Ondas Sonoras, Harmônicos e Percepção do Som no Saxofone

Transcrição

Ondas Sonoras, Harmônicos e Percepção do Som no Saxofone
Ondas Sonoras, Harmônicos e Percepção do Som no Saxofone
dan_camsky – Abril de 2008.
Para facilitar a comunicação neste artigo, sempre que citar uma nota, estarei me referindo à nota
transposta do sax alto (transposição em Eb). Todo o material abaixo foi produzido gravando sons do
meu sax alto Yamaha 62, com microfone de PC e software Auto Tuner 2.99. Utilizei a notação americana
das notas(tabela de equivalência logo abaixo) e a numeração padrão das oitavas do piano (C4= Do da
4ª oitava do piano).
O som é uma vibração do ar, na forma de onda, que é captada pelos nossos
ouvidos e conduzida ao cérebro pelo nervo auditivo. Este, por sua vez, traduz em
impulsos elétricos que nos fazem perceber o som.
Se a vibração for lenta, temos um som grave; se for rápida, um som agudo.
Convencionamos chamar de notas musicais as ondas sonoras de determinadas
freqüências. Abaixo apresento as freqüências aproximadas das notas da tessitura normal
do sax alto. Cada nota é igual à nota anterior multiplicada por 1,06 (raiz 12 do número
2). Repare que, ao subir uma oitava, a freqüência dobra.
Nota Sist
Europeu
Do
Do# / Reb
Re
Re# / Mib
Mi
Fa
Fa# / Solb
Sol
Sol# / Lab
La
La# / Sib
Si
Nota Sist
Americano
C
C# / Db
D
D# / Eb
E
F
F# / Gb
G
G# / Ab
A
A# / Bb
B
1ª oitava do
sax alto
139
147
2ª oitava
3ª oitava
4ª oitava
156
165
175
185
196
208
220
233
247
262
277
294
311
330
349
370
392
415
440
466
494
523
554
587
622
659
698
740
784
831
880
-
Uma onda sonora pura da nota musical é uma onda senoidal perfeita, com a
freqüência exata da nota. A figura abaixo mostra uma onda senoidal equivalente ao C4
do sax:
Porém, na natureza e nos instrumentos musicais não acontecem ondas senoidais
perfeitas. As ondas são distorcidas. Essas distorções são o que chamamos de timbre do
instrumento. A figura abaixo apresenta a onda produzida pelo C4 do meu sax:
Repare que a onda é bem diferente da senoidal perfeita mais acima, mas a
afinação está muito boa.
Um cientista chamado Fourier, matemático estudioso das ondas, chegou à
conclusão que qualquer onda (sonora ou não), por mais complexa que seja, pode ser
decomposta em uma soma de ondas senoidais perfeitas, com amplitudes variáveis e
freqüências múltiplas de um número base, obtido daquela onda. Ele desenvolveu
algoritmos matemáticos que permitem obter as ondas senoidais que, somadas, originam
qualquer onda complexa que se queira.
Abaixo, a onda do C4 do meu sax e a decomposição dela nas ondas senoidais que
a formam. A primeira onda, a freqüência base, é a que define qual é a nota musical que
o nosso ouvido percebe. As demais geram o timbre do meu sax. Repare que as
amplitudes (altura) das ondas são diferentes para cada uma. Essa combinação de alturas
é influenciada por inúmeros fatores: instrumento, digitação da nota, boquilha, palheta,
músico, maneira de soprar, etc., etc., etc.
A aplicação da série de Fourier era um processo muito complicado, até o advento
dos computadores. Agora podemos analisar a onda sonora do nosso sax em tempo real,
com software freeware. A figura abaixo apresenta a análise de Fourier (também
conhecida por FFT) da onda C4 do meu sax que mostrei acima. Os picos mostram as
freqüências que compõem a onda analisada. A altura de cada pico nos dá uma idéia da
amplitude da respectiva senóide da série. O primeiro pico está em 311Hz, que é a
freqüência do C4; os demais, ocorrem em múltiplos desse número (622, 933, 1244,
1555, 1866, 2177, 2488,... Hz). Essas freqüências são o que chamamos de Série
Harmônica da nota. No caso, as freqüências acima correspondem às notas C5, G5, C6,
E6, G6, Bb6, C7 e são a sua série harmônica.
Com o acionamento da chave de registro, a nota troca de C4 para C5 e a análise de
Fourier fica como a figura abaixo. Repare que isso suprime a freqüência de 311Hz (C4)
e o primeiro pico que ocorre é em 622Hz (C5). Os demais picos passam a ser os
múltiplos de 611Hz, e compõem a sua série harmônica.
Abaixo a análise de Fourier da nota mais aguda da tessitura normal do sax alto:
F#5. No meu sax, observa-se quase um pico único na freqüência de base, com a
presença de 3 harmônicos de amplitude muito pequena. Isso significa que o F#5 do meu
sax é quase uma onda senoidal perfeita.
De posse das informações acima, vou passar à discussão de alguns fatores
interessantes que influenciam na percepção da música do instrumento, e que têm sido
questionados por colegas. Não vou entrar em discussões quanto a detalhes do
instrumento, como o acabamento do sax, a boquilha, a palheta, ressonadores e diversos
outros que dariam origem a um livro inteiro de discussões.
Há muito mais do que alguns metros de ar entre o saxofone e a percepção do som
por quem o escuta. O som percebido é muito influenciado pelo ambiente em que se está
tocando o instrumento. Quase todos nós já tivemos oportunidade de testar efeitos de
ambiente disponíveis em programas de edição de música. Podemos simular salas de
concerto, corredores, igrejas e vários outros ambientes, e é rapidamente identificável a
diferença que isso faz na nossa percepção do som. Na realidade tudo o que estiver
presente no ambiente em que a música está sendo tocada pelo sax influencia no
resultado do som. A roupa do saxofonista, se o ambiente é fechado ou aberto,
superfícies refletoras ou absorventes de som e suas disposições no ambiente, dimensões
da sala, presença de pessoas e incontáveis outros fatores modificarão o som recebido
pelo ouvido, em maior ou menor grau. Isso se deve a formação de ecos, absorção ou
amplificação de determinadas freqüências (harmônicos) por superfícies presentes no
ambiente, assim como outros efeitos.
Outro fator é a curva de resposta do microfone. Um microfone adequado para sax
deve captar o som do instrumento da maneira mais parecida possível com a captação do
nosso ouvido. Se não for assim, quem ouvir a gravação ou a amplificação ao vivo
perceberá o som distorcido – normalmente com menos harmônicos altos,
principalmente nas notas mais agudas. A maioria dos microfones de qualidade razoável
apresenta uma captação de som com ganho constante de 200 até 10.000Hz. A nota mais
grave que o sax alto produz é de 277Hz, para o tenor é 104Hz, no barítono é 69Hz.
Portanto um microfone adequado a sax até barítono deve apresentar ganho estável até
69Hz. No outro extremo das frequências, a situação é mais complicada devido aos
harmônicos e superagudos. No sax alto, a freqüência de nota mais aguda é 880Hz. Se
você não usa os superagudos e deseja que o microfone capte apenas 5 harmônicos, o
ganho do microfone deve ser constante até 5.280Hz. No soprano, a nota mais aguda é
1.319Hz. Se você alcança mais uma oitava de superagudos, a nota é de 2.638Hz. Para
captar até o 7º harmônico desta nota sem distorção, o microfone precisa ganho estável
até 21.100Hz.
Gráfico da resposta do microfone Shure SM57: Veja que este microfone tem
resposta linear de 200Hz até 2000Hz. Entre 2000 e 10000Hz há discreta amplificação
dos harmônicos. Acima disso, o microfone atenua os harmônicos.
Gráfico da resposta do microfone Shure SM81: Veja que este microfone tem
resposta linear de 150Hz até 15.000Hz com pequena atenuação até 20.000Hz. É um
microfone de qualidade bem melhor do que o anterior.
No parágrafo anterior, tudo o que falei sobre o microfone, vale para o
equipamento de amplificação, mixagem e caixas de som. Todo o equipamento
eletrônico envolvido na gravação ou amplificação ao vivo deve ser adequado. Alguns
exemplos de fidelidade muito baixa com o som acústico que ilustram isso:
• Experimente gravar o som do seu sax no PC, com o microfone padrão e ouvir
com as caixas de som pequenas. Ouça e verifique se é parecido com a execução
acústica ao vivo.
• Coloque um CD do seu saxofonista preferido e ligue apenas um tweeter no
aparelho de som. O tweeter apenas reproduz sons agudos, distorcendo a onda
sonora original; Depois faça o contrário: ligue apenas o subwoofer. Este somente
reproduz sons bem graves, e não vão se ouvir notas agudas e nem os
harmônicos.
• Ligue o radinho de pilha no AM e espere tocar uma música do Kenny G (é o
saxofonista que mais provavelmente será executado lá). Fica bom assim? Não,
uma vez que o AM transmite com frequências reduzidas, cortando os graves e
agudos. Além disso, o autofalante e a caixa de reverberação são perfeitos para
uma reprodução em alta fidelidade...
Como se não bastassem os aspectos de ambiente e de equipamento eletrônico,
temos ainda um outro fator não menos importante: a audição do ouvinte. Já está bem
estudado que ocorre uma mudança na audição com a idade. A partir da adolescência,
ocorre uma perda progressiva da audição para sons agudos. Algumas freqüências já não
são audíveis aos 20 anos para a maioria das pessoas. Daí em diante, a audição vai
diminuindo progressivamente para todas as freqüências e diminui de forma mais
acentuada para freqüências acima de 1000 Hz. O ritmo dessa perda auditiva é muito
variável. Será mais rápido para quem teve otites de repetição ou outras doenças do
ouvido interno e para quem foi submetido a altos níveis de ruído no trabalho, e mais
lento para os demais. Há fatores genéticos envolvidos também. Dessa forma, a maioria
das pessoas com mais de 50 anos possuem uma perda auditiva de leve a moderada para
sons agudos. Ou seja, quase não ouvem os harmônicos das notas agudas. Isso faz com
que duas pessoas jamais percebam igual o som do sax. E essa diferença de percepção é
maior ainda se as idades forem muito diferentes.
Gráfico da audiometria típica de um idoso: esta pessoa simplesmente não ouve sons de
mais de 6000Hz e ouve muito pouco a partir de 1000Hz. Se ouvir um sax tocando será
bastante diferente do que uma pessoa de 20 anos com audição normal.
O assunto tratado neste artigo é uma pequena parcela do objeto de estudo e
trabalho dos engenheiros de som. São eles que tratam dos cuidados necessários para que
o CD do seu saxofonista preferido soe no seu aparelho de som tão parecido quanto
possível de uma audição acústica. Além de muito estudo para tocar tão bem quanto um
profissional famoso, esses são alguns dos muitos aspectos envolvidos na produção
musical que você teria que cuidar para a sua gravação ser tão boa quanto a do seu ídolo.

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