelar, recursivamente, e de forma sistemática, aos autores e propostas
válidas que nos podem servir de referência e catalisam o pensamento. Podemos então
afirmar que o conhecimento teórico revela-se imprescindível para a nossa evolução
enquanto professores, tal como a visão de como os diferentes modelos e sistemas conceptuais se têm modificado ao longo dos anos.
Este trabalho assume que o ensino do drama nas escolas necessita de ser construído sobre os progressos e os sucessos do passado, devendo prestar especial atenção aos
notáveis avanços forjados pelos especialistas da área. De uma forma geral, as obras do
drama na educação destacam como autores de referência Peter Slade, Brian Way,
Richard Courtney, Dorothy Heathcote e David Hornbrook. Estes autores são unanimemente considerados como os criadores dos quadros conceptuais que nos permitem
actualmente encetar uma reflexão profunda sobre as potencialidades educativas do
drama. É necessariamente com base na sistematização das suas ideias que podemos jus-
282
tificar e facilitar a inclusão do drama com sucesso no ensino básico. Estes cinco autores
foram também escolhidos para incorporar este trabalho porque cada um deles é respeitado e reconhecido como um pioneiro, exemplificando uma tendência que é única e
determinante na área. Só o estudo das suas obras permite abordar os principais modelos
que têm feito escola, modelos que só muito recentemente começaram a ser mais vistos
como associáveis e complementares do que como reciprocamente exclusivos.
Embora ao longo da minha vida como estudante e professora tenha vivenciado
(permitam-me as expressões) práticas de pendor mais Sladeano, baseadas na autoexpressão, ou de cariz mais Hornbrookiano, conducentes à aprendizagem dos saberes e
técnicas teatrais, não me posiciono actualmente de forma exclusiva em qualquer um
destes modelos. Durante a minha prática lectiva, nos diversos contextos onde me movimento, por vezes adopto uma visão mais processual e desenvolvimental do drama e
outras uma perspectiva mais centrada na aprendizagem artística. Em determinadas
situações chego a conciliar estas duas visões num mesmo programa ou no trabalho
pedagógico com o mesmo grupo. Esta orientação, que chamarei para a integração modelar (entenda-se a palavra, não no seu sentido mais comum, que diz respeito à articulação
curricular ou disciplinar, mas como forma de designar a confluência de diferentes teorias
e metodologias de uma mesma disciplina) é actualmente encarada por mim como um
ponto de partida e uma referência para o meu posicionamento enquanto investigadora.
É necessário notar que a tendência para a flexibilização e articulação modelar pode vislumbrar-se em alguns trabalhos sobre o drama na educação, como por exemplo em
Winston e Tandy (2001), Fleming (2003), Walkinshaw (2004) e Schonmann (2005).
Taylor (1998, p. 73) afirma que, tal como “as regras do teatro estão em constante
transformação” as regras que alimentam a pesquisa do drama no enquadramento educativo devem também estar em constante mutação. Reconheço que existem múltiplas
recomendações sobre a necessidade de se promover a aplicação dos instrumentos e processos inerentes à arte dramática nas investigações, tal como nos diz Paulo Hipaso no
número um desta revista. A introdução do drama na pesquisa possibilita ao investigador
que mantém uma forte ligação com os processos artísticos, fazer evoluir o conhecimento, continuando, contudo, fiel às prorrogativas da arte dramática.
283
Neste trabalho, a componente artística, ainda que trespasse toda a sua estrutura,
revela-se essencialmente na escrita performativa mais criativa e ensaística. A linguagem,
partindo dos posicionamentos mais estruturantes dos capítulos iniciais, torna-se assim
frequentemente mais metafórica, libertando-se na interacção com o imaginário. É aqui
que o processo e investigação dramática discorre de uma forma mais fluida, implicando
os riscos inerentes à intuição e rápida reflexão que são postas em jogo durante o processo de criação. Barbosa (1995, p.235) diz-nos que:
... se a atitude teórica é tantas vezes sentida como inibidora da atitude criativa é porque ela obriga o sujeito a exteriorizar-se do objecto: e para que a apreensão estética
se realize, o sujeito necessita de se internar no mundo, de se empatizar com ele.
A questão do distanciamento, tal como acontece no drama, torna-se indubitavelmente um dos elementos fulcrais do processo e investigação que adoptamos. É por isso
que tomo a liberdade de usar intencionalmente a primeira pessoa do singular em algumas partes do trabalho e noutras a primeira pessoa do plural, tal como é academicamente convencionado. Se na revisão da literatura eu encontro-me em diálogo comigo mesma
e com o outro, tal como este me é intencionalmente apresentado nos seus próprios
escritos, na escrita dramática e criativa passo a estar submersa num imaginário em devir.
Criando o outro, crio-me a mim própria. Aqui, como sujeito e objecto do discurso, passo
a conhecer o mundo conhecendo-me, e conheço-me concebendo o mundo. Este tipo de
exploração, embora mais latente, não deixa de ser um processo de investigação, descoberta e cognição. Também como nos diz Paulo Hipaso no número um desta revista,
assumindo a arte como processo, a investigação passa a procurar as metáforas epistemológicas que permitem alcançar a reflexão, a descoberta e o conhecimento.
Um trabalho desta natureza, não poderia acontecer sem a apresentação prévia dos
elementos que o ajudam a estruturar. Assim, proponho que a leitura se inicie na apresentação do enquadramento e das definições que informam e delimitam o seu campo de
estudo e que entendo se relacionarem com o brincar dramático, com o drama na educação e com o teatro na educação. Seguidamente, procurando articular a edificação dos
conceitos e metodologias com os contextos culturais onde foram originados, empreendo
284
uma breve resenha histórica. Aberto que está a cortina régia, passo então a apresentar
as teorias e metodologias consideradas referentes neste campo de estudo. Esta apresentação é obviamente realizada na terceira pessoa, devendo a compreensão mais aprofundada das teorias merecer o investimento na leitura das obras originais. Após o enquadramento ter sido delimitado e as definições básicas esclarecidas, partimos para a exploração de conteúdos de uma forma mais performativa e criativa. Abordamos ainda os
assuntos das convenções dramáticas e exemplos práticos relacionados com este tipo de
metodologia de trabalho.
Tal como acontece nas apresentações dramáticas; espera-se sempre que o público
consinta que a fruição de um trabalho se abra a todas as possibilidades e entendimentos
possíveis. Sabemos que muito do poder do drama reside na forma como as suas ambiguidades, tensões e múltiplas camadas de linguagem são exploradas. Assim, só poderei
ficar verdadeiramente satisfeita com este trabalho, se, para além de promover a sistematização de informação pertinente, ele conseguir despoletar pontos de vista não totalmente consensuais.
285
5 ENQUADRAMENTO E DEFINIÇÕES
Muitos estudiosos das áreas da Sociologia, Psicologia e Educação têm evidenciado
que o brincar simbólico e a representação de papéis estão intimamente relacionados
com a aprendizagem. Estes processos, inerentes à natureza do drama e do teatro, têm
sido implementados em diversos contextos educativos e incorporados nos currículos
oficiais de vários países.
Em Portugal, o termo geralmente usado para designar a disciplina que aborda o
drama e o teatro na educação é, por influência francófona, Expressão Dramática e, mais
recentemente, Expressão Dramática/Teatro. Esta disciplina abrange o uso do jogo dramático e a introdução às linguagens e técnicas teatrais. No ensino básico, a Expressão
Dramática/Teatro é apresentada como uma disciplina autónoma, inserida na área da
Educação Artística, tal como a Expressão/Educação Musical e a Expressão Plástica
/Educação Visual. A Dança, que até à última reorganização curricular surgia como uma
componente da Educação Física (Expressão Físico-Motora), está actualmente também
incorporada na Área da Educação Artística e consignada como uma disciplina autónoma.
A consagração da educação artística como uma área curricular do ensino básico é,
pelo menos teoricamente, demonstrativa de como a sociedade actual e os seus mandatários ministeriais reconhecem a importância das artes no desenvolvimento e na educação cultural de todos os cidadãos.
A Antropologia evidencia que as actividades artísticas revelam propósitos muito
significativos. Nos documentários antropológicos que podemos observar na televisão é
usual vermos descrita a importância social das artes. As cerimónias ritualistas, que
incluem frequentemente a dramatização e o uso de máscaras, permitem, através da partilha de símbolos e sentimentos, fomentar a coesão da comunidade e afirmar os seus
valores e aspirações.
A História é também reveladora da importância sociocultural das artes. Sabe-se,
por exemplo, que na Grécia Antiga o teatro era considerado uma actividade religiosa
287
primordial, surgindo posteriormente na Idade Média nas igrejas, com propósitos religiosos, evocando a vida de Jesus e os seus ensinamentos (Baldry, 1971, Solmer, 2003).
Actualmente, a natureza ubíqua das manifestações dramáticas, pode fazer com
que não nos apercebamos da sua verdadeira interferência nas nossas vidas. Ainda que
possamos não ir muitas vezes ao teatro, não deixamos de ser influenciados pelas inúmeras mensagens veiculadas pela televisão e pelo cinema. Histórias dramatizadas de todos
os tipos permeiam a nossa vida. Estas ficções dramatizadas, para além de nos permitirem
analisar criticamente a nossa cultura, oferecem-nos muitas das metáforas através das
quais damos sentido à nossa existência e ao mundo que nos rodeia. Willis (1990, p. 49)
afirma que:
O drama tornou-se numa das principais formas de comunicação (...) oferecendo
alguns dos modelos através dos quais os indivíduos formam a sua identidade e aspirações, ajudando a estruturar os padrões do comportamento em comunidade, os
valores e os ideais.
É consensual nas Ciências Humanas admitir-se que o brincar dramático é uma actividade imprescindível ao desenvolvimento do ser humano, ajudando as crianças a explorarem e compreenderem os papéis sociais dos adultos e os valores da sociedade (Gloton
e Clero, 1997).
No âmbito de uma visão mais ligada aos processos mentais, Landy (1982) admite
que determinadas componentes do pensamento são inerentemente dramáticas. Por
exemplo, os adultos, antes de confrontarem uma nova situação, tendem a pré-visualizala no pensamento. Mesmo após a sua ocorrência, são muitas vezes levados a refazê-la de
forma hipotética: – “e se eu não tivesse dito isto? E se eu tivesse tido outro tipo de comportamento?”. Segundo o autor, estas reflexões podem ser entendidas como dramas
internos, ajudando as pessoas a explorar e a elaborar novas perspectivas sobre a realidade que as condiciona.
Por seu lado, a arte teatral, como manifestação externa do drama, orienta-se para
o refinamento e aprimoramento da criação dramática, sendo usualmente apresentada
288
num palco: espaço convencionado para promover no público a suspensão do descrédito.
Nos teatros ocidentais, as apresentações dramáticas iniciam-se tradicionalmente com o
levantar da cortina e acabam com o seu fechar. Qualquer que seja a convenção usada
para marcar o início e fecho da peça, os membros da audiência sabem que somente
quando os actores falam ou se movem para um determinado espaço é que se despoleta
a sua ligação com o imaginário. Para Hornbrook (1991) e O’Toole (1992) a vivência da
arte dramática implica sempre a existência de um acordo implícito ou explicito sobre as
fronteiras físicas e temporais do mundo imaginário.
As ideias que têm vindo a ser expostas permitem-nos afirmar que o drama ocorre
em qualquer idade ou cultura:
•
como ritual, é social e cerimonial;
•
como brincar, é espontâneo e natural;
•
como pensamento, diz respeito ao pré-visionamento, ensaio e revivência das
experiências, tocando a fantasia, o desejo e o sonho;
•
como arte, expressa o mais elaborado e complexo domínio técnico-cultural do
homem ao serviço da sua criatividade.
289
Figura 27- Espectro do drama
(Adaptado de (Hogdson, 1972, p. 9))
O que possibilita considerar como drama todas estas diferentes nuances é o incluírem o desenrolar de histórias. Drama, como Esslin (1987, p. 36) afirma: “ é a narrativa
tornada visível, uma imagem com o poder de se mover no tempo”. Drama demonstra e
actua em vez de descrever. Literalmente, drama significa acção, coisa feita.
Ainda que as definições acima apresentadas possam ser entendidas como uma
aproximação à noção genérica de drama, admitimos que a linguagem não é uma arte
precisa e que muitos dos conceitos usados nas Ciências Humanas não se coadunam com
delimitações rígidas. Concordamos com Hornbrook (1998a, p.6) quando afirma que os
limites de qualquer assunto tendem a revelar-se “saudavelmente fluidos”. O ponto exacto quando uma dança se torna drama ou de que forma podemos perspectivar como
drama determinadas celebrações e festas, continuará, sem dúvida, a ser matéria de
debate. A complexidade e fluidez dos conceitos inerentes à definição genérica de drama,
290
verifica-se também no que diz respeito especificamente ao Drama na Educação. Brincar
Dramático, Drama Criativo e Teatro Infantil, são algumas das designações que têm sido
por vezes usados de forma indiscriminada na literatura especializada. De modo a introduzir o leitor ao vasto leque de possibilidades e aplicações do drama na educação, esclarecendo também, desde já, a forma como os diversos conceitos serão usados ao longo
deste trabalho, abordamos seguidamente o brincar dramático, o drama na educação e o
teatro na educação.
291
5.1 BRINCAR DRAMÁTICO
É difícil de marcar com precisão onde começa e acaba o brincar ou diferenciar de
forma nítida os seus diferentes tipos. Exemplos do brincar podem ser encontrados em
todos os países do mundo, em diferentes períodos da história e em todas as idades.
Embora o brincar não admita uma definição universalmente aceite, é consensual admitirse que desempenha uma importante função no desenvolvimento e na aprendizagem.
Ontogeneticamente, segundo os estudos epistemológicos de Piaget (1962), o brincar desenvolve-se de um pendor mais sensório-motor, presente nos primeiros meses de
vida, para o brincar simbólico e para o jogo de regras. S. Freud (1961), por seu lado,
admitia que o brincar das crianças deve ser entendido como uma manifestação básica e
precoce da sublimação, desenvolvendo-se posteriormente no humor, no desporto e na
arte dos adultos. Não será desmesurado considerarmos que muitas das actuais teorias da
psicologia genética e da psicanálise perspectivam o brincar como a chave de todo o
desenvolvimento humano, considerando-o o principal despoletador das capacidades do
pensamento simbólico e, consequentemente, da capacidade de elaborar e compreender
a cultura (Ribeiro, 2000).
O brincar dramático, simbólico por natureza, é geralmente entendido como a
expressão mais precoce da arte dramática, não devendo, contudo, ser confundido com o
drama na educação ou interpretado como actuação teatral. O brincar dramático tende a
existir somente por determinados momentos, que podem ir desde alguns minutos até
períodos mais longos. Pode ser repetido quando o interesse for suficientemente forte. A
repetição ocorre, ocorre pelo puro prazer da sua realização. Segundo McCaslin (1984) e
Landy (1982) o verdadeiro brincar dramático é uma actividade voluntária, sendo as suas
principais características a alegria e a liberdade.
No brincar dramático a criança explora o mundo imaginário que ela própria cria.
Experimenta acções e consequências. Imita os adultos. Cria personagens e liberta os seus
293
próprios desejos e impulsos. O brincar dramático, quando encorajado pela correcta disponibilização dos locais e equipamentos, revela-se uma manifestação natural e saudável
do desenvolvimento.
McCaslin (1984) considera que os termos jogo e desporto aparecem muitas vezes
associados ao brincar, não devendo contudo ser entendidos como sinónimos. Enquanto
o desporto, tal como o teatro, é essencialmente desenvolvido para uma audiência e realizado num local padronizado, os jogos e o brincar existem acima de tudo para o deleite
dos participantes, sendo desenvolvidos onde quer que os jogadores se juntem. Contudo,
em relação ao brincar dramático, o jogo dramático revela uma organização mais estável
e prescrita. O jogo dramático implica normalmente a existência de algumas regras predefinidas – ainda que flexíveis – sendo muitas vezes orientado e idealizado tendo em vista
determinados objectivos educativos (Ribeiro, 1998). Podemos facilmente apercebermonos destas características ao analisarmos os livros com compilações de actividades dramáticas, onde os jogos são normalmente classificados pela sua intencionalidade e adequação a determinada faixa etária (e.g. Wiertsema, 1993, Jennings, 1986).
Alguns autores têm elaborado várias analogias entre o drama e o jogo. Watkins
(1983, p.37) perspectiva o drama à luz das teorias de Huizinga (1992) e Callois (1990),
definindo o jogo dramático como uma actividade lúdica através da qual os participantes
“desempenham papéis de forma semelhante ao comportamento social”. Para o autor, o
drama, tal como o jogo, evidencia o livre envolvimento dos participantes nas actividades
e a sua espontânea submissão às regras. Porém, de forma diferente dos jogos de sorte
ou azar e das actividades com um pendor mais físico, os conteúdos do jogo dramático
baseiam-se essencialmente na exploração de determinadas problemáticas humanas.
Para Watkins (1983, p36)
Somos levados a reflectir sobre os valores sociais quando estes nos são apresentados
de forma analógica no jogo dramático, isto é, como uma série de modelos de encontro envolvendo o comportamento humano em situação de conflito.
294
O reconhecimento das similaridades e diferenças entre o jogo e o drama revela-se
importante para se poder perceber como estas actividades se podem inter-relacionar a
nível didáctico. É importante salientarmos que os jogos não devem dominar as aulas de
drama. Os jogos operam com base em regras e convenções exteriores, não solicitando a
dimensão interna dos sujeitos da mesma forma e intensidade como a que é requerida
pelo drama. Os jogos dramáticos revelam-se muitas vezes mais fáceis de manejar do que
o drama propriamente dito, visto assentarem em objectivos bem definidos e predeterminados e não exigirem dos participantes as suas próprias ideias e sentimentos para a
resolução das situações dramatizadas (Fleming, 2003).
A didáctica do drama deve assentar numa visão clara sobre o valioso mas também
limitado lugar que os jogos devem ocupar nas aulas. Os jogos podem oferecer as actividades de abertura que permitem ao professor avaliar e fomentar a coesão do grupo,
sendo úteis para iniciar o trabalho dramático de um modo seguro e progressivo (Ribeiro,
1998). Os jogos podem também ser usados para desenvolver algumas das habilidades
necessárias à dramatização. O saber esperar a sua vez, o respeito pelo outro, a necessidade de cooperação, etc., são ingredientes que devem estar assentes e bem firmados
nas actividades dramáticas. Para Winston e Tandy (2001) os jogos podem ainda ser usados para criar os ambientes necessários para as dramatizações e servirem como indutores do drama. Neste caso, a tensão gerada pelo jogo é incorporada no trabalho dramático subsequente.
Tal como foi referido anteriormente, a linguagem não permite estabelecer definições precisas e bem delimitadas entre categorias que se complementam e sobrepõem,
sendo muitas vezes difícil distinguir quando uma actividade é um exercício1, um jogo ou
o drama propriamente dito. Sobre este assunto deve-se sobretudo ter em atenção que a
decisão sobre o uso de jogos nas aulas é um assunto que deve ser atentamente ponderado pelo professor, levando em linha de conta a natureza do grupo com o qual trabalha
e o percurso educativo que pretende realizar.
1 O termo exercício tem também sido usado para descrever as actividades de preparação dos alunos para o drama,
referindo-se normalmente às actividades mais simples do início das aulas que não revelam a complexidade, a tensão e a
interacção dramática dos jogos desencadeadores do drama. (e.g. Poulter, 1996).
295
5.2 DRAMA NA EDUCAÇÃO
Diversos termos têm sido usados para designar a aplicação das actividades dramáticas na educação. Na literatura especializada encontramos uma multiplicidade de palavras com significados semelhantes, variando conforme as épocas e os países. Tal como já
afirmámos, denominações como Expressão Dramática, Drama Infantil, Jogo Dramático,
Drama Criativo, Educação Dramática, Drama Educativo e Drama Desenvolvimental têm
sido usadas nos títulos das obras que abordam o drama na educação (Courtney, 1974,
Landy, 1982, Walkinshaw, 2004). Tal como já referimos no início do trabalho, decidimos
adoptar a designação Drama na Educação, visto a entendermos como a mais abrangente
e consensual. Outras opções poderiam ter ser sido feitas. Uma das mais óbvias seria
usarmos o termo Expressão Dramática, tendo em conta que é a palavra normalmente
utilizada nos documentos curriculares portugueses. Porém, as fortes críticas que as perspectivas apologistas da auto-expressão têm vindo a sofrer por parte das novas correntes
da educação artística, levaram-nos a colocar algumas reticências perante o uso de um
termo que pode ser facilmente conotado com a filosofia progressivista1.
De um modo meramente indicativo, fazemos saber que, por exemplo, o termo
Expressão Dramática é utilizado essencialmente nos países francófonos, sendo o termo
Drama Criativo usado principalmente nos Estados Unidos da América. A denominação
Drama Desenvolvimental, associada a uma vertente de cariz mais psicopedagógica, é
usada essencialmente no Canadá anglófono, estando baseada em grande parte nos trabalhos pioneiros de Way e Courtney, sendo o termo Drama na Educação de uso mais
frequente no Reino Unido e nos países do Norte do Continente Europeu (McCaslin,
1984).
1
O termo progressivismo não é usual em Portugal, podendo no entanto encontrar-se com frequência na literatura
especializada em educação de origem brasileira. Ele diz respeito à filosofia e metodologia educativa idealizada em grande parte por John Dewey (1859-1952) que pretende centrar todo o ensino nos interesses dos estudantes e na interdisciplinaridade. No drama na educação o termo tem sido usado em grande parte para designar as correntes que perspectivam o drama como auto-expressão e como processo de desenvolvimento psicológico, e que menosprezam a aprendizagem dos saberes específicos do drama e do teatro como forma de arte.
297
Embora a filosofia subjacente a estas diferentes denominações possa ser de algum
modo diferenciada, todos os autores e modelos partilham a ideia que existe uma predisposição natural para as crianças se envolverem com a dramatização e de que este processo é imprescindível para o seu desenvolvimento e aprendizagem. Não cometeremos
também qualquer incorrecção se admitirmos que existem características comuns a nível
metodológico nas diferentes vertentes educativas baseadas no drama, seja qual for a
denominação com que se apresentem.
De um modo geral, podemos dizer que a designação Drama na Educação é utilizada
para referir o conjunto de actividades e metodologias que usam a dramatização para
alcançar determinados objectivos educativos. O drama na educação diferencia-se assim
do brincar dramático no seu alcance, intenção e estrutura, visto ser organizado e implementado segundo uma determinada intencionalidade pedagógica.
Devemos também compreender que o drama na educação centra-se nas necessidades educativas dos participantes, não pretendendo ser utilizado exclusivamente para a
criação de espectáculos ou para a formação de artistas profissionais (Landy, 1982, Bolton, 1989). As suas actividades prescindem normalmente de cenários e adereços, ainda
que, em certos momentos, alguns objectos possam ser usados para estimular a imaginação dos participantes. Os diálogos tendem a ser improvisados, seja o conteúdo retirado
de uma história conhecida ou de um enredo original criado no momento. No drama na
educação as falas e as acções não costumam estar escritas nem são memorizadas (Way,
1967, McCaslin, 1984, O´Toole, 1992). Por vezes as dramatizações são repetidas de modo
a alcançarem uma maior qualidade e organização. Contudo, é necessário entender que
as repetições no drama na educação não são efectuadas com o propósito de aperfeiçoar
um produto para apresentar a uma audiência, tal como acontece com os ensaios teatrais,
mas sim para promover o desenvolvimento e a aprendizagem. No caso do drama na educação, os participantes são guiados por um professor ou por um técnico com formação
pedagógica e não por um encenador (McCaslin, 1984).
A escassez de adereços e cenários, a dispensa o uso de textos e a improvisação
podem ser aceites como as principais características do que é usualmente entendido
298
como drama na educação. Contudo, devemos compreender que a distinção entre o drama como processo educativo e o drama como produto artístico tem vindo a esbater-se
nos últimos anos. Actualmente, o drama na educação é perspectivado como uma disciplina que abrange um vasto leque de práticas relacionadas com o brincar dramático, com
os jogos promotores do desenvolvimento e com a aprendizagem de técnicas e convenções teatrais. A reconciliação do processo e do produto, adoptado pelas actuais teorias,
tende a perspectivar o drama na educação como um continuum que se inicia no brincar
dramático e que se move progressivamente para o drama desenvolvimental e para a arte
teatral (Somers, 1994, Kitson, Spiby, 1997, Morris, 1998, Fleming, 1999, Walkinshaw,
2004). Esta alegação não deve no entanto ser vista como implicando que todo o drama
na educação tem necessariamente de se encaminhar para o teatro. Landy (1982) afirma
que o relacionamento entre o drama e o teatro não é linear. Dentro do drama como processo existem elementos da arte teatral. Por exemplo, quando durante as suas brincadeiras a criança dramatiza para os pais, amigos ou outras pessoas imaginárias, está de certo
modo a explorar e a utilizar as convenções teatrais. Também não é difícil encontramos
elementos do brincar e do jogo dramático no teatro. Os encenadores, por exemplo, utilizam frequentemente técnicas baseadas no jogo dramático de modo a provocarem nos
actores a espontaneidade necessária para ao seu trabalho interpretativo.
Podemos então afirmar que o drama como processo e o teatro estão intimamente
relacionados. Tanto o drama como o teatro inter-relacionam-se com a educação e com a
criação artística, estejamos a falar do brincar das crianças ou do trabalho profissional dos
actores, da sala de aula ou do palco do Teatro Nacional. Como profissionais ligados à
educação, compete-nos salvaguardar que o equilíbrio entre o drama como processo e
como produto se denote pela intencionalidade e pelas necessidades de desenvolvimento
e de aprendizagem dos alunos. Sabemos que a ênfase colocada exclusivamente na
actuação teatral, desconsiderando a reflexão e a compreensão, levanta sempre importantes questões ético-pedagógicas. Já em 1954, Peter Slade se manifestava claramente
contra a actuação teatral das crianças com menos de doze anos de idade, afirmando que
isto promoveria o comportamento exibicionista e as impediria de beneficiar das reais
potencialidades educativas do drama. Por outro lado, é actualmente aceite que a intro-
299
dução das crianças nas técnicas e convenções artísticas é um factor potencializador da
sua criatividade e um elemento imprescindível da sua literacia artística.
Fleming (1999, p.14) entende que o antagonismo maniqueísta entre o drama como
processo e como produto assenta, em grande parte, em falsas premissas. Permita-se-me,
a este respeito, uma citação um pouco mais longa mas muito clara:
Durante as dramatizações improvisadas, qualquer que seja a forma que estas
tomem, os alunos estão sempre a trabalhar para um produto. Do mesmo modo que
quando estão envolvidos na representação teatral estão simultaneamente envolvidos no processo dramático. Tentar preservar a distinção exclusiva entre o processo e
o produto é como tentar distinguir o desafio de futebol do acto de jogar futebol; é
como se alguém negasse a possibilidade de falar sobre o resultado do jogo ou de
identificar um jogador chave para a sua equipa argumentando que os jogadores só
estão envolvidos no processo. Este exemplo sublinha o facto de que não é tanto a
escolha dos conceitos que usamos que é importante mas sim as consequências do
seu uso. A questão relevante no drama é perguntar se a exclusiva preferência por um
ou outro conceito fecha a nossa mente para outras possibilidades. Por exemplo, proclamar que só se está interessado no processo, pode negar a possibilidade de se
poder julgar a qualidade do “produto”, fazendo com que qualquer tentativa de avaliação se torne extremamente difícil. Inversamente, uma preocupação exclusiva com
o produto, pode fazer com que não entendamos que o processo é central para a qualidade geral da experiência educativa.
Assumimos assim, que o que deve ser realmente defendido a nível pedagógico, é a
procura de um equilíbrio que permita perspectivar o drama e o teatro como experiências
educativas complementares, de forma a assegurar a natural predisposição das crianças
para o brincar dramático e a progressiva aquisição das técnicas e convenções teatrais
que potencializarem os benefícios educativos do seu envolvimento com a arte dramática.
300
5.3 TEATRO NA EDUCAÇÃO
O teatro, de forma diferente do que é geralmente entendido como drama na educação, implica o desenvolvimento de um produto, uma peça que é ensaiada e apresentada aos espectadores. Os elementos essenciais do teatro são os actores, a dramaturgia e o
público ( Kitson e Spiby, 1999, O`Toole, 1992, Pateman, 1991).
O teatro é uma arte multifacetada, abrangendo diversas tendências estéticas e culturais. A arte teatral revela, de forma condensada e intencional, a complexidade da vida
e os seus dilemas mais profundos. As personagens dramáticas inter-relacionam-se num
mundo ficcionado, manifestando conflitos e sentimentos através dos quais o público se
emociona e reflecte sobre a natureza humana e a sociedade.
As temáticas abordadas no teatro para adultos pressupõem normalmente uma
capacidade de compreensão que ultrapassa a maturidade cognitiva e a vivência emocional das crianças. Por outro lado, a desmesurada atenção dada aos aspectos das produções dramáticas comerciais e ao espectáculo como mero entretenimento, torna difícil,
senão mesmo impossível, encontrar em algumas propostas dramáticas actuais qualquer
valor educativo.
Segundo Landy (1982) o teatro na educação diz respeito ao tipo de teatro que
explora e demonstra uma preocupação específica com os valores e os processos educativos. Para o autor, o teatro na educação engloba o teatro para crianças, referindo-se à
apresentação nas escolas ou salas de espectáculo de peças elaboradas por actores profissionais que relacionam o teatro com o currículo escolar e com a vida dos estudantes; o
teatro participado, onde os membros da audiência tanto observam como participam na
acção; e o teatro por crianças, onde os personagens são representados essencialmente
por crianças.
Uma leitura, ainda que diagonal, dos principais textos teóricos do drama na educação, permite-nos entender que a relação entre o drama e o teatro não tem sido linear.
Uma visão mais superficial pode mesmo fazer subentender que o drama na educação
301
nada tem a ver com a arte do palco e com a dramaturgia. Para Fleming (2003), o nítido
antagonismo de alguns autores do drama na educação perante a arte dramática, baseiase essencialmente na rejeição dos seus aspectos mais negativos, que evidenciam o teatro
como um produto estático e exibicionista, centrado nas ideias do encenador e elaborado
por pessoas altamente vocacionadas.
Os pioneiros do drama na educação fundamentavam em grande parte as suas teorias no brincar infantil e na Psicologia, menosprezando os conteúdos e as técnicas que
pudessem advir directamente do teatro. Muitos dos críticos do drama na educação, tal
como este era usualmente perspectivado nos anos 70 e 80, davam conta desta situação,
argumentando que o drama escolar tinha perdido a sua inegável e imprescindível ligação
com a arte dramática (Hornbrook, 1991). Por outro lado, a própria concepção do drama
como processo, que enfatiza o crescimento pessoal através da auto-expressão, tem vindo a evoluir para perspectivas mais equilibradas e conciliadoras com a arte teatral. Kitson
e Spiby (1997) chegam mesmo a caracterizar a evolução histórica do drama educativo
pela sua progressiva tendência para incorporar a prática teatral nos contextos escolares.
Sobre este assunto, somos levados a notar que o equívoco cometido pelos pioneiros que
enfatizavam a improvisação espontânea em detrimento de perspectivas que levassem
em consideração a qualidade artística do drama pode acontecer, ainda que no extremo
oposto, pelos que ingenuamente defendem que o uso de peças escritas na escola e o
conhecimento das técnicas teatrais acarretará, só por si, um maior envolvimento dos
estudantes com a arte dramática.
Sabemos que a produção teatral baseia-se numa complexa rede de convenções
que ajudam a criar significados através da manipulação intencional do tempo e do espaço, podendo o uso destas dimensões ser intensificado pela utilização de objectos simbólicos, da luz e do som. Entendem-se por convenções teatrais as técnicas e processos que
permitem enfatizar as qualidades e possibilidades dramáticas da presença humana. Por
exemplo, enquanto os actores, nas situações de improvisação, usam normalmente as
dimensões do tempo e do espaço de forma semelhante à realidade, a que podemos
chamar de naturalista, na “escultura humana”, convenção muito usada no drama e no
teatro, o tempo e o movimento ficam estáticos, possibilitando que um momento especí-
302
fico e importante seja evidenciado no palco. A mímica, por seu lado, permite ao actor
usar o tempo e o espaço de forma simbólica, de modo a transmitir determinadas ideias e
emoções (Neelands e Goode, 2000). McCullough (1998) afirma que o domínio das convenções teatrais por parte dos estudantes os ajuda a melhor compreenderem e analisarem a arte teatral, oferecendo-lhes ainda a possibilidade de operarem um maior controlo
sobre os seus trabalhos, fazendo com que alcancem maior significado e valor artístico
(abordaremos esta temática no final deste trabalho).
Por seu lado, Neelands (1998) é da opinião que a própria História recente do Teatro
revela mudanças de concepção que devem ser compreendidas pelos actuais teóricos e
praticantes do drama na educação. De modo a alcançarem visões mais abrangentes
sobre as potencialidades educativas e processuais da arte teatral, Fleming (2003) elabora
um interessante quadro sobre a relação evolutiva das diferentes concepções do drama e
do teatro, cujos principais elementos apresentamos em seguida:
303
Figura 28 - História do ensino do drama.
Adaptado de Mike Fleming (2003, p. 18).
304
A figura anterior permite entender como as diferentes concepções teóricas
influenciam as práticas do drama na educação. A concepção 2 assume que o drama escolar, embora tenha como antecedente um perspectiva processual e instrumental, pode
inspirar-se nos conteúdos e técnicas da arte dramática, possibilitando o ensino do drama,
em vez da exclusividade do ensinar através do drama. Contudo, não se deve ver o ensino
do drama como uma perspectiva irredutível, limitadora ou autoritária. A concepção 2
admite que se continue a considerar as vantagens do drama espontâneo, de forma a
assegurar a qualidade da participação dos estudantes e o seu auto-conhecimento e
desenvolvimento integral enquanto pessoas.
Tal como Walkinshaw (2004), Fleming (2003) e Martin-Smith (2005), também nós
assumimos que a relação entre o teatro e o drama admite diversas concepções e perspectivas de actuação. Se, por um lado, podemos encontrar autores que defendem
intransigentemente o drama como processo, encontramos outros que admitem a necessidade de aproximar o drama escolar às perspectivas mais centradas no produto, englobando a aprendizagem técnica e a apreciação artística. Autores como Walkinshaw (2004)
e Schonmann (2005) defendem que se devem edificar perspectivas mais abrangentes
que consigam coligar o que existe de mais válido em ambos os posicionamentos. Sabemos que só muito recentemente as diversas concepções do drama na educação começaram a ser olhadas de um modo integrado e abrangente. A discussão ainda está longe de
ter chegado a um consenso. Não queremos no nosso trabalho entrar nas disputas mais
acesas entre as perspectivas teóricas mais radicais. Assumimos no entanto a visão abrangente e tolerante, concordando com Walkinshaw (2004, p. 184) quando afirma que o
drama
... necessita de ser visto como polimorfo, fecundo, didáctico, dialéctico, pedagógico e
divertido. Isto exige o reconhecimento tanto das comunalidades como das diferenças
entre as diversas metodologias. [...] Somente quando o drama poder ser celebrado
com todas as suas multifacetadas orientações, a sua aplicação no ensino básico
poderá ser tão rica como o próprio assunto que lhes diz respeito.
305
6 A EMERGÊNCIA DO DRAMA NA EDUCAÇÃO
Uma visão histórica sobre as principais correntes e autores do drama na educação
permitir-nos-á entender como foram edificadas as actuais tendências e descortinar as
linhas de força que têm suportado o seu enquadramento pedagógico. Embora, tal como
já afirmámos, possamos admitir que existe uma crescente tendência para a edificação de
concepções mais abrangentes e tolerantes, não encaramos o percurso histórico do drama na educação como uma linha recta de progresso. Tanto os autores que subscrevem
uma visão mais progressivista e processual do drama como os que admitem a necessidade de o conceber de forma mais técnica e artística, oferecem razões que devem ser ponderadas na sua validade educativa. Assumimos dever reconhecer o relativo mérito das
diferentes propostas e, sem retórica ou radicalismos, retirar das diversas perspectivas os
elementos que nos permitirão conceber actualmente o drama o mais próximo possível
das suas totais potencialidades.
Uma abordagem longitudinal sobre a apologética educativa do drama, remete-nos,
num primeiro momento, para uma série de assunções derivadas do movimento progressivista na educação. Hornbrook (1998c) considera que o progressivismo na educação
deve a sua origem aos ideais do romantismo filosófico dos finais do Sec. XVIII, fundamentados, em grande parte, nas ideias de Jean Jacques Rousseau (1712- 1778). Rosseau
defendia que a moral não deriva da autoridade de Deus ou dos seus representantes na
terra, mas sim da capacidade dos indivíduos consciencializarem os seus sentimentos mais
íntimos e puros. Para os românticos, o processo educativo devia ter como principal
objectivo a libertação dos sentimentos mais idiossincráticos, promovendo, consequentemente, a bondade inerente à condição humana.
O brincar infantil e as artes eram encarados pelos românticos como actividades
facilitadoras da expressão individual. A ideia da libertação e da autonomia pessoal, promovida pela expressão artística, tão cara ao movimento romântico do sec XIX, foi posteriormente adoptada pelo movimento progressivista da educação. Os pioneiros do pro307
gressivismo, que começaram a ganhar relevo a partir do início do Sec. XX, eram unânimes
em defender que as crianças deviam ser incentivadas a exprimir-se através das artes,
visto as entenderem como a forma mais natural de promover a criatividade, a imaginação e a educação dos princípios morais.
As experiências artístico-pedagógicas do início do Sec. XX, baseadas nas teorias
pedagógicas mais inovadoras da altura, tendiam a ser concebidas de modo a permitir
que as crianças criassem no que lhes aprouvesse no momento, conforme o seu estado de
espírito, sem qualquer tipo de retroacção por parte dos adultos. Foi com base nas obras
dos pedagogos apologistas dos métodos activos na educação, tal como Montessori
(1870-1952), Dewey (1859-1952) e Freinet (1896-1966), que começaram gradualmente a
emergir os primeiros esboços teóricos do drama na educação. Por exemplo, John Dewey,
um dos mais proeminentes educadores progressivistas, afirmava que toda a educação
devia ter como raiz as actividades impulsivas e espontâneas das crianças e não as ideias
ou produtos extrinsecamente apresentados pelos adultos (Courtney, 1989). Segundo
Hornbrook (1991), influenciado por estas perpectivas, o drama, tal como as restantes
artes, era tendencialmente implementado em contexto educativo sem qualquer referência cultural ou técnica, com base na ideia generalizada que o “faz-de-conta” das brincadeiras espontâneas é a forma mais benéfica e natural de educar.
Durante a primeira metade do Sec XX, a emergência da psicanálise e sobretudo a
atenção dada pela psicanálise infantil ao brincar espontâneo, vieram reforçar a ideia de
que o drama deveria ser usado na educação essencialmente para ajudar as crianças a
explorarem o seu mundo interno. Muitas correntes da Psicologia dinâmica colocavam o
brincar simbólico no núcleo das suas teorias, fazendo com que as actividades dramáticas
começassem a ser entendidas como essenciais ao desenvolvimento, chegando mesmo a
ser perspectivadas como uma ferramenta de diagnóstico e intervenção terapêutica (Millar, 1977).
Nos anos prévios à segunda guerra mundial, os ideais do progressivismo e as teorias da Psicologia dinâmica estavam de tal modo difundidas e aceites que começaram a
ser incorporadas no sistema educativo. O final da guerra trouxe uma renovada esperança
308
ao progresso da humanidade e o drama, apresentado de um modo que podemos intitular de “quase-terapêutico”, adaptava-se bem aos ideais deste tempo. Os responsáveis
pelas políticas educativas dos países europeus democráticos, imbuídos neste novo espírito reformista, incentivavam a inclusão do drama e das artes nas escolas (Hornbrook,
1998 c).
Devemos salientar que o drama não estava sozinho na promoção da ideia das artes
deverem ser implementadas na educação para promover a expressão espontânea e o
desenvolvimento emocional das crianças. Esta concepção era apanágio de todo o movimento educativo a que se dá geralmente o nome de Educação pela Arte. Em 1943, Read
(1982) argumentava, com base em princípios filosóficos e psicológicos nitidamente progressivistas, que as artes deviam estar na base de toda a educação. A dança, por seu
lado, era perspectivada por Laban (1950) como a expressão libertadora do mundo dos
sentimentos.
De uma forma geral, o movimento da educação pela arte, em pleno florescimento
no pós-guerra, defendia que as artes na educação deviam valorizar a espontaneidade
expressiva em detrimento da aquisição de conhecimentos artísticos. Segundo Abbs
(1987), as correntes educativas em voga nos anos 50 e 60 apresentavam a educação
artística como um processo de desenvolvimento psicológico, subvalorizando qualquer
benefício educativo que pudesse ser obtido a partir da aprendizagem técnica e da apreciação de obras de arte em contexto escolar.
Foi no âmbito da filosofia educativa progressivista que surgiram as primeiras obras
específicas com projecção internacional sobre o drama na educação. A obra Child Drama,
publicada em 1954, é reconhecida como a primeira publicação de fundo sobre o drama
na educação. O autor, Peter Slade, comungava de forma nítida com os progressivistas a
crença inabalável no valor educativo do brincar espontâneo. O seu trabalho caracterizava-se por respeitar as habilidades criativas inatas das crianças e por defender o nãointervencionismo por parte do professor. As ideias de Slade influenciaram toda uma série
de autores subsequentes. Way (1967), um dos seus mais destacados seguidores, assumia
o mesmo enquadramento teórico, apresentando, porém, um enfoque mais centrado em
exercícios práticos. Courtney (1974, 1990, 1995), que emigrou de Inglaterra para o Cana309
dá, onde fez grande parte da sua carreira académica, aprofundou o corpo teórico do
drama, relacionando-o com outros ramos do saber, especialmente com a Psicologia do
desenvolimento. Por seu lado, Heathcote, com preocupações de cariz mais metodológico, revolucionou o ensino do drama nos anos 70, prestando especial atenção ao papel
interventivo que os professores deviam assumir para poderem elevar a qualidade das
aprendizagens. Os períodos iniciais do drama na educação (designação empregue neste
caso para apelidar a perspectiva mais processual do drama e não o contexto onde o drama é implementado) abordavam essencialmente a prática da improvisação espontânea.
Com o decorrer dos anos, as metodologias foram-se alargando, fazendo surgir muitos
autores e praticantes que ajudaram a desenvolver o drama na educação em múltiplos
aspectos e de forma muito significativa. Mais recentemente, Hornbrook (1991,
1998a,b,c) teceu fundadas críticas a algumas das ortodoxias progressivistas que vinham a
ser largamente aceites, fazendo com que o drama na educação deixasse de ser visto
exclusivamente como um processo de desenvolvimento psicopedagógico e passasse a
comungar com as restantes disciplinas da educação artística um enquadramento mais
centrado na aprendizagem dos saberes artísticos.
A breve resenha que acabámos de realizar permite-nos desde já descortinar, com
alguma clareza, o enquadramento geográfico que viu emergir os principais autores do
drama na educação. É unanimemente reconhecido que foi no Reino Unido e nos países
sob a sua influência directa que surgiram e continuam a surgir os principais estudos com
projecção internacional sobre o drama na educação. Qualquer abordagem que queira ser
profícua sobre o assunto não poderá deixar de o reconhecer. Ao contrário do teatro, que
viu aparecer em diversos países autores actualmente considerados incontornáveis para a
sua conceptualização, como por exemplo Antonin Artaud (1896-1948) em França, ou
Bertolt Brecht (1898-1956) na Alemanha – ainda que o último tivesse vivido grande parte
da sua existência nos E.U.A. – no que diz respeito especificamente ao drama na educação, não se vislumbra qualquer autor internacionalmente influente na área que não seja
anglo-saxónico. É com certeza explicável por razões políticas e culturais que não se consiga encontrar em países como Portugal ou Espanha autores de relevo internacional que
tenham contribuído para a edificação teórica do drama na educação. Na pesquisa biblio-
310
gráfica que realizámos para este trabalho, não descortinámos em Portugal qualquer
publicação que abordasse de forma aprofundada e sistematizada as principais teorias e
metodologias que têm marcado a evolução desta área de estudo. É sujeitos este tipo de
limitação que partimos para a sistematização das ideias chave que actualmente informam o corpo teórico do drama na educação. Por opção metodológica, propomos fazê-lo
com base nos autores mais relevantes, que apresentamos segundo a ordem cronológica
do impacto das suas obras; o que nos permite, para além de revelar as principais linhas
de força das suas teorias, tecer as articulações evolutivas e os cortes epistemológicos
mais evidentes. Contudo, é necessário compreender que o conhecimento mais aprofundado das múltiplas implicações que estes autores tiveram no drama na educação, envolverá, necessariamente, a análise mais completa das suas obras que, em alguns casos, se
revelam bastante complexas e multifacetadas.
311
7 TEORIAS E AUTORES DE REFERÊNCIA
7.1 A ESPONTANEIDADE E O DRAMA INFANTIL COMO FORMA DE ARTE: PETER SLADE
Tal como já referimos, foi em 1954 que Peter Slade publicou a obra de “Child Drama”, cujas principais ideias passaram a influenciar a concepção do drama na educação
nos países de cultura ocidental. Em sintonia com as concepções progressivistas, Slade
(1954, p. 105) defendia que o drama devia ser implementado nas escolas para facilitar a
auto-expressão dos alunos. Na sua óptica, o drama devia ter como principal finalidade “a
educação de crianças alegres e equilibradas, com interesse pela vida e pela beleza”. O
posicionamento teórico de Slade baseava-se na crença de que as crianças desenvolvem
de forma espontânea a capacidade para se exprimirem e a sua personalidade. Para Slade
(Ibid., p.19) desde que exista um ambiente onde impere “a paciência, a compreensão, a
alegria e a liberdade” o comportamento dramático floresce e desenvolve-se de forma
natural. Assim, de modo a não condicionar esta suposta natural propensão para o desenvolvimento, o professor devia ser o menos interventivo possível, surgindo essencialmente como um observador, limitando-se a acompanhar o comportamento natural das
crianças.
Slade (1954, 1958) insurgia-se contra as crianças (especialmente antes dos doze
anos) serem levadas a actuar num palco para o público. Segundo o autor, as actividades
dramáticas na educação não devem ser determinadas por qualquer tipo de referência
cultural. Slade distinguia a espontaneidade do drama na sala de aula, “drama no sentido
mais lato” do teatro, tal como é compreendido pelos adultos. Acima de tudo, para Slade
(1983, p.17), o drama das crianças devia ser entendido “em si mesmo uma forma de
arte”.
Slade (1954) insurgia-se também contra o trabalho escolar baseado na produção de
peças ou no uso do teatro para ensinar línguas ou factos históricos, defendendo, de forma veemente, que as actividades dramáticas jamais devem ser encaradas como um
313
método de ensino de outras matérias, mas sim como um assunto separado, com o seu
espaço próprio no horário escolar, ao lado da música e das artes plásticas.
Slade (1954, 1978, 1995) entendia que o brincar e o drama era actividades indissociáveis, distinguindo dois grandes tipos de brincar: o brincar pessoal e o brincar projectado (Personal Play and Projected Play). No brincar pessoal, a criança está fisicamente
envolvida com as actividades, existindo uma tendência para o barulho e para o movimento. O brincar pessoal desenvolve-se posteriormente nas corridas, jogos com bola, luta e
dança. Por seu lado, para Slade, o brincar projectado, diz respeito ao tipo de brincar onde
é usado mais a mente do que o corpo. Neste tipo de brincar a criança projecta o seu
mundo interno através do uso de objectos, verificando-se uma tendência para a quietude. O brincar projectado desenvolve-se posteriormente na arte, na música, na escrita e
na leitura.
Slade (1954) delineou uma perspectiva desenvolvimental para o drama afirmando
que as experiências dos bebés com o movimento e os sons devem ser entendidos como
o embrião do drama, da arte e da música. Para Slade (Ibid.) durante os primeiros cinco
anos de vida, o brincar projectado e o brincar pessoal ajudam as crianças a desenvolver
as capacidades de pensamento. O drama, concilia os dois tipos de brincar, tornando-se
gradualmente mais evidente e emancipado das restantes brincadeiras infantis. Para Slade (1983, p. 46) as actividades do brincar espontâneo com “qualidades dramáticas intensas”, passam a estar de tal modo enraizadas na vida das crianças que começam a ser
facilmente identificadas, passando a ser denominadas por Slade de “jogo dramático evidente”. Para o autor, o brincar com “qualidades dramáticas intensas” deve estar sedimentado aos cinco anos de idade e o jogo dramático aos sete (Slade, Ibid.).
Baseado-se na sua experiência de mais de trinta anos de trabalho com crianças,
Slade (1954, 1995) refere que o jogo dramático das crianças desenvolve-se essencialmente em termos de espaço. As crianças mais novas brincam normalmente em círculo e por
volta dos oito anos em forma de ferradura. Somente na adolescência tendem a dramatizar viradas para alguém (muitas vezes num palco). Esta constatação, entre outros argumentos, levou o autor a considerar a representação teatral como secundária ou mesmo
314
indesejável na educação das crianças. Segundo Slade (Ibid.) a dramatização para terceiros deve somente ser introduzida a partir do momento em que as crianças revelem a
maturidade suficiente para poderem beneficiar da presença de público.
Slade (1983: 168) apresenta o “desenvolvimento natural do drama” através do
seguinte esquema:
315
Figura 29 - Desenvolvimento natural do drama segundo Peter Slade.
Adaptado de Peter Slade (1983, p.168).
316
Ao longo da sua obra Slade salienta que as actividades dramáticas promovem a
catarse e o controlo emocional necessários para a educação das crianças. Devemos notar
que, para além das suas preocupações de cariz mais pedagógico, Peter Slade dedicou
grande parte da sua obra ao uso do drama em contexto terapêutico. A ideia de que o
drama deve ser usado para promover o ajustamento psicológico das crianças, foi posteriormente explorada e aprofundada por uma série de seguidorres que no âmbito educativo quer dramático.
Figura 30 – Figura resumo Peter Slade
317
7.2 DRAMA, DESENVOLVIMENTO E CONSCIÊNCIA: BRIAN WAY
Tal como Peter Slade, para Brian Way (1967, p.10) o que é derradeiramente importante não é a aprendizagem d a arte dramática mas sim o desenvolvimento “emocional e
social” da criança. O drama é apresentado como uma disciplina que apela “à individualidade dos indivíduos”, à “singularidade de cada essência humana” (Ibid., p.3) revelandose uma espécie de indutor do desenvolvimento psicológico que conduz ao crescimento
emocional e ao auto-conhecimento.
Way (Ibid., pp.11-15) concebe esquematicamente a teoria do drama na educação
como uma série de círculos concêntricos trespassados pelo que considerava serem os
sete componentes da personalidade: concentração, sensibilidade, imaginação, corpo,
linguagem, emoção e intelecto. Estas componentes da personalidade que Brian Way considerava existirem existentes em todas as pessoas e em todas as idades, eram usadas
para a idealização de exercícios dramáticos, envolvendo a criação de histórias, a improvisação e a representação de personagens. Para Way (Ibid.) os estádios iniciais do drama
envolvem a descoberta dos recursos pessoais, incluindo o desenvolvimento da concentração e da sensibilidade. Em estádios mais avançados, aparece a sensibilidade aos
outros no âmbito da esfera pessoal e, posteriormente, o enriquecimento das experiências dentro e fora da esfera pessoal.
319
Figura 31 - Modelo desenvolvimental do drama na educação segundo Brian Way.
Adaptado de Brian Way (1967, p. 13).
Para Brian Way (Ibid.) o drama não evidencia uma progressão de tipo linear, mas
sim circular. Todos os pontos do círculo fazem parte do desenvolvimento humano,
podendo qualquer um deles servir de início ao trabalho educativo. O autor refere que a
progressão no drama não implica o afastamento do trabalho educativo previamente realizado ao nível da esfera pessoal, mas sim a aplicação do mesmo tipo de processos a
âmbitos cada vez mais conscientes e alargados à interacção com os outros.
320
Nos estádios iniciais do desenvolvimento as crianças tendem a dramatizar de forma
intuitiva e a explorar os enredos e os contextos que lhes são mais familiares. Posteriormente, através da crescente consciencialização de si próprias e dos outros, vão-se libertando das referências egocêntricas para começarem a explorar a existência de “outros
seres humanos, da família, do grupo de amigos, dos colegas da sala de aula, da escola, da
comunidade e da humanidade no seu conjunto” (Ibid., p.158). Segundo Way (Ibid.) através dos exercícios promotores da concentração e do aprimoramento dos sentidos, o
drama vai progredindo para um maior envolvimento emocional e intelectual com as
dramatizações. Inicialmente, mantidas na esfera pessoal, as personagens são elaboradas
tendo por referência a pessoa que dramatiza. As crianças começam então por reconhecer a existência factual dos outros e o seu relacionamento simples com eles. Posteriormente, acedendo à consciencialização dos outros e reconhecendo as suas circunstâncias
particulares, as personagens começam a ser elaboradas tendo por referência as características específicas de quem é dramatizado.
Nos níveis de desenvolvimento iniciais o trabalho dramático inclui pouca ou
nenhuma consciencialização da sensação de ser outra pessoa, baseando-se largamente
em “ser-se o próprio” em situações diferentes das que são usuais (Ibid., p. 176). Aqui, a
caracterização das personagens é essencialmente intuitiva. A criança representa as personagens da sua imaginação, tornando-se cada vez mais consciente da sua individualidade mas também da existência singular dos outros. Gradualmente, as personagens do
mundo real começam a sobrepor-se às personagens simbólicas e aos estereótipos da
fantasia e do mundo imaginário infantil. A mudança da fantasia para o realismo permite
à criança começar a explorar a “essência dos sentimentos” dos seres que dramatiza
baseando-se cada vez mais nas características detalhadas das personagens (Ibid.). Estes
detalhes advêm tanto do desenvolvimento pessoal e da sensibilidade às outras pessoas
como das oportunidades práticas oferecidas pelo drama para “se poder ser uma pessoa
diferente” (Ibid.).
Os estádios de desenvolvimento da representação são apresentados por Way
(Ibid., pp-175-176) tendo em conta a seguinte sequência:
321
1) Exploração intuitiva e inconsciente das personagens do mundo interno e da imaginação;
2) Exploração inconsciente das personagens em acção, tanto na fantasia como no
mundo real. O interesse dominante é a acção. Existe neste estádio pouca consciência e pouco uso da racionalidade;
3) Início da exploração das causas-efeitos das acções das personagens com particular interesse pela acção. Verifica-se uma crescente consciencialização das causasefeitos das acções nas características específicas das personagens. As considerações intelectuais começam a sobrepor-se ao domínio físico-emocional imediato,
passando a caracterização das personagens a ser mais consciente;
4) Exploração tanto das causas-efeitos como dos factores internos (motivações)
das personagens. Segundo Way, este domínio do drama, em termos gerais, diz
respeito essencialmente à educação de nível secundário, i.e. dos 14 anos em diante. Neste estádio, com o crescimento da experiência, começasse a verificar um
equilíbrio no uso do “eu físico, emocional e intelectual nas dramatizações”.
Segundo Way (Ibid.), o domínio dos recursos dramáticos e o desenvolvimento das
características da personalidade promovidos nos estádios iniciais do drama fomenta a
consciencialização de si próprio. O processo de criação e representação de personagens,
como resultado da projecção imaginária da própria pessoa, quer nas circunstâncias que
dizem respeito à vida dos outros, quer procurando “ser” os outros nas suas próprias circunstâncias, permite aprofundar a experiência da singularidade pessoal e da singularidade do outro. É o pôr-se à prova em situações diversificadas e num processo dinâmico de
relacionamento com as personagens que se criam, que permite que os indivíduos descubram e desenvolvam os seus recursos pessoais e a sua personalidade, num processo de
crescimento pessoal simultaneamente emocional e intelectual. O processo de representação permite que as crianças e os adolescentes desenvolvam, primeiro, a nível intuitivo
e inconsciente e, posteriormente, de forma mais consciente, a empatia e a compaixão.
Para Way (Ibid., p.6) esta é a derradeira razão de ser do drama; um “treino para a vida”.
322
De modo a ilustrar o tipo de aprendizagem promovido pelo drama, Way (Ibid. p.
176) dá como exemplo a resposta à pergunta: “O que é uma pessoa cega?”. A resposta:
“Uma pessoa cega é uma pessoa que não pode ver” é, segundo Way, meramente racional e baseada no conhecimento abstracto. Por seu lado, representar uma pessoa cega
através do drama traz compreensão ao conhecimento mais superficial, envolvendo
aspectos emocionais, físicos e intelectuais, ajudando a desenvolver a empatia e a compaixão. Para Way (Ibid.) o drama permite explorar de forma global e aprofundada todos
os tipos de circunstâncias e condições, alargando os horizontes da compreensão e da
sensibilidade perante a humanidade como um todo. Ao mesmo tempo que promove a
compreensão do outro, o drama fomenta a descoberta total e verdadeira da própria pessoa, vista como um ser único no seu modo de ser e de estar no mundo.
Na sua didáctica, Brian Way (Ibid.) preocupa-se com cada criança individualmente.
Dá tempo e espaço para a participação, facilitando a integração progressiva das crianças
no drama. Primeiro a pares, depois em pequenos grupos e só posteriormente, com a
confiança alcançada, na apresentação das dramatizações a um grupo maior. Segundo
Way (Ibid.), esta suave exposição aos outros encoraja a participação em vez de a impor,
promovendo o sentimento de confiança e utilidade.
O drama de Way procurava sobretudo promover o envolvimento emocional dos
participantes em qualquer assunto que fosse escolhido para dramatizar. Para exemplificar esta ideia, Way (Ibid., pp. 219-221) dá como exemplo a dramatização de um acidente
com mineiros. Numa primeira fase, criam-se dramatizações sobre o assunto, com os participantes a mimarem as acções dos mineiros. Depois, é acrescentado um conflito sob a
forma de um desastre. Isto necessita, como Way (Ibid., p. 220) faz notar, “da consideração da variedade das pessoas envolvidas e das suas respostas ao conflito”. São as reacções próprias das pessoas e das personagens a um determinado conflito que permitem
aos indivíduos aprofundarem a experiência do que é sentirem-se como se fossem outros
sujeitos numa determinada situação.
É na mútua dependência da acção e da emoção que se encontra o derradeiro
objectivo do drama de Way. O drama é visto como o meio que permite aos participantes
não só identificarem e exprimirem os seus próprios sentimentos numa determinada
323
situação, mas também desenvolverem a capacidade de entender como as outras pessoas
se sentiriam e agiriam numa situação similar. Este objectivo conjuga a consciência de si
próprio com a empatia pelas diversas pessoas envolvidas na acção. É com este objectivo
em mente que Way cria deliberadamente os enredos, especialmente com as crianças
mais velhas, procurando levar os estudantes a emitir as suas opiniões e emoções. O
desastre na mina é um bom exemplo. Way sugere que durante a improvisação os estudantes representem os papéis dos familiares que esperam os sobreviventes. Este processo “dá significado ao coração e ao espírito, assim como à mente dos estudantes” (Ibid.,
p.220). Não se confinando exclusivamente ao âmbito pessoal, as dramatizações promovem a extensão da experiência e o aumento dos conhecimentos, desafiando a compreensão mais óbvia e imediata. As dramatizações vão-se tornando progressivamente
mais complexas, permitindo “explorar todos os aspectos tangíveis e intangíveis da vida
do Homem na terra, fundindo os perenes aspectos da sua existência” (Ibid, p. 266).
O livro de Brain Way foi amplamente traduzido e adaptado em diversos países
como uma obra de referência. As ideias nele contidas tiveram muita influência na conceptualização do drama na educação nos anos 60, particularmente em algumas instituições europeias de formação de professores. A obra de Way ajudou a perpetuar a ideia de
que o drama na educação tem como principal função a promoção do equilíbrio emocional e o desenvolvimento psicológico dos indivíduos através da participação numa série
de exercícios e jogos dramáticos. A influência das teorias de Brian Way no Canada foi
vasta, dando origem, nos anos 70, às teorias e métodos do que ainda hoje se intitula de
drama desenvolvimental.
324
Figura 32 – Figura resumo Brian Way
325
7.3 NATUREZA DA APRENDIZAGEM DRAMÁTICA: RICHARD COURTNEY
Um dos mais prolíferos e aclamados autores do drama desenvolvimental foi
Richard Courtney, Professor da Universidade de Toronto, cuja obra, Play, Drama and
Thought, de 1968, procurou aprofundar o enquadramento teórico avançado previamente por Peter Slade e Brian Way. Porém, de forma diferente dos seus antecessores, Courtney (1974) assumia que qualquer teoria sobre o drama na educação deve levar em consideração o imenso trabalho produzido sobre o desenvolvimento mental por teóricos
reconhecidos como Piaget, Kohlberg e Erikson. Ao longo da sua vasta produção escrita,
Richard Courtney procurou sistematizar um corpo teórico que permitisse conceber o
drama como uma disciplina emancipada no âmbito das Ciências Humanas, embora com
estreitas ligações a outras áreas do conhecimento.
Courtney (1990, prefácio) define drama desenvolvimental como o “estudo académico da actividade dramática”, ou seja, como a elaboração teórica das implicações e
transformações criadas pela acção dramática no pensamento. Assim, para Courtney, o
drama desenvolvimental apresenta-se como uma área específica do conhecimento e de
pesquisa, com aplicação a múltiplos contextos, sejam eles educativos, antropológicos,
sociológicos ou terapêuticos.
Embora Courtney (1995, p.4) considere que todos os actos dramáticos apresentam
entre si mais semelhanças do que diferenças, admite que podem ser agrupados, tal como
é apresentado na figura 4, em duas grades categorias: os processos (actividades dramáticas espontâneas) e as formas (produtos teatrais):
327
Figura 33- Aspectos do drama e do teatro segundo Richard Courtney.
Adaptado de Courtney (1995, p. 4)
328
Para Courtney (Ibid., p.5), nas teorizações do drama desenvolvimental, as questões
relacionadas com a arte teatral são “somente o topo do iceberg”. Enquanto o teatro diz
respeito “à forma artística do processo dramático, entendido como um produto codificado e formalizado” (1980, prefácio), o drama revela-se o processo humano espontâneo
através do qual pensamos e actuamos imaginariamente “como se” (1995:3). O drama
baseia-se na empatia e na identificação interna, alcançadas através do acto de representar em interacção com o mundo externo. Ou seja, Courtney entende que o teatro (uma
forma de arte) orienta-se primordialmente para o produto e o drama (uma disciplina)
para o processo1.
Courtney (1990) entende que o drama diz respeito aos processos internos e externos que ocorrem quando criamos ficções mentais e as exprimimos através do brincar
dramático, da representação de personagens e do teatro. O drama lido com pensamentos e actos imaginários. Contudo, para o autor, a ficção dramática não deve ser entendida como uma falsidade ou uma mentira, mas sim como uma forma multifacetada e
dinâmica de olharmos para o mundo que nos rodeia e de enriquecermos e completarmos
a nossa visão. O real e o ficcional não são categorias separadas, mas sim complementares; operam em conjunto “numa gestalt do pensamento, partilhando propriedades e
funções” (Ibid., p.18). Segundo Courtney (Ibid., p.11), ao juntarmos a realidade e a ficção,
a nossa compreensão do mundo muda. “Aprendemos, e com isso melhoramos as nossas
capacidades cognitivas de uma forma altamente significativa”.
Courtney (Ibid., prefácio) entende que dramatização coloca em jogo uma multiplicidade de estruturas e dinâmicas do funcionamento mental. O envolvimento das pessoas
com o “faz de conta e com a representação” desencadeia sempre processos de transformação do pensamento. Quando as pessoas se envolvem com a dramatização mental
ou com actos dramáticos externos, transformam objectos, ideias, outras pessoas, elas
próprias e o mundo que as rodeia. Para Courtney (Ibid.) estes processos mentais, tal
1
Devemos apontar que a perspectivação do drama como processo de desenvolvimento e instrumento de aprendizagem apresenta-se actualmente como a mais prevalente na literatura sobre o drama na educação. O termo drama processual (process drama) tem sido adoptado por diversos autores para designar uma disciplina específica, emancipada
do teatro, que diz respeito à promoção do desenvolvimento e da aprendizagem em contexto pedagógico (e.g. Fleming,
2003).
329
como os sentimentos, embora possam ser em grande parte inconscientes, são elementos
integrantes do pensamento que permite às pessoas operarem de forma eficiente no
mundo. Ao se representar uma personagem, procura-se pensar e actuar como ela o faria
numa determinada situação. Este acto de representar é, segundo Courtney (1974, 1990)
o alicerce de toda a acção dramática. É através dele que os indivíduos se envolvem cognitivamente com outras pessoas, as procuram compreender e, fazendo isto, também se
compreendem melhor a si próprios. A representação do outro ajuda a ultrapassar a intolerância e o estereótipo, “permitindo ultrapassar ideias fixas e pré-concebidas” (1990,
p.21).
Para Courtney, o processo de representar (colocarmo-nos na pele de outra pessoa)
é um activador primário da aprendizagem. A dramatização transforma o nosso conhecimento e as nossas crenças “provocando mudanças cognitivas que aumentam o nosso
potencial para a inteligência” (Ibid., p. 14).
Nos seus trabalhos sobre drama desenvolvimental, Courtney (1980) relaciona o
desenvolvimento dramático com os estádios de Jean Piaget, Lawrence Kohlberg e Erick
Erikson, apresentando tabelas detalhadas com os diversos tipos de comportamento cognitivo, moral, emocional, etc., que argumenta poderem ser observados nas crianças
envolvidas no drama em diferentes fases etárias. Assim, o drama é visto como podendo
influenciar o desenvolvimento das crianças em múltiplas áreas, como por exemplo na
área afectiva, psicomotora, moral, social, linguística e estética. Bolton (1989) é da opinião
que o trabalho de Courtney sobre a articulação do desenvolvimento dramático com o
desenvolvimento psicológico, ainda que deva ser entendido como um avanço teórico
significativo, revela pouca aplicabilidade ao que realmente se faz na sala de aula. Para
Bolton (Ibid., p.122), a criação de um enquadramento que englobasse todos os aspectos
do comportamento sugeridos por Richard Courtney, faria da tentativa de análise e registo do progresso das crianças no drama, um processo “absurdamente selectivo senão
mesmo redutor”.
Após termos referido de uma forma geral as ideias de Richard Courtney no que diz
respeito à articulação do drama com o desenvolvimento psicológico, vejamos seguida-
330
mente os estádios que Courtney (1980, pp. 47-60) propõe especificamente para o desenvolvimento dramático (currículo dramático):
1) Estádio da identificação (0 a 10 meses de idade): envolve a percepção, os sentimentos e a aprendizagem acerca do mundo envolvente, usando os cinco sentidos;
2) Estádio da representação - A criança como actor (10 meses aos 7anos): a identificação com os outros no âmbito da imitação. Este estágio engloba diversos
tipos de brincar dramático mais ou menos estruturado:
•
Representar os seus próprios sentimentos;
•
Brincar simbólico (uso de objectos que representam outros objectos);
•
Brincar sequencial (elaborar acções sobre outras acções, tendo em consideração as causas e os efeitos);
•
Brincar exploratório (explorar fronteiras, contar histórias exageradas);
•
Brincar expansivo (imitar um vasto leque de pessoas, desenvolver o sentido
da narração);
•
Brincar flexível (mudança de personagens. Compreender o relacionamento
entre pessoas e acontecimentos).
3) Estádio do drama grupal - A criança como planeadora (7-12 anos): o brincar
dramático passa a ser uma actividade genuinamente social. São realizadas tentativas para estruturar a acção no âmbito das improvisações. A comunicação
torna-se mais prevalente;
4) Estádio dos papéis - O estudante como comunicador (12- 18 anos): os estudantes são capazes de explorar e distinguir “papéis aparentes e papéis verdadeiros”. Envolvem-se no pensamento abstracto. Exploram “máscaras sociais”. Tornam-se mais conscientes do sentido teatral da representação e da comunicação.
331
Courtney (Ibid.) admite que o currículo dramático deve ser entendido como o
enquadramento geral que permite elaborar as actividades adequadas para cada estádio
de desenvolvimento, fazendo notar que os estádios subsequentes contêm dentro de si
cada um dos estágios antecedentes. Isto é, o adolescente, como comunicador, é ao
mesmo tempo um actor e um planificador, necessitando de revisitar constantemente as
funções precedentes.
O modelo de desenvolvimento apresentado por Courtney (Ibid.) enfatiza o processo de descoberta e crescimento dos alunos pela sua participação activa nas dramatizações, actuando o professor mais como um facilitador e questionador do que como um
director ou instrutor. Courtney é da opinião de que qualquer forma de instrução sobre as
técnicas e conhecimentos teatrais só deverá aparecer nos estádios finais do desenvolvimento ou ser introduzido como consequência secundária da exposição dos alunos ao
currículo dramático.
Tal como já referimos, embora nas primeiras obras Courtney se tenha centrado
essencialmente nos efeitos do drama no desenvolvimento cognitivo, articulando as suas
teorias com autores como Piaget, Kolberg, etc., para ele, o drama espontâneo deve ser
entendido como tendo um efeito holístico no desenvolvimento e na aprendizagem,
envolvendo simultaneamente aspectos cognitivos, afectivos, psicomotores e estéticos.
Segundo Courtney (1995) estes quatro modos de pensamento estão intimamente relacionados, não existindo nenhum pensamento inteiramente cognitivo ou afectivo. É simplesmente a ênfase que damos ao pensamento num determinado momento que modifica o seu pendor.
332
Figura 34 - Modos do pensamento segundo Richard Courtney
(Adaptado de Courtney, 1995,p. 14)
Nas suas obras mais recentes Courtney (1990, 1995) distingue emoção (o afectivo)
de sentimento (o estético). As emoções são indiferenciadas e imediatistas, sendo sempre
acerca de alguma coisa em concreto, por exemplo “medo de um tigre”. Para Courtney
(Ibid.), mesmo em casos extremos, como em algumas desordens depressivas, o medo ou
a raiva generalizada são acerca do próprio medo e da raiva. Os sentimentos, por seu
lado, são reflexivos. Quando contemplamos o pôr-do-sol, o sentimento vivenciado apresenta-se como uma resposta mais elaborada e reflexiva do que uma emoção. Assim,
Courtney (1995) assume que o pensamento estético implica sentimento e julgamento,
denotando já algum equilíbrio entre emoção e intenção/consciencialização. Courtney
(Ibid., p.19) envolve-se com uma ““teoria estética”, não no sentido filosófico de percepção estética, mas sim com uma estética do drama e do sentimento como um processo do
pensamento” (aspas do autor). É este enquadramento que permite a Courtney (Ibid.)
333
afirmar que o drama educacional contemporâneo deve ser principalmente usado para
promover a aprendizagem estética. A aprendizagem estética é perspectivada por Courtney como uma mudança no processo de imaginar/pensar exteriorizado pela acção, permitindo que as crianças aprendam a transformar as emoções em sentimentos que
podem ser expressos de forma produtiva. A aprendizagem estética acontece quando as
actividades dramáticas promovem os sentimentos, as escolhas, o julgamento e as habilidades para trabalhar no âmbito da dualidade realidade/ficção. Segundo Courtney (1990,
p.138) a aprendizagem estética é um importante processo de cognição e inteligência,
“sendo uma característica exclusivamente humana”.
Para além da aprendizagem estética, Courtney (Ibid.) assume que o drama promove outros três tipos de aprendizagem, que intitula de intrínseca, extrínseca e artística. A
aprendizagem intrínseca acontece quando as actividades dramáticas melhoram o funcionamento psicológico dos alunos, nomeadamente a percepção, consciencialização, concentração, estilo de pensamento, expressão, inventividade, resolução de problemas,
auto-estima, aprendizagem social e motivação; factores identificados como importantes
para a saúde psicológica e para o desenvolvimento da personalidade. Por seu lado, a
aprendizagem extrínseca diz respeito à forma como a actividade dramática promove a
aprendizagem de conteúdos de outras disciplinas, como por exemplo da matemática ou
das ciências. É consensual admitir-se que a actividade dramática possibilita a aprendizagem de conteúdos não-dramáticos, visto induzir a transferência da aprendizagem do
drama para outras áreas do saber. Por último, a aprendizagem artística é a que diz respeito aos conhecimentos e habilidades relacionadas com os domínios técnicos e artísticos, no que toca, por exemplo, à representação de personagens, ao som, aos diálogos, ao
movimento, à luz, ao enredo e aos contrastes (luz/escuridão, som/silêncio, movimento/quietude, presença/ausência). Sobre a aprendizagem artística Courtney (Ibid.) ressalva que o brincar dramático e a improvisação necessitam de ser entendidos como as formas mais apropriadas para a educação das crianças, devendo o drama espontâneo estar
na base de toda a educação artística e teatral subsequente.
Segundo Courtney (Ibid.), o modo como os estudantes aprendem no drama (esteticamente, intrinsecamente e extrinsecamente) difere das aprendizagens promovidas por
334
outras disciplinas. Por exemplo na História, os estudantes aprendem sequencialmente,
acumulando informação de um modo linear. No drama e na educação artística, os alunos
aprendem principalmente a aprofundar os seus sentimentos (“increasing depth of feeling”) (Courtney, 1995, p.142). Aqui, o ênfase é colocado mais no processo e no sentimento da experiência de aprendizagem do que na acumulação de informação. O que os
estudantes aprendem são as qualidades e significados dos sentimentos. Esta aprendizagem revela-se mais tácita do que explicita. A aprendizagem dramática torna-se por isso
mais complexa e difícil de avaliar do que, por exemplo, a aprendizagem da Matemática
ou das Ciências.
Para Courtney (Ibid.) a aprendizagem dramática não se direcciona para os conteúdos ou assuntos das dramatizações. Não são os temas das improvisações (família, viagem
no espaço, etc.) que importam como objectivos ou conteúdos da aprendizagem, mas sim
os processos mentais inerentes à dinâmica da própria improvisação. Importa é a forma
como o pensamento e a acção se conciliam e padronizam. A aprendizagem dramática é
alcançada pelo relacionamento entre premissas e assunções mais ou menos inconscientes e a sua consciencialização simbólica e metafórica colocada em jogo através da acção
imediata. São as perspectivas existenciais que evocam respostas profundas que importam. Ilustrando esta ideia, Courtney (1990, p.144) afirma que o drama de Hamlet não
serve para conhecermos o enredo e as contingências específicas da peça, mas essencialmente para podermos “olhar para nós próprios e para toda a humanidade”.
Courtney (1990, 1995) aponta várias razões que corroboram a ideia de que as actividades dramáticas melhoram importantes processos cognitivos. Primeiro, porque o
drama melhora o conhecimento. As pessoas passam a conhecer melhor o que imaginam
e actuam. A acção dramática e a representação de papéis baseiam-se “no saber como ser
e como fazer” (Courtney, 1990, p. 144). Segundo, porque a actividade dramática melhora
a aprendizagem. Aprender é sinónimo de mudança no conhecimento, alcançado através
da consciencialização das múltiplas possibilidades de actuação, um elemento de transformação dramática que induz a capacidade de aprender. Para Courtney (Ibid.) este é o
caso particular da aprendizagem intrínseca, que desenvolve a capacidade de julgar, de
resolver problemas e de motivar para a própria aprendizagem. Terceiro, porque a activi335
dade dramática melhora a inteligência, visto activar as estruturas e dinâmicas mentais do
pensamento e do raciocínio. O drama implica o trabalho com a metáfora, melhorando a
cognição e a inteligência geral pela “promoção do enquadramento ficcional contra o qual
podemos pôr à prova a nossa percepção directa da realidade” (Ibid., p. 34).
Em forma de síntese, Courtney (Ibid., pp. 144-145) considera os seguintes nove
pontos como imprescindíveis para se poder compreender a natureza da aprendizagem
dramática:
1) Quando a aprendizagem dramática acontece no “aqui e agora”, existe uma forte preponderância da aprendizagem inconsciente; porém a aprendizagem consciente e explícita também ocorre;
2) A mente não tem necessariamente de saber como usa o conhecimento tácito
no modo dramático, mas tem de saber que a aprendizagem tácita tem lugar e
que é usualmente expressa através do controlo progressivo sobre a emoção;
3) A aprendizagem dramática reflecte-se na crescente habilidade em dar significados a símbolos e metáforas usadas com propósitos dramáticos e teatrais;
4) A aprendizagem dramática envolve melhorias nas respostas dos sentimentos,
assim como na escolha, julgamento e uso do imaginário;
5) Ao aprendermos mais acerca dos elementos tácitos e inconscientes da actividade dramática, não somos necessariamente capazes de distinguir as suas múltiplas formas. Categorização, classificação e nomeação são elementos discursivos, não operações tácitas. A aprendizagem dramática não se relaciona necessariamente com a habilidade em descrever acontecimentos de uma forma
escrita ou oral, embora quando as actividades dramáticas sejam direccionadas
para a verbalização o consigam fazer;
6) A aprendizagem dramática reflecte-se numa crescente habilidade para comunicar pensamentos e sentimentos tácitos e inconscientes;
7) A aprendizagem dramática desenvolve as habilidades da criação e da interpretação dramática;
8) A aprendizagem dramática é integrativa e holística. A consciência é selectiva e
parcial, mas a mente dramática, baseada primordialmente em processos
336
inconscientes, é mais integrativa do que qualquer outro aspecto do intelecto
humano;
9) A aprendizagem dramática aumenta a capacidade para trabalhar com a duplicidade. A tendência de trabalhar simultaneamente com a ficção e a realidade
permite que, através da experiência dramática, a pessoa se torne mais consciente das meta-perspectivas e dos paradoxos inerentes à vida.
A obra de Richard Courtney tem vindo a influenciar o campo teórico do drama e do
teatro principalmente na sua aplicação ao desenvolvimento psicológico. Para além da
área educativa, Courtney realizou trabalhos no âmbito da Antropologia e da Dramaterapia. A sua obra é muito vasta e complexa, estando ainda por realizar um estudo aprofundado sobre o real alcance das suas ideias. Podemos considerar que o grande objectivo de
Richard Courtney era fazer do drama uma “Ciência Humana” com múltiplas aplicações ao
estudo do Homem. O drama era perspectivado por Courtney como uma “Ciência Pura”,
possuindo um complexo campo teórico e filosófico com fortes ligações a outras áreas do
saber.
Richard Courtney pode ser considerado um caso relativamente à parte no que diz
respeito às práticas e metodologias educativas. Richard Courtney não se apresenta como
um praticante, mas essencialmente como um académico de renome que, até ao final da
sua vida (1997), se esforçou por elaborar uma vasta e complexa obra sobre as implicações desenvolvimentais do drama
Richard Courtney movimentava-se essencialmente no campo teórico, enquanto
Peter Slade e Brian Way, esses sim, moviam-se na interface teórico-prática do drama,
procurando oferecer uma mistura entre teoria e prática que ajudasse os professores a
restaurar os processos de desenvolvimento natural promovidos pelo brincar. Foi Principalmente sob a influência destes dois autores que, ao longo dos anos 60 e 70, foram elaborados numerosos livros que descreviam como o drama na educação desenvolve a confiança, encoraja o conhecimento pessoal e interpessoal e ensina os alunos a cooperar.
337
Os professores que apadrinhavam a noção de drama como instrumento de desenvolvimento psicológico, de uma forma geral assumiam a ideia induzida pelos autores da
época de que, desde que os estudantes estivessem suficientemente absorvidos nas
improvisações dramáticas, estavam a desenvolver-se de forma satisfatória. Muitos acreditavam mesmo na ideia progressivista de que qualquer tentativa de interferir directamente no desenrolar das dramatizações iria inibir a espontaneidade e a criatividade
natural dos estudantes (Hornbrook, 1991).
Contudo, nos anos 70, ainda que no início de uma forma bastante tímida, começaram a levantar-se algumas vozes críticas sobre a perspectiva desenvolvimental monolítica
com que o drama estava a ser implementado nas escolas. Um dos especialistas a fazê-lo
de forma mais consistente foi Dorothy Heathcote, docente da Universidade de Newcastle
que começava a emergir com alguma proeminência no campo.
Figura 35 - Figura resumo Richard Courtney
338
7.4 A UNIVERSALIDADE DA EXPERIÊNCIA HUMANA: DOROTHY HEATHCOTE
Dorothy Heathcote afirmava, em 1973, que o drama vinha a sofrer de um psicologismo e progressivismo que limitavam a sua verdadeira potencialidade educativa. Afirmava ainda a autora estar preocupada com a formação dos professores, argumentando
ser necessário prepara-los para poderem direccionar o drama para aprendizagens curriculares mais significativas (Hornbrook, 1991).
Em vez de orientar a sua teoria e prática para as questões de pendor mais psicológico, Heathcote (1971, 1973, 1976) defendia que o drama escolar devia ser usado essencialmente como uma ferramenta pedagógica desencadeadora de novas compreensões
sobre uma diversidade de assuntos. Os que conheciam as práticas de Heathcote verificavam a sua tendência para intervir como personagem no desenrolar do drama. Notavam
que as suas intrusões desafiavam e moldavam as ideias dos estudantes; tudo isto parecia
de alguma forma desadequado para os professores que se baseavam exclusivamente no
não-intervencionismo protagonizado por autores como Peter Slade e Brian Way. A
mudança de paradigma que começava a desenhar-se era evidente. A manipulação das
improvisações era agora encarada como uma forma de ajudar os estudantes a abordarem o currículo, permitindo-lhes alcançar níveis de aprendizagem mais autênticos e profundos em diversas disciplinas (Hornbrook, 1988c).
Ainda que Heathcote seja actualmente reconhecida como uma das educadoras
mais importantes e inovadoras do sec XX, não chegou a escrever qualquer monografia de
fundo sobre a sua metodologia (Wagner, 1979). As suas ideias eram, em grande parte,
apresentadas em aulas abertas com crianças, presenciadas pelos professores em formação. Esta sua forte ligação com a prática está patente no estilo de escrita muito pessoal
com que Heathcote elaborava os seus textos, recheados de exemplos práticos e de conceitos que a autora criava propositadamente ou adaptava das Artes e das Ciências
Humanas. Para além de ter implementado o drama numa grande variedade de contextos
339
escolares e académicos, Heathcote também trabalhou em instituições de ensino especial, em hospitais, prisões e na indústria (Heston, s.d.).
Muitas das ideias de Heathcote foram registadas em vídeo, tendo a autora gravado
durante os anos 80 e 90 diversos documentários para a televisão estatal britânica (BBC).
Teacher, título de um desses programas, apresenta uma classe de alunos do 1º Ciclo do
Ensino Básico a gerirem ficticiamente uma fábrica de sapatos, sendo uma demonstração
do que Heathcote intitulou como “Mantle of Experts” (Johnson & O`Neill, 1984). O Mantle of Experts1 é uma das propostas metodológicas mais pessoais e inovadoras de Heathcote, através da qual os alunos são levados a assumir o papel (o manto, a toga) do especialista, envolvendo-se na realização de um determinado projecto como se fossem profissionais experientes. Através do “Mantle of Experts”, Heathcote induzia as crianças a
explorarem e resolverem dramaticamente temas que tocavam diversas áreas curriculares (Heathcote, Bolton, 1995).
Ainda que a um nível mais imediato e superficial possamos admitir que Heathcote
concebesse o drama na educação como um instrumento promotor da aprendizagem
interdisciplinar, servindo, por exemplo, para ensinar os conceitos de forma, tamanho e
cor, ou para motivar os estudantes para a aprendizagem de línguas estrangeiras; Segundo Wagner (1976, p.73), na sua essência, o drama é perspectivado por Heathcote como
uma disciplina cuja primordial função prende-se com a exploração da “universalidade da
condição humana”. Sob este assunto Heathcote diz-nos que a forma pode obscurecer o
significado, como por exemplo na parábola do semeador, onde a forma, uma história
agrícola simples, subentende um significado velado e mais importante que é a salvação
do Homem. Para a autora, as artes, tal como as parábolas, possibilitam diferentes níveis
ou camadas de interpretação, necessitando, por vezes, os significados mais profundos de
serem descobertos através de um trabalho interpretativo dinamizado por indivíduos
mais experientes. Heathcote operava de uma forma semelhante. Enquanto estava a
1
Mantle of Experts é um conceito de difícil tradução para português. As várias pesquisas realizadas para verificar se o
termo já foi traduzido por outros autores para português, espanhol ou francês, não obtiveram qualquer resultado. Após
termos ponderado várias opções de tradução, como manto de especialista, bata de especialista, desempenho de especialista, optámos, em última análise, por manter o termo Mantle of Experts neste trabalho, tal como foi proposto por
Dorothy Heathcote e tem sido usado na literatura anglo-saxónica.
340
promover a aprendizagem sobre um determinado conceito curricular, estava também a
permitir a exploração do mundo interno (significado) dos comportamentos humanos.
Este mundo interno podia dizer respeito a um aspecto da condição de vida de um indivíduo ou de um grupo. Por exemplo, numa aula sobre os efeitos que a cegueira adquirida
provocaria numa pessoa recentemente cega, Heathcote criaria um momento onde os
estudantes eram levados a constatar que a experiência interna do pensamento e da
emoção desse homem seria em grande parte semelhante ao de todos os homens recentemente cegos desde tempos imemoriais (Heston, s.d.).
Heathcote (1980) perspectiva o drama na educação essencialmente como um processo que permite aos estudantes transferirem os conhecimentos que já possuem para
níveis de compreensão humanamente mais universais; o que implica que o material usado nas aulas contenha, desde logo, o potencial para incentivar a reflexão sobre as experiências humanas. Contudo, devemos notar que Heathcote normalmente não usava
enredos pré-determinado como propostas de trabalho. Ela podia aparecer numa sala de
aula somente com uma ideia, uma questão, desenvolvendo todo o trabalho educativo a
partir daí. Heathcote podia chegar a uma aula e realizar uma pequena pantomima, como
por exemplo descascar uma batata, e perguntar: “eu acredito nesta faca e nesta batata, e
vocês?” (Wagner, 1976, p.129). Logo que o compromisso de todos os participantes “no
faz de conta” estivesse assegurado, o drama podia então induzir um ambiente de aprendizagem adjectivado por Heathcote de “educacionalmente explosivo” (Ibid.). Só após a
intenção de” suspender o descrédito” Coleridge (s.d. cit. por Courtney, 1990, p.145)
estar assegurada, Heathcote passava a requerer dos estudantes ideias para o drama,
resfriando o seu próprio conhecimento; oferecendo em vez disso os seus sentimentos, as
suas respostas e o seu poder. Ainda que normalmentge Heathcote aceitasse e adaptasse
tudo o que os estudantes oferecessem para a construção do drama, corrigiria desde logo
as sugestões que entendesse poderem interferir com as crenças dos outros, que não
pudessem ser incorporadas nas dramatizações sem prejudicar o foco dramático ou
“interferissem negativamente com a possibilidade de dramatizar um determinado período histórico com exactidão” (Wagner, 1976, p. 96).
341
Heathcote manipulava intencionalmente desde o início todo o processo de criação
dramática. Interferia de modo a incentivar a reflexão dos estudantes sobre os aspectos
mais importantes que fossem surgindo. Fazia abrandar ou parar a acção e introduzia
questões ou comentários para facilitar a compreensão mais aprofundada das problemáticas e dos sentimentos. Segundo Wagner (1979) e Muir (1997) esta disrupção dos
esquemas estáveis da percepção da realidade, sejam eles pessoais, sociais, emocionais
ou intelectuais, é comum no teatro, particularmente pelo uso das técnicas brechtenias
do distanciamento.
Heathcote recorria a uma variedade de métodos para escolher e desenvolver com
os alunos os temas que iriam ser trabalhados nas aulas. Um destes métodos é denominado por “códigos da irmandade” (brotherhood codes) e promove associações entre
temas e situações que vão para além do óbvio e do superficial. Uma actividade do dia-adia, tal como lavar os pratos, pode ser usada como exemplo. Aplicando “os códigos da
irmandade”, esta actividade simples é explorada no âmbito da “irmandade de todos os
que limpam”, podendo ser associado a múltiplas situações, tal como um soldado a limpar
uma arma ou um padre a celebrar um baptismo (Wagner, 1979, P.51). A lavagem de pratos pode também relacionar-se com todos os que trabalham usando as mãos e utensílios: um joalheiro a produzir jóias, um químico a manipular os tubos de ensaio ou um
cirurgião a operar. O momento em que os astronautas se preparam para ser lançados no
espaço pode também associar-se a diferentes irmandades: à irmandade dos que partem
para o desconhecido, com todos os que partem sem saber se vão voltar, com todos os
que se aventuram, com os que carregam as suas casas, sejam campistas modernos ou
Moisés e os israelitas. Através dos códigos da irmandade, cada situação, por mais simples
que possa parecer, revela centenas de possibilidades, podendo cada uma delas trazer
mais material para o drama (Ibid.)
A descoberta de múltiplas semelhanças entre dois actos que se revelam aparentemente diferentes e a focagem na experiência interna das personagens é fulcral na metodologia de Heathcote, permitindo direccionar o drama para todos os tempos, circunstâncias e estratos sociais. Para Heathcote, “os códigos da irmandade” devem ser usados
pelos professores para transcender rapidamente a noção de que o drama diz respeito à
342
simples representação de uma história, podendo ser utilizados para “alcançar a riqueza
da experiência humana na sua totalidade” (Ibid., p.52). Por outro lado, a exploração dos
factores internos subjacentes às acções dramáticas facilita a identificação, a reflexão e a
focagem do drama, ajudando a despoletar a tensão dramática. Introduzidas na dinâmica
interna das personagens, as situações tornam-se mais dramáticas, mais tensas e educativamente mais significativas.
Para Heathcote, o processo de descobrir os relacionamentos e as semelhanças significativas entre acções aparentemente diferenciadas é o que realmente permite criar
novas perspectivas no pensamento das crianças. Ainda que, numa primeira abordagem,
estas novas situações possam parecer afastadas das experiência e dos conhecimentos
prévios das crianças, quer no tempo quer nas circunstâncias, a consideração dos aspectos comuns da vivência interna das personagens permite que as crianças focalizem a sua
reflexão de modo a progredirem na consciencialização e na aprendizagem..
Os códigos da irmandade são também usados por Heathcote para isolar os elementos significativos do trabalho dramático que podem ser usados como elos de ligação
entre as diversas aulas. Por exemplo, após a dramatização da vida de Galileu, Heathcote
poderia dizer: “este homem estava em irmandade com todos os que deliberadamente
foram colocados à parte pela sociedade por pensarem de forma diferente” (Ibid.). Desta
forma os estudantes eram convidados a reflectir sobre outros contextos onde este tipo
de circunstâncias é significativo, podendo escolher um novo tema para dramatizar na
aula seguinte. Assim, o próximo drama poderia parecer diferente, visto externamente
abordar outro assunto. Contudo, internamente, seria acerca da mesma problemática.
Desta forma os alunos eram levados a manter o nível de identificação alcançado anteriormente, não sentindo que estavam a trabalhar o mesmo tipo de assunto. Ao perspectivarem o problema de um novo ângulo, enquadrando-o num novo contexto, os alunos
aprofundavam os seus pontos de vista e desenvolviam novas perspectivas sobre as problemáticas que dramatizavam.
No âmbito da identificação e exploração dos temas para trabalhar com os alunos
Heathcote usava frequentemente um outro processo a que chamava “segmentação”.
Através da segmentação, o assunto geral para o drama, derivado do currículo ou propos343
to pelos alunos: seja a Idade Média, um desastre de avião ou piratas, é dividido em diversas componentes. Quando estava a elaborar a segmentação – que num primeiro
momento realizava sozinha em pensamento e não em frente à classe – Heathcote usava
como referência as diversas áreas que considerava existirem em todas as culturas e que
assumia serem: comercio, comunicação, vestuário, educação, família, alimentação, saúde, leis, lazer, abrigo, viagem, guerra, trabalho e veneração (Ibid., p.53). Segundo Heathcote, todos os assuntos dramáticos contêm de alguma forma estes diversos aspectos da
vida do Homem. Só após ter realizado a segmentação dos assuntos nas suas diversas
componentes, o professor está apto para questionar a classe de modo a encontrar um
momento específico com alguma pressão ou tensão que dê início ao drama propriamente dito. Quantos mais segmentos o professor encontre sobre um determinado assunto,
mais flexível pode ser na selecção dos que melhor servem as necessidades de uma
determinada turma. Cada segmento representa um aspecto da vida dos personagens ou
dos assuntos a abordar, implicando um enredo muito flexível e aberto; o que pode ser
muito útil na refocagem do drama, ajudando a restringir a dispersão. Mesmo durante as
dramatizações, quando julgar necessário mover o drama para outros campos, o professor passa a ter disponível as diversas componentes do assunto que pensou antecipadamente, podendo usá-los para desenvolver um novo foco dramático (Ibid.).
Heathcote não pretendia com a sua metodologia melhorar as capacidades de
representação dramática dos alunos. Ela pretendia acima de tudo usar o drama para
promover o acesso das crianças à compreensão dos dilemas e problemáticas humanas.
Logo que fosse conveniente, ela encaminhava as dramatizações para o que é fundamental e humano nas situações, não se preocupando com o exterior do drama ou com a qualidade da representação (Walkinshaw, 2004). Heathcote entrava frequentemente como
personagem na história (Teacher-in-Role) retardando a acção, exigindo reflexões sobre o
que se estava a passar. Se a classe não conseguisse alcançar a reflexão, Heathcote recuava os acontecimentos procurando novas oportunidades para promover a reflexão. Podia,
por exemplo, pedir aos estudantes para dizerem aos colegas o que sentiam sobre o que
tinha acontecido ou pensarem nas implicações das dramatizações. Este aprofundamento
do nível do drama é algo que a classe não conseguia realizar sem a ajuda do professor e o
344
que realmente Heathcote procurava alcançar com a sua metodologia. Sem este caminhar
para a experiência humana universal, Heathcote não via nenhuma razão para praticar o
drama na educação (Wagner, 1979).
Figura 36- Figura resumo Dorothy Heathcote
345
7.6 EDUCAÇÃO E ARTE DRAMÁTICA: DAVID HORNBROOK
David Hornbrook, o último teórico a quem dedicamos um espaço específico no
nosso trabalho, apresenta-se como um fervoroso crítico do que considera serem as teorias do drama na educação dominantes na segunda metade do Sec. XX. Podemos mesmo
considerar a sua obra Education and Dramatic Art (1998c) como uma espécie de manifesto crítico onde Hornbrook elabora um ataque cerrado aos progressivistas e aos defensores do drama como processo, chegando mesmo a roçar a jocosidade quando aborda as
ideias de Dorothy Heathcote e David Bolton, seu fiel discípulo.
Segundo Hornbrook (Ibid., p.20) as perspectivas progressivistas, que têm marcado
sobremaneira o drama na educação, podem fazer entender que o drama nas escolas tem
por mero objectivo “libertar os estudantes dos esquemas convencionais do ensino
aprendizagem” de forma a promover a expressão idiossincrática de ideias e sentimentos.
Para Hornbrook, o levantar-se, afastar as cadeiras e actuar através de jogos revela-se
como o principal cunho do drama progressivista, excluindo, por razões ideológicas e
caciquistas, qualquer outro tipo de metodologia. Por seu lado, os teóricos do drama
como processo, e especialmente Dorothy Heatcote, tinha feito com que o drama começasse a ser perspectivado como uma espécie de actividade de resolução de problemas,
ajudando a desenvolver novas atitudes perante os dilemas humanos e fomentando competências interactivas e sociais. Ainda que admita que as teorias de Heathcote, tal como
o “Teacher-in-Role”, tivessem ajudado a afastar a improvisação gratuita e os jogos sem
finalidade evidente que caracterizavam as práticas dos anos 70, promovendo uma perspectiva mais baseada no “aprender a aprender” e na exploração de temáticas curriculares, para Hornbrook (Ibid.), este facto não explica por si só a enorme influência que as
ideias e a personalidade de Heathcote tiveram no campo teórico e na prática do drama
na educação durante as décadas de 80 e 90. Para o autor, tal como a ideia da autoexpressão e a própria personalidade de Peter Slade foram marcantes para os progressi347
vistas, Dorothy Heathcote impôs gradualmente aos seus admiradores a noção de que o
drama devia ser essencialmente entendido como um instrumento pedagógico ao serviço
da interdisciplinaridade e da exploração de dilemas humanos universais. Para Hornbrook
(Ibid., p. 20), o seguidismo férreo às ideias de Heathcote, que assume ter sido penoso
para o desenvolvimento do drama na educação, não se justifica somente por razões de
ordem teórica ou académica, mas essencialmente por Heathcote ter sido envolvida
numa espécie de “devoção religiosa” assente no “culto da personalidade”.
Hornbrook revela-se por vezes demasiado extremista nas críticas que faz aos progressivistas e aos defensores do drama como processo, não reconhecendo qualquer
mérito no valioso trabalho que produziram. Os seus pontos de vista tendem a radicalizarse para o lado da intolerância, fazendo crescer a diatribe entre o drama ao serviço do
desenvolvimento psicológico e da aprendizagem interdisciplinar, e o drama como um
assunto a ser estudado independentemente e por direito próprio (posição defendida de
forma peremptória e sustentada por Hornbrook). David Hornbrook posiciona-se claramente nos antípodas do drama como processo. No centro das suas preocupações não
está o desenvolvimento psicológico das crianças, mas sim a arte dramática, entendida
como uma disciplina emancipada com conteúdos e processos particulares. Para Hornbrook (1991) a educação só acontece se o drama envolver a criação, a representação e a
apreciação de trabalhos teatrais; o que, como facilmente se percebe, revela-se axiomaticamente diferente das propostas de Slade, Way, Courtney e Heathcote.
Embora tivesse sido fortemente criticado por muitos dos actuais defensores do
drama como processo, algumas vezes de um modo tão duro e radical como o que usou
para os criticar (e.g. Taylor, 1996, Neelands, 1998), nas suas diversas obras Hornbrook
apresenta importantes elementos para a actual concepção do drama na educação. Em
Education in Drama: Casting the Dramatic Curriculum (1991) o autor elabora um enquadramento teórico e metodológico que, segundo a sua opinião, permite introduzir os
estudantes ao mundo da cultura teatral, ou seja, torná-los “literatos” na arte dramática –
Stage Literate – (Ibid., p.38). Esta ideia é consonante com a actual noção de literacia
artística, entendida como basilar e central no currículo pelas diversas especialidades da
educação artísticas.
348
Assumindo que vivemos num mundo dramático, Hornbrook (1998b) defende que o
drama na educação deve ser usado para tornar os estudantes mais conscientes e informados sobre as estruturas dramáticas da vida. Para Hornbrook o drama na educação
deve ser perspectivado essencialmente como um indutor cultural, através do qual os
estudantes acedem aos conhecimentos e experiências que lhes permitam vir a ser “utilizadores e observadores informados da arte dramática” (1998a, p.13). Ao arrepio das
concepções mais progressivistas e processuais do drama na educação, David Hornbrook
procura criar a metodologia que permita delinear objectivos claros que possam introduzir e fazer progredir os estudantes na arte dramática. Podemos concluir que, em traços
gerais, estes objectivos prendem-se com as habilidades necessárias para criar, representar e apreciar a arte dramática making, performing and responding (Ibid., p.50). Hornbrook está convicto que o drama na educação decorre essencialmente dos processos
inerentes à produção e apreciação da arte dramática, que incorporam a criação de enredos e personagens, a sua representação teatral e o desenvolvimento de uma postura
crítica e informada por parte do público.
Para Hornbrook (Ibid.), todos os dramas, quer digam respeito aos rituais religiosos,
ao teatro profissional ou à improvisação na sala de aula, assentam no desenrolar de narrativas. A narrativa dramática, simples ou complexa na sua estrutura, denominada por
Hornbrook de texto, é o que realmente permite a comunicação entre os actores e o
público. Devemos salientar que o termo texto não é usado por Hornbrook para designar
as palavras escritas numa página (guião ou peça dramática na sua forma literária) mas
sim como sinónimo de performance. Texto, para Hornbrook (Ibid., p. 49) diz respeito ao
momento da representação, englobando a multiplicidade de meios sonoros, visuais e
linguísticos que o público “lê” ao presenciar uma dramatização. Para se referir ao material escrito de suporte à dramatização, quer às peças publicadas como aos registos mais
genéricos com indicações sobre acções e enredos, Hornbrook (Ibid.) utiliza o termo notação (de forma semelhante ao modo como é usado na música e na dança). O termo notação é também usado por Hornbrook para designar o registo escrito das indicações que
um professor dá aos seus alunos durante uma improvisação na sala de aula. Entendida
deste modo, a notação abrange um vasto leque de possibilidades. Nas aulas de drama os
estudantes podem utilizar peças publicadas (que interpretam e produzem em texto dra349
mático) ou elaborarem eles próprios a notação sob a forma de notas, esquemas e guiões
mais ou menos extensos. Quer se trate do registo esquemático das ideias dos estudantes
ou a base literária da performance, a notação apresenta-se somente como um guião,
devendo ser considerada por isso, enquanto não for encenada, um registo escrito e não
dramático (Hornbrook, Ibid.).
Hornbrook utiliza o termo produção para designar o processo de criação do drama
ou texto dramático, possivelmente com ajuda da notação. Por sua vez, a acção dramática, ou como Hornbrook (Ibid., p. 50) lhe chama “o texto”, é recebido pela audiência “seus leitores” - fazendo despoletar a interpretação e o julgamento.
Figura 37 - Enquadramento para a arte dramática segundo David Hornbrook
(Adaptado de Hornbrook, 1991, p. 5).
Na metodologia proposta por Hornbrook (Ibid.) os estudantes podem envolver-se
na produção do texto dramático de diversas formas. No caso da simples improvisação, a
notação pode não ser necessária. Porém, logo que a improvisação tenha como objectivo
350
a edificação de cenas para serem posteriormente ensaiadas e apresentadas ao público,
ainda que os estudantes sejam simultaneamente os criadores do enredo e os actores,
podem sentir necessidade de anotar as suas ideias de modo a elaborarem um guião que
os ajude a estruturar a performance. Para os estudantes mais velhos, a notação pode
adquirir a forma de um guião mais complexo, incluindo elementos de sonoplastia e luminotecnia. Segundo Hornbrook (Ibid., p. 52) “Quanto mais sofisticado for o processo de
produção, mais ele se aproximará da produção teatral”.
Hornbrook (1998a, p.13) faz a apologia do uso de trabalhos publicados de diversos
tipos nas aulas de drama, o que claramente inclui peças escritas, visto entender que os
estudantes necessitam de ser introduzidos à “longa e diversificada história do drama
como forma cultural”. O autor sugere mesmo que os alunos não devem ser somente
expostos a peças publicadas, mas também incentivados a representar a partir delas,
admitindo que desde os nove anos de idade as crianças devem ser estimuladas a anotar
tanto o seu próprio trabalho dramático como o dos seus colegas.
Para Hornbrook (1991), tal como já afirmámos, todas as manifestações dramáticas,
desde os dramas do dia-a-dia até os modelos mais convencionais do espectáculo teatral,
podem ser pensadas como “texto”. O autor propõe uma classificação do texto dramático
segundo três categorias: “o texto de palco, o texto electrónico e o texto social” (Ibid.,
pp.50-57). “O texto de palco” ocorre quando o relacionamento entre o actor e a audiência é claramente identificado. A dramatização acontece ao vivo e decorre num espaço
físico próprio, como é o caso da peça escolar e do teatro tradicional. A improvisação na
sala de aula é também classificada nesta categoria, visto assentar num conjunto de normas teatrais que determinam o relacionamento entre os actores e o público. O texto de
palco, como todos os textos, para poder ser “lido” pela audiência, requer a aprendizagem
de um conjunto de convenções. Uma dessas convenções diz respeito à qualidade da dicção dos actores. Por seu lado, “o texto electrónico”, que dá ao drama algum grau de
permanência por meios tecnológicos, engloba a televisão, o rádio e o cinema. Hornbrook
sugere que o noticiário, envolvendo protagonistas e guiões, pode ser entendido também
como texto electrónico. A última categoria, “o texto social” ou sociedade dramatizada,
engloba as ocorrências do dia-a-dia que, embora não sejam identificadas de imediato
351
como dramas, evidenciam as características da actuação dramática, tal como acontece
num tribunal ou num casamento.
Hornbrook (Ibid.) defende que “o modelo do drama como texto” que idealiza é
suficientemente abrangente para poder incorporar todos os tipos de drama com os quais
as pessoas se envolvem ao longo da vida. Ao perspectivar a improvisação na sala de aula
e o drama televisivo como “textos” que podem ser lidos e descodificados, Hornbrook
(Ibid., p. 58) procura sublinhar tanto a importância dos produtores da arte dramática
como a dos que a recebem, ou seja, dos seus “leitores ou audiência”. O modelo do drama como texto (e a improvisação como um tipo particular de texto de palco) coloca os
actores e a audiência no centro das aulas de drama, permitindo ultrapassar o medo
generalizado da arte dramática resvalar para o exibicionismo sem valor pedagógico –
“showing off” (Hornbrook, Ibid., p. 59). Acima de tudo, o modelo educativo do “drama
como texto” pretende sublinhar a importância da aprendizagem das “técnicas, géneros e
habilidades teatrais” (1998b, p. 56) que, como já afirmámos, para Hornbrook dizem respeito essencialmente aos processos de produção e recepção da arte dramática.
No âmbito da produção (termo geral que inclui a criação e a representação –
“making and performing”), Hornbrook (Ibid., pp. 73-88) aponta como potenciais de
aprendizagem oito áreas: 1- investigar (explorar a viabilidade das ideias); 2- experimentar
(tentar implementar as ideias); 3- estruturar (dar forma à peça); 4- encenar (fazer a peça
funcionar); 5- modificar (melhorar a peça); 6- ensaiar (determinar a peça); 7- administrar
(organizar os meios de produção) e; 8- apresentar (contar a história). Para a recepção,
Hornbrook (Ibid. pp. 99-110) descreve como potenciais de aprendizagem as seguintes
seis áreas: 1- impacto (reacção inicial à peça); 2- estrutura (elementos dramatúrgicos e
cenográficos da peça); 3- representação (trabalho dos actores); 4- música e efeitos (elementos de sonoplastia e luminotecnia); 5- administração (elementos da organização e
produção) e; 6- interpretação (significado da peça).
352
Figura 38 - Áreas potenciais de aprendizagem da arte dramática segundo David Hornbrook.
(Adaptado de Hornbrook, 1991, p. 5)
De uma forma geral, durante a produção, Hornbrook procura que os estudantes
imaginem as circunstâncias de um determinado acontecimento e elaborem sobre esse
assunto uma peça para apresentar ao público. O mote dos trabalhos pode ser um tema
do dia-a-dia ou uma peça publicada. Os estudantes são encorajados a criarem enredos e
personagens, assim como a avaliarem a qualidade e exequibilidade das suas ideias. Diferentemente da metodologia de Heathcote, onde os temas são explorados tendo em conta a riqueza da vivência psicológica e social das situações, como por exemplo o deixar a
casa, o pioneirismo ou a imigração; em Hornbrook, a exploração do mundo interno das
personagens é realizada essencialmente tendo em vista a qualidade artística do produto
final. Neste caso, a vivência psicológica dos personagens é considerada somente na
medida em que os estudantes necessitam de a compreender para poderem representar
a história.
De um modo geral, Hornbrook (Ibid.) considera que, devido ao intenso contacto
com o cinema e a televisão, todas as crianças possuem uma concepção complexa e sofisticada do vocabulário e das convenções do texto electrónico, notando-se isto claramente
nas improvisações dos estudantes menos experientes nas artes do palco, que tendem a
353
recriar enredos e personagens estereotipadas e a usar o espaço cénico de uma forma
bidimensional. Assim, o enquadramento interpretativo do texto electrónico não se apresenta como o mais adequado para a correcta apreciação do texto do palco, visto o último
revelar as complexidades de uma actuação dramática em tempo real. Para Hornbrook
(Ibid., p.96) “Quanto mais compreendermos as convenções do texto do palco mais profundamente nos podemos envolver com ele”. De forma a desenvolver a capacidade de
apreciar a arte dramática, Hornbrook (Ibid.) propõe uma série de questões guia que
podem ser empregues e adaptadas conforme as idades e contextos de aprendizagem.
Por exemplo, sobre o impacto inicial da obra, o autor propõe que seja perguntado aos
estudantes como estes reagiram ao observar a peça, quais as partes que consideraram
mais interessantes e as mais aborrecidas, etc. Sobre a estrutura da peça, a qualidade da
representação, o uso da música e dos efeitos, são também propostas diversas questões
guia para incentivar a reflexão e a aprendizagem: como é que as luzes e o som foram
usados para estruturar e enriquecer a peça? Como é que os actores caracterizaram as
personagens? Que qualidade teve a sua dicção? Que estilos de representação foram usados? Etc. As perguntas são elaboradas de modo a incentivarem respostas que incluam
significados chave em relação à cenografia, à representação, aos efeitos e à organização
geral da peça. No seu conjunto, estas questões procuram desenvolver nos estudantes
uma atitude crítica e interpretativa. Em última análise, a interpretação dos estudantes,
basear-se-á, necessariamente, no conhecimento que possuem sobre as técnicas e a linguagem dramática, assim como em outras fontes externas de referência que possam
enriquecer e ajudar a fundamentar os seus próprios pontos de vista.
354
Figura 39 – Figura resumo David Hornbrook
355
8 CONVERSAÇÃO
Texto Performativo 10- Conversação 1
Hamlet
[...] Meu bom senhor, quereis ver se os actores são bem tratados? Estais a ouvir-me?
Desejo que os tratem bem, porque eles são as crónicas breves e abstractas do tempo. Depois da vossa morte, mais nos valeria um mau epitáfio do que uma crítica
deles enquanto viveis.
Polónio
Meu senhor, tratá-los-ei de acordo com o que merecem.
Hamlet
Pelas chagas de Cristo, homem, tratai-os muito melhor! Se tratais cada homem como
merece, qual escapará ao chicote? Tratai-os segundo a vossa própria honra e dignidade. Quanto menos o merecerem, mais mérito haverá na vossa generosidade.
Mandai-os entrar.
Polónio
Vinde, senhores.
PERSONAGENS
PAULO
DOROTHY HEATHCOTE
PETER SLADE
DAVID HORNBROOK
RICHARD COURTNEY
BRIAN WAY
357
Foyer de Hotel. Sofás confortáveis e de design moderno. Mesa ao canto com acepipes e
bebidas. No centro, uma mesa de apoio com brochuras e pastas. Do lado direito um
grande vidro admite uma luz confortável de final de tarde. Ouve-se tocar um telemóvel
que é prontamente atendido.
PAULO
(levantando-se do sofá para tirar o telemóvel do bolso das calças. Enquanto fala não se
volta a sentar, caminhando ao acaso submerso pela conversa)
Sim. Estou no Hotel...Não há problema, já está tudo marcado para o Jantar...Eu levoos...Vamos a pé. É mais agradável. Vai lá ter...O Hoorbrook também já chegou...
(Entra Heathcote acompanhada por Slade. Sorriem para o Paulo. Heathcote senta-se a
olhar pelo vidro e Slade vai buscar duas bebidas)
(Terminado a conversa telefónica)
Ouve lá, não te preocupes, eles preparam isso na escola, logo à noite falamos... xau.
PAULO
(Sentando-se)
Então, já descansaram da viagem?
HEATCOTE
Sim, estou refeita e penso que o Peter também.
SLADE
Estou óptimo... (Pausa) Sempre vem muita gente para a conferência?
PAULO
...Digo-lhes, superou as nossas expectativas. Acho que com uns conferencistas desta
envergadura, mal não fosse!
HEATCOTE
Acho isto extraordinário. Juntar no mesmo local as pessoas que têm realizado as obras
mais influentes do drama na educação. Por vezes com ideias tão diferentes...uma oportunidade louvável. Estou verdadeiramente feliz. Acho que nos vamos enriquecer a todos.
PAULO
Para nós é imprescindível. Às vezes, ao lermos o que escreveram sobre o drama na educação... pode parecer tudo tão segmentado. Como se cada um de vocês tivesse criado
algo inconciliável.
358
PETER
Tá a ver. Assim com todos nós aqui... (Pausa). Claro que há perspectivas diferentes. Não
vivemos nós em épocas diferentes. No meu tempo fui influenciado pelas ideias mais
revolucionárias da educação, da libertação, da procura do âmago, da essência do ser.
Olha que como eu havia muitos outros... e não havia televisão...
HEATCOTE
Não me venhas com a televisão. A maior parte das coisas servem para quê? Olha bons
documentários foram os que eu fiz sobre a metodologia de implementação do drama.
Pelo menos esses eram educativos e didácticos.
PAULO
São óptimos. Acho que todos os professores os deveriam ver. Demonstram como se
pode trabalhar o drama de uma forma rica e aprofundada. Mas Dorothy, você tem de
perceber que tem um jeito especial para esse tipo de trabalho.
HEATHCOTE
Sim claro. Mas os princípios estão lá e acho que todos podemos usá-los. É isso que pretendi transmitir. Que cada um trabalhe na medida dos seus conhecimentos e capacidades. Não quero que ninguém me imite, mas que a minha metodologia faz sentido, isso
faz... E é uma boa ajuda para os professores...
(Entra Hornbrook)
Lá vem o drama.
HORNBROOK
(Rindo-se)
Dorothy querida, sempre a diva nestas coisas.
(cumprimenta Dorothy Heathcote com dois beijos e posteriormente Peter Slade)
HEATHCOTE
David, Junta-te aos bons e serás como eles
HORNBROOK
Então como estão? E um prazer estar com vocês. O Brian e o Courtney também já chegaram. Encontrámo-nos no aeroporto. Viemos juntos. Ainda estão nos quartos, mas descem em breve.
PETER
Estávamos a comentar com o Paulo como é interessante ter nesta conferência, no mesmo espaço, as diferentes perspectivas do drama na educação.
359
HEATHCOTE
E eu que pensava que não vinhas! Afinal estava errada...Tu és essencial nesta discussão,
Não é que tenha de concordar sempre contigo. Afinal, tantas críticas, tanto azedume...
Continuo sem perceber porque queres transformar o ensino do drama na educação das
aparências...
PETER
Já reparaste que todos nós defendemos o uso do drama no desenvolvimento. Não será
essência do processo a libertação da criatividade das crianças, ou mesmo como diz a
Dorothy, a descoberta do nosso mundo interno pela intersecção com o drama interno
dos outros?
HORNBROOK
Não diria tanto. Aliás vocês sabem que o que me preocupa é o estado em que chegaram
as coisas. A aprendizagem do drama não tem de ser necessariamente a aprendizagem
através do drama. Isso é o que verdadeiramente me irrita. Como vocês têm uma visão
exclusivamente instrumental da arte. Não vêm o que se passa nas escolas? Como se
pode ser apologista de uma arte e do seu valor educativo senão se propuser a aprendizagem dos próprios conhecimentos artísticos? E Peter, por amor de Deus, essa da criatividade, sem o domínio da linguagem e das técnicas artísticas, já não pega...
Eu sei que vocês têm um grande valor, mas também é por vossa causa que as coisas
estão como estão. O que eu tenho observado nas escolas como inspector é medonho...Deviam assumir que contribuíram para este descontentamento no drama...
HEATHCOTE
Que culpa! Não fizemos o melhor que soubemos. Não deixámos uma metodologia complexa e rica. Será que não nos lêem... Será que não entendem o que propusemos...
HORNBROOK
E que reflexos tem isso na prática do drama nas escolas? A tua metodologia é demasiado
complexa para poder ser aplicada na realidade escolar. Além disso, achas que está em
conformidade com as actuais tendências do ensino das artes? Onde está a produção e a
aprendizagem técnica na tua metodologia? Onde está a educação de um público crítico e
o acesso às obras dramáticas de valor universal?
HEATHCOTE
Meu querido. Falas tu de valor universal. Quando isso foi o meu principal objectivo. A
descoberta da essência dos paradoxos humanos. Isso têm de ser as crianças a descobrirem por elas próprias. O professor aqui é um instigador, um manipulador de conteúdos e
processos dramáticos, provocando a reflexão, orientando os trabalhos para a descoberta.
PETER
Não tinha pensado nisso dessa forma. Mas admito que tu foste um avanço Dorothy.
360
HORNBROOK
Sim claro que foi. Mas o que lhe faltou foi colocar a aprendizagem da arte dramática no
centro das suas preocupações e não aprendizagem interdisciplinar ou...
(Entram Brian Way e Richard Courtney. Peter Slade levanta-se e abraça efusivamente
Brian Way)
SLADE
Long time no see.
(Cumprimentam-se todos efusivamente. Ouvem-se as suas vozes ao fundo cada vez mais
nono limiar. Paulo levanta-se e vai para a zona das bebidas)
VOZ OFF
Estão contentes. É óptimo. Espero que tudo corra bem...Foi boa ideia termos estruturado
as salas por temas. Assim podem explanar as suas razões individualmente, ouvirem-se
atentamente uns aos outros e só no final da conferência poderem discutir e criar sínteses. Espero que os moderadores estejam à altura. Está a criar-se história nisto...Para nós,
professores, é essencial esta discussão...Que sorte tem o público em ter estas pessoas
presentes...Para mim é também uma óptima oportunidade de me enriquecer...As ideias
(Ouve-se música de fundo indutora de imersão e reflexão. Paulo intercala suavemente
algumas palavras, enquanto bebe)
PAULO
E se...coisas assim.....na escola...compreende-se...calma...(riso)
(Música em Fade-out)
(Olhando para o público)
Amanhã...sala...o datashow...telefonar para o técnico...depois... de actas...será que ajudam?
(Caminha para junto dos conferencistas)
COURTNEY
Precisava de fazer uma chamada internacional amanhã no local da conferência.
PAULO
Claro. É só pedir...quando quiser...
COURTNEY
Ok.
SLADE
(Olhando para os papéis)
361
Eu sou na sala 5 às 14,30. Estará lá um retroprojector como pedi?
PAULO
Sim. Claro que estará.
Não sei se entretanto precisam de mais alguma coisa.
HORNBROOK
Eu já tinha enviado as minhas necessidades logísticas por email.
PAULO
Sim está tudo organizado. Mas se entretanto precisarem de alguma coisa...
WAY
Peter, já viste? Estamos aqui todos com a querida Dorothy. (Para Dorothy) Ainda não tive
oportunidade de trocar impressões contigo sobre o excelente trabalho que tens realizado. Sei que tens um arquivo fabuloso no Instituto de Educação da Universidade de Manchester. Uma grande riqueza para os estudantes...
COURTNEY
Felizmente que eu também tenho um arquivo na Universidade de York no Canadá. Foi
um trabalho meritório financiado pelo governo. Nunca imaginei que tivesse produzido
tanto material sobre a importância do drama no desenvolvimento. Claro que fui influenciado pelo Peter e pelo Brian. Vocês foram realmente os pioneiros. Em grande parte o
que fiz foi aprofundar as vossas ideias, intercalando-as com autores de diversas disciplinas, principalmente da Psicologia, e olhem ao que isso me levou! No fundo, acho que, de
todos os que aqui estão, sou realmente o mais académico...
WAY
Modéstia à parte. Embora não tenha escrito muito, nem eu nem o Peter, e admito que
possamos ser considerados pouco sofisticados por alguns, a minha obra é de leitura obrigatória para se poder entender a força e o enquadramento desenvolvimental do drama.
CORTNEY
Sim, sem dúvida. Acho que devo em grande parte à tua obra o impulso inicial do meu
trabalho.
WAY
E eu ao Peter.
HEATHCOTE
Eu trabalhei na formação de professores. Mas sinceramente nunca fui lá muito académica. Acima de tudo, considero-me uma actriz. Uma actriz que procura transmitir a arte do
ensino aos professores em formação. Mas académica?!...Acho que o academismo pode
empobrecer a riqueza emancipadora do drama. A linguagem do drama é poética...
362
HORNBROOK
Por essas e por outras é que ainda não conseguimos criar uma identidade e uma linguagem unificadora para o drama. Achas que essa visão tão idiossincrática ajuda a emancipar e a dar força a uma disciplina que necessita de ser compreendida pelos professores.
Sei que és uma mulher da prática. Esse mérito ninguém te tira. Agora, o tipo de linguagem tão... pessoal que usas não tem ajudado...
HEATHCOTE
Só assim consigo falar do que faço. E prefiro fazer em vez de escrever.
HORNBROOK
E isso também te tem ajudado a manter esse carisma de artista misteriosa e fascinante!
Já viste a adulação que tens?
HEATHCOTE
Não fiz nada por isso.
HORNBROOK
Balelas e enigmas...
HEATHCOTE
Não querido. Arte, magia, prática, muita prática, metodologia e reflexão.
COURTNEY
Olhem, verdadeiramente, o que acho mesmo, é que todos temos muito em comum. As
perspectivas e os tempos foram diferentes. Uns mais teóricos, outros mais metodológicos; uns com uma perspectiva do drama mais instrumental e processual, outros, aqui
como o amigo David, com preocupações mais viradas para o ensino do drama como forma de arte. Contudo, se reparem bem, todos temos em comum a forte convicção de que
o drama e o teatro são de uma grande riqueza educativa e cultural. Não será isso, em
última análise, o que nos fez elaborar obras de referência nesta área!
PAULO
É mesmo... Já viram que as vossas obras estão na base das actuais reflexões sobre o
drama na educação. Qualquer pessoa que queira ter uma formação abrangente e sólida
sobre o assunto terá sempre que passar por elas... Foi em grande parte isso que nos
levou a convida-los para esta conferência. Acredito que, numa primeira abordagem, tudo
possa parecer inconciliável... Mas a riqueza do drama não será isso mesmo? A sua diversidade e as múltiplas potencialidades educativas e metodológicas. O que nos resta agora
363
a nós senão procurarmos criar um posicionamento pessoal perante estas problemáticas
e criarmos uma visão clara e bem informado sobre o assunto. Não será isto o que nos
permitirá, nos contextos específicos em que nos movemos, e com base nas nossas próprias potencialidades e características, implementarmos um trabalho consistente...O
conhecimento e a reflexão sobre as vossas ideias, sejam elas de teor mais prático ou teórico, não é o que nos permite actualmente movermo-nos e praticamos o drama na educação com base num corpo de conhecimentos já estabelecido?
HEATHCOTE
Acho que é um bom ponto de vista. Talvez a formação de professores, para poder abordar as verdadeiras potencialidades do drama na educação, tenha necessariamente de
fomentar experiências e conhecimentos das diferentes metodologias e perspectivas. Só
assim os professores terão acesso à riqueza da multiplicidade e às implicações educativas
do drama na educação, podendo elaborar os seus trabalhos de um modo consistente e
reflexivo.
(Pausa)
PAULO
(Olhando para o relógio)
A conversa está muito agradável, mas tenho receio que se aproxime a hora de jantar...
WAY
(Levantando-se)
Sim é melhor pormo-nos a caminho. O repasto será sempre uma boa inspiração para a
conferência de amanhã.
364
ELABORAR REMATAR E INTRODUZIR
9 AS CONVENÇÕES DRAMÁTICAS COMO INSTRUMENTO ESTÉTICOPEDAGÓGICO
A palavra convenção, de uma forma geral e na linguagem corrente, como se pode
verificar em qualquer dicionário, é usada para designar uma reunião entre pares ou um
comportamento protocolar normativo. No âmbito específico do léxico teatral a mesma
palavra é utilizada para referenciar “o conjunto de pressupostos ideológicos e estéticos,
explícitos ou implícitos, que permitem ao espectador receber o jogo do actor e a representação”Pavis (1996,71). Mesmo no que diz respeito especificamente à arte teatral, o
conceito apresenta-se muito abrangente, englobado o vasto conjunto de técnicas, processos e estratégias que permitem manipular os elementos dramáticos do tempo, do
espaço e da presença humana.
De uma forma geral a “suspensão do descrédito” é assumida como a convenção
mais básica e universal do teatro (e.g. Heathcote, 1971, Hornbrook, 1991, Flemming,
2003). Entende-se por “suspensão do descrédito” a capacidade do ser humano imergir
no “faz-de-conta”; capacidade essa que permite que os espectadores vivenciem as situações imaginárias como se fossem reais. Por exemplo, ao assistirmos no palco ou no
cinema a um assassinato cruel ou a uma paixão avassaladora, tendemos a reagir como se
estas situações estivessem realmente a acontecer. O terror e o suspense são exemplos
claros de propostas dramáticas assentes na suspensão do descrédito, cuja manifestação
só ocorre com base no “acordo implícito” firmado entre o criador e o público.
Na arte teatral, como facilmente se compreende, as convenções não são estáticas
ou universais, mas revelam-se grandemente dependentes das culturas, épocas e géneros
a que se reportam. Sabemos que certas estéticas teatrais baseiam-se deliberadamente
em determinadas convenções, tipificando os géneros dramáticos. A Commedia Dell`arte,
por exemplo, é tradicionalmente elaborada com base em proposições artificiais comple-
365
xas nas quais tudo tem um sentido preciso: as máscaras, os personagens, os enredos, etc.
(Barba, Savarese, 1991, Fo, 1999).
Como apontamento histórico, podemos ainda referir que no teatro Isabelino do
Século XVI estava genericamente convencionado serem os actores masculinos a representarem as personagens femininas, tal como é retratado no filme “A Paixão de Shakespeare” do realizador John Madden. A convenção do travestismo masculino continua a
ocorrer nos nossos dias no teatro tradicional Nô japonês, onde o palco está vedado às
mulheres. O próprio naturalismo ou realismo teatral do início do Sec. XX (cujas metodologias de formação de actores e de representação perduram nas produções televisivas da
actualidade) pode, de certo modo, ser entendido como uma eficaz tentativa de destronar
as convenções que se interpõem entre a representação e a vida real. Para alcançar o
naturalismo, os encenadores, do século passado, recorreriam muitas vezes à convenção
da quarta parede. Posteriormente e de modo a ultrapassar a estética naturalista então
vigente, o teatro épico brechteniano e outras formas do teatro moderno e pós-moderno,
ainda que com intuitos muito diversificados, passaram a manipular e a combater as convenções tradicionais do realismo teatral, evidenciando-as e desmistificando-as perante o
público, dando, por sua vez, origem a novas convenções. Ou seja, a história do teatro e
de um modo geral a história da arte está repleta deste tipo de dialéctica: das convenções
formam-se normas que se generalizam, sendo posteriormente violadas pela invenção de
novas convenções que formam novas normas e assim sucessivamente (Pavis, 1996).
Consideremos então que o conhecimento das convenções se apresenta como uma
dimensão primordial tanto para a criação como para a fruição teatral. Podemos mesmo
concluir que o conhecimento das convenções e das técnicas teatrais, conjuntamente com
noções históricas, psicológicas e filosóficas sobre as problemáticas humanas dramatizadas é o que verdadeiramente possibilita analisar e evoluir na arte. Porém, devemos notar
que, embora as convenções sejam usadas intencionalmente pelos profissionais do teatro
como as ferramentas mestras que permitem manipular a acção e o impacto dramático,
encontraram-se muitas vezes mais veladas e implícitas do que explícitas, estando de tal
modo interiorizadas pelos artistas e pelo público que somente são decifráveis após um
esforço de análise e interpretação (Flemming, 2003).
366
Ao direccionarmos a nossa atenção para o campo pedagógico, somos levados a
inferir que a relatividade cultural das convenções teatrais apresenta algum paralelismo
com o trabalho educativo. Na educação, de forma semelhante ao teatro, algumas convenções dramáticas são mais facilmente aceites do que outras, visto serem as que são
veiculadas pela cultura a que as crianças têm acesso, nomeadamente pela televisão. Esta
constatação poderá ajudar a explicar o motivo porque as crianças tendem a adoptar nas
suas dramatizações espontâneas o estilo naturalista de representar e a usar implicitamente a convenção da quarta parede. Do mesmo modo se poderá justificar a aparente
facilidade com que as crianças aceitama convenção do flash-back e adoptam papeis imaginários. É facilmente compreensível que a suspensão do descrédito surja naturalmente
nas crianças, visto ter a sua génese nas experiências precoces e espontâneas do brincar
simbólico. Sobre este assunto Flemming (2003) chega mesmo a admitir que a origem
natural e espontânea de algumas convenções dramáticas mais básicas poderá contribuir
para que o ensino do drama seja ainda tão subestimado em muitas escolas, isto decorrente, segundo a sua opinião, da percepção impressionista e limitada, por parte de
alguns responsáveis educativos, de que as habilidades dramáticas surgem naturalmente
nas crianças, não necessitando por isso de ser ensinadas. No entanto, sabemos por experiência própria, que as crianças não aceitam todas as convenções de igual modo; o que
nos permite afirmar que a introdução às convenções mais complexas, assente na praxis,
deve fazer parte do trabalho escolar. Só deste modo os alunos poderão efectivamente
alcançar uma maior compreensão e controlo sobre a arte dramática.
367
9.1 AS CONVENÇÕES NO ÂMBITO DO DRAMA NA EDUCAÇÃO
Ao assumirmos uma visão longitudinal sobre este assunto, temos desde logo que
admitir não vislumbrarmos no léxico inicial da disciplina a palavra convenção, ainda que,
a seu modo, tal como pudemos verificar, os autores pioneiros não deixassem de se esforçar por edificar os princípios teóricos e as metodologias que consideravam melhor poder
servir o drama e o teatro em contexto escolar. Também constatámos que as elaborações
teóricas e metodológicas mais antigas não emergiram da arte teatral, até porque, de
uma forma geral, os primeiros estudiosos do drama na educação defendiam intransigentemente o afastamento da arte infantil de qualquer referência cultural ou técnica externa. O campo epistemológico do drama na educação da primeira metade do Sec. XX, fermentava essencialmente nas teorias do jogo e da psicologia dinâmica, teorias essas que
influenciavam transversalmente as correntes pedagógicas mais progressivistas da época.
As ideias de cariz romântico foram aprofundadas por Brian Way nos anos 60. A sua
obra, Development Through Drama, publicada em 1967, tornou-se extremamente popular na altura, visto oferecer uma metodologia passível de ser aplicada pelos professores
na sala de aula. A estruturação do drama educativo com base em actividades bem delimitadas e com objectivos precisos generalizou-se nas produções bibliográficas, fazendo
com que os professores começassem progressivamente a encarar o jogo dramático como
a forma ideal e controlável de implementar o drama em contexto escolar. Nos anos 70
dá-se um salto qualitativo na forma de conceber o drama na educação. Essencialmente
sob influência de Heathcote e Bolton, o drama na educação tornou-se sobejamente mais
complexo. Ainda que estes autores não introduzissem o texto dramático ou a produção
de espectáculos como possibilidades curriculares; especialmente Dorothy Heathcote,
idealizou processos de intervenção educativa baseados na sua experiência como actriz,
fomentando metodologias onde os professores passavam a desempenhar um papel activo e primordial na condução dos enredos, no domínio do tempo e no impacto das dramatizações. Deste modo, o drama na educação passou a ser encarado pelos professores
369
generalistas, principalmente pelos que não possuíam grande experiência na arte dramática, como difícil, senão mesmo impossível de implementar. Esta renovada forma de conceber o drama na educação, passou a ser genericamente designada de “drama processual” e foi adoptada por diversos professores e académicos, de entre os quais podemos
destacar Jonothan Neelands, pela eficaz síntese demonstrada nas obras Making Sense of
Drama: A Guide to Classroom Practice, de 1984, e Structuring Drama Work : A Handbook
of Available Forms in Theatre and Drama, de 1990 (1ª Edição). A última obra, escrita em
parceria com Tony Goode, assumia declaradamente ter como objectivo ajudar os professores a melhor compreenderem e dominarem a complexa arte do drama na educação. O
livro, ou melhor, o manual, é constituído por uma série de fichas onde as diversas convenções dramáticas e teatrais são descritas e classificadas tendo em conta os seus propósitos educativos.
A incorporação de conceitos e processos teatrais no campo epistemológico do
drama na educação, juntamente com a evolução da própria arte teatral e do concomitante desenvolvimento das disciplinas dramáticas aplicadas, tal como o Fórum Teatro de
Augusto Boal e o Sociodrama de Jacob Moreno, só para dar dois exemplos, acrescentada
ainda das propostas curriculares baseadas no texto dramático, na produção de espectáculos e na apreciação artística promovidas essencialmente por David Hornbrook nos anos
90, enriqueceram irreversivelmente o campo curricular e a didáctica do drama na educação. As propostas de organização curricular baseadas nas convenções dramáticas e teatrais tem vindo a destacar-se, sendo, nos dias de hoje, um importante tópico da literatura especializada para todos os níveis de ensino e uma metodologia prescrita nos curricula
dos países onde o drama e o teatro se encontram mais desenvolvidos como disciplinas
educativas.
No âmbito do drama na educação, e de uma forma lata, o termo convenção tem
sido usado para referir o modo como os participantes são organizados nas oficinas, como
se utilizam determinadas actividades auxiliares (e.g. a escrita ou a imagem) e como se
incorporam as técnicas dramáticas e teatrais nas aulas e nos projectos educativos.
370
Devemos apontar que a última dimensão, a que diz respeito à descrição e implementação das técnicas dramáticas e teatrais, é a mais comum na literatura, embora, como
facilmente se depreende, todas as outras lhe sejam interdependentes.
371
9.2 CARACTERIZAÇÃO E CLASSIFICAÇÃO DAS CONVENÇÕES DRAMÁTICAS E TEATRAIS
Segundo Neelands e Goode (2000, pp. 3-8) o uso pedagógico das convenções deve
reflectir os valores do drama e do teatro enquanto disciplina educativa, designadamente
através das seguintes orientações:
•
Acentuando o cariz participativo e interactivo do teatro, onde os papeis de
espectador, actor e encenador se interligam e fundem;
•
Acentuando a concepção do teatro como um processo de pesquisa que se
direcciona para si-próprio e para as experiências humanas mais significativas, podendo ou não ser traduzido e comunicado através do espectáculo;
•
Acentuando a concepção do drama e do teatro como processos de investigação e descoberta que decorrem da necessidade básica do ser humano
interpretar e exprimir o mundo de forma simbólica;
•
Acentuando a noção de que o drama e o teatro assentam as suas raízes
mais básicas no brincar espontâneo e no jogo, tornando-se progressivamente mais refinados, complexos e poéticos através da interacção dialéctica
entre as convenções e os conteúdos
A sistematização dos processos dramáticos com base em actividades delimitadas e
com nome próprio (convenções) oferece múltiplas vantagens. Para além de tornar o
drama pedagogicamente mais rico, menos misterioso e mais fácil de implementar, facilita o planeamento e a avaliação do seu ensino. Embora por necessidade de sistematização as convenções sejam normalmente apresentadas de forma compartimentada, na
realidade elas sobrepõe-se e inter-relacionam-se. Ou seja, a experiência dramática e tea-
373
tral desenvolve-se com base no fluir articulado das diversas convenções, cuja interrelação dinâmica é o que verdadeiramente estrutura o ritmo e a coerência interna das
propostas estéticas e pedagógicas. Acima de tudo, devemos perceber que a própria
semiótica teatral do tempo, do espaço e dos personagens, emerge da articulação progressiva e orgânica das convenções. Podemos então assumir que a manipulação prática e
o conhecimento das convenções são os factores que derradeiramente possibilitam aos
professores e aos alunos melhorarem as suas propostas dramáticas de modo a tornarem
as situações de aprendizagem mais ricas e significativas. Ainda assim, devemos chamar a
atenção para o facto de que, tal como infelizmente já vimos frequentemente acontecer
com o jogo dramático, a utilização imponderada das convenções e a indulgência na sua
escolha pode resvalar para a intervenção pedagógica inconsequente; visto não levar em
linha de conta a profundidade do trabalho dramático e a progressão que determina a
riqueza educativa das experiências. Isto é, o uso das convenções, per si, não deve ser
entendido como condição suficiente para a promoção de um trabalho pedagógico válido,
nem deve comprometer a existência de outro tipo de propostas curriculares baseadas no
drama e no teatro, como são, por exemplo, os trabalhos baseados no texto dramático ou
na apreciação artística. É necessário também entendermos que a verdadeira qualidade
do trabalho educativo baseado nas convenções jamais se alimenta da quantidade. Assenta sim na ponderada escolha e aplicação das convenções a determinados momentos e
contextos, procurando adequa-las às necessidades e experiências dos grupos, aos conteúdos dramáticos escolhidos e às oportunidades de aprendizagem que se pretendam
fomentar.
Após termos introduzido algumas ressalvas que devem informar a didáctica baseada nas convenções, elaboramos um quadro síntese com algumas das convenções dramáticas e teatrais mais usuais em educação.
374
Funções
Necessidades
Categorias da
Acção
Dramática
(Modos)
Apresentar e enquadrar os
personagens, a cena e o
enredo. Acrescentar
informação às situações
dramáticas enquanto
estas decorrem
Partilhar a compreensão do
lugar, do tempo, das personagens assim como de
outros dados contextuais
cruciais para o entendimento e participação no drama
Construção
do contexto
Um dia na vida;
Cadeira quente;
Reuniões; Jogos;
Professo- comopersonagem; Mantle of Experts;
Reportagem
Enfatizar determinadas
dimensões do enredo ou o
que irá acontecer a seguir
Aumentar a curiosidade
sobre o desenrolar da história e criar um sentido de
imanência das acções motivadas pelos que actuam
e/ou pelos que observam
Narrativo
Acção narrada;
Mímica, Ritual;
Máscaras; Montagem
Fomentar o potencial
simbólico do drama através do uso selectivo da
linguagem e do gesto
Permitir olhar para além da
superfície do enredo e
reconhecendo e criando as
dimensões simbólicas dos
trabalhos
Poético
Dar o testemunho;
Percursos do pensamento; Vozes na
cabeça;
Fomentar a exploração do
pensamento subjacente
ao drama
Fomentar a reflexão sobre
os significados e temas que
emergem durante o drama
Reflexivo
Exemplos de
Convenções
Visita guiada; Escultura humana; Personagem na parede;
Objectos do personagem; Desenho
colectivo…
Tabela 3 -Resumo das convenções dramáticas.
Adaptado de Neelands e Goode (2000)
Tal como podemos ver no quadro acima exposto, as diversas convenções podem
ser classificadas, tendo em conta as suas principais funções, em quatro categorias de
acção ou modos dramáticos (construção do contexto, narrativo, poético e reflexivo). Ainda que admitamos que esta classificação revela utilidade sistemática, como muitas
outras, bastante discutível. Analisemos, a título de exemplo, a famosa actividade da
cadeira quente que Neelands e Goode (2000) incorporam no modo narrativo. Sabemos
que esta convenção, chamemos-lhe assim, consoante a forma como é orientada pode
cair mais no modo da construção do contexto ou no modo reflexivo. Se durante a reali375
zação da actividade a personagem focada, que está na cadeira-quente, for estimulada a
responder sobre as suas características mais evidentes (profissão, idade, hábitos, objectivos de vida, etc.) estaremos sem dúvida a mover-nos predominantemente no âmbito da
construção do contexto. Se, por outro lado, a actividade for orientada para respostas
mais introspectivas, abrangendo os sentimentos e a reflexão sobre um determinado
assunto, estando a pessoa a representar ou não uma personagem, estaremos a trabalhar
essencialmente no modo dramático reflexivo. Este tipo de consideração é extensível às
outras convenções. Aceitamos também com alguma reserva que os autores acima referidos considerem os jogos e o professor-como-personagem como convenções claramente
delimitadas a uma só categoria – modo narrativo. Sabemos que o jogo, entendido na sua
forma mais abrangente, apresenta uma tal variedade de funções e objectivos que dificilmente admite ser adjectivado de forma precisa, limitada e generalizável. Por outro lado,
o professor-como-personagem, e principalmente o Mantle of experts, revelam um tal
leque de possibilidades dramáticas e educativas que, segundo a nossa opinião, devem
ser entendidos mais como metodologias do que como convenções strito senso. É de referir que os próprios autores Neelands e Goode (2000) afirmam que a sua taxonomia
“somente ilustra o uso das convenções tendo em conta um propósito determinado e
particular” (pag.8), sendo por isso limitada quanto à sua precisão e mútua exclusividade
das categorias. Admitimos que um dos objectivos mais importantes de uma taxonomia é
estruturar as nomenclaturas que possam dar lugar a discussões de ordem não só teórica
mas também prática, conduzindo e orientando a investigação para as temáticas pertinentes (Milgram, Kishino, 1994). Deste modo, e com as reservas acima referidas, não
deixamos de adoptar neste trabalho a classificação das convenções proposta por Neelands e Goode (2000), visto acreditarmos na sua utilidade enquanto plataforma comum
de sistematização e estudo. Acima de tudo, aceitamos esta organização pela riqueza
pedagógica e didáctica que lhe está subjacente.
De uma forma geral, a taxonomia dos jogos e das actividades dramáticas tem vindo
a ser realizada com base nos seus objectivos tendo em conta o discorrer temporal das
oficinas, utilizando frequentemente a nomenclatura de “actividades de abertura, desenvolvimento e fecho” (assunto amplamente explorado por nós em trabalhos prévios; e.g.
376
Ribeiro, 1998). Ainda que este tipo de taxonomia seja complementar e de certo modo
sobreponível com as convenções, a classificação das actividades dramáticas com assento
nas convenções revela-se mais característica do drama, introduzindo um campo lexical
profícuo e estimulante. Acima de tudo, possibilita que os professores reflictam com
maior profundidade sobre os processos artísticos e educativos subjacentes ao drama na
educação. A classificação dos jogos e actividades dramáticas baseada nos processos longitudinais e na sua articulação ao longo de uma sessão ou programa não deixam de revelar grande utilidade para o professor, permitindo-lhe estruturar as oficinas de um modo
progressivo e também analisar e avaliar o trabalho que produz com base em estruturas e
raciocínios organizativos pré-estabelecidos.
Tendo em conta que as convenções estão amplamente descritas na bibliografia
especializada, não iremos aqui abordar extensivamente cada uma delas, remetendo o
leitor para a consulta das obras de Neelands e Goode (1990), Winston e Tandy (2001) e
Fleming (2003), ou para o anexo (8$) onde descrevemos de forma sucinta algumas das
convenções especialmente utilizadas na realização deste estudo.
Não fecharemos esta abordagem sem deixarmos de referir alguns dos pressupostos didácticos que devem ser salientados na promoção das intervenções educativas
baseadas nas convenções dramáticas. Para isso, e de modo puramente exemplificativo,
socorremo-nos de uma convenção de cada um dos modos ou variedades de acção dramática. Assim, o leitor é introduzido ao pensamento pedagógico e didáctico que pode
informar a escolha e a aplicação das convenções em contexto educativo, podendo posteriormente ponderar, segundo as suas próprias ideias e experiências, sobre as outras convenções que conhece ou que pretende idealizar.
377
9.3 MODO DRAMÁTICO DA CONSTRUÇÃO DO CONTEXTO – E.G. ESCULTURA HUMANA
No âmbito do modo dramático da construção do contexto as convenções são usadas para que os participantes se envolvam mais profundamente com as situações e com
as personagens que informam e despoletam os enredos. Estas convenções ajudam a clarificar e a aprofundar as múltiplas possibilidades interpretativas que possam ser despoletadas nos momentos introdutórios do trabalho ou sempre que for necessário. Concorrendo para a suspensão do descrédito, estas convenções permitem criar um espaço partilhado de significados que comprometem os grupos nas dramatizações e no trabalho
que se pretende desenvolver.
A escultura humana é uma das convenções mais usadas no drama na educação,
adquirindo, consoante os diversos autores, nomes tão diversos como “fotografia”, “estátuas de cera”, “imagem congelada”, etc; existindo múltiplas variações e formas de a
desenvolver. Geralmente, nesta convenção, os participantes são convidados a criar uma
imagem com os seus corpos de modo a cristalizarem um determinado momento, ideia
ou tema. Os grupos representam de forma condensada o que dificilmente poderiam
fazer por palavras ou em movimento. A produção de esculturas é também uma forma
muito útil de representar conteúdos complexos como lutas ou outros momentos de
grande movimentação, simplificando e condensando os conteúdos em formas mais
manejáveis e compreensíveis. Embora permita um certo controlo da acção e não sendo
muito exigente ao nível da implicação pessoal com os conteúdos, requer que os participantes se envolvam reflexivamente na análise das imagens produzidas e observadas.
MODO DRAMÀTICO NARRATIVO
MODO DRAMÀTICO POÉTICO
MODO DRAMÀTICO REFLEXIVO
379
13 CONSIDARAÇÕES FINAIS
REVER
Entendemos que a conclusão, para além de aportar recursivamente os principais
conteúdos apresentados ao longo do trabalho, deve permitir evidenciar novos caminhos
de reflexão. Afirmámos, na introdução, que foi em grande parte por necessidade de formação pessoal que nos envolvemos com a investigação das teorias e metodologias do
drama na educação. Não a damos por malograda. O percurso que realizámos confirmou
expectativas, surpreendeu-nos com novos elementos e, acima de tudo, fecundou possibilidades.
Podemos agora concluir de forma peremptória, com base nas premissas sustentadas durante o trabalho, que o conhecimento do corpo teórico e metodológico do drama
na educação é imprescindível para quem exerce funções de docência relacionadas com a
área. Não faz sentido um professor, qualquer que seja o nível de ensino em que leccione,
afirmar que utiliza de forma fundamentada e reflectida o drama na educação, enquanto
estiver alheado dos seus principais autores e conhecimentos. Só um posicionamento
documentado e crítico pode ajudar a ultrapassar a enorme clivagem que existe entre o
que é idealizado no currículo prescrito e o que se passa realmente nas escolas.
O Currículo Nacional do Ensino Básico: Competências Essenciais, amplamente distribuído pelo Ministério da Educação em 2001, cuja finalidade é promover uma nova cultura assente na flexibilidade de gestão curricular, apresenta a Expressão Dramática/Teatro como uma disciplina independente que abarca diversas competências específicas. No caso do 1º Ciclo do Ensino Básico, estas competências abrangem, por exemplo, o
relacionamento interpessoal e a exploração do uso de máscaras, fantoches e marionetas.
No 2º e 3º Ciclo o drama não é apresentado como uma disciplina, assumindo-se, no
entanto, que pode ser implementado nas escolas no âmbito de projectos educativos e de
clubes. Nestes ciclos, as competências essenciais (termo incongruente, visto a disciplina
381
não ser considerada essencial mas complementar!) incluem, por exemplo, a construção
de personagens e a compreensão da diversidade do teatro. Ainda mais avassalador é o
currículo formal descrever as experiências de aprendizagem e os princípios orientadores
para os três ciclos do ensino básico, empregando frases como (passo a transcrever):
“exploração temática pela improvisação; implementação de hábitos de fruição teatral”
ou “promoção da diversidade de referências para construção do gosto pessoal” (p.79)
Embora a análise mais aprofundada do Currículo Nacional, que ultrapassa o âmbito deste
trabalho, revele várias lacunas e incongruências, admitimos que o documento tem a
hombridade de reconhecer que o drama e as artes são “essenciais e estruturantes” no
ensino básico (p.150). Congratulamo-nos com as intenções. Porém, na generalidade das
escolas, e agora falando da realidade que conhecemos pessoalmente, o que verdadeiramente constatamos é um grande desapreço pelas artes como disciplinas nucleares do
currículo, particularmente pelo drama – o que só pode ser encarado como constrangedor
e intolerável. Sabemos que são múltiplos os factores que levam a esta situação e que não
existem soluções imediatas e fáceis. Acreditamos, contudo, que o esforço de sistematização aqui empreendido, possa, pelo menos, fomentar a constatação da riqueza educativa
do drama e provocar em quem nos lê a intranquilidade sobre esta problemática. Podemos mesmo concluir que desperdiçar o manancial teórico apresentado ao longo destes
escritos e o esforço metodológico dos autores de vulto que abordámos, para além de
incongruente, parece-nos ser, acima de tudo, uma irresponsabilidade educativa a toda a
prova.
Durante este trabalho fomos impelidos a abordar os principais dilemas que se colocam actualmente ao drama na educação, e, por isso, obrigados a reafirmar, de forma
clara, o nosso posicionamento conciliador. Podemos agora concluir que, sectarismos e
exclusividades, quer digam respeito a uma visão mais progressivista e desenvolvimentista do drama, quer procurem sublinhar a sua aprendizagem como disciplina artística, são
somente parcelares e limitadoras de um entendimento que se deseja global e integrado.
A atitude flexível e tolerante que aqui defendemos, e que acreditamos estar na base da
edificação do almejado modelo integrado, jamais deve ser entendida como amorfa ou
incondicional. Ela assume algumas prerrogativas e rejeita outras. Neste domínio, ser-se
382
tolerante com a diversidade de modelos e metodologias pedagógicas, não significa aceitar tudo como benéfico e viável, mas reflectir, de forma crítica e informada sobre a relatividade das suas qualidades. No nosso caso, podemos desde já avançar, como sólida
conclusão, que o modelo integrado do drama na educação deve, acima de tudo, basearse na noção de que não existe uma teoria ou metodologia singular que congregue todas
as potencialidades educativas do drama e do teatro, e que, consequentemente, possa
servir eficazmente os diversificados contextos e necessidades educativas.
A natureza polimorfa do corpo estudantil requer heterogeneidade no ensino. Os
próprios modelos de gestão curricular actuais exigem alternativas de conteúdo e de
estratégia. A questão da gestão curricular, tão em voga actualmente, assume que os professores devem ser os construtores do próprio currículo, sendo aconselhados a adaptá-lo
e a modificá-lo ao serviço das suas próprias necessidades. Porém, isto só é viável se os
professores estiverem equipados com os recursos e os conhecimentos que lhes permitam validar as suas opções. Esta constatação reforça ainda mais a ideia de que o drama
tem de ser entendido e implementado com base na diversidade inerente à sua própria
natureza, requerendo dos professores um eclectismo baseado num seguro domínio de
múltiplas teorias, metodologias e práticas. Estas premissas, que em grande parte não são
mais do que bom senso, empurram-nos para as questões relacionadas com a formação
de professores e para a disponibilidade dos recursos e apoios que os possam ajudar na
sua prática lectiva, nomeadamente: parcerias; sistemas de coadjuvação; apoio bibliográfico, material didáctico, etc. Sem nos alongarmos mais no assunto, fecho-o, afirmando
que em todas as áreas acima referidas, no que diz especificamente respeito ao drama e
ao teatro na educação, as lacunas são mais que evidentes. Permitam-nos, acrescentar,
como conclusão, que vemos assim cumprido, com algum sucesso, a finalidade deste trabalho em promover a ideia de que a formação de professores, no âmbito do drama e do
teatro, necessita de ser exigente e diversificada ao nível das teorias, metodologias e práticas, devendo dar especial atenção às vivências de crescimento pessoal e de reflexão
fomentadas pelo envolvimento directo com a prática artística.
Podemos concluir que todos os autores que aparecem como protagonistas neste
trabalho, importam perspectivas muito válidas para a edificação do modelo integrado do
383
drama na educação. Peter Slade, reconhecido pela sua inegável experiência como educador, oferece-nos uma vertente auto-expressiva do drama, que faz todo o sentido
quando implementada nos anos de escolaridade mais baixos e como reforço da imprescindível ludicidade e do envolvimento dos alunos nas aprendizagens artísticas mais técnicas. As propostas de progressão que idealizou, que têm em conta a organização espontânea do espaço dramático por parte das crianças, são uma referência metodológica
importante. Afirmámos que Brian Way partilha com Slade o mesmo posicionamento filosófico. No entanto, Way aprofunda um modelo de desenvolvimento e intervenção com
base nas actividades práticas que ele próprio idealizou tendo em vista determinados
objectivos educativos. Way perspectiva o drama como um instigador dos processos
internos do pensamento, abrindo a porta aos estudos que interligam o drama com a
dinâmica dos sentimentos, da inteligência e da aprendizagem estética; como os que
foram magistralmente elaborados por Richard Courtney. Este autor, embora sem uma
componente prática e metodológica tão marcada, merece ser estudado e compreendido
por quem se interessa pelas problemáticas desenvolvimentais, educativas e terapêuticas
da arte dramática. A obra de Richard Courtney é vasta e multifacetada, abrindo imensos
caminhos de descoberta e investigação sobre as finalidades educativas do drama e do
teatro. Dorothy Heathcote e David Hornbrook revelam-se também autores indispensáveis. Ambos idealizaram metodologias que permitem implementar, de forma efectiva e
consequente, o drama nas escolas. A compreensão das suas ideias determina que jamais
possamos encarar o drama como uma disciplina menor e pouco aprofundada no que diz
respeito às suas metodologias de ensino. Tanto Heathcote como Hornbrook, demonstram, elaboram propostas e exemplificam intervenções educativas no ensino básico. Os
seus pontos de vista são muito diferenciados. Porém, ambos imprescindíveis e complementares, desde que ultrapassados os extremismos e controladas as incongruências que
possam derivar da sua associação.
A sistematização das principais ideias dos autores que acima referimos, permitenos concluir que para o drama ser reconhecido com seriedade pelo sistema educativo,
deve resistir à tentação de diminuir a sua complexidade de modo a tornar-se facilmente
digerível pelos professores e implementado nas escolas sob a forma de meros jogos e
384
passatempos desarticulados. O drama na educação só pode ser verdadeiramente implementado e compreendido com a força estruturante dos conhecimentos promovidos no
passado pelos autores de maior nomeada. Só estes conhecimentos nos permitem, como
educadores informados, escolhermos de forma reflectida as metodologias mais eficazes
para alcançar determinados resultados.
A investigação que aqui realizámos permite-nos também concluir, de forma axiomática, que não existe uma teoria ou metodologia singular que possa responder às diferentes orientações propostas pelo Currículo Nacional do Ensino Básico. O debate clássico
entre o processo e o produto, e se a aprendizagem fomentada pelo drama deve sublinhar a valorização de conceitos internos e subjectivos ou as manifestações externas do
comportamento, que são objectivas e visíveis, poderá estar assim em vias de resolução.
Contudo, deve ficar claro que não pretendemos arrogar para este trabalho o fecho desta
discussão, pois acredito fortemente que o assunto ainda fará correr muita tinta na literatura especializada. Porém, somos claros e objectivos a concluir, com base nas fortes
premissas avançadas ao longo do trabalho, que ambos os caminhos têm de ser reconhecidos como individualizados mas também como relacionados, co-dependentes e como
componentes essenciais do todo. Concluímos também que nenhuma teoria ou metodologia do drama na educação deve ser promovida ou justificada pela sua sobreposição e
oposição a outras possíveis. Finalmente, que o drama deve ser encarado em todas as
suas multifacetadas formas, pois só deste modo o podemos fortalecer como disciplina e
ajudá-lo a alcançar a centralidade que lhe é devida no currículo real.
A linguagem mais metafórica que usei ao longo do trabalho, principalmente no
capítulo respeitante ao ensaio dramático, não deve ser entendida como um mero acessório ou abstracção lúdica à escrita mais descritiva e formal. É uma parte integrante e
imprescindível da metodologia da descoberta que adoptámos. Foi o processo da sua
produção que permitiu, em grande parte, estimular as incertezas epistemológicas. Foi
também o posicionamento mais estético que me permitiu reflectir com profundidade
sobre as prerrogativas teóricas e o encontro das diferentes personagens. Porém, isto não
foi realizado por mero acaso, mas desencadeado e sustentado na antecedente polifonia
das suas vozes. A tudo isto me juntei, vivendo o processo com base na minha experiência
385
como praticante-reflexivo. Não terei eu desempenhado bem o meu papel? Neste caso,
papel de bom ouvinte, de admirador, de organizador. É essencialmente como anfitrião
que me vou descobrindo neste trabalho. Seria interessante, penso agora, ter baseado
todas as conclusões na hermenêutica deste capítulo. Seria também interessante perceber o que dele se depreende quando desgarrado do resto do trabalho. Para mim é gratificante revivê-lo imaginando a sua encenação.
A linguagem dramática revelou-se, neste trabalho, um excelente instrumento de
pesquisa. Talvez por admitir ser preenchida de tanta realidade. Talvez seja esta a razão
que a faz ser usada com tantos benefícios em algumas ciências humanas, como por
exemplo na Sociologia, onde alguns dos modelos e estudos mais profícuos se baseiam na
realidade teatralizada.
As perspectivas que se abrem pela adopção do drama na investigação são avassaladoras. Estão ainda no seu início. É importante que gradualmente as artes ganhem nas
universidades estatuto como formas de conhecimento e investigação. Quem melhor o
pode fomentar do que quem conjuga na mesma pessoa uma sólida formação artística e
científica. Também neste aspecto não devemos fomentar antagonismos entre modelos:
não se trata aqui de alternativas mas de complementaridades. Na melhor das hipóteses,
de novos assuntos e metodologias que só as artes podem introduzir pela especificidade
do seu funcionamento.
Como educadores imersos no mundo das artes e da descoberta, e como artistas
interessados na pedagogia e didáctica do que reconhecemos como precioso. Não entremos em modas e facilitismos...sejamos prudentes... mas também arrojados.
Retornemos à introdução quando abordámos o nosso posicionamento relativo à
linguagem, ao processo de criação e ao distanciamento. Foi aqui que entrámos na essência do pensamento dramático e que passámos a operar e a resolver imaginários de tensões opostas. Espero que o trabalho possa funcionar da mesma forma para o leitor.
Ambos sabemos que o valor do drama está em convidar as pessoas a criarem ligações
com o seu próprio mundo, a compreende-lo e a mudá-lo. Se assim o entender...Que o
386
leitor se assuma como a conexão ausente! Por mim, pelo trabalho e por agora, dou-me
por satisfeito. Quanto a si...
387
EPÍLOGO
ELABORAR
389
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407
ÍNDICE REMISSIVO
TRABALHAR
Abbs, 311, 404, 405
Brecht, 312, 344, 409
acção, 292, 303, 323, 324, 325, 329, 332,
333, 336, 337, 343, 346, 352
brincar, 296
actores, 291, 301, 303, 304, 351, 353,
354, 356
apreciação artística, 307, 311, 350, 351,
356
aprendizagem, 289, 295, 300, 301, 324,
331, 332, 333, 334, 336, 337, 341,
342, 343, 345, 349, 350, 354, 355, 356
artística, 336
dramática, 337, 338, 339
estética, 336
extrínseca, 336
intrínseca, 336, 337
técnica, 307, 311, 312
Artaud, 312
brincar projectado, 316
dramático, 290, 293, 295, 296, 301,
302, 331, 333
espontâneo, 310, 311, 316
pessoal, 316
projectado, 316
simbólico, 289, 295, 310
sublimação, 295
Caillois, 296
capacidades cognitivas, 331
cinema, 290, 353, 355
Clero, 290
códigos da irmandade, 344, 345
cognição, 336, 338
arte dramática, 291, 295, 302, 304, 307,
350, 352, 354, 355
compreensão, 301, 303, 315, 325, 326,
331, 343, 344, 346
artes
conflito, 296, 325
do palco, 355
audiência, 291, 296, 300, 303, 352, 353,
354
consciência, 323, 325, 338
auto-conhecimento, 321
auto-expressão, 299, 304, 315, 349
Baldry, 290, 405
Barbosa, 285, 405
Bolton, 300, 332, 342, 349, 405, 406,
407
consciencialização, 322, 323, 324, 335,
336, 337, 345
convenções, 297, 301, 304, 353, 355
Courtney, 284, 299, 310, 311, 329, 330,
331, 332, 334, 335, 336, 337, 338,
339, 341, 343, 350, 361, 363, 386, 406
criação artística, 301
cultura, 289, 290, 291, 295, 310, 315,
350, 353
409
currículo, 303, 333, 334, 341, 345, 350
Esslin, 292, 406
desenvolvimento
estádios, 321, 322, 323, 324, 332, 333,
334
cognitivo, 334
dramático, 332, 333
emocional, 311
psicológico, 311, 321, 326, 332, 339,
340, 350
Dewey, 310
drama
como texto, 351, 352, 353, 354, 355,
356
como texto de palco, 353
como texto do palco, 356
como texto electrónico, 353, 355, 356
como texto social, 353
desenvolvimental, 301, 326, 329, 332
espontâneo, 334, 336
indutor cultural, 351
processo, 300, 301, 304, 307, 309, 311,
312, 324, 326, 331, 332, 334, 335,
336, 337, 343, 345, 349, 350, 352,
353
produto, 300, 301, 303, 304, 307, 331,
355
drama na educação, 79, 80, 81, 83, 85,
86, 87, 88, 89, 263, 264, 266, 269
estética, 332, 335
Fenomenologia, 19, 22, 142, 251
Fleming, 297, 301, 304, 305, 306, 307,
331, 406
Freinet, 310
Freud, 295, 407
Galileu, 345
Gloton, 290
Goode, 305, 409
Greene, 407
guerra das ciências, 103, 104, 111, 114
Hamlet, 337
Heathcote, 312, 340, 341, 342, 343, 344,
345, 346, 349, 350, 355, 406, 407,
408, 409, 411, 412
educação artística, 289, 299, 311, 312,
336, 337
Hornbrook, 291, 292, 304, 309, 310,
311, 312, 340, 341, 349, 350, 351,
352, 353, 354, 355, 408, 409
emoção, 321, 325, 326, 335, 338, 343
Huizinga, 296, 408
empatia, 324, 325, 331
improvisação, 304, 312, 321, 326, 336,
337, 349, 351, 352, 353, 354
enredo, 300, 322, 325, 336, 337, 343,
346, 351, 353, 355, 356
inconsciente, 323, 324, 332, 337, 338
equilíbrio, 301, 324, 326, 335
inconscientes, 338
Erikson, 329, 332
inteligência, 332, 336
espaço cénico, 356
intencionalidade pedagógica, 300, 301
espectáculo, 303, 353
interdisciplinaridade, 342, 350
espontaneidade, 301, 311, 315, 340
interpretação, 338, 342, 352, 354, 356
410
investigação, 10, 14, 21, 44, 46, 47, 71,
72, 73, 74, 75, 91, 96, 100, 117, 118,
134, 135, 168, 169, 171, 180, 183,
184, 185, 186, 193, 197, 249, 250,
251, 252, 253, 285, 286, 375, 378,
383, 386, 387, 388
Neelands, 305, 350, 409
Jennings, 296, 408
peça, 291, 303, 304, 315, 337, 351, 353,
354, 355, 356
jogo, 289, 295, 296, 297, 301, 316, 337,
349
dramático, 296, 297, 301, 316, 326
julgamento, 335, 338, 352
notação, 351, 352
O`Toole, 291, 303, 410
Pateman, 303, 410
pensamento, 290, 291, 295, 316, 329,
331, 333, 334, 335, 336, 337, 343, 345
percepção estética, 335
Kitson, Spiby, 301, 303, 304
performance, 351, 353
Kohlberg, 329, 332
personagens, 295, 303, 321, 323, 324,
325, 331, 333, 336, 344, 345, 346,
351, 355, 356
Laban, 311, 408
Landy, 290, 295, 299, 300, 301, 303, 408
literacia artística, 301, 350
luminotecnia, 353, 354
Mantle of Experts, 342
Martin-Smith, 307
McCaslin, 295, 296, 299, 300, 409
McCullough, 305, 409
metáfora, 338
metodologia, 341, 344, 346, 349, 351,
352, 355
Millar, 310, 409
personalidade, 315, 321, 324, 336, 349
Piaget, 1, 295, 329, 332, 334, 410
Poulter, 297, 410
processos mentais, 290, 331, 337
produção, 315, 329, 351, 352, 354, 355
produção teatral, 304, 353
progressivismo, 309, 310, 311, 341, 349,
350, 351
projecção, 311, 312, 324
psicopedagógico, 312
Montessori, 310
público, 290, 303, 315, 317, 351, 353,
355
Morris, 301, 409
Read, 311, 410
mudanças cognitivas, 332
reflexão, 301, 343, 344, 345, 346, 356
Muir, 344, 409
representação, 289, 316, 321, 323, 324,
331, 333, 336, 337, 344, 346, 350,
351, 354, 356
não-intervencionismo, 311, 315, 341
narrativa, 292, 351
411
representar, 324, 331, 332, 351, 353,
355
resolução de problemas, 336, 349
história, 289, 305
na educação, 289, 303
teatro participado, 303
Ribeiro, 295, 296, 297, 410
técnicas teatrais, 289, 301, 302, 304,
307, 341, 344, 354, 356
Rosseau, 309
televisão, 289, 290, 342, 353, 355
Schonmann, 307, 410
tensão dramática, 345
segmentação, 345
terapêutico, 311, 319
Slade, 284, 301, 311, 315, 316, 317, 318,
319, 321, 329, 339, 341, 349, 350,
360, 361, 363, 385, 410
terapia, 339
Solmer, 290, 411
universais, 343, 350
Somers, 301, 411
Wagner, 341, 342, 343, 344, 346, 411
sonoplastia, 353, 354
Walkinshaw, 299, 301, 307, 346, 411
suspensão do descrédito, 290, 343
Watkins, 296, 411
Taylor, 285, 350, 411
Way, 284, 299, 300, 311, 321, 322, 323,
324, 325, 326, 329, 339, 341, 350,
363, 386, 411
Teacher-in-Role, 346, 349
teatro, 289, 290, 296, 301, 303, 304,
305, 307, 312, 315, 331, 339, 344,
351, 353
arte, 290, 301, 303, 331
educação, 293
412
transformação, 331, 337
Wiertsema, 296
Wilks, 411
Willis, 290, 407, 411
Winston e Tandy, 285, 297

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