Experiências com Instrumentos e Métodos Antigos de Navegação

Transcrição

Experiências com Instrumentos e Métodos Antigos de Navegação
ACADEMIA DE MARINHA
EXPERIÊNCIAS COM INSTRUMENTOS
E MÉTODOS ANTIGOS DE NAVEGAÇÃO
JOSÉ MANUEL MALHÃO PEREIRA
LISBOA — 2000
Depósito Legal 197419/03
ISBN 972-781-063-2
Experiências com instrumentos
e métodos antigos de navegação
Comunicação apresentada pelo CMG
José Manuel Malhão Pereira, na Academia de
Marinha, em 28 de Novembro de 2000.
Introdução
Pertencemos possivelmente à última geração de oficiais que tiveram
oportunidade de utilizar com regularidade e por necessidade os métodos
astronómicos de determinar a posição do navio. Foi com orgulho e alegria
que em 1967, como encarregado de pilotagem da Sagres, avistámos na
amura de estibordo, como tinhamos previsto, e depois do ponto ao crepúsculo, a ilha de Porto Santo.
Este «feito», e as experiências anteriores em várias comissões de
embarque em que permanentemente treinávamos o uso do sextante e os
correspondentes cálculos, fez-nos imaginar as dificuldade que se depararam aos primeiros navegadores Portugueses, que se afastaram da costa
para regressar ao reino pelo largo, em regresso da costa de África.
Somos também da geração que assistiu mais tarde ao grande desenvolvimento da navegação electrónica, não só com o Decca, Loran e Omega,
mas também com o Navstar e agora com o GPS. A esta última fase1 assistimos já como responsáveis do ensino da navegação na Escola Naval.
Ao sentir as relativas dificuldades que tivemos ao aterrar em Porto
Santo, depois de três dias de mar, imaginámos mais uma vez como seria
aterrar nos séculos XV e XVI depois de meses sem avistar terra!
Temos então procedido ao estudo constante dos métodos antigos e
também a experiências com réplicas dos instrumentos usados na época, e
mais recentemente também os métodos e instrumentos de períodos mais
recentes, que começam a ser já históricos, dada a velocidade com que a
1
Recordemos que o sistema navstar se baseava no efeito doppler, e não dispunha de
satélites suficientes para obter o ponto permanentemente, pelo que entre pontos o equipamento efectuava a estima com os dados fornecidos pelos aparelhos de bordo. O sistema
GPS, baseia-se na medição de distâncias simultâneas a pelo menos três satélites. Havendo
grande número de satélites em órbita, já se consegue, em praticamente qualquer lugar da
terra, obter as coordenadas do navio permanentemente.
XIV – 3
técnica tem evoluído. De facto, parece-nos que o sextante já começa a ser
utilizado a bordo, colocado numa antepara, como elemento decorativo!
Além de experiências em terra, foi na Sagres, a partir de 1989, que
iniciámos as experiências no mar com astrolábio, quadrante e balestilha.
Fizemo-lo em todas as viagens com o auxílio de cadetes e oficiais do
navio, alguns deles aqui presentes2.
E fizemo-las também muito recentemente novamente a bordo da
Sagres, graças à compreensão e apoio do Almirante Rogério de Oliveira e
da Academia de Marinha e do Almirante Chefe do Estado Maior da
Armada, e á pronta e amiga disponibilidade do Comandante Dias Pinheiro.
Iremos então narrar essas experiências, mas não queremos de modo
nenhum apresentar a Vossas Excelências uma fastidiosa sucessão de números e de conceitos. Um completo relatório desta nossa última missão a bordo
da Sagres está em preparação, e será oportunamente entregue à Academia.
Hoje iremos apenas apresentar os instrumentos utilizados, o seu princípio de funcionamento e as conclusões a que chegámos sobre o modo de
os usar e o seu rigor e utilidade relativa. Teremos também, necessariamente, de vos expor e explicar alguns princípios básicos, afim de que
acompanhem melhor a exposição.
Seria no entanto muito útil e esclarecedor, que à nossa exposição se
seguisse um período de perguntas, às quais tentaremos, com todo o gosto
responder.
Comentaremos tanto os instrumentos e métodos que se usaram na
época dos descobrimentos, como os mais recentes. De facto, há a tendência
para se estudar apenas a época de ouro da nossa história, esquecendo os
finais do século XVII e os seguintes, o que nos parece bastante redutor.
Até porque (e dizemos isto em consequência de estudos deste período
que estamos presentemente a efectuar), pelo menos até à obtenção da longitude pelas distâncias lunares e pelo cronómetro, a nossa técnica náutica
não diferia em nada da que se usava na época nos países mais desenvolvidos. E mesmo a adaptação a estas mais recentes técnicas foram também
seguidas de muito perto pelos técnicos lusos, que para algumas acções
criaram soluções internas, como por exemplo para a redução das distâncias lunares, como veremos adiante.
Consideramos ainda da mais elementar justiça referir os hábeis exeO resultado das experiências foram publicados há alguns anos. Ver para o efeito,
José Manuel Malhão Pereira, «Experiências com Instrumentos de Navegação da Época
dos Descobrimentos», in Mare Liberum, n.º 7, Lisboa, Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1994, pp. 65-192.
2
4
INSTRUMENTOS DE NAVEGAÇÃO
Fig. 1 – Instrumentos usados a bordo da Sagres em 2000.
cutores das réplicas dos instrumentos, que serão apresentados na devida
altura. Essas réplicas foram feitas fundamentalmente com a preocupação
no rigor científico, baseando-nos nas publicações em que foram descritas.
O aspecto estético, embora não descurado completamente, não foi no
entanto a nossa principal preocupação.
Para comentarmos mais fácil e claramente todas as experiências efectuadas, pedimos à Dr.ª Kioko Koisso e ao 1.º ten. António Gonçalves, que
nos ajudassem nessa tarefa.
A Dr.ª Kioko está em Portugal a frequentar um Mestrado em História
dos Descobrimentos e da Expansão Portuguesa. Embarcou também nesta
última viagem, tendo-nos ajudado nas experiências.
O ten. Gonçalves, encarregado de navegação do navio, também colaborou nas experiências, não só nesta viagem como nas anteriores. É um
dos quase duas dezenas de oficias da Armada que estão a tirar o curso de
História na Faculdade. Não é só nossa, portanto a admiração pelos antigos navegadores lusos!
Mas não queríamos deixar de agradecer mais uma vez, e agora publicamente, ao major general António Bastos, que também usufruindo da
hospitalidade da Sagres na viagem comemorativa dos 500 anos do descobrimento do Brasil, desde o primeiro dia nos ajudou em todas as experiências, revelando não só um grande espírito científico, como um
elevado grau de paciência para nos suportar.
A fotografia anterior mostra a maior parte dos instrumentos que utilizámos a bordo, aos quais nos iremos referir a seguir.
XIV – 5
O problema básico
Antes de começarmos a apresentação dos instrumentos, métodos de
observação e resultados obtidos, vejamos muito sucintamente qual o problema que se deparava ao navegador dos séculos XV e XVI. Tratava-se
fundamentalmente de conseguir aterrar com segurança num continente ou
numa ilha perdida no mar. A técnica usada para aterrar numa ilha e ilustrada pela figura 2, consistia em atingir o seu paralelo a barlavento, a uma
longitude suficientemente afastada, que permitisse ter a certeza sobre de
que lado da ilha se encontrava o navio.
Depois era apenas necessário navegar ao longo do paralelo, corrigindo o rumo com observações astronómicas de latitude. Tratava-se então
de obter a latitude no mar com um erro suficiente que permitisse o avistamento da ilha (ou continente), cuja latitude, obtida também por métodos
astronómicos mas observando em terra, sem os perniciosos efeitos do
Fig. 2 – A navegação de alto mar no Atlântico.
Aterragem em ilhas ou no continente.
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INSTRUMENTOS DE NAVEGAÇÃO
balanço, era de bastante rigor. Parece-nos que um erro de 10 a 20 milhas
para um observador no mar será razoável, tudo dependendo da altitude da
ilha ou costa a reconhecer e evidentemente, da visibilidade.
O Quadrante3
Iremos começar pelo quadrante, que terá sido o primeiro instrumento
usado para obter a latitude por observação da Estrela Polar4. O seu princípio de funcionamento é conhecido (ver figura 3), e tem como
referência a vertical do lugar.
A atitude para observar de noite é a que se exemplifica no esquema (ver também a série de fotografias em Prancha I, devidamente legendadas e
correspondentes a várias experiências
a bordo), fazendo com que uma estrela (a estrela Polar era a mais observada), seja vista através dos
orifícios existentes no instrumento (o que só os
jovens cadetes
Fig. 3 – Quadrante.
Princípio de funcionamento e da determinação da altura de uma estrela.
3
Há muitos trabalhos que estudam com muito pormenor as origens deste instrumento. De entre eles, recomendamos de Estácio dos Reis, O Quadrante Náutico, Lisboa, Instituto de Investigação Científica Tropical, Centro de Estudos de História e
Cartografia Antiga, separata 200, 1988. De uma maneira geral, e para todos os instrumentos, os trabalhos de Luís de Albuquerque (Instrumentos de Navegação, Lisboa,
Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1988) e
de Fancis Maddison (Medieval Scientific Instruments and the Development of Navigational Instruments in the XVth and XVIth Centuries, Coimbra, Junta de Investigações
do Ultramar – Lisboa, Agrupamento de Estudos de Cartografia Antiga, separata
XXX,), são extremamente completos.
4
É hoje geralmente aceite que a primeira utilização do quadrante nos navios foi feita
pelos portugueses durante as explorações da costa africana, a partir de meados do século
XV. Esta conclusão baseia-se no facto de Diogo Gomes, durante uma das suas viagens à
Guiné, referir o uso deste instrumento.
XIV – 7
PRANCHA I
Observações do Sol a bordo da Sagres com o quadrante, em 1989.
Atitude durante a observação, e leitura da mesma.
Observações simultâneas de astrolábio
e quadrante.
8
Momento da incidência do raio de sol
na pínula inferior, depois de passar pelo orifício
da pínula superior.
INSTRUMENTOS DE NAVEGAÇÃO
com boa vista conseguiram fazer!), ou por cima das pínulas, devidamente
alinhadas.
Também poderá ser usado de dia para observar o Sol, visto que dispõe nas suas pínulas dos orifícios já mencionados. Bastará portanto fazer
com que os raios de Sol atravessem a pínula superior e incidam no orifício inferior, depois de se colocar o instrumento virado para o astro e no
plano do seu vertical.
Fizemos novamente nesta última viagem observações com o instrumento que já tínhamos utilizado anteriormente. Confirmámos as conclusões anteriores5.
Poderemos finalmente concluir que:
– É difícil a observação de noite, até porque a escala se vê mal.
Torna-se necessário iluminar as pínulas e a escala, para que se consiga observar. A assistência de uma outra pessoa é necessária.
– De dia é mais fácil a observação do Sol, e o problema da iluminação não se põe.
– As oscilações do peso são difíceis de estabilizar e normalmente o
observador tenta amortecê-las com um dos dedos, imobilizando o
fio junto à escala, no momento da coincidência.
– Das 47 observações efectuadas de noite por vários observadores,
concluiu-se que o erro provável foi de 17 minutos, o que corresponde a 17 milhas de erro no cálculo da latitude, se as correcções
introduzidas à Polar estiverem correctas. As 149 observações de dia
deram um erro provável de 16 minutos.
Vemos portanto que o rigor seria suficiente para o fim em vista.
A fim de obviar aos inconvenientes das oscilações do peso suspenso
por um fio, João Baptista Lavanha preconizou uma alidade rígida para
substituir esse fio. Pelo seu interesse e porque nos parece que este assunto
nunca foi comentado, apresentamos em Apêndice 1 um pequeno estudo
que fizemos sobre o mesmo. Consideramos que seria interessante experimentar este dispositivo, que poderia ter sido utilizado, apesar de a ele
nunca termos detectado qualquer referência.6 No mesmo Apêndice se
mostra a armilha, instrumento apresentado inicialmente por Pedro Nunes
e a ele atribuído e que teve a designação de anel náutico e a que curiosaVer o nosso trabalho já citado, «Experiências com Instrumentos de Navegação …»
Trata-se de um dispositivo descrito por Lavanha nos apontamentos de um seu
aluno, sendo no Apêndice dada a informação bibliográfica requerida.
5
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XIV – 9
mente Lavanha designa por armilha no texto que transcrevemos, designação que, como veremos a seguir, foi dada a outro instrumento com princípio semelhante pelo padre Francisco da Costa7.
O astrolábio
Este instrumento também tinha como referência a vertical do lugar,
não necessitando portanto do horizonte visível.
O exemplar que vos mostramos (ver figura 1 e Prancha II), e que foi
usado em todas as experiências, foi executado há mais de dez anos por
António Maria Luís, mestre da Oficina de Instrumentos de Precisão do
Instituto Hidrográfico.
O seu princípio de funcionamento é intuitivo. Para a sua utilização
deve o observador suspendê-lo pela argola, orientá-lo na direcção do vertical do astro, mover as pínulas e fazer com que os raios de Sol atravessem o orifício da pínula superior e incidam correctamente na inferior, o
que se fará movendo a alidade. A distância zenital, ou complemento da
altura, é lida na graduação respectiva8.
Também poderá ser usado de noite, fazendo-se a mirada sobre as
pínulas, ou com uma alidade própria com frestas de observação semelhantes às que actualmente se usam nas armas de fogo. As fotografias da
Prancha II exemplificam claramente a atitude do observador e o uso correcto do instrumento nas diversas situações.
Das muitas observações efectuadas confirmámos as conclusões obtidas nas anteriores experiências, que se resumem a seguir:
– É relativamente fácil fazer a coincidência dos raios de Sol na pínula
inferior.
– O balanço afecta muito menos o corpo do astrolábio do que o peso
do quadrante, apesar de ser no entanto um factor perturbador.
Cf. Luís de Albuquerque, Instrumentos de Navegação, pp. 38-39.
A fábrica e uso do astrolábio náutico estão muito bem descritas na Arte de Navegar de Simão de Oliveira (Lisboa, Pedro Crasbeeck, 1606), pp. 53-65. São também descritos o quadrante náutico e a armilha náutica. Na Ars Náutica de Fernando Oliveira
também o astrolábio e o quadrante são descritos com pormenor, havendo até uma sugestão de um quadrans nauticus erectus que deveria ter pouco uso prático a bordo. Também
nesta mesma obra o astrolábio proposto é um disco fechado, sem aberturas, aproveitandose a face oposta à graduação para a inscrição de um gráfico para determinação da declinação do Sol. Esta obra, na sua parte náutica, está a ser fruto de estudo por parte do
signatário, estando planeada uma apresentação do mesmo em comunicação à Academia.
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8
10
INSTRUMENTOS DE NAVEGAÇÃO
PRANCHA II
Observações a bordo da Sagres com o astrolábio, em 1989 e 2000.
Atitude durante a observação de uma
estrela (1989).
Momento da incidência da luz solar na
pínula inferior.
Observações em 2000. Note-se na figura da esquerda a sombra do instrumento
no convés, mostrando que o mesmo está quase no plano do vertical do sol.
XIV – 11
– A observação de alturas muito elevadas é complicada, visto que
com o astro próximo do zénite e com balanço, não só é difícil apreciar a altura máxima, que era o que se pretendia, como também
colocar o instrumento no plano do vertical do astro.
– As observações de noite revelaram-se muito satisfatórias.
– Das 311 observações efectuadas, foram 257 de dia com um erro
provável de 12.4 minutos, e 54 de noite, à estrela Polar e a outras
estrelas, com um erro provável de 18 minutos9.
Armilha Náutica
Uma das desvantagens do astrolábio consiste em ter um intervalo
muito pequeno entre cada grau da sua graduação, tornando difícil apreciar
as suas fracções. A armilha náutica, que os padres jesuítas Francisco da
Costa e Simão de Oliveira10, em princípios do século XVII apresentaram,
consiste muito simplesmente num anel semelhante ao astrolábio, onde se
inscreve uma escala que tem como centro a periferia do referido anel.
A seguir se transcreve, pelo seu interesse, o passo em que Francisco
da Costa refere a Armilha Náutica:
Considerando os instrumentos que os astrónomos inventaram, assim
para tomar altura do Sol como para outras observações, e pondo os olhos
só naqueles que podiam servir no mar, acho que se deve dentre todos o primeiro lugar à armilha náutica feita pelo modo que se segue, pois se algum
se pudera comparar com ela era o astrolábio, de que no capítulo precedente
tratámos; porém, a este leva muita vantagem por ter cada grau duas vezes
maior em uma mesma circunferência, e em não ter os embaraços da dioptra, pelo qual esperamos será de todos admitido, como já alguns, assim
estrangeiros como naturais, o fazem, e põem-nos nas costas dos astrolábios
desocupados [no verso livre dos astrolábios]; a figura seguinte dá particular razão da sua fábrica, portanto se passa em silêncio11.
9
O registo das observações efectuadas nas anteriores viagens da Sagres com quadrante, astrolábio e balestilha, bem como os gráficos e cálculos dos erros encontram-se no
trabalho «Experiências com Instrumentos de Navegação…» já citado.
10
Na realidade terá sido o padre Francisco da Costa o autor que é responsável pela
doutrina exposta por Simão de Oliveira na sua Arte de Navegar (Lisboa, Pedro Crasbeeck, 1606), como claramente demonstrou Luís de Albuquerque. Ver para o efeito Luís
de Albuquerque, Duas Obras Inéditas do Padre Francisco da Costa, Coimbra, Junta de
Investigações do Ultramar, Agrupamento de Estudos de Cartografia Antiga, 1970. Neste
trabalho Albuquerque mostra claramente, que a maior parte da obra de Simão de Oliveira
é praticamente copiada do manuscrito de Francisco da Costa.
12
INSTRUMENTOS DE NAVEGAÇÃO
Apresentamos na figura 4 uma gravura muito semelhante à que está
inserta no manuscrito de Francisco da Costa12 e na Prancha III mostramos
uma fotografia do nosso astrolábio, ao qual fizemos a conveniente adaptação, seguindo fielmente as indicações de Francisco da Costa.
Verifica-se então, que na origem da graduação se colocou uma haste
delgada que projectará a sombra do Sol na graduação, quando o instrumento for correctamente orientado. É evidente que a origem da escala e a
correspondente graduação de 0° a 90°, terá de começar na horizontal e
acabar na vertical. Nestas condições, a distância entre cada grau corresponde ao dobro da que existiria num astrolábio com o mesmo diâmetro.
Experimentámos este instrumento (ver Prancha III onde se ilustram
as observações), mas verificámos que apesar de a escala ser o dobro, a sombra do Sol também se movia com o dobro da velocidade e era extremamente instável.
Além disso, dado que a incidência dos raios solares era rasante em relação ao plano do instrumento, a sombra do estilete praticamente não se
materializava a
não ser quando
o balanço desviava o mesmo.
Nestas condições, parecenos que a projecção
da
sombra só se
efectuaria se o
instrumento não
tivesse as faces
paralelas mas
sim tivesse uma
espessura maior
na sua parte inferior.
Dados os
erros
grosseiFig. 4 – Princípio de funcionamento da armilha náutica.
11
Cf. Luís de Albuquerque, Duas Obras Inéditas…, pp. 132-133. A Arte de Navegar de Simão de Oliveira, traz uma descrição ainda mais completa, embora baseada nesta.
Francisco da Costa refere a dioptra, que é o mesmo que a alidade do instrumento.
12
A gravura é uma adaptação do trabalho de Luís de Albuquerque. Cf., deste autor,
Instrumentos de Navegação, p. 49.
XIV – 13
PRANCHA III
Observações a bordo da Sagres com a armilha náutica em 2000.
Adaptação do astrolábio usado nas outras experiências, em cujas
costas se inscreveu a escala da armilha.
Atitude durante a observação e leitura da mesma.
Estilete
Sombra
Pormenor do astrolábio, onde nas suas
costas se gravou a graduação da armilha.
14
A sombra do estilete é muito mal definida,
tornando difícil a observação.
INSTRUMENTOS DE NAVEGAÇÃO
ros que advinham fundamentalmente da dificuldade em apreciar o ângulo
mostrado, devido aos movimentos exagerados da sombra mal definida da
haste, concluímos que o seu uso deverá ter sido muito escasso, sendo mais
um instrumento que na teoria estava bem desenhado, mas de utilidade
prática diminuta. Aliás toda a história da náutica (e de outras ciências também), está repleta de ideias, só se concretizando as que realmente são
aceites por quem as usa na prática13.
Quadrante de mediclina angular
Na mesma linha do instrumento anterior, e com o mesmo objectivo,
foi proposto por alguns autores um quadrante metálico, de raio equivalente ao diâmetro de um astrolábio normal, dotado de uma mediclina que
Estácio dos Reis chamou angular14. A gravura (figura 5), elucida bem o
desenho e princípio deste instrumento, com uma escala de 0° a 90°,
caindo os 45° na vertical do lugar, com o instrumento suspenso da argola.
Nestas condições a mediclina será constituída pela dioptra (por onde
se faz a mirada ou por onde passam os raios solares), e pelo mostrador
(que indica a leitura), que entre si fazem 45°.
O instrumento preconizado por Simão de Oliveira na sua Arte de
Navegar em 160615, tem sido reproduzido pelo Museu de Marinha, e este
que apresentamos (ver figura 1), foi construído por José Galrinho, que trabalha há muitos anos naquela instituição.
Luís de Albuquerque (Instrumentos de Navegação, pp. 49-50), expressa opinião
idêntica. Francisco da Costa também preconiza um outro instrumento, o quadrante dos
quadrantes, com umas engenhosas graduações que permitiriam ler os graus, os minutos
e mesmo os segundos. Será mais uma proposta teórica, que não vimos utilizada na prática, depois de efectuarmos uma leitura cuidadosa de muitas descrições de viagens e de
diários náuticos dos pilotos portugueses. Cf. op. cit., pp. 133-134. Verificámos sim, nas
nossas experiências a bordo, que a apreciação de fracções de grau era a única possível, e
se fazia necessariamente a olho, sendo absolutamente inadequada a existência de algum
processo que permitisse apreciar segundos ou mesmo minutos. O mesmo não se dirá para
observações em terra, onde tal se justificaria plenamente, mas onde se podiam utilizar instrumentos de muito maior diâmetro, não sendo estes os descritos por Francisco da Costa
e outros autores. O seu objectivo era de facto o de sugerir aos pilotos embarcados os
meios que julgavam ser os mais adequados para observações a bordo.
14
António Estácio dos Reis, Medir Estrelas, Lisboa, CTT Correios, 1997, pp. 74-77.
15
Op. cit., pp. 63-65. O autor designa o instrumento por quadrante náutico. As
designações de dioptra e mostrador que apresentámos no esquema da figura 5 são as refe13
XIV – 15
Fig. 5 – Diagrama
esquemático do
quadrante de
mediclina angular
segundo a nossa
interpretação e
graduado com
distâncias zenitais.
Infelizmente a graduação e mediclina não coincidiam correctamente,
e nós achámos também que lhe devíamos introduzir uma alidade semelhante à dos astrolábios, ideia que não foi possível concretizar até ao fim
da viagem, mas que correspondia à que se detectou no Atocha V, conforme informou Estácio dos Reis16.
ridas por Simão de Oliveira na sua descrição pormenorizada do instrumento. Este autor
recomenda também: «Mas para que este instrumento nos há também de servir pera tomar a
altura das estrellas, & pera esta se alcançar são necessarias outras pínulas, farzeha ou mostrador & Dioptra pegados, em que as sobreditas pinnulas estejão, & avendo de tomar a altura
das estrellas se tirara outro mostrador & se pora este, o que he facil fazerse, por o dito instrumento ter parafuso ou chaveta; & a fabrica das pinnulas he esta. Feitas duas pinnulas do
modo e largura ordinaria, porem de dobrado comprimento, & tendo na ametade inferior seu
buraco para o Sol, abrirseha na superior de cada huma dellas hum quadrangulo de todo o
tamanho que puder ser, ao qual se atravessara pello meyo hum fio delgado & tezo, & no
meyo delle se pora huma continha negra muito pequena, como na figura se mostra.” E apresenta uma figura que esclarece o princípio exposto. Cf. op. cit., p. 65. Também António de
Naiera descreve este instrumento, embora mais tarde. As subdivisões da mediclina em dioptra e mostrador são também apontadas por este matemático lusitano. Cf., António de Naiera,
Navegacion Especulativa y Pratica, Reformada das sus Reglas, e Tablas por las Observaciones de Ticho Brae,…, Lisboa, Pedro Craesbeeck, 1628, pp. 65-67.
16
Este historiador detectou uma graduação no referido astrolábio, um dos cinco
recuperados do galeão espanhol Nuestra Señora de Atocha, que era a adequada par o uso
de uma mediclina diferente das outras e que afinal corresponde à que se preconiza para o
quadrante de Simão de Oliveira. Cf. Medir Estrelas, p. 75.
16
INSTRUMENTOS DE NAVEGAÇÃO
Nestas condições, só muito recentemente fizemos experiências fundeado (no nosso veleiro Madrugada IV), com este instrumento, já com a
alidade que se apresenta mas que não produziram resultados concludentes (ver fotografias em Prancha IV). Aguardamos que se faça outro instrumento para o experimentar noutra oportunidade.
O astrolábio Atocha V é também reproduzido na Prancha IV, e claramente se vê que a alidade habitual foi retirada do centro do mesmo (visto
que o orifício que a mesma usava está à vista), e a mediclina angular foi
colocada na posição periférica lá existente. Apenas não se consegue
observar a graduação correspondente a esta nova mediclina, que no
entanto está gravada no instrumento.
A balestilha
Este instrumento tem como referência o horizonte do lugar, dado que
foi inicialmente usado para observar estrelas. Tal facto constitui uma
grande limitação ao seu uso. Nestas condições, só ao crepúsculo ou com
luar, o horizonte e as estrelas são suficientemente visíveis.
O seu princípio e desenho são fáceis de compreender. Corresponde a
uma vara graduada designada por virote, ao longo da qual desliza uma
outra a 90° chamada soalha. Para determinar a altura de um astro colocase o extremo do virote no lacrimal do olho, e faz-se deslizar a soalha, até
se conseguir a coincidência da parte inferior da mesma com o horizonte e
da parte superior com o astro.
As figuras 6 e 7 esquematizam o princípio geométrico e os principais
componentes de uma balestilha «moderna».
Existiam inicialmente duas soalhas para duas diferentes gamas de
valores de altura, número que subiu para três e mais tarde quatro, já no
fim do período da utilização deste instrumento. A quarta soalha, a mais
pequena, tinha também a designação de martinete.
Este tipo de observação tem inúmeros inconvenientes, como a dificuldade em observar o Sol, devido aos problemas do encadeamento, a dificuldade em apreciar o zero da graduação do virote, visto a imagem se fazer na
retina que está no interior do globo ocular17, a extrema dificuldade em mirar
simultaneamente o astro e o horizonte e as já referidas limitações à visibilidade simultânea do horizonte e de uma estrela durante a noite.
17
A paralaxe ocular, foi muito comentada por autores coevos, mas sem nunca se ter
conseguida uma solução prática para o assunto.
XIV – 17
PRANCHA IV
Quadrante de mediclina angular.
Quadrante de mediclina angular,
segundo António de Naiera na sua
Navegación Especulativa e Pratica.
Astrolábio (Atocha V) com mediclina angular.
Observando com a réplica do quadrante a bordo do Madrugada.
18
INSTRUMENTOS DE NAVEGAÇÃO
Fig. 6 – Princípio geométrico da balestilha e observação de frente para um astro.
Fig. 7 – Componentes da Balestilha.
Todos estes inconvenientes foram apontados pelos autores ao longo
dos tempos, mas o que é verdade é que segundo recentemente averiguámos, a balestilha foi usada até meados do século XVIII, tendo até substituído o astrolábio nas observações do Sol, possivelmente a partir de
meados do séc XVII. Verificámos também que na náutica Portuguesa e
Holandesa foi substituída directamente pelo octante, sem ter o quadrante
XIV – 19
de Davis, proposto ainda em fins do século XVI, sido usado entretanto,
como aconteceu em Inglaterra e outras nações18.
As experiências de observação de frente com a balestilha foram bastante negativas, sendo os erros muito elevados, tanto nas anteriores viagens da Sagres como na do presente ano. No entanto, as observações que
fizemos nesta viagem de 2000 de alturas baixas da polar e Cruzeiro do Sul
tiveram resultados satisfatórios.
Parece-nos entretanto interessante comentar uma sugestão de Pedro
de Medina, no seu Regimiento de Navigación, publicado em Sevilla em
1552, para obviar ao inconveniente de não se ver de noite o horizonte,
quando se observava uma estrela com a balestilha. Bastaria pôr uma vara
com a altura do observador na vertical, afastada desse mesmo observador
de uma distância igual a essa altura, e com a balestilha mirar a ponta superior da vara pelo extremo inferior da soalha, porque assim estar-se-ia a
mirar o horizonte.
Como se sabe este livro teve imensa repercussão na Europa, sendo
traduzido em várias línguas e publicado em sucessivas edições. Era fundamentalmente constituído por regras estabelecidas pelos Portugueses,
que os pilotos lusos usavam manuscritas. Mas não nos parece que este
estranho estratagema tenha tido origem nesta parte da Península! Mas
no entanto teve alguma repercussão, pelo menos actualmente, porque
um dos nossos indiscutivelmente ilustres historiadores deu-lhe alguma
cobertura19.
Mas a outra técnica de observação, que é «de revés» ou de costas ao
Sol, mostrou ser extremamente rigorosa e de fácil execução.
Consiste esta técnica, descrita por muitos autores nacionais, em fixar
no extremo do virote a soalha apropriada, a soalha fixa, e colocar no
extremo oposto uma outra soalha, a mais pequena, designada por martinete (como anteriormente se disse), que desliza ao longo do virote.
18
Toda a problemática do uso da balestilha a bordo dos navios portugueses e sua
evolução, foram tratados com algum desenvolvimento pelo signatário na sua dissertação
de mestrado, intitulada Um Livro de Marinharia do Século XVIII – Estudo Crítico, entregue em Dezembro de 2001 na Universidade Nova de Lisboa. As conclusões a que chegámos, basearam-se no estudo da evolução da náutica portuguesa até à época da publicação
do referido livro de marinharia, intitulado Norte dos Pilotos, Guia dos Curiosos, de
Manuel dos Santos Raposo (cerca de 1730).
19
Pedro de Medina, Regimiento de Navegación, ed. fac-simile, Madrid, Instituto de
España, 1964. O trecho em que Medina preconiza esta estranha técnica está no fólio XL
da referida obra. Luís de Albuquerque apoia esta técnica no seu já citado trabalho, Instrumentos de Navegação, p. 29.
20
INSTRUMENTOS DE NAVEGAÇÃO
Virando as costas ao Sol, olhando pela parte inferior da soalha fixa o
horizonte e uma referência horizontal colocada no martinete, far-se-á cair
a sombra do Sol que corta a parte superior da soalha fixa sobre a mesma
referência do martinete, através da sua manobra adequada.
Isto permitirá medir a altura do Sol, sem os inconvenientes da outra
técnica, visto que são eliminados os problemas do encandeamento, da paralaxe ocular e da dificuldade da mirada simultânea do horizonte e do Sol.
A correcção do semi diâmetro também se dispensará, se para o efeito se
colocar na parte superior da soalha fixa um dispositivo que projecte a sombra do centro do astro rei e não do seu limbo. Foi o que fizemos com uma
chapa de radiografia, princípio que foi preconizado em fins do século XVII.
A figura 8 mostra claramente a técnica da observação de revés.
Os resultados que obtivemos nas primeiras experiências foram de
facto espantosos, confirmados amplamente nesta última viagem.
O erro provável das 207 observações por nós efectuadas nas primeiras experiências foi de menos que 5 minutos. Apresentamos o gráfico de
140 observações por nós executadas na recente viagem ao Brasil, onde
cerca de 50% das observações (erro provável), têm erros inferiores a 5
minutos (figura 9).
As conclusões do estudo que fizemos sobre a balestilha ao criticarmos um parágrafo do Norte dos Pilotos que a este instrumento se refere,
Fig. 8 –
Diagrama
esquemático
da técnica de
observação
de revés,
com uma
réplica de
balestilha
usada a
bordo da
Sagres.
XIV – 21
PRANCHA VA
Observações com a balestilha.
Observação de revés.
Comparação com o sextante.
O NE Sagres, onde se efectuaram as experiências.
Observação nocturna da estrela Polar.
Observação de revés. Comparação com o sextante.
22
INSTRUMENTOS DE NAVEGAÇÃO
Fig 9 – Gráfico estatístico de 140 observações de balestilha, de costas ao sol, efectuadas na Sagres.
apresentam-se em seguida, visto que correspondem ao resultado de toda
as nossas experiências até ao momento20:
Para concluir este breve estudo sobre este tão simples, rigoroso
e manejável instrumento de observação, poderemos afirmar que:
– A balestilha deverá ter começado a ser no mar usada pelos nautas portugueses em princípios do século XVI, sofrendo no
entanto fortes críticas dos nossos teóricos náuticos.
– Este instrumento, usado de frente para o astro, origina erros de
observação muito difíceis de eliminar, especialmente os provenientes da paralaxe ocular e da dificuldade de observação
simultânea das coincidências da soalha com o horizonte e o
astro. Estes erros aumentam bastante com alturas elevadas.
A dificuldade de distinguir o horizonte de noite, para observar
estrelas, é outro factor muito importante de erro.
– Para alturas baixas a observação de frente terá sido bastante
usada, como complemento do astrolábio, especialmente quando
o Sol estava no zénite, tornando difícil a observação com este
instrumento.
20
Cf. op. cit., pp. 219-220. O estudo estende-se pelas pp. 201-221.
XIV – 23
– As críticas a que era sujeito o instrumento, referiam-se necessariamente ao seu uso de frente para o astro. Note-se que o
Sol muito elevado corresponde a latitudes baixas e que as
consequentes alturas da Polar e do Cruzeiro do Sul são também baixas.
– A técnica de encostar o extremo do virote ao lacrimal do olho,
que só vimos referida em publicações de autores Portugueses,
poderá reduzir bastante o erro da paralaxe ocular, visto que
esta posição anatómica poderá aproximar-se muito do local
onde a imagem se forma, como mostra a figura 41 [da nossa
tese de Mestrado, é claro]. Parece-nos que esta técnica deverá
ser intencional, e tem como objectivo reduzir esse erro, apesar de tal não estar explícito nas obras onde detectámos essa
observação.
– A «descoberta» de que a observação de costas para o Sol era
simples e rigorosa, o que deve ter sido fruto de contínuas
comparações de observações de astrolábio e balestilha, não só
no alto mar mas também à vista de terra de latitude conhecida,
originou uma progressiva popularidade deste instrumento
entre os nautas europeus, sendo o astrolábio substituído pela
balestilha para observar o Sol. A generalização deste método,
e a verificação da sua fiabilidade, esbateu as críticas na náutica Portuguesa.
– Na náutica portuguesa, a observação de costas é pelo menos vulgar desde fins do século XVI e princípios do século XVII, como
verificámos nos exemplos extraídos dos diários náuticos21.
– A observação de estrelas foi sendo feita por astrolábio ou quadrante, sendo desaconselhado o uso da balestilha. O quadrante
de mediclina angular poderá ter sido um dos instrumentos usa-
21
Na nossa Tese de Mestrado já citada, transcrevemos um trecho de um manuscrito
português, que prova, que pelo menos em 1623 já indubitavelmente se observava de costas.
A seguir se apresenta o referido excerto do códice 6806 da Biblioteca Nacional, onde se dão
instruções para se observar a estrela do Norte e o Cruzeiro do Sul, com uma balestilha de 3
soalhas e onde há também umas «regras da Balestilha de costas ao Sol», que transcrevemos,
actualizando a grafia: «Querendo tomar o Sol com a balestilha o farei com a soalha grande
ou com a segunda tomando primeiro medida da soalha que há de ter metade dela o que dista
do pé do virote ao princípio da conta a qual soalha meterei no pé do virote que fique ao nível
da soalha e logo meterei o martinete com o marfim para baixo e pondo-o sempre no horizonte verei se está a sombra alta ou baixa e se estiver baixa irei fechando o martinete e se
estiver alta abrirei o para fora mas tanto que for meio dia não bulirei mais com o martinete».
24
INSTRUMENTOS DE NAVEGAÇÃO
dos a partir de inícios do século XVII, apesar de não haver referências ao seu uso nos relatos ou diários de viagens.
– A partir do século XVII a balestilha irá sofrer alguns importantes aperfeiçoamentos, tais como o aumento do número de soalhas e das suas dimensões, e um modo mais rigoroso de
graduação, originando que a sua utilização suplantasse a do
astrolábio e quadrante para observação do Sol.
– O uso de um dispositivo adaptado à parte superior da soalha,
que primeiramente terá sido referido por autores portugueses,
para produzir a sombra do centro do Sol e não da do seu limbo
superior, veio ainda tornar mais rigoroso o instrumento, que
tinha também a vantagem de ser muito simples e barato.
– Terá sido na Holanda que este instrumento mais se aperfeiçoou,
sendo no entanto a técnica usada neste país acompanhada de perto
pelos nautas e técnicos portugueses, que não deixaram de utilizar
uma «balestilha Portuguesa», com algumas pequenas modificações.
– A balestilha terá sido o último instrumento antigo usado na náutica Portuguesa e Holandesa, dado que pelo menos nestes países o quadrante de Davis não foi vulgarizado22.
Apresentamos hoje outra balestilha, que é uma réplica de um instrumento de 1758, de Johannes Van Keulen, existente num museu de Holandês23. A Prancha Vc apresenta o instrumento e seus componentes24.
Poderemos concluir que a balestilha foi o instrumento mais rigoroso
para observar o Sol e era muito útil para observar estrelas baixas. Compreendemos portanto porque ainda por volta de 1730 Manuel dos Santos
Raposo, autor do referido guia náutico, o Norte dos Pilotos, Guia dos
Curiosos, preconize o seu uso, o mesmo acontecendo já em meados deste
século a Francisco Xavier do Rego25.
Pelo menos na náutica Portuguesa há uma prova que a transição para o oitante se
deu com a balestilha e que consta de vários passos dos Diários Náuticos de António de
Brito Freire, como demonstramos no nosso trabalho já citado referente à tese de Mestrado
(Um Livro de Marinharia do Século XVIII – Estudo Crítico), pp. 68-69.
23
Trata-se de um instrumento descrito num trabalho recente sobre o assunto, que
inventaria todos os instrumentos existentes e que faz um profundo estudo crítico sobre os
mesmos. Cf., W. F. J. Mörzer Bruyns, The Cross Staff, History and Development of a
Navigational Instrument, Amsterdão, Walburg Instituut, 1994, p. 76.
24
Executado por Eugénio Silva, funcionário civil da Marinha, a prestar serviço na
Direcção de Faróis.
25
Francisco Xavier do Rego, Tratado Completo de Navegação, Lisboa, António
Vicente da Silva, 1764. Note-se que Rego já descreve nesta mesma obra o octante.
22
XIV – 25
PRANCHA VB
Observações com a balestilha.
Observação de revés.
Observando de noite em 1989
de frente para o astro.
Pormenor da observação de revés, vendo-se a sombra
da chapa da radiografia no martinete,
definindo bem a direcção dos raios solares.
Observação
de
revés.
Duas balestilhas
com soalhas diferentes. Note-se
nos topos das soalhas as chapas de
radiografia.
26
INSTRUMENTOS DE NAVEGAÇÃO
PRANCHA VC
Réplica de uma balestilha do século XVIII.
A balestilha e todos os seus componentes.
A soalha 1 devidamente montada no virote para observação de costas.
Note-se também o martinete montado no outro extremo do virote,
que deslizará ao longo do mesmo durante a observação.
Pormenor do virote e do martinete.
XIV – 27
Poderemos também concluir que o quadrante terá sido o menos rigoroso de todos os instrumentos, seguindo-se-lhe o astrolábio, que a armilha náutica e o quadrante náutico pouco terão sido usados sendo o
primeiro de difícil operação, e que apesar de tudo, o rigor conseguido com
qualquer destes instrumentos era suficiente para aterrar numa ilha ou continente de latitude conhecida. As fotografias nas Pranchas Va e Vb, obtidas em ocasiões diversas, ilustram as diferentes técnicas das observações
com a balestilha.
A longitude e a variação da agulha
É conhecido o método fantasioso de determinação da longitude pela
variação da agulha (actualmente designada por declinação magnética),
preconizado por tantos autores portugueses e estrangeiros, que consideravam que o valor daquela variação era constante em cada lugar da terra e
variava regularmente com a longitude. A sua determinação a bordo permitiria então determinar a longitude.
No entanto a leitura que fizemos recentemente dos diários náuticos
dos pilotos, convenceu-nos da utilidade do conhecimento da variação para
auxiliar por exemplo a aterragem no Cabo da Boa Esperança, a passagem
safa do paralelo dos Abrolhos ou do cabo de S. Agostinho, ou passar safo
as ilhas do Índico26.
De facto não só os pilotos referem nos diários e nos roteiros o seu uso
para este fim, como alguns autores o recomendam também. Não há
dúvida que se as isógonas forem paralelas à costa a avistar e perpendiculares ao rumo de aproximação, o seu conhecimento é útil e poderá permitir um ponto por latitude e isógona com um rigor suficiente, menor, a
maior parte das vezes, que o erro acumulado da estima ou fantasia do
piloto.
Foi por isso e para corrigir as proas da agulha que Pedro Nunes sugeriu um instrumento de sombras, mais tarde também descrito por Simão de
Oliveira (a reprodução da gravura da Arte de Navegar é apresentada na
figura 1027, cuja réplica, executada por António Maria Luís, apresentamos
na figura 11. Consiste numa rosa de latão graduada por quadrantes, de
Este assunto foi por nós desenvolvido no já citado estudo crítico. Cf. Um Livro de
Marinharia do Século XVIII…, pp. 152-171.
27
Cf. Arte de Navegar, p. 84. Simão de Oliveira preconiza o instrumento suspenso
por cordéis.
26
28
INSTRUMENTOS DE NAVEGAÇÃO
0 a 90° para cada lado dos pontos cardeais norte e sul, com uma pínula
central, sendo num dos seus semi diâmetros escavado um alvéolo onde
se coloca uma pequena bússola28. Foi um instrumento semelhante que
D. João de Castro utilizou em 1538 na sua viagem a Goa na nau Grifo.
Também mandámos efectuar uma réplica do mesmo instrumento,
mas em vez de estar suspenso numa caixa com eixos (suspensão de
balança, mais tarde designada por cardan), essa suspensão era feita com
quatro cabos, como também sugere Pedro Nunes29. Na figura 1 assinala-se o referido instrumento.
O azimute magnético do Sol é dado pela
sombra da pínula central, admitindo que
esta está vertical e a rosa lhe é perpendicular, tendo previamente o instrumento sido rodado na horizontal até
que a agulha da bússola se alinhe
com a graduação correspondente ao
zero do instrumento de sombras.
Várias técnicas se utilizaram
para determinar a variação da agulha,
sendo a mais antiga a da marcação da
estrela Polar, seguindo-se a do azimute
magnético do Sol durante a passagem meridiana, depois o das médias dos azimutes
Fig. 10 – Instrumento de sommagnéticos do Sol antes e depois da pasbras de Pedro Nunes, conforme
descreito por Simão de Oliveira.
sagem meridiana, com alturas iguais, e
finalmente a dos azimutes magnéticos do
Sol ao nascer ou ao pôr comparados com as amplitudes dadas pelas tábuas
que Lavanha calculou em fins do século XVI30.
O instrumento está muito claramente descrito no «Tratado que ho doutor Pero
Nunez Cosmographo del Rey nosso senhor fez em defensam da carta de marear: Dirigido
ao muyto escrarecido: e muyto excellente Principe ho Iffante dom Luys». Cf., Pedro
Nunes, Obras, Lisboa, Imprensa Nacional, 1940, vol. I, pp. 223-224. A nossa réplica
seguiu fielmente as instruções de Pedro Nunes.
29
Pedro Nunes sugere de facto outra suspensão, como se vê no seu texto (p. 224,
linhas 5, 6 e 7): «… se parecer milhor que esta lamina se pendure per algua arte que fique
dereita he a mesma tenção. …». Mais atrás, noutro passo do seu mesmo trabalho e ao falar
do nordestear e norestear das agulhas, descreve o mesmo instrumento mas aqui claramente suspenso por «cordeys» (Cf. op. cit., pp. 199-200).
30
Luís de Albuquerque descreve com pormenor todos estes processos e dá muita
informação relativa às tábuas de Lavanha. Cf., Instrumentos de Navegação, pp. 63-84.
28
XIV – 29
Tivemos oportunidade de experimentar este instrumento em terra,
dando resultados perfeitamente aceitáveis, com erros de observação
não superiores a um ou dois graus. Verificámos também que a bordo se
comportava de modo muito estável, apesar de não ter sido possível a
sua utilização devido ao magnetismo do navio. Um excerto do nosso
diário náutico, onde registámos todas as observações, é apresentado no
Apêndice 2.
No entanto, o objectivo principal era testar a estabilidade da sombra
do estilo, que permitiria uma leitura relativamente rigorosa do azimute do
Sol, o que provaria que o sistema de suspensão e toda a restante concepção do instrumento era a adequada. Tal estabilidade foi confirmada, como
se disse, mesmos em circunstâncias de maior agitação marítima e mais
balanço. Na Prancha VI mostramos imagens de algumas das experiências.
O instrumento suspenso por cabos mostrou-se de difícil posicionamento na vertical,
sendo muito mais eficiente o que tinha suspensão de balança.
Também já no século XVIII se utilizava
uma agulha de marcar,
genuinamente portuguesa, que devida a
uma engenhosa construção permitia obter o
azimute do Sol utiliFig 11 – Réplica do instrumento de Pedro Nunes.
zando apenas um obNote-se a nítida definição da sombra.
servador31.
Na rosa da agulha, montavam-se para um e outro lado dos pontos cardeais leste e oeste umas abas verticais graduadas de 0° a 45° a partir de
cada um destes pontos.
A caixa exterior tinha umas frestas laterais com um vidro onde em
cada uma se marcava uma linha vertical. Estas duas linhas estavam porsua vez alinhadas com uma pínula que se montava no centro da rosa.
Também no nosso estudo crítico já citado, fazemos um estudo profundo sobre esta
agulha, descrita por Manuel dos Santos Raposo. Cf., Um Livro de Marinharia…, pp. 160-164.
31
30
INSTRUMENTOS DE NAVEGAÇÃO
PRANCHA VI
Variação da agulha e instrumento de sombras.
Observando em terra
(Porto Preguiça,
Ilha de S. Nicolau),
e a bordo, com o
Instrumento
de sombras de
Pedro Nunes.
XIV – 31
O observador, olhando pelas frestas laterais e alinhando o centro do
Sol (ao nascer ou ao pôr), com as linhas verticais e a pínula central, lê
directamente a sua amplitude na graduação existente nas abas verticais
estrategicamente montadas na periferia da rosa.
Note-se que esta agulha permite a leitura da amplitude com apenas
um observador e era genuinamente portuguesa, como mostrámos no
nosso já referido trabalho.
Uma réplica de uma
destas agulhas actualmente
existentes no Museu de
Marinha em Paris, da autoria de Manuel Ferreira e de
1744, foi executada por
Eugénio Silva, e a sua observação poderá fazer compreender o seu engenhoso
funcionamento.
Este instrumento foi
acabado recentemente, pelo
que também só na próxima
viagem da Sagres o poderemos experimentar (está reFig. 12 – Réplica da agulha de marcar portuguesa
produzido na figura 12).
de Manuel Ferreira, 1744.
A longitude por distâncias lunares
Princípio básico da determinação da longitude
Vamos terminar esta exposição, tentando dar uma sucinta explicação
do princípio da determinação da longitude, que só foi conseguida com
suficiente rigor no terceiro quartel do século XVIII. Também finalmente
nos referiremos ao método das distâncias lunares e às nossas experiências
a bordo com este método.
Sabendo que a longitude corresponde ao ângulo no equador entre o
meridiano de referência para a sua contagem e o meridiano do observador, e admitindo que o movimento do Sol é regular, se soubermos o
ângulo que faz o meridiano do Sol com o do observador e o comparamos
com o ângulo que faz o Sol com o meridiano de referência, obteremos a
longitude.
32
INSTRUMENTOS DE NAVEGAÇÃO
O ângulo que faz o meridiano do Sol
com o do observador, conhecido por
ângulo no polo, é fácil de calcular
através da observação da altura do
Sol, em circunstâncias favoráveis, e do recurso ao cálculo.
O ângulo que faz o Sol
com o meridiano de referência é dado pela
hora do meridiano
de referência, uma
vez que este astro é a
referência para o tempo.
O problema então
Fig. 13 – Princípio da determinação da longitude
resolve-se se se tiver um
por métodos astronómicos.
instrumento rigoroso para
determinar alturas, ferramentas de cálculo e tabelas adequadas, e um relógio que conserve a bordo a hora do meridiano de referência. A utilização do
relógio corresponde ao método mecânico de determinação da longitude.
Mas se esse relógio não existir poder-se-á utilizar um fenómeno
astronómico que observado em qualquer lugar da terra se dê a uma determinada hora conhecida e referida ao meridiano de referência. Este método
corresponderá ao método astronómico de determinação da longitude32.
Breve esboço histórico dos métodos astronómicos
Como se sabe, o problema da longitude foi o de mais difícil de resolução. A partir do início da expansão marítima dos povos europeus tal problema assumiu uma importância muito elevada, originando uma
verdadeira corrida a um método que fosse utilizável no mar.
32
Seguimos muito de perto o excelente estudo de Charles Cotter. Cf., Charles H.
Cotter, A History of Nautical Astronomy, London, Hollis & Carter, 1968, pp. 180-267.
Utilizámos também a completa e criteriosa descrição da evolução do método de António
Lopes da Costa Almeida, no seu Piloto Instruido (O Piloto Instruido ou Compendio Theorico-Pratico de Pilotagem, Lisboa, Impressão Regia, 1830). De facto este ilustre oficial
da Armada e professor da Academia Real dos Guardas Marinhas, traz uma desenvolvida
história da solução do problema da longitude na extensa nota 21 desta sua obra, que se
estende por doze páginas, ocupando-as quase na totalidade (ver op. cit., pp. 211-223).
XIV – 33
Os primeiros métodos propostos foram os astronómicos, que se enumeram em seguida:
– Eclipses. Sabendo a hora a que o eclipse se inicia num meridiano
de referência e calculando a hora a que o mesmo fenómeno se dá
no meridiano do observador, poderá ser obtida a longitude. Os
resultados obtidos ao longo dos séculos foram sempre muito erróneos, devido à dificuldade de prever com rigor os movimentos da
Lua ou do Sol (os astros mais usados), e não haver instrumentos
suficientemente rigorosos de observação. A conhecida experiência
de Colombo nas Antilhas com a Lua, em 1494, tinha um erro de 19°
de longitude! No entanto, já no século XVIII, obtiveram-se bons
resultados33.
– Satélites de Júpiter. Tendo os quatro principais satélites de Júpiter
órbitas muito rápidas e facilmente visíveis com um telescópio de
pequena ampliação, poder-se-á observar qualquer dos quatro fenómenos possíveis: ocultação, eclipse, trânsito do satélite ou trânsito
da sua sombra34. No entanto dificuldades de vária ordem, nomeadamente a observação a bordo prejudicada pelo balanço e a dificuldade na obtenção das efemérides tornaram também o método
pouco prático. Contudo foi várias vezes utilizado com sucesso no
século XVIII para observações em terra35.
33
A experiência de Cook em 1766 numa ilha do sudoeste da Terra Nova, narrada por
Cotter, deu excelentes resultados. Estávamos no entanto numa época em que os instrumentos e as efemérides já eram muito rigoroso. Cf. op. cit., p. 182. Note-se que um
eclipse de Lua se dá à mesma hora nos lugares da terra donde o mesmo seja visível. Um
eclipse do Sol dá-se a horas diferentes, uma vez que o cone de sombra da Lua sobre a terra
é de pequena dimensão e vai varrendo com relativa lentidão a sua superfície
34
A ocultação corresponde à interposição do planeta entre o satélite e o observador terrestre. O eclipse dá-se quando o satélite cai no cone de sombra de Júpiter. O transito do satélite é a sua passagem sobre o disco do planeta, sendo o mesmo visível, durante a passagem,
como um ponto luminoso. O transito da sua sombra corresponde à passagem do ponto escuro
correspondente à sombra do satélite sobre a superfície de Júpiter. Todos estes fenómenos são
possíveis dado que os quatro satélites têm orbitas praticamente complanares e estão suficientemente perto do planeta para que as suas sombras sejam visíveis. Só o satélite IV (Calisto),
não passa às vezes na sombra de Júpiter. Note-se também que apenas em conjunção e oposição com o Sol a sombra do satélite não é visível da terra, estando quase sempre de lado. Nestas condições os eclipses ocorrem quase sempre fora do disco do planeta.
35
Note-se que dada a grande distância a que Júpiter está da terra, os fenómenos daqui
observados são independentes do lugar da observação, dando-se portanto ao mesmo tempo.
34
INSTRUMENTOS DE NAVEGAÇÃO
– Ocultações da Lua. Consistia o método em observar a ocultação de
estrelas pela Lua, momento que era muito bem definido e praticamente instantâneo, visto a Lua não ter atmosfera. Este método foi
considerado o mais rigoroso de todos, mas a complexidade dos cálculos necessários tornavam-no impraticável para uso no mar. Essa
complexidade advinha principalmente do cálculo da ascensão recta
da Lua, que devido à complexidade dos seus movimentos e à paralaxe era de difícil solução.
– Passagem meridiana da Lua. Por razões idênticas às anteriores,
nunca foi de prática utilização.
– Distâncias lunares. Foi este o método que finalmente se praticou a
bordo, com bons resultados práticos, embora não fosse acessível a
todos os navegadores. Foi também este método, cujo princípio já
enunciámos anteriormente, que antecedeu o método mecânico, ou
seja a utilização prática do cronómetro marítimo.
Método das distâncias lunares
Princípio do método
Sabendo-se que a Lua se desloca em relação ao Sol a uma velocidade
relativamente elevada (são cerca de 13 graus em 24 horas, o que corresponde a cerca de 33’’ de arco por cada minuto de tempo), se tivermos uma
tabela onde o ângulo entre o Sol e a Lua venha inscrito ao lado da hora e
se observamos essa distância angular com um instrumento apropriado,
poderemos obter a hora do meridiano de referência.
A sua comparação com a hora local, simultaneamente obtida por
observação do Sol (ou conservada por um relógio, quando obtida a uma
hora suficientemente próxima da da observação da distância), fornecerá a
longitude.
Contudo o processo é complicado, porque a distância é observada à
superfície da terra e estando a Lua muito próxima da mesma, os efeitos da
paralaxe não se podem desprezar (ver figura 14). Torna-se necessário reduzir a observação ao centro da Terra. E para isso são necessários três observadores e três sextantes, além de cálculos fastidiosos e muito complicados.
Além disso, o movimento relativo Lua-Sol ou Lua-Estrela não é tão
rápido que torne muito sensível o valor do ângulo obtido, visto que se
este se obtiver com o rigor dos acima referidos 33’’ de arco o erro na
longitude será pelo menos de 1m, o que corresponde a 15’ de longitude.
XIV – 35
Note-se ainda os erros acumulados do cálculo, das inúmeras
correcções, das tabelas, etc..
Mas a partir da altura em que
se introduziram os instrumentos
de dupla reflexão, o primeiro dos
quais foi o octante (assim designado por o seu corpo corresponder a um sector com um oitavo do
círculo, tendo portanto 45 graus),
e se conseguiram tabelas suficientemente rigorosas das distâncias angulares do Sol à Lua e a algumas estrelas zodiacais, o
processo foi possível e proporcionou um meio de reduzir a angustiante incerteza da longitude,
principalmente quando a aterragem estava próxima.
Fig. 14 – O problema da paralaxe,
nas distâncias lunares.
Esboço histórico da sua evolução
Admite-se que a primeira sugestão impressa do método foi de Johanes Werner de Nuremberga, no primeiro volume da sua edição, em 1514,
da Geografia de Ptolomeu. Também em princípio do século XVI, Pedro
Apiano e Gemma Frisius sugeriram o método.
Considera-se também que o primeiro inglês a usar o método no mar
foi William Baffin em 1615, em viagem no Discovery, numa tentativa de
descoberta da passagem do noroeste. Com o navio retido no gelo ao largo
da Gronelândia, Baffin tirou alturas ao Sol e à Lua e mediu o angulo entre
estes dois astros através de azimutes da agulha.
Apesar das condições favoráveis para a observação, visto admitirmos
que a retenção no gelo implicaria a ausência de balanço, a falta de efemérides rigorosas e o baixíssimo rigor da balestilha e da agulha terão tornado extremamente errónea a longitude obtida.
O método foi sucessivamente sugerido por astrónomos e matemáticos36 e só teve necessariamente a sua aplicação prática resolvida, quando
Destacam-se Kepler, Ticho Brahe, o matemático francês Jean Morin (já no século
XVIII), Carpenter e outros.
36
36
INSTRUMENTOS DE NAVEGAÇÃO
o octante37 foi posto ao serviço do navegador e as tábuas de efemérides se
aperfeiçoaram. Este último quesito foi preenchido ao ter-se fundado, em
1675, o Real Observatório de Greenwich sendo nomeado para astrónomo
real, John Flamsteed.
A propósito desta nossa referência ao octante, gostaríamos de apresentar o instrumento cuja fotografia se segue (ver Prancha VII)38, que nos
foi oferecido pela Sr.ª D. Maria Florinda Soares Prego, a quem publicamente, e em local muito apropriado, reconhecidamente agradecemos.
Mas as tabelas dos movimentos da Lua que então se fizeram, baseadas naturalmente na observação, não eram no entanto suficientes para
prever com rigor os seus movimentos. Só a partir do extraordinário desenvolvimento dado à mecânica celeste por Newton, e à publicação dos seus
famosos Principia em 1687, os astrónomos da época conseguiram prever
com muito rigor os movimentos daquele astro.
Seguiram-se algumas experiências no mar (as do Abade de la Caille
e de d’Après de Mannevillette, ambas em 1751) e outras experiências não
muito bem sucedidas. Foram também experimentadas no mar as tabelas
previamente aperfeiçoadas por Tobias Mayer39 mas só a publicação do
Nautical Almanach and Astronomical Ephemeris em 1765, feita sob a
direcção do astrónomo real Nevil Maskelyne40, tornaram possível obter as
coordenadas da Lua com suficiente rigor para a observação.
Estas tabelas continham as distâncias angulares previstas entre a Lua
e o Sol (e estrelas escolhidas pela sua conveniente localização e brilho
37
John Hadley apresentou pela primeira vez este instrumento à comunidade científica
em 1731, mas só cerca de 20 anos mais tarde o seu uso se vulgarizou. Na náutica portuguesa
há pelo menos a garantia que a bordo de um navio português se usavam octantes em 1758.
Cf. José Manuel Malhão Pereira, Um Livro de Marinharia do Século XVIII…, p. 68.
38
Na mesma prancha se inclui uma reprodução do círculo de reflexão, o instrumento
que mais tarde se vulgarizou para efectuar a medição das distâncias lunares, visto que o
seu desenho se tornou mais apropriado para o efeito, não só por ter possibilidade de medir
grandes ângulos, como também por ser de mais cómoda utilização. A gravura foi extraída
do Piloto Instruído de Costa Almeida, que dá uma descrição muito completa do seu funcionamento, transcrevendo a descrição que Bordá faz do mesmo em 1802. Cf. op. cit., pp.
81-87 e figuras 27-34.
39
As tabelas foram experimentadas pelo comandante Campbel a bordo do Royal
George em 1757 à vista do c. Finisterra e em 1758 e 1759 à vista de Ushant e tiveram um
rigor médio de 37 de longitude. Cf. Charles Cotter, A History of…, p. 202.
40
Este famoso astrónomo inglês, foi enviado à ilha de Santa Helena pela Royal Society para
observar neste local o trânsito de Vénus. Nas viagens de ida e volta determinou a longitude do navio
pelo método das distâncias lunares utilizando um quadrante de Hadley e as tábuas de Mayer. Informou mais tarde, nas Philosofical Transactions (vol. 52, 1762), que o erro que obteve na determinação das longitudes no mar seria de aproximadamente 1.5. Cf., Idem, ibidem, p. 204.
XIV – 37
PRANCHA VII
Octante e círculo de reflexão.
Octante do século XVIII.
Círculo de reflexão. Gravura do Piloto Instruído de A. L. Costa Almeida.
38
INSTRUMENTOS DE NAVEGAÇÃO
aparente), com intervalos de três horas. Dado que o movimento da Lua
não é uniforme, a simples proporção linear não é suficientemente rigorosa, pelo que se tornava necessário recorrer pelo menos às segundas diferenças. O anteriormente referido intervalo de três horas para as posições
da Lua relativamente aos astros usados, mostrou-se suficiente.
Uma cópia de uma página do Nautical Almanach de 1797, apresentada no Prancha VIII, mostra o modo como era fornecida esta importante
informação ao navegador da época.
O método na náutica portuguesa
Este método e a sua descrição ainda não aparece no Tratado Completo da Navegação de Xavier do Rego onde já se refere e descreve o
octante como instrumento de observação, não só na sua obra impressa, de
1764, como também num manuscrito que datámos de 174041. O octante
permitiria já, com o auxílio de tábuas adequadas, se na altura já as mesmas estivessem disponíveis para uso a bordo, determinar com rigor adequado distâncias angulares entre a Lua e outros astros. No entanto a obra
de Bouger, contemporânea da de Rego42, ainda não refere o método.
O primeiro documento onde detectámos o uso das distâncias lunares na
náutica portuguesa, foi num diário náutico da corveta Conceição, navegando de Lisboa para o Maranhão em 1797. Fotocopiámos dois cálculos de
distâncias lunares, correspondentes aos dias 25 de Março e 17 de Julho do
referido ano. Uma das páginas é apresentada no Apêndice 3 (p. 65), onde se
nota toda a disposição do cálculo, desde o cálculo das distâncias aparentes,
da distância verdadeira recorrendo aos logaritmos, e da longitude.
Em manuais de navegação o assunto é apresentado com grande
desenvolvimento no já citado Piloto Instruído de António Lopes da Costa
Almeida, de 183043, onde para o cálculo da distância verdadeira são apre-
41
Francisco Xavier do Rego, Tratado Completo de Navegação, Lisboa, António
Vicente da Silva, 1764. Cotejámos o manuscrito a que nos referimos, que pertenceu a
Gago Coutinho e está actualmente na Biblioteca Central de Marinha (Tratado Completo
da Navegação, Ms. 5, Lisboa, BCM, s.d.), com a edição impressa, verificando tratar-se
da mesma obra. Datá-mo-lo de 1740, atendendo às tabelas de efemérides lá apresentadas.
Este será outro manuscrito da obra de Xavier do Rego, além do que Luís de Albuquerque
referenciou em Coimbra. Cf., Luís de Albuquerque, Estudos de História, Coimbra, Universidade de Coimbra, 1976, vol. IV, pp. 288-289.
42
Bouger, Nouveau Traité de Navigation, Contenant la Théorie et la Pratique du
Pilotage, Paris, Hippolyte-Louis Guerin, & Louis François Delatour, 1753
43
Op. cit., pp. 218-247.
XIV – 39
PRANCHA VIII
Tabela de distâncias do Sol e de estrelas à Lua,
extraídas do Nautical Almanach de 1797
40
INSTRUMENTOS DE NAVEGAÇÃO
sentados pelo menos onze métodos, sendo preferido o de Borda. Na Introdução ao seu trabalho, Costa Almeida, depois de mencionar o objectivo
da publicação da sua obra e das fontes que utilizou, onde refere os mais
conceituados autores europeus44, esclarecendo que leva em «distinta consideração os trabalhos, e elegantes desenvolvimentos dos nossos Academicos Portuguezes os Senhores Dantas, Monteiro, e Travassos, publicados
em diferentes épocas e obras,…», faz este interessante comentário:
Huma outra causa não menos interessante á Instrução Publica se
manifesta na esperança d’abolir o incorrecto, e pessimo uso das Postillas, que há immensos annos se tem espalhado por quasi todos os
Navios, como único meio de obterem algumas idéias de Navegação
adaptadaa á Pratica, porque nem todos tem conhecimento das Linguas
Estrangeiras, e em Portuguez nada há escripto sobre este objecto, reduzido a Methodo; sendo assim obrigados a cingirem-se á doutrina de
Postillas inexactas, e pela maior parte adulteradas nas respectivas
copias, vendo-se os Professores de Navegação na necessidade de
duplicar o seu trabalho, na substituição das Regras, e Praticas, em
lugar daquellas, que pela falta de exactos impressos, tinhão aprendido
pelos imperfeitos manuscriptos.
Também o trabalho pouco posterior de Mateus Valente do Couto45,
apresenta o método, mas com menor desenvolvimento. A fórmula de
Borda é também a preferida para o calculo da distância verdadeira.
Em época anterior a estas importantes obras da náutica nacional, que
deverão ter fixado o seu ensino em Portugal por largo período, até à revolução posterior originada pela descoberta de Sumner da recta de altura,
detectámos umas Taboas para o Calculo da Longitude Geografica,
segundo Methodo de José Monteiro da Rocha, publicadas com aprovação
da Sociedade Real Marítima, por Francisco de Paula Travassos, professor
de Matemática na Academia Real da Marinha46.
Segundo Costa Almeida, as tábuas foram oferecidas em 1799 à
Sociedade Real Marítima por Monteiro da Rocha, que «faz este
44
Menciona as «… Navegações Praticas de Hamilton Moor, Atkinson, John Adams,
Robertson, Norie, Makey, Richard, Dulague, Violaine, Queperatte, e Macarte, …».
45
Matheus Valente do Couto, Astronomia Spherica e Nautica, Lisboa, 1839. É interessante notar a referência que Costa Almeida faz à eminente publicação desta obra de
Valente do Couto em nota à Introdução da sua obra (Piloto Instruído, p. V).
46
José Monteiro da Rocha, Taboas para o Calculo da Longitude Geografica, segundo
o Methodo de José Monteiro da Rocha, Lisboa, Regia Officina Typographica, 1803.
XIV – 41
Methodo muito facil, e dá aos resultados toda a exatidão possivel…».
E adianta ainda que «… elle reduziu o Calculo ao uso de nove Taboas
com as quaes se obtem assim a redução de quaesquer Distancias
observadas ás verdadeiras dos Centros, e a hora verdadeira das Observações; entre ellas há quatro, por meio das quaes se corrige o resultado
com a differença da Refracção correspondente ao estado actual da
atmosfera relativamente á temperatura média, e se attende á figura
elipsoidal da terra na determinação das paralaxes…»47. Isto demonstra,
na nossa opinião, a preocupação de rigor dos técnicos náuticos portugueses da época.
Há ainda umas Instruções Praticas para os Pilotos Determinarem no
Mar a Longitude, pela Observação da Distancia do Sol á Lua, ou da Lua
a huma Estrella; Com Todas as Necessarias Reflexões, para se Fazerem
as Observações, e o Calculo Com Huma Instrução Pratica para se determinarem as alturas dos astros, quando o horizonte não permite hum contacto, claro e util: determinação da variação da agulha, por amplitude
verdadeira, aparente, azimuth, e passagem dos astros pelo primeiro vertical, determinação da hora, para regulação dos relogios, &c. Este trabalho não tem autor definido e é de 181848.
A Memoria Sobre o Problema das Longitudes por J. M. Dantas
Pereira, é a que cronologicamente se segue(1826)49, e em cerca de 24
páginas anotadas, que incluem duas folhas extraídas de umas «Taboadinhas Portuguesas», é essencialmente discutido um método para determinar a distância verdadeira, que era, como se sabe, o «quebra cabeças» dos
navegadores da altura que pretendessem determinar a longitude por distâncias lunares.
Neste trabalho, o autor faz muito interessantes observações relativamente ao problema da longitude, referindo por exemplo, «… que na falta
Piloto Instruido, pp. 217-218.
Instruções Praticas para os Pilotos Determinarem no Mar a Longitude, pela
Observação da Distancia do Sol á Lua, ou da Lua a huma Estrella; Com Todas as Necessarias Reflexões, para se Fazerem as Observações, e o Calculo Com Huma Instrução
Pratica para se determinarem as alturas dos astros, quando o horizonte não permite hum
contacto, claro e util: determinação da variação da agulha, por amplitude verdadeira,
aparente, azimuth, e passagem dos astros pelo primeiro vertical, determinação da hora,
para regulação dos relogios, &c. O que tudo dispoz, e fez imprimir pessoa da profissão,
para uso de seus discipulos, e de todas as mais pessoas que se quizerem utilizar, &c., Lisboa, Typografia Rollandiana, 1818.
49
J. M. D. P. , Memoria Sobre o Problema das Longitudes, Lisboa, Impressão Imperial e Real, 1826. Este trabalho pertence ao Legado do Almirante Gago Coutinho, à
Biblioteca Central de Marinha.
47
48
42
INSTRUMENTOS DE NAVEGAÇÃO
de chronometros convem recorrer ás distancias lunares». No entanto,
dado que os cronómetros são muito afectados na sua marcha pela temperatura, magnetismo, descargas de artilharia, etc., «… ainda hoje podemos
afirmar, que o methodo das distancias da Lua as Estrellas, e aos Planetas,
he o principal para a determinação das longitudes no mar; motivo que o
tem feito considerar, ou virar, por todos os lados: já resolvendo o problema graficamente, mediante Cartas, ou tão volumosas como as de
Margetts, ou tão simplices como a de Maingon; já compondo Taboas
auxiliares especiais como as de Mr. Mendoza50, que todavia andão por
hum quinto das Inglezas».
Âmbito geral da aplicação prática do método
As distâncias lunares foram empregues durante um período muito
mais longo do que se esperaria, visto que a introdução do cronómetro
indiciava que imediatamente fosse posto de lado aquele processo de obter
a longitude.
Enquanto a difusão via rádio dos sinais horários não permitiu o
acerto periódico dos cronómetros51, as dificuldades de manutenção
rigorosa da hora a bordo, devido à pouca precisão inicial dos mesmos
e o seu elevado custo, tornaram a obtenção da hora do meridiano de
referência pelo cronómetro menos rigorosa ou de menor fiabilidade do
que a obtida pelo «relógio Lua». Aliás os comentários de Dantas
Pereira anteriormente referidos, ilustram o pensamento dos navegadores da época, que segundo as fontes, mesmo estrangeiras, que consultámos, eram de opinião idêntica.
Deve o autor referir-se a Josef de Mendoza e Rios, oficial da armada espanhola.
O seu Tratado de Navegacion (Madrid, Imprenta Imperial, 1787), foi uma das principais
referências da época. É uma obra em dois tomos, que cobre toda a teoria e prática da navegação, tendo o segundo Tomo, 472 páginas.
51
Só em 1904 se transmitiu pela primeira vez oficialmente, de uma estação americana de Navesink, New Jersey, um sinal horário via telegrafia sem fios. Anteriormente a
esta acção, entre 1878 e 1879, sinais telegráficos ligaram as cidades de Greenwich, Lisboa, Funchal, St. Vincent, Pernambuco, Rio de Janeiro, Montevideo, Buenos Aires e Pará,
permitindo determinar rigorosamente as longitudes nestes locais. Os sinais horários
começaram então a ser difundidos através da queda de um balão nestas cidades. Cf., Charles
Cotter, A History of Nautical Astronomy, pp. 256, 257. No porto de Lisboa um balão idêntico,
estava instalado na esquina sudoeste do torreão leste do actual edifício da Marinha.
50
XIV – 43
O problema do cálculo
Como vimos, além da necessidade de tabelas rigorosas e bons instrumentos, tornava-se necessário efectuar complicados cálculos, visto que a
distância Sol-Lua era tirada à superfície da terra (distância aparente) e era
preciso reduzi-la ao seu centro (distância verdadeira).
Os métodos propostos foram sendo sucessivamente aperfeiçoados e
simplificados, de modo a permitir adaptá-los às difíceis condições humanas e físicas de bordo. Borda, Abbée de La Caille, Maskelyne, Delambre,
Lyons e muitos outros propuseram várias soluções, que se dividiram em
dois grupos principais: um rigoroso e outro aproximado. Nas experiências
que efectuámos a bordo utilizámos a fórmula rigorosa de Borda, que
deduzimos no Apêndice 4 (pág. 67).
Até fins do século XVIII, propuseram-se mais de quarenta métodos
para reduzir a distância. Note-se também que o método das distâncias
lunares foi o método mais aplicado por todo o século XVIII, só sendo gradualmente substituído pelo uso do cronómetro quando o preço deste instrumento se foi tornando mais acessível, e também a partir da altura em
que os sinais horários se puderam transmitir para os navios, como anteriormente referimos. Esta lenta evolução percorreu todo o século XIX52.
A prática da observação
O procedimento usado nas observações é complexo e moroso, e
requer três observadores, três sextantes, um relógio que dê a hora aproximada e um assistente para registar as observações53.
Note-se que só já no século XX o Nautical Almanach deixou de incluir tabelas
para este cálculo. Veja-se ainda, e por exemplo, o famoso e útil trabalho de S. T. S. Lecky,
Wrinkles in Practical Navigation, que na sua 9.ª edição, em 1894, trata com desenvolvimento este método, apesar de já o considerar como auxiliar do cronómetro. Cf. S. T. S.
Lecky, Wrinkles in Practical Navigation, 9.ª edição, Londres, George Philip & Son, 1894,
pp. 456-463. A primeira edição em 1802 do American Practical Navigator, do americano
Nathaniel Bowditch, um dos mais conceituados estudiosos do método, onde as distâncias
lunares eram tratadas com muito desenvolvimento, sendo os princípios lá expostos e as
tabelas para a redução da distância adoptados por quase todas as marinhas, só deixou de
incluir o método na edição de 1914.
53
Na falta de observadores em número suficiente, era possível, com um só observador e um anotador das alturas e horas, efectuar as observações, fazendo várias não simultâneas e efectuando as suas médias, admitindo que a variação da altura e da distância são
lineares para pequenos intervalos de tempo. Os procedimentos a adoptar são expostos nas
obras já citadas que se referem ao assunto.
52
44
INSTRUMENTOS DE NAVEGAÇÃO
O observador mais experiente fica encarregado da medição da distância angular entre o Sol e a Lua. Os outros dois observadores tiram
simultaneamente as alturas do Sol e da Lua. A fotografia da figura 16
exemplifica claramente a situação54, estando o observador de lado a observar a altura do Sol, o de costas a da Lua, o deitado a distância angular SolLua e o sentado a efectuar o registo das observações.
Fig. 16 – Execução das observações.
Experiências de observação e cálculo da longitude
Experimentámos com muito gosto e muita ginástica este processo,
que se mostrou perfeitamente exequível, com erros de longitude aceitáveis, como mostraremos em seguida.
Fizemos várias experiências, sendo algumas na viagem de 1992 aos
Estados Unidos (Regata Colombo), e o maior número na viagem de 2000.
Vamos em seguida mostrar um exemplo de um cálculo da longitude
por este método utilizando uma das observações da viagem de 2000.
No dia 30 de Março, na posição estimada de 14° 50’ N, 24° 35’ W,
foi feita uma série de 9 observações de distâncias angulares entre o Sol e
a Lua e de alturas a estes astros, com o objectivo de determinar a longitude pelo método das distâncias lunares. Foram também tiradas as horas
das observações para verificação dos cálculos.
Note-se que a posição de deitado para observar a distância Sol-Lua Lua não foi
devida a qualquer recomendação que detectássemos nas fontes. Admitimos no entanto
que tal procedimento possa ter sido utilizado, porque de pé, e em determinadas condições
de posição relativa Sol-Lua, é muito difícil observar. Esta posição de deitado mostrou ser
extremamente cómoda e eficiente.
54
XIV – 45
Das nove observações aproveitaram-se as cinco que nos mereceram
mais confiança, tendo-se em seguida efectuado as médias das mesmas.
A Lua encontrava-se em quarto minguante, tendo sido difícil a observação.
A fim de conseguirmos apresentar os cálculos com a simbologia e os
grafismos utilizados habitualmente nos cálculos náuticos, apresentamos
os mesmos em página do programa corelDRAW, que dispõe de ferramentas adequadas para o efeito. Nestas condições, os cálculos correspondentes ao exemplo anteriormente referido são apresentados no Prancha IX.
Como já dissemos, os mesmos foram feitos recorrendo a vários expedientes proporcionados por publicações antigas e pela moderna tecnologia, à qual teve que se recorrer, visto que já se não publicam tabelas de
distâncias lunares, além de que o cálculo trigonométrico se executa facilmente com o computador e com resultados igualmente rigorosos.
A seguir se expõem resumidamente alguns dos meios por nós usados
para efectuar todo este complexo cálculo:
a. Os primeiros cálculos a efectuar correspondem a fazer as correcções das alturas dos astros e da distância Sol-Lua. Das primeiras,
calculam-se inicialmente as alturas aparentes dos astros (e as correspondentes distâncias zenitais), que correspondem à observação
à superfície da terra. Seguidamente as alturas verdadeiras, que correspondem à sua redução ao centro da terra, uma vez que as efemérides a este ponto se referem.
b. Uma vez que o Almanaque Náutico publica as correcções da paralaxe e do semidiâmetro da Lua conjuntamente, e tornando-se
necessário separá-los para efeitos do que acima se disse, foi utilizada uma tabela calculada de propósito para o efeito e publicada
por Ramon Estrada nas suas Lecciones de Navegacion de 1885.
Também para o Sol, e por motivos semelhantes, se utilizou uma
outra tabela de Estrada55.
Ramon Estrada, Lecciones de Navegacion, Precedidas de unas Ligeras Nociones
de Astronomía y Seguidas de Unas Tablas para Facilitar los Calculos Náuticos, Madrid,
Sucessores de Rivadeneyra, 1884, tabelas 7.ª e 13.ª, pp. 120-131 das Tabelas. Esta obra
foi também muito usada na época e repare-se que em 1885 o autor dá ainda grande relevo
ao método. De facto, esta matéria abarca dois capítulos da parte final desta obra, as Leccion 32.ª e 33.ª (pp. 713-765). Note-se que este método coabita nesta obra com o princípio da recta de altura, que Sumner tinha descoberto em 1837. Estrada trata deste assunto
nas Leccion 29.ª, 30.ª e 31.ª (pp. 661-709).
55
46
INSTRUMENTOS DE NAVEGAÇÃO
c. À distância angular entre os dois astros, somámos os respectivos
semidiametros, obtendo assim a distância dos seus centros .
d. Para calcular a distância angular verdadeira entre os seus centros
recorremos ao programa excel do computador, onde programámos
a fórmula de Borda, como anteriormente dissemos e onde entramos com distâncias zenitais.
e. A hora correspondente à distância verdadeira foi obtida por tentativas, utilizando as coordenadas fornecidas pelo Almanaque Náutico56. De facto, e como anteriormente afirmámos, não havendo
actualmente tabelas com os ângulos entre a Lua e Sol ou estrelas,
usámos a hora do cronómetro do momento da observação (ou a sua
média, se se fizeram várias observações), extraímos o ângulo horário em Greenwhich (que convertemos em ângulo no pólo), e a
declinação dos astros. Com estes dados, que correspondem a dois
pontos de coordenadas conhecidas(ϕ=δ; L=Pgw), calculámos a
distância angular entre eles resolvendo o triângulo esférico. Utilizámos para o efeito um programa do computador. Fazendo variar
a hora e extraindo as coordenadas dos astros, obtivemos por tentativas a distância angular que mais se aproximava da distância verdadeira e a correspondente hora média de Greenwich.
f. O ângulo no polo do Sol foi obtida por cálculo trigonométrico também, através do excel.
Pode-se verificar quão fastidiosos e complexos são os cálculos, apesar de recorrermos a técnicas modernas. No entanto é conveniente acentuar que não existem actualmente tabelas de distâncias. O uso destas
tabelas na época, mesmo com a necessidade de efectuar as médias de
segundas diferenças, seria um método mais expedito do que o de tentativas com os dados do almanaque náutico, que utilizámos.
Verificámos então, que a longitude observada foi de 24° 07’.9 e que
a longitude obtida pelo GPS foi de 24° 35’.9. Houve portanto um erro de
aproximadamente 28’, que naquela latitude corresponde a pouco menos
do que este valor em milhas.
Das oito experiências de que temos registo fidedigno, apresentamos
mais duas, das quais se extraem os elementos necessários ao cálculo da
Na realidade utilizámos o Almanaque Náutico contido no programa Navigator de
Omar F. Reis, um professor de navegação brasileiro que concebeu um utilíssimo meio de
se resolverem todos os problemas de navegação astronómica de modo muito rápido, eficiente e expedito. O seu sítio da internet é www.tecepe.com.br/nav.
56
XIV – 47
PRANCHA IX
Exemplo de cálculo da longitude por distância Sol-Lua
48
INSTRUMENTOS DE NAVEGAÇÃO
longitude, e que originaram as longitudes calculadas que se indicam (as
coordenadas das posições são do GPS):
a. Dia 8 de Abril de 2000, em ϕ=06° 05’.3 S, L=29° 20’.4 W:
(Lua)aap=59° 38’ 58’’; (Sol)ap=18° 12’ 27’’; Dap=52°.967777;
(Lua) av=60° 08’ 26’’; (Sol)av=18° 11’ 51’’. O cálculo da distância
verdadeira originou Dv=53.2302282. O cálculo da distância à hora
da observação Hmg=18h 41m 56s originou Dv=53°.250667, o que
é muito próximo do valor observado. A hora obtida por tentativas
foi de Hmg=18h 39m 57s . A longitude obtida foi de L=28° 54’.0 W,
o que difere em cerca de 25 minutos da verdadeira.
b. Dia 2 de Setembro de 1992, em ϕ=08° 00’ N, L=90° 16‘ W:
(Lua)aap=54° 25’ 09’’; (Sol)aap=35° 19’ 09’’; Dap=78°.021666666;
(Lua)av=54° 58’ 39’’; (Sol)av=35° 17’ 54’’. O cálculo da distância
verdadeira originou Dv=77°.6504268. O cálculo da distância à
hora da observação Hmg=21h 41m 17s originou Dv=77°.6511666,
o que é bastante próximo do valor observado. A hora obtida por
tentativas foi de Hmg= 21h 41m 13s. A longitude obtida foi de
L=90° 11’.3 W, diferindo apenas 4’ da verdadeira.
Notou-se que as condições de observação também influenciaram os
resultados, como é natural. De facto, nos nossos apontamentos do Diário
Náutico referimos as diferentes condições das observações, verificando-se
que é conveniente ter o máximo cuidado na execução das mesmas, sendo
necessário introduzir minuciosamente todas as correcções nos cálculos.
A execução de médias é muito útil e a observação de distâncias angulares pequenas entre os astros é mais aconselhável porque é difícil por
vezes fazer a coincidência do limbo do Sol e da Lua com distâncias maiores do que 90°.
No entanto podemos concluir que o método tinha um rigor relativamente aceitável, sendo a longitude correspondente ao último exemplo
espantosamente aproximada da verdadeira.
Além disso tinha a vantagem, por comparação com o uso do cronómetro antes da difusão dos sinais horários, de ser mais fiável, visto que,
se as observações fossem efectuadas por navegadores experientes e os
cálculo executados com cuidado, o rigor era conhecido e aceitável. O cronómetro por sua vez, não tendo marcha regular, era de pouca confiança.
Antes do cronómetro foi este método um importante passo, dado que
os erros do ponto de esquadria, que emendava o ponto estimado ou de
fantasia, introduzindo neste a latitude obtida por meios astronómicos,
eram de vários graus, por vezes.
XIV – 49
Longitude pelo cronómetro
Efectuámos vários cálculos da longitude por este método, que deveria ser usado, como se sabe, quando o Sol se apresentava em circunstâncias favoráveis, e os resultados foram óptimos. O método foi já utilizado
para o cálculo da longitude por distâncias lunares, com a diferença que a
hora do meridiano de referência é agora dada pelo cronómetro. Apresentamos um exemplo de cálculo na Prancha X.
Os resultados dos 9 cálculos efectuados, tiveram os seguintes erros no
valor da longitude: -11’.8; -4’8; +2’.4; +0’.8; -6’.7; +5’.9; +1’.6; +0’.1; -0’.7.
Verifica-se que os referidos erros são inferiores aos das distâncias
lunares, mas tal rigor só foi possível, porque a hora do nosso cronómetro
era a correcta.
Foi este método e o das distâncias lunares, e o ancestral método da
obtenção da latitude pela passagem meridiana, que se concretizavam a
horas diferentes, que dominaram a técnica de obtenção da posição do
navio. A obtenção das coordenadas simultaneamente só se concretizou
com o desenvolvimento posterior do «invento» da recta de altura por
Sumner em meados do século XIX57.
Determinação do erro do cronómetro utilizando
o horizonte artificial
Experimentámos também o horizonte artificial de mercúrio, que na
época se tornou necessário para em terra, e em local de longitude previamente conhecida, determinar a hora para se corrigir o cronómetro, quando
ainda não haviam os já referidos sinais horários telegráficos.
57
Fontoura da Costa expõe a evolução da navegação nos últimos séculos (XVIII a
XX) em apontamentos seus da Escola Naval. Para este historiador, a Velha Navegação
Astronómica é a da «… latitude por meio de altura meridiana, ou circummeridiana… e a
longitude por distâncias lunares.». Seguiu-se-lhe a Nova Navegação Astronómica, com o
cálculo da latitude pelos mesmos métodos e da longitude pelo cronómetro. A Moderna
Navegação Astronómica surgiu depois da recta de altura, que permitiu, pela primeira vez
a obtenção simultânea das coordenadas, obtendo-se um ponto de elevado rigor. Cf. Abel
Fontoura da Costa, Moderna Navegação Astronómica, Lisboa, Escola Naval, 1930. Tratase de um livro manuscrito e policopiado que servia de base de estudo da cadeira de Navegação. Poderíamos acrescentar que a navegação que antecedeu estas foi a Antiga
Navegação Astronómica, a da latitude por altura da passagem meridiana de astros e da
longitude pela estima (ou pela variação da agulha, no conceito por nós exposto atrás).
50
INSTRUMENTOS DE NAVEGAÇÃO
PRANCHA X
Exemplo de cálculo da longitude pelo cronómetro.
XIV – 51
O princípio de funcionamento e o uso do horizonte artificial expõese no Apêndice 5, sendo extraído de um trabalho do signatário58.
As experiências foram executadas no cais do porto do Mindelo,
sendo apresentadas imagens elucidativas das mesmas na Prancha XI. Os
cálculos estão na Prancha XII, verificando-se que o valor obtido para a
hora do cronómetro no momento da média das observações difere apenas
de 13 segundos da hora a que as mesmas foram efectuadas. Este resultado
mostra que a determinação do erro do cronómetro em terra em local de
longitude perfeitamente conhecida, era muito fiável.
Conclusões e comentários finais
Poderemos concluir, baseando-nos nas experiências efectuadas a
bordo de veleiros e no nosso estudo da evolução da náutica até ao século
XVIII59 que:
a. O quadrante (erro provável de 16’), tem um rigor inferior ao astrolábio e terá sido apenas usado durante um período curto. Não
detectámos a utilização de quadrantes com as modificações sugeridas por Fernando Oliveira e Lavanha, apesar de termos consultado muita documentação referente ao período considerado, que
incluiu diários náuticos e relatos de viagens.
b. O astrolábio tinha o rigor suficiente para a aterragem em ilhas e portos dos continentes (erro provável de 12’) e foi usado como principal
instrumento de observação do Sol até ao início do século XVII.
Durante este mesmo período e para observação de estrelas baixas
quando o Sol estava próximo do zénite, a balestilha terá servido de
complemento ao astrolábio. O uso do astrolábio para estrelas de altura
elevada terá sido vulgar durante todo o período (séculos XV a XVIII).
c. Não detectámos o uso da armilha náutica que seria instrumento de
difícil operação, dada a instabilidade da sombra do sol.
Cf., José Manuel Malhão Pereira, Textos Complementares de Apoio, Alfeite,
Escola Naval (Serviço de Publicações Escolares), 1982, pp. finais. Este assunto é tratado
em vários textos de obras de navegação dos séculos XIX e XX. Vejam-se, por exemplo
as obras já citadas de António Lopes da Costa Almeida, O Piloto Instruído (nota 10, pp.
79-80, onde se expõe o uso de um horizonte artificial mecânico, nivelado com níveis de
bolha de ar e outro com líquido, por exemplo o Azougue), e Ramón Estrada, Lecciones de
Navegacion (pp. 498-502) E ainda Elementos de Astronomia, Apontamentos para as
Lições da 2.ª Cadeira, Lisboa, Escola Naval, 1927-1928, pp. 155-159, (manuscrito policopiado, que deverá corresponder às lições do mestre de navegação da altura).
59
Constante da nossa dissertação de Mestrado, já citada.
58
52
INSTRUMENTOS DE NAVEGAÇÃO
PRANCHA XI
Utilização do horizonte artificial em terra para determianção
do erro do cronómetro.
Os instrumentos usados nas experiências.
O Sol reflectido no mercúrio, visto
através dos vidros corados do sextante.
Observando no cais do porto do Mindelo.
Pormenor da observação.
Observando
no
mesmo
local.
XIV – 53
PRANCHA XII
Exemplo de determinação do erro do cronómetro por observação
do sol em terra com horizonte artificial
54
INSTRUMENTOS DE NAVEGAÇÃO
d. Não detectámos o uso do quadrante de mediclina angular, cuja
operação é difícil, apesar de não termos conseguido concluir algo
de relevante sobre o seu rigor. No entanto, o seu princípio aplicado
a um astrolábio, como se demonstra pela adaptação detectada no
Atocha V, indicia o seu eventual uso a bordo.
e. A balestilha terá passado, a partir do primeiro quartel do século XVII,
a substituir o astrolábio para observação do Sol, quando utilizado de
costas para este astro, sendo o seu rigor (erro provável de 6’), bastante
superior ao daquele instrumento. Terá havido um período de transição, com a utilização de ambos os instrumentos a bordo para o
mesmo fim. A balestilha terá sido usada durante todo o período para
observação de estrelas baixas. A balestilha fez a transição no século
XVIII para o octante, quando já o astrolábio não se usaria a bordo.
f. O instrumento de sombras primeiro e a agulha de marcar mais
tarde, (instrumentos genuinamente portugueses), terão servido,
aliados às tábuas de amplitudes elaboradas por Lavanha (cuja construção e apresentação naturalmente evoluíram), os instrumentos
usados para a determinação da declinação magnética durante todo
o período. A agulha de marcar portuguesa terá também sido muito
utilizada a bordo dos navios estrangeiros.
g. O método das distâncias lunares tinha um rigor aceitável, e contribui, antes da divulgação do cronómetro e dos sinais horários telegráficos, para a resolução do problema da longitude. O seu uso a
bordo de navios portugueses terá sido contemporâneo do mesmo
uso das outras nações, tendo até em Portugal sido desenvolvidas
técnicas próprias de cálculo da distância verdadeira.
h. A determinação do erro do cronómetro usando em terra o horizonte artificial tinha um rigor muito aceitável.
E foram estas as principais experiências que fizemos a bordo. E
fizemo-las com vários objectivos e algumas consequências.
O objectivo principal tem sido esclarecer as nossas dúvidas, e eventualmente as da comunidade científica, à qual tentamos dar a informação
colhida. Consideramos extremamente útil fazer experiências e conhecer
os ambientes onde se moviam os personagens do passado. Se Pedro de
Medina tivesse alguma vez vivido a bordo, não recomendava que ao
observar de noite com a balestilha, com horizonte mal definido, se usasse
uma vara vertical para definir esse horizonte.
O outro objectivo foi tentar incutir nos jovens cadetes embarcados no
navio o gosto pelo estudo dos métodos dos seus antepassados, contriXIV – 55
buindo para aumentar o seu orgulho pátrio e o gosto pelo estudo da brilhante história do seu país. Se para o recente elevado índice de jovens, e
não só, frequentadores de cursos de história nas universidades tiveram
alguma influência as nossas acções, ficaremos muito satisfeitos.
As consequências foram várias, e uma delas foi mais esta oportunidade de viajar a bordo da nossa Sagres, gozando da hospitalidade amiga
e camarada do Comandante Dias Pinheiro, do Imediato Ramos, oficiais e
outros membros da guarnição, que mais uma vez agradecemos.
E também o ter conhecido o camarada da Força Aérea, que recapitulou pacientemente os seus vastos conhecimentos de astronomia que
aprendeu e praticou na Armada, onde por muitos anos serviu. E também
conhecer a doutora e grumete Kioko Koisso, que para estudar a história
trágico-marítima navega em navios que felizmente não se afundam.
Outra foi assistir directamente às comemorações dos 500 anos da
descoberta do Brasil, e a alguns dos seus episódios mais picarescos, muitos deles amplamente divulgados pelos meios de comunicação.
Mas a propósito da moda do perdão público dos Europeus pelos seus
eventuais pecados imperiais, não podemos deixar de citar um período de
um artigo na revista brasileira Veja, onde a este propósito, e depois de se
comentarem os pedidos de perdão do Papa se afirma:
No caso específico do povo brasileiro, pedir perdão aos índios,
como fizeram alguns bispos, é uma atitude civilizada, mas ela tem um
aspecto bizarro. Um estudo recente de um geneticista… mostrou que
70% dos brasileiros que se definem como brancos, têm índios ou negros,
ou ambos, nos seus ascendentes. Ou seja, somos um país mestiço, em
que até a minoria branca tem sangue negro ou índio. Sendo assim, talvez o mais adequado fosse sair pelas ruas pedindo perdão a qualquer
brasileiro que se encontrar. As pessoas mais introspectivas poderiam
muito bem olhar-se no espelho e pedir perdão ao índio que carregam
dentro de si, escondido nas dobras do seu DNA.
Encerramos este trabalho com mais uma consequência destas recentes experiências, que corresponde a termos tido oportunidade de constatar
mais uma vez que Cabo Verde, por onde também passámos, e o Brasil são
dois importantes exemplos de sociedade, que na nossa modesta opinião, é
o futuro da humanidade.
Poderemos assim ter orgulho naquilo que a nossa nação, criadora de
tantas outras, fez e continua a fazer pelo mundo.
Caxias, 28 de Novembro de 2002
José Manuel Malhão Pereira
56
Apêndices
1 – O QUADRANTE DE JOÃO BAPTISTA LAVANHA.
2 – EXCERTO DO DIÁRIO NÁUTICO COM OBSERVAÇÃO DA VARIAÇÃO, UTILIZANDO O INSTRUMENTO DE SOMBRAS.
3 – EXCERTO DE UMA PÁGINA DO DIÁRIO NÁUTICO DA CORVETA
CONCEIÇÃO (DIA 17 DE JULHO DE 1797).
4 – DEMONSTRAÇÃO DA FÓRMULA DE BORDA.
5 – «O HORIZONTE ARTIFICIAL E A SUA UTILIZAÇÃO». EXCERTO DE
TEXTOS COMPLEMENTARES DE APOIO, ESCOLA NAVAL, 1982.
XIV – 57
INSTRUMENTOS DE NAVEGAÇÃO
APÊNDICE 1
O quadrante de João Baptista Lavanha
Quando tratámos do quadrante, informámos que apresentaríamos o
estudo que fizemos na nossa tese de mestrado, do quadrante proposto por
João Baptista Lavanha na sua Arte de Navegar60.
A parte que nos interessa do manuscrito estende-se do fólio 20 do
mesmo ao fólio 52, e começa com o seguinte texto: «Començase a leer
este trattado, dal señor Juan Batta Lauaña Mathematico del Rey Nuestro
Señor en la Academia de Madrid a 14 de Março 1588 años»61.
Por considerarmos de interesse, transcrevemos os títulos dos capítulos destes apontamentos tirados por um discípulo de Lavanha, provavelmente italiano, conforme sugere Fontoura da Costa62:
«Capitulo primero, de la diffinición del arte de de navegar; Capitulo 2.º
de la declinacion del Sol; Capitulo 3.º Como se allaraa la declinacion del Sol
por Instrumentos; Capitulo 4.º De los Instrumentos con que se toma el altura
del Sol; Cap. 5.º Como se allará la altura del polo, por las alturaas meridianas del Sol; Cap. 6 De la […] de la estrella Polar del Polo del Mundo […];
Cap. 7.º De los vientos; Cap. 8 de la Fabrica de la Carta de Navegar […] de
como se na de decalcar[?] los Rumbos en ellas; Cap. 9. Como se descrevera
la costa de la Mar en la Carta; Cap. 10 Del uso de la Carta de Marear; Cap.
XI De la tabla de que usan los navegantes para allar lo que corresponde a
cada grado de distancia [?] latitudinal; Cap. 12 Del aguja de Marear; Cap.
13.º Como se marcaran las agujas»63.
Apresentamos em seguida uma transcrição do texto onde o quadrante
é descrito64. Este texto, em castelhano é de difícil leitura, e está integrado
numa parte do manuscrito em que são descritos a armilha náutica e uma
60
61
Códice 1910 da Biblioteca do Palácio Nacional de Madrid.
Fontoura da Costa transcreveu este título na sua Marinharia dos Descobrimentos,
p. 441.
62
Idem, ibidem, p. 442. Os apontamentos têm intercalada, no folio 40, uma carta
escrita em italiano, datada de Janeiro de 1588.
63
Alguns títulos dos capítulos estão no fim do texto em vez de estarem no princípio
(por ex.: «Del aguja de Marear Cap. 12», em vez de «Cap. 12 Del aguja de Marear». Para
uniformidade e clareza da descrição dos capítulos do manuscrito, optámos por colocá-los
sempre no princípio.
64
Códice 1910, fol. 25 v., 26.
XIV – 59
técnica de leitura de pequenas divisões da escala graduada de um astrolábio. Por nos parecer útil, transcrevemos todo o capítulo 4.º, «De los Instrumentos com que se toma el altura del Sol», à excepção da sua parte
final, onde Lavanha descreve o modo de dividir o limbo de um astrolábio,
a fim de que o mesmo permita apreciar os minutos e segundos de arco.
A primeira parte descreve a armilha náutica e o quadrante é apresentado
a seguir, como se verá.
[Fol. 24 v.]
Cap.º 4.º De los Instrumentos com que se toma el altura del Sol
Usan los navegantes de Astrolabios pensiles por que en la mar no se tienen orizonte estable e quieto y los antiguos astrónomos todos los instrumentos con que observavan a las estrellas los ponian levantados sobre una
plana superficie equidistante al orizonte porque desta manera la linea del
perpendiculo del Instrumento no podra declinar a una o a otra parte y en los
astrolabios pensiles puede ser, […] porque una parte de su dioptra […] esta
mas alta que la otra y por tanto sendo mas pesada que el falta pese mas a hua
outra parte y así su linea del perpendiculo nan estara en su lugar […] que
este sera al plano del horizonte, por lo qual para obviar a estes inconvinientes, y a otros en que caen los navegantes por falta de buenos Instrumentos
fabriquese de metal una Armila circular de la grandeza que suelen ter los
astolabios e de superficies quadradas, que tenga cada una por lo menos una
polegada e por el medio de la superficie65 lado un circulo a b c, cujo centro
se mostra ser l al qual circulo corresponda en la superficie con uno otro circulo que sea f h k, e el punto f se ponga sobre punto A de suerte que este en
dereito del diámetro e a en el qual punto f se ponga la Armilla de que […]
el Instrumento despues de la circonferencia a b c tomemos el arco a g igual
al mitad de un quadrante y de la otra parte a b ser igual nel punto c sea opposito por de […] del punto B y nel semicirculo b e c sea divida en 90 partes
iguales a las quales se pongan sus numeros empesando del punto b, y agase
mas una abertura, o vazio h g k, del tamaño de un real de a ocho en lo ancho
del Instrumento en el circolo que passa por medio la prolongar aparar por la
parte interior al punto g en un agujerillo muy pequeño por el qual entre el
rayo del Sol y por la parte de fuera sea muy largo y anguloso [?], de suerte
que en el punto g se aga una Pirámide […] angulo obtuso, y por que esta
parte sacada del Instrumento lo hara mas ligero de outra parte y asi no estara
la linea a c en su lugar […] de aquela misma parte un poco de plomo con
que quede equilibrado con el […] tendremos […] el mismo Instrumento
cujo uso será que […] tomar el altura del Sol sobre el horizonte, colgado el
65
60
Três palavras ilegíveis.
INSTRUMENTOS DE NAVEGAÇÃO
Instrumento del anillo , y poniendo acia el Sol el agujero luego su rayo que
por el entrara en el semicircolo b e c, señalará la buscada altura sobre el horizonte, con la qual se […] 2 cosas, en demas de la […] estar en su lugar el
diámetro a e, una delas66 no es mover assima ni abaxo la alidada, o Indice y
hacer entrar e salir los rayos del Sol por los agujeros de las pinulas que tras
un grande embaraço por el observador que navega, pues que constantemente
volver el agujero asta el Sol tiene conocida su altura y la otra es que los grados deste Instrumento son al doble mayores de lo que seria se tuvieren alidada que se numera en el centro como los astrolabios tienen y assi en este
Instrumento será el conocimiento de las partes de los grados mas […] la
operación mas breve y la observación mas
cierta.
[Fol. 25]
El quadrante ordinario de que usan los
navegantes es muy
bueno para tomar el
altura del Sol ou de
las estrellas, poys
endemas que se hase la observación
con el teniéndose
con entrambas manos y así estando mas
firme, es capaz de mayores grados que el Astrolabio, y es de advertir
que difere este quadrante
Náutico del que se usa en tierra, porque las Pinulas se ponen en
el lado del quadrante en que acaban los
Fig. A.2.2. Armilha, segundo a Arte
numeros de los grados, como en el la- de Navegar de João Baptista Lavanha
do a b, empeçandose los grados del
punto c asthia b. neste lugar del perpendiculo que se suele poner en el centro. Sará mejor poner una regla, a g, en cuja estremitad g. se ponga una pesilla la qual en el dito centro se mueva fácilmente y de manera que la linea
fiducia, a g. represente el perpendiculo que se suele poner, y así este siempre à angulos rectos al horizonte. La qual hara mejor observacion, porque el
hilo apegase al Instrumento y […] en el, lo que no puede hacer la regla. El
uso deste quadrante es teniendose en las manos meter los rayos del Sol por
66
Três palavras ilegíveis.
XIV – 61
los agujeros de las Pinulas y los grados pretendidos entre el punto c, e la linea fiducia de la regla, a g, essos tendra el Sol
de altura meridiana porque la regla a g estando perpendicular sobre o orizonte representa la línea que
[…] de mi zenith al centro
del mundo, que
es la linea i a g. La
qual con el rayo del
Sol h a b asen 2 angolos
en a, iguales is [sic] del primero y portanto el arco b g es la
distancia que el Sol tiene de mi vertice y así el restante\que es g c es la le- Fig. A.2.1. Quadrante, segundo a Arte
de Navegar de João Baptista Lavanha
vación en que esta mi orizonte.
A descrição dos dois instrumentos e as considerações de Lavanha
sobre o modo de observar a bordo e em terra, mostram mais uma vez o
seu conhecimento das condições em que trabalhavam os pilotos, sendo as
suas sugestões muito úteis.
São muito pertinentes as suas afirmações de que o quadrante é segurado com as duas mãos e que tem uma graduação dupla da do astrolábio,
tornando-o assim mais sensível. A inovação da régua rígida e com um
contra peso para materializar a vertical do lugar, é também uma excelente
ideia. Verificámos, nas experiências no mar, e tal como diz Lavanha, que
o fio do quadrante faz atrito com o corpo do instrumento, tornando as leituras muito pouco fiáveis.
No entanto, nunca detectámos a utilização deste quadrante, nem
tivemos oportunidade de experimentar o instrumento que este cosmógrafo-mór propõe.
Apresentámos as gravuras que acompanham o texto transcrito acima,
pela ordem e local em que são referidas por Lavanha.
62
APÊNDICE 2
Excerto do diário náutico com observação da variação,
utilizando o instrumento de sombras
XIV – 63
INSTRUMENTOS DE NAVEGAÇÃO
APÊNDICE 3
Excerto de uma página do diário náutico da corveta Conceição
(dia 17 de Julho de 1797)
XIV – 65
INSTRUMENTOS DE NAVEGAÇÃO
APÊNDICE 4
Demonstração da fórmula de Borda67.
A figura a seguir representa esquematicamente os círculos verticais do
Sol e da Lua, o horizonte do observador, as posições verdadeiras
do Sol e da Lua (S, L), as suas
posições aparentes (s, l) e o
zénite do lugar Z.
A refracção terrestre
tem como efeito fazer
com que uma estrela
(neste caso o Sol), pareça estar mais elevado
relativamente ao horizonte do observador.
A sua distância muito
grande à terra faz com que o efeito da paralaxe seja relativamente diminuto. Representemos então a posição aparente do Sol em s, e a sua posição verdadeira em S.
A refracção terrestre fará também com que a Lua pareça estar mais
elevada relativamente ao horizonte, mas dada a sua relativa proximidade
o efeito da paralaxe, que é contrário, sobrepõe-se ao da refracção. Nestas
condições, a Lua parecerá mais baixa. Representemos a posição aparente
da Lua em l, e a sua posição verdadeira em L.
Nestas condições, os arcos a seguir identificados representam respectivamente:
– Arco Z-s – Distância zenital da posição aparente do centro do Sol. (ζaps)
– Arco Z-S – Distância zenital da posição verdadeira do centro do Sol.(ζvs)
– Arco Z-M – Distância zenital da posição verdadeira do centro da Lua.(ζvl)
– Arco Z-m – Distância zenital da posição aparente do centro da Lua (ζapl)
– Arco S-L – Distância verdadeira Sol-Lua (D).
67
Seguimos de perto o exposto por Cotter, fazendo no entanto algumas modificações
ao resultado final, visto não necessitarmos de transformar a fórmula em logarítmica, dado
que iremos utilizar no cálculo o programa excel do computador. Cf. History of Nautical
… pp. 207-211.
XIV – 67
– Arco s-l – Distância aparente Sol-Lua (d).
Do triângulo esférico ZSL, pela fórmula de Euler68:
cos SL = cos ZS.cos ZL + sen ZS.sen ZL. cos Z
ou
cos D = cos ζvs . cos ζvl + sen ζvs . sen ζvl cos Z
ou
cos Z = cos D - cos ζvs . cos ζvl / sen ζvs . sen ζvl (1)
De modo idêntico, no triângulo esférico Zsl, teremos:
cos Z = cos d – cos ζaps . cos ζapl / sen ζaps . sen ζapl (2)
Igualando e desenvolvendo (1) e (2), e substituindo as distâncias
zenitais pelas alturas, que são os seus complementos, temos finalmente:
Cos D = [(cos d – sen aaps . sen aapl) cos avs . cos a vl / cos aaps . cos
aapl]+ sen avs . sen a vl
D = acos [(cos d – sen aaps . sen aapl) cos avs . cos a vl / cos aaps . cos
aapl]+ sen avs . sen a vl
Esta fórmula irá permitir reduzir ao centro da terra a distância angular do Sol à Lua, depois de a introduzirmos no programa excel do computador.
68
Recapitulemos a fórmula fundamental ou de Euler: Num triângulo esférico obliquângulo, o co-seno de qualquer lado é igual ao produto dos co-senos dos outros dois,
mais o produto dos senos dos mesmos lados pelo co-seno do ângulo oposto ao primeiro.
68
INSTRUMENTOS DE NAVEGAÇÃO
APÊNDICE 5
«O Horizonte Artificial e a sua Utilização». Excerto de
Textos Complementares de Apoio, Escola Naval, 1982(69).
Constituição
O horizonte artificial é constituído por uma tina rectangular, por um
«telhado» com duas faces de vidro e por um reservatório onde se armazena o mercúrio.
Pretende-se que o mercúrio ao
ser vertido na tina, constitua uma
superfície reflectora horizontal,
que servirá de referência a observações de alturas de astros, substituindo assim o horizonte de mar.
O telhado, que é colocado
sobre a tina, tem por finalidade a
subtracção da superfície livre do
mercúrio à acção do vento, que a
encresparia, protegendo também
essa superfície das impurezas.
Princípio
A figura ilustra o princípio do horizonte artificial, nela se verificando
que o ângulo medido por um observador, que faça a coincidência das imagens directa (D) e reflectida (R) de um corpo celeste, mede o ângulo a+b.
Como o ângulo a é igual ao ângulo b, e sendo a a altura do astro em relação ao plano horizontal materializado pela superfície livre do mercúrio, o
ângulo medido corresponde ao dobro do ângulo entre superfície do mercúrio e o astro (a).
Dado que a superfície livre do mercúrio corresponde a uma superfície horizontal [paralela ao horizonte aparente do lugar] praticamente tan69
As gravuras foram todas refeitas em corelDraw. A gravura correspondente aos
componentes do sistema não existe no original e foi agora reproduzida de Apontamentos
para as Lições da 2.ª Cadeira. Cf., op. cit., p. 158, fig. 47.
XIV – 69
gente à superfície da terra no ponto considerado, essa superfície materializa o plano do horizonte aparente do lugar. Nestas circunstâncias, o
ângulo a corresponde à altura aparente do astro, sendo portanto possível
prescindir do horizonte de mar para se observar astros em terra.
Verifica-se também que, pelo motivo anteriormente apresentado, se
torna desnecessária a aplicação da depressão aparente, eliminado-se
assim os erros provenientes da má apreciação da elevação do observador
e principalmente dos valores tão pouco seguros da refracção terrestre.
Utilidade do horizonte artificial
Este dispositivo era antigamente usado para o cálculo do erro dos cronómetros de bordo (por observação de astros em terra, em local de coordenadas perfeitamente conhecidas), dada a inexistência de sinais horários.
Num lugar escolhido em terra, observava-se um astro (principalmente o Sol) nas proximidades do vertical primário (circunstâncias favoráveis), e calculava-se, por resolução do triângulo de posição, o ângulo no
polo dos astro. A aplicação da longitude correcta permitia o conhecimento
do ângulo horário em GW do astro no momento da observação, conhecendo-se em seguida a hora correspondente por consulta das efemérides.
[Se o astro for o Sol, a aplicação adequada da equação do tempo permite
resolver imediatamente o problema].
A comparação desta hora com a que marcava o cronómetro na altura
da observação permitia conhecer o erro deste.
Actualmente este dispositivo usa-se em escolas para fins didácticos,
permitindo praticar observações a qualquer hora, comparar imediatamente os resultados dessas observações, conhecer os erros cometidos,
auxiliar a compreensão da teoria, experimentar e comparar métodos, etc..
70
INSTRUMENTOS DE NAVEGAÇÃO
Aplicação prática
Para se efectuar a observação, o observador coloca-se numa posição
(de pé ou sentado), que lhe permita ver à vista desarmada o astro reflectido na superfície livre do líquido. Empunha em seguida o sextante, trazse a imagem reflectida por este à coincidência com a imagem reflectida
pelo mercúrio.
Observação do Sol e da Lua: Neste caso, dado ser difícil e pouco
rigorosa a coincidência das duas imagens (que correspondem à medição
da altura do centro do astro), o bordo superior da imagem reflectida do
mercúrio é posto em coincidência com o bordo inferior da imagem reflectida pelo sextante. Esta observação é a do limbo inferior do astro.
Sext.
Observação do limbo inferior
Merc.
No caso de se pretender uma observação do limbo superior, invertem-se as imagens.
Merc.
Observação do limbo superior
Sext.
No caso de observação antes da passagem meridiana, as imagens produzidas pelo sextante e pelo mercúrio afastam-se ou aproxima-se consoante se observa respectivamente o limbo superior ou o limbo inferior do
Sol. Depois da passagem meridiana a situação inverte-se.
Seguidamente, depois de feita um série de observações e tirada a respectiva média (utilizando o gráfico), aplica-se o erro de índice, obtendose imediatamente o dobro da altura aparente (2xaap).
XIV – 71
Divide-se depois este valor por dois, aplicando-se em seguida todas
as correcções, como é habitual.
Se a observação for feita por coincidência de imagens, que corresponde à observação do centro do astro, deverá omitir-se a correcção correspondente ao semidiâmetro.
Vantagens e limitações
Dividindo-se ao meio a altura observada, dividem-se também ao
meio os erros provenientes das observações.
Este aumento de rigor, somado ao da eliminação dos erros provenientes da refracção terrestre e elevação do olho do observador, tornam
estas observações bastante rigorosas.
No entanto, dado que se observa o dobro da altura do astro, alturas
maiores que metade da graduação do limbo do sextante não são possíveis.
Também se torna difícil a observação de astros muito baixos.
Colocação no solo para observação
Primeiramente coloca-se a tina no solo, numa zona bem nivelada e
sólida, e orientada com o seu lado menor na direcção do astro, e um
pouco adiantada em relação ao seu movimento diurno.
Em seguida despeja-se cuidadosamente o mercúrio na tina, até esta
ficar completamente coberta. Coloca-se então o telhado sobre a tina.
Deve ter-se o cuidado de fazer com que as imagens que se fazem
coincidir estejam no centro do rectângulo reflector, visto que os bordos
do mercúrio são curvos e originam erros.
A eliminação dos possíveis erros da refracção nos vidros do telhado
[devido ao não paralelismo das faces dos vidros], far-se-á por inversão
deste a meio de uma série de observações.
72