Romantismo

Transcrição

Romantismo
Romantismo
A burguesia dita o ritmo
A revolução industrial
O comércio foi a atividade revolucionária da Idade Moderna, mas a partir da segunda
metade do século XVIII, isso começa a mudar. O progresso científico e tecnológico faz surgir na
Inglaterra as primeiras indústrias. O trabalho em série dos operários passa a produzir milhares de
produtos em pouco tempo.
A Europa inicia um grande processo de transformações sociais e econômicas, conhecida
como Revolução Industrial. A produção mecanizada (maquinofatura) substituía ferramentas
obsoletas e o trabalho de muitos operários, o que modificou a vida de milhões de pessoas pelo
mundo inteiro.
A produção artesanal em oficinas e guildas foi perdendo poder e prestígio diante das altas
taxas de produtividade das indústrias. As tradicionais fontes de energia (água, vento e a tração de
animais) foram superadas pelas máquinas a vapor e pela eletricidade. A velha Europa agrária foi
dando lugar a cidades populosas e industrializadas.
As cidades crescem sem planejamento e sem oferecer condições dignas aos trabalhadores
que se amontoam em cortiços como ratos. A desumanização e as generalizações de hábitos e de
comportamentos , também realizada em larga escala e não vivenciada em tal grandeza, espanta o
homem do início do século XIX e provoca uma ação de pensar o ser como único.
O ritmo frenético do desenvolvimento industrial e o individualismo burguês parecem ter
assustado alguns artistas europeus, que passam a ser dominados por um forte sentimento de
nostalgia que se revela na sua forma de observar e retratar o mundo: a subjetividade. Sentindo-se
livre para criar, o artista romântico expõe suas emoções, idealiza situações, abusa e exagera.
Assim, na Europa as cenas de batalha, a loucura, a morte, assim como as idelaizações das
paixões entram em cena. No Brasil, a mulher é sempre uma virgem frágil, o índio, um bravo
herói nacional e a pátria é quase perfeita.
“O sentimento é tudo”
Johann Wolfgang von Goethe
Os artistas românticos retrataram uma época de profundas mudanças, onde os sentimentos, as
emoções humanas e o interesse pelos acontecimentos marcantes do cotidiano acabaram se tornando
tema de pinturas famosas. A historiadora Carol Strickland nos convida ao estudo dessa produção
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presente em seu livro “Arte Comentada”, uma publicação dedicada aos alunos de ensino médio. É
interessante tentar perceber a maneira didática da autora de propor o tema “romantismo”, seguido por
uma reflexão comparada sobre o impressionismo e o realismo.
A autora seleciona e organiza as informações essenciais para entender a produção artística e seu
contexto, introduzindo curiosidades e imagens para enriquecer o assunto. Este texto pode ser encontrado
na íntegra no livro “Arte Comentada” edição Ediouro.
A crença do escritor alemão Goethe, resume em certa medida, a arte romântica. Opondose à Idade da Razão do período neoclássico, a era romântica de 1800-50 foi a Idade da
Sensibilidade. Tanto escritores como artistas se voltaram para a emoção e para a intuição no
lugar da objetividade racional. Como escreveu o paisagista romântico alemão Caspar David
Frederich, “o artista deve pintar não só o que vê à sua frente, mas também o que vê dentro de si”.
Os românticos perseguiam sua paixão de maneira plena. Mas viver intensamente, em vez de
sabiamente tinha seu preço. Os poetas e compositores românticos como Byron, Keats, Chopin e
Schubert, todos morreram jovens.
O nome Romantismo originou-se de um renovado interesse nas lendas medievais
chamadas romances. Nessa época estavam na moda as historias de horror “góticas”, combinando
elementos do macabro com o oculto (foi durante esse período que Mary Shelley escreveu
Frankenstein), assim como a arquitetura que revivia o gótico de torres e torreões das Casas do
Parlamento de Londres. Na decoração, armas e armaduras estavam in. Sir Walter Scott e o
romancista Horace Walpole mandaram construir castelos pseudogóticos. Esse último sempre
dizia: “Contemple brinquedos góticos através de lentes góticas”.
O culto à adoração da natureza foi outra marca do Romantismo. Pintores como Turner e
Constable elevaram o status da pintura de paisagens dando a cenas naturais tons excessivamente
heróicos. Tanto o homem, como a natureza eram vistos como se imbuídos pelo sobrenatural e era
possível vislumbrar sua força divina interior, assim rezava a cartilha romântica, confiando no
instinto.
Sobre o espírito Romântico, assim nos esclarece Umberto Eco:
"É interessante rastrear a formação progressiva do gosto romântico através das
mudanças semânticas dos termos romantic, romanesque, romantisch.
Em meados do século XVII, o termo romantic é sinônimo (no sentido negativo) de
'romanesco' (like the old romances); um século mais tarde significa antes 'quimérico'
(romanesque) ou 'pitoresco'; a este pitoresco, Rousseau acrescenta uma importante
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determinação subjetiva: a expressão de um 'não sei quê' (je ne sais quoi) de vago e
indeterminado. Por fim, os primeiros romances alemães ampliam o alcance do indefinível e do
vago cobertos pelo termo romantisch: ele inclui tudo aquilo que é distante, mágico,
desconhecido, inclusive o lúgubre, o irracional, o mortuário. Sobretudo, é especificamente
romântica a aspiração que não se caracteriza historicamente e, portanto, é romântica toda a
arte que exprime tal aspiração ou é romântica, talvez, toda a arte na medida que não exprime
nada senão tal aspiração. A Beleza deixa de ser uma forma e torna-se Belo o informe, o caótico.
ECO, Umberto. A histórica da beleza. Rio de Janeiro: Record, 2004.
Goya: um homem sem “ismo”
Por Carol Strickland
“As pinturas do artista espanhol
Francisco de Goya (1746-1828) não se
encaixavam em categoria alguma. Sua
obra só tinha sido influenciada pelo
Realismo de Velázquez, pela visão de
Rembrandt e, como ele dizia, pela
“natureza”. Goya foi rebelde toda a vida,
um libertário que se opunha firmemente
a todo tipo de tirania. O artista espanhol
começou seu trabalho como desenhista
semi-rococó, pintando cenas divertidas
Francisco de Goya, A Família de Carlos IV (1800-1801)
para tapeçarias. Tornou-se pintor de
Museu do Prado, Madrid
Carlos IV da Espanha, cuja corte foi notória pela corrupção e pela repressão. Observar os vícios
da corte e o fanatismo da Igreja transformou Goya num amargo e satírico misantropo.
Sua obra era subjetiva como a dos românticos do século XIX, no entanto Goya é saudado
como o primeiro pintor moderno. Suas visões de pesadelo expondo a maldade da natureza
humana e sua técnica original de cutiladas nas pinceladas, o tornaram um pioneiro da angustiada
arte do século XX.
“A Família de Carlos IV” de Goya é uma pintura de corte diferente de todas. O rei
robusto, de rosto vermelho, carregado de medalhas, tem ar de suíno; o trio de olhos aguçados à
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esquerda (incluindo uma senhora idosa, com uma marca de nascença) tem aparência
completamente predatória, e a rainha parece insipidamente detraída.
Os críticos se maravilharam com a estupidez dos 13 membros de três gerações da família
por não terem se dado conta do quão visivelmente Goya expôs sua afetação. Um crítico assim
descreveu o grupo: “Um dono de mercearia e sua família, tendo acabado de ganhar o grande
prêmio da loteria”. A pintura era uma homenagem do artista à obra, “As Meninas” de Velázquez.
Goya – como seu antecessor – colocou-se à esquerda atrás de uma tela, registrando
impassivelmente o desfile de arrogância real.
Arte de Protesto Social
Goya foi igualmente brusco ao revelar os vícios da Igreja e do Estado. Seu desgosto em
relação à humanidade seguiu-se a uma doença quase fatal em 1792, que o deixou completamente
surdo. Durante a recuperação, isolado da sociedade, começou a pintar demônios do seu mundo
interior de fantasia – início de uma preocupação como criaturas bizarras, grotescas, em sua obra
madura.
"O sono da razão produz monstros", "Devota profesion", "Tu que não podes"
Francisco de Goya
O pintor também foi mestre em artes gráficas. Suas 65 gravuras “os Desastres da
Guerra”, de 1810-14, são francos exposés das atrocidades cometidas por ambos, o exército
francês e o espanhol, durante a invasão da Espanha. Com precisão sangrenta, reduziu cenas de
tortura bárbara ao básico horror. Seu olhar sobre a crueldade humana era firme: castrações,
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desmembramentos, civis degolados empalados em árvores nuas, soldados desumanizados
contemplando indiferentemente compôs linchados.
“O 3 de Maio de 1808” é a resposta
de Goya ao massacre de cinco mil civis
espanhóis. As execuções eram represália a
uma revolta contra o exército francês e, que
os espanhóis foram condenados sem se
levar em conta culpa ou inocência. Aqueles
que possuíam um canivete ou uma tesoura
(armas
portáteis)
foram
obrigados
a
marchar diante do pelotão de fuzilamento
em lotes.
Francisco de Goya, O Três de maio, 1808: A execução dos
defensores de Madrid (1814) Museo del Prado, Madrid, Espanha
A pintura tem aspecto imediato de fotojornalismo. Goya visitou o cenário fazendo
esboços; no entanto, porque se desvia do Realismo, dá a ela uma força adicional.”
Romantismo francês
Théodore Géricault (1791 – 1824)
lançou o romantismo com uma pintura, “a
Balsa do Medusa”. A enorme tela (16 x 23,5
– 40,64 x 59,69 cm) tinha como base um
acontecimento
contemporâneo,
um
naufrágio que causou um escândalo político.
O
Medusa,
navio
transportava colonos
do
governo
franceses
que
para o
Senegal, afundou na costa oeste da África
Jean Louis Théodore Géricault, “A balsa da Medusa”
devido à incompetência do capitão, nomeado
c. 1819, Museu do Louvre, Paris
politicamente. O capitão e a tripulação foram
os primeiros a evacuar o navio e tomaram os barcos salva-vidas, que puxavam numa jangada
improvisada com 149 passageiros amontoados. A certa altura cortaram a corda que puxava a
balsa, deixando os emigrantes à deriva sob o sol equatorial por 12 dias, sem comida nem água,
sofrendo tormentas indizíveis. Só 15 sobreviveram.
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Théodore Géricault investigou o caso como um repórter, entrevistando os sobreviventes
para escutar suas histórias terríveis de fome, loucura e canibalismo. Fez o máximo para ser
autêntico, estudando corpos putrefatos no morgue e esboçando cabeças decapitadas de vitimas da
guilhotina e rostos de lunáticos num asilo. Construiu uma jangada-modelo em seu ateliê e, como
um ator que mergulha num papel, chegou a se amarrar ao mastro de um pequeno barco numa
tempestade.
Essa preparação extraordinária dá conta do rígido detalhamento da pintura. Mas na raiz
desse drama épico encontra-se o espírito romântico de Géricault. A linguagem dos corpos em
luta, contorcidos, dos passageiros desnudos diz tudo a respeito da lua pela sobrevivência, tema
que obcecava o artista.
Dados o tratamento gráfico de um tema macabro e as implicações políticas da
incompetência do governo, a pintura gerou enorme sensação. A paixão romântica estava pela
primeira vez visível in extremis, captando não alguma forma idealizada do passado, mas a
realidade contemporânea. A fama da pintura rompeu a camisa-de-força da Academia Clássica. A
partir de então a arte francesa iria enfatizar a emoção em vez do intelecto.
Em sua vida particular, Géricault também foi um romântico arquetípico. Como para o
fogoso poeta Lord Byron, que morreu no mesmo ano, “a segurança em último lugar” poderia ter
sido o seu lema. Ele não se preocupava com o próprio bem-estar e se dedicava a uma vida de
paixão, defendendo os oprimidos. O professor de Géricault o chamava de louco, e o Louvre o
expulsou por fazer confusão na Grande Galerie. Fascinado por cavalos, Géricault morreu com 32
anos, após uma série de acidentes enquanto montava.
Embora só tenha exposto publicamente três pinturas em sua carreira meteórica de uma
década de duração, Géricault deixou uma marca indelével. Sua maneira enérgica de lidar com a
tinta e criar cenas de luta titânica deslanchou a era romântica na arte francesa.
Delacroix, o pintor da paixão
Eugène Delacroix tornou-se líder do movimento romântico depois da morte de Géricault.
Ele era um homem taciturno, solitário, sempre com certa febre, acreditava que o artista deveria
sentir a “agonia” da criação. Como o seu amigo, o compositor Frederic Chopin, se sentia
consumido pela chama do gênio, confidenciado-lhe em seu diário: “O homem de verdade é o
selvagem”. Outro de seus amigos, o poeta romântico Baudelaire assinalou sobre o artista,
“Delacroix era apaixonado pela paixão”.
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A literatura e os eventos comoventes eram os
temas preferidos de Delacroix. Ao invés da “calma
antiga” do estilo neoclássico, suas imagens exóticas
eram carregadas de violência. Ele pintou uma de
suas primeiras obras, “Massacre em Chios”, logo
que soube do violento conflito entre turcos e cristãos
na Ilha de Chios. Embora os puristas tenham
rotulado sua obra como o “massacre da pintura”, os
espectadores choravam quando viam o pobre bebê
mamando no peito da mãe morta.
Em 1832, uma visita ao Marrocos mudou a
vida de Delacroix. Ele se infiltrou em um harém e
Eugène Delacroix, Massacre em Chios (1824), Museu
fez centenas de esboços. Delacroix era fascinado
do Louvre, Paris, França
pelas roupas coloridas e pelas figuras, como numa
volta a um passado extravagante. “Os gregos e os romanos estão aqui”, escreveu ele, “ao meu
alcance”. Nos trinta anos seguintes, ele se dedicou ao estudo das cores voluptuosas, curvas
exuberantes e animais como leões, tigres e cavalos amarrados em combate.
“A Morte de Sardanapalus” revela a
atração de Delacroix pela violência. A pintura
tem como base os versos de Byron sobre o
imperador
assírio
Sardanapalus
que,
confrontado com a derrota militar, ordenou que
destruíssem suas possessões e depois imolouse numa pira funérea. Delacroix retrata o
instante de choque em que os servos executam
as meninas do harém do rei e os cavalos. É
uma extravagância de corpos torcidos contra
um fundo vermelho flamejante. Os tons
claro/escuro e as formas turbulentas em amplas
Eugène Delacroix, A Morte em Sardanapalus (1827-1828),
pinceladas
Museu do Louvre, Paris, França
praticamente
compõem
um
manifesto romântico.
Delacroix libertou a pintura do conceito clássico de cor como uma tintura aplicada sobre
as formas definidas pela linha do desenho. Em sua pintura, a cor ― especialmente os tons
vibrantes e adjacentes ― se tornou um meio indispensável de modelar as formas. Essa
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“descoberta” vai ser sistematicamente explorada, mais adiante, por pintores como Van Gogh,
Renois, Degas, Seurat e Cézanne. Sobre a pintura de Delacroix, Van Gogh teria comentado
admirado: “só Rembrandt e Delacroix seriam capazes de pintar o rosto de Cristo”.
Delacroix não tentava reproduzir a realidade com precisão, mas almejava capturar sua essência.
Sua atitude permitiu ao artista desafiar a tradição, dando-lhe o direito de pintar como ele
quisesse. O artista espanhol Goya conheceu o trabalho de Delacroix já bem idoso e o aprovou
incondicionalmente.
Neoclassicismo X Romantismo
Com uma produção enorme, Delacroix reivindicava ter
composições para duas vidas e projetos para pelo menos
quatrocentos
anos.
Pintava
em estado
febril,
atacando
furiosamente toda a tela de uma vez, dizendo que “se você não
tiver habilidade suficiente para esboçar um homem caindo pela
janela durante o tempo que leva para ele chegar da altura do
quinto andar ao chão, então jamais será capaz de produzir uma
obra monumental”. Um amigo elogiou Delacroix dizendo que
ele era um pintor “que tinha um sol na cabeça e tempestades no
Jean-Auguste-Dominique Ingres, Paganini,
1818. The Granger Collection, Nova York
coração; que, durante quarenta anos, tocou no teclado das
paixões humanas”.
Durante vinte e cinco anos Delacroix e Ingres lideraram
escolas rivais, cuja disputa dominou o cenário artístico de Paris. As
pinturas feitas pelos dois artistas, retratando o violinista virtuose
Paganini, demonstram as diferenças em aparência e técnicas dos
movimentos neoclássico e romântico.
Ingres era ele próprio um talentoso violinista e conhecia
Paganini pessoalmente; no entanto, sua versão do maestro é um
retrato objetivo e formal de um homem público. Com acuidade
fotográfica, suas linhas precisas, ondeadas, reproduzem exatamente
a aparência física de Paganini. Esse é um homem racional, com
controle completo.
Delacroix define a forma do músico através de cor e
Eugène Delacroix, Paganini, c. 1832
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pinceladas energéticas, fluidas, em vez de linhas rígidas. Diferentemente da figura reta, espigada
de Ingres, o Paganini de Delacroix é curvado como um violino, transportado pelo êxtase da
performance. Os olhos fechados, o pé quase que batendo o compasso, a pintura de Delacroix é
uma figura de abandono apaixonado. Esse é o homem interior nas dores da emoção.
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