Santuário de Performances

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Santuário de Performances
Santuário de Performances Entre admiração e deboche, os perfis de 25 personalidades que marcaram o século XX A oitava obra da coleção Jornalismo Literário, publicada pela Companhia das Letras desde 2002, traz o brilhante escritor Kenneth Tynan no papel de devoto fervoroso de algumas das mais interessantes pessoas que fizeram nome na década de 50. Em A vida como performance, o escritor, considerado um dos maiores críticos da dramaturgia inglesa, faz do seu conhecido tom ácido, o tempero necessário para perfilar personalidades como Greta Garbo, Arthur Miller, Bernard Shaw, Katherine Hepburn, Peter Brook, Tennessee Williams, Brecht e Orson Welles. Na obra, que consegue mesclar literatura e reportagem, através de um texto que oscila entre o requinte e o deboche, os perfis vão sendo traçados, não penas para contar de onde veio e o que fez o personagem, mas sim para conhecer as entranhas da pessoa além da performance. Espectador e profundo analista do pior e do melhor do teatro inglês do século XX, o crítico relata o modo como se impressionou ao conhecer o dramaturgo Tennessee Williams – “Trata‐se indiscutivelmente de um rosto de um nômade”. Outro dramaturgo perfilado é Arthur Miller, incontestavelmente admirado quando indiciado em 1947 por não delatar artistas considerados comunistas. Nos perfis mais breves como da atriz alemã Marlene Dietrich, o crítico esmiúça revelações e, como o frasista excepcional que é, emprega aquilo que para a atriz, fora a melhor definição feita sobre sua imagem: “Ela tem sexo, mas nenhum gênero em particular”. Mais ricos em detalhes, os perfis mais longos como o de Bertolt Brecht, revelam curiosidades da carreira, das percepções e encontros do autor com os perfilados. A atriz Greta Garbo é lembrada pelo crítico em um dos mais instigantes e sensuais perfis traçados. Sobre ela diz que “O que um homem vê bêbado nas outras mulheres, vê sóbrio em Greta Garbo. Ela é uma mulher apreendida com toda claridade pulsante de quem tomou mescalina”. E completa: “A maioria das atrizes em atividade vive apenas para olhar os homens, mas Garbo olha para flores, nuvens e móveis com a mesma compaixão admirada, como Eva na manhã da criação, e mais bem escalada do que o sr. Huxley no papel de Adão”. Tynan não teme a parcialidade e faz dela sua aliada na intensidade com que descortina a vida das personalidades. Não poupa elogios aos entrevistados e para alguns dos quais se declara apaixonado. Dotado de uma retórica singular, o escritor consegue tornar mágico o cenário das touradas, uma de suas paixões ao lado de cinema e teatro, perfilando o toureiro António Ordonez, de forma a encantar até os mais inflamados no repúdio às touradas. Para Daniel Piza, organizador da compilação e autor do posfácio da mesma, o autor consegue explorar “um tempo em que entretenimento era o mesmo que arte”, trazendo para a modernidade de astros fugazes, todo o encanto artístico da primeira metade do século passado. Ao traçar perfis em A vida como performance, Kenneth Tynan não limita como muitos críticos, mas sim, amplia com traços breves ou longos, a verdadeira face de personalidades mais interessantes do que pareciam ser.