Suplemento RMMG do Programa de Pós Graduação 2008
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Suplemento RMMG do Programa de Pós Graduação 2008
18/4-S1 Editorial UMA PUBLICAÇÃO DA Associação Médica de Minas Gerais – AMMG • Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais – CRM-MG • Cooperativa Editora e de Cultura Médica Ltda. – Coopmed • Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais – FCMMG • Faculdade de Medicina da UFMG – FM/UFMG • Federação Nacional das Cooperativas Médicas – Fencom • Secretaria de Estado da Saúde de Minas Gerais – SES/MG • Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte – SMSa/BH • Sindicato dos Médicos do Estado de Minas Gerais – Sinmed-MG • Unimed-BH Cooperativa de Trabalho Médico Ltda – Unimed-BH. Diretoria Executiva do Conselho Gestor Francisco José Penna - Presidente • Helton Freitas - Diretor Financeiro • Helvécio Miranda Magalhães Júnior - Diretor de Relações Institucionais Conselho Gestor Amélia Maria Fernandes Pessôa (Sinmed-MG) • Ciro José Buldrini Filogônio (Fencom) • Cláudio de Souza (CRM-MG) • Epotamênides Maria Good God (AMMG) • Francisco José Penna (FM/UFMG) • Helton Freitas (UNIMED-BH) • Helvécio Miranda Magalhães Júnior (SMSa-BH) • Ludércio Rocha de Oliveira (FCMMG) • Nery Cunha Vital (SES/ MG) • Victor Hugo de Melo (Coopmed) Editor Administrativo Maria Piedade Fernandes Ribeiro Leite Secretária Suzana Maria de Moraes Miranda Normalização Bibliográfica Maria Piedade Fernandes Ribeiro Leite Projeto gráfico: José Augusto Barros Produção Editorial: Folium Tiragem: 1.000 exemplares Indexada em: LILACS - Literatura LatinoAmericana em Ciência da Saúde Versão online: http://rmmg.medicina.ufmg.br Correspondências e artigos Revista Médica de Minas Gerais Faculdade de Medicina da UFMG Av. Prof. Alfredo Balena, 190 - Sala 12. 30130-100 – Belo Horizonte. MG.Brasil Telefone: (31) 3409-9796 e-mail (artigos): [email protected] e-mail (correspondências): [email protected] Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S1 - S184 PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PEDIATRIA- SAÚDE DA CRIANÇA E ADOLESCENTE: 21 ANOS DE EXISTÊNCIA O curso pós-graduação em Pediatria da Faculdade de Medicina da UFMG na modalidade de Mestrado foi criado em 1985 e implantado em 1987. Posteriormente, após a consolidação do mestrado, foi iniciado o doutorado, cuja primeira tese defendida ocorreu em 1998. No início o curso se inspirou na estrutura da Residência Médica, com disciplinas mais de cunho profissional. Na seleção apenas eram admitidos médicos pediatras e depois foram admitidos candidatos de outras áreas da medicina. Em consonância com as tendências da pós-graduação, uma mudança importante foi realizada em 2004, com modificações na estrutura curricular e no processo de seleção com a inclusão de outros profissionais. O curso passou de Pediatria para Programa em Ciências da Saúde Área de Concentração Saúde da Criança e Adolescente. Com esta abertura foi possível o ingresso de outros profissionais com diferentes formações para desenvolvimento de teses e dissertações tendo como objeto de estudo a criança e o adolescente. Neste processo de organização e início do curso tiveram participação importante os professores do Departamento de Pediatria, sob a coordenação do prof. Edward Tonelli. Na seqüência contribuíram para consolidação do mestrado e doutorado os seguintes professores coordenadores: Joel Alves Lamounier, Paulo Augusto Moreira Camargos, Francisco José Penna. Na função de sub-coordenador, participação dos professores César Coelho Xavier e Eduardo Araújo Oliveira. Ao longo desta história, teve papel importante o Colegiado, no avanço e implemento das propostas, buscando a qualidade do programa. Em julho de 2008, foi realizado na Faculdade de Medicina da UFMG o I Seminário de Auto-avaliação com a finalidade de discutir os problemas, definir ações e propor metas para os próximos anos, no contexto atual das recomendações da CAPES para a pósgraduação brasileira. O programa de pós-graduação tem avançado e cumprido o seu papel na formação de professores e de pesquisadores na área da saúde da criança e adolescente. Cumpre o papel de contribuir para inserção social e divulgação do conhecimento científico. Mestres e doutores foram formados oriundos de diversas partes do estado de Minas Gerais como também de outros locais como: Rio de Janeiro, Goiás, Espírito Santo, Ceará, Santa Catarina. Cooperação interinstitucional foi uma experiência positiva com Universidade Federal de Goiás (Mestrado) e para o próximo ano estão previstos projetos para mestrado com FHEMIG e doutorado com Universidade Federal do Jequitinhonha e Mucuri visando titulação de profissionais e docentes das instituições. Na área internacional, o programa recebeu neste ano dois alunos de Moçambique pelo convenio Brasil-África. Ações estão previstas para ampliar e aprofundar as relações e projetos com pesquisadores internacionais, possibilitando assim, pesquisas em colaboração com a participação de docentes e alunos. No crescimento do programa tem sido inestimável o apoio e recursos provenientes da ProReitoria de Pos-Graduação da UFMG, CAPES e agencias de fomento a pesquisa como CNPq e FAPEMIG. O programa conta com um elenco de linhas de pesquisa já consolidadas e das quais tem sido originados os diversos trabalhos para teses e dissertações. As dissertações e teses estão disponíveis na biblioteca da Faculdade de Medicina e podem ser acessadas pela internet na pagina www.medicina.ufmg.br e no portal CAPES (www.capes.gov.br/capes/portal). Nestas duas décadas de existência é possível comemorar e celebrar os avanços: 289 dissertações de mestrado concluídas e 80 teses de doutorado já defendidas até setembro de 2008. Este sucesso ocorreu graças ao trabalho e participação dos professores do Departamento de Pediatria e de outras unidades da UFMG em orientações de teses e dissertações e oferta de disciplinas. Sem dúvida, um dos maiores programas de pós-graduação no país na área da criança e adolescente de reconhecimento nacional. Em periódicos nacionais e internacionais de impacto podem ser encontrados artigos originados de dissertações e teses produzidas pelos alunos do programa. Neste suplemento da Revista Médica de Minas Gerais é possível ter uma amostra de artigos diversos, importante contribuição e divulgação do conhecimento científico na área da saúde. Joel Alves Lamounier Professor Titular Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da UFMG Coordenador do Programa 18/4-S1 sumário Artigos Originais 5 • Anorexia e Bulimia Conditions of the oral cavity and of dental attendance of children with acute lymphocytic leukemia 47 • A percepção dos Maria de Lourdes de Andrade Massara; Marcos Borato Viana; Lorena Nunes Perception of accidents in school by elementary level educators, Belo Horizonte 33 • Correlação do Soraia Pinto Sena; Janete Ricas; Maria Regina de Almeida Viana – Um transtorno alimen- Denise Siqueira Lobão; tar: Não se trata disso Benigna Maria de Oliveira; Anorexia and Bulimia – An alimentary disorder: It is not the case Tatiana Mattos do Amaral; Roberto Assis Ferreira 13 • Aspectos cognitivos e emocionais de adolescentes com excesso de peso e seus responsáveis Cognitive and emotional aspects of adolescents with excess of weight and those responsible for them Tatiana Resende Prado Rangel de Oliveira; Cristiane de Freitas Cunha 20 • Nova curva da OMS 2006: implicações para o crescimento de recém-nascidos prétermo em comparação com a curva do CDC 2000 gênero, idade, índice de massa e superfície corporais e o tempo ultra-sonográfico de esvaziamento gástrico de uma fórmula láctea em crianças e adolescentes Correlation between gender, age, body mass and surface index and the ultrasonographyc time of gastric emptying of milk formula in children and adolescents. preterm growth in comparison to the CDC 2000 Tatiana Barcelos Pontes; Lívia de Castro Magalhães; Felipe Pinheiro de Figueiredo; César Coelho Xavier 25 • Condições da cavidade bucal e acompanhamento odontológico de crianças com leucemia linfocítica aguda cemia linfoblástica na criança: experiência do Serviço de Hematologia do Hospital das Clínicas da UFMG (1988-2005) Relapse of acute lymphoblastic leukemia in child: experience of the Division of Hematology – Hospital das Clínicas da UFMG (19882005) 63 • Tendência da 40 • Deficiência de ferro anemia em crianças Iron deficiency and anemia in students from the rural area in Novo Cruzeiro, state of Minas Gerais, Brazil Eliane Garcia Rezende; Elido Bonomo; Joel Alves Lamounier; Margarete Aparecida Santos; Márcio Antônio Moreira Galvão; Núncio Antonio Sol; Romário Cerqueira Leite Breastfeeding and inflammatory bowel disease Cecy Maria Lima Santos; Aline Cássia de Andrade Sayão; Luciana Cota Pinto Coelho; Pollyanna Pamela Caetano de Carvalho 55 • Recidiva da leu- Cristina Pirani Valadares, Claudia de Souza; Marcos Marco Antonio Duarte, RogéBorato Viana; Benigna Maria rio Augusto Pinto Silva, Wilde Oliveira son Campos Tavares Junior, Francisco José Penna e anemia em escolares WHO 2006 child growth stan- da área rural de Novo dards: implications for the Cruzeiro, Minas Gerais Artigos de Revisão acidentes escolares por 70 • Aleitamento matereducadores do ensino no e doenças inflamatófundamental, Belo rias intestinais Horizonte de creches da regional leste de Belo Horizonte, MG Tendency of the anemia in infants of day care centers of the regional east of Belo Horizonte, MG 77 • Aleitamento materno e fissura labiopalatal: revisão e atualização Breastfeeding and cleft lip and/ or palate: Review and update Christiane Marize Garcia Rocha, Márcia Carvalho Moreira Dias, Lorena Cristine Braga Pereira, Maria do Carmo Barros de Melo, Joel Alves Lamounier 83 • Associação entre eventos estressantes de vida e dor abdominal recorrente não orgânica: revisão The association between stressful life events and non organic recurrent abdominal pain: review Patrícia Cruz Guimarães Pinto; Marco Antônio Duarte Mariana Rodrigues de Carvalho, Thaís de Souza 90 • Doença renal crôniChaves, Joel Alves Lamouca em pediatria: Progranier, Daniela da Silva Rocha, ma Interdisciplinar de Flávio Diniz Capanema, Aline Bárbara P. Costa, Flaviane Abordagem Pré-dialítica Chronic kidney disease in chilAlves Toni, Suellen Fabiane dren: Predialysis InterdisciplinCampos ary Management Program Cristina M. Bouissou Soares, José Silvério S. Diniz, Eleonora M. Lima, Jose M. Penido Silva, Gilce R. Oliveira, Monica R. Canhestro, Vanessa R. Silva, Andréa M. Munair, Marilene Moreira, Ana Cristina Simoes E Silva, Eduardo A. Oliveira 98 • A epilepsia e os transtornos mentais: a interface neuropsiquiátrica Epilepsy and mental disorders: the neuropsychiatric interface Eliana Maria de Castro; Roberto Assis Ferreira; Eugênio Marcos Andrade de Goulart 123 • Da tendência grupal aos grupos operativos com adolescentes: a identificação dos pares facilitando o processo de orientação e educação em saúde Atualização Terapêutica 154 • Abordagem inter- 173 • Medicina do disciplinar do adolescente obeso com ênfase nos aspectos psicossociais e nutricionais From group tendency to the teenagers’ operative groups: the identification of the pairs facilitating the process orientation and education in health Interdisciplinary approach of the obese adolescent with emphasis in the aspects psychological and nutritional aspects Alisson Araújo; Regina Lunardi Rocha; Lindalva Carvalho Armond Márcia Rocha Parizzi, Cristiane de Freitas Cunha, Roberto Assis Ferreira, Joel Alves Lamounier, Márcia Álvaro Listgarten, Gisele Araújo Magalhães 131 • Tratamento da obesidade na infância e adolescência: uma revisão da literatura 161 • A adolescência e sua interferência no controle do diabetes infância e adolescência mellitus: dificuldades Childhood and adolescent obesity Carla Toledo Afonso; Cristia- e propostas a partir de Rafael Machado Mantovani; ne de Freitas Cunha; Tatiana uma revisão da Resende Prado Rangel de Maria de Fátima Sabino literatura 107 • Obesidade na Viana; Sarah Baccarini Cunha; Letícia Castro Rubim de Moura; Juliana Metzker de Oliveira; Flávia Fonseca de Carvalho; Juni Carvalho Castro; Ana Cristina Simões e Silva 119 • Programa de pós- Treatment of adolescence and childhood obesity: a literature revision Oliveira 139 • Triagem auditiva em neonatos Neonatal hearing screening Fernanda Alves Botelho, Maria Cândida Ferrarez Bouzada, Luciana Macedo de Resende, Cynthia Francisca Xavier Costa de Assis Silva, Eduardo Araújo de Oliveira graduação em Saúde da Criança e do Adolescente, da Faculdade de Medicina da UFMG 146 • Uso de galactaPost-graduation programme gogos na prática clínica in children and adolescent para o manejo do aleitahealth of the UFMG School of mento materno Medicine Joel Alves Lamounier; Eduardo Araújo Oliveira; Ana Cristina Simões e Silva; Francisco José Penna; Ivani Novato Silva; Lincoln Marcelo Silveira Freire; Marco Antonio Duarte; Regina Lunardi Rocha Use of galactagogues in the practical clinical for the management of breastfeeding Roberto Gomes Chaves, Joel Alves Lamounier, Luciano Soares, Graciete Oliveira Vieira Educação Médica Adolescence and its interference in the diabetes mellitus control: difficulties and proposals after a literature review Marcos de Souza Alvarenga Júnior; Cristiane de Freitas Cunha; Thalita Figueiredo Silva Castro Adolescente: avaliação de uma experiência de ensino interdisciplinar Adolescent Medicine: evaluation of an interdisciplinary teaching experiment Clara Sousa Diniz; Cristiane de Freitas Cunha; Roberto Assis Ferreira Relato de Caso 179 • O tratamento psicanalítico associado ao tratamento clínico em uma criança com dermatite atópica: o caso R Psychoanalytical treatment associated with clinical treatment for child atopic dermatitis: case R. study Silvia G. Myssior; Maria Jussara Fernandes Fontes; Roberto Assis Ferreira; Maria Cândida Marques 184 • Normas de Publicação 167 • Obesidade e osteoartrite: atualiazação em implicações clínicas e metabólicas Obesity and osteoarthritis: metabolic and clinical implications updated Maria Tereza Nicolau dos Santos; André Everton de Freitas; Joel Alves Lamounier Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S1 - S184 ARTIGO ORIGINAL Anorexia e Bulimia – Um transtorno alimentar: Não se trata disso Anorexia and Bulimia – An alimentary disorder: It is not the case Tatiana Mattos do Amaral1; Roberto Assis Ferreira2 RESUMO Objetivo: Este estudo propõe, a partir da construção de casos clínicos, que os Transtornos Alimentares não se reduzem a doenças orgânicas. Não se trata disso. Método: Selecionou-se casos clínicos em momentos diferentes de tratamento. A construção do caso clínico utilizando a teoria psicanalítica convoca o caso em particular, mostrando o que em um sintoma alimentar ultrapassa a necessidade do alimento apontando para o desejo e o gozo. Evidencia-se aí, o limite do saber universal que desconsidera o sujeito e sua singularidade. A clínica do particular tem um valor paradigmático e dá ao caso seu valor metodológico, ensinando sobre a direção do tratamento. Resultados: A classificação dos pacientes em categorias diagnósticas, mostra-se insuficiente para a condução dos casos. Possibilita dados globais do problema: o diagnóstico; impõe padrões terapêuticos, mas não acrescenta sobre a singularidade do caso. Uma clínica das questões subjetivas confirma o fato de que a anorexia e bulimia não constituem fundamentalmente um transtorno alimentar, levando à afirmação “não se trata disso”. Esses fenômenos clínicos são expressões sintomáticas em resposta a conflitos psíquicos. Conclusões: A psicanálise propõe a clínica do um a um, do singular. Ao se desvelar o envoltório universal do sintoma, a anorexia e a bulimia de cada sujeito adquire outra conotação. Trata-se, a partir da série monótona e genérica dos fenômenos anoréxicosbulímicos (rituais, vômitos, restrições alimentares), de possibilitar a elaboração dos conflitos psíquicos. Pois, o deslocamento do quadro clínico ao caso clínico, desvela vivências psíquicas que apontam para a singularidade do sujeito e reorientam a clínica. 1 Mestre. NIAB – Núcleo de Investigação em Anorexia e Bulimia, Hospital das Clínicas, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte, MG, Brasil. 2 Doutor. Professor Associado, Departamento de Pediatria, Faculdade de Medicina, UFMG, Belo Horizonte, MG, Brasil. Palavras-chaves: Transtorno Alimentar; Anorexia; Bulimia; Psicanálise ABSTRACT Objective: The present study establishes, from the construction of clinical cases, that alimentary disorders are not mere organic diseases. That is not the case. Method: A set of clinical cases in different treatment stages was selected. The construction of the clinical case using psychoanalytical theory invokes the particular case, unveiling the aspects of an alimentary symptom which goes beyond the feeding needs and leans towards desire and bliss. There is the evidence of the limit of the universal knowledge, which takes for granted the subject and its singularity. The clinic of the particular has a paradigmatic value and adds methodological value to the case, providing treatment directions. Results: Patient classification according to diagnostic categories is insufficient to conducting the cases. Although it provides global data about the problem – the diagnosis – and imposes therapeutic standards, it does not contribute to the singularity of the case. A clinic of the subjective questions confirms the fact that anorexia and bulimia do not fundamentally constitute an alimentary disorder, thus leading to the statement “that is not the case”. Those clinical phenomena are symptomatic expressions in response to psychic conflicts. Conclusions: Psychoanalysis proposes the clinic of “one by one”, the clinic of the Curso de Pós-graduação em Saúde da Criança e do Adolescente – Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil. NIAB – Núcleo de Investigação em Anorexia e Bulimia Hospital das Clínicas, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte, MG, Brasil. Endereços para correspondências: Roberto Assis Ferreira Faculdade de Medicina da UFMG, Departamento de Pediatria Av. Alfredo Balena, 190 Belo Horizonte - MG – Brasil CEP: 30.130-100 E-mail: [email protected] Tatiana Mattos do Amaral Engenheiro Amaro Lanari, 355 apto 501.Anchieta. Belo Horizonte - MG – Brasil CEP: 30.310-580 E-mail: [email protected] Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S5-S12 5 Anorexia e Bulimia – Um transtorno alimentar: Não se trata disso singular. As the universal envelopment of the symptom is unveiled, the anorexia and bulimia of each subject attains a different connotation. It is about enabling the elaboration of the psychic conflicts from the monotonous and generic series of the anorexic-bulimic phenomena (rituals, vomiting, and food restrictions). The movement from the clinical picture to the clinical case unveils a series of psychic experiences which point out the singularity of the subject and reorient the clinic. Key word: Alimentary Disorder; Anorexia; Bulimia; Psychoanalysis INTRODUÇÃO O conceito médico - psiquiátrico da Anorexia e Bulimia Nervosa refere-se a quadros clínicos onde há um transtorno alimentar e distorção da imagem corporal, sendo que a rejeição do alimento, e/ou as medidas purgativas compensatórias tais como vômitos, uso de laxantes, diuréticos, exercícios físicos em excesso, são os fenômenos centrais.1 A clínica da anorexia e bulimia aponta, quase sempre, para o fracasso de uma proposta médica terapêutica normativa, ou seja, a universalização do fenômeno, o restabelecimento do peso, a reeducação alimentar, uma atitude normativa em relação aos comportamentos, um tratamento com ênfase na medicação.2 A clínica aponta para uma falha epistêmica no saber médico na condução desses casos quando 3-6: ■ um sujeito nega-se deliberadamente a comer ou usa medidas purgativas a ponto de morrer e ainda assim não faz disso uma questão; pacientes sem implicação com o sintoma; a predominância do corpo, do mal estar localizado no corpo, em detrimento da palavra; ■ a demanda de tratamento não é feita na maioria das vezes pelo paciente e sim pelos pais ou responsável apesar de sofrimento intenso; ■ o paciente com sintomas anoréxicos não mostra em geral, desejo de cura e; pelo contrário, convoca o médico no intuito de perder mais peso; ■ ao ganhar peso, uma anoréxica ou uma bulímica costuma apresentar piora da angústia sendo que algumas desenvolvem um quadro depressivo grave; ■ um sintoma mortífero passa a ser o centro da vida de alguns pacientes como uma resposta a algum questionamento próprio, uma nomeação, caracterizado por uma radicalidade da decisão de perder peso; 6 Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S5-S12 ■ maior número de casos entre adolescentes e entre mulheres. A clínica nesses casos leva à angústia motiva e o trabalho para lidar com o que escapa à medicina. Diante do engano, pergunta-se: Há algum sentido em um sintoma como esse? O deslocamento do olhar semiológico para a escuta desvela a subjetividade.7-10 Além do envoltório universal do sintoma, encontra-se uma história particular: a anorexia e bulimia de cada sujeito. 11-15 Apesar da fenomenologia típica dos sintomas, cada caso será singular; é a verdade de um mesmo sintoma em sujeitos diversos. CASUÍSTICA E MÉTODO Quando se permite a manifestação, sem perguntas dirigidas, é que o novo vai aparecer – aquilo que não se perguntou por que a pergunta era impossível de ser formulada. 16 Para este trabalho, foram selecionados nove fragmentos de casos clínicos em momentos diferentes de sua condução. Priorizaram-se os aspectos particulares relevantes em cada caso para responder ao objetivo proposto. Aspectos do saber teórico psicanalítico foram utilizados a partir da convocação do caso, para mostrar o que em um sintoma alimentar ultrapassa a necessidade do alimento apontando para o desejo e o gozo8,13,15; mostrando então o limite da prática clínica-psiquiátrica, que trabalham a partir do quadro sintomático, desconsiderando o sujeito. Todos pacientes foram atendidos por profissionais do NIAB (Núcleo de Investigação em Anorexia e Bulimia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais) em três vertentes: médica, psiquiátrica e psicanalítica. A direção do tratamento se deu pela construção do caso clínico16-19 a partir da interlocução entre os profissionais, provocada, quase sempre, pelo aspecto que em cada caso aparece como incógnita. É necessária a compreensão do que há de mais singular em cada caso19,20, ou seja, o sintoma na sua articulação com o desejo e o gozo, para que possa surgir alguma possibilidade de intervenção eficaz. A construção do caso clínico é um método de pesquisa, um caminho muito próprio da psicanálise que orienta para a produção do saber Anorexia e Bulimia – Um transtorno alimentar: Não se trata disso clínico por outros critérios, a saber, o estudo do caso um a um, a construção dos fatos que concernem ao caso, com a inclusão do analista nessa construção.16,18,19 Laplanche e Pontalis16 concede á psicanálise sua qualidade de método científico como um método de investigação cujo alvo maior é evidenciar o significado inconsciente das palavras, das ações, das produções imaginárias de um sujeito, como seus sonhos e fantasias. Ao relacionar a pesquisa qualitativa com os modelos psicanalíticos clínicos, Turato16 traz contribuições em relação à escolha da prática psicanalítica como método científico: Antes de constituir uma abordagem terapêutica científica autônoma, a psicanálise consiste num método com seus procedimentos para a investigação sobre processos mentais praticamente inacessíveis por qualquer outro modo que não seja através da relação afetiva próxima em análise como profissional psicanalista. Por sua vez o psicanalista em pesquisa clínica utilizará ao contrário, somente seus pacientes, já que o material de pesquisa será o material de análise terapêutica, sendo que os dados “colhidos” não virão pela proposta de um assunto colocado ao analisando. Pelos procedimentos de investigação, o psicanalista terá material abundante e profundo de cada paciente, já que o sistema de sessões regulares, nas quais ocorrerão a relação terapêutica, permitirá uma apreensão ampla dos fenômenos do universo psíquico do individuo sob estudo. Ainda segundo Turato16, na pesquisa psicanalítica o número de casos pode se resumir a um ou poucos casos e em relação ao uso do consentimento pos informação por escrito, marca a diferença entre a pesquisa clínico-qualitativa e a pesquisa psicanalítica: Outros procedimentos têm, no momento, lugar garantido na construção metodológica da pesquisa clínico-qualitativa; o que não é confirmado na pesquisa da psicanálise clínica, tais como: o uso do consentimento pós-informação por escrito, a disposição face a face, o emprego do gravador para registro da entrevista, uma entrevista semi-dirigida como instrumento auxiliar de pesquisa disposto já no projeto; e o setting construído no ambiente usual do sujeito. No presente trabalho, a evolução do quadro para o caso clínico17-19, corresponde à substituição da operação de apresentação e descrição do caso à sua construção. Constata-se aí importância e a necessidade da interlocução com outros discur- sos, além do discurso médico, para a condução do tratamento da anorexia-bulimia. A construção dos casos se deu pela interface entre os discursos da medicina, da psiquiatria e da psicanálise, preservando-se os lugares do médico (clínico e psiquiatra) e do psicanalista. Os discursos, cada qual com o seu saber, sua nomeação e classificação, buscam um saber particular a partir da singularidade de cada sujeito em direção ao real.17-20 RESULTADOS E DISCUSSÃO A psicanálise ao valorizar o particular do sujeito, eixo de sua ética, promove um enfraquecimento das referências descritivas da Anorexia e Bulimia Nervosa como comportamentos fenomenológicos. Segundo Menard12 “Com Freud e Lacan nós afirmaremos que não se trata de uma disfunção nutricional a retificar por uma reeducação, como se esses distúrbios estivessem ligados a uma desregulação das necessidades; mas antes o contrário, no campo da palavra e da linguagem, da expressão de um desejo inconfesso e de uma forma original de gozo”. O sintoma psicanalítico, não fica subordinado à fenomenologia clínica, serve de ponto de partida para colocar o paciente a produzir algo novo, a ir em busca de sua verdade, para transformar aquilo que sente em enigma; portanto, vai além de uma demanda de cura, de alívio.21,22 A partir do enigma, o paciente pode querer saber o porquê de sua dor e de sua angústia. Haveria então, uma suposição de que a sintomatologia quer dizer alguma coisa e o sujeito construir sua saída. Seguem abaixo fragmentos de casos clínicos, que apontam para a singularidade do sujeito, demonstrando que a anorexia e a bulimia não se reduzem a transtornos alimentares, ou seja, somente a sintomas médicos relacionados com a imagem corporal e a comida. “A única coisa que ainda faço por mim mesma é ficar sem comer. Eu não quero fazer o que os outros querem e parece que emagrecer é a única coisa que eu ainda consigo fazer por mim mesma, se eu não conseguir é como se eu fracassasse” Todo o discurso da paciente, é marcado por fracassos, mas não há lugar para eles: é a mais feia e menos inteligente que os irmãos e os pais, é preterida pelos rapazes em relação às amigas, tem muito medo de não conseguir ser aprovada no colégio e já desistiu de Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S5-S12 7 Anorexia e Bulimia – Um transtorno alimentar: Não se trata disso prestar vestibular, já que tem certeza de que não vai conseguir passar. Todos acreditam nela, exceto ela mesma. Há um jogo de expectativa dos pais e das amigas ao qual ela não consegue responder. O sintoma parece fazer a diferença nessa série. O sintoma a sustenta nesse momento em que não se sente capaz de corresponder à expectativa do Outro, está na ordem da contradição e do desafio. “Tenho vontade de ter realmente uma doença física para justificar o que eu sinto.” A questão orgânica dá uma resposta ao outro e à própria paciente. A doença tratada pelo médico visa através dos fármacos à eliminação do mal-estar localizado na doença física. Vítima de uma doença, não precisa saber o que lhe faz mal. “Não quero ter que responder nada. Não quero correr risco nenhum. Depois eu resolvo isso.” Ela não quer dar respostas. Não se implica com o mal estar, mas percebe que as respostas implicam em mudanças subjetivas, após um certo percurso de tratamento. Voltou a comer e voltou a estudar. Tenta alguma estabilidade. Continua muito rígida, tentando fazer existir o seu desejo. “Outro dia, senti que minha pressão estava baixa e fui a um Posto de Saúde. Perguntei à médica se eu podia tomar um pouco de leite com sal. Ela me disse que bastava eu comer que tudo voltaria ao normal. Saí de lá com tanta raiva... mas tanta raiva... que eu não entendo. Em casa tomei água. ...passava por uma feirinha perto da minha casa. Vi um molho de agrião bonito. Pedi ao senhor da banca duas folhinhas, pois para mim era mais do que suficiente. Você acredita que ele me deu o molho inteiro!” Traz fotos. Não se dá conta do corpo caquético. “Preciso de algo mais humano, preciso falar.” O não saber sobre o seu mal-estar, a orienta na procura de assistência médica múltipla e variada, buscando uma causalidade orgânica para o seu sofrimento psíquico. Diante desse engano, o sintoma passa a ter o caráter de enigma e instaura-se um desejo de saber sobre sua angústia e sofrimento. O sintoma se desloca do corpo para as palavras. “A anorexia era uma forma de eu não saber de nada, era uma forma de fugir de tudo. Quero recuperar o peso rápido. Quero recuperar o tempo perdido”. Ao se questionar sobre os seus sintomas, esta outra paciente se vê às voltas com sua feminilidade e se pergunta: O que é ser mulher? É a partir da constatação de um novo objeto de desejo para 8 Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S5-S12 o marido, que ela abre mão do seu sintoma e inicia uma busca em recuperar o seu lugar de esposa e mulher. Começa um intenso trabalho analítico em relação à sua feminilidade. Recupera o peso, começa a se enfeitar, volta para sua casa e antes mesmo de recuperar-se do quadro de desnutrição submete-se a uma cirurgia plástica. Retoma ás suas atividades no trabalho e na faculdade. “Você me promete uma coisa? Não me abandona não? Todo mundo me abandona desde que eu nasci”. Endereça o sintoma à maneira da bulímica. Nos primeiros atendimentos entrega ao profissional comprimidos de anfetamina e uma barra de chocolate; a repetição do que vive, entre se empanturrar de comida e se esvaziar de tudo até a exaustão. O abandono aparece na relação transferencial, quando vai até o limite das atuações, colocando-se em risco de ser abandonada. Ela quer a garantia de que não será abandonada para direcionar a sua demanda. “Ela cuida de mim e eu cuido dela, ela me completa, representa tudo de bom. Sou feliz se estou com ela. Preciso dela para ser feliz”. Na fala de sua parceira sintoma: “Você agora é minha, eu não vou te deixar e não vou deixar você me deixar nunca.” A relação amorosa traz uma estabilidade psíquica e os sintomas bulímicos se esvaziam. Quando não se sente acolhida no desejo do Outro, há piora das compulsões e dos vômitos. Coloca-se na posição de devastada à medida que submete-se ao desejo do Outro em detrimento do seu, garantindo então, um lugar no seu amor. O risco de abandono na parceria amorosa, atualiza a invasão pelo outro, vivenciada na relação com a sua mãe. “Sou igual a um hamster, na gaiola só girando naquela rodinha sem conseguir sair. Nem estou sentindo mais dor, estou sofrendo. Quando a gente sente dor, dá uma casquinha, só que agora não tem jeito de dar casquinha, a ferida é muito funda. É preciso que eu abandone todo mundo, antes que todo mundo me abandone. Não quero amar ninguém.” Também, nesse caso, a referência à clínica da anorexia pode servir como paradigma: “A máscara social do corpo delgado, pode compensar um defeito narcisista fundamental, ou inclusive o vazio foraclusivo (fora do laço social, fora da linguagem) da psicose. Nessa clínica, manifesta-se uma posição do sujeito que não se manifesta pela produção de fenômenos psicóticos no seu sentido estrito: delírios e alucinações e sim que se distingue por uma Anorexia e Bulimia – Um transtorno alimentar: Não se trata disso experiência de ausência, de vazio existencial, de insustentabilidade anônima.” 24 “Quando passei no vestibular e vim para cá, parei o esporte e ganhei peso. Como compulsivamente até acabar o que tem no armário e na geladeira, ou então quando percebo a presença de alguém em casa. Sinto uma culpa enorme e choro ao mesmo tempo, fico pensando no que a minha mãe vai dizer: - Você não tem vergonha na cara. Não emagrece porque não quer. É como se eu tivesse que corresponder, tivesse que ser forte.” Sentia-se fracassada por não conseguir corresponder ao seu ideal de controle. Ser alguém era dar conta de tudo sozinha, ser magra, conseguir controlar a sua alimentação e não ter mais compulsões. Empanturrar-se era fracasso moral. O vomito a esvaziava na tentativa de recuperar o controle, mas a angustia e o cansaço desse movimento apontava para o equívoco do preenchimento. “Às vezes fico pensando se tem a ver, acho que fico me cobrando, ele trabalha junto com muitas mulheres bonitas, é como se eu tivesse que ter tudo perfeito, o meu corpo ser o mais bonito.” Sinaliza as incertezas do encontro com o outro sexo e a irrupção da sexualidade parece trazer-lhe questões sobre a feminilidade. Questionamentos e dificuldades, as quais ela localiza no corpo, desencadeando então as práticas bulímicas. “Em relação à minha mãe sempre perco a razão porque discuto. Aí ela usa isso e faz chantagem. Por exemplo, se eu quero algum dinheiro para sair ela diz que não vai me dar porque eu briguei e não estou merecendo; ou me pergunta em que eu a ajudei nos serviços domésticos para merecer. A minha mãe é dominadora, tem as crenças dela, o ponto de vista dela e ninguém a remove disto. A minha mãe exige e sempre tenta impor o que quer. Enquanto você depender de mim, tem que fazer tudo o que eu quero”. O sintoma anoréxico-bulímico incide exatamente onde sua mãe exercia o seu poder a despeito do desejo dos filhos. A recusa do alimento como objeto separador, tenta barrar a invasão materna e fazer valer o seu desejo; mas há somente uma pseudo-separação. Mantendo-se no lugar de objeto do desejo da mãe, não se apropria da sua condição de sujeito, consentindo com a tirania materna. “Não consigo ser vista. Tenho pânico de espelho e até de vidro de loja. Tenho pânico de geladeira. Se eu a abrir, parece que vou engordar; já não abro mais meu guarda roupa, porque nada lá me cabe”. “...estou me achando péssima, horrível e horrorosa. Se alguém me telefona não atendo, não quero ver ninguém. Não quero que ninguém me veja. Não quero ver ninguém. Se estou andando de ônibus ou na rua, acho que as pessoas estão escutando o que eu penso. Quando eu estou pensando, as pessoas me escutam. Parece que estão invadindo a redoma que coloco para o meu corpo.” A contemplação do esqueleto na anoréxica psicótica serve para reabsorver a despersonalização e nesse sentido não há muita diferença com os comportamentos auto-lesivos em certos psicóticos, que para conter a sensação de irrealidade. É um recurso real que promove a unidade do sujeito. Quando vejo meus ossos apontarem abaixo da pele, não me vejo perdida. Não me sinto angustiada, sim, invadida por um sentido de paz.24 “A bulimia era a solução de tudo. Era o que eu precisava. No dia seguinte tive uma compulsão e comecei a comer e a vomitar. Sou bulímica porque eu quero ser bailarina, porque a mídia me manda o tempo todo, porque minha família sempre me cobrou muito e eu tenho que provar que eu consigo”. Ela se nomeia pelo significante bulímica. Não se implica ao seu sintoma. Identifica-se com ele. Bulimia é um nome. O sentido de sua existência. Há um mal-estar, mas esse é determinado por fatores externos a ela. Imposto, impossível de ser dialetizado, ao qual só lhe resta submeter-se. “Acho que os cortes (que a paciente provoca em si mesma) são também um tipo de punição. Como eu não posso me matar, porque eu ainda tenho que ser bailarina, eu me corto. Isso foi porque eu tinha exagerado demais na comida, ou porque eu não consegui vomitar. Cheguei a pensar em cortar a minha boca para não comer. Eu penso que fracassei, agora eu tenho que me punir de alguma forma pelo meu fracasso. A bulimia se tornou o centro da minha vida”. Entende a bulimia como uma dependência, como drogas ou jogos. É fixada ao seu sintoma, que é mais do que uma obsessão, é uma dependência, um gozo auto-erótico ao qual se submete. O sintoma proporciona certo desligamento do mundo. O vômito garante “um barato” como aquele causado pelo abuso de drogas. Ao mesmo tempo, o sintoma liga e desliga (“...meio viva e meio morta”). Outra paciente, foi trazida pela mãe. O sintoma anoréxico não chegou a dividí-la psiquicamente, a Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S5-S12 9 Anorexia e Bulimia – Um transtorno alimentar: Não se trata disso causar sofrimento a ponto de fazê-la procurar ajuda. “Eu quase fiquei anoréxica, mas a minha mãe olhou para mim”. O sintoma funcionou como resposta até que começasse a ser mobilizado a partir do trabalho terapêutico em relação à figura paterna. O pai mostrou-se falho em alguns momentos e isso foi essencial para que P. consentisse com sua própria falta e aceitasse ajuda profissional. O pai que não dava nada passou a dar a falta, o dom do amor e assim a chance para que ela pudesse se posicionar como sujeito, e não como objeto desse pai completo e sem falhas. Operou então, uma mudança subjetiva em relação ao sintoma anoréxico-bulímico. “Eu não quero melhorar agora, só depois que minha mente se acalmar.” Assim aconteceu. Depois que houve a contenção dos sintomas psicóticos, os sintomas bulímicos perderam a consistência e ela passou a investir libidinalmente em seu corpo. Ganhou peso, casou-se e tornou-se mãe. É a partir da escuta dos fragmentos de casos apresentados que se pode desvelar a subjetividade relacionada aos fenômenos clínicos, tornando-se possível a decifração do sintoma em sua significação inconsciente. O inconsciente aqui entendido como um saber que não se sabe.23 Os casos mesmo fazendo tipo, ou seja, quadros clínicos padronizados, preenchendo critérios clínicos (maior ou menor acometimento de órgãos alvo) ou critérios psiquiátricos (classificados como transtornos); constituindo séries e nomes (anorexia, bulimia, toxicomania, depressão); vão mostrar sua singularidade na passagem da clínica normativa para a clínica do sujeito. A interlocução dos discursos médico, psiquiátrico e psicanalítico nos ensina que nessa clínica da anorexia e bulimia não é o ato de se alimentar, primitivo e instintivo que se coloca unicamente como foco de intervenção, mas também o sujeito em sua articulação com o desejo e o gozo. Evidencia-se aqui a grande delicadeza e desafio da intervenção clínica, quando a sobrevivência precisa ser garantida a partir do uso de neurolépticos e internações clínicas contrapondose ao sujeito que se faz existir pelo corpo magro. O sintoma considerado pelos médicos não é um sintoma analítico, para que esse surja é preciso que o sujeito não só se queixe, mas que se implique com o sintoma e se enderece a um suposto saber na procura de uma saída.21,22. A saída pode ser: permitir à anoréxica que ela traduza em pala10 Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S5-S12 vras o que coloca em ato, e à bulímica reconstruir a fantasia que subtende aos seus sintomas. 24 O generalizável e o universal da classificação dos pacientes em categorias diagnósticas, como o fazem o DSM-IV e o CID 10, mostram-se insuficientes para a condução dos casos. A prática do diagnóstico médico tem inerente a ela a idéia de que o indivíduo é o exemplar de uma classe.17 A proposta de classificação com critérios gerais possibilita dados globais do problema e garante o diagnóstico e uma nomeação, mas não acrescenta sobre a singularidade do caso. Uma clínica que se aproxima das questões subjetivas dos pacientes confirma que há um equívoco em abordar um caso de anorexia e bulimia visando somente à recuperação do peso, por mais cuidados médicos que as repercussões sobre o corpo possam exigir. O discurso psicanalítico acrescenta ao discurso médico e psiquiátrico a compreensão dos sintomas anoréxicos e bulímicos além do universal, do anônimo e classificatório das categorias; levando em conta o particular do sujeito, eixo de sua ética. A partir daí ao estudar os casos promove um enfraquecimento das referências descritivas da Anorexia e Bulimia Nervosa como comportamentos fenomenológicos sem desconsiderá-las na condução dos casos.24,25 Os casos em série não se furtam aos paradigmas admitidos em uma comunidade epistêmica; assim sempre há aspectos clínicos que podem ser generalizados. O trabalho com os casos se define por uma clínica do particular, o que só se torna possível pela via do singular, a partir de uma manobra transferencial17; deslocando o sintoma do discurso médico, ou seja, de uma dificuldade com o corpo e com a comida, para a percepção de um sofrimento subjetivo. A partir de seu eixo teórico, a psicanálise, nos traz contribuições sobre do que se tratam os sintomas anoréxicos e bulímicos. Os casos em série apontam para isso: ■ os sintomas anoréxicos e bulímicos na adolescência como defesa a um real, entendido aqui como impossível de se assimilar, quando o sujeito é convocado pelos apelos da sexualidade e do Outro social26; ■ a anorexia e bulimia como duas caras da mesma moeda25, onde a anorexia indica a realização do Ideal do sujeito enquanto a bulimia representa seu naufrágio associado á irrupção do real na cena do Ideal. Na anorexia há uma identificação idealizante e uma prática de pri- Anorexia e Bulimia – Um transtorno alimentar: Não se trata disso ■ ■ ■ vação, enquanto na bulimia manifesta-se a queda desse mesmo sistema que cede aos golpes de uma compulsão à repetição desenfreada. O exercício bulímico do vômito tem como objetivo preservar a imagem anoréxica do corpo delgado. Assim, se pode dizer que a bulimia é um dialeto da anorexia, a língua materna permanece anoréxica, ou seja, que a posição bulímica não é outra coisa que um descarrilhamento do projeto anoréxico, uma derrota fatal. o sintoma anoréxico-bulímico como função mediadora da distância entre a satisfação simbólica e o signo do amor. A anoréxica arrisca a própria vida, negando-se a satisfação do objeto para ter um signo de amor do Outro (familiar, social e cultural) que confunde sistematicamente o estatuto de desejo com a necessidade respondendo a demanda de amor com o alimento. A bulímica por sua vez, trata de compensar a ausência do signo de amor através da perseguição voraz e infinita do objeto comida. 25 o sintoma anoréxico-bulímico como uma satisfação associada ao objeto de consumo.25 Há também aqui uma referência ao amor que não cessa de demandar. Não há objeto que possa preencher a voraz demanda bulímica. “O amor não é uma mercadoria como outras não se pode consumir. É isso que sabe bem a anoréxica que ao comer nada rechaça o mundo do ter e reclama o seu direito de ser, seu direito ao amor. Não se pode encontrar a satisfação da demanda de amor pelo consumo do objeto, nem sua obtenção garantida pelo discurso social – revelando esse sentido está a proposta anoréxica: nenhum objeto vale o amor, nenhum objeto pode preencher isso que não está na ordem do ter, nenhum objeto pode preencher o vazio de ser do sujeito, nenhum objeto alcança jamais. a anorexia pode ser entendida como uma tentativa de separação, de anteparo contra a invasão do Outro materno.27,28 Nos casos mais graves, houve uma falha estrutural onde o sujeito não encontra outros recursos menos mortíferos para fazer essa operação de separação. Surge aí a paixão pelo vazio na tentativa de fazer existir o desejo, a despeito do desejo invasivo da mãe. Há uma paixão pelo vazio. A eleição anoréxica é a rejeição ao alimento e a bulímica é o consumo ilimitado. Porque a abolição do vazio significaria a abolição do próprio sujeito. ■ ■ O vazio é a condição para que se possa existir junto à falta, o desejo.24 o sintoma anoréxico-bulímico próximo de um vício, como a toxicomania.24,25,27 Um sintoma que opera uma exclusão do Outro, isto é, uma separação absoluta da demanda. O sujeito permanece congelado em uma identificação idealizante e antidialética, fora do discurso. Essa vertente do sintoma não se dispõe a interpretação, e exige, um tratamento preliminar para a entrada do sujeito no dispositivo de tratamento. A anorexia oferece ao sujeito um nome um reconhecimento simbólico. Há mais uma evidência que um enigma. Essa evidência é sustentada por um discurso social que valoriza o corpo magro com imagem do corpo feminino e põe à disposição no mercado de uma quantidade ilimitada de bens de consumo. os sintomas anorexicos e bulimicos fazendo uma espécie de barreira que conserva a unidade imaginária do paciente psicótico, que se sente ameaçada pela fragmentação do corpo. A identificação anoréxico-bulímica impede o desencadeamento da psicose. Há uma estabilização através da identificação.25 Trata-se de individualizar a partir da série monótona e genérica dos fenômenos anoréxicos-bulímicos (rituais, vômitos, restrições alimentares). Através dos fragmentos de casos clínicos, verificase que o deslocamento do quadro clínico ao caso clínico, desvela uma série de vivências psíquicas singulares que reorientam a clínica. CONCLUSÃO Pode-se concluir a partir da clínica, a existência de um sofrimento psíquico, fonte de grande angústia e uma história que se desvela a partir do entendimento do sintoma anoréxico e bulímico como resposta a conflitos psíquicos. A singularidade e a complexidade da clínica da anorexia e bulimia convocam à interface e interlocução entre os discursos médico, psiquiátrico e psicanalítico na condução dos casos. O estudo evidencia que a experiência de tratamento a partir desse modelo, tem proporcionado um trabalho ético e pautado por resultados satisfatórios. Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S5-S12 11 Anorexia e Bulimia – Um transtorno alimentar: Não se trata disso REFERÊNCIAS 1. American Psychiatry Association. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. (DSM-IV-TR) 4ª ed. Porto Alegre: Artmed; 2002. 2. Cordas TA.Transtornos alimentares: Anorexia nervosa e bulimia. In: Saito MI, Silva LEV. Adolescência: prevenção e risco. São Paulo: Atheneu; 2001.p.269-76 3. 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ARTIGO ORIGINAL Aspectos cognitivos e emocionais de adolescentes com excesso de peso e seus responsáveis Cognitive and emotional aspects of adolescents with excess of weight and those responsible for them Tatiana Resende Prado Rangel de Oliveira1; Cristiane de Freitas Cunha 2 RESUMO Objetivos: Descrever os fatores psicológicos e cognitivos de uma amostra de adolescentes e seus responsáveis, atendidos em ambulatório, além de discutir a influência destes fatores no desenvolvimento e manutenção do sobrepeso e obesidade. Métodos: Estudo observacional, transversal realizado em unidade da Secretaria Municipal de Saúde em Belo Horizonte (MG). Participaram os adolescentes encaminhados para a primeira consulta no ambulatório de nutrição, com diagnóstico de obesidade, no período de Junho de 2006 a Junho de 2007. Resultados: Foram avaliados 58 adolescentes com idade entre 10 e 19 anos e renda familiar média de R$ 870,70. Neste estudo encontramos alto índice de repetência escolar e 13,8% de uso regular de medicamentos antidepressivos ou ansiolíticos entre os adolescentes. A maioria dos pesquisados apresentou história familiar de obesidade, baixa escolaridade dos pais, história anterior de dieta sem sucesso e hábito de comer depressa. Cerca de 60% dos pacientes e de seus pais apresentaram conhecimentos médios de nutrição e 72,4% dos adolescentes consideraram sua alimentação boa ou ótima. Para metade dos adolescentes o excesso de peso não é um fator que incomoda e 60,8% dos pacientes encontravam-se nos estágios iniciais do modelo de Estágios de Mudança do Comportamento Alimentar. Conclusões: A importância dos fatores psicológicos e cognitivos que podem estar envolvidos no surgimento e manutenção do excesso de peso em adolescentes precisa ser considerada na condução do tratamento destes pacientes. È necessário aprofundar as potencialidades da abordagem interdisciplinar de modo a melhorar a adesão destes pacientes ao tratamento. 1 Nutricionista da Secretaria Municipal de Saúde (PBH). Mestre em Saúde Pública, Doutoranda em Ciências da Saúde (UFMG). 2 Professor adjunto do Departamento de Pediatria - FM/ UFMG. Pós Doutorado em Endocrinologia pela Universidade de Barcelona. Palavras-chave: Obesidade; Adolescente; Comportamento Alimentar; Conhecimentos, Atitudes e Prática em Saúde. ABSTRACT Objectives: The objective is to describe psychological and cognitive factors of a sample of adolescents, who were attended at health care units and those responsible for them, in addition to the discussion of the influence carried out by those factors over the development and maintenance of overweight and obesity. Methods: It is an observational, cross-over study carried out at a health care unit of the Municipal Health Secretary in Belo Horizonte (MG). The subjects of this study were adolescents with a diagnosis of obesity who were taken for a first consultation with the nutritionist at the care unit within the period of June 2006 to June 2007. Results: Fifty eight adolescents aged 10-19 years old with an average family income of R$ 870,70 were studied. The findings along the study were a high rate of grade repeating at school and a regular use of antidepressant or ansiolitic medicines by 13.8% of the adolescents. Most subjects presented a family history of obesity, parents’ low school levels, a retrospective report of dieting without any success and the habit of eating fast. Nearly Faculdade de Medicina - Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Endereço para correspondência: Tatiana Resende Prado Rangel de Oliveira R: Martito nº 57 B: Floresta Belo Horizonte – MG CEP: 31.015-360 Email: [email protected] Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S13-S19 13 Aspectos cognitivos e emocionais de adolescentes com excesso de peso e seus responsáveis 60% of the patients and their parents showed to have a fair level of nutritional knowledge, and 72.4% of the adolescents considered their food to be good or excellent. For half of the subjects, to be overweight was not a bothering factor and 60.8% of the patients were at the initial stage of the Food Behavior Changing Mode. Conclusions: The importance of psychological and cognitive factors which may be involved in the onset and persistence of overweight among adolescents must be considered in the treatment of such patients. It is required to deepen the potentialities of the interdisciplinary approach so as to optimize patient’s adherence to the treatment. Key words: Obesity; Adolescent; Feeding Behavior; Health Knowledge, Attitudes, Practice INTRODUÇÃO A prevalência de sobrepeso e obesidade aumenta rapidamente no mundo todo e o excesso de peso é considerado um importante problema de saúde pública tanto para paises desenvolvidos como em desenvolvimento.1,2 Dados recentes comprovam o aumento do excesso de peso também entre os adolescentes.1 Vários fatores contribuem para a etiologia da obesidade, atuando em diferentes combinações nos indivíduos obesos e tornando a obesidade uma doença muito complexa.2,3 Entre as causas da obesidade destacam-se as mudanças no estilo de vida, representadas principalmente pelo sedentarismo e maior ingestão de alimentos de alta densidade calórica.1,2,3 Porém, para se compreender a questão alimentar de qualquer indivíduo, é necessário considerar os aspectos econômicos e culturais presentes na sociedade onde este indivíduo vive.3,4,5 Fatores psicológicos e sociais também têm uma importante participação no aparecimento e manutenção da doença e podem interagir em processos distintos ou associados.3,4 A investigação da obesidade entre os adolescentes, bem como dos fatores que estão envolvidos no seu aparecimento e manutenção é muito importante.1,2 A realização de intervenções precoces pode evitar a persistência da obesidade e conseqüentemente a ocorrência de comorbidades. Porém, neste período de transição, caracterizado por mudanças corporais e emocionais, o tratamento da obesidade oferece um desafio ainda maior. Este estudo teve como objetivo descrever os fatores psicológicos e cognitivos de uma amostra 14 Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S13-S19 de adolescentes e seus responsáveis, atendidos em ambulatório, além de discutir a influência destes fatores no desenvolvimento e manutenção do sobrepeso e obesidade. METODOLOGIA O trabalho foi realizado na Unidade de Referência Secundária Saudade (URSS), que faz parte da Secretaria Municipal de Saúde (SMSA) em Belo Horizonte (MG). Foram analisados os adolescentes encaminhados para a primeira consulta com o nutricionista, com diagnóstico de obesidade, no período de junho de 2006 a junho de 2007. Trata-se de um estudo observacional transversal. Os fatores cognitivos e psicológicos analisados foram: antecedência de repetência escolar, conhecimentos de nutrição, escolaridade dos pais, hábito de comer depressa ou devagar, obesidade familiar, prescrição de dieta anterior, uso de medicamentos antidepressivos e ansiolíticos e percepções sobre a alimentação e a obesidade. Além disso, os pacientes foram classificados nos estágios de mudança do comportamento alimentar. Os dados foram coletados de prontuários dos pacientes e de questionários aplicados aos adolescentes e seus responsáveis, pela nutricionista e estagiários de nutrição ao longo dos atendimentos. O questionário para identificar os conhecimentos básicos de nutrição e as percepções sobre a obesidade foi elaborado com base no trabalho de Triches2, tendo sido as perguntas adaptadas ao contexto da população estudada. Profissionais da área de pedagogia verificaram a linguagem utilizada. A versão final do questionário continha 10 questões de múltipla escolha sobre o conhecimento de alimentos: fonte de fibras, tipos de gorduras, valor calórico, vitaminas e minerais. Para avaliar o nível de conhecimentos foi estabelecido o critério de bom (9 a 10 acertos), médio (6 a 8 acertos) e ruim (5 acertos ou menos) em relação às respostas dadas. O questionário para identificar o estágio de mudança do comportamento alimentar foi baseado na teoria de Prochaska e colaboradores.6 Realizouse um pré-teste com os questionários elaborados e foram feitas as correções necessárias. A renda familiar (medida em salários mínimos) e a escolaridade do chefe da família foram obtidas Aspectos cognitivos e emocionais de adolescentes com excesso de peso e seus responsáveis junto ao responsável que acompanhava o adolescente às consultas. Os dados foram armazenados e analisados utilizando-se o software EPI INFO-6.04. O projeto obteve parecer favorável do Comitê de Ética da Universidade Federal de Minas Gerais e do Comitê de Ética da SMSA de Belo Horizonte. RESULTADOS A amostra foi constituída por 58 adolescentes com idade entre 10 e 19 anos, sendo 34 (58,6%) meninas e 24 (41,4%) meninos. A renda familiar média foi de R$ 870,70 ± 453,75, sendo que a maioria das famílias (78,2%) situou-se na faixa de até 3 salários mínimos. O pai de um dos adolescentes era analfabeto e cerca de 40% dos pais estudaram apenas até a 4ª série. Somente 36,2% dos chefes de família apresentaram o ensino fundamental. Ao analisar o aproveitamento escolar dos adolescentes, encontramos um alto índice (36,5%) de repetência escolar. Como resultado da aplicação do questionário de conhecimentos sobre nutrição, 40 adolescentes apresentaram conhecimentos médios, seguidos por 14 pacientes com resultado ruim. Somente quatro pacientes demonstraram ter um bom nível de conhecimentos sobre alimentação saudável. As questões que obtiveram maior número de acertos foram relativas aos alimentos mais ricos em gorduras e fibras. As questões relativas ao valor calórico dos alimentos apresentaram o maior número de erros. O questionário de conhecimentos dos pais revelou resultados semelhantes quanto ao número de pais com conhecimentos médios de alimentação e nutrição (65%). Porém o número de pais que obtiveram resultados bons foi de 30%. Com relação às percepções que os pacientes têm da própria alimentação, 72,4% dos adolescentes consideraram-na boa ou ótima. Para 65,5% dos adolescentes a obesidade deve ser considerada uma doença e para a metade deles toda pessoa obesa é fraca, descuidada e não tem força de vontade. Segundo informações dos pais ou responsáveis, para metade dos adolescentes o excesso de peso não é um fator que incomoda e eles não se preocupam com a obesidade e suas consequências. Para 43% destes pais, os fatores emocionais são a principal causa da obesidade entre os ado- lescentes. Estes relatam ainda que a maioria dos pacientes (72%) tem o hábito de comer depressa, sem mastigar adequadamente. Somente um terço dos pais ou responsáveis destes adolescentes apresentou IMC normal. Entre os 71,4% que estavam acima do peso, 44,6% encontrava-se com sobrepeso e 26,8% com obesidade. Com relação ao uso de medicamentos antidepressivos ou ansiolíticos, 13.8% dos adolescentes fazem uso regular dos mesmos. Os medicamentos citados foram: Imipramina, Amitriptilina e Fluoxetina. Entre os adolescentes analisados 56% relataram já ter feito dieta antes, sem sucesso. Também entre os pais ou responsáveis entrevistados 58,6% já fizeram dieta e 22,4% estão fazendo dieta atualmente. Um terço (27,6%) destes pais já fez uso de medicamentos para emagrecer. De acordo com a aplicação do modelo de estágios de mudança do comportamento alimentar, 30,4% dos pacientes encontravam-se no estágio de pré-contemplação, onde o indivíduo não considera a possibilidade de modificar os hábitos alimentares. O mesmo número de adolescentes (30,4%) encontrava-se no estágio de contemplação e somente 16,1% estavam no estágio de preparação. DISCUSSÃO A importância dos fatores psicológicos que podem estar envolvidos no surgimento e manutenção do excesso de peso em adolescentes precisa ser considerada na condução do tratamento destes pacientes.3,7 Em estudo conduzido por Swallen e colaboradores8 , a obesidade em adolescentes foi relacionada com pior qualidade de vida e na faixa etária de 12 a 14 anos, o excesso de peso teve impacto deletério na depressão, na auto estima e nas funções escolar e social. Em outro estudo com 18.924 adolescentes de escolas americanas, os resultados mostraram que o peso esteve associado com sintomas de depressão nas meninas, mas não nos meninos.9 Além disso, para ambos os sexos, a associação entre sobrepeso e depressão foi mais forte nos adolescentes de classes sociais mais baixas. Portanto, o fator socioeconômico pode ser um agravante do impacto que a obesidade causa nos pacientes. Apesar de vários estudos mostrarem que crianças obesas possuem um risco para desenvolverem Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S13-S19 15 Aspectos cognitivos e emocionais de adolescentes com excesso de peso e seus responsáveis problemas psicológicos como depressão, ansiedade e dificuldade de ajustamento social3, não há consenso na literatura sobre as relações entre depressão e obesidade. Estudos apontam para um maior risco desta associação estar presente em obesos graves e no sexo feminino 10. Dados recentes sugerem que sintomas depressivos em adolescentes podem colocar o indivíduo em risco para o aparecimento posterior da obesidade, especialmente em meninas.10 Porém é importante ressaltar que diferentes métodos e instrumentos foram utilizados na avaliação psicológica destes estudos, o que dificulta sua comparação. Uma revisão recente concluiu que entre os estudos analisados, poucos conseguiram reunir todos os critérios para uma adequada avaliação e algumas limitações foram observadas nestes estudos, como pequeno tamanho amostral, forma de seleção da amostra ou utilização de autorelato.10 Esta revisão considerou que os resultados destes estudos são sugestivos, mas não conclusivos e que devido à heterogeneidade da população obesa, não é possível generalizar a relação entre a obesidade e depressão. Além disso, discute-se que estas condições podem perpetuar-se mutuamente, ou seja, a obesidade pode aumentar o risco de depressão e depressão pode promover obesidade, num modelo bidirecional causal onde cada uma destas condições pode contribuir para a outra.10 O relato de 43% dos pais em estudo é de que a obesidade é causada por problemas emocionais. Em nossa prática, um fator bastante citado por estes pais como presente na personalidade do adolescente obeso é a ansiedade. Desta forma, o adolescente comeria muito porque é ansioso. Em um estudo de crianças obesas e eutróficas, Cataneo e colaboradores não encontraram diferenças entre os grupos quanto ao fator ansiedade.11 Os autores sugerem que a prática de comer demais estaria ligada ao estabelecimento de hábitos de preencher o tempo comendo, especialmente quando se está assistindo televisão. Afirmam ainda ser importante desmistificar a crença de que “ser gordo significa ter problemas psicológicos”. Os pais precisam ser esclarecidos a este respeito, pois uma compreensão mais real do problema da obesidade é fundamental para que eles façam os ajustes necessários ao controle do peso. Tais ajustes não são simples e requerem mudanças em hábitos familiares de alimentação e atividade física, muitas vezes arrai16 Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S13-S19 gados. Estes autores também postulam que muitos pais que têm dificuldades em oferecer uma alimentação saudável a seus filhos buscam enxergar problemas de ordem emocional como fatores de explicação para a ocorrência do excesso de peso.11 Em nosso estudo encontramos um número considerável de pacientes obesos em uso de medicamentos antidepressivos ou ansiolíticos. O tratamento farmacológico da depressão pode prejudicar a perda de peso. Há um grande número de artigos sugerindo que os antidepressivos tricíclicos, como a Imipramina e a Amitriptilina citados, podem causar ganho de peso.10 Apesar de serem associados com aumento de peso na manutenção do tratamento, alguns inibidores seletivos da recaptação de serotonina, tais como a fluoxetina, podem provocar perda de peso na fase aguda do tratamento. Há também indícios de que a sertralina pode ser útil no tratamento de indivíduos obesos.10 O hábito de comer depressa, presente na rotina alimentar da grande maioria dos adolescentes pesquisados, é um fator que precisa ser ajustado, pois pode estar relacionado com comportamentos alimentares indicativos de comer excessivo. Comer devagar pode ser útil para aumentar o envolvimento com a refeição, além de aumentar a saciedade.12 Um dos fatores que podem mobilizar o indivíduo com sobrepeso a buscar um tratamento diz respeito ao incômodo com sua imagem corporal que pode vir a interferir com sua auto-estima. Alguns estudos demonstram que pessoas obesas tendem a apresentar baixa auto-estima, afetando a performance escolar e os relacionamentos.3,12 Porém, outro estudo comparativo de adolescentes obesos e eutróficos utilizando a Escala Infantil Piers-Harris, não encontrou diferenças quanto ao auto-conceito e os sub componentes da escala: aparência física, atributos, popularidade, comportamento e satisfação.11 Estudos que utilizam entrevistas como forma de investigar as autopercepções de crianças e adolescentes obesos relatam grande incômodo com o ser gordo e o desejo de emagrecer da maioria dos entrevistados.11 Para as crianças do presente estudo, o ser obeso pode não se constituir num problema que afete seu auto conceito global e nem a percepção de sua aparência física. De acordo com o relato de seus pais, a metade destes adolescentes não está incomodada com o excesso de peso e por isso não se dispõem a investir no tratamento. Aspectos cognitivos e emocionais de adolescentes com excesso de peso e seus responsáveis Esta afirmação foi mais freqüente com relação aos adolescentes mais novos, de 10 a 12 anos. Em geral, parece que a medida que avançamos na faixa etária, os adolescentes tornam-se mais críticos em relação a si mesmos, e mais preocupados com relação a sua aparência. A metade dos adolescentes tem uma imagem distorcida do “obeso”, associando a esta imagem uma falta de amor próprio e uma vontade fraca. Esta imagem negativa pode ser resultado das mais diversas discriminações sociais, que incluem piadas e imagens irônicas. Isto pode afetar negativamente o humor ao longo do tempo e tornar-se uma ameaça para o auto conceito.10 È freqüente também ver os pais rotularem seus filhos em tratamento para emagrecer, como preguiçosos e sem força de vontade, conceito evidentemente incorporado pelas crianças. Todos estes aspectos podem gerar nos pacientes uma baixa estima e a sensação de serem realmente um fracasso.3 Esta expectativa de que a criança vai fracassar em seu tratamento pode comprometer sua adesão às orientações. Estudos têm mostrado que mesmo profissionais de saúde podem manifestar atitudes negativas com relação aos pacientes obesos.10 -O estilo de vida sedentário e a má qualidade da alimentação nem sempre são causados por uma baixa auto-estima ou falta de cuidado consigo mesmo.12 É necessário considerar os indivíduos obesos não como pessoas “fracas” ou sem “força de vontade”, mas como portadores de uma vulnerabilidade biológica. A maioria dos adolescentes compreende que a obesidade é uma doença, e que por isso precisa ser tratada adequadamente. A etiologia da obesidade é complexa e resulta da interação entre genes, ambiente e estilo de vida.1,12 Sabe-se que crianças obesas são menos aceitas do que crianças magras em grupos de amigos. Ao longo da vida, o peso excessivo proporciona outras dificuldades, como menor chance de emprego e problemas de timidez e relacionamento. Deste modo, a pessoa com excesso de peso sofre ou impõe-se restrições em importantes aspectos da vida, como ir à escola, mudar de emprego, comprar roupas, namorar ou mesmo procurar serviços de saúde. Estas restrições podem estar associadas a maior incidência de depressão.12 Do ponto de vista da assistência e tratamento é preciso cautela no encaminhamento para atendimento psicológico, pois esta necessidade não é generalizada. Não há um padrão de personalidade dos indivíduos obesos e precisamos ter cuidado ao associar a eles certos traços de personalidade ou atribuir problemas emocionais. Porém, alguns destes pacientes apresentam sinais de sofrimento e requerem assistência quanto a isto.11,12 Aproximadamente 70% dos pais em estudo estão acima do peso. Este é um dado importante já que a literatura aponta para uma provável herança poligênica na determinação da obesidade.3 O risco de obesidade quando um dos pais é obeso é de 50% e sobe para 80% quando ambos são obesos.12 No entanto, o fato de termos forte influência genética na obesidade não indica que a mesma seja inevitável e sim que seria necessário empenhar esforços para tentar prevenir a doença.12 Um estilo de vida sedentário e maus hábitos alimentares podem promover a obesidade em indivíduos geneticamente predispostos. Apesar de todos os estudos realizados, é difícil estabelecer o quanto a influência da família decorre da herança genética e o quanto é devido ao ambiente familiar obesogênico.2 A metade dos adolescentes em estudo e de seus pais já havia feito dieta anterior ao tratamento atual. A literatura mostra que a experiência de fazer dieta sucessivamente está associada com depressão e que a falha neste tratamento pode ter um efeito deletério sobre o humor.10 As tentativas frustradas de perda de peso atrapalham novas abordagens e é preciso discutir com os pacientes esta experiência anterior a fim de motivá-los para o tratamento. Além disso, o fato de um número significativo de pais estarem fazendo dieta atualmente e de um terço deles já ter feito uso de medicamentos para emagrecer, nos leva a refletir sobre as dificuldades pessoais destes pais e no reflexo destas dificuldades no tratamento dos filhos. A percepção dos pais em estudo com relação à responsabilidade de controlar a obesidade do adolescente mostra que a maioria destes considera ser esta uma tarefa conjunta dos pais, profissionais de saúde e do próprio paciente. Há evidências de que programas de emagrecimento que empregam a ajuda de outras pessoas importantes na vida do paciente são mais bem sucedidos do que programas individuais.10 O envolvimento da família é imprescindível no tratamento do adolescente obeso e todos que vivem em contato com o paciente devem executar o mesmo “plano de trabalho”. Os membros da família são modelos relevantes e devem Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S13-S19 17 Aspectos cognitivos e emocionais de adolescentes com excesso de peso e seus responsáveis estabelecer regras e normas relacionadas com a alimentação e as práticas alimentares.5 No momento em que se consegue a adesão da família através do esclarecimento dos benefícios que resultarão da perda de peso, o trabalho fica mais fácil.12 Em nossa amostra foi encontrado um alto índice de repetência escolar. A questão do rendimento acadêmico de indivíduos obesos não encontra consenso na literatura, pois é necessário considerar os inúmeros fatores emocionais que podem interferir no processo de inteligência. No entanto algumas das características psicológicas de crianças e adolescentes obesos, descritas em pesquisas, como a imaturidade, a infantilização, a dependência e a passividade, podem determinar alterações importantes na dinâmica psicossocial da criança obesa, e modificar sua performance intelectual.13 É importante considerar também que os mesmos fatores emocionais que podem estar presentes na obesidade, como um fraco vínculo mãe e filho, também interferem nos processos cognitivos e intelectuais. O grau de instrução dos pais é um fator que interfere na escolha dos alimentos oferecidos aos filhos, sendo que o menor nível educacional tem sido relacionado com alimentação menos saudável.5 Estudos têm mostrado que a escolaridade apresenta uma associação positiva com o consumo de frutas e hortaliças.7 Crianças e jovens de menor nível socioeconômico e aqueles cujas mães têm menor escolaridade apresentam maior consumo de doces, açúcar, gordura e menor consumo de legumes.2,5 Mas é preciso considerar também que geralmente um menor nível de escolaridade é encontrado nas famílias de menor poder aquisitivo, cujo acesso aos alimentos mais saudáveis é limitado.2 A aplicação do questionário de conhecimentos básicos em nutrição mostra a importância de investimentos em educação nutricional e evidencia que as escolas, os pais e a mídia têm transmitido mensagens insuficientes sobre hábitos alimentares saudáveis. De acordo com Triches2, estudos realizados com crianças e adolescentes não têm mostrado diferença significativa entre conhecimentos de nutrição de crianças obesas e eutróficas.2 Mas a autora enfatiza que as pesquisas que utilizaram educação nutricional como estratégia de intervenção, relataram aumento nos conhecimentos de nutrição e melhoria nos hábitos alimentares de jovens e seus familiares. O conhecimento das recomendações nutricionais é importante na escolha 18 Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S13-S19 alimentar, mas outros fatores como atitudes positivas em relação à alimentação e o suporte social têm também grande influência.7 Neste estudo, a maior parte dos pacientes avaliou sua alimentação como ótima. Este dado mostra que os participantes não reconhecem suas práticas alimentares inadequadas, o que representa um obstáculo aos programas de educação nutricional. A crença de que não há necessidade de alteração dos hábitos alimentares pode ser decorrente de uma interpretação errada do próprio consumo. Há uma tendência dos indivíduos, especialmente entre aqueles com dietas inadequadas, serem muito otimistas quanto aos aspectos saudáveis de sua alimentação.7 A principal contribuição do modelo de estágios de mudança do comportamento é mostrar que o processo de mudança dos indivíduos ocorre em uma série de cinco estágios diferentes. Este modelo propõe que há uma intervenção adequada para cada estágio no qual o indivíduo se encontre.6 No primeiro estágio (pré-contemplação), o indivíduo não reconhece ter um comportamento inadequado e não apresenta intenção de mudar o comportamento de risco. No segundo estágio (contemplação) o indivíduo reconhece que tem um problema, começa a considerar uma possibilidade de mudança no futuro e vivencia uma fase de ambivalência entre as dificuldades e os benefícios desta mudança. No terceiro estágio (preparação) a pessoa está preparada para mudar, mas tem dificuldades em saber o que fazer e deseja receber ajuda. No quarto estágio (ação) o sujeito manifesta seu compromisso de mudança e coloca as estratégias em prática. No quinto estágio (manutenção) o indivíduo incorporou as mudanças desejadas por mais de 6 meses e trabalha para consolidar as mudanças.6 O tratamento da obesidade na adolescência pode ser muito dificultado pelo fato dos pacientes não compreenderem os danos que a obesidade pode lhe trazer e não terem consciência de seus comportamentos inadequados. A identificação do estágio de mudança do comportamento alimentar aplicada neste estudo confirma este fato. No início do tratamento a maioria dos adolescentes encontrava-se nos estágios iniciais do modelo, sendo que nestes estágios é comum apresentarem grande resistência para mudanças na alimentação. Isto mostra a necessidade de identificar estratégias específicas para os mesmos, ou seja, desenvolver Aspectos cognitivos e emocionais de adolescentes com excesso de peso e seus responsáveis a conscientização dos pacientes para o problema e motivá-los para o tratamento.6 Além disso, é importante estabelecer vínculo terapêutico e uma relação de confiança, evitando confrontos com os adolescentes. Á medida que o paciente se move para o segundo estágio, é aconselhável explorar as vantagens e desvantagens da mudança, definir metas realistas e só então realizar as orientações nutricionais.6 Assim, iniciar o tratamento destes pacientes prescrevendo uma dieta, provavelmente não irá surtir um resultado favorável. Apesar das limitações da aplicação do modelo de estágios de mudança do comportamento, a utilização do mesmo tem mostrado resultados satisfatórios.7 As intervenções nutricionais mais tradicionais partem da premissa de que os indivíduos estão prontos para a ação, o que tem se mostrado insustentável na maioria das situações. Os profissionais de saúde precisam ser treinados para a aquisição de habilidades técnicas que motivem os pacientes a fazerem as mudanças desejadas. Também precisam aprender a “dialogar com outros campos de conhecimento” a fim de ajudarem seus pacientes com distúrbios do peso.4 CONSIDERAÇÕES FINAIS A obesidade é um problema complexo e de etiologia multifatorial. Desconsiderar os fatores cognitivos e emocionais implicados na sua origem ou manutenção é adotar uma visão simplificada do problema. Desta forma o tratamento se reduz quase exclusivamente à prescrição de dietas. A psicologia e a nutrição são áreas do conhecimento distintas, mas que precisam se unir na abordagem de um problema tão complexo como a obesidade. È necessário aprofundar as potencialidades da abordagem interdisciplinar e adotar uma dimensão mais emocional do ser humano na prática da assistência em saúde, de modo a melhorar a adesão ao tratamento de adolescentes com excesso de peso. REFERÊNCIAS 1. Wang Y, Monteiro CA, Popkin BM. Trends of obesity and underweight in older children and adolescents in the United States, Brazil, China and Russia. Am J Clin Nutr. 2002; 75:971-7. 2. Triches RM. Associação entre obesidade, práticas alimentares e conhecimentos básicos em nutrição em escolares de 8 a 10 anos de idade [dissertação]. Porto Alegre: Faculdade de Medicina da UFRGS; 2004. 3. Luis AMAG, Gorayeb R, Liberatore Júnior RDR, Domingos NAM. Depressão, ansiedade, competência social e problemas comportamentais em crianças obesas. Estud. Psicol (Natal). 2005; 10(3): 371-5. 4. Tonial SR. Obesidade: um problema complexo. Rev Méd Minas Gerais. 2007; 17(1/2-Supl 1):S55-S62 5. Aranceta J, Pérez-Rodrigo C, Ribas L, Serra-Magem LI. Sociodemographic and lifestyle determinants of food patterns in Spanish children and adolescents: the enKid study. Eur J Clin Nutr. 2003; 57 (1): s40-s44. 6. Kristal AL, Glanz K, Curry SJ, Patterson RE. How can stages of change be best used in dietary interventions? J Am Diet Assoc. 1999; 99(6):679-84. 7. Toral N, Slater B. Abordagem do modelo transteórico no comportamento alimentar. Ciênc. Saúde Coletiva. 2007; 12(6):1641-50. 8. Swallen KC, Reither EN, Haas SA, Meier AM. Overweight, obesity and health-related quality of life among adolescents: the national longitudinal study of adolescent health. Pediatrics. 2005; 115(2):340-7. 9. Needham BL, Crosnoe R. Overweight status and depressive symptoms during adolescence. J Adolesc Health. 2005; 36: 48-55. 10. Markowitz S, Friedman MA, Arent SM. Understanding the relation between obesity and depression: causal mechanisms and implications for treatment. Clin Psychol Sci Pract. 2008; 15(1):1-20. 11. Cataneo C, Carvalho AMP, Galindo EMC. Obesidade e aspectos psicológicos: maturidade emocional, autoconceito, lócus de controle e ansiedade. Psicol Reflex Crít. 2005; 18(1):39-46. 12. Damiani D, Damiani D, Oliveira RG. Obesidade: fatores genéticos ou ambientais. Pediatr. Mod. 2002; 38(3):57-80. 13. Campos ALR, Sigulem DM, Moraes DEB, Escrivão MAS, Fisberg M. Quociente de inteligência de crianças e adolescentes obesos através da escala Wechsler. Rev Saúde Pública. 1996; 30(1):85-90 Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S13-S19 19 ARTIGO ORIGINAL Nova curva da OMS 2006: implicações para o crescimento de recém-nascidos pré-termo em comparação com a curva do CDC 2000 WHO 2006 child growth standards: implications for the preterm growth in comparison to the CDC 2000 Tatiana Barcelos Pontes1; Lívia de Castro Magalhães2; Felipe Pinheiro de Figueiredo3; César Coelho Xavier4 RESUMO 1 Terapeuta Ocupacional, doutoranda em Saúde da Criança e do Adolescente pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – USP/RP 2 Terapeuta Ocupacional, pós-doutora em Terapia Ocupacional pela Universidade de ΩMcmaster, Canadá, professora da Universidade Federal de Minas Gerais 3 Médico, residente de psiquiatria da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – USP/RP 4 Médico, doutor em Saúde da Criança e do Adolescente pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – USP/RP, professor associado da Universidade Federal de Minas Gerais – orientador Objetivos: Comparar a proporção de crianças com falha no crescimento aos 12 meses de idade, utilizando-se as referências do CDC 2000 e da OMS 2006. Material e Métodos: Estudo retrospectivo do tipo coorte de grupo único. A amostra de 194 recémnascidos, constituída a partir do grupo de RNPT acompanhados no ACRIAR, nascidos consecutivamente no Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (HC/UFMG) durante o período de 1990-2003, com peso ao nascer menor que 1500g. O peso foi obtido do nascer até 12 meses de idade corrigida. Foi feita categorização das crianças, utilizando-se o percentil 5 das referências do CDC 2000 da OMS 2006. Para a avaliaçãwo da concordância entre as duas classificações, utilizou-se o índice Kappa (k). Resultados: A utilização da curva do CDC 2000 como referência mostra um maior número de crianças mal nutridas aos 12 meses, quando comparado a curva da OMS 2006. As duas curvas apresentam concordância moderada, entretanto quando se analisa as crianças abaixo do percentil 5, observa-se algumas discrepâncias. Conclusões: É necessário saber como usar a nova curva prescritiva da OMS 2006 e qual o impacto de seu uso na avaliação nutricional. Palavras-chave: Recém-Nascidos de muito Baixo Peso/crescimento & desenvolvimento; Desenvolvimento Infantil; Crescimento e Desenvolvimento. ABSTRACT Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais Endereço para correspondência: César Coelho Xavier Av. Alfredo Balena, 190, sala 5001 B: Santa Efigênia, Belo Horizonte - MG CEP: 30.130-100 Email: [email protected] 20 Objective: To compare the proportion of children with growth failure at 12 months of age using CDC’s 2000 and WHO’s 2006 references. Methods: Retrospective study of cohort group. A sample of 194 newborns with weight less than 1500g was accompanied during the period of 1990 at 2003. The data were collected from ACRIAR follow-up center. The weight was obtained from birth to 12 months of corrected age. The five (5%) percentile from the CDC 2000 and WHO 2006 were used as reference to categorize children. In order to estimate the agreement between these classifications the Kappa index (k) was used. Results: The curve of CDC 2000 reference shows a greater number of underweight children at 12 months when compared to the WHO 2006 curve. The two curves present moderate agreement, however when examining children below the percentile five there were some discrepancies. Conclusions: It is important to know how to use the new prescriptive curve of the WHO 2006 and the impact of its use in nutrition evaluating. Key words: Infant, Very Low Birth Weigth/growth & development; Child Development; Growth and Development. Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S20-S24 Nova curva da OMS 2006: implicações para o crescimento de recém-nascidos pré-termo em comparação com a curva do CDC 2000 INTRODUÇÃO À medida que a assistência aos recém-nascidos pré-termo (RNPT) melhora, torna-se prioritário conhecer como se comporta o crescimento destas crianças1, uma vez que este é um importante marcador de bem-estar e de saúde para a criança prematura e com muito baixo peso ao nascer.2 É sabido que o padrão de crescimento destes recém-nascidos é inferior quando comparado com crianças nascidas a termo, mas ao avaliarmos esta criança diversas questões devem ser levantadas. A criança está crescendo de forma adequada? A criança será sempre pequena ou irá recuperar o peso e equiparar-se aos recém-nascidos a termo? Qual referência de crescimento utilizar para avaliar a criança? A curva de crescimento do CDC 20003 foi considerada pela OMS4 como referência para o crescimento de crianças. Entretanto, a realização de estudos com populações multi-éticas gerou questionamentos, uma vez que o crescimento das crianças em condições nutricionais e ambientais adequadas mostrou-se inferior ao da curva de referência.5 Várias questões foram levantadas sobre a curva do CDC 20003, como: amostra restrita em termos de origem genética, dados antropométricos medidos com grande espaço de tempo entre as medidas, variação do tamanho amostral nos diferentes tempos, os procedimentos para ajuste das curvas atualmente são considerados, além de pequena representação de recém-nascidos alimentados exclusivamente com leite materno. Outro achado importante destes estudos5,6 sobre crescimento foi a menor variabilidade no conjunto dos dados, com pouca distância entre as médias e os pontos de corte usados (±2 desvios-padrão) para identificar crianças sob risco de crescimento insuficiente ou excessivo, o que pode afetar a classificação individual de cada criança. Não há, também, estimativas de prevalência de déficit ou excesso.4 Tendo em vista a crescente utilização dos parâmetros antropométricos como referencial de saúde de indivíduos e de populações, em abril de 2006 foram lançadas pela Organização Mundial de Saúde – OMS as novas Curvas para Avaliação do Crescimento da Criança de 0 a 5 anos. O estudo foi feito entre 1997 e 2003, com a participação de 8.500 crianças de países representativos das seis principais regiões geográficas do mundo: Brasil, Ghana, Índia, Noruega, Oman e Estados Unidos.4,7,8 As crianças que participaram do estuda foram alimentadas exclusivamente com leite materno até os 4 meses de idade. A introdução de alimentos sólidos ocorreu após 6 meses de idade, mas mantendo-se a utilização do leite materno durante o primeiro ano de vida. Diferentemente da curva do CDC 20003, considerada uma referência, a curva da OMS foi construída de forma a prescrever o crescimento adequado das crianças, como padrão de crescimento saudável.9 Baseado em uma coorte de 194 crianças nascidas pré-termo e com baixo peso ao nascer, o presente estudo buscou comparar a proporção de crianças com falha no crescimento aos 12 meses de idade, utilizando-se as referências do CDC3 e da OMS8. MATERIAL E MÉTODOS Foi realizado um estudo retrospectivo do tipo coorte de grupo único. A amostra de conveniência foi constituída a partir de grupo de RNPT, acompanhados no Ambulatório da Criança de Risco (ACRIAR), nascidos consecutivamente no Hospital das Clínicas de Minas Gerais (HC/UFMG) durante o período de 1990-2003, e que tiveram peso ao nascer menor que 1500g. Foram excluídos os que apresentaram mal-formações congênitas graves, anomalias cromossômicas e infecções congênitas, afecções neurológicas graves, uso ou abuso de drogas ou substâncias químicas pela mãe, recém-nascidos que não tinham registro do peso ao nascimento e as crianças que tinham dados de medidas em pelo menos de três tempos e para as quais não foi possível obter o valor da antropometria aos 12 meses. PROCEDIMENTOS O peso foi obtido ao nascer, do nascimento até a idade corrigida ao termo, e do 1º ao 12º mês. Na ausência da antropometria aos 12 meses, foi coletada uma medida posterior que permitisse obter por meio de interpolação, pelo modelo de Count,10 um valor estimado dos parâmetros antropométricos aos 12 meses. A classificação das crianças em relação à adequação do peso à idade gestacional foi realizada segundo Alexander et al.11 Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S20-S24 21 Nova curva da OMS 2006: implicações para o crescimento de recém-nascidos pré-termo em comparação com a curva do CDC 2000 As informações foram obtidas no prontuário hospitalar e nas planilhas eletrônicas do ACRIAR. Os dados do estudo foram armazenados e processados no programa Epi Info versão 6.0412 para a obtenção das distribuições de freqüências, cálculos de médias, mediana, desvio padrão e realização de testes estatísticos. Para a interpolação e obtenção da medida aos 12 meses foi utilizado, o modelo de Count10 de regressão linear: peso = alfa + p* tempo + b* LN (tempo + 1), pois este modelo é o que melhor se ajustou a este tipo de estudo, como observado em trabalhos anteriores com população semelhante.13,14 Com o objetivo de interpretar o peso das crianças do estudo, foi feita categorização, utilizando-se o percentil 5 das referências do CDC3 e da OMS8. Para a avaliação da concordância entre as duas classificações, utilizouse o índice Kappa (k), com critérios de concordância mostrados na tabela 1. Os cálculos foram feitos utilizando-se o programa Stata 8.0.15 O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (ETIC 408/04). Tabela 1 - Avaliação da concordância entre as classificações do CDC (2000) da OMS (2006) de acordo com o Índice Kappa calculado Valor do Índice Kappa Concordância < 0,20 desprezível 0,21-0,40 mínima 0,41-0,60 moderada 0,61-0,80 boa 0,81-1,0 excelente RESULTADOS Características da amostra Durante o período de 1990-2003, foram inscritos no programa 697 recém-nascidos pré-termo, sendo 387 com peso ao nascimento menor que 1500g. Destes, foram obtidos dados de 328 crianças, pois 15,2% dos prontuários não foram encontrados. Depois de aplicados os critérios de exclusão, a amostra foi composta por 251 crianças, sendo excluídas 77 (23,0%). Aos 12 meses, 194/251 (77,3%) crianças possuíam o registro do peso, sendo esta considerada a amostra final do estudo. Na amostra estudada, 97/194 (50%) crianças eram meninas. Gravidez gemelar ocorreu em 27 (13,9%) casos. A idade gestacional média foi de 30,3±2,4 semanas, variando de 25 a 36 semanas. Utilizando a classificação de Alexander et al.11 para adequação do peso em relação à idade ao nascer, 90/194 (46,4%) dos recém-nascidos eram considerados pequenos para idade gestacional e 104 (53,6%) tinham peso adequado. A média da idade materna foi de 27,8±6,3 anos, variando de 15 a 48 anos de idade. A cesariana foi o tipo de parto predominante, com 81,9% dos casos (158/194). Grande parte das mães (55,2%) tinha ensino fundamental ou menos, e apenas 2 (1%) mães tinham completado o ensino superior. Em relação à renda familiar, 56,3% das famílias tinha renda igual ou menor a 2 salários mínimos, enquanto apenas 3,1% possuíam renda superior a 8 salários. Entre os diagnósticos relatados nos prontuários relativos à gravidez e ao parto, os mais freqüentes foram pré-eclampsia, em 56/194 (28,9%) das mães, seguida pela aminiorrexe em 33/194 (17%). Quanto aos diagnósticos neonatais, descritos nos prontuários, destacaram-se, entre outros, 158/194 (81,4%) casos com diagnóstico de icterícia com necessidade de fototerapia, 140/194 (72,2%) de sepse e 81/194 (72,2%) de síndrome de dificuldade respiratória. Enterocolite necrosante foi diagnosticada em 16/194 (8,2%) crianças, displasia broncopulmonar em 27/194 (13,9%) crianças e persistência do canal arterial em 57/194 (29,4%) crianças. A tabela 2 mostra o número de crianças que estavam abaixo do percentil 5 da curva de referência aos 12 meses de idade corrigida. Tabela 2 - Número de crianças abaixo do percentil 5 da curva de referência, de acordo com sexo e adequação do peso à idade gestacional 22 Referência Masc* PIG Masc* AIG n n n n n (%) CDC (2000) 27 17 21 22 87 (44,8) OMS (2006) 14 11 16 7 48 (24,7) Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S20-S24 Fem* PIG Fem* AIG Total Nova curva da OMS 2006: implicações para o crescimento de recém-nascidos pré-termo em comparação com a curva do CDC 2000 Utilizando-se a referência do CDC3, a prevalência de peso abaixo do percentil 5 na amostra é de 44,8%, enquanto, ao se comparar com os dados da OMS 20066, esta é de apenas 24,7%. Ao se avaliar a concordância entre as classificações, o índice kappa encontrado foi de 0,5749, o que indica concordância moderada entre as duas referências aos 12 meses de idade. Todas as crianças com peso acima do percentil 5 pelo CDC (2000) também estavam acima do percentil 5 da curva da OMS8, entretanto 44,9% das crianças com peso abaixo do percentil 5 para o CDC3 foram consideradas com peso adequado pela curva da OMS8 aos 12 meses de idade. O maior número de crianças desnutridas nos primeiros meses de vida pode interferir nas recomendações de alimentação infantil17, com introdução de outros alimentos mais cedo e aumento da obesidade nestas crianças. Como os resultados mostram diferenças nos padrões de crescimento quando comparamos as duas referências, torna necessário examinar como usar a nova curva prescritiva da OMS6 e qual o impacto de seu uso na avaliação nutricional. Recomenda-se, assim, que a introdução da nova curva da OMS8 seja acompanhada de comparações com as referências antigas, especialmente a curva do CDC3. DISCUSSÃO REFERÊNCIAS A utilização da curva do CDC3 como referência mostra um maior número de crianças mal nutridas aos 12 meses, quando comparado a curva da OMS8. As duas curvas apresentam concordância moderada, entretanto quando se analisa as crianças abaixo do percentil 5, observa-se algumas discrepâncias. Em estudo realizado na África, com recémnascidos a termo, foi comparada a proporção de crianças desnutridas utilizando 3 curvas de referência.7 Os resultados mostram elevada proporção de crianças desnutridas aos 3 meses de idade pela curva da OMS8, em relação ao CDC3. Entretanto, aos 15 meses de idade, a proporção de desnutrição foi menor, utilizando-se a curva da OMS8, uma vez que mais da metade das crianças consideradas desnutridas pela curva do CDC3, foram consideradas eutróficas pela curva da OMS8, resultado semelhante ao encontrado no presente estudo, para crianças com 12 meses de idade corrigida. Analisando-se as duas referências, a nova curva da OMS8 mostra maior média de peso até os 6 meses, o que implica em um maior número de crianças desnutridas nos primeiros meses e posterior aumento da obesidade em idades subseqüentes.7 A curva de crescimento da OMS8 é a primeira referência baseada em dados de estudos multicêntricos, especialmente desenhados para construção de curvas de padrão de crescimento das crianças. Entretanto é necessário considerar que as crianças selecionadas nos seis países integrantes do estudo foram recrutadas em ambientes com condições ideais de saúde, o que pode ter gerado um padrão mais elevado de crescimento, difícil de ser alcançado por muitas crianças.16 1. Uliani AC, Carvalho RD, Barros Filho AA. Weight gain of very-low-birth-weight newborns. J Pediatr (Rio J). 1996; 72:388-93. 2. Casey PH. Growth of low birth weight preterm children. Semin Perinatol. 2008; 32:20-7. 3. Center of Desease Control [site internet] acesso em 12 de abril de 2008 http://www.cdc.gov.br/nchs/data/ nhanes/growthcharts. 4. Victora CG, Araujo CL, Onis M. Uma nova curva de crescimento para o século XXI. [Citado em 17 abr. 2008]. Disponível em: http://dtr2004.saude.gov.br/ nutricao/documentos/nova_curva_cresc_sec_xxi. 5. World Health Organization. Working Group on Infant Growth.An evaluation of infant growth. Geneva:World Health Organization; 1994. 6. World Health Organization. Task Force for Epidemiological Research on Reproductive Health; Special Programme of Research, Development, and Research Training in Human Reproduction. Progestogen-only contraceptives during lactation: I.Infant Growth. Contraception. 1994; 50:35-53. 7. Onis M, Garza C, Onyango AW, Borghi E. Comparison of the WHO Child Growth Standards and the CDC 2000 Growth Charts. J Nutr. 2007; 137:144-8. 8. World Health Organization. [site internet]. The WHO Child Growth Standarts [Citado em 12 de abril de 2008]. Disponível em http://www.who.int/childgrowth/stansarts/en. 9. Schwarz NG, Grobusch MP, Decker ML, Goesch J, Poestchke M, Oyakhirome S, et al. WHO 2006 child growth Standards: implications for the prevalence of stunting and underweight-for-age in a birth cohort of Gabonese children in comparison to the Centers for Disease Control and Prevention 2000 growth charts and the National Center for Health Statistics 1978 growth references. Public Health Nutr. 2008; 2:1-6. Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S20-S24 23 Nova curva da OMS 2006: implicações para o crescimento de recém-nascidos pré-termo em comparação com a curva do CDC 2000 10. Hauspie RC. Mathematical models for the study of individual growth patterns. Rev Epidemiol Sante Publique. 1989; 37:461-76. 14. Ornellas SL, Xavier CC, Colosimo EA. Crescimento de recém-nascidos pré-termo pequenos para idade gestacional. J Pediatr (Rio J). 2002; 78:230-6. 11. Alexander GR, Himes JH, Kaufmen RB, Mor J, Kogan M. A United States national reference for fetal growth. Obstet Gynecol. 1996; 87:163-8. 15. Stata Corporation. Stata Statistical Software: Release 8.0. College Station. 2004. 12. Dean AG, Dean JA, Burton AH, Dicker RC. Epi Info, version 6.04: a World Processing Database and Statistics Program for Epidemiology on Microcomputers. Atlanta: Center for Desease Control and Prevention; 1990. 13. Anchieta LM, Xavier CC, Colosimo EA. Crescimento de recém-nascidos pré-termo nas primeiras 12 semanas de vida. J Pediatr (Rio J). 2004; 80:267-76. 24 Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S20-S24 16. Binns C, Lee M. Will the new WHO growth references do more harm than good? Lancet. 2006; 368:1868-9. 17. Kramer MS, Kakuma R. Optimal duration of exclusive breastfeeding. Cochrane Database Syst Ver. 2002;1:CD003517. ARTIGO ORIGINAL Condições da cavidade bucal e acompanhamento odontológico de crianças com leucemia linfocítica aguda Conditions of the oral cavity and of dental attendance of children with acute lymphocytic leukemia Denise Siqueira Lobão1; Benigna Maria de Oliveira 2; Maria de Lourdes de Andrade Massara3; Marcos Borato Viana4; Lorena Nunes 5 RESUMO Objetivos: avaliar as condições da cavidade bucal de crianças com leucemia linfocítica aguda (LLA) e as complicações decorrentes da quimioterapia e, verificar se um acompanhamento odontológico promove melhoria nas condições bucais. Métodos: estudo clínico, prospectivo, envolvendo 31 crianças, com idade entre 2 e 14 anos, com diagnóstico de LLA, tratadas em um hospital universitário de Belo Horizonte (MG). O plano de tratamento odontológico consistiu de avaliação inicial e urgência, adaptação comportamental e adequação do meio bucal, tratamento reabilitador e manutenção preventiva. Resultados: a mediana do período de acompanhamento foi de 11 meses. Das 31 crianças, 20 não haviam recebido atendimento odontológico prévio. Na avaliação odontológica inicial, 21 (67,7%) pacientes apresentavam atividade de cárie, 18 tinham necessidade de abordagem odontológica invasiva e 19 tinham gengivite. O índice de necessidades invasivas (INI) variou de 0% a 22,5% e 13 pacientes tinham INI=0. Dezoito apresentaram algum tipo de lesão em mucosa, sendo as mais freqüentes, úlceras, herpes labial e mucosite. Na avaliação odontológica final, 25 (80,6%) estavam sem atividade de cárie, três apresentavam necessidade de abordagem odontológica invasiva e 13 tinham gengivite. O INI variou de 0% a 4,3% e 28 pacientes tinham INI = 0. As medidas do índice de placa visível e INI iniciais foram significativamente maiores do que as finais (p<0,001). Conclusão: um programa de atendimento odontológico durante o tratamento quimioterápico favoreceu o equilíbrio e a manutenção da saúde bucal dessas crianças. 1 Denise Siqueira Lobão: Professora Substituta, Mestre - Departamento de Odontopediatria e Ortodontia da Faculdade de Odontologia da UFMG. 2 Benigna Maria de Oliveira: Professora Adjunta, Doutora - Departamento de Pediatria e Serviço de Hematologia do Hospital das Clínicas da UFMG. 3 Maria de Lourdes de Andrade Massara: Professora Adjunta, Doutora - Departamento de Odontopediatria e Ortodontia da Faculdade de Odontologia da UFMG. 4 Marcos Borato Viana: Professor Titular, Departamento de Pediatria e Serviço de Hematologia do Hospital das Clínicas da UFMG. 5 Lorena Nunes: Aluna de Graduação, Faculdade de Medicina, UFMG, Belo Horizonte. Palavras-chave: Leucemia-Linfoma Linfoblástico de Células Precursoras; 2.Quimioterapia/efeitos adversos; Diagnóstico Bucal; Assistência Odontológica para Criança/ tendências. ABSTRACT Objectives: To evaluate the conditions of the oral cavity of children with acute lymphocytic leukemia (ALL) and the current oral complications of the chemotherapy and, to verify whether the introduction of the dental attendance promotes an improvement in the oral conditions. Methods: It was a clinical, prospective study, involving 31 children, with age between 2 and 14 years, with diagnosis of LLA, treated in a university hospital. The dental treatment consisted of initial evaluation and urgency, behavioral adjustment and adaptation of the oral environment, rehabilitator treatment and preventive maintenance. Results: The medium one of the period of attendance was of 11 months. From the 31 children, 20 had not received any previous dental service. At the initial dental evaluation, 21 (67.7%) patients had decay activity of caries, 18 had necessity of invasive dental approach and 19 they had gingivitis. The index of invasive needs (INI) varied of 0% to 22.5% and 13 patients had IN equal zero. Eighteen had some type of lesion an the muco- Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da UFMG Serviço de Hematologia Hospital das Clínicas da UFMG Endereço para correspondência: Denise Siqueira Lobão Av. do Contorno, 6777 sala 1310 B: Santo Antônio CEP: 30.110-935 Belo Horizonte - MG Email: [email protected] Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S25-S32 25 Condições da cavidade bucal e acompanhamento odontológico de crianças com leucemia linfocítica aguda sa, having been the most frequent, ulcers, herpes labial and mucosite. In the final dental evaluation, 25 (80.6%) were without decay activity, three presented necessity of invasive dental approach and 13 had gingivitis. The INI varied of 0% to 4.3% and 28 patients had INI equal zero. The measures of the index of initial visible plaque and INI were significantly higher than the final ones (p<0.001). Conclusion: In accordance with the results of this study, can be concluded that the establishment of a dental service program during the chemotherapic treatment favored the balance and the maintenance of those children’s oral health. Key words: Precursor Cell Lymphoblastic LeukemiaLymphoma; 2.Chemotherapy/adverse effect; Diagnosis, Oral; Dental Care for Children/trends. INTRODUÇÃO A leucemia linfocítica aguda (LLA) é a neoplasia mais comum na infância. Atualmente, 70% a 80% das crianças recém-diagnosticadas alcançam a cura.1,2,3 A quimioterapia combinada é a principal modalidade terapêutica.1,2 Os agentes quimioterápicos possuem mecanismo de ação não-seletivo, atuando tanto nas células neoplásicas como nas normais com alta atividade mitótica, como é o caso da mucosa bucal, resultando em uma alta incidência de efeitos tóxicos agudos. 4, 5, 6 As complicações bucais decorrentes da quimioterapia têm um impacto negativo na qualidade de vida dos pacientes.7 Um protocolo de cuidados odontológicos, sistematicamente aplicado antes e durante o tratamento do câncer, é essencial na prevenção ou redução da gravidade dessas complicações.4,8-17 Os pacientes com câncer, em razão da imunossupressão, requerem cuidados especiais para manutenção de sua saúde bucal. Os cuidados odontológicos devem ser direcionados para promover e manter a integridade do tecido e prevenir complicações bucais da quimioterapia.4,9,14,15,18,19 Existem duas formas principais de complicações bucais decorrentes da quimioterapia. A primeira decorre da ação direta das drogas sobre os tecidos bucais (mucosite e xerostomia). A segunda está relacionada com os efeitos mielotóxicos, como neutropenia e trombocitopenia, ocasionando infecções e hemorragia.4,10-12,20 Em crianças submetidas à quimioterapia, a mucosite é a complicação bucal mais freqüente, uma vez que a mucosa bucal de indivíduos mais jovens possui células com alta atividade mitótica.4,8 A freqüência das complicações bucais é influenciada por fatores relacionados ao paciente − tipo de neoplasia e condição da cavidade bucal − e ao 26 Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S25-S32 tratamento − tipo de droga, dose, intervalo e outros tratamentos concomitantes.4,9 Crianças e adolescentes com leucemia são mais suscetíveis do que adultos ou crianças com outras neoplasias. Higiene bucal inadequada e infecção odontogênica ou periodontal preexistente também predispõem ao desenvolvimento de lesões de mucosa e infecções durante os períodos de mielossupressão. 4,8,9,18 Considerando que no tratamento do câncer, a cura não deve ser baseada somente na recuperação biológica, mas também no bem estar e na qualidade de vida do paciente, o conceito de promoção de saúde bucal torna-se ainda mais importante para esses pacientes.21 Os objetivos deste estudo foram avaliar as condições da cavidade bucal de crianças com LLA, considerando a doença cárie, a doença periodontal e as lesões de mucosa; relatar as complicações decorrentes da quimioterapia nas diferentes fases do tratamento e, verificar se a introdução de acompanhamento odontológico, durante o tratamento antineoplásico, promove a melhoria da saúde bucal dessas crianças. MÉTODOS Trata-se de um estudo clínico, prospectivo, não-controlado realizado no Serviço de Hematologia do Hospital das Clínicas da UFMG (HC-UFMG). O tamanho da amostra baseou-se na média anual (30 casos/ano) de novos casos de LLA em pacientes pediátricos admitidos no Serviço. A população estudada consistiu de 31 crianças, na faixa etária de 2 a 14 anos, com diagnóstico de LLA, tratadas de acordo com o protocolo do Grupo Cooperativo Brasileiro para Tratamento da LLA-99. Os pacientes foram divididos em três grupos (indução, consolidação e manutenção), conforme a fase do protocolo quimioterápico em que se encontravam no momento da admissão no estudo. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Foram excluídos os pacientes cujos responsáveis não concordaram com a sua participação na pesquisa, os pacientes em Unidade de Terapia Intensiva no momento da primeira avaliação, os que não tinham condições de comparecer às consultas odontológicas e os pacientes abaixo de 02 anos ou acima de 14 anos de idade. Condições da cavidade bucal e acompanhamento odontológico de crianças com leucemia linfocítica aguda Todo o acompanhamento odontológico foi conduzido em consultório particular, sem quaisquer ônus para os pacientes. Os procedimentos odontológicos foram realizados em conformidade com as normas de biossegurança.22 Os responsáveis foram orientados para que, em todas as consultas odontológicas, apresentassem hemograma recente. Padronizou-se que, para realização de procedimentos invasivos, os pacientes deveriam apresentar contagem de neutrófilos acima de 1.000/mm3, contagem plaquetária acima de 100.000/mm3 4,23 e coagulograma normal. Para procedimentos não-invasivos, os neutrófilos deveriam ser superiores a 500/mm3 e as plaquetas acima de 50.000/mm3.4,23 Todo procedimento odontológico foi discutido previamente com o hematologista. Na abordagem odontológica, preconizou-se que as medidas preventivas e restauradoras deveriam estar integradas e a predominância de umas sobre as outras era dependente das necessidades que cada paciente apresentava no momento em que era examinado. O plano de tratamento odontológico consistiu de quatro fases: I - avaliação inicial e/ou urgência; II - adequação do paciente; III - tratamento reabilitador; IV - manutenção preventiva.24 As variáveis deste estudo foram: Caracterização geral da amostra: fase da quimioterapia no momento da admissão; gênero; idade no exame odontológico inicial; procedência. Condições sócio-econômica e cultural25: escolaridade do cuidador (em anos de estudo); número de membros da família; renda per capita (renda familiar em salários mínimos dividida pelo número de membros da família). História de tratamento odontológico anterior ao diagnóstico da LLA. Índice de consumo de sacarose (ICS)24: informações sobre a freqüência diária de alimentos cariogênicos, por meio da análise do formulário de diário alimentar, de três dias. Cálculo do índice: para cada refeição, atribuíram-se valores numéricos de acordo com o momento da ingestão de alimentos contendo sacarose e a consistência desse alimento. Se a ingestão ocorresse durante as refeições principais − café da manhã, almoço, jantar − atribuiu-se o valor 1; se ocorresse nos intervalos das refeições, atribuiu-se o valor 2. Se a consistência do alimento fosse não-pegajosa, não-retentiva, era atribuído valor 1; se pegajosa, valor 2. Todos os valores obtidos a cada dia foram somados. A mé- dia dos valores totais diários representa o ISC, que foi considerado satisfatório se menor ou igual a 7. Condições de saúde bucal das crianças no exame odontológico inicial: estágio da dentição; presença de gengivite; índices CPOD e ceod (média de dentes permanentes cariados, perdidos e obturados; e média de dentes decíduos cariados, extraídos e obturados, respectivamente), conforme o Projeto SB Brasil 200326; atividade de cárie27; IPV-1 e ISG-1 (índice de placa visível28 e índice de sangramento gengival29, respectivamente, medidos na primeira consulta); INI-inicial (indice de necessidades invasivas na primeira consulta, expresso em porcentagem, que mede o grau de acometimento dos dentes com lesões cariosas ativas que requeriam abordagem invasiva). Para seu cálculo, considerou-se como numerador o número de procedimentos invasivos necessários multiplicado pelos “pesos” de cada procedimento (Quadro 1). Quadro 1 - Tipos de procedimentos odontológicos invasivos e pesos atribuídos a cada um para cálculo do Índice de Necessidades Invasivas (INI) Procedimento invasivo Peso Tratamento Restaurador Atraumático (ART) 1 Terapia Pulpar Conservadora (TPC) 2 Tratamento Endodôntico Radical (TER) 3 Exodontia por lesão cariosa extensa (EXO) 4 Para o cálculo do INI, considerou-se como denominador, o grau máximo de abordagem invasiva que cada criança poderia requerer. Assim, multiplicou-se o total de dentes, de cada criança, pelo peso 4. Exemplo do cálculo do INI para uma criança com um total de 24 dentes que apresentava, ao diagnóstico, as seguintes necessidades invasivas: 06 ART, 02 TPC, 01 TER, e 02 EXO. INI =((6x1)+(2x2)+(1x3)+(2x4) / (24x 4)) X 100 = 22%. ■ Tipo de abordagem odontológica indicada para cada criança: abordagem somente nãoinvasiva ou abordagem invasiva. ■ Condições de saúde bucal das crianças nos exames odontológicos subseqüentes: realização das fases I, II, III, e IV; atividade de cárie final e INI-final, obtidos na avaliação odontológica final; IPV-2 e ISG-2 (obtidos na consulta subseqüente às orientações iniciais de higiene bucal e motivação); IPV-final e ISG-final, obtidos no último atendimento realizado. Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S25-S32 27 Condições da cavidade bucal e acompanhamento odontológico de crianças com leucemia linfocítica aguda ■ ■ Presença de lesões de mucosa, gengivite, sangramento gengival espontâneo, abscesso periapical, pericoronarite, e adiamento da quimioterapia por motivos odontológicos. Adesão dos pacientes ao acompanhamento odontológico: abandono do tratamento odontológico; retorno conforme a periodicidade sugerida; número total de consultas; comparecimento às consultas agendadas. A análise estatística foi realizada no programa SPSS versão 14.0. Foram utilizados os testes estatísticos não paramétricos de Kruskal-Wallis, Friedman e Wilcoxon, e, também, as análises de correlação de Pearson e Spearman. Em todos os testes estatísticos, adotou-se como significativa a probabilidade bicaudal P≤0,05 de erro alfa. A variação do tempo de seguimento se deve a fatores como inclusão em momentos diferentes do estudo e interrupção do acompanhamento por recidiva da doença, óbito ou abandono. Quanto ao estágio da dentição, 15 (48,4%) crianças estavam na decídua, 9 (29%) na mista inicial, 2 (6,5%) na mista final e 5 (16,1%) na permanente. Dos 31 diários alimentares solicitados, 16 (51%) foram preenchidos. O ICS de 10 crianças foi insatisfatório (62,5%). Vinte crianças (64%) não haviam recebido tratamento odontológico anteriormente ao diagnóstico da leucemia; os índices médios de CPOD e ceod foram de 2,5 e 2,2, respectivamente. Os dados relacionados à atividade de cárie, necessidade de abordagem invasiva e gengivite, nos exames odontológicos inicial e final estão descritos na Tabela 2. RESULTADOS Os resultados apresentados referem-se ao exame odontológico inicial e ao acompanhamento odontológico realizado no período de abril de 2004 a dezembro de 2005. Das 31 crianças, 11 encontravam-se, no início do estudo, na fase de indução quimioterápica, 10 na fase de consolidação e 10 na fase de manutenção; 17 eram meninos (54,8%). Não foi observada diferença estatisticamente significativa entre os pacientes de cada uma das três fases de quimioterapia no que se refere às medidas das variáveis estudadas. Por isso, as comparações entre as variáveis de interesse foram realizadas somente considerando o grupo total de 31 pacientes. A Tabela 1 mostra as medidas descritivas referentes à idade, às condições sócio-econômica e cultural e ao período de acompanhamento. Tabela 2 - Caracterização das crianças com LLA em relação à atividade de cárie, à necessidade de abordagem invasiva e à presença de gengivite, no exame odontológico inicial e final (n=31) Variável Exame inicial Exame final Com atividade de cárie 21 (67,7%) 06 (19,4%) Necessidade de abordagem invasiva 18 (58,1%) 03 (9,7%) 19,0 (61,3%) 13 (41,9%) Presença de gengivite Os valores de IPV, ISG e INI mensurados no decorrer do estudo estão relacionados na Tabela 3. Foi observada diferença significativa (p<0,001) nas medidas de IPV ao longo dos três períodos avaliados. A segunda medida e a medida final do IPV não diferiram significativamente entre si; porém ambas foram significativamente inferiores à medida inicial. Em relação à variável ISG, não foi observada diferença estatisticamente significativa Tabela 1 - Medidas descritivas das variáveis relacionadas à idade, às condições sócio-econômica e cultural de crianças com LLA (n=31) e ao tempo de seguimento do estudo Medidas descritivas Variável 28 n Mínimo Máximo Mediana Média d.p. Idade (meses) no 1º exame odontológico 31 25,5 164,4 76,2 81,9 40,0 Escolaridade do cuidador (anos) 31 2,0 17,0 8,0 8,5 3,1 Membros da família (número) 31 2,0 9,0 4,0 4,6 1,7 Renda Familiar (salários mínimos) 31 0,6 20,0 2,7 3,0 3,3 Renda per capita (salários mínimos) 31 0,1 5,0 0,5 0,7 0,9 Tempo seguimento (meses) 31 0,2 19,7 11,1 10,8 4,2 Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S25-S32 Condições da cavidade bucal e acompanhamento odontológico de crianças com leucemia linfocítica aguda (p=0,4) entre os três períodos avaliados. As médias do INI-inicial (%) foram significativamente superiores às finais (p<0,001). Foram observadas correlações estatisticamente significativas entre INI (%) inicial e IPV-1 (p=0,03) e entre INI-inicial e ISG-1 (p=0,016). Nos dois casos, as correlações foram positivas. Não foram observadas correlações estatisticamente significativas entre INI-inicial e escolaridade (p=0,057) ou renda per capita (p=0,42). Dezoito pacientes (58,1%) apresentaram um ou mais tipos de lesões de mucosa, nas diferentes fases do tratamento. Foram diagnosticados 41 episódios; em ordem de freqüência, úlceras, herpes labial, mucosite, gengivoestomatite herpética, candidíase, queilite angular e lesões de varicela. A maior parte dos episódios (63,4%) ocorreu na fase de consolidação da quimioterapia. A lesão de mucosa mais recorrente foi o herpes simples. Vinte e sete pacientes (87,1%) aderiram ao tratamento odontológico e chegaram à fase de manutenção preventiva. Foi agendado um total de 291 consultas, com 61,5% de comparecimento. O número de consultas por paciente variou de 2 a 13 consultas (média de 5 consultas/paciente). Não foram observadas correlações significativas entre o percentual de comparecimento às consultas e renda per capita (p=0,90) ou escolaridade (p=0,12). Os motivos apresentados para o não comparecimento foram dificuldades relacionadas a transporte, contra-indicações clínicas ou coincidência com períodos de internações. DISCUSSÃO Poucos trabalhos na literatura investigaram especificamente as complicações bucais nas diversas fases da quimioterapia em pacientes pediátricos.5,8,9,13-16,18,20 A pesquisa de fatores de risco associados às complicações bucais parece ser mais adequada quando realizada em grupos homogêneos.9 Assim, foram incluídas neste estudo apenas crianças com LLA, submetidas ao mesmo protocolo quimioterápico. Foi considerado inadequado, do ponto de vista ético, incluir um grupo controle com crianças para as quais não fosse oferecido o atendimento odontológico. Em alguns estudos, o exame da cavidade bucal foi realizado no leito, durante os períodos de internação, ou nas sessões de quimioterapia, ou em consultórios médicos durante as consultas. A metodologia utilizada nesses trabalhos não foi adequada para o diagnóstico completo, especialmente no que diz respeito às lesões cariosas em estágios iniciais. Portanto, os dados de freqüência relatados podem estar subestimados.5,8,13-16,18 No presente estudo, o atendimento foi realizado com equipamentos e instrumentais adequados e com as superfícies dentárias limpas, secas e bem iluminadas, o que favorece o diagnóstico mais preciso, inclusive das lesões cariosas em estágios iniciais. O período de acompanhamento das crianças foi, também, superior ao da maioria dos trabalhos encontrados.5,8,13,14,16,18 Tabela 3 - Caracterização das crianças com LLA em relação às medidas dos Índices de Placa Visível (IPV), de Sangramento Gengival (ISG) e de Necessidades Invasivas (INI), durante os exames odontológicos no decorrer do estudo Medidas descritivas Variável n Mínimo Máximo Mediana p IPV – 1ª medida (%) 31 9,0 87,0 25,5 IPV – 2ª medida (%) 30 4,0 31,5 7,9 <0,001* IPV – final (%) 30 3,2 45,2 7,9 4,6 0,6 20,0 2,7 3,0 65,2 22,7 ISG – 1ª medida (%) 29 0,0 ISG – 2ª medida (%) 30 0,0 81,0 18,2 ISG – final (%) 30 0,0 85,0 20,0 INI (%) – inicial 31 0,0 22,5 2,8 INI (%) – final 31 0,0 4,3 0,0 0,397* <0,001** * O valor de p na tabela refere-se ao teste de Friedman ** O valor de p na tabela refere-se ao teste de Wilcoxon Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S25-S32 29 Condições da cavidade bucal e acompanhamento odontológico de crianças com leucemia linfocítica aguda Com o objetivo de reduzir o risco de infecção durante mielossupressão, é preconizado que crianças com neoplasia deveriam ser submetidas à abordagem odontológica, de preferência, antes do início da quimioterapia.4,17. No presente estudo, verificou-se claramente a impropriedade de realizar atendimento odontológico antes do início da quimioterapia em crianças com LLA. Confirmado o diagnóstico de leucemia, a quimioterapia não deve ser protelada. O acompanhamento odontológico deve ser iniciado logo que possível, de preferência durante a fase de indução e antes do início da fase da consolidação, período em que a quimioterapia é mais intensiva e as internações são mais freqüentes e, às vezes, prolongadas. A maior parte dos pacientes deste estudo não teve acesso a atendimento odontológico antes do diagnóstico da LLA, provavelmente pelo baixo nível sócio-econômico e de escolaridade dos cuidadores. Embora seja consenso na literatura que uma interação médico-odontológica pode prevenir complicações bucais graves,4,9,13,18 as crianças desta casuística encontravam-se em diferentes fases da quimioterapia e não haviam sido encaminhadas para avaliação odontológica. Assim, neste estudo, tal como em outros,9 verificou-se que nem sempre o cirurgião-dentista está inserido na equipe multidisciplinar de tratamento oncológico. Neste estudo, o parâmetro utilizado para avaliação da prevalência da doença cárie foi o último levantamento epidemiológico realizado pelo Ministério da Saúde (Projeto SB Brasil 2003 26) Nesta casuística, o ceod o CPOD observados no exame odontológico inicial indicaram que as crianças estudadas apresentavam condições de saúde bucal semelhantes à média das crianças da população brasileira e da população da região sudeste. Esses achados estão de acordo com o estudo de Childers et al. que, ao compararem um grupo de crianças com câncer com um controle − crianças saudáveis submetidas a tratamento odontológico de rotina −, não observaram diferença significativa entre os dois grupos em relação à prevalência da doença cárie.9 Os índices CPOD e ceod fornecem somente a história da doença cárie, ou seja, não indicam se o indivíduo apresenta a doença ou apenas seqüelas da mesma.27 Portanto, neste estudo, a expressão da doença cárie também foi avaliada por meio da atividade de cárie, considerando-se os estágios ini30 Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S25-S32 ciais da doença, como lesões de manchas brancas ativas, que já caracterizam um estado de desequilíbrio da cavidade bucal.24 Para verificar a viabilidade da aplicação de um plano de tratamento odontológico que incluísse, também, a realização de procedimentos invasivos, foi elaborado o índice de necessidades invasivas (INI). Esse índice permitiu que fosse avaliado o grau de acometimento dos dentes por lesões cariosas, considerando-se, também, a complexidade das lesões e o tipo de abordagem invasiva indicada. Compararam-se, por meio dessa abordagem, as condições da cavidade bucal no princípio e no final do estudo. Verificou-se uma consistente redução no percentual de crianças com necessidade de abordagem invasiva, com atividade de cárie ou com gengivite. Esses dados mostram a viabilidade de se instituir e executar um programa de atendimento odontológico durante o tratamento quimioterápico, o qual favoreceu o equilíbrio e a manutenção da saúde bucal dos pacientes. Quanto à avaliação da higiene bucal, não há na literatura padronização para os valores aceitáveis de IPV e ISG. É consenso que o ideal seria que os índices fossem melhorados após medidas de orientações e motivação.4,18 Neste estudo, os resultados foram nessa direção. A observação de que não houve diferença significativa do IPV entre a segunda medida e a final sugere que houve incorporação, por parte dos pacientes e responsáveis, das orientações recebidas na abordagem inicial. Uma vez incorporados, esses novos hábitos se mantiveram ao longo do tempo, assegurando equilíbrio da saúde bucal. Em relação ao ISG, uma possível explicação de não ter sido observada melhora significativa no decorrer da observação seria o fato da mucosa tornar-se mais friável pela ação dos quimioterápicos e, assim, mais suscetível ao sangramento, quando do uso do fio dental. Neste estudo, o diagnóstico de lesões na mucosa foi baseado apenas em dados clínicos durante as avaliações odontológicas. Não foram realizados exames histopatológicos o que, seguramente, levou a freqüências subestimadas. Assim como em outros relatos,8,9,13,20 as lesões mais freqüentes foram as úlceras, seguidas por lesões de herpes labial e mucosite. Foi observada uma maior incidência de lesões de mucosa durante a fase de consolidação da quimioterapia, a qual é sabidamente mais inten- Condições da cavidade bucal e acompanhamento odontológico de crianças com leucemia linfocítica aguda siva e prevê a utilização de diversas drogas que se associam ao aparecimento de mucosite.4,6,8 Não era objetivo deste estudo a implementação de um protocolo específico para o tratamento e acompanhamento dos episódios de mucosite. Os pacientes foram acompanhados de acordo com as rotinas do Serviço que previam, entre outras medidas, a aplicação preventiva de solução de gluconato de clorexidina 0,12%.15 O emprego do laser para prevenção ou tratamento dos episódios de mucosite14 não fazia parte dessas rotinas. Mesmo considerando as limitações referentes ao baixo nível sócio-econômico das famílias e às dificuldades apresentadas pelos pacientes que residiam em outras cidades para comparecimento às consultas odontológicas, os resultados mostraram que houve um significativo percentual de adesão. É importante ressaltar que o consultório odontológico utilizado não se localizava próximo ao ambulatório médico. Se assim o fosse, provavelmente o percentual de comparecimento seria maior e a regularidade do agendamento mais adequada. CONCLUSÕES Os resultados deste estudo demonstraram que a situação inicial de saúde bucal das crianças inseridas nesta casuística era insatisfatória. Grande número de crianças apresentava necessidade de abordagem odontológica invasiva. Esse quadro parece ser reflexo de duas situações: o baixo nível sócio-econômico e cultural que limita o acesso ao tratamento odontológico e à falta de rotina de encaminhamento dos pacientes com doenças hematológicas para avaliação e tratamento odontológicos. A abordagem odontológica durante o tratamento quimioterápico promoveu uma melhoria das condições da saúde bucal, uma vez que no exame odontológico final, os pacientes encontravam-se em melhores condições de higiene bucal, com atividade de cárie controlada e consistente redução da necessidade de abordagem odontológica invasiva. O acompanhamento odontológico realizado durante o tratamento trouxe benefícios para os pacientes e não houve necessidade de adiamento da quimioterapia exclusivamente em razão do atendimento odontológico. Também não houve qualquer tipo de complicação decorrente dessa abordagem. Esses achados indicam que é possí- vel conciliar um protocolo de acompanhamento odontológico com o tratamento antineoplásico. Os resultados observados sugerem que a inclusão de um cirurgião-dentista na equipe que presta assistência às crianças com leucemia pode contribuir não só para melhorar a saúde bucal, mas, também, para incrementar a qualidade de vida dessas crianças. A abordagem odontológica, centrada no paradigma de promoção da saúde, é uma proposta interessante, pois respeita as limitações do paciente, sejam de ordem clínica ou comportamental, recupera e promove a manutenção da saúde bucal, e contribui para o seu bem-estar. REFERÊNCIAS 1. Viana MB. Leucemias e linfomas pediátricos. In: Murad AM, Editor. Oncologia. Bases clínicas do tratamento. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan; 1996. p.372-83. 2. Oliveira BM, Diniz MS,Viana MB. Leucemias aguda na infância. Rev Med Minas Gerais. 2004; 14 (1 Suppl 1): 33-9. 3. Leite EP, Muniz MTC, Azevedo ACAC, Souto FR, Maia ACL, Gondim CMF, Bandeira FMGC, Melo RAM. Fatores prognósticos em crianças e adolescentes com leucemia linfóide aguda. 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ARTIGO ORIGINAL Correlação do gênero, idade, índice de massa e superfície corporais e o tempo ultra-sonográfico de esvaziamento gástrico de uma fórmula láctea em crianças e adolescentes Correlation between gender, age, body mass and surface index and the ultrasonographyc time of gastric emptying of milk formula in children and adolescents Cristina Pirani Valadares1, Marco Antonio Duarte2, Rogério Augusto Pinto Silva3, Wilson Campos Tavares Junior4, Francisco José Penna5 Resumo Introdução: Este trabalho objetiva avaliar a correlação entre o gênero, idade, índice de massa e superfície corporais e o tempo de esvaziamento gástrico (EG) de crianças e adolescentes usando refeição líquida cuja composição e concentração dos nutrientes é constante. Método: Sessenta crianças saudáveis foram estudadas sendo 29 meninas. A idade variou entre 1,6 e 15,9 anos . Foi usado o método ultra-sonográfico de Bolondi et al.1, reavaliado por Cuchiara et al. (2) . As medidas foram tomadas na posição ortostática: primeiro em jejum e logo imediatamente após a ingestão da refeição cujo volume era de 200 ml/m² de superfície corporal (área máxima). A seguir, nos 30, 60 e 90 minutos subseqüentes. Resultados: Houve correlação entre a idade e os percentuais de EG aos 30 (r=0,337; p=0,008), 60 (r=0,359; p=0,005) e 90 (r=0,290; p=0,025) minutos. Houve correlação entre a superfície corporal e o EG aos 30 (r=0,396; p=0,002), 60 (r=0,403; p=0,001) e 90 ( r=0,282; p=0,029) minutos. Houve também correlação entre o IMC e o EG aos 30 (r=0,290; p=0,025), 60 (r=0,318; p=0,013) e 90 (r=0,247; p=0,057) minutos. A superfície corporal foi a que melhor sintetizou as informações das variáveis. Conclusão: Concluímos que a superfície corporal e a idade têm pequeno poder explicativo do EG de fórmula láctea na infância e adolescência. 1 Mestre em Ciências da Saúde, Área de concentração em Saúde da Criança e do adolescente. Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais 2 Doutor em Medicina, área de concentração em Pediatria. Professor Adjunto do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais. 3 Mestre em Medicina Tropical. Ultrasonografista do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais. 4 Professor Titular e Coordenador do setor de Gastroenterologia Pediátrica do Hospital das Clínicas da UFMG. Doutor Palavras chave: Esvaziamento Gástrico; Ultrassonografia; Criança; Adolescente; Índice de Massa Corporal. ABSTRACT Introduction: this work aims to evaluate the correlation between gender, age, body mass index (BMI) and body surface and the time of gastric emptying (GE) of children and adolescents using a milk formula which composition and concentration of nutrients are constant. Method: Sixty children without diseases were studied, 29 being girls. The age varied between 1.6 and 15.9 years. We used the Bolondi technique (1) reevaluated by the Cuchiara (2) technique to evaluate the percentage of gastric emptying. The measures were taken in an upright position: first in the fasting period, and immediately after the ingestion of the milk formula which volume was of 200ml/m² of body surface (maximum area). After, in the following 30, 60 and 90 minutes. Results: There was significant correlation between age and the percentages of GE at 30 (r=0,337; p=0,008), 60 (r=0,359; p=0,005) and 90 (r=0,290; p=0,025) minutes. There was correlation between body surface and GE at 30 (r=0,396; p=0,002), 60 (r=0,403; p=0,001) and 90 (r=0,282; p=0,029) minutes. Endereço para correspondência: Cristina Pirani Valadares Rua Pio Porto de Menezes 115/ apto 202 B: Luxemburgo. Belo Horizonte - Minas Gerais – Brasil CEP: 30.380-300 Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S33-S39 33 Correlação do gênero, idade. índice de massa e superfície corporais e o tempo ultra - sonográfico de esvaziamento gástrico de uma fórmula láctea em crianças e adolescentes There was also significant correlation between BMI and GE at 30 (r=0,290; p=0,025), 60 (r=0,318; p=0,013) and 90 (r=0,247; p=0,057) minutes. The information of the variables was best synthecized by the body surface. Conclusion: We concluded that body surface and age have little explanatory power over the milk formula GE in childhood and adolescence. Key words: Gastric Emptying; Ultrasonography; Child; Adolescent; Body Mass Index. INTRODUÇÃO O conhecimento do esvaziamento gástrico (EG) continua incentivando os pesquisadores em virtude de sua importância na etiopatogenia de doenças que acometem o trato gastrointestinal (TGI) superior nos vários grupos etários.1-3 Distúrbios da motilidade gástrica em crianças e adolescentes podem estar associados às doenças como refluxo gastroesofágico (RGE)4, desnutrição5, obesidade6, constipação intestinal7, diabetes melito8,9, insuficiência renal crônica10, fibrose cística11, deficiência neurológica12, doença de Crohn13, síndrome de Turner14, cardiopatias congênitas15, gastroenterites por rotavirus16, síndrome de Sandifer17, anorexia18 e dispepsia não ulcerosa19. Até hoje, os dados sobre EG em crianças sadias são limitados e os valores considerados normais para o percentual de esvaziamento em uma hora são variados, segundo diferentes autores e métodos de medida.3,9 Alguns estudos usando o método da diluição dupla em água, impedanciometria e o teste respiratório do carbono 13, não encontraram correlação entre idade, gênero, índice de massa e superfície corporais e o tempo de EG em crianças sadias.20,21 Outros encontraram correlação entre a idade e o EG usando cintilografia e ultra-som.22 Inicialmente, várias técnicas foram usadas para estudar o EG, porém eram métodos invasivos e inadequados como a aspiração do conteúdo gástrico, a técnica das refeições seriadas introduzidas por De Salamanca23 em 1949 e a avaliação radiológica após ingestão de bário.3 Griffith et al.24 em 1966 apresentaram a cintilografia como uma nova técnica não invasiva para estudo do EG e Signer e Fridrich25 em 1975 introduziram o uso de marcadores com baixa dosagem de radiação. A ultra-sonografia tem mostrado nos estudos em crianças resultados comparáveis aos da cintilografia; padrão ouro em relação à medida do EG 34 Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S33-S39 de líquidos e sólidos com concordância de 90%. É um método fácil, válido e reprodutível. Não é invasivo nem usa radiação ionizante. A medida ultra-sonográfica da área de secção do antro gástrico indica o volume de alimento presente no estômago.26 Apesar da limitação argumentada na literatura de ser um exame operador dependente, este problema pode ser solucionado pela máxima padronização da técnica e treinamento adequado do operador.27 Trabalhos em adultos usando diferentes técnicas de medida como cintilografia e ultra-som, determinam a relação entre EG e fatores como idade, gênero, índice de massa corporal. Em crianças e adolescentes, os estudos têm resultados discordantes. Alguns autores por meio do ultra-som e da cintilografia demonstram correlação entre idade, gênero, índice de massa e superfície corporais e o EG3,9,22 e outros, usando a técnica da diluição dupla em água, a impedanciometria e o teste respiratório do carbono 13 não comprovam essa relação.3,9,20,21 O desafio de associar as variáveis que se correlacionam e influenciam o EG continua estimulando os pesquisadores a preencher as lacunas ainda existentes sobre a fisiopatologia deste processo com o objetivo de facilitar a abordagem terapêutica dos pacientes com doenças do TGI superior.9 Realizamos um estudo observacional descritivo com crianças e adolescentes saudáveis para avaliar a correlação entre o gênero, idade, índice de massa e superfície corporais e o tempo de EG de fórmula láctea, cuja composição e concentrações dos nutrientes eram constantes. Foi usada a ultra-sonografia como método de medida da área da secção transversa do antro como representativa do volume do alimento no estômago. CRIANÇAS, ADOLESCENTES E MÉTODOS As crianças e os adolescentes foram selecionadas por busca ativa em ambulatório de cuidados primários (Serviço Unificado de Saúde - SUS) na cidade de Belo Horizonte. Estes não tinham doenças no período da investigação. Realizamos estudo piloto com 24 crianças para determinar o tamanho da amostra, onde consideramos a correlação entre a magnitude padronizada da variável idade e o percentual do EG conforme o tempo. Considerando α bicaudal de 0,05 e β de Correlação do gênero, idade. índice de massa e superfície corporais e o tempo ultra - sonográfico de esvaziamento gástrico de uma fórmula láctea em crianças e adolescentes 0,20 o “n” mínimo para que a objetividade estatística não fosse influenciada foi de 52 sujeitos.28. Participaram do estudo 29 meninas com idade entre 1,7 e 15,9 anos e 31 meninos com idade entre 1,6 e 14,6 anos. Foram coletados, previamente, os dados antropométricos e calculados os índices de massa e superfície corporais. A Tabela 1 apresenta a descrição das variáveis intervenientes. Encontramos distribuição Normal das variáveis Idade e Superfície Corporal, mas não do IMC. Não houve diferença estatística significativa entre os gêneros quando avaliados de acordo com a idade (p=0,589), superfície corporal (p=0,342) e IMC (p=0,923). A refeição de prova utilizada para todas as crianças e adolescentes foi o Nutren Junior® desenvolvida com proteínas do leite bovino, densidade calórica de 1,0 Kcal/ml, sem lactose, sem glúten, apresentando a seguinte composição: proteínas 30 g/l, lípides 39 g/l), carboidrato 130 g/l. As características físicas são: osmolalidade de 306mOsm/Kg de H²O, carga de soluto renal de 190 mOsm/l, e teor de água de 85% . A quantidade ingerida foi de 200 ml/m² de superfície corporal. A reconstituição da fórmula com medida padronizada pelo fabricante foi feita com água à temperatura ambiente na sala de ultra-sonografia. O local do exame apresentava temperatura constante de 24°C. O estudo foi realizado com aparelho ultra-sonográfico Siemens-Versa plus® com transdutor linear de 7,5 Mhz. Para as medidas da secção transversa do antro gástrico foi utilizada a técnica de Bolondi et al. 1 e reavaliada por Cucchiara et al.2, na qual avalia-se a medida da região do antro usando-se como referência o plano sagital que passa pela aorta e pela veia mesentérica superior, por meio da fórmula da área da elipse dada por (π x A x B) /4, onde A é o diâmetro longitudinal e B o diâmetro antero-posterior (Figura 1). As crianças foram examinadas pela manhã, após um período de jejum de pelo menos 8 horas. As medidas foram feitas na posição ortostática, primeiro em jejum (área de jejum), logo imediatamente após a ingestão da refeição de prova (área máxima) e a seguir nos 30, 60 e 90 minutos subseqüentes, correspondendo às áreas de 30, 60 e 90 minutos respectivamente. Figura 1 - Diâmetros longitudinal (A) e anteroposterior (B) do antro gástrico Objetivando reproduzir condições fisiológicas foram oferecidas às crianças diferentes atividades enquanto aguardavam a medida do EG que variaram desde “pular amarelinha”, brincar de pegador subindo e descendo escadas, jogo de botão, brincadeira de boneca, leitura e jogos, até a soneca no colo da mãe. Para o cálculo da área do antro em cada momento usamos a fórmula: Área do antro = (área medida) – (área de jejum). O percentual de esvaziamento neste momento foi calculado segundo a fórmula: Percentual do EG = [1 – (área do antro / área máxima)] x 100. Tabela 1 - Descrição das variáveis das crianças e adolescentes (n =60) Variável Média Mediana Desvio Padrão Mínimo Máximo 7,67 7,34 3,98 1,60 15,88 Superfície corporal (m ) 0,996 0,905 0,341 0,341 1,90 IMC 18,38 17,37 3,92 3,92 30,10 Idade(anos) 2 Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S33-S39 35 Correlação do gênero, idade. índice de massa e superfície corporais e o tempo ultra - sonográfico de esvaziamento gástrico de uma fórmula láctea em crianças e adolescentes Utilizou-se o teste Qui-quadrado para comparar a proporção entre meninos e meninas. As variáveis quantitativas foram descritas por meio de medidas de tendência central e variabilidade. A associação entre as variáveis foi determinada pelo Coeficiente de Correlação Linear de Pearson. Quando a distribuição não era normal utilizou-se a mediana. Para avaliar a associação entre as variáveis dependentes e o gênero foi utilizado o teste de Mann-Whitney. Um modelo de regressão linear multivariado foi ajustado para cada uma das variáveis independentes que foram selecionadas pelo método backward elimination. A significância do modelo foi avaliada pelo teste F e a qualidade do ajuste pelo coeficiente de determinação ajustado R2. A probabilidade de significância foi considerada válida quando inferior ou igual a 0,05% (p≤0,05). Os programas estatísticos usados para os cálculos foram o Excel 2000 (Microsoft ®) Epi Info 6,02.e SPSS® versão 13.0, 2004. Este trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFMG – COEP, parecer nº. ETIC 405/04 em 13 de abril de 2005. As crianças e seus pais receberam informações verbais e por meio de documento escrito explicitando as condições de realização do estudo. o EG aos 30 (r=0,396; p=0,002), 60 (r=0,403; p=0,001) e aos 90 minutos (r=0,282; p=0,029) e entre o IMC e o EG aos 30 (r=0,290; p=0,025), 60 (r=0,318; p=0,013) e aos 90 minutos (r=0,247; p=0,057). A análise multivariada do percentual de EG aos 30 minutos, de acordo com o gênero, idade, superfície corporal e IMC mostrou que o coeficiente de determinação do modelo final (R2) é igual a 14,3%. Este modelo é significativo (p=0,002). A única variável incluída é a superfície corporal (p=0,002), pois esta sintetiza as informações das demais (Figura 2). A análise multivariada do percentual de EG, aos 60 minutos, de acordo com o gênero, idade, superfície corporal e IMC mostra que o coeficiente de determinação do modelo final (R2) é igual a 14,8%. Este modelo é significativo (p=0,001). A única variável incluída é a superfície corporal (p=0,001), pois sintetiza as informações das demais (Figura 3). Para o percentual de esvaziamento aos 90 minutos, a variável que melhor explica de forma significativa a resposta é a idade. Este modelo é significativo (p=0,025), porém o percentual de explicação é de apenas 6,8% (Figura 4). A superfície corporal está associada a apenas 3,93% das variações do EG. RESULTADOS DISCUSSÃO Encontramos distribuição Normal do percentual de EG aos 30 e 60 minutos, mas não aos 90 minutos. Não houve diferença entre o percentual de EG aos 30 (p=0,303), 60 (p=0,221) e aos 90 minutos (p=0,422) de acordo com o gênero. Houve correlação entre a idade e os percentuais de EG aos 30 (r=0,337; p=0,008), 60 (r=0,359; p=0,005) e 90 minutos (r=0,290; p=0,025); entre a superfície corporal e Nossos resultados mostram que a superfície corporal sintetizou as informações das demais variáveis e teve o melhor poder de explicação em relação ao tempo de EG medido pela ultra-sonografia aos 30 e 60 minutos após a ingestão da refeição líquida (poder de explicação de 14,3 % e 14,8%, respectivamente) em crianças sem doenças, com idade entre 1,6 e 15,9 anos. Figura 2 - Correlação entre superfície corporal e o percentual de esvaziamento gástrico aos 30 minutos 36 Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S33-S39 Correlação do gênero, idade. índice de massa e superfície corporais e o tempo ultra - sonográfico de esvaziamento gástrico de uma fórmula láctea em crianças e adolescentes Figura 3 - Correlação entre superfície corporal e o percentual de esvaziamento gástrico aos 60 minutos Figura 4 - Correlação entre idade e o percentual de esvaziamento gástrico aos 90 minutos Aos 90 minutos a idade esteve mais associada ao percentual de EG, porém, com pequena representatividade, apenas 6,8%. As investigações do EG de líquido em crianças sadias apresentam resultados discordantes. Billeaud et al.29 não observaram correlação entre a idade, gênero e o EG medido pela cintilografia durante o primeiro ano de vida. Smith et al. 20 por meio da impedânciometria não observaram correlação entre idade, gênero, IMC e o EG de líquido em crianças sadias. Heyman30, em artigo de revisão, sugere que em maiores de 2 anos o EG medido pela cintilografia correlaciona-se com a idade e considera aceitável o volume gástrico residual de 11% à 47% ao final de 1 hora. Seibert et al.31 usando a cintilografia encontraram volume gástrico residual de 51%, com variação de 44% a 58% ao final de 1 hora, em crianças com idade entre 2 – 14,5 anos. Aliada a essa falta de padronização em crianças e adolescentes está a enorme variabilidade do padrão fisiológico e os diversos fatores que podem influenciá-lo como postura32, fototerapia33, ativida- de física9, temperatura do alimento34, e desenvolvimento psicomotor 9. Não foi possível comparar nossos achados com os resultados encontrados na literatura pois nestes não foi determinada a correlação entre as variáveis mas apenas os valores limítrofes. Entretanto observamos que aos 30, 60 e 90 minutos, 74%, 97% e 100% dos indivíduos apresentaram esvaziamento dos seus conteúdos gástricos em mais de 50%, respectivamente (Figuras 2, 3 e 4). O alimento continua sendo fator importante do EG. O volume, composição dos nutrientes, osmolalidade, densidade calórica, viscosidade e pH exercem grande influência 3, 9, 35. A água e o leite humano esvaziam mais rápido do que as fórmulas lácteas3,9, mas é necessário considerar também as variações intra e inter-individuais.21 Um estudo ultra-sonográfico feito em crianças mostrou diferença significativa na área antral de jejum de obesos graves (3,9 cm²) em relação as crianças de peso normal (3,5 cm²) mas o tempo de EG não variou.6 Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S33-S39 37 Correlação do gênero, idade. índice de massa e superfície corporais e o tempo ultra - sonográfico de esvaziamento gástrico de uma fórmula láctea em crianças e adolescentes CONCLUSÃO Concluímos que existe correlação entre a superfície corporal de crianças e adolescentes saudáveis e o EG de fórmula láctea aos 30 e 60 minutos. Aos noventa minutos a idade melhor explicou esta relação. Entretanto estas variáveis têm pequeno poder de elucidação desse processo fisiológico. Outros fatores influenciam o EG. Torna-se necessário conhecê-los para melhor compreender e tratar crianças e adolescentes com doenças que afetam tal função. REFERÊNCIAS 1. Bolondi L, Bortolotti M, Santi V, Calletti T, Gaiani S, Labò G. Measurement of gastric emptying time by real-time ultrasonography. Gastroenterology. 1985; 89:752–9. 2. Cucchiara S, Minella R, Iorio R, Emiliano M, Az-Zeqeh N,Vallone G, et al. Real-time ultrasound reveals gastric motor abnormalities in children investigated for dyspeptic symptoms. J Pediatr Gastroenterol Nutr. 1995; 21:446-53 3. Van Den Driessche M, Veereman-Wauters G. Gastric emptying in infants and children. Acta Gastro-Enterol. Bélgica; 2003; 66:274-82. 4. Rico Mari E, Codoner Franch P, Molla Olmos E, Calabuig Sanchez M, Ripolles Gonzalez T. Gastric emptying in children with gastroesophageal reflux. Evaluation by real time ultrasonography of the pyloric antrum. An Esp Pediatr. 1999; 51(1):33-8. 5. Franco VHM,Collares EF,Troncon LEA.Gastric emptying in children: IV. 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Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S33-S39 39 ARTIGO ORIGINAL Deficiência de ferro e anemia em escolares da área rural de Novo Cruzeiro, Minas Gerais Iron deficiency and anemia in students from the rural area in Novo Cruzeiro, state of Minas Gerais, Brazil Eliane Garcia Rezende1; Elido Bonomo2; Joel Alves Lamounier2; Margarete Aparecida Santos 3; Márcio Antônio Moreira Galvão3; Núncio Antonio Sol3; Romário Cerqueira Leite 4 RESUMO 1 Universidade Federal de Alfenas Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Programa de Pós-graduação em Ciências da Saúde área de concentração saúde da criança e adolescente 3 Escola de Nutrição, Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) 4 Escola de Veterinária, UFMG 2 O reconhecimento da relação existente entre a deficiência de ferro com presença ou ausência de anemia, comprometendo diversas funções do organismo humano, tem sido tema de debates na área de nutrição em âmbito internacional, especialmente por ser uma das deficiências mais prevalentes no mundo. Objetivo: Este estudo descreve a ocorrência de deficiência de ferro e busca elucidar a freqüência de anemia ferropriva em escolares de área rural. Casuística e Métodos: Foram avaliados níveis de hemoglobina, ferro sérico (Fe), capacidade total de ligação de ferro (CTLF) e saturação de transferrina (IST) de 439 escolares da zona rural de Novo Cruzeiro (Minas Gerais) – município situado no Vale do Jequitinhonha. A população estudada foi escolares na faixa etária de 7 a 15 anos, onde 50,1% eram do gênero masculino. Resultados: A freqüência de anemia nos escolares foi de 12,1% e os parâmetros indicativos de deficiência em ferro mostraram: ferro sérico em 17,1%, CTLF em 31,7% e diminuição do IST em 36,2% dos indivíduos. Relacionando as dosagens de ferro sérico, IST, CTLF elevada, indicativos de deficiência, e hemoglobina baixa verificou-se que 41,5% dos escolares anêmicos apresentavam anemia ferropriva. Os demais casos de anemia (58,5%) podem ser explicados por outras causas, como hemoglobinopatias e outras deficiências nutricionais. Dos indivíduos com deficiência de ferro pela CTLF 26,7% não apresentaram anemia. Conclusão: Existe significativa freqüência de anemia ferropriva e de deficiência de ferro nesta população rural e outros parâmetros relacionados à saúde destes escolares precisam ser investigados. Palavras-chave: Anemia; Deficiência de Ferro; Criança; Estudantes; Zonas Rurais. ABSTRACT Endereço para correspondência: Joel Lamounier Faculdade de Medicina UFMG Av. Alfredo Balena 190 Belo Horizonte - MG CEP: 30.130-100 40 The recognition of the existing relationship between iron deficiency and the presence or not of anemia has been subject of debate worldwide in the area of nutrition, especially because this deficiency is one of the most prevalent in the world. Objective: The present study aims at describing the occurrence of iron deficiency among students in a rural area and the frequency of anemia due to this deficiency. Methods and Casuistry: Hemoglobin, serum iron (Fe), transferrin saturation (TS)and total iron binding capacity (TIBC) were evaluated in 479 schhol children from the rural area of Novo Cruzeiro (Minas Gerais), situated in the valley of the Jequitinhonha river. The studied population comprised 7 to 15 year-old students, 50,1% being males. Results:The frequecy of anemia was 12.1%, and the indicative parameters of iron deficiency showed Fe deficiency in 17.1%, TIBC in 31.7% and decreased TS in 36.2% of them. When relating serum iron and TS with increased TIBC (indicative of deficiency) and low hemoglobin level it was verified that 41.5% of the anemic students had anemia due to iron deficiency. The other cases of anemia (58,5%) can be explained by othr causes such other nutritional deficiencies and hemoglobinopatias. Among Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S40-S46 Deficiência de ferro e anemia em escolares da área rural de Novo Cruzeiro, Minas Gerais the subjects with increased TIBC 26.7% did not show anemia. Conclusion: There is a significan frequence of iron deficiency and of anemia due to iron deficiency in this population and other parameters related to the health of these childrem demand investigation. Key words: Anemia; Iron Deficiency; Child; Students; Rural Zones. INTRODUÇÃO A Organização Mundial de Saúde1 (OMS) estima que cerca de 30 a 48% da população nos países em desenvolvimento estejam com anemia. Para as crianças de 5 a 14 anos, estimam aproximadamente que 46% sejam anêmicas no mundo, sendo a maioria dos casos por deficiência de ferro.2 Esta Organização define anemia nutricional como o estado onde a hemoglobina está anormalmente baixa, refletindo a carência de um ou mais nutrientes necessários à sua elaboração ou maturação. A anemia ferropriva é resultada pela queda nos níveis normais de hemoglobina devido a deficiência severa do mineral ferro.3 Segundo Melo et al.4 a anemia ferropriva apresenta dificuldades em seu diagnóstico presuntivo pelos índices hematimétricos, por apresentar semelhanças com a beta-talassemia, devendo ser observado provas laboratoriais complementares, tais como os parâmetros de estoques de ferro. A depleção do ferro ocorre, mais comumente, no organismo humano de forma gradual e progressiva, atingindo compartimentos diferentes com seu agravamento. Primeiramente acomete sua forma de armazenamento, a ferritina, depois atinge a saturação de transferrina e a concentração de ferro sérico, sendo o nível de hemoglobina o último parâmetro a ser afetado.5 Como a carência de ferro ocorre gradativamente, pode-se detectar indivíduos com deficiência de ferro sem apresentar anemia. Ocorrerá quando os estoques do mineral estão afetados e os níveis de hemoglobina permanecem dentro da faixa de referência. A má-nutrição de micronutrientes, especialmente o ferro, tem sido tema de debates em nutrição e saúde pública no âmbito internacional. A deficiência deste mineral é muito prevalente no mundo, atingindo principalmente crianças e mulheres, e o reconhecimento da relação entre a deficiência de ferro, mesmo sem anemia, e diversas funções orgânicas é motivo de atenção.3 A carência de ferro é uma enfermidade sistêmica com múltiplos sintomas, atingindo todas as células do organismo, visto que este mineral participa de numerosas reações de óxido - redução em vários órgãos, incluindo o sistema imunológico. Diversos trabalhos elucidam as conseqüências da deficiência de ferro em crianças, tais como redução do desenvolvimento mental e motor e menor resposta imunológica dentre outras.6 Muitas são as situações que levam à carência de ferro, podendo-se citar as perdas sangüíneas crônicas e ingestão e/ou absorção deficientes deste mineral, entre outros.7 Segundo Tsuyuoka et al.8 estima-se que anemia ocorra em metade dos escolares e adolescentes nos países em desenvolvimento. No Brasil existe uma grande variação de resultados, mostrando diferentes prevalências de anemia por regiões, especialmente na área sudeste.5,9 Szarfarc et al.5 compilando prevalências de anemia por regiões brasileiras, identificaram que os grupos populacionais mais estudados são crianças menores de 6 anos de idade e gestantes, sendo poucos os trabalhos com escolares. As taxas mais altas de prevalência de anemia chegam a 77% para crianças menores de 24 meses e regridem com o aumento da idade, variando de 7 a 54% em escolares.5 Fujimori et al.9 encontraram 17,6% de anemia em mulheres adolescentes de Taboão da Serra (SP) apresentando maior freqüência na pré-menarca. Em estudo realizado nos municípios de Turmalina, Minas Novas e Capelinha situados no Vale do Jequitinhonha (MG), Araújo et al.10 verificaram a prevalência de anemia em 34,6% para crianças na faixa etária pré-escolar e 18,2% para os escolares da zona rural, e 23,9% nos pré-escolares e 17,5% nos escolares da região urbana.10 O município de Novo Cruzeiro, situado no Vale do Jequitinhonha, apresenta um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH-2000) — índice sintético calculado pela média simples do índice de longevidade, educação e renda — de 0,629 (IPEA), ocupando o 791° lugar entre os 853 municípios mineiros e revela a existência de famílias abaixo do nível de pobreza.11 Assim, este estudo buscou primeiramente descrever a ocorrência de deficiência de ferro e anemia em escolares, bem como caracterizar a freqüência de anemia pela deficiência de ferro neste município. Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S40-S46 41 Deficiência de ferro e anemia em escolares da área rural de Novo Cruzeiro, Minas Gerais MATERIAL E MÉTODOS Esse estudo, de natureza transversal, foi realizado com análise de parâmetros hematológicos e bioquímicos, cotejados entre si, de 439 alunos de quatro escolas da área rural de Novo Cruzeiro – Minas Gerais - Brasil. Novo Cruzeiro (MG), localiza-se na macrorregião de Araçuaí do Vale do Jequitinhonha, e de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), referentes ao ano 2000, mostram uma densidade demográfica de 17,9 hab/km2. A maior parte da população — aproximadamente 22.075 habitantes— reside na região rural12. O município, em 1991, apresentava 7177 crianças na faixa de 7 a 14 anos. Quanto ao número de escolas, verificou-se em 1997 a existência de 36 instituições, das quais, somente 03 estão localizadas em perímetro urbano.13 Conforme exigências éticas, na realização do estudo solicitou-se a presença dos pais ou responsáveis pela criança para assinatura do termo de consentimento, passando também por aprovação no Comitê de Ética em pesquisa da UFOP, atendendo a Resolução n.196/1996 do Ministério da saúde. AVALIAÇÃO NUTRICIONAL PARÂMETROS DE FERRO E ANEMIA Os parâmetros utilizados para avaliação do estado nutricional de ferro foram a concentração de hemoglobina, os níveis de ferro sérico, determinação da capacidade total de ligação de ferro e cálculo do índice de saturação da transferrina. Os valores de referência, adotados como ponto de corte, foram os preconizados pelo “kit” utilizado no laboratório para as análises de ferro e de acordo com o método colorimétrico empregado.14 e Siimes16. Nesta classificação, crianças de até 9 anos de idade devem apresentar hemoglobina maior que 11,5 g/dL; para crianças de 9 a 12 anos e também meninas de 12 a 18 anos a hemoglobina deve ser maior que 12,0 g/dL; já para os meninos de 12 a 14 anos são adotas concentrações de 12,5 g/dL e meninos de 14 a 18 anos a hemoglobina deverá ser maior que 13,0 g/dL. Os valores menores que estes parâmetros são classificados como característicos de anemia. B - Dosagem de Ferro Sérico: O ferro sérico (Fe) foi dosado pelo método colorimétrico sem desproteinização, baseado na liberação do ferro sérico da união com a transferrina. Os valores maiores que 50 μg/dL foram considerados como níveis normais para ferro sérico, e valores menores ou iguais a 50 μg/dL considerados como deficiência do mineral.14 C - Capacidade total de ligação de ferro: A capacidade total de fixação ou de ligação de ferro no soro (CTLF) foi determinada por método colorimétrico, fundamentado na atividade da transferrina em captar Fe (III). A quantidade da transferrina saturada se expressa como os microgramas de Fe (III). Como ponto de corte foi adotado os valores maiores ou iguais a 450 μg/dL para considerar a deficiência de ferro.14 D - Índice de saturação de transferrina: O Índice de saturação da transferrina (IST) foi calculado a partir do ferro sérico e CTLF e os valores maiores que 20% foram considerados adequados quanto aos conteúdos de níveis de ferro no organismo. A - Dosagem de Hemoglobina: A hemoglobina foi medida no campo, pelo sistema “HemoCue Blood Hemoglobin”, tendo como amostra o sangue de punção venosa.15 O aparelho fornece leitura fotométrica dos níveis de hemoglobina na forma azidometahemoglobina. Os valores de referência para avaliar a hemoglobinemia, indicativos de anemia, foram os preconizados por Dallman 42 Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S40-S46 ANTROPOMETRIA As tomadas de medidas antropométricas de altura e peso dos escolares seguiram as recomendações técnicas pertinentes.17 As idades foram calculadas subtraindo-se a data da coleta das medidas antropométricas com a data de nascimento da Deficiência de ferro e anemia em escolares da área rural de Novo Cruzeiro, Minas Gerais criança. O peso foi obtido em balança portátil com capacidade de 150 Kg. Para a altura foram utilizadas fitas métricas devidamente afixadas à parede. O Índice de Massa Corporal (IMC), obtido pela relação peso/altura2, foi utilizado para avaliação do estado nutricional. Os valores de IMC abaixo do percentil 5 foram considerados subnutridos e valores iguais ou maiores ao percentil 85 foram adotados como sobrepeso e entre os percentis 5 e 85 classificados como eutróficos.18 Os dados antropométricos foram analisados usando o programa Epi Info versão 6.04d.19 ANÁLISE DOS DADOS A organização dos dados e cálculos foram processadas em “software” Excel. As análises foram realizadas pelo software Epi-Info, versão 6.04d.19 Para análise estatística utilizou-se o teste de quiquadrado com nível de significância de 95% e correção de Yates quando necessário. RESULTADOS A distribuição dos escolares segundo o gênero mostra-se bem equilibrada, sendo 50,1% do gênero masculino e 49,9% do feminino (Tabela 1). A distribuição entre os gêneros em relação às faixas de idade, apresenta-se em proporções bem próximas. Nesta população de escolares da zona rural, 9,1% das crianças apresentaram subnutrição protéica calórica compiladas pelo indicador IMC, sendo a maior freqüência (3,9%) na faixa de idade de 12 a 13,9 anos (p=0,01) e a menor (0,9%) para as crianças menores de 9 anos (Tabela 1). Deficiência de ferro A freqüência de estudantes deficientes em ferro, segundo diferentes indicadores, pode ser vista na Figura 1, que mostra 17,1% de casos considerando-se o ferro sérico 31,7% e 36,2% considerando-se a CTLF e IST, respectivamente. O indicador CTLF é considerado parâmetro mais estável que o ferro sérico20, pois apresenta menor variação fisiológica durante o dia. Portanto, pode mostrar maior fidelidade à situação de reservas de ferro no organismo do que a dosagem do ferro sérico. Relacionando o parâmetro CTLF com Hemoglobina (Tabela 2), buscou-se determinar os escolares com deficiência de ferro, mesmo não apresentando anemia. Conforme descreve Fairbanks e Klee14 valores aumentados de CTLF são indicativos da deficiência de ferro, mesmo quando relacionados com resultados de hemoglobina normais. Desta forma, realizando a correlação entre a freqüência de CTLF elevada com níveis de hemoglobina observa-se 26,7% de escolares com deficiência de ferro sem apresentar anemia, ou seja, ainda não houve alteração nos níveis de hemoglobina. Tabela 2 – Freqüência e médias de CTLF elevada, correlacionada Hemoglobina (Hb), avaliados em escolares da área rural, Novo Cruzeiro (MG) CTLF elevada Nível de hemoglobina Hb Baixa Adequada Total Freqüência n % 22 5,0 117 26,7 139 31,7 Tabela 1 - Distribuição de escolares de área rural, segundo o gênero, agrupados pela idade e estado nutricional antropométrico, Novo Cruzeiro (MG) Subnutrição Déficit ponderal pelo IMC Gênero Faixa de Idade Masculino Feminino Ausente Presente n % n % n % n % <9 48 10,9 49 11,2 92 a 21,0 4a 0,9 9 – 12 86 19,6 86 19,6 162 a,b 36,9 8 a,b 1,8 14,3 b, c 12 – 13 67 15,3 63 111 c > 14 19 4,3 21 4,8 29 Total 220 50,1 219 49,9 394 b,c 3,9 6,6 c 11 2,5 89,8 40 9,1 25,3 17 a = Qui-quadrado – Yates corrected – p= 0,83, b = Qui-quadrado – Yates corrected – p= 0,015, c = Qui-quadrado – Yates corrected – p= 0,06 Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S40-S46 43 Deficiência de ferro e anemia em escolares da área rural de Novo Cruzeiro, Minas Gerais n=364 82,9% 400 Deficiente Não deficiente Número de estudantes 350 n=300 68,3% n=280 63,8% 300 250 200 n=139 31,7% 150 100 n=159 36,2% n=75 17,1% 50 0 Fe CTLF IST Figura 1 – Freqüência de deficiência de ferro, segundo os indicadores Ferro sérico, Capacidade total de ligação de ferro e Índice de saturação de transferrina, em 439 escolares da área rural de Novo Cruzeiro – MG. Anemia A freqüência de anemia encontrada foi de 12,1%. Entre os anêmicos a hemoglobina apresentou média e desvio padrão de 11,71 + 0,65 g/dL. O grupo classificado como não anêmico apresentou 13,51 + 0,86 g/dL de hemoglobina. Discriminação de anemia por deficiência de ferro Tabela 3 – Freqüência e médias de “deficit” de Hemoglobina correlacionados com o parâmetro CTLF, avaliados em escolares da área rural, Novo Cruzeiro (MG) Nível de Hemoglobina baixa Parâmetro de deficiência de ferro CTLF Freqüência n % Elevada 22 41,5 Adequada 31 58,5 53 12,1 Total DISCUSSÃO Na avaliação da anemia nos escolares, buscouse relacionar todos os parâmetros analisados na tentativa de discriminar a anemia por deficiência de ferro. Partiu-se do princípio que na condição de deficiência de ferro, encontra-se no soro valor baixo ou normal para ferro sérico e IST, mas com CTLF aumentada.14 Relacionando os resultados de hemoglobina com o parâmetro de deficiência de ferro nestes escolares, pôde-se constatar que 41,5% dos indivíduos com hemoglobina baixa também apresentaram CTLF aumentada (Tabela 3). A associação destes parâmetros permite visualizar que da população onde foi detectada anemia, pelo menos 41,5% pode ser por deficiência de ferro, os outros 58,5% casos de anemia pode ser por outras causas que não a falta deste mineral. 44 Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S40-S46 A desnutrição ainda com prevalência significativa no Brasil ocorre em todas as faixas etária das crianças, como pode ser observado em diferentes pesquisas.21,22 Estudo realizado por Castro21 encontrou anemia em 30,6% das crianças sendo 20,9% diagnosticada como anemia ferropriva, utilizando-se como parâmetros a concentração de hemoglobina combinada com ferritina e receptor solúvel de transferrina. Fujimori et al.23 avaliando adolescentes gestantes em São Paulo encontraram 73,5% com deficiência de ferro pela CTLF, 31,0% com ferro sérico baixos e 45,8% com deficiência pelo IST. Os resultados do presente trabalho em escolares mostraram 31,7% com CTLF elevada, 17,1% com ferro sérico baixos e 36,2% com IST baixo. Estes percentuais encontrados são menores que os Deficiência de ferro e anemia em escolares da área rural de Novo Cruzeiro, Minas Gerais encontrados por Fujimori et al.23, o que pode ser explicado pelos múltiplos fatores relacionados à carência de ferro em adolescentes em gestação. À semelhança dos resultados encontrados por Fujimori et al.23, também neste estudo se encontrou percentuais muito diferentes entre os parâmetros ferro sérico e CTLF. É importante destacar que a variável ferro sérico mostra-se muito instável, comparada aos outros parâmetros estudados, por sofrer várias interferências fisiológicas durante seu metabolismo diário.14 A literatura mostra que os percentuais de CTLF podem estar subestimados pela presença de subnutrição, acarretando valores falso negativos. Os resultados deste trabalho em relação a CTLF podem apresentar falsos negativos, uma vez que 9,1% dos escolares apresentam subnutrição avaliada pelo IMC. Este fato pode explicar, em parte, a diferença nos percentuais encontrados entre CTLF (31,7%) e IST (36,2%). O percentual de anemia (12,1%) encontrada nestes escolares da zona rural é menor que os 18,2% encontrados anteriormente por Araújo et al.10, também em escolares da zona rural de três cidades do Vale do Jequitinhonha. No Brasil poucos são os trabalhos realizados com escolares. Em estudo realizado com crianças de 7 a 14 anos em Londrina (PR), encontrou-se 26% de anemia, um percentual bem elevado quando comparado ao presente trabalho.24 Em estudo com escolares no Zanzibar na África, Stoltzfus et al.25 encontraram 65,5% de anemia entre os meninos, sendo a anemia ferropriva classificada pela dosagem de ferritina e protoporfirina responsável para 55,7% dos casos. Neste estudo em Novo Cruzeiro entre os escolares anêmicos 41,5% pode ser considerada como anemia ferropriva. A diferença na discriminação da anemia ferropriva encontrada por Stoltzfus et al.25 em relação à verificada neste estudo pode ser explicada pela fidelidade dos parâmetros utilizados em cada estudo. A ferritina e a protoporfirina são parâmetros afetados na primeira etapa da deficiência de ferro, já a saturação da transferrina é a segunda fase do processo de carência, assim os parâmetros adotados por Stoltzfus et al.25 são mais sensíveis dos que foram adotados neste trabalho. Norton26 estudando crianças entre 7 a 15 anos no município de Rio Acima (MG), encontrou 36,2% de anêmicos, avaliando o nível de hemoglobina pelo método da prevalência estandardizada, onde 20% das crianças apresentavam ferritina bai- xa. No presente estudo, encontrou-se 41,5% dos casos podendo ser diagnosticados como anemia ferropriva. O restante dos casos de anemia pode ser devido a outras causas, tais como: subnutrição protéica, deficiência de cobre, deficiência vitamínica, hemoglobinopatias, entre outras. Vale ressaltar que o diagnóstico diferencial das anemias é complexo, e de acordo com Melo et al.4, para se detectar a anemia ferropriva é importante realizar investigações laboratoriais complementares aos índices hematimétricos. CONCLUSÕES Os dados deste estudo mostram que dos escolares com anemia somente 41,5% são devido a carência de ferro. Além disto, esta população da área rural de Novo Cruzeiro, apresenta uma freqüência significativa de deficiência de ferro, mesmo na ausência de anemia, já que 26,7% ainda não apresentavam “déficit” de hemoglobina. Muitos podem ser os fatores predisponentes da anemia ferropriva e da deficiência de ferro apresentada, requerendo que outros estudos sejam realizados de forma que outros parâmetros relacionados à saúde destes escolares sejam investigados. AGRADECIMENTOS A UFOP, a UFMG, a Fundação Ezequiel Dias, a D.R.S. de Teófilo Otoni, Secretaria Municipal de Saúde de Novo Cruzeiro, Fundação Nacional de Saúde, aos escolares de Novo Cruzeiro e ao profº Marcelo E. da Silva e a todos participantes da coleta de dados. REFERÊNCIAS 1. World Health Organization. Iron deficiency anaemia: assessment prevention and control: a guide for programme managers. Geneva: WHO; 2001. [Cited maio 2008]. Available from: http://www.who.int/nut/publications.htm 2. Tapiero H, Gaté L, Tew KD.,Iron: deficiency and requirements. Biomed Pharmacother. 2001; 55(6):324-32. 3. Administrative Committee on Coordination/ Subcommittee on Nutrition (ACC/SCN) – Controlling iron deficiency. Geneva: ACC/SCN; 1991. Nutrition Policy Discussion Paper n.9. 93. Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S40-S46 45 Deficiência de ferro e anemia em escolares da área rural de Novo Cruzeiro, Minas Gerais 4. Melo MR, Purini MC, Cançado RD, Kooro F, Chiattone CS. Uso de indices hematimétricos no diagóstico diferencial de anemias microcíticas: uma abordagem a ser adotada? Rev Assoc Méd Bras. 2002; 48 (3). [Citado em maio 2008]. Disponível em: http://www.scielo. br/scielo.php? 15. Johns WL, Lewis SM. Primary health screening by haemoglobinometry in a tropical community. Bull WHO. 1989; 67(6):627-33. 5. Szarfarc SC, Lerner BR, Stefanini MLR. Anemia nutricional no Brasil. Cad. Nutr SBAN. 1995; 9:5-24. 17. WHO Working Group. An evaluation of infant growth: the use and interpretation of antropometry in infants. Bull WHO. 1995; 2(7):165-74. 6. Brunken GS, Szarfarc SC. Anemia ferropriva em préescolares: conseqüências, formas de controle e histórico das políticas nacionais de redução da deficiência. Cad. Nutr SBAN. 1999; 17:1-19. 7. Szarfarc SC, Souza SB. Prevalence and risck factors in iron deficiency and anemia. Arch Latinoam Nutr. 1997; 47(2):S35-8. 8. Tsuyuoka R, Bailey JW, Guimarães AMN, Gurgel RQ, Cuevas LE. 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Belo Horizonte, Minas Gerais; Software ESM consultoria; 1997. 14. Fairbanks VF, Klee GG. Aspectos bioquímicos da hematologia. In: Tietz: Fundamentos de química clínica. 4a ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1998. p.681706. 46 Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S40-S46 16. Dallman PR, Siimes MA. Percentile curves for hemoglobin and red cell volume in infancy and chilhood. J Pediatr. 1979; 94:26-31. 18. Rosner B, Prineas R, Loggie J, Daniels SR. Percentiles for body mass index in U.S. children 5 to 17 years of age. J Pediatr. 1998; 132:211-22. 19. Dean AD, et al. Epi Info [coputer program]. Verson 6.04: a word processing database and statistic program for public hearth on microcompputers. Atlanta, Georgia: Centers of Disease Control and Prevention; 1996. 20. Dallman PR. Diagnosis of anemia and iron deficiency: analytic and biological variations of laboratory tests. Am J Clin Nutr. 1984; 39:937-41. 21. 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Estudo da prevalência de anemia na população escolar do município de Rio Acima: Avaliação da etiologia ferropriva [dissertação]. Belo Horizonte: Faculdade de Medicina da UFMG; 1993. ARTIGO ORIGINAL A percepção dos acidentes escolares por educadores do ensino fundamental, Belo Horizonte Perception of accidents in school by elementary level educators, Belo Horizonte Soraia Pinto Sena1; Janete Ricas2; Maria Regina de Almeida Viana3 RESUMO Objetivo: O estudo teve por objetivo geral investigar o acidente escolar do ponto de vista de seus determinantes sociais através da pesquisa das concepções, crenças, sentimentos e atitudes dos educadores relativas aos acidentes na escola, partindo do pressuposto de que as mesmas são essenciais na prevenção e redução de danos e seqüelas ligados aos acidentes, considerando que na escola, eles podem causar o absenteísmo e o insucesso escolar configurando um problema educacional e de saúde pública. Métodos: Foram entrevistados 17 educadores, provenientes de 17 escolas do ensino privado em Belo Horizonte. abordando acidentes de 1ª a 4ª série do ensino fundamental. As falas foram organizadas em grandes temas e categorias, utilizando-se a Análise de Discurso para interpretação do seu sentido. Resultados e Conclusões: São apresentados quatro temas referentes a impressões e sentimentos gerais sobre o acidente; conceitos e crenças relativas ao mesmo; informações e sentimentos relativos à autocompetência para lidar com o acidentado e capacitação formal relatada relativa à prevenção e cuidados com o acidentado. Os educadores revelam estresse e insegurança no trato com o acidente. O discurso sobre o conceito e determinantes do acidente é heterogêneo e polifônico revelando a coexistência da idéia da fatalidade ao lado da previsibilidade do acidente. Os educadores mostram insegurança e sentimentos de incompetência para lidar com os acidentes e capacitação formal ausente ou incipiente para lidar com o mesmo. Demonstram ambigüidade com relação ao seu papel na atenção ao acidentado. 1 Mestre em Ciências da Saúde – Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Minas Gerais Doutora e Professora convidada da Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Minas Gerais 3 Doutora e Professora convidada da Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Minas Gerais 2 Palavras-chave: Acidentes; Saúde Escolar; Criança; Prevenção de Acidentes; Estudantes. ABSTRACT Objective: The study’s main goal was to investigate accidents in school from the perspective of its social determinants through research of the conceptions, beliefs, feelings and attitudes of educators regarding accidents in school, with the assumption that they are essential in prevention and reduction of lesions and damage connected to the accidents, taking into consideration that, in school, they can cause absence and academic failure, which constitutes an educational and public healthcare problem. Methods: Interviews were made with 17 educators from 17 private schools in Belo Horizonte, regarding accidents that occurred between the 1st and 4th grades of elementary school. Their speeches were organized into large themes and categories, using Speech Analysis for interpretation of their meaning. Results and Conclusions: Four themes are presented regarding impressions and general feelings on the accidents; concepts and beliefs on them, information and feelings regarding self-competence to deal with the child that suffered the accident and reported formal training regarding prevention and care. Educators reveal stress and insecurity in dealing with the accident. Their speech on concepts and determinants for the accidents is varied, revealing the coexistence of the idea of fatality as well as predict- Departamento de Pediatria, Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG Endereço para correspondência: Soraia Pinto Sena Av. Bandeirantes, 1613 – Apt° 501 B: Mangabeiras Belo Horizonte - MG – Brasil CEP: 30315-000 Email: [email protected] Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S47-S54 47 A percepção dos acidentes escolares por educadores do ensino fundamental, Belo Horizonte ability of the accident. Educators show insecurity and feelings of incompetence in dealing with accidents and lack of formal training in order to deal with them. They showed ambiguity in relation to their role in caring for the child who suffered an accident. Key words: Accidents; Accident Prevention; School Health; Child; Students. INTRODUÇÃO A inquietude e a imprevisão inerentes à infância tornam a criança susceptível aos riscos e, às vezes, o educador não sabe como lidar com essas adversidades. O ambiente escolar é um lugar propício a acidentes devido ao grande número de crianças que nele se encontra, interagindo e desenvolvendo as mais diversas atividades motoras e esportivas. O tempo que as crianças passam na escola vem gradativamente aumentando com as transformações sociais da família e com a inserção crescente da mulher no mercado de trabalho. Em conseqüência, a segurança no espaço escolar, no que tange ao ambiente físico, social e psicológico, deve ser objeto de constante preocupação de responsáveis, professores e da direção da escola.1 Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS)2 os acidentes figuram entre as primeiras causas de óbito nos países desenvolvidos e em desenvolvimento, representando hoje, ao lado da violência, o primeiro lugar em morbimortalidade de crianças e adolescentes entre 5 e 19 anos de idade. Dos acidentes com crianças em idade escolar 10 a 25% ocorrem na escola ou em seu entorno.3 No Brasil, de 6 a 13% dos acidentes em crianças nesta faixa etária, ocorrem em instituições de ensino.4, 5 Em trabalho realizado no município de Embu, Estado de São Paulo, em mais de 60% dos casos, os educadores consideraram o acidente como fato evitável.6 Até meados da década de 80, o acidente, de forma geral, era definido cientificamente como um evento fortuito, geralmente danoso, independente da vontade, provocado por uma força externa, gerando algum comprometimento físico e/ou mental.7 Este conceito vem evoluindo e hoje o acidente perdeu a conotação de imprevisibilidade tornando-se gradativamente foco de prevenção na área da saúde, sendo considerado um evento previsível e prevenível.7 48 Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S47-S54 Liberal, Aires RT, Aires MT e Osório1 mostram que os acidentes na criança são influenciados por fatores de cada nível da estrutura sócio-ambiental: os fatores intra e interpessoais relacionados às características da criança e suas relações mais próximas; os fatores institucionais relacionados à comunidade, escola e trabalho; e os fatores culturais, relacionados a valores e normas sociais, políticas governamentais e legislação. Dentre os fatores intra-pessoais apontam-se características da criança que poderiam contribuir para a ocorrência do acidente: a) estágio do desenvolvimento motor; 8 b) estágio do desenvolvimento social e cognitivo;4, 9 c) a constituição biológica e estrutura psíquica.10, 11, 12, 13 Com relação ao ambiente social, destaca-se a atuação da família12 e da escola pela intensidade de sua presença na vida da criança, sua importância afetiva e pela relação especial de cuidado e autoridade com a mesma. A influência da escola pode-se refletir na orientação político-pedagógica que se revela diretamente no plano da estrutura e organização do espaço físico, na organização funcional e relação com alunos e famílias. Essa orientação se reflete no comportamento de risco dos alunos, na atitude de identificação e prevenção de situações de risco e no tipo de atendimento ao aluno acidentado. Há evidências de que a supervisão adequada dos cuidadores em relação aos riscos do ambiente, que está ligada a vários fatores do contexto social, tem relação com a diminuição de eventos traumáticos.14 Para se atingir o ideal de uma “escola segura” é importante que se conheça, além das questões dos riscos oferecidos pelo ambiente físico, a forma como o ambiente social imediato lida com a ocorrência do acidente.1 Desta forma, é necessário e essencial o conhecimento da percepção dos educadores do que seja um acidente e de suas responsabilidades frente à prevenção e socorro à criança acidentada. No entanto, o acidente na escola tem sido pouco estudado sob a ótica de seus determinantes psicossociais, sendo notória a escassez na literatura de trabalhos qualitativos abordando em profundidade o tema, no âmbito nacional e internacional. Este artigo aborda as questões do ambiente institucional, a escola, consciente de que a estreita interrelação entre os determinantes dificulta a aborda- A percepção dos acidentes escolares por educadores do ensino fundamental, Belo Horizonte gem isolada de um deles. Foca a orientação político pedagógica da escola, no que se refere ao acidente. Tem como objetivo estudar as concepções, atitudes e sentimentos dos educadores frente ao acidente e sua auto-avaliação de conhecimentos e competência para prevenção e atendimento à criança acidentada. METODOLOGIA Através de metodologia qualitativa, utilizandose entrevista semi-estruturada foram estudados os discursos de educadores de 1ª à 4ª série do ensino fundamental, de escolas privadas da cidade de Belo Horizonte, cuja clientela é constituída de alunos provenientes de classe média e alta da cidade.15 Utilizando-se o critério de escolha propositiva da amostra foram entrevistados educadores e gestores, pelo fato de serem pessoas ativas na determinação da política pedagógica e administrativa da escola e julgados representativos do pensamento e atitudes dos demais. Utilizou-se o critério de saturação para a interrupção das entrevistas. 15,16 A cidade de Belo Horizonte possui aproximadamente 1636 escolas de acordo com o censo de 2006 da Secretaria de Estado da Educação de Minas Gerais sendo que aproximadamente 1188 são privadas.1 Destas, foram contatadas, 22 escolas, localizadas em região economicamente favorecida da cidade com anuência de 17, recusa de uma e ausência de resposta de 4. Após o esclarecimento sobre o estudo e a aprovação da diretoria da escola, os entrevistados assinaram Termo de Consentimento livre e esclarecido, elaborado de acordo com as Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisa em Seres Humanos, aprovadas através da Resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS) de número 196, de 10 de outubro de 1996.17 As entrevistas, foram realizadas,com utilização de um gravador por um dos pesquisadores na própria escola,sob com agendamento prévio. Foi utilizado um roteiro contendo seis questões abertas, abordando relatos e impressões de vivências, opinião sobre acidentes e formas de evitá-lo, informações sobre treinamento em atendimento 1 Informações obtidas pelo SIED (Sistema de Informações Educacionais da SEE-MG) pelo telefone (031) 3379 8445, em 8 jan. 2008. Informação verbal. de acidentes, avaliação de auto-competência e atribuição de responsabilidades sobre o acidente.18 A determinação do sentido das falas foi através da Análise de Discurso, com construção de categorias, que refletiam os objetivos do estudo. Estas foram subdivididas em subcategorias, procurando refletir os aspectos homogêneos e heterogêneos do grupo. Os seguintes princípios da Análise do Discurso foram utilizados para determinação dos sentidos das falas:19, 20, 21 a) condições mediatas e imediatas de produção do discurso. Neste estudo consideramos o uso de gravador, a posição hierárquica ocupada pelo entrevistado na instituição, a realização em dependências da escola escolhida pelo entrevistado; b) os contratos (possibilidades e restrições) explícitos ou não, conscientes ou não, impostos pelo gênero do discurso (neste estudo, a entrevista) e pelo quadro das instituições em que se produz (a Escola, a Universidade); c) a relação assimétrica que se estabelece entre os interlocutores: as representações imaginárias que os interactantes fazem de suas próprias identidades.21 Nesta pesquisa consideramos a relação hierárquica pesquisador/educador, imaginário social sobre pesquisa e pesquisador, universidade e psicologia/psicólogo); d) as intenções (visadas) das falas – o que se quer obter do interlocutor. No caso deste estudo a demanda de informação e o dar informação aparecem, inicialmente e explicitamente, como visadas principais; e) todo discurso é ideológico e o seu sentido não pode ser restrito à história biográfica de quem fala, mas, buscado no interdiscurso, de forma mais ampla e nas formações discursivas que o constituem, o delimitam e o tornam polifônico. Sendo ideológicos, os discursos são históricos e constituem representações de valores que circulam em um dado grupo social. Foram assim, consideradas a situação social e econômica das famílias, público alvo das escolas estudadas, as concepções e crenças sociais gerais sobre acidentes e acidente escolar, as concepções científicas sobre acidentes e acidente escolar, a legislação ou sua ausência (discurso oficial sobre o acidente escolar), as concepções atuais sociais sobre educação e relação família/escola e a história da educação e da relação família/escola no Brasil. Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S47-S54 49 A percepção dos acidentes escolares por educadores do ensino fundamental, Belo Horizonte RESULTADOS E DISCUSSÃO Acidentes como fatalidade/acaso: O conteúdo das falas foi organizado em quatro grandes temas que corresponderam aos objetivos propostos. Os temas 2, 3 e 4 foram subdividido em categorias, enquanto o tema 1 mostra uma impressão geral do grupo sobre os acidentes. Então, o acidente eventualmente acontece... Mas, você tá às vezes com a criança do seu lado, você virou pra cá, acontece alguma coisa. Então, eu acho, assim, que não tem explicação pra isso não, como diz: é fatalidade mesmo... (Entrevista 14). Tema 1 – Impressões gerais sobre o acidente na Escola Acidentes como conseqüência das atividades e características próprias da infância: As impressões apareceram, sobretudo, como resposta à questão “você já vivenciou algum acidente com aluno nesta ou em outra escola? Como foi para você?” Constaram de relatos de reações, opiniões, sensações e atitudes frente aos eventos vivenciados. Os entrevistados, de modo geral, demonstraram dificuldades, expressas sob forma de falha de memória, hesitação, etc., para falar do acidente. Considerando que o mesmo é, de forma geral, um evento marcante, essas características foram atribuídas às condições de produção do discurso: o lugar ocupado pelo entrevistado na Instituição e o lugar social dos parceiros na comunicação pode ter levado o entrevistado à pressuposição de julgamento pelo entrevistador: [...] É difícil essa pergunta [...]. Não, não, dentro da escola não. [...] Dentro da escola, nunca, nunca. Eu particularmente, não. [...] Não. Tem acidente aqui é... Menino quebra dente, essa rotina de todo dia mesmo. Mas, fora disso não tem muita coisa não. [...] É... um bater na testa do outro, né?... Então, eu acho que eu respondi errado pro cê, não? (Entrevista 15). Eu acho que os acidentes acontecem na escola como acontecem em qualquer lugar, porque os meninos são crianças, são agitados, gostam de fazer arte, gostam de subir em determinados lugares que não deveriam. Andam sempre correndo (Entrevista 6). Percebeu-se, entretanto, nos relatos, ausência de previsão, sentimentos de insegurança, susto, medo e estresse: [...] na hora só um susto, né?... Porque já tive assim cabeça cortada, é... Dente que cai, né?... e a gente passa um aperto [...]. (Entrevista 3). [...] Na hora que a coisa acontece mesmo aí... aí a gente enlouquece mesmo! [...] (Entrevista 1). Tema 2 – Conceitos e crenças a respeito do Acidente Escolar Neste tema, as seguintes categorias surgiram da análise: 50 Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S47-S54 Acidentes como conseqüência da supervisão inadequada: Pode acontecer também da professora não estar atenta na hora do recreio [...] Professor, às vezes, deixa um aluno no espaço sozinho e não tem como socorrer a tempo. (Entrevista 16). Acidentes como conseqüência do ambiente físico inadequado para a criança: Tem situações que o ambiente não era adequado prá criança e então o acidente pode acontecer por algum problema físico do ambiente... Uma vez o extintor de incêndio caiu no pé do menino, o parafuso tava um pouco solto, o menino passou, esbarrou, o parafuso caiu... (Entrevista 9). Acidentes como conseqüência do modo de vida/educação da família contemporânea: Hoje o pai e mãe precisam trabalhar fora. Então, eu vejo assim, que algumas crianças, elas são terceirizadas. Os pais delegam para um outro, muitas funções: às vezes em reunião de pais na escola ou quando acontece alguma coisa, briga e a gente chama, sabe?É o motorista que vem... (Entrevista15). A percepção dos acidentes escolares por educadores do ensino fundamental, Belo Horizonte Acidentes como conseqüência da superproteção familiar: Eu acho que os acidentes também acontecem porque as crianças estão muito super-protegidas O tempo todo tem que estar cada vez aumentando mais os cuidados e cada vez menos oferecendo pro menino a possibilidade dele ser responsável pela atitude dele (Entrevista 11). criança passa da passividade e submissão como atitudes promotoras de aprendizagem para a valorização e incentivo à iniciativa e atividade na construção do conhecimento. Tema 3 – Sentimentos relativos à autocompetência para lidar com o acidente Neste tema foram criadas as seguintes categorias: Acidentes determinados por multicausalidade: Sente-se tranqüilo, preparado: Então, eu vejo que são várias causas. Não vou falar que é só culpa do menino, nem só culpa da escola, nem só do professor, mas é um conjunto (Entrevista 9). Observa-se que, no conjunto, as falas dos educadores listam vários determinantes do acidente apontados pela literatura científica que convivem tanto com concepções tradicionais do senso comum, quanto com preocupações contemporâneas como aquelas relativas às mudanças de estruturas familiares, papéis sociais dos pais, relações de poder na família e sua repercussão sobre a educação das crianças. Embora, ainda presente o conceito de acidente como fatalidade, este coexiste com percepções de necessidade de supervisão, mudança na cultura educacional da criança e adequação do ambiente físico. 4, 14 Os entrevistados parecem perceber os riscos decorrentes da fase de desenvolvimento da criança, de acordo com as teorias de desenvolvimento infantil e são conscientes do papel essencial do brincar, da ação e da curiosidade para o seu desenvolvimento. Ressalta-se o conflito subjacente dos educadores entre a percepção da necessidade da criança experimentar e o risco potencial da experiência: Eu acho então que onde tem criança o acidente acontece em razão até da própria vitalidade da criança que é um ser em crescimento, em potencial. Ela faz as coisas porque ela tem que experimentar. Na verdade, ela só vai conhecer depois que ela experimentar, por isto que ela arrisca tanto (Entrevista 12). É possível que este conflito reflita o embate entre antigas e novas teorias educacionais, onde a Preparada, eu acho que a gente nunca se sente plenamente, mas eu me sinto tranqüila, com o mínimo de conhecimentos necessários pra poder atender duma forma correta [...] (Entrevista 9). Sente-se preparado somente para coisas mais simples: Arranhou, machucou, às vezes, essas coisas mais simples, não têm problema nenhum, a gente resolve e tudo. Mas se, Deus que me perdoe, se um dia acontecer uma coisa mais séria eu não me sinto preparada não! (Entrevista 7). Sente-se inseguro: Se for uma coisa mais grave, realmente o que eu vou fazer, é na hora, ligar pros pais, mesmo: aconteceu isso, o que a gente faz? (Entrevista 10). Não se sente preparado, qualificado: Eu acho que a gente não sente preparado, não. Eu não sou médica. Eu acho que eu sou preparada para a minha profissão (Entrevista 3). Não precisa estar preparado porque o atendimento não é feito na escola: Não temos que ter esse atendimento aqui dentro da escola. [...] a gente só comunica com o pai que aconteceu o ocorrido, e o pai é que leva e que toma providência... (Entrevista 6). Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S47-S54 51 A percepção dos acidentes escolares por educadores do ensino fundamental, Belo Horizonte As duas últimas falas sugerem que o atendimento ao acidentado não faria parte das funções da profissão do educador. A discussão sobre os limites da profissão pode ser um foco importante a ser abordado com os educadores. O discurso do grupo relativo à auto-competência é heterogêneo sugerindo atitudes que oscilam entre o auxílio ao aluno, mesmo que improvisado e baseado em experiências do cotidiano, não cientificamente respaldadas, até um não envolvimento com a situação do acidente, por convicção, cautela ou temor. Percebe-se, nos relatos, o estresse vivenciado sob o controle racional e sentimentos de despreparo para lidar com ele. Tema 4 – Capacitação relatada para lidar com a criança acidentada Os educadores relataram, com relação à questão capacitação, desde não ter tido nenhuma capacitação, utilizando a experiência, o senso comum, a leitura até a realização de alguns treinamentos esporádicas ou pontuais: Ter tido algum treinamento em primeiros socorros: Nós temos funcionários aqui que fizeram um cursinho de primeiros socorros, mas, assim, mais básico mesmo; prá atender a esses casos mais simples mesmo. (Entrevista 16). Ter tido palestras e orientações eventuais: Tivemos há muitos anos atrás um profissional da área da medicina que veio aqui prá falar dos primeiros socorros [...] (Entrevista 2). Não ter tido nenhum treinamento: Não... Treinamento assim, se for uma coisa mais séria, aí realmente vai me pegar de surpresa, né?... Eu acho assim que muita coisa que a gente faz por intuição, ou por leitura, ou até mesmo porque eu sou mãe, tá?... (Entrevista 14). 52 Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S47-S54 A seguinte fala mostra a penetração do discurso científico divulgado, mesmo sem treinamento formal, que gradativamente passa a fazer parte do senso comum: Em termos de qualificação eu prefiro usar a regra máxima que é a questão da prudência, assim: “o que eu não sei eu não mexo” e se você mexer na pessoa antes de imobilizar, isso pode dar um dano irreversível, a gente tem que aguardar o resgate (Entrevista 4). É provável que uma das fontes deste conhecimento seja a divulgação na mídia, pelos órgãos responsáveis pelo trânsito, de condutas básicas a serem seguidas, relativas aos acidentes. As informações sobre a capacitação foram acompanhadas de explicitação de demandas de informações e relatos de iniciativas ainda incipientes de treinamento dos educadores: A direção tava tentando fazer contato com o pessoal da Cruz Vermelha, prá ver a possibilidade de um curso. É uma reivindicação dos funcionários (Entrevista 4). Acho que faz mesmo falta a gente ter, pelo menos uma vez por ano, uma pessoa que venha no início do ano prá falar prá toda equipe. Porque não só a supervisora tem que ter o conhecimento, mas o professor, o auxiliar de limpeza que às vezes é o que vai socorrer o menino imediatamente (Entrevista 16). Nos discursos dos entrevistados, os temas treinamento e socorro aparecem fortemente relacionados. Treinamento e prevenção são pouco citados. Em ambas as situações, entretanto, o espaço ocupado pelo treinamento é pequeno. Note-se que as escolas pesquisadas são particulares, estando sujeitas ao controle e cobrança direta dos pais. O pouco preparo das escolas reflete em parte a ausência de uma demanda mais efetiva por segurança, por parte da sociedade, aqui representada pelos pais. Isto pode refletir um pensamento social mais geral que ainda vê o acidente, em larga extensão, como fatalidade. Por outro lado, o discurso dos educadores revela estresse e preocupação em prestar conta à família das ocorrências na escola. Esse fato mostra que a cobrança da família é feita somente após o acidente, provocando junto com o mesmo, alto nível de estresse no educador. A percepção dos acidentes escolares por educadores do ensino fundamental, Belo Horizonte CONCLUSÕES Os principais achados do estudo são: O acidente na escola é fonte importante de estresse para o educador pelo dano à criança e pelos problemas potenciais gerados na relação com a família. Os educadores se sentem de forma geral despreparados, sobretudo para lidar com o evento. Apesar de observar-se nas falas tendências à incorporação do conceito de acidente como previsível e prevenível e de um conhecimento sobre seus determinantes que ultrapassa o senso comum, ações, no sentido de prevenção e redução de danos em caso da ocorrência, ainda são incipientes. A idéia do acidente como fatalidade coexiste com outras explicações relacionadas à inadequação do ambiente físico, características sociais, psíquicas e de desenvolvimento da criança e supervisão inadequada. A demanda incipiente por capacitação em prevenção sugere a predominância de percepção do acidente como fatalidade e, portanto, não previsível e não prevenível. Há dúvida entre os educadores sobre as suas atribuições com relação à criança acidentada, apontando para a necessidade de discussão sobre os limites da profissão no que se refere aos cuidados de saúde da criança, especialmente os acidentes. Pode-se interpretar como limitação do estudo o fato de ter sido realizado em escolas da rede de ensino privado que, neste estudo, atende uma classe social específica, minoritária na nossa sociedade. Entretanto este pode ser um fator positivo considerando-se que o setor privado, na área do ensino fundamental, em função de pressão de mercado e melhores condições financeiras de acesso à informação e a novas tecnologias, poderia, mais facilmente, revelar as tendências à formação de novas representações sociais e comportamentos diferenciados nesse campo de estudo. Recomenda-se que um programa de capacitação dos educadores para prevenção e atenção aos acidentes escolares deve partir da reflexão sobre os limites profissionais, sua experiência e conhecimentos formais e informais já estruturados. Deve buscar a evolução do conceito e das atitudes dos mesmos frente ao acidente escolar, como acontecimento passível de prevenção, abordando as questões relacionadas à criança, ao ambiente físico e social. Os educadores devem também ser preparados para os primeiros socorros, incluindo, desde os procedimentos mais simples de cuidados aos pequenos acidentes ao suporte básico de vida que, em alguns países, já é extensivo a qualquer cidadão. Isto certamente teria conseqüências favoráveis na diminuição e minoração de acidentes na escola, na diminuição do estresse do educador, na melhora na relação família-escola e na preparação da criança para um comportamento seguro também fora da escola. A implantação de uma política pública vinculada ao Ministério da Educação e Cultura e ao Ministério da Saúde que estabeleça a exigência de um treinamento sistemático e formação em estratégias preventivas poderá beneficiar as escolas e os alunos na prevenção dos acidentes. Conforme Pedroso5 não há, ainda, uma legislação específica sobre acidentes escolares no Brasil. Para enfrentar esta situação foi proposta por Santos e Moreira22 (2007) a formação e manutenção de uma Comissão Interna de Prevenção de Acidentes e Violências na Escola (CIPAVE), que pode ser instituída por lei específica, pelo Regimento Escolar ou como função do Conselho Escolar. As normas de funcionamento das CIPAVE seriam adaptadas da legislação referente aos acidentes de trabalho, em particular a regulamentação das CIPA (Comissões Internas de Prevenção de Acidentes). Uma CIPAVE já iniciou suas atividades em 1992 em Porto Alegre e em 2002 em Maceió.6 A CIPAVE buscará, além de diminuir a freqüência de acidentes e violência na escola e seu entorno, difundir os princípios de segurança na escola e na comunidade e promover uma cultura de paz. A perspectiva de implantação da CIPAVE está plenamente de acordo com as conclusões da pesquisa relatada no presente artigo. REFERÊNCIAS 1. 1. Liberal EF,Aires RT,Aires MT, Osório ACA. Escola segura. J Pediatr (Porto Alegre) 2005; 81(5 Supl.): S155-63. 2. World Health Organization – WHO. Geneve: Department of Injuries and Violence Prevention [Citado em 2007 set. 15]. Disponível em URL: http://www.who.int/ research/en/. Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S47-S54 53 A percepção dos acidentes escolares por educadores do ensino fundamental, Belo Horizonte 3. Eichel JS, Goldman, L. Safety makes sense: a program to prevent unintentional injuries in New York City public schools. 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Sessenta crianças alcançaram a segunda remissão. Todas foram submetidas ao tratamento com drogas citostáticas e em nenhuma criança com LLA em segunda remissão foi feito transplante de medula óssea. A probabilidade estimada de sobrevida global em 10 anos para todo o grupo foi de 16,1% (IC 95%: 9,3% - 24,6%). O óbito ocorreu em 77 crianças e a doença em atividade foi a principal causa. Os pacientes foram estratificados em 3 subgrupos: recidiva muito precoce (primeiros 18 meses desde o diagnóstico inicial), recidiva precoce (entre 18 e 30 meses) e recidiva tardia (mais de 30 meses após a data do diagnóstico inicial). A probabilidade estimada de sobrevida livre de eventos em 10 anos para cada um desses grupos foram, respectivamente, 2,2% (IC 95%: 0,2%-10%), 12,5% (IC 95%: 3,1%-28,7%) e 32,5% (IC 95%: 14,6%-51,9%; p< 0001). Conclusões: A duração da primeira remissão foi a única variável estatisticamente significativa que influenciou o prognóstico das crianças com recidiva da LLA. 1 Mestre. Serviço de Hematologia, Hospital das Clínicas, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte, MG, Brasil. 2 Doutor. Professor titular, Departamento de Pediatria, Faculdade de Medicina, UFMG, Belo Horizonte, MG, Brasil. 3 Doutora. Professora adjunta, Departamento de Pediatria, Faculdade de Medicina, UFMG, Belo Horizonte, MG, Brasil. Palavras chave: Leucemia-Linfoma Linfoblástico de Células Precursoras; Quimioterapia; Recidiva; Prognóstico; Mortalidade. ABSTRACT Objectives: To follow up children in first relapse of acute lymphoblastic leukemia (ALL) and to identify prognostic factors for a second relapse or death. Methods: Retrospective analysis of 95 patients with relapse of ALL followed at Hospital das Clínicas, Universidade Federal de Minas Gerais, Brazil, between 1988 and 2005. Results: The age at initial diagnosis varied from 3 months to 15.2 years (median 6 y); 53 were male. Isolated or combined marrow relapse occurred in 81% of cases and isolated extramedullary relapse in 19%. Sixty children reached the second remission. They all were given cytostatic drugs and no ALL children in second remission were transplanted. The estimated probability of overall survival at 10 years from relapse was 16.1% (95% CI: 9.3% - 24%) for all 95 children. 77 children died and most of them were again in relapse. Patients were stratified into 3 subgroups according to time to first relapse: very early (within 18 months from initial diagnosis), early (from 18 to 30 months), and late relapsing children (later than 30 months). The estimated probability of event-free survival at 10 years for these 3 subgroups Serviço de Hematologia – Hospital das Clínicas, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte - MG, Brasil Endereço para correspondência: Marcos Borato Viana Faculdade de Medicina da UFMG, Departamento de Pediatria Av. Alfredo Balena, 190 Belo Horizonte - MG – Brazil CEP: 30130-100 E-mail: [email protected] Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S55-S62 55 Recidiva da leucemia linfoblástica na criança: experiência do Serviço de Hematologia do Hospital das Clínicas da UFMG (1988-2005) were 2.2% (95% CI: 0.2%-10%), 12.5% (95% CI: 3.1%28.7%), and 32.5% (95% CI: 14.6%- 51.9%), respectively (p < 0.0001). Conclusions: The duration of first remission remained the only statistically significant variant to predict the prognosis of relapsed children with ALL. Key words: Precursor Cell Lymphoblastic Leukemia-Lymphoma; Drug Therapy; Recurrence; Prognosis; Mortality. INTRODUÇÃO A leucemia linfoblástica (LLA) é a neoplasia mais comum na infância. Apesar dos altos índices de cura, 20% a 30% das crianças têm sua primeira remissão interrompida com a recaída.1-3 O sítio de recaída pode ser medular - isolada ou combinada com algum sítio fora da medula - ou apenas extramedular, quando ocorre em qualquer órgão ou tecido, como sistema nervoso central (SNC), testículos, olhos, ovário, útero ou outros órgãos. A recidiva pode ser classificada em muito precoce, precoce e tardia, de acordo com a duração da primeira remissão. Não há uma definição padronizada para esses termos e nem todos os trabalhos incluem a categoria intermediária.4 O grupo alemão Acute Lymphoblastic Leukemia Relapse Berlin-Frankfurt-Münster (ALL-REZ BFM), classifica as recaídas em muito precoces quando ocorrem até dezoito meses após a data do primeiro diagnóstico, precoces se ocorrem entre o intervalo de dezoito meses e trinta meses, e tardias quando as recaídas manifestam-se após trinta meses.5 Os principais fatores prognósticos capazes de influenciar a sobrevida das crianças com recidiva são a duração da primeira remissão, o local acometido e a imunofenotipagem da LLA primária. 1,6-8 Vários trabalhos mostraram que a duração da primeira remissão foi a variável mais significativa em influenciar a sobrevida livre de eventos e que as crianças com recidivas tardias tiveram melhor prognóstico do que aquelas com recidivas precoces. 9-16 O sítio de recaída também tem sido considerado uma variável de grande impacto no prognóstico dessas crianças. As crianças com recaída extramedular isolada, principalmente aquelas com envolvimento testicular, tiveram melhor prognóstico.4 As crianças com LLA-T ou com o cromossomo Philadelphia positivo (Ph1+) ou seu equivalente molecular, a fusão gênica bcr-abl, apresentaram evolução desfavorável em diversos estudos.3,6,11-15,17 Já as crianças com translocação t(12; 21) (p13; 56 Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S55-S62 q22) ou seu equivalente molecular, a fusão entre os genes TEL-AML, tiveram uma segunda remissão mais prolongada4 e apresentaram resposta satisfatória ao tratamento com drogas citostáticas.14 Alguns fatores biológicos tais como variantes da interleucina 10 e do receptor do fator de necrose tumoral também seriam capazes de influenciar a resposta terapêutica e a sobrevida livre de eventos das crianças que apresentam recidiva da LLA.5,18 O tratamento das recidivas pode ser feito com quimioterapia combinada, radioterapia e transplante de medula óssea (TMO), seja ele autólogo ou alogênico. Os resultados, em geral, são insatisfatórios. Observa-se que muitas intituições não possuem protocolos padronizados de tratamento e não têm definida a melhor escolha terapêutica.1,2,11,12,19. As crianças com recidiva precoce, em segunda remissão, tratadas com o transplante alogênico de medula óssea apresentam melhor prognóstico do que as tratadas com quimioterapia.20-22 Já as crianças com recaídas tardias ou com recaídas extramedulares isoladas podem ter resultados satisfatórios quando tratadas apenas com essas drogas citostáticas2,23, tornando controverso o papel do TMO nestes casos, exceto para aqueles em que haja outro fator de mau prognóstico associado, tais como as translocações cromossômicas t(9;22) e t(4;11) ou leucemia com imunofenótipo T.20,24 Os objetivos do presente estudo são analisar a evolução das crianças com recidiva da LLA diagnosticadas e tratadas no Serviço de Hematologia do Hospital das Clínicas da UFMG (HC-UFMG) e avaliar a influência de fatores prognósticos para a ocorrência de uma segunda recidiva e para a sobrevida global. CASUÍSTICA E MÉTODO Este estudo clínico e retrospectivo foi realizado com base na revisão dos prontuários. O termo de consentimento livre e esclarecido foi obtido para os pacientes que apresentaram recidiva da doença e que se encontravam vivos e em acompanhamento no HC-UFMG na época da realização da pesquisa. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da UFMG. Foram incluídos no estudo os pacientes portadores de LLA com idade inferior a 16 anos, acompanhados no HC-UFMG, submetidos aos Recidiva da leucemia linfoblástica na criança: experiência do Serviço de Hematologia do Hospital das Clínicas da UFMG (1988-2005) protocolos de tratamento do Grupo Cooperativo Mineiro para Tratamento de Leucemias Agudas (GCMTLA, janeiro de 1988 a fevereiro de 1994)24 e do Grupo Cooperativo Brasileiro para Tratamento de Leucemia Infantil (GBTLI-93, março de 1994 a fevereiro de 2001)25 e que apresentaram recidiva da doença no período de agosto de 1988 até janeiro de 2005. Os protocolos estão descritos nas respectivas referências. Basicamente, ambos os esquemas preconizavam o uso de 4 drogas na fase de indução (vincristina, prednisona, daunorrubincina e l-asparaginase), consolidação da remissão com metotrexato por via endovenosa (500 mg/m2 no GCMTLA e 2g/m2 no GBTLI-93) e 6-mercaptopurina oral, seguidos por reindução com as 4 drogas da indução e, finalmente, manutenção da remissão com 6-mercaptopurina e metotrexate (para o GCMTLA e o grupo de risco padrão no GBTLI-93) ou com rodízio de várias drogas no primeiro ano de manutenção e, a seguir, 6-mercaptopurina e metotrexato até completar 2 anos ou 2 anos e meio de tratamento, para o grupo de alto risco no GBTLI-93. Métodos estatísticos: O método de KaplanMeier26 foi utilizado para estimar as probabilidades de sobrevida global (tempo decorrido da primeira recidiva ao óbito, independente da causa) e de sobrevida livre de um segundo evento (tempo decorrido entre a primeira recidiva e a ocorrência de qualquer um dos seguintes eventos: óbito, ocorrência de segunda recidiva da doença em qualquer sítio, ou segunda neoplasia). O teste de log-rank foi utilizado para comparação entre as curvas de sobrevida. Foi adotado como estatisticamente significativo o valor de p < 0,05. As variáveis cujo nível de significância estatística na análise univariada foi menor ou igual a 0,2 foram incluídas no modelo multivariado inicial, segundo o método de regressão de Cox.27 RESULTADOS De 345 crianças com diagnóstico LLA, 137 crianças apresentaram recidiva da doença. Destas, 95 foram estudadas retrospectivamente, sendo que 48 crianças foram tratadas inicialmente com o protocolo do GCMTLA e 47 com o protocolo do GBTLI-93. As causas das perdas foram: 34 crianças do GCMTLA que não receberam tratamento no HC-UFMG, 2 crianças com idade superior a 16 anos ao diagnóstico inicial e 6 crianças com registro incompleto dos dados nos prontuários. Cinqüenta e seis por cento das crianças eram do sexo masculino (53/95). A idade das crianças, ao diagnóstico inicial da LLA, variou de três meses a 15,2 anos (mediana de seis anos). A contagem de leucócitos ao primeiro diagnóstico variou de 800 leucócitos/mm3 a 586.000 leucócitos/mm3 (mediana de 19.600 leucócitos/mm3). Imunofenotipagem inicial não foi feita em nenhuma criança do GCMTLA. Dentre as 40 crianças do GBTLI-93 com imunofenotipagem, 20 foram classificadas como CD10 positivas, 8 como CD10 negativas e 12 como LLA-T. A imunofenotipagem no momento da recidiva foi feita em apenas 11 das 95 crianças, sendo 6 do GCMTLA e 5 do GBTLI-93. Duas crianças do GBTLI-93 fizeram o exame de imunofenotipagem ao primeiro diagnóstico e à recidiva; os resultados foram coincidentes: LLA de células de linhagem B e LLA-T, respectivamente. A LLA foi diagnosticada, quando da recidiva, pela morfologia das células blásticas na medula óssea, em 89 das 95 crianças estudadas. Nas outras seis crianças a leucemia mielóide aguda (LMA) foi diagnosticada como uma segunda neoplasia. Apenas uma criança teve o diagnóstico da LMA confirmado pelo exame de imunofenotipagem. A recaída medular isolada ou combinada ocorreu em 81% dos casos (77/95) e a recaída extramedular isolada em 19% (18/95). A distribuição dos pacientes de acordo com o sítio de recaída está representada na Tabela 1. Tabela 1 - Distribuição dos 95 pacientes de acordo com o sítio de recaída Sítio de Recaída Número de Casos Medula óssea 64 Medula + SNC 4 Medula + Testículos 6 Medula + SNC + Testículos 2 Medula + nervo óptico D 1 SNC 10 Testículos 7 Câmara anterior olho E 1 Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S55-S62 57 Recidiva da leucemia linfoblástica na criança: experiência do Serviço de Hematologia do Hospital das Clínicas da UFMG (1988-2005) Probabilidade de sobrevida Quanto ao intervalo de tempo para a primeira recaída, em 46 crianças a recidiva foi muito precoce, nos primeiros 18 meses desde o diagnóstico. Ela foi tardia (após 30 meses ou mais desde o diagnóstico) em 25 crianças e nas 24 restantes foi precoce, entre 18 e 30 meses desde o diagnóstico. A distribuição dos pacientes por local de recaída e o tempo decorrido desde o diagnóstico até a recidiva estão representados na Tabela 2. A maioria das crianças (77/95) foi submetida ao esquema tríplice de tratamento de indução da segunda remissão com daunorrubicina, vincristina e prednisona (DOP). Todas as crianças com diagnóstico de LMA foram tratadas inicialmente com o protocolo do Grupo Cooperativo Mineiro para tratamento da LMA. A segunda remissão foi alcançada em 68% (60/88) das crianças com recidiva morfológica da LLA. Do total de 60 crianças submetidas ao tratamento de manutenção, todas com recidiva morfológica de LLA, 35 receberam o protocolo americano 8201 para tratamento das recidivas do Pediatric Oncology Group (POG 8201)28, duas o protocolo do GBTLI-93, quatro o protocolo R11,29 oito o protocolo do Grupo Cooperativo Brasileiro para Tratamento de Leucemia Infantil-99 (GBTLI-99)30 e onze crianças receberam outros esquemas terapêuticos que não pertenciam a nenhum protocolo específico. Nenhuma foi submetida a transplante medular em segunda remissão. Uma criança com recidiva tardia, 34 meses após o diagnóstico inicial, recebeu transplante alogênico de irmão durante terceira remissão, apresentou recidiva subseqüente e faleceu. Dentre as crianças com recidiva extramedular, onze foram submetidas à radioterapia como parte do tratamento da recidiva. A probabilidade estimada de sobrevida global em 10 anos para todas as 95 crianças com recidiva da LLA foi de 16,1% com intervalo de confiança (IC) de 95% entre 9,3% e 24,6% (Figura 1). Tempo (anos) Figura 1 - Curva atuarial da sobrevida global para o grupo de 95 crianças com recidiva de LLA O óbito ocorreu em 81% das crianças (77/95), sendo que 45 (58,4%) haviam apresentado recidiva da doença até 18 meses desde o diagnóstico, 12 (15,6%) haviam apresentado a recidiva da doença após 30 meses do diagnóstico inicial e 20 crianças entre 18 e 30 meses (26%). A doença refratária em atividade (68/77) foi a principal causa do óbito nas crianças com recidiva da LLA. A probabilidade estimada de sobrevida livre de eventos (SLE) para todo o grupo aos 10 anos foi de 12% (IC 95%: 6,3%-9,8%). A SLE em 10 anos foi de 2,2% (IC95%: 0,2%-10,0%) para o grupo com recidiva muito precoce; 12,5% (IC95%:3,1%-28,7%) para recidiva precoce e 32,5% (IC95%: 14,6%-51,9%) para as crianças com recidiva tardia, p < 0,0001 (Figura 2). Não foi encontrada diferença estatística significativa de SLE, ao se compararem os grupos de acordo com o sítio de recaída. A probabilidade de sobrevida livre de eventos em 10 anos foi de 9,6% (IC95%: 4,2%-17,9%) para as 77 crianças que sofreram recidiva medular isolada ou combinada e 22,2% (IC95%: 6,9%-42,9%) para as 18 crianças com recidiva extramedular isolada, p=0,46. Tabela 2 - Distribuição dos pacientes por sítio de recaída e época da recidiva (tempo decorrido desde o diagnóstico até a recidiva) Tempo entre o diagnóstico e a recaída Sítio de recaída 58 ≤ 18meses (Muito precoce) 18-30meses (Precoce) > 30 meses (Tardia) Total Medular isolada ou combinada 64 Extramedular isolada 33 22 22 77 Total 13 2 3 18 Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S55-S62 Probabilidade de sobrevida Probabilidade de sobrevida livre de eventos Recidiva da leucemia linfoblástica na criança: experiência do Serviço de Hematologia do Hospital das Clínicas da UFMG (1988-2005) Tempo (anos) Tempo (anos) Figura 2 - Curva atuarial de sobrevida livre de eventos para as 95 crianças de acordo com a época da recidiva (tempo desde o diagnóstico inicial): Muito precoce, até 18meses; Precoce, entre 18 e 30 meses e Tardia, mais de 30 meses As crianças tratadas inicialmente com os protocolos do GCMTLA e do GBTLI-93 tiveram uma probabilidade de sobrevida livre de eventos em 10 anos de 18,5% (IC95%: 9%-30,6%) e de 3,7% (IC95%: 0,4%-14,4%) respectivamente (p= 0,074) (Figura 3). Figura 3 - Curva atuarial de sobrevida livre de eventos para as 95 crianças tratadas inicialmente com os protocolos do GCMTLA (n=48) e GBTLI-93 (n=47). Observou-se, na análise univariada, que a idade ao diagnóstico inicial influenciou significativamente no prognóstico das recidivas. Todas as crianças com menos de um ano (n = 4) ou com mais de 9 anos (n = 20) sofreram evento. Quando as curvas de sobrevida livre de eventos foram comparadas de acordo com sexo e leucometria inicial, não se encontrou diferença estatística significativa para nenhuma das duas variáveis (Tabela 3). Tabela 3 - : Influência das variáveis na SLE de crianças com recidiva de LLA (análise univariada). Variáveis Idade ao diagnóstico N° casos Eventos SLE% (IC95%) ≤ 1 ano 4 4 0,0 (0-0) 1 – 9 anos 71 57 16,4 (8,6-26,3) ≥ 9anos 20 20 0,0 (0-0) Medular isolada ou combinada 77 67 9,6 (4,2-17,9) Extramedular 18 14 22,2 (6,9-42,9) 46 45 2,2 (0,2-10,0) 18-30 meses 24 21 12,5 (3,1-28,7) ≥ 30 meses 25 15 32,5 (14,6-51,9) p 0,024 Sítio de recaída 0,46 Duração da primeira remissão ≤18 meses < 0,0001 Sexo Masculino 53 45 12,3 (5-23) Feminino 42 36 11,8(4,1-23,9) GCMTLA 48 39 18,5 (9-30,6) GBTLI-93 47 42 3,7 (0,4-14,4) <50.000/mm3 60 49 15,5 (7,4-26,2) >50.000/mm3 33 30 6,5 (1,2-18,8) 35 25 27 19 22,5(10,4-37,4) 14,4 (3,6-32,1) 0,94 Tratamento inicial 0,074 Leucócitos ao diagnóstico inicial 0,14 Quimioterapia de manutenção Esquema POG8201 (St Jude) GBTLI-93/99, R11, outros 0,874 Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S55-S62 59 Recidiva da leucemia linfoblástica na criança: experiência do Serviço de Hematologia do Hospital das Clínicas da UFMG (1988-2005) A análise estatística multivariada demonstrou que apenas a época em que a recidiva ocorreu teve significado estatístico (p < 0,0001). Dos 6 pacientes com LMA secundária, 5 faleceram, incluindo uma criança que foi submetida ao transplante de medula óssea. A sexta criança sobrevive em remissão clínica, após ter sido submetida a dois transplantes de medula óssea – o primeiro autólogo e o segundo, de sangue de cordão de irmã compatível. DISCUSSÃO Em concordância com as observações da literatura, a recidiva da LLA é o principal obstáculo para a obtenção da cura da LLA, pois, com a doença em atividade, o óbito torna-se inevitável.15,31-34 Quanto à distribuição da recidiva, de acordo com a duração da primeira remissão, a recidiva precoce − ocorrida dentro dos primeiros 30 meses desde o diagnóstico inicial − foi a mais freqüente (74%), divergente dos resultados encontrados na literatura que demonstram, ao contrário, um discreto predomínio das recidivas tardias (54%).11,32 Essa discrepância pode ser explicada pela presença de subtipos imunofenotípicos desfavoráveis nas crianças mineiras35 e pela provável não-adesão completa ao protocolo de tratamento por parte de médicos e pacientes. 36 A recidiva medular isolada ou combinada foi a mais freqüente e, dentre os sítios extramedulares, o SNC foi o mais freqüente, corroborando dados da literatura.15,32,37 No presente estudo constatou-se que as crianças com recidivas tardias tiveram melhor prognóstico do que aquelas com recidivas precoces. A duração da primeira remissão foi, de acordo com a análise multivariada, a única variável estatisticamente significativa que teve impacto na sobrevida livre de eventos. Os estudos internacionais corroboram a observação de que essa variável é a mais importante preditora do prognóstico de uma criança com LLA em recidiva.9-16 Os resultados do presente estudo são, em todas as categorias de recidivas classificadas quanto à época em que ocorreram ou conforme o sítio de recaída, inferiores aos obtidos em estudos internacionais contemporâneos. Tanto as taxas de resposta ao tratamento de indução da segunda remissão, quanto as taxas de resposta ao tratamento de consolidação e manutenção foram inferiores às encon60 Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S55-S62 tradas na literatura.11,15,38-41 Este dado sugere que o esquema utilizado na indução de uma segunda remissão (apenas DOP na maioria dos casos) e a indisponibilidade de um protocolo padronizado de tratamento que inclua o TMO influenciaram negativamente nos resultados. Mesmo em países onde o TMO é realizado de maneira mais efetiva, o desafio de tratar as recidivas da LLA ainda persiste. Vários grupos ainda não obtiveram resultados satisfatórios, principalmente nas crianças com recidiva medular muito precoce.16 Como nehuma das crianças com diagnóstico morfológico de LMA fez o exame de imunofenotipagem ao diagnóstico inicial e apenas uma fez este exame na recidiva, não se pode afirmar com segurança que todas essas crianças eram portadoras de LLA ou LMA ao diagnóstico inicial ou à recidiva ou que se tratava de aparecimento de uma neoplasia secundária ao tratamento da LLA, pois tanto o primeiro como o segundo diagnóstico poderiam estar errados. Mesmo considerando-se que a LLA de novo é curável em 70% (dados atuais do Serviço de Hematologia do HC-UFMG, não-publicados) a 80%42 das crianças, permanece o desafio de tratar as recidivas da doença e tentar evitá-las, pois, como demostrado no presente estudo e em outros, 4,15,31,32 a recidiva da doença é o principal impecilho para a cura de uma parcela significativa de pacientes. CONCLUSÕES A duração da primeira remissão foi a única variável estatisticamente significativa capaz de predizer o prognóstico das crianças com recidiva da LLA; A implantação de protocolos intensivos de tratamento das recidivas que incluam o TMO faz-se necessária; Imunofenotipagem, citogenética e biologia molecular devem constituir-se em ferramentas indispensáveis no diagnostico inicial e na recidiva para que se possa ter segurança na abordagem da LLA. REFERÊNCIAS 1. Chessells JM, Veys P, Kempski H, Henley P, Leiper A, Webb D, et al. Long-term follow-up of relapsed childhood acute lymphoblastic leukaemia. Br J Haematol. 2003; 123:396-405. Recidiva da leucemia linfoblástica na criança: experiência do Serviço de Hematologia do Hospital das Clínicas da UFMG (1988-2005) 2. Uderzo C, Conter V, Dini G, Locatelli F, Miniero R, Tamaro P. Treatment of childhood acute lymphoblastic leukemia after the first relapse: curative strategies. Haematologica. 2001; 86:1-7. 14. 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ARTIGO ORIGINAL Tendência da anemia em crianças de creches da regional leste de Belo Horizonte, MG Tendency of the anemia in infants of day care centers of the regional east of Belo Horizonte, MG Mariana Rodrigues de Carvalho1, Thaís de Souza Chaves1, Joel Alves Lamounier2, Daniela da Silva Rocha3, Flávio Diniz Capanema4, Aline Bárbara P. Costa1, Flaviane Alves Toni5, Suellen Fabiane Campos1 RESUMO Objetivos: Verificar a evolução temporal da prevalência de anemia em crianças de 6 a 72 meses de creches de Belo Horizonte. Métodos: Estudo transversal com coleta de dados em dois momentos: 2000 e 2005. Participaram creches pertencentes ou conveniadas à prefeitura de Belo Horizonte. Nas duas etapas o tamanho da amostra foi calculado utilizando prevalência estimada do evento de 30%. A avaliação da anemia foi realizada com coleta de sangue por punção digital e leitura em hemoglobinômetro portátil. Foram consideradas anêmicas as crianças com hemoglobina inferior a 11,0g/ dl. Utilizou-se o programa Epi-Info versão 6.04b na análise estatística. Resultados: Foram avaliadas 754 crianças, 350 em 2000 e 404 em 2005. Os dois grupos mostraram-se semelhantes na distribuição por sexo (49,4% e 48,3% de meninas, respectivamente), média de idade (46 ± 19,47 meses e 45,5 ± 16,3 meses, respectivamente), média dos níveis de hemoglobina (11,7 ± 1,4 g/dL e 11,8 ± 1,3 g/dL, respectivamente) e prevalência de anemia (28,9% e 27,0%, respectivamente). Observou-se também a relação diretamente proporcional entre a concentração de hemoglobina e a idade das crianças. A única variável que apresentou aumento estatisticamente significativo, entre os dois momentos, foi a média de hemoglobina das crianças com idade entre 24 e 48 meses. Conclusão: Nesse estudo observou-se uma tendência à manutenção das taxas de anemia. Porém a prevalência encontrada foi significativamente alta, sinalizando a necessidade, nesse âmbito, de ações que devem considerar tanto a situação socioeconômica, a alimentação oferecida, assim como a oferta de ferro a estas crianças, fatores estes diretamente ligados à ocorrência da anemia. 1 Graduanda em Nutrição pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte, MG, Brasil 2 Doutor em Saúde Pública e Nutrição pela Universidade da Califórnia, Los Angeles e professor titular do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da UFMG, Belo Horizonte, MG, Brasil 3 Mestre em Ciências da Saúde pela Faculdade de Medicina da UFMG e professora do curso de Nutrição do Centro Universitário UNA e do Centro Universitário Metodista Izabela Hendrix, Belo Horizonte, MG, Brasil 4 Doutor em Ciências da Saúde pela Faculdade de Medicina da UFMG, professor da Faculdade da Saúde e Ecologia Humana, Vespasiano, MG, Brasil 5 Graduanda em Nutrição pelo Centro Universitário Metodista Izabela Hendrix, Belo Horizonte, MG, Brasil Palavras-chave: Anemia; Criança; Pré-Escolar; Creches. ABSTRACT Objective summary: It verify the evolution storm of the predominance of anemia in infants of 6 to 72 months of crèches of Belo Horizonte. Methods: I study cross with fact-gathering in two moments: 2000 and 2005. Participated belonging or associated crèches to the city hall of Beautiful Horizon. In the two phases the size of the sample was calculated utilizing predominance estimated of the event of 30%. The evaluation of the anemia was carried out with collection of blood by digital puncture and reading in hemoglobinômetro portable. They were considered anemic the infants with lower hemoglobin to 11,0g/dl. It utilized itself the version Epi-Info program 6.04b in the statistical analysis. Results: They were evaluated 754 infants, 350 in 2000 and 404 in 2005. The two groups showed itself similar in the distribution by sex (49.4% and 48.3% of girls, respectively), medium of age (46 19.47 months and 45.5 16.3 months, respectively), medium of the levels of hemoglobin (11,7 ± 1,4 g/dL and 11,8 ± 1,3 g/dL, respectively) and predominance of anemia (28.9% and 27,0%, respectively). It observed itself also the straightly propor- Endereço para correspondência: Joel A Lamounier Faculdade de Medicina UFMG Av. Alfredo Balena, 190 Belo Horizonte - MG CEP: 30.130-100 Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S63-S69 63 Tendência da anemia em crianças de creches da regional leste de Belo Horizonte, MG tional relation between the concentration of hemoglobin and the age of the infants. To only variable that presented increase estatisticamente significant, between the two moments, was on average of hemoglobin of the infants with age between 24 and 48 months. Conclusion: In that study observed itself a tendency to the maintenance of the rates of anemia. However the predominance found was significantly high, signalling the need, in that scope, of actions that should consider so much the situation socioeconômica, the food offered, as well as the offering of iron to these infants, factors these straightly connected to the occurrence of the anemia. Key words: Anemia; Child; Child, Preschool; Child Day Care Centers. INTRODUÇÃO A deficiência de ferro é uma carência nutricional muito comum e a mais disseminada no mundo.1 Atinge em torno de 2,1 bilhões de pessoas, das quais um terço apresenta evidências clínicas do problema.2 As maiores prevalências são encontradas nos países subdesenvolvidos3, como mostra um estudo realizado na Argentina4 que encontrou incidência de 47% de anemia e uma associação desta com o baixo consumo de ferro. A deficiência de ferro pode causar a anemia, caracterizada pela queda anormal da concentração de hemoglobina no sangue.5 Os principais grupos de risco para o desenvolvimento da anemia ferropriva são as gestantes e as crianças em fase de crescimento. Nas crianças de 6 a 24 meses de idade, faixa etária na qual ocorre o desmame, nota-se a maior suscetibilidade dessa carência. Com o crescimento da criança, há um decréscimo na ocorrência da anemia. No entanto, tal deficiência nutricional não deixa de ser um importante problema em crianças pré-escolares.6 A etiologia da anemia ferropriva se dá através da combinação de vários fatores desencadeantes que causam um desequilíbrio entre as necessidades de ferro do organismo e a quantidade absorvida do mineral. Dentre os fatores de risco, os mais citados são: baixa renda familiar e escolaridade materna, falta de acesso aos serviços de saúde, precariedade nas condições de saneamento e a dieta inadequada em ferro.7-10 Entre os fatores associados à dieta, são relatados baixa ingestão de ferro e de alimentos facilitadores da sua absorção, deficiência de outros nutrientes envolvidos no metabolismo do ferro, como vitamina A e presença de inibidores da sua absorção.11-13 Nas crianças menores, destacam64 Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S63-S69 se como fatores de risco a intensa velocidade de crescimento, o baixo peso ao nascer, o desmame precoce e a alimentação complementar à base de leite de vaca com introdução tardia de alimentos ricos em ferro heme (carnes). 7-14 Há um consenso de que a anemia ferropriva traz prejuízos funcionais ao organismo. Dentre eles, o comprometimento da capacidade de trabalho, o aumento da morbimortalidade fetal e também do risco de baixo peso ao nascer, além de retardo no desenvolvimento psicomotor, dificuldades na aprendizagem cognitiva bem como distúrbios psicológicos e comportamentais, como falta de atenção, fadiga, transtornos na memória e irritabilidade.15-18 Estudos com pré-escolares mostram elevada prevalência de anemia no Brasil onde os valores alcançam 40% em algumas regiões do país.8,19,20 Além disso, estudos de tendência temporal têm demonstrado um aumento significativo na prevalência desse distúrbio nutricional nas últimas décadas.8, 20 Uma vez que não existe levantamento que avalie a prevalência de anemia a nível nacional, toma-se como referência estudos realizados na cidade de São Paulo e no estado do Paraíba, nos quais foi observado um aumento na prevalência de anemia em crianças com idade inferior a 5 anos, sem que houvesse piora significativa em seu indicadores socioeconômicos.8,20 Considerando a escassez de informações sobre a evolução da anemia por deficiência de ferro no município de Belo Horizonte nos últimos anos, assim como a importância dessa enfermidade e suas conseqüências no desenvolvimento de crianças, o presente estudo teve como objetivo verificar a evolução temporal da prevalência de anemia entre os anos de 2000 e 2005 em crianças de 6 a 72 meses incompletos, institucionalizadas em creches da regional leste de Belo Horizonte, MG. MÉTODOS A tendência da evolução da anemia em Belo Horizonte foi delineada com base em um estudo transversal constituído de duas etapas em crianças de 6 meses a 6 anos incompletos. Elegeu-se como local de estudo a Regional Leste da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte (PBH) por razões de operacionalidade e por ser representativa do universo da cidade. Nessa região estão concentrados 11,4% da população total existente. A Tendência da anemia em crianças de creches da regional leste de Belo Horizonte, MG região leste compreende uma área de 26,9 Km2 e limita-se com o município de Sabará e com os Distritos Sanitários Centro-Sul e Nordeste. Conta com 2.646 crianças distribuídas em duas creches próprias pertencentes à prefeitura e outras 24 conveniadas, abrangendo um total de 13,2% das crianças atendidas em creches públicas nesse município.21 A população residente na regional leste apresenta características heterogêneas em relação à condição socioeconômica, sendo constituída tanto por indivíduos em condições precárias de vida como por outros provenientes de famílias com razoável poder aquisitivo. Porém, as crianças atendidas nas referidas creches pertencem às classes socioeconômicas menos favorecidas, informação obtida através de questionário socioeconômico (dados não apresentados). A coleta dos dados foi realizada em dois momentos, nos anos de 2000 e 2005 em crianças regularmente matriculadas em creches conveniadas com a PBH. No ano 2000, para determinação do tamanho da amostra, foi consultado o número total de crianças de 0 a 6 anos incompletos matriculadas nessas creches, num total de 2.179 crianças, segundo relatório da Secretaria Municipal de Saúde da PBH21. Utilizou-se os valores de 30% de prevalência esperada de anêmicos em geral, considerando as estimativas dessa doença em várias regiões do Brasil na época do estudo, margem de erro de 5% e 95% de confiabilidade. Para se chegar ao valor mínimo de 281 crianças como amostra utilizou-se o programa Staltac do Software Epi Info, versão 6.04.22 Preservando-se a aleatoriedade desejada na composição da amostra foram avaliadas, para a realização do estudo, 322 crianças de 2 creches situadas no Bairro Nova Vista. Como critério na escolha das creches foi usada a maior concentração de crianças matriculadas e também a proximidade entre elas. Para calcular a amostra a ser analisada em 2005 utilizou-se o mesmo programa estatístico usado no primeiro momento e o mesmo valor de prevalência esperada de anemia, com precisão de 5% e intervalo de confiança de 95%, alcançando assim o valor de 319 crianças. Para compensar possíveis perdas acrescentou-se 20% a esse valor, atingindo então o total de 382 como número mínimo de crianças a serem avaliadas. As crianças foram selecionadas através da randomização com uso do programa Excel 2003.23 Para determinação do número de crianças a serem analisadas em cada um das 25 creches foi levado em consideração o peso que cada creche representa em relação ao somatório de crianças matriculadas nas mesmas. O tamanho final da amostra foi de 407 crianças. O responsável por cada uma recebeu informações a respeito dos objetivos da pesquisa assim como sobre a realização dos exames. Foi solicitada a assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido, e assumido o compromisso do repasse dos resultados ao fim do estudo conforme preconiza a resolução do Conselho Nacional de Saúde 196, de 10 de outubro de 1996. Os critérios de exclusão do estudo foram apresentar no dia do exame sinais e sintomas de doenças infecciosas ou doenças crônicas; uso de medicamentos contendo ferro; as crianças sabidamente portadoras de outros tipos de anemia e aquelas cujo responsável não consentiu a participação na pesquisa. Nos dois momentos, para avaliação da anemia, foi coletada em microcuvetas descartáveis uma amostra de sangue de cada criança por punção capilar. A concentração de hemoglobina foi medida através de fotômetro portátil (hemoglobinômetro) da marca Hemocue®. Foram consideradas como anêmicas as crianças com hemoglobina inferior a 11,0 g/dL1 e para definição dos graus de anemia foram utilizadas as seguintes categorias: anemia grave (hemoglobina < 7,0 g/dL); anemia moderada (hemoglobina entre 7,0 e 9,0 g/dL) e anemia leve (hemoglobina > 9,0 g/dL e menor que 11,0 g/dL).24 Os dados da prevalência de anemia obtidos nos anos de 2000 e 2005 foram comparados para se estabelecer a tendência da evolução da anemia. Utilizou-se o programa Epi Info, versão 6.04b22 para compilação e análise dos dados. Para análise estatística foram utilizados os testes: de normalidade (Kolmogorov-Smirnov) para verificar o tipo de distribuição da variável hemoglobina, o teste T de Student para a comparação das médias de hemoglobina nos dois momentos, o teste de Mann-Whitney para comparação de medianas, e o Qui-quadrado para comparar as prevalências de anemia encontradas em 2000 e 2005 (intervalo de confiança – 95%). Ambas as etapas do estudo foram aprovadas pelo comitê de ética e Pesquisa da UFMG – COEP sob os números: ETIC 123/00 e 273/04. Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S63-S69 65 Tendência da anemia em crianças de creches da regional leste de Belo Horizonte, MG RESULTADOS e 46% acima de 48 meses (43, 175 e 186 crianças, respectivamente). A média de idade foi de 45,5 ± 16,3 meses. A prevalência de anemia encontrada no segundo momento foi de 27,0 %, com média de hemoglobina de 11,8 ± 1,3 g/dL (Tabela 1) . Observou-se que menos de 1% das crianças apresentou anemia grave. Ao se observar a média de hemoglobina em relação às idades, encontrou-se 10,4 ± 1,4 g/dL em menores de 24 meses, 11,8 ± 1,3 g/dL para crianças entre 24 e 48 meses e 12,2 ± 1,2 g/dL para aquelas acima de 48 meses (Tabela 1). Houve diferença estatisticamente significativa na concentração de hemoglobina nas diferentes faixas etárias(p < 0,001). Em relação aos sexos, obtive-se em ambos média de hemoglobina de 11,8 ± 1,4g/dL, não havendo, portanto, diferença entre eles. As prevalências de anemia global e por faixa etária, assim como os valores de hemoglobina por faixa etária estão na tabela 1. A situação da anemia em 2000 Avaliou-se 350 crianças sendo 49,4% do sexo feminino. Do total de crianças 17,7 % tinha menos de 24 meses, 34% de 24 a 48 meses e 48,3% acima de 48 meses (62, 119 e 169 crianças, respectivamente). A média da idade das crianças foi 46 ± 19,47 meses. A média de hemoglobina foi 11,7 ± 1,4 g/dL (Tabela 1). Valores compatíveis com o quadro de anemia grave (Hb < 7,0 g/dL) foram encontrados em menos de 1% das crianças. A prevalência global de anemia foi de 28,9%. Analisando-se a hemoglobina em relação à faixa etária, encontrou-se valores médios de 10,5 ± 1,3 g/dL para crianças menores que 24 meses, 11,5 ± 1,3 g/dL entre 24 e 48 meses e 12,3 ± 1,2 g/dL para aquelas acima de 48 meses (Tabela 1). Houve diferença estatisticamente significativa entre a concentração de hemoglobina por faixa etária. Levando-se em consideração o sexo, a média de hemoglobina encontrada foi 11,8 ± 1,3 g/dL para o sexo feminino e 11,6 g/dL ± 1,5 para o sexo masculino. Não houve diferença estatisticamente significativa nesse caso (p = 1) (Tabela 1). Comparação dos resultados encontrados nos dois momentos Não houve diferença estatisticamente significativa entre as prevalências de anemia nem entre as médias de hemoglobina nos anos de 2000 e 2005 no conjunto das crianças. Tais resultados mostram uma tendência de manutenção das taxas de anemia. Ao se analisar separadamente as faixas etárias, conclui-se que nos grupos de crianças menores de 24 e maiores de 48 meses não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas nas médias de hemoglobina (p =0,665 e 0,342 respectivamente). Já no grupo formado pelas crianças com idade entre 24 e 48 meses, a média de hemoglobina aumentou significativamente (p=0,040). As prevalências de anemia por faixa etária nos anos de 2000 e 2005 estão representadas no gráfico 1. A situação da anemia em 2005 Constatou-se que 48,3% das 404 crianças eram do sexo feminino. Do total de crianças 10,6 % tinham menos de 24 meses, 43,3% de 24 a 48 meses Tabela 1 - Comparação dos valores médios de hemoglobina em amostra de crianças de creches conveniadas à PBH na regional leste de Belo Horizonte Valores de HB n 2000 n Média ± DP 66 2005 Teste Anova P Média ± DP Global 350 11,7 ± 1,4 404 11,8 ± 1,3 0,98 0,32 < 24 meses 62 10,5 ± 1,3 43 10,4 ± 1,4 0,15 0,70 24 - 48 meses 119 11,5 ± 1,3 175 11,8 ± 1,3 3,79 0,05 > 48 meses 169 12,3 ± 1,2 186 12,2 ± 1,2 0,61 0,43 Masculino 173 11,8 ± 1,3 195 11,8 ± 1,4 0,00 0,97 Feminino 177 11,6 ± 1,5 209 11,8 ± 1,4 2,12 0,14 Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S63-S69 Tendência da anemia em crianças de creches da regional leste de Belo Horizonte, MG 100 90 80 < 24 24 - 48 > 48 Prevalência Global 70 60 50 40 30 20 10 0 2000 2005 Figura 1 - Prevalência de anemia em crianças de creches da regional leste de Belo Horizonte nos anos de 2000 e 2005 Quando os resultados foram avaliados separadamente de acordo com o sexo, não houve diferença estatisticamente significativa entre as médias de hemoglobina nos dois momentos de estudo. DISCUSSÃO As prevalências de anemia encontradas nos dois momentos da análise (28,9% em 2000 e 27,0% em 2005) foram inferiores às obtidas em diversos estudos realizados no Brasil.8,9,20,25,26 No entanto, observou-se prevalência de anemia de 27,0% em crianças de 0 a 59 meses em estudo realizado na cidade de Vitória, ES, valor semelhante ao encontrado no presente estudo.27 Através da categorização da variável idade, observa-se tendência das crianças mais jovens em apresentar concentrações de hemoglobina menores, dados esses compatíveis com os achados em outros estudos.8,20,28 A maior vulnerabilidade desse grupo de crianças poderia ser conseqüência de seqüelas do desmame precoce, da alimentação pouco variada, do consumo de leite fluido que pode provocar microhemorragias no trato gastrointestinal, e maior predisposição a doenças infecciosas e parasitárias.20 A distribuição da anemia segundo o sexo apresentou comportamento homogêneo, conforme achados de outros estudos, nos quais o sexo não foi um fator determinante da anemia.9,25 No entan- to, tais dados diferem dos resultados obtidos em estudo na Paraíba no ano de 1992, no qual a prevalência de anemia em crianças do sexo masculino foi significativamente maior do que em crianças do sexo feminino. Essa diferença necessita de melhores explicações, uma vez que não foi encontrado fatores que expliquem a maior vulnerabilidade do sexo masculino a essa carência nutricional.20 Não houve mudança significativa na prevalência de anemia, bem como nas médias de hemoglobina das crianças avaliadas na regional Leste de Belo Horizonte entre os anos de 2000 e 2005. A tendência de manutenção das taxas de anemia difere dos resultados encontrados em estudos realizados nos estados de São Paulo e da Paraíba que mostram elevação da prevalência de anemia. Aumentos de 25% foram observados am São Paulo entre os anos de 1984/85 e 1995/96, e incremento de 88,5% na Paraíba entre 1981 e 1982.8,20 No primeiro estudo, não foram encontrados fatores determinantes para a ascensão da prevalência de anemia, uma vez que no período estudado houve uma melhora do poder aquisitivo, da escolaridade materna, do saneamento e do acesso aos serviços de saúde e não o contrário, como seria esperado. Porém, pode ter ocorrido uma mudança no padrão alimentar das crianças, contribuindo para o aumento da prevalência de anemia, fator que não foi avaliado de modo preciso.8 No estudo desenvolvido na Paraíba, a hipótese da tendência de auRev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S63-S69 67 Tendência da anemia em crianças de creches da regional leste de Belo Horizonte, MG mento da prevalência de anemia seria a de que a crise política atravessada pelo estado nos 15 anos anteriores ao estudo repercutiu no perfil de saúde da população.20 A alta prevalência de anemia é bastante preocupante, levando-se em consideração que a população estudada é institucionalizada e teria, portanto, acesso garantido a uma alimentação balanceada, além de cuidados gerais com saúde.25 Dentre os fatores que podem ter contribuído para o quadro de anemia estão: provável ausência ou baixo conteúdo de alimentos fontes de ferro no cardápio oferecido pelas creches; presença de agentes inibidores e/ou reduzida presença de agentes facilitadores na dieta, levando a uma baixa absorção do ferro biodisponível.25 Porém o consumo alimentar das crianças não foi contemplado neste trabalho, constituindo-se um limitante do mesmo. Outro aspecto relevante que precisa ser considerado é a baixa condição socioeconômica dessas crianças que impõe condições de vida que as deixam mais susceptíveis a infecções respiratórias, parasitoses intestinais e diarréia, o que pode comprometer fortemente a ingestão, absorção e utilização biológica do ferro.25 Era de se esperar que a prevalência no segundo momento fosse estatisticamente inferior levandose em consideração a determinação do Ministério da Saúde que determina que toda farinha de trigo e milho produzida no Brasil a partir de julho de 2004 deve receber adição de ferro e ácido fólico26. O fato da estabilização do valor de prevalência suscita dois fatos importantes a serem discutidos sobre essa lei. A partir de quando se pode afirmar que todas as farinhas disponíveis no mercado realmente estão fortificadas? Será que os alimentos ricos em farinhas são freqüentemente consumidos pela faixa etária em questão no estudo? Conclui-se que as ações estabelecidas pelo governo para prevenção da anemia ferropriva, em especial o programa de fortificação das farinhas de trigo e milho, podem não ter sido eficazes no que diz respeito à prevenção deste problema. A alta prevalência da anemia ferropriva indica uma situação preocupante e a necessidade da implementação de medidas corretivas a fim de impedir que mais crianças sejam acometidas pelos sinais e sintomas trazidos por essa deficiência. São ainda necessários estudos que possam analisar a real eficácia do programa de fortificação das farinhas 68 Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S63-S69 na prevenção da anemia ferropriva, uma vez que o tempo decorrido entre a entrada em vigor da lei que determina a adição de ferro nas farinhas e a avaliação da prevalência de anemia nas crianças foi pequeno. São necessários, ainda, estudos que avaliem a eficácia de outras formas de combate a essa doença, como a fortificação de outros alimentos e da água. REFERÊNCIAS 1. 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Docente do Centro Universitário Uni-bh 2 Nutricionistas formadas pelo Centro Universitário Uni-BH Doença inflamatória intestinal (DII) é uma doença crônica que tem como suas principais formas: a retocolite ulcerativa (RCU) e a doença de Crohn (DC). Esta doença é caracterizada por edema, ulceração e perda de função intestinal. Tem sido estudado, exaustivamente, se a amamentação pode influenciar o desenvolvimento destas doenças. O leite humano é recomendado como nutriente exclusivo para alimentação de recém-nascidos nos primeiros seis meses de vida, e sugerido sua manutenção, acrescido de alimentos sólidos, até dois anos de idade. É inquestionável seus benefícios nutricionais, imunológicos e psicossociais. O leite humano tem combinação única e específica de elementos tais como proteínas, lipídeos, carboidratos, vitaminas, enzimas, minerais e anticorpos que garantem o desenvolvimento normal dos recém-nascidos. Este estudo fez uma revisão de literatura no que diz respeito a relação entre amamentação e DII, especialmente DC e RCU. Foi realizada uma pesquisa de artigos nacionais e internacionais envolvendo o tema, e os artigos selecionados foram discutidos em nossa revisão. Encontrou-se que a amamentação protege o recém-nascido contra diversas doenças infecciosas, entretanto não há um consenso de que o aleitamento materno seja fator protetor contra as DIIs. Esses achados podem estar relacionados as diferentes metodologias utilizadas nos artigos avaliados. Palavras-chave: Aleitamento Materno; Doença de Crohn; Proctocolite ABSTRACT Endereço para correspondência: Cecy Maria Lima Santos R: Oswaldo Cruz 411/301 B: Nova suíça Belo Horizonte - MG Email: [email protected] 70 The inflammatory bowel disease (IBD) is a chronic disease in which the retocolitis ulcerative and the Crohn’s disease represents its main forms. The disease is characterized by swelling, ulcerations, and loss of function of the intestines. It has been exausted studied if breastfeeding can influence the development of these diseases. The human milk is recommended as the exclusive nutrient source for feeding infants for the first six months of life and it should be continued with the addition of solid foods after six months of age untill the second year of life. It has an unquestionable nutritional, immunological, psychological benefits. Human milk has an unique and specific combination of elements such proteins, lipids, carbohydrates, vitamins, enzymes, mineral and antibodies that guarantees the normal development of the infants. This study tried to review the literature concerning the breastfeeding and the IBD, specially CD and URC. It was realized search for articles involving this subject and the selected articles were discussed in our review. We found that breastfeeding protects the newborn against several infectious diseases, but there is not a consensus that it may be a protective factor to the development the inflamatory bowel disease. This finding may be related to the differents methodologies utilized in the articles evaluated. Key words: Breast Feeding; Crohn Disease; Proctocolitis Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S70-S76 Aleitamento materno e doenças inflamatórias intestinais INTRODUÇÃO A importância do leite humano como protetor contra determinadas doenças é conhecida há muitos anos.1 A Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda o aleitamento materno exclusivo até os seis meses de vida e sua manutenção até os dois anos de idade.2 O leite humano, dentre os seus componentes nutritivos, contém, em sua composição, células, membranas e moléculas que conferem proteção ao recém-nascido3, pois o mesmo se apresenta totalmente livre de microbiota associada. Por isso, é fundamental para a criança que suas superfícies e mucosas sejam colonizadas rapidamente pelos microrganismos, reduzindo de forma significativa os riscos de ocorrências de doenças agudas e crônicas, o que também implicará na futura vida adulta.4Vale lembrar que as portas de entrada de um grande número de infecções são as superfícies mucosas, especialmente do aparelho digestório e respiratório5. A efetividade da ação protetora conferida pelo leite humano é diretamente proporcional ao número e duração das mamadas, possuindo relação direta no que se diz “efeito dose-resposta”. A importância de aleitamento materno é ainda enfatizada pelo fato de ser considerado os dois primeiros meses de vida como o período de maior velocidade de crescimento e vulnerabilidade da criança.5 Não existe leite que possa substituir o leite humano em suas inúmeras vantagens.6 No início do processo de amamentação, o intestino do lactente é invadido e colonizado por uma variedade de microrganismos7, sendo esse o principal determinante da composição da microflora intestinal, existindo ainda outros fatores que interferem na colonização bacteriana, entre eles: o tipo de parto, o genótipo do indivíduo e agentes antimicrobianos (antibióticos).8 Em torno dos dois anos de idade, a microflora intestinal da criança se torna estável, alcançando assim a flora tipo adulto.8 Alguns componentes do colostro e do leite maduro são reconhecidos por serem favoráveis para a implantação de certos grupos bacterianos com grande importância para a saúde da criança, tais como as Bifidobacteria. O leite materno possui ainda, em menor extensão, bactérias como Escherichia coli, Staphilococus e Clostridium4 A mucosa intestinal é uma importante barreira celular e o principal local de interação das substâncias estranhas e microrganismos externos. O intestino é o primeiro órgão imune do corpo humano representado pelo tecido linfóide associado ao intestino (GALT) através da imunidade adquirida ou inata. O GALT é composto por tecidos linfóides agregados (formados pela placa de Peyer e folículos linfóides isolados) e células não agregadas presentes na lâmina própria e regiões intraepiteliais do intestino.9 A introdução do leite de vaca ou alimentação complementar altera a flora fecal, passando a ser constituída de bactérias anaeróbicas facultativas. As espécies predominantes passam a ser Klebsiela, Enterobactérias, Bacteróides e Clostridium, apesar das bifidobactérias fazerem parte, em menor proporção.4 A Doença Inflamatória Intestinal (DII) é uma doença crônica, de etiologia desconhecida, que provavelmente estão envolvidos fatores ambientais, microflora do hospedeiro, predisposição genética e uma resposta imune anormal, ou autoimune na parede intestinal.10 Não existe um agente microbiano específico causador da DII, contudo as evidências sugerem que a doença está ligada ao desequilíbrio entre as bactérias patogênicas e benéficas.8 A DII possui duas formas mais comuns de apresentação: a Retocolite Ulcerativa (RCU) e a Doença de Crohn (DC). A DC se caracteriza por inflamação com maior freqüência na região terminal do íleo, intercalando áreas segmentadas saudáveis do intestino com porções inflamadas; a RCU é limitada ao comprometimento da mucosa do colón, estendendo continuamente, comprometendo parte ou todo o cólon, sempre iniciando pelo reto.10-12 Na DC todas as camadas da mucosa são acometidas, sendo denominada transmural. Já na RCU é um processo inflamatório crônico, restrito às camadas mucosa e submucosa do intestino grosso.10,11 A prevalência das DIIs na infância vem aumentando com o passar dos anos, sendo atribuído a fatores dietéticos e ambientais envolvidos na sua etiologia.13 O leite humano é rico em citocinas que podem interagir com receptores presentes na mucosa do trato gastrointestinal, contribuindo de forma significativa nos mecanismos de defesa. Nos três primeiros meses de lactação, os agentes imunomoduladores (interleucinas, fator de necrose tumoral e prostaglandinas) estão presentes em concentrações elevadas.14 Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S70-S76 71 Aleitamento materno e doenças inflamatórias intestinais METODOLOGIA Para a realização deste trabalho foram pesquisados estudos que associavam o aleitamento materno e doenças inflamatórias intestinais. Foram selecionadas publicações no MEDLINE, PUBMED, LILACS, CAPES e SCIELO, no período anterior a março de 2007. Especificamente, foram utilizados as seguintes palavras-chave: aleitamento materno, doença inflamatória intestinal, doença de Chron, retocolite ulcerativa, e várias combinações entre elas. DESENVOLVIMENTO Em 1984, foi publicada a primeira meta-análise mostrando que aleitamento materno exclusivo até 4-6 mês de vida reduz a mortalidade infantil por doenças infecciosas.15 Em um estudo do tipo casocontrole, demonstraram que quanto maior o período de aleitamento materno exclusivo, menor o risco de morte por diarréia e outras infecções.16 Além disto, tem-se demonstrado que o uso do leite materno, pelos recém nascidos prematuros e de baixo peso, levam a maiores índices de inteligência17 e acuidade visual18. Por muitos anos desconheceu-se o valor nutricional e imunológico do leite materno e o valor do ato de amamentar e suas conseqüências fisiológicas, emocionais e de redução da morbi-mortalidade materna e infantil. Porém, nos dias atuais o aleitamento materno é indicativo de saúde do binômio mãe e filho. Os conhecimentos das últimas duas décadas evidenciam que a ausência de amamentação está relacionado com o aumento da incidência e da gravidade de doenças na infância, dentre as quais podemos citar: a enterocolite necrotizante19, o diabetes20, as atopias21, as pneumonias22 e as doenças inflamatórias intestinais, tais como RCU e DC23,24 . Em trabalho realizado por Whorwell et al25, verificou-se que o aleitamento materno é fator protetor contra RCU, principalmente nas duas primeiras semanas de vida, e que o aleitamento artificial é fator de risco. Os autores ainda concluíram que a presença de episódios de gastroenterite precoce na vida do indivíduo predispõem a DC, independentemente, do tipo de aleitamento. Em seu estudo foram avaliados 57 pacientes com DC e 51 com RCU e comparados a indivíduos sadios (controles). O questionário utilizado continha detalhes 72 Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S70-S76 sobre: o local do nascimento, a ocupação do pai no nascimento da criança, o tipo de aleitamento e sua duração, a ordem de nascimento na família, a história de gastroenterite nos primeiros seis meses de vida e a presença de atopias. Os resultados encontrados mostraram que: ■ no grupo de pacientes com RCU, o número de recém-nascidos amamentados foi significativamente menor do que no grupo controle (p= 0.005). Esta diferença não foi encontrada quando os recém-nascidos eram amamentados por período igual ou superior a duas semanas; ■ no grupo de pacientes com DC, a história de gastroenterite precoce foi fator significativo de risco para DC (p = 0.005); ■ não houve diferença estatisticamente significativa entre os grupos para os outros parâmetros estudados (local de nascimento, classe social, ou ordem de nascimento na família). Os autores justificaram a predisposição da RCU pelo leite de vaca, através de mecanismos de alteração de flora intestinal e resposta imune anormal em relação as enterobactérias. No que diz respeito a predisposição da DC por episódios de gastroenterite nos primeiros seis meses de vida, parece que tal fenômeno estaria relacionado com a cronificação da infecção que no futuro culminaria com o quadro compatível com a DC. Em outro trabalho desenvolvido por Bergstrand & Hellers26, foi estudado o histórico alimentar de 616 indivíduos suecos, no que diz respeito a sua amamentação. Foi encontrado diferença estatisticamente significativa entre o período do aleitamento materno entre o grupo controle (média de 5,76 meses) e o grupo de pacientes com DC (média de 4,59 meses). Isso mostrava que o aleitamento materno poderia ser fator de proteção contra a DC. Através de um estudo multicêntrico que envolveu nove países e 14 centros de referência, investigou-se a etiologia e patogenia da DC e RCU. Este estudo envolveu 499 casos de portadores de DII (que desenvolveram a doença antes dos 20 anos de idade e tinham cerca de 25 anos no momento do estudo) e 499 controles hígidos. Os autores verificaram maior incidência de eczemas nos parentes de primeiro grau de pacientes com DC (p < 0.05), como também maior freqüência e gravidade de quadros respiratórios nos portadores de DII (p<0,001). Ainda foi verificado que pais de Aleitamento materno e doenças inflamatórias intestinais pacientes com RCU apresentaram mais eventos cardiovasculares e gastrointestinais no período de nascimento dos pacientes. Entretanto, este estudo não encontrou diferença estatisticamente significativa no que diz respeito ao aleitamento materno, acréscimo de açúcar ao leite, consumo de cereais, gastroenterite na infância e estresse do dia a dia27. Koletzko et al28, desenvolveram estudo sobre efeito do aleitamento materno sobre a DC. Segundo os autores a DC poderia ser um evento relacionado à exacerbação da resposta imune em indivíduos geneticamente predispostos, mas que conforme alguns autores26, o aleitamento materno parecia ter efeito protetor sobre a DC. Em seu estudo foram entrevistados 107 famílias com indivíduos jovens (< 18 anos) com diagnóstico confirmado de DC por exame histológico, radiológico e endoscópico, incluindo irmãos saudáveis (controles). Foram questionados sobre história da amamentação e presença de diarréias na infância. Também foram obtidos dados em relação ao gênero, idade, nascimento prematuro e idade de início de introdução de alimentos sólidos. Foi utilizado o teste “tstudent” para comparar os valores médios encontrados e um modelo de regressão logística para analisar os potenciais fatores de riscos dentro de famílias com indivíduos afetados e não afetados. Tal análise de potencial fatores de risco mostrou que indivíduos com DC tinham apresentado menores taxas de aleitamento materno (p<0.01), maiores taxas de aleitamento artificial (p<0.02), e maiores taxas de diarréia na infância (p<0.02). Não foram encontradas, em relação aos outros fatores estudados, diferença estatisticamente significativa. E após análise multivariada, foi encontrado somente dois fatores considerados independentes em relação ao risco de desenvolvimento de DC: a falta do aleitamento materno e a presença de gastroenterite durante a infância. Koletzko et al.29, investigou a influência da amamentação e das diarréias na infância como fatores de risco, desta vez, no desenvolvimento da RCU. Foram utilizados os mesmos métodos estatísticos do artigo anterior. Entretanto, neste estudo foram incluídos 108 famílias com indivíduos que apresentavam diagnóstico de RCU em pelo menos uma das crianças da família. Neste estudo a análise multivariada mostrou que as crianças com RCU apresentaram mais episódios diarréicos durante a infância (p=0.03), e o sexo feminino (p=0.01) eram fatores independentes para desenvolvimento futuro da doença. Surpreendentemente, não foi encontrada diferença estatisticamente significativa em relação ao tipo de aleitamento (p=0.19). Ekbom et al.30, examinaram dados hospitalares de 257 adultos com DII comparando-os aos dados de outros 514 indivíduos (controles) nascidos em um Hospital Universitário da Suécia. Os dois grupos foram pareados quanto o dia do nascimento, sexo, e idade materna ou tipo de parto. O estudo mostrou que, no período perinatal, tanto eventos infecciosos como não infecciosos, para mãe e/ou recém-nascidos, aumentavam o risco de DIIs, contradizendo outros achados. Outro dado encontrado neste estudo demonstrou que haviam maiores taxas de DIIs em pacientes de nível sócio-econômico mais baixo. Tal achado poderia ser explicado pelas baixas condições de higiene desta população, fato que pode culminar em maiores taxas de diarréias e outras doenças infecciosas. Corrao et al31, através de estudo do tipo casocontrole, em que se avaliou uma população, de 819 indivíduos (594 RCU e 225 DC), entre 18 e 65 anos de idade, em 10 cidades italianas, associaram a ausência do aleitamento materno com o aumento do risco de DC (odds ratio → OR: 1.9) ou RCU (OR: 1.5). Neste mesmo estudo, os autores encontraram risco aumentado para RCU em ex-tabagistas (OR: 3.0); e risco aumentado para desenvolvimento de DC em tabagistas (OR: 1.7) e usuárias de contraceptivo oral (OR: 3.4). As informações sobre amamentação na infância, incluindo sua duração, foram coletadas dos pacientes, com ajuda de seus pais, quando possível ou quando os indivíduos do estudo não lembravam. Muitos pacientes e pais não se lembravam da duração da amamentação; consideraram então, essa variabilidade de forma dicotômica (amamentação na infância: sim ou não). Assim sendo, este estudo pode mostrar viés, uma vez que o tempo e período do aleitamento materno foi indicado por alguns autores, como importante fator de proteção contra a RCU25 e DC28. Confirmando os achados de Corrao et al.31, Urashima et al.32, publicaram um artigo demonstrando que os recém-nascidos que eram amamentados, no mínimo por quatro meses, apresentaram menor risco de desenvolver DII. Neste estudo foram analisados pacientes japoneses (<15 anos) que desenvolveram DC (578 indivíduos) ou RCU (260 indivíduos) durante a infância. Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S70-S76 73 Aleitamento materno e doenças inflamatórias intestinais Ao comparar o grupo que amamentou por quatro meses com o grupo que recebeu alimentação artificial, este último tinha maiores riscos de desenvolver DIIs na infância. Klement et al.33, com o objetivo de determinar quais fatores ambientais contribuíam para o desenvolvimento de DC ou RCU, fez uma revisão de 17 artigos relacionados com o tema. Verificou que fatores como fumar e usar contraceptivo oral eram determinantes para o desenvolvimento de DII. Nesta análise, encontrou outro fator, o efeito do leite humano no desenvolvimento tardio da DC e RCU. Para este último fator, baseando nos artigos que confirmavam esse efeito protetor da amamentação, foram relatados três motivos, sendo o primeiro as propriedades imunomoduladoras do leite humano, que através da amamentação, oferece proteção contra muitas doenças, tornando plausível a proteção similar em relação a DII. Como segundo motivo, Klement et al.34 relatam que a exposição da criança ao leite materno durante o período de desenvolvimento de seu sistema imune, pode melhorar a tolerância aos antígenos presentes nos alimentos e microflora específica. Tal fato já havia sido relatado por Hanson et al.35, ao afirmar que o aleitamento materno promove o aumento da tolerância imunológica, podendo diminuir o risco de doenças autoimunes futuramente, ou seja, a prática da alimentação infantil sem o uso de leite humano ou exposição precoce de antígenos da dieta está diretamente relacionada com o aumento do risco em desenvolver DII. O terceiro e último motivo era a demonstração de que o uso do leite materno, em ratos com deficiência de interleucina 10 (IL-10), limitava o desenvolvimento de colite nestes animais. Este mesmo achado foi observado por outros dois autores.14,23 Eles demonstraram, em seus trabalhos, que a IL-10 exerce atividade anti-inflamatória e imunomoduladora, estando presente em elevadas concentrações no leite humano nas primeiras 80 horas de lactação. A IL-10 é encontrada na porção lipídica e fase aquosa do leite humano. Estes achados explicaram que a substituição de bactérias patogênicas por bactérias simbióticas (Bifidubacteium e Lactobacillus) na flora intestinal dos ratos é resultado de oligossacarídeos encontrados no leite. Já Baron et al.35, foram os primeiros investigadores que atribuíram o aleitamento materno como fator de risco para DC. Eles analisaram a popula74 Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S70-S76 ção através de estudo caso-controle utilizando pacientes que tinham o diagnóstico para DC e RCU, com menos de 17 anos de diagnóstico de DII. Os controles foram selecionados por uma lista telefônica e pareados para cada caso por idade (em torno de dois anos), sexo e área onde residia (região). O local de realização do trabalho foi uma parte do Norte da França. Entre 282 pacientes, 222 eram acometidos por DC e 60 por RCU. A média de idade da confirmação do diagnóstico foi de 13,5 anos para DC e 14 anos para RCU. No grupo de DC, a maioria eram homens (54%) e no grupo de RCU a maioria eram mulheres (61,6%). Foi reproduzido um questionário com 140 questões relacionadas a seis diferentes áreas: história familiar de DII, período perinatal (doenças durante a gravidez, idade gestacional, altura e peso do recém nascido, infecção e hospitalização durante o primeiro mês de vida), alimentação do bebê, infecções na infância, condições higiênico-sanitárias (água encanada e filtrada, tipo de instalação sanitária) e status sócio-econômico dos pais e crianças. A amamentação, tanto parcial como exclusiva, foi considerada fator de risco para DC. Uma hipótese proposta relaciona-se á infecções tardias que podem conduzir a uma resposta imune inapropriada e com isso ocorrer persistência da inflamação intestinal. Contudo, de acordo com Ministério da Saúde36, a amamentação é conhecida como a promoção da proteção imunológica do recém-nascido. O leite humano, em virtude das suas propriedades antiinfecciosas, protege as crianças contra diferentes infecções desde os primeiros dias de vida. Em maternidades de países em desenvolvimento que passaram a promover o aleitamento materno, a incidência de infecções neonatais foi reduzida. Portanto a hipótese mais plausível seria a contaminação do leite humano, por ser o Norte da França uma área altamente industrializada, com a presença de contaminantes ambientais e substâncias químicas. Alguns autores37,38 já haviam relatado que partículas ultrafinas ou finas são potenciais coadjuvantes dos antígenos, provocando respostas imunes e causando inflamação em indivíduos susceptíveis. Segundo Euclydes7, os contaminantes químicos potencialmente tóxicos, de modo geral, concentram-se na cadeia alimentar e, posteriormente, são armazenados no tecido adiposo. E como, em sua maioria são lipossolúveis, Aleitamento materno e doenças inflamatórias intestinais a possibilidade de contaminação química do leite humano é motivo de grande preocupação. A única forma de eliminar compostos lipossolúveis é através da via biliar ou da glândula mamária, podendo a amamentação favorecer este processo. Em casos raros que se constata esta exposição e os níveis no leite materno forem elevados, a amamentação se torna não recomendada. Com exceção dos contaminantes ambientais que podem interferir na composição do leite materno, Davis39 e Loftus Júnior40, sugeriram os efeitos protetores da amamentação contra o desenvolvimento da DII. O primeiro autor relata o leite humano como provedor de nutrientes e energia para o desenvolvimento e crescimento da criança e diversos fatores que protegem contra infecções. Sua revisão literária examinou a hipótese do aleitamento materno ter um efeito protetor a longo prazo contra doenças crônicas em crianças. Paralelamente, a alimentação artificial ou a ausência de amamentação pode aumentar o risco de doenças crônicas. O segundo autor também realizou uma revisão bibliográfica da epidemiologia da RCU e DC. Embora a prevalência da DII esteja começando a estabilizar em áreas de alta incidência no Sul da Europa, Ásia e muitos países desenvolvidos no mundo. As diferenças na incidência são principalmente pela: idade, tempo, regiões geográficas, sugerindo que fatores ambientais modificam significativamente a expressão da DC e RCU. Os achados a respeito do efeito benéfico da amamentação são derivados de estudos epidemiológicos, e possíveis erros são devidos a problemas metodológicos. A maioria são retrospectivos, e a falta de recordação dos pais acerca da alimentação de seus filhos é uma falha importante. Por isso a variabilidade de resultados encontrada nos estudos analisados. Diversos estudos encontraram a amamentação como proteção contra DC e RCU4,31,32. Outros apenas para uma doença: somente RCU25, somente DC26,28. Em contrapartida, inúmeras pesquisas falharam em concluir resultados estatisticamente significantes ou não encontraram associação.27,29,30 Outro estudo, porém, caracterizou o aleitamento materno como fator de risco para DC e RCU, talvez não em função de sua composição, mas sim em função da contaminação ambiental existente na região estudada.35 CONCLUSÃO Não existe um agente microbiano específico causador da DII, contudo as evidências sugerem que a doença está ligada ao desequilíbrio entre as bactérias patogênicas e benéficas. Apesar de intensas investigações a respeito das causas e patogênese da DII, os resultados dos numerosos estudos ainda não estão bem elucidados. Porém, alguns estudos concluíram que amamentação exerce efeito protetor para as DIIs, mas outros falharam em concluir associações estatisticamente significantes. Outras, entretanto, caracterizaram o aleitamento materno como fator de risco para DC ou RCU. Estas diferenças devem-se aos problemas e viés metodológicos. Portanto, são necessários outros estudos com metodologia adequada para definirmos o verdadeiro papel do aleitamento materno na fisiopatologia das DIIs. REFERÊNCIAS 1. Curry MTF. Aleitamento materno. In: Accioly E, Sauders C, Lacerda EM. Nutrição em Obstetrícia e Pediatria. Rio de Janeiro: Cultura Médica; 2002. cap.15, p.287-313. 2. Saldiva SRDM, Escuder MM, Mondini L, Levy RB,Venancio SI. Práticas alimentares de crianças de 6 a 12 meses e fatores maternos associados. J Pediatr (Rio J). 2007; 83(1): 53-8. 3. Lamounier JÁ,Moulin ZS, Xavier CC. Recomendações quanto à amamentação na vigência de infecção materna. J Pediatr (Rio J). 2004; 80 (5): 181-8. 4. Penna FJ, Nicoli JR. Influência do colostro na colonização bacteriana normal do trato digestivo do recém nascido. J Pediatr (Rio J). 2001; 77(4). [Citado em 17 fev. 2007]. Disponível em http://www.jped.com.br/conteudo/01-77-04-251/port.pdf. 5. Vieira GO, Almeida JAG. 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ARTIGO DE REVISÃO Aleitamento materno e fissura labiopalatal: revisão e atualização Breastfeeding and cleft lip and/or palate: review and update Christiane Marize Garcia Rocha1, Márcia Carvalho Moreira Dias2, Lorena Cristine Braga Pereira3, Maria do Carmo Barros de Melo 4, Joel Alves Lamounier5 RESUMO Os defeitos congênitos identificados como fissuras labiopalatais são comuns entre as malformações que atingem a face do ser humano, ocorrendo com uma prevalência média entre 1 e 2 indivíduos brancos para cada 1000 nascimentos. As crianças portadoras destas malformações possuem comprometimento anatômico facial, que pode impedir ou dificultar a realização de importantes funções, entre elas, o aleitamento materno. O presente artigo propõe uma revisão dos possíveis fatores que interagem na amamentação, bem como das técnicas, dispositivos e posturas especiais que podem auxiliar na realização do aleitamento materno nos pacientes com fissura labiopalatal. Palavras-chave: Aleitamento Materno; Fenda Labial; Fissura Palatina; Alimentação ABSTRACT 1 Mestranda em Ciências da Saúde área de atuação saúde da criança e do adolescente, pela Universidade Federal de Minas Gerais. Pediatra da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, Pediatra do Centro de Reabilitação de Fissuras Labiopalatais e Deformidades Crânio-faciais Baleia/Puc Minas (Centrare). 2 Cirurgiã-Dentista graduada pela Faculdade de Bauru da Universidade de São Paulo. Programa de Aperfeiçoamento Clínico e Teórico da Residência de Odontopediatria do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais, da Universidade de São Paulo. 3 Fonoaudióloga graduada pelo Unicentro Metodista Izabela Hendrix. Especialização em Voz pela Pontifícia Universidade Católica, Especializanda em Fonoaudiologia Empresarial pela FEAD Minas. 4 Professora Adjunto do departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da UFMG. 5 Professor Titular do departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da UFMG. Cleft lip and/ or palate are the most frequently malformations that affect the face of the human being. The prevalence ranges from 1 to 2 per 1000 live births. The children born with this condition, have anatomical defects that impaired or difficult important functions like breastfeeding. The purpose of this work is to makes a review of the possible conditions that relief breastfeeding. Feeding techniques, special positions and devices helpful for these patients are discussed. Key words: Breast Feeding; Cleft Lip; Cleft Palate; Feeding INTRODUÇÃO A fissura labiopalatal é uma malformação congênita resultante da não coalescência dos processos da face durante a sua formação.1 Ocorre nas primeiras semanas de vida intra-uterina, e é um dos mais comuns defeitos congênitos do ser humano. No Brasil, sua incidência oscila em torno de 1 para cada 650 nascimentos.2,3 A prevalência das fissuras labiopalatais pode estar relacionada a algumas variáveis demográficas, como a raça4, o sexo5 e a lateralidade.2 Em comparações entre os grupos étnicos, encontra-se maior prevalência nos asiáticos e índios norte-americanos, seguidos pelos caucasianos, e por último os afro-americanos e árabes.4 As fissuras isoladas de palato ocorrem com maior freqüência no sexo feminino, e as que acometem o lábio, associadas ou não ao palato, são mais prevalentes no masculino.5 Os estudos mostram, ainda, que as fissuras unilaterais são as mais prevalentes, sendo as do lado esquerdo mais comuns.2 Endereço para correspondência: Av. Contorno 2646 sala 904 B: Floresta Belo Horizonte - MG CEP: 30.110-080 E-mail: [email protected] Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S77-S82 77 Aleitamento materno e fissura labiopalatal: revisão e atualização A etiologia da fissura labiopalatal é descrita por vários autores como controversa, pois não existe um fator causal específico já identificado. A teoria mais aceita é a multifatorial, onde interações entre variantes genéticas e ambientais determinam o aparecimento da lesão.1,2 A hereditariedade desempenha papel importante6, com modelos genéticos propostos envolvidos no desenvolvimento craniofacial.4 Nas fissuras não sindrômicas o fator causal determinante ainda é obscuro. Como fatores ambientais, pode-se citar alguns fatores de risco, a maioria deles envolvendo as mães e a gestação, como idade gestacional materna maior ou igual a 35 anos; maior número de abortos e maior número de filhos; o uso de determinados medicamentos durante a gestação, principalmente anticonvulsivantes e benzodiazepínicos.7 Pode-se apontar ainda, como associadas às fissuras, outras substâncias teratogênicas, como o tabaco8,defensivos agrícolas9,solventes orgânicos, uso de hormônios estrogênios, consumo excessivo de álcool, altas doses de vitamina A.10,11 A exposição a irradiações e até variação sazonal figuram como fatores predisponentes ao aparecimento da fissura.6,11 Existe uma diversidade de tipos e amplitudes de fissuras labiopalatinas, relacionadas à época, duração e intensidade de ação dos fatores teratogênicos, sejam eles de natureza genética ou ambiental. Podem ser completas ou incompletas, e a sua extensão direciona a forma e a conduta terapêutica do caso.12 O tratamento envolve uma equipe interdisciplinar para a reabilitação anatômica, estética, funcional e psicológica destes pacientes.2 Uma das prioridades iniciais do tratamento é proporcionar nutrição satisfatória para que o paciente possa crescer e se desenvolver adequadamente.12-17 O aleitamento materno, por sua superioridade nutricional, é fator importante em crianças portadoras desta malformação.12-14,16 Neste artigo foi feito uma revisão sobre aleitamento materno em crianças com lesão de lábio e/ ou palato, com enfoque na sua importância e técnicas mais freqüentemente utilizadas para auxiliar os portadores desta malformação. MATERIAL E MÉTODOS O conteúdo do presente artigo origina-se de pesquisas realizadas nos periódicos CAPES, ME78 Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S77-S82 DLINE e LILACS, Google Shollart no período de 1961 a 2007. O período de tempo analisado foi mais longo que o preconizado, devido a existência de artigos relevantes sobre aleitamento materno e fissura labiopalatal, que não poderiam ser excluídos. As palavras-chave utilizadas foram: aleitamento materno (breastfeeding), fissura de lábio (cleft lip), fissura de palato (cleft palate) e alimentação (nursing). Esta literatura foi pesquisada e selecionada quanto à relevância sobre o assunto. Esta revisão compreende 29 artigos completos, 8 capítulos de livros, uma dissertação de mestrado e uma publicação do Ministério da Saúde. ALEITAMENTO MATERNO E FISSURA LABIOPALATAL O nascimento de uma criança com fissura labiopalatal suscita sentimentos de raiva, culpa, censura, insegurança, tristeza, depressão e ansiedade quanto à saúde do bebê.12,16,18 Após o primeiro impacto, provocado pelo efeito estético das fissuras não cirurgiadas, surge a questão urgente de como alimentar a criança e garantir sua sobrevivência.2,16 As mães devem lutar contra sentimentos ambivalentes15,e ao mesmo tempo receberem orientações claras e seguras de como vencer os obstáculos apresentados.1 Apesar da fissura isolada de lábio apresentar maior comprometimento estético, a fissura de palato é a que mais se relaciona com problemas alimentares, que é logo percebido pela mãe.15,19-24 Alimentar bebês com fissura caracteriza-se por um processo laborioso, demorado, que provoca ansiedade, frustração e nem sempre o volume ingerido é satisfatório.19 Os problemas mais freqüentemente encontrados ao alimentarmos crianças com fissura, principalmente as mais complexas, são ilustrados no organograma19, e mencionado por vários autores.13,22,23,25 (Figura 1) A amamentação natural tem sido objeto de estudo de profissionais de diversas áreas, pelas suas nítidas vantagens, tanto no aspecto nutricional, imunológico, anti-infeccioso, psicológico, entre outras. Ainda promove o bom desenvolvimento da face e melhor desenvolvimento da linguagem.12,15,17,26-29 Para as crianças nascidas com fissura labiopalatal, existem benefícios adicionais quando estas são alimentadas com leite materno. Registros na Aleitamento materno e fissura labiopalatal: revisão e atualização literatura apontam para diminuição das otites de repetição (redução de até 80%), quando o aleitamento se prolonga até o oitavo mês de vida19, a inflamação da mucosa nasal causada pelo refluxo nasal de leite diminui. Além disso, ocorre aumento do vínculo mãe/filho17 e proteção da linha de sutura no pós operatório, pela ação local da lisosima que age como um anti-inflamatório tópico.29 Cada família é única e o aleitamento materno deve ser discutido com o profissional de saúde que acompanha a criança.12,16,30 Se é desejo da mãe amamentar, torna-se necessário o acompanhamento constante, até que se estabeleça a sucção adequada e o ganho de peso seja satisfatório.12,13-15,17 A primeira avaliação a ser feita relaciona-se ao tipo, extensão e amplitude da fissura lábiopalatal, assim como as condições das mamas da nutriz. Dentre as fissuras, a fissura de lábio é a que apresenta maior sucesso no aleitamento materno exclusivo, bem como as fissuras de palato mole posteriores pequenas ou submucosas.12,13,31,32 Nestas crianças, o refluxo nasal não ocorre, ou quando está presente devemos nos ater para a presença de defeito anatômico associado ao palato ou a presença de fissura submucosa.16 Fissuras de lábio mais complexas, como as bilaterais, podem apresentar algum grau de dificuldade no estabelecimento do aleitamento materno, pois a incursão da pré-maxila gera na mãe sentimentos de medo e insegurança além de determinar maior prejuízo do selamento labial, com diminuição da pressão negativa intra-oral.30 A pressão negativa necessária para a sucção é determinada pela integridade do palato. Bebês cujos palatos encontram-se comprometidos, não a desenvolvem de forma satisfatória ou podem até não a conseguir.24,30,33 Somente a pressão positiva, nestes casos, encontra-se preservada, determinada pelos movimentos de compressão linguais e mandibulares contra os rebordos alveolares para expressão das mamas.12,15,24,27,30,34 A amamentação torna-se trabalhosa para o bebê com pouca extração de leite, prolongamento da duração da mamada e fadiga.15,19,22,31 As mães relatam dificuldade de pega, de posicionamento da mama dentro da cavidade oral,12,17 escape do mamilo pela narina, escape nasal de leite e sucção fraca.28,35 Há maior irritabilidade do bebê, o que aumenta a angústia materna, com sensação de inabilidade como cuidadora. Se o ganho ponderal encontra-se prejudicado o sentimento de insucesso aumenta tanto para os familiares como para a equipe de saúde envolvida no acompanhamento, com introdução precoce da mamadeira.15,1,22,33 Vários autores apontam também sobre a condição das mamas interferindo no processo de amamentar como ingurgitação mamária, fissuras, mamas volumosas ou mesmo o tipo de mamilo (planos, invertidos).14,17 Período prolongado de hospitalização foi levantado como determinante potencial para o prejuízo do aleitamento materno.12,16,17 Maior permanência hospitalar é encontrada em crianças portadoras de fissura de palato, seguida da fissura lábio-palatal. Não há preparo ou orientações para as mães em relação ao aleitamento materno durante a internação, privando-as de obter segurança e dar continuidade à amamentação, inclusive na solução de problemas relacionados a ela.25 Algumas mães são orientadas para a ordenha da mama, mas não há orientação de como fazê-lo. A demora no estabelecimento do aleitamento materno diminui o estímulo para a produção de leite, retardando a descida do leite, prejudicando a amamentação e o vínculo mãe/filho.15,37 Apesar das evidências científicas da superioridade do leite materno sobre outros tipos de leite, ainda é reduzido o número de mulheres que amamentam seus filhos de acordo com as recomendações da Organização Mundial de Saúde e do Ministério da Saúde. A recomendação é o aleitamento materno de forma exclusiva até os seis meses de vida, e complementado até 24 meses ou mais.12 Hospitais denominados “amigo da criança” promovem o incentivo desde o nascimento, independente do tipo de fissura, mas ainda sem o suporte e conhecimento necessário por falta de capacitação dos profissionais envolvidos.17 Almeida e Passerotti35 registram o aumento da taxa de aleitamento materno em crianças com fissura, quando as mães são incentivadas e orientadas por profissionais capacitados. A prevalência do aleitamento neste grupo varia entre três a 88 por cento.12,16,17,28,35 A fissura labial apresentou a maior prevalência, variando de 20 a 90% e a maior duração, com tempo médio de 72 a 332,5 dias.12,16,17 O tempo médio de duração do aleitamento registrado na literatura para todos os tipos de fissura é de duas semanas e a introdução precoce de mamadeira ocorre na primeira semana de vida.12,16,17 É importante monitorizar de perto o ganho ponderal da criança. Caso ocorra diminuição do ganho de peso ou outras intercorrências no período neonatal decorrentes da baixa ingestão de leiRev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S77-S82 79 Aleitamento materno e fissura labiopalatal: revisão e atualização te, como hipoglicemia ou hiperbilirrubinemia, que possam comprometer a vida do bebê, orienta-se a ordenha e o oferecimento do leite materno ou fórmula láctea em copos, colheres ou mamadeira, complementando a mamada após a sucção do seio materno.12,13-16, 20,25, 26,30,31 O uso de dispositivos intra-orais foi advogado por alguns autores com o objetivo de estabelecer pressão negativa intra-oral, aumentar a superfície de contato entre o seio materno e a língua, separando a cavidade oral da cavidade nasal, facilitando a saída do leite pela criança.20,26,34-37 O que se constatou foi ausência de desenvolvimento de pressão negativa intra-oral. Quando estes dispositivos são pequenos para a cavidade provocam ulcerações, higienização inadequada, aumento do número de infecções.25,26,35 POSTURA DA MÃE E DO BEBÊ As orientações para o aleitamento devem ser as mesmas dos bebês sem malformações.35 Durante a alimentação recomenda-se que o bebê esteja em postura semi-inclinada, pois quando a amamentação é realizada em decúbito existe uma predisposição à ocorrência de otites, em função da inclinação menos verticalizada da tuba auditiva em crianças.15,19 Também é importante que a postura mãe/filho propicie a respiração nasal, o que auxilia no desenvolvimento da mandíbula, projetandoa anteriormente e determinando um exercício mio- terápico. É indispensável que a mãe encontre uma posição confortável para que ela própria possa controlar a fixação da criança ao seio, interagindo de forma a evitar vícios.38 Observa-se com freqüência dificuldade do bebê na pega da mama. Isso pode acontecer quando a mama não oclui o lado fissurado, ocasionando o escape do mamilo ou de parte da aréola. A pressão intra-oral torna-se menos negativa e a mamada pode provocar cansaço e irritabilidade. Algumas mães optam por posições onde o lado da fissura seja preenchido pela mama,12,14,16, 29 sendo que a melhor posição para a criança sugar o seio seria como se estivesse sentada. Autores recomendam o fechamento da fissura delicadamente com os dedos para garantir melhor posicionamento da mama dentro da boca. Há recomendações de se tentar posições alternativas como posição de “cavalinho”, ou segurar o bebê como “bola de futebol” com as pernas para trás do corpo da mãe. Neste último caso, o bebê é mantido na mesma posição, só ocorrendo o deslocamento no colo para o outro seio. 12,13-16 A observação da pega é importante. Os lábios inferior e superior devem ficar virados para fora, como se estivessem apoiados na mama. O bebê tem que abocanhar o mamilo e a maior parte possível da aréola. Deve-se levar o bebê ao seio, e não o contrário, realizar a alternância das mamas e segurar a mama em “C”, para que não haja a compressão dos ductos. Deve-se retirar o excesso de leite na fase inicial da mamada para proporcionar uma pega fácil.39 Fissura de Palato Escape nasal alimentos Sucção Insufiiente Ingestão Insuficiente Cansaço Irritabilidade Fome Pouco ganho ponderal Ingestão excessiva do ar Vômitos Aspiração durante alimentação Tosse e engasgo Figura 1 - Problemas alimentares e sua inter-relação em crianças com fissura de palato 80 Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S77-S82 Regurgitação nasal Aleitamento materno e fissura labiopalatal: revisão e atualização Nas crianças com fissura de palato associada, quando o aleitamento materno prova não ser suficiente para a nutrição da criança, existe recomendação da ordenha das mamas e o oferecimento do leite utilizando a mamadeira. Outra alternativa seria utilizar, durante a sucção do seio, dispositivos acoplados às mamas, como por exemplo, uma sonda, por onde o leite chega à cavidade oral. Esta técnica facilita a obtenção do leite sem o comprometimento da pega da mama, e mantém o estímulo da sucção, ainda que débil, reforçando o vínculo mãe/filho.13,14,32 CONSIDERAÇÕES FINAIS A equipe multidisciplinar composta por diferentes profissionais tem importante atuação na área do aleitamento materno, com vistas ao acompanhamento das etapas de reabilitação da criança fissurada. O aleitamento materno é direito da criança e deve ser incentivado sempre que possível, mesmo nos casos mais complexos, com monitorização freqüente, o que contribuirá para um crescimento mais saudável e harmonioso. Diante da prevalência das fissuras labiopalatinas, os serviços de saúde deveriam estar mais preparados para orientar e estimular o aleitamento e o acompanhamento destas crianças. REFERÊNCIAS 1. 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ARTIGO DE REVISÃO Associação entre eventos estressantes de vida e dor abdominal recorrente não orgânica – revisão The association between stressful life events and non organic recurrent abdominal pain - review Patrícia Cruz Guimarães Pinto1; Marco Antônio Duarte2 RESUMO A Dor Abdominal Recorrente Não Orgânica (DARNO) é um problema comum nos consultórios de pediatria e gastroenterologia infantil. O objetivo deste estudo é revisar os trabalhos da literatura científica sobre a associação entre DARNO e eventos estressantes de vida considerando os fatores moduladores da percepção dolorosa (competência social, somatizações parentais, enfrentamento). Foram avaliados 22 publicações sendo 9 descritivas, 10 estudos caso-controle, um estudo coorte, um ensaio clínico e um de revisão. A faixa etária estudada estava entre 1 e 19 anos. Os eventos estressantes mais comumente associados à DARNO estavam relacionados com o ambiente familiar. Os resultados a respeito da influência dos fatores sócio-econômicos foram contraditórios. A idade mostrou ter uma associação positiva com a freqüência dos eventos de vida. A capacidade de adaptação da criança e adolescente frente ao estresse é um fator moderador na percepção dolorosa. A presença de eventos estressantes de vida em indivíduos com adequada competência social não esteve associado com aumento dos sintomas de dor. As somatizações parentais estão diretamente relacionadas com aumento destas queixas nos filhos. Baseados nestes resultados, concluímos que a identificação precoce de eventos estressantes de vida e de fatores moduladores da percepção dolorosa em crianças com DARNO associado ao estabelecimento de programas de prevenção e tratamentos são condutas necessárias e essenciais na abordagem clínica destes pacientes. 1 Médica pediatra – Mestre em Ciências da Saúde, Área de Concentração Saúde da Criança e do Adolescente pela Pós-Graduação da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais 2 Professor Adjunto da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais – Doutor em Pediatria Palavras-chave: Dor abdominal; Estresse; Recidiva; Acontecimentos que Mudam a Vida; Criança; Adolescente.. ABSTRACT The Non Organic Recurrent Abdominal Pain (NORAP) is a common problem in pediatric and infant gastroenterology centers. The aim of this study was to review the published literature about the associaton between NORAP and the stressful life events considering moderator factors of pain perception (social competence, parental somatic symptoms, copying). Twenty two articles were evaluated, 9 of the descriptive, 10 case-control studies, one cohort, one review and one randomized clinical trial. The children and adolescents aged from 1 to 19 years. The stressful life events mostly associated to NORAP were related to the family environment. The socio-economic factors showed contradictories results. The age showed a positive influence to the frequency of life events. The capacity of adaptation of a child and adolescent facing stress is a moderator factor in the pain perception. Higher levels of family stressors and parental somatic symptoms predict higher levels of somatic complaints by children. Among children and adolescent with high social competence, higher levels of family stressors were not associated with more somatic complaints. Thus, the results shows that the early identification of the stressful life events and the moderator factors of pain perception in children and adolescents with NORAP and a preventive and curative programs are important to evaluate this patients. Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais – Belo Horizonte Endereço para correspondência: Marco Antônio Duarte R: Padre Rolim, 769 sala 402 B: Santa Efigênia Belo Horizonte - MG CEP: 30.130-090 Email: [email protected] Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S83-S89 83 Associação entre eventos estressantes de vida e dor abdominal recorrente não orgânica – revisão Key words: Abdominal Pain; Stress; Recurrence; Life Change Events; Child; Adolescent. INTRODUÇÃO A percepção dolorosa em crianças foi tema pouco abordado nas pesquisas científicas e o seu conhecimento era baseado no saber adquirido em trabalhos com adultos.1 Nos últimos 20 anos, houve progresso significativo nos conhecimentos sobre a percepção da dor pela criança e nos processos para seu alívio. Foi demonstrado que fetos expostos a procedimentos invasivos e dolorosos têm resposta hormonal encontradas nas situações de estresse.2 Nos últimos 10 anos foi descoberto que os recém-nascidos (RN) prematuros são mais susceptíveis à dor que os RN a termo. A percepção da dor nestes bebês é diferente devido à mielinização das suas fibras sensitivas e à imaturação na cortical dos processos sensoriais, o que torna o estímulo doloroso mais duradouro. Além disso, o limiar de dor é menor provavelmente secundário a falta de proteção das vias inibitórias espinhais e supra-espinhais.3 Investiga-se, atualmente, as conseqüências futuras dos efeitos da estimulação dolorosa e estresse sucessivos em bebês. Anand et al., em estudo experimental, confirmaram a hipótese que a exposição repetitiva à dor neonatal pode causar alterações permanentes ou a longo prazo no SNC, devido ao seu desenvolvimento imaturo e à maior plasticidade cerebral, aumentando sua vulnerabilidade ao estresse e à dor. Relatam que é necessário o melhor entendimento do efeito da exposição repetitiva à dor e ao estresse nestes pacientes para proporcionar à estas crianças adequado desenvolvimento físico e emocional.4 Em ratos, observou-se que a presença de eventos estressantes no início da vida é importante no desenvolvimento de hipersensibilidade visceral na idade adulta.5 Gênero, idade, cognição, experiências prévias de dor, aprendizagem familiar e cultural são algumas das características relativamente estáveis na infância e determinam como o paciente interpreta as várias sensações geradas pelo estímulo nóxio. Interagem com as respostas emocionais e comportamentais ao estímulo doloroso e com o contexto onde é experimentado. A percepção da dor na infância é determinada por todos estes fatores. 6 84 Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S83-S89 O estresse é o conjunto de reações do organismo em reposta a uma exigência e foi definido pela primeira vez por Selye em 1936. Ele descreveu os sintomas decorrentes da resposta ao estresse sob o nome de Síndrome Geral de Adaptação. Esta é composta por 3 fases: alarme, resistência e esgotamento. A fase de esgotamento é decorrente de estímulos estressantes sucessivos ou permanentes levando o organismo à exaustão após tentativas frustadas de adaptação ao estressor.7 O organismo fica predisposto ao surgimento de disfunções inerentes das alterações físicas e psicológicas do estresse. A relação entre alterações na percepção da dor e eventos causadores de estresse baseia-se na hipótese destes fatores induzirem reações fisiológicas e psicológicas que também são provocadas por estímulos nóxios. O estresse emocional pode aumentar ou perpetuar a dor ou reduzir a capacidade individual de enfrentá-la.1 Crianças com dores agudas, recorrentes ou crônicas apresentam mudanças em parâmetros cardiovasculares, respiratórios e de oxigenação, e no fluxo sangüíneo. Há ativação do eixo hipotálamopituitário-adrenal, os hormônios do estresse são produzidos (catecolaminas, corticóides, hormônio do crescimento e glucagon), surgem mudanças no metabolismo de proteínas, lípides e carboidratos, diminuição da resposta imune e manifestações decorrentes da ativação do sistema autônomo,8 exercendo mudanças no funcionamento de vários sistemas inclusive o trato gastrointestinal .9-13 As evidências de que o trato gastrointestinal de crianças com Dor Abdominal Recorrente (DAR) responde diferentemente ao estresse se baseiam principalmente no aumento da contratilidade segmentar intestinal, disfunção do sistema nervoso autônomo, hiperalgesia visceral e alterações no eixo SNC - intestino.10,12,14-16 Porém, a função do estresse na etiologia ou manutenção das síndromes dolorosas continua merecendo a atenção dos pesquisadores.1,17 Muitos eventos têm sido citados como relevantes na relação de estresse e dor na infância como: divórcio entre os pais, morte ou doença grave em familiares, dificuldade financeira, dificuldade escolar e mau relacionamento com colegas. Como algumas crianças que vivenciam estes estressores não desenvolvem dor, parece provável que a maneira como a criança enfrenta estas situações e a dinâmica familiar sejam fatores importantes no aparecimento posterior de sintomas dolorosos.17 Associação entre eventos estressantes de vida e dor abdominal recorrente não orgânica – revisão Sabe-se que a forma como a população infantojuvenil encara as situações adversas pode influenciar a maneira de perceber o estímulo doloroso. Estratégias de enfrentamento proporcionam melhor conhecimento sobre as respostas de adaptação ao estresse e particularmente à dor.18 A atitude de enfrentamento é definida como a ação voluntária para regular as emoções, pensamentos e comportamentos psicofisiológicos em resposta a estímulos estressantes. Inclui 3 categorias. O controle primário é caracterizado por ações diretas sobre o estressor por meio da expressão e modulação das emoções e da apresentação de soluções para o problema. O controle secundário é demonstrado por atitudes de adaptação ao evento como desenvolvimento cognitivo, pensamentos positivos, aceitação e distração. Já o controle terciário é aquele em que o indivíduo, frente ao estresse, reage com atitudes de fuga da realidade e sentimentos de evitação e negação. Estudos avaliando associação entre Dor Abdominal Recorrente Não Orgânica (DARNO) e estresse apresentaram resultados contraditórios.17,19-27 O objetivo deste trabalho é realizar revisão da literatura sobre dor abdominal recorrente não orgânica, sua associação com eventos estressantes de vida e fatores moduladores da percepção dolorosa em crianças e adolescentes. MÉTODO A revisão bibliográfica foi realizada pela análise de trabalhos indexados pelo MEDLINE, via Pubmed (www.nlm.nih.gov), utilizando o termo recurrent abdominal pain. Outros foram pesquisados utilizando os termos recurrent abdominal pain and life events ou recurrent abdominal pain and stress. Usou-se, durante a revisão, limites como idade (all child 0-18 years), idioma (english), tipo de população (human), período (entrez date 1966/01/01 to 2006/12/30). Para a pesquisa latino-americana, a busca foi feita na Bireme (www.bireme.br), Scielo (www.scielo.br) e Jornal de Pediatria (www.jped.com.br). RESULTADOS Na presente revisão são sintetizados os resultados dos principais artigos publicados sobre eventos estressantes de vida em crianças e adolescentes e suas associações com dores recorrentes, principalmente dor abdominal recorrente não orgânica. Eventos estressantes de vida e prevalência de dores recorrentes na infância Em estudo transversal realizado nos países Nórdicos em, aproximadamente, 10.000 indivíduos de 2 a 17 anos, Grøholt et al.28 objetivaram descrever a associação entre dores recorrentes e fatores sócio-econômicos familiares. A dor abdominal e cefaléia foram as queixas mais comuns. Foi demonstrado que os sintomas de dor da criança estavam associados aos dos pais em relação à localização, porém encontraram fraca associação entre baixo padrão sócio-econômico e prevalência de dores recorrentes.Österg et al.13 investigaram a associação entre queixas psicossomáticas em 5390 crianças e adolescentes de 10 a 18 anos e as condições sócio-econômicas das famílias suecas. A dificuldade financeira foi um fator de risco importante para o aparecimento de dor abdominal recorrente, cefaléia e insônia em comparação com a classe social. Filhos de pais solteiros apresentaram maior prevalência para estes sintomas que crianças que viviam com os pais. Petersen et al.29 estudaram escolares com faixa etária entre 6 e 13 anos da cidade de Umeå (Suécia) para investigar a freqüência e a co-ocorrência de dores recorrentes: cefaléia, dor de estômago e dor nas costas. Mil cento e quinze crianças participaram da pesquisa sendo que 64% apresentavam dores recorrentes. As queixas foram mais comuns em escolares mais velhos. Baseados na alta prevalência das dores recorrentes nesta pesquisa, os autores demonstraram a necessidade de se estabelecer programas de prevenção e tratamentos para estas crianças desde os seus primeiros anos, permitindo a melhora na qualidade de vida. Greene et al. 26 investigaram a presença de eventos estressantes de vida em 172 adolescentes com idade entre 11 e 19 anos por meio de questionário padronizado para quantificá-los (McCutcheon’s Life Events Checklist). Os adolescentes foram divididos em seis grupos: 1. Pacientes que foram avaliados para exame de rotina (n= 33). 2. Pacientes com doença aguda leve (n= 24). Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S83-S89 85 Associação entre eventos estressantes de vida e dor abdominal recorrente não orgânica – revisão 3. Pacientes com doença crônica (n= 22). 4. Pacientes com dor aguda abdominal, torácica ou cefaléia de etiologia orgânica (n= 27). 5. Pacientes com dores abdominais, torácicas ou cefaléias recorrentes sem causa orgânica (n= 40). 6. Pacientes com problemas comportamentais (n= 26). Os pacientes do grupo com dores recorrentes sem etiologia orgância apresentaram maior número de eventos estressantes de vida quando comparados aos outros grupos, com exceção, aos adolescentes com problemas comportamentais que mostraram uma freqüência ainda maior de eventos (p < 0,0001). A avaliação de eventos estressantes de vida mostrou-se, neste estudo, útil na diferenciação de pacientes com queixas somáticas recorrentes e a identificação de estressores específicos tornou-se importante na abordagem clínica e no planejamento terapêutico desses pacientes.26 Bakoula et al.30 realizaram estudo em 8130 crianças gregas com 7 anos de idade no período de 1983 a 1990 com o objetivo de determinar a prevalência de dores recorrentes, sua associação com características demográficas e fatores psicossociais. Aproximadamente 7% dos indivíduos apresentavam queixas de dor recorrente no abdome, pernas e cefaléia. Houve forte associação entre estes sintomas e alguns fatores estressantes como: doença crônica no ambiente da criança, mudanças freqüentes de endereço, mau rendimento escolar e dificuldade de relacionamento com outras crianças. Não houve diferença significativa entre dores recorrentes, estrutura familiar e classe sócio-econômica.30 Os autores observaram que há um componente psicossocial entre as crianças com dores recorrentes e reiteraram a importância do conhecimento do ambiente social destes pacientes na entrevista médica. Eventos estressantes de vida e fatores moduladores da percepção dolorosa Coddinghton31, com o objetivo de estudar o significado de eventos de vida em crianças e adolescentes e estabelecer o valor e a ordem de importância destes, aplicou um questionário com vários eventos que foram escolhidos da literatura e pela experiência clínica do autor 86 Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S83-S89 para que professores, pediatras e profissionais da área de saúde mental quantificassem a importância de cada um na vida de crianças em diferentes faixas etárias. Com isso conseguiu estabelecer um método (Life Change Units – L.C.U.s.) importante na medida da capacidade de ajustamento da criança ao estresse psicossocial. Este mesmo autor, em outro trabalho descritivo utilizando o método anterior (L.C.U.s.), estudou 3500 estudantes da raça negra e branca. Solicitou a um membro da família que indicasse quais eventos listados havia ocorrido no ano anterior. Observou que não há diferenças em relação a ocorrência de eventos de vida entre diferentes raças, classes sociais e sexo. Porém, houve um aumento do número de eventos com o avançar da idade. Atribuiu este fato à ampliação do convívio social e, conseqüentemente, à maior possibilidade de ocorrência de eventos de vida sejam estes estressantes ou não.9 A eficácia do tratamento das crises dolorosas de crianças com DARNO com técnicas cognitivo-comportamentais foi avaliada por Duarte et al.32 Trinta e duas crianças de 5,1 a 13,9 anos com DARNO foram incluídas na pesquisa. Os controles receberam orientações gerais sobre cuidados básicos de saúde enquanto os casos se submeteram às intervenções cognitivo-comportamentais. Nestes houve redução de 86,6% na freqüência dos episódios dolorosos, enquanto o grupo controle apresentou redução de apenas 33,3%, após 3 meses de intervenção.32 Thomsen et al.33 estudaram 174 crianças e adolescentes com DAR e seus pais para avaliar sintomas de ansiedade e depressão, queixas somáticas, resposta ao estresse e a capacidade de enfrentamento desta população. O controle primário e o controle secundário estavam associados com diminuição das queixas somáticas, ansiedade e depressão enquanto o controle terciário se relacionou com o aumento destes sintomas. As crianças que utilizavam o controle secundário como forma de enfrentamento também experimentaram menor sensação de dor.18 Logan et al. também estudaram a capacidade funcional de adaptação e as características familiares de crianças com dores recorrentes (DAR e enxaqueca). Observaram que o ambiente familiar e a angústia dos pais são fatores importantes na determinação da maneira como a criança enfrenta a dor.33 Associação entre eventos estressantes de vida e dor abdominal recorrente não orgânica – revisão Associação entre eventos estressantes de vida e DARNO Liebman19, em estudo retrospectivo entre 119 crianças e adolescentes na faixa etária de 3 a 17 anos de uma comunidade urbana, objetivou descobrir fatores que contribuíam com DARNO. O aspecto mais importante foi o fator psicossocial devendo ser explorado com detalhes na entrevista médica. Desavenças maritais, separação ou divórcio ocorreram em 39% dos seus familiares durante o ano do estudo e outros 5% no ano anterior. A ocorrência de episódios dolorosos durante atividades escolares foi verificado em 32% da amostra. Queixas somáticas em familiares próximos foi observado com freqüência.19 Robinson et al.34 pesquisaram a presença de eventos estressantes em 137 crianças com idade média de 9,3 anos. Foram admitidas nesta pesquisa crianças com DARNO que freqüentavam escolas ou que já foram hospitalizadas (casos) e sujeitos saudáveis ou em tratamento odontológico sem DAR (controles). Os autores observaram que os indivíduos com dor abdominal faltaram mais às atividades escolares, mostraram-se mais ansiosos e experimentaram mais eventos estressantes no ano anterior ao aparecimento da dor comparados com os pacientes do grupo controle [tratamento odontológico (p < 0,01) e escolares saudáveis (p < 0,001)]. Concluíram que eventos estressantes de vida constituem importante fator desencadeante de dor abdominal alterando a expressão dos sintomas.34 Walker et al.23, em traballho prospectivo, avaliaram 197 crianças e adolescentes na faixa etária de 6 a 18 anos. Sessenta e oito tinham Dor Abdominal Recorrente Orgânica (DARO), 26 apresentavam síndrome do intestino irritável, dismenorréia e/ou constipação e 103 com diagnóstico de DARNO. Examinaram o papel dos eventos negativos de vida da família e seus fatores moderadores (competência social e sexo dos filhos e somatizações dos pais) nas manifestações somáticas dos pacientes. Demonstraram que níveis de estresse aumentados na família e somatizações parentais levaram à maior freqüência de queixas somáticas pelos filhos. Porém, naquelas crianças com boa adaptação ao social, a presença de eventos estressantes na família não esteve associado ao aumento desses sintomas.23 Trabalhos indianos estabeleceram associação entre eventos estressantes de vida e DARNO. Dutta et al.35 com o objetivo de determinar quais fatores ambientais na escola e na família estavam associados com DARNO, estudaram 50 crianças de 5 a 14 anos com DAR. Destas, 26% apresentavam causa orgânica para a dor. Pacientes com DARNO geralmente queixavam-se de enurese noturna e pertenciam a famílias com alta prevalência de discórdia familiar, síndromes dolorosas, dismenorréia materna, DAR e síndrome do intestino irritável. Na escola, mostraram maior índice de absenteísmo, infração e birras. Não verificaram diferenças entre as crianças indianas e as ocidentais com DAR em relação à instabilidade emocional.35 Três anos após, Buch et al.36 também encontraram aumento da freqüência de eventos estressantes de vida entre crianças e adolescentes com DARNO. Os fatores significativos foram: pais solteiros, fobia escolar, rivalidade entre irmãos, enurese noturna e DAR em familiares.36 Na Malásia foram realizados pesquisas em escolares com idade entre 9 e 15 anos com o objetivo de observar a correlação entre DAR e a presença de eventos estressantes de vida no último ano. Boey et al.37 avaliaram 1462 e 1488 indivíduos da zona rural e urbana, respectivamente, sendo que, a prevalência de DAR variou de 9,6 a 11% considerando os 2 trabalhos. Na zona rural as situações de estresse com relevância estatística, após análise de regressão logística, foram: morte de um membro da família e mudança na ocupação dos pais. Já na cidade, os eventos com significância foram: hospitalização de familiar, hospitalização da criança, mudança na ocupação dos pais e dificuldade escolar. Os autores concluíram que DAR em crianças e adolescentes está associada com eventos estressantes de vida recentes.37,38 Alfvén apresentou premissas e critérios para o diagnóstico de DAR segundo Apley & Naish.39 Observou que é possível estabelecer causa psicossomática para a dor abdominal, em 50 % dos casos, pela análise dos eventos negativos de vida.25 Chitkara et al.40 avaliaram trabalhos realizados nos Estados Unidos e Europa com o objetivo de revisar a prevalência, incidência, história natural e co-morbidades relacionadas às crianças com DARNO em idade escolar. A prevalência variou de 0,3 a 19%. Observaram que DARNO está associada a condições familiares (queixas somáticas, pais solteiros e mães com neuroticismo) e sócio-econômicas (baixa classe sócio-econômica).40 Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S83-S89 87 Associação entre eventos estressantes de vida e dor abdominal recorrente não orgânica – revisão CONCLUSÃO Há progressos significativos nos conhecimentos sobre a percepção dolorosa na infância, sua relação com eventos estressantes de vida e seus fatores moduladores. Os eventos estressantes mais comumente associados à DARNO estavam relacionados com o ambiente familiar. Os resultados a respeito da influência dos fatores sócio-econômicos foram contraditórios. O aumento da idade mostrou ter uma associação positiva com a freqüência dos eventos de vida. A capacidade de adaptação da criança e adolescente frente ao estresse é um fator moderador importante na maneira como a criança e adolescente percebe a dor, pois a presença de eventos estressantes de vida em indivíduos com adequada competência social não esteve associado à maior freqüência dos sintomas dolorosos. As somatizações da dor nos pais estão diretamente relacionadas com aumento destas queixas nos filhos. Baseados nestes resultados, concluímos que a identificação precoce de eventos estressantes de vida e de fatores moduladores da percepção dolorosa em crianças e adolescentes com DARNO, associado ao estabelecimento de programas de prevenção e tratamentos, são condutas necessárias e essenciais na abordagem clínica destes pacientes. Mais estudos controlados sobre este assunto são necessários. REFERÊNCIAS 1. Barr R. Pain experiences in children: developmental and clinical characteristics. In: Wall PD, Melzack R, editors. Textbook of Pain. 3th ed. 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Estudos internacionais indicam que a incidência anual de doença renal crônica terminal (DRCT) nas crianças esteja entre 5 e 15 pacientes por milhão de população infantil e a sua prevalência entre 22 e 62 pacientes por milhão de população infantil. Apesar de a DRC ser menos freqüente na infância, este grupo representa um desafio, por apresentar manifestações da doença durante as fases de crescimento, desenvolvimento neurológico e psicossocial. Desta forma, a abordagem da DRC na infância exige a participação de uma equipe interdisciplinar. Neste contexto, o objetivo desta artigo é revisar conceitos básicos da DRC na infância (definições, aspectos epidemiológicos, etiologia) e discutir a abordagem pré-diálitica desses pacientes. Palavras-chave: Taxa de Filtração Glomerular; Falência Renal Crônica; Insuficiência Renal Crônica Terapia de Substituição Renal; Equipe de Assistência ao Paciente. ABSTRACT Chronic kidney disease (CKD) is a clinical syndrome due to a progressive renal damage of varied etiologies. International studies indicate that the annual incidency of end stage renal disease (ESRD) in children is between 5 to 15 patients per million of children and its prevalence is between 22 to 62 per million of children. Despite the lower frenquency of DRC in childhood, this group represents a challenge due to the occurrence of disease manisfestations during stages of growth, neurological and psicosocial development. Therefore, the approach of CKD in childhood requires the participation of an interdisciplinary team. In this context, the aim of this article is to revise basic concepts of CKD in childhood (definitions, epidemiological aspects, etiology) and to discuss the pre-dialitic management of these patients. Key words: Glomerular Filtration Rate; Kidney Failure, Chronic; Renal Insufficiency, Chronic; Renal Replacement Therapy; Patient Care Team. INTRODUÇÃO Hospital das Clínicas, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Belo Horizonte, MG, Brasil Endereço para correspondência: Eduardo A. Oliveira R: Engenheiro Amaro Lanari 389 / 501 Belo Horizonte - MG CEP: 30.310-580 E-mail: [email protected] 90 A doença renal crônica (DRC) é uma síndrome clínica decorrente da lesão renal progressiva, de etiologia diversificada. Independente da natureza inicial do insulto, uma vez que a doença chegue a causar determinado grau de lesão renal, acometendo uma proporção superior a 50% dos néfrons, a deterioração funcional do órgão é inevitável, mesmo se retirado o fator agressor inicial.1 Os estudos internacionais permitem supor que a incidência anual de doença renal crônica Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S90-S97 Doença renal crônica em pediatria - Programa Interdisciplinar de Abordagem Pré-dialítica terminal (DRCT) nas crianças esteja entre 5 e 15 pacientes por milhão de população infantil e a sua prevalência entre 22 e 62 pacientes por milhão de população infantil.2-6 Apesar de a população pediátrica representar um menor número de pacientes com DRC em relação à população adulta, este grupo representa um desafio, por apresentar, além daquelas complicações comuns aos adultos, características únicas, decorrentes das manifestações da doença em seres em crescimento e em desenvolvimento neurológico, emocional e de sua inserção social.. Além disso, a taxa de mortalidade em crianças portadoras de DRC em tratamento dialítico é 30 a 150% maior do que a da população pediátrica geral e a expectativa de vida para uma criança de zero a quatorze anos em diálise é de somente 20 anos.7 O diagnóstico precoce e a apropriada abordagem terapêutica tornam-se, pois, essenciais e para tal, o conhecimento da epidemiologia da DRC e de suas manifestações clínicas é importante para que se atinja a população em risco e se efetue as prevenções primária e secundária. Vários aspectos da abordagem da DRC, em todas as faixas etárias, necessitam ser aprimorados. Os pacientes com DRCT vivenciam uma significativa morbidade. Nos Estados Unidos, a média de dias de internação é de 10 dias por ano entre os adultos. Os pacientes são diagnosticados e encaminhados tardiamente, implicando em ausência de acesso vascular, variados distúrbios metabólicos e complicações cardiovasculares no momento do início da diálise.8 Apesar da melhor qualidade do tratamento dialítico, as taxas de mortalidade são elevadas. Os pacientes em diálise apresentam uma expectativa de vida 16% a 35% menor do que a população em geral, pareada por idade e sexo.9 Esses inaceitáveis índices de morbimortalidade têm preocupado especialistas em todo o mundo. Dessa maneira, há ainda uma complexa gama de fatores que necessitam ser analisados para se propor uma melhor abordagem para os pacientes com DRCT. Entre esses múltiplos fatores, incluêm-se a adequação da diálise e o incremento do transplante renal. Todos esses fatores têm sido intensivamente estudados nos últimos anos, resultando em uma melhoria significativa na qualidade do tratamento e na sobrevida dos pacientes. Entretanto, entre os fatores que necessitam de melhor abordagem em todo o mundo, destacam- se a qualidade e a sistematização do tratamento da doença renal crônica antes da necessidade da terapêutica de substituição da função renal.9 Na fase pré-diálise, as principais medidas devem incluir a intervenção nos fatores que deterioram a função renal, a adequada abordagem da nutrição, da anemia, dos distúrbios metabólicos e ácido-básicos, programas educacionais e de suporte para familiares e pacientes, a garantia de um adequado acesso vascular, e a indicação da terapia de substituição da função renal em um tempo “ótimo”. Dados os potenciais benefícios dos cuidados na pré-diálise, é recomendado que o paciente seja encaminhado a uma equipe especializada, de caráter interdisciplinar, de forma precoce, bem antes da necessidade do tratamento dialítico. Em um estudo americano, que analisou 109.321 que iniciaram diálise entre 1995 e 1998, somente 50% dos pacientes receberam cuidado nefrológico especializado nos 24 meses que antecederam ao início da terapêutica renal substitutiva.10 O atraso no encaminhamento resulta freqüentemente em diálise de emergência, levando a hospitalização mais prolongada no início do processo, associada ao aumento da morbidade e mortalidade. A referência tardia ainda impede uma série de medidas tais como a escolha adequada do método de tratamento de substituição da função renal, a preparação e o suporte psicológico para pacientes e familiares e leva a um início de diálise traumático, sem acesso vascular adequado, com todas as suas conseqüências. Assim, a constituição de equipes interdisciplinares especializadas na abordagem da DRC é um processo desejável que, associado à conscientização da equipe de cuidados primários para um encaminhamento precoce, pode contribuir para melhorar a qualidade de vida e a sobrevida dos pacientes com essa alteração crônica.11,12 DEFINIÇÕES Em 2002, numa tentativa de padronização da nomeclatura, foi divulgada a classificação da DRC proposta pela National Kidney Foundation’s Kidney Disease Outcomes Quality Initiative (NKF/DOQI).13 Essa classificação representou um avanço indiscutível, por uniformizar a nomeclatura e definir os estágios da disfunção renal, de acordo com a queda do Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S90-S97 91 Doença renal crônica em pediatria - Programa Interdisciplinar de Abordagem Pré-dialítica ritmo de filtração glomerular (Tabela 1). A doença renal crônica é atualmente definida pela presença de lesão renal por um período maior de 3 meses, caracterizada por anormalidades estruturais ou funcionais do rim, com ou sem alterações do ritmo de filtração glomerular ou por um ritmo de filtração glomerular menor de 60ml/min/1.73m/m² que persista por mais de 3 meses, independentemente de lesão renal. Ela pode ser classificada em estágios de I a V, de acordo com a severidade da queda da função renal, correspodendo o estágio V à falência renal. estágios não seriam mais bem caracterizados pelas anormalidades associadas, como a presença de proteinúria, hematúria ou de anormalidades estruturais e não, pelo RFG. Em segundo lugar, esta caracterização dos estágios só corresponde aos níveis de RFG esperados na criança com idade superior a dois anos, considerando-se o processo de maturação renal (vide Tabela 2).14 Tabela 2 - NKF/2002- RFG esperado para crianças e adultos jovens Idade Tabela 1 - Estágios de doença renal crônica Segundo as recomendações da Fundação Nacional do Rim (National Kidney Foundation- Kidney Disease Outcomes Quality Initiative, NKF-K/DOQI) ³¹ Estágio Descrição RFG ml/min/1.73m² 1 Lesão renal com RFG normal ou ↑ >90 2 Lesão renal com ↓ leve do RFG 60-90 3 Diminuição moderada do RFG 30-59 4 Diminuição acentuada do RFG 15-29 5 Falência renal <15 ou diálise Legenda: RFG -ritmo de filtração glomerular A lesão renal é definida como anormalidade funcional ou estrutural do rim, sendo diagnosticado através de alterações na composição do sangue ou da urina ou nos exames de imagem. Ou seja, a DRC foi caracterizada pela presença de lesão renal, independentemente de ocorrer redução do ritmo de filtração glomerular (RFG). Isto se justifica por poder o RFG ser mantido em níveis normais ou até elevados, apesar de lesão renal substancial, estando este grupo de pacientes expostos ao risco tanto de progressão da lesão renal, quanto a complicações cardiovasculares. A inclusão dos pacientes com RFG < 60ml/min/m² como portadores de doença renal crônica se justifica, já que a redução na função renal a este nível ou inferior a ele representa a perda de mais da metade da função renal em um adulto normal e se associa a um grande número de complicações.13 Esta classificação tem sido extensamente utilizada, embora mereça algumas considerações. Em primeiro lugar, questiona-se se os dois primeiros 92 Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S90-S97 RFG médio ± desvio padrão (ml/min/1.73m²) 1 semana 40,6±14,8 2-8 semanas 65,8±24,8 > 8 semanas 95,7±21,7 2-12 anos 133,0±27,0 13-21anos (sexo masculino) 140,0±30,0 13-21 anos (sexo feminino) 126,0±22,0 Legenda: NKF- National Kidney Foundation; RFG -ritmo de filtração glomerular ASPECTOS EPIDEMIOLÓGICOS Os dados latino-americanos e brasileiros sobre a DRC são escassos. A exata incidência da DRC em nosso meio é desconhecida, tanto pela possibilidade do não reconhecimento do problema, muitas vezes silencioso, quanto pela subnotificação dos casos diagnosticados. Estatísticas do Third National Health and Nutrition Examination Survey (EUA) de 2005, estimam que até 11% da população americana adulta seja portadora de algum grau de DRC e que mais de 8 milhões de americanos possuam RFG< 60ml/min/1,73m².15 A incidência e a prevalência da DRC estágio 5 em adultos tem aumentado progressivamente, em proporções epidêmicas no Brasil, como em todo o mundo, guardando estreita relação com o aumento do número de casos de diabetes, de hipertensão arterial e de obesidade. Deve-se ressaltar que a DRC é uma doença grave e mesmo com a terapia renal substitutiva, tem, em nosso meio, mortalidade superior em números absolutos à da maioria das neoplasias, como as de colo de útero, colon/reto, próstata e mama.16 Segundo o censo de diálise e transplante de 2006 da Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), no Bra- Doença renal crônica em pediatria - Programa Interdisciplinar de Abordagem Pré-dialítica sil, havia 70.872 pacientes em diálise, sendo a prevalência de 383 pmp. Ressalte-se um aumento rápido do número de pacientes em diálise, da ordem de aproximadamente 9% ao ano, no período de 2000 a 2006. Com relação à fonte pagadora, ressalte-se a predominância do SUS, que se responsabiliza por 89% dos custos da diálise no Brasil. A taxa de incidência anual estimada de pacientes novos em diálise em 2005 foi de 175 pmp, variando de 93 pmp na região norte, até 253 pmp na região centro-oeste. Portanto, para uma população de 185 milhões em 2006, estima-se que surjam aproximadamente 32.000 novos pacientes renais crônicos em estágio 5 no Brasil, por ano. Com relação à distribuição geográfica destes pacientes em diálise, 53% (n= 38.114) deles se concentram na região sudeste, 20% (n=14.041) na região nordeste e 27% (n= 19.222) nas regiões sul, centro-oeste e norte . Segundo os dados da SBN, 91% dos pacientes brasileiros se submetem à hemodiálise e 9,3%, à diálise peritoneal. Somente na região sudeste de nosso país, 18.431 pessoas estavam aguardando transplante renal em 2006. Os óbitos de pacientes em diálise somaram 12.528 casos, em 2005, com uma taxa de mortalidade de 13,0%. Os dados sobre DRC na faixa etária pediátrica são escassos. No Rio Grande do Sul, a incidência de novos pacientes pediátricos admitidos para terapia renal substitutiva vem aumentando progressivamente, de 0,58 por milhão de população infantil entre 1970-1975, passando para 5,9 entre 1981-1985 e atingindo 6,5 entre 1986-198817. O censo da SBN de janeiro de 2005 descreveu os dados de 497 centros de diálise brasileiros, sendo 471 deles conveniados com o SUS. Este censo não incluiu 99 centros de diálise que foram contatados, mas não responderam (16% do total). O total de pacientes contabilizados foi 54.311 (estima-se um número total de pacientes em diálise igual a 65.121). O número de pacientes menores de 15 anos em diálise foi de 518 crianças, estando 302 delas em hemodiálise, 68 em diálise peritoneal ambulatorial contínua e 148 em diálise peritoneal intermitente. No estado de Minas Gerais, foram contabilizados 67 pacientes menores de 15 anos, número inferior somente ao do estado de São Paulo, que apresentava 109 crianças em diálise.18 Os estudos internacionais permitem supor que a incidência anual de DRC estágio 5 (DRCT) nas crianças esteja entre 5 e 15 pacientes por milhão de população infantil (pmpi) e a sua prevalência entre 22 e 62 pacientes pmpi.2-4 O desenvolvimento dos registros de diálise e transplante renal tem permitido um melhor conhecimento da incidência de DRCT. Contudo, essa incidência é provavelmente subestimada, já que os registros não listam as crianças que não são tratadas por razões técnicas, por ausência de recursos ou de políticas públicas de saúde. Outra possível causa da subestimação da incidência da DRCT na criança é que algumas delas somente atingem esta fase na idade adulta, não sendo incluídas nas estatísticas. A comparação das taxas de incidência e prevalência de DRC em diferentes países do mundo é também difícil, pela escassez de registros confiáveis e pelas diferenças metodológicas entre os estudos existentes. Como mencionado, a maioria das estatísticas são concernentes a registros de diálise e transplante e, portanto, referem-se a dados de DRCT. Grandes estudos em adultos sugerem que a prevalência de pacientes com DRC em estágios precoces (1 a 4) seja 50 vezes maior que aquele da incidência da DRCT19. Na América do Norte, as crianças menores de 20 anos de idade constituem 2% do total de pacientes portadores de DRCT e a prevalência de pacientes com idades entre 0 e 19 anos cresceu 32% desde 1990, o que contrasta com o crescimento de 126% da população total portadora de DRCT.14 No Uruguai, o relato de um único centro mostra uma incidência de 4,4 por milhão de população infantil até 15 anos de idade, entre 19881991.20 No Chile, em 1996, a incidência de DRCT em pacientes com menos de 18 anos foi estimada em 5,7 por milhão de população infantil.21 Dados do Italkid Project (2003) mostram uma incidência média de DRC (RFG< 75ml/min/1,73m²) de 12.1 casos por milhão de população de 0 a 20 anos, no período de 1995 a 2000. A prevalência em janeiro de 2001 foi estimada em 74,7 pmpi.22 Os dados relativos aos Estados Unidos da América, segundo o USRDS (United States Renal Data System), relativos a 1988 a 2003, mostram uma incidência anual de DRCT de 13 pmpi em 1988, contra 15 pmpi em 2003. Na Figura 1 pode ser observada a distribuição da incidência de DRCT nas diversas faixas etárias pediátricas e na idade adulta nos Estados Unidos entre 2002-2003. Nesse período, a taxa ajustada para a população pediátrica foi de 15 pacientes por milhão de habitantes. A prevalência de ponto para os pacientes pediátricos , ajustada por idade, raça e gênero, foi de 82 por milhão de população em 2002-2003.23 Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S90-S97 93 Doença renal crônica em pediatria - Programa Interdisciplinar de Abordagem Pré-dialítica A obtenção de dados de prevalência de DRC é dificultada por fatores semelhantes aos anteriormente mencionados, tais como as diferentes definições de insuficiência renal, o uso de idades distintas como ponto de corte, e a subnotificação quando as crianças e adolescentes não são encaminhados para centros especializados. No Canadá, a prevalência calculada para faixa etária de 0-15 anos foi de 41 por milhão de população infantil.24 No Chile, em 1996, foi relatada a prevalência de 39,6 por milhão de habitantes menores de 18 anos, sendo 64% maiores de 10 anos, 14% menores de 5 anos e 2,3% menores de 2 anos de idade.21 O número de casos aumentou com a idade, com exceção dos maiores de 15 anos. No V Registro Brasileiro de Diálise e Transplante (1993)25, não foram estimados dados específicos de prevalência para a população pediátrica. A prevalência estimada, englobando todas as faixas etárias, foi de 39 por milhão de população. A taxa no Brasil foi aproximadamente 20 vezes menor que a dos Estados Unidos, o que permite supor um grande número de pacientes brasileiros, em todas as faixas etárias, sem acesso ao tratamento de substituição de função renal. ETIOLOGIA DA DRC As causas da DRC em crianças e adolescentes diferem daquelas relatadas para pacientes adultos. Diferentemente dos adultos, nos quais diabe- tes e hipertensão arterial são as etiologias mais freqüentes, as causas congênitas se responsabilizam por grande porcentagem dos casos de doença renal crônica na infância. Em alguns paises pobres, causas adquiridas e infecciosas podem ser predominantes, como a hepatite c, a nefropatia da síndrome da síndrome da imunodeficiência adquirida, etc. Desordens hereditárias são mais comuns em países onde a consangüinidade é mais comum, como a Jordânia e o Irã.14 As uropatias e as glomerulopatias são em conjunto, nas séries compiladas, responsáveis por aproximadamente 60% dos casos de DRC em crianças e adolescentes. Do total de 26.903 pacientes relatados em diferentes países, 3.424 (12,72%) eram portadores de uropatias, notadamente refluxo vesicoureteral e uropatia obstrutiva e 12,715 (47,26%) eram portadores de glomerulopatias, destacandose a esclerose focal e segmentar.26 Pode-se observar, ainda, que os percentuais de uropatias divergem bastante entre as séries publicadas, variando de 13,8 % a 43,3%. O mesmo quadro pode ser observado entre os demais grupos. Este fato pode ser conseqüência de classificações diferentes adotadas pelos autores ou da heterogeneidade regional. Potanto, embora ressalvando as possíveis falhas de uma compilação de estudos heterogêneos, há uma clara consistência nos relatos de literatura, nos quais predominam as uropatias e as glomerulopatias como principais causas primárias de DRC na faixa etária pediátrica. 0 - 4 anos incidência 5 - 9 anos 10 - 14 anos 15 - 19 anos 0 - 19 anos 20 - 44 anos 0 15 30 45 60 75 90 105 120 135 taxa por milhões de habitantes Figura 1 - Distribuição da incidência de DRCT na população dos Estados Unidos, de acordo com as diversas faixas etárias (Adaptado do USRDS, 200523). *Incidência e prevalência calculadas por milhão de habitantes em cada grupo. 94 Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S90-S97 Doença renal crônica em pediatria - Programa Interdisciplinar de Abordagem Pré-dialítica TRATAMENTO DA DRCT E MORBIMORTALIDADE O prognóstico da criança com DRC grave depende muito da disponibilidade de recursos para tratamento. Embora tenha ocorrido grande melhora na sobrevida em longo prazo de crianças e adolescentes, nos últimos 40 anos, nos Estados Unidos, tanto para as crianças em diálise como para as transplantadas, a sobrevida de 10 anos é de apenas 80% e, como já comentado, a taxa de mortalidade ainda é de 30 a 150 vezes maior que a dos pares de idade sem doença renal.14 De fato, o tempo de sobrevida esperado para uma criança de 0 a 14 anos em diálise é de apenas 20 anos, enquanto a população de mesma idade transplantada tem uma sobrevida estimada em 50 anos. No levantamento de 2007 do USRDS, 92% das crianças que foram transplantadas sobreviveram por 5 anos, comparadas a 78% daquelas que receberam hemodiálise ou diálise peritoneal.27 Nos países em que a terapia renal substitutiva está disponível, a melhor forma de tratamento é, pois, o transplante renal, em todas as faixas de idade da criança. As modalidades de substituição da função renal atualmente disponíveis são o transplante renal, a hemodiálise e a diálise peritoneal.28 As três modalidades, em seus diversos subtipos, garantem uma sobrevida expressiva para os pacientes com DRCT e, em muitos casos, uma boa qualidade de vida.29 Em todos os países desenvolvidos há um incremento no número de pacientes em terapia de substituição da função renal. Nos Estados Unidos, havia 372.000 pacientes nessa condição no final do ano 2000, contrastando com aproximadamente 150.000 em 1991. A previsão para o ano de 2010 é que 650.000 pacientes em todas faixas etárias necessitarão de algum método de terapia de substituição da função nos Estados Unidos.30 Na Europa, o quadro não é muito diferente. Por exemplo, no período compreendido entre 1990-1996, nos países da Europa Central e Oriental houve um incremento de 56% no número de centros de hemodiálise, de 78% no número de pacientes em diálise e de 306% no de pacientes em diálise peritoneal.31 Assim, não causa surpresa que, do ponto de vista das políticas de saúde pública, haja uma preocupação com os gastos crescentes no pagamento das diversas formas de terapia de substituição da função renal. Dados do USRDS mostram que os gastos nessas modalidades de tratamento totalizaram 7,2 bilhões de dólares em 1993, US$7,87 em 1994, US$8,97 em 1995, US$10,21 em 1996 e US$10,77 em 1997, US$15,4 em 1999, US$16,5 em 2000, US$18,14 em 2004 e US$19,3 em 2005.27 Embora os pacientes com DRCT representem um pequeno grupo na população em geral (por exemplo, 0,02% no Reino Unido e 0,06% na Itália), os custos com a diálise absorvem 0,7 a 1,8% dos orçamentos dos serviços de saúde na Europa.29 Do ponto de vista médico, a DRCT representa um grande impacto clínico, psíquico e social para pacientes, familiares e equipes médicas. Apesar dos inegáveis avanços no tratamento da DRCT nas últimas décadas, essa condição ainda é associada a inaceitáveis índices de morbimortalidade, especialmente para os pacientes em diálise. Nos Estados Unidos, segundo dados do USRDS, em 2003 a taxa de mortalidade no primeiro ano do início do tratamento dialítico foi de 11,4% para a faixa etária entre 0-4 anos de idade, 6,9% entre 5-19anos e 16,6% entre 45-64 anos. Para os pacientes que iniciaram a diálise entre 65-74 anos, 28,3% faleceram após 1 ano de tratamento. Além disso, 45% apresentaram alterações coronarianas, incluindo 12% com episódios de infarto agudo do miocárdio; 20% apresentam doenças vasculares periféricas e 11% doenças vasculares cerebrais23. Os dados do USRDS, 2007, mostram que a sobrevida em 5 anos dos pacientes pediátricos em diálise é de 82% e dos pacientes transplantados, de 93%. Ainda segundo esters dados, desde 1991, as taxas de mortalidade dos pacientes pediátricos em diálise aumentraram 5%, atingindo 26,6 por milhão de população, em 2005.27 Ressalte-se que, na população transplantada, as taxas de mortalidade são de 3 a 4 vezes menores do que aquelas das duas modalidades de diálise. No Brasil, segundo dados do Registro Brasileiro de Diálise e Transplante Renal (1997)25, a estimativa atuarial de sobrevida em 4 anos é de 67%. Esse dado deve ser visto com cautela, pois o registro obteve informações de aproximadamente 30% dos pacientes brasileiros em tratamento para DRCT. As principais causas de óbito foram complicações cardíacas (30%), infecciosas (22%) e cerebrovasculares (21%). Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S90-S97 95 Doença renal crônica em pediatria - Programa Interdisciplinar de Abordagem Pré-dialítica Além das taxas de mortalidade serem altas em todas as faixas etárias, os pacientes com DRCT vivenciam uma alta morbidade. A freqüência e a duração das hospitalizações têm sido utilizadas como um indicador de morbidade ou uma medida objetiva de qualidade de vida, devido ao impacto que causa na vida dos pacientes.32 Além do impacto na vida dos indivíduos, do total dos gastos com o tratamento da DRCT nos Estados Unidos, 40% são devidos à hospitalização.33 De acordo com dados do USRDS, o número médio de internações em 2003-2005 foi de 2,02 por paciente/ano, na faixa etária de 0-19anos. A média de dias de internação foi de 12 dias para o mesmo grupo.27 Essa taxa foi significativamente maior para as crianças em hemodiálise, quando comparadas aos pacientes em diálise peritoneal. Evidentemente que, além do impacto econômico para o sistema de saúde, esse quadro representa um alto impacto no tocante ao desenvolvimento normal das crianças e adolescentes, considerando-se os aspectos sociais, emocionais e cognitivos. Assim, apesar dos progressos obtidos no tratamento da DRCT, especialmente nos países desenvolvidos, o quadro geral é preocupante. A alta morbidade e a mortalidade associadas ao tratamento dialítico têm estimulado estudos que visam `a detecção de fatores que possam ser corrigidos, objetivando reduzir os agravos associados ao tratamento da DRCT. Entretanto, a abordagem antes da evolução para DRCT tem recebido escassa atenção, especialmente na faixa etária pediátrica. A adequada abordagem préDRCT, ou seja, antes do início dos métodos de terapia renal substitutiva, pode contribuir para a redução da morbimortalidade neste contexto. A atenção e os cuidados na abordagem conservadora da DRC podem ser a chave para uma melhor evolução do tratamento da DRCT. Alguns fatores presentes antes da DRCT podem predizer a evolução em diálise e podem ser modificados no tratamento conservador. Entre estes se incluem a anemia, a hipertrofia ventricular esquerda, o hiperparatireoidismo secundário e a desnutrição. A adequada abordagem da DRC é complexa, envolve altos custos e necessariamente uma equipe interdisciplinar. À medida que o conhecimento dos mecanismos de progressão da doença renal vem se expandindo, a inter-relação entre o nefrologista, o paciente e seus familiares torna-se complexa e a participação de outros profissionais é não somente inevitável como imprescindível. A equipe deve incluir médicos, enfermeiros, nutricionistas, psicólogos, assistente-sociais, urologistas, entre outros. Além disso, quando se inicia uma progressiva queda da função renal, o paciente necessitará não exclusivamente desses profissionais como também de múltiplos serviços ambulatoriais e hospitalares. Diante do conhecimento atual, pode-se propor uma abordagem sistemática e racional para pacientes portadores de insuficiência renal, objetivando principalmente retardar a progressão da lesão renal e um preparo adequado para a terapêutica de substituição da função renal. Na Tabela 3, está delineada a síntese de uma possível abordagem, procurando atender esses objetivos. Tabela 3 - Estágios de doença renal crônica e recomendações específicas para detecção, avaliação e abordagem da National Kidney Foundation- Kidney Disease Outcomes Quality Initiative (NKF/K/DOQI) Estágios de DRC Descrição RFG (ml/min/1.73m²) Detecção, avaliação e abordagem 1 Lesão renal c/ RFG normal ou ↑ >90 - Diagnóstico e tratamento - Tratar comorbidades - Reduzir progressão - Reduzir risco de DCV 2 Lesão renal c/ leve↓ RFG 60-89 Estimar progressão 3 Moderada ↓ RFG 30-59 Avaliar e tratar complicações 4 Acentuada ↓ RFG 15-29 Referenciamento ao nefrologista e considerar TSR 5 Falência renal < 15 TSR ( se uremia presente) Legenda: DCV= doença cardiovascular; TSR= terapêuticarenal substitutiva 96 Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S90-S97 Doença renal crônica em pediatria - Programa Interdisciplinar de Abordagem Pré-dialítica REFERÊNCIAS 1. Hostetter TH,Rennke HG,Brenner BM.Compensatory renal hemodynamic injury: a final common pathway of residual nephron destruction. 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Doutor em Medicina – Área de Concentração: Pediatria pela Faculdade de Medicina, UFMG. 3 Professor Associado do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG. Pós-Doutorado em Epidemiologia Clínica pela Universidade MacMaster, Canadá. Os pacientes portadores de epilepsia têm, potencialmente, condições de desenvolver alterações de ordem cognitiva e/ou psíquicas, seja pela multiplicidade de possibilidades de desenvolvimento do foco irritativo cerebral ou proporcional à diversificação de funcionalidade dos grupamentos neuronais. O propósito do presente estudo é mostrar a importância da abordagem desses pacientes e seus transtornos fora do ictus epiléptico. Sabe-se que os transtornos mentais são mais comuns em epilépticos do que na população em geral, entretanto, esta correlação ainda é motivo de controvérsias. A diversidade de linhas de pesquisas tenta desvendar esta instigante relação de causa-efeito. Estudos revelam que essa vinculação se deve à inadequada avaliação de grupos-controle, isto é, falhas metodológicas ou, ainda, conseqüência dos mecanismos envolvidos com a própria doença: neuropatologia comum, predisposição genética, transtornos de desenvolvimento, efeitos epilépticos ictal e subictal, hipometabolismo, alterações de receptores sensitivos, alterações secundárias endocrinológicas, doenças psiquiátricas primárias, efeitos colaterais de drogas antiepilépticas e transtornos psicossociais. Outras linhas de pesquisas, contudo, ressaltam a importância de se focalizarem esses transtornos como depressão, ansiedade e psicoses e sua relação com a epilepsia nas fases pré-ictal, interictal e pós-ictal. Destacam também que a maior incidência desses transtornos ocorre em pacientes que têm focos de suas crises no lobo frontal, lobo temporal – sistema límbico. Estima-se que 30% a 70% dos pacientes epilépticos tenham algum déficit cognitivo ou alterações de humor e, em menor incidência, psicoses. Palavras-chave: Epilepsia; Transtornos Mentais; Educação Médica. ABSTRACT Curso de Pós- Graduação em Ciências da Saúde, Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Minas Gerais Endereço para correspondência: Eliana Maria de Castro R: Samuel Pereira, 260 – Apt° 1002 B: Anchieta Belo Horizonte – MG Brasil CEP: 30.310-550 Email: [email protected] 98 Patients suffering from epilepsy are prone to cognitive and/or psychical alterations, whether for their multiplicity opportunities for the development of irritative focus or it is proportional to the diverse functions neuronal groupings. The aim of the present study is to demonstrate the importance of assisting these patients and taking care of their disorders out of an epileptic ictus. It is known that mental disorders are more frequent in epileptic patients than in the general population, but there are still some voices of dissent about this correlation. Several different lines of research are striving to understand this instigating cause and effect relationship. Studies have revealed that this correlation results from an inadequate evaluation of control groups; that is, methodological shortcomings or, still, the consequence of some mechanisms inherent to the disease itself: common neuropathology, genetic predisposition, development disorders, subictal and ictal epileptic effects, hypometabolism, sensitive receptor alterations, secondary endocrinologic alterations, primary psychiatric diseases, side effects of antiepileptic drugs and psychosocial disorders. Other lines of research, however, highlight the importance of regard these disorders as depression, anxiety and psychoses and their relationship with the Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S98-S106 A epilepsia e os transtornos mentais: a interface neuropsiquiátrica pre-ictal, interictal and post-ictal stages of epilepsy. They also point out that these disorders are more frequent in patients whose crises’ focal points are the frontal lobe, temporal lobe – limbic system. It is estimated that 30 to 70% of the epileptic patients have a cognitive deficit or humor alterations, and less frequently, psychoses. Key words: Epilepsy; Mental Disorders; Medical Education. JUSTIFICATIVA A associação da epilepsia - transtornos mentais vem sendo abordada desde Hipócrates (460-375 a.C), sempre envolvida em polêmica. Por muitos séculos, foi percebida como um fenômeno que girava em torno da deficiência mental ou poderes místicos, permanecendo à margem da ciência.1 Na atualidade, cientistas polemizam entre afirmações de causa-efeito dessa correlação. Há aproximadamente três a quatro décadas, fez-se o primeiro registro na literatura dos sinais e sintomas de transtornos mentais interictais associados a um tipo de epilepsia.2 De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS) a epilepsia é a mais comum das condições neurológicas crônicas, a mais grave e a de maior prevalência, ocorrendo em cerca de 1% da população geral comprometida e considerada um capítulo das doenças mentais.3 Quanto à população, de modo geral há estudos mostrando taxa anual de incidência das epilepsias oscilando entre 40 e 70/ 100 mil habitantes, elevando-se para 122 a 190/ 100 mil habitantes em paises em desenvolvimento.4 Estima-se que a presença de transtornos mentais em pacientes portadores de epilepsia esteja entre as taxas de 30% a 70% dos casos.5 De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)6, a população do Brasil, em 2007, era de 177.450.609 pessoas, podendo-se inferir, portanto, levando-se em consideração a prevalência mundial das epilepsias, a existência de aproximadamente 1,7 a 1,8 milhão de portadores dessa doença no país. Mas, pela diversidade de metodologia científica empregada nos estudos epidemiológicos no Brasil, há grande variabilidade estatística nos levantamentos regionais. Considerando as questões deficitárias de saúde pública e as peculiaridades do país com suas enfermidades próprias, como: a alta incidência e prevalência de parasitoses e neu- roinfestação, a cisticercose;as doenças cérebrovasculares; a hipertensão arterial sistêmica; os tocotraumatismos, entre outras, é significativa a possibilidade da subestimação das taxas reais de epilepsia, concomitantemente com as taxas dos transtornos mentais associados, em nosso meio.7 Não há, até o momento, estudos epidemiológicos com critérios metodológicos comuns de abrangência nacional que evidenciem estas taxas.4 As crianças são mais vulneráveis à manifestação da epilepsia que os adultos, período em que ocorre declínio da incidência, havendo, entretanto, incremento da vulnerabilidade a partir da terceira idade. A epilepsia atinge as crianças em mais de 50% dos casos antes de deixarem a escola, apresentando cronicidade e refratariedade ao tratamento em torno de 25% a 28,6% das ocorrências. Esta prevalência sobe para 53% quando há associação da epilepsia com outros problemas neurológicos.4,7 As alterações comportamentais estão associadas na proporção de 40% a 50%. Algumas comorbidades são semelhantes às dos adultos, como a ansiedade e a depressão, mas outras são específicas da infância, como autismo, transtorno do déficit da atenção e hiperatividade (TDAH), distúrbios do pensamento e problemas sociais e de aprendizado. Mesmo as crises epilépticas consideradas benignas mostram, em estudo de follow-up, taxa significativa de disfunção mental.8-10 Estes processos, de forma geral, convertem-se na queda da qualidade de vida e deterioração da relação interfamiliar dessas crianças e adolescentes.11,12 Não se deve deixar de considerar que os aspectos psicopatológicos e o comprometimento da qualidade de vida e da cognição desses pacientes são parte integrante da clínica em epilepsia.13 Em boletim editado em 2001 e de autoria de Scott, Latho e Sander, a OMS14 mostra que 90% das pessoas portadoras da doença não recebem qualquer tipo de cuidado médico em paises em desenvolvimento. Apesar dos clínicos generalistas e dos pediatras, de modo geral, considerarem a epilepsia um capítulo específico da neurologia, sabe-se que 70% a 80% desses pacientes podem e devem ser tratados em cuidados primários.15,16 O desconhecimento ou a não consideração da interface da epilepsia com as alterações psíquicas, que se manifestam geralmente distantes da própria crise, constituem mais um obstáculo para os profissionais que têm contacto com esses pacientes. Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S98-S106 99 A epilepsia e os transtornos mentais: a interface neuropsiquiátrica Pode-se concluir, a partir desses dados, a importância de se colocarem em pauta a identificação e possíveis causas da associação da epilepsia com os transtornos mentais, visando à abordagem clínica adequada desses pacientes. no lobo temporal direito ou ambos os lobos, que apresentam sintomas depressivos. A melhor abordagem clínica nesses casos é diminuir ou eliminar as crises epilépticas.23 A EPILEPSIA E OS TRANSTORNOS MENTAIS: DESORDENS AFETIVAS/DEPRESSÃO Depressão interictal Os pacientes com epilepsia têm fortes traços neuróticos, como a ansiedade, a culpa, a ruminação, a baixa auto-estima, o comportamento antisocial e as somatizações. Percebendo-os sob a ótica da fenomenologia e entre os diversos transtornos psíquicos, a depressão é a mais comum das co-morbidades ligadas aos eventos epilépticos e, desses, o mais comum é em relação à epilepsia do lobo temporal (ELT).17,18 O quadro depressivo é responsável por cerca de 20 a 60% dos casos internados de epilepsia em hospitais psiquiátricos.7 A depressão é freqüentemente reconhecida no ictus epiléptico, na fase prodrômica ou na fase pós-ictal, mas a sua manifestação é muito pouco estudada na fase interictal.4,19,20 A depressão tende a ocorrer cerca de 10 anos após o início do quadro de epilepsia.24 Entretanto Nowack5 não relaciona o tempo de início da epilepsia com o tempo de aparecimento da depressão. A fisiopatologia da depressão é desconhecida, mas observa-se ao eletroencefalograma (EEG), uma contínua e subclínica alteração eletrofisiológica afetando a área límbica e, na tomografia por emissão de pósitron (PET), uma área de hipometabolismo perifocal epiléptico. Pesquisas realizadas na década de 90 demonstraram aumento do fluxo sanguíneo na região da amígdala, cujo volume estava aumentado nos pacientes epilépticos com depressão, assim como a diminuição do metabolismo da glicose no pólo inferior anterior do lobo frontal.25, 26 Atualmente, essas alterações são detectáveis através tomografia cerebral por emissão de pósitrons (PET). Depressão ictal A depressão ictal ocorre como parte da aura, horas antes da crise ou mesmo precedendo-a em dias, predominando o sintoma de medo e irritabilidade. É um fenômeno inesperado e não relacionado aos estímulos externos. Os sintomas são típicos das depressões em geral, como sentimentos de profunda tristeza, desamparo, desespero, falta de esperança, chegando a levar ao suicídio, cuja incidência fica em torno de 0,2% a 0,5% dos casos de portadores de epilepsia.19-21 As alucinações associadas à depressão formam um complexo que pode se prolongar pós-crise (pós ictal) e ser indicativo de uma atividade epiléptica subclínica. FATORES RELEVANTES NA RELAÇÃO EPILEPSIA E DEPRESSÃO Gênero Devem ser considerados certos fatores relevantes associados com epilepsia e depressão, tal como o gênero. Alguns estudos mostram que os homens portadores de epilepsia têm risco mais alto de apresentarem depressão, o que demonstra significância ao se compararem os quadros de depressão, na ausência de epilepsia, que é mais comum em mulheres. Genética Depressão pós-ictal A depressão somente na fase pós ictal é rara e geralmente é um resquício da fase anterior.22 Entretanto, há relato de pacientes com formas intratáveis de epilepsia do tipo ELT, com origem 100 Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S98-S106 As hipóteses de uma relação epilepsia-depressão-genética-meio ambiente não está bem esclarecida e necessita de mais investigações. Existem controvérsias e somente pequenos estudos foram realizados. Parece que a epilepsia mioclônica ju- A epilepsia e os transtornos mentais: a interface neuropsiquiátrica venil carrega traços genéticos no que se refere à depressão associada à epilepsia, apresentando evidências clínicas familiares.27 Alterações da estrutura cerebral A depressão pode estar associada a qualquer condição neurológica com lesão cerebral estrutural e quadro de epilepsia, como traumatismo crânio-encefálico (TCE), acidente vascular cerebral (AVC), esclerose múltipla (EM) e demências. Entretanto, estudos têm revelado que necessariamente não tem de haver lesão estrutural para que haja a ligação epilepsia-depressão. Idade/ duração da epilepsia Alguns autores mostram associação entre o início precoce ou tardio da epilepsia e a incidência da depressão.28,29 Nowack5 sustenta, todavia, que a maioria dos casos não demonstra qualquer relação entre a idade de início da epilepsia e a instalação da depressão. Tipo de crise Vários estudos enfatizam que a depressão é mais comum em epilepsia do lobo temporal (ELT) e que este está estreitamente ligado a riscos mais altos de outros transtornos psiquiátricos.30-32 Esta hipótese, porém, é rebatida por Edeh e Toone33 quando afirmam que o ELT é o foco de maior investigação científica, por ser o tipo de crise mais comum em adultos e a de mais difícil controle, motivo de possível negligência no enfoque de outros tipos de epilepsia, não despertando o interesse dos pesquisadores.33 Lateralização do foco epiléptico Existem controvérsias quanto à lateralidade do foco epiléptico e o desenvolvimento de depressão. Alguns pesquisadores sinalizam o foco à direita da ELT como o responsável pelo desenvolvimento da depressão, outros à esquerda e terceiros não registraram qualquer evidência científica para o fato. Schmitz et al.34 referiram que pacientes com ELT focal esquerdo apresentaram alto padrão de depressão clínica quando submetidos ao Beck Depression Inventory (BDI) e a exames neurorradiológicos e neuropsicológicos. Os exames neurorradiológicos mostravam grande área de hipoperfusão da região límbica do lobo frontal, a que Schmitz et al.34 relacionaram à deaferentação da atividade inibitória interictal ou à depleção pós-ictal desse substrato. Iatrogenia A politerapia tem sido apontada como um fator também associado à depressão-epilepsia, assim como algumas drogas: a lamotrigina, depletora de ácido fólico, fenobarbital, primidona, fenitoina, vigabatrinâ.35,9 Psicossocial Os fatores psicossociais têm conceitualmente papel da maior relevância na determinação da depressão em pacientes epiléptico. A exposição do paciente à imprevisibilidade, ao incontrolável e à aversão pelas crises é fator marcante no desenvolvimento da depressão. Outros fatores demonstraram que eventos estressantes da vida, como a baixa aceitação social e o baixo poder aquisitivo, são significativamente relevantes.36 Entretanto, outros trabalhos destacaram que não há relação entre depressão-epilepsia e fatores psicossociais, status econômico, educação e qualidade de trabalho. 24,30,37 DESORDENS AFETIVAS/HIPOMANIA/ DEPRESSÃO BIPOLAR Dongier 38 descreveu episódios de mania em 4,8% de uma série de 516 pacientes portadores de epilepsia. Até então, somente um baixo número de pacientes tinha sido registrado na literatura, associado à epilepsia do lobo temporal com foco irritativo à direita. Após o advento e uso de drogas antiepilépticas para o tratamento da ELT – que também têm ação em quadros de mania como a carbamazepina (cbz) no final da década de 50 e o ácido valpróico (vpa), no final da década de 60 – acredita-se Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S98-S106 101 A epilepsia e os transtornos mentais: a interface neuropsiquiátrica que esses medicamentos possam atuar mascarando o número real de casos de hipomania. DESORDENS DO HUMOR/ ANSIEDADE As alterações de humor estão geralmente ligadas ao próprio fato do sujeito ser portador de epilepsia, pelos seus estigmas. Os quadros do tipo conversivos, associados ou isolados podem dificultar o diagnóstico preciso. Não se pode esquecer que uma crise conversiva acompanhada de hiperventilação pode desencadear uma crise real epiléptica. As crises de ansiedade são de curta duração e de caráter reacional, ocorrendo sempre na presença de terceiros.5,10 DESORDENS OBSSESSIVA/COMPULSIVA (OCD) Os estudos são modestos, pequenos, para confirmar a relação de OCD com epilepsia, tanto em adultos quanto em crianças e adolescentes. Observam-se alterações ao EEG, com atividade predominantemente temporal de pacientes com OCD, sem história de crises epilépticas.39 Há estudos com pacientes epilépticos submetidos ao questionário LOI (Leyton Obsessionality Inventotry) e SPECT (tomografia computatorizada por emissão de fóton único), mostrando a hiperperfusão de um sítio do lobo temporal direito, gânglios de base e tálamo. Outros autores, por sua vez não fazem associação entre epilepsia e OCD.40 Interessante ressaltar que as características do OCD – pedantismo, crises de tenacidade, viscosidade, fala repetitiva – estão também relacionadas à chamada “personalidade epiléptica”. PSICOSES Entre os anos de 1950 a 1960, os aspectos psiquiátricos da epilepsia foram redescobertos, principalmente nos portadores de epilepsia do lobo temporal.41,42 Slater2 já na década de 60, desafiando teorias antagônicas, postulou uma relação ou interligação entre a esquizofrenia e a epilepsia. Publicou em detalhes a análise de 69 pacientes, em dois hospitais de Londres, que sofriam de epilepsia e apresenta102 Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S98-S106 vam episódios de psicose interictal crônicos e/ou recorrentes, que denominou de “esquizofrenialike”, com as seguintes características: paranóia, alucinações persecutórias e auditivas, delírios, comportamento desorganizado com ausência de sintomas catatônicos, oscilações do humor, embotamento afetivo menos intenso que o observado na esquizofrenia clássica. É possível observar alguns fatores associados às psicoses interictais e crises de origem do lobo temporal e região límbica, como tempo de duração da epilepsia de 10 a 22 anos, período de menor freqüência das crises, lesões estruturais, tipo esclerose mesial, e disgenesias corticais.7,11 Os mecanismos fisiopatológicos para essa interrelação indicam supersensibilidade de receptores dopaminérgicos pós-sinápticos com abrasamento e inibição ou hipofunção do foco epiléptico. Também os mecanismos psicológicos são considerados, como as vivências ictais e sua percepção malelaborada, assim como inter-relações do paciente com seu meio.7 Epidemiologia Até o momento, não há estudo epidemiológico abrangente em grandes centros que indique prevalência de psicose em pacientes epilépticos, mas há indicação de maior prevalência dessa população quando a pesquisa é realizada em centros de neurologia e psiquiatria e centros de epileptologia, com registros em torno de 2% a 7,1% dos episódios. Em clínicas gerais, os casos variam de 0% a 4,5%.7 Classificação Não há classificação internacionalmente aceita de síndrome psicose-epilepsia. O uso operacional do DSM-IV43 é limitado, pois ele é voltado estruturalmente para diagnóstico funcional da psicose e não a considera no contexto da epilepsia, assim como o CID 1044 por vezes ambíguo, segundo Sachdev45.Uma proposta para a sistematização da classificação das psicoses em epilepsia foi baseada na combinação da psicopatologia, etiologia, estudos longitudinais e o EEG como parâmetro, que, entretanto, não atendeu às expectativas, visto ser, em mui- A epilepsia e os transtornos mentais: a interface neuropsiquiátrica tos casos, impossível delinear o tipo de epilepsia e o tipo de psicose ou vice-versa.46 Síndromes atípicas não são incomuns, até porque, na psicose pós-ictal e ictal, a consciência do paciente é clara e o senso crítico se faz presente. Variações fenomenológicas e precipitações podem ser individuais, assim como a experiência pessoal nos episódios psicóticos recorrentes. É o sujeito que está em questão e não e tão somente um indivíduo portador de epilepsia. Importante observar que algumas manifestações epilépticas podem gerar fator de confusão com diagnóstico de psicose vinculada à epilepsia como:4,46-49 a) crises epilépticas recorrentes, com breve intervalo da superficialização da consciência, cíclicas, com origem nos lobos temporais, mesial ou extratemporais; b) crises epilépticas contínuas – confusionais, não cíclicas, fragmentos de sítios extratemporais afetando lobo frontal;12 c) status epilepticus focal, aura contínua, que pode ser causa de alucinações simples, sintomas afetivos, desordens de personalidade. Mecanismos, teorias/ fisiopatologia das psicoses e epilepsias: Psicoses ictais Há potencialização da dopamina na neurotransmissão no lobo temporal. Lee46 postulou que as crises generalizadas em série teriam ação sobre neurotransmissores dopaminérgicos em lobo temporal, com desencadeamento dos sintomas psicóticos, mimetizando quadros esquizofreniformes: a) efeitos positivos: descargas estimulando os mecanismos comportamentais do sistema límbico; b) efeitos negativos: descargas inibindo o sistema límbico. A ILAE47, a partir de uma comissão especial para o estudo da epilepsia e alterações psiquiátricas, não apresentou, até a presente data, um resultado final, mas reconhece que a psicose relacionada à epilepsia é um subtítulo e diferente da esquizofrenia, do ponto de vista prático. Por esta razão, as psicoses e as epilepsias são agrupadas numa relação temporal por afinidades com as crises. Psicoses perictais Sintomas psicóticos podem ocorrer como parte de uma crise convulsiva ou em um prolongamento dos casos não convulsivos das crises epilépticas, nas quais o EEG pode vir auxiliar no diagnóstico. Podem ocorrer fenômenos experienciais, afetivos e comportamentos perceptuais com o comprometimento da consciência durante o fato.48 O insight tende a permanecer, mas freqüentemente segue amnésia. O status epilépticus nas LTEs é o mesmo que status psicomotor ou estado crepuscular.49 Psicoses pós-ictal - PIP / Interictal Pesquisas mostram que as manifestações psicóticas pós-ictal podem ocorrer entre o primeiro mês até os 15 anos ou mais, após a primeira crise epiléptica do paciente. Várias investigações demonstram lucidez desses pacientes nas primeiras 72 horas pós-crise com aparente restauração da atividade mental normal.5,13 Freqüentemente ocorre antes do PIP, quadro confusional seguido por alterações do tipo delírio, transtorno do pensamento, alterações do humor, delírios paranóicos, persecutória, alucinação cenestésica, visuais, principalmente auditivas, misticismo, religiosidade, comportamentos agressivos, transtornos da conduta sexual. Quadro que pode durar de um dia a 90 dias.4,5 Alguns fatores de risco podem ser enumerados para desencadeamento do PIP, tais como: ■ disfunção cerebral bilateral, apreensão, medos e terror na fase ictal, história de crises febris e crises de ausências, transtornos de personalidade preexistente e história familiar de doenças psiquiátricas.50 Recomenda-se, para investigação clínica, o EEG simples, no qual se pode observar exarcerbação da atividade epiléptica ou lentificação. Se possível solicitar o vídeoEEG, a RMf – ressonância nuclear magnética funcional do cérebro e SPECT – tomografia computatorizada por emissão de fóton simples. Dentre as manifestações psicóticas na epilepsia a fase pós-ictal é das mais estudas e de maior prevalência.38 Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S98-S106 103 A epilepsia e os transtornos mentais: a interface neuropsiquiátrica Teorias Até o início do século passado, havia antagonismo entre as epilepsias e psicoses, mas, por influência de Meduna,51 introduziu-se drogas antiepilépticas para tratamento das esquizofrenias, obtendo-se boa resposta terapêutica. Ressurgiu, então, o que no passado havia sido abandonado, à possibilidade de correlação entre essas doenças. Landolt52 demonstrou que, em alguns casos onde a normalização do EEG de portadores de epilepsia, chamada de “normalização paradoxal” ou “normalização forçada”, surtos episódicos de psicose eram desencadeados. Por outro lado, durante a evolução e descoberta de drogas antiepilépticas, como etosuximida, vigabatrina, gabapentina e topiramato, constatou-se que elas também poderiam desencadear psicoses. Pelo o que se pode verificar, parece realmente existir correlação entre epilepsia e psicose como um processo de origem orgânicocerebral, considerando-se: 4 a) as psicoses têm, ao que parece, relação direta com alterações neuropsicológicas e neuroquímicas via fenômeno de kindling e descargas eplépticas;14 b) as epilepsias e psicose compartilham da mesma etiologia, mas com patogenias heterogênicas, como a genética, sem relação direta, isto é, correlação familiar, com raras exceções. Tem maior incidência em mulheres. O tempo entre o início da epilepsia e o da psicose varia de 11 a 15 anos ou mais; elas estão claramente interligadas pelo comprometimento do lobo temporal, sistema límbico. Há consenso de que a psicose é muito rara em pacientes com epilepsia neocortical extratemporal . Estudos mostraram que as psicoses em epilepsias generalizadas têm forma diferente das psicoses da ETL, sendo estas, provavelmente, mais duradouras. Crises psicóticas – sintomas de alucinações paranóides - alternadas são mais comuns em epilepsias generalizadas quando essas entram em remissão.4 A gravidade da crise é muito importante como fator de risco, isto é, atividade epiléptica de longa duração, tipos múltiplos de crise, histórias de má-resposta aos tratamentos, lateralização do 104 Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S98-S106 foco epiléptico no lobo temporal esquerdo, lesão estrutural – como já assinalado, esclerose mesial, malformação artério-venosa do encéfalo (MAV), tumores harmartomas e gangliomas.4 CONSIDERAÇÕES FINAIS A avaliação dos pacientes portadores de epilepsia não deve se restringir apenas à sua queixa primária, mas a todo contexto psíquico, funções cognitivas, relacionamento interfamiliar e social. Apesar das controvérsias ainda existentes da interface epilepsias - transtornos mentais estes aspectos e conseqüente queda da qualidade de vida desses pacientes devem ser considerados como parte integrante da clínica em epilepsia. REFERÊNCIAS 1. Yacubian, EMT. Epilepsia: da antiguidade ao segundo milênio: saindo das sombras. São Paulo: Lemos ; 2000. 2. Slater E, Bear AW.The schizophrenia-like psychoses of epilepsy: discussion and conclusions. Br J Psychiatry. 1963; 109: 143-50. 3. Janca A, Prilipko L, Costa e Silva JA. The World Health Organization’s work on public health aspects of neurology. J Neurol Neurosurg Psychiatry. 1997; 63(suppl. 1): S6-S7. 4. Marchetti RL, Cremonese E, Castro APW. Psicoses e epilepsia. J Epilepsy Clin Neurophysiol. 2004; 10(4 suppl. l2): 35-40. 5. Nowack WJ. Psychiatric disorders associated with epilepsy. 2006 – Last update. Medicine from Web MD. [Cited 2007 jan. 29]. Available from: http://www.emedicine.com/neuro/ topic604.htm. 6. 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Além disso, crianças obesas freqüentemente se tornam adolescentes e adultos obesos. A obesidade está fortemente associada à hipertensão arterial, dislipidemia, intolerância à glicose e marcadores de inflamação crônica, levando a um aumento de fatores de risco cardiovascular, piora da qualidade de vida, e aumento do índice de mortalidade no adulto. O IMC e a circunferência abdominal são as medidas de melhor custo-benefício para a estimativa da gordura corporal. A publicação de novas curvas de referência de IMC para idade e sexo, pela OMS, permitiu uma melhor avaliação e classificação nutricional da população brasileira. O tratamento das crianças e adolescentes obesos visa sobretudo à diminuição das co-morbidades associadas. É imprescindível a participação da família e de uma equipe multiprofissional no processo de reeducação alimentar e de hábitos de vida. A prevenção da obesidade, com a participação do governo e da sociedade, é talvez a medida mais eficaz no controle desse grave problema de saúde pública. 1 Especialista em Pediatria com área de atuação em Endocrinologia Pediátrica; Mestrando em Saúde da Criança e do Adolescente, pela Faculdade de Medicina da UFMG; Membro da Divisão de Endocrinologia Pediátrica do Hospital das Clínicas – UFMG. 2 Especialista em Pediatria com área de atuação em Endocrinologia Pediátrica; Mestre em Pediatria pela Faculdade de Medicina da UFMG; Doutoranda Saúde da Criança e do Adolescente, pela Faculdade de Medicina da UFMG; Membro da Divisão de Endocrinologia Pediátrica do Hospital das Clínicas – UFMG. 3 Bolsistas de iniciação científica da Faculdade de Medicina da UFMG; 4 Especialista em Pediatria com área de atuação em Endocrinologia Pediátrica; Profa. Adjunto-doutor do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da UFMG; Membro da Divisão de Endocrinologia Pediátrica do Hospital das Clínicas – UFMG. 5 Especialista em Pediatria com área de atuação em Nefrologia Pediátrica; Profa. Adjunto-doutor do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da UFMG; Membro da Unidade de Nefrologia Pediátrica do Hospital das Clínicas – UFMG. Palavras-chave: Obesidade; Sobrepeso; Pediatria; Saúde da Criança; Doenças Cardiovasculares; Resistência à Insulina; Fatores de Risco. ABSTRACT The obesity is currently one of the most severe problems in public health not only for adults, but also for children and adolescents. The World Health Organization (WHO) considers it a global epidemic, since there has been a huge increase in its prevalence in the past decades. Obese children frequently become obese adolescents and adults. Obesity is strongly associated to arterial hypertension, dislipidemia, glucose intolerance and chronic inflammatory markers, leading to an elevation in risk factors for cardiovascular diseases, worsening the quality of life and increasing adult mortality. BMI and abdominal circumference are the best cost effective tools for adiposity estimative. Since WHO has recently published new BMI curves for age and sex, there has been an improvement in the nutritional evaluation of the Brazilian population. The treatment of obese children and adolescents aims to decrease associated co-morbidities. It is strongly recommended that lifestyle interventions and behavioral modification involve families and a multiprofessional team. Preventive strategies for obesity, including government and community participation, may be the most effective measures to control this serious public health problem. Key words: Obesity; Overweight; Pediatrics; Child Health (Public Health); Cardiovascular Diseases; Risk Factors; Insulin Resistance. Faculdade de Medicina – UFMG Endereço para correspondência: Ana Cristina Simões e Silva Faculdade de Medicina - Departamento de Pediatria Av. Alfredo Balena, 190, 2o andar, sala 267 B: Santa Efigênia Belo Horizonte – MG CEP: 30.130-100 Email: [email protected] Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S107-S118 107 Obesidade na infância e adolescência INTRODUÇÃO Atualmente, a obesidade é um dos problemas mais graves de saúde pública, tanto na vida adulta quanto na infância e na adolescência. Devido ao crescimento acentuado de sua prevalência nas últimas décadas, tanto em países desenvolvidos quanto em desenvolvimento, é considerada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) uma epidemia global.1 Além disso, crianças obesas freqüentemente se tornam adolescentes e adultos obesos com sérios riscos para a saúde.2 É necessário entender a natureza desse problema, suas causas e implicações, não apenas no que se refere aos cuidados pediátricos, mas sua progressão para a vida adulta. Há evidências de que a prevenção da obesidade infantil se inicia no pré-natal.3 A nutrição materna, as condições de nutrição intra-uterina e o peso de nascimento4 têm sido associados ao acúmulo de tecido adiposo na infância, principalmente se houver oferta calórica excessiva, como o aleitamento artificial inadequado. Neste contexto, é de grande importância para prevenção da obesidade infantil, promover um ambiente saudável, tanto domiciliar como escolar, com opções de recreação e psicologicamente propício a atividades físicas. CONCEITO E PREVALÊNCIA A obesidade pode ser conceituada como um acúmulo corporal de tecido adiposo, por um balanço energético positivo, geralmente devido à ingestão calórica excessiva, associada ao gasto insuficiente de energia. A Força-tarefa Internacional para Obesidade (International Obesity Task Force), em 1994, concluiu que o índice de massa corporal (IMC) oferece uma medida razoável para avaliação de obesidade em crianças e adolescentes. Winnicott DW. Estipularam-se como referências os respectivos valores de IMC de adultos, de 25 e 30 Kg/m2, como graus 1 e 2 de obesidade, relacionando-os aos valores dos percentis 85 e 95 para idade e sexo na faixa etária pediátrica.5 A categoria “sobrepeso” tem como objetivo identificar crianças e adolescentes que devem ser referenciados à triagem para possíveis complica108 Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S107-S118 ções secundárias.6 Não é rara a identificação de crianças com percentil de IMC entre 85 e 95 com graus variados de dislipidemia ou hipertensão arterial sistêmica. Já os adolescentes obesos, com percentil de IMC maior que 95 para sexo e idade, além das possíveis conseqüências imediatas secundárias ao excesso de peso, como baixa auto-estima, alterações do metabolismo glicêmico, hipertensão, entre outras, são fortes candidatos à obesidade na vida adulta.2 Dados recentes mostram um aumento alarmante da prevalência da obesidade em todo o mundo. Estima-se que cerca de 7% da população mundial está obesa e 15 a 20% com sobrepeso.7 Nos Estados Unidos (EUA), um estudo publicado em 2004 mostrou uma prevalência de obesos de 10,3% em crianças de 2 a 5 anos e de 16% nas crianças de 6 a 19 anos. Somam-se ainda os casos de sobrepeso (IMC entre os percentis 85 e 95), com índices de 22,6% e 31%, respectivamente, com destaque para as populações afro- e hispano-americanas.8 Dados do IBGE de 2002-20039 detectaram um aumento considerável na proporção dos adolescentes brasileiros com excesso de peso: em 197475, estavam acima do peso 3,9% dos garotos e 7,5% das garotas entre 10 e 19 anos; já em 2002-03, os percentuais encontrados foram 18,0% e 15,4%, respectivamente. Um estudo realizado na cidade de Santos – SP10 observou que em 10.822 crianças, de 7 a 10 anos, as prevalências totais de sobrepeso e obesidade foram de 15,7% e 18%, respectivamente. Em escolas privadas, a taxa de excesso de peso chegava a 50%, determinando a adoção de medidas de prevenção e intervencionismo. Mesmo dentro de um mesmo país, a prevalência da obesidade pode variar entre grupos étnicos, como é o caso dos afro-americanos, nos EUA, também entre comunidades com diferentes níveis socioeconômicos e culturais. Estudos recentes mostraram que nos EUA, o baixo nível socioeconômico encontra-se mais relacionado à obesidade11, enquanto que na China e Rússia, as crianças de maior risco são as de classe social mais alta.12 Os padrões de consumo, alimentação e atividade física são as razões determinantes para essa diferença. Nos países em desenvolvimento, as melhorias na qualidade de vida de algumas famílias muitas vezes levam os pais a Obesidade na infância e adolescência oferecerem alimentos em abundância para seus filhos.6 De forma contrária, nos países desenvolvidos, as minorias étnicas e as famílias menos favorecidas geralmente têm restrição a opções de alimentos de boa qualidade e de instalações para a prática de atividade física. Estudos mostram que moradores de áreas pobres nos EUA têm poucas opções de mercados com alimentos considerados mais saudáveis, como frutas, verduras e legumes, o que obviamente interfere no padrão alimentar desses consumidores. Por outro lado, a população com maior privilégio social, além de maior disponibilidade de alimentos de boa qualidade, tem maior acesso a informações relacionadas à saúde.6 Independentemente de consideramos populações e classes sociais como de maior ou menor risco de obesidade, os padrões atuais de vida da população em geral têm favorecido a prática de atividades sedentárias e o consumo de alimentos de alto poder calórico e baixo valor nutritivo. As lanchonetes e cantinas escolares são um exemplo da grande oferta desse tipo de alimento. Além disso, há ampla disponibilidade de máquinas de refrigerantes, doces e frituras em espaços públicos, mesmo em escolas com diretrizes nutricionais estabelecidas. Muitas escolas públicas brasileiras têm adotado, há anos, na sua merenda, cardápios com alimentos de alto conteúdo calórico, com o fim de suprir a demanda de populações carentes. No entanto, nota-se que essa medida tem contribuído consideravelmente para o aumento da prevalência da obesidade infantil, já que expõe as demais crianças e adolescentes a um conteúdo excessivo de calorias. Propagandas de restaurantes de fast food, refrigerantes e alimentos industrializados, em programas infantis de televisão, telenovelas com público adolescente e em até revistas infanto-juvenis, aliadas à falta de uma legislação que possa coibir a exposição indiscriminada de crianças a esse tipo de informação são causas diretas do aumento da prevalência da obesidade na infância e adolescência. Somam-se ainda as propagandas sutilmente incluídas nos programas, incluídas nos conteúdos de programas de televisão, muitas vezes mais danosas do que as diretas. COMO SE ESTIMAR A MASSA ADIPOSA A complexidade de se estimar o grau de obesidade é tema de muitos estudos.7,13 Devido à grande dificuldade de quantificar a massa de tecido adiposo em crianças, tomando-se em conta, entre outros fatores, as diferenças populacionais e étnicas de composição corporal, não há uma definição universalmente aceita para a avaliação da gordura corporal. Métodos como ressonância nuclear magnética (RNM) e densitometria computadorizada por absormetria radiológica de dupla energia (DEXA) são considerados os métodos com maior acurácia para quantificação da massa adiposa.7 Ainda assim, apresentam limitações. A DEXA, por exemplo, apesar de pouco invasiva, não distingue gordura subcutânea da visceral. Além disso, a utilização desses métodos de avaliação fica restrita ao meio acadêmico, em função de sua complexidade e alto custo. O método de avaliação por bioimpedância elétrica é rápido, simples, de custo relativamente baixo e não-invasivo. No entanto, sofre interferência de diversos fatores, como a alimentação, grau de atividade física e do estado de hidratação que, por sua vez, pode ser alterado, por exemplo, pela fase do ciclo menstrual, presença de doença aguda e elevação da temperatura.7 Portanto, esse método apresenta baixa acurácia e reprodutibilidade, limitando o seu uso. As medidas antropométricas constituem métodos baratos, reprodutíveis e pouco invasivos. Dentre eles, a circunferência abdominal é útil para identificar crianças obesas com maior risco metabólico (com maior quantidade de gordura visceral).13 Dessa forma, tal medida deve ser incluída na avaliação de crianças e adolescentes com sobrepeso e obesidade. No entanto, referências pediátricas de curvas de circunferência abdominal ainda são escassas. A medida de pregas cutâneas é um método útil para a avaliação da distribuição de gordura corporal, pois são tomadas medidas de várias partes do corpo. Como ponto negativo, têm de pouca reprodutibilidade, especialmente em pacientes muito obesos, mesmo após o treinamento técnico do examinador. O cálculo do IMC é um método amplamente difundido na prática médica, sendo inclusive utiliRev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S107-S118 109 Obesidade na infância e adolescência zado na definição de obesidade. No entanto, uma das preocupações ao considerá-lo como medida de gordura corpórea é a sobre-estimativa do sobrepeso, já que o método não constitui uma medida específica de gordura corpórea, sobretudo gordura visceral. A correlação de valores de IMC com aspectos clínicos é de extrema importância, pois indivíduos com grande percentual de massa magra (músculos, ossos e líquidos corporais), como atletas e adultos jovens, podem apresentar-se com IMC elevado. De forma contrária, atenção deve ser dada aos pacientes classificados como eutróficos ou com leve sobrepeso, mas com grande acúmulo de gordura abdominal.13 Em muitos países, curvas com dados de sua própria população são utilizadas para a avaliação de dados antropométricos. No Brasil, há muitos anos têm-se utilizado os dados do National Center for Health Statistics, dos Estados Unidos, como referência para avaliação de percentis de IMC para idade e sexo. Em 1997, a OMS iniciou um trabalho para o desenvolvimento de gráficos e curvas para a avaliação do crescimento, do estado nutricional e o desenvolvimento motor de crianças e adolescentes. O estudo, publicado em 200614, contou com a participação de vários países, incluindo o Brasil (com apoio do Ministério da Saúde), Gana, Índia, Noruega, Oman e os Estados Unidos, de modo a representar as seis principais regiões geográficas do mundo. A característica mais marcante dessas curvas é o fato de terem sido construídas com crianças em aleitamento materno até os 4 meses e por terem como critérios de inclusão um conjunto de fatores que favorecem o pleno desenvolvimento de suas potencialidades de crescimento. Dessa forma, essas referências de percentis de IMC para idade e sexo (também disponíveis em desvios-padrão), de 0 a 18 anos, são consideradas mais adequadas para a população brasileira, permitindo uma melhor avaliação e classificação nutricional. As curvas de IMC para idade da OMS se iniciam desde o nascimento, enquanto que as do CDC aos 2 anos de idade. Pelo reflexo da maior obesidade da população americana em relação à brasileira, as curvas do CDC tendem a subestimar o número de obesos brasileiros. As curvas da OMS, por outro lado, tendem a identificar mais fielmente o grau de obesidade da população brasileira, aumentando a estimativa de obesos.15 (Figura 1) 110 Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S107-S118 Figura 1 - Comparação das curvas de IMC para idade, de 0 a 5 anos, da OMS (WHO) e CDC 2000. As curvas da OMS são mais baixas que as do CDC 2000, aumentando a identificação de crianças obesas. Por outro lado, podem subestimar os casos de desnutrição. ETIOLOGIA DA OBESIDADE INFANTIL Apesar de serem conhecidos mais de 600 genes e porções cromossômicas ligados à obesidade, os fatores genéticos são considerados raros como causa direta da obesidade infantil. Quando presentes, geralmente há o desenvolvimento de formas graves e precoces da doença. Dos genes ligados diretamente ao desenvolvimento da obesidade, destacam-se os reguladores do metabolismo leptina-melanocortina, um complexo sistema regulador do apetite, envolvendo hormônios e neurotransmissores. Mutações no gene do receptor de melanocortina 4 (MCR4) são as causas monogênicas mais freqüentes de obesidade, ocorrendo em até 4% das formas graves e de início precoce da doença na faixa etária pediátrica.16 Algumas síndromes genéticas se associam a um quadro de obesidade. Dentre elas, destaca-se a síndrome de Prader-Willi (OMIM 176270), caracterizada por hipotonia, retardo mental, hipogonadismo hipogonadotrófico e obesidade, geralmente, de início precoce e de mau prognóstico. Os pacientes com essa síndrome apresentam um quadro de hiperfagia, relacionada a níveis elevados de grelina, um hormônio orexigênico. A síndrome de BardetBiedl (OMIM 209900) também se associa a quadros variáveis de obesidade, além de retardo mental, retinopatia pigmentar, polidactilia e anormalidades renais. A síndrome de Beckwith-Wiedemann (OMIM 130650) não se associa especificamente à obesidade na infância, mas ao crescimento ge- Obesidade na infância e adolescência neralizado e à visceromegalia. Outras síndromes raras, como a de Cohen (OMIM 216550), a deficiência congênita de leptina ou do seu receptor, entre outras, também estão relacionadas com formas graves de obesidade. Há evidências que a obesidade infantil tem, muitas vezes, sua origem no ambiente intra-uterino.3 Esse, quando adverso, com o conseqüente atraso do crescimento fetal, influencia o acúmulo posterior de gordura e, dessa forma, o desenvolvimento de complicações relacionadas à obesidade. O rápido acúmulo de gordura, nos primeiros anos de vida (especialmente nos primeiros meses), está associado ao desenvolvimento da síndrome metabólica na idade adulta, que se caracteriza pela detecção concomitante de adiposidade abdominal, dislipidemia, hipertensão arterial e intolerância à glicose.17 Em síntese, a obesidade infantil é a expressão fenotípica final resultante da influência de fatores ambientais e comportamentais em indivíduos geneticamente susceptíveis. Tem, portanto, como causa principal, os fatores exógenos. As mudanças na quantidade e na qualidade da alimentação, além da drástica redução da atividade física são os principais fatores responsáveis pelo aumento da prevalência da obesidade em crianças e adolescentes nos últimos 35 anos. Um grande estudo de coorte18, com mais de 8 mil crianças, identificou nos primeiros anos de vida oito fatores relacionados à obesidade infantil (aos 7 anos de idade): 1) obesidade dos pais; 2) ganho excessivo de gordura ou de IMC em idades muito precoces; 3) hábito de assistir à televisão por mais de 8 horas por semana na idade de 3 anos; 4) recuperação da curva de crescimento (catch up); 5) desvio-padrão de peso aos 8 e 18 meses; 6) ganho de peso excessivo no 1º ano de vida; 7) peso ao nascimento; 8) sono noturno menor que 10,5 horas na idade de 3 anos. Além desses fatores, evidências apontam o leite materno como protetor contra o sobrepeso futuro, em algumas populações.19 Ainda que raras, as causas endócrinas devem ser pesquisadas quando, além de obesidade, houver sinais clínicos sugestivos de algum distúrbio hormonal. Endocrinopatias caracterizadas por diminuição do gasto energético e da velocidade de crescimento resultam no desenvolvimento de baixa estatura e adiposidade central. É o caso das deficiências de hormônio do crescimento e de hormônio tireoidiano (ou uma combinação dos dois), como também pode ocorrer no hipercortisolismo ou síndrome de Cushing. Tal síndrome ainda se acompanha de hipertensão, dislipidemia, intolerância à glicose, face de “lua cheia”, estrias violáceas e fraqueza muscular. A obesidade infantil é uma freqüente complicação de tratamentos (cirurgias e/ou irradiação) direcionados a doenças do sistema nervoso central, como tumores e traumas. Os mecanismos implicados no rápido ganho de peso pós-operatório são pouco conhecidos, mas envolvem a diminuição da atividade física, alterações hipotalâmicas em centros reguladores da fome e saciedade, além de disfunções do sistema nervoso simpático.7 O uso crônico de alguns medicamentos deve ser pesquisado ao se avaliar uma criança ou adolescente com obesidade. O uso prolongado de glucocorticóides, tópicos ou sistêmicos, é a principal causa de hipercortisolismo. Drogas anti-psicóticas, valproatos, progestágenos, entre outros, também se associam freqüentemente ao ganho de peso, além de dislipidemia e intolerância à glicose.7 O TECIDO ADIPOSO COMO ÓRGÃO ENDÓCRINO Desde 1994, ano da descoberta da leptina, o tecido adiposo deixou de ser considerado apenas como um reservatório passivo de energia, passando então a assumir o papel de órgão endócrino.20 Além da secreção de ácidos graxos livres, o tecido adiposo expressa e secreta vários peptídeos bioativos, as chamadas adipocinas, atuantes tanto no nível local (ação parácrina/autócrina) quanto no sistêmico (ação endócrina).20 Tais substâncias desempenham diversas funções metabólicas, como a regulação do acúmulo e gasto energético, a regulação do metabolismo de glicose, lípides, além de efeitos imunológicos anti- e pró-inflamatórios. O tecido adiposo contém ainda uma complexa maquinaria metabólica, capaz de interagir com diversos órgãos e sistemas à distância, tais como o sistema nervoso central (SNC), o sistema cardiovascular (SCV) e os rins. 21 CONSEQÜÊNCIAS DA OBESIDADE INFANTIL A obesidade na infância pode levar a danos imediatos à saúde, como dislipidemia, hipertensão arterial, microalbuminúria, esteatose hepátiRev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S107-S118 111 Obesidade na infância e adolescência ca não-alcoólica, problemas ortopédicos, baixa auto-estima, intolerância à glicose ou até o início precoce do diabetes mellitus tipo 2.6,7 Nos EUA, o diabetes mellitus tipo 2 é responsável por até 45% dos novos casos de diabetes diagnosticados nos pacientes pediátricos, principalmente nas populações afro- e hispano-americanas, com maiores taxas de obesidade. 22 Ainda que não haja uma definição uniforme de síndrome metabólica para pacientes pediátricos, alguns estudos demonstram relação direta entre o grau de obesidade e sua prevalência, associada à morbi-mortalidade na vida adulta por doenças cardiovasculares.7,23 Um grande trabalho envolvendo mais de 2600 adolescentes mostrou que aqueles com sobrepeso têm 50-70% de chance de se tornarem adultos com sobrepeso ou obesidade.2 Além disso, a maior prevalência de obesidade nas últimas décadas tem contribuído muito para o aumento dos custos relativos à saúde (pública e privada). Um estudo americano, incluindo crianças e adolescentes de 6 a 17 anos, mostrou que os custos hospitalares referentes a doenças relacionadas à obesidade aumentaram cerca de 3 vezes, em 10 anos. 22 AVALIAÇÃO CLÍNICO-LABORATORIAL Anamnese e exame físico A história médica detalhada, aliada ao exame físico, é de grande importância para se diferenciar causas primárias de obesidade de causas secundárias (doenças genéticas, endócrinas, lesões do SNC ou ainda causas iatrogênicas).7 Como toda anamnese pediátrica, informações sobre a gestação e o período neonatal são de grande importância, como, por exemplo, história de crescimento intra-uterino retardado e de diabetes gestacional. Os dados antropométricos ao nascimento, como peso e comprimento, devem ser solicitados, já que os recém-nascidos pequenos para a idade gestacional e os filhos de mãe diabética têm maior risco para o desenvolvimento de anormalidades metabólicas futuras.17 Devem-se obter informações detalhadas sobre a alimentação, desde os primeiros meses de vida: leite materno ou fórmula artificial, idade de 112 Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S107-S118 introdução de sólidos, avaliação da quantidade calórica ingerida, assim como sua distribuição, a rotina da criança ou adolescente e dados sobre o preparo da dieta. A época de início do ganho de peso e o aparecimento de outros sinais ou sintomas também devem ser investigados. Distúrbios do sono, como dificuldade respiratória, associados a déficit de atenção e sonolência durante o dia podem ser sinais de apnéia do sono, representando uma co-morbidade do sobrepeso. Durante a anamnese, devem-se valorizar as questões psicológicas relativas à criança e seus relacionamentos com seus pares, pois muitas vezes sintomas depressivos, ansiedade e baixa auto-estima estão presentes e influenciarão no tratamento. Hábitos sedentários, como o tempo dedicado à televisão, computador e jogos eletrônicos devem ser descritos. É importante detalhar também a prática de atividades físicas, além do ambiente em que é realizada. Avaliar se a obesidade traz algum prejuízo ortopédico que possa atrapalhar a realização de esportes, como dores articulares. Recomenda-se investigar ainda o uso prévio de medicamentos obesogênicos e história de lesões do SNC, cujos tratamentos envolveram cirurgia ou radioterapia. Além disso, a história familiar deve incluir informações sobre obesidade, doenças cardiovasculares, dislipidemia e distúrbios do metabolismo glicêmico nos parentes de 1º grau. No exame físico, deve-se inicialmente realizar as medidas antropométricas: peso, estatura, circunferência abdominal, freqüência cardíaca e pressão arterial. Observar dismorfismos corporais e sinais clínicos, como hipotonia muscular, que possam sugerir alguma síndrome genética. À ectoscopia, procurar por sinais de resistência à insulina, como a presença de acantose nigricans e a distribuição abdominal de gordura. Observar se há estrias violáceas, acne e outros sinais que possam sugerir hipercortisolismo. Nas adolescentes com sobrepeso ou obesidade, investigar sinais de hiperandrogenismo, como acne e hirsutismo, além de alterações do ciclo menstrual, que podem sugerir a síndrome dos ovários policísticos, intimamente relacionada à resistência insulínica. A palpação abdominal pode revelar hepatomegalia, possível sinal de esteatose hepática. Obesidade na infância e adolescência Exames laboratoriais Os exames laboratoriais devem ser solicitados após uma estimativa de risco metabólico e cardiovascular, com base nos dados da anamnese e exame físico. De modo geral, a triagem metabólica dos pacientes com sobrepeso e obesidade deve incluir as dosagens de glicemia e insulina de jejum, colesterol total e frações, triglicérides, provas de função tireoidiana e hepática.7 Os pacientes com maior risco de síndrome metabólica, como os obesos graves, com IMC para idade superior a 3 desvios-padrão, acantose nigricans e/ou com história familiar positiva para diabetes devem realizar o teste de tolerância oral à glicose, com as dosagens de glicose e insulina 2 horas após a ingestão de 1,75g/Kg de dextrosol (máximo de 75g).6,7 Se houver hepatomegalia e/ou elevação de transaminases hepáticas, o que ocorre em cerca de 10% dos obesos, o ultra-som abdominal deve ser solicitado, para avaliar a existência de esteatose hepática. Da mesma forma, o ecocardiograma, se houver suspeita de anormalidades das câmaras cardíacas. A polissonografia deverá ser realizada nos casos suspeitos de apnéia do sono.7 Nos últimos anos, estudos têm mostrado o valor da dosagem quantitativa de alta sensibilidade da proteína C-reativa nos casos de sobrepeso e obesidade, pela correlação positiva dos seus níveis com o IMC e com o risco cardiovascular.20,24 No entanto, é necessário uma melhor definição dos valores de referência para idade e sexo. Se houver suspeita de doenças específicas, como hipercortisolismo ou alguma síndrome genética, exames específicos deverão ser indicados. É recomendável, nesses casos, a participação de um especialista em Endocrinologia Pediátrica. TRATAMENTO O tratamento da obesidade infantil visa sobretudo à diminuição das co-morbidades associadas, em curto e longo prazo. As crianças obesas têm maior vulnerabilidade às complicações decorrentes do excesso de tecido adiposo, justificando ações preventivas e terapêuticas. Tendo em vista que crianças e adolescentes com sobrepeso apresentam maior risco de dislipi- demia, hipertensão arterial e intolerância à glicose7,8, torna-se evidente a necessidade de tratamento, que se baseia inicialmente em orientações alimentares e aumento da atividade física. Por outro lado, apesar de algumas crianças e adolescentes com obesidade, mesmo com formas graves da doença, não apresentarem co-morbidades, continua a ser recomendada a mudança de estilo de vida, associada ou não ao tratamento medicamentoso, já que muitas vezes esse grupo apresenta graves distúrbios emocionais. Abordagens terapêuticas mais agressivas devem ser realizadas nos pacientes que apresentam percentil de IMC para a idade maior ou igual a 95 (ou mais que 2 desvios-padrão), ou naqueles que apresentam sobrepeso associado a co-morbidades. A abordagem da obesidade em crianças e adolescentes geralmente necessita da participação de uma equipe interdisciplinar. Tais equipes devem incluir psicoterapeuta, nutricionista, endocrinologista e professor de educação física. O objetivo do trabalho em equipe é sobretudo propiciar uma abordagem mais ampla do paciente, procurando envolvê-lo, bem como seus familiares, no processo terapêutico. O objetivo inicial do tratamento é restaurar o balanço energético, equilibrando a relação ganho/ gasto calórico. Nos casos em que é clara a ingestão calórica excessiva, a restrição alimentar deverá ser aplicada, associada a um maior gasto energético, ou seja, aumento da atividade física. Deve-se objetivar, em longo prazo, alcançar o percentil 85 de IMC para sexo e idade, já que a gravidade da obesidade no adulto está relacionada à gravidade e persistência da obesidade na infância. 25 A estabilização do peso em crianças em crescimento reduz o IMC progressivamente. É um objetivo a ser atingido no tratamento de crianças de 2 a 6 anos obesas e sem complicações secundárias. A perda de peso é recomendada para crianças de 2 a 6 anos obesas e com co-morbidades, e para as crianças maiores de 6 anos, cujos percentis de IMC para idade e sexo superem 85. A redução de 5 a 10% do peso e a sua manutenção por 2 a 5 anos melhora significativamente a sensibilidade à insulina e, conseqüentemente, a tolerância à glicose, além de outros benefícios. 25 Quanto à abordagem nutricional, medidas simples podem ser muito eficazes para aqueles pacientes com erros alimentares graves. O aumento Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S107-S118 113 Obesidade na infância e adolescência do consumo de frutas e vegetais, a diminuição das porções servidas, o intervalo regular entre as refeições, evitando longos períodos sem se alimentar, são exemplos de orientações que devem ser feitas inicialmente. Restrições calóricas leves a moderadas são geralmente seguras e podem ser eficientes quando as crianças obesas e seus familiares estão suficientemente motivados para manter por tempo prolongado as mudanças de estilo de vida adotadas inicialmente. Algumas crianças, no entanto, extremamente obesas ou com complicações secundárias, necessitam dietas mais restritivas. As orientações nutricionais devem visar à redução calórica com um aporte de proteínas e carboidratos minimamente suficiente para promover cetose, sem perda de massa magra. Para tal, a participação de nutricionista, sob supervisão médica, é de grande utilidade. Nesses casos, atenção deve ser dada às deficiências de vitaminas, minerais e micronutrientes essenciais, que podem afetar a mineralização óssea e o crescimento linear. Especula-se que a qualidade dos carboidratos ingeridos possa interferir no ganho de peso. A secreção de insulina em resposta à ingestão de alimentos contendo açúcares simples (com alto índice glicêmico), como refrigerantes e doces, supera a que é desencadeada por alimentos com altas concentrações de proteínas, gorduras e fibras. Dessa forma, o tipo de dieta pode provocar um estado de hiperinsulinemia crônica, contribuindo para o ganho de peso. Estudos sobre os efeitos dos alimentos com altos índices glicêmicos no peso de crianças pequenas são inconclusivos.7 Já os trabalhos envolvendo adolescentes têm mostrado que a diminuição da ingestão de refrigerantes, suco e líquidos ricos em açúcar tem uma associação independente e negativa sobre o IMC e a massa adiposa.26 Em contrapartida, a ingestão de fibras solúveis e insolúveis deve ser estimulada, já que há uma diminuição da absorção de macronutrientes e conseqüente aumento da oxidação de ácidos graxos livres, diminuindo o risco de desenvolver doenças cardiovasculares. Os programas comportamentais direcionados ao tratamento de pacientes obesos são trabalhosos, geralmente de alto custo e requerem uma intensa participação dos pais, o que na maioria das vezes não é possível. Incluem geralmente a participação de equipes interdisciplinares. Alguns trabalhos 114 Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S107-S118 sugerem que o tratamento comportamental para obesos é mais efetivo para crianças e adolescentes do que para adultos. No entanto, mesmo estudos conduzidos em centros especializados para o tratamento da obesidade infantil têm mostrado que apenas metade dos pacientes pediátricos tratados com modificação dos hábitos de vida obtiveram manutenção da perda de peso em longo prazo.27 Como parte do tratamento das crianças e adolescentes obesos, recomenda-se o estímulo à atividade física. As atividades devem ser divertidas, adequadas à idade e direcionadas ao interesse e condições do paciente. Deve-se estimular exercícios preferencialmente aeróbicos e que envolvam grandes grupos musculares, aumentando assim o gasto energético.7 Uma das grandes dificuldades para convencer alguns obesos a praticarem exercícios físicos é o seu receio de exposição pública. As comunidades e escolas deveriam promover programas de integração social dessas crianças, criando um meio saudável de convivência e atividade física. Os benefícios do exercício físico incluem a redução da gordura total e visceral, o aumento da taxa de metabolismo basal e melhora do perfil metabólico, com o aumento da sensibilidade à insulina pelo tecido adiposo, redução da concentração de ácidos graxos livre, de colesterol LDL e triglicérides e aumento da concentração de colesterol HDL. Um recente estudo em adultos jovens mostrou que o exercício físico orientado durante 5 dias por semana (aumento de 12,5% do gasto energético), associado à dieta restritiva (redução de 12,5% da energia consumida), por 6 meses, não mostrou efeito superior (redução de peso e massa adiposa) à dieta restritiva isolada. No entanto, houve aumento do condicionamento aeróbico no primeiro grupo, o que se relaciona com melhora do perfil metabólico e cardiovascular.28 A associação de dieta e exercício físico no tratamento da obesidade infantil geralmente resulta numa redução efetiva do IMC em curto prazo. Por outro lado, em longo prazo, as mudanças de estilo de vida têm se mostrado desapontadores, como demonstrou o trabalho de Pinnelli L et al., com uma taxa de desistência de 30-40% dos 1.383 pacientes pediátricos obesos envolvidos, em apenas 3 meses de tratamento.29 Uma revisão da Cochrane de 2003, com ensaios clínicos randomizados com mais de 6 meses de duração, mostrou que a maio- Obesidade na infância e adolescência ria dos estudos realizados com esse intuito envolve um número pequeno de pacientes e por pouco tempo de seguimento para se detectar os efeitos do tratamento. Além disso, poucos ensaios usam os mesmos critérios de comparação e de resultados.30 As evidências científicas disponíveis para esse tipo de análise são, portanto, de qualidade limitada e devem ser interpretadas de forma cautelosa. Tratamento medicamentoso Quando as mudanças de estilo de vida (sob supervisão médica) falham na redução de peso, uma reavaliação dos riscos e co-morbidades deverá ser feita. Tratamentos mais agressivos, como a farmacoterapia, poderão ser instituídos, desde que haja critérios clínico-laboratoriais para sua indicação.7 As drogas disponíveis no mercado para o tratamento da obesidade incluem agentes estimulantes (contra-indicados na faixa etária pediátrica), anorexígenos, redutores de absorção de nutrientes e drogas que alteram o metabolismo insulínico (produção e ação). O único anorexígeno aprovado atualmente para o uso em adolescentes maiores de 16 anos é a sibutramina, um inibidor não-seletivo da recaptação de serotonina, noradrenalina e dopamina, cujo principal efeito é promover saciedade. Além disso, um estudo recente mostrou que a sibutramina pode prevenir a redução da taxa de metabolismo basal, efeito observado no grupo-placebo tratado apenas com dieta restritiva.31 Seu uso é recomendado em associação à dieta restritiva e aos exercícios físicos, nos casos selecionados. Apresenta maior efeito durante os 4 a 6 primeiros meses de uso e sua administração por mais de 2 anos não é recomendada. Como efeitos colaterais, destacamse a hipertensão arterial, taquicardia, insônia, sudorese, ansiedade e constipação intestinal. Portanto, seu uso é contra-indicado para os obesos com hipertensão arterial não-controlada. Um trabalho envolvendo adolescentes mostrou benefício do uso de sibutramina associado a dieta e atividade física, com redução de IMC de 8,5 ± 6,8% em 6 meses de tratamento, em comparação ao grupo que utilizou placebo (4,0 ± 5,4%). Além da perda de peso, houve redução da insulina de jejum e aumento dos níveis de colesterol HDL. Apesar da perda de peso inicial, não houve benefí- cio adicional nos 6 meses seguintes.32 No entanto, vários pacientes apresentaram efeitos colaterais, necessitando redução ou até mesmo suspensão da medicação. O orlistat, inibidor da lipase pancreática, age no intestino, reduzindo a absorção de triglicerídeos. Sua ação promove a perda de peso e a redução dos níveis de colesterol LDL.33 No Brasil, seu uso é aprovado para adolescentes com mais de 12 anos. Seus efeitos adversos incluem a esteatorréia, o desconforto abdominal e a deficiência de vitaminas lipossolúveis (A, D, E e K), os quais podem ser minimizados pela redução da ingestão de gorduras e pela reposição polivitamínica. O estudo de Mc Duffie et al. mostrou que o orlistat associado a dieta e atividade física, por 3 meses, reduziu significativamente o peso, o IMC, o colesterol total e LDL, a glicemia e insulina de jejum e aumentou a sensibilidade à insulina em adolescentes.34 Apesar dos bons resultados iniciais, a maioria dos pacientes em uso de orlistat interrompeu o uso da medicação após alguns meses, pela dificuldade de restrição prolongada a alimentos gordurosos, o que ocasiona invariavelmente flatulência e esteatorréia. A metformina, fármaco que aumenta a sensibilidade à insulina, reduz a produção hepática de glicose e aumenta a sua captação pelos tecidos periféricos. Além da melhora da sensibilidade à insulina, exerce um efeito orexigênico, com conseqüente perda de peso, diminuição da adiposidade (principalmente visceral) e melhora do perfil lipídico. Aprovada para o uso em adolescentes a partir dos 10 anos de idade, é considerada uma medicação segura e bem tolerada. Seus efeitos colaterais incluem desconforto abdominal, elevação leve de transaminases hepáticas e acidose lática. Este medicamento tem sido amplamente prescrito para os pacientes adultos com diabetes mellitus tipo 2, apresentando, portanto, um potencial terapêutico para adolescentes obesos com resistência à insulina.7 Nesse contexto, ensaios clínicos randomizados, controlados e com duplo mascaramento, envolvendo adolescentes obesos com resistência à insulina, tolerância normal à glicose e história familiar positiva para diabetes mellitus tipo 2, mostraram efeitos benéficos em curto prazo em relação ao peso, sensibilidade à glicose, perfil lipídico e leptina, com ou sem dieta restritiva associada.35 Em contrapartida, recentemente um ensaio randomizado com duplo mascaramento não detectou Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S107-S118 115 Obesidade na infância e adolescência perda de peso significativa com o uso da metformina associada a dieta e exercício físico.36 O análogo da somatostatina octreotide se liga ao receptor-5 de somatostatina na membrana da célula beta pancreática, promovendo uma redução da secreção de insulina. Um estudo piloto utilizando essa medicação no tratamento de crianças e adolescentes com obesidade hipotalâmica mostrou bons resultados e boa tolerabilidade.37 Os pacientes devem ser capazes de seguir corretamente as recomendações nutricionais pós-operatórias e manter regularmente o acompanhamento médico e psicológico. Além disso, as adolescentes devem concordar em evitar a gravidez por, no mínimo, um ano após a cirurgia, pelo risco oferecido ao feto, relacionado à rápida perda de peso pós-cirurgia.38 A reposição de vitaminas, minerais e oligoelementos essenciais é de extrema importância no pós-operatório. 38 Cirurgia bariátrica CONCLUSÃO Infelizmente, os resultados em longo prazo dos tratamentos comportamentais e farmacológicos de crianças e adolescentes obesos têm sido desapontadores, especialmente dos casos mais graves. Nos últimos anos, a cirurgia bariátrica se tornou uma opção de tratamento para os adolescentes gravemente obesos e com co-morbidade associadas.38 As técnicas cirúrgicas mais realizadas são o bypass gástrico (ou derivação gastro-jejunal) em “Y de Roux” e a bandagem gástrica regulável. Há maior tendência de utilização da derivação gastrojejunal nos adolescentes. É recomendável que, previamente à indicação cirúrgica, os pacientes-candidatos estejam psicologicamente preparados, e com uma estrutura familiar bem consolidada, condições mínimas necessárias para uma boa aderência ao tratamento. Uma equipe multidisciplinar deverá participar de todo o processo de seleção, preparo e procedimento cirúrgico, assim como o acompanhamento em curto e longo prazo.39 A cirurgia deverá ser realizada em centro terciário de atenção à saúde, por equipe cirúrgica experiente.39 O consentimento informado dos pais ou responsáveis deverá ser obtido previamente à realização procedimento cirúrgico. A cirurgia poderá ser indicada aos adolescentes com no mínimo 6 meses de tratamento médico mal sucedido e que tenham preenchido critérios antropométricos, médicos e psicológicos. Consideram-se candidatos os adolescentes cuja maturação óssea e sexual corresponda no mínimo a 13 anos de idade para as meninas e 15 anos de idade para os meninos38, cujo IMC seja superior a 40 Kg/m2, ou superior a 35 Kg/m2 em associação a co-morbidades relacionadas ao excesso de peso.40 Constatase, no entanto, que não há consenso sobre os critérios de indicação para adolescentes.40 116 Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S107-S118 A prevalência da obesidade na infância e adolescência tem aumentado muito nas últimas décadas, em todo o mundo. Os maus hábitos alimentares e o sedentarismo são apontados como as principais causas desse fenômeno. A avaliação clínico-laboratorial deve ser indicada às crianças e adolescentes com percentil de IMC superior a 85, para sexo e idade. As conseqüências da obesidade incluem dislipidemia, hipertensão arterial, problemas ortopédicos, baixa auto-estima, intolerância à glicose ou até o início precoce do diabetes mellitus tipo 2. Freqüentemente, crianças e adolescentes obesos se tornam adultos obesos, com a manutenção dos riscos de doenças metabólicas e cardiovasculares. O tratamento da obesidade, assim como das suas complicações, deve ser feito de forma interdisciplinar e com participação da família. Apesar de mostrar bons resultados em curto prazo, as mudanças de estilo de vida têmse mostrado desapontadoras em longo prazo. O tratamento medicamentoso pode ser indicado aos adolescentes como adjuvante à terapia comportamental, porém seus resultados em longo prazo também têm sido decepcionantes. A cirurgia bariátrica se apresenta nos últimos anos como opção para os adolescentes com obesidade mórbida e co-morbidades associadas. Seu sucesso depende de uma integração do paciente, de sua família e da equipe multiprofissional envolvida. Em geral, medidas preventivas devem ser estimuladas, com a participação do governo, das escolas, das indústrias de alimentos e dos profissionais da saúde, estimulando hábitos de vida saudáveis. Estudos adicionais são necessários para promover a prevenção e aprimorar o tratamento da obesidade na criança e adolescência. Obesidade na infância e adolescência REFERÊNCIAS 1. World Health Organization. Obesity: preventing and managing the global epidemic: report of a WHO consultation. Geneve: World Health Organization; 2000. Technical Report Series 894. 2. Clarke WR, Lauer RM. Does childhood obesity track into adulthood? Crit Rev Food Sci Nutr. 1993; 33(45):423-30. 3. Oken E, Gillman MW. Fetal origins of obesity. Obes Res. 2003 Apr; 11(4):496-506. 4. Kral JG, Biron S, Simard S, Hould FS, Lebel S, Marceau S, Marceau P. 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ARTIGO DE REVISÃO Programa de pós-graduação em Saúde da Criança e do Adolescente, da Faculdade de Medicina da UFMG Post-graduation programme in children and adolescent health of the UFMG School of Medicine Joel Alves Lamounier1; Eduardo Araújo Oliveira2; Ana Cristina Simões e Silva3; Francisco José Penna3; Ivani Novato Silva3; Lincoln Marcelo Silveira Freire3; Marco Antonio Duarte3; Regina Lunardi Rocha3 RESUMO Em 1985, foi aprovada pela CAPES a criação do curso pós-graduação em Pediatria, em níveis de mestrado e doutorado. Porém, foi autorizado iniciar apenas o mestrado, que ocorreu em 1987. Posteriormente, com a consolidação do mestrado, iniciou-se o doutorado, sendo a primeira tese defendida em 1998. Outra importante inovação ocorreu em 2004, com modificações na estrutura curricular e no processo de seleção, com a inclusão de outros profissionais. O curso passou de Pediatria para Programa em Ciências da Saúde, Área de Concentração Saúde da Criança e Adolescente. Com esta abertura, foi possível o ingresso de outros profissionais com diferentes formações para desenvolvimento de teses e dissertações, tendo como objeto de estudo a criança e o adolescente. Admissão de outros profissionais de diferentes áreas constituiu um marco na pós-graduação da Faculdade de Medicina da UFMG e permitiu a inclusão de profissionais de outras áreas do conhecimento, além da área médica. 1 2 3 Coordenador Subcoordenador Docente membro do Colegiado Palavras-chave: Educação Médica; Educação de Pós-Graduação em Medicina; Pediatria/educação. ABSTRACT In 1985 it was approved by CAPES the creation of the course postgraduation in Pediatrics in levels of master and doctorate. However, it was authorized to initiate barely the master that occurred in 1987. Subsequently with the consolidation of the master it was initiated the doctorate, being to first thesis defended in 1998. Another one important innovation occurred in 2004 with modifications in the curricular structure and in the trial of selection with the enclosure of others professionals. The course changed from Pediatrics to Program in Sciences of the Health Concentration Area of the Infant and Adolescent Health. With this opening was possible the ingression of others professionals with different formations for development of theories and dissertations having like object of study the infant and the adolescent. Admission of others professionals of different areas constituted a landmark in the postgraduation of the Faculty of Medicine of the UFMG and permitted the enclosure of professionals of other areas of the knowledge beyond the medical area. Key words: Education, Medical; Education, Medical, Graduate; Pediatrics/education. INTRODUÇÃO Em 1985, foi criado o curso pós-graduação em Pediatria, em nível de mestrado, cujo início aconteceu, somente, em 1987. A primeira dissertação foi defendida em 1989.1,2 Posteriormente, foi criado o doutorado, sendo a primeira tese Endereço para correspondência: Joel A Lamounier Faculdade de Medicina UFMG Av. Alfredo Balena 190 Belo Horizonte - MG CEP: 30.130-100 Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S119-S122 119 Programa de pós-graduação em Saúde da Criança e do Adolescente, da Faculdade de Medicina da UFMG defendida em 1998. Após alguns anos de funcionamento e consolidação do mestrado e doutorado, foram propostas mudanças que permitissem acompanhar as tendências da pós-graduação, com a presença, cada vez mais, de profissionais de diversas áreas da saúde na medicina. Em 2004, foram feitas várias mudanças na estrutura curricular e no processo de seleção e o curso passou de Pediatria para Programa em Ciências da Saúde Área de Concentração Saúde da Criança e Adolescente. Com esta abertura, foi possível o ingresso de outros profissionais, com diferentes formações para desenvolvimento de teses e dissertações, tendo como objeto de estudo a criança e o adolescente. O objetivo principal do programa é a formação de docentes e pesquisadores, especificamente para área da saúde, por meio dos cursos de mestrado e doutorado em Ciências da Saúde, Área de Concentração Saúde da Criança e do Adolescente. Esta nova área de concentração, antes apenas para formação de profissionais da área médica, foi possível após longas discussões em reuniões de colegiado e de seminários com os membros do colegiado, professores e orientadores do programa. Assim, após aprovação pelo Colegiado, em 2004, ocorreu a primeira seleção de alunos com este novo perfil, ou seja, para admissão de outros profissionais de áreas não médica. Sem dúvida, um marco na pós-graduação da Faculdade de Medicina da UFMG, que, de forma ampla e democrática, permitiu, por meio de seleção pública, a admissão de discentes de outras áreas do conhecimento. Com as modificações e abertura do programa para outras áreas do conhecimento, além da área médica, observou-se grande interesse de outros profissionais. Nas seleções, verificou-se um aumento de profissionais não médicos, tanto para mestrado quanto doutorado. Portanto, o programa contribui para formação de pessoal capacitado e qualificado, do ponto de vista técnico e de pesquisa nas diversas áreas do conhecimento, confi- gurando, na prática, o que já se observa pelo trabalho de equipe multi-profissional. Na busca pela qualidade na formação dos alunos, o programa tem procurado adequar e criar novas disciplinas, incorporar novos docentes. Assim, novos orientadores e co-orientadores de outras áreas do conhecimento passaram a fazer parte do programa, o que possibilita melhores condições para os alunos desenvolverem as teses e dissertações. Até maio de 2008, foram apresentadas 275 dissertações de mestrado e 78 teses de doutorado. Para os meses de junho, estão programadas seis dissertações de mestrado e uma de doutorado; para julho, nove mestrados e dois doutorados. Portanto, a previsão é um total de 371 defesas, sendo 290 de mestrado e 81 de doutorado, até julho de 2008 (Quadro 1). Em 2006, o tempo médio de titulação foi de 31 para o mestrado e 48 meses para o doutorado.3 ADMISSÃO AO PROGRAMA E GRADE CURRICULAR Na admissão ao programa, é necessário, sempre que possível, a convergência do interesse de estudo do candidato para linhas de pesquisa do Programa. Tanto para mestrado quanto para o doutorado, a procura tem sido, predominantemente, de candidatos oriundos das áreas de Fonoaudiologia, Psicologia, Fisioterapia, Odontologia, Terapia Ocupacional, Nutrição, Enfermagem. Em menor escala, candidatos com formação em Farmácia, Ciências Biológicas, Artes Cênicas, Música, Engenharia. Como reflexo da abertura, sem limitações, para graduados de outras áreas, procurou-se ampliar a participação de um número maior de co-orientadores e professores orientadores plenos de outros departamentos e de outras áreas do conhecimento da UFMG. Desta forma, proporcionar aos alunos, com projetos de pesquisa em outras áreas do conhecimento, uma orientação mais adequada. Tabela 1 - Dissertações e teses apresentados de 2008 Pediatria Ciências da Saúde* Total Maio 2008 Programados Junho/Julho 2008 Total Defesas Mestrado 145 130 275 15 290 Doutorado 37 41 78 3 81 Total 182 171 353 18 371 Nível * a partir de 2004 120 Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S119-S122 Programa de pós-graduação em Saúde da Criança e do Adolescente, da Faculdade de Medicina da UFMG O Programa tem se empenhado para manter a oferta regular de disciplinas formadoras, que contemplem as diferentes áreas do conhecimento e que abram a perspectiva da inserção dos alunos em novos projetos de pesquisa, além da ampliação de seus conhecimentos. Neste contexto estão inseridas as disciplinas: Dor e Morte: Objetos complexos, Tecnologia Biopsicosociais em Saúde da Criança e do Adolescente, Transdisciplinaridade, Rede, Arte e Medicina. Dentro da disponibilidade de recursos, são convidados docentes, tanto da UFMG como também externos. Nas disciplinas desta natureza são abordados temas das áreas de filosofia, literatura, psicologia, tecnologia, artes, teologia e outras. A partir de 2004, foram abolidas disciplinas obrigatórias, pelo entendimento de que as disciplinas que o aluno necessita para sua formação devem ser consideradas obrigatórias, mediante avaliação criteriosa do orientador. A grade curricular contempla um elenco de disciplinas instrumentais e/ou metodológicas, onde o aluno deve cumprir pelo menos 50% do total de seus créditos. É importante ressaltar que o complemento dos créditos é feito de acordo as recomendações do orientador, que leva em conta as disciplinas importantes em sua área de estudo. Portanto, a expectativa é de uma evolução favorável com compartilhamento concreto dos conhecimentos, o que, certamente, irá gerar produtos novos nas dissertações e teses do Programa. Em 2007, foi proposta a criação de uma disciplina Telemedicina e Telesaúde, para ser ministrada sob forma integrada com alunos da graduação e pós-graduação. Outra disciplina - Tópicos em Saúde da Criança e do Adolescente - tem, por finalidade, oferecer um conteúdo que atenda aos alunos com diversas formações, cujo conteúdo pode ser útil para as pesquisas. As atividades de orientação dos alunos de mestrado e doutorado são realizadas por um corpo de 35 orientadores plenos e 10 específicos, credenciados com base na avaliação do curriculum vitae. Também são credenciados um grupo de co-orientadores que preenchem os critérios definidos pelo Colegiado: experiência em orientação e produção científica relevante. Dos orientadores, cerca de 80% são do Departamento de Pediatria da UFMG. Os demais são do Departamento de Medicina Preventiva e Social, Propedêutica Complementar e Clínica Médica, da Faculdade de Medicina. De outras unidades da UFMG são credenciados orientadores específicos e plenos: Psicologia, Odontologia, Bioquímica, Enfermagem. ESTRUTURA, RECURSOS E CONDIÇÕES DE PESQUISA O Programa conta com os recursos do PROF e também com recursos específicos de alguns projetos, provenientes do CNPq, FAPEMIG, FINEP, OMS e outros. Além disso, sempre existe alguma disponibilidade de recursos da própria Universidade ou da Faculdade de Medicina. Com os recursos financeiros do PROF, tem sido possível a compra de passagens e pagamento de estadas dos convidados externos para as bancas. Para as defesas, tem sido possível contar com a presença freqüente de professores convidados de várias instituições do Brasil. Também, sempre que possível, a vinda de algum especialista do exterior. Assim, isso tem gerado importantes intercâmbios do Programa, tanto no país como no exterior. Esses docentes ministram palestras, participam de pesquisas e de outras atividades com grupos específicos. Para divulgar os resultados das pesquisas, os alunos são incentivados e apoiados a participar de eventos científicos. Recursos são destinados para auxílio e com a finalidade de custear despesas em participações em eventos científicos e congressos. Para o desenvolvimento de pesquisas, o programa conta com um laboratório próprio, no prédio da Faculdade de Medicina. O laboratório está equipado de maneira eficiente para atendimento de pesquisas básicas e experimentais. No laboratório, é desenvolvida atividade prática na disciplina da grade curricular Métodos e Técnicas Experimentais. Além disso, os pesquisadores trabalham, em parceria, nos projetos de laboratórios de outras unidades da UFMG. O Programa faz parte, juntamente com outros nove Programas da Faculdade de Medicina, de um Centro de Pós-Graduação, onde são feitas, de maneira permanente, discussões administrativas, acadêmicas e outras pertinentes aos cursos de mestrado e doutorado. Com esta integração, tem sido possível a racionalização de gastos, aplicação melhor e mais eficiente dos recursos financeiros nas atividades operacionais e administrativas. Informações são disponibilizadas no site www.medicina.ufmg.br, que contém linhas de pesquisas, orientadores, disciplinas, seleção, edital, teses, dissertações defendidas, etc. Assuntos de teses e dissertações defendidas são objetos de entrevistas e publicações na mídia em geral, sendo possível atingir grande parte da população. Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S119-S122 121 Programa de pós-graduação em Saúde da Criança e do Adolescente, da Faculdade de Medicina da UFMG AVALIAÇÃO CAPES O Programa tem mantido o conceito 5 nas últimas avaliações CAPES. Entretanto, existe consciência do Colegiado de que as deficiências precisam ser corrigidas, bem como avançar em outras áreas, para consolidação da qualidade. O Colegiado tem procurado traçar metas para os próximos anos, a fim de melhorar os de produção e desempenho do programa. Algumas questões importantes apontam para necessidade de discutir melhor os seguintes aspectos: ■ formas de ingresso na seleção, maior captação alunos de outras partes do país; ■ adequação da estrutura curricular para oferta regular de disciplinas com conteúdos diversos; ■ readequação do corpo de orientadores plenos e específicos com aplicação dos critérios e parâmetros definidos pela CAPES; ■ melhoria da produção científica, com publicação de artigos em periódicos internacionais de impacto, ampliação da inserção internacional; ■ promover maior inserção internacional e maior intercâmbio entre docentes e alunos de doutorado com instituições estrangeiras; ■ adequação das linhas de pesquisa, captação de recursos nas agências de fomento nacionais e internacionais; 122 Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S119-S122 ■ planejamento de sistemática para avaliação de egressos, para obter informações e indicadores de produção de alunos formados no modelo anterior (Pediatria), para comparação com o novo modelo (Multi-profissional). Estes temas fazem parte da proposta do Seminário de Auto-avaliação, realizado em 28 de junho de 2008. A partir de um diagnóstico da situação atual, verificar os possíveis aspectos com deficiência e propor meios para melhorias, metas a curto e médio prazo. REFERÊNCIAS 1. Lamounier JA, Bambirra EA. A pós-graduação na área médica. Breve análise. Rev Med Minas Gerais. 1994; 4(4): 63-6 2. Dorea JG, Lamounier JA. Pós-graduação na área médica no Brasil: Necessidades e alternativas estruturais. Rev Med Minas Gerais. 1998; 8(1): 32-5 3. Universidade Federal de Minas Gerais. Faculdade de Medicina. Relatório CAPES Programa de Pos-graduação em Ciências da Saúde área de concentração saúde da criança e adolescente. Belo Horizonte: Faculdade de Medicina da UFMG; 2007. ARTIGO DE REVISÃO Da tendência grupal aos grupos operativos com adolescentes: a identificação dos pares facilitando o processo de orientação e educação em saúde1 From group tendency to the teenagers’ operative groups: the identification of the pairs facilitating the process orientation and education in health Alisson Araújo1; Regina Lunardi Rocha2; Lindalva Carvalho Armond3 RESUMO Trata-se de uma revisão teórica sobre grupos operativos com adolescentes como prática educativa em saúde, levando em consideração tanto a tendência grupal manifesta durante a adolescência quanto a dinâmica, a estrutura, os princípios organizacionais e as finalidades do grupo operativo. Tem como objetivo oferecer aos profissionais de saúde reconhecimento desta estratégia como forma de educação em saúde e de enfrentamento das adversidades do cotidiano dos jovens, viabilizando e estimulando uma ação educativa que valoriza as vivências de cada participante. Palavras-chave: Comportamento do Adolescente; Educação em Saúde; Saúde do Adolescente. 1 Enfermeiro, Mestre em Ciências da Saúde: Saúde da Criança e do Adolescente, Professor Assistente I do Departamento de Enfermagem da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri - UFVJM. 2 Médica Pediatra, Doutora em Medicina Tropical, Professora Associada do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG. 3 Enfermeira, Doutora em Enfermagem, Professora Aposentada da Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG. Membro do Setor de Saúde do Adolescente do Hospital das Clínicas da UFMG. ABSTRACT This treats about a theoretician review about operative groups with teenagers as an educative practice in health considerating as the group tendency manifested during the adolescence, as the dynamic, the structure, the organizational principles and the finalities of the operative groups. Has as an objective, to offer to the professionals of health, recognition of this strategy as a form of education and health and of facing of the adversities of the youngsters’ quotidian, visualizing and stimulating an educative action that values the customs of each participant. Key words: Adolescent Behavior; Health, Education; Adolescent Health. INTRODUÇÃO Nas últimas décadas, a adolescência tem ocupado distinto interesse por diversas áreas do saber, através de inúmeros estudos que permitiram percebê-la como um período necessário e único do desenvolvimento humano tão importante quanto a infância e a idade adulta. Os vários conceitos e definições acerca do que seja adolescência foram originados das diferentes áreas do saber humano, ora amplas, diversificadas, ora buscando a exatidão, sem que tenha ocorrido o encontro de uma única 1 Texto extraído da Dissertação de Mestrado: “O Grupo de Adolescentes na Escola: A Percepção dos Jovens Participantes”, defendida na Faculdade de Medicina da UFMG pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde: Saúde da Criança e do Adolescente, em abril de 2007. Endereço para correspondência: Alisson Araújo Rua: do Progresso 88 B: Vila Operária Diamantina- MG CEP: 39.100-000 E-mail: [email protected] Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S123-S130 123 Da tendência grupal aos grupos operativos com adolescentes: a identificação dos pares facilitando o processo de orientação e educação em saúde definição resultante do equilíbrio e da pertinência de todas as demais. Esses conceitos foram elaborados a partir de arcabouços de conhecimentos construídos, historicamente, marcados pelo objeto de seus estudos. Assim, para a Sociologia, a adolescência depende da inserção do indivíduo em determinada cultura; já a Antropologia a compreende por ritos de iniciação e passagem ao alcance da vida adulta; enquanto o Direito pauta-se nas questões de menor e maioridade a partir de um legislação vigente.1 No que tange à área da saúde, as Organizações Pan-americana de Saúde (OPAS) e Mundial de Saúde (OMS) delimitam a adolescência como a segunda década de vida (10 a 19 anos) onde ocorre um processo fundamentalmente biológico de vivências orgânicas, em que a aceleração do desenvolvimento e da personalidade são marcantes.2 Com as intensas transformações dessa fase surgem diversas peculiaridades como a necessidade de construção de uma nova identidade, o desempenho de novos papéis sociais, a mudança na relação de dependência da família para o grupo de pares, além da escolha de um projeto de vida e dúvidas sobre as transformações ocorridas neles próprios. Em decorrência de tais peculiaridades, que acarretam tantas mudanças de comportamento esperadas na adolescência, percebe-se o quanto essa fase deve ser particularmente valorizada por caracterizar um período de maior vulnerabilidade dos adolescentes à exposição de riscos.3 Conforme Mandu4, dentre esses riscos que constituem os principais agravos à saúde do adolescente podemos citar: as diversas formas de violência; uso de álcool, fumo e outras drogas; gravidez na adolescência; aborto e as DST/AIDS. Na perspectiva de buscar uma assistência que previna esses agravos e promova a saúde dos adolescentes, tornam-se necessárias ações de cunho educativo direcionadas ao jovem em seu contexto de vida. Essas ações educativas, através de metodologias participativas, devem valorizar os conhecimentos e experiências dos integrantes, envolvendo-os na discussão, identificação e busca de soluções para problemas que emergem de suas vidas cotidianas.(5) Dessa forma, trazendo em seu bojo essas considerações, a estratégia de grupos operativos constitui um instrumento importante no processo educativo dos adolescentes. 124 Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S123-S130 Com o objetivo de oferecer aos profissionais de saúde uma melhor compreensão acerca dos grupos operativos, como estratégia de educação em saúde junto aos adolescentes, realizaremos uma revisão teórica sobre esse assunto, almejando conhecer as características da tendência grupal dessa fase e as bases conceituais do grupo no alcance de seus objetivos. DESENVOLVIMENTO Os estudos realizados por Maurício Knobel, em 1992, levantaram importantes observações acerca da adolescência e influenciaram outros trabalhos já publicados, principalmente na América Latina, contribuindo amplamente para a identificação dessa enquanto suas manifestações do desenvolvimento psicológico-emocional esperadas.6 Nesse sentido, o autor utilizou dos conceitos de luto da psicanálise, destacando a adolescência como um estágio de vivência e elaboração de lutos da identidade infantil, da perda dos pais da infância e da perda do corpo infantil; o que acarreta “crises”, “dor”, conflitos e a necessidade de um ajustamento psicossocial. A partir desse ajustamento psicossocial, esse autor define as características do desenvolvimento psicológico-emocional como Síndrome da Adolescência Normal6, facilitando assim sua compreensão: ■ busca de si e da identidade; ■ tendência grupal; ■ desenvolvimento do pensamento abstrato, necessidade de intelectualizar e fantasiar; ■ crises religiosas (do ateísmo ao misticismo); ■ deslocação temporal, onde o pensamento adquire características do pensamento primário; ■ evolução sexual manifesta desde o auto-erotismo à heterossexualidade genital adulta; ■ contradição sucessiva em todas as manifestações de conduta; ■ separação progressiva dos pais; ■ constantes flutuações de humor e estado de ânimo. Sob esta óptica, a adolescência é percebida como um período necessário e único do desenvolvimento humano, tão importante quanto a infância e a idade adulta. Esse processo é funda- Da tendência grupal aos grupos operativos com adolescentes: a identificação dos pares facilitando o processo de orientação e educação em saúde mentado não somente “no forte componente físico-corporal decorrente de um processo evolutivo, mas também de processos produzidos no âmbito da sociedade, definindo-se e modificando-se na interação com seus diversos componentes - econômicos, institucionais, político-éticos, culturais, físico-ambientais. É no concreto da vida, na construção/reconstrução e apropriação ou não de seus bens e valores materiais e culturais, na interação desse com processos somáticos, genéticos e físico-ambientais que se definem os diversos modos de vida adolescentes”7. Nesse contexto, família, escola e sociedade como um todo, influenciam e sofrem influência do processo de adolescer numa perspectiva do que se viveu no passado, experimenta no presente e espera para o futuro. Knobel6 estudando, minuciosamente, as características do ajustamento psicossocial na adolescência identificou dentre essas, a tendência grupal. O autor afirma que o espírito de grupo entre os adolescentes se manifesta pela busca de suas identidades próprias. Recorrem, como comportamento defensivo, a uma certa uniformidade grupal – superidentificação em massa – que pode proporcionar segurança e estima pessoal. As atuações desse grupo com seus integrantes representam a oposição às figuras parentais e uma maneira ativa de determinar uma identidade diferente da do meio familiar. Para Beirão et al.8, a tendência grupal é necessária para construir uma nova identidade para o adolescente, tornando-o independente da família. Assim, o grupo oferecendo segurança e auto-estima funcionaria como uma ponte entre a família e o laço social. Para tanto, o adolescente rompe esses vínculos e parte na busca de si, junto com outros que vivenciam o mesmo processo longe da família, a fim de perceber-se sem influências parentais.9 Nessa ruptura, a identificação mútua dos adolescentes desloca o sentimento de dependência dos pais para o grupo de companheiros e amigos, fazendo com que o indivíduo pertença mais ao grupo de coetâneos do que ao grupo familiar, inclinando-se às regras da turma em relação a modas, vestimentas, costumes e preferências de todos os tipos.6 Conforme Saito e Silva1, este senso de pertencimento ao grupo é muito marcante entre os jovens pelo fato de estarem no mesmo momento existencial, vivenciando a mesma crise, os mesmos questionamentos. Isso torna cada integrante menos frágil, menos solitário; além de fortalecer a auto-estima individual. Contudo, a necessidade de suporte emocional nessa fase, faz com que os adolescentes se submetam às atitudes que passam a ser soberanas no grupo. Numa fase em que questionam autoridade, instituições e modo de vida dos adultos, os adolescentes necessitam de um “senso de pertencer”, que se realiza através do forte vínculo ao grupo de pares e à “cultura jovem”. Demonstram egocentrismo, falta de empatia nas relações com os adultos e profunda identificação e solidariedade com os amigos.10 Essa identificação profunda entre os pares, ao mesmo tempo em que oferece o distanciamento da família, dá força ao senso de independência do adolescente. Defender a independência constitui uma das lutas mais desapiedadas em um período em que os pais ainda possuem um papel ativo na vida do indivíduo. É por isso que na tendência grupal o adolescente procura um líder ao qual submeter-se, ou então, erige-se ele próprio como líder para exercer o poder do pai ou da mãe.6 Chipkevitch10 ressalta que a tendência grupal se manifesta diferentemente em função do gênero e da faixa etária, e descreve importantes observações do comportamento adolescente pela divisão da adolescência em inicial (10 aos 13 anos), média (14 aos16 anos) e final (17 aos 20 anos). Esse autor observou que na adolescência inicial a turma de meninos é geralmente unissexual, tendendo a ser mais numerosa que a das meninas, que comumente são compostas por duas ou três amigas. O grupo dessas meninas é marcado por uma maior intimidade e troca de confidências, enquanto os grupos masculinos são barulhentos e centrados na resistência a autoridade adulta. A escolha de amigos é guiada mais pelas preferências pessoais e interesses comuns do que pelas características de personalidade. Nesse período o envolvimento emocional tende a ser pouco intenso. Já na adolescência média, o grupo aumenta a confiança mútua, a troca de confidências e o envolvimento afetivo com as amizades verdadeiras, cumprindo melhor a função de suporte emocional que pode ser importante em situação de conflito. Aqui, os grupos constituem importantes fontes de informação e encorajamento nos relacionamentos, que Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S123-S130 125 Da tendência grupal aos grupos operativos com adolescentes: a identificação dos pares facilitando o processo de orientação e educação em saúde neste momento passam a ser de pares de sexo diferentes, orientados para a interação heterossexual. Na fase final da adolescência, diminui o número de amigos, embora os relacionamentos sejam mais profundos, estáveis e significativos. Os que namoram costumam se desligar parcialmente do grupo. A necessidade de manter-se nos padrões do grupo é reduzida e as opiniões dos pais tendem a ganhar mais peso que os valores do grupo. Segundo Maakaroun9, ao final da adolescência os pais emergirão do distanciamento de outrora e, se tudo correu bem, serão novamente eleitos figuras de identificação. Em todas as faixas etárias, independente do gênero, o grupo de pares cumpre importantes funções para o desenvolvimento psicossocial do adolescente. Como todos se parecem na procura de si mesmos, nas angústias e na recusa pelos valores adultos, os adolescentes cultuam o grupo como espaço privilegiado para a troca de idéias, sentimentos e experiências. Com isso, a segurança emocional, a compreensão, o suporte e o encorajamento podem ser adquiridos com a vivência grupal. As relações aí contidas incentivam o desenvolvimento dos diversos papéis e habilidades sociais influenciando o futuro padrão adulto de amizades e vida pública. O desenvolvimento das qualidades como sensibilidade, mutualidade, reciprocidade e cooperação são possíveis tanto pela diversidade de características próprias dos integrantes quanto pelas nuances da adolescência. Além disso, os grupos permitem a vasão dos impulsos sexual e agressivo, facilitando o desligamento das figuras parentais.10 Todavia, o jovem que, para ser incluído em determinado grupo, assume comportamentos de seus pares sem estar preparado, convive com o incremento de riscos que podem levar a agravos em graus variáveis.1 Dessa forma “o grupo nem sempre tem um caráter integrativo ou está a serviço de promover a integração da personalidade, solidariedade e continuidade do sistema social. Pode se tornar foco potencial de anormalidades ou de propostas de transformação social, o que traz à tona o caráter potencialmente problemático de grupos juvenis e da própria juventude como condição chave para o processo de transmissão da herança social”.11 De acordo com Marques et al.12, as características do desenvolvimento psicossocial do ado126 Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S123-S130 lescente podem tender à vulnerabilidade e riscos, ao agir no sentido do rompimento com valores familiares, muitas das vezes de forma arriscada e destemida. Guimarães e Ferreira13 afirmam que tanto as formas de adoecer quanto as causas de morte dos adolescentes estão comumente associadas aos comportamentos ditados pelos grupos que os norteiam. O comportamento do adolescente, por ser muito influenciado pelo grupo, principalmente, na adolescência inicial e média, torna-se aspiração inquietante para o candidato a integrante de tal grupo. Outra reflexão quanto a esses comportamentos faz-se, por exemplo, na experimentação coletiva de cigarros, bebidas e drogas ou em atos anti-sociais. Por estar em grupo, a responsabilidade na concepção do adolescente parece diluir-se; ele acredita que tais atitudes não oferecem nenhum tipo de risco.10 A escolha do adolescente ao assumir os comportamentos que colocam sua própria saúde, sua vida em risco está muito pautada no “currículo oculto” que traz consigo. Saito e Silva1 explicam essa denominação como algo apreendido em termos de valores familiares, mesmo antes de seu nascimento até a adolescência. Nesse percurso, as autoras afirmam que a família funciona como primeiro grupo de referência do ser humano e certamente vai influenciar sua inserção em outros. Dessa forma, os adolescentes tendem a se vincular a amigos e ao grupo de pares que espelham seus próprios valores e semelhanças, sendo que a família tem uma influência sobre esta escolha de um modo mais expressivo do que se pensava. Uma relação muito conflituosa com as figuras parentais tende a levar os adolescentes a se orientarem predominantemente pelo grupo. Se o grupo molda inúmeros comportamentos assim como atitudes e linguagem transitórias, os pais acabam tendo maior ascendência em questões de ordem moral ou nas escolhas a longo prazo. Bandos e gangues de condutas delinqüentes, freqüentemente, são formados de adolescentes oriundos de famílias desorganizadas e com integrantes portadores de distúrbios psicopatológicos.10 Em uma discussão sobre “Adolescência, Cultura, Vulnerabilidade e Risco - A Prevenção em Questão”, Saito e Silva1 mostram um outro aspecto com relação à adolescência e marginalidade. As auto- Da tendência grupal aos grupos operativos com adolescentes: a identificação dos pares facilitando o processo de orientação e educação em saúde ras comentam que os estereótipos e os preconceitos criados pelos adultos acerca da adolescência são frutos da cultura social. Os jovens são vistos como sendo irresponsáveis, desconsiderando que a própria sociedade cultua uma adolescência de longa duração, indeterminada, de elevada carga de conflitos e apresentando grosseira assincronia entre maturidade sexual e maturidade social; à custa da susceptibilidade às novidades tanto políticas como tecnológicas veiculadas pelos meios de comunicação. Sendo assim, a vinculação do adolescente ao grupo pode ser utilizada de maneira positiva e não encarada sempre como uma forma perigosa, agressiva e fortalecedora de condutas anti-sociais. Por outro lado, a tendência grupal na adolescência pode configurar-se como fator de proteção, através da promoção de mudanças de atitudes e de comportamentos próprios entre seus pares, levando-os a fazer escolhas mais saudáveis e a exercer melhor o controle sobre a sua saúde e o ambiente que o rodeia.14,15 Nessa perspectiva, a utilização da estrutura grupal como instrumento de promoção, prevenção e atenção à saúde integral dos adolescentes destacase como estratégia de ação. A necessidade de buscar suas identidades e de apoio durante essa fase possibilitam ao grupo ser mediador de questões que favoreçam comportamentos secundários. Para tanto, Munari e Furegato16 afirmam que estudar a importância dos grupos é incontestável, pois grande parte das atividades desenvolvidas pelos seres humanos é realizada em grupos, desde o seu nascimento até a morte. Através dos grupos (família, amigos, trabalho), os sujeitos humanos se reconhecem como participantes de uma sociedade, inseridos em uma teia de relações e papéis sociais, através dos quais constroem suas vidas. Os grupos podem ser divididos em grandes grupos como classe social, dentre outros e em pequenos grupos como os de convivência e grupos de atendimentos. Estes últimos, cada qual a sua maneira, possuem uma ligação com uma instituição; valores e práticas sociais, expressas por leis, normas e costumes para família, mundo de trabalho, amizades, religião, etc. Dessa forma, os grupos tem uma história própria com aspectos particulares, um jeito de ser próprio, singular e um pertencimento social pelo qual se fazem similares a outros grupos.17 O atendimento em grupo, como recurso da área de saúde, teve suas origens em 1905 com o médico Joseph Pratt no Hospital geral de Massachussets, nos EUA. Primeiramente, Pratt e seus seguidores utilizaram o método de grupo em pessoas com doenças somáticas e depois em tuberculosos, diabéticos e cardíacos. Os grupos partiam do pressuposto de que os resultados do tratamento dependiam da influência benéfica de uma pessoa sobre a outra, através do suporte emocional existente entre indivíduos com preocupações e experiências semelhantes. Dentre os estudiosos que, no início do séc. XX, utilizaram grupos como recursos para assistir pessoas podemos citar: Marsh e Lazell com pacientes psiquiátricos institucionalizados; Trigant Burrow nas terapias grupais com pessoas fora das instituições, assim como Wender e Schilder do Setting grupal em experiências distintas; Jacob Lewin Moreno criador da abordagem psicodramática teatral e Bion e Foulkes na psicoterapia de grupo analítica.18,19 A partir da década de 30 as contribuições de Kurt Cowini marcaram consideravelmente todos os estudos que vieram a seguir. Foram os primeiros trabalhos mais sistematizados sobre os grupos que os delimitavam como campo de estudo e pesquisa. Além de criar a expressão “dinâmica de grupo” que popularizou-se desde a segunda guerra mundial, este pesquisador diferenciou-se dos demais até o momento, pois na sua perspectiva “o grupo não é meramente uma coleção de indivíduos, mas uma entidade em si mesmo, com qualidades que podem diferir daquelas de cada membro em particular”. Assim, os grupos que até então eram utilizados com finalidades estritamente terapêuticas, passam a ter ênfase no contexto educacional com pequenos grupos, desviando-se do modelo médico.19 Desde então, os estudos de Lewin possibilitaram uma grande expansão da utilização do enfoque grupal no contexto dos movimentos norteamericanos. Dentre estes destacamos o da terapia gestálica de Parls, dos grupos tipo Synanom, das terapias nudistas, dos grupos de terapia da bioenergética e das maratonas além dos trabalhos de Carl Rogers que da terapia centrada no cliente transportou-a para o contexto grupal.18 Os trabalhos com grupos na atualidade, norteados pelos estudos até aqui mencionados, diversificaram-se em muitas vertentes. Dentre estas verRev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S123-S130 127 Da tendência grupal aos grupos operativos com adolescentes: a identificação dos pares facilitando o processo de orientação e educação em saúde tentes temos a do grupo operativo que teve como precursor Enrique Pichon-Revière.20 Pichon-Rivière (1907-1977) foi um médico psiquiatra e psicanalista que nasceu na Suíça e viveu na Argentina desde os 4 anos de idade. Desenvolveu a teoria e técnica de grupos operativos, a partir de uma atitude extremada, colocando pacientes menos comprometidos em seu estado de saúde para cuidar dos mais comprometidos. Essa atitude ocorreu durante uma incidente greve do pessoal de enfermagem no Hospital De Las Mercês, em Rosário, onde era docente e clínico. Nessa situação observou que ambos os subgrupos de pacientes apresentaram significativa melhora de seus quadros clínicos. Os elementos referenciais do processo de evolução desses pacientes foram possíveis através da ruptura de definições de papéis de quem cuida para quem é cuidado e do novo processo de comunicação estabelecidos entre eles. O resultado intrigante levou Pinchon-Rivière a estudar os fenômenos grupais a partir dos postulados da psicanálise, da teoria de campo de Kurt Lewin, que culminaram nas bases estruturantes dos grupo operativos.14 Essa compreensão dos fenômenos grupais não partem do ponto de vista psicoterápico, mas sim, da operação de tarefas objetivas que no âmbito institucional médico, pedagógico e empresarial tem influenciado e difundido idéias de Pichon-Rivière e seus seguidores desses temas no Brasil.21,22 De acordo com Pichon-Rivière 20, essas tarefas juntamente ao vínculo constituem os princípios organizadores do grupo operativo. O vínculo é um mecanismo de interação que, ao mesmo tempo, é bicorporal pela presença sensorial de dois corpos, e tripessoal, pois além das duas pessoas existe uma terceira que vem do mundo interno e interfere nessa relação. Essa estrutura rege todas as relações humanas, por incluir fantasias inconscientes que são produtos de interação entre os vínculos. Configura-se uma estrutura complexa que rege, incluindo um sistema transmissor-receptor, uma mensagem, um canal.20 Como tarefa, compreende-se o modo pelo qual cada integrante interage segundo suas próprias necessidades em torno de objetivos comuns, emergindo daí obstáculos de várias naturezas. Como diferenças e necessidades pessoais e transferenciais, diferenças de conceitos e marcos referenciais e do conhecimento formal propria128 Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S123-S130 mente dito. A tarefa como trajetória que o grupo percorre para atingir suas metas, necessita de aprendizagem que, para Pichon-Revière, é sinônimo de mudança.14 Ao caracterizar grupos operativos, Afonso17 afirma que a mudança é exigida diante de uma problemática que é influenciada especialmente por fatos sociais, culturais e psíquicos, transformando não apenas a mente, como também as práticas e relações que os participantes desenvolvem em seu cotidiano. Assim, a aprendizagem ocupa lugar importante perante as mudanças. Para Berstein23, é através da capacidade do grupo e de cada um de seus integrantes que se torna possível o desenvolvimento de condutas alternativas diante das mudanças, através da compreensão e da ação transformadora da realidade, não repetindo sempre as mesmas condutas. Para Gayotto24, aprender em grupo significa que, na ação educativa, estamos preocupados não apenas com o produto de aprendizagem, mas com o processo que possibilitou a mudança dos sujeitos. É uma ação formadora do sujeito para a vida, rejeitando a simples transmissão de “conversas do saber”. Discutindo a estrutura e dinâmica do grupo operativo, Abduch14 esclarece que esse é composto por, no máximo, 15 integrantes e possui um coordenador e um observador. Seus integrantes entram em tarefa por meio de um disparador temático, passando o grupo a operar ativamente como protagonista. Os grupos possuem normas básicas de conhecimentos, como local e horários definidos. O coordenador é um facilitador do processo, na medida em que cria condições para comunicação e diálogo, auxiliando o grupo a superar os obstáculos que emergem na realização da tarefa. Compete ao observador uma percepção global do processo (por sua distância ótima do grupo) através de registros gráficos e de expressões verbais e gestuais dos integrantes e do coordenador, a fim de auxiliá-lo na elaboração da crônica evolucionária do trajeto percorrido pelo grupo. Segundo Afonso17, o papel do coordenador nesta modalidade grupal “é cada vez mais o de um co-pensador e co-operador, de um dinamizador das relações, de um mediador das informações e da reflexão, do que de um educador que detém conhecimento”. Da tendência grupal aos grupos operativos com adolescentes: a identificação dos pares facilitando o processo de orientação e educação em saúde Ainda caracterizando a estrutura do grupo operativo, Abduch14 relata que cada participante comparece com sua história pessoal consciente e inconsciente, isto é, com sua verticalidade. Na medida em que constituem grupos, passam a compartilhar necessidades em função de objetivos comuns e criam uma nova história, a horizontalidade do grupo que não é simplesmente a somatória de suas verticalidades, pois há uma construção coletiva, resultante da interação de aspectos de sua verticalidade, gerando uma história própria, inovadora, que dá ao grupo sua especificidade e identidade grupal. Com relação a importância do grupo operativo para os adolescentes, Beirão et al.8 explicam que a adolescência, como processo de desconstrução e reconstrução da identidade, traz consigo muitas tarefas que o jovem terá de cumprir no seu caminho rumo à conquista da personalidade adulta. As intensas transformações físicas, psíquicas e sociais desse momento tornam os adolescentes mais vulneráveis a diversas situações do seu dia-a-dia, que possam por em risco a sua integridade. Por outro lado, o desconhecimento do processo de adolescência e a falta de espaços aos quais possam recorrer tornam-lhes mais inseguros. Para tanto, os mesmos autores ressaltam a importância de se criar espaços plurais onde os adolescentes possam se expressar de modo mais amplo; não só receber informações, mas também falar de si, discutir melhor as suas questões e expor seus sentimentos, ou seja, possam ser vistos na sua singularidade. Embora seja importante focalizar o sujeito, é junto a outros que os jovens terão mais facilidade de expressão. CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante do exposto, o estudo da estratégia de grupos operativos com adolescentes possibilita uma melhor compreensão de sua dinâmica, estrutura, princípios organizacionais e finalidades. No que tange aos profissionais da saúde, reconhecer essa estratégia de educação em saúde como forma de enfrentamento das adversidades do cotidiano dos jovens viabiliza e estimula uma ação que valoriza as vivências de cada participante. O grupo operativo com adolescentes, através da identificação mútua dos seus integrantes, é capaz de promover hábitos saudáveis de vida, funcio- nando como um potencial indutor desse processo. Assim, esses hábitos de vida orientados pelo construído na aprendizagem grupal, configuram-se como fatores de proteção à saúde do adolescente rumo à vida adulta. Repensar as práticas educativas em saúde, envolvendo adolescentes, pressupõe um novo olhar sobre o jovem e seu papel na família, escola e sociedade, em que as tarefas a serem desempenhadas nestes contextos possam ser discutidas num processo dinâmico e criativo, norteado pela experiência de cada um. REFERÊNCIAS 1. Saito MI, Silva LEV. Adolescência: prevenção e risco. São Paulo: Atheneu; 2001. 2. Brasil. Ministério da Saúde. Saúde do Adolescente. Brasília; 2006. [Citado em 15 set. 2006] Disponível em: http:// www.saude.gov.br. 3. Amado CR, Leal MM. Anticoncepção de emergência na adolescência. Rev Pediatr Mod. 2001 maio; 37(Ed. Esp.):7-9. apud Domingos SRF. A consulta ginecológica sob a ótica de adolescentes: uma análise compreensiva [dissertação]. Belo Horizonte: Escola de Enfermagem da UFMG; 2003. 4. Mandu ENT. Adolescência: saúde, sexualidade e reprodução. In: Associação Brasileira de Enfermagem - Projeto Acolher. Adolescer: compreender, atuar, acolher. 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ARTIGO DE REVISÃO Tratamento da obesidade na infância e adolescência: uma revisão da literatura Treatment of adolescence and childhood obesity: a literature revision Carla Toledo Afonso1; Cristiane de Freitas Cunha 2; Tatiana Resende Prado Rangel de Oliveira3 RESUMO É consenso que a obesidade na infância e adolescência vem aumentando de forma significativa, nas últimas décadas, já sendo reconhecida como uma verdadeira epidemia mundial. A obesidade é um problema com grande prevalência e complexidade, levando à frustração profissionais de saúde e pacientes, representando um desafio terapêutico. Este estudo discute as inúmeras abordagens terapêuticas para o problema da obesidade nesta faixa etária, como o atendimento ambulatorial individualizado, programas de educação em grupo, medicamentos e abordagens cirúrgicas. A importância do atendimento multidisciplinar no tratamento da obesidade é ressaltada. Os agentes farmacológicos atuais não estão aprovados para tratamento da obesidade na infância, e o tratamento cirúrgico permanece como última opção, pois os efeitos, a longo prazo, ainda não são completamente conhecidos. É recomendado que a intervenção comece precocemente, que os programas de tratamento instituam mudanças permanentes e que auxiliem as famílias a fazerem alterações pequenas e graduais. Dietas muito restritivas não são aconselháveis e podem promover déficit de crescimento estatural. Como os programas de intervenção ainda têm pouco consenso, a prevenção continua sendo o melhor caminho. Prevenir a obesidade na infância e adolescência significa diminuir de forma racional e menos onerosa a incidência de doenças crônico-degenerativas. 1 Acadêmica do 11° período da Faculdade de Medicina da UFMG. Professor adjunto do Departamento de Pediatria - FM/ UFMG. Pós Doutorado em Endocrinologia pela Universidade de Barcelona 3 Nutricionista da Secretaria Municipal de Saúde (PBH). Mestre em Saúde Pública, Doutoranda em Ciências da Saúde (UFMG). 2 Palavras-chave: Obesidade/tratamento; Peso Corporal; Criança; Adolescente; Transtornos da Nutrição Infantil ABSTRACT It’s been a consensus that adolescence and childhood obesity has been rising conspicuously in the past decades, and now it’s been acknowledged as a world epidemic. Obesity is a prevalent and complex problem that led patients and specialists to serious frustration, and it’s a striking challenge. This study discusses the countless therapeutic approaches focusing on the obesity matter, over such aging span, such as private emergency assistance, team educational programs, and medication and surgical issues. It also highlights the relevance of multidisciplinary assistance as to the obesity treatment. The current pharmacologic components aiming a childhood obesity treatment still haven’t been approved of. The surgical treatment is to be seen as a last choice, for its effects, in the long run, hasn’t fully come out yet. It’s advisable that taking steps procedures start as soon as possible and, on top of it, that the treatment arrangements address themselves to permanent switches, besides helping families to take up little by little changes. Pretty restrictive diets aren’t recommendable, due to the fact that they may faster height growth deficit. Since the intervention programs still keep little consensus, prevention must be seen as the best way to follow. Avoiding obesity either in childhood or in adolescence means the reduction of chronic- degenerative disease incidence, as well as its emotional aftermath, and less onerous practice. Key words: Obesity/thearapy; Body Weight; Child; Adolescent; Child Nutrition Disorders Faculdade de Medicina - Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Endereço para correspondência: Rua Professor Antônio Aleixo, n° 760, apto 1501 B: Lourdes Belo Horizonte - MG CEP: 30.180-150 E-mail: [email protected] Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S131-S138 131 Tratamento da obesidade na infância e adolescência: uma revisão da literatura INTRODUÇÃO É consenso que a obesidade infantil vem aumentando de forma significativa nas ultimas décadas, sendo agora reconhecida como uma verdadeira epidemia mundial. Representa um problema com alta morbidade, está associada com diversas alterações metabólicas e é considerada como um dos principais fatores de risco modificáveis para a doença cardiovascular.1,2 A obesidade é um problema com grande prevalência e complexidade e fonte importante de frustração para profissionais de saúde e pacientes e, sobretudo, é um grande desafio terapêutico.3 Objetiva este estudo apresentar uma revisão atualizada e crítica sobre a obesidade na infância e adolescência, focalizando principalmente os aspectos de tratamento e prevenção. METODOLOGIA Foi realizada uma revisão da literatura através da base de dados PubMed/MEDLINE, tendo sido selecionados os artigos mais atuais e representativos do tema (1997-2007). As palavras-chave usadas na pesquisa bibliográfica foram: obesity, child, adolescent, sendo encontrados 119 artigos nesta busca. Estabeleceu-se uma estratégia de busca priorizando a identificação de ensaios clínicos (controlados ou não controlados), revisões sistemáticas e diretrizes publicados nos últimos 10 anos. Artigos que já eram do conhecimento dos autores também foram utilizados. CONCEITO De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), a obesidade pode ser conceituada como o acúmulo anormal ou excessivo de gordura no organismo que pode levar a um comprometimento da saúde.4 Existem vários métodos de avaliação do estado nutricional e cada um deles apresenta critérios para diagnosticar o sobrepeso e a obesidade. A escolha do método a ser utilizado deve levar em conta sexo, idade e maturidade sexual. O Índice de Massa Corporal (IMC), calculado pela fórmula peso (em kg) dividido pelo quadrado 132 Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S131-S138 da altura (em metros), é o parâmetro de escolha para identificar adultos obesos e foi validado para identificar crianças e adolescentes obesos. O termo obesidade é aplicado quando o IMC excede o percentil 95 nos gráficos de crescimento do Centro de Controle de Doenças nos Estados Unidos (CDC), para crianças da mesma idade e sexo, enquanto sobrepeso é aplicado para crianças ou adolescentes cujo IMC está entre os percentis 85 e 95.5 A Força Tarefa Internacional de Obesidade (International Obesity Taskforce - IOTF) desenvolveu uma definição de sobrepeso e obesidade para crianças e adolescentes, baseada em estudos de crescimento com representatividade nacional em seis países (Inglaterra, Brasil, Holanda, Hong Kong, Singapura e Estados Unidos). Nesse trabalho, para cada faixa etária e sexo foram desenhadas curvas de tal sorte que, na idade de 18 anos, passassem pelos pontos de corte largamente aceitos para sobrepeso e obesidade em adultos (IMC de 25 a 30 Kg/m2). Essas curvas foram construídas para fornecer esses pontos de corte para cada sexo e idade, de 2 a 18 anos.6 A RELEVÂNCIA DO TEMA De acordo com o estudo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a freqüência de adolescentes com excesso de peso no Brasil foi de 16,7% em 2002-2003, sendo o problema um pouco mais freqüente em meninos (17,9%) do que em meninas (15,4%). Dentro de cada região, o problema foi sempre mais freqüente no meio urbano do que no meio rural. Observa-se ainda, que a freqüência da obesidade pouco varia com a idade em meninos e tende a diminuir com a idade em meninas. 7 A tendência secular do estado nutricional da população brasileira de adolescentes foi analisada em três inquéritos nacionais realizados em 1974-1975, 1989 e 2002-2003. A freqüência de excesso de peso em meninos é relativamente baixa no primeiro inquérito (3,9%), mas duplica no segundo inquérito (8,3%) e novamente duplica do segundo para o terceiro inquérito (17,9%). A freqüência de excesso de peso em meninas aumenta em cerca de 80% do primeiro para o segundo inquérito (de 7,5% para 13,8%) e em apenas cerca de 10% do segundo para o terceiro inquérito (de 13,8% para 15,4%). A evolução Tratamento da obesidade na infância e adolescência: uma revisão da literatura da obesidade repete, com freqüências menores, a evolução do excesso de peso observada ao longo dos três inquéritos. No sexo masculino a freqüência de obesidade foi de 0,1% no primeiro inquérito, 0,7% no segundo e 1,8% no terceiro. No sexo feminino a freqüência da obesidade também aumentou entre os inquéritos sendo respectivamente 0,7%, 2,2% e 2,9%.7 TRATAMENTO A obesidade é uma doença de difícil tratamento em crianças e adolescentes, pois estes dependem dos pais para modificar os hábitos de alimentação e atividade física. Além disso, a dificuldade em refletir sobre as conseqüências da doença e a baixa auto-estima dos pacientes prejudica a adesão ao tratamento. Como a maioria das famílias não se envolve no tratamento, o manejo da obesidade infantil pode ser ainda mais difícil do que no adulto.3 Existem inúmeras abordagens terapêuticas para o problema da obesidade infantil, como o atendimento ambulatorial individualizado, programas de educação em grupo, medicamentos e abordagens cirúrgicas. Independentemente da abordagem escolhida, alguns princípios são importantes no tratamento da obesidade, entre eles: estabelecer objetivos e intervenções de tratamento individualizadas baseadas na idade da criança, grau de obesidade e na presença de comorbidades; envolver a família e outros cuidadores no tratamento; oferecer assistência e monitoramento freqüentes; considerar os fatores comportamentais, psicológicos e sociais envolvidos no ganho de peso; fornecer recomendações para mudanças na dieta e aumento na atividade física, que podem ser implementadas dentro do ambiente familiar e que promovam a saúde, crescimento e desenvolvimento adequados.8 É recomendado que a intervenção comece precocemente, que os programas de tratamento instituam mudanças permanentes (e não dietas a curto prazo ou programas de exercício físico objetivando uma rápida perda de peso) e que auxiliem as famílias a fazerem mudanças pequenas e graduais. Os profissionais que atuam nesta área devem adotar uma postura encorajadora e não crítica frente a seus pacientes.9 Tratamento multidisciplinar Os estudos mais recentes têm demonstrado ainda a importância do atendimento interdisciplinar no tratamento da obesidade, que seria uma forma mais consistente de abordar os aspectos psicológicos, comportamentais e ambientais envolvidos no processo.10 A posição da American Dietetic Association é que o tratamento da obesidade infantil combine programas com múltiplos componentes baseados na família e na escola, que incluam a promoção de atividade física, treinamento dos pais, aconselhamento comportamental e educação nutricional.11 A educação nutricional pode promover o desenvolvimento da capacidade de compreender práticas e comportamentos. O conhecimento ou aptidão resultante desse processo contribui para a integração do adolescente com o meio social, proporcionando ao indivíduo condições para que possa tomar decisões para resolução de problemas mediante fatos percebidos.12 Intervenções comunitárias A Política Nacional de Alimentação e Nutrição (PNAN) propõe várias ações para melhoria da alimentação das crianças e adolescentes como capacitações para cuidadores, merendeiras e professores sobre alimentação saudável; ampliação da merenda escolar para comunidade indígena; capacitações em alimentação saudável com enfoque na Segurança Alimentar e Nutricional e no Direito Humano à Alimentação para conselheiros de alimentação escolar e inclusão do tema Alimentação Saudável nos parâmetros curriculares das escolas brasileiras.13 Foi realizada uma revisão dos programas desenvolvidos em contexto escolar para prevenção de obesidade em crianças e jovens com intervenções sobre a dieta e/ou sobre a atividade física. Nesta revisão, cerca de 68% dos programas selecionados (17 dos 25) foram considerados eficazes, baseado em uma redução significativa no Índice de Massa Corporal (IMC) ou das medidas de dobras cutâneas. Educação física nas escolas e a redução do tempo assistindo a televisão são dois exemplos de intervenções que foram eficazes.14 Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S131-S138 133 Tratamento da obesidade na infância e adolescência: uma revisão da literatura Ressalta-se os resultados encorajadores das intervenções escolares direcionadas a aumentar atividade física e/ou diminuir comportamentos sedentários na infância.15 Mudanças no estilo de vida São recomendadas algumas modificações na maneira de se alimentar para o adequado treinamento do paladar e resgate da percepção de saciedade, como evitar grandes intervalos entre as refeições, comer pequenas porções, mastigar adequadamente, evitar refeições apressadas ou durante a realização de outra atividade (estudo, programas de TV) e evitar a ingestão de líquidos durante as refeições. 16 Dietas muito restritivas não são aconselháveis e podem promover déficit de crescimento estatural.3 Em uma revisão de 6 estudos comparando dietas com pouca gordura com outros tipos de dieta de redução de peso, não houve diferença entre estas dietas em relação à perda de peso a longo prazo. Além disto, a perda de peso em todos os estudos foi muito pequena (2-4 kg) após um período de 12 a 18 meses.17 Um estudo realizado com adolescentes obesos do sexo masculino demonstrou que o exercício físico, tanto aeróbio como anaeróbio aliado à orientação nutricional, promove maior redução ponderal, quando comparado com a orientação nutricional somente. Neste estudo, o exercício anaeróbio foi mais eficiente para promover a diminuição da gordura corporal e da percentagem de gordura e o exercício aeróbio foi mais eficaz no sentido de preservar e/ou aumentar a massa magra.18 Terapia comportamental A terapia cognitivo-comportamental (TCC) é uma intervenção semi-estruturada, objetiva e orientada para metas, que aborda fatores cognitivos, emocionais e comportamentais no tratamento dos transtornos psiquiátricos. Os transtornos alimentares (TA) são multideterminados e resultam da interação entre fatores biológicos, culturais e experiências pessoais. A TCC ocupase da identificação e correção das condições que 134 Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S131-S138 favorecem o desenvolvimento e manutenção das alterações cognitivas e comportamentais que caracterizam os casos clínicos. Vários ensaios clínicos avaliaram a eficácia da terapia cognitivo comportamental, indicando que ela favorece a remissão ou diminuição da freqüência de episódios de compulsão alimentar, dos comportamentos purgativos e da restrição alimentar. Tem sido relatada também melhora do humor, do funcionamento social, e diminuição da preocupação com peso e formato corporal. 19 Grupos de reeducação alimentar O grupo de reeducação alimentar é um espaço para promover a aprendizagem, e deve ter uma abordagem mais lúdica que teórica. Foi observado que os programas de educação em grupo apresentaram efeitos de magnitude semelhante ao atendimento individual (grupo ambulatório), exceto para redução da colesterolemia, onde os programas de educação em grupo apresentaram vantagem significativa. Este estudo mostrou que um programa educativo, que pode ser ministrado por qualquer profissional da saúde, em qualquer local, não se revelou menos efetivo que o atendimento tradicional individualizado à obesidade infantil, e ainda apontou algumas vantagens.3 Tratamento medicamentoso Com relação ao tratamento medicamentoso para redução da obesidade são utilizadas as seguintes drogas: anfetaminas, fenfluraminas, fenterminas, dietilpropriona, mazindol, pemolina, fenilpropanolamina e os antidepressivos, fluoxetina e sertralina, entre outras.20 Somente duas drogas são aprovadas pelo FDA (Food and Drug Administration) para tratamento a longo prazo da obesidade: sibutramina (aprovada em 1997) e orlistat (aprovada em 1999). O orlistat pode ser usado em adolescentes de 12 a 16 anos, com efeitos adversos similares ao observados em adultos. A eficácia da sibutramina em adolescentes não é comprovada e seu uso não é recomendado em pacientes pediátricos.21 Tratamento da obesidade na infância e adolescência: uma revisão da literatura O FDA também aprova a fentermina e a dietilpropriona para tratamento a curto prazo da obesidade em adultos, porém o uso destes medicamentos não é recomendado para menores de 16 anos.21 Um estudo prospectivo, randomizado, placebo controlado que demonstrou que o orlistat pode ser um integrante útil no tratamento da obesidade mórbida em adolescentes, porém os efeitos colaterais gastrointestinais limitam sua utilidade em quase 1 a cada 3 adolescentes. Vinte e dois adolescentes com obesidade exógena foram tratados com orlistat na dose de 120 mg/dia e com um preparado multivitamínico diário em adição ao tratamento convencional que incluía programas de modificação nutricional e no estilo de vida. O grupo controle (20 adolescentes) foi tratado com o tratamento convencional isoladamente. Sete dos 22 pacientes abandonaram o tratamento no primeiro mês devido aos efeitos colaterais atribuídos ao orlistat. Os outros 15 pacientes foram acompanhados por 5-15 meses. Comparado ao peso corporal inicial, os pacientes do grupo do orlistat perderam -6,27 ± 5,4 kg, enquanto o do grupo controle ganhou 4,16 ± 6,45 kg (p<0,001) durante o período em estudo. Efeitos gastrointestinais moderados foram relatados por todos os pacientes no grupo tratado com orlistat.22 Um estudo com 60 adolescentes (randomizado, duplo cego, placebo controlado) demonstrou que houve significativa redução de peso naqueles que usaram o medicamento sibutramina ( 10,3 ± 6,6 kg) em relação ao grupo que usou placebo (perda de 2,4 ± 2,5 kg). Além disto, não houve diferença na pressão arterial, freqüência cardíaca e nos parâmetros ecocardiográficos entre o grupo que usou o medicamento e o grupo placebo.23 Existem estudos clínicos em andamento na avaliação de orlistat e de sibutramina em pacientes pediátricos. Esses estudos são necessários, uma vez que não se pode assumir que riscos e benefícios do uso desses agentes sejam os mesmos em adultos e em crianças.24 Há muitas controvérsias sobre a utilização destes medicamentos, pelos escassos estudos sobre seus efeitos a longo prazo. Os remédios criam uma expectativa de cura para a obesidade e as pessoas comumente voltam a engordar com a suspensão do medicamento.25 Tratamento cirúrgico Capellla e Capella26 sugerem que intervenção cirúrgica precoce deveria ser oferecida a maior número de adolescentes para minimizar as conseqüências emocionais e físicas da obesidade mórbida. Foi realizado um acompanhamento de 19 pacientes com idade entre 13-17 anos que se submeteram a gastroplastia vertical com bandagem e derivação gástrica em Y de Roux entre maio 1990 e agosto de 2001. O Índice de Massa Corporal (IMC) médio era de 49 kg/m2, variando de 38 a 67. O IMC pós-operatório, no tempo máximo de acompanhamento (média 5,5 anos, variando de 1 a 10 anos), foi de 28 variando de 23 a 45. Somente um paciente não perdeu peso suficiente e foi considerado um insucesso. Não houve mortalidade ou séria morbidade e todas as comorbidades desapareceram durante o processo de perda de peso. As famílias e pacientes ficaram satisfeitos com a cirurgia, no entanto alguns pacientes manifestaram insatisfação como excesso de pele após a perda de peso e expressaram relutância em exporem seus corpos.26 Sugerman et al sugeriu que a cirurgia bariátrica em adolescentes obesos é segura e associada com significativa perda de peso, correção das comorbidades relacionadas à obesidade e melhora da auto-imagem e da socialização.27 De acordo com a resolução n° 1.766/05 do Conselho Federal de Medicina o tratamento cirúrgico da obesidade mórbida é indicado para pacientes maiores de 18 anos. Idosos e jovens entre 16 e 18 anos podem ser operados, mas exigem precauções especiais e o custo/benefício deve ser muito bem analisado.28 O tratamento cirúrgico permanece como ultima opção, para pacientes que apresentaram falha por mais de 6 meses na tentativa de perda de peso, Índice de Massa Corporal (IMC) ≥ 40, atingiram maturidade do esqueleto, tenham comorbidades relacionadas à obesidade que podem melhorar com a redução do peso, demonstrem capacidade de decisão, sejam capazes de aderir às orientações nutricionais pós-operatórias e que tenham um suporte no ambiente familiar. 29 Ressalta-se que a cirurgia somente deverá ser realizada em pacientes selecionados e mesmo os casos que preencham estes critérios devem ser analisados, já que estes reúnem característiRev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S131-S138 135 Tratamento da obesidade na infância e adolescência: uma revisão da literatura cas que poderiam possibilitar o emagrecimento sem a cirurgia. Deve ser levado em consideração que apesar do procedimento cirúrgico se mostrar eficaz em reduzir significativamente o peso e comorbidades como apnéia do sono e hipertensão, os efeitos metabólicos, nutricionais, e psicológicos a longo prazo ainda não são completamente conhecidos.29 Adesão ao tratamento Os estudos sobre a adesão ao tratamento de obesidade são complexos e ainda insuficientes e existe uma lacuna de novas publicações que esclareçam melhor os aspectos psicossociais envolvidos no fenômeno da baixa adesão e do abandono precoce ao tratamento de obesidade.30 Dados da literatura mostram taxas muito altas de abandono ao tratamento de adultos e crianças, em torno de 50 %.31 Em um estudo brasileiro foram identificadas diversas causas para a desistência da continuidade ao tratamento da obesidade em crianças e adolescentes, como por exemplo, as dificuldades dos pais e/ou responsáveis em comparecer, o não-comprometimento nas combinações por parte das crianças e adolescentes, o entendimento de que a proposta fosse algo mais “mágico” e/ou a não-disponibilidade dos pais em mudar hábitos. Não foram identificadas diferenças significativas nas características demográficas e no IMC dos desistentes.3 PREVENÇÃO De um modo geral, nos estudos que procuram identificar os fatores relacionados ao abandono do tratamento foram encontrados tópicos relacionados com os aspectos emocionais dos pacientes, com as características das famílias, com as abordagens terapêuticas, com a relação médicopaciente e com os fatores sócio-econômicos. Os resultados parecem ser menos efetivos em pacientes com IMC maior e aqueles que já tiveram outra tentativa de perder peso. É interessante observar que os fatores psicossociais descritos na literatura como determinantes da 136 Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S131-S138 não-adesão ao tratamento, também estão envolvidos no processo de formação da obesidade.10 Devido a grande prevalência da obesidade infantil e da dificuldade do tratamento, grande atenção tem sido dada aos possíveis fatores de risco para o desenvolvimento da obesidade, principalmente aos passíveis de prevenção. Alguns destes fatores de risco estariam presentes mesmo antes do nascimento.32 As características pré-natais, particularmente raça, etnia, fumo durante a gravidez e obesidade materna pré-gravidez exercem influência no peso da criança com uma tendência precoce ao sobrepeso.33 Uma maior ingestão calórica aos 4 meses de idade foi considerada como um fator de risco para o aumento do peso corporal e IMC nas idades de 1 aos 5 anos. Além disso, observou-se que a ingestão calórica era maior em filhos primogênitos e naqueles que receberam alimentação sólida mais precocemente.34 Maior peso e porcentagem de gordura corporal materna foram associados com maior consumo de energia nas crianças. Estas crianças eram alimentadas menos freqüentemente e consumiam mais carboidrato em comparação com crianças filhas de mães biológicas com peso normal. Estas variações nos padrões de alimentação podem predispor certas crianças à obesidade.35 A identificação de fatores de risco é a chave para a prevenção. No entanto, a maior parte dos fatores de risco reconhecidos são potenciais e ainda não confirmados.36 Algumas áreas merecem atenção, sendo a educação, a indústria alimentícia e os meios de comunicação, os principais veículos de atuação. Medidas de caráter educativo e informativo, através do currículo escolar e dos meios de comunicação de massa, assim como o controle da propaganda de alimentos não saudáveis, dirigidos principalmente ao público infantil e, a inclusão de um percentual mínimo de alimentos in natura no programa nacional de alimentação escolar e redução de açúcares simples são ações que devem ser praticadas.1 É urgente estabelecer estratégias para melhorar a adesão ao tratamento da obesidade.37 A identificação de fatores que aumentam ou diminuem a perda de peso em adolescentes é um importante passo em programas de obesidade Tratamento da obesidade na infância e adolescência: uma revisão da literatura infantil.38 Estratégias isoladas em uma única área não resolvem o problema e deve-se considerar sempre a influência da mídia, dos pais, dos colegas ao se estabelecer estratégias de enfrentamento da obesidade infantil.39 CONSIDERAÇÕES FINAIS O tratamento da obesidade infantil e juvenil constitui estratégia importante na abordagem dessa enfermidade, pois hábitos alimentares e de atividade física são construídos neste período, além da constituição da auto-imagem da criança, amparada pelas relações familiares. Além disto, a realização de intervenções precoces poderá evitar a persistência da obesidade e conseqüentemente a ocorrência de comorbidades. A participação da família deve ser sempre considerada nos programas de redução de peso. As orientações alimentares e quanto aos hábitos de vida são adequadas para todos os membros da família. Como os programas de intervenção ainda têm pouco consenso, a prevenção continua sendo o melhor caminho para diminuir as importantes conseqüências físicas e emocionais da obesidade. REFERÊNCIAS 1. Oliveira CL, Fisberg M. Obesidade na infância e adolescência: uma verdadeira epidemia. Arq Bras Endocrinol Metabol. 2003; 47(2):107-8. 2. Sartorelli DS, Franco LJ. Trends in diabetes mellitus in Brazil: the role of the nutritional transition. Cad Saude Publica. 2003; 19 (Suppl 1):29-36. 3. Melo ED, Luft VC, Meyer F. 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Objetivo: Revisar estudos que preconizam realização de Triagem Auditiva Neonatal, o seu histórico e os indicadores de risco para deficiência auditiva propostos pelo Joint Committee on Infant Hearing. Fonte de dados: Pesquisa bibliográfica na base de dados MEDLINE e LILACS. Síntese dos dados: A triagem auditiva no Brasil vem se expandindo. Observa-se aumento da conscientização dos profissionais e da população acerca do exame além, do maior conhecimento e possibilidade de identificação e intervenção precoces. Verifica-se a existência de um esforço contínuo, para divulgação do teste, dos profissionais envolvidos nos Programas de Triagem Auditiva Neonatal e que, com auxílio da mídia, reforçada pela aprovação de leis municipais e estaduais, vem atingindo maior parcela da população. As emissões otoacústicas são utilizadas amplamente em programas de triagem auditiva e o Potencial Evocado Auditivo de Tronco Encefálico automático vem ganhando espaço nas triagens de neonatos de alto risco. Conclusão: A literatura pesquisada demonstra que a prevalência da deficiência auditiva é alta e que as conseqüências apresentadas, quando não identificada precocemente podem ser devastadoras para o desenvolvimento de fala, linguagem, cognitivo e social As técnicas disponíveis atualmente para avaliação auditiva são altamente sensíveis e com especificidade adequada para se detectar precocemente a deficiência auditiva. 1 Fonoaudióloga do Hospital das Clínicas da UFMG, Mestranda em Ciências da Saúde, área de concentração Saúde da Criança e do Adolescente pela UFMG 2 Médico(a), Professor(a) do Departamento de Pediatria da UFMG, Mestre em Ciências da Saúde, área de concentração Saúde da Criança e do Adolescente pela UFMG. 3 Fonoaudióloga, Mestre em Fonoaudiologia pela PUC-SP, Professora assistente do departamento de Fonoaudiologia da Faculdade de Medicina da UFMG 4 Acadêmica do curso medicina da UFMG. Palavras-chave: Audição; Perda Auditiva; Indicador de Risco; Triagem Neonatal; Audiologia. ABSTRACT The concern to identify the early hearing loss is due to improvement in the prognosis. Objective: Review studies that advocate holding of Neonatal Hearing Screening, its history and indicators of risk for hearing impairment proposed by the Joint Committee on Infant Hearing. Data Sources: Information Sources in the database MEDLINE and LILACS. Summary of data: The sorting hearing in Brazil has been expanding. There is increasing awareness of professionals and elsewhere about the examination addition, the increased knowledge and possibility of early identification and intervention. There is the existence of an ongoing effort to disclose the test, the professionals involved in the Neonatal Hearing Screening Program, and that, with the help of the media, strengthened by the adoption of municipal and state laws, is achieving greater portion of the population. The otoacoustic emissions are widely used in screening programs for hearing and the Auditory Brainstem Response. Thuk space has gained the automatic screening of newborns at high risk. Conclusion: The literature search shows that the prevalence of hearing loss is high and that the consequences presented, if not identified early can be devastating to the development of speech, language, cognitive and social techniques currently available for evaluation the hearing are highly sensitive and specificity to detect the early hearing disability. Key words: Hearing; Hearing Loss; Risk Index; Neonatal Screening; Audiology. Endereço para correspondência: Fernanda Alves Botelho Rua Centauro 461 apto 301 Belo Horizonte - MG CEP: 30.360-310 Email: [email protected] Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S139-S145 139 Triagem auditiva em neonatos INTRODUÇÃO A Triagem Auditiva vem, nas últimas décadas, ganhando força em todo o mundo, inclusive no Brasil. A preocupação de se identificar precocemente crianças com deficiência auditiva se deve à melhora no prognóstico se a intervenção é feita em tempo hábil. Sabe-se que a perda auditiva diagnosticada tardiamente traz conseqüências para todo o desenvolvimento infantil afetando funções acadêmicas, sociais, cognitivas, ocupacionais e principalmente as de fala e linguagem. A incidência da deficiência auditiva é alta principalmente quando comparada às outras doenças passíveis de triagem ao nascimento como o hipotireoidismo, anemia falciforme e fenilcetonúria, avaliadas no “Teste do Pezinho”. Observa-se que a incidência chega a ser 30 vezes superior a fenilcetonúria (surdez 30:10.000 e fenilcetonúria 1:10.000).1 Sabe-se também que a prevalência de alterações auditivas é ainda maior para crianças que permaneceram em Unidade de Tratamento Intensivo Neonatal, sendo que um estudo descreveu uma incidência de 1:50 em recém nascidos de alto risco.2 De acordo com o Comitê Brasileiro de Perdas Auditivas na Infância (CBPAI) em 2000 dentre o neonatos saudáveis, a perda auditiva bilateral significante é estimada entre 1 a 3 neonatos em cada 1000 nascimentos e em cerca de 2 a 4% nos provenientes de UTI. 3 Diversos autores estrangeiros determinaram a prevalência de deficiência auditiva e sua provável etiologia, porém, estes resultados podem não refletir a realidade brasileira. Estudos nacionais e internacionais, em neonatos portadores de algum indicador de risco para deficiência auditiva, encontraram 11% e 6,3% respectivamente de prevalência de alteração auditiva.4,5 Em 2006, estudou-se a prevalência de neuropatia auditiva em uma população de crianças com perdas auditivas profundas e encontrou 0,94%.6 As Perdas Auditivas podem ser classificadas de acordo com o tipo, grau e configuração. Dentre as classificações do tipo da perda auditiva encontrase a neurossensorial (quando há comprometimento da cóclea ou do nervo auditivo), condutiva (alteração de orelha externa e/ou média prejudicando a passagem do som), mista (quando há comprometimento condutivo e neurossensorial na mesma orelha), centrais (lesão ocorre na via auditiva central) e funcional (quando a perda auditiva é 140 Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S139-S145 exagerada ou simulada). O grau da perda auditiva pode variar de leve a profundo de acordo com os limiares auditivos encontrados na avaliação audiológica. A configuração audiométrica auxilia em uma melhor avaliação da interferência da perda auditiva sobre as habilidades de reconhecimento de fala do paciente.7 O presente estudo tem por objetivo revisar estudos sobre a necessidade de se realizar a Triagem Auditiva Neonatal (TAN), o seu histórico e os indicadores de risco para deficiência auditiva propostos pelo Joint Committee on Infant Hearing visando proporcionar esclarecimentos aos profissionais que atuam com neonatos como fonoaudiólogos, pediatras, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, enfermeiros e psicólogos. MATERIAL E MÉTODOS Realizou-se pesquisa bibliográfica em artigos de periódicos nacionais e internacionais e livros considerando a relevância e valor informativo dos materiais para este estudo. Para revisão de literatura foram utilizadas fontes pesquisadas na MEDLINE e LILACS. Foram considerados artigos publicados na língua portuguesa e inglesa. Utilizou-se as palavras-chaves: Audição, Perda Auditiva, Indicador de Risco, Triagem Neonatal, Audiologia. O tema foi apresentado levando em consideração os seguintes tópicos: importância da triagem Auditiva Neonatal, seu histórico e metodologias; além dos indicadores de risco para deficiência auditiva propostos desde a década de 1970 até os dias de hoje. RESULTADOS A preocupação em selecionar indivíduos em triagens para o diagnóstico auditivo mais elaborado foi iniciado em 1930 nos Estados Unidos em escolas públicas.8 O primeiro programa estadual de Triagem Auditiva Neonatal Universal foi o Rhode Island, nos Estados Unidos, onde nos quatros primeiros anos de pesquisa, de 1993 a 1996, encontrou-se uma prevalência de deficiência auditiva em duas de cada 1000 crianças e reduziu-se a idade de identificação e intervenção da perda auditiva nos lactentes.9 Triagem auditiva em neonatos Para se justificar a triagem em massa, em um programa de saúde pública, o distúrbio pesquisado deve ser freqüente ou, se raro, deve trazer conseqüências graves se não detectado.10 A Triagem Auditiva Neonatal pode ser justificada em ambas as colocações pois sabe-se que é um distúrbio freqüente na população neonatal e que caso não seja detectado precocemente e encaminhado para intervenção multidisciplinar precoce poderá trazer conseqüências devastadoras para o desenvolvimento infantil. A detecção precoce da surdez está diretamente associada ao desenvolvimento da fala, linguagem e habilidades sociais, cognitivas e acadêmicas, influenciando diretamente a qualidade de vida destes indivíduos. Os custos para detecção e intervenção precoce da deficiência auditiva são sabidamente inferiores aos custos de educação de uma criança com identificação tardia da perda auditiva. De acordo com experiências internacionais o custo da educação em escola especial é 3 vezes superior ao de uma criança em escola regular, mesmo quando utilizado apoio especializado.3 Em 1944 na Inglaterra, Ewing & Ewing observaram o Reflexo Cócleo-palpebral em recém-nascidos.11 Em 1964, Downs e Sterrit avaliaram as respostas comportamentais de neonatos frente a estímulo sonoro de banda estreita centrada em 3000 Hz, a 90 dBNPS, e neste estudo perceberam alto índice de falso negativos e propuseram a necessidade de se elaborar um protocolo com os indicadores de alto risco para a deficiência auditiva. 12 Devido a dificuldade em se detectar perdas auditivas unilaterais e de grau leve a moderado através da técnica de avaliação auditiva comportamental o CBPAI, 2000, recomendou que a triagem auditiva deveria ser realizada por métodos eletrofisiológicos como o Potencial Evocado Auditivo de Tronco Encefálico (PEATE) e as Emissões Otoacústicas Evocadas (EOA)3. A descoberta das EOA ocorreu em 1978 por Kemp que as definiu como “uma liberação de energia sonora produzida na cóclea que se propaga pela orelha média até o meato acústico externo”. Esta descoberta propiciou um grande avanço na audiologia clínica pois, permitiu a avaliação precisa do Sistema Auditivo Periférico. Segundo Kemp, a cóclea é capaz de produzir sons e não apenas de recebê-lo e assim, a partir da análise deste som recebido, poderia se ter a indicação de uma função coclear normal.13 Kemp et al.14, afirmam que o registro das EOA evocadas é um método para detecção de alterações de origem coclear. As Emissões otoacústicas são energias sonoras de fraca intensidade geradas pelas células ciliadas externas da cóclea e que podem ser captadas através de um microfone e um amplificador, acoplados ao meato acústico externo do indivíduo. Além disto, podem ser captadas na ausência de um estímulo sonoro e serem denominadas de espontâneas ou a partir de uma estimulação sonora e denominadas evocadas. O exame é objetivo, rápido e não invasivo fato que permite que a avaliação seja realizada desde as primeiras horas de vida.15 A avaliação realizada através da EOA abrange apenas o sistema periférico e pode sofrer influência da condição da orelha externa e média. As disfunções de orelha média reduzem as medidas de amplitude de emissões otoacústicas e às vezes eliminam totalmente a resposta.16 A otite média secretora pode estar associada à perda auditiva leve e flutuante em 50% dos casos. Crianças que se encontram no período crítico para o desenvolvimento da linguagem e apresentam episódios recorrentes de otite tem maior risco de apresentar distúrbio na aquisição da linguagem, no comportamento e futuramente, no aprendizado escolar.17 As EOA não quantificam a deficiência auditiva, porém detectam sua ocorrência, uma vez que estão presentes quando há integridade coclear. As EOA não são observadas quando o limiar auditivo está superior a 30 dBNA.18,19 As EOA estão presentes entre 98% e 100% dos indivíduos audiologicamente normais.20,22 AS EOAT conseguem detectar em resposta a um estímulo breve (click) aproximadamente todas as pessoas com audição normal. Elas realizam uma “varredura” coclear. As EOAPD são o resultado da intermodulação produzida de forma não linear pela cóclea em resposta a dois tons puros simultâneos em freqüências próximas. Por convenção a freqüência mais baixa é chamada de f1 e sua intensidade L1 e a freqüência mais alta denominada de f2 e intensidade L2. (f2 >f1). A mensuração mais freqüentemente usada para a EOAPD é 2f1-f2 porque é onde se consegue maior mensuração de resposta em orelhas humanas.23 Em estudo realizado com neonatos de alto risco para deficiência auditiva avaliados através de EOAPD e PEATE automático observou a validade da primeira técnica para avaliação na TAN. Observou-se a resposta na EOAPD a partir de três proRev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S139-S145 141 Triagem auditiva em neonatos tocolos de passa-falha (triagem) de acordo com o ruído de fundo de 5, 10 e 15dB. Verificou-se que a sensibilidade da EOAPD foi de 50%, 67% e 87% e a especificidade 94%, 68% e 38% respectivamente.24 Os Potenciais Evocados Auditivos são uma outra opção ou complementam a avaliação audiológica com EOA e consistem no registro da atividade elétrica que ocorre no sistema auditivo, da orelha interna até o córtex cerebral, em resposta a um estímulo acústico. É uma avaliação eletrofisiológica objetiva e não invasiva que permite a verificação da integridade das vias auditivas e a estimativa do limiar auditivo.25 Em 1967, dois médicos israelenses, Sohmer e Freinmer registraram respostas auditivas, através de eletrodos, evocadas por clique.26 Em 1971, Jewett e Williston27 observaram a presença de sete ondas com estabilidade, latências consistentes e com picos positivos 10 ms após o estímulo sonoro. Vale ressaltar que, o PEATE pode sofrer influência da maturação das vias auditivas principalmente em neonatos pré-termo. Esta tecnologia é, atualmente, recomendada pelo Joint Committee on Infant Hearing para triagem auditiva de neonatos de risco. A onda I do PEATE representa porção distal ao tronco encefálico do nervo auditivo, a II porção proximal, a III núcleo coclear, a IV complexo olivar superior, a V leminisco lateral, a VI colículo inferior, a VII corpo geniculado medial.28 A onda V é a mais consistente e de maior amplitude. A latência e aparecimento dessa onda são os parâmetros mais estudados. PEATE pode ser realizado com o uso de sedação ou medicamentos, uma vez que estes não interferem nos resultados.29 Na impossibilidade de se avaliar com metodologias eletrofisiológicas o CBPAI, 2000, recomenda que se aplique a avaliação auditiva comportamental e a pesquisa do reflexo cócleo-palpebral em neonatos com indicadores de risco para perda auditiva levando em consideração as devidas limitações da técnica como a dificuldade em se detectar perdas auditivas de grau leve ou unilaterais.3 Lewis30 relata que o método de observação comportamental é baseado na mudança de comportamento da criança após a estimulação auditiva. Pode ser realizado com instrumentos calibrados ou não, como instrumentos musicais. Em 2007, Tiensoli e colaboradores realizaram a triagem auditiva através de avaliação comportamental em hospital público brasileiro e encontraram 1,8% de alterações auditivas.31 Porém, o mais indicado, é 142 Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S139-S145 a realização de avaliação auditiva através de métodos eletrofisiológicos podendo ser associado a avaliação audiológica comportamental.3 Em 1969, um comitê foi montado por representantes da Academy of Pediatrics, da Academy of Ophthalmology and Otolaryngology e da American Speech and Hearing Association para traçar recomendações para a triagem auditiva e para a detecção precoce de deficiência auditiva em crianças de risco.32 Em 1973, Joint Committee on Infant Hearing (JCIH) postulou um registro de alto risco para deficiência auditiva a fim de voltar a atenção dos profissionais aos neonatos que apresentavam maior probalidade de alterações auditivas. Neste documento colocou como critério de alto risco os seguintes indicadores: história familiar de perda auditiva hereditária, infecções intra-uterinas, muito baixo peso ao nascimento, hiperbilirrubinemia com nível acima de 20 e anomalias craniofaciais.33 Em 1982, meningite bacteriana e asfixia severa foram incluídos nos critérios de alto risco.34 Já em 1994, em nova reunião, o JCIH recomendou-se a avaliação universal, ou seja, em todos os neonatos e não apenas nos considerados de alto risco para deficiência auditiva e que a detecção deveria ocorrer até o 3o mês de vida e a intervenção até o 6o mês. Ainda nesta recomendação o JCIH estabeleceu que a triagem auditiva deveria ser realizada através de métodos eletrofisiológicos e introduziu o termo indicadores de risco ao invés de fatores de risco.35 Em 2000, ressaltou-se a importância da qualidade e da precocidade da intervenção e do acompanhamento auditivo e lingüístico das crianças com indicadores de risco até os 3 anos, a fim de se identificar e intervir prontamente nas perda auditivas progressivas e de início tardio.36 Recentemente, foi publicada a última recomendação do JCIH, no qual declara que dependendo da tecnologia selecionada para triagem auditiva neonatal (como EOA), crianças com perdas auditivas neurais (neuropatia auditiva) poderiam não ser identificadas em programas de intervenção precoce. Como esta patologia pode atrasar o desenvolvimento da linguagem e tipicamente ocorre nas crianças que requerem UTI o JCIH recomenda que a triagem deste grupo seja realizada por procedimento capaz de detectar a neuropatia auditiva, recomendando o uso do PEATE automático. A recomendação de detecção e intervenção precoces, até o 3o e 6o mês de vida, permanece.37 Triagem auditiva em neonatos Os indicadores atuais considerados para deficiência auditiva, segundo o JCIH, 2007, são: ■ Preocupação dos cuidadores a respeito da audição, fala, linguagem ou atraso no desenvolvimento; ■ História familiar de perda auditiva permanente na infância; ■ UTI por mais de 5 dias ou ventilação mecânica, uso de medicação ototóxica, diuréticos e exsanguineotransfusão; ■ Infecção intra-uterina como citomegalovirose, herpes, rubéola, sífilis e toxoplasmose; ■ Anomalias craniofaciais; ■ Achados físicos que estão associados a síndromes que apresentam perdas auditivas neurossensorias ou condutivas permanentes, ■ Síndromes associadas a perda auditiva ou perda auditiva progressiva ou de início tardio como Usher, Waardenburg, Alport, Pendred; ■ Desordens neurodegenerativas; ■ Infecçãos pós-natal confirmada bacteriana ou viral de meningite; ■ Traumatismo craniano; ■ Quimioterapia.37 Dentre os itens descritos pelo JCIH38, em 2007, destacou-se que alguns indicadores podem estar relacionados às perdas auditivas de início tardio como: o história familiar de perda auditiva, ventilação mecânica, citomegalovirose, síndromes associadas a perda auditiva, perda auditiva progressiva ou de início tardio, desordens neurodegenerativas, traumatismo craniano e quimioterapia. Nestes casos deve-se estar atento ao acompanhamento auditivo e lingüístico das crianças para que se possa identificar rapidamente o início da perda auditiva. DISCUSSÃO A triagem auditiva no Brasil vem se expandindo a cada ano. Isto ocorre principalmente pelo aumento da conscientização dos profissionais e da população acerca do exame além, do maior conhecimento e possibilidade de identificação e intervenção precoces. A deficiência auditiva pode ser imperceptível até que se observe os efeitos no atraso do desenvolvimento infantil. Quando o período crítico para o desenvolvimento da linguagem é superado, a reabilitação da criança deficiente auditiva se torna menos eficaz. Desta forma, a detecção e intervenção precoce da deficiência auditiva é fundamental para o prognóstico terapêutico.38 Os procedimentos para avaliação auditiva de neonatos vêm evoluindo significativamente. As emissões otoacústicas são utilizadas amplamente em programas de triagem auditiva e o PEATE automático vem ganhando espaço nas triagens de neonatos de alto risco. Existe crítica sobre a utilização do PEATE automático na avaliação de neonatos. Em estudo recente realizado na Itália, pesquisadores compararam a realização da triagem auditiva em crianças de alto risco para deficiência auditiva através de emissões otoacústicas evocadas transientes (EOAT), Potencial Evocado Auditivo de Tronco Encefálico convencional (PEATE) e automático (PEATE-a). Observou-se que o PEATE é o mais sensível (100%) e específico (90,8%) do que o PEATE-a que apresentou valores respectivamente de 88,9% e 70,6% para sensibilidade e especificidade. De acordo com o estudo, o PEATE convencional é mais confiável para triagem auditiva pois apresenta maior sensibilidade e especificidade e pode confirmar a presença de neuropatia auditiva em crianças de alto risco para deficiência auditiva. 39 Apesar de se observar um aumento da conscientização da população e dos profissionais acerca da deficiência auditiva, o diagnóstico ainda ocorre tardiamente no País. A pouca valorização da prevenção, a falta de conhecimento da população acerca do exame e dos profissionais em encaminhar precocemente os neonatos para avaliação favorecem o atraso do diagnóstico.40 Observa-se na prática que, apesar de existirem leis para TAN, nem todas as maternidades cumprem a determinação. Não há dúvidas que é preciso tempo para se adequar às novas determinações, mas é preciso cobrar mais fiscalização para que a população seja atendida adequadamente, no que é seu direito por lei. A lei garante não apenas a identificação da perda auditiva, através de programas de intervenção precoce, mas a intervenção através da adaptação de Aparelhos de Amplificação Sonora Individual e de terapia fonoaudiológica essenciais para o desenvolvimento auditivo e lingüístico do deficiente auditivo. Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S139-S145 143 Triagem auditiva em neonatos Espera-se reduzir o tempo de diagnóstico e intervenção da deficiência auditiva, favorecer o prognóstico das crianças identificadas além de, buscar, através de medidas preventivas, favorecer a redução da prevalência deste distúrbio. CONCLUSÃO A literatura pesquisada demonstra que a prevalência da deficiência auditiva é alta e que as conseqüências apresentadas, quando não identificada e realizada a intervenção precoce podem ser devastadoras para o desenvolvimento de fala, linguagem, cognitivo e social. É preciso que os profissionais que atuam com neonatos, lactentes e crianças estejam atentos às possibilidades oferecidas ao deficiente auditivo quando detectados precocemente. O trabalho multidisciplinar é a chave para o sucesso terapêutico das crianças com perda auditiva. Observa-se interesse crescente, em todo o mundo, sobre as pesquisas nesta área e assim cada vez mais tem-se conhecimento sobre a deficiência auditiva, as suas conseqüências bem como, é evidente o avanço das tecnologias para avaliação audiológica precoce. A limitação na detecção e intervenção da deficiência auditiva ocorre atualmente por dificuldades administrativas e financeiras para se implementar um programa de triagem, diagnóstico e acompanhamento auditivo adequado. Existem diversos programas no país, porém a grande maioria não possui condições de seguir adequadamente os protocolos internacionais seja por limitações financeiras na aquisição de equipamentos de ponta ou de equipe técnica multidisciplinar adequada. Assim, observa-se que os protocolos são “adaptáveis” à realidade de cada região do país, porém a consciência de se buscar adequar aos parâmetros internacionais e melhorar a cada dia o trabalho de detecção e intervenção precoces estão presentes nos profissionais atuantes. 144 2. Mehl A, Thompson V. Newborn hearing screening: the great omission. Pediatrics.1998; 101(1), 102-9. 3. Comitê Brasileiro sobre Perda Auditiva na Infância. CBPAI. Recomendação 01/99. J Cons Fed Fonoaudiol. 2000; 5:3-7. 4. Vohr BR. Neurodevelopment and functional outcomes of extremely low birth weight infants in the National Institute of Child Health and Human Development Neonatal Research Network, 1993-1994. Pediatrics. 2000; 105(6):1216-26. 5. Uchôa N, Procianoy R, Lavinsky L, Sleifer P. Prevalência de perda auditiva em recém-nascidos de muito baixo peso. J Pediatr (Rio J). 2003; 79(2):123-8. 6. Foerst A, Beutner D, Lang-Roth R, Huttenbrink K, Wendel H, Walger M. 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Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S139-S145 145 ARTIGO DE REVISÃO Uso de galactagogos na prática clínica para o manejo do aleitamento materno Use of galactagogues in the practical clinical for the management of breastfeeding Roberto Gomes Chaves1, Joel Alves Lamounier2, Luciano Soares 3, Graciete Oliveira Vieira4 RESUMO 1 Professor Auxiliar da Universidade de Itaúna. Programa de Pós-graduação em Saúde da Criança e Adolescente da Faculdade de Medicina da UFMG 2 Professor Titular Departamento de Pediatria UFMG. Programa de Pós-graduação em Saúde da Criança e Adolescente da Faculdade de Medicina da UFMG 3 Professor Departamento de Pediatria da Universidade Federal do Triangulo Mineiro, Uberaba, MG 4 Professora Adjunto Universidade Estadual de Feira de Santa, Feira de Santana, Bahia. Galactagogos são substâncias que auxiliam o início e a manutenção da produção adequada de leite, porém, alguns autores têm adotado o termo galactogogo. Nesta revisão foram selecionados artigos nos bancos de dados eletrônicos PubMEd, Medline, Lilacs e SciELO nos últimos 10 anos, nas línguas portuguesa e inglesa, utilizando os descritores aleitamento materno, lactação, transtornos da lactação, uso de medicamentos. Os fármacos galactagogos utilizados atualmente são antagonistas dopaminérgicos, que aumentam a prolactina sérica. Os mais conhecidos são metoclopramida e domperidona. O mecanismo de ação de alguns medicamentos e de plantas com relato de efeito galactagogo ainda são desconhecidos. Antes de indicar galactagogos é necessário avaliar freqüência e técnica da amamentação; uma vez que, a baixa produção do leite pode estar associada com técnica inadequada da amamentação, esvaziamento incompleto das mamas e baixa freqüência das mamadas Por conseguinte, grande parte dos problemas em aleitamento materno pode ser prevenido e solucionado com conhecidas práticas que mantenham a lactação fisiológica, como amamentação sob livre demanda, pega adequada do complexo aréolo-mamilar e esvaziamento das mamas. Palavras-chave: Aleitamento Materno; Transtornos da Lactação; Preparações Farmacêuticas. ABSTRACT Endereço para correspondência: Roberto Gomes Chaves Rua Mariângela Medeiros, 50 B: Centro Itaúna - MG Brasil Email: [email protected] 146 Galactagogues are substances that help the beginning and the maintenance of the adequate output of milk, by, some authors has adopted the term galactogogue. In this revision were selected articles in the electronic databases PubMEd, Medline, Lilacs and SciELO in the last 10 years, in the English and Portuguese languages, utilizing the descritores breastfeeding, lactation, perturbations of the lactation, use of medicines. The medicines galactagogues utilized at present are dopamine antagonists which increase the level of prolactin. The most know medicines are metoclopramide and domperidone. The mechanisms of action of some medicines and of plants with accounts of effect galactagogue are still unknown. Despite of easier and comfortable, the prescription of galactagogues should not be used for replace the correct management of problems related to the breastfeeding. Like this most of the problems in maternal breast-feeding can be prevented and solved with practical acquaintances that maintain the physiological lactation, as breastfeeding under free demand, adequate suckling and emptying of the breast. Key words: Breast Feeding; Lactation Disorders; Pharmaceutical Preparations. Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S146-S153 Uso de galactagogos na prática clínica para o manejo do aleitamento materno INTRODUÇÃO A amamentação deve ser incentivada devido aos seus conhecidos benefícios para a criança, para a mãe e para a sociedade. Contudo, existem situações em que as mães necessitam de auxílio para o exercício desta prática. Dentre as dificuldades mais freqüentemente relatadas pelas mães, está a percepção de baixa produção de leite.1 As mães de prematuros tendem a produzir um volume de leite insuficiente para atender às necessidades nutricionais do seu filho.2 Desafio maior é enfrentado por mães adotivas que desejam amamentar, pois suas mamas não foram adequadamente estimuladas, do ponto de vista hormonal, para a lactação. Nestes casos, frequentemente os médicos são questionados acerca da necessidade de uso de alimentos, plantas ou medicamentos para promover aumento do volume lácteo.3 A compreensão dos efeitos terapêuticos destas substâncias e a decisão de utilizá-las ou não deve estar embasada no conhecimento do funcionamento dos processos envolvidos na secreção e ejeção do leite. MÉTODOS Foram selecionados artigos nos bancos de dados eletrônicos PubMEd, Medline, Lilacs e SciELO nos últimos 10 anos, nas línguas portuguesa e inglesa, utilizando os descritores aleitamento materno, lactação, transtornos da lactação, preparações farmacêuticas, metoclopramida, domperidona, sulpirida. Também foram utilizados livros textos recentes e alguns artigos-chave selecionados a partir de citações em outros artigos. rona e consequente elevação dos níveis séricos de prolactina.7 Entre 24 a 48 horas a mama se torna intumescida por causa da migração de água atraída pela força hiperosmolar da lactose, com conseqüente dilatação dos alvéolos e ductos.6 Neste momento inicia-se a lactogênese II, caracterizada pela secreção mais volumosa de leite.4 A partir de então, a regulação da secreção de leite passa a ser realizada no próprio local da produção, ou seja, o controle, até então endócrino, passa a ser autócrino.6 Nesta fase, chamada galactopoiese, o volume de leite secretado é determinado pelo estímulo produzido pelo esvaziamento das mamas.7 Prolactina A prolactina é secretada pela ptuitária anterior em resposta à estimulação mamilar, tendo sua secreção inibida por estímulo hipotalâmico mediada parcialmente pela dopamina. A concentração sérica de prolactina aumenta durante a gravidez, variando de 10μg/L nas não grávidas até 200 μg/L após 37 semanas.5 Nas mães que amamentam, os níveis basais permanecem elevados e ocorrem picos séricos com a estimulação mamilar. Caso a mãe não esteja amamentando, os níveis séricos de prolactina retornam aos níveis pré-gravídicos em duas a três semanas após o parto.4 Estudos enfatizam a ausência de correlação direta entre níveis basais e picos de prolactina sérica com o volume de leite produzido.4,8 Fatores autócrinos exerceriam um papel mais importante neste sentido.8 Acredita-se que a prolactina tenha apenas um papel facilitador na produção de leite. Assim, apesar da prolactina ser necessária para a secreção de leite, sua concentração plasmática não regula diretamente a síntese e a secreção láctea.4 FISIOLOGIA DA LACTAÇÃO Ocitocina Lactogênese é o processo pelo qual a glândula mamária desenvolve a capacidade de produzir leite.4 Tal processo ocorre em duas etapas, sendo a primeira iniciada entre a 10ª e a 22ª semana de gestação, denominada lactogênese I.5 Nesta fase a mama está pronta para produzir leite, porém o faz em pequena quantidade devido à presença de altos níveis de progesterona produzidos pela placenta.6 Após o parto ocorre a expulsão da placenta seguida de queda drástica dos níveis de progeste- A sucção do complexo aréolo-mamilar pelo lactente promove estímulo de neurônios sensórios locais que emitem impulsos nervosos aferentes ao hipotálamo, levando a secreção de ocitocina pela ptuitária posterior. A ocitocina secretada é levada, através do sangue, até as glândulas mamárias, onde se liga a receptores específicos nas células mioepiteliais promovendo sua contração e conseqüente expulsão do leite dos alvéolos para os ducRev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S146-S153 147 Uso de galactagogos na prática clínica para o manejo do aleitamento materno tos e seios subareolares. Este processo é chamado reflexo de ejeção do leite.4 A secreção de ocitocina é inibida por catecolaminas que são liberadas em situações de estresse ou dor.9 Há evidência que a prevenção e o tratamento de situações que exponham a nutriz ao estresse psíquico ou à dor são fundamentais para o sucesso da amamentação.9 Inibidor de feedback da lactação (IFL) Trata-se de uma glicoproteína de baixo peso molecular sintetizada pela glândula mamária e secretada para o leite. Esta substância bloqueia de forma reversível a síntese de proteínas pelas células mamárias. O IFL acumula-se nos alvéolos mamários entre as mamadas, bloqueando a secreção protéica. Quando a mama é esvaziada, rapidamente o bloqueio termina e as células mamárias reiniciam a produção de proteína e lactose, responsáveis pelo volume do leite.5 Desta forma, a ação do IFL parece explicar o efeito do esvaziamento mamário na produção láctea. Regulação do volume de leite Logo após o nascimento, pequeno volume de leite é produzido, 37 a 169 ml de colostro durante as primeiras 48hs.10 A partir do 5º dia após o parto, uma mulher pode produzir de 500 a 750 ml de leite diariamente, e após o 14º dia, de 700 a 1000 ml diariamente.11 Mães de gêmeos ou trigêmeos podem produzir 2 litros ou mais de leite por dia12, revelando que mecanismos fisiológicos podem adaptar a produção de leite às necessidades nutricionais dos lactentes. Os lactentes podem regular o volume de leite produzido pela mãe através dos seguintes mecanismos: ■ freqüência das mamadas: um aumento na freqüência das mamadas está associado ao aumento do volume de leite secretado.12 ■ esvaziamento completo das mamas: O esvaziamento mamário remove o IFL permitindo maior secreção de leite.5 Urge lembrar que para que ocorra o esvaziamento mamário é crucial que a pega do complexo aréolo-mamilar seja realizada de forma adequada pelo lactente. Este procedimento também evita o trauma mamilar e conseqüente dor, sintoma associado à inibição do reflexo de ejeção. 148 Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S146-S153 GALACTAGOGOS Galactagogos são substâncias que auxiliam o início e a manutenção da produção adequada de leite.13 Alguns autores têm adotado o termo “galactogogo” com o mesmo significado.3,13,14 Um respeitado dicionário da língua portuguesa15 e as publicações mais recentes5,16 referem-se às estas substâncias como “galactagogos”. Assim, optamos por adotar esta terminologia. Substâncias com relatos de propriedades galactagogas são frequentemente utilizadas durante o período de amamentação com intuito de elevar a produção de leite.5 Westfall17 realizou estudo qualitativo sobre uso de ervas galactagogas. Em amostra de 23 mulheres, apenas 4 relataram baixa produção de leite. Contudo, 14 nutrizes (60,9%) utilizaram substâncias com intuito de aumentar a produção láctea, incluindo alimentos, plantas e medicamentos. Os fármacos galactagogos utilizados atualmente são antagonistas dopaminérgicos. Eles aumentam a prolactina sérica neutralizando a influência inibitória da dopamina sobre a secreção de prolactina.5 O mecanismo de ação de alguns medicamentos e de plantas com relatos de efeito galactagogo ainda são desconhecidos.3 Anderson e Valdés5 realizaram extensa revisão sobre estudos que procuraram determinar a eficácia dos galactagogos baseados no aumento do volume de leite ou no ganho ponderal dos lactentes. Os autores concluíram que a maioria das publicações sobre os galactagogos não foi baseada na moderna padronização da medicina baseada em evidências, incluindo trabalhos duplo-cegos, randomizados e controlados com placebo. Muitos estudos foram realizados antes do conhecimento acerca das técnicas corretas de aleitamento e da necessidade da amamentação sob livre demanda. METOCLOPRAMIDA A metoclopramida foi inicialmente comercializada na Europa como antipsicótico e posteriormente nos Estados Unidos como gastrocinético.5 Seu efeito galactagogo foi descrito pela primeira vez em 1975, sendo o primeiro estudo realizado para comprovação deste efeito em 1979.18 A dose mais utilizada para indução da lactação tem sido 10 mg, 3 vezes ao dia. Contudo, dosagens de 10 mg, 2 e 4 vezes ao dia têm sido prescritas.5 Uso de galactagogos na prática clínica para o manejo do aleitamento materno Dentre os fármacos com propriedades galactagogas, a metoclopramida é o mais estudado. Contudo, a maioria dos estudos não foi baseada nos princípios modernos da medicina baseada em evidência. Na extensa revisão realizada por Anderson e Valdés5, apenas 4 estudos contemplaram tais princípios (Quadro 1). DOMPERIDONA A domperidona é um fármaco aprovado, no Brasil, para uso como gastrocinético, com propriedade de elevar a prolactina sérica devido ao efeito antidopaminérgico. Em mulheres não grávidas, o aumento da prolactina sérico com uso de domperidona é menor que o efeito da metoclopramida na mesma dose. Porém, em multíparas seus efeitos são similares.23 Na avaliação da eficácia galactagoga da domperidona, apenas uma publicação foi considerada metodologicamente adequada.5 Neste estudo24 vinte mães de prematuros não produziram leite suficiente para seus filhos após orientações extensivas fornecidas por profissionais capacitados. Todas foram ordenhadas com bomba de extração de leite Medela Lactina em ambas as mamas, sendo administrado domperidona 10mg (n=11) ou placebo (n=9) três vezes ao dia por 7 dias. Os níveis de prolactina sérica eram similares entre os grupos no início do tratamento. No 5º dia de terapia a prolacti- na sérica no grupo tratado aumentou para 119μg/L comparado a 18μg/L no grupo placebo. Os níveis séricos de prolactina retornaram aos valores basais em ambos os grupos 3 dias após a suspensão do tratamento. A média diária de aumento da produção de leite nos dias 2 a 7 foi de 45% e 17% para as mulheres que usaram domperidona e placebo, respectivamente. Porém, as usuárias de domperidona possuíam produção láctea maior que aquelas que usaram placebo. Quatro mulheres do grupo da domperidona não completaram o estudo. Não foi realizado seguimento após a suspensão do fármaco para avaliação do efeito da ação galactagoga da domperidona no sucesso da amamentação ou ganho de peso do lactente. Anderson e Valdés5 acreditam que a grande diferença entre a produção láctea basal no início do estudo, maior no grupo da domperidona, possa ter contribuído para o melhor resultado neste grupo. Estes autores criticam também a elevada perda ocorrida no grupo da domperidona (36%). Tais questões comprometem os resultados do estudo. Assim, não há evidência inequívoca da eficácia da domperidona como galactagogo. SULPIRIDA Sulpirida é um antagonista dopaminérgico usado como antidepressivo e antipsicótico. Atua sobre receptores D2, D3 e D4 promovendo aumento dos Quadro 1 - Estudos que avaliaram o efeito galactagogo da metoclopramida Tipo de estudo Duplo-cego, Randomizado, Controlado com placebo Tamanho da amostra Início do estudo Duração do uso (dias) Resultados Referências 20 1º dia pós parto 7 Não houve diferença no tempo de amamentação após avaliação com 10dias, 6 semanas e 3 meses Lewis et al, 198019 Duplo-cego, Randomizado, Controlado com placebo 13 1º dia pós parto 8 Houve aumento significativo do volume de leite no grupo que usou metoclopramida* De Gezelle et al, 1983 20 Duplo-cego, Randomizado 50 29 a 100 dias pós parto 10 Não houve diferença estatisticamente significativa entre os grupos em relação ao tempo de AM ou ganho de peso dos lactentes Seema et al, 1997 21 Duplo-cego, Randomizado, Controlado com placebo 60 4º dias pós parto 10 Não houve diferença no volume de leite produzido entre os grupos ou no tempo de amamentação Hansen et al, 2005 22 * Anderson e Valdés 5 colocam em dúvida os resultados deste estudo devido à ausência de informação sobre o tipo de dieta recebida pelo lactente, assim como sobre o relato do número de mamadas ao dia. Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S146-S153 149 Uso de galactagogos na prática clínica para o manejo do aleitamento materno níveis de prolactina sérica semelhante aos demais galactagogos.5 A dose habitual para iniciação da lactação é 50 mg, 2 a 3 vezes ao dia.13 Uma revisão que analisou os estudos realizados para testar o efeito galactagogo da sulpirida encontrou falhas como perda elevada da amostra, falta de registro sobre volume dos suplementos alimentares utilizados, estudo apenas nos níveis de prolactina sérica, ausência de menção sobre informação acerca das técnicas de manejo da lactação.5 Contudo, um estudo25 sugere fortemente que puérperas sem produção de leite são candidatas a usarem galactagogos. OUTROS FÁRMACOS E ERVAS Outros fármacos com relato de ação galactagoga são a clorpromazina, o hormônio de crescimento e o hormônio secretor de tireotropina (TRH), porém há necessidade de maior experiência clínica para que sejam recomendadas com este fim.13 O antipsicótico clorpromazina possui uso muito limitado como galactagogo devido ao risco potencial de efeitos colaterais.26 Apenas um estudo randomizado, duplo-cego e controlado com placebo avaliou o efeito galactagogo do hormônio de crescimento, sendo encontrado aumento significativo do volume de leite nas mulheres do grupo de tratamento (p<0,02).27 O único estudo que procurou avaliar o uso de TRH como galactagogo é passível de críticas por não ser um estudo cego, além da não utilização de placebo.28 A ocitocina na forma de medicamento foi disponibilizada para uso nasal com intuito de reduzir o ingurgitamento mamário, devido sua ação estimulante da contração das células mioepiteliais das glândulas mamárias. A experiência clínica negativa e conseqüente baixo uso motivou a suspensão da comercialização deste fármaco em vários países.5 Contudo, recente estudo sugere que o uso da ocitocina spray nasal pode auxiliar a ejeção do leite em mulheres tetraplégicas que tenham perdido a conexão neuronal entre os mamilos e o hipotálamo.29 Produtos naturais como o fenogreco (Trigonella foenicum-graecum), cardo santo (Cnicus benedictus), funcho (Foeniculum vulgare), framboesa (Rubus idaeus) e urtiga (Urtica dióica) têm sido utilizados como recurso para aumentar o volume 150 Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S146-S153 de leite produzido.30 Bingel e Farnsworth31 documentaram mais de 400 espécies de plantas que têm sido utilizadas com intuito de auxiliar na lactação. Contudo, não há comprovação científica que quaisquer destas substâncias sejam eficazes como galactagogos. Avaliação da segurança A medida mais utilizada para avaliar a segurança do uso de fármacos durante a lactação é a dose relativa no lactente.16 Esta medida é uma estimativa da percentagem da dose materna recebida pelo lactente através do leite. Esse valor é expresso em percentagem da dose materna e corresponde à proporção da dose materna recebida pelo lactente. Usualmente, a dose relativa do lactente deve ser menor que 10% para que o fármaco seja considerado seguro. O fármaco é considerado de risco elevado para efeitos adversos em lactentes quando este valor supera 25%.32 Em relação aos fármacos galactagogos, os valores das doses relativas no lactente são mostrados na Tabela 1. Tabela 1 – Dose relativa no lactente dos principais fármacos galactagogos Fármaco Dose relativa no lactente (%) Metoclopramida 1–2 Domperidona 0,04 – 0,08 Sulpirida Fonte: Adaptado de Anderson e Valdés 0,9 5 Anderson et al.33 realizaram estudo de revisão sobre os efeitos adversos sobre os lactentes de fármacos utilizados pela nutriz. Não foram encontrados relatos de efeitos adversos de fármacos utilizados como galactagogos. Contudo, alguns estudos consideram que a segurança do uso de antagonistas dopaminérgicos como galactagogos ainda não foi bem estudada.5,13 Kauppila el al.34 citam relato materno de desconforto abdominal em seu filho após medicada com metoclopramida. Há relato de aumento dos níveis séricos de prolactina em lactentes durante uso materno de metoclopramida.35 Uma preocupação teórica descrita em bula é o risco de depressão materna durante o uso de metoclopramida. O uso des- Uso de galactagogos na prática clínica para o manejo do aleitamento materno te fármaco por período maior que 4 semanas pode elevar o risco de efeitos colaterais como depressão, contudo, há relatos de várias mães que fizeram uso por meses sem relato de efeitos adversos.5 A domperidona apresenta menor lipossolubilidade e maior peso molecular que a metoclopramida, o que a torna menos permeável à barreira hematoencefálica e, portanto, mais segura que esta última devido ao menor risco de efeitos extrapiramidais. Além disto, atinge baixos níveis no compartimento lácteo.36 Contudo, este fármaco não está disponível para uso nos Estados Unidos da América. O Food and Drug Administration, órgão norte-americano que regulamenta e autoriza a comercialização de fármacos, justifica sua proibição devido aos relatos de arritmia cardíaca, parada cardíaca e morte após seu uso endovenoso.5 Esta proibição tem sido questionada, pois os níveis séricos de domperidona após administração oral é muito inferior àqueles atingidos após uso endovenoso.37 Não há relatos de efeitos adversos sobre lactentes após uso materno de sulpirida.5 Contudo, causa preocupação a escassez de estudos que avaliem a segurança deste fármaco na lactação, assim como os relatos dos seguintes efeitos nos usuários: sedação, depressão, distúrbios do sono, agitação, perda de concentração, reações extrapiramidais, ganho de peso, xerostomia e síndrome neuroléptica maligna.38 fundamentais para a adequada produção de leite pela nutriz. Para tanto, recomendamos a leitura de artigos e manuais especializados.39,40 Acredita-se que os galactagogos possam trazer algum benefício nos seguintes grupos de mulheres3: ■ mães adotivas ou mães que aguardam seus filhos nascerem de uma barriga de aluguel: indução da lactação em mulheres que não estavam grávidas. ■ relactação: reestabelecimento da lactação após o desmame ■ aumentar um suprimento insuficiente de leite decorrente de separação mãe-filho por doença materna ou do lactente. Nesta situação, a prescrição mais freqüente dos galactogogos tem sido para as mães de prematuros durante a permanência em unidades de terapia intensiva neonatais, associada à ordenha manual ou mecânica. Mesmo pequeno aumento no volume de leite pode resultar em benefícios significativos para recém-nascidos prematuros e de muito baixo peso. Intervenções como relaxamento, apoio e aconselhamento no manejo da lactação nem sempre são suficientes para aumentar a produção láctea em mães de prematuros. Nestes casos, a intervenção farmacológica pode ser necessária. Os princípios básicos para a prescrição dos galactagogos são mostrados no Quadro 2. INDICAÇÕES PARA USO DOS GALACTOGOGOS CONCLUSÕES Uso de galactagogos deve ser reservado para situações após serem descartadas as causas tratáveis de hipogalactia (p.e. hipotireoidismo materno ou uso de medicamentos) e principalmente, após a avaliação da técnica da amamentação, do aumento da freqüência das mamadas e do esvaziamento das mamas.3,5 Cabe ressaltar que a estimulação mecânica do complexo aréolo-mamilar pela sucção do lactente e a ordenha do leite são os estímulos mais importantes à indução e manutenção da lactação. Tais estímulos promovem a secreção de prolactina pela hipófise anterior e de ocitocina pela hipófise posterior.13 Evidências sugerem que com assistência nas técnicas de aleitamento, pelo menos 97% das mulheres conseguem amamentar seus filhos com sucesso.4 Este estudo não teve como objetivo discutir estas técnicas consideradas ■ ■ ■ ■ galatagogos antagonistas da dopamina elevam a prolactina sérica basal em lactantes. não há comprovação da correlação direta entre níveis de prolactina sérica e maior período de aleitamento em mulheres em uso de galactagogos. o uso profilático de galactagogos em pacientes não selecionadas que supostamente poderão apresentar dificuldades com a amamentação, como mulheres submetidas a cesareana ou mães de prematuros, parece não apresentar benefícios. previamente ao uso dos galactagogos, a avaliação e a correção de qualquer fator modificável como a freqüência e a técnica da amamentação devem ser avaliadas. A prescrição de galactagogos deve ser realizada somente após constatada falha nestas medidas. Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S146-S153 151 Uso de galactagogos na prática clínica para o manejo do aleitamento materno Quadro 2 - Princípios básicos para a prescrição de galactagogos 1. Antes de usar qualquer substância na tentativa de aumentar o suprimento de leite, uma cuidadosa avaliação do volume do leite materno e das técnicas de amamentação. 2. A nutriz deve ser informada a respeito da eficácia, segurança e tempo de uso dos galactagogos. 3. Avaliar as contra-indicações do medicamento a ser prescrito e informar à nutriz os possíveis efeitos adversos 4. Acompanhar a mãe e o lactente, observando o aumento ou não do suprimento lácteo e a ocorrência de efeitos adversos em ambos. 5. Não há estudos que autorizem o uso destes fármacos por período maior que 3 semanas. Fonte: Adaptado de The Academy of Breastfeeding Medicine 3 ■ ■ ■ ■ ■ ■ mulheres que podem necessitar de fármacos galactagogos temporariamente são aquelas que não produzem leite suficiente após a abordagem adequada acerca das técnicas para produção fisiológica do leite terem falhado. caso as mães sejam adequadamente orientadas sobre as técnicas da amamentação de forma a sustentar a lactação fisiológica, os galactagogos parecem ter pouco ou nenhum efeito. dentre as substâncias que induzem, mantêm ou aumentam a produção de leite, domperidona e metoclopramida parecem ser as mais úteis clinicamente. Contudo, deve ser utilizadas por um período máximo de 3 semanas. não há evidências científicas que alimentos ou plantas possuam propriedades galactagogas. a segurança dos antagonistas dopaminérgicos não foi adequadamente estudada quando utilizados como galactagogos, mas todos têm risco potencial para as mães e/ou para os lactentes. há necessidade de realização de estudos bem delineados para avaliar a eficácia e a segurança dos galactagogos. REFERÊNCIAS 1. Ramos CV, Almeida JAG. Alegações maternas para o desmame. J Pediatr (Rio J) 2003; 79:385-90. 2. Hale TW. Medications in breastfeeding mothers of preterm infants. Pediatr Ann 2003; 32:337-47. 3. The Academy of Breastfeeding Medicine. Use of galactogogues in initiating or augmenting maternal milk supply. New York: The Academy of Breastfeeding Medicine, Inc; 2004. [Cited 2008 May 15]. Available from: http://www.bfmed.org/ace-files/protocol/prot9galactogoguesEnglish.pdf. 4. Neville MC. Anatomy and physiology of lactation. 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Brasília (DF): OMS/OPAS/UNICEF; 1993 Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S146-S153 153 ATUALIZAÇÃO TERAPÊUTICA Abordagem interdisciplinar do adolescente obeso com ênfase nos aspectos psicossociais e nutricionais Interdisciplinary approach of the obese adolescent with emphasis in the aspects psychological and nutritional aspects Márcia Rocha Parizzi1, Cristiane de Freitas Cunha 2, Roberto Assis Ferreira3, Joel Alves Lamounier4, Márcia Álvaro Listgarten5, Gisele Araújo Magalhães 6 RESUMO 1 Mestre em Pediatria pela UFMG. Doutoranda no Programa de Pós-graduação em Ciências da Saúde, área de concentração saúde da criança e do adolescente da UFMG. Membro do Serviço de Saúde do Adolescente do Hospital das Clinicas da UFMG. 2 Professora adjunta III. Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da UFMG. Membro da Divisão de Endocrinologia Pediátrica e do Serviço de Saúde do Adolescente do Hospital das Clinicas da UFMG. Presidente do Comitê de Adolescência da Sociedade Mineira de Pediatria. 3 Professor Associado. Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da UFMG. Programa de Pósgraduação em Saúde da Criança e Adolescente. 4 Professor Titular. Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da UFMG. Programa de Pós-graduação em Saúde da Criança e Adolescente 5 Psicóloga psicanalista, especialista em psicologia hospitalar. Coordenadora da clinica de psicologia do Hospital Socor e membro da clinica de psicologia do Hospital Belo Horizonte. 6 Nutricionista do Socor Hospital Geral. Mestranda no Programa de Pós-graduação em Ciências da Saúde, área de concentração saúde da criança e do adolescente da UFMG. A obesidade é um fenômeno em ascensão universal. Em crianças e adolescentes é particularmente preocupante pelo risco do desenvolvimento precoce de doenças típicas do adulto e pela possibilidade de permanência do quadro na vida adulta. A abordagem interdisciplinar do adolescente obeso é a forma mais adequada de tratamento uma vez que considera a complexa causalidade envolvida, tais como a evolução do processo psíquico do indivíduo, a história pessoal, as relações afetivas vivenciadas ao longo do desenvolvimento, as dificuldades relativas a um período de grandes transformações biológicas e psicossociais e o contexto socioeconômico característico da sociedade contemporânea. Estratégias de atendimento adequado para esta faixa etária são fundamentais para evolução satisfatória do tratamento, dentre as quais o atendimento separado dos pais, direito a sigilo e confidencialidade e o trabalho em grupo. Atendimentos padronizados focados exclusivamente na mudança dietética e que desconsideram a complexidade e a singularidade envolvidas podem agravar o quadro clínico. Assim, na abordagem interdisciplinar o objetivo não é tratar a obesidade do adolescente, mas tratar o adolescente obeso. Palavras-chave: Obesidade; Adolescente; Causalidade; Equipe de Assistência ao Paciente. ABSTRACT Endereço para correspondência: Márcia Rocha Parizzi Rua: Grão Pará 660 B: Santa Efigênia. Belo Horizonte - MG CEP: 30.150-340 Email: [email protected] 154 Obesity is a phenomenon in universal ascent. In infants and adolescents is in particular worrying by the risk of the early development of typical illnesses of the adult and by the possibility of permanence of the chart in the adult life. The interdisciplinary approach of the obese adolescent is more adequate form of handling since considers to complex factors involved, such as the evolution of the psychological trial of the individual, the personal history, the affectionate relations experienced to the long one of the development, the relative difficulties to a period of biological and psychological transformations in a context of social and economical characteristic of the contemporary society. Strategies of adequate service for this age group are fundamental for satisfactory evolution of the handling, among the indivual and right to secrecy of information. Therefore, the approach exclusively in the dietetic change and that ignore the complexity and the singularity involved can aggravate the clinical chart. Like this, in the interdisciplinary approach the objective is not going to treat the obesity of the adolescent, but treat the obese adolescent. Key words: Obesity; Adolescent; Causality; Patient Care Team. Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S154-S160 Abordagem interdisciplinar do adolescente obeso com ênfase nos aspectos psicossociais e nutricionais INTRODUÇÃO A obesidade é um fenômeno em ascensão universal, observado em todas as faixas etárias da população em vários países no mundo. Seu aumento na infância e adolescência é particularmente preocupante pelo risco do desenvolvimento precoce de doenças típicas do adulto - como diabetes tipo II - e pela constatação de que a maioria das crianças e adolescentes obesos permanecerá nesta condição na vida adulta.1-3 A adolescência é um dos períodos críticos para o aparecimento de obesidade e aproximadamente 70% dos adultos obesos que começaram a ganhar peso antes de se tornarem adultos o fizeram no período da adolescência.2 A obesidade é um distúrbio de causalidade complexa de difícil tratamento, cuja abordagem deve considerar, além dos aspectos genéticos e nutricionais, a evolução do processo psíquico do indivíduo, a história pessoal, as relações afetivas vivenciadas ao longo do desenvolvimento, como o vínculo mãe-filho, inseridos no contexto socioeconômico característico da sociedade contemporânea. Na adolescência, a esses aspectos somamse ainda as dificuldades relativas a um período de grandes transformações biológicas e psicossociais.4-7 Diante disso, a abordagem interdisciplinar, que inclui a participação interativa de especialistas médicos, psicólogos, nutricionistas e outros, tem sido considerada a mais efetiva para evolução satisfatória do tratamento da obesidade.4,7,8 Neste trabalho são discutidos aspectos importantes da condução do atendimento interdisciplinar do adolescente obeso com ênfase na abordagem das dimensões sociais, psíquicas e nutricionais envolvidas no tratamento. FATORES PSICOSSOCIAIS DETERMINANTES DA OBESIDADE EXÓGENA O entendimento dos fatores determinantes da obesidade é fundamental para construção do caso clínico e condução interdisciplinar do tratamento. A compreensão da história pessoal e familiar inserida no contexto socioeconômico e cultural da sociedade contemporânea é relevante, uma vez que esses aspectos influenciam sobremaneira a formação do hábito alimentar do indivíduo, sua maneira de comer, o ritual nas refeições, percepção da fome e saciedade, escolha dos alimentos, além dos aspectos simbólicos e afetivos envolvidos na relação com os alimentos.8-11 Dentre os aspectos socioeconômicos destacase a influência da globalização que, apesar de ter trazido grandes benefícios para a sociedade, como a tecnologia, trouxe também, principalmente nas últimas décadas, um rastro de efeitos colaterais indesejáveis, dentre os quais a obesidade.9,11,12 A sociedade globalizada, cujo crescimento econômico depende da produção e criação constante de novos produtos, enfatiza o consumo e seus prazeres imediatos, o modismo massificado e padronizado, o descartável.11,12 Tendo como principal pilar a formação de consumidores e centros comerciais, em substituição à formação de cidadãos e comunidades, a globalização alterou profundamente os costumes, valores, relações com o trabalho, vida familiar e lazer na sociedade contemporânea.12,13 Na vida familiar, observa-se que pais e mães concentram esforços no crescimento profissional e material, para manterem seu poder aquisitivo e se conservarem no processo de trabalho em mercados cada vez mais competitivos, exigentes de produtividade e eficiência. Muito ocupados, com excesso de afazeres, perdem a disposição dedicada à convivência familiar. Um dos aspectos antropológicos que mais caracterizam as relações contemporâneas é o fenômeno do declínio do convívio.7,12,13 Anteriormente, não se sentava à mesa antes da presença de todos e fazia-se questão do almoço e jantar em família. Hoje se come cada vez mais sozinho: “os fast-foods são o protótipo da vida contemporânea, marcada por um consumo solitário, sem tempo, de um alimento pré-fabricado”. 13 Os pais têm cada vez menos disponibilidade para o desenvolvimento em família de atividades ligadas ao lazer (passeio e esportes em parques, clubes, praças) às artes, à culinária ou a qualquer outra atividade prazerosa que possa ser também um investimento na formação integral de seus filhos.6,7 A atenção que disponibilizam para as perdas financeiras tem sido muito maior do que às perdas afetivas resultantes do pouco convívio familiar.7,13 Os filhos, aos poucos, vão incorporando em suas vidas a referência do comportamento compulsivo dos pais pelo “ter e fazer”; o vazio gerado pelo pouco acolhimento, com freqüência, é compensado pelos excessos de comida, de bebida, de videogames, de TV, etc.7,13 Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S154-S160 155 Abordagem interdisciplinar do adolescente obeso com ênfase nos aspectos psicossociais e nutricionais Na primeira infância, falhas no estabelecimento da relação mãe-filho podem interferir negativamente na formação da estrutura psíquica da criança, predispondo-a ao desenvolvimento de obesidade, quase sempre, de tratamento difícil. Mães, por exemplo, com sentimentos ambíguos em relação à maternidade, podem, de forma inconsciente, compensar a rejeição inicial superalimentando o filho, oferecendo alimento de forma indiscriminada, insistente e insensível às reais necessidades da criança de fome, saciedade, frio, calor, sono, etc. Aos poucos, a percepção fisiológica de saciedade da criança vai sendo substituída pela saciedade do outro, ou seja, a mãe que superalimenta ensina ao filho que ele precisa comer tanto quanto ela precisa para se satisfazer emocionalmente. A criança, ao perder a capacidade de diferenciar a fome de uma sensação distinta de outras tensões, frustrações ou necessidades internas, tenderá a ingerir alimentos como forma de compensação para seus problemas emocionais.6,7,12-14 Perde sua autonomia e autoconfiança para responder positivamente às tensões e frustrações com as quais se depara no seu cotidiano, mantendo, obviamente, esse mesmo comportamento quando já está em tratamento. Assim, o ganho de peso pode advir também da vivência de situações de mudança (nascimento de irmão, mudança de cidade, de escola, separação de pais, etc.) ou situações de violência (relacionamento familiar hostil, vivência de abuso, etc).5-7 Esses aspectos são observados também na adolescência. A obesidade iniciada ou agravada neste período pode estar relacionada com as mudanças biopsicossociais advindas na puberdade e conseqüentes dificuldades com a sexualidade e imagem corporal. Quando o excesso de peso já está instalado, pesquisas demonstram que quanto mais excessivo o controle materno para restringir o acesso aos alimentos e a quantidade ingerida pelos filhos, mais dificuldade eles terão para auto-regular a sua ingestão. Acredita-se que a percepção pelos pais de que seus filhos estão ganhando peso pode ser fator de risco importante para que eles desenvolvam o estado de obesidade. Cobranças inadequadas e restrições alimentares impostas pelos pais podem, inadvertidamente, promover o gosto de seus filhos por alimentos densamente calóricos.11,15-17 A falta de tempo e o excesso de obrigações interferem também na conduta alimentar, sobretudo na capacidade de percepção da saciedade. A 156 Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S154-S160 capacidade de saciar-se está diretamente relacionada com a maneira como a pessoa se alimenta e saboreia o alimento; relaciona-se, portanto, com o grau de atenção dedicado ao ato de comer. Saborear detalhadamente cada porção de alimento colocado na boca amplia as sensações bucais que determinam o paladar, tornando possível a sensação da saciedade. Ao enfatizar a pressa, a rapidez e eficiência, o homem desenvolve o hábito de comer de forma apressada, desatento, diminuindo sua capacidade de degustar e de saciar-se. O estilo de vida apressado da sociedade contemporânea é incompatível com o saborear detalhado.16,17 Por outro lado, a ação agressiva dos meios de comunicação incentiva o consumo exagerado de alimentos prontos e industrializados, em geral, com grande densidade calórica (ricos em gordura, açúcar e pobres em fibras) e com baixo poder de indução de saciedade.14 ,17 Os alimentos, por serem de consumo obrigatório e universal, constituem um dos setores mais lucrativos da economia mundial globalizada, onde se aplicam poderosas estratégias de marketing que atingem todas as classes sociais. Durante o horário de programas infantis na TV, 53% das propagandas transmitidas são relacionados com alimentos infantis industrializados. Infelizmente, as indústrias alimentícias, amparadas pela mídia, têm definido não só a qualidade, mas também a quantidade de alimento ingerido.14,17,18 No ambiente urbano, a expansão desordenada e não planejada das cidades, a formação de favelas, a degradação ambiental com prejuízos na estética urbana, perturbações na segurança, a ausência de espaços seguros para pedestres e de áreas de lazer comprometem profundamente a qualidade de vida da população. Além disso, o sedentarismo, “estado natural” da população urbana, tem se agravado com as facilidades trazidas pela tecnologia como os elevadores, veículos automotivos, lazer na frente da TV, computadores, telefones fixos e móveis e comunicações via-internet.9,18-20 Fatores determinantes ligados à genética são também muito importantes na formação da obesidade. Crianças cujos pais são obesos apresentam risco muito maior de obesidade quando comparadas com crianças cujos pais são magros. No entanto, embora o componente genético seja indiscutível, a prática clínica mostra que é muito difícil separá-lo do contexto familiar e cultural.2,4,8 Uma leitura ampliada do contexto genético, emocional, Abordagem interdisciplinar do adolescente obeso com ênfase nos aspectos psicossociais e nutricionais familiar e ambiental é, portanto, crucial para a condução cuidadosa do tratamento da criança e adolescente obesos. Todos esses aspectos relatados se interagem e se potencializam ampliando a complexidade envolvida no estado de obesidade. Apesar disso, a obesidade em crianças e adolescentes tem sido tratada, equivocadamente, como um distúrbio nutricional decorrente simplesmente do resultado positivo do balanço energético. O tratamento da criança e do adolescente obesos se inicia, de modo geral, logo após ser constatada uma obesidade exógena, ou seja, na ausência de uma síndrome ou doença genética para explicar a obesidade (obesidade endógena). Nesta etapa a orientação é dieta hipocalórica e aumento de atividade física, sem uma leitura prévia ampliada do problema. Uma doença de causalidade complexa é abordada de forma padronizada e simplista. Toda a singularidade do paciente é desconsiderada, não havendo a preocupação em conhecer os fatores desencadeantes, as razões emocionais, ideológicas e simbólicas inerentes a sua conduta alimentar.4,11,14,20,21 Nessas circunstâncias, a possibilidade de fracasso terapêutico é enorme com riscos, inclusive, de se agravar o problema. Para alguns autores esta conduta fragmentada pode ser um dos fatores determinantes de distúrbios alimentares como anorexia e bulimia, compulsão alimentar, dificuldade em monitorar a própria ingestão alimentar, baixa auto-estima e insatisfação com a imagem corporal.5,16,22,23 Portanto, a conduta terapêutica padronizada e descontextualizada, direcionada apenas para questões dietéticas, pode estar interferindo negativamente na motivação do paciente obeso para se tratar. Alguns autores, inclusive, têm enfatizado a necessidade de novos estudos que avaliem mais profundamente a eficácia e a segurança dos tratamentos de obesidade em crianças e adolescentes.22 ABORDAGEM INTERDISCIPLINAR DA OBESIDADE EXÓGENA NA ADOLESCÊNCIA Na abordagem do adolescente com obesidade exógena, aconselha-se o desenvolvimento de uma postura ativa e acolhedora como forma de construir vínculo adequado e possibilitar resposta terapêutica consistente. Na primeira consulta, é fundamental esclarecer ao adolescente e seus pais que ele será o centro de interesse na entrevista. Os pais ou familiares só estarão presentes com sua permissão ou solicitação. Conforme determina o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que define a adolescência como o período compreendido dos 12 aos 18 anos, todo adolescente tem direito a privacidade, isto é, pode ser atendido sozinho em espaço privado e apropriado se assim desejar. Essa postura fortalece sua autonomia e individualidade, estimulando a responsabilização e implicação com seu tratamento.21,24 A complexidade envolvida na causalidade da obesidade precisa ser compreendida amplamente e considerada no diagnóstico e condução terapêutica do caso clínico. Quase sempre, na primeira consulta, os pais estão ansiosos e desejam falar para o profissional tudo que julgam estar errado no comportamento dos adolescentes, como seus hábitos alimentares inadequados e ausência de atividade física.25-28 Também não percebem, conscientemente, as suas parcelas de responsabilidade no desenvolvimento da obesidade no filho. O profissional deve ser capaz de criar estratégias que impeçam que essa postura interfira na construção do vínculo com o adolescente, que pode desistir do tratamento ao perceber no profissional a mesma atitude crítica e acusadora dos pais. Acolher os pais em outro momento (com a concordância do adolescente), ou, de preferência, encaminhá-los para atendimento com outro profissional da mesma equipe interdisciplinar pode ser uma boa estratégia. É importante ressaltar que a participação da família no processo de atendimento do adolescente é altamente desejável e necessária, mas os limites desse envolvimento, devem ficar claros para a família e para o jovem. Deve ser assegurado confidencialidade e sigilo na consulta, ou seja, o profissional de saúde não repassará informações obtidas durante a consulta para os pais e/ou responsáveis sem a permissão do adolescente. Isto se verifica em situações na qual o adolescente tem capacidade de avaliar seu problema, salvo quando a não revelação possa acarretar danos ao paciente (Art.103 – Código de Ética Médica, Art. 154- Código Penal Brasileiro). Nas situações em que se caracteriza a necessidade da quebra do sigilo, o adolescente deve ser informado, esclarecendo-se os motivos para essa atitude.24 Muitos encontros serão necessários para compreensão e construção do caso clínico a partir da interação entre os membros da equipe interdisciRev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S154-S160 157 Abordagem interdisciplinar do adolescente obeso com ênfase nos aspectos psicossociais e nutricionais plinar. A discussão do caso deve fazer parte da rotina de trabalho da equipe interdisciplinar. Porem é interessante que o adolescente se sinta vinculado a um profissional (habitualmente o médico ou nutricionista, que fazem o primeiro atendimento do adolescente) que será o responsável pelo caso e pelo encaminhamento para outras especialidades quando necessário. O profissional (ou equipe) precisa conhecer os fatores físicos, nutricionais, emocionais, relacionados com a família e sociais que determinam o processo de ganho excessivo de peso do adolescente. Essa condição é necessária para que este compreenda seu processo diminuindo a resistência, por exemplo, em aceitar o tratamento psicológico quando for necessário. A consulta com o adolescente, portanto, não se resume a um espaço para o profissional, seja médico ou nutricionista, reforçar suas recomendações e fazer investigações sobre a alimentação do paciente. No momento da consulta é necessário o desenvolvimento de escuta cuidadosa e atenta para as questões familiares, psíquicas e sociais envolvidas. Essas questões podem ser apuradas também por meio de outras metodologias, tais como: atividade em grupo, roda de conversa, discussão de vídeos e filmes abordando temas escolhidos pelos adolescentes relativos à adolescência ou outros temas de interesse tais como, dificuldades com as transformações biopsicossociais, com a imagem corporal, com a sexualidade, conflitos familiares, cuidados com a saúde (vacina, sono, lazer), com a nutrição, afetividade e outros. Nos encontros individuais ou em grupo o profissional (ou equipe) precisa ajudar o adolescente a resgatar sua percepção de fome e de saciedade fisiológicas além de ampliar a consciência das vivências e sentimentos envolvidos na ingestão excessiva. O trabalho em pequenos grupos possibilita, a partir de um ponto identificador - a obesidade – que o paciente trabalhe suas particularidades com muita eficiência. Os comprometimentos emocionais decorrentes da obesidade neste período em que as transformações corporais se iniciam, assumem dimensões significativas no processo psicossocial da formação da identidade do adolescente, com grande prejuízo na sua qualidade de vida. Com freqüência observa-se diminuição da auto-estima, dificuldades com a imagem corporal, dificuldades nos relacionamentos sociais e no exercício da sexualidade com sofrimento psíquico 158 Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S154-S160 importante e forte tendência para depressão, evasão escolar, ansiedade, compulsão alimentar e outros transtornos alimentares. Todos esses aspectos podem também ser causa de não adesão ao tratamento e precisam ser cuidados pela equipe. Nos encontros com os pais é importante conhecer a história dos mesmos, seus sentimentos, crenças e experiências relacionadas com condutas alimentares inadequadas e com relacionamentos familiares conflituosos. Deve ser nvestigado quando o filho começou a engordar, quais os fatores desencadeantes, a história alimentar da criança desde o nascimento, além dos hábitos alimentares e de lazer da família. Nesse contexto, é possível conhecer fatores que impedem e facilitam o sucesso do tratamento no convívio familiar. Na relação dos pais com os filhos observam-se com freqüência dois comportamentos extremos: o autoritarismo, no qual o filho (a) recebe críticas o tempo todo e os pais exigem que eles façam “tudo certinho”, sem poder errar e sem considerar as dificuldades como naturais no processo de mudança, ou a negligência, no qual pais “largam o filho (a) prá lá”, perdem as esperanças e ficam esperando brotar espontaneamente nos mesmos a consciência necessária para que eles emagreçam. Assim, não é incomum expressões do tipo “esta será a última vez que eu levo você ao médico se não tiver emagrecido” ou “você não faz nada que o médico manda, quero só ver o que ele vai dizer quando você for medir o peso”. É importante que os pais compreendam que a “desobediência e pirraça” de seus filhos, de fato é uma manifestação de indignação diante desta postura de ajuizamento, decorrente da ausência de uma compreensão ampliada do problema. O comer a mais pode ser visto também como uma forma que os obesos encontram para confrontar os pais. O atendimento individual ou em grupo dos pais é crucial para ajudá-los a assumir, a partir de uma ampliação da percepção dos motivos que levam o filho a engordar, uma postura cuidadosa na relação com os filhos que promova mudanças efetivas no tratamento. Abre-se aos poucos a possibilidade de novas perspectivas de vida construída passo a passo e baseada no respeito a si mesmo e ao outro, com enriquecimento e valorização do convívio familiar.10, 27,28 A partir desse trabalho de ampliação da percepção dos pais e reflexão sobre seus mitos, crenças e sentimentos relacionados à sua conduta alimen- Abordagem interdisciplinar do adolescente obeso com ênfase nos aspectos psicossociais e nutricionais tar inadequada, os pais devem ser incentivados a adotar na família, por meio de mudanças construídas no passo a passo, uma alimentação balanceada, servida em quantidades compatíveis com as necessidades nutricionais de seus membros. É aconselhável e saudável que alimentos densamente calóricos, com excesso de açúcar ou gordura, sejam consumidos em pequenas quantidades e esporadicamente por toda família, sem sua proibição e privilegiando também os magros com uma dieta adequada. Proibir o adolescente obeso de ingerir um alimento calórico que foi oferecido para o restante da família é uma atitude desaconselhável, que pode agravar ainda mais o problema. Assim, os pais devem ser informados sobre os malefícios para qualquer pessoa da ingestão freqüente de alimentos inadequados para a saúde. Como exemplo, ressaltar que refrigerantes a base de noz de cola, devido ao excesso de fosfato, podem interferir na absorção de cálcio e, por isso, não devem ser usados no cotidiano da família. Os pais devem propiciar rituais de refeição que ampliem o prazer da família na mesa, com ambientes harmônicos, tempo adequado para degustação, refeição saborosa e saudável.10,27,28 Essa recomendação é importante por ser condição para o resgate da percepção de saciedade. A condição socioeconômica, os gostos e bons hábitos alimentares da família devem ser valorizados e é importante que eles recebam informações sobre os fundamentos da dieta equilibrada, que promove a saúde e previne as doenças crônico-degenerativas. Informações sobre a fisiologia humana, aspectos metabólicos e aproveitamento de energia precisam também ser conhecidas pelo adolescente e seus pais. É relevante observar que a maioria dos pacientes não tem conhecimentos de anatomia e da fisiologia corporal. Desconhecem o caminho pelo qual os nutrientes chegam à corrente sanguínea e participam do processo metabólico e não sabem que o aumento do peso é decorrente do acúmulo de gordura no corpo devido ao excesso de alimento ingerido. Ignoram também que é possível perceber a saciedade em cada refeição. Portanto, não há necessidade de “passar dieta” com as porções de alimentos determinadas para cada refeição e com listas de permitidos e proibidos. Entretanto, é preciso resgatar um estilo de vida que valorize os rituais nas refeições, a importância da percepção da saciedade e as diretrizes da ali- mentação equilibrada e do preparo adequado dos alimentos - quantidade de açúcar, óleo e alimentos industrializados que devem ser adicionados à culinária da família. Dietas muito restritivas não são aconselháveis, pois podem promover déficit de crescimento em estatura. Um dos grandes inconvenientes do “passar dieta” é a ênfase dada aos alimentos proibidos e permitidos, equivocadamente considerados, respectivamente, alimentos que engordam e que não engordam. Os obesos e familiares submetidos a essas dietas ficam obsessivos pelos alimentos permitidos/proibidos, perdendo a espontaneidade e a liberdade diante dos alimentos e os cuidados necessários para percepção da fome e da saciedade. Diante de um doce (“alimento que engorda”) a única saída é engordar, não existindo a possibilidade de percepção dos sinais indicadores de saciedade. Come-se com medo de engordar, uma situação que impossibilita a sensação de prazer na refeição, condição necessária para que a saciedade ocorra.10,11,27,28 Considerando a complexidade inerente ao estado de obesidade é desejável que o profissional que lida com adolescentes obesos invista na ampliação das suas habilidades técnicas e humanas, para que sua atuação não se torne fragmentada na abordagem ao paciente. Em geral, o campo de atuação do profissional tende a se fundamentar no tratamento da “obesidade”, deixando-se marginalizado o adolescente obeso separado de seu contexto psíquico e social. Assim, na abordagem do adolescente obeso deve ser considerada sempre a singularidade do caso a caso, pois possibilita maior consistência no trabalho assistencial pelo profissional de saúde. REFERÊNCIAS 1. World Helath Organization. Obesity: Prevention and managing global epidemic. Report of a WHO consultation on obesity. Geneve, 2000. World Health Organization. [Citado em 01 jun 2008]. 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Além disso grande parte dos profissionais de saúde não está preparada para atender adolescentes diabéticos. Objetivos: identificar na literatura as causas do descontrole metabólico em diabéticos adolescentes, os fatores associados e as intervenções mais eficientes. Material e métodos: foram realizadas buscas em bases de dados por artigos recentes sobre o tema, além da releitura de artigos de relevância. Resultados: identificou-se que vários fatores não biológicos também são relevantes na piora do controle metabólico na adolescência. Os profissionais de saúde devem evitar atitudes autoritárias e críticas, assumindo uma atitude de colaboração com esses pacientes. As metas do tratamento devem ser individualizadas e flexíveis para evitar frustrações e baixa adesão. 1 Discente da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG); Doutora, Professora Adjunta do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da UFMG; 3 Psicóloga e Psicanalista, mestranda do Programa de Pósgraduação em Saúde da Criança e do Adolescente da Faculdade de Medicina da UFMG. 2 Palavras-chaves: Comportamento do Adolescente; Serviços de Saúde para Adolescentes; Diabetes Mellitus Tipo 1; Doença Crônica. ABSTRACT Diabetes Mellitus type 1 (DM1) is a disease that usually emerges during childhood or adolescence, bringing serious psychological, clinical and social outcomes in the patient’s life. The adolescence is a critical stage for the a person with DM1, since the normal conflicts of adolescence period adolescence are mounted up to the restraints necessary to achieve proper serum glucose levels. Most of the diabetic patients present a decrease in their metabolic control during adolescence, which is not explained by biologic changes at all. Besides that, a great number of healthcare providers are not able to deal with diabetic youths. Objectives: to identify in the literature reasons of the metabolic control impairment in adolescents, the risk factors as well as the best interventions. Material and Methods: it was carried out researches in health databases for recent articles on this matter, the relevant literature was read carefully and it was documented the reasons for the metabolic control impairment in adolescents with diabetes mellitus, the risk factors and the best interventions to treat them. Results: non-biological reasons were found to be significant to the impairment of the metabolical control that occurs during adolescence. Healthcare providers must have a collaborative attitude with the patients, not be dictatorial when proposing the treatment, nor use criticism or personal judgments. The treatment goals must be flexible and individualized, thereby avoiding low compliance and disappointments. Key words: Adolescent Behavior; Adolescent Health Services; Diabetes Mellitus, Type 1; Chronic Disease. Instituição Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Endereço para correspondência: Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da UFMG Av. Professor Alfredo Balena, nº 190 sala 2002 Belo Horizonte - MG CEP: 30.130-100 E-mail: Marcos de Souza Alvarenga Júnior: [email protected] Cristiane de Freitas Cunha: [email protected] Thalita Figueiredo Silva Castro: [email protected] Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S161-S166 161 A adolescência e sua interferência no controle do diabetes mellitus: dificuldades e propostas a partir de uma revisão da literatura INTRODUÇÃO A adolescência é essencialmente um período de intenso trabalho psíquico, no qual o indivíduo define vários aspectos pessoais, profissionais e sociais de sua identidade. Nesse contexto as doenças crônicas surgem como um fator adicional de estresse, aumentando ainda mais as tensões características dessa fase da vida.1 Entre as doenças crônicas mais comuns dos adolescentes está o diabetes mellitus tipo 1 (DM1). Seu tratamento é baseado em injeções diárias de insulina, controle estrito da glicemia, da ingestão de alimentos e até mesmo da atividade física. Os objetivos do tratamento do DM1 incluem manter níveis glicêmicos adequados, evitando complicações a curto e longo prazos, e assegurar o crescimento e desenvolvimento adequados.2 As principais complicações do DM1 são as crises de hipoglicemia e as lesões macro e microvasculares, sendo essas últimas as principais responsáveis pela neuropatia, retinopatia e nefropatia diabéticas que surgem após um longo período de evolução da doença, mais comumente quando o indivíduo já alcançou a idade adulta. A adolescência é um período crítico para os pacientes com DM1. Nesse período observa-se comumente a piora da adesão ao tratamento e do controle metabólico3. Além disso como demonstrado com relação ao diabetes e outras doenças, os padrões de comportamentos presentes no final da adolescência tendem a permanecer pelo resto da vida do indivíduo4,5. Portanto, intervenções nessa fase da vida visando melhor controle da doença podem causar um impacto mais eficiente e duradouro. Este artigo tem como objetivo evidenciar na literatura as causas referidas para o descontrole metabólico da doença nos pacientes adolescentes, os fatores intervenientes e as abordagens mais eficientes para propiciar a adesão ao tratamento. MATERIAL E MÉTODO Trata-se de um estudo descritivo de revisão da literatura sobre a adesão ao tratamento e causas de descontrole metabólico nos adolescentes diabéticos. A busca de referências abrangeu a identificação de artigos realizada a partir do banco de dados da PubMed/Medline nos últimos cinco anos, utilizando os seguintes descritores: 162 Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S161-S166 “adolescence+diabetes”, “diabetes+adhesion” e “diabetes+compliance”. Foram encontradas 536 referências. Selecionou-se então os artigos relevantes de acordo com o título e o resumo. A partir da leitura dos artigos buscou-se identificar os aspectos fisiopatológicos e psicossociais da doença, os aspectos comportamentais dos adolescentes frente à doença, o tratamento médico do DM1, adesão dos adolescentes e os fatores relacionados à família e ao indivíduo que influenciam a adesão e o tratamento. RESULTADOS E DISCUSSÃO Aspectos fisiopatológicos da doença e suas implicações na adolescência O controle metabólico piora na maioria dos indivíduos no período da adolescência.3-7 O adolescente passa a depender mais da sua própria capacidade de manejo da glicemia, pois nesse período o tempo passado longe dos pais, seja na escola ou com os colegas, é progressivamente maior.3 Estima-se que um adolescente tenha uma chance 20% maior a cada ano de apresentar piora do seu controle metabólico.1 Estudos prospectivos sobre o controle e as complicações do diabetes mellitus demonstraram a importância da manutenção de controle glicêmico rigoroso na redução das complicações em longo prazo.8,9 Estima-se que uma redução de 1% no controle glicêmico cause a redução de 15 a 30% das complicações microvasculares que ocorrem em longo prazo.10 Muitas alterações biológicas e psíquicas no indivíduo na transição da infância à vida adulta contribuem para a piora do controle metabólico. Os adolescentes de uma maneira geral têm resistência maior à insulina do que os adultos11, além de um aumento na resposta de hormônios contra-regulatórios12, o que dificulta a ação da insulina. Nas adolescentes, até mesmo o ciclo menstrual pode alterar as necessidades de administração de insulina13. Os aspectos psicossociais e comportamentais dos adolescentes frente ao DM1 Adolescentes diabéticos estão mais propensos a problemas escolares do que os controles não-diabéticos, apresentando maior absenteísmo.14 Carrol15 refere que A adolescência e sua interferência no controle do diabetes mellitus: dificuldades e propostas a partir de uma revisão da literatura a dinâmica familiar, a comunicação e o relacionamento entre pai e filho muitas vezes também são comprometidos. Ressalta-se que como a doença quase sempre surge na infância ou adolescência, a família se envolve intensamente no processo, com conseqüente mudança de toda a dinâmica familiar. As mudanças envolvem a comunicação, as responsabilidades e papéis de cada uma das partes no controle da doença, na busca de um novo ponto de equilíbrio.1 O desligamento da autoridade dos pais é uma das várias tarefas psíquicas que o adolescente deve realizar e, para o paciente diabético, o trabalho para esta conquista pode ser mais árduo do que para os outros indivíduos. Os pais de adolescentes diabéticos são mais relutantes em dar autonomia aos filhos, o que pode ser um obstáculo no desenvolvimento normal do indivíduo, muitas vezes impondo-lhes uma hipervigilância e, conseqüentemente elevando o nível de estresse.15 Os adolescentes diabéticos também estão sujeitos a preconceitos por parte dos colegas, namorados e outras famílias, o que pode comprometer sua autoestima15. A percepção que se tem desses adolescentes é que eles se sentem presos e vivem com vontade de se rebelar a qualquer momento contra as regras impostas16. Segundo Burrows (1997) “chega um momento em que ser um adolescente normal é mais importante do que seguir o regime imposto pela doença”.16 O tratamento médico do diabetes mellitus e a adesão dos adolescentes É um erro comum acreditar que a piora no controle metabólico seja devida apenas às alterações endócrino-metabólicas que ocorrem na adolescência. A menor adesão ao tratamento tem sido apontada como um fator responsável pela piora do controle metabólico pelo menos tão importante quanto as alterações fisiológicas.6 A baixa adesão ao tratamento também contribui para um número insuficiente de aferições de glicemia capilar. Morris et al.17 calculou a quantidade de insulina que pacientes com até 40 anos deveriam usar, a partir das prescrições médicas, e confirmadas pelo relato dos pacientes ao médico. Os resultados demonstraram que 28% dos pacientes adqui- riram menos insulina do que seria necessário para administrar a quantidade prescrita. Os pacientes que adquiriram as menores quantidades de insulina foram aqueles com idade entre 10 e 20 anos. Um estudo internacional demonstrou que apenas 10 a 15% dos adolescentes de 15 anos realizavam 4 aferições da glicemia capilar diariamente.18 Em outro estudo foi observado que um número significativo de adolescentes do sexo feminino omitiu propositadamente aplicações de insulina com o objetivo de perder peso.19 Outro achado importante é o de que o nível de conhecimento acerca da doença está relacionado com a adesão ao tratamento nas crianças20, mas não nos indivíduos adultos.21 A partir desses achados, a adolescência tem sido vista cada vez mais como o momento crítico no qual o elo entre conhecimento e adesão é perdido, levando a um comportamento dificilmente reversível na vida adulta e que se configura como potencialmente prejudicial aos diabéticos. Um estudo longitudinal6 utilizou a escala de desenvolvimento puberal de Tanner para dividir os pacientes em subgrupos para se estudar a variação da adesão e do controle metabólico. Durante a transição entre os estágios 1 a 4 de Tanner os pacientes apresentaram piora do controle metabólico não associada a menor adesão ao tratamento. A redução da adesão teve influência apenas quando os participantes alcançaram o estágio 5º e último estágio de Tanner. Os autores concluíram que os resultados sugeriam uma relação bi-direcional entre descontrole metabólico e baixa adesão, ou seja, uma piora do controle poderia funcionar como fator desestimulante para a adesão ao tratamento adequado. Isso reforça ainda mais a teoria de que fatores psicossociais, entre eles as relações familiares e as percepções do próprio indivíduo, também exercem papel importante na piora do controle metabólico que ocorre na adolescência. Fatores relacionados a família e ao indivíduo que influenciam na adesão ao tratamento A família exerce papel primordial no controle metabólico do DM1 no indivíduo adolescente de uma maneira geral. Observa-se que quanto mais saudáveis as relações dos indivíduos na família, melhor a adesão ao tratamento e conseqüenteRev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S161-S166 163 A adolescência e sua interferência no controle do diabetes mellitus: dificuldades e propostas a partir de uma revisão da literatura mente melhor o controle.1 Vários fatores familiares, analisados em diversos estudos, demonstraram associação significativa com o controle metabólico. Esses fatores incluem a relação com os pais22,23, dinâmica familiar24, família coesa e acolhedora16 e separação dos pais22,25. Wysocki et al.26 demonstrou que uma entrega precoce do controle da doença aos filhos resultava em um pior controle metabólico. Por outro lado, nas famílias em que algumas das tarefas não eram reconhecidas como de responsabilidade dos pais nem dos filhos (por exemplo, lembrar o horário da administração de insulina), os indivíduos se encontravam em pior controle metabólico.27 O apoio emocional positivo por parte dos pais está associado com um melhor controle metabólico25, enquanto que o suporte negativo se associa a pior controle.28,29 A capacidade de comunicação entre pais e filhos também foi associada com o controle metabólico de forma direta29, enquanto o nível de conflito nas relações familiares foi inversamente relacionado ao controle.30 Observa-se que alguns adolescentes chegam ao ponto de evitar medir a glicemia capilar, com medo de represálias por parte dos pais caso os valores não estejam satisfatórios.15 As relações encontradas são possivelmente bidirecionais, pois à medida que o controle piora, a relação entre pais e filhos também fica mais difícil.22 Muitas vezes a família, mesmo bem intencionada, prejudica o controle metabólico, através de esforços excessivos e mal direcionados. Os adolescentes que recebem suporte negativo dos pais possivelmente têm mais medo de críticas, o que torna mais improvável que eles solicitem ajuda quando o controle não está adequado31. O resultado final tende a ser pobre adesão do adolescente, seguida de mais esforços dos pais, o que culmina num ciclo vicioso.32 A capacidade de tomar decisões é outro fator associado ao melhor controle glicêmico a partir da adolescência, quando o controle passa a depender mais do próprio adolescente do que de seus pais.29 Entende-se a capacidade de tomar decisões como o ato de fazer uma escolha dentre duas ou mais possíveis, criando um plano de ação, e não apenas criar uma solução para um determinado problema. Essa habilidade aumenta gradualmente à medida que o adelescente passa a se responsabilizar por tarefas antes realizadas pelos pais. Adolescentes que se sentem indecisos ou pessimistas durante o 164 Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S161-S166 processo de tomar decisões relacionadas ao diabetes apresentam menor adesão ao tratamento.29 Estudos com os pacientes com DM1 têm abordado a importância da qualidade de vida, bem como sua interferência na adesão à terapêutica.33 Um grande estudo publicado em 2001 demonstrou associação direta entre controle metabólico e qualidade de vida.34 A qualidade das relações familiares é outro fator importante que influencia no controle metabólico do adolescente.35 Um estudo intervencionista demonstrou que uma abordagem psicológica visando melhorar o trabalho em equipe da família melhorou a adesão e o controle metabólico.36 Em casos de problemas com a adesão, o médico deve perguntar sobre a dinâmica familiar e a existência de conflitos em questões sobre o diabetes, bem como o tipo de suporte dado pelos pais.22 Concluiu-se que é importante tentar esclarecer durante a consulta a divisão de tarefas (ex. medir glicemia, lembrar do horário das insulinas) entre os pais e a criança e saber se existe consenso entre eles sobre as responsabilidades de cada um, o que é associado com melhor controle metabólico.22 É importante que o profissional de saúde não exija do adolescente mais do que ele esteja disposto a oferecer, especialmente no início de sua autonomia no manejo do diabetes. Planos e metas, desde que sejam individualizados, podem ajudar os adolescentes a conseguir traçar objetivos dentro do tratamento.37 Fatores sociais, econômicos e a receptividade devem ser considerados, sendo que esta última tende a ser menor no início da adolescência, devido ao senso de invulnerabilidade típico do adolescente.38 Por isso, tentativas de intensificar o controle nessa etapa têm maior chance de insucesso. Muito rigor ao estipular metas pode levar à não adesão ou ao burnout devido ao diabetes.37 Trata-se de um distúrbio emocional que ocorre quando o adolescente tem perspectivas irreais com relação ao controle metabólico, e se submete a auto-críticas e sentimentos de culpa devidos ao não cumprimento de objetivos inalcaçáveis na prática. A monitorização periódica da glicemia, o uso de insulina nos horários corretos e a periodicidade das consultas médicas são questóes que devem ser abordadas durante a consulta. Médico e paciente devem interagir buscando soluções para problemas que podem surgir, como a hipoglicemia na A adolescência e sua interferência no controle do diabetes mellitus: dificuldades e propostas a partir de uma revisão da literatura escola, dias com alterações da rotina, doenças intercorrentes e uso de bebidas alcoólicas.2 O tratamento deve ser individualizado e respeitar as particularidades de cada paciente. Deve-se também explicar à família que expectativas ou vigilância exageradas podem aumentar o conflito e comprometer ainda mais o controle. Algumas vezes o profissional deve assumir o papel de mediador na conquista do adolescente por mais autonomia, quando percebe resistência exagerada da família. Os clínicos também podem alertar os jovens quanto aos problemas que podem surgir na vida cotidiana, seja na escola, com amigos ou outros relacionamentos.15 Os pais devem também ser orientados a demonstrarem mais confiança nos filhos, o que evita a entrada num ciclo vicioso de frustrações e a conseqüente baixa adesão.38 A piora do controle metabólico não deve ser atribuída exclusivamente à baixa adesão ao tratamento, principalmente durante a fase inicial da adolescência. Possivelmente a piora do controle metabólico precede a baixa adesão ao tratamento6. Cobranças nesse sentido podem funcionar como mais um fator de desestímulo à realização do controle glicêmico adequado. CONSIDERAÇÕES FINAIS Pelo estudo realizado observou-se que os pacientes respondem melhor ao tratamento quando uma boa relação transferencial é estabelecida. Uma equipe multiprofissional competente para a abordagem do problema, quando disponível, aumenta ainda mais a possibilidade de êxito do tratamento. Médicos que tentam assumir totalmente o controle, não valorizando as opiniões e as necessidades próprias dos adolescentes, ou emitindo julgamentos sobre suas atitudes podem trazer conseqüências negativas, como o burn-out ou a perda da confiança do paciente.37 Esse estudo apresentou como dificuldade para a sua realização a escassez de trabalhos sobre o tema abordado na literatura. É importante salientar que outros estudos contemplando este tema devem ser desenvolvidos, principalmente com relação à efetividade das várias intervenções possíveis. Outras pesquisas nessa área se justificam devido à já comprovada permanência dos hábitos adquiridos nessa fase da vida do paciente. REFERÊNCIAS 1. Leonard BJ, Jang YP,Savik K, Plumbo MA.Adolescents with type 1 diabetes: family functioning and metabolic control. J Fam Nurs. 2005 May; 11(2):102-21. 2. Hoffman RP. Practical management of type 1 diabetes mellitus in adolescent patients: challenges and goals. Treat Endocrinol. 2004; 3(1):27-39. 3. 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ATUALIZAÇÃO TERAPÊUTICA Obesidade e osteoartrite: atualiazação em implicações clínicas e metabólicas Obesity and osteoarthritis: metabolic and clinical implications updated Maria Tereza Nicolau dos Santos1; André Everton de Freitas2; Joel Alves Lamounier3 RESUMO Nas últimas décadas, a obesidade vem assumindo proporções epidêmicas alarmantes, acarretando em custos enormes para a saúde dos indivíduos e para a economia da sociedade. Dentre as inúmeras implicações orgânicas que acompanham a obesidade, destaca-se aqui a osteoartrite, doença degenerativa e de alta prevalência. A obesidade é um fator de risco potencialmente modificável para OA. Dessa forma, tal relação precisa ser bem compreendida, a fim de que medidas eficazes de tratamento e prevenção sejam delineadas. Neste artigo é feito uma revisão bibliográfica atualizada do assunto. Palavras-chave: Obesidade; Osteoartrite; Cartilagem Articular; Tecido Adiposo. 1 Fisioterapeuta, Especialista Fisioterapia em Terapia Manual, Mestranda em Ciência da Saúde na UFMG. Professor PUC Minas. Fisioterapeuta. Mestre pela UFSC. Doutorando em Ciências da Saúde pela Faculdade de Medicina da UFMG. 3 Professor Titular de Pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais. Pesquisador II C do CNPq. Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde, área de concentração Saúde da Criança e do Adolescente da Faculdade de Medicina da UFMG. 2 ABSTRACT In the last decades, the obesity is assuming alarming epidemic proportions, carting in enormous costs for the individuals’ health and for the economy of the society. Among the countless organic implications that accompany the obesity, stands out the osteoarthritis, which is considered a degenerative disease with high prevalence. The obesity is a risk factor potentially soft for osteoarthritis. In that way, such a necessary relationship to be well understood, so that effective measures of treatment and prevention are delineated. In this article it is made an updated bibliographical revision of this subject. Key words: Obesity; Osteoarthritis; Cartilage, Articular; Joint Cartilage; Adipose Tissue. INTRODUÇÃO De acordo com a OMS, a obesidade, doença crônica, complexa e multifatorial, alcançou proporções epidêmicas alarmantes em diversos países.1 Portanto, considera-se uma questão de saúde pública ao acarretar custos enormes para a saúde e para a economia, pelas diversas implicações orgânicas. A obesidade é identificada como fator de risco para várias doenças músculo-esqueléticas, tais como osteoartrite (AO), doenças da coluna (há associação com dor lombar e principalmente com hérnia discal), hiperuricemia, gota e síndrome do túnel do carpo.2 A AO é acompanhada de dor e incapacidade.3,4,5 Sabe-se ainda que apesar de a OA ser mais comum em idosos, também pode afetar os jovens.6 Segundo Leveille et al.7, nos últimos anos a obesidade tem contribuído mais para casos de artrite do que nas décadas anteriores. Por ser uma doença incapacitante, a OA gera custos altos com tratamentos, além de uma maior necessidade de suporte social e familiar, além de gastos com a Previdência Social8,9,10, supera- Endereço para correspondência: André Everton de Freitas Programa de Pós-graduação em Ciências da Saúde Avenida Alfredo Balena, 190/sala 507 Belo Horizonte - MG CEP: 30130-100 Email: [email protected] Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S167-S172 167 Obesidade e osteoartrite: atualiazação em implicações clínicas e metabólicas da apenas pelas doenças cardiovasculares como causa de incapacidade a longo prazo.8 Observa-se na literatura e mesmo na prática clínica um maior foco da obesidade nas condições associadas à alta mortalidade, como doença arterial coronariana, acidente vascular cerebral, diabetes, enquanto a associação à OA, à dor lombar e a outros problemas músculo-esqueléticos vem sendo menos descritos na literatura.11 Entretanto, é importante também considerar a saúde músculo-esquelética do obeso. Dessa forma, este artigo tem por objetivo abordar a obesidade e suas implicações na saúde músculo-esquelética, enfocando a OA e os mecanismos que a vinculam à obesidade. Tal entendimento é fundamental, haja vista que a obesidade possui o potencial de ser um fator de risco importante para OA. OSTEOARTRITE – ASPECTOS CLÍNICOS A Osteoartrite é uma doença crônica, caracterizada por degeneração da cartilagem articular, dor e rigidez à movimentação.10 Sabendo que um dos principais fatores de risco para esta doença é a obesidade, verifica-se que sua associação com a OA de joelho pode gerar um padrão dor aumentado e dificuldades funcionais, especialmente na locomoção, que exigem movimentação e descarga de peso sobre as articulações afetadas. Observase, portanto, que a intensidade de dor influencia a capacidade funcional de indivíduos obesos com OA de joelho. Ambas as variáveis são de grande relevância clínica, uma vez que os principais alvos do tratamento para as pessoas que sofrem com a OA constituem a redução dos níveis de dor e a melhora na capacidade de realização das atividades funcionais. Pottie et al.12 descrevem que apesar de a OA ser usualmente considerada uma desordem articular caracterizada pela destruição da cartilagem. Atualmente é considerada uma doença que pode afetar não apenas a cartilagem, mas toda a articulação (ossos, músculos, ligamentos e sinóvia). Robbins8 relata ser uma simplificação excessiva considerar que a osteoartrite seja tão somente uma doença do uso e desgaste da cartilagem. Apesar de sua etiologia ainda não estabelecida, os fatores de risco principais são bem conhecidos e incluem fatores mecânicos, bioquímicos e genéticos. Dentre tais 168 Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S167-S172 fatores, a obesidade é sem dúvida um fator proeminente, merecendo pois adequada atenção.12 Ding et al.13 conduziram estudo transversal no qual os defeitos na cartilagem do joelho e o alargamento do osso tibial foram as principais mudanças estruturais associadas ao aumento do índice de massa corporal (IMC) particularmente em mulheres. Prevenir tais mudanças deve, pois, prevenir o desenvolvimento de OA nos joelhos dos indivíduos em estado de sobrepeso ou obesidade. O controle do peso torna-se peça fundamental na condução de indivíduos obesos com OA. De acordo com Radominski2, a OA é a mais comum das doenças articulares e o joelho é o local de envolvimento mais freqüente nos membros inferiores. Estudos populacionais têm mostrado de maneira consistente que pessoas obesas apresentam risco aumentado para OA de joelho, em relação às não obesas, haja vista que durante a deambulação normal a articulação do joelho sofre forças de impacto de cerca de seis vezes o peso corporal. Sendo assim, qualquer ganho percentual de peso tem influência marcante nas forças transmitidas ao joelho. Quanto à OA de quadril, uma revisão sistemática realizada por Lievense et al.14 mostrou que na literatura a evidência de que a obesidade influencie o desenvolvimento de OA em tal articulação é moderada. Vasconcelos et al.10 concluíram que a intensidade de dor relaciona-se moderadamente à capacidade funcional objetiva de indivíduos obesos com OA de joelho. Sendo que, isoladamente, não é capaz de explicar as alterações e prejuízos funcionais associados à OA de joelho. MECANISMOS ETIOPATOGÊNICOS A obesidade é um determinante de extrema importância na OA de membros inferiores e pode ser explicado pelo efeito da sobrecarga nas articulações desses segmentos. No entanto, observa-se que existe também associação entre obesidade e OA das mãos, o que pressupõe a existência de outros mecanismos.11,15 Recentes estudos têm permitido entender melhor a relação existente entre obesidade e AO.12 Apesar da evidência da contribuição de componentes mecânicos para a destruição articular em indivíduos com sobrepeso, a OA Obesidade e osteoartrite: atualiazação em implicações clínicas e metabólicas é considerada não apenas uma doença da cartilagem articular, mas também uma desordem sistêmica relacionados à alteração do metabolismo de lipídeos e de glicose. Isto poderia explicar a diversidade de mudanças fisiopatológicas em osteoartrites generalizadas. No entanto, a contribuição potencial de citocinas derivadas do tecido adiposo para a OA não exclui o envolvimento de outros mecanismos, incluindo a ativação de mecanorreceptores e a disfunção vascular no osso subcondral. Assim, teorias têm sido propostas para explicar a associação entre obesidade e AO.15 De acordo com Radominski2, a teoria biomecânica sugere que a obesidade leva ao aumento da pressão e da força sobre a articulação, resultando em ativação dos mecanismos de degradação da cartilagem articular, esclerose do osso subcondral e formação de osteófitos, causando a OA. Dessa forma, forças de impacto sobre os ossos e articulações são afetadas pelo peso corporal. Portanto, é de se esperar que a obesidade desempenhe papel de destaque na patogênese, manifestações clínicas e curso da OA. Pottie et al.12 descrevem que o efeito da sobrecarga na cartilagem articular explica em parte o aumentado risco de desenvolver OA, pelo menos do joelho, em indivíduos em estado de sobrepeso. Tal estudo relata que recente descoberta sobre a biologia da cartilagem aponta para a presença de mecanorreceptores na superfície dos condrócitos: estes são sensíveis à pressão e ligam o ambiente extracelular às cascatas sinalizadoras intracelulares, sendo estimulados pela compressão e pelo alongamento, o que leva à ativação de vias sinalizadoras, fazendo com que haja expressão de citocinas, fatores de crescimento, metaloproteinases e produção de mediadores como prostaglandinas e óxido nítrico. A obesidade pode, portanto, induzir a degradação articular através da ativação desses mecanorreceptores. TEORIA METABÓLICA PARA OSTEOARTRITE E OBESIDADE Apesar de ser usualmente aceito que a carga mecânica contribua para a destruição da cartilagem articular em indivíduos com sobrepeso, recentes avanços na fisiologia do tecido adiposo adicionam outras questões no entendimento da relação entre obesidade e OA. De fato, a associação positiva entre obesidade e OA é observada não apenas na articulação do joelho, mas também em articulações que não suportam peso, como as mãos. Sabe-se ainda que se a perda de peso pode prevenir a OA, a perda de gordura corporal está mais estreitamente relacionada ao benefício sintomático do que a perda de peso corporal.12 A degradação articular pode ser causada por fatores sistêmicos, como as adipocinas, que podem representar o elo metabólico entre obesidade e OA.16 Tais autores descrevem que o tecido adiposo, tradicionalmente visto como um estoque passivo de energia, é um órgão endócrino dinâmico que libera uma série de fatores, incluindo citocinas como a interleucina 1 e o fator de necrose tumoral alfa, bem como adipocitocinas como a leptina, a adiponectina e a resistina. Na obesidade, os depósitos de gordura corporal estão aumentados. Sendo assim, proporcionalmente ao maior volume das células adiposas há conseqüente elevação na expressão e secreção das adipocinas, que se relacionam à homeostase, ao metabolismo de lipídeos, de glicose, a funções reprodutivas, à regulação da pressão arterial, à sensibilidade à insulina, à formação óssea e à angiogênese.12 Dessa forma, estudos fortalecem a hipótese de que a OA seja uma desordem sistêmica que contém em sua patofisiologia a desregulação da homeostase. Lohmander15 descreve que fatores metabólicos relacionados com a obesidade atuam aumentando o risco de OA, estando tal associação relacionada tanto à própria obesidade quanto às doenças estreitamente ligadas a ela, tais como resistência à insulina, diabetes tipo 2 e doenças cardiovasculares. Este autor relata que essas condições se associam à resposta inflamatória crônica com produção anormal de citocinas e ativação de vias de sinalização inflamatória que podem ser desencadeadas pelo próprio tecido adiposo. Outra possível associação importante é a relação dos condrócitos serem sensíveis à insulina e aos IGFs (insulin-like growth factors): a resistência à insulina poderia então comprometer a função metabólica das células cartilaginosas. Também a leptina, produzida primariamente pelos adipócitos viscerais, podendo também ter um papel ao longo deste eixo metabólico, já que os condrócitos respondem à leptina através de seus receptores. Outras adipocinas, como a adiponectina, podem também influenciar Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S167-S172 169 Obesidade e osteoartrite: atualiazação em implicações clínicas e metabólicas as células articulares direta ou indiretamente, através de vias ainda desconhecidas.15 O tecido adiposo articular é um componente presente nas articulações humanas, mas suas funções locais são desconhecidas. Estudos recentes têm revelado várias relações entre tecido adiposo, adipocitocinas e artrite. Ehling et al.17 investigaram a expressão da adiponectina e seu papel funcional no tecido adiposo articular e na sinóvia de pacientes com artrite. Ao contrário do seu papel protetor em doenças endocrinológicas e vasculares, a adiponectina está envolvida em vias de inflamação e degradação da matriz na articulação humana. Dessa forma, o tecido adiposo articular e as adipocinas não podem ser ignorados devido à relevância do papel que desempenham. Leptina, adiponectina e resistina foram encontradas no líquido sinovial e no plasma de pacientes com AO.18 A leptina e seus receptores funcionais foram identificados também em condrócitos humanos, desempenhando papel na síntese do fator de crescimento, no anabolismo e no catabolismo.12 A sua expressão é fortemente regulada por vários tecidos articulares que sofrem mudanças estruturais e bioquímicas durante a OA, tais como cartilagem, osteófitos e osso subcondral. O nível de expressão da leptina se relaciona ao nível de destruição da cartilagem.19 Embora a leptina tenha um efeito benéfico na síntese da cartilagem, tanto diretamente quanto através da regulação dos fatores de crescimento, seu excesso pode levar à diminuição da síntese de matriz extracelular, com lesões e destruição da cartilagem. A leptina tem ação sinérgica com citocinas pró-inflamatórias, como a interleucina 1, aumentando a produção de óxido nítrico, interferindo na função dos condrócitos e resultando na perda de matriz cartilaginosa através da indução da apoptose, da ativação de metaloproteinases e da inibição de proteoglicanos e da síntese de colágeno tipo II.19 A OSTEOARTRITE COMO DOENÇA VASCULAR ATEROMATOSA INDUZIDA PELA OBESIDADE Estudos epidemiológicos sugerem que a OA esteja relacionada à doença vascular ateromatosa.20 A hipótese é de que tal relação seja causal. A OA, ou pelo menos a sua progressão estrutural, poderia ser uma doença vascular ateromatosa do osso 170 Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S167-S172 subcondral, a qual pode acelerar a OA tanto por alterar a nutrição da cartilagem quanto pelos efeitos diretos da isquemia no osso. Dessa forma, a obstrução vascular e a hipertensão intraóssea resultante podem alterar as propriedades mecânicas do osso, reduzindo sua habilidade em absorver choques, aumentando a susceptibilidade da cartilagem. Porém, ainda são necessários mais estudos epidemiológicos, investigações de imagem de vasos sanguíneos relevantes e estudos sobre os efeitos das estatinas na prevenção e tratamento da OA. PREVENÇÃO E TRATAMENTO DA OA: REDUÇÃO DO PESO CORPORAL As drogas anti-inflamatórias não-esteroidais são comumente usadas para alívio dos sintomas da OA, mas seus efeitos colaterais no trato gastrointestinal acabam por aumentar o impacto dessa doença.6 Tratamentos que reduzam a atividade da doença e mantenham a função são requeridos, mais do que os que apenas atingem os sintomas. De acordo com Radominski2, independente do mecanismo que interliga obesidade com OA, parece razoável inferir que a redução do peso, através da dieta ou qualquer outro tratamento, possa diminuir o risco de desenvolvimento ou progressão da OA. Apesar de a obesidade ser cada vez mais comum e um fator de risco significativo para OA, há a necessidade de estudos clínicos controlados que explorem os efeitos da perda de peso na OA. No entanto, nos últimos anos tem sido sugerida uma relação entre perda de peso e benefício clínico na OA de joelho.15 Estudo randomizado controlado realizado por Messier et al.21 com amostra significativa de homens e mulheres em estado de sobrepeso / obesidade mostrou que a perda de peso proporcionou melhora na função, na mobilidade e na dor, sendo que o grupo submetido à associação entre dieta e exercício teve resultados melhores do que os do grupo controle e os dos grupos de intervenção submetidos apenas à dieta e apenas ao exercício. Os autores concluíram que a perda de peso atingida apenas com dieta não resulta em melhora significativa da mobilidade (importante determinante da incapacidade), da função e da dor, sugerindo que o exercício moderado deve estar associado, constituindo abordagem importante ao indivíduo obeso com OA. Obesidade e osteoartrite: atualiazação em implicações clínicas e metabólicas Nicklas et al.22, em estudo randomizado e controlado, observaram que a perda de peso induzida por dieta resultou em maior redução da inflamação geral (proteína C-reativa, interleucina-6, receptor 1 do fator de necrose tumoral alfa) do que o tratamento sem perda de peso. Os autores ponderaram que estudos adicionais se mostram necessários para se acessar os efeitos de diferentes modos e intensidades de exercício na inflamação. Christensen et al.23 estudaram o efeito da perda de peso rápida (8 semanas) induzida por dieta na função de indivíduos obesos com OA de joelho verificando que 10% de redução do peso corporal melhorou a função em 28%. De acordo com Woolf et al.11, há evidência de que evitar a obesidade ou reduzir o peso diminui a incidência, a progressão e o efeito da OA de joelho. Sendo a combinação de um programa de redução de peso com um programa de exercícios recomendada. Tal abordagem deve ser encorajada e facilitada como estratégia de saúde pública, enfocando aspectos preventivos na obesidade e AO, bem como, na reabilitação de pessoas que já apresentam problemas articulares e limitada função física. Dessa forma, é importante que os profissionais de saúde tenham uma abordagem acerca da importância da dieta, do peso corporal e do nível de atividade física para as diversas condições de saúde. Felson3 relata ser recomendável que os indivíduos que se encontram cronicamente em estado de sobrepeso diminuam substancialmente o risco de desenvolverem OA nos joelhos ou mesmo os sintomas já estabelecidos através de modesta perda de peso, como uma diminuição de 2 unidades no IMC. Dessa forma, previne-se a dor, a incapacidade e o uso de serviços de saúde dispendiosos. Nevitt5 ressalva que mais estudos são necessários utilizando medidas de avaliação da dor e disfunção em membros inferiores para identificar os limiares do tratamento para redução de peso em indivíduos com OA em joelhos e quadris e definir a melhora clínica significativa. Quanto à forma de se avaliar e acompanhar o estado de sobrepeso e obesidade dos indivíduos, Vasconcelos et al.10 descrevem ser importante lembrar que o IMC representa apenas uma alteração no equilíbrio energético do indivíduo, não permitindo análises de alterações metabólicas ou composições de massa gorda ou magra. É possível que estes fatores não englobados pelo IMC tenham maior repercussão na capacidade funcional de indivíduos obesos. No entanto, estudo realizado por Abbate et al.24 concluiu que o índice de massa corporal (IMC) e o peso corporal estão fortemente associados à osteoartrite de joelho radiográfica em mulheres. Tais autores sugeriram que medidas precisas de composição corporal e de distribuição do tecido adiposo não oferecem vantagens em relação à simples medida do peso corporal e ao cálculo do IMC para se acessar o risco de osteoartrite de joelho. CONCLUSÃO A fisiopatologia da OA ainda não é completamente compreendida, porém apresenta uma relação estreita com a obesidade. Os sintomas dessa doença são debilitantes, causando não apenas incapacidade física e dor, mas também afetam o bem-estar psicossocial do indivíduo com impacto socioeconômico substancial. Com os crescentes níveis de obesidade no Brasil aumenta-se o risco de AO. Porém, a obesidade é um dos poucos fatores de risco para OA que podem ser modificados. Manter um peso corporal adequado em todas as idades deve ser recomendado. No entanto, a complexidade do tratamento, controle e prevenção da obesidade é preocupante, haja vista a necessidade iminente de adoção de políticas públicas que podem ir contra interesses de diferentes setores da sociedade. REFERÊNCIAS 1. World Health Organization – WHO. Obesity. Geneva: WHO; 1998. p. 7-15. Report WHO Consult. Obesity 2. Radominski SC. Obesidade e doenças músculo-esqueléticas. Rev Bras Reumatol. 1998; 38(5): 275-8. 3. Felson DT. Weight and osteoarthritis. Am J Clin Nutr. 1996; 63(suppl):430S-2S. 4. Cooper C, Inskip H, Croft P, Campbell L, Smith G, McLaren M, Coggon D. Individual risk factors for hip osteoarthritis: obesity, hip injury, and physical activity. Am J Epidemiol. 1998 Mar 15; 147(6):516-22. 5. Nevitt MC. Obesity outcomes in disease management: clinical outcomes for osteoarthritis. Obes Res. 2002 Nov;10 Suppl 1:33S-37S 6. Breedveld FC. Osteoarthritis—the impact of a serious disease. Rheumatology. 2004; 43(Supl. 1):i4–i8. Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S167-S172 171 Obesidade e osteoartrite: atualiazação em implicações clínicas e metabólicas 7. Leveille SG, Wee CC, Iezzoni LI. Trends in Obesity and Arthritis Among Baby Boomers and Their Predecessors, 1971–2002. Am J Public Health. 2005 Sep;95(9):1607-13. 8. Robbins S. Ossos, articulações e tumores de partes moles. In: Robbins S. Patologia estrutural e funcional. 6ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2000. p.1087-134. 9. Bouchard C. Sobrepeso, mortalidade e morbidade. In: Atividade física e obesidade. São Paulo: .Manole; 2003. cap. 3, p.35-62. 10. Vasconcelos KSS, Dias JMD, Dias RC. Relação entre intensidade de dor e capacidade funcional em indivíduos obesos com osteoartrite de joelho. Rev Bras. Fisioter 2006; 10(2):213-8. 11. Woolf AD, Breedveld FC, Kvien TK. Controlling the obesity epidemic is important for maintaining musculoskeletal health. Ann Rheum Dis. 2006; 65:1401-2. 12. 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A Medicina do Adolescente (MA) como disciplina do curso médico capacita o aluno a prestar um acompanhamento integral do paciente, desenvolvendo habilidades como a escuta e o acolhimento. Objetivos: Avaliar a disciplina Medicina do Adolescente, seu caráter interdisciplinar e seu impacto na formação médica dos estudantes da graduação e pós-graduação, além de relatar uma experiência diferenciada de ensino e aprendizado. Métodos: Foram distribuídos questionários a duas turmas matriculadas na disciplina MA da Faculdade de Medicina da UFMG em 2006, além de especializandos na área da adolescência. As respostas foram analisadas e apresentadas na forma de um texto dissertativo. Resultados: Todos os alunos consideraram a Medicina do Adolescente relevante em sua formação acadêmica. Conclusões: A participação do aluno da graduação de medicina em um grupo interdisciplinar possibilita o desenvolvimento de habilidades essenciais para um atendimento integral do paciente. 1 Residente de Clínica Médica do Hospital Municipal Odilon Behrens Professor adjunto do Departamento de Pediatria - FM/ UFMG. Pós Doutorado em Endocrinologia pela Universidade de Barcelona 3 Doutor e Professor adjunto do Departamento de Pediatria – FM/UFMG 2 Palavras-chave: Adolescente; Comportamento do Adolescente; Medicina do Adolescente/ education; Educação Médica ABSTRACT Introduction: Adolescence corresponds to a period marked by important changes. In this context of such important changes, it becomes essential that the adolescent expresses his doubts, insecurities and anxieties. Adolescent Medicine (AM), as a subject of the medical course, enables the student to provide comprehensive care to the patient, developing abilities such as listening and welcoming. Objectives: To evaluate the subject AM, its interdisciplinary character and its impact on undergraduate and graduate students’ medical education, and report a distinctive experiment on teaching and learning. Methods: Questionnaires were distributed to two classes enrolled in the subject Adolescent Medicine, held by the School of Medicine at UFMG, in 2006, and also to professionals specializing in the field of adolescence. The answers were analyzed and presented as a dissertation. Results: All students considered Adolescent Medicine relevant to their scholarly education. Conclusions: Considering the adolescent patient’s characteristics and the positive impact of well-directed care at this stage of life, the participation of an undergraduate student in an interdisciplinary group provides the development of essential skills to thorough patient care. Key words: Adolescent; Adolescent Behavior; Adolescent Medicine/education; Education, Medical. Faculdade de Medicina - Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Endereço para correspondência: Endereço: Rua Aguapeí, 188 B: Serra Belo Horizonte - MG CEP: 30240 - 240 E-mail: [email protected] Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S173-S178 173 Medicina do Adolescente: avaliação de uma experiência de ensino interdisciplinar INTRODUÇÃO A adolescência é o período de vida que vai dos 10 aos 19 anos, caracterizado por um intenso crescimento e desenvolvimento e no qual o indivíduo sofre inúmeras mudanças anatômicas, fisiológicas, psicológicas e sociais. Essas mudanças resultam na construção da identidade adulta e podem, muitas vezes, ser motivo de ansiedade, depressão, insegurança e medo por parte dos adolescentes. Assim, para assegurar o sucesso em uma fase do desenvolvimento tão importante, é necessário que o adolescente se encontre em um ambiente de segurança social e emocional, em que se sinta tranqüilo para expor suas idéias, suas angústias e sua posição frente ao novo período de vida que se inicia. Nesse contexto, o papel desempenhado pelo médico que assiste o adolescente assume extrema importância. Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente, todo adolescente tem “direito à proteção à vida e a saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência”. Em Minas Gerais, existem atualmente 4.015.530 indivíduos na faixa etária entre os 10 e os 19 anos, o que representa 20,36% da população. O atendimento ao adolescente corresponde a 12,47% do total de consultas realizadas pelo Sistema Único de Saúde. Embora seja uma faixa etária de relativa baixa morbidade e mortalidade, existem problemas característicos da adolescência que exigem atenção especial dos profissionais que a ela de dedicam. Por ser um período de transição entre a infância e a vida adulta, ainda não está bem estabelecido quem deve se responsabilizar pelo atendimento ao adolescente. Pediatra, Clínico Geral ou médico especializado? O ideal é que seja realizado por um profissional que se interesse e invista nessa faixa etária, ou, melhor ainda, por uma equipe multiprofissional, com um trabalho interdisciplinar, preparada para acolher o adolescente. Apesar dos adolescentes corresponderem a uma parcela importante no total de atendimentos prestados, pediatras e clínicos gerais relatam dificuldades e pouco treinamento em assuntos relacionados ao cuidado com os adolescentes.1 Os itens mais citados como pontos de dificuldade incluem a abordagem psicossocial, o uso de drogas, o início da atividade sexual, a depressão e o suicídio, os dis174 Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S173-S178 túrbios alimentares e o estadiamento puberal.2 Por outro lado, estudos mostram que o número de adolescentes envolvidos em comportamentos de risco diminui consideravelmente quando são comparados adolescentes que receberam atendimento e aconselhamento de equipes de saúde com aqueles que não receberam.3 Isso se torna particularmente verdadeiro, quando o adolescente sente-se confortável para expor seus problemas ao profissional que o atende. Quando questionados sobre habilidades e capacitação na assistência aos jovens, pediatras relatam grande aprimoramento após programas de treinamentos específicos.4 Dessa forma, é extremamente importante que o currículo das escolas de medicina e os programas de residência em pediatria e clínica médica incluam módulos referentes à saúde do adolescente. Com o objetivo de dar ao aluno da graduação de medicina condições de prestar atenção à saúde do adolescente, em nível secundário, sem prejuízo da visão integrada da assistência, foi criada pelo Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais a disciplina optativa Medicina do Adolescente. A disciplina é ministrada durante um semestre letivo e consta de uma carga horária de 60 horas, sendo 15 horas de caráter teórico e 45 horas de caráter prático. O aluno deve conhecer e saber abordar os principais problemas de saúde dos adolescentes referidos ao serviço. Isso inclui a realização do exame físico geral, com ênfase no sistema acometido e interpretação desse exame juntamente com a história clínica e com os exames complementares, de modo a propor uma hipótese diagnóstica e orientar uma terapêutica. É importante também que o aluno compreenda e saiba atuar sobre as repercussões orgânicas, psicológicas e sociais das doenças crônicas e agudas e, ainda, desenvolva uma visão crítica da realidade de saúde, identificando possíveis fatores determinantes de doenças e propondo alternativas. O aluno é orientado a privilegiar a escuta do adolescente enquanto sujeito psíquico, dentro de seu contexto psicossocial. Através dessa escuta, o aluno tem maior oportunidade de reconhecer manifestações psicossomáticas ou equivalentes depressivos, de desenvolver habilidades para o diagnóstico clínico de depressão na adolescência e reconhecer as principais patologias psiquiátricas que eclodem durante essa etapa da vida. Dessa forma, espera-se que o aluno Medicina do Adolescente: avaliação de uma experiência de ensino interdisciplinar tenha condição de prestar uma assistência integral ao paciente, abordando-o em seus aspectos físicos, mentais e sociais. Durante o semestre letivo, o aluno se insere em uma equipe interdisciplinar. Essa equipe é formada por pediatras, residentes em pediatria, especializandos em Saúde do Adolescente, psiquiatras, psicólogos, psicanalistas, nutricionistas e dentistas. Tal equipe vai de encontro ao objetivo principal da disciplina, uma vez que oferece uma assistência global ao adolescente. O aluno é elemento ativo da equipe, participando do atendimento ambulatorial supervisionado, discussão de casos clínicos e apresentações de temas teóricos que abrangem particularidades da consulta do adolescente, problemas ginecológicos, puberdade, crescimento e desenvolvimento, principais patologias psiquiátricas na adolescência, nutrição, saúde bucal e comportamentos de risco (drogas, depressão e suicídio, gravidez, doenças sexualmente transmissíveis, violência). Considerando as dificuldades encontradas por diversos profissionais nas particularidades do atendimento ao adolescente e o impacto positivo do treinamento em saúde do adolescente, o artigo busca relatar e avaliar as experiências vivenciadas no grupo multidisciplinar da disciplina Medicina do Adolescente. questionário inicial constava de duas perguntas que buscavam avaliar a expectativa dos alunos no início do semestre (Quadro 1). Já o questionário final era composto por seis perguntas que tinham como objetivo avaliar a experiência dos alunos após a conclusão da disciplina e o impacto da mesma em sua formação (Quadro 2). Assim como os alunos, os pediatras integrantes da equipe da Medicina do Adolescente na posição de especializandos também foram submetidos a um questionário. Esse era composto por seis perguntas similares àquelas presentes no questionário final dos alunos (Quadro 3). Quadro 1 - Questionário inicial dirigido aos alunos 1. O que o motivou a se matricular na disciplina Medicina do Adolescente? 2. Quais são suas expectativas em relação à disciplina? Quadro 2 - Questionário final dirigido aos alunos 1. Qual é a sua opinião sobre a disciplina Medicina do Adolescente? 2. Quais foram os pontos positivo e negativos da disciplina? 3. Quais foram as principais dificuldades encontradas? 4. Você acha que a Medicina do Adolescente é uma disciplina relevante no currículo médico? Por quê? 5. Você acha que a Medicina do Adolescente contribuiu para sua formação? Em quê? OBJETIVOS O projeto de ensino/pesquisa teve como objetivo principal avaliar a disciplina Medicina do Adolescente, seu caráter interdisciplinar e seu impacto na formação médica dos estudantes da graduação e pós-graduação. Visou, ainda, relatar uma experiência diferenciada de ensino e aprendizado. MATERIAIS E MÉTODOS O projeto de pesquisa/ensino foi desenvolvido durante dois semestres letivos (fevereiro a dezembro de 2006) da disciplina Medicina do Adolescente, cadeira optativa do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da UFMG. Duas turmas de alunos matriculados na disciplina foram submetidas a dois questionários, um no início do semestre e outro após sua conclusão. O 6. Sugestões. Quadro 3 - Questionário dirigido aos especializandos 1. O que o levou a buscar uma especialização em Medicina do Adolescente? 2. Quais são suas principais dificuldades em relação ao atendimento do adolescente? 3. A especialização em Medicina do Adolescente contribuiu para sua atuação como médico? Em quê? 4. Você acha que a Medicina do Adolescente é relevante no currículo médico? Por quê? 5. Quais são os principais pontos positivos e negativos da disciplina Medicina do Adolescente? 6. Sugestões. A participação na pesquisa foi voluntária e autorizada mediante à assinatura de termo de consentimento livre e esclarecido. A identidade dos participantes foi mantida em sigilo. Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S173-S178 175 Medicina do Adolescente: avaliação de uma experiência de ensino interdisciplinar 176 RESULTADOS ■ Os questionários foram distribuídos para dez alunos que cursaram a disciplina Medicina do Adolescente no primeiro semestre de 2006 e seis alunos que a cursaram no segundo semestre. Todos foram respondidos e retornados aos pesquisadores. Já entre os especializandos, foram distribuídos sete questionários, dos quais apenas cinco foram devolvidos. Não foram coletados dados de identificação dos participantes, tendo sido feita apenas a diferenciação entre alunos e especializandos. No questionário inicial, quando abordados sobre fatores de motivação no momento da matrícula na disciplina optativa, os alunos apontaram como principais: características particulares da disciplina (grupo interdisciplinar, maior autonomia para o aluno, importância da escuta) (4/16), dificuldade em lidar com pacientes na faixa etária da adolescência e necessidade de ampliar conhecimentos (3/16), interesse em saúde mental (3/16), indicação de um colega (3/16), gosto pela pediatria e por adolescentes (3/16). Já as principais expectativas relatadas pelos alunos no início do semestre letivo foram: aprender a lidar com as particularidades do paciente adolescente (6/16), aprender a conduzir uma consulta voltada para a escuta (5/16), adquirir conhecimentos teóricos sobre os principais agravos à saúde do adolescente (3/16) e ter um contato maior com a psicanálise (2/16). No questionário final, respondido ao término da disciplina, as principais opiniões, pontos positivos e negativos apontados pelos alunos a respeito da Medicina do Adolescente foram: ■ A disciplina constitui uma das únicas oportunidades durante o curso médico para discutir questões relacionadas à adolescência. ■ As aulas teóricas orientam condutas de difícil abordagem na prática (uso de drogas, suicídio, distúrbios alimentares). ■ A disciplina fornece noções gerais sobre a abordagem psicológica dos pacientes e possibilita que o aluno conduza uma consulta voltada para a escuta. ■ Por oferecer ao aluno maior autonomia, permite a criação de um vínculo forte com seu paciente, despertando um sentimento de responsabilidade médica. ■ Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S173-S178 ■ ■ ■ O contato com outros profissionais da área de saúde se mostrou muito enriquecedor. A disciplina desperta o lado humano e sentimental do aluno. O número de consultas marcadas por vezes excede a capacidade de atendimento da equipe, prejudicando a qualidade do atendimento. As discussões dos casos clínicos com a equipe interdisciplinar são tumultuadas e pouco esclarecedoras (1/16). A equipe valoriza excessivamente as questões psicológicas dos adolescentes (1/16). Todos os alunos relataram que a Medicina do Adolescente contribuiu para sua formação acadêmica e julgaram-na relevante no currículo médico. Os pediatras espacializandos, ao responder o questionário, relataram que ao buscar uma especialização em Medicina do Adolescente tinham como objetivo ampliar sua formação e seu campo de atuação dentro da pediatria e vencer o desafio oferecido pelas particularidades do atendimento dos jovens. Afirmaram que muitos adolescentes procuram um profissional que não somente os atenda, mas os entenda e, por isso, muitos médicos não se sentem confortáveis em trabalhar com essa faixa etária. As principais dificuldades encontradas durante as consultas são: a abordagem dos problemas psicológicos e dos pacientes usuários de drogas e o exame da genitália. Existe um sentimento de frustração por não poderem oferecer respostas imediatas aos problemas de seus pacientes. Apesar disso, o trabalho com os adolescentes contribui de forma marcante para sua atuação como médico, pois permite desenvolver a capacidade de apurar a escuta e considerar o paciente em seu contexto familiar e social. Assim, consideram a disciplina fundamental para a formação do médico generalista, voltado para a visão global dos pacientes. DISCUSSÃO A adolescência é tradicionalmente vista como um período da vida em que os indivíduos gozam de boa saúde. Entretanto, nos últimos anos, vem se registrando altas taxas de morbidade e mortalidade entre os adolescentes, relacionadas, principalmente com comportamentos de riscos (1). Por ser a adolescência um período de transição, incertezas, busca de identidade e questionamentos, os Medicina do Adolescente: avaliação de uma experiência de ensino interdisciplinar jovens se encontram mais vulneráveis ao envolvimento com drogas, depressão, suicídio, violência, doenças sexualmente transmissíveis e gravidez indesejada. Dessa forma, esses se tornam os principais fatores de agravo à saúde do adolescente. Estudos mostraram que o acompanhamento periódico dos adolescentes em serviços de saúde preparados para acolher essa faixa etária contribuiu de maneira significativa para a diminuição do envolvimento dos jovens em comportamentos de risco (1). Essa diminuição foi ainda mais marcante entre os jovens que receberam atendimento privado, uma vez que esse favoreceu a construção do um vínculo maior entre o adolescente e seu médico e, consequentemente, melhor abordagem e aconselhamento. Apesar de ser clara a importância da construção de um sistema de saúde preparado para atender o adolescente, não existe uma capacitação adequada dos profissionais para lidar com os problemas específicos dessa faixa etária. Um estudo realizado nos EUA comparou a habilidade de representantes de diversas especialidades médicas envolvidas no cuidado dos adolescentes (pediatras, clínicos gerais, ginecologistas, médicos da família e especialistas em medicina do adolescente). Membros de todos os grupos (exceto especialistas em medicina do adolescente) relataram poucas habilidades e baixa competência na abordagem de assuntos relativos à saúde dos jovens. O mesmo estudo mostrou ser grande o número de profissionais que encaminhariam pacientes adolescentes a serviços especializados ao invés de conduzir o caso.2 Entre pediatras, existe um treinamento inadequado em Medicina do Adolescente, principalmente no que se refere ao exame da genitália e à abordagem de questões relacionadas à atividade sexual.3 Embora seja grande o número de programas de residência médica que incluem em seu currículo módulos relativos à Medicina do Adolescente, existe uma grande variabilidade de eficiência no treinamento e na aquisição de habilidades.4 A elaboração de um currículo mínimo em Medicina do Adolescente torna-se, então, extremamente importante na padronização do ensino e na formação de profissionais realmente capacitados.5 Programas de treinamento mostraram sucesso na preparação de médicos para o cuidado de adolescentes, tanto com relação à abordagem de comportamentos de risco, quanto à capacidade de escuta, aconselhamento e exame físico.6 Existem poucos dados referentes ao ensino da Medicina do Adolescente durante o curso médico. Sabe-se, entretanto que uma disciplina eletiva pode contribuir de maneira significativa para a segurança, competência e conforto dos estudantes na abordagem de questões que futuramente poderiam se tornar pontos de fraqueza em sua atuação como médico (exame da genitália, uso de drogas, atividade sexual, prática de esportes, comportamento e relações interpessoais).7 Partindo-se dos dados apresentados, consideramos importante relatar a experiência vivenciada pela equipe interdisciplinar da Medicina do Adolescente da Faculdade de Medicina da UFMG. Essa equipe se estruturou com o objetivo maior de oferecer um atendimento completo ao adolescente e preparar alunos do curso médico para abordá-los considerando suas particularidades biológicas, psicológicas e sociais. Muitos alunos, ao se matricularem nessa disciplina optativa, buscam aprender a conduzir uma consulta baseada na escuta e a vencer os desafios de lidar com uma faixa etária tão peculiar. Os alunos da Medicina do Adolescente apresentam grande autonomia durante as consultas. Após a escuta, são estimulados a elaborar a condução do caso, opinam sobre a conduta propedêutica e terapêutica e decidem sobre a freqüência do acompanhamento, sempre sob supervisão do grupo. Isso desperta no aluno o sentimento de responsabilidade e cuidado com o seu paciente. Ao mesmo tempo, oferece ao adolescente a oportunidade de ser ouvido e acolhido, o que assumirá grande impacto positivo na forma como irá vivenciar essa etapa de vida tão importante. A equipe procura-se mostrar ao aluno que o paciente adolescente apresenta características diferentes dos pacientes das demais faixas etárias que não devem ser negligenciadas. Apesar disso, o médico generalista é capaz de acompanhar os pacientes adolescentes. Para isso basta se propor a escutar, acolher e acompanhar. REFERÊNCIAS 1. Shenkman E, Youngblade L, Nackashi J. 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Myssior1; Maria Jussara Fernandes Fontes2; Roberto Assis Ferreira3; Maria Cândida Marques 4 RESUMO Objetivo: Este trabalho relata um caso de dermatite atópica resistente ao tratamento médico e que apresentou boa evolução, após instituído o tratamento psicanalítico. Descrição: O paciente, uma criança do sexo masculino de sete anos de idade, estava em tratamento médico usual há três anos sem apresentar melhora; ao contrário, identificava-se agravamento dos sintomas, o prurido era constante, acompanhado de inflamação cutânea e lesões de eczema. Ao se constatar a possibilidade de problemas emocionais admitiu-se a presença de fenômeno psicossomático, e houve a indicação do tratamento psicanalítico. Após a introdução desse tratamento houve mudanças no curso clínico com atenuação progressiva dos sintomas Conclusão: Houve boa resposta clínica após instituição da terapêutica psicanalítica, fruto da interseção pediatria-Psicanálise. Esse fato estimula a indicação do tratamento psicanalítico nos casos de dermatite atópica rebeldes ao tratamento médico usual, sobretudo na presença de fenômenos emocionais envolvidos. 1 Psicanalista, Mestre em Saúde da Criança e do Adolescente pela Faculdade de Medicina da UFMG Profa. Adjunta da Faculdade de Medicina da UFMG. Doutora em Medicina - Área de Concentração Pediatria 3 Prof. Associado do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da UFMG. Doutor em Medicina - Área de Concentração Pediatria 4 Médica, Mestre em Pediatria pela UFMG. Doutoranda em Saúde da Criança e do Adolescente, UFMG, SMS-PBH. Especialista em Alergia e Imunopatologia. 2 Palavras-chave: Dermatite Atópica; Psiquiatria Infantil; Criança; Psicanálise; Pediatria. ABSTRACT This work reports an atopic dermatitis resistant to medical treatment that presented a positive evolution after psychoanalytic treatment. Description: atopic dermatitis in male child of seven. The patient was being medically treated after three years without improvements, on the contrary, symptoms were becoming more severe, itching constant, as well as inflammation and eczema. After admitting the possibility of emotional cause and psychosomatic phenomena a psychoanalytic treatment was started. After treatment begun, symptoms were attenuated. Conclusion: there was good clinical response after psychoanalytical treatment begun, generating a pediatrics-psychoanalysis positive intersection. This facts stimulates psychoanalytical treatment for atopic dermatitis that do not respond to regular clinical treatment, especially were emotional elements are detected. Key words: Dermatitis, Atopic; Child Psychiatriy; Child; Psychoanalysis; Pediatrics. INTRODUÇÃO A dermatite atópica (DA) é a doença crônica da pele mais comum na infância. Afeta 10 a 20% das crianças em todo o mundo e ocorre, com freqüência, em famílias com asma, rinite alérgica e alergia alimentar. Trata-se de doença de fisiopatologia complexa, que inclui o comprometimento da barreira cutânea e alterações imunológicas caracterizadas por uma fase inflamatória inicial onde Endereço para correspondência: Silvia G. Myssior Rua Santa Maria de Itabira, 339/900 B: Sion Belo Horizonte - MG CEP 30310-600 E-mail: [email protected] Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S179-S184 179 O tratamento psicanalítico associado ao tratamento clínico em uma criança com dermatite atópica: o caso R há predomínio de citocinas TH2 e uma fase posterior crônica com predominância TH1. Sua etiopatogenia contudo, não está totalmente esclarecida e tem sido demonstrada complexa inter-relação envolvendo fatores genéticos, imunitários, infecciosos, ambientais, alimentares e psicossomáticos, associados a próprias alterações da pele. Tendo em vista esse marco conceitual da DA como fenômeno psicossomático esta investigação surge da experiência clínica da Psicanálise, onde se pode constatar claramente a incidência do psiquismo no corpo da criança, desde os primórdios de sua constituição. A criança para se fazer ouvir revela simultaneamente grande parte de seus impasses de suas formas, psíquica e somática. E o pediatra é o primeiro a receber a criança que apresenta algum transtorno, distúrbio funcional ou doença. A interseção da Psicanálise com a Pediatria Como colocado anteriormente, o pediatra é o profissional que é buscado inicialmente pela família, visando o diagnóstico e a terapêutica das ocorrências da infância. Entretanto, quando aparecem manifestações psicossomáticas, atinge-se um terreno que desafia o saber médico, pois tanto a compreensão da doença quanto a resposta do paciente não se enquadram nos padrões médicos habituais. Daí a importância da aproximação dos dois campos: o médico e o psicanalítico, que este trabalho propõe como interseção dos dois saberes. O momento atual do desenvolvimento científico tem verificado que a experiência emocional é capaz de influenciar e mudar o funcionamento e até a anatomia cerebral.1 O conceito de plasticidade cerebral com sua variabilidade infinita, leva a articular o biológico com o sujeito da linguagem, e parece estar além do que as neurociências conseguem demonstrar, pois não se trata mais de como o cérebro determina, já que é a dimensão psíquica que dá humanidade, diferenciando o ser humano dos organismos animais.1 A abordagem psicanalítica das manifestações psicossomáticas é distinta da abordagem médica, e também da psicologia médica, diferença determinante na condução do tratamento, pois o que a Psicanálise propõe não é a simples modificação do comportamento, nem somente a supressão do sintoma, mas a mudança de posição frente às questões que propiciam o adoecimento. O termo “epistemo-somática” foi forjado por J. Lacan em 1975 para chamar a atenção sobre a de180 Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S179-S184 terminação psíquica do que se manifesta no corpo, como moléstia, e onde a dimensão do biológico revela em seu saber, uma insuficiência.2 A moléstia psicossomática obriga a ir além do reducionismo de nomear como “psicossomático” tudo aquilo do que não se sabe a causa orgânica. Aponta para a busca de um ponto de junção possível entre a Psicanálise e a Ciência. Um ponto nodal entre a dimensão de organismo e a dimensão de sujeito, aquele ponto onde o corpo se torna o lugar onde o desejo inconsciente se manifesta. Para a ciência, o corpo é considerado nos registros do somático, do anatômico e do biológico, sendo que, para Freud, o corpo está como corpo psíquico, no campo das representações simbólicas, portanto, no campo da linguagem. A linguagem apresenta-se como um sistema de pura diferença, em que cada palavra é definida por ser o que as outras não são. Temos aí um sistema funcionando em cadeia, ou seja, com um termo sempre em relação ao outro. Por conta disso, as palavras não representam conceitos, sua significação não é dada por si só, e o modo como a criança vai tomá-la em sua subjetividade, vai depender tanto de seu lugar no encadeamento da frase quanto da particularidade de cada sujeito. O psicanalista trabalha com o material inconsciente, aquele da subjetividade do paciente, cujo corpo está afetado pela linguagem porque compõe sua realidade psíquica. Isto significa que ele foi constituído através da linguagem e junto com ela. É a construção de uma representação de corpo que permite que este passe de organismo, a corpo humanizado. A articulação entre o corpo biológico e sua representação, para cada um de nós é estabelecida num tempo primário da vida, desde as relações do bebê com o meio, nas intrincadas relações daqueles que cuidam dele e desempenham as funções materna e paterna. Essa noção de corpo marcado pela linguagem é a referência que pode nos guiar quando nos perguntamos como se expressa esse corpo que é a sede dos sintomas físicos. Mas, diferentemente dos sintomas histéricos, hipocondríacos, obsessivos e fóbicos, os chamados fenômenos psicossomáticos (FPS) seriam aqueles que expressam uma desordem orgânica que, justamente se opõem aos distúrbios conversivos, comuns na histeria. Pois se o histérico fala por meio de seu corpo, o paciente psicossomático sofre no seu corpo. Desordem psicossomática aparece, em princípio, vazia de O tratamento psicanalítico associado ao tratamento clínico em uma criança com dermatite atópica: o caso R significação simbólica e requer um trabalho de decifração, que vai do real do corpo ao simbólico da representação. Assim, quando a psique atua no corpo de forma decisiva, o analista é convocado para resgatar aí, o sujeito. Na literatura psicossomática é possível constatar, com surpresa, que numa perspectiva freudiana, o tratamento tem sido até hoje pouco explorado. Embora exista há um século, a Psicanálise ainda suscita profunda incompreensão no meio médico, que a confunde frequentemente com o trabalho do psiquiatra e do psicólogo. Tal posicionamento conduz a perguntar qual o lugar que a Psicanálise poderia ocupar num sistema de saúde, quando se pretende uma interseção da Psicanálise com a Pediatria e suas especialidades, mas ao mesmo tempo, paradoxalmente, os pediatras parecem estar cada vez mais sensíveis às questões do inconsciente que a criança manifesta em seu corpo. DESCRIÇÃO E COMENTÁRIOS Renato, sete anos de idade, foi encaminhado pelo pediatra e o alergista-imunologista, porque não estava respondendo satisfatoriamente à terapêutica médica. As melhoras eram mínimas com os vários tratamentos e pomadas dermatológicas. Apresentava alergia cutânea (urticárias), rinite e sinusite de repetição, sendo o quadro prevalente, a dermatite atópica. Algumas áreas do corpo apresentavam-se bastante lesionadas, sobretudo o antebraço, em torno dos joelhos, nas orelhas, em volta dos olhos, lesões intensificadas pelo efeito das coceiras incontroláveis. O cotovelo apresentava descamações e forte vermelhidão. Foi sua avó quem procurou o pediatra, preocupada com a falência do tratamento instituído pelo alergista-imunologista e com o desconforto e a tristeza do neto. O pediatra após ouvi-lo, o alergista-imunologista o encaminhou ao analista. Os atendimentos à criança iniciaram-se, e durante o percurso da análise foram incluídas algumas entrevistas com os pais (mãe e padrasto) e a avó. O tratamento analítico teve a duração de doze meses, com a freqüência de uma sessão por semana. Apesar de pertencer a uma família de situação econômica precária, o paciente foi trazido ao consultório do analista na freqüência proposta. A primeira entrevista foi feita com a mãe e o paciente. De partida, ficou evidente a impaciência que a mãe manifestou em relação ao “mau-comportamento” de R. Na escola, o menino vinha se portando de forma agressiva, o que o deixava sob constante ameaça de expulsão. Interrogado pela analista sobre o que pensava sobre as coisas que a mãe estava dizendo, responde estar muito incomodado com as coceiras, e que seus colegas tinham medo dele, tinham nojo e o chamavam de “cascudo”, recusando sua companhia. Bem-desenvolvido fisicamente, o menino se mostrava agitado, articulando mal as palavras e desconfortável diante do que a mãe falava sobre ele. Seu pai, de quem era próximo, separou-se da mãe quando ele tinha três anos e, desde então ele vinha perguntando insistentemente à mãe por que o pai os abandonara. Segundo relata a mãe, o pai de R. era um trabalhador da construção e havia mudado de estado em busca de trabalho. Porém, não mais voltou a procurar a família e dele não se tem notícias. No transcurso da análise ficou claro que diante da ausência de qualquer resposta da mãe a essa indagação, se culpava por ter sido abandonado pelo pai, e dizia com freqüência: “Eu sou uma praga mesmo”. Por outro lado, aproximou-se da avó, que o escutava e o ajudava quando as coisas andavam mal. Dessa avó partiu o empenho para que se iniciassem os atendimentos psicanalíticos: achava que “os pais estavam sendo muito rudes com o menino, gritando muito com ele e às vezes batendo”, sem conseguirem, contudo, contê-lo. A mãe de R. se casara recentemente, e ele “ganhou”, segundo relatou, um padrasto a quem estimava e passou a chamar de pai. Nasceu um irmão, atualmente com 8 meses, com quem dizia gostar de brincar, mesmo que de início tenha ficado enciumado. Dizia-se incomodado pelo fato do irmão “ter o mesmo sangue do padrasto; acho que é raiva de que ele tenha um pai de verdade”. Provocava o assunto, mas demonstrava mágoa quando se tocava no pai biológico. Nos relatos da mãe, o que chamava a atenção é que R. demorou muito a falar, ele o fez por volta dos três anos, pouco antes do pai deixar a família. Dos 3 aos 6 anos ficou só com a mãe, com quem esteve muito ligado, até que ela se casasse novamente. Desde então a avó materna veio compor essa nova família. No início da análise ainda ocorreram duas crises bem fortes de coceiras e descamações e, ao Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S179-S184 181 O tratamento psicanalítico associado ao tratamento clínico em uma criança com dermatite atópica: o caso R mostrar o braço à analista, disse: “Olha meu braço, está em carne viva, até tirando sangue”. Freud (1933) mostrou a importância da superfície do corpo, das sensações, das experiências e das trocas táteis para constituição do psiquismo e a construção do eu. As doenças cutâneas fazem apelo ao olhar e podem provocar mais do que outras doenças somáticas, uma profunda ferida narcísica.3 A analista tentava encontrar a mãe com certa freqüência, pois ela já havia manifestado sua ambivalência quanto ao filho. Nesse período constatava-se visível rejeição, a mãe perdia a paciência com freqüência e batia na criança. E, na maior parte das vezes que era solicitada enviava a avó em seu lugar, alegando cuidados com o bebê. Na análise, a criança brinca, desenha e cria histórias: “Um cara que foi procurar alguma coisa lá nos Estados Unidos, não sabia direito o que era, mas onde ele tava, não dava. Pegou o caminhão dele de construtor e foi, mas teve que parar porque não sabia o caminho, nem pra que lado era. Alguém apontou o caminho e ele foi, mas teve que voltar, porque o homem não estava mais ali. Ele não sabia, então queriam tirar a pele dele como nos bichos, arrancar para fazer roupa. O homem não queria deixar, e disse: ‘Não pode tirar o couro, tem que parar... curar’. Um homem aparece na luta e o que morreu, ressuscitou. O carinha ganhou a luta e ganhou um pai. Aí um não podia mais tirar a pele do outro... terminou legal”. R. coloca em palavras o que o aflige, e o analista o faz escutar o que diz. A raiva cede lugar à angústia. O sujeito revela o quanto de angústia lhe causava a relação com sua mãe, quando esta lhe batia; na maior parte das vezes, por estar irritada com ele, ameaçava “tirar a pele”, “dar um couro, até tirar sangue”. É bom lembrar que a angústia, em análise, é bom sinal, desde que dosada. Aos poucos, Renato vai deixando de tentar ser um prolongamento de sua mãe, delimitando as questões que são suas e as que são dela. Vai, gradativamente parando de repetir com os colegas os comportamentos agressivos: os mesmos aos que era antes, em casa, submetido. Enfim, começa a se separar das questões que “tomava” de sua mãe, não mais se confunde com ela, e isso fica evidente quando me diz: “Pensei uma coisa... talvez, não fui eu... meu pai foi embora porque quis... dar couro, tirar o couro..?”. 182 Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S179-S184 Suas crises de dermatite e de rinite foram se espaçando; o “couro” da pele se recuperava. A medicação dermatológica passou a apresentar efeitos rápidos, surpreendendo o médico em suas respostas, e no momento da conclusão da análise R. apresentava a pele lisa e rosada, sem lesões. É preciso dizer que seu comportamento passou por muitas modificações, tanto na escola quanto socialmente, sua linguagem se organizou de forma mais clara e articulada do que antes. Mas, principalmente, R. se reconheceu mais corajoso para prosseguir seu caminho. O que esta criança construiu em análise? De início, muito sozinho e desamparado, encontravase “perdido, sem saber que caminho tomar”. Sem conseguir aceder ao simbólico da separação com o Outro, a função paterna era chamada o tempo todo: brigava na escola, provocava reações dos que encarnavam a autoridade, parecendo buscar o exercício da função do pai, que promove o recalque. Pois o recalque, enquanto não se realiza em certos pontos, poderia ser a causa de uma ancoragem no imaginário, ou seja, no corpo da criança. O suporte paterno, identificação ao pai (e é claro, ao padrasto, figura paterna substituta) possibilitou a passagem necessária à sua escolha pela identificação com o masculino e com as interdições ao corpo materno, que já se encontravam na estrutura, mas precisando ser confirmadas. Quando as operações de constituição do sujeito carecem de suporte simbólico, lesões podem aparecer no real do corpo.4 A função paterna parecia funcionar em seus relatos como aquele pai imaginário cruel (que o abandonou), a ponto de “tirar a pele”. É a esse pai cruel e tirânico (encarnado, muitas vezes pela mãe e mesmo pelo padrasto) ao qual ele se submete, faz com ele se nomeie: “eu sou uma praga”. Mais tarde, “a praga” vai ser deslocada, no dizer do paciente, para: “a praga dessa doença”. Se de início a praga era ele próprio, o trabalho em análise o leva a percebê-la como um corpo estranho. Praga que lhe serviu, de algum modo, de suporte, mas da qual agora anseia se ver livre. Há casos em que o sujeito não consegue separar-se do impositivo da palavra materna. Faltando o intervalo entre o que é dele e de sua mãe, não pode apropriar-se de seu corpo, confundindo-o com o corpo materno. Faltando o intervalo entre o que é de um e de outro, ocorre no corpo da criança uma relação perturbadora.5 O tratamento psicanalítico associado ao tratamento clínico em uma criança com dermatite atópica: o caso R A análise veio possibilitar que aquilo que estava fixado, paralisado, retido no corpo, se inscrevesse simbolicamente, fazendo com que os efeitos do simbólico se tornassem presentes em sua vida. O que provocou tais mudanças? Nada além do trabalho analítico. Através da escuta das palavras da criança — enfim, do sujeito, — pelos relatos de seus sonhos e fantasias, do seu brincar, do devanear, de seus desenhos e recortes, o analista pôde escutar as emergências do desejo inconsciente, para retornar ao sujeito as questões com as quais ele tanto se debatia sem poder expressá-las claramente. Tornando-se assim, possível elaborá-las. No tratamento psicanalítico com as crianças, é também fundamental o acompanhamento dos pais, pois a confiança estabelecida entre os pais e o analista é o que assegura a possibilidade do trabalho com a criança.6 Não se trata de aconselhá-los, mas de ouvi-los em suas dificuldades de exercer suas funções materna e paterna, em suas dúvidas e angústias, para que recebam uma ou outra intervenção quando necessário. Isso faz com que eles, os pais, também retifiquem sua posição. gico.7 Do ponto de vista da Psicanálise é considerada como uma manifestação de efeitos de fronteira que rege as relações do corpo com o exterior. Trata-se de uma patologia dos efeitos da linguagem na fisiologia e nas relações do corpo com a inserção da lei paterna. A resposta ao tratamento analítico: vai do abrandamento à remissão do quadro sintomático, além de uma mudança psíquica tal, que a criança já não mais precisa encontrar expressão no real de seu corpo, com o adoecimento. REFERÊNCIAS 1. Ansermet F. O fenômeno psicossomático. In: Ansermet F. Clínica da origem: a criança entre a medicina e a psicanálise. Rio de Janeiro: Contra Capa; 2003. p. 163-85. 2. Lacan J. Conferencia en Ginebra sobre el síntoma (1975). In: Lacan J. Intervenciones y textos 2. Buenos Aires: Manantial; 1988. p. 115, 137-44. 3. Freud S. Angústia e vida pulsional. In: Freud S. Obras completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago; 1976. (Edição Standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, 19). 4. Gui J, Valas P. O fenômeno psicossomático. Rev Correio do Simpósio, Belo Horizonte, 1999; 3 (5): 34-41. CONCLUSÃO Considera-se a dermatite atópica uma doença psicossomática que causa lesões agressivas no corpo. A apreensão de sua origem, embora complexa, aponta para as formulações mais atuais do fenômeno psicossomático, uma disfunção do corpo biológico devido a processos vividos pela criança na passagem de organismo a corpo erógeno, e não simplesmente como tendo um determinante bioló- 5. Valas P. Horizontes da psicossomática. In: Valas P. Psicossomática e psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar; 1987. p. 77. 6. Marques MC, Myssior SG, Fontes MJF. Dermatite atópica grave: uma abordagem médica associada à psicanálise. Rev Bras Alergia Imunol. 2006; 29 (supl.1):26. 7. Winnicott DW. Urticaire papuleuse et ensations cutanées. In: Winnicott DW. L‘enfant, la psychê et le corps. Paris: Payot ; 1999. p. 218. (Bibliothèque Scientifique). Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S179-S184 183 Normas de Publicação 1. Revista Médica de Minas Gerais (RMMG) destina se à publicação de artigos originais, revisões, atualizações, resumo de teses, relatos de casos ou notas técnicas inéditas de qualquer especialidade médica. 2. A revista tem periodicidade trimestral (março, junho, setembro e dezembro) com a seguinte estrutura: Editorial, Artigos Originais, Educação Continuada (atualização/revisão), Atualização Terapêutica, Relato de Caso, Educação Médica, História da Medicina, Cartas aos Editores, Comunicados das Instituições Mantenedoras, Normas de Publicação. 2.1. Para efeito de categorização dos artigos, considera-se: a) Artigo Original: trabalhos que desenvolvam crítica e criação sobre a ciência, tecnologia e arte da medicina, biologia e matérias afins que contribuam para a evolução do conhecimento humano sobre o homem e a natureza. b) Educação Continuada: trabalhos que apresentam síntese atualizada do conhecimento disponível sobre medicina, biologia e matérias afins, buscando esclarecer, organizar, normatizar, simplificar abordagem dos vários problemas que afetam o conhecimento humano sobre o homem e a natureza. c) Atualização Terapêutica: trabalhos que apresentam síntese atualizada do conhecimento disponível sobre a terapêutica em medicina, biologia e matérias afins, buscando esclarecer, organizar, normatizar, simplificar a abordagem sobre os vários processos utilizados na recuperação do ser humano de situações que alteram suas relações saúde doença. d) Relato de Caso: trabalhos que apresentam a experiência médica, biológica ou de matérias afins em função da discussão do raciocínio, lógica, ética, abordagem, tática, estratégia, modo, alerta de problemas usuais ou não, que ressaltam sua importância na atuação prática e mostrem caminhos, conduta e comportamento para sua solução. e) Educação Médica: trabalhos que apresentam avaliação, análise, estudo, relato, inferência sobre a experiência didático-pedagógica e filosófica, sobre os processos de educação em medicina, biologia e matérias afins. f) História da Medicina: trabalhos que revelam o estudo crítico, filosófico, jornalístico, descritivo, comparativo ou não sobre o desenvolvimento, ao longo do tempo, dos fatos que contribuíram para a história humana relacionada à medicina, biologia e matérias afins. g) Cartas aos Editores: correspondências de leitores comentando, discutindo ou criticando artigos publicados na revista. Recomenda-se o tamanho máximo de 1000 palavras, incluindo referências bibliográficas. Sempre que possível, uma resposta dos autores ou editores será publicada junto com a carta. 3. Os trabalhos para publicação devem ter até 16 páginas de texto, incluindo ilustrações e referências, exceto os artigos da seção “Relato de Caso” que devem ter até 8 páginas. A RMMG reserva-se o direito de recusar artigos acima desses limites. 4. Os trabalhos recebidos serão analisados pelo Corpo Científico da RMMG ( Editor Geral, Editores Associados, Conselho Editorial e Consultores Ad Hoc). Um trabalho submetido é primeiramente protocolado e analisado quanto a sua apresentação e normas, estando estas em conformidade, o trabalho é repassado aos Editores Associados que indicarão dois revisores da especialidade correspondente. Os revisores são sempre de instituições diferentes da instituição de origem do artigo e são cegos quanto à identidade dos autores e local de origem do trabalho. Após receber ambos os pareceres, os Editores Associados os avalia e decide pela aceitação do artigo, pela recusa ou pela devolução aos autores com as sugestões de modificações. Um manuscrito pode retornar várias vezes aos autores para esclarecimentos mas cada versão é sempre analisada pelo Editores Associados e/ou Editor Geral, que detém o poder da decisão final, podendo a qualquer momento ter sua aceitação ou recusa determinada. 5. Os trabalhos devem ser digitados utilizando a seguinte configuração: margens: esquerda e superior de 3 cm e direita e inferior de 2 cm; tamanho de papel formato A4 (21 cm x 29,7 cm); espaço entrelinhas de 1,5 cm, fonte Arial ou Times New Roman, tamanho 12. A primeira página deve conter: título do trabalho, título em inglês, nome(s) completo(s) do(s) autor(es), sua(s) titulação(ões) e afiliação(ões), indicação da instituição onde o trabalho foi desenvolvido, indicação do autor correspondente com endereço completo, fax, e-mail, telefone e a indicação da categoria do artigo, conforme item 2.1. A segunda página deve conter o título do trabalho em português e inglês, o resumo, as palavras-chave, o summary e as key words. A partir da terceira página apresenta-se o conteúdo do trabalho. 6. Para os trabalhos resultados de pesquisas envolvendo seres humanos, deverá ser encaminhado uma cópia do parecer de aprovação emitido pelo Comitê de Ética reconhecido pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), segundo as normas da Resolução do Conselho Nacional de Saúde – CNS/196/96, e para os manuscritos que envolveram apoio financeiro, este deve estar explicito claramente no texto e declarados na carta de submissão a ausência de qualquer interesse pessoal, comercial, acadêmico, político ou financeiro na publicação do mesmo. 7. Os trabalhos devem ser enviados para o endereço eletrônico (e-mail: [email protected]), anexando o original e suas respectivas ilustrações, anexos e apêndices; Parecer do Comitê de Ética, quando houver; e a correspondência de submissão do manuscrito, dirigida ao Editor Geral, indicando a sua originalidade, a não submissão a outras revistas, as responsabilidades de autoria, a transferência dos direitos autorais para a revista em caso de aceitação e declaração de que não foi omitido qualquer ligação ou acordo de financiamento entre o(s) autor(es) e companhias que possam ter interesse na publicação do artigo. 8. Para efeito de normalização, serão adotados os “Requerimentos do Comitê Internacional de Editores de Revistas Médicas” (International Committee of Medical Journal Editors – ICMJE) (Estilo Vancouver) disponível em:<http://www.icmje.org/>. 9. Todo trabalho deverá ter a seguinte estrutura e ordem: a) Primeira página: título; título em inglês; nome(s) completo do(s) autor(es), acompanhado(s) de seu(s) respectivos(s) título(s) e afiliação(coes); citação da instituição onde o trabalho foi realizado; endereço para correspondência; indicação da categoria do artigo. b) Segunda página: Título; título em inglês; resumo (em formato semiestruturado para os artigos originais)* do trabalho em português, sem exceder o limite de 250 palavras; Palavras-chave (três a dez), de acordo com o DECS Descritores em Ciências da Saúde da BIREME (http:// decs.bvs.br/); Summary (resumo em língua inglesa), consistindo na correta versão do resumo para aquela língua; Key words (palavraschave em língua inglesa) de acordo com a lista Medical Subject Headings (MeSH) do PUBMED) da National Library of Medicine (http://www.ncbi.nlm.nih.gov/sites/entrez?db=mesh); c) Terceira página: TEXTO: Introdução, Material ou Casuística e Método ou Descrição do Caso, Resultados, Discussão e/ou Comentários (quando couber) e Conclusões; d) Agradecimentos (opcional); e) Referências como especificado no item 11 dessas normas; *Nota: O resumo no formato semi-estruturado deverá ser adotado para os artigos da categoria “artigos originais”, compreendendo, obrigatoriamente, as seguintes partes, cada uma das quais devidamente indicada pelo subtítulo respectivo: Objetivos; Métodos; Resultados; Conclusões. 10. As ilustrações devem ser colocadas imediatamente após a referência a elas. Dentro de cada categoria deverão ser numeradas seqüencialmente durante o texto. Exemplo: (Tabela 1, Figura 1). Cada ilustração deve ter um título e a fonte de onde foi extraída. Cabeçalhos e legendas devem ser suficientemente claros e compreensíveis sem necessidade de consulta ao texto. As referências às ilustrações no texto deverão ser mencionadas entre parênteses, indicando a categoria e o número da tabela ou figura. Ex: (Tab. 1, Fig.1). As fotografias deverão ser enviadas em aquivos anexos, e não devem ser incorporadas no editor de texto; podem ser em cores e deverão estar no formato JPG, em alta resolução (300 dpi) e medir, no mínimo, 10cm de largura (para uma coluna) e 20cm de largura (para duas colunas). Devem ser nomeadas, possuir legendas e indicação de sua localização no texto. 11. As referências são numeradas consecutivamente, na ordem em que são mencionadas pela primeira vez no texto. Devem ser apresentadas de acordo com as normas do Comitê Internacional de Editores De Revistas Médicas, disponível em:< http://www.nlm.nih.gov/bsd/ uniform_requirements.html> Os títulos das revistas são abreviados de acordo com o “Journals Database” do PUBMED, disponível em: <http://www.ncbi.nlm.nih.gov/sites/entrez?db=journals>. As referências no texto devem ser citadas mediante número arábico sobrescrito, após a pontuação, quando for o caso, correspondendo às referências no final do artigo. Nas referências, citar como abaixo: 11.1.ARTIGOS DE PERIÓDICOS a) Artigo padrão de revista científica Incluir o nome de todos os autores (último sobrenome, em caixa baixa, seguido da primeira letra dos demais nomes e sobrenomes, quando são até seis. Mais de seis autores indicar os seis primeiros seguidos de et al. You CH, Lee HY, Chey RY, Menguy R. Electrogastrografic study of patients with unexplained nausea, bloating and vomiting. Gastroenterology. 1980; 79:3114. Viana MB, Giugliani R, Leite VH, Barth ML, Lekhwani C, Slade CM, et al. Very low levels of high density lipoprotein cholesterol in four sibs of a family with non-neuropathic Niemann-Pick disease and sea-blue histiocytosis. J Med Genet. 1990 Aug; 27(8):499-504. b) Autor corporativo: The Royal Marsden Hospital BoneMarrow Transplantation Team. Failure os syngeneic bonemarrow graft in post hepatitis marrow aplasia. Lancet. 1977; 2:2424. c) Sem autoria (entrar pelo título): Coffee drinking and cancer of the pancreas (Editorial). BMJ. 1981; 283:6289. d) Suplemento de revista: Mastri AR. Neuropathy of diabetic neurogenic bladder. Ann Intern Méd. 1980; 92 (2 pt 2): 3168. Frumin AM, Nussabaum J, Esposito M. Functional asplenia: demonstration of esplenic activity by bone marrow sean (resumem). Blood. 1979; 54 (supl 1): 26. 11.2. LIVROS E OUTRAS MONOGRAFIAS a) Autor(es) pessoa física: Eisen HN. Immunology: an introduction to molecular and cellular principles of the immune response. 5th ed. New York: Harper and How; 1974. b) Editor, compilador, coordenador como autor: Dausset J, Colombanij D, editors. Histocompatibility testing 1972. Copenhague: Munksgaard; 1973.128p. c) Autor(es) institucional: Royal Adelaide Hospital; University of Adelaide, Department of Clinical Nursing. Compendium of nursing research and practice development, 1999-2000. Adelaide (Australia): Adelaide University; 2001. 11.2.1. Capítulo de livro: Weinstein L, Swartz MN. Pathogenic properties of invading microorganisms. In: Sodeman WA Jr, Sodeman WA, editors. Pathologic physiology: mechanisms of diseases. Philadelphia: WB Saunders; 1974. p.457-72. 11.2.2. Trabalhos apresentados em congressos, seminários, reuniões etc.: Blank D, Grassi PR, Schlindwein RS, Mello JL, Eckert GE. The growing threat of injury and violence against youths in southern Brazil. Abstracts of the Second World Conference on Injury Control; 1993 May 2023; Atlanda, USA. Atlanda: CDC; 1993. p.1378. 11.3 DISSERTAÇÕES E TESES Caims RB. Infrared spectroscopic studies of solid oxigens [Tesis]. Berkeley (Ca): University of California; 1965. Borkowski MM. Infant sleep and feeding: a telephone survey of Hispanic Americans [dissertation]. Mount Pleasant (MI): Central Michigan University; 2002. 11.4. ARTIGO DE JORNAL (não científico) Shaffer RA. Advances in chemistry are starting to unlock musteiries of the brain: discoveries could help cure alcoholism and insomnia, explain mental illnes. How the messengers work. Wall Street Journal, 1977; ago. 12:1 (col. 1). 10 (cl. 1). 11.5. ARTIGO DE REVISTA (não científica) Roueche B. Annals of Medicine: the Santa Claus culture. The New Yorker, 1971; sep. 4: 6681. 12. Agradecimentos devem constar de parágrafo à parte, colocado antes das referências bibliográficas, após as key words. 13. As medidas de comprimento, altura, peso e volume devem ser expressas em unidades do sistema métrico decimal (metro, quilo, litro) ou seus múltiplos e submúltiplos. As temperaturas em graus Celsius. Os valores de pressão arterial em milímetros de mercúrio. Abreviaturas e símbolos devem obedecer padrões internacionais. Ao empregar pela primeira vez uma abreviatura, esta deve ser precedida do termo ou expressão completos, salvo se se tratar de uma unidade de medida comum. 14. Lista de checagem: recomenda-se que os autores utilizem a lista de checagem abaixo para certificarem-se de que toda a documentação está sendo enviada. Não é necessário enviar a lista. • Carta de submissão assinada (assinatura digital) por todos os autores • O manuscrito em arquivo .doc, contendo: • Página de rosto com todas as informações solicitadas • Resumo em português, com palavras chaves • Texto contendo: introdução, métodos, resultados e discussão • Resumo em inglês e palavras chave Summary/Keywords • Referências no estilo Vancover numeradas por ordem de aparecimento das citações no texto • Citações numeradas por ordem de aparecimento no texto com algarismos arábicos • Tabelas numeradas por ordem de aparecimento • Gráficos numerados por ordem de aparecimento • Legenda das figuras 15. Os casos omissos serão resolvidos pela Comissão Editorial. 16. O Conselho Editorial e RMMG não se responsabilizam pelas opiniões emitidas nos artigos. 17. Em casos de não aprovação de artigos, os autores serão comunicados por escrito. Os artigos reprovados não serão devolvidos. 18. Os artigos devem ser enviados para: Revista Médica de Minas Gerais Av. Alfredo Balena, 190 Prédio da Faculdade de Medicina, sala 12 30130-100 • Belo Horizonte • MG Fone/Fax: (31) 3409-9796 E-mail: [email protected] [email protected] Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S184