PDF - Fronteiras do Pensamento

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PDF - Fronteiras do Pensamento
GRO BRUNDTLAND
LIBRETO PREPARATÓRIO
GRO
BRUNDTLAND
(Noruega, 1939)
Expediente
Fronteiras do Pensamento
Temporada 2014
Curadoria
Fernando Schüler
Produção Executiva
Pedro Longhi
Coordenação-geral
Michele Mastalir
Coordenação e Edição
Luciana Thomé
Pesquisa
Francisco Azeredo
Juliana Szabluk
Editoração e Design
Lume Ideias
Revisão Ortográfica
Renato Deitos
www.fronteiras.com
©
Diplomata norueguesa. Líder
internacional na área do desenvolvimento
sustentável e da saúde pública, primeira
mulher a chefiar o governo da Noruega.
“Liderança significa sempre adotar a
visão de longo prazo, inspirada em nossas
necessidades comuns e em um claro senso de
responsabilidade compartilhada para tomar
as medidas necessárias. No nosso tempo,
significa pensar ainda mais à frente do que
os líderes tiveram que fazer há uma ou
duas gerações.”
VIDA E OBRA
Gro Brundtland foi a primeira mulher a chefiar o go-
a limitação do crescimento populacional, a diminuição do
verno da Noruega, exercendo o cargo de primeira-minis-
consumo de energia e o aumento da produção industrial
tra em três ocasiões, a primeira delas em 1981. Médica,
em países não industrializados. O relatório serviu como base
política e diplomata, também foi ministra de Assuntos
para as discussões da Eco-92.
Ambientais do país europeu. Ela graduou-se em medicina em Oslo, em 1963, e dois anos depois obteve o grau
de mestre em Saúde Pública na Universidade de Harvard
nos Estados Unidos.
Entre 1998 e 2003, foi diretora-geral da Organização
Mundial de Saúde e destacou-se quando, em 2003, vários casos da síndrome respiratória aguda severa (SARS,
na sigla em inglês, também conhecida como pneumonia
Uma de suas políticas destacadas na época em que
asiática) foram registrados. Na ocasião, Gro viajou por
foi primeira-ministra da Noruega foi a de estimular o
vários países para instruir organizações e instituições a
trabalho das mulheres. Antes de Gro assumir o cargo, a
como lidar com a epidemia. Por esse trabalho, foi esco-
maioria das mães norueguesas não trabalhava. As mu-
lhida pela revista Scientific American como principal lide-
danças na legislação promovidas por ela fizeram com que
rança política daquele ano.
a participação feminina nas universidades aumentasse
para cerca de 55% nos dias de hoje.
Atualmente, Gro é enviada especial das Nações Unidas para Mudanças Climáticas, auxiliando o secretário-
A norueguesa tornou-se mais conhecida mundialmente
-geral Ban Ki-moon no trabalho de dialogar com os go-
ao apresentar, em 1987, o relatório Nosso Futuro Comum,
vernos e instituições visando ao estabelecimento de um
dentro da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e De-
tratado pós-Protocolo de Kyoto.
senvolvimento da ONU, presidida por ela. No documento,
A ex-primeira-ministra já visitou o Brasil em várias
Brundtland propôs a integração entre a questão ambiental e
oportunidades, a primeira delas em 1985. Em 2012,
o desenvolvimento econômico, cunhando o termo “desen-
participou do 3º Fórum Mundial de Sustentabilidade,
volvimento sustentável”. Entre as medidas defendidas estão
realizado em Manaus. Na ocasião, defendeu que o gover-
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IDEIAS
no brasileiro faça avaliações antes de iniciar a exploração
de petróleo na área do pré-sal e consulte países como a
própria Noruega, que realizou trabalho semelhante em
águas profundas.
Gro Brundtland é membro da Human-Etisk Forbund, uma das maiores associações humanistas do
mundo, e da Academia de Letras da Noruega. Também
integra o The Elders, grupo fundado por Nelson Mandela que reúne grandes líderes globais que trabalham em
conjunto pela paz e pelos Direitos Humanos, como Kofi
Annan, Jimmy Carter e Fernando Henrique Cardoso.
“Os governos têm o poder de regular o sistema e interferir
no comportamento da população. Você não pode lidar com
a sociedade sem regulamentação. Todos nós entendemos isso
quando falamos de tráfico ou de qualquer outra área na qual
as pessoas não podem fazer tudo o que desejam. Da mesma
forma, as empresas não podem atuar sem regulamentação.
Entendo que as regras precisam ser cada vez mais globais.
O sistema regulatório antigo já não funciona. Hoje,
grande parte das empresas é multinacional, e muitas empresas
nacionais já exportam para outros países. Ou seja, é preciso
estabelecer mecanismos globais ou padrões éticos que regulem
as formas de fazer negócios. Necessitamos desenvolver uma
forma de governança que cruze as fronteiras dos países. Para
que isso aconteça, as empresas precisam agir, as ONGs precisam ser ativas e apoiar uma forma de governança que não se
baseie apenas nas atividades econômicas. E cabe aos governos
negociar as regras do jogo que devem ser aplicadas de certa
forma no mundo todo.”
“Acho que a sociedade civil, consumidores, indivíduos,
pessoas que se organizam para esperar transparência e responsabilização também do setor privado, podem fazer muita
diferença ao exigir que o produto que compram explicite a pegada ecológica, os produtos químicos usados na fabricação etc.
Então, há muito esforço sendo feito pela sociedade civil para
exigir do mercado que seja mais transparente e mais responsabilizável, porque são responsáveis pelos produtos que fazem.”
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ESTANTE
“Basicamente, quando eu leio recomendações do Nosso
Futuro Comum de 25 anos atrás, eu poderia repetir as mesmas recomendações hoje. Então, sobre o conceito de desenvolvimento sustentável, a mensagem é que a necessidade de
mudança é tão relevante como era há 25 anos. Na história
humana, quando se olha para ela em uma perspectiva de
longo prazo, claro que 25 anos não é tanto tempo. Sem falar
em 20 anos, desde quando o pedido por mudança está em
pauta, para realmente fazer as mudanças. Isso significa que,
neste momento, muito mais pessoas – muito mais, ao redor
do mundo – estão cientes das mensagens que foram ditas há
20 anos. Então, espero que consigam se unir mais e progredir
no compromisso para a mudança.”
“Temos que admitir que aumentou a consciência em
todas as áreas. Temos tido avanços em entender que a questão é intersetorial e requer a participação do setor privado,
instituições científicas, governos, ONGs e opinião pública.
Mas estamos no meio do caminho. Muitos países passaram a
adotar políticas ambientais e investir em novas tecnologias.
Muitas das ideias surgidas na Comissão começaram a sair do
papel, mas não é suficiente. Não estamos indo na velocidade
suficiente. Os ataques terroristas de 2001 desviaram o foco
das questões ambientais, e só agora retomamos o debate.”
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DEFINING SUSTAINABLE
DEVELOPMENT FOR OUR
COMMON FUTURE: A HISTORY
OF THE WORLD COMMISSION
ON ENVIRONMENT AND
DEVELOPMENT (Brundtland
Commission)
De Iris Borowy
1ª edição 2013 / Sem edição em
português
Livro que classifica a Comissão
Brundtland como um evento-chave na
história do desenvolvimento sustentável
e faz avaliações do seu impacto, da
década de 1980 aos dias atuais.
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MADAM PRIME MINISTER: A LIFE
IN POWER AND POLITICS
De Gro Harlem Brundtland
1ª edição 2002 / Sem edição em português
Nesta autobiografia, Brundtland escreve
abertamente e com humor sobre a
criação de seus filhos no momento em
que era o centro das atenções políticas e
sobre como lidar com a oposição política
e os estereótipos sobre as mulheres. Sua
trajetória é uma história fascinante da
habilidade de uma pessoa de fazer a
diferença em nível mundial.
50 GRANDES AMBIENTALISTAS –
DE BUDA A CHICO MENDES
1ª edição 2001 / Edição em português –
Contexto, 2006
Livro que traz as ideias e doutrinas de 50
personalidades – de todas as partes do
mundo e de diferentes períodos da história
– que tiveram influência indiscutível sobre
a ação e o pensamento ambientalistas.
Entre eles, Gro Brundtland.
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NOSSO FUTURO COMUM
Our commom future
De Comissão Mundial sobre Meio
Ambiente e Desenvolvimento
1ª edição 1987 / Edição em
português – Editora FGV, 1991
Nosso Futuro Comum oferece uma
agenda que defende o crescimento
das economias baseadas em políticas
que não prejudiquem e que podem
até mesmo melhorar o meio
ambiente. A Comissão defende uma
união de economia e ecologia, para
garantir o progresso humano sem
causar danos às gerações futuras.
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NA WEB
WIKIPEDIA
http://pt.wikipedia.org/wiki/Gro_Harlem_Brundtland
SIGNS OF HOPE: WORKING
TOWARDS OUR COMMON FUTURE
De Linda Starke, com prefácio de Gro
Harlem Brundtland
1ª edição 1990 / Sem edição em
português
Este livro registra o progresso de Nosso
Futuro Comum, desde 1987, analisando
as áreas avaliadas pela comissão. A autora
buscou as iniciativas que estavam sendo
tomadas por governos, pelas ONGs e na
mídia. Também examinou a agenda de
prioridades para uma mudança nos anos
1990 e as áreas onde os progressos são
mais carentes.
THE ELDERS
Informações de Gro Brundtland no site do grupo The
Elders (em inglês)
http://theelders.org/gro-brundtland
ONU
Perfil de Gro Brundtland no site da Organização das
Nações Unidas (em inglês)
http://is.gd/GroB1
(http://www.un.org/News/dh/hlpanel/brundtland-bio.htm)
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE
Perfil de Gro Brundtland publicado no site da
Organização Mundial da Saúde em julho de 1998 (em
inglês)
http://is.gd/GroB2
(http://www.who.int/dg/brundtland/bruntland/en/)
BBC NEWS
Perfil de Gro Brundtland no site da BBC, publicado em
janeiro de 1998 (em inglês)
http://is.gd/GroB3
(http://news.bbc.co.uk/2/hi/51080.stm)
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ENTREVISTAS
Conceito ainda válido
Abuso no uso do termo “sustentabilidade”
Entrevista para o jornal Folha de S. Paulo, em março de
2012
http://is.gd/GroB4
(http://www1.folha.uol.com.br/ambiente/1065497-ha-abuso-no-uso-desustentabilidade-diz-criadora-do-termo.shtml)
Avanços em sustentabilidade
Reprodução de entrevista concedida ao jornal O Estado
de S. Paulo em outubro de 2007
http://is.gd/GroB5
(http://www.ihu.unisinos.br/noticias/noticias-arquivadas/10234-%60nao-estamosavancando-na-velocidade-suficiente%60-entrevista-com-gro-harlem-brundtland)
VÍDEOS E LINKS
Matéria sobre Gro Brundtland publicada em junho de
2012 no portal G1
http://is.gd/GroB7
(http://g1.globo.com/natureza/rio20/noticia/2012/06/para-criadoradesenvolvimento-sustentavel-ainda-e-conceito-valido.html)
Mais dinheiro para países pobres
Matéria publicada em junho de 2012 no portal G1
http://is.gd/GroB8
(http://g1.globo.com/natureza/rio20/noticia/2012/06/mae-do-termosustentabilidade-quer-mais-dinheiro-para-paises-pobres.html)
Roda Viva
Entrevista concedida por Gro Brundtland ao programa
Roda Viva em novembro de 2005
http://is.gd/GroB9
(http://www.rodaviva.fapesp.br/materia/216/entrevistados/gro_brundtland_2005.htm)
Desafio da Rio+20
Matéria sobre Gro Brundtland publicada em junho de
2012 no site da revista Veja
http://is.gd/GroB6
(http://veja.abril.com.br/noticia/ciencia/gro-brundtland-diz-que-implementacaodas-decisoes-e-o-desafio-da-rio-20)
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ARTIGO
A SUSTENTABILIDADE
DEVE SER UMA META
DA SOCIEDADE
POR LUIZ MARQUES
Doutor em História da Arte (Paris, EHESS, 1983), é, desde
1987, professor Livre-Docente do Departamento de História
da Universidade Estadual de Campinas. Foi curador-chefe do
Museu de Arte de São Paulo (1995-1997). Suas áreas principais
de docência e pesquisa são a história da arte italiana dos séculos
XV e XVI em suas relações com a Tradição Clássica e, mais
recentemente, as crises ambientais contemporâneas, a respeito das
quais escreveu o livro Capitalismo e colapso ambiental (no prelo).
It is simple, really. Human health and the
health of ecosystems are inseparable.
Gro Harlem Brundtland - Discurso de Camberra, 2000
Gro Harlem Brundtland publicou suas memórias em
dois volumes em 1997 e 1998. Traduzidas para o inglês
com o título Madam Prime Minister, elas constituem a
principal fonte das informações biográficas aqui propostas. Criada em uma família militante no Partido Trabalhista e engajada na resistência à ocupação nazista da
Noruega, Gro Harlem familiarizou-se desde a primeira
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infância com o universo da política e com os ideais igua-
tros muitos fatores, pelas chuvas ácidas e pelos primeiros
litários da social-democracia. Seu pai, Gudmund Harlem
desastres da exploração do petróleo offshore (após o pri-
(1917-1988), fora militante do movimento comunista
meiro choque do petróleo em 1973), tal como o incên-
Mot Dag (“Ao encontro do dia”), mais tarde absorvido no
dio da plataforma marítima Bravo, no mar do Norte, em
Partido Trabalhista, onde se destacou como membro do
1977. A ação de Brundtland não se limitou a esses espi-
Comitê Central (1949-1957) e diretor do Comitê de Oslo
nhosos dossiês ou à proteção do famoso planalto de Har-
(1952-1957), além de ministro dos Assuntos Sociais e da
dangervidda. Um dos princípios pelos quais se pautou
Saúde (1955-1961) e ministro da Defesa (1961-1965).
seu Ministério foi o do poluidor-pagador-restaurador,
Ainda criança, Gro Harlem fez breves estadas em
já presente na lei norueguesa, mas pouco respeitado na-
Nova York e no Egito, onde o pai trabalhou como médi-
quele momento, inclusive em seu próprio partido. Dado
co especialista em reabilitação sob os auspícios da ONU.
o caráter transversal das questões de que se ocupa esse
Abraçando a profissão do pai, Gro Harlem formou-se
Ministério e suas competências fundadas em múltiplos
médica nas Universidades de Oslo e de Harvard, com
saberes (física, biologia, ecologia e economia), a jovem
especialização em saúde pública (1965), em cuja quali-
ministra foi capaz de realizar o sonho de todo ministro
dade foi ativa militante na batalha pelo direito da mulher
do Meio Ambiente: “trazer nossa área para o centro do
ao aborto assistido. Tendo desposado Arne Olav Brun-
debate político. (...) Tornei-me ‘ministra das Finanças’
dtland, com quem teve quatro filhos, sua carreira como
em questões relativas à natureza e ao meio ambiente”.
médica e pesquisadora foi interrompida quando, com
Esta ideia de que o Ministério do Meio Ambiente deve
apenas 35 anos, foi nomeada ministra do Meio Ambien-
ser colocado no centro da governança tornou-se uma das
te da Noruega. Brundtland ocupou esse cargo com gran-
matrizes do pensamento de Brundtland. Em suas memó-
de energia entre 1974 e 1979, anos de rápida emergência
rias, ela afirma: “O Ministério do Meio Ambiente não
na Europa da consciência ambiental, suscitada, entre ou-
pode ser o único lugar onde se implementam as políticas
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ambientais. Os Ministérios das Finanças e da Energia e
é a partir de 1983 que tem início não apenas sua projeção
as administrações locais – estes são os reais Ministérios do
internacional, mas uma contribuição que viria a marcar
Meio Ambiente, com autoridade e orçamentos que podem
toda a posteridade do pensamento e da ação ecológicos.
ser aplicados a estes problemas de modo a fazer a diferença”.
Com efeito, a iniciativa de Javier Pérez de Cuéllar, secre-
Nesse ínterim, Brundtland elegeu-se deputada no
tário-geral da ONU, de convidá-la a presidir em 1983
Stortinget, o parlamento único norueguês, mandato que
ela exerce apenas a partir de 1979, preferindo manter-se
até então no governo. Em 1981, Brundtland é nomeada
primeira-ministra da Noruega. Primeira mulher e a mais
jovem personalidade a ocupar esse cargo na história de
seu país, ela o serviu por dez anos, ao longo de três mandatos: 1981, 1986-1989 e 1990-1996, sendo ao mesmo
tempo líder por 12 anos do Partido Trabalhista.
Carreira Internacional e o Comitê Brundtland
a Comissão Internacional sobre o Meio Ambiente e o
Desenvolvimento (WCED), que logo passaria a ser conhecida por Comitê Brundtland, quase poderia resumir
esse decênio no que se refere aos avanços da consciência
sobre as crises ambientais. Composto por pessoas de 22
nações, sendo três da América do Sul, a missão do Comitê
Brundtland era, nas palavras de sua presidente: “examinar
e avaliar com olhos independentes as estruturas de nossas sociedades tal como desenvolvidas na Era Industrial.
Em última instância, devíamos esboçar novos modos de
proteger o meio ambiente, de combater a pobreza e o des-
Já como ministra do Meio Ambiente e, em seguida,
controlado crescimento populacional”. O trabalho desse
como diretora da Comissão de Relações Internacionais do
Comitê prolonga-se até 1987, dele resultando, como se
Parlamento, Brundtland representara a Noruega em diver-
sabe, o documento Our Common Future, que aprofunda
sas comissões, por exemplo, na Organização para Coope-
os 26 princípios constitutivos da seminal Declaração de
ração e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e na co-
Estocolmo de 1972, Only one Earth: The care and mainte-
missão internacional sobre segurança e desarmamento di-
nance of a small planet, que reunia as contribuições de 152
rigida por Olof Palme, primeiro-ministro da Suécia. Mas
especialistas de 58 países. Our Common Future não apenas
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retoma esses princípios, mas os coloca em nova perspecti-
Compreende-se facilmente a ubiquidade atual do con-
va ao manifestar – em resposta à globalização e ao triunfo
ceito de “desenvolvimento sustentável”. Trata-se evidente-
do chamado neoliberalismo da era Reagan-Thatcher – sua
mente de um conceito-chave que, infelizmente, tornou-se
contrariedade pelo fato de que:
hoje pouco mais que um slogan publicitário. Para que recobre sua significação, é preciso defini-lo de modo rigoro-
“a presente década caracteriza-se pelo recesso das preocupações sociais. Os cientistas chamam a atenção para problemas urgentes, mas complexos, que tratam de nossa própria
sobrevivência: um planeta em aquecimento, ameaças à
camada de ozônio, desertificação de terras agricultáveis”.
so, isto é, nos termos do próprio Comitê Brundtland. Um
sistema socioeconômico é sustentável se e somente se: (1)
a atividade econômica puder se desenvolver de modo socialmente satisfatório sem destruir a biodiversidade e sem
alterar as coordenadas ambientais do planeta numa velocidade superior à sua capacidade de adaptação; (2) a atividade
econômica for capaz de “satisfazer as necessidades do pre-
Em face dessa situação, Our Common Future cunha o
sente sem comprometer a habilidade das gerações futuras de
conceito-chave de “desenvolvimento sustentável” basea-
satisfazer as suas próprias”. Numa palavra, para o documen-
do no imprescindível avanço da governança global. Na
to encabeçado por Brundtland, um sistema socioeconômi-
abertura do relatório, Brundtland escrevia: “Talvez nossa
co só é sustentável se puder compatibilizar o humano e a
tarefa mais urgente hoje seja persuadir as nações da neces-
imensa diversidade do não humano, o que equivale a dizer:
sidade de retornar ao multilateralismo”. As coordenadas
compatibilizar o homem de hoje e o de amanhã. Enfim,
mentais que viriam a inspirar a Eco-92 e a Agenda 21, e
a sustentabilidade deve ser uma meta da sociedade e não
tudo o que delas se gerou, nasce desse documento, que
uma solução simplesmente administrativa: “os problemas
em 1989 já havia sido publicado em 17 línguas, gerando
ambientais”, declara ela em suas memórias, “não desapare-
uma imensa quantidade de comentários, adesões e crí-
cerão sem um ativo desejo de mudança. A pressão pública é
ticas, como a de Thijs de la Court (veja-se bibliografia).
crucial em muitos países nos quais os políticos não levarão
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a questão a sério até que a pressão do povo seja forte o sufi-
mas de saúde infantil e maternal e desnutrição. (...) Hoje
ciente para ser efetiva”.
[1990], 90% dos recursos alocados para a saúde são gastos
nos 10% da população mais rica. Isso, claramente, tem
Diretora-geral da Organização Mundial da Saúde
que mudar”. Suas prioridades foram, consequentemente,
a malária, a Aids, a tuberculose, a vacinação e as doenças
Em 1993, Brundtland formou e presidiu a World
infantis da população pobre. Em 2003, Brundtland foi
Commission on Environmental Development e foi, em
agraciada pela Scientific American com o título de “Policy
1998, eleita diretora-geral da Organização Mundial da
Saúde. Nessa posição, mantida até 2003, Brundtland foi
capaz, como médica e ambientalista, de sintetizar a questão ambiental e a da saúde pública numa fórmula única, eleita como epígrafe desta apresentação: “É simples,
realmente. A saúde humana e a saúde dos ecossistemas
são inseparáveis”. Ela não subestimou, por outro lado, os
Leader of the Year”, por seu combate à Síndrome Respiratória Aguda Severa (SARS), uma doença provavelmente causada por um coronavírus.
Após 2003, Brundtland tem participado de diversos
organismos de máximo prestígio internacional, entre os
quais o Clube de Madri, uma organização composta de
vínculos entre saúde e economia, nomeou Jeffrey Sachs,
ex-chefes de Estado de regimes democráticos cujo intuito
professor de Economia de Harvard, à frente do Comitê
é fortalecer a governança democrática, e o grupo The El-
de Macroeconomia e Saúde (Commission on Macroeco-
ders, criado por Nelson Mandela e do qual fazem parte,
nomics and Health), e enfrentou corajosamente, através
entre outros, Kofi Annan (ex-Secretário-geral da ONU),
de campanhas educativas e de taxação o lobby do tabaco.
Desmond Tutu (arcebispo emérito da Cidade do Cabo)
“Em 1990”, escreve ela ao sintetizar em suas memórias
e os ex-presidentes Jimmy Carter e Fernando Henrique
sua visão dos problemas da saúde pública mundial a se-
Cardoso. Sua pauta é sugerir soluções para os mais di-
rem enfrentados pela OMS, “quase metade das doenças
versos problemas mundiais, das pandemias e mudanças
suportadas pela humanidade decorre de contágio, proble-
climáticas aos conflitos armados e o casamento infantil.
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Gro Harlem Brundtland foi agraciada com a Medalha
em Arquitetura da Fundação Thomas Jefferson, é membro
da Academia de Ciências e Letras da Noruega e da Human-Etisk Forbund, a Associação Humanista da Noruega, afiliada à União Internacional Humanista e Ética, cujos princípios se pautam pela seguinte declaração: “Humanismo é
uma instância de vida democrática, não teísta e ética, que
Bibliografia
BRUNDTLAND, Gro Harlem (dir.). Report of the
World Commission on Environment and Development: Our
Common Future, Oxford, Oxford University Press, 1987.
BRUNDTLAND, Gro Harlem. Madam Prime
Minister. New York: Farrar, Strauss and Giroux, 2002.
afirma que os seres humanos têm o direito e a responsabili-
COURT, Thijs de la. Beyond Brundtland: Green
dade de conferir sentido e forma às suas vidas e, portanto,
Development in the 1990. Londres: Zed Books, 1990.
rejeita visões sobrenaturais da realidade”.
A questão ambiental ganha novamente centralidade na ati-
PALMER, Joy A. “Gro Harlem Brundtland.”
Fifty Key Thinkers on the Environment. Londres:
vidade diplomática de Brundtland quando, em maio de 2007,
Routledge, 2006, tradução para o português, 50 grandes
Ban Ki-moon, secretário-geral da ONU, nomeia-a – ao lado
ambientalistas – De Buda a Chico Mendes. São Paulo:
de Ricardo Lagos (ex-presidente do Chile) e de Hang Seung-
Editora Contexto, 2006, p. 272-279.
-soo (ex-primeiro-ministro da Coreia do Sul) – enviada especial para as Mudanças Climáticas, com a missão de estabelecer
consultas sobre a receptividade dos governantes, notadamente
do G8, em acolher iniciativas e políticas ambientalistas propugnadas pela ONU, sobretudo após o insucesso do Protocolo de Kyoto. Nessa qualidade, Brundtland declarou à revista
Time: “Não se trata de dizer, dedo em riste, o que cada país
deve fazer (...) A questão é como agir para evitar o desastre”.
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