A Política nos espaços digitais - BOCC
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A Política nos espaços digitais - BOCC
César Steffen A Política nos espaços digitais: a campanha Presidencial de 2002 na Internet Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS 2004 César Steffen Dissertação de Mestrado Orientador: Prof. Dr. Antônio Fausto Neto Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação www.bocc.ubi.pt A Política nos espaços digitais Sumário Introdução...............................................................................................................8 I – A midiatização da política na esfera pública contemporânea ....................21 1. Esfera Pública como uma instância de mediação midiatizada ....................22 2. A midiatização da política e as questões operativas......................................40 3. As eleições e a política midiatizada.................................................................48 Referências Bibliográficas ...................................................................................62 II – A midiatização da política na Internet........................................................65 1. Espaço digital, um novo componente da esfera pública ...............................66 2. Relações políticas no espaço digital ................................................................82 3. O espaço digital e os processos eleitorais .......................................................96 Referências Bibliográficas .................................................................................107 III- A midiatização da campanha Presidencial de 2002 via Internet ............111 1. A eleição Presidencial 2002 em quatro dimensões contextuais: o jurídico, o comunicacional, o econômico e o tecnológico ...............................................112 2. Uma leitura da campanha política nos espaços digitais .............................135 3. 1o turno: os websites no HPEG. ...................................................................144 3.1.Mapeamentos, caracterizações e representações ......................................162 3.1.1.Lula 13: “Bote fé e clique Lula”................................................................. 163 3.1.2- Zé Maria 16: Candidatos-comentaristas e suas bandeiras de luta ............ 173 3.1.3. Ciro 23: EU no menu................................................................................. 180 3.1.4 – Rui Costa Pimenta 29: Lênin, Che Guevara, ... os ideólogos ................. 188 3.1.5.Garotinho 40: O partido pegou uma carona ............................................... 198 3.1.6. Serra 45: “Trabalho, trabalho, trabalho, trabalho, trabalho ... pra gente!” 207 3.1.7 – Cruzamento entre estratégias políticas e a linguagem dos websites ....... 215 3.2.Agendamentos e cruzamentos.....................................................................222 3.2.1. Lula 13: Marcas da publicidade e do discurso jornalístico ....................... 219 3.2.2. – Zé Maria 16: retorno ao discurso político dos anos 70 .......................... 231 3.2.3. Ciro 23: discurso associando à mudança com segurança.......................... 237 3.2.4. Rui Costa Pimenta 29: formato anos 70 com tecnologia anos 90 ............. 249 www.bocc.ubi.pt César Steffen 3.2.5. Garotinho 40: quem é o vice?.................................................................... 251 3.2.6. Serra 45: o HPEG na Internet.................................................................... 261 3.2.7 – As diferentes construções de campanha se mostram nas páginas iniciais ................................................................................................................. 274 4. 2o Turno: novas estratégias nos espaços digitais ........................................277 4.1. Mapeamentos, caracterizações e representações .....................................278 4.1.1. Lula 13: “Programa de Governo”.............................................................. 279 4.1.2. Serra 45: é verde-amarelo.......................................................................... 280 4.1.3 – A continuidade versus as mudanças ........................................................ 283 4.2.Agendamentos e Cruzamentos....................................................................284 4.2.1. Lula 13: co-determinado por outros discursos .......................................... 284 4.2.2.Serra 45: Foco no debate ............................................................................ 287 4.2.3 – As estratégias redesenham os websites ................................................... 292 5. Encerrada a contagem, a posse no espaço digital........................................293 6. Websites: um novo suporte para as (diferentes) estratégias de campanha294 Referências Bibliográficas ................................................................................304 IV – Conclusão ...................................................................................................306 V - Bibliografia ...................................................................................................322 Anexo I – Glossário de Termos Anexo II – Conteúdo do CD de anexos www.bocc.ubi.pt Resumo Esta dissertação é fruto de um projeto de pesquisa e análise que investiu sobre o websites dos candidatos a Presidência da República no pleito Brasileiro de 2002. Aqui entendemos a Internet como um meio de comunicação, o que nos leva a construir um aparato teórico-metodológico que direcione a compreensão do meio a partir dos processos discursivos mobilizados pelos candidatos. Foram acompanhados, descritos e analisados os websites dos seis candidatos ao primeiro turno, e dos dois do segundo turno, a partir de dois conjuntos específicos oriundos dos mesmos objetos. O primeiro conjunto contempla a análise das ofertas discursivas acessadas a partir dos menus de navegação. Já o segundo conjunto se foca nos investimentos e destaques das páginas iniciais dos websites. Os resultados mostram a diversidade de recursos e elementos que este meio traz para os processos de comunicação, que se constroem a partir das identidades, propostas e estratégias dos candidatos. Demonstram que a Internet, mesmo sendo uma mídia, apresenta especificidades em seus investimentos no sentido das demarcações territoriais do campo político e da necessidade da configuração de amplas ofertas discursivas nestes espaços. Além disso, apontam para a construção dos espaços dentro de um cenário maior, onde a tecnologia é a base para os processos discursivos do campo político. César Steffen Abstract This work is the result of a project of research and analysis that invested on the websites of the candidates in the Brazilian Presidential Campaign of 2002. Here we understand the Internet as a media, what makes us take a method that directs the understanding to the communication processes mobilized by the candidates. We had described and analyzed the websites of the six candidates to the first voting turn and of the two at the second, from two deriving specific sets of same objects. The first set contemplates the analysis of the contents accessed from the navigation menus. The other focus in the investments and prominences of the home pages. The results show the diversity of resources and elements that this media brings for the strategical processes of political communication, constructed from the identities, proposals and strategies of the candidates. It also allows to see that the Internet presents particularities in its investments, in the direction of the territorial landmarks of the politics, and the need of greaters offers in these spaces. Moreover, they point to the construction of the spaces in a bigger scene, where the technology is not the main element for the communication process. www.bocc.ubi.pt Introdução “Inovar não é reformular”. Edmund Burke, pensador político (1739-1797) Falar de política é também falar de paixão. E paixões são sentimentos, são emoções, onde a racionalidade e a critica perdem espaço para o impulso, a determinação e a vontade. Como, então, falar academicamente desta paixão, mantendo o olhar crítico, a análise isenta e atentando pra os fenômenos, as especificidades e as injunções que mostram dentro de um campanha eleitoral? Este é desafio que nos propomos a cumprir neste trabalho que aqui iniciamos. Falar de campanha política e mídia reflete esta paixão, onde qualquer movimento e ação de ambos os lados é motivo para acalorados debates e discussões. Como, então, falar de política na Internet, uma nova mídia que surgiu no apagar das luzes do século passado trazendo novos e diferenciados processos, e a qual alguns creditam novos processos, novas aberturas e liberdade e outros enxergam um novo inferno de restrições, privações e controles? Este é, de forma bastante geral e aberta, o desafio que se colocou a nossa frente em nosso percurso como profissionais de comunicação e usuários do meio, e que decidimos enfrentar e cumprir ao iniciar esta pesquisa, trabalho que buscamos apresentar aos leitores neste capítulo introdutório. www.bocc.ubi.pt 8 César Steffen Se nos propomos a analisar uma – já não tão - nova mídia e seu uso e manipulação1 pelo campo político, um trabalho relativamente novo pelo menos em termos de Brasil, devemos ressaltar que nos inserimos numa longa linha de pesquisas sobre as relações da comunicação midiática e da política. Trabalhos deste gênero ganham impulso, no Brasil, com a redemocratização na década de 1980, e têm na campanha das “diretas já” e nas primeiras eleições diretas para Presidência, em 1989, dois momentos-chave, sobretudo no tocante às relações entre as redes de comunicação televisivas e o uso da propaganda para a construção das imagens e visibilidades das várias candidaturas. Além disso, com a derrocada da chamada “lei Falcão2” os atores do campo político ganharam novamente o direito de usar e manipular as linguagens midiáticas em seus processos de comunicação política e eleitoral, construindo assim suas imagens e projetos dentro da lógica midiática de ação. Neste mesmo momento histórico a mídia livra-se das amarras da censura e, sob a bandeira da liberdade, da democracia e da livre expressão, passa a apresentar fatos, agendar processos e até mesmo, em alguns casos, fabricar a realidade a seu modo, passando a pautar e influir de forma mais ativa e direta sobre os processos sociais e políticos. Basta lembrar do episodio da edição, pela Rede Globo, do debate Lula-Collor, em 1989, para termos um exemplo deste processo. Eis um dos pontos que desperta o interesse acadêmico sobre a mídia e suas operações, pois seu vertiginoso crescimento nas sociedades contemporâneas coloca-a na posição de importante - se não o principal - operadora da produção, circulação e negociação dos processos sociais em várias instâncias. A mídia confere visibilidade, insere demandas e discussões na esfera pública, ampliando as áreas de conflito dos diversos campos sociais e tornando-se elemento de configuração e agendamento nas sociedades em que se insere. 1 Por manipulação entendemos, aqui, a utilização dos recursos tecno-lingüísticos de uma mídia pelo campo político como forma de se fazer visível aos demais campos. 2 Para fins de recordação cabe colocar que a chamada “Lei Falcão”, que leva o apelido do seu elaborar, o então ministro da Justiça Armando Falcão, foi promulgada pelo regime militar após a derrota nas eleições legislativas de novembro de 1974, limitando drasticamente o acesso de candidatos ao rádio e à televisão, com o fim de evitar mais uma vitória oposicionista nas eleições municipais de 1976. Esta lei permitia aos partidos apenas mencionar a legenda, o curriculum vitae e a foto do candidato nos horários de propaganda eleitoral obrigatória, e perdurou até o pleito de 1982. www.bocc.ubi.pt 9 A Política nos espaços digitais Os atores e meios do campo midiático, sobretudo a televisão por seu poder de alcançar a coletividade de um país através de suas redes técnicas, passa a operar as relações entre os vários atores, campos e instituições sociais constituintes de um estado-nação. Este fenômeno resignifica e tensiona vários processos, especialmente o fazer político, que cada vez mais depende dos espaços, linguagens, estratégias e do próprio agendamento da mídia para efetuar suas operações e circular seus fazeres junto à sociedade como um todo. O surgimento de um novo meio, a Internet, traz um novo desenho e elemento a este processo no momento em que os atores e integrantes do campo político passam a usar da rede para seus fazeres e estratégias. Este fator, por si só, já nos justifica empreender este estudo. Entretanto também lembramos que a Internet nasceu no ambiente militar para suprir as necessidades de comunicação no caso de uma guerra em larga escala, e ao ser apropriada primeiramente pelo meio acadêmico-científico e, posteriormente, pelos mais diversos atores e campos sociais, ganha status e reconhecimento como meio de comunicação. Esta apropriação faz a rede ganhar recursos e ferramentas, evoluindo técnica e lingüisticamente, formando um mercado discursivo em suas redes técnicas e possibilitando o acesso plural a mensagens inseridas pelos mais diversos campos3. Assim, a Internet configura-se como um meio de comunicação e integra-se ao campo midiático, passando a ser elemento de conflito e reposicionamento dos players de mídia, empresas de comunicação e de diversos e diferenciados campos sociais, que usam seus recursos e tecnologias como parte de suas estratégias comunicacionais. Pode-se aqui questionar o uso de meio e mídia para conceituar a Internet, argumentando ser mais um suporte e uma tecnologia a serviço de estratégias de campos sociais. Entretanto adiantamos que, em nossa visão, as palavras suporte, tecnologia, ambiente e mesmo instrumento se mostram como sinônimos de meio e mídia, sendo diferentes formas de referir a um mesmo elemento e processo. Nos permitiremos, inclusive, como forma de evitar 3 Esta questão, ou seja, a evolução e transformação da Internet em mídia será tratada mais profundamente em nossos capítulos teórico, mas especificamente na parte II. www.bocc.ubi.pt 10 César Steffen repetições n textos, utilizar tais denominações para nos referimos ao meio Internet. A Internet cresce, ganha adeptos, usuários, estudos acadêmicos e mercadológicos, espaço nas diversas mídias e torna-se uma nova instância dos processos de midiatização, onde diversos e diferenciados espaços e recursos se formam e influem na esfera pública contemporânea. Por isso a Internet provoca e mesmo traz o anseio por estudos dos processos de comunicação que ocorrem sobre suas tecnologia. Assim, a partir do campo político, seus usos, fazeres e manifestações no meio, buscamos compreender o seu papel e valor como elemento dos processos de comunicação política, onde o processo eleitoral surge como a oportunidade de obter um recorte temporal, histórico, com um cenário bem definido para observação e análise. Nestes espaços as demandas dos diversos usuários e campos se encontram, se mostram e se somam, articulando seus processos de interação e negociação. Cada campo, ator e instituição tem a possibilidade de construir e disponibilizar espaços de comunicação a partir de suas agendas, processos e intenções, que se tornam assim determinantes da formatação e inserção de conteúdos, recursos e discursos. O campo político não foge a este processo, e já em 19974 os partidos Brasileiros passaram a usar a rede em suas estratégias de comunicação. Em 1998, ano da primeira eleição após o surgimento da Internet comercial no Brasil, o meio esteve presente nas campanhas eleitorais Brasileiras, com os candidatos utilizando os seus recursos como parte integrante de suas estratégias. Para fins de ilustração cumpre citar que o então candidato a re-eleição, Fernando Henrique Cardoso disponibilizou um website com as mais variadas informações e conteúdos, e seu principal adversário, Luís Inácio Lula da Silva, utilizou o website do seu partido para divulgar informações e atacar a administração e as propostas de FHC. Na corrida Presidencial Brasileira de 2002 o uso da Internet, especialmente dos websites, como meio estratégico de comunicação políticoeleitoral ganhou nova dimensão, pois todos os candidatos, instituições e atores do 4 Devemos ressaltar, aqui, que não ignoramos a possibilidade de ter havido uso da internet como meio de comunicação política antes de 1997, mas desconhecemos experiências e relatos formais. www.bocc.ubi.pt 11 A Política nos espaços digitais campo político disponibilizaram estes espaços buscando cumprir suas agendas, intenções e estratégias frente ao processo. Nos propomos, então, neste trabalho, a contribuir com os processos acadêmicos de pesquisa e reflexão sobre Internet e política a partir do estudo de estratégias de comunicação dos candidatos a Presidência no pleito de 2002. Focando-nos nos websites, onde buscaremos identificar as possíveis funções dos mesmos, e também as tensões, negociações, agendamentos, cruzamentos e mesmo conexões que se colocam frente ao campo político quando adentra a esta mídia e passa a fazer uso de seus recursos como suporte e espaço de visibilidade de suas estratégias e fazeres eleitorais. Vemos, neste trabalho e no recorte histórico em que se insere, a oportunidade de analisar uma nova modalidade de visibilidade e discursividade política, que se dá e se faz através dos websites da Internet, elemento ainda academicamente pouco estudado, pelo menos em termos de Brasil, mas que , conforme algumas pesquisas indicam5, já ganha valor e relevância junto aos eleitores e usuários do meio. É importante colocar que esta pesquisa nasce de um questionamento que surge em nosso percurso como profissionais da comunicação e usuários da Internet. Se observarmos historicamente notaremos uma relação muito próxima entre os sistemas de circulação de informação e de comunicação e as estruturas de poder de uma sociedade. A imprensa, o cinema, o rádio e a televisão trouxeram novas formas de relação e novos ordenamentos entre o campo político e a sociedade. Basta lembrar dos filmes de propaganda nazista ou da cobertura, via satélite, da guerra do Vietnã pelas emissoras norte-americanas para termos alguns breves exemplos do poder e papel da mídia na sociedade. O surgimento e crescimento da Internet, que evolui de sistema de transmissão de dados para tornar-se um meio de comunicação, nos leva a questionar o papel deste meio e sua tecnologia nas estruturas de poder da sociedade, 5 ou seja, que novidades ou possíveis tensionamentos, re- Trataremos tais pesquisas em detalhes nos capítulos seguintes. www.bocc.ubi.pt 12 César Steffen posicionamentos e fenômenos o advento e ascensão deste novo espaço de comunicação e interação traz aos campos e processos sociais na modernidade. Adiantamos que não cremos, logicamente, que a tecnologia do meio, em si, possa trazer tais re-ordenamentos. Temos, sim, que os padrões de relação e interação entre cidadãos e instituições dos vários campos sociais que surgem ou ganham nova roupagem a partir desta tecnologia podem trazer novos elementos aos processos sociais, que devem se investigados em seu surgimento e desenvolvimento. Assim, nos focamos num processo eleitoral por ser um momento de forte aproximação, tensionamento e visibilidade pelo campo político frente a sociedade como um todo. Da mesma forma, justificamos o recorte do processo eleitoral de 2002 não só, como já nos referimos, por ser um momento onde a Internet ganha destaque junto a campanha mas, principalmente, por tratar-se de um momento de forte expansão do meio Internet no Brasil, chegando a atingir quase dez porcento da população nas mais diversas classes e segmentos. Como hipóteses de trabalho temos, primeiramente, que na eleição Presidencial de 2002 o campo político acoplou-se a vários outros campos tendo em vista as necessidades e especificidades de operação desta nova modalidade de visibilidade de seus discursos e processos, os websites da Internet. Vemos também que, nesta eleição, os websites dos candidatos a Presidência refletiram as estratégias de campanha de cada candidato, buscando antecipar e atender as expectativas e anseios dos diversos e diferenciados usuários da Internet. Para tanto, o campo político configurou amplas e variadas ofertas de conteúdos que ampliaram seus discursos, e onde a seleção e inserção de elementos e enunciados das diversas mídias para os websites operou uma expansão dos possíveis efeitos de mídia. Objetivamos examinar as formulações e funcionamento das estratégicas tecno-midiáticas construídas pelos candidatos na corrida Presidencial de 2002 no meio Internet. Buscamos, assim: a) descrever as estratégias de comunicação dos candidatos à Presidência da República desenvolvidas no meio Internet durante o pleito de 2002; www.bocc.ubi.pt 13 A Política nos espaços digitais b) descrever as estratégias de construção do discurso político via Internet e seu papel no relacionamento entre os vários campos sociais c) examinar as estratégias de interação entre o campo político, midiático e sociedade por meio dos protocolos comunicacionais da Internet; d) compreender as conexões e acoplamentos dos e aos demais campos sociais que o campo político operou e fez visível nos websites. Para cumprir tais objetivos desenvolvemos uma série de procedimentos metodológicos que compreendem desde a seleção de espaços, a coleta de dados até a análise e descrição dos mesmos, que permeiam e se fazem presentes na construção deste trabalho. Primeiramente, cabe colocar que o acompanhamento dos websites dos Presidenciáveis não tratou-se de um decisão prévia ou posta, mas que surgiu durante nosso processo contato e pré-observação. Este iniciou-se antes mesmo do ingresso no curso de pós-graduação com alguns passos e ações voluntárias, quando tínhamos a curiosidade de observar a validade ou mesmo a efetivação de algumas propostas e modelos teóricos sobre o papel social da Internet que se apresentavam em várias instâncias6. Paralelamente buscamos teorias que nos oferecessem elementos para o aprofundamento deste olhar inicial sobre o meio Internet e sobre a mídia em geral, sendo provocados por várias leituras e visões diferenciadas. Nestas observamos que as ações da política na mídia forneciam elementos e teorizações instigantes. Além disso, observamos uma forte insipiência, em termos de Brasil, dos estudos sobre o uso e manipulação dos websites por parte da política, o que nos levou a direcionar nossos esforços para este meio. 6 Lembramos, aqui, de propostas como a “inteligência coletiva” e da “E-democracia” de Lévy e da “Agora Virtual” de Celso Cândido, conceitos que estarão tratados e aprofundados em nosso quadro teórico. www.bocc.ubi.pt 14 César Steffen Identificamos, então, vários websites de vários partidos, a que acompanhamos e observamos com olhar mais crítico, estando já envolvidos com as atividades de mestrado. Neste momento, já no primeiro semestre de 2002, quando começavam os primeiros movimentos do campo político frente ao pleito e vários précandidatos nos vários níveis já disputam e ocupavam espaço na mídia, selecionamos vários espaços do campo político na Internet, abrangendo desde os partidos em nível nacional até os comitês gaúchos7. Nesta fase inicial de pré-observação vimos que praticamente todos os partidos investiam sobre os websites na Internet, apresentando as mais variadas informações, mas poucos reservavam espaço ao processo eleitoral que começava a se desenhar. Em sentido contrário, alguns então possíveis candidatos a Presidência, como Ciro Gomes, já mostravam seus websites, apresentando propostas e projetos em espaços que contemplavam uma ampla variedade de conteúdos e elementos. Neste mesmo momento a mídia já reservava espaço e destaque as convenções e pré-candidaturas em nível nacional, dando relevância e alta visibilidade a corrida Presidencial, percepção que, somada a necessidade de estabelecer o máximo de foco a este trabalho, nos levou a concentrar esforços nos websites dos candidatos a Presidência. Adotamos como procedimento de pré-observação o contato diário com os websites e a captura de telas, relatando mudanças e elementos presentes nos mesmos, que nos trouxeram elementos e dados que nos forneceram dados, percepções e inferências que permitiram estabelecer um roteiro metodológico de procedimentos de análise. Assim, duas semanas antes ao início do HPEG no rádio e na televisão, iniciamos a fase de observação, mantendo o procedimento metodológico de acompanhamento diário e captura de telas, mas agora olhando para os mesmos tendo em mente uma definição de dois conjuntos de análise distintos e algumas categorizações surgidas na pré-observação. 7 Em nível nacional, observamos os websites do PT, PSDB, PMDB, PSB, PDT e PPS, além do website do então précandidato Ciro Gomes que estava disponível desde fevereiro de 2002. Em nível de Rio Grande do Sul acompanhamos os websites do PT, PMDB, PTB, PPS, PSB, PPS e PPB, todos partidos com representatividade e potencial para influir e gerar candidatos próprios no pleito de 2002. www.bocc.ubi.pt 15 A Política nos espaços digitais Estes dois conjuntos surgiram de nossas percepções quanto a variedade de processos e elementos dos websites. Por um lado os menus de navegação apresentavam uma ampla e variada quantidade de conteúdos para acesso, enquanto as páginas iniciais ao mesmo tempo em que destacavam e davam força a alguns destes conteúdos demonstravam ou refletiam o cenário geral da campanha, sendo pautadas pelas mais diversas fontes e campos. Optamos então por dividir os objetos frente às estas especificidades, surgindo os dois conjuntos para análise que serão tratados em capítulos específicos, ordenados de forma a ofertar não só uma visão das especificidades das estratégias e elementos mobilizados por cada candidato, mas também para permitir comparações e generalizações a partir destas especificidades. Organizamos, então, nosso trabalho em três grandes partes compostas de capítulos específicos. Na primeira nos ocupamos de refletir sobre a ascendência da mídia como elemento de estruturação da esfera pública de debates, os fenômenos e elementos que este processo coloca para os processos políticos e democráticos contemporâneos. No primeiro capítulo desta parte primeiramente conceituamos campos sociais e identificamos os campos envolvidos num processo eleitoral, centro de nosso trabalho. A seguir enfocamos as formas e processos de relação destes campos nesta esfera pública e a interferência da mídia nos processos de interação, negociação e visibilidade política que circulam e se fazem na sociedade. No capítulo seguinte analisaremos as especificidades da mídia como operadora das visibilidades da política, as tensões, relações e interações que se formam pela sua ascendência nas sociedades contemporâneas. Já no capítulo três, colocamos as especificidades das eleições como elemento e processo da política midiatizada e os desafios que assim surgem, identificando as operações estratégicas, discursivas e acoplamentos que este opera dentro da marca temporal da eleição. Na parte dois, através da visita e debate entre autores e teorias que analisam os processos e fenômenos da Internet, buscamos compreender a evolução e articulação desta tecnologia ao campo midiático, e seu papel enquanto instância dos processos de midiatização, mediação e interação dos processos www.bocc.ubi.pt 16 César Steffen políticos. Nos propomos a olhar o meio na ótica de fenômenos e processos comunicacionais e discursivos, passando ao largo de determinismos tecnológicos que, em nossa opinião, apenas embaçam a visão e atrapalham a compreensão dos processos que ocorrem no meio. No capítulo um desta parte nossa análise passará por conceitos como ciberespaço, interação e interatividade, onde buscamos demarcar conceitualmente um novo elemento e componente dos processos de midiatização que se forma na esfera pública contemporânea, o espaço digital. Já no capítulo dois buscamos identificar e conceituar os novos protocolos e fenômenos comunicacionais que este espaço digital oferta ao campo político em sua relação com os demais campos sociais. No capítulo três, que encerra esta parte, levantamos os possíveis benefícios e efeitos de mobilização do espaço digital num processo eleitoral, e os acoplamentos operados pelo campo político neste processo de adentramento ao mesmo. A terceira parte desta dissertação contempla procedimentos específicos de descrição e análise, onde apresentamos nosso trabalho empírico, ou seja, os elementos colhidos e verificados nos websites dos candidatos a Presidência da República no pleito de 2002. Nos apoiamos, neste bloco, em uma variedade de dados e informações referentes a este pleito colhidas junto à mídia, à instituições como o TSE e, principalmente, nos websites dos candidatos, materiais estes onde buscamos uma leitura das características e especificidades deste novo meio de comunicação política. Para tanto inicialmente apresentamos algumas dimensões contextuais do pleito de 2002, fazendo referência ao cenário geral levantando informações, como candidaturas que se apresentaram mas não tiveram seqüência, alianças efetuadas, os valores arrecadados e gastos pelos candidatos e também as regulações da legislação eleitoral. Objetivamos, com isto, traçar um quadro geral da campanha Presidencial, onde destacaremos o tratamento e papel da Internet neste pleito. A seguir, no capítulo dois, apresentamos nossa estratégia de leitura dos materiais, colocando desde mais detalhes e informações sobre nosso processo www.bocc.ubi.pt 17 A Política nos espaços digitais de pré-observação como também nossos objetivos com estas análises, recortes temporais e as seleções e categorizações efetuadas e de onde estas surgem. Isto posto, passamos as análises dos websites propriamente ditas, organizadas em capítulos que contemplam dos dois conjuntos de análise já citados. Nestes, primeiramente tratamos cada candidato individualmente, pois desejamos o máximo aprofundamento e compreensão das especificidades, estratégias e elementos de cada website. A seguir, efetuamos alguns comentários e comparações gerais que demonstrem e apresentem as diferentes estratégias e recursos destes websites. Caba ressaltar que, como pode ser notado em nosso sumário, dividimos as análises destes dois conjuntos em primeiro e segundo turno. Tomamos tal decisão pois entre estes ocorre um re-ordenamento das forças e processos políticos que deve, assim, ser identificada e compreendida. Entretanto, uma vez que muitos processos e elementos observados nos websites durante o primeiro turno se repetem no segundo, evitamos efetuar tais repetições para evitar redundâncias e mesmo um excessivo alongamento do texto, focando nos elementos que são alterados, adicionados ou redesenhados neste novo turno. Encerramos a parte três traçando comparações gerais sobre as estratégias de uso da Internet pelos candidatos no pleito de 2002, identificando elementos em comum, conteúdos e estratégias específicas, elementos relevantes e experiências identificadas, de forma a compreender, de forma geral, o papel deste meio como elemento de midiatização da campanha eleitoral de 2002. Neste capítulo nos permitiremos inclusive apresentar elementos que fogem as categorizações criadas, mas que apresentam relevância para o processo de análise e compreensão, fato que será explicitado no texto. Estas três partes se articulam dentro de um estratégia metodológica de construção, que visa explicitar as questões, processo e fenômenos da midiatização da política contemporânea. Os dois primeiros blocos formam o eixo teórico-conceitual do trabalho, evidenciando as relações e fenômenos da midiatização da política, sendo www.bocc.ubi.pt 18 César Steffen que a segunda parte espelha esta primeira em sua estrutura, porém focando nas questões específicas da midiatização da política no meio Internet. Já o terceiro bloco, que traz o processo de leitura e análise dos dados obtidos e coletados nos websites dos candidatos à Presidência no pleito de 2002, tem sua construção embasada e balizada pelas reflexões apresentadas nestas duas partes. Estas três estruturas se somam em nossa conclusão, onde recuperamos os elementos anteriormente tratados e apresentamos os conceitos, visões e percepções que ficam para nós deste processo de pesquisa e dissertação> Neste momento nos permitiremos construir, a partir dos elementos destes três blocos, generalizações sobre websites e suas funções, processos e procedimentos não só para ao campo político mas para a sociedade como um todo. Ao final de cada parte inserimos as referências bibliográficas, de forma a facilitar o manuseio e a utilização do texto por parte do leitor. Em anexo colocamos alguns dados e informações gerais, como um glossário de termos técnicos da Internet, que pode ser consultado em caso de dúvidas, as leis e resoluções que regularam o pleito de 2002, pesquisas utilizadas, e demais informações que acreditamos ser de interesse do leitor. Durante o texto muitos dados e informações de grande valor e relevância para a pesquisa e para a compreensão do processo eleitoral de 2002 estarão citadas em nota de rodapé. Trata-se de uma decisão processual, na medida em que o tratamento e aprofundamento de tais informações não só levaria a um aumento do volume dos textos como um todo, mas principalmente poderia levar a uma perda de foco, com o risco de tornar a leitura confusa. Assim, tais elementos estarão presentes, acompanhando o texto, na posição de coadjuvantes, o que não quer dizer que sejam menos importantes ou menos relevantes para a compreensão do processo, mas apenas que nossa estratégia de construção do texto os coloca em tal posição. Cabe ressaltar também, neste ponto, que efetuamos um estudo de produção, ou seja, dos atos, estratégias e processo mobilizados pelo campo político nos websites. Não nos furtaremos, quando possível e mesmo viável, a fazer inferências sobre os possíveis objetivos e estratégias de recepção que se www.bocc.ubi.pt 19 A Política nos espaços digitais encontram e se apresentam nos diversos conteúdos e espaços produzidos, mas focamos nossos esforços nas lógicas de produção. Adiantamos, desde já, que frente ao objeto e aos objetivos de pesquisa, e devido à amplitude do tema, assumimos o risco da generalização que pode resultar desta análise, pois cremos que, nesta fase de estudos sobre o tema Internet, política e eleições ainda faz-se necessário uma visão aberta e abrangente, porém não menos cuidadosa, sobre os processos e fenômenos que ocorrem. Buscaremos, no mínimo, fornecer elementos e provocações para novos e aprofundados debates sobre o tema em pesquisas futuras. Adiantamos que não pretendemos valorizar ou desvalorizar a Internet, mas apenas e tão somente analisar e compreender o papel desta mídia num processo político-eleitoral, e que não ignoramos a existência de outros espaços de interação e comunicação, como e-mail, salas de chat, etc., que mesmo brevemente estarão comentados e analisados em nosso quadro teórico, mas nos focaremos nos websites de campanha eleitoral. www.bocc.ubi.pt 20 I – A midiatização da política na esfera pública contemporânea "A liberdade precisa da companhia de outros homens que partilhem o mesmo estado e de um espaço público comum onde encontrar-se." Hannah Arendt www.bocc.ubi.pt 21 1. Esfera Pública como uma instância de mediação midiatizada Compreender os processos políticos nas sociedades democráticas modernas, cada vez mais fragmentadas, verticalizadas em seus processos, ações, relações e fenômenos é buscar compreender uma dinâmica de interação, troca e tensão que se faz presente na esfera pública através dos seus diferentes constituintes e promotores. Isso nos leva a noção de campos, que permite demarcar os limites de competências e fazeres dos envolvidos no processo eleitoral, foco desta pesquisa, de forma a identificar as interações, trocas e mesmo competições que se estabelecem, generalizando assim suas relações e processos. Antes de colocar a especificidade desta noção é importante abrir espaço para diferenciar espaço público e esfera pública, uma vez que tais conceitos são bastante próximos e mesmo textualmente assemelhados, podendo facilmente gerar problemas em sua perfeita compreensão. Neste aspecto seguimos Rodrigues, que conceitua espaço público o “conjunto de territórios abertos à circulação de todos não apropriáveis por indivíduos nem por entidades particulares” (RODRIGUES, 2003:s.p.). Já por esfera pública o autor entende o “conjunto dos discursos e das acções que têm a ver com o domínio da experiência dos todos, que interferem com a experiência da interacção e da sociabilidade” (idem). O autor também traz, neste mesmo trabalho, a noção de dimensão pública, que corresponde “a relação que cada um dos campos sociais possui com os restantes campos (idem ibidem)”, mas esta não nos é importante neste momento. Logo, temos por espaço público os espaços físicos de circulação e sociabilidade, enquanto por esfera pública temos as trocas discursivas que ocorrem e circulam tendo em vista os processos de cada campo social, que tem seus processos visíveis em uma dimensão pública de seus fazeres. www.bocc.ubi.pt 22 César Steffen Nos concentraremos, neste trabalho, na noção de esfera pública, uma vez que esta contempla um espaço simbólico de circulação e visibilidade de discursos e processos de comunicação, gerando e dando sentido aos processos dos diversos campos sociais. Nesta esfera publica os diferentes e diversos atores circulam seus processos, fazeres e fazem visíveis suas demandas tendo em vista os demais integrantes do tecido social. Isto nos leva, para fins de efetuar um recorte e identificar claramente os diferentes atores e suas competências que circulam nesta esfera, à noção de campos sociais. Para entender a que nos referimos quando citamos campos sociais devemos retomar a contribuição de Bourdieu. Este autor afirma que a sociedade moderna é constituída de uma grande diversidade de campos, de várias dimensões, que se caracterizam e se organizam em torno de uma especialidade, uma identidade e uma temporalidade. Os campos sociais sustentam sua existência a partir de atores que desenvolvem no seu interior capacidades, competências, ideologias e valores necessários aos fazeres, poderes e saberes do campo, e compartilham elementos identitários, processuais, estratégicos e mesmo ideológicos comuns. Estes operam em concordância com determinadas estratégias e valores simbólicos, e manifestam os conflitos, processos e fazeres dos mesmos. Como coloca Rodrigues (2003:s.p.): “As entidades detentoras da competência legítima de um campo formam o seu corpo social. No exercício, tanto da sua competência discursiva, como da sua competência pragmática, o corpo social tende a ostentar as marcas simbólicas da sua competência, no caso dos campos que possuem uma simbólica formal, ou a ostentar a ausência dessas marcas, no caso dos campos que possuem uma simbólica informal.” O compartilhamento de processos e a concordância de identidades dos diferentes atores, manifestadas nos processos e “regras” discursivas mobilizadas nas suas interações, mediações e visibilidades, permitem o reconhecimento de um campo, tornando assim possível a circulação de seus saberes, processos, ideologias e estratégias para os demais campos e setores. www.bocc.ubi.pt 23 A Política nos espaços digitais Um campo possui uma especialidade, um elemento de coesão e formatação que o configura, destaca e identifica, que se faz visível e reconhecível a partir de seus especialistas. Isto permite ao campo trocar, interagir e competir com os demais campos ou, na visão de Rodrigues (2003:s.p.) um campo possui um domínio de uma experiência, um saber ou um valor específico que o distingue dos demais integrantes e que forma seu reconhecimento. Podemos inferir, assim, que um campo cria e valida suas competências, valores, identidades e capacidades processuais, aspecto em que reside sua autonomia, mas não possui auto-suficiência, não existindo campo isolado, mas sim uma relação de interação, troca, competição e complementação entre campos que se formam em relação uns aos outros. Um campo torna-se social por cultura, história e expectativas que só podem realizar-se caso seus especialistas dêem conta de processos e fenômenos de identificação junto à sociedade em geral, ou seja, se seus atores derem conta de se fazer identificáveis, reconhecíveis e visíveis através de regras e estratégias discursivas comuns que marquem seus fazeres e competências, construindo a identidade do campo frente aos processos sociais. “A formação de um campo social dá origem a um fluxo regular de relações sociais, em torno das quais se estabelece a ordem normativa do próprio campo. (ESTEVES, 1998:s.p.) “ Assim, um campo social necessita de habilidades comunicacionais para ser identificado, ou seja, para que suas competências e valores sejam reconhecidos e para que possa relacionar-se com os demais seus fazeres devem ser fundados sobre habilidades simbólicas, processos comunicacionais e regras discursivas que permitam aos demais campos identificar, reconhecer e interagir com este numa troca permanente que se dá no interior da esfera pública de uma sociedade. “Culturas são formadas por processos de comunicação. (..) em todas as sociedades, a humanidade tem existido em um ambiente simbólico e atuado por meio dele.” (CASTELLS, 2000:395) www.bocc.ubi.pt 24 César Steffen Interessante neste ponto dialogar com Luhmann, sociólogo alemão que busca compreender a sociedade moderna concentrando-se nas questões referentes aos sentidos sociais que se constroem a partir das comunicações e seus valores simbólicos. Embora tenha uma visão bastante diferenciada de Bourdieu, nos arriscamos aqui a aproximar tais autores na busca de um aprofundamento da visão dos processos de troca simbólica e discursiva dos diversos elementos integrantes da sociedade. Em sua obra “La realidad de los medios de masas” (2000) Luhmann afirma que uma sociedade é um universo de todas as comunicações possíveis entre seus integrantes, sendo estas elemento estruturador pois permite a seus atores se reconhecer, se fazer identificáveis e visíveis. O autor parte – ou usa - da teoria dos sistemas para analisar a formação e os processos sociais contemporâneos, numa visão diferenciada de Bourdieu por considerar a sociedade e seus elementos – que Bourdieu coloca como campos – como um todo integrado em um sistema maior. Interessa-nos, porém, ressaltar que Luhmann coloca cada sistema componente da sociedade tem um código próprio, interno, que filtra, processa e dá sentido a suas comunicações. Isto nos permite reforçar a idéia das estratégias discursivas e das identidades como elementos fundadores dos diversos constituintes da sociedade, os campos sociais, que se constroem e se reconhecem a partir de suas interações e mediações simbólicas e discursivas. Assim, aproximando a visão de Luhmann que a comunicação funda a sociedade da visão dos processos discursivos como elementos propagação da identidade dos campos de Bourdieu, podemos inferir que são as estratégias e competências discursivas que fundam os diversos campos, e as mediações e interações destes que dão status, sentido e vivência ao tecido social desta sociedade. Retomando a noção de campos podemos citar vários deles, que se mostram, circulam e co-existem na contemporaneidade (educacional, da saúde, científico, militar, político, jurídico, midiático, etc.), cujas relações de troca, interação e competição formam, dão status e sentido a esfera pública das sociedades em que se inserem. www.bocc.ubi.pt 25 A Política nos espaços digitais No tocante aos processos eleitorais, elemento e objeto de análise do presente trabalho, nota-se uma preponderância das interações e competições entre os campos político, midiático e jurídico, que nos cabe então definir. Por político entendemos um campo constituído pelas instituições e atores vinculados e regulados pelas instâncias de poder, sendo formado por estruturas que operam conjuntos de valores vinculados à regulação e regulamentação dos fluxos e processos no tecido social. Para Bourdieu (2000) as relações de poder, seja material ou simbólico, estruturam e são estruturadas pelas comunicações, que asseguram o reconhecimento e a validação do papel de um ator ou campo no conjunto da sociedade. Logo o poder está diretamente associado a capacidade de manipulação de estratégias discursivas e comunicacionais inerentes a um processo social ou histórico, sendo as disputas de poder relações de competição simbólica que conferem a determinado ator ou campo maior ou menos força frente as demandas e questões do tecido social. "O reconhecimento do poder simbólico só se dá na condição de se descreverem as leis de transformação que regem a transmutação das diferentes espécies de capital em capital simbólico e, em especial, o trabalho de dissimulação e de transfiguração (numa palavra, de eufemização) que garante uma verdadeira transubstanciação das relações de força fazendo ignorarreconhecer a violência que elas encerram objetivamente e transformando-as assim em poder simbólico, capaz de produzir efeitos reais sem dispêndio aparente de energia." (BOURDIEU:2000:15) O poder do campo político coloca-se na esfera macro-social, tratando das questões gerais de regulação da sociedade em geral, disputando seus atores a capacidade de mobilizar e integrar forças, simbólicas ou reais, materiais, para validar suas estratégias e fazeres tanto no interior do campo como em relação a campos externos. Logo seu poder está vinculado ao manejo das demandas e aos processos ideológicos presentes nesta sociedade e seu reconhecimento dá-se – ou se faz – por sua identificação a estas questões sociais. www.bocc.ubi.pt 26 César Steffen Esteves (1998:s.p.) considera a política como o legítimo controle dos cidadãos. Assim, temos que campo político desenvolve uma atividade de manutenção, controle e negociação dos valores maiores de uma sociedade. Ou seja, no interior do campo político circulam as negociações e os processos decisórios que direcionam, balizam e influem nos destinos de várias instâncias de um estado-nação, desde um bairro ou município até o poder federativo, sendo assim o campo envolvido – ou responsável – pelas questões e processos decisórios, de validação e coesão do poder das sociedades. Podemos notar então - de forma bastante didática - que são integrantes do campo político as instituições legislativas e executivas nos mais variados níveis – prefeituras, assembléias, deputados, – seus atores e também instituições que usam ou buscam estes espaços para afirmar suas identidades e valores. Da mesma forma integram o campo político grupos de pressão, como ONG´s, partidos e agremiações políticas, sindicatos, entidades empresariais, etc., que atuam, negociam e interagem dentro do campo promovendo os fazeres e processos de e para a sociedade. Nas palavras de Bourdieu (2000:164): “o campo político é o lugar em que se geram, na concorrência entre os agentes que nele se encontram envolvidos, produtos políticos, problemas, programas, análises, comentários, conceitos, acontecimentos, entre os quais os cidadãos comuns, reduzidos ao estatuto de ‘consumidores’, devem escolher, como probabilidades”. Nesta colocação do autor notamos um certo julgamento do campo político quanto a sua função, que se vê na passagem onde compara cidadãos a consumidores. O autor parece comparar o fazer do campo político e suas ações com uma “relação comercial”, de conquista e sedução, e chega a considerar a política como uma prática profissionalizada, o “monopólio dos profissionais (idem)”, limitada e mesmo fechada a um pequeno grupo representante de parcelas da sociedade com “poder” para atuar dentro do jogo do campo político. Em nossa visão o principal capital, valor e até mesmo elemento de troca para os atores do campo político é o apoio e aderência dos demais campos e cidadãos às suas demandas e ofertas, que ampliam ou reduzem o espaço e a força de cada um nos conflitos internos do campo. www.bocc.ubi.pt 27 A Política nos espaços digitais Logo pautar, induzir o debate sobre as questões com potencial para ampliar o poder de determinado ator integrante pode ser considerado um processo natural, inerente ao fazer do campo. Como o próprio Bourdieu (2000:56) dispõe em outra passagem: “As estratégias discursivas dos diferentes actores, e em especial os efeitos retóricos quem têm em vista produzir uma fachada de objectividade, dependerão das relações de força simbólicas entre os campos e dos trunfos que a pertença a esses campos confere aos diferentes participantes ou, por outras palavras, dependerão dos interesses específicos e do trunfos diferenciais que, neste situação particular de luta simbólica pelo veredicto ‘neutro’, lhes são garantidos pela sua posição nos sistemas de relações invisíveis que se estabelecem entre os diferentes campos em que eles participam.” Ou seja, é natural ao fazer do campo político buscar mobilizar e influir os demais campos para suas demandas e processos. Assim, reduzir a atuação do campo a uma relação de conquista e sedução é ignorar a própria natureza conflitiva dos campos sociais, não somente interna mas também externa, com os demais campos. Neste processo de conflito e busca de capital simbólico e, conseqüentemente, poder, o apoio e adesão da sociedade às suas lutas, bandeiras e ideologias vão permitir a um ator ou integrante ampliar sua esfera de influência e poder sobre o campo como um todo. Assim, por político podemos entender um campo cuja concorrência interna entre seus atores se faz principalmente através do apoio e conquista dos demais campos, que se traduz na força, competência e mesmo visibilidade de seus atores. No campo jurídico identificamos as estruturas de regulação e controle das demandas, fluxos e processos sociais no tocante às leis, legislações e sua aplicação. O campo jurídico, composto, de forma genérica, pelos tribunais, ordens, profissionais do direito e aqueles que dão suporte às suas atividades, é: www.bocc.ubi.pt 28 César Steffen “um universo social autônomo, capaz de produzir e de reproduzir, pela lógica de seu funcionamento específico, um corpus jurídico relativamente independente dos constrangimentos externos. (BOURDIEU, 2000:210).” Este campo tem por missão, valor e função conceber as formas e manter as estruturas de regulação dos vários atores e campos sociais, sendo o responsável pela manutenção e alteração das regras e processos de conduta social e da punição dos infratores. Os campos político e jurídico têm uma vinculação direta com as estruturas de poder das sociedades, na medida em que seus atores e processos executam e tensionam as questões relativas às relações de manutenção, validação e alteração das leis e regras que conformam, orientam e conduzem o funcionamento dos sistemas, processos e interações entre os diversos campos sociais dentro do tecido social. O campo jurídico possui uma forte e visível função política, vinculando-o de forma muito próxima ao campo político, pois ambos tratam dos processos de regulação das atividades da sociedade em geral. Não raro o campo jurídico é acionado ou mesmo interfere sobre o campo político, não somente sobre os atores deste mas também sobre os processos macro-sociais que deste emanam. Há de se considerar como diferença entre estes os fatos que, nas sociedades democráticas, os atores do campo político são submetidos a processos regulares de validação, alteração e competição para manter seus poderes, que conhecemos como eleição. Já os integrantes do campo jurídico não somente não passam por este processo como ainda têm a capacidade - ou função ou mesmo tarefa - de regular os procedimentos eleitorais. Nota-se assim, uma diferença primordial entre o campo político e o campo jurídico, que se põem em posição de interferência e conflito permanente, sendo este elemento de verificação, validação, controle e até mesmo – em casos maiores - coerção sobre os fazeres do campo político. Já o campo midiático se faz presente e ocupa um espaço estratégico numa modernidade relativamente recente através de procedimentos técnicos e de linguagem que fazem publicizar os fazeres da sociedade, tornando-se operador da visibilidade e circulação dos fazeres dos demais campos junto à sociedade. www.bocc.ubi.pt 29 A Política nos espaços digitais Os meios de comunicação operam e articulam tecnologias de transmissão e modalidades de produção e de recepção de mensagens, operando linguagens e técnicas que servem de suporte à exposição, circulação e negociação das demandas e processos dos vários campos. Diz Rodrigues (1990:152): “campo dos media é a designação que utilizamos para dar conta da instituição de mediação que se instaura na modernidade, abarcando, portanto todos os dispositivos, formal ou informalmente organizados, que tem como função compor os valores legítimos divergentes das instituições que adquirem nas sociedade modernas o direito de mobilizarem autonomamente o espaço público (grifo nosso).” É função, processo e mesmo razão de ser do campo midiático operar e tornar visíveis os fazeres e demandas dos demais campos, publicizando-os em larga escala e, assim, mobilizando e posicionando os demais campos frente a estes. No interior do campo midiático, estruturado, nas sociedades capitalistas democráticas, principalmente em torno e através de empresas e grupos empresariais, ocorrem disputas na ordem da audiência da sociedade. Esta audiência é determinante do “poder” e influência dos meios não somente dentro do campo, mas também sobre os outros campos, na medida em que através dos seus atores e espaços a sociedade divide experiências, processos, conflitos e demandas. Pode-se argumentar que o campo midiático acelera ou reforça os processo de fragmentação social, pois a exposição pública das demandas e questões sociais substituiria as interações e relações diretas entre os campos no espaço público, visão que pode ser notada no comentário de Virilio (1989): “(...) a imagem televisiva do jornal das oito está se transformando num espaço público. (Antes), o espaço público era a praça, era a esquina onde os homens se encontravam para dialogar, para se manifestar publicamente, para lutar ou para festejar. Hoje em dia, é visível que o cruzamento, o espaço em que os homens se encontram é o jornal das oito. (...). Hoje em dia, é a imagem que se torna pública. No caso da televisão, há unidade de tempo, no jornal das oito, mas não há unidade www.bocc.ubi.pt 30 César Steffen de lugar. Estamos, pois, juntos diante de uma imagem pública, que substitui a praça pública, mas separados, cada qual em sua casa”. Entretanto, há de se considerar o crescimento e ascendência do campo midiático como emblema ou sintoma de uma sociedade que se fragmenta e, por isso, necessita e mesmo dá valor a este campo por seu potencial de integração. Como afirma Jacques Perriault (1991), uma tecnologia só ganha sentido através dos usos que a sociedade faz delas, o que nos leva a considerar que o campo midiático e seus integrantes somente ganham relevância pelo valor dado ou atribuído a seus fazeres pela sociedade em que se inserem, logo sendo seu papel e relevância um emblema dos processos e culturas das sociedades. Ou seja, na medida em que a sociedade cresce e tem seus processos e interações diminuídas ou dificultadas pelas suas dinâmicas e lógicas o campo midiático passa a assumir, gradativamente, o papel de mediador dos processos e fazeres dos diversos integrantes da sociedade, realizando os contatos e negociações entre os campos através de suas redes técnicas e linguagens. Para Esteves (1998) as interações e circulações de discursos fazem e geram a competência da mediação midiatizada. O autor afirma que as trocas discursivas que se realizam em torno de questões de interesse comum formam um compromisso entre os integrantes de um campo e mesmo entre os campos envolvidos nesta mediação. Assim, através da comunicação e da circulação de discursos formamse os processos de negociação. Ora, se é função e natureza operativa do campo midiático circular discursos dos diversos campos há de se considerar que forma-se assim sua competência como instância de mediação social. Claro que os campos e instituições mantêm relações diretas e autônomas entre si, negociando suas demandas e resolvendo seus conflitos. Entretanto, nas sociedades modernas e contemporâneas, com o crescimento populacional, a concentração urbana e a assíncronia das dinâmicas individuais, e devido a sua natureza simbólica e conseqüente atividade de circular os processos, demandas e fazeres dos campos na esfera pública, o campo midiático ascende como instância maior - e até mesmo central - do processo de mediação, interação e visibilidade dos diversos campos. www.bocc.ubi.pt 31 A Política nos espaços digitais Luhmann (2000:96) propõe que a mídia cria uma realidade de fundo onde se formam as opiniões, realidade em sua visão não necessariamente consensual, mas compartilhada por aqueles que dela fazem uso. Nesta realidade de fundo irão circular e se fazer os processos dos campos sobre e para os demais campos sociais, ocorrendo uma troca ou debate que gera, acelera e mobiliza estas interações. Assim, o campo midiático torna-se importante elemento de organização da esfera pública, exercendo um papel de forte influência ou mesmo de preponderância nos processos políticos. A mídia deve ser encarada como sujeito, como elemento que dá a ação e faz a ação, que expõe e faz exposto, que media e se faz mediador e opera a visibilidade do processo dos campos nas sociedades contemporâneas. Os campos assim se acoplam ao campo midiático, ou seja, se unem por um fazer, uma estratégia ou um elemento comum aos seus interesses (LUHMANN, 2000:93) para se fazerem visíveis na esfera pública e cumprirem suas agendas e intenções junto aos demais campos. Claro que para falar em espaço público e esfera pública devemos citar Habermas, que em seu célebre “Mudança estrutural na esfera pública” (1984) considera o espaço público como um espaço homogêneo de sujeitos e ações simbólicas que se operam e se encontram em condições e relações igualitárias, simétricas, gerando ou sendo feitas consenso através de sua circulação, debate e validação entre os diversos e diferentes públicos e opiniões. Na visão de Habermas vemos uma clara, fundamental ou mesmo inerente função política na sociedade, pois segundo o autor a publicização, ou seja, a visibilidade dos diversos e diferenciados atores e campos funciona como dimensão constitutiva das sociedades burguesas, servindo ao debate entre diversas camadas constituintes desta sociedade na busca da hegemonia sobre as demais camadas. Interessante notar o destaque que Habermas dá a questão da publicização, da visibilidade dos processos através dos meios, intimamente ligada ao surgimento e formação do campo midiático nas sociedades, colocando este como fator de formação dos debates e negociações neste espaço e constituindo e construindo, assim, as esferas e processos de debates sociais entre os campos. www.bocc.ubi.pt 32 César Steffen Miranda (1997), por sua vez, mostrando uma certa coerência com Habermas, informa que a esfera pública moderna se dá na ordem do aparecer, ou seja, do fazer visível os processos, demandas e fazeres, buscando ao máximo a antecipação de fatos e fatores que possam influir na formação da opinião pública. Assim a esfera pública mostra-se como um espaço simbólico essencialmente político, onde as visibilidades, debates, negociações e resoluções se formam e “acontecem” enquanto processo de interação, mediação, visibilização e produção de sentidos entre os campos nas sociedades contemporâneas. Trata-se, então, de um espaço simbólico de relação que se dá e se faz na ordem das interações, mediações e visibilidades dos processos e fazeres dos diversos campos na busca da ascendência e prevalência sobre os demais campos. Nas sociedades contemporâneas este processo, como afirmam os autores, se estrutura principalmente ao redor das redes de comunicação midiática, pois estas têm o poder de atingir uma ampla gama de receptores, fazer visíveis os processos, mobilizar a opinião pública e negociar as demandas com os diversos e diferentes campos e atores constituintes da sociedade, assumindo ou colocando-se na condição e posição de mediador destes processos. Assim, retomando e dando novo tratamento à noção citada inicialmente neste capítulo, argumentamos ser a esfera pública um espaço que se dá, se forma e “acontece” enquanto processo de visibilização e mediação entre os campos nas sociedades contemporâneas. Nas sociedades contemporâneas se estrutura principalmente ao redor das redes de comunicação e dos processos midiatizados, e se mobiliza a partir das ações de cada campo em conjunto ou através dos atores constituintes do campo midiático. Este campo midiático, por sua vez, ocupa posição de destaque neste processo contemporâneo, organizando e estruturando o espaço público como uma nova ágora, onde os campos e seus integrantes “se reúnem” para discutir e buscar resolver suas demandas sem uma conexão ou ligação física, sem uma integração, levando as pessoas a um viver junto estando separados, integrados geograficamente mas afastados pessoalmente. Esta ascendência do campo midiático como elemento integrador e mesmo estruturador das relações do campos faz emergir o fenômeno da www.bocc.ubi.pt 33 A Política nos espaços digitais midiatização da sociedade, ou seja, da colocação da mídia, suas linguagens e estratégias como operadora das instâncias e processos de mediação, interação e visibilidade dos diversos campos. A midiatização não trata de uma mediação ou negociação pura, ou mesmo de um processo meramente instrumental e técnico, mas sim de um processo de troca e convergência, um acoplamento estrutural (LUHMANN, 2000:93) entre os diversos campos e o campo midiático a partir de interesses comuns. Cabe aqui abrir espaço para mostrar o que entendemos por mediação. Martín-Barbero (1997), ocupado com o uso social da mídia - especialmente a televisão - e com questões culturais da comunicação, considera as mediações como lugares de onde provêm e onde se forma a sociabilidade e se expressa a cultura, uma dimensão onde se pode compreender as interações que se dão e se fazem entre os diferentes atores e integrantes de uma sociedade. Para o autor neste “lugar” pode-se compreender os processos e efeitos de produtores e receptores da comunicação social, constituindo ambos como elementos essenciais, fundamentais para analisar os campos da comunicação e midiático, os sentidos e efeitos produzidos ou gerados por estes. Há de se ressaltar na visão do autor o foco na questão da mediação como elemento comunicativo que - abstendo-se a questão de “lugar” de análise, estratégia metodológica que se afasta do objeto deste trabalho - nos permite ver a mediação como processo eminentemente comunicacional, como elemento da negociação simbólica entre atores de processos sociais nas mais variadas dimensões, que gera sentidos sobre e a partir das diferentes identidades envolvidas. Como informa Sodré (2002:21): “Com efeitos, toda e qualquer cultura implica mediações simbólicas, que são linguagem, trabalho, lei, artes, etc. Está presente na palavra mediação o significado de ação de fazer ponte ou fazer comunicarem-se duas partes (...) mas isso é na verdade decorrência de um poder originário de discriminar, de fazer distinções, portanto de um lugar simbólico, fundador de todo o conhecimento.” Assim, por mediação podemos entender o processo comunicacional que permite estabelecer contatos e produzir efeitos, trocar e negociar produzindo www.bocc.ubi.pt 34 César Steffen sentidos entre atores e campos, gerando vínculos e estabelecendo processos sociais. Luhmann (2000) considera que a comunicação estrutura a sociedade, o que reforça a idéia das mediações como elemento e processo de coesão e manutenção social. Claro, tal percurso conceitual pode levar a confundir mediação com interação, e adiantamos que vemos tais conceitos muito próximos, porém não correlatos. Se pensarmos a mediação como derivada de mediar, ou seja, negociar, estar no meio, articulando a produção de sentidos, a temos então como um processo de troca simbólica, comunicacional, que abarca, mobiliza elementos identitários e culturais dos diferentes atores envolvidos. Estes trocam, agem um sobre o outro através de um elemento externo a ambos na busca do cumprimento de suas metas, objetivos e efeitos. Já interação, de interagir, agir sobre, para, prevê ou pressupõe uma ação recíproca entre dois ou mais atores que agem sobre e para o(s) outro(s) de forma direta, dialógica, gerando sentidos entre os atores presentes e construtores do processo. Braga (2001: 110-117), buscando construir uma reflexão sobe o conceito de interatividade, e focado nas relação que se formam em torno dos meios, alerta para a importância das construções trazidas pelos interlocutores para a interação. O autor diz que as interações ocorrem e dependem de situações sociais concretas, sendo a interatividade uma construção social onde a cultura e as subjetividades presentes são elementos determinantes das mesmas. Observa-se, assim, que interação e medição aproximam-se conceitualmente, na medida em que ambos se constroem e se manifestam sobre e a partir das culturas presentes no processo, gerando sentidos, novos processos, leitura e mesmo desvios. Entretanto interação aproxima-se mais de uma questão dialógica, relacional, recíproca entre atores diretamente conectados, enquanto mediação pressupõe a participação ou presença de um elemento terceiro ou externo ao processo de produção e circulação de enunciados e de geração de sentidos. Assim, falar em midiatização do espaço público e das relações e processos dos campos sociais é referir a um processo de interação e negociação www.bocc.ubi.pt 35 A Política nos espaços digitais que se dá pelas relações com e através da mídia, é se referir a uma mediação midiatizada entre atores e instituições sociais que se dá pela predominância das técnicas e linguagens do campo midiático na esfera pública. Este processo de midiatização coloca a mídia como condição para os processos políticos e democráticos modernos. Na medida em que é – principalmente - através das redes midiáticas que as questões sociais se fazem negociáveis e tensionam os processos dos demais campos, influenciando as resoluções necessárias ao desenvolvimento e à sustentação das lógicas sociais e democráticas onde se inserem, a mídia mostra-se como elemento fundamental da política contemporânea. A democracia contemporânea se dá, se faz e se promove pela e através da midiatização da esfera pública devido a necessidade da ampla audiência que os processos e as redes midiáticas alcançam, tendo então o campo midiático um fundamental papel político nos processos democráticos (WOLTON, 2000). Basta lembrar da censura e dos instrumentos restritivos à liberdade do fazer da mídia normalmente – se não sempre – impostos e praticados por regimes autoritários que podemos observar a importância da mídia para a democracia moderna1. O campo midiático converte-se, então, num ponto de encontro, num espaço de convergência e negociação, onde as demandas da sociedade se fazem presentes, provocando o debate público e pautando os processos sociais. Estes, por sua vez, irão influenciar e pautar a mídia, onde as relações autônomas, diretas entre os campos acoplam-se e ascendem ao campo midiático, à esfera de visibilidade pública, e tensionam os processos dos demais campos sociais. Assim, as relações entre os campos influem, tensionam o fazer da mídia que, por sua vez, interfere e influencia os processos sociais que irão retornar à mídia, num fenômeno circular de interferência, influência e re-alimentação entre os diversos campos e o campo midiático que se dá e se faz nas sociedades contemporâneas. É claro que cada campo tem suas características, suas identidades, operações, planos e intenções frente aos processos, que formam suas agendas operativas e de relação com os demais campos. Assim, a agenda de cada campo e 1 Como exemplo podemos citar a constante presença de censores dentro das redações dos jornais durante o regime militar Brasileiro, que ainda hoje gera debates, traz novos fatos a público e é permanente fonte para o cinema e a literatura de nosso país. www.bocc.ubi.pt 36 César Steffen a agenda da mídia se cruzam, se somam e se confrontam na busca do cumprimento dos objetivos e processos dos campos. Eventos são produzidos para se atingir e ocupar espaço na mídia; reuniões públicas são dirigidas, direcionadas para gerar boas imagens para a mídia; agendas são definidas em função da agenda da mídia, e a sociedade assiste cada vez mais a uma espetacularização2 do seu dia-a-dia. “O espaço de visibilidade midiática promove uma complexa relação entre os atores das instâncias formais do sistema político e aqueles da sociedade civil, bem como entre a política e a cultura”.(MAIA, 2002:s.p) Analisando estes fenômenos e processos interacionais oriundos da midiatização Verón indica três fontes geradoras e recebedoras de processos de interação e negociação simbólica, sendo estes o campo midiático propriamente dito, os campos não-midiáticos como, por exemplo, os campos político, jurídico e os demais campos e atores componentes da sociedade. Nesta análise, o autor identifica quatro zonas de interação: “la relación de los medios com las instituciones de la sociedade (...), la relación de los medios com los actores individuales (...), la relación de las instituciones com los actores (...) y la manera em que los medios afectam la relacción entre las instituciones y los actores.3” (VERÓN, 1987:15) Com isto Verón desenvolve o seu esquema de análise da midiatização (fig. 1.1), onde vemos graficamente estes fluxos de interação e interferência entre os campos e atores citados. 2 Guy Debord cria este conceito em seu “A sociedade do espetáculo”, onde a imbricação de capitalismo, mercadoria e espetáculo são emblemas de uma sociedade mercantilizada e comercial em suas instâncias. Não aprofundamos estes conceitos neste trabalho na medida em que compreendemos ser um eixo teórico afastado de nossa problematização, além do fato de que, em nossa opinião, reduzir o espetáculo a uma relação mercantilista e capitalista nos parece ignorar a função do espetáculo enquanto fato e fator de sedução, mobilização e de visibilidade, necessário a inserção e circulação dos processos e fazeres de cada campo no espaço público midiatizado. 3 A relação dos meios com as instituições da sociedade (...) a relação dos meios com os atores individuais (...) a relação das instituições com estes atores (...) e a maneira como os meios afetam a relação entre as instituições e os atores. www.bocc.ubi.pt 37 A Política nos espaços digitais Ilustração 1.1 (VERÓN, 1987:15) Verón adverte para a simplificação deste esquema, comentando que não dá conta de todos os processos e fenômenos, mas permite uma visão clara do que ele entende por midiatização, ou seja, o atravessamento e relacionamento dos campos por parte da mídia. Claro que, como já referimos, os campos mantêm relações independentes entre si dentro, que influem nas relações midiatizadas entre campos, o que pode ser notado nas setas que se dirigem aos meios no esquema gráfico do autor. Esta perspectiva pode deixar perceber uma visão excessivamente funcionalista da mídia, ou seja, fixada nas funções dos meios e do campo midiático na sociedade contemporânea. Por isso, ressaltamos que a midiatização se manifesta de forma relacional, ou seja, pelas interações dos campos com a mídia, e se traduz e se manifesta enquanto processo técnico/lingüístico que surge e se reforça pelas ações dos meios. Há de se considerar então que, como já dissemos, a mídia influi e é influenciada pela sociedade em que se insere, pois não existe campo isolado ou mesmo auto-suficiente, onde a simples necessidade de manutenção econômica dos meios através de variadas operações – venda de publicidade, financiamento público, etc. – torna-se um exemplo. Logo a midiatização trata de um triplo fenômeno: a questão técnica, de conformação dos processos dos campos pelas linguagens da mídia; o papel social das demandas dos campos que se midiatizam buscando gerar seus efeitos em larga escala; e as relações que se estabelecem entre o campo midiático, os demais campos e destes entre si através da mídia. www.bocc.ubi.pt 38 César Steffen Podemos assim notar que a midiatização amplia a área de conflito dos atores dos diversos campos, na medida em que além dos processos internos ao campo estes devem também estar em permanente negociação e mesmo “atravessamento” pela mídia para buscar cumprir suas metas e efeitos junto aos demais campos. No espaço deste trabalho, focado num processo eleitoral, podemos reconhecer o esquema de análise de Verón como as interações e tensionamentos entre os campos político, midiático e a sociedade em geral. Com base nas definições trazidas anteriormente, e de forma a clarear nossa base de análise, podemos entender neste esquema as instituições como o campo político, os atores individuais como os cidadãos, indivíduos que compõe a sociedade, e os meios como o campo midiático. Assim, o esquema de análise deste trabalho se configura da seguinte forma (ilustração 1.2). Ilustração 1.2 – esquema de análise Ou seja, o tensionamento dá-se na ordem dos fluxos de passagem, predominantemente, entre os campos político e a sociedade, tendo o campo midiático o papel central de circulação e negociação dos fluxos e processos simbólicos entre outros campos, sendo operador e operado dos processos de interação e negociação, mas não devemos esquecer da influência do campo jurídico sobre estas ações e procedimentos4. Temos que ressaltar que este esquema é um ponto de partida, um “marco conceitual” que nos permite estabelecer uma estratégia de análise da questão das tecnologias, suportes, influências e acoplamentos dos meios, do campo midiático nos processos políticos em nosso trabalho. 4 Nos capítulo de análise do contexto da campanha aprofundaremos a análise da função do campo jurídico no meio. www.bocc.ubi.pt 39 A Política nos espaços digitais Concordamos com Verón quando ressalta a pouca complexidade do esquema, pois em nossa visão a midiatização trata, além de um processo técnicolinguístico-estratégico, de um processo sócio-cultural de uso e relevância dos meios, cujo papel e importância se dá na ordem dos usos, apropriações e incidências dos diversos campos sobre e com os meios, além dos fenômenos e efeitos que se geram nestes processos. A midiatização não trata, pois, de um processo meramente instrumental ou técnico, mas sim de um complexo conjunto de negociações, diretas ou indiretas, entre vários campos no tecido social, uma conexão ou um acoplamento entre os diversos campos e o campo midiático que gera e manifesta os processos sociais e de visibilidade em larga escala. Permitindo-nos citar um exemplo desta complexidade dos processos de midiatização, podemos nos referir às propagandas de cigarros e bebidas, que sofrem forte regulação por parte do campo jurídico, determinando regras, horários, formatos, e mesmo mensagens que devem ser veiculadas junto aos anúncios. Logo a midiatização destes produtos ou empresas com vistas a resultados comerciais não se resume apenas à exposição do mesmo pela mídia, mas sim uma complexa construção discursiva e de relações entre diversos atores e campos que formam e conformam a visibilidade destes. Colocados, então, o papel, fenômenos e processos da mídia e da midiatização enquanto instância processadora e articuladora das demandas dos campos na esfera pública, a seguir nos ocupamos de analisar as especificidades da midiatização e suas influências nos processos políticos contemporâneos. 2. A midiatização da política e as questões operativas Falar então de midiatização da política é referir um processo de busca de espaços e visibilidade que se dá numa tensa relação entre o campo político e o campo midiático. Este se torna co-operador dos processos discursivos do campo político, contaminando seus atos com suas linguagens e regras enunciativas. www.bocc.ubi.pt 40 César Steffen Antes de discutir as especificidades das formas discursivas dos campos político, midiático e suas correlações permitimos-nos introduzir e definir discurso. Temos por discurso um processo enunciativo que criamos para referenciar e representar as experiências, fatos e dinâmicas por que passamos e que vivemos. Criamos ou manipulamos discursos para transformar tais experiências em sentido para um outro em que desejamos criar um determinado efeito. Logo, um discurso é, além de um processo lingüístico e enunciativo, um complexo investimento de um ator ou campo na busca da produção de efeitos em um outro ator ou campo. Então, a identidade do campo que emite um determinado discurso torna-se base para a construção deste, operando as características e determinando os elementos que vão permitir a identificação deste campo e a construção dos efeitos junto aos receptores. Isto reforça a idéia de que cada campo gera, mobiliza diferentes tipos e estratégias discursivas que visam formar o seu reconhecimento enquanto campo, da mesma forma em que,ao investir, reforça as identidades e processos dos demais campos com quem se articula, relaciona ou compete. Verón (1997a), ocupado em entender os processos de geração de sentidos nas sociedades, ressalta que o sentido de um discurso é dado no tecido social. O autor coloca que, se nos propomos a entender um discurso social, devemos ter em mente que este integra um sistema produtivo cujas regularidades de funcionamento compõem os processos significantes, enquanto os processos históricos cercam e engendram as condições de produção e reconhecimento deste discurso. Desta forma podemos inferir que a construção de um discurso se dá dentro de um processo em que as estratégias e intenções do campo somam-se às condições sociais e ao momento histórico em andamento. Estes fatores são influentes e até mesmo determinantes de sua construção, o que nos permite notar um processo de troca constante entre o emissor do discurso e o processo social em que está inserido. Vemos então um processo construtivo que se dá dentro do tecido da sociedade através da relação entre produtores e receptores, circulando pelos diferentes lugares da esfera pública, gerando, operando e construindo efeitos. www.bocc.ubi.pt 41 A Política nos espaços digitais “Como os estudos sobre os news making ou aqueles do enquadramento no jornalismo há muito vêm apontando, os eventos são construídos pelos discursos que os apresentam, e são, assim, dependentes da percepção do enunciador e de suas estratégias enunciativas.” (MAIA, 2002: s.p) Assim, compreender um discurso é compreender as estratégias do campo que o gera e mobiliza dentro do processo histórico-social em que está emitido, sendo marcado e deixando marcas em sua circulação e promovendo as interações e negociações com outros campos. Retomando o que dissemos anteriormente, a esfera pública contemporânea, encontra-se fortemente midiatizado, ou seja, sob influência das lógicas e linguagens do campo midiático. Logo as lógicas processuais, técnicas e lingüísticas do campo midiático tornam-se fator de influência na construção e manipulação dos discursos dos campos, no que podemos denominar de midiatização dos discursos, isto é, a contaminação e conformação destes pelas lógicas tecno-lingüísticas e operativas oriundas do campo midiático. Cabe citar que o discurso é a natureza operativa do campo político. É através do discurso que os atores do campo político destacam seu papel social e se fazem reconhecer como integrantes das estruturas de poder e decisão da sociedade e são relevados em seus papéis sociais. O discurso político é o discurso da sedução, da conquista e da mobilização, causa, efeito e razão de ser do campo político. Através do discurso o capo político busca a conquista do outro, seja este um campo, eleitor ou mesmo um adversário, processo em que as ideologias, processos e fazeres do ator político são condições de formação, formatação e enunciação deste. Da mesma forma, o discurso é o principal dispositivo do campo midiático, e se faz, se constrói a partir de várias linguagens e elementos inerentes ao campo e suas técnicas. Exemplificando, na televisão podemos dizer que o discurso se formata como imagem, som, texto e seus desdobramentos: enquadramento, planos, iluminação, trilha sonora, efeitos, etc. Estes elementos formam um conjunto www.bocc.ubi.pt 42 César Steffen significante, uma “gramática” de produção necessária às operações discursivas e de visibilidade do campo político através da mídia. “Ao contrário dos outros discursos, o discurso mediático é antes um discurso de natureza exotérico, isto é, compreensível independentemente da situação interlocutiva particular.” (RODRIGUES: 2003:s.p.) Nesta passagem de Rodrigues vemos uma característica do discurso midiático, a sua facilidade de compreensão e percepção, a generalidade de interesses que gera nos receptores e mesmo sua facilidade de acesso, elementos que somados geram a onde encontramos a sua força e mesmo a natureza verossimilhança. A comunicação midiática, através dos atores e agentes do campo midiático, atinge uma ampla cobertura geográfica e social. Isto nos permite falar em uma ampla mas fragmentada audiência, integrada por diferentes e diferenciados atores e campos que assim se vêem, reconhecem-se, comunicam-se e se influenciam mutuamente. Esta amplitude de receptores, com suas diferentes formações, anseios, expectativas e interpretações gera a necessidade de manipulação de linguagens no sentido de contemplar essas múltiplas leituras, reduzindo ou redirecionando os discursos específicos de cada campo para modalidades e formatos que facilitem o seu reconhecimento. Assim, os discursos e processos midiatizados dos campos sofrem uma interferência, “contaminação” pelas lógicas lingüísticas e operativas do campo midiático, pois para se inserir nos seus espaços, circular e gerar seus efeitos um discurso deve estar construído em conformidade com as estratégias e linguagens que mobiliza. Ou seja, um campo que deseje se fazer visível através da mídia deve estar em conformidade com as linguagens, processos, agendas e formatos do campo midiático. Como afirma Fausto Neto: “... diante da emergência dos processos midiáticos e da importância de suas operações e de suas estratégias, redesenha-se a própria natureza do discurso político. Esta se requalifica não só a partir dos desafios que o espaço público coloca, hoje, para sua inteligibilidade, mas www.bocc.ubi.pt 43 A Política nos espaços digitais também pelos efeitos desta relação complexa que trava hoje com o campo midiático.” (NETO, 2001:06) Podemos, com isso, seguindo a trilha de Verón (1997a e 1997b), quando coloca a existência de diferentes gramáticas de produção e de reconhecimento de discursos, considerar a mídia e suas linguagens como elementos construtivos e constitutivos do discurso político. A mídia torna-se uma condição de produção de discursos, que afeta formatos, processos, linguagens e até mesmo demandas do campo político, na medida em que ambos se articulam, competem e negociam dentro de suas especificidades, buscando cumprir e manter suas agendas, intenções e processos. Assim temos a midiatização não somente como um fenômeno de interação e negociação surgida com o advento e crescimento do campo midiático nas sociedades contemporâneas, mas também como elemento de interferência sobre os processos discursivos dos diferentes campos, que devem se adequar à gramática da mídia para serem visíveis e negociáveis na esfera pública. Vemos, pois, a especificidade da midiatização da política, onde a formatação de suas linguagens e processos são produzidos em conformidade - ou atendendo - as estratégias e lógicas do campo midiático. Este, por sua vez, insere a política em seus espaços, dando visibilidade e possibilitando a geração de efeitos sobre os demais campos. Neste acoplamento entre o campo político e o campo midiático operam-se lutas e disputas de sentido onde ambos buscam cumprir suas agendas, gerar seus efeitos e ressaltar seus interesses e intenções. Através de negociações e interações os campos trocam, competem e se influem mutuamente, mas nestes as lógicas e linguagens midiáticas se colocam como elementos condicionantes. Entretanto não devemos entender este processo somente como troca e competição entre estes campos, um processo linear de influência ou conformação, mas como uma complexa ordem de tensões e cruzamentos estratégicos que resignifica e tensiona o fazer do campo político. Este torna-se cada vez mais dependente do campo midiático para suas operações de visibilidade, o que leva Rubim (2000:50) a falar, por exemplo, em telepolítica, ou seja, na política realizada em redes eletrônicas. www.bocc.ubi.pt 44 César Steffen Argumentando que vivemos na “idade mídia”, numa época em que a mídia tem a centralidade na operação dos processos sociais, Rubim (2000:51) argumenta que a comunicação midiática torna-se lugar essencial da luta política por poderes, onde o papel da mídia se revela e manifesta pelos contatos e debates políticos através de suas redes e espaços. Cabe ressaltar que não cremos num campo midiático operado como instrumento da política, nem numa política operada pelo campo midiático, mas sim numa complexa relação de estratégias que se faz no espaço público moderno e se dá na ordem da busca de preponderância e concorrência entre estes campos. Isto determina não só a visibilidade da política e seus fazeres junto aos demais campos, mas também promove o debate público e, assim, influi na formatação das democracias contemporâneas. Não existem dissoluções ou desmembramentos de campos, ou seja, um campo não toma o lugar ou mesmo absorve o outro. Existem, sim, relações de interação, troca, competição e complementação entre campos na busca do cumprimento de suas estratégias e agendas, mas estes mantêm suas fronteiras e suas competências específicas. Isso nos leva a considerar dois tipos, duas instâncias e lógicas de visibilidade política, sendo uma eminente e propriamente política, oriunda da relação do campo político com a sociedade, suas bases e militantes, e de uma visibilidade política midiática, operada e mediada pelo e através do campo midiático. Tomando emprestados os conceitos de auto-referência e 5 heteroreferência de Luhmann (2000:14-21) podemos colocar que a visibilidade política constitui uma forma de auto-referência do campo político, na medida em que seus processos se dão e se fazem internamente ao campo. Já a visibilidade midiática se constitui numa heteroreferência, possibilitando a seus atores a verificação, validação e condução de suas agendas fazendo-as visíveis na mídia. Interessante observar, sob outro enfoque, que o campo político busca se adequar a midiatização da sociedade criando instâncias próprias de midiatização, manipulando linguagens e apropriando-se de gêneros e elementos 5 Resumidamente, os conceitos de auto-referência e heteroreferencia de Luhmann tratam das operações de observação e verificação que um sistema – que aqui compreendemos como campo – realiza em seu interior e seu exterior. www.bocc.ubi.pt 45 A Política nos espaços digitais oriundos e eminentes do campo midiático para buscar construir suas visibilidades midiática própria. Veículos como, dentre outras, a “TV Câmara” e a “TV Senado”, transmitem imagens, sessões, entrevistas e programas gerados pelo campo político através de TV a cabo, sendo já importante fator de mobilização de discursos e processos nos plenários6, mas não podemos esquecer, também, do Horário de Propaganda Eleitoral Gratuito – HPEG. Nota-se que o campo político gera e mobiliza estratégias e processos para usar os canais, recursos, gêneros e linguagens da mídia para se fazer visível, buscando assim “escapar” da agenda, processos e filtros oriundos do campo midiático para a construção de sua visibilidade. Temos que considerar assim uma nova lógica de visibilidade política, uma visibilidade midiatizada, ou seja, conduzida e operada pelas lógicas, regras e regimes discursivos do campo político, porém formatada em conformidade com as linguagens e lógicas midiáticas, onde reside o cerne e a essência do que denominamos de midiatização da política. Assim consideramos três lógicas de visibilidade política: uma visibilidade política, fruto ou oriunda das relações do campo político com os demais campos; outra uma lógica de visibilidade midiática, gerada pela relação entre o campo político o campo midiático; e finalmente uma lógica de visibilidade midiatizada, produto das ações e instâncias próprias de midiatização criadas pelo campo político. Estas pistas nos levam a supor que as visibilidades midiática e midiatizada são mais efetivas para os fazeres do campo político na medida em que, como já dissemos, alcançam uma coletividade e expõem processos e fazeres para uma ampla audiência, uma grande parte da sociedade, com a possibilidade de gerar efeitos e resultados de forma mais rápida e efetiva. Assim, recordamos Rubim (2000) quando conceitua “efeitos de mídia”, um processo de geração de efeitos políticos pela inserção de seus atores no espaço midiático como elemento constituinte e efetivo das práticas políticas 6 Em 23 de maio de 2003 uma sessão da câmara federal chegou a ser suspensa quando um deputado percebeu que os pronunciamentos não estavam sendo transmitidos pela TV Câmara devido a uma entrevista com o deputado Agnelo Queiroz, fato que gerou revolta e protestos. (fonte: http://www.estado.estadao.com.br/jornal/03/05/24/news135.html) www.bocc.ubi.pt 46 César Steffen contemporâneas, o que gera ações políticas pautadas por uma busca de espaço midiático e seus efeitos. Devemos lembrar, entretanto, que as relações diretas entre política e sociedade são importante fator de formatação e determinação dos processos políticos midiáticos e midiatizados, na medida em que, como já foi dito, ocorre uma interferência circular entre os processos dos campos e da mídia. Nesta perspectiva, compreendemos o conceito de efeitos de mídia, ou seja, num processo de interferência e realimentação que se dá entre as instâncias e lógicas de visibilidade política. A mídia pode ter a capacidade ou natureza de atingir grandes audiências, motivo que a torna importante elemento para a política, mas suas redes não substituem ou atrofiam as instâncias políticas e sua relação direta com os demais campos. Por trás desta questão geral reside um importante conceito que ainda não referimos: a negociação, que trata dos processos de relação e interferência entre campos fora das instâncias de visibilidade, onde são determinadas e negociadas as agendas, os processos estratégicos e estabelecidos os padrões de relação entre os campos político e o campo midiático. Nota-se que no conceito de negociação está aquilo que não se midiatiza ou é feito visível, mas sim os contatos entre campos que se fazem nos bastidores dos processos midiatizados que conduzem, conformam e mesmo geram as lógicas e efeitos, e onde cruzam-se e confrontam-se as agendas dos campos. No caso específico deste trabalho temos uma negociação entre o campo político e o campo midiático, que convergem e acertam pontos e etapas que atendam ou satisfaçam as demandas de cada um. Para esclarecer este conceito tomamos como exemplo um debate eleitoral. Nestes as datas, tempos e demais regras são acertados entre as emissoras e as assessorias dos candidatos em conjunto dias antes da realização do mesmo, processo cujos detalhes raramente são conhecidos da audiência. Entretanto estas negociações formatam o lado visível da operação, sendo muitas vezes decisivos para a participação ou não de um candidato7. 7 Cabe recordar da eleição presidencial de 1998, quando o candidato e re-eleição Fernando Henrique Cardoso, orientado por sua assessoria de campanha, não participa dos debates. Outro exemplo pode ser a debate eleitoral no segundo turno de 2002, onde o “novo” formato proposto pela rede Globo, mais aberto e com participação popular, foi aceito pelas assessorias de Lula e José Serra. www.bocc.ubi.pt 47 A Política nos espaços digitais Assim as negociações ocorrem nos bastidores, nos corredores do processo, influindo nos processos de midiatização, raramente se midiatizando ou se fazendo visíveis aos receptores. Por isso a midiatização da política não pode ser entendida somente como processo de troca e competição ou troca entre os campos político e midiático, mas como um complexo processo de entrecruzamentos entre os processos dos campos político e midiático, e como uma realimentação e agendamento entre ambos. Neste “grande palco midiático” o campo político luta para que as luzes se voltem e estejam sempre focadas em seus processos e fazeres, aliando-se a mídia, ou usando de suas linguagens e estratégias, como forma necessária e efetiva de circular seus processos e fazeres junto à sociedade. Nesta busca a presença de assessores especialistas nas linguagens e processos da mídia é elemento constante, às vezes tão importantes quanto o próprio político ou candidato. “Esta migração dos políticos para os 'frames' midiáticos, se corporifica neste âmbito, mas requer a operação de outras práticas e de procedimentos, especialmente a intervenção de saberes especializados, ou de seus experts, espécie de ‘atores estratégicos’ que se ocupam dos processos de formatação dessa nova modalidade de discurso.” (NETO, 2001:05) O campo político e seus atores deixam de agir e atuar por si só, mas passam a necessitar da presença e auxílio constante de profissionais especializados nas regras e linguagens midiáticas para ocupar espaços e cumprir suas agendas. Um processo eleitoral é um importante representante deste processo em todas as suas variáveis e variações, mas sobre isto nos debruçaremos no próximo capítulo. 3. As eleições e a política midiatizada Os processos eleitorais surgem nas democracias modernas como manifestação não só das necessidades de alternância de poder, mas também como emblema da relação entre a sociedade e suas estruturas de regulação, na medida www.bocc.ubi.pt 48 César Steffen em que oferece a todos os seus integrantes a possibilidade de participar e interferir nos processos decisórios através da escolha de seus representantes. Neste momento vários campos e operações convergem para o processo. Os atores do campo político disputam. O campo jurídico regula, controla e, quando necessário, pune. E o campo midiático faz visíveis as operações, demandas e agendas destes, tornando-se elemento necessário e até mesmo indispensável ao fazer político-eleitoral. As amplas audiência e visibilidade da mídia torna-se elemento e mesmo ferramenta das democracias contemporâneas. Dando visibilidade aos processos políticos e eleitorais, expondo demandas, falas e atos, pautando os debates ou sendo pautado pelas demandas sociais os atores do campo midiático processam e tornam-se canais das questões sociais, tornando-se assim elementos de formação da opinião pública. O fazer político-eleitoral torna-se um fazer midiático e midiatizado, um estar na mídia, um estar expondo e em exposição nos espaços midiáticos ao alcance e alcançando coletividades, circulando e negociando processos e fazeres com os demais campos na permanente busca da construção dos efeitos de mídia, de influência na formação da opinião pública e, claro, nas decisões de voto, objetivo maior do campo político na eleição. Os processos eleitorais são um momento de alta visibilidade para a política devido principalmente a sua relevância para as estruturas e fazeres das democracias contemporâneas, visibilidade esta exacerbada pela exposição e espaço dedicados pela mídia. Os atores e integrantes do campo midiático intermediam e tensionam aqueles que disputam a eleição, criando o palco e o cenário – ou a arena - onde os candidatos irão confrontar seus discursos, propostas, biografias, ideologias, etc., buscando atingir e conquistar o máximo de eleitores e votos. Em nossa visão, não é possível pensar a democracia moderna sem as redes midiáticas - especialmente as eletrônicas - na medida em que, como já foi dito, através da mídia a sociedade se vê, se reconhece e se processa. Da mesma forma, a mídia mostra-se importante na medida em que possibilita ampla audiência e visibilidade aos processos dos diversos campos envolvidos nos pleitos e nas questões de fundo da sociedade. www.bocc.ubi.pt 49 A Política nos espaços digitais Ora, se a base ou mesmo essência dos processos democráticos reside no debate pluralista de idéias e no confronto de projetos e valores dos diferentes campos notamos que as redes midiáticas, podendo gerar, pautar, conduzir e mediar debates variados em larga escala, têm papel fundamental na construção e afirmação da democracia. Wolton (2000:69) chega a considerar a comunicação política como condição essencial para a democracia moderna. Cabe considerar também que, como já colocamos, nas eleições o campo político se midiatiza em espaços compulsórios regulados, determinados e mesmo controlados pelo campo jurídico nos diversos meios no que conhecemos como Horário de Propaganda Eleitoral Gratuita – HPEG. Estes espaços se apresentam como elemento de concorrência entre o campo político e o campo midiático, na medida em que os atores do campo político ocupam tais espaços expondo suas propostas, idéias e projetos para a ampla audiência e construindo a sua visibilidade frente aos demais campos. Logo, além das ações do campo midiático e seus atores, há também ações midiáticas dos partidos e candidatos através da mídia construindo sua imagem e expondo seus processos, onde ambos se influem e se tensionam mutuamente, operando seus processos e agendas frente às questões em pauta na sociedade. Assim, os processos eleitorais se fazem e se constroem num amplo cruzamento de operações estratégias e lógicas de diversos campos, que influem nas questões e nos elementos em pauta, cruzando agendas e estratégias e operando as visibilidades e discursos dos diversos atores envolvidos. Devemos então levar em conta a credibilidade dos campos frente ao processo. Se é interesse do campo político conquistar o apoio dos demais campos para suas demandas e fazeres, há de se considerar que esta intenção seja percebida pelos receptores. Logo, a credibilidade do campo político estaria vinculada às suas intenções e interesses no processo, que assim se mostram como fatores de influência nos resultados destes esforços midiatizados da política. Neste aspecto pode-se considerar que o campo midiático tem maior credibilidade por sua – pretensa - isenção ou deslocamento de interesses nos resultados do processo. Disso deriva o poder da mídia sobre as eleições, pois sua – www.bocc.ubi.pt 50 César Steffen pretensa - isenção aumenta a sua credibilidade, somada a sua alta visibilidade e abrangência, colocando-o como fator de influência nos processos eleitorais. Entretanto, como vários momentos do passado indicam – onde o maior emblema em termos de eleições no Brasil talvez seja a edição do debate Lula-Collor em 1989 – nem sempre o campo midiático atua de forma isenta, o que representa um perigo pela relevância de sua agenda. Entretanto algumas pesquisas indicam que os receptores percebem estes movimentos da mídia, e os levam em conta em sua tomada de posição, o que reforça a idéia dos cruzamentos de agendas e estratégias durante o processo eleitoral. Claro, esta questão da influência da agenda da mídia nas eleições é motivo de amplos debates e estudos acadêmicos que a cada eleição se renovam frente aos novos processos e ações do campo8. Longe de querer encerrar o assunto ou mesmo de manifestar uma posição – pessoal - definitiva, até porque os cenários mudam constantemente, não cremos que se possa falar ou citar de preponderância de mídia ou política no período eleitoral. Podemos sim supor que, por sua pretensa isenção, a mídia tenha maior credibilidade e influência, mas assumir tal posição seria um risco para o trabalho como um todo. Cremos, sim, que há um processo de forte tensão, agendamentos, uma “queda de braço” entre os campos midiático e político que disputam a credibilidade frente aos demais campos e buscam influir no processo eleitoral. Neste aspecto também há de se considerar que a midiatização da política no HPEG ocorre num cenário onde vários atores, campos e demandas circulam, se fazem presentes e influem nos processos sociais. Logo, ocorre um cruzamento de agendas e processos que se influem mutuamente ao qual a política deve se adequar e conformar. A midiatização da política não se dará simplesmente pela lógica, ideologias, projetos ou anseios dos atores do campo político, mas se dará num cruzamento de negociações e tensões que irão estimular, balizar, pautar ou mesmo conduzir este fazer político midiatizado em todas as instâncias. 8 Sobre esta questão sugerimos ver o texto “Das visibilidades das eleições de 2002”, de Albino Rubim, onde mostra as diferentes maneiras e processos de tratamento dos candidatos nas eleições presidenciais de 1998 e 2002 pela mídia, denunciando um tratamento diferenciado ao processo devido à agenda das empresas. www.bocc.ubi.pt 51 A Política nos espaços digitais Então, podemos inferir que os fazeres político-eleitorais se fazem e têm sua visibilidade construída numa relação de troca, competição e complementação entre o campo político e os vários campos. As edições e agendamentos mútuos mostram-se constantes e permanentes, e onde as ações do campo midiático, voltadas para amplas audiências, causam uma aceleração do processo político-eleitoral. Consideramos importante abrir espaço para esclarecer este conceito de aceleração, pois vemos que o mesmo é pouco trabalhado academicamente, mas possui uma relevância estratégica em nosso trabalho. Quando falamos em processos de interação, negociação e mediação entre campos - que pautam e conduzem os processos eleitorais - referimo-nos as trocas que tem em vista um determinado objetivo. Nestes processos há momentos em que um campo tem seus fazeres internos aumentados por fatos ou fatores externos, passando assim a ser mais solicitado, catalisado pelos demais campos na busca do cumprimento de uma demanda que se forma no tecido social, obtendo maior visibilidade e relevância frente aos demais campos. Logo, por aceleração compreendemos um aumento das visibilidades e negociações dos processos e fazeres de um campo pelos demais campos em uma marca temporal, ou seja, uma maior quantidade de trocas e interações entre campos que marca e é marcado por um processo interno ou externo a este campo dentro de uma temporalidade específica. Um exemplo de aceleração de campos que podemos citar é uma epidemia, como as da dengue e da pneumonia asiática, quando os processos e questões internas do campo da saúde foram acelerados pelos demais campos e tiveram sua visibilidade aumentada, exacerbada pela sua importância e urgência. Outro exemplo é um período de guerra, onde a mídia é acelerada para dar conta de cobrir e informar a opinião pública dos fatos, como pôde ser visto recentemente no conflito EUA versus Iraque. Esta conceituação pode levar a confundir aceleração com expansão, mas é preciso esclarecer que a aceleração sempre irá gerar uma maior visibilidade de um campo frente aos demais dentro de um recorte temporal. Já expansão compreenderia uma preponderância, aumento ou mesmo derrubada das fronteiras entre os campos, mesmo que temporária, que ampliaria o poder de um campo sobre outro(s). www.bocc.ubi.pt 52 César Steffen Os processos eleitorais possuem marcas temporais específicas, perceptíveis, que estruturam e identificam o mesmo junto ao tecido social. Esta marca temporal estimula o campo político e os demais campos a empreender e executar ações e estratégias vinculadas ao mesmo, de forma a cumprir seus objetivos no menor espaço possível. Assim esta temporalidade, ou seja, o calendário eleitoral, mostra-se como causa e efeito da aceleração dos campos. Entretanto, esta aceleração do campo político tem uma característica específica, uma marca dual, na medida em que este se acelera em busca das visibilidades necessárias ao seu fazer dentro da marca temporal do processo, e é acelerado pelos demais campos pela relevância do processo nas sociedades democráticas. Assim, num processo eleitoral a aceleração se dá e se mostra pelo aumento real e mesmo perceptível das interações e visibilidades do campo político na busca de perfazer e cumprir as agendas e estratégias inerentes ao momento eleitoral. Esta aceleração desperta e estimula a atenção das demais camadas da sociedade, seduz a audiência da mídia e coloca o campo político na posição – ou obrigação - de estar permanentemente gerando fatos que ocupem estes espaços midiáticos e midiatizados para se fazer visível a estes receptores. Dessa forma o campo midiático, suas ações e fazeres frente ao processo eleitoral, torna-se um dos fatores e dispositivos desta aceleração, dando visibilidade e gerando ações políticas que buscam ocupar seus espaços. Os espaço midiáticos não reduzem ou anulam a importância das máquinas partidárias e dos eventos políticos, mas fazem com que estas se mobilizem e organizem para a busca de espaços na mídia. Isto traz a necessidade de profissionais especializados nas linguagens, estratégias e relações midiáticas para estar em exposição nestes espaços e gerar seus efeitos, adaptando o campo político à lógica da aceleração do processo eleitoral. A televisão, atualmente talvez a principal mídia do campo midiático, durante o período eleitoral é ocupada pelo campo político em horários e tempos determinados pela legislação eleitoral no que conhecemos como Horário de Propaganda Eleitoral Gratuita – HPEG. www.bocc.ubi.pt 53 A Política nos espaços digitais Este mostra-se como um espaço midiático operado pela agenda do campo político, ou seja, uma operação política midiatizada. Não podemos esquecer, entretanto, do espaço dedicado pela mídia, em sua programação, ao processo eleitoral, elemento que, como já comentamos, somam-se para formar a visibilidades dos atores envolvidos. Nestas operações midiáticas e midiatizadas o campo político expõe suas ações, propostas, projetos, acusações a adversários, e todos os elementos necessários ao cumprimento de seus objetivos dentro do processo, buscando assim formar uma opinião pública favorável ao candidato e, claro, votos dos cidadãos. A mídia, por seu turno, insere e cede espaço aos candidatos para cumprir sua agenda de audiência, acelerando e sendo acelerada pela eleição, processo eminentemente político, e colocando-se na posição de mediadora entre candidatos e sociedade na medida em que dá visibilidade a estes, pauta o processo de debate e discussão publica e mesmo promove atos e ações relevantes, como debates entre os candidatos. Assim o somatório do que circula, é exposto e se faz visível nos meios do campo midiático e no HPEG somam-se e influem na formação da opinião pública durante o pleito, tornando-se fatores no processo de decisão do voto pelo eleitor. Comentando o processo eleitoral de 1994, Chico Santa Rita9 (2001:139), ressaltando o complicado cenário em que ocorria o pleito, mostra onde os eleitores iriam buscar informações para tomar suas decisões de voto: “Na televisão, ora. A resposta dos pesquisadores era quase unânime: quando chegar a hora haverá o horário eleitoral, os candidatos se mostrarão, apresentarão seus propostas e aí um deles será escolhido. É assim, aliás, que tem acontecido nas eleições, desde que elas foram restabelecidas após a ditadura.” Os efeitos deste somatório de processos, negociações, tensões e visibilidades podem ser medidos, observados ou mesmo aferidos através pesquisas de intenção de voto, elemento presente e constante nos processos político-eleitorais modernos. 9 Chico Santa Rita é profissional do marketing político tendo participado de importantes campanhas eleitorais nos mais diversos níveis em todo o país. www.bocc.ubi.pt 54 César Steffen Aqui recordamos Walter Lippmann, que em seu célebre “Public Opinion” desconfiava de uma opinião pública informada, e dizia que a maioria das decisões das pessoas se baseava no que ele chamava de “imagens em nossas cabeças” (DIZARD apud SODRÉ, 2002:43). Ou seja, as opiniões e desejos manifestos e captados pelas pesquisas baseavam-se menos numa racionalidade crítica ou analítica e mais numa projeção de expectativas sobre um determinado elemento ou ator, baseadas principalmente nas subjetividades dos entrevistados influenciadas pelo cenário em que estes se inserem. Já Sartori (1998) comenta que as pesquisas na verdade mostram - ou demonstram - a influência da mídia nas decisões e avaliações das pessoas, e ressalta a influência da formulação das perguntas nos resultados das pesquisas. Este assunto também é comentado por Almeida (2002), que coloca a importância da formatação do questionário e da formulação das perguntas na construção de uma pesquisa10. Este autor (2002:37), citando alguns estudos e pesquisas internacionais, lembra que as pesquisas apresentadas nos noticiários da televisão influem na decisão do eleitor, onde é interessante observar o destaque ou importância que os campos político e midiático dão as pesquisas de opinião, sendo estas muitas vezes o elemento articulador e condutor de suas cobertura e ações. Devemos levar em conta que uma pesquisa, naturalmente, capta opiniões, visões e posições dos eleitores frente ao processo eleitoral em desenvolvimento através de uma amostra representativa da população. Logo podemos inferir que seus resultados refletem tendências e processos que ocorrem ou se fazem presentes junto a esta população, que nelas reconhecem a si e a seus próximos e semelhantes. Neste aspecto reside o potencial manipulador destas pesquisas. Na medida em que a população pode “se ver” nos resultados e, assim, mudar sua opinião - no que um profissional da psicologia denominaria de “medo da 10 Um exemplo citado pelo autor é as pesquisas de opinião que normalmente perguntam o voto do eleitor se a eleição fosse no dia o que, segundo ele, permite formar um cenário das intenções de voto no dia em que a pesquisa foi realizada, mas não a extrapolação destes resultados para o dia da eleição. Segundo o autor, o correto seria perguntar ao eleitor em que ele pretende votar no dia da eleição. www.bocc.ubi.pt 55 A Política nos espaços digitais diferença” - as pesquisas podem tornar-se elementos de interferência no processo eleitoral, conduzindo e influenciando as decisões de voto. Claro, não é possível afirmar a influência das pesquisas nas decisões de voto, e a cada eleição as polêmicas e debates se renovam, se acirram e seguem inconclusas. Podemos, no máximo considerar as pesquisas como uma dentre a ampla gama de vários fatores ou elementos de influência, onde a própria obrigatoriedade do voto – em termos de Brasil – deve ser considerada. Cabe ressaltar, entretanto, que as pesquisas refletem ou captam retratos, “instantâneos” dos movimentos da opinião pública frente ao pleito no momento em que são realizadas, das quais se pode obter sinais indicativos, não verdades ou realidades imutáveis ou absolutas como muitas vezes apresentadas pela mídia11. “Eleição é uma atividade muito dinâmica. Novos fatos e situações se alteram com muita facilidade. O grande segredo é se antecipar a estas alterações (RITA, 2001:31)”. Consideramos importante notar as pesquisas também como fator de influência nas decisões estratégicas de campanha, quando metodologias qualitativas e quantitativas são utilizadas para verificar a imagem e o posicionamento do partido ou candidato percebidos pela população. Isto influi não só na abordagem e a construção da campanha do candidato mas também o candidato a ser posto em cena12. Chico Santa Rita nos permite perceber, através dos vários casos e experiências que narra em seu livro “Batalhas Eleitorais” (RITA, 2001), a importância das pesquisas qualitativas e quantitativas como elemento de verificação das expectativas e processos dos eleitores sobre o candidato e de condução das estratégias pelas assessorias. Não nos interessa, neste trabalho, discutir detalhes ou reproduzir as experiências do autor, mas sim notar nos diversos casos que narra, nas mais 11 Interessante colocar, neste ponto, que na eleição para governador gaúcho de 2002 houve uma grande disparidade entre os resultados das pesquisas de boca-de-urna e a contagem oficial. Este fato que gerou grande polêmica e levou a RBS a constituir uma comissão de notáveis para avaliar o caso e discutir a questão das pesquisas. Isto resultou num seminário com atores dos campos político, jurídico e midiático, onde a conclusão foi de que as pesquisas de opinião não deveriam ser usadas como elemento condutor da cobertura da mídia, havendo a recomendação para não destaca-las em manchetes ou espaços privilegiados nas capas dos veículos impressos. 12 Cabe lembrar que Celso Pitta foi selecionado candidato a prefeito de São Paulo em um teste de vídeo realizado pelo marketeiro Duda Mendonça, que testou e considerou várias possibilidades até escolher Celso pelo seu bom desempenho frente às câmeras. www.bocc.ubi.pt 56 César Steffen diversas eleições e com os mais variados candidatos, a relevância das pesquisas como elementos condutores das estratégias de campanha, onde também transparece a amplitude do trabalho de planejamento e execução de uma campanha. Conduzido por especialistas nas linguagens, estratégias e processos midiáticos que atuam junto aos candidatos e seus assessores, uma campanha eleitoral tem uma abrangência holística. Seu planejamento envolve inúmeras variáveis que vão desde a história, processos e ideologias do partido ou candidato até o quadro ou cenário em que a eleição ocorre. Não caberia aqui aprofundar todas estas variáveis, mas cabe esclarecer que o marketing político e eleitoral não constrói candidatos do nada, mas sim opera a partir da história e imagem formada do político junto aos eleitores, não existindo uma receita pronta para o sucesso. Como afirma Pacheco, o marketing é uma “arte de ajustamento” do sujeito/produto ao meio ambiente. “Gosto da analogia do surfista que parece dominar as ondas. Na realidade ele apenas ajusta-se, em plena harmonia e interação, às forças do oceano. Oceano e Mercado são poderosos demais para serem dominados pela fragilidade relativa do indivíduo, a quem cabe, isto sim, integrar-se inteligentemente ao sistema das forças ambientais, tão mais poderosas do que as suas - e usá-las a seu favor. (PACHECO, 1994:149)”. O autor chega a afirmar que “voto é marketing, o resto é política”. Entretanto há de se considerar que todo candidato tem uma história, um percurso político já percorrido que deve ser levado em conta na construção de sua imagem, logo “o resto” da política mostra-se como importante elemento na condução das ações de marketing na busca do voto. A política, o fazer político, em diferentes formas e processos, é um fazer diário, um elemento presente e constante no espaço público. Ao marketing político cabe conduzir ou aproveitar-se destas ações para formar a imagem deste político e fazê-lo presente numa eleição dando roupagem, exposição e visibilidade ao mesmo. www.bocc.ubi.pt 57 A Política nos espaços digitais Chico Santa Rita afirma que um dos princípios de construção de uma campanha é “trabalhar com propriedade os três conceitos primários – passado, presente e futuro – que personalizam um candidato” (RITA, 2001:73). Logo a construção da imagem de um político-candidato não se dá somente no momento eleitoral, mas é um processo constante, diário de ações políticas e midiáticas que irão se somar e formar esta imagem13. Alguns especialistas falam na “campanha permanente”, ou seja, em processos políticos diários que buscam fazer o ator político visível frente à sociedade, formando e construindo gradativa e paulatinamente sua imagem deste. A história e processos de um político se colocam como elemento fundantes dos fazeres eleitorais deste, elemento fundamental na construção das estratégias de imagem e das visibilidades deste. Novamente Pacheco (1994) informa que o voto é influenciado por três componentes distintos: o ideológico, o político, e o eleitoral. Em uma eleição o componente eleitoral faz-se mais presente, e influencia os processos de formação da opinião pública, e o marketing eleitoral forma, constrói a imagem do político-candidato a partir do percurso, dos processos deste frente aos outros dois componentes citados. Acusa-se o marketing e os “marketeiros” de construir candidatos e de vender políticos como se vende sabonete, argumento onde se esconde uma visão linear do processo de construção das imagens dos políticos, no sentido de que bastaria construir uma oferta de discursos e elementos para que esta seja prontamente aceita e gere os efeitos desejados nos receptores (eleitores). Claro que o processo não ocorre desta maneira, como já temos nos referido, mas se faz sobre um tecido social engendrado por uma ordem de forças e processos dos diversos campos sociais e mesmo candidatos, que irão formar e influenciar as reações dos eleitores frente ao processo. Não existe marketing ou profissional de comunicação que fabrique um candidato do nada – apesar do que muitos profissionais da área gostam de deixar transparecer em entrevistas, palestras e livros. Fazer política é negociar, se expor 13 Caso como a recente ascensão e queda da candidatura da então governadora do Maranhão Roseana Sarney à Presidência da República demonstra bem este processo, pois o “marketeiro” Nizan Guanaes utilizou fortemente a mídia para formar a imagem da candidata a presidência, o que logo se refletiu nas pesquisas de intenção de voto, colocando a mesma como favorita a vitória no pleito. Entretanto, denúncias de corrupção veiculadas nos noticiários da mídia derrubam a candidatura (RUBIM, 2002) o que, em nossa opinião, confirma a formação da opinião pública sobre a política como um processo constante que se dá pelo somatório das vozes da política e da mídia na esfera pública midiatizada. www.bocc.ubi.pt 58 César Steffen não somente ao cidadão-eleitor principalmente através da mídia, ocupando com oportunidade, clareza e levando em conta as expectativas dos eleitores, da opinião pública, os espaços midiáticos e construindo, assim, a sua visibilidade, sua imagem e seu processo de luta pelo voto. Ao marketing político cabe fazer-se presente como elemento de construção e ajuste das imagens, ações e fazeres dos candidatos no processo eleitoral, estabelecendo a ponte, a ligação entre o campo político, a mídia e os demais campos, ajustando ou conformando os atores políticos às regras operativas do campo midiático. Podemos notar, então, que o marketing político e eleitoral – e seus especialistas – irão influenciar, balizar ou mesmo conduzir as ações e estratégias dos candidatos no pleito, sendo elemento decisivo na formatação e construção do discurso do candidato, suas propostas, enunciados e ações. Assim, além das propostas, agendas e ações o discurso políticoeleitoral deve ser considerado em seus elementos estéticos, em seu enquadramento ou adequação às linguagens midiáticas: a foto bem iluminada, o jingle que repete o nome do candidato e o mote da campanha; a roupa esportiva para o comício ou o paletó na cadeira, as mangas da camisa arregaçadas e o nó da gravata solto num “escritório” bem iluminado cercam, emolduram a exposição do candidato e seu discurso, estilizando sua imagem e se colocando como um elemento de formação dessa imagem, ocasião em que o especialista em mídia mostra sua supremacia sobre a política. Neste ponto cabe destacar a interferência do campo jurídico no fazer político e midiático durante o processo eleitoral. No Brasil, através dos Tribunais Eleitorais, o campo jurídico instala as regras e processos que controlam e até mesmo limitam o fazer político-eleitoral junto à sociedade e à mídia, de forma a proporcionar a máxima liberdade e segurança para os eleitores e garantir que práticas ilícitas ou constrangedoras sejam coibidas. Se, durante os períodos do regime militar a lei eleitoral ofertava espaço compulsório na mídia para o campo político durante o processo eleitoral, mas impedia o uso dos recursos técnicos e linguagem da mídia14, atualmente a Lei 14 Para fins de recordação cabe colocar que a chamada “Lei Falcão”, que leva o apelido do seu elaborar, o então ministro da Justiça Armando Falcão, foi promulgada pelo regime militar após a derrota nas eleições legislativas de novembro de 1974, limitando drasticamente o acesso de candidatos ao rádio e à televisão, com o fim de evitar mais uma vitória oposicionista nas eleições municipais de 1976. Esta lei permitia aos partidos apenas mencionar a legenda, o curriculum vitae e a foto do candidato nos horários de propaganda eleitoral obrigatória, e perdurou até o pleito de 1982. www.bocc.ubi.pt 59 A Política nos espaços digitais 9504, de 199715, mantém este espaço compulsório não somente durante as eleições, determinando tempos, regras, prazos e até mesmo espaços em mídia externa – outdoor – que podem ser ocupados pelos atores políticos, além de distribuir espaços gratuitos na mídia em outros períodos, não-eleitorais, com tempo proporcional a representatividade de cada partido no congresso nacional. No caso específico das regulações do processo eleitoral, o não cumprimento de tais regras pode levar a multas, cassação da candidatura ou mesmo do mandato em caso do infrator ter sido empossado durante o processo investigatório. Não podemos deixar de mencionar a regulação quanto às pesquisas eleitorais, prevendo pesadas penas e multas em casos de não-cumprimento das regras ou mesmo a divulgação de pesquisas fraudulentas. Nota-se na lei a preocupação em garantir equilíbrio tanto no acesso da política à mídia, buscando evitar que os espaços regulares se transformem em palanques para candidatos e partidos, quanto evitar que a agenda de interesse da mídia interfira no processo e na lisura dos elementos que podem neles influir, como a(s) propaganda(s) e as pesquisas eleitorais. Vemos, então, uma política, um fazer político-eleitoral influenciado, tensionado e construído não só enquanto processo eminentemente político, mas principalmente como processo midiático. Influenciado, pois as linguagens e processos da mídia se impõem às lógicas e aos processos políticos como elemento formatador de suas estratégias e fazeres. Tensionado porque o campo político está em permanente negociação com o campo midiático para se fazer visível, gerar e manipular seus efeitos. Construído porque a mídia ergue e forma seus processos e suas relações com os demais campos, sendo neste “local” feitas as suas possibilidade de efeitos e mobilização, qualificações que ilustram toda a interferência que o campo político sofre por parte do campo midiático no momento eleitoral. Assim, temos uma política que busca permanentemente a construção de suas visibilidade nos espaços midiáticos, e tem nas suas linguagens e seus especialistas os principais componentes, não somente na exposição e circulação dos fatos e demandas mas também na formação da opinião pública, onde se dá e se forma a identidade, o reconhecimento e onde circulam os processos políticos contemporâneos. 15 Copiado via Internet em www.tse.gov.br [03/2002] Texto completo encontra-se nos anexos deste trabalho. www.bocc.ubi.pt 60 César Steffen Nota-se um cruzamento de campos, estratégias, linguagens e processos discursivos nos fazeres político-eleitorais. A mídia busca audiência para si, a política gera e usa essa audiência para construir seus efeitos, os especialistas auxiliam ou conduzem estas ações e fazeres dos candidatos, a mídia pauta o processo e é pautada pela política, numa ampla conexão e cruzamento de agendas que faz as visibilidades dos processos eleitorais modernos. O espaço midiático configura-se então como o lócus onde são divididas, debatidas, tensionadas e até mesmo resolvidas as diversas demandas, fazendo circular discursos e processos do campo político, agendando, verificando ou aprofundando as questões em pauta e sendo elemento indispensável à democracia, ao fazer político e aos processos eleitorais contemporâneos. O advento da tecnologia da Internet traz um novo elemento a este processo na medida em que sua tecnologia passa a inserir-se e fazer circular processos comunicacionais na sociedade. A chamada “telepolítica” ganha a companhia dos espaços digitais de comunicação, sobre o qual dissertaremos nos próximos capítulos. www.bocc.ubi.pt 61 A Política nos espaços digitais Referências Bibliográficas ALMEIDA, Alberto Carlos. Como são feitas as pesquisas eleitorais e de opinião. Rio de Janeiro, Editora FGV, 2002. ARENDT, Hannah, As Origens do Totalitarismo. Cia. das Letras, São Paulo, 1989 BOURDIEU, Pierre. Sobre a televisão. 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A Internet desenvolveu-se sobre uma tecnologia então restrita, os computadores, grandes máquinas que ocupavam salas especiais e realizavam as mais complexas operações de cálculo e armazenamento de dados. Nesta época tais máquinas eram manipuladas apenas por especialistas em seus processos e procedimentos em poucas instituições que possuíam a capacidade financeira, técnica e de pessoal para mantê-las. A tecnologia evolui e estas máquinas ficaram gradativamente menores, mais baratas e de uso mais intuitivo, permitindo a manipulação por não especialistas, onde o “Machintosh”, lançado na primeira metade da década de 80, é o grande emblema. O sistema do “Machintosh” permitia a manipulação da máquina através de interfaces gráficas e ícones, retirando do usuário a necessidade de compreender, decorar e manipular complexas linhas de comando ou realizar extensas e complexas operações de programação, bastando apenas acessar os recursos através do mouse ou de atalhos via teclado em telas gráficas (FRAGOSO, 2002:s.p.). Este sistema e outros, como o Microsoft Windows, evoluem adicionando recursos de som e imagem em movimento, aproximando o computador da experiência midiática-sensorial de meios como o rádio, a televisão e o cinema proporcionam. www.bocc.ubi.pt 66 César Steffen Assim o computador torna-se uma peça atraente aos olhos dos nãoespecialistas, inserindo as máquinas nos lares e acelerando a evolução da tecnologia para contemplar os usos e necessidades destes novos usuários. O computador transforma-se assim num elemento de entretenimento, diversão e informação manipulada conforme os objetivos e usos que cada usuário dá à máquina. A chegada da Internet em si não chega a ser um elemento de interesse imediato para a indústria de computadores e softwares. Desenvolvida dentro dos laboratórios de pesquisa e dos centros acadêmicos, essa tecnologia evoluiu conforme as demandas, exigências e desejos dos usuários do sistema, mas segue restrita. Com o surgimento das interfaces gráficas e da “WWW”, criada por Tim Berners-Lee na primeira metade da década de 1990, a rede torna-se comercialmente atraente e ganha espaço na mídia. Neste momento, da mesma maneira que os sistemas gráficos dos computadores, a “WWW” e o seu protocolo de suporte, “http”, torna a Internet uma experiência acessível aos usuários leigos. Basta digitar um endereço, apontar o “mouse” e clicar numa figura ou “link” para que os processo de contato e navegação desejado se produza, permitindo acesso a conteúdos, imagens, gráficos e animações que tornam a rede um “produto” atraente. Este “produto” gera uma corrida pelos seus espaços, onde empreendedores e empresas passam a disponibilizar acesso e usar seus recursos dentro de variadas estratégias comunicacionais e comerciais, mas a quebra da bolsa de tecnologia norte-americana “NASDAQ” resfria os ânimos. Nota-se que a tecnologia digital da Internet serve a trocas simbólicas e discursivas entre pessoas conectadas em e por meio de seus dispositivos, suportando uma prática de interação que nos permite reconhecer esta tecnologia como meio de comunicação. Consideramos então o que faz desta tecnologia um meio de comunicação social, uma mídia, elemento integrante e operador do campo midiático. Segundo Alsina (2001:62), a comunicação social sofre a intervenção tecnológica na mediação de uma mensagem, havendo uma separação entre os www.bocc.ubi.pt 67 A política nos espaços digitais sistemas de produção e recepção, ou seja, há um separação física entre instâncias de produção e recepção que se comunicam por via de uma tecnologia. Já para Verón (1987:12), para ser considerada como meio de comunicação social, uma tecnologia deve satisfazer um critério de acesso plural às ofertas de mensagem, um critério sociológico de produção, circulação e reconhecimento de mensagens e enunciados que cria o que denomina de “mercado discursivo” das sociedades modernas. Jacques Perriault (1991), levantando a hipótese de que as pessoas que utilizam as “máquinas de comunicação” fazem-no por e a partir de uma estratégia própria, foca-se no conjunto de práticas de comunicação que condicionam os usos e valores dos meios, buscando entender o modo pelo qual se fazem os usos dos objetos técnicos como elementos comunicacionais. Para o autor as máquinas de comunicar - que aqui entendemos como os meios, as mídias, apesar de o texto do autor tratar das máquinas num sentido muito mais amplo - têm marcado seus usos por um desejo ou necessidade de simulação do real por parte do ser humano, pela necessidade de recordação e projeção da suas subjetividades intrínsecas para outro(s) ser(es) humano(s). Ou seja, o uso dos meios passa pela subjetividade intrínseca de cada ser, que seja própria da técnica e dos discursos presentes no meio a partir de seus objetivos e estratégias. Estas máquinas só adquirem sentido e valor a partir destes usos sociais. Assim, afirma que a apropriação das máquinas tem duas dimensões, sendo estas a técnica, a capacidade de manipular o objeto, e a simbólica, a subjetividade que se projeta sobre esta máquina, de onde percebemos que se fazem os processos e desvios que geram novos usos ou recursos às máquinas. Nestas perspectivas percebemos que um meio de comunicação social não deve ser entendido somente como suporte técnico ou processo simbólico em ampla escala, mas como um dispositivo de comunicação a serviço de subjetividades e identidades que deste se utilizam para projetar para outro mensagens e enunciados conduzidos através de uma tecnologia. Assim, temos que a tecnologia ou a técnica é a base de um meio de comunicação social, influindo diretamente em suas linguagens e processos, mas www.bocc.ubi.pt 68 César Steffen sustenta sua existência ou tem valor social através dos usos para os processos estratégicos e simbólicos dos diversos e diferenciados atores e campos. Podemos dizer então que uma tecnologia só irá se desenvolver como meio de comunicação se a ela for dado valor e sentido pelos usuários. Logo, um meio de comunicação social só irá se caracterizar como tal pelos usos, apropriações, interações e mediações que os diversos campos promoverem através desta tecnologia. Da mesma forma, não é possível falar de comunicação sem pensar, como Winkin (1998) numa orquestração, numa rede de relações e apropriações que se forma em torno dos meios. Para Winkin pensar a comunicação midiática é olhá-la sob a ótica dos contextos e das relações que se formam pelas apropriações das técnicas e pelas várias e diferenciadas estratégias de uso e manipulação dos meios. Ou seja, é pensar a abordagem social de uso dos meios como elemento de interação, comunicação e visibilidade entre diferentes atores e campos. Seguindo estas trilhas temos um meio de comunicação social como uma tecnologia que se insere e forma o contexto das comunicações sociais, e sua caracterização surge a partir dos usos, incidências e apropriações dos diversos campos. Estes, através da tecnologia, se comunicam, constroem relações, mediam, interagem e se fazem visíveis. Porém, a caracterização dos meios não pode deixar de levar em conta as gramáticas de produção, ou seja, as lógicas e protocolos de uso e os elementos de linguagem que surgem ou são criados para este meio, marcando as suas especificidades, benefícios e limitações. É claro que um meio de comunicação irá suportar ou ser reconhecido por sua linguagem intrínseca, ou seja, pelas formas de uso e recursos estéticos, visuais e textuais que devem ou podem ser manipulados por aqueles que desejam projetar-se sobre outros. Torna-se, então, necessário a um individuo que deseja fazer uso do meio reconhecer e manipular os recursos para obter os efeitos que deseja a partir de uma técnica específica. Linguagem e técnica condicionam-se mutuamente num processo de troca e evolução e mesmo quebra de regras permanente que gera novos usos, sentidos e desdobramentos a um meio. Planos, enquadramento, diagramação, www.bocc.ubi.pt 69 A política nos espaços digitais iluminação, foco, etc. são elementos das linguagens das várias mídias que condicionam os processos de comunicação através delas, permitindo o reconhecimento, validação e projeção da experiência por ela registrada e projetada. Assim um meio de comunicação comporta uma tecnologia, gramáticas de produção e reconhecimento de mensagens condicionadas ou balizadas por esta técnica, para a qual os diferentes campos e atores convergem e se conformam para circular, processar e evidenciar suas comunicações, e onde as culturas e os processos simbólicos destes campos e atores são o elemento base na construção destes processos. O próprio surgimento da Internet, tecnologia desenvolvida para suprir uma necessidade militar num contexto de forte tensão e conflito bélico iminente, que evolui pelas apropriações dos diversos integrantes de outros campos, especialmente o campo acadêmico, demonstra e reforça a idéia que uma tecnologia ganha sentido através de seu uso social. Dessa forma, a caracterização da Internet como meio de comunicação social surge do somatório entre a sua tecnologia, a linguagem que se desenvolve desta e dos usos, incidências e valores dados a estes pelos diversos e diferenciados usuários, atores e campos. Estes, assim, podem interagir, trocar, inserir e ofertar os mais diversos conteúdos, fazer visíveis e colocar em pauta suas visões e opiniões e circular seus fazeres e processos de e para os demais usuários e campos em larga escala. Notamos então que a Internet não é um meio de comunicação isolado ou que surge com uma linguagem totalmente própria ou inédita. Pelo contrário, a Internet soma-se aos processos comunicacionais da sociedade que a ela convergem linguagens e técnicas de outras mídias, que num mesmo suporte técnico circulam e se efetivam. Wilson Gomes (2001:s.p.) comenta que a “Internet compreende três fenômenos interligados: um ambiente de conexão, um complexo de conteúdos e um sistema de interação.” Por ambiente de conexão compreendemos a tecnologia informatizada que sustenta o(s) sistema(s) de comunicação, possibilitando aos usuários interagir sobre e a partir das ferramentas disponíveis. www.bocc.ubi.pt 70 César Steffen Por complexo de conteúdo compreendemos os diferentes e diferenciados enunciados e discursos que circulam sobre este ambiente de conexão, que também permitem aos usuários se conectar diretamente através das máquinas, onde notamos o sistema de interação. Logo técnica, linguagem e processos dos usuários somam-se para dar existência e valor a este novo meio de comunicação social enquanto lugar e processo de produção e geração de novos sentidos. Mostrando um alto grau de inovação tecnológica e comunicacional somado a um grande potencial integrador para os usuários, a Internet se configurou como a grande promessa das tecnologias de comunicação. Este potencial atraiu a atenção de empresas e empreendedores dos mais variados ramos, que apostaram no potencial desta mídia como canal de comunicação e de geração de novos modelos de negócios com a promessa de alto retorno. Mais recentemente grandes grupos e “players” de mídia – como exemplo podemos citar Time-Warner, Disney, Globo, dentre tantos outros - adentram e apostam no meio dentro de sua estratégias empresarias. Como se lê em Castells: “Na segunda metade da década de 90, um novo sistema de comunicação eletrônica começou a ser formado a partir da fusão da mídia de massa personalizada globalizada com a comunicação mediada por computador.” (CASTELLS, 2000:387) Assim, configurando-se como meio de comunicação social, promotor e suporte de processos comunicacionais e de visibilidade entre os diferentes atores e campos sociais, sobre e a partir dos elementos e tensões de uma sociedade ou cultura, vemos a Internet como mais um elemento constituinte, integrante e promotor da esfera pública contemporânea, um espaço digital de comunicação. Estes espaços surgidos com o advento da Internet, cuja tecnologia e suporte permitem a múltipla conexão e trocas entre usuários nos mais diversos pontos, criam novas formas de contato, eliminam distâncias físicas e geográficas que não mais são uma barreira para o contato e a conexão entre as pessoas. Surge uma nova geografia, uma geografia digital, sem território físico, onde se fazem processos de comunicação entre os diversos usuários de diferentes formas e em diferentes medidas. www.bocc.ubi.pt 71 A política nos espaços digitais Os espaços digitais surgidos com a Internet se apresentam e se constituem através de metáforas de lugares – ou não-lugares como diria Marc Augé (1994) – de espaços geográficos promovidos pela tecnologia informática e digital, onde o contato insere os usuários em diferentes e diferenciados fluxos de informação. Nestes espaços a sensação de deslocamento através de caminhos se apresenta através das diferentes interfaces construídas e se faz presente como uma topografia peculiar, uma “localização espacial” no espaço de interação num mundo digital, onde a lógica deste deslocamento se constrói através de hipertextos1 e processos interativos informatizados. A própria denominação website, lugar na web, na Internet, sala de chat ou mesmo a denominação de “navegação” ou “surf” para o processo de acesso aos diferentes espaços demonstra e reforça a metáfora dos espaços digitais, onde novos protocolos e processos comunicacionais são e fazem marcas no uso e contato. Os espaços digitais de interação extrapolam a “privatização” da esfera pública, na medida em que aceleram e catalisam o descolamento das relações sociais físicas e presenciais para relações de interação tecnológica, dando novo elemento a “bios virtual” (SODRÉ, 2002:27), a formas de vida e relação via tecnologia sem o contato pessoal. A máquina, o computador e seus elementos – tela-teclado-mouse-etc. insere o usuário-cidadão num ambiente de contato e interação, onde o seu eu se projeta numa metamorfose digital interativa. Manifestando e dando roupagem a suas subjetividades, que se projetam e se manifestam em estratégias de uso e manipulação das tecnologias, o espaço digital transforma-se num ponto de encontro e convergência de várias operações e suas representações simbólicas. Assim os espaços digitais configuram-se como um espaço plural de deslocamento, contato e acesso onde a lógica de cada ator integrado ao processo faz-se presente e constante alterando, redirecionando e gerando novas configurações e novos fenômenos a cada instante. 1 Por hipertexto entendemos, conforme Landow (apud FRAGOSO, 2002a:s.p.) “uma escritura não-sequencial, um texto que se bifurca, que permite que o leitor escolha e que leia melhor em uma tela interativa. De acordo com a noção popular, trata-se de uma série de blocos de texto conectados entre si por nós, que formam diferentes itinerários para o usuário" Esta construção e navegação por hipertextos se dá e se faz através de links, a que entendemos como “um instrumento de construção de relações semânticas, um modo de construir conexões entre coisas.” (Johnson, 1997, p. 111 apud FRAGOSO, 2002). www.bocc.ubi.pt 72 César Steffen Os espaços digitais da Internet não se configuram como uma esfera autônoma ou desconectada dos processos sociais em que se insere. Ao contrário, se conecta aos processos dos atores e campos, dando novas características e nova roupagem aos processos comunicacionais e interacionais e mesmo às identidades daqueles que dele se utilizam e nele se projetam, tornando-se assim fator de tensionamento e aproximação entre atores e campos sociais. Os espaços digitais abolem as noções usuais de tempo e espaço, tratando e promovendo uma distorção, um alargamento de fronteiras onde a realidade faz-se ou não presente, dependendo de quem esta promovendo e utilizando o mesmo, transformando-se num elemento complexificador desta realidade e das relações sociais. Assim, os espaços digitais se agregam aos processos e tensões que ocorrem na sociedade, sendo um novo elemento de promoção e circulação dos diferentes processos de interação e comunicação, onde através das diversas tecnologias e ferramentas os usuários se encontram, se fazem presentes e visíveis. Logo, o espaço digital trata de um espaço de comunicação e mediação através de redes tecnológicas informatizadas onde as subjetividades e processos dos diversos atores e campos se projetam para construir processos e elementos comunicacionais, e estes ocorrem dentro da esfera digital da Internet. Cabe, para clarear ao máximo os conceitos aqui propostos e utilizados, diferenciar espaço digital de ciberespaço. Muitas vezes confundido com Internet, o termo ciberespaço foi cunhado em 1984 pelo escritor de ficção científica William Gibson no livro “Neuromancer”, onde o autor fala de um espaço nãofísico, não-geográfico e não-territorial, promovido pelas redes tecnológicas informatizadas onde a informação circula e o ser humano faz contato, conecta-se a outros seres humanos. Gibson fala de uma “alucinação consensual” criada e promovida pelo contato, conexão e ampliação dos limites seres humanos com os espaços tecnológicos de interação, a que denomina de “Matrix”, a matriz tecnológica de circulação e contato. Este termo passou a estimular, balizar e se fazer presente em uma série de estudos sobre os processos comunicacionais e as redes digitais, notandose uma forte ligação do conceito de ciberespaço com a Internet, às novas mídias e www.bocc.ubi.pt 73 A política nos espaços digitais as novas tecnologias de comunicação informatizadas, gerando até mesmo uma confluência entre os dois conceitos. Como informa Cardoso (2002:s.p.): “A noção mais usual do termo ciberespaço refere-se basicamente ao conjunto formado pelas "novas mídias". No entanto, o ciberespaço, enquanto fenômeno da cultura contemporânea, vai muito além da simples utilização destas ferramentas de comunicação, ao promover o aparecimento de um novo e profícuo espaço sóciocultural.” Entende-se por ciberespaço um elemento de conexão, interação e sociabilidade surgido com o advento das tecnologias informatizadas. Entretanto consideramos que o conceito de ciberespaço é maior, vai além da Internet, das redes de computadores e o espaço digital. Como o próprio Gibson afirma, o ciberespaço é um espaço que existe e é promovido pelas tecnologias enquanto processo de comunicação e interação, permitindo ao ser humano projetar-se além dos seus limites físicos e geográficos, conectando-se e interagindo com outros seres humanos através de redes técnicas. Podemos então considerar que qualquer meio que promova uma interação entre pessoas e uma projeção das subjetividades, do “eu”, a partir de recursos tecnológicos pode ser considerado um promotor do ciberespaço, onde incluímos então telefones fixos, celulares e até mesmo, em menor escala, meios como o rádio e a televisão. Logo, diferencia-se do espaço digital pela amplitude de recursos e processos que suporta. O espaço digital não existe enquanto lugar, enquanto materialidade, mas acontece, se faz presente como um ponto de encontro, um lugar onde ocorre um processo de interação por via tecnológica, formando uma topografia através dos contatos que nele se estabelecem. Para buscar esclarecer ao máximo esta noção, exemplificamos: uma sala de chat onde usuários “conversam” via teclado é um espaço digital; um email levando mensagem de um usuário para outro se forma e se mostra num espaço digital; um website de uma empresa com informações sobre seus produtos e serviços demarca o espaço digital desta, e todos estão presentes e atuantes dentro desta nova integrante e promotora do espaço e esfera públicas, a esfera digital da Internet. www.bocc.ubi.pt 74 César Steffen Os espaços digitais podem ser públicos ou privados, fechado ou abertos, e são promovidos enquanto fenômeno e processo cultural de conexão e comunicação entre pessoas que se utilizam destas tecnologias para circular e se fazer presente para outros usuários. Nota-se que o papel de promotor e usuário se confundem e se somam nos espaços digitais, na medida em que não há promoção sem uso, ou uso sem promoção ou mesmo comunicação e troca sem conexão. Aqui reside um importante conceito para compreendermos o papel destes espaços: a circulação dos enunciados e discursos. Como já referido os espaços digitais refletem as culturas em que se inserem e deles se utilizam. Logo podemos considerar os processos discursivos e estratégicos dos campos que adentram ao espaço digital serão elementos formatadores do mesmo. Assim, se temos um campo que adentra ao espaço digital com uma estratégia podemos supor que esta será o elemento condutor e formatador dos conteúdos e enunciados deste espaço. Entretanto, esta formatação se dá dentro de um processo social maior, onde várias forças externas ao campo se coadunam. Da mesma forma há um receptor – presumido, antecipado – que seleciona os elementos inseridos com que deseja travar contato. Assim, a circulação dos discursos se dá na ordem das ofertas estratégicas do campo que são selecionadas pelos receptores. Temos então que os espaços digitais da Internet são um dos elementos promotores e realizadores do ciberespaço, na medida em que promovem processos de interação, mediação e negociação por via tecnológica digital, ampliando os limites físicos dos seres humanos. Entretanto, não contemplam ou promovem toda a variedade e complexidade dos processos comunicacionais do ciberespaço. Os espaços digitais se manifestam em pontos de comunicação, troca e visibilidade que se formam sob uma camada de tecnologia onde as funções, tarefas e processos de cada ator e campo são construídos conforme suas estratégias, desejos e necessidades e as expectativas do outro que acessa e interage com o espaço. Exemplificando: um banco na Internet simula um banco físico em suas funções e operações, ampliando as possibilidades de relação deste com seus www.bocc.ubi.pt 75 A política nos espaços digitais clientes e quebrando com algumas marcas temporais presentes nas agências e espaços físicos; uma sala de chat emula uma conversa presencial, que se projeta sobre um espaço, uma camada de tecnologia digital que amplia uma relação física. Um exemplo final: uma sala de aula virtual insere os usuários – alunos e professores – numa relação de troca e experimentação na busca do conhecimento onde cada um, em seu espaço físico individual se projeta, se conecta e interage com os demais construindo e operando uma relação de ensino. É semelhante a uma sala de aula física: há leituras a fazer, há trabalhos a realizar, há debates a participar, interferir e mediar, ações que se fazem e se dão sobre uma camada tecnológica de comunicação. O espaço digital ajusta-se, é formado, assim, pelas culturas que nele adentram, formando seus caminhos, sua topografia. Torna-se assim mais um elemento para formação de imagem, circulação, negociação e visibilidade dos processos de funcionamento, interação e negociação dos campos em sua relação com os demais atores e campos caracterizando-se, então, como mais uma instância dos processos de midiatização das relações sociais. “In the grand narrative of modernity, the Internet is an efficient tool of communication, advancing the goals of its users who are understood as preconstituted instrumental identities.2” (POSTER, 2003:s.p.) Disto até agora posto temos um novo espaço de interação e mesmo competição entre os diversos e diferenciados campos sociais, onde suas identidades, valores e estratégias serão os elementos de demarcação e construção dos processos de interação e visibilidade. Assim, pensar a política no espaço digital é colocá-la à luz das lógicas dos atores e processos do campo político e demais campos sociais que se acoplam a estes para, então, compreender o papel deste espaço nas democracias contemporâneas. Neste aspecto é interessante citar Wilson Gomes (2001:s.p.):, “a) qualquer sujeito pode tornar-se emissor; b) qualquer receptor possa tornar-se emissor e vice-versa; c) qualquer receptor possa transformar-se em provedor de informação, produzindo informação e distribuindo-a pela rede, ou 2 Na grande narrativa da modernidade a Internet é uma eficiente ferramenta da comunicação, avançando nos ou os objetivos dos usuários, entendidos como identidades pré-existentes www.bocc.ubi.pt 76 César Steffen simplesmente repassando informações produzidas por outros.” Nesta visão do autor reside um dos potenciais promotores da participação política e da democracia no espaço digital. Argumenta-se que a conexão aos sistemas da Internet, o potencial para a livre emissão e recepção somados à facilidade de acesso à maior variedade de fontes de informação, poderiam aprofundar o conhecimento dos fatos e fatores, qualificando as opiniões, a formação política dos cidadãos e a relação destes com as estruturas de regulação e poder da sociedade. Celso Cândido (1999) menciona a possibilidade da criação de uma “Ágora Virtual”, semelhante as Ágoras Gregas, onde através dos sistemas digitais os cidadãos poderiam se reunir para resolver debater e decidir as demandas sociais. “Em sociedades de massas, obviamente, uma cidade ou Estado não pode reunir todos os seus três, quatro ou dez milhões de cidadãos em praça pública para ouvirem os oradores e, então, deliberarem revelando os seus votos. Isto é, claro, materialmente impossível. No entanto, parece não menos evidente que os meios de comunicação digitais multimídia interativos, os computadores, poderiam simplesmente ocupar (e com infinitas vantagens "cibernéticas") desterritorializadamente o lugar do Ágora antiga. (...). Quer dizer, poderíamos ter, a qualquer momento em que houvesse necessidade uma verdadeira assembléia geral virtual, desterritorializada, na qual a participação de todos os cidadãos, por estes meios, estaria assegurada. Os cidadãos poderiam, trocar intensamente suas opiniões através destes meios de comunicação, os computadores, ligados em rede; poderiam se articular, negociar posições, refletir. A antiga praça pública grega se transformaria, se desterritorilizaria e penetraria na casa de cada pessoa. (CANDIDO, 1999:s.p.)” Lévy (1999), comentando o potencial democrático da Internet, fala em “e-democracia”, que trataria da organização, do debate e resolução das questões macro-sociais a partir e pelos próprios cidadãos. Outros autores, como Clift (2002) e Grönlund (2001) também citam a “e-democracia” como uma democracia promovida e patrocinada pelo espaço digital com um novo elemento de integração e participação política, mas advertem para que os conceitos e esforços não se foquem excessivamente no “e”, na www.bocc.ubi.pt 77 A política nos espaços digitais construção e promoção do espaço digital, e relevem ou coloquem em segundo plano a democracia. Para Clift a “e-democracia” trata de um processo participativo cujo desafio reside justamente na participação, ou seja, na construção de uma relação mais direta e recíproca entre instâncias de poder da sociedade e os cidadãos através da conexão, integração, interação e participação em debates e deliberações sobre as questões em pauta através do espaço digital. Em sua argumentação Clift (2002:s.p.) cita que a e-democracia envolve ou envolveria os cidadãos como indivíduos, que poderiam se conectar e se associar criando novas instâncias e processos de participação política, ressaltando a importância da convergência entre Internet e as instituições da sociedade física, “real”, como elementos mobilizadores desta participação. Logo, se falamos em “e-democracia” nos referimos a um processo de troca, mediação e interação onde, a partir do contato através dos espaços digitais os diversos processos, elementos e fenômenos da democracia ganham novas características, velocidade e roupagem. Logo, os processos da diversas mídias e os processos midiatizados dos diversos campos tornam-se elementos de influência nesta “e-democracia”. Como já afirmamos as agendas, intenções e processo destes campos são elementos presentes e constantes na exposição e mobilização das questões sociais, pautando os debates e a resolução das demandas. Claro, estes campos não existem isolados, mas se fazem presentes num tecido social onde as tensões e pressões dos vários campos são elementos relevantes neste agendamento. Assim vemos a “e-democracia” inserida enquanto um elemento e processo das democracias modernas, de um processo maior, geral, que trata, conduz e mesmo regula os processos das sociedades modernas. Por isso, citar um processo como elemento vindo ou advindo de uma camada da população em nossa visão é ignorar a complexidade dos fatores de formação e tensão que se fazem presentes a conformam as democracias modernas, além de supervalorizar a capacidade mobilizadora desta população frente as questões e debates sociais. Cabe referir também, como nos diz Maia (2002), que a tecnologia não determina a interação nem garante a crítica ou a reflexão, ou seja, a simples promoção de espaços tecnológicos de interação não garante a necessária www.bocc.ubi.pt 78 César Steffen negociação entre os atores ou a reflexão por parte dos receptores. A autora (MAIA, 2002:56) cita uma série de estudos empíricos que demonstram que as pessoas conectadas através do espaço digital expressam as próprias opiniões, buscam e disponibilizam informação sem que se vincule a um debate propriamente dito. Assim temos que a participação nos espaços digitais de interação se dá e se faz mais na ordem da inserção e disponibilização de visões e opiniões do que na configuração de uma troca e deliberação, características e constituintes de um debate democrático. Tomando esta posição como eixo argumentativo podemos considerar que, se não há debate ou negociação, mas sim difusão e busca de visibilidade, onde cada um insere seus processos e visões sobre um tema em pauta sem trocar com os demais, há na verdade uma busca de influência sobre o processo que parte de uma individualidade que se projeta sobre um todo podendo gerar maiores ou menos efeitos. Assim, deve-se levar em conta que, como já foi dito, o espaço digital se insere na sociedade e reflete os seus processos culturais. Neste aspecto referimos o exemplo da cidade de Bolonha, citado por Rousiley Maia (2002:53), onde foi implantado um sistema que garantia a universalidade de acesso a Internet e a espaços de interação e troca, mas estes se mostraram mais utilizados para assuntos gerais, como esportes, televisão, novelas, etc., do que para questões políticas. Analisando o mesmo caso Guidi (2002), adotando uma perspectiva aparentemente mais quantitativa, considera a experiência de Bolonha como positiva pela constituição de um espaço e de ofertas de tecnologia – salas com computadores conectados, liberdade de uso e acesso, treinamento, etc. - que facilitaram o acesso às mais variadas camadas da população o que, somado ao retorno obtido através do cadastramento e procura tornaria a experiência de Bolonha positiva. Guidi adverte para os perigos de iniciativas como estas gerarem novas estratificações sociais, mostrando uma visão bastante diferenciada da de Maia que, focada nos usos e apropriações do espaço por parte dos usuários, avalia a experiência de Bolonha como exemplo e emblema de um fazer político desgastado e cada vez mais afastado dos cidadãos. www.bocc.ubi.pt 79 A política nos espaços digitais Interessante observar neste caso a forte vinculação que o uso e a manipulação dos espaços digitais possui, como já afirmamos, com as individualidades, subjetividades, anseios e expectativas daqueles que dele se utilizam, sendo estas os condutores, balizadores e formatadores do processo de conexão e interação. Assim, a “e-democracia” trata do estabelecimento de novas formas de relação entre cidadãos, instâncias políticas e mesmo o poder público através dos recursos da tecnologia digital e interativa, apresentando-se como um novo elemento de tensão e re-ordenamento das democracias contemporâneas. O desafio da e-democracia, segundo Clift, reside em mobilizar os cidadãos para participar, e que não deve excluir ou estratificar seus cidadãos – posição com a qual temos total concordância. Lembrando que a esfera pública contemporânea encontra-se fortemente midiatizada, e que o campo midiático é fator de grande influência e agendamento das questões em pauta vemos que a “e-democracia” se faz num processo de integração e mobilização através dos vários campos e, principalmente, das várias mídias. Estas, somando seu potencial de integração, exposição, debate, visibilização e, principalmente, mobilização, tornam-se elementos de promoção da democracia e integração dos cidadãos aos processos políticos, onde os espaços digitais trazem como novidade a maior possibilidade de interação e aproximação entre cidadãos, atores e campos e um suporte atemporal de conteúdos, discursos e processos. Assim “e-democracia” não é apenas a conexão, difusão e relação política via espaço digital, mas também um processo complexo de interação, mediação e negociação entre campos que formam, conduzem e tensionam os debates democráticos através de processos tecnológicos midiatizados, e onde o potencial de visibilização de uma mídia e o poder de um campo se tornam elementos-chave no aprofundamento das questões. Devemos então pensar a Internet e seus espaços digitais em termos de uma nova instância de interação, cruzamento e acoplamento entre campos e de promoção das questões políticas das democracias modernas. www.bocc.ubi.pt 80 César Steffen Como já referimos, a Internet não é uma mídia isolada, mas que existe, ganha sentido a partir dos usos sociais que dela é feito. Logo, os processos dos usuários no espaço digital, tensionados e influenciados pelos diversos processos e instâncias sociais, irão se projetar e se fazer presentes neste espaço, refletindo a cultura e os fazeres destes usuários e campos. Podemos inferir que os espaços digitais só ganham ou traduzem processos políticos pelos usos que o campo político ou seus apoiadores e correlatos fazem dele. A função política se dará na ordem dos processos do campo político no espaço digital, o que nos permite identificar um ponto de pressão e tensão sobre o campo político, na medida em que as mediações e interações promovidas nos espaços digitais do campo se projetam sobre e para a esfera pública através daqueles que dele se utilizam e nele se projetam. Compreender a política e seu fazeres nos espaços digitais é compreender a complexidade dos processos, fenômenos e interações que esta promove e insere no espaço público, sendo o espaço digital um elemento de visibilidade e manipulação de seus processos, discursos e estratégias frente aos demais campos. Mas este espaço digital e suas tecnologias trazem novos elementos e processos de comunicação e interação que podem possibilitar a criação de novas relações políticas. Sobre isto dissertaremos no próximo capítulo. www.bocc.ubi.pt 81 A Política nos espaços digitais 2. Relações políticas no espaço digital Entendidos então o surgimento, a ascendência e os processos do espaço digital nas democracias contemporâneas consideramos agora os elementos, processos, lógicas operativas e simbólicas que o campo político – e os demais campos - pode mobilizar para se promover, se fazer visível e “interativo” neste meio. O espaço digital estabelece, traz novos protocolos comunicacionais, disponíveis para os diversos e diferenciados usuários e campos que os utilizam em seus processos de comunicação e interação, buscando, assim, circular seus discursos, enunciados e construir seus efeitos. Nestes espaços coloca-se a interatividade como a nova revolução da comunicação surgida com a Internet, a comunicação mediada por computador (CMC) e a midiatização das redes digitais informatizadas. Lucien Sfez (1992) critica esta chamada interatividade considerando que ela insere os receptores em uma ilusão de expressão e participação no meio levando a um processo solitário, autista e autoritário que a dá o nome de tautismo. Para o autor “interatividade” é jargão mercadológico, argumento de venda e sedução e não reflete a realidade ou se realiza através dos processos via Internet. Em nossa visão, se analisarmos de forma mais aprofundada, podemos dizer que todas as comunicações midiáticas, de diferentes maneiras e com diferentes suportes, promovem a interatividade. A interação midiática se dá na ordem da circulação de discursos e processos onde, através do uso dos meios nas várias escalas possíveis – ou coletiva e plural nas palavras de Verón e Alsina - instâncias de produção e de recepção, que estão fisicamente separadas, se conectam, trocam, “falam” através dos diferentes meios. Assim, uma mensagem formatada e inserida pela instância de produção em um meio é acessada pelo receptor que a “interpreta, lê, seleciona, recusa, edita” (BRAGA, 2001:117), conforme sua subjetividade, suas expectativas e suas formações. Dessa forma, podemos ver que todos os meios de comunicação, de diferentes formas e através de variados processos, possibilitam a interação e a www.bocc.ubi.pt 82 César Steffen interatividade, posto que através de seu uso ocorre uma negociação de sentidos entre instâncias de produção e recepção, que agem e reagem sobre e para a outra. Assim a interação ocorre através dos meios, dos suportes das mensagens e enunciados, e a interatividade sobre e através dos enunciados, conteúdos e discursos criados e disponibilizados pela instância produtora, pois estes contêm uma intenção e pressupõem uma reação em sua construção. “A comunicação envolve, de certo, o transporte de informações, mas isso não significa que o conteúdo das mesmas permaneça inalterado durante todo o processo, na medida em que a própria identidade do receptor se modifica, ao receber as mensagens.” (RUDIGER, 1998:25) Temos então que a interatividade está condicionada por estas ofertas, construídas a partir das estratégias e necessidades da instância produtora. Isto nos permite afirmar que interatividade midiática se faz, se constrói a partir das reações dos receptores sobre os elementos e discursos inseridos e presentes nos meios, que podem ser verificadas de diferentes formas: pesquisas de audiência, pesquisas qualitativas de recepção, cartas enviadas aos veículos, etc. Notamos que a interatividade se configura como a qualidade da ação recíproca que se manifesta na instância receptora do produto midiático em seu processo de seleção e reação frente aos discursos e conteúdos ofertados, agindo e criando um texto ou discurso próprio, específico, construído e condicionado pela sua subjetividade. Nos espaços digitais a relação de interação constrói-se na interface software-indivíduo, ou seja, na utilização e manipulação dos recursos dos softwares e sistemas informáticos inerentes ao meio. Ambos são partes integrantes e indispensáveis ao processo comunicacional. Logo na Internet a interação e a interatividade manifestam-se no uso, necessário, das interfaces de software no processo de recepção. Conforme Murray: “o que é chamado de interatividade é na verdade a combinação de duas funções dos softwares – a função ‘processual’ que diz respeito ao seu funcionamento por regras codificadas; e a função participatória que diz www.bocc.ubi.pt 83 A Política nos espaços digitais respeito à requisição da atividade para que as regras funcionem”. (MURRAY apud SÁ, 2002:s.p.) Torna-se então impossível falar de interação via Internet sem falar em interatividade, da mesma forma que não podemos falar em interatividade sem interação. Por tal razão, acreditamos que, em se tratando de Internet, as expressões interação e interatividade contemplam duas noções indissociáveis. Logo, ao referirmos à interação ou a interatividade, estamos referindonos a dois processos interdependentes e indissociáveis que ocorrem num mesmo canal e sobre uma mesma base tecnológica. Nota-se que a interatividade está longe de uma simples relação homem-máquina ou reação frente ao um conteúdo colocado numa tela, mas se apresenta como uma complexa relação entre usuários e atores através das máquinas informáticas, onde os valores e culturas de ambos se cruzam e acoplam, gerando os processos de sentidos no meio. Lembrando de Bourdieu (2000), a autoridade, o poder de um discurso está intimamente ligado e surge da legitimidade de quem o emite, de sua competência prática e simbólica, somado às situações em que é proferido, ou seja, do contexto em que circula e é reconhecido. Isto também irá se manifestar na relação entre produtores e receptores nos espaços digitais. Nestes há, sim, uma maior aproximação entre estas instâncias, um acoplamento entre ambos, pois os receptores têm suas possibilidades de construção de texto e de interferência sobre os conteúdos e discursos ampliado, além de selecionar o espaço de interação frente aos variados – ou quase infinitos – espaços disponíveis. É claro que os caminhos, percursos, recursos e conteúdos a ser selecionados estão previstos, foram criados e disponibilizados pelo produtor frente as suas necessidades e estratégias, cabendo ao receptor selecionar o que deseja criando um “texto midiático que apesar de previsível não foi necessariamente previsto” (FRAGOSO, 2001:93). Mas esta seleção não trata de um processo de mera aceitação ou recusa a determinados conteúdos, num mero binarismo positivo-negativo, aceitorecusado, mas de um complexo processo de leitura, análise e contato permeado, atravessado por uma ampla gama de expectativas, anseios, desejos e necessidades. www.bocc.ubi.pt 84 César Steffen Lembramos então dos conceitos de auto e heterorreferencia de Luhmann (2000:14-22), pois vemos que as regras do meio, ou seja, as técnicas e linguagens do meio formam suas leis, suas estratégias e regras operativas. Aqueles que do meio se utilizam valem-se de valores e elementos externos para, usando e manipulando estas regras, formar os sentidos no meio. Assim a seleção realizada pelo usuário é atravessada por mediações de todas as ordens e manifesta, conforma e forma um cenário numa amplitude de cruzamentos, tensões, agendamentos e estratégias. O processo de interação via Internet aproxima-se, pois, da noção de acoplamento (LUHMANN, 2001:93) entre produtores e receptores, na medida em que as individualidades, subjetividades e necessidades de produtores e receptores se mantêm, mas se influenciam, reciprocamente. O produtor formata o espaço, seus conteúdos e elementos, conforme suas estratégias e necessidades. Este é “invadido” pelas demandas e expectativas dos receptores que “clicam” e selecionam aquilo que desejam. Configura-se assim um processo de troca midiatizada, onde ambos não estão diretamente presentes, mas podem se conhecer e reconhecer de várias formas, formando o que podemos chamar de contrato de leitura do espaço digital. É importante mencionar que, ao acessar o espaço digital, o usuário é permanentemente interpelado, solicitado a agir sobre a oferta construída, sobre os elementos e recursos disponíveis - sejam eles textuais, visuais, sonoros, etc. através dos recursos técnicos e softwares para seguir e dar sentido a seu processo de interação. Ou seja, podemos dizer que o usuário espera, deseja ou mesmo necessita ser interpelado, agir sobre uma interface sendo estimulado por diferentes e diferenciados elementos para construir seu processo de interação. Assim se configura, se manifesta e processa o “contrato de leitura” entre as instâncias de produção e recepção no espaço digital. Na medida em que há uma expectativa do receptor, formada por sua cultura e seus objetivos, e uma intenção ou processo do produtor ao construir este espaço, que manifesta suas agendas e estratégias formatando os conteúdos e a topografia, forma-se um contrato entre ambos através do espaço digital. www.bocc.ubi.pt 85 A Política nos espaços digitais O receptor torna-se então parte mais ativa e influente no processo de interação, na medida em que seleciona o elemento e o espaço onde irá interagir, em que constrói o fluxo de informações e o discurso através da seleção das ofertas de conteúdo neste espaço e que organiza os sentidos num feixe de relações. Há, sim, uma construção, uma estratégia de exposição e formatação de conteúdos por parte do produtor que será selecionada pelo receptor formando os sentidos, mas estes estão e se formam fora do espaço digital, pois as estratégias e seleções são elementos inerentes as culturas, expectativas, estratégias e anseios de cada ator e campo. Temos assim uma comunicação de característica massiva, pois os espaços de interação e seus conteúdos estão disponíveis ao vasto público usuário nos quatro cantos do mundo, com recorte interativo, pois cabe à instância de recepção à seleção do espaço aonde irá se fazer presente e a construção do discurso neste espaço. Como coloca Marcos Palácios, “a explosão telemática está, pela primeira vez, fazendo a junção entre comunicação massiva e interatividade”. (PALÁCIOS, 1999:s.p.) Entretanto, há de se considerar que a lógica do receptor, do usuário conectado ao espaço digital, ganha maior relevância no processo de interação. Ao contrário de meios como a televisão e o rádio, na Internet a circulação de conteúdos e a visibilidade de processos e fazeres dos diversos campos será determinado pela relação entre produtores e receptores, cabendo a estes últimos selecionar não somente os conteúdos, mas também o espaço de interação com que manterá contato. Recordamos que não existem campos isolados, mas sim relações de interação e negociação que fundam e permitem o reconhecimento de um campo através de suas especificidades discursivas. Podemos então inferir que a identidade e as estratégias do campo que constrói e disponibiliza o espaço serão elemento de ressignificação de discursos, sendo influenciados pelas interações e negociações que este trava com os demais campos e pela tecnologia e linguagem do meio. Da mesma forma, lembramos que uma tecnologia somente se converte e ganha status social através dos usos que os atores e campos fazem, mobilizandoa segundo suas lógicas e estratégias. www.bocc.ubi.pt 86 César Steffen Podemos então inferir que a identidade, os valores e fazeres do campo serão elementos centrais na construção do espaço, mas este refletirá os processos de troca, interação e competição que ocorrem na esfera pública, sendo estes importantes elementos na formação e caracterização do espaço digital de um campo. Por outro lado, na medida em que serão os processos e estratégias de um campo que permitirão o seu reconhecimento devemos considerar que os demais campos têm seus próprios processos, expectativas e anseios frente a este, expectativas estas cuja variedade deve ser atendida ou reforçada de forma a estimular e gerar os efeitos pretendidos por este campo produtor. Os discursos, formatos, conteúdos e recursos do espaço digital serão, pois, determinados pela combinatória das estratégias e desejos do campo construtor e promotor, buscando antecipar ou atender as necessidade e desejos dos demais campos. Entretanto, a lógica do construtor, no caso deste trabalho o campo político, estabelece o filtro, as estratégias e as táticas e mesmo condiciona os processos que serão presentes e visíveis no espaço, na medida em que o campo político e seus espaços digitais se inserem nos processos que se dão no tecido social. Da mesma forma, há de se considerar que o campo midiático, especialmente num momento de alta visibilidade política como uma eleição, torna-se elemento de constante pressão e agendamento do campo político. Além disso, nos demais meios, como já colocamos, ocorre uma contaminação, uma adequação ou mesmo redução dos discursos para adequá-lo a massa de receptores. Nos espaços digitais isso ocorre através do suporte tecnológico, que condiciona sua construção e a configuração dos discursos e conteúdos oferecidos, possibilitando também a oferta, num mesmo espaço, de conteúdos nos mais variados formatos que se somam como elementos para a seleção pelo receptor. No espaço digital ocorre, então, uma antecipação dos movimentos do receptor que se configura, se manifesta e se materializa em amplas ofertas com os mais diferentes conteúdos e discursos nos mais variados formatos, que ficam disponíveis para interação pelo receptor no espaço-tempo que este desejar. www.bocc.ubi.pt 87 A Política nos espaços digitais O usuário “interpreta, lê, seleciona, recusa, edita” (BRAGA, 2001:117), mas a tecnologia do meio e as várias linguagens que suporta permitem ao produtor efetuar operações estratégicas de apropriação destes possíveis movimentos e necessidades do receptor, antecipando aquilo que este pode agregar ao processo de interação à construção das ofertas do espaço digital. A este processo de configuração do espaço digital pelo cruzamento das lógicas do campo político, na tentativa de antecipar as lógicas do(s) receptor(es), denominamos ampliação do discurso político, ou seja, o processo de construção de amplas e variadas ofertas com diferentes linguagens, formatos e elementos com o objetivo de atender e antecipar o máximo de expectativas dos demais campos. Por outro lado, devemos considerar que o suporte técnico do espaço digital permite a exposição e manipulação de enunciados e discursos nos mais variados formatos - áudio, vídeo, imagem, etc. – provenientes de diferentes origens, sendo algumas delas outras instâncias de midiatização da política e o próprio campo midiático. Como refere Rubim (2000), a política busca os efeitos de mídia, que nos demais meios eletrônicos possuem uma marca temporal condicionada por uma ampla combinatória de lógica e tensões. Nos espaços digitais está marca temporal desaparece, na medida em que o espaço-tempo de interação é determinado pelo usuário. Logo um enunciado ou conteúdo oriundo do campo midiático transposto pelo espaço digital pode gerar amplos efeitos, conforme as expectativas do(s) receptor(es). A esta possibilidade de geração de efeitos dentro da marca temporal determinada pelos usuários, denominamos expansão dos “efeitos de mídia”1. Colocamos possibilidade, realçando o condicional do processo, porque o acesso ao conteúdo será determinado pelo receptor cujas expectativas o produtor busca antecipar, e porque o efeito de mídia só se cumpre quando um enunciado ou discurso é visto pelo eleitor. Logo há uma possibilidade de ampliação de um possível efeito de mídia no espaço digital, que se cumpre ou faz presente pela manifestação e interação do usuário-receptor. 1 Como exemplo deste conceito podemos citar o mote da campanha publicitária do portal “Globo.com”, que propõe a possíveis usuários a possibilidade de assistir programas da emissora Globo, como o Jornal Nacional, no horário que desejarem, através do portal. www.bocc.ubi.pt 88 César Steffen Retomando, então, a questão das lógicas de uso dos meios, podemos inferir que a lógica de formatação do espaço digital de interação se dá na ordem do campo que o constrói e promove, dando maior ou menor relevância aos diversos elementos oriundos dos demais campos. Ou seja, o espaço digital ganha status, forma e sentido pela mobilização e lógica de um campo em sua relação com as demais instâncias da sociedade, assumindo o papel de condutor, de filtro do espaço digital. Ou seja, no caso desta pesquisa quem formata o espaço digital é o campo político, buscando antecipar e suprir as necessidades dos possíveis receptores. Frente a estas questões nos propomos, seguindo a trilha de Verón e retomando nosso esquema de análise, citado em capítulo anterior, a entender o processo de midiatização do campo político no espaço digital de forma gráfica e esquemática. Neste (ilustração 2.1) o espaço digital mostra-se como o elemento midiático, configurando o esquema da seguinte maneira: Ilustração 2.1 Entretanto, há de se considerar que nesta entrada ocorre uma reformatação técnica e operativa, influenciada pela tecnologia e linguagens do meio, que se coloca sobre os processos e discursos do campo. Assim, podemos dizer que o espaço digital invade o campo político com suas operações tecno-simbólicas, que balizam a formatação dos conteúdos, e é invadido por este por seus processos discursivos. O esquema, então, evolui da seguinte forma (ilustração 2.2): www.bocc.ubi.pt 89 A Política nos espaços digitais Ilustração 2.2 Logo, as lógicas e processos do campo político, sua cultura e seus agendamentos e suas tensão com os demais campos mostram-se como elementos de formatação e construção do espaço digital. Da mesma forma devemos recordar o acoplamento do receptor, que se faz presente sobre as lógicas do campo construtor e promotor. Assim, há um atravessamento das demandas do campo político e dos demais campos (receptores) dentro do espaço digital, que nele adentram com seus processos e fazeres e estabelecem seus contatos (ilustração 2.3), gerando interseções entres estes e o espaço digital. ilustração 2.3 Assim, no espaço digital a midiatização se dá num processo permanente de tensionamento, agendamento e atravessamento de um campo sobre outro(s) através das tecnologias e linguagens do meio. Trata-se de uma midiatização por acoplamento que leva ao máximo efeito o conceito de mediação midiatizada. Temos então o espaço digital como uma nova instância de visibilidade e interação do campo político com os demais campos, que se dá e se faz numa combinação e cruzamento das lógicas do campo político com as lógicas, anseios e www.bocc.ubi.pt 90 César Steffen expectativas dos receptores e pelos processos que ocorrem e se formam no tecido social, sendo esta balizada pelas técnicas inerentes ao meio. A distinção entre estas diversas lógicas e processos, assim como o reconhecimento de um campo no espaço digital, se dá por suas identidades, estratégias e processos, que se apresentam como elementos condutores e construtores do processo de interação. Logo, se pensarmos na promoção e visibilidade de um candidato em uma campanha eleitoral teremos um espaço digital formatado por suas estratégias, feitos e discursos, mas estes contemplarão uma ampla gama de ofertas de conteúdos de forma a antecipar os anseios dos possíveis receptores. Poder-se-ia aqui entender estas distinções próximas ao conceito de binarismo de Luhmann (2000), que afirma que o meio opera selecionado o que e informável e o que não é informável. Nesta perspectiva podemos colocar que o campo que constrói o espaço digital seleciona o que é informável a partir de suas estratégias e valores, sendo que o receptor, ao selecionar, valoriza ou desvaloriza aquilo que o campo considerou informável, gerando um cruzamento direto das estratégias de ambos. Não consideramos o processo de comunicação midiática e midiatizada um mero binarismo, na medida em que esta seleção de que fala Luhmann sofre toda uma complexidade de interferências e processos de outros agentes, campos e atores. Entretanto, cabe esclarecer que cada ator possui o seu sistema de valores, a sua subjetividade, que irá se mostrar nesta lógica de seleção. Logo, a visibilidade de um campo no espaço digital se faz pelas lógicas e estratégias deste frente, ou em confronto, com os demais campos e atores. Há de ser ressaltada, no esquema anterior, a presença da seta externa ao espaço digital, que aponta as influências, tensões, processos e agendamentos de outros campos e atores que influenciam nas ações e nas estratégias do campo político no espaço digital e mesmo as ações dos receptores neste. Lembramos que não se trata de um contato direto entre campos, mas de um complexo processo de negociações, agendamentos, influências e tensões que vão além do espaço digital e deste se projetam e se manifestam na esfera pública. www.bocc.ubi.pt 91 A Política nos espaços digitais Nota-se então que a construção e os processos que ocorrem no espaço digital possuem uma alta complexidade que resiste a qualquer esquematismo, mesmo o mais básico ou simplificado ou meramente ilustrativo como os que nos propusemos anteriormente. Cremos que os processos de relação, mediação, negociação e visibilidade se dão e se fazem num permanente cruzamento e re-ordenamento entre campos cujas relações vão além das redes ou técnicas midiatizadas. Assim a visibilidade do campo político no espaço digital se faz pela combinação das estratégias de sentido, intenções e lógicas do campo e seus atores, que adentram ao espaço digital, com a lógica das expectativas, anseios e processos do(s) receptor(es) que se faz(em) presente(s) nestes espaços. Nisto reside o conceito do que chamamos de adentramento, pois não há uma simples entrada ou manipulação do meio, mas sim uma penetração do campo no espaço digital dentro de um somatório de várias tensões e agendamentos. Entre estas podemos citar as questões técnicas inerentes ao meio e as identidades dos atores, que fazem com que um campo esteja presente e seja reconhecido no meio. As pré-configurações, as estratégias, valores e identidades do campo se transformam e os processos deste com os demais campos são manipuladas dentro da lógica da técnica do meio, moldando o espaço digital conforme o campo que adentra ao mesmo. Podemos, com estas questões, colocar o espaço digital da política como um reflexo, uma manifestação dos processos políticos, moldado e formatado pela cultura e processos políticos contemporâneos. Se, historicamente, a democracia moderna se faz como um sistema representativo através da delegação de poder, há de se imaginar que este modelo de representação irá se projetar nos espaço digital. Retomando, então, brevemente a questão da “e-democracia” antes discutida, vemos que não se trata de uma nova forma de organização social via Internet, mas sim de processos políticos e de interação que se fazem dentro e a partir de uma cultura, que se projeta no espaço digital por este ser um elemento de contato, de aumento de velocidade, quebra de fronteiras e marcas temporais e www.bocc.ubi.pt 92 César Steffen ampliação de relações físicas, acelerando e ampliando relações e radicalizando as possibilidades de contato entre os diversos integrantes da sociedade. Neste aspecto vemos que o espaço digital promove a formação das mais variadas relações e processos. As comunidades virtuais nasceram com a própria Internet, e já no início da década de 90 Howard Rheingold (1999) identificou e analisou este fenômeno de interconexão entre pessoas e grupos com interesses semelhantes, numa prática de comunicação que Lévy (1999B) define como interativa, recíproca, comunitária e intercomunitária. Para Rheingold2 as comunidades virtuais são agregações de indivíduos que surgem na Internet quando estes se dedicam a discutir, debater e trocar experiências por um tempo relativamente longo, formando e estabelecendo relações diretas e recíprocas. O termo comunidade virtual pode sugerir agregações que surgem ou se formam somente no espaço digital, mas aplica-se também a relações físicas ou locais que têm neste um novo elemento de contato e aproximação, expandindo assim o próprio conceito de comunidade. Os contatos através do espaço digital irão, ou poderão, se refletir na identidade do integrante, explorando e dando nova forma e sentido aos processos e práticas sociais do mesmo, explorando e ofertando novas estratégias de associação e formação de opinião. Segundo Stockinger (2001:113): “ambientes virtuais de informação, quando conectados com sistemas sociais, influem nestes no sentido de reforçar e aumentar instabilidades em comportamento e pensamentos, que estão permanentemente sujeitos a serem selecionados de maneira auto-organizada.” Estas relações no espaço digital vão das mais simples às mais complexas. De um usuário doméstico conectado numa sala de chat, que aproveita o anonimato da tela para criar um personagem e brincar com os outros usuários a um alto executivo de uma multinacional, que gerencia uma reunião por telepresença com executivos nos mais variados lugares do mundo, passando por um grupo de discussão e troca de informações sobre botânica, o espaço digital apresenta-se como uma nova possibilidade de troca e interação entre os vários atores de uma sociedade. 2 Ressaltamos que os estudos de Rheingold ocorrem na primeira metade da década de 90, num período em que os players de mídia começavam a entrar na rede. www.bocc.ubi.pt 93 A Política nos espaços digitais A formação de uma comunidade virtual irá se basear, construir-se a partir das identidades, processos e subjetividades daqueles que nela se conectam e dela participam ou para ela contribuem. Ou seja, são os interesses convergentes e as concordâncias de identidades que irão facilitar e promover a criação e manutenção de uma comunidade virtual. Logo, uma comunidade virtual de cunho político será integrada, criada e mantida pelos interesses de seus participantes nas questões oriundas do campo político, onde a mobilização e estímulo a formação destas comunidades por parte do campo pode trazer benefícios e novos processos a política, integrando os atores do campo político aos de diversos outro campos. Entretanto, é importante lembrar que várias pesquisas (ver MAIA, 2002) indicam que as pessoas que se fazem presentes e utilizam o espaço digital como forma de intervenção e atuação política apenas expressam as próprias opiniões ou buscam elementos, espaços e enunciados que reforcem e validem estas. Isto não só reforça a forte vinculação do espaço digital com a identidade dos usuários e com os processos sociais em que se insere, mas também permite supor que a formação de comunidades virtuais de cunho político se dará ao redor ou através de elementos de tensão e formação de identidade política que se projetarão sobre o espaço digital. Fazendo um breve contraponto, é interessante mencionar estudo realizado pelo antropólogo Julian Orr, (AGRE, 1989), em que observou que os empregados de uma empresa de manutenção de copiadoras desenvolviam suas capacidades técnicas menos nos treinamentos e muito mais nos horários após expediente quando, reunidos com os colegas, bebiam e trocavam “histórias de guerra”. Neste ambiente foi introduzida, para uso dos técnicos, uma central de telefonia móvel totalmente livre e sem controle, de forma que os técnicos pudessem falar entre si a qualquer momento. Por outro lado, Agre (idem) cita o caso de uma empresa de contabilidade global em que foi feito um enorme investimento em tecnologia informática, colocando computadores, servidores, softwares e tudo o necessário para que os funcionários pudessem trocar informações instantaneamente. www.bocc.ubi.pt 94 César Steffen Entretanto tal sistema não era utilizado devido a forte concorrência entre estes, onde qualquer pequena informação era utilizada para superar a pessoa ao lado e subir de posto. A conclusão de Agre é que a tecnologia não é substituta de uma boa relação física, no mundo real, mas sim um meio complementar de troca entre as pessoas de uma rede ou grupo já bem organizado e estruturado, onde notamos o que Perriault (2000) chama de lógicas dos usos, ou seja, as apropriações e manipulações que se fazem dentro das estratégias específicas, embasadas e construídas por fenômenos e processos culturais. Logo, uma comunidade virtual de cunho político terá tanta ou maior possibilidade de gerar alteração e novas configurações a processos do campo quanto mais próxima e integrada estiver do mesmo, seus atores e instituições. Claro, não se pode afirmar quais as possíveis influências da formação de comunidades desta natureza nos processos do campo político mas, de acordo com Howard Rheingold, as comunidades virtuais têm o potencial de refletir e se refletir nas identidades de seus membros, logo pode-se supor que trazem ou trariam novos elementos de tensão e novas instâncias de influência sobre e para o campo político. Podemos afirmar que uma comunidade virtual promovida, estimulada por um ator ou instituição do campo político terá mais chances de mobilizar os usuários para nela participarem e também maiores possibilidades de gerar efeitos e re-configurações aos processos do campo político. “The question that needs to be asked about the relation of the Internet to democracy is this: are there new kinds of relations occuring within it which suggest new forms of power configurations between communicating individuals? In other words, is there a new politics on the Internet?3” (POSTER, 2003: s.p.) Acreditamos que o espaço digital do campo político, em um período eleitoral, irá refletir o processo como um todo, ou seja, as intenções, propostas e 3 A questão que precisa ser respondida sobre a relação da Internet com a democracia é: há novas formas de relação ocorrendo que sugiram novas formas de configuração de poder entre os indivíduos que se comunicam? Em outras palavras, há novas formas de política na Internet? www.bocc.ubi.pt 95 A Política nos espaços digitais as estratégias do(s) candidato(s), as visibilidades dos mesmos nas diversas instâncias de campanha, as diversas influências e tensões e os processos e fenômenos que se fazem presentes nesta4. Não se trata de um processo puramente tecnológico ou – se assim podemos dizer - “internético”, uma entrada pura no meio, mas sim um somatório de estratégias, tensões e agendamentos, uma heterorreferencia política (LUHMANN, 2001:17) que se dá pelo adentramento e acoplamento dos diversos campos e atores que se fazem presentes, visíveis e influenciáveis frente ao processo eleitoral mediante suas enunciações. Além disso, podemos inferir que é preciso fazer com que os espaços sejam conhecidos e reconhecidos pelos receptores, trazendo ou adicionando algum valor para os mesmos de forma a estimular as interações e gerar os efeitos pretendidos. Sobre esta e outras questões trataremos no próximo capítulo. 3. O espaço digital e os processos eleitorais Neste momento de nosso trabalho cabe levantar as possibilidades de uso, benefícios e efeitos dos espaços digitais num processo eleitoral. Para o campo político, seus atores e integrantes, o maior capital é a fidelidade, a atenção, o apoio dos demais campos e, num processo eleitoral, o voto do eleitor. Para obter isto a política mobiliza uma série de estratégias inerentemente políticas e também – se não principalmente - comunicacionais e midiáticas, que buscam e tornam visíveis seus processos junto aos demais campos. “Except for the perhaps the last days before an election, the web is not like a television ad geared at undecided voters. You do need to help active undecided voters decide by providing extensive issue position information.5” (CLIFT, 2002:s.p.)” 4 Em nossa análise do websites dos presidenciáveis demonstraremos este processo de forma empírica. A exceção do último dia antes da eleição a Internet não funciona com um anúncio de televisão para estimular eleitores indecisos. Você precisa ajudar os indecisos que estão ativos (atrás de informação) fornecendo extensivas informações sobre suas posições. 5 www.bocc.ubi.pt 96 César Steffen Como já dissemos, na contemporaneidade a Internet soma-se como integrante e promotora da esfera pública, apresentando-se como uma nova instância de comunicação e visibilidade dos processos dos diversos campos sociais. Os partidos políticos adentram este espaço adequando suas lógicas, estratégias e processos discursivos através de uma série de operações internas e externas ao campo, das linguagens, dos recursos comunicacionais e dos elementos do espaço digital para seus processos de contato e conquista dos eleitores. Leda Guidi (2002:166) critica o uso político da Internet por notar que a maioria das experiências com que teve contato baseava-se num modelo de difusão, ou seja, o campo político adentra o espaço digital inserindo e disponibilizando informação para muitos usuários acessarem e interagirem – ler, ver ou ouvir. Este é um dos modelos de estratégia de adentramento ao espaço digital que pode ser mobilizados pelo campo político, um modelo baseado na utilização e mobilização dos recursos e processos da Internet para expor, circular e dar visibilidade a conteúdos, discursos, fatos e informações oriundas, selecionadas e editadas conforme as intenções do partido e candidato frente aos processos que ocorrem e se formam no tecido social. Adotando este modelo, o campo político pode driblar as estratégias e limitações de tempo e espaço em suas instâncias de midiatização e mesmo oriundas do campo midiático. Além disso – como veremos em capítulo seguinte as regulações jurídicas se fazem menos presentes no meio, aproveitando o suporte atemporal e as várias linguagens suportadas pela Internet para expor seus projetos, gerar seus efeitos e, assim, ampliar sua capacidade discursiva. Um outro modelo de estratégia de adentramento é o de integração, em que o espaço é construído buscando aproximar o usuário dos processos do partido ou candidato através da disponibilização e mobilização de uma série de recursos tecnológicos, ferramentas e táticas gerando, novas instâncias de relacionamento para o campo político. Neste modelo o campo político não apenas insere conteúdos e discursos, mas lança mão de diversos recursos comunicacionais e de interação – como fóruns, salas de chat, etc. - no sentido de aproximar, de trazer o usuário- www.bocc.ubi.pt 97 A Política nos espaços digitais cidadão-eleitor para “mais perto” dos processos políticos, estimulando e mobilizando o mesmo em ações e táticas de campanha dentro, é claro, das intenções do candidato. Um terceiro modelo de estratégia de adentramento que devemos considerar é o de formação de comunidade, em que o espaço digital é formatado buscando promover e incentivar as relações entre o campo político e os usuários e também – se não principalmente - destes entre si. Através de um processo de troca, debate, deliberação ou mobilização faz-se uma aproximação entre os diversos usuários, sendo desta forma possível não somente mobilizar e estimular os mesmos a se integrar aos processos de campanha, como também identificar demandas que podem ser agregadas. Cabe observar que estes modelos estratégicos não são estanques ou excludentes mas, pelo contrário, podem ser acionados e utilizados em sinergia dentro de um mesmo espaço, construindo e operando a relação do políticocandidato com os diversos e diferenciados campos, atores e instituições envolvidos no processo eleitoral. Neste ponto é interessante citar a visão de Roberto Grandi (2001:91) que, analisando as eleições Italianas e focando-se nas táticas de uso políticoeleitoral, coloca cinco possíveis usos e funções para o espaço digital como instrumento de campanha eleitoral: • criar uma relação direta com os eleitores, “escapando” da mediação do campo midiático; • ativar novos mecanismos de recrutamento e de mobilização de militantes e inaugurar uma comunicação interna mais eficiente; • criar novos mecanismos de captação de fundos; • criar uma fonte direta de informação para a imprensa; • contribuir para a construção da própria imagem com uma conotação de inovação. www.bocc.ubi.pt 98 César Steffen Esta série de modelos estratégicos, táticas, fenômenos e processos, cuja prevalência ou relevância é de difícil determinação, somam-se como elementos na formação do espaço digital de cunho político-eleitoral. E, se podemos falar de um espaço síntese das tecnologias de interação da Internet, este é o website. Nestes espaços, através de uma mesma tecnologia – o protocolo http6 – podem ser inseridos e ofertados vários elementos de interação – chat, e-mail, hipertexto, etc. – e diferentes tipos de conteúdos em diferentes formatos e linguagens – texto, áudio, vídeo, animação, ilustrações, etc. – que se somam para fazer visíveis as estratégias, processos e fazeres do campo político. A variedade de recursos e a facilidade de acesso às várias fontes no meio requerem um pensamento estratégico para manter o usuário – receptor - no espaço que foge ao escopo dos processos de marketing e comunicação “normais”, exigindo equipes e especialistas na área para desenvolver e manter os espaços e cumprir os objetivos propostos. “Quando estamos desenvolvendo o conteúdo de um website, queremos alcançar pelo menos três grandes objetivos: (a) atrair e segurar dentro dele visitantes, (b) convence-los de que nossa empresa possui os conhecimentos adequados e a competência para fornecer o que buscam comprar e (c) contar-lhes algo sobre o negócio.” (VENETIANER, 1999:167) Segundo o mesmo autor, existem quatro grandes motivos que levam o usuário a acessar um website e interagir com seus conteúdos e informações, sendo estes curiosidade, busca por lazer, por informações e procura de conveniência (VENETIANER, 1999:30). No tocante a política e a um processo eleitoral, estes quatro grandes motivos mostram-se válidos, e pesquisas junto aos usuários tem demonstrado que os usuários vêem muitos benefícios no acesso a estes espaços e no tocante a sua relação com os partidos políticos e candidatos7. É importante lembrar que as campanhas eleitorais produzem um grande e constante volume de informações, que nem sempre são merecedoras de 6 Hipertext Transfer protocol – protocolo de transferência de hipertexto, que suporta e fez surgir a www, ambos criado pelo cientista Tim Berners Lee na primeira metade da década de 1990. 7 Ver dados da pesquisa OPINIA no próximo capítulo. www.bocc.ubi.pt 99 A Política nos espaços digitais espaço e tempo para os atores campo midiático, devido principalmente às agendas e a seleção efetuada por estes. Nos websites a velocidade de circulação e atualização torna-se elemento de relevância na circulação e exposição de fatos e informações, sendo possível disponibilizar toda a informação referente às ações do candidato, suas propostas, agendas, etc., de forma permanente, desintermediando a relação entre candidato e eleitor(es). Já para o usuário é possível recuperá-las no espaço-tempo de necessitar ou desejar. Não cabe aqui discutir critérios de qualidade, pertinência ou relevância da notícia, dado ou informação, mas apenas citar que, nos websites estas podem ser editadas conforme a agenda de intenções do candidato e ficar disponíveis para interação, pelo usuário, no horário e pelo tempo que este dispuser ou desejar. Uma outra possível função dos websites é a distribuição de materiais de campanha, desde santinhos, cartazes e demais peças gráficas, passando por releases e mesmo os projetos e propostas do candidato, para os diversos comitês localizados nos mais diversos e variados locais, que podem produzir e distribuir estes materiais no local. Outra que podemos citar é como canal de troca direta entre filiados, comitês e seções dos partidos, que podem trocar informações, experiências e dados numa rede de monitoramento não só dos resultados e efeitos da campanha junto ao eleitorado como também das ações dos adversários, aproveitando a agilidade e velocidade do meio como forma de “somar forças” para gerar resultados. A Internet também pode ser utilizada no desenvolvimento de uma relação direta entre o candidato e o cidadão-eleitor, seja através do uso de e-mail, respondendo diretamente a questões e interesses individuais manifestados ou enviados ao candidato, como através de um canal de chat, debatendo com vários eleitores ao mesmo tempo, como já foi visto, timidamente, em campanhas recentes8. Mesmo o envio de mala-direta eletrônica, o chamado spam, que não goza de muita popularidade entre os usuários do meio, pode ser mais uma forma 8 Em 1994 o então candidato ao governo do Rio Grande do Sul Antonio Britto praticamente iniciou sua campanha promovendo um chat aberto com eleitores através do já extinto provedor HotNet. www.bocc.ubi.pt 100 César Steffen de comunicação com o eleitor-internauta trazendo benefícios, visibilidade e efeitos para o candidato. Por outro lado, o envio consentido ou solicitado de boletins e informações de campanha - chamado pelos profissionais de marketing de permissão - para o eleitor através de e-mail pode não só ser um instrumento de garantia do voto, como também uma forma de transformar o mesmo num propagador de informações, na medida em que pode encaminhar estes boletins para sua rede de relações, ampliando os possíveis efeitos da informação. Já os recursos e sistemas de comércio eletrônico e de segurança em transações eletrônicas podem ser utilizados para a captação de recursos e no financiamento direto da campanha pelos filiados e eleitores, tanto através da venda de produtos como através de doações diretas aos comitês, dando agilidade ao processo e mesmo permitindo maior acompanhamento por parte dos responsáveis pelas finanças e pelos próprios Tribunais Eleitorais. Outro fator importante a ser considerado é que um website ou mesmo a criação de um boletim via e-mail são efetivamente mais baratos9 em sua construção e manipulação do que meios como rádio ou televisão, permitindo ainda a já citada utilização e manipulação de várias linguagens e técnicas sob um mesmo suporte tecnológico. A antecipação dos movimentos dos usuários, que se configuram como a já mencionada ampliação dos discursos, permite ao candidato explorar e aprofundar os assuntos, propostas e demandas, maximizando também os possíveis efeitos destes elementos no usuário-receptor-eleitor. Além disso, o website não pode ser fixo ou imutável, mas sim tratado num processo dinâmico constante em todos seus recursos e processos, que se reflita nos textos, fotos, estrutura e design, etc. Neste ponto é importante lembrar que a construção do discurso, do texto para a Internet exige um tratamento diferenciado das demais mídias, não somente pela questão da tela do computador, que torna a leitura e acesso mais cansativo para o receptor, quanto pela própria lógica do hipertexto, que necessita de uma visão estratégica em sua construção, gerando uma estrutura e uma 9 Observando os relatórios de prestação de contas dos presidenciáveis em 2003 pudemos observar que apenas Lula e Serra Lula informam gastos específicos com Internet. Esta questão será tratada em mais detalhes no próximo capítulo. www.bocc.ubi.pt 101 A Política nos espaços digitais organização que facilite a localização e recuperação das informações de forma rápida. A isto se alia um design que privilegie e possa transmitir de forma clara, objetiva e mesmo direta as intenções, os objetivos e os processos de quem constrói e promove o espaço10. Assim, vemos que o produtor necessita de um conhecimento específico, de uma competência estratégica vinculada ao meio, de forma a construir seus objetivos e perfazer seus efeitos no espaço digital. “O que conta na Internet não é tanto ser diferente dos concorrentes. O principal fator de sucesso da nossa presença depende da capacidade de concebermos e oferecermos ao nosso público-alvo conteúdo de valor. (VENETIANER, 1999:25. Grifo do autor)”. Cabe também referir que o público na Internet no Brasil é bastante qualificado, os chamados “formadores de opinião”, que no espaço digital dos websites podem aprofundar e qualificar suas opiniões e mesmo esclarecer suas dúvidas, aumentando as chances de o mesmo tornar-se um propagador, um “cabo eleitoral” do candidato. Devemos considerar também que o acesso aos espaços de campanha na Internet é opcional, ou seja, quem procura o website tem boas chances de estar realmente interessado e mobilizado - ou no mínimo curioso - pelo processo eleitoral. Logo, há maior possibilidade deste ser conquistado e mobilizado pelo partido e candidato, e de usar os conteúdos presentes como elemento de construção de debates em um outro lugar, interno ou externo à Internet. Quanto mais se aproxima a eleição mais importante é a presença na mídia, estando exposto e em exposição e influindo nos processos dos eleitores. Um website disponível sem determinação de espaço e tempo, ou seja, uma forma permanente de divulgação própria, onde o receptor tem a liberdade de acessar no seu horário, selecionando os elementos que mais deseja, pode tornar-se um instrumento imprescindível para se aproximar dos cidadãos e conquistar os votos destes eleitores. 10 Tom Venetianer, Patricia Seybold, Evan I Schwartz e Sigel observam, de formas diferenciadas e com diferentes argumentos, a importância do design e da construção dos textos como elementos condicionantes ou mesmo determinantes do sucesso ou fracasso de um website e de uma estratégia de comunicação via Internet. www.bocc.ubi.pt 102 César Steffen Entretanto, e ainda que não nos ocupemos de estudos de recepção neste trabalho, não podemos deixar de ponderar que a interação é um processo de leitura, uma interpretação, uma negociação de sentidos que vai gerar novos sentidos e valores, onde a simples existência de um website por si só não garante os efeitos desejados pelo produtor. Os profissionais de marketing colocam a Internet como o espaço ideal para o chamado marketing “one-to-one”, para o atendimento e criação de estratégias personalizadas mas também automatizadas, ou seja, de característica massiva mas gerenciada individualmente, cliente a cliente, contato a contato, eleitor a eleitor. Adentrar o espaço digital e mobilizá-lo como instrumento de campanha eleitoral, exige um processo de verificação de expectativas e necessidades que irá se refletir na construção das ofertas. Além disso, exigirá o estabelecimento de novas instâncias processuais e estratégias de atendimento e formação de relacionamento diferenciados da simples difusão dos demais meios. Por outro lado os websites inauguram, possibilitam para o campo político uma forma mais direta, ativa e permanente de verificar expectativas e resultados dos enunciados, discursos, conteúdos ofertados e mesmo de suas estratégias gerais. As ferramentas tecnológicas dos websites permitem o acompanhamento, de forma quase instantânea, dos movimentos do(s) receptor(es) frente aos conteúdos e discursos ofertados e, conseqüentemente, os resultados de seus esforços e a validade de suas estratégias comunicacionais não somente para o meio como também para as demais mídias. Os sistemas de administração e manutenção dos websites possuem uma série de ferramentas tecnológicas que possibilitam acompanhar o processo de navegação e interação do usuário. Estes dados são – ou podem ser - gravados pelos servidores e podem ser acessados e analisados com vários softwares11, indicando desde a quantidade total de usuários que acessaram o espaço até a duração e tempo médio de permanência, passando pelas áreas e as seções mais acessadas, o ponto de origem do usuário e como localizou o espaço, etc. 11 Um destes softwares é o “WebTrends Log Analyzer”. Para maiores informações sugerimos acessar o website http://www.netiq.com/solutions/analytics/default.asp www.bocc.ubi.pt 103 A Política nos espaços digitais Além disso, é possível que o usuário seja identificado, de forma a verificar quando ele acessou o espaço pela primeira vez, quando voltou, quanto tempo permaneceu e mesmo a que conteúdos deu maior valor. Assim, ao navegar, ou seja, ao procurar um determinando espaço digital, acessá-lo e interagir com os conteúdos, discursos e ofertas inseridas no mesmo os receptores estão produzindo sentido para o campo político a partir de sua leitura. A navegação e interação não somente constrói o texto ou processo midiático do espaço digital conforme as expectativas do receptor, mas ao mesmo tempo indica para os produtores o que lhes é mais atraente, importante e relevante, gerando informações sobre seus anseios e expectativas de forma direta. O processo de navegação transforma-se num instrumento direto de pesquisa sobre a campanha, e também revelando importantes dados e informações sobre os eleitores. “A imagem clássica dos aparelhos de divulgação no topo da pirâmide e dos receptores confinados na base está se rompendo na arquitetura dos espaços multipontais da web.” (MORAES, 2002:68) Nota-se que a política, ao adentrar o espaço digital, tem a necessidade de novas estratégias e competências que irão além da simples manipulação e adequação de linguagens e discursos, e envolve uma capacidade estratégica de construção que se dá durante todo o processo de existência e disponibilização do espaço. Podemos garantir que o assessor em marketing, o “marketeiro”, especialista na construção, formatação e visibilidade dos discursos e processos políticos na mídia ganha a companhia do especialista nas estratégias e técnicas para o espaço digital, ou seja, daquele profissional capaz tanto de manipular as tecnologias quanto de conduzir os processos na Internet. “O marketing de massa não vai funcionar na World Wide Web. A idéia de que os agentes de marketing podem polir uma imagem de marca nas mentes de milhões é boa para uma propaganda de TV ou uma campanha impressa, mas é uma fantasia irreal nesse novo meio. O que a web pode www.bocc.ubi.pt 104 César Steffen fornecer para os agentes de marketing é potencialmente mais eficiente.” (SCHWARTZ, 1998:23) Se nos primórdios da Internet as técnicas e elementos eram de certa forma acessíveis somente aos informatas, aos especialistas em computadores, com o desenvolvimento dos softwares de programação e a evolução da linguagem do meio estas técnicas e recursos avançaram, tornando-se mais intuitivas e de fácil acesso. É claro que, conforme a estratégia construída no espaço, serão necessários diferentes recursos informáticos e tecnologias para sua implementação, sendo assim maior ou menor a influência do especialista no espaço digital no processo de entrada e manipulação do campo político na Internet. Entretanto o foco do espaço continuará sendo a promoção do candidato e de sua relação com o receptor-eleitor ao qual o espaço digital se alia, se soma como novo e importante elemento. Assim surge um novo ator na campanha, cujo papel e relevância será dado pelo papel do meio Internet na estratégia global da campanha. Lembrando que a Internet reflete os processos em que se insere, as estratégias e o foco do espaço digital será fortemente influenciado pelas estratégias de comunicação e visibilidade do partido ou candidato. Isto nos permite afirmar que não há preponderância ou dominância do especialista em marketing ou do especialista no espaço digital, mas sim numa relação de sinergia e complementação que levará a efeito as estratégias do candidato na Internet. Tendo estas questões em vista vemos que a Internet se configura como mais um elemento dos processos de midiatização da esfera pública contemporânea, promovendo e suportando processos de interação entre os diversos campos sociais que passam a necessitar de competências específicas para dar conta de suas estratégias simbólicas. Neste processo fazem-se e ocorrem acoplamentos estratégicas entre campos, tanto para dar conta da visibilidade dos produtores como para atender as expectativas dos receptores, que assim interagem dentro do cenário cultura e social em que estão presentes. www.bocc.ubi.pt 105 A Política nos espaços digitais Lembramos de Perriault (2000) e Winkin (1998), que falam das lógicas de usos dos meios e das orquestrações que fazem e se fazem dentro dos processos de comunicação, e temos o adentramento da política ao espaço digital como um processo construído dentro da cultura e das intenções dos atores e instituições do campo, mas influenciado pela ampla ordem de processos estratégicos e simbólicos que se fazem na sociedade em que se inserem. Devemos assim ver o adentramento da política ao espaço digital como um novo processo ou procedimento da ordem das midiatizações do campo, ou seja, como um novo elemento de manifestação e projeção de suas estratégias e fazeres, tendo em vista as identidades e objetivos específicos do campo, que se fazem e se dão dentro de um processo social maior. Entretanto, não podemos esquecer que no espaço digital as estratégias, processos e fazeres dos atores do campo – no caso específico deste trabalho, os candidatos – ganham maior força e relevância, na medida em que os espaço são gerenciados por seus valores, suas estratégias e seus processo comunicacionais. Ou seja, podemos colocar que o espaço digital político se constrói e se mostra sobre e a partir das diferentes identidades políticas e estratégias comunicacionais, inerentes aos atores envolvidos no seu desenvolvimento. Estes conceitos são fundamentais para entender o desenvolvimento desta nova instância de midiatização da política, que amplia e dá nova roupagem as estratégias e agendas do campo político frente ao processo eleitoral. Além disso, aí reside o provável papel e valor do meio num pleito, onde cada candidato busca se diferenciar para conquistar o máximo de eleitores e apoiadores, como ocorreu no pleito Presidencial de 2002. Isto será tratado com maiores detalhes na próxima parte, onde efetuaremos a análise empírica dos websites dos candidatos a Presidência neste pleito específico. www.bocc.ubi.pt 106 César Steffen Referências Bibliográficas ALSINA, Miguel Rodrigo. Teorias de la comunicación: âmbitos, métodos y perspectivas. Valéncia: Universidad de Valéncia, 2001 AUGE, Marc. Não-lugares. Introdução a uma antropologia da supermodernidade. Campinas, Papirus Editora, 1994. BRAGA, José Luiz. Interação & Recepção. IN NETO, Antonio Fausto et all. 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A eleição Presidencial 2002 em quatro dimensões contextuais: o jurídico, o comunicacional, o econômico e o tecnológico Neste capítulo iniciamos nossa leitura do processo eleitoral de 2002 através da análise de algumas dimensões e alguns elementos que formam e regulam o cenário da campanha. Focamos, claro, na Internet, onde primeiramente cabe observar a legislação eleitoral e a forma como trata este meio. Como já dissemos, as eleições são reguladas por regras e processos estabelecidas pelo campo jurídico, que controlam e até mesmo limitam o fazer político-eleitoral junto à sociedade, buscando garantir que práticas ilícitas ou constrangedoras sejam coibidas e também regulando o acesso dos candidatos e atores políticos aos espaços da mídia. Após a promulgação da anteriormente comentada “Lei Falcão”, durante o regime militar, a lei eleitoral ofertava espaço compulsório na mídia para o campo político, mas impedia o mesmo de usar seus recursos técnicos e linguagem. Atualmente a Lei 9504, de 19971, mantém este espaço compulsório por prazo determinado e com tempo distribuído proporcionalmente aos partidos conforme sua representatividade no Congresso Nacional. O uso de recursos técnicos e linguagens dos meios é liberado, mas esta lei determina também regras, prazos e até mesmo espaços em mídia externa – out-door – que podem ser ocupados pelos atores políticos, regras cujo nãocumprimento pode levar a multas, cassação da candidatura ou mesmo do mandato em caso de o infrator ter sido empossado durante o processo investigatório e de julgamento. Nesta a Internet é citada apenas duas vezes, sendo a primeira no artigo 26, que versa sobre a prestação de contas da campanha, e no artigo 45, que regulamenta o acesso à mídia antes citado. 1 Copiado via Internet em www.tse.gov.br [03/2002] Texto completo encontra-se nos anexos deste trabalho. www.bocc.ubi.pt 112 César Steffen “Art. 26. - são considerados gastos eleitorais, sujeitos a registro e aos limites fixados nesta Lei, dentre outros: (...) XV – custos com a criação e inclusão de sítios na Internet; (...) Art. 45, § 3o - As disposições deste artigo aplicam-se aos sítios mantidos pelas empresas de comunicação social na Internet e demais redes destinadas à prestação de serviços de telecomunicações de valor adicionado (grifo nosso)”. Ou seja, a lei eleitoral prevê que os custos com Internet sejam declarados nas prestações de contas e que os espaços do campo midiático neste meio sofram as mesmas regulamentações dos demais espaços, mas não coloca limitações aos espaços digitais dos candidatos. Entretanto, cabe destacar que a Resolução 20988, de 21 de fevereiro de 2002, que “dispõe sobre a propaganda eleitoral e as condutas vedadas aos agentes públicos em campanha eleitoral nas eleições de 20022”, manifesta que: “Art. 1° - a propaganda eleitoral nas eleições de 2002, ainda que realizada pela Internet ou outros meios eletrônicos de comunicação, obedecerá ao disposto nesta Instrução. Art. 2° A propaganda eleitoral somente será permitida a partir de 6 de julho de 2002 (Lei n° 9.504/97, art. 36, caput). § 1° Ao/À postulante a candidatura a cargo eletivo é permitida a realização, na quinzena anterior à escolha pelo partido político, de propaganda intrapartidária com vista à indicação de seu nome, vedado o uso de rádio, televisão, Internet e out-door. “(Lei n° 9.504/97, art. 36, § 1°. Grifos nossos) Esta mesma Resolução proíbe a veiculação de propaganda eleitoral no meio a partir de 48 horas antes do pleito (art. 3), prevê que as mesmas disposições se aplicam aos sítios3 (websites) das empresas de comunicação e aos provedores 2 Resolução 20988 de 21/02/2002 – copiada via Internet em www.tse.gov.br [03/2002] Neste ponto nos referimos a sítios, não websites, para nos mantermos fiéis ao texto das leis. Nos próximos capítulos retornaremos ao uso da denominação website. 3 www.bocc.ubi.pt 113 A Política nos espaços digitais de Internet (Art. 19, § 4º), proíbe às emissoras veicular programa apresentado ou comentado em qualquer meio, inclusive Internet, por candidato escolhido em convenção partidária (art. 20, § 2°). Da mesma forma, faculta às emissoras transmitir e promover debates com os candidatos com representação no Congresso Nacional (Art. 21), prevendo que as mesmas regras devem ser observadas em caso de debates e transmissão via Internet (§ 4°), dentre outras regulamentações gerais. Nota-se que esta Resolução iguala a Internet a outras mídias e espécies de propaganda eleitoral, possibilitando o uso e a veiculação de mensagens a partir de seis de julho do ano do pleito. Ou seja, juridicamente e em termos de campanha eleitoral a Internet recebe reconhecimento como mídia, passando a sofrer regulações e restrições por parte do campo jurídico. O artigo 70 oferta aos candidatos a possibilidade de registrar, gratuitamente, um domínio4 com extensão “.CAN.BR”, colocando os custos de manutenção e hospedagem a cargo dos candidatos, e informa que tal domínio seria cancelado após o primeiro turno da eleição para aqueles que não viessem a disputar o segundo turno. Este mesmo artigo obriga a configurar o domínio com o nome e número do candidato, acrescido da sigla da unidade federativa da disputa. Esta lei estende as regulações das demais mídias aos websites das empresas de comunicação e aos provedores de acesso à Internet e prevê algumas limitações ao uso do meio para propaganda eleitoral. Porém, em nenhum momento define, qualifica o que se trata de espaço de campanha no meio: o website do partido com informações e notícias da campanha, um website com endereço vinculado ao nome do candidato ou sigla, uma sala de chat exclusiva sobre a campanha, um fórum de debates sobre as propostas de um candidato, um boletim informativo via e-mail, etc. A prestação de contas prevê a “criação e manutenção de sítios” já citada e a lei abre a possibilidade de domínios “.CAN.BR”, mas estes itens certamente não contemplam toda a amplitude de processos privilegiados pelo meio. Da mesma forma a lei também não prevê direito de resposta no meio a Resolução 20951, ou o art. 96 da lei 9504/97, que tratam do direito de resposta, 4 Cabe esclarecer que domínio refere-se aos endereços dos espaços locados por empresas e cidadãos na Internet. Para maiores informações sugerimos acesso ao website http://registro.br/info/dpn.html. www.bocc.ubi.pt 114 César Steffen sequer citam a Internet em seu conteúdo - ou mesmo a eventual retirada de circulação de website em caso de acusação inverídica, como ocorre com panfletos apócrifos e outros materiais normalmente recolhidos por ordem dos Tribunais Eleitorais, mas proíbe a veiculação de banners e mensagens publicitárias dos candidatos e partidos nos provedores de acesso. Nessas lei e resoluções do TSE para o pleito5 não notamos regulações ou limitações quanto a boletins informativos impressos, jornais ou mesmo reuniões e outros elementos de comunicação dos partidos e candidatos. Logo, a não qualificação dos espaços de campanha na Internet pode ser reflexo desta desregulação ou liberação de alguns processos. Por outro lado, a proibição de banners e outras formas de propaganda político-eleitoral em websites e portais mostra um alcance ou antecipação por parte do campo jurídico, que assim limita parcialmente as possibilidades de visibilidade e interações da política com os eleitores através do meio. Devemos recordar que um website necessita, mais que qualquer outro meio, de uma ação por parte do receptor, que o usuário o procure, digite o endereço ou clique em algum link para a ele se dirigir, e um boletim informativo precisa do endereço de e-mail do usuário, podendo ser cancelado ou bloqueado. Este processo é bastante diferenciado de meios como out-door ou TV, onde não resta ao receptor a opção de escolher ser ou não exposto as mensagens políticas, principalmente se lembramos dos spots de trinta segundos na televisão previstos na lei. Logo a proibição de banners publicitários nos players de mídia na Internet já se coloca como elemento suficiente para regular as atividades dos partidos e candidatos, tornando desnecessária a regulação de outros elementos de campanha na Internet. É claro que a divulgação dos endereços do websites em spots e programas do HPEG pode ser argumento contra esta liberação, mas lembrando que os mesmos têm limitações de tempo e espaço reguladas pelos Tribunais Eleitorais vemos uma não necessidade de controle sobre os websites. Vemos, assim, que na Internet a legislação prefere o risco do abuso de poder econômico – difícil de medir – ou a troca gratuita de acusações – com o 5 Resoluções 20890, 20986 20950, 20987, 20988, 20994, 20995, 20996, 20997, 20998, 20999 e 21000, disponíveis em www.tse.gov.br. www.bocc.ubi.pt 115 A Política nos espaços digitais risco de comprometimento da veracidade - a um discutível cerceamento das liberdades que pode criar jurisprudência para outros casos e instâncias, deixando para os usuários o processo de regulação do meio. Notamos também que em nenhum momento a legislação cita ou institui mecanismos de controle ou regulação - além da data inicial de seis de julho de 2002 - dos espaços dos partidos ou dos candidatos que utilizem extensões diferentes de “.CAN.BR”, como “.COM.BR” ou “.ORG.BR”, que foram utilizados pelos candidatos à Presidência no pleito de 2002, e cujas características merecem maior investigação de nossa parte. Os procedimentos e noções legais inerentes à configuração do endereço na Internet, os domínios, são bastante imprecisos. Segundo as regras da FAPESP - Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo - pioneira no uso da rede e responsável pela administração dos domínios no Brasil6 através do sistema “Registro.br”, para registrar um domínio: “é necessário ser uma entidade legalmente representada ou estabelecida no Brasil como pessoa jurídica (Instituições que possuam CNPJ) ou física (CPF) que possua um contato em território nacional7.” Uma empresa, ou entidade8 como é tratada nos textos e informações contidas no website “Registro.br”, pode registrar e administrar vários domínios com extensões diferentes, desde que adequadas à categoria a que pertencem, bastando para tanto possuir um Cadastro Nacional de Pessoa jurídica – CNPJ – Cadastro de Pessoa Física – CPF – ou registro de entidade de classe válido para registrar um domínio9. Para efetuar o registro do domínio a entidade deve ter um servidor DNS10 que responda pelo mesmo, o que pode ser contratado em um provedor acesso à Internet, seja público ou privado, e uma pessoa responsável, que deve 6 Para maiores informações sobre a regras de registro e o acordo entre a FAPESP e a empresa detentora do domínio sugerimos a leitura do sugerimos a leitura do texto completo em anexo ou o acesso à página do “Registro.br”, disponível em http://registro.br/acordo/acordo.html [11/2002]. 7 http://registro.br/info/dicas.html 8 Entidade é usada pelo “registro.br” para denominar as empresas e/ou usuários cadastrados no sistema, com username e senhas próprios e intransferíveis, que satisfazem as exigências e regras para operar, registrar e manter de um domínio virtual 9 O CPF só pode ser usado para registros de domínios com extensão “.NOM.BR.”, vinculados a uma pessoa física, ou domínios vinculados a profissionais liberais, como “.ADV.BR” para advogados ou “ODO.BR” para dentistas. 10 Sobre DNS e Servidor DNS ver glossário. www.bocc.ubi.pt 116 César Steffen estar cadastrada no website “Registro.br” e possuir um nome do usuário e senha de acesso ao sistema, sendo esta a única a responder pelas atividades de registro e mesmo eventuais alterações e correções. Existem vários tipos de domínios com extensões diferentes, voltados aos mais variados tipos e qualificações de empresas como, por exemplo: “IND.BR” para indústrias, “NET.BR” e “PSI.BR”para empresas provedoras de meios físicos de acesso à Internet, como as operadoras de telecomunicações, “JOR.BR” para profissionais do jornalismo, etc11. A criação destas extensões, processo em permanente desenvolvimento, deve-se à necessidade de evitar conflitos no uso de domínios por empresas de mesmo nome, mas que operam em segmentos diferentes, num processo semelhante ao que ocorre com o registro de marcas em categorias diferentes no INPI – Instituto Nacional de Propriedade Industrial. A extensão de um domínio é diretamente vinculada à atividade e aos fazeres, ou seja, a identidade de quem registra, o que nos permite citar que se vinculam ao campo em que esta insere-se. Cabe ressaltar que nenhuma destas extensões é específica para o campo político, sendo este enquadrado na categoria “ORG.BR”, o que mostra que o mesmo tem tratamento semelhante aos vários outros campos no meio. Não podemos afirmar se isto se trata de uma miopia do campo político frente ao meio, mas pode ser ilustrativo da perda de força dos campos político e jurídico na Internet, na medida em que um dos campos diretamente vinculados às regulações sociais, que pode criar regulações e instâncias próprias de midiatização através de lei, não consegue alcançar – ainda – o espaço digital da Internet para marcar e reservar sua presença. “É importante lembrar que, enquanto tudo na Internet é abundante e facilmente copiável, domínios são bens escassos. Uma vez registrado, torna-se um bem exclusivo. “ (Era uma vez um domínio – Revista Internet Business Ano 3, nº 33, maio de 2000, p58-60) 11 Para maiores esclarecimentos sobre os documentos necessários ao registro de domínios específicos sugerimos acessar o endereços http://registro.br/faq/faq3.html#3. www.bocc.ubi.pt 117 A Política nos espaços digitais No caso dos domínios “.COM.BR” ou “.ORG.BR”, tais limitações não se impõem, na medida em que basta estar cadastrado no sistema e cumprir as normas e regulações do “Registro.br” para registrar um domínio nesta extensão. Os domínios do tipo “.COM.BR” podem ser considerados os mais nobres da Internet, pois foram os primeiros a serem liberados às empresas para registro, ficando consagrados junto aos usuários e sendo até mesmo responsáveis pela denominação das empresas de Internet de “empresas .com” pela mídia. Assim podemos supor que uma fórmula de endereços de um website que adote um formato do tipo “www+ [empresa] [entidade] [pessoa] [ ... ] +.com.br” terá maiores chances de ser localizado e acessado diretamente pelos usuários do que os demais domínios. Uma boa demonstração da importância dos domínios deste tipo pode ser notada na pesquisa disponibilizada pelo “Registro.br” sobre as quantidades de domínios registrados em cada categoria, que revela que aproximadamente 92% (noventa e dois porcento) são do tipo “.COM.BR” 12. É importante destacar que, no caso de domínios do tipo “.COM”, “.ORG”, sem a extensão “.BR”, o processo de registro é mais simples, pois são exigidos apenas um servidor DNS e um cartão de crédito internacional para cobrança. Estes domínios são registrados nos Estados Unidos através de prestadoras terceirizadas13, sendo livre o registro de domínios de ou em todas as extensões. Vemos então que, na Internet, o campo político não recebe ou consegue reservar para si privilégios ou vantagens que as leis e regulações garantem em outras mídias e mesmo em outros processos sociais, sendo colocado em posição de igualdade aos demais campos. Esta impressão se reforça quando recordamos que vários outros campos recebem tratamento específico através de domínios próprios, como os já citados para indústrias, jornalistas e outras classes profissionais e campos. Entretanto, com seu crescimento e desenvolvimento a Internet passa a ganhar relevância como instância de midiatização, sendo manipulada dentro das 12 http://registro.br/estatisticas.html [30/01/2003] Cabe ressaltar que buscamos, junto ao “registro.br”, informações estatísticas sobre o domínios durante o período das eleições de 2002, mas estes não nos foram fornecidos sob a alegação que os dados constantes no endereço citado são os únicos disponibilizados. 13 Para maiores informações sobre registro no Estados Unidos sugerimos acesso ao website www.networksolutions.com www.bocc.ubi.pt 118 César Steffen estratégias político-eleitorais dos candidatos e partidos e já apresentando impacto nas despesas gerais de campanha. Para compreender esta questão cabe verificar as receitas e despesas dos diversos candidatos nos pleito de 2002. Através do sistema de prestação de contas do TSE14, obtivemos os seguintes dados gerais referentes à campanha Presidencial de 200315 (tabela 3.1): Receitas e despesas dos candidatos na campanha Presidencial 2002 Candidato Receitas (R$) Despesas (R$) Lula 1316 39.460.802,00 39.454.578,55 36.575,33 36.566,30 16.338.149,75 16.312.102,00 Nenhum lançamento Nenhum lançamento encontrado encontrado Garotinho 4020 3.279.077,00 3.211.433,75 Serra 4521 28.540.266,00 34.732.880,00 Total 87.654.870,08 93.747.560,60 Zé Maria 1617 Ciro Gomes 2318 Rui Costa Pimenta 2919 Tabela 3.1 – receitas e despesas dos candidatos22 14 Os dados aqui apresentados foram obtidos junto Seção de Análise e Desenvolvimento - SAD - da Coordenadoria de Sistemas Administrativos - CSA - da Secretaria de Informática - SI do TSE, e podem ser conferidos em http://www.tse.gov.br/eleicoes/eleicoes2002/prestacao. 15 Cabe referir que o sistema do TSE prevê receitas e despesas tanto dos candidatos como dos comitês para campanha presidencial dos partidos. Os dados apresentados nesta tabela são totalizações dos dados e informações tanto dos candidatos quanto os comitês dos partidos coligados aos mesmos. 16 Receitas e despesas do candidato e dos comitês dos partidos coligados, a saber, PT, PMN, PC do B e PL, sendo que cabe observar que os dois últimos não apresentam dados. 17 Somatório das despesas do comitê financeiro nacional para a presidência do PSTU e lançamentos do candidato José Maria de Almeida. 18 Dados somados dos lançamentos dos comitês de campanha à presidência do PPS, partido de Ciro, e do PTB. O PDT, também integrante da “Frente Trabalhista”, não apresenta formação de comitê ou lançamentos no sistema do TSE. 19 Cabe observar que tanto o candidato como o comitê financeiro nacional do PCO não apresenta lançamentos de receita ou despesa. 20 Dados do comitê financeiro nacional para a presidência do PSB. 21 Dados do comitê do PSDB, pois o partido coligado, PMDB, não criou comitê ou apresentou lançamentos. 22 Compilação de dados fornecidos pela Seção de Análise e Desenvolvimento (SAD) da Coordenadoria de Sistemas Administrativos (CSA), vinculada a Secretaria de Informática do TSE. www.bocc.ubi.pt 119 A Política nos espaços digitais É claro que os dados acima são brutos, totais, abrangendo uma série de receitas e despesas variadas, desde doações privadas e verbas do partido a gastos com transporte e alimentação passando pela campanha midiatizada, mas nota-se os altos custos que a campanha impõe – ou gera - ao campo político, chegando a casa dos oito dígitos e apresentando grande variação ou diferença entre os diferentes candidatos. De um total de receitas superior a R$ 87 milhões (oitenta e sete milhões de reais) cerca de R$ 67 milhões (sessenta e sete milhões), ou seja, mais de 75% ou três quartos do volume total, ficam no caixa de apenas dois candidatos, Lula e Serra. As despesas de Lula e Serra correspondem a quase 80% (oitenta porcento) do total de despesas da campanha, mostrando uma alta concentração de doações e mobilização de recursos em apenas dois candidatos, e observa-se também que Lula tem receita quase 50% (cinqüenta porcento) superior a José Serra, mas as despesas de ambos estão bastante próximas. Entre os demais Ciro Gomes, que iniciou a campanha com amplas chances de chegar ao segundo turno, mas acabou em quatro lugar na votação, destaca-se pela captação de recursos e despesas, mas Garotinho, que demonstra ter uma campanha com poucos recursos, ultrapassando em pouco a marca de R$ 3 milhões (três milhões de reais), ou menos de 5% (cinco porcento) do volume total, chega em terceiro lugar na votação. Já Zé Maria, do PSTU, não chega a 0,05% (zero vírgula zero cinco porcento) do total de receitas e despesas da campanha, aparentemente contando mais com verbas do partido do que de doadores, e chama especialmente a atenção a ausência de receitas e despesas de Rui Costa Pimenta, do PCO, ficando a impressão de que as aparições do mesmo no HPEG terem sido produzidas por apoiadores da campanha ou mesmo pelo próprio partido. Entre os principais financiadores de Lula figuram empresas como o Banco Santander, que doou R$1,4 milhão (um milhão e quatrocentos mil reais) e a COTEMINAS, empresa do vice José Alencar, que contribuiu com R$ 2,3 milhões (dois milhões e trezentos mil reais). O BANESPA, banco estatal adquirido pelo mesmo Santander no processo de privatização, doou para José Serra R$ 1 milhão (um milhão de reais), www.bocc.ubi.pt 120 César Steffen e o banco Itaú, cujo presidente Olavo Setúbal apareceu na capa da revista Época como eleitor do candidato, figura como o maior doador de Serra com R$ 2,2 milhões (dois milhões e duzentos mil reais), acompanhado de empresas como o grupo Votorantin, Empresas de Petróleo Ypiranga, dentre outras É interessante observar que as instituições bancárias, vinculadas diretamente as questões econômicas do país, e que historicamente tem obtido grandes lucros com as políticas de juros praticadas pelas administrações federais, figuram como os maiores financiadores das campanhas. Afirmar que há uma relação direta entre estes dois fenômenos seria perigoso em vários aspectos, mas mostra que os maiores interessados nos resultados e decisões do presidente eleito também são os que mais investem em suas eleição. Por outro lado vemos uma certa correlação entre a captação de recursos e os índices apresentados nas pesquisas de intenção de voto. Lula, que desde as primeiras pesquisas aparecia como favorito, tem a maior captação de recursos e as maiores despesas, seguido por Serra, único que apresenta déficit financeiro. Ciro Gomes, que cai da terceira para quarta posição durante o HPEG tem maior volume de recursos que Garotinho, que na votação em primeiro turno termina na terceira posição. Observando esta mesma questão no pleito de 199823 notamos que os partidos coligados à candidatura FHC arrecadaram mais de R$ 43 milhões (quarenta e três milhões de reais) nos primeiros meses da campanha, quando as pesquisas apresentavam o candidato como franco-favorito à vitória que se confirmou no primeiro turno, mas encerra com déficit de mais de R$ 2 milhões (dois milhões de reais) no caixa. Neste mesmo pleito Lula não gastou mais de R$ 4 milhões (quatro milhões de reais), e as doações ficam pouco acima de R$ 3,2 milhões (três milhões e duzentos mil reais), gerando um déficit de cerca de R$ 750 mil (setecentos e cinqüenta mil reais). Em 2002, ao inverso, Lula aparece na pesquisas como favorito e fecha a campanha com superávit de pouco mais de R$ 6 mil (seis mil reais), enquanto 23 Fonte: http://globonews.globo.com/GloboNews/article/0,6993,A417315-2032,00.html www.bocc.ubi.pt 121 A Política nos espaços digitais Serra, candidato do partido do então presidente FHC, que aparece nas primeiras pesquisas disputando o segundo lugar com Ciro e Garotinho e chega ao segundo turno, encerra a campanha com déficit superior a R$ 6 milhões (seis milhões de reais). Estes dados nos permitem observar uma forte vinculação entre os resultados ou prognósticos das pesquisas e a geração de recursos para as campanhas, sendo demonstrativos da possível influência destas nas campanhas eleitorais. Se a mídia citava as pesquisas como elemento de especulação financeira dos players econômicos24 durante o pleito, há de se considerar uma possível influência destas no financiamento das campanhas dos candidatos, que observa-se nos dados e elementos acima. Tecer comentários ou hipóteses aprofundadas sobre este processo seria perigoso em vários sentidos, principalmente porque a complexidade de uma eleição é maior que os resultados das pesquisas demonstram ou podem captar. Além disso, poderíamos estar ignorando a própria validade e capacidade de mobilização dos projetos e propostas políticas de cada candidato e mesmo a capacidade de autofinanciamento dos partidos. Aparentemente, sim, os dados levantados sobre os pleitos de 1998 e 2002 demonstram que o candidato com maiores chances de vitória nas pesquisas recebe mais recursos, tendo seu poder de participação e mobilização nas várias instâncias da campanha aumentado - o que os déficits de Lula em 1998 e Serra em 2002 parecem demonstrar. Levando em conta a questão da midiatização e seu impacto sobre as despesas da campanha levantamos dados de alguns itens de lançamento previstos na Resolução 20987 vinculados diretamente à divulgação e propaganda da campanha25, que se encontram na tabela abaixo (tabela 3.2). 24 Ver, como exemplo, matéria “Pesquisas comandam especulação no mercado.” em http://www.estado.estadao.com.br/jornal/02/07/07/news212.html 25 Selecionamos estes lançamentos por estarem diretamente ligados a questão da campanha midiatizada, e por outro itens, como “cachês para artistas e animadores” , não permitirem especificação de sua realização ou utilização. www.bocc.ubi.pt 122 César Steffen Gastos específicos na campanha Presidencial de 2002 Candidato Lula 13 Zé Maria 16 Ciro Gomes 23 Produções Despesas (R$) Criação de Sítios Propagandas e Audiovisuais na Internet26 Publicidade 7.100.000,00 25.000,00 5.339.685,23 Não há Não há lançamentos lançamentos 20.000,00 3.774.163,94 Rui Costa Pimenta 29 Não há lançamentos 3.263.798,60 Não há lançamentos Não há Garotinho 40 750.000,00 José Serra 45 6.800.945,00 163.095,00 3.125.322,18 Total 18.445.108,94 188.095,00 12.700.375,37 lançamentos 971.569,36 Tabela 3.2 – gastos específicos das campanhas27 Novamente nota-se que os candidatos com maior e receita apresentam os maiores volumes de gastos, chegando a mais de 70% (setenta porcento) do volume total de gastos no tocante a “produções audiovisuais” e “propagandas e publicidade”. Considerando as despesas totais da campanha informadas na tabela 1, temos estes valores como os seguintes dados percentuais (tabela 3.3): 26 Usamos, neste ponto, o termo “sítio” no lugar de website para nos mantermos fiéis ao texto da resolução 20987. Dados compilados a partir de informações obtidas junto a Dados fornecidos pela Seção de Análise e Desenvolvimento (SAD) da Coordenadoria de Sistemas Administrativos (CSA), vinculada a Secretaria de Informática do TSE. 27 www.bocc.ubi.pt 123 A Política nos espaços digitais Percentuais de gastos específicos da campanha Presidencial 2002 Produções Despesas (%)28 Criação de Sítios Propagandas e Audiovisuais na Internet Publicidade Lula 13 17,99% 0,063% 13,53% Zé Maria 16 54,70% Não há Não há lançamentos lançamentos Ciro Gomes 23 23,13% Candidato Rui Costa Pimenta 29 Não há lançamentos 20,00% Não há lançamentos Não há Garotinho 40 23,35% José Serra 45 19,58% 0,46% 8,99% Total 19,67% 0,20% 13,54% lançamentos 30,25% Tabela 3.3 – percentuais dos gastos da campanha29 Observa-se que apenas dois itens – produções audiovisuais e propagandas e publicidade - que compreendem desde o planejamento até a execução e visibilidade da campanha, abarcam entre 30% (trinta porcento) até 50% (cinqüenta porcento) do volume total de recursos dos candidatos, independente do volume financeiro. Apenas o item “produções audiovisuais” – que imaginamos ser principalmente o HPEG na TV e Rádio – representam quase ou mais de um quinto das despesas totais dos candidatos, sendo superiores as despesas com deslocamento e hospedagem para atos e ações da campanha em todo o país30, o que demonstra a ênfase da campanha na gestão e apresentação da imagem dos candidatos. 28 Para facilitar a visualização e inserção dos dados consideramos apenas as duas primeiras casas após a vírgula, sem arredondamentos. 29 Percentuais calculados em relação às despesas totais de campanha informadas na tabela3.1. 30 A título de ilustração cabe colocar que, nos lançamento de Lula, os gastos com deslocamentos e viagens ficam em torno de R$ 2,5 milhões. Serra apresenta gastos em torno de R$ 3 milhões, enquanto Zé Maria apresenta lançamentos num total de pouco mais de R$ 8mil reais. www.bocc.ubi.pt 124 César Steffen Os percentuais de gastos com “Propagandas e Publicidade”, em que se incluem os assessores em mídia – apesar do texto da Resolução não conter tal especificação31 - no quadro geral representam menos de 15% (quinze porcento) dos gastos, mas nas especificidades dos candidatos oscilam fortemente, aparentando ter diferentes papéis dentro da campanha. Chama a atenção o fato de uma das campanhas com menos recursos, Zé Maria, ter no item “Propaganda e Publicidade” o maior impacto percentual respondendo por mais da metade das despesas da campanha, enquanto que a de Lula, no mesmo item, apresenta o menor impacto percentual. Independente das diferenças, observamos que a campanha injeta mais de R$ 30 milhões (trinta milhões de reais) diretamente no mercado publicitário, ou seja, na agências de propaganda e produtoras de áudio e vídeo, em um período inferior a seis meses. Segundo a ABAP32, citando dados do IBGE, o mercado publicitário Brasileiro movimentou, levando em conta todos os veículos do país, R$ 13,218 bilhões (treze bilhões, duzentos e dezoito milhões de reais) no ano de 2002. Se tomarmos a remuneração de uma agência levando em conta as comissões de mídia, que oscilam entre percentuais de 10% e 20% (dez e vinte porcento) temos que as agências faturaram33 entre R$ 1,3 bilhão (um bilhão e trezentos milhões) e R$ 2,6 bilhões (dois bilhões e seiscentos milhões). Vemos então que a campanha Presidencial representa entre 1% a 2% (um e dois porcento) dos ganhos brutos projetados para o mercado publicitário, um impacto significativo, principalmente se levarmos em conta não só o curto período da campanha, mas também o fato destes dados referirem-se somente à campanha Presidencial, sem levar em conta as eleições para governadores ou mesmo os cargos proporcionais. De todos os candidatos apenas Lula e Serra apresentam lançamentos de “Criação e manutenção de sítios na Internet”, prevista na Resolução 20987. Serra gasta seis vezes mais do que Lula, mas não podemos afirmar se estes 31 Cabe ressaltar que não é especificado ela lei em que item deve ser lançado os gastos com assessores de mídia, e que o TSE, consultado por e-mail, não esclareceu ao pesquisador esta questão. 32 http://www.abap.com.br/noticias/investimentosaumentam2002.doc 33 Solicitamos a ABAP dados específicos sobre o faturamento das agências de propaganda mais nos foi informado que estes dados não existem. www.bocc.ubi.pt 125 A Política nos espaços digitais valores contemplam o desenvolvimento ou também a manutenção e atualizações, uma vez que a lei não faz tal distinção. Supomos, através das cifras, que Lula tenha apenas o desenvolvimento, sendo as atualizações realizadas pela equipe do candidato, e Serra tenha um modelo misto ou com as atualizações realizadas pela empresa responsável pelo website. Isto significa, caso esteja correto, que Lula adota um modelo que privilegia sua assessoria direta, o pessoal do partido, nas atualizações do website. Serra, ao contrário, busca profissionais externos, mais vinculados ou treinados para o uso do meio. Independente deste fator é interessante observar que os valores das despesas de ambos com Internet representam impacto inferior a 0,5% (meio porcento) do custo total da campanha, e somados representam cerca de 0,2% (zero vírgula dois porcento) do total geral, índice muito pequeno, principalmente se comparado ao custo notado nas demais ações e elemento midiatizados de campanha. Ou seja, apesar de ganhar relevância e destaque na sociedade, mostrando-se como importante elemento nas estratégias comunicacionais dos candidatos e partidos, os custos da visibilidade via Internet representam um impacto baixíssimo no quadro geral da campanha, processo facilitado principalmente pelas tecnologias e pelo espírito livre e desregulado do meio. Já quanto aos demais candidatos, que não apresentam lançamentos de despesas com “criação e manutenção de sítios na Internet”, podemos supor que os websites tenham sido desenvolvidos ou gerenciados pelas agências de propaganda ou mesmo assessores diretos das campanhas, mostrando a forte vinculação do meio com a questão midiática e comunicacional dos partidos e candidatos. Este uso da Internet como instrumento de comunicação num processo eleitoral não chega a ser um fenômeno novo, principalmente se levarmos em conta o curto espaço de tempo entre o surgimento da Internet comercial e a entrada dos primeiros partidos na rede. A Internet comercial, ou seja, ligada a empresas provedoras particulares, não vinculada a instituições de ensino e pesquisa, surge no Brasil www.bocc.ubi.pt 126 César Steffen entre 1994 e 1995, e já em meados de 1996 o PT e o PDT que entraram para a rede, sendo seguidos pelo PMDB, que confeccionou seu website em 1997. Mas foi em 1998, na primeira eleição após o surgimento do meio, que os candidatos pela primeira vez utilizaram a Internet em suas estratégias eleitorais. Para citar alguns exemplos34: a) Antônio Britto, candidato ao governo gaúcho, disponibilizou um website contendo desde sua plataforma e propostas até notas e informações sobre a campanha; b) o PDT gaúcho desenvolveu um website para cada um de seus candidatos, de governador a senador, em 1998; c) o então candidato a reeleição Fernando Henrique Cardoso disponibilizou um website com suas propostas e projetos neste mesmo ano. Da mesma forma nos Estados Unidos, onde a Internet comercial se desenvolveu no início da década de 90, o meio foi usado pela primeira vez em uma campanha na primeira candidatura de Bill Clinton à Presidência em 1992 (Internet Business nº12, ago/98). Em 1998, quando o meio passa a mostrar os primeiros sinais de uso em uma eleição no Brasil, a candidatura Jesse Ventura à governança do Estado norte-americano de Minnesota é descrita por Steven Clift (2002:s.p.) como a primeira eleição que não poderia ter sido vencida sem a Internet. Perriault (2000:83) conta que no início de uso do telégrafo alguns jornais norte-americanos usavam a quantidade de informações obtidas através deste meio como argumento de venda, uma forma de se diferenciar e se colocar a frente de seus concorrentes. Assim, numa época em que uma nova tecnologia toma conta da mídia, ganha relevância social e passa a ser objeto de disputa e concorrência entre empresas de várias áreas – software, mídia, etc. –podemos questionar o que significa não se fazer presente no espaço digital, ou seja, não estar na Internet neste estágio de evolução e crescimento do meio. Ícone da evolução da(s) tecnologia(s) a Internet pode ser considerada hoje um símbolo de modernidade e mesmo da democracia graças ao franco uso e 34 Estes exemplos são baseados em nossa observação e contato com estes espaços de campanha. Sobre os websites dos presidenciáveis em 1998 sugerimos o artigo “Eleições 98: a campanha dos partidos e dos candidatos à presidência na Internet”, de Claudine Carvalho, presente no livro “Mídia e Eleições 1998” organizado por Albino Rubim. www.bocc.ubi.pt 127 A Política nos espaços digitais a abertura dos processos que mobiliza e disponibiliza para seus usuários das mais diversas formas e nas mais variadas instâncias. Em termos políticos a Internet surge e se afirma num momento de forte crise dos sistemas de representação política, marcada por denúncias de corrupção e de manipulação da opinião pública pela mídia. Neste contexto um meio que surge sob a égide da liberdade, da democracia e da auto-regulação, livre das limitações físicas e temporais presentes e marcantes nos outros processos ganha força pela busca de liberdade que o espaço público midiatizado parece não mais oportunizar. Interessante citar novamente Perriault (2000:55) quando comenta que os meios de comunicação se desenvolvem em situações de desequilíbrio em que há necessidade de algo que re-equilibre as forças. Numa situação de desequilíbrio de forças e de amplo conflito dos campos com o campo midiático, a Internet surge e se afirma como uma tecnologia midiática que rompe fronteiras e abre a possibilidade de todos manifestarem suas opiniões. Novamente Perriault argumenta que as máquinas de comunicar agem no sentido inverso da sociedade: se esta está se fragmentando ela surgem para integrar, se esta ruindo sobre si mesma surge para reforçar as bases. Assim notamos que o campo político adentra o meio na busca de equilibrar a força e a capacidade de mobilização perdidas para o campo midiático nas questões políticas, buscando livrar-se das amarras da agenda, intenções e estratégias deste para construir suas imagem e processos junto a sociedade. Da mesma forma a questão da prevalência da agenda do campo político como elemento construtor dos seus espaços digitais surge como emblema da busca dos atores e integrantes destes campo em desligar-se das amarras e tensões oriundas da agenda do campo midiático,construindo assim uma relação de agendas mais direta com o eleitor, facilitando a experiência destes em diferentes espaços e suportes. A criação de meios como a “TV Câmara” e mesmo a disponibilização de telefones com prefixo 080035 (gratuitos) com as mais diversos funções e recursos se mostram como outros elementos deste processo. 35 Lula e José Serra disponibilizaram na campanha de 2002 telefones 0800. O de Lula continha mensagens pré-gravados do candidato sobre vários assunto, selecionados pelo teclado do aparelho. Uma das opções era para manifestar desejar o participar da campanha, que gerou uma ligação gravada do candidato na véspera do 1 turno. Já Serra possuía um atendimento personalizado ao estilo “telemarketing” para esclarecimento de dúvidas e recebimento de sugestões. www.bocc.ubi.pt 128 César Steffen Devemos ressaltar, entretanto, que nos websites o campo político “escapa” da agenda da mídia, ou seja, do filtro que esta estabelece na exposição dos fatos e processos. Entretanto, não foge a lógica de midiatização da sociedade, ocupando espaços midiáticos para construir sua visibilidade frente aos demais campos. Outro fator que devemos também levar em conta é o crescimento da rede no Brasil. Um dado demonstrativo é o número de websites vinculados a extensão ".BR" que, segundo pesquisa da norte-americana “Network Wizards“, quadruplicou do ano 2000 até 2002, como pode ser vista na tabela abaixo (tabela 7). Domínios registrados no Brasil ANO Quantidade de Domínios Janeiro Julho 2000 446.444 662.910 2001 876.596 1.025.067 2002 1.644.575 1.988.321 Tabela 3.4 – evolução dos domínios ”BR”36 Entretanto o número de provedores de acesso à Internet tem diminuído, o que é provavelmente causado pela forte concentração do meio nas mãos de grandes grupos financeiros e de telecomunicações, que têm condições de financiar as empresas e mesmo de suportar prejuízos em prol de estratégias de longo prazo37. Isto pode ser observado nos dados da pesquisa do IBGE38 sobre os municípios, realizada em 2001, que apontava um crescimento médio de 53% (cinqüenta e três porcento) no número de provedores nas cidades, mas onde apenas 23% (vinte e três porcento) dos municípios possuíam este serviço. 36 Fonte: http://www.cg.org.br/indicadores/. Como exemplo podemos citar o caso do provedor Voyager, empresa nascida e desenvolvida no Rio Grande do Sul que foi adquirida pelo provedor Terra como forma de expansão de sua base de clientes, fato que se repetiu com outro provedores como a Easy Way 38 Fonte: http://www.executivosfinanceiros.com.br/materias/3334.html 37 www.bocc.ubi.pt 129 A Política nos espaços digitais Já pesquisa da ABRANET39 – Associação Brasileira dos Provedores Acesso, Serviços e Informações da Rede Internet – indica que o número de provedores diminuiu 1,77% (um vírgula setenta e sete porcento) entre julho de 2001 e janeiro de 2002, crescendo apenas nas regiões sul e norte e diminuindo nas demais áreas. Na contramão deste processo pesquisas do IBOPE40 têm demonstrado que o número de internautas Brasileiros vem crescendo exponencialmente. Em maio de 2002, alguns meses antes do início do HPEG, o Instituto apontava o número de usuários domésticos de Internet como sendo de 11.100.000 (onze milhões e cem mil), num aumento de 6.8% (seis vírgula oito porcento) em comparação com o mês de novembro do ano anterior e representando menos de 10% (dez porcento) da população do Brasil. Nota-se nestes dados um sinal ou reflexo da forte concentração e mesmo de um re-ordenamento do meio, em que a quantidade de usuários e de domínios aumenta exponencialmente, mas o número de provedores diminui sensivelmente em várias regiões. Em novembro de 2002 a mesma pesquisa registrava 14.300.000 (quatorze milhões e trezentos mil) usuários, notando-se uma tendência de aumento de participação das classes “B” e “C”. Neste mesmo relatório o Instituto informava que 1,7 milhão (um milhão e setecentos mil) de usuários residenciais, ou menos de 0,1% (zero vírgula um porcento), apontavam a Internet como “fonte de informação sobre o pleito”. Outra pesquisa, realizada meses antes do pleito de 2002 pelo Instituto Opinia41, com 1.911 (mil novecentos e onze) entrevistados, mostrou que 50% (cinqüenta por cento) dos que responderam não se opõem à propaganda política via Internet, mas 48% (quarenta e oito por cento) não acham que a Internet poderá ser um canal de comunicação para partidos e candidatos42, e 41% (quarenta e um 39 http://www.s2.com.br/scripts/release.asp?clienteId=346&releaseId=15535 Dados obtidos em datas variadas no website do Instituto - www.ibope.com.br. 41 Pesquisa completa gentilmente cedida pelo instituto OPINIA - http://www.opinia.com.br. Cabe citar que, por questões de direitos autorais, podemos apenas comentar os resultados da mesma, sem citar textos ou gráficos. 42 A primeira pergunta da pesquisa colocava “Existe um lei (9504/97) que proíbe propagandas (banners, pop-ups, etc.) políticas de partidos e candidatos através da Internet. Na sua opinião:” seguida por quatro opção. As demais perguntas se referiam aos websites de forma indireta, citando recursos como chats, fóruns, etc que poderiam ser utilizados nos websites. Logo, nota-se que é possível que as respostas negativas a propaganda política vinculem-se as propagandas presentes nos portais e sites de conteúdo, não contemplando os websites do candidatos, o que pode ser considerado um elemento de influência nestes resultados. 40 www.bocc.ubi.pt 130 César Steffen por cento) disseram que buscariam informações nos sites destes partidos e candidatos. No tocante a conteúdos, os usuários que responderam à pesquisa manifestaram privilegiar os projetos e programas, bem como considerar importantes espaços de debate e discussão com os candidatos, colocando o meio não só como espaço de busca de informações, mas também de aproximação com candidato e partidos. Entretanto, a Internet é citada apenas em 6o lugar como fonte de informação sobre a campanha, onde a televisão tem preferência absoluta. Estes dados mostram – ou demonstram - que não estar na Internet pode significar estar na contramão deste processo de evolução e integração social, e mesmo frustrar a expectativas dos cidadãos quanto a sua relação, integração e mobilização frente e com o campo político. Da mesma forma o adentramento da política ao espaço digital conforma-a a estas lógicas presentes na sociedade, podendo também ser entendido – ou considerado - como elemento de formação da imagem dos atores do campo, na medida em que se vinculam a um espaço aberto, democrático e desregulado recebendo o bônus por sua inserção e participação no meio. Observa-se assim, de forma geral, que a Internet ganha relevância e papel social por e a partir dos usos que os diversos campos fazem de sua tecnologia dentro de estratégias e processos comunicacionais, passando a receber e formar, em seu entorno e por seu funcionamento, regras jurídicas específicas, alem de regras operativas e discursivas específicas. Assim, na medida em que diversos e diferentes campos passam investir no meio a partir de diferentes óticas, gerando regulações jurídicas para os diversos processos que surgem em seu entorno, recebendo investimentos financeiros e discursivos na busca do cumprimento de diversas estratégias, e mesmo tendo sua tecnologia desenvolvida e evoluída a partir de demandas de diferentes atores e campos, a Internet coloca-se na posição de um meio de comunicação, um elemento de troca e tensão que se insere nos processos sociais e gera demandas, processos, procedimentos específicos para seu funcionamento. Aí reside, em verdade, um processo dual, pois a Internet recebe valor social a partir do investimentos nela feitos pelos diversos e diferenciados campos www.bocc.ubi.pt 131 A Política nos espaços digitais sociais, e a partir desse momento surgem novos elementos e procedimentos que requerem novas visões e processos. Claro que o tempo de reação de cada campo frente ao meio se dará a partir de suas estratégias, de sua capacidade de reação e mesmo das demandas que o meio trará para este, gerando novos e diferentes elementos a cada movimento dos campos. Devemos ressaltar, entretanto, que em se tratando da campanha eleitoral, o impacto em termos financeiros do meio é mínimo se comparada a outras mídias, como o quadro de despesas dos candidatos demonstra. Isto reforça a gama de benefícios do meio numa campanha eleitoral, onde o suporte atemporal de discursos das mais diversas mídias e de elementos e discursos do campo político mostra-se como maior recurso, mas isto por si só não é suficiente para compreender o papel da Internet neste pleito. Uma questão ilustrativa dos processo e elementos dos websites é a tecnologia de construção dos mesmos, ou seja, os sistemas informáticos de construção, administração e manutenção destes espaços. Observamos que uma característica geral e coincidente entre os diversos websites analisados foi o uso de tecnologias dinâmicas de construção dos websites. Lula, Serra, Ciro, Garotinho e Zé Maria utilizam tecnologia ASP, Active Server Pages, enquanto que o PCO de Rui Costa Pimenta combina recursos de PHP com páginas em HTML. Cabe então nos aprofundarmos em suas características. ASP é um ambiente de aplicação, desenvolvido pela Microsoft, que gerencia conteúdo dinâmico para a websites, funcionando em conjunto com um servidor de Internet capaz de interpretar os códigos gerados e com sistemas de arquivos ou bancos de dados. O processo começa quando o servidor de web43 recebe a requisição da página de um website presente em seus arquivos, fazendo a interpretação do código contido e retornando, ao usuário, uma página com os elementos gráficos e textuais que compõem a mesma. Esta tecnologia apresentando três vantagens básicas para o produtor, ou seja, aquele que disponibiliza o website. Primeiramente, permite que sejam geradas rotinas de atualização automatizadas. Assim, o profissional envolvido na 43 Servidor de páginas WWW, que rodam protocolo http. Para maiores detalhes ver glossário. www.bocc.ubi.pt 132 César Steffen inserção e atualização dos dados e informações não necessita lidar com o códigofonte ou dominar as tecnologias do website e do servidor, nem mesmo ter grandes conhecimentos das linguagens de programação da Internet, pois a inserção e formatação das informações é feita automaticamente pelo sistema. Exemplificando: para adicionar uma notícia um repórter de campanha pode acionar o sistema, e através de um formulário único, padronizado, digitar a manchete e o texto e inserir a imagem correspondente. A partir disso o sistema cria as páginas correspondentes e adiciona os elementos automaticamente no website, conforme os parâmetros e configurações de formatação prédeterminados. Ou seja, basta dominar o uso dos recursos do computador e manejar alguns elementos básicos de um banco de dados, como um formulário de inserção pré-definido (bastante semelhante aos formulário de contato muito utilizados nos websites) para que um profissional possa efetuar a atualização. Outra vantagem é a alteração geral e automática de dados em todas as páginas e seções, ou seja, se houver uma alteração numa foto ou o título de um link for mudado o sistema altera automaticamente em todas as seções e páginas do website onde o mesmo estiver presente, economizando tempo e agilizando processos de produção. Finalmente, o sistema ASP gera as páginas para o usuário no momento da visita, ou seja, quando o usuário a seleciona e solicita, garantindo – ou dando maior segurança – que será apresentada a última atualização da página ou seção. Já a tecnologia PHP, utilizada pelo PCO de Rui Costa Pimenta, é bastante semelhante ao ASP, mas ao contrário deste interage com o sistema de banco de dados ou mesmo com as diversas páginas de um website gerando uma página HTML pura, tendo como única desvantagem não gerar a página no momento da visita ou solicitação. Os recursos de PHP eram manipulados basicamente nas páginas iniciais das diversas seções, que se remetiam a páginas HTML, estáticas, mostrando ter uma estratégia ou mesmo uma menor preocupação com as atualizações e mudanças. www.bocc.ubi.pt 133 A Política nos espaços digitais Assim, o uso das tecnologias dinâmicas mostra-se como um elemento facilitador dos processos de alteração e atualização dos websites, na medida em que automatizam processos aumentando a velocidade e a praticidade para os produtores, apresentando-se assim como fator determinante das marcas de atualização presentes nestes espaços. Da mesma forma, tais recursos aumentam as chances de visualização das últimas versões pelo usuário, o que também aumenta a probabilidade deste se sentir estimulado a interagir e travar contato com os diferentes conteúdos, permanecendo em contato com os conteúdos e recursos disponíveis. Observa-se nisto que os candidatos investem em suas assessorias como elemento de geração de dados e inserção de informações. Mobilizando recursos tecnológicos que facilitam as atualizações e, assim, o acompanhamento da campanha, os atores do campo político buscam se aproximar de uma velocidade jornalística, midiática nos websites, tornando-se fontes de informação e mesmo pautando a campanha a partir de suas agendas, estratégias e intenções. Devemos destacar, entretanto, que a tecnologia não se mostra como diferencial na construção dos websites. Na medida em que as tecnologias de construção são as mesmas, ou assemelhadas, vemos que as estratégias e elementos de construção manipulados e inseridos tornam-se o verdadeiro diferencial e elemento de atração destes espaços. Ou seja, podemos dizer que o que torna os websites políticos atrativos para os usuários são os conteúdos, discursos e elementos suportados pela tecnologia, do meio, não a tecnologia em si. Assim, os candidatos no pleito de 2002 conformam-se a este processo e adentram ao espaço digital configurando-os com diferentes elementos, conteúdos e formatações, aproveitando das brechas legais e dos benefícios estratégicos do meio. Nos próximos capítulos nos debruçaremos sobre a análise das especificidades dos websites da campanha Presidencial de 2002, momento em que buscaremos compreender o papel, os elementos e estratégias de comunicação específicos de cada candidato. Antes, porém, apresentamos nossa metodologia de leitura e análise. www.bocc.ubi.pt 134 César Steffen 2. Uma leitura da campanha política nos espaços digitais Neste capítulo explicitamos nosso processo metodológico de seleção de objetos, obtenção e análise de dados, onde buscamos compreender as formulações, funções e valores da Internet como elemento de campanha políticoeleitoral, tendo como referência empírica os websites dos candidatos ao pleito Presidencial Brasileiro de 2002. Conforme nosso quadro teórico temos a Internet como um meio de comunicação em que os diversos campos podem construir suas relações e visibilidades com outros campos, mobilizando diferentes recursos técnicos e elementos discursivos. Tomamos então a Internet não como ambiente, suporte técnico ou mesmo tecnologia midiática, mas sim como lugar de construção da política, como uma dimensão discursiva e de visibilidade, expansão e mobilização de ações eleitorais. Essa visão contempla e contém muito de nossa prática enquanto usuários do meio Internet e profissionais envolvidos com sua linguagem e tecnologia. Nosso contato freqüente e diário para os mais diversos usos e processos, tanto buscando quanto inserindo informações e criando espaços no meio, somada ao destaque e espaço obtido pelo meio nas várias mídias, onde se observavam muitos ufanismos com as possibilidades e recursos advindos com seu surgimento, nos levou a questionar qual o real papel deste meio frente aos processos sociais. Com esta questão em vista nos propusemos a visitar a Internet a partir de um olhar mais crítico, analítico e o mais possível isento. E neste momento nos pareceu, como já referido anteriormente, que um bom elemento para identificar ou obter pistas que solucionem tais questionamentos seria observar o uso do meio pelo campo político durante um processo eleitoral, quando ocorre uma forte aproximação e tensionamento entre os diversos e diferenciados campos sociais. Por isso já no segundo trimestre do ano de 2002 demos os primeiros passos desta pesquisa, localizando pontos de presença do campo político na www.bocc.ubi.pt 135 A Política nos espaços digitais Internet, abrangendo desde os websites dos partidos em nível nacional até os espaços dos comitês gaúchos44. Nesta fase de pré-observação, quando ainda procurávamos selecionar espaços, materiais e tirar primeiras impressões e inferências, observamos que a maioria dos partidos – para não dizer todos – ocupavam espaços na Internet com diferentes construções e estratégias, mas nem todos vinculavam ou davam destaque ao processo eleitoral que já começava a se apresentar na mídia em geral. Entretanto, alguns pré-candidatos à Presidência já davam seus primeiros passos e mostravam sinais indicativos de como poderia se configurar a campanha Presidencial neste meio, onde o website de Ciro Gomes, cujo primeiro contato efetuamos já no mês de fevereiro, mostrava-se como maior expoente. Somando este fator à maior relevância que a mídia mostrava dedicar a corrida Presidencial e a necessidade de obter o máximo de foco nesta pesquisa, optamos por concentrar nossos esforços nas dimensões estruturais e estratégicas dos websites dos Presidenciáveis no período eleitoral, especialmente no período marcado pelo HPEG no rádio e na televisão, momento quando os campos político e midiático são fortemente acelerados pelo pleito. Tendo, então, definidas as fontes primárias de pesquisa, mas ainda em fase de pré-observação, passamos ao acompanhamento dos websites dos Presidenciáveis, adotando como procedimento metodológico de coleta de dados a interação com estes espaços e a captura de telas, efetuando relatos sistemáticos das mudanças e atualizações observadas a cada visita. Nesta fase notamos que os websites acompanhados se constituíam como espaços essencialmente do campo político, ou seja, cujos conteúdos, elementos, agendamentos e processos são determinados por estratégias e processos do campo e seus atores-candidatos. Além disso, os websites se mostravam como elementos vinculados às posições, posturas, agendas e estratégias destes candidatos, que se manifestava através e a partir de uma variedade de ofertas de conteúdos e discursos que se somavam e se articulavam num mesmo espaço. 44 Em nível nacional, observamos os websites do PT, PSDB, PMDB, PSB, PDT e PPS, além do website do então précandidato Ciro Gomes que estava disponível desde fevereiro de 2002. Em nível de Rio Grande dos Sul acompanhamos os websites do PT, PMDB, PTB, PPS, PSB, PPS e PPB, todos partidos com representatividade e potencial para influir e gerar candidatos próprios no pleito de 2002. www.bocc.ubi.pt 136 César Steffen Uma breve ilustração desta questão incluiria desde biografias e história dos candidatos e partidos até propostas, projetos e questões em pauta na sociedade, passando por espaços para relação com os partidários e filiados. Nesta amplitude e variedade de ofertas notamos a busca de estabelecimento ou mesmo reforço de relações com os mais diversos campos sociais, onde podemos tomar como exemplo o campo midiático através de ofertas de pauta e materiais – fotografias, releases, etc. - para os diversos veículos45. Observamos também que mesmo – como já referimos – sendo espaços vinculados diretamente ao campo político, suas intenções e estratégias, estes websites se construíam dentro de um processo maior, eram engendrados por ações, fatos e fenômenos externos não só aos websites como também ao campo político, que influíam, movimentavam e pautavam os mesmos. Este processo podia ser observado nas páginas iniciais destes espaços, onde determinados conteúdos e elementos eram apresentados e ganhavam “força” dentro da estrutura geral46. Tendo estas questões em vista iniciamos nossa fase de observação e coleta de dados para análise, quando não somente seguimos com o processo de contato e captura de telas como também gravamos aleatoriamente vários programas na televisão, recolhemos materiais gráficos (folders, santinhos, etc.) nos comitês de campanha gaúchos. Também pesquisamos dados e informações sobre estes websites em várias fontes secundárias, como jornais, revistas e websites de players de mídia, que fornecessem elementos, dados e informações sobre estes espaços e suas funções na campanha. Além disso, buscamos textos e teorias que analisassem e contemplem os fenômenos e processos políticos oriundos com o surgimento e ascensão da Internet na sociedade contemporânea, onde identificamos alguns estudos e pesquisas em nível internacional, mas poucos e ainda incipientes processos de pesquisa acadêmica em termos de Brasil. Esta percepção somada ao fato de tratar-se de um objeto de pesquisa novo, com alta complexidade de processos e fenômenos levou-nos a optar por utilizar uma combinatória de técnicas de descrição e análise que nos permitisse extrair o máximo de elementos e resultados dos objetos selecionados. 45 46 Esta questão será aprofundada e esclarecida nas análises dos websites. Estes saltos estarão explicitados durante nossas análises. www.bocc.ubi.pt 137 A Política nos espaços digitais Assim, decidimos adotar uma estratégia que não privilegiasse a análise de discurso propriamente dita, num sentido estritamente semiótico, mas sim que nos permitisse uma visão dos textos, formas, estruturas, conteúdos e suas funções, relações e representações dentro destes objetos, de forma a esclarecer e compreender os elementos, recursos, construções estratégicas e suas manifestações neste meio. Para tanto estabelecemos dois conjuntos de materiais para análise, que serão tratados em capítulos específicos e seqüentes, recebendo títulos oriundos das características, especificidades e elementos observados em cada website. Esta decisão surge das percepções obtidas na pré-observação quanto a diversidade de conteúdos dos websites e o agendamento presente nas páginas iniciais dos mesmos, e que nos permitiram observar a variedade e multiplicidade de processos e estratégias presentes nos objetos. É importante citar, antes de descrever as especificidades de tais conjuntos, que estes são oriundos dos mesmos objetos, ou seja, são elementos constituintes dos websites dos candidatos e da campanha como um todo. Efetuamos tal divisão tendo em vista a percepção da necessidade de observar os diferentes e diferenciados processos e estratégias que se mostram nestes espaços, percepção surgida durante nossa pré-observação, que estará explicitada nos textos. Ou seja, examinaremos em cada conjunto processos e elementos diferentes, apesar de serem ambos oriundos de uma mesma campanha. Dos menus de navegação dos websites surge o primeiro conjunto, a que denominamos de “Mapeamentos, caracterizações e representações”, onde buscamos uma visão geral dos recursos, conteúdos e discursos presentes nos websites, ou seja, a diversidade de elementos, conteúdos e linguagens presentes nestes espaços. Neste conjunto atentamos não só para a posição hierárquica destes elementos, mas também para os benefícios e estratégias que manifestam. Assim nos ocupamos de descrever não somente as páginas e seções, mas também a forma de acesso a estas, observando mensagens textuais e mensagens na forma de imagens que se apresentam nos links, bem como as possíveis funções que se manifestam nestes. www.bocc.ubi.pt 138 César Steffen Ao segundo conjunto denominamos “Agendamentos e Cruzamentos”, sendo este formado pelas páginas iniciais dos websites, pois estas se configuram como o primeiro elemento de contato com o espaço, estabelecendo o contrato de leitura, o processo de troca midiatizada, não presencial, entre as estratégias dos produtores e a seleção efetuada pelos receptores. Assim demonstra os elementos mais relevantes para as estratégias do campo político, num processo semelhante as capas de revistas e jornais que, segundo Verón (1989) é o lugar onde este contrato deve mostrar-se da forma mais clara possível. Neste conjunto, lembrando que os fatos e processo políticos não se fazem por si, isolados, mas por e através de um amplo e complexo cruzamento de operações, influências e estratégias de diferentes campos, buscamos identificar não somente conteúdos e elementos das estruturas gerais que recebem destaque e espaço, mas também outros campos que se acoplam ou são acoplados pelo campo político, sendo assim elementos de sustentação e construção das estratégias e visibilidades destes nos websites. Para tanto surgiu a necessidade de efetuar recortes e agrupamentos entre os elementos destas páginas, estabelecendo relações comuns aos diversos websites. Criamos, então, quatro categorias de análise, oriundas das percepções obtidas na fase de pré-observação, sendo estas: 1) Fragmentos de Campanha – compreende as áreas dedicadas às informações, ao dia-a-dia e ao acompanhamento dos fatos e fatores da campanha, com característica fortemente jornalística e sendo normalmente a área de atualização mais freqüente no website. Estes fragmentos serão analisados tendo em vista a sua estratégia de atualização e os conteúdos de inserção mais freqüentes, podendo ser de três tipos distintos, que denominamos: • Manchetes, os elementos ou informações de maior destaque e privilegiados em sua posição espacial, acompanhadas de imagem título e lead apresentando ou resumindo seu conteúdo; • Notícias, semelhante às manchetes, mas em posição de menor destaque e sem o lead, composta apenas de titulo e imagem; www.bocc.ubi.pt 139 A Política nos espaços digitais • Notas são apenas os títulos das notícias inseridos nas páginas iniciais. 2) Banners – compreendemos por banners imagens, animadas ou estáticas, que se vinculam visualmente às propostas, projetos e elementos da campanha. Estes banners podem ser principais ou secundários, dependendo de sua posição na página, ou seja, do ponto de leitura e da possibilidade de visualização direta ou não do mesmo na página. 3) Pop-ups – pequenas janelas que se sobrepõem a tela principal destacando conteúdos, recursos ou elementos do website. Estas janelas e serão analisados em sua função e conteúdo no momento em que são apresentados; 4) Itens – por itens compreendemos elementos textuais ou visuais individuais, “soltos” que não se identificam com as categorias anteriores. Estes serão analisados em sua posição e ao conteúdo que remetem e suas possível função estratégica. Cabe ressaltar novamente que estas categorias e denominações são frutos de nosso processo de pré-observação dos websites, em que identificamos as áreas, funções e recursos principais das páginas iniciais, permitindo-nos assim generalizar funções e elementos da páginas iniciais dos websites. Neste processo de análise estaremos acompanhados, se não formal mas, no mínimo, implicitamente, de vários conceitos e teorias que discorremos em nossos blocos teóricos, como a noção de campos sociais e as competências e especificidades dos campos político e midiático, a partir das quais identificamos os campos presentes e envolvidos no processo de construção e evolução destes espaços. Outros que podemos citar são os conceitos de midiatização e suas especificidades discursivas, assim como os efeitos de mídia de Rubim, uma vez que estamos analisando o discurso político midiatizado na Internet. Da mesma forma a noção de acoplamento, auto e heterorreferencia de Luhmann nos apóiam www.bocc.ubi.pt 140 César Steffen no sentido de identificar os processos de construção de tais discursos, sendo todas perpassadas pelas definições, por nós propostas, de espaço digital e de ampliação e expansão de discursos. Frente a amplitude de elementos destes dois conjuntos, e tendo em vista a velocidade de mudanças no cenário da campanha, percebemos a necessidade de limitar o período de análise, de forma a não só obter o máximo de foco nos resultados mas também evitar uma maior extensão dos textos das análises. Selecionamos, então, um período de tempo que se iniciou na data de seis de agosto de 2002, duas semanas antes do início do HPEG no rádio e na televisão. Nesta data não só já havíamos encerrado a fase de pré-observação como também os principais candidatos47 já faziam uso dos websites. Este período se encerra no dia da votação em segundo turno, que encerrou o pleito em vinte e sete de outubro de 2002, período que nos permite observar o máximo de processos e feitos na campanha devido principalmente a alta visibilidade política gerada pelo HPEG. Neste período sorteamos datas dentro de intervalos de sete dias contados a partir da data inicial já citada, obtendo assim recortes temporais onde podemos observar não somente os diversos conteúdos mas também a influência e agendamento do cenário geral da campanha nos websites. Neste sorteio obtivemos as seguintes datas: 47 Neste período Lula, Serra, Ciro e Garotinho já disponibilizavam websites próprios vinculados à campanha. Zé Maria coloca seu “hot website” em período posterior ao início do HPEG, e Rui Costa Pimenta vincula seu campanha ao website do partido, inserindo dados e informações de forma gradual. www.bocc.ubi.pt 141 A Política nos espaços digitais Turno 1o Turno Votação 06 de outubro Agosto Setembro Outubro 10 06 18 12 05 21 16 06 30 26 08 2o Turno 27 de outubro XX XX 16 25 27 Nota-se nas tabela acima que as datas de eleição nos dois turnos não foram consideradas no critério de sorteio, mas incluídas como datas de análise por sua – óbvia - relevância no processo eleitoral. Quando relevante, ou seja, quando a data de observação de um fenômeno mostrar-se importante frente ao cenário geral da campanha citaremos a mesma. Porém adiantamos que não nos ocuparemos dos processos ou fatos observados em detalhes, a cada data, mas sim descreveremos e analisaremos de forma geral, tomando cuidado com o processo evolutivo dos mesmos e com as marcas temporais, onde as datas sorteadas tornam-se marcos referenciais ao processo. No caso de algum candidato não disponibilizar website no período contemplado, efetuaremos as análises nas mesmas datas sorteadas, porém contando a partir do momento de entrada do mesmo, fato que estará explicitado no texto. Cabe ressaltar que dividimos as datas de análise em primeiro e segundo turno porque entre estes há um re-ordenamento das forças políticas envolvidas que afeta e se reflete no processo como um todo, devendo sua influência nos websites ser compreendida, o que também se reflete na organização dos capítulos, divididos em primeiro e segundo turno. Da mesma forma, e para facilitar a percepção e as comparações entre as estratégias dos candidatos dentro destes turnos, organizamos cada conjunto em capítulos distintos, separados. www.bocc.ubi.pt 142 César Steffen Nestes primeiramente analisamos cada website individualmente, em sub-capítulos, onde tratamos das especificidades, características, recursos e estratégias de cada um, sendo cada capítulo encerrado com algumas observações comparativas que nos tragam uma visão geral das semelhanças e diferenças dos processos e fazeres dos mesmos. Encerradas as análises dos dois turnos nos ocupamos de comparações e observações gerais, onde efetuamos uma análise das diferentes estratégias e processos identificados no espaço de cada candidato pois, obviamente, estes concorrem entre si e suas estratégias buscam sobrepor o candidato aos demais. Logo a comparação objetiva justamente compreender esta busca de supremacia, bem como ressaltar pontos e elementos de destaque. No decorrer das análises inseriremos imagens (telas capturadas nestes websites) como forma de reforçar, apresentar e descrever os elementos, fenômenos e processos a que nos referimos. Estas imagens estão numeradas em seqüência contada dentro de cada capítulo, pois cremos que assim facilitamos o processo de identificação e localização das mesmas junto aos conteúdos. Ressaltamos, entretanto, que a função dominante destas é apenas ilustrar o que nos referimos nos textos, recordando que, frente as estratégias e recortes citados, nem todos os elementos presentes nas mesmas são cabíveis de análise, segundo nossos objetivos. Pode-se notar que esta perspectiva metodológica pode levar a uma generalização da análise. Adiantamos que assumimos tal risco, na medida em que notamos uma ausência de metodologias específicas para análise e caracterização da política na Internet. Isto nos leva a investir numa experimentação metodológica que nos oferece o máximo de diálogo com o(s) objeto(s) empírico(s) permitindo, assim, buscar a máxima compreensão das estratégias e influências que o campo político recebe ao mobilizar a Internet como elemento de campanha eleitoral no processo de 2002. www.bocc.ubi.pt 143 A Política nos espaços digitais 3. 1o turno: os websites no HPEG Neste capítulo apresentamos o trabalho de análise da campanha Presidencial de 2002. Inicialmente buscamos construir o cenário em que se faz tal pleito, efetuando um resgate histórico dos movimentos dos principais partidos e candidatos para, então, colocar algumas considerações gerais sobre os websites e, a seguir, em capítulos específicos, adentrar as especificidades destes espaços de campanha. Num processo eleitoral marcado pelo que Rubim (2002) chama de uma superexposição na mídia, em contrapartida a um silenciamento quase constrangedor de 1998, o pleito Presidencial de 2002 começou a se configurar no encerramento e apuração do pleito municipal de 2000. Neste o desempenho do Partido dos Trabalhadores, obtendo vitórias em 182 municípios e 5 capitais, somado às administrações petistas nos estados apresentava a possibilidade de uma nova candidatura de Luís Inácio Lula da Silva que, caso confirmada, seria a quarta tentativa de alcançar o cargo máximo da nação. A situação econômica do país, fragilizado pela perda de força do Real frente ao Dólar, a grave crise econômica e política da vizinha Argentina, que trazia reflexos diretos para a economia Brasileira, somados aos altos índices de desemprego, aumentavam as expectativas e reforçavam os debates sobre as possíveis alianças e candidatos que se lançariam frente a opinião pública no pleito de 2002. No contexto das convenções partidárias, o PT realiza prévia entre Suplicy e Lula, sendo este novamente sagrado candidato pelo seu partido. Com o apoio do então presidente do PT, José Dirceu, Lula costura alianças com partidos de esquerda e um de centro-direita, o PL, que indica o candidato a Vice, o Senador e empresário mineiro José Alencar. Mostrando estar disposto a não promover rupturas com o projeto econômico da administração que buscava suceder, grande temor do mercado financeiro e mesmo da população, e efetuando várias ações de alto impacto e visibilidade midiática, como a visita à BOVESPA (Bolsa de Valores do Estado de www.bocc.ubi.pt 144 César Steffen São Paulo) e a reunião com empresários na FIESP (Federação das Indústrias de São Paulo), Lula contrata o “marketeiro” Duda Mendonça que, juntamente com personagens como José Dirceu, o ajuda a construir uma nova imagem que lhe rendeu o apelido de “Lula light” ou “Lulinha paz e amor” dos adversários e o apoio de ex-adversários como José Sarney e Itamar Franco. Nas primeiras semanas do HPEG Lula divulga o endereço “www.programalula.com.br” em vinheta animada acompanhada de locução feminina interpretada: “Agora mande pra gente a sua opinião sobre o programa” (ilustração 3.1), mostrando um pedido de interação por parte do usuário. Ilustração 3.1 – vinheta de divulgação Esta vinheta foi divulgada por cerca de duas semanas sempre no final do programa, convidando os espectadores a manifestarem sua opinião sobre o programa de TV através de um questionário fechado48. Este domínio divulgado remetia ao website do candidato sob o domínio “lula.org.br”, contendo várias seções e conteúdos sobre o candidato e suas propostas. Construído com tecnologia ASP – Active Server Pages – a programação visual do website de Lula foi formatada em concordância com a programação visual da campanha, explorando amplamente os materiais gráficos como cartazes, adesivos, outdoors, etc. A escala de cores utilizada no menu e nas páginas seguia a identidade da logotipia do PT, predominantemente vermelha e branca associando fortemente o website ao partido, mas também foi criada uma linguagem visual própria, com a 48 Sobre este questionário de pesquisa nos debruçaremos em detalhes na análise a seguir. www.bocc.ubi.pt 145 A Política nos espaços digitais adoção de imagens e ícones como elementos de diagramação nas capas das seções e nas páginas internas. O primeiro elemento do menu de navegação, que se situava na parte superior da tela e era imutável em todas as páginas, apresentava foto do candidato ao lado da frase “Bote fé e clique Lula”, um jogo ou brincadeira com o jingle da campanha “Bote fé e diga Lula”, num sentido confiabilidade, união ou mesmo integração quase religioso, que pode ser notado no uso da palavra “fé”. Este menu era constituído de elementos em fundo cinza, trocando a imagem para cor vermelha com a passagem do mouse sobre o mesmo. Através deste menu o usuário acessava as várias seções do website, como “A vida de Lula” e “Eleitor de Carteirinha”, que buscavam deixar bem claro seus conteúdos, elementos e recursos para o usuário. As capas destas seções apresentavam os diversos conteúdos das mesmas, seguindo um conceito básico e coerente. Os conteúdos e elementos eram distribuídos em 3 colunas, tendo sempre a coluna central os conteúdos principais da seção. A exceção era a seção “O Brasil que a Gente quer”, que continha o Programa de Governo do candidato, diagramada em apenas duas colunas. A estratégia do candidato amplia-se através de vários conteúdos, abrangendo desde sua biografia, depoimentos e propostas até recursos para receber doações e distribuir peças gráficas de campanha, mostrando o foco do website nos atos, discursos e ações do candidato principal, suas propostas e no apoio de vários outros campos que suportam e validam suas posições. Os ataques dos adversários ou mesmo eventuais polêmicas e questões levantadas por outros campos eram respondidos por aliados e apoiadores através de entrevistas ou matérias em formato jornalístico, mantendo Lula afastado de polêmicas e sustentando a sua imagem “light”. Entretanto a construção dos textos mostrava certa incoerência com o meio Internet, sendo os mesmos muito extensos e formatados em blocos, cuja leitura exigia muito tempo e atenção do usuário. O campo midiático, importante ator no processo por sua capacidade de influir na opinião pública e pautar os debates, era tratado no website como coadjuvante do processo eleitoral. As aparições e ações do candidato na mídia e os atores do campo – entrevistas, como as realizadas pelo Jornal da Globo, ou www.bocc.ubi.pt 146 César Steffen debates com outros candidatos – são apresentados não como um evento, mas como um espaço onde o candidato apresenta e faz visíveis suas propostas e discursos. Por outro lado, cabe destacar que o website também é usado como elemento de aproximação com o campo midiático, onde a entrevista de José Dirceu para jornalistas de várias cidades, transmitida em áudio e vídeo em uma área restrita, mostra-se como maior emblema, por ter usado da tecnologia e do potencial de livre acesso do meio como forma de integrar veículos que não tinham condições de acompanhar o dia-a-dia da campanha49. Os partidos integrantes da coligação que sustentava o candidato - PL, PC do B e PMN50 - não recebem espaço ou são citados, tendo o PT predominância não somente no tocante à identificação do candidato, mas também na programação visual do website. Da mesma forma o candidato a Vice recebe muito pouco espaço e destaque, mostrando o foco do website no partido de Lula e no candidato. José Serra, o mais visível dos ministros da administração de FHC depois dos envolvidos com a área econômica por sua luta pela lei dos remédios genéricos e pela saúde pública, entra no pleito de 2002. Ladeado pela vice Rita Camata, deputada criadora do projeto de responsabilidade fiscal cuja imagem moderna e simpática busca equilibrar a sua face séria e um tanto fechada, Serra entra no pleito apoiado pela máquina partidária da coligação PSDB-PMDB, denominada de “Grande Aliança”. Assessorado pelo publicitário Nizan Guanaes, Serra aproveita o maior tempo no HPEG de todos os candidatos no primeiro turno para divulgar sua principal proposta, o “Projeto Segunda-feira”. No HPEG divulgava o endereço “www.joseserra.com.br”, construído e vinculado ao seu nome, mostrando ser um espaço do candidato e suas propostas, mas sempre junto aos apresentadores ou em clipes de campanha, aparentando vincular o website à sua campanha, não a sua candidatura (ilustração 3.2). 49 Apresentaremos mais detalhes deste processo no decorrer da análise. Cabe lembrar que, em entrevista ao Jornal Nacional, ao ser questionado por Wiliam Bonner sobre a coligação do PT com um partido de direita, o PL, Lula começa sua resposta citando os demais partidos integrantes da coligação. 50 www.bocc.ubi.pt 147 A Política nos espaços digitais Ilustração 3.2 - Divulgação website José Serra Também usando tecnologia ASP, o website de José Serra era bastante simples, leve e funcional, com navegação direta, clara e rápida. Isto podia ser notado tanto nos menus como nos conteúdos, construídos com textos curtos e diretos, mantendo uma coerência na diagramação e na disposição espacial dos elementos em todos o website. Isto demonstra preocupação em facilitar a experiência do usuário e agilizar o contato com os diferentes recursos envolvidos. Na fase de pré-observação até o início do HPEG as cores usadas apresentavam-se dentro de uma escala de azul, verde e amarelo idênticas às da bandeira Brasileira e condizentes com o logotipo do PSDB, porém sem predominância de nenhuma delas. A barra superior apresentava-se semelhante a um banner, valorizando o logotipo da campanha e as fotos dos candidatos e dando destaque à foto da candidata a Vice-Presidência. O conteúdo concentrava-se – ou era resumido – no menu de navegação, estruturado como uma barra vertical no lado esquerdo das páginas, e evolui junto com a campanha mostrando foco nas propostas de Serra, que recebem vários tratamentos visuais e textuais diferenciados, e nas biografias dos candidatos, onde a Vice recebe destaque e espaço relevante, demonstrando uma preocupação da valorização da mulher. Os textos, principalmente nas áreas referentes a fragmentos de campanha, utilizavam amplamente recursos de hipertexto ofertados pelo meio, remetendo a outras seções do website com maiores detalhes e informações sobre propostas e projetos citados, mostrando um aproveitamento estratégico dos recursos técnicos do meio para a apresentação e o aprofundamento dos conteúdos e discursos de Serra. Assim como os demais candidatos o Programa de Governo de Serra era encontrado completo no website, podendo ser copiado em formato “.PDF”. www.bocc.ubi.pt 148 César Steffen Mas Serra inaugura novas práticas de interação com os usuários, tanto através da disponibilização de recursos de envio das notícias por e-mail como, principalmente, através do “Pelotão 45”, usuários cadastrados que recebiam “missões” de campanha através do e-mail. Além disso, no período mais próximo a votação no primeiro turno passa a inserir mensagens de apoio enviadas pelos usuários, tornando-os propagadores e mesmo sustentáculos do posicionamento e ações da candidatura. No início do HPEG, quando Serra apresenta sua principal proposta, o “Projeto Segunda-feira”, o website muda, adotando como cor predominante o azul da carteira de trabalho, elemento de destaque na programação visual de sua campanha em todos os meios. Este destaque passou a ser notado também nos banners e no menu, que privilegiavam o programa de geração de empregos que permeava todos os elementos e conteúdos do website. Até a votação em primeiro turno a página inicial privilegiava os fragmentos, através de informações sobre o dia-a-dia da campanha e de depoimentos/falas dos candidatos e seus apoiadores, que ocupavam os principais pontos de leitura. Havia sempre espaço para uma manchete relacionada diretamente à campanha ou ao candidato e, ao lado, espaço para notícias e notas relacionadas a fatos como eventos realizados por entidades apoiadoras, apoios recebidos de outros campos ou mesmo do campo político, citações na mídia, etc, onde notamos que o website se utiliza das lógicas e estratégias do jornalismo na construção de seu website. Através destas notas e notícias Serra ataca seus adversários, ressaltando falhas ou fazendo cobranças de atos dos adversários e também usando de toque de humor ou ironia, criando jingles específicos contra Ciro e Lula, mostrando uma manifestação ou inserção de um discurso eminentemente político, cruzado com linguagens e elementos estratégicos de outras mídias dentro do suporte tecnológico do meio Internet. Destacamos, também, que o website de Serra se une de várias formas a vários campos, principalmente o campo midiático, aproveitando suas ações, falas, atos e estratégias para construir a imagem e as visibilidades do candidato. Além disso, o website utilizava-se amplamente de materiais e enunciados da www.bocc.ubi.pt 149 A Política nos espaços digitais mídia, sendo até mesmo por ele pautado, dando a tal campo o poder ou o valor de verdade sobre sua campanha e candidatura. Neste ponto cabe citar a relevância dos atores do campo midiático, especialmente os televisivos, que ganham destaque e permanência em diversas páginas e seções, sendo alçados à posição de analistas e interpretes das demandas e realidades da sociedade. Auxiliando com suas falas e imagens a construção da candidatura de Serra, repete-se no website um jogo de transferência de credibilidade muito comum e presente nas campanhas políticas midiatizadas. Ciro Gomes, que no pleito de 1998 havia obtido o terceiro lugar com pouco mais de 10% (dez porcento) dos votos válidos lança-se novamente numa coligação entre seu partido, o PPS, o PDT de Leonel Brizola e o PTB, chamada de “Frente Trabalhista”. Pautando os programas do HPEG com fortes críticas a gestão de FHC e propostas de reforma tributária e mudanças na economia, Ciro dá a sua campanha um tom levemente nacionalista e integrador, aproveitando sua experiência político-administrativa como prefeito, governador e ministro para buscar destacar-se frente a seus adversários, principalmente Serra e Lula, que são atacados frontal e diretamente em suas propostas, histórias e projetos. No HPEG Ciro divulga, sempre junto de suas falas e aparições, o endereço www.ciro23.com.br (ilustração 3.3), mostrando ou legitimando o mesmo a partir e através de suas ações. Ilustração 3.3 – HPEG de Ciro Gomes Travamos o primeiro contato com este espaço em fevereiro de 200251, antes mesmo do prazo para as convenções partidárias determinado pelo TSE, e 51 Tomamos conhecimento do lançamento no dia quatorze de fevereiro através de um spam. www.bocc.ubi.pt 150 César Steffen identificamos alterações significativas no mesmo no dia trinta de julho, pouco antes do início do HPEG, quando a programação visual e a estrutura do menu foram alteradas. Até esta alteração, o website tinha como característica uma programação visual simples. As cores eram basicamente sólidas, observando-se a predominância de tons de azul e vermelho. A barra superior continha foto e nome do candidato, sendo que o menu continha poucos itens, utilizando recursos de javascript para a geração de menus secundários com a passagem do mouse, e continha grupos de discussão para usuários cadastrados, que eram acessados a partir de um pequeno banner abaixo do menu52. No dia trinta de julho o website passou por uma série de alterações estruturais. A escala de cores foi alterada, passando a integrar a programação visual das peças de campanha do candidato, e o logotipo oficial foi acrescentado ao lado da foto do candidato. Neste mesmo momento os itens secundários passam a integrar o menu de forma direta. As páginas referentes à história e à experiência administrativa do candidato (“Ciro governador”, “Ciro Prefeito”, etc.), antes sub-itens da biografia, passaram a integrar o menu principal a partir do topo, resumindo e apresentando, de forma clara e direta, o currículo político de Ciro Gomes. Nas páginas internas, os títulos dos textos aumentam de tamanho e passam a ocupar mais espaço na tela, muitas vezes operando quase como um lead do texto. As páginas ganham nova formatação, distribuindo os conteúdos de formas diferenciadas. A galeria de fotos recebeu maior quantidade de imagens, todas com legenda do local, ato e data de realização. Surgiram páginas e seções dedicadas às aparições do candidato na mídia e materiais de campanha, como jingles e peças publicitárias, e o Programa de Governo do candidato em formato “PDF”. A página inicial passa a inserir fragmentos de campanha diariamente, porém sem uma estratégia de atualizações fixa, mas sempre acompanhando o ritmo dos fatos, notícias e informações da campanha, sendo que observamos que nos finais de semana estas atualizações eram menos freqüentes. 52 Cabe observar que não travamos contato com estes grupos pela necessidade de cadastro. www.bocc.ubi.pt 151 A Política nos espaços digitais Nesta o espaço de maior visibilidade era reservado para atos do candidato e ataques aos adversários, elementos tipicamente políticos de uma campanha, sempre com título negritado acompanhado de imagem ilustrativa, reservando espaço para o logotipo da Frente Trabalhista, coligação que apoiou o candidato. Em termos de estrutura e programação visual o website de Ciro apresentava-se mais blocado, com linhas mais retas e com textos mais longos. Já em termos de conteúdo podemos observar uma boa variedade de ofertas, onde a biografia do candidato e a mídia recebem destaque e lugar privilegiados. De forma geral, no website de Ciro o eleitor encontrava tudo que porventura tivesse perdido na mídia convencional, bem como o agendamento do candidato com as outras mídias e assuntos que o espaço da mídia convencional não permitem tratar ou aprofundar eram detalhados ao máximo. Anthony Garotinho, governador do Rio de Janeiro e político oriundo do campo midiático, onde havia atuado no rádio e na televisão, entra no pleito como candidato de seu partido, o PSB. Com pouco tempo na televisão e numa campanha com falta de recursos financeiros, que o leva inclusive a lançar bônus de um R$ 1,00 (um real) para captação de doações junto a população, Garotinho mostra-se com um tom mais populista, pautando seus discursos pelo aumento do salário mínimo e pelas ações sociais. No HPEG Anthony Garotinho divulgava a URL “www.garotinho40.com.br” em momentos aleatórios, acompanhando suas falas ou em clipes de campanha (ilustração 3.4). www.bocc.ubi.pt 152 César Steffen Ilustração 3.4. – divulgação do website no HPEG Essa apresentação só foi notada após o primeiro mês do HPEG, quando o candidato começou a subir nas pesquisas de intenção de voto, indicando a possibilidade de ultrapassar Ciro Gomes e assumir a terceira posição no pleito, momento em que também executa uma série de alterações na programação visual do website. Durante toda a campanha a página inicial do website era organizada em 03 colunas, sendo a da direita e da esquerda reservadas aos menus e a central, maior, ao conteúdo como fotos, manchetes, notas, etc. O menu à esquerda era composto de seções do website dedicadas ao candidato, e o menu à direita era reservado para materiais e conteúdos referentes ao PSB, Partido Socialista Brasileiro. Acima destas colunas havia uma barra formada pelo logotipo da campanha e foto do candidato, ao lado de mensagens que se revezavam apresentando as propostas de Garotinho, sendo que abaixo havia três botões em azul escuro. Na primeira fase, a escala de cores utilizada no website apresentava-se desvinculada da logotipia do partido ou mesmo da campanha. Enquanto estes usavam basicamente as cores vermelha, amarela e verde, o menu lateral esquerdo utilizava azul claro de fundo, azul escuro nos botões e preto nos links e textos, demonstrando um aparente descuido com a identidade político-partidária na Internet. Já o menu lateral direito, dedicado ao partido do candidato, utilizava amarelo claro como cor de fundo, vinculados diretamente a identidade visual do mesmo. www.bocc.ubi.pt 153 A Política nos espaços digitais Na segunda fase a estrutura básica foi mantida, mas mudaram as cores das barras de navegação. O azul do menu a direita foi trocado por um tom de verde mais próximo ao usado nos materiais gráficos, e o amarelo do menu à direta foi levemente escurecido, ficando mais forte. A imagem da barra superior adotou a logotipia e a foto oficial da campanha, ganhando um fundo avermelhado seguindo assim a escala de cores e a programação visual da campanha. A página inicial do website destacava notícias e fatos recentes da campanha, trazendo um breve resumo logo abaixo da chamada, que levava para página com texto completo. Logo abaixo eram inseridos conteúdos diversos como frases, comentários do candidato, enquetes, etc. Isto levava a formação de uma extensa barra vertical de rolagem causando certo desconforto e mesmo desorientação no acesso, devido principalmente a ausência de divisões ou elementos gráficos que marcassem e delimitassem os diferentes conteúdos. Esta mesma rolagem era observada na maioria das páginas internas, que apresentavam textos extensos, blocados. Nos conteúdos predominavam materiais próprios produzidos pela assessoria ou pelo próprio candidato, o que notava-se pela quase absoluta ausência de créditos para os textos. Havia também muito material obtido na mídia, como entrevistas, matérias de jornais, rádios e emissoras de televisão, etc., sendo estes, a exceção dos demais, creditados, porém os materiais próprios mostravam-se predominantes. O website aparentava ser um complemento da campanha, sendo bastante focado no candidato e nos fragmentos de campanha, reservando amplo espaço as declarações, discursos e ações de Garotinho. Além disso, vários conteúdos como o Programa de Governo, eram apresentados de forma completa e detalhada, ganhando espaço e destaque e possibilitando, para o usuários, o contato e aprofundamento com elementos que não podemos eram aprofundados pelas marcas temporais das demais mídia. Já a preocupação com informações sobre o partido, no menu à direita, demonstra uma estratégia de aproveitamento do espaço da candidatura em prol do partido, ou seja, da captação de simpatizantes, filiados e divulgação programática que não foi notada na maioria dos demais websites. www.bocc.ubi.pt 154 César Steffen Dois outros candidatos, Zé Maria de Almeida e Rui Costa Pimenta, apresentam-se como candidatos por seus partidos, respectivamente o PSTU e o PCO. Com apenas trinta segundos na televisão Zé Maria pauta seu discurso pela oposição à ALCA e a dívida externa, cobrando compromissos de Lula, de quem foi companheiro de cela quando presos pelo regime militar em 1980, com os trabalhadores. Apresentando de forma simples, sempre em fundo preto e usando roupas comuns, sem o tratamento estético usado por outros candidatos, no HPEG o candidato Zé Maria divulgava o endereço do website “www.pstu.org.br” e o email [email protected], tanto acompanhando suas falas quanto em clipes e matérias do programa, mostrando uma ênfase na sigla e na identidade do partido (ilustração 3.5), e não na sua pessoa. Ilustração 3.5 – divulgação do website do PSTU no HPEG Durante a fase de pré-observação, o website do PSTU apresentava grande quantidade de material produzido pelo próprio partido. Na página inicial destacavam-se chamadas para matérias como “Plebiscito ALCA – diga não”, “PSTU recebe O´Neill com protestos no Rio e em Brasília”, que mostravam claramente o posicionamento ideológico do partido e demonstravam a intenção de utilizar este espaço como um canal de propagação de suas idéias e ideologias. Além disso, várias imagens destacavam as ações, manifestações, projetos e mesmo veículos do partido, e o seu presidente Zé Maria recebia destaque num banner superior intitulado “Fala Zé Maria”. No dia quatorze de outubro, cerca de uma semana antes do início do HPEG, surgiu sobre a página inicial do website do partido uma grande janela tipo “pop-up”, que cobria praticamente toda a tela, com conteúdos referentes ao www.bocc.ubi.pt 155 A Política nos espaços digitais candidato Zé Maria, à Vice Dayse de Oliveira e ao pleito de 2002. Este hotsite carregava automaticamente ao acessar o endereço www.pstu.org.br, mas também podia ser acessado a partir de um banner na página inicial do website do partido. Construída com as cores do PSTU, vermelho e amarelo, o hotsite destacava o candidato e o logotipo do partido, junto ao qual era inserido o número 16, identificando-se com as eleições, destacadas abaixo do logotipo do partido, mas mostrava uma forte marca doutrinária, ideológica, que permeava a construção dos diversos conteúdos e elementos apresentados. A formatação das diversas páginas e seções mostrava uma coerência, tanto na escala de cores das imagens e textos, basicamente nas cores vermelha e preta, vinculadas diretamente à logotipia e à programação visual do diferentes materiais de campanha, quanto nos conteúdos, onde as ideologias e doutrinas do partido se sobrepunham à questão eleitoral, apesar do hotsite se identificar com a eleição. Valorizando os discursos e falas dos candidatos, o hotsite apresentava as agendas e bandeiras de luta do partido, que eram colocadas não só como propostas e projetos, mas também através de atos, notícias e mesmo discursos dos candidatos. Além disso, abria amplo e destacado espaço para as campanhas e candidatos do PSTU nos Estados, através de um mapa do Brasil que permitia rápido acesso às informações sobre a campanha do partido nas várias Unidades da Federação. Isto nos permite afirmar que o hotsite se apresentava como um elemento vinculado a campanha, não ao candidato, apesar de este receber destaque e espaços privilegiados na programação visual e nos conteúdos. A programação visual mostrava fortes marcas do discurso e de estratégias publicitárias muito presentes no meio, como o uso de recurso de tecnologia “Flash” na construção do mapa o Brasil e mesmo nos elementos da barra superior. Ao mesmo tempo os textos e conteúdos, com fortes marcas ideológicas, se apresentavam num formato jornalístico, demonstrando um cruzamento de lógicas presentes e oriundas do campo midiático que influem e permeiam a construção da visibilidade do partido na Internet. www.bocc.ubi.pt 156 César Steffen Já Rui Costa Pimenta, assim como Zé Maria, mostrou-se no HPEG sempre em estúdio e vestido de forma simples, aparentemente buscando reforçar sua imagem de trabalhador. Observamos um equilíbrio na exposição do candidato e do partido (ilustração 3.6), que ocupavam espaços equivalentes na tela, sendo inclusive o candidato deslocado no enquadramento enquadrado para reservar espaço para o logotipo do PCO (ver ilustração 3.6). Seu discurso de campanha apresentava-se mais intelectualizado, se colocando como o único candidato genuinamente dos trabalhadores e pautando suas aparições no HPEG pela discussão de questões de fundo da sociedade brasileira, como as reforma da previdência, mostrando uma leitura fortemente ideológica e esquerdista da campanha. Os trinta segundos do Partido da Causa Operária no HPEG se encerravam com uma vinheta contendo o logotipo do partido, onde o “O” era uma roda dentada de engrenagem, imagem fortemente vinculada à metalurgia, o endereço “www.pco.org.br” e o e-mail “[email protected]”, mostrando uma forte vinculação com a identidade, com a “marca” do partido (ilustração 3.6). No último mês de campanha, mais próximo ao final do HPEG, o endereço do website passa a ser apresentado também junto aos candidatos, abaixo do e-mail, do telefone e do número do partido. Ilustração 3.6– divulgação do website do PCO no HPEG O endereço gerava acesso a uma página em fundo preto onde, no centro, se inseria uma montagem das fotos do candidato a Presidência Rui Costa Pimenta e do Vice Pedro Paulo de Abreu Pinheiro. Os nomes dos mesmos escritos em cor azul ao redor da mensagem “Quem é de luta, que é trabalhador, vota em partido e candidatos revolucionários, www.bocc.ubi.pt 157 A Política nos espaços digitais operários e socialistas”. Ao lado a sigla e o nome do partido ladeavam uma fotografia de Leon Trotski (ilustração 3.4.2). Caracterizando-se como o que se denomina de corredor de abertura ou de apresentação esta imagem, ao clicada, carregava a página inicial do website propriamente dita, onde eram apresentados os diversos conteúdos, recursos e elementos do website (ilustração 3.4.3). Nota-se ai que na apresentação, ou seja, no primeiro elemento de contato o partido apresenta-se com uma imagem e formato fortemente marcados pelo discurso político e pela identidade do partido. Esta forte e constante marca ideológica transparece em outros elementos do websites, através do uso de imagens de personagens como Trotski, Lênin e Che Guevara, ícones revolucionários da esquerda que marcaram as lutas ideológicas entre classes dominantes e dominadas em épocas passadas. As páginas não mostravam uma organização ou mesmo coerência na formatação e diagramação dos diversos conteúdos, utilizando cores fortes, sólidas, e textos em branco extensos e blocados, fatores que somados prejudicavam e tornavam a leitura demorada e cansativa. O website tinha vários níveis de navegação, chegando a ser necessários cinco ou seis cliques do mouse para acessar alguns conteúdos, e vários itens prometiam elementos mas não possuíam link, causando desconforto e mesmo frustração pela experiência não cumprida, mostrando uma formalidade na organização do conteúdos e discursos e mesmo, se não principalmente, uma falta de domínio da linguagem, estratégias e formatos do meio. No tocante à área dedicada à eleição, acessada a partir de um item com este título no menu, este processo se repete. Notamos também uma incoerência na estrutura de navegação, pois não só o menu desaparecia em muitas páginas como também muitos itens apresentados não geravam ou continham links, o que nos leva a questionar sua função ou presença na estrutura geral. Da mesma forma notamos um foco constante no candidato Rui Costa Pimenta, mas este apresenta e debate temas e propostas desvinculadas da eleição e do cenário nacional, insistindo mais em questões ideológicas como a “luta contra o imperialismo norte-americano”. Vemos assim que o partido usar a eleição para apresentar seus discursos e visões políticas e não estar interessado em conquistar votos, falando www.bocc.ubi.pt 158 César Steffen para seus simpatizantes e correligionários, visão esta reforçada pela percepção que o número do candidato, elemento de efetivação da votação na urna eletrônica, ser apresentado apenas em uma imagem, desaparecendo nas seções e páginas. Estes dois candidatos, Zé Maria e Rui Costa Pimenta, foram visível e sistematicamente ignorados pelo campo midiático, recebendo pouco ou nenhum espaço nas coberturas diárias nos telejornais, menos espaço na mídia impressa. Da mesma forma não foram convidados a participar dos três debates promovidos pelas emissoras de televisão entre os candidatos - respectivamente nas emissoras Band, Record e Globo – e nas entrevistas realizadas nos diversos programas. Em função disso o candidato Zé Maria encaminhou ao TSE reclamação por não ter sido convidado para as rodas de entrevistas na Rede Globo. Em resposta o ministro do TSE Fernando Neves comentou ser “perfeitamente admissível e coerente” que os candidatos com maior representatividade ocupem mais espaço na mídia, e que o pedido de obrigatoriedade da emissora ceder espaço não era cabível porque não era da alçada da Justiça Federal legislar sobre as ações da mídia53. Observamos neste fato que o campo midiático se coloca na posição de filtro e mesmo agenda do processo eleitoral, determinando espaços e mesmo censurando as falas e discursos de dois candidatos “com menos representatividade”. Não podemos deixar de comentar a resposta do ministro, que coloca a representatividade de cada partido como elemento de determinação de espaço na mídia, argumento aparentemente vinculado a forma de distribuição de tempo do HPEG presente na lei eleitoral. Devemos ressaltar também que a instituição responsável por regular e controlar a lisura e equilíbrio da eleição evita atuar sobre as ações do campo midiático, elemento que por si só mostra a força do campo e demonstra o risco de manipulação e condução do processo por sua agenda. Isto não se repete nos websites, onde os candidatos e suas assessorias tinham o “poder” de gerar a pauta de gerenciar os conteúdos presentes. Interessante observar, antes de entramos nas análises específicas, a formatação dos endereços dos websites, sendo a maioria formatada com extensão “.COM”. 53 fonte: http://globonews.globo.com/GloboNews/article/0,6993,A340273-476,00.html www.bocc.ubi.pt 159 A Política nos espaços digitais Como já colocamos os domínios com esta extensão tornaram-se sinônimos de Internet, sendo os mais reconhecidos e os de maior probabilidade de uso por empresas, corporações e instituições. Assim, o uso de endereços com esta extensão facilita a localização aleatória por parte do usuário, que usando de uma combinação de nomes e números poderia acessar o website do candidato. É importante observar que o uso dos domínios “.COM.BR” ou “.ORG.BR” não é limitante ou excludente, na medida em que o partido pode registrar vários domínios com extensões diferentes. Tendo isto em vista efetuamos uma pesquisa no sistema de “Registro.br”, durante as eleições, por domínios semelhantes aos divulgados no HPEG ou aos nomes dos candidatos, cujos dados encontram-se na tabela abaixo (tabela 6.1). www.bocc.ubi.pt 160 César Steffen Domínio joseserra.org.br entidade detentora UF Observação PSDB DF Pertencia ao candidato e partido e remetia ao website serra45.com.br livre - - - Não pertencia ao candidato ou partido cirogomes.com.br Larr Wess SP Não pertencia ao candidato ou partido ciro23.org.br garotinho.com.br --- - - - Domínio livre MM Agenciamento SP Patrimonial S/C Ltda. Website não disponível para acesso no dia da pesquisa, mas não pertencia ao candidato ou partido garotinho.org.br lula.com.br --- - - - Domínio livre Lengnet Tec SP Não pertencia ao candidato ou partido lula13.com.br Em processo de X liberação54 Website não disponível para acesso no dia da pesquisa lula13.org.br Partido dos SP Trabalhadores - Pertencia ao candidato e partido Diretório Nacional Ritacamata.com.br PSDB DF Pertencia ao candidato e partido, mas não gerava acesso a nenhum website Zemaria.com.br Livre - - - Não pertencia ao candidato ou partido Tabela 3.1 – domínios vinculados aos candidatos pesquisados durante o período da eleição. 54 Significa que a entidade detentora não cumpriu com alguma da regras do acordo ou cancelou o domínio, e o mesmo poderá ser registrado em breve por outra entidade após o processo de liberação ser finalizado. www.bocc.ubi.pt 161 A Política nos espaços digitais Interessante observar que alguns domínios estavam registrados por atores não vinculadas ao campo político, como os casos de Ciro e Garotinho com extensão “.COM”, mostrando que na Internet os candidatos e partidos estão sujeitos a operações de várias ordens e de vários outros campos. Poderia-se suspeitar ai de uma tentativa de adversários em bloquear a presença dos candidatos na Internet registrando seus domínios, formando assim uma barreira ao fácil e livre acesso aos websites dos mesmos, impressão reforçada diante dos inúmeros casos de registro indevido de domínios por empresas ou pessoas interessadas em obter lucro financeiro55, mas esta hipótese é de difícil verificação e comprovação. Destacamos alguns pontos nestes endereços. Primeiramente o uso, por Ciro e Garotinho, de uma combinação de nome e número do candidato na formatação de seus endereços, este último elemento de efetivação da votação na urna eletrônica, numa forma ou busca de aumento de recall de suas campanhas. Por outro lado, a presença dos nomes dos candidatos em detrimento das siglas partidárias, demonstra a forte personalização da campanha e também se colocam como elemento de reforço de suas “marcas” políticas. Além disso, tais endereços demarcam o espaço, o território de cada candidato no meio, sendo uma marca da presença e estratégias dos mesmos no espaço digital. Com estes atores e websites formamos o cenário geral do pleito Presidencial de 2002. Nos próximos capítulos efetuamos nosso trabalho de análise dos fenômenos e processos empíricos observados nos websites dos candidatos a Presidência no pleito de 2002. Usamos como base para apresentação os números dos candidatos, elemento de efetivação da votação nas urnas eletrônicas. 3.1.Mapeamentos, caracterizações e representações Neste ponto iniciamos o trabalho de leitura e análise do primeiro conjunto de elementos durante o primeiro turno, onde recordamos que buscamos 55 Recordamos no caso do domínio “globo.com”, que havia sido registrado nos EUA por um particular e só foi retomado pela Rede Globo através de medidas judiciais. www.bocc.ubi.pt 162 César Steffen uma visão geral dos conteúdos, elementos e recursos disponibilizados pelos candidatos em seus websites. 3.1.1.Lula 13: “Bote fé e clique Lula” De forma geral o website de Lula privilegiava três tipos de conteúdos e recursos: o candidato e suas propostas, fragmentos de campanha e recursos de integração e aproximação com o usuário, que se observam nas seções “A vida de Lula", “Notícias”, “O Brasil que a Gente Quer”, “Eleitor de Carteirinha” e “Participe”. A seção “A vida de Lula” era, como é possível perceber título, dedicada à biografia do candidato, composta pela história política do mesmo detalhada em fotos e textos, opiniões de Lula sobre temas como corrupção, agricultura e energia e as posições do mesmo relativas a vários temas e ao programa do PT, num foco na personalidade, nas ações e nos feitos do candidato. Os links e as imagens desta capa giravam em torno de Lula e sua história (ilustração 3.7), tanto no sentido político como no sentido pessoal e familiar, valorizando o passado e o crescimento do retirante nordestino que fundou um partido e tornou-se candidato a Presidência do país. No centro havia uma foto do candidato de terno e gravata fazendo embaixadas com uma bola de futebol. Outrora usada de forma pejorativa56, esta imagem mostrava um lado popular, simples, quase brincalhão e lúdico, porém tendendo a um certo populismo. Abaixo desta imagem um texto convidava o usuário a conhecer o candidato e seu Vice, José Alencar, que levava para a biografa do mesmo. Esta era bem menos extensa – apenas uma página - que a de Lula, hierarquia e espaço que o colocam como elemento secundário ou mesmo coadjuvante na seção e mesmo na campanha. 56 Imagem semelhante a esta foi usada pelo jornal Folha de São Paulo, na campanha de 1998, como forma de desconstruir a imagem de Lula. www.bocc.ubi.pt 163 A Política nos espaços digitais Ilustração 3.7 - “A vida de Lula” Os demais elementos ao redor remetiam a Lula e sua história, reforçando o foco no candidato. A biografia completa estava inserida no item “Roteiro de uma vida”, localizado no primeiro ponto de leitura, logo abaixo da imagem do candidato no menu e ilustrada por uma fotografia antiga de Lula ao lado de uma de suas irmãs. O primeiro bloco de texto desta página, diagramada horizontalmente, lado-a-lado, causando desconforto na navegação e visualização de textos e imagens somada a extensão do conteúdo da mesma, explicava que as sandálias usadas por Lula foram emprestadas pelo fotógrafo, pois a família não tinha condições financeiras de adquirir calçados. Notava-se nesta página uma valorização da história de retirante do candidato e de sua vida em São Paulo, onde o mesmo trabalhou como engraxate, torneiro mecânico e construiu sua família. Repetiam-se ai estratégias apresentadas não só no HPEG mas também em programas anteriores do partido na televisão, que buscavam mostrar um outro Lula, diferente da imagem apresentada pelos adversários nas campanhas anteriores. A partir da década de 1980, após a fundação do PT, a história do político-candidato e do partido é sempre tratada em paralelo, mostrando as ações de Lula e os atos do partido, mostrando a intenção de vincular o crescimento do partido à ilustração e às ações do candidato. Abaixo havia uma foto de Lula acompanhado da esposa e dos filhos ainda pequenos ilustrando o link “A Família”. Esta remetia à entrevista com a esposa do candidato Marisa Letícia, onde fala de sua vida e das lutas ao lado do político e candidato. Já na área da esquerda uma montagem imitando três bottons, sendo um com a foto de Lula, um com uma estilização da bandeira do Brasil e, ao www.bocc.ubi.pt 164 César Steffen centro, um botton vermelho com a estrela do PT em branco, ilustram – e mesmo redundam - o link para a seção “Um líder, um partido, um país”. Dividido em “Lula no sindicato”, “A fundação do PT” e “Compromisso com o Brasil” esta seção apresentava mais conteúdo sobre a vida e a história política do candidato, porém mais focado nas questões políticas propriamente ditas, seguindo com a estratégia de construir uma nova imagem para Lula. Na base, uma tecla de computador solta, “sozinha”, com um ponto de interrogação ao lado do link “Perguntas e Respostas” conduzia a uma seção semelhante a uma FAQ – Frequently Asked Questions, perguntas feitas freqüentemente. Elemento muito comum e presente em websites de diferentes campos, e que pode inclusive ser considerado uma tradição do meio, colocava um menu “Pull-Down” com vários temas da campanha, como “custo de vida”, “dívida externa”, etc. Ao selecionar o um item no menu era carregada página com uma pergunta ao candidato, como “O que o Sr. Pretende fazer com a dívida externa?”, com a resposta de Lula abaixo. Vemos nesta seção um foco absoluto no candidato, sua história e propostas, unindo várias estratégias e estilos de conteúdo para a formação da imagem do candidato. Chama a atenção especialmente a seção “perguntas e respostas”, que usa um recurso e estilo tipicamente da Internet como forma de esclarecimento e propagação das propostas do candidato. Ilustração 3.8 - “Notícias” A seção “Notícias” (ilustração 3.8) destacava os fatos e processos da campanha e a cobertura de questões nacionais como economia e saúde, mas sempre focadas no candidato Lula, seus apoiadores, parceiros e atos. www.bocc.ubi.pt 165 A Política nos espaços digitais Mostrando-se claramente como um espaço focado na conjuntura nacional, buscava informar os eleitores e usuários do website sobre a campanha tangenciando o filtro do campo midiático, na barra de direita duas imagens de câmaras fotográficas levavam a páginas com conteúdos diferentes. “Repórter de Campanha” acompanhava a campanha dia-a-dia em extensas matérias abrangendo os vários aspectos dos atos do candidato e do partido, num estilo jornalístico aprofundado bastante semelhante à cobertura de revistas semanais como Veja e Istoé. “Álbum de Fotos” continha um arquivo de imagens da campanha em baixa definição, que, ao clicadas, abriam fotos em alta definição com qualidade técnica passível de uso pela mídia. Todas as imagens eram acompanhadas de crédito ao fotógrafo e informações sobre local e evento de captação da mesma, o que permite supor um objetivo dual, tanto informar os usuários domésticos como pautar ou suprir as necessidades de imagens e informações do campo midiático. A imagem de uma agenda aberta conduzia à página com os eventos programados da campanha e os atos do candidato, permitindo a busca por data. Já a página “Sala de Imprensa”, acessada a partir de uma imagem de um bloco de notas ao lado de um xícara de café, ícone do jornalismo, era voltada exclusivamente para a imprensa e os profissionais de mídia, criando um canal direto de relação com estes através do website, que exigia cadastro para acesso. No dia seis de setembro notamos a inserção da “Rádio 13”, ilustrada por um microfone de estúdio antigo, onde se nota que o website remete a uma outra mídia para construir a imagem e facilitar a percepção, pelos usuários, dos recursos e elementos presentes nesta área. Inicialmente a “Rádio 13” inseria basicamente trechos de discursos de Lula em eventos de campanha ou mesmo nos programas de rádio através de notas que resumiam seu conteúdo, acompanhados de links para arquivos de áudio. Nestas seções observamos uma intermidiatização, onde linguagens, formatos, estratégias e elementos de diversas mídias são manipuladas e inseridas como forma de apresentar e dar valor aos diversos conteúdos inseridos. Vemos, nisto, uma busca de referencialidade para o website, ou seja, a valoração e validação do mesmo através e a partir de outras mídias e outros “lugares”, externos ao website. www.bocc.ubi.pt 166 César Steffen Com o decorrer da campanha abre-se espaço para apoiadores e articuladores, como José Dirceu e Aloísio Mercadante e mesmo colaboradores do website, como Flávia Rodrigues e Fábio Pereira - citados na página como repórteres da campanha - que enviam boletins e matérias em formato de áudio. Isto que reforça o sentido jornalístico e informativo da seção e mesmo a adoção de uma lógica operativa do meio rádio, apoiando-se somente na voz, nos relatos dos repórteres, na construção e circulação de conteúdos. É interessante observar que as aparições do candidato na mídia em geral eram sempre transcritas e editadas pela assessoria, destacando as falas do candidato e suas ações, mas dando menos espaço a ações ou intervenções do ator midiático presente, colocando-o numa posição de mero apresentador ou coadjuvante e tratando a mídia como mais um elemento ou espaço para a apresentação do candidato e seus discursos. Ilustração 3.9 – capa da seção “O Brasil que a gente quer” A seção “O Brasil que a Gente quer” (ilustração 3.9) , diagramada em duas colunas que facilitavam a leitura e contato com os textos e elementos do website, apresentava, ao ser carregada, texto intitulado “Carta ao povo Brasileiro”, uma extensa carta de Lula em tom bastante pessoal mas eminente e claramente político, com tom de discurso de campanha, sobre sua percepções e projetos para o Brasil. No topo da área ao lado deste texto havia a imagem da capa de um livro acima do texto “Carta ao povo Brasileiro” que, ao clicado, carregava texto sobre a campanha e o Brasil assinado pelo candidato, Nota-se novamente a centralização do website sobre o candidato, sendo importante destacar o formato adotado, uma carta, elemento e prática www.bocc.ubi.pt 167 A Política nos espaços digitais bastante pessoal, coloquial e mesmo intimista, inserido no website como reforço das propostas e projetos do candidato. Dois outros links, “Programa de Governo” e “Documentos do Programa de Governo”, inseridos abaixo do link anterior, sendo estes menos importantes por sua posição e por não estarem acompanhados de imagens e ilustrações. Estes links carregavam arquivos sobre vários temas e propostas de campanha, como “Emprego” e “Inclusão Social”. No item “Documentos do Programa de Governo” havia arquivos “.PDF” com os textos completos que podiam ser copiados pelo usuário. Nota-se uma certa redundância entre alguns conteúdos destas seções, que se repetem nas diversas páginas recebendo tratamento ou construções diferenciadas, tanto gráfica quanto textualmente. A fusão da história do partido com a do candidato demonstra, em nossa visão, uma personalização e valorização da candidatura colocando o candidato como construtor e realizador dos feitos do partido, colocando as identidades de ambos lado-a-lado57. Ilustração 3.10 - “Eleitor de Carteirinha” A seção “Eleitor de Carteirinha” (ilustração 3.10) continha elementos e peças de campanha para manipulação, pelo usuário, sendo aparentemente criada para os eleitores de Lula e filiados do PT, impressão causada pelo título e pelo conteúdo que apresentava. O item “Faça Você Mesmo”, convite ou proposta ao usuário ilustrado por uma impressora com o nome de Lula sendo impresso, continha diversas peças de campanha, como faixas e adesivos, para impressão direta a partir do browser de navegação. 57 Informações passadas informalmente por pessoal do partido dão conta que pesquisas indicam que Lula e o PT não se desvinculam, para os eleitores, em termos de imagem e posição política, o que esta construção parece demonstrar. www.bocc.ubi.pt 168 César Steffen Observamos aí o objetivo de transformar o usuário num propagador da campanha, utilizando seus recursos de impressão para a produção e distribuição de materiais do candidato. Pode-se questionar a qualidade do material que poderia ser produzido pelos usuários, tendo em vista as limitações técnicas presentes nos equipamentos de impressão domésticos, sem contar os risco de manipulação e alteração destes materiais. Independente disto, nota-se que esta área torna o usuário um aliado importante, que merece a confiança do candidato e da campanha. Abaixo desta estava inserido o link para uma página de envio de “Cartões Eletrônicos”, onde havia cinco modelos com imagens e temas de campanha que eram enviados para quem o usuário indicasse, seguido por uma página com brindes eletrônicos, como papéis de parede e protetores de tela para decorar o computador do usuário com elementos da campanha e do partido. No centro da página inicial desta seção estava o link para a loja virtual (ilustração 3.11), onde o usuário podia adquirir produtos da “griffe PT”, abrangendo desde canetas, chaveiros e bottons do partido até camisetas, fitas de vídeo sobre o candidato passando por brincos de ouro puro. O website da campanha de Lula vincula-se assim a uma estratégia comercial, de vendas e mesmo de manifestação da identidade política do usuário que, através dos produtos á venda, pode manifestar sua ideologia e vinculação ao candidato e partido. Ilustração 3.11 - “Lojinha do PT” A capa da “lojinha” reforçava esta questão política, sendo construída se não totalmente mas com muito elementos em vermelho, cor predominante do partido, e apresentando a estrela do PT. Assim, através da venda reforça-se a www.bocc.ubi.pt 169 A Política nos espaços digitais identidade política do website, e do usuário, dentro de um espaço de campanha eleitoral. Segundo a revista “Isto É” de 25 de outubro de 2002, até aquele momento a loja virtual já havia vendido mais de um milhão e duzentos mil reais em produtos. Entretanto, não fica claro nesta página qual a destinação dos recursos obtidos com as vendas, mas sua presença no website do candidato numa seção voltada aos apoiadores mostra tratar-se de um elemento de captação de recursos para a campanha. Presumimos, diante da série de dados solicitados dos usuários atendendo as regras de legislação eleitoral, que os recursos fossem considerados doações de campanha, mas os dados presentes no sistema do TSE58 não permitem efetuar tal afirmação. Independente deste fator os valores captados demonstram o potencial do meio para geração de receita para a campanha e o partido. E não podemos deixar de comentar a chamada “griffe PT”, uma marca político-partidária transformada em marca de uso diário por seus simpatizantes e filiados. A seção “Participe” era composta por cinco itens, sendo o primeiro uma imagem de uma pasta metálica contendo matérias gráficos da campanha, que remetia à seção anteriormente comentada, “Eleitor de Carteirinha”. Abaixo desta encontrava-se o item “Urna sem Mistérios”, ilustrada pela imagem de uma urna eletrônica, que conduzia a uma pagina com instruções para a votação. No centro, ilustrada por um calendário com as folhas virando estava colocada a “Sua Agenda de Campanha”, com conteúdo idêntico ao da agenda presente na seção “Notícias”. Na barra da esquerda o item “Quero participar”, acessado pela imagem de uma camiseta com a estrela do PT, que parece sugerir ao usuário “vestir a camiseta” da campanha, continha os endereço e telefone do comitê nacional e um mapa do Brasil que permitia acesso aos dados sócio-econômicos do Estado, às informações de contato dos comitês estaduais e os coordenadores estaduais. 58 Dados consultados no sistema http://www.tse.gov.br/eleicoes/eleicoes2002/prestacao de prestação www.bocc.ubi.pt de contas disponível em 170 César Steffen Abaixo deste o item “Quero Contribuir” continha uma transcrição dos artigos da lei eleitoral para doações de campanha e explicações detalhadas sobre os limites de doações para pessoas físicas e jurídicas. Acessada através da imagem de um galão de combustível com um símbolo monetário - “$” – na base da página havia um botão com a inscrição “Concordo e quero fazer minha doação agora”, levando a um formulário eletrônico para doação através de boleto bancário, possibilitando efetivar a doação – mesmo por impulso - no momento e através do website. Até onde observamos, esta página não continha criptografia ou protocolo de segurança para transações on-line, mas solicitava informações específicas do doador em conformidade com a lei eleitoral, mostrando uma influência do campo jurídico no website. Estas seções eram claramente voltadas aos filiados e militantes, com recursos que possibilitavam auxiliar o partido e a candidatura, oferecendo desde doações até impressão própria de materiais, mostrando uma estratégia de aproximação e mesmo educação do eleitor para o pleito frente às estratégias e objetivos da campanha. Além disso, apresenta algumas experimentações estratégicas que aparentam buscar conquistar o usuário através de uma abertura de processos bastante próxima ao espírito livre a Internet. Entretanto nota-se uma certa redundância entre estes elementos e outras seções, sendo repetidos ou recebendo outras características. Na barra inferior o botão “Links” carregava uma página com atalhos para websites de parceiros e apoiadores da campanha, como a fundação Perseu Abramo, o Partido Liberal e o Partido Comunista, integrantes da aliança que suportou a candidatura Lula. “Indique para um amigo” apresentava uma estratégia de rede, e abria um formulário eletrônico em uma janela secundária com campos para o usuário informar seu nome e e-mail e do amigo que receberá a mensagem, além de um campo para enviar textos e comentários. Ao lado deste link ficava o botão “Cadastre-se e fique bem informado”, onde o usuário inseria seu nome, e-mail e Estado de origem para receber informações de campanha. O boletim não chega a ter uma periodicidade www.bocc.ubi.pt 171 A Política nos espaços digitais definida, mas o pedido do Estado demonstra uma estratégia – que não podemos afirmar que se efetivou – de busca de apoio para as candidaturas estaduais. O último elemento desta barra era “Fale com a campanha” (ilustração 3.12) que, assim como o link de indicação, abria uma janela secundária para entrar em contato com a campanha. Este formulário era composto de um menu tipo “pull-down” com as várias seções do website, dois campos para o usuário informar seu nome e e-mail e um campo para inserir sua solicitação. Ilustração 3.12 - janela do formulário de contato Este formulário era o único espaço para interação direta com a campanha, enviando sugestões ou informações, e ficava colocado em posição que impedia a leitura imediata, com alto risco de não ser visualizado imediatamente pelo usuário. Cabe dizer que enviamos mais de dez mensagens através deste formulário, abrangendo desde solicitações de dados para pesquisa e cadastro nas áreas de acesso restrito até enviando sugestões e elogios, não tendo recebido resposta para nenhuma delas. Mesmo mensagens enviadas com e-mail diferente ou por amigos deste pesquisador, que se dispuseram a apoiar o processo de pesquisa, não foram respondidos Estes fatores somados nos permite supor uma intenção de não interagir ou receber elementos dos usuários e eleitores através do website, configurando o mesmo como um espaço informativo, discursivo e de integração as estratégias de campanha, mas não interativo no sentido de troca entre o candidato, sua assessoria e os eleitores. Repetia-se, assim, um jogo ou estratégia de difusão e sedução já clássico nas demais mídias. www.bocc.ubi.pt 172 César Steffen Muito destes conteúdos eram valorizados, ganhavam força, destaque e mesmo permanência nas páginas iniciais, demonstrando aquilo que é de maior relevância para as estratégias do candidato no meio e também convidando e mesmo conduzindo o usuário sem eu processo de navegação. Sobre isto trataremos na análise do próximo conjunto. 3.1.2- Zé Maria 16: Candidatos-comentaristas e suas bandeiras de luta O menu de navegação do hotsite de Zé Maria situava-se na barra superior do hotsite, entre o logotipo do partido, a esquerda, e a foto e logotipo da campanha, a direita. Formando uma barra inclinada em fundo vermelho - cor predominante do partido fortemente vinculada a ideologia comunista, sendo inclusive a cor predominante da bandeira da hoje extinta União Soviética levemente mais claro que o fundo da barra, dividido ou separado desta por duas pequenas e sutis linhas em preto, contendo links em cor amarela (ilustração 3.13). Ilustração 3.13 – página inicial do hotsite O primeiro link “Fala Zé Maria”. Ao contrário do que o título deixa perceber, a página era dedicada às falas, aos discursos e aos atos dos candidatos Zé Maria e Dayse. No topo apresentava o título em letras vermelhas fundeado por uma barra em cor amarela, as cores do PSTU. Abaixo havia uma lista com títulos de textos em negrito, sendo que alguns eram acompanhados de subtítulos, resumindo ou apresentando o conteúdo geral, e todos apresentavam a data de inserção (ilustração 3.14). www.bocc.ubi.pt 173 A Política nos espaços digitais Ilustração 3.14 – Fala Zé Maria “Queremos cotas e muito mais!”, “Unir os socialistas e construir um novo partido”, “Precisamos derrotar esse sistema que coloca o lucro acima da vida” são alguns dos títulos apresentados, mostrando a ênfase doutrinária e onde Zé Maria e Dayse atacam os adversários, criticam a conjuntura e as posturas do governo Brasileiro e proclamam as bandeiras, lutas e ideologias do partido frente ao cenário geral do país. Os textos e conteúdos apresentavam uma forte marca doutrinária, onde Zé Maria e Dayse aparecem e se identificam não como candidatos, apresentando propostas, mas sim na posição de comentaristas, críticos das ações, da realidade brasileira e do cenário geral da eleição, aparentemente investindo na conjuntura da eleição como forma de propagação ideológica do PSTU em detrimento de uma estratégia propriamente eleitoral, de conquista de votos. Claro que esta postura, por si só, já se mostra como um elemento de conquista e sedução de eleitores e votos através de uma identidade ideológica, e na medida em que se relaciona com o cenário geral do país e das eleições, mas mostra uma marca partidária, doutrinária mais forte, mais clara e aberta, que só foi observada no website do PCO59. O link “Notícias” abria uma página bastante semelhante à anterior, contendo lista de notícias e informações referentes ao partido e às ações e propostas de campanha. Ao lado de uma pequena bandeira do PSTU era apresentado título da notícia em negrito, acima de resumo e data. 59 Sobre o website do PCO e seu candidato, Rui Costa Pimenta, dissertaremos em capítulo seguinte. www.bocc.ubi.pt 174 César Steffen Ilustração 3.15 - Notícias “Seminário no Rio debateu programa socialista” e “PSTU lança cartilha contra a ALCA” são alguns dos títulos apresentados que, ao clicados, levavam para página com conteúdo completo num formato bastante jornalístico, acompanhado de imagens creditadas. Além disso, esta seção repetia alguns conteúdos da seção “Fala Zé Maria”, como “Queremos cotas e muito mais!”, reforçando a marca doutrinária dos conteúdos e elementos do hotsite e a tematização da campanha pelas marcas ideológicas do partido. O link “Biografia” abria uma página formatada de forma semelhante às anteriores, porém contendo apenas dois links (ilustração 3.16). O primeiro, “A trajetória de luta de José Maria de Almeida”, levava à biografia do candidato que apresentava sua trajetória sindical e suas ações desde a década de 70, quando foi preso e torturado por fazer panfletagens no dia 1o de maio, até a fundação e as ações do PSTU, partido que presidia. Ilustração 3.16 – Biografia Observa-se no conteúdo desta página uma forte valorização da trajetória sindical e de luta de Zé Maria contra a ditadura, ou seja, sua história e passado político, sendo reforçada pela presença de uma foto antiga do candidato, em preto e branco, da época em que atuava no sindicato dos metalúrgicos e havia sido preso. Constrói-se assim uma imagem de engajamento político e sindical que se mostra nos diversos conteúdos do espaço. www.bocc.ubi.pt 175 A Política nos espaços digitais O hotsite evoca assim o passado de lutas e conquistas de Zé Maria como elemento de construção da imagem do mesmo e também do partido, destacando a coerência e o posicionamento político-ideológico de ambos. O segundo link, “Uma mulher negra e socialista na luta contra a opressão”, com forte associação étnica, racial, levava à biografia da candidata a Vice-Presidência (ilustração 3.17). Ilustração 3.17 – Biografia da candidata a Vice Dayse Oliveira Ilustrado por uma foto colorida onde a candidata sorri, o texto valorizava a luta de Dayse junto ao movimento negro, colocando a escolha da mesma como tendo “um significado especial para o PSTU” por marcar a postura política do partido de luta contra as opressões, sejam contra os negros, as mulheres ou os homossexuais (o texto citava a “opressão homofóbica”). O texto deixa transparecer que a escolha de Dayse é fruto de uma postura do partido de luta contra a opressão e a discriminação, onde uma professora negra, “á primeira mulher a concorrer a este cargo” - que parecia ignorar a escolha e a presença de Rita Camata na chapa de José Serra - demonstra a estratégia do PSTU de usar a própria composição da chapa como forma de construção e propagação das ideologias e bandeiras do partido, reforçando assim sua imagem e sua posição política. O link seguinte, “Programa”, era formatado da mesma maneira que as páginas anteriores, apresentando uma lista de tópicos do Programa de Governo do partido. Um dos tópicos permitia o download do programa completo em formato “DOC” (Microsoft Word), com quarenta e oito páginas onde eram discutidas questões de fundo da sociedade Brasileira e apresentadas as propostas do PSTU para este cenário. www.bocc.ubi.pt 176 César Steffen Ilustração 3.18 - página da seção Programa O cenário mundial após os ataques terroristas de onze de setembro e romper com a ALCA e o FMI eram alguns dos itens apresentados no texto, que ressaltava os seminários e eventos promovidos para o debate e a criação do programa, mostrando novamente a forte marca ideológica presente nos conteúdos do hotsite. Outro link, “Um programa dos trabalhadores para mudar o Brasil”, abria uma página onde os diversos tópicos do programa eram apresentados em parágrafos entre cinco e 10 linhas (ilustração 3.18). Abaixo havia um terceiro link, que levava para matéria sobre o seminário, no Rio de Janeiro, que discutiu o programa apresentado, onde Zé Maria era mostrado em foto dirigindo-se aos presentes num púlpito, alçando ou reforçando a imagem de liderança e condução do mesmo. A “Agenda” apresentava uma pequena lista de eventos programados, onde a questão da ALCA merecia destaque. “Dia 31 tem mobilização contra a ALCA” era um dos títulos, e abria a página com informações sobre o dia de mobilização que ocorreria em toda a América Latina (ilustração 3.19). Ilustração 3.19 - Agenda Observa-se que, ao contrário do que ocorre com outros candidatos, a agenda não se foca nos atos e na programação de Zé Maria ou Dayse, mas nos eventos e lutas do partido. A agenda, assim, trata de elementos que o partido e os www.bocc.ubi.pt 177 A Política nos espaços digitais candidatos buscam colocar em debate, temas de fundo da sociedade Brasileira que são apresentados, discutidos e, assim, agendados frente à sociedade, o que ressalta e reforça a marca político-ideológica do hotsite. “PSTU na TV” primeiramente não cotinha conteúdo, mas apenas uma explicação de que o mesmo estava em desenvolvimento ao lado de uma ilustração de uma pequena TV vermelha com a tela em amarelo. Notamos novamente a identidade político-ideológica do PSTU, pois a imagem de um aparelho receptor de televisão é mostrada em vermelho (ilustração 3.20), colocando-a como um elemento vinculado ao partido. Ou seja, a imagem colocada a TV do website como uma TV do PSTU, vinculada a suas estratégias e ideologias. Durante a campanha surgiram dois links ao lado desta mesma ilustração. O primeiro era “Programa de TV Nacional”, acima de um breve resumo ressaltando que “Zé Maria denuncia a ALCA e convoca plebiscito”. Ao clicado era possível assistir ao programa de TV onde Zé Maria denuncia os prejuízos que a ALCA traria à vida dos cidadãos, e convoca todos a auxiliar na organização do plebiscito contra a ALCA. Ilustração 3.20 – PSTU na TV Abaixo um link abria o jingle da campanha em formato MP3, onde novamente não pagar a dívida externa, barrar a ALCA e o FMI são os lemas e elementos apresentados. Cabe destacar que ao lado destes links estavam inseridos os logotipos do Windows Media Player e RealOne Player, programas próprios para executar os arquivos presentes, onde aparentemente o partido busca ofertar e facilitar o acesso dos usuários a tais materiais. O link “Entre na campanha” abria uma nova janela contendo um formulário eletrônico para cadastro no boletim eletrônico do PSTU. O formulário www.bocc.ubi.pt 178 César Steffen era composto de aproximadamente 10 campos, solicitando informações como nome, e-mail, idade, etc., e inseria o usuário na lista de informações do partido. Como parte da pesquisa nos inscrevemos neste boletim, passando a receber por e-mail notícias e convocações do partido. Este boletim repetia a marca político-doutrinária do hotsite, e chegava a produzir três edições diárias com conteúdos diversos, o que nos causou desconforto não só pelo volume de dados enviados como, principalmente, pela impossibilidade de leitura causada pela extensão e aprofundamento dos dados remetidos. O último link, “Deu na Imprensa”, continha uma lista visual e estruturalmente semelhante as outras, apresentando títulos de matérias e veículos onde o candidato Zé Maria havia sido citado (ilustração 3.21). “Candidato do PSTU em Pernambuco ataca político do PT” e “O metalúrgico mais radical”, ambos do Jornal do Brasil, são dois exemplos de links, que eram sempre acompanhados da matéria completa, numa espécie de clipagem digital das citações do candidato na mídia, onde novamente a marca doutrinária se mostra como elemento de formatação, seleção e apresentação dos conteúdos e mesmo na relação do candidato com a mídia. Ilustração 3.21 – Deu na imprensa Não podemos deixar de comentar o título desta seção, “Deu na imprensa”, que se por um lado busca colocar de forma clara e direta o tipo de conteúdo presente, por outro nos permite inferir uma busca de validação e reforço dos conteúdos apresentados por terem sido veiculados na imprensa, dando-lhes força e valor frente a campanha e as propostas do candidato e seu partido. www.bocc.ubi.pt 179 A Política nos espaços digitais 3.1.3. Ciro 23: EU no menu Na fase de pré-observação o menu do website de Ciro Gomes era composto (ilustração 3.22) dos itens “Quem é Ciro”, “Opiniões”, “Vídeos”, “Galeria de Fotos”, “Você Sabia?”, “Cadastre-se e Participe”, “Doações”, “Peças Publicitárias” e “Fale com Ciro”. Abaixo, dois pequenos banners apresentavam, respectivamente, “Leia o Programa de Governo” e “Grupos de Discussão”, eram seguidos de um campo de busca, um banner sobre doações de campanha que redundava o link anterior e um campo com formulário identificado como “Enquete”. Ilustração 3.22 - página inicial em 17/07/2002 Próximo ao início do HPEG, quando o website passou por alterações. O menu foi ampliado. Os itens secundários desaparecem sendo colocados como itens diretos do menu. O “Programa de Governo” é deslocado ao lado da foto e do logotipo da campanha, formando uma pequena barra com “Agenda” e “Grupos de Discussão”, sendo que abaixo destes havia um pequeno campo para buscas no website. O botão “Agenda” continha os compromissos de Ciro em cada dia de forma bastante detalhada, podendo tanto servir de elemento para os usuários como pauta para a mídia. Já o “Programa de Governo” (ilustração 3.23) conduzia a uma página com o índice dos tópicos do programa de Ciro. www.bocc.ubi.pt 180 César Steffen Ilustração 3.23 – Programa de Governo – 30/07/2002 Ilustrada por uma foto posada do candidato, semelhante à usada nos demais materiais de campanha, num formato bastante jornalístico (título, lead e texto blocado) a página valorizava o fato de Ciro ser o primeiro candidato a apresentar o Programa de Governo, convidando o usuário a ler e enviar suas colaborações, porém, sem mostrar como as mesmas deveriam ser enviadas. Abaixo uma lista dos tópicos permitia a leitura dos textos completos (ilustração 3.24), que também podiam ser copiados em formato PDF. Ilustração 3.24 - texto do Programa de Governo O item “Grupos de discussão” apresentava-se como um fórum de debates sobre três temas, sendo estes “Debate Nacional”, “Fórum Livre” e “Federalização de vários tipos de crime”, que solicitavam ou convocavam o usuário a dar sua opinião. Estes fóruns exigiam cadastro para acesso, fato que nos impediu de travar contato com os mesmos60 e, assim formular maiores considerações sobre o processo. O menu seguia na barra à esquerda, sendo o primeiro item “Página Inicial” que conduzia à primeira página do website. Os itens seguintes resumiam a biografia de Ciro, “Quem é Ciro”, “Ciro Deputado”, “Ciro Governador”, “Ciro 60 Solicitamos, atrás de formulário e de e-mail, inscrição nestes grupos. Mesmo nos identificando como pesquisadores e colocando documentos da universidade a disposição não recebemos resposta. www.bocc.ubi.pt 181 A Política nos espaços digitais Prefeito” e "Ciro Ministro”, numa forte e destacada auto-referência e mostrando um foco na personalidade e nas realizações do candidato e uma estratégia de uso do menu para apresentar, de forma resumida, o currículo do candidato. Isto se repetia nas páginas que desatacavam a história política do candidato, mostrando fotos de Ciro e atos e realizações de suas administrações, ressaltando e valorizando os benefícios sociais decorrentes (queda da mortalidade infantil, por exemplo) e sua luta parlamentar em prol da gestão de recursos públicos. Destacavam-se aí a formatação dos títulos e a posição das imagens, pois além de também usar um corpo maior que o texto completo, os títulos eram negritados chegando a ocupar quatro linhas na área principal de leitura resumindo o conteúdo da página e sendo seguida por uma fotografia do candidato que separava o título do texto completo. “O Vice Paulinho” apresentava a biografia do sindicalista candidato à Vice na chapa de Ciro Gomes. Em apenas uma página mostrava a história de luta sindical do candidato, usando da mesma estratégia de formatação de texto e posicionamento da imagem na biografia de Ciro. Se, por um lado se ressalta o benefício da leitura dos títulos, por outro esta formatação, que colocava o texto completo fora da área de leitura inicial mostra uma estratégia de apresentar apenas os itens e atos de interesse dos candidatos nos títulos, tirando ou diminuindo a importância dos demais elementos destas páginas. O item “Artigos” (ilustração 3.25) apresentava uma lista de artigos produzidos pelo candidato e publicados na mídia, acompanhados de breve resumo abaixo do título, onde se encontrava o link para acesso ao texto completo. Nestes artigos destacam-se as opiniões, visões e projetos de Ciro para o Brasil, bastante semelhante ao item “Entrevistas”, que apresentava aparições e espaços na mídia dados ao candidato. Vemos ai que Ciro mostra não ser apenas um candidato, mas também um intelectual com opiniões que merecem espaço e destaque nas mídias. Da mesma forma, notamos um jogo de troca ou busca de credibilidade para as propostas do candidato, que ganham força, valor e credibilidade por obter espaço em veículos de grande circulação. www.bocc.ubi.pt 182 César Steffen Ilustração 3.25 – Artigos em 17/07/2002 “Outras opiniões” abria espaço para entrevistas, artigos e opiniões de colaboradores da campanha, como o cientista político Mangabeira Unger, ideólogo dos projetos e principal estrategista da campanha de Ciro Gomes, o candidato a Vice Paulinho e outros apoiadores de diversos campos sociais. Assim como Ciro, estes se colocam na posição de analistas e comentaristas da realidade Brasileira fornecendo elementos para a sustentação das propostas e projetos do candidato. O Item “Jornal do Ciro” (ilustração 3.26), que se apresentava como uma mídia dentro do espaço midiático do website, apresentava conteúdo variado, de notícias, atos e informação de campanha a espaços obtidos na mídia e lançamentos de livros por colaboradores. Formatado como um jornal impresso, trazia link para o website abaixo do título e a foto oficial do candidato no canto superior esquerdo, mas não trazia identificação da edição do jornal – número, período, data, etc. No topo, ao lado da foto do candidato, havia um “box” arredondado, semelhante a um botton, com o texto “Assine aqui o Jornal do Ciro”, que ao clicado abria um formulário eletrônico para recebimento do jornal. Fizemos várias tentativas de inscrição, sendo todas infrutíferas por erros no sistema do website. www.bocc.ubi.pt 183 A Política nos espaços digitais Ilustração 3.26 – “Jornal do Ciro” em 17/07/2002 O item “Sala de imprensa” (ilustração 3.27) continha material para a mídia sobre os atos e ações do candidato, apresentados através de fotos acompanhadas de títulos e resumos, como “Primeiro Comício de Ciro reúne mais de 60 mil pessoas”. Nestas fotografias observamos um foco absoluto em Ciro. Como pode ser vista na ilustração abaixo (ilustração 3.27), das quatro imagens apresentadas Ciro aparece direta e claramente em três, sendo que na outra mostra-se uma multidão ouvindo discurso do candidato em ato de campanha. Vemos, assim, que o elemento principal, condutor e central do website era o candidato e seus atos. Ao clicados, conduziam à página com imagens em alta definição e release para a imprensa, mostrando ser claramente um espaço de relação e alimentação para a mídia, onde o website torna-se aliados as estratégias de visibilidade em outros meios. Além disso esta área mostra-se como uma assessoria de imprensa deslocada do mundo físico, onde a Imprensa pode busca elementos, dados e fatos com a vantagem cibernética de estar sempre aberta e a disposição de suas estratégias e necessidades. Ilustração 3.27 - Sala de Imprensa em 30/07/2002 www.bocc.ubi.pt 184 César Steffen O item “Você sabia” voltava-se ao ataque a adversários políticos, especialmente os integrantes da administração de FHC e o candidato José Serra. Através de pequenas notas com perguntas e respostas lembrava ex-integrantes da administração Collor de Melo que integravam a equipe de FHC, atacava ações e feitos de José Serra no Ministério da Saúde e criticava a política econômica, dentre outros assuntos, usando de uma linguagem clara, leve, coloquial e até mesmo jocosa para atacar seu principal adversário. “Vídeos” conduzia a uma página com as peças da campanha para o HPEG e as participações de Ciro em programas e TV, rádio e de várias outras mídias numa intermidiatização em que podiam ser vistas ou ouvidas no mesmo espaço. As participações do candidato na televisão eram destacadas, sempre acompanhadas de uma imagem ilustrativa (ilustração 3.28) e de texto resumindo a principal proposta apresentada pelo candidato, onde observamos a ampliação dos efeitos de mídia no website. Da mesma forma que a seção “Sala de Imprensa”, as imagens giram em torno do candidato, mostrando não só que este é o centro do website, mas também permitindo uma leitura de ser ele o centro das atenções da mídia. Ilustração 3.28 - página “vídeos” em 21/08/2002 O item “Galeria de fotos” conduzia à uma página com imagens vinculadas a algum fato ou notícias de campanha, sempre acompanhadas de legenda que possibilitava o acesso à imagem em alta definição e ao release do ato. De forma bastante semelhante a “Sala de Imprensa”, e também destacando e centralizando Ciro, esta seção se coloca como mais um elemento de alimentação e pauta do campo midiático, cabendo destacar que nesta área as www.bocc.ubi.pt 185 A Política nos espaços digitais legendas eram mais extensas, apresentando-se como um lead da notícia (ilustração 3.29). Ilustração 3.29 - Galeria de fotos em 30/07/2002 O item “Doações” continha uma reprodução de um folheto ou panfleto com a imagem de Ciro, intitulado “Doações, um assunto tão delicado que resolvemos tratar em público”. Abaixo havia um texto explicando a posição de Ciro quanto a este tema e os procedimentos para efetuar as doações de campanha, tanto através de depósitos em conta bancária quanto diretamente nos comitês do candidato, acompanhado do texto da legislação do TSE. Observa-se que não só o candidato usa um espaço do website como forma de arrecadar fundos, mas de uma forma indireta, sem uso de recursos de transação eletrônica facilitados pelo meio, como também como forma de construir sua imagem, na medida em que através do texto e da legislação discute o tema doações com os demais campos sociais. Na página acessada através do link “Entre na Campanha” havia um formulário eletrônico para o usuário, convidado a se cadastrar como colaborador da campanha. Se o usuário já era cadastrado bastava preencher os campos “USER” e “SENHA” para entrar, caso contrário era necessário preencher um extenso formulário, que solicitava desde o nome e endereço até o número do título de eleitor, onde observamos uma busca ou tentativa de integrar os usuários à campanha. Preenchemos o formulário buscando identificar as especificidades desta página, mas não recebemos retorno o que nos impossibilita tecer maiores comentários além de ressaltar que, em nenhum momento, esta página informava o que ou como seria feito Da mesma forma não qualifica, esclarece o que é considerado um colaborador de campanha, deixando uma lacuna e ficando a impressão de estar www.bocc.ubi.pt 186 César Steffen voltada apenas para filiados do partido e colaboradores cadastrados em outras instâncias. O penúltimo link do menu era “Peças Publicitárias” (ilustração 3.30) trazia o usuário para “dentro da campanha”, contendo fotos do candidato e peças gráficas da campanha, nos formatos JPG e TIFF, para o usuário copiar, além dos jingles em formato MP3 e do arquivo da fonte usada nas peças gráficas. Nota-se que uma função dos comitês de campanha, a distribuição de material, é facilitada pela tecnologia do meio, onde cabe destacar que muitos arquivos eram versões finais em tamanho real, finalizadas com cores corrigidas e prontos para impressão e distribuição, demonstrando cuidado com a programação visual e a qualidade dos materiais impressos. Ilustração 3.30 - peças publicitárias “Fale com Ciro”, último item do menu, conduzia a um pequeno formulário para envio de sugestões, críticas ou pedidos de informação. Assim como em outros websites enviamos vários pedidos de informação, elogios e críticas. Um dos primeiros contatos solicitando informações, ainda antes do início do HPEG, foi respondido pela assessoria, que informava que a mensagem havia sido encaminhada à pessoa responsável para a resposta, que não foi recebida. Alguns destes conteúdos eram merecedores de destaque na página inicial do website. Sobre isto nos debruçaremos em capítulo específico na seqüência deste trabalho. www.bocc.ubi.pt 187 A Política nos espaços digitais 3.1.4 – Rui Costa Pimenta 29: Lênin, Che Guevara, ... os ideólogos O website do PCO continha dois menus, sendo um horizontal, inserido quase no centro da página abaixo de três banners, e outro vertical, colocado no lado esquerdo da página. Neste, abaixo de dois links ilustrados por imagens de Che Guevara e Lênin, uma foto de um grupo de pessoas carregando uma faixa com o logotipo do partido abria a seção referente às eleições 2002 (ilustração 3.31). Ocupando a maior área da página no ponto de leitura mais privilegiada, a partir do canto superior esquerdo, ficava a montagem com as fotos dos candidatos em frente à bandeira do partido. Semelhante à imagem presente no corredor de abertura, esta imagem diferenciava-se por usar textos em cor branca e dar mais destaque ao logotipo do partido, além de apresentar pela primeira vez o número 29 do candidato (ilustração 3.4.4). Ilustração 3.31 – página inicial da seção “Eleições” Ao lado desta imagem e sobre o fundo verde-escuro da página estava inserido o menu de navegação da seção, composta dos links “Campanha Presidencial”, “Eleições 2002”, “Eleições Anteriores”, “Marxismos, eleições e parlamentarismos (textos)”, “Causa Operária Online” e “Breve história da participação eleitoral do PCO” (ilustração 3.32), textos conceituais aparentemente mais voltados para a militância e simpatizantes do partido. www.bocc.ubi.pt 188 César Steffen Ilustração 3.32 - página acessada a partir de “Campanha Presidencial” O link “Campanha Presidencial” abria uma página em fundo vermelho, cor já comentada neste trabalho, e textos em branco. Ao centro uma foto de Rui Costa Pimenta em sala de aula conduzia a biografia do “companheiro”, onde o texto apresentava a origem de sua família de emigrantes, sua vida acadêmica e idéias políticas. Tratando Rui Costa como “o companheiro” ou “o candidato”, a página apresentava fotos de familiares do candidato, como o avô João Jorge (ilustração 3.33). Um ponto ressaltado – e mesmo valorizado, por sua extensão - era a fundação do PCO, fruto de conflitos da tendência Causa Operária, cujos integrantes fundaram o partido após divergências com a então direção do PT, da qual eram membros. Ilustração 3.33 – “Biografia” Abaixo desta imagem um texto apresentava um trecho de discurso de Rui Costa Pimenta, proferido no “ato nacional de 31 de maio”. Intitulado “Quem bate cartão não vota em patrão”, neste discurso o candidato alerta para o “momento privilegiado” representado pelo pleito que se iniciava, alertando as manipulações burguesas contra as “massas populares”. Lembrando episódios políticos recentes como exemplo do amadurecimento democrático do país e os “companheiros revolucionários” que se www.bocc.ubi.pt 189 A Política nos espaços digitais lançavam na campanha, mostrando o tom programático, quase dogmático, do partido frente às eleições. Ao redor desta imagem duas barras se apresentavam como menus de navegação. Na barra da esquerda o primeiro link era “Programa de Governo” (ilustração 3.32), ilustrada por uma foice e um martelo vermelhos que demonstram a identidade política vinculada à extinta União-Soviética e a visita de temas ideológicos ao website. Este link conduzia a uma página também em fundo vermelho e letras brancas contendo um extenso texto com as propostas do PCO para vários temas, como “Educação” e “Agricultura” (ilustração 3.34). Nestas críticas aos modelos e realidades Brasileiras se misturam a análises e propostas de mudanças, aparentando ser uma seleção de trechos de discursos e opiniões de Rui Costa, e não um Programa de Governo no sentido estrito. Ilustração 3.34 - “Programa de Governo” O link seguinte, “Artigos e Entrevistas” apresentava uma longa lista de matérias, artigos e entrevistas na mídia com citações de Rui Costa Pimenta e as propostas do PCO, que ao clicadas podiam ser lidas na íntegra, mostrando uma forte auto-referência. O link seguinte, “Entrevista exclusiva”, ilustrada por uma foto do candidato falando ao microfone, não gerava link, parecendo ser apenas um item ilustrativo da página. Observa-se que um candidato que foi sistematicamente ignorado pela mídia eletrônica aproveita-se do espaço e citações na mídia impressa como forma de apresentação e reforço de suas propostas e discursos. Abaixo deste uma imagem de um grupo de pessoas carregando a bandeira do PCO levava à “História do PCO”, uma página também em fundo www.bocc.ubi.pt 190 César Steffen vermelho e letras brancas (ilustração 3.35) ressaltava as origens trotskistas de seus integrantes, os movimentos e partidos ao qual foi aliado e as causas de suas rupturas com tais elementos. Destacava-se nesta página crítica ao PT, de onde se origina o PCO, em que “segmentos burgueses” teriam se colocado no caminho da formação de um partido genuinamente de trabalhadores. Ilustração 3.35 - “História da PCO” Na barra à direita da imagem principal o primeiro item, “Perfil do Candidato” também ilustrado por foto de Rui Costa Pimenta, apresentava um breve perfil do candidato, como filiação, data de nascimento, etc., parecendo mais um curriculum vitae ou ficha de filiação do que propriamente um perfil. Abaixo deste o “perfil do Vice” era acompanhado por imagem de Pedro Paulo, mas ao contrário do anterior este link não carregava nenhuma página, o que demonstra um descuido ou mesmo a pouca importância do Vice na seção. “Álbum de Fotos”, último link desta barra, levava a uma página com fotografias de vários momentos da vida de Rui Costa Pimenta – com o padrasto, estudando no exterior, discursando para camponeses, etc. - estavam expostas como em um mural, “presas” por alfinetes (ilustração 3.36). Ressaltava ai a história e a família de Rui Costa numa página onde a tecnologia ao mesmo tempo serve de suporte (ou é ilustrada) para uma antiga prática, além de construir a imagem do candidato, que se coloca assim como o elemento central e foco desta seção. www.bocc.ubi.pt 191 A Política nos espaços digitais Ilustração 3.36 - Álbum de fotos No topo desta página estava inserida a foto de Rui Costa Pimenta e o logotipo da campanha, tendo abaixo três pequenos itens. “Fale Conosco” abria um link para o e-mail “[email protected]”, mas “Contribua com a campanha” e “Filiese” não continham link. Abaixo da barra da direita um box quadrado com a imagem de uma escala musical gerava acesso à letra e ao jingle da campanha, que podia ser copiado em formato MP3. O segundo item da página inicial era “Eleições 2002”. Este link carregava uma página em fundo verde escuro, contendo três colunas com conteúdos (ilustração 3.36). Na coluna à esquerda um menu com imagens apresentava os conteúdos da seção. Ilustração 3.36 – página inicial do link “eleições 2002” O primeiro link, “Programa”, era ilustrado pelo logotipo do PCO em vermelho e amarelo (ilustração 3.36), ficando acima de link com as fotos dos candidatos, mostrando ser o partido mais importante que as personalidades da campanha. Este link abria a página com o Programa de Governo do PCO. Organizada em tópicos numerados, esta página era bastante semelhante ao “Programa de Governo”, mas apresentava alguns temas de formas diferentes, www.bocc.ubi.pt 192 César Steffen como “Não ao salário mínimo de fome ...”, “Não ao banco de horas ...” e “Que os patrões arquem com o custo da crise”, aparentando ser uma peça de discursos e elementos do partido, ao contrário da anterior que aparentava estar ligada a falas e discursos do candidato. “Candidatos” abria uma página com o mapa do Brasil. Em fundo branco, diferente da página de origem do link, neste mapa as várias unidades da federação, ao clicadas, abriam página com dados dos candidatos regionais do PCO em todos os níveis (ilustração 3.37). Ilustração 3.37 – página do candidato ao governo do Rio Grande do Sul. Com cor, formato e diagramação diferenciados, aparentando mais um cadastro comercial ou mesmo uma ficha policial do que uma peça de campanha eleitoral, nesta página viam-se fotos e um breve perfil de cada candidato sendo que, ao lado bandeiras dos Estados, permitiam acesso aos candidatos nas demais unidades federativas. Observa-se ai uma quebra na lógica da navegação e um descuido com a estrutura do website, pois não só a mudança das cores desvincula as páginas dos candidatos do website do partido como também desaparecem os itens de navegação, exigindo do usuário o uso de recursos do browser para retornar à página de origem e acessar os demais conteúdos. O quarto link, “Comitês eleitorais”, não se relacionava com nenhuma página, e o link seguinte, “Textos de Campanha” apresentava três itens. “As divergência fundamentais entre os partidos de esquerda” apresentava, no topo, o slogan da campanha do PSTU, “Quem bate cartão não vota em patrão”, acima de três colunas onde eram apresentados lado-a-lado o PCO, PSTU e PT (ilustração 3.38). www.bocc.ubi.pt 193 A Política nos espaços digitais Ilustração 3.38 - textos da campanha O primeiro era considerado como de tendência à esquerda, fato que se justificava por seu programa, a ausência de alianças na campanha e slogan. Ao lado o PSTU era colocado como um partido de centro, com um programa, imagem e slogan ambíguos. A última coluna citava o PT como um partido de direita por ter empresários entre seus integrantes, por defender garantias às empresas e por diminuir o poder dos trabalhadores em sua estrutura. Observa-se ai novamente a marca doutrinária e ideológica do website, onde conteúdos e formatos são inseridos e organizados de forma a demonstrar e ressaltar a coerência e os compromissos do PCO. Além disso, o PT, de onde os integrantes do PCO forma expulsos e fundaram o partido, é situado como de ideologia à direita, e os também ex-integrantes do PT. Os candidatos do PSTU eram citados como de centro, mostrando uma tática de ataques, combativa e ideológica que ao mesmo tempo em que constrói a imagem e identidade do PCO coloca em dúvida as imagens e identidades dos demais. O último link, “Agenda”, abria uma página com um calendário mensal, onde algumas datas possuíam link que abria página com os compromissos e eventos do partido e do candidato. No centro da página inicial desta seção um box delimitado por linhas brancas, intitulado “PCO na Imprensa”, abria página com conteúdo semelhante à lista presente na seção anterior. Na área abaixo algumas notas “corriam” de baixo para cima. “Candidato do PCO no Espírito Santo tem 1%” e “Candidato do PCO na Bahia está com 4% e empata com PT em segundo lugar” são algumas das notas apresentadas, que apresentam elementos e informações da campanha relevantes www.bocc.ubi.pt 194 César Steffen para o partido e demonstram o uso da mídia para a construção da campanha do partido. Ao contrário das notas presentes nos websites dos demais candidatos estas não geravam link ou estabeleciam relação com nenhuma outra página ou seção, sendo estanques, ou seja, apresentavam e resumiam em si o conteúdo que o partido desejava tornar visível. Na terceira e última barra, o primeiro item, “Contribua com a campanha do PCO”, não possuía link, e o item abaixo, um mapa do Brasil contendo as fotos de Rui Costa e Pedro Paulo, abria a seção anterior, “Campanha Presidencial”. Retomando agora a página inicial do link “Eleições” da página inicial do website do PCO temos outros cinco links, sendo estes, na ordem, “Eleições Anteriores”, que não apresentava conteúdo, “Marxismo, eleições e Parlamentarismo (textos)”, “Causa operária Online”, “Breve história da participação do PCO em eleições” e “Textos de análise e polêmica sobre a questão eleitoral e parlamentar”, este último sem conteúdo vinculado. “Marxismo, eleições e Parlamentarismo (textos)”, ilustrada por uma pintura de Lênin, apresentava uma “Biblioteca” (ilustração 3.39) com textos e transcrições de discursos de líder revolucionário Russo. Ao lado da reprodução de uma pintura de Lênin discursando para uma grande massa de pessoas uma lista com cinco textos abria páginas com textos completos, todos creditados a Lênin e versando sobre eleições diversas, mas nunca citando o local ou mesmo o contexto de realização dos mesmos. Observamos que o PCO busca reforçar sua imagem esquerdista e revolucionária através da reprodução e circulação de discursos do líder da revolução Russa, que instaurou o primeiro e maior regime comunista e operário no mundo. www.bocc.ubi.pt 195 A Política nos espaços digitais Ilustração 3.39 - “Marxismo, eleições e Parlamentarismo (textos)” “Causa Operária Online” apresentava a versão digital - ou reprodução - do veículo de divulgação e informação do partido, onde matérias como “Derrotar a agressão imperialista contra o Iraque e seu povo oprimido” analisam o cenário mundial e apresentam as posições do partido frente a tais fatos, reforçando suas posições político-ideológicas dentro de um formato e discurso mais jornalísticos, quase midiáticos. O último item, “Breve história da participação do PCO em eleições”, abria uma página com texto extenso e pesado, onde as participações e resultados do PCO nas várias eleições, desde quando era uma corrente do PT, eram listadas e comentadas frente ao cenário geral da eleição e em seu impacto para o partido. Ilustração 3.40 - Breve história da participação do PCO em eleições Interessante observar que o website do PCO, primeiramente, que o título da página era ”Participação Eleitoral do PCO”, diferente do conteúdo do link, e que a página citava os resultados obtidos por seus membros nos pleitos que participa com o PT. Entretanto o PT não é citado o que, somado as criticas colocando o partido como de direita, mostra o conflito e mesmo oposição aos antigos companheiros. www.bocc.ubi.pt 196 César Steffen Observa-se que as diversas páginas acessadas através do menu da seção “eleições” formam uma área temática diferente, onde diversos, textos e imagens se somam na apresentação das propostas do candidato. Da mesma forma as imagens presentes junto aos links tematizam, ilustram os conteúdos das páginas e seções, onde notamos três características comuns: o uso de cores fortes e sólidas de fundo; texto blocados, extensos e pesados, com uma forte marca ideológica, doutrinária; e, principalmente, a irregularidade dos menus, que desaparecem em muitas páginas internas causando uma sensação de desorientação. Esta “desorganização” dos conteúdos se repete na página inicial do website, que apesar de não estar vinculada às eleições, mas às propostas e doutrinas do partido, mostra-se com uma série de conteúdos políticos que buscam construir a posição política do partido e, conseqüentemente, do candidato. Sobre isto dissertaremos em capítulo posterior. Assim, para fins de concluir este trecho da análise, devemos primeiramente observar que as páginas internas do website não continham título (os textos que são apresentados pelo browser de navegação) permanecendo a inscrição “Untitled Document” (documento sem título), demonstrando o descuido e mesmo descaso com o website. Chama nossa atenção, negativamente, a quantidade de conteúdos inseridos, gerando até cinco níveis de navegação, além do tamanho dos textos, que somados ao freqüente “desaparecimento” dos menus das seções e à constante quebra na programação visual gerava desconforto e mesmo desorientação, atrapalhando e desestimulando o contato com o espaço. Isto nos leva a crer que os elementos de navegação estavam inseridos, apresentados sem preocupação com a experiência do usuário, o que afetava a formatação e a construção deste trecho. Sim, podíamos ter organizado melhor nossa análise, mas propositadamente deixamos desta maneira para buscar ilustrar os possíveis processos de interação dos usuários neste website. Encerramos esta parte esclarecendo que, se o texto desta análise se torna em alguns momentos confuso, recortado ou mesmo dá a sensação de saltos, é porque ele é retrato e mesmo fruto da própria desorganização do website. www.bocc.ubi.pt 197 A Política nos espaços digitais 3.1.5.Garotinho 40: O partido pegou uma carona O website de Garotinho apresentava três menus com construções diferentes. Abaixo da foto e do logotipo da campanha havia três botões em fundo azul. O primeiro, “Fale com Garotinho”, ao clicado gerava automaticamente uma mensagem eletrônica endereçada para o e-mail “[email protected]”. Nota-se ai uma estratégia diferenciada dos demais candidatos, pois ao invés de inserir formulários com campos e assuntos determinados o website de Garotinho gera link para e-mail direto, onde o usuário ganha maior liberdade para se manifestar. Entretanto devemos lembrar que tecnicamente tal estratégia apresenta um ligeiro risco, uma vez que se apóia em recursos e elementos técnicos externos ao website, aumentando a probabilidade de erros e problemas em sua execução. Ao lado deste, o botão “Agenda” abria a agenda de compromissos e eventos programados para Garotinho, mostrando sem muitos detalhes os movimentos do candidato na campanha. “Notícias”, por sua vez, abria página com uma lista de notas contendo as informações mais recentes da campanha, que ao clicadas conduziam à página com o conteúdo completo da mesma. Nesta página as aparições e citações do candidato na mídia eram conteúdo freqüente, tornando o campo midiático referência para a construção da imagem do candidato, mostrando uma ampliação dos possíveis efeitos de mídia e mesmo a utilização desta como elemento de alimentação, atualização e condução do website. Além disso, observamos neste processo a pouca ou quase ausência de materiais próprios, gerados pela assessoria, colocando o campo midiático como importante, se não principal, fonte de materiais e atualizações nos conteúdos do website. www.bocc.ubi.pt 198 César Steffen Ilustração 3.41 - Plano de Governo em 17/07/2002 O último botão desta barra, “Plano de Governo” (ilustração 3.41), apresentava uma página com índice de tópicos que, ao clicados, abriam nova página com as propostas completas do candidato. Esta página era organizada por assunto, como “Economia”, “Minas e Energia”, etc., mostrando com detalhamento as propostas e projetos do candidato, mas gerando extensa barra de rolagem para acesso e leitura do conteúdo completo. Nesta página observamos que as propostas e projetos do candidato, itens muito comentados mas muitas vezes apresentado apenas de forma resumida e mesmo publicitária nas demais mídias, no website se apresenta de forma completa, estruturada e organizada de forma a facilitar o acesso, contato e compreensão, onde os elementos, análises e propostas do candidato se fazem visíveis em toda sua extensão. Neste conjunto de itens destacamos o tópico “Economia” pois estruturalmente se assemelhava aos demais, apresentando uma introdução ao tema – onde constavam fortes críticas à gestão e aos modelos econômicos de FHC, muito presentes em outras páginas – seguida dos tópicos do projeto do candidato. Esta era a única que citava local e data, “Brasília, 11 de abril de 1 2002 ”, o que nos leva a supor tratar-se de um discurso proferido pelo candidato em ato partidário ou de campanha, o que em sendo correto coloca o candidato na posição de proprietário, de criador e condutor do programa. Da mesma forma cabe destacar que a maioria das páginas apresentava textos construídos na terceira pessoa – “cresceu substancialmente”, “No tocante a ...” - mas algumas, como o item “Economia” , encerrava com as propostas apresentadas na primeira pessoa – “Vou criar ...”. 1 Fonte: http://www.garotinho40.com.br/scripts/detalheplanogoverno.asp?id=1 www.bocc.ubi.pt 199 A Política nos espaços digitais Construía, assim, uma estrutura de discurso de oferecimento, de proposta, reforçando o foco na personalidade do candidato e mesmo o seu compromisso com o conteúdo apresentado e caracterizando-se como um discurso político, com valor e estatuto de compromisso de gestão. O menu à esquerda era formado por uma série de botões nas mesmas cores, que dividiam os diferentes conteúdos. O primeiro botão “Na TV” era seguido de uma imagem de uma tela de TV com Garotinho discursando frente a vários microfones. Abaixo desta imagem havia o texto “Governo do PSB no Rio de Janeiro estabelece piso salarial de R$ 240,00”, que ao clicado, abria vídeo com o candidato numa janela tipo pop-up junto com pequeno texto explicativo do conteúdo do mesmo. No HPEG a principal proposta e discurso que o candidato apresentava era o salário mínimo de R$ 280,00 (duzentos e oitenta reais), e o primeiro link do menu, que permanece imutável durante todo a campanha, ressaltava o valor do piso salarial estabelecido no governo do candidato construindo e mesmo aprofundando assim tal proposta, mostrando o acoplamento do website a campanha como um todo. Entretanto, no HPEG Garotinho falava que aumentara o salário mínimo regional no Rio de Janeiro, enquanto o texto abaixo da imagem do website citava “piso salarial”, dois elementos que apesar de semelhantes apresentam diferenças sutis, uma vez que o aumento do salário mínimo beneficia todos os trabalhadores enquanto o piso salarial é, normalmente, referente a uma categoria. Este aumento citado veio na esteira de uma lei federal que abriu a possibilidade de os Estados da Federação instituírem valores regionais para o salário mínimo, vinculados a realidade econômica regional. Assim não fica claro, no website, se o “piso salarial” citado é o salário mínimo ou um piso propriamente dito, mostrando uma incoerência ou um erro na construção dos discursos nos dois meios. O botão seguinte, “No Rádio”, era seguido de links em texto para entrevistas do candidato na mídia, como a concedida à rádio CBN. Ao clicado este link iniciava o download de arquivo “WAV”, formato de áudio digital padrão do sistema Windows, que rodava automaticamente ao final do processo de cópia. www.bocc.ubi.pt 200 César Steffen A entrevista podia ser ouvida na íntegra, sem cortes, mas os arquivos apresentados eram de grande tamanho, superando um megabyte, o que gerava um longo tempo de espera e aumentava consideravelmente as possibilidades de erro no processo. O botão seguinte, “Arquivo”, era seguido de cinco links de texto, sendo estes “Textos”, “Fotos”, “Vídeo”, “Áudio” e “Materiais de Campanha”. O link “Textos” abria página com campo de busca de entrevistas, artigos, notícias, etc., por palavra-chave, por data de publicação ou cruzando estas, o que possibilitaria a rápida localização de conteúdos no website. Entretanto, havia um erro de programação no formulário que impedia o preenchimento de alguns campos, impossibilitando assim a efetivação da pesquisa, o que demonstra um descuido na construção do website. “Fotos”, “Vídeo” e “Áudio” continham um formulário de pesquisa semelhante, mas que não gerava erro, apresentando o resultado das buscas em uma lista e possibilitando rápido acesso ao conteúdo localizado, que era apresentado em nova página. Isto nos leva a supor, uma vez que a tecnologia de buscas destes formulários é a mesma, uma estratégia de apresentar e mesmo facilitar a localização de materiais para e da mídia em detrimento de textos e outros materiais próprios. É claro que se trata de uma suposição, já que a construção de um sistema de pesquisa envolve uma amplitude de variáveis, mas a própria nãocorreção do formulário de textos durante a campanha, mantendo o erro, demonstra a não preocupação ou cuidado com este tipo de conteúdo. O link seguinte, “Materiais de Campanha” (ilustração 3.42) abria uma página com reproduções das peças gráficas da campanha que, ao clicadas, iniciavam o download das mesmas. Estas peças, desde a foto oficial do candidato até banners, volantes e mesmo out-doors, eram disponibilizadas no formato “JPG”, que impede ou dificulta alterações e adulterações, em versão final para impressão, transformando o website num comitê de campanha aberto 24 horas por dia. www.bocc.ubi.pt 201 A Política nos espaços digitais Ilustração 3.42 – Materiais de Campanha O botão seguinte era intitulado “Conheça o Garotinho”, que apresentava uma pequena foto do candidato em ato de campanha e cinco links. “Perfil” continha a história política do candidato, focando e valorizando sua administração como Governador do Rio de Janeiro. “Política” assemelhava-se a este, mas continha a história geral, antes do candidato ser Governador. “Governo”, por sua vez, era bastante semelhante, estruturalmente e em conteúdo, ao “Plano de Governo”. Dividido em tópicos como “Ação Social”, “Cultura”, etc., listava e apresentava as realizações de Garotinho na administração carioca com o máximo de detalhamento. Os dois últimos links abaixo deste botão focavam-se na história pessoal do candidato. “Família” contava a história da família do candidato desde sua infância, enquanto “Fé” contava a conversão religiosa de Garotinho após um acidente de carro e sua relação com a Igreja Evangélica, sendo que entre estes havia uma pequena imagem de Garotinho. O último botão desta barra era “Discurso”, seguido do texto “Há quem deve servir um governo”, que continha a reprodução completa, em texto, do discurso proferido por Garotinho no dia cinco de abril de 2002, quando se desvinculou da governança do Estado do Rio de Janeiro para candidatar-se a Presidência da República. Esta seqüência, que em sua própria construção mostra uma estratégia de argumentação em prol do candidato, permanece, com algumas – poucas alterações na foto, durante toda a campanha, onde notamos foco absoluto no candidato, sua biografia, atos e ações na mídia. Cabe destacar o uso de fotografias e imagens capturadas diretamente no menu, apresentando atos e discursos do candidato, e o agrupamento temático www.bocc.ubi.pt 202 César Steffen dos elementos através de botões com títulos, facilitando a localização e acesso aos diversos conteúdos. O menu à direita, por sua vez, era reservado ao partido de Garotinho, PSB, e apresentava, no topo, o logotipo do mesmo, uma pomba branca carregando um ramo de oliveira no bico. Abaixo vários botões idênticos ao da barra da esquerda apresentavam vários links. O primeiro botão era “Os candidatos”, seguido pelo texto “Conheça nossos candidatos” que abria uma página com lista, em ordem alfabética, dos Estados do Brasil, acompanhados de dados gerais como área, população e número de eleitores (ilustração 3.43). Em cinco de outubro, véspera da eleição, estes link muda para “Eleições 2002”, mas mantém o mesmo conteúdo. Ilustração 3.43 - Os candidatos Nos Estados onde o PSB concorria com candidatos próprios havia link, que carregava nova página com o perfil do mesmo (ilustração 3.44), sendo que onde havia candidatos a Senador o mesmo também era apresentado. Em apenas dois Estados, Acre e Sergipe, não havia links. Ilustração 3.44 – página do candidato do PSB ao governo do RS www.bocc.ubi.pt 203 A Política nos espaços digitais O botão seguinte era “Coligação Nacional”, abaixo do qual havia o texto “Protocolo de Compromisso”, que levava a um texto eminente e explicitamente político, ressaltando os compromissos e estratégias da coligação PSB nos vários níveis, e deixando clara a posição do partido frente ao cenário das eleições e ao quadro social Brasileiro. Na base desta página havia dez links para os websites dos partidos integrantes, sendo que destes apenas três funcionaram corretamente, novamente mostrando um descuido com a construção do website. “O partido” era composto de 12 links de textos. O primeiro, “No Congresso”, apresentava a nominata dos Senadores e Deputados Federais do partido, com endereço do gabinete, cidade e estado de origem, telefone e texto sobre a atuação política do mesmo. “Governadores” abria página citando três nomes, mas dava detalhes e dados apenas do governador de Alagoas Ronaldo Lessa, permitindo uma leitura de valorização e mesmo sobreposição deste sobre os demais. "Prefeitos” apresentava lista com nomes, cidades, Estados e CEP dos Prefeitos eleitos pelo partido, bastante semelhante a página “Dep. Estaduais”. Já a página “Vereadores” abria um menu tipo pull-down com a lista de Estados do Brasil que, ao selecionadas, carregava página com a lista de vereadores e respectivas cidades de atuação. Estes links seguiam com “História”, que apresentava a história e ideologia do partido, “Estatuto”, que carregava arquivo “PDF” em uma janela secundária2 com os princípios que regem o partido, “Fundação Mangabeira” em que se encontravam textos sobre os objetivos e realizações da Fundação João Mangabeira, advogado baiano fundador do PSB. “Diretórios Estaduais” trazia lista dos diretórios do PSB em cada Estado, sendo seguido por “Filiação”, que abria formulário eletrônico para filiação no partido através da Internet, onde observamos a forte valorização do partido nesta barra, e “Fale com o PSB” que gerava e-mail para o endereço “[email protected]”. O último item era “Fórum”, página que trazia texto “área restrita aos participantes do fórum” e os campos SIGLA e SENHA. Não era explicado como 2 Cabe observar que não se tratava de uma janela pop-up, mas uma janela completa do browser. www.bocc.ubi.pt 204 César Steffen participar do fórum, fato que nos leva a supor ser o mesmo fechado aos militantes, filiados ou pessoas cadastradas e também nos impediu de travar contato com seus conteúdos e, assim, tecer comentários mais aprofundados. Observa-se aí que o usuário é limitado em seu contato, ficando um espaço de possível troca entre os usuários e a campanha restrito a pessoas conhecidas ou a filiados do partido. Vemos, nesta seqüência de links, a utilização do website do candidato como forma de apresentação e mesmo construção da imagem política do partido, que se mostra não somente através de suas idéias, programa e ideologia, mas principalmente, se notarmos a ordem dos links, pelos atores políticos que integram e atuam em seus quadros. Ilustração 3.45 - “Leia” em 19/07/2002 O último botão desta barra era intitulado “Leia”, e era seguido de imagem da capa de um jornal ou boletim informativo que abria página com as matérias do jornal “RIO40”. Cada página era apresentada em uma pequena imagem e breve resumo ao lado. As imagens geravam link para arquivo “PDF” que abriam em janela tipo pop-up, contendo matérias sobre realizações da administração de Garotinho nas diversas e diversificadas áreas, como o aumento de expectadores nos teatros e espetáculos patrocinados pelo Governo. A segunda e última imagem, que fechava este menu, era a capa do livro “O carro virou minha vida”, ilustrada por foto de Garotinho tendo uma bandeira do Brasil ao fundo, onde Anthony narra sua história de vida e o acidente de carro que o converteu a religião. www.bocc.ubi.pt 205 A Política nos espaços digitais Nos menus observamos que os botões se comportam como divisores, criando áreas temáticas para os links e facilitando, assim, a localização do usuário e sua permanência no website, onde não podemos deixar de destacar a presença do partido como elemento de campanha. Observa-se uma certa mistura entre conteúdos do partido e do candidato, onde a administração carioca e a biografia misturam-se aos dados do partido. Entretanto, a posição destes últimos conteúdos coloca-os em posição inferior em relação aos demais, principalmente se notarmos que somente eram visíveis a partir da rolagem da página. Neste ponto está a maior especificidade do website de Garotinho, pois dando espaço ao partido mostra uma estratégia de uso deste espaço para a propagação ideológica, para a captura de simpatizantes e filiados e mesmo para as campanhas regionais, permitindo uma leitura de dubiedade entre o uso do website para o candidato ou no partido. Entretanto, a posição destinada ao partido na página é hierarquicamente menor, reforçando o foco na candidatura de Garotinho. Os elementos inseridos na página inicial do website de Garotinho demonstrava uma estratégia diferenciada dos conteúdos gerais, que será detalhada em capítulo a seguir. www.bocc.ubi.pt 206 César Steffen 3.1.6. Serra 45: “Trabalho, trabalho, trabalho, trabalho, trabalho ... pra gente!1” Na fase de pré-observação o menu do website de José Serra era composto de cinco links, que priorizavam as notícias e biografia do candidato e sua vice (ilustração 3.46). Ilustração 3.46 – página inicial de 17/07/2002 O primeiro link do menu, “Todas as Notícias”, conduzia a uma página contendo os títulos das notícias e informações listadas em ordem decrescente por dia e hora de inserção, evocando a atualidade dos fatos e a própria velocidade do website. Ao clicados, os títulos conduziam às notícias completas em telas individuais dentro do website, onde se observava o foco nos fragmentos de campanha, nos atos e ações do candidato e nos atos de campanha em geral: decisões jurídicas, materiais oriundos da mídia, respostas aos adversários, etc. Bastante clara e organizada, esta seção tratava de construir um espaço de informação com lógica e formato jornalísticos, posicionando o usuário sobre os fazeres do candidato e o cenário da campanha e criando com ele uma relação direta através de um serviço – ou conteúdo - de valor, mas ligado às estratégias de campanha e obviamente filtrado pela assessoria do candidato. “Programa de Governo” se dividia em vários links, dando ao mesmo um tratamento bastante publicitário. “Oportunidades de trabalho, o grande 1 Refrão do jingle principal da campanha de Serra no primeiro turno. www.bocc.ubi.pt 207 A Política nos espaços digitais desafio” era o primeiro link, mostrando o foco do candidato em seu programa de geração de empregos. Seguido por “acelerar o crescimento com estabilidade”, “ofensiva contra o crime”, “igualdade de oportunidades”, tematizava um discurso político do candidato pelas propostas da campanha e apresentando um cruzamento entre as tecnologias do meio e as estratégias da campanha. Os textos destas páginas não transcreviam o conteúdo do programa ou mesmo o apresentavam completo, mas resumiam os tópicos e elementos principais do programa de Serra de forma curta, adequada ao meio, e bastante jornalística, informativa, facilitando a compreensão do mesmo para o usuário. Interessante observar que os conteúdos destas páginas podiam ser copiados pelo usuário em formato “.PDF” através de links colocados na barra a direita do conteúdo, configurando-se claramente como elemento de difusão que busca facilitar o contato do usuário com este elemento e antecipar suas necessidades e expectativas. Os links “José Serra” e “Rita Camata” apresentavam, inicialmente, as biografias dos candidatos resumidas em cerca de 25 linhas e ladeadas pelas suas fotos (ilustração 3.47). No decorrer da campanha estas seções foram ampliadas, sendo inseridas novas páginas com detalhamento das biografias formando um menu secundário com links como “O Jovem Serra”, sobre o passado de estudante e militante do candidato, e “Rita Mulher e mãe”, sobre a vida familiar da candidata. Ilustração 3.47– biografia de José Serra Cabe aqui destacar o equilíbrio no tratamento de ambas as biografias, valorizando as várias faces e ações dos candidatos em sua vida política e pessoal, www.bocc.ubi.pt 208 César Steffen o que mostra um equilíbrio na apresentação e visibilidade de ambos não observado em outros websites. Da mesma forma as diferenças nas construções, pois Serra recebe foco em sua história política desde os tempos de militância no movimento estudantil, enquanto Rita é apresentada em sua vida pessoal e familiar, deslocada da política e mostrando uma tematização da questão feminina na campanha. A “Agenda” abria página indicando os compromissos públicos dos candidatos e com possibilidade de participação dos usuários ou os compromissos políticos, detalhando horário, local e cidade de sua realização. Notamos que, no caso de eventos onde apenas um dos candidatos se faria presente, esta página exibia sempre os compromissos de José Serra, ofertando a possibilidade de acesso à agenda de Rita em link abaixo do banner superior. A “Campanha Virtual”, em seu título já demonstra sua intenção de construir-se como espaço de interação para o usuário. Ao clicado este item abria 3 links secundários: “Cartões Virtuais”, que possibilitava o envio de cartões com temas da campanha por e-mail, “Jingles”, contendo as letras e jingles em formato MP3 para cópia e “Papéis de Parede” que o usuário podia copiar e instalar em seu computador. Já os cartões virtuais (ilustração 3.48) eram enviados diretamente para o e-mail indicado, e continham temas como trabalho, agricultura e exportação apresentados em textos resumindo as propostas de Serra ao lado de imagens ilustrativas sempre, em que o logotipo da campanha era o elemento central e destacado. Ilustração 3.48 - página para envio de cartões postais www.bocc.ubi.pt 209 A Política nos espaços digitais Nos “jingles” havia, abaixo do convite “cante com a gente”, a letra do jingle oficial da campanha e uma lista de arquivos MP3 para download mostrando a mesma letra em vários estilos musicais, como country, forró, gaudério, etc. Já o link “papéis de parede” ofertava três modelos de imagem, cada um com duas definições diferentes, para o usuário decorar seu computador. Notase nesta seção uma estratégia de integração do usuário a campanha, buscando torna-lo um difusor das propostas e projetos do candidato. A seção “Material de Campanha” também se apresentava com esta característica, inserindo arquivos dos materiais gráficos da campanha – santinhos, adesivos, etc. – para download tanto em formato PSD - Adobe Photoshop – como CDR – Corel Draw - ambos com possibilidade de edição pelo usuário, em que notamos uma estratégia de facilitar e aproximar a integração do usuário a campanha. “Fale com o Serra”, título que deixa bem claro sua intenção e função na estrutura geral do website, conduzia a um formulário de contato onde o usuário podia enviar uma mensagem de apoio, sugestões para o plano de governo, pedidos de material, fazer uma crítica, entre outros. Era necessário estar cadastrado no website para utilizar este recurso, onde se nota não só uma tentativa de conduzir ou mesmo limitar os movimentos do usuário, gerando assuntos ou categorias de mensagens, mas também uma estratégia de identificar a origem dos contatos, de onde seria possível extrair dados e informações para as estratégias gerais de campanha. A seção “Sala de Imprensa” continha materiais relativos à campanha voltados para o campo midiático, mostrando uma estratégia ou espaço de contato e interação específico dentro do website. Organizada em “Matérias”, página com relatos e releases das atividades dos candidatos, “Banco de Imagens”, contendo fotos dos atos da campanha, e “Áudios”, composta de depoimentos, discursos e falas de Serra e Rita. Não era necessário cadastro para acessar esta área, mostrando claramente uma estratégia de assessoria à imprensa através do fornecimento de elementos para suprir as necessidades dos veículos, possibilitando inclusive a busca de materiais em campo específico localizado à direita do conteúdo. www.bocc.ubi.pt 210 César Steffen Interessante ressaltar que somente as fotografias eram creditadas, sendo os demais materiais citados apenas em sua hora e local de realização. Ou seja, os fotógrafos eram citados em seu trabalho, mas o demais elementos apenas localizados no tempo-espaço da campanha, sem citar sua origem, fonte ou profissional que gerou. A “Galeria de fotos” era composta de imagens da campanha do candidato, da Vice e de apoiadores, como a esposa de José Serra, Mônica, em ações sociais. Em tamanho pequeno, estas fotos ao clicadas abriam as mesmas em tamanho e definição próprias para uso pela mídia, e eram sempre acompanhadas de informações sobre o local ou ato da campanha em que foram produzidas, mas estranhamente deixam de ser creditadas. O link “Artigos” conduzia a uma página com uma listagem de várias matérias e textos de e sobre a campanha, abrangendo desde palestras e discursos de Serra até matérias publicadas em jornais sobre temas da campanha, como saúde e emprego. Notamos a predominância de artigos produzidos pelo candidato e publicados tanto na mídia – jornais, como Folha de São Paulo ou revistas, como Veja – como em veículos segmentados, como a revista do PSDB. Esta seção apresenta-se, mesmo que estruturalmente afastada, como um elemento de aprofundamento da biografia do candidato, além de demonstrar e ressaltar a competência e a capacidade do mesmo por sua inserção e conquista de espaço em renomados veículos de comunicação. Ilustração 3.49 - página do “projeto segunda-feira” O “Projeto Segunda-feira” (ilustração 3.49) conduzia a uma seção voltada à principal proposta do candidato no primeiro turno. Estruturada como um folder com várias telas em seqüência, evocando uma linguagem e formato www.bocc.ubi.pt 211 A Política nos espaços digitais publicitários, apresentava a proposta de geração de oito milhões de empregos e sua forma e ações de implementação. Na barra da direita desta seção surgia um menu secundário intitulado “Tudo sobre o projeto” com os principais tópicos, como “Exportar mais e importar menos” e “Mais de 600 mil empregos na construção civil”. Observamos nesta seção um foco na publicidade da campanha na medida em que, usando de uma linguagem simples e bastante clara, transforma um item do Programa de Governo e a principal proposta do candidato num roteiro, num mapa de ações e estratégias tornando-a facilmente compreensível para todos receptores. Esta percepção é ressaltada de esta seção surgir no dia seguinte ao início do HPEG, quando Serra muda a programação visual do website em função do mote da campanha. Poder-se-ia questionar o fato deste link ocupar a sétima posição na hierarquia do menu, mas a presença do conteúdo em todo o website através de vários outros elementos, conferia-lhe alta visibilidade e relevãncia, possibilitando a inserção após as biografias e os artigos do candidato no menu. O link “Você sabia”, que convidava o usuário à interação, mas estranhamente não inseria o ponto de interrogação na pergunta, o que nos leva a supor tratar-se mais de um desafio à memória do usuário do que propriamente uma questão, abria uma página com perguntas e respostas sobre vários assuntos, como “Você Sabia que 3.041 professores indígenas...”, ofertando diferentes e variadas informações e dados para os usuários. Estas perguntas eram atualizadas freqüentemente, sempre focando alguma realização do governo de FHC, como a modernização dos portos ou a construção de uma ponte, porém sem nunca cita-lo diretamente. Abaixo de cada elemento - pergunta/resposta - havia um link “Enviar para um amigo”, que possibilitava ao usuário remeter a nota à sua rede de contatos, mostrando mais um elemento de transformação do usuário num propagador da campanha. O link “Pelotão 45” (ilustração 3.50), ilustrado por um distintivo em azul e amarelo ao lado do título “Quer ajudar na campanha?”, conduzia para uma página para cadastro no pelotão. www.bocc.ubi.pt 212 César Steffen O “Pelotão” agia sobre o eleitor através do envio, via e-mail, de missões diárias vinculadas à campanha, como “convencer três eleitores a votar em Serra”, “falar com cinco eleitores sobre as propostas de geração de emprego de Serra”, etc. Ilustração 3.50 - tela de cadastro no “Pelotão45” Recurso e estratégia única em toda a campanha, o “Pelotão 45” chegou a enviar duas missões por dia2, sendo mais um recurso de mobilização do usuário para as propostas, projetos, estratégias e ações do candidato. A “Rádio 45” comentava diariamente o programa de rádio de Serra e as falas não só do candidato mas também, se não principalmente, as participações especiais de atores, cantores e apoiadores da campanha oriundos do campo midiático. Abaixo destas notas havia links para acesso a arquivos MP3 e Windows Media Player, permitindo ouvir o programa na Internet. O menu permanece com esta estrutura até o dia doze de setembro, terceira semana da campanha no HPEG, quando na primeira posição do menu surge o link “O Brasil se une a Serra”. Outros links, “TV Serra” e “Dito e feito” são adicionados, e o link “Projeto segunda-feira” é alterado para a segunda posição. Também foram acrescentados também links diretos para as páginas internas da seção “Campanha Virtual”, que foi deslocado para antes do link “Fale com Serra”. Observamos neste movimento que Serra busca dar destaque, no website, a vários outros campos e elementos, somando-os a suas propostas e discursos como forma de construção de sua imagem, o que pode ser notado nos conteúdos disponibilizados nestas nova seções. “O Brasil se une a Serra” (ilustração 3.51) conduzia a uma página com título “quem está com Serra”, apresentando os apoios e vínculos do candidato 2 Cabe observar que nos cadastramos no pelotão para compreender a função e valor do mesmo para a campanha de Serra. www.bocc.ubi.pt 213 A Política nos espaços digitais com outros campos. Composta de uma listagem com fotos de personalidades que, ao clicadas, abriam uma janela tipo pop-up com as razões de seu apoio a Serra e as opiniões dos mesmos frente a campanha. Esta página configurava-se como uma galeria atores de vários campos, como as atrizes Irene Ravache e Beatriz Segall, a dupla sertaneja Chitãozinho e Xororó, o senador Pedro Simon e o empresário Antonio Ermírio de Moraes, que em vídeo apresentam seu apoio a Serra. Ilustração 3.51 - “O Brasil se une a Serra” Notamos nesta página uma preponderância de atores do campo midiático, não somente em termos quantitativos mas também qualitativos, no sentido de que ocupavam posições privilegiadas na estrutura, possibilitando a rápida visualização e leitura direta dos mesmos. Vemos aí uma estratégia de apela a autoridade e transferência de sua credibilidade para o candidato, mostrando que os atores midiáticos têm mais força e credibilidade de que os atores políticos na campanha, posição reforçada pela própria posição e relevância que a seção recebe no menu de navegação. “Dito e Feito” arrolava as realizações de Serra como Ministro da Saúde, que ocupavam as primeiras posições na lista. Da mesma maneira procedeu em relação aos demais cargos político-administrativos que ocupou, mostrando assim o compromisso do candidato com a palavra que empenhava e tornando-se, assim, elemento de propagação da campanha e da construção da biografia do candidato. Assim como a seção “Você Sabia”, esta permitia o envio da nota para e-mails inseridos pelo usuário, construindo um novo espaço de interação para o usuário. “TV Serra” continha vídeos da campanha, clipes com artistas, entrevistas realizadas e depoimentos do candidato sobre vários assuntos, para www.bocc.ubi.pt 214 César Steffen conexões “56k” e “Alta Velocidade”. Esta seção aparentava ter conteúdos inéditos e específicos, mas muitos elementos eram partes retiradas do HPEG. A estrutura do menu segue assim até o dia vinte e seis de setembro, quando surgem dois novos links. “Veja como Serra fará o que promete” convidava o usuário a acessar uma página com uma lista de links, como “Veja como Serra vai melhorar o transporte urbano nas grandes cidades”, que conduziam a texto com as propostas de Serra para o tema. Composta de cinqüenta links sobre os mais variados temas, da saúde à educação, passando por política econômica, onde chama a atenção construção afirmativa dos textos através do uso de palavras como “Serra fará”, “Serra vai melhorar” e “Serra vai dar apoio”, ressaltando a ação e o compromisso do candidato com as várias questões em pauta na campanha. Bastante semelhante à seção anterior, organizada em uma lista por tópicos, “10 Razões para votar em Serra” apresentava motivos para diferentes classes, movimentos e campos votarem ou buscarem votos para Serra, enfocando seus projetos, não pelo conteúdo ou área mas sim pelos campos a que se destinam. Para termo uma exemplo, destacamos dois títulos: “10 razões para o exportador votar em Serra” e “10 razões para o agricultor votar em Serra”, que demonstram um acoplamento simbólico na construção e estruturação do website e das visibilidades dos projetos do candidato. O foco do website na proposta de empregos era reforçada pela importância deste conteúdo nos vários elementos da página inicial, que estarão descritos e detalhados em capítulo na seqüência desta trabalho. 3.1.7 – Cruzamento entre estratégias políticas e a linguagem dos websites Neste capítulo apresentamos algumas comparações gerais sobre os conteúdos e recursos disponibilizados nos websites de cada candidato, conforme nossos objetivos com o primeiro conjunto de análise. Primeiramente é interessante observar a diversidade de conteúdos presentes nestes espaços, que demonstram a ampliação dos discursos dos candidatos. Da biografia aos Programas de Governo completos, passando por elementos de interação com o campo midiático e apoiadores, os websites www.bocc.ubi.pt 215 A Política nos espaços digitais contemplaram uma ampla gama de elementos, aliados e integrados às estratégias gerais de campanha. Lula, que no HPEG mostrava as habilidades e competências dos diferentes integrantes de sua – provável – equipe, no website abre espaço para sua família e atores de diversos campos sociais, que analisam e investem sobre a conjuntura nacional suportando as propostas e projetos do candidato para o cargo em disputa. Serra também busca atores de vários outros campos sociais, principalmente o midiático, que através de depoimentos buscam validar e dar suporte a sua candidatura. Ciro Gomes, ao contrário, busca validar a campanha por si, ou seja, por sua biografia, atos e propostas numa forte e constante autoreferência. Garotinho, por sua vez, mostra construir sua campanha a partir de seus discursos e propostas ao lado do PSB, mostrando uma simetria, mas não mescla, entre partido e candidato que também pudemos notar nas campanhas de Zé Maria e Rui Costa Pimenta, ambas fortemente ideologizadas. Entretanto, Garotinho apresenta mais suas propostas e projetos, ou seja, mostra elementos vinculados a sua posição de candidato, enquanto Zé Maria e Rui Costa mostram-se mais vinculados as bandeiras, propostas e projetos de seus partidos. Serra utiliza várias linguagens – textos, fotos, animações, etc. – para mostrar uma propostas, apresentando até mesmo certa redundância entre estes elementos, enquanto os demais investem mais na apresentação textual, onde observamos uma forte marca coloquial nas construções. Lula não fala no website, ou seja, é apresentado em textos gerados pela sua assessoria. Fortemente marcados pelos uso de coletivos em sua construção, estes textos assemelhavam-se estruturalmente a Zé Maria, cujos títulos ao mesmo tempo em que mostram uma forte marca coletiva em sua construção – “Queremos cotas...”, etc. – também apresentam uma forte marca ideológica e partidária. Rui Costa também mostra-se desta maneira, onde “Um programa dos trabalhadores...” talvez seja o melhor exemplo da construção apresentada. www.bocc.ubi.pt 216 César Steffen Serra, Ciro e Garotinho já apresentavam textos mais marcados pelo uso da primeira pessoa, ou seja, mais vinculados ao candidato. O Programa de Governo de Garotinho mostrava-se bastante propositivo e direto, usando de expressões como “Vou fazer ...”, “Vou criar ...”, enquanto os demais programas de governo, ao contrário, apresentavam as propostas de forma geral, aberta, mas sempre vinculados a conjuntura e ao cenário social Brasileiro. No tocante as formatações dos websites vemos que o PCO de Rui Costa mostra uma falta de domínio do meio, que se manifestava pela falta de continuidade na navegação pelas seções e nas diferentes formatações adotadas, o que gerava desconforto e mesmo desorientação durante o processo de navegação e contato. Os demais websites, ao contrário, mostravam uma continuidade e lógica na construção das diferentes páginas e seções, aproximando-se muito dos formatos presentes em portais e websites comerciais. O website de Serra utilizou mais amplamente das várias linguagens suportadas pelo meio Internet. Áudio, vídeo, texto, imagens e animações foram manipulados nas várias e diferentes seções, relacionando-se entre si não só através do menu, mas também através de recursos de hipertexto, mostrando um aproveitamento estratégico da tecnologia do meio na construção dos textos e elementos do website. Os demais candidatos não aproveitaram deste recurso, aparentemente confiando mais na construção dos menus como forma de convite a interação. Entretanto, cabe ressaltar a redundância observada entre algumas seções do website de Lula, repetindo conteúdos e elementos entre as diversas páginas do website. Dos websites de Lula e Serra também cabe destacar a forte intermidiatização observada, onde conteúdos e elementos das várias mídias eram inseridas, apresentando ou reforçando diversos conteúdos e discursos dos candidatos. Ciro e Garotinho também usavam de materiais de outras mídias, porém sem o mesmo destaque e espaço, e Zé Maria e Rui Costa pouco utilizaram, mas quando apresentavam era sempre vinculado a suas propostas, bandeiras e ideologias. www.bocc.ubi.pt 217 A Política nos espaços digitais Devemos destacar a forte vinculação entre a imagem de Lula e do PT no website, uma marca que se mostra também com Rui Costa Pimenta e Zé Maria, ao contrário dos demais candidatos. Garotinho dá espaço para o partido, mas a formatação dos menus e a própria construção das propostas mostra, ao mesmo tempo, uma simetria e uma separação ou desvinculação de ambos, enquanto que Serra e Ciro dão pouco ou nenhum destaque aos partidos. Zé Maria, por sua vez, mostra uma ênfase no partido, mesclando suas falas às da vice Dayse, que recebe espaço para falar e apresentar propostas no website principalmente no tocante a questões étnicas. O vice de Rui Costa Pimenta ganhou espaço nas imagens e no website, mas o espaço de sua biografia e suas ações mostra-o como elemento secundário da campanha. Rita Camata, vide de Serra, é destacada em imagens ao lado do candidato, mas recebe pouco ou nenhum destaque nos conteúdos além de sua biografia e agenda de compromissos, aparentando ser uma alegoria da campanha. Já o vice de Lula recebeu apenas uma página de biografia, e seus atos, propostas e discursos foram pouco apresentados no website, enquanto que Garotinho sequer cita o seu vice no website. Vemos então que os websites suportam os mais diferentes e diferenciados recursos técnicos e linguagens para suporte de discursos. Textos, imagens estáticas, animações, áudio, vídeo e jogos interativos foram inseridos como elementos de apresentação das biografias, propostas, projetos e ações dos candidatos, cruzando as estratégias de visibilidade e construção discursiva destes candidatos com a linguagem e suporte do meio. Mas este processo era engendrado pela cenário da campanha eleitoral, que se manifestava nas páginas iniciais dos websites. Sobre isto nos debruçaremos nos capítulos a seguir, quando apresentaremos as análises do segundo conjunto, onde buscamos compreender os elementos e processos que pautam e influem na inserção e formatação dos conteúdos na páginas inicial dos websites. 3.2.Agendamentos e cruzamentos Nos capítulos que seguem apresentamos a leitura e análise do segundo conjunto, formado pelas páginas iniciais dos websites nas datas sorteadas. www.bocc.ubi.pt 218 César Steffen 3.2.1. Lula 13: Marcas da publicidade e do discurso jornalístico A página inicial do website de Lula evolui gradativamente. Inicialmente uma reprodução ou adaptação das peças publicitárias da campanha, focadas na imagem do candidato e nos demais elementos visuais, a página ganha recursos aproximando-se de um formato mais jornalístico, informativo. As ações e atos do candidato, seus apoiadores e parceiros, são apresentados quase simultaneamente a sua execução, mostrando agilidade e velocidade semelhantes a dos players de jornalismo no meio. De políticos como Itamar Franco, ex-adversários como Delfim Neto a intelectuais como Antonio Candido e familiares, como sua esposa Marisa Letícia, nota-se atores oriundos de vários campos. Estes demonstram, através de entrevistas onde comentam e debatem as questões nacionais, seu apoio a Lula, porém eram sempre apresentados em banners secundários do website. Inicialmente, na fase de pré-observação, a página inicial do website constituia-se de um banner principal e quatro secundários. O banner principal ocupava a maior parte da tela reproduzindo um outdoor de campanha com a foto do candidato fundeada por uma imagem da bandeira estilizada ao lado de frase “Quero um Brasil decente” (ilustração 3.52). Nota-se que o website usa de uma linguagem e formatação publicitárias para tematizar a campanha e expor suas propostas e projetos. Devemos destacar a construção da frase, “Quero um Brasil decente”, que mostra que o país precisa de rumo, de ação e, claro, de Lula para tornar-se um lugar digno, “decente”. Nas datas sorteadas a imagem é substituída freqüentemente por outras, sempre num sentido leve e quase lúdico: um menino abraça a estrela do PT como se abraçasse seu urso de pelúcia ao lado do texto “Agora é Lula” (ver ilustração 3.56). Um adolescente negro - menos observado nas datas sorteadas - sorri e abraça a estrela como um escudo de proteção, e ao seu lado lê-se “Brasil sem racismo”. Interessante observar que a frase “Agora é Lula” foi usada pelo partido no segundo turno da eleição de 1989 como forma de convocar o voto das esquerdas em Lula. Neste momento, entretanto, ela foi inserida num contexto lúdico, onde ao lado de uma criança que parece sonhar com o PT no governo. www.bocc.ubi.pt 219 A Política nos espaços digitais Nota-se que o banner apela ao lúdico e recorda de um mote antigo para reforçar o momento da campanha e a oportunidade de colocar Lula como governante do Brasil. O último modelo de banner observado apresentava um agricultor usando um chapéu. Seu rosto estava bem iluminado pelo sol, e ele mostrava sua produção quase fora de quadro ao lado da frase “Vida digna no campo”, imagem que tematiza a campanha e apresenta as propostas e objetivos do candidato de forma bastante clara e direta. Ilustração 3.52 - página inicial em 10 de agosto de 2002 Quando faltavam dez dias para o início do HPEG (ilustração 3.52) o banner principal foi reduzido para inserir, ao lado, um outro menor, porém não secundário, com chamada para a entrevista da esposa do candidato, Marisa Letícia Lula da Silva, tematizando o website e a imagem de Lula a sua família. Efetuada por Cláudio Cerri, citado como “o repórter da campanha Lula presidente”, Marisa fala de sua vida com o candidato, de sua atuação ao lado do político e como encara a vida pública. Bastante pessoal e intimista, ilustrada por foto da primeira bandeira do PT - que ela mesma costurou - o conteúdo abriu espaço para a vida de Marisa desde a infância, passando pelo primeiro casamento, pelo namoro com o candidato, o surgimento do PT e os filhos do casal, misturada com fatos e processos políticos como a prisão de Lula em 1980 e a relação com Fernando Henrique Cardoso. Nota-se uma estratégia específica de valorizar a vida privada do candidato e sua relação com a família, mostrando o impacto de sua história política e suas ações naqueles que o acompanhavam, também passando uma idéia www.bocc.ubi.pt 220 César Steffen de simplicidade e união do casal, que enfrenta a política e a repressão de mãos dadas. Entretanto, é interessante observar que Marisa acaba situada na posição de sustentáculo da família, e que em nenhum momento é feita referência à campanha de 1989, quando Lula foi acusado por Collor de ter tentado obrigar uma amante a encerrar uma gravidez com um aborto, fato que gerou grande polêmica naquela campanha, ou mesmo aos pleitos de 1984 e 1988 quando o candidato foi derrotado nas urnas. Posteriormente esta entrevista é deslocada para os banners secundários e é substituída por outras personalidades como Antonio Candido, critico literário e intelectual, o ex-Presidente Itamar Franco, José Luiz Fiori, professor de economia política da UFRJ, a filósofa Olgária Matos, a exapresentadora Soninha, dentre vários outros. Estas entrevistas contemplavam uma variedade de atores dos mais diversos campos. De intelectuais a políticos passando por atores da mídia, que através de entrevistas e opiniões ancoram, suportam, destacam e dão legitimidade à candidatura Lula, se não declarando seu voto mas no mínimo discutindo assuntos referentes à campanha e ao cenário nacional. Para exemplificar e aprofundar o que afirmamos destacamos as entrevistas de Fábio Wanderley Reis, Soninha e Itamar Franco. Analista político e professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais, em entrevista à revista Época3 Fábio Wanderley Reis cita que Lula não é um candidato consistente e duvida de sua capacidade de governar o país, mas no website a entrevista é intitulada “Lula pode representar uma liderança inspiradora”. Sem negar suas criticas ao PT e ao candidato, Fábio é citado como critico veemente de FHC e relevado em seus artigos e produções intelectuais. A entrevista versa sobre várias questões em pauta no pleito como a força do mercado e a dependência externa do país, bem como o modelo econômico adotado nos oito anos da gestão que se encerrava. 3 Revista Época nº 226, 19 de setembro de 2002, p.21. Cabe dizer que, em contato com o prof. Fábio através de e-mail, este manifestou discordância com a forma com que a entrevista foi apresentada pela revista Época, afirmando ter remetido carta à redação manifestando tal posição. www.bocc.ubi.pt 221 A Política nos espaços digitais Mostra-se uma estratégia específica não somente na condução do assunto mas também – se não principalmente – na escolha do entrevistado, que é sutilmente cobrado em suas críticas ao PT e até mesmo forçado a direcionar seu foco a outros lados e atores envolvidos na campanha, demonstrando a força da pauta estabelecida pela assessoria. Ex-apresentadora da MTV e apresentadora demitida da TV Cultura por ter declarado abertamente que havia consumido drogas, Soninha falava sobre a situação sócio-política-econômica atual e como isto se reflete no comportamento dos jovens, público-alvo dos programas que apresentava na MTV e na TV Cultura. Mãe de três filhos, um pré-adolescente, Soninha fala que considera “o apelo ao consumo a principal droga que vicia a juventude”, elemento que intitula a entrevista, onde também é comentada uma certa letargia na juventude e um cenário social que se agrava a cada dia, fonte e possível causa da vinculação e aliciamento dos jovens para as drogas e o consumo. Já Itamar Franco, político, ex-Presidente e ex-adversário político, diz que estará com Lula no comício final da campanha. Citado como “aliado de primeira hora de Lula”, Itamar centra fogo no seu ex-Ministro e então Presidente FHC. Discutindo e demonstrando os problemas e efeitos das decisões da gestão FHC sobre o Estado que governava, Minas Gerais, ressaltando que Lula devia buscar colocar o país no rumo do crescimento econômico, pauta presente e constante na campanha. Estranhamente estas entrevistas não são incluídas ou recebem destaque na seção de notícias, ficando misturadas a outros conteúdos da seção “Repórter de Campanha”. Por outro lado ganham força ao serem apresentadas nos banners secundários da página inicial e tratadas como notícias e elementos gerais. Nota-se que um ator do campo acadêmico, um ator do campo midiático e um ator do campo político somam-se, discutindo questões e elementos da campanha, ancorando e dando sustentação ao candidato e suas propostas. Somando a estas a entrevista de Marisa Letícia vemos que o website mescla vários campos e angula vários temas nestas entrevistas, buscando construir www.bocc.ubi.pt 222 César Steffen a imagem e visibilidade do candidato apoiando-se ou aliando-se a vários campos sociais. Observamos também nas entrevistas críticas diretas e mesmo frontais à administração da época, que não se faziam tão presentes no website em geral. Isto nos permite concluir que Lula prefere criticar FHC através das entrevistas de apoiadores, ou seja, os atores oriundos de diversos campos, que expõem seu apoio ao candidato comentando o cenário da campanha e a realidade Brasileira. Desta forma o website de Lula provoca o debate sobre estes temas e fatores, mas não envolve o candidato diretamente, mantendo-o alheio a polêmicas ou ataques diretos como forma de reforçar e construir sua imagem mais “light” ou menos radical. Ilustração 3.53 - página inicial às 12:30 horas de 20/08/2002 No dia do início do HPEG o banner principal passa a inserir imagens convidando os usuários a dar sua opinião sobre o programa, como divulgado em vinheta no final do programa na TV. Nesta banner Lula é apresentado numa tela de um aparelho de televisão, tendo ao fundo a estilização da bandeira Brasileira usada na campanha (ilustração 3.53). A imagem mostra, em si, uma intermidiatização, pois o candidato convida, da televisão, o usuário a manifestar sua opinião no website, reforçando assim o convite efetuado no HPEG. Da mesma forma vemos que Lula não fala diretamente através do website, mas é sempre apresentado em algum elemento externo a este. A pesquisa solicitava a opinião dos usuários quanto ao conteúdo, formato e propostas apresentadas no programa, sendo inseridas durante o horário de veiculação do programa e ficando disponíveis por cerca de duas horas após o término do mesmo. www.bocc.ubi.pt 223 A Política nos espaços digitais Configuradas como um questionário fechado, estas pesquisas mostram uma sinergia entre o HPEG e o website, que neste momento da campanha passam a remeter-se e apoiar-se um no outro maximizando as possibilidades de efeitos e validando – ou não – as estratégias utilizadas em cada meio. Além dos horários de inserção acompanharem o programa na TV, esta pesquisa fornecia dados, informações e opiniões sobre o mesmo, permitindo até mesmo alterações ou correções de rumos4. Claro, pode-se suspeitar do uso desta enquete como instrumento para atrair usuários para o website e gerar tráfego para as demais seções do mesmo, impressão reforçada pelo fato de estas pesquisas deixarem de ser apresentadas cerca de duas semanas após o início do HPEG, mas sua inserção inaugura uma nova instância de relação entre o campo político e os receptores do HPEG. Ilustração 3.54 - página inicial em 12/09/2002 No dia 12 de setembro, quando as enquetes não mais eram inseridas o banner principal apresenta chamada para entrevista on-line do presidente do PT José Dirceu (ilustração 3.54). Esta entrevista foi concedida com áudio e vídeo em tempo real, transmitida em uma área do website fechada a imprensa, mostrando o website como suporte a uma prática de interações entre campos. Mediados por André Singer jornalistas de 150 veículos que não tinham condições de acompanhar a campanha, atuantes em 62 cidades com mais de 200 mil eleitores, puderam interagir, enviar perguntas e debater com o então presidente do PT e principal articulador da campanha. Mostra-se uma estratégia de uso do website como instrumento de aproximação, interação e busca de visibilidade midiática, facilitando o contato dos 4 Ressaltamos que solicitamos, tanto através do website como diretamente a assessoria de imprensa do PT, dados sobre estas enquetes, não obtendo resposta. www.bocc.ubi.pt 224 César Steffen atores do campo midiático com a campanha e, assim, abrindo espaços na diversas mídias em locais com relevância estratégica para a candidatura. Devemos ressaltar a construção visual do banner desta entrevista (ilustração 3.54), pois nele José Dirceu parece sair da tela, projetar-se além da televisão e do próprio website, diferentemente da apresentação do candidato Lula no banner da pesquisa. Por uma lado podemos inferir uma leitura de projeção do presidente do partido sobre o website e sobre as mídias envolvidas na campanha. Por outro, esta imagem reforça a busca de espaço na mídia através de tal entrevista, na medida em que o político “sai”da tela para se colocar em outros espaços. Na fase mais próxima ao dia da votação no primeiro turno Lula volta a aparecer no banner principal segurando a estrela do PT, fundeado pela imagem da bandeira estilizada e ladeado por uma animação da urna eletrônica onde os números 1 e 3 são acionados, respectivamente, formando o 13 do candidato, que também aparece dentro da estrela vermelha no canto inferior direito da imagem animada. Dois dias antes do início do HPEG observamos que na área então ocupada pela chamada para a entrevista de Marisa Letícia surge a barra de “Últimas Notícias”. Apresentando os fragmentos de campanha, os fatos e notícias mais recentes da campanha. Nesta área a assessoria do candidato mostra sua força, apresentando a campanha através da cobertura de fatos e ações do candidato de forma bastante semelhante as estratégias de edição e acompanhamento dos players de mídia no meio e mesmo a outros meios como o rádio. A seção de notícias acompanhava estas atualizações, sempre inserindo e editando fragmentos e atos de campanha configurando-se como um espaço de difusão semelhante as ações do campo midiático, porém, obviamente, editadas pela assessoria do candidato e suas estratégias. Pelos créditos das fotos e textos destes fragmentos - quando citados notamos que o website privilegiou materiais gerados pela assessoria de campanha do candidato, mas também havia uma forte presença de conteúdo de outros meios e veículos de comunicação, sempre editados pela mesma assessoria. www.bocc.ubi.pt 225 A Política nos espaços digitais Foi ofertada também uma área denominada “Imprensa”, que acompanhava e informava sobre as inserções e espaços dedicados aos vários candidatos e partidos nas diferentes mídias através de gráficos e análises, o que demonstra não só uma intermidiatização mas também o uso do espaço como forma de monitoramento e tensionamento da mídia na questão eleitoral. Abaixo da barra dos fragmentos havia um link denominado “Diálogo com a imprensa”, em que eram inseridas notas, informações e análise sobres as ações do campo midiático nas eleições focando-se principalmente no espaço e cobertura dedicados à candidatura Lula, criando dentro do website um novo gênero de relação e acompanhamento e mesmo propagação do discurso jornalístico, repetindo ou aprofundando o anterior. Através de gráficos e relatórios bastante específicos esta seção apresentava a cobertura da mídia, apontando falhas e denunciando desequilíbrios na cobertura, tendo por base o tratamento dado a Lula e aos demais candidatos nos diversos veículos. Estranhamente estes relatórios nunca estavam creditados, ou seja, não apresentavam seus produtores, o que facilita a identificação dos mesmos com a campanha e o candidato, mostrando-se como uma área de controle e conflito com o campo midiático através do website. Nota-se a valorização da campanha e dos atos do candidato, que ocupam espaço privilegiado e ganham destaque pela velocidade da cobertura, além do estabelecimento de novas instâncias de conflito com o campo midiático, na medida em que as estratégias de atualização e inserção de notícias são muito semelhantes às estratégias de players de mídia do meio. Devemos lembrar que estas atualizações e inserções eram efetuadas pela assessoria do candidato, pelos repórteres e assessores de campanha, tornando-se um espaço jornalístico próprio que expande as estratégias discursivas do candidato e tangencia as estratégias, limitações e mesmo agendas da mídia frente à cobertura e ao candidato. Já abaixo da imagem principal e da barra de notícias estavam inseridos os banners secundários, destacando e gerando link direto para as páginas internas como “urna eletrônica”. Esta conduzia a uma página com instruções sobre como votar, “Carta ao povo Brasileiro”, primeiro texto da seção com o Programa de Governo, “Conheça a vida de Lula em detalhes”, que remetia o www.bocc.ubi.pt 226 César Steffen usuário à página sobre "A vida de Lula” e “Últimas Notícias”, que leva para a página de ”Notícias“. No início do HPEG estes banners passam a ser utilizados para divulgar as entrevistas com pessoas de várias áreas. Primeiramente a entrevista de Marisa Letícia ocupa tal espaço, sendo posteriormente substituída pela entrevista com personalidades. Mas estas não permanecem fixas, sendo alteradas freqüentemente e substituídas por outros conteúdos, onde o telefone “0800” da campanha era presença constante, remetendo a um elemento externo de campanha. Abaixo destes eram imagens de produtos como CD´s, bonés e acessórios à venda na lojinha do PT, que se configuram como banners apesar de visualmente estarem configurados de forma diferenciada dos demais além de serem fixos em sua inserção e posição hierárquica. Ilustração 3.55 - página inicial em 26/09/2002 A constante presença do candidato e as imagens publicitárias da campanha reforçam a idéia de foco na divulgação da campanha, mas as chamadas para a enquete e para a entrevista de José Dirceu mostram uma estratégia de integração através do website, pois vários campos são convocados a se fazer presentes, interagir e opinar neste espaço. Claro que, como já observamos, não se trata de um processo aberto, mas que passou pela seleção e pelo foco estratégico da campanha em geral, mas apresenta sinais de novas estratégias e efeitos de relação entre campos que o meio pode proporcionar. www.bocc.ubi.pt 227 A Política nos espaços digitais Ilustração 3.56 - página inicial com banner pop-up (23 de agosto de 2002) No tocante aos pop-up´s o website de Lula utiliza apenas em algumas datas, sem um freqüência fixa ou definida, mas com três estratégias bem definidas: remetendo à “lojinha do PT” (ilustração 3.56) , à “doações de campanha”, sendo ilustrado pela imagem do galão de combustível, ou à pesquisa sobre o HPEG, utilizando a mesma imagem que ocupava a área principal, porém reduzida. No dia da votação o website mantém suas características. O banner principal segue com a imagem do candidato junto a animação da urna eletrônica. A barra de últimas notícias acompanha o candidato, o Vice e suas declarações, mas Lula e as pesquisas recebem mais atenção. Os banners inferiores foco total no pleito, remetendo desde aos candidatos nos Estados, ao Programa de Governo do PT, às entrevistas realizadas – onde notamos que Fábio Wanderley Reis não é citado – e à última entrevista inserida, realizada com a escritora Lygia Fagundes Telles. Mulher reconhecida no campo literário e acadêmico, sua foto ladeava o título “Por que Lula?”, (ilustração 3.57). Esta pergunta traz, em si, uma espécie de chamamento, de convocação ao usuário que, somada à animação da urna eletrônica, apresenta uma estratégia de sedução e conquista dos votos de eleitores indecisos. Não podemos deixar de inferir a presença de uma mulher neste momento, que parece contrapor e equilibrar a presença de Rita Camata na chapa do adversário José Serra, e da própria inserção da pergunta “Por que Lula?” abaixo da imagem do candidato e da urna eletrônica, que busca esclarecer as últimas dúvidas dos eleitores antes de efetivar o voto no candidato. www.bocc.ubi.pt 228 César Steffen Ilustração 3.57 - página inicial em 06/10/2002 No espaço abaixo destes banners a lojinha do PT permanece, mas surgem links para instruções sobre a fiscalização e convite para acompanhar os resultados das eleições através do website. Encerrada a votação, em horário condizente com as regras impostas pela lei eleitoral e muito próximo à cobertura das diversas mídias, é inserida a imagem de uma mulher vestida de branco – mesma cor usada pelo candidato e sua esposa para votar – segurando a estrela do partido (ilustração 3.58). Ao lado, abaixo de uma pequena imagem da urna eletrônica, foram inseridos os resultados da apuração minuto a minuto, informando os candidatos, número absoluto de votos e percentual de votos válidos obtidos pelos mesmos. Ilustração 3.58 - página inicial as 18 horas do dia da votação Os banners inferiores chamam para os resultados das pesquisas de boca-de-urna e as apurações nos estados. Ao lado o item “Rádio 13” transmitia boletins diretos do TSE e da imagem do Programa de Governo. Abaixo segue a divulgação da loja e banner sobre a fiscalização, mas convite para acompanhamento da contagem vira link para a seção “eleitor de carteirinha”. Nota-se uma forte influência do campo jurídico sobre as operações do website, que se conforma aos horários e prazos estipulados pelas regras e www.bocc.ubi.pt 229 A Política nos espaços digitais Resoluções do TSE, e uma influência da campo midiático, que é mimetizado através de uma edição jornalística com alta velocidade e agilidade. De forma geral podemos observar que o website de Lula se constrói, em termos de conteúdos, a partir e dentro das estratégias do candidato e seus assessores, mas sua(s) forma(s) e processos são construídos de forma bastante semelhante aos players de mídia do meio. Lembramos assim de Luhmann (2000) e vemos que o website repete um jogo e auto e heteroreferência da política com a mídia na construção das visibilidades do candidato, na medida em que repete estratégias em outro meios e valoriza apoios e discursos de outros campos sempre ao redor e em torno do candidato e suas propostas. Já o usuário contava com um espaço diferenciado da mídia para informar-se sobre o candidato, suas propostas e ações, e tem sua participação facilitada integrando-se através da utilização das diversas ofertas de conteúdos inseridas. Entretanto, a notada ausência de retornos das mensagens eletrônicas enviadas causa desconforto na medida em que demonstra um certo afastamento entre o candidato e o eleitor. Finalizando, notamos no website vários gêneros, linguagens e estratégias em cruzamento, desde a captação de recursos na “lojinha do PT” até a apresentação e oferta para download de conteúdos específicos como o Programa de Governo. Recordamos do acompanhamento da mídia, bem como que vários conteúdos ganham força e destaque na página inicial, que promove saltos dos conteúdos nos menus. Assim o website amplia as estratégias e táticas do candidato e seus apoiadores, suportando diversas práticas estratégicas que buscam não só construir a imagem e visibilidade do candidato mas também, e num cruzamento entre ambos, atender as demandas e necessidades dos usuários. www.bocc.ubi.pt 230 César Steffen 3.2.2. – Zé Maria 16: retorno ao discurso político dos anos 70 A página inicial do hotsite de eleições do PSTU dividia-se em três áreas principais (ilustração 3.59). Na barra superior, que ocupava cerca de trinta porcento da área total do hotsite, dois banners ladeavam o menu de navegação. No lado direito sobre um fundo vermelho a silhueta de um grupo de pessoas empunhando e agitando uma bandeira, ilustrava o logotipo do PSTU ao lado do número 16. O texto “Eleições 2002” no centro, mostrando a eleição e o partido como um elemento de aglomeração e aglutinamento popular. Ilustração 3.59 – página inicial do hotsite em 06/10/2002 No outro lado estava inserida a foto do candidato Zé Maria, ladeado pelo slogan da campanha, “Não pagar a dívida externa, fora a ALCA e o FMI” acima do nome do candidato. Ai notamos que a Vice Dayse recebe alta visibilidade, não só pelo tamanho do texto, mas também por estar em cor branca, que se destaca do fundo vermelho e das letras amarelas dos demais elementos. Esta barra se mostrava como um banner publicitário, além de ser bastante vinculado à logotipia e à identidade do partido, onde o uso do vermelho, cor identificada com os movimentos e ideologias de esquerda, se faz predominante. Abaixo do logotipo do PSTU e ao lado da área de conteúdos um mapa do Brasil contendo também a fotografia do candidato e o logotipo do PSTU. Este mapa visualmente aparentava ser um banner, mas configurava-se como um menu secundário que ficava presente em todas as páginas e seções do hotsite. Devemos destacar a construção visual deste mapa (ilustrações 3.59 e 3.60), onde o Brasil e suas unidades federativas são apresentados em vermelho, www.bocc.ubi.pt 231 A Política nos espaços digitais como se fossem um território ou mesmo elementos aliados a ideologia e preceitos do partido. Ao lado da foto espelhada de Zé Maria, e também em cor vermelha, o mapa apresentava os Estados delimitados por linhas amarelas. Utilizando tecnologia Macromedia Flash para construir um efeito que mudava a cor do estado com a passagem do mouse sobre a ilustração, destacando a mesma com cor amarela e apresentando a sigla do Estado (ilustração 3.60). Ilustração 3.60 – página do hotsite com a candidatura no Rio Grande do Sul Ao clicar sobre o Estado destacado ocorria uma mudança na página. A foto de Zé Maria na barra superior era substituída pela foto no candidato no Estado (ilustrações 3.60), assim com o nome ao lado, mas os candidatos a Vice não recebiam destaque. Os conteúdos da página inicial também mudavam, apresentando elementos referentes à esta candidatura, e no menu, o item “Fala Zé Maria” era substituído por “Candidatos [Uf]”, sendo que os demais links acompanhavam esta mudança, apresentando as biografias, agendas e programas específicos nos Estados. Algumas páginas, como a do candidato de Minas Gerais (ilustração 3.61) apresentavam amplo conteúdo, discursos e elementos, assemelhando-se à página inicial de Zé Maria. Outras, como a de Júlio Flores, do Rio Grande do Sul (ilustração 3.60), apresentavam apenas a biografia do candidato a governador e Vice, mas é importante observar que todos os candidatos usavam, ao lado da foto, o slogan contra a dívida externa, a ALCA e o FMI. www.bocc.ubi.pt 232 César Steffen Ilustração 3.61 – página do candidato em Minas Gerais Observa-se uma variação nestes conteúdos uma decorrência direta das campanhas dos candidatos, assessorias e mesmo mobilização nos Estados, além de uma forte coesão e mesmo sinergia entre a campanha em nível nacional e as campanhas nos Estados, que ocupam um mesmo espaço, ofertando tipos semelhantes de conteúdos e discursos e, assim, propagando a ideologia e o programa do PSTU em nível nacional. Na área ao lado do mapa e abaixo da barra, inseriam-se os fragmentos de campanha, organizados em duas barras, sendo a da esquerda, de leitura privilegiada, mais larga. Diretamente abaixo da barra superior, na área de primeira leitura, havia uma manchete em letras pretas onde, nas datas sorteadas observamos apenas dois conteúdos. O primeiro e predominante foi “Programa do PSTU para as eleições”, que gerava download do arquivo com o programa completo, e chamada para entrevista do candidato Zé Maria no jornal “Opinião Socialista”, veículo do PSTU. Nesta entrevista, cuja chamada destacava “Voto útil é voto contra a ALCA” (ilustração 3.62), Zé Maria fala sobre as propostas e projetos do PSTU, ressaltando a necessidade de o governante romper com os modelos econômicos em uso, principalmente com o Fundo Monetário Internacional e a ALCA, sendo assim um elemento de reforço e redundância do slogan e principal do partido no processo eleitoral. Ilustração 3.62 – página inicial do hotsite de Zé Maria em 30/08/2002 www.bocc.ubi.pt 233 A Política nos espaços digitais Uma fina linha vermelha separava esta manchete da área abaixo, onde Zé Maria e Dayse se revezavam. “Fala Zé Maria” era a chamada que repetia o primeiro item do menu de navegação, onde ao mesmo tempo Zé Maria mostra que tem o que dizer, mas parece ter no hotsite o seu único espaço de manifestação. Nas datas sorteadas, notamos apenas uma inserção de Dayse, intitulada “TSE, Serra, Ciro e Paulinho: histórias de desmandos, discriminações e preconceitos”. Neste texto, que internamente foi inserido na seção “Fala Zé Maria” - apesar de na página inicial ser apresentada como “Fala Dayse” - a candidata questionava a isenção do TSE no pleito, por ter negado direito de resposta ao PSTU no programa de José Serra que apresentou Rita Camata como a única candidata no pleito. Ressaltando que o PSTU havia apresentado a chapa completa já no primeiro programa do HPEG, Dayse contra-argumentava a posição do ministro do TSE, Caputo Barros, que colocava a culpa da confusão no próprio partido, questionando a isenção do mesmo frente ao pleito e lembrando da derrota do PSTU na reclamatória quanto à participação dos debates e entrevistas na Rede Globo. Além disso, Dayse acusava Ciro de discriminação e apresentava suspeitas quanto ao candidato a Vice na chapa de Ciro, Paulinho, por seu envolvimento em suspeitas de corrupção e propinas, “abrindo fogo” contra vários atores envolvidos no pleito, tanto os demais candidato quanto a instituição jurídica. Nas demais edições analisadas Zé Maria aparece absoluto, sempre com a marca doutrinária e ideológica. “Queremos cotas e muito mais!” é o título de matéria onde Zé Maria ataca Ciro, acusando-o de racismo e segregação por ser contra as cotas para negros nas universidades. Em outra, “Um programa para os trabalhadores”, Zé Maria ataca o PT no website, repetindo cobranças que colocava no HPEG através de seu programa e suas propostas, apresentando críticas implícitas aos demais candidatos. Cabe destacar que estas são as duas únicas matérias apresentadas em todas a datas de análise. Neste ponto devemos lembrar que Zé Maria foi preso junto com Lula em 1980, com quem dividiu a cela, além de ser parceiro do movimento sindical e www.bocc.ubi.pt 234 César Steffen mesmo ex-membro do PT, o que daria a ele status e elementos para se posicionar e cobrar posições de Lula. Entretanto Zé Maria não constrói ou apresenta tais credenciais, o que somado às fortes criticas dirigidas a Serra e Ciro nos permite colocar que o mesmo poupar o antigo aliado, preferindo pautar questões de fundo da sociedade a prejudicar a construção da imagem “light” de Lula. Ilustração 3.63 – página inicial do hotsite em 06/10/2002 Abaixo, uma linha curva demarcava a área da “Agenda”. Com letras em vermelho sobre uma barra amarela, esta área apresentava notas como “Entre na campanha contra a ALCA” (ilustração 3.63), votação promovida pelo partido em associação com sindicatos e entidades civis, e “O dia-a-dia da campanha” que redundavam elementos do item de mesmo nome do menu superior. A coluna da esquerda apresentava, no topo, o item “Informativo”, onde um texto convidava o usuário a cadastrar-se e receber o boletim do PSTU. Ao clicar no botão “OK” era carregado o formulário de cadastramento do item “Entre na campanha”. Abaixo o item “Notícias” apresentava pequenas notas que, ao clicadas, levavam para o conteúdo completo na seção “Notícias”, repetindo conteúdos das diversas seções e páginas. Ao lado destas notas havia a data de inserção das mesmas. Notamos intervalos de três a cinco dias entre as inserções, o que somado aos demais elementos demonstra a baixa freqüência de atualização do hotsite e a estratégia de propagação ideológica através da repetição dos elementos na página inicial e no menu de navegação. Chegado o dia da votação o hotsite apresentava-se sem mudanças. As barras superior e lateral apresentavam os mesmo conteúdos anteriores. O “Voto www.bocc.ubi.pt 235 A Política nos espaços digitais útil contra a ALCA” e “Fala Zé Maria” ocupavam a área de maior leitura e visibilidade na página inicial, onde o mote da campanha de Zé Maria busca não só reforçar sua posição, mas também conquistar votos reforçando sua identidade política no “voto contra a ALCA”. Ilustração 3.64 - Página inicial em 14/10/2003 Passada a eleição a manchete principal destacava o apoio do PSTU a Lula (ilustração 3.64). “PSTU chama voto em Lula, mas alerta: não haverá mudança sem ruptura com a ALCA e o FMI”, apresentando uma dupla questão onde a campanha se desdobra, pois ao mesmo tempo em que o partido declara seu apoio a Lula destaca as diferenças ideológicas e programáticas com o candidato, mais uma vez propagando sua agendas, propostas e bandeira no pleito. Tendo estes elementos em vista podemos dizer que o hotsite se configura como um elemento de campanha partidária dentro do cenário das eleições, onde as questões ideológicas e doutrinárias do PSTU têm destaque e permeiam todas as ações, buscando assim pautar o debate de questões de fundo da sociedade Brasileira no cenário do pleito. O candidato à Presidência e presidente do PTU, Zé Maria de Almeida, recebe destaque ao ser o primeiro apresentado no hotsite numa forte e permanente auto-referência tanto ao candidato quanto ao partido. A presença do mapa do Brasil, ofertando acesso a conteúdos das candidaturas estaduais, cujos candidatos passam a ocupar o espaço de Zé Maria, somada ao destaque à questão da ALCA e do FMI, coloca o hotsite como uma peça de campanha do partido, suas doutrinas e agendas, não do candidato, que se mostra na posição de porta-voz, de rosto e imagem do partido, quase como um garoto-propaganda. Não podemos deixar de comentar a ausência de um link para contato no hotsite, seja através de e-mail ou formulário, e o cadastramento do boletim do www.bocc.ubi.pt 236 César Steffen partido, com extenso conteúdo enviado diariamente. Observamos ai que o PSTU usa o hotsite como forma de propagação ideológica e partidária, mas não busca estabelecer relação direta com os eleitores. Entretanto, a divulgação do e-mail no HPEG mostra-se contrária a esta visão, mostrando que os contatos deveriam ser estabelecidos através do website do partido. Da mesma forma devemos destacar a presença e espaço dedicados a candidata a Vice, Dayse Oliveira, que se coloca ao lado e como parceira de Zé Maria. Assim o hotsite, usando e cruzando linguagens e elementos publicitários com estratégias e marcas do discurso jornalístico na construção e apresentação dos diversos conteúdos, parece falar, se dirigir aos seus filiados, apoiadores e aos adversários de campanha, buscando através desta heterorreferencia politizar, ideologizar a campanha eleitoral através de seu portavoz Zé Maria e de sua parceira Dayse. 3.2.3. Ciro 23: discurso associando à mudança com segurança Já na fase de pré-observação a página inicial do website de Ciro Gomes mostra-se como um misto de publicidade, nos formatos e estruturas, e jornalismo, através da inserção de fragmentos de campanha. A barra superior configurava-se como um banner, onde a foto do candidato ocupava o primeiro ponto de leitura à esquerda. Ao lado uma área com cor sólida onde textos, propostas e realizações de Ciro eram apresentadas e se revezavam através de um efeito de fade (ilustração 3.65). Ilustração 3.65 – página inicial em 24/07/2002 (pré-observação) www.bocc.ubi.pt 237 A Política nos espaços digitais Na mudança realizada próximo ao HPEG este banner passa a acompanhar a programação visual da campanha. A foto passa a ser a oficial de campanha, ocupando mais espaço e em plano mais fechado, destacando o rosto do candidato. Ao lado foi inserido o logotipo oficial, onde o “O” de Ciro estilizava o centro da bandeira do Brasil ao lado do número 23. As propostas e realizações de Ciro seguem sendo apresentadas ao lado, mas o fundo passa a ser azul claro e o texto azul marinho. Dois outros banners foram adicionados abaixo da barra do menu. O primeiro usava uma imagem de um pedaço da bandeira do Brasil em movimento para tratar das “Doações de Campanha”, dando um tom nacionalista ao financiamento da campanha e permitindo uma leitura de que, ao doar para a campanha de Ciro o usuário estaria ajudando o Brasil como um todo. Este link conduzia à mesma página acessada pelo link “Doações” presente no menu, que assim recebe destaque, mesmo estando situada num ponto de leitura pouco privilegiado, no canto inferior esquerdo (ilustração 3.66). Ilustração 3.66 – página inicial de Ciro em 21/08/2002 Abaixo deste, um banner de mesmo tamanho, em fundo azul, continha o logotipo da campanha “Ciro23” e o texto “Entre na Campanha” em cor branca. A palavra campanha recebia destaque por estar em maior tamanho que o logotipo. Da mesma forma que o anterior, este banner conduzia à página “Entre na Campanha” presente no menu, reforçando este conteúdo. Dois outros banners eram inseridos na área denominada “Sala de Imprensa”. O primeiro continha uma imagem da bandeira do Brasil, em plano mais aberto, e conduzia ao Programa de Governo de Ciro. www.bocc.ubi.pt 238 César Steffen Ao lado deste, três balões coloridos, semelhantes aos usados nas histórias em quadrinhos para inserir e identificar as falas dos personagens permitia acesso aos “grupos de discussão”, reforçando o papel de fala e troca deste espaço. Em trinta de agosto notamos que este banner foi substituído pela imagem de um microfone antigo acompanhado do texto “Rádio Ciro23” (ilustração 3.67), formada pela palavra rádio em vermelho somada ao logotipo da campanha. Este banner conduzia à página com programas de rádio do HPEG e entrevistas de Ciro nas principais emissoras, permitindo rápido acesso à área do menu. Interpretamos esta mudança como uma forma de propagação da campanha e também como elemento de contato e busca de espaço no campo midiático, visão reforçada por estar posicionada na área de imprensa da página inicial. Ilustração 3.67 - página inicial em 30/08/2002 Os banners pop-up foram observados em cinco momentos diferentes, mas sempre com a mesma função. Em seis de setembro um pop-up em fundo vermelho (ilustração 3.68) perguntava “Você sabe em qual dia da semana caiu o primeiro de abril?”. Ao clicada esta pergunta carregava uma imagem em fundo azul (figura3.69) com um homem com o nariz esticado, semelhante ao personagem da fábula infantil Pinóquio, ao lado do texto “Nesta ano o 1o de abril dia da mentira caiu em um segunda feira”, num ataque claro e direto a José Serra e sua principal proposta, o “Projeto Segunda-feira”. www.bocc.ubi.pt 239 A Política nos espaços digitais Ilustrações 3.68 e 3.69 - pop-ups em 06/09/2002 Os ataques a Serra se repetem, de diferentes formas, nas demais datas, tanto provocando o usuário a testar sua memória com os compromissos de FHC e os erros de Serra, quanto usando de discursos de Serra que manifestavam apoio a Ciro como forma de construção da imagem deste, mesclando a tecnologia do meio Internet com o discurso claramente político. A exceção a isto notamos em dezoito de setembro, quando um grande pop-up em fundo azul ocupa grande parte da tela com o título “Mudança com segurança” (ilustração 3.70). Em um texto bastante direto, construído com frases e parágrafos curtos, Ciro ataca Serra afirmando que sua candidatura não traria mudanças ao país. Abaixo comparava a seriedade e honestidade de Lula colocando-se ao lado deste como opção viável, mas a seguir mostrava-se como o único “sério, experiente, trabalhador e bem intencionado”. Mais abaixo assinava em destaque “Ciro Gomes a mudança com segurança. O resto é briga de marqueteiro”. Ilustração 3.70 – página inicial com pop-up em 18/09/2002 O website, através do pop-up, vira espaço e lugar de fala do candidato e seus ataques aos adversários, onde até mesmo os assessores dos candidatos são atacados em seus papéis e ações. www.bocc.ubi.pt 240 César Steffen Primeiramente cabe comentar o tom forte e agressivo usado contra Serra e Lula, que são apresentados como continuístas e inexperientes, e a construção de Ciro como o único candidato de oposição com experiência e capacidade, num discurso claramente político que se constrói e se manifesta nos diferentes recursos visuais do pop-up. Cabe destacar também, neste banner, a frase final, que ressalta a forte presença e influência dos profissionais de marketing político nas campanhas dos adversários, uma forma de desqualificar as mesmas. Em quatro de outubro, próximo ao dia da eleição em primeiro turno, um pop-up com fundo verde-amarelo convidava “Ouça a mensagem de Ciro ao povo Brasileiro” (ilustração 3.2.10), que ao clicado conduzia a uma mensagem gravada em áudio. Nota-se assim que Ciro utiliza os pop-up’s como forma de manifestar e dar destaque a um discurso clara e abertamente político, que ataca os adversários em seus pontos fracos, buscando desconstrui-los em suas propostas, projetos, biografias e mesmo campanhas. É importante notar que Garotinho não é citado ou atacado, aparentando não ser considerado uma ameaça ou mesmo à altura dos ataques de Ciro. Já os fragmentos de campanha são apresentados de três formas distintas, mas assemelhadas. Na área principal são apresentadas manchetes sobre os atos e fatos de campanha, as propostas do candidato, suas falas e aparições na mídia, sempre acompanhadas de foto. Abaixo desta um box inseria as chamadas e notas, que também se apresentavam na área denominada “Sala de Imprensa”. Nas manchetes, observamos o foco e mesmo evocação das questões e atores do campo político, numa estratégia de construção da candidatura pelos atos do candidato, suas aparições na mídia e seus apoiadores, numa característica bastante jornalística e informativa. Em vinte e um de agosto a imagem mostrava Ciro ao lado do técnico da seleção Brasileira Luis Felipe, o Felipão, e dos jogadores da seleção Cacá e Cafu, que deram ao candidato uma camiseta da seleção com o número 23, mas o texto colocava a proposta de “300 mil casas populares”. Na imagem Ciro , ao mesmo tempo parece “vestir a camiseta do Brasil” e ser colocado, pelos atores da www.bocc.ubi.pt 241 A Política nos espaços digitais foto, como jogador um jogador Brasileiro, num apelo ao esporte mais popular no país. No dia vinte e cinco Ciro é mostrado em visita ao túmulo de Getúlio Vargas, num ato eminentemente político, e a manchete apresentava proposta para as escolas públicas. Já em trinta de agosto foto e manchete destacavam Itamar Franco, e em 4 de setembro a manchete e a foto versam sobre Ricardo Sérgio Oliveira, citado no debate na Rede Record. Ilustração 3.71 – matéria de Veja no website de Ciro Neste último Ciro toma um evento na mídia eletrônica como referência para a construção do website numa estratégia de ataque a Serra, aproveitando-se de um momento ou ponto de fraqueza do adversário. Entretanto usa de uma matéria da mídia impressa, mais precisamente a revista Veja (edição 1750, de 08 de maio de 2002) que apresentava denúncias de comissões e negociatas envolvendo o processo de privatização da Companhia Vale do Rio Doce onde Sérgio estaria envolvido. Interessante observar que o subtítulo colocava “Aqui não há truques nem montagens” (ilustração 3.71), aparentemente numa referência ao caso da edição do debate Lula-Collor em 1989, e colocava a matéria da revista e o website na posição de denunciadores dos apoiadores de Serra e mesmo antecipando possíveis movimentos de resposta do candidato. Outro exemplo de uso do website com a estratégia de ataque a Serra pode ser observada no dia seis de setembro, quando a imagem e a manchete versavam sobre o caso das urnas eletrônicas falsas, descobertas no Distrito Federal. A manchete (ilustração 3.72) indiciava Serra como suspeito de envolvimento no caso, e o texto destacava as suspeitas do procurador do TRE local de envolvimento de políticos no caso. Ao lado imagem mostrava as urnas www.bocc.ubi.pt 242 César Steffen falsas apreendidas, ao mesmo tempo atacando o adversário Serra e pautando a mídia com elementos importantes para o quadro da eleição. Ilustração 3.72 - página inicial em 06/09/2002 Em dez de setembro, após declarações na mídia de que o papel de sua companheira, a atriz da Rede Globo, Patrícia Pillar, era de dormir com ele, a manchete destacava que Patrícia era “um presente que Deus me deu”, ao lado de foto do candidato abraçado à esposa (ilustração 3.73). Ilustração 3.73 - página inicial em 10/09/2002 Observa-se neste momento uma intenção de usar a página inicial para aclarar a polêmica instaurada após tais declarações, num movimento pautado e gerado pela ações do campo midiático na campanha. O website vira elemento de referência para a política e para o campo midiático. Não podemos deixar de comentar o fato de a imagem de uma mulher somente ser apresentada para justificar, ou contrabalançar, declarações de Ciro. Um fato que deve ser destacado é a manchete de dezoito de setembro, quando Ciro constrói sua imagem e discurso no website usando a imagem de um www.bocc.ubi.pt 243 A Política nos espaços digitais quadro preto com o texto, nas cores branca e vermelha, “Ciro, problema para os corruptos, mudança para você”, num movimento pautado e ilustrado pela campanha do candidato no HPEG. Cabe destacar também a manchete de vinte e três de setembro, que versa sobre debate na mídia, pois esta é acompanhada de imagem conceitual do candidato, num movimento de auto-referência tendo a mídia como base, colocando-a como elemento relevante para a construção do discurso e da imagem do candidato. Observa-se nesta área, de forma geral, um foco nas questões, atos e discursos políticos, colocando o website como forma e elemento de construção do discurso do candidato. Entretanto, observamos uma certa incoerência ou descolamento entre imagens e textos, que nem sempre se remetem ao mesmo ato ou fato. Além disso vemos a construção da política num formato claramente jornalístico, onde vários campos – esportivo, político, midiático – são inseridos e apresentados junto as propostas do candidato, transferindo e conferindo credibilidade ao mesmo. Cabe destacar a relevância do campo midiático como elemento não só de influência na pauta do website, mas também, e se não principalmente, como lugar de fala do candidato e de acontecimentos políticos. Abaixo desta manchete principal situava-se uma área, sem título ou denominação, onde várias chamadas sobre a campanha eram apresentadas. Nesta área o perfil e a biografia do candidato recebiam destaque, e o campo midiático recebia espaço quando citava ou abria espaço para Ciro. Neste mesmo espaço a coligação e seus integrantes recebiam espaço freqüente, principalmente no tocante a ações e discursos de ataque aos adversários. www.bocc.ubi.pt 244 César Steffen Ilustração 3.74 - 04/10/2002 - página inicial com pop-up Interessante observar que no dia quatro de outubro esta área apresentava uma imagem com duas barras emoldurando o texto “O que Serra pensa dos nordestinos”, ressaltando um ataque direto a Serra por sua visão da região onde Ciro construiu sua história política, num discurso clara e abertamente político que se manifesta e é feito visível na página inicial. Abaixo desta ficava uma imagem da galeria de fotos, que era atualizada com freqüência quase diária, e ao lado a “Sala de Imprensa”, onde uma barra que corria verticalmente apresentava pequenas notas da campanha. “Governador Itamar Franco chama Serra de mentiroso”, “Ninguém quer aparecer ao lado de José Serra” e “Colunista Elio Gaspari desmascara em sua coluna proposta de geração de empregos de Serra” são alguns exemplos das notas que são inseridas. Abaixo desta barra estavam inseridos os banners já citados, sendo seguidos de link para o jingle de Ciro e frases do candidato, elementos certamente de interesse seu, mas fica a dúvida de sua validade como elemento para a mídia, como constituinte de uma sala de imprensa propriamente dita. No decorrer da campanha esta área passa a apresentar a “Rádio Ciro 23”, que conduzia a áudios com entrevistas e discursos do candidato. Por seu título esta área mostra ter a função de ser fonte para o campo midiático, mas os conteúdos observados, principalmente o forte uso de materiais da mídia, mostra ser mais um espaço que usa das ações, matérias e comentários da mídia como forma de ataque aos adversários. Em cinco de outubro, véspera da votação, esta área, assim como as chamadas, desaparece ficando em seu lugar notas com o título “Veja a repercussão do “Debate Presidencial da Globo” (ilustração 3.75). www.bocc.ubi.pt 245 A Política nos espaços digitais Ilustração 3.75 - página inicial em 05/10/2002 Através de notas com hora de inserção, elemento que não havia antes sido utilizado no website, esta área apresenta as repercussões positivas, para a candidatura Ciro, do debate realizado na Rede Globo. Estas notas tinham um tom mais pessoal, direto e dirigido ao candidato, aparentemente sendo oriundas de usuários do website ou eleitores que manifestaram apoio em outros meios. “No meu trabalho você tirou votos de Lula” e “Nosso filho de quatro anos é seu fã. E nós também” são apenas dois exemplos dos títulos das notas, mostrando pela primeira vez a voz do eleitor no website. Até o dia dez de setembro notamos, abaixo do menu, enquetes sobre temas e pontos da campanha, como o que o usuário considera mais importante na escolha de seu candidato (ilustração 3.76). Na hora de escolher o seu candidato, o que você mais leva em consideração? Propostas Experiência Honestidade Partido Ilustração 3.76 – enquete em 17/07/2002 www.bocc.ubi.pt 246 César Steffen Ao ser respondida esta enquete apresentava, na mesma área da página inicial, os resultados percentuais parciais, aparentemente permitindo ao usuário comparar sua resposta com as dos demais usuários. Chegado o dia da votação o website mantém a mesma estrutura. O banner abaixo do menu vira vermelho, em tom muito próximo ao do logotipo do PT, e convoca os usuários a votar em Ciro para mudar o Brasil, acima de banner com o logotipo da frente trabalhista (ilustração 3.77). Ilustração 3.77 - página inicial em 06/10/2002 A manchete apresentava um convite ao voto em Ciro, ressaltando a ”mudança com segurança”, num sutil ataque ou confrontação com Lula. Ao lado a foto oficial de Ciro ganha plano mais aberto e fundo com a bandeira do Brasil, ficando ao lado do rosto do candidato o número 23 destacado em cor vermelha. Abaixo segue área intitulada “veja a repercussão do debate”, onde as notas se caracterizam por um tom pessoal e até mesmo intimista, mostrando simpatias e apoios ao candidato, suas propostas e idéias. Encerrada a votação e a contagem a manchete destacava a vitória de Ciro em seu Estado de origem, sendo ladeada pela mesma imagem anterior (ilustração 3.78). Ilustração 3.78 - página inicial em 07/10/2002 www.bocc.ubi.pt 247 A Política nos espaços digitais Assim vemos que o website de Ciro Gomes se constrói numa lógica jornalística, informativa, com atualizações freqüentes e usando formatos jornalísticos na construção dos textos, que suportam o discurso político do candidato dentro, numa moldura publicitária, lincada diretamente as construções visuais e aos elementos gráficos da campanha nas demais mídias. Cabe ressaltar a força que os meios e atores do campo midiático receberam dentro do website, sendo destacados como lugares de análise da realidade e de inserção e validação dos discursos do candidato e seus apoiadores, sem esquecer do uso de materiais e discursos da mídia como forma de ataque aos adversários. Da mesma forma temos que destacar também a formatação as manchetes e dos títulos das páginas, resumindo o conteúdo e elementos das mesmas. Se por um lado isto facilita a experiência do usuário por outro dá força às intenções e estratégias dos construtores, apresentando os elementos de maior relevância e, de certa forma, escondendo – ou buscando esconder – elementos mais aprofundados. Destacamos também a pouco presença e freqüência de convites para interação, que se manifestam praticamente somente nos pop-up’s e em ataques aos adversários, o que demonstra que o website era um espaço de discursividade para o candidato e seus apoiadores. Não podemos deixar de citar a mudança feita próxima ao HPEG, quando o currículo de Ciro é ressaltado e resumido no menu, mostrando uma construção textual que foca-se na personalidade, atos e feitos do candidato que permeia toda a construção do website. Podemos então colocar que o website de Ciro constrói de forma autoreferencial ao candidato e seus discursos, mas acopla-se e utiliza-se de lógicas, discursos e estratégias de outros campos para construir e mesmo validar esta autoreferencialidade. www.bocc.ubi.pt 248 César Steffen 3.2.4. Rui Costa Pimenta 29: formato anos 70 com tecnologia anos 90 A página inicial do website do PCO apresentava quatro áreas distintas. Na parte superior, acima do que aparentava ser o menu principal, estavam inseridos três banners com conteúdos distintos (ilustração 3.79). Ilustração 3.79 O primeiro, à esquerda, apresentava em fundo vermelho o “Suplemento Cultural a cada dois meses”, que apesar de ter, ao seu lado, um texto “clique aqui” não gerava link ou relação com nenhum conteúdo do website. Ao lado, ocupando o centro da área, um banner em fundo amarelo destacava “PCO lança candidaturas operárias e socialistas contra a burguesia e seus partidos”, que levava à área de eleições descrita no capítulo anterior. O terceiro e último banner apresentava “Construindo um verdadeiro partido de trabalhadores”, que lincava com conteúdos referentes às propostas e programas do PCO. Abaixo destes banners, uma faixa com uma seqüência de imagens apresentava uma função dual, pois visualmente apresentava-se como banner, mas estruturalmente como um menu. “Causa Operária”, “Juventude Operária”, "João Cândido”, “Mulheres” e “Textos” eram os links apresentados, que levavam a páginas do website do partido com conteúdos diversos. Na área à esquerda estava o menu de navegação propriamente dito, onde o link para a seção “Eleições 2002” ocupava a quarta posição, abaixo de imagens de Trotski, Lênin e Che Guevara, que ilustravam chamadas para diferentes conteúdos. Ao lado deste menu a maior área do website inseria o que poderíamos denominar de fragmentos de campanha. www.bocc.ubi.pt 249 A Política nos espaços digitais “Derrotar a agressão imperialista ao Iraque e seu povo oprimido” é a manchete que se destaca diretamente abaixo dos banners secundários, e que se mostra presente durante todo o período da campanha. Ao clicada esta manchete abria uma área especial, com vários conteúdos referentes à posição do PCO e de seus candidatos sobre o ataque dos Estados Unidos ao país árabe, tematizando na campanha, uma doutrina antiimperialista e antiamericana típica dos discursos esquerdistas dos anos 70. Abaixo, duas notas diagramadas lado a lado se referiam, respectivamente, ao congresso que aprovou as candidaturas de Rui Costa Pimenta e Pedro Paulo à Presidência, e ao discurso de Rui Costa neste congresso, onde se destaca o slogan da campanha “Quem bate cartão não vota em patrão”, abaixo da foto do candidato discursando. Estas permaneceram durante todo o primeiro turno da eleição, mostrando uma ausência de atualizações que, se por um lado desestimularia o contato dos usuários pela ausência de novidades, por outro reforça o descaso causada pela desorganização das seções internas. Diretamente à direita desta área de conteúdo estava inserido outro banner, este em formato vertical (ver ilustração 3.79). Em cor preta continha a imagem de uma mesa de jantar fartamente servida e decorada, com candelabros de cristal e quadros, mas sem cadeiras ao redor, convidava para o “jantar de apoio às candidaturas do PCO” acima de “confira as datas e locais”. Ao mesmo tempo em que convida para um evento da campanha este banner apresenta uma imagem luxuosa, burguesa, aparentemente não condizente com as propostas e posturas do partido. Relevando esta aparente incoerência entre a imagem do banner e as proposta do partido, vemos que os banners mostram-se como elementos ideológicos, de apresentação de conteúdos e elementos relevantes para o partido, ao mesmo tempo em que resumem em si mesmos os elementos apresentados nas seções a que se vinculam. Abaixo, em área visível apenas através da rolagem da página, várias imagens e textos pareciam espalhados, soltos, sem link ou relação com conteúdos das seções internas. Não nos aprofundamos nestes elementos primeiramente por www.bocc.ubi.pt 250 César Steffen estarem em área de pouca visibilidade, mas principalmente por não se relacionarem com os conteúdos, parecendo estarem ali para preencher espaços. O website do PCO mantém-se sem alterações na página inicial e nas seções referentes a eleição 2002, que apresentam os mesmo conteúdos, imagens e recursos. No tocante aos conteúdos e formatos, observamos uma vinculação com discursos e ideologias que tinham força e presença política na década de 70. Já os formatos e diagramações adotados em vários momentos no lembraram jornais e panfletos sindicais, partidários, muito usados como elemento de propaganda de sindicatos e movimentos estudantis até hoje. Assim, de forma geral o website propaga elementos e conteúdos diversos sem se vincular a eleição, onde o HPEG se coloca como elemento de geração de acessos a estes espaços. O website mostra, assim, ser uma peça absoluta e totalmente autoreferente, que se manifesta até mesmo na programação visual das páginas e (des)organização dos conteúdos, sendo construído por e a partir das propostas, ideologias do partido e das falas do candidato Rui Costa Pimenta. Referências e utilização de outros campos existem, principalmente o midiático, mas têm menos força e são sempre utilizadas como forma de reforço das propostas. 3.2.5. Garotinho 40: quem é o vice? No período de análise a página inicial do website de Garotinho mostrou-se bastante focada nos fragmentos de campanha. Destacava, na área central, notícias e fatos recentes da campanha sempre acompanhadas de um breve resumo logo abaixo da chamada, que leva para página com texto completo e com uma foto no topo da página. www.bocc.ubi.pt 251 A Política nos espaços digitais Ilustração 3.80 - página inicial em 10/08/2003 A barra superior do website configurava-se como um banner, que apesar de visualmente coerente, unido, apresentava dois elementos ou funções diferenciadas. A área à esquerda, no primeiro ponto de leitura, apresentava o logotipo da campanha com o nome do candidato em vermelho abaixo do número 40, destacado por seu tamanho, num tom indefinido entre o verde e o amarelo, acompanhado da foto em close do candidato. Ao lado do número e acima do nome do candidato uma pequena pomba, símbolo do PSB, aparecia de forma suave e sutil, usando um efeito de relevo sobre o fundo (ilustração 3.81). Ilustração 3.81 - página inicial em 18/08/2002 Na área à direita várias imagens e textos se revezavam, propagando as realizações e propostas do candidato. Um exemplo é o texto em amarelo “Projeto Nova Escola beneficiou 83 mil profissionais” ao lado de foto de criança sorrindo com o que aparentava ser um copo de leite na mão. Vários outros elementos se revezavam nesta área do banner, como propostas de reforma da polícia e criação de restaurantes populares com refeição a um Real, apresentando de forma resumida e bastante clara, através de uma linguagem publicitária, as propostas e projetos de Garotinho. www.bocc.ubi.pt 252 César Steffen Ilustração 3.82– página inicial em 21/08/2002 Abaixo deste banner uma barra mais fina em fundo amarelo e letras vermelhas destacava o “Partido Socialista Brasileiro”, do candidato, respeitando a escala de cores e a logotipia do partido, que recebe assim destaque e alta visibilidade no website e separa visualmente o banner das demais áreas da página inicial. No dia seis de setembro notamos mudanças no banner. O fundo recebe uma textura, semelhante a um tecido em movimento ou enrugado, em tons de amarelo e vermelho, sendo este predominante. O logotipo oficial da campanha foi inserido, tendo uma estilização da bandeira do Brasil com um coração azul no centro, acima do nome e do número do candidato. O nome passou a ocupar área de maior destaque e visibilidade. Já o número, elemento de efetivação da votação na urna eletrônica, perde importância ficando abaixo do nome (ilustração 3.83), mostrando que a propagação e visibilidade do nome do candidato eram prioritárias. A foto do candidato também foi alterada. O tom informal e o plano fechado da foto anterior, passado pela camisa aberta e sem gravata, substituída por uma foto ligeiramente mais aberta, onde o candidato se mostra com terno e gravata, uma mudança de forma que identifica Garotinho com a imagem esperada de um presidente. Ao lado estava inserido o slogan da campanha, “O Brasil que faz”, sendo que a área à direita seguia apresentando as propostas e realizações, mas usando apenas de textos colocados entre aspas, reproduzindo ou citando afirmações e falas de Garotinho (ilustração 3.84). www.bocc.ubi.pt 253 A Política nos espaços digitais Ilustração 3.84 - página inicial do site em 07/09/2002 Observa-se neste movimento de alteração que o website recebe o mesmo tratamento visual dos demais materiais gráficos, adquirindo status de peça de campanha. Este movimento ocorre num cenário onde Garotinho começava a apresentar crescimento nas pesquisas de intenção de voto, mostrando-se com possibilidade de superar Ciro Gomes, cuja campanha e imagens apresentavam sinais de desgaste. Não podemos afirmar ser este movimento um reflexo dos resultados das pesquisas, de uma melhoria nas condições de financiamento da campanha de Garotinho ou mesmo de um somatório de ambas, mas apresenta sinais, reflexos da força das pesquisas como elemento de pauta e condução da campanha que se reflete e manifesta no website. Ilustração 3.85 - página inicial em 12/09/2002 Entre este banner e as manchetes havia uma pequena área onde rolavam pequenos textos e frases sobre a campanha. “Redução da taxas de juros garante salário mínimo mais justo”, “Programa do PSB no rádio e na TV se transforma num marco da campanha” e “TRE dá a Garotinho direito de resposta contra acusações de Serra” são alguns exemplos de textos apresentados, configurando-se como notas sobre o processo eleitoral. www.bocc.ubi.pt 254 César Steffen Estas notas não geravam link ou relação com nenhuma outra área do website, contendo em si os elementos e conteúdos a serem apresentados e mostrando, de forma resumida, elementos de interesse e relevância para o candidato e a campanha. Nas laterais da página inseriam-se os menus de navegação, sendo o da esquerda dedicada ao candidato e o da direita ao partido. Entre estes eram inseridos os fragmentos de campanha, elementos diversos centrados nos atos e ações de campanha, como comícios promovidos, entrevistas, falas do candidato, etc. O ponto privilegiado de leitura desta área, mais acima e visível diretamente, era reservado às manchetes, que se alimentavam das mais diversas e variadas fontes: pesquisas eleitorais divulgadas da mídia, matérias na mídia, atos e propostas do candidato na campanha, etc. Interessante ressaltar a imagem apresentada em doze de setembro, reprodução da capa da revista “Istoé” que apresentava Garotinho como “O francoatirador”, imagem sem relação ao texto da manchete que versava sobre as pesquisas eleitorais, momento em que o website acopla-se duplamente na mídia como forma de construção de sua candidatura. Poderíamos questionar a validade do uso de uma capa que colocava o candidato numa posição agressiva e até mesmo inferior aos demais candidatos. Entretanto o somatório desta com os resultados da pesquisa alça, reforça o papel de Garotinho na campanha e nos permite colocar que o candidato busca validar, dar força e mesmo repercussão a sua imagem através dos discursos da mídia. Por outro lado devemos destacar a relação que o website estabelece entre seus conteúdos em seu processo de evolução. Observando algumas ilustrações vemos que a manchete apresentava “Pesquisas devem registrar subida de Garotinho”. Noutra data vemos a manchete “Garotinho em alta embola a disputa o pelo 2 lugar”, que num período de cerca de uma semana constroem e informam o crescimento de Garotinho ao mesmo tempo pautando e sendo pautado pelo campo midiático. Este movimento também pode ser observado quando a manchete destacava que o candidato já estava em segundo lugar, e ao mesmo tempo ataca José Serra por ter o “maior índice de rejeição”. www.bocc.ubi.pt 255 A Política nos espaços digitais Observa-se que ao mesmo tempo em que Garotinho usa das pesquisas para construir sua candidatura e atacar seus adversários, tenta pautar a divulgação das mesmas colocando-se como segundo colocado, informação esta não confirmada pelos dados apresentados, usando uma linguagem simples e mesmo coloquial, onde expressões como “embola” e “subida” são os melhores exemplos, para se destacar e atacar seus adversários. Ilustração 3.86 - página inicial em 18/09/2002 Estes ataques aos adversários foram constantes nestas manchetes. No dia cinco de outubro, véspera da eleição, a manchete principal atacava Serra através de projeto de emenda à Constituição que o mesmo havia apoiado quando Ministro do Planejamento. Outra manchete preparava para a eleição: “É dia de 40: Garotinho no 2o turno” abaixo de fotografia de Garotinho e sua esposa, Rosinha Mateus, candidata ao Governo do estado do Rio de Janeiro, em comício na capital onde ambos estão com os braços levantados em gesto de vitória. Esta relação direta entre a imagem e o texto não foi observada com freqüência, sendo a regra geral – se podemos dizer que havia – um deslocamento ou mesmo incoerência entre ambos, pois as imagens permaneciam mais tempo que os textos. Se por um lado isto nos permitiria falar nas manchetes como elemento principal, mais valorizado da página inicial, por outro a posição e tamanho das fotos e imagens em relação ao texto se apresentam como contrários a este argumento. Fica assim uma sensação de permanência, de não atualização da página, o que poderia desestimular o usuário a navegar pelo website. Devemos considerar então as fotos com uma função não meramente ilustrativa, uma vez que não se vinculam às manchetes, mas sim de facilitação de leitura da campanha, uma vez que apresentavam atos e ações do candidato sempre www.bocc.ubi.pt 256 César Steffen em multidões ou acompanhado de grande número de pessoas, colocando o mesmo numa posição favorável frente ao cenário do pleito. Ilustração 3.87 - página inicial em 23/09/2002 As manchetes expunham, de forma jornalística, as propostas, projetos e atos e também atacavam adversários, ressaltando o papel e os feitos de Garotinho na campanha. Notamos um foco absoluto no candidato, que chega a aparecer ou ser citado no texto, na imagem, nos créditos das imagens e no lead da informação. Somando isto às imagens e links presentes nos menus, vemos uma forte heterorreferencia na página inicial, que se dá, se faz e se manifesta a partir da mais diversas fontes, atos e elementos como forma de construção da visibilidade do candidato. Estas manchetes sempre conduziam a uma página com a matéria completa, mas não geravam relação ou mesmo link direto com os conteúdos presentes nos menus, tornando a página inicial um elemento de cunho e forma jornalística e informativa, mas sempre construída por e a partir de um discurso político. Não podemos deixar de comentar também os textos inseridos abaixo destas manchetes, que se apresentavam como um lead da mesma, resumindo o conteúdo completo, destacando e aprofundando o elemento apresentado de forma direta para o usuário que ficava, assim, “dispensado” de acessar a matéria completa. www.bocc.ubi.pt 257 A Política nos espaços digitais Ilustração 3.88 - página inicial em 05/10/2002 – 22:15 Além destes elementos, que ocupavam a área de maior visibilidade, a página inicial continha outros conteúdos, que geravam uma extensa barra de rolagem vertical. Frases do candidato, o livro de sua biografia, ataques a mídia, como a Rede Globo5, e resumos de discursos do candidato são inseridos e organizados em duas colunas, não havendo relação estrutural ou mesmo conceitual entre os mesmos. Abaixo das manchetes uma área denominada “Rápidas” continha pequenas notas sobre vários temas, desde falas do candidato até citações da imprensa. Estas notas eram estanques, ou seja, continham a matéria que se desejava apresentar sem link para outros elementos ou áreas, sendo assim elemento de informação e formação de imagem. Ao lado desta um box inseria frases de Garotinho sobre a campanha ou suas propostas porém, sem citar o local ou contexto em que aconteceram. Cabe ressaltar que estes diversos conteúdos também não geravam link ou tinham relação com os demais elementos do website, encerrando em si todo o conteúdo que ficava “solto” dentro da página, mas recebendo permanência por longo período de tempo, ou seja, sendo pouco atualizado. Ilustração 3.89 – parte inferior da página inicial do website 5 Garotinho colocou na página inicial uma nota “a Rede Globo mentiu”, referindo-se a matérias veiculada no Jornal Nacional envolvendo gravações de conversas de assessores quando era governador do Rio de Janeiro. www.bocc.ubi.pt 258 César Steffen Alguns permaneceram iguais, no mesmo ponto, por toda a campanha, e se apresentavam hora como notas, hora como itens, o que por um lado reforça o foco na personalidade e nos feitos do candidato e, por outro, mostram o foco jornalístico da página e mesmo valorizam os conteúdos inseridos nas manchetes. Ilustração 3.90 - página inicial em 06/10/2002 No dia da eleição o website mantém as mesmas características (ilustração 3.90), e os menus permanecem com suas configurações. O primeiro item do menu a direita, do PSB, segue sendo “Eleições 2002” e apresentando os candidatos do partido no diversos níveis e Estados. A manchete principal, em negrito, ataca Serra através do PEC, ao lado da mesma foto de Garotinho e Rosinha em comício no Rio de Janeiro. Abaixo desta imagem a manchete destacava, com texto, em caixa alta, “Não esqueça, é dia de 40: Garotinho no 2o turno”. Ilustração 3.90 - página inicial as 18:10 de 06/10/2002 www.bocc.ubi.pt 259 A Política nos espaços digitais Encerrada a votação a página é atualizada (ilustração 3.90). A imagem mostrava Garotinho e Rosinha numa sacada acenando em gesto de vitória6. A manchete principal versa sobre a preocupação de Garotinho com “problemas com urnas antigas no Rio”, mostrando a desconfiança do candidato quanto à contagem dos votos nas urnas com voto em papel. A manchete abaixo da imagem falava sobre Garotinho votando confiante “na ida ao 2o turno”, mostrando uma tentativa de conquistar votos e adesões na reta final através de uma leitura das pesquisas e do cenário da eleição, que ocorre num momento em que os eleitores já não mais tinham a possibilidade de votar. Neste momento a página, assim como os demais conteúdos, é “congelada”, não passando por novas alterações até sair do ar cerca de três semanas após a votação. A página inicial do website de Garotinho apresenta-se como uma peça de campanha em formato jornalístico, focada nos fragmentos de campanha numa constante auto-referência ao candidato, suas falas, propostas e ações, apesar das atualizações serem menos freqüentes e mesmo irregulares, onde a mídia é uma importante, se não principal, elemento de apresentação, condução e mesma formação da pauta e dos conteúdos do website. Destacamos, finalmente, a total e absoluta ausência de citações ao candidato a vice em todo o website. José Antonio Figueiredo de Almeida Silva7 não aparece no logotipo da campanha, não é citado nos fragmentos, não recebe espaço nos menus ou mesmo página dedicadas a sua biografia ou sequer é citado em seus atos e falas, aparentando ser colocado como um mero coadjuvante, um ator secundário cujo papel parece ser apenas o de cumprir com a legislação do TSE. 6 Cabe recordar que a esposa de Garotinho, Rosinha Mateus, foi eleita governadora do estado do Rio de Janeiro em primeiro turno. 7 Obtivemos este nome no sistema de registro do TSE. www.bocc.ubi.pt 260 César Steffen 3.2.6. Serra 45: o HPEG na Internet Durante a pré-observação e nas primeiras datas de análise a página inicial do website de Serra mostrava-se bastante simples. Apresentando propostas em formato jornalísticos através de manchetes, notícias e notas ilustradas ou redundadas por fotos do ato ou imagens conceituais, num formato muito semelhante aos players de jornalismo no meio (ilustração 3.91). A barra superior das páginas configurava-se como um banner, contendo o logotipo oficial da campanha, o título “Campanhaonline” evocando o espírito ou características do meio de suporte da campanha e as fotos do candidato e da Vice. Eles estavam de mãos dadas e braços erguidos num gesto de vitória, fundeados por uma estilização da bandeira brasileira acima dos nomes de ambos, onde ao mesmo tempo vemos que ambos confiam na vitória, que seria trazida pela “Campanha online”. Ilustração 3.91 - página inicial em 08/08/2002 Com tom predominantemente amarelo, colocando o logotipo da campanha no ponto mais privilegiado de leitura, o banner destacava também a “Coligação Grande Aliança” e os partidos que a compunham, onde havia link direto para os websites do mesmos. A área central da página apresentava os fragmento de campanha construindo a noticiabilidade do candidato e as estratégias do website de três formas distintas. A manchete era sempre acompanhada de foto e focando-se nos atos e ações de Serra. www.bocc.ubi.pt 261 A Política nos espaços digitais O título desta manchete destacava-se pelo uso da cor verde, sendo posicionado ao lado da fotografia, destacando-se do fundo e tornando-se elemento de destaque no processo de leitura. Ao lado desta manchete havia sempre três ou quatro notícias ilustradas por fotos conceituais, ou seja, imagens não do ato ou das ações, mas ilustrações ou projeções do candidato e de seus apoiadores. Estas notícias destacavam os apoios recebidos pelo candidato e suas propostas, redundando ou reforçando conteúdos de páginas internas e seções. Abaixo desta área inseria-se a barra de “Últimas Notícias”, composta de notas acompanhadas da hora de inserção que, ao clicadas, conduziam a página contendo detalhes. Esta parte ocupava a maior área da página inicial, comportando uma série de elementos visuais e textuais que buscavam destacar os fragmentos da campanha mostrando uma estratégia jornalístico-informativa no website (ilustração 3.92). Ilustração 3.92 - Página Inicial em 24/07/2002 No dia 10 de agosto notamos mudanças. O campo de busca, antes deslocado, “solto” espacialmente dentro da estrutura do menu, é inserido dentro de um box retangular ganhando destaque e, assim, relevância no conjunto de conteúdos da página. O menu foi aumentado para nove links, e na barra lateral direita da página apresentava-se um segundo menu redundando algumas das opções do menu da esquerda. O box “Fale com o Serra”, convite à interação para o usuário que continha opções como “Mensagem de Apoio”, “Enviar uma sugestão”, etc., www.bocc.ubi.pt 262 César Steffen conduzia para a página de contato do website, cuja posição nos permite observa-lo como menos importante, sendo colocados em área de leitura menos privilegiada. No início do HPEG, quando Serra apresenta o “Projeto SegundaFeira” e adota o tom azul como cor predominante na campanha, o website passa por uma mudança profunda vinculada a esta estratégia de campanha, abrangendo desde a programação visual até a disposição espacial dos elementos, espaços ocupados e novos banners, que refletem a nova estratégia de campanha na Internet. O banner superior adquire o tom azul da campanha, mantendo a posição e dimensão do logotipo. As fotos oficiais dos candidatos são inseridas em plano mais fechado, próximo a um close, valorizando os rostos, os sorrisos e colocando Rita Camata ligeiramente à frente de José Serra. A imagem adquire assim uma maior simetria, equilíbrio, denotando também um certo cavalheirismo e valorizando o papel da mulher na campanha. A “Coligação Grande Aliança” e os partidos têm seu espaço diminuído, e ao fundo surge um céu azulado com nuvens finas e suaves que emolduram fotos de pessoas. São quatro homens e duas mulheres de várias idades usando capacetes de proteção azuis e amarelos, um dos elementos da programação visual da campanha que ilustra a proposta de emprego. O único negro neste banner estava separado do grupo pelas fotos dos candidatos, segurando um cartaz amarelo com o número 45 que esconde parcialmente o seu rosto. Isto, por um lado, o coloca na posição de apresentador do número do candidato mas, por outro, nos permite relacionar sua posição à um papel secundário dos negros na campanha via website, ao contrário do HPEG onde havia um negro como apresentador (ver ilustração 3.2). Na véspera da votação este banner foi alterado. O logotipo e as fotos dos candidatos permanecem iguais, mas os adultos de capacete são substituídos por pessoas de várias idades, incluindo uma criança e um adolescente possivelmente sem idade para votar. Ao lado de Serra apenas um casal de jovens, onde um rapaz negro também tem seu rosto encoberto pelo cartaz com o número do candidato (lustração 3.93). www.bocc.ubi.pt 263 A Política nos espaços digitais O texto “A hora do Voto” ocupa o principal ponto de leitura, remetendo ao momento decisivo da campanha, quando as pesquisas davam margem a dúvidas sobre a efetivação ou não do segundo turno. Ilustração 3.93 - página inicial em 21/08/2002 No topo do menu, acima de todos os links, surgiu um pequeno banner para o “Programa de Governo” ilustrado pela imagem de um livro. A capa continha fotos de pessoas usando capacetes azuis mas que em função de seu tamanho não podemos afirmar serem os mesmos do banner, ilustrando de forma publicitária para um importante elemento da campanha de Serra. Abaixo do menu estava inserido um banner com o número do telefone da central de atendimento de Serra, ligação gratuita onde os eleitores eram atendidos por operadores que esclareciam dúvidas sobre a campanha e as propostas dos candidatos. Neste mesmo momento, início do HPEG, a barra de notícias mudou sua estruturação. A manchete, antes diagramada horizontalmente, passa a ocupar a área vertical do centro da página, onde a imagem merece mais espaço que o texto, que segue na cor verde. No dia 21 de agosto a manchete destacava “Na TV, Serra explica como vai mudar a vida das pessoas com emprego e segurança” ao lado de imagem do candidato na televisão segurando o livro do “Projeto segunda-feira” em primeiro plano, acompanhado da assinatura “José Serra Presidente” e do logotipo da campanha no canto da tela. Nota-se aí uma multiplicidade de linguagens num mesmo espaço midiático, somando texto, logotipo da campanha e o candidato numa mesma imagem co-determinada pelo enquadramento da televisão, que é “congelado” e inserida no website como elemento de propagação campanha. Mostra-se aí uma www.bocc.ubi.pt 264 César Steffen estratégia de uso da Internet para aprofundar ou validar a proposta em um outro meio. Esta estratégia de evocação do discurso eminentemente midiático foi observada na absoluta maioria das datas de análise, onde a manchete se remete constantemente ao programa de TV, a atores do campo midiático e a eventos ou matérias do campo midiático. Para citar alguns exemplos Glória Perez, escritora, autora de novelas e mãe da atriz assassinada Daniella Perez, dá depoimento sobre segurança empenhando seu apoio a Serra no HPEG e é manchete no website. O debate na Rede Record é acompanhado minuto a minuto nas notas e vira manchete no website, convidando os usuários a acompanha-lo. Programa sobre Minas Gerais ilustrado por foto de Juscelino Kubitscheck, um ícone da política brasileira, lembrando as grandes ações do ex-presidente também mereceu destaque nesta área. Na véspera da votação o candidato aparece fotografado com os braços erguidos, em gesto de vitória, tendo o Cristo Redentor ao fundo, ao lado de manchete sobre as pesquisas indicando o segundo turno, apresentando assim um cruzamento entre o campo político, as pesquisas de intenção de voto, as ações e atores do campo midiático que se tornam visíveis no website e operam as estratégias de Serra na Internet. Estes são alguns - dentre muitos outros possíveis - exemplos do acoplamento que o website opera com o campo midiático e com a campanha midiatizada na televisão, em que notamos que vários campos são situados acima do campo político e do próprio candidato, impondo leituras e mesmo ganhando status de apresentadores e analistas da realidade. As notícias, por sua vez, passam a ser inseridas abaixo desta manchete mas mantém-se a estratégia de uso para informações ou ataques aos adversários ilustrados por imagens conceituais. As demais mídias de campanha, principalmente a campanha no rádio, têm espaço freqüente nesta área, sempre ilustrada por ícones verde-amarelos ou imagens em tamanhos pequenos, como um ponto de exclamação ao lado de ataque a Ciro ou de uma nota musical ao lado de nota sobre o programa de rádio, cujos formatos se destacam das demais imagens. www.bocc.ubi.pt 265 A Política nos espaços digitais Observa-se que os atores e a campanha midiatizada na TV merecem destaque nas manchetes, enquanto o rádio ocupa apenas espaço secundário dentro dos fragmentos, sendo inseridos sempre nas notícias. Muitas seções internas, principalmente as voltadas à biografia e as propostas do candidato, também tem presença constante, notando-se também os apoios políticos, como do senador Pedro Simon. Abaixo desta área permanece a barra de “Últimas notícias”, área das notas de atualização mais freqüente do website, mas que não possui um foco único e específico, apenas acompanhando os fatos da campanha em geral e do candidato e apoiadores. Ao lado da barra de notícias surge um banner animado com o texto inicial “O nome da mudança é emprego” (ilustração 3.94) seguido de uma seqüência de fotos de rostos de homens e mulheres de várias idades e raças diferentes, que se alternam rapidamente abaixo de um capacete com o logotipo do “Projeto Segunda-feira”. Esta animação encerrava com o logotipo da campanha e o número 45, e o capacete não mudava sua posição, ficando sempre em fundo branco, enquanto os rostos estavam sempre em num mesmo fundo azulado e indefinido. Ilustração 3.94 - quadros do banner “Trabalho” Interessante observar esta construção visual, utilizando elementos que remetem, representam e evocam o mundo do trabalho em obras e fábricas em fotos de pessoas comuns usando o capacete, como se já estivessem empregadas, num meio onde os usuários – atualmente - possuem alta qualificação e formação acadêmica e profissional. Se por um lado se poderia apontar uma incoerência entre o meio e a construção da mensagem do candidato, há de se considerar que este elemento recebeu destaque e relevância nos demais meios, especialmente nos clipes para a www.bocc.ubi.pt 266 César Steffen TV, se configurando assim como um logotipo do projeto, demonstrando uma coerência do website com a construção estratégica da campanha em todos os meios. Este banner se mantém nesta posição em grande parte das datas analisadas, mas no dia doze de setembro notamos que na sua posição inseria-se o banner “8 ou 10”. Divido ao meio entre as cores azul, sobre a qual estava o número oito, e vermelho, sobre o qual via-se o número dez, o texto convidava “novo megahit para você cantar com seu amigo petista!!!”, e levava a um jingle específico – que só notamos no website - comparando as propostas de geração de emprego de Lula e Serra. Nota-se ai que Serra usa um discurso tipicamente político em tom irônico para atacar e desconstruir o adversário através de um cruzamento entre as linguagens e técnicas da Internet, do rádio e da televisão. Tal banner surge menos de um mês antes da votação em primeiro turno, quando as pesquisas começavam a indicar Serra na segunda posição e o candidato começa a “centrar fogo” sobre Lula, em que o website suporta um material específico de ataque com tom irônico e irreverente. Também é interessante observar a construção do banner, usando as cores principais da campanha de Serra e Lula, e o uso de três pontos de exclamação, reforçando o tom afirmativo e mesmo provocativo do elemento, que permite a percepção de sua intenção mesmo sem o contato com o jingle. Cabe destacar ainda que no dia vinte e seis de setembro, abaixo do box “Pelotão 45”, surge o banner “Clique e veja quem mais esta com Serra”, um convite para interação do usuário que também usava como fundo o azul da campanha. Este conduzia a seção “O Brasil se une a Serra”, com depoimentos de apoiadores da campanha, em que notamos um aprofundamento da manchete principal e das notas secundárias, que com freqüência dão destaque aos apoios recebidos pelo candidato, além de redundar o então segundo item do menu de navegação, demonstrando a relevância desta seção e seus conteúdos para a estratégia do candidato. www.bocc.ubi.pt 267 A Política nos espaços digitais Na véspera da votação o banner “emprego” foi novamente substituído por uma animação com o número do candidato que conduzia a uma página com “cola” da votação para impressão. Já abaixo do “Pelotão 45” outro banner mostra fotos de celebridades, como Nana Caimi, que apóiam Serra, evocando apoios de outros campos para construir suas visibilidade e credibilidades sem a necessidade de acesso à página, o que demonstra a importância da mídia e seus midiáticos como elemento na campanha de Serra no website. No tocante aos banners pop-up observamo-los apenas quatro momentos da análise. No dia trinta de agosto uma janela pop-up apresentava nota “Compostura Candidato” (ilustração 3.95), respondendo a Ciro Gomes que havia chamado Serra de covarde. Ressaltando a “postura coronelesca e destemperada”, a nota chama Ciro de “reizinho da paróquia” e de “mauricinho mimado que está perdendo a discussão”, adotando um tom duro, forte e direto contra as declarações do adversário, manifestando um discurso tipicamente político num ponto ou elemento de alta visibilidade do website. Ilustração 3.95 - nota em 30/08/2002 Em seis de setembro um grande pop-up transcreve texto do economista José Pastore publicado no jornal “O Estado de São Paulo” sobre o “Programa Trabalhista de Serra”, elogiando as propostas e a clareza de apresentação do programa do candidato. www.bocc.ubi.pt 268 César Steffen No dia doze de setembro um pop-up semelhante apresenta pequena matéria da revista Veja comparando, lado-a-lado, as propostas de emprego de Serra e Lula e é inserido como imagem capturada no website da revista, em que o candidato convoca as mídias e seus especialistas para dar validade e sustentação a suas propostas. Cabe esclarecer que os pop-ups configuram-se estruturalmente como banners por sua posição e formatação, mas seu conteúdo coloca-os junto à categoria de fragmentos de campanha, mostrando um cruzamento entre as seções do website e, principalmente, entre os campos econômico, midiático e político e a própria Internet que se faz visível no website como forma de reforçar as proposta do candidato. Já em dezesseis de setembro surge um pop-up que ocupa praticamente toda a tela (ilustração 3.96), cobrindo o banner principal e a área de notícias. Em fundo azul, o banner destacava “Dizem que Brasileiro não tem memória” acima de texto em tamanho menor “clique aqui e teste a sua”, buscando assim gerar o acesso a este recurso e relevando o mesmo frente aos demais conteúdos e recurso do website. Ilustração 3.96 - página inicial com janela pop-up aberta - 16/09/2002 Configurando um desafio ao usuário, o banner carregava um jogo de memória eletrônico onde as cartas apresentavam as propostas e características de Serra, como “competência” e “empregos” (ilustração 3.97). Ilustração 3.97 - anelas com jogo ativado www.bocc.ubi.pt 269 A Política nos espaços digitais Fruto de um cruzamento entre a tecnologia do meio – o jogo foi construído com tecnologia Macromedia Flash – e as estratégias de campanha, este recurso dá nova roupagem a um antigo jogo infantil que busca estimular as funções cognitivas e associativas, e de uma forma desafiadora torna-se um elemento de reforço e aumento de recall1 das propostas de Serra, demonstrando um novo recurso de campanha no meio. Mesmo não se enquadrando nas categorias criadas, cabe destacar um elemento do website observado na última semana de setembro. Acima da barra de “Últimas Notícias” foi inserida uma barra intitulada “Depoimentos”, onde mensagens de apoio, a favor das propostas ou elogiando a atuação e posturas de Serra, enviadas por e-mail por usuários corriam lateralmente, citando sempre o autor e a cidade. Se por um lado se nota o aproveitamento dos e-mails dos usuários que enviam mensagens através do website, por outro se nota uma nova estilização à antiga prática de depoimentos, enquetes e entrevistas muito comuns na campanha da TV. No entanto, ao invés de serem capturados e enquadrados na rua, por câmeras, microfones, repórteres ou apresentadores, são capturados em seu próprio ambiente, ou seja, em sua casa, local de trabalho, em seu computador, pela estrutura e recursos do website, sendo estimulados ou podendo assim agir próativamente a favor do candidato, tornando-se elemento de validação da candidatura. Interessante observar que enviamos várias mensagens através do formulário de contato, solicitando informações ou enviando sugestões, não recebendo nenhuma resposta ou manifestação por parte dos produtores do website ou da assessoria do candidato, mostrando um processo de filtragem das mensagens que seleciona quem tem o direito de aparecer ou de ser respondido. Por outro lado as mensagens de apoio são inseridas na página inicial em ponto privilegiado de leitura, mostrando um aproveitamento de recurso de interação e integração em prol da construção da imagem e visibilidade do candidato, mas não estabelecendo uma relação de troca e reciprocidade com estes usuários. 1 Recall é um termo usado no mercado publicitário para referir a memorização ou conhecimento de uma marca, produto ou serviços pelos consumidores. www.bocc.ubi.pt 270 César Steffen Esta estratégia geral de construção, ou seja, reservando ou ocupando a área mais nobre da página inicial do website para a campanha no HPEG da TV e inserindo com freqüência diária – ou mesmo horária - notas e informações de campanha, alterando banners conforme o momento da campanha, permanece durante todo o primeiro turno. Recordamos, então - como consta em nosso quadro teórico - que na Internet o tempo de contato com o meio é determinado pelo usuário, que de forma mais ativa seleciona o espaço-tempo de interação. Isto pois nos permite afirmar que por trás deste processo de relação entre os meios pode estar uma estratégia de captura e mesmo exploração do usuário oferecendo conteúdo e elementos de valor de meios onde a marca temporal impede o contato, além de se configurar como um processo de troca e sinergia dentro da campanha que acelera e dá nova velocidade e agilidade a mesma , os quais se manifestam em todas as dimensões e processos do website. Por outro lado, a alta freqüência de conteúdos referentes às ações de campanha ou redundando elementos do menu em área privilegiada de leitura, somado aos ícones e às imagens ilustrativas que se tornam elementos de destaque e deslocamento da atenção do usuário, mostra o website como elemento de ampliação da campanha, na medida em que permite o aprofundamento das estratégias de visibilidade do candidato e se torna uma fonte alternativa de informações para os eleitores. No dia da votação a estrutura geral permanece sem alterações, mantendo a hierarquia dos links e seções (ilustração 3.98). O banner principal mantém a imagem com as cinco pessoas. O texto “a hora do voto” mudou para “vote”, um convite a ação em prol do candidato na eleição, mostrando uma mudança do discurso político no meio onde o “O” do “vote” era formado pelo logotipo da campanha com o número 45, reforçando ou mesmo redundando o número do candidato. www.bocc.ubi.pt 271 A Política nos espaços digitais Ilustração 3.98 - página inicial em 06/10/2002 O banner de empregos, presença constante durante a campanha, desaparece deixando uma área em branco, vazia, e abaixo do box do “Pelotão 45” inseria-se o banner com link para as mensagens de apoio de midiáticos e políticos, mostrando a relevância desta seção para a estratégia do candidato. Durante o horário de votação a manchete principal, ao lado de imagem do programa de TV de Serra com o logotipo e o número ao fundo, destacava que as pesquisas confirmavam o segundo turno da eleição, acima de quatro notas menores. Ilustrada por um ponto de exclamação o titulo provocava “Quem venceu o debate!”, ataca sutilmente os adversários (especialmente Lula que neste momento apresentava chances de vitória no primeiro turno) através dos comentários de quatro analistas de diversos campos – político, midiático, etc. que colocam Serra com a melhor postura e vitorioso daquele ato de campanha. Ao lado deste box uma foto de Serra e Rita convida o usuário a ler artigo de Serra na Folha, e abaixo foto montagem com as fotos oficiais de Lula e Serra destacava, no texto, que Serra “mostra que tem propostas e deixa Lula sem resposta”. As “Últimas Notícias” destacam fatos do dia e inserem, aleatoriamente, artigos e notas anteriores sobre as propostas de Serra das mais variadas fontes, desde as do próprio website até matérias de jornais e apoios de midiáticos. Nota-se que durante a votação Serra diminui a importância da principal proposta, o “projeto segunda-feira”, e concentra-se em desconstruir seu provável adversário a partir dos debates e de suas propostas, num discurso ou estratégia eminentemente político. Além disso valoriza as pesquisas que indicavam segundo turno, permitindo inferir uma estratégia de influência sobre www.bocc.ubi.pt 272 César Steffen eventuais eleitores indecisos e busca de cumprimento da chamada “lei da procrastinação”. Ilustração 3.99 - página inicial em 06/10/2002 as 18:15 Encerrada a votação a manchete destacava “Serra na hora do voto”, ilustrada por foto do candidato na sua seção eleitoral acompanhado pelo candidato ao Governo do Estado de São Paulo, Geraldo Alckmin, e fazendo o “V” na vitória com os dedos (ilustração 3.99). A manchete anterior virou nota secundária, mantendo a mesma imagem em formato menor, ao lado de outra foto destacando que um ator do campo empresarial, Antonio Ermírio de Moraes, “vota 45 e se enche de confiança”. A atualização e os conteúdos inseridos nos permitem inferir que Serra considera uma vitória para sua candidatura a realização de segundo turno e sua presença na disputa, usando de um amplo cruzamento entre apoios de outros campos, pesquisas eleitorais, conteúdos da mídia e ações do candidato para reforçar sua visibilidade e construir sua campanha. Causa estranheza, entretanto, a supressão do banner de emprego, o que demonstra que a proposta perde força e importância na reta final da campanha do candidato. Poder-se-ia observar nisto uma influência da legislação eleitoral que proíbe propaganda quarenta e oito horas antes do pleito, função do banner, mas a manutenção deste conteúdo no menu e o espaço em branco no lugar do mesmo mostram a busca de reforço da proposta por sua ausência. Tendo em vista as questões expostas lembramos de Perriault (2000) quando cita as orquestrações e estratégias que se formam em torno dos meios de comunicação. Vemos então no website de Serra uma conjugação de operações estratégicas na construção da visibilidade de Serra no meio, tanto no tocante aos www.bocc.ubi.pt 273 A Política nos espaços digitais formatos, como nas estratégias de atualização, usando o website como elemento de propagação e informação para os diversos campos. Por um lado os menus e páginas iniciais contemplavam uma série de propostas de interação para o usuário, buscando conduzir e pautar o processo de navegação deste pelos conteúdos e recursos do website. Por outro vemos uma forte vinculação do website com o HPEG e um acoplamento com vários outros campos, cujas operações discursivas são inseridas de forma a sustentar e suportar as propostas, projetos e mesmo a biografia do candidato. Não podemos deixar de ressaltar a candidata a Vice, que recebe destaque na imagem e nos banners, nos conteúdos mas é menos valorizada ou recebe menos espaço. Da mesma forma, chamou-nos a atenção o pouco espaço ou a posição menos privilegiada dada aos atores do campo político, mostrando a relevância dos demais campos como elementos de sustentação da candidatura. Assim, podemos colocar que Serra constrói seu website num amplo cruzamento e acoplamento com vários campos, mas a mídia e seus atores recebem espaço e relevância, sendo alçados ao papel de analistas e comentaristas da realidade. 3.2.7 – As diferentes construções de campanha se mostram nas páginas iniciais Nesta parte nos propomos a efetuar recortes comparativos entre as estratégias de construção das páginas iniciais dos websites e seus elementos construtivos, conforme nossa proposta de leitura e análise do segundo conjunto de elementos. Como referido anteriormente Serra foi o único a usar dos recursos de hipertexto proporcionados pelo meio Internet dentro dos textos e elementos do website. Através dos fragmentos de campanha o usuário tinha a possibilidade não só de tomar conhecimento dos atos e ações do candidato nas diversas instâncias da campanha, mas também de travar contato direto com outros conteúdos do website vinculados àquele ato, conteúdo ou ação. Os banners repetiam, de certa forma, esta estratégia, resumindo os elementos da principal propostas de Serra, o “Projeto Segunda-feira”, remetendo a www.bocc.ubi.pt 274 César Steffen seções com detalhamento e aprofundamento da proposta, onde a linguagem publicitária mostrava-se de forma mais forte e presente. Nos pop-up´s, entretanto, manifestava-se mais fortemente o discurso político, sendo este recurso manipulado para responder ataques ou apresentar acusações aos adversários. Observava-se, nesta pagina inicial, a força dos atores, elementos e discursos do campo midiático, sendo estes elementos não só de pauta, condução e apresentação dos fragmentos de campanha como também de construção das propostas e projetos, validando e dando suporte a postura do candidato, suas ações e discursos. Lula mostrava, na página inicial, uma ampla mescla de campos. Se os fragmentos se focavam nos seus atos e ações, colocando o candidato como centro da campanha - mas sempre falando através de sua assessoria - os banners mostravam e davam força as entrevistas dos apoiadores oriundos de diversos campos sociais, numa presente e constante heterorreferencia que construía a imagem de Lula pelas relações que se apresentam no website. O único pop-up observado apresentava uma função comercial, que buscava gerar receita para a campanha, onde se observa uma estratégia única, o uso do recurso de comércio eletrônico do meio para o financiamento da campanha, onde cabe destacar a influência das regras do campo jurídico na formatação e condução do processo. Ciro repete, na página inicial, a forte auto-referência observada no menu de navegação, focando e apresentando seus atos, ações, propostas e agenda numa constante auto-referência. Esta lógica só foi quebrada em momentos específicos e por influência do cenário geral da campanha como, por exemplo, quando Ciro busca o apoio de sua esposa, Patrícia Pillar, para apoiá-lo frente a uma ação infeliz numa entrevista. Com foco bastante informativo, mas com atualização menos freqüente que os anteriores, a página inicial de Ciro mostra uma mescla do discurso político com uma construção, formatação jornalística, bastante vinculada às estratégias e lógicas e construção dos players de mídia no meio. Mas o discurso político manifestava-se mais fortemente nos pop-up´s que, quando usados, traziam acusações e suspeitas quanto os demais candidatos. www.bocc.ubi.pt 275 A Política nos espaços digitais A página inicial do website de Garotinho, com atualizações ainda menos freqüentes que observada em Ciro, mostrava uma forma mais publicitária. A imagem Presidencial do candidato era destacada na barra superior, ao lado de seus atos, ações e propostas. Já os fragmentos de campanha mostravam os atos, ações e discursos do candidato, mas as imagens tinham maior permanência, apresentando uma leitura auto-referente da campanha. Garotinho não usava pop-up e poucos banners, mostrando uma mescla de construção jornalístico-informativa com discurso político e linguagem publicitária numa constante auto-referência, onde elementos externos como mídia, pesquisas e adversários eram inseridos apenas como forma de validar, construir e destacar a imagem e as proposta do candidato. Zé Maria já apresentava uma forte vinculação com a identidade político-ideológica do PSTU. Apesar de apresentar sua imagem em pontos destacados desta página e de mostra uma forte referência midiática na formatação da página, numa construção bastante assemelhada a seus concorrentes. Nos textos observamos o uso de coletivos – “Queremos cotas ...”, etc. – e as bandeiras contra a ALCA e o FMI como elemento de constante pauta dos elementos e conteúdos. No website do PCO cabe estacar que a eleição é hierarquicamente menor que as questões político-ideológicas do partido. Fortemente ideologizado, a página inicial do website é pautada pela luta anti-imperialismo norte-americano, num discurso característico dos anos 60 e 70 que se faz presente. A disposição dos elementos na página, desde os menus e sub-menus até os (poucos) banners mostravam uma forte desorganização e mesmo descuido com a relações entre os elementos. O uso e cores vivas e com forte contraste entre si prejudicava a identificação dos elementos, e o uso de imagens de personagens como Trotski, Che Guevara, Lênin e outros reforça o papel e o caráter de propagação ideológica do website, mostrando ser este um elemento direcionado mais a militância do partido do que aos eleitores em geral. Observa-se, assim, nestas diferentes construções das páginas iniciais, diferentes estratégias de apresentação de discursos, conteúdos e também de www.bocc.ubi.pt 276 César Steffen manipulação dos recursos do meio, sendo as estratégias, intenções e fazeres dos candidatos e partidos os elemento de construção e condução destas páginas. 4. 2o Turno: novas estratégias nos espaços digitais O primeiro turno encerra lançando Lula e Serra a um novo “round”, obtendo respectivamente 46,4% dos votos válidos (39.444.010 em números brutos) e 23,2% (19.700.549). Garotinho fica na terceira posição com 17,9% (dezessete vírgula nove porcento, ou 15.175.776 votos) e Ciro com 12% (doze porcento, equivalentes a 10.167.650 votos). Ignorados pelas emissoras nos debates e recebendo menos espaços na mídia regular, Zé Maria do PSTU recebe 402.038 (quatrocentos e dois mil, trinta e oito votos, ou cerca de meio porcento dos voto válidos), Rui Costa Pimenta trinta e oito mil, seiscentos e oito votos, e ambos desaparecem do cenário da campanha. Garotinho manifesta seu apoio a Lula em depoimento gravado em seu escritório político, mas não aparece em manifestações, atos de campanha ou ao lado do apoiado, e “congela” seu website, que apenas comemora a eleição de Rosinha no Rio de Janeiro2. Ciro Gomes apóia Lula e aparece no HPEG ao lado e de mãos dadas com este já no primeiro programa, onde além de agradecer aos eleitores que nele confiaram pede votos para Lula. No website os conteúdos diretamente ligados a campanha – Programa de Governos, peças publicitários, etc. – são retirados, mantendo basicamente a biografia do candidato. A página inicial, entretanto, segue sendo atualizada, mostrando o apoio de Ciro a Lula e concentrando ataques à campanha, propostas e imagem de Serra. Lula não muda sua estratégia geral de campanha, mostrando os apoios e valorizando seus projetos e propostas, o que se reflete em poucas mudanças no website, onde apenas o título de uma das seções e a disposição dos elementos da página inicial, dando mais espaço para os fragmentos de campanha, são alterados. 2 Cabe observar que notamos mudanças e novos movimentos de atualização no website de Garotinho somente no mês de março de 2003, mas não podemos precisar em que momento este recomeça suas ações no meio. www.bocc.ubi.pt 277 A Política nos espaços digitais Serra, por seu turno, efetua mudanças em seu comando de campanha e passa a exigir debates com seu adversário, argumentando ser a única forma de se conhecer realmente o candidato mais preparado. Adotando um tom mais nacionalista, contrapondo o verde-amarelo da bandeira Brasileira - e do logotipo do PDSB – a bandeira vermelha, Serra aparece no HPEG debatendo com auditórios das mais variadas formações, explicando suas propostas e esclarecendo dúvidas sobre seus projetos. Esta estratégia se traduz numa re-organização geral do website, que recebe fóruns para debate e mudança na disposição dos links do menu de navegação. Iniciado o HPEG do segundo turno, o website sofre uma mudança profunda em sua estrutura. A cor predominante muda do azul da carteira de trabalho para o verde da bandeira, associando ao tom mais nacionalista da campanha e a oposição a “bandeira vermelha” do PT. Surge com destaque, ocupando boa parte da área central da página, um fórum de debates sobre temas da campanha, apresentando um cruzamento das estratégias de campanha com as tecnologias e recursos técnicos do meio que se somam para a construção e conformação das estratégias gerais do candidato. Novamente a polarização da campanha se apresenta através do website e do fórum manifestando a valorização dos discursos e estratégias políticas. Serra busca, através dos debates, questionar a competência e as propostas do adversário Lula, mas este questionamento é direto, feito sempre pelo candidato, onde a Vice perde espaço assim como os atores de outros campos que depunham a favor de Serra no primeiro turno. 4.1. Mapeamentos, caracterizações e representações Nos dois capítulos que seguem apresentamos as especificidades do primeiro conjunto de análise dos websites dos candidatos ao segundo turno do pleito de 2002. www.bocc.ubi.pt 278 César Steffen 4.1.1. Lula 13: “Programa de Governo” Passada a votação no primeiro turno a estrutura geral do website não se altera, mostrando a continuidade das estratégias do candidato neste novo momento da campanha. Da mesma forma podemos ver neste fato a avaliação positiva do esforços e estratégias gerados, cuja manutenção seria elemento de reforço da imagem e candidato. Ou seja, resumidamente podemos comentar que Lula não mudou, continua o mesmo, apesar da mudança do cenário da campanha e mesmo das mudanças estratégicas de seu adversário. Os links do menu permanecem inalterados, mantendo a seqüência “A vida de Lula”, “Notícias”, “O Brasil que a gente Quer”, “Eleitor de Carteirinha” e “Participe”. Ilustração 4.1 - página inicial em 08/10/2002 Os conteúdos das seções permanecem os mesmos, sem alterações ou adições, sendo a exceção a seção “Notícias”. Esta mantém a sua estrutura, diagramação e conteúdos, segue acompanhando os atos e ações de campanha na parte central da página, mas ganha novas entrevistas com personagens como Delfin Neto, que comenta o cenário econômico do país e faz fortes críticas a FHC. No dia dezesseis notamos uma mudança significativa. O título do link “O Brasil que a gente quer” foi mudado para “Programa de Governo” (ilustração 4.2), mas os conteúdos e elementos não seguem esta alteração. www.bocc.ubi.pt 279 A Política nos espaços digitais Ilustração 4.2 - página inicial em 16/10/2002 Interessante observar que já as primeiras pesquisas após o primeiro turno mostravam Lula como franco favorito no pleito. Assim, a mudança de título desta seção, por um lado, indica a confiança do candidato e seus assessores na vitória e, por outro, efetiva um compromisso com o eleitor, pois o que antes era uma proposta, um desejo ou sonho, “O Brasil que a gente quer”, passa a ser um “Programa de Governo”, um compromisso quase com valor de um contrato com a sociedade Brasileira. Por um lado nota-se nesta mudança um ajuste estratégico do website ao cenário da campanha, conformando-o a vitória indicada pelas pesquisas eleitorais. Entretanto, não podemos deixar de notar neste movimento um clima de “já ganhou” presente na campanha do candidato. 4.1.2. Serra 45: é verde-amarelo Até dezesseis de outubro o website de Serra mantém-se sem modificações significativas em sua estrutura e conteúdos. O menu permanece com os mesmos links, na mesma formatação que encerrara o primeiro turno, mantendo a estratégia e os conteúdos inalterados. No início do HPEG o website passou por alterações significativas. O menu, antes uma barra lateral à esquerda, passa a ser formatado em quatro colunas na página inicial, sendo o fórum posicionado com primeiro link na quarta coluna, mas os demais conteúdos permaneceram. www.bocc.ubi.pt 280 César Steffen Nas páginas internas, entretanto, o menu segue formando uma barra única, onde o novo elemento adicionado, “Fórum – área de debates”, foi inserido como primeiro link, abaixo apenas do pequeno banner do Programa de Governo. Este novo link conduzia a uma página que continha, no topo, foto da bancada do programa de Serra no HPEG vazia (ilustração 4.3), sem apresentadores ou sem os candidatos, mostrando que o debate está em aberto, ou seja, de que há um espaço a ser ocupado pelo usuário do website. Ilustração 4.3 - Seção “Fórum – área de debates” Abaixo, o texto ressaltava a importância do debates no segundo turno, apresentando os vários temas propostos aos usuários. “Trabalho”, “Mulheres” e “Agricultura” foram adicionados gradativamente em boxes abaixo deste texto, acompanhando a página inicial – ou sendo acompanhados por esta – acima de pequenos textos provocativos. Destes destacamos que apenas um, sobre agricultura, não citava o PT ou o candidato Lula diretamente, mas questionava “qual dos candidatos esta mais preparado para defender o Brasil no exterior?”, escancarando os ataques e questionamentos de Serra a competência e projetos de Lula e mostrando uma nova configuração – ou suporte – para o discurso político. Não era necessário cadastro no website para inserir ou responder comentários - prática bastante comum em fóruns promovidos por websites comerciais - mas apenas informar nome e e-mail (ilustração 4.4). Ao final da inserção era apresentado aviso de que o fórum respeitava a legislação eleitoral (no tocante a ofensas pessoais e à honra) e à constituição vedando o anonimato dos participantes, mas este aviso era apresentado apenas quando o usuário não tinha mais a opção de retirar ou desfazer sua ação. www.bocc.ubi.pt 281 A Política nos espaços digitais Ilustração 4.4 - mensagem escrita pelo pesquisador para o fórum “Empregos” Nos fóruns propriamente ditos as notas não apresentavam o nome ou e-mail do seu criador, possibilitando apenas respondê-la. As notas que inserimos como parte de nossa pesquisa, tanto apresentando comentários como criticando comentários de usuários, foram publicadas, mas não observamos respostas dos usuários. Em nossa opinião a configuração e características deste fórum não suportam um debate propriamente dito, a troca de opiniões, sustentando ou suportando apenas práticas de inserção de opiniões como sustentado por Rousiley Maia (2002), citada anteriormente neste trabalho. Esta visão é reforçada pela limitação dos temas às propostas e intenções do candidato. Entretanto estes não se configuravam como uma barreira, na medida em que observamos, neste fórum, muitas mensagens de apoio e mesmo críticas ao candidato e sua postura. A estrutura e recursos ofertados nos permitem inferir a sua criação como elemento de estratégia de posicionamento do candidato, vinculando o website a campanha, a sua pauta de debates e, logo, a construção de sua imagem. Cabe destacar que no dia 25 observamos – como pode ser notado na ilustração 4.3 – quatro temas. Além dos três citados na página inicial surge o tema “Educação”, cujo texto acusava o PT de barrar projetos de incentivo à educação e defendia propostas da gestão FHC. Em nenhum momento este tema foi apresentado na página inicial (ilustração 4.5) ou recebeu qualquer destaque além de sua inserção nesta página. Isto nos leva a desconfiar de sua pouca relevância nas estratégias do candidato, e de sua inserção ser apenas um elemento para atender possíveis demandas do www.bocc.ubi.pt 282 César Steffen público da Internet, altamente qualificado, ou mesmo apenas ser um elemento de equilíbrio dos fóruns. Ilustração 4.5 - página inicial em 25/10/2002 4.1.3 – A continuidade versus as mudanças Neste momento efetuamos algumas observações comparativas das estratégias de Lula e Serra no segundo turno, tendo em vista os dados de nosso primeiro conjunto de análise e as análises dos mesmos candidatos no primeiro turno do pleito. Observamos que Lula não muda os conteúdos, recursos e formatos de seu website, sendo isto aparentemente reflexo de uma continuidade na campanha como um todo. A única alteração notada foi o título da seção “O Brasil que a gente quer”, que passou a ser denominada “Programa de Governo”, transformando os conteúdos menos numa promessa e mais num compromisso, um projeto para o país. Serra, por outro lado, efetua mudanças bastante significativas. Além de manter os conteúdos e elementos dos website no primeiro turno é adicionado no website, um fórum de debates, e a cor azul predominante é alterada para o verde-amarelo da bandeira. Reflexo da nova estratégia do candidato, que busca debates com o único adversário, é interessante observar que quem passa a pautar e exigir debates neste momento é o campo político, ao contrário de pleitos passados onde o campo midiático buscava pautar e realizar tais eventos, mas nem sempre contava com o apoio e presença dos candidatos. www.bocc.ubi.pt 283 A Política nos espaços digitais Reforça-se assim a já comentada idéia de que os websites suportam diferentes e diferenciados recursos de interação e integração entre os candidatos e os diversos campos envolvidos no pleito. Da mesma forma, vemos que as alterações nos conteúdos estão intima e diretamente ligados às estratégias gerais de campanha dos candidatos, manifestando, através dos recurso técnicos e discursivos do meio Internet, os processos e fazeres destes no cenário geral da campanha. Analisaremos isto em maiores detalhes nos capítulos a seguir, quando nos focaremos nas páginas iniciais destes espaços durante o segundo turno. 4.2.Agendamentos e Cruzamentos Este capítulo contém os elementos oriundos de nosso segundo conjunto de análise dos websites dos candidatos no segundo turno da corrida Presidencial Brasileira de 2002. 4.2.1. Lula 13: co-determinado por outros discursos No período do segundo turno a página inicial do website de Lula passa por alguns ajustes. Primeiramente, no momento imediatamente após o encerramento da contagem dos votos do primeiro turno, o banner principal mostra Lula segurando a estrela do PT ao lado dos textos “Mais de 39.000.000 de votos” e “Obrigado Brasil”, que se revezam em efeito de fade agradecendo aos eleitores a votação. Já iniciado o HPEG este banner foi reduzido, ficando com uma proporção mais próxima a tela de televisão, apresentando foto de Lula animada em plano aberto mudando, e efeito de fade, para um close. Esta imagem foi posteriormente substituída pela animação da urna eletrônica já apresentado no primeiro turno, que permanece nas demais edições analisadas até o dia da votação. www.bocc.ubi.pt 284 César Steffen A barra de “Últimas Notícias” amplia seu espaço graças a esta redução, ganhando o mesmo espaço da imagem e inserindo imagens dos fatos e ações de campanha. As imagens ilustrativas dos fatos e entrevistados ganham maior espaço (ilustração 4.1.2), mostrando uma valorização dos apoios e fatos da campanha e ampliando o espaço da política na página, ou seja, reduzindo o espaço dos elementos publicitários para valorizar elementos mais vinculados a ações ou a propostas e análises políticas. Os itens “Diálogo com a Imprensa” e “Busca em notícias” são deslocados para abaixo da imagem principal, perdendo parte de sua força dentro da estrutura geral. No seu lugar anterior surge o link “Desfazendo Intrigas” e, ao lado, link direto para a “Rádio 13”. “Desfazendo Intrigas” surge num momento em que circulam mensagens na Internet levantando suspeitas sobre a intenção do plano de governo do PT de acabar com o direito à sucessão (ilustração 4.6). Ilustração 4.6 - página inicial em 25/10/2002 A resposta surge nesta seção do website com o título “Nota sobre crimes na Internet”, remetendo ao Programa de Governo constante no website para esclarecer a não procedência de tal informação. Interessante observar que não só o website é usado para esclarecer questões que circulam na Internet como também p uso de conteúdos presentes desde o primeiro turno – no caso o Programa de Governo – para responder a um ataque dos adversários. Com o decorrer da campanha outras notas são adicionadas, uma ainda sobre o tema sucessão, desta vez envolvendo a administração petista e os projetos habitacionais de Porto Alegre, e outra esclarecendo a não ligação do PT com as FARC, forças guerrilheiras da Colômbia acusadas de apoiar o tráfico de drogas. www.bocc.ubi.pt 285 A Política nos espaços digitais Esta nota foca-se não só em demonstrar que o PT não tinha relação direta com as FARC mas, principalmente em pautar a discussão sobre o papel do Brasil nos problemas do país vizinho e no tráfico de drogas, aproveitando para criticar a política externa adotada por FHC. As duas últimas notas inseridas versam sobre elementos da campanha, sendo que uma se aproveita de matéria do jornal “Valor Econômico” para esclarecer questões relativas aos diretores das agências reguladoras. A última, intitulada “Serra, as verdades e as mentiras”, responde a acusação do adversário sobre a administração petista no Rio Grande do Sul, onde notamos que esta seção surge num momento de alta polarização da campanha para responder ataques e suspeitas do adversário através do website. Os banners secundários seguiam com sua função de apresentar ou reforçar conteúdos internos das seções. “A força do PT nos estados”, que remetem aos resultados do partido nas eleições estaduais, muda freqüentemente de posição junto com o “Programa de Governo” e as entrevistas com as personalidades. Ciro Gomes e Garotinho, que declaram seu apoio a Lula, são primeiramente apresentados com fotos e depoimentos na área da imagem principal, sendo depois deslocados para os banners inferiores, alterados – ou revezados – com os demais conteúdos. Neste espaço é inserida chamada para entrevista exclusiva com Delfim Neto, logo acima do banner “eleitor de carteirinha”. Ex-Ministro da Fazenda no período militar, signatário do AI-5, que instituiu a repressão, e adversário histórico do PT, Delfim observa a eleição de 91 Deputados Federais pelo PT como emblema de uma necessidade de mudança, e opina que Serra estaria “mobilizando o velho” em sua campanha. Sem abrir ou garantir seu voto, Delfim indica que não vê motivos para não votar em Lula, mantidos os compromissos de campanha, sendo interessante observar que a seção de notícias já havia transcrito entrevista do economista ao jornal Folha de São Paulo, em que fazia fortes criticas a administração de FHC indicando seus erros como causadores da crise econômica em que corre a eleição. Observa-se a seqüência da estratégia de acoplamento a vários campos, que são convidados a dar sustentação e validade à candidatura e as propostas de Lula. www.bocc.ubi.pt 286 César Steffen No dia da votação em segundo turno o website seguia com suas funções. As “Últimas Notícias” acompanham o pleito e as ações do candidato. Os aliados, assim como os candidatos estaduais, aparecem nos banners inferiores, abaixo dos quais a fiscalização do primeiro turno reaparece. Ilustração 4.7 - 27/10/2002 - página inicial do site de lula as 21:45h Passada a eleição, assim como no primeiro turno a imagem principal acompanha os dados da apuração. Quando encerrada, confirmada a vitória do candidato, surge animação com o candidato vestindo a faixa Presidencial ao lado do texto “Junto faremos um Brasil decente” e fogos de artifício estourando, empossando Lula no cargo e mostrando fotos e informações das festas da vitória. Luís Inácio Lula da Silva recebe a faixa e é “empossado” no cargo de Presidente no website. Ou seja, não é o TSE ou o Congresso Nacional quem dão ao candidato o status de candidato eleito, mas sim o apoio dos eleitores que vêem seu candidato empossado, por sua assessoria, no espaço digital da campanha. É interessante observar que, para ser inserida no website naquele momento, a foto de Lula com a faixa Presidencial já devia ter sido obtida algumas horas antes, mostrando que o PT confiava na vitória de Lula mesmo antes do encerramento da votação, num possível reflexo ou influência dos resultados das pesquisas de opinião. 4.2.2.Serra 45: Foco no debate Na primeira data de análise do segundo turno o website de Serra mantinha-se sem mudanças. A manchete mostrava foto de Serra, aparentemente www.bocc.ubi.pt 287 A Política nos espaços digitais captada em uma tela de TV, ao lado de manchete pedindo debates, foco da estratégia de Serra nesta fase da campanha. As notas inferiores remetiam ao candidato, suas falas e apoiadores, sendo que uma delas mostra Serra no programa do HPEG, colocando o segundo turno como “oportunidade para Serra debater soluções para o país”, mostrando a força e o foco da nova estratégia do candidato. No dia dezesseis de outubro, onze dias antes da votação, notamos grandes mudanças na página inicial, apresentando os reflexos da estratégia geral de Serra no website. O tom azul predominante do primeiro turno foi substituído pela cor verde em todo o website, acompanhando o programa do HPEG na TV. As fotos dos candidatos foram deslocadas para a esquerda, ficando no primeiro ponto de leitura. O logotipo da campanha para a direita, ficando aplicado dentro de um losango amarelo que remetia diretamente à bandeira Brasileira. As “Últimas Notícias”, que antes ocupavam a área central da página, viram apenas “Notícias” ganhando um fundo amarelo suave e sendo deslocadas para uma barra à esquerda da página, mantendo a estratégia de destacar uma informação em forma de manchete no ponto superior, mas agora se focando sempre no candidato e suas ações. As notícias foram reduzidas de quatro para duas, sempre acompanhadas de ícones ilustrativos, sendo seguidas diretamente abaixo pelas notas, sem a separação visual entre ambas que havia na versão anterior. Nas datas de análise, nota-se a manutenção da relação com a campanha na TV. No dia oito, ainda no formato do primeiro turno, a manchete apresentava foto de Serra em matéria na mídia, ao lado de texto colocando a proposta de debates. O dia 16 foi a única exceção, quando Serra aparece ao lado de Tasso Jereissati, aliado de Ciro no primeiro turno que havia criticado duramente a campanha de Serra3, em carreata no Ceará. No dia 25, data do único debate do segundo turno, uma manchete mostrava imagem de Serra no programa do HPEG acompanhado da assinatura da campanha. O texto convidava usuário a assistir o debate na Globo, e o lead 3 Para mais detalhes sugerimos http://globonews.globo.com/GloboNews/article/0,6993,A354556-476,00.html www.bocc.ubi.pt 288 César Steffen destacava “É melhor do que nada! Veja (...) por que Serra é o candidato capaz de mudar o país, mas mudar para melhor. Assista ao debate na Globo!”. Interessante observar não só que o candidato aparece em foto do HPEG onde estava sozinho, isolado, como se falasse ou se dirigisse diretamente ao usuário do website em busca de apoios, mas também a construção do texto, usando duas vezes o ponto de exclamação, dando um tom provocativo e mesmo indignado ao lead. Além disso o texto dizia que Serra mudaria o país “mas para a melhor”, mostrando o clima polarizado da campanha e mesmo a estratégia de ataques ao adversário Lula. No início do HPEG na área diretamente abaixo do banner principal, antes ocupada pelos fragmentos de campanha, surge novo banner, chamando para debates no website. Ilustrada por uma foto de carteiras de trabalho saindo da máquina de impressão, o título destacava “José Serra debate suas propostas para: gerar empregos”. O subtítulo dizia que “a partir de hoje, estaremos abertos para o debate sobre as propostas de José Serra para um Brasil melhor”, e a legenda da foto “Conheça as propostas de Serra para a área de debate no nosso fórum de idéias.”. O menu recebe também link para “Fórum – área de debates”, aparecendo como primeiro item da quarta coluna ao lado de “10 razões para votar em Serra”, deixando a impressão de que o fórum pode ser a décima primeira. Nota-se o mote ou discurso principal da campanha no segundo turno refletindo-se no website. O candidato pauta sua ações e discursos por pedidos e convocações de debates, e coloca na área mais privilegiada de leitura, ocupando o maior espaço da página inicial, este desafio a Lula, ao mesmo tempo configurando uma estratégia de integração do candidato e dos eleitores a partir do website. Poderíamos até mesmo dizer que houve vários debates no segundo turno, mas entre os usuários do website de Serra e nas propostas e assuntos que este inseriu, buscando assim pautar a campanha em geral. Isto é reforçado pela construção dos textos deste convite. Primeiramente o convite mostrava que “José Serra debate” (ilustração 4.8), mas cabe destacar que o candidato não se fazia presente diretamente no fórum além de www.bocc.ubi.pt 289 A Política nos espaços digitais suas propostas ou mesmo da pauta de assunto, sendo os mesmos apresentados por atores de diversos campos. Entretanto, destacamos que o subtítulo “A partir de hoje (...)” deixava demonstra que, até aquele momento da campanha, o candidato não estava aberto a sugestões ou idéias dos eleitores ou de outros campos, tendo apenas a intenção de divulgar suas propostas. Ilustração 4.8 - página inicial em 16/10/2002 Com o decorrer da campanha este fórum foi ampliado para três assuntos, adicionando “mulheres” e “agricultura”, este último merecedor de destaque por ser tema da foto ilustrativa, valorizando e mesmo conduzindo o usuário nesta área. Constrói-se assim um debate através do website, mas um debate dentro daquilo que a campanha, as propostas e estratégias de Serra valorizam ou desejam, buscando aparentemente limitar as ações do usuário. Ilustração 4.9 - página inicial do hotsite empregos A área de debates se configurava como um hotsite dentro do website (ilustração 4.9). O hotsite de empregos apresentava entrevista com Antonio Ermírio de Moraes, empresário que já no primeiro turno era apresentado como apoiador de Serra, que discutia questões relativas à economia e às propostas de Serra. www.bocc.ubi.pt 290 César Steffen O hotsite sobre mulheres era apresentado por um depoimento da jornalista Silvia Popovic, e o hotsite sobre agricultura por depoimento do professor titular da FEA-USP José Eli da Veiga, nos quais observamos que Serra segue buscando a credibilidade de outros campos, como o empresarial, o midiático e o acadêmico para validar e sustentar suas propostas mesmo no debate com os usuários. Entre a área destinada ao fórum e o menu de navegação segue a barra com depoimentos de eleitores, e o banner animado de empregos ressurge, porém agora situado abaixo das colunas do menu, ao lado do box do “Pelotão 45”, cuja chamada ganha maior tamanho e cores condizentes com o contexto do website. Observa-se que estes elementos são deslocados para pontos menos privilegiados de leitura, mostrando que perdem força e função dentro do website e reforçando a importância do fórum de debates para este momento da campanha, que virou o primeiro item do menu de navegação. Chegado o dia da votação o website de Serra mantém a mesma estrutura e conteúdos (ilustração 4.10). O fórum segue ativo e recebendo mensagens, mas o banner de empregos novamente é retirado da página inicial, ou seja, a promessa principal do candidato no primeiro turno, que no segundo havia sido deslocada para ponto de leitura menos privilegiado, desaparece novamente. Ilustração 4.10 – página inicial em 27/10/2002 – 17:30h Assim como no primeiro turno os fragmentos de campanha resumemse ao acompanhamento dos atos e ações do candidato, que desta vez aparece em uma foto aparentemente capturada durante o debate na Rede Globo. Ele está sozinho em uma sala ou espaço com fundo escuro fazendo o “V” da vitória, novamente permitindo uma leitura de isolamento. www.bocc.ubi.pt 291 A Política nos espaços digitais Abaixo a manchete provocava “Estelionato ou ruína: Lula esconde do eleitor o que faria no governo”, mostrava a leitura - ou edição - do debate na Globo, além de se configurar como um tipo de denúncia dos atos do adversário na campanha. Interessante observar que o debate da Rede Globo é editado não pela emissora ou pela mídia, mas pelo campo político, ou seja, pelas propostas, ações e posturas do candidato e por sua estratégia de ataques a Lula, elemento que já se fazia presente em momentos anteriores no website. As notícias remetem-se à “45 razões” e a uma declaração de Serra de que “Eleição se decide na urna”, enquanto as notas inserem aleatoriamente proposta de Serra, jingles, pesquisas antigas, etc., aparentemente sem critério de seleção. 4.2.3 – As estratégias redesenham os websites Neste capítulo efetuamos algumas comparações entre as estratégias e elementos observados nas páginas iniciais dos websites de Lula e Serra durante o segundo turno da eleição, tendo em vista o que foi observado e analisado no primeiro turno. Observamos que, assim como os conteúdos em geral, a página inicial do website de Lula passa por poucas alterações. O espaço dos banners passa a dar mais destaque para as imagens dos fragmentos de campanha, mas também segue o foco no candidato, seus atos e ações, sendo este comentado e retratado por seus assessores num formato jornalístico. Num momento de forte polarização do pleito, as crônicas e análises de atores de vários campos, muito presentes durante o primeiro turno, perdem espaço para um discurso mais fortemente político, marcado por propostas e análises de cenário. Lula não responde aos ataques e acusações do adversário, mantendo sua imagem “light” e aparentando um clima de “já ganhou”, sendo interessante destacar que os pop-ups da “lojinha do PT” não foram observados durante este processo. Serra, ao contrário, efetua alterações radicais. O elemento central de formatação e condução do website no primeiro turno, a proposta de empregos, www.bocc.ubi.pt 292 César Steffen perde força, sendo o banner deslocado para pontos de leitura menos privilegiada. O fórum de debates, que surge vinculado ao principal discurso do candidato neste momento, ganha força e destaque junto aos ataques a Lula, que permeiam todas as áreas, dos fragmentos aos banners. O website de Serra foca-se nos atores e apoiadores dos diversos campos, principalmente o midiático, apesar de mantidos nas várias seções e páginas, recebem menor destaque na página inicial em comparação com o primeiro turno, mostrando uma re-organização estratégica e reforçando a relevância do fórum de debates neste novo momento da campanha Vemos, assim, novamente a vinculação dos websites com o cenário geral da campanha e com as estratégias dos candidatos manifestando, através das linguagens e tecnologias do meio, os fazeres e processos da campanha como um todo. 5. Encerrada a contagem, a posse no espaço digital Passada a votação e encerrada a contagem Lula é declarado vencedor e “empossado” em seu website onde aparece em uma foto com a faixa Presidencial (ilustração 5.1), que segue em sua função informativa. Vários conteúdos, como as peças gráficas da campanha, são retirados, mas as entrevistas, Programa de Governo e vários conteúdos da seção “Notícias” permanecem disponíveis. Ilustração 5.1 – Página inicial do website de Lula – 19/11/2002 www.bocc.ubi.pt 293 A Política nos espaços digitais Instaurada a transição de governo com FHC o website é retirado do ar. Permanece a imagem de Lula com a faixa Presidencial ao lado de texto dando conta que 1,3 milhão de usuários efetuou mais de 12 milhões de visitas ao website (ilustração 5.1). Na mesma área é divulgado o endereço do website oficial do PT e do website da transição, que informa sobre os atos e ações da equipe de transição num formato semelhante ao do website candidato. Serra convoca as emissoras de rádio e televisão, agradece os votos e deseja boa sorte ao vitorioso. Os conteúdos das diversas seções, bem como os textos e fotos da página inicial do website de Serra desaparecem, são retirados do ar, sendo substituídos por uma carta de agradecimento aos eleitores intitulada “Obrigado Brasil” (ilustração 5.2). Ilustração 5.2 - website de Serra em 28/10/2002 00:30h Num tom bastante pessoal, próprio de uma carta, Serra ressalta a soberania das urnas, deseja boa sorte ao vencedor – sem citar o nome de Lula – e saúda FHC por sua imparcialidade. A tecnologia da Internet, antes suporte de várias práticas e operações estratégicas, resume-se ou conforma-se a uma antiga prática epistolar digitalizada, onde a própria fonte do texto – em tipo itálico - remete a um texto manuscrito. 6. Websites: um novo suporte para as (diferentes) estratégias de campanha Neste capítulo, que encerra este bloco, apresentaremos considerações e comparações gerais sobre as características, usos e estratégias de manipulação dos websites dos candidatos a Presidência no pleito de 2002. www.bocc.ubi.pt 294 César Steffen Primeiramente devemos comentar o vínculo observado com as identidades políticas dos partidos e candidatos nos websites, que mostram-se como fundantes e determinantes não só da programação visual mas também da construção dos textos e demais conteúdos. Isto demonstra, como nos referimos em capítulos anteriores, que os espaços digitais se fazem e se constroem pelas identidades dos campos. Por outro lado, devemos comentar a divulgação dos endereços do websites no HPEG, o que demonstra e reforça a sinergia entre as mídias que forma e conforma o espaço digital de interação da Internet, colocando o mesmo como um elemento e instância dos processos de midiatização da política. Da mesma forma, a ausência de registros ou links com os nomes dos candidatos a vice, que são assim colocados numa posição absolutamente secundária se não na campanha como um todo, mas certamente como elemento de acesso e mobilização do espaço digital. Somando a isto a presença das fotografias dos candidatos e os logotipos de campanha em pontos privilegiados de leitura, além do amplo espaço dedicado as biografias dos candidatos, vemos que os websites buscam situar claramente o lugar e espaço de contato em que o usuário se encontra, ou seja, a quem pertence o espaço e com quem ele está falando (ou, no caso, clicando). Se, por um lado, isto facilita o reconhecimento e identificação por parte do usuário, por outro se pode colocar ai um reflexo daquilo que Bourdieu (2000:164) denomina de “domínio dos profissionais”. Ou seja, da personificação e personalização da campanha em detrimento das siglas partidárias, que se manifesta também no espaço digital de campanha. Esta percepção é reforçada pelas posições menores ou menos destacadas dos partidos, que pudemos observar principalmente nos websites de Lula, Ciro e Serra. A exceção desta lógica são os websites de Garotinho, que reservou amplo e destacado espaço ao PSB, e os de Zé Maria e Rui Costa Pimenta, cujas campanhas tem uma forte marca ideológica, com ênfase na identidade partidária. Estes divulgavam no HPEG os endereços dos websites dos partidos, com extensão “.ORG”, mostrando ser eles, candidatos, divulgadores e propagadores não das propostas deles, candidatos, mas sim das propostas e bandeiras dos seus partidos. www.bocc.ubi.pt 295 A Política nos espaços digitais Assim, vemos que os websites são diretamente vinculados as identidades dos atores e partidos que nele investem, tornando-se uma instância de projeção e propagação de suas estratégias, agendas, projetos e propostas. Entretanto, isto não se repete no tocante a formatação dos websites, que se são vinculados a programação visual desenvolvida nas diversas mídias, mostrando uma forte influência dos players de mídia na Internet, como pode ser observado nas telas colocadas a seguir (ilustrações 6.1, 6.2, 6.3, 6.4, 6.5 e 6.6). Ilustrações 6.1 e 6.2 – páginas iniciais de Terra e de Serra Primeiramente, os logotipos das campanhas são colocados no canto superior esquerdo, no primeiro ponto de leitura e na mesma posição dos logotipos dos portais. Em segundo lugar os menus são formatados como barras com tópicos organizados hierarquicamente, e as notícias e informações mais recentes são apresentadas no centro da tela ao lado dos menus, da mesma forma que Terra e UOL. Ilustração 6.3 e 6.4 – páginas iniciais do UOL e de Ciro Em terceiro lugar observa-se o uso de imagens ao lado das notícias como elemento de ilustração e reforço das informações, mas sem uma constante ou obrigatória vinculação as mesmas. www.bocc.ubi.pt 296 César Steffen Da mesma forma a posição e tamanho dos títulos e sub-títulos dos fragmentos, um formato que repete não só os padrões destes portais, mas também as lógicas do jornalismo impresso, o que também observamos no uso de boxes como forma de destaque de certos conteúdos. Finalmente, observamos que os websites são formatados para telas de computador com dimensão oitocentos por seiscentos pixeis, padrão dos softwares e sistemas da indústria de informática, gerando áreas em branco a direita ou os dois lados, garantindo ou forçando a organização e visualização dos elementos conforme as estratégias e intenções do produtor. Ilustrações 6.5 e 6.6 – Páginas iniciais da AOL e de Lula Destas observações vemos os websites dos candidatos como uma instância de midiatização e visibilidade onde o campo político conforma-se aos formatos, lógicas e processos criados, oriundos dos players de mídia no meio. Isto reforça a idéia que a Internet hoje configura-se como meio de comunicação, onde formatos, lógicas e linguagens de determinados players se cristalizam e afirmam, influindo diretamente nas lógicas e estratégias de outros campos em seus espaços no meio. Ou seja, os websites repetem um jogo de adequação da política as linguagens, formatos e mesmo estratégias midiáticas para construir sua visibilidade e se fazer reconhecida no meio, mantendo processos de intertextualidade e interdiscursividade, de relação com outras mídias, cujos elementos e agendamentos se fazem presentes como elementos de alimentação, sustentação e mesmo validação do espaço digital. Pode-se colocar nesta questão uma forma de conquistar, manter o usuário presente e constante no espaço de interação através de formatos que estes www.bocc.ubi.pt 297 A Política nos espaços digitais conhece ou domina e que, por isso, são mais confortáveis, mas fáceis de manejar ofertando mais segurança ao mesmo. Entretanto é importante ressaltar que, ao contrário destes portais, os websites mantém suas características e formatos por todas as páginas e seções. Se isto pode ser creditado a menor quantidade de conteúdo dos websites dos candidatos, se comparado aos portais, por outro insere o usuário numa moldura, num ambiente de contato coerente, lógico, que assim facilita a experiência e mesmo permanência deste no espaço. Além disso, se observarmos a amplitude de conteúdos e recursos presentes nos websites dos candidatos vemos que estes são construídos para uma multiplicidade de usuários, de leitores, cujas variadas expectativas e anseios frente a campanha são – ou pretendem ser – atendidas - possibilitando assim uma multiplicidade de leituras e construções discursivas. A título de exemplo, e retomando as descrições contidas nos capítulos anteriores desta parte, podemos citar desde a mídia e seus atores, que tem nos websites uma fonte de informações e contato com os candidatos e suas assessorias, quanto os eleitores, que nestes espaços podem aprofundar suas opiniões e esclarecer suas dúvidas, e mesmo outros partidos e até adversários na campanha. Ou seja, os websites se configuram como espaços de oferta plural, universal, cujos conteúdos para interação são construídas de forma a antecipar e atender o máximo de expectativas dos possíveis usuários, e onde estas estruturas, presentes e permeando todas as páginas e seções, mantém e demonstram uma coerência na apresentação e formatação dos diversos conteúdos e recursos, que pode ser interpretada como um coerência no discurso político que se manifesta e adentra o espaço digital. No tocante aos conteúdos dos websites podemos notar alguns pontos em comum. Além do foco nos candidatos e dos fragmentos de campanha, todos apresentavam o Programa de Governo completo em diferentes formatações, cruzando desde os textos das propostas propriamente ditos com discursos dos candidatos e linguagens publicitárias, trazendo para perto do usuário-eleitor, em sua tela, o conjunto e a complexidade das análises e posições do candidato. www.bocc.ubi.pt 298 César Steffen Os websites continham também, de diferentes formas, as biografias dos candidatos e os materiais de campanha para cópia e produção local, facilitando o processo de integração da campanha para o usuário. Por outro lado, é interessante recordar a localização do usuário nos convites para interação, sempre na segunda pessoa. “Clique aqui e ...”, “Fale com ...” são dois exemplos de formatação dos convites para interação. Repetem-se estratégias de convocação e mobilização política usadas nos outros meios, onde os eleitores são convocados a participar e se integrar eventos de campanha, mostrando uma repetição de padrões discursivos nos websites que mostram o quanto estes estão vinculados as culturas e processos que se dão e se fazem na sociedade e no campo político. Devemos destacar a absoluta ausência da palavra “vote” nos websites, apesar da presença dos números e de instruções de uso da urna eletrônica e mesmo “colas” para votação. Vemos assim que os candidatos buscam, através dos websites, informar, educar e seduzir mas não convocar os usuários a votar, apostando na informação e nos conteúdos para a formação de sua imagem, visibilidade e conseqüente conquista dos votos. Tomando agora a questão comparativa a partir das categorias de análise propostas e expostas em nosso capítulo metodológico, vemos diferentes estratégias de manipulação e exposição dos conteúdos e ações dos candidatos. Todos os candidatos apresentam os fragmentos de campanha nas páginas iniciais, reforçando e referindo-se ao cenário da campanha, mas de diferentes formas e com diferentes estratégias. Se Lula evita efetuar ataques diretos aos adversários nesta área, reserva-os para si e seus apoiadores, colocando atos, fatos, discursos e ações de campanha colocando em si, no seu partido e na sua equipe a capacidade, valor e efetividade de pautar e acompanhar a campanha em geral, numa constante autoreferência. Observa-se ai um reflexo da estratégia geral da campanha, onde Lula buscou não só mostrar-se de forma mais “light”, mas também que não iria governar sozinho, antecipando criticas e elementos de ataque usadas pelos adversários em campanhas anteriores. Processo semelhante é observada nos websites de Serra, Ciro e Garotinho. www.bocc.ubi.pt 299 A Política nos espaços digitais Serra pauta sua falas no primeiro turno pela programa de emprego, e o website apresenta em amplos formatos e materiais esta proposta, utilizando inclusive a cor da carteira de trabalho como elemento predominante. Já no segundo turno Serra passa a provocar Lula para debates, e o website é reformulado ganhando um fórum de debates. Ciro apresenta seu plano de governo, suas propostas, e ataca fortemente os adversários das mais variadas formas, o que se mostra nos fragmentos de campanha inseridos no website e mesmo nos banners e pop-up´s. Já Garotinho propõem o aumento do salário mínimo, cujo vídeo fica presente no menu durante toda a campanha, e “dispara” críticas a todos os adversários, que se fazem presentes e freqüentes nos fragmentos de campanha. Zé Maria, por seu turno, que no HPEG chama Serra, Ciro e Garotinho de “candidatos da burguesia” e cobra de Lula posições em prol dos trabalhadores, apresentando e discutindo questões de fundo da sociedade, no website constrói os fragmentos de campanha a partir de seus discursos e falas numa constante autoreferência onde o website serve de suporte, apoio e mesmo elemento de visibilidade dos discursos, bandeiras e ideologias do mesmo. Já Rui Costa Pimenta parecia não estar preocupado com a campanha, pois os fragmentos não só apresentavam a campanha como eram estáticos, colocando e debatendo questões até mesmo desvinculadas do cenário nacional, como a invasão norte-americana ao Iraque. Entretanto observa-se neste mesmo website uma valorização constante da biografia, da personalidade do candidato, que recebe o status de líder condutor das questões e debates do partido de forma bastante semelhante aos demais candidatos. Um ponto em comum entre Serra, Ciro e Garotinho é que em seus websites o campo midiático recebe destaque como fonte não somente da pauta dos assuntos, mas principalmente como fornecedor de elementos e argumentos a favor do candidato ou contra os adversários. Repetiam-se, assim, estratégias de aproveitamento e mesmo cruzamento das pautas e agendas dos candidatos com elementos e materiais oriundos do campo midiático para a construção e sustentação dos discursos, propostas e projetos dos candidatos. www.bocc.ubi.pt 300 César Steffen Além disso foi possível observar fortes marcas dos discursos jornalístico em todos os websites, onde a permanente localização do candidato em terceira pessoa – “Lula esteve...”, “Ciro fala...“, “Serra propõem...”, etc. – e as constantes referências dos mesmos ao cenário e elementos da campanha, somada a adoção de títulos e leads jornalísticos na construção, mostram-se como maiores emblemas. Assim, além de se adaptar e apresentar em formatos e padrões midiáticos os websites também se utilizam, ou são construídos, por lógicas do campo midiático, demonstrando a força e valor deste no cenário da campanha eleitoral. Os fragmentos de campanha mostram-se, de forma geral, como elemento e espaço de competição do campo político com o campo midiático, pois os candidatos usavam de lógicas, linguagens e estratégias midiáticas para apresentar e dar visibilidade a seus elementos, estratégias e discursos. Ou seja, repetem-se no meio lógicas de cruzamentos, acoplamentos e conflitos entre o campo político e o campo midiático como forma de construção da imagens e fazeres dos candidatos. Os banners, por sua vez, apresentavam-se fora dos padrões de formato, dimensão e peso (em bytes) usados e propostos pelos players de mídia, e se mostram mais presentes e fortes nas páginas iniciais dos websites, dando força, destaque e maior visibilidade as determinados conteúdos. Primeiramente devemos lembrar as barras superiores dos websites, que apesar de não gerar link para conteúdos apresentavam as imagens dos candidatos e os logotipos de campanha, sempre em conformidade com a programação visual criada, onde notamos novamente o foco na personalidade dos candidatos nos websites, usando de linguagens e estratégias eminentemente publicitárias. Já os banners menores, com link, permitiam “saltos” dentro dos conteúdos dos websites, pautando a navegação do usuário ao evitar desvios que poderiam se formar durante a navegação. Para esclarecer esta noção desenhamos uma ilustração esquemática da navegação do website de Lula, levando em conta as entrevistas apresentadas no www.bocc.ubi.pt 301 A Política nos espaços digitais banners secundários e sua posição dentro das estruturas dos conteúdos (ilustração 6.7). Ilustração 6.7 – percurso de acesso as entrevistas do website de Lula. Observa-se que os banners das entrevistas conduzem o usuário de forma direta as mesmas, evitando a passagem por duas seções e páginas onde os demais conteúdos poderiam prender ou desviar o usuário. Nota-se assim que os banners apresentam elementos de maior relevância para as estratégias dos produtores. Vemos então que Serra foca o uso dos banners para apresentar os conteúdos referentes a sua principal proposta, o “Projeto Segunda-feira”, que foi elemento determinante também da escala de cores e formatos adotados não só no website mas também nos demais materiais e instâncias de campanha. Além disso, dá amplo espaço para atores do campo midiático, que comentam e reforçam suas propostas, acoplando-se a estes para construir sua imagem e visibilidade. Lula, por sua vez, no HPEG apresentava suas propostas e seus apoiadores, buscando mostrar que não governaria sozinho, e os banners do website focavam-se em sua imagem e suas propostas, além de mostrar os apoios que recebe de diversos campos, buscando assim construir sua imagem como candidato capaz de governar através dos apoios que recebe. Ciro, diferentemente, usa o banner superior e os banners junto ao menu para reforçar suas propostas e itens de seu Programa de Governo, manipulando os mesmos como elementos de apresentação do discurso político, vinculados ao candidato e sua propostas, bastante semelhante a sua falas e aparições no HPEG. Já Garotinho, da mesma forma, reserva o banner da barra superior para sua imagem e propostas e os demais – se podemos denomina-los de banners – para seu partido, numa estratégia de integração e visibilidade para o partido. Finalmente, Zé Maria dedica os banners a sua falas contra a ALCA e o FMI, e o maior de todos, com a imagem da bandeira do Brasil, para os www.bocc.ubi.pt 302 César Steffen candidatos nos estados, mostrando uma estratégia de propagação ideológica que repete as estratégias, falas e discursos do HPEG. Temos então os banners mostrando-se como a linguagem publicitária dentro dos websites, identificados com as estratégias gerais dos candidatos, como forma de conduzir os usuários dentro da estrutura, apresentando e reforçando visualmente elementos estratégicos para os candidatos. Os pop-up´s repetem este processo, mas se apresentam com menor freqüência, o que acreditamos ser fruto da impopularidade deste recurso junto aos usuários4. Lula usa este recurso remetendo-se sempre a loja virtual de venda de produtos com a marca do PT, mostrando uma estratégia de valorização e captação de recursos pra a campanha. Serra e Ciro, por sua vez, usam os pop-up´s como suporte a discursos eminentemente políticos, atacando aos principais adversários. Os demais candidatos não utilizam pop-up´s, e nas edições onde estes foram observados notamos uma forte vinculação com o cenário da campanha, ou seja, sendo utilizados como forma de destacar e apresentar discursos referentes a fatos e fenômenos diretamente ligados a temporalidade da campanha Presidencial. Os “itens” foram a categoria menos observada, sendo presentes junto e complementando os fragmentos de campanha através de campos de busca ou destacando conteúdos de seções internas que não eram merecedoras de espaço nos banners, como “Diálogo com a imprensa” do website de Lula. Tendo estas questões em vista podemos colocar que os websites de campanha são construídos a partir das lógicas do campo político operados com estratégias, linguagens e formatos que gradativamente parecem estar se cristalizando no meio Internet, oscilando entre processos auto e heteroreferenciais (LUHMANN: 2000:14-22) na construção de seus discursos e visibilidades. Ou seja, da mesma forma que pode ser observado no HPEG a política configura, “veste” seus espaços com as características, elementos de linguagem e da própria gramática do meio que opera a partir de sua agenda de intenções, ou seja, dos efeitos que busca construir e os resultados que deseja obter mas sempre relacionando-se ao cenário da campanha e aos demais atores envolvidos. Com isto vemos que o campo político se efetiva e se valida através de várias operações estratégicas e discursivas que passam e são suportadas pelas 4 Recordamos, aqui, que o provedor UOL divulga como diferencial frente aos demais provedores de acesso, o “Anti PopUp UOL”, recurso que bloqueia automaticamente a apresentação destas janelas para o usuário. www.bocc.ubi.pt 303 A Política nos espaços digitais linguagens, técnicas e formatos midiáticos, colocando-se como um campo em avançado estágio de midiatização, que se relaciona, constrói e legitima não somente, mas principalmente, por e através de lógicas, processos e linguagens midiáticas. Vemos ainda que nos espaços digitais dos websites continuam valendo os “códigos da política”: o candidato, sua imagem, suas propostas, seus discursos, a identidade partidária, os atos e ações de campanha, etc., que se moldam, se adaptam e se conformam a uma moldura tecno-midiática. Temos então os websites do campo político como o somatório de uma complexidade de operações estratégicas, técnicas, discursivas e de linguagem que somam e articulam diferentes e diferenciadas funções, conteúdos e discursos coligados, que são engendradas pelas relações entre campos e pelo cenário social em que se inserem. Referências Bibliográficas ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito da Internet e da sociedade da informação: estudos. Rio de Janeiro, FORENSE, 2002. PAESANI, Liliana Minardi. Direito e Internet: liberdade de informação, privacidade e responsabilidade. São Paulo, Atlas, 2000. PERRIAULT, Jacques. Las maquinas de Comunicar, y su utilización lógica. Barcelona, GEDISA, 2000. BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa, Edições 70, 1977. LUHMANN, Niklas. La realidad de los médios de masas. Anthropos Editorial: México : Universidad Iberoamericana, 2000 VERÓN, Eliseo. Que voit-on du monde? Images dans le discours de l´information. La Recherche Photographice – Histoire – Esthétique. Hazane, num. Especial, 7, 1989 (tradução de Maria Lília de Castro) www.bocc.ubi.pt 304 César Steffen _____________. La semiosis social. Barcelona, GEDISA, 1997 RUBIM, Antonio Albino Canelas. Das visibilidades das eleições de 2002 : uma reflexão acerca dos enlaces entre política, mídia e cultura. In: Comunicação & política. Rio de Janeiro Vol. 9, n.3 (set./dez. 2002), p. 189-207 Websites Consultados Entrevista com Edgar Morin. http://www.ambafrance.org.br/abr/label/Label28/Sciences/morin.html [05/2002] http://www.tse.gov.br http://www.ibope.com.br http://www.datafolha.com.br http://www.globonews.com http://noticias.uol.com.br/eleicoes/ http://noticias.terra.com.br/eleicoes http://www.programalula.com.br e http://www.lula.org.br http://www.joseserra.com.br e http://www.joseserra.org.br http://www.ciro23.com.br http://www.garotinho40.com.br http://www.pco.org.br http://www.pstu.org.br www.bocc.ubi.pt 305 A Política nos espaços digitais IV – Conclusão “A Internet é uma tecnologia que não é nem boa nem má em si. Só o uso que se fará dela é que nos conduzirá a um julgamento. É por isso que a razão hoje, mais do que nunca, não pode adormecer.” José Saramago1 Ao iniciarmos este trabalho nos propusemos a entender os recursos mobilizados pelo campo político nos websites da Internet, bem como as tensões, negociações, agendamentos, cruzamentos e mesmo conexões que se colocavam nestes espaços de campanha. Objetivávamos examinar e identificar as formulações e funcionamento das estratégicas tecno-midiáticas construídas pelos candidatos na eleição presidencial de 2002 nos websites da Internet. Por exemplo: como se manifestavam tais elementos, tais estratégias, e como influíam na construção e reconhecimento da política e seus atores na sociedade Brasileira? Estas perguntas nos acompanharam em todo o processo de pesquisa, estimulando a buscar caminhos que permitissem construir respostas para elas. Se colocássemos o foco na tecnologia da Internet, como o objeto suscitava e mesmo atraía, estaríamos de partida sendo injustos com os objetos. Isto porque a tecnologia mostrava-se como um elemento condutor, formatador, um sustentáculo para as operações estratégicas e elementos que observávamos. 1 http://www.oficinainforma.com.br/semana/leituras-991218/12.htm [10/2003] www.bocc.ubi.pt 306 César Steffen Entretanto não era determinante dos processos e procedimentos que vimos em nossa pré-observação, o que as diferentes construções visuais e discursivas nos menus dos websites dos presidenciáveis, em si, já indiciavam. Assim, os websites nos pareciam ser fruto, resultante das estratégias e características dos atores políticos que investiam no meio. Ou seja, os websites se mostravam construídos e caracterizados em torno das identidades e processos daqueles que nele investiam usando da tecnologia. Tendo tal percepção clara a nossa frente buscamos um rumo que permitisse uma visão do meio a partir dos investimentos dos atores do campo político e dos efeitos que buscavam extrair. Focamo-nos então nas operações discursivas e suas estratégias. Visando enfrentar estas indagações estruturamos as três partes deste trabalho, onde trabalhamos os conceitos e teorias que nos auxiliaram a olhar os objetos, suas características, processos e fenômenos que manifestavam. Na primeira parte buscamos compreender as razões e processos que midiatizam a política. Na segunda parte estabelecemos uma visão da midiatização política via Internet, que somadas e articuladas nos permitiram construir a terceira parte, onde contemplamos as descrições, leituras e análises dos websites dos presidenciáveis. Afastando-nos da idéia de que a tecnologia é fator determinante, que fatores outros ocorriam para que a política fosse midiatizada via Internet? A noção de campos surgiu para nos auxiliar a responder esta demanda, nos permitindo demarcar claramente as fronteiras e competências do campo político, bem como os demais campos que operavam sobre o processo eleitoral. Assim surgia a necessidade de uma visão sobre os processos e especificidades dos meios de comunicação na sociedade atual. Tomamos emprestada, então, a noção de midiatização, por entender que ela seria esclarecedora para compreendermos o papel que desempenham as lógicas midiáticas sobre o processo eleitoral, onde temos o campo político em ampla e permanente negociação com a mídia para ter seus processos e fazeres visíveis junto à sociedade. Sabe-se que a mídia acelera os processos sociais em geral. Atingindo amplas audiências a mídia pauta os processos sociais e gera novas velocidades e www.bocc.ubi.pt 307 A Política nos espaços digitais visibilidades para os campos, colocando-os na esfera pública e influindo sobre os processos que se colocam e se mostram em suas operações. O campo político, em cujo interior ocorrem permanentes disputas pelo apoio e alianças de outros campos, acopla-se à mídia para perfazer seus processos e cumprir suas agendas. Ou seja, para através da ampla cobertura e visibilidade da mídia obter o necessário apoio de outros campos, que num período eleitoral manifesta-se através do voto. Por isto o campo político lança mão de seu poder regulador e cria instâncias próprias de midiatização como, por exemplo, jornais de partidos ou a “TV Senado”, que trazem a possibilidade de gerar e gerenciar sua própria visibilidade midiática, configurando ofertas vinculadas diretamente a suas estratégias, desejos e processos e colocando-se como competidor pela audiência da mídia. O principal exemplo disto, num processo eleitoral, quando o campo político deve conquistar em curto espaço de tempo o máximo apoio dos demais campos sociais, revela-se na experiência do Horário de Propaganda Eleitoral Gratuita. Esta midiatização impõe para o campo político a necessidade de novas habilidades e procedimentos não-inerentes a sua experiência e competência, moldando-os aos formatos midiáticos e adequando-o às linguagens, estratégias e processos destes para construir sua visibilidade no pleito. Mas este processo não é linear, mas sim se dá através de amplas e constantes negociações, que manifestam o conflito e a disputa, inerente a relação entre os campos sociais. Surge aí o primeiro delineamento conceitual do trabalho. Se o campo político necessita do apoio de outros campos para obter poder, e se através da mídia obtém uma ampla audiência e faz seus processos visíveis para uma boa parcela dos outros campos num curto espaço de tempo, estaria ai o cerne do investimento dos atores políticos na Internet. Ou seja, a aceleração causada pela mídia sobre os processos do campo político, somada a própria marca temporal do processo eleitoral traz a necessidade de mobilizar o máximo de instâncias, elementos e linguagens midiáticas. Vemos, aí, a motivação para o investimento dos atores políticos e instituições partidárias nos websites. www.bocc.ubi.pt 308 César Steffen Mas a midiatização do campo não se trata, como já referimos, de um processo linear. A mídia e suas tecnologias têm características, operações e linguagens específicas que precisam ser manipuladas por aqueles que se desejam fazer visíveis em suas redes. Ou seja, um campo que deseje se expor através da mídia deve estar em conformidade com as linguagens, processos e estratégias desta para cumprir suas agendas e gerar seus efeitos. Surge aí o papel do especialista em mídia, presença constante ao lado dos candidatos formatando estratégias e discursos e adequando-os as lógicas dos meios de comunicação. Assim, auxiliam na visibilidade, no reconhecimento destes dentro do processo eleitoral e, claro, na possível e desejada conquista dos eleitores. Os especialistas trabalham sobre os “códigos políticos”, ou seja, as identidades, estratégias e elementos inerentes aos atores e instituições, formatando-os dentro da lógica da midiatização para formar e facilitar o reconhecimento e validação destes por parte dos eleitores. Os “códigos políticos” mostram-se como auto-referenciais, vinculados a elementos e processos internos ao campo, ou seja, às identidades do atores e instituições. Mas estes se moldam e são formatados em conformidade com linguagens e processos do campo midiático, sofrendo também regulações oriundas do campo jurídico, em movimentos heterorreferenciais. Nestas auto e heterorreferencias travam-se complexas negociações entre os atores e campos envolvidos, que estão em permanente troca e interação para validar os processo e verificar os cumprimento da regras inerentes ao processo eleitoral. Da mesma forma os especialistas negociam, simbolicamente, com os meios, recebendo destes os elementos e linguagens para a formatação da visibilidade dos candidatos. Vemos, assim, que a linguagem do meio influi sobre os processos dos campos. Mas o meio também é influenciado por aquilo que o campo político deseja expor, sendo construída em conformidade com o meio, numa negociação simbólica e estratégica para os objetivos do campo. Nota-se assim que a midiatização da política não se trata de um processo unívoco, unilateral ou mesmo unidirecional, mas sim de um conjunto de complexas negociações entre os campos, os meios e seus atores que se influem e www.bocc.ubi.pt 309 A Política nos espaços digitais tensionam mutuamente dentro do cenário social, surgindo aqui outra demarcação conceitual para o trabalho. Estas negociações também podiam ser notadas nos websites. Os candidatos investiam sobre o meio para perfazer suas estratégias e objetivos, e deste recebem influências de várias ordens, adequando-se a lógica da Internet. Recordando a diversidade de elementos discursivos e linguagens presentes nos websites, explanada na terceira parte deste trabalho, vemos claramente estas negociações e suas diferentes e variadas manifestações. Ou seja, a partir da diversidade e das diferentes construções visuais e textuais dos websites vemos as diferentes estratégias de investimento no meio por parte dos candidatos, reforçando a impressão de que a tecnologia e a linguagem são elementos de sustentação moldados em torno das identidades e propósitos daqueles que investem no meio. Alguns exemplos ilustrativos deste processo de negociação entre as estratégias dos candidatos e o meio são a formatação das páginas antecipando configurações de telas, buscando garantir a visualização dentro das estratégias dos candidatos e repetindo formatos amplamente usados pelos players de mídia do meio; a programação visual dos websites em conformidade com as estratégias gerais de campanha; a construção discursiva dos menus de navegação e sua presença em todas as áreas do websites. Da mesma forma são exemplos a inserção dos planos de governo em diferentes formatos e com diferentes tecnologias, a presença de formulários de contato com o candidato, onde alguns buscavam limitar, enquadrar as manifestações dos usuários, a freqüência de atualizações e o destaque a fatos recentes nas páginas iniciais. Uma das conclusões que extraímos disto é que a Internet é, efetivamente, uma mídia. Restava, entretanto a pergunta: o que a caracteriza, quais os processos e procedimentos que permitem que seja vista como um meio de comunicação social? Recordamos aqui brevemente o que nos mostram Verón e Alsina, quando se referem ao acesso plural e a formação de um mercado de mensagens para o reconhecimento de uma tecnologia com meio de comunicação. Em mesmo sentido devemos recordar de Perriault, que cita as lógicas dos usos e dos investimentos dos usuários dando sentido e novos desenhos a uma tecnologia e fazendo com que esta seja reconhecida como meio de comunicação. www.bocc.ubi.pt 310 César Steffen Ora, a tecnologia da Internet evoluiu pelas incidências de diferentes atores e campos. De um meio para armazenamento, circulação e recuperação de dados e informações a Internet evoluiu para suportar diferenciadas práticas simbólicas e discursivas, necessárias a estes atores e campos em suas estratégias. A Internet ganhou, então, elementos que suportam a troca discursiva entre atores através de sua tecnologia, formando e suportando práticas interacionais e discursivas, o mercado de mensagens a que se referem os autores. Os diversos campos sociais passam a se organizar em função do meio, investindo no mesmo para o cumprimento de seus processos e suas estratégias simbólicas. A tecnologia ganha, então, valor e sentido social, formalizando e operando interações e negociações sobre suas redes técnicas, tornando-se meio pela qualificação conferida por processos sociais e políticos concretos. Vemos que a Internet se apresenta realmente como um meio de comunicação, somando-se ao campo midiático e mostrando-se como uma instância dos processos de midiatização da sociedade, recebendo investimentos discursivos, processos simbólicos e interacionais efetuados por atores de diferentes campos dentro de suas estratégias, processo que ocorre sobre uma tecnologia. Os candidatos a Presidência no pleito de 2002 reforçam esta nossa percepção ao investir no meio dentro e a partir de suas estratégias comunicacionais e discursivas, criar espaços demarcados e vinculados as suas identidades, conferindo ao meio status de mídia político-eleitoral. Destaca-se, aí, mais um importante conceito para nosso trabalho. Esta percepção é reforçada quanto recordamos das diferentes construções visuais, discursivas e estratégicas desenvolvidas por Lula, Serra, Garotinho, Ciro, Zé Maria e Rui Costa Pimenta, mostrando uma forte vinculação com as identidades políticas, processos e propostas dos mesmos. Ou seja, os websites se mostravam construídos a partir de elementos e estratégias de outros lugares, apresentando e remetendo também a elementos de outras mídias, como o HPEG. Isto se manifestava não somente na programação visual dos espaços, no privilégio das imagens em detrimento das siglas partidárias, mas também nos endereços dos websites, os domínios, elementos de demarcação dos espaços digitais. www.bocc.ubi.pt 311 A Política nos espaços digitais Nesta demarcação pelos campos reside uma característica marcante dos espaços digitais: a demarcação territorial que os campos formam para facilitar o seu reconhecimento pelos usuários e construindo, assim, seus processos e visibilidades no meio. Ou seja, podemos dizer que a Internet é uma mídia territorial. Para explicitar esta idéia recordamos a terceira parte deste trabalho, onde colocamos que os websites são acessados a partir de endereços, os domínios virtuais, regulados no Brasil pelo “Registro.br”. Estes domínios são diretamente ligados a uma lógica de campos, pois a sua configuração se constrói a partir dos fazeres, competências e, principalmente, identidades do que neles investem. Os domínios demarcam os espaços de interação, identificando aqueles que nele estão investindo, onde a própria denominação “domínio” para os endereços mostra a questão territorial, de posse, demarcação e identificação que se forma nos espaços digitais dos websites. Demarcam, assim, os espaços digitais como territórios, uma área de posse de um campo onde se manifestam suas identidades e processos. Da mesma forma estes espaços manifestam as identidades, os fazeres e as estratégias do ator e campo, que se projetam sobre o meio formatando e conduzindo os processos interacionais e permitindo – e até mesmo facilitando – o reconhecimento de um capo no meio. Domínios e identidades dos atores se somam e articulam na formatação das fronteiras dos espaços digitais, onde ocorrem, operam e se fazem processos de comunicação e interação entre diferentes atores por cia tecnológica. Assim, temos os espaços digitais como territórios criados e formatados pelos diferentes atores do campo político para efetivar seus processos comunicacionais no meio Internet, onde suas identidades são o elemento condutor, formatador e delineador dos mesmos. Isto pode ser notado nos websites dos candidatos, cujos endereços não só estavam vinculados diretamente ao candidato ou partido em campanha, mas manifestava as identidades políticas, estratégias e processos comunicacionais destes nas diversas ofertas presentes nestes espaços. Se recordarmos do uso dos números por dois candidatos na formatação de seus domínios e da própria divulgação, no HPEG, dos endereços dos websites teremos esta percepção reforçada. www.bocc.ubi.pt 312 César Steffen Vemos assim que os espaços digitais sustentam e manifestam, em si, processos auto e heterorreferenciais do campo político na construção e configuração dos elementos constituintes dos mesmos. Tal demarcação conceitual mostra-se relevante no momento em que nos leva a compreender a principal diferenciação da Internet das demais mídias, a territorialidade dos campos formam dentro de seus espaços, demarcando competências, processos e fazeres. Isto é, a Internet não deixa de ser mídia, mas tem uma especificidade face às demais quando ela permite demarcações territoriais para os campos a partir de suas diferentes identidades, processos e fazeres. Entretanto, devemos lembrar que a Internet não possui fronteiras, ou seja, não há – a priori - limitações para a circulação do receptor pela quase infinidade de espaços digitais construídos no meio. Reside ai o que consideramos o maior desafio para o campo político neste meio: lidar com as condições de recepção de suas mensagens, visando a efetivação de suas estratégias. Muitos manuais com regras sobre a construção de processos de comunicação na Internet, onde podemos lembrar de Venetianer (1999), citam que na Internet devemos ofertar conteúdo de valor. Devemos lembrar, então, que conteúdo de valor é aquilo que o receptor deseja ter contato, ou seja, aquele elemento que satisfizer suas necessidades de informação, entretenimento, etc. Isto demonstra a alta complexidade do processo de formatação e construção dos espaços digitais, pois assim como nas outras mídias é preciso estipular, antecipar não só as expectativas do receptor mas principalmente as suas ações e os percursos que pode construir, seus movimentos, buscando assim mantê-lo no espaço ou em certas e presumíveis condições de recepção. Assim podemos inferir que a oferta é construída pelo produtor antecipando as possíveis expectativas e necessidades do receptor. Este é interpelado e age sobre estas ofertas formando o seu processo discursivo através do contato com estas ofertas. Forma-se ai o que denominamos de contrato de leitura dos espaços digitais. O discurso político presente no meio deve ser, então, formatado e planejado para perfazer todas as estratégias do campo e atender o máximo de www.bocc.ubi.pt 313 A Política nos espaços digitais necessidades dos usuários, desafios que como em todas as mídias não se impõe linearmente. Amplia-se assim o discurso do campo político, ou seja, manifestam-se estratégias e são feitos movimentos no sentido de buscar antecipar os movimentos do receptor configurando uma ampla oferta de conteúdos. As possibilidades de construção das estratégias são múltiplas, e algumas delas até oferecem a sensação de atendimento de suas expectativas junto ao receptor. Entretanto persiste uma zona de interrogação sobre os manejos que a recepção faz destas, uma vez que imaginamos que os receptores, assim como os candidatos e partidos, têm estratégias e objetivos específicos dentro do pleito e, assim, valorizam aquilo que lhe for mais importante ou relevante frente ao cenário geral da campanha. Devemos lembrar que notamos que as páginas inicias pautavam, buscavam conduzir o receptor em seu processo de interação, além de refletir os cenário geral da campanha. Ora, como todos os meios de comunicação a Internet está inserida no tecido social e no contexto das diversas mídias em seu entorno, que influem, tensionam e, em determinados momentos, determinam a construção e formação das ofertas comunicacionais e discursivas em seus espaços. Ou seja, a Internet existe e recebe investimentos engendrada por um contexto maior que seus espaços, o que gera estratégias e necessidades de produção e expectativas dos receptores. Manifestam-se, assim os acoplamentos efetuados pela política nas demais instâncias e os entrecruzamentos com outros campos durante a campanha. Logo, o processo de construção e formatação dos espaços digitais mostra-se semelhante ao que ocorre nas demais mídias, ou seja, a identidades, estratégias e intenções políticas dos atores e integrantes do campo se colocam como elementos fundantes do processo, sendo moldadas a tecnologia, às linguagens, recursos e processos da Internet. Nota-se a repetição de estratégias usadas nas demais mídias. A política parte de sua identidade, fazeres e projetos – auto-referência – para, sobre as demandas e processos do tecido social - - heterorreferencias - agir em busca de apoio dos demais campos e da sociedade em geral. Observa-se, assim, que na Internet a política mantém o mesmo grau de autonomia das demais instâncias de midiatização. Por um lado os websites www.bocc.ubi.pt 314 César Steffen eram construídos a partir da política, suas estratégias, processos e identidades. Por outro eram formatados em conformidade com as linguagens, ferramentas, recursos e elementos do meio, onde devemos lembrar do necessário apoio de outros campos para a construção e formatação e seus espaços digitais, além de estar em constante referencia ao cenário do pleito. Ou seja, longe dos ufanismos e revoluções muito presentes em alguns estudos e na maioria dos manuais, a Internet repete o jogo de construção e influência que se dá e se faz nas demais mídias. Nota-se, então, uma articulação entre identidades, culturas, estratégias, meios, técnicas e linguagens que formam e entornam o espaço digital dando sua forma, sentido e valor, articulação que surge de e através das estratégias e fazeres do campo que passa a mobilizar o espaço digital, desenhando os fluxos e processos comunicacionais para cumprir sua agenda. Assim o reconhecimento da política nos espaços digitais se dá e se faz pelo cruzamento de três variáveis principais. Primeiramente a demarcação territorial do meio. Em seguida a vinculação destes espaços às identidades dos atores que os constroem e promovem. Em terceiro lugar - e principalmente - o reconhecimento se dá através das operações discursivas, das estratégias gerais de comunicação visíveis e moldados nas demais mídias que manifestavam nos websites. Como exemplo deste processo podemos citar a área de debates inserida no website de José Serra no segundo turno, que manifestava a nova estratégia discursiva do mesmo naquele momento da campanha. Da mesma forma podemos citar a página inicial do website de Ciro Gomes, respondendo a fala sobre as mulheres, e o website do PCO, que se vinculava menos a eleição e mais as doutrinas do partido. Por detrás destas variáveis, estão novamente os “códigos políticos”, ou seja, os elementos oriundos, inerentes aos atores do campo, que se manifestam por uma variedade de operações estratégicas e discursivas onde se somam várias linguagens, recursos e elementos. Ou seja, os espaços digitais do campo político são o reflexo e o produto de uma multiplicidade de linguagens, do cruzamento e acoplamento de várias operações estratégicas de diversos campos, e também das múltiplas tensões que se somam e influem sobre o campo político dentro da campanha eleitoral. www.bocc.ubi.pt 315 A Política nos espaços digitais Assim, os espaços digitais se mostram como um somatório de vários códigos de vários campos. Temos, assim, uma re-caracterização, uma remontagem das estratégias do campo político, que se não são independentes ou tem total autonomia recebem novos espaços, novos elementos e novas possibilidades técno-discursivas. Multiplicam-se espaços, somam-se linguagens e se redesenham estratégias discursivas e persuasivas que se formam e conformam nos diversos meios envolvidos e mobilizados para os processos comunicacionais do campo. Geram-se fluxos constantes, ininterruptos e variados de comunicação e informação, que desenham e são desenhados pelas demandas e identidades dos candidatos que no meio investem. Podemos, então, falar em uma multi-articulação e em multiacoplamentos estratégicos entre os vários e diferentes campos sociais que se fazem sobre uma mesma camada de tecnologia comunicacional, e refletem a cultura e os processos sociais em geral. Inaugura-se a era da multidiscursividade, que passamos a esclarecer sua caracterização, especificidade e quais os seus efeitos para o campo político. Como nos referimos no espaço digital da Internet somam-se linguagens, técnicas e elementos dos mais variados meios, campos e culturas que agem e se mostram dentro de um mesmo suporte, fazendo visíveis operações estratégias das mais variadas ordens e com os mais variados fins. Texto, áudio, vídeo, links de hipertexto, imagens estáticas e animadas, além de uma série de outros recursos tecnológicos e elementos comunicacionais, se somam e agem em sinergia dentro de um mesmo meio de comunicação. Já a inserção e manipulação destes se faz por vários cruzamentos de intenções e estratégias de produtores e receptores dentro do cenário social em que o processo ocorre, sendo mobilizados não somente por si, seus recursos e valores, mas também – e talvez principalmente – pela possibilidade de efeitos que pode gerar nas instâncias de recepção. Estas, por sua vez, se apropriam desta oferta dentro de suas expectativas, anseios e processos que deseja cumprir. Formam-se, assim, amplos, múltiplos cruzamentos e acoplamento entre linguagens de vários meios, www.bocc.ubi.pt 316 César Steffen estratégias de produção e expectativas de recepção que multiplicam possibilidades apresentação de discursos e conteúdos. Temos, assim, uma multidiscursividade que ocorre em todos os lados do processo de comunicação e se manifesta não somente como múltiplas linguagens e recursos técnicos, mas principalmente por amplas operações estratégias, simbólicas e negociações que se dão no tecido social e nos processos e fenômenos a que se refere. Pode-se questionar até que ponto a noção de multidiscursividade reflete as especificidades dos processos do meio, na medida em que a própria construção da campanha se fez através de múltiplos cruzamentos e acoplamentos, como nos referimos em nossos capítulos teóricos. Sim, podemos argumentar que as várias mídias e as múltiplas estratégias mobilizadas pelo campo político na campanha mostram múltiplos acoplamentos e articulações, que constroem a visibilidade dos atores envolvidos no processo. Entretanto, devemos ressaltar que, na Internet, estes acoplamentos articulam e somam saberes, recursos e elementos das várias mídias, atores e campos presentes no cenário social, que se manifestam sob um mesmo suporte e dentro de uma mesma tecnologia comunicacional. Aí reside o cerne da noção de multidiscursividade, pois sob um mesmo suporte várias linguagens, recursos, estratégias e elementos e somam, se acoplam e articulam para criar os sentidos e gerar os efeitos da política no pleito, gerando múltiplos discursos construídos a partir de várias estratégias. Elementos discursivos como o programa de governo, além de análises e opiniões dos próprios candidatos sobre as mais variadas questões, linguagem jornalística, publicitária e política, bem como demandas oriundas de vários campos se somam dentro dos espaços digitais, propagando com várias linguagens e estratégias diferentes os elementos discursivos, propostas e projetos de cada candidato. Ou seja, os espaços digitais de campanha eleitoral somam, em si, vários elementos que formam e influenciam a campanha como um todo, resumindo e contendo os elemento-chave de propagação e formação da imagem de cada candidato, referindo-se e sendo influenciados – ou pautados, para usar um termo jornalístico – pelas mais variadas fontes. www.bocc.ubi.pt 317 A Política nos espaços digitais As discussões de fundo das questões sociais que influem na formatação das propostas políticas dos candidatos ganham novos espaços de manifestação, podendo ser tratada de forma mais analítica e aprofundada que as construções nas demais mídias. Além disso, há uma maior velocidade de atualização e de resposta a demandas e fatos, que pode ser considerado elemento de estímulo ao tempo de contato pelo receptor. Assim, o espaço digital dos websites mostra-se como um novo elemento midiático a disposição das estratégias políticas, inaugurando algumas novas práticas e ofertando novos recursos estratégicos, elementos discursivos, enfim, novos sentidos para a política e para a sociedade em que se insere. Isto nos leva a refletir sobre a confluência de processos e procedimentos que se dão sobre o espaço digital. Se por um lado a multidiscursividade manifesta uma amplitude de elementos comunicacionais, que podem facilitar o contato e as interações, por outro seu surgimento reflete um processo de fragmentação e afastamento social que ocorre nas sociedades contemporâneas, mostrando também o alto grau de midiatização do campo político. A Internet e seus espaços digitais ampliam, por si, a noção de meio de comunicação, pois um meio passa a ser compreendido não só pela formação de um mercado discursivo com possibilidade de acesso plural, mas também pelos investimentos e estratégias dos campos sobre os meios. Ou seja, uma mídia não é somente, como dizem Verón e Alsina, uma tecnologia que forma processos amplos processos de comunicação e interação em seu entorno, mas também, se não principalmente, um elemento de tensão, conflito e negociação para os campos sociais que devem investir nestes meios para suas estratégias e fazeres. Assim um meio deve ser compreendido com um tecnologia e um conjunto de códigos, linguagens e estratégias que recebe investimentos de um campo na busca do cumprimento e efetivação de seus processos e fazeres sobre os demais campos. Amplia-se também, assim, a noção de campo político, pois este se encontra em alto grau de midiatização, fragmentando suas operações estratégicas, www.bocc.ubi.pt 318 César Steffen simbólicas e discursivas através das diversas linguagens, técnicas e operações midiáticas para se fazer visível, reconhecido e construir seus efeitos. Ora, um campo é reconhecido através de suas operações simbólicas e discursivas. Se o campo político faz suas operações visíveis e busca construir seus efeitos se midiatizando, devemos então tomar tais operações com integrantes do campo. O campo político não pode, então, ser compreendido somente em suas operações discursivas, mas sim no somatório de seus processos e identidades e na articulação midiática que promove para validar-se e se fazer visível. Os websites da campanha presidencial de 2002 em seu todo demonstram e reforçam esta percepção. Além de demonstrar o forte investimento que o campo promove nas mídias em geral, os mesmos continham e contemplavam amplos e variados recursos na construção e apresentação das visibilidades dos candidatos. Da mesma forma apresentam os acoplamentos estratégicos efetuados pelo campo político com outros campos, que não só auxiliam com saberes específicos para a construção dos espaços, mas também são apresentados como forma de reforço e validação das estratégias e elementos dos candidatos. Assim, o campo político amplia suas fronteiras acoplando-se a outros campos como forma de construir suas visibilidade de circular seus discursos e processos através dos vários meios de comunicação. Esta campanha mostra-se como um grande marco do investimento da política sobre a Internet. Claro que esta pesquisa investiu e esclareceu alguns aspectos das estratégias de produção dos websites, onde as construções gerais, ou seja, as estratégias e fazeres que conduziam a construção destes espaços não foram contemplados. Da mesma forma as perspectivas de recepção, os efeitos gerados por estes conteúdos e estratégias nos usuários dos websites não foram aqui observados. Como comentário final, vemos que ainda há muito espaço para experimentações e desenhos estratégicos, que apenas os próximos pleitos poderão – e deverão – mostrar, principalmente se levarmos em conta não só que as linguagens e recursos estão em permanente evolução mas também as perspectivas e demandas dos receptores, que trarão novos elementos para as estratégias do campo político. Mas se podemos colocar uma certeza é que a Internet já se mostra www.bocc.ubi.pt 319 A Política nos espaços digitais como um importante elemento para a política e, certamente, irá gerar novos sentidos e desenhos aos processos eleitorais. ... Desse processo de pesquisa e dissertação que se encerra ficam ainda uma série de questões, que se focam nas visões e efeitos destes espaços de campanha junto aos receptores, ou seja, como estes espaços são apropriados pelos usuários e que valores são dados às suas construções. Uma pista deixada por esta pesquisa se encontra nos já citados elementos das páginas iniciais, que não só conflitavam diretamente com as estratégias e fazeres do campo midiático, mas também buscavam pautar e conduzir o usuário em sua interação. Se pudermos formular, neste momento, hipóteses, direcionamos as mesmas no sentido de que o receptor percebe esta tentativa de condução. Entretanto, da mesma forma que os candidatos, valoriza mais os elementos referentes ao cenário da campanha, ou seja, os elementos em destaque na marca temporal em que trava contato com os websites. Estas questões ficam presentes e nos estimulam a efetuar novos movimentos de pesquisa no futuro, para evoluir e aprofundar o tema, pois este trabalho nos trouxe um grande aprendizado não só no sentido de compreender a Internet como mídia, seus processos e fenômenos dentro de um determinado contexto social, mas principalmente no sentido de tomar uma posição mais analítica frente à mesma. Além disso, compreendemos novos procedimentos e estratégias de captação de dados e análise, que não somente nos trouxeram uma nova visão sobre os processos construtivos das mídias, mas também nos fornecem elementos para aprofundar nossas atividades profissionais e acadêmicas. Observando o trabalho como um todo vemos os desafios que o surgimento e crescimento desta mídia traz para a sociedade, bem como as diferentes construções estratégicas e discursivas que os campos podem lançar mão em seus investimentos no meio. As possibilidades nos parecem quase infinitas, www.bocc.ubi.pt 320 César Steffen mas sempre haverão elementos construtivos embasados nas estratégias, identidades e processos daqueles que investem no meio. Crescemos, assim, como acadêmicos e profissionais, mas certamente ainda temos muito a crescer. Se o meio evolui, e está evoluindo, os questionamentos devem acompanhar esta evolução. Por isto buscaremos novos desafios para manter este crescimento e construir novas respostas. www.bocc.ubi.pt 321 A Política nos espaços digitais V - Bibliografia ALMEIDA, Alberto Carlos. Como são feitas as pesquisas eleitorais e de opinião. Rio de Janeiro, Editora FGV, 2002. ALMEIDA, Jorge. Marketing Político: Hegemonia e Contra-hegemonia. 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Em meados dos anos 70 várias grandes universidades americanas aderiram à rede, que deu lugar à atual Internet. ASCII - Norma para a codificação de caracteres através de números binários, utilizada em diferentes computadores. Define a codificação dos caracteres com códigos de 0 a 127. Aplicações Internet - Também conhecidas como aplicações TCP/IP, são os programas de aplicações que utilizam os protocolos da rede conhecidos como: FTP (File Transfer Protocol) para transmissão de arquivos; SMTP (Simple Mail Transfer Protocol) e POP (Post Office Protocol) para correio eletrônico (e-mail); HTTP e HTML em navegadores (browsers). ARPANET (Advanced Research Projects Agency Network) - rede de longa distância criada em 1969 pela Advanced Research Projects Agency (ARPA, atualmente Defense Advanced Projects Research Agency, ou DARPA) em consórcio com as principais universidades e centros de pesquisa dos EUA, com o objetivo específico de investigar a utilidade da comunicação de dados em alta velocidade para fins militares. É conhecida como a rede-mãe da Internet de hoje e foi colocada fora de operação em 1990, posto que estruturas alternativas de redes já cumpriam seu papel nos EUA. -BBrowser - programa de aplicação cliente que permite acessar, por meio de uma interface gráfica, informações diversas, contendo textos, imagens e gráficos, sons, 1 Seleção e compilação de termos e significados obtidas em várias fontes, como o website Wepopedia (www.webopedia.com), o Mutirão (http://www.mutirao.futuro.usp.br/glossario/glossario.htm) e a NetDs (http://www.netds.com.br/portug/glossario.htm) dentre outros. www.bocc.ubi.pt 332 César Steffen etc. O acesso ao servidor remoto, que pode ou não estar ligado à Internet, pode ser feito via rede local ou modem. BTW - Sigla do inglês "By the Way" (por falar nisso). Usada em textos de correio eletrônico, artigos de news, etc. -CCGI (Common Gateway Interface) - aplicação servidora utilizada geralmente para processar solicitações do navegador (browser) através de formulários HTML, enviando o resultado em páginas dinâmicas HTML. Também pode ser utilizado para conexão (gateway) com outras aplicações e bancos de dados do servidor. Exemplo de linguagens são: Perl, C e C++. Cliente - é o computador que envia as solicitações ao servidor no contexto Cliente/Servidor. Cliente é um programa que pede um determinado serviço (por exemplo, a transferência de um arquivo) a um Servidor, outro programa. O Cliente e o Servidor podem estar em duas maquinas diferentes, sendo esta a realidade para a maior parte das aplicações que usam este tipo de interação. Cookies - permitem que servidores gravem informações de seu interesse, geralmente de configuração, no lado cliente (browser). Correio eletrônico - o mesmo que e-mail, é um meio de comunicação baseado no envio e recepção de textos, chamados de mensagens, através de uma rede de computadores. Cada usuário de e-mail possui um endereço Internet para corresponder-se. Conexão - Ligação entre dois computadores. Criptografia - é a técnica de converter (cifrar) uma mensagem ou mesmo um arquivo utilizando um código secreto. Com o propósito de segurança, as informações nele contidas não podem ser utilizadas ou lidas até serem decodificadas. www.bocc.ubi.pt 333 A Política nos espaços digitais -DDNS - sigla de Domain Name Server, designa o conjunto de regras e/ou programas que constituem um Servidor de Nomes da Internet. Um servidor de nomes faz a tradução de um nome alfanumérico (p. ex. www.mutirao.futuro.usp.br) para um numero IP (p. ex. 143.107.91.17). Domínio - nome que descreve a organização com a qual um endereço na Internet está vinculado. Faz parte da hierarquia de nomes de grupos ou hosts da Internet, identificando as instituições na rede. Exemplo: netds.com.br, onde netds indica a organização, com indica comercial e br indica do Brasil. Download - processo de se transferir uma cópia de um arquivo em um computador remoto para outro computador através da rede; o arquivo recebido é gravado em disco no computador local. O computador de onde os dados são copiados é subentendido como "maior" ou "superior" segundo algum critério hierárquico, enquanto o computador para o qual os dados são copiados é subentendido "menor" ou "inferior" na hierarquia. O sentido literal é, portanto "puxar para baixo". -EEndereço eletrônico - É um conjunto de caracteres, como [email protected], que identifica um determinado usuário dentro da Internet e, em particular, a sua caixa de correio eletrônico. Qualquer envio de correio eletrônico para esse usuário deve ser feito para o seu endereço eletrônico. -FFAQ - arquivo contendo uma lista de perguntas mais freqüentes relativas às dúvidas mais comuns sobre determinado assunto. As respostas destas perguntas são fornecidas por usuários mais antigos, experientes ou pelo responsável por determinado serviço. As FAQ's em geral são dirigidas para leigos ou neófitos. Contrapõe-se a RFC's. www.bocc.ubi.pt 334 César Steffen Freeware - Software distribuído em regime gratuito mas segundo alguns princípios gerais como a impossibilidade de alteração de qualquer parte para posterior distribuição, impossibilidade de venda, etc. FTP ( File Transfer Protocol) - protocolo de transferência de arquivos usado na Internet, ou então um programa que usa esse protocolo. -GGIF (Graphic Interchange Format) - formato para arquivos de imagem, muito utilizado, por oferecer boa compactação de dados e possibilidade de animação com imagens. Grupo de Discussão - em inglês, newsgroup. Num forum de discussão, ou seja, grupo de news da Usenet, escreve-se sobre o tema indicado pelo nome do grupo. -HHacker - Uma pessoa que sente prazer em ter um entendimento mais profundo do funcionamento de um sistema, de um computador e de redes de computadores, em particular. O termo tem sido usado equivocadamente como sinônimo de cracker. Hiperlink – ver link. Home page - Pagina de uma instituição ou indivíduo na WWW. A home page é uma espécie de ponto de partida para a procura de informação relativa a essa pessoa ou instituição. Host - também chamado de servidor ou nó, é o computador que lhe dá acesso à Internet no seu provedor de Internet. HTML (Hypertext Markup Language) - é uma linguagem de descrição de páginas de informação, padrão na WWW. Com essa linguagem (que, para além do texto, tem comandos para introdução de imagens, formulários, modificação de www.bocc.ubi.pt 335 A Política nos espaços digitais fontes, etc.) pode-se criar páginas que contenham informação nos mais variados formatos: texto, som, imagens e animações. HTTP (Hypertext Transport Protocol) - protocolo padrão que define a transferência de dados na WWW. -IInternet - A Internet é uma imensa rede de redes que se estende por todo o planeta e praticamente todos os países. Os meios de ligação dos computadores desta rede são variados, indo desde rádio, linhas telefônicas, ISDN, linhas digitais, até satélites, fibras-ópticas, etc. Criada em 1969 pelo Departamento de Defesa dos EUA como um projeto pioneiro de constituição de uma rede capaz de sobreviver a ataques nucleares, foi-se expandindo até chegar ao tamanho e importância que hoje tem (varias dezenas de milhões de usuários). IP (Internet Protocol) - protocolo responsável pelo roteamento de pacotes entre dois sistemas que utilizam a família de protocolos TCP/IP desenvolvida e usada na Internet. É o mais importante dos protocolos em que a Internet é baseada. -JJPEG (Joint Photographic Experts Group) - algorítimo para comprimir imagens, criado pela associação que lhe dá nome. Existe também o Motion JPEG (MPEG), usado para comprimir imagens animadas. Java - linguagem orientada a objetos, com sintaxe similar a C++, porém com biblioteca bastante distinta, que permite o desenvolvimento de aplicações e applets java. Gera código intermediário (byte codes) que são interpretados em tempo de execução, o que, juntamente com a sua biblioteca, torna a liguagem multi-plataforma, permitindo que seu código seja executado nas mais diversas máquinas e sistemas operacionais, sem a necessidade de adaptação. -K- www.bocc.ubi.pt 336 César Steffen -LLink - Na WWW, uma palavra ou frase sublinhada indica a existência de um link, que é uma espécie de apontador para outra fonte de informação. Escolhendo esse link, obtém-se a página de informação correspondente que pode, por sua vez, ter também vários links. Lista de discussão - lista de assinantes que se correspondem por correio eletrônico. Quando um dos assinantes escreve uma carta para um determinado endereço eletrônico todos os outros a recebem, o que permite que se constituam grupos de discussão através de correio eletrônico. Login - identificação de um usuário perante um computador. Login também pode ser chamado de username. Fazer o login é o ato de dar a sua identificação de usuário ao computador. -MMail - ver correio eletrônico. Mail server - Programa de computador que responde automaticamente (enviando informações, arquivos, etc.) a mensagens de correio eletrônico com determinado conteúdo. MPEG (Motion Pictures Experts Group) - algorítimo de compressão de arquivos de áudio e vídeo. -NNavegar - Na Internet significa perambular, passear, procurar informação, sobretudo no WWW. Também pode-se dizer surfar. Net - Rede (de computadores, neste contexto). Network - Rede de computadores. www.bocc.ubi.pt 337 A Política nos espaços digitais Newsgroup - Um grupo de news, um fórum ou grupo de discussão na Usenet. -OOffline - significa que nenhuma conexão está ativa no momento, não permitindo a navegação interativa na Internet, pois o computador não pode enviar comandos e receber dados em tempo real. Online - antônimo de offline, online significa "estar em linha", estar ligado em determinado momento à rede ou a um outro computador. -PProtocolo – conjunto de regras padronizado que especifica o formato, a sincronização, o seqüenciamento e a verificação de erros em comunicação de dados. Uma descrição formal de formatos de mensagem e das regras que dois computadores devem obedecer ao trocar mensagens. É, para os computadores, o que um idioma é para os humanos. Para poderem transferir informações entre si, dois computadores devem utilizar o mesmo protocolo (ou ter um terceiro que perceba os dois protocolos e faça a tradução). Protocolo. O protocolo básico utilizado na Internet é o TCP/IP. -Q-R-SServidor - numa rede, é um computador que administra e fornece programas e informações para os outros computadores conectados. No modelo clienteservidor, é o programa responsável pelo atendimento a determinado serviço solicitado por um cliente. Serviços como archie, Gopher, WAIS e WWW são providos por servidores; Referindo-se a equipamento, o servidor é um sistema que prove recursos tais como armazenamento de dados, impressão e acesso dial-up para usuários de uma rede de computadores. www.bocc.ubi.pt 338 César Steffen Site – ver website. -TTCP/IP - conjunto de protocolos da Internet que definem como se processam as comunicações entre os vários computadores. Pode ser implementado em virtualmente qualquer tipo de computador, pois é independente do hardware. -UUpload - ato de transferir o arquivo do seu computador para um computador remoto. URL (Universal Resource Locator) - identificam unicamente ítens na Internet, sejam eles sites Web, páginas Web ou partes de páginas, sites ftp ou caixas de correio (mailboxes). Quando você clica em um link, seu browser irá inspecionar a URL para determinar o que deve ser feito: carregar uma nova página, recuperar um arquivo, enviar uma mensagem, etc. No seguinte exemplo de URL, a primeira parte "http://" indica que deverá ser acessado um site de web; a segunda parte indica qual o site a ser acessado: http://www.bibvirt.futuro.usp.br User – ver usuário. Usuário – pessoa que utiliza serviços de um computador, normalmente registrado através de um login e uma senha. -V-W.wav - Tipo de formato de arquivo de som do Windows. www.bocc.ubi.pt 339 A Política nos espaços digitais Website - website é um espaço virtual que oferece informações sobre determinada pessoa, empresa, instituição ou evento, ou também pode oferecer serviços . WWW (World Wide Web ou Web ou W3) - Literalmente, teia de alcance mundial. Baseada em hipertextos, integra diversos serviços Internet que oferecem acesso, através de hiperlinks, a recursos multimídia da Internet. Responsável pela popularização da rede, que agora pode ser acessada através de interfaces gráficas de uso intuitivo, como o Netscape ou Mosaic, a Web possibilita uma navegação mais fácil pela Internet. www.bocc.ubi.pt 340 César Steffen Anexo II – Conteúdo do CD O Cd de anexos está estruturado em sete seções, acessadas a partir do menu lateral, sendo composto por: - Artigos – artigos e Entrevistas obtidos na Internet e citados neste trabalho - Contas – planilhas Microsoft Excel com dados da prestação de contas do candidatos, fornecidos pela pela Seção de Análise e Desenvolvimento (SAD) da Coordenadoria de Sistemas Administrativos (CSA), vinculada a Secretaria de Informática do TSE - Eleitorado – quadro geral do eleitorado Brasileiro, obtido no website do TSE; - Legislação – leis e resoluções que regularam o pleito de 2002, obtidas junto ao TSE; - Pesquisas – pesquisas citadas no trabalho, obtidas em fontes diversas; - Registro – textos e dados sobre registro de domínios, obtidos no website do “Registro.br”. - Telas – apresentações “Microsoft Power Point” com telas do websites em grande formato para visualização. Para acessar, insira o CD na unidade. Caso não rode automaticamente, siga as seguintes instruções: - Clique no botão “Iniciar”, depois “Executar” - No quadro digite “D:\index.htm”, onde “D:\” é a letra da unidade de CDROM www.bocc.ubi.pt 341 Observações: - é necessário ter um browser de navegação para a visualização dos dados; - da mesma forma é necessário ter softwares instalados no computador para acessar as planilhas e as apresentações; O uso não-comercial dessas informações é livre e aberto a todos, devendo as fontes ser citadas conforme os modelos e padrões adotados. O uso comercial destas informações é totalmente vedado. www.bocc.ubi.pt 342