Universidade Estácio de Sá Vice Reitor de Pós
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Universidade Estácio de Sá Vice Reitor de Pós
Universidade Estácio de Sá Sociedade de Ensino Superior Estácio de Sá LTDA. Presidente: Rogério Frota Melzi Reitora: Paula Caleffi Vice Reitor de Graduação: Vinícius da Silva Scarpi Vice Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa: Luciano Vicente de Medeiros Vice Reitor de Extensão, Cultura e Educação Continuada: Deonísio da Silva Littera Docente & Discente em Revista Universidade Estácio de Sá – Campus Nova Friburgo Diretor Regional UNESA – RJ: Abílio Gomes de Carvalho Júnior Diretor do Núcleo: Flávio de Castro Souza Diretor do Campus: Manoel Nunes Neto Gestor Acadêmico: Edezildo França de Carvalho Editores: André Queiroz Ferreira de Mello / Reinaldo Kelmer / Roberto Fonseca Vieira Conselho Consultivo: Allan Wagner Breder / Ana Cristina Roballo Fabbri / Carla Mariah de Oliveira Fujimaki / Carlos Eduardo Brasil Neves / Cássia Viviane Kale Martins / Catherine Blin Nobrega de Arruda Beltrão / Christiano Bittencourt Machado / Gil de Carvalho / Jorge Antônio Maroun / Julio Cesar Latini Stutz / Marilza de Freitas / Martha Maria Porto Silva Jardim / Raymundo de Oliveira Reis Neto / Valéria Campos Muniz Conselho Editorial: André Queiroz Ferreira de Mello / Angela Moreira Utchitel / Carlos Alberto Vieira de Melo / Fernando Periard Gurgel do Amaral / Izimar Dalboni Cunha / Kíssila Muzy de Souza Mello / Marco Aurélio Togatlian / Maria Benedicta Graziela Guimarães / Munira Queiroz / Pedro Paulo Alves dos Santos / Reinaldo Kelmer / Roberto Fonseca Vieira Projeto Gráfico: Antonio Carlos D. Rodrigues / Maycon C. Pereira Editoração Eletrônica: Julio Cesar L. Stutz / Jessica da S. Gomes / Luiz Fernando A. Medeiros / Maycon C. Pereira / Pablo dos S. Ribeiro Redação: UNESA-Campus Nova Friburgo Jardin Sans Souci, s/n Braunes – Nova Friburgo – RJ www.estacio.br SUMÁRIO Mensagem Institucinal Editorial Artigo Especial Docente Do Virtual ao Real: a trajetória de um sonho Ensaios Docentes Estágio: extensão do conhecimento Separação de Poderes e Criação Jurisprudencial do Direito: limitações ao protagonismo judicial nas hipóteses de omissão legislativa Estudo de Propriedades do Concreto através de Microtomografia por Raio X e Scanner Comercial “Se essa rua, se essa rua fosse minha”: a resignificação da relação entre a rua e a escola O Conceito de Competências Credibilidade, Diálogo e Cidadania: necessidade latente de abertura do sistema empresarial Nem Sempre é Amor Comunicações Comunicação Laboratorial SPA/Serviço de Psicologia Aplicada Espaço Experimental do Curso Superior de Tecnologia em Gestão de Recursos Humanos Artigos Discentes Orientados Extradição: o caso Cesare Battisti Do Impresso ao Digital Sem Fronteiras: caminhos de uma mídia alternativa A Reincidência Criminal à Luz do Princípio do Non Bis In Idem ZERO CAL COLOR: alimentação saudável não tem idade Avaliação do Desenvolvimento Motor em Crianças e Adolescentes de Ambos os Gêneros com Necessidades Especiais A Educação Física na Educação Infantil em Escolas Particulares do Município de Nova Friburgo Atendimento Inicial ao Infarto Agudo do Miocárdio Estudos Bibliográficos dos Benefícios e Malefícios dos Esteróides Anabolizantederivados da Testosterona e sua Relação com o Uso na Estética e no Esporte Disfunção Erétil: aspectos anátomo-morfológicos e a farmacologia do tratamento 2 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 O Efeito do Método RMA (Reprogramação Músculo-Articular) em Profissionais de Costura com Lombalgia: um estudo cego-aleatório Validação do Método de Avaliação da Marcha com Microfones (mamm) em Idosos “Mais Amor e Menos Confiança”Análise do Conto “Guardador” de João Antônio Língua e Literatura na Informática e sua Influência na Educação Resiliência: um processo ativado em situações adversas? O Comportamento Anti-Social Infantil no Contexto Escolar de Nova Friburgo: análise das propostas de prevenção Resenhas Borderline ou Psicose Ordinária: querelas ou avizinhamento? Normas de Originais 3 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Mensagem Institucional No mundo atual, a quantidade de informações é grande e muito dinâmica, procurando se adequar aos momentos que a sociedade está vivenciando. Como expor estas informações de maneira ordenada e atualizada a atender as demandas, este questionamento foi trabalhado e resultou nesta segunda fase da Littera Docente & Discente em revista on line. O novo modelo aqui apresentado possibilita uma melhor visão global do fluxo de informações para atender aos anseios do mundo acadêmico, de maneira tal que através da tecnologia todos terão acesso, e este foi o maior avanço com este trabalho. Os trabalhos apresentados somados com a experiência profissional e de vida, aliado a um conhecimento adquirido na academia, através de muita pesquisa, leitura e reflexão, deixam um legado de conhecimento rico a serem explorados. Sem dúvida a Unidade do Campus Nova Friburgo deram um passo importante para uma longa jornada do conhecimento, e seus docentes e discentes juntos estão fazendo história. Parabenizo a todos os colegas envolvidos e ressalto o mais difícil de uma jornada e continuar o seu caminhar, continuem com este empenho e dedicação, em algum momento das nossas vidas, refletiremos, conseguimos contribuir realmente para o crescimento intelectual dos nossos irmãos e consequentemente para a Sociedade. Edezildo França de Carvalho Gestor Acadêmico Campus Nova Friburgo 4 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 EDITORIAL Na primeira edição da Littera não se esconderam os obstáculos para a realização da revista, mas se ressaltaram os esforços da equipe, a luta incessante para difundir as ideias acadêmicas. Não foi diferente na segunda edição, que agora chega a vocês. No entanto, como destaca Vinicius de Moraes, "o sofrimento é o intervalo entre duas felicidades”. A segunda felicidade vem com novidades. Nesta edição, além dos trabalhos dos alunos, trazemos artigos e ensaios de professores. A discussão, portanto, se amplia e torna-se mais aguçada; inovação e experiência; integração acadêmica de fato. Em outras palavras, queremos dar continuidade a ideia de “experiência de ensino de múltiplos valores humanos”. O mais importante para nós, então, não é o ponto de partida, mas a caminhada que se constrói dia a dia, edição a edição, debate a debate; para no fim, a certeza de termos lançado as sementes. Não queremos ser absolutos nem definitivos, mas incentivadores, semeadores, para, quem sabe, alguém um dia pegar com as duas mãos os frutos maduros. Com pensamento convicto de que o ambiente universitário é espaço de realização e de mudança pelo discurso, trazemos, também, a arte para nossa reflexão. O Museu Artenarede, idealizado pela professora Catherine, é um baluarte nesta edição. De forma alguma podemos pensar universidade sem a integração das áreas. Então é isso. Passado o intervalo do sofrimento, a Littera está novamente trazendo conhecimento, discussão e, principalmente, felicidade. Editores 5 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Artigo Docente Apresentação Especial 6 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Do Virtual ao Real: A trajetória de um sonho Catherine Blin de A. N. Beltrão Resumo: O projeto Museu Artenarede tem por objetivo criar um museu real a partir de um espaço virtual, fato inédito no contexto das artes plásticas. Ao invés de se criar um site representativo de um museu real, cria-se um museu real a partir de um site. O acervo do Museu será formado por peças doadas por artistas que catalogam suas obras no espaço virtual. Como no site são catalogadas peças por artistas do mundo inteiro, o museu será constituído por obras representativas de vários países, além de vários estados do Brasil. Abstract: From the virtual to the real world: the strategy of a dream. The Artenarede Museum Project has as its main objective to create a real museum from a cyberspace, which is unprecedented in the context of painting. Instead of creating a website that would represent a real museum, a real museum would be created from a website. The museum acquis would be enriched with art pieces donated by artists who had catalogued their pieces in the cyberspace. As the site has a world wide vision, the pieces are catalogued by artists all around the world thus representing several countries besides many Brazilian states. Palavras-chave: museu, artes plásticas, Nova Friburgo Apresentação Dezembro de 2000. Em um dos laboratórios de Informática, no campus Nova Friburgo da Universidade Estácio de Sá, cerca de 50 pessoas se aglomeram para assistir a defesa de um projeto final do curso de Sistemas de Informação. Seria o primeiro sistema, desenvolvido por um grupo de alunos do curso, a utilizar a Internet para coletar dados para o seu banco. A curiosidade e a admiração dos presentes se confundem. O projeto se intitula ARTENAREDE. Engenheira e Mestre em Informática, pela PUC-RJ Professora da Estácio de Sá, campus Nova Friburgo Coordenadora dos cursos de Engenharia Ambiental e Engenharia de Produção da Estácio de Sá. 7 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 O objetivo do projeto Artenarede é a catalogação, via Internet, de obras de artistas plásticos. O próprio artista cataloga suas obras via Internet, esteja ele onde estiver, na hora que ele quiser. Com o passar do tempo, essa catalogação se torna um registro de sua produção artística. Não importa o caminho que a obra irá percorrer: os dados da obra estarão registrados. Com base neste banco de dados, vários serviços virtuais são disponibilizados no espaço virtual: é possível enviar cartões com as imagens das obras catalogadas, bem como imprimir calendários ou cartões de visita com estas mesmas imagens. O artista pode criar galerias temáticas de suas obras, bem como disponibilizar o seu currículo, constando de exposições, prêmios, críticas e peritos. A obra de Cândido Portinari, o maior dos pintores brasileiros, levou 25 anos para ser catalogada. Seu filho, José Cândido, não mediu esforços nesta empreitada, que o levou a procurar e encontrar obras de seu pai em vários cantos do mundo. Se a Internet já estivesse disponível na época e Portinari tivesse catalogado suas obras em um sistema como o proposto pelo projeto Artenarede, muito tempo e muito dinheiro teriam sido poupados com o projeto Portinari. A concepção A idéia do projeto Artenarede teve como base um trabalho de catalogação do acervo de obras de uma pintora, realizado nos anos 80. O trabalho consistia em catalogar dados de cada obra em uma ficha. Os dados registrados na ficha eram o título da obra, o ano, o tamanho, a técnica utilizada, o local da assinatura e alguma observação suplementar. Cada obra era fotografada, o que fazia inserir uma foto da obra em cada ficha. Uma vez catalogadas as obras que faziam parte de seu acervo particular, chamadas foram divulgadas em jornais para tentar localizar as obras que tinham sido vendidas e que não estavam mais com a pintora. Este procedimento evidenciou que várias destas obras se encontravam em outros estados do país e mesmo em outros países. A catalogação se tornou onerosa e não foi concluída. (2) Decorridos quinze anos deste trabalho preliminar de catalogação de obras, a idéia foi ampliar o trabalho, desta vez utilizando a Internet como ferramenta de catalogação. O que tinha sido concebido para registrar as obras de um determinado artista, poderia ser aplicado para registrar obras de inúmeros artistas, em qualquer lugar do planeta, a qualquer hora. Além disso, as imagens das obras catalogadas poderiam ser utilizadas em outros contextos como, por exemplo, ilustração de cartões virtuais, cartões de visita, calendários, papel de carta, e jogos que utilizam imagens, como quebra-cabeças e jogo-da-memória. Galerias virtuais com exposições temáticas também poderiam ser criadas, disponibilizando obras para venda. Os direitos autorais dos artistas autores das obras poderiam ser respeitados – como reza o artigo 38 da lei 9610/98 (Lei dos Direitos Autorais): “O autor tem o direito, irrenunciável e inalienável, de perceber, no mínimo, cinco por cento(5%) sobre o aumento do preço eventualmente verificável em cada revenda de obra de arte ou manuscrito, sendo originais, que houver alienado." Com o registro do rastro da trajetória de compra e venda da obra através dos anos, o autor poderia, finalmente, receber os royalties a 8 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 que tem direito, o que raramente é feito no mercado de arte real. Haveria um banco de dados especial com dados de obras perdidas ou roubadas, o que muito auxiliaria as respectivas investigações. A Internet é um imenso espaço a ser explorado. Com a evolução da tecnologia e a convergência tecnológica avançando dia a dia, é preciso adequar antigas idéias a novas concepções, muito mais ricas e abrangentes que suas antecessoras. O espaço virtual: o site (3) O Projeto Artenarede foi o primeiro projeto final do curso de Sistemas de Informação da Estácio em Nova Friburgo a ser apresentado já disponibilizado na Internet. Também foi o primeiro projeto final a obter grau 10.0 de todos os membros da banca examinadora. A equipe do projeto era formada pelos alunos Cristiane Tarazona, Julio Stutz e Wanderson Berbert, sob orientação da profª Catherine Beltrão. Em 2001, o Projeto Artenarede foi selecionado para fazer parte da Incubadora da UERJ, em Nova Friburgo. Nascia a empresa Artenarede Empreeendimentos e Internet Ltda, tendo à frente os sócios Catherine Beltrão, professora e coordenadora do curso de Análise de Sistemas na Estácio, na época, e Julio Stutz, um dos alunos desenvolvedores do projeto. Continuando com o projeto inicial, a empresa desenvolveu a Tecnologia Artenarede. A Tecnologia Artenarede é constituída de 23 ferramentas de software que podem ser acopladas de forma modular, de acordo com a necessidade e o interesse do usuário. Esta tecnologia ganhou o certificado de Mérito no Prêmio de Inovação Finep 2004. A seguir, um esquema da Tecnologia Artenarede, classificando as ferramentas em seis áreas principais: catalogação, comunicação, editoração, divulgação, vendas e jogos. 9 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Catalogação Comunicação Tecnologia Artenarede Divulgação Editoração Vendas Jogos Catalogação: cadastro de artistas; catálogo de obras; serviços de busca; Comunicação: notícias atualizadas; newsletter; cartão virtual; enquete; forum; chat; livro de visitas; contato; Editoração: textos permanentes; classificados; Divulgação: cartão de visitas; calendário; convite; Vendas: venda direta; venda com negociação; Jogos: jogo de quebra-cabeças; jogo-da-memória. O projeto Artenarede está formando um grande acervo virtual, com milhares de obras catalogadas via Internet, obras essas de centenas de artistas plásticos oriundos de todos os cantos do Brasil e de vários países. Atualmente, o site conta com 4.602 obras catalogadas. O espaço real: o Museu (4) Embora tendo sido fundada em 1818, a cidade serrana de Nova Friburgo não dispõe de nenhum museu. Não existe nenhum espaço que abrigue obras representativas de artistas brasileiros ou estrangeiros, renomados ou não. Como o site do projeto Artenarede objetiva a construção de um grande acervo virtual, constando de milhares de obras criadas por centenas de artistas do mundo inteiro, veio a idéia de solicitar aos artistas que já tivessem obras catalogadas no site, a doação de uma destas obras, para fazerem parte do acervo – físico – de um museu. Em junho de 2002, foi dado início à captação das obras para constituição do acervo do Museu Artenarede. A seguir estão listados os artistas que manifestaram sua intenção de doar uma ou mais obras para o Museu: . Adair A. Costa, do Rio de Janeiro (*) . Angela Gomes, do Espírito Santo (*) . Betim, do Espírito Santo (*) . Catia Garcia, de São Paulo (*) . Daise Gorgulho, do Rio de Janeiro (*) . Débora Giestas, do Espírito Santo (*) . Ebenezer Leyva González, de Cuba . Edith Blin, da França (*) 10 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 . Erminda Breda, do Espírito Santo (*) . Fausta Giusti Sidoni, do Rio de Janeiro (*) . Francischetti, do Rio de Janeiro . George Pinto, do Rio Grande do Sul . Gilda Rincon, do Rio de Janeiro (*) . Guilherme Merçon, do Espírito Santo (**) . Imelda Marcos, do Rio de Janeiro (*) . Ivan Blin, do Rio de Janeiro (*) . Janio Leonardelli, do Espírito Santo (*) . Karlla Pio, do Espírito Santo (*) . Lenagal, de Portugal (*) . Luisa Bergen, do Espírito Santo (*) . Luiza Caetano, de Portugal (*) . Malou Pombo, de São Paulo (*) . Marcellux, da Argentina (***) . Maria Góis, do Espírito Santo (*) . Milton Guanabara, do Rio de Janeiro . Molga, do Espírito Santo (*) . Reginaldo Leite, do Espírito Santo . Samú, do Espírito Santo (*) . Sirlane Fernandes, do Espírito Santo (*) . Sonia Guaraldi, do Rio de Janeiro (*) . Sonia Thomaz, do Rio de Janeiro (*) . Tamanduá, do Rio de Janeiro (*) . Tânia Leal Guerino, do Paraná (*) . Tetê Moraes, do Rio de Janeiro (*) . Théta C. Miguez, de São Paulo (****) . Vania Machado, do Rio de Janeiro (*) . Venicio Alves Nogueira, de Minas Gerais(**) . Wagner Veiga, do Espírito Santo (*) (*) Obra já recebida pelo Museu (**) 2 obras já recebidas pelo Museu (***) 4 obras já recebidas pelo Museu (****) 28 obras já recebidas pelo Museu O acervo do Museu (4) A idéia do acervo do Museu Artenarede é que seja constituído de obras doadas e previamente catalogadas por artistas cadastrados no site do projeto, gerando assim um fato inédito nesta área: ao invés de se criar um site - espaço virtual - representativo de um museu real, está se criando um museu real a partir de um espaço virtual. 11 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Atualmente, o Museu já conta com 67 peças doadas, vindas de vários estados do Brasil – Rio de Janeiro, São Paulo, Espírito Santo, Minas Gerais, Paraná e Rio Grande do Sul, além de outros países como Portugal, França e Argentina. Um livro poderia ser escrito sobre as obras doadas para o Museu Artenarede. Cada obra doada ao Museu tem sua história. A seguir, algumas das obras doadas, com partes de sua história. “Dor silenciosa” foi uma das primeiras obras doadas ao Museu, em 2002, por Lenagal. Esta obra é fantástica, extremamente forte, dilacerante. Os olhos fechados avistam uma dor interior intensa, do tamanho do campo que se perde no horizonte. A boca retorcida não sabe ou não precisa mais sorrir: tudo é angústia, tudo é sofrimento. Esta obra é muito significativa também pois foi a primeira doação que o Museu Artenarede recebeu de outro país, no caso Portugal. Ao lado, “Dor silenciosa”, de Lenagal (Portugal) – 2002 – 54 X 65 – ast Lenagal nasceu em São Miguel, Açores. Realizou várias exposições na Europa e nos Estados Unidos. Sua temática é o universo feminino, utilizando cores quentes e vibrantes. “Frida Kahlo e Diego de Rivera”, doada ao Museu em 2002, esta obra também veio de Portugal. A obra traz para o Museu Artenarede três grandes artistas, totalmente comprometidos com a arte e com um sentido nacionalista maior: os mexicanos Diego de Rivera e Frida Kahlo e a portuguesa Luiza Caetano. Trata-se de uma obra muito importante, contundente até, ultrapassando qualquer estilo ou escola a que possa pertencer. Ao lado, “Frida Kahlo e Diego de Rivera”, de Luiza Caetano – 2000 - ost Luiza Caetano nasceu em Venda do PinheiroMafra, Portugal e iniciou suas exposições em 1988, na Galeria de Arte do Casino Estoril. Aborda o gênero naïf, não se prendendo a temas específicos. Esta artista é hoje uma das mais importantes pintoras naïves da atualidade, e também uma das maiores incentivadoras do projeto Artenarede, com 222 obras catalogadas no site. 12 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 “Eterno Campeão” foi doada ao Museu Artenarede em 2003, por Theta Miguez. Esta obra nos traz o olhar, a aura, o pensamento de Ayrton Senna para dentro de nosso pequeno mundo interior... e ele, então, fica imenso! Segundo as próprias palavras da artista: „Esta obra, que fiz com muito carinho, representa a imagem que captei na TV, quando Ayrton Senna, na sua última corrida em Ímola na Itália, já de capacete, dentro do seu carro, dirigia seu olhar aos fotógrafos e câmaras de TV. Parecia um olhar de despedida, que jamais esquecerei. A tristeza desse olhar traduzia os mais profundos sentimentos de sua alma como um pressentimento sobre aquele dia fatídico.‟ Ao lado, “Eterno campeão”, de Theta Miguez (SP) – 2002 – téc.mista Théta C. Miguez é natural de Igarapava, São Paulo, tendo participado de inúmeras exposições no Brasil e no exterior. A artista faleceu em 2005, tendo feito a maior doação da história do Museu Artenarede: além desta obra, ela doou mais 27 obras magníficas, que compõem a exposição completa intitulada “Retratos do Apocalipse”. A obra "My life in the beach " foi doada ao Museu Artenarede em 2002, por Débora Giestas. A areia, o mar, o céu... estrelas do mar, guarda-sóis... ao fundo, serão ondas, nuvens, pássaros? Não importa. O que importa é a sensação de tranqüilidade, de paz, de imersão na vida que esta obra nos traz. Ao lado, “My life in the beach”, de Débora Giestas (ES) – 2002 80 X 150 – téc. mista Obra de grandes dimensões e de extrema fragilidade – composta de milhares de fragmentos de minúsculas partículas de casca de ovo, entre outros materiais – ela causa grande impacto em qualquer contexto em que esteja sendo exibida. Natural de Vitória, Espírito Santo, Débora Giestas é formada em Educação Artística pela UFES. Cria lindos e inéditos mosaicos, feitos de noz de cola. 13 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 “Moebius Strip Opus #2" foi doada ao Museu Artenarede em 2004, por Marcellux, artista argentino. Sobre esta obra, disse: "...Você avança até alcançar o ponto em que iniciou. Um laço feito para nada. Todo o seu esforço é inútil. A eterna busca do que você sempre carregou consigo. Que conceito poderoso! Quantas muitas coisas engraçadas para contar... Poderia eu resistir a esta tentação? Em absoluto. Como todos os que eu conheço, eu experimentei a atração da Moebius Strip... Aqui eu a partilho com você. Divirtam-se..." Esta obra faz parte de um grupo de 4 obras doadas por Marcellux para o Museu, que vieram diretamente de uma exposição na Galeria Soho, New York, para Nova Friburgo. Acima, “Moebius Strip Opus #2"a”, de Marcellux - 2002 - 50 X 70 cm – ast Marcellux nasceu na Argentina, sendo um dos artistas catalogados no site do projeto Artenarede que mais divulga sua arte pelo mundo afora, tendo feito inúmeras exposições em diversos países das Américas e da Europa. A obra "Grávida", de Karlla Pio foi doada ao Museu Artenarede em 2004. Uma das primeiras esculturas a serem doadas ao Museu, esta obra resplandece quando iluminada, literalmente trazendo à luz pensamentos e emoções encobertos ou escondidos. Ao lado, “Grávida”, de Karlla Pio (ES) – 1999 – 65 X 18 X 32 – resina. Karlla Pio transforma as formas que lhes são significativas em suas vivências, em uma expressão artística de linguagem espacial e nos leva a novas reflexões. Suas esculturas são compostas por materiais, como gesso odontológico, resina e fibra de vidro. A figura humana faz parte de suas pesquisas como segmento de vida ou nova forma de ver o cotidiano. “Isto é Brasil” foi doada ao Museu Artenarede em 2004 por Ângela Gomes. Esta obra mostra o colorido da pobreza, a alegria da simplicidade, a confiança do trabalho cotidiano. Ao lado, “Isto é Brasil”, de Ângela Gomes (ES) - 1989 – 60 X 81 – ast. A pintora Ângela Gomes, nascida em Cachoeiro de Itapemirim/ES, é naïf, o que para nós significa pintura de criança feita por gente grande feliz. Uma obra colorida, alegre, espontânea, ingênua e que, hoje, mais do que nunca, retrata o belo e simples cotidiano dos que habitam em bairros simples, cheio de histórias centenárias. Esta artista, junto a mais dez outros artistas, forma o maior grupo representativo de um estado brasileiro – o Espírito Santo – a doar obras para o Museu Artenarede. 14 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 “Tríptico” foi doada ao Museu Artenarede em 2005, por Vânia Machado. Obra abstrata, ela dá margem a vários entendimentos, dependendo da imaginação de quem a observa. Serão partes de carcaças bovinas? Serão flores estilizadas? Ou será uma composição de fitas trançadas e entrelaçadas? Qualquer que seja a interpretação da obra, ela terá sido parte da evolução cultural de seu contemplador. Ao lado, “Tríptico”, de Vânia Machado – 2004 – 85 X 145 – téc. Mista Vânia Machado é uma artista friburguense, sempre em busca de seu aprimoramento artístico, sempre em busca de uma comunhão de sua arte com o público que a admira. Em 2003, 2004 e 2005, várias mostras itinerantes do Museu Artenarede foram realizadas. Estas mostras aconteceram na ACIANF – Associação Comercial e Agrícola de Nova Friburgo, na Queijaria Suíça – um dos pontos turísticos mais visitados do circuito TereFri e no Colégio Anchieta. Nestas mostras, obras do acervo foram apresentadas ao público, na medida que foram sendo doadas ao Museu pelos artistas. Conclusão Dez anos se passaram desde o início da captação de obras para a montagem do acervo do Museu Artenarede, em junho de 2002. Um sonho não se torna realidade sem o envolvimento de mais pessoas além do sonhador. O sonho para a criação e construção do Museu já envolveu 38 artistas que acreditaram no projeto e doaram 67 obras. O sonho do Museu Artenarede já possui uma história, um caminho percorrido. Essa história está só começando. Mais artistas deverão doar obras. Estas obras precisam de um espaço permanente para serem apreciadas pelo público. A cidade de Nova Friburgo, com quase 200.000 habitantes e a seis anos de seu bi-centenário, merece um museu: o Museu Artenarede. Referências: - (1) www.catherinebeltrao.com - (2) Documentação em .ppt da palestra “Artenarede, a trajetória de um sonho”, ministrada na Semana Nacional da Tecnologia de 2010, realizada em 20 de outubro no auditório do campus Nova Friburgo da Estácio de Sá - (3) www.artenarede.com.br - (4) www.artenarede.com.br/museu 15 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Ensaios Docentes 16 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Estágio: Extensão do Conhecimento Carlos Alberto Vieira de Melo A aprendizagem é a nossa própria vida, desde a juventude até a velhice, de fato quase até a morte; Ninguém passa dez horas sem nada aprender. Paracelso Começo este ensaio com uma epígrafe de um dos grandes pensadores do século XVI, Paracelso, que diz que o aprendizado é a nossa própria vida, desde a juventude até a velhice, de fato quase até a morte; ninguém passa dez horas sem nada aprender. O Brasil ostenta hoje uma das piores educação do mundo, a melhor Universidade do país encontra-se hoje 225 lugar no ranking das melhores universidade do mundo, o ensino publico encontra-se falido e os melhores alunos pelo menos na teoria encontra-se nas Universidades públicas, oriundos na sua grande maioria das melhores escolas particulares do país. Já neste aspecto encontramos uma dicotomia na relação dos alunos que entram nas universidades públicas e particulares no país. Os que têm melhores condições financeiras e acesso a boas escolas conseguem na sua grande maioria entrar nas universidades públicas e ao mesmo tempo não tendo um grande gasto na sua formação, já os alunos das universidades particulares, na sua grande maioria, apresentam um custo elevado para conseguir terminar seus estudos, exigindo um esforço maior para tentar se formar e conseguir competir com futuros profissionais que se formam nas universidades públicas. A finalidade das universidades fazendo parte da sociedade deve cumprir as suas vitais e historicamente importantes funções de mudança no aluno, transformando este ser que entra despido e entregá-lo a sociedade com uma roupagem crítica pensante e principalmente um ser que contribua para melhorar o desenvolvimento de uma nação. Através das clínicas escolas, o aluno terá a possibilidade de colocar em prática todo o conhecimento adquirido na teoria dentro de sala de aula. É neste convívio que o aluno poderá solucionar as dúvidas teóricas e confrontá-las com a prática no estágio. A clínica escola oferece a oportunidade de o aluno poder conviver com situações que o obrigue a pensar a refletir e ao mesmo tempo tornando-o capaz de tomar para si a capacidade de decidir sobre uma determinada conduta. É no estágio que os saberes se encontram; o mestre que tem a obrigação de orientar o caminho a ser seguido e o aluno que trazendo suas dúvidas estará Fisioterapeuta (UCB), Pós-Graduado em Fisioterapia Desportiva (UGF) professor de Ética na Saúde, Filosofia na Enfermagem, Saúde Coletiva, Fisioterapia Desportiva, Recuperação Músculoesquelética, Estágio e Mestrando em Saúde, Educação e Ambiente na UNIPLI, Supervisor da Clínica Escola Fisiofriburgo. 17 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 aberto ao aprendizado, e ambos, estarão aprendendo para melhor tratar o paciente que chega com toda sua angustia e dor para tentar ser solucionada. Formar o aluno para o exercício da profissão é uma obrigação das Universidades, mais do que formar o especialista, as Universidades devem ter no seu pilar o compromisso com a cultura social e desenvolver conhecimentos universais, mas devem, também, propor soluções que correspondam ao contexto cultural das nações que as abrigam (José Raymundo Romeo, 2011), e a clínica escola tem um papel de fundamental importância, já que entendemos que a clinica escola é uma extensão da sala de aula, ou melhor, dizendo é uma extensão do conhecimento. Não podemos mais achar ou dizer que tudo depende só do Estado, as Universidades devem assumir a responsabilidade com as classes menos favorecidas, e a clínica escola pode contribuir para diminuir essas diferenças na área da saúde. A clínica escola deve ser vista não só como um lugar onde o mestre ensina e o aluno aprende, deve ser visto também como um espaço de liberdade de diálogo. Segundo Freire, 1996, ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção, ou seja, na clínica as probabilidades são inúmeras e cabe ao futuro profissional aproveitar estas oportunidades. Outro fator que eu acho relevante é que as clinicas escolas disponibilizam a população carente um atendimento de qualidade, com ética e respeito, sendo este espaço respeitado pela sociedade. É neste espaço que o aluno cria o verdadeiro vinculo com a profissão, cada dia vivido na clínica escola, o aluno tem a possibilidade de vivenciar algo novo, seja com o próprio paciente, seja com o colega mais antigo no estágio, seja com o próprio supervisor. Na minha prática de supervisor de estágio, tenho observado e vivido muitas experiências, dentre elas a mudança de comportamento dos alunos que entram no estágio e na sua saída depois de alguns meses. Vejo que durante o atendimento de um paciente na clínica escola, existe a possibilidade da troca de saberes. O aluno tentando colocar em prática todo seu conhecimento teórico adquirido em sala de aula, enquanto o paciente também informa sobre seu quadro clínico e das suas dificuldades funcionais, transmitindo ao aluno novos conhecimentos. A clínica escola não pode apenas servir como espaço de conhecimento especifico, mas deve ter a consciência de proporcionar ao aluno a incursão em campos do saber que, aparentemente, não se relacionam com o seu futuro profissional. A interlocução de saberes segundo Oliveira é um fator extremamente importante no projeto de extensão universitária. Tal como explica Fazenda, 2003, a interdisciplinaridade e experiência prática formam a base da extensão universitária. O registro das experiências vividas pode gerar novas perspectivas, depende do exercício interdisciplinar de captar o movimento dialético e contraditório. Não consigo ver como podemos formar um profissional de determinada área, sem que estes futuros profissionais não tenham um conhecimento geral. Parafraceando José Raymundo 18 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Romeo que parafaceou Carl Sagan, que disse: que não conseguia entender como poderia ser formar um físico sem os conhecimentos de Filosofia, História, Chopin, arte etc..., ainda segundo José Raymundo Romeo o conhecimento não é um fim e sim um meio, o objetivo é a felicidade e o bem estar das pessoas. Estamos vendo hoje em dia cada vez mais a formação tecnicista, onde cada vez mais, as Universidades atuais estimulando nos alunos a ideologia do êxito e da competição alienando-os do compromisso social gerado pelo diploma universitário. Para terminar não podemos pensar a clínica escola como apenas um espaço de interação ensino e pesquisa, mas implica a sua interação na formação do aluno como um ser que tem um papel a desempenhar na sociedade com seus aspectos emancipativo, e que o objetivo final é a felicidade e a melhora da qualidade de vida das pessoas. Referência Bibliográfica VASCONCELO, Eymard Morão, Espiritualidade na Educação popular em saúde. Caderno Cedes, Campinas, vol. 29, n. 79, pag. 323-334, set./dez. 2009. Fazenda, I. C. A. Interdisciplinaridade: qual o sentido? São Paulo: Paulus, 2003 OLIVEIRA, Rudval Andrade de e PIOVESAN, Angélica de Fátima. Clínica-escola de Psicologia da UNIT: Um espaço para práticas extensionistas e responsabilidade Social, em Extensão. Uberlândia: MG, v. 9, n. 2, p. 53-60, jul./ dez. 2010. MÉSZÁROS, István. A educação para além do Capital. Coleção: Mundo do trabalho, Egitempo – Editorial, 2005. _________________. Paracelso, selected writings. Londres, routledge & Kegan Paul, 1951, p. 181. In: MÉSZÁROS, István. A educação para além do Capital. Coleção: Mundo do trabalho, Egitempo – Editorial, 2005. PARINI, Jay. A arte de ensinar. Ed. Civilização Brasileira, RJ, 2007. FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. Coleção Leitura, Ed. Paz e Terra, 2005. 19 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Separação de Poderes e Criação Jurisprudencial do Direito: Limitações ao protagonismo judicial nas hipóteses de omissão legislativa Izimar Dalboni Cunha Com o advento da constitucionalização do Direito, todos os seus ramos, devem estar em consonância com os ditames constitucionais, observando seus princípios e mandamentos na elaboração, na interpretação e na aplicação da lei. No presente trabalho, o cerne da questão é averiguar a legitimação do ativismo judicial em decorrência da omissão legislativa. Para tal, é utilizada a metodologia de revisão bibliográfica, tendo como fonte livros, artigos científicos, jurisprudência e legislação vigente, buscando formular problemas e construir hipóteses, sendo a intenção da pesquisa provocar o questionamento e a reflexão sobre o tema. Por tratar-se de uma pesquisa bibliográfica a principal fonte, o instrumento de coleta de dados é a compilação de informações retiradas da bibliografia analisada, objetivando a otimização do estudo realizado. O método utilizado para a análise dos dados é o indutivo, ou seja, parte-se de princípios particulares que regem a matéria, para se chegar à análise do tema proposto. Dessa forma, torna-se possível a observação dos fatos e/ou fenômenos cujos efeitos se deseja avaliar. Como princípio fundante da ordem constitucional, temos a dignidade da pessoa humana. Assim sendo, todas as relações jurídicas em que as pessoas estão envolvidas, sejam elas públicas ou privadas, devem pautar-se na dignidade da pessoa humana, mas muitas vezes o Legislativo, a quem cumpre o dever de regular essas relações, deixa de agir, havendo a intervenção judicial a fim de assegurar determinado direito, com vistas a garantir o referido princípio. Por outro lado, temos, também, como princípio fundante da ordem jurídica, a Separação dos Poderes. Desse modo, busca-se fazer uma breve análise acerca do referido princípio – Separação dos Poderes – e sobre a judicialização do Direito; para, a seguir, analisar quais são as limitações impostas ao ativismo judicial no nosso ordenamento jurídico, verificando, por fim, até que ponto pode-se permitir o protagonismo judicial Professora da Universidade Estácio de Sá-Campus Nova Friburgo. 20 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Para a análise do questionamento, faz-se uma breve análise da separação dos poderes e da criação jurisprudencial, bem como dos remédios constitucionais aplicáveis em casos de omissão legislativa, bem como das limitações ao protagonismo judicial. A Questão da Separação dos Poderes e a Criação Jurisprudencial O artigo 2º, da Carta Magna, traz como cláusula pétrea o Princípio da Separação dos Poderes, estabelecendo a tripartição em Legislativo, Executivo e Judiciário, bem como que os mesmos devem ser independentes e harmônicos entre si. Michel Temer (2008, p. 120) entende que se equivocam os que utilizam a expressão “tripartição dos poderes”, já que o poder é uno e atributo do Estado, como forma de emanação da soberania. Assim, devemos entender que o “Poder Estatal é um só, materializado na Constituição, de onde se extrai que a separação das funções deve funcionar como forma de viabilizar a máxima efetividade das normas constitucionais” (FREIRE JR., 2009). Cada um desses Poderes – Legislativo, Executivo, Judiciário – exercem funções típicas, precípuas – legislar, executar, julgar, mas, também, funções secundárias. Atualmente, diante da inércia dos demais Poderes, o Judiciário acaba tendo maior atuação, suprindo as lacunas existentes, mediante mecanismos previstos na Carta Política, tais como o mandado de injunção e a ação de inconstitucionalidade por omissão, para permitir a efetivação dos direitos fundamentais, garantindo-se, assim, a supremacia da Constituição. Dos Remédios Constitucionais Para melhor elucidar a questão, uma breve análise dos institutos constitucionais. O mandado de injunção foi criado, pelo constituinte de 1988, com o intuito de dar maior efetividade às normas constitucionais, já que muitas vezes há uma inércia do legislador infraconstitucional em regulamentar os direitos decorrentes dessas normas. A ação direta de inconstitucionalidade por omissão configura-se como uma modalidade de controle abstrato de constitucionalidade, sendo um processo objetivo de guarda do ordenamento constitucional, afetado pela alegada lacuna normativa ou pela existência de um ato normativo reputado insatisfatório ou insuficiente. Não se destina, portanto, à solução de controvérsia entre partes em litígio, operando seus efeitos tão-somente no plano normativo (BARROSO, 2006, p. 220). O Ministro Carlos Mário da Silva Velloso (1989), ao tratar das diferenças entre os dois institutos, esclarece que na ação de inconstitucionalidade por omissão, de competência exclusiva do STF, a matéria é versada apenas em abstrato, enquanto que no mandado de injunção, reconhecendo o juiz ou tribunal que o direito que a Constituição concede é ineficaz ou inviável em razão da ausência de norma infraconstitucional, fará ele, juiz ou tribunal, por 21 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 força do próprio mandado de injunção, a integração do direito à ordem jurídica, assim tornando-o eficaz e exercitável, o que não ocorre na ação de inconstitucionalidade por omissão, que gera, declarada a inconstitucionalidade, a ciência ao Poder competente para que adote as medidas necessárias, mas sem nenhum meio de coerção para a lei seja criada. Apesar da distinção entre os institutos, durante muito tempo o mandado de injunção foi aplicado de forma inadequada, sendo-lhe dado os mesmos efeitos da ação de inconstitucionalidade por omissão. Apenas em outubro de 2007, o STF superou as restrições da plena operacionalização do mandado de injunção, resgatando sua função original, qual seja, sanar a omissão constitucional no caso concreto, entendendo que a separação dos poderes deve ser mitigada sempre que uma interpretação rígida desse princípio implicar na frustração dos princípios, regras e direitos estabelecidos pela Constituição. Como se vê, o Judiciário quase sempre pode intervir, mas deve observar sua própria capacidade institucional. Assim, cumpre, nesse momento, estabelecer a distinção entre judicialização e ativismo judicial. De acordo com Luís Roberto Barroso (2009), o processo de judicialização implica as decisões tomadas por órgãos do Poder Judiciário, buscando solucionar questões de larga repercussão política ou social e não pelo Congresso Nacional e pelo Poder Executivo, as instâncias políticas tradicionais, entendendo que no cenário brasileiro, a judicialização é um fato, uma circunstância decorrente do modelo constitucional adotado e não um mero exercício deliberado de vontade política, enquanto o ativismo judicial consiste na escolha de um modo específico e proativo de interpretação da Constituição, expandindo seu sentido e seu alcance. Ainda, de acordo com o ilustre professor Barroso, podem-se citar três causas para a judicialização no Direito pátrio. A primeira seria o processo de redemocratização do país, culminando com a promulgação da atual Constituição. Esse processo fortaleceu e expandiu o Poder Judiciário, transformando-o em verdadeiro poder político, capaz de fazer valer a Constituição e as leis, mesmo em confronto com os demais poderes. Além disso, houve uma maior conscientização popular em relação aos seus direitos e, consequentemente, uma maior demanda perante juízes e tribunais em busca da proteção de seus interesses. Outra causa seria a constitucionalização abrangente, trazendo para a Constituição inúmeras matérias que anteriormente eram deixadas para o processo político majoritário e para a legislação ordinária, que, hoje, o poder constituinte derivado quer suprimir – PEC 341/09. Como última causa, temos o sistema brasileiro de controle de constitucionalidade. 22 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 O ativismo judicial, por seu turno, se manifesta através de condutas como a aplicação direta da Constituição a situações não expressamente contempladas em seu texto; imposição de condutas ou abstenções ao Poder Público, entre outras formas. Essa distinção entre judicialização e ativismo judicial faz-se importante para se averiguar se há legitimidade para esse tipo de atuação do Poder Judiciário, bem com se há riscos e consequências para a legitimidade democrática. Limitações aos Protagonismo Judicial Em nosso ordenamento jurídico a regra é a discricionariedade do legislador em criar ou não uma lei. Contudo, quando se impõe ao órgão legisferante o dever de editar uma norma reguladora da atuação de preceito constitucional , e este não o faz, sua abstenção é ilegítima, devendo o judiciário, ao ser provocado, atuar em conformidade com a lei e na medida do que foi levado a sua apreciação. Para melhor entendimento acerca do tema, traz-se à baila o entendimento do Ministro Celso de Mello: Na realidade, o Supremo Tribunal Federal, ao suprir as omissões inconstitucionais dos órgãos estatais e ao adotar medidas que objetivem restaurar a Constituição violada pela inércia dos poderes do Estado, nada mais faz senão cumprir a sua missão constitucional e demonstrar, com esse gesto, o respeito incondicional que tem pela autoridade da Lei Fundamental da República. Práticas de ativismo judicial, embora moderadamente desempenhadas pela Corte Suprema em momentos excepcionais, tornam-se uma necessidade institucional, quando os órgãos do Poder Público se omitem ou retardam, excessivamente, o cumprimento de obrigações a que estão sujeitos, ainda mais se se tiver presente que o Poder Judiciário, tratando-se de comportamentos estatais ofensivos à Constituição, não pode se reduzir a uma posição de pura passividade. A omissão do Estado – que deixa de cumprir, em maior ou em menor extensão, a imposição ditada pelo texto constitucional – qualifica-se como comportamento revestido da maior gravidade político-jurídica, eis que, mediante inércia, o Poder Público também desrespeita a Constituição, também ofende direitos que nela se fundam e também impede, por ausência (ou insuficiência) de medidas concretizadoras, a própria aplicabilidade dos postulados e princípios da Lei Fundamental, tal como tem advertido o Supremo Tribunal Federal: “DESRESPEITO À CONSTITUIÇÃO MODALIDADES DE COMPORTAMENTOS INCONSTITUCIONAIS DO PODER PÚBLICO. - O desrespeito à Constituição tanto pode ocorrer mediante ação estatal quanto mediante inércia governamental. A situação de inconstitucionalidade pode derivar de um comportamento ativo do Poder Público, que age ou edita normas em desacordo com o que dispõe a Constituição, ofendendolhe, assim, os preceitos e os princípios que nela se acham consignados. Essa conduta estatal, que importa em um „facere‟ (atuação positiva), gera a inconstitucionalidade por ação.- Se o Estado deixar de adotar as medidas necessárias à realização concreta dos preceitos da Constituição, em ordem a torná-los efetivos, operantes e exeqüíveis, abstendo-se, em conseqüência, de cumprir o dever de prestação que a Constituição lhe impôs, incidirá em violação negativa do texto constitucional. Desse „non facere‟ ou „non praestare‟, resultará a inconstitucionalidade por omissão, que pode ser total, 23 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 quando é nenhuma a providência adotada, ou parcial, quando é insuficiente a medida efetivada pelo Poder Público. (...).” (ADI 1.458-MC/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO) Nessa linha de pensamento, Lênio Streck aponta que a partir da nova ordem jurídica inaugurada pela Carta da República de 1988 “as inércias do executivo e falta de atuação do legislativo passam a poder ser supridas pelo judiciário, justamente mediante a utilização dos mecanismos previstos na Constituição que estabeleceu o Estado Democrático de Direito. Ou isto, ou tais mecanismos legais/constitucionais podem ser expungidos do texto magno.” (STRECK, 2004). Cappelletti (1993), por sua vez, entende que apesar da ativação judicial ser desejada pela própria Constituição, essa ativação traz consigo três riscos: o primeiro consiste na dificuldade de se avaliar a discricionariedade administrativa e legislativa, quando isso depender de conhecimentos especializados ou de técnicas sofisticadas; o segundo óbice seria o da falta de efetividade do controle jurisdicional, principalmente em relação às decisões que impliquem em atividade continuada da Administração, e até na edição de diplomas legislativos; por fim, a legitimação democrática dos membros do Judiciário, pois estes são levados ao cargo que ocupam mediante concurso, carreira e nomeação, indagando qual o fundamento com que se dispõem a controlar os outros poderes, compostos de eleitos pelo povo. Desse modo, recomenda uma autocontenção aos juízes, entendendo que os mesmos devem se submeter às opções exercidas pelos demais poderes, quando não ofendam à Constituição e às leis. Barroso, por seu turno, no que diz respeito aos riscos à legitimidade democrática, entende que a razão dos membros do Judiciário não serem eleitos, são atenuados na medida em que juízes e tribunais se prendam à aplicação da Lei da Maior e das demais leis, atuando não por vontade própria, mas em representação indireta da vontade popular. Considerações Finais Na atual conjuntura jurídica brasileira, a judicialização e o ativismo judicial são traços marcantes. A judicialização é decorrente do modelo constitucional analítico e dos sistemas de controle de constitucionalidade existentes. Por seu lado, o ativismo decorre do modo de interpretar a Constituição, com uma postura proativa e expansiva, potencializando o sentido de alcance da norma além do estatuído pelo legislador ordinário. Entendemos que o legislador não é o único responsável por viabilizar a Constituição, pois o judiciário tem a missão, estabelecida pela própria Carta Política, de impedir ações ou omissões contrárias ao texto constitucional. Assim, para o cumprimento desta missão, necessário se faz vislumbrar o princípio da separação de poderes/funções não como um fim em si mesmo, mas como um meio para a efetivação da Constituição, devendo o judiciário atuar na preservação da supremacia da Constituição. 24 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Assim, sendo o Judiciário o guardião da Constituição deve agir como protagonista, atuando em prol da preservação dos direitos fundamentais e dos valores e princípios estatuídos pela Constituição, quando houver inércia e omissão dos demais poderes constituídos. Entretanto, deve existir uma limitação, pois deve o Poder Judiciário acatar as escolhas legítimas feitas pelo Legislativo, respeitando-se o princípio da Separação dos Poderes. Sintetizando, com as palavras de Luís Roberto Barroso, o ativismo judicial “é um antibiótico poderoso, cujo uso deve ser eventual e controlado. Em dose excessiva, há risco de se morrer da cura.” (BARROSO, 2009). Por fim, diante da omissão legislativa, o protagonismo judicial é legítimo e não ofende ao princípio da Separação dos Poderes, posto que a atuação do Poder Judiciário é decorrente da própria Constituição; porém, essa atividade do Judiciário deve ocorrer eventualmente e de forma controlada, dentro dos parâmetros estabelecidos no próprio texto constitucional. Referências BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2006. _________. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática. Revista Atualidades Jurídicas. nº 4, jan-fev/2009, OAB. Disponível em <http: //www. oab.org. br/oabeditora/>. Acesso em 20/09/09. CAPPELLETTI, Mauro. Tutela dos Direitos Difusos. Revista da AJURIS. Porto Alegre, ano XII, nº 33, 169-182, março, 1993. FREIRE JÚNIOR, Américo Bedê. A separação dos poderes (funções) nos dias atuais. In: http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao002/americo_freire.htm. Acesso em 16/08/09. STF- ADI 1458- Relator- Ministro Celso de Mello. STRECK, Lênio Luiz. As constituições sociais e a dignidade da pessoa humana como princípio fundamental, In: 1988-1998, uma década de Constituição; apud FREIRE JÚNIOR, Américo Bedê. A separação dos poderes (funções) nos dias atuais. In: http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edição002/americo_freire.htm- edição 46, 2004. Acesso em 16/08/09. TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. 2 ed. São Paulo: Malheiros, 2008. VELLOSO, Carlos Mário da Silva. As novas garantias constitucionais, in Revista dos Tribunais, nº 644, São Paulo, 1989, apud BARROSO, Luis Roberto. O Direito Constitucional e a efetividade de suas normas: limites e possibilidades da Constituição Brasileira. 8 ed. São Paulo: Renovar, 2006. 25 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Estudo de Propriedades do Concreto através de Microtomografia por Raio X e Scanner Comercial J.R.C. Pessôa G. Carvalho J. T.de Assis Rodrigues G.J.O A resistência é considerada como uma das propriedades mais importantes do concreto, nos fornecendo uma idéia geral de sua qualidade, estando ela diretamente relacionada com a estrutura da pasta de cimento hidratado. O grau de adensamento de um concreto está diretamente ligado à sua resistência. Verifica-se que a presença de vazios diminui muito a resistência chegando, segundo NEVILLE (1997), a uma redução de 30% na resistência com 5% de vazios ou a uma perda de 10% de resistência com 2% de vazios. Esses vazios são bolhas de ar aprisionado ou espaços deixados depois de retirado o excesso de água. O volume dessa água está ligado principalmente ao fator água/cimento da mistura. A influência do volume de poros sobre a resistência pode ser representada por uma função exponencial, segundo A. GRUDEMO (1975). Além do volume, a forma e as dimensões dos poros também têm influência na resistência do concreto. RÖSSLER e ODLER (1985) apresentaram uma relação linear entre a resistência e a porosidade dentro do intervalo entre 5% e 28%. Geralmente, para uma mesma porosidade, poros menores resultam resistência maior da pasta de cimento hidratado. WINSLOW e LIU (1990) viram que para uma mesma composição de pasta e mesmo grau de hidratação, a presença de agregado graúdo resulta aumento de porosidade. A presença de agregado miúdo também tem um efeito semelhante, porém menor. A microfissuração do concreto se inicia na interface entre o agregado graúdo e a pasta que o envolve. Nota-se que a microestrutura da pasta de cimento hidratada na vizinhança imediata das partículas do agregado graúdo difere da microestrutura do restante da pasta de cimento. Isso porque durante a mistura as partículas de cimento seco são incapazes de se dispor densamente junto das partículas relativamente grandes do agregado. Assim existe menos cimento presente para se hidratar e para preencher os vazios iniciais. Conseqüentemente a zona de interface tem uma porosidade muito maior do que a pasta de cimento em locais mais distantes do agregado graúdo. Professor do Instituto Politécnico da UERJ e Universidade Estácio de Sá-Campus Nova Friburgo. Professor do Instituto Politécnico da UERJ e Universidade Estácio de Sá-Campus Nova Friburgo. Professor do Instituto Politécnico da UERJ. Engenheiro da Eletrobrás Furnas - RJ. 26 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Nem sempre métodos diferentes de determinação da porosidade resultam em valores semelhantes. Isso porque os métodos tradicionais de determinação da porosidade geralmente alteram a estrutura da pasta de cimento, principalmente quando envolvem adição ou remoção de água. Um exemplo disso é o uso da intrusão do mercúrio no estudo do sistema de poros da pasta de cimento, que admite que os poros vão se estreitando com o aumento da profundidade, ao passo que, na verdade, alguns poros têm uma abertura mais estreita, o que distorce o valor da porosidade determinado pela porosimetria por intrusão de mercúrio COOK e HOVER (1993). A automação de métodos que determinem a porosidade de materiais é objetivo de trabalhos que vêm sendo produzidos recentemente. A maioria desses métodos trabalha com imagens de alta qualidade (microscopia e scanner de alta resolução) e com o uso de programas de processamento de imagens. Sendo o concreto um material heterogêneo, a porosidade de sua matriz é um importante parâmetro para que se possa avaliar a resistência mecânica, grau de impermeabilidade, resistência à abrasão e etc. Imagem digital O termo imagem digital, ou simplesmente imagem, refere-se à função bidimensional de intensidade da luz f(x,y), onde x e y denotam as coordenadas espaciais e o valor f em qualquer ponto (x,y) é proporcional ao brilho (ou níveis de cinza) da imagem naquele ponto JAIN(1989). Para gerar uma imagem digital, f(x,y) deve ser digitalizada ao longo de x e y, e na amplitude z = f(x,y). Para tanto é feita uma amostragem (normalmente uniforme) de f(x,y) nas direções x e y, gerando uma matriz de N x M amostras, seguida de uma quantização do valor de f(x,y) em L níveis cores. Nesta matriz, cada elemento (x,y), x = 0, 1, 2,..., M-1 e y = 0, 1, 2,.., N-1 é chamado de pixel (uma abreviação de picture elements). A caracterização da luz é fundamental na ciência que estuda as cores. Uma imagem colorida é uma imagem onde a cor em cada ponto (x,y) é definida através de três grandezas: luminância, matiz e saturação. A luminância está associada com o brilho da luz, a matiz com o comprimento de onda dominante e a saturação com o grau de pureza (ou intensidade) da matiz. Atualmente os modelos de cores são orientados para máquinas (vídeos, impressoras, scanners, etc.), para as mais variadas aplicações. O modelo mais utilizado para monitores e câmeras de vídeo é o RGB. A maioria das cores visíveis pelo olho humano pode ser representada como uma combinação de três cores primárias: vermelho (Red), verde (Green) e azul (Blue). O modelo de cor serve para facilitar a especificação de cores em um padrão. Substancialmente, um modelo de cor é especificado em um sistema de coordenadas 3D, e neste espaço cada cor é representada por um ponto. Assim, uma representação comum para uma imagem colorida utiliza três bandas R, G, e B com profundidade de 1 byte por pixel (a profundidade total será de 24 bits por pixel). No modelo RGB, cada cor aparece em sua componente espectral primária do vermelho (R), verde (G) e azul (B). A imagem colorida no sistema RGB é composta das intensidades das 3 cores variando do 0 a 255, o que permite a codificação de 27 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 aproximadamente 17 milhões de cores diferentes, embora o olho humano não possa reconhecer mais que 350000 cores simultaneamente. Processamento de imagem Entendendo-se imagem como uma forma compacta de representar muitas informações, em um sistema de processamento de imagens estas informações podem passar por diversas formas de representação a partir do objetivo definido para aplicação. O primeiro passo é a aquisição de uma imagem, onde pode ser utilizado um tipo de sensor para digitalização. O sensor pode ser um scanner, uma câmera de TV, um tomógrafo, etc. A natureza do sensor e da imagem que ele produz é determinada pela aplicação. O estágio da segmentação divide uma imagem de entrada em partes ou objetos constituintes. No caso de reconhecimento de imagens, o papel básico da segmentação é extrair objetos ou regiões (ex. vazios, grãos ou agregados de grãos da imagem). A Morfologia Matemática foi criada em meados da década de 60, pelo grupo liderado por Georges Matheron e Jean Serra, da École Supérieure des Mines de Paris, em Fontainebleau BANON e BARRERA (1998). Até o final dos anos sessenta, seu grande potencial para a análise de imagens ganhou reconhecimento e utilização na Europa, principalmente nas áreas envolvendo Microscopia. A partir dos anos oitenta, a Morfologia Matemática começou também a ser difundida nos Estados Unidos e hoje é um fértil campo de pesquisas. Ao longo das últimas três décadas a Morfologia Matemática tem sido aplicada intensivamente a problemas de análise de imagens microscópicas, e é uma ferramenta poderosa na análise destas imagens MEYER (1986). No processamento de imagens, o estudo morfológico concentra-se nas características geométricas das imagens e aplica-se em diversas áreas do processamento de imagens, como filtragem, segmentação, realce e outras. A idéia principal da morfologia matemática consiste em conjuntos de picture elements (pixels), que são reunidos em grupos, representando uma estrutura bidimensional (forma), e sobre os quais são realizadas operações matemáticas que ressaltam aspectos específicos das formas para que estas possam ser reconhecidas e medidas. A Morfologia Matemática pode ser traduzida como a aplicação de definições e princípios matemáticos ressaltando aspectos específicos das formas permitindo que sejam contadas ou reconhecidas. É uma metodologia para a descrição de operadores, e sua base consiste em extrair de uma imagem desconhecida a sua geometria e topologia através da utilização da transformação de outra imagem completamente definida, chamada elemento estruturante. Existem dois operadores básicos (abertura e fechamento), e todas as outras operações são formadas a partir desses dois operadores (ex. dilatação, erosão, esqueletização, etc.). As principais aplicações da Morfologia Matemática são nos processos de filtragem de ruídos, segmentação de partes, esqueletização, etc. 28 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Procedimento Experimental Foram utilizadas quatro corpos-de-prova cilíndricos medindo 25mm de diâmetro e 50mm de altura, confeccionados com concreto comercial. Para a execução das microtomografias 3D, foi utilizado um aparelho compacto de microtomografia de alta resolução (~ 10 m) da SkyScan, modelo 1172, figura 1. Esse sistema possui um tubo de raios X que opera dentro de um intervalo de tensão de 20 a 100 kV e com potência até 10 W. Possui um tamanho de foco variável com a potência aplicada. Figura 1 – Sistema SkyScan 1172 Vários processos podem ser realizados para minimizar os efeitos distorsivos da tomografia: (a) a introdução de materiais filtros a serem colocados entre a fonte de radiação e o objeto a ser inspecionado, como, por exemplo, alumínio, cobre ou latão, (b) utilização de pequenas amostras e (c) correção durante o processo de reconstrução das imagens. Foi desenvolvido um programa em MATLAB® para ler cada imagem gerada e determinar a área de vazios. Para cada corpo-de-prova foram obtidas em média 900 imagens. Cada imagem foi ajustada em contraste, binarizada e filtrada utilizando a operação de erosão com elemento estruturante circular de raio igual a 2 pixels para a remoção de pontos isolados interpretados como ruído. Na imagem-resultado foram contados os vazios obtidos. Uma representação dessa operação é descrita na figura 2. 29 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Figura 2 – Etapas do processamento das imagens obtidas Para obtenção das imagens por scanner foi utilizado scanner comercial. Essas imagens foram digitalizadas na resolução de 2400 dpi. Foi desenvolvido um programa em MATLAB® para ler a imagem e separá-la em suas componentes HSV. A componente V foi ajustada em contraste e binarizada. Essa imagem foi filtrada utilizando a operação de erosão com elemento estruturante circular para a remoção de pontos isolados, que está sendo interpretado como ruído. Nessa imagem-resultado foram contados os vazios obtidos. Uma representação dessa operação é descrita na figura. 3. Figura 3 – Etapas do processamento das imagens obtidas por scanner 30 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Resultados obtidos através da microtomografia Foi utilizada a seguinte nomenclatura para os corpos-de-prova: CP01 = Corpo-de-Prova 1 Para cada corpo-de-prova foram analisadas aproximadamente 900 imagens e obtidos os seguintes dados: área total da amostra, área de concreto, área de vazios (poros), porosidade da superfície (em %) e desvio padrão. A tabela 1 mostra o número de imagens analisadas, a porosidade média e o desvio padrão, por corpo-de-prova. Tabela 1 – Porosidade calculada através das imagens microtomografadas Corpo-de-Prova CP01 CP02 CP03 CP04 Imagens 962 861 962 669 Porosidade Média (%) 2,086 4,215 5,514 5,709 Área Total Área de Concreto x 100 Área Total Nota-se que a porosidade média calculada para os quatro corpos-de-prova através das 3.454 imagens analisadas convergem para um valor constante de aproximadamente 4,5%. Índice de Porosidade (%) Resultados obtidos através de scanner comercial (Flatbed Scanner) Foi utilizada a seguinte nomenclatura para as imagens dos corpos-de-prova. CP01I = Corpo-de-Prova 1 – Imagem Inferior CP01S = Corpo-de-Prova 1 – Imagem Superior Para cada corpo-de-prova foram analisadas duas imagens obtidas na parte inferior e superior dos mesmos. A tabela 2 mostra o resultado para a porosidade obtido através do processamento das imagens obtidas por scanner e o desvio entre os resultados encontrados pelos dois métodos utilizados Tabela 2 - Resultados obtidos por scanner e o desvio entre os dois métodos utilizados. Amostra CP01S CP01I CP02S CP02I CP03S CP03I CP04S CP04I Porosidade(%) 2,100 2,105 3,810 5,280 5,865 4,535 7,220 3,880 Media (%) 2,103 4,545 5,200 5,550 Desvio (%) 0,8 5,2 6,0 2,8 31 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Desvio(%) PS PT PS 100 onde; PS porosidade média das amostras scanneadas , PT porosidade média das amostras tomografadas. A figura 3 mostra um gráfico comparando a porosidade encontrada para cada amostra através dos dois métodos de obtenção das imagens. 6 5,5 Scanner Tomógrafo Índice de Porosidade (%) 5 4,5 4 3,5 3 2,5 2 1 2 3 4 Amostra Figura 3 – Gráfico comparativo entre os dois métodos propostos Considerações Finais Neste trabalho foram apresentadas duas técnicas para obtenção de imagens digitais em corpos-de-prova de concreto. Uma utilizando microtomografia e outra utilizando scanner comercial. Através de técnicas de processamento de imagens foi determinada a porosidade das amostras e feita a comparação entre os resultados obtidos pelos dois métodos propostos. Observou-se que a média entre as porosidades encontradas para as diversas imagens numa mesma amostra é a melhor representação para o valor procurado. Nota-se ainda que a média total de porosidade de cada amostra converge para um valor constante de aproximadamente 4,5%, valor esse compatível com valores conhecidos de porosidades nesse tipo de concreto. Observou-se uma relação entre os valores encontrados pelos dois métodos, para uma mesma amostra como pode ser observado na figura.3. De acordo com a tabela 2 foi observado que existe em algumas amostras uma diferença significativa entre o valor encontrado para a porosidade calculada através das imagens obtidas 32 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 nas duas faces do corpo-de-prova. Acreditamos que isso ocorreu devido a alguns fatos a serem considerados: (a) como os corpos-de-prova são pequenos, as imagens obtidas para processamento também tem um tamanho reduzido; (b) quando se observou em uma imagem uma área grande ocupada por um agregado graúdo recortamos a mesma para que a área da imagem obtida melhor representasse a matriz do concreto e não distorcesse os resultados; (c) só foi obtida uma imagem por face do corpo-de-prova devido ao seu tamanho reduzido; (d) só utilizamos duas faces de cada amostra por não ser possível fatiá-las em mais faces sem que comprometesse a integridade do corpo-de-prova. Para as imagens obtidas por scanner, primeiramente foi necessária uma calibração do programa devido ao tipo de equipamento. Embora o estudo ainda se encontre em fase inicial, os resultados encontrados até o momento se mostram promissores, com valores obtidos da mesma ordem de grandeza e pequena diferença em relação ao valor obtido experimentalmente por outros autores. Para trabalhos futuros pretendemos utilizar produtos reagentes com o agregado graúdo ou com a matriz do concreto para melhor diferenciá-los. Agradecimentos Os autores agradecem ao suporte financeiro dado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e pela Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ) para desenvolvimento desta pesquisa. Referências Neville A.M. (1997) – “Propriedades do Concreto”, Pini 2ªEd. São Paulo – Brasil. Grudemo A. (1975) – “Development of strenghtproperties of hydrating cement pastes and their relation to structural features”, Cembureau. Rössler M. and Odler I. (1985) – “Investigations on the relationship betwen porosity, structure and strength of hydrated Portland cement pastes”. Effect of porosity, Cement and Concrete Research, 15, N°2, pp 320-30. Winslow D. and Liu D. (1990) – “The pore structure of paste in concrete”. Cemente and Concrete Research, 20 N°2, pp 227-84. 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Hayden White Na escola, dado ao seu caráter formativo, existe a possibilidade de se identificar as possíveis relações entre os conceitos de representações mentais (fantasias, imaginação) e os processos sócio culturais (cooperação, conflito) vividos pelos indivíduos em suas familias, comunidades e em outros grupos sociais. As ações, a linguagem, os dizeres e os fazeres, o comportamento, os hábitos e atitudes, a formulação de conceitos e valores são dados indicativos para se identificar um grupo, diferenciando-o dos demais. Na instituição escolar a relação entre “rua” e “escola” fica estabelecida entre alunos, professores, funcionários, servidores e gestores dentro de um discurso que valoriza o instituído, o conhecimento formal, em detrimento dos conhecimentos trazidos pela “escola da vida”, que aqui chamarei de “rua”. Por que os valores trazidos pelos alunos causam tamanha celeuma e são alvo de tanto preconceito? No espaço escolar essa segregação se perpetua com o discurso: “os alunos não sabem nada”, “os alunos não tem cultura”, já desde o inicio desqualificando os valores culturais e vivenciais trazidos da “rua”. Tal discurso faz parte da nossa tradição, contudo, no avanço da construção de projetos educativos é preciso atentar para este fato e procurar dirimí-lo, uma vez que “educar é colaborar na construção de sujeitos sociais, culturais, políticos. É estar atentos a essa construção, aos sujeitos coletivos educativos” (Arroyo, 2001, p.273). Professora da Universidade Estácio de Sá- Psicóloga e Mestre em Cognição e Linguagem, pela Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro/UENF. Mestre em Educação e Desenvolvimento Humano, pela UNESA. Especialista em Neuropsicologia, pelo Conselho Regional de Psicologia do Rio de Janeiro. 34 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Considero que a partir de uma associação interrelacional possa haver um reconhecimento mútuo e uma possível troca de experiências entre os Mestres da Rua (o saber dos alunos, os lideres de grupos comunitários, os atores não reconhecidos pelos mecanismos formais de ensino, etc.) e os Mestres do Ensino formal. Outras questões se impõem: como é que práticas sócio culturais (fora da escola) constituem uma cultura marginalizada perante a escola? Como os professores de escolas (públicas ou privadas) ratificam a marginalização dos representantes dos saberes da rua, não obstante seu reconhecimento fora da instituição escolar? As vivências culturais (capoeira, maculelê, samba de roda, repente, dentre outros) contribuem para a construção de uma nova identidade que atenda as exigências identitárias do mundo atual? Com essas reflexões e questionamentos pretendo fomentar uma discussão sobre a possibilidade da existência de uma relação profícua e respeitosa entre a rua e a escola, a partir da mudança das representações mentais dos indivíduos que ocupam esses espaços. Cabe assinalar que, paralelamente às tentativas de ampliar o conhecimento sobre essas relações intergrupais na escola e sua interação no processo educativo, serão consideradas as abordagens: Sóciointeracionista de Vigotsky e Cognição Cultural de Tomasello. Educação e processos sociais Em um artigo intitulado “Educação Fisica e Escola: A capoeira como alternativa presente”, Freitas e Freitas (2002, pp 12-3), destacam que em função de sua gênese sócio histórica, a capoeira é mantida a distancia do meio acadêmico, salvo nos casos em que é objeto de estudo sócio antropológico. Os agentes sociais (representantes de rua) que detêm esse saber são tradicionalmente mantidos afastados dos meios culturais elitizados. No caso especifico da capoeira, projetos eugênicos discriminatórios a desvalorizaram como agente disseminador de cultura, sendo em parte, responsáveis por sua marginalização e exclusão. Não se pode descartar o peso da história de domínio e submissão do povo latino americano que tem grandes desafios a enfrentar, conforme Anita Novinsky, Presidente do Congresso Internacional América 92 – Raízes e Trajetórias: “O desafio da América em moldar um novo homem é um fardo pesado, que implica uma comunhão de esforços em prol da educação, de uma orientação humanística, onde o valor supremo já não seja salvar as almas, mas, como diz Leopoldo Zea, salvar o homem que vive e morre. Não é a grandeza da conquista que faz a América orgulhosa de seu passado, mas a história clandestina de seus hereges, de seus índios, de seus negros, de seus judeus. É a mistura de povos que antecipa o mundo futuro onde, esperamos, não haverá mais lugar para “raças puras”. A herança que nos honra não é a que recebemos dos dominadores, mas dos milhares de espanhóis e portugueses que resistiram e sucumbiram à dominação.” O problema da marginalizaçao dos representantes da rua não é recente e nem circunscrito aos países latinoamericanos, contudo constitui-se (como os demais preconceitos) 35 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 em um novo objeto social. A educação entendida como processo tem como objetivo a transmissão de conhecimentos e padrões de comportamentos visando a continuidade da cultura social. O ensino formal discrimina o modo de agir de uma população que se mantém fora dos registros formais ou dos padrões normativos elitizados, avaliando-a com preconceitos e dificultando sua interação com o processo educativo. Os processos sociais são as interações repetitivas de padrões de comportamentos encontrados na vida social e mostram como os indivíduos e os grupos se relacionam e estabelecem relações, a saber: acomodação (ajuste a situações conflitivas), conflito, cooperação, competição, assimilação (mais longo e complexo, implicado na alteração profunda dos modos de pensar, sentir e agir que solucionem conflitos). Tais processos se desenvolvem especialmente no espaço escolar, mas não exclusivamente. O desenvolvimento cognitivo cultural (...) “qualquer função presente no desenvolvimento cultural da criança aparece duas vezes e em dois planos diferentes. Em primeiro lugar, aparece no plano social e depois no plano psicológico. Em princípio, emerge entre as pessoas e como uma categoria inter psicológica. (...) As relações sociais ou as relações entre as pessoas são geneticamente subjacentes a todas as funções superiores”. Vigotsky (1984, p.23) A “linha cultural de desenvolvimento cognitivo” formulada por Vigotsky considera os bebês como seres culturais que ao longo dos primeiros nove meses de vida vão se tornando membros de suas culturas, num processo cada vez mais ativo e participativo. Aprendem individualmente sobre o mundo em que nasceram antes de entenderem os outros como seres intencionais. A partir daí, entendendo os outros como agentes intencionais iguais a eles mesmos, um novo mundo de realidades intersubjetivamente partilhadas começa a se abrir. É um mundo povoado de artefatos e de práticas sociais materiais e simbólicas que os membros de sua cultura, tanto os passados como os presentes, criaram para que os outros os usassem. E as crianças aprendem a utilizar os artefatos de forma adequada e a participar dessas práticas sociais da forma como elas foram concebidas, dependendo para isso de um “outro” social. Monitorar as relações intencionais dos outros com o mundo externo, para Tomasello (2003, p.128), também significa que a criança – quase que por acidente, monitora a atenção das outras pessoas quando estas se ocupam dela. Isso “dá inicio ao processo de formação do auto conceito, no sentido de que a criança entende, mental e emocionalmente, como os outros (a) vêem...”. Essa capacidade de ver o eu como um dos participantes, entre outros, capacidade de interação, é a base sócio cognitiva da aptidão da criança de compreender os eventos socialmente compartilhados que constituem o formato básico da atenção conjunta para a aquisição da linguagem e de outros tipos de convenções comunicativas. Segundo o referido autor “a compreensão dos outros como agentes intencionais é o passo fundamental na ontogênese da cognição social humana” (p.129), o que possibilita o início da “linha cutural de desenvolvimento” da criança, que irá durar a vida toda e que a capacitará para se engajar em 36 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 vários processos de aprendizagem cultural e para a internalização das perspectivas das outras pessoas. Vigotsky (1984) reconhece o caráter social e cultural do comportamento humano como um elemento particular e diferenciador da nossa espécie que pode significar o ponto de partida na resolução do complexo problema das relações entre desenvolvimento pessoal, social e educação. Para ele o desenvolvimento cultural se dá no plano social e posteriormente, no psicológico. As representações mentais A representação mental é a função cognitiva que tem por finalidade analisar, armazenar, categorizar, evocar e transmitir informações captadas do mundo externo, através dos órgãos sensoriais, e, do mundo interno, através das memórias filo e ontogenéticas; atua no plano neuropsicológico resignificando as imagens. A partir das vivências recíprocas entre os atores da rua e os da escola novos padrões poderão ser instaurados através de novas representações mentais. Os padrões individuais e coletivos podem ser (re)significados uma vez que haja o reconhecimento dos entraves e dos preconceitos, e que os envolvidos possam refletir sobre sua condição no mundo. A escola é um espaço rico para que ocorram tais transformações, desde que reconheça o quão elitizado tem sido o seu discurso, preso a uma ideologia empobrecida pela visão reducionista sobre as classes menos favorecidas. Os desafios da Educação Bauman (2008) aponta desafios para a educação contemporânea, tais como, aceitar que o atributo de durabilidade do conhecimento não é mais desejável, que se tornou anacrônico ante os imperativos da vida nas sociedades atuais, face à natureza imprevisível das mudanças. O mundo muda de uma forma nunca antes imaginada e os conhecimentos, junto com os critérios de verdade que os validam e legitimam, não são mais aceitos e não se sustentam. A análise sociológica de Bauman é permeada por suas preocupações com a educação, apesar de pouco abordar esse tema diretamente. Seu eixo se encontra nas repercussões na educação da passagem do mundo ordenado, seguro e resolvido da "modernidade sólida" para a condição instável, fluída e mutante da "modernidade líquida". Segundo o autor, nos períodos cruciais da história humana, quando estratégias consagradas e consideradas confiáveis não mais se sustentavam e precisavam ser reformadas, a pedagogia esteve sempre implicada nessas transformações. Contudo, os desafios contemporâneos colocam sob suspeita a própria idéia de pedagogia, aquilo que a constituiu como tal, e certezas jamais criticadas são condenadas e substituídas. No mundo líquido moderno, também a solidez dos legados humanos é interpretada como uma ameaça. 37 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Considerações finais À medida que a cognição cede lugar à recognição, as imagens pertencentes aos padrões anteriormente estabelecidos assumem uma função progressiva de transformação. A restauração da memória é acompanhada pela recuperação do conteúdo cognitivo da fantasia e o peso dessas redescobertas deve finalmente desmontar a estrutura em que tais imagens ficaram confinadas. O fato de vivermos em uma sociedade global e, ao mesmo tempo particularizada, individualista e de múltiplas faces, nos impele a significarmos nossa presença no mundo traçando novos rumos, novos discursos e novas empreitadas, a fim de respondermos às exigências de diferentes ordens. Em outras palavras, a construção de um novo cidadão que nos remeta à necessidade de uma nova forma de ser. A escola e a rua nesse processo devem estabelecer uma relação de retroalimentação constante, de troca de significados e de posicionamentos frente às atuais demandas sócio cultural e ambientais. Referências ABREU, Frederido Jose. Praticando Capoeira Especial. Revista no.1, Ano 1. São Paulo: Ed D+T, 2009. ALVES-MAZZOTTI, Alda e Gewandsznajder. O método nas ciências naturais e sociais: Pesquisa Quantitativa e Qualitativa. São Paulo: Ed. Pioneira, 2001. BAUMAN, Zygmunt. Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadorias. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008. __________ Identidade. 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Tem origem nas ciências de organização, e surge num contexto de crise do modelo de organização taylorista e fordista, mundialização da economia, exacerbação da competição nos mercados, exigências de melhoria da qualidade dos produtos e flexibilização dos processos de produção e de trabalho, e dentro deste contexto as empresas passam a utilizar as aquisições individuais da formação do individuo, sobretudo na escola, em função de suas necessidades organizacionais. A Autora define competências como algo “inseparável da ação e dos conhecimentos teóricos e/ou técnicos são utilizados de acordo com a capacidade de executar as decisões que a ação sugere. A competência é a capacidade de resolver um problema em uma situação dada. A competência baseia-se nos resultados.” A pedagogia das competências começa a ganhar força nos anos 80, e é implementada na França na Charte des programmes de 1992, que “enuncia os princípios de diretivos dos programas de ensino para todos os ciclos da educação geral”, que para a autora é o marco da passagem entre o ensino focado nos saberes disciplinares para um ensino que foque a produção de competências diversas conforme a execução de tarefas. Esta pedagogia é focalizada em objetivos de referencias (Ensino Geral), referenciais (Ensino profissional) e referencia de atividades (nas empresas), ou seja, é voltado para Competências terminais a serem adquiridas no final do curso, do ano, ou da formação, que são descritos detalhadamente. Sendo esta também a forma de identificação de competências requeridas pelos empregos. A experiência francesa demonstra uma tendência ao foco no aluno, colocando-o ator de seu percurso, e ficando as organizações motivadas a valorizar os percursos e competências individuais dentro do percurso profissional. DELUIZ (2001) alerta para os riscos de adoção do conceito de competências de forma acrítica, apontando para a utilização da formação por competências exclusivamente para as necessidades de produção do mercado, e que sem a utilização do ensino politécnico, esta abordagem se torna restritiva, instrumentalizante e tecnicista. A Autora demonstra que no Brasil, devido a dualidade entre educação geral e educação técnico-profissional, aprofunda a separação entre concepção e execução, pois sem a ampliação da base da educação geral, os trabalhadores recebem uma formação insuficiente pela rápida obsolescência de conhecimentos, sem os aprofundamentos necessários. Professor convidado especialista em Gestão de Recursos Humanos e Mestrando em Educação. 40 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 A autora encerra o artigo reafirmando que é necessário maior questionamento na utilização da abordagem por competências especialmente pelo manuseio do conceito para formação restritiva e exclusiva ao mercado, questionando também o papel das políticas públicas no sentido de articulação de um sistema em que todos os atores sociais estivessem envolvidos. Considerações finais A partir do novo olhar e de novas concepções sobre o mundo do trabalho, verifica-se a grande questão sobre a abordagem das competências, sua definição clara, sua forma de utilização e instrumentalização. Os conceitos de politecnia estão sendo utilizados de forma desastrosa, confundindo com polivalência e multiplicidade de tarefas, com o conceito de competências que estão contidas dentro da própria sistemática de formação e de educação da abordagem Gramsciana. A formação profissional é posta em cheque quando se apropria de conceitos não claros, e formam um trabalhador situacional, voltado as necessidades imediatas de mercado tornando esta qualificação descartável, se for o caso de mudança, o que é praticamente certo dentro do mundo da especialização flexível, já que a flexibilidade do mercado é o agente definidor da premissa maior deste modo de produção. É necessário uma reflexão profunda do papel da educação geral no processo de formação do trabalhador e do ensino profissional, surgindo várias críticas a adoção desse modelo na educação brasileira, como o caráter ideológico da articulação entre escolaridade básica, competência e empregabilidade, onde as competências são tomadas como naturais, inerente ao indivíduo e não criadas e possibilitadas socialmente. Deluiz também atenta ao risco da adoção desse tipo de pedagogia, como atendimento exclusivo ao mercado, preocupação com o produto e não com o processo de construção e a responsabilização do trabalhador pela aquisição e manutenção dessas competências. Para Deluiz, os referenciais curriculares são conceitualmente construtivistas e operacionalmente funcionalistas. A mudança no foco da educação profissional com ênfase na laborabilidade ou trabalhabilidade deve-se à escassez das formas tradicionais de emprego e mudança no perfil requerido. Estas competências são conjuntos de conhecimentos (saberes), habilidades (saberfazer) e valores (saber ser) desenvolvidos através de ações-projetos, situações problemas encontradas no mercado. Referências DELUIZ, Neise. O Modelo das Competências profissionais no mundo do trabalho e na educação: implicações para o currículo. Boletim Técnico do SENAC v. 27, n.3, set./dez., 2001. 41 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Credibilidade, Diálogo e Cidadania : Necessidade latente de abertura do sistema empresarial Roberto F. Vieira “(...) não há diálogos sem sujeitos, sem aqueles que se expõem e se dispõem às trocas, que se expressam e se abrem às idéias e aos conceitos de um outro alguém, na busca por novos entendimentos”. Andréa Faria A credibilidade não se conquista apenas com a abertura da organização no sentido de informar aos públicos como que se relacionam suas políticas, filosofias e atitudes. Ela provém, principalmente, da manutenção de um diálogo verdadeiro, baseado numa autêntica interação entre as partes. Disse, (ANDRADE, 1989, p. 91), a respeito da eminência do diálogo: “(...) A época do isolacionismo está sepultada (...). Há necessidade urgente de intercâmbio de idéias, de experiências e de interesses. Somente o diálogo com todos pode permitir o progresso. Não existe questão que não possa ser equacionada e solucionada por meio de debates e da compreensão mútua (...”). Dado que a sociedade apresenta, hoje, características bastante peculiares, tal como a crescente soberania do interesse público em detrimento dos interesses privados, os conflitos entre organização e comunidade tende a se agravar se não houver um redimensionamento dessa relação. Tal redimensionamento só se tornará viável mediante a adoção de uma atitude dialogal, que busque uma sintonia de interesses e estabeleça o entendimento com base em um consenso. E importante que se diga que esta necessidade de diálogo não se restringe somente à relação organização-comunidade, mas, antes, permeia todo o ambiente social em que os indivíduos interagem continuamente uns com os outros. A reflexão sobre o aspecto inter-humano - base primeira das relações - nos permite compreender uma nova dimensão de mundo e nela estabelecer outras formas de interpretar o sentido de comunidade e de organização. Ambos são segmentos orgânicos, se compõem de um conjunto de indivíduos. Mas, a comunidade, em seu sentido lato, incorpora a organização (esta vista como cidadã, como vizinha), substituindo, assim, a existência de duas categorias por uma, realidade única e portadora de um significado mais amplo, e por isso mesmo dialético: a realidade social. Professor da Universidade Estácio de Sá - Unidade Nova Friburgo/RJ. Pesquisador stricto sensu em Ciências da Comunicação pela USP. Como pesquisador é vinculado a Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação – INTERCOM. Autor dos livros “Relações Públicas: opção pelo cidadão” (2002); “Comunicação Organizacional: gestão de relações públicas” (2004) e “Organizações e o Interesse Público” (2012). Organizador da coletânea “Jornalismo e Relações Públicas: ação e reação” (2004). 42 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Nesse contexto, a organização se torna parte integrante da comunidade, e a partir desse momento, verdadeiramente responsável pelas questões que afetam de forma direta o desenvolvimento comunitário. Para que melhor se entenda essa dialética do sistema social, inserida na comunidade e incorporando-a a organização, é preciso que seja aprofundado o conhecimento a respeito do inter-humano, da relação do EU e TU proposta por Bubber. Só compreendendo a riqueza do diálogo entre os indivíduos, que nesse ato responsável se distinguem da massa e se tornam pessoas, chegamos a autenticidade primeira das relações. Há que se resgatar esse aspecto do inter-humano a fim de que não se corrompam os entendimentos e o respeito às diferenças, bem como o processo consensual resultante do diálogo. Conquanto, a organização não seja um indivíduo, é fundamental que se configure à mesma um sentido de humanização, onde o relacionamento com grupos, como a comunidade, deixa de ter um caráter eminentemente político e ou mercadológico (busca da aceitação para não inviabilizar o sistema de produção), para assumir um papel social em sua essência. O pensamento de (BUBBER, 1987, p. 123), apresenta o problema do inter-humano e dos conflitos advindos dos interesses individuais como uma situação própria da sociedade, uma questão dialética a ela inerente, que suscita o debate e acaba por enriquecer e reconstruir esta relação do EU com o TU. Tal dimensionamento pode ser a base para a compreensão da relação organização-comunidade. Diz Bubber sobre a responsabilidade dos homens no contexto social: “Creio que a sociedade, imensa inter-relação de muitos homens, só é real na medida em que consiste em relações autênticas entre os homens. Por outro lado, creio igualmente que o indivíduo atinge a realidade na medida em que se torna pessoa (...) Como pessoa, é responsável por eles (outros homens) e aceita a responsabilidade deles por sua própria pessoa (...) ao mesmo tempo em que sempre se oferece como pilar sobre o qual será construída uma ponte sobre si e sobre seus parceiros momentâneos – ponte eterna que desaba a cada momento, mas que a cada momento se reconstrói novamente”. Quando dizemos que o diálogo do EU com o TU, proposto por ( BUBBER, 1987, p.132), pode servir de respaldo às relações entre uma organização e comunidade, dentro do contexto social, estamos tentando provar que através da inserção da empresa na comunidade, dada em virtude de seu processo de humanização, se torna possível um dialogar mais autêntico entre as partes e uma conscientização efetiva sobre o papel social para com aqueles que agora repartem com ela o espaço comunitário. Os interesses da coletividade se tornam, também, interesses da iniciativa privada. As divergências passam a ser resolvidas dentro de um único grupo – a comunidade. E o empresário, ou aquele que o representa, discute e defende suas idéias assim como qualquer um dos membros. A diferença está no fato de que se vendo como um desses membros, este adquire uma nova visão das conseqüências advindas de alguns de seus interesses e se torna consciente do real sentido do termo „compromisso social‟. Seu ato se torna socialmente responsável, porque se torna consciente. A definição de ( BUBBER, 1987, p. 132), sobre comunidade mostra que tal fato é possível, pela própria natureza dessa forma de organização, e diz: “A verdadeira comunidade (...) nasce de duas coisas: do fato de estarem todos em 43 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 relação viva e mútua com um centro vivo e de estarem unidos uns aos outros em uma relação viva e recíproca. A comunidade edifica-se sobre esta relação viva e recíproca (...)”. Se a comunidade se origina, então, dessa relação viva e recíproca, e a empresa, para estabelecer com ela o entendimento, participa desta relação tornando-se aberta e com ela interagindo, não há nada de errado em se dizer que a empresa se integra à comunidade. Contudo, esta nova estrutura, esse redimensionamento das relações estabelecidas entre a iniciativa privada e a coletividade, não isenta o ambiente social do conflito entre estas duas forças. Mesmo porque, o conflito é próprio da situação de devir, símbolo máximo da contemporaneidade. O mundo tende a sofrer, num espaço de tempo cada vez mais curto, um número cada vez maior de alterações. Ele está em constante processo de transformação, e por esse motivo é pura dialética. As proposições encerram em si mesmas o gérmen de sua própria negação, o que gera um conflito dentro do próprio „objeto‟. Hegel, ( apud D‟HONDT, 1984, p. 91-92) em Sciece de la logique, confirma essa idéia ao dizer que: “a contradição reside nas próprias coisas e instituições (...) e que uma coisa não é viva senão na medida em que encerra uma contradição e possui a força de a conter e sustentar (...)”. Assim sendo, a comunidade e o sistema social, como um todo trazem em si a contradição, vivendo o conflito que lhes é inerente e buscando uma solução que permita a sua continuidade enquanto instituições. Esse conflito não deve ser visto como algo negativo; mas ao contrário, como um impulso à transcendência. Da mesma forma, a empresa inserida na comunidade, não deixará de ter com esta interesses divergentes, caracterizando-se desse modo, o conflito. Nesse momento, uma passa a ser a „antítese‟ da outra, e a partir desses dois posicionamentos, eis que surge a síntese, neste caso representada pelo consenso havido entre as partes. A própria inserção da organização na comunidade pode ser vista sob o prisma dialético, visto que consiste em uma transformação do „status quo‟ até então vivenciado. A organização e a comunidade interagiam, mas funcionam separadamente. A nova situação proposta funciona como refutação da idéia primeira, e o resultado oriundo do antagonismo destes posicionamentos não é a anulação da organização diante da comunidade, mas a sua inserção nesta, o que não a descaracteriza, visando maior entendimento e a busca de uma perfeita sintonia de interesses. A comprovação do processo dialético está na própria definição de „dialética‟ de Hegel, (apud D‟HONDT, 1984, p.41) “A dialética, para Hegel é, antes de tudo, o principio de desenvolvimento de toda a realidade (...)”. Acrescenta-se que desde a época dos gregos, já se enunciava o caráter imprescindível do modo dialético. Assim (HERÁCLITO, 1985 Coleção os Pensadores) diz que “tudo se origina por oposição e tudo flui como um rio”, o que nos permite verificar a imanência da transitoriedade na realidade humana e social. Em síntese é a palavra „sintonia‟ que confere novo significado a este procedimento. Porque, pressupõe, antes de tudo, o respeito pela diferenciação e a reciprocidade desse 44 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 respeito, que é a base para a existência do diálogo e, conseqüentemente, obtenção do consenso. Consenso que nos leva a „compreensão mútua‟. A compreensão mutua e o resgate do valor humano O conflito sendo iminente na sociedade, talvez faça parte do contexto social, não havendo como expurgá-lo de nosso meio, já que tudo é dialético. Mas, visto que a compreensão mútua não significa, necessariamente, a negação desse processo dialético, devendo mesmo basear-se no respeito às diferenças e na necessidade de transformações contínuas para um maior desenvolvimento das partes, não procede separar „compreensão mútua‟ – de „conflito‟. Um pode perfeitamente, se entendido como antagonismo, se resolver por intermédio do outro – a compreensão mútua. Porque, esta última pressupõe o estabelecimento de uma atitude dialogal, onde sabemos conflitua-se, muitas vezes, interesses diversos. A ordem social pode não atender a todos esses interesses, mas partirá de um princípio de justiça, que se aceito pelas partes, culminará senão na integração, pelo menos na consciência do respeito às diferenças para a perpetuação do modelo democrático. É bom lembrar que! O desgaste da expressão „compreensão mútua‟, usada excessivamente para a legitimação das atividades empresariais, e para maior aceitação destas, pela opinião pública, gerou um descrédito na possibilidade das diferenças se entenderem e criarem uma nova instância que represente um consenso. Como nos diz Hegel (apud D‟HONDT, 1984, p.70), “(...) cegos são aqueles que conseguem acreditar que podem persistir instituições (...) que deixem de concordar com os costumes, as necessidades e a opinião das pessoas (...)”. Depreende-se das palavras de Hegel que o processo é eminentemente dialético; mas que suas contradições podem se dissolver de maneira negativa, resultando em aniquilamento de uma das formas, caso não haja a procura do entendimento, ou seja, de uma verdadeira „compreensão mútua‟. Eis que (HERÁCLITO, 1985, p.77) nos coloca diante de uma possibilidade desse entendimento, quando diz: “que o universo é gerado não segundo o tempo, mas segundo a reflexão”. Assim sendo, o processo reflexivo pode nos conduzir a convivência harmoniosa, que busque a resolução dos conflitos. Obviamente, para que essa expressão readquira o seu significado pleno, é preciso resgatar alguns valores humanos, aplicáveis às organizações, que se perderam diante de uma moral capitalista. Neste ínterim, tanto o conflito, que pode gerar mudanças nas estruturas vigentes, quanto o diálogo e a compreensão mútua, que podem resultar num consenso, ambos podem levar a conscientização do empresariado sobre o papel que tem a desempenhar na comunidade. A transformação dessa consciência organizacional pode se processar de duas maneiras: uma categórica e idealista; outra, libertária e estrutural. A primeira se baseia no pensamento kantiano e nas suas noções de moral e liberdade. O empresário, analisado segundo essas noções, tem na moral um dever, não podendo permitir que outros interesses interfiram no seu 45 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 ato de responsabilidade para com a comunidade. A consciência é uma conseqüência do reconhecimento de um dever moral. A segunda situação que pode acarretar mudanças estruturais na organização privada, bem como a introjeção de um comportamento socialmente mais responsável, tem por base as idéias de Michel Foucault. Segundo ele, o modo de ser do homem, embora se vincule as positividades que o limitam, traz em si o gérmen da libertação (pela transcendência), que se torna uma opção de escolha. O mecanismo de distanciamento e retorno da origem possibilita ao indivíduo reavaliar seu papel no mundo e o das estruturas vigentes que o cercam. Diz (FOUCAULT, 1985, p. 330-344). “Na verdade (...) esta primeira descoberta da finitude do homem é instável; nada permite detê-la sobre si; e não se poderia supor que ela promete também esse mesmo infinito que ela recusa, segundo o sistema de atualidade? (...) é a reflexão, e a tomada de consciência, é a elucidação do silencioso, a palavra restituída ao que é mudo, o advento à luz dessa parte de sombra que furta o homem de si mesmo, e a reanimação do inerte, é tudo isso que constitui, por si só, o conteúdo da ética (...) Deixemos agir aqueles que querem, sem qualquer promessa e na ausência de virtude, constituir uma moral (...)”. Entendendo-se moral como um conjunto de normas e regras comportamentais, temos, segundo Foucault, uma moral que não mais parte de urna idéia hermética de dever, mas, que se constrói a si mesma, mediante um processo de reflexão e de tomada de consciência. O homem ultrapassa os limites de seu pensamento condicional, e assim, questionando a própria origem das coisas, dá a si o poder de transformá-las. Trata-se de uma conscientização que provém do próprio ato reflexivo a que se propõe o homem. Assim, uma reconstrução da realidade social e redimensionamento da relação organização-comunidade podem advir de uma reflexão do empresário sobre possíveis contribuições da iniciativa privada, em áreas prioritárias para o desenvolvimento da Nação, desde que ele descubra em si: o desejo de transformar as estruturas empresariais, o sentimento de participação na vida coletiva e a necessidade de construção de uma moral, baseada em seus próprios princípios de justiça. Em últimas palavras, a existência do conflito não elimina a possibilidade de entendimento, porque em cada momento histórico o processo dialético se renova e o entendimento pode ser uma forma resultante desta dialética (síntese), sem que haja aniquilamento total de qualquer uma das proposições conflitantes. Conforme Hegel (apud D‟HONDT, 1984, p.32), “o que somos é historicamente que o somos”. Assim, a nova identidade empresarial pode ser entendida como o resultado de um processo dialético estabelecido entre a „empresa como um sistema fechado em si mesmo‟ e a „pressão exercida por uma opinião pública mais consciente e detentora de uma infinita gama de opções‟. Como pano de fundo, a situação que deu origem ao conflito: a contemporaneidade, que trouxe uma pluralidade de signos e o devir constante dos mesmos. 46 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Dai apontamos que a nova identidade empresarial não provém, exatamente, das pressões da opinião pública, ou mesmo, do devir da contemporaneidade, mas sim da própria deficiência do modelo administrativo, que teve na sua antítese a sua complementação. Há, portanto, uma necessidade latente de abertura do sistema empresarial. Referências ANDRADE, Cândido Teobaldo de Souza. Psicossociologia das Relações Públicas. 2ª Ed.. São Paulo: Edições Loyola, 1989. BUBBER, Martin. Sobre Comunidade. Trad. Newton Aquiles von Zuben São Paulo: Perspectiva, 1987. Coleção Debates, nº. 203 ________________. EU e TU. Trad. Newton Aquiles von Zuben. São Paulo: Cortez & Moraes, 1977. FARIA, Andréa Alice da Cunha. Ferramentas do diálogo – qualificando o uso das técnicas do DRP: diagnóstico rural participativo. Brasília: MMA; IEB, 2006. 76 p. FOUCAULT, Michel. As Palavras e as Coisas: uma arqueologia das ciências humanas. Trad. Salma Tannus Michail. 3ª Ed. São Paulo: Martins Fontes, 1985. HEGEL, George Wilhelm Friedrich. „Science de la logiques’. In: D‟HONDT, Jacques. Trad. Emília Piedade. Lisboa: Ed. 70, 1984. ______________________________. „Phénomenologie de l’espirit’. In: D‟HONDT, Jacques. Trad. Emília Piedade. Lisboa: Ed. 70, 1984. HERACLITO DE EFESO. In: Os Pré-Socráticos. Fragmentos, doxografia e comentários. Trad. José Cavalcanti de Souza (et al.). 3ª Ed. São Paulo: Abril Cultural, 1985. Coleção os Pensadores. 47 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Nem sempre é amor Ludmila Maurer1 Valéria Campos Muniz Atentos ao universo sertanejo, mais precisamente o Universitário, atravessa a linguagem não apenas a temática do amor cortês, do amor paixão (lírica), porém a troça (sátira). O gênero musical como discurso da comunidade jovem atual, ainda que inscrito em um gênero musical já existente, traz entranhada em si uma história que supera e excede essa composição no tempo e no espaço. Ao dizer o gênero – qualquer - como discurso de uma comunidade, podemos ressaltar esse gênero ou estilo como produto de décadas de embates sociais. Cada nova canção, num dado gênero, se inscreve nesta rede comunitária, reforçando continuidades ou talvez propondo rupturas, mas tendo como referência lutas sociais por definições que fazem constar disputas de poder. No início, a música sertaneja, na época caipira, ganhou essa identidade em virtude de sua associação ao ambiente rural. Era uma música melancólica de fortes agudos, que cantava causos e evocava o estilo de vida do interior, numa moda de viola. Surgido como terceira geração do movimento, o sertanejo universitário define-se sem o regionalismo vivido por caipiras – Sertanejo Raiz, e assume feição de um Sertanejo Romântico com nível ideológico autônomo: poligamia, traição. A introdução da guitarra elétrica com uma releitura de grandes sucessos internacionais ou da jovem guarda num ritmo mais jovem atrai um público que antes considerava esse tipo de música “brega”. Temas ligados ao interior não atraíam o povo da cidade que, de certa forma, almejava sair de uma condição de país agrário, subdesenvolvido. A partir de 2000, com uma tendência mais comercial, o sertanejo universitário distancia-se do sertanejo convencional. Sua origem associa-se ao grande crescimento de Universidades no Brasil, com possibilidades de Faculdades particulares que incorporam segmento social antes excluído de seus bancos e que trazem consigo o gosto musical sertanejo, universo anterior dos fãs de MPB, de Rock Progressivo e dos metaleiros. Enquanto discurso de grupo social, representa-se num espaço contraditório da música de massas com receptores independentemente de seu pertencimento a uma classe social específica, vide a existência comercial e cultural de cada canção depender de sua capacidade Pós graduada em Línguas e Letras e autora do livro Máximas da Modernidade Tardia – um convite à reflexão. Professora da Universidade Estácio de Sá-Campus Nova Friburgo. Doutoranda pela UERJ em Língua Portuguesa. 48 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 em fazer com que o público nela se reconheça. As canções oferecem identidades que o público deseja ter ou acredita possuir. O sujeito Autor, não destituído de agência, está inserido nesta rede sócio-simbólica, que lhe fornece elementos passíveis de serem compreendidos naquela cultura. Sucessivamente, qualquer nova canção alude a um imaginário disseminado no tempo e no espaço e, estudando-se o gênero musical como produção do coletivo anônimo, pode-se pensar em muitas outras faixas sociais interessadas no sertanejo e envolvidas na sua construção, além dos estudantes universitários de classe média. Diferentemente da geração dos anos 60, ainda envolvida em um pós guerra, que pregava liberdade, paz e amor, num movimento de rebeldia, a geração atual, bem menos atuante em termos políticos, é uma geração de festas que, ao mesmo tempo em que utiliza drogas, vivencia o culto ao corpo e à saúde. A bebida alcoólica, fortemente presente nesses ambientes, seduz o jovem, de todas as idades, que procura relaxar do estresse imposto pela dinâmica capitalista. O excesso de cobrança leva o jovem a viver essa dicotomia, buscando, em suas horas de lazer, a diversão sem o comprometimento de se levantar uma bandeira em prol disso ou daquilo. De uma temática caipira, em que os causos do homem do campo transformavam-se em acordes, a música sertaneja na década de 80 passa a falar não só da vida no interior, mas também das paixões sofridas. Tocado num ritmo mais acelerado, alegre e dançante, com novos instrumentos como guitarra, baixo, bateria além, é claro, da sanfona e do acordeão, mescla elementos do pop, rock, forró e axé. Essa mistura deixa distante aquela música sertaneja romântica em ritmo, para se tornar romântica fundamentalmente no conteúdo. Hoje os adolescentes não sentem medo do ridículo ao assumir que gostam de música sertaneja universitária. Como o próprio adjetivo indica, seu público é bastante peculiar e não se confunde com o sertanejo de outrora, de marca ruralista. A proposta contida nessa releitura musical, com novo ritmo, abre espaço para uma sinergia com um público jovem. A escolha de se realizar um estudo sobre o gênero musical, mais precisamente o sertanejo universitário, deveu-se à enorme repercussão na mídia desse estilo de música. Pretende-se, por intermédio de suas letras, identificar sua formação discursiva e os amantes desse gênero musical no tempo e no espaço. A música identificada como sertanejo universitário ultrapassou as barreiras de uma cultura local, de interior e ganhou espço nas grandes cidades, reduto antes impensável para o estilo, conquistando um público jovem e também infantil. A temática de suas letras instiga o interlocutor a um espaço discursivo do amor, das dores, da traição, do desejo. É um tipo de música que não leva a uma reflexão do nosso papel social, porém inspira o que fica em segundo plano numa sociedade submetida à coação do capitalismo: o sentimento. 49 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Será feita uma abordagem linguística das músicas, tanto de sua organização sintática quanto semântica, de modo a correlacionar sujeito e história. Nesse sentido, o discurso será contemplado em relação a outros discursos, num processo dialógico, evidenciando os diversos dizeres já proferidos. É importante ressignificar as construções, a fim de inserir o indivíduo em seu cotidiano, revelando aspectos relativos à forma de viver e pensar de um grupo, o imaginário coletivo que se identifica com esse tipo de música. As mensagens transmitidas pelas músicas aqui analisadas e de maneira geral pelas músicas pertencentes a esse universo discursivo dialogam entre si, constituindo uma formação discursiva que institui um objeto de dizer que muito pouco as diferenciam. São letras simples em sua constituição, marcadas por refrões que facilitam sua memorização e que possibilitam o coro das vozes duma plateia num show. Procuramos verificar tendências constantes nesse tipo de discurso, sem esquecer que nós mesmas somos sujeitos constituídos socialmente e como tal também teremos nossa análise assinalada pela nossa formação social. Entretanto, é importante ressaltar que o objetivo não é atribuição de sentidos às letras, mas perceber os sentidos que emergem dessas letras. De construção definidora de uma formação cultural no Brasil, introduzimos justamente aqui a Análise do Discurso para desdobrar, por exemplo, a Ordem de discursos e o Discurso estético presentes nas letras do sertanejo universitário. A Análise do Discurso(AD), utilizada e discutida a partir principalmente da segunda metade dos anos 60 e com maior ênfase em diversos campos das Ciências Sociais, refere-se a um conjunto de procedimentos analíticos que envolvem diferentes saberes e práticas do conhecimento. A palavra discurso remete à fala, à capacidade de verbalização, de explicitação verbal, mas não possui como referência exclusiva a retórica. Utilizando a AD, buscamos a dinâmica interna do pensamento e seus efeitos sociais de conhecimento e convencimento, importante na arquitetura da produção de verdade, na estratégia discursiva de enunciação reconhecida como verdadeira. Desviando o enfoque do produto final, intentamos enfatizar as condições do processo de produção e estudar o discurso, isto é, a palavra em movimento em que se procura compreender a língua fazendo sentido. Na análise do corpus As mina pira, de Léo Rodriguez, e pautadas em Charraudeau (2008,p.26), sublinhamos os sentidos advindos do implícito, dando forma ao explícito, numa direta relação com o ponto de vista dos interlocutores. Em Desce um pouco de red, uma garrafa de tequila/ que hoje eu tô pagando pra você e sua amiga/ Aí as mina pira, e vão pirar quando eu falar que eu sou amigo do Neymar/ que o meu cartão é sem limite/ Hoje o bicho vai pegar/ aí as mina pira, e é só chegar retomamos a autonomia ideológica assumida pelo sertanejo universitário que versa sobre poligamia, traição. Detalhando-se a expressão Hoje eu tô pagando pra você e sua amiga/Hoje o bicho vai pegar/Aí as mina pira e é só chegar a ideia é a de uma pessoa no comando – aquele que paga – ter o poder de possuir (“pegar”) não somente uma pessoa como mais de uma (“você e sua amiga”), bastando para tal pagar o preço (“Hoje eu tô pagando”). A temática do amor cortês, do amor paixão dá lugar à banalização desses pela facilidade em se conquistar o objeto de 50 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 desejo com preço oridinário àquele que paga, pois basta falar que eu sou amigo do Neymar, que o meu cartão é sem limite/ Aí as mina pira e é só chegar. Partindo-se da premissa de que o signo é uma “marca linguística” (CHARRAUDEAU,2008, p.36) que ganha especificidade nas dependências do discurso, quando seu sentido é ativado pelo interlocutor, que elege um significado em detrimento de outros, o ato de interpretar revela toda uma complexidade que extrapola não só a codificação de seus signos como também aquela visão de um sentido estável a ser redimensionado por um locutor no ato de produção do texto. Seguindo no ponto de vista ideológico e na premissa de Chaurreaudeau em As mina pira e é só chegar, além de revelada a banalização, direcionamos o implícito à “evidência da sociedade capitalista que impõe uma relação humana traduzida na coisificação do ser; que oculta as relações sociais entre os homens e as relações espirituais ou psíquicas dando-lhes o aspecto de atributos naturais das coisas (MAURER, 2009, p.36)”. Dando sequência nesse sentido, em Alô garçom, hoje eu tô do jeito que a mulherada gosta/Dinheiro sobrando, meu carrão tá lá na porta/Hoje o trem vai é desandar parece-nos claro dizer que aquelas relações fundamentais continuam existindo e cumprindo sua função, porém apenas implicitamente. A ação cotidiana passa a ser vivida por autômatos: quem está em poder de compra (“Alô garçom, hoje eu tô do jeito que a mulherada gosta”), compra; para quem se ilude com a aparência do “dinheiro sobrando/carrão na porta”, se vende. Num movimento dialético, os discursos se constituem de outros discursos, que se materializam nos signos linguísticos que, por sua vez, em conexão com os outros signos estabelecem uma teia de sentidos, que vai muito além de uma simples materialidade. Veja que em Hoje o trem vai é desandar, o signo desandar nos interpela semanticamente enquanto início de alguma ação ou manifestação de sentimento de forma súbita e intensa. Intensidade e impulso discrepantes do refletido no amor cortês, no amor paixão. Não apenas a sátira destacamos como também a exata guarida à automaticidade humana frente ações cotidianas. De acordo com Mussalim (2001, p. 11), a Análise do Discurso se refere à linguagem apenas à medida que esta faz sentido para sujeitos inscritos em estratégias de interlocução em posições sociais ou em conjunturas históricas. Designada a geração atual como geração das baladas, das festinhas, a bebida alcoólica está fortemente presente nesses ambientes e na passagem Desce um pouco de red, uma garrafa de tequila temos refletida esta afirmação. Existe, pois, a materialização de uma comunicação através da existência do signo, que reflete e retrata uma realidade (BAKTHIN, 1999, p. 31-36). Reflete na medida em que se refere a uma realidade que lhe é exterior e retrata porque, dentro dos seus mais variados índices de valor possíveis, um se sobressai e outros se ocultam. Na medida em que a linguagem não pode dissociar-se da interação social, por ser parte dela, não se pode conceber também primazia ao contexto linguístico ou extralinguístico, uma vez que este é o espaço onde se articulam a linguagem e a sociedade. Sendo assimétrico o ato de enunciação (CHARRAUDEAU, 2001; MAINGUENEAU ,2000), ficará, portanto, a compreensão do enunciado na dependência dos saberes do interlocutor, que poderá ou não 51 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 reconstituir os sentidos propostos pelo enunciador. E quem é o interlocutor universal da música sertaneja universitária? No desenvolvimento da análise discursiva acerca das letras do sertanejo universitário e pautadas na compilação crítica dos teóricos, acreditamos levantar algumas respostas. Na música sertaneja de Luan Santana, Amar não é pecado, percebemos uma identidade que se forja em torno do amor. Sua forma de expressão dá materialidade ao tema bastante comum entre o público jovem, por natureza exagerado em ações e emoções: vem...quem ama não consegue estar sozinho/ por isso mesmo é que eu te digo/ não tem sentido eu sem você. O enunciador deixa de se ver como sujeito, pois sua existência finca-se da dependência do outro. É uma espécie de retorno ao auge do romantismo quando a razão do viver não está na própria vida, mas na do outro. Diz que vai gritar pra todo mundo de uma vez, que está apaixonado e não liga para o que os outros vão dizer, assume que amar não é pecado e que o que importa é o amor, que se dane o mundo, não tô nem ligando pro que vão dizer. Verificamos um bom exemplo de assujeitamento, quando o centro da relação não está nem no eu nem no tu, mas no espaço discursivo criado entre ambos (BRANDÃO, p.46) e o diálogo que ocorre entre os interlocutores por intermédio das mensagens dessas letras calcadas em discursos produzidos socio-historicamente, num processo de construção, reconstrução e também de transformação. É importante ressaltar que esse universo, em virtude de sua própria natureza, não possibilita grandes acréscimos em termos de conceitos e significados, centrandose a inovação das diferentes músicas na forma de construção da letra pelos cantores. Os sujeitos enunciadores mantêm, portanto, forte identidade entre si, não constituindo um sujeito único. Seus discursos estão impregnados de outras vozes, num processo bem característico do interdiscurso, uma vez que a receita de sucesso, nesse universo, é semelhante. A temática contida nas letras que versa sobre o amor e seus desdobramentos ─ amor, traição, sexo, abandono ─ remete o interlocutor a sua própria esfera sentimental e possibilita-o identificar-se com o conteúdo de sua vivência amorosa. É um tema de grande apelo, uma vez que dificilmente alguém se sentiria excluído dos diversos casos propagados pelas músicas. Diferentemente das canções denúncia, o sertanejo universitário não foge às raízes interioranas, às questões melancólicas “dos causos”, assuntos de janelas de qualquer cidade pequena. O sucesso alcançado pelos cantores se dá em razão da identificação do público, em sua maioria jovem, com o que há de mais importante nessa fase de sua vida ─ o amor. A receita da ampla aceitação desse tipo de música parece-nos estar no conteúdo de valor transmitido pelas letras considerado universal entre todas as idades, mas, principalmente, entre os jovens ainda em fase de construção de identidade. Não é um assunto que tenha restrição de idade, sexo ou local, uma vez que seus efeitos são atemporais. O contexto socio-cultural em que as músicas estão imersas revelam, de certa forma, a necessidade de um retorno à teoria de Rousseau. A sociedade com todas as suas mazelas sufoca o homem, que necessita extravazar seus anseios e imprimir um “colorido” a uma vida imposta por compromissos e exigência de sucesso. Como já afirmou Bakhtin (2004, p.113), a 52 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 situação social mais imediata e o meio social mais amplo determinam completamente e, por assim dizer, a partir do seu próprio interior, a estrutura da enunciação. As músicas analisadas são de estrutura sintática bem simples. Em sua maioria, as orações são estruturadas coordenativamente, revelando um encadeamento antes discursivo, que sintático (AZEREDO,1999, p.48). Há algumas substantivas que, conforme Saliés (2008, p.108) são recursos linguísticos que remetem a um conhecimento compartilhado, com alto grau de interatividade. Na música Amar não é pecado, as substantivas sugerem que a dor do cantor é a dor do outro: confesso que no fundo eu duvidei, ..., mas agora é a hora/ eu vou gritar pra todo mundo de uma vez/ eu tô apaixonado. Assim como ele, o interlocutor deve assumir sua paixão. A oração subordinada aí tem forte poder persuasivo e argumentativo. Também na música As mina pira, o tipo de organização sintática não difere da de Luan Santana. É basicamente construída de forma coordenada, o que a coloca no nível do discurso, da oralidade. Sua argumentação está calcada nas orações substantivas, no dinheiro: Quando eu falar que eu sou amigo do Neyma/ Que meu cartão é sem limite/ hoje o bicho vai pegar. Em outra música de muito sucesso, até no exterior, Ai se eu te pego, de Michel Teló, observamos uma letra que se resume a uma linha narrativa bem simples: sábado na balada, a galera começou a dançar e passou a menina mais linda/ Tomei coragem e comecei a falar. As orações são encadeadas aditivamente, de modo bastante pueril, pois as ações não se desdobram. Aparelhando-se à simplicidade há um refrão que, pelo bordão, transformou-se em febre nacional: Nossa, nossa assim você me mata/ ai se eu te pego/ delícia, delícia, assim você me mata. Refrão massificado num grande veículo de comunicação, mesmo pessoas que não se identificam com esse tipo de música tornam-se reféns devido à ampla repetição. Em plena era de globalização, a música de Teló alcançou grande repercussão internacional em virtude de uma “dancinha” feita por um famoso jogador de futebol, Cristiano Ronaldo, em comemoração a um gol. Numa época em que as informações circulam de forma acelerada, cada vez mais exigese dos interlocutores uma leitura crítica que sirva de base para uma intrincada rede de sentidos que adquire contornos diversos em razão de valores firmados na sociedade. Descrever, portanto, as vozes que atravessam os discursos é perceber a ilusão de sua unicidade, que, num efeito de ancoragem, possibilitaria resgatar um sentido único, homogeneizado, estabelecido numa significação profunda do texto. Referências AZEREDO, José Carlos de. Iniciação à sintaxe do português. Rio de Janeiro: Zahar,1999 BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Hucitec, 2004. BRANDÃO, Helena H. Nagamine. Introdução à análise do discurso. 7.ed. São Paulo: Unicamp, 1998. CHARAUDEAU, Patrick. Linguagem e discurso: modos de organização.São Paulo: Contexto, 2008. 53 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 MAINGUENEAU, Dominique. Análise de textos de comunicação.São Paulo: Cortez, 2004. MAURER, Ludmila. Máximas da Modernidade Tardia – um convite à reflexão. Nova Friburgo: Marca Gráfica, 2009. SALIÉS, Tânia Gastão & SOMMER, Luciane Moritz. Dos fatos, opiniões e subordinadas substantivas em editoriais jornalísticos. Revista da ANPOLL, v.1, n. 25, pp. 106-135. 2008 54 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Comunicações 55 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Comunicação Laboratorial SPA/Serviço de Psicologia Aplicada Autores: Alunos vários Curso Psicologia Universidade Estácio de Sá Unidade Nova Friburgo Narrativa e Coordenação: Angela Utchitel Ao longo do ano de 2011, o Serviço de Psicologia Aplicada da Unidade Nova Friburgo da Universidade Estácio de Sá viveu um momento ímpar em sua história, iniciada em 1999: o atendimento psicológico gratuito às vítimas da tragédia das chuvas de janeiro – conforme matéria já publicada no primeiro número desta revista. Entretanto, para além deste programa, implantado em fevereiro de 2011, o SPA – Clínica-Escola do Curso de Psicologia – responde pela implementação dos estágios curriculares que fazem parte da grade disciplinar daqueles que buscam a Formação de Psicólogo. Neste sentido, tem sido preocupação – tanto da Coordenação local do Curso de Psicologia quanto da Coordenação do SPA – a expansão de oportunidades, para nossos alunos, em segmentos da atividade profissional capazes de proporcionar vivências de estágio para nossos alunos. Ao longo dos anos, as áreas contempladas com os chamados Estágios Específicos se ampliaram consideravelmente, fazendo, hoje, parte deste leque, estágios em Psicologia Clínica, em Psicologia Hospitalar/Institucional, em Psicologia Jurídica e em Psicologia Organizacional. Ao longo do ano de 2011, cento e setenta e seis estagiários compuseram o elenco das equipes de Estágio Específico em suas diferentes áreas de atuação, acompanhados por uma equipe de seis supervisores. Na área Clínica, 1934 atendimentos (sessões) foram realizados nas próprias instalações do SPA, beneficiando um total de 285 pessoas, desde crianças até idosos. Como novidade nesta área de estágio – e na história do SPA – todos os atendimentos passaram a ser gratuitos a partir de 01 de agosto de 2011. Deste modo, toda e qualquer pessoa que procure nossa ClínicaEscola, será atendida com hora marcada, semanalmente, sem nenhum custo pelo atendimento psicoterápico ou para submeter-se à Avaliação Psicodiagnóstica. Esta medida encontra no compromisso social da Universidade sua razão de ser. Ao lado desta inovação, também o horário de funcionamento do SPA foi ampliado, de modo que, às terças e quintas-feiras, o funcionamento se estende até às 22:00 h. Para serem atendidos, os interessados precisam ligar Prof. Dra. da Universidade Estácio de Sá-Campus Nova Friburgo. 56 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 para (22) 2525.1523 para terem seus dados cadastrados para agendamento posterior. Nossa secretaria funciona de segunda a sexta-feira, das 9:00 às 13:00 e das 14:00 às 18:00 h. Às terças e quintas, contudo, é possível, também, fazer a inscrição até às 22:00 h. Na área Hospitalar/Institucional, ao longo do ano de 2011, algumas Instituições puderam contar com a presença de nossos estagiários, supervisionados por professora integrante de nosso corpo docente. Assim, a ADINF (Associação dos Diabéticos de Nova Friburgo, o Day Hospital, bem como o Hospital da Unimed, fizeram parte deste elenco, dando oportunidade a nossos alunos-estagiários de realizarem atendimentos a pacientes em ambulatórios, atendimentos à beira do leito, atendimentos à equipe do hospital, bem como acompanhamento psicoterápico. Na área Jurídica, sob a supervisão de professora integrante de nosso corpo docente, nossos alunos-estagiários viveram experiências tanto no âmbito dos Juizados da Infância e Juventude quanto nas Varas de Família. No Juizado, puderam participar, de diferentes maneiras, na implantação do Plano Mater, como, por exemplo, fazendo visitas técnicas às Instituições de Abrigo e participando dos grupos de habilitação para adoção de menores. Nas Varas de Família, dentre outras atividades, puderam atuar em processos de litígio sobre guarda e visitação de menores, com vistas a subsidiar decisão do magistrado. Na área Organizacional, também supervisionados por professora integrante de nosso corpo docente, nossos alunos-estagiários atuaram no SINCOMÉRCIO – Sindicado do Comércio Varejista de Nova Friburgo, realizando atividades de recrutamento e seleção de candidatos a serem encaminhados aos empresários da cidade. Ao longo do ano, nossos alunos realizaram 330 entrevistas, encaminhando 205 profissionais para empresas solicitantes. Além disso, realizaram atividade de Treinamento sobre Comunicação no Trabalho com funcionários de empresa prestadora de serviços para a Universidade Estácio de Sá. Finalizando nosso balanço do ano de 2011, o SPA servirá de cenário – ao longo do ano de 2012 – para a realização, com 4 estagiários, de Pesquisa de Iniciação Científica cujo objetivo será o de tentar identificar as origens emocionais dos atrasos na aprendizagem e na conquista de habilidades sociais em crianças de 6 a 9 anos. 57 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Espaço Experimental do Curso Superior de Tecnologia em Gestão de Recursos Humanos Autores: Alunos vários Curso Recurso Humanos Universidade Estácio de Sá Unidade Nova Friburgo Narrativa e Coordenação: Ana Cristina Roballo Fabbri Apresentação O Espaço Experimental do Curso Superior de Tecnologia em Gestão de Recursos Humanos tem uma proposta de trabalho, baseada no desenvolvimento de atividades que garantem condições básicas para a inserção do nosso aluno no mundo do trabalho e integrem teoria e prática. O papel dos profissionais de Recursos Humanos ganhou novos contornos e posição singular nas organizações. O profissional de RH deixou de ocupar uma posição de controlador e supervisor de rotinas, normas e regras para ocupar o lugar de principal agente de seleção e desenvolvimento de talentos de forma a atender às demandas das organizações. O uso estratégico da alocação de recursos humanos para que as organizações atinjam seus objetivos e cumpram precisamente suas missões e visões é de responsabilidade do profissional de RH. O Projeto Pedagógico do Curso Superior de Tecnologia em Gestão de Recursos Humanos tem como missão oferecer educação de qualidade, objetivando formar cidadãos éticos e dinâmicos, com visão holística pró- ativa. A criação do referido Espaço Experimental do Curso de Gestão de RH pretende colaborar de forma expressiva para a formação profissional do nosso aluno, e está fundamentado na missão do Projeto Pedagógico do Curso. Sempre em consonância com o Projeto Pedagógico do Curso, o Espaço Experimental pretende desenvolver em nossos alunos as mesmas linhas gerais propostas pelo PPC, seriam elas: habilidade conceitual (o saber aprender), para perceber, dentro de uma visão abrangente e integradora do mundo e da sociedade, as diferenças culturais, econômicas e étnicas e sua sinergia entre as partes; habilidade humana ( saber ser), que capacita para trabalhar com pessoas,entendendo os processos motivacionais e utilizando-se de técnicas de liderança situacional; e, também, habilidade técnica ( o saber fazer), ou seja, a capacidade de aplicação dos conhecimentos técnicos, métodos e ferramentas necessárias à execução de atividades práticas específicas ligadas à profissão. Estácio de Sá em parceria com a ABRHRJ (Associação Brasileira de Recursos Humanos). Professora da Universidade Estácio de Sá-Campus Nova Friburgo. 58 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 O Espaço Experimental está voltado à todas as habilidades citadas acima, mas sua maior ênfase será no que diz respeito as habilidades técnicas. Certamente esse Espaço Experimental envolverá alunos de outros cursos que se interessem pelas práticas desenvolvidas em Gestão de RH. O Projeto de criação do Espaço Experimental de Gestão de RH buscou parceria com a ABRHRJ ( Associação Brasileira de Recursos Humanos RJ ), que teve início a partir do I Encontro de Gestores de RH, que ocorreu dia 28 de Março de 2012. Nosso Espaço Experimental foi inaugurado no referido Encontro de Gestores que contou com A direção da ABRHRJ, legitimando a parceria. O Projeto Pedagógico do Curso reconhece que se aprende, também, fora do espaço institucional. O Espaço Experimental tem como proposta desenvolver várias atividades no intuito de preparar o nosso aluno para a efervecência do mercado, a partir da integração dos conhecimentos e o desenvolvimento de ações práticas. O fundamental na estruturação do Espaço Experimental do curso de Gestão de RH é que nossos alunos tenham uma base de valores alicerçados em seu desenvolvimento profissional, e que este conjunto forneça as condições necessárias para gerarem conhecimentos teóricos consolidados no exercício prático. O conhecimento prático será fundamental no processo de desenvolvimento do nosso aluno no exercício da profissão escolhida e a participação em projetos criados pelos próprios alunos e aplicados nas empresas do nosso entorno contribuirá de forma decisiva para um espírito inovador e pró ativo que o “novo” profissional de RH necessita ter. É todo esse movimento que fará com que novas tecnologias, novos produtos e novas técnicas sejam criadas, possibilitando que os nossos alunos cresçam profissionalmente de forma sustentável, na articulação permanente da teoria e da prática. O Espaço Experimental contará com a participação de alunos de outros cursos que se identifiquem na Gestão de RH, e queiram se inserir em algum projeto pertinente a sua futura atuação profissional. Esse Espaço Experimental é estendido a todos os cursos porque parte do pressuposto de que as pessoas na Era do Conhecimento não devem ser vistas como trabalho, mas sim como capital. E esse “capital intelectual” é encontrado em qualquer segmento do mercado, os projetos desenvolvidos no referido Espaço terá lugar para todos os cursos da Universidade Estácio de Sá, campus Friburgo, respeitando a especificidade de cada curso e seu campo de atuação. Dessa forma estaremos colocando nossos alunos no ensino multidisciplinar e interdisciplinar efetivamente. Lembrando sempre de que a Era do Conhecimento tem por base o homem, sua valorização sem perder de vista a qualidade e a otimização de processos que vem a ser um dos interesses principais de qualquer empresa. O Espaço Experimental vislumbra a possibilidade de formar Gestores de RH capacitados em valorizar a dimensão humana, humanizando a práxis concomitantemente com a adequação aos interesses das empresas e do mercado. O Espaço Experimental é um projeto inovador objetivando a melhoria da qualidade da atuação profissional dos nossos alunos. 59 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Artigos Discentes Orientados 60 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Extradição: O caso Cesare Battisti Autor Christiano Pimentel Citrangulo Curso Direito Universidade Estácio de Sá Orientador: Marcus Vinicius Rodrigues RESUMO Eminente instituto jurídico, a extradição encontra fundamentos em inúmeros ramos do Direito, sendo de imensa importância para a harmônica relação entre diferentes países. Pela importância e por ter sido de tanta repercussão o caso Cesare Battisti este estudo feito com afinco resulta no presente trabalho, que, a partir do que se tem consolidado acerca da extradição, analisa a constitucionalidade da decisão de não extraditar tomada pelo ilustre expresidente da República, Luís Inácio Lula da Silva. Introdução Precedem qualquer consideração, breves esclarecimentos acerca das razões através das quais se chega à conclusão de que, formadora de debates acalorados e conturbados por fatores eminentemente passionais, a extradição de Cesare Battisti e suas intrínsecas circunstâncias seriam adequadas para entabular o tema de uma pesquisa acadêmica. Por haver controvérsia e polêmica em torno do assunto, um trabalho que vise a elucidação a partir de um enfoque científico e comprometido com a imparcialidade, mostra-se pertinente. Perscrutar os eventos passados oportunos sob a ótica jurídica, constituirá o passo inicial para se compreender a extensão da questão e fornecer aportes para a posterior confecção desta pesquisa.Também endossará o trabalho a análise dos acontecimentos à luz dos Princípios de Direito( em destaque o Pacta Sunt Servanda, o Princípio do Contraditório et cetera), Decreto n˚ 863/93, Lei 6.815/80, e, claro, contará com a observação pontual de egrégios juristas, as informações contidas em reportagens e matérias de jornais e revistas, buscando, por meio de uma reflexão dialética, alcançar uma conclusão sensata sobre as atuais conjecturas. Medidas Compulsórias de Retirada do Estrangeiro A fim de evitar a possível condução do leitor a erro, faz-se importante estabelecer uma distinção entre termos que a princípio são análogos, mas possuem diferentes acepções e aplicações técnicas: extradição, expulsão, e deportação. A diferença entre os mencionados Professor Mestre da Universidade Estácio de Sá-Campus Nova Friburgo. 61 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 institutos consiste nos motivos que levam às respectivas aplicações e nas formas e momentos em que ocorrem, pois, o resultado de todos, quando efetivamente consumados, é o mesmo: a retirada de seu agente passivo do país em questão. Não obstante o resultado prático semelhante, no que concerne à expulsão, pode-se dizer que trata-se do exercício do direito ou poder de um Estado de requerer a um estrangeiro que deixe seu território quando sua permanência for contrária aos interesses do próprio Estado2, e, segundo Hildebrando Accioly, ao Estado se reserva o exercício do direito de expulsar estrangeiro quando este atentar contra a segurança nacional ou contra a tranquilidade pública. A submissão da ordem nacional a risco ou a perturbação da incolumidade pública são requisitos importantes para que se configure a expulsão. Por outro lado, a deportação é o processo de devolução compulsória ao Estado de origem de estrangeiro que esteja irregular no território de outro Estado. Nota-se, portanto que ocorre por encontrar-se o sujeito em situação irregular e não por ter praticado uma ofensa grave ao interesse do país, sendo, ao indivíduo deportado permitido o retorno ao país que o deportou, desde que atenda aos requisitos legais ou previstos em tratado específico, enquanto o expulso poderá retornar ao país quando a decisão que determinou a expulsão - no Brasil, o decreto de expulsão - for revogada3. Por seu turno, a Extradição tem como base a colaboração internacional de Estados com o fito de se combater a impunidade, a partir do atendimento dos interesses persecutórios do Estado que a requer, ao contrário das medidas outras que são mecanismos de defesa da ordem pública e manutenção da Soberania Estatal4. A extradição no direito brasileiro Ensina-nos, o professor Accioly5, que extradição é o ato mediante o qual um Estado entrega a outro Estado, indivíduo acusado de crime de certa gravidade ou que já se ache condenado por aquele, após haver-se certificado de que os direitos humanos do extraditando serão garantidos. É válido documentar a extradição "destina-se a julgar autores de ilíticos penais, não sendo, em tese, admitida para processos de natureza puramente administrativa, civil ou fiscal."6. A extradição, encontra-se fundamentada no sistema universal do direito de punir, sendo o direito persecutório ou punitivo do Estado em sua projeção extraterritorial 7. 2 ONU( ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS). 58th Session of the International Law Comission. Expulsion of Aliens, Memorandum by the Secretariat. Genebra, 2006. Disponível em: <http://untreaty.un.org/ilc/documentation/english/a_cn4_565.pdf>. Acesso em 31 out. 2011. 3 HEANCKAERTS, Mass Expulsion in Modern International Law and Practice, 1995, p. 5.; ACCIOLY, Hildebrando. Manual de Direito Internacional Público, ed. 18ª. São Paulo: Saraiva, 2009. 4 GOODWIN-GILL, Guy S., Limits of the Power of Expulsion in Public Internacional Law, BYB, disponível em: <http://bybil.oxfordjournals.org>. Acesso em 31 out. 2011. 5 ACCIOLY, opus cit.. 6 DEL‟OLMO, Florisbal de Souza, A Extradição no Alvorecer do Século XXI, Rio de Janeiro: Renovar, 2007. 7 MARQUES, José Frederico. Curso de direito penal. São Paulo: Saraiva, v.1, 1954 62 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 A extradição, como um dos meios aptos à concretização da adequada punição, é geralmente concedida em conformidade com tratado bilateral ou multilateral que estabeleça vínculo entre as partes que o assinaram. Verificada a ausência de tratado sobre a questão, o Brasil e alguns outros países concedem-na mediante Declaração de Reciprocidade, segundo a qual, ocorrendo crime análogo no país requerido, o país requerente se compromete a conceder a extradição solicitada8. Das condições da extradição pode ser extraído um catálogo de elementos exigidos para sua concessão, delitos de caráter determinante e das pessoas sujeitas ao instituto, identificando quanto aos agentes passíveis de submissão ao instituto, em relação às infrações determinantes: a natureza e a gravidade dos delitos e no que tange aos requisitos exigidos para a concessão: os lugar e momento da infração, a punibilidade do fato, a inexistência de prescrição, a natureza do juízo e os princípios do Non Bis In Idem, da Reciprocidade, da Especialidade e da Competência.No Brasil, a extradição é regulada pela Constituição e pela Lei n˚ 6.815/809, que deve ser interpretada de acordo com o tratado firmado com o país que a requeira. Quanto à disciplina normativa, o Brasil adotou o chamado Modelo Belga, que consiste em não se reexaminar o mérito( revision au fond) do processo penal que ensejou o pleito, no âmbito do processo extradicional, tomando como assentes os fatos produzidos pelo Estado requerente10. No entanto, quando o crime cometido por brasileiro naturalizado for o de tráfico, quebra-se o modelo belga de cognoscibilidade limitada referido, adotando-se um modelo de cognição, tendo em vista a exigência de comprovação de envolvimento em traficância11. Em muitos países, a legislação proíbe a extradição de nacionais. No Brasil não é diferente, pois é de nossa tradição constitucional a proibição da extradição de brasileiro: o artigo 5˚, LI da Constituição Federal veda a extradição de brasileiros natos ou de brasileiro naturalizado, cujo crime pelo qual seria requerida a extradição tenha sido cometido depois da naturalização ou, que não seja o de tráfico de entorpecentes, na forma da lei. A garantia de não extraditabilidade de brasileiro consiste na segurança de que não será facultada a qualquer autoridade, judiciária ou executiva, a extradição 12. Ressalta-se que, caso o brasileiro seja extraditado em decorrência da prática de crime comum antes de sua naturalização, a anulação da mesma não se faz necessária 13. Encontra-se no artigo 5˚, LII da Constituição Federal, vedada, também, a extradição de estrangeiro por crime político ou de opinião, cuja definição não se encontra na Constituição Federal e, por isso, fica a cargo do Supremo Tribunal Federal, de acordo com a conceituação da legislação ordinária vigente, dizer se o delito que deu origem ao pedido de extradição constitui crime revestido de natureza política ou não, conforme o Princípio da Preponderância 8 DEL‟OLMO, Opus cit., p. 18-25. Como Tramita o Processo de Extradição no Brasil. Revista Consultor Jurídico. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2009-fev-23/tramita-processo-extradicao-brasil-ela-acontece>. Acessado em 18/11/2011. 10 Extradição 1171/ARG, Rel. Celso de Mello, julgada em 10-11-2009, DJ de 24-06-2010. 11 Extradição 541/ITA, Rel. p/ o acórdão Min. Sepúlveda Pertence, julgada em 07-11-1992, DJ de 18-12-1992. 12 Cf. HC-QO 81.113, Rel. Min Celso de Mello, julgado em 26-6-2003, DJ de 29-08-2003. 13 HC 67.621, Rel Min. Carlos Madureira, julgado em 19-10-1989, DJ de 16-08-1991. 9 63 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 14 ou da Principalidade15. Ressalta-se que, o STF proferiu entendimento contrário ao enquadramento de terrorismo como crime político16. Ainda sobre os crimes políticos, de acordo com os ensinamentos de Mirtô Fraga, a doutrina se divide em duas correntes: a) uma objetiva, que considera crime político aquele que praticado contra a ordem estatal( o bem protegido tem natureza política); b) outra, subjetiva, que entende serem crimes políticos todos aqueles crimes praticados com finalidade política. Mirtô ainda diz que a noção de crime político não é tão generalizada e pacífica quanto a de crime comum, sendo o aspecto antisocial do crime político relativo e o de crime comum, absoluto 17. Além das hipóteses mencionadas, quanto ao tema do juiz natural, é de pungente relevância para a análise do caso ora em tela, mencionar que ao extraditando deve-se assegurar o direito de ser submetido a julgamento feito com base nos princípios básicos do Estado de Direito, sem que seja submetido a qualquer jurisdição excepcional18, bem como a efetiva observância do Princípio do Devido Processo Legal19, que possui âmbito alargado de proteção, exigido de todos que fazem parte do aparato jurisdicional e não apenas dos julgadores 20. Cesare Battisti21 Filho de pai comunista inveterado e mãe católica fervorosa, o mais novo de seis irmãos, nasceu na comuna italiana de Semoneta no ano de 1954. Durante a infância teve contato com a doutrina marxista e ideais revolucionários, ao que, em sua autobiografia, aufere grande importância para seu futuro engajamento às lutas armadas mediante ingresso aos PAC (Proletari Armati per il Comunismo - Proletários Armados Pelo Comunismo) - organização armada extremo-esquerdista criada em 1976 durante o violento período conhecido como Anni di Piombo( Anos de Chumbo) cujo fim era combater as restrições de direitos fundamentais e o fortalecimento da repressão militar. As atividades do grupo tiveram fim três anos depois. Associou-se ao Partido Comunista Italiano, fazendo parte da Juventude Comunista e sindicatos e militando em meio às agitações estudantis de 1968. Em junho de 1979, Battisti é 14 Extradição 694/ITA, Rel. Min. Sydney Sanches, julgada em 13-02-1997, DJ de 22-08-1997. Extradição 615, Rel. Min. Paulo Brossard, DJ de 05-12-1994. 16 Extradição 855/CHI, Rel. Min. Celso de Mello, julgada em 26-08-2004, DJ de 1˚-07-2005. 17 FRAGA, Mirtô. O Novo Estatuto do Estrangeiro Comentado. Forense. Rio de Janeiro, 1985. 18 Extradição 986/Bolívia, Rel. Min. Eros Grau, julgada em 15-08-2007. 19 Extradição 232/Cuba-Segunda, Rel. Min. Victor Nunes Leal, DJ de 14-12-1962; Extradição 347/Itália. Rel. Min. Djaci Falcão, DJ de 09-06-1978; Extradição 633/República Popular da China, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 06-04-2001. 20 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional, 5. ed. rev e atual.. São Paulo. Saraiva, 2010. 21 L‟Achèvement. Lettre de Cesare Battisti Adressée aux Juges du tribunal Suprême Fédéral. Disponível em: <http://achevement.free.fr/article.php3?id_article=73>. Acessado em: 10 de set. de 2011; BATTISTI, Cesare. Minha fuga sem fim. Tradução: Dorothée De Bruchard. São Paulo: Martins Fontes, 2007; LeMAGue.NET. La Verité Sur Cesare Battisti Par Fred Vargas. 7 de mar. de 2004. Disponível em: <http://www.lemague.net/dyn/ spip.php?article656>. Acessado em 10 de set. de 2011. 15 64 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 preso, em conjunto com outros membros inativos do grupo e em 1981 22 condenado à pena de doze anos de cadeia pelos crimes de participação em grupo armado, assalto e receptação de armas - nenhuma menção sobre a homicídio havia sido feita até então. No ano de 1982, a partir da adoção de políticas de repressão ao terrorismo pelo governo italiano com o fulcro de restabelecer a ordem no país, entra em vigor a lei cuja a pena do delator seria reduzida23. Neste ínterim, foi um dos beneficiados pelo instituto da delação premiada, imputando a Battisti a responsabilidade pela autoria dos quatro homicídios mencionados anteriormente. Durante o Governo Mitterrand na França, em 1985, estabeleceu-se a concessão de Asilo a pessoas envolvidas em movimentos políticos armados na Itália durante os Anos de Chumbo que tivessem abandonado a violência, o que tornaria a extradição desses indivíduos impraticável para Itália 24. Entre o estabelecimento da Doutrina Mitterrand em 1985 e seu retorno à França em 1990, Battisti é condenado à pena de prisão perpétua à revelia na Itália. Seu processo anterior foi reaberto quase dez anos depois do trânsito em julgado, resultando na condenação, pelo Tribunal do Júri de Apelação de Milão, que consubstanciava-se, basicamente, nas acusações feitas por Pietro Mutti, confirmadas por ex-membros dos PAC que teriam sido companheiros no movimento. Solto, Cesare, amparado pela Doutrina Mitterrand, continua vivendo com sua família em Paris, trabalhando como zelador de um prédio, escritor e tradutor nas horas vagas. Entretanto, em 2004, durante o Governo Chirac, uma reviravolta nas orientações políticas da França levam a Justiça a mudar seu posicionamento, pronunciando-se favorável à extradição, de Battisti, que já era um escritor famoso, ocasionando grande alvoroço e comoção pública. Esgotados os recursos jurídicos adequados para embargar ou reanalisar o deferimento da extradição, Cesare, premido da necessidade de evadir-se para evitar premente cumprimento de pena de prisão perpétua com restrição de luz solar25, encontra, na fuga, o único meio de salvar-se. Refugia-se, pois, no Brasil, seguindo conselhos de agentes franceses que teriam 22 L‟EXPRESS.FR. ‹‹La Culpabilité de Battisti repouse sur des preuves›› publié le 15/03/2004( em francês). Disponível em: <http://www.lexpress.fr/actualite/societe/justice/la-culpabilite-de-battisti-repose-sur-despreuves_490352.html> Acessado em: 30/09/11. 23 No texto original do artigo terceiro: “Articolo 3. Attenuanti per reati commessi per finalità di terrorismo o di eversione in caso di colaborazione”. Legge 29 Maggio 1982 n.304. Disponível em: <http://www.archivio900.it/it/documenti/doc.aspx?id=368>. Acessado em 11/11/2011, às 23:18. 24 65ème Congrès de la Ligue des Droits de l'Homme: disponível em: <http://www.mediapart.fr/files/petrellamitterrand.pdf> - Em francês. Acessado em 30/09/11 25 Primeiro Tribunal do Júri de Apelação de Milão. Sentença 17/90 – nº 86/89 e 50/85 do Registro Geral, de 13/12/1988. Item 49 (antes 50). 65 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 franquiado sua fuga fornecendo documento com foto e dados pessoais para que pudesse chegar incólume26. Cesare Battisti e o Brasil No Brasil, por meio de uma operação conjunta da Interpol e as polícias brasileira, italiana e francesa, Battisti é detido no Rio de Janeiro em 2007 27 - fato divulgado pela imprensa brasileira -, permanecendo encarcerado até janeiro de 2009, momento em que, o então Ministro da Justiça, Tarso Genro, concede a Battisti28, conforme o artigo 29 da Lei 9.474/97, o que antes lhe fora negado pelo CONARE 29( Conselho Nacional para Refugiados) em 200830: o status refugiado político 31, decisão esta bombardeada pela Itália que não se conformava com a impossibilidade de punir Battisti pelos crimes que reputava ser de sua responsabilidade32. Tarso Genro consubstanciara sua decisão de concessão de refúgio a Battisti em um preceito fundamental estabelecido no artigo 1˚ da mencionada lei: fundado temor de perseguição pelas convicções políticas do requerente. Acolhera a defesa do refugiado sobre não ter tido possibilidade de defender-se das acusações, uma vez que fora condenado à revelia, negando, ainda, eventual influência política sobre sua decisão final33. Extradição de Cesare Battisti no Brasil O governo italiano, que já havia requerido a extradição ao Brasil, investiu contra a concessão de refúgio, culminando na continuidade do julgamento, que havia sido suspenso pela aquisição do status de refugiado, pelo STF. Outrossim, o Tribunal Constitucional deferiu o pedido de extradição formulado pela Itália, com a ressalva de que a decisão final caberia ao Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva. Para insatisfação da Itália, no dia 31 de dezembro de 2010( último dia de mandato do então Chefe do Executivo), o presidente negou o 26 CESARE Battisti: La France M‟a Aidé. Courrier International. Paris, 2009. Disponível em: <http://www.courrierinternational.com/article/2009/01/29/cesare-battisti-la-france-m-a-aide> Acessado em 12/11/2011. Em francês. 27 UOL Notícias. Ex-Ativista Italiano, Cesare Battisti, É Preso No Brasil. Disponível em: <http://noticias.uol.com.br/ultnot/afp/2007/03/18/ult34u176732.jhtm>. Acessado em 15/11/2011. 28 GENRO, Tarso. O Caso Cesare Battisti: O Voto do Ministro. Disponível em:<http://www.cebela.org.br/site/baCMS/files/660404NCT3%20Tarso%20Genro.pdf>. Acessado em 18 de novembro de 2011. 29 CONARE, Processo n˚. 08000.011373/2008-83. Disponível em: <http://dc119.4shared.com/doc/_pxpYFK7/preview.html> Acessado em 18 de novembro de 2011. 30 Conforme o artigo 12, § 1˚ da Lei 9.474/97, o CONARE é o órgão responsável para julgar casos de asilo em primeira instância. 31 Última Instância. Tarso Genro Concede Refúgio Político a Battisti; Processo É Suspenso no STF. <http://ultimainstancia.uol.com.br/conteudo/noticias/5757/61066.shtml.shtml>. Acessado em 15/11/2011. 32 Último Segundo. Refúgio a Battisti Terá „Consequências‟, Diz Ministro Italiano. Disponível em: <http://ultimosegundo.ig.com.br/politica/refugio+a+battisti+tera+consequencias+diz+ministro+italiano/n123790 3257722.html> Acessado em 15/11/2011. 33 Folha de São Paulo. São Paulo, jan. 2009. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u489941.shtml>. Acessado em 15/11/2011. 66 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 pedido de extradição do italiano, formulado pelo Governo Italiano nos autos do processo administrativo n˚ 08000.003071/2007 - 51, lastreado no Parecer da AGU/AG 17/2010 cuja conclusão se baseara no artigo 3˚, 1, f) do Tratado de Extradição entre Brasil e Itália. Contra a decisão do presidente, a Itália ajuiza em fevereiro de 2011, a Reclamação RCL.11.243 ao STF, que resulta, desta vez, em decisão favorável à soltura de Cesare Battisti, por seis votos a três, por entender que não cabe à Corte contestar decisão soberana do Presidente da República. Por fim, o Governo Italiano decide interpelar a Corte Internacional de Haia sobre decisão brasileira, e, na voz do ex-presidente italiano, Silvio Berlusconi, “não foi dada a última palavra sobre Battisti”34, que foi solto no último dia 9 de junho, depois de passar 4 anos preso. Ab initio foi colocado em análise o pedido de extradição feito pela Itália, com o fim de analisar a prosseguibilidade do feito, verificando se há documentos35 que ofereçam os aportes necessários para exame judicial da questão. O requerimento italiano pautara-se no tratado bilateral de extradição, ainda em vigor, que incorporou o ordenamento jurídico pátrio em 1993 através do Decreto n˚ 863, o Tratado de Extradição. Uma vez comprovado o fundamento em tratado e a efetiva condenação do extraditando por crime comum em seu país de origem, é aceito o pedido que, então, é encaminhado à fase judicial( Extradição n˚ 1085). Encaminhado o requerimento à fase judicial, a legalidade e a procedência do italiano foram analisadas pelo Supremo Tribunal Federal( análise essa, na forma do artigo 83 do Estatuto Estrangeiro, essencial para que seja o pedido concedido) que, em Plenário, pelo apertado resultado de cinco votos a quatro, posicionou-se favorável à extradição. A votação apertada se deu em razão do enquadramento dos crimes pelos quais se requer a entrega do extraditando como crimes de natureza política, o que impediria a concessão, conforme o tratado firmado entre Brasil e Itália. Por fim, mesmo resultante de votação acirrada, o status de refugiado emprestado a Battisti por Tarso Genro foi anulado, por reputar a maior parte dos membros do STF que o crime não tem natureza política e sim comum; que a soberania da República Italiana não pode ser questionada, mesmo que tenha sido proferida a sentença à contumácia; que o refúgio foi concedido por meio de ato isolado de Tarso Genro. Análise dos aspectos desfavoráveis à extradição Compondo o arsenal de argumentos favoráveis à manutenção do Refúgio de Battisti, encontram-se – além de jurisprudência e normas incisivas -, posicionamentos precipuamente garantistas que propõem, sobretudo, um apelo humanístico às autoridades competentes. Battisti fora condenado à revelia pela prática de quatro homicídios de autoria reclamada por membros dos PAC. A condenação pautara-se no depoimento de pessoas que teriam participado na atividade criminosa pela qual Battisti fora condenado e que seriam, a partir do 34 Terra. Não Foi Dada a Última Palabra Sobre Battisti, set. 2011. Disponível em: <http://noticias.terra.com.br/brasil/noticias/0,,OI5339911-EI306,00Nao+foi+dada+a+ultima+palavra+diz+Berlusconi+sobre+Battisti.html> Acessado em 15/11/2011. 35 Artigo 80 do Estatuto do Estrangeiro. 67 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 fornecimento das informações contidas nos depoimentos, beneficiadas pelo instituto da delação premiada. A supressão do direito de defesa constitui grave ofensa aos Princípios do Contraditório e Ampla Defesa, princípios basilares de Direito aos quais é signatário o Direito Italiano, assentes, inclusive, na Constituição da República Italiana( seu artigo 24, traduzido, diz que todos podem agir em juízo em busca da tutela dos próprios direitos e interesses legítimos. A defesa é direito inviolável em cada estado e grau de procedimento. São assegurados aos desprovidos de recursos, mediante instituições adequadas, os meios para agir e se defender diante de qualquer jurisdição. A lei determina as condições e as modalidades para a reparação dos erros judiciários36). Para os defensores de Battisti, este é um forte argumento, uma vez que há ressalvas do Supremo Tribunal Federal quanto à concessão de extradição quando reputar-se injusto o procedimento do julgamento que culminou em condenação e pela qual requer-se o extraditando quando denegada a satisfação do direito à Ampla Defesa e ao Contraditório 37, já que, em conformidade com o Direito Constitucional brasileiro, importará em vício insanável da sentença condenatória. Quanto às alegações e a aceitação das mesmas como prova, a Constituição em seu artigo 93, IX( bem como no artigo 217 do Código de Processo Penal) impõe a presença efetiva do defensor nos atos que integrem a instrução criminal, sendo vedado o colhimento de elementos probatórios por juízes quando ausente, e, de acordo com o magistério de Aury Lopes Júnior, tal prática é absurdamente ilegal, característica de um sistema neo-inquisitório38. Análise dos aspectos favoráveis à extradição Os argumentos de que dispõe o país requerente possuem extrema pertinência e grande valor, pois encontram fundamento na legislação e na jurisprudência, ao contrário de alguns argumentos da defesa que possuem um caráter garantista. Como advogado da República Italiana, o senhor Antônio Nabor Areias Bulhões. O primeiro argumento é o de que a Itália, na condição de Estado Soberano, proferiu uma sentença condenatória para punir um nacional pela prática de fato tipificado, em lei específica, como crime passível de ostensiva punição. A Itália detém o monopólio da coerção legítima e é direito seu punir na forma que seu ordenamento jurídico determina, sem que outro Estado igualmente soberano, questione a validade de suas decisões ou a capacidade de seguir o previsto em suas normas. O Brasil, adota o Sistema Belga, que consiste na impossibilidade de analisar o processo penal percorrido para se chegar à sentença condenatória, e, por isso, deve o STF analisar, unicamente, a existência dos requisitos básicos para que seja concedida a extradição. Francisco Rezek 39 entende que, em consonância com a decisão do STF de deferir a extradição, deve o Chefe do Executivo, efetivamente, cumprir a entrega do requerido. Completando este raciocínio, Nabor 36 Costituzione della Repubblica Italiana Disponível em: <http://www.governo.it/Governo/Costituzione/CostituzioneRepubblicaItaliana.pdf>. Acessado em 22/11/2011. Tradução Nossa. 37 Extradição 830/Estados Unidos da América, Rel. Min. Ellen Grace julgada em 10-12-2002, DJ de 26-07-2003; Extradição 986/ Bolívia, Rel. Min. Eros grau, julgada em 16-08-2007; Extradição 232/Cuba,-segunda, Rel. Min. Victor Nunes Leal, DJ de 14-12-1962; Extradição 347/Itália, Rel. Min. Djaci Falcão, DJ de 09-06-1978 38 LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal e Sua Conformidade Constitucional, Volume I. 4. ed. Rio de Janeiro, Editora Lumen Juris, 2009. 39 REZEK, Francisco. Direito internacional público, 10. ed. rev. e atual.. São Paulo: Saraiva, 2005. 68 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Bulhões40 menciona que seria inadmissível afastar-se a competência jurisdicional e constitucional privativa da Suprema Corte para apreciar um processo de extradição fundado em tratado bilateral e, para além dos óbices constitucionais como a inafastabilidade da competência do STF, estaria o consolidado Princípio da Separação dos Poderes sendo mitigado em demasia, uma vez prevalecendo um ato externo isolado e anômalo( a concessão de refúgio), em detrimento da mencionada competência que detém o STF. Bulhões ainda cita a decisão do ex-Ministro Victor Nunes Leal41 - que versava sobre Asilo Político, matéria com dignidade constitucional, pois o instituto encontra-se inserido no artigo 4, X da Constituição Federal - que determina a incapacidade de um ato discricionário de natureza política confiado ao presidente da República prestar óbice à concessão de extradição, portanto, tampouco teria aptidão para impedir a extradição o Refúgio Político, que sequer possui assento constitucional e que fora concedido pelo Ministro da Justiça em sede de recurso, após a rejeição do CONARE, e não pelo presidente da República. Contra os dogmas que conferem aos crimes imputados a Battisti a natureza política, Gilmar Mendes em seu voto posiciona-se favorável à extradição, pois acredita que crimes de sangue praticados de forma premeditados e com pura intenção de matar, tem o mesmo caráter do que crime cometido em meio a um levante social ou maciço ataque de retaliação, reação ou contestação de um regime 42. Uma vez desconsiderada a natureza política do crime, através do Princípio da Pacta Sunt Servanda - do qual se extrai o entendimento de que a obrigação disposta em acordo celebrado deve ser respeitada pelas partes acordantes -, deve o Brasil dar continuidade à extradição em conformidade com a decisão do STF, sob pena de estar violando um tratado internacional inserido ao ordenamento jurídico pátrio. Em decisão de um processo de extradição, Sepúlveda Pertence foi categórico ao afirmar que é consolidada a jurisprudência do tribunal no sentido de que os tratados bilaterais de extradição, nele constituem leis especiais que prevalecem no eventual conflito com lei nacional 43. O Procurador-Geral da República, Antonio Fernando Barros e Silva de Souza, ao examinar a possibilidade de ter ocorrido a prescrição44, entende que não operou-se ainda, pois, o extraditando fora condenado à prisão perpétua, sendo que as condenações transitaram em julgado em 08 de abril de 1991 e 10 de abril de 1993. Observa que, de acordo com a lei italiana, crimes punidos com pena de prisão perpétua não são extintos pela prescrição, mesmo como efeito da aplicação de circunstâncias agravantes. Destarte, analisado à luz do ordenamento jurídico pátrio, uma vez não admissível pena de prisão perpétua, examina-se a extensão prescricional no que tange à pretensão executória com base na pena mínima prevista 40 ITÁLIA defende extradição de Battisti no STF (2/20). STF, adicionado em 2009. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=Q-CGg4Tq-g4>. Acessado em 10 de nov. de 2011. 41 Extradição No 232/Cuba-segunda, relator min. Victor Nunes Leal, DJ 14/12/1962 42 Gilmar Mendes é o Quinta Ministro a Votar Pela Extradição. Notícias STF, 18 de novembro de 2009. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=116249>. Acessado em 10 de nov. 2011. 43 Extradição 785-8 Estados Unidos Mexicanos, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 14-11-2003. 44 3576-PGR-AF. Extradição 1.085/Itália, Rel. Min. Cezar Peluso. Apresentado em 27 de mar. De 2008. 69 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 para crime análogo, ou seja, pena máxima de trinta anos. Desta maneira, a prescrição ocorreria somente no ano de 2011 e 2013 respectivamente. Considerações Finais Vivemos num mundo cujo constante processo de evolução acarreta no aprofundamento da integração política, econômica, social e cultural, através da redução dos custos de transporte e meios de comunicação: a Globalização. São amplamente divulgados os benefícios trazidos pela mencionada integração. No entanto, junto ao desenvolvimento de tais benefícios, aos Estados nota-se a imposição de desafios pelo encurtamento das distâncias entre seus territórios, tais como a elaboração e implementação de normas eficazes e outros meios capazes de coibir atos lesivos à ordem pública. Notavelmente, o crime internacional se movimenta com grande velocidade enquanto a justiça continua resolvendo suas pendências de forma um tanto lenta e leniente, restando desproporcional a ineficácia das ferramentas de prevenção e a exponencial multiplicação dos ilícitos no plano internacional. Pode-se inferir, portanto, que os problemas entre dois Estados Soberanos não são nada extraordinários, uma vez evidente o aumento da criminalidade internacional: pode um suposto criminoso fugir para país diverso, visando evitar a sua prisão, ter contra si instaurado um processo enquanto está em outro país, e, então, o país de onde requerer a famigerada Extradição. Uma vez instrumento de cooperação internacional contra a impunidade, não raras são as vezes em que ao Brasil são requeridos a prisão de estrangeiro procurado pela prática de ilícito penal que entrou em seu território e sua posterior entrega ao país requerente. No caso concreto ora examinado, não poderia ser diferente: O Brasil foi acionado pela Itália para efetuar a extradição de um nacional já condenado, que, por sua vez, dizia ter sido usado como bode expiatório e sofrer perseguição política. E por esta razão, o presidente da República resolveu, contra a decisão da Suprema Corte, denegar a extradição, instalando-se grande celeuma em torno da questão. Por um lado, há a decisão condenatória proferida por órgão, devidamente investido das atribuições e competências necessárias, pertencente a um Estado Soberano com quem o Brasil firmara tratado sobre a questão, apoiada, pois, por unanimidade pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos que declarou que o processo que ensejou tal decisão tivera conformidade com o Devido Processo Legal; Por outro lado, persiste, mesmo diante da declaração do Tribunal Europeu de Direitos Humanos, o fato de que Battisti fora condenado à revelia, com base unicamente em depoimentos tendenciosos que trariam benefícios expressivos aos depoentes - condenados, também, pelos crimes que imputaram a Battisti em suas alegações -, pela autoria de crimes considerados políticos à época e a pena passível de repúdio e incompatível com o ordenamento jurídico pátrio( há mais de trinta anos, tempo mais longo do que o maior prazo prescricional existente na legislação brasileira). Tudo isso sem permitir que a sentença fosse reexaminada posteriormente. 70 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Reputa-se, então, acertadíssima, a decisão tomada pelo presidente, que não acoberta um criminoso fugitivo, permite que um ser humano possa viver com dignidade depois de mais de trinta anos de ostracismo, respirando medo, com ostensiva possibilidade de ter sua liberdade tolhida. Referências ONU( ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS). 58th Session of the International Law Comission. Expulsion of Aliens, Memorandum by the Secretariat. Genebra, 2006. Disponível em: <http://untreaty.un.org/ilc/documentation/english/a_cn4_565.pdf>. Acesso em 31 out. 2011. ACCIOLY, Hildebrando. Manual de Direito Internacional Público, ed. 18a. São Paulo: Saraiva, 2009 HEANCKAERTS, Mass Expulsion in Modern International Law and Practice, 1995. GOODWIN-GILL, Guy S., Limits of the Power of Expulsion in Public Internacional Law, BYB, disponível em: <http://bybil.oxfordjournals.org>. Acesso em 31 out. 2011. BROWNLIE, Ian. Princípios de Direito Internacional Público, 4. ed. Trad. Maria Manuela Farrajota et al. Fundação Calouste Gulbenkian, 1997, p 336. DEL‟OLMO, Florisbal de Souza. A Extradição no Alvorecer do Século XXI. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 23. MARQUES, José Frederico. Curso de direito penal. São Paulo: Saraiva, v.1, 1954 CUNHA, Sérgio Sérvulo da. Dicionário Compacto do Direito. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. RUSSOMANO, Gilda Maciel Correa Meyer. Aspectos da Extradição no Direito Internacional Público. Rio de Janeiro: José Konfino, 1960, p. 136 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional, 5. ed. rev e atual.. São Paulo. Saraiva, 2010. REZEK, Francisco. Direito internacional público, 10. ed. rev. e atual.. São Paulo: Saraiva, 2005. 71 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Do Impresso ao Digital sem fronteiras: caminhos de uma mídia alternativa Autores Mariana Guimarães Pinheiro Natália Gomes Albertini Curso Comunicação Social/Jornalismo Universidade Estácio de Sá Unidade Nova Friburgo Orientador: Roberto Fonseca Vieira Resumo: Este artigo remete-se a pesquisa qualificada e apresentada na Divisão Temática Comunicação, Espaço e Cidadania, da VII Jornada de Iniciação Científica em Comunicação – Intercom Júnior, evento componente do XXXIV Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, em Recife, PE – 2 a 6 de setembro de 2011. Esse estudo teve como objetivo refletir sobre o Jornal Séc. XXI como uma mídia alternativa sem fronteiras, como convencionalmente ele se apresenta no dial. Disponibilizado agora também na internet, esta mídia de origem impressa provoca um novo olhar no tocante à maneira como as suas informações são difundidas, uma vez que esta se caracteriza por um processo inverso ao habitual, ou seja, do local ao global. Incluindo as práticas socioculturais, ultrapassando fronteiras geográficas de dois tipos de espaços diferentes (o físico e o virtual) e agregando aspectos multimídia, o Jornal Séc. XXI se torna um meio mais cidadão e democrático. Palavras-chave: Mídia Alternativa, Cidadania, Jornalismo On-line. Introdução O despertar para essa pesquisa foi caracterizado pela relevância, em face do referencial plural das questões que envolvem os segmentos relacionados aos preceitos da comunicação comunitária, alternativa e popular, e precipuamente compromissada enquanto espaço de cidadania. Espaço esse que se dimensionam como nos remete (VIEIRA, 2002), ao „ethos social’45, cujo sentido é expresso pelo autor na vivificação do campo da cidadania, ânimo do 45 Professor da Universidade Estácio de Sá-Campus Nova Friburgo VIEIRA, Roberto (professor da UFPA). Anais do XXV Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. Salvador/BA: INTERCOM, doc. base, pág. 13-14, 2002. 72 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 povo, da cultura, da nação, e completa o autor afirmando que cidadania é ethos na sua maior expressão, que se enraíza nas subjetividades coletivas. Sem as práticas coletivas fica difícil conquistar avanços significativos na melhoria da qualidade de vida de cada cidadão. Diante desta perspectiva, este trabalho teve como objetivo analisar o Jornal Século XXI da cidade de Nova Friburgo – RJ como uma mídia alternativa comprometida com esse exercício de cidadania. Princípio, em que Peruzzo (apud, BOTÃO, 2002) destaca: “(...) o cerne das questões gira em torno da informação, educação, arte e cultura, com mais espaços para o entretenimento, prestação de serviços, participação de várias organizações (cada um falando o que quer, embora respeitando os princípios éticos e normas de programação) e divulgação das manifestações culturais locais”46 E isso nos remeteu a pensar que dentro do cenário de mídia alternativa alguns conceitos e atitudes são elencados como partes constituintes para que esse meio cumpra seu objetivo de forma plena. A começar pelo participacionismo, ou seja, a busca do bem-estar comum, o incentivo ao exercício da cidadania e a ênfase da cultura e arte locais fomentando, sobretudo o processo de produção dessas mídias alternativas. Movimentos estes que percebemos estarem alinhados no “Jornal Século XXI”, de Nova Friburgo/Rio de Janeiro, principalmente em atenção aos segmentos editoriais expressos nesse jornal, cujos valores são pautados na democracia, educação e ecologia. A mídia alternativa A mídia é uma importante força de difusão não apenas de informação e conhecimento, mas também de modos de vida e comportamentos criando representações do pensamento e das práticas culturais da nossa época. O mundo globalizado possibilitou que os sujeitos se tornassem cidadãos do mundo, pois à medida que se acentuou essa ideologia, foram se firmando ideias como desterritorialização, globalização da cultura e da economia e a política do sem fronteiras, ao mesmo tempo, forma-se uma relação dialética quando o avanço para o global cria uma necessidade de reforçar os valores locais, as raízes individuais são evidenciadas. Portanto, pensar o Jornal Século XXI como mídia alternativa, e enquanto sem fronteira como convencionalmente ele se apresenta no dial é a questão central. Disponibilizado na internet permitirá pensar este mesmo jornal exigindo um outro olhar e provocando indagações, sobretudo que práticas socioculturais seriam representadas por um meio que ultrapassa as fronteiras geográficas de dois espaços diferentes – o físico e o virtual - ao mesmo tempo? Como acontecem essas representações da cultura local por meio de 46 BOTÃO, Paulo Roberto. Mídia Comunitária: Novas Tecnologias e a Emergência do Local. Anais do XXV Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Núcleo de Pesquisa Comunicação para a Cidadania – Salvador/BA – 1 a 5 Set 2002 73 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 dois suportes – um que está presente de modo palpável como articulador das questões locais e outro podendo ser acessado em qualquer lugar do mundo? O Exercício de Cidadania: nova dimensão social No exercício da cidadania para o desenvolvimento pleno o cidadão como protagonista do processo de criação e elaboração do conteúdo dos meios é que nasce dentro desse cenário a mídia alternativa representada como uma nova forma de organização, constituindo-se num espaço que através da democratização da comunicação renova-se, não apenas transmitindo informação, mas ao mesmo tempo abrindo uma janela de diálogo com os receptores, a sociedade. Por outro lado, com a inserção da internet nesse processo comunicacional surge a possibilidade de interação e troca de valores se expandindo de forma incalculável, pois essa nova tecnologia permite que o participacionismo se realize de forma mais completa. No contexto (PERUZZO, 2004. pág.50) caracterizando esse processo aponta e diz: “a comunicação é mais que meios e mensagens, pois se realiza como parte de uma dinâmica de organização e mobilização social; está imbuído de uma proposta de transformação social e, ao mesmo tempo, de construção de uma sociedade mais justa”.47 Aderindo a uma nova dimensão social, onde os limites das relações sociais convencionais geralmente demarcadas por um espaço físico e que se viam permeadas por uma atmosfera competitiva, muitas vezes hostil e pouco associativa, com o advento da Internet alcançam um elevado coeficiente de superação, passando a ser possibilidade real, pelos caminhos do virtual. Nesta conjuntura assegura a ampliação dos direitos de gozo da cidadania promovendo políticas de inserção, sobretudo de participação social. Portanto, faz-se necessário saber pensar o espaço, como uma tomada de consciência do nosso próprio mapa do mundo, sendo essa uma condição básica de cidadania. Quando, hoje, nos referimos à cidadania fazemo-lo em relação à identidade nacional, à comunidade, à participação, aos direitos e, em boa medida, à igualdade entre os cidadãos. O denominador comum dessas facetas da cidadania é que todas estão vinculadas às experiências de inclusão e exclusão, para as quais o espaço é um componente iniludível, como nos afirma António Campar e António Gama, em Geografia, conhecimento do espaço e cidadania.48 47 PERUZZO, Cicília. Direito à Comunicação Comunitária, Participação Popular e Cidadania. In: OLIVEIRA. Maria José da C. (Org.). Comunicação pública. Campinas: Alínea, 2004, pág.50. 48 CAMPAR de Almeida, António e GAMA, António. Geografia, conhecimento de espaço e cidadania, in Fragmentos de um retrato inacabado, in AA.VV. (org.), A geografia de Coimbra e as metamorfoses de um país, co-organizador. Coimbra: Instituto de Estudos Geográficos da FLUC, 2003. 74 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Do impresso ao virtual: do local ao global Necessário se fez estabelecer um parâmetro do espaço local como princípio de sóciopolítico-cultural. Nesse aspecto buscou-se em Tânia Fischer (apud, CALDAS COSTA, 2007) 49 um desses parâmetros, que caracteriza o “local” partindo de duas idéias complementares e antagônicas: “inércia” e “movimento”. O “local” remetendo a configuração geográfica, estática. Já a segunda numa instância dinâmica em virtude de possíveis relações com o global, as quais o tornam o “local”, também espaço de interação virtual. Tomamos, também essa questão no pensamento de Costa Souza (ibdem, CALDAS COSTA, 2007)50 que nos remete o conceito de “local” afirmando: “Este se expande por meio das novas tecnologias e ganha uma nova abordagem (...). É quando o lugar deixa de se restringir ao espaço físico-ambiental da geografia, rompendo com a relação lugar-espaço com o que se apresenta aos olhos”. Entretanto, nessa passagem do local ao global invocaram-se as tendências da sociedade-rede – resultado do processo globalizante – permitindo, segundo Lopes Garcia, ver o panorama midiático em que os diversos suportes desempenharão um papel de complementaridade na constelação da estrutura comunicativa. Diz o autor que: “Enquanto avança a globalização ou se multiplicam as redes que facilitam a intercomunicação em tempo real, o valor social da informação de proximidade também aumenta” (s/d, p. 200).51 Entendendo que a informação de proximidade deva ser substrato da comunicação midiática local – face às redes de comunicação que parecem de alguma forma dominar os processos de difusão midiática –, afirma-se que a ocorrência de vários exemplos de mídia alternativa pode significar um sinal de revitalização da comunicação local frente ao contexto da globalização. A fácil operacionalização dos multimeios, ocasionada pela tele-info-comunicação – telecomunicação, informática e comunicação –, fortalece o papel formativo da mídia em estudo que, anteriormente relegada à produção artesanal, agora, encontra-se auxiliada pela constituição da rede telemática, onde alcança multiplicidade e veiculação garantidas, já que justificadas pelo rápido avanço dos aspectos comerciais da rede, que como conseqüência da informatização crescente, concede a mídia alternativa, alguns status de Grande Imprensa. É nesse sentido que passamos a conhecer e difundir, nesse relato, o objeto principal da pesquisa, o Jornal Século XXI, coletando dados nas edições do próprio jornal correspondente. A análise se realizou com base em aspectos da comunicação comunitária, alternativa e 49 CALDAS COSTA, Aline. Reflexões sobre cultura e poder social: uma abordagem transversal para o conceito de local. Revista Espaço Acadêmico, nº 69, Mensal, ANO VI, Fevereiro/2007. ISSN 1519-6186. 50 Ibdem. 51 LOPEZ GARCIA, Xosé. Repensar o jornalismo de proximidade para fixar os media locais na sociedade global. Comunicação e Sociedade 4. Braga Codex: Núcleo de Estudos de Comunicação e Sociedade da Universidade do Minho, s/d, 8 p. 75 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 cultural, tanto no físico, quanto no virtual, incluindo mais recentemente a TV WEB, sobretudo a partir de suas linhas editoriais. Por outro lado observaram-se as fontes de informações, os temas trabalhados pelo jornal e o enfoque adotado no tratamento de cada matéria relatando aspectos da região onde o jornal Século XXI atua, abordando, principalmente, as características locais e que hoje se inserem no espaço global. O Jornal Século XXI: do físico ao virtual sem fronteiras Criado há quatorze anos o Jornal Século XXI nasceu para incentivar o exercício da cidadania, com o princípio basilar de aumentar a busca do bem-estar comum e melhorar a qualidade da informação recebida na região. Na tiragem de dez mil exemplares, que correm mensalmente, na Região Serrana e na cidade de Rio das Ostras, e distribuição gratuita, o enfoque da democracia, da educação e da ecologia se faz presente num triângulo de informações diversas voltadas para difusão da cidadania em suas raízes. Valores de cunho social, espiritual, esportes entre outras, particularizam interfaces com os três termos-chave. Abrindo-se de forma significativa com a chegada das novas tecnologias, o jornal Século XXI possibilitou agregar um espaço de discussão social mais amplo, cuja inclusão por via da manifestação sócio-política-cultural deparou-se com campo fértil na busca de uma sociedade mais justa e democrática. Cabe ressaltar que nesse momento de crescente apropriação de tecnologias de interação, tanto de expansão global quanto de conversão de interesses locais, em face da existência de fato levou-se a necessidade de se multiplicar os espaços de participação, seja este de natureza geográfica ou virtual. Mais que isso, tais espaços afirma-se, devem servir aos ideais de luta a favor de uma polifonia que traga à tona os mais variados discursos, para redefini-los num exercício da cidadania considerada enquanto recurso, sobretudo em face do desenvolvimento local. Portanto, disponibilizado na internet permite visualizar com mais participacionismo seu conteúdo entre: enquetes, fotografias, edições anteriores, e principalmente nos dias de hoje através da Web TV, sobre modo este, pois se trata de um trabalho de multimídia, um desafio do diretor do jornal, Dib Cury, dimensionando em vídeo a cultura local, exaltando as belezas naturais e problemas que fazem parte da vida de quem lê o Jornal Século XXI. Perfil da Iniciativa Consideramos que os veículos de imprensa devem assumir um papel fundamental na transformação da sociedade brasileira. Este papel é o de informar para a Cidadania. Acreditamos no mundo e nas pessoas. Somos otimistas com o rumo da história. Procuramos exercitar com nossas matérias e artigos o interesse pelo auto conhecimento e saúde, além da 76 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 melhoria do nível da cidadania. Através de linguagem acessível, procuramos influir para elevar a Qualidade de Vida e a qualidade da informação que chega aos cidadãos. Finalizar esse relato é virar uma página. O objeto do qual falamos acima é um personagem ativo, dinâmico e encantador, por suas páginas palpáveis, por sua incalculável dimensão virtual e por seu generoso objetivo. A grandiosidade do Jornal Século XXI fala por si só, uma mídia alternativa, gratuita, inovadora em busca de: cidadania, esclarecimento e educação ecológica. Um tablóide de vinte folhas, com matérias que fazem a diferença e que não devem satisfações aos formatos e padrões, pois a grande preocupação é com o que é falado e para quem é falado,e é dentro dessa perspectiva que o Século XXI age e cumpre sua admirável missão. Como foi dito antes, apenas viramos uma página nessas considerações, pois o nosso objeto continua em atividade. Mês a mês, a cada clique, poder-se-a conferir mais incentivo ao direito básico de cada ser, a cidadania. Exercê-la e ser beneficiado com esse exercício, esse é o xis da questão para quem vê o mundo melhor, mais verde e mais justo, segmento que possibilitou o slogan “AQUI A MATÉRIA É VERDE”, na abertura de seus programas. Finalmente cabem aqui algumas características do Jornal Século XXI. É um jornal de linha editorial democrática, ecológica e humanista. É movido por um sentido libertário e um espiritualismo ecumênico. Na Web TV: Três vertentes norteiam a linha editorial, cujo editor responsável nomeia de “TV Fórum Século XXI”, a saber: 1 – Defender a Mata Atlântica e debater os temas e prioridades ambientais. 2 – Colaborar para democratizar a informação cultural, cidadã e formadora de consciência e criticidade. 3 – Divulgar Nova Friburgo, Estrada Serra-Mar e Rio das Ostras como um grande Circuito Eco-Turístico, principalmente, pela diversidade de cenários envolvidos, além de sua ótima estrutura hoteleira e gastronômica. Cidadania é prioridade. Meio Ambiente é prioridade. Mudança de comportamento é prioridade. É nisto que apostamos! Assim, o tablóide mensal se tornou um forte ator social, inovador e sem fronteiras. Esse é o Jornal Século XXI. Dados da Instituição O Fórum Século XXI é uma publicação da Agência XXI Cultural CGC: 02673574/0001-56 Jornalista Responsável: Monique Curi MTB 27058 RJ Fundação, Direção e Edição: Dib Curi 77 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Caixa Postal 89675-CEP: 28610-972 - Nova Friburgo (RJ) E-mail: [email protected] Registro Especial de Pessoas Jurídicas de número 11 no Cartório do 3º Ofício de Nova Friburgo. Referências BOTÃO, Paulo Roberto. Mídia Comunitária: Novas Tecnologias e a Emergência do Local. Anais do XXV Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Núcleo de Pesquisa Comunicação para a Cidadania – Salvador/BA – 1 a 5 Set 2002 CALDAS COSTA, Aline. Reflexões sobre cultura e poder social: uma abordagem transversal para o conceito de local. Revista Espaço Acadêmico, nº 69, Mensal, ANO VI, Fevereiro/2007. ISSN 1519-6186. CANEVACCI, Massimo. Palestra proferida no Seminário Cidade: comunicação, formas e recepção. UFRGS, setembro de 2006. CAMPAR de Almeida, António e GAMA, António. Geografia, conhecimento de espaço e cidadania, in Fragmentos de um retrato inacabado, in AA.VV. (org.), A geografia de Coimbra e as metamorfoses de um país, co-organizador. Coimbra: Instituto de Estudos Geográficos da FLUC, 2003. LOPEZ GARCIA, Xosé. Repensar o jornalismo de proximidade para fixar os media locais na sociedade global. Comunicação e Sociedade 4. Braga Codex: Núcleo de Estudos de Comunicação e Sociedade da Universidade do Minho, s/d. NICOLA, Ricardo. O Cibercidadão do Mundo On-Line: Desafios e (Re)Descobertas. Unicamp no período de 2000-01, Campinas: IA/Unicamp, 2001.(Tese de Doutorado); REID, Elisabeth. 2005. PALÁCIOS, Marcos. Sete teses equivocadas sobre comunidade e comunicação comunitária: Comunicação & Política. São Paulo, nº 11, 1990. PERUZZO, Cicília M. Krohling & ALMEIDA, Fernando Ferreira (Org.). Comunicação para a cidadania. São Paulo: Intercom; Salvador: UNEB, 2003. ______________________________. PERUZZO, Cicília. Direito à Comunicação Comunitária, Participação Popular e Cidadania. In: OLIVEIRA. Maria José da C. (Org.). Comunicação pública. Campinas: Alínea, 2004. VIEIRA, Roberto (professor da UFPA). Anais do XXV Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. Salvador/BA: INTERCOM, doc. base, pág. 13-14, 2002. Site consultado: http://www.forumseculo21.com.br 78 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 A Reincidência Criminal à luz do princípio do Non Bis In Idem Autor: Nayara Vogas De Sá Curso Direito Universidade Estácio de Sá – UNESA Unidade Nova Friburgo Orientador: Marcus Vinicius Vieira Rodrigues Resumo O presente trabalho foi fruto de estudos realizados através de doutrinas, jurisprudências e artigos jurídicos diversos. A abordagem diz respeito ao instituto da reincidência criminal em face do princípio do non bis in idem. Cabe verificar que, a reincidência é a situação de quem pratica um crime após ter sido condenado por crime anterior em sentença transitada em julgado. Este instituto está previsto no art. 61, inciso I, do Código Penal como agravante genérica da pena e tem tido grande repercussão e incidência na legislação penal brasileira. Ressalta-se que, está sendo alvo de debates doutrinário quanto a sua manutenção e relativização. Diversamente do que se passa com a doutrina, que tem travado rigorosa discussão quanto a sua sustentabilidade e constitucionalidade, a jurisprudência mostra-se em sua imensa maioria favorável à manutenção desta agravante em nosso ordenamento jurídico. O trabalho tem por objetivos: analisar a reincidência de acordo com o posicionamento da doutrina e da jurisprudência tradicionais, observando os princípios constitucionais. Este estudo foi desenvolvido mediante a pesquisa bibliográfica, e as investigações para alcançar os objetivos expostos tiveram como base o método indutivo. Palavras Chave: Reincidência criminal. Non bis in idem. Constitucionalidade. Introdução O presente trabalho tem por objeto o estudo da discussão doutrinária relacionada à recepção da agravante da reincidência criminal na fase de aplicação da pena privativa de liberdade frente ao Princípio do non bis in idem. A importância desse tema reside no fato de a reincidência, presente nos artigos 63 e 61, I do Código Penal, ser um instrumento utilizado costumeiramente para agravar a pena dos condenados que voltam a delinqüir. O tema passou a ser de interesse de todos no Professor Mestre da Universidade Estácio de Sá-Campus Nova Friburgo. 79 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 momento em que o Estado, por meio dos magistrados, adquiriu o poder de elevar o tempo de encarceramento de uma pessoa. O objetivo geral desse trabalho é analisar a possível inconstitucionalidade da punição de um reincidente criminal, já que esta tem por finalidade agravar uma pena restritiva de liberdade pelo fato de seu autor ter uma condenação definitiva anterior, o que viola o Princípio do non bis in idem que entende que ninguém poderá ser punido mais de uma vez por uma mesma infração penal. O referido estudo deve-se ao fato de que a reincidência fere os princípios consagrados na Constituição Federal, uma vez que descreve uma circunstância subjetiva relevante ao sujeito ativo do desvio punível. Este trabalho se desenvolve por meio de pesquisa bibliográfica (livros, periódicos, publicações eletrônicas) e documental, analisando-se a reincidência e sua aplicação no direito penal, segundo a legislação, doutrina e jurisprudência. Conceito e aspectos introdutórios da reincidência A Reincidência é a prática de uma nova conduta penal cometida por um autor já condenado em um processo com trânsito em julgado, prevista no artigo 63 do Código Penal. Dessa forma, são três os requisitos para o reconhecimento da reincidência: “ 1°) prática de crime anterior; 2°) trânsito em julgado da sentença condenatória; 3°) prática de novo crime, após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.” 52 Cabe destacar que artigo 63 do Código Penal, se encontra no capítulo que tem por finalidade regrar a forma de aplicação da pena no momento da sentença. Portanto, o fato praticado pelo agente será analisado de acordo com suas peculiaridades. Por fim, faz-se necessário a demonstração do conceito doutrinário acerca da reincidência abordando sobre a definição deste instituo sob a ótica do Professor Fernando Capez, que afirma que “é a situação de quem pratica um fato criminoso após ter sido condenado por crime anterior, em sentença transitada em julgado.” 53. Espécies A qualidade de recaídas constantes na seara do direito penal se divide em reincidência real, ficta, genérica e específica. A reincidência real se caracteriza quando o ofensor experimenta total ou parcialmente pena que lhe foi imposta referente ao crime anterior. A reincidência ficta ou imprópria ocorre quando o autor comete novo crime após ser condenado sem que tenha cumprido a pena. 52 53 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal –Parte Geral: 8 ed., Rio de Janeiro: Impetus, 2004. CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: 9 ed., São Paulo: Saraiva, 2005. 80 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Fazendo uma análise ao Código Penal, verifica-se que o legislador adotou a reincidência ficta, pois não exige para o reconhecimento da agravante o cumprimento da pena pela condenação do delito anterior. A reincidência genérica é “o cometimento de um delito, depois de ter sido o agente condenado e submetido a pena por outro delito.” 54. Significa que o crime anterior e a nova conduta não têm a mesma natureza, conforme artigo 63 do Código Penal. É uma circunstância subjetiva, pois é ligada a pessoa do agente pouco se importando com a conduta realizada. “Reincidente específico será o reincidente em crime previsto no mesmo tipo incriminador” 55. Isto é, o agente pratica um delito idêntico ao realizado anteriormente o qual sofreu condenação e cumpriu pena. A Lei 8.072 de 25 de Julho de 1990 que trata dos Crimes Hediondos acrescentou o inciso V ao artigo 83 do Código Penal. Na redação deste, encontra-se o veto de liberdade condicional ao reincidente específico. Porém, a técnica legislativa, acarretou dúvidas, criando o entendimento que seria a recaída em qualquer dos crimes previstos na lei. Temporariedade da reincidência O sistema adotado pelo Código Penal Brasileiro é o da temporariedade. “Transcorrido certo lapso de tempo sem que outro delito tenha sido praticado, evidencia-se a ausência de periculosidade e sua normal reinserção social.” Há também um sistema intermediário, conhecido como misto. Destaca-se por ser aproximado ao sistema perpétuo, embora atenue o aumento conforme o período de tempo da condenação anterior e a nova. O sistema da temporariedade consagra a chamada “prescrição da reincidência”, articulada no artigo 64 inciso I, do Código Penal, onde não prevalece a condenação anterior, se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de tempo superior a 5 (cinco) anos, computado o período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer revogação. Com base no dispositivo ora citado, deve-se pautar em três critérios distintos para verificar o termo inicial da contagem dos 5 anos. Primeiramente, se a pena foi cumprida, o termo a quo será aquele do término do cumprimento da resposta estatal, isto é, a pena. Portanto, em todos os casos de extinção da pena é importante salientar que o prazo inicial é a data que efetivamente ocorreu a causa da extinção e não da data em que foi declara. Por último, tratando-se de cumprimento de prova de suspensão ou livramento condicional, a data, de acordo com o professor Capez, será “a da audiência de advertência do sursis ou do 54 ZAFFARONI, Eugênio Raúl. PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro Parte Geral: 4 ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. 55 CAPEZ, Op Cit. 81 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 livramento”56. Frisa-se ainda, que o termo final do qüinqüênio é o decurso dos 5 anos ou a prática de um segundo crime durante este período. Reincidência e primariedade Matéria que envolve bastante discussão é a compreensão do que venha ser criminoso primário, bem como sua relação com a reincidência. Para o doutrinador Julio Mirabete existem duas orientações: “Chama-se primário aquele que jamais sofreu condenação irrecorrível. Reincidente é aquele que cometeu um crime após o trânsito em julgado da sentença que o condenou por crime anterior enquanto não transcorrido o prazo de cinco anos contados do cumprimento ou da extinção da pena” 57. Verifica-se que com a adoção do sistema da temporariedade criou diversos conceitos na tentativa de elucidar a questão. Surgindo uma terceira categoria chamada de tecnicamente primário ou não primário, isto é, aquele indivíduo que realizou conduta tipificada como crime após o prazo de da reincidência (5 anos). É o agente que não é primário nem reincidente. Neste sistema em não há previsão legal para o não primário, aparecerá a figura do portador dos maus antecedentes como explica o professor Rogério Greco: “Se não houver a revogação do sursis ou do livramento condicional, ultrapassado o período de cinco anos, não poderá a condenação anterior ser considerada para efeito de reincidência, prevalecendo somente para configuração dos maus antecedentes.” 58. Questões pertinentes em relação a reincidência Em relação à natureza jurídica, “trata-se de circunstância agravante genérica de caráter subjetivo ou pessoal” 59. Sendo subjetiva, não se comunica em caso de concursos de pessoas. Ressalta-se, o esquecimento do legislador, ao tratar das hipóteses passiveis de reincidir, aduzir como possibilidade de agravamento o fato do agente praticar crime após ter sido condenado pela prática de contravenção penal. O artigo 63 da carta penal pátria define para configuração da reincidência a conduta “crime anterior”. O artigo 7° da Lei de Contravenções Penais, decreto-lei n° 3.688, de 1941, trás a seguinte redação: “Verifica-se a reincidência quando o agente pratica uma contravenção depois de passar em julgado a sentença que o tenha condenado, no Brasil ou no estrangeiro, por qualquer crime, ou, no Brasil, por motivo de contravenção”. 56 CAPEZ. Op. Cit. MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal-Parte Geral: 18 ed., São Paulo: Atlas, 2002. 58 GRECO. Op. Cit. 59 CAPEZ. Op. Cit 57 82 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Conclui-se que, somente é reincidente o condenado definitivo por crime comete novamente crime, ou, condenado definitivamente pela conduta de contravenção comete nova contravenção. E condenado por crime, realiza conduta descrita como contravenção penal. Quanto à questão territorial, a preexistência de condenação no estrangeiro induz a reincidência, uma vez que esta consideração foi consagrada expressamente no Código Penal surgindo assim a chamada “reincidência internacional”. A sentença estrangeira não necessita ser homologado para ser reconhecida no nosso ordenamento. Entretanto, deve-se respeitar dois requisitos para o reconhecimento da reincidência internacional: que a conduta seja tipificada no estrangeiro e também no Brasil, e que a sentença condenatória anterior realizada no exterior tenha respeitado o princípio do devido processo legal. Porém, deverá haver uma conformidade nas duas legislações no aspecto de ambas conhecerem tal instituto. Outra hipótese que determina a configuração da agravante é em relação da natureza dos crimes praticados. Em relação a pena pecuniária, quando o crime anterior for apenado com multa o agente será considerado reincidente, conforme artigo 95 do Código Penal. Há entendimento diverso em relação a este aspecto, uma vez que a pena de multa não pode piorar a situação do réu, fazendo que o mesmo sofra as consequências de condenado reincidente. Por força do artigo 77, parágrafo 1° do Código Penal, a condenação pecuniária anterior não impede o sursis, não havendo carga suficiente na multa para gerar reincidência. Em relação às condutas que não geram reincidência, têm-se diversas situações. A primeira é em relação à contravenção praticada no exterior e uma nova contravenção realizada no Brasil. Há este raciocínio pelo fato do artigo 2° da Lei de Contravenções Penais entender que somente é considerada no ordenamento pátrio, as contravenções praticadas no território nacional. Não gera reincidência transação penal, composição civil e sursis processual. O artigo 63 do Código Penal dispõe que somente haverá a reincidência “depois” que houver trânsito em julgado. Assim, ensina a doutrina que, “como a lei usa o advérbio depois, entendemos que a prática do novo crime, para ensejar a reincidência, deve ocorrer em data posterior (e não no mesmo dia) à do trânsito em julgado da condenação pelo crime anterior.” 60 Não ocorre a agravação da pena quando se verifica que o crime anterior teve extinta sua punibilidade. Porém, nem todas as extinções de punir acarretarão a desconfiguração da reincidência. “Se a causa extintiva ocorreu antes do trânsito em julgado, o crime anterior não prevalece para efeitos de reincidência.” 61. Mas esta regra comporta exceções, quando a causa for abolitio criminis ou anistia, o ato de reincidir perderá efeito “porque estas disposições eliminaram diretamente a tipicidade da conduta anterior, e, por conseqüência, não se pode ter em conta a condenação pronunciada em razão de uma tipicidade inexistente” 62. 60 DELMANTO, Celso. Código Penal Comentado: 6 ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2002. CAPEZ. Op. Cit. 62 MIRABETE. Op.Cit. 61 83 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Deve-se ter cuidado para evitar o bis in idem no momento da aplicação da pena, uma vez que não se pode utilizar a condenação passada como agravante de reincidência e ao mesmo tempo se valer de circunstância judicial de maus antecedentes. Evolução da legislação brasileira e a reincidência A reincidência surgiu em Roma e tinha como principal objeto uma espécie de pesquisa na conduta humana em relação aos crimes praticados reiteradamente. Verifica-se que o objeto principal da agravante sempre foi voltado a figura do criminoso e sua rebeldia frente à ordem social. Porém, jamais foi analisado se sua conduta reiterada era realmente desprezo em relação às leis ou tratava-se de uma pessoa incapaz de sobreviver diante das dificuldades da época. Código Criminal do Império de 1830 O Código Criminal do Império foi elaborado por determinação da Constituição brasileira de 1824 e sancionado em 1830 pelo imperador D. Pedro I. A Carta Maior da época exigia um código criminal baseada em um núcleo de justiça e igualdade. O liberalismo empregado nas leis esbarrava em pensamentos antagônicos. Verifica-se um sistema de ideias contraditórias onde as leis não se harmonizam com a realidade. Diante de um diploma penal cheio de ambigüidades, cercado de eixos políticos que se chocam, o Código Criminal do Império, no artigo 16, parágrafo 3°, mostrava que reincidência ocorria quando: “(...) o delinquente tinha reincidido em delito da mesma natureza (...)” 63. Portanto, nota-se que o artigo não faz referência à sentença condenatória anterior como requisito para a configuração da reincidência. Outro aspecto é o fato do artigo apresentar uma espécie de reincidência específica. Código Penal Republicano de 1890 Com o advento da República, foi necessário de elaborar um projeto de Código Penal, sendo aprovado e publicado em 1890. O mesmo ficou pronto em cerca de 3 meses. Insta informar que este código, com inúmeras leis extravagantes, que serviam para a criminalização dos indivíduos indesejáveis, traz as marcas da legislação de 1830, por ter sido um instrumento revisor e não inovador, permaneceu o caráter autoritarismo e vigilante. O código republicano já define, em seu artigo 40, o que significa reincidência: “(...) A reincidência verifica-se quando o criminoso, depois de passada em julgado sentença condenatória, comete outro crime da mesma natureza e como tal entende-se, (...)” 64. 63 BRUNO, Aníbal. Direito Penal: 4 ed., Rio de Janeiro: Forense, 1984. 84 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 “Mesmo tendo procurado suprir as omissões do Código Criminal do Império, o Código Penal Republicano não foi feliz em sua definição sobre crimes da mesma natureza”65. Analisando o artigo mencionado, a redação restringe a reincidência específica, já que delimita seu campo de atuação apenas no que diz respeito à violação do mesmo artigo. Logo, a polêmica recai sobre qual o conceito de crime da mesma natureza, já que se for levar o artigo ao pé da letra, aquele que comete furto e posteriormente roubo não será reincidente. Código Penal de 1940 Na década de 30, em decorrência do federalismo exagerado imposto pela primeira República, passou-se a ter uma resistência em desfavor desta passando o poder a ser forte e centralizado. O intuito maior do Código de 1940 era garantir um sistema penal harmônico, garantindo um estado que vise o bem-estar da coletividade. O Código de 1940 diferenciava a reincidência genérica da específica, sendo a primeira hipótese de crimes com a natureza diversa e a segunda seria nas ocasiões onde as infrações se enquadram na mesma natureza, não importando se fossem previstos no mesmo dispositivo. Nesta época era adotado o sistema da perpetuidade onde o condenado não quitava sua obrigação com a justiça penal, podendo ter sua vida pregressa utilizada a qualquer tempo para fins de agravamento de penal através da reincidência. Esse sistema não é mais adotado. Outro aspecto interessante é o fato do Código de 1940, antes da reforma da Lei 7.209, de 1984, colocar o reincidente como um sujeito perigoso merecedor de não só a pena privativa de liberdade, mas também ao remédio da medida de segurança. O Código Penal sofreu diversas reformas tendo a reincidência nova roupagem. Ocorreram mudanças na distinção entre reincidência genérica e específica, adotou-se o sistema da temporariedade. Incompatibilidade Constitucional Insta informar que abaixo estarão elencados alguns Princípios Constitucionais que estabelecem acerca das garantias que tem por finalidade resguardar os direitos dos cidadãos e que mostram que a Reincidência Criminal está em desacordo com a Constituição. Princípios são ordenações que irão constituir os sistemas de normas jurídicas e servirão de base para a formação destas. 64 QUEIROZ, Paulo de Souza. Legitimação versus deslegitimação do sistema penal: 1ed., Belo Horizonte: Del Rey, 2001. 65 ZAFFARONI Op Cit. 85 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Princípio da legalidade Cabe informar que o Princípio da Legalidade encontra-se exposto no art. 5º, inciso II, da Constituição Federal, e prevê que “ninguém será obrigado fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” 66. Nas palavras de Bastos, o princípio da legalidade "surge como uma das vigas mestras do nosso ordenamento jurídico”.67 Este princípio tem por objetivo combater o poder discricionário do Estado, impedindo o poder excessivo. Assim sendo, somente através de leis, elaboradas pelo poder legislativo constitucional, poder-se-á reprimir a conduta dos indivíduos. Princípio da igualdade Rege o artigo 5º, “caput”, da Constituição Federal que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança [...]”. 68 Segundo Silva, a Constituição Federal adota a igualdade jurídica formal, ou seja, igualdade perante a lei, quando prescreve: “Todos são iguais perante a lei” [...]69, e reforça este princípio em outros dispositivos constitucionais, como por exemplo, no art. 7º, inciso XXX, o qual “proíbe a diferença de salários, de exercício de funções e de critérios de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou raça,” procurando, desta forma, igualar os desiguais, protegendo e concedendo direitos. O princípio da igualdade oferece as pessoas igualdade de direitos, não de igualdade de condições, assim, devido às desigualdades sociais existentes, compete tratarmos igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, para que possamos fazer justiça. O princípio da igualdade proíbe o arbítrio, ou seja, proíbe as diferenciações de tratamento sem fundamento material. Proíbe a discriminação, ou seja, as diferenciações de tratamento fundadas em categorias meramente subjetivas. Princípio da humanidade Prescreve o art. 5, inciso XLVII da Constituição Federal que: “não haverá penas: a) de morte, salvo em caso de guerra; b) de caráter perpétuo; c) de trabalhos forçados; d) de banimento; e) cruéis.” Pelo princípio da humanidade deve-se respeitar a dignidade humana daquele indivíduo que comete infrações penais, proibindo a aplicação de pena humilhante ou degradante, como 66 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao.htm> Acesso em: 05 jun. 2007. 67 BASTOS, Celso Ribeiro Bastos. Curso de direito constitucional. 21 ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2000. 68 BRASIL. Op. Cit 69 SILVA, José Afonso da Silva. Aplicabilidade das normas constitucionais. 6 ed. São Paulo: Malheiros, 2004. 86 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 por exemplo: a) as condições desumanas e indignas, em geral, de execução das penas na maioria absoluta das penitenciarias e cadeias públicas; b) as condições desumanas e indignas, em especial, do execrável Regime Disciplinar Diferenciado. Desta forma, deve-se tratar o delinqüente com respeito, como pessoa humana que é devendo ser-lhe garantido processo e pena justa. Em um Estado de Direito Democrático vedase a criação, a aplicação ou a execução de pena, bem como de qualquer outra medida que atentar contra a dignidade da pessoa humana. Princípio da proporcionalidade O princípio da proporcionalidade prevê que os meios destinados a realizar um fim devem ser adequados, quer dizer, deve haver proporção entre meio e fim. Müller entende que o princípio da proporcionalidade "se caracteriza pelo fato de presumir a existência de relação adequada entre um ou vários fins determinados e os meios com que são levados a cabo”. 70 A principal função desempenhada pelo princípio da proporcionalidade é no campo dos direitos fundamentais, servindo, antes de mais nada (e não somente para isto), à atualização e efetivação da proteção da liberdade aos direitos fundamentais. Assim, quando injustificável, excessiva ou inadequada à medida aplicada, podemos invocar a sua inconstitucionalidade. Princípio da dignidade da pessoa humana O art. 1º, inciso III, da Constituição Federal traz como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito a dignidade da pessoa humana. Sarlet, analisando tal princípio, formulou o seguinte conceito “temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, nesse sentido um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa de todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, e que venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas”. 71 Scarlet sustenta que o princípio da dignidade da pessoa humana é princípio informador de todos os direitos e garantias fundamentais. Não reconhecer os direitos e garantias inerentes a pessoa humana, implica em negar-lhe a própria dignidade. Nesse sentido, o princípio da dignidade da pessoa humana vem sendo destacado como o "princípio (e valor) de maior hierarquia da nossa e de todas as ordens jurídicas que a reconhecem.” 72 70 MULLER, apud BONAVIDES, 2004, p. 393. 71 SCARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na constituição federal de 1988. 2 ed. rev. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002. p.62. 72 SCARLET. Op. Cit. 87 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Princípio da culpabilidade Culpabilidade é “a reprovação da ordem jurídica em face de estar ligado o homem a um fato típico e antijurídico” 73, é através dela que o aplicador do direito examina se é possível a imposição, ou não, de uma pena à pessoa que praticou um delito. O princípio da culpabilidade, sucintamente, se baseia na máxima – não há crime sem culpa. Esclarece Rebêlo, “como fundamento da pena, refere-se ao fato de ser possível ou não a aplicação de uma sanção ao autor de um fato típico e antijurídico, isto é, proibido pela lei penal. Já como limite da pena, é elemento de sua determinação ou medição, obstando que seja imposta aquém ou além da medida prevista pela própria idéia de culpabilidade”. 74 Para Zaffaroni, “a culpabilidade é a reprovabilidade, que pressupõe a possibilidade de compreensão da antijuridicidade da conduta e que no âmbito da autodeterminação do sujeito tenha tido certa amplitude, quer dizer, que não tenha em uma pura escolha.” 75 O Código Penal, art. 26, prevê que a periculosidade é considerada como dado apenas para a aplicação de medida de segurança, adequada ao inimputável ou semi-imputável: “Art. 26 - é isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.”76 Princípio do non bis in idem O princípio processual do non bis idem traduz a idéia de que nenhuma pessoa poderá ser submetida duas vezes a um processo pelo mesmo fato cometido. Trata-se de uma forma de proteção ao indivíduo em face do poder punitivo do Estado. A falta desta observância importará falta grave ao princípio da dignidade humana, onde o indivíduo nunca terá a garantia de que cumpriu os seus deveres diante da sanção imposta. Esse princípio tem ligação com o direito penal do fato, não se considerando a essência do autor mas a conduta praticada. No tocante a origem do princípio do non bis idem, Zaffaroni, Nilo Batista e outros, estudando Martin Friedland, trazem a informação que: “o primeiro antecedente remonta ao direito inglês, em 1176, embora provenha do direito civil continental, originado na Grécia e desenvolvido no Código de Justiniano.”77. Seguindo na lição dos professores citados no parágrafo anterior, os doutrinadores esclarecem que há uma diferença entre o princípio da proibição de punição dupla e o non bis idem: “O princípio processual non bis in idem e a proibição de punição dupla não coincidem 73 JESUS, Damásio E. Direito penal: parte geral. 28 ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2005. v. 1. p. 155 REBÊLO, José Henrique Guaracy. Princípio da insignificância: interpretação jurisprudencial. Belo Horizonte: Del Rey, 2000. p. 27. 75 ZAFFARONI, Op Cit. 76 BRASIL. Decreto lei nº 2.848 de 7 de dezembro de 1940. Código penal. loc. cit. 77 ZAFFARONI. Op. Cit. 74 88 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 quanto a seu alcance: o primeiro opera mesmo antes da punição, e a segunda também em casos nos quais o primeiro não se encontra formalmente comprometido”. Conclui-se, portanto, que um mesmo indivíduo não poderá sofrer dupla punição em relação sob pena de ofender princípios consagrados no ordenamento pátrio. Reincidência e o princípio do non bis in idem O debate sobre a constitucionalidade da reincidência deverá pautar-se de acordo com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil em 1988, onde se passou a consagrar princípios que forçaram uma releitura em todo ordenamento penal. Portanto, qualquer espécie normativa será avaliada sob os olhares dos princípios penais constitucionais. Por serem princípios constitucionais, sua observância é de extrema necessidade, uma vez que o afastamento dessas orientações ocasionaria uma insegurança jurídica, bem como um enfraquecimento na supremacia da Constituição. Assim, a garantia do non bis idem, por ser um princípio cujo objeto é evitar arbitrariedades e proteger o indivíduo do excesso praticado pelo Estado, torna-se de análise imprescindível em face do instituto da reincidência. Esta circunstância agravante significa no retorno do réu ao ato de delinquir depois de ter transitado em julgado sentença condenatória. “É a situação daquele que pratica um fato punível quando definitivamente condenado por crime anterior”. 78 Por força do artigo 61, inciso I, do Código Penal, ocorrerá um agravo obrigatório na pena do condenado, fazendo com que o mesmo receba uma sanção mais rigorosa do Estado. Interpretando o texto, surge o foco central deste trabalho que está ligado ao tratamento dispensado ao reincidente no momento da aplicação da resposta estatal, ou seja, a previsão legal de exasperação da pena pelo fato do agente cometer uma nova infração acarreta uma dupla punição em relação ao mesmo fato. Uma segunda condenação na área penal, pelo mesmo fato praticado, não poderá em nenhuma hipótese acontecer. Neste sentido, explicando o princípio do non bis idem, informa o Mestre e Doutor Leonardo Yarocheswky, (...) se uma pessoa já foi devidamente julgada e condenada a cumprir uma determinada sanção ela não poderá, por qualquer que seja a razão, ser novamente punida por fato anteriormente cometido e pelo qual já tenha sido condenada. 79 Com a reincidência, o indivíduo terá uma repressão superior uma vez que na sua vida pregressa consta o fato de já ter sido condenado pela realização de uma conduta tipificada. Entretanto, vale a pena frisar que, em relação a este processo onde ocorreu a condenação anterior, o agente já cumpriu pena e está quite com seus deveres perante a sociedade. Logo, 78 79 COSTA JUNIOR, Paulo José da. Curso de Direito Penal: 4 ed., São Paulo: Saraiva, 1997. YAROCHEWSKY. Op. Cit. 89 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 não pode uma sentença transitada em julgada gerar efeitos em uma decisão futura. O que acontece nesses casos é uma ofensa a coisa julgada material, onde a pena anterior já sentenciada e cumprida serve como base para agravações posteriores. É importante esclarecer, que o crime posterior tem sua pena aplicada com mais rigor, sendo fundamentada por uma conduta anterior que não tem nenhuma relação nova. Não há dúvida que ao punir o agente, considerando o crime anterior já extinto, estará o sentenciando novamente por uma pena já cumprida. É evidente que a punição ao reincidente, para fins de agravamento da sanção, nada mais é que uma valoração da pessoa do agente, trazendo o tão criticado direito penal do autor. No que diz respeito a coisa julgada e sua ofensa por parte da reincidência, Yarocheswky, citando Maia Neto, explica que “quando se aplica o instituto mencionado, aumenta-se a pena anterior já cumprida e não a do delito posterior.”80 Conclui-se, portanto, que a reincidência altera uma decisão transitada em julgada a qual já foi cumprida pelo condenado. Tornando-se uma espécie capaz de alterar uma sentença acobertada pela coisa julgada e passando a ser um objeto nocivo da garantia da segurança jurídica. É inconcebível a idéia de que o reincidente esteja juridicamente mais obrigado a não cometer ilícitos do que os demais da coletividade. É certo que o indivíduo que passou por uma prisão, não é o mesmo ao sair dela, pois o sistema penal é perverso, degradante e desumano. A excessiva severidade na punição aos reincidentes configura uma inversão das orientações norteadoras do direito penal. O tratamento dado a aqueles que cometem delitos é no sentido de puni-los valorando, desrespeitando seus direitos e dignidade. A conclusão que se chega, é que o instituto da reincidência, como circunstância obrigatória, não tem espaço em um ordenamento comprometido com o ser humano pautado nas garantias do Estado Democrático de Direito. Considerações Finais Após uma análise jurisprudencial e doutrinária acerca do instituto da reincidência, abordado especialmente sob o aspecto do princípio do non bis in idem, conclui-se que é circunstância que interfere nos compromissos firmados pelo Estado Democrático de Direito. A reincidência demonstra ser um sério inconveniente quando diz respeito a uma forma disfarçada de punir um indivíduo duplamente, em razão de uma mesma conduta praticada. É indiscutível que ocorre uma modificação na pena anterior já cumprida, surtindo efeitos no delito posterior mesmo após ter sido a sentença acobertada pelo manto da coisa julgada. 80 YAROCHEWSKY. Op. Cit. 90 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Em face do agravamento da pena em razão da insuficiência da pena há divergência entre a espécie de reincidência adotada e o argumento utilizado para impor sanção mais severa. Não há que se falar em ineficácia da medida, já que o Brasil adota a reincidência ficta onde não é preciso o condenado cumprir a pena anterior para ser considerado reincidente. A doutrina e a jurisprudência analisam a reincidência apenas no âmbito infraconstitucional, esquecendo-se que a Constituição é lei suprema. Ademais, os fundamentos apontados pelas correntes tradicionais da doutrina e jurisprudência para justificar a aplicação da reincidência são contestáveis e ferem princípios constitucionais: legalidade, non bis in idem e proporcionalidade, a ofensa a tais princípios afronta o fundamento da dignidade da pessoa humana, base do Estado Democrático de Direito. A Constituição Federal estabelece como objetivos do Estado: construir uma sociedade livre, justa e solidária; reduzir as desigualdades sociais e promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Assim, o direito penal como controle social formal num Estado Democrático de Direito deve estar submetido, no plano formal, ao princípio da legalidade e, deve servir, no plano material, à garantia dos direitos fundamentais do cidadão, buscando materializar os objetivos acima expostos. Diante dos aspectos apresentados, a reincidência está sendo aplicada no sistema jurídico brasileiro, em desacordo com a Constituição Federal, tornando mais distantes da concretização os objetivos almejados pelo Estado e pela sociedade. Referências BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao.htm> Acesso em: 05 jun. 2007. BASTOS, Celso Ribeiro Bastos. Curso de direito constitucional. 21 ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2000. BRUNO, Aníbal. Direito Penal: 4 ed., Rio de Janeiro: Forense, 1984. CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: 9 ed., São Paulo: Saraiva, 2005. CARVALHO, Salo. Penas e garantias: 1 ed., Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2003. COSTA JUNIOR, Paulo José da. Curso de Direito Penal: 4 ed., São Paulo: Saraiva, 1997. DELMANTO, Celso... et al. Código Penal Comentado: 6 ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2002. GRECO, Rogério. 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Estruturado na forma de criação de uma agência como modelo e com posterior escolha de um cliente, levou-se em conta as particularidades do produto e dimensionados através de uma campanha, cuja, realização fundamentou-se tecnicamente adequando-se às necessidades da empresa cliente escolhida. Ainda que no imaginário, tanto agência, quanto cliente permitiu a qualificação e capacitação, por quando da realização de um projeto experimental comunicacional de qualidade em Publicidade e Propaganda. Palavras-Chave: Comunicação Social; Projeto Experimental; Agência de Publicidade; Produto; Pesquisa; Mídia; Planejamento Introdução Neste inicio de século, os publicitários estão assistindo e participando de velozes e significativas mudanças no mercado. A tecnologia, os métodos de trabalho e as pessoas vivem um período de grandes transformações. Com isso, as instituições são cada vez mais cobradas e pressionadas a oferecerem melhor qualidade em seus produtos e serviços. Nessa “Era do conhecimento” com explosão de informações, tanto científicas como técnicas, bem como a rápida expansão da tecnologia, faz-se necessário o alinhamento desses elementos, como valores agregados nos serviços e produtos, sobretudo no dimensionamento da qualidade total por via da comunicação total. Professor da Universidade Estácio de Sá-Campus Nova Friburgo. Professor da Universidade Estácio de Sá-Campus Nova Friburgo. 93 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Qualidade total que se afirma tecnicamente as estatísticas de produção hoje praticadas pelas empresas e que estariam afastadas do mercado se não se incorporassem, também, estratégias de comunicação com a qualidade total. Nesse sentido, Juran (apud França e Freitas, 1997, p. 91) que diz: diversos conceitos de qualidade remetem-se a várias definições, entretanto, uma delas é mais comumente citada, ou seja, “qualidade é a adequação ao uso.” Juran (ibdem p. 92) ainda nos diz: “Qualidade: a totalidade de propriedades e características de um produto ou serviço que confere sua habilidade em satisfazes necessidades explícitas ou implícitas.” E é exatamente sob essa ótica que se propôs uma agência caracterizada com a união desses dois movimentos, ou seja, a comunicação total com qualidade total, dando origem a marca (logomarca) “COMTOTAL”. Por outro lado fez-se necessário a inserção da criatividade para a escolha de um cliente, mesmo que de forma imaginária, mas permitindo-se a elaboração completa na campanha de um produto com a estruturação de todos os valores agregados e dimensionados no despenho de todas as etapas inerentes ao projeto final de curso. Em última análise, o estudo permitiu o desenvolvimento global de todas as peças publicitárias condicionadas ao grau de excelência nas relações agência/cliente através do atendimento, pesquisa e planejamento, criação e produção. O desafio: desenvolvimento da agência de publicidade No primeiro momento do trabalho foi criada uma agência de publicidade, na qual se desenvolveu toda a campanha de lançamento de um novo produto alinhado a empresa/cliente. A agência de publicidade COMTOTAL Consultoria LTDA prestadora de serviços de consultoria, planejamento de campanha, e execução de ações. A COMTOTAL acredita no mercado que abrange através da internet, a utilização deste meio na promoção de suas ações. O nome COMTOTAL tem origem do termo “comunicação total”, onde o ponto de partida é a criação de uma filosofia global, corporativa e integrada de comunicação, orientado todos os relacionamentos organizacionais. A comunicação total adota, ainda, como filosofia planejar e determinar a estratégia de interação da empresa com seus públicos, estabelecer estratégias específicas para ter êxito nas propostas e aplicar à comunicação as novas ferramentas dos processos da Qualidade Total. Segundo Kotler & Amstrong (1998), “a qualidade total é a chave para criar valor e satisfação ao consumidor. Assim como o marketing é o trabalho de todos, a qualidade total é tarefa de todos.” A qualidade total busca sempre a satisfação total do cliente em relação ao processo, produto ou serviço e benefício recebidos. E é com este ideal que a COMTOTAL buscou os princípios da qualidade total como seu principal objetivo. 94 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Enquanto slogan, a agência agregou o pensamento, entendido também como elemento de sua identidade: “Proporcionando a comunicação com qualidade total”. As cores utilizadas na logomarca da empresa trazem junto um significado de confiança e credibilidade. A fonte utilizada na grafia do nome permite que a agência tenha em sua marca a identificação com modernidade, e atualidade. Conforme representada na figura abaixo: A partir desta construção foi possível, em imagem, passar os conceitos estabelecidos para a agência, desenvolvendo-se todo o material gráfico a ser utilizado pela mesma, desde papelaria até documentos. Para ampliar a realidade dos processos foi estabelecido um contrato social, um organograma e complementado com um fluxograma demonstrando efetivamente e tecnicamente a operacionalidade da agência. Como qualquer outra organização, estabeleceu-se nesta perspectiva sua missão, visão, metas e objetivos. Hypermarcas, Zerocal e... Zerocal Color!: o cliente e o produto A Hypermarcas, empresa fabricante da linha Zero Cal, é uma das maiores companhias de bens de consumo com capital de origem brasileira e possui o maior e mais diversificado portfólio de marcas, incluindo predominantemente marcas líderes e vice-líderes em seus respectivos segmentos. Atua em quatro linhas de negócios, desenvolvendo, produzindo e comercializando produtos que fazem parte de um amplo e reconhecido portfólio de marcas: Benegrip, Engov, Doril, Atroveran, Monange, Risqué, Jontex, Cenoura & Bronze, Finn, Zero Cal, Assolan, entre outros. Possuí uma estrutura de vendas e distribuição com abrangência nacional. Atualmente, opera com 19 plantas em nove complexos industriais, localizados nos Estados de Goiás, Santa Catarina e São Paulo. Conta com uma administração e acionistas com ampla experiência e know-how na indústria de bens de consumo. Tem uma larga experiência na identificação, atração, aquisição e integração de negócios neste setor, na implementação de políticas de crescimento e na realização de investimentos em marketing. Estes fatores possibilitam o crescimento da empresa e suas marcas. 95 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Zero Cal, marca da Hypermarcas líder absoluta em adoçantes, ganhou o Prêmio Melhores Marcas dos Fornecedores da Alimentação, na categoria Ingredientes e Matérias Primas como melhor edulcorante. Zero Cal está presente no mercado há mais de 25 anos e é uma das marcas mais reconhecidas e lembradas pelo consumidor brasileiro. Além disso, a marca ganhou o prêmio Folha Top of Mind pelo sexto ano consecutivo, desde que a categoria adoçantes foi inserida na pesquisa, em 2004. Zero Cal é líder da categoria de edulcorantes no Brasil, dominando amplamente a forma de apresentação líquida (gotas) que representa cerca de 80% do consumo no país, além das consagradas versões Sacarina Líquida 100ml e 200ml a marca oferece ainda as versões em Pó Sache 800mg e Líquida 100ml a base de Aspartame. Atualmente a marca pretende lançar mais uma versão para ampliar ainda mais sua presença no mercado, o Zero Cal Color virá em um frasco de 100ml, e é destinado ao público infantil. Zero Cal Color: o lançamento Em um segundo momento do trabalho, a agência entrou em contato com seu primeiro cliente, e deu início ao desenvolvimento de toda a campanha de lançamento do produto criado pelo próprio aluno. O produto lançado é uma extensão da linha Zero Cal, o Zero Cal Color, um adoçante artificial que se apresenta com uma coloração diferenciada dos demais, que se caracterizam enquanto transparentes. Nessa perspectiva, entendeu-se que esse diferencial incentiva as crianças que precisam de alimentação mais saudável e, por conseguinte diminuindo a quantidade de calorias ingeridas diariamente. 96 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Este experimento deu-se a partir do briefing, documento necessário ao desenvolvimento como peça estruturalmente de fundamental importância para a realização da campanha. Segundo Muniz o briefing, representa-se, enquanto: “Documento com as diretrizes e metas do anunciante para a campanha publicitária. Contém diversas informações: do diferencial do produto/serviço ao público-alvo que se quer atingir. A partir do briefing é que se dá início à elaboração da campanha publicitária.” (MUNIZ, 2004) Como em toda e qualquer campanha, para que a mesma alcance os resultados planejados, foi necessário um planejamento minucioso, com análise de cenário, distribuição, público-alvo, concorrência, preço, problemas e oportunidades, posicionamento, objetivo e estratégia de marketing, objetivo e estratégia de comunicação, estratégia de mídia, controle e execução dos resultados. Nosso público-alvo A campanha precisa ser direcionada a um determinado público, para ter melhor eficácia. A Agência identificou como público-alvo do Zero Cal Color, os pais e mães de crianças com diabetes ou obesidade. Esses adultos tem por responsabilidade regular a alimentação de seus filhos e devem encontrar no adoçante colorido um incentivo para que a crianças tenham uma alimentação mais saudável. Apesar de o produto ser infantil, a campanha direcionou-se aos pais, já que crianças não tem interesse em consumir adoçantes artificiais mesmo que coloridos. Dessa forma, o nosso público-alvo é pertencente das classes C+, B e A. Promoção de Vendas, XP Game A estratégia promocional parte do princípio de oferecer um benefício ao público-alvo, as crianças. Esse benefício oferecido não basta apenas ser o de uma alimentação saudável, já que isso não é incentivo para o público que adora comer doces, e gorduras. Tal benefício, um código contido no encarte extra da embalagem, permitiu o acesso online ao jogo XP Game. A promoção funcionou da seguinte maneira: o jogador precisou de um código de acesso para entrar no jogo. O código só pode ser encontrado no encarte extra, que compôs as embalagens de Zero Cal 100ml, e Zero Cal Color 100ml. Código este, que possibilitou sobretudo a criança jogar. Ao acessar o game o jogador escolhia um personagem. Personagem este que representava o jogador online, que preparava uma alimentação bem saudável e gostosa. Alguns alimentos foram disponibilizados nos jogos, com as opções de adoçar com açúcar, mel, ou adoçante Zero Cal tradicional ou Zero Cal Color. No caso do adoçante colorido a criança pode brincar com a mistura das cores e se divertir. As refeições saudáveis preparadas 97 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 com o Zero Cal Color recebiam bonificações, e oportunidade de se cadastrar para receber amostra grátis do Zero Cal Color com 20 ml em casa. O jogo poderá ser jogado quantas vezes o jogador quiser, porém só pode existir um cadastro por CPF, e para isso as crianças precisaram da ajuda dos pais, que mais uma vez comprovaram os benefícios oferecidos a saúde de seus filhos. A pesquisa de opinião e o planejamento de mídia Foi necessário também a realização de uma pesquisa de opinião mercadológica, para que desta forma a agência pudesse detectar possíveis falhas do produtos, antes do lançamentos, e reduzir os riscos de falhas. Para desenvolver uma pesquisa é preciso fontes seguras que garantam um resultado verdadeiro e solucione o problema encontrado, e não o disfarce. Conforme define Yanaze (2007), “o sucesso ou fracasso de uma organização, em muitos casos, dependerá exclusivamente da eficácia do gerenciamento da informação, como um modo de antecipar-se e reagir às ações dos concorrentes mais importantes.” No total foram 43 pessoas entrevistadas, porém apenas 30 das pesquisas se tornaram válidas por se tratar do nosso público-alvo. Os resultados a seguir são referentes a análise apenas das entrevistas que se tornaram válidas. Os entrevistados moram em sua maioria em Nova Friburgo, totalizando 55%. Os demais são das outras praças em que o produto será lançado, Cordeiro e Bom Jardim. Destes 58% consome adoçantes artificiais. 98 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Dentre as marcas mais conhecidas o Zero-Cal ficou com 54%. Quando perguntado por qual marca prefere o Zero-Cal teve 91% das respostas válidas, deixando o Assugrim com 9%, e o Adocyl não obteve nenhuma resposta favorável. Apenas um dos 30 entrevistados respondeu que não compraria o Zero Cal Color para seu filho, pois para ele a ingestão de adoçantes pode dar câncer. Este é o mito representa o maior problema no lançamento do produto. Por fim o planejamento de mídia foi estabelecido baseado em todos os dados adquiridos em pesquisas e planejamentos para que possa atingir o público adequado, alcançando o objetivo da campanha. Considerações Finais Desde o início do curso somos postos a prova todos os dias e não apenas nas provas e trabalhos. Compreende-se neste composto a dedicação de aprender e a vontade de se tornar um excelente profissional (publicitário). Nas relações ensino/aprendizagem não chega a ser suficiente todo o estudo teórico, cuja agregação de alguma forma necessita, em alguns casos, ou quase na sua totalidade de ser complementado com atividade e ou ensinamentos práticos durante o curso, levando-se assim essa relação até o final da graduação. Nesse sentido que o Projeto (TCC) torna-se uma busca, que coloca o formando “frente a frente”, enquanto desafio inerente, na medição de sua capacidade e conhecimento. Esta etapa final vai muito além do que uma simples avaliação de conhecimento. Nela conquistamos o reconhecimento, nos remetendo a capacidade de sermos efetivamente bons profissionais, e competitivos para o mercado. Este trabalho, portanto, resultou na obtenção, se não plena, mas em parte, uma proximidade com o mercado de trabalho, no qual acredito que tenha na sua configuração final e estruturação alcançado o objetivo deste trabalho. Pode-se concluir que o estudo, enquanto forma de projeto ofereceu, sobretudo a oportunidade de desenvolvermos atividades relacionadas a profissão e cujo embasamento teórico e prático permitiu o alcance dos saberes fornecidos pela academia. Resultados este que doravante estão expressos na pesquisa realizada, enquanto trabalho de conclusão de curso. Anexo, apreseta-se algumas peças produzidas como difusor da logomarca e serviços da Agência proposta. 99 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Referências BORGES, Ademir R. E SOARES, Sérgio A. Manual dos Projetos Experimentais em Publicidade e Propaganda. Belo Horizonte/MG: FCH-FUMEC, 2006. FREITAS, Sidinéia Gomes e FRANÇA, Fábio. Manual da Qualidade em Projetos da Comunicação. São Paulo: Ed. Saraiva, 1997. JURAN, J. M. Juran na liderança pela qualidade, 2ª Ed. São Paulo: Pioneira,1993. KLOTER, Philip; AMSTRONG, Gary. Princípios de Marketing, 7ª edição. Rio de Janeiro: Ed. LTC, 1998. MUNIZ, Magda Lúcia Valente. Mídia: Conceitos & Prática. Rio de Janeiro, Ed Rio, 2004. YANAZE; Mitzuru Higuchi. Gestão de Comunicação e Marketing: Avanços e Aplicações. São Paulo: Ed. Saraiva, 2007. Site Consultado http://www.hypermarcas.com.br/marcasProdutos/linha?id=15 Material Papelaria Índice Fig. 1 – Saco branco; Fig. 2 – Envelope meio ofício; Fig. 3 – Envelope ofício; Fig. 4 – Capa para fita; Fig. 5 – Capa para CD; Fig. 6 – Capa para DVD; Fig. 7 – Impresso CD; Fig. 8 – Cartão Executivo; Fig. 9 – Cartão de Visita. 100 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Avaliação do desenvolvimento motor em crianças e adolescentes de ambos os gêneros com necessidades especiais Autores Julia Pedroso Ramalho Costa Thais Müller Heringer Curso de Licenciatura em Educação Física Universidade Estácio de Sá Unidade Nova Friburgo Orientador: Carlos Eduardo Brasil Neves Resumo O estudo teve como objetivo geral avaliar o desenvolvimento motor em crianças e adolescentes com necessidades especiais de 4 a 17 anos de idade, de ambos os gêneros, de uma escola especial de Nova Friburgo. A pesquisa foi caracterizada como descritiva do tipo Status Study. Para a seleção da amostra, fez-se o uso da escolha por deficientes intelectuais. Foram avaliados 35 voluntários, 15 do gênero feminino e 20 do gênero masculino. O desempenho motor das crianças foi através da bateria de teste Körperkoordinationstest für Kinder (KTK). De modo geral, os resultados do estudo revelaram que 34 voluntários (97,13%) apresentaram níveis de desempenho motor abaixo da normalidade, independente da idade e do gênero. No entanto, as meninas apresentaram níveis de desempenho motor inferiores ao dos meninos. Com o estudo, foi concluído que os níveis de desempenho motor coordenado dos meninos com deficiência intelectual são melhores do que os das meninas, porém, de modo geral, a deficiência intelectual influencia negativamente nos níveis de desempenho motor das crianças, enfatizando a necessidade das aulas de Educação Física em escolas especiais para melhorar a coordenação e criar maiores oportunidades para a prática. Palavras-Chave: Coordenação motora, deficientes, teste. Introdução O desenvolvimento motor é a sucessiva mudança no comportamento motor ao longo da vida, favorecida pela comunicação entre as situações do ambiente, necessidades da tarefa e a biologia do individuo. O desenvolvimento é um processo contínuo e seu estudo não foi destacado no passado, por outros interesses que eram priorizados, como os processos Doutor em Engenharia Biomédica COPPE/UFRJ – Professor da Universidade Estácio de Sá – Nova Friburgo. E-mail [email protected] 101 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 cognitivos e afetivos do desenvolvimento. No século XXI, o comportamento motor é tomado como um termo abrangente que inclui áreas de estudos complementares, mas essencialmente diferentes compreendidas pelo aprendizado e desenvolvimento motores. O desenvolvimento motor é composto por três fases, sendo elas de estabilidade (ênfase no equilíbrio do corpo em situações estáticas e dinâmicas), de locomoção (ênfase no transporte do corpo de um ponto a outro) e manipulação (ênfase em colocar ou receber força de um objeto) (GALLAHUE; OZMUN, 2005). O desenvolvimento motor é dominado por duas abordagens, sendo elas a orientação ao produto e a orientação ao processo. É possível que a abordagem orientada ao produto, seja estendida de duas formas; na descrição de mudanças no desenvolvimento motor como, por exemplo, ganho de velocidade de corrida, a distância que a bola é arremessada ou na descrição de mudanças num dado comportamento ao longo do tempo, quando o importante neste, é o que está mudando e quando está mudando. O desenvolvimento é considerado como um sistema que abrange aperfeiçoamento, aquisição e emergência de habilidades e funções. Esse conceito cresce a cada ano de acordo com as experiências vivenciadas e é predeterminada pela nossa natureza humana (TANI, 2005). De acordo com Haywood e Getchell (2004) nem toda mudança no movimento é desenvolvimento. As atividades motoras são inerentes à vida da criança, que merece maior compreensão e atenção ao ser observada para que aptidão e atitudes nessa idade sejam comparadas a um padrão aceito. A contínua alteração no comportamento ao longo da vida que acontece por meio das necessidades de tarefa, da biologia do indivíduo e o ambiente em que vive é o desenvolvimento motor. Ele é viabilizado tanto pelo processo evolutivo biológico quanto pelo social. Desta forma, considera-se que uma evolução neural proporciona uma evolução ou integração sensório-motora que acontece por meio do sistema nervoso central (SNC) em operações cada vez mais complexas (FONSECA, 1998). Segundo critérios de classificações internacionais, o início da deficiência intelectual deve ocorrer antes dos 18 anos, caracterizando assim um transtorno do desenvolvimento e não uma alteração cognitiva como é a demência. Embora o assunto comporte uma discussão mais ampla, de modo acadêmico o funcionamento intelectual geral é definido pelo Quociente de Inteligência (QI ou equivalente). A deficiência intelectual define-se como funcionamento intelectual geral significativamente inferior à média, que interfere nas atividades adaptativas e cognitivas (MANSUR; MARCON, 2006). Crianças que apresentam necessidades especiais possuem déficit motor, ou paralisia cerebral, ficando evidentes atrasos motores, quando comparados a crianças não portadoras de necessidades especiais. Além de apresentarem maiores dificuldades na realização perfeita relacionadas ao controle motor das mesmas (ROSA; MARQUES; PAPST; GOBBI, 2008). Caso a lateralidade não seja definida, há grande probabilidade de futuros problemas de aprendizagem (MANSUR; MARCON, 2006). 102 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Devido ao desenvolvimento motor de crianças com necessidades especiais serem restrito, há uma diminuição no controle de movimentos voluntários, na coordenação e na postura, que podem ser diagnosticados tardiamente ou ainda, na escassez de alguns padrões motores maduros (ROSA; MARQUES; PAPST; GOBBI, 2008). Suas condutas motoras consistem em um equilíbrio estático e coordenação dinâmica sempre perturbados. O andar da criança apresenta-se de forma defeituosa, com pés afastados arrastando-se paralelamente em busca de maior base de sustentação possível (PICO; VAYER, 1988). Na paralisia cerebral, ocorre uma lesão no sistema nervoso central durante o desenvolvimento do mesmo, ou seja, haverá sempre uma disfunção ocasionada pela lesão (MONTEIRO et al, 2010). As crianças e adolescentes com deficiência cognitiva apresentam comumente desempenho motor deficiente, seja em decorrência de disfunção cerebral, por sua capacidade de prestar atenção ou sua capacidade para o desenvolvimento de conceitos abstratos se encontra comprometido, ou porque não são capazes de adequar a intenção à ação e de aprender as habilidades motoras ou motivação para explorar o ambiente. Com esses danos causados nas pessoas com transtorno intelectual podem decorrer algumas limitações pessoais profundas, como consciência de si limitada, senso de autodomínio reduzido e autoexpressão restrita, esses prejuízos impactam com as funções físicas, sociais e psíquicas, porém podem ser amenizados com acompanhamentos adequados (ROEDER, 2003). É possível afirmar que crianças com retardo intelectual poderão ter o desenvolvimento e inteligência que se aproximarão dos limites normais, porém, em ritmo mais lento (SHEPERD, 1996). Ao longo dos anos escolares, são evidenciadas as insuficiencias motoras por um déficit na precisão de movimentos, coordenação e da lentidão em relação ao corpo ou com determinados objetos. Através do tamanho e forma de determinados objetos, a inteligência sensório motora possíbilita a concepção mental do objeto permanente (GONZÁLEZ, 2007). O produto e o processo do desenvolvimento motor são influenciados por diversos fatores, inclusive deficiências intelectuais. No crescimento a continuação do retardo é propriamente destruidora nos dois primeiros anos de vida. A maturação neuromotora é demonstrada por meio de progressiva habilidade para diferenciar e integrar mecanismos sensoriais e motores (GALLAHUE; OZMUN, 2002). O termo débil mental é caracterizado pela sua natureza congênita, ou pelo menos extremamente precoce. A demência é um déficit adquirido antes que a criança crie suas primeiras ligações ideomotoras. Pode-se afirmar que a deficiência intelectual é classificada pelos diferentes níveis de quociente intelectual (Q.I.), avaliado pelos diversos testes mentais. Os retardos profundos dão-se por crianças com o Q.I. inferior a 0,30. As crianças débeis propriamente ditas classificam-se pela debilidade profunda (Q.I. entre 0.30 e 0.50), a debilidade média (Q.I. entre 0.50 e 0.65/0.70) e a debilidade leve (Q.I. superior a 0,65/0.70). Quanto às debilidades médias e leves, independente da origem do retardo mental, são crianças de aparência normal ou subnormal na maior parte do tempo. Já as crianças débeis profundas, caracterizam-se distintamente a criança normal (PICO; VAYER, 1988). 103 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 A Deficiência intelectual, independente de sua causa (indígena, exógena ou mista), provoca uma carência intelectual (GONZÁLEZ, 2007). Os retardos intelectuais leves, na aparência física e saúde geral, não são visivelmente diferentes das pessoas dadas normais. Porém no estado do nível intelectual e vários índices do status orgânicos e da saúde, nota-se diferenças, por possuírem um nível intelectual mais baixo. Sobre o retardo intelectual grave é importante citar que é fisicamente desviante suas características das outras pessoas (TELFORD; SAWREY, 1988). É possível destacar que o índice de deficiência intelectual atinge 1% da população jovem e 2 a 3% dos jovens e adultos. É importante ressaltar, que o uso da definição de deficiente intelectual, está sendo questionado pela “American association of mental retardation”, podendo ser classificado também por termos similares, como “inabilidade de aprendizado” ou “inabilidade intelectual” difundidos respectivamente na Austrália e Japão (MANSUR; MARCON, 2006). A atividade física é sem duvida um fator que colabora no desenvolvimento motor das crianças, tornando assim, uma criança mais habilidosa, com uma coordenação mais desenvolvida (NAHAS, 2006). Uns dos pontos a serem destacados em relação aos benefícios da educação física para crianças e adolescentes, são os fatos destas serem mais saudáveis, com menor excesso de peso, uma melhora na capacidade cardiovascular da mesma, maior densidade óssea, diminuição nos números de crises de asma, o processo de aterogenese, que tende a aparecer no inicio da vida, dentre outros fatores (ALVES, 2003). As vantagens da atividade física para o cérebro são a sensação de bem estar, melhora a auto-estima, redução dos sintomas depressivos e ansiosos e melhora o controle do apetite. Estes benefícios estão relacionados com a liberação de endorfina, uma substância que o cérebro produz que dá aos indivíduos a sensação de prazer. O exercício reduz ainda a ocorrências de gripes, resfriados e infecções respiratórias em geral. A atividade física estimula a produção de alguns aminoácidos (componentes das proteínas) que melhoram a ação protetora do sistema imunológico. A melhora na capacidade pulmonar vem acompanhada do aumento da capacidade de consumo de oxigênio, já que o exercício aumenta a rede de pequenos vasos que irrigam os alvéolos pulmonares (estruturas de troca de gases), melhorando o aproveitamento de oxigênio pelo pulmão. Desse modo, a respiração fica mais eficiente (MCARDLE; KATCH; KATCH, 2003). Os estudos da fisiologia revelam que os exercícios físicos regulares podem modificar a estrutura e o funcionamento orgânico em diversos aspectos. Nenhum outro estímulo pode atuar direta ou indiretamente em tantos órgãos e sistemas – cardiovascular, muscular, ósseo, endócrino e nervos. É possível afirmar que o movimento é essencial não apenas para pessoas dotadas de desenvolvimento motor, mas todas as pessoas precisam movimentar-se para que assim, mantenham-se vivas (NAHAS, 2006). A atividade física é vista como um fator de reabilitação para pessoas com necessidades especiais, pois reduz a monotonia e em alguns casos auxilia no desenvolvimento do equilíbrio e da coordenação. A prática regular da atividade física acompanhada de um profissional 104 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 estimula a produção de endorfina (responsável pela sensação de bem-estar) e catecolamina (responsável pelo combate a depressão) (DUARTE; LIMA, 2003). É importante que pessoas com ou sem deficiência intelectual pratiquem atividades físicas, pois as mesmas contribuem para o desenvolvimento global do indivíduo. O desenvolvimento físico, emocional, mental e sua adaptação social, são na maioria das vezes inegavelmente dependentes das possibilidades adquiridas de mover-se e descobrir-se, tanto quanto o mundo que o cerca (SILVA; FERREIRA, 2001). A Educação Física deve criar programas para todas as diferenças. Isto deve acontecer pela necessidade que a pessoa necessita de criar, diversificar e ampliar sua bagagem motora (SOLER, 2005). Parte inerente a este trabalho é a avaliação, permitindo um grau de seriedade ao tratamento. A avaliação do desenvolvimento motor é constante e global, realizada por uma equipe. Quando o aluno é avaliado, significa que o profissional está tentando obter uma resposta de seu aprendizado. A resposta é a medida do aluno. A avaliação propriamente dita é a localização dessa resposta no consenso geral do trabalho. A análise inspeciona cada fato dentro de sua veracidade, com a finalidade principal de atender os possíveis indicadores negativos (ROSADAS, 1991). O trabalho, portanto, tem como meta analisar crianças de diferentes deficiências intelectuais, tendo como objetivo após tal avaliação, o comparativo de todas estas deficiências em relação ao seu desenvolvimento motor, e o quão distante estão de crianças e jovens dentro dos considerados padrões de normalidade. Materiais e Métodos Este estudo descritivo do tipo Status Study, foi realizado em uma instituição privada no município de Nova Fribrugo para estudantes com necessidades especiais, onde aplicou-se os testes em crianças com deficiências intelectuais diferenciadas. Para a aplicação do teste, foram enviados um termo de consentimento livre e esclarecido e um questionário (anexo I) aos responsáveis, objetivando a autorizar à participação dos alunos. Participaram do estudo 35 crianças de 4 a 17 anos de idade, de ambos os gêneros, com diferentes deficiências intelectuais. Os testes foram realizados por alunos do curso de educação física da Universidade Estácio de Sá, campus Nova Friburgo/RJ. Os 35 voluntários foram divididos em grupos para a realização do teste na instituição. Na instituição visitada a equipe era formada por três alunos da graduação de Educação Física com funções da aplicação dos testes e anotações dos resultados obtidos na pesquisa. As avaliações foram realizadas por meio do Teste de Coordenação Corporal KTK (anexo III), que utiliza uma bateria de testes envolvendo equilíbrio (figura 1), saltos monopedais (figura 2), saltos laterais (figura 3) e transferência sobre plataformas (figura 4). Todos os testes foram aplicados em uma sessão, onde o tempo de duração de aplicação dos testes, para cada criança, 105 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 foi de aproximadamente 15 minutos. O KTK compreende tarefas para cada faixa etária entre 4 e 17 anos de idade. A complexidade da tarefa a ser realizada aumenta de acordo com o aumento da idade. Os participantes foram avaliados a partir do teste KTK e os valores anotados das tentativas válidas. Em seguida somados os valores na horizontal, obtendo o valor bruto da tarefa. Todos os dados foram anotados na ficha de coleta de dados (anexo IV) para que então fosse realizada comparação entre os gêneros. Os resultados foram classificados de acordo com as tabelas do teste (anexo V) e analisados por meio do coeficiente motor da tarefa obtida em cada elemento da motricidade entre crianças portadoras de diferentes tipos de deficiência intelectual e posteriormente, agrupados quanto ao gênero. A tarefa mostrada na figura 1 consiste em durante toda a extensão da trave, com medidas de 4,5cm de espessura e 3m de comprimento, o voluntário realizar a marcha para a trás sobre a trave em três tentativas, tendo como meta a execução de oito passos. FIGURA 1 – Tarefa 1 - Trave de equilíbrio. 106 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 No segundo teste aplicado (figura 2), são utilizados até 7 blocos de espuma variando de acordo com a idade. Para realizar o salto, o voluntário toma uma distância de cerca de 1,50m de impulsão para que então possa pular os blocos de espuma com um dos pés. O avaliado deverá realizar o primeiro salto com a perna de preferência e depois com a outra perna. FIGURA 2 – Tarefa 2 – Saltos monopedais. Como pode ser visto na figura 3, nesta tarefa é utilizada uma plataforma de madeira (compensado) de 60 x 50 x 0,8 cm com sarrafo divisório de 60 x 4 x 2 cm e um cronômetro. A tarefa consiste em saltos de um lado para o outro do sarrafo ininterruptamente o mais rápido possível, ou seja, contabilizando o maior número possível de saltos durante 15 segundos em duas tentativas. FIGURA 3 – Tarefa 3 – Saltos laterais. 107 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Para a execução da tarefa 4 (figura 4), são utilizadas duas plataformas de madeira de 25 x 1,5 cm e um cronômetro. O indivíduo posiciona-se sobre uma delas e deve passar para a outra posicionada ao lado, pegar a primeira, colocá-la do outro lado e assim sucessivamente durante 20 segundos o mais rápido possível em duas tentativas. FIGURA 4 – Tarefa 4 – Transferência sobre plataformas. Os dados coletados foram analisado utilizando estatística descritiva. Análise e Discussão dos Resultados Os 35 voluntários avaliados apresentavam idade de 11±3 anos, sendo 20 meninos (57,1%) e 15 meninas (42,9%), todos portadores de necessidades especiais, como mostrado na tabela 1. TABELA 1 – Necessidades especiais dos voluntários. Deficiência Autismo Atraso cognitivo Atraso no desenvolvimento psicomotor Atraso na fala e linguagem e fenda palatina Deficiência intelectual Dificuldade Geral (n=35) Fabs Frel 2 5,7% 2 5,7% 5 14,3% Meninos (n=20) Fabs Frel 2 10% 2 10% 3 15% Meninas (n=15) Fabs Frel 0 0% 0 0% 2 13,3% 2 5,6% 1 5% 1 6,7% 9 25,7% 3 15% 6 40% 2,8% 1 5% 0 0% de 1 108 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 aprendizagem Microcefalia Multismo seletivo Paralisia cerebral Síndrome de down TDAH e dislalia Transtorno de aprendizagem e comportamento 1 1 1 5 1 5 2,8% 2,8% 2,8% 14,3% 2,8% 14,2% 0 1 1 4 1 1 0% 5% 5% 20% 5% 5% 1 0 0 1 0 4 6,7% 0% 0% 6,7% 0% 26,7% Dentro do ambiente escolar, 33 alunos (94,3%) participam das aulas de educação física que são compostas por judô e capoeira. As aulas tem duração de 50 minutos com a freqüência de 2 vezes por semana. Do número total de voluntários, apenas 2 alunos (5,7%) não praticam nenhum tipo de atividade física na grade curricular, os quais são autistas. Nenhum dos voluntários pratica atividade física fora do ambiente escolar. Gorla (2004) cita diversos autores que aplicaram o teste KTK. Um deles, após a aplicação do questionário e do teste pôde concluir que o programa de atividades motoras sistematizadas, contribui para um avanço das condições básicas necessárias na preparação inicial do deficiente intelectual para a sua formação. Dentro do quadro geral de deficiências, de acordo com o somatório dos QMs obtidos pelos 15 (quinze) voluntários do gênero feminino, 3 (três) apresentaram perturbação na coordenação. Quanto aos demais (doze voluntários), todos apresentaram insuficiência na coordenação como pôde ser observado na tabela 2. TABELA 2 – Deficiência, escore obtido nos testes e classificação por gênero – feminino. Voluntário Voluntário 1 Voluntário 2 Voluntário 3 Voluntário 4 Voluntário 5 Voluntário 6 Voluntário 7 Voluntário 8 Voluntário 9 Voluntário 10 Voluntário 11 Voluntário 12 Voluntário 13 Voluntário 14 Voluntário 15 Deficiência Atraso na fala e linguagem e fenda palatina Microcefalia Atraso no desenvolvimento psicomotor Deficiência intelectual Atraso no desenvolvimento psicomotor Deficiência intelectual Transtorno de aprendizagem e comportamento Transtorno de aprendizagem e comportamento Transtorno aprendizagem e comportamento Transtorno de aprendizagem e comportamento Deficiência intelectual Deficiência intelectual Deficiência intelectual Deficiência intelectual Síndrome de Down Escore 79 Classificação Perturbações na coordenação 65 80 58 74 57 52 Insuficiência de coordenação Perturbações na coordenação Insuficiência de coordenação Perturbações na coordenação Insuficiência de coordenação Insuficiência de coordenação 42 Insuficiência de coordenação 53 Insuficiência de coordenação 51 Insuficiência de coordenação 42 62 69 47 47 Insuficiência de coordenação Insuficiência de coordenação Insuficiência de coordenação Insuficiência de coordenação Insuficiência de coordenação 109 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Segundo Gorla (2004), após a aplicação do teste KTK aos voluntários com deficiência intelectual, alguns autores evidenciaram a partir de seus estudos, a revelação do predomínio de classificação normal. TABELA 3 – Deficiência, escore obtido nos testes e classificação por gênero – masculino. Voluntário Voluntário 1 Deficiência Atraso na fala e linguagem e fenda palatina Escore 80 Classificação Perturbações na coordenação Voluntário 2 Atraso cognitivo 75 Perturbações na coordenação Voluntário 3 Atraso no desenvolvimento psicomotor 96 Normal Voluntário 4 Atraso no desenvolvimento psicomotor 79 Perturbações na coordenação Voluntário 5 Mutismo seletivo 82 Perturbações na coordenação Voluntário 6 TDAH e dislalia 67 Insuficiência de coordenação Voluntário 7 Paralisia cerebral 58 Insuficiência de coordenação Voluntário 8 65 Insuficiência de coordenação Voluntário 9 Deficiência Intelectual Dificuldade de aprendizagem 61 Insuficiência de coordenação Voluntário 10 Atraso no desenvolvimento psicomotor 80 Perturbações na coordenação Voluntário 11 Transtorno aprendizagem/comportamento 76 Perturbações na coordenação Voluntário 12 Síndrome de Down 46 Insuficiência de coordenação Voluntário 13 Síndrome de Down 53 Insuficiência de coordenação Voluntário 14 Deficiência intelectual 54 Insuficiência de coordenação Voluntário 15 Deficiência intelectual 57 Insuficiência de coordenação Voluntário 16 Autismo 49 Insuficiência de coordenação Voluntário 17 Síndrome de Down 43 Insuficiência de coordenação Voluntário 18 Síndrome de Down 49 Insuficiência de coordenação Voluntário 19 Autismo 42 Insuficiência de coordenação Voluntário 20 Atraso cognitivo 49 Insuficiência de coordenação Dentro do quadro geral de deficiências (tabela 3), de acordo com o somatório dos QMs dos 20 (vinte) voluntários do gênero masculino, 13 (treze) apresentaram insuficiência na coordenação, 6 (seis) perturbação na coordenação e 1 (um) coordenação motora normal de acordo com a classificação do teste KTK quanto a coordenação. 110 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 No caso dos voluntários do gênero feminino, 12 (doze) apresentaram insuficiência coordenativa e 3 (três) perturbação da coordenação. Destas, nenhuma apresentou coordenação considerada normal de acordo com a classificação dos testes De acordo com as deficiências, englobando ambos os gêneros, foi possível perceber que a mesma deficiência apresentou resultados variados, como no caso de 1 (um) voluntário do gênero masculino que possui atraso no desenvolvimento psicomotor que foi classificado com a coordenação normal, quando os outros 4 (quatro) portadores desta mesma deficiência apresentaram perturbação na coordenação. Também no caso do atraso cognitivo foi possível obter 2 (dois) resultados diferentes numa mesma deficiência. Foram aplicados os testes com 2 (dois) voluntários com atraso cognitivo e o voluntário 2 como pode ser observado na tabela 3 apresentou perturbação na coordenação e o voluntário 20 também do gênero masculino apresentou insuficiência na mesma. Com exceção destes dois casos da mesma deficiência com resultados diferentes, os demais voluntários portadores da mesma deficiência apresentaram o mesmo resultado. No caso da síndrome de Down (5 voluntários), todos os voluntários apresentaram insuficiência coordenativa. Os 2 (dois) voluntários autistas foram avaliados e ambos obtiveram insuficiência coordenativa como resultado. Também no caso dos 9 (nove) voluntários portadores de deficiência intelectual, obteve-se em todos insuficiência coordenativa. Foram avaliados 2 (dois) voluntários de atraso na fala e linguagem e fenda palatina e todos estes apresentaram perturbação na coordenação. Quanto as demais deficiências ainda não citadas, houve a participação de apenas um voluntário portador de cada uma destas. Portanto não foi possível fazer o comparativo dentro da mesma deficiência dos resultados, porém os portadores de TDAH + dislalia, paralisia cerebral, microcefalia e dificuldade de aprendizagem, apresentaram insuficiência coordenativa. Quanto ao voluntário portador de mutismo seletivo apresentou perturbação na coordenação. Como pôde ser observado, o comportamento de pessoas com deficiência intelectual é afetado pela insuficiência de coordenação entre comandos eferentes e aferentes, sendo assim, estas pessoas apresentam maior dificuldade na realização das atividades visando a avaliação do comportamento motor das mesmas. (MANSUR; MARCON, 2006) Quanto à paralisia cerebral, comprometido por lesões ocorridas no sistema nervoso central, algumas alterações motoras são geradas, tornando assim o movimento voluntário descoordenado. (SOUZA; et al, 2010. 111 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 TABELA 4 - Percentual do nível de coordenação por gênero e total de acordo com o resultado original da bateria KTK. Nível 1 2 3 4 5 Meninos Meninas Total 5% 65% 30% 80% 20% 2,85% 71,42% 25,71% Nível 1 – Muito boa coordenação Nível 2 – Boa coordenação Nível 3 – Coordenação normal Nível 4 – Insuficiência coordenativa Nível 5 – Perturbação da coordenação É possível observar na tabela 4, que apenas os meninos apresentaram algum resultado normal referente a coordenação, entretanto, estes apresentaram um número mais alto de perturbação da mesma. A tabela mostra também que as meninas têm um índice de insuficiência coordenativa significativamente mais alto que a dos meninos. TABELA 5 – Teste 1 - (Trave de equilibrio) - Média, desvio padrão, mínimo e máximo dos QMs. M±dp Mín-Máx Meninos 49,8 ± 12,89 27 – 73 Meninas 46,73 ± 10,38 27 - 67 No teste da trave de equilíbrio (tabela 5), pode-se observar que a média referente ao gênero masculino foi superior quando comparado ao do gênero feminino. O QM mínimo apresentou o mesmo resultado entre os gêneros e os meninos, obtiveram o QM máximo superior ao das meninas. TABELA 6 – Teste 2 - (Saltos monopedais) - Média, desvio padrão, mínimo e máximo dos QMs. M±dp Mín-Máx Meninos 39,3 ± 21,5 10 – 77 Meninas 31,8 ± 17,41 11 – 70 No segundo teste aplicado aos voluntários, nota-se que a média dos meninos foi superior ao das meninas (tabela 6), destacando também que o desvio padrão destes foi bastante elevado. O menor e o maior QM apresentados foram do gênero masculino. 112 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 TABELA 7 – Teste 3 - (Saltos laterais) - Média, desvio padrão, mínimo e máximo dos QMs. M±dp Mín-Máx Meninos 49,0 ± 19,6 16 – 87 Meninas 37,9 ± 18,2 6 – 70 No teste dos saltos laterais (tabela 7), o QM mínimo e máximo apresentado pelos meninos mostrou discrepância em relação ao das meninas. O QM médio dos meninos, mais uma vez, mostrou-se superior ao das meninas. TABELA 8 – Teste 4 - (Transferência sobre plataformas) - Média, desvio padrão, mínimo e máximo dos QMs. M±dp Mín-Máx Meninos 43,25 ± 15,0 26 – 81 Meninas 45,6 ± 15,0 18 – 71 Observa-se na tabela 8 (transferência sobre plataformas) que, diferente dos testes anteriores, os meninos obtiveram uma média inferior ao das meninas. Ainda assim, nos QMs mínimo e máximo, os voluntários do gênero masculino apresentaram números superiores ao do gênero feminino. TABELA 9 – Média dos QMs de todos os testes por gênero. Média dos QMs Meninos 181,35 Meninas 162,03 Nota-se na tabela 9 que os meninos apresentaram uma média de QM maior que das meninas, apresentando a diferença de 19,32 entre eles. Segundo os resultados do teste KTK aplicado por Gorla (2004) aos deficientes intelectuais, mostrou que os voluntários do gênero masculino apresentaram capacidade superior de coordenação quando comparado ao gênero feminino. 113 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 GRÁFICO 1 – Classificação dos voluntários quanto a coordenação por deficiência. Como apresentado no gráfico 1, os níveis de desenvolvimento encontrados no presente estudo, revelaram que a maioria dos voluntários, independente da idade e do gênero encontram-se com a coordenação motora abaixo dos níveis de normalidade, o que pode ser justificado pela deficiência intelectual. Comparado aos estudos de Gorla (2004), também foi possível observar que assim como o presente estudo, a generalidade dos sujeitos de ambos os gêneros e faixas etárias se situam no intervalo de insuficiência coordenativa e perturbação de coordenação. Já quanto aos resultados referentes a classificação superior a perturbação e insuficiência coordenativa, Gorla (2004) constatou que todos os meninos com faixa etária de oito anos possuem coordenação normal quando no presente estudo apenas um voluntário do gênero masculino, com atraso no desenvolvimento psicomotor apresentou coordenação normal. Considerações Finais Os níveis de desenvolvimento encontrados no estudo revelaram que a maioria dos voluntários, independente da idade e do gênero, se encontra com a coordenação motora abaixo da normalidade, o que pode ser justificado pelo nível de deficiência intelectual das crianças analisadas. Observando o percentual dos estágios de coordenação, nenhum dos voluntários possui muito boa ou boa coordenação motora e apenas um voluntário apresentou normalidade na 114 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 mesma. Cerca de ¼ (um quarto) do total apresentou perturbação da coordenação, e a maioria insuficiência coordenativa. De acordo com o resultado dos testes da trave, saltos monopedais e saltos laterais, os meninos apresentaram a média superior a das meninas. Apenas no teste de transferência sobre plataformas as meninas apresentaram maior facilidade na execução e obtiveram a média maior que a dos meninos. Portanto, de acordo com a soma das médias de todos os testes, os voluntários do gênero masculino obtiveram melhor desempenho tanto qualitativamente quanto quantitativamente, tendo assim um resultado menos distante da normalidade indicada pelo teste. Já as meninas apresentaram maior dificuldade na execução das tarefas, evidenciando assim que as voluntárias do gênero feminino possuem a coordenação motora mais defasada que dos meninos. Sendo assim, embora no geral, os portadores de deficiência tenham apresentado um resultado abaixo do desejável, a prática de atividade física contribui para a melhora da coordenação como pôde ser observado quando comparado aos alunos deficientes que não praticam nenhum tipo de atividade física e apresentaram incapacidade na execução dos testes propostos. Os resultados obtidos no estudo tiveram o propósito de estabelecer um referencial capaz de possibilitar auxilio em futuras análises. Referências ALVES, F. Psicomotricidade: corpo, ação e emoção. Editora Wak; 2003. DUARTE, E.; LIMA, S. M. T. Atividade física para pessoas com necessidades especiais: experiências e intervenções pedagógicas. Editora Guanabara Koogan; 2003. FLINCHUM, B. M. Desenvolvimento motor das crianças. Editora Interamericana; 1981. FONSECA, V. Psicomotricidade: filogênese, ontogênese e retrogênese. 2ª ed. Editora Artmed; 1998. GALLAHUE, D. L.; OZMUN, J. C. Compreendendo o Desenvolvimento Motor: Bebês, Crianças, Adolescentes e Adultos. 3ª ed. Editora Phorte; 2005. GONZALEZ, E. Necessidades educacionais específicas (intervenção psicoeducacional). Editora Artmed; 2007. GORLA, J. I. Desenvolvimento de equações generalizadas para estimativa da coordenação motora em crianças e adolescentes portadores de deficiência mental. Revista Conexões, v.2, n.2, p.19 à 150, 2004. HAYWOOD, K. M.; GETCHELL, W. Desenvolvimento motor ao longo da vida. Editora Artmed; 2004. MANSUR, S.S; MARCON, A.J. Perfil motor de crianças e adolescentes com deficiência mental moderada. Revista Brasileira do Crescimento e Desenvolvimento Humano, v.16, n.3, p.9 à 15, 2006. MCARDLE, W. D.; KATCH, F. I.; KATCH, V. L. Fisiologia do exercício: energia, nutrição e desempenho humano. Editora Guanabara Koogan; 2003. 115 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 MONTEIRO, C. ; JAKABI, C. M. ; PALMA, G. C. S. ; TORRIANI-PASIN, C. ; MEIRA JR., C. M. Aprendizagem motora em crianças com paralisia cerebral. Revista Brasileira de Educação Especial, v.14, n.2, p. 69 à 75, 2008. NAHAS, M. K. Atividade física, saúde e qualidade de vida. Editora Londrina; 2006. PICO, L.; VAYER, P. Educação psicomotora e retardo mental: Aplicação aos diferentes tipos de inadaptação. 4ª ed. Editora Manole; 1988. ROEDER, M. A. Atividade física, saúde mental e qualidade de vida. Editora Shape; 2003. ROSA, G. K. B; MARQUES, I; PAPST, J. M; GOBBI, L. T. B. Desenvolvimento motor de criança com paralisia cerebral: avaliação e intervenção. Revista Brasileira de Educação Especial, v.14, n.2, p.163 à 176, 2008. ROSADAS, S. C. Educação Física especial para deficientes. Editora Atheneu; 1991. SHEPERD, R. B. Fisioterapia em Pediatria. 3ª Ed. Editora Santos; 1996. SILVA, D. R.; FERREIRA, J. S. Intervenções na Educação Física em crianças com Síndrome de Down. Editora Maringá; 2001. SOLER, R. Educação Física Inclusiva na Escola: em busca de uma escola plural. Editora Sprint; 2005. SOUZA, K. E. S.; SANKAKO, A. N.; CARVALHO, S. M. R.; BRACCIALLI, L. M. P. Classificação do grau de comprometimento motor e do índice de massa corpórea em crianças com paralisia cerebral. Revista Brasileira do crescimento e desenvolvimento humano, v. 21, n. 1, p.12, 2011. TANI, G. Comportamento Motor – Aprendizagem e desenvolvimento. Editora Guanabara Koogan; 2005. TELFORD, C. W.; SAWREY, J. M. O indivíduo excepicional. Editora LTC; 1988. ANEXO l Questionário Nome: _______________________________________________ Gênero: ______________________________________________ Data de nascimento: ____________________________________ Pratica atividade física dentro da grade escolar? ( ) Sim ( ) Não Tipo: ________________________________________________ Duração: _____________________________________________ Dias da semana: _______________________________________ Pratica atividade física fora da ambiente escolar? ( ) Sim ( ) Não Tipo: ________________________________________________ Duração: _____________________________________________ Dias da semana: _______________________________________ Qual tipo de deficiência possui? ___________________________ Se deficiência mental, qual o tipo? ________________________ 116 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 A Educação Física na Educação Infantil em Escolas Particulares do Município de Nova Friburgo. Autores Julia Pedroso Ramalho Costa Roberta Silveira Lengruber1 Curso de Licenciatura em Educação Física Universidade Estácio de Sá Unidade Nova Friburgo Orientador: Carlos Eduardo Brasil Neves Resumo O trabalho na área da Educação Física escolar baseou-se por muito tempo em concepções de corpo e movimento, mas atualmente busca que se considerem também, as dimensões culturais, sociais e afetivas. A investigação buscou analisar a realidade da Educação Física na Educação Infantil das escolas particulares de Nova Friburgo, bem como, conhecer o perfil dos professores atuantes, e observar a perspectiva de Educação Física adotada quanto a concepção de corpo, visto ser esse tema importante para a Educação, reconhecendo assim, a participação da Educação Física no desenvolvimento infantil. Para a coleta de dados foi utilizado um questionário com dez perguntas fechadas aplicado a vinte professores que lecionam neste segmento e, para a análise das aulas foi elaborado uma ficha de avaliação com dez critérios didáticos. Os resultados mostraram que 75% das aulas observadas estavam com o conteúdo de acordo com o Referencial Curricular, mas em 25% das mesmas não houve muita diversificação do conteúdo, ou seja, ainda não está satisfatória. Os professores atuam com profissionalismo mantendo um bom relacionamento com os alunos, em cerca de 70% das aulas e priorizam a concepção do corpo sujeito, ou seja, defendem a ludicidade e a participação, visto que 70% dos professores dão atenção aos alunos preocupando-se com os aspectos emocionais da aprendizagem, mas encontram alguns empecilhos que prejudicam na qualidade de seu trabalho como espaço físico e recursos materiais inadequados. Palavras-Chave: Educação Física - Educação Infantil – Corporeidade Doutor em Engenharia Biomédica COPPE/UFRJ – Professor da Universidade Estácio de Sá – Nova Friburgo. E-mail [email protected] 117 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Introdução A Educação Física foi introduzida na escola oficialmente no Brasil, em 1851 com a Reforma Couto Ferraz, havendo mais tarde, uma recomendação feita por Rui Barbosa para que a sua prática fosse obrigatória para ambos os sexos e que fosse oferecida para escolas normais, porém a implantação destas leis ocorreu em parte e somente em 1920 ficou conhecida com o nome mais frequente de “Ginástica”. Várias concepções surgiram para caracterizar a Educação Física como “Higienismo” e “Militarismo” onde a preocupação central é com hábitos saudáveis e valorização do desenvolvimento físico a partir do exercício. A concepção “Esportivista” marcada pela prática do esporte tecnicista e a concepção “Recreacionista” onde os alunos escolhem o jogo, a forma de praticá-lo e o papel do professor passa a ser restrito. “Dentre essas concepções surgiram outras a fim de romper com o modelo tradicional que foram a “Humanista”, “Fenomenológica”, “Psicomotricidade”, “Cultural”, “Desenvolvimentista”, “Interacionista-Construtivista”,“Crítico-Superadora”, Sistêmica”, “Crítico - Emancipatória”, “Saúde Renovada”, além de outras (DARIDO, RANGEL, 2005). Neste sentido, o trabalho na área da Educação Física baseou-se por muito tempo em concepções de corpo e movimento, mas atualmente a análise crítica e a busca de superação dessas concepções apontam que são necessários que se considerem também, as dimensões culturais, sociais, políticas e afetivas, presentes no corpo vivo que interage e se movimenta como sujeito social e como cidadão. Levando em conta essa compreensão, a Secretaria de Educação Fundamental propôs na carta de apresentação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN‟S) que o trabalho de Educação Física nas séries iniciais é importante, pois possibilita aos alunos terem desde cedo, a oportunidade de desenvolver habilidades corporais e de participar de variadas atividades culturais, ou seja, a proposta entende a Educação Física como cultura corporal (BRASIL, 1997). A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN 9.394/96) estabelece que a Educação Básica compreenda três níveis de ensino: a Educação Infantil, o Ensino Fundamental e o Ensino Médio, e, segundo o 26° artigo do capítulo II da Primeira Seção - Das Disposições Gerais, estabelece que a Educação Física seja componente curricular da Educação Básica de acordo com as faixas etárias e condições populacionais escolares (BRASIL, 1997). Ainda levando em conta a LDBEN, na segunda Seção- das disposições Gerais- o 29° artigo diz que “A educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade”. De acordo com o Referencial Curricular Nacional, as características da Educação Física na Educação Infantil que é o foco desta pesquisa são: respeito a dignidade e aos direitos das crianças, consideradas nas suas diferenças individuais, sociais, econômicas, culturais, étnicas e religiosas; o direito das crianças a brincar; a socialização por meio de sua participação e inserção nas mais diversificadas práticas sociais (BRASIL, 1998). 118 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Oliveira (2005), em uma reportagem para a Revista E.F. destinada a campanha de 1° de Setembro do Ministério do Esporte em parceria com o Conselho Federal de Educação Física (CONFEF) dissertou sobre o analfabetismo motor que ameaça as crianças. Em linhas gerais falou sobre o mundo moderno que tem proporcionado cada vez mais esse analfabetismo ao reduzir o tempo livre das crianças e as opções de atividades lúdicas. A Educação Física é componente curricular para o Ensino Básico, porém, a carga horária é dependente do projeto pedagógico de cada escola e se for depender do interesse dos governantes o domínio motor não interessa, e, diante desta constatação o autor levanta a seguinte pergunta: “como trabalhar o cérebro e negar o corpo?”, concluindo esta fala, expõe que somos unos, e, portanto devemos considerar nossas formações também em seu todo. No campo do desenvolvimento cognitivo e motor, Piaget (1978) citado por Freire (2006), aponta as etapas do desenvolvimento da criança marcada por quatro períodos: Sensório-Motor (0 a 2 anos) que vai do nascimento até o surgimento da linguagem compreendendo três estágios: “o dos reflexos, o da organização das percepções e hábitos e o da inteligência propriamente dita”. Logo depois vem o período Pré-Operatório, período da inteligência intuitiva- (2 a 7 anos) que marca o momento que aparece a função simbólica, o gosto pelo jogo de imaginação, relação entre passado e futuro, interiorização da ação como comportamento a ser repetido e este período compreende as crianças da educação infantil. Depois apresenta o período Operatório-Concreto (7 a 11) marcado pelo início da cooperação e do raciocínio lógico e a seguir o período Operatório- formal (mais de 12 anos) período da inteligência abstrata onde já é o possível uma generalização, elaboração de hipóteses e estratégias para testá-las, onde acontece também a formação da personalidade. Ao descrever a fase denominada pré-escolar, de dois a sete anos de idade, Gallahue e Ozmun (2001) apresentam três estágios de desenvolvimento motor numa perspectiva biológica, sendo denominado como fase dos movimentos fundamentais: estágio inicial, (2 a 3 anos): o movimento da criança é caracterizado por uma sequência imprópria, uso marcado ou restrito do corpo, com coordenação rítmica pobre; estágio elementar, (4 a 5 anos ): já envolve maior controle, melhor coordenação rítmica dos movimentos fundamentais; estágio maduro, (6 a 7 anos): caracterizado pela eficiência mecânica, coordenação. No campo do desenvolvimento sociocultural, Vigotski (1984) citado por Guimarães (2008), apresenta a relação entre corpo e mente, compreendendo que as construções socioculturais transformam o suporte biológico através das relações sociais, valorizando o que as crianças podem descobrir e como podem crescer. Wallon (1947) citado por Santos (2008) considera, por sua vez, o desenvolvimento social e afetivo ao levar o corpo da criança para sala de aula acompanhado de suas emoções, considerando, desta forma quatro elementos: a afetividade, o movimento, a inteligência e a formação do eu como pessoa. 119 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Freire (2006) complementa a ideia de Wallon ao dizer que: corpo e mente devem ser entendidos como componentes que integram um único organismo. Ambos devem ter assento na escola, não um (a mente) para aprender e outro (o corpo) para transportar, mas ambos para se emancipar [...]. Sugiro que,a cada início de ano letivo, por ocasião das matrículas, também o corpo das crianças seja matriculado. Quando as crianças ingressam na escola elas já possuem uma série de conhecimentos sobre o movimento e o corpo neste âmbito da cultura corporal, frutos de experiências pessoais vivenciadas dentro do grupo social em que estão inseridas e possuem a necessidade de se movimentar. Cabe à escola trabalhar a partir desse repertório cultural garantido o acesso a novas experiências. Neste sentido a Educação Física passa a desempenhar um papel muito grande neste contexto, pois a aula de Educação Física, é muitas vezes, a única situação em que têm essa oportunidade (BRASIL, 1997). Partindo de uma reflexão acerca do fenômeno corporeidade nas aulas de Educação Física escolar, Moreira (1995), apresenta duas concepções de corpo que estão ligadas as formas pelas quais o profissional observa e conhece o seu aluno: o “corpo – sujeito” e o “corpo – objeto” e através do “olhar – conhecer” é que se diferenciam estas duas concepções, ou seja, se o olhar for racional, a busca da interpretação será através do comparar, do medir, do analisar, do enquadrar em um padrão, caracterizando neste sentido um corpo – objeto, mas se o olhar for à busca da expressão, do desejo, dos sentimentos, caracteriza o corpo- sujeito. Dessa forma o autor expõe a seguinte reflexão acerca da prática pedagógica do profissional de Educação Física: Respeitar o corpo presente - pressente é trabalhar o dia-a-dia da educação motora no interior da escola, dando oportunidade ao aluno para refletir sobre seu corpo, sobre a relação de seu corpo com outros corpos e com o meio ambiente; é favorecer o surgimento de uma cultura corporal, na qual se tem respeitadas e analisadas as questões das necessidades e dos desejos do corpo que é e que intui; é assumir uma postura profissional em defesa do lúdico, do prazer, da participação, como atributos sempre presentes no nosso fazer pedagógico. Em relação à estrutura didática das aulas de Educação Física visando a Educação Infantil, temos: Planejamento; Objetivos de Ensino; Conteúdos; Recursos Materiais e Avaliação do Ensino-Aprendizagem. Piletti (1995) e Libâneo (1994) indicam que o planejamento é importante principalmente para a realização de um ensino de qualidade que evite a improvisação e a rotina, garantia de maior segurança na direção do ensino e a facilitação na preparação de aulas. Piletti (1995) também apresenta uma definição direta sobre os objetivos que consistem em uma descrição clara dos resultados que os alunos devem atingir, por meio da prática pedagógica planejada e executada pelo professor. 120 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 De acordo com o Referencial Curricular Nacional, os objetivos gerais da Educação Física na Educação Infantil são: desenvolver na criança uma imagem positiva de si, descobrir e conhecer seu próprio corpo, estabelecer vínculos afetivos e relações sociais, fortalecer a autoestima, explorar o ambiente, expressar emoções, utilizar as diferentes linguagens corporal, musical, oral, e escrita-, aprender em situações orientadas, resolver problemas (BRASIL, 1998). Segundo Darido (2001) os conteúdos de ensino nada mais são do que uma seleção de formas ou saberes culturais, cuja assimilação é considerada essencial para que se produza um desenvolvimento e uma socialização adequada do aluno. Os conteúdos são abordados em dimensões como as conceituais que dizem respeito ao conhecimento de conceitos, fatos e princípios; as procedimentais que se referem ao “saber fazer” e as atitudinais que estão associadas a valores, atitudes e normas. Desta forma, segundo o Referencial Curricular Nacional é dado ênfase aos seguintes conteúdos na Educação Infantil: participação em diversos jogos, lutas; explicação e demonstração de brincadeiras aprendidas em contextos extra-escolares; resolução de situações de conflito por meio do diálogo, com a ajuda do professor; utilização de habilidades (correr, saltar, arremessar, rolar, bater, receber, chutar) em situações de jogos, lutas, brincadeiras e danças tendo como referência de avaliação o esforço pessoal; resolução de problemas corporais individualmente; Participação e criação de brincadeiras cantadas e participação em atividades rítmicas e expressivas. Segundo Xavier (1986) os recursos materiais de ensino em Educação Física escolar podem ser classificados em cinco categorias, dentre elas, se encontram recursos materiais da escola (espaço físico para a prática, materiais disponíveis como: bolas, cones, cordas, redes); recursos instrumentais do professor (apito, planilha, livros didáticos) e dos alunos (roupas adequadas) que serão necessários para a prática. De acordo com Brasil (1997), avaliação na educação infantil é feita através do acompanhamento e registro do seu desenvolvimento, sem o objetivo de promoção, mesmo para o acesso ao ensino fundamental. Portanto, baseando-se nesta fundamentação teórica, a respeito da Educação Física Escolar surgiram os objetivos desta investigação: analisar as aulas de Educação Física na Educação Infantil de escolas particulares de Nova Friburgo para verificar se estão de acordo com a proposta do Referencial Curricular Nacional; Conhecer o perfil dos professores atuantes neste segmento de ensino e suas práticas pedagógicas e observar a perspectiva de Educação Física adotada pelo professor quanto à concepção de corpo. As hipóteses são: de que a maioria dos voluntários desta pesquisa que trabalham na Educação Infantil sejam formados em Educação Física devido a escolha pelo setor privado de ensino onde existe a questão dos diferenciais dentro do mercado de trabalho e que por conta disso também, estes seguem o Referencial Curricular. Quanto à concepção de corpo, almejamos que os voluntários demonstrem adotar a ideia do corpo- sujeito, uma vez que, nos últimos anos vem se discutindo muito sobre as novas concepções da Educação Física. Justificamos a realização desta investigação, considerando que a mesma possa colaborar para uma melhor compreensão da 121 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 proposta da Educação Física para a Educação Infantil, e consequentemente também influenciar na melhoria da qualidade do ensino desta disciplina para este segmento. Materiais e Métodos 2.1 CARACTERIZAÇÃO DA PESQUISA A pesquisa caracterizou-se como sendo descritiva do tipo levantamento, que segundo Lobato (1997) é um tipo de pesquisa que expõe e descreve as características de uma determinada população sobre um determinado objeto de estudo. O estudo de campo utilizado para o levantamento e análise dos dados foi do tipo quantitativo e qualitativo. 2.2 POPULAÇÃO E AMOSTRA A população do estudo foi constituída por indivíduos graduados em Educação Física e indivíduos com formação de professores que atuam lecionando na Educação Infantil na cidade de Nova Friburgo, RJ Vinte professores de cinco escolas privadas que atuam na Educação Infantil na cidade de Nova Friburgo-RJ foram selecionados por conveniência para constituírem a amostra da pesquisa. Para a coleta de dados foram utilizados alguns critérios de inclusão e exclusão. Para a inclusão: professores graduados em Educação Física com registro no Conselho Regional de Educação Física (CREF ou MEC) ou professores que tenham o curso de formação de professores e que lecionam na Educação Infantil. Para a inclusão das escolas: rede particular de ensino. Para a exclusão, professores e escolas que não se enquadram nos critérios apresentados acima. 2.3 INSTRUMENTO DE PESQUISA O instrumento de pesquisa utilizado em nosso estudo foi o questionário, o qual consiste em um meio de levantamento de dados por escrito, onde os sujeitos pesquisados fornecem informações através de respostas para questões estabelecidas. O questionário (anexo 01) foi constituído por dez perguntas, sendo classificadas como questões fechadas, aplicado aos professores, e, para a análise das aulas foi elaborado uma ficha de avaliação (anexo 03) com dez critérios didáticos baseados no Referencial Curricular Nacional para a Educação Física Infantil (BRASIL, 1998) 2.4 PROCEDIMENTOS DE COLETA DE DADOS Foi realizada uma visita em cinco instituições que compõem a rede particular de ensino da cidade de Nova Friburgo-RJ. Nessas instituições, os professores foram consultados sobre a possibilidade de participação no estudo. 122 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Com a concordância, os professores responderam ao questionário proposto que foi entregue aos mesmos para obtenção das respostas antes da aula sem intervenção dos pesquisadores. 2.5 CRITÉRIOS DE ANÁLISE DAS AULAS Os critérios de análise das aulas utilizados foram: espaço físico, material disponível, linguagem utilizada pelo professor, participação dos alunos nas aulas, uso do uniforme, relação professor/aluno, relação aluno/aluno, conteúdos propostos, identificação dos objetivos e atenção dada às crianças. A classificação adotada foi: bom, regular ou ruim de acordo com os critérios apresentados no anexo 02. 2.6 ANÁLISE DOS DADOS Os dados foram analisados através da estatística descritiva. Análise e Discussão dos Resultados Na tabela 1 são resumidas as freqüências absolutas e relativas, extraídas da análise do questionário respondido pelos professores. Tabela 1 – Análise das respostas obtidas na aplicação dos questionários. Professores Questões 1 2 3 4 5 Resposta Fabs Frel (%) Feminino 13 65 Masculino 7 35 Formação Professores Licenciatura Pós-Graduação 4 14 2 20 70 10 Mestrado 0 0 Doutorado 0 0 CGIPART 15 75 CGIPUB 5 25 Menos de 12 Meses 3 15 12 a 60 Meses 10 50 Mais de 60 Meses 7 35 Sim Às vezes 8 9 40 45 Não 3 15 123 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 6 7 8 9 10 Planejamento Sempre 16 80 Às vezes 4 20 Não Realiza 0 0 Imagem Positiva Conhecimento do Corpo 15 18 12,5 15 Relações afetivas e sociais 16 13,3 Auto-Estima Habilidades Motoras 11 15 9,16 12,5 Cidadania e Solidariedade 12 10 Jogos 15 14,8 Brincadeiras Esportes 20 7 19,8 6,93 Lutas 2 1,98 Atividades Expressivas 10 9,90 Funcionamento em Grupo 0 0 Funcionamento Individual 20 100 Aspectos Biológicos 0 0 Aspectos Socioculturais 20 100 * CGIPART = Conclusão da graduação em instituição particular e CGIPUB = conclusão da graduação em instituição pública. Dos 20 professores entrevistados, 65% eram mulheres e 35% homens. Burger e Krug (2009) em seu trabalho de pesquisa sobre a realidade da Educação física na Educação Infantil em Santa Maria-RS, também encontraram a predominância das mulheres atuando neste segmento de ensino. André (2002) destaca esta enorme diferença entre o número de mulheres e o de homens envolvidos no magistério, argumentando que existem determinantes sócio-históricos que levam a esta feminização: o reduzido número de escolas existentes no século XIX e no início do século XX explica não ter havido uma resistência organizada ao ingresso de mulheres na profissão no momento em que a cobertura escolar foi ampliada. Desse modo, a presença tão predominante de mulheres na profissão docente no Brasil se deveria ao aumento do mercado de trabalho, decorrente da ampliação do atendimento escolar, como também da procura dos homens por novas profissões que ofereciam melhores salários, quando do início da industrialização; e, b) A associação, presente no imaginário social, entre escola e maternidade, que leva a uma continuidade do iniciado no lar, sempre sob a orientação e/ou a coordenação de mulheres. A própria denominação “tia”, dada pelos alunos às professoras, reforça a proximidade e identificação da professora como a figura familiar e similar à materna. 124 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Quanto à Escolaridade (figura 1), 20% dos entrevistados concluíram apenas a formação de professores e atuam na Educação Infantil realizando recreação com os alunos sem serem graduados em Educação Física. Dos professores, 70% possuem graduação em Licenciatura, um número significativo, o que indica que grande parte dos colégios da rede particular de Nova Friburgo está contratando profissionais qualificados para atuarem com Educação Física na Educação Infantil, apesar da Resolução nº 7, de 14 de dezembro de 2010 homologada pelo Exmo. Ministro da Educação, proposta pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) que fixa diretrizes curriculares nacionais para o ensino fundamental ter estabelecido em seu artigo 31, que: ...do 1º ao 5º ano do Ensino Fundamental, os componentes curriculares Educação Física e Arte poderão estar a cargo do professor de referência da turma, aquele com o qual os alunos permanecem a maior parte do período escolar, ou de professores licenciados nos respectivos componentes (CORDÃO, 2010) Dos entrevistados, observamos que 10% cursaram pós-graduação, ou seja, buscaram uma especialização, aperfeiçoando-se e qualificando-se profissionalmente o que é um fator que indica melhoria nos recursos utilizados pelo professor, assim como maior clareza de intenções na sistematização de conteúdos, objetivos, riqueza de estratégias, dinâmicas e formas de intervenção. Para Marques (1992), a formação do profissional em Educação Física não se encerra na formação acadêmica, e sim, estende-se por todo o seu exercício profissional. No entanto, nas opções “Mestrado” e “Doutorado”, não foram encontrados dados, porém profissionais com essas qualificações atuam, geralmente, em sua maioria nas Universidades. Figura 1 –Nível de escolaridade dos voluntários Dos professores entrevistados, 75% concluíram a graduação em instituição particular. Um número significativo, uma vez que na cidade de Nova Friburgo, onde foi realizada a pesquisa, o curso de graduação em Educação Física existente é disponibilizado pela 125 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Universidade Estácio de Sá, Instituição de Ensino Particular, sendo destes apenas 25% graduados em instituições públicas. Com relação ao tempo em que atuam no segmento de ensino observado, apenas 15% tem experiência inferior a 12 meses, sendo, do restante, 50% atuantes na área entre 12 e 60 meses, o que demonstra que a maior parte dos entrevistados são profissionais novos no mercado e significa que estão atualizados em relação a novas propostas para a Educação Física e 35% dos entrevistados são atuantes a mais de 60 meses com um maior tempo de experiência na área. Segundo os professores, 40% consideraram satisfatória a quantidade e a diversidade de recursos materiais disponíveis na instituição que atuam, já 45% avaliaram que às vezes é insatisfatório por falta de material disponível em relação ao número de alunos e 15% consideraram que não é satisfatório, porém, alguns alegaram que devido a catástrofe que atingiu o município de Nova Friburgo em Janeiro/2011, perderam muitos materiais e ainda não haviam recuperado todos em quantidade. Quanto ao plano de aula, 80% dos professores responderam que sempre o realizam, 20% indicaram que às vezes realizam, por conta da experiência, porém, segundo Piletti (1995) e Libâneo (1994) o planejamento é importante principalmente para a realização de um ensino de qualidade que evite a improvisação e a rotina. De acordo com a (figura 2) apresentada abaixo, em relação aos objetivos das aulas, 15 professores dos 20 entrevistados consideraram importante como objetivo desenvolver na criança uma imagem positiva de si; destes, 18 consideraram importante que a criança descubra e conheça seu próprio corpo, 16 profissionais assinalaram a opção que diz respeito ao estabelecimento de vínculos afetivos e relações sociais e apenas 11 consideraram o fortalecimento da autoestima como um dos objetivos principais, porém, estas quatro primeiras opções são objetivos que norteiam o Referencial Curricular e embora a média de respostas tenha sido satisfatória pela ocorrência da maioria as assinalando, o resultado poderia ter sido melhor. A opção “desenvolver capacidades físicas e habilidades motoras” foi assinalada por 15 professores, porém de acordo com Referencial Curricular (BRASIL, 1997) este não é um objetivo da Educação Física na Educação infantil, pois os objetivos fundamentais são: brincar, expressando emoções e necessidades; utilizar as diferentes linguagens ajustadas às diferentes intenções de comunicação. Deste modo, trata-se de um objetivo pertinente a partir do primeiro segmento do Ensino Fundamental, com maior ênfase no segundo segmento. Isto é visto nos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997). Na última opção: “Compreender a cidadania, adotando atitudes de solidariedade e respeito”, 12 profissionais a assinalaram. Porém como na opção anterior este objetivo não está 126 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 presente no Referencial Curricular da Educação Infantil e sim a partir do primeiro segmento do Ensino Fundamental, (BRASIL, 1998). Figura 2 – objetivos da Ed. Física considerados principais pelos voluntários Quanto aos conteúdos, de acordo com a (figura 3) entre os professores entrevistados, 37% adotam as brincadeiras como conteúdo principal em suas aulas. Já 28% assinalaram a alternativa referente aos jogos, 18% destes assinalaram atividades expressivas, 4% assinalaram lutas e 13% assinalaram esportes, porém de acordo com o Referencial Curricular os esportes não estão dentre os conteúdos previstos para a Educação Infantil. Segundo Aguiar (2003) a Educação Física Escolar ainda vive sob a influência da cultura de aptidões físicas, iniciação desportiva e formação de equipes representativas. Apesar de todo o discurso de inclusão, de interdisciplinaridade e da importância da Educação Física para a formação integral, ela não precisa ser uma disciplina especial, deve ser normal como qualquer outra, que participe da formação global do aluno como as demais. Faria (2004) realiza algumas reflexões sobre Educação Física e cultura e aponta como um dos desafios da disciplina ir além da dimensão procedimental atentando aos valores, normas, atitudes, conceitos, ludicidade. 127 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Figura 3 – Conteúdos aplicados pelos voluntários em suas aulas O acompanhamento da aprendizagem significa incorporar as produções infantis ao planejamento e não emitir juízos de valor sobre o que as crianças conseguiram fazer ou não. Tradicionalmente a avaliação na Educação Física junto às crianças pequenas carece de instrumentos elaborados ou de critérios definidos, o que leva muitos profissionais a registrarem pareceres, muitas vezes, preconceituosos baseados naquilo que é percebido como “falta” (SAYÃO, 2002). Todos os entrevistados assinalaram que analisam o processo de aprendizagem observando cada criança e verificando sua relação com o grupo e não analisando somente o funcionamento em conjunto sendo assim um fator positivo. Este fato se repetiu quando questionados sobre como veem seus alunos no contexto escolar, analisando a perspectiva de corpo adotada pelo professor e todos os entrevistados assinalaram a opção que “viam os alunos como um todo, considerando os aspectos socioculturais e realidades particulares” e isso é muito importante para um ensino que visa à formação integral do aluno. Burger e Krug (2009) a fim de analisar as aulas de Educação Física na Educação Infantil em Santa Maria-RS verificaram através da existência de planejamento contendo objetivos, metodologia, conteúdo e avaliação que havia um interesse didático-pedagógico dos professores entrevistados e acrescentaram que a Educação voltada às crianças não pode estar apenas ligada a aquisição de rotinas ou de preparação para o Ensino Fundamental, mas ser uma fase de aquisição de experiências motoras, afetivas, sociais. 128 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Na tabela 2 é resumida a frequência absoluta e relativa da análise da observação das aulas. Questões Resposta Observação Fabs Frel % 1 Bom 12 60 Espaço Regular 8 40 Físico Ruim 0 0 2 Bom 7 35 Material Regular 13 65 Disponível Ruim 0 0 3 Bom 14 70 Linguagem Regular 6 30 Ruim 0 0 4 Bom 17 85 Participação Regular 3 15 Ruim 0 0 5 Bom 13 65 Uniforme Regular 7 35 Ruim 0 0 6 Bom 14 70 Professor/ Regular 6 30 Aluno Ruim 0 0 7 Bom 9 45 Aluno/ Regular 11 55 Aluno Ruim 0 0 8 Bom 15 75 Conteúdos Regular 5 25 Ruim 0 0 9 Bom 13 65 Indetificação Regular 7 35 Objetivos Ruim 0 0 10 Bom 14 70 Atenção dada Regular 6 30 aos alunos Ruim 0 0 Na observação das aulas feita pelas pesquisadoras, foi utilizado como forma de levantamento de dados a análise qualitativa classificando em “Bom”, “Regular” e “Ruim”, vários aspectos, seguindo critérios adotados em (anexo 3) e como visto na tabela 2 não houve a classificação “Ruim” em nenhuma questão o que indica um fator positivo em relação ao ensino. Quanto ao espaço físico utilizado para a Educação Física, 60% foi considerado “bom” e 40% “regular”. Na realidade social brasileira, há uma quantidade grande de escolas que não apresentam espaço físico adequado para a Educação Física. O espaço existente para as aulas, muitas vezes se resume a pátios e salas de aula, (SOLER, 2003). Dados apresentados pelo 129 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP) indicaram em 2006, que das 159.016 escolas de Ensino Fundamental no Brasil (públicas e particulares), apenas 44.763 possuíam quadra poliesportiva (BRASIL, 2006), o que representava 28% do total, aproximadamente. Silva e Damazio (2008), a fim de refletir sobre o ensino da Educação Física, analisando as condições dos espaços físicos e materiais disponíveis para a prática, em Teresópolis RJ, verificaram que são fatores que podem comprometer de modo significativo o trabalho pedagógico da Educação Física. Quanto ao material disponível, 35% foi analisado como “bom” e 65% foi analisado como “regular”, pois apesar de haver materiais diversificados, a maioria não apresentou quantidade que atenda ao número de alunos, ou por não estarem em condições regulares de uso e isto é comprovado pela colocação dos entrevistados quando questionados sobre os materiais de trabalho. Freire (2006), por exemplo, descreve atividades nas quais a utilização de bolas, arcos, bastões, cordas e até mesmo materiais feitos com garrafas e copos descartáveis, são indispensáveis para proporcionar ao aluno a troca com o meio e atribuição de novos significados ao brinquedo. É importante que esses materiais sejam diversificados quanto ao peso, tipo, textura, cor e tamanho, exigindo do aluno constantes adaptações e ajustamentos de conhecimentos previamente adquiridos. Dessa forma, o professor terá mais condições para realizar um trabalho de melhor qualidade, se a escola em que atua lhe oferecer espaços e recursos materiais adequados. Em relação à linguagem utilizada pelo professor, de acordo com a figura 4, 70% foi considerado “bom”, o que indica que a linguagem está de acordo com a faixa etária, clara e objetiva. Destes profissionais observados, 30%, encontraram dificuldades na comunicação com os alunos, classificados como “regular”. Estes, em sua maioria, foram professores recémformados o que pode estar relacionado à insegurança e inexperiência, porém estão em processo de crescimento profissional. Figura 4- Tipo de linguagem utilizada pelos professores nas aulas 130 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Em se tratando da participação dos alunos, 85% destes foi considerado “bom”, e apenas 15% “regular”. Quanto ao uso do uniforme, em 65% das aulas, todos os alunos utilizavam roupas adequadas, já em 35%, a maioria destes, ou seja, nem todos estavam com o uniforme adequado. Esta exigência é significativa, pois roupas confortáveis permitem ao aluno uma melhor execução de movimentos, (RONDINELL, 2011). A relação do professor com seus alunos é de fundamental importância para a Educação, pois a partir da forma de agir do mestre é que o aprendiz se sentirá mais receptivo à matéria. A reciprocidade, simpatia e respeito entre ambos proporcionam um trabalho construtivo, em que o educando é tratado como pessoa e não como um número. Conforme a figura 5, na pesquisa, 70% desta relação professor/aluno foi considerado “bom” e 30% “regular”. Isso demonstra que o centro de interesse é a interação professor, aluno e conhecimento, transformando o professor em um orientador e facilitador da aprendizagem (MATTOS, NEIRA, 2006). Figura 5- Grau da relação professor e aluno nas aulas observadas Segundo Aquino (1996), “há muito, os conflitos deixaram de ser um evento esporádico e particular no cotidiano das escolas brasileiras para se tornarem, talvez, um dos maiores obstáculos pedagógicos dos dias atuais”. A importância de um ambiente escolar que favoreça a convivência harmoniosa entre seus sujeitos, seja para a promoção da aprendizagem, seja para a formação do aluno de modo geral e o bem estar de todos. Na pesquisa, 45% da relação entre os alunos foi considerado bom e 55% regular. De acordo com as dimensões dos conteúdos (conceituais, procedimentais e atitudinais), o cultivo das normas e valores, o trabalho em grupo, a cooperação, o respeito a si e aos outros são essenciais (MATTOS, NEIRA, 2006). De acordo com a observação das aulas, com relação aos conteúdos trabalhados, 75% foi analisado como “bom” e 25% “regular”. Isto demonstra que as aulas estão de acordo com o 131 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Referencial Curricular Nacional, porém algumas com pouca diversificação. Constata-se que, “(...) tradicionalmente, não há, nos cursos de licenciatura em Educação Física, uma preocupação em formar professores para intervirem na educação de zero a seis anos” (SAYÃO, 1999). Quando essa preocupação existe, na maioria das vezes, a formação fica restrita ao aprendizado de um conjunto de atividades corporais (especialmente jogos e brincadeiras) para serem desenvolvidas com as crianças de acordo com as diferentes faixas etárias. Darido e Rosário (2005), a fim de pesquisar sobre a sistematização dos conteúdos da Educação Física na escola, apontaram que a Educação Física tem um vasto conteúdo separado por blocos, mas não se observa a diversificação destes conteúdos, pois muitos professores se limitam a apenas um bloco. Em seu estudo os voluntários chegaram à sistematização dos conteúdos empregando a própria experiência, tentativas e reflexões e alegaram a falta de amparo de pesquisas ou da literatura, sobre a sistematização. Para Sayão (2002), a brincadeira, as interações e as diferentes linguagens são o eixo de todo o trabalho pedagógico quando se atua na Educação Infantil e os profissionais envolvidos podem planejar situações que levem as crianças a: brincar de diferentes formas; interagir com as outras crianças do grupo; e manifestar-se através de diferentes linguagens como, a dança, a música e o desenho. Na identificação dos objetivos, 65% foi considerado “bom” e 35% “regular”, ou seja, na maior parte das aulas observadas, os objetivos foram naturalmente identificados. Com relação à atenção dada as crianças, 70% foi considerado “bom” e 30% “regular” e isto comprova a questão levantada sobre a perspectiva de corpo adotada pelos professores nas aulas, onde responderam que veem o aluno como um todo. Considerações Finais Ao falarmos da Educação Física na Educação Infantil, entramos num campo de discussões, de debates e reflexões, que ainda é marcado pela escassez de produções teóricas e de estudos que contribuam para o reconhecimento e valorização da aula e do professor de Educação Física neste nível da educação básica. Exemplo disso é o fato de observarmos, e não raras vezes, a falta de professores de Educação Física para trabalhar na Educação Infantil em muitas escolas, principalmente na rede pública. Atentando nosso olhar para este segmento, buscamos com este trabalho observar a realidade da Educação Física na Educação Infantil em colégios particulares de Nova Friburgo no que diz respeito aos professores atuantes e suas práticas pedagógicas, além de observar a perspectiva de concepção de corpo que estes profissionais adotam. Sendo assim, os resultados encontrados foram que as aulas estão de acordo com o Referencial Curricular Nacional em se tratando dos conteúdos, objetivos, mas ainda falta uma maior diversificação dos mesmos; os professores possuem um perfil adequado, priorizando a participação, a ludicidade, mantendo um bom relacionamento com os alunos, além de 132 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 mostrarem adotar a concepção do corpo sujeito. Apontamos como principal questão para isso, o fato de que a maior parte dos voluntários atua na Educação Infantil entre 12 e 60 meses, ou seja, atualizados com relação às novas concepções de Educação Física. Com mais tempo e recursos, poderíamos analisar com maior profundidade a atuação de docentes com formação de professor e com formação em Educação Física, a fim de refletir sobre suas práticas pedagógicas voltadas a Educação Infantil no que diz respeito às intencionalidades de suas ações, significados e sentidos, sendo assim, deixando esta ideia para futuros trabalhos de pesquisa. Finalizando, cabe a reflexão de que o processo de constituição de nosso “ser profissional” se faz e se refaz a cada dia, com parcerias, em meio a desafios, conquistas, temores, conflitos, buscas... Pois se somos seres inconclusos, como nos ensina Paulo Freire (1997): “A consciência do mundo e a consciência de si como ser inacabado necessariamente inscrevem o ser consciente de sua inconclusão num permanente movimento de busca”. Referências AGUIAR, R.S. do. A Educação Física nas séries iniciais do ensino fundamental: importância dessa prática para o desenvolvimento integral na fase escolar. 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( ) Sim ( ) Não ( ) às vezes 06- Você realiza um plano de aula: ( ) Sempre ( ) às vezes ( ) não realiza 07- Em sua opinião, quais são os principais objetivos da Educação Física na Educação Infantil: ( ) Desenvolver na criança uma imagem positiva de si; ( ) Descobrir e conhecer seu próprio corpo; ( ) Estabelecer vínculos afetivos e relações sociais; ( ) Fortalecer a autoestima das crianças; ( ) Desenvolver capacidades físicas e habilidades motoras. ( ) Compreender a cidadania, adotando atitudes de solidariedade e respeito. 08- Quais são os conteúdos ministrados em suas aulas ? ( ) Jogos ( ) Lutas ( ) Brincadeiras ( ) Atividade rítmicas e expressivas ( ) Esportes 09- Como é feito o acompanhamento da aprendizagem: ( )Análise somente do funcionamento do grupo em seu conjunto ( ) Análise do processo de aprendizagem individual de cada criança e sua relação com o grupo. 10- Você, enquanto professor, como vê seus alunos no contexto escolar: ( ) Apenas como um corpo em movimento, levando em consideração somente aspectos biológicos. ( ) Como um todo, considerando os aspectos socioculturais e realidades particulares. ANEXO 02- ANÁLISE DAS AULAS 01 – Espaço Físico: ( ) Bom ( ) Regular ( ) Ruim 02- Material Disponível: 135 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 ( ) Bom ( ) Regular ( ) Ruim 03 – Linguagem utilizada pelo Professor: ( ) Bom ( ) Regular ( ) Ruim 04- Participação dos alunos na aula ( ) Bom ( ) Regular ( ) Ruim 05- Uso do uniforme ( ) Bom ( ) Regular ( ) Ruim 06 - Relação professor/aluno: ( ) Bom ( ) Regular ( ) Ruim 07 - Relação aluno/aluno: ( ) Bom ( ) Regular ( ) Ruim 08 – Conteúdos propostos: ( ) Bom ( ) Regular ( ) Ruim 09- Identificação dos objetivos; ( ) Bom ( ) Regular ( ) Ruim 10- Atenção dada às crianças: ( ) Bom ( ) Regular ( ) Rui ANEXO 03 - CRITÉRIOS DE ANÁLISE DAS AULAS Espaço físico Será considerado “Bom”: um espaço amplo, específico para a prática de Educação Física com um piso adequado que não ofereça riscos aos alunos; em boas condições de uso, bebedouros suficientes para atender ao número de alunos em cada aula e banheiros em boas condições de uso. Será considerado “Regular”: um espaço específico para a prática de Educação Física, porém com um tamanho pequeno, piso regular para a prática, apenas um banheiro em boas condições e um bebedouro; um espaço não específico somente para a Educação Física, mas que seja grande, que esteja em boas condições de uso e que não ofereça riscos aos alunos, com um banheiro próximo em boas condições e com pelo menos um bebedouro. Será considerado “Ruim”: um espaço específico para Educação Física em más condições, piso irregular, um banheiro em más condições, um bebedouro que não funcione adequadamente ou nenhum bebedouro; um espaço não específico para Educação Física, apresentando-se em más condições de uso para a prática e oferecendo riscos, com um banheiro em más condições ou nenhum banheiro, com um bebedouro que não funcione adequadamente ou nenhum bebedouro; Material disponível Será considerado “Bom”: materiais diversificados para as diferentes atividades como: bolas de variadas modalidades esportivas, cones, cordas, redes, arcos, coletes, brinquedos pedagógicos e colchonetes, todos em quantidade adequada e satisfatória para o número de alunos, em boas condições de uso e organizados. Será considerado “Regular”: materiais diversificados, porém em uma quantidade que não atenda ao número de alunos, em condições regulares de uso e organização. 136 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Será considerado “Ruim”: poucos materiais em relação à diversidade e quantidade, em más condições de uso e mal organizados. Linguagem utilizada pelo professor Será considerado “Bom”: se a linguagem oral utilizada pelo professor for clara, objetiva e adequada à faixa etária ao explicar as atividades propostas e ao se relacionar com os alunos e se utilizar uma linguagem corporal para a demonstração das atividades e linguagem musical, adequadas à faixa etária. Será considerado “Regular”: se o professor encontrar dificuldades na comunicação com os alunos, em algum tipo de linguagem por não adequar à faixa etária. Será considerado “Ruim”: se professor encontrar dificuldades na comunicação com os alunos em diferentes linguagens, por não adequar a faixa etária e desta forma não alcançar os objetivos previstos com as atividades propostas. Participação dos alunos na aula Será considerado “Bom”: a participação de todos os alunos em todas as atividades, demonstrando interesse, motivação e segurança na execução. Será considerado “Regular”: a participação da maioria dos alunos, em todas as atividades, apresentando pouco interesse e motivação. Será considerado “Ruim”: pouca participação dos alunos em todos as atividades propostas, falta de interesse, de motivação e não se sentindo seguros na execução. Uso do uniforme Será considerado “Bom”: utilização de roupas adequadas para a aula prática por todos os alunos, em boas condições de uso quanto à higiene. Será considerado “Regular”: utilização de roupas adequadas para a aula prática pela maioria dos alunos em boas condições de uso quanto à higiene. Será considerado “Ruim”: não utilização de roupas adequadas para a aula prática pela maioria dos alunos, em más condições de uso, quanto à higiene. Relação professor/aluno Será considerado “Bom”: se o professor apresentar uma boa relação com os alunos ao estabelecer as normas de funcionamento das aulas, controlar e ajudar a turma, estimular a responsabilidade e autonomia dos alunos com liberdade de expressão. Será considerado “Regular”: se o professor apresentar uma relação autoritária com os alunos no estabelecimento das normas das aulas, com dificuldades para controlar e ajudar a turma. 137 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Será considerado “Ruim”: se o professor apresentar uma relação totalmente autoritária com os alunos, restringindo a liberdade de expressão dos mesmos. Relação aluno/aluno Será considerado “Bom”: se os alunos apresentarem uma relação de respeito mútuo entre si. Será considerado “Regular”: se houver alguns alunos com dificuldades de se relacionar com os demais, com relação ao respeito. Será considerado “Ruim”: se houver muitos alunos com dificuldades de se relacionar com os demais e sem uma relação de respeito entre os colegas. Conteúdos propostos Será considerado “Bom”: se os conteúdos propostos estiverem de acordo com o Referencial Curricular Nacional e se forem diversificados. Será considerado “Regular”: se os conteúdos estiverem de acordo com o Referencial Curricular Nacional não sendo diversificados. Será considerado “Ruim”: se os conteúdos não estiverem de acordo com o Referencial Curricular Nacional. Identificação dos objetivos Será considerado “Bom”: se os objetivos forem facilmente identificados durante a aula. Será considerado “Regular”: se houver dificuldade na identificação dos objetivos durante a aula. Será considerado “Ruim”: se não for possível identificar os objetivos durante as aulas. Atenção dada às crianças Será considerado “Bom”: se o professor durante as aulas sempre procurar fazer contatos com cada criança, preocupando-se com os aspectos emocionais da aprendizagem. Será considerado “Regular”: se o professor dificilmente, durante a aula, procura fazer contatos com cada criança. Será considerado “Ruim”: se o professor restringe a atenção individual oferecida aos alunos trabalhando com o grupo todo de uma só vez com todos fazendo as mesmas coisas. 138 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Atendimento Inicial ao Infarto Agudo do Miocárdio Autores Ana Paula Ferreira da Rocha Gilberto Rodrigues Chermaut Jessica Perisse Moreira Sandro de Carvalho Barcelos Curso Enfermagem Universidade Estácio de Sá Unidade Nova Friburgo Orientadora: Zilma Denize Mascarenhas Xavier Resumo: Infarto Agudo do Miocárdio (IAM) é uma situação de grande frequência nas salas de emergências, sendo necessária internação hospitalar. A pesquisa teve como objetivos analisar o tempo gasto pelo cliente com suspeita de IAM em procurar por atendimento emergencial, identificar a existência de um protocolo de atendimento no setor de emergência e avaliar o conhecimento da equipe de enfermagem sobre as prioridades no atendimento a este paciente. Foram entrevistados profissionais do setor de emergência e pacientes com suspeita de IAM. Os resultados mostraram que não há protocolo de atendimento, a equipe de enfermagem é capaz de identificar as prioridades no atendimento ao paciente com suspeita IAM e que todos os clientes procuraram o atendimento após duas horas do início dos sintomas. Palavras-chaves: infarto agudo; emergência; enfermagem. Introdução O infarto agudo do miocárdio (IAM) faz parte de um grupo de doenças chamadas doenças isquêmicas do coração. É um evento agudo que requer internação hospitalar, tendo um diagnóstico clínico bem estabelecido, geralmente baseado na história clínica, evolução eletrocardiográfica e curva enzimática. Estas doenças cardíacas representam a principal causa de morte no Brasil e no mundo, apesar do advento das unidades coronarianas, dos avanços da terapia fibrinolítica e com os novos processos de intervenção percutânea. (BRANDÃO, 2009) Vários estudos descritos em literaturas demonstraram que cerca de 20% dos clientes com dor torácica aguda chegam ao setor de emergência antes de duas horas de início dos sintomas (FRANCO, et al, 2008). Existem vários fatores que podem estar relacionados com o atraso em procurar serviço de emergência: como o não reconhecimento por parte dos clientes Professora Mestre da Universidade Estácio de Sá-Campus Nova Friburgo. 139 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 como sendo um evento cardíaco, automedicação utilizada por alguns clientes, o baixo nível socioeconômico, o sexo feminino, as condições de transporte, negação em aceitá-lo e pelo atendimento prévio não especializado. (FRANCO, et al, 2008) A discussão do tempo tem papel de destaque na assistência de enfermagem ao cliente infartado, geralmente exposto a um maior risco de morte na primeira hora após o início dos sintomas, portanto, antes da chegada ao hospital. O intervalo de tempo decorrido entre o início dos sintomas e o atendimento é extremamente relevante para a sobrevida. Mais de 50% dos óbitos ocorrem na primeira hora de evolução. Considerando-se que o benefício do uso da terapia com trombolíticos é tempo-dependente, o retardo no tratamento de clientes com suspeita de IAM é um fator crítico de redução na sobrevida. Dificuldades no acesso ao serviço de emergência aumentam o tempo decorrido até a admissão, diminuindo a letalidade hospitalar esperada e aumentando a extra-hospitalar. Nesse caso, é indiscutível o impacto da distribuição do espaço eficiente de serviços de emergência na sobrevida de clientes infartados. (BRANDÃO, 2009) O enfermeiro da atenção básica tem um papel muito importante para a redução do tempo gasto desde o surgimento dos primeiros sintomas até a busca do serviço de saúde pelo cliente. Cabe ao enfermeiro a função de educação em saúde, orientando a população quanto à prevenção de doenças e informando sobre os sinais e sintomas desta e de outras doenças, ressaltando a importância em procurar auxílio dos profissionais de saúde e quando fazê-lo, assim como prover o treinamento contínuo de sua equipe para que esta possa prestar um atendimento adequado. De acordo com o DATASUS, 2005, cerca de 58.000 pessoas ainda morrem vítimas de IAM no Brasil, e indicam a ocorrência de 84.945 óbitos por doença isquêmica do coração somente no ano de 2005, no país. (PIEGAS, 2005) A taxa de mortalidade global varia de 5 a 30%, sendo que metade das mortes ocorre antes dos clientes receberem atendimento adequado. Dentre aqueles que chegam ao hospital, aproximadamente 25 % dos óbitos ocorrem nas primeiras 48 horas. (PIEGAS, 2005; MELLO, 2007) O IAM é a destruição da musculatura miocárdica, devido à deficiência de fluxo sanguíneo para uma região do músculo cardíaco, cujas células sofrem necrose por falta de aporte nutritivo. A interrupção do fluxo coronário geralmente se deve a aterosclerose, estreitamento de uma artéria coronária causado pelo acúmulo de placas de ateroma (gordura), ou pela obstrução total de uma coronária por êmbolo ou trombo (coágulo sanguíneo). (SMELTEZER; BARE 2008). A característica fundamental do IAM é a dor prolongada, localizada na região subesternal, epigástrica, abdominal alta ou precordial e se irradiando para o pescoço, mandíbula, ombro, braço e para a mão esquerda (SMELTEZER; BARE 2008). 140 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Os sintomas são: dor ou forte pressão no peito, dor no peito refletindo nos ombros, braço esquerdo, pescoço e maxilar, dor abdominal, suor, palidez, falta de ar, perda temporária da consciência, sensação de morte iminente, náuseas e vômitos. E os fatores de risco são: histórico familiar de doença coronariana, idade (a partir dos 60 anos), colesterol e triglicerídeos elevados, hipertensão arterial, obesidade, diabetes, fumo, estresse e sedentarismo. Através destes dados do Ministério da Saúde e com as observações nos campos de estágio o grupo se propôs a realizar a pesquisa na busca de entender como ocorre o atendimento ao paciente em sofrimento cardiovascular na emergência, e de qual forma poderíamos contribuir para a mudança neste atendimento. Levantou-se como questões norteadoras para este estudo: Quanto tempo é gasto para o cliente procurar tratamento na Emergência? Na emergência existe protocolo de atendimento para o IAM? A Equipe de Enfermagem conhece as prioridades para o atendimento ao cliente com suspeita de IAM com ou sem existência de protocolo? Os objetivos da pesquisa são: Verificar o tempo gasto para o cliente procurar tratamento na emergência; Checar a existência de protocolo no atendimento inicial do IAM. Identificar as prioridades no atendimento ao cliente com suspeita de IAM. O presente estudo, inserido na linha de pesquisa O Cuidar no Processo Saúde-doença, tendo como área dominante a Enfermagem no Cuidado ao Cliente Crítico Adulto / Emergência, visa à busca de esclarecimento de ações em enfermagem para proporcionar para sua equipe de emergência, de um modo claro e objetivo, métodos para um atendimento hospitalar melhor e mais seguro ao cliente portador de IAM. Nos dias atuais, em decorrência do grande número de vítimas de IAM é necessária a realização de pesquisas sobre o tema e o contínuo esforço dos profissionais da área de saúde no sentido de reduzir, ainda mais, as taxas de mortalidade deste evento através de um atendimento mais qualificado e eficaz. Diminuição no número da morbi-mortalidade, com consequente redução de gastos durante o tratamento dispensado pelas instituições de saúde gerando uma maior qualidade de vida para o cliente, como também uma menor redução da força de trabalho, o que poderia gerar perdas para a sociedade como um todo. Metodologia A presente pesquisa utilizou método quantitativo o qual considera que tudo pode ser quantificável, ou seja, traduzir em números opiniões e informações para classificá-las e analisá-las. “As análises quantitativas são muito divulgadas e, nesse sentido, sua planificação geralmente necessita de menos explicações que as análises qualitativas” (CONTANDRIOPOULOS, 1994, p.90). 141 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 De acordo com Vergara (2005), na coleta de dados o autor deve informar como pretende obter os dados de que precisa para responder ao problema. Nesta pesquisa foram utilizadas entrevistas com perguntas fechadas, aplicadas aos profissionais e pacientes na emergência de um hospital da Região Serrana do Rio de Janeiro. Segundo Lehfeld (2010), o investigador na pesquisa de campo assume o papel de observador e explorador, coletando diretamente os dados no local (campo) em que se deram ou surgiram os fenômenos. O trabalho de campo se caracteriza pelo contato direto com o fenômeno de estudo. A partir do uso de técnicas como observação, participante ou não participante, entrevistas, questionários, coleta de depoimentos e estudo dos casos, o pesquisador busca as informações sobre o objeto de estudo. Para realização da pesquisa foram utilizadas as bases de dados da BVS, LILACS e Med Line. Foram pesquisados e incluídos artigos e monografias que apresentavam arquivo na íntegra e idioma Português, que contem os descritores: Atendimento médico de emergência; enfermagem de emergência e Infarto Agudo do Miocárdio. A pesquisa foi realizada obedecendo a Resolução 196/96, que garante ao participante da pesquisa o direito à privacidade, ao anonimato, o respeito aos seus hábitos, costumes e crenças, sendo protegido de qualquer preconceito ou estigmatização e, por fim o direito de abandonar a pesquisa no momento em que achar necessário, sem qualquer dano moral ou material, os profissionais e os clientes entrevistados assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido que segue em anexo ao trabalho. A identificação dos profissionais foi feita por códigos; utilizando as iniciais do nome seguido pela categoria profissional, e número sequencial da entrevista, tais como: Enfermeiro – Enf 01; Técnico ou Auxiliar de Enfermagem – TEnf 01; Auxiliar de Enfermagem – AEnf 01; seguido pela data da entrevista e não fazendo distinção de sexo. Quanto aos clientes também foi realizada codificação utilizando as siglas do nome e sobrenome seguido pelo sexo e idade. A coleta de dados foi realizada de forma individual, sendo cada dia um integrante do grupo responsável pela escala diurna e noturna do Hospital. O tempo de pesquisa foi do dia 11/10/2011 ao dia 17/10/2011, o aluno responsável pela entrevista chegava ao hospital no horário de 17 horas até a última coleta do plantão noturno. As entrevistas começaram após a aprovação do comitê de ética da Universidade Estácio de Sá, e de autorização da direção do Hospital. Revisão de Literatura O atendimento inicial da doença aguda se diferencia em diversos aspectos daquele adotado na prática do tratamento não emergencial. A história da doença e os dados referentes ao cliente são limitados, muitas vezes se obtendo a relativa ao atendimento pré-hospitalar. O atendimento emergencial envolve abordagem diagnóstica e tratamento simultâneo, baseados em algoritmos de ressuscitação e na análise de dados do exame físico imediato, especialmente sinais vitais, assim como resultados de exames complementares. 142 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Na admissão, até que se prove o contrário, espera-se que o cliente se apresente instável ou necessitando de medidas de ressuscitação. Estas medidas são parte do Suporte Básico de Vida (BLS – Basic Life Support), determinado pela American Heart Association, em outubro de 2010, que utiliza o CABD (compressões torácicas, via aérea, respiração, desfibrilação) na abordagem inicial do cliente. Associado às medidas iniciais sobrepõem-se as medidas do Suporte Avançado de Vida (ACLS – Advanced Cardiac Life Support). Ambos foram inicialmente desenvolvidos para abordagem de clientes com IAM, com instabilidade ou parada cardiorrespiratória, porém, atualmente é universalmente aplicado na ressuscitação de clientes instáveis, incluindo–se mais recentemente a abordagem à doença aguda não traumática. (MESQUITA, 2003; PROTOCOLO AHA, 2010) “Após a abordagem inicial e estabelecido que não há necessidade de ressuscitação, deve-se obter a queixa principal e a história da doença atual, com atenção especial aos sinais vitais, que são obtidos e/ou monitorados de acordo com a apresentação do paciente, visto que a interpretação dos dados, o diagnóstico e tratamento constituem etapas simultâneas na abordagem emergencial.” (MESQUITA, 2003, p.21). A monitorização eletrocardiográfica é extremamente importante, pois a causa mais comum de morte pós IAM são as arritmias. Com a monitorização efetiva é possível avaliar a frequência e o ritmo cardíacos, podendo identificar os distúrbios arrítmicos. Para complementar os dados da monitorização cardíaca é de suma importância a observação direta ao cliente a beira do leito. Ao realizar o exame físico regular e detalhado deve identificar os primeiros sinais e sintomas de insuficiência ventricular e choque cardiogênico. A monitorização hemodinâmica ocorre por meio da utilização de cateteres que medem as pressões arteriais e venosas. Com esses dados hemodinâmicos é possível avaliar a gravidade do problema e a eficácia do tratamento. A monitorização hemodinâmica invasiva é feita com a utilização do cateter de Swan-Ganz com o qual é possível a mensuração direta de valores como pressão de artéria pulmonar, pressão de capilar pulmonar e débito cardíaco, além de outros parâmetros derivados a partir da obtenção destes dados. Isso torna possível uma melhor avaliação do paciente e ajuste da terapêutica medicamentosa utilizada. (MELTZER, 1997) A fim de que o atendimento ao cliente com IAM seja adequado não basta somente um diagnóstico correto mais também o tratamento deverá ser iniciado o mais rápido possível. Indiscutivelmente, o diagnóstico e o tratamento precoces salvam vidas. Nesse contexto, devemos considerar a terapêutica elétrica das arritmias graves (cardioversão e desfibrilação) e a reperfusão precoce da artéria relacionada ao infarto (trombólise mecânica ou farmacológica). (COELHO, et al, 2005). Para todos os pacientes que apresentem um quadro clínico de IAM com elevação do segmento ST ou Bloqueio Completo do Ramo Esquerdo (presumidamente novo) até 12 horas do início dos sintomas deverão receber a terapêutica trombolítica. A administração da terapêutica trombolítica não deverá ser realizada em caso de contraindicação ao uso da droga ou caso exista a possibilidade da trombólise mecânica primária. A trombólise mecânica não seria indicada caso esta opção resultasse em retardo superior a 90 minutos para dilatação da 143 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 artéria “culpada” pelo IAM, quando comparado ao tempo da administração do trombolítico. (COELHO, et al, 2005). “A finalidade dos trombolíticos é dissolver e lisar o trombo (trombólise) em uma artéria coronária, permitir que o sangue flua novamente através da artéria coronária (reperfusão), minimizar o tamanho do infarto e preservar a função ventricular. O analgésico de escolha para o IAM ainda é o sulfato de morfina, administrado em bolos intravenosos. A morfina não somente reduz a dor e a ansiedade, como também reduz a pré-carga, o que, por sua vez, diminui a carga de trabalho do coração e relaxa os bronquíolos para estimular a oxigenação.” (BRUNNER & SUDDARTH, 2008) A nitroglicerina, um agente vasoativo, é administrada para reduzir o consumo de oxigênio pelo miocárdio, o que diminui a isquemia e alivia a dor. A nitroglicerina dilata principalmente as veias e também as artérias. Ela também ajuda a aumentar o fluxo sanguíneo coronariano por evitar o vasoespasmo e aumentar a perfusão através dos vasos colaterais. (BRUNNER & SUDDARTH, 2008) “Não é necessário fornecer oxigênio suplementar para pacientes sem evidencia de desconforto respiratório, caso a saturação de oxi-hemoglobinas seja ≥ 94%. A morfina é indicada em IAMSST (sem supradesnível de segmento ST)/EAMCSST(supradesnível de segmento ST) quando o desconforto torácico não responde a nitratos.” (PROTOCOLO AHA,2010, p. 18) Segundo o formulário terapêutico nacional a morfina é definida como um analgésico narcótico de escolha para dor intensa, aguda e crônica, dor relacionada ao câncer, adjuvante anestésico ou analgésico pós-operatório, age no SNC e na musculatura lisa em administração IV em 5 a 10 min. No tratamento do IAM inicia-se com dose de 10mg IV, diluída, seguido de doses adicionais de 5 a 10mg, se necessário, até o alívio completo da dor ou surgimento de efeitos tóxicos: hipotensão, depressão respiratória, vômitos (BRASIL, 2008). O diagnóstico de IAM pode ser dificultado, pois dos clientes que realmente apresentam um IAM, apenas a metade tem um eletrocardiograma com alterações clássicas como CSST à admissão e menos da metade dos clientes com IAMSSST apresenta creatinoquinase-MB (CKMB) elevada à admissão. Sendo assim a explicação desses dados o porquê, mesmo em centros de referência, 2 a 3 % de pacientes com IAM são indevidamente liberados da emergência, taxa que pode alcançar valores de até 10 a 20 % em alguns serviços, sendo que destes, 25% apresenta desfecho letal. Diante desses dados de falha terapêutica demonstram uma capacidade de inserir o atendimento da dor torácica no conceito das Unidades de dor Torácica (UDT), nas quais o cliente receberia uma atenção mais direcionada, com condutas normatizadas para o diagnóstico e tratamento. Entretanto, a UDT pode funcionar no mesmo espaço físico da sala de emergência, onde será necessário o treinamento da equipe multiprofissional de saúde nas rotinas estabelecidas. 144 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 A abordagem inicial ao cliente com dor torácica consiste em se definir, através de uma breve história clínica, se o sintoma decorre de uma provável causa cardíaca ou de provável causa não cardíaca. (AGUIAR, 2008) TIPOS DE DOR TORÁCICA CARACTERÍSTICAS Tipo A (dor definitivamente anginosa) Dor torácica cujas características dão a certeza do diagnóstico de Síndrome Coronariana Aguda (SCA), independentemente do resultado dos exames complementares. Tipo B (dor provavelmente anginosa) Dor torácica cujas características sugerem SCA como principal hipótese diagnóstica, porém com necessidade de exames complementares para a confirmação do diagnóstico. Dor torácica cujas características não sugerem SCA como a principal hipótese diagnóstica, porém há necessidade de exames complementares para excluí-la. Dor torácica cujas características não sugerem SCA no diagnóstico diferencial etiológico. Tipo C (dor provavelmente não anginosa) Tipo D (dor definitivamente não anginosa) Fonte: Protocolos clínicos da Cooperclim – IAM: Dor torácica na sala de emergência Segundo Aguiar (2008), pacientes com ECG CSST (supradesnível de segmento ST) e dor torácica tipo A/B são diagnosticados como IAM CSST e devem ser internados preferencialmente em Unidade CORONARIANA (UCO) e tratados conforme rotina específica. Pacientes com ECG SSST (infradesnível ou inversão de T) com dor torácica tipo B/C, ou ainda com ECG inespecífico, porém com dor torácica tipo A/B deve permanecer em observação na Sala de Dor Torácica e submetidos a dosagens de enzimas (CK-MB /CKT) seriadas a cada 3h e ECG 6/6h por 9 às 12h. Neste período, qualquer evidência de necrose miocárdica justifica transferência à UCO. Caso contrário, deve-se utilizar um teste provocativo (teste ergométrico ou cintilografia miocárdica) tardio (após controle da dor), podendo-se considerar alta caso o teste seja negativo ou internação em UCO e cateterismo cardíaco caso positivo para isquemia. Pacientes com ECG inespecífico e dor torácica tipo C tem baixo risco de angina instável, porém, devem seguir protocolo, com tempo de observação menor (6h). Pacientes com dor torácica não isquêmica, mas com suspeita de TEP (Tromboembolismo Pulmonar) ou SATA (Síndromes Aórticas Torácicas Agudas) devem ser internados em UCO e sequenciados conforme protocolos específicos. Pacientes com ECG normal ou inespecífico e dor torácica tipo D podem receber alta do Pronto Socorro com seguimento ambulatorial posterior, excetuando-se, obviamente, os que apresentem outro diagnóstico que necessitem cuidados de urgência. Com base nas manifestações clínicas e dados da avaliação diagnóstica, devem ser realizados os seguintes cuidados de enfermagem em clientes com IAM: 145 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Para o alívio da dor torácica associada ao IAM a administração intravenosa de vasodilatador e terapia anticoagulante é um método aceito. A nitroglicerina e a heparina são os medicamentos de escolha. Os sinais vitais são avaliados com frequência, enquanto o cliente estiver experimentando dor. O oxigênio deve ser administrado em conjunto com a terapia medicamentosa para garantir o alívio da dor. A inalação de oxigênio, mesmo em doses baixas, eleva o nível circulante de oxigênio e reduz a dor associada a baixos níveis de oxigênio circulante. Uma taxa de 2 a 4l/min. é geralmente adequada para manter os níveis de saturação de oxigênio de 96 a 100% quando nenhuma outra doença está presente. o O repouso físico no leito, com a cabeceira elevada, ou em uma cadeira cardíaca ajudará a diminuir o desconforto torácico e a dispneia. A elevação da cabeça é benéfica pelas seguintes razões: o volume corrente melhora por causa da pressão reduzida a partir do conteúdo abdominal sobre o diafragma e, assim gera melhora na expansão pulmonar e da troca gasosa; a drenagem dos lobos superiores dos pulmões melhora e o retorno venoso para o coração diminui, reduzindo seu trabalho. (BRUNNER & SUDDARTH, 2008). Análise de Dados Durante a realização da pesquisa verificamos que a equipe de enfermagem envolvida no atendimento aos clientes com suspeita de IAM na unidade de emergência da instituição é composta por um total de 45 profissionais sendo 08 Enfermeiros, 24 Técnicos em Enfermagem e 13 Auxiliares de Enfermagem e foram entrevistados 39 profissionais sendo 06 Enfermeiros, 22 Técnicos em Enfermagem e 11 Auxiliares de Enfermagem, conforme gráficos 1.1 e 1.2 abaixo: Gráfico 1.1 - Representa o número de profissionais existentes. 146 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Gráfico 1.2 - Representa o número de profissionais entrevistados. Os profissionais da equipe de enfermagem da instituição foram entrevistados com base no Anexo 01 desta pesquisa e após análise dos dados foi possível verificar que a instituição não possui um protocolo instituído e também observar que 27 profissionais da equipe estão cientes da ausência de protocolo enquanto 12 profissionais da equipe desconhecem este fato. Observamos que os técnicos e os auxiliares de enfermagem não recebem treinamento periódico dos enfermeiros, apesar de alguns enfermeiros relatarem conhecer o protocolo AHA de Outubro de 2010 para abordagem inicial do cliente. Dos profissionais entrevistados 34 relataram conhecer os equipamentos/ materiais disponíveis no setor, tais como desfibriladores/cardioversores, monitores multiparâmetros e oxímetro de pulso e apenas 05 relatam não conhecê-los. A realização diária do check list é de extrema importância para um atendimento de emergência eficaz, observamos que é executada por 24 profissionais da equipe enquanto 15 profissionais da equipe reconhecem não realizá-lo diariamente. Para um tratamento eficaz, é necessário reconhecer as ações prioritárias na realização de um atendimento de IAM. Grande parte da equipe de enfermagem possui mais de cinco anos de experiência em atendimento de emergência intra-hospitalar. Durante a entrevista os profissionais enumeraram quais seriam as prioridades no atendimento de cliente com suspeita de IAM conforme demonstra o gráfico 1.3 a seguir: 147 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Gráfico 1.3 - Representa as ações de prioridades relatadas pelos profissionais. Com base nas prioridades supracitadas pela equipe e indicadas no Protocolo AHA de Outubro de 2010 de abordagem inicial do cliente, concluímos que as prioridades para atendimento eficaz seriam: 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. Avaliar nível de consciência; Identificar parada cardiorrespiratória (PCR); Realizar reanimação cardiopulmonar (RCP- compressão/ventilação); Desobstruir vias aéreas superiores (VAS); Ofertar oxigênio; Realizar eletrocardiograma (Monitorização-ECG); Administrar medicações; Promover conforto. Foram realizadas entrevistas com 3 clientes com suspeita de IAM, todos com idade superior a 40 anos, conforme dados dos gráficos a seguir: 148 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Gráfico 1.4 – Quanto ao sexo dos entrevistados. Gráfico 1.5 – Representa a idade dos clientes entrevistados. O tempo de procura do serviço de emergência é um fator importante para o prognóstico do cliente e também foi analisado durante a entrevista. Todos os clientes procuraram o atendimento após duas horas do início dos sintomas. Dos clientes entrevistados 66,6% apresentaram dispneia associada a sintomas como dor precordial e nos membros superiores. Apenas 33,4% dos clientes entrevistados apresentaram dor na mandíbula e sudorese associada a dor precordial. A hipertensão arterial foi observada em 66,6% dos entrevistados e todos estes faziam uso de medicações anti-hipertensivas e acompanhamento médico regular. Considerações Finais Os resultados desta pesquisa evidenciaram que a equipe de enfermagem possui um bom conhecimento teórico/prático, presta uma assistência eficaz, apresenta habilidade em relação ao manuseio dos equipamentos/ materiais como desfibriladores/cardioversores, monitores multiparâmetros e oxímetro de pulso além de reconhecer a importância de checar o funcionamento dos materiais e as condições dos medicamentos antes de assumir um plantão, pois sabe que só obterá êxito no atendimento se adotar esta conduta. 149 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Em relação ao atendimento constatamos que os profissionais de enfermagem do setor de emergência da instituição obtiveram um aproveitamento satisfatório na identificação das ações prioritárias durante o atendimento ao cliente com suspeita de IAM, apesar de não receberem treinamentos periódicos baseados em protocolos todos os profissionais demonstraram reconhecer os sinais de uma parada cardiorrespiratória e como atuar diante deste evento. Consideramos que a assistência de enfermagem poderia ser enriquecida com a realização de treinamentos periódicos. O enfermeiro após receber treinamento pode realizar uma educação continuada com base em protocolos já existentes ou criando protocolos que seriam adequados à realidade da instituição. Poderíamos considerar também a adoção de um modelo de atendimento como o da UDT, visto que não demandaria um maior número de profissionais e nem mesmo mudanças na planta física da instituição, porém contribuiria para uma melhoria da assistência, pois a abordagem ao cliente seria mais direcionada e qualificada, com isso reduzindo possíveis sequelas para o cliente e ainda reduzir o tempo de internação e custos. As informações obtidas na bibliografia foram confirmadas durante a realização da pesquisa, ou seja, os sinais e sintomas apresentados pelos clientes, à prevalência do número de casos do sexo feminino sobre o masculino, a presença de fatores de risco principalmente a hipertensão arterial e a idade e, outro fator que se destacou, foi o tempo de procura do serviço de emergência por parte dos clientes que sempre superou duas horas do início dos sintomas o que poderia reduzir as chances de sucesso no atendimento. O enfermeiro da estratégia de saúde família pode realizar um papel importante na redução do tempo de procura do serviço de saúde, realizando trabalhos de prevenção dentro da sua área de abrangência como palestras e outras atividades que proporcionem a população orientações sobre os cuidados com a alimentação, a realização de atividades físicas regularmente, condições de reconhecer os sintomas característicos de um IAM, a importância em procurar precocemente o serviço de emergência na presença destes visando proporcionar uma melhor qualidade de vida e principalmente a redução da mortalidade. Referências AGUIAR, L.D. TATIANE; Dor Torácica na sala de Emergência., Sd ARAÚJO; L. Thelma; Vivendo infarto: os significados da doença segundo a perspectiva do paciente; Revista Latino- AM.; 742-748; 2003. AVEZUM, Álvaro; Berwanger, Otávio; Guimarães P.Hélio; Piegas,Leopoldo; Aspectos epidemiológicos do infarto agudo do miocárdio no Brasil; São Paulo;2005. 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Tatiana; Tempo de porta- eletrocardiograma: um indicador de eficácia no tratamento do infarto agudo do miocárdio; Porto Alegre; p.120-126; 2009. 152 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Estudos bibliográficos dos benefícios e malefícios dos esteróides anabolizantes derivados da testosterona e sua relação com o uso na estética e no esporte Autor Fábio Huguenin de Oliveira Curso Farmácia Universidade Estácio de Sá Unidade Nova Friburgo Orientador: Alex da Silva Nismachin Resumo Os anabolizantes são drogas sintéticas laboratoriais derivadas do hormônio Testosterona, na qual foram desenvolvidos para o uso em tratamento de diversas doenças que afetam grande parte da população. Contudo, em virtude da crescente valorização do corpo pela sociedade atual, e da euforia de conquista por parte dos atletas, o consumo de substâncias anabolizantes para obtenção de beleza física e melhor desempenho esportivo tem crescimento nos dias atuais. O objetivo do trabalho foi conhecer os principais motivos do consumo de anabolizantes, derivados da Testosterona, além dos principais malefícios causados e os benefícios no tratamento de diversas doenças. Os anabolizantes são usados em diversos tratamentos terapêuticos, obtendo grande sucesso na cura de doenças, porém essas substâncias também geram muitos malefícios a saúde da população, pois o seu uso sem finalidade terapêutica, tem gerado doenças graves como problemas cardiovasculares e tumores diversos. As informações, os dados e as definições foram adquiridos através de pesquisas bibliográficas realizadas em artigos científicos e livros diversos adquiridos sobre o assunto. Portanto o consumo desses esteróides anabolizantes é restrito apenas ao uso em tratamento de doenças, com orientação médica, devido aos prejuízos que eles podem causar a saúde dos indivíduos. Além dos autores dos diversos artigos pesquisados alertarem para os riscos causados pela utilização de anabolizantes sem finalidade terapêutica. Palavras-chave: Anabolizantes. Testosterona. Esteróides. Introdução Os esteróides anabolizantes são drogas sintéticas, que correspondem ao resultado do metabolismo do colesterol, sendo produzidos pelo córtex da glândula adrenal, além dos testículos e ovários. São substâncias que podem ser usadas no tratamento de doenças, no Professor da Universidade Estácio de Sá-Campus Nova Friburgo. 153 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 aumento do desempenho físico ou simplesmente com finalidade estética (SANTOS et al., 2006; FORTUNATO et al., 2007). Derivada do hormônio sexual masculino, a testosterona é a principal substância anabólica, a qual é produzida em nosso organismo com a capacidade de controlar o desenvolvimento normal e o funcionamento das características masculinas, além de regular a manutenção das características anabólicas das células e tecidos (GEBARA et al., 2001). Entretanto, corresponde a um hormônio encontrado também nas mulheres, sendo que em concentrações inferiores. Podem trazer grandes malefícios devido ao seu consumo abusivo (SILVA et al., 2002), sendo que alguns efeitos são reversíveis após a suspensão do mesmo. Porém, alguns efeitos são permanentes, como impotência sexual masculina, câncer no fígado, crescimento da próstata e outros. Contudo, também podem trazer benefícios, sendo indicado no combate a doenças como osteoporose, deficiência de crescimento muscular, câncer de mama entre outros (GIROTRA et al., 2006; SANTOS et al., 2006). Os esteróides anabolizantes foram descobertos e desenvolvidos para inúmeros procedimentos médicos. Atualmente, devido à nova tendência da sociedade em cultivar a beleza e a estética corporal, o consumo de hormônios anabolizantes com finalidade estética e com objetivo de melhorar o desempenho entre atletas de diferentes modalidades do esporte, vem sendo motivos de consumo de anabolizantes sem finalidade terapêutica (IRIART et al., 2008). O uso incorreto de anabolizantes hoje em dia não é exclusividade de atletas. Também são incluídos nesse grupo de risco, os jovens que por sua vez praticam atividades físicas pelo prazer e bem estar. Sua utilização afeta pessoas de diversas classes sociais, o que pode representar um grande problema na saúde pública (IRIART et al., 2002). Atualmente, os anabolizantes são restritamente vendidos, sendo liberados apenas em casos terapêuticos com o emprego de uma prescrição médica (BRASIL, 2000). O objetivo deste estudo é conhecer os principais motivos do consumo de anabolizantes derivados da Testosterona, bem como os principais malefícios do consumo dessas substâncias e os seus benefícios no combate a diversas doenças que afetam grande parte da população. Metodologia O estudo foi realizado através de pesquisas bibliográficas em sítios científicos, como Scielo, Periódicos Capes, Scribd, Hcnet, CEBRID e NEJM.org, na qual não foi utilizado nenhuma delimitação de ano, e utilizando as palavras chaves como anabolizantes, esteróides, testosterona, esteróides anabolizantes, anabolic, testosterone, esteroideos. Para complementação foram realizados estudos em livros adquiridos sobre o tema em questão. A pesquisa foi realizada no período de julho a setembro de 2011. 154 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Resultados e Discussão Histórico dos Hormônios Anabolizantes Antes mesmo do surgimento do conceito dos hormônios, os povos antigos buscavam formas de adquirirem força e coragem para enfrentarem os perigos e desafios da época, sendo assim, alimentavam-se de órgãos de animais, e até mesmo carne humana, na certeza de adquirir essas características, confiando em suas crenças antigas. Já na Idade Média, os povos medievais também utilizavam esses meios na confiança de adquirir a cura de doenças, o aumento do desempenho físico e o retardo do envelhecimento. Em 1889, um estudioso fisiologista francês, desenvolveu uma série de experiências com extrato de testículos em animais da classe dos caninos e suínos, observando variados efeitos como aumento de força muscular e energia mental nesses animais, descrevendo assim, sua descoberta. Porém, na época sua experiência não foi publicada cientificamente, sendo comprovada sua eficácia anos depois, quando foi usada como fundamento para inúmeras experiências até 1930 (SANTOS, 2007). Os esteróides anabolizantes foram desenvolvidos na década de 1930, quando os alemães utilizaram em cachorros e posteriormente na 2ª Guerra Mundial, descobrindo que os efeitos dos esteroides aumentavam a força física, e consequentemente aumentavam também a agressividade dos soldados, nas batalhas, além de serem usadas nos campos de refugiados, no intuído de manter os feridos nutridos. Sendo assim, os alemães foram os primeiros a sintetizarem os esteroides anabolizantes durante a 2ª Guerra Mundial. Após esses eventos históricos, os anabolizantes passaram a serem utilizados pelos atletas em diversos eventos esportivos durante a década de 1950, chegando ao comercio popular uma década depois, sendo utilizados por médicos, em experiências no combate a doenças e por atletas em geral. Atualmente eles são utilizados para diversos objetivos, como combate a diversas doenças, na estética corporal e na melhora de desempenho de atletas em geral (SANTOS et al., 2006; SANTOS, 2007). Os hormônios anabolizantes são produzidos na glândula supra renal ou adrenal, pelos testículos e pelos ovários. O Sistema Nervoso Central (SNC) trabalha em conjunto com o Sistema Endócrino, na regulação dos hormônios corporais, sendo que o SNC controla a liberação dos hormônios pelas glândulas. A função básica dos hormônios é o aumento da velocidade das funções celulares. O córtex da glândula supra renal libera uma grande quantidade de esteróides na corrente sanguínea. Alguns desses esteróides possuem baixa atividade biológica, atuando apenas como precursores. Esses hormônios Esteróides Androgênicos Anabólicos (EAA), mais conhecidos como anabolizantes referem-se ao grupo dos hormônios sexuais masculinos. Porém produzidos em pequena quantidade nas mulheres. (GEBARA et al., 2001; IRIART et al., 2008). As formas farmacêuticas de apresentação dos anabolizantes são diversas, sendo elas spray nasal, creme ou pomada, supositório, selo de fixação na pele, sublinguais, e os mais conhecidos que corresponde a forma injetável e oral. A forma farmacêutica injetável e administrada unicamente por via intramuscular, essa forma é defendida pelos usuários, pois se 155 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 trata de uma forma que não precisa ser digerida pelo organismo, pois já entra direto na corrente sanguínea, sendo escolhida principalmente pelos usuários mais experientes. É usada normalmente, pois varia do tipo de fármaco escolhido, através de um ciclo, na qual as doses em maiores quantidades são aplicadas sucessivamente com intervalos que variam de aproximadamente 30 à 120 dias. Os compostos anabolizantes administrados por via oral acabam sendo os mais comuns, pois a maioria dos interessados não estão dispostos a injetar a droga no corpo, optando assim, pela forma mais prática, que acaba sendo a via oral. Porém essa forma é a mais agressiva ao fígado, pois precisa ser usada varias vezes ao dia, durante o ciclo de uso. Alguns exemplos de anabolizantes de maior porcentagem de consumo correspondem aos esteroides contendo princípio ativo com base de oximetolona, oxandrolona, metandrostenolona e o estanazolol. Já em relação aos injetáveis mais utilizados são os anabolizantes contendo o isoproato de testosterona, o cipionato de testosterona e o decanoato de nandrolona, que por sua vez, corresponde à substância anabólica com maior frequência nos exames de dopagem dos atletas de diferentes modalidades esportivas. Alguns desses princípios ativos são utilizados para tratamento de doenças, sendo ilustrados nas tabelas 1 e 2, sendo a tabela 1 correspondente aos anabolizantes de via oral e os da tabela 2, de via intramuscular (GEBARA et al., 2001; MARQUES et al., 2002; FORTUNATO et al., 2007; SANTOS, 2007). TABELA 1: Alguns anabolizantes de consumo Via oral utilizado com finalidade terapêutica (Fonte: Goodman e Gilman: As Bases Farmacológicas da Terapêutica, 1996). QUADRO 1: Alguns anabolizantes de consumo Via intramuscular utilizado com finalidade terapêutica (Fonte: Goodman e Gilman: As Bases Farmacológicas da Terapêutica, 1996). 156 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Testosterona: principal hormônio anabolizante Dentre as substâncias anabólicas mais importantes encontram-se a testosterona e seus derivados. Na década de 1950, os estudiosos descobriram que essa substância possuía duas atividades opostas, ou seja, a atividade anabólica e a androgênica. A função anabólica está relacionada com a capacidade de formação de tecidos musculares, pois o crescimento do músculo está diretamente ligado à suplementação hormonal adequada, pois a diminuição de hormônios anabólicos causa deficiência muscular (DOURADO et al., 2004). Já as atividades androgênicas, são responsáveis pela feminilidade nos homens, doença conhecida como ginecomastia, além dos efeitos opostos nas mulheres, ou seja, características masculinas. Concluindo assim, que os esteróide anabolizantes utilizados para crescimento muscular, ou com finalidade anabólica, resultavam, também, nos efeitos androgênicos, ou seja, concluíram que as duas atividades da Testosterona estavam interligadas. A partir dessa descoberta, iniciaram-se os estudos para separar as duas funções da substância, não chegando a resultados positivos, pois descobriram que não podiam separar as duas atividades, apenas diminuir os efeitos androgênicos e aumentar os anabólicos, criando, assim, os esteróides anabolizantes sintéticos. Portanto, os esteróides anabolizantes são produtos químicos derivados da Testosterona, que por sua vez, é formada nos testículos e no córtex adrenal, compreendendo as substâncias responsáveis pelo desenvolvimento das características sexuais secundarias, que estão relacionadas a masculinidade no período da adolescência e na maior idade, além da maturação dos espermas, sendo responsáveis também, pelo desenvolvimento e manutenção das funções do sistema reprodutor do organismo humano masculino, porém em mulheres a concentração deste hormônio é muito menor do que observa-se no sexo masculino, possuindo assim maior importância no desenvolvimento das características masculinas. Além dessas atividades da Testosterona no organismo, ela também é responsável pelo processo de biossíntese de proteínas, que por sua vez, leva a aceleração da produção dos músculos, ao aumento das células vermelhas, e a estimulação do metabolismo corporal, causando a perda de 157 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 gordura no organismo, e por fim é responsável pelo desenvolvimento e manutenção das características anabólicas dos tecidos (GEBARA et al., 2001; SANTOS et al.,2006; SANTOS.,2007; CRUZAT et al., 2008). A Testosterona e seus derivados são de extrema importância para a manutenção das funções reprodutivas e sexuais do sexo masculino. Sendo responsáveis, portanto pelas divisões e diferenças sexuais heterogaméticas realizadas dentro do útero materno, no período de gestação. Além do desenvolvimento e das mudanças sexuais secundárias ocorridas no período da puberdade dos jovens. Sendo ainda, responsáveis pela manutenção da vida sexual adulta dos homens, tendo assim, papel decisivo na fertilidade do sexo masculino (FORTUNATO et al., 2007). A síntese da Testosterona é estimulada pelo hormônio luteinizante (LH), que por sua vez é produzida pela glândula Pituitária, mais conhecida como Hipófise, além dos hormônios adrenais, que são estimulados pela ação do hormônio ACTH (adrenocorticotrópico), que estimula os hormônios adrenais, e também aumenta a produção de testosterona no organismo. Com a ação desse hormônio, a molécula de colesterol, que por usa vez é o precursor de todos os hormônios sexuais, é convertida em outro hormônio, chamado Pregnolona, sendo assim, se a concentração de ACTH aumenta no organismo, a Pregnolona também aumenta, levando ao aumento consequente da Testosterona. No final dessa cadeia química, resulta a formação da Testosterona, que sob influência do hormônio LH, é transformada em estrogênios, sendo em uma concentração menor nos homens e maior nas mulheres (SANTOS, 2007). Porém as moléculas da testosterona não possuem efeitos quando utilizadas sozinhas, ou seja, na mesma forma estrutural, sem sofrer nenhuma mudança. Isso ocorre, pois a testosterona em sua forma estrutural inicial esta muito apta a sofrer a metabolização, que corresponde a sua inativação, rapidamente pelo fígado. Portanto, sua estrutura química necessitou sofrer reações de alquilação, para formar esteróides anabolizantes de via oral e sofrer reações de esterificação, para formação de esteróides injetáveis. Essas reações de esterificação contribuem para que a molécula de testosterona ganhe maior consistência, possuindo assim, maior concentração, permanecendo no corpo por maior período de tempo (FORTUNATO et al., 2007). Em relação ao metabolismo, uma parte da testosterona e transformada em metabólitos biologicamente ativos, ou seja, metabólitos que ainda possuem as atividades da molécula inicial, contudo a maioria dos metabólitos formados são inativos, ou não exercem atividades mais no organismo, sendo assim, são excretados pelo sistema renal e vias biliares. Resultando na inativação predominante no fígado, através do metabolismo hepático acelerado, que gera uma baixa biodisponibilidade dos anabolizantes usados por via oral, ou seja, diminui o Tempo de meia vida da substância, que corresponde ao tempo em que a concentração do fármaco permanece ativa no organismo. E por sua vez aumenta o Tempo de meia vida dos anabolizantes injetáveis, usados por via intramuscular (GEBARA et al., 2001). 158 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Motivos do Consumo de Esteróides: Esporte e Estética Os primeiros casos de consumo de substâncias com função estimulante e anabólica no esporte ocorreram na Grécia Antiga em aproximadamente 800 a.C. Eram usadas substâncias como Estricnina, com ação estimulante e cogumelos alucinógenos, para reforçar os músculos antes das competições. Os casos de consumo anabolizantes continuaram nos esportes romanos, onde eram usadas substâncias para aumentar a velocidade dos cavalos e a agressividade dos gladiadores ao lutarem nas arenas. Com o passar dos anos, o consumo de esteróides no esporte só aumentou, com objetivo de melhora de desempenho e aumento de vitórias por parte dos atletas (NETO, 2001). O Comitê Olímpico Internacional (COI) passou a ter controle oficial sobre o uso de substâncias anabólicas no esporte a partir da década de 60, nos Jogos Olímpicos de Inverno, na França. Porém, apenas algumas substâncias estimulantes e narcóticas podiam ser identificadas. Somente na década de 80 que conseguiram unir todos os instrumentos necessários para implantar o exame de detecção de substâncias anabólicas em atletas. Já no século XXI, o controle de dopagem de atletas chegou a um patamar mais elevado, na qual passou a serem diagnosticadas também, as chamadas drogas sociais (cocaína, maconha, entre outras) (NETO, 2001). Portanto, observa-se que a pratica de exercícios físicos e atividades esportivas de competições sempre foram fatores importantes na influência de atletas e jovens ao consumo de anabolizantes. Pois desde o surgimento das disputas e jogos esportivos, os atletas eram induzidos à obrigação de terem resultados positivos e favoráveis, pois os tornariam conhecidos pela população. Com isso, os competidores faziam todos os meios possíveis e impróprios que os ajudassem, a chegar ao objetivo final. Apesar dessas praticas serem antigas, atualmente ainda existe essa ganancia pela fama e destaque, levando muitos atletas a terem seus futuros desperdiçados, pelo uso de meios impróprios, como consumo de anabolizantes no interesse de adquirirem vantagens sobre os adversários, esquecendo-se, porém, que essas praticas, hoje em dia, são extremamente proibidas pelas comissões esportivas existentes. São grandes os prejuízos aos atletas que desrespeitarem as regras, entre as consequências, a mais importante é o fato do atleta ser banido do esporte, não permitindo mais a sua participação em jogos oficias, entre outras consequências (LISE et al., 1999; CASTILHO et al., 2001; ARAUJO et al., 2002; SANTOS, 2007). Um dos hormônios anabólicos mais encontrados nos casos de dopagem de atletas é o Decanoato de Nandrolona, substância derivada da Testosterona, mais precisamente da 19nortestosterona, que é metabolizada no organismo humano, resultando em metabólitos, como a Norandrosterona, que possui maior concentração na urina, possuindo, portanto, maior poder de excreção. É o mais utilizado, pois corresponde um anabolizante de aplicação injetável e de rápido efeito no organismo (MARQUES et al.,2002; SANTOS, 2007). O grande aumento da valorização do corpo, na atual sociedade, percebida pelos meios de comunicação de grande impacto, que estipulam como modelos ideais, os com corpos sarados e altamente musculosos, corresponde alguns dos motivos e formas de incentivos para 159 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 o crescente uso de anabolizantes entre os jovens, com intenção de obterem um rápido crescimento muscular. Até pouco tempo era mais frequente essas intenções por pessoas do sexo feminino, pois sempre foi mais evidente a preocupação das mulheres com a aparência física e sua estética corporal, observados através das propagandas que induziam a obtenção de uma aparência física ideal. Porém, estão cada vez mais frequentes essas preocupações também por parte do sexo masculino, pois a sociedade estipula como aparência ideal para os homens, o corpo físico moldado pelos músculos desenvolvidos, gerando assim uma impressão de obtenção de força física. O alto consumo dessas substâncias entre os jovens e fisiculturistas, que corresponde aos praticantes de exercícios físicos, com pesos, visando à modelagem do corpo através do desenvolvimento da musculatura, tem sido observado e registrado por vários países. (IRIART et al., 2002, NOTO et al., 2002). Porém, esse consumo não está apenas entre os jovens de classe baixa, vem obtendo grande aumento entre os jovens de classe alta, o que já podemos dizer que representa um grave problema para a saúde pública. Além disso, os meios de comunicação têm alertado para consumo dessas substâncias nas academias de musculação, chamando, assim, a atenção para graves efeitos colaterais, decorrentes do seu alto consumo (IRIART et al., 2002; MARQUES et al.,2002). No Brasil, segundo a Lei 9.965 de 27 de abril de 2000, foi restrita a venda de esteróides e substâncias anabolizantes, apenas para casos com finalidade terapêutica, na qual a venda será realizada apenas com receituário devidamente preenchido pelo médico responsável. E qualquer venda sem essas especificações estará, o infrator, sujeito a penalidades. Porém essas substâncias ainda são obtidas a partir de vendas clandestinas, sem controle e sem licença legal e nas próprias academias (BRASIL, 2000; SILVA et al., 2006). Malefícios do Consumo de Anabolizantes Ao pesquisar e desenvolver um medicamento ou produto para saúde os pesquisadores precisam se preocupar com um problema muito grave que pode levar os consumidores e pacientes a sérios problemas de saúde. Esse problema é chamado de efeitos colaterais ou efeitos adversos, que é causado quando o princípio ativo do medicamento consegue se ligar em vários receptores do organismo, ou seja, o medicamento consegue agir em diferentes órgãos do organismo, gerando multiplicidade de reações, causando efeitos que não estavam previsto, ou seja, efeitos inesperados. Além disso, ainda existem os perigos voltados para as consequências das interações medicamentosas, causadas pela interação do medicamento com outros tipos de alimentos ou na utilização de vários medicamentos de diferentes efeitos ao mesmo tempo, que pode resultar na perda do efeito do fármaco, ou ainda pior aumentar a potencia do medicamento no organismo, gerando graves problemas a saúde do paciente. Além dessas causas, os efeitos colaterais também estão relacionados com o uso incorreto do medicamento, que por sua vez esta diretamente relacionada com o fato do individuo no desespero de conseguir alcançar a cura ou o resultado do tratamento, o leva a aumentar as doses sem consultar um profissional, resultando na automedicação. Já em relação aos anabolizantes existem também os riscos dos efeitos negativos causados pela falsificação desses produtos, levando até o individuo um droga que além de não causar os efeitos 160 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 desejados, vai causar efeitos colaterais, prejudiciais a sua saúde (WONG, 2003; FRANCO et al., 2006; VIRELLA, 2008). Portanto, é de extrema importância alertar à população em geral e, principalmente os jovens e os atletas, a respeito dos maléficos do abuso de esteróides anabolizantes. Pois todo medicamento possui um rígido controle desde a sua pesquisa até o consumo do mesmo pelo paciente, com objetivo de impedir os efeitos colaterais ou diminuir os seus danos ao paciente (IRIART et al., 2002). Alguns sintomas são determinantes para identificação de indivíduos que utilização anabolizante de forma não terapêutica, mas com objetivo estético ou esportivo, sendo esses sintomas caracterizados pelo ganho excessivo e rápido do peso corporal, com grande alteração nas partes externas do corpo, sinalizando uma grande hipertrofia corporal, além do aparecimento de grande quantidade de acnes pelo rosto, marcas de agulhas nos músculos do corpo, surgimento da calvície repentina, entre outras características (SANTOS, 2007) Para indicar os malefícios do consumo de esteróides, primeiramente é preciso alertar sobre os perigos das infecções causadas pela transmissão sanguíneas, através do uso de equipamentos não esterificados corretamente. Algumas dessas complicações são: os abscessos cutâneos, acúmulos de substâncias infectadas; infecção pelo vírus do HIV, da Hepatite B e por outros agentes de transmissão parenteral. Além dos traumas locais ocorrentes da má administração desses produtos injetáveis. Ainda não podemos comprovar a relação direta do uso de anabolizante ao infarto de miocárdio, mais o consumo dessas substâncias gera fatores de riscos como dislipidemia, que é a presença anormal de lipídeos no organismo, alterações na coagulação e hipertrofia do músculo miocárdio. Outros efeitos de grande importância, relacionados ao consumo de anabolizantes são: atrofia testicular, na qual o órgão sexual masculino diminui de tamanho, podendo causar a infertilidade; ginecomastia, que corresponde ao crescimento das mamas nos indivíduos do sexo masculino; hipertensão arterial, que compreende a uma das doenças com maior prevalência no mundo moderno, que é o aumento da pressão arterial (PELUSO et al., 2000; IRIART et al.,2002; IRIART et al., 2008; SÁ et al., 2009). Os sintomas normais e diretos como cefaléia, náuseas, tonturas, irritabilidade, acne, febre e aumento dos pêlos corpóreos, infelizmente acabam ficando como sintomas normais, pelos usuários de anabolizantes. Outros sintomas decorrentes do uso de anabolizantes são alterações no desempenho sexual e redução do volume de esperma, no sexo masculino. Muitos indivíduos procuram amigos, parentes e pessoas conhecidas, que possuem algum conhecimento de enfermagem, para administrarem os anabolizantes, como forma de prevenção. Porém, é importante alertar que essas estratégias de prevenção não possuem embasamento cientifico ou são realizadas de forma correta. O uso dessas substâncias também tem sido relacionado a alguns fatores de riscos cardiovasculares, como hipertrofia ventricular, arritmia, trombose, alteração da função do fígado, podendo acarretar doenças como hepatite e hiperplasia, concluindo, portanto, que as causas de óbitos pelo consumo de anabolizantes estão relacionadas, principalmente pelo uso prolongado da droga ou pelo consumo de altas doses, além dos fatores de risco relacionado ao consumo dos anabolizantes, como infarto do 161 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 miocárdio, trombose, tumores, entre outros, levando o indivíduo a morte. É preciso alertar também que o consumo de esteróides por adolescentes e mulheres, mesmo por curto período de tempo, pode ocasionar efeitos colaterais irreversíveis. No sexo feminino esses efeitos compreendem as alterações na menstruação, engrossamento da voz, encolhimento dos seios, aumento da libido, crescimento de cabelos no corpo e aumento do tamanho do clitóris, além do câncer de próstata, nos homens, além de serem responsáveis pela impotência sexual nos homens (LISE et al., 1999; PELUSO et al., 2000; NOTO et al., 2002; SANTOS et al.,2006; SANTOS 2007; IRIART et al., 2008; LUNA et al., 2009; RHODEN et al., 2009; VENÂNCIO, 2010; UNIFESP, 2001). Apesar de serem muitos os malefícios do consumo de anabolizantes, ainda existem os problemas relacionados com a abstinência do uso de esteróides, que correspondem às mudanças psíquicas nos indivíduos consumidores dessas substâncias. Através do uso de longo prazo, os indivíduos começam a sofrer, mudanças comportamentais, que resultam em formas de agir agressivamente, ou momentos de raiva repentina, que para alguns esportistas, são consideras características vantajosas, pois auxiliam aumentando a disposição para o treinamento, permitindo assim, o aumento da carga horária dos treinos, resultando em efeitos esperados imediatos. Porém, adquirindo com isso consequências graves, como perda de amizades, devido à forma agressiva de agir, destruição dos relacionamentos familiares, que por fim, resulta na diminuição da autoestima do individuo, resultando em um problema psicológico ainda maior, que corresponde ao sentimento de depressão, um problema que está relacionado com a maioria dos atletas, pois um bom desempenho atlético, não esta ligado apenas ao consumo de anabolizantes, é preciso uma boa dieta, acompanhamento de um médico nutrólogo, realização de atividades físicas, entre outras. Entretanto, os indivíduos após consumirem essas substâncias, na esperança de adquirirem melhores desempenhos, não observam a necessidade da realização das atividades complementares necessárias ao bom desempenho, confiando que o anabolizante irá funcionar sem essas tarefas. Todavia, quando o indivíduo conclui que o resultado não foi satisfatório, e resultou em prejuízos para sua saúde e para sua vida, como a perda dos amigos e familiares, ele entra no quadro de solidão ou depressão psicológica. Um método preventivo para esse quadro depressivo corresponde em diminuição dos ciclos do consumo, resultando em menores doses e diminuição dos efeitos negativos, e evitando assim, o quadro de depressão psicológica (LISE et al., 1999; PELUSO et al., 2000; SANTOS 2007). Benefícios do consumo de anabolizantes no tratamento de diversas doenças Um dos primeiros casos de uso de anabolizantes para tratamento de doenças ocorreu no período da 2ª Guerra Mundial, na qual eram utilizados os esteróides no tratamento de pacientes com altos riscos de vida, chegando ao estado terminal, relacionados com a debilidade crônica, além do uso para traumatismo, queimaduras e ajudando na recuperação de cirurgias de grandes riscos. Contudo, o uso dessas substâncias começou a ganhar maior aceitação no meio hospitalar a partir da década de 50. E atualmente vem sendo utilizadas em muitos tratamentos médicos, com deficiência de andrógenos, como o hipogonadismo, que 162 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 corresponde à diminuição das funções das gônodas (ovários ou testículos), no crescimento retardado, em casos de micropênis neonatal e em doenças crônicas na concepção hormonal masculina. Essa terapia, constituída por uso de esteróides pode ser utilizada, também, no tratamento da anemia causada por problemas na medula óssea ou em rins, no combate ao câncer de mama avançado, em adolescentes com estatura exagerada, e em casos especiais de obesidade. Em doses por via transdérmica, existem relatos sobre o uso em tratamento de doenças cardiovasculares. Além dessas funções, os órgãos governamentais reguladores das funções das diversas drogas existentes, aprovam, também, como funções primordiais das Esteróides Androgênicos Anabólicos (EAA), o uso para obtenção de aumento de peso corporal de pessoas portadoras da SIDA, em crianças com retardo no desenvolvimento das características secundarias, como por exemplo, engrossamento da voz, além do tratamento, de anemias refratária, devido os anabolizantes aumentarem a eritropoiese, e também no tratamento da insuficiência renal aguda, pois resultam na diminuição da produção de ureia. São usados, também, no tratamento de sarcopenia, que é a perda de massa dos músculos, associada à cirrose alcoólica, doenças que obstrui os pulmões, e pacientes com queimadura grave e combate à fadiga em indivíduos com doenças renais crônicas (LISE et al., 1999; PELUSO et al., 2000; RIBEIRO, 2001; SILVA et al., 2002; FORTUNATO et al., 2007; SANTOS, 2007). O uso de anabolizantes ampliou, ainda mais, as opções terapêuticas, pois estimulam diretamente a formação do tecido ósseo, reduzindo a incidência de fraturas, além do aumento da massa óssea. Porém o único agente anabólico aprovado nos EUA foi a Teriparatida, que tem sido a principal abordagem em pacientes, pois aumenta a densidade óssea, melhora a microarquitetura, e altera o tamanho do osso, reduzindo a ocorrência de fraturas vertebrais e não vertebrais. Esse produto é aprovado para mulheres no período de pós-menopausa e para homens com problema de osteoporose, que apresentam riscos de fraturas (PONTES JR et al., 2003; GIROTRA et al., 2006; LUNA et al., 2009). Os anabolizantes são substâncias que estão diretamente ligadas à saúde da população, sendo no combate a doenças ou auxiliando no desenvolvimento delas. Por se tratar de uma substância química sintética derivada da Testosterona produzida em laboratório, pode-se observar que sua descoberta foi na esperança de combater diversas doenças, sendo que, conforme Santos (2007) explicou, no decorrer das pesquisas foram descobertos os efeitos adversos desses esteróides que, resultavam no desenvolvimento de outras doenças graves a saúde da população. Segundo pesquisas realizadas em Goiânia e Porto Alegre, no Brasil, respectivamente por Araújo et al (2002) e Silva et al (2006), obtém-se que o uso de anabolizantes com objetivo estético tem adquirido grandes proporções. Ao analisar as pesquisas do Araújo et al (2002), observa-se que 34% dos entrevistados, que corresponde a 62 indivíduos do sexo masculino, de um total de 183, consumia substância anabólica com intuído de melhora de desempenho esportivo, ou simplesmente melhora estética. Já a pesquisa de Silva et al (2006) obteve como fator principal para a utilização de anabolizantes a melhora da estética corporal, significando 83% do total dos indivíduos que faziam uso de esteróides, que representavam 11% ou 32 pessoas, do total de 288 entrevistadas, além disso, observou-se que a maioria dos praticantes de musculação, correspondentes a 76% eram indivíduos que já 163 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 haviam cursados ou estavam cursando ensino superior, demostrando que as pessoas tem conhecimento e ciência dos riscos do consumo de substâncias anabólicas. Observa-se que, a valorização ao corpo vem crescendo no meio da sociedade, observadas pelas propagadas induzindo ao corpo físico ideal, formado por músculos desenvolvidos, e pela beleza estética, defendida por Iriart et al (2002) como fator predominante para o aumento desse consumo com finalidade estética, a exigência da população pelo corpo físico ideal, formado pelos músculos desenvolvido, além das propagandas e comercias que induzem e seduzem a população a desejar obter esse corpo físico ideal. Sendo que esses motivos também foram comprovados pelas pesquisas realizadas pelo autor Noto et al (2002). Outro fator determinante para o consumo de anabolizantes é a vontade de adquirir um melhor desempenho nas competições esportivas, por parte dos atletas, que corresponde, conforme pesquisas de Neto (2001), uma prática muito antiga, existente desde o inicio dos jogos olímpico, que veio crescendo em grande percentual na atualidade, sempre utilizado por atletas de diversas modalidades esportivas. Em contra partida os autores Araújo et al (2002) e Castilho et al (2001) alertam as atletas sobre os riscos de consumirem anabolizantes nas práticas esportivas atualmente, devido ao rigoroso e avançado processo de fiscalização, que permite identificar qualquer substância que seja proibida pelas organizações internacionais, gerando ao atleta identificado pelo doping, sérios problemas, sendo como consequência mais grave, a proibição da participação de jogos esportivos. Para comprovar os riscos dos anabolizantes Silva et al (2002) chama a atenção para a restrição do consumo de esteróides apenas para tratamentos terapêuticos, com a retenção do receituário médico, por parte da farmácia, chegando a informar a lei brasileira que restringem essa comercialização, no Brasil, que apesar de serem proibidas por lei, a comercialização sem receituário e consentimento médico, ainda são feitas, segundo Santos et al (2006) e Iriart et al (2002) nas próprias academias ou pela internet. Apesar do consumo dos anabolizantes trazerem benefícios físicos e esportivos aos consumidores, existem os problemas psicológicos e os riscos para saúde, que podem levar os praticantes e consumidores a óbito. Segundo vários autores como: Lise et al (1999), Peluso et al (2000), Santos et al (2006), Santos (2007) e Luna et al (2009), os malefícios dos anabolizantes são variados e de grandes prejuízos a saúde, atuando em diversos órgãos e partes do corpo, dificultando o tratamento, e gerando doenças graves, resultantes de mortes, como problemas cardiovasculares e tumores no fígado. Em confronto direto com os malefícios, além dos benefícios estéticos e no esporte, ainda existe a utilização dos esteróides, derivados da Testosterona, no tratamento de diversas doenças que afetam grande parte da população, que segundo alguns autores como: Ribeiro et al (2001), Silva et al (2002), Pontes Jr et al (2003), Girotra et al (2006), Fortunato et al (2007) entre outros, essa utilização compreende a justificativa para o consumo da substância, pois foi para esse objetivo que os esteróides anabolizantes foram desenvolvidos. Além disso, Silva et al (2002), defendem que os malefícios na maioria das vezes, ocorrem pela negligencias dos 164 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 usuários, pois consomem as substâncias de forma irregular, e em doses elevadas, que por sua vez, geram as diversas doenças já discutidas anteriormente. Considerações Finais Observa-se que, em virtude das novas tendências da sociedade atual, de defender e divulgar em vários meios tecnológicos as novas escolhas por um corpo físico ideal, possuindo os músculos bem desenvolvidos e bem destacados, levaram ao aumento do consumo de esteróides anabolizantes com objetivo estético, pois são os anabolizantes derivados da Testosterona os responsáveis pelo desenvolvimento e crescimento dos músculos, segundo as pesquisas do Girotra et al (2006), Luna et al (2009), entre outros. Além disso, ainda existe o motivo esportivo, pois a vontade de obter melhor desempenho nas atividades e competições esportivas, sempre levou os competidores a usarem diversos métodos para conseguirem obter seus objetivos, o que também resultou como motivo de consumo de anabolizantes, pois essas substâncias auxiliam no desenvolvimento físico, ajudando os atletas nas competições, defendida pelo Neto (2001), como fundamental para o aumento do consumo dessas substâncias. Porém, apesar de resultar em melhores desempenhos esportivos, esse consumo é proibido pelas organizações esportivas, pois são consideradas formas ilegais de competição, gerando consequências graves aos praticantes que a consumirem antes dos jogos esportivos (CASTILHO et al., 2001; ARAUJO et al., 2002) Em contra partida, nota-se que apesar das vantagens estéticas e esportivas serem de grande aceitação pela sociedade, os malefícios do consumo desses anabolizantes são prejudiciais à saúde dos consumidores, podendo levá-los a morte, pois são responsáveis por causarem doenças cardiovasculares e tumores no fígado, entre outros perigos. Portanto, conclui-se que, apesar das doenças causadas pelos anabolizantes serem muitas, existe a forma benéfica para o uso desses esteróides, como por exemplo, no tratamento de diversas doenças que tem afetado grande parte da população mundial, sendo algumas dessas doenças a osteoporose e o déficit no crescimento muscular. E por isso o uso dos anabolizantes é restrito apenas aos casos terapêuticos, na qual ainda não existem outras alternativas, pois os riscos do consumo são grandes e suas consequências catastróficas, conforme foi relatado e defendido pelos diversos autores mencionados anteriormente. Referências ARAUJO L.R; ANDREOLO J; SILVA M.S; Utilização de suplemento alimentar e anabolizante por praticantes de musculação nas academias de Goiânia-GO; Rev. Bras. Ciên. e Mov; v. 10 n 3; p 13-18. BRASIL. Lei no 9.965, de 27 de Abril de 2000. Restringe a venda de esteróides ou peptídeos anabolizantes e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF. Seção 1; 28 de abril de 2000; p 1.7. 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Sabe-se que a disfunção endotelial é a maior causa dos quadros de disfunção erétil, que por meio de alterações à nível endotelial dá-se início a processos ateroscleróticos e inflamatórios, diminuição da formação de óxido nítrico. Os tratamentos para a disfunção erétil englobam as técnicas cirúrgicas de colocação de próteses penianas, autoinjeção de substâncias vasodilatadoras e músculo-relaxadoras até aos tratamentos orais, que constituem a maior parte da terapêutica. Dentro da terapêutica oral encontram-se os medicamentos inibidores da enzima Fosfodiesterase - 5, que é a responsável pela linearização do GMP cíclico, como o sildenafil, tadalafil, vardenafil, carbonato de lodenafila, estes alcançam ótimo resultado, conforto ao paciente e melhoria da qualidade de vida do indivíduo. Palavras-chave: Disfunção erétil. Sildenafil. Tadalafil. Vardenafil. Carbonato de lodenafila. Introdução Caracteriza-se como disfunção erétil a incapacidade de obter e/ou manter uma ereção suficiente para que haja um desempenho sexual satisfatório (FREITAS et al., 2008; MATHEUS et al., 2009; LAYDNER et al., 2009). Uma preocupação concernente da atualidade é o uso de medicamentos para disfunção erétil por homens jovens que não sofrem de disfunção erétil, uso recreativo. Em um estudo realizado na cidade de São Paulo - SP - Brasil, 14,7% dos jovens entrevistados já haviam Professor da Universidade Estácio de Sá-Campus Nova Friburgo. 168 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 usado algum desses medicamentos, onde na maioria das vezes por curiosidade, para que houvesse potencialização da ereção, contra ejaculação precoce e para aumentar o prazer (FREITAS et al., 2008). Atualmente, a disfunção erétil é considerada inicialmente como uma alteração a nível cardiovascular, agindo por muitas das vezes como um marcador de doenças cardiovasculares (LAYDNER et al., 2009). As causas da disfunção erétil podem ser divididas em orgânicas, que possuem origem vasculogênica, neurogênica, endócrina; e causas psicogênicas, que estão relacionadas ao estresse emocional, coerção sexual, problemas de relacionamento, depressão. Na avaliação clínica do indivíduo com disfunção erétil, deve-se levar em conta o histórico do paciente, exames físicos, exames laboratoriais de nível sérico de testosterona, glicemia e lipídios, e a avaliação psicológica desse paciente (MATHEUS et al., 2009). Porém, nos dias de hoje se conhece que a disfunção endotelial é etiologia de maior ocorrência na disfunção erétil, caracterizando-se como alterações a nível de endotélio, capazes de promover doenças ateroscleróticas e cardiovasculares, danificando o endotélio (COSTA ; VENDEIRA, 2007). Essa aterosclerose pode ser iniciada por processos inflamatórios e estresse oxidativo, modificando a função plaquetária e o estado contrátil e proliferativo das células musculares lisas vasculares, alterando, então, a vasodilatação mediada pelo endotélio, que é importante na ereção. Na disfunção erétil encontram-se então, uma série de marcadores inflamatórios aumentados. Ocorrendo também formação diminuída de óxido nítrico (NO), diminuição de células precursoras da medula óssea que reparam as células endoteliais no sangue periférico (LAYDNER et al., 2009). A integridade endotelial cavernosa é importantíssima para a ocorrência de ereção. Para tal, mecanismos de vasculoproteção são acionados, chamados de mecanismos de angiogênese (proliferação e migração de células endoteliais adjacentes até o local afetado para repará-lo) e vasculogênese (as células progenitoras endoteliais vão para os locais de neoagiogênese, se diferenciando e regenerando o endotélio). Na disfunção erétil, esses mecanismos estão desajustados. O Fator de Crescimento do Endotélio Vascular (VEGF), que media esse processo, está alterado no corpo cavernoso. Os Inibidores de Fosfodiasterase – 5 (PDE-5) fazem uma indução do recrutamento das células progenitoras, ocorrendo a vasculoproteção (COSTA ; VENDEIRA, 2007). Porém, a disfunção erétil nem sempre esta ligada à doenças cardiovasculares (LAYDNER et al., 2009). Em indivíduos que necessitam de hemodiálise, e por conta disso, acabam por desenvolver algum tipo de disfunção gonodal, hiperprolactinemia, deficiência de zinco, iodo, manganês e anemia, também podem desenvolver disfunção erétil (SANTOS et al., 2008). Em indivíduos que necessitam de antipsicóticos, como os que sofrem de esquizofrenia, a taxa de disfunção sexual (entre ela a disfunção erétil) pode chegar à 60%, devido ao efeito 169 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 produzido pelos antipsicóticos, contra 30% dos homens em geral que desenvolvem algum tipo de disfunção sexual (NUNES et al., 2008) A disfunção sexual está ligada à diminuição da qualidade de vida, decréscimo na formação de relacionamentos (problemas sociais que levam à dificuldades de interpessoais) e redução da intimidade (NUNES et al., 2008; SANTOS et al., 2008). Dentre os tratamentos medicamentosos, citam-se os Inibidores de Fosfodiasterase – 5, (PDE-5) (sildenafil, tadalafil, vardenafil), que compreendem a terapia de maior sucesso (FREITAS et al., 2008; MATHEUS et al., 2009). A avaliação psicológica, injeções intracavernosas, e próteses penianas, também constituem tratamentos contra a disfunção erétil (MATHEUS et al., 2009). O objetivo desse trabalho é realizar uma revisão da literatura referente às questões relacionadas à disfunção erétil como, sua etiologia, problemas posteriores trazidos aos indivíduos que sofrem de tal doença e tratamentos mais utilizados, ressaltando o uso de inibidores de PDE-5. Metodologia Essa revisão foi feita através de artigos específicos disponibilizados na internet, em sites como Scielo, Bireme, Biblioteca Virtual da Saúde, LILACS e revistas especializadas na área que tange tal revisão, pesquisadas também na internet. Para que a pesquisa fosse realizada, utilizou-se de palavras-chave como disfunção erétil, sildenafil, tadalafil, vardenafil, carbonato de lodenafila, pênis. Não houve delimitação do ano de publicação dos artigos, e a pesquise se deu de 10 de Janeiro de 2011 à 8 de Setembro de 2011. Desenvolvimento Anátomofisiologia Peniana O aparelho genital masculino (figura 1) funciona tanto como órgão copulador como órgão excretor (BARROS et al., 2005; ANDRADE, 2010; FARIA et al., 2005), compreendendo as seguintes estruturas: próstata, vesículas seminais, ductos ejaculatórios, glândulas bulbouretrais, pênis, testículos, epidídimo e ductos deferentes, porém nem todas as estruturas funcionam como estruturas excretoras (BARROS et al., 2005). O pênis em si é dividido em três partes, raiz, corpo e glande (FARIA et al., 2005) e é nutrido pela artéria pudenda interna e drenado pela veia dorsal profunda. No corpo do pênis encontram-se os corpos cavernosos e corpo esponjoso, ambos, são envolvidos pela fáscia de Buck, e por uma pele glabra. Ao momento em que a pele se estende sobre a glande, forma-se o prepúcio. Os corpos cavernosos ficam situados logo acima da sínfise púbica, onde por um septo incompleto posiciona-os lado a lado (BARROS et al., 2005; FARIA et al., 2005). Os corpos cavernosos dividem com o corpo esponjoso uma estrutura trabecular, constituída de 170 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 fibras elásticas e colágenas, além do músculo liso, formando inúmeros espaços vasculares (sinusóides), e possuem o músculo liso como componente primordial para a contração e relaxamento do corpo cavernoso, responsável pela manutenção da ereção e aumento da pressão intra-cavernosa. Já o corpo esponjoso fica localizado ventralmente (ANDRADE, 2010), dilatando-se terminalmente formando a glande peniana (BARROS et al., 2005, ANDRADE, 2010). A uretra atravessa todo o espaço perineal, o corpo esponjoso e glande, desembocando no externo da uretra (BARROS et al., 2005). Histologicamente, os corpos cavernosos (tecido erétil) são constituídos de fibras do sistema elástico, fibras colágenas, músculo liso, artérias e veias, que são envolvidos pela túnica albugínea (BARROS et al., 2005). A drenagem linfática peniana, dá-se para os linfonodos inguinais superficiais e profundos, e daí para os linfonodos ilíacos externos (ANDRADE, 2010; FARIA et al., 2005). A sensibilidade é conferida pelos nervos dorsais, que compreende o ramo terminal do nervo pudendo (FARIA et al., 2005) que também suprirão a glande (BARROS et al., 2005). Figura 1. Anátomofisiologia peniana. (http://www.promen.com.br/saiba-mais/disfuncao-eretil%5Bde%5D). Ereção O processo de ereção (tumescência) ocorre devido à estimulação do tecido erétil peniano, que no estado de flacidez, os músculos lisos encontram-se tonicamente contraídos devido à ativação simpática (ANDRADE, 2010; FARIA et al., 2005). A partir do instante que há uma estimulação sexual, ocorre a liberação de neurotransmissores (NO), nos terminais cavernosos parassimpáticos (ANDRADE, 2010; FARIA et al., 2005; BARROS et al., 2005), esse processo de relaxamento resulta na dilatação das arteríolas e artérias, o sangue que chega no tecido erétil em expansão é aprisionado, o plexo venular da subtúnica é comprimido, de 171 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 forma a reduzir o fluxo da saída venoso, e a túnica é estirada até cobrir as veias emissárias, reduzindo o fluxo de saída venoso (BARROS et al., 2005; FARIA et al., 2005). Podem ser divididas ainda em ereções reflexogênicas (quando a ereção é oriunda de estímulos locais no órgão genital) e psicogênica (estímulo psicogênicos de origem central) (MOURA; CERESÉR, 2002) A inervação feita pelos nervos cavernosos fazem com que haja a inervação autônoma, simpática e parassimpática vinda do plexo pélvico (FARIA et al., 2005) Inicialmente ocorre o aumento momentâneo da pressão intra-corporal (início da contração da musculatura lisa contra um sistema venoso fechado), lenta diminuição da pressão (reabertura lenta dos canais venosos com a retomada do fluxo de saída venoso) e, por fim, ocorre uma diminuição rápida da pressão, com o restabelecimento da capacidade venosa (figura 2) (BARROS et al., 2005). O corpo esponjoso não fica tão rígido como os corpos cavernosos, pois a bainha que o envolve é mais elástica, evitando a compressão exagerada da uretra esponjosa (ANDRADE, 2010). A resposta simpática é a responsável pela ejaculação, esta é uma resposta involuntária (ANDRADE, 2010). A detumescência peniana é oriunda da reativação do tônus parassimpático (adrenérgico), resultando na contração da musculatura lisa das artérias helicinais e trabéculas, levando a redução do fluxo arterial e os espaços lacunares entram em colapso, descomprimindo as vênulas subalbugíneas, aumentando a saída do sangue venoso, dessa forma o pênis volta ao estado de flacidez (MOURA; CERESÉR, 2002). A observação das alterações existentes no pênis em seu estado de contração e relaxamento auxiliam na vislumbração do fluxo sanguíneo que interfere na situação de ereção peniana (GIAMI et al., 2009). Fatores como a obesidade, cardiopatias podem interferir no desejo sexual, ereção e ejaculação, dessa maneira diminuindo a satisfação (SOUZA et al., 2011). 172 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Figura 2. Mecanismo de ereção. (http://www.cabuloso.xpg.com.br/Anatomia-Humana/SistemaReprodutor/Viagra.htm) Bioquímica da ereção A ereção compreende um processo neurovascular controlado hormonalmente, que regula a vasodilatação arterial, relaxamento da musculatura lisa e mecanismos venoclusivos (RODRIGUES et al., 2010) representando um processo não colinérgico e não adrenérgico, onde o Óxido Nítrico (NO) (figura 3) atua como principal mediador (MOURA; CERESÉR, 2002). Um estímulo de cunho erótico é percebido por algum dos cinco sentidos e este estímulo é processado no hipotálamo. O hipotálamo inibe o tônus simpático acarretando em um aumento do tônus parassimpático e liberação de NO (NEVES et al., 2004). A conversão da L-arginina em L- citrulina dá origem ao NO, que por ação da enzima óxido nítrico-sintase (NOS) libera o NO. O NO induz ao relaxamento das fibras musculares do corpo cavernoso. O relaxamento das fibras musculares do corpo cavernoso pode não vir via óxido nítrico-sintase, mas de origem neuronal e endotelial, onde por essa via o NO ativa a enxima guanilato-ciclase citosólica que sintetiza a enzima guanosina monofosfato-ciclase (GMPc) como segundo mensageiro. O GMPc espalha-se pelas células lisas trabeculares e induz ao relaxamento celular pela redução dos níveis intracelulares de cálcio (MOURA; CERESÉR, 2002; NEVES et al., 2004). 173 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 As fosfodiesterases (PDE), principalmente a fosfodiesterase 5 que se encontra no corpo cavernoso, são enzimas responsáveis pela linearização do GMPc, inativando-o. Ao momento que essa inativação ocorre, não há mais o relaxamento do corpo cavernoso (MOURA; CERESÉR, 2002). Figura 3. Ciclo da ereção. (JESUS; DEKERMACHER, 2009) Porém a inervação peniana acontece por três vias: adrenérgica, colinérgica e nãoadrenérgica e não-colinérgica, esta última é a responsável pela liberação de outros mediadores que levam ao relaxamento da musculatura lisa do pênis. O peptídeo vasoativo intestinal, substância P, purinas, aminoácidos descarboxilados, prostaglandinas, bradicinina fatores endoteliais são alguns dos mediadores liberados pela via não-adrenérgica e não-colinérgica (NEVES et al., 2004). Disfunção Erétil Disfunção erétil, anteriormente chamada de impotência sexual, tratada como uma desordem psicossexual, ligada à perda da virilidade / masculinidade do homem, relacionada com a infertilidade masculina (GIAMI et al., 2009; MOURA; CERESÉR, 2002), que desde meados do século XIX interessava aos médicos, psiquiatras e, no início do século XX gerou interesse aos psicanalistas GIAMI et al., 2009). Chama-se de disfunção erétil a incapacidade do homem em ter e/ou manter uma ereção peniana suficiente para que ocorra uma relação sexual completa e satisfatória (RODRIGUES et al., 2010; GIAMI et al., 2009), com a gravidade medida pelo índice de recorrência do aparecimento da perda da rigidez peniana, permanente ou temporária (GIAMI et al., 2009), podendo ser dividida em impotência mínima, moderada e grave (JÚNIOR et al., 1992), não 174 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 constituindo uma patologia ou síndrome, mas uma manifestação sintomatológica de outras patologias (MOURA; CERESÉR, 2002), podendo indicar uma vasculopatia de pequeno calibre, incluindo eventos coronarianos (RODRIGUES et al., 2010). A disfunção erétil (DE) deve ser entendida atualmente como um problema de saúde pública, devido a sua relativa alta prevalência na população masculina e de alterações emocionais e psicossociais que corroboram para a piora dos casos (ABDO et al., 2006; RODRIGUES et al., 2010). Conhece-se que a disfunção erétil é capaz de causar impactos negativos sobre a vida do indivíduo que a desenvolve, impacto tanto na vida familiar, social e econômica (MOURA; CERESÉR, 2002), e que a baixa auto-estima, problemas no relacionamento com a parceira, filhos e amigos, problemas no trabalho são algumas das situações recorrentes em homens com disfunção erétil, observando que o número de relações sexuais desse grupo é menor que no grupo de homens que não sofrem de nenhum tipo de disfunção erétil (ABDO et al., 2006). É visto também que um adulto com algum tipo de disfunção sexual teve deficiências no que tange a formação sexual quando criança e que um início de vida sexual traumático pode levar à disfunção erétil, uma vez que essa situação pode alterar a auto-estima do adulto em formação, abalando os vínculos emocionais (ABDO et al., 2006). A insatisfação com a qualidade de vida (desemprego, falta de comunicação e vínculos com a parceira) e algum tipo de disfunção sexual (ejaculação precoce e diminuição da libido, por exemplo), podem decorrer para uma disfunção erétil (RODRIGUES et al., 2010; ABDO et al., 2006). Quanto à etiologia da disfunção erétil, podem ser classificadas basicamente em orgânicas (responsáveis pelo maior número de casos) (JÚNIOR et al., 1992; GIAMI et al., 2009); psíquicas / psicológicas e ainda causas mistas (JÚNIOR et al.; 1992; MOURA; CERESÉR, 2002). As causas orgânicas compreendem os eventos relacionados as alterações á nível vascular, traumatismos físicos e acidentes, infecções, idade, cirurgias e medicamentos. Já as causas psíquicas compreendem as situações de nervosismo, medo, estresse, ansiedade, timidez, insegurança, algum tipo de bloqueio mental ou comportamental (JÚNIOR et al., 1992). Em um estudo com 25 homens com lúpus eritematoso sistêmico (doença auto-imune que ocorre, normalmente, durante o período reprodutivo) comparados a 25 homens saudáveis, viu-se que a idade média dos pacientes era de 26 anos, nos pacientes com lúpus a incidência de disfunção erétil era maior, as alterações gonodais também eram em maior número e nos pacientes com lúpus do que nos pacientes saudáveis. Discute-se que devido aos medicamentos utilizados no tratamento da doença (medicamentos imunossupressores e corticóides) podem levar ao hipogonadismo, daí às alterações decorrentes desta complicação (SILVA et al., 2009). 175 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 As causas de origem mista compreendem a junção das causas orgânicas e psíquicas (JÚNIOR et al.; MOURA; CERESÉR, 2002). Porém fatores de risco como diabetes mellitus, hipertensão arterial sistêmica, doença vascular periférica, hipercolesterolemia, baixos níveis de lipoproteínas de alta densidade, hiperlipidemia, drogas, fármacos utilizados em uso crônico, doenças neurológicas, alcoolismo, tabagismo, insuficiência renal, infarto do miocárdio, neoplasias, obesidade, hipoandrogenismo (MOURA; CERESÉR, 2002) e depressão podem acarretar na disfunção erétil (GIAMI et al., 2009). Porém a prática de exercícios físicos, redução do tabagismo e o controle do peso são alterações na vida do indivíduo que, melhoram a qualidade de vida à nível cardiovascular e como visto, ajudam a evitar e/ou como tratamento adjunto para àqueles que sofrem de disfunção erétil (RODRIGUES et al., 2010). É importante ressaltar que o relaxamento inadequado do tecido cavernoso leva a uma diminuição do indivíduo em obter uma ereção completa, levando à disfunção venoclusiva, esta que possui uma grande gama de etiologias, desde eventos histopatológicos da musculatura cavernosa e das veias, resultando em uma retenção sanguínea ineficaz (MOURA; CERESÉR, 2002). Em estudo realizado com aplicação de questionários em 2.862 indivíduos transeuntes de ruas e outros locais de lazer, foi observado que a amostra acoplava uma idade média de 37,6 ± 13,6 anos (p < 0,01). Foi visto que a prevalência de DE aumentava conforme a idade (GIAMI et al., 2009). Baixa auto-estima, problemas no relacionamento com a parceira, filhos e amigos, problemas no trabalho são algumas das situações recorrentes em homens com disfunção erétil, observando que o número de relações sexuais desse grupo é menor que no grupo de homens que não sofrem de nenhum tipo de disfunção erétil. É visto que um adulto com algum tipo de disfunção sexual teve deficiências no que tange a formação sexual quando criança. Um início de vida sexual traumático pode levar à disfunção erétil, uma vez que essa situação pode alterar a auto-estima do adulto em formação. A insatisfação com a qualidade de vida (desemprego, falta de comunicação e vínculos com a parceira) e algum tipo de disfunção sexual (ejaculação precoce e diminuição da libido, por exemplo), podem decorrer para uma disfunção erétil. Homens com disfunção erétil costumam ter seus vínculos emocionais abalados, levando a estes, na tentativa de solucionar o problema, buscar relações extraconjugais. É possível observar que indivíduos com algum tipo de cardiopatia e hipertensão arterial sistêmica, possuem uma elevada probabilidade de desenvolverem a disfunção erétil, devido ao comprometimento do sistema cardiovascular (ABDO et al., 2006). 176 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Diagnóstico A atividade sexual é uma atividade física e pode-se mensurar seu gasto energético, que é maior na fase do orgasmo, devido ao aumento do consumo de oxigênio, pode ser dividida em fase de excitação, platô, orgasmo e resolução. Como, normalmente, se trata de as respostas metabólicas e cardiovasculares da atividade sexual estão relacionadas mais à fase de excitação do que ao esforço físico propriamente dito (SOUZA et al., 2011). Alterações da fisiologia gênito-urinária ocorrem com o processo de envelhecimento. Dessa maneira, os homens passam a ter menos ereções espontâneas e para que uma ereção completa ocorra é necessário maior estimulação (SOUZA et al., 2011). A obesidade interfere no desejo sexual, ereção e ejaculação, dessa maneira diminuindo a satisfação. A prática de exercícios físicos reduzem a probabilidade de indivíduos apresentarem disfunção erétil, uma vez que melhoram a saúde cardiovascular do paciente (SOUZA et al., 2011). Para diagnosticar uma situação de disfunção erétil deve-se levantar o histórico médico do indivíduo, incluindo o histórico sexual (início do problema e tratamentos já tentados), histórico emocional, qualidade das ereções, alterações relacionadas às ejaculações e orgasmos, mesclando com uma avaliação psicológica bem realizada, levantando os antecedentes psiquiátricos dos pacientes (MATHEUS et al., 2009; RODRIGUES et al., 1992). Deve-se proceder com uma investigação urogenital para eliminação, ou não, de outras afecções. Dentre os exames urogenitais, busca-se identificar se há ocorrência de curvatura peniana anormal, presença de placas de fibrose peniana, alterações prostáticas e do tônus anal, entre outras alterações, e com um exame geral pode-se visualizar se há alterações sistêmicas capazes de promover a disfunção erétil, dentre elas citam-se a hipertensão arterial sistêmica, alterações tireoidianas, hipogonadismo (RODRIGUES et al., 1992). Com o aumento da idade, a deficiência androgênica pode acometer os homens. Sintomas como indisposição para o trabalho, estados depressivos, irritabilidade, redução da libido podem indicar a disfunção androgênica do envelhecimento masculino, nestes casos o médico urologista pode iniciar a terapia de reposição hormonal. Para esse diagnóstico, pode-se utilizar de exames laboratoriais, não só para auxiliar no diagnóstico mas também no tratamento do paciente. Nestes exames buscam-se alterações à nível de glicemia, dislipidemia, alterações hormonais tais como concentrações inadequadas de testosterona livre, testosterona total e testosterona ligada à SHBG, nível de TSH, T3 e T4. Já indivíduos com alguns fatores físicos como curvatura peniana, Peyronie, fatores hormonais como alterações endócrinas, pacientes com histórico de trauma, cirurgia pélvica iatrogênica (que podem levar ao indivíduo à cirurgia de revascularização peniana) necessitam, muitas vezes de exames laboratoriais específicos (RODRIGUES et al., 2010). 177 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Tratamento Como qualquer outra terapia farmacológica, o tratamento para a disfunção erétil busca encontrar bons resultados com o menor número possível de alterações biológicas resultantes dessa terapia, aumentando dessa forma a eficácia do tratamento e a qualidade de vida do indivíduo (NEVES et al., 2004). Complementando esta ideia sabe-se que a prática de exercícios físicos reduzem a probabilidade de indivíduos apresentarem disfunção erétil, uma vez que melhoram a saúde cardiovascular do paciente (SOUZA et al., 2011). O tratamento da disfunção erétil pode ser dividido em três linhas diferentes. Tratamento de Primeira Linha O tratamento chamado de Primeira Linha compreende a terapêutica oral utilizando os inibidores da enzima Fosfodiesterase – 5 (PDE-5), com sucesso em cerca de 80%, não importando qual a etiologia da disfunção erétil. Esses inibidores não permitem que a enzima PDE-5 linearize o GMP cíclico, dessa forma o tempo de relaxamento muscular principalmente no corpo cavernoso é aumentado, fato tal que também aumenta o influxo de sangue levando à ereção (SILVA et al, 2010; CLARO; SROUGI, 2003). Cabe salientar que os inibidores da PDE-5 devem ser utilizados na existência do desejo sexual (ABDO et al., 2007). Os inibidores da PDE-5 possuem uma atividade vasodilatadora, porém, quando utilizados em sua janela terapêutica não são capazes de provocar hipotensão significativa (SILVA et al., 2010). Sensações como cefaléia, rubor facial, epigastralgia e congestão nasal são alguns dos efeitos colaterais mais comuns que podem aparecer aos usuários de inibidores de PDE-5, sem alterações significativas sobre a pressão arterial sistólica e diastólica e tampouco na função cardíaca. Seu metabolismo se dá pelo citocromo CYP 3A4, fármacos como o cetoconazol, inibidores da protease desativam esta via de metabolização, dessa maneira aumentam as concentrações séricas dos inibidores de PDE-5, já drogas indutoras enzimáticas como a rifampicina, promove uma redução das concentrações plasmáticas dos inibidores. Com relação às interações medicamentosas, não deve-se fazer uso dos inibidores de PDE-5 concomitantemente com alfabloqueadores, devido ao efeito hipotensor gerado, e não devem ser utilizados juntamente com nitratos, devido à sensibilidade dos inibidores frente aos nitratos (ABDO et al., 2007). Silva e colaboradores (2010) realizaram um estudo buscando averiguar a inter-relação do álcool em relação aos inibidores de PDE-5. Foi visto que o álcool possui ação vasodilatadora, interferindo diretamente no sistema do óxido nítrico, leva ao aumento momentâneo a pressão arterial com posterior queda desta. Quando consumido em grandes quantidades, sua ação inicial representada pela euforia, passa à sedação, deprimindo o sistema nervoso central. Quando esta situação ocorre, o homem sente dificuldades em ter ou manter 178 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 uma ereção. Foi observado o não foi observado sinergismo entre o álcool e os inibidores de PDE-5 capaz de causar um efeito clínico exagerado. Sildenafil O primeiro inibidor de PDE-5 conhecido foi o citrato de sildenafil (figura 4), quimicamente chamado de 1-[[3-(6,7-diidro-1-metil-7-oxo-3-propil-1H-pirazol-[4,3 d]pirimidin-5-il)-4-etóxifenil]sulfonil]-4-metilpiperazina (WEINERT et al., 2008) possuindo sua meia-vida curta. O citrato de sildenafil é eficaz no tratamento de disfunção erétil, independente de sua etiologia, levando a um aumento da auto-estima e satisfação do homem, além de promover uma melhora significativa nos casos de ejaculação precoce (CLARO; SROUGI, 2003; WANNMACHER, 2006; STEIN; HOHMANN 2006; DEBUSK et al., 2000). Figura 4. Estrutura química do citrato de sildenafil. (http://en.wikipedia.org/wiki/File:Sildenafil.png). Vardenafil Porém novos inibidores foram lançados, inibidores estes mais específicos, como o vardenafil (figura 5) (4-[2-etoxi-5-(4-etilpiperazina-1-il)sulfonil-fenil]-9-metil-7-propil3,5,6,8-tetrazabiciclo[4.3.0]nona-3,7,9-trien-2-ona), que pode ser ingerido meia hora antes da relação sexual e seu efeito pode perdurar por até mais de sete horas após a sua ingestão (CLARO; SROUGI, 2003). 179 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Figura 5. Estrutura química do vardenafil. (http://en.wikipedia.org/wiki/File:Vardenafil.svg). Tadalafil Um outro inibidor bastante conhecido, que fora lançado após o advento do sildenafil, é o tadalafil (figura 6) ((6R-trans)-6-(1,3-benzodioxol-5-yl)- 2,3,6,7,12,12a-hexahidro-2-metilpirazino [1', 2':1,6] pirido[3,4-b]indol-1,4-diona), que também pode ser ingerido cerca de meia hora antes da relação sexual, porém possui uma meia-vida longa (cerca de 17,5 horas), seus resultados podem chegar até 48 horas. A especificidade dos inibidores de PDE-5 mais modernos trazem mais segurança e conforto ao paciente que necessita do seu uso (CLARO; SROUGI, 2003). Com relação aos efeitos colaterais, tem-se que a dor lombar e mialgia são os mais comuns (ABDO et al., 2007). Figura 6. Estrutura química do tadalafil. (http://en.wikipedia.org/wiki/File:Tadalafil_skeletal.svg). 180 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Carbonato de Lodenafila O carbonato de lodenafila (figura 7) (bis-(2-{4-[4-etóxi-3-(1-metil(-7-oxo-3-propil-6,7diidro-1H-pirazol[4,3-d]pirimidina-5-il)-benzenesulfonil]piperazina-1-il}-etil) é um inibidor de PDE-5, composto por duas moléculas de lodenafil ligados por uma ponte de carbonato, sendo então, classificado como uma pró-droga, que ao ser metabolizado (hidrólise plasmática) libera dois monômeros de lodenafil como metabólitos ativos, possuindo baixa toxicidade, elevada segurança e eficácia (SILVA et al., 2010). O lodenafil por sua vez é metabolizado por enzimas hepáticas e plasmáticas, atingindo a concentração efetiva máxima superior a do sildenafil, causando maior relaxamento com menor concentração de fármaco (SILVA et al., 2010) Figura 7. Estrutura química do carbonato de lodenafila. (http://dbpedia.org/page/Lodenafil). Tratamento de segunda linha O tratamento de Segunda Linha refere-se à auto-injeção intracavernosa de drogas vasoativas (figura 8). Um fármaco bastante utilizado com sucesso próximo aos 79% é a Prostaglandina E1, com o benefício de rápida metabolização intracavernosa, o que reduz o número de casos de priaprismo e fibrose dos corpos cavernoso, mas apresenta a desvantagem de provocar intensa dor local. Atualmente a associação de Prostaglandina E1 com fentonila e papaverina tem aumentado o sucesso do tratamento para cerca de 95% e com poucos efeitos colaterais devido ao sinergismo positivo das drogas, os casos de priaprismo são inferiores a 0,5% e a fibrose dos corpos cavernosos praticamente não ocorre e, não ocorre dor peniana após sua administração (CLARO; SROUGI, 2003). Um fármaco sintetizado a partir da morfina, chamado de apomorfina, aplicado subcutaneamente e na forma de comprimidos sublinguais, apresenta alguns aspectos estruturais iguais aos da dopamina, uma vez que para que ocorra uma ereção, por mais que haja estimulação periférica, o controle é central e realizado pelo cérebro. Substâncias como o quinorelano, bromocriptina que são agonistas dos receptores D 2 apresentam potencial ação no tratamento da disfunção erétil (NEVES et al., 2004). 181 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Figura 8. Injeção intracavernosa. (http://www.urologiaflorianopolis.com.br/noticias/disfuncao) Tratamento de terceira linha As próteses penianas (figura 9) correspondem ao tratamento de Terceira Linha. Essas próteses evoluíram do acrílico ao silicone em cerca de 30 anos. Inicialmente havia somente as próteses denominadas como rígidas, que causavam ereção rígida e permanente. Com a evolução da indústria médica, foram desenvolvidas as próteses maleáveis (fio de prata revestido por silicone), proporcionando maior conforto ao paciente. As próteses infláveis, mais modernas, são constituídas por mecanismos hidráulicos, onde os cilindros se expandem em diâmetro, ocasionando uma ereção plena. Um reservatório enche os cilindros. Os dilatadores são postos lateramlente e contralateralmente aos corpos cavernosos, fato tal que mantém uma ereção residual, melhorando o conforto do indivíduo e da sua parceira. Na prótese inflável a bomba é posicionada no escroto de maneira que permita uma fácil manipulação (CLARO; SROUGI, 2003). Existe um fármaco denominado de ioimbina, classificado como um alcalóide antagonista dos receptores α2-adrenérgicos pré-sinápticos, extraído da Corynanthe yohimbine é com ação vasodilatadora periférica semelhante à reserpina, possui então, ação simpatolítica (parassimpatomimética), dessa forma aumenta o tônus peniano e reduz o esvaziamento do fluxo peniano, levando à estimulação erétil (ANDRADE et al., 2002) . Em um estudo realizado com o objetivo de averiguar a eficácia da associação da ioimbina com sildenafil, Andrade et al., (2002), separaram cinco grupos de seis pacientes cada utilizaram a associação dos medicamentos com a dosagem da ioimbina variando de grupo para grupo e, em um grupo utilizou-se placebo no lugar da ioimbina e em outro grupo, placebo no lugar do sildenafil. Verificou-se que nos grupos onde se usavam a associação de ioimbina com o sildenafil, independentemente da dosagem do primeiro, houve uma melhora surpreendente na qualidade das ereções, o mesmo fato não foi obsrvado no grupo que recebia placebo no lugar da ioimbina, confirmando assim, o sinergismo positivo entre as duas substâncias no combate à disfunção erétil. 182 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Prótese Peniana Semi-rígida Prótese Peniana Inflável Figura 9. Próteses penianas. (http://www.urologiaflorianopolis.com.br/noticias/disfuncao). Considerações Finais Pode ser visto que o problema da disfunção erétil é bem mais complexo do que se imagina, uma vez que os mecanismos envolvidos no reflexo da ereção são complexos e extremamente delicados, haja visto que alterações à nível endotelial, tecidual e psicológicos interferem de maneira surpreendentemente grande para a instalação de tal patologia. Na sociedade contemporânea em que o ser humano vive, trabalha e se relaciona atualmente gera um tão alto nível de estresse que, o organismo como uma forma de escape, muitas das vezes, acaba por psicologicamente bloquear o reflexo de ereção independente do estímulo que está sendo feito. Mediante ao exposto, cabe ao médico conjuntamente ao paciente encontrarem uma terapêutica adequada para a solução deste problema que afeta tão grande número de homens em todo o mundo, interferindo diretamente em sua saúde física, mental e social, tendo em mãos as três principais linhas de tratamentos, onde atualmente o uso dos inibidores da PDE-5 tem ganhado um grande vulto, devido à sua facilidade de uso, conforto ao paciente e resposta biológica adequada, mas torna-se evidente a necessidade da divulgação dos efeitos benéficos acarretados aos pacientes quando esses medicamentos são bem prescritos e utilizados. Porém torna-se claro que uma conversa franca e aberta com o indivíduo que sofre de disfunção erétil, deixando-o seguro e confiante pode auxiliar no tratamento, uma vez que essa alternativa pode ser um excelente remédio para tal. 183 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Referências ABDO, C. H. N.; JÚNIOR, W. M. O.; SCANAVINO, M. T.; MARTINS, F. G. Disfunção erétil – resultados do estudo da vida sexual do brasileiro. Rev. Assoc. Med. Bras., São Paulo, v. 52, n. 6, Nov. 2006. ABDO, C. N.; BERTERO, E. B.; FARIA, G. E.; TORRES, L. O.; GLINA, S. Disfunção erétil: tratamento com drogas inibidoras da fosfodiesterase tipo 5. Rev. Assoc. Med. Bras., v. 53, n. 2, p. 95-107, 2007. ANDRADE, E. F. M.; MESSINA, L. E.; ALARCON, G.; CLARO, J. F. A.; SROUGI, M. Associação da ioimbina com sildenafil para tratamento da disfunção erétil. Sinopse de Urologia, a. 6, n. 2, mar. 2002. ANDRADE, Filipe Moreira de. 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Figura 7. Estrutura química do carbonato de lodenafila. Disponível em: <http://dbpedia.org/page/Lodenafil> Acesso em: 20 set. 2011. Figura 8. Injeção intracavernosa. Disponível em: <http://www.urologiaflorianopolis.com.br/noticias/disfuncao> Acesso em: 02 set. 2011. Figura 9. Próteses penianas. Disponível em: <http://www.urologiaflorianopolis.com.br/noticias/disfuncao> Acesso em 2 set. 2011. 184 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 FREITAS, V. M.; MENEZES, F. G.; ANTONIALLI, M. M. S.; NASCIMENTO, J. W. L. Frequência de uso de inibidores de fosfodiesterase – 5 por estudantes universitários. Rev. Saúde Pública, v. 42, n. 5, p. 965-967, 2008. GIAMI, A.; NASCIMENTO, K. C.; RUSSO, J. Da impotência à disfunção erétil. Destinos da medicalização da sexualidade. Physis.: Revista da Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 19, n. 3, 2009. JESUS, L. E.; DEKERMACHER, S. Priapismo em crianças: revisão de fisiopatologia e tratamento. Jornal de Pediatria, v. 85, n. 3, p. 194-200, 2009. JÚNIOR, O. M. 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Os profissionais foram divididos em três grupos de forma aleatória através de um sorteio, sendo grupo controle, grupo RMA e grupo placebo. A técnica foi aplicada uma só vez e permaneceu por três dias. A partir de então foi verificado a eficácia do método através da escala Visual Analog Scale. Houve uma melhora significativa (p < 0,05) do grupo RMA em relação ao placebo e ao grupo controle. Palavras-chave: Spiral Taping; Reprogramação Musculo-Articular; Lombalgia; Costureiras Introdução A limitação funcional decorrente a quadro álgico lombar é uma problemática comum na população mundial, afetando de 75% a 80% adultos e comunidades de trabalhadores, decorrentes de: posturas viciosas; permanência na posição sentada por longos períodos; sobrecarga física; posturas estáticas; vibrações geradas por máquinas; movimentos repetitivos; traumas; tumores e fatores psicológicos e psicossociais tais como depressão, ansiedade, insatisfação laboral e responsabilidade estressante. A presença destes fatores, em conjunto ou isoladamente, propicia a incapacidade total ou parcial sendo um desencadeador para a Professor e Coordenador do curso de Fisioterapia Universidade Estácio de Sá - Campus Friburgo Professor do curso de Fisioterapia - Campus Friburgo 187 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 aposentadoria ou para o afastamento do trabalho por tempo indeterminado gerando grandes custos tanto para a saúde quanto para a sociedade (HALL, 2005; TOSCANO; EGYPTO, 2001; COX, 1999; MARQUES; MORAES, 2000; CHORATTO; STABILLE, 2003; BRAZIL et al., 2004; APPEL, 2002; NORIEGA-ELÍO et al., 2005; SILVA; FASSA; VALLE, 2004; ANTÔNIO, 2002; WILLIAMS; MYERS, 1998; VLAEYEN; KOLE-SNIJDERS; HEUTS, 1998). A lombalgia é sucintamente definida como um desconforto pélvico que gera dor que varia desde um relato de incômodo até uma forte algia que pode aumentar com a movimentação postural. Apesar da alta prevalência, apenas 3% da população com lombalgia procura assistência na área de saúde (COX, 1999; ANDRADE; ARAÚJO; VILAR, 2005; MEIRELLES, 2003; COCICOV, 2004; BRAZIL et al., 2004; ALISTE 2005; IMAMURA; KAZIYAMA; IMAMURA, 2001). Atualmente, um quadro que se evidencia é o aumento significativo das atividades sentadas que tomaram o lugar das atividades na posição de pé, mudando assim a qualidade de trabalho. Assim, a dor nas costas devido às atividades laborativas vem crescendo e passando a exercer uma importância cada vez maior por ter sido constatado um elevado índice de dor lombar em trabalhadores que permanecem sentados por longos períodos, até mesmo por se tratar de setores em significativo crescimento, com isso podendo visualizar uma multiplicação da posição sentada no âmbito de trabalho (VIEL; ESNAULT, 1999; MORAES; MARQUES, 2000; HAMILL; KNUTZEN, 1999; KROEMER; GRANDJEAN, 2005; BERTO; MACEDO; OLIVEIRA, 2004; DUL; WEERDMEESTER, 2004). O método Spiral Taping, também conhecido como Reprogramação Músculo Articular (RMA), criado pelo Professor Nobutaka Tanaka, baseando-se em conhecimentos de fisiologia muscular, cinesiologia e acupuntura, foi trazido para o Brasil há aproximadamente 10 anos. Esse método utiliza tiras de fitas adesivas que devem ter de 3 a 5 mm de largura que não contém nenhum tipo de medicamento, são indolores e não-invasivas, dispostas na pele de acordo com sua utilidade. Essa técnica tem por objetivo reduzir a dor, reequilibrar e auxiliar na normalização postural de grupos musculares e articulações, no entanto a mesma não tem comprovação científica (TANAKA, 1998). Para que essa técnica seja executada, é necessário que se faça antes um teste, conhecido como O Ring Test ou Teste do Anel Bidigital (BDORT). O teste já é conhecido na Europa, países escandinavos, Estados Unidos e Japão. O teste leva o nome de seu criador, teste Omura. O mesmo foi desenvolvido nos Estados Unidos na década de 1970 na cidade de Nova Iorque. Todos os testes feitos pelo Dr. Omura foram acompanhados de exames convencionais tais como: (I) Radiografias, (II) Tomografia Computadorizada, (III) exame de sangue, (IV) cultura de bactérias e (V) teste de sensibilidade (OMURA, 2000). Para a realização do teste, o terapeuta estabelecerá um contato com o paciente através do dedo mínimo de uma de suas mãos no ponto Yoti, que é o centro da linha articular posterior do punho. Então o terapeuta realizará uma oponência com o polegar e o terceiro dedo dessa mesma mão, formando um círculo, ou seja, um anel entre esses dois dedos. O terapeuta deverá 188 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 deslizar o dorso da mão oposta em diagonal, de distal para proximal em contato com a pele do paciente, e depois usar o anel formado pela falange distal do primeiro e segundo dedos da mão oposta, para puxar o anel formado pelo primeiro e terceiro dedos da outra mão. Logo após, o mesmo será realizado para a diagonal direita devendo ao final puxar o anel. Então deve-se comparar as duas diagonais (direita e esquerda), e aquela em que for preciso utilizar uma força maior para abrir o anel é a direção yang, e o que for necessário menor força é a direção yin (TANAKA, 1998; OMURA, 2000). Uma outra forma utilizada para realizar o teste é com a ajuda de um assistente, chamado de O Ring Test Indireto, onde o assistente toca o ponto Yoti com o quinto dedo de uma de suas mãos realizando com a outra mão um anel utilizando o primeiro e terceiro dedos. Então o terapeuta realizará as diagonais para a esquerda e para a direita, e então irá puxar a articulação interfalangeana do primeiro e terceiro dedos do assistente com o primeiro e segundo dedos de sua mão com o intuito de abrir o anel (TANAKA, 1998; OMURA, 2000). Após a realização do O Ring Test (direto ou indireto) são aplicadas sobre a pele na região lombar as fitas adesivas de acordo com a direção definida pelo mesmo. A direção yang além de sobrepor a direção yin terá uma fita a mais (TANAKA, 1998; OMURA, 2000). Após aplicação, é feita a confirmação através do timo. O timo surge de uma proliferação do endoderma de revestimento do intestino das faríngeas, na altura das terceiras bolsas faríngeas. O timo está situado no tórax, no mediastino, imediatamente atrás da extremidade superior do esterno, ao nível dos grandes vasos do coração. O timo é o único órgão linfóide a não apresentar nódulos em sua estrutura, já que nódulos são formados por linfócitos B e possuem um citorreticulo epitelial, uma vez que as células reticulares do timo são de origem endodérmica, ao contrário dos demais órgãos linfóides, onde estas células são de origem mesenquimal (SIQUEIRA; DANTAS, 2000). Uma extensa parte da população sofrerá de lombalgia em alguma fase de suas vidas, e como o Spiral Taping é um método de fácil aplicação, de baixo custo e sem contra-indicação, ele seria de grande valia nos tratamentos álgicos, bem como nas lombalgias, caso houvesse realmente uma comprovação científica. Por ser um método ainda desacreditado e por possuir origens orientais, o mesmo se torna pouco conhecido e pouco utilizado. Esse trabalho tem por objetivo testar o método Spiral Taping em profissionais de costura com relato de dor lombar, visando à melhora do quadro álgico. Materiais e Métodos Primeiramente, a pesquisa foi realizada através de um questionário com perguntas relacionadas à dor ocasionada pela lombalgia decorrente do trabalho na postura sentada, quanto à sua intensidade, duração, freqüência e caráter, em profissionais da costura nas confecções da cidade de Nova Friburgo. Foi aplicado um pré-teste com 10 costureiras, ocorrendo alterações após a aplicação, sendo acrescentadas algumas questões. Para a aplicação 189 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 da técnica, foram utilizados fitas de esparadrapo impermeáveis, inelásticas, de 3 a 5 mm da marca Cremer®. Foram recrutadas 15 profissionais da costura com sintoma de dor lombar e idade entre 24 e 50 anos do sexo feminino. Para a aplicação do questionário, assim como da técnica, foi utilizado um termo de consentimento assinado pelo proprietário da confecção e pelas funcionárias voluntárias. As profissionais foram divididas igualmente em três grupos de forma aleatória através de um sorteio, sendo os mesmos classificados em grupo controle, grupo do método Spiral Taping e grupo do efeito placebo. As voluntárias desconheciam a existência de outros grupos experimentais (estudo cego). Para a aplicação do Spiral Taping foi realizado antes o Teste do Anel Bidigital (BDORT), também conhecido como O Ring Test, que determina a direção das fitas de esparadrapo (figura 1). O terapeuta coloca o dedo mínimo no ponto Yoti, faz o anel com o primeiro e terceiro dedos da mesma mão e com a mão oposta, utilizando o primeiro e o segundo dedo com forças opostas, abre-se então o anel, para saber a direção da aplicação das fitas. Figura1 - O Ring Test. O Spiral Taping foi aplicado em uma única vez, no grupo RMA e placebo, na qual os esparadrapos permaneceram sobre a pele por três dias. Logo depois, verificou-se o quadro álgico lombar através de uma escala chamada Escala Analógica Visual (Visual Analog Scale VAS), graduada de 0 a 100 mm, para quantificar a dor através de referências visuais, onde o 0 significa ausência de dor e 100 dor lombar máxima; sendo perguntado à voluntária, também 190 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 ao terceiro dia, se houve uso de medicamentos contra a dor referida; caso a voluntária estivesse feito o uso de medicamentos referentes a dor lombar, para excluir fontes de viés. Na figura 2 observa-se a imagem da aplicação do método RMA em uma voluntária. Figura 2 - Voluntária com aplicação do método RMA em região lombar. No grupo controle, foi verificado a dor antes e depois de três dias, sem a aplicação do método; e no grupo placebo, foi feito uma aplicação de forma aleatória, e a dor foi igualmente avaliada. A figura 3 mostra a imagem da aplicação do placebo em uma voluntária na região lombar. Observa-se que as tiras foram colocadas de forma aleatória. Figura 3 - Voluntária com aplicação do placebo. 191 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Para análise estatística, foi usado o Teste de Kruskal – Wallis (α = 0,05) para verificar diferença significativa entre os grupos. Resultados A tabela 1 mostra a estatística descritiva das variáveis nominais referentes ao questionário. Observou-se que 60% das voluntárias relataram dor em queimação; 46,7% relataram sentir dor constante; 86,7% disseram que a posição em que mais sentem dor é a sentada; 86,7% relataram que a dor tem relação com o trabalho; e observou-se que 93,3% das voluntárias não praticam atividade física. Tabela 1 - Variáveis nominais com as respostas e a freqüência em porcentagem do questionário aplicado às voluntárias. Variável Respostas Como é a dor? Pontada Queimação Em peso Contínua Constante Intermitente Eventual Espontaneamente Com movimentos repetitivos Sentado Em pé Deitado Manhã Tarde Noite Varia Repouso Medicação Fisioterapia Outros Não procurou tratamento Sim Não Início Meio Fim Duas horas Três horas Quatro horas Cinco horas Seis horas Sim Não Qual é a duração da dor? A dor se manifesta de que forma? Em que posição dói mais? Em que momento do dia dói mais? Com qual tratamento melhorou? A dor tem relação com trabalho? Aparece em que fase do trabalho? A dor se agrava após quantas horas de trabalho? A dor interfere em algum movimento? Freqüência(%) 13,3 60,0 20,0 6,7 46,7 33,3 20,0 46,7 53,3 86,7 6,7 6,7 6,7 40,0 6,7 46,7 6,7 13,3 6,7 6,7 66,7 86,7 13,3 20,0 60,0 20,0 13,3 26,7 20,0 33,3 6,7 40,0 60,0 192 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 A dor interfere em qual movimento? Você pratica atividade física? Trabalha quantas horas por dia? Quantas vezes se levanta durante a jornada de trabalho? Andar Abaixar Subir escada Deitar Sim Não Seis horas Oito horas Nove horas Uma vez Duas vezes Três ou mais vezes 16,7 16,7 33,3 33,3 6,7 93,3 13,3 33,3 53,3 6,7 33,3 60,0 A tabela 2 mostra a estatística descritiva das variáveis contínuas, onde se observou um valor de VAS médio no antes de 5,56 ± 1,71 cm, e um valor de VAS médio depois de 4,22 ± 2,92 cm. Tabela 2 - Valores mínimo, máximo, médio e desvio padrão da faixa etária das voluntárias, VAS antes e depois da aplicação. Idade (anos) VAS antes (cm) VAS depois (cm) Mínimo Máximo Média Desvio padrão 24 3,2 0 50 8,1 8,8 34,13 5,56 4,22 9,33 1,71 2,92 Na tabela 3, observa-se o resultado do Teste de Kruskal – Wallis. Pode-se identificar uma diferença no rank médio do grupo RMA em relação ao placebo e controle (p < 0,01). Tabela 3 - Resultado do Teste Kruskal – Wallis, onde se identifica diferença no rank médio do grupo RMA em relação ao placebo e controle. Grupo Rank médio RMA Placebo Controle 3,0 9,2 11,8 A figura 4 apresenta um gráfico boxplot dos três grupos experimentais para a variável diferença de VAS depois x antes. Pode-se identificar que o grupo RMA obteve melhora significativa em comparação ao placebo e ao controle. 193 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Diferença VAS depois - antes (mm) 5,0 12 2,5 0,0 -2,5 -5,0 -7,5 -10,0 RMA Placebo Controle Grupo experimental Figura 4 - O gráfico boxplot mostra a diferença da VAS depois × antes com melhora significativa do grupo RMA. Discussão A lombalgia é um sintoma que afeta a população em geral e principalmente a classe dos trabalhadores que permanecem sentados por muito tempo apresentando índice de desconforto geral, como a dor em queimação, relatada por 60% das voluntárias da presente pesquisa, sendo relatada também pela maioria das costureiras que a mesma é constante ou intermitente (OLIVEIRA; BERTO; MACEDO, 2004; ANTÔNIO, 2002). Segundo Oliveira et al. (2004) e Moraes; Marques (2000), trabalhos que imponham grande sobrecarga física às atividades realizadas em posturas impróprias, expõe facilmente o trabalhador a traumas e lesões em região lombar obtendo assim um caráter ocupacional, já que 86,7% das voluntárias confirmaram que a dor tem relação com o trabalho, e referiram com a mesma porcentagem trabalhar mais tempo na posição sentada, o que pode levar às alterações posturais permanentes ou transitórias. As costureiras em 66,7% dos casos relataram não procurar tratamento e apenas 6,7% das mesmas procuraram a Fisioterapia como meio de aliviar seus sintomas, e como um fator agravante, trabalham mais de oito horas por dia como verificado em 53,3% dos casos. Foi observado que 93,3% das voluntárias não praticam atividade física. Sabe-se que a inatividade está relacionada direta ou indiretamente com dores na coluna, tendo como um dos fatores agravantes déficit de força muscular levando as estruturas lombares a suportarem sobrecargas elevadas. O sedentarismo, que gera a atrofia muscular, reduz a coordenação de um correto movimento de todas as estruturas osteomioarticulares participantes das atividades diárias. (TOSCANO; EGYPTO, 2001; CHORATTO; STABILLE, 2003; KNUTZKY; 194 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 WHITE, 1997; SHIPLE, 1997; TANCRED; TANCRED, 1996; BRAZIL,2004; TREVISANI; ATALLAH, 2002). No decorrer da pesquisa, surgiram algumas limitações como a dificuldade de encontrar na literatura artigos sobre o método de Reprogramação Músculo Articular até mesmo pela não comprovação científica do mesmo. Outra limitação é que as confecções trabalham por produção, e o afastamento de alguns minutos das funcionárias para a aplicação do método RMA ou do placebo implica em redução da produtividade e consequentemente dos ganhos financeiros da empresa. Por isso, o número amostral foi pequeno. O questionário oferece limitações no que diz respeito à subjetividade do voluntário ao responder as perguntas presentes no mesmo, podendo ser uma conseqüência do medo da funcionária caso a empresa tivesse acesso a esses dados, podendo prejudicá-la de alguma forma, apesar da empresa não ter acesso ao questionário. A escala da dor aplicada aos grupos RMA, placebo e controle é subjetiva, pelo fato da voluntária ter que transferir para uma escala visual um representante numérico em uma reta para definir o valor da sua dor, tornando-se assim um fator limitante para o trabalho. Apesar das limitações como a dificuldade de encontrar comprovação científica e a maioria das pessoas desacreditarem nas terapias alternativas, o estudo mostrou que o método RMA é eficaz para a redução da lombalgia em comparação à aplicação do placebo, como visto na figura 4, onde todos os indivíduos obtiveram melhora. Considerações Finais Apesar da pequena amostra, observa-se que o método RMA tem efeito analgésico na coluna lombar. Não se sabe ainda o real mecanismo que o método Reprogramação Músculo Articular atua na analgesia, devido à falta de comprovação científica e estudos realizados sobre o mesmo. Acredita-se que com novos estudos utilizando um número maior de voluntários, os mesmos resultados serão alcançados, salientando ainda a necessidade e a importância de outras pesquisas como esta para justificar o efeito do método, bem como para comparar os efeitos deste com outras terapias analgésicas alternativas. Referências ALISTE, M. S. Lumbago. 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L; CARRETE, H; NATOUR, J; MARQUES NETO, J. F; AMARAL, J. C; PROVENZA, J. R; VASCONCELOS, J. T. S; AMARAL, L. L.F; VIALLE, L. R.G; MASINI, M; TARICCO, M. A; BROTTO, M.W.I; DANIEL, M.M; SPOSITO, M; MORAIS, O. J. S; BOTELHO. R. V; XAVIER, R. M; RADOMINSKI,S. C; DAHER, S; LIANZA, S; AMARAL, S. R; ANTONIO, S. F; BARROS, T. E; VIANA, U; VIEIRA, V. P; FERREIRA, W. H. R; STUMP, X, M, G. Diagnóstico e tratamento das lombalgias e lombociatalgias. Revista Brasileira de Reumatologia, vol. 4, n. 6, p. 419 – 425, 2004. CHORATTO, R. M. G.; STABILLE, S. R. Incidência de lombalgia entre pacientes encaminhados em 2001 a uma instituição privada de saúde para tratamento fisioterápico. Arquivo de Ciência da Saúde Unipar, vol. 7, n. 2, p. 99 – 106, 2003. COCICOV, A. F.; COCICOV, H. L. F.; SILVA, M. B. G. S.; SKARE, T. L. Uso de corticosteróides por via peridural nas síndromes dolorosas lombares. Revista Brasileira de Anestesiologia, vol. 54, n. 1, 2004. COX, J. M. 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Foi utilizado o coeficiente de Pearson (r), análise de concordância de Bland-Altman e o teste t (α = 0,05) sendo encontradas boas correlações entre os métodos testados (duração média dos passos: r = 0,99). Na análise de Bland-Altman, houve boa concordância entre os métodos. A diferença na estimativa dos métodos é aproximadamente igual a zero (p = 0,067). Palavras-Chave: Microfone, Avaliação, Marcha, Idosos, Validação Introdução A avaliação da marcha é um recurso-chave no processo de reabilitação. Por exemplo, no caso de um paciente acometido por um acidente vascular encefálico (AVE) (UMPHRED, 2001; MILLER; QUINN; SEDDON, 2002; LAUFER et al., 2001; CUNHA-FILHO; LIM; QURESHY, 2001), lesão de medula espinhal (UMPHRED, 2001; FIELD-FOTE; TEPAVAC, 2002; BEHRMAN; HARKEMA, 2000) e lesões ortopédicas (O‟SULLIVAN; SCHMITZ, 2001), o correto diagnóstico cinésio-funcional é decisivo na intervenção terapêutica e em seu prognóstico. Existem diversas variáveis que podem descrever a marcha humana padrão. Comprimento da passada, comprimento do passo, largura da base de sustentação e grau de saída do dedo do pé compreendem as variáveis de distância; as variáveis temporais incluem a Professor e Coordenador do curso de Fisioterapia Universidade Estácio de Sá - Campus Friburgo 198 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 duração do passo e da passada, cadência e velocidade (PELISSIER; LAASEL; GUIBAL, 2001; SHUMWAY-COOK; WOOLLACOTT, 2001). A existência de dados quantitativos para a avaliação é muito importante (NORKIN; LEVANGIE, 1992), sendo que diversos métodos de análise de marcha já foram propostos. Como exemplo, a eletromiografia, que é extensivamente usada no estudo da atividade muscular durante a locomoção (CLARK et al., 2004; LAUER et al., 2005; PATIKAS; WOLF; DODERLEIN, 2005; ROMKES; RUDMANN; BRUNNER, 2006). Segundo Perry (2005), a utilização da análise observacional tem se mostrado como um método bem difundido entre os profissionais que avaliam a marcha humana. O filme fotográfico oferece um meio remoto para essa análise, sendo sua forma de obtenção de dados mais versátil para a visualização do movimento por existirem funções adicionais na câmera de vídeo. A utilização de marcadores pode melhorar a visualização através de LED‟s (Light Emitting Diods) que emitem um sinal infravermelho para materializar pontos anatômicos em movimento e assim com a captação por um receptor fotoelétrico serem feitas às medições e seus possíveis diagnósticos (VIEL, 2001). Viel (2001) afirma ainda em sua obra que as plataformas de força são indispensáveis na avaliação ou nos estudos dos apoios unipodais no solo. Porém, a introdução de movimentos artificiais pelo indivíduo testado tem que ser inibida camuflando a plataforma, evitando erros na captação dos dados testados (PERRY, 2005). Ghoussayni et al. (2004) validou um método simples de análise de marcha, detectando parâmetros como velocidade, e a possibilidade de aumento da repetitividade da análise desta, em pacientes com histórico de patologias associadas à marcha. Para a avaliação temporal da marcha, Hausdorff; Ladin; Wei (1995) utilizaram placas piezelétricas, que se acoplavam no membro inferior, sendo seu sinal enviado a um microcomputador para análise posterior. Tal método se mostrou de fácil obtenção, bem como baixo ônus a seus usuários. Aminian et al. (2004) propuseram um novo sistema de análise de marcha baseando-se num conjunto de giroscópios em miniatura conectados a um captador de dados. Thorpe; Dusing; Moore (2005) verificaram uma boa reprodutibilidade utilizando uma via eletrônica chamada GAITRite. Brandes et al. (2006) usaram acelerômetros com êxito no tronco inferior e na contagem de passos. Marsh et al. (2007) avaliaram a validade do pedômetro eletrônico em adultos velhos que estão em risco de um distúrbio locomotor. Toro; Nester; Farren (2007) conseguiram validar o sistema Salford Gait Tool sendo um método observacional de avaliação da marcha. Além disso, sistemas compostos de diversas câmeras de vídeo e plataformas de força também foram explorados (ANGIN et al., 2007; GHOUSSAYNI et al., 2004; SMITH et al., 2004). 199 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Sabe-se que o contato do calcanhar é a referência para a mensuração de variáveis temporais, sendo a primeira subfase do apoio (SHUMWAY-COOK; WOOLLACOTT, 2001; NORKIN; LEVANGIE, 1992). Uma vez que esse momento é gravado e o toque é identificado, pode-se estimar diversas variáveis. Um possível dispositivo que poderia detectar o toque do calcanhar no solo é o microfone, que representa um acessório de baixo custo, comumente usado em microcomputadores. Machado et al. (2005; 2006) já haviam desenvolvido um algoritmo capaz de identificar os momentos de toque do calcanhar usando microfones em indivíduos saudáveis. Foi observada boa concordância entre o Método de Avaliação da Marcha com Microfones (MAMM) e a gravação de vídeo (MACHADO et al., 2006). O algoritmo foi desenvolvido para fornecer dados quantitativos, como cadência da marcha, velocidade e duração do passo e da passada, utilizando o som gravado do paciente numa distância a ser percorrida já prédeterminada. A gravação do vídeo foi usada como um método de avaliação padrão-ouro. O presente estudo teve como objetivo a validação do método de análise da marcha com microfones em indivíduos idosos. Metodologia Amostra Foram recrutados para esse estudo 17 indivíduos idosos (idade média = 69,12 ± 6,97 anos de idade, altura média = 158,75 ± 5,89 cm, peso médio = 68,35 ± 10,1 kg), tendo como critério de exclusão os idosos que não são capazes de realizar a marcha normal. Todos os indivíduos participantes assinaram um termo de consentimento, onde atestaram que estão cientes dos procedimentos experimentais descritos pelo documento. O presente estudo foi aprovado pelo comitê de ética da Universidade Estácio de Sá. Algoritmo Como mencionado anteriormente, o contato do calcanhar no solo pode ser considerado como o início da fase de apoio, sendo referência para muitas variáveis da marcha. Conseqüentemente, se existir um dispositivo que capta esses toques, pode-se estimar variáveis como duração do passo e passada, cadência e velocidade. Um microfone localizado em cada membro inferior do indivíduo poderia ter esse papel. Considere a batida de um metrônomo como representativa do som capturado pelo microfone no momento do toque do calcanhar. Na Figura 1, tem-se a demonstração do gráfico do som gravado em relação à cadência de um metrônomo, que ocorre por volta de 96 batidas por minuto (bpm). Cada pico pode ser chamado de pico positivo de magnitude máxima (PPMM). Se for considerado que cada pico é um toque do calcanhar, os intervalos entre os dois picos podem ser representados como o tempo relativo aos dois passos, e a cadência é caracterizada pelo número do passos dividido pelo total do tempo desde o início da gravação até o último pico gravado. Finalmente, a marcha tem sua estimativa de velocidade através da distância percorrida dividida pelo tempo total do percurso. 200 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Figura 1 – Som gravado de um metrônomo. Para estimar estas variáveis, foi desenvolvido e implementado um algoritmo em Matlab® (The MathWorks Inc., USA). Posteriormente ao som gravado, podem ser realizadas as seguintes instruções: (1) gravar o arquivo (.wav extensão); (2) construa o gráfico do sinal (figura 1, por exemplo); (3) encontrar o tempo (em segundos) relacionado a cada pico positivo de magnitude máxima, construído pelo vetor x1 com N pontos (N picos, ou N passos); (4) Calculado o tempo dos picos, é possível a construção de um novo vetor de N pontos x2 onde para 2 ≤ i ≤ N-1, x2(1) = x1(2) – x1(1) e x2(i) = x1(i+1) – x1(i). Esses pontos representam a duração entre os dois passos. Note que o intervalo da gravação no começo do primeiro passo é excluído do novo vetor. Esse procedimento é muito importante, uma vez que o início da gravação é feito manualmente por um avaliador e isso pode diminuir o tempo real do primeiro passo, conseqüentemente induzindo erros na estimativa das variáveis da marcha, principalmente quanto à velocidade. Por esta razão, o algoritmo identifica o segundo PPMM como o primeiro passo para análise dos dados; (5) Assumindo o primeiro passo como o membro esquerdo, à construção de dois novos vetores, y1 e y2, onde para 1 ≤ i ≤ N-1: se i é ímpar, y1(j) = x2(i) + x2(i+1); se i é par, y2(j) = x2(i) + x2(i+1); j varia de 1 a N/2, se N for ímpar; se N for par, j varia de 1 a N/2 para y1, e de 1 até (N/2)-1 para y2; y1 e y2 representam as durações de cada passada direita e esquerda, respectivamente; (6) Para calcular a cadência da marcha (passos por segundo - passos/s) divide-se N pelo total do tempo em segundos; (7) O cálculo da velocidade da marcha (m/s) é feito pela divisão da distância percorrida pelo tempo total (s); (8) Calcule a estatística básica, tal como desvio padrão, coeficiente de variação, valores máximos e mínimos, retirados do vetor x2 (passos), y1 (passada esquerda) e y2 (passada direita). 201 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 O usuário introduz três parâmetros após a análise visual do gráfico: (a) limiar de amplitude: o algoritmo capta os picos com valores mais altos do que esse limiar. A importância deste fato será discutida posteriormente; (b) a distância total percorrida, para estimativa da velocidade da marcha; (c) janela temporal de busca: para encontrar os picos, o sinal é dividido em M segmentos de t segundos. No interior da janela temporal, o algoritmo procura os PPMM‟s, acima do limiar de amplitude. A divisão do sinal é muito importante, uma vez que um pico que é aparentemente único pode possuir diversos picos. Isso pode ser observado na ampliação do pico, na figura 2. Se a divisão do sinal não for feita, o algoritmo identificaria diversos picos. Figura 2 – Ampliação do quinto pico do sinal da figura 1. O uso destas janelas pode ter outra desvantagem: se a região do pico é capturada por duas janelas (no final da primeira e no início da próxima), o algoritmo determina os dois picos aproximadamente no mesmo tempo. Para evitar isso, margem de erro (ME) é usada. Se o final de uma janela encontra um pico em t 1 segundos, e o início da próxima encontra outro em t2, onde t2 ≤ t1 + EM, o último pico é descartado. Protocolo experimental Dois microfones padrão para microcomputadores (Leadership ® - Freqüência de resposta: 50Hz~16kHz, sensibilidade: -58±3dB, razão sinal-ruído: 40dB) foram fixados lateralmente ao tornozelo e posteriormente ao maléolo lateral da fíbula, com a extremidade distal a aproximadamente 1 a 3 mm do chão, usando duas presilhas de velcro unidas a um modelo de tecido confeccionado para esse fim. Cada microfone foi conectado a uma extensão de fio estéreo de 15 metros de comprimento, sendo colocado uma presilha na altura da cintura dos idosos para segurar este fio afastado do solo. Esta extensão interliga o dispositivo ao computador. Na Figura 3 é demonstrada a fixação do dispositivo na perna do indivíduo testado. 202 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Figura 3- Modo de fixação do MAMM. Anteriormente a colocação dos microfones, foi solicitado ao indivíduo para que percorresse uma distância de 6 m (com sua velocidade normal cotidiana, finalizando em uma marca específica feita no chão). Nesse período, é realizada apenas uma gravação de vídeo. Após retornar a posição inicial, dois novos percursos foram realizados, e então gravados com o MAMM. A gravação e processamento do som proveniente dos microfones foram feitos usando o programa Matlab® (The MathWorks Inc., EUA) (fa = 8 kHz; 8 Bit; Mono), com um volume de 1/6 do máximo, para capturar apenas o som produzido pelo contato do calcanhar. Simultaneamente, para a gravação de vídeo, uma câmera digital JVC ® (modelo GR-D91U, fa = 30 quadros por segundo = 30 Hz) foi usada. Para a estimativa dos instantes de toque do calcanhar usando o MAMM, o algoritmo de Machado et al. (2005, 2006) foi implementado também em Matlab®. Com esse programa, é possível identificar os picos sonoros referentes ao contato do calcanhar no chão, e dessa forma estimar variáveis como cadência, velocidade e duração do passo e passada. No caso da gravação de vídeo, os instantes foram identificados visualmente na câmera, utilizando o recurso de slow motion. Como variáveis de comparação, foram estimados os valores de duração média e desvio-padrão dos passos de cada indivíduo, tanto para o MAMM quanto para a gravação por vídeo. 203 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Análise estatística Para a análise estatística, foi utilizado o coeficiente de correlação de Pearson (CCP) para verificar a correlação entre os métodos; a avaliação da concordância entre dois métodos proposta por Bland e Altman (1986), o teste t para uma amostra (α = 0,05), com o objetivo de verificar se o erro entre os métodos é significativamente igual a zero, e o teste t pareado (α = 0,05) para verificar se há diferença entre a marcha sem e com os microfones acoplados. Resultados Na Figura 4, pode-se observar o exemplo de um sinal proveniente da gravação do som pelos microfones da marcha de um idoso. A velocidade foi estimada em 1,00 m/s, e sua cadência em 1,83 passos/s, tendo uma duração média de 0,54 ± 0,04 s. Para esta estimativa, foram utilizados um limiar de amplitude de 0,5 com uma janela de processamento de 0,4 s. 1 Amplitude (escala arbitrária) 0.8 0.6 0.4 0.2 0 -0.2 -0.4 -0.6 -0.8 -1 0 1 2 3 4 5 Tempo (segundos) 6 7 8 Figura 4 - Sinal coletado proveniente da gravação da marcha de um idoso. Estimativas: velocidade = 1,00m/s; cadência = 1,83 passos/s; limiar de amplitude = 0,5; janela de processamento = 0,4s. 204 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 No gráfico a seguir (Figura 5) tem-se a comparação entre a duração dos passos direito e esquerdo, onde se pode observar que não há diferença significativa entre eles. 0.6 Tempo (segundos) 0.5 0.4 0.3 0.2 0.1 Dir Esq 0 1 1.5 2 2.5 3 Passo 3.5 4 4.5 5 Figura 5 – Comparação da duração dos passos direito e esquerdo. Observa-se que apenas no primeiro passo há diferença quanto ao tempo realizado no passo direito sobre o esquerdo. A Figura 6 demonstra visualmente a correlação entre as estimativas de duração média do passo pelo vídeo e MAMM. Obteve-se alto coeficiente de Pearson (r = 0,99). Já em relação ao desvio-padrão (Figura 7), obteve-se uma correlação moderada (r = 0,70). Duracao media dos passos (s) MAMM 0.75 0.7 0.65 0.6 0.55 0.5 0.45 0.5 0.55 0.6 0.65 0.7 Duração média dos passos (s) Vídeo 0.75 Figura 6 – Correlação da duração dos passos entre o método MAMM e a gravação com vídeo (r = 0,99) 205 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Desvio-padrão da duração média dos passos (s) MAMM 0.13 0.12 0.11 0.1 0.09 0.08 0.07 0.06 0.05 0.04 0.03 0.02 0.04 0.06 0.08 0.1 0.12 0.14 Desvio-padrão da duração média dos passos (s) Video Figura 7 – Correlação do desvio-padrão médio dos passos no método MAMM e na gravação por vídeo (r = 0,70). Diferença das estimativas (duração dos passos) entre Video e MAMM (s) A análise de concordância Bland-Altman pode ser observada para a duração média dos passos (Figura 8) e desvio-padrão da média dos passos (Figura 9), comparando os métodos MAMM e vídeo. Observa-se boa concordância, exceto por um caso, que ultrapassa os limites de concordância. A tabela 1 mostra os resultados dessa análise. 0.2 0.15 0.1 0.05 0 -0.05 -0.1 -0.15 -0.2 0.45 0.5 0.55 0.6 0.65 0.7 0.75 0.8 Média das estimativas (duração dos passos) entre Video e MAMM (s) Figura 8 – Análise de concordância de Bland-Altman entre os métodos Vídeo e MAMM (variável: média da duração dos passos). 206 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Diferença das estimativas (desvio-padrão da duração dos passos) entre Video e MAMM (s) 0.2 0.15 0.1 0.05 0 -0.05 -0.1 -0.15 -0.2 -0.25 -0.05 0 0.05 0.1 0.15 0.2 Média das estimativas (desvio-padrão da duração dos passos) entre Video e MAMM (s) Figura 9 – Análise de concordância de Bland-Altman entre os métodos Vídeo e MAMM (variável: desvio-padrão da média da duração dos passos). Tabela 1 – Resultados da análise de concordância Bland-Altman (IC = intervalo de confiança). Diferença média da duração dos passos (s) Limite inferior de concordância (s) Limite superior de concordância (s) Diferença média do desvio- padrão da duração dos passos (s) Limite inferior de concordância (s) Limite superior de concordância (s) Valor IC 95% inferior IC 95% superior -0,003 -0,006 0,000 -0,017 0,010 -0,023 0,004 -0,011 0,016 -0,010 -0,021 0,000 -0,051 0,029 -0,069 0,011 -0,033 0,047 A aplicação do teste t de Student foi aplicada para verificar se a utilização do microfone influenciaria o padrão normal de marcha do indivíduo. Foi observado que, em apenas dois indivíduos, os microfones alteraram o padrão da marcha (p < 0,05). Também pelo teste t foi possível concluir que a diferença na estimativa dos métodos é aproximadamente igual a zero (p = 0,067). 207 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Discussão Neste trabalho a validação do método de análise temporal da marcha foi estudada em indivíduos idosos. A utilização de equipamentos de baixo custo, como microfones, já foi estudada por Machado et al. (2005). Neste trabalho, a utilização de um algoritmo desenvolvido pelos autores mostrou-se eficaz para a análise dos dados coletados. Na Figura 4 pode-se observar o sinal do MAMM, que mostra os picos referentes aos passos do indivíduo. O limiar de amplitude escolhido consegue selecionar os picos de máxima amplitude, e excluir o ruído gerado no sinal. Mesmo sendo um aspecto subjetivo do método, um rápido treinamento do profissional o deixaria capacitado para escolher os melhores parâmetros. Obteve-se boa correlação entre os métodos. A figura 7 demonstra o desvio-padrão da duração média dos passos entre os métodos citados. A correlação se mostrou de forma moderada. Isso talvez seja explicado pela freqüência de amostragem diferente entre os métodos (8 kHz para o MAMM, e 30 Hz para a câmera de vídeo). Porém, a análise de Bland e Altman (Figura 8) mostra que as estimativas do MAMM são similares a da análise por vídeo, com exceção de um caso. Em relação à diferença das estimativas (figura 9), apenas um indivíduo não apresentou valor dentro dos parâmetros, mostrando que um método pode ser substituído pelo outro. Além disso, a observação do vídeo gravado era feita manualmente por um dos pesquisadores (slow motion). Este fato pode ter alterado os dados colhidos devido a sua observação não ter sido feita com precisão. Ao realizar o processo de coleta de dados no vídeo, o pesquisador, influenciado pela baixa freqüência de amostragem do vídeo, pode ter estimado valores errôneos, alterando os resultados finais do processo de análise. O desenvolvimento de um método que substitua a coleta de dados manualmente na gravação por vídeo possibilitará a melhora da análise. Na prática clínica, a utilização de sofisticados aparelhos biomecânicos tem se mostrado de enorme valia para a quantificação de dados da marcha. Porém, estes métodos exigem um ônus muito grande aos profissionais, que geralmente não possuem tais recursos na prática semiológica, principalmente no contexto brasileiro. Este método se mostrou de baixo custo, o que facilita sua aquisição para a mensuração de variáveis temporais da marcha. Comparados a equipamentos como o eletromiógrafo, plataformas de força e o sistema de marcadores captados por receptores fotoelétricos (VIEL, 2001; PERRY, 2005), utilizados em departamentos de biomecânica, o método MAMM chega a significar um investimento claramente menor. Durante a captação de dados, alguns idosos apresentaram receio antes de realizar a marcha com os microfones, devido a seus fios estarem soltos, podendo entrelaçar-se nas pernas destes. Tal problema foi resolvido com a colocação de presilhas na altura da cintura dos idosos, evitando que seus fios ficassem no percurso, apresentando risco de queda de um destes 208 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 idosos. Pode-se futuramente desenvolver um dispositivo que possibilite a não utilização de fios para o acoplamento do microcomputador aos microfones. Outra limitação que poderia ser apontada seria o fato de que em algumas ocasiões, o sinal sonoro era de má qualidade, devido por exemplo a um mau posicionamento do dispositivo. Isso trazia a necessidade de uma nova gravação. Estudos futuros devem tentar resolver esse problema. Considerações Finais O presente estudo apresentou e validou a utilização do MAMM como ferramenta semiológica da marcha em idosos. As estimativas do MAMM se mostraram coerentes com a gravação de vídeo (boa concordância), método muito usado na prática clínica e de pesquisa. Logo, um método de menor custo e mais simples de ser utilizado torna-se uma possibilidade. A realização de estudos futuros se mostra necessária para melhoria do protótipo utilizado. A utilização de microfones sem fio, bem como o melhor acoplamento do protótipo a perna do indivíduo testado, são imprescindíveis para o aumento da confiabilidade do método. Agradecimentos Agradecemos ao Prof. Cláudio Cirto (Universidade Estácio de Sá) pelos conhecimentos compartilhados e pelo apoio concedido ao presente estudo, bem como ao fisioterapeuta Elecides Teixeira Junior pelo auxílio prestado para a elaboração do trabalho. Referências AMINIAN, K.; TREVISAN, C.; NAJAFI, B.; DEJNABADI, H.; FRIGO, C.; PAVAN, E.; TELONIO, A.; CERATI, F.; MARINONI, E. C.; ROBRT, P.; LEYVRAZ, P.F. Evaluation of ambulatory system for gait analysis im hip osteoarthritis and after total hip replacement. Gait & Posture, n. 20, p. 102-107, 2004. ANGIN, S,; KARATOSUN, V.; UNVER, B.; GUNAL, I. 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Palavras-chave: Guardador; João Antônio; marginalizado; sociedade. Introdução O presente trabalho tem como objetivo analisar o conto “Gurdador” do escritor João Antônio sob uma perspectiva literária. Apesar do traço marcante da obra de João Antônio constituir-se da tentativa de humanização de seus personagens marginalizados, dando-lhes, assim, visibilidade como cidadãos, não há aqui intenção de se fazer uma análise sociológica ou psicológica da relação entre protagonista e sociedade. A análise que se segue tem como base os recursos narrativos e linguísticos usados pelo autor na exposição dos explícitos e implícitos de sua literatura, assim como a forma como trabalha seu lirismo e sua pressuposta intenção de comover o leitor. [...] antes, procurava-se mostrar que o valor e o significado de uma obra dependiam de ela exprimir ou não certo aspecto da realidade, e que este aspecto constituía o que ela tinha de essencial. Depois, chegou-se à conclusão oposta, procurando-se mostrar que a matéria de uma obra é secundária e que a sua importância deriva das operações formais postas em jogo, conferindo-lhe uma peculiaridade que a torna de fato independente de quaisquer condicionamentos, sobretudo social, considerado inoperante como elemento de compreensão. (CANDIDO, 2000 pg.5) Contextualizando João Antônio na literatura brasileira Professora Mestre da Universidade Estácio de Sá-Campus Nova Friburgo. 212 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Autor contemporâneo, João Antônio atua como escritor no período entre as décadas de 1960 e 1990. Apesar de vivenciar o período de poder ditatorial no Brasil, as tensões, os rigores e a falta de liberdade próprios da época não constituem o foco de sua narrativa. Sob grande influência do que se chama, na literatura brasileira, de Romance Social, João Antônio, seguindo a linha de escritores como Lima Barreto e Alcântara Machado, surge como contista dos socialmente marginalizados, habitantes do submundo das grandes cidades, atribuindo-lhes humanidade. “O submundo de João Antônio é, sobretudo, um recorte social, define-se como um grupo à margem [...]. Os protagonistas predominantes da obra de João Antônio são mesmo os anti-heróis, jogadores, rufiões, merdunchos e prostitutas.” (LACERDA, 2006) Breve biografia João Antônio Ferreira Filho, natural da cidade de São Paulo, nasceu em 27 de janeiro de 1937. Filho de emigrante português − caminhoneiro, dono de botequim − e mãe carioca, dona de casa semianalfabeta, morou em “quase favelas” (LACERDA, 2009 pg. 3) na periferia paulistana. Desde os oito anos trabalhava para ajudar a família, inicialmente no comércio do pai e depois na posição de balconista, caixeiro viajante, office-boy e almoxarife em diversas empresas. Leitor assíduo, nunca deixou de estudar, embora o tenha feito com um pouco de má vontade no que dizia respeito ao estudo formal. Aos doze anos, em 1949, publicou alguns contos em um jornal infanto-juvenil, O Crisol. Aos dezessete anos, em 1954, como prêmio em um concurso de literatura, publicou seu primeiro conto adulto, “Um preso”, no jornal O Tempo. No mesmo ano, começa a frequentar os salões de sinuca e a boemia paulista. Nos anos seguintes, ganha outros concursos e tem mais contos publicados em diferentes jornais. Escreve sem parar. Ao terminar o segundo grau, ingressa na faculdade de jornalismo, praticamente a interrompe para servir ao exército, voltando depois para concluir o curso. Em 1963, lança seu primeiro livro de contos Malagueta, Perus e Bacanaço, com a reescrita de originais queimados durante um incêndio em sua casa, em agosto de 1960. “Finalmente, o livro estava na rua. O menino de origem humilde e pouco dado ao estudo formal, contra todos os obstáculos sociais e familiares, virara um escritor.” (LACERDA, 2009 pg. 4) Ainda na década de 1960, João Antônio muda-se para o Rio de Janeiro e começa a trabalhar no Jornal do Brasil. Em sequência, ingressa na revista Manchete e no Pasquim. Dividindo a vida entre São Paulo e Rio, começa também a narrar a vida cotidiana na capital carioca. Em 1978, lança Ô Copacabana!, livro de contos no qual narra este bairro carioca sem 213 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 visão idealizada. Em 1992, lança o livro de contos Guardador, que recebe o prêmio Jabuti e cujo conto homônimo é objeto de análise deste trabalho. Em 1996, é encontrado morto em seu apartamento em Copacabana. O mestre Lima Barreto Impossível falar de João Antônio sem enfatizar sua grande estima por Lima Barreto, escritor brasileiro pré-modernista cuja obra voltou-se para o romance social. À sua memória, dedicou todos os seus livros. Como diz em entrevista ao doutorando André Vinicius Pessôa: Em 1970, há mais de 20 anos, eu resolvi ler e estudar Lima Barreto. Concluí que se tratava não apenas de um dos maiores escritores do Brasil. Ele, além de escritor, foi homem de pensamento. É impossível hoje você escrever uma história da inteligência brasileira sem passar pela figura de Lima Barreto. Todos os grandes problemas brasileiros já estavam expostos na sua obra, como, por exemplo, a questão fundiária. Eu tenho por Lima Barreto não só uma admiração, mas um dever de gratidão por ele ter me aberto os olhos para uma porção de coisas sobre a natureza deste país. É um escritor muito forte, o maior romancista da chamada República Velha. Um escritor que sempre contrariou o estabelecimento, uma figura muito autônoma e independente. Ele foi um dos primeiros negros assumidos na história do país. Morreu aos 41 anos sem dinheiro para o enterro, foi ajudado por amigos. Deixou 17 livros. Eu tento, de uma maneira ou de outra, reverenciá-lo, dedico todos os meus livros a ele. (PESSÔA, 2009) O Conto Com alterações no foco narrativo, ou seja, ora narrado na terceira pessoa, ora na primeira, assim como utilizando-se de discurso direto, indireto e indireto livre, o conto Guardador nos dá o vislumbre da rotina de um flanelinha, nas ruas de Copacabana, nos idos anos de 1990. Jacarandá é seu nome, madeira forte, resistente, em contraste com a falta de importância atribuída à sua existência como indivíduo. É um flanelinha, função que, aos olhos da sociedade, torna-o membro impessoal de uma coletividade por ele representada: vagabundos oportunistas que, em vez de procuraram emprego formal, visam apenas extorquir dinheiro dos motoristas sob a possível ameaça não verbalizada de lhes danificar o carro. Mas, para João Antônio, Jacarandá não se resume a apenas isso. É um ser humano com angústias e reflexões; acima de tudo, com dignidade. Com um estilo peculiar de narrativa que privilegia a informalidade da língua oral em detrimento da formalidade da língua escrita, tanto na voz do personagem como na do próprio narrador onisciente − que a toda hora se mesclam − João Antônio diminui a distância entre dois mundos paralelos: o mundo do marginalizado que vive na ruas e dela tira seu sustento e o mundo do cidadão comum, que tem emprego fixo, família ou, ao menos, uma casa para a qual voltar. O uso de coloquialismos e de alguns desvios de linguagem, no entanto, não nos priva de reconhecer seu domínio da arte do bem escrever narrativo. João Antonio estrutura bem seus 214 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 textos, tem conhecimento amplo da língua brasileira e faz uso de retidão gramatical e vocabular nos momentos necessários, em prol de coerência e coesão. Usa e abusa de figuras de linguagem, o que confere grande carga expressiva ao seu texto. Não faz menção a parábolas bíblicas, a clássicos da literatura estrangeira ou nacional, nem à filosofia greco-romana, tampouco dialoga com saberes teóricos de grandes pensadores, cita, contudo, os dizeres, as crenças e os saberes do povo − o que faz com maestria. A rua ruim de novo. Abafava de quente, depois de umas chuvadas de vento, desastrosas e medonhas, em janeiro. Desregulava. Um calorão azucrinava o tumulto, o movimento, o rumor das ruas. Mesmo de dia, as baratas saíam de tocas e escondidos, agitadas. Suor molhava a testa e escorria na camisa dos que tocavam pra baixo e pra cima. O toró, cavalo do cão, se arrumava lá no céu. Ia castigar outra vez, a gente sentia. Ia arriar feio. Dera, nesse tempo, para morar ou se esconder no oco do tronco da árvore, figueira velha, das poucas ancestrais, resistente às devastações que a praça vem sofrendo. (ANTÔNIO, 1994 p. 49) As frases curtas e secas, as hipérboles (chuvada, calorão, toró, cavalo do cão), a escolha lexical típica das ruas − gíria da malandragem − as sequências de termos de valor negativo (ruim, abafava, chuvada, desastrosa, medonha, desregulava, calorão, azucrinava, tumulto, toró, castigar, arriar feio, velha, devastações, sofrendo), nos aproximam da rotina de quem vive nas ruas e das ruas, exposto às mudanças climáticas e ao tumulto; a imagem de baratas saindo agitadas de tocas e escondidos nos levam a imaginar o cenário onde se desenrolará a narrativa. Aqui quem nos fala é o narrador, pessoa presente, testemunha ocular do que fala, que se expressa com propriedade e objetividade. Narrador que não está ali contando a cidade de forma utópica/idealizada, mas contando o que há, o que vê, o que sente. Narrador e personagem muitas vezes se fundem durante o texto, aumentando a sensação de veracidade dos fatos. A origem humilde de João Antônio lhe proporcionou acesso ao modo de vida das baixas camadas sociais, ao submundo dos marginalizados. Era neste (sub)mundo que se sentia à vontade. “A convivência que ele fazia questão de cultivar com jogadores, prostitutas e boêmios, será decisiva na concepção de seus textos”. (MARTIN, 2008). No Rio de Janeiro, morando em um apartamento na Praça Serzedelo Correa, em Copacabana, convivia com a decadência do bairro, com o contraste entre a Copacabana cantada em verso e prosa e a Copacabana real, abafada, agitada, suja, cheia de baratas. Tenta a vida naquelas calçadas. 215 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Pisando quase de lado, vai tropicando, um pedaço de flanela balanga no punho, seu boné escorado lembra restos de carnaval. E assim sai do oco e baixa na praça. (ANTÔNIO, 1994 p. 49) É nas calçadas desta Copacabana que João Antônio nos apresenta seu personagem, ainda sem nome, que “tenta” − diferentemente de “ganha” − a vida nas calçadas. A descrição de seu andar e de seus gestos logo nos passa a impressão de desequilíbrio, de efeito de álcool. Acrescente-se a isso a informação de que o personagem mora ou se esconde no oco de uma figueira velha e, de lá, “baixa na praça”, podemos deduzir que esse personagem não tem acesso a um espaço fixo nem descente como moradia, vive no oco. A rua é sua casa. Da casa, sai para cumprir o expediente de trabalho. Para ele, como ficará mais claro logo adiante no conto, é um trabalhador; as pessoas as quais aborda, fregueses. Só no domingo, pela missa da manhã, oito fregueses dão a partida sem lhe pagar. Final da missa, aflito ali, não sabe se corre para a direita ou para a esquerda, três motoristas lhe escapam a um só tempo. Flagrado na escapada, um despachou paternal, tirando o carro do ponto morto: − Chefe, hoje estou sem trocado. Disse na próxima lhe dava a forra. Chefe, meus distintos, é o marido daquela senhora. Sim. Daquela santa mulher que vocês deixaram em casa. Isso aí – o marido da ilustríssima. Passeiam e mariolam de lá pra cá num bem-bom de vida. Chefe, chefe... Que é que vocês estão pensando? Mais amor e menos confiança. (ANTÔNIO, 1994 p. 49-50) Com sua narrativa, o autor nos permite ver a agilidade e aflição do personagem na cena que transcorre, “o dinamismo característico do texto de João Antônio”. (ESTEVES, 2006). Corre para um lado e outro, oito já lhe escaparam, outros três escapam juntos, é preciso correr. Quando um dos “fregueses” é flagrado na escapada, segue-se uma interlocução interessante e carregada de significado. A escolha do vocativo “chefe”, usado de forma paternal pelo “freguês fugitivo”, esboça uma consideração que, via de regra, não existe por parte dos motoristas, quando abordados por flanelinhas. A reação do guardador, expressa em forma de pensamento, deixa claro que ele percebe a tentativa de logro por parte do motorista; mais ainda, a seu ver, percebe a falta de respeito para com sua pessoa. “Mais amor e menos confiança” é o que pensa e o que poderia ser traduzido como um lembrete de que ele, guardador, também tem dignidade. Mas um guardador de carros encena bastante de mágico, paciente, lépido ou resignado. Pensa duas, três vezes. E fala manso. Por isso, Jacarandá procura um botequim e vai entornando, goela abaixo, com lentidão necessária à matutação. Chefe... O quê! Estão pensando que paralelepípedo é pão de ló? − Assim não dá. Havia erro. Talvez devesse se valer de ajudante, um garoto molambento, mas esperto dos descidos das favelas, que mendigam debaixo do sol da praça, apanham algum 216 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 trocado, pixulé, caraminguá ocioso e sem serventia estendido pela caridade, inda mais num domingo. Que dão, dão. Beberica e escarafuncha. Difícil saber. Por que as pessoas dão esmola? Cabeça branquejando, o boné pendido do lado reflete dúvidas. Três tipos de pessoas dão. Só uma minoria – ninguém espere outro motivo – dá esmola por entender o miserê. Há a maior parte, no meio, querendo se ver livre do pedinte. O terceiro grupo, otários da classe média, escorrega trocados a esmoleiros já que, vestidos direitinhamente, encabulariam ao tomar flagra em público – são uns duros, uns tesos. Para eles, não ter cai mal. Se é domingo, pior. Domingo é ruim para os bemcomportados. (ANTÔNIO, 1994 p. 50-51) Nas primeiras linhas do extrato acima, vê-se o claro confronto entre a resignação aparente e necessária e a raiva genuína do personagem pelo motorista, seguido de uma sensação de impotência, de exclusão e de desmoralização que o leva a beber. O uso de sequências de sinônimos (trocado, pixulé, caraminguá ocioso; duros, tesos) reforça a expressividade dos sentimentos. “A sonoridade das palavras, em João Antônio, têm um valor expressivo em si, independente. [...] João Antônio insiste em enumerar dezenas de sinônimos numa frase, siderado pelos ecos de cada um.” (LACERDA, 2006 pg. 9) A vida é dura, paralelepípedo, pedra quente e forte, não é pão de ló, massa leve e macia, como conclui o personagem. Em seguida, um momento de quase desistência, de constatação de que alguma coisa precisa mudar: “havia erro”. O próprio boné reflete dúvidas, diz o narrador, fazendo uso do recurso da prosopopeia. Talvez fosse melhor contar com a ajuda de meninos de favela, desses que estão acostumados a viver de esmolas, porque ele, o guardador, já tem a cabeça branquejando e não lhe sobra muita energia para trabalhar. Na reflexão de Jacarandá e, indiretamente, do próprio autor, só grande minoria das pessoas entende a miséria e olha para os miseráveis como pessoas que também sofrem e têm sentimentos. “Tenho uma atração muito grande pelo que é do povo. São pessoas de grande qualidade e, ao mesmo tempo, com grandes sofrimentos. Eu só gosto dessa gente. O popular me chama, me atrai muito.” (ANTÔNIO, 1992). Para a grande maioria, a miséria é indiferente, tudo o que quer é que a pobreza desapareça de sua vista. Para a classe média, que vive de aparências e precisa ostentar mais do que tem, ser melhor do que é, a esmola é cedida por vergonha de passar a impressão de não se sensibilizar ou não poder doar. Apesar da pinga, esses pensamentos não o distraem de suas necessidades cada vez mais ruças, imediatas. Se trabalhou, guardando-lhes os carros, por que resistem ao pagamento da gorjeta? Eles rezando na Catedral e, depois, saindo para flanar. Teriam dois jeitos de piedade – um na Catedral, outro cá fora? Chamou nova uca para abrir o entendimento. Muita vez, batalhando rápido nas praças e ruas, camelando nos arredores dos hotéis e dos prédios grandes no centro, no aeroporto, na rodoviária, notou. Ele era o único que trabalhava. Muquiras, muquiranas. Aos poucos, ondas de álcool rondando a cabeça, capiscou. Os motoristas caloteiros e fujões, bem-vestidinhos, viveriam atolados e amargando dívidas de consórcio, prestações, correções monetárias e juros, arrocho, a prensa de taxas e impostos difíceis de entender. Mas tinham de pagar e não lhes sobrava o algum com 217 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 que soltar gorjeta ao guardador. Isso. O automóvel sozinho comia-lhes a provisão. Jacarandá calculou. Motorista que faça umas quatro estacionadas por dia larga, picado e aí no barato, um tufo de dinheiro no fim do mês. Vamos e venhamos. Se não podiam, por que diabo tinham carro? O portuga diz que quem não tem competência não se estabelece. Depois, a galinha come é com o bico no chão. (ANTÔNIO, 1994 p. 51) Bastante significativa aqui a fala do narrador, que principia o parágrafo com uma oração adversativa: “Apesar da pinga...”. Apesar do álcool e da imagem de fuga, de malandragem e de desmoralização a que a bebida remete, Jacarandá pensa, raciocina, reflete: é dos poucos que trabalha, merece pagamento e não que os motoristas lhe fujam. Por outro lado, mesmo reconhecendo/criticando a vida de aparências de parte da sociedade, não lhe escapa que ela também enfrenta dificuldades financeiras. Contrai dívidas de consórcios, prestações, correções monetárias, juros e impostos que, apesar de não fazerem parte de sua vida, sabe que existem. O carro, aqui personificado, “come-lhes” a provisão. De tão mergulhados em dívidas, as pessoas não têm trocados que possam ceder e deixar de contabilizar como despesa no final do mês. Nas entrelinhas, o personagem sabe que todos têm dificuldades. A nós, leitores, esta reflexão pode até surpreender, parecer-nos romantizada – pois achamos que ali se encontra apenas um oportunista −, mas, para o guardador, e, por conseguinte, para o próprio autor, a reflexão é séria, tem fundamento, é tão séria a ponto de o personagem dizer a si para não mais pensar no assunto, sob o risco de tornar-se compreensivo e complacente com relação ao outro. Sob o risco de enfraquecer. Uma grande novidade na temática de João Antônio, desde seu primeiro livro, é a valorização da humanidade de seus personagens. “Por certos momentos, de tão „humanos‟ chegam a ser idealizados e romantizados. Empresta-se a eles um lirismo que transcende sua vida corrompida e os dignifica.” (Lacerda, 2006) Tomar outra, não enveredar por esses negrumes. Nada. Corria o risco de desistir de guardador. Ele sabia na pele que quem ama não fica rico. E, se vacilar, nem sobrevive. Para afastar más inclinações, pediu outra dose. (ANTÔNIO, 1994 p. 51-52) No entanto, como parte integrante de um sistema capitalista e impiedoso, o guardador retorna à postura crítica anterior, não hesitando sair em defesa própria e deduzir: “quem ama não fica rico” e “quem não tem competência não se estabelece”. Para não enfraquecer e não correr o risco de abandonar a profissão, embriaga-se mais. À tarde, houve futebol; suaram debaixo de um sol sem brisa. Ele e mais um magrelo de uns oito anos, cara de quinze. A sorte lhes sorriu um tanto; guardando uma fileira de carros no estádio, levantaram uns trocos, o crioulinho vivaço levou algum e o homem foi beber. Havia se feito um ganho. Quando a peça não tem o que fazer, não tem nada o que fazer. Já não tem gana, gosto. E nem capricho; acabou a paciência para amigos ou auditórios. Distrações suas, se há, vêm das necessidades e dos apertos. Não que o distraiam; certo é que o aporrinham. Depois, não é de lamentações; antes, de campanar. Nem joga dominó ou dama, a dinheiro, com os outros, enfiados na febre dos tabuleiros da praça 218 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 na sombra das mangueiras. Mas que espia, espia, vivo entendedor. Goza com os olhos os lances errados dos parceirinhos bobos. (ANTÔNIO, 1994 p. 52) Mais uma vez, a bebida como fim, como fuga, como única recompensa pelo trabalho, pois afinal, o personagem de João Antônio não tem perspectivas, vive uma realidade que lhe acumula desprezo e desmoralização. Não tem para onde ir, é “desfixado”, vive na rua. “As personagens de João Antônio só teriam a compartilhar essas experiências „radicalmente desmoralizadas‟. Resta-lhes, assim, a solidão, o silêncio, o estar-separado, ausente de vida comum.” (ESTEVES, 2006). Fora a bebida, é um personagem sem lazer, sem distração, apenas com necessidades que lhe ocupam a mente. Não se envolve em jogos, mas deles entende e lança seu olhar crítico sobre os jogadores, aos quais considera “parceirinhos bobos”, e dos quais extrai um breve gozo. Nem sustentava a vitalidade dos guardadores. Bebia, lerdeava, e depois a hora do almoço largava-se cochilando no oco da figueira. Era acordado pela molecagem de motoristas gritalhões. Nada de grana e ainda desciam a língua. − Pé de cana! Velho vagabundo! Os cabelos pretos idos e, de passagem, a vivacidade, a espertice, o golpe de vista, o parentesco que guardadores têm com a trucagem dos camelôs e dos jogadores de chapinha, dos ventanistas, dos embromadores e mágicos, dos equilibristas e pingentes urbanos. Subir nos lugares mais insuspeitados e imprevistos, pular à frente do motorista no momento em que o freguês não espera. Miraculosamente, como de dentro de um bueiro, de um galho de árvores, de dentro do chão ou do vão de alguma escadaria. Saltar rápido e eficiente, limpando com flanela úmida o para-brisa, impedindo a escapada e cobrando com cordialidade. Ironizar até com humildade e categoria tratando o cara de doutor. E de distinto. (ANTÔNIO, 1994 p. 52-53) Outra emoção sutilmente mostrada ao longo do texto de João Antônio é o ressentimento: Jacarandá se ressente das ruas, do calor, do abafamento; dos motoristas que não lhe pagam, dos motoristas que lhe pagam apenas para se verem livres dele, sem entender o que é a miséria; da molecagem e dos outros motoristas que o taxam de alcoólatra e de vagabundo, sem terem noção do que é sua vida. Vale relembrar sua reflexão: “Estão pensando que paralelepípedo é pão de ló?” (ANTÔNIO, 1994 p. 50) Os guardadores, o personagem reflete com orgulho, são espertos, quase mágicos, têm a capacidade de aparecer do nada, de saltar rapidamente na frente do freguês, têm “truncagem” típica de mágicos. E são cordiais, mesmo que para isso usem de ironiza. Não agridem os clientes, tratam-nos com categoria. No entanto, ninguém parece perceber sua destreza e tampouco lhe retribuem a gentileza. Apesar de orgulhoso de si, ressente-se. Aos trompaços dos anos e minado pelo estrepe dos botequins, ele emperrara a sua parte dessa picardia levípede. Havia cata-mendigos limpando a cidade por ordem dos mandões lá de cima. Assim, no verão; os majorengos queriam a cidade disfarçada para receber turistas e visitantes ilustres. Os jornais, as rádios e a televisão berravam e não 219 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 se sabia se estavam denunciando ou atiçando os assaltantes e a violência das ruas. Quando em quando, o camburão da polícia cantava na curva da praça e arrastava o herói, na limpeza da vagabundagem, toda essa gente sem registro. A gente do pé inchado. Ele seguia, de cambulhada, em turminha. Lá dentro do carrão, escuro e mais abafado. Cambaio, sapatos comidos, amuava e já se achava homem que não precisava de leros, nem tinha paciência pra mulher, patrão ou amizadinha. De bobeira, tomava cadeia; saía, de novo bobeava, o metiam num arrastão. Lá vai para o xilindró. (ANTÔNIO, 1994 p. 53) “Herói”, eis aí, talvez, algo a mais que João Antônio tenha desejado passar para o leitor, neste conto. Fugindo dos padrões do herói do romance clássico, o herói de João Antônio não é menos forte, corajoso, hábil ou desimportante que este. Não é um semideus como os heróis gregos, não é o belo justiceiro como os heróis dos romances de cavalaria. É o marginalizado que, apesar de todo o sofrimento, todos os infortúnios, segue vivendo. Sente o peso dos anos, sofre com as desatenções e é massificado, recolhido pelo camburão da polícia como parte de uma coletividade de vagabundos indesejados. − Chegou o velho chué. No chiqueiro da polícia mofava quinze dias, um mês. Velho conhecido e cadeeiro, sim, era salvado com zombaria que parecia consideração na fala dos freges e dos cafofos. Banguelê: − Chegou o velho cachaça! Se entre o pessoal, se os mais moços, se os mais fortes não o aporrinhavam com humilhações, desintoxicava ali, quieto nos cantos que lhe permitiam. (ANTÔNIO, 1994 p. 53) O uso incessante de comparações que se seguirá pelo conto − aqui “cela” por “chiqueiro” − denuncia, de forma quase ilustrativa, as condições às quais o personagem enfrenta. Aqui, agora de forma explícita, o alvo é o poder público e seu descaso. Ser conhecido por apelidos remete à familiaridade, à reincidência: já foi várias vezes retido pelo poder público e depois solto, para retornar ao mesmo modo de vida em que se encontrava. E tem que, não bebido, volta. É outro. Os movimentos de seu corpo ainda magro de agora lembram os movimentos do corpo antigo. O verde das árvores descansa, ah, assobia fino e bem, ensaia brincar com as crianças da praça. Dias sem cachaça, as cores outra vez na cara, concentra um esforço, arruma ajudante, junta dinheiro. Quando quer, ganha; organizado, desempenha direitinho. Nas pernas, opa, uma agilidade que lembra coisa, a elegância safa de um passista de escola de samba. Vem carro acolá: − Deixa comigo. (ANTÔNIO, 1994 p. 54) Fora das ruas, no entanto, embora “mofe” na cadeia, como bem metaforiza o autor, o personagem ganha novo viço. A impossibilidade de beber o faz voltar a tomar as rédeas de si. Surge um fio de esperança, mesmo em local improvável, de que há ainda vida e possibilidade de recuperação. 220 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Mas na continuação, nem semana depois, derrapava. À cana, à uca, ao mata-bicho. Ao pingão. Fazia o carro; molhava o pé. Fazia mais, bebia a segunda e demorava o umbigo encostado no balcão. Dia depois de dia entornando, perdia freguês e encardia, não tomava banho. Ia longe o tempo em que dormia em quarto de pensão. E nem se lembrava de olhar o mar. Enfiava-se, se encafuava no oco do tronco da árvore velha, tão esquecida de trato. Fizera o esconderijo e, então, o mulherio rezadeiro das segundas e sextas-feiras ia acender suas velas para as almas e para os santos ao pé de outras árvores. E xingavam quem lhes tomara o espaço. (ANTÔNIO, 1994 p. 54) Mas João Antônio escrevia sobre o que conhecia, não era um observador distante. “Eu sou o tipo de escritor que vivencia as coisas sobre as quais escreve” (ANTÔNIO, 1992). Seus personagens são frutos do meio, vítimas do determinismo, das “leis naturais‟ − fundamento das narrativas realistas/naturalistas − de onde, geralmente, não há escapatória. “O Realismo se tingirá de naturalismo, no romance e no conto, sempre que fizer personagens e enredos submeterem-se ao destino cego das „leis naturais‟ que a ciência da época julgava ter codificado.” (BOSI, 2006 p.168) Dizia-se. Miséria pouca é bobagem. A praça aninhava um miserê feio, ruim de se ver. A praça em Copacabana tinha de um tudo. De igreja à viração rampeira de mulheres desbocadas, de ponto de jogo de bicho a parque infantil nas tardes e nas manhãs. Pivetes de bermudas imundas, peitos nus se arrumavam nos bancos escangalhados e ficavam magros, descalços, ameaçadores. Dormiam ali mesmo, à noite, encolhidos como bichos, enquanto ratos enormes corriam ariscos ou faziam paradinhas inesperadas perscrutando os canteiros. Passeavam cachorros de apartamento e seus donos solitários e, à tarde, velhos aposentados se uniam e tomavam a fresca, limpinhos e direitos. Também candinhas faladeiras, pegajosas e de olhar mau, vestidas fora de moda, figuras de pardieiro descidas à rua para a fuxicaria, de uma gordura precoce e desonesta, que as faziam parecer sempre sujas e mais velhas do que eram, tão mulheres mal amadas e expostas ao contraste cruel do número imenso das garotinhas bonitas no olhar, na ginga, nos meneios, passando para a praia, bem dormidas e em tanga, corpos formosos, enxutos, admiráveis no todo... também comadres faladeiras, faziam rodinhas do ti-ti-ti, do pó-pó-pó, do dizque-diz novidadeiro e da fofocada no mexericar, à boca pequena, chafurdando como porcas gordas naquilo que entendiam e mal como vida alheia, falsamente boêmia ou colorida pelo sol e pela praia, tão aparentemente livre, mas provisória, precária, assustada, naqueles enfiados de Copacabana. Rodas de jogadores de cavalos nas corridas noturnas se misturavam a religiosos e a cantarias do Nordeste. Muito namoro e atracações de babás e empregadinhas com peões das construtoras. Batia o tambor e se abria a sanfona nas noites de sábado e domingo. Ou o couro do surdo cantava solene na batucada, havia tamborim, algum ganzá e a ginga das vozes mulatas comiam o ar. Aquilo lhe bulia – se a gente repara, a batida do pandeiro é triste. Ia-lhe o sangue. Os niquelados agitavam o ritmo, que o tarol e o tamborim lapidam na armação de um diálogo. (ANTÔNIO, 1994 p. 54-55) Mais uma vez, Jacarandá, em suas reflexões, encontra certo consolo observando a situação dos outros à sua volta. “Miséria pouca é bobagem”, conclui, ao ver o contexto no qual está inserido. 221 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Segue-se no texto uma descrição minuciosa de Copacabana, de seus contrastes (prostitutas e beatas; jogatina e parques infantis), de sua mistura de classes e costumes que coexistem num espaço relativamente pequeno. O lado marginal, provinciano, feio, sujo, libidinoso e antiestético da “princesinha do mar” é denunciado, mostrando a superficialidade da imagem de cartão-postal. Jacarandá ressente-se e emociona-se: “[...] a batida do pandeiro é triste.” O vento vindo do mar varria a praia e chegava manso ao arvoredo noturno. Refrescava. Os olhos brilhavam, quanto, ficavam longe, antigos e quase infantis numa lembrança ora peralta, ora magnífica. O samba. Era como se ele soubesse. Lá no fundo. O que marca no som e o que prende e o que importa é a percussão. Mas meneava a cabeça, como se dissesse para dentro: “deixa pra lá”. (ANTÔNIO, 1994 p. 55-56) Emocionado, personagem tem lembranças da infância. São lembranças abstratas, pouco elaboradas e individualizadas, pois, mais uma vez, têm a ver com uma relação de coletividade e não de individualidade: o samba, música de todos, com raízes na marginalidade do povo carioca. Mas lembranças não lhe fazem bem, pois, certamente, não há para onde voltar, tampouco para onde ir. “Deixa pra lá”, pensa. Outra vez. Na noite, o bacana enternado, banhado de novo, estacionou o carro importado, desceu. Entrou na boate ali defronte, ficou horas. Saiu, madrugada, lambuzado das importâncias, empolado e com mulher a tiracolo. Jacarandá, bebido e de olho torto, vivia um momento em que fantasiava grandezas, tomando um ar cavalheiresco. O rico, no volante, lhe estendeu uma moeda. A peça, altaneira no porre, nem o olhou: − Doutor, isso aí eu não aceito. Trabalho com dinheiro, com esse produto não. Avermelhado, fulo, o homem deu partida, a mulher a seu lado sacudiu, o carrão raspou uma árvore e sumiu. Pneus cantaram. O menino já tinha se mandado, pegara o rumo do morro e, não estivesse no aceso de um pagode, sambando, estaria dormindo no barraco. Era hora. Jacarandá, cabeça alta, falou-lhe como se ele estivesse: − Xará, eu ganho mais dinheiro que ele. É que não saio do botequim. – Aí, foi para dentro do oco da árvore, encostou a cabeça e olhou a lua. (ANTÔNIO, 1994 p. 56) Recuperado do breve retorno ao passado, o protagonista volta à atividade. Um contraste marcante se segue rumo ao fim da narrativa, um confronto direto entre o personagem marginalizado e outro socialmente favorecido; um verdadeiro embate de orgulhos e dignidades. Apesar de pobre e excluído, Jacarandá tem noção da própria existência e, como já mostrado em partes anteriores do conto, não suporta que lhe firam os brios. Quando o freguês que, pela aparência, ele julga rico entrega-lhe uma moeda, Jacarandá, mesmo alcoolizado, sai em defesa da própria dignidade, negando a gorjeta. Trabalha com dinheiro, não com aquele produto. 222 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Em um momento carregado de lirismo, que tanto pode ser interpretado como fruto de um devaneio, de uma necessidade de compensação, ou de reconhecimento de quem de fato seja, o personagem julga-se tão capaz e importante quanto o freguês. O que o prejudica, é a bebida. Volta então para o oco, para o vazio e mira a lua, o inalcançável. Considerações Finais Após uma análise pormenorizada de “GUARDADOR”, resta-nos endossar o que Antonio Candido expõe no início do capítulo de “Crítica e sociologia”, devidamente citado na página 2 deste trabalho, sobre a independência da obra literária. Em pouco mais de dez páginas de extratos comentados do conto, ora abordando-se o foco narrativo, o tipo discursivo, o registro, os recursos estilísticos utilizados pelo autor, ora falando do próprio autor e de sua vivência, que, em conjunto com toda sua habilidade de escrita, confere verossimilhança à narrativa, podemos dizer que João Antônio cumpre sua pressuposta intenção de dar voz e visibilidade ao marginalizado, via literatura, sem para isso lançar mão de uma narrativa documental, panfletária, baseada em análises sociológicas ou psicológicas. Tampouco nós, leitores ou estudiosos de literatura, precisamos enveredar por estes caminhos para extrair a essência de sua obra. No espaço de três páginas, personagem e enredo nos envolvem e nos fazem visualizar, se não vivenciar, a vida de um indivíduo tão comum em nosso dia a dia e ainda assim, tão invisível como cidadão. Romanceada ou não, difícil sair incólume da leitura desta obra de João Antônio. É a literatura cumprindo seu papel. Referências ANTÔNIO, João. Guardador. 2 Ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1994. ______________. Ô Copacabana! 1 Reimpressão, 2008. São Paulo: Cosac Naify, 2001. ______________. Entrevista com João Antônio. Disponível em: http://portalliteral.terra.com.br/artigos/entrevista-com-joao-antonio. Entrevista concedida a André Vinicius Pessoa, 1992. BOSI, Alfredo. História concisa da Literatura Brasileira. 43 Ed. São Paulo: Cultrix, 2006. CANDIDO, Antonio. Literatura e Sociedade. 8 Ed. São Paulo: T.A. Queiroz, 2000; Publifolha, 2000. – (Grandes nomes do pensamento brasileiro). ESTEVES, Ana Maria. A candangagem despencou-se e perdeu as origens: Ô, Copacabana! Contemporânea, Rio de Janeiro, n° 7, 2006. Disponível em: http://www.contemporanea.uerj.br/pdf/ed_07/07ANAMARIA.pdf. Acesso em: setembro de 2011. 223 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 LACERDA, Rodrigo. João Antônio: uma biografia literária. Tese de doutorado, São Paulo, 2006. Disponível em: http://www.rodrigolacerda.com.br/ja-biografia ________________. O primeiro amor de João Antônio. In: ANTÔNIO, João. Malagueta, Perus e Bacanaço. 4. Ed. rev. São Paulo: Cosac Naify, 2009. MARTIN, Vima Lia. Literatura e Marginalidade – Um estudo sobre João Antônio e Luandino Vieira. 1 Ed. São Paulo: Alameda 2008. PESSOA, André Vinicius. Entrevista com João Antônio, 26 mar. 2009. Disponível em: http://portalliteral.terra.com.br/artigos/entrevista-com-joao-Antônio. Acesso em: 17 out, 2011. 224 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Língua e literatura na informática e sua influência na educação Autor: Rick Azevedo da Cunha Curso de Letras Universidade Estácio de Sá Unidade Nova Friburgo Orientadora: Valéria Campos Muniz Resumo Com as inovações tecnológicas e a popularização do computador e da internet, as mudanças são grandes e perceptíveis. Essas mudanças também atingiram a língua, a literatura e a educação. O presente trabalho apresenta as mudanças ocorridas na área literária, como novos gêneros textuais e a adaptação de outros para o ambiente virtual. Na área da linguística, há os casos de estrangeirismos que se acabam sendo incorporados aos nossos dicionários e palavras que são modificadas para a nossa Língua. Na área da educação, há diversos instrumentos que são inovadores que acrescentam no processo de ensino-aprendizagem, facilitando o estudo e cativando os alunos que se identificam com as novas tecnologias. Introdução A época, em que o público se contentava em apenas receber informações sem intenção de modificá-las, apenas navegar de site em site num simples estado de contemplação, já está ultrapassada. As páginas dos sites tornaram-se mais acessíveis, permitindo a interação daqueles que tinham uma posição passiva diante da grandiosidade de informações contidas na rede. Atualmente, a chamada “web 2.0” permite ao indivíduo tornar-se coautor dessa nova era informatizada emergente. O usuário de vários serviços e sites pode transformá-los segundo sua vontade e sua necessidade. Mas, como nenhuma revolução atinge somente um lado; esse mesmo usuário, que é agente transformador na web também sofre transformações feitas por ela. Transformações que ocorreram ao longo do tempo, como, por exemplo, a dependência por esses mesmos serviços, que tornaram-se essenciais na vida social do indivíduo, provocaram também mudanças na linguagem, na língua, na visão de mundo e na forma de leitura. Professora Mestre da Universidade Estácio de Sá-Campus Nova Friburgo. 225 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Isso tudo acontece pelo constante uso das tecnologias de informação e comunicação (TIC) que está em crescimento contínuo em todo o mundo. O número de pessoas que acessam a internet só aumenta e, com isso, a revolução informatizada atinge mais pessoas, podendo estas ser agentes transformadores não só na web, mas também na área em que desejarem. Isso se dá pela facilidade de relações que há na internet, a troca de informações e o conhecimento de trabalhos que, sem a web, não seriam conhecidos. Um meio onde isso tudo acontece são os sites de redes sociais que, segundo Raquel Recuero (2009, p. 102), são “os espaços utilizados para a expressão das redes sociais na Internet”. Em outras palavras, uma rede social é o local em que conexões entre indivíduos são realizadas, podendo estes ter ou não os mesmos interesses e objetivos. Logo, as redes sociais são lugares, na web, de encontros. Para Boyd & Ellison (2007), as redes sociais são sistemas que permitem a construção de um perfil ou página pessoal; interação através de comentários; e a exposição do perfil de cada ator. Na rede social, o internauta tem a liberdade de expressar e de modificar a sua página na web, podendo se relacionar com quem quiser e expor-se da sua maneira. O internauta tem a facilidade de transformar esse meio da rede social. Assim, “ser amigo” nessas redes, como Orkut, Facebook, Twitter tornou-se mais do que simples relações superficiais da web com intuito de “quanto mais melhor”; as redes sociais transformaram-se em trampolins para a divulgação de trabalhos, teses, novidades artísticas. Mostrar sua criatividade e investir um pouco na divulgação dela, já faz com que o indivíduo seja conhecido por certa comunidade da web e os próprios membros da comunidade divulgam aquilo de que gostam, aprovando ou não o trabalho. Desta forma, os mais diversos produtos criativos e novos vão se espalhando pelas redes sociais e o que é bom ou chama atenção do público cai nas telas dos internautas e o que era novo torna-se conhecido, gerando fama e sendo propagado por toda a web. O que vamos estudar nesse trabalho é como essa era informatizada com a web 2.0 influencia a Literatura e a Língua Portuguesa. Como a web incentivou a criação e divulgação literária, fazendo com que a leitura no ambiente virtual chegasse a ultrapassar a leitura dos livros físicos. Quais os novos tipos de textos literários emergentes. Qual a influência da informática na linguagem e como se lidar com essas mudanças? Essas e outras questões serão discutidas no decorrer dessas páginas. Web Autores Quando o internauta sai da posição passiva para ser esse transformador da web, segundo Francis Pisani e Dominique Piotet, ele se torna um web ator. Já não são mais navegadores passivos, que consomem, sem reagir a informação que lhes é proposta nos sites mantidos por especialistas. Os usuários atuais propõem serviços, trocam informações, comentam, envolvem-se, participam. Eles e elas produzem o essencial do conteúdo da web. Esses internautas em plena mutação não se 226 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 contentam só em navegar, surfar. Eles atuam; por isso, decidimos chamá-los “web atores”. (2010, p.16). Como analisaremos as transformações que a web trouxe para as áreas de linguagem e literatura, ouso em chamar o web ator de web autor, pois ele faz parte da web, construindo-a em um ciclo de receber e produzir, usando a criatividade nas palavras e publicando aquilo que produz. Ser web autor não é simplesmente escrever, o web autor deve se adaptar aos serviços que, muitas vezes, possuem limitações e formas diferentes das encontradas fora da web. Como, por exemplo, o Twitter (o que analisaremos mais à frente). Literatura Informatizada Com a possibilidade fornecida pela web de criação, produção e transformação, o web autor usa a web da maneira que deseja, transformando-a segundo seu estilo de vida, preferências e tribos. O web autor faz com que a literatura torne-se objeto de uma produção da web, dada a facilidade que ele tem de produzir e divulgar para a comunidade de internautas e interagir com ela. Com o advento da web 2.0, um novo tipo de produção literária, nos moldes que antes não existia, atinge um público diferente daquele que produz literatura fora da web. Tal agilidade de troca de informações e inovações faz com que a web seja uma incentivadora da produção artística (inclusive literária). A própria liberdade que a web proporciona atinge o web autor, incentivando-o a escrever. A falta de regras, a possibilidade de uso de uma linguagem menos formal, a aceitação dos mais variados temas permitem ao usuário expressar sua arte, seus desejos e suas ideias da forma que bem entender e no momento em que quiser. Ele pode compartilhar do seu jeito o seu perfil e o perfil da sua produção. O incentivo ocorre também pela fácil exposição e publicação da arte produzida nas mais diversas formas de interação que há na web, fazendo do produtor, alguém conhecido no meio. Isso acontece pelas mais diversas redes sociais que conectam grupos de amigos, grupos de interesses, tribos e muito mais, levando a descobertas de coisas novas a cada busca na web. Diante da grande variedade de conteúdo encontrado na web, não é difícil nos depararmos com diferentes tipos de texto. As novidades literárias rodeiam o internauta que, muitas vezes, consome a arte sem perceber a literariedade. Essa variedade facilitou a propagação das Fanfics (abreviação de “fan fiction” – ficção criada por fãs81) que são narrativas alternativas criadas por fãs de filmes, HQs, jogos, livros. O fã tem a liberdade para usar os personagens como bem entender, podendo misturar personagens ou colocá-los em situações diferenciadas do enredo oficial. As fanfics podem ser desde pequenos contos até romances de vários capítulos. Foi com a internet que houve a proliferação das fanfics, pela facilidade de publicação e de atingir os fãs de determinadas histórias. Com os diversos fóruns da web, os blogs, os fóruns 81 In: http://pt.wikipedia.org/wiki/Fanfic 227 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 das comunidades do Orkut e dos próprios sites criados, exclusivamente, para a publicação e criação de fanfics, o número de leitores aumentou e, com isso, a produção também aumentou. Há diversos sites somente de fanfics com temas gerais, como: www.fanfiction.net; www.fanficaddiction.com.br; www.fanfics.animespirit.net; www.fanficobsession.com.br. E também sites com fanfics de temas específicos, como: http://fanfic.potterish.com/ - Fanfics sobre Harry Potter; www.fanfic.twilightteam.com.br – sobre a saga Crepúsculo, e, até mesmo, o Orkut que está cheio de comunidades dedicadas somente a fanfics de determinadas séries, livros ou desenhos. Essas narrativas tornaram-se conhecidas e utilizadas em todo o mundo. Não ficaram somente chamadas de fanfics. De acordo com sua finalidade e da forma como é escrita, as fanfics são nomeadas diferentemente. Por exemplo: Deathfic - onde os personagens principais morrem; Drabble - uma fanfic que contém entre 100 e 500 palavras; Slash - cujo tema principal concentra-se na relação entre dois personagens centrais; Cross Over - Fanfics onde se misturam universos diferentes, ex.: Naruto/Bleach, Crepúsculo/Harry Potter; e Canonfanfics que seguem fielmente a história, principalmente em termos de casais e caracterização de personagens. Uma série de livros e filmes que é bastante famosa no mundo e com fanfics espalhadas por toda a web, é “Harry Potter” da escritora britânica J.K. Rowling. É a história de um menino que aos 11 anos que vê sua vida mudar ao descobrir que é um bruxo e, ao lado de seus amigos, vai passar por aventuras e batalhas contra um poderoso bruxo das trevas. Abaixo, um exemplo de uma fanfic Canon do Harry Potter: Título: Reerguendo-se > R/Hr (Pós Deathly Hallows) Primeiro capítulo: O recomeço A guerra no castelo da Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts havia terminado e Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado finalmente tinha sido derrotado. Infelizmente essa dura batalha havia tirado a vida de muitos bruxos e deixado muitos feridos. A notícia de que o Garoto que sobreviveu derrotara o Lord das Trevas espalhou-se rapidamente através de diversos jornais, todos trazendo na capa o rosto não somente do famoso Harry Potter, como também seus inseparáveis amigos Ronald Weasley e Hermione Granger. Todo o Mundo Bruxo ficou sabendo quase que detalhadamente de como Harry destruira Voldemort com a ajuda da Armada de Dumbledore, como Harry, Ron e Hermione tinham destruido as Horcruxes, como Neville Longbottom havia matado a cobra de Voldemort, Nagini ,que era uma Horcrux e como todos os alunos e professores haviam se unido para lutar. Para a tristeza dos familiares, os jornais também traziam os nomes daqueles que haviam perdido suas vidas enquanto lutavam. (www.orkut.com.br/Main#CommMsgs?cmm=15161746&tid=2574103919902442059) Como podemos ver, as fanfics evoluíram graças a ajuda da web e dos web autores que estão sempre inovando e divulgando seu trabalho. Os leitores de livros ou fãs de desenhos e filmes, quando acaba a série, se sentem “órfãos” e migram para as fanfics, seja para consumir seja para produzir, em sites, fóruns e blogs. 228 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Este último item – os blogs –, chamados, inicialmente, diários virtuais, são páginas da internet hospedadas por algum serviço próprio como Wordpress, Blogspot, onde o internauta escreve o que quer em seus „posts‟. Os blogs tornaram-se mais do que diários, são verdadeiros acervos de textos literários. São neles que vários autores novatos e criativos são descobertos. A própria plataforma do blog ajuda nisso, o leitor pode ler, comentar e interagir com o autor. Não é de duvidar que haja conteúdos literários espalhados nos mais diversos blogs, pois vários deles tornaram-se livros. Como o da Raquel Pacheco (mais conhecida como Bruna Surfistinha) que, a partir de seu blog pessoal, caiu nas graças do povo e em seguida na mídia. Raquel Pacheco com o pseudônimo de Bruna Surfistinha criou um blog para contar sua vida de prostituta, narrando cada encontro, sexo e aventura. O blog agradou aos internautas, popularizando-se. Em 2005, Raquel lançou o livro “O Doce Veneno do Escorpião” com o conteúdo da página da internet que criou. O livro vendeu 250 mil exemplares, com o sucesso, também foi lançado em Portugal e na Espanha. Após isso, Raquel ainda lançou mais dois livros. E está sendo esperado o lançamento do filme com o mesmo título do primeiro livro. Lembrando que isso tudo, aconteceu pela simples criação de um blog. E tem editora que aposta nessa ideia. Como a BlogBooks que promove o Prêmio BlogBooks. Esse concurso é para os blogueiros que têm a intenção de fazer com que seus blogs tornem livros. Eles se cadastram no site e colocam em seu blog um banner para os internautas votarem. São 13 categorias de blogs e são 13 os vencedores – um de cada categoria. A editora já promoveu o primeiro prêmio e os blogs que ganharam foram: Poltrona.TV (Artes e cultura), Dinheirama (Comunicação e negócios), Pergunte ao urso (entretenimento), Aventuras Gastronômicas (Gastronomia), Kibe Loco (Humor), Vi o mundo (política), Bichinhos de jardim (Quadrinhos), Blog da Salette Ferreira (Religião), Sexto sexo (sexo), Guanabara.info (Tecnologia), Planejando meu casamento (Universo Feminino), Papo de homem (Universo Masculino). (http://www2.blogbooks.com.br/premios.asp) Podem-se citar outros web autores como Marco Aurélio Gois dos Santos, criador do blog Balde de Gelo, Clarah Averbuck em seus vários blogs, como Brazileira!Preta que se tornaram alguns livros e Juliana Sampaio e Laura Guimarães do blog Mothern.82 A leitura na web é mais dinâmica e conquista um público que está sempre em frente ao computador e que acaba, muitas vezes, não lendo um livro impresso, sua leitura é basicamente informatizada, é na web. E quando um conteúdo da web torna-se livro, atinge outro público: aquele que consome livros. Assim, vários leitores são conquistados e têm o contato com o 82 In: http://g1.globo.com/Noticias/Tecnologia/0,,MUL18256-6174,00BLOGS+VIRAM+LIVROS+E+FICAM+PALPAVEIS+AO+LEITOR.html 229 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 material produzido. Com isso, vemos que o blog é um grande incentivador tanto da escrita, quanto da leitura, por abranger uma gama de leitores diferenciados. O fato de a web estar sempre em revolução faz com que surjam tipos literários dos serviços mais diferenciados. Um serviço que nasceu para revolucionar (até a literatura) foi o Twitter. Microblog que nasceu em março de 2006, com o intuito de utilizar o serviço de SMS para troca de mensagens sobre “o que você está fazendo”. Permitindo posts com apenas 140 caracteres (chamados „tweets‟), o Twitter permite que um usuário tenha followers (seguidores) e siga (following) quantos usuários quiser. Assim, na página do usuário no Twitter, ele vê os posts de quem ele está seguindo. E o que isso muda para a literatura? O slogan e a pergunta para o post do Twitter no início era: “What are you doing?” (O que você está fazendo?), deixando a resposta bem objetiva. Depois de um tempo, com a popularização dessa rede social, o slogan mudou para: “What‟s happening?” (O que está acontecendo?). Assim, o Twitter deixa a visão subjetiva e diretamente pessoal para uma visão de mundo. Com o novo slogan, o web autor ou “tuiteiro” passa para a posição de autor daquilo que está acontecendo, usando da criatividade para falar daquilo que o cerca. Mas o microblog (ainda) não é uma rede cheia de (micro) textos literários. A maioria dos tweets (mensagens enviadas no Twitter) ainda está sob a pergunta: “o que você está fazendo”. São poucos os que usam a criatividade literária no Twitter. Lembrando que o Twitter não atingiu ainda todo o público. Em geral, os “tuiteiros” são jovens entre 18 e 24 anos, executivos, blogueiros e pessoas da área de comunicação, segundo a revista Época de maio de 2010. Um “tuiteiro” precisa saber ser objetivo nos seus 140 caracteres, saber passar o que quer, rapidamente, e de forma lúcida. No Twitter, há as hashtags (ou somente tags) que são um tipo uma “etiquetagem” dos posts. São palavras-chaves associadas aos textos enviados. Nesse serviço, a tag é precedida pelo sinal #, facilitando a procura e recuperação de mensagens com os mesmos assuntos. As tags incorporaram, no Twitter, também etiquetagens como formas de manifestos, como #forasarney, na política, e #foradourado, na mídia televisiva. A tag #microconto é um exemplo de literariedade presente no Twitter. A grande diferença e peculiaridade do micro conto, nessa rede social, é que, com apenas 140 caracteres, ele pode ter interpretações diferentes e mexer com o leitor. Encontrar palavras que reduzam o texto, sem mexer com o sentido, saber escrever nas entrelinhas das poucas linhas que existem no Twitter é a grande chave do micro conto. Exemplos de micro contos, retirados do Twitter: @PauloFroda: Quando eu te conheci, minhas lágrimas secaram. Hoje, gasto uma fortuna em colírios. #curtaconto #microconto#nanoconto 230 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 @_Jefferson: Despedaçou nuvens, encheu travesseiros. Caiu no sono' #curtaconto#miniconto #microconto @Abelheira: Atraía homens com sua única beleza, depois os menosprezava com única destreza. #microconto12:15 AM Aug 14th via Seesmic for Android @RickAzevedo: #microconto Nunca tinha ido ao samba. Elitista. Se amarrou nas pernas da mulata. Largou a nobre, perdeu status e sapatos. Mas ficou feliz. @Tudo_Cultural: < Quando passou, caiu um martelo de obra em sua cabeça. Sobreviveu, mas levou alguns pontos. Ganhou uma indenização bem gorda. #microconto @sandromiccoli: Quando a loira da minissaia cruzou as pernas, o taxista não pôde evitar a olhada no retrovisor nem a batida no cruzamento #microconto seabra (acesso em 10/10/2010) Uma tag que foi muito utilizada e veio acompanha de uma criatividade pelos usuários do Twitter foi #saopaulofacts, na época das chuvas fortes e enchentes na capital paulista. Os tuiteiros escreviam sobre os ocorridos de forma humorística e bastante interpretativa. Como: Se a São Silvestre fosse em janeiro, o Cesar Cielo ia humilhar! Depois do Airbag, os coletes salva vidas são os opcionais mais importantes nos carros de Sao Paulo. O melhor serviço de entrega em SP é do Submarino. Ninguém passa fome em São Paulo, Bolinho de chuva é o que não Falta. Quem acha que a água do mundo está acabando não mora em SP. Bob Esponja pra Lula Molusca: “Bora pra Sao Paulo!!Da atè pra gente ir no Shopping!! Moisés precisamos de você em Sampa!! O passeio ciclístico de hoje foi feito de pedalinho Agora SP inteira tem casa com vista para o mar. Tá chovendo tanto em Sampa que esperei o Pica-Pau para descer a Rebouças de barril! Fagner para José Serra: “Quem dera ser um peixe para em teu límpido aquário mergulhar.. Sobrevoar São Paulo logo após a chuva, é certo ver um sopa de letrinhas lá de cima Qual a tribo indígena que esta fazendo a Rave da chuva? (http://www.uhull.com.br/01/26/saopaulofacts/) A grande questão literária, em torno desse assunto, é se é possível, nesses 140 caracteres, existir literariedade. É claro que sim. O que acontece é que poucos são os tweets literários e poucos são os que conseguem concluir seus pensamentos nesses poucos caracteres, mas isso não quer dizer que não exista carga literária. Podemos dizer, desse modo, que no Twitter há uma pequena elite de web autores. Fazendo um paralelo, podemos fazer alusão aos poemas-pílulas de Oswald de Andrade, poemas pequenos com uma lírica sintética. Muitos deles cabem nos 140 caracteres do Twitter, então, não há dúvida de que isto é literatura. Outra prova disto é o livro “www.twitter.com/carpinejar” de Fabrício Carpinejar que apresenta 416 tweets publicados na página que dá título ao livro. O conteúdo dele são os 231 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 tweets colocados um a um. Além disso, é o primeiro livro com frases postadas, por um escritor brasileiro, no Twitter. Estão também no Twitter, outros escritores, como Luís Fernando Veríssimo (@luisfverissimo), Paulo Coelho (@paulocoelho) e Millôr Fernandes (@millorfernandes). Mas alguns desses escritores nem sempre conseguem se adaptar as demandas do Twitter. A maioria dos tweets de Luis F. Veríssimo, por exemplo, não são concluídos em uma só mensagem, o que acaba deixando os textos fora de ordem (do último para o primeiro), dificultando a leitura e não “obedecendo” a conclusão de pensamento nos 140 caracteres. Diferente de Paulo Coelho, que além de interagir com seus leitores, produz tweets literários, incluindo trechos de seus livros. Esse autor é o que mais compreendeu e pôs em prática a própria prática do Twitter Já Millôr Fernandes, em sua maioria de posts no Twitter, sempre coloca o link de seu site, escrevendo na mensagem apenas o título ou uma frase relacionada ao texto completo presente no site. Também no Twitter, há contas de usuários somente para trabalhar a língua, linguagem e criatividade nos posts. Como é o caso do @OCriador, que ficou famoso pelo Twitter do Criador de tudo – Deus, que se declara como “Onipresente, Onisciente, Onipotente e Online”. Em sua conta, suas mensagens fazem alusão a textos e histórias bíblicas, usando outra interpretação e típico humor. Por exemplo: “Filhos, entendam o dilúvio de Noé como um recall da criação.”; “Enquanto houver perguntas cujas respostas não estejam no Google, Eu existirei.”; “Dinheiro não é tudo. Judas tinha 30 moedas de prata e ainda assim estava com a corda no pescoço.”; “Quando vocês rezam “Senhor, escutai as nossas preces”, Eu coloco as mãos nos ouvidos e faço “lá, lá, lá, lá”.” – tweets como estes, encontra-se no Twitter do @OCriador. Outro Twitter que também segue o mesmo ramo, é o @TodoGaroto, que comenta com humor o universo masculino, inclusive dos adolescentes. Usa sempre a tag #todogaroto para iniciar as frases. Como, “#TodoGaroto assistiu Chiquititas ou Diário de Daniela, e hoje tem vergonha disso.”; “#TodoGaroto por mais que não demonstre, se sente um canalha quando magoa uma menina.”; “#TodoGaroto quando criança achava que tinha sim super poderes de Power Rangers, mas eles estavam escondidos...”. Com posts assim, o @TodoGaroto, assim como @OCriador e tantos outros, fazem literatura no Twitter. Inovando a noção de literariedade presente na web, inclusive nas redes sociais. Língua e Informática Assim como na literatura, a informática e a web mudam e acrescentam à linguagem e à língua. Há a linguagem própria da informática, para os conhecedores daquela área, e a linguagem de todo o povo que está interagindo na web. É dessa última linguagem que estamos falando, que modifica a língua. Os internautas / “web autores”, que são falantes da língua, passam a estruturar expressões e/ou palavras, da área de informática, segundo a estrutura 232 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 linguística, e, assim, criam neologismos que passam a ser utilizados com frequência. Com o tempo, tornam-se naturalmente audíveis e legíveis, podendo ser até incorporados aos dicionários, como é o caso do verbo deletar. “Delete”, que significa excluir em inglês e francês, vem do latim “delere” (apagar), que passou para essas línguas no século XVI. Na nossa língua nativa, o português, derivou em delével – o que se pode apagar.³ Nessa última geração da informática, o “delete” – tecla apagar do teclado do computador – foi reestruturado e formou o verbo deletar, voltando às origens latinas. Tal verbo já foi incorporado nos dicionários mais novos e com constante presença em nosso dia-a-dia. Outro verbo que já está em nossos dicionários é o verbo escanear, que veio do “scaner” em inglês, aportuguesado em “escâner” – segundo Houaiss, equipamento de leitura óptica que converte imagens, páginas impressas etc. em dados digitalizados. Escanear, segundo o mesmo dicionário, é converter com escâner (foto, página impressa etc) para a forma digital. A facilidade da Língua Portuguesa de estruturar, reestruturar e desestruturar palavras faz com que o falante faça construções das mais diversas com qualquer termo. E não podemos nos assustar se palavras diferentes, com o tempo, forem adicionadas ao nosso vocabulário formal. Um verbo que já é bastante utilizado no meio da informática é o “linkar”, originado da palavra link – palavra que já está em nossos dicionários 83, e, segundo Houaiss é um termo da informática, em hiperdocumentos, trecho em destaque ou elemento gráfico que, adicionado, por um clique de mouse, exibe imediatamente um novo hiperdocumento. Esse novo verbo “linkar” é utilizado com frequência na web e não demorará a entrar, definitivamente, na nossa Língua. Basta-nos saber se o “k” ficará ou se será trocado pelo “c”. E não são só as estruturas que são criadas e palavras novas formadas, a própria semântica das palavras muda com o passar do tempo. O verbo postar que, segundo o Dicionário Houaiss, significa pôr (carta, postal etc) no correio; enviar, expedir; hoje é usado frequentemente em relação à palavra post usada na web. Postar, na web, significa publicar algo, publicar um post. Lógico que a rede social que mais tem causado polêmica, transformando-se no fenômeno da web – o Twitter – que já revoluciona a visão literária, não deixaria de acrescentar algo a nossa Língua. A utilização do verbo twittar (ou tuitar) virou mania para os usuários da rede e, mesmo assim, tornou-se entendida por todos que possuem algum entendimento sobre web. O interessante no significado desse novo verbo é que a sua utilização se dá restritamente no Twitter. Twittar (ou tuitar) é postar um tweet, postar no Twitter. Hoje, tuitar tornou-se uma ação cotidiana no Brasil, segundo país com maior número de usuários na rede84. Esse verbo ainda não está plenamente definido quanto a sua escrita. No início, era simplesmente escrito twittar – o radical entrado na palavra Twitter (twitt) + a desinência de 83 84 In: http://www.estacio.br/rededeletras/numero19/minha_patria/texto2.asp In: http://www.geekaco.com/brasil-ja-e-o-segundo-pais-com-mais-usuarios-do-twitter 233 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 infinitivo “ar”. Logo, não estava propriamente aportuguesado, pois na nossa língua, o „w‟ não é utilizado com som de vogal e também não é visto comumente o „t‟ duplo – „tt‟. Com passar do tempo e do uso, as transformações acontecem. Hoje, encontra-se mais, nos escritos brasileiros como em reportagens, artigos e no próprio Twitter, o verbo tuitar – exatamente como é feita a pronúncia. Com essa mudança na grafia, podemos perceber que esse novo verbo já está pronto para sua efetivação em nossa língua. Tuitar é facilmente lido, entendido e conjugado como um verbo regular da primeira declinação. Prova disso é a nova edição do Dicionário Aurélio (5ª edição) que traz o verbo „tuitar‟ em seu conteúdo5. No ano do centenário de Aurélio Buarque do Holanda, o dicionário, que leva o mesmo nome, ganha, também, substantivos da era da informática como „fotolog‟, „blu-ray disc‟, „bluray player‟, „e-book‟. E assim como o verbo „tuitar‟, „blogar‟ também é adicionado 85. Essas palavras apresentadas e essa nova edição do Dicionário Aurélio são exemplos de como a informática e a web podem mudar e mudam o nosso cotidiano, provando que a Língua é viva e está em constante mudança. A cada era (hoje, a era da informática) as transformações se dão e, muitas vezes, nem percebemos. O falante não percebe quando e/ou como uma ou mais palavras são adicionadas em seu cotidiano e nos dicionários, e também não percebe quando outras param de ser utilizadas. Educação e Informática Diante dessas mudanças na literatura e na língua, o modelo educacional clássico também se rompe, gerando mudanças. Os alunos que adentram nas escolas, nos tempos atuais, já estão inseridos no ambiente virtual, eles são chamados pelos estudiosos de “nativos digitais”86. Assim, como os alunos mudam, o papel do professor e sua postura em sala de aula também deve mudar para adaptar-se às novas demandas educacionais crescentes e aos novos tipos de alunos. Antes de entendermos o que o professor de hoje precisa para adaptar-se a essas novas demandas, é preciso entender os alunos, esses que são chamados de “nativos digitais”. Segundo a Revista Veja (edição 2100, p. 86), os jovens de hoje são “fruto da revolução tecnológica e da globalização, eles formam, ainda, a geração do „tudo-ao-mesmo-tempo-eagora‟ (uma das inúmeras expressões com as quais os especialistas tentam defini-los)”. Eles estão, a todo o momento, conectados à rede. Esta já se tornou parte integrante deles, isto é, eles podem estar no celular, trocar mensagens instantâneas e ouvir música, tudo junto. O lado bom é que, na web (e em outras formas de comunicação), eles se deparam com diversas informações, podem descobrir assuntos interessantes, pesquisar, discutir temas, como também visitar sites de notícias. Logo são alunos aparentemente informados, que têm acesso a conteúdos diversos. Mas eles acabam por não se aprofundarem em toda essa informação. 85 86 In: http://veja.abril.com.br/noticia/educacao/tuitar-e-blogar-agora-sao-verbos-do-aurelio In: http://www.overmundo.com.br/overblog/educacao-e-tecnologia-uma-alianca-necessaria 234 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Como as oportunidades são muitas, eles “provam” de tudo, mas não se aprofundam em praticamente nada. Podemos dizer que seus sites prediletos são os sites de redes sociais. Os alunos de hoje, em virtude da exigência do mercado de trabalho, estão muito mais atarefados. Frequentam a escola, fazem cursos de idiomas, praticam esportes, aulas particulares, aulas de música, dança e, ainda assim, arrumam tempo para navegar na internet e conversar com amigos por mensagens instantâneas. O professor deve entender esse aluno, saber que ele vive em um ambiente virtual que é dinâmico e democrático, do qual ele participa, muitas vezes, como construtor (o web ator). Sabendo que o aluno não é mais como antes, o professor clássico, que atua simplesmente como transmissor de conteúdos por ele dominados, achando que está diante de uma turma sem nenhum conhecimento prévio e, passiva diante de tal conteúdo, pode ser substituído facilmente por outro que tenha o computador como um grande aliado. Com certeza, esse professor desempenhará um trabalho de maneira mais atrativa aos alunos. A internet possui conteúdo bastante abrangente. Sabemos que os alunos têm contato com esses conteúdos, de maneira diferente do contato que têm com o professor em sala. A dinamização que se tem com um ambiente virtual, a forma diferenciada de ser ver conteúdos e de manipulá-los são atributos que o professor encontra utilizando as ferramentas da informática e de chamar a atenção dos alunos. Um exemplo da revolução que a informática trouxe para dentro das escolas é dada por Andrea Ramal, em seu texto “O professor do próximo milênio” 87, onde relata: Fui professora de Português/Literatura e Redação e, durante muito tempo, reclamei dos alunos que não queriam fazer rascunho, pensando que era preguiça. Hoje percebo, estudando as práticas de leitura e escrita na cibercultura, que na verdade existe uma nova relação com o erro. Antes, errar significava refazer toda a página. Agora, o esboço é o monitor. O rascunho é o próprio texto. Escrevemos pelo ensaio-e-erro: não gostei deste parágrafo aqui, puxo para lá, excluo, reescrevo - tudo antes de imprimir. É uma espécie de aprendizagem por simulação. Como pretender que os jovens façam rascunho no papel? Isso corresponde ao paradigma da página, da linearidade. Acompanhar o processo de escrita pelos monitores em que os alunos trabalham, em vez de ficar apenas com o resultado final, pode ser uma estratégia para conhecer mais e melhor a dinâmica dos processos de escrita dos estudantes. Não se pode achar que os alunos, na escola, se contentam em apenas receber conteúdos e ensinos sem querer transformá-los ou discuti-los. Uma aula informatizada é mais “atraente” para esses alunos, por ser interacionista. As escolas devem sair do tipo de ensino de transmissão de conteúdos e entrar em uma metodologia onde o aluno aprende a refletir, pesquisar, comparar ideias, escolher caminhos, confrontar teorias. O aluno, nessa nova 87 In: http://www.revistaconecta.com/conectados/ramal_proximo.htm 235 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 metodologia, tem mais espaço, tem mais autonomia, constrói seu próprio processo de ensinoaprendizagem. Nesse contexto, o papel do professor deve ser transformado. Antes de tudo, precisamos de professores “maduros intelectual e emocionalmente, pessoas, curiosas, entusiasmadas, abertas, que saibam motivar e dialogar” (MORAN, 2000, p.16) que estimulem os alunos, sabendo que “alunos curiosos e motivados facilitam enormemente o processo, estimulam as melhores qualidades do professor, tornam-se interlocutores lúcidos e parceiros na caminhada do professor-educador” (p.17). O professor deve se tornar mediador, estimulador, orientador do processo de ensinoaprendizagem. Deve orientar o aluno no conteúdo programado, orientar na pesquisa, mediar o aluno e o saber. Esse profissional deve estar em constante diálogo com os alunos e fazer com que eles criem diálogos com os conteúdos estudados. Segundo Marcos Masetto (2000, p. 70), o professor tem que saber articular a aprendizagem, ser criativo, e principalmente “parceiro de seus alunos no processo de aprendizagem”. Lembrando sempre que a aprendizagem deve ser construída em união entre professor e alunos e, que a aprendizagem é tanto para o aluno quanto para o professor, uma vez que, quando este se depara com questões desconhecidas, deve antes, assim como o aluno, pesquisar e procurar informação. Desse modo, outro ponto a que o professor precisa se dedicar é a sua formação. O novo professor deve estar em constante formação. Para aprender a lidar com as novas tecnologias e a web e também para estar sempre atualizado dos conteúdos que aplica. Por isso, o professor deve ser um pesquisador, para, assim, saber motivar seus alunos a se aprofundarem nas diversas áreas do saber e orientá-los por onde pesquisar e se informar. Drucker (1993 apud ALMEIDA, 2000, p.15) afirma que “a tecnologia será importante, mas principalmente porque irá nos forçar a fazer coisas novas, e não porque irá permitir que façamos melhor a coisas velhas”. Assim, percebemos que o professor deve esforçar-se em pôr sua criatividade em prática. Saber ousar, criar, dinamizar para conquistar a atenção do aluno e, fazê-lo parte da construção do aprender e do ensino. A tecnologia adentra a educação exatamente para isso: atrair e fazer o aluno participar efetivamente desse processo do qual, antes, ele era um simples receptor de conteúdos. Moran (2000, p. 30) afirma que o professor assume o papel de “orientador/mediador” e classifica esse papel de quatro formas diferentes. A primeira forma é o “orientador/mediador intelectual” que seleciona as informações para os alunos, orientando-os a escolherem as melhores e mais pertinentes, para que eles possam compreendê-las, associá-las e adaptá-las. Há o “orientador/mediador/emocional” que tem o papel de estimulador, motivador e incentivador dos alunos juntamente com adjetivos como equilíbrio e empatia. Outra forma é o “orientador/mediador/gerencial e comunicacional” que tem a função de organizar e gerenciar as atividades propostas, desenvolvendo formas de comunicação e interação. E a última classificação dada pelo autor é a de “orientador/ético” que 236 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 é o que trabalha para a melhor convivência e interação no ambiente escolar. “Ensina a assumir e vivenciar valores construtivos, individual e socialmente”. Lógico que o professor é livre para escolher uma metodologia com a qual se sinta mais a vontade e se identifique mais, assim, também escolhendo como e o que da tecnologia usar em sua aula. Nem todos se adaptam a tudo, tanto alunos quanto professores. Nem todos os conteúdos se ajustam a todo tipo de tecnologia, mas, para isso, é preciso conhecer todos os caminhos. Não há como escolher o melhor caminho, a melhor metodologia, a melhor estrutura de ensino, sem conhecer diversos caminhos, metodologias e estruturas. Moran (2000, p. 2) afirma que "é importante que cada docente encontre o que lhe ajuda mais a sentir-se bem, a comunicar-se bem, ensinar bem, ajudar os alunos a que aprendam melhor”. Isso só confirma que o professor deve ser um pesquisador. Um pesquisador de melhorias e novidades para si e para seus alunos. O trabalho do professor, nesse novo contexto informatizado, não se dá apenas dentro de sala de aula, como antes. Agora, o professor também está presente virtualmente e pode interagir com os alunos que vivem na web. Essa relação aluno-professor, pela web, estreita-se mais, torna-se mais palpável no sentido de haver ligações eficazes. Através das redes sociais ou de próprias conexões criadas pelo professor, a troca de informações se torna mais rápida e no momento em que desejarem, podem construir um processo de ensino-aprendizagem em conjunto com os alunos. Mas devemos estar atentos ao que Moran diz sobre o ensino conjunto às tecnologias. Mesmo com tecnologias de ponta, ainda temos grandes dificuldades no gerenciamento emocional, tanto no pessoal como no organizacional, o que dificulta o aprendizado rápido. As mudanças na educação dependem, mais do que das novas tecnologias, de termos educadores, gestores e alunos maduros intelectual, emocional e eticamente; pessoas curiosas, entusiasmadas, abertas, que saibam motivar e dialogar; pessoas com as quais valha a pena entrar em contato, porque dele saímos enriquecidos. São poucos os educadores que integram teoria e prática e que aproximam o pensar do viver. 88 É importante destacar que o professor não atua sozinho. A escola precisa amparar, apoiar e fortalecer esse processo construtivo de ensino-aprendizagem. Diretor, orientador pedagógico, demais professores, coordenadores devem trabalhar em conjunto para o bom desenvolvimento do processo. O professor e os alunos precisam que a escola dê suporte para tais tecnologias, que abra o espaço escolar e entenda que este ambiente se estende para fora de seu espaço físico. O bom desempenho do processo de ensino-aprendizagem com a utilização das novas tecnologias depende também das ferramentas que o professor utilizará em aula. Há serviços dos mais variados que podem ser utilizados de maneira eficiente, conectando os alunos ao professor e, os conectando aos conteúdos, links, matérias, sites. 88 In: http://www.eca.usp.br/prof/moran/integracao.htm 237 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Uma ferramenta que pode ser utilizada é a wiki – serviço da web que permite “identificar um tipo específico de coleção de documentos” 89. Com uma wiki, o usuário cria uma página que permite inserir conteúdos e documentos, estes que podem ser modificados pelos usuários que tem permissão para utilizar a wiki. Ela pode ser criada gratuitamente pelo serviço Zoho Wiki. O interessante de criar uma wiki é que o professor pode postar algum texto sobre determinado assunto e os alunos, a partir do texto, podem modificá-lo incrementando-o. Podendo também ser fonte de pesquisa para o aluno, pois sabemos que há muitos sites na web com informações erradas, com dados não confirmados, detalhes que muitas vezes não são captados pelos internautas quando pesquisam. A wiki criada pelo professor dá a ele a segurança e certeza de que seus alunos estão pesquisando em local com informações e conteúdos necessários e corretos. O professor também pode criar um fórum, e existe um serviço gratuito na web para essa criação. O fórum dá ao processo de ensino-aprendizagem a possibilidade de discussão sobre a matéria. O professor propõe um tema, instiga os alunos a participarem dos fóruns, apresentando suas pesquisas e opiniões. Também serve para que os alunos postem suas dúvidas e/ou pesquisas, além de permitir que outros alunos e/ou o professor interagir nesse espaço, fazendo comentários, críticas, postando informações e conteúdos. Outra alternativa, embora seja um pouco mais elaborada, é a criação de um web site do professor. Lugar que seja referência para os alunos estudarem e conhecerem o currículo da matéria. O site pode conter páginas específicas para cada matéria e turma, sendo, o material, aberto a todo o público ou só a usuários cadastrados, no caso, os alunos. Esse espaço serve também para o professor expressar suas ideias e propostas para a aula. Esse ambiente virtual do professor é interessante, pois estreita mais os laços afetivos entre alunos e professor, sendo um espaço de encontro, fazendo com que eles estejam conectados a todo o momento, não somente dentro do ambiente escolar. Essa é a grande motivação da utilização das TICs no processo educacional: fazer com que aconteça conexões educacionais também fora da escola, gerando um processo de ensino-aprendizagem além dos horários impostos na escola. Mostrando ao aluno que o ambiente virtual, também pode ser um ambiente de aprendizagem, e, o mais importante, uma aprendizagem que se molda conforme o tempo e querer dele. Conhecendo as necessidades dos atores envolvidos no processo escolar (professor, escola e alunos), Ana Amélia A. Carvalho da Universidade de Minho em Portugal, organizou um manual chamado “Manual de Ferramentas da web 2.0 para Professores”, após um encontro sobre essas novas tecnologias, para que professores e educadores pudessem compreendê-las e soubessem utilizá-las. A edição desse manual foi feita pelo Ministério da Educação de Portugal que o disponibilizou gratuitamente na internet. 89 In: http://pt.wikipedia.org/wiki/Wiki 238 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Cada capítulo do manual aborda uma ferramenta diferente – como utilizá-la, para que serve – contextualizando com a prática de ensino e com utilização dessa ferramenta em sala. Temas como Youtube, blog, poscast, wiki, google docs, Second Life são encontrados nesse conjunto de textos que proporcionam ao professor conhecimentos sobre essas ferramentas e como aplicá-las em aula. É um manual bem ilustrado, mostrando tudo passo a passo, facilitando muito a aprendizagem do professor. Aprendendo como utilizar tais ferramentas, o professor poderá utilizá-las em sua aula e, até mesmo, fora dela, fazendo acontecer uma educação fora do espaço físico escolar. O importante é conhecer e saber utilizar a web tanto quanto seu aluno, criando uma metodologia de ensino através desses conhecimentos. Os professores e demais profissionais da educação têm que entender que toda essa adição das novas tecnologias no processo educacional tem que ser feita visando os alunos. Eles necessitam desse conhecimento tecnológico para seu futuro profissional. O mercado de trabalho é informatizado e precisamos inserir os alunos nesse contexto. A implantação das TICs na aula não é somente para atrair a atenção dos alunos para o conteúdo exposto, mas para ambientá-lo em um espaço de constante pesquisa e descoberta do conhecimento em meio a web, que é o que ele encontrará ao entrar no mercado de trabalho. Como Masetto (2000, p. 139) afirma que “não é a tecnologia que vai resolver ou solucionar o problema educacional no Brasil. Poderá colaborar, no entanto, se for usada adequadamente, para o desenvolvimento educacional de nossos alunos”. Considerações Finais A era da informática gerou transformações em nosso cotidiano. Hoje, quase todo mundo está nas diversas redes sociais e se comunica por mensageiros instantâneos. O acesso de web sites de notícias para ler as manchetes do dia e da hora (notícias imediatas aos ocorridos) é uma constante na vida das pessoas. Ter um blog, vlog (ou videolog) e até um site pessoal é comum a muitos internautas. Essas ferramentas dessa nova web – a web 2.0 – faz com que os internautas sejam, em diversos sites, coautores do ambiente virtual. Isso fez com que a web se tornar essencial no cotidiano. Essa revolução da web acabou por modificar a literatura, língua e até o sistema de ensino, e ainda continua modificando, mostrando como esses temas mudam juntamente com o nosso modo de viver e de agir. A informática e a web acabaram por adicionar estilos literários diferentes como pudemos ver. Também apresentaram ferramentas e objetos que modificaram a própria língua, adicionando, em nossos dicionários formais (e informais), termos, expressões e palavras antes não conhecidas, que através do mundo informatizado nos foram apresentadas e, por nós, modificadas. 239 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Com tanta mudança, as exigências educacionais aumentaram e os alunos se diferenciaram, fazendo com que os professores tenham de utilizar outros meios para o processo educacional. Esses novos meios são as ferramentas da web, apresentando um novo tipo de ensino que está 24 horas por dia disponível para os alunos que vivem no ambiente virtual. Mais do que uma facilidade, as novas tecnologias utilizadas na escola são necessidades para o futuro dos alunos, que precisam conhecer entender e saber utilizá-las bem para o seu próprio sucesso profissional. Enfim, devemos entender que estas novidades podem ser de grande valor e utilidade para toda a sociedade. Para isso, devemos entender as mudanças que essas novidades trazem e saber aplicá-las no nosso cotidiano de forma correta. Como já disse Clarisse Lispector em seu poema “Mudança”: “O mais importante é a mudança, o movimento, o dinamismo, a energia. Só o que está morto não muda!” O mundo está vivo. Está em constante mudança. Precisamos estar abertos a nos adaptar a cada nova era, a cada novo movimento. Referências ALMEIDA, Fernando J. de; FONSECA JUNIOR, Fernando M. Aprendendo com Projetos: Coleção Informática para a Mudança na Educação. Brasília: MEC, SEED – Programa Nacional de Informática na Educação – PROINFO, 2000. BOYD, Danah; Ellison, Nicole. Social Network Sites: Definition, History, and Scholarship. Journal of Computer-Mediated Communication. 2007. CARVALHO. Ana Amélia A. Manual de ferramentas da web 2.0 para professores. Lisboa: Ministério da Educação, 2008. Disponível em: <http://www.erte.dgidc.minedu.pt/publico/web20/manual_web20-professores.pdf>. Acesso em: out., 2010. MASETTO, Marcos; MORAN, José; BEHRENS, Marilda. Novas tecnologias e mediação pedagógica. Campinas: Papirus, 2000. PISANI, Francis; PIOTET, Dominique. Como a web transforma o mundo: a alquimia das multidões. Tradução de Gian Bruno Grosso. São Paulo: Senac São Paulo, 2010. RECUERO, Raquel. Redes sociais na internet. Porto Alegre: Sulina, 2009. 240 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Resiliência: um processo ativado em situações adversas? Autores: Amanda Assad Rezende Anna Carolina T. A. Estefan Curso Psicologia Universidade Estácio de Sá Orientadora: Angela Utchitel Resumo O presente trabalho aborda brevemente o Transtorno de Estresse Pós-Traumático e discute o conceito de Resiliência associado a fatores de risco/proteção e estresse/trauma. Ao longo do artigo é apresentada uma pesquisa de campo que teve como objetivo verificar se o conceito de Resiliência atua, de fato, como um fator de proteção e adaptação contra o desenvolvimento do Transtorno de Estresse Pós-Traumático em situações de catástrofe. Para isso, a pesquisa contou com uma população de trinta e três participantes. A avaliação da Resiliência foi realizada através da Escala de Resiliência e a avaliação dos sintomas do Transtorno do Estresse Pós-Traumático foi realizada a partir da aplicação do Post-Traumatic Stress Disorder Checklist - Civilian Version (PCL-C). Palavras-chave: Psicologia; Resiliência; Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT); Situações de Catástrofe. Introdução Fenômenos da natureza como enchentes, tsunamis, furacões, deslizamentos de terra e terremotos são situações experienciadas por milhões de pessoas em todo o mundo e podem se configurar como situações traumáticas. Como conseqüência, o Transtorno de Estresse PósTraumático (TEPT) é um dos quadros psiquiátricos mais presentes em indivíduos que sobreviveram a uma catástrofe natural. Porém, não são todas as vítimas de um desastre natural que desenvolvem o Transtorno de Estresse Pós-Traumático. O que leva, então, uma pessoa a se adaptar a uma situação traumática? O termo “resiliência” (do latim re, “para trás” e salire, “voltar) passou para o léxico psicológico a partir das ciências físicas. Originalmente, denota a capacidade de um corpo se Professora Doutora da Universidade Estácio de Sá-Campus Nova Friburgo 241 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 deformar por obra de agentes externos e, depois, recuperar a forma natural. No sentido psicológico, segundo Christopher M. Layne (2011), pesquisador de resiliência da University of California em Los Angeles, “basicamente significa que a pessoa volta a funcionar como antes dentro de um breve período” (p.32). A expressão já foi utilizada como sinônimo de fator de proteção intrínseco ao indivíduo (HOGE et al, 2007), como uma característica positiva da personalidade que facilita a adaptação individual (WAGNILD & YOUNG, 1993) e como sinônimo do conjunto de fatores de proteção individuais, familiares e sociais (LAM & GROSSMAN, 1997). Embora já tenha sido utilizada como sinônimo de desfecho positivo, freqüentemente, o termo Resiliência é usado para descrever o processo dinâmico que leva à adaptação positiva no contexto de uma adversidade (LUTHAR et al, 2000). A maior tragédia natural do Brasil aconteceu na madrugada do dia 12 de janeiro de 2011 na Região Serrana do estado do Rio de Janeiro, sendo a cidade de Nova Friburgo a mais afetada. De acordo com a Defesa Civil do município, o número de desabrigados e desalojados ultrapassou cinco mil. Será que indivíduos mais resilientes apresentam um quadro sintomatológico do TEPT mais brando? A pesquisa desenvolvida teve como objetivo relacionar a Resiliência e o Transtorno de Estresse Pós-Traumático nas vítimas da catástrofe de Nova Friburgo. Transtorno do Estresse Pós-Traumático A Psiquiatria buscou, desde as primeiras descrições de casos clínicos de histeria, entender a relação entre os fenômenos traumáticos vividos pelo paciente e os sintomas psicológicos apresentados por ele. Primeiramente, a ênfase recaía sobre a experiência subjetivamente experienciada. Já num segundo momento, houve o reconhecimento da importância dos estressores traumáticos presentes, por exemplo, nas Grandes Guerras Mundiais. Foi Abram Kardiner que publicou em 1941 um livro sobre “As Neuroses Traumáticas de Guerra”, que passou a ser considerada a obra que viria a definir, pelo resto século XX, o que é hoje conhecido como Transtorno de Estresse Pós- Traumático. O TEPT, segundo Ito e Roso (1998), é uma reação a uma situação de perigo que pode se tornar patológica quando o indivíduo permanece em um estado de desconforto resultante da lembrança do evento estressor vivido. Define-se por uma série de sintomas físicos e psicológicos que podem ser diretamente observados, diagnosticados e tratados. O transtorno do estresse pós-traumático é a psicopatologia que melhor representa a relação entre eventos externos e suas conseqüências psicológicas. 242 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Diagnóstico O TEPT é um transtorno de ansiedade que se desenvolve após um evento traumático de natureza extrema que causa intenso sofrimento emocional e comprometimento social e ocupacional. De acordo com a última edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, DSM IV, são duas as características centrais do TEPT: o evento traumático e a tríade psicopatológica. Um evento para se configurar como traumático deve preencher os critérios de tipo A do DSM- IV transcritos a seguir: 1. A pessoa vivenciou, testemunhou ou foi confrontada com um ou mais eventos que envolvem morte ou grave ferimento, reais ou ameaçadores, ou uma ameaça à integridade física própria ou a de outros; 2. A resposta da pessoa envolveu intenso medo, impotência ou horror. Apesar de alguns eventos, como desastres naturais, acidentes, estupros, combate militar, abuso sexual e abuso físico serem classificados como precipitadores de traumas mais comuns na literatura especializada, qualquer situação pode ser caracterizada como traumática, desde que a pessoa experimente altos níveis de medo, horror ou impotência. O evento pode ser externo (assalto) à pessoa ou interno (doença). Porém, sem a ocorrência de um evento traumático não é possível o desenvolvimento e o diagnóstico do Transtorno de Estresse PósTraumático. Para completar o diagnóstico do TEPT, o indivíduo que experimentou uma situação traumática deve desenvolver três grupos de sintomas, chamada de tríade psicopatológica: a revivência do trauma, a esquiva e o entorpecimento emocional e a hiperestimulação autonômica. Neste sentido, o primeiro grupo (critério B do DSM-IV) é caracterizado por revivências da experiência através de sonhos vívidos, pesadelos, pensamentos intrusivos, sentimentos incontroláveis, flashbacks e pelo indivíduo se comportar como se o evento traumático estivesse ainda ocorrendo. Esses sintomas, além de serem extremamente dolorosos e dominarem a atenção da pessoa, são exclusivos do TEPT não sendo encontrados em nenhum outro transtorno psiquiátrico. A esquiva e o entorpecimento emocional constituem o critério C do DSM-IV. O primeiro corresponde a uma tentativa de evitar contato com tudo que relembre o trauma (pensamentos, sentimentos, atividades, locais e pessoas que ativem recordações) e, muitas vezes, é acompanhado pela incapacidade de relembrar algum aspecto importante do evento. Já o entorpecimento emocional (anestesia emocional ou numbing) é caracterizado pela sensação de distanciamento em relação às outras pessoas, sentimento de um futuro abreviado e incapacidade de ter afeto por pessoas próximas como antes. As características descritas nesse grupo podem ser consideradas estratégias emocionais, cognitivas e comportamentais utilizadas pelos indivíduos para minimizar o sofrimento causado pelos sintomas de revivência e de hiperestimulação autonômica. 243 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Por último, é citada pelo DSM IV em seu critério D, a hiperexcitabilidade, que representa um estado de hiper-reação do corpo a estímulos externos, como se esse estivesse em permanente perigo, expressando-se através de sintomas como insônia, sobressalto, coração acelerado, irritabilidade, baixa concentração e hipervigilância. A hiperestimulação pode, também, se apresentar na forma de queixas somáticas, como fadiga e cefaléia. Ainda segundo o DSM IV, os sintomas devem persistir por, pelo menos, quatro semanas após o trauma para que se possa diagnosticar o Transtorno de Estresse PósTraumático. Este pode ser classificado como agudo, quando os sintomas começam nos primeiros três meses após o trauma; como crônico, quando a duração é superior a três meses; e de início tardio, quando os sintomas se instalam após seis meses da ocorrência do trauma. Vale ressaltar que os critérios diagnósticos utilizados pela Classificação Internacional de Doenças (CID-10) equiparam-se aos do DSM-IV, diferenciando-se apenas na menor ênfase dada aos sintomas de esquiva/entorpecimento emocional e hiperestimulação autonômica. Resiliência Ao longo da vida, em algum momento, todos iremos passar por pelo menos uma situação adversa. Como alguns indivíduos, então, superam essas situações? O que faz uns se adaptarem e outros não a um contexto de intenso estresse? São todas as pessoas que se recuperam de grandes perdas materiais e afetivas? A psicologia vem buscando responder a essas perguntas através do estudo do fenômeno Resiliência. Este, gera uma nova possibilidade de compreensão acerca de como o ser humano lida com condições potencialmente traumáticas. O conceito O termo Resiliência, segundo o dicionário da língua portuguesa Houaiss (2001), no sentindo físico é a propriedade que alguns corpos apresentam de retornar à forma original após terem sido submetidos a uma deformação elástica; no que diz respeito ao ser humano, é a capacidade de se recobrar facilmente ou se adaptar à má sorte ou às mudanças. O dicionário da língua inglesa Longman Dictionary of Contenporary English (1995) traz a definição do verbete no sentido psicológico: a resiliência como a habilidade de voltar rapidamente para o seu usual estado de saúde ou de espírito, depois de passar por doenças e dificuldades. A conceituação do termo na psicologia não é tão precisa como na física devido à diversidade e complexidade de variáveis no estudo de fenômenos humanos. Para um dos principais precursores do estudo da Resiliência na psicologia, o psiquiatra Michael Rutter (1987), este conceito se refere a uma “variação individual em resposta ao risco e os mesmo eventos estressores podem ser experenciados de maneira diferente por diferente pessoas. (...) A resiliência não pode ser vista como um atributo fixo do indivíduo, e se as circunstâncias mudam a resiliência se altera”. (RUTTER, 1987, p.317) 244 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Anos mais tarde, o referido autor define a resiliência como “um fenômeno em que se supera o estresse e as adversidades” (RUTTER, 1999, p.119). Ralha Simões (2001) define o termo como a possibilidade de flexibilidade interna que permitiria a adaptação positiva frente às adversidades externas. Para Garmezey (1993), o conceito está relacionado com a capacidade de voltar ao funcionamento padrão após vivenciar um evento adverso, não deixando de ser transformado por este. Já para Cyrulink (2001), a Resiliência diz respeito a um conjunto de fatores interligados que, ao longo da vida, se desenvolvem nos aspectos afetivos, sociais e culturais e é comparado metaforicamente à arte de navegar em meio à tempestade. Ainda Zimmerman e Arunkmar (1994) destacam que o termo Resiliência está ligado aos fatores e ao processo que interrompem uma trajetória de risco tendo como conseqüência respostas positivas mesmo frente às adversidades. Em suma, a Resiliência refere-se à capacidade do ser humano de agir de forma favorável diante as adversidades encontradas ao longo do seu desenvolvimento. Porém, o termo ainda é impregnado de incertezas e controvérsias entre os autores que discutem o tema. Enquanto uns destacam a flexibilidade e versatilidade como características de pessoas resilientes, outros salientam o conceito como um traço de personalidade (FLANCH, 1991; GARMEZY, 1985; WOLIN, 1993). Há também discussões acerca da Resiliência ser uma característica individual ou resultado da interação com o ambiente (FLANCH, 1991; RUTTER, 1993; TAVARES, 2001; TROMBETA e GUZZO, 2002). Resiliência e fatores de risco e proteção Para entender a Resiliência é preciso explicitar os chamados fatores de risco e proteção. Os fatores de risco estão relacionados a eventos negativos que, quando presentes, aumentam a probabilidade do indivíduo desenvolver problemas físicos, psicológicos e sociais. Em contrapartida, os fatores de proteção referem-se às influências que atenuam ou neutralizam os efeitos negativos dos riscos, tornando possível a construção da Resiliência. Rutter (1987) ressalta que a Resiliência é o processo final de mecanismos de proteção que possibilita ao indivíduo lidar com a situação de risco de maneira positiva, não eliminando, portanto, o risco em si. Ainda, Cowan, Cowan e Schulz (1996) ligam Resiliência e fator de risco da seguinte forma: “resiliência refere-se aos processos que operam na presença de risco para produzir conseqüências boas ou melhores do que aquelas obtidas na ausência de risco” (p.14). Risco, então, se caracteriza como qualquer obstáculo que se impõe ao desenvolvimento positivo do indivíduo, sendo atualmente entendido como um processo e não de maneira estática. De acordo com Yunes & Szymanski (2001), um evento para ser considerado fator de risco dependerá da atribuição subjetiva do indivíduo; o que é risco para uns não será para 245 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 outros. Além disso, dentro de uma situação, qualquer variável poderá estar agindo com indicadora de risco. Na área da saúde mental, o termo risco tem sido descrito como estressor ou fator que predispõe um resultado negativo. Esse poderá desencadear uma conseqüência indesejada, como um distúrbio psicológico de acordo com sua severidade, duração, freqüência e intensidade. É importante destacar que Masten e Garmezy (1985) indicam que os fatores de risco associados ao desenvolvimento de distúrbios envolvem características individuais (sexo, habilidades sociais e intelectuais, aspectos psicológicos, variáveis demográficas e história genética) e ambientais (apoio social, eventos estressantes de vida e características familiares e culturais). Devido à capacidade de proteger o indivíduo diante da adversidade, os fatores de proteção são tidos como características individuais (traços de personalidade) ou ambientais (rede de apoio social) que amenizam os efeitos negativos do meio. Logo, os mecanismos de proteção conduzirão o indivíduo para uma resposta mais adaptada. Proteção é definida por Deslandes e Junqueira (2003) como o grupo de influências que modificam e melhoram a resposta do indivíduo frente a uma situação de risco que predispõe a um resultado não adaptativo. Além disso, a proteção não elimina os aspectos psicológicos promovidos por uma situação adversa. Vale ressaltar que proteção não é sinônimo de invulnerabilidade, pois esta significa resistência absoluta ao estresse, uma característica não passível de mudança. Zimmerman e Arunkumar (1994) concluem que Resiliência e invulnerabilidade não podem ser considerados conceitos equivalentes, uma vez que, invulnerabilidade está associada a idéia de que o indivíduo não seria atingido de nenhuma forma pela situação de estresse. Enfim, para Trombeta e Guzzo (2002), de um lado, encontram-se os eventos estressores, as situações adversas, os perigos e o sofrimento e, do outro lado, respostas de enfretamento positivas, competências pessoais, apoio social e familiar. O binômio risco x proteção propiciará o desenvolvimento da Resiliência como um processo psicológico. Resiliência e evento estressor/trauma De acordo com Masten e Garmezy (1985), qualquer mudança no meio externo que interfira nos padrões normais de enfrentamento do indivíduo e que, conseqüentemente, leve a um alto grau de tensão são considerados eventos estressores. “Numa visão subjetiva do fenômeno, pode-se dizer que, dependendo da percepção que o indivíduo tem da situação, da sua interpretação do evento estressor e do sentido a ele atribuído, teremos ou não a condição de estresse” (YUNES, SZYMANSKI, 2001, p.30). 246 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Trauma, na origem do conceito, significa lesão causada por um agente externo. No campo da Psicologia, o termo está freqüentemente associado com a transgressão das defesas psicológicas. Logo, o modo como a pessoa processa o evento estressor é fundamental para a configuração ou não de um trauma. A Resiliência promoveria a capacidade de enfrentar, resignificar e se adaptar a situações de estresse de maneira que o estressor deixe de ser visto como tal. Conseqüentemente, a Resiliência age de forma protetora na não formação de um trauma. Pesquisa de Campo A pesquisa descrita a seguir teve o intuito de averiguar se a Resiliência estaria ativada em indivíduos que passaram por um evento estressor de alta intensidade como a catástrofe natural ocorrida no dia 12 de janeiro de 2011 na cidade de Nova Friburgo, RJ. Amostra A seleção da amostra foi realizada dentro dos seguintes critérios: escolaridade (primeiro grau completo), idade (adultos de ambos os sexos entre 20 e 60 anos) e os participantes terem obrigatoriamente vivenciado a tragédia e estarem na condição de desalojados ou desabrigados. Foram selecionadas 33 pessoas, sendo 11 homens e 22 mulheres. Instrumentos de avaliação A Escala de Resiliência (anexo A) utilizada nessa pesquisa foi desenvolvida por Wagnild e Young (1993). Possui 25 itens descritos em forma de afirmações com respostas auto-aplicáveis tipo Likert de sete pontos: 1 (discordo totalmente) e 7 (concordo totalmente) e os escores variam entre 25 (baixa resiliência) e 175 (alta resiliência). A partir de 111 (ponto de corte aproximado a 110.6) a pessoa poderá ser considerada resiliente. O estudo da “Adaptação transcultural, confiabilidade e validade da escala de resiliência” foi realizado por Pesce, Assis, Avanci, Malaquias e Oliveira (2005) e apresentou equivalência conceitual entre os itens, determinando que a escala é pertinente à cultura brasileira. A avaliação dos sintomas do Transtorno do Estresse Pós-Traumático foi realizada através do Post-Traumatic Stress Disorder Checklist - Civilian Version (PCL-C – anexo B) desenvolvido por Weathers, Litz, Huska e Keane, do National Center for PTSD (EUA). É uma escala auto-aplicável que possui duas versões: a PCLC-M (para militares) e a PCL-C (para civis) que é amplamente utilizada em todo o mundo para rastreamento do Transtorno do Estresse Pós-Traumático. Possui 17 itens que avaliam a intensidade dos sintomas do TEPT com cinco possibilidades de resposta. Estas variam entre “nada” (o sintoma não está presente) e “muito” (o sintoma está presente em alta intensidade) e os escores estão no intervalo de 17 (ausência total do quadro sintomatológico do TEPT) a 85 (quadro sintomatológico importante), no qual a linha é 50 pontos. 247 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Resultados A tabela abaixo ilustra os resultados obtidos através da pesquisa. Participante Sexo PCL-C Escala de Resiliência 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 M F F F F F F F M F M 33 49 52 25 29 38 65 50 36 51 29 136 130 121 126 138 136 88 126 125 97 116 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32 33 F F F M M F M M F F F F M F M F F F M F F M 28 69 20 20 22 20 30 32 33 60 70 34 20 25 50 59 48 54 35 23 19 22 128 107 136 135 139 157 104 141 148 56 113 152 143 145 120 113 116 114 112 141 145 146 Discussão dos resultados Pode-se observar que, dos trinta e três participantes, dez indivíduos (identificados pelos números 3, 7, 8,10, 13, 21, 22, 26, 27 e 29) apresentaram escores para possível TEPT. Dentre esses, quatro apresentaram baixa Resiliência (indivíduos: 7, 10, 13 e 21) e, outros três, Resiliência pouco acima da linha de corte (indivíduos 22, 27 e 29). Segundo os critérios 248 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 estabelecidos, os sujeitos que tiveram menores escores no PCL-C (indivíduos: 14, 15, 17, 24 e 32) apresentaram alta resiliência. Entre os dez participantes com os maiores índices de resiliência (escores que variam de 139 a 157), nenhum apresentou probabilidade de TEPT e três desses encontram-se dentre os menores índices verificados no PCL-C (indivíduos: 17,24 e 32). Já dos cinco indivíduos (7, 10, 13, 18 e 21) que apresentam resiliência abaixo da linha de corte (111), quatro obtiveram altos escores no PCL-C indicando provável TEPT. Logo, podemos observar que a maioria dos mais resilientes realmente mostrou um quadro sintomatológico do TEPT brando ou nulo, enquanto a maior parte da população que se apresentou como a menos resiliente desenvolveu um importante quadro de sintomas do transtorno. A partir de análise acima, verificou-se que a Resiliência é um processo ativado a favor do indivíduo na proteção e adaptação em situações adversas que podem levar a conseqüências negativas, como o desenvolvimento do transtorno de estresse pós-traumático. Limitações Ao longo da pesquisa encontramos algumas dificuldades no tocante à seleção da amostra, em função de algumas limitações observadas, então, na referência à utilização dos instrumentos escolhidos e adotados. A ideia inicial era realizar a pesquisa com os desalojados e desabrigados que estivessem nos abrigos. Porém, nos deparamos com a limitação da escolaridade dessas pessoas que não conseguiam compreender, por conta de insuficiência de vocabulário, os termos utilizados na escala de Resiliência de forma satisfatória. Diante desta dificuldade, não julgamos válida a modificação de instrumento, uma vez que esse já possui tradução transcultural publicada em artigo científico. A partir disso, exigimos escolaridade mínima (primeiro grau completo) como critério para a seleção da amostra. A nova população foi composta, então, por indivíduos que vivenciaram a tragédia, tendo como atual moradia casas de parentes, amigos ou em aluguel. Vale ressaltar que todas as pessoas que participaram da pesquisa estavam necessariamente presentes no momento da catástrofe em suas residências atingidas. Considerações Finais É importante ressaltar as dificuldades geralmente encontradas em pesquisas das ciências humanas que possuem uma complexa rede de variáveis incontroláveis, como a história desenvolvimental de cada um, a rede de apoio social, os traços de personalidade e a genética. É sabido que essas variáveis influenciam diretamente nos resultados obtidos. Sendo assim, esses podem não ser totalmente fidedignos. Além disso, o próprio conceito de Resiliência apresenta limitações devido a poucos estudos realizados no Brasil, onde o meio acadêmico apresenta inexpressivas publicações 249 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 sobre o tema em livros didáticos e técnicos. Podemos citar, ainda, que há divergências entre os principais autores, no sentido de interrogarem se a Resiliência seria um processo de adaptação ou de superação, se fator inato ou adquirido, ou se referido a algo circunstancial ou permanente. Para explicitar tamanha dificuldade, Slap (2001) ressalta que “é mais fácil concordar sobre o que resiliência não significa do que sobre o que palavra significa” (p.173). Porém, a resiliência possui inúmeras possibilidades de aplicação, já que contribui para compreensão do processo de produção de saúde em meio às adversidades encontradas pelo ser humano ao longo da vida. Então, o potencial contido nesse conceito pode contribuir para a instrumentalização de profissionais que trabalham com indivíduos e grupos em situação de risco. Referências BERGER, William. et. al. Equivalência semântica da versão em português da Post-Traumatic Stress Disorder Checklist - Civilian Version (PCL-C) para rastreamento do transtorno de estresse pós-traumático. 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Portanto, torna-se necessário que ações de prevenção primária sejam estruturadas e incorporadas à rotina escolar em Nova Friburgo. Palavras-chave: Prevenção; Comportamento anti-social infantil; Contexto escolar; Nova Friburgo. Introdução O fenômeno do comportamento anti-social historicamente tem ocupado o pensamento humano, assumindo o posto de objeto de estudo em distintas áreas do conhecimento (GOUVEIA et al., 2009; KRISTENSEN et al., 2003). Nos últimos vinte anos, fatores como o seu aumento significativo, aliados à massiva divulgação dada pela mídia – somado aos custos pessoais, sociais e econômicos acarretados – têm incentivado decisivamente a elaboração de vários estudos (GOUVEIA et al., 2009; PORTO, 2002). Estes fatores têm levado a alguns progressos no domínio, como fica refletido nos esforços teóricos de definição e delimitação do conceito, e no elevado número de possibilidades em termos metodológicos (FONSECA e SIMÕES, 2002), permitindo, com isso, sua investigação segundo distintos pontos de vista. Professora Doutora da Universidade Estácio de Sá-Campus Nova Friburgo 252 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 No âmbito deste trabalho, entende-se como anti-social todo comportamento que infrinja regras e/ou normas sociais ou que seja uma ação intencional que viole os direitos básicos dos outros, como agressão contra pessoas ou animais; destruição deliberada da propriedade alheia (vandalismo, piromania); defraudação ou furtos; e sérias violações de regras (ausência escolar ou fugas de casa) (PACHECO, et al., 2005; APA, 2002). Recentemente, estudos epidemiológicos realizados têm indicado um crescente aumento na prevalência e intensidade dos problemas de comportamento tanto na infância, como na adolescência (PACHECO et al., 2005), de modo que, de todos os problemas diagnosticados nestas fases de desenvolvimento, os comportamentos anti-sociais são os mais freqüentes e provocam a maior preocupação na sociedade, devido, em parte, à quantidade de pessoas afetadas (KOCH e GROSS, 2007) e suas graves implicações à saúde (CARDIA, 2003). Outro ponto de vista, que passa a predominar entre os pesquisadores, baseia-se em certo consenso acerca da importância de se conhecer as variáveis que possam explicar e auxiliar na promoção eficaz de estratégias de prevenção e enfrentamento do problema (GOUVEIA et al., 2009), tornando estes empreendimentos de especial importância para o campo social e da saúde (MINAYO e SOUZA, 1999). Embora não se tenha alcançado, ainda, um quadro teórico definitivo das causas que predispõem ao desenvolvimento do comportamento anti-social entre crianças e adolescentes, muitos estudos têm sido conduzidos, segundo as mais diversas perspectivas teóricas, algumas das quais têm demonstrado maior poder preditivo em detrimento de outras (KOCH e GROSS, 2007). Dentre elas, uma perspectiva recente que vem se destacando, devido, em parte à sua abrangência explicativa do fenômeno da interação anti-social, é a teoria geral da agressão, de Anderson e Bushman (2002). Nesse modelo, as crenças pessoais são determinantes da forma como o indivíduo vai significar um evento, influenciando assim a sua reação. Essa teoria se fundamenta na existência de estruturas de conhecimento e subtipos de estruturas que se desenvolvem a partir de experiências do indivíduo e, conforme vão sendo utilizadas tendem a se automatizar, já que os resultados finais servem como input para o próximo episódio, constituindo um ciclo de interação social continuada (RIBEIRO e SANI, 2009; KRISTENSEN et al., 2003). Entretanto, curiosamente, em meio a diversos estudos que investigaram a etiologia, percebe-se que há linhas gerais que assinalam certo consenso acerca de alguns fatores que desempenham a função de proteção ou expõem os indivíduos ao risco de desenvolverem o comportamento anti-social, mesmo que a ênfase atribuída aos fatores varie conforme as diversas vertentes. Entende-se por fatores de risco as variáveis que estão relacionadas a uma maior incidência de resultados negativos ou indesejáveis; já os fatores de proteção são recursos pessoais ou sociais que influenciam no desenvolvimento do individuo, atenuando ou impedindo a resposta individual a algum risco ambiental que predispõe ao resultado mal253 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 adaptado (KAZDIN e BUELA-CASAL, 2001; SILVEIRA et al., 2003; MAIA e WILLIAMS, 2005). Neste caso em particular, interessa-nos os fatores associados às condições pessoais, escolares e comunitários (ver Tabela 1). Kazdin e Buela-Casal (2001) apontam ainda outros fatores que contribuem para incrementar o risco de condutas anti-sociais, mas ressalta a necessidade de combinação de vários deles. À medida que se vai estabelecendo uma compreensão mais acurada dos fatores causais subjacentes ao comportamento anti-social infantil, surgem, por conseguinte, condições facilitadoras para a construção de esforços preventivos, que tem, ultimamente, levado a uma mudança no otimismo em relação aos alcances destas ações (ASSIS e CONSTANTINO, 2005; NAVAS-COLLADO e MUÑOZ-GARCÍA, 2005). Individuais Tabela 1: Fatores de risco e proteção para o desenvolvimento do comportamento anti-social: Fatores de risco Fatores de proteção História de vitimização ou Atitude intolerante face à violência; envolvimento com a violência; Elevado Quociente Intelectual ou bons resultados escolares; Déficit de atenção, hiperatividade ou Orientação social positiva; Competências de gestão de stress e problemas de aprendizagem; regulação emocional; Temperamento resiliente; Desordem de conduta; Percepção do apoio social de adultos e História de comportamento agressivo pares; precoce; Envolvimento com drogas, álcool, Valorização do envolvimento em atividades religiosas; tabaco; Saudável sentido de si; Baixo Quociente Intelectual; Expectativas positivas/otimismo face ao Controle comportamental pobre; futuro. Déficit ao nível das competências sócio-cognitivas ou de processamento da informação; Crenças e atitudes anti-sociais; Elevado stress emocional; Exposição a violência e conflito na família. 254 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Escola/pares Comunidade Associação com pares delinqüentes; Envolvimento com gangs; Rejeição social pelos pares; Falta de envolvimento em atividades convencionais; Baixos resultados acadêmicos; Baixo compromisso com a escola e fracasso escolar. Compromisso com a escola; Boa relação com os pares; Aprovação dos amigos pelos pais; Motivação/atitude positiva face à escola; Escolas de elevada qualidade/regras/ padrões/critérios claros; Envolvimento em atividades sociais. Oportunidades econômicas diminutas; Alta concentração de residentes pobres; Elevado nível de transitoriedade; Elevado nível de disrupção familiar; Baixos níveis de participação comunitária; Vizinhanças socialmente desorganizadas. Coesão social; Expectativas elevadas por parte da comunidade; Comunidades economicamente estáveis; Ambientes promotores de segurança e saúde. Ribeiro, 2008 Psicologia e prevenção No campo da ciência preventiva, a Psicologia tem prestado contribuições relevantes, na medida em que disponibiliza modelos de intervenção focados nas características centrais presentes nas etapas de desenvolvimento de crianças e adolescentes, logo, adaptando os conteúdos e procedimentos da prevenção às demandas específicas desta população (ZAMBERLAN, 2003). Aliado a isso, traz-se a constatação de que possibilitar um desenvolvimento saudável é a melhor forma de se prevenir o envolvimento de crianças e jovens em situações de risco, como é o caso dos comportamentos anti-sociais. (RUOTTI et al., 2006; MAIA e WILLIAMS, 2005; CUNHA e RODRIGUES, 2010). É neste sentido que se tem orientado as vertentes mais recentes e promissoras dos programas de prevenção da violência (CARDIA, 2006; PERES et al., 2010). Nessa vertente, a promoção do desenvolvimento saudável está atrelada à concepção mais ampla de saúde (CUNHA e RODRIGUES, 2010), o que inclui as dimensões psicológica e social. Por isso, considera essencial a vinculação dos jovens às diferentes esferas de socialização (família, escola, comunidade, grupo de pares), que devem suprir suas necessidades básicas e promover o desenvolvimento de suas capacidades, incluindo competências social, emocional e cognitiva. Atuando assim, de maneira mais abrangente, ao invés de ter como objetivo um único comportamento, passam a ter como alvo múltiplos problemas de comportamento em um contexto específico (PERES et al., 2010). Dentro desta perspectiva, um modelo que vem sendo proposto pela Organização Mundial de Saúde (WHO, 1997) é o de Habilidades de Vida, considerado uma estratégia para 255 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 a redução de comportamentos de risco e o aumento dos cuidados com a saúde física e mental (PAIVA e RODRIGUES, 2008). Esse modelo consiste em favorecer o desenvolvimento de um conjunto de dez competências, sendo agrupadas em categorias que se complementam: habilidades sociais e interpessoais; habilidades cognitivas; e habilidades para manejar as emoções. O conjunto é composto pelas habilidades: autoconhecimento, empatia, comunicação eficaz, relacionamentos interpessoais, tomada de decisões, resolução de problemas, pensamento criativo, pensamento crítico, lidar com os sentimentos e emoções e lidar com o estresse (cf. PAIVA e RODRIGUES, 2008). Especialmente em relação à possibilidade de se prevenir a violência, indícios tem sustentado o melhor aproveitamento dos esforços primários e secundários, que tem tornado mais exitosas as ações iniciadas precocemente, na infância (RIBEIRO, 2008; PERES et al., 2010), devido à rapidez com que crianças e adolescentes se recuperam física e emocionalmente e sua flexibilidade e potencial para mudança (RUOTTI et al., 2006). Prevenção no contexto escolar A prevenção da violência torna-se também uma tarefa dos profissionais da educação, dado que o comportamento anti-social infantil no contexto escolar se apresenta como o principal responsável por inviabilizar o processo ensino-aprendizagem contemporâneo, tornando impotentes os educadores, orientadores e diretores diante do problema (OLIVEIRA et al., 2009), causando a evasão e/ou expulsão escolar e, a longo prazo, o aumento da violência social (BARBOSA et al., 2011). A consecução, por esses profissionais, dessa tarefa se faz possível, uma vez que a prática preventiva utiliza mais recursos educativos do que terapêuticos propriamente ditos, e os fatores individuais de risco ao desenvolvimento do comportamento anti-social infantil apresentam-se como padrão de conduta aprendida nas relações sociais, portanto, passíveis de alterações por meio de mudanças nos padrões de interação. Junto a isso, têm-se os fatores protetivos escolares, que tornam este espaço parte do problema e parte da solução: educar o indivíduo para evitar o comportamento anti-social. Dessa forma, como a escola conserva o domínio sobre os recursos educativos e mantém, nesse local, crianças e adolescentes em convívio por um período importante de crescimento e desenvolvimento – no qual irão aprender a se relacionar umas com as outras, adquirir valores e crenças, desenvolver senso crítico, auto-estima e segurança (RUOTTI et al., 2006) – passa a ser, então, considerada um locus privilegiado para ações de promoção da saúde e prevenção das doenças em seus atores, especialmente crianças e adolescentes (BRASIL, 2006). Esse papel tem ainda maior peso quando não há, na comunidade, uma rede de serviços de proteção social que dê um atendimento suplementar a essas crianças, após o horário escolar, tendo em vista que as raízes da violência na escola brotam da violência no bairro, na 256 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 família e em condições estruturais como a pobreza e privação – típicas das condições de vulnerabilidade. Além disso, a violência vivenciada ou testemunhada fora da escola gera impacto direto e indireto sobre a vida escolar, ao afetar o desempenho dos estudantes, as relações entre os alunos e destes com os professores (NJAINE e MINAYO, 2003). Objetivos Neste estudo visamos analisar qualitativamente as ações de prevenção empregadas pelas unidades escolares da rede de ensino municipal de Nova Friburgo, comparando-as segundo sua localização em áreas consideradas de risco à vulnerabilidade social. Nossa preocupação com a análise das propostas de prevenção se deve à forma incipiente com que esta é adotada, trazendo dúvidas quanto às ações que realmente conseguem obter resultados efetivos na prevenção da violência (PERES et al., 2010; SILVEIRA e PEIXOTO, 2010), além de representar uma oportunidade para refinar indicadores de resultados e comparar êxitos e limites (GOMES, et al., 2007). Método Amostra Participaram desta pesquisa gestores e orientadores das equipes pedagógicas de 38 escolas municipais da rede de ensino de Nova Friburgo, todos do sexo feminino, com idade média de 45 anos e escolaridade de nível superior. Destes, 23 (61%) possuem pelo menos uma pós-graduação, e 13 (34%) participam de atividades de atualização ou formação continuada. Além disso, o tempo médio de ocupação do cargo de gestor foi de 4 anos e 3 meses (DP 2,12), sendo que 37 (99%) relatam ter experiência anterior na área de educação e 34 (90%) não exercem outra atividade profissional paralelamente – e as que exercem, o fazem em sua maioria na área de educação. A amostra distribuiu-se entre dois grupos: risco (R) e não-risco (NR), segundo critério de localização em áreas consideradas de risco elevado de vulnerabilidade urbana, conforme dados do Conselho de Segurança de Nova Friburgo (CESEC, 2009); ficando no grupo R 22 escolas (58%) que se localizam em áreas de risco para violência urbana; enquanto o grupo NR foi composto por 16 escolas (42%) de áreas consideradas não violentas. Instrumento Foi feita uma pesquisa ex post facto, de tipo estudo de campo, exploratória. O instrumento utilizado foi um questionário de auto-relato, misto (questões abertas e de múltipla escolha) que foi pré-testado e aperfeiçoado. O questionário foi dividido em dois eixos: IPráticas de enfrentamento e prevenção da violência e II- Concepções sobre violência escolar, que englobaram por sua vez cinco áreas temáticas: informações de identificação, informações acadêmicas, informações profissionais, informações institucionais e informações instrumentais (crenças). 257 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Procedimento Foi realizado, em parceria com a Secretaria Municipal de Educação de Nova Friburgo (SME/NF), um encontro com representantes de 63 unidades escolares da rede municipal de Nova Friburgo, de um total de 100 unidades, com o objetivo de apresentar a pesquisa e convidá-los a participar. Nesta ocasião foram apresentados, de forma coletiva, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) (GOLDIM, 2003) e o questionário aos interessados em participar da pesquisa. Após a anuência dos mesmos, foram entregues a cópia do TCLE e um envelope contendo o questionário, as instruções para seu preenchimento e duas folhas de resposta (em anexo). O envelope lacrado foi devolvido pelos participantes na SME/NF após o prazo de 14 dias. Destas 63 escolas, 43 (68%) devolveram o questionário no prazo estipulado, sendo que 5 foram excluídas por não preencherem condições de apreciação por ausência de informações básicas. As informações obtidas através do questionário foram submetidas à avaliação qualitativa segundo a modalidade de análise de conteúdo temática e estrutural proposta por Bardin (1977). Cada questionário foi lido e analisado individualmente (análise vertical) e foram delimitados os trechos mais significativos e centrais, apontados pelos gestores (análise categorial). Posteriormente, procedemos a uma análise horizontal das respostas, para verificar a tendência geral dos participantes a respeito de cada temática. Por fim, avaliamos a freqüência de respostas em relação aos pontos levantados no questionário (análise freqüencial). Resultados e Discussão No tocante à caracterização das escolas quanto à violência (Tabela 2), 23 (61%) reportaram ocorrências no atual ano letivo, sendo 16 (42%) do grupo R e 07 (18%) do grupo NR. Quando avaliamos os dados de ocorrência referentes ao ano letivo de 2010, temos que 21 escolas (55%) indicaram ter havido algum tipo de violência, sendo 14 escolas do grupo R, o dobro do grupo NR. Destas 21 escolas, todas apresentaram ocorrências nos dois períodos avaliados, evidenciando uma continuidade da ocorrência de comportamentos anti-sociais. Entre os tipos de violência mais freqüentes apareceram: verbal (36%) e física (32%), taxas parecidas nos dois grupos, embora uma escola do grupo R tenha mencionado incidência de porte de armas (faca e revólver), o que é indicativo de um padrão de comportamento antisocial mais grave (APA, 2002). Além disso, aparece uma diferença em relação à quantidade total das ocorrências nos dois grupos (R=40 e NR=28). Ainda em referência à quantidade, o grupo R teve 157 ocorrências no ano de 2010 e o grupo NR apenas 46 (23%), o que pode sugerir a influência do ambiente, dado que a exposição à violência em contextos de maior vulnerabilidade social aumenta a probabilidade de ocorrência da violência nas escolas (NJAINE E MINAYO 2003). 258 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Tabela 2: Caracterização das escolas municipais de Nova Friburgo investigadas Características Grupo R % total % relativa Grupo NR % total % relativa Total (T) Violência no atual ano letivo 16 42% 73% 07 18% 44% 23(61%) 14 21% 35% 10 15% 36% 24(36%) Física 13 19% 33% 9 13% 32% 22(32%) Vandalismos 6 9% 15% 6 9% 21% 12(18%) 7 T= 40 10% 59% 17% 100% 3 T= 28 4% 41% 11% 100% 10(14%) 68(100%) 1 2,6% 4,6% 0 0 0 1(2,6%) 14 36% 63% 07 18% 44% 21(55%) 157 77% ------ 46 23% ------ 203 Tipos de violência Verbal Roubos ou furtos Evasão por violência Ocorrências de violência* Unidades escolares Quantidade (*) Consideradas para o último ano letivo, referente ao período de fev./dez. de 2010. Já, no que tange às ações de enfrentamento da violência existente nas escolas levantadas, temos que a linha de ação das mesmas se direciona para três públicos, que são: o próprio aluno; responsáveis e terceiros (ex. Conselho Tutelar e Ministério Público). No que se refere ao primeiro, a presente pesquisa apontou que 58% (R=42% e NR=16%) direcionam suas ações para os próprios alunos, sendo essas práticas divididas entre conversas, registros da ocorrência e, em dois casos, a punição. Já as atividades direcionadas aos responsáveis foram utilizadas por 66% dos gestores (R=42% e NR=24%), sendo essas ações basicamente conversa ou comunicação do ocorrido à família. Enfim, nas atividades relacionadas ao terceiro caso, temos que 45% direcionam a demanda existente para terceiros (R=24% e NR=21%), encaminhando os casos para o Conselho Tutelar e/ou Ministério Público e/ou outro profissional (por exemplo: Psicólogo). Na Tabela 3, referente às ações de prevenção, predominaram no aspecto “Atividades”, dentro do grupo R, as de caráter interativo, como: dinâmica de grupo (R=6), diálogos e reuniões (R=10) e atividades lúdicas (R=5). Aparecem com menor freqüência as atividades expositivas como: palestras e apresentações (R=8), filmes, vídeos educativos (R=5) e teatros/fantoches (R=3). Esta tendência permaneceu no grupo NR. Outro dado interessante 259 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 está na freqüência com que foram referidas as práticas de intervenção (p. ex. atendimento individual) (Total=6, R=4 e NR=2), cabendo menção até aos atos de punição (NR=1). Quanto ao aspecto “Objetivo” (Tabela 3), nota-se que os dois mais frequentes foram conscientizar/orientar (T=16) e sensibilizar/trabalhar valores (T=14), e na sequência aparece diminuir a violência (T=7). Uma ocorrência observada foi o fato de o objetivo „trabalhar a agressividade‟ ter aparecido em 5 escolas, em maior proporção no grupo de não risco (NR=4). Esta também foi a freqüência da responsabilização (R=4). Além disso, poucas experiências se voltaram para melhorar a socialização/integração de alunos, somente 13% (T=4), todas do grupo R. Interessante mencionar que na relação entre os aspectos “Atividade” e “Objetivo” observou-se que a interatividade nas ações foi mais utilizada, porém, os objetivos de socialização não foram os mais freqüentes, tendo aparecido somente em 4 escolas do grupo de risco, não acompanhando a perspectiva entre interatividade e socialização. Percebe-se também certa incongruência frente aos dados instrumentais (crenças) levantados no questionário, em que socialização/relacionamento foram elencados 14 vezes como sendo a maior dificuldade encontrada na escola em relação aos alunos com comportamento anti-social. Tabela 3: Ações de prevenção da violência escolar Aspectos Grupo % total* % relativa Grupo NR % total* % relativa R Atividades Interativas Total* (T) 15 50% 94% 9 30% 64% 24 (80%) 11 37% 69% 9 30% 64% 20 (67%) 7 23% 44% 9 30% 64% 16 (53%) Sensibilizar Público Segmento 8 27% 50% 6 20% 43% 14 (47%) Infantil 7 23% 44% 6 20% 43% 13 (43%) Fundamental 13 43% 81% 12 40% 86% 25 (83%) Responsáveis 5 17% 31% 4 13% 29% 9 (30%) Comunidade 4 13% 25% 4 13% 29% 8 (26%) Expositivas Objetivo Conscientizar Participação 260 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Escola 5 17% 31% 4 13% 29% 9 (30%) Restrita Foco Violência 5 17% 31% 5 17% 36% 10 (34%) 16 53% 100% 9 30% 29% 25 (83%) 11 36% 69% 5 17% 36% 16 (53%) E.P. 14 47% 88% 9 30% 64% 23 (77%) Terceiros Avaliação 2 7% 13% 1 3% 7% 3 (10%) E.P. 14 47% 88% 10 33% 71% 24 (80%) 1 3% 6% 1 3% 7% 2 (6%) Necessidade 12 40% 80% 4 13% 29% 16 (53%) Contínuo 1 3% 6% 2 7% 14% 3 (10%) Valores Estrutura Planejamento Terceiros Frequência E.P.= Equipe Pedagógica (*) Considerando a amostra de 30 escolas que tiveram ações de prevenção. Em relação ao “Público-alvo” (Tabela 3), nos dois grupos (R e NR), a maioria das ações de prevenção ocorreu com todos os alunos, sem distinção entre violentos ou não. Apenas 5 ações voltaram-se somente aos alunos violentos, sendo todas do grupo R. Essas ações acontecem principalmente no ensino fundamental I (T=25) e no infantil (T=13), porém, a maioria 10 (R=5 e NR=5) restringe a participação aos alunos, 9 (R=5 e NR=4) são abertas aos responsáveis, 9 (R=6 e NR=3) à escola e 8 (R=4 e NR=4) à comunidade. Nesse ponto, faz-se importante relacionar o “público-alvo” com as crenças dos gestores sobre a origem da violência, em que 19 sujeitos da pesquisa pontuaram que esse problema deriva da família, e somente 5 mencionaram o próprio indivíduo, sendo que, com isto (ver dados da tabela 3), a prática caminha na contra-mão da concepção das equipes pedagógicas, já que, dentro das propostas realizadas, existe uma inversão, pois o foco está direcionado ao aluno, existindo, inclusive, restrição à participação dos responsáveis. Quanto ao “Foco” das ações de prevenção (Tabela 3), 25 (R=16 e NR=9) voltaram-se à violência, indisciplina ou falta de limites, sendo a maioria do grupo R, o que, talvez, represente a tentativa de conscientizar os alunos das áreas de maior vulnerabilidade – e como visto aqui, também de maiores ocorrências de violência na escola – do caráter negativo desse tipo de conduta. Ao que se segue o foco dos valores e princípios éticos (T=16), que são 261 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 trabalhados principalmente no grupo R, o que pode apontar para a necessidade de conscientizá-los de seus direitos e deveres. Acerca da “Estrutura” das ações, percebe-se que o planejamento e a avaliação das mesmas são, em sua maioria, realizados pela equipe pedagógica das escolas, tendo o quantitativo de 23 escolas (R=14 e NR=9) que realizam seu próprio planejamento e 24 (R=14 e NR=10) a avaliação de suas próprias ações, sendo que somente uma escola envolveu os alunos no processo de avaliação das ações realizadas, assim como somente uma utilizou os responsáveis no planejamento. Nota-se situação oposta em duas das propostas que se apresentam totalmente desestruturadas (sem planejamento e avaliação). Também da “Estrutura” tiramos que, do total de atividades realizadas, somente 9 foram consideradas sistemáticas, seguindo o critério de continuidade, sendo que, quando a proposta faz parte da programação anual das escolas, acontecem, em sua grande maioria, com baixa freqüência, sendo 5 (R=4 e NR=1) semanais e somente 3 (R=3) mensais, ou seja, apenas 8 (27%) do total dos gestores realizam as ações mais de uma vez ao ano. Uma análise geral dos cinco aspectos caracterizadores das ações de prevenção permitiu classificá-las de acordo com os níveis adotados, isto é, se tinha por objetivo evitar o comportamento anti-social (primário), trabalhar com populações que apresentam fatores de risco com o intuito de diminuir a probabilidade de incidência do comportamento anti-social (secundário) e por fim, se o trabalho era realizado com o objetivo de intervir após o acontecimento para diminuir os agravos (terciária) (ALMEIDA, 2005). Nesse sentido, temos que 19 (63% - R=11 e NR=8) realizam a prevenção terciária, como nos casos do Sujeito 24, que ressaltou que as práticas ocorrem “de acordo com a necessidade, quando estão mais violentos”, e do Sujeito 72 que informou que “as ações ocorrem uma vez por semana, com quem estiver envolvido [em ocorrências de violência]”. Num contraponto, temos que apenas 5 (17%) realizam a prevenção em nível primário, todos do grupo de não-risco, embora não se possa, com estes dados, assinalar que estas práticas são responsáveis pelas escolas do grupo NR apresentarem menor número de ocorrências de violência, como vimos. Retornando à tabela 3, no que se refere aos aspectos “Objetivo” e “Foco”, foi possível verificar quais eram as pretensões das escolas nas ações preventivas, e observou-se que 22 (R=12 e NR=10) atuaram sobre os fatores de risco, 21 (R=12 e NR=9) sobre os fatores de proteção e 18 (R=10 e NR=8) incidiram na promoção de capacidades que se aproximam dos pressupostos das habilidades de vida. Cabe mencionar que, dentre os fatores de risco trabalhados, todas as escolas concentraram-se na desordem de conduta (agressividade e violência), havendo apenas 6 escolas que buscaram atuar também sobre outros, como envolvimento com drogas, e 3 em exposição à violência e conflito na família ou negligência. Quanto aos fatores protetivos, esta tendência também se repetiu, havendo concentração no fator orientação social positiva (direitos e deveres, e princípios éticos e morais). Em pequena proporção apareceram também 262 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 ações relativas à auto-estima (T=3). Uma (R=1) valorizou o comprometimento com atividades escolares e outra (NR=1) com as religiosas. Por fim, houve escolas que aproximaram suas práticas de prevenção dos pressupostos de habilidades de vida, mas aqui também houve concentração em alguns poucos aspectos, como socialização e autoconhecimento. Por conta disso, aponta-se a necessidade de ampliação deste enfoque, com vistas a incluir as demais habilidades, bem como para trabalhá-las de forma mais ativa e sistemática. Considerações Finais A análise das ações de prevenção do comportamento anti-social no contexto escolar de Nova Friburgo indicou a presença de alguns pontos positivos e limites. Como os “efeitos dos programas de prevenção se verificam por meio do aumento dos fatores de proteção e, simultaneamente, da diminuição de fatores considerados de risco de surgimento de problemas futuros” (SILVEIRA et al., 2003), podemos concluir que estes fatores constituem um bom parâmetro para análise das ações investigadas. A este respeito, as ações que se focaram na conscientização das crianças sobre seus direitos e deveres possuem maiores chances de alcançarem resultados positivos na prevenção da violência, à medida que o acesso à informação e seu uso responsável assume papel fundamental na construção da cidadania (GOMES et al., 2007). E nisso, aparecem também algumas ações que citaram o trabalho com valores (respeito, solidariedade, entre outros), atuando na promoção de aspectos positivos para, com isso, diminuírem a probabilidade de envolvimento em condutas anti-sociais. No entanto, essas ações analisadas desperdiçam uma valiosa chance de trabalhar os fatores protetivos escolares, que atuariam não apenas sobre a violência, como também em aspectos da competência escolar, aumentando o compromisso e engajamento com as atividades e diminuindo, por conseguinte, a probabilidade de fracasso escolar (incluindo evasão ou expulsão). Outro parâmetro para análise está na capacidade das ações de prevenção para trabalharem habilidades que possam se perpetuar ao longo do desenvolvimento das crianças e adolescentes, aumentando o envolvimento nos cuidados com a saúde e com uma atuação de cidadania, como é o caso das habilidades de vida – que algumas ações buscaram trabalhar, contudo, de forma ainda tímida. Para a efetivação destes ganhos, faz-se conveniente e importante expandir essas ações para contemplarem também as demais oito habilidades de vida. Nesse ponto, seria de grande valia a participação de profissionais da área de Psicologia, uma vez que possuem conhecimentos profundos dessas habilidades e dos formatos de interação humana. Uma parte também relevante deste trabalho de análise das ações de prevenção constitui o levantamento dos limites e dificuldades por que passam as instituições investigadas. 263 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Nesse sentido, o primeiro deles é citado pelos gestores como sendo o estabelecimento de parceria com instituições e profissionais especializados. O segundo está na parceria com as famílias, que faltou ser melhor articulada e expandida. Somado a isto, têm-se as dificuldades estruturais da rede pública de ensino, explanada pela carência de funcionários e de recursos materiais e financeiros. Sobre isto, nos fala o Sujeito 1: “com certeza, carência de funcionários, (...) entendemos que se tivéssemos um número suficiente de funcionários, conseguiríamos desenvolver melhor as atividades de prevenção à violência". Em meio à pesquisa, notamos algumas dificuldades gerais inerentes às ações realizadas nas escolas da amostra, bem como às que geraram reflexo na metodologia utilizada. Embora algumas políticas públicas de prevenção da violência escolar estejam sendo desenvolvidas no município, existem desafios a superar. Como ficou observado pela presente pesquisa, essas ações vêm se configurando de forma fragmentada, apresentando descontinuidades ao longo do ano e dos segmentos de ensino, não chegando a se concretizar como prática das próprias instituições escolares, enquanto parte de seus projetos pedagógicos – como se pôde verificar através da baixa taxa de continuidade e do fato de haver repetidas menções aos encaminhamentos como forma de solucionar o problema da violência. Quanto à aplicação destas ações, notamos a intenção de evitar/remediar o comportamento anti-social, que indica um baixo aproveitamento das potencialidades do espaço privilegiado que é o ambiente escolar, ao permitir que se alcance uma maior gama de crianças e adolescentes, objetivando antecipar-se ao problema (RODRIGUES et al., 2008). Portanto, a partir dos dados analisados, fica evidente a necessidade de investimentos, em especial, nas ações de prevenção no grupo NR. E, de um modo geral, investir na prevenção em nível primário, com a intenção de desenvolver as competências sociais, cognitivas e emocionais das crianças e adolescentes, visando com isso não apenas um decréscimo do número de violência, mas uma formação integral, mais condizente com o amplo papel ao qual a escola passa a desempenhar junto às crianças e adolescentes, a saber: de promotor da saúde e cidadania. A pesquisa traz ainda como pontos problemáticos, o fato de oito (8) escolas não apresentarem sequer alguma atividade de prevenção que se destine à violência, apesar do registro de casos em sua rotina e, duas não as estruturarem. Ademais, há a falta de registros institucionais sistemáticos e organizados, que possam levar a uma apreensão realista do problema da violência nas escolas, de modo a auxiliar na proposição de ações de prevenção e enfrentamento adequadas a essa realidade. A ausência de uma cultura de avaliação das ações que levem em consideração não simplesmente os resultados enquanto percepção isolada dos professores e profissionais da educação, mas que incluam técnicas metódicas para a construção de indicadores qualitativos e quantitativos, e que envolvam os alunos e responsáveis, ainda representa uma dificuldade à maioria das ações de prevenção do comportamento anti-social infantil nas escolas municipais de nova Friburgo. 264 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Assim, embora as análises dessas iniciativas ainda sejam insuficientes, é possível dizer que há pontos distintos e assimetrias entre os dois grupos amostrais, o que pode sugerir a influência de fatores comunitários de risco sobre o desenvolvimento desses comportamentos. Este aspecto leva os projetos de prevenção a demonstrarem possibilidades diferenciadas entre as escolas nos dois grupos (R e NR) e, talvez, à necessidade de articulação dessas ações de prevenção a projetos públicos mais amplos que abarquem toda comunidade. No entanto, cabe ressaltar que, dadas às dificuldades de ordem metodológica inerentes à presente pesquisa, sugere-se a realização de um estudo avaliativo mais profundo das referidas práticas de prevenção, a fim de acompanhar o desenvolvimento das suas atividades. Referências ALMEIDA, L.. Da prevenção primordial à prevenção quaternária. Revista Portuguesa de Saúde Pública, v. 23, n.1, pp. 91-96, 2005. ANDERSON, C.; BUSHMAN, B.. Human aggression. Annual Review of Psychology, v. 53, pp. 27-51, 2002. ASSIS, S.; CONSTANTINO, P.. Perspectivas de prevenção da infração juvenil masculina. Ciência e Saúde Coletiva, v. 10, n. 1, pp. 81-90, 2005. ASSOCIAÇÃO PSIQUIÁTRICA AMERICANA. 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Autor Reginaldo Cavalcanti Ferraz Junior Curso de Psicologia Universidade Estácio de Sá Unidade Nova Friburgo Resenhista: Raymundo Reis Neto Uma das discussões que circulam entre os psicanalistas hoje diz respeito ao conceito de psicose ordinária, proposto pelo psicanalista francês Jacques-Alain Miller, seguidor de Lacan, para designar pacientes que, embora não manifestem os sintomas “extraordinários” típicos da psicoses mais conhecidas, seriam psicóticos. Para a psiquiatria, em sentido amplo – vago, portanto – psicose e neurose se diferenciam pelo fato de, na primeira, haver perda de realidade e ausência de reconhecimento da doença, enquanto na segunda aparece o conflito subjetivo, sem perda da realidade. Enquanto isso, para a psicanálise, desde Freud, é diferente. O que vale não é a “aparência externa”, mas sim a psicodinâmica. Por exemplo, é possível haver perda da realidade na neurose e reconhecimento da doença na psicose. É possível ler em Freud indicações de que na psicose prevalece certo tipo de mecanismo de defesa, enquanto na neurose outro. O psicanalista francês Jacques Lacan entende que psicose e neurose são estruturas clínicas. Uma vez neurótico, sempre neurótico, o mesmo valendo para a psicose. São estruturas não intercambiáveis. Não ficamos às vezes psicóticos, às vezes neuróticos, ao longo de nossas vidas individuais. Enquanto na infância observamos certa plasticidade nos mecanismos de defesa – a criança somatiza, faz rituais obsessivos, conversa com amigos imaginários, experimenta as fobias mais diversas e outros – a partir da adolescência, é um desses caminhos que predominará, apesar de alguma combinação desses elementos também poder manifestar-se. A partir daí, digamos assim, o sujeito não muda mais o seu jeito de enlouquecer. Seja a loucura neurótica ou psicótica. A normalidade não livra ninguém disso, pois, como bem se sabe, de perto ninguém é normal. Com o conceito de psicose ordinária, Miller parece querer sustentar a visão das estruturas clínicas, sem dar o braço a torcer e reconhecer que existem pacientes que ficam “na fronteira” entre psicose e neurose, portanto, sem estar nem no campo da primeira, nem no campo da segunda, como já apontaram autores da escola inglesa desde meados do século 20. Professor Doutor, da Universidade Estácio de Sá – Campus Nova Friburgo 269 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Miller estaria, assim, reconhecendo que existem pacientes difíceis de diagnosticar, mas ainda assim sustentando a visão estrutural. No artigo Borderline ou Psicose Ordinária - Querelas ou Avizinhamento?, apresentado como Trabalho de Conclusão do Curso de Psicologia em 2011, Reginaldo Ferraz traz essa discussão, o que é sempre bem vindo em uma área na qual as teorias quase nunca se apóiam na frieza dos números. O faz com escrita extremamente elegante e tendendo a criticar conceituações rígidas que operem reduções muito ousadas face à infinita diversidade da experiência. Com isso, cutuca o preciosismo de certos lacanianos, entre eles Miller, em favor de uma posição mais tolerante para com a diversidade de leituras possíveis face aos fenômenos diante dos quais o analista se defronta. Verdades eternas x relativismo / pragmatismo O século 20 foi pródigo na oferta de estudos genealógicos que procuravam mostrar como nasciam, com data e endereço bem definidos, certas “verdades”. Foi como o renascimento de uma espécie de maiêutica generalizada no campo do pensamento humano, tanto na filosofia quanto nas ciências. Tais estudos procuravam, mais do que mostrar a verdade sobre isso ou aquilo, mostrar o quanto as verdades supostas são sempre construções humanas, filhas legítimas de seu contexto histórico. Em epistemologia, tal posição é em geral reconhecida como relativista ou pragmática, ainda que seja importante conhecer suas variantes. Tal como Sócrates, os autores desses estudos pareciam vangloriar-se do único saber possível: “só sei que nada sei”. Como se sabe, através de seu método maiêutico, que fazia o “parto da verdade”, Sócrates fazia as pessoas perceberem o quanto apenas pensavam saber alguma coisa, quando, na verdade, não sabiam nada. Mas, é preciso dizer também que Sócrates tornou-se um marco temporal – há os présocráticos e os outros – na história da filosofia, exatamente por apontar para a importancia do conceito. Sócrates não se satisfazia com exemplos: queria o conceito, o qual não se atinge com as sensibilidades, mas sim com o pensamento (com a teoria). Ao fazer as pessoas se darem conta de sua ignorância, pretendia torná-las mais aptas à busca da verdade, que está no conceito. Os estudos genealógicos, desconstrutivistas, que grassaram no século 20, pretendiam algo semelhante, porém, apenas na primeira parte. Desconstruindo verdades muito firmemente estabelecidas sobre a natureza eterna e imutável das coisas, pretendiam libertar o pensamento da opressão dos universalismos, abrindo espaço para a produção do novo no campo do pensamento. Mas, não valorizaram o conceito, tal como Sócrates; ao contrário, criticaram o fanatismo do conceito, em favor de verdades datadas, verdadeiras enquanto úteis e sempre dependentes de um “ponto de vista”. 270 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 A responsabilidade do intelectual tornou-se, nessa perspectiva, a produção de novas metáforas que pudessem se tornar úteis para os interesses humanos e não a revelação de verdades eternas sobre a essência das coisas. As ciências humanas tornaram-se o prato cheio desses estudos. Por exemplo, Deleuze e Guatarri, com seu Anti-Édipo, procuraram incansavelmente mostrar como as pretensões de Freud em universalizar os complexos de Édipo e castração eram falsas e que a psicanálise, com suas verdades, não passava de uma das multi-máscaras da ideologia burguesa e que só poderia ter sido criada por alguém nascido e crescido no Universo da Viena da virada do século 19. Foucault, por sua vez, com sua História da Loucura, procurou mostrar como não existe a essência da loucura e como a doença mental não é “descoberta” pela ciência psiquiátrica, mas sim que nasce junto com esta, assim como com aquele que curará em seu nome, o psiquiatra. A discussão feita por Reginaldo não deixa de remeter ao seguinte: até que ponto podemos dizer que algo é a mesma coisa, ainda que diferente? Por que casos clínicos tão distintos podem ser alocados como pertencendo a uma mesma classe? Até que ponto devemos confiar em conceitos que parecem purificar demais uma experiência jamais tão pura? A leitura que Lacan fez de Freud é pródiga em tentativas de mostrar a essência do pensamento freudiano. Seu lema – “retorno a Freud” – seguia nessa direção: retornar à verdade trazida por Freud. Miller, eminente lacaniano, segue na mesma linha. Sempre defendeu a leitura estrutural, que situa na experiência analítica três estruturas clínicas: neurose, psicose e perversão. Uma vez feito o diagnóstico estrutural, orienta-se o tratamento sabendo-se que não há passagem de uma estrutura a outra. Trata-se de uma leitura instigante, compatível com vários elementos que se encontram na obra de Freud, mas que requer tolerância para com essa firmeza na busca do conceito, uma vez que este é aquilo que permite arrolar uma série de casos individuais em uma mesma classe. Psicose ordinária e os casos fronteiriços (borderlines) Como se sabe, no próprio campo teórico constituído pela práxis dos psicanalistas existem divergências. O trabalho de Reginaldo abraça justamente uma das tensões que percorre o campo do diagnóstico em psicanálise. Trata-se da discussão atual em torno da criação da categoria de psicoses ordinárias por Jaques Alain Miller, psicanalista, genro de Lacan e responsável pelo estabelecimento dos seminários do mestre francês e pela edição de seus escritos. As psicoses ordinárias seriam diferentes das psicoses extraordinárias, aquelas que já eram amplamente reconhecidas desde muito tempo. Nada de delírio, de desintegração da fala e do corpo, de alucinações e automatismos mentais. Ou seja, uma pessoa aparentemente “normal” e que, não obstante, seria psicótica. Mas, sem os sintomas extraordinários, o que tornaria essas pessoas psicóticas? 271 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Tomada em si mesma, essa discussão já dá o que falar. Porém, a coisa ganha ares de novela quando se sabe que, durante muito tempo, Miller e os lacanianos, com base no ensino de Lacan, ou pelo menos em um dos momentos desse ensino, criticaram o uso da noção de borderline por analistas da escola inglesa. Ora, borderline seria justamente aquele paciente que não se sabe direito se é ou não psicótico, ou seja, que está em uma borda entre a neurose e a psicose. Por sua vez, Melanie Klein, talvez o principal expoente da escola inglesa de psicanálise, ainda que muitos tenham sido seus nomes importantes, defendia o conceito de posição e não de estrutura. Conforme o conceito de posição, pode-se estar em uma posição e passar a outra. É o caso dos conceitos de posição esquizo-paranóide e depressiva, criados pela psicanalista. Então, depois de ter faturado muito tempo em cima da idéia de estruturas clínicas incomunicáveis, criticando os ingleses por criarem uma categoria diagnóstica para se livrarem da dificuldade de estabelecer precisamente o diagnóstico, Miller agora faria entrar em cena um conceito para lá de ambíguo, pelo menos tanto quanto o de borderline. O psicótico ordinário seria aquele paciente que não parece psicótico nem neurótico, mas que a fina observação clínica permitiria enxergar o ponto decisivo que faz brilhar o conceito de psicose, oculto àqueles pouco dispostos ao trabalho árduo de encontrar o mesmo que subjaz ao diverso. É nesse ponto que Reginaldo intervém para propor, com Freud: “Cinza é toda teoria, caro amigo, e eternamente verde a árvore da vida”. 272 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 Normas De Originais 273 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 NORMAS PARA O ENVIO DE ORIGINAIS A “Littera Docente & Discente em revista”, da Universidade Estácio de Sá, Campus Nova Friburgo, tem por objetivo promover e difundir a pesquisa no âmbito docente e discente, num processo interdisciplinar. Os interessados em encaminhar trabalhos devem remeter para o Conselho Editorial da revista de acordo com as normas instituídas, através do e-mail: [email protected] • Artigos: trabalhos resultantes de pesquisa original, de natureza quantitativa ou qualitativa e somente para artigos sua estrutura deve apresentar necessariamente os itens: Resumo, Palavras-Chave, Introdução, Objetivos, Metodologia, Resultados e Discussão, Conclusão e Referências. 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Título Inserir Título em fonte Times New Roman, em corpo 12, negrito, caixa alta e baixa (só iniciais maiúsculas), usando no máximo 200 toques, cerca de duas linhas, não usar sublinhado e usar itálico só para grafias de palavras estrangeiras; 2. Autor Logo abaixo do título na margem direita, inserir o(s) nome(s) do Autor (es), seguido do curso e da instituição. Tudo em fonte Times New Roman, em corpo 12, negrito sem itálico 3. Resumo (somente para artigos) Abaixo do nome dos autor (es), inserir resumo do trabalho somente em Português, utilizando fonte Times New Roman, em corpo 12, com espaçamento simples entre as linhas. Mínimo de 400 e máximo de 900 toques (correspondentes ao mínimo de cinco e máximo de 10 linhas), num só parágrafo. 274 Volume 2º. – nº 02 – 2º. semestre 2012 4. Palavras-chave (somente para artigos) Inserir as palavras-chave, em seqüência na mesma linha, podendo ter um mínimo de 3 (três) e o máximo de 5 (cinco) palavras-chave, separadas por; (ponto e vírgula). Usar fonte Times New Roman, em corpo 12, caixa alta e baixa. 5. Corpo do trabalho Inserir aqui o texto do corpo do trabalho, usando exclusivamente a fonte Times New Roman, corpo 12, com espaçamento 1,5 entre as linhas, margens da página 3 superior e a esquerda e 2,5 inferior e a direita. Nas referências bibliográficas o negrito deverá ser usado, exclusivamente, para destacar os subtítulos ou divisões do trabalho, sempre no mesmo corpo 12, em caixa alta e baixa (as notas bibliográficas devem vir no final do documento). As citações de mais de 3 linhas devem ser digitadas em corpo 10, com espaçamento simples entre as linhas e destacadas do texto com recuo 4; as citações de até três linhas devem integrar o corpo do texto e ser assinaladas entre aspas. Informar (ANDRADE, 2005, p.79). 6. Referências As referências bibliográficas em fonte Times New Roman, em corpo 12, com espaçamento simples entre as linhas. As referências bibliográficas, no fim do trabalho, devem ter os dados completos e seguir as normas da ABNT 6023 para trabalhos científicos. Observações Gerais: 1. Os docentes deverão encaminhar diretamente, dentro das normas, para o Conselho Editorial, devendo dar ciência aos respectivos Coordenadores de Curso. 2. No caso de trabalho discente, o original para publicação deverá conter o parecer emitido pelo Professor Orientador e com a respectiva homologação do Coordenador de Curso, cabendo a seleção final ao Conselho Editorial. 3. Somente são aceitas contribuições em língua portuguesa nas categorias supras. 4. Os trabalhos fora das normas e entregues fora do prazo serão rejeitados pelo Conselho Editorial. 5. Na hipótese de aceitação do trabalho para publicação o autor estará outorgando, formal e graciosamente, à Universidade Estácio de Sá – UNESA – o direito de reprodução na revista, seja impressa ou on line, em sua distribuição. 6. 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