Melquíades, o transculturador de Macondo em Cem anos
Transcrição
Melquíades, o transculturador de Macondo em Cem anos
Melquíades, o transculturador de Macondo em Cem anos de solidão Fátima Yukari Akiyoshi França RESUMO O presente trabalho tem como propósito estudar o processo de transculturação e tomará como base a obra de Gabriel García Márquez, Cem anos de solidão. Serão abordados aspectos fundamentais da cultura cigana por meio da representação do personagem Melquíades, um cigano místico, sábio e essencial, por ser o dono dos pergaminhos. Faz-se necessária uma breve apresentação da obra em seu contexto histórico e ficcional, inerente à produção literária da América Latina. A abordagem sobre os temas tradição e progresso, na perspectiva de Ángel Rama, Fernando Ortiz e Leyla Perrone-Moisés, será pertinente para fomentar a compreensão da identidade latinoamericana, que será analisada de forma reflexiva para captar a complexidade do limite entre o ficcional e o real. PALAVRAS- CHAVE: Cem anos de solidão, Melquíades, cultura cigana, transculturação RESUMEN El presente trabajo tiene como propósito estudiar el proceso de transculturación y tomará como base la obra de Gabriel García Márquez, Cien años de soledad. Serán abordados aspectos fundamentales de la cultura gitana por medio de la representación del personaje Melquíades, un gitano místico, sabio y esencial, por ser el dueño de los pergaminos. Se hace necesaria una breve presentación de la obra en su contexto histórico y ficcional, inherentes a la producción literaria en la América Latina. El abordaje sobre los temas tradición y progreso, en la perspectiva de Ángel Rama, Fernando Ortiz y Leyla Perrone-Moisés, será pertinente para fomentar la comprensión de la identidad latinoamericana, que será hecho un análisis de forma reflexiva para captar la complexidad del límite entre el ficcional y el real. PALABRAS-CLAVE: Cien años de soledad, Melquíades, cultura gitana, transculturación INTRODUÇÃO O presente trabalho dirige sua atenção à análise de alguns temas que constituem, aparentemente, um processo de reencontro entre história e ficção. A proposta que norteou o estudo foi o modo como Gabriel Garcia Márquez, escritor colombiano, procedeu à sua narrativa. De forma transcultural, através da representação do cigano Melquíades, o poeta recriou Macondo, agregando valores reais ao mundo fictício. O livro rendeu ao escritor o Prêmio Nobel de Literatura em 1982, e é considerado uma das obras mais importantes da literatura Latino-Americana, tornando-se, consequentemente, muito estudado, traduzido, lido e comentado nos últimos anos. É uma obra complexa. Envolve muitos personagens e fatos históricos, que se mesclam com a ficção e se fecham em um círculo ante as previsões de um fim anunciado, o qual está previsto nos manuscritos de Melquíades. Na trama, o poeta se preocupa em recuperar a identidade da etnia cigana, a qual, por vários séculos, representou simbolicamente povos munidos de imagens negativas, repletas de estigmas, que contribuíram para cristalizar o imaginário coletivo, que fora constituído de forma estereotipada. Os ciganos eram vistos como marginalizados, desempregados, pobres e trapaceiros. Nessa narrativa, Melquíades, um personagem envolto em mistério, contribui para o desenvolvimento da aldeia fictícia; daí a ideia de ressaltar o componente transculturador que permeia a forma como esse cigano é introduzido na obra. Ocorre um processo de mescla entre as culturas ocidental e oriental, desde as mais remotas até as atuais. Tanto os ciganos quanto as Américas estão representados por meio de elementos simbólicos, arquetípicos e alegóricos, características fundamentais da literatura Latino-Americana. As narrativas pertencentes a essa literatura chamam a atenção por agregarem significações contrastantes, o oximoro entre o real e o ficcional. Para o poeta, esta obra foi escrita com detalhes de um escritor realista e acredita que na América Latina tudo é possível, tudo é real, pois toda a fantástica realidade latino- americana cria forma em seus livros, assume esta certa realidade e contribui com algo novo à literatura universal1. (LLOSA) A história da Colômbia está repleta de conflitos, guerras civis e crises sociais; é um país governado alternadamente por grupos políticos liberais e conservadores. O pósguerra marcou a crise política mais severa para o país e desencadeou um levantamento nacional contra o governo conservador, despertando uma onda de violência. Isso refletiu na literatura de García Márquez e de muitos outros escritores latino-americanos, recebendo a designação de “literatura da violência”. Portanto, a produção literária se caracteriza por impressões realistas, apresentando uma realidade desafiadora, de denúncias e protestos. Para essa recriação das Américas, García Márquez utiliza uma nova cultura para representar o “novo” nesse continente, a etnia cigana, representada pelo personagem Melquíades, articulador da narrativa. Ele apresenta novidades e leva progresso à aldeia fictícia de Macondo. Essa é uma metáfora do mundo moderno europeu que descobre as Américas, simbolicamente representada pela aldeia. Melquíades é um personagem transculturador, representante da etnia cigana, a qual sempre esteve presente nas grandes literaturas e é historicamente relacionada à cultura e classe popular. Em Cem anos de solidão, é possível um representante de cultura subalterna assumir a consciência de papel de destaque. Portanto, será pertinente analisar a obra no contexto literário, histórico e antropológico de alguns críticos para melhor compreensão da etnia cigana. É fundamental a análise dos mitos e símbolos que foram criados ao redor da imagem dos ciganos para que se tenha o entendimento da criação de Melquíades. Foi dada voz a esse representante que, por muitas vezes, apareceu em um patamar rechaçado. García Márquez o introduz na trama de maneira eufemizada, transformando-o em um personagem lendário. Portanto, o personagem é um elemento altamente mítico, decisivo na narrativa, profetiza em seu pergaminho todo o destino dos habitantes de Macondo. Nesses manuscritos, ele escreve na língua sânscrita, dificultando a compreensão; porém, um dos 1 Estas foram as palavras que García Márquez concedeu à Vargas Llosa em uma entrevista realizada em 1967 pelo jornalista Jorge Zavaleta, porém publicada no dia 12 de dezembro de 2010 para o jornal El comercio de Perú. descendentes do coronel Buendia, o fundador da aldeia, decifra as escrituras, alcançando o sentido do sagrado. MATERIAL E MÉTODOS Como professora de línguas estrangeiras, especificamente de Língua Espanhola, o envolvimento com as culturas diversas e leituras de grandes autores latino-americanos foram os motivos os quais me levaram a desenvolver trabalhos sobre o escritor colombiano Gabriel García Márquez. Considerado um dos grandes transfiguradores do real, esse autor recria o mundo de modo particular e incorpora a literatura das Américas às culturas advindas de outros continentes, levando a percepção do universo a se converter em uma realidade próxima à sua. É importante inserir, no presente trabalho, como os espaços geográfico e social interferem na própria caracterização da identidade das personagens e da Colômbia, inclusive podem ser o ponto de origem, de desenvolvimento e de desfecho de uma obra. García Márquez, natural de Aracataca, na Colômbia, criado por seus avós maternos, faz parte de um lugar calcado de inúmeras questões sociais, com as quais o poeta pôde conviver enquanto cidadão, jornalista, diretor de cinema, político e escritor. Por essas razões, o poeta escreve com detalhes a problemática de seu país e arredores, inserindo a sua literatura em fantástica realidade e transculturadora como ele mesmo a definiu. Portanto, o estudo realizado é de natureza bibliográfica e a leitura dos textos que compõem o corpus é: Cem anos de solidão de Gabriel García Márquez. A releitura seria necessária para proporcionar a apreensão de detalhes. A leitura de textos teóricos, como: Ángel Rama, Fernando Ortíz, Leyla Perrone-Moisés, César Fernández Moreno e outros pertencentes à literatura Latino Americana, ligados à época em que se insere o autor e a obra em estudo são pertinentes, como também a leitura de outros textos e épocas, com a finalidade de apresentar características afins e assim chegar à reestruturação dos objetivos propostos. A leitura de teóricos literários referentes à transculturação e aos mitos é pertinente para poder concretizar as ideias. As referências bibliográficas relativas à teoria literária, histórica e antropológica, como de Jean-Claude Schmitt, Borrow, Fazito, Fraser e Liègeois são necessárias ao enfoque deste trabalho para melhor compreensão da etnia cigana. Assim, as pesquisas bibliográficas e a seleção dos títulos constituirão o material de apoio. RESULTADOS Este trabalho visa a entender as diversas peculiaridades da cultura cigana, representada por Melquíades, na obra em estudo, e também a criação das Américas dentro da literatura, na concepção dos europeus. Embora a discussão das questões abordadas seja extensa, o que se buscou aqui foi analisar o personagem Melquíades, suas tradições - com enfoque na forma de transculturação e a formação estereotipada de sua cultura - e a influência do povo cigano na formação de Macondo que, metaforicamente, representa as Américas. DISCUSSÕES A maneira de escrever do escritor colombiano, García Márquez, deve-se, em grande parte, ao que ele passou na sua infância, no interior do país, em Aracataca. Por motivos familiares, foi viver com seus avós maternos; e o seu modo de narrar tem como inspiração tudo o que vivenciou e compartilhou ouvindo as histórias e os acontecimentos de seus avós. Em Cem anos de solidão, realidade, fantasia e mito se mesclam para formar um mundo único. Antes de ser escritor, García Márquez chegou a iniciar o curso de Direito, mas logo se converteu em jornalista, foi enviado à Europa para ser correspondente do “El espectador”. No final da década de 1950, voltou às Américas, a Caracas, e logo foi enviado a NovaYork. Mais tarde, foi enviado para a Cidade do México e iniciou a carreira de diretor cinematográfico. Em seguida, escreveu seu primeiro livro de ficção, Ninguém escreve ao coronel; e, em 1967, Cem anos de solidão. Desde então, o escritor tem sido reconhecido mundialmente. Toda a narrativa de Cem anos de solidão parte de elementos realistas, desde as descrições detalhadas dos acontecimentos, as personagens até a natureza das Américas. Até hoje se vive o deslumbramento da descoberta das obras de Gabriel García Márquez. Como Moreno sintetiza, o romance é “um livro de amor e de imaginação” e tudo “está nele: história e mito, protesto e confissão, alegoria e realidade” (MORENO, 1979, p. 81). Referindo-se ao fato de que todo o romance é, em última análise, uma alegoria da condição humana, Moreno adverte que, mais do que isso, Cem anos de solidão. é também alguma coisa de mais preciso: a história de toda uma família que passa da inocência à destruição; a criação de um lugar místico – centro do mundo como em toda a história mágica – que é Macondo; a queda dos homens; a exploração e a corrupção de um povo concreto da América espanhola; a presença da mulher – mulher-mãe, mulher-fundação – que se chama Úrsula. Enraizado, pétreo, fluvial, Cien años de soledad é um romance de uma terra e de uma família, da terra e dos homens, dos ciclos progressivamente infernais que levam do paraíso e da inocência à morte. A magia predomina no romance; magia feita de terra e sonho que é também mito e lenda mais do que história. Talvez o mais extraordinário de Cien años de soledad seja a capacidade de narrar com realismo preciso e, às vezes, descarnando até transformar a realidade em lenda sem que a lenda perca a aparência de realidade (MORENO, 1979, p. 194). García Márquez é considerado por muitos ensaístas um escritor que carrega consigo características próprias de transculturação, termo elaborado por Fernando Ortiz (2002) para explicar a formação cultural do Continente Latino-Americano; posteriormente, aperfeiçoado pelo crítico uruguaio Ángel Rama , o qual enfatiza que existem três níveis fundamentais para o romance latino- americano: a revitalização da língua, a estruturação literária e a cosmovisão. A obra conta a história de uma aldeia fictícia, chamada Macondo, onde ocorrem fatos sobre uma história completa, desde o seu nascimento até a sua destruição, abarcando vários níveis em que a vida necessita passar, representando assim o ciclo de uma cultura e das pessoas. É fundada pelo coronel Buendía, sua esposa Úrsula e alguns aventureiros da região que ousaram seguir o coronel. A princípio, a aldeia era composta por vinte casas, lá todas as coisas careciam de nomes; tudo era novo, a vida era pacata até a chegada dos forasteiros. A narrativa é uma engrenagem de repetições, pois conta a história da estirpe dos Buendía composta por sete gerações. As histórias se confundem, os nomes são repetitivos, a proliferação de pessoas se prolonga por uma rama de homens; de um lado, os José Arcadios, e do outro, os Aurelianos. Logo no princípio do livro, o autor cria uma árvore genealógica para que o leitor possa entender, sem se perder, sobre cada membro da família. Portanto, a estirpe se estende por cem anos, completando o ciclo de início, meio e fim. A aldeia pode ser entendida como o mito da criação do mundo. Os fundadores buscam um lugar para se instalarem e escolhem Macondo por sua localização às margens de um rio. Em plena construção da aldeia, além dos comerciantes, começam a suceder os acontecimentos extraordinários provocados por uma pessoa mística com poderes fora do comum, o grande mago realizador de maravilhas, Melquíades, um cigano que aparecia acompanhado com o seu grupo, no mês de março, deslumbrando os macondinos. Esse misterioso cigano foi quem apresentou a tecnologia ao coronel Buendía e a seu povo. Considerado um alquimista admirado pelo coronel, traz uma intriga fundamental à narrativa: os pergaminhos. Muitos da estirpe dos Buendía tentam decifrá-los, porém isso foi possível somente pelo último descendente, Aureliano Babilônia, que foi quem pôde ler e entender o conteúdo que estava escrito em sânscrito, marcando o fim de toda a estirpe dos habitantes e de Macondo. Esse místico cigano chegou a Macondo com seu grupo levando várias invenções como: a lupa, o gelo, o ímã, a alquimia e despertou curiosidades ao coronel Buendía, fazendo-o mudar a sua rotina e de alguns habitantes da aldeia. O conceito de transculturação é atribuído à literatura Latino-Americana, pois centraliza a ideia da problemática pela mescla de etnias presentes na América, com o intuito de mostrar a formação de uma identidade cultural, a qual é manifestada através das críticas inseridas nas narrativas do continente. Em Cem anos de solidão, a transculturação está presente no próprio Melquíades, o cigano que passa a viver em Macondo até seus últimos dias de vida. Na obra, Melquíades e seu grupo são os grandes propiciadores de contatos da aldeia de Macondo com o mundo exterior. Desempenham papel fundamental a partir do momento em que mostram para a população da aldeia as novidades que até então eram conhecidos somente nos continentes mais desenvolvidos, como a Europa. De acordo com o fragmento abaixo, as novidades eram levadas a Macondo pelo cigano e seu grupo, seguidas de demonstrações que eram feitas de forma surpreendentes para os habitantes: Un gitano corpulento, de barba montaraz y manos de gorrión, que se presentó con el nombre de Melquíades, hizo una truculentas demostración pública de lo que él mismo llamaba la octava maravilla de los sabios alquimistas de Macedonia. Fue de casa en casa arrastrando dos lingotes metálicos, y todo el mundo se espantó al ver que los calderos, las pailas, las tenazas y los anafes se caían de su sitio, y las maderas crujían por la desesperación de objetos perdidos desde hacía mucho tiempo aparecían por donde más se les había buscado, y se arrastraban en desbandada turbulenta detrás de los fierros mágicos de Melquíades. (MÁRQUEZ, p. 09 e 10) No início da narrativa, de acordo com o fragmento citado, o povo de Macondo experimenta a cultura dos aforinos, como a dos ciganos, fazendo com que Macondo conheça e se sinta um pouco mais inteirada sobre as novidades. Macondo era carente de informações, de tecnologias e de perspectivas sobre o desenvolvimento social e, por esse motivo, os habitantes esperavam ansiosamente a chegada dos visitantes. Historicamente, ocorreu o mesmo com as Américas no decorrer da colonização: os europeus deixaram marcas nas terras novas, introduzindo uma cultura homogênea, com concepções ideológicas que se desenvolveram de acordo com seus contextos geográficos específicos, influenciando na formação identitária do Novo Mundo. Por essa pequena síntese da obra, percebe-se que existem vozes no âmbito da transculturação narrativa; evidenciando as relações na construção de uma nação. O texto foi escrito no momento em que muitos países da América Latina estavam sob governos ditatoriais. Assim, as considerações dos teóricos Mikhail Bakhtin, Fernando Ortíz e Ángel Rama, bem como os conceitos de memória, pátria e nação sob o olhar de Leyla PerroneMoisés possibilitam propor uma leitura que complemente as análises. Os estudos sobre a transculturação realizados por vários teóricos têm mostrado definições variadas, mas sempre com o mesmo intuito: definir a cultura de uma nação que se desenvolveu e se transformou sob a influência de outras culturas; no caso das Américas, com a predominância da cultura europeia. Forma-se historicamente outra nação, com características singulares e, mesmo compartilhando dos mesmos pressupostos, os valores atribuídos são diferentes. De acordo com a ensaísta brasileira Leyla Perrone-Moisés, em sua obra Vira e mexe nacionalismo: Toda cultura é resultado de intercâmbios e mesclas bem-sucedidas. Nenhuma das grandes culturas reconhecidas como tal se desenvolveu fechada ao estrangeiro: a cultura de Roma fortaleceu-se ao assimilar a Grécia, a inconfundível cultura japonesa foi criada a partir da chinesa etc. (PERRONE-MOISÉS, p.22) O hibridismo esteve presente nas nações citadas. Esse hibridismo pode ser observado na questão cultural que permeia o desenvolvimento e a afirmação das nações, como ocorreu também em Macondo. Além de a trama envolver as sete gerações da estirpe dos Buendía em cem anos de acontecimentos, existe ainda a estrutura social da aldeia e sua evolução em um século de vida. O autor consegue tratar a obra como uma metáfora civilizacional, pois Macondo está inserida em um contexto de recuperação das origens, representando as Américas. Existem situações de superação em que os povos latino-americanos estão cansados de ser explorados. Muita coisa está acontecendo fora da Colômbia, porém é preciso se sustentar como um novo mundo. Essa aldeia está protegida de males, não tem governo e tampouco religião. Macondo é uma comunidade igualitária e patriarcal do tipo bíblico, composta primeiramente pela família Buendía. Logo se instala uma comunidade de comerciantes árabes; os trabalhadores da região, considerados crioulos; os índios que serviam de domésticos; muitos imigrantes; gringos; os peões e, por fim, os ciganos. Eles construíram parte da comunidade da aldeia, mas seriam os grandes responsáveis pela transculturação, veículos das novidades. O cigano Melquíades carrega consigo a sua cultura, cultiva sua língua materna, o sânscrito. Destaca-se pela linguagem original em que fora escrita a obra, ou seja, a sua própria obra, e ainda possui a habilidade de falar o idioma do coronel Buendía, o castelhano. Revela-se o desenvolvimento do processo de orientalização do mundo pela influência e adoção de elementos das culturas e civilizações orientais. Por meio da obra, o autor tenta recuperar a identidade de Melquíades e de seu povo. De acordo com os poucos registros existentes, os ciganos são povos sem nação e sofrem preconceitos desde a antiguidade até os dias atuais. Os estudos de que se tem notícia são registros realizados por povos considerados não ciganos, os conhecidos gadyés2, e são raros os documentos firmados pela própria etnia, já que são considerados ágrafos3. De acordo com alguns antropólogos, a história do povo cigano carrega versões diversas. O único conceito conclusivo refere-se ao idioma falado pela maioria dessa etnia, a língua Romani ou o Rom, assim chamado por muitos e ainda utilizado em algumas regiões 2 3 Termo utilizado pelos ciganos para nomearem as pessoas que não pertencem à sua etnia. Povos ou comunidades que não possuem a comunicação escrita, são munidos de oralidade. ao norte e noroeste da Índia; sendo consenso também que o idioma considerado um dos mais antigos do mundo, o sânscrito, originou-se nessa mesma região. Muitos chegaram a pensar que os ciganos eram originários do Egito, porém muito antes tiveram seus primeiros registros no noroeste da Índia. Por pertenceram às castas inferiores, e não aceitarem a viver como cidadãos dessa cultura, eram discriminados, e assim partiram dali para não se submeterem aos trabalhos destinados a essas castas, pois não teriam oportunidades para se expressar de forma livre. Acredita-se que, partindo da Índia, alguns grupos ciganos se dirigiram para o Afeganistão, Pérsia, Armênia, Ásia Menor, chegando à Europa pela Grécia, derramando-se pela Península Balcânica, vindo à Valáquia, Moldávia, Hungria, onde foram notados em 1417. Porém, muitos buscaram orientar-se ao lado Oeste do Planeta, chegando até o Egito, de onde mais tarde prosseguiram até Marrocos, que se acerca à Europa, sendo então um trampolim para a Península Ibérica. No estudo realizado por Fazito, 2000, ele cita que, segundo Angus Fraser (1995), os ciganos teriam chegado a Constantinopla por volta do ano 1000 D.C. Esses grupos de viajantes se fixaram na região do Peloponeso, na Grécia, no início do século XII, e, a partir daí, apareceram vários testemunhos indicando sua presença, tanto de monges cristãos em peregrinação à Terra Santa quanto de outros nobres senhores donos de terras (id., pp. 4750; Liègeois, 1988, pp. 35-9). Jean-Claude Schmitt, estudioso das culturas marginais, sustenta que alguns grupos de gitanos4 conseguiram infiltrar-se em embarcações junto aos chamados “Cristãos-Novos5”, vindo para as Américas já no final do século XVI. Dessa forma, os ciganos conseguiram chegar às Américas chamando a atenção dos demais povos por sua diversidade cultural, modo de vida e o idioma, muito diferente de outros imigrantes da época. 4 Na língua espanhola significa “ciganos”. Termo muito utilizado na Europa para atribuir às pessoas dessa etnia. Era a designação dada na Espanha, Portugal e Brasil aos judeus e muçulmanos convertidos ao cristianismo em contraposição aos cristãos-velhos. 5 Muitos ciganos que conseguiram chegar às Américas preferiram atirar-se às terras ultramarinas, em busca de fortuna e redenção na largueza das selvas, sertões e terras a serem desbravadas, lugares aonde dificilmente o Santo Ofício6 poderia chegar. Existem registros de ciganos no mundo todo, tendo mais relevância na Europa, com maior concentração na Europa Oriental e na Península Ibérica. Quase tudo que se sabe sobre os ciganos é marcado por fantasias. Os ciganos eram peregrinos e liam a sorte, duas boas profissões em épocas de superstições. Carregam consigo um poder de persuasão muito grande, pelo qual são conhecidos mundialmente e causam certo sentimento de medo e insegurança sobre a população considerada não cigana. Com suas técnicas, ganham a admiração de muitos que creem na previsão do futuro. Porém, não só de preconceitos vivem as culturas ciganas e não ciganas, pois na leitura de Borrow, entre os ciganos, viviam muitos profissionais honestos, como músicos, artistas, toureiros, artesões, tratadores de cavalos, ferreiros, açougueiros, hoteleiros e outros. Isso pode ser comprovado em Cem anos de solidão. Melquíades sofre preconceitos no início da trama, porém, mais tarde, consegue, através de sua sabedoria, conquistar a confiança da família Buendía, com a qual passa a viver, em um quarto cedido por eles, que fora transformado também em um lugar de estudos e experiências alquímicas. Em Cem anos de solidão, ocorre sutilmente a eufemização do símbolo, à imagem de Melquíades, o cigano propriamente dito, pois García Márquez consegue transformar a imagem desse estereótipo em sua narrativa. Para isso, ele utiliza contextos e atribui confiança e qualidades ao cigano, deslocando atributos preconceituosos produzidos inconscientemente e transformando-os em sagrados. Os primeiros intelectuais e cientistas a falar sobre os ciganos foram os filósofos, linguistas e historiadores que muitas vezes se confundiam com aventureiros, missionários ou viajantes a serviço da Igreja ou dos Estados coloniais e que, na maioria das vezes, nunca haviam sequer visto um cigano. Nos grandes clássicos dos séculos XVII e XVIII, as representações dos ciganos continuaram nos romances. Mais recentemente, no período romântico do século XIX, como em Victor Hugo, apresentaram-nos de forma estereotipada, porém romantizado, revelando 6 Considerados tribunais da Inquisição, instituição complexa , fundada em 1184, para combater a heresia, tinham objetivos ideológicos, econômicos e sociais. Era comum na Europa, porém se estendeu por partes do mundo católico e alguns poucos protestantes, entre os anos de 1542 e 1965. novos atributos e redefinindo outros. A representação do cigano passa a incorporar de vez a imagem do indivíduo antissocial e amoral ao mesmo tempo em que representa romanticamente o aventureiro, amante inveterado e boêmio. Porém, dentro da História mundial, houve várias tentativas para eliminar a cultura e a herança genética, como fez a rainha da Áustria, Maria Teresa, no século XVIII. Foi uma rainha de pulso firme, transformou a economia e o império em um Estado moderno, reformou a educação e governou grande parte da Europa Central, sendo avaliada por seus contemporâneos por possuir regime preconceituoso e supersticioso. A rainha considerava os judeus, os ciganos e os protestantes perigosos para o Estado e tentou afastá-los de alguma forma. Foi considerada a monarca mais antissemita da época, chegou a escrever sobre os judeus de forma clara, manifestando seu repúdio contra esse povo. Jean-Pierre Liégeois relata: Maria Teresa, depois de reprimir violentamente os ciganos, mudou sua política completamente em 1758, através de uma série de decretos. Primeiro, ela forçou todos os ciganos a venderem seus cavalos e caravanas, enquanto os grandes donos de terra tiveram de dar-lhes terras e materiais para que construíssem suas casas. O resultado foi o confinamento dos ciganos, aos quais não era permitido transitarem além de suas vilas sem autorização escrita. Ela, então, baniu o uso do termo Cigány, que foi substituído por "novo cidadão" [...]. Em 1767, proibiu o tradicional voivoda (chefe) de manter julgamentos sobre seu grupo; os grupos familiares passaram a se sujeitar às magistraturas locais, e gradualmente se desintegraram. Viagens, vestimentas, linguagem, alimentação e comércio praticados foram controlados, e os infratores das novas normas eram então punidos. De 1773 em diante, os casamentos entre ciganos foram proibidos e, a cada casamento inter-racial, eram conferidos 50 florins. Aos 5 anos de idade, as crianças ciganas eram tomadas de seus pais e doadas às famílias camponesas a fim de que pudessem educá-las. (1987, p. 99) Contudo, o sociólogo Jean-Pierre Liégeois, estudioso da cultura cigana, apresenta em suas investigações a razão pela qual os ciganos são perseguidos e busca fundamentações para uma melhor convivência entre os povos. Em muitas de suas obras, é relevante o tema da integração social dessa gente e de suas crianças e como sobrevivem os mais ricos que escondem a sua própria identidade para evitar exclusões que permeiam sua realidade, principalmente nos dias atuais. A literatura como o transfigurador do real confirma que o discurso mitológicocientífico tem o poder de dividir socialmente o mundo, legitimando algumas representações e imagens, condenando outras e fundamentando práticas cotidianas. O estudo da “ciganologia” contribuiu, em alguma medida, para a consolidação das perseguições aos ciganos e exclusões deles, além da cristalização e manutenção de muitas de suas imagens deterioradas. Na maior parte das vezes, os ciganos atualmente se opõem à história a que foram submetidos e encarnam um Melquíades, tentando passar a imagem do cigano-eternoviajante de Cem anos de solidão, corpulento e bruto, mas livre, independente e destemido. Portanto, o cruzamento entre as culturas na obra Cem anos de solidão é, antes de tudo, dialógica, pois costumes e tradições se mesclam. Esse desenvolvimento na época de globalização é uma análise realizada por diversos aspectos do processo de mundialização. Logo se torna necessário reconhecer a ocidentalização do mundo. Stuart Hall reflete sobre o contato entre as culturas distintas: Através da transculturação, grupos subordinados ou marginais selecionam e inventam a partir dos materiais a eles transmitidos pela cultura metropolitana dominante. É um processo de zona de contato, um termo que invoca a co-presença espacial e temporal dos sujeitos anteriormente isolados por disjuntivas geográficas e históricas (...) cujas trajetórias agora se cruzam. Essa perspectiva é dialógica, já que é tão interessada em como o colonizado produz o colonizador e vice-versa (...) em a lógica disjuntiva que a colonização e a modernidade ocidental introduziram no mundo e sua entrada na história que constituíram o mundo, após 1492 (HALL, 2006, p.31). O que existe na literatura de García Márquez são as identidades em trânsito, em conflito. A identidade vista de modo coletivo implica a formação de vários grupos culturais da nação: a cultura subalterna, a cultura hegemônica, alta cultura, cultura de massa, entre outras. Portanto, o projeto literário do escritor colombiano desconstrói a sociedade, que está posta em bases indestrutíveis como verdade absoluta, especialmente quando é tratada a essência das coisas do homem, da palavra e da sociedade. Na narrativa, o mito, transfigurado na imagem do cigano, nos remete ao sincretismo misterioso, poderoso que possibilita a compreensão e a cosmovisão do criador de Macondo, a trama da estirpe dos Buendía, os acontecimentos da aldeia a partir dos pergaminhos, os quais contam toda a história. No transcurso da trama, Macondo passa por distintas etapas; tanto a sociedade como a dramática vida que sofrem seus personagens vão se intensificando. A trajetória da representação de Melquíades na literatura de García Márquez foi de certa forma, um reflexo do que acontecia ao grupo étnico na existência real. Na verdade, a literatura possibilitou recriar uma realidade menos dura e com menos preconceitos. O escritor promove a ascensão da voz desse povo, por meio de um único personagem, no espaço literário, tradicionalmente reservado aos dominantes que são considerados de classes superiores, letrados, ao contrário dos ciganos. A princípio, Melquíades é apresentado como um cigano típico: Era un fugitivo de cuantas plagas y catástrofes habían flagelado al género humano. Sobrevivió a la pelagra en Persia, al escorbuto en el archipiélago de Malasia, a la lepra en Alejandría, al beriberi en el Japón, a la peste bubónica en Madagascar, al terremoto de Sicilia y a un naufragio multitudinario en el estrecho de Magallanes. (MÁRQUEZ, p. 14) Segundo o fragmento acima, o cigano Melquíades carrega as suas origens, possui a vida errante, viaja sem destino, em busca de um lugar melhor. Representa a materialidade da consciência coletiva que impulsiona a busca do tempo perdido no mundo de utopias e do progresso. O processo de idas e vindas, natural da etnia cigana, também é comprovado na obra: Todos los años, por el mês de marzo, uma familia de gitanos desarrapados plantaba su carpa cercad e la aldea, y con un grande alboroto de pitos y timbales da ban a aconocer los nuevos inventos. Primero llevaron el imán. Un gitano corpulento, de barba montaraz y manos de gorrión, que se preentó con el nombre de Melquíades, hizo una truculenta demostración pública de lo que él mismo llamaba la octaba maravilla de los sabios alquimistas de Macedonia. (MÁRQUEZ, p. 9) Percebe-se que a presença dos ciganos se torna transculturador pelo fato de conhecerem Macedônia, uma terra muito distante, no oriente do planeta, e introduzi-la em Macondo, com a intenção de causar espanto pela sua trajetória e por sua função. Existe uma semelhança nas histórias das Américas, em sua formação. Há uma conexão com as culturas metropolitanas, nas quais aparecem e se mesclam a outras e se transformam, recriando, assim, outra cultura. Assim é Melquíades quando relata fatos que ocorreram em suas viagens à família Buendía, causando admiração e fascínio. A amizade e confiança que Melquíades adquire com o coronel Buendía é o divisor de águas para ambos, é o símbolo de inovação em Macondo. Fue de casa en casa arrastrando dos lingotes metálicos, y todo el mundo se espantó al ver que los calderos, las pailas, las tenazas y los afanes se caían de su sitio, y las maderas crujían por la desesperación de los clavos y los tornillos tratando de desenclavarse, y aun los objetos perdidos desde hacía mucho tiempo aparecían por donde más se les había buscado, y se arrastraban en desbandada turbulenta detrás de los fierros mágicos de Melquíades.(MÁRQUEZ, p.9) A América de García Márquez está representada por Macondo, e Melquíades é um personagem que representa o poder da criação. A vida dos habitantes da aldeia transcorre por cem anos conforme consta nos manuscritos; portanto, Melquíades é o responsável por prever todos os acontecimentos que ocorrem no romance. Melquíades aparece, no princípio da obra, num contexto coletivo e, pouco a pouco, reaparece como uma representação simbólica individual. Até mesmo depois de sua morte permanece em Macondo, em condição de solitário; não há deslocamento físico no qual se torna livre da punição da vida errante apresentada no início da obra. Portanto, esse cigano representa todo o seu povo e suas tradições, um estereótipo elaborado com base em representações coletivas, experimentadas por indivíduos de diferentes culturas ao longo dos tempos. Pode-se observar que o nomadismo cigano opera como uma representação resolvida da fusão de discursos mitológicos, científicos e práticas sociais cotidianas. O nomadismo é o resultado aterrorizante de constantes perseguições e exílios que se inscrevem nos corpos dos indivíduos e reforçam a identidade pela experiência comum da diferença e seu deslocamento no espaço físico e social. Enfim, todos os resultados são reflexos do que acontecia ao grupo étnico na existência real que a literatura possibilitou recriar uma realidade menos dura, com menos preconceitos e visões negativas. CONCLUSÃO O cigano Melquíades é um personagem simbólico, tem virtudes diferentes de outros ciganos que aparecem em várias obras literárias; vem de uma tradição ágrafa, mas se torna possuidor das palavras escritas. Esse personagem é responsável por estruturar o relato, não somente como conteúdo, também como cosmovisão, forma de pensar que articula a história da estirpe da família Buendía, que perdurou por cem anos em Macondo. Muitos dos descendentes não chegaram a conhecer esse cigano, dessa forma toda a sua existência não passaria de uma lenda. O autor propõe, através da relação de Melquíades e do coronel Buendía, transformar a história nômade dos ciganos e a independência constante em relação às populações hospedeiras. Assim, fez com que essa etnia se tornasse mais adaptável, possivelmente gerada pela necessidade de sobreviver às forças globalizantes e inevitáveis da modernidade. Através da literatura é possível refletir sobre as histórias contadas. O fio condutor da leitura se encontra baseado na imagem cronotrópica das personagens a respeito da memória individual e coletiva, a fim de que as ideias se prendam, mas que as imagens libertem os espectros de um povo condenado. Assim, a leitura poética pode abrir caminhos para soluções. Por fim, o estudo aqui apresentado, ademais de apresentar a cultura cigana na literatura, propôs conciliar o estudo da etnia cigana através do personagem Melquíades, com as noções fundamentais sobre a evolução histórica da literatura do Novo Mundo que recebe um aporte para uma cultura genuinamente latino-americana, para a formação de nossa identidade através do conceito de transculturação, mostrando a sua relevância para a inserção desta literatura na literatura universal. García Márquez e outros escritores latino-americanos através da literatura, puderam inventar a América, segundo a versão dos colonizadores, criaram recursos inovadores para mostrar como é possível ler e achar a beleza na realidade e no cotidiano dos povos latino-americanos. REFERÊNCIAS ACHUGAR, Hugo. Planetas sem boca. Trad. Lyslei Nascimento. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2006. BAKTHIN, Mikhael. A cultura popular na idade média e no renascimento: o contexto de François Rabelais. 5 ed. São Paulo: Hucitec, 2002. BORROW, G., The Zincali – an account of the Gypsies of Spain, Champaign, Illinois, Benedictine College, Project Gutenberg Etext 565, 1996 (1a. edição 1841). CHARTIER, R. 1991. O Mundo Como Representação. In: Estudos Avançados 11 (5). FAZITO, Dimitri 2000 Transnacionalismo e etnicidade: Romanesthán, nação cigana imaginada, Belo Horizonte, 212 pp., dissertação, Departamento de Sociologia e Antropologia, Universidade Federal de Minas Gerais. GARCÍA MARQUEZ, Gabriel. Cien años de soldad. España. Santillana Ediciones Generales, S.L., 2007. HALL, Stuart. Da Diáspora: identidades e mediações culturais. Trad. Lyslei do Nascimento. Minas Gerais. Editora UFMG, 2006. LIÈGEOIS, Jean-Pierre.Los gitanos. México: Fondo de Cultura Econômica, 1988. MORENO, César Fernández et. al. (org.) América Latina em sua literatura. São Paulo: Perspectiva, 1979. PERRONE-MOISÉS, L. Altas Literaturas: escolha e valor na obra crítica de escritores modernos. São Paulo: Companhia das Letras, 1988. RAMA, Ángel. Transculturación narrativa en América Latina. México: Siglo Veintiuno, 1982.
Documentos relacionados
l é xicocigano - DocsTemplate.com
Brasil de 1568-2005). Como artistas e donos de circo, os ciganos encantaram o povo, desde o descobrimento do Brasil. Trouxeram para nosso país o violão de sete cordas, o pandeiro e as castanholas. ...
Leia maisA GEOGRAFICIDADE EM CEM ANOS DE SOLIDÃO um
tempos de cólera (1985), O General em seu labirinto (1989) e Memória de minhas putas tristes (2004). Cem anos de solidão, sua obra-prima, foi escrito em 1967 e nele García Márquez conta a incrível ...
Leia mais