Suplemento RMMG do Programa de Pós Graduação 2008

Transcrição

Suplemento RMMG do Programa de Pós Graduação 2008
18/4-S1
Editorial
UMA PUBLICAÇÃO DA Associação Médica
de Minas Gerais – AMMG • Conselho Regional
de Medicina de Minas Gerais – CRM-MG • Cooperativa Editora e de Cultura Médica Ltda.
– Coopmed • Faculdade de Ciências Médicas
de Minas Gerais – FCMMG • Faculdade de Medicina da UFMG – FM/UFMG • Federação Nacional das Cooperativas Médicas – Fencom •
Secretaria de Estado da Saúde de Minas
Gerais – SES/MG • Secretaria Municipal de
Saúde de Belo Horizonte – SMSa/BH •
Sindicato dos Médicos do Estado de Minas
Gerais – Sinmed-MG • Unimed-BH Cooperativa de Trabalho Médico Ltda – Unimed-BH.
Diretoria Executiva do Conselho Gestor
Francisco José Penna - Presidente •
Helton Freitas - Diretor Financeiro •
Helvécio Miranda Magalhães Júnior - Diretor
de Relações Institucionais
Conselho Gestor
Amélia Maria Fernandes Pessôa (Sinmed-MG)
• Ciro José Buldrini Filogônio (Fencom) •
Cláudio de Souza (CRM-MG) • Epotamênides Maria Good God (AMMG) • Francisco
José Penna (FM/UFMG) • Helton Freitas
(UNIMED-BH) • Helvécio Miranda Magalhães Júnior (SMSa-BH) • Ludércio Rocha de
Oliveira (FCMMG) • Nery Cunha Vital (SES/
MG) • Victor Hugo de Melo (Coopmed)
Editor Administrativo
Maria Piedade Fernandes Ribeiro Leite
Secretária
Suzana Maria de Moraes Miranda
Normalização Bibliográfica
Maria Piedade Fernandes Ribeiro Leite
Projeto gráfico: José Augusto Barros
Produção Editorial: Folium
Tiragem: 1.000 exemplares
Indexada em: LILACS - Literatura LatinoAmericana em Ciência da Saúde
Versão online: http://rmmg.medicina.ufmg.br
Correspondências e artigos
Revista Médica de Minas Gerais
Faculdade de Medicina da UFMG
Av. Prof. Alfredo Balena, 190 - Sala 12.
30130-100 – Belo Horizonte. MG.Brasil
Telefone: (31) 3409-9796
e-mail (artigos): [email protected]
e-mail (correspondências):
[email protected]
Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S1 - S184
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PEDIATRIA- SAÚDE
DA CRIANÇA E ADOLESCENTE: 21 ANOS DE EXISTÊNCIA
O curso pós-graduação em Pediatria da Faculdade de Medicina
da UFMG na modalidade de Mestrado foi criado em 1985 e implantado em 1987. Posteriormente, após a consolidação do mestrado, foi
iniciado o doutorado, cuja primeira tese defendida ocorreu em 1998.
No início o curso se inspirou na estrutura da Residência Médica,
com disciplinas mais de cunho profissional. Na seleção apenas eram
admitidos médicos pediatras e depois foram admitidos candidatos
de outras áreas da medicina. Em consonância com as tendências da
pós-graduação, uma mudança importante foi realizada em 2004, com
modificações na estrutura curricular e no processo de seleção com
a inclusão de outros profissionais. O curso passou de Pediatria para
Programa em Ciências da Saúde Área de Concentração Saúde da
Criança e Adolescente. Com esta abertura foi possível o ingresso de
outros profissionais com diferentes formações para desenvolvimento
de teses e dissertações tendo como objeto de estudo a criança e o
adolescente.
Neste processo de organização e início do curso tiveram participação importante os professores do Departamento de Pediatria, sob
a coordenação do prof. Edward Tonelli. Na seqüência contribuíram
para consolidação do mestrado e doutorado os seguintes professores coordenadores: Joel Alves Lamounier, Paulo Augusto Moreira
Camargos, Francisco José Penna. Na função de sub-coordenador,
participação dos professores César Coelho Xavier e Eduardo Araújo
Oliveira. Ao longo desta história, teve papel importante o Colegiado,
no avanço e implemento das propostas, buscando a qualidade do
programa. Em julho de 2008, foi realizado na Faculdade de Medicina da UFMG o I Seminário de Auto-avaliação com a finalidade de
discutir os problemas, definir ações e propor metas para os próximos
anos, no contexto atual das recomendações da CAPES para a pósgraduação brasileira.
O programa de pós-graduação tem avançado e cumprido o seu
papel na formação de professores e de pesquisadores na área da
saúde da criança e adolescente. Cumpre o papel de contribuir para
inserção social e divulgação do conhecimento científico. Mestres e
doutores foram formados oriundos de diversas partes do estado de
Minas Gerais como também de outros locais como: Rio de Janeiro,
Goiás, Espírito Santo, Ceará, Santa Catarina. Cooperação interinstitucional foi uma experiência positiva com Universidade Federal de
Goiás (Mestrado) e para o próximo ano estão previstos projetos para
mestrado com FHEMIG e doutorado com Universidade Federal do Jequitinhonha e Mucuri visando titulação de
profissionais e docentes das instituições. Na área internacional, o programa recebeu neste ano dois alunos de
Moçambique pelo convenio Brasil-África. Ações estão previstas para ampliar e aprofundar as relações e projetos com pesquisadores internacionais, possibilitando assim, pesquisas em colaboração com a participação de
docentes e alunos. No crescimento do programa tem sido inestimável o apoio e recursos provenientes da ProReitoria de Pos-Graduação da UFMG, CAPES e agencias de fomento a pesquisa como CNPq e FAPEMIG.
O programa conta com um elenco de linhas de pesquisa já consolidadas e das quais tem sido originados os
diversos trabalhos para teses e dissertações. As dissertações e teses estão disponíveis na biblioteca da Faculdade de Medicina e podem ser acessadas pela internet na pagina www.medicina.ufmg.br e no portal CAPES
(www.capes.gov.br/capes/portal).
Nestas duas décadas de existência é possível comemorar e celebrar os avanços: 289 dissertações de mestrado concluídas e 80 teses de doutorado já defendidas até setembro de 2008. Este sucesso ocorreu graças ao
trabalho e participação dos professores do Departamento de Pediatria e de outras unidades da UFMG em orientações de teses e dissertações e oferta de disciplinas. Sem dúvida, um dos maiores programas de pós-graduação
no país na área da criança e adolescente de reconhecimento nacional. Em periódicos nacionais e internacionais de impacto podem ser encontrados artigos originados de dissertações e teses produzidas pelos alunos do
programa. Neste suplemento da Revista Médica de Minas Gerais é possível ter uma amostra de artigos diversos,
importante contribuição e divulgação do conhecimento científico na área da saúde.
Joel Alves Lamounier
Professor Titular
Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da UFMG
Coordenador do Programa
18/4-S1
sumário
Artigos Originais
5 • Anorexia e Bulimia
Conditions of the oral cavity
and of dental attendance of
children with acute lymphocytic leukemia
47 • A percepção dos
Maria de Lourdes de Andrade Massara; Marcos Borato
Viana; Lorena Nunes
Perception of accidents in
school by elementary level
educators, Belo Horizonte
33 • Correlação do
Soraia Pinto Sena; Janete
Ricas; Maria Regina de
Almeida Viana
– Um transtorno alimen- Denise Siqueira Lobão;
tar: Não se trata disso
Benigna Maria de Oliveira;
Anorexia and Bulimia – An
alimentary disorder: It is not
the case
Tatiana Mattos do Amaral;
Roberto Assis Ferreira
13 • Aspectos cognitivos e emocionais
de adolescentes com
excesso de peso e seus
responsáveis
Cognitive and emotional
aspects of adolescents with
excess of weight and those
responsible for them
Tatiana Resende Prado Rangel de Oliveira; Cristiane de
Freitas Cunha
20 • Nova curva da
OMS 2006: implicações
para o crescimento de
recém-nascidos prétermo em comparação
com a curva do CDC
2000
gênero, idade, índice
de massa e superfície
corporais e o tempo
ultra-sonográfico de esvaziamento gástrico de
uma fórmula láctea em
crianças e adolescentes
Correlation between gender,
age, body mass and surface
index and the ultrasonographyc time of gastric emptying
of milk formula in children
and adolescents.
preterm growth in comparison to the CDC 2000
Tatiana Barcelos Pontes;
Lívia de Castro Magalhães;
Felipe Pinheiro de Figueiredo; César Coelho Xavier
25 • Condições da cavidade bucal e acompanhamento odontológico
de crianças com leucemia linfocítica aguda
cemia linfoblástica na
criança: experiência do
Serviço de Hematologia
do Hospital das Clínicas
da UFMG (1988-2005)
Relapse of acute lymphoblastic leukemia in child:
experience of the Division of
Hematology – Hospital das
Clínicas da UFMG (19882005)
63 • Tendência da
40 • Deficiência de ferro anemia em crianças
Iron deficiency and anemia
in students from the rural
area in Novo Cruzeiro, state
of Minas Gerais, Brazil
Eliane Garcia Rezende; Elido
Bonomo; Joel Alves Lamounier; Margarete Aparecida
Santos; Márcio Antônio
Moreira Galvão; Núncio Antonio Sol; Romário Cerqueira
Leite
Breastfeeding and inflammatory bowel disease
Cecy Maria Lima Santos; Aline Cássia de Andrade Sayão;
Luciana Cota Pinto Coelho;
Pollyanna Pamela Caetano
de Carvalho
55 • Recidiva da leu-
Cristina Pirani Valadares,
Claudia de Souza; Marcos
Marco Antonio Duarte, RogéBorato Viana; Benigna Maria
rio Augusto Pinto Silva, Wilde Oliveira
son Campos Tavares Junior,
Francisco José Penna
e anemia em escolares
WHO 2006 child growth stan- da área rural de Novo
dards: implications for the
Cruzeiro, Minas Gerais
Artigos de Revisão
acidentes escolares por
70 • Aleitamento matereducadores do ensino
no e doenças inflamatófundamental, Belo
rias intestinais
Horizonte
de creches da regional leste de Belo
Horizonte, MG
Tendency of the anemia in
infants of day care centers
of the regional east of Belo
Horizonte, MG
77 • Aleitamento materno e fissura labiopalatal: revisão e atualização
Breastfeeding and cleft lip and/
or palate: Review and update
Christiane Marize Garcia
Rocha, Márcia Carvalho
Moreira Dias, Lorena Cristine
Braga Pereira, Maria do
Carmo Barros de Melo, Joel
Alves Lamounier
83 • Associação entre
eventos estressantes de
vida e dor abdominal
recorrente não orgânica: revisão
The association between
stressful life events and non
organic recurrent abdominal
pain: review
Patrícia Cruz Guimarães Pinto; Marco Antônio Duarte
Mariana Rodrigues de
Carvalho, Thaís de Souza
90 • Doença renal crôniChaves, Joel Alves Lamouca em pediatria: Progranier, Daniela da Silva Rocha,
ma Interdisciplinar de
Flávio Diniz Capanema, Aline Bárbara P. Costa, Flaviane Abordagem Pré-dialítica
Chronic kidney disease in chilAlves Toni, Suellen Fabiane
dren: Predialysis InterdisciplinCampos
ary Management Program
Cristina M. Bouissou Soares,
José Silvério S. Diniz, Eleonora M. Lima, Jose M. Penido
Silva, Gilce R. Oliveira, Monica R. Canhestro, Vanessa
R. Silva, Andréa M. Munair,
Marilene Moreira, Ana Cristina Simoes E Silva, Eduardo
A. Oliveira
98 • A epilepsia e os
transtornos mentais: a
interface neuropsiquiátrica
Epilepsy and mental disorders: the neuropsychiatric
interface
Eliana Maria de Castro; Roberto Assis Ferreira; Eugênio
Marcos Andrade de Goulart
123 • Da tendência grupal aos grupos operativos com adolescentes: a
identificação dos pares
facilitando o processo
de orientação e educação em saúde
Atualização Terapêutica
154 • Abordagem inter- 173 • Medicina do
disciplinar do adolescente obeso com ênfase
nos aspectos psicossociais e nutricionais
From group tendency to the
teenagers’ operative groups:
the identification of the pairs
facilitating the process orientation and education in health
Interdisciplinary approach
of the obese adolescent with
emphasis in the aspects
psychological and nutritional
aspects
Alisson Araújo; Regina
Lunardi Rocha; Lindalva
Carvalho Armond
Márcia Rocha Parizzi, Cristiane de Freitas Cunha, Roberto
Assis Ferreira, Joel Alves
Lamounier, Márcia Álvaro
Listgarten, Gisele Araújo
Magalhães
131 • Tratamento da
obesidade na infância
e adolescência: uma
revisão da literatura
161 • A adolescência
e sua interferência no
controle do diabetes
infância e adolescência
mellitus: dificuldades
Childhood and adolescent
obesity
Carla Toledo Afonso; Cristia- e propostas a partir de
Rafael Machado Mantovani; ne de Freitas Cunha; Tatiana uma revisão da
Resende Prado Rangel de
Maria de Fátima Sabino
literatura
107 • Obesidade na
Viana; Sarah Baccarini
Cunha; Letícia Castro Rubim
de Moura; Juliana Metzker
de Oliveira; Flávia Fonseca
de Carvalho; Juni Carvalho
Castro; Ana Cristina Simões
e Silva
119 • Programa de pós-
Treatment of adolescence and
childhood obesity: a literature
revision
Oliveira
139 • Triagem auditiva
em neonatos
Neonatal hearing screening
Fernanda Alves Botelho,
Maria Cândida Ferrarez Bouzada, Luciana Macedo de
Resende, Cynthia Francisca
Xavier Costa de Assis Silva,
Eduardo Araújo de Oliveira
graduação em Saúde
da Criança e do Adolescente, da Faculdade de
Medicina da UFMG
146 • Uso de galactaPost-graduation programme
gogos na prática clínica
in children and adolescent
para o manejo do aleitahealth of the UFMG School of
mento materno
Medicine
Joel Alves Lamounier;
Eduardo Araújo Oliveira;
Ana Cristina Simões e Silva;
Francisco José Penna; Ivani
Novato Silva; Lincoln Marcelo Silveira Freire; Marco
Antonio Duarte; Regina
Lunardi Rocha
Use of galactagogues in the
practical clinical for the management of breastfeeding
Roberto Gomes Chaves, Joel
Alves Lamounier, Luciano
Soares, Graciete Oliveira
Vieira
Educação Médica
Adolescence and its interference in the diabetes mellitus control: difficulties and
proposals after a literature
review
Marcos de Souza Alvarenga
Júnior; Cristiane de Freitas
Cunha; Thalita Figueiredo
Silva Castro
Adolescente: avaliação
de uma experiência de
ensino interdisciplinar
Adolescent Medicine: evaluation of an interdisciplinary
teaching experiment
Clara Sousa Diniz; Cristiane
de Freitas Cunha; Roberto
Assis Ferreira
Relato de Caso
179 • O tratamento
psicanalítico associado
ao tratamento clínico
em uma criança com
dermatite atópica: o
caso R
Psychoanalytical treatment
associated with clinical
treatment for child atopic
dermatitis: case R. study
Silvia G. Myssior; Maria
Jussara Fernandes Fontes;
Roberto Assis Ferreira; Maria
Cândida Marques
184 • Normas de
Publicação
167 • Obesidade e osteoartrite: atualiazação
em implicações clínicas
e metabólicas
Obesity and osteoarthritis:
metabolic and clinical implications updated
Maria Tereza Nicolau dos
Santos; André Everton de
Freitas; Joel Alves Lamounier
Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S1 - S184
ARTIGO ORIGINAL
Anorexia e Bulimia – Um transtorno
alimentar: Não se trata disso
Anorexia and Bulimia – An alimentary disorder:
It is not the case
Tatiana Mattos do Amaral1; Roberto Assis Ferreira2
RESUMO
Objetivo: Este estudo propõe, a partir da construção de casos clínicos, que os Transtornos Alimentares não se reduzem a doenças orgânicas. Não se trata disso. Método:
Selecionou-se casos clínicos em momentos diferentes de tratamento. A construção do
caso clínico utilizando a teoria psicanalítica convoca o caso em particular, mostrando o que em um sintoma alimentar ultrapassa a necessidade do alimento apontando
para o desejo e o gozo. Evidencia-se aí, o limite do saber universal que desconsidera o
sujeito e sua singularidade. A clínica do particular tem um valor paradigmático e dá ao
caso seu valor metodológico, ensinando sobre a direção do tratamento. Resultados: A
classificação dos pacientes em categorias diagnósticas, mostra-se insuficiente para a
condução dos casos. Possibilita dados globais do problema: o diagnóstico; impõe padrões terapêuticos, mas não acrescenta sobre a singularidade do caso. Uma clínica das
questões subjetivas confirma o fato de que a anorexia e bulimia não constituem fundamentalmente um transtorno alimentar, levando à afirmação “não se trata disso”. Esses
fenômenos clínicos são expressões sintomáticas em resposta a conflitos psíquicos.
Conclusões: A psicanálise propõe a clínica do um a um, do singular. Ao se desvelar o
envoltório universal do sintoma, a anorexia e a bulimia de cada sujeito adquire outra
conotação. Trata-se, a partir da série monótona e genérica dos fenômenos anoréxicosbulímicos (rituais, vômitos, restrições alimentares), de possibilitar a elaboração dos
conflitos psíquicos. Pois, o deslocamento do quadro clínico ao caso clínico, desvela
vivências psíquicas que apontam para a singularidade do sujeito e reorientam a clínica.
1
Mestre. NIAB – Núcleo de Investigação em Anorexia e
Bulimia, Hospital das Clínicas, Universidade Federal de
Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte, MG, Brasil.
2
Doutor. Professor Associado, Departamento de Pediatria, Faculdade de Medicina, UFMG, Belo Horizonte, MG,
Brasil.
Palavras-chaves: Transtorno Alimentar; Anorexia; Bulimia; Psicanálise
ABSTRACT
Objective: The present study establishes, from the construction of clinical cases, that
alimentary disorders are not mere organic diseases. That is not the case. Method: A set
of clinical cases in different treatment stages was selected. The construction of the clinical
case using psychoanalytical theory invokes the particular case, unveiling the aspects of
an alimentary symptom which goes beyond the feeding needs and leans towards desire
and bliss. There is the evidence of the limit of the universal knowledge, which takes for
granted the subject and its singularity. The clinic of the particular has a paradigmatic
value and adds methodological value to the case, providing treatment directions. Results:
Patient classification according to diagnostic categories is insufficient to conducting the
cases. Although it provides global data about the problem – the diagnosis – and imposes
therapeutic standards, it does not contribute to the singularity of the case. A clinic of the
subjective questions confirms the fact that anorexia and bulimia do not fundamentally
constitute an alimentary disorder, thus leading to the statement “that is not the case”.
Those clinical phenomena are symptomatic expressions in response to psychic conflicts. Conclusions: Psychoanalysis proposes the clinic of “one by one”, the clinic of the
Curso de Pós-graduação em Saúde da Criança e do Adolescente – Faculdade de Medicina da Universidade Federal
de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil.
NIAB – Núcleo de Investigação em Anorexia e Bulimia
Hospital das Clínicas, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte, MG, Brasil.
Endereços para correspondências:
Roberto Assis Ferreira
Faculdade de Medicina da UFMG, Departamento de Pediatria
Av. Alfredo Balena, 190
Belo Horizonte - MG – Brasil
CEP: 30.130-100
E-mail: [email protected]
Tatiana Mattos do Amaral
Engenheiro Amaro Lanari, 355 apto 501.Anchieta.
Belo Horizonte - MG – Brasil
CEP: 30.310-580
E-mail: [email protected]
Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S5-S12
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Anorexia e Bulimia – Um transtorno alimentar: Não se trata disso
singular. As the universal envelopment of the symptom
is unveiled, the anorexia and bulimia of each subject
attains a different connotation. It is about enabling the
elaboration of the psychic conflicts from the monotonous
and generic series of the anorexic-bulimic phenomena
(rituals, vomiting, and food restrictions). The movement
from the clinical picture to the clinical case unveils a series of psychic experiences which point out the singularity of the subject and reorient the clinic.
Key word: Alimentary Disorder; Anorexia; Bulimia;
Psychoanalysis
INTRODUÇÃO
O conceito médico - psiquiátrico da Anorexia e
Bulimia Nervosa refere-se a quadros clínicos onde
há um transtorno alimentar e distorção da imagem
corporal, sendo que a rejeição do alimento, e/ou
as medidas purgativas compensatórias tais como
vômitos, uso de laxantes, diuréticos, exercícios
físicos em excesso, são os fenômenos centrais.1 A
clínica da anorexia e bulimia aponta, quase sempre, para o fracasso de uma proposta médica terapêutica normativa, ou seja, a universalização do
fenômeno, o restabelecimento do peso, a reeducação alimentar, uma atitude normativa em relação
aos comportamentos, um tratamento com ênfase
na medicação.2 A clínica aponta para uma falha
epistêmica no saber médico na condução desses
casos quando 3-6:
■
um sujeito nega-se deliberadamente a comer
ou usa medidas purgativas a ponto de morrer
e ainda assim não faz disso uma questão; pacientes sem implicação com o sintoma; a predominância do corpo, do mal estar localizado
no corpo, em detrimento da palavra;
■
a demanda de tratamento não é feita na maioria das vezes pelo paciente e sim pelos pais ou
responsável apesar de sofrimento intenso;
■
o paciente com sintomas anoréxicos não mostra
em geral, desejo de cura e; pelo contrário, convoca o médico no intuito de perder mais peso;
■
ao ganhar peso, uma anoréxica ou uma bulímica costuma apresentar piora da angústia sendo
que algumas desenvolvem um quadro depressivo grave;
■
um sintoma mortífero passa a ser o centro da
vida de alguns pacientes como uma resposta
a algum questionamento próprio, uma nomeação, caracterizado por uma radicalidade da
decisão de perder peso;
6
Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S5-S12
■
maior número de casos entre adolescentes e
entre mulheres.
A clínica nesses casos leva à angústia motiva
e o trabalho para lidar com o que escapa à medicina. Diante do engano, pergunta-se: Há algum
sentido em um sintoma como esse? O deslocamento do olhar semiológico para a escuta desvela a subjetividade.7-10 Além do envoltório universal
do sintoma, encontra-se uma história particular: a
anorexia e bulimia de cada sujeito. 11-15 Apesar da
fenomenologia típica dos sintomas, cada caso será
singular; é a verdade de um mesmo sintoma em
sujeitos diversos.
CASUÍSTICA E MÉTODO
Quando se permite a manifestação, sem
perguntas dirigidas, é que o novo vai aparecer –
aquilo que não se perguntou por que a pergunta
era impossível de ser formulada. 16
Para este trabalho, foram selecionados nove
fragmentos de casos clínicos em momentos diferentes de sua condução. Priorizaram-se os aspectos particulares relevantes em cada caso para responder ao objetivo proposto. Aspectos do saber
teórico psicanalítico foram utilizados a partir da
convocação do caso, para mostrar o que em um
sintoma alimentar ultrapassa a necessidade do alimento apontando para o desejo e o gozo8,13,15; mostrando então o limite da prática clínica-psiquiátrica, que trabalham a partir do quadro sintomático,
desconsiderando o sujeito. Todos pacientes foram
atendidos por profissionais do NIAB (Núcleo de Investigação em Anorexia e Bulimia do Hospital das
Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais)
em três vertentes: médica, psiquiátrica e psicanalítica. A direção do tratamento se deu pela construção do caso clínico16-19 a partir da interlocução
entre os profissionais, provocada, quase sempre,
pelo aspecto que em cada caso aparece como incógnita. É necessária a compreensão do que há de
mais singular em cada caso19,20, ou seja, o sintoma
na sua articulação com o desejo e o gozo, para que
possa surgir alguma possibilidade de intervenção
eficaz. A construção do caso clínico é um método de pesquisa, um caminho muito próprio da
psicanálise que orienta para a produção do saber
Anorexia e Bulimia – Um transtorno alimentar: Não se trata disso
clínico por outros critérios, a saber, o estudo do
caso um a um, a construção dos fatos que concernem ao caso, com a inclusão do analista nessa
construção.16,18,19 Laplanche e Pontalis16 concede
á psicanálise sua qualidade de método científico
como um método de investigação cujo alvo maior é
evidenciar o significado inconsciente das palavras,
das ações, das produções imaginárias de um sujeito, como seus sonhos e fantasias. Ao relacionar a
pesquisa qualitativa com os modelos psicanalíticos clínicos, Turato16 traz contribuições em relação
à escolha da prática psicanalítica como método
científico: Antes de constituir uma abordagem terapêutica científica autônoma, a psicanálise consiste num método com seus procedimentos para a
investigação sobre processos mentais praticamente inacessíveis por qualquer outro modo que não
seja através da relação afetiva próxima em análise
como profissional psicanalista. Por sua vez o psicanalista em pesquisa clínica utilizará ao contrário,
somente seus pacientes, já que o material de pesquisa será o material de análise terapêutica, sendo
que os dados “colhidos” não virão pela proposta
de um assunto colocado ao analisando. Pelos procedimentos de investigação, o psicanalista terá
material abundante e profundo de cada paciente,
já que o sistema de sessões regulares, nas quais
ocorrerão a relação terapêutica, permitirá uma
apreensão ampla dos fenômenos do universo psíquico do individuo sob estudo.
Ainda segundo Turato16, na pesquisa psicanalítica o número de casos pode se resumir a um ou
poucos casos e em relação ao uso do consentimento pos informação por escrito, marca a diferença entre a pesquisa clínico-qualitativa e a pesquisa psicanalítica: Outros procedimentos têm, no
momento, lugar garantido na construção metodológica da pesquisa clínico-qualitativa; o que não é
confirmado na pesquisa da psicanálise clínica, tais
como: o uso do consentimento pós-informação
por escrito, a disposição face a face, o emprego do
gravador para registro da entrevista, uma entrevista semi-dirigida como instrumento auxiliar de pesquisa disposto já no projeto; e o setting construído
no ambiente usual do sujeito.
No presente trabalho, a evolução do quadro
para o caso clínico17-19, corresponde à substituição
da operação de apresentação e descrição do caso
à sua construção. Constata-se aí importância e a
necessidade da interlocução com outros discur-
sos, além do discurso médico, para a condução do
tratamento da anorexia-bulimia. A construção dos
casos se deu pela interface entre os discursos da
medicina, da psiquiatria e da psicanálise, preservando-se os lugares do médico (clínico e psiquiatra) e do psicanalista. Os discursos, cada qual com
o seu saber, sua nomeação e classificação, buscam um saber particular a partir da singularidade
de cada sujeito em direção ao real.17-20
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A psicanálise ao valorizar o particular do sujeito, eixo de sua ética, promove um enfraquecimento
das referências descritivas da Anorexia e Bulimia
Nervosa como comportamentos fenomenológicos.
Segundo Menard12 “Com Freud e Lacan nós afirmaremos que não se trata de uma disfunção nutricional a retificar por uma reeducação, como se esses
distúrbios estivessem ligados a uma desregulação
das necessidades; mas antes o contrário, no campo
da palavra e da linguagem, da expressão de um desejo inconfesso e de uma forma original de gozo”.
O sintoma psicanalítico, não fica subordinado à
fenomenologia clínica, serve de ponto de partida
para colocar o paciente a produzir algo novo, a ir
em busca de sua verdade, para transformar aquilo
que sente em enigma; portanto, vai além de uma
demanda de cura, de alívio.21,22 A partir do enigma,
o paciente pode querer saber o porquê de sua dor
e de sua angústia. Haveria então, uma suposição
de que a sintomatologia quer dizer alguma coisa e
o sujeito construir sua saída.
Seguem abaixo fragmentos de casos clínicos,
que apontam para a singularidade do sujeito, demonstrando que a anorexia e a bulimia não se reduzem a transtornos alimentares, ou seja, somente
a sintomas médicos relacionados com a imagem
corporal e a comida.
“A única coisa que ainda faço por mim mesma é
ficar sem comer. Eu não quero fazer o que os outros
querem e parece que emagrecer é a única coisa que
eu ainda consigo fazer por mim mesma, se eu não
conseguir é como se eu fracassasse” Todo o discurso da paciente, é marcado por fracassos, mas não
há lugar para eles: é a mais feia e menos inteligente
que os irmãos e os pais, é preterida pelos rapazes
em relação às amigas, tem muito medo de não
conseguir ser aprovada no colégio e já desistiu de
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Anorexia e Bulimia – Um transtorno alimentar: Não se trata disso
prestar vestibular, já que tem certeza de que não
vai conseguir passar. Todos acreditam nela, exceto
ela mesma. Há um jogo de expectativa dos pais e
das amigas ao qual ela não consegue responder.
O sintoma parece fazer a diferença nessa série. O
sintoma a sustenta nesse momento em que não se
sente capaz de corresponder à expectativa do Outro, está na ordem da contradição e do desafio.
“Tenho vontade de ter realmente uma doença
física para justificar o que eu sinto.” A questão orgânica dá uma resposta ao outro e à própria paciente. A doença tratada pelo médico visa através dos
fármacos à eliminação do mal-estar localizado na
doença física. Vítima de uma doença, não precisa
saber o que lhe faz mal.
“Não quero ter que responder nada. Não quero
correr risco nenhum. Depois eu resolvo isso.” Ela
não quer dar respostas. Não se implica com o mal
estar, mas percebe que as respostas implicam em
mudanças subjetivas, após um certo percurso de
tratamento. Voltou a comer e voltou a estudar. Tenta alguma estabilidade. Continua muito rígida, tentando fazer existir o seu desejo.
“Outro dia, senti que minha pressão estava
baixa e fui a um Posto de Saúde. Perguntei à médica se eu podia tomar um pouco de leite com sal.
Ela me disse que bastava eu comer que tudo voltaria ao normal. Saí de lá com tanta raiva... mas
tanta raiva... que eu não entendo. Em casa tomei
água. ...passava por uma feirinha perto da minha
casa. Vi um molho de agrião bonito. Pedi ao senhor da banca duas folhinhas, pois para mim era
mais do que suficiente. Você acredita que ele me
deu o molho inteiro!” Traz fotos. Não se dá conta
do corpo caquético.
“Preciso de algo mais humano, preciso falar.” O
não saber sobre o seu mal-estar, a orienta na procura de assistência médica múltipla e variada, buscando uma causalidade orgânica para o seu sofrimento psíquico. Diante desse engano, o sintoma
passa a ter o caráter de enigma e instaura-se um
desejo de saber sobre sua angústia e sofrimento. O
sintoma se desloca do corpo para as palavras.
“A anorexia era uma forma de eu não saber
de nada, era uma forma de fugir de tudo. Quero
recuperar o peso rápido. Quero recuperar o tempo
perdido”. Ao se questionar sobre os seus sintomas,
esta outra paciente se vê às voltas com sua feminilidade e se pergunta: O que é ser mulher? É a partir
da constatação de um novo objeto de desejo para
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o marido, que ela abre mão do seu sintoma e inicia uma busca em recuperar o seu lugar de esposa
e mulher. Começa um intenso trabalho analítico
em relação à sua feminilidade. Recupera o peso,
começa a se enfeitar, volta para sua casa e antes
mesmo de recuperar-se do quadro de desnutrição
submete-se a uma cirurgia plástica. Retoma ás suas
atividades no trabalho e na faculdade.
“Você me promete uma coisa? Não me abandona não? Todo mundo me abandona desde que
eu nasci”. Endereça o sintoma à maneira da bulímica. Nos primeiros atendimentos entrega ao
profissional comprimidos de anfetamina e uma
barra de chocolate; a repetição do que vive, entre
se empanturrar de comida e se esvaziar de tudo
até a exaustão. O abandono aparece na relação
transferencial, quando vai até o limite das atuações, colocando-se em risco de ser abandonada.
Ela quer a garantia de que não será abandonada
para direcionar a sua demanda.
“Ela cuida de mim e eu cuido dela, ela me completa, representa tudo de bom. Sou feliz se estou
com ela. Preciso dela para ser feliz”. Na fala de sua
parceira sintoma: “Você agora é minha, eu não vou
te deixar e não vou deixar você me deixar nunca.”
A relação amorosa traz uma estabilidade psíquica
e os sintomas bulímicos se esvaziam. Quando não
se sente acolhida no desejo do Outro, há piora das
compulsões e dos vômitos. Coloca-se na posição
de devastada à medida que submete-se ao desejo
do Outro em detrimento do seu, garantindo então,
um lugar no seu amor. O risco de abandono na
parceria amorosa, atualiza a invasão pelo outro,
vivenciada na relação com a sua mãe.
“Sou igual a um hamster, na gaiola só girando
naquela rodinha sem conseguir sair. Nem estou
sentindo mais dor, estou sofrendo. Quando a gente
sente dor, dá uma casquinha, só que agora não tem
jeito de dar casquinha, a ferida é muito funda. É
preciso que eu abandone todo mundo, antes que
todo mundo me abandone. Não quero amar ninguém.” Também, nesse caso, a referência à clínica
da anorexia pode servir como paradigma: “A máscara social do corpo delgado, pode compensar um
defeito narcisista fundamental, ou inclusive o vazio
foraclusivo (fora do laço social, fora da linguagem)
da psicose. Nessa clínica, manifesta-se uma posição do sujeito que não se manifesta pela produção
de fenômenos psicóticos no seu sentido estrito: delírios e alucinações e sim que se distingue por uma
Anorexia e Bulimia – Um transtorno alimentar: Não se trata disso
experiência de ausência, de vazio existencial, de
insustentabilidade anônima.” 24
“Quando passei no vestibular e vim para cá,
parei o esporte e ganhei peso. Como compulsivamente até acabar o que tem no armário e na geladeira, ou então quando percebo a presença de alguém em casa. Sinto uma culpa enorme e choro ao
mesmo tempo, fico pensando no que a minha mãe
vai dizer: - Você não tem vergonha na cara. Não
emagrece porque não quer. É como se eu tivesse
que corresponder, tivesse que ser forte.” Sentia-se
fracassada por não conseguir corresponder ao seu
ideal de controle. Ser alguém era dar conta de tudo
sozinha, ser magra, conseguir controlar a sua alimentação e não ter mais compulsões. Empanturrar-se era fracasso moral. O vomito a esvaziava na
tentativa de recuperar o controle, mas a angustia e
o cansaço desse movimento apontava para o equívoco do preenchimento.
“Às vezes fico pensando se tem a ver, acho que
fico me cobrando, ele trabalha junto com muitas
mulheres bonitas, é como se eu tivesse que ter tudo
perfeito, o meu corpo ser o mais bonito.” Sinaliza
as incertezas do encontro com o outro sexo e a irrupção da sexualidade parece trazer-lhe questões
sobre a feminilidade. Questionamentos e dificuldades, as quais ela localiza no corpo, desencadeando então as práticas bulímicas.
“Em relação à minha mãe sempre perco a razão porque discuto. Aí ela usa isso e faz chantagem. Por exemplo, se eu quero algum dinheiro
para sair ela diz que não vai me dar porque eu
briguei e não estou merecendo; ou me pergunta em que eu a ajudei nos serviços domésticos
para merecer. A minha mãe é dominadora, tem
as crenças dela, o ponto de vista dela e ninguém
a remove disto. A minha mãe exige e sempre tenta impor o que quer. Enquanto você depender
de mim, tem que fazer tudo o que eu quero”. O
sintoma anoréxico-bulímico incide exatamente
onde sua mãe exercia o seu poder a despeito do
desejo dos filhos. A recusa do alimento como
objeto separador, tenta barrar a invasão materna e fazer valer o seu desejo; mas há somente
uma pseudo-separação. Mantendo-se no lugar
de objeto do desejo da mãe, não se apropria da
sua condição de sujeito, consentindo com a tirania materna.
“Não consigo ser vista. Tenho pânico de espelho
e até de vidro de loja. Tenho pânico de geladeira.
Se eu a abrir, parece que vou engordar; já não abro
mais meu guarda roupa, porque nada lá me cabe”.
“...estou me achando péssima, horrível e horrorosa. Se alguém me telefona não atendo, não quero
ver ninguém. Não quero que ninguém me veja. Não
quero ver ninguém. Se estou andando de ônibus ou
na rua, acho que as pessoas estão escutando o que
eu penso. Quando eu estou pensando, as pessoas
me escutam. Parece que estão invadindo a redoma
que coloco para o meu corpo.” A contemplação
do esqueleto na anoréxica psicótica serve para
reabsorver a despersonalização e nesse sentido
não há muita diferença com os comportamentos
auto-lesivos em certos psicóticos, que para conter
a sensação de irrealidade. É um recurso real que
promove a unidade do sujeito. Quando vejo meus
ossos apontarem abaixo da pele, não me vejo perdida. Não me sinto angustiada, sim, invadida por
um sentido de paz.24
“A bulimia era a solução de tudo. Era o que eu
precisava. No dia seguinte tive uma compulsão e
comecei a comer e a vomitar. Sou bulímica porque
eu quero ser bailarina, porque a mídia me manda
o tempo todo, porque minha família sempre me cobrou muito e eu tenho que provar que eu consigo”.
Ela se nomeia pelo significante bulímica. Não se
implica ao seu sintoma. Identifica-se com ele. Bulimia é um nome. O sentido de sua existência. Há
um mal-estar, mas esse é determinado por fatores
externos a ela. Imposto, impossível de ser dialetizado, ao qual só lhe resta submeter-se.
“Acho que os cortes (que a paciente provoca em
si mesma) são também um tipo de punição. Como
eu não posso me matar, porque eu ainda tenho que
ser bailarina, eu me corto. Isso foi porque eu tinha
exagerado demais na comida, ou porque eu não
consegui vomitar. Cheguei a pensar em cortar a minha boca para não comer. Eu penso que fracassei,
agora eu tenho que me punir de alguma forma pelo
meu fracasso. A bulimia se tornou o centro da minha
vida”. Entende a bulimia como uma dependência,
como drogas ou jogos. É fixada ao seu sintoma, que
é mais do que uma obsessão, é uma dependência,
um gozo auto-erótico ao qual se submete. O sintoma proporciona certo desligamento do mundo. O
vômito garante “um barato” como aquele causado
pelo abuso de drogas. Ao mesmo tempo, o sintoma
liga e desliga (“...meio viva e meio morta”).
Outra paciente, foi trazida pela mãe. O sintoma
anoréxico não chegou a dividí-la psiquicamente, a
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Anorexia e Bulimia – Um transtorno alimentar: Não se trata disso
causar sofrimento a ponto de fazê-la procurar ajuda. “Eu quase fiquei anoréxica, mas a minha mãe
olhou para mim”. O sintoma funcionou como resposta até que começasse a ser mobilizado a partir
do trabalho terapêutico em relação à figura paterna. O pai mostrou-se falho em alguns momentos
e isso foi essencial para que P. consentisse com
sua própria falta e aceitasse ajuda profissional. O
pai que não dava nada passou a dar a falta, o dom
do amor e assim a chance para que ela pudesse
se posicionar como sujeito, e não como objeto
desse pai completo e sem falhas. Operou então,
uma mudança subjetiva em relação ao sintoma
anoréxico-bulímico.
“Eu não quero melhorar agora, só depois que
minha mente se acalmar.” Assim aconteceu. Depois
que houve a contenção dos sintomas psicóticos, os
sintomas bulímicos perderam a consistência e ela
passou a investir libidinalmente em seu corpo. Ganhou peso, casou-se e tornou-se mãe.
É a partir da escuta dos fragmentos de casos
apresentados que se pode desvelar a subjetividade
relacionada aos fenômenos clínicos, tornando-se
possível a decifração do sintoma em sua significação inconsciente. O inconsciente aqui entendido
como um saber que não se sabe.23
Os casos mesmo fazendo tipo, ou seja, quadros
clínicos padronizados, preenchendo critérios clínicos (maior ou menor acometimento de órgãos
alvo) ou critérios psiquiátricos (classificados como
transtornos); constituindo séries e nomes (anorexia, bulimia, toxicomania, depressão); vão mostrar
sua singularidade na passagem da clínica normativa para a clínica do sujeito. A interlocução dos
discursos médico, psiquiátrico e psicanalítico nos
ensina que nessa clínica da anorexia e bulimia não
é o ato de se alimentar, primitivo e instintivo que
se coloca unicamente como foco de intervenção,
mas também o sujeito em sua articulação com o
desejo e o gozo. Evidencia-se aqui a grande delicadeza e desafio da intervenção clínica, quando a sobrevivência precisa ser garantida a partir do uso de
neurolépticos e internações clínicas contrapondose ao sujeito que se faz existir pelo corpo magro.
O sintoma considerado pelos médicos não é
um sintoma analítico, para que esse surja é preciso
que o sujeito não só se queixe, mas que se implique com o sintoma e se enderece a um suposto
saber na procura de uma saída.21,22. A saída pode
ser: permitir à anoréxica que ela traduza em pala10
Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S5-S12
vras o que coloca em ato, e à bulímica reconstruir
a fantasia que subtende aos seus sintomas. 24
O generalizável e o universal da classificação
dos pacientes em categorias diagnósticas, como o
fazem o DSM-IV e o CID 10, mostram-se insuficientes para a condução dos casos. A prática do diagnóstico médico tem inerente a ela a idéia de que o
indivíduo é o exemplar de uma classe.17 A proposta
de classificação com critérios gerais possibilita dados globais do problema e garante o diagnóstico e
uma nomeação, mas não acrescenta sobre a singularidade do caso. Uma clínica que se aproxima das
questões subjetivas dos pacientes confirma que há
um equívoco em abordar um caso de anorexia e
bulimia visando somente à recuperação do peso,
por mais cuidados médicos que as repercussões
sobre o corpo possam exigir. O discurso psicanalítico acrescenta ao discurso médico e psiquiátrico
a compreensão dos sintomas anoréxicos e bulímicos além do universal, do anônimo e classificatório das categorias; levando em conta o particular
do sujeito, eixo de sua ética. A partir daí ao estudar
os casos promove um enfraquecimento das referências descritivas da Anorexia e Bulimia Nervosa
como comportamentos fenomenológicos sem desconsiderá-las na condução dos casos.24,25 Os casos
em série não se furtam aos paradigmas admitidos
em uma comunidade epistêmica; assim sempre há
aspectos clínicos que podem ser generalizados. O
trabalho com os casos se define por uma clínica
do particular, o que só se torna possível pela via do
singular, a partir de uma manobra transferencial17;
deslocando o sintoma do discurso médico, ou seja,
de uma dificuldade com o corpo e com a comida,
para a percepção de um sofrimento subjetivo.
A partir de seu eixo teórico, a psicanálise, nos
traz contribuições sobre do que se tratam os sintomas anoréxicos e bulímicos. Os casos em série
apontam para isso:
■
os sintomas anoréxicos e bulímicos na adolescência como defesa a um real, entendido aqui
como impossível de se assimilar, quando o sujeito é convocado pelos apelos da sexualidade
e do Outro social26;
■
a anorexia e bulimia como duas caras da mesma moeda25, onde a anorexia indica a realização do Ideal do sujeito enquanto a bulimia
representa seu naufrágio associado á irrupção
do real na cena do Ideal. Na anorexia há uma
identificação idealizante e uma prática de pri-
Anorexia e Bulimia – Um transtorno alimentar: Não se trata disso
■
■
■
vação, enquanto na bulimia manifesta-se a queda desse mesmo sistema que cede aos golpes
de uma compulsão à repetição desenfreada. O
exercício bulímico do vômito tem como objetivo preservar a imagem anoréxica do corpo delgado. Assim, se pode dizer que a bulimia é um
dialeto da anorexia, a língua materna permanece anoréxica, ou seja, que a posição bulímica
não é outra coisa que um descarrilhamento do
projeto anoréxico, uma derrota fatal.
o sintoma anoréxico-bulímico como função
mediadora da distância entre a satisfação simbólica e o signo do amor. A anoréxica arrisca a
própria vida, negando-se a satisfação do objeto
para ter um signo de amor do Outro (familiar,
social e cultural) que confunde sistematicamente o estatuto de desejo com a necessidade respondendo a demanda de amor com o alimento.
A bulímica por sua vez, trata de compensar a
ausência do signo de amor através da perseguição voraz e infinita do objeto comida. 25
o sintoma anoréxico-bulímico como uma satisfação associada ao objeto de consumo.25 Há
também aqui uma referência ao amor que não
cessa de demandar. Não há objeto que possa
preencher a voraz demanda bulímica. “O amor
não é uma mercadoria como outras não se
pode consumir. É isso que sabe bem a anoréxica que ao comer nada rechaça o mundo do
ter e reclama o seu direito de ser, seu direito ao
amor. Não se pode encontrar a satisfação da demanda de amor pelo consumo do objeto, nem
sua obtenção garantida pelo discurso social –
revelando esse sentido está a proposta anoréxica: nenhum objeto vale o amor, nenhum objeto
pode preencher isso que não está na ordem do
ter, nenhum objeto pode preencher o vazio de
ser do sujeito, nenhum objeto alcança jamais.
a anorexia pode ser entendida como uma tentativa de separação, de anteparo contra a invasão do Outro materno.27,28 Nos casos mais graves, houve uma falha estrutural onde o sujeito
não encontra outros recursos menos mortíferos
para fazer essa operação de separação. Surge
aí a paixão pelo vazio na tentativa de fazer
existir o desejo, a despeito do desejo invasivo
da mãe. Há uma paixão pelo vazio. A eleição
anoréxica é a rejeição ao alimento e a bulímica
é o consumo ilimitado. Porque a abolição do
vazio significaria a abolição do próprio sujeito.
■
■
O vazio é a condição para que se possa existir
junto à falta, o desejo.24
o sintoma anoréxico-bulímico próximo de
um vício, como a toxicomania.24,25,27 Um sintoma que opera uma exclusão do Outro, isto
é, uma separação absoluta da demanda. O
sujeito permanece congelado em uma identificação idealizante e antidialética, fora do
discurso. Essa vertente do sintoma não se dispõe a interpretação, e exige, um tratamento
preliminar para a entrada do sujeito no dispositivo de tratamento. A anorexia oferece ao
sujeito um nome um reconhecimento simbólico. Há mais uma evidência que um enigma.
Essa evidência é sustentada por um discurso
social que valoriza o corpo magro com imagem do corpo feminino e põe à disposição
no mercado de uma quantidade ilimitada de
bens de consumo.
os sintomas anorexicos e bulimicos fazendo
uma espécie de barreira que conserva a unidade imaginária do paciente psicótico, que se
sente ameaçada pela fragmentação do corpo.
A identificação anoréxico-bulímica impede o
desencadeamento da psicose. Há uma estabilização através da identificação.25
Trata-se de individualizar a partir da série monótona e genérica dos fenômenos anoréxicos-bulímicos (rituais, vômitos, restrições alimentares).
Através dos fragmentos de casos clínicos, verificase que o deslocamento do quadro clínico ao caso
clínico, desvela uma série de vivências psíquicas
singulares que reorientam a clínica.
CONCLUSÃO
Pode-se concluir a partir da clínica, a existência de um sofrimento psíquico, fonte de grande
angústia e uma história que se desvela a partir do
entendimento do sintoma anoréxico e bulímico
como resposta a conflitos psíquicos. A singularidade e a complexidade da clínica da anorexia e
bulimia convocam à interface e interlocução entre
os discursos médico, psiquiátrico e psicanalítico
na condução dos casos. O estudo evidencia que a
experiência de tratamento a partir desse modelo,
tem proporcionado um trabalho ético e pautado
por resultados satisfatórios.
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Anorexia e Bulimia – Um transtorno alimentar: Não se trata disso
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ARTIGO ORIGINAL
Aspectos cognitivos e emocionais de
adolescentes com excesso de peso e
seus responsáveis
Cognitive and emotional aspects of adolescents with
excess of weight and those responsible for them
Tatiana Resende Prado Rangel de Oliveira1; Cristiane de Freitas Cunha 2
RESUMO
Objetivos: Descrever os fatores psicológicos e cognitivos de uma amostra de adolescentes e seus responsáveis, atendidos em ambulatório, além de discutir a influência
destes fatores no desenvolvimento e manutenção do sobrepeso e obesidade. Métodos:
Estudo observacional, transversal realizado em unidade da Secretaria Municipal de
Saúde em Belo Horizonte (MG). Participaram os adolescentes encaminhados para
a primeira consulta no ambulatório de nutrição, com diagnóstico de obesidade, no
período de Junho de 2006 a Junho de 2007. Resultados: Foram avaliados 58 adolescentes com idade entre 10 e 19 anos e renda familiar média de R$ 870,70. Neste estudo
encontramos alto índice de repetência escolar e 13,8% de uso regular de medicamentos antidepressivos ou ansiolíticos entre os adolescentes. A maioria dos pesquisados
apresentou história familiar de obesidade, baixa escolaridade dos pais, história anterior
de dieta sem sucesso e hábito de comer depressa. Cerca de 60% dos pacientes e de
seus pais apresentaram conhecimentos médios de nutrição e 72,4% dos adolescentes
consideraram sua alimentação boa ou ótima. Para metade dos adolescentes o excesso de peso não é um fator que incomoda e 60,8% dos pacientes encontravam-se nos
estágios iniciais do modelo de Estágios de Mudança do Comportamento Alimentar.
Conclusões: A importância dos fatores psicológicos e cognitivos que podem estar
envolvidos no surgimento e manutenção do excesso de peso em adolescentes precisa
ser considerada na condução do tratamento destes pacientes. È necessário aprofundar
as potencialidades da abordagem interdisciplinar de modo a melhorar a adesão destes
pacientes ao tratamento.
1
Nutricionista da Secretaria Municipal de Saúde (PBH).
Mestre em Saúde Pública, Doutoranda em Ciências da
Saúde (UFMG).
2
Professor adjunto do Departamento de Pediatria - FM/
UFMG. Pós Doutorado em Endocrinologia pela Universidade de Barcelona.
Palavras-chave: Obesidade; Adolescente; Comportamento Alimentar; Conhecimentos,
Atitudes e Prática em Saúde.
ABSTRACT
Objectives: The objective is to describe psychological and cognitive factors of a
sample of adolescents, who were attended at health care units and those responsible
for them, in addition to the discussion of the influence carried out by those factors
over the development and maintenance of overweight and obesity. Methods: It is
an observational, cross-over study carried out at a health care unit of the Municipal
Health Secretary in Belo Horizonte (MG). The subjects of this study were adolescents
with a diagnosis of obesity who were taken for a first consultation with the nutritionist at the care unit within the period of June 2006 to June 2007. Results: Fifty eight
adolescents aged 10-19 years old with an average family income of R$ 870,70 were
studied. The findings along the study were a high rate of grade repeating at school
and a regular use of antidepressant or ansiolitic medicines by 13.8% of the adolescents. Most subjects presented a family history of obesity, parents’ low school levels, a
retrospective report of dieting without any success and the habit of eating fast. Nearly
Faculdade de Medicina - Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG)
Endereço para correspondência:
Tatiana Resende Prado Rangel de Oliveira
R: Martito nº 57
B: Floresta
Belo Horizonte – MG
CEP: 31.015-360
Email: [email protected]
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Aspectos cognitivos e emocionais de adolescentes com excesso de peso e seus responsáveis
60% of the patients and their parents showed to have
a fair level of nutritional knowledge, and 72.4% of the
adolescents considered their food to be good or excellent. For half of the subjects, to be overweight was not
a bothering factor and 60.8% of the patients were at
the initial stage of the Food Behavior Changing Mode.
Conclusions: The importance of psychological and
cognitive factors which may be involved in the onset
and persistence of overweight among adolescents
must be considered in the treatment of such patients. It
is required to deepen the potentialities of the interdisciplinary approach so as to optimize patient’s adherence to the treatment.
Key words: Obesity; Adolescent; Feeding Behavior;
Health Knowledge, Attitudes, Practice
INTRODUÇÃO
A prevalência de sobrepeso e obesidade aumenta rapidamente no mundo todo e o excesso
de peso é considerado um importante problema
de saúde pública tanto para paises desenvolvidos
como em desenvolvimento.1,2 Dados recentes comprovam o aumento do excesso de peso também
entre os adolescentes.1
Vários fatores contribuem para a etiologia da
obesidade, atuando em diferentes combinações
nos indivíduos obesos e tornando a obesidade
uma doença muito complexa.2,3
Entre as causas da obesidade destacam-se as
mudanças no estilo de vida, representadas principalmente pelo sedentarismo e maior ingestão
de alimentos de alta densidade calórica.1,2,3 Porém, para se compreender a questão alimentar
de qualquer indivíduo, é necessário considerar
os aspectos econômicos e culturais presentes na
sociedade onde este indivíduo vive.3,4,5 Fatores psicológicos e sociais também têm uma importante
participação no aparecimento e manutenção da
doença e podem interagir em processos distintos
ou associados.3,4
A investigação da obesidade entre os adolescentes, bem como dos fatores que estão envolvidos no seu aparecimento e manutenção é muito
importante.1,2 A realização de intervenções precoces pode evitar a persistência da obesidade e conseqüentemente a ocorrência de comorbidades. Porém, neste período de transição, caracterizado por
mudanças corporais e emocionais, o tratamento
da obesidade oferece um desafio ainda maior.
Este estudo teve como objetivo descrever os
fatores psicológicos e cognitivos de uma amostra
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de adolescentes e seus responsáveis, atendidos em
ambulatório, além de discutir a influência destes
fatores no desenvolvimento e manutenção do sobrepeso e obesidade.
METODOLOGIA
O trabalho foi realizado na Unidade de Referência Secundária Saudade (URSS), que faz parte
da Secretaria Municipal de Saúde (SMSA) em Belo
Horizonte (MG). Foram analisados os adolescentes encaminhados para a primeira consulta com
o nutricionista, com diagnóstico de obesidade, no
período de junho de 2006 a junho de 2007. Trata-se
de um estudo observacional transversal.
Os fatores cognitivos e psicológicos analisados
foram: antecedência de repetência escolar, conhecimentos de nutrição, escolaridade dos pais, hábito
de comer depressa ou devagar, obesidade familiar,
prescrição de dieta anterior, uso de medicamentos
antidepressivos e ansiolíticos e percepções sobre a
alimentação e a obesidade. Além disso, os pacientes foram classificados nos estágios de mudança
do comportamento alimentar.
Os dados foram coletados de prontuários dos
pacientes e de questionários aplicados aos adolescentes e seus responsáveis, pela nutricionista e estagiários de nutrição ao longo dos atendimentos.
O questionário para identificar os conhecimentos básicos de nutrição e as percepções sobre
a obesidade foi elaborado com base no trabalho
de Triches2, tendo sido as perguntas adaptadas ao
contexto da população estudada. Profissionais
da área de pedagogia verificaram a linguagem
utilizada. A versão final do questionário continha
10 questões de múltipla escolha sobre o conhecimento de alimentos: fonte de fibras, tipos de gorduras, valor calórico, vitaminas e minerais. Para
avaliar o nível de conhecimentos foi estabelecido
o critério de bom (9 a 10 acertos), médio (6 a 8
acertos) e ruim (5 acertos ou menos) em relação
às respostas dadas.
O questionário para identificar o estágio de mudança do comportamento alimentar foi baseado
na teoria de Prochaska e colaboradores.6 Realizouse um pré-teste com os questionários elaborados e
foram feitas as correções necessárias.
A renda familiar (medida em salários mínimos)
e a escolaridade do chefe da família foram obtidas
Aspectos cognitivos e emocionais de adolescentes com excesso de peso e seus responsáveis
junto ao responsável que acompanhava o adolescente às consultas.
Os dados foram armazenados e analisados utilizando-se o software EPI INFO-6.04.
O projeto obteve parecer favorável do Comitê
de Ética da Universidade Federal de Minas Gerais e
do Comitê de Ética da SMSA de Belo Horizonte.
RESULTADOS
A amostra foi constituída por 58 adolescentes
com idade entre 10 e 19 anos, sendo 34 (58,6%) meninas e 24 (41,4%) meninos. A renda familiar média
foi de R$ 870,70 ± 453,75, sendo que a maioria das
famílias (78,2%) situou-se na faixa de até 3 salários
mínimos.
O pai de um dos adolescentes era analfabeto e
cerca de 40% dos pais estudaram apenas até a 4ª
série. Somente 36,2% dos chefes de família apresentaram o ensino fundamental. Ao analisar o aproveitamento escolar dos adolescentes, encontramos
um alto índice (36,5%) de repetência escolar.
Como resultado da aplicação do questionário
de conhecimentos sobre nutrição, 40 adolescentes
apresentaram conhecimentos médios, seguidos por
14 pacientes com resultado ruim. Somente quatro
pacientes demonstraram ter um bom nível de conhecimentos sobre alimentação saudável. As questões que obtiveram maior número de acertos foram
relativas aos alimentos mais ricos em gorduras e
fibras. As questões relativas ao valor calórico dos
alimentos apresentaram o maior número de erros.
O questionário de conhecimentos dos pais revelou resultados semelhantes quanto ao número
de pais com conhecimentos médios de alimentação e nutrição (65%). Porém o número de pais que
obtiveram resultados bons foi de 30%.
Com relação às percepções que os pacientes
têm da própria alimentação, 72,4% dos adolescentes
consideraram-na boa ou ótima. Para 65,5% dos adolescentes a obesidade deve ser considerada uma
doença e para a metade deles toda pessoa obesa é
fraca, descuidada e não tem força de vontade.
Segundo informações dos pais ou responsáveis, para metade dos adolescentes o excesso de
peso não é um fator que incomoda e eles não se
preocupam com a obesidade e suas consequências. Para 43% destes pais, os fatores emocionais
são a principal causa da obesidade entre os ado-
lescentes. Estes relatam ainda que a maioria dos
pacientes (72%) tem o hábito de comer depressa,
sem mastigar adequadamente.
Somente um terço dos pais ou responsáveis
destes adolescentes apresentou IMC normal. Entre
os 71,4% que estavam acima do peso, 44,6% encontrava-se com sobrepeso e 26,8% com obesidade.
Com relação ao uso de medicamentos antidepressivos ou ansiolíticos, 13.8% dos adolescentes fazem uso regular dos mesmos. Os medicamentos citados foram: Imipramina, Amitriptilina e Fluoxetina.
Entre os adolescentes analisados 56% relataram já ter feito dieta antes, sem sucesso. Também
entre os pais ou responsáveis entrevistados 58,6%
já fizeram dieta e 22,4% estão fazendo dieta atualmente. Um terço (27,6%) destes pais já fez uso de
medicamentos para emagrecer.
De acordo com a aplicação do modelo de estágios de mudança do comportamento alimentar,
30,4% dos pacientes encontravam-se no estágio de
pré-contemplação, onde o indivíduo não considera a possibilidade de modificar os hábitos alimentares. O mesmo número de adolescentes (30,4%)
encontrava-se no estágio de contemplação e somente 16,1% estavam no estágio de preparação.
DISCUSSÃO
A importância dos fatores psicológicos que podem estar envolvidos no surgimento e manutenção
do excesso de peso em adolescentes precisa ser
considerada na condução do tratamento destes
pacientes.3,7 Em estudo conduzido por Swallen e
colaboradores8 , a obesidade em adolescentes foi
relacionada com pior qualidade de vida e na faixa etária de 12 a 14 anos, o excesso de peso teve
impacto deletério na depressão, na auto estima e
nas funções escolar e social. Em outro estudo com
18.924 adolescentes de escolas americanas, os resultados mostraram que o peso esteve associado
com sintomas de depressão nas meninas, mas não
nos meninos.9 Além disso, para ambos os sexos, a
associação entre sobrepeso e depressão foi mais
forte nos adolescentes de classes sociais mais baixas. Portanto, o fator socioeconômico pode ser um
agravante do impacto que a obesidade causa nos
pacientes.
Apesar de vários estudos mostrarem que crianças obesas possuem um risco para desenvolverem
Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S13-S19
15
Aspectos cognitivos e emocionais de adolescentes com excesso de peso e seus responsáveis
problemas psicológicos como depressão, ansiedade e dificuldade de ajustamento social3, não
há consenso na literatura sobre as relações entre
depressão e obesidade. Estudos apontam para um
maior risco desta associação estar presente em
obesos graves e no sexo feminino 10. Dados recentes sugerem que sintomas depressivos em adolescentes podem colocar o indivíduo em risco para
o aparecimento posterior da obesidade, especialmente em meninas.10
Porém é importante ressaltar que diferentes
métodos e instrumentos foram utilizados na avaliação psicológica destes estudos, o que dificulta
sua comparação. Uma revisão recente concluiu
que entre os estudos analisados, poucos conseguiram reunir todos os critérios para uma adequada
avaliação e algumas limitações foram observadas
nestes estudos, como pequeno tamanho amostral,
forma de seleção da amostra ou utilização de autorelato.10 Esta revisão considerou que os resultados
destes estudos são sugestivos, mas não conclusivos e que devido à heterogeneidade da população
obesa, não é possível generalizar a relação entre a
obesidade e depressão. Além disso, discute-se que
estas condições podem perpetuar-se mutuamente, ou seja, a obesidade pode aumentar o risco de
depressão e depressão pode promover obesidade,
num modelo bidirecional causal onde cada uma
destas condições pode contribuir para a outra.10
O relato de 43% dos pais em estudo é de que a
obesidade é causada por problemas emocionais.
Em nossa prática, um fator bastante citado por estes pais como presente na personalidade do adolescente obeso é a ansiedade. Desta forma, o adolescente comeria muito porque é ansioso. Em um
estudo de crianças obesas e eutróficas, Cataneo e
colaboradores não encontraram diferenças entre
os grupos quanto ao fator ansiedade.11 Os autores
sugerem que a prática de comer demais estaria ligada ao estabelecimento de hábitos de preencher
o tempo comendo, especialmente quando se está
assistindo televisão. Afirmam ainda ser importante
desmistificar a crença de que “ser gordo significa
ter problemas psicológicos”. Os pais precisam ser
esclarecidos a este respeito, pois uma compreensão mais real do problema da obesidade é fundamental para que eles façam os ajustes necessários
ao controle do peso. Tais ajustes não são simples
e requerem mudanças em hábitos familiares de
alimentação e atividade física, muitas vezes arrai16
Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S13-S19
gados. Estes autores também postulam que muitos
pais que têm dificuldades em oferecer uma alimentação saudável a seus filhos buscam enxergar problemas de ordem emocional como fatores de explicação para a ocorrência do excesso de peso.11
Em nosso estudo encontramos um número considerável de pacientes obesos em uso de medicamentos antidepressivos ou ansiolíticos. O tratamento farmacológico da depressão pode prejudicar a
perda de peso. Há um grande número de artigos sugerindo que os antidepressivos tricíclicos, como a
Imipramina e a Amitriptilina citados, podem causar
ganho de peso.10 Apesar de serem associados com
aumento de peso na manutenção do tratamento, alguns inibidores seletivos da recaptação de serotonina, tais como a fluoxetina, podem provocar perda
de peso na fase aguda do tratamento. Há também
indícios de que a sertralina pode ser útil no tratamento de indivíduos obesos.10
O hábito de comer depressa, presente na rotina alimentar da grande maioria dos adolescentes
pesquisados, é um fator que precisa ser ajustado,
pois pode estar relacionado com comportamentos
alimentares indicativos de comer excessivo. Comer
devagar pode ser útil para aumentar o envolvimento
com a refeição, além de aumentar a saciedade.12
Um dos fatores que podem mobilizar o indivíduo com sobrepeso a buscar um tratamento diz
respeito ao incômodo com sua imagem corporal
que pode vir a interferir com sua auto-estima. Alguns estudos demonstram que pessoas obesas
tendem a apresentar baixa auto-estima, afetando
a performance escolar e os relacionamentos.3,12
Porém, outro estudo comparativo de adolescentes obesos e eutróficos utilizando a Escala Infantil
Piers-Harris, não encontrou diferenças quanto ao
auto-conceito e os sub componentes da escala:
aparência física, atributos, popularidade, comportamento e satisfação.11
Estudos que utilizam entrevistas como forma
de investigar as autopercepções de crianças e adolescentes obesos relatam grande incômodo com o
ser gordo e o desejo de emagrecer da maioria dos
entrevistados.11 Para as crianças do presente estudo, o ser obeso pode não se constituir num problema que afete seu auto conceito global e nem a
percepção de sua aparência física. De acordo com
o relato de seus pais, a metade destes adolescentes não está incomodada com o excesso de peso e
por isso não se dispõem a investir no tratamento.
Aspectos cognitivos e emocionais de adolescentes com excesso de peso e seus responsáveis
Esta afirmação foi mais freqüente com relação aos
adolescentes mais novos, de 10 a 12 anos. Em geral, parece que a medida que avançamos na faixa
etária, os adolescentes tornam-se mais críticos em
relação a si mesmos, e mais preocupados com relação a sua aparência.
A metade dos adolescentes tem uma imagem
distorcida do “obeso”, associando a esta imagem
uma falta de amor próprio e uma vontade fraca.
Esta imagem negativa pode ser resultado das mais
diversas discriminações sociais, que incluem piadas e imagens irônicas. Isto pode afetar negativamente o humor ao longo do tempo e tornar-se
uma ameaça para o auto conceito.10 È freqüente
também ver os pais rotularem seus filhos em tratamento para emagrecer, como preguiçosos e sem
força de vontade, conceito evidentemente incorporado pelas crianças. Todos estes aspectos podem
gerar nos pacientes uma baixa estima e a sensação
de serem realmente um fracasso.3 Esta expectativa
de que a criança vai fracassar em seu tratamento
pode comprometer sua adesão às orientações.
Estudos têm mostrado que mesmo profissionais
de saúde podem manifestar atitudes negativas com
relação aos pacientes obesos.10 -O estilo de vida
sedentário e a má qualidade da alimentação nem
sempre são causados por uma baixa auto-estima
ou falta de cuidado consigo mesmo.12 É necessário
considerar os indivíduos obesos não como pessoas “fracas” ou sem “força de vontade”, mas como
portadores de uma vulnerabilidade biológica.
A maioria dos adolescentes compreende que a
obesidade é uma doença, e que por isso precisa
ser tratada adequadamente. A etiologia da obesidade é complexa e resulta da interação entre genes,
ambiente e estilo de vida.1,12 Sabe-se que crianças
obesas são menos aceitas do que crianças magras
em grupos de amigos. Ao longo da vida, o peso
excessivo proporciona outras dificuldades, como
menor chance de emprego e problemas de timidez e relacionamento. Deste modo, a pessoa com
excesso de peso sofre ou impõe-se restrições em
importantes aspectos da vida, como ir à escola,
mudar de emprego, comprar roupas, namorar ou
mesmo procurar serviços de saúde. Estas restrições podem estar associadas a maior incidência
de depressão.12
Do ponto de vista da assistência e tratamento
é preciso cautela no encaminhamento para atendimento psicológico, pois esta necessidade não é
generalizada. Não há um padrão de personalidade
dos indivíduos obesos e precisamos ter cuidado
ao associar a eles certos traços de personalidade
ou atribuir problemas emocionais. Porém, alguns
destes pacientes apresentam sinais de sofrimento
e requerem assistência quanto a isto.11,12
Aproximadamente 70% dos pais em estudo estão acima do peso. Este é um dado importante já
que a literatura aponta para uma provável herança
poligênica na determinação da obesidade.3 O risco de obesidade quando um dos pais é obeso é de
50% e sobe para 80% quando ambos são obesos.12
No entanto, o fato de termos forte influência genética na obesidade não indica que a mesma seja
inevitável e sim que seria necessário empenhar esforços para tentar prevenir a doença.12 Um estilo de
vida sedentário e maus hábitos alimentares podem
promover a obesidade em indivíduos geneticamente predispostos. Apesar de todos os estudos realizados, é difícil estabelecer o quanto a influência da
família decorre da herança genética e o quanto é
devido ao ambiente familiar obesogênico.2
A metade dos adolescentes em estudo e de seus
pais já havia feito dieta anterior ao tratamento atual.
A literatura mostra que a experiência de fazer dieta sucessivamente está associada com depressão
e que a falha neste tratamento pode ter um efeito
deletério sobre o humor.10 As tentativas frustradas
de perda de peso atrapalham novas abordagens e
é preciso discutir com os pacientes esta experiência anterior a fim de motivá-los para o tratamento.
Além disso, o fato de um número significativo de
pais estarem fazendo dieta atualmente e de um
terço deles já ter feito uso de medicamentos para
emagrecer, nos leva a refletir sobre as dificuldades
pessoais destes pais e no reflexo destas dificuldades no tratamento dos filhos.
A percepção dos pais em estudo com relação
à responsabilidade de controlar a obesidade do
adolescente mostra que a maioria destes considera
ser esta uma tarefa conjunta dos pais, profissionais
de saúde e do próprio paciente. Há evidências de
que programas de emagrecimento que empregam
a ajuda de outras pessoas importantes na vida do
paciente são mais bem sucedidos do que programas individuais.10 O envolvimento da família é imprescindível no tratamento do adolescente obeso e
todos que vivem em contato com o paciente devem
executar o mesmo “plano de trabalho”. Os membros da família são modelos relevantes e devem
Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S13-S19
17
Aspectos cognitivos e emocionais de adolescentes com excesso de peso e seus responsáveis
estabelecer regras e normas relacionadas com a
alimentação e as práticas alimentares.5 No momento em que se consegue a adesão da família através
do esclarecimento dos benefícios que resultarão da
perda de peso, o trabalho fica mais fácil.12
Em nossa amostra foi encontrado um alto índice de repetência escolar. A questão do rendimento
acadêmico de indivíduos obesos não encontra consenso na literatura, pois é necessário considerar os
inúmeros fatores emocionais que podem interferir
no processo de inteligência. No entanto algumas
das características psicológicas de crianças e adolescentes obesos, descritas em pesquisas, como a
imaturidade, a infantilização, a dependência e a
passividade, podem determinar alterações importantes na dinâmica psicossocial da criança obesa,
e modificar sua performance intelectual.13 É importante considerar também que os mesmos fatores
emocionais que podem estar presentes na obesidade, como um fraco vínculo mãe e filho, também
interferem nos processos cognitivos e intelectuais.
O grau de instrução dos pais é um fator que
interfere na escolha dos alimentos oferecidos aos filhos, sendo que o menor nível educacional tem sido
relacionado com alimentação menos saudável.5 Estudos têm mostrado que a escolaridade apresenta
uma associação positiva com o consumo de frutas
e hortaliças.7 Crianças e jovens de menor nível socioeconômico e aqueles cujas mães têm menor escolaridade apresentam maior consumo de doces,
açúcar, gordura e menor consumo de legumes.2,5
Mas é preciso considerar também que geralmente
um menor nível de escolaridade é encontrado nas
famílias de menor poder aquisitivo, cujo acesso aos
alimentos mais saudáveis é limitado.2
A aplicação do questionário de conhecimentos
básicos em nutrição mostra a importância de investimentos em educação nutricional e evidencia
que as escolas, os pais e a mídia têm transmitido
mensagens insuficientes sobre hábitos alimentares
saudáveis. De acordo com Triches2, estudos realizados com crianças e adolescentes não têm mostrado diferença significativa entre conhecimentos
de nutrição de crianças obesas e eutróficas.2 Mas
a autora enfatiza que as pesquisas que utilizaram
educação nutricional como estratégia de intervenção, relataram aumento nos conhecimentos de
nutrição e melhoria nos hábitos alimentares de
jovens e seus familiares. O conhecimento das recomendações nutricionais é importante na escolha
18
Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S13-S19
alimentar, mas outros fatores como atitudes positivas em relação à alimentação e o suporte social
têm também grande influência.7
Neste estudo, a maior parte dos pacientes avaliou sua alimentação como ótima. Este dado mostra que os participantes não reconhecem suas práticas alimentares inadequadas, o que representa um
obstáculo aos programas de educação nutricional.
A crença de que não há necessidade de alteração
dos hábitos alimentares pode ser decorrente de
uma interpretação errada do próprio consumo.
Há uma tendência dos indivíduos, especialmente
entre aqueles com dietas inadequadas, serem muito otimistas quanto aos aspectos saudáveis de sua
alimentação.7
A principal contribuição do modelo de estágios
de mudança do comportamento é mostrar que o
processo de mudança dos indivíduos ocorre em
uma série de cinco estágios diferentes. Este modelo propõe que há uma intervenção adequada para
cada estágio no qual o indivíduo se encontre.6 No
primeiro estágio (pré-contemplação), o indivíduo
não reconhece ter um comportamento inadequado e não apresenta intenção de mudar o comportamento de risco. No segundo estágio (contemplação) o indivíduo reconhece que tem um problema,
começa a considerar uma possibilidade de mudança no futuro e vivencia uma fase de ambivalência
entre as dificuldades e os benefícios desta mudança. No terceiro estágio (preparação) a pessoa está
preparada para mudar, mas tem dificuldades em
saber o que fazer e deseja receber ajuda. No quarto
estágio (ação) o sujeito manifesta seu compromisso de mudança e coloca as estratégias em prática.
No quinto estágio (manutenção) o indivíduo incorporou as mudanças desejadas por mais de 6 meses
e trabalha para consolidar as mudanças.6
O tratamento da obesidade na adolescência
pode ser muito dificultado pelo fato dos pacientes
não compreenderem os danos que a obesidade
pode lhe trazer e não terem consciência de seus
comportamentos inadequados. A identificação do
estágio de mudança do comportamento alimentar aplicada neste estudo confirma este fato. No
início do tratamento a maioria dos adolescentes
encontrava-se nos estágios iniciais do modelo,
sendo que nestes estágios é comum apresentarem
grande resistência para mudanças na alimentação.
Isto mostra a necessidade de identificar estratégias
específicas para os mesmos, ou seja, desenvolver
Aspectos cognitivos e emocionais de adolescentes com excesso de peso e seus responsáveis
a conscientização dos pacientes para o problema
e motivá-los para o tratamento.6 Além disso, é importante estabelecer vínculo terapêutico e uma
relação de confiança, evitando confrontos com os
adolescentes. Á medida que o paciente se move
para o segundo estágio, é aconselhável explorar
as vantagens e desvantagens da mudança, definir
metas realistas e só então realizar as orientações
nutricionais.6 Assim, iniciar o tratamento destes
pacientes prescrevendo uma dieta, provavelmente
não irá surtir um resultado favorável.
Apesar das limitações da aplicação do modelo de estágios de mudança do comportamento, a
utilização do mesmo tem mostrado resultados satisfatórios.7 As intervenções nutricionais mais tradicionais partem da premissa de que os indivíduos
estão prontos para a ação, o que tem se mostrado
insustentável na maioria das situações. Os profissionais de saúde precisam ser treinados para a
aquisição de habilidades técnicas que motivem os
pacientes a fazerem as mudanças desejadas. Também precisam aprender a “dialogar com outros
campos de conhecimento” a fim de ajudarem seus
pacientes com distúrbios do peso.4
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A obesidade é um problema complexo e de
etiologia multifatorial. Desconsiderar os fatores
cognitivos e emocionais implicados na sua origem
ou manutenção é adotar uma visão simplificada
do problema. Desta forma o tratamento se reduz
quase exclusivamente à prescrição de dietas.
A psicologia e a nutrição são áreas do conhecimento distintas, mas que precisam se unir na
abordagem de um problema tão complexo como
a obesidade. È necessário aprofundar as potencialidades da abordagem interdisciplinar e adotar
uma dimensão mais emocional do ser humano na
prática da assistência em saúde, de modo a melhorar a adesão ao tratamento de adolescentes com
excesso de peso.
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Saúde Pública. 1996; 30(1):85-90
Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S13-S19
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ARTIGO ORIGINAL
Nova curva da OMS 2006: implicações para
o crescimento de recém-nascidos pré-termo
em comparação com a curva do CDC 2000
WHO 2006 child growth standards: implications for the
preterm growth in comparison to the CDC 2000
Tatiana Barcelos Pontes1; Lívia de Castro Magalhães2; Felipe Pinheiro de Figueiredo3; César Coelho Xavier4
RESUMO
1
Terapeuta Ocupacional, doutoranda em Saúde da
Criança e do Adolescente pela Faculdade de Medicina de
Ribeirão Preto – USP/RP
2
Terapeuta Ocupacional, pós-doutora em Terapia
Ocupacional pela Universidade de ΩMcmaster, Canadá,
professora da Universidade Federal de Minas Gerais
3
Médico, residente de psiquiatria da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – USP/RP
4
Médico, doutor em Saúde da Criança e do Adolescente
pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – USP/RP,
professor associado da Universidade Federal de Minas
Gerais – orientador
Objetivos: Comparar a proporção de crianças com falha no crescimento aos 12 meses
de idade, utilizando-se as referências do CDC 2000 e da OMS 2006. Material e Métodos: Estudo retrospectivo do tipo coorte de grupo único. A amostra de 194 recémnascidos, constituída a partir do grupo de RNPT acompanhados no ACRIAR, nascidos
consecutivamente no Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais
(HC/UFMG) durante o período de 1990-2003, com peso ao nascer menor que 1500g. O
peso foi obtido do nascer até 12 meses de idade corrigida. Foi feita categorização das
crianças, utilizando-se o percentil 5 das referências do CDC 2000 da OMS 2006. Para
a avaliaçãwo da concordância entre as duas classificações, utilizou-se o índice Kappa
(k). Resultados: A utilização da curva do CDC 2000 como referência mostra um maior
número de crianças mal nutridas aos 12 meses, quando comparado a curva da OMS
2006. As duas curvas apresentam concordância moderada, entretanto quando se analisa as crianças abaixo do percentil 5, observa-se algumas discrepâncias. Conclusões: É
necessário saber como usar a nova curva prescritiva da OMS 2006 e qual o impacto de
seu uso na avaliação nutricional.
Palavras-chave: Recém-Nascidos de muito Baixo Peso/crescimento & desenvolvimento;
Desenvolvimento Infantil; Crescimento e Desenvolvimento.
ABSTRACT
Faculdade de Medicina da Universidade
Federal de Minas Gerais
Endereço para correspondência:
César Coelho Xavier
Av. Alfredo Balena, 190, sala 5001
B: Santa Efigênia,
Belo Horizonte - MG
CEP: 30.130-100
Email: [email protected]
20
Objective: To compare the proportion of children with growth failure at 12 months of age
using CDC’s 2000 and WHO’s 2006 references. Methods: Retrospective study of cohort
group. A sample of 194 newborns with weight less than 1500g was accompanied during
the period of 1990 at 2003. The data were collected from ACRIAR follow-up center. The
weight was obtained from birth to 12 months of corrected age. The five (5%) percentile
from the CDC 2000 and WHO 2006 were used as reference to categorize children. In
order to estimate the agreement between these classifications the Kappa index (k) was
used. Results: The curve of CDC 2000 reference shows a greater number of underweight
children at 12 months when compared to the WHO 2006 curve. The two curves present
moderate agreement, however when examining children below the percentile five there
were some discrepancies. Conclusions: It is important to know how to use the new prescriptive curve of the WHO 2006 and the impact of its use in nutrition evaluating.
Key words: Infant, Very Low Birth Weigth/growth & development; Child Development;
Growth and Development.
Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S20-S24
Nova curva da OMS 2006: implicações para o crescimento de recém-nascidos pré-termo em comparação com a curva do CDC 2000
INTRODUÇÃO
À medida que a assistência aos recém-nascidos
pré-termo (RNPT) melhora, torna-se prioritário
conhecer como se comporta o crescimento destas crianças1, uma vez que este é um importante
marcador de bem-estar e de saúde para a criança prematura e com muito baixo peso ao nascer.2
É sabido que o padrão de crescimento destes recém-nascidos é inferior quando comparado com
crianças nascidas a termo, mas ao avaliarmos esta
criança diversas questões devem ser levantadas.
A criança está crescendo de forma adequada? A
criança será sempre pequena ou irá recuperar o
peso e equiparar-se aos recém-nascidos a termo?
Qual referência de crescimento utilizar para avaliar a criança?
A curva de crescimento do CDC 20003 foi considerada pela OMS4 como referência para o crescimento de crianças. Entretanto, a realização
de estudos com populações multi-éticas gerou
questionamentos, uma vez que o crescimento das
crianças em condições nutricionais e ambientais
adequadas mostrou-se inferior ao da curva de referência.5 Várias questões foram levantadas sobre
a curva do CDC 20003, como: amostra restrita em
termos de origem genética, dados antropométricos
medidos com grande espaço de tempo entre as medidas, variação do tamanho amostral nos diferentes tempos, os procedimentos para ajuste das curvas atualmente são considerados, além de pequena
representação de recém-nascidos alimentados exclusivamente com leite materno. Outro achado importante destes estudos5,6 sobre crescimento foi a
menor variabilidade no conjunto dos dados, com
pouca distância entre as médias e os pontos de
corte usados (±2 desvios-padrão) para identificar
crianças sob risco de crescimento insuficiente ou
excessivo, o que pode afetar a classificação individual de cada criança. Não há, também, estimativas
de prevalência de déficit ou excesso.4
Tendo em vista a crescente utilização dos parâmetros antropométricos como referencial de
saúde de indivíduos e de populações, em abril de
2006 foram lançadas pela Organização Mundial de
Saúde – OMS as novas Curvas para Avaliação do
Crescimento da Criança de 0 a 5 anos. O estudo
foi feito entre 1997 e 2003, com a participação de
8.500 crianças de países representativos das seis
principais regiões geográficas do mundo: Brasil,
Ghana, Índia, Noruega, Oman e Estados Unidos.4,7,8
As crianças que participaram do estuda foram
alimentadas exclusivamente com leite materno
até os 4 meses de idade. A introdução de alimentos sólidos ocorreu após 6 meses de idade, mas
mantendo-se a utilização do leite materno durante
o primeiro ano de vida. Diferentemente da curva
do CDC 20003, considerada uma referência, a curva da OMS foi construída de forma a prescrever o
crescimento adequado das crianças, como padrão
de crescimento saudável.9
Baseado em uma coorte de 194 crianças nascidas pré-termo e com baixo peso ao nascer, o presente estudo buscou comparar a proporção de crianças
com falha no crescimento aos 12 meses de idade,
utilizando-se as referências do CDC3 e da OMS8.
MATERIAL E MÉTODOS
Foi realizado um estudo retrospectivo do tipo
coorte de grupo único. A amostra de conveniência
foi constituída a partir de grupo de RNPT, acompanhados no Ambulatório da Criança de Risco
(ACRIAR), nascidos consecutivamente no Hospital
das Clínicas de Minas Gerais (HC/UFMG) durante
o período de 1990-2003, e que tiveram peso ao nascer menor que 1500g.
Foram excluídos os que apresentaram mal-formações congênitas graves, anomalias cromossômicas e infecções congênitas, afecções neurológicas
graves, uso ou abuso de drogas ou substâncias químicas pela mãe, recém-nascidos que não tinham
registro do peso ao nascimento e as crianças que
tinham dados de medidas em pelo menos de três
tempos e para as quais não foi possível obter o valor da antropometria aos 12 meses.
PROCEDIMENTOS
O peso foi obtido ao nascer, do nascimento até
a idade corrigida ao termo, e do 1º ao 12º mês. Na
ausência da antropometria aos 12 meses, foi coletada uma medida posterior que permitisse obter
por meio de interpolação, pelo modelo de Count,10
um valor estimado dos parâmetros antropométricos aos 12 meses. A classificação das crianças em
relação à adequação do peso à idade gestacional
foi realizada segundo Alexander et al.11
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Nova curva da OMS 2006: implicações para o crescimento de recém-nascidos pré-termo em comparação com a curva do CDC 2000
As informações foram obtidas no prontuário
hospitalar e nas planilhas eletrônicas do ACRIAR.
Os dados do estudo foram armazenados e processados no programa Epi Info versão 6.0412 para a obtenção das distribuições de freqüências, cálculos
de médias, mediana, desvio padrão e realização
de testes estatísticos.
Para a interpolação e obtenção da medida aos 12
meses foi utilizado, o modelo de Count10 de regressão linear: peso = alfa + p* tempo + b* LN (tempo +
1), pois este modelo é o que melhor se ajustou a este
tipo de estudo, como observado em trabalhos anteriores com população semelhante.13,14 Com o objetivo de interpretar o peso das crianças do estudo, foi
feita categorização, utilizando-se o percentil 5 das
referências do CDC3 e da OMS8. Para a avaliação da
concordância entre as duas classificações, utilizouse o índice Kappa (k), com critérios de concordância mostrados na tabela 1. Os cálculos foram feitos
utilizando-se o programa Stata 8.0.15 O estudo foi
aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (ETIC 408/04).
Tabela 1 - Avaliação da concordância entre as
classificações do CDC (2000) da OMS (2006) de
acordo com o Índice Kappa calculado
Valor do Índice Kappa
Concordância
< 0,20
desprezível
0,21-0,40
mínima
0,41-0,60
moderada
0,61-0,80
boa
0,81-1,0
excelente
RESULTADOS
Características da amostra
Durante o período de 1990-2003, foram inscritos
no programa 697 recém-nascidos pré-termo, sendo
387 com peso ao nascimento menor que 1500g.
Destes, foram obtidos dados de 328 crianças, pois
15,2% dos prontuários não foram encontrados. Depois de aplicados os critérios de exclusão, a amostra foi composta por 251 crianças, sendo excluídas
77 (23,0%). Aos 12 meses, 194/251 (77,3%) crianças
possuíam o registro do peso, sendo esta considerada a amostra final do estudo.
Na amostra estudada, 97/194 (50%) crianças
eram meninas. Gravidez gemelar ocorreu em 27
(13,9%) casos. A idade gestacional média foi de
30,3±2,4 semanas, variando de 25 a 36 semanas.
Utilizando a classificação de Alexander et al.11 para
adequação do peso em relação à idade ao nascer,
90/194 (46,4%) dos recém-nascidos eram considerados pequenos para idade gestacional e 104
(53,6%) tinham peso adequado. A média da idade
materna foi de 27,8±6,3 anos, variando de 15 a 48
anos de idade. A cesariana foi o tipo de parto predominante, com 81,9% dos casos (158/194). Grande
parte das mães (55,2%) tinha ensino fundamental
ou menos, e apenas 2 (1%) mães tinham completado o ensino superior. Em relação à renda familiar,
56,3% das famílias tinha renda igual ou menor a 2
salários mínimos, enquanto apenas 3,1% possuíam
renda superior a 8 salários.
Entre os diagnósticos relatados nos prontuários relativos à gravidez e ao parto, os mais freqüentes foram pré-eclampsia, em 56/194 (28,9%)
das mães, seguida pela aminiorrexe em 33/194
(17%). Quanto aos diagnósticos neonatais, descritos nos prontuários, destacaram-se, entre outros, 158/194 (81,4%) casos com diagnóstico de
icterícia com necessidade de fototerapia, 140/194
(72,2%) de sepse e 81/194 (72,2%) de síndrome de
dificuldade respiratória. Enterocolite necrosante
foi diagnosticada em 16/194 (8,2%) crianças, displasia broncopulmonar em 27/194 (13,9%) crianças e persistência do canal arterial em 57/194
(29,4%) crianças.
A tabela 2 mostra o número de crianças que estavam abaixo do percentil 5 da curva de referência
aos 12 meses de idade corrigida.
Tabela 2 - Número de crianças abaixo do percentil 5 da curva de referência, de acordo com sexo e adequação
do peso à idade gestacional
22
Referência
Masc* PIG
Masc* AIG
n
n
n
n
n (%)
CDC (2000)
27
17
21
22
87 (44,8)
OMS (2006)
14
11
16
7
48 (24,7)
Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S20-S24
Fem* PIG
Fem* AIG
Total
Nova curva da OMS 2006: implicações para o crescimento de recém-nascidos pré-termo em comparação com a curva do CDC 2000
Utilizando-se a referência do CDC3, a prevalência
de peso abaixo do percentil 5 na amostra é de 44,8%,
enquanto, ao se comparar com os dados da OMS 20066,
esta é de apenas 24,7%. Ao se avaliar a concordância
entre as classificações, o índice kappa encontrado foi
de 0,5749, o que indica concordância moderada entre
as duas referências aos 12 meses de idade.
Todas as crianças com peso acima do percentil 5 pelo CDC (2000) também estavam acima do
percentil 5 da curva da OMS8, entretanto 44,9%
das crianças com peso abaixo do percentil 5 para
o CDC3 foram consideradas com peso adequado
pela curva da OMS8 aos 12 meses de idade.
O maior número de crianças desnutridas nos
primeiros meses de vida pode interferir nas recomendações de alimentação infantil17, com introdução de outros alimentos mais cedo e aumento
da obesidade nestas crianças. Como os resultados
mostram diferenças nos padrões de crescimento
quando comparamos as duas referências, torna
necessário examinar como usar a nova curva prescritiva da OMS6 e qual o impacto de seu uso na
avaliação nutricional. Recomenda-se, assim, que
a introdução da nova curva da OMS8 seja acompanhada de comparações com as referências antigas, especialmente a curva do CDC3.
DISCUSSÃO
REFERÊNCIAS
A utilização da curva do CDC3 como referência
mostra um maior número de crianças mal nutridas
aos 12 meses, quando comparado a curva da OMS8.
As duas curvas apresentam concordância moderada, entretanto quando se analisa as crianças abaixo
do percentil 5, observa-se algumas discrepâncias.
Em estudo realizado na África, com recémnascidos a termo, foi comparada a proporção de
crianças desnutridas utilizando 3 curvas de referência.7 Os resultados mostram elevada proporção
de crianças desnutridas aos 3 meses de idade pela
curva da OMS8, em relação ao CDC3. Entretanto,
aos 15 meses de idade, a proporção de desnutrição foi menor, utilizando-se a curva da OMS8, uma
vez que mais da metade das crianças consideradas
desnutridas pela curva do CDC3, foram consideradas eutróficas pela curva da OMS8, resultado semelhante ao encontrado no presente estudo, para
crianças com 12 meses de idade corrigida.
Analisando-se as duas referências, a nova curva
da OMS8 mostra maior média de peso até os 6 meses, o que implica em um maior número de crianças desnutridas nos primeiros meses e posterior
aumento da obesidade em idades subseqüentes.7
A curva de crescimento da OMS8 é a primeira referência baseada em dados de estudos multicêntricos,
especialmente desenhados para construção de curvas
de padrão de crescimento das crianças. Entretanto é
necessário considerar que as crianças selecionadas
nos seis países integrantes do estudo foram recrutadas
em ambientes com condições ideais de saúde, o que
pode ter gerado um padrão mais elevado de crescimento, difícil de ser alcançado por muitas crianças.16
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ARTIGO ORIGINAL
Condições da cavidade bucal e
acompanhamento odontológico de
crianças com leucemia linfocítica aguda
Conditions of the oral cavity and of dental attendance of
children with acute lymphocytic leukemia
Denise Siqueira Lobão1; Benigna Maria de Oliveira 2; Maria de Lourdes de Andrade Massara3; Marcos Borato
Viana4; Lorena Nunes 5
RESUMO
Objetivos: avaliar as condições da cavidade bucal de crianças com leucemia linfocítica aguda (LLA) e as complicações decorrentes da quimioterapia e, verificar se um
acompanhamento odontológico promove melhoria nas condições bucais. Métodos:
estudo clínico, prospectivo, envolvendo 31 crianças, com idade entre 2 e 14 anos, com
diagnóstico de LLA, tratadas em um hospital universitário de Belo Horizonte (MG). O
plano de tratamento odontológico consistiu de avaliação inicial e urgência, adaptação
comportamental e adequação do meio bucal, tratamento reabilitador e manutenção
preventiva. Resultados: a mediana do período de acompanhamento foi de 11 meses.
Das 31 crianças, 20 não haviam recebido atendimento odontológico prévio. Na avaliação odontológica inicial, 21 (67,7%) pacientes apresentavam atividade de cárie, 18
tinham necessidade de abordagem odontológica invasiva e 19 tinham gengivite. O índice de necessidades invasivas (INI) variou de 0% a 22,5% e 13 pacientes tinham INI=0.
Dezoito apresentaram algum tipo de lesão em mucosa, sendo as mais freqüentes,
úlceras, herpes labial e mucosite. Na avaliação odontológica final, 25 (80,6%) estavam
sem atividade de cárie, três apresentavam necessidade de abordagem odontológica
invasiva e 13 tinham gengivite. O INI variou de 0% a 4,3% e 28 pacientes tinham INI = 0.
As medidas do índice de placa visível e INI iniciais foram significativamente maiores
do que as finais (p<0,001). Conclusão: um programa de atendimento odontológico
durante o tratamento quimioterápico favoreceu o equilíbrio e a manutenção da saúde
bucal dessas crianças.
1
Denise Siqueira Lobão: Professora Substituta, Mestre - Departamento de Odontopediatria e Ortodontia da Faculdade de Odontologia da UFMG.
2
Benigna Maria de Oliveira: Professora Adjunta, Doutora
- Departamento de Pediatria e Serviço de Hematologia do
Hospital das Clínicas da UFMG.
3
Maria de Lourdes de Andrade Massara: Professora Adjunta, Doutora - Departamento de Odontopediatria e Ortodontia da Faculdade de Odontologia da UFMG.
4
Marcos Borato Viana: Professor Titular, Departamento de
Pediatria e Serviço de Hematologia do Hospital das Clínicas da UFMG.
5
Lorena Nunes: Aluna de Graduação, Faculdade de Medicina, UFMG, Belo Horizonte.
Palavras-chave: Leucemia-Linfoma Linfoblástico de Células Precursoras; 2.Quimioterapia/efeitos adversos; Diagnóstico Bucal; Assistência Odontológica para Criança/
tendências.
ABSTRACT
Objectives: To evaluate the conditions of the oral cavity of children with acute lymphocytic leukemia (ALL) and the current oral complications of the chemotherapy and, to
verify whether the introduction of the dental attendance promotes an improvement in the
oral conditions. Methods: It was a clinical, prospective study, involving 31 children, with
age between 2 and 14 years, with diagnosis of LLA, treated in a university hospital. The
dental treatment consisted of initial evaluation and urgency, behavioral adjustment and
adaptation of the oral environment, rehabilitator treatment and preventive maintenance.
Results: The medium one of the period of attendance was of 11 months. From the 31
children, 20 had not received any previous dental service. At the initial dental evaluation, 21 (67.7%) patients had decay activity of caries, 18 had necessity of invasive dental
approach and 19 they had gingivitis. The index of invasive needs (INI) varied of 0% to
22.5% and 13 patients had IN equal zero. Eighteen had some type of lesion an the muco-
Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da
UFMG
Serviço de Hematologia Hospital das Clínicas da UFMG
Endereço para correspondência:
Denise Siqueira Lobão
Av. do Contorno, 6777 sala 1310
B: Santo Antônio
CEP: 30.110-935
Belo Horizonte - MG
Email: [email protected]
Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S25-S32
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Condições da cavidade bucal e acompanhamento odontológico de crianças com leucemia linfocítica aguda
sa, having been the most frequent, ulcers, herpes labial
and mucosite. In the final dental evaluation, 25 (80.6%)
were without decay activity, three presented necessity
of invasive dental approach and 13 had gingivitis. The
INI varied of 0% to 4.3% and 28 patients had INI equal
zero. The measures of the index of initial visible plaque
and INI were significantly higher than the final ones
(p<0.001). Conclusion: In accordance with the results of
this study, can be concluded that the establishment of a
dental service program during the chemotherapic treatment favored the balance and the maintenance of those
children’s oral health.
Key words: Precursor Cell Lymphoblastic LeukemiaLymphoma; 2.Chemotherapy/adverse effect; Diagnosis,
Oral; Dental Care for Children/trends.
INTRODUÇÃO
A leucemia linfocítica aguda (LLA) é a neoplasia
mais comum na infância. Atualmente, 70% a 80% das
crianças recém-diagnosticadas alcançam a cura.1,2,3
A quimioterapia combinada é a principal modalidade terapêutica.1,2 Os agentes quimioterápicos possuem mecanismo de ação não-seletivo,
atuando tanto nas células neoplásicas como nas
normais com alta atividade mitótica, como é o
caso da mucosa bucal, resultando em uma alta incidência de efeitos tóxicos agudos. 4, 5, 6
As complicações bucais decorrentes da quimioterapia têm um impacto negativo na qualidade de vida dos
pacientes.7 Um protocolo de cuidados odontológicos,
sistematicamente aplicado antes e durante o tratamento do câncer, é essencial na prevenção ou redução da
gravidade dessas complicações.4,8-17 Os pacientes com
câncer, em razão da imunossupressão, requerem cuidados especiais para manutenção de sua saúde bucal.
Os cuidados odontológicos devem ser direcionados
para promover e manter a integridade do tecido e prevenir complicações bucais da quimioterapia.4,9,14,15,18,19
Existem duas formas principais de complicações
bucais decorrentes da quimioterapia. A primeira decorre da ação direta das drogas sobre os tecidos bucais (mucosite e xerostomia). A segunda está relacionada com os efeitos mielotóxicos, como neutropenia
e trombocitopenia, ocasionando infecções e hemorragia.4,10-12,20 Em crianças submetidas à quimioterapia, a mucosite é a complicação bucal mais freqüente, uma vez que a mucosa bucal de indivíduos mais
jovens possui células com alta atividade mitótica.4,8
A freqüência das complicações bucais é influenciada por fatores relacionados ao paciente − tipo
de neoplasia e condição da cavidade bucal − e ao
26
Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S25-S32
tratamento − tipo de droga, dose, intervalo e outros
tratamentos concomitantes.4,9 Crianças e adolescentes com leucemia são mais suscetíveis do que
adultos ou crianças com outras neoplasias. Higiene bucal inadequada e infecção odontogênica ou
periodontal preexistente também predispõem ao
desenvolvimento de lesões de mucosa e infecções
durante os períodos de mielossupressão. 4,8,9,18
Considerando que no tratamento do câncer, a
cura não deve ser baseada somente na recuperação biológica, mas também no bem estar e na qualidade de vida do paciente, o conceito de promoção de saúde bucal torna-se ainda mais importante
para esses pacientes.21
Os objetivos deste estudo foram avaliar as condições da cavidade bucal de crianças com LLA,
considerando a doença cárie, a doença periodontal e as lesões de mucosa; relatar as complicações
decorrentes da quimioterapia nas diferentes fases
do tratamento e, verificar se a introdução de acompanhamento odontológico, durante o tratamento
antineoplásico, promove a melhoria da saúde bucal dessas crianças.
MÉTODOS
Trata-se de um estudo clínico, prospectivo,
não-controlado realizado no Serviço de Hematologia do Hospital das Clínicas da UFMG (HC-UFMG).
O tamanho da amostra baseou-se na média anual
(30 casos/ano) de novos casos de LLA em pacientes pediátricos admitidos no Serviço. A população
estudada consistiu de 31 crianças, na faixa etária
de 2 a 14 anos, com diagnóstico de LLA, tratadas
de acordo com o protocolo do Grupo Cooperativo Brasileiro para Tratamento da LLA-99. Os pacientes foram divididos em três grupos (indução,
consolidação e manutenção), conforme a fase do
protocolo quimioterápico em que se encontravam
no momento da admissão no estudo. O estudo foi
aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Foram excluídos os pacientes cujos responsáveis não concordaram com a sua participação na
pesquisa, os pacientes em Unidade de Terapia Intensiva no momento da primeira avaliação, os que
não tinham condições de comparecer às consultas
odontológicas e os pacientes abaixo de 02 anos ou
acima de 14 anos de idade.
Condições da cavidade bucal e acompanhamento odontológico de crianças com leucemia linfocítica aguda
Todo o acompanhamento odontológico foi conduzido em consultório particular, sem quaisquer
ônus para os pacientes. Os procedimentos odontológicos foram realizados em conformidade com as
normas de biossegurança.22
Os responsáveis foram orientados para que, em
todas as consultas odontológicas, apresentassem
hemograma recente. Padronizou-se que, para realização de procedimentos invasivos, os pacientes
deveriam apresentar contagem de neutrófilos acima de 1.000/mm3, contagem plaquetária acima de
100.000/mm3 4,23 e coagulograma normal. Para procedimentos não-invasivos, os neutrófilos deveriam
ser superiores a 500/mm3 e as plaquetas acima de
50.000/mm3.4,23 Todo procedimento odontológico
foi discutido previamente com o hematologista.
Na abordagem odontológica, preconizou-se que
as medidas preventivas e restauradoras deveriam
estar integradas e a predominância de umas sobre
as outras era dependente das necessidades que
cada paciente apresentava no momento em que era
examinado. O plano de tratamento odontológico
consistiu de quatro fases: I - avaliação inicial e/ou
urgência; II - adequação do paciente; III - tratamento
reabilitador; IV - manutenção preventiva.24
As variáveis deste estudo foram:
Caracterização geral da amostra: fase da quimioterapia no momento da admissão; gênero; idade no exame odontológico inicial; procedência.
Condições sócio-econômica e cultural25: escolaridade do cuidador (em anos de estudo); número
de membros da família; renda per capita (renda familiar em salários mínimos dividida pelo número
de membros da família).
História de tratamento odontológico anterior
ao diagnóstico da LLA.
Índice de consumo de sacarose (ICS)24: informações sobre a freqüência diária de alimentos cariogênicos, por meio da análise do formulário de
diário alimentar, de três dias. Cálculo do índice:
para cada refeição, atribuíram-se valores numéricos de acordo com o momento da ingestão de
alimentos contendo sacarose e a consistência desse alimento. Se a ingestão ocorresse durante as refeições principais − café da manhã, almoço, jantar
− atribuiu-se o valor 1; se ocorresse nos intervalos
das refeições, atribuiu-se o valor 2. Se a consistência do alimento fosse não-pegajosa, não-retentiva,
era atribuído valor 1; se pegajosa, valor 2. Todos os
valores obtidos a cada dia foram somados. A mé-
dia dos valores totais diários representa o ISC, que
foi considerado satisfatório se menor ou igual a 7.
Condições de saúde bucal das crianças no
exame odontológico inicial: estágio da dentição;
presença de gengivite; índices CPOD e ceod (média de dentes permanentes cariados, perdidos e
obturados; e média de dentes decíduos cariados,
extraídos e obturados, respectivamente), conforme o Projeto SB Brasil 200326; atividade de cárie27;
IPV-1 e ISG-1 (índice de placa visível28 e índice de
sangramento gengival29, respectivamente, medidos na primeira consulta); INI-inicial (indice de
necessidades invasivas na primeira consulta, expresso em porcentagem, que mede o grau de acometimento dos dentes com lesões cariosas ativas
que requeriam abordagem invasiva). Para seu cálculo, considerou-se como numerador o número de
procedimentos invasivos necessários multiplicado
pelos “pesos” de cada procedimento (Quadro 1).
Quadro 1 - Tipos de procedimentos odontológicos
invasivos e pesos atribuídos a cada um para cálculo
do Índice de Necessidades Invasivas (INI)
Procedimento invasivo
Peso
Tratamento Restaurador Atraumático (ART)
1
Terapia Pulpar Conservadora (TPC)
2
Tratamento Endodôntico Radical (TER)
3
Exodontia por lesão cariosa extensa (EXO)
4
Para o cálculo do INI, considerou-se como denominador, o grau máximo de abordagem invasiva que
cada criança poderia requerer. Assim, multiplicou-se
o total de dentes, de cada criança, pelo peso 4.
Exemplo do cálculo do INI para uma criança
com um total de 24 dentes que apresentava, ao
diagnóstico, as seguintes necessidades invasivas:
06 ART, 02 TPC, 01 TER, e 02 EXO.
INI =((6x1)+(2x2)+(1x3)+(2x4) / (24x 4)) X 100 = 22%.
■
Tipo de abordagem odontológica indicada
para cada criança: abordagem somente nãoinvasiva ou abordagem invasiva.
■
Condições de saúde bucal das crianças nos
exames odontológicos subseqüentes: realização das fases I, II, III, e IV; atividade de cárie
final e INI-final, obtidos na avaliação odontológica final; IPV-2 e ISG-2 (obtidos na consulta
subseqüente às orientações iniciais de higiene
bucal e motivação); IPV-final e ISG-final, obtidos no último atendimento realizado.
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Condições da cavidade bucal e acompanhamento odontológico de crianças com leucemia linfocítica aguda
■
■
Presença de lesões de mucosa, gengivite, sangramento gengival espontâneo, abscesso periapical, pericoronarite, e adiamento da quimioterapia por motivos odontológicos.
Adesão dos pacientes ao acompanhamento
odontológico: abandono do tratamento odontológico; retorno conforme a periodicidade sugerida; número total de consultas; comparecimento às consultas agendadas.
A análise estatística foi realizada no programa
SPSS versão 14.0. Foram utilizados os testes estatísticos não paramétricos de Kruskal-Wallis, Friedman
e Wilcoxon, e, também, as análises de correlação
de Pearson e Spearman. Em todos os testes estatísticos, adotou-se como significativa a probabilidade
bicaudal P≤0,05 de erro alfa.
A variação do tempo de seguimento se deve a
fatores como inclusão em momentos diferentes do
estudo e interrupção do acompanhamento por recidiva da doença, óbito ou abandono.
Quanto ao estágio da dentição, 15 (48,4%) crianças estavam na decídua, 9 (29%) na mista inicial, 2
(6,5%) na mista final e 5 (16,1%) na permanente.
Dos 31 diários alimentares solicitados, 16 (51%)
foram preenchidos. O ICS de 10 crianças foi insatisfatório (62,5%).
Vinte crianças (64%) não haviam recebido tratamento odontológico anteriormente ao diagnóstico da leucemia; os índices médios de CPOD e ceod
foram de 2,5 e 2,2, respectivamente.
Os dados relacionados à atividade de cárie, necessidade de abordagem invasiva e gengivite, nos
exames odontológicos inicial e final estão descritos na Tabela 2.
RESULTADOS
Os resultados apresentados referem-se ao exame odontológico inicial e ao acompanhamento
odontológico realizado no período de abril de
2004 a dezembro de 2005.
Das 31 crianças, 11 encontravam-se, no início
do estudo, na fase de indução quimioterápica, 10
na fase de consolidação e 10 na fase de manutenção; 17 eram meninos (54,8%).
Não foi observada diferença estatisticamente
significativa entre os pacientes de cada uma das
três fases de quimioterapia no que se refere às medidas das variáveis estudadas. Por isso, as comparações entre as variáveis de interesse foram realizadas somente considerando o grupo total de 31
pacientes. A Tabela 1 mostra as medidas descritivas
referentes à idade, às condições sócio-econômica
e cultural e ao período de acompanhamento.
Tabela 2 - Caracterização das crianças com LLA em
relação à atividade de cárie, à necessidade de abordagem invasiva e à presença de gengivite, no exame
odontológico inicial e final (n=31)
Variável
Exame inicial
Exame final
Com atividade de cárie
21 (67,7%)
06 (19,4%)
Necessidade de
abordagem invasiva
18 (58,1%)
03 (9,7%)
19,0 (61,3%)
13 (41,9%)
Presença de gengivite
Os valores de IPV, ISG e INI mensurados no decorrer do estudo estão relacionados na Tabela 3.
Foi observada diferença significativa (p<0,001)
nas medidas de IPV ao longo dos três períodos
avaliados. A segunda medida e a medida final do
IPV não diferiram significativamente entre si; porém ambas foram significativamente inferiores à
medida inicial. Em relação à variável ISG, não foi
observada diferença estatisticamente significativa
Tabela 1 - Medidas descritivas das variáveis relacionadas à idade, às condições sócio-econômica e cultural de
crianças com LLA (n=31) e ao tempo de seguimento do estudo
Medidas descritivas
Variável
28
n
Mínimo
Máximo
Mediana
Média
d.p.
Idade (meses) no 1º exame odontológico
31
25,5
164,4
76,2
81,9
40,0
Escolaridade do cuidador (anos)
31
2,0
17,0
8,0
8,5
3,1
Membros da família (número)
31
2,0
9,0
4,0
4,6
1,7
Renda Familiar (salários mínimos)
31
0,6
20,0
2,7
3,0
3,3
Renda per capita (salários mínimos)
31
0,1
5,0
0,5
0,7
0,9
Tempo seguimento (meses)
31
0,2
19,7
11,1
10,8
4,2
Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S25-S32
Condições da cavidade bucal e acompanhamento odontológico de crianças com leucemia linfocítica aguda
(p=0,4) entre os três períodos avaliados. As médias
do INI-inicial (%) foram significativamente superiores às finais (p<0,001).
Foram observadas correlações estatisticamente
significativas entre INI (%) inicial e IPV-1 (p=0,03) e
entre INI-inicial e ISG-1 (p=0,016). Nos dois casos,
as correlações foram positivas. Não foram observadas correlações estatisticamente significativas
entre INI-inicial e escolaridade (p=0,057) ou renda
per capita (p=0,42).
Dezoito pacientes (58,1%) apresentaram um
ou mais tipos de lesões de mucosa, nas diferentes fases do tratamento. Foram diagnosticados 41
episódios; em ordem de freqüência, úlceras, herpes labial, mucosite, gengivoestomatite herpética,
candidíase, queilite angular e lesões de varicela.
A maior parte dos episódios (63,4%) ocorreu na
fase de consolidação da quimioterapia. A lesão de
mucosa mais recorrente foi o herpes simples.
Vinte e sete pacientes (87,1%) aderiram ao tratamento odontológico e chegaram à fase de manutenção preventiva. Foi agendado um total de
291 consultas, com 61,5% de comparecimento. O
número de consultas por paciente variou de 2 a 13
consultas (média de 5 consultas/paciente). Não foram observadas correlações significativas entre o
percentual de comparecimento às consultas e renda per capita (p=0,90) ou escolaridade (p=0,12).
Os motivos apresentados para o não comparecimento foram dificuldades relacionadas a transporte, contra-indicações clínicas ou coincidência com
períodos de internações.
DISCUSSÃO
Poucos trabalhos na literatura investigaram
especificamente as complicações bucais nas diversas fases da quimioterapia em pacientes pediátricos.5,8,9,13-16,18,20 A pesquisa de fatores de risco associados às complicações bucais parece ser mais
adequada quando realizada em grupos homogêneos.9 Assim, foram incluídas neste estudo apenas
crianças com LLA, submetidas ao mesmo protocolo quimioterápico. Foi considerado inadequado,
do ponto de vista ético, incluir um grupo controle
com crianças para as quais não fosse oferecido o
atendimento odontológico.
Em alguns estudos, o exame da cavidade bucal foi realizado no leito, durante os períodos de
internação, ou nas sessões de quimioterapia, ou
em consultórios médicos durante as consultas.
A metodologia utilizada nesses trabalhos não foi
adequada para o diagnóstico completo, especialmente no que diz respeito às lesões cariosas em
estágios iniciais. Portanto, os dados de freqüência
relatados podem estar subestimados.5,8,13-16,18 No
presente estudo, o atendimento foi realizado com
equipamentos e instrumentais adequados e com
as superfícies dentárias limpas, secas e bem iluminadas, o que favorece o diagnóstico mais preciso,
inclusive das lesões cariosas em estágios iniciais.
O período de acompanhamento das crianças foi,
também, superior ao da maioria dos trabalhos encontrados.5,8,13,14,16,18
Tabela 3 - Caracterização das crianças com LLA em relação às medidas dos Índices de Placa Visível (IPV), de Sangramento Gengival (ISG) e de Necessidades Invasivas (INI), durante os exames odontológicos no decorrer do estudo
Medidas descritivas
Variável
n
Mínimo
Máximo
Mediana
p
IPV – 1ª medida (%)
31
9,0
87,0
25,5
IPV – 2ª medida (%)
30
4,0
31,5
7,9
<0,001*
IPV – final (%)
30
3,2
45,2
7,9
4,6
0,6
20,0
2,7
3,0
65,2
22,7
ISG – 1ª medida (%)
29
0,0
ISG – 2ª medida (%)
30
0,0
81,0
18,2
ISG – final (%)
30
0,0
85,0
20,0
INI (%) – inicial
31
0,0
22,5
2,8
INI (%) – final
31
0,0
4,3
0,0
0,397*
<0,001**
* O valor de p na tabela refere-se ao teste de Friedman
** O valor de p na tabela refere-se ao teste de Wilcoxon
Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S25-S32
29
Condições da cavidade bucal e acompanhamento odontológico de crianças com leucemia linfocítica aguda
Com o objetivo de reduzir o risco de infecção durante mielossupressão, é preconizado que
crianças com neoplasia deveriam ser submetidas
à abordagem odontológica, de preferência, antes
do início da quimioterapia.4,17. No presente estudo,
verificou-se claramente a impropriedade de realizar atendimento odontológico antes do início da
quimioterapia em crianças com LLA. Confirmado
o diagnóstico de leucemia, a quimioterapia não
deve ser protelada. O acompanhamento odontológico deve ser iniciado logo que possível, de preferência durante a fase de indução e antes do início
da fase da consolidação, período em que a quimioterapia é mais intensiva e as internações são mais
freqüentes e, às vezes, prolongadas.
A maior parte dos pacientes deste estudo não
teve acesso a atendimento odontológico antes do
diagnóstico da LLA, provavelmente pelo baixo
nível sócio-econômico e de escolaridade dos cuidadores. Embora seja consenso na literatura que
uma interação médico-odontológica pode prevenir complicações bucais graves,4,9,13,18 as crianças
desta casuística encontravam-se em diferentes
fases da quimioterapia e não haviam sido encaminhadas para avaliação odontológica. Assim, neste
estudo, tal como em outros,9 verificou-se que nem
sempre o cirurgião-dentista está inserido na equipe multidisciplinar de tratamento oncológico.
Neste estudo, o parâmetro utilizado para avaliação da prevalência da doença cárie foi o último
levantamento epidemiológico realizado pelo Ministério da Saúde (Projeto SB Brasil 2003 26) Nesta
casuística, o ceod o CPOD observados no exame
odontológico inicial indicaram que as crianças
estudadas apresentavam condições de saúde bucal semelhantes à média das crianças da população brasileira e da população da região sudeste.
Esses achados estão de acordo com o estudo de
Childers et al. que, ao compararem um grupo de
crianças com câncer com um controle − crianças
saudáveis submetidas a tratamento odontológico
de rotina −, não observaram diferença significativa entre os dois grupos em relação à prevalência
da doença cárie.9
Os índices CPOD e ceod fornecem somente a
história da doença cárie, ou seja, não indicam se o
indivíduo apresenta a doença ou apenas seqüelas
da mesma.27 Portanto, neste estudo, a expressão
da doença cárie também foi avaliada por meio da
atividade de cárie, considerando-se os estágios ini30
Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S25-S32
ciais da doença, como lesões de manchas brancas
ativas, que já caracterizam um estado de desequilíbrio da cavidade bucal.24 Para verificar a viabilidade da aplicação de um plano de tratamento
odontológico que incluísse, também, a realização
de procedimentos invasivos, foi elaborado o índice
de necessidades invasivas (INI). Esse índice permitiu que fosse avaliado o grau de acometimento
dos dentes por lesões cariosas, considerando-se,
também, a complexidade das lesões e o tipo de
abordagem invasiva indicada. Compararam-se,
por meio dessa abordagem, as condições da cavidade bucal no princípio e no final do estudo.
Verificou-se uma consistente redução no percentual de crianças com necessidade de abordagem
invasiva, com atividade de cárie ou com gengivite.
Esses dados mostram a viabilidade de se instituir e
executar um programa de atendimento odontológico durante o tratamento quimioterápico, o qual
favoreceu o equilíbrio e a manutenção da saúde
bucal dos pacientes.
Quanto à avaliação da higiene bucal, não há
na literatura padronização para os valores aceitáveis de IPV e ISG. É consenso que o ideal seria que
os índices fossem melhorados após medidas de
orientações e motivação.4,18 Neste estudo, os resultados foram nessa direção. A observação de que
não houve diferença significativa do IPV entre a segunda medida e a final sugere que houve incorporação, por parte dos pacientes e responsáveis, das
orientações recebidas na abordagem inicial. Uma
vez incorporados, esses novos hábitos se mantiveram ao longo do tempo, assegurando equilíbrio da
saúde bucal.
Em relação ao ISG, uma possível explicação
de não ter sido observada melhora significativa no
decorrer da observação seria o fato da mucosa tornar-se mais friável pela ação dos quimioterápicos
e, assim, mais suscetível ao sangramento, quando
do uso do fio dental.
Neste estudo, o diagnóstico de lesões na mucosa foi baseado apenas em dados clínicos durante
as avaliações odontológicas. Não foram realizados
exames histopatológicos o que, seguramente, levou
a freqüências subestimadas. Assim como em outros relatos,8,9,13,20 as lesões mais freqüentes foram
as úlceras, seguidas por lesões de herpes labial e
mucosite. Foi observada uma maior incidência de
lesões de mucosa durante a fase de consolidação
da quimioterapia, a qual é sabidamente mais inten-
Condições da cavidade bucal e acompanhamento odontológico de crianças com leucemia linfocítica aguda
siva e prevê a utilização de diversas drogas que se
associam ao aparecimento de mucosite.4,6,8 Não
era objetivo deste estudo a implementação de um
protocolo específico para o tratamento e acompanhamento dos episódios de mucosite. Os pacientes foram acompanhados de acordo com as rotinas
do Serviço que previam, entre outras medidas, a
aplicação preventiva de solução de gluconato de
clorexidina 0,12%.15 O emprego do laser para prevenção ou tratamento dos episódios de mucosite14
não fazia parte dessas rotinas.
Mesmo considerando as limitações referentes
ao baixo nível sócio-econômico das famílias e às
dificuldades apresentadas pelos pacientes que residiam em outras cidades para comparecimento às
consultas odontológicas, os resultados mostraram
que houve um significativo percentual de adesão.
É importante ressaltar que o consultório odontológico utilizado não se localizava próximo ao ambulatório médico. Se assim o fosse, provavelmente
o percentual de comparecimento seria maior e a
regularidade do agendamento mais adequada.
CONCLUSÕES
Os resultados deste estudo demonstraram que
a situação inicial de saúde bucal das crianças inseridas nesta casuística era insatisfatória. Grande
número de crianças apresentava necessidade de
abordagem odontológica invasiva. Esse quadro
parece ser reflexo de duas situações: o baixo nível
sócio-econômico e cultural que limita o acesso ao
tratamento odontológico e à falta de rotina de encaminhamento dos pacientes com doenças hematológicas para avaliação e tratamento odontológicos.
A abordagem odontológica durante o tratamento
quimioterápico promoveu uma melhoria das condições da saúde bucal, uma vez que no exame
odontológico final, os pacientes encontravam-se
em melhores condições de higiene bucal, com atividade de cárie controlada e consistente redução
da necessidade de abordagem odontológica invasiva. O acompanhamento odontológico realizado
durante o tratamento trouxe benefícios para os
pacientes e não houve necessidade de adiamento da quimioterapia exclusivamente em razão do
atendimento odontológico. Também não houve
qualquer tipo de complicação decorrente dessa
abordagem. Esses achados indicam que é possí-
vel conciliar um protocolo de acompanhamento
odontológico com o tratamento antineoplásico. Os
resultados observados sugerem que a inclusão de
um cirurgião-dentista na equipe que presta assistência às crianças com leucemia pode contribuir
não só para melhorar a saúde bucal, mas, também,
para incrementar a qualidade de vida dessas crianças. A abordagem odontológica, centrada no paradigma de promoção da saúde, é uma proposta
interessante, pois respeita as limitações do paciente, sejam de ordem clínica ou comportamental, recupera e promove a manutenção da saúde bucal,
e contribui para o seu bem-estar.
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ARTIGO ORIGINAL
Correlação do gênero, idade, índice de
massa e superfície corporais e o tempo
ultra-sonográfico de esvaziamento
gástrico de uma fórmula láctea em
crianças e adolescentes
Correlation between gender, age, body mass and surface
index and the ultrasonographyc time of gastric emptying
of milk formula in children and adolescents
Cristina Pirani Valadares1, Marco Antonio Duarte2, Rogério Augusto Pinto Silva3, Wilson Campos Tavares
Junior4, Francisco José Penna5
Resumo
Introdução: Este trabalho objetiva avaliar a correlação entre o gênero, idade, índice de
massa e superfície corporais e o tempo de esvaziamento gástrico (EG) de crianças e
adolescentes usando refeição líquida cuja composição e concentração dos nutrientes é
constante. Método: Sessenta crianças saudáveis foram estudadas sendo 29 meninas. A
idade variou entre 1,6 e 15,9 anos . Foi usado o método ultra-sonográfico de Bolondi et
al.1, reavaliado por Cuchiara et al. (2) . As medidas foram tomadas na posição ortostática: primeiro em jejum e logo imediatamente após a ingestão da refeição cujo volume
era de 200 ml/m² de superfície corporal (área máxima). A seguir, nos 30, 60 e 90 minutos subseqüentes. Resultados: Houve correlação entre a idade e os percentuais de EG
aos 30 (r=0,337; p=0,008), 60 (r=0,359; p=0,005) e 90 (r=0,290; p=0,025) minutos. Houve
correlação entre a superfície corporal e o EG aos 30 (r=0,396; p=0,002), 60 (r=0,403;
p=0,001) e 90 ( r=0,282; p=0,029) minutos. Houve também correlação entre o IMC e o
EG aos 30 (r=0,290; p=0,025), 60 (r=0,318; p=0,013) e 90 (r=0,247; p=0,057) minutos. A
superfície corporal foi a que melhor sintetizou as informações das variáveis. Conclusão:
Concluímos que a superfície corporal e a idade têm pequeno poder explicativo do EG
de fórmula láctea na infância e adolescência.
1
Mestre em Ciências da Saúde, Área de concentração em
Saúde da Criança e do adolescente. Hospital das Clínicas
da Universidade Federal de Minas Gerais
2
Doutor em Medicina, área de concentração em Pediatria.
Professor Adjunto do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais.
3
Mestre em Medicina Tropical. Ultrasonografista do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais.
4
Professor Titular e Coordenador do setor de Gastroenterologia Pediátrica do Hospital das Clínicas da UFMG. Doutor
Palavras chave: Esvaziamento Gástrico; Ultrassonografia; Criança; Adolescente; Índice
de Massa Corporal.
ABSTRACT
Introduction: this work aims to evaluate the correlation between gender, age, body mass
index (BMI) and body surface and the time of gastric emptying (GE) of children and
adolescents using a milk formula which composition and concentration of nutrients are
constant. Method: Sixty children without diseases were studied, 29 being girls. The age
varied between 1.6 and 15.9 years. We used the Bolondi technique (1) reevaluated by the
Cuchiara (2) technique to evaluate the percentage of gastric emptying. The measures were
taken in an upright position: first in the fasting period, and immediately after the ingestion
of the milk formula which volume was of 200ml/m² of body surface (maximum area).
After, in the following 30, 60 and 90 minutes. Results: There was significant correlation
between age and the percentages of GE at 30 (r=0,337; p=0,008), 60 (r=0,359; p=0,005)
and 90 (r=0,290; p=0,025) minutes. There was correlation between body surface and
GE at 30 (r=0,396; p=0,002), 60 (r=0,403; p=0,001) and 90 (r=0,282; p=0,029) minutes.
Endereço para correspondência:
Cristina Pirani Valadares
Rua Pio Porto de Menezes 115/ apto 202
B: Luxemburgo.
Belo Horizonte - Minas Gerais – Brasil
CEP: 30.380-300
Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S33-S39
33
Correlação do gênero, idade. índice de massa e superfície corporais e o tempo ultra - sonográfico de esvaziamento gástrico
de uma fórmula láctea em crianças e adolescentes
There was also significant correlation between BMI and
GE at 30 (r=0,290; p=0,025), 60 (r=0,318; p=0,013) and
90 (r=0,247; p=0,057) minutes. The information of the
variables was best synthecized by the body surface.
Conclusion: We concluded that body surface and age
have little explanatory power over the milk formula GE
in childhood and adolescence.
Key words: Gastric Emptying; Ultrasonography; Child;
Adolescent; Body Mass Index.
INTRODUÇÃO
O conhecimento do esvaziamento gástrico
(EG) continua incentivando os pesquisadores em
virtude de sua importância na etiopatogenia de doenças que acometem o trato gastrointestinal (TGI)
superior nos vários grupos etários.1-3
Distúrbios da motilidade gástrica em crianças e
adolescentes podem estar associados às doenças
como refluxo gastroesofágico (RGE)4, desnutrição5, obesidade6, constipação intestinal7, diabetes
melito8,9, insuficiência renal crônica10, fibrose cística11, deficiência neurológica12, doença de Crohn13,
síndrome de Turner14, cardiopatias congênitas15,
gastroenterites por rotavirus16, síndrome de Sandifer17, anorexia18 e dispepsia não ulcerosa19.
Até hoje, os dados sobre EG em crianças sadias
são limitados e os valores considerados normais
para o percentual de esvaziamento em uma hora
são variados, segundo diferentes autores e métodos de medida.3,9 Alguns estudos usando o método
da diluição dupla em água, impedanciometria e o
teste respiratório do carbono 13, não encontraram
correlação entre idade, gênero, índice de massa e
superfície corporais e o tempo de EG em crianças
sadias.20,21 Outros encontraram correlação entre a
idade e o EG usando cintilografia e ultra-som.22
Inicialmente, várias técnicas foram usadas para
estudar o EG, porém eram métodos invasivos e inadequados como a aspiração do conteúdo gástrico,
a técnica das refeições seriadas introduzidas por
De Salamanca23 em 1949 e a avaliação radiológica
após ingestão de bário.3
Griffith et al.24 em 1966 apresentaram a cintilografia como uma nova técnica não invasiva para
estudo do EG e Signer e Fridrich25 em 1975 introduziram o uso de marcadores com baixa dosagem
de radiação.
A ultra-sonografia tem mostrado nos estudos
em crianças resultados comparáveis aos da cintilografia; padrão ouro em relação à medida do EG
34
Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S33-S39
de líquidos e sólidos com concordância de 90%.
É um método fácil, válido e reprodutível. Não é
invasivo nem usa radiação ionizante. A medida
ultra-sonográfica da área de secção do antro gástrico indica o volume de alimento presente no
estômago.26 Apesar da limitação argumentada na
literatura de ser um exame operador dependente,
este problema pode ser solucionado pela máxima
padronização da técnica e treinamento adequado
do operador.27
Trabalhos em adultos usando diferentes técnicas de medida como cintilografia e ultra-som, determinam a relação entre EG e fatores como idade,
gênero, índice de massa corporal. Em crianças e
adolescentes, os estudos têm resultados discordantes. Alguns autores por meio do ultra-som e da
cintilografia demonstram correlação entre idade,
gênero, índice de massa e superfície corporais e o
EG3,9,22 e outros, usando a técnica da diluição dupla
em água, a impedanciometria e o teste respiratório
do carbono 13 não comprovam essa relação.3,9,20,21
O desafio de associar as variáveis que se correlacionam e influenciam o EG continua estimulando os pesquisadores a preencher as lacunas ainda
existentes sobre a fisiopatologia deste processo
com o objetivo de facilitar a abordagem terapêutica dos pacientes com doenças do TGI superior.9
Realizamos um estudo observacional descritivo com crianças e adolescentes saudáveis para
avaliar a correlação entre o gênero, idade, índice
de massa e superfície corporais e o tempo de EG
de fórmula láctea, cuja composição e concentrações dos nutrientes eram constantes. Foi usada a
ultra-sonografia como método de medida da área
da secção transversa do antro como representativa do volume do alimento no estômago.
CRIANÇAS, ADOLESCENTES E MÉTODOS
As crianças e os adolescentes foram selecionadas por busca ativa em ambulatório de cuidados
primários (Serviço Unificado de Saúde - SUS) na
cidade de Belo Horizonte. Estes não tinham doenças no período da investigação.
Realizamos estudo piloto com 24 crianças para
determinar o tamanho da amostra, onde consideramos a correlação entre a magnitude padronizada
da variável idade e o percentual do EG conforme
o tempo. Considerando α bicaudal de 0,05 e β de
Correlação do gênero, idade. índice de massa e superfície corporais e o tempo ultra - sonográfico de esvaziamento gástrico
de uma fórmula láctea em crianças e adolescentes
0,20 o “n” mínimo para que a objetividade estatística não fosse influenciada foi de 52 sujeitos.28.
Participaram do estudo 29 meninas com idade
entre 1,7 e 15,9 anos e 31 meninos com idade entre
1,6 e 14,6 anos. Foram coletados, previamente, os
dados antropométricos e calculados os índices de
massa e superfície corporais. A Tabela 1 apresenta
a descrição das variáveis intervenientes.
Encontramos distribuição Normal das variáveis
Idade e Superfície Corporal, mas não do IMC.
Não houve diferença estatística significativa
entre os gêneros quando avaliados de acordo com
a idade (p=0,589), superfície corporal (p=0,342) e
IMC (p=0,923).
A refeição de prova utilizada para todas as
crianças e adolescentes foi o Nutren Junior® desenvolvida com proteínas do leite bovino, densidade calórica de 1,0 Kcal/ml, sem lactose, sem glúten,
apresentando a seguinte composição: proteínas 30
g/l, lípides 39 g/l), carboidrato 130 g/l. As características físicas são: osmolalidade de 306mOsm/Kg
de H²O, carga de soluto renal de 190 mOsm/l, e teor
de água de 85% . A quantidade ingerida foi de 200
ml/m² de superfície corporal. A reconstituição da
fórmula com medida padronizada pelo fabricante
foi feita com água à temperatura ambiente na sala
de ultra-sonografia.
O local do exame apresentava temperatura
constante de 24°C. O estudo foi realizado com aparelho ultra-sonográfico Siemens-Versa plus® com
transdutor linear de 7,5 Mhz. Para as medidas da
secção transversa do antro gástrico foi utilizada a
técnica de Bolondi et al. 1 e reavaliada por Cucchiara et al.2, na qual avalia-se a medida da região do
antro usando-se como referência o plano sagital
que passa pela aorta e pela veia mesentérica superior, por meio da fórmula da área da elipse dada
por (π x A x B) /4, onde A é o diâmetro longitudinal
e B o diâmetro antero-posterior (Figura 1).
As crianças foram examinadas pela manhã,
após um período de jejum de pelo menos 8 horas.
As medidas foram feitas na posição ortostática,
primeiro em jejum (área de jejum), logo imediatamente após a ingestão da refeição de prova (área
máxima) e a seguir nos 30, 60 e 90 minutos subseqüentes, correspondendo às áreas de 30, 60 e 90
minutos respectivamente.
Figura 1 - Diâmetros longitudinal (A) e anteroposterior (B) do antro gástrico
Objetivando reproduzir condições fisiológicas
foram oferecidas às crianças diferentes atividades
enquanto aguardavam a medida do EG que variaram desde “pular amarelinha”, brincar de pegador
subindo e descendo escadas, jogo de botão, brincadeira de boneca, leitura e jogos, até a soneca no
colo da mãe.
Para o cálculo da área do antro em cada momento usamos a fórmula:
Área do antro = (área medida) – (área de
jejum).
O percentual de esvaziamento neste momento
foi calculado segundo a fórmula:
Percentual do EG = [1 – (área do antro /
área máxima)] x 100.
Tabela 1 - Descrição das variáveis das crianças e adolescentes (n =60)
Variável
Média
Mediana
Desvio Padrão
Mínimo
Máximo
7,67
7,34
3,98
1,60
15,88
Superfície corporal (m )
0,996
0,905
0,341
0,341
1,90
IMC
18,38
17,37
3,92
3,92
30,10
Idade(anos)
2
Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S33-S39
35
Correlação do gênero, idade. índice de massa e superfície corporais e o tempo ultra - sonográfico de esvaziamento gástrico
de uma fórmula láctea em crianças e adolescentes
Utilizou-se o teste Qui-quadrado para comparar
a proporção entre meninos e meninas. As variáveis
quantitativas foram descritas por meio de medidas
de tendência central e variabilidade. A associação
entre as variáveis foi determinada pelo Coeficiente de
Correlação Linear de Pearson. Quando a distribuição
não era normal utilizou-se a mediana. Para avaliar a
associação entre as variáveis dependentes e o gênero
foi utilizado o teste de Mann-Whitney. Um modelo de
regressão linear multivariado foi ajustado para cada
uma das variáveis independentes que foram selecionadas pelo método backward elimination. A significância do modelo foi avaliada pelo teste F e a qualidade
do ajuste pelo coeficiente de determinação ajustado
R2. A probabilidade de significância foi considerada
válida quando inferior ou igual a 0,05% (p≤0,05).
Os programas estatísticos usados para os cálculos foram o Excel 2000 (Microsoft ®) Epi Info
6,02.e SPSS® versão 13.0, 2004.
Este trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFMG – COEP, parecer nº. ETIC
405/04 em 13 de abril de 2005. As crianças e seus
pais receberam informações verbais e por meio de
documento escrito explicitando as condições de
realização do estudo.
o EG aos 30 (r=0,396; p=0,002), 60 (r=0,403; p=0,001)
e aos 90 minutos (r=0,282; p=0,029) e entre o IMC e
o EG aos 30 (r=0,290; p=0,025), 60 (r=0,318; p=0,013)
e aos 90 minutos (r=0,247; p=0,057).
A análise multivariada do percentual de EG aos
30 minutos, de acordo com o gênero, idade, superfície corporal e IMC mostrou que o coeficiente de
determinação do modelo final (R2) é igual a 14,3%.
Este modelo é significativo (p=0,002). A única variável incluída é a superfície corporal (p=0,002), pois
esta sintetiza as informações das demais (Figura 2).
A análise multivariada do percentual de EG, aos
60 minutos, de acordo com o gênero, idade, superfície corporal e IMC mostra que o coeficiente de
determinação do modelo final (R2) é igual a 14,8%.
Este modelo é significativo (p=0,001). A única variável incluída é a superfície corporal (p=0,001), pois
sintetiza as informações das demais (Figura 3).
Para o percentual de esvaziamento aos 90
minutos, a variável que melhor explica de forma
significativa a resposta é a idade. Este modelo é
significativo (p=0,025), porém o percentual de explicação é de apenas 6,8% (Figura 4).
A superfície corporal está associada a apenas
3,93% das variações do EG.
RESULTADOS
DISCUSSÃO
Encontramos distribuição Normal do percentual
de EG aos 30 e 60 minutos, mas não aos 90 minutos.
Não houve diferença entre o percentual de EG
aos 30 (p=0,303), 60 (p=0,221) e aos 90 minutos
(p=0,422) de acordo com o gênero. Houve correlação entre a idade e os percentuais de EG aos 30
(r=0,337; p=0,008), 60 (r=0,359; p=0,005) e 90 minutos (r=0,290; p=0,025); entre a superfície corporal e
Nossos resultados mostram que a superfície
corporal sintetizou as informações das demais variáveis e teve o melhor poder de explicação em relação ao tempo de EG medido pela ultra-sonografia aos 30 e 60 minutos após a ingestão da refeição
líquida (poder de explicação de 14,3 % e 14,8%,
respectivamente) em crianças sem doenças, com
idade entre 1,6 e 15,9 anos.
Figura 2 - Correlação entre superfície corporal e o percentual de esvaziamento gástrico aos 30 minutos
36
Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S33-S39
Correlação do gênero, idade. índice de massa e superfície corporais e o tempo ultra - sonográfico de esvaziamento gástrico
de uma fórmula láctea em crianças e adolescentes
Figura 3 - Correlação entre superfície corporal e o percentual de esvaziamento gástrico aos 60 minutos
Figura 4 - Correlação entre idade e o percentual de esvaziamento gástrico aos 90 minutos
Aos 90 minutos a idade esteve mais associada
ao percentual de EG, porém, com pequena representatividade, apenas 6,8%.
As investigações do EG de líquido em crianças sadias apresentam resultados discordantes.
Billeaud et al.29 não observaram correlação entre
a idade, gênero e o EG medido pela cintilografia
durante o primeiro ano de vida. Smith et al. 20 por
meio da impedânciometria não observaram correlação entre idade, gênero, IMC e o EG de líquido
em crianças sadias. Heyman30, em artigo de revisão, sugere que em maiores de 2 anos o EG medido pela cintilografia correlaciona-se com a idade e
considera aceitável o volume gástrico residual de
11% à 47% ao final de 1 hora. Seibert et al.31 usando
a cintilografia encontraram volume gástrico residual de 51%, com variação de 44% a 58% ao final de 1
hora, em crianças com idade entre 2 – 14,5 anos.
Aliada a essa falta de padronização em crianças e adolescentes está a enorme variabilidade do
padrão fisiológico e os diversos fatores que podem
influenciá-lo como postura32, fototerapia33, ativida-
de física9, temperatura do alimento34, e desenvolvimento psicomotor 9.
Não foi possível comparar nossos achados com
os resultados encontrados na literatura pois nestes
não foi determinada a correlação entre as variáveis mas apenas os valores limítrofes. Entretanto
observamos que aos 30, 60 e 90 minutos, 74%, 97%
e 100% dos indivíduos apresentaram esvaziamento
dos seus conteúdos gástricos em mais de 50%, respectivamente (Figuras 2, 3 e 4).
O alimento continua sendo fator importante
do EG. O volume, composição dos nutrientes, osmolalidade, densidade calórica, viscosidade e pH
exercem grande influência 3, 9, 35. A água e o leite
humano esvaziam mais rápido do que as fórmulas
lácteas3,9, mas é necessário considerar também as
variações intra e inter-individuais.21
Um estudo ultra-sonográfico feito em crianças
mostrou diferença significativa na área antral de
jejum de obesos graves (3,9 cm²) em relação as
crianças de peso normal (3,5 cm²) mas o tempo
de EG não variou.6
Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S33-S39
37
Correlação do gênero, idade. índice de massa e superfície corporais e o tempo ultra - sonográfico de esvaziamento gástrico
de uma fórmula láctea em crianças e adolescentes
CONCLUSÃO
Concluímos que existe correlação entre a superfície corporal de crianças e adolescentes saudáveis e o EG de fórmula láctea aos 30 e 60 minutos.
Aos noventa minutos a idade melhor explicou esta
relação. Entretanto estas variáveis têm pequeno
poder de elucidação desse processo fisiológico.
Outros fatores influenciam o EG. Torna-se necessário conhecê-los para melhor compreender e tratar
crianças e adolescentes com doenças que afetam
tal função.
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Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S33-S39
39
ARTIGO ORIGINAL
Deficiência de ferro e anemia em
escolares da área rural de Novo Cruzeiro,
Minas Gerais
Iron deficiency and anemia in students from the rural area
in Novo Cruzeiro, state of Minas Gerais, Brazil
Eliane Garcia Rezende1; Elido Bonomo2; Joel Alves Lamounier2; Margarete Aparecida Santos 3; Márcio Antônio
Moreira Galvão3; Núncio Antonio Sol3; Romário Cerqueira Leite 4
RESUMO
1
Universidade Federal de Alfenas
Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG) Programa de Pós-graduação em Ciências
da Saúde área de concentração saúde da criança e
adolescente
3
Escola de Nutrição, Universidade Federal de Ouro Preto
(UFOP)
4
Escola de Veterinária, UFMG
2
O reconhecimento da relação existente entre a deficiência de ferro com presença ou
ausência de anemia, comprometendo diversas funções do organismo humano, tem
sido tema de debates na área de nutrição em âmbito internacional, especialmente por
ser uma das deficiências mais prevalentes no mundo. Objetivo: Este estudo descreve a
ocorrência de deficiência de ferro e busca elucidar a freqüência de anemia ferropriva
em escolares de área rural. Casuística e Métodos: Foram avaliados níveis de hemoglobina, ferro sérico (Fe), capacidade total de ligação de ferro (CTLF) e saturação de
transferrina (IST) de 439 escolares da zona rural de Novo Cruzeiro (Minas Gerais) – município situado no Vale do Jequitinhonha. A população estudada foi escolares na faixa
etária de 7 a 15 anos, onde 50,1% eram do gênero masculino. Resultados: A freqüência
de anemia nos escolares foi de 12,1% e os parâmetros indicativos de deficiência em
ferro mostraram: ferro sérico em 17,1%, CTLF em 31,7% e diminuição do IST em 36,2%
dos indivíduos. Relacionando as dosagens de ferro sérico, IST, CTLF elevada, indicativos de deficiência, e hemoglobina baixa verificou-se que 41,5% dos escolares anêmicos
apresentavam anemia ferropriva. Os demais casos de anemia (58,5%) podem ser explicados por outras causas, como hemoglobinopatias e outras deficiências nutricionais.
Dos indivíduos com deficiência de ferro pela CTLF 26,7% não apresentaram anemia.
Conclusão: Existe significativa freqüência de anemia ferropriva e de deficiência de
ferro nesta população rural e outros parâmetros relacionados à saúde destes escolares
precisam ser investigados.
Palavras-chave: Anemia; Deficiência de Ferro; Criança; Estudantes; Zonas Rurais.
ABSTRACT
Endereço para correspondência:
Joel Lamounier
Faculdade de Medicina UFMG
Av. Alfredo Balena 190
Belo Horizonte - MG
CEP: 30.130-100
40
The recognition of the existing relationship between iron deficiency and the presence or
not of anemia has been subject of debate worldwide in the area of nutrition, especially
because this deficiency is one of the most prevalent in the world. Objective: The present
study aims at describing the occurrence of iron deficiency among students in a rural area
and the frequency of anemia due to this deficiency. Methods and Casuistry: Hemoglobin,
serum iron (Fe), transferrin saturation (TS)and total iron binding capacity (TIBC) were
evaluated in 479 schhol children from the rural area of Novo Cruzeiro (Minas Gerais),
situated in the valley of the Jequitinhonha river. The studied population comprised 7 to 15
year-old students, 50,1% being males. Results:The frequecy of anemia was 12.1%, and the
indicative parameters of iron deficiency showed Fe deficiency in 17.1%, TIBC in 31.7% and
decreased TS in 36.2% of them. When relating serum iron and TS with increased TIBC (indicative of deficiency) and low hemoglobin level it was verified that 41.5% of the anemic
students had anemia due to iron deficiency. The other cases of anemia (58,5%) can be explained by othr causes such other nutritional deficiencies and hemoglobinopatias. Among
Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S40-S46
Deficiência de ferro e anemia em escolares da área rural de Novo Cruzeiro, Minas Gerais
the subjects with increased TIBC 26.7% did not show
anemia. Conclusion: There is a significan frequence
of iron deficiency and of anemia due to iron deficiency
in this population and other parameters related to the
health of these childrem demand investigation.
Key words: Anemia; Iron Deficiency; Child; Students;
Rural Zones.
INTRODUÇÃO
A Organização Mundial de Saúde1 (OMS) estima que cerca de 30 a 48% da população nos países
em desenvolvimento estejam com anemia. Para as
crianças de 5 a 14 anos, estimam aproximadamente que 46% sejam anêmicas no mundo, sendo a
maioria dos casos por deficiência de ferro.2
Esta Organização define anemia nutricional
como o estado onde a hemoglobina está anormalmente baixa, refletindo a carência de um ou
mais nutrientes necessários à sua elaboração ou
maturação. A anemia ferropriva é resultada pela
queda nos níveis normais de hemoglobina devido
a deficiência severa do mineral ferro.3 Segundo
Melo et al.4 a anemia ferropriva apresenta dificuldades em seu diagnóstico presuntivo pelos índices hematimétricos, por apresentar semelhanças
com a beta-talassemia, devendo ser observado
provas laboratoriais complementares, tais como
os parâmetros de estoques de ferro. A depleção
do ferro ocorre, mais comumente, no organismo
humano de forma gradual e progressiva, atingindo compartimentos diferentes com seu agravamento. Primeiramente acomete sua forma de
armazenamento, a ferritina, depois atinge a saturação de transferrina e a concentração de ferro
sérico, sendo o nível de hemoglobina o último
parâmetro a ser afetado.5 Como a carência de
ferro ocorre gradativamente, pode-se detectar indivíduos com deficiência de ferro sem apresentar
anemia. Ocorrerá quando os estoques do mineral
estão afetados e os níveis de hemoglobina permanecem dentro da faixa de referência.
A má-nutrição de micronutrientes, especialmente o ferro, tem sido tema de debates em nutrição e saúde pública no âmbito internacional. A
deficiência deste mineral é muito prevalente no
mundo, atingindo principalmente crianças e mulheres, e o reconhecimento da relação entre a deficiência de ferro, mesmo sem anemia, e diversas
funções orgânicas é motivo de atenção.3
A carência de ferro é uma enfermidade sistêmica com múltiplos sintomas, atingindo todas as
células do organismo, visto que este mineral participa de numerosas reações de óxido - redução
em vários órgãos, incluindo o sistema imunológico. Diversos trabalhos elucidam as conseqüências
da deficiência de ferro em crianças, tais como redução do desenvolvimento mental e motor e menor resposta imunológica dentre outras.6 Muitas
são as situações que levam à carência de ferro,
podendo-se citar as perdas sangüíneas crônicas e
ingestão e/ou absorção deficientes deste mineral,
entre outros.7
Segundo Tsuyuoka et al.8 estima-se que anemia
ocorra em metade dos escolares e adolescentes
nos países em desenvolvimento. No Brasil existe
uma grande variação de resultados, mostrando
diferentes prevalências de anemia por regiões,
especialmente na área sudeste.5,9 Szarfarc et al.5
compilando prevalências de anemia por regiões
brasileiras, identificaram que os grupos populacionais mais estudados são crianças menores de
6 anos de idade e gestantes, sendo poucos os trabalhos com escolares. As taxas mais altas de prevalência de anemia chegam a 77% para crianças
menores de 24 meses e regridem com o aumento da idade, variando de 7 a 54% em escolares.5
Fujimori et al.9 encontraram 17,6% de anemia em
mulheres adolescentes de Taboão da Serra (SP)
apresentando maior freqüência na pré-menarca.
Em estudo realizado nos municípios de Turmalina, Minas Novas e Capelinha situados no Vale do
Jequitinhonha (MG), Araújo et al.10 verificaram a
prevalência de anemia em 34,6% para crianças na
faixa etária pré-escolar e 18,2% para os escolares
da zona rural, e 23,9% nos pré-escolares e 17,5%
nos escolares da região urbana.10
O município de Novo Cruzeiro, situado no Vale
do Jequitinhonha, apresenta um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH-2000) — índice sintético calculado pela média simples do índice de longevidade, educação e renda — de 0,629 (IPEA),
ocupando o 791° lugar entre os 853 municípios
mineiros e revela a existência de famílias abaixo
do nível de pobreza.11
Assim, este estudo buscou primeiramente
descrever a ocorrência de deficiência de ferro e
anemia em escolares, bem como caracterizar a
freqüência de anemia pela deficiência de ferro
neste município.
Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S40-S46
41
Deficiência de ferro e anemia em escolares da área rural de Novo Cruzeiro, Minas Gerais
MATERIAL E MÉTODOS
Esse estudo, de natureza transversal, foi realizado com análise de parâmetros hematológicos e
bioquímicos, cotejados entre si, de 439 alunos de
quatro escolas da área rural de Novo Cruzeiro –
Minas Gerais - Brasil.
Novo Cruzeiro (MG), localiza-se na macrorregião
de Araçuaí do Vale do Jequitinhonha, e de acordo
com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), referentes ao ano 2000, mostram uma
densidade demográfica de 17,9 hab/km2. A maior
parte da população — aproximadamente 22.075 habitantes— reside na região rural12. O município, em
1991, apresentava 7177 crianças na faixa de 7 a 14
anos. Quanto ao número de escolas, verificou-se em
1997 a existência de 36 instituições, das quais, somente 03 estão localizadas em perímetro urbano.13
Conforme exigências éticas, na realização do
estudo solicitou-se a presença dos pais ou responsáveis pela criança para assinatura do termo de
consentimento, passando também por aprovação
no Comitê de Ética em pesquisa da UFOP, atendendo a Resolução n.196/1996 do Ministério da saúde.
AVALIAÇÃO NUTRICIONAL
PARÂMETROS DE FERRO E ANEMIA
Os parâmetros utilizados para avaliação do
estado nutricional de ferro foram a concentração
de hemoglobina, os níveis de ferro sérico, determinação da capacidade total de ligação de ferro
e cálculo do índice de saturação da transferrina.
Os valores de referência, adotados como ponto de
corte, foram os preconizados pelo “kit” utilizado
no laboratório para as análises de ferro e de acordo com o método colorimétrico empregado.14
e Siimes16. Nesta classificação, crianças de até 9 anos
de idade devem apresentar hemoglobina maior que
11,5 g/dL; para crianças de 9 a 12 anos e também meninas de 12 a 18 anos a hemoglobina deve ser maior
que 12,0 g/dL; já para os meninos de 12 a 14 anos são
adotas concentrações de 12,5 g/dL e meninos de 14
a 18 anos a hemoglobina deverá ser maior que 13,0
g/dL. Os valores menores que estes parâmetros são
classificados como característicos de anemia.
B - Dosagem de Ferro Sérico:
O ferro sérico (Fe) foi dosado pelo método
colorimétrico sem desproteinização, baseado na
liberação do ferro sérico da união com a transferrina. Os valores maiores que 50 μg/dL foram considerados como níveis normais para ferro sérico, e
valores menores ou iguais a 50 μg/dL considerados
como deficiência do mineral.14
C - Capacidade total de ligação de ferro:
A capacidade total de fixação ou de ligação
de ferro no soro (CTLF) foi determinada por método colorimétrico, fundamentado na atividade
da transferrina em captar Fe (III). A quantidade da
transferrina saturada se expressa como os microgramas de Fe (III). Como ponto de corte foi adotado os valores maiores ou iguais a 450 μg/dL para
considerar a deficiência de ferro.14
D - Índice de saturação de transferrina:
O Índice de saturação da transferrina (IST)
foi calculado a partir do ferro sérico e CTLF e os
valores maiores que 20% foram considerados adequados quanto aos conteúdos de níveis de ferro no
organismo.
A - Dosagem de Hemoglobina:
A hemoglobina foi medida no campo, pelo sistema “HemoCue Blood Hemoglobin”, tendo como
amostra o sangue de punção venosa.15 O aparelho
fornece leitura fotométrica dos níveis de hemoglobina na forma azidometahemoglobina. Os valores de
referência para avaliar a hemoglobinemia, indicativos de anemia, foram os preconizados por Dallman
42
Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S40-S46
ANTROPOMETRIA
As tomadas de medidas antropométricas de
altura e peso dos escolares seguiram as recomendações técnicas pertinentes.17 As idades foram calculadas subtraindo-se a data da coleta das medidas antropométricas com a data de nascimento da
Deficiência de ferro e anemia em escolares da área rural de Novo Cruzeiro, Minas Gerais
criança. O peso foi obtido em balança portátil com
capacidade de 150 Kg. Para a altura foram utilizadas fitas métricas devidamente afixadas à parede.
O Índice de Massa Corporal (IMC), obtido pela relação peso/altura2, foi utilizado para avaliação do estado nutricional. Os valores de IMC abaixo do percentil 5 foram considerados subnutridos e valores iguais
ou maiores ao percentil 85 foram adotados como sobrepeso e entre os percentis 5 e 85 classificados como
eutróficos.18 Os dados antropométricos foram analisados usando o programa Epi Info versão 6.04d.19
ANÁLISE DOS DADOS
A organização dos dados e cálculos foram processadas em “software” Excel. As análises foram
realizadas pelo software Epi-Info, versão 6.04d.19
Para análise estatística utilizou-se o teste de quiquadrado com nível de significância de 95% e correção de Yates quando necessário.
RESULTADOS
A distribuição dos escolares segundo o gênero
mostra-se bem equilibrada, sendo 50,1% do gênero
masculino e 49,9% do feminino (Tabela 1). A distribuição entre os gêneros em relação às faixas de
idade, apresenta-se em proporções bem próximas.
Nesta população de escolares da zona rural,
9,1% das crianças apresentaram subnutrição protéica calórica compiladas pelo indicador IMC, sendo a maior freqüência (3,9%) na faixa de idade de
12 a 13,9 anos (p=0,01) e a menor (0,9%) para as
crianças menores de 9 anos (Tabela 1).
Deficiência de ferro
A freqüência de estudantes deficientes em ferro, segundo diferentes indicadores, pode ser vista
na Figura 1, que mostra 17,1% de casos considerando-se o ferro sérico 31,7% e 36,2% considerando-se
a CTLF e IST, respectivamente. O indicador CTLF
é considerado parâmetro mais estável que o ferro
sérico20, pois apresenta menor variação fisiológica
durante o dia. Portanto, pode mostrar maior fidelidade à situação de reservas de ferro no organismo
do que a dosagem do ferro sérico.
Relacionando o parâmetro CTLF com Hemoglobina (Tabela 2), buscou-se determinar os escolares com deficiência de ferro, mesmo não apresentando anemia. Conforme descreve Fairbanks e
Klee14 valores aumentados de CTLF são indicativos
da deficiência de ferro, mesmo quando relacionados com resultados de hemoglobina normais. Desta forma, realizando a correlação entre a freqüência de CTLF elevada com níveis de hemoglobina
observa-se 26,7% de escolares com deficiência de
ferro sem apresentar anemia, ou seja, ainda não
houve alteração nos níveis de hemoglobina.
Tabela 2 – Freqüência e médias de CTLF elevada,
correlacionada Hemoglobina (Hb), avaliados em
escolares da área rural, Novo Cruzeiro (MG)
CTLF elevada
Nível de hemoglobina
Hb
Baixa
Adequada
Total
Freqüência
n
%
22
5,0
117
26,7
139
31,7
Tabela 1 - Distribuição de escolares de área rural, segundo o gênero, agrupados pela idade e estado nutricional
antropométrico, Novo Cruzeiro (MG)
Subnutrição
Déficit ponderal pelo IMC
Gênero
Faixa de
Idade
Masculino
Feminino
Ausente
Presente
n
%
n
%
n
%
n
%
<9
48
10,9
49
11,2
92 a
21,0
4a
0,9
9 – 12
86
19,6
86
19,6
162 a,b
36,9
8 a,b
1,8
14,3
b, c
12 – 13
67
15,3
63
111
c
> 14
19
4,3
21
4,8
29
Total
220
50,1
219
49,9
394
b,c
3,9
6,6
c
11
2,5
89,8
40
9,1
25,3
17
a = Qui-quadrado – Yates corrected – p= 0,83, b = Qui-quadrado – Yates corrected – p= 0,015, c = Qui-quadrado – Yates corrected – p= 0,06
Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S40-S46
43
Deficiência de ferro e anemia em escolares da área rural de Novo Cruzeiro, Minas Gerais
n=364
82,9%
400
Deficiente
Não deficiente
Número de estudantes
350
n=300
68,3%
n=280
63,8%
300
250
200
n=139
31,7%
150
100
n=159
36,2%
n=75
17,1%
50
0
Fe
CTLF
IST
Figura 1 – Freqüência de deficiência de ferro, segundo os indicadores Ferro sérico, Capacidade total de ligação de
ferro e Índice de saturação de transferrina, em 439 escolares da área rural de Novo Cruzeiro – MG.
Anemia
A freqüência de anemia encontrada foi de
12,1%. Entre os anêmicos a hemoglobina apresentou média e desvio padrão de 11,71 + 0,65 g/dL. O
grupo classificado como não anêmico apresentou
13,51 + 0,86 g/dL de hemoglobina.
Discriminação de anemia por deficiência
de ferro
Tabela 3 – Freqüência e médias de “deficit” de Hemoglobina correlacionados com o parâmetro CTLF, avaliados em escolares da área rural, Novo Cruzeiro (MG)
Nível de Hemoglobina baixa
Parâmetro de
deficiência de ferro
CTLF
Freqüência
n
%
Elevada
22
41,5
Adequada
31
58,5
53
12,1
Total
DISCUSSÃO
Na avaliação da anemia nos escolares, buscouse relacionar todos os parâmetros analisados na
tentativa de discriminar a anemia por deficiência
de ferro. Partiu-se do princípio que na condição
de deficiência de ferro, encontra-se no soro valor
baixo ou normal para ferro sérico e IST, mas com
CTLF aumentada.14
Relacionando os resultados de hemoglobina
com o parâmetro de deficiência de ferro nestes escolares, pôde-se constatar que 41,5% dos indivíduos com hemoglobina baixa também apresentaram
CTLF aumentada (Tabela 3). A associação destes
parâmetros permite visualizar que da população
onde foi detectada anemia, pelo menos 41,5% pode
ser por deficiência de ferro, os outros 58,5% casos
de anemia pode ser por outras causas que não a
falta deste mineral.
44
Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S40-S46
A desnutrição ainda com prevalência significativa no Brasil ocorre em todas as faixas etária
das crianças, como pode ser observado em diferentes pesquisas.21,22 Estudo realizado por Castro21
encontrou anemia em 30,6% das crianças sendo
20,9% diagnosticada como anemia ferropriva,
utilizando-se como parâmetros a concentração de
hemoglobina combinada com ferritina e receptor
solúvel de transferrina. Fujimori et al.23 avaliando
adolescentes gestantes em São Paulo encontraram
73,5% com deficiência de ferro pela CTLF, 31,0%
com ferro sérico baixos e 45,8% com deficiência
pelo IST. Os resultados do presente trabalho em escolares mostraram 31,7% com CTLF elevada, 17,1%
com ferro sérico baixos e 36,2% com IST baixo. Estes percentuais encontrados são menores que os
Deficiência de ferro e anemia em escolares da área rural de Novo Cruzeiro, Minas Gerais
encontrados por Fujimori et al.23, o que pode ser
explicado pelos múltiplos fatores relacionados à
carência de ferro em adolescentes em gestação.
À semelhança dos resultados encontrados por
Fujimori et al.23, também neste estudo se encontrou percentuais muito diferentes entre os parâmetros ferro sérico e CTLF. É importante destacar
que a variável ferro sérico mostra-se muito instável,
comparada aos outros parâmetros estudados, por
sofrer várias interferências fisiológicas durante seu
metabolismo diário.14 A literatura mostra que os
percentuais de CTLF podem estar subestimados
pela presença de subnutrição, acarretando valores
falso negativos. Os resultados deste trabalho em
relação a CTLF podem apresentar falsos negativos,
uma vez que 9,1% dos escolares apresentam subnutrição avaliada pelo IMC. Este fato pode explicar,
em parte, a diferença nos percentuais encontrados
entre CTLF (31,7%) e IST (36,2%).
O percentual de anemia (12,1%) encontrada nestes escolares da zona rural é menor que os 18,2% encontrados anteriormente por Araújo et al.10, também
em escolares da zona rural de três cidades do Vale
do Jequitinhonha. No Brasil poucos são os trabalhos
realizados com escolares. Em estudo realizado com
crianças de 7 a 14 anos em Londrina (PR), encontrou-se 26% de anemia, um percentual bem elevado
quando comparado ao presente trabalho.24
Em estudo com escolares no Zanzibar na África, Stoltzfus et al.25 encontraram 65,5% de anemia
entre os meninos, sendo a anemia ferropriva classificada pela dosagem de ferritina e protoporfirina
responsável para 55,7% dos casos. Neste estudo
em Novo Cruzeiro entre os escolares anêmicos
41,5% pode ser considerada como anemia ferropriva. A diferença na discriminação da anemia ferropriva encontrada por Stoltzfus et al.25 em relação
à verificada neste estudo pode ser explicada pela
fidelidade dos parâmetros utilizados em cada estudo. A ferritina e a protoporfirina são parâmetros
afetados na primeira etapa da deficiência de ferro,
já a saturação da transferrina é a segunda fase do
processo de carência, assim os parâmetros adotados por Stoltzfus et al.25 são mais sensíveis dos que
foram adotados neste trabalho.
Norton26 estudando crianças entre 7 a 15 anos
no município de Rio Acima (MG), encontrou
36,2% de anêmicos, avaliando o nível de hemoglobina pelo método da prevalência estandardizada,
onde 20% das crianças apresentavam ferritina bai-
xa. No presente estudo, encontrou-se 41,5% dos
casos podendo ser diagnosticados como anemia
ferropriva. O restante dos casos de anemia pode
ser devido a outras causas, tais como: subnutrição
protéica, deficiência de cobre, deficiência vitamínica, hemoglobinopatias, entre outras. Vale ressaltar que o diagnóstico diferencial das anemias
é complexo, e de acordo com Melo et al.4, para se
detectar a anemia ferropriva é importante realizar
investigações laboratoriais complementares aos
índices hematimétricos.
CONCLUSÕES
Os dados deste estudo mostram que dos escolares com anemia somente 41,5% são devido a carência de ferro. Além disto, esta população da área
rural de Novo Cruzeiro, apresenta uma freqüência
significativa de deficiência de ferro, mesmo na ausência de anemia, já que 26,7% ainda não apresentavam “déficit” de hemoglobina.
Muitos podem ser os fatores predisponentes da
anemia ferropriva e da deficiência de ferro apresentada, requerendo que outros estudos sejam realizados de forma que outros parâmetros relacionados à saúde destes escolares sejam investigados.
AGRADECIMENTOS
A UFOP, a UFMG, a Fundação Ezequiel Dias, a
D.R.S. de Teófilo Otoni, Secretaria Municipal de Saúde de Novo Cruzeiro, Fundação Nacional de Saúde,
aos escolares de Novo Cruzeiro e ao profº Marcelo E.
da Silva e a todos participantes da coleta de dados.
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ARTIGO ORIGINAL
A percepção dos acidentes escolares
por educadores do ensino fundamental,
Belo Horizonte
Perception of accidents in school by elementary level
educators, Belo Horizonte
Soraia Pinto Sena1; Janete Ricas2; Maria Regina de Almeida Viana3
RESUMO
Objetivo: O estudo teve por objetivo geral investigar o acidente escolar do ponto de
vista de seus determinantes sociais através da pesquisa das concepções, crenças,
sentimentos e atitudes dos educadores relativas aos acidentes na escola, partindo
do pressuposto de que as mesmas são essenciais na prevenção e redução de danos
e seqüelas ligados aos acidentes, considerando que na escola, eles podem causar o
absenteísmo e o insucesso escolar configurando um problema educacional e de saúde
pública. Métodos: Foram entrevistados 17 educadores, provenientes de 17 escolas
do ensino privado em Belo Horizonte. abordando acidentes de 1ª a 4ª série do ensino
fundamental. As falas foram organizadas em grandes temas e categorias, utilizando-se
a Análise de Discurso para interpretação do seu sentido. Resultados e Conclusões:
São apresentados quatro temas referentes a impressões e sentimentos gerais sobre o
acidente; conceitos e crenças relativas ao mesmo; informações e sentimentos relativos
à autocompetência para lidar com o acidentado e capacitação formal relatada relativa
à prevenção e cuidados com o acidentado. Os educadores revelam estresse e insegurança no trato com o acidente. O discurso sobre o conceito e determinantes do acidente é heterogêneo e polifônico revelando a coexistência da idéia da fatalidade ao lado
da previsibilidade do acidente. Os educadores mostram insegurança e sentimentos de
incompetência para lidar com os acidentes e capacitação formal ausente ou incipiente para lidar com o mesmo. Demonstram ambigüidade com relação ao seu papel na
atenção ao acidentado.
1
Mestre em Ciências da Saúde – Faculdade de Medicina,
Universidade Federal de Minas Gerais
Doutora e Professora convidada da Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Minas Gerais
3
Doutora e Professora convidada da Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Minas Gerais
2
Palavras-chave: Acidentes; Saúde Escolar; Criança; Prevenção de Acidentes; Estudantes.
ABSTRACT
Objective: The study’s main goal was to investigate accidents in school from the perspective of its social determinants through research of the conceptions, beliefs, feelings and
attitudes of educators regarding accidents in school, with the assumption that they are
essential in prevention and reduction of lesions and damage connected to the accidents,
taking into consideration that, in school, they can cause absence and academic failure,
which constitutes an educational and public healthcare problem. Methods: Interviews
were made with 17 educators from 17 private schools in Belo Horizonte, regarding accidents that occurred between the 1st and 4th grades of elementary school. Their speeches
were organized into large themes and categories, using Speech Analysis for interpretation
of their meaning. Results and Conclusions: Four themes are presented regarding impressions and general feelings on the accidents; concepts and beliefs on them, information
and feelings regarding self-competence to deal with the child that suffered the accident
and reported formal training regarding prevention and care. Educators reveal stress and
insecurity in dealing with the accident. Their speech on concepts and determinants for
the accidents is varied, revealing the coexistence of the idea of fatality as well as predict-
Departamento de Pediatria, Faculdade de Medicina,
Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG
Endereço para correspondência:
Soraia Pinto Sena
Av. Bandeirantes, 1613 – Apt° 501
B: Mangabeiras
Belo Horizonte - MG – Brasil
CEP: 30315-000
Email: [email protected]
Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S47-S54
47
A percepção dos acidentes escolares por educadores do ensino fundamental, Belo Horizonte
ability of the accident. Educators show insecurity and
feelings of incompetence in dealing with accidents and
lack of formal training in order to deal with them. They
showed ambiguity in relation to their role in caring for
the child who suffered an accident.
Key words: Accidents; Accident Prevention; School Health;
Child; Students.
INTRODUÇÃO
A inquietude e a imprevisão inerentes à infância
tornam a criança susceptível aos riscos e, às vezes,
o educador não sabe como lidar com essas adversidades. O ambiente escolar é um lugar propício
a acidentes devido ao grande número de crianças
que nele se encontra, interagindo e desenvolvendo
as mais diversas atividades motoras e esportivas. O
tempo que as crianças passam na escola vem gradativamente aumentando com as transformações
sociais da família e com a inserção crescente da
mulher no mercado de trabalho. Em conseqüência, a segurança no espaço escolar, no que tange
ao ambiente físico, social e psicológico, deve ser
objeto de constante preocupação de responsáveis,
professores e da direção da escola.1
Segundo a Organização Mundial de Saúde
(OMS)2 os acidentes figuram entre as primeiras
causas de óbito nos países desenvolvidos e em desenvolvimento, representando hoje, ao lado da violência, o primeiro lugar em morbimortalidade de
crianças e adolescentes entre 5 e 19 anos de idade.
Dos acidentes com crianças em idade escolar
10 a 25% ocorrem na escola ou em seu entorno.3
No Brasil, de 6 a 13% dos acidentes em crianças nesta faixa etária, ocorrem em instituições de
ensino.4, 5
Em trabalho realizado no município de Embu,
Estado de São Paulo, em mais de 60% dos casos,
os educadores consideraram o acidente como fato
evitável.6
Até meados da década de 80, o acidente, de
forma geral, era definido cientificamente como um
evento fortuito, geralmente danoso, independente
da vontade, provocado por uma força externa, gerando algum comprometimento físico e/ou mental.7
Este conceito vem evoluindo e hoje o acidente
perdeu a conotação de imprevisibilidade tornando-se gradativamente foco de prevenção na área
da saúde, sendo considerado um evento previsível
e prevenível.7
48
Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S47-S54
Liberal, Aires RT, Aires MT e Osório1 mostram
que os acidentes na criança são influenciados por
fatores de cada nível da estrutura sócio-ambiental:
os fatores intra e interpessoais relacionados às características da criança e suas relações mais próximas; os fatores institucionais relacionados à comunidade, escola e trabalho; e os fatores culturais,
relacionados a valores e normas sociais, políticas
governamentais e legislação.
Dentre os fatores intra-pessoais apontam-se características da criança que poderiam contribuir
para a ocorrência do acidente:
a) estágio do desenvolvimento motor; 8
b) estágio do desenvolvimento social e cognitivo;4, 9
c) a constituição biológica e estrutura psíquica.10, 11, 12, 13
Com relação ao ambiente social, destaca-se a
atuação da família12 e da escola pela intensidade
de sua presença na vida da criança, sua importância afetiva e pela relação especial de cuidado e autoridade com a mesma.
A influência da escola pode-se refletir na
orientação político-pedagógica que se revela diretamente no plano da estrutura e organização do
espaço físico, na organização funcional e relação
com alunos e famílias. Essa orientação se reflete
no comportamento de risco dos alunos, na atitude
de identificação e prevenção de situações de risco
e no tipo de atendimento ao aluno acidentado.
Há evidências de que a supervisão adequada dos
cuidadores em relação aos riscos do ambiente, que
está ligada a vários fatores do contexto social, tem
relação com a diminuição de eventos traumáticos.14
Para se atingir o ideal de uma “escola segura” é
importante que se conheça, além das questões dos
riscos oferecidos pelo ambiente físico, a forma como
o ambiente social imediato lida com a ocorrência
do acidente.1 Desta forma, é necessário e essencial
o conhecimento da percepção dos educadores do
que seja um acidente e de suas responsabilidades
frente à prevenção e socorro à criança acidentada.
No entanto, o acidente na escola tem sido pouco
estudado sob a ótica de seus determinantes psicossociais, sendo notória a escassez na literatura de
trabalhos qualitativos abordando em profundidade
o tema, no âmbito nacional e internacional.
Este artigo aborda as questões do ambiente institucional, a escola, consciente de que a estreita interrelação entre os determinantes dificulta a aborda-
A percepção dos acidentes escolares por educadores do ensino fundamental, Belo Horizonte
gem isolada de um deles. Foca a orientação político
pedagógica da escola, no que se refere ao acidente.
Tem como objetivo estudar as concepções, atitudes
e sentimentos dos educadores frente ao acidente e
sua auto-avaliação de conhecimentos e competência
para prevenção e atendimento à criança acidentada.
METODOLOGIA
Através de metodologia qualitativa, utilizandose entrevista semi-estruturada foram estudados os
discursos de educadores de 1ª à 4ª série do ensino
fundamental, de escolas privadas da cidade de Belo
Horizonte, cuja clientela é constituída de alunos
provenientes de classe média e alta da cidade.15
Utilizando-se o critério de escolha propositiva
da amostra foram entrevistados educadores e gestores, pelo fato de serem pessoas ativas na determinação da política pedagógica e administrativa da
escola e julgados representativos do pensamento e
atitudes dos demais. Utilizou-se o critério de saturação para a interrupção das entrevistas. 15,16
A cidade de Belo Horizonte possui aproximadamente 1636 escolas de acordo com o censo de
2006 da Secretaria de Estado da Educação de Minas Gerais sendo que aproximadamente 1188 são
privadas.1 Destas, foram contatadas, 22 escolas, localizadas em região economicamente favorecida
da cidade com anuência de 17, recusa de uma e
ausência de resposta de 4.
Após o esclarecimento sobre o estudo e a
aprovação da diretoria da escola, os entrevistados assinaram Termo de Consentimento livre e
esclarecido, elaborado de acordo com as Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisa em
Seres Humanos, aprovadas através da Resolução
do Conselho Nacional de Saúde (CNS) de número
196, de 10 de outubro de 1996.17
As entrevistas, foram realizadas,com utilização
de um gravador por um dos pesquisadores na própria escola,sob com agendamento prévio.
Foi utilizado um roteiro contendo seis questões
abertas, abordando relatos e impressões de vivências, opinião sobre acidentes e formas de evitá-lo,
informações sobre treinamento em atendimento
1
Informações obtidas pelo SIED (Sistema de Informações Educacionais da SEE-MG) pelo telefone (031) 3379
8445, em 8 jan. 2008. Informação verbal.
de acidentes, avaliação de auto-competência e atribuição de responsabilidades sobre o acidente.18
A determinação do sentido das falas foi através da
Análise de Discurso, com construção de categorias,
que refletiam os objetivos do estudo. Estas foram subdivididas em subcategorias, procurando refletir os
aspectos homogêneos e heterogêneos do grupo.
Os seguintes princípios da Análise do Discurso
foram utilizados para determinação dos sentidos
das falas:19, 20, 21
a) condições mediatas e imediatas de produção do discurso. Neste estudo consideramos
o uso de gravador, a posição hierárquica ocupada pelo entrevistado na instituição, a realização em dependências da escola escolhida pelo
entrevistado;
b) os contratos (possibilidades e restrições) explícitos ou não, conscientes ou não, impostos
pelo gênero do discurso (neste estudo, a entrevista) e pelo quadro das instituições em que se
produz (a Escola, a Universidade);
c) a relação assimétrica que se estabelece entre
os interlocutores: as representações imaginárias que os interactantes fazem de suas próprias
identidades.21 Nesta pesquisa consideramos
a relação hierárquica pesquisador/educador,
imaginário social sobre pesquisa e pesquisador, universidade e psicologia/psicólogo);
d) as intenções (visadas) das falas – o que se
quer obter do interlocutor. No caso deste estudo a demanda de informação e o dar informação aparecem, inicialmente e explicitamente,
como visadas principais;
e) todo discurso é ideológico e o seu sentido não
pode ser restrito à história biográfica de quem fala,
mas, buscado no interdiscurso, de forma mais ampla e nas formações discursivas que o constituem,
o delimitam e o tornam polifônico. Sendo ideológicos, os discursos são históricos e constituem
representações de valores que circulam em um
dado grupo social. Foram assim, consideradas a
situação social e econômica das famílias, público
alvo das escolas estudadas, as concepções e crenças sociais gerais sobre acidentes e acidente escolar, as concepções científicas sobre acidentes
e acidente escolar, a legislação ou sua ausência
(discurso oficial sobre o acidente escolar), as concepções atuais sociais sobre educação e relação
família/escola e a história da educação e da relação família/escola no Brasil.
Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S47-S54
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A percepção dos acidentes escolares por educadores do ensino fundamental, Belo Horizonte
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Acidentes como fatalidade/acaso:
O conteúdo das falas foi organizado em quatro
grandes temas que corresponderam aos objetivos
propostos.
Os temas 2, 3 e 4 foram subdividido em categorias, enquanto o tema 1 mostra uma impressão
geral do grupo sobre os acidentes.
Então, o acidente eventualmente acontece...
Mas, você tá às vezes com a criança do seu
lado, você virou pra cá, acontece alguma coisa.
Então, eu acho, assim, que não tem explicação
pra isso não, como diz: é fatalidade mesmo...
(Entrevista 14).
Tema 1 – Impressões gerais sobre o acidente
na Escola
Acidentes como conseqüência das atividades e características próprias da infância:
As impressões apareceram, sobretudo, como resposta à questão “você já vivenciou algum acidente
com aluno nesta ou em outra escola? Como foi para
você?” Constaram de relatos de reações, opiniões,
sensações e atitudes frente aos eventos vivenciados.
Os entrevistados, de modo geral, demonstraram dificuldades, expressas sob forma de falha de memória,
hesitação, etc., para falar do acidente. Considerando
que o mesmo é, de forma geral, um evento marcante,
essas características foram atribuídas às condições de
produção do discurso: o lugar ocupado pelo entrevistado na Instituição e o lugar social dos parceiros na
comunicação pode ter levado o entrevistado à pressuposição de julgamento pelo entrevistador:
[...] É difícil essa pergunta [...]. Não, não, dentro da escola não. [...] Dentro da escola, nunca,
nunca. Eu particularmente, não. [...] Não. Tem
acidente aqui é... Menino quebra dente, essa
rotina de todo dia mesmo. Mas, fora disso não
tem muita coisa não. [...] É... um bater na testa
do outro, né?... Então, eu acho que eu respondi
errado pro cê, não? (Entrevista 15).
Eu acho que os acidentes acontecem na escola
como acontecem em qualquer lugar, porque os
meninos são crianças, são agitados, gostam de
fazer arte, gostam de subir em determinados lugares que não deveriam. Andam sempre correndo (Entrevista 6).
Percebeu-se, entretanto, nos relatos, ausência
de previsão, sentimentos de insegurança, susto,
medo e estresse:
[...] na hora só um susto, né?... Porque já tive
assim cabeça cortada, é... Dente que cai, né?... e
a gente passa um aperto [...]. (Entrevista 3).
[...] Na hora que a coisa acontece mesmo aí... aí
a gente enlouquece mesmo! [...] (Entrevista 1).
Tema 2 – Conceitos e crenças a respeito do
Acidente Escolar
Neste tema, as seguintes categorias surgiram da
análise:
50
Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S47-S54
Acidentes como conseqüência da supervisão inadequada:
Pode acontecer também da professora não estar
atenta na hora do recreio [...] Professor, às vezes,
deixa um aluno no espaço sozinho e não tem como
socorrer a tempo. (Entrevista 16).
Acidentes como conseqüência do ambiente físico inadequado para a criança:
Tem situações que o ambiente não era adequado prá criança e então o acidente pode acontecer
por algum problema físico do ambiente... Uma
vez o extintor de incêndio caiu no pé do menino,
o parafuso tava um pouco solto, o menino passou, esbarrou, o parafuso caiu... (Entrevista 9).
Acidentes como conseqüência do modo de
vida/educação da família contemporânea:
Hoje o pai e mãe precisam trabalhar fora. Então,
eu vejo assim, que algumas crianças, elas são terceirizadas. Os pais delegam para um outro, muitas
funções: às vezes em reunião de pais na escola ou
quando acontece alguma coisa, briga e a gente chama, sabe?É o motorista que vem... (Entrevista15).
A percepção dos acidentes escolares por educadores do ensino fundamental, Belo Horizonte
Acidentes como conseqüência da superproteção familiar:
Eu acho que os acidentes também acontecem
porque as crianças estão muito super-protegidas
O tempo todo tem que estar cada vez aumentando mais os cuidados e cada vez menos oferecendo pro menino a possibilidade dele ser responsável pela atitude dele (Entrevista 11).
criança passa da passividade e submissão como
atitudes promotoras de aprendizagem para a valorização e incentivo à iniciativa e atividade na construção do conhecimento.
Tema 3 – Sentimentos relativos à autocompetência para lidar com o acidente
Neste tema foram criadas as seguintes categorias:
Acidentes determinados por multicausalidade:
Sente-se tranqüilo, preparado:
Então, eu vejo que são várias causas. Não vou
falar que é só culpa do menino, nem só culpa da
escola, nem só do professor, mas é um conjunto
(Entrevista 9).
Observa-se que, no conjunto, as falas dos educadores listam vários determinantes do acidente
apontados pela literatura científica que convivem
tanto com concepções tradicionais do senso comum, quanto com preocupações contemporâneas
como aquelas relativas às mudanças de estruturas
familiares, papéis sociais dos pais, relações de poder na família e sua repercussão sobre a educação
das crianças. Embora, ainda presente o conceito
de acidente como fatalidade, este coexiste com
percepções de necessidade de supervisão, mudança na cultura educacional da criança e adequação
do ambiente físico. 4, 14
Os entrevistados parecem perceber os riscos
decorrentes da fase de desenvolvimento da criança, de acordo com as teorias de desenvolvimento
infantil e são conscientes do papel essencial do
brincar, da ação e da curiosidade para o seu desenvolvimento. Ressalta-se o conflito subjacente
dos educadores entre a percepção da necessidade da criança experimentar e o risco potencial da
experiência:
Eu acho então que onde tem criança o acidente
acontece em razão até da própria vitalidade da
criança que é um ser em crescimento, em potencial. Ela faz as coisas porque ela tem que experimentar. Na verdade, ela só vai conhecer depois
que ela experimentar, por isto que ela arrisca
tanto (Entrevista 12).
É possível que este conflito reflita o embate entre antigas e novas teorias educacionais, onde a
Preparada, eu acho que a gente nunca se sente
plenamente, mas eu me sinto tranqüila, com o mínimo de conhecimentos necessários pra poder atender duma forma correta [...] (Entrevista 9).
Sente-se preparado somente para coisas
mais simples:
Arranhou, machucou, às vezes, essas coisas
mais simples, não têm problema nenhum, a gente
resolve e tudo. Mas se, Deus que me perdoe, se um
dia acontecer uma coisa mais séria eu não me sinto
preparada não! (Entrevista 7).
Sente-se inseguro:
Se for uma coisa mais grave, realmente o que eu
vou fazer, é na hora, ligar pros pais, mesmo: aconteceu isso, o que a gente faz? (Entrevista 10).
Não se sente preparado, qualificado:
Eu acho que a gente não sente preparado, não.
Eu não sou médica. Eu acho que eu sou preparada para a minha profissão (Entrevista 3).
Não precisa estar preparado porque o atendimento não é feito na escola:
Não temos que ter esse atendimento aqui dentro
da escola. [...] a gente só comunica com o pai
que aconteceu o ocorrido, e o pai é que leva e
que toma providência... (Entrevista 6).
Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S47-S54
51
A percepção dos acidentes escolares por educadores do ensino fundamental, Belo Horizonte
As duas últimas falas sugerem que o atendimento ao acidentado não faria parte das funções
da profissão do educador. A discussão sobre os limites da profissão pode ser um foco importante a
ser abordado com os educadores.
O discurso do grupo relativo à auto-competência é heterogêneo sugerindo atitudes que oscilam
entre o auxílio ao aluno, mesmo que improvisado
e baseado em experiências do cotidiano, não cientificamente respaldadas, até um não envolvimento
com a situação do acidente, por convicção, cautela ou temor.
Percebe-se, nos relatos, o estresse vivenciado
sob o controle racional e sentimentos de despreparo para lidar com ele.
Tema 4 – Capacitação relatada para lidar
com a criança acidentada
Os educadores relataram, com relação à questão capacitação, desde não ter tido nenhuma capacitação, utilizando a experiência, o senso comum,
a leitura até a realização de alguns treinamentos
esporádicas ou pontuais:
Ter tido algum treinamento em primeiros
socorros:
Nós temos funcionários aqui que fizeram um
cursinho de primeiros socorros, mas, assim,
mais básico mesmo; prá atender a esses casos
mais simples mesmo. (Entrevista 16).
Ter tido palestras e orientações eventuais:
Tivemos há muitos anos atrás um profissional
da área da medicina que veio aqui prá falar dos
primeiros socorros [...] (Entrevista 2).
Não ter tido nenhum treinamento:
Não... Treinamento assim, se for uma coisa mais
séria, aí realmente vai me pegar de surpresa,
né?... Eu acho assim que muita coisa que a gente faz por intuição, ou por leitura, ou até mesmo
porque eu sou mãe, tá?... (Entrevista 14).
52
Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S47-S54
A seguinte fala mostra a penetração do discurso científico divulgado, mesmo sem treinamento
formal, que gradativamente passa a fazer parte do
senso comum:
Em termos de qualificação eu prefiro usar a regra máxima que é a questão da prudência, assim: “o que eu não sei eu não mexo” e se você
mexer na pessoa antes de imobilizar, isso pode
dar um dano irreversível, a gente tem que aguardar o resgate (Entrevista 4).
É provável que uma das fontes deste conhecimento seja a divulgação na mídia, pelos órgãos
responsáveis pelo trânsito, de condutas básicas a
serem seguidas, relativas aos acidentes.
As informações sobre a capacitação foram
acompanhadas de explicitação de demandas de
informações e relatos de iniciativas ainda incipientes de treinamento dos educadores:
A direção tava tentando fazer contato com o pessoal da Cruz Vermelha, prá ver a possibilidade
de um curso. É uma reivindicação dos funcionários (Entrevista 4).
Acho que faz mesmo falta a gente ter, pelo menos uma vez por ano, uma pessoa que venha no
início do ano prá falar prá toda equipe. Porque
não só a supervisora tem que ter o conhecimento, mas o professor, o auxiliar de limpeza que às
vezes é o que vai socorrer o menino imediatamente (Entrevista 16).
Nos discursos dos entrevistados, os temas treinamento e socorro aparecem fortemente relacionados. Treinamento e prevenção são pouco citados. Em ambas as situações, entretanto, o espaço
ocupado pelo treinamento é pequeno.
Note-se que as escolas pesquisadas são particulares, estando sujeitas ao controle e cobrança direta dos pais. O pouco preparo das escolas reflete em
parte a ausência de uma demanda mais efetiva por
segurança, por parte da sociedade, aqui representada pelos pais. Isto pode refletir um pensamento
social mais geral que ainda vê o acidente, em larga
extensão, como fatalidade. Por outro lado, o discurso dos educadores revela estresse e preocupação em prestar conta à família das ocorrências na
escola. Esse fato mostra que a cobrança da família
é feita somente após o acidente, provocando junto
com o mesmo, alto nível de estresse no educador.
A percepção dos acidentes escolares por educadores do ensino fundamental, Belo Horizonte
CONCLUSÕES
Os principais achados do estudo são:
O acidente na escola é fonte importante de estresse para o educador pelo dano à criança e pelos problemas potenciais gerados na relação com
a família.
Os educadores se sentem de forma geral despreparados, sobretudo para lidar com o evento.
Apesar de observar-se nas falas tendências à incorporação do conceito de acidente como previsível e prevenível e de um conhecimento sobre seus
determinantes que ultrapassa o senso comum,
ações, no sentido de prevenção e redução de danos em caso da ocorrência, ainda são incipientes.
A idéia do acidente como fatalidade coexiste
com outras explicações relacionadas à inadequação do ambiente físico, características sociais,
psíquicas e de desenvolvimento da criança e supervisão inadequada. A demanda incipiente por
capacitação em prevenção sugere a predominância de percepção do acidente como fatalidade e,
portanto, não previsível e não prevenível.
Há dúvida entre os educadores sobre as suas
atribuições com relação à criança acidentada,
apontando para a necessidade de discussão sobre
os limites da profissão no que se refere aos cuidados
de saúde da criança, especialmente os acidentes.
Pode-se interpretar como limitação do estudo o
fato de ter sido realizado em escolas da rede de ensino privado que, neste estudo, atende uma classe
social específica, minoritária na nossa sociedade.
Entretanto este pode ser um fator positivo considerando-se que o setor privado, na área do ensino
fundamental, em função de pressão de mercado e
melhores condições financeiras de acesso à informação e a novas tecnologias, poderia, mais facilmente, revelar as tendências à formação de novas
representações sociais e comportamentos diferenciados nesse campo de estudo.
Recomenda-se que um programa de capacitação dos educadores para prevenção e atenção aos
acidentes escolares deve partir da reflexão sobre os
limites profissionais, sua experiência e conhecimentos formais e informais já estruturados. Deve buscar
a evolução do conceito e das atitudes dos mesmos
frente ao acidente escolar, como acontecimento
passível de prevenção, abordando as questões relacionadas à criança, ao ambiente físico e social.
Os educadores devem também ser preparados
para os primeiros socorros, incluindo, desde os procedimentos mais simples de cuidados aos pequenos acidentes ao suporte básico de vida que, em
alguns países, já é extensivo a qualquer cidadão.
Isto certamente teria conseqüências favoráveis
na diminuição e minoração de acidentes na escola, na diminuição do estresse do educador, na melhora na relação família-escola e na preparação da
criança para um comportamento seguro também
fora da escola.
A implantação de uma política pública vinculada ao Ministério da Educação e Cultura e ao Ministério da Saúde que estabeleça a exigência de um
treinamento sistemático e formação em estratégias
preventivas poderá beneficiar as escolas e os alunos na prevenção dos acidentes. Conforme Pedroso5 não há, ainda, uma legislação específica sobre
acidentes escolares no Brasil.
Para enfrentar esta situação foi proposta por
Santos e Moreira22 (2007) a formação e manutenção de uma Comissão Interna de Prevenção de Acidentes e Violências na Escola (CIPAVE), que pode
ser instituída por lei específica, pelo Regimento
Escolar ou como função do Conselho Escolar.
As normas de funcionamento das CIPAVE seriam
adaptadas da legislação referente aos acidentes de
trabalho, em particular a regulamentação das CIPA
(Comissões Internas de Prevenção de Acidentes).
Uma CIPAVE já iniciou suas atividades em 1992 em
Porto Alegre e em 2002 em Maceió.6
A CIPAVE buscará, além de diminuir a freqüência de acidentes e violência na escola e seu entorno, difundir os princípios de segurança na escola e
na comunidade e promover uma cultura de paz.
A perspectiva de implantação da CIPAVE está
plenamente de acordo com as conclusões da pesquisa relatada no presente artigo.
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ARTIGO ORIGINAL
Recidiva da leucemia linfoblástica na
criança: experiência do Serviço de
Hematologia do Hospital das Clínicas
da UFMG (1988-2005)
Relapse of acute lymphoblastic leukemia in child:
experience of the Division of Hematology – Hospital
das Clínicas da UFMG (1988-2005)
Claudia de Souza1; Marcos Borato Viana2; Benigna Maria de Oliveira3
RESUMO
Objetivos: Analisar a evolução de crianças com primeira recidiva da leucemia
linfoblástica (LLA) e identificar fatores prognósticos para segunda recidiva ou óbito. Métodos: Análise retrospectiva de 95 pacientes com recidiva da LLA tratados no
Hospital das Clínicas, Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil, entre 1988 e 2005.
Resultados: A idade ao diagnostico inicial variou de 3 meses a 15,2 anos (mediana de
6 anos); 53 crianças eram do sexo masculino. A recaída medular isolada ou combinada
ocorreu em 81% dos casos e a recaída extramedular isolada em 19%. Sessenta crianças
alcançaram a segunda remissão. Todas foram submetidas ao tratamento com drogas
citostáticas e em nenhuma criança com LLA em segunda remissão foi feito transplante
de medula óssea. A probabilidade estimada de sobrevida global em 10 anos para todo
o grupo foi de 16,1% (IC 95%: 9,3% - 24,6%). O óbito ocorreu em 77 crianças e a doença
em atividade foi a principal causa. Os pacientes foram estratificados em 3 subgrupos:
recidiva muito precoce (primeiros 18 meses desde o diagnóstico inicial), recidiva
precoce (entre 18 e 30 meses) e recidiva tardia (mais de 30 meses após a data do
diagnóstico inicial). A probabilidade estimada de sobrevida livre de eventos em 10 anos
para cada um desses grupos foram, respectivamente, 2,2% (IC 95%: 0,2%-10%), 12,5%
(IC 95%: 3,1%-28,7%) e 32,5% (IC 95%: 14,6%-51,9%; p< 0001). Conclusões: A duração da
primeira remissão foi a única variável estatisticamente significativa que influenciou o
prognóstico das crianças com recidiva da LLA.
1
Mestre. Serviço de Hematologia, Hospital das Clínicas,
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo
Horizonte, MG, Brasil.
2
Doutor. Professor titular, Departamento de Pediatria, Faculdade de Medicina, UFMG, Belo Horizonte, MG, Brasil.
3
Doutora. Professora adjunta, Departamento de Pediatria,
Faculdade de Medicina, UFMG, Belo Horizonte, MG, Brasil.
Palavras chave: Leucemia-Linfoma Linfoblástico de Células Precursoras; Quimioterapia; Recidiva; Prognóstico; Mortalidade.
ABSTRACT
Objectives: To follow up children in first relapse of acute lymphoblastic leukemia (ALL)
and to identify prognostic factors for a second relapse or death. Methods: Retrospective
analysis of 95 patients with relapse of ALL followed at Hospital das Clínicas, Universidade Federal de Minas Gerais, Brazil, between 1988 and 2005. Results: The age at initial
diagnosis varied from 3 months to 15.2 years (median 6 y); 53 were male. Isolated or
combined marrow relapse occurred in 81% of cases and isolated extramedullary relapse
in 19%. Sixty children reached the second remission. They all were given cytostatic drugs
and no ALL children in second remission were transplanted. The estimated probability
of overall survival at 10 years from relapse was 16.1% (95% CI: 9.3% - 24%) for all 95
children. 77 children died and most of them were again in relapse. Patients were stratified into 3 subgroups according to time to first relapse: very early (within 18 months from
initial diagnosis), early (from 18 to 30 months), and late relapsing children (later than 30
months). The estimated probability of event-free survival at 10 years for these 3 subgroups
Serviço de Hematologia – Hospital das Clínicas,
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG),
Belo Horizonte - MG, Brasil
Endereço para correspondência:
Marcos Borato Viana
Faculdade de Medicina da UFMG, Departamento de Pediatria
Av. Alfredo Balena, 190
Belo Horizonte - MG – Brazil
CEP: 30130-100
E-mail: [email protected]
Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S55-S62
55
Recidiva da leucemia linfoblástica na criança: experiência do Serviço de Hematologia do Hospital das Clínicas da UFMG (1988-2005)
were 2.2% (95% CI: 0.2%-10%), 12.5% (95% CI: 3.1%28.7%), and 32.5% (95% CI: 14.6%- 51.9%), respectively
(p < 0.0001). Conclusions: The duration of first remission remained the only statistically significant variant to
predict the prognosis of relapsed children with ALL.
Key words: Precursor Cell Lymphoblastic Leukemia-Lymphoma; Drug Therapy; Recurrence; Prognosis; Mortality.
INTRODUÇÃO
A leucemia linfoblástica (LLA) é a neoplasia
mais comum na infância. Apesar dos altos índices
de cura, 20% a 30% das crianças têm sua primeira
remissão interrompida com a recaída.1-3
O sítio de recaída pode ser medular - isolada ou
combinada com algum sítio fora da medula - ou apenas extramedular, quando ocorre em qualquer órgão ou tecido, como sistema nervoso central (SNC),
testículos, olhos, ovário, útero ou outros órgãos.
A recidiva pode ser classificada em muito precoce, precoce e tardia, de acordo com a duração
da primeira remissão. Não há uma definição padronizada para esses termos e nem todos os trabalhos incluem a categoria intermediária.4 O grupo
alemão Acute Lymphoblastic Leukemia Relapse
Berlin-Frankfurt-Münster (ALL-REZ BFM), classifica
as recaídas em muito precoces quando ocorrem
até dezoito meses após a data do primeiro diagnóstico, precoces se ocorrem entre o intervalo de
dezoito meses e trinta meses, e tardias quando as
recaídas manifestam-se após trinta meses.5
Os principais fatores prognósticos capazes de
influenciar a sobrevida das crianças com recidiva
são a duração da primeira remissão, o local acometido e a imunofenotipagem da LLA primária. 1,6-8
Vários trabalhos mostraram que a duração da
primeira remissão foi a variável mais significativa
em influenciar a sobrevida livre de eventos e que as
crianças com recidivas tardias tiveram melhor prognóstico do que aquelas com recidivas precoces. 9-16
O sítio de recaída também tem sido considerado uma variável de grande impacto no prognóstico
dessas crianças. As crianças com recaída extramedular isolada, principalmente aquelas com envolvimento testicular, tiveram melhor prognóstico.4
As crianças com LLA-T ou com o cromossomo
Philadelphia positivo (Ph1+) ou seu equivalente
molecular, a fusão gênica bcr-abl, apresentaram
evolução desfavorável em diversos estudos.3,6,11-15,17
Já as crianças com translocação t(12; 21) (p13;
56
Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S55-S62
q22) ou seu equivalente molecular, a fusão entre
os genes TEL-AML, tiveram uma segunda remissão mais prolongada4 e apresentaram resposta satisfatória ao tratamento com drogas citostáticas.14
Alguns fatores biológicos tais como variantes da
interleucina 10 e do receptor do fator de necrose
tumoral também seriam capazes de influenciar a
resposta terapêutica e a sobrevida livre de eventos
das crianças que apresentam recidiva da LLA.5,18
O tratamento das recidivas pode ser feito com
quimioterapia combinada, radioterapia e transplante de medula óssea (TMO), seja ele autólogo
ou alogênico. Os resultados, em geral, são insatisfatórios. Observa-se que muitas intituições não
possuem protocolos padronizados de tratamento
e não têm definida a melhor escolha terapêutica.1,2,11,12,19. As crianças com recidiva precoce, em
segunda remissão, tratadas com o transplante alogênico de medula óssea apresentam melhor prognóstico do que as tratadas com quimioterapia.20-22
Já as crianças com recaídas tardias ou com recaídas extramedulares isoladas podem ter resultados
satisfatórios quando tratadas apenas com essas
drogas citostáticas2,23, tornando controverso o papel do TMO nestes casos, exceto para aqueles em
que haja outro fator de mau prognóstico associado,
tais como as translocações cromossômicas t(9;22)
e t(4;11) ou leucemia com imunofenótipo T.20,24
Os objetivos do presente estudo são analisar a
evolução das crianças com recidiva da LLA diagnosticadas e tratadas no Serviço de Hematologia
do Hospital das Clínicas da UFMG (HC-UFMG) e
avaliar a influência de fatores prognósticos para a
ocorrência de uma segunda recidiva e para a sobrevida global.
CASUÍSTICA E MÉTODO
Este estudo clínico e retrospectivo foi realizado
com base na revisão dos prontuários. O termo de
consentimento livre e esclarecido foi obtido para
os pacientes que apresentaram recidiva da doença
e que se encontravam vivos e em acompanhamento no HC-UFMG na época da realização da pesquisa. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e
Pesquisa da UFMG.
Foram incluídos no estudo os pacientes portadores de LLA com idade inferior a 16 anos,
acompanhados no HC-UFMG, submetidos aos
Recidiva da leucemia linfoblástica na criança: experiência do Serviço de Hematologia do Hospital das Clínicas da UFMG (1988-2005)
protocolos de tratamento do Grupo Cooperativo
Mineiro para Tratamento de Leucemias Agudas
(GCMTLA, janeiro de 1988 a fevereiro de 1994)24 e
do Grupo Cooperativo Brasileiro para Tratamento
de Leucemia Infantil (GBTLI-93, março de 1994 a
fevereiro de 2001)25 e que apresentaram recidiva
da doença no período de agosto de 1988 até janeiro de 2005. Os protocolos estão descritos nas
respectivas referências. Basicamente, ambos os
esquemas preconizavam o uso de 4 drogas na
fase de indução (vincristina, prednisona, daunorrubincina e l-asparaginase), consolidação da
remissão com metotrexato por via endovenosa
(500 mg/m2 no GCMTLA e 2g/m2 no GBTLI-93) e
6-mercaptopurina oral, seguidos por reindução
com as 4 drogas da indução e, finalmente, manutenção da remissão com 6-mercaptopurina e
metotrexate (para o GCMTLA e o grupo de risco
padrão no GBTLI-93) ou com rodízio de várias
drogas no primeiro ano de manutenção e, a seguir, 6-mercaptopurina e metotrexato até completar 2 anos ou 2 anos e meio de tratamento, para o
grupo de alto risco no GBTLI-93.
Métodos estatísticos: O método de KaplanMeier26 foi utilizado para estimar as probabilidades
de sobrevida global (tempo decorrido da primeira recidiva ao óbito, independente da causa) e de
sobrevida livre de um segundo evento (tempo decorrido entre a primeira recidiva e a ocorrência de
qualquer um dos seguintes eventos: óbito, ocorrência de segunda recidiva da doença em qualquer
sítio, ou segunda neoplasia). O teste de log-rank
foi utilizado para comparação entre as curvas de
sobrevida.
Foi adotado como estatisticamente significativo o valor de p < 0,05. As variáveis cujo nível de
significância estatística na análise univariada foi
menor ou igual a 0,2 foram incluídas no modelo
multivariado inicial, segundo o método de regressão de Cox.27
RESULTADOS
De 345 crianças com diagnóstico LLA, 137
crianças apresentaram recidiva da doença. Destas, 95 foram estudadas retrospectivamente, sendo
que 48 crianças foram tratadas inicialmente com
o protocolo do GCMTLA e 47 com o protocolo do
GBTLI-93. As causas das perdas foram: 34 crianças
do GCMTLA que não receberam tratamento no
HC-UFMG, 2 crianças com idade superior a 16 anos
ao diagnóstico inicial e 6 crianças com registro incompleto dos dados nos prontuários.
Cinqüenta e seis por cento das crianças eram
do sexo masculino (53/95). A idade das crianças,
ao diagnóstico inicial da LLA, variou de três meses
a 15,2 anos (mediana de seis anos).
A contagem de leucócitos ao primeiro diagnóstico variou de 800 leucócitos/mm3 a 586.000 leucócitos/mm3 (mediana de 19.600 leucócitos/mm3).
Imunofenotipagem inicial não foi feita em nenhuma criança do GCMTLA. Dentre as 40 crianças
do GBTLI-93 com imunofenotipagem, 20 foram
classificadas como CD10 positivas, 8 como CD10
negativas e 12 como LLA-T.
A imunofenotipagem no momento da recidiva
foi feita em apenas 11 das 95 crianças, sendo 6 do
GCMTLA e 5 do GBTLI-93. Duas crianças do GBTLI-93 fizeram o exame de imunofenotipagem ao
primeiro diagnóstico e à recidiva; os resultados foram coincidentes: LLA de células de linhagem B e
LLA-T, respectivamente.
A LLA foi diagnosticada, quando da recidiva,
pela morfologia das células blásticas na medula
óssea, em 89 das 95 crianças estudadas. Nas outras
seis crianças a leucemia mielóide aguda (LMA) foi
diagnosticada como uma segunda neoplasia. Apenas uma criança teve o diagnóstico da LMA confirmado pelo exame de imunofenotipagem.
A recaída medular isolada ou combinada ocorreu em 81% dos casos (77/95) e a recaída extramedular isolada em 19% (18/95). A distribuição dos
pacientes de acordo com o sítio de recaída está
representada na Tabela 1.
Tabela 1 - Distribuição dos 95 pacientes de acordo
com o sítio de recaída
Sítio de Recaída
Número de Casos
Medula óssea
64
Medula + SNC
4
Medula + Testículos
6
Medula + SNC + Testículos
2
Medula + nervo óptico D
1
SNC
10
Testículos
7
Câmara anterior olho E
1
Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S55-S62
57
Recidiva da leucemia linfoblástica na criança: experiência do Serviço de Hematologia do Hospital das Clínicas da UFMG (1988-2005)
Probabilidade de sobrevida
Quanto ao intervalo de tempo para a primeira
recaída, em 46 crianças a recidiva foi muito precoce, nos primeiros 18 meses desde o diagnóstico. Ela foi tardia (após 30 meses ou mais desde o
diagnóstico) em 25 crianças e nas 24 restantes foi
precoce, entre 18 e 30 meses desde o diagnóstico.
A distribuição dos pacientes por local de recaída e o tempo decorrido desde o diagnóstico até a
recidiva estão representados na Tabela 2.
A maioria das crianças (77/95) foi submetida
ao esquema tríplice de tratamento de indução da
segunda remissão com daunorrubicina, vincristina
e prednisona (DOP). Todas as crianças com diagnóstico de LMA foram tratadas inicialmente com
o protocolo do Grupo Cooperativo Mineiro para
tratamento da LMA.
A segunda remissão foi alcançada em 68% (60/88)
das crianças com recidiva morfológica da LLA.
Do total de 60 crianças submetidas ao tratamento
de manutenção, todas com recidiva morfológica de
LLA, 35 receberam o protocolo americano 8201 para
tratamento das recidivas do Pediatric Oncology Group
(POG 8201)28, duas o protocolo do GBTLI-93, quatro o
protocolo R11,29 oito o protocolo do Grupo Cooperativo Brasileiro para Tratamento de Leucemia Infantil-99
(GBTLI-99)30 e onze crianças receberam outros esquemas terapêuticos que não pertenciam a nenhum protocolo específico. Nenhuma foi submetida a transplante
medular em segunda remissão. Uma criança com recidiva tardia, 34 meses após o diagnóstico inicial, recebeu transplante alogênico de irmão durante terceira
remissão, apresentou recidiva subseqüente e faleceu.
Dentre as crianças com recidiva extramedular,
onze foram submetidas à radioterapia como parte
do tratamento da recidiva.
A probabilidade estimada de sobrevida global
em 10 anos para todas as 95 crianças com recidiva da LLA foi de 16,1% com intervalo de confiança
(IC) de 95% entre 9,3% e 24,6% (Figura 1).
Tempo (anos)
Figura 1 - Curva atuarial da sobrevida global para o
grupo de 95 crianças com recidiva de LLA
O óbito ocorreu em 81% das crianças (77/95),
sendo que 45 (58,4%) haviam apresentado recidiva
da doença até 18 meses desde o diagnóstico, 12
(15,6%) haviam apresentado a recidiva da doença
após 30 meses do diagnóstico inicial e 20 crianças
entre 18 e 30 meses (26%). A doença refratária em
atividade (68/77) foi a principal causa do óbito nas
crianças com recidiva da LLA.
A probabilidade estimada de sobrevida livre de
eventos (SLE) para todo o grupo aos 10 anos foi de
12% (IC 95%: 6,3%-9,8%). A SLE em 10 anos foi de
2,2% (IC95%: 0,2%-10,0%) para o grupo com recidiva muito precoce; 12,5% (IC95%:3,1%-28,7%) para
recidiva precoce e 32,5% (IC95%: 14,6%-51,9%)
para as crianças com recidiva tardia, p < 0,0001
(Figura 2).
Não foi encontrada diferença estatística significativa de SLE, ao se compararem os grupos de
acordo com o sítio de recaída. A probabilidade de
sobrevida livre de eventos em 10 anos foi de 9,6%
(IC95%: 4,2%-17,9%) para as 77 crianças que sofreram recidiva medular isolada ou combinada e
22,2% (IC95%: 6,9%-42,9%) para as 18 crianças com
recidiva extramedular isolada, p=0,46.
Tabela 2 - Distribuição dos pacientes por sítio de recaída e época da recidiva (tempo decorrido desde o
diagnóstico até a recidiva)
Tempo entre o diagnóstico e a recaída
Sítio de recaída
58
≤ 18meses
(Muito precoce)
18-30meses
(Precoce)
> 30 meses
(Tardia)
Total
Medular isolada ou
combinada
64
Extramedular isolada
33
22
22
77
Total
13
2
3
18
Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S55-S62
Probabilidade de sobrevida
Probabilidade de sobrevida livre de eventos
Recidiva da leucemia linfoblástica na criança: experiência do Serviço de Hematologia do Hospital das Clínicas da UFMG (1988-2005)
Tempo (anos)
Tempo (anos)
Figura 2 - Curva atuarial de sobrevida livre de eventos
para as 95 crianças de acordo com a época da
recidiva (tempo desde o diagnóstico inicial):
Muito precoce, até 18meses; Precoce, entre
18 e 30 meses e Tardia, mais de 30 meses
As crianças tratadas inicialmente com os protocolos do GCMTLA e do GBTLI-93 tiveram uma
probabilidade de sobrevida livre de eventos em
10 anos de 18,5% (IC95%: 9%-30,6%) e de 3,7%
(IC95%: 0,4%-14,4%) respectivamente (p= 0,074)
(Figura 3).
Figura 3 - Curva atuarial de sobrevida livre de eventos para
as 95 crianças tratadas inicialmente com os protocolos do GCMTLA (n=48) e GBTLI-93 (n=47).
Observou-se, na análise univariada, que a idade
ao diagnóstico inicial influenciou significativamente no prognóstico das recidivas. Todas as crianças
com menos de um ano (n = 4) ou com mais de 9
anos (n = 20) sofreram evento. Quando as curvas
de sobrevida livre de eventos foram comparadas
de acordo com sexo e leucometria inicial, não se
encontrou diferença estatística significativa para
nenhuma das duas variáveis (Tabela 3).
Tabela 3 - : Influência das variáveis na SLE de crianças com recidiva de LLA (análise univariada).
Variáveis
Idade ao diagnóstico
N° casos
Eventos
SLE% (IC95%)
≤ 1 ano
4
4
0,0 (0-0)
1 – 9 anos
71
57
16,4 (8,6-26,3)
≥ 9anos
20
20
0,0 (0-0)
Medular isolada ou combinada
77
67
9,6 (4,2-17,9)
Extramedular
18
14
22,2 (6,9-42,9)
46
45
2,2 (0,2-10,0)
18-30 meses
24
21
12,5 (3,1-28,7)
≥ 30 meses
25
15
32,5 (14,6-51,9)
p
0,024
Sítio de recaída
0,46
Duração da primeira remissão
≤18 meses
< 0,0001
Sexo
Masculino
53
45
12,3 (5-23)
Feminino
42
36
11,8(4,1-23,9)
GCMTLA
48
39
18,5 (9-30,6)
GBTLI-93
47
42
3,7 (0,4-14,4)
<50.000/mm3
60
49
15,5 (7,4-26,2)
>50.000/mm3
33
30
6,5 (1,2-18,8)
35
25
27
19
22,5(10,4-37,4)
14,4 (3,6-32,1)
0,94
Tratamento inicial
0,074
Leucócitos ao diagnóstico inicial
0,14
Quimioterapia de manutenção
Esquema POG8201 (St Jude)
GBTLI-93/99, R11, outros
0,874
Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S55-S62
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Recidiva da leucemia linfoblástica na criança: experiência do Serviço de Hematologia do Hospital das Clínicas da UFMG (1988-2005)
A análise estatística multivariada demonstrou
que apenas a época em que a recidiva ocorreu
teve significado estatístico (p < 0,0001).
Dos 6 pacientes com LMA secundária, 5 faleceram, incluindo uma criança que foi submetida ao
transplante de medula óssea. A sexta criança sobrevive em remissão clínica, após ter sido submetida a dois
transplantes de medula óssea – o primeiro autólogo e
o segundo, de sangue de cordão de irmã compatível.
DISCUSSÃO
Em concordância com as observações da literatura, a recidiva da LLA é o principal obstáculo
para a obtenção da cura da LLA, pois, com a doença em atividade, o óbito torna-se inevitável.15,31-34
Quanto à distribuição da recidiva, de acordo com
a duração da primeira remissão, a recidiva precoce
− ocorrida dentro dos primeiros 30 meses desde o
diagnóstico inicial − foi a mais freqüente (74%), divergente dos resultados encontrados na literatura que
demonstram, ao contrário, um discreto predomínio
das recidivas tardias (54%).11,32 Essa discrepância
pode ser explicada pela presença de subtipos imunofenotípicos desfavoráveis nas crianças mineiras35
e pela provável não-adesão completa ao protocolo
de tratamento por parte de médicos e pacientes. 36
A recidiva medular isolada ou combinada foi a
mais freqüente e, dentre os sítios extramedulares,
o SNC foi o mais freqüente, corroborando dados
da literatura.15,32,37
No presente estudo constatou-se que as crianças com recidivas tardias tiveram melhor prognóstico do que aquelas com recidivas precoces. A
duração da primeira remissão foi, de acordo com
a análise multivariada, a única variável estatisticamente significativa que teve impacto na sobrevida
livre de eventos. Os estudos internacionais corroboram a observação de que essa variável é a mais
importante preditora do prognóstico de uma criança com LLA em recidiva.9-16
Os resultados do presente estudo são, em todas
as categorias de recidivas classificadas quanto à
época em que ocorreram ou conforme o sítio de
recaída, inferiores aos obtidos em estudos internacionais contemporâneos. Tanto as taxas de resposta ao tratamento de indução da segunda remissão,
quanto as taxas de resposta ao tratamento de consolidação e manutenção foram inferiores às encon60
Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S55-S62
tradas na literatura.11,15,38-41 Este dado sugere que o
esquema utilizado na indução de uma segunda
remissão (apenas DOP na maioria dos casos) e a
indisponibilidade de um protocolo padronizado
de tratamento que inclua o TMO influenciaram
negativamente nos resultados. Mesmo em países
onde o TMO é realizado de maneira mais efetiva, o
desafio de tratar as recidivas da LLA ainda persiste. Vários grupos ainda não obtiveram resultados
satisfatórios, principalmente nas crianças com recidiva medular muito precoce.16
Como nehuma das crianças com diagnóstico
morfológico de LMA fez o exame de imunofenotipagem ao diagnóstico inicial e apenas uma fez este exame na recidiva, não se pode afirmar com segurança
que todas essas crianças eram portadoras de LLA ou
LMA ao diagnóstico inicial ou à recidiva ou que se
tratava de aparecimento de uma neoplasia secundária ao tratamento da LLA, pois tanto o primeiro como
o segundo diagnóstico poderiam estar errados.
Mesmo considerando-se que a LLA de novo é
curável em 70% (dados atuais do Serviço de Hematologia do HC-UFMG, não-publicados) a 80%42
das crianças, permanece o desafio de tratar as
recidivas da doença e tentar evitá-las, pois, como
demostrado no presente estudo e em outros, 4,15,31,32
a recidiva da doença é o principal impecilho para
a cura de uma parcela significativa de pacientes.
CONCLUSÕES
A duração da primeira remissão foi a única variável estatisticamente significativa capaz de predizer
o prognóstico das crianças com recidiva da LLA;
A implantação de protocolos intensivos de tratamento das recidivas que incluam o TMO faz-se
necessária;
Imunofenotipagem, citogenética e biologia molecular devem constituir-se em ferramentas indispensáveis no diagnostico inicial e na recidiva para
que se possa ter segurança na abordagem da LLA.
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ARTIGO ORIGINAL
Tendência da anemia em crianças
de creches da regional leste de
Belo Horizonte, MG
Tendency of the anemia in infants of day care centers of
the regional east of Belo Horizonte, MG
Mariana Rodrigues de Carvalho1, Thaís de Souza Chaves1, Joel Alves Lamounier2, Daniela da Silva Rocha3,
Flávio Diniz Capanema4, Aline Bárbara P. Costa1, Flaviane Alves Toni5, Suellen Fabiane Campos1
RESUMO
Objetivos: Verificar a evolução temporal da prevalência de anemia em crianças de 6
a 72 meses de creches de Belo Horizonte. Métodos: Estudo transversal com coleta de
dados em dois momentos: 2000 e 2005. Participaram creches pertencentes ou conveniadas à prefeitura de Belo Horizonte. Nas duas etapas o tamanho da amostra foi
calculado utilizando prevalência estimada do evento de 30%. A avaliação da anemia
foi realizada com coleta de sangue por punção digital e leitura em hemoglobinômetro
portátil. Foram consideradas anêmicas as crianças com hemoglobina inferior a 11,0g/
dl. Utilizou-se o programa Epi-Info versão 6.04b na análise estatística. Resultados: Foram avaliadas 754 crianças, 350 em 2000 e 404 em 2005. Os dois grupos mostraram-se
semelhantes na distribuição por sexo (49,4% e 48,3% de meninas, respectivamente), média de idade (46 ± 19,47 meses e 45,5 ± 16,3 meses, respectivamente), média dos níveis
de hemoglobina (11,7 ± 1,4 g/dL e 11,8 ± 1,3 g/dL, respectivamente) e prevalência de
anemia (28,9% e 27,0%, respectivamente). Observou-se também a relação diretamente
proporcional entre a concentração de hemoglobina e a idade das crianças. A única variável que apresentou aumento estatisticamente significativo, entre os dois momentos,
foi a média de hemoglobina das crianças com idade entre 24 e 48 meses. Conclusão:
Nesse estudo observou-se uma tendência à manutenção das taxas de anemia. Porém
a prevalência encontrada foi significativamente alta, sinalizando a necessidade, nesse
âmbito, de ações que devem considerar tanto a situação socioeconômica, a alimentação oferecida, assim como a oferta de ferro a estas crianças, fatores estes diretamente
ligados à ocorrência da anemia.
1
Graduanda em Nutrição pela Universidade Federal de
Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte, MG, Brasil
2
Doutor em Saúde Pública e Nutrição pela Universidade
da Califórnia, Los Angeles e professor titular do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da UFMG,
Belo Horizonte, MG, Brasil
3
Mestre em Ciências da Saúde pela Faculdade de Medicina da UFMG e professora do curso de Nutrição do Centro
Universitário UNA e do Centro Universitário Metodista
Izabela Hendrix, Belo Horizonte, MG, Brasil
4
Doutor em Ciências da Saúde pela Faculdade de Medicina da UFMG, professor da Faculdade da Saúde e Ecologia
Humana, Vespasiano, MG, Brasil
5
Graduanda em Nutrição pelo Centro Universitário Metodista Izabela Hendrix, Belo Horizonte, MG, Brasil
Palavras-chave: Anemia; Criança; Pré-Escolar; Creches.
ABSTRACT
Objective summary: It verify the evolution storm of the predominance of anemia in
infants of 6 to 72 months of crèches of Belo Horizonte. Methods: I study cross with
fact-gathering in two moments: 2000 and 2005. Participated belonging or associated
crèches to the city hall of Beautiful Horizon. In the two phases the size of the sample was
calculated utilizing predominance estimated of the event of 30%. The evaluation of the
anemia was carried out with collection of blood by digital puncture and reading in hemoglobinômetro portable. They were considered anemic the infants with lower hemoglobin
to 11,0g/dl. It utilized itself the version Epi-Info program 6.04b in the statistical analysis.
Results: They were evaluated 754 infants, 350 in 2000 and 404 in 2005. The two groups
showed itself similar in the distribution by sex (49.4% and 48.3% of girls, respectively),
medium of age (46 19.47 months and 45.5 16.3 months, respectively), medium of the levels of hemoglobin (11,7 ± 1,4 g/dL and 11,8 ± 1,3 g/dL, respectively) and predominance
of anemia (28.9% and 27,0%, respectively). It observed itself also the straightly propor-
Endereço para correspondência:
Joel A Lamounier
Faculdade de Medicina UFMG
Av. Alfredo Balena, 190
Belo Horizonte - MG
CEP: 30.130-100
Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S63-S69
63
Tendência da anemia em crianças de creches da regional leste de Belo Horizonte, MG
tional relation between the concentration of hemoglobin
and the age of the infants. To only variable that presented increase estatisticamente significant, between the two
moments, was on average of hemoglobin of the infants
with age between 24 and 48 months. Conclusion: In
that study observed itself a tendency to the maintenance
of the rates of anemia. However the predominance
found was significantly high, signalling the need, in that
scope, of actions that should consider so much the situation socioeconômica, the food offered, as well as the
offering of iron to these infants, factors these straightly
connected to the occurrence of the anemia.
Key words: Anemia; Child; Child, Preschool; Child Day
Care Centers.
INTRODUÇÃO
A deficiência de ferro é uma carência nutricional muito comum e a mais disseminada no mundo.1 Atinge em torno de 2,1 bilhões de pessoas,
das quais um terço apresenta evidências clínicas
do problema.2 As maiores prevalências são encontradas nos países subdesenvolvidos3, como mostra
um estudo realizado na Argentina4 que encontrou
incidência de 47% de anemia e uma associação
desta com o baixo consumo de ferro.
A deficiência de ferro pode causar a anemia,
caracterizada pela queda anormal da concentração de hemoglobina no sangue.5 Os principais grupos de risco para o desenvolvimento da anemia
ferropriva são as gestantes e as crianças em fase
de crescimento. Nas crianças de 6 a 24 meses de
idade, faixa etária na qual ocorre o desmame, nota-se a maior suscetibilidade dessa carência. Com
o crescimento da criança, há um decréscimo na
ocorrência da anemia. No entanto, tal deficiência
nutricional não deixa de ser um importante problema em crianças pré-escolares.6
A etiologia da anemia ferropriva se dá através da
combinação de vários fatores desencadeantes que
causam um desequilíbrio entre as necessidades de
ferro do organismo e a quantidade absorvida do
mineral. Dentre os fatores de risco, os mais citados
são: baixa renda familiar e escolaridade materna,
falta de acesso aos serviços de saúde, precariedade
nas condições de saneamento e a dieta inadequada em ferro.7-10 Entre os fatores associados à dieta,
são relatados baixa ingestão de ferro e de alimentos facilitadores da sua absorção, deficiência de
outros nutrientes envolvidos no metabolismo do
ferro, como vitamina A e presença de inibidores da
sua absorção.11-13 Nas crianças menores, destacam64
Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S63-S69
se como fatores de risco a intensa velocidade de
crescimento, o baixo peso ao nascer, o desmame
precoce e a alimentação complementar à base de
leite de vaca com introdução tardia de alimentos
ricos em ferro heme (carnes). 7-14
Há um consenso de que a anemia ferropriva traz
prejuízos funcionais ao organismo. Dentre eles, o
comprometimento da capacidade de trabalho, o aumento da morbimortalidade fetal e também do risco
de baixo peso ao nascer, além de retardo no desenvolvimento psicomotor, dificuldades na aprendizagem cognitiva bem como distúrbios psicológicos e
comportamentais, como falta de atenção, fadiga,
transtornos na memória e irritabilidade.15-18
Estudos com pré-escolares mostram elevada
prevalência de anemia no Brasil onde os valores alcançam 40% em algumas regiões do país.8,19,20 Além
disso, estudos de tendência temporal têm demonstrado um aumento significativo na prevalência desse distúrbio nutricional nas últimas décadas.8, 20
Uma vez que não existe levantamento que avalie a
prevalência de anemia a nível nacional, toma-se como
referência estudos realizados na cidade de São Paulo
e no estado do Paraíba, nos quais foi observado um
aumento na prevalência de anemia em crianças com
idade inferior a 5 anos, sem que houvesse piora significativa em seu indicadores socioeconômicos.8,20
Considerando a escassez de informações sobre
a evolução da anemia por deficiência de ferro no
município de Belo Horizonte nos últimos anos, assim como a importância dessa enfermidade e suas
conseqüências no desenvolvimento de crianças, o
presente estudo teve como objetivo verificar a evolução temporal da prevalência de anemia entre os
anos de 2000 e 2005 em crianças de 6 a 72 meses
incompletos, institucionalizadas em creches da regional leste de Belo Horizonte, MG.
MÉTODOS
A tendência da evolução da anemia em Belo
Horizonte foi delineada com base em um estudo
transversal constituído de duas etapas em crianças de 6 meses a 6 anos incompletos.
Elegeu-se como local de estudo a Regional Leste da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte (PBH)
por razões de operacionalidade e por ser representativa do universo da cidade. Nessa região estão
concentrados 11,4% da população total existente. A
Tendência da anemia em crianças de creches da regional leste de Belo Horizonte, MG
região leste compreende uma área de 26,9 Km2 e
limita-se com o município de Sabará e com os Distritos Sanitários Centro-Sul e Nordeste. Conta com
2.646 crianças distribuídas em duas creches próprias pertencentes à prefeitura e outras 24 conveniadas, abrangendo um total de 13,2% das crianças
atendidas em creches públicas nesse município.21
A população residente na regional leste apresenta características heterogêneas em relação à
condição socioeconômica, sendo constituída tanto por indivíduos em condições precárias de vida
como por outros provenientes de famílias com razoável poder aquisitivo. Porém, as crianças atendidas nas referidas creches pertencem às classes
socioeconômicas menos favorecidas, informação
obtida através de questionário socioeconômico
(dados não apresentados).
A coleta dos dados foi realizada em dois momentos, nos anos de 2000 e 2005 em crianças regularmente matriculadas em creches conveniadas
com a PBH.
No ano 2000, para determinação do tamanho
da amostra, foi consultado o número total de crianças de 0 a 6 anos incompletos matriculadas nessas
creches, num total de 2.179 crianças, segundo relatório da Secretaria Municipal de Saúde da PBH21.
Utilizou-se os valores de 30% de prevalência esperada de anêmicos em geral, considerando as estimativas dessa doença em várias regiões do Brasil
na época do estudo, margem de erro de 5% e 95%
de confiabilidade. Para se chegar ao valor mínimo
de 281 crianças como amostra utilizou-se o programa Staltac do Software Epi Info, versão 6.04.22
Preservando-se a aleatoriedade desejada na composição da amostra foram avaliadas, para a realização do estudo, 322 crianças de 2 creches situadas
no Bairro Nova Vista. Como critério na escolha das
creches foi usada a maior concentração de crianças
matriculadas e também a proximidade entre elas.
Para calcular a amostra a ser analisada em 2005
utilizou-se o mesmo programa estatístico usado no
primeiro momento e o mesmo valor de prevalência esperada de anemia, com precisão de 5% e intervalo de confiança de 95%, alcançando assim o
valor de 319 crianças.
Para compensar possíveis perdas acrescentou-se
20% a esse valor, atingindo então o total de 382 como
número mínimo de crianças a serem avaliadas.
As crianças foram selecionadas através da randomização com uso do programa Excel 2003.23
Para determinação do número de crianças a serem
analisadas em cada um das 25 creches foi levado
em consideração o peso que cada creche representa em relação ao somatório de crianças matriculadas nas mesmas. O tamanho final da amostra
foi de 407 crianças.
O responsável por cada uma recebeu informações a respeito dos objetivos da pesquisa assim
como sobre a realização dos exames. Foi solicitada a assinatura do termo de consentimento livre
e esclarecido, e assumido o compromisso do repasse dos resultados ao fim do estudo conforme
preconiza a resolução do Conselho Nacional de
Saúde 196, de 10 de outubro de 1996.
Os critérios de exclusão do estudo foram apresentar no dia do exame sinais e sintomas de doenças infecciosas ou doenças crônicas; uso de medicamentos contendo ferro; as crianças sabidamente
portadoras de outros tipos de anemia e aquelas
cujo responsável não consentiu a participação na
pesquisa.
Nos dois momentos, para avaliação da anemia,
foi coletada em microcuvetas descartáveis uma
amostra de sangue de cada criança por punção capilar. A concentração de hemoglobina foi medida
através de fotômetro portátil (hemoglobinômetro)
da marca Hemocue®. Foram consideradas como
anêmicas as crianças com hemoglobina inferior
a 11,0 g/dL1 e para definição dos graus de anemia
foram utilizadas as seguintes categorias: anemia
grave (hemoglobina < 7,0 g/dL); anemia moderada
(hemoglobina entre 7,0 e 9,0 g/dL) e anemia leve
(hemoglobina > 9,0 g/dL e menor que 11,0 g/dL).24
Os dados da prevalência de anemia obtidos nos
anos de 2000 e 2005 foram comparados para se estabelecer a tendência da evolução da anemia.
Utilizou-se o programa Epi Info, versão 6.04b22
para compilação e análise dos dados. Para análise estatística foram utilizados os testes: de normalidade (Kolmogorov-Smirnov) para verificar o
tipo de distribuição da variável hemoglobina, o
teste T de Student para a comparação das médias
de hemoglobina nos dois momentos, o teste de
Mann-Whitney para comparação de medianas, e
o Qui-quadrado para comparar as prevalências de
anemia encontradas em 2000 e 2005 (intervalo de
confiança – 95%).
Ambas as etapas do estudo foram aprovadas
pelo comitê de ética e Pesquisa da UFMG – COEP
sob os números: ETIC 123/00 e 273/04.
Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S63-S69
65
Tendência da anemia em crianças de creches da regional leste de Belo Horizonte, MG
RESULTADOS
e 46% acima de 48 meses (43, 175 e 186 crianças,
respectivamente). A média de idade foi de 45,5 ±
16,3 meses.
A prevalência de anemia encontrada no segundo
momento foi de 27,0 %, com média de hemoglobina
de 11,8 ± 1,3 g/dL (Tabela 1) . Observou-se que menos de 1% das crianças apresentou anemia grave.
Ao se observar a média de hemoglobina em relação às idades, encontrou-se 10,4 ± 1,4 g/dL em
menores de 24 meses, 11,8 ± 1,3 g/dL para crianças
entre 24 e 48 meses e 12,2 ± 1,2 g/dL para aquelas
acima de 48 meses (Tabela 1). Houve diferença estatisticamente significativa na concentração de hemoglobina nas diferentes faixas etárias(p < 0,001).
Em relação aos sexos, obtive-se em ambos média de hemoglobina de 11,8 ± 1,4g/dL, não havendo, portanto, diferença entre eles.
As prevalências de anemia global e por faixa
etária, assim como os valores de hemoglobina por
faixa etária estão na tabela 1.
A situação da anemia em 2000
Avaliou-se 350 crianças sendo 49,4% do sexo feminino. Do total de crianças 17,7 % tinha menos de
24 meses, 34% de 24 a 48 meses e 48,3% acima de 48
meses (62, 119 e 169 crianças, respectivamente). A
média da idade das crianças foi 46 ± 19,47 meses.
A média de hemoglobina foi 11,7 ± 1,4 g/dL (Tabela
1). Valores compatíveis com o quadro de anemia grave
(Hb < 7,0 g/dL) foram encontrados em menos de 1% das
crianças. A prevalência global de anemia foi de 28,9%.
Analisando-se a hemoglobina em relação à faixa etária, encontrou-se valores médios de 10,5 ± 1,3
g/dL para crianças menores que 24 meses, 11,5 ±
1,3 g/dL entre 24 e 48 meses e 12,3 ± 1,2 g/dL para
aquelas acima de 48 meses (Tabela 1). Houve diferença estatisticamente significativa entre a concentração de hemoglobina por faixa etária.
Levando-se em consideração o sexo, a média
de hemoglobina encontrada foi 11,8 ± 1,3 g/dL para
o sexo feminino e 11,6 g/dL ± 1,5 para o sexo masculino. Não houve diferença estatisticamente significativa nesse caso (p = 1) (Tabela 1).
Comparação dos resultados encontrados
nos dois momentos
Não houve diferença estatisticamente significativa entre as prevalências de anemia nem entre as
médias de hemoglobina nos anos de 2000 e 2005 no
conjunto das crianças. Tais resultados mostram uma
tendência de manutenção das taxas de anemia.
Ao se analisar separadamente as faixas etárias,
conclui-se que nos grupos de crianças menores de
24 e maiores de 48 meses não foram encontradas
diferenças estatisticamente significativas nas médias de hemoglobina (p =0,665 e 0,342 respectivamente). Já no grupo formado pelas crianças com
idade entre 24 e 48 meses, a média de hemoglobina aumentou significativamente (p=0,040). As prevalências de anemia por faixa etária nos anos de
2000 e 2005 estão representadas no gráfico 1.
A situação da anemia em 2005
Constatou-se que 48,3% das 404 crianças eram
do sexo feminino. Do total de crianças 10,6 % tinham menos de 24 meses, 43,3% de 24 a 48 meses
Tabela 1 - Comparação dos valores médios de hemoglobina em amostra de crianças de creches conveniadas à PBH na regional leste de Belo Horizonte
Valores de HB
n
2000
n
Média ± DP
66
2005
Teste Anova
P
Média ± DP
Global
350
11,7 ± 1,4
404
11,8 ± 1,3
0,98
0,32
< 24 meses
62
10,5 ± 1,3
43
10,4 ± 1,4
0,15
0,70
24 - 48 meses
119
11,5 ± 1,3
175
11,8 ± 1,3
3,79
0,05
> 48 meses
169
12,3 ± 1,2
186
12,2 ± 1,2
0,61
0,43
Masculino
173
11,8 ± 1,3
195
11,8 ± 1,4
0,00
0,97
Feminino
177
11,6 ± 1,5
209
11,8 ± 1,4
2,12
0,14
Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S63-S69
Tendência da anemia em crianças de creches da regional leste de Belo Horizonte, MG
100
90
80
< 24
24 - 48
> 48
Prevalência Global
70
60
50
40
30
20
10
0
2000
2005
Figura 1 - Prevalência de anemia em crianças de creches da regional leste de Belo Horizonte nos anos de
2000 e 2005
Quando os resultados foram avaliados separadamente de acordo com o sexo, não houve diferença estatisticamente significativa entre as médias de
hemoglobina nos dois momentos de estudo.
DISCUSSÃO
As prevalências de anemia encontradas nos
dois momentos da análise (28,9% em 2000 e 27,0%
em 2005) foram inferiores às obtidas em diversos
estudos realizados no Brasil.8,9,20,25,26 No entanto,
observou-se prevalência de anemia de 27,0% em
crianças de 0 a 59 meses em estudo realizado na
cidade de Vitória, ES, valor semelhante ao encontrado no presente estudo.27
Através da categorização da variável idade,
observa-se tendência das crianças mais jovens em
apresentar concentrações de hemoglobina menores,
dados esses compatíveis com os achados em outros
estudos.8,20,28 A maior vulnerabilidade desse grupo de
crianças poderia ser conseqüência de seqüelas do
desmame precoce, da alimentação pouco variada,
do consumo de leite fluido que pode provocar microhemorragias no trato gastrointestinal, e maior predisposição a doenças infecciosas e parasitárias.20
A distribuição da anemia segundo o sexo apresentou comportamento homogêneo, conforme
achados de outros estudos, nos quais o sexo não
foi um fator determinante da anemia.9,25 No entan-
to, tais dados diferem dos resultados obtidos em
estudo na Paraíba no ano de 1992, no qual a prevalência de anemia em crianças do sexo masculino
foi significativamente maior do que em crianças do
sexo feminino. Essa diferença necessita de melhores explicações, uma vez que não foi encontrado
fatores que expliquem a maior vulnerabilidade do
sexo masculino a essa carência nutricional.20
Não houve mudança significativa na prevalência de anemia, bem como nas médias de hemoglobina das crianças avaliadas na regional Leste
de Belo Horizonte entre os anos de 2000 e 2005.
A tendência de manutenção das taxas de anemia
difere dos resultados encontrados em estudos realizados nos estados de São Paulo e da Paraíba
que mostram elevação da prevalência de anemia.
Aumentos de 25% foram observados am São Paulo
entre os anos de 1984/85 e 1995/96, e incremento
de 88,5% na Paraíba entre 1981 e 1982.8,20 No primeiro estudo, não foram encontrados fatores determinantes para a ascensão da prevalência de
anemia, uma vez que no período estudado houve
uma melhora do poder aquisitivo, da escolaridade
materna, do saneamento e do acesso aos serviços
de saúde e não o contrário, como seria esperado.
Porém, pode ter ocorrido uma mudança no padrão alimentar das crianças, contribuindo para o
aumento da prevalência de anemia, fator que não
foi avaliado de modo preciso.8 No estudo desenvolvido na Paraíba, a hipótese da tendência de auRev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S63-S69
67
Tendência da anemia em crianças de creches da regional leste de Belo Horizonte, MG
mento da prevalência de anemia seria a de que a
crise política atravessada pelo estado nos 15 anos
anteriores ao estudo repercutiu no perfil de saúde
da população.20
A alta prevalência de anemia é bastante preocupante, levando-se em consideração que a população estudada é institucionalizada e teria, portanto,
acesso garantido a uma alimentação balanceada,
além de cuidados gerais com saúde.25
Dentre os fatores que podem ter contribuído
para o quadro de anemia estão: provável ausência
ou baixo conteúdo de alimentos fontes de ferro
no cardápio oferecido pelas creches; presença de
agentes inibidores e/ou reduzida presença de agentes facilitadores na dieta, levando a uma baixa absorção do ferro biodisponível.25 Porém o consumo
alimentar das crianças não foi contemplado neste
trabalho, constituindo-se um limitante do mesmo.
Outro aspecto relevante que precisa ser considerado é a baixa condição socioeconômica dessas crianças que impõe condições de vida que as
deixam mais susceptíveis a infecções respiratórias,
parasitoses intestinais e diarréia, o que pode comprometer fortemente a ingestão, absorção e utilização biológica do ferro.25
Era de se esperar que a prevalência no segundo
momento fosse estatisticamente inferior levandose em consideração a determinação do Ministério
da Saúde que determina que toda farinha de trigo
e milho produzida no Brasil a partir de julho de
2004 deve receber adição de ferro e ácido fólico26.
O fato da estabilização do valor de prevalência
suscita dois fatos importantes a serem discutidos
sobre essa lei. A partir de quando se pode afirmar
que todas as farinhas disponíveis no mercado realmente estão fortificadas? Será que os alimentos
ricos em farinhas são freqüentemente consumidos
pela faixa etária em questão no estudo?
Conclui-se que as ações estabelecidas pelo governo para prevenção da anemia ferropriva, em
especial o programa de fortificação das farinhas
de trigo e milho, podem não ter sido eficazes no
que diz respeito à prevenção deste problema. A
alta prevalência da anemia ferropriva indica uma
situação preocupante e a necessidade da implementação de medidas corretivas a fim de impedir
que mais crianças sejam acometidas pelos sinais
e sintomas trazidos por essa deficiência. São ainda necessários estudos que possam analisar a real
eficácia do programa de fortificação das farinhas
68
Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S63-S69
na prevenção da anemia ferropriva, uma vez que
o tempo decorrido entre a entrada em vigor da lei
que determina a adição de ferro nas farinhas e a
avaliação da prevalência de anemia nas crianças
foi pequeno. São necessários, ainda, estudos que
avaliem a eficácia de outras formas de combate a
essa doença, como a fortificação de outros alimentos e da água.
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Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S63-S69
69
ARTIGO DE REVISÃO
Aleitamento materno e doenças
inflamatórias intestinais
Breastfeeding and inflammatory bowel disease
Cecy Maria Lima Santos1; Aline Cássia de Andrade Sayão2; Luciana Cota Pinto Coelho2; Pollyanna Pamela Caetano
de Carvalho2
RESUMO
1
Nutricionista, especialista em Nutrição Humana,
mestranda do Programa de Pós-graduação em Ciências
da Saúde área de concentração saúde da criança e adolescente da Faculdade de Medicina da UFMG. Docente do
Centro Universitário Uni-bh
2
Nutricionistas formadas pelo Centro Universitário Uni-BH
Doença inflamatória intestinal (DII) é uma doença crônica que tem como suas principais formas: a retocolite ulcerativa (RCU) e a doença de Crohn (DC). Esta doença
é caracterizada por edema, ulceração e perda de função intestinal. Tem sido estudado, exaustivamente, se a amamentação pode influenciar o desenvolvimento destas
doenças. O leite humano é recomendado como nutriente exclusivo para alimentação
de recém-nascidos nos primeiros seis meses de vida, e sugerido sua manutenção,
acrescido de alimentos sólidos, até dois anos de idade. É inquestionável seus benefícios
nutricionais, imunológicos e psicossociais. O leite humano tem combinação única e específica de elementos tais como proteínas, lipídeos, carboidratos, vitaminas, enzimas,
minerais e anticorpos que garantem o desenvolvimento normal dos recém-nascidos.
Este estudo fez uma revisão de literatura no que diz respeito a relação entre amamentação e DII, especialmente DC e RCU. Foi realizada uma pesquisa de artigos nacionais e
internacionais envolvendo o tema, e os artigos selecionados foram discutidos em nossa
revisão. Encontrou-se que a amamentação protege o recém-nascido contra diversas
doenças infecciosas, entretanto não há um consenso de que o aleitamento materno
seja fator protetor contra as DIIs. Esses achados podem estar relacionados as diferentes
metodologias utilizadas nos artigos avaliados.
Palavras-chave: Aleitamento Materno; Doença de Crohn; Proctocolite
ABSTRACT
Endereço para correspondência:
Cecy Maria Lima Santos
R: Oswaldo Cruz 411/301
B: Nova suíça
Belo Horizonte - MG
Email: [email protected]
70
The inflammatory bowel disease (IBD) is a chronic disease in which the retocolitis ulcerative and the Crohn’s disease represents its main forms. The disease is characterized by
swelling, ulcerations, and loss of function of the intestines. It has been exausted studied if
breastfeeding can influence the development of these diseases. The human milk is recommended as the exclusive nutrient source for feeding infants for the first six months of life
and it should be continued with the addition of solid foods after six months of age untill
the second year of life. It has an unquestionable nutritional, immunological, psychological
benefits. Human milk has an unique and specific combination of elements such proteins,
lipids, carbohydrates, vitamins, enzymes, mineral and antibodies that guarantees the
normal development of the infants. This study tried to review the literature concerning
the breastfeeding and the IBD, specially CD and URC. It was realized search for articles
involving this subject and the selected articles were discussed in our review. We found
that breastfeeding protects the newborn against several infectious diseases, but there
is not a consensus that it may be a protective factor to the development the inflamatory
bowel disease. This finding may be related to the differents methodologies utilized in the
articles evaluated.
Key words: Breast Feeding; Crohn Disease; Proctocolitis
Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S70-S76
Aleitamento materno e doenças inflamatórias intestinais
INTRODUÇÃO
A importância do leite humano como protetor contra determinadas doenças é conhecida há
muitos anos.1 A Organização Mundial de Saúde
(OMS) recomenda o aleitamento materno exclusivo até os seis meses de vida e sua manutenção
até os dois anos de idade.2 O leite humano, dentre
os seus componentes nutritivos, contém, em sua
composição, células, membranas e moléculas que
conferem proteção ao recém-nascido3, pois o mesmo se apresenta totalmente livre de microbiota
associada. Por isso, é fundamental para a criança
que suas superfícies e mucosas sejam colonizadas
rapidamente pelos microrganismos, reduzindo de
forma significativa os riscos de ocorrências de doenças agudas e crônicas, o que também implicará
na futura vida adulta.4Vale lembrar que as portas
de entrada de um grande número de infecções são
as superfícies mucosas, especialmente do aparelho digestório e respiratório5.
A efetividade da ação protetora conferida pelo
leite humano é diretamente proporcional ao número e duração das mamadas, possuindo relação direta no que se diz “efeito dose-resposta”. A importância de aleitamento materno é ainda enfatizada
pelo fato de ser considerado os dois primeiros meses de vida como o período de maior velocidade
de crescimento e vulnerabilidade da criança.5 Não
existe leite que possa substituir o leite humano em
suas inúmeras vantagens.6
No início do processo de amamentação, o intestino do lactente é invadido e colonizado por
uma variedade de microrganismos7, sendo esse
o principal determinante da composição da microflora intestinal, existindo ainda outros fatores
que interferem na colonização bacteriana, entre
eles: o tipo de parto, o genótipo do indivíduo e
agentes antimicrobianos (antibióticos).8 Em torno
dos dois anos de idade, a microflora intestinal da
criança se torna estável, alcançando assim a flora
tipo adulto.8
Alguns componentes do colostro e do leite maduro são reconhecidos por serem favoráveis para a
implantação de certos grupos bacterianos com grande importância para a saúde da criança, tais como
as Bifidobacteria. O leite materno possui ainda, em
menor extensão, bactérias como Escherichia coli,
Staphilococus e Clostridium4 A mucosa intestinal é
uma importante barreira celular e o principal local
de interação das substâncias estranhas e microrganismos externos. O intestino é o primeiro órgão
imune do corpo humano representado pelo tecido
linfóide associado ao intestino (GALT) através da
imunidade adquirida ou inata. O GALT é composto
por tecidos linfóides agregados (formados pela placa de Peyer e folículos linfóides isolados) e células
não agregadas presentes na lâmina própria e regiões intraepiteliais do intestino.9 A introdução do leite de vaca ou alimentação complementar altera a
flora fecal, passando a ser constituída de bactérias
anaeróbicas facultativas. As espécies predominantes passam a ser Klebsiela, Enterobactérias, Bacteróides e Clostridium, apesar das bifidobactérias
fazerem parte, em menor proporção.4
A Doença Inflamatória Intestinal (DII) é uma
doença crônica, de etiologia desconhecida, que
provavelmente estão envolvidos fatores ambientais, microflora do hospedeiro, predisposição genética e uma resposta imune anormal, ou autoimune na parede intestinal.10 Não existe um agente
microbiano específico causador da DII, contudo
as evidências sugerem que a doença está ligada
ao desequilíbrio entre as bactérias patogênicas e
benéficas.8 A DII possui duas formas mais comuns
de apresentação: a Retocolite Ulcerativa (RCU) e a
Doença de Crohn (DC).
A DC se caracteriza por inflamação com
maior freqüência na região terminal do íleo,
intercalando áreas segmentadas saudáveis do
intestino com porções inflamadas; a RCU é limitada ao comprometimento da mucosa do colón,
estendendo continuamente, comprometendo
parte ou todo o cólon, sempre iniciando pelo
reto.10-12 Na DC todas as camadas da mucosa
são acometidas, sendo denominada transmural.
Já na RCU é um processo inflamatório crônico,
restrito às camadas mucosa e submucosa do intestino grosso.10,11 A prevalência das DIIs na infância vem aumentando com o passar dos anos,
sendo atribuído a fatores dietéticos e ambientais
envolvidos na sua etiologia.13
O leite humano é rico em citocinas que podem interagir com receptores presentes na mucosa do trato gastrointestinal, contribuindo de
forma significativa nos mecanismos de defesa.
Nos três primeiros meses de lactação, os agentes
imunomoduladores (interleucinas, fator de necrose tumoral e prostaglandinas) estão presentes
em concentrações elevadas.14
Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S70-S76
71
Aleitamento materno e doenças inflamatórias intestinais
METODOLOGIA
Para a realização deste trabalho foram pesquisados estudos que associavam o aleitamento materno
e doenças inflamatórias intestinais. Foram selecionadas publicações no MEDLINE, PUBMED, LILACS,
CAPES e SCIELO, no período anterior a março de
2007. Especificamente, foram utilizados as seguintes palavras-chave: aleitamento materno, doença
inflamatória intestinal, doença de Chron, retocolite
ulcerativa, e várias combinações entre elas.
DESENVOLVIMENTO
Em 1984, foi publicada a primeira meta-análise
mostrando que aleitamento materno exclusivo até
4-6 mês de vida reduz a mortalidade infantil por
doenças infecciosas.15 Em um estudo do tipo casocontrole, demonstraram que quanto maior o período de aleitamento materno exclusivo, menor o
risco de morte por diarréia e outras infecções.16
Além disto, tem-se demonstrado que o uso do
leite materno, pelos recém nascidos prematuros e
de baixo peso, levam a maiores índices de inteligência17 e acuidade visual18.
Por muitos anos desconheceu-se o valor nutricional e imunológico do leite materno e o valor do
ato de amamentar e suas conseqüências fisiológicas, emocionais e de redução da morbi-mortalidade materna e infantil. Porém, nos dias atuais o aleitamento materno é indicativo de saúde do binômio
mãe e filho. Os conhecimentos das últimas duas décadas evidenciam que a ausência de amamentação
está relacionado com o aumento da incidência e da
gravidade de doenças na infância, dentre as quais
podemos citar: a enterocolite necrotizante19, o diabetes20, as atopias21, as pneumonias22 e as doenças
inflamatórias intestinais, tais como RCU e DC23,24 .
Em trabalho realizado por Whorwell et al25,
verificou-se que o aleitamento materno é fator protetor contra RCU, principalmente nas duas primeiras semanas de vida, e que o aleitamento artificial
é fator de risco. Os autores ainda concluíram que
a presença de episódios de gastroenterite precoce na vida do indivíduo predispõem a DC, independentemente, do tipo de aleitamento. Em seu
estudo foram avaliados 57 pacientes com DC e 51
com RCU e comparados a indivíduos sadios (controles). O questionário utilizado continha detalhes
72
Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S70-S76
sobre: o local do nascimento, a ocupação do pai
no nascimento da criança, o tipo de aleitamento e
sua duração, a ordem de nascimento na família, a
história de gastroenterite nos primeiros seis meses
de vida e a presença de atopias. Os resultados encontrados mostraram que:
■
no grupo de pacientes com RCU, o número de
recém-nascidos amamentados foi significativamente menor do que no grupo controle (p=
0.005). Esta diferença não foi encontrada quando os recém-nascidos eram amamentados por
período igual ou superior a duas semanas;
■
no grupo de pacientes com DC, a história de
gastroenterite precoce foi fator significativo de
risco para DC (p = 0.005);
■
não houve diferença estatisticamente significativa entre os grupos para os outros parâmetros
estudados (local de nascimento, classe social,
ou ordem de nascimento na família).
Os autores justificaram a predisposição da RCU
pelo leite de vaca, através de mecanismos de alteração de flora intestinal e resposta imune anormal
em relação as enterobactérias. No que diz respeito
a predisposição da DC por episódios de gastroenterite nos primeiros seis meses de vida, parece que
tal fenômeno estaria relacionado com a cronificação da infecção que no futuro culminaria com o
quadro compatível com a DC.
Em outro trabalho desenvolvido por Bergstrand
& Hellers26, foi estudado o histórico alimentar de
616 indivíduos suecos, no que diz respeito a sua
amamentação. Foi encontrado diferença estatisticamente significativa entre o período do aleitamento materno entre o grupo controle (média de 5,76
meses) e o grupo de pacientes com DC (média de
4,59 meses). Isso mostrava que o aleitamento materno poderia ser fator de proteção contra a DC.
Através de um estudo multicêntrico que envolveu nove países e 14 centros de referência, investigou-se a etiologia e patogenia da DC e RCU.
Este estudo envolveu 499 casos de portadores
de DII (que desenvolveram a doença antes dos
20 anos de idade e tinham cerca de 25 anos no
momento do estudo) e 499 controles hígidos. Os
autores verificaram maior incidência de eczemas
nos parentes de primeiro grau de pacientes com
DC (p < 0.05), como também maior freqüência e
gravidade de quadros respiratórios nos portadores
de DII (p<0,001). Ainda foi verificado que pais de
Aleitamento materno e doenças inflamatórias intestinais
pacientes com RCU apresentaram mais eventos
cardiovasculares e gastrointestinais no período de
nascimento dos pacientes. Entretanto, este estudo
não encontrou diferença estatisticamente significativa no que diz respeito ao aleitamento materno,
acréscimo de açúcar ao leite, consumo de cereais,
gastroenterite na infância e estresse do dia a dia27.
Koletzko et al28, desenvolveram estudo sobre
efeito do aleitamento materno sobre a DC. Segundo os autores a DC poderia ser um evento relacionado à exacerbação da resposta imune em
indivíduos geneticamente predispostos, mas que
conforme alguns autores26, o aleitamento materno
parecia ter efeito protetor sobre a DC. Em seu estudo foram entrevistados 107 famílias com indivíduos jovens (< 18 anos) com diagnóstico confirmado
de DC por exame histológico, radiológico e endoscópico, incluindo irmãos saudáveis (controles).
Foram questionados sobre história da amamentação e presença de diarréias na infância. Também
foram obtidos dados em relação ao gênero, idade,
nascimento prematuro e idade de início de introdução de alimentos sólidos. Foi utilizado o teste “tstudent” para comparar os valores médios encontrados e um modelo de regressão logística para
analisar os potenciais fatores de riscos dentro de
famílias com indivíduos afetados e não afetados.
Tal análise de potencial fatores de risco mostrou
que indivíduos com DC tinham apresentado menores taxas de aleitamento materno (p<0.01),
maiores taxas de aleitamento artificial (p<0.02),
e maiores taxas de diarréia na infância (p<0.02).
Não foram encontradas, em relação aos outros fatores estudados, diferença estatisticamente significativa. E após análise multivariada, foi encontrado
somente dois fatores considerados independentes
em relação ao risco de desenvolvimento de DC:
a falta do aleitamento materno e a presença de
gastroenterite durante a infância.
Koletzko et al.29, investigou a influência da amamentação e das diarréias na infância como fatores
de risco, desta vez, no desenvolvimento da RCU.
Foram utilizados os mesmos métodos estatísticos
do artigo anterior. Entretanto, neste estudo foram
incluídos 108 famílias com indivíduos que apresentavam diagnóstico de RCU em pelo menos uma das
crianças da família. Neste estudo a análise multivariada mostrou que as crianças com RCU apresentaram mais episódios diarréicos durante a infância
(p=0.03), e o sexo feminino (p=0.01) eram fatores
independentes para desenvolvimento futuro da
doença. Surpreendentemente, não foi encontrada
diferença estatisticamente significativa em relação
ao tipo de aleitamento (p=0.19).
Ekbom et al.30, examinaram dados hospitalares
de 257 adultos com DII comparando-os aos dados
de outros 514 indivíduos (controles) nascidos em
um Hospital Universitário da Suécia. Os dois grupos foram pareados quanto o dia do nascimento,
sexo, e idade materna ou tipo de parto. O estudo
mostrou que, no período perinatal, tanto eventos
infecciosos como não infecciosos, para mãe e/ou
recém-nascidos, aumentavam o risco de DIIs, contradizendo outros achados. Outro dado encontrado neste estudo demonstrou que haviam maiores
taxas de DIIs em pacientes de nível sócio-econômico mais baixo. Tal achado poderia ser explicado
pelas baixas condições de higiene desta população, fato que pode culminar em maiores taxas de
diarréias e outras doenças infecciosas.
Corrao et al31, através de estudo do tipo casocontrole, em que se avaliou uma população, de 819
indivíduos (594 RCU e 225 DC), entre 18 e 65 anos
de idade, em 10 cidades italianas, associaram a ausência do aleitamento materno com o aumento do
risco de DC (odds ratio → OR: 1.9) ou RCU (OR:
1.5). Neste mesmo estudo, os autores encontraram
risco aumentado para RCU em ex-tabagistas (OR:
3.0); e risco aumentado para desenvolvimento de
DC em tabagistas (OR: 1.7) e usuárias de contraceptivo oral (OR: 3.4). As informações sobre amamentação na infância, incluindo sua duração, foram
coletadas dos pacientes, com ajuda de seus pais,
quando possível ou quando os indivíduos do estudo não lembravam. Muitos pacientes e pais não se
lembravam da duração da amamentação; consideraram então, essa variabilidade de forma dicotômica (amamentação na infância: sim ou não). Assim
sendo, este estudo pode mostrar viés, uma vez que
o tempo e período do aleitamento materno foi indicado por alguns autores, como importante fator
de proteção contra a RCU25 e DC28.
Confirmando os achados de Corrao et al.31,
Urashima et al.32, publicaram um artigo demonstrando que os recém-nascidos que eram amamentados, no mínimo por quatro meses, apresentaram menor risco de desenvolver DII. Neste
estudo foram analisados pacientes japoneses
(<15 anos) que desenvolveram DC (578 indivíduos) ou RCU (260 indivíduos) durante a infância.
Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S70-S76
73
Aleitamento materno e doenças inflamatórias intestinais
Ao comparar o grupo que amamentou por quatro meses com o grupo que recebeu alimentação
artificial, este último tinha maiores riscos de desenvolver DIIs na infância.
Klement et al.33, com o objetivo de determinar quais fatores ambientais contribuíam para o
desenvolvimento de DC ou RCU, fez uma revisão
de 17 artigos relacionados com o tema. Verificou
que fatores como fumar e usar contraceptivo oral
eram determinantes para o desenvolvimento de
DII. Nesta análise, encontrou outro fator, o efeito
do leite humano no desenvolvimento tardio da DC
e RCU. Para este último fator, baseando nos artigos
que confirmavam esse efeito protetor da amamentação, foram relatados três motivos, sendo o primeiro as propriedades imunomoduladoras do leite humano, que através da amamentação, oferece
proteção contra muitas doenças, tornando plausível a proteção similar em relação a DII. Como
segundo motivo, Klement et al.34 relatam que a
exposição da criança ao leite materno durante o
período de desenvolvimento de seu sistema imune, pode melhorar a tolerância aos antígenos
presentes nos alimentos e microflora específica.
Tal fato já havia sido relatado por Hanson et al.35,
ao afirmar que o aleitamento materno promove o
aumento da tolerância imunológica, podendo diminuir o risco de doenças autoimunes futuramente, ou seja, a prática da alimentação infantil sem
o uso de leite humano ou exposição precoce de
antígenos da dieta está diretamente relacionada
com o aumento do risco em desenvolver DII. O
terceiro e último motivo era a demonstração de
que o uso do leite materno, em ratos com deficiência de interleucina 10 (IL-10), limitava o desenvolvimento de colite nestes animais. Este mesmo
achado foi observado por outros dois autores.14,23
Eles demonstraram, em seus trabalhos, que a IL-10
exerce atividade anti-inflamatória e imunomoduladora, estando presente em elevadas concentrações no leite humano nas primeiras 80 horas de
lactação. A IL-10 é encontrada na porção lipídica e
fase aquosa do leite humano. Estes achados explicaram que a substituição de bactérias patogênicas
por bactérias simbióticas (Bifidubacteium e Lactobacillus) na flora intestinal dos ratos é resultado
de oligossacarídeos encontrados no leite.
Já Baron et al.35, foram os primeiros investigadores que atribuíram o aleitamento materno como
fator de risco para DC. Eles analisaram a popula74
Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S70-S76
ção através de estudo caso-controle utilizando pacientes que tinham o diagnóstico para DC e RCU,
com menos de 17 anos de diagnóstico de DII. Os
controles foram selecionados por uma lista telefônica e pareados para cada caso por idade (em torno de dois anos), sexo e área onde residia (região).
O local de realização do trabalho foi uma parte
do Norte da França. Entre 282 pacientes, 222 eram
acometidos por DC e 60 por RCU. A média de idade da confirmação do diagnóstico foi de 13,5 anos
para DC e 14 anos para RCU. No grupo de DC, a
maioria eram homens (54%) e no grupo de RCU a
maioria eram mulheres (61,6%). Foi reproduzido
um questionário com 140 questões relacionadas
a seis diferentes áreas: história familiar de DII,
período perinatal (doenças durante a gravidez,
idade gestacional, altura e peso do recém nascido, infecção e hospitalização durante o primeiro
mês de vida), alimentação do bebê, infecções na
infância, condições higiênico-sanitárias (água
encanada e filtrada, tipo de instalação sanitária)
e status sócio-econômico dos pais e crianças. A
amamentação, tanto parcial como exclusiva, foi
considerada fator de risco para DC.
Uma hipótese proposta relaciona-se á infecções tardias que podem conduzir a uma resposta
imune inapropriada e com isso ocorrer persistência da inflamação intestinal. Contudo, de acordo
com Ministério da Saúde36, a amamentação é conhecida como a promoção da proteção imunológica do recém-nascido. O leite humano, em virtude
das suas propriedades antiinfecciosas, protege as
crianças contra diferentes infecções desde os primeiros dias de vida. Em maternidades de países
em desenvolvimento que passaram a promover o
aleitamento materno, a incidência de infecções neonatais foi reduzida.
Portanto a hipótese mais plausível seria a contaminação do leite humano, por ser o Norte da
França uma área altamente industrializada, com
a presença de contaminantes ambientais e substâncias químicas. Alguns autores37,38 já haviam
relatado que partículas ultrafinas ou finas são potenciais coadjuvantes dos antígenos, provocando
respostas imunes e causando inflamação em indivíduos susceptíveis. Segundo Euclydes7, os contaminantes químicos potencialmente tóxicos, de
modo geral, concentram-se na cadeia alimentar e,
posteriormente, são armazenados no tecido adiposo. E como, em sua maioria são lipossolúveis,
Aleitamento materno e doenças inflamatórias intestinais
a possibilidade de contaminação química do leite
humano é motivo de grande preocupação. A única forma de eliminar compostos lipossolúveis é
através da via biliar ou da glândula mamária, podendo a amamentação favorecer este processo.
Em casos raros que se constata esta exposição e
os níveis no leite materno forem elevados, a amamentação se torna não recomendada.
Com exceção dos contaminantes ambientais que podem interferir na composição do leite materno, Davis39 e Loftus Júnior40, sugeriram
os efeitos protetores da amamentação contra o
desenvolvimento da DII. O primeiro autor relata
o leite humano como provedor de nutrientes e
energia para o desenvolvimento e crescimento
da criança e diversos fatores que protegem contra infecções. Sua revisão literária examinou a
hipótese do aleitamento materno ter um efeito
protetor a longo prazo contra doenças crônicas
em crianças. Paralelamente, a alimentação artificial ou a ausência de amamentação pode aumentar o risco de doenças crônicas. O segundo
autor também realizou uma revisão bibliográfica
da epidemiologia da RCU e DC. Embora a prevalência da DII esteja começando a estabilizar em
áreas de alta incidência no Sul da Europa, Ásia
e muitos países desenvolvidos no mundo. As diferenças na incidência são principalmente pela:
idade, tempo, regiões geográficas, sugerindo que
fatores ambientais modificam significativamente
a expressão da DC e RCU.
Os achados a respeito do efeito benéfico da
amamentação são derivados de estudos epidemiológicos, e possíveis erros são devidos a problemas
metodológicos. A maioria são retrospectivos, e
a falta de recordação dos pais acerca da alimentação de seus filhos é uma falha importante. Por
isso a variabilidade de resultados encontrada nos
estudos analisados. Diversos estudos encontraram a amamentação como proteção contra DC e
RCU4,31,32. Outros apenas para uma doença: somente RCU25, somente DC26,28. Em contrapartida, inúmeras pesquisas falharam em concluir resultados
estatisticamente significantes ou não encontraram
associação.27,29,30 Outro estudo, porém, caracterizou o aleitamento materno como fator de risco
para DC e RCU, talvez não em função de sua composição, mas sim em função da contaminação ambiental existente na região estudada.35
CONCLUSÃO
Não existe um agente microbiano específico
causador da DII, contudo as evidências sugerem
que a doença está ligada ao desequilíbrio entre
as bactérias patogênicas e benéficas. Apesar de
intensas investigações a respeito das causas e
patogênese da DII, os resultados dos numerosos estudos ainda não estão bem elucidados.
Porém, alguns estudos concluíram que amamentação exerce efeito protetor para as DIIs,
mas outros falharam em concluir associações
estatisticamente significantes. Outras, entretanto, caracterizaram o aleitamento materno como
fator de risco para DC ou RCU. Estas diferenças
devem-se aos problemas e viés metodológicos.
Portanto, são necessários outros estudos com
metodologia adequada para definirmos o verdadeiro papel do aleitamento materno na fisiopatologia das DIIs.
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ARTIGO DE REVISÃO
Aleitamento materno e fissura labiopalatal:
revisão e atualização
Breastfeeding and cleft lip and/or palate: review and update
Christiane Marize Garcia Rocha1, Márcia Carvalho Moreira Dias2, Lorena Cristine Braga Pereira3, Maria do
Carmo Barros de Melo 4, Joel Alves Lamounier5
RESUMO
Os defeitos congênitos identificados como fissuras labiopalatais são comuns entre as
malformações que atingem a face do ser humano, ocorrendo com uma prevalência média entre 1 e 2 indivíduos brancos para cada 1000 nascimentos. As crianças portadoras
destas malformações possuem comprometimento anatômico facial, que pode impedir
ou dificultar a realização de importantes funções, entre elas, o aleitamento materno. O
presente artigo propõe uma revisão dos possíveis fatores que interagem na amamentação, bem como das técnicas, dispositivos e posturas especiais que podem auxiliar na
realização do aleitamento materno nos pacientes com fissura labiopalatal.
Palavras-chave: Aleitamento Materno; Fenda Labial; Fissura Palatina; Alimentação
ABSTRACT
1
Mestranda em Ciências da Saúde área de atuação saúde
da criança e do adolescente, pela Universidade Federal
de Minas Gerais. Pediatra da Prefeitura Municipal de Belo
Horizonte, Pediatra do Centro de Reabilitação de Fissuras
Labiopalatais e Deformidades Crânio-faciais Baleia/Puc
Minas (Centrare).
2
Cirurgiã-Dentista graduada pela Faculdade de Bauru da
Universidade de São Paulo. Programa de Aperfeiçoamento Clínico e Teórico da Residência de Odontopediatria do
Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais, da
Universidade de São Paulo.
3
Fonoaudióloga graduada pelo Unicentro Metodista Izabela Hendrix. Especialização em Voz pela Pontifícia Universidade Católica, Especializanda em Fonoaudiologia
Empresarial pela FEAD Minas.
4
Professora Adjunto do departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da UFMG.
5
Professor Titular do departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da UFMG.
Cleft lip and/ or palate are the most frequently malformations that affect the face
of the human being. The prevalence ranges from 1 to 2 per 1000 live births. The
children born with this condition, have anatomical defects that impaired or difficult
important functions like breastfeeding. The purpose of this work is to makes a review of the possible conditions that relief breastfeeding. Feeding techniques, special
positions and devices helpful for these patients are discussed.
Key words: Breast Feeding; Cleft Lip; Cleft Palate; Feeding
INTRODUÇÃO
A fissura labiopalatal é uma malformação congênita resultante da não coalescência dos processos da face durante a sua formação.1 Ocorre nas primeiras semanas de vida intra-uterina, e é um dos mais comuns defeitos congênitos do ser humano. No Brasil, sua incidência oscila em torno de 1 para cada 650 nascimentos.2,3
A prevalência das fissuras labiopalatais pode estar relacionada a algumas
variáveis demográficas, como a raça4, o sexo5 e a lateralidade.2 Em comparações
entre os grupos étnicos, encontra-se maior prevalência nos asiáticos e índios
norte-americanos, seguidos pelos caucasianos, e por último os afro-americanos
e árabes.4 As fissuras isoladas de palato ocorrem com maior freqüência no sexo
feminino, e as que acometem o lábio, associadas ou não ao palato, são mais prevalentes no masculino.5 Os estudos mostram, ainda, que as fissuras unilaterais
são as mais prevalentes, sendo as do lado esquerdo mais comuns.2
Endereço para correspondência:
Av. Contorno 2646 sala 904
B: Floresta
Belo Horizonte - MG
CEP: 30.110-080
E-mail: [email protected]
Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S77-S82
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Aleitamento materno e fissura labiopalatal: revisão e atualização
A etiologia da fissura labiopalatal é descrita por
vários autores como controversa, pois não existe
um fator causal específico já identificado. A teoria
mais aceita é a multifatorial, onde interações entre variantes genéticas e ambientais determinam o
aparecimento da lesão.1,2 A hereditariedade desempenha papel importante6, com modelos genéticos
propostos envolvidos no desenvolvimento craniofacial.4 Nas fissuras não sindrômicas o fator causal determinante ainda é obscuro. Como fatores
ambientais, pode-se citar alguns fatores de risco,
a maioria deles envolvendo as mães e a gestação,
como idade gestacional materna maior ou igual a
35 anos; maior número de abortos e maior número
de filhos; o uso de determinados medicamentos
durante a gestação, principalmente anticonvulsivantes e benzodiazepínicos.7 Pode-se apontar
ainda, como associadas às fissuras, outras substâncias teratogênicas, como o tabaco8,defensivos
agrícolas9,solventes orgânicos, uso de hormônios
estrogênios, consumo excessivo de álcool, altas
doses de vitamina A.10,11 A exposição a irradiações
e até variação sazonal figuram como fatores predisponentes ao aparecimento da fissura.6,11
Existe uma diversidade de tipos e amplitudes de
fissuras labiopalatinas, relacionadas à época, duração e intensidade de ação dos fatores teratogênicos,
sejam eles de natureza genética ou ambiental. Podem ser completas ou incompletas, e a sua extensão
direciona a forma e a conduta terapêutica do caso.12
O tratamento envolve uma equipe interdisciplinar para a reabilitação anatômica, estética, funcional e psicológica destes pacientes.2 Uma das
prioridades iniciais do tratamento é proporcionar
nutrição satisfatória para que o paciente possa
crescer e se desenvolver adequadamente.12-17 O
aleitamento materno, por sua superioridade nutricional, é fator importante em crianças portadoras
desta malformação.12-14,16
Neste artigo foi feito uma revisão sobre aleitamento materno em crianças com lesão de lábio e/
ou palato, com enfoque na sua importância e técnicas mais freqüentemente utilizadas para auxiliar
os portadores desta malformação.
MATERIAL E MÉTODOS
O conteúdo do presente artigo origina-se de
pesquisas realizadas nos periódicos CAPES, ME78
Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S77-S82
DLINE e LILACS, Google Shollart no período de
1961 a 2007. O período de tempo analisado foi mais
longo que o preconizado, devido a existência de
artigos relevantes sobre aleitamento materno e fissura labiopalatal, que não poderiam ser excluídos.
As palavras-chave utilizadas foram: aleitamento
materno (breastfeeding), fissura de lábio (cleft lip),
fissura de palato (cleft palate) e alimentação (nursing). Esta literatura foi pesquisada e selecionada
quanto à relevância sobre o assunto. Esta revisão
compreende 29 artigos completos, 8 capítulos de
livros, uma dissertação de mestrado e uma publicação do Ministério da Saúde.
ALEITAMENTO MATERNO E
FISSURA LABIOPALATAL
O nascimento de uma criança com fissura labiopalatal suscita sentimentos de raiva, culpa,
censura, insegurança, tristeza, depressão e ansiedade quanto à saúde do bebê.12,16,18 Após o primeiro impacto, provocado pelo efeito estético das
fissuras não cirurgiadas, surge a questão urgente
de como alimentar a criança e garantir sua sobrevivência.2,16 As mães devem lutar contra sentimentos ambivalentes15,e ao mesmo tempo receberem
orientações claras e seguras de como vencer os
obstáculos apresentados.1
Apesar da fissura isolada de lábio apresentar
maior comprometimento estético, a fissura de
palato é a que mais se relaciona com problemas
alimentares, que é logo percebido pela mãe.15,19-24
Alimentar bebês com fissura caracteriza-se por um
processo laborioso, demorado, que provoca ansiedade, frustração e nem sempre o volume ingerido
é satisfatório.19 Os problemas mais freqüentemente
encontrados ao alimentarmos crianças com fissura, principalmente as mais complexas, são ilustrados no organograma19, e mencionado por vários
autores.13,22,23,25 (Figura 1)
A amamentação natural tem sido objeto de estudo de profissionais de diversas áreas, pelas suas nítidas vantagens, tanto no aspecto nutricional, imunológico, anti-infeccioso, psicológico, entre outras.
Ainda promove o bom desenvolvimento da face e
melhor desenvolvimento da linguagem.12,15,17,26-29
Para as crianças nascidas com fissura labiopalatal, existem benefícios adicionais quando estas
são alimentadas com leite materno. Registros na
Aleitamento materno e fissura labiopalatal: revisão e atualização
literatura apontam para diminuição das otites de
repetição (redução de até 80%), quando o aleitamento se prolonga até o oitavo mês de vida19, a
inflamação da mucosa nasal causada pelo refluxo
nasal de leite diminui. Além disso, ocorre aumento
do vínculo mãe/filho17 e proteção da linha de sutura no pós operatório, pela ação local da lisosima
que age como um anti-inflamatório tópico.29
Cada família é única e o aleitamento materno
deve ser discutido com o profissional de saúde
que acompanha a criança.12,16,30 Se é desejo da mãe
amamentar, torna-se necessário o acompanhamento constante, até que se estabeleça a sucção adequada e o ganho de peso seja satisfatório.12,13-15,17
A primeira avaliação a ser feita relaciona-se
ao tipo, extensão e amplitude da fissura lábiopalatal, assim como as condições das mamas da
nutriz. Dentre as fissuras, a fissura de lábio é a
que apresenta maior sucesso no aleitamento materno exclusivo, bem como as fissuras de palato
mole posteriores pequenas ou submucosas.12,13,31,32
Nestas crianças, o refluxo nasal não ocorre, ou
quando está presente devemos nos ater para a presença de defeito anatômico associado ao palato
ou a presença de fissura submucosa.16 Fissuras de
lábio mais complexas, como as bilaterais, podem
apresentar algum grau de dificuldade no estabelecimento do aleitamento materno, pois a incursão
da pré-maxila gera na mãe sentimentos de medo
e insegurança além de determinar maior prejuízo
do selamento labial, com diminuição da pressão
negativa intra-oral.30 A pressão negativa necessária
para a sucção é determinada pela integridade do
palato. Bebês cujos palatos encontram-se comprometidos, não a desenvolvem de forma satisfatória
ou podem até não a conseguir.24,30,33 Somente a
pressão positiva, nestes casos, encontra-se preservada, determinada pelos movimentos de compressão linguais e mandibulares contra os rebordos
alveolares para expressão das mamas.12,15,24,27,30,34
A amamentação torna-se trabalhosa para o bebê
com pouca extração de leite, prolongamento da
duração da mamada e fadiga.15,19,22,31
As mães relatam dificuldade de pega, de posicionamento da mama dentro da cavidade oral,12,17 escape do mamilo pela narina, escape nasal de leite e
sucção fraca.28,35 Há maior irritabilidade do bebê, o
que aumenta a angústia materna, com sensação de
inabilidade como cuidadora. Se o ganho ponderal
encontra-se prejudicado o sentimento de insucesso
aumenta tanto para os familiares como para a equipe de saúde envolvida no acompanhamento, com
introdução precoce da mamadeira.15,1,22,33 Vários autores apontam também sobre a condição das mamas interferindo no processo de amamentar como
ingurgitação mamária, fissuras, mamas volumosas
ou mesmo o tipo de mamilo (planos, invertidos).14,17
Período prolongado de hospitalização foi levantado como determinante potencial para o prejuízo
do aleitamento materno.12,16,17 Maior permanência
hospitalar é encontrada em crianças portadoras de
fissura de palato, seguida da fissura lábio-palatal.
Não há preparo ou orientações para as mães em relação ao aleitamento materno durante a internação,
privando-as de obter segurança e dar continuidade
à amamentação, inclusive na solução de problemas
relacionados a ela.25 Algumas mães são orientadas
para a ordenha da mama, mas não há orientação
de como fazê-lo. A demora no estabelecimento do
aleitamento materno diminui o estímulo para a produção de leite, retardando a descida do leite, prejudicando a amamentação e o vínculo mãe/filho.15,37
Apesar das evidências científicas da superioridade do leite materno sobre outros tipos de leite,
ainda é reduzido o número de mulheres que amamentam seus filhos de acordo com as recomendações da Organização Mundial de Saúde e do Ministério da Saúde. A recomendação é o aleitamento
materno de forma exclusiva até os seis meses de
vida, e complementado até 24 meses ou mais.12
Hospitais denominados “amigo da criança” promovem o incentivo desde o nascimento, independente do tipo de fissura, mas ainda sem o suporte e
conhecimento necessário por falta de capacitação
dos profissionais envolvidos.17 Almeida e Passerotti35
registram o aumento da taxa de aleitamento materno em crianças com fissura, quando as mães são
incentivadas e orientadas por profissionais capacitados. A prevalência do aleitamento neste grupo varia
entre três a 88 por cento.12,16,17,28,35 A fissura labial apresentou a maior prevalência, variando de 20 a 90% e
a maior duração, com tempo médio de 72 a 332,5
dias.12,16,17 O tempo médio de duração do aleitamento
registrado na literatura para todos os tipos de fissura
é de duas semanas e a introdução precoce de mamadeira ocorre na primeira semana de vida.12,16,17
É importante monitorizar de perto o ganho
ponderal da criança. Caso ocorra diminuição do
ganho de peso ou outras intercorrências no período neonatal decorrentes da baixa ingestão de leiRev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S77-S82
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Aleitamento materno e fissura labiopalatal: revisão e atualização
te, como hipoglicemia ou hiperbilirrubinemia, que
possam comprometer a vida do bebê, orienta-se
a ordenha e o oferecimento do leite materno ou
fórmula láctea em copos, colheres ou mamadeira, complementando a mamada após a sucção do
seio materno.12,13-16, 20,25, 26,30,31
O uso de dispositivos intra-orais foi advogado
por alguns autores com o objetivo de estabelecer
pressão negativa intra-oral, aumentar a superfície de
contato entre o seio materno e a língua, separando a
cavidade oral da cavidade nasal, facilitando a saída
do leite pela criança.20,26,34-37 O que se constatou foi
ausência de desenvolvimento de pressão negativa
intra-oral. Quando estes dispositivos são pequenos
para a cavidade provocam ulcerações, higienização
inadequada, aumento do número de infecções.25,26,35
POSTURA DA MÃE E DO BEBÊ
As orientações para o aleitamento devem ser as
mesmas dos bebês sem malformações.35 Durante a
alimentação recomenda-se que o bebê esteja em
postura semi-inclinada, pois quando a amamentação é realizada em decúbito existe uma predisposição à ocorrência de otites, em função da inclinação menos verticalizada da tuba auditiva em
crianças.15,19 Também é importante que a postura
mãe/filho propicie a respiração nasal, o que auxilia no desenvolvimento da mandíbula, projetandoa anteriormente e determinando um exercício mio-
terápico. É indispensável que a mãe encontre uma
posição confortável para que ela própria possa
controlar a fixação da criança ao seio, interagindo
de forma a evitar vícios.38
Observa-se com freqüência dificuldade do bebê
na pega da mama. Isso pode acontecer quando a
mama não oclui o lado fissurado, ocasionando o
escape do mamilo ou de parte da aréola. A pressão intra-oral torna-se menos negativa e a mamada
pode provocar cansaço e irritabilidade. Algumas
mães optam por posições onde o lado da fissura
seja preenchido pela mama,12,14,16, 29 sendo que a melhor posição para a criança sugar o seio seria como
se estivesse sentada. Autores recomendam o fechamento da fissura delicadamente com os dedos para
garantir melhor posicionamento da mama dentro
da boca. Há recomendações de se tentar posições
alternativas como posição de “cavalinho”, ou segurar o bebê como “bola de futebol” com as pernas
para trás do corpo da mãe. Neste último caso, o
bebê é mantido na mesma posição, só ocorrendo o
deslocamento no colo para o outro seio. 12,13-16 A observação da pega é importante. Os lábios inferior e
superior devem ficar virados para fora, como se estivessem apoiados na mama. O bebê tem que abocanhar o mamilo e a maior parte possível da aréola.
Deve-se levar o bebê ao seio, e não o contrário,
realizar a alternância das mamas e segurar a mama
em “C”, para que não haja a compressão dos ductos.
Deve-se retirar o excesso de leite na fase inicial da
mamada para proporcionar uma pega fácil.39
Fissura de Palato
Escape nasal
alimentos
Sucção Insufiiente
Ingestão
Insuficiente
Cansaço
Irritabilidade
Fome
Pouco ganho
ponderal
Ingestão
excessiva do ar
Vômitos
Aspiração durante
alimentação
Tosse e engasgo
Figura 1 - Problemas alimentares e sua inter-relação em crianças com fissura de palato
80
Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S77-S82
Regurgitação
nasal
Aleitamento materno e fissura labiopalatal: revisão e atualização
Nas crianças com fissura de palato associada,
quando o aleitamento materno prova não ser suficiente para a nutrição da criança, existe recomendação da ordenha das mamas e o oferecimento do leite
utilizando a mamadeira. Outra alternativa seria utilizar, durante a sucção do seio, dispositivos acoplados
às mamas, como por exemplo, uma sonda, por onde
o leite chega à cavidade oral. Esta técnica facilita a
obtenção do leite sem o comprometimento da pega
da mama, e mantém o estímulo da sucção, ainda que
débil, reforçando o vínculo mãe/filho.13,14,32
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A equipe multidisciplinar composta por diferentes profissionais tem importante atuação na
área do aleitamento materno, com vistas ao acompanhamento das etapas de reabilitação da criança fissurada. O aleitamento materno é direito da
criança e deve ser incentivado sempre que possível, mesmo nos casos mais complexos, com monitorização freqüente, o que contribuirá para um
crescimento mais saudável e harmonioso. Diante
da prevalência das fissuras labiopalatinas, os serviços de saúde deveriam estar mais preparados para
orientar e estimular o aleitamento e o acompanhamento destas crianças.
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ARTIGO DE REVISÃO
Associação entre eventos estressantes
de vida e dor abdominal recorrente não
orgânica – revisão
The association between stressful life events and non
organic recurrent abdominal pain - review
Patrícia Cruz Guimarães Pinto1; Marco Antônio Duarte2
RESUMO
A Dor Abdominal Recorrente Não Orgânica (DARNO) é um problema comum nos consultórios de pediatria e gastroenterologia infantil. O objetivo deste estudo é revisar os
trabalhos da literatura científica sobre a associação entre DARNO e eventos estressantes de vida considerando os fatores moduladores da percepção dolorosa (competência
social, somatizações parentais, enfrentamento). Foram avaliados 22 publicações sendo
9 descritivas, 10 estudos caso-controle, um estudo coorte, um ensaio clínico e um de
revisão. A faixa etária estudada estava entre 1 e 19 anos. Os eventos estressantes mais
comumente associados à DARNO estavam relacionados com o ambiente familiar. Os
resultados a respeito da influência dos fatores sócio-econômicos foram contraditórios.
A idade mostrou ter uma associação positiva com a freqüência dos eventos de vida. A
capacidade de adaptação da criança e adolescente frente ao estresse é um fator moderador na percepção dolorosa. A presença de eventos estressantes de vida em indivíduos com adequada competência social não esteve associado com aumento dos sintomas
de dor. As somatizações parentais estão diretamente relacionadas com aumento destas
queixas nos filhos. Baseados nestes resultados, concluímos que a identificação precoce
de eventos estressantes de vida e de fatores moduladores da percepção dolorosa em
crianças com DARNO associado ao estabelecimento de programas de prevenção e tratamentos são condutas necessárias e essenciais na abordagem clínica destes pacientes.
1
Médica pediatra – Mestre em Ciências da Saúde, Área de
Concentração Saúde da Criança e do Adolescente pela
Pós-Graduação da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais
2
Professor Adjunto da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais – Doutor em Pediatria
Palavras-chave: Dor abdominal; Estresse; Recidiva; Acontecimentos que Mudam a
Vida; Criança; Adolescente..
ABSTRACT
The Non Organic Recurrent Abdominal Pain (NORAP) is a common problem in pediatric
and infant gastroenterology centers. The aim of this study was to review the published
literature about the associaton between NORAP and the stressful life events considering
moderator factors of pain perception (social competence, parental somatic symptoms,
copying). Twenty two articles were evaluated, 9 of the descriptive, 10 case-control studies, one cohort, one review and one randomized clinical trial. The children and adolescents aged from 1 to 19 years. The stressful life events mostly associated to NORAP were
related to the family environment. The socio-economic factors showed contradictories
results. The age showed a positive influence to the frequency of life events. The capacity
of adaptation of a child and adolescent facing stress is a moderator factor in the pain perception. Higher levels of family stressors and parental somatic symptoms predict higher
levels of somatic complaints by children. Among children and adolescent with high social
competence, higher levels of family stressors were not associated with more somatic complaints. Thus, the results shows that the early identification of the stressful life events and
the moderator factors of pain perception in children and adolescents with NORAP and a
preventive and curative programs are important to evaluate this patients.
Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas
Gerais – Belo Horizonte
Endereço para correspondência:
Marco Antônio Duarte
R: Padre Rolim, 769 sala 402
B: Santa Efigênia Belo Horizonte - MG
CEP: 30.130-090
Email: [email protected]
Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S83-S89
83
Associação entre eventos estressantes de vida e dor abdominal recorrente não orgânica – revisão
Key words: Abdominal Pain; Stress; Recurrence; Life
Change Events; Child; Adolescent.
INTRODUÇÃO
A percepção dolorosa em crianças foi tema
pouco abordado nas pesquisas científicas e o seu
conhecimento era baseado no saber adquirido em
trabalhos com adultos.1
Nos últimos 20 anos, houve progresso significativo nos conhecimentos sobre a percepção da dor
pela criança e nos processos para seu alívio. Foi
demonstrado que fetos expostos a procedimentos
invasivos e dolorosos têm resposta hormonal encontradas nas situações de estresse.2 Nos últimos
10 anos foi descoberto que os recém-nascidos
(RN) prematuros são mais susceptíveis à dor que
os RN a termo. A percepção da dor nestes bebês
é diferente devido à mielinização das suas fibras
sensitivas e à imaturação na cortical dos processos
sensoriais, o que torna o estímulo doloroso mais
duradouro. Além disso, o limiar de dor é menor
provavelmente secundário a falta de proteção das
vias inibitórias espinhais e supra-espinhais.3
Investiga-se, atualmente, as conseqüências
futuras dos efeitos da estimulação dolorosa e estresse sucessivos em bebês. Anand et al., em estudo experimental, confirmaram a hipótese que a
exposição repetitiva à dor neonatal pode causar
alterações permanentes ou a longo prazo no SNC,
devido ao seu desenvolvimento imaturo e à maior
plasticidade cerebral, aumentando sua vulnerabilidade ao estresse e à dor. Relatam que é necessário
o melhor entendimento do efeito da exposição repetitiva à dor e ao estresse nestes pacientes para
proporcionar à estas crianças adequado desenvolvimento físico e emocional.4 Em ratos, observou-se
que a presença de eventos estressantes no início
da vida é importante no desenvolvimento de hipersensibilidade visceral na idade adulta.5
Gênero, idade, cognição, experiências prévias
de dor, aprendizagem familiar e cultural são algumas das características relativamente estáveis na
infância e determinam como o paciente interpreta
as várias sensações geradas pelo estímulo nóxio.
Interagem com as respostas emocionais e comportamentais ao estímulo doloroso e com o contexto
onde é experimentado. A percepção da dor na infância é determinada por todos estes fatores. 6
84
Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S83-S89
O estresse é o conjunto de reações do organismo em reposta a uma exigência e foi definido pela
primeira vez por Selye em 1936. Ele descreveu os
sintomas decorrentes da resposta ao estresse sob o
nome de Síndrome Geral de Adaptação. Esta é composta por 3 fases: alarme, resistência e esgotamento. A fase de esgotamento é decorrente de estímulos
estressantes sucessivos ou permanentes levando o
organismo à exaustão após tentativas frustadas de
adaptação ao estressor.7 O organismo fica predisposto ao surgimento de disfunções inerentes das
alterações físicas e psicológicas do estresse.
A relação entre alterações na percepção da
dor e eventos causadores de estresse baseia-se na
hipótese destes fatores induzirem reações fisiológicas e psicológicas que também são provocadas
por estímulos nóxios. O estresse emocional pode
aumentar ou perpetuar a dor ou reduzir a capacidade individual de enfrentá-la.1
Crianças com dores agudas, recorrentes ou crônicas apresentam mudanças em parâmetros cardiovasculares, respiratórios e de oxigenação, e no
fluxo sangüíneo. Há ativação do eixo hipotálamopituitário-adrenal, os hormônios do estresse são
produzidos (catecolaminas, corticóides, hormônio
do crescimento e glucagon), surgem mudanças no
metabolismo de proteínas, lípides e carboidratos,
diminuição da resposta imune e manifestações
decorrentes da ativação do sistema autônomo,8
exercendo mudanças no funcionamento de vários
sistemas inclusive o trato gastrointestinal .9-13
As evidências de que o trato gastrointestinal de
crianças com Dor Abdominal Recorrente (DAR) responde diferentemente ao estresse se baseiam principalmente no aumento da contratilidade segmentar
intestinal, disfunção do sistema nervoso autônomo,
hiperalgesia visceral e alterações no eixo SNC - intestino.10,12,14-16 Porém, a função do estresse na etiologia
ou manutenção das síndromes dolorosas continua
merecendo a atenção dos pesquisadores.1,17
Muitos eventos têm sido citados como relevantes na relação de estresse e dor na infância como:
divórcio entre os pais, morte ou doença grave em
familiares, dificuldade financeira, dificuldade escolar e mau relacionamento com colegas. Como
algumas crianças que vivenciam estes estressores
não desenvolvem dor, parece provável que a maneira como a criança enfrenta estas situações e
a dinâmica familiar sejam fatores importantes no
aparecimento posterior de sintomas dolorosos.17
Associação entre eventos estressantes de vida e dor abdominal recorrente não orgânica – revisão
Sabe-se que a forma como a população infantojuvenil encara as situações adversas pode influenciar a maneira de perceber o estímulo doloroso.
Estratégias de enfrentamento proporcionam melhor conhecimento sobre as respostas de adaptação ao estresse e particularmente à dor.18
A atitude de enfrentamento é definida como a
ação voluntária para regular as emoções, pensamentos e comportamentos psicofisiológicos em
resposta a estímulos estressantes. Inclui 3 categorias. O controle primário é caracterizado por ações
diretas sobre o estressor por meio da expressão e
modulação das emoções e da apresentação de soluções para o problema. O controle secundário é
demonstrado por atitudes de adaptação ao evento
como desenvolvimento cognitivo, pensamentos
positivos, aceitação e distração. Já o controle terciário é aquele em que o indivíduo, frente ao estresse, reage com atitudes de fuga da realidade e
sentimentos de evitação e negação.
Estudos avaliando associação entre Dor Abdominal Recorrente Não Orgânica (DARNO) e estresse apresentaram resultados contraditórios.17,19-27
O objetivo deste trabalho é realizar revisão da
literatura sobre dor abdominal recorrente não orgânica, sua associação com eventos estressantes
de vida e fatores moduladores da percepção dolorosa em crianças e adolescentes.
MÉTODO
A revisão bibliográfica foi realizada pela análise
de trabalhos indexados pelo MEDLINE, via Pubmed
(www.nlm.nih.gov), utilizando o termo recurrent abdominal pain. Outros foram pesquisados utilizando
os termos recurrent abdominal pain and life events
ou recurrent abdominal pain and stress. Usou-se, durante a revisão, limites como idade (all child 0-18 years), idioma (english), tipo de população (human),
período (entrez date 1966/01/01 to 2006/12/30).
Para a pesquisa latino-americana, a busca foi
feita na Bireme (www.bireme.br), Scielo (www.scielo.br) e Jornal de Pediatria (www.jped.com.br).
RESULTADOS
Na presente revisão são sintetizados os resultados dos principais artigos publicados sobre eventos
estressantes de vida em crianças e adolescentes e
suas associações com dores recorrentes, principalmente dor abdominal recorrente não orgânica.
Eventos estressantes de vida e prevalência
de dores recorrentes na infância
Em estudo transversal realizado nos países
Nórdicos em, aproximadamente, 10.000 indivíduos
de 2 a 17 anos, Grøholt et al.28 objetivaram descrever a associação entre dores recorrentes e fatores
sócio-econômicos familiares. A dor abdominal
e cefaléia foram as queixas mais comuns. Foi demonstrado que os sintomas de dor da criança estavam associados aos dos pais em relação à localização, porém encontraram fraca associação entre
baixo padrão sócio-econômico e prevalência de
dores recorrentes.Österg et al.13 investigaram a associação entre queixas psicossomáticas em 5390
crianças e adolescentes de 10 a 18 anos e as condições sócio-econômicas das famílias suecas. A dificuldade financeira foi um fator de risco importante
para o aparecimento de dor abdominal recorrente,
cefaléia e insônia em comparação com a classe
social. Filhos de pais solteiros apresentaram maior
prevalência para estes sintomas que crianças que
viviam com os pais.
Petersen et al.29 estudaram escolares com faixa
etária entre 6 e 13 anos da cidade de Umeå (Suécia) para investigar a freqüência e a co-ocorrência
de dores recorrentes: cefaléia, dor de estômago e
dor nas costas. Mil cento e quinze crianças participaram da pesquisa sendo que 64% apresentavam
dores recorrentes. As queixas foram mais comuns
em escolares mais velhos. Baseados na alta prevalência das dores recorrentes nesta pesquisa, os
autores demonstraram a necessidade de se estabelecer programas de prevenção e tratamentos para
estas crianças desde os seus primeiros anos, permitindo a melhora na qualidade de vida.
Greene et al. 26 investigaram a presença de eventos estressantes de vida em 172 adolescentes com
idade entre 11 e 19 anos por meio de questionário
padronizado para quantificá-los (McCutcheon’s
Life Events Checklist). Os adolescentes foram divididos em seis grupos:
1. Pacientes que foram avaliados para exame de
rotina (n= 33).
2. Pacientes com doença aguda leve (n= 24).
Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S83-S89
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Associação entre eventos estressantes de vida e dor abdominal recorrente não orgânica – revisão
3. Pacientes com doença crônica (n= 22).
4. Pacientes com dor aguda abdominal, torácica
ou cefaléia de etiologia orgânica (n= 27).
5. Pacientes com dores abdominais, torácicas ou cefaléias recorrentes sem causa orgânica (n= 40).
6. Pacientes com problemas comportamentais (n= 26).
Os pacientes do grupo com dores recorrentes sem etiologia orgância apresentaram maior
número de eventos estressantes de vida quando
comparados aos outros grupos, com exceção,
aos adolescentes com problemas comportamentais que mostraram uma freqüência ainda maior
de eventos (p < 0,0001). A avaliação de eventos
estressantes de vida mostrou-se, neste estudo,
útil na diferenciação de pacientes com queixas
somáticas recorrentes e a identificação de estressores específicos tornou-se importante na abordagem clínica e no planejamento terapêutico
desses pacientes.26
Bakoula et al.30 realizaram estudo em 8130
crianças gregas com 7 anos de idade no período
de 1983 a 1990 com o objetivo de determinar a
prevalência de dores recorrentes, sua associação
com características demográficas e fatores psicossociais. Aproximadamente 7% dos indivíduos
apresentavam queixas de dor recorrente no abdome, pernas e cefaléia. Houve forte associação
entre estes sintomas e alguns fatores estressantes
como: doença crônica no ambiente da criança,
mudanças freqüentes de endereço, mau rendimento escolar e dificuldade de relacionamento
com outras crianças. Não houve diferença significativa entre dores recorrentes, estrutura familiar
e classe sócio-econômica.30 Os autores observaram que há um componente psicossocial entre
as crianças com dores recorrentes e reiteraram a
importância do conhecimento do ambiente social
destes pacientes na entrevista médica.
Eventos estressantes de vida e fatores
moduladores da percepção dolorosa
Coddinghton31, com o objetivo de estudar o
significado de eventos de vida em crianças e
adolescentes e estabelecer o valor e a ordem
de importância destes, aplicou um questionário com vários eventos que foram escolhidos
da literatura e pela experiência clínica do autor
86
Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S83-S89
para que professores, pediatras e profissionais
da área de saúde mental quantificassem a importância de cada um na vida de crianças em
diferentes faixas etárias. Com isso conseguiu
estabelecer um método (Life Change Units –
L.C.U.s.) importante na medida da capacidade
de ajustamento da criança ao estresse psicossocial. Este mesmo autor, em outro trabalho descritivo utilizando o método anterior (L.C.U.s.),
estudou 3500 estudantes da raça negra e branca.
Solicitou a um membro da família que indicasse quais eventos listados havia ocorrido no ano
anterior. Observou que não há diferenças em
relação a ocorrência de eventos de vida entre
diferentes raças, classes sociais e sexo. Porém,
houve um aumento do número de eventos com
o avançar da idade. Atribuiu este fato à ampliação do convívio social e, conseqüentemente, à
maior possibilidade de ocorrência de eventos
de vida sejam estes estressantes ou não.9
A eficácia do tratamento das crises dolorosas de
crianças com DARNO com técnicas cognitivo-comportamentais foi avaliada por Duarte et al.32 Trinta
e duas crianças de 5,1 a 13,9 anos com DARNO foram incluídas na pesquisa. Os controles receberam
orientações gerais sobre cuidados básicos de saúde
enquanto os casos se submeteram às intervenções
cognitivo-comportamentais. Nestes houve redução
de 86,6% na freqüência dos episódios dolorosos,
enquanto o grupo controle apresentou redução de
apenas 33,3%, após 3 meses de intervenção.32
Thomsen et al.33 estudaram 174 crianças e
adolescentes com DAR e seus pais para avaliar
sintomas de ansiedade e depressão, queixas
somáticas, resposta ao estresse e a capacidade
de enfrentamento desta população. O controle
primário e o controle secundário estavam associados com diminuição das queixas somáticas,
ansiedade e depressão enquanto o controle
terciário se relacionou com o aumento destes
sintomas. As crianças que utilizavam o controle
secundário como forma de enfrentamento também experimentaram menor sensação de dor.18
Logan et al. também estudaram a capacidade
funcional de adaptação e as características familiares de crianças com dores recorrentes (DAR e
enxaqueca). Observaram que o ambiente familiar e a angústia dos pais são fatores importantes
na determinação da maneira como a criança
enfrenta a dor.33
Associação entre eventos estressantes de vida e dor abdominal recorrente não orgânica – revisão
Associação entre eventos
estressantes de vida e DARNO
Liebman19, em estudo retrospectivo entre 119
crianças e adolescentes na faixa etária de 3 a 17
anos de uma comunidade urbana, objetivou descobrir fatores que contribuíam com DARNO. O
aspecto mais importante foi o fator psicossocial
devendo ser explorado com detalhes na entrevista
médica. Desavenças maritais, separação ou divórcio ocorreram em 39% dos seus familiares durante o ano do estudo e outros 5% no ano anterior.
A ocorrência de episódios dolorosos durante atividades escolares foi verificado em 32% da amostra.
Queixas somáticas em familiares próximos foi observado com freqüência.19
Robinson et al.34 pesquisaram a presença de
eventos estressantes em 137 crianças com idade
média de 9,3 anos. Foram admitidas nesta pesquisa crianças com DARNO que freqüentavam
escolas ou que já foram hospitalizadas (casos) e
sujeitos saudáveis ou em tratamento odontológico sem DAR (controles). Os autores observaram
que os indivíduos com dor abdominal faltaram
mais às atividades escolares, mostraram-se mais
ansiosos e experimentaram mais eventos estressantes no ano anterior ao aparecimento da dor
comparados com os pacientes do grupo controle
[tratamento odontológico (p < 0,01) e escolares
saudáveis (p < 0,001)]. Concluíram que eventos
estressantes de vida constituem importante fator
desencadeante de dor abdominal alterando a expressão dos sintomas.34
Walker et al.23, em traballho prospectivo, avaliaram 197 crianças e adolescentes na faixa etária de
6 a 18 anos. Sessenta e oito tinham Dor Abdominal
Recorrente Orgânica (DARO), 26 apresentavam
síndrome do intestino irritável, dismenorréia e/ou
constipação e 103 com diagnóstico de DARNO.
Examinaram o papel dos eventos negativos de
vida da família e seus fatores moderadores (competência social e sexo dos filhos e somatizações
dos pais) nas manifestações somáticas dos pacientes. Demonstraram que níveis de estresse aumentados na família e somatizações parentais levaram
à maior freqüência de queixas somáticas pelos
filhos. Porém, naquelas crianças com boa adaptação ao social, a presença de eventos estressantes
na família não esteve associado ao aumento desses sintomas.23
Trabalhos indianos estabeleceram associação
entre eventos estressantes de vida e DARNO. Dutta
et al.35 com o objetivo de determinar quais fatores
ambientais na escola e na família estavam associados com DARNO, estudaram 50 crianças de 5 a 14
anos com DAR. Destas, 26% apresentavam causa
orgânica para a dor. Pacientes com DARNO geralmente queixavam-se de enurese noturna e pertenciam a famílias com alta prevalência de discórdia
familiar, síndromes dolorosas, dismenorréia materna, DAR e síndrome do intestino irritável. Na escola,
mostraram maior índice de absenteísmo, infração
e birras. Não verificaram diferenças entre as crianças indianas e as ocidentais com DAR em relação
à instabilidade emocional.35 Três anos após, Buch
et al.36 também encontraram aumento da freqüência de eventos estressantes de vida entre crianças e
adolescentes com DARNO. Os fatores significativos
foram: pais solteiros, fobia escolar, rivalidade entre
irmãos, enurese noturna e DAR em familiares.36
Na Malásia foram realizados pesquisas em escolares com idade entre 9 e 15 anos com o objetivo
de observar a correlação entre DAR e a presença de
eventos estressantes de vida no último ano. Boey et
al.37 avaliaram 1462 e 1488 indivíduos da zona rural
e urbana, respectivamente, sendo que, a prevalência
de DAR variou de 9,6 a 11% considerando os 2 trabalhos. Na zona rural as situações de estresse com relevância estatística, após análise de regressão logística,
foram: morte de um membro da família e mudança
na ocupação dos pais. Já na cidade, os eventos com
significância foram: hospitalização de familiar, hospitalização da criança, mudança na ocupação dos
pais e dificuldade escolar. Os autores concluíram
que DAR em crianças e adolescentes está associada
com eventos estressantes de vida recentes.37,38
Alfvén apresentou premissas e critérios para o
diagnóstico de DAR segundo Apley & Naish.39 Observou que é possível estabelecer causa psicossomática para a dor abdominal, em 50 % dos casos,
pela análise dos eventos negativos de vida.25
Chitkara et al.40 avaliaram trabalhos realizados
nos Estados Unidos e Europa com o objetivo de revisar a prevalência, incidência, história natural e
co-morbidades relacionadas às crianças com DARNO em idade escolar. A prevalência variou de 0,3
a 19%. Observaram que DARNO está associada a
condições familiares (queixas somáticas, pais solteiros e mães com neuroticismo) e sócio-econômicas (baixa classe sócio-econômica).40
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Associação entre eventos estressantes de vida e dor abdominal recorrente não orgânica – revisão
CONCLUSÃO
Há progressos significativos nos conhecimentos sobre a percepção dolorosa na infância, sua
relação com eventos estressantes de vida e seus
fatores moduladores.
Os eventos estressantes mais comumente associados à DARNO estavam relacionados com o
ambiente familiar. Os resultados a respeito da influência dos fatores sócio-econômicos foram contraditórios. O aumento da idade mostrou ter uma
associação positiva com a freqüência dos eventos
de vida. A capacidade de adaptação da criança e
adolescente frente ao estresse é um fator moderador importante na maneira como a criança e adolescente percebe a dor, pois a presença de eventos
estressantes de vida em indivíduos com adequada
competência social não esteve associado à maior
freqüência dos sintomas dolorosos. As somatizações da dor nos pais estão diretamente relacionadas com aumento destas queixas nos filhos.
Baseados nestes resultados, concluímos que a
identificação precoce de eventos estressantes de
vida e de fatores moduladores da percepção dolorosa em crianças e adolescentes com DARNO, associado ao estabelecimento de programas de prevenção
e tratamentos, são condutas necessárias e essenciais
na abordagem clínica destes pacientes. Mais estudos
controlados sobre este assunto são necessários.
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ARTIGO DE REVISÃO
Doença renal crônica em pediatria Programa Interdisciplinar de
Abordagem Pré-dialítica
Chronic kidney disease in children Predialysis Interdisciplinary Management Program
Cristina M. Bouissou Soares1, José Silvério S. Diniz1, Eleonora M. Lima1, Jose M. Penido Silva1, Gilce R. Oliveira1,
Monica R. Canhestro2, Vanessa R. Silva3, Andréa M. Munair4, Marilene Moreira5, Ana Cristina Simoes E Silva1,
Eduardo A. Oliveira1
RESUMO
1
Unidade de Nefrologia Pediátrica – HC-UFMG
2
Escola de Enfermagem – UFMG
3
Nutricionista – HC - UFMG
4
Psicóloga – HC – UFMG
5
Assistente Social – HC – UFMG
A doença renal crônica (DRC) é uma síndrome clínica decorrente da lesão renal
progressiva, de etiologia diversificada. Estudos internacionais indicam que a incidência
anual de doença renal crônica terminal (DRCT) nas crianças esteja entre 5 e 15 pacientes por milhão de população infantil e a sua prevalência entre 22 e 62 pacientes por
milhão de população infantil. Apesar de a DRC ser menos freqüente na infância, este
grupo representa um desafio, por apresentar manifestações da doença durante as fases
de crescimento, desenvolvimento neurológico e psicossocial. Desta forma, a abordagem
da DRC na infância exige a participação de uma equipe interdisciplinar. Neste contexto,
o objetivo desta artigo é revisar conceitos básicos da DRC na infância (definições, aspectos epidemiológicos, etiologia) e discutir a abordagem pré-diálitica desses pacientes.
Palavras-chave: Taxa de Filtração Glomerular; Falência Renal Crônica; Insuficiência
Renal Crônica Terapia de Substituição Renal; Equipe de Assistência ao Paciente.
ABSTRACT
Chronic kidney disease (CKD) is a clinical syndrome due to a progressive renal damage
of varied etiologies. International studies indicate that the annual incidency of end stage
renal disease (ESRD) in children is between 5 to 15 patients per million of children and
its prevalence is between 22 to 62 per million of children. Despite the lower frenquency
of DRC in childhood, this group represents a challenge due to the occurrence of disease
manisfestations during stages of growth, neurological and psicosocial development.
Therefore, the approach of CKD in childhood requires the participation of an interdisciplinary team. In this context, the aim of this article is to revise basic concepts of CKD in
childhood (definitions, epidemiological aspects, etiology) and to discuss the pre-dialitic
management of these patients.
Key words: Glomerular Filtration Rate; Kidney Failure, Chronic; Renal Insufficiency,
Chronic; Renal Replacement Therapy; Patient Care Team.
INTRODUÇÃO
Hospital das Clínicas, Universidade Federal
de Minas Gerais (UFMG)
Belo Horizonte, MG, Brasil
Endereço para correspondência:
Eduardo A. Oliveira
R: Engenheiro Amaro Lanari 389 / 501
Belo Horizonte - MG
CEP: 30.310-580
E-mail: [email protected]
90
A doença renal crônica (DRC) é uma síndrome clínica decorrente da lesão
renal progressiva, de etiologia diversificada. Independente da natureza inicial do
insulto, uma vez que a doença chegue a causar determinado grau de lesão renal,
acometendo uma proporção superior a 50% dos néfrons, a deterioração funcional do órgão é inevitável, mesmo se retirado o fator agressor inicial.1 Os estudos
internacionais permitem supor que a incidência anual de doença renal crônica
Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S90-S97
Doença renal crônica em pediatria - Programa Interdisciplinar de Abordagem Pré-dialítica
terminal (DRCT) nas crianças esteja entre 5 e 15
pacientes por milhão de população infantil e a sua
prevalência entre 22 e 62 pacientes por milhão de
população infantil.2-6
Apesar de a população pediátrica representar
um menor número de pacientes com DRC em relação à população adulta, este grupo representa um
desafio, por apresentar, além daquelas complicações comuns aos adultos, características únicas,
decorrentes das manifestações da doença em seres em crescimento e em desenvolvimento neurológico, emocional e de sua inserção social.. Além
disso, a taxa de mortalidade em crianças portadoras de DRC em tratamento dialítico é 30 a 150%
maior do que a da população pediátrica geral e a
expectativa de vida para uma criança de zero a
quatorze anos em diálise é de somente 20 anos.7
O diagnóstico precoce e a apropriada abordagem
terapêutica tornam-se, pois, essenciais e para tal, o
conhecimento da epidemiologia da DRC e de suas
manifestações clínicas é importante para que se
atinja a população em risco e se efetue as prevenções primária e secundária.
Vários aspectos da abordagem da DRC, em todas as faixas etárias, necessitam ser aprimorados.
Os pacientes com DRCT vivenciam uma significativa morbidade. Nos Estados Unidos, a média de
dias de internação é de 10 dias por ano entre os
adultos. Os pacientes são diagnosticados e encaminhados tardiamente, implicando em ausência
de acesso vascular, variados distúrbios metabólicos e complicações cardiovasculares no momento
do início da diálise.8 Apesar da melhor qualidade
do tratamento dialítico, as taxas de mortalidade
são elevadas. Os pacientes em diálise apresentam
uma expectativa de vida 16% a 35% menor do que
a população em geral, pareada por idade e sexo.9
Esses inaceitáveis índices de morbimortalidade
têm preocupado especialistas em todo o mundo.
Dessa maneira, há ainda uma complexa gama
de fatores que necessitam ser analisados para
se propor uma melhor abordagem para os pacientes com DRCT. Entre esses múltiplos fatores,
incluêm-se a adequação da diálise e o incremento do transplante renal. Todos esses fatores têm
sido intensivamente estudados nos últimos anos,
resultando em uma melhoria significativa na qualidade do tratamento e na sobrevida dos pacientes. Entretanto, entre os fatores que necessitam de
melhor abordagem em todo o mundo, destacam-
se a qualidade e a sistematização do tratamento
da doença renal crônica antes da necessidade
da terapêutica de substituição da função renal.9
Na fase pré-diálise, as principais medidas devem
incluir a intervenção nos fatores que deterioram
a função renal, a adequada abordagem da nutrição, da anemia, dos distúrbios metabólicos e
ácido-básicos, programas educacionais e de suporte para familiares e pacientes, a garantia de
um adequado acesso vascular, e a indicação da
terapia de substituição da função renal em um
tempo “ótimo”. Dados os potenciais benefícios
dos cuidados na pré-diálise, é recomendado que
o paciente seja encaminhado a uma equipe especializada, de caráter interdisciplinar, de forma
precoce, bem antes da necessidade do tratamento dialítico. Em um estudo americano, que analisou 109.321 que iniciaram diálise entre 1995 e
1998, somente 50% dos pacientes receberam cuidado nefrológico especializado nos 24 meses que
antecederam ao início da terapêutica renal substitutiva.10 O atraso no encaminhamento resulta freqüentemente em diálise de emergência, levando
a hospitalização mais prolongada no início do
processo, associada ao aumento da morbidade
e mortalidade. A referência tardia ainda impede
uma série de medidas tais como a escolha adequada do método de tratamento de substituição
da função renal, a preparação e o suporte psicológico para pacientes e familiares e leva a um
início de diálise traumático, sem acesso vascular
adequado, com todas as suas conseqüências.
Assim, a constituição de equipes interdisciplinares especializadas na abordagem da DRC é um
processo desejável que, associado à conscientização da equipe de cuidados primários para um
encaminhamento precoce, pode contribuir para
melhorar a qualidade de vida e a sobrevida dos
pacientes com essa alteração crônica.11,12
DEFINIÇÕES
Em 2002, numa tentativa de padronização da
nomeclatura, foi divulgada a classificação da DRC
proposta pela National Kidney Foundation’s Kidney
Disease Outcomes Quality Initiative (NKF/DOQI).13
Essa classificação representou um avanço indiscutível, por uniformizar a nomeclatura e definir os estágios da disfunção renal, de acordo com a queda do
Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S90-S97
91
Doença renal crônica em pediatria - Programa Interdisciplinar de Abordagem Pré-dialítica
ritmo de filtração glomerular (Tabela 1). A doença
renal crônica é atualmente definida pela presença
de lesão renal por um período maior de 3 meses,
caracterizada por anormalidades estruturais ou funcionais do rim, com ou sem alterações do ritmo de
filtração glomerular ou por um ritmo de filtração glomerular menor de 60ml/min/1.73m/m² que persista
por mais de 3 meses, independentemente de lesão
renal. Ela pode ser classificada em estágios de I a
V, de acordo com a severidade da queda da função
renal, correspodendo o estágio V à falência renal.
estágios não seriam mais bem caracterizados pelas anormalidades associadas, como a presença
de proteinúria, hematúria ou de anormalidades estruturais e não, pelo RFG. Em segundo lugar, esta
caracterização dos estágios só corresponde aos
níveis de RFG esperados na criança com idade superior a dois anos, considerando-se o processo de
maturação renal (vide Tabela 2).14
Tabela 2 - NKF/2002- RFG esperado para crianças e
adultos jovens
Idade
Tabela 1 - Estágios de doença renal crônica Segundo
as recomendações da Fundação Nacional do Rim
(National Kidney Foundation- Kidney Disease
Outcomes Quality Initiative, NKF-K/DOQI) ³¹
Estágio
Descrição
RFG ml/min/1.73m²
1
Lesão renal com RFG
normal ou ↑
>90
2
Lesão renal com ↓ leve
do RFG
60-90
3
Diminuição moderada
do RFG
30-59
4
Diminuição acentuada
do RFG
15-29
5
Falência renal
<15 ou diálise
Legenda: RFG -ritmo de filtração glomerular
A lesão renal é definida como anormalidade
funcional ou estrutural do rim, sendo diagnosticado através de alterações na composição do sangue
ou da urina ou nos exames de imagem. Ou seja,
a DRC foi caracterizada pela presença de lesão
renal, independentemente de ocorrer redução do
ritmo de filtração glomerular (RFG). Isto se justifica por poder o RFG ser mantido em níveis normais
ou até elevados, apesar de lesão renal substancial,
estando este grupo de pacientes expostos ao risco
tanto de progressão da lesão renal, quanto a complicações cardiovasculares. A inclusão dos pacientes com RFG < 60ml/min/m² como portadores de
doença renal crônica se justifica, já que a redução
na função renal a este nível ou inferior a ele representa a perda de mais da metade da função renal
em um adulto normal e se associa a um grande
número de complicações.13
Esta classificação tem sido extensamente utilizada, embora mereça algumas considerações. Em
primeiro lugar, questiona-se se os dois primeiros
92
Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S90-S97
RFG médio ± desvio padrão
(ml/min/1.73m²)
1 semana
40,6±14,8
2-8 semanas
65,8±24,8
> 8 semanas
95,7±21,7
2-12 anos
133,0±27,0
13-21anos
(sexo masculino)
140,0±30,0
13-21 anos
(sexo feminino)
126,0±22,0
Legenda: NKF- National Kidney Foundation; RFG -ritmo de
filtração glomerular
ASPECTOS EPIDEMIOLÓGICOS
Os dados latino-americanos e brasileiros sobre
a DRC são escassos. A exata incidência da DRC em
nosso meio é desconhecida, tanto pela possibilidade do não reconhecimento do problema, muitas
vezes silencioso, quanto pela subnotificação dos
casos diagnosticados. Estatísticas do Third National Health and Nutrition Examination Survey (EUA)
de 2005, estimam que até 11% da população americana adulta seja portadora de algum grau de DRC
e que mais de 8 milhões de americanos possuam
RFG< 60ml/min/1,73m².15 A incidência e a prevalência da DRC estágio 5 em adultos tem aumentado
progressivamente, em proporções epidêmicas no
Brasil, como em todo o mundo, guardando estreita
relação com o aumento do número de casos de
diabetes, de hipertensão arterial e de obesidade.
Deve-se ressaltar que a DRC é uma doença grave
e mesmo com a terapia renal substitutiva, tem, em
nosso meio, mortalidade superior em números absolutos à da maioria das neoplasias, como as de
colo de útero, colon/reto, próstata e mama.16
Segundo o censo de diálise e transplante de 2006
da Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), no Bra-
Doença renal crônica em pediatria - Programa Interdisciplinar de Abordagem Pré-dialítica
sil, havia 70.872 pacientes em diálise, sendo a prevalência de 383 pmp. Ressalte-se um aumento rápido do
número de pacientes em diálise, da ordem de aproximadamente 9% ao ano, no período de 2000 a 2006.
Com relação à fonte pagadora, ressalte-se a predominância do SUS, que se responsabiliza por 89%
dos custos da diálise no Brasil. A taxa de incidência
anual estimada de pacientes novos em diálise em
2005 foi de 175 pmp, variando de 93 pmp na região
norte, até 253 pmp na região centro-oeste. Portanto, para uma população de 185 milhões em 2006,
estima-se que surjam aproximadamente 32.000 novos pacientes renais crônicos em estágio 5 no Brasil, por ano. Com relação à distribuição geográfica
destes pacientes em diálise, 53% (n= 38.114) deles
se concentram na região sudeste, 20% (n=14.041)
na região nordeste e 27% (n= 19.222) nas regiões
sul, centro-oeste e norte .
Segundo os dados da SBN, 91% dos pacientes
brasileiros se submetem à hemodiálise e 9,3%, à
diálise peritoneal. Somente na região sudeste de
nosso país, 18.431 pessoas estavam aguardando
transplante renal em 2006. Os óbitos de pacientes
em diálise somaram 12.528 casos, em 2005, com
uma taxa de mortalidade de 13,0%.
Os dados sobre DRC na faixa etária pediátrica
são escassos. No Rio Grande do Sul, a incidência
de novos pacientes pediátricos admitidos para terapia renal substitutiva vem aumentando progressivamente, de 0,58 por milhão de população infantil
entre 1970-1975, passando para 5,9 entre 1981-1985
e atingindo 6,5 entre 1986-198817. O censo da SBN de
janeiro de 2005 descreveu os dados de 497 centros
de diálise brasileiros, sendo 471 deles conveniados
com o SUS. Este censo não incluiu 99 centros de diálise que foram contatados, mas não responderam
(16% do total). O total de pacientes contabilizados
foi 54.311 (estima-se um número total de pacientes
em diálise igual a 65.121). O número de pacientes
menores de 15 anos em diálise foi de 518 crianças,
estando 302 delas em hemodiálise, 68 em diálise
peritoneal ambulatorial contínua e 148 em diálise
peritoneal intermitente. No estado de Minas Gerais,
foram contabilizados 67 pacientes menores de 15
anos, número inferior somente ao do estado de São
Paulo, que apresentava 109 crianças em diálise.18
Os estudos internacionais permitem supor que
a incidência anual de DRC estágio 5 (DRCT) nas
crianças esteja entre 5 e 15 pacientes por milhão
de população infantil (pmpi) e a sua prevalência
entre 22 e 62 pacientes pmpi.2-4 O desenvolvimento dos registros de diálise e transplante renal tem
permitido um melhor conhecimento da incidência
de DRCT. Contudo, essa incidência é provavelmente subestimada, já que os registros não listam as
crianças que não são tratadas por razões técnicas,
por ausência de recursos ou de políticas públicas
de saúde. Outra possível causa da subestimação
da incidência da DRCT na criança é que algumas
delas somente atingem esta fase na idade adulta,
não sendo incluídas nas estatísticas.
A comparação das taxas de incidência e prevalência de DRC em diferentes países do mundo
é também difícil, pela escassez de registros confiáveis e pelas diferenças metodológicas entre os
estudos existentes. Como mencionado, a maioria
das estatísticas são concernentes a registros de diálise e transplante e, portanto, referem-se a dados
de DRCT. Grandes estudos em adultos sugerem que
a prevalência de pacientes com DRC em estágios
precoces (1 a 4) seja 50 vezes maior que aquele
da incidência da DRCT19. Na América do Norte, as
crianças menores de 20 anos de idade constituem
2% do total de pacientes portadores de DRCT e a
prevalência de pacientes com idades entre 0 e 19
anos cresceu 32% desde 1990, o que contrasta com
o crescimento de 126% da população total portadora de DRCT.14 No Uruguai, o relato de um único
centro mostra uma incidência de 4,4 por milhão de
população infantil até 15 anos de idade, entre 19881991.20 No Chile, em 1996, a incidência de DRCT em
pacientes com menos de 18 anos foi estimada em
5,7 por milhão de população infantil.21 Dados do
Italkid Project (2003) mostram uma incidência média de DRC (RFG< 75ml/min/1,73m²) de 12.1 casos
por milhão de população de 0 a 20 anos, no período de 1995 a 2000. A prevalência em janeiro de
2001 foi estimada em 74,7 pmpi.22 Os dados relativos
aos Estados Unidos da América, segundo o USRDS
(United States Renal Data System), relativos a 1988 a
2003, mostram uma incidência anual de DRCT de 13
pmpi em 1988, contra 15 pmpi em 2003. Na Figura
1 pode ser observada a distribuição da incidência
de DRCT nas diversas faixas etárias pediátricas e na
idade adulta nos Estados Unidos entre 2002-2003.
Nesse período, a taxa ajustada para a população
pediátrica foi de 15 pacientes por milhão de habitantes. A prevalência de ponto para os pacientes
pediátricos , ajustada por idade, raça e gênero, foi
de 82 por milhão de população em 2002-2003.23
Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S90-S97
93
Doença renal crônica em pediatria - Programa Interdisciplinar de Abordagem Pré-dialítica
A obtenção de dados de prevalência de DRC
é dificultada por fatores semelhantes aos anteriormente mencionados, tais como as diferentes definições de insuficiência renal, o uso de idades distintas como ponto de corte, e a subnotificação quando
as crianças e adolescentes não são encaminhados
para centros especializados. No Canadá, a prevalência calculada para faixa etária de 0-15 anos foi
de 41 por milhão de população infantil.24 No Chile,
em 1996, foi relatada a prevalência de 39,6 por milhão de habitantes menores de 18 anos, sendo 64%
maiores de 10 anos, 14% menores de 5 anos e 2,3%
menores de 2 anos de idade.21 O número de casos
aumentou com a idade, com exceção dos maiores
de 15 anos. No V Registro Brasileiro de Diálise e
Transplante (1993)25, não foram estimados dados
específicos de prevalência para a população pediátrica. A prevalência estimada, englobando todas as
faixas etárias, foi de 39 por milhão de população. A
taxa no Brasil foi aproximadamente 20 vezes menor
que a dos Estados Unidos, o que permite supor um
grande número de pacientes brasileiros, em todas
as faixas etárias, sem acesso ao tratamento de substituição de função renal.
ETIOLOGIA DA DRC
As causas da DRC em crianças e adolescentes
diferem daquelas relatadas para pacientes adultos. Diferentemente dos adultos, nos quais diabe-
tes e hipertensão arterial são as etiologias mais
freqüentes, as causas congênitas se responsabilizam por grande porcentagem dos casos de doença renal crônica na infância. Em alguns paises
pobres, causas adquiridas e infecciosas podem
ser predominantes, como a hepatite c, a nefropatia da síndrome da síndrome da imunodeficiência adquirida, etc. Desordens hereditárias são
mais comuns em países onde a consangüinidade
é mais comum, como a Jordânia e o Irã.14
As uropatias e as glomerulopatias são em conjunto, nas séries compiladas, responsáveis por
aproximadamente 60% dos casos de DRC em crianças e adolescentes. Do total de 26.903 pacientes relatados em diferentes países, 3.424 (12,72%) eram
portadores de uropatias, notadamente refluxo vesicoureteral e uropatia obstrutiva e 12,715 (47,26%)
eram portadores de glomerulopatias, destacandose a esclerose focal e segmentar.26 Pode-se observar, ainda, que os percentuais de uropatias divergem bastante entre as séries publicadas, variando
de 13,8 % a 43,3%. O mesmo quadro pode ser observado entre os demais grupos. Este fato pode ser
conseqüência de classificações diferentes adotadas pelos autores ou da heterogeneidade regional.
Potanto, embora ressalvando as possíveis falhas
de uma compilação de estudos heterogêneos, há
uma clara consistência nos relatos de literatura,
nos quais predominam as uropatias e as glomerulopatias como principais causas primárias de DRC
na faixa etária pediátrica.
0 - 4 anos
incidência
5 - 9 anos
10 - 14 anos
15 - 19 anos
0 - 19 anos
20 - 44 anos
0
15
30
45
60
75
90
105
120
135
taxa por milhões de habitantes
Figura 1 - Distribuição da incidência de DRCT na população dos Estados Unidos, de acordo com as diversas faixas
etárias (Adaptado do USRDS, 200523).
*Incidência e prevalência calculadas por milhão de habitantes em cada grupo.
94
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Doença renal crônica em pediatria - Programa Interdisciplinar de Abordagem Pré-dialítica
TRATAMENTO DA DRCT E
MORBIMORTALIDADE
O prognóstico da criança com DRC grave
depende muito da disponibilidade de recursos
para tratamento. Embora tenha ocorrido grande
melhora na sobrevida em longo prazo de crianças e adolescentes, nos últimos 40 anos, nos Estados Unidos, tanto para as crianças em diálise
como para as transplantadas, a sobrevida de 10
anos é de apenas 80% e, como já comentado,
a taxa de mortalidade ainda é de 30 a 150 vezes maior que a dos pares de idade sem doença
renal.14 De fato, o tempo de sobrevida esperado
para uma criança de 0 a 14 anos em diálise é de
apenas 20 anos, enquanto a população de mesma idade transplantada tem uma sobrevida estimada em 50 anos. No levantamento de 2007 do
USRDS, 92% das crianças que foram transplantadas sobreviveram por 5 anos, comparadas a 78%
daquelas que receberam hemodiálise ou diálise
peritoneal.27 Nos países em que a terapia renal
substitutiva está disponível, a melhor forma de
tratamento é, pois, o transplante renal, em todas
as faixas de idade da criança.
As modalidades de substituição da função renal atualmente disponíveis são o transplante renal, a hemodiálise e a diálise peritoneal.28 As três
modalidades, em seus diversos subtipos, garantem uma sobrevida expressiva para os pacientes
com DRCT e, em muitos casos, uma boa qualidade de vida.29 Em todos os países desenvolvidos
há um incremento no número de pacientes em
terapia de substituição da função renal. Nos Estados Unidos, havia 372.000 pacientes nessa condição no final do ano 2000, contrastando com
aproximadamente 150.000 em 1991. A previsão
para o ano de 2010 é que 650.000 pacientes em
todas faixas etárias necessitarão de algum método de terapia de substituição da função nos
Estados Unidos.30 Na Europa, o quadro não é
muito diferente. Por exemplo, no período compreendido entre 1990-1996, nos países da Europa
Central e Oriental houve um incremento de 56%
no número de centros de hemodiálise, de 78% no
número de pacientes em diálise e de 306% no de
pacientes em diálise peritoneal.31
Assim, não causa surpresa que, do ponto de vista das políticas de saúde pública, haja uma preocupação com os gastos crescentes no pagamento das
diversas formas de terapia de substituição da função renal. Dados do USRDS mostram que os gastos nessas modalidades de tratamento totalizaram
7,2 bilhões de dólares em 1993, US$7,87 em 1994,
US$8,97 em 1995, US$10,21 em 1996 e US$10,77 em
1997, US$15,4 em 1999, US$16,5 em 2000, US$18,14
em 2004 e US$19,3 em 2005.27 Embora os pacientes com DRCT representem um pequeno grupo na
população em geral (por exemplo, 0,02% no Reino
Unido e 0,06% na Itália), os custos com a diálise
absorvem 0,7 a 1,8% dos orçamentos dos serviços
de saúde na Europa.29
Do ponto de vista médico, a DRCT representa um grande impacto clínico, psíquico e social
para pacientes, familiares e equipes médicas.
Apesar dos inegáveis avanços no tratamento da
DRCT nas últimas décadas, essa condição ainda
é associada a inaceitáveis índices de morbimortalidade, especialmente para os pacientes em
diálise. Nos Estados Unidos, segundo dados do
USRDS, em 2003 a taxa de mortalidade no primeiro ano do início do tratamento dialítico foi
de 11,4% para a faixa etária entre 0-4 anos de
idade, 6,9% entre 5-19anos e 16,6% entre 45-64
anos. Para os pacientes que iniciaram a diálise
entre 65-74 anos, 28,3% faleceram após 1 ano
de tratamento. Além disso, 45% apresentaram
alterações coronarianas, incluindo 12% com
episódios de infarto agudo do miocárdio; 20%
apresentam doenças vasculares periféricas e
11% doenças vasculares cerebrais23. Os dados
do USRDS, 2007, mostram que a sobrevida em
5 anos dos pacientes pediátricos em diálise é de
82% e dos pacientes transplantados, de 93%. Ainda segundo esters dados, desde 1991, as taxas
de mortalidade dos pacientes pediátricos em
diálise aumentraram 5%, atingindo 26,6 por milhão de população, em 2005.27 Ressalte-se que,
na população transplantada, as taxas de mortalidade são de 3 a 4 vezes menores do que aquelas das duas modalidades de diálise. No Brasil,
segundo dados do Registro Brasileiro de Diálise
e Transplante Renal (1997)25, a estimativa atuarial de sobrevida em 4 anos é de 67%. Esse dado
deve ser visto com cautela, pois o registro obteve informações de aproximadamente 30% dos
pacientes brasileiros em tratamento para DRCT.
As principais causas de óbito foram complicações cardíacas (30%), infecciosas (22%) e cerebrovasculares (21%).
Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S90-S97
95
Doença renal crônica em pediatria - Programa Interdisciplinar de Abordagem Pré-dialítica
Além das taxas de mortalidade serem altas
em todas as faixas etárias, os pacientes com
DRCT vivenciam uma alta morbidade. A freqüência e a duração das hospitalizações têm sido
utilizadas como um indicador de morbidade ou
uma medida objetiva de qualidade de vida, devido ao impacto que causa na vida dos pacientes.32
Além do impacto na vida dos indivíduos, do total
dos gastos com o tratamento da DRCT nos Estados Unidos, 40% são devidos à hospitalização.33
De acordo com dados do USRDS, o número médio de internações em 2003-2005 foi de 2,02 por
paciente/ano, na faixa etária de 0-19anos. A média de dias de internação foi de 12 dias para o
mesmo grupo.27 Essa taxa foi significativamente
maior para as crianças em hemodiálise, quando
comparadas aos pacientes em diálise peritoneal.
Evidentemente que, além do impacto econômico
para o sistema de saúde, esse quadro representa
um alto impacto no tocante ao desenvolvimento
normal das crianças e adolescentes, considerando-se os aspectos sociais, emocionais e cognitivos. Assim, apesar dos progressos obtidos no
tratamento da DRCT, especialmente nos países
desenvolvidos, o quadro geral é preocupante.
A alta morbidade e a mortalidade associadas
ao tratamento dialítico têm estimulado estudos
que visam `a detecção de fatores que possam
ser corrigidos, objetivando reduzir os agravos
associados ao tratamento da DRCT. Entretanto,
a abordagem antes da evolução para DRCT tem
recebido escassa atenção, especialmente na faixa etária pediátrica. A adequada abordagem préDRCT, ou seja, antes do início dos métodos de
terapia renal substitutiva, pode contribuir para a
redução da morbimortalidade neste contexto. A
atenção e os cuidados na abordagem conservadora da DRC podem ser a chave para uma melhor evolução do tratamento da DRCT. Alguns fatores presentes antes da DRCT podem predizer a
evolução em diálise e podem ser modificados no
tratamento conservador. Entre estes se incluem a
anemia, a hipertrofia ventricular esquerda, o hiperparatireoidismo secundário e a desnutrição.
A adequada abordagem da DRC é complexa, envolve altos custos e necessariamente uma
equipe interdisciplinar. À medida que o conhecimento dos mecanismos de progressão da doença
renal vem se expandindo, a inter-relação entre o
nefrologista, o paciente e seus familiares torna-se
complexa e a participação de outros profissionais é não somente inevitável como imprescindível. A equipe deve incluir médicos, enfermeiros, nutricionistas, psicólogos, assistente-sociais,
urologistas, entre outros. Além disso, quando se
inicia uma progressiva queda da função renal, o
paciente necessitará não exclusivamente desses
profissionais como também de múltiplos serviços
ambulatoriais e hospitalares. Diante do conhecimento atual, pode-se propor uma abordagem sistemática e racional para pacientes portadores de
insuficiência renal, objetivando principalmente
retardar a progressão da lesão renal e um preparo adequado para a terapêutica de substituição
da função renal. Na Tabela 3, está delineada a
síntese de uma possível abordagem, procurando
atender esses objetivos.
Tabela 3 - Estágios de doença renal crônica e recomendações específicas para detecção, avaliação e abordagem
da National Kidney Foundation- Kidney Disease Outcomes Quality Initiative (NKF/K/DOQI)
Estágios de DRC
Descrição
RFG (ml/min/1.73m²)
Detecção, avaliação e abordagem
1
Lesão renal c/ RFG normal ou ↑
>90
- Diagnóstico e tratamento
- Tratar comorbidades
- Reduzir progressão
- Reduzir risco de DCV
2
Lesão renal c/ leve↓ RFG
60-89
Estimar progressão
3
Moderada ↓ RFG
30-59
Avaliar e tratar complicações
4
Acentuada ↓ RFG
15-29
Referenciamento ao nefrologista e
considerar TSR
5
Falência renal
< 15
TSR ( se uremia presente)
Legenda: DCV= doença cardiovascular; TSR= terapêuticarenal substitutiva
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Doença renal crônica em pediatria - Programa Interdisciplinar de Abordagem Pré-dialítica
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ARTIGO DE REVISÃO
A epilepsia e os transtornos mentais:
a interface neuropsiquiátrica
Epilepsy and mental disorders the neuropsychiatric interface
Eliana Maria de Castro1; Roberto Assis Ferreira2; Eugênio Marcos Andrade de Goulart3
RESUMO
1
Professora Assistente do Departamento de Clínica
Médica da Faculdade de Medicina,
Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG, na especialidade de Neurologia – Mestre
em Ciências da Saúde da Criança e do Adolescente pela
Faculdade de Medicina, UFMG.
2
Professor Associado do Departamento de Pediatria da
Faculdade de Medicina, Universidade
Federal de Minas Gerais – UFMG. Doutor em Medicina –
Área de Concentração: Pediatria
pela Faculdade de Medicina, UFMG.
3
Professor Associado do Departamento de Pediatria da
Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Minas
Gerais – UFMG. Pós-Doutorado em Epidemiologia Clínica
pela Universidade MacMaster, Canadá.
Os pacientes portadores de epilepsia têm, potencialmente, condições de desenvolver
alterações de ordem cognitiva e/ou psíquicas, seja pela multiplicidade de possibilidades de desenvolvimento do foco irritativo cerebral ou proporcional à diversificação
de funcionalidade dos grupamentos neuronais. O propósito do presente estudo é
mostrar a importância da abordagem desses pacientes e seus transtornos fora do ictus
epiléptico. Sabe-se que os transtornos mentais são mais comuns em epilépticos do
que na população em geral, entretanto, esta correlação ainda é motivo de controvérsias. A diversidade de linhas de pesquisas tenta desvendar esta instigante relação de
causa-efeito. Estudos revelam que essa vinculação se deve à inadequada avaliação de
grupos-controle, isto é, falhas metodológicas ou, ainda, conseqüência dos mecanismos
envolvidos com a própria doença: neuropatologia comum, predisposição genética,
transtornos de desenvolvimento, efeitos epilépticos ictal e subictal, hipometabolismo,
alterações de receptores sensitivos, alterações secundárias endocrinológicas, doenças
psiquiátricas primárias, efeitos colaterais de drogas antiepilépticas e transtornos psicossociais. Outras linhas de pesquisas, contudo, ressaltam a importância de se focalizarem
esses transtornos como depressão, ansiedade e psicoses e sua relação com a epilepsia
nas fases pré-ictal, interictal e pós-ictal. Destacam também que a maior incidência desses transtornos ocorre em pacientes que têm focos de suas crises no lobo frontal, lobo
temporal – sistema límbico. Estima-se que 30% a 70% dos pacientes epilépticos tenham
algum déficit cognitivo ou alterações de humor e, em menor incidência, psicoses.
Palavras-chave: Epilepsia; Transtornos Mentais; Educação Médica.
ABSTRACT
Curso de Pós- Graduação em Ciências da Saúde,
Faculdade de Medicina,
Universidade Federal de Minas Gerais
Endereço para correspondência:
Eliana Maria de Castro
R: Samuel Pereira, 260 – Apt° 1002
B: Anchieta
Belo Horizonte – MG
Brasil
CEP: 30.310-550
Email: [email protected]
98
Patients suffering from epilepsy are prone to cognitive and/or psychical alterations,
whether for their multiplicity opportunities for the development of irritative focus or it is
proportional to the diverse functions neuronal groupings. The aim of the present study
is to demonstrate the importance of assisting these patients and taking care of their
disorders out of an epileptic ictus. It is known that mental disorders are more frequent in
epileptic patients than in the general population, but there are still some voices of dissent
about this correlation. Several different lines of research are striving to understand this
instigating cause and effect relationship. Studies have revealed that this correlation results
from an inadequate evaluation of control groups; that is, methodological shortcomings
or, still, the consequence of some mechanisms inherent to the disease itself: common
neuropathology, genetic predisposition, development disorders, subictal and ictal epileptic effects, hypometabolism, sensitive receptor alterations, secondary endocrinologic
alterations, primary psychiatric diseases, side effects of antiepileptic drugs and psychosocial disorders. Other lines of research, however, highlight the importance of regard
these disorders as depression, anxiety and psychoses and their relationship with the
Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S98-S106
A epilepsia e os transtornos mentais: a interface neuropsiquiátrica
pre-ictal, interictal and post-ictal stages of epilepsy. They
also point out that these disorders are more frequent in
patients whose crises’ focal points are the frontal lobe,
temporal lobe – limbic system. It is estimated that 30 to
70% of the epileptic patients have a cognitive deficit or
humor alterations, and less frequently, psychoses.
Key words: Epilepsy; Mental Disorders; Medical Education.
JUSTIFICATIVA
A associação da epilepsia - transtornos mentais
vem sendo abordada desde Hipócrates (460-375
a.C), sempre envolvida em polêmica. Por muitos
séculos, foi percebida como um
fenômeno que girava em torno da deficiência
mental ou poderes místicos, permanecendo à margem da ciência.1
Na atualidade, cientistas polemizam entre
afirmações de causa-efeito dessa correlação. Há
aproximadamente três a quatro décadas, fez-se o
primeiro registro na literatura dos sinais e sintomas
de transtornos mentais interictais associados a um
tipo de epilepsia.2 De acordo com a Organização
Mundial de Saúde (OMS) a epilepsia é a mais comum das condições neurológicas crônicas, a mais
grave e a de maior prevalência, ocorrendo em cerca de 1% da população geral comprometida e considerada um capítulo das doenças mentais.3
Quanto à população, de modo geral há estudos
mostrando taxa anual de incidência das epilepsias
oscilando entre 40 e 70/ 100 mil habitantes, elevando-se para 122 a 190/ 100 mil habitantes em paises
em desenvolvimento.4
Estima-se que a presença de transtornos mentais em pacientes portadores de epilepsia esteja
entre as taxas de 30% a 70% dos casos.5
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)6, a população do Brasil, em
2007, era de 177.450.609 pessoas, podendo-se inferir, portanto, levando-se em consideração a prevalência mundial das epilepsias, a existência de aproximadamente 1,7 a 1,8 milhão de portadores dessa
doença no país.
Mas, pela diversidade de metodologia científica empregada nos estudos epidemiológicos no
Brasil, há grande variabilidade estatística nos levantamentos regionais. Considerando as questões
deficitárias de saúde pública e as peculiaridades
do país com suas enfermidades próprias, como: a
alta incidência e prevalência de parasitoses e neu-
roinfestação, a cisticercose;as doenças cérebrovasculares; a hipertensão arterial sistêmica; os
tocotraumatismos, entre outras, é significativa a
possibilidade da subestimação das taxas reais de
epilepsia, concomitantemente com as taxas dos
transtornos mentais associados, em nosso meio.7
Não há, até o momento, estudos epidemiológicos
com critérios metodológicos comuns de abrangência nacional que evidenciem estas taxas.4
As crianças são mais vulneráveis à manifestação da epilepsia que os adultos, período em que
ocorre declínio da incidência, havendo, entretanto,
incremento da vulnerabilidade a partir da terceira
idade. A epilepsia atinge as crianças em mais de
50% dos casos antes de deixarem a escola, apresentando cronicidade e refratariedade ao tratamento
em torno de 25% a 28,6% das ocorrências. Esta prevalência sobe para 53% quando há associação da
epilepsia com outros problemas neurológicos.4,7
As alterações comportamentais estão associadas na proporção de 40% a 50%. Algumas comorbidades são semelhantes às dos adultos, como a
ansiedade e a depressão, mas outras são específicas da infância, como autismo, transtorno do déficit da atenção e hiperatividade (TDAH), distúrbios
do pensamento e problemas sociais e de aprendizado. Mesmo as crises epilépticas consideradas
benignas mostram, em estudo de follow-up, taxa
significativa de disfunção mental.8-10
Estes processos, de forma geral, convertem-se na
queda da qualidade de vida e deterioração da relação interfamiliar dessas crianças e adolescentes.11,12
Não se deve deixar de considerar que os aspectos psicopatológicos e o comprometimento da qualidade de vida e da cognição desses pacientes são
parte integrante da clínica em epilepsia.13
Em boletim editado em 2001 e de autoria de
Scott, Latho e Sander, a OMS14 mostra que 90% das
pessoas portadoras da doença não recebem qualquer tipo de cuidado médico em paises em desenvolvimento. Apesar dos clínicos generalistas e dos
pediatras, de modo geral, considerarem a epilepsia um capítulo específico da neurologia, sabe-se
que 70% a 80% desses pacientes podem e devem
ser tratados em cuidados primários.15,16
O desconhecimento ou a não consideração da
interface da epilepsia com as alterações psíquicas,
que se manifestam geralmente distantes da própria
crise, constituem mais um obstáculo para os profissionais que têm contacto com esses pacientes.
Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S98-S106
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A epilepsia e os transtornos mentais: a interface neuropsiquiátrica
Pode-se concluir, a partir desses dados, a importância de se colocarem em pauta a identificação
e possíveis causas da associação da epilepsia com
os transtornos mentais, visando à abordagem clínica adequada desses pacientes.
no lobo temporal direito ou ambos os lobos, que
apresentam sintomas depressivos. A melhor abordagem clínica nesses casos é diminuir ou eliminar
as crises epilépticas.23
A EPILEPSIA E OS TRANSTORNOS MENTAIS:
DESORDENS AFETIVAS/DEPRESSÃO
Depressão interictal
Os pacientes com epilepsia têm fortes traços
neuróticos, como a ansiedade, a culpa, a ruminação, a baixa auto-estima, o comportamento antisocial e as somatizações. Percebendo-os sob a
ótica da fenomenologia e entre os diversos transtornos psíquicos, a depressão é a mais comum das
co-morbidades ligadas aos eventos epilépticos e,
desses, o mais comum é em relação à epilepsia
do lobo temporal (ELT).17,18 O quadro depressivo é
responsável por cerca de 20 a 60% dos casos internados de epilepsia em hospitais psiquiátricos.7 A
depressão é freqüentemente reconhecida no ictus
epiléptico, na fase prodrômica ou na fase pós-ictal,
mas a sua manifestação é muito pouco estudada
na fase interictal.4,19,20
A depressão tende a ocorrer cerca de 10 anos
após o início do quadro de epilepsia.24
Entretanto Nowack5 não relaciona o tempo de
início da epilepsia com o tempo de aparecimento da depressão. A fisiopatologia da depressão é
desconhecida, mas observa-se ao eletroencefalograma (EEG), uma contínua e subclínica alteração
eletrofisiológica afetando a área límbica e, na tomografia por emissão de pósitron (PET), uma área
de hipometabolismo perifocal epiléptico.
Pesquisas realizadas na década de 90 demonstraram aumento do fluxo sanguíneo na região da
amígdala, cujo volume estava aumentado nos pacientes epilépticos com depressão, assim como
a diminuição do metabolismo da glicose no pólo
inferior anterior do lobo frontal.25, 26
Atualmente, essas alterações são detectáveis
através tomografia cerebral por emissão de pósitrons (PET).
Depressão ictal
A depressão ictal ocorre como parte da aura,
horas antes da crise ou mesmo precedendo-a em
dias, predominando o sintoma de medo e irritabilidade. É um fenômeno inesperado e não relacionado aos estímulos externos. Os sintomas são típicos
das depressões em geral, como sentimentos de
profunda tristeza, desamparo, desespero, falta de
esperança, chegando a levar ao suicídio, cuja incidência fica em torno de 0,2% a 0,5% dos casos de
portadores de epilepsia.19-21 As alucinações associadas à depressão formam um complexo que pode
se prolongar pós-crise (pós ictal) e ser indicativo
de uma atividade epiléptica subclínica.
FATORES RELEVANTES NA RELAÇÃO
EPILEPSIA E DEPRESSÃO
Gênero
Devem ser considerados certos fatores relevantes associados com epilepsia e depressão, tal
como o gênero. Alguns estudos mostram que os
homens portadores de epilepsia têm risco mais
alto de apresentarem depressão, o que demonstra
significância ao se compararem os quadros de depressão, na ausência de epilepsia, que é mais comum em mulheres.
Genética
Depressão pós-ictal
A depressão somente na fase pós ictal é rara e
geralmente é um resquício da fase anterior.22
Entretanto, há relato de pacientes com formas
intratáveis de epilepsia do tipo ELT, com origem
100
Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S98-S106
As hipóteses de uma relação epilepsia-depressão-genética-meio ambiente não está bem esclarecida e necessita de mais investigações. Existem
controvérsias e somente pequenos estudos foram
realizados. Parece que a epilepsia mioclônica ju-
A epilepsia e os transtornos mentais: a interface neuropsiquiátrica
venil carrega traços genéticos no que se refere à
depressão associada à epilepsia, apresentando
evidências clínicas familiares.27
Alterações da estrutura cerebral
A depressão pode estar associada a qualquer
condição neurológica com lesão cerebral estrutural e quadro de epilepsia, como traumatismo
crânio-encefálico (TCE), acidente vascular cerebral (AVC), esclerose múltipla (EM) e demências.
Entretanto, estudos têm revelado que necessariamente não tem de haver lesão estrutural para que
haja a ligação epilepsia-depressão.
Idade/ duração da epilepsia
Alguns autores mostram associação entre o início precoce ou tardio da epilepsia e a incidência
da depressão.28,29 Nowack5 sustenta, todavia, que a
maioria dos casos não demonstra qualquer relação
entre a idade de início da epilepsia e a instalação
da depressão.
Tipo de crise
Vários estudos enfatizam que a depressão é
mais comum em epilepsia do lobo temporal (ELT)
e que este está estreitamente ligado a riscos mais
altos de outros transtornos psiquiátricos.30-32 Esta
hipótese, porém, é rebatida por Edeh e Toone33
quando afirmam que o ELT é o foco de maior investigação científica, por ser o tipo de crise mais
comum em adultos e a de mais difícil controle, motivo de possível negligência no enfoque de outros
tipos de epilepsia, não despertando o interesse dos
pesquisadores.33
Lateralização do foco epiléptico
Existem controvérsias quanto à lateralidade do
foco epiléptico e o desenvolvimento de depressão.
Alguns pesquisadores sinalizam o foco à direita da
ELT como o responsável pelo desenvolvimento da
depressão, outros à esquerda e terceiros não registraram qualquer evidência científica para o fato.
Schmitz et al.34 referiram que pacientes com ELT focal esquerdo apresentaram alto padrão de depressão clínica quando submetidos ao Beck Depression
Inventory (BDI) e a exames neurorradiológicos e
neuropsicológicos. Os exames neurorradiológicos
mostravam grande área de hipoperfusão da região
límbica do lobo frontal, a que Schmitz et al.34 relacionaram à deaferentação da atividade inibitória
interictal ou à depleção pós-ictal desse substrato.
Iatrogenia
A politerapia tem sido apontada como um fator
também associado à depressão-epilepsia, assim
como algumas drogas: a lamotrigina, depletora de
ácido fólico, fenobarbital, primidona, fenitoina, vigabatrinâ.35,9
Psicossocial
Os fatores psicossociais têm conceitualmente
papel da maior relevância na determinação da
depressão em pacientes epiléptico. A exposição do paciente à imprevisibilidade, ao incontrolável e à aversão pelas crises é fator marcante no
desenvolvimento da depressão.
Outros fatores demonstraram que eventos estressantes da vida, como a baixa aceitação social
e o baixo poder aquisitivo, são significativamente
relevantes.36 Entretanto, outros trabalhos destacaram que não há relação entre depressão-epilepsia
e fatores psicossociais, status econômico, educação e qualidade de trabalho. 24,30,37
DESORDENS AFETIVAS/HIPOMANIA/
DEPRESSÃO BIPOLAR
Dongier 38 descreveu episódios de mania em
4,8% de uma série de 516 pacientes portadores de
epilepsia. Até então, somente um baixo número de
pacientes tinha sido registrado na literatura, associado à epilepsia do lobo temporal com foco irritativo à direita. Após o advento e uso de drogas antiepilépticas para o tratamento da ELT – que também
têm ação em quadros de mania como a carbamazepina (cbz) no final da década de 50 e o ácido valpróico (vpa), no final da década de 60 – acredita-se
Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S98-S106
101
A epilepsia e os transtornos mentais: a interface neuropsiquiátrica
que esses medicamentos possam atuar mascarando o número real de casos de hipomania.
DESORDENS DO HUMOR/ ANSIEDADE
As alterações de humor estão geralmente ligadas ao próprio fato do sujeito ser portador de epilepsia, pelos seus estigmas.
Os quadros do tipo conversivos, associados ou
isolados podem dificultar o diagnóstico preciso.
Não se pode esquecer que uma crise conversiva
acompanhada de hiperventilação pode desencadear uma crise real epiléptica. As crises de ansiedade são de curta duração e de caráter reacional,
ocorrendo sempre na presença de terceiros.5,10
DESORDENS OBSSESSIVA/COMPULSIVA (OCD)
Os estudos são modestos, pequenos, para confirmar a relação de OCD com epilepsia, tanto em
adultos quanto em crianças e adolescentes. Observam-se alterações ao EEG, com atividade predominantemente temporal de pacientes com OCD, sem
história de crises epilépticas.39
Há estudos com pacientes epilépticos submetidos ao questionário LOI (Leyton Obsessionality
Inventotry) e SPECT (tomografia computatorizada
por emissão de fóton único), mostrando a hiperperfusão de um sítio do lobo temporal direito, gânglios de base e tálamo. Outros autores, por sua vez
não fazem associação entre epilepsia e OCD.40
Interessante ressaltar que as características do
OCD – pedantismo, crises de tenacidade, viscosidade, fala repetitiva – estão também relacionadas
à chamada “personalidade epiléptica”.
PSICOSES
Entre os anos de 1950 a 1960, os aspectos psiquiátricos da epilepsia foram redescobertos, principalmente nos portadores de epilepsia do lobo
temporal.41,42
Slater2 já na década de 60, desafiando teorias
antagônicas, postulou uma relação ou interligação
entre a esquizofrenia e a epilepsia. Publicou em detalhes a análise de 69 pacientes, em dois hospitais
de Londres, que sofriam de epilepsia e apresenta102
Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S98-S106
vam episódios de psicose interictal crônicos e/ou
recorrentes, que denominou de “esquizofrenialike”,
com as seguintes características: paranóia, alucinações persecutórias e auditivas, delírios, comportamento desorganizado com ausência de sintomas
catatônicos, oscilações do humor, embotamento
afetivo menos intenso que o observado na esquizofrenia clássica.
É possível observar alguns fatores associados
às psicoses interictais e crises de origem do lobo
temporal e região límbica, como tempo de duração da epilepsia de 10 a 22 anos, período de menor freqüência das crises, lesões estruturais, tipo
esclerose mesial, e disgenesias corticais.7,11
Os mecanismos fisiopatológicos para essa interrelação indicam supersensibilidade de receptores
dopaminérgicos pós-sinápticos com abrasamento
e inibição ou hipofunção do foco epiléptico. Também os mecanismos psicológicos são considerados, como as vivências ictais e sua percepção malelaborada, assim como inter-relações do paciente
com seu meio.7
Epidemiologia
Até o momento, não há estudo epidemiológico
abrangente em grandes centros que indique prevalência de psicose em pacientes epilépticos, mas
há indicação de maior prevalência dessa população quando a pesquisa é realizada em centros de
neurologia e psiquiatria e centros de epileptologia,
com registros em torno de 2% a 7,1% dos episódios.
Em clínicas gerais, os casos variam de 0% a 4,5%.7
Classificação
Não há classificação internacionalmente aceita
de síndrome psicose-epilepsia.
O uso operacional do DSM-IV43 é limitado,
pois ele é voltado estruturalmente para diagnóstico funcional da psicose e não a considera no
contexto da epilepsia, assim como o CID 1044 por
vezes ambíguo, segundo Sachdev45.Uma proposta para a sistematização da classificação das psicoses em epilepsia foi baseada na combinação
da psicopatologia, etiologia, estudos longitudinais e o EEG como parâmetro, que, entretanto,
não atendeu às expectativas, visto ser, em mui-
A epilepsia e os transtornos mentais: a interface neuropsiquiátrica
tos casos, impossível delinear o tipo de epilepsia
e o tipo de psicose ou vice-versa.46 Síndromes
atípicas não são incomuns, até porque, na psicose pós-ictal e ictal, a consciência do paciente é
clara e o senso crítico se faz presente. Variações
fenomenológicas e precipitações podem ser individuais, assim como a experiência pessoal nos
episódios psicóticos recorrentes. É o sujeito que
está em questão e não e tão somente um indivíduo portador de epilepsia.
Importante observar que algumas manifestações epilépticas podem gerar fator de confusão
com diagnóstico de psicose vinculada à epilepsia
como:4,46-49
a) crises epilépticas recorrentes, com breve intervalo da superficialização da consciência,
cíclicas, com origem nos lobos temporais, mesial ou extratemporais;
b) crises epilépticas contínuas – confusionais,
não cíclicas, fragmentos de sítios
extratemporais afetando lobo frontal;12
c) status epilepticus focal, aura contínua, que
pode ser causa de alucinações simples, sintomas
afetivos, desordens de personalidade.
Mecanismos, teorias/ fisiopatologia das psicoses e epilepsias: Psicoses ictais
Há potencialização da dopamina na neurotransmissão no lobo temporal. Lee46 postulou que
as crises generalizadas em série teriam ação sobre
neurotransmissores dopaminérgicos em lobo temporal, com desencadeamento dos sintomas psicóticos, mimetizando quadros esquizofreniformes:
a) efeitos positivos: descargas estimulando
os mecanismos comportamentais do sistema
límbico;
b) efeitos negativos: descargas inibindo o sistema límbico.
A ILAE47, a partir de uma comissão especial para
o estudo da epilepsia e alterações psiquiátricas,
não apresentou, até a presente data, um resultado
final, mas reconhece que a psicose relacionada à
epilepsia é um subtítulo e diferente da esquizofrenia, do ponto de vista prático. Por esta razão, as
psicoses e as epilepsias são agrupadas numa relação temporal por afinidades com as crises.
Psicoses perictais
Sintomas psicóticos podem ocorrer como
parte de uma crise convulsiva ou em um prolongamento dos casos não convulsivos das crises
epilépticas, nas quais o EEG pode vir auxiliar
no diagnóstico. Podem ocorrer fenômenos experienciais, afetivos e comportamentos perceptuais com o comprometimento da consciência
durante o fato.48 O insight tende a permanecer,
mas freqüentemente segue amnésia.
O status epilépticus nas LTEs é o mesmo que
status psicomotor ou estado crepuscular.49
Psicoses pós-ictal - PIP / Interictal
Pesquisas mostram que as manifestações psicóticas pós-ictal podem ocorrer entre o primeiro mês
até os 15 anos ou mais, após a primeira crise epiléptica do paciente. Várias investigações demonstram
lucidez desses pacientes nas primeiras 72 horas
pós-crise com aparente restauração da atividade
mental normal.5,13
Freqüentemente ocorre antes do PIP, quadro
confusional seguido por alterações do tipo delírio,
transtorno do pensamento, alterações do humor, delírios paranóicos, persecutória, alucinação cenestésica, visuais, principalmente auditivas, misticismo,
religiosidade, comportamentos agressivos, transtornos da conduta sexual. Quadro que pode durar de
um dia a 90 dias.4,5
Alguns fatores de risco podem ser enumerados
para desencadeamento do PIP, tais como:
■
disfunção cerebral bilateral, apreensão, medos
e terror na fase ictal, história de crises febris e
crises de ausências, transtornos de personalidade preexistente e história familiar de doenças psiquiátricas.50
Recomenda-se, para investigação clínica, o
EEG simples, no qual se pode observar exarcerbação da atividade epiléptica ou lentificação. Se
possível solicitar o vídeoEEG, a RMf – ressonância
nuclear magnética funcional do cérebro e SPECT
– tomografia computatorizada por emissão de fóton simples. Dentre as manifestações psicóticas na
epilepsia a fase pós-ictal é das mais estudas e de
maior prevalência.38
Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S98-S106
103
A epilepsia e os transtornos mentais: a interface neuropsiquiátrica
Teorias
Até o início do século passado, havia antagonismo entre as epilepsias e psicoses, mas,
por influência de Meduna,51 introduziu-se drogas antiepilépticas para tratamento das esquizofrenias, obtendo-se boa resposta terapêutica.
Ressurgiu, então, o que no passado havia sido
abandonado, à possibilidade de correlação entre essas doenças.
Landolt52 demonstrou que, em alguns casos
onde a normalização do EEG de portadores de epilepsia, chamada de “normalização paradoxal” ou
“normalização forçada”, surtos episódicos de psicose eram desencadeados. Por outro lado, durante
a evolução e descoberta de drogas antiepilépticas,
como etosuximida, vigabatrina, gabapentina e topiramato, constatou-se que elas também poderiam
desencadear psicoses. Pelo o que se pode verificar,
parece realmente existir correlação entre epilepsia
e psicose como um processo de origem orgânicocerebral, considerando-se: 4
a) as psicoses têm, ao que parece, relação direta com alterações neuropsicológicas e neuroquímicas via fenômeno de kindling e descargas
eplépticas;14
b) as epilepsias e psicose compartilham da
mesma etiologia, mas com patogenias heterogênicas, como a genética, sem relação direta,
isto é, correlação familiar, com raras exceções.
Tem maior incidência em mulheres. O tempo
entre o início da epilepsia e o da psicose varia
de 11 a 15 anos ou mais; elas estão claramente interligadas pelo comprometimento do lobo
temporal, sistema límbico. Há consenso de que
a psicose é muito rara em pacientes com epilepsia neocortical extratemporal .
Estudos mostraram que as psicoses em epilepsias generalizadas têm forma diferente das psicoses da ETL, sendo estas, provavelmente, mais
duradouras.
Crises psicóticas – sintomas de alucinações
paranóides - alternadas são mais comuns em
epilepsias generalizadas quando essas entram
em remissão.4
A gravidade da crise é muito importante como
fator de risco, isto é, atividade epiléptica de longa duração, tipos múltiplos de crise, histórias de
má-resposta aos tratamentos, lateralização do
104
Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S98-S106
foco epiléptico no lobo temporal esquerdo, lesão
estrutural – como já assinalado, esclerose mesial,
malformação artério-venosa do encéfalo (MAV),
tumores harmartomas e gangliomas.4
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A avaliação dos pacientes portadores de epilepsia não deve se restringir apenas à sua queixa
primária, mas a todo contexto psíquico, funções
cognitivas, relacionamento interfamiliar e social.
Apesar das controvérsias ainda existentes da interface epilepsias - transtornos mentais estes aspectos
e conseqüente queda da qualidade de vida desses
pacientes devem ser considerados como parte integrante da clínica em epilepsia.
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ARTIGO DE REVISÃO
Obesidade na infância e adolescência
Childhood and adolescent obesity
Rafael Machado Mantovani1; Maria de Fátima Sabino Viana1; Sarah Baccarini Cunha2; Letícia Castro Rubim de Moura3; Juliana Metzker de Oliveira3; Flávia Fonseca de Carvalho3; Juni Carvalho Castro4; Ana Cristina Simões e Silva5
RESUMO
Atualmente, a obesidade é um dos problemas mais graves de saúde pública, tanto na
vida adulta quanto na infância e na adolescência. Devido ao crescimento acentuado
de sua prevalência nas últimas décadas, é considerada pela Organização Mundial da
Saúde (OMS) uma epidemia global. Além disso, crianças obesas freqüentemente se tornam adolescentes e adultos obesos. A obesidade está fortemente associada à hipertensão arterial, dislipidemia, intolerância à glicose e marcadores de inflamação crônica,
levando a um aumento de fatores de risco cardiovascular, piora da qualidade de vida,
e aumento do índice de mortalidade no adulto. O IMC e a circunferência abdominal
são as medidas de melhor custo-benefício para a estimativa da gordura corporal. A
publicação de novas curvas de referência de IMC para idade e sexo, pela OMS, permitiu
uma melhor avaliação e classificação nutricional da população brasileira. O tratamento
das crianças e adolescentes obesos visa sobretudo à diminuição das co-morbidades associadas. É imprescindível a participação da família e de uma equipe multiprofissional
no processo de reeducação alimentar e de hábitos de vida. A prevenção da obesidade,
com a participação do governo e da sociedade, é talvez a medida mais eficaz no controle desse grave problema de saúde pública.
1
Especialista em Pediatria com área de atuação em Endocrinologia Pediátrica; Mestrando em Saúde da Criança
e do Adolescente, pela Faculdade de Medicina da UFMG;
Membro da Divisão de Endocrinologia Pediátrica do Hospital das Clínicas – UFMG.
2
Especialista em Pediatria com área de atuação em Endocrinologia Pediátrica; Mestre em Pediatria pela Faculdade
de Medicina da UFMG; Doutoranda Saúde da Criança e do
Adolescente, pela Faculdade de Medicina da UFMG; Membro da Divisão de Endocrinologia Pediátrica do Hospital
das Clínicas – UFMG.
3
Bolsistas de iniciação científica da Faculdade de Medicina da UFMG;
4
Especialista em Pediatria com área de atuação em Endocrinologia Pediátrica; Profa. Adjunto-doutor do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da UFMG;
Membro da Divisão de Endocrinologia Pediátrica do Hospital das Clínicas – UFMG.
5
Especialista em Pediatria com área de atuação em Nefrologia Pediátrica; Profa. Adjunto-doutor do Departamento
de Pediatria da Faculdade de Medicina da UFMG; Membro
da Unidade de Nefrologia Pediátrica do Hospital das Clínicas – UFMG.
Palavras-chave: Obesidade; Sobrepeso; Pediatria; Saúde da Criança; Doenças Cardiovasculares; Resistência à Insulina; Fatores de Risco.
ABSTRACT
The obesity is currently one of the most severe problems in public health not only for
adults, but also for children and adolescents. The World Health Organization (WHO) considers it a global epidemic, since there has been a huge increase in its prevalence in the
past decades. Obese children frequently become obese adolescents and adults. Obesity is
strongly associated to arterial hypertension, dislipidemia, glucose intolerance and chronic
inflammatory markers, leading to an elevation in risk factors for cardiovascular diseases,
worsening the quality of life and increasing adult mortality. BMI and abdominal circumference are the best cost effective tools for adiposity estimative. Since WHO has recently published new BMI curves for age and sex, there has been an improvement in the nutritional
evaluation of the Brazilian population. The treatment of obese children and adolescents
aims to decrease associated co-morbidities. It is strongly recommended that lifestyle
interventions and behavioral modification involve families and a multiprofessional team.
Preventive strategies for obesity, including government and community participation, may
be the most effective measures to control this serious public health problem.
Key words: Obesity; Overweight; Pediatrics; Child Health (Public Health); Cardiovascular
Diseases; Risk Factors; Insulin Resistance.
Faculdade de Medicina – UFMG
Endereço para correspondência:
Ana Cristina Simões e Silva
Faculdade de Medicina - Departamento de Pediatria
Av. Alfredo Balena, 190, 2o andar, sala 267
B: Santa Efigênia
Belo Horizonte – MG
CEP: 30.130-100
Email: [email protected]
Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S107-S118
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Obesidade na infância e adolescência
INTRODUÇÃO
Atualmente, a obesidade é um dos problemas
mais graves de saúde pública, tanto na vida adulta quanto na infância e na adolescência. Devido
ao crescimento acentuado de sua prevalência nas
últimas décadas, tanto em países desenvolvidos
quanto em desenvolvimento, é considerada pela
Organização Mundial da Saúde (OMS) uma epidemia global.1 Além disso, crianças obesas freqüentemente se tornam adolescentes e adultos
obesos com sérios riscos para a saúde.2
É necessário entender a natureza desse problema, suas causas e implicações, não apenas no
que se refere aos cuidados pediátricos, mas sua
progressão para a vida adulta. Há evidências de
que a prevenção da obesidade infantil se inicia
no pré-natal.3 A nutrição materna, as condições
de nutrição intra-uterina e o peso de nascimento4
têm sido associados ao acúmulo de tecido adiposo na infância, principalmente se houver oferta
calórica excessiva, como o aleitamento artificial
inadequado.
Neste contexto, é de grande importância para
prevenção da obesidade infantil, promover um
ambiente saudável, tanto domiciliar como escolar,
com opções de recreação e psicologicamente propício a atividades físicas.
CONCEITO E PREVALÊNCIA
A obesidade pode ser conceituada como um
acúmulo corporal de tecido adiposo, por um balanço energético positivo, geralmente devido à
ingestão calórica excessiva, associada ao gasto
insuficiente de energia.
A Força-tarefa Internacional para Obesidade
(International Obesity Task Force), em 1994, concluiu que o índice de massa corporal (IMC) oferece uma medida razoável para avaliação de obesidade em crianças e adolescentes. Winnicott DW.
Estipularam-se como referências os respectivos
valores de IMC de adultos, de 25 e 30 Kg/m2, como
graus 1 e 2 de obesidade, relacionando-os aos valores dos percentis 85 e 95 para idade e sexo na faixa
etária pediátrica.5
A categoria “sobrepeso” tem como objetivo
identificar crianças e adolescentes que devem ser
referenciados à triagem para possíveis complica108
Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S107-S118
ções secundárias.6 Não é rara a identificação de
crianças com percentil de IMC entre 85 e 95 com
graus variados de dislipidemia ou hipertensão arterial sistêmica.
Já os adolescentes obesos, com percentil de
IMC maior que 95 para sexo e idade, além das
possíveis conseqüências imediatas secundárias
ao excesso de peso, como baixa auto-estima, alterações do metabolismo glicêmico, hipertensão,
entre outras, são fortes candidatos à obesidade na
vida adulta.2
Dados recentes mostram um aumento alarmante da prevalência da obesidade em todo o
mundo. Estima-se que cerca de 7% da população
mundial está obesa e 15 a 20% com sobrepeso.7
Nos Estados Unidos (EUA), um estudo publicado
em 2004 mostrou uma prevalência de obesos de
10,3% em crianças de 2 a 5 anos e de 16% nas
crianças de 6 a 19 anos. Somam-se ainda os casos de sobrepeso (IMC entre os percentis 85 e 95),
com índices de 22,6% e 31%, respectivamente,
com destaque para as populações afro- e hispano-americanas.8
Dados do IBGE de 2002-20039 detectaram um
aumento considerável na proporção dos adolescentes brasileiros com excesso de peso: em 197475, estavam acima do peso 3,9% dos garotos e
7,5% das garotas entre 10 e 19 anos; já em 2002-03,
os percentuais encontrados foram 18,0% e 15,4%,
respectivamente. Um estudo realizado na cidade
de Santos – SP10 observou que em 10.822 crianças,
de 7 a 10 anos, as prevalências totais de sobrepeso e obesidade foram de 15,7% e 18%, respectivamente. Em escolas privadas, a taxa de excesso de
peso chegava a 50%, determinando a adoção de
medidas de prevenção e intervencionismo.
Mesmo dentro de um mesmo país, a prevalência da obesidade pode variar entre grupos étnicos, como é o caso dos afro-americanos, nos
EUA, também entre comunidades com diferentes níveis socioeconômicos e culturais. Estudos
recentes mostraram que nos EUA, o baixo nível
socioeconômico encontra-se mais relacionado à
obesidade11, enquanto que na China e Rússia, as
crianças de maior risco são as de classe social
mais alta.12 Os padrões de consumo, alimentação
e atividade física são as razões determinantes
para essa diferença. Nos países em desenvolvimento, as melhorias na qualidade de vida de
algumas famílias muitas vezes levam os pais a
Obesidade na infância e adolescência
oferecerem alimentos em abundância para seus
filhos.6 De forma contrária, nos países desenvolvidos, as minorias étnicas e as famílias menos
favorecidas geralmente têm restrição a opções
de alimentos de boa qualidade e de instalações
para a prática de atividade física.
Estudos mostram que moradores de áreas pobres nos EUA têm poucas opções de mercados
com alimentos considerados mais saudáveis, como
frutas, verduras e legumes, o que obviamente interfere no padrão alimentar desses consumidores.
Por outro lado, a população com maior privilégio
social, além de maior disponibilidade de alimentos
de boa qualidade, tem maior acesso a informações
relacionadas à saúde.6
Independentemente de consideramos populações e classes sociais como de maior ou
menor risco de obesidade, os padrões atuais de
vida da população em geral têm favorecido a
prática de atividades sedentárias e o consumo
de alimentos de alto poder calórico e baixo valor nutritivo. As lanchonetes e cantinas escolares são um exemplo da grande oferta desse tipo
de alimento. Além disso, há ampla disponibilidade de máquinas de refrigerantes, doces e frituras
em espaços públicos, mesmo em escolas com
diretrizes nutricionais estabelecidas. Muitas escolas públicas brasileiras têm adotado, há anos,
na sua merenda, cardápios com alimentos de
alto conteúdo calórico, com o fim de suprir a
demanda de populações carentes. No entanto,
nota-se que essa medida tem contribuído consideravelmente para o aumento da prevalência
da obesidade infantil, já que expõe as demais
crianças e adolescentes a um conteúdo excessivo de calorias.
Propagandas de restaurantes de fast food,
refrigerantes e alimentos industrializados, em
programas infantis de televisão, telenovelas
com público adolescente e em até revistas infanto-juvenis, aliadas à falta de uma legislação
que possa coibir a exposição indiscriminada de
crianças a esse tipo de informação são causas
diretas do aumento da prevalência da obesidade na infância e adolescência. Somam-se ainda
as propagandas sutilmente incluídas nos programas, incluídas nos conteúdos de programas
de televisão, muitas vezes mais danosas do que
as diretas.
COMO SE ESTIMAR A MASSA ADIPOSA
A complexidade de se estimar o grau de obesidade é tema de muitos estudos.7,13 Devido à grande dificuldade de quantificar a massa de tecido
adiposo em crianças, tomando-se em conta, entre
outros fatores, as diferenças populacionais e étnicas de composição corporal, não há uma definição universalmente aceita para a avaliação da
gordura corporal.
Métodos como ressonância nuclear magnética (RNM) e densitometria computadorizada por
absormetria radiológica de dupla energia (DEXA)
são considerados os métodos com maior acurácia para quantificação da massa adiposa.7 Ainda assim, apresentam limitações. A DEXA, por
exemplo, apesar de pouco invasiva, não distingue
gordura subcutânea da visceral. Além disso, a utilização desses métodos de avaliação fica restrita
ao meio acadêmico, em função de sua complexidade e alto custo.
O método de avaliação por bioimpedância elétrica é rápido, simples, de custo relativamente baixo e não-invasivo. No entanto, sofre interferência
de diversos fatores, como a alimentação, grau de
atividade física e do estado de hidratação que, por
sua vez, pode ser alterado, por exemplo, pela fase
do ciclo menstrual, presença de doença aguda e
elevação da temperatura.7 Portanto, esse método
apresenta baixa acurácia e reprodutibilidade, limitando o seu uso.
As medidas antropométricas constituem métodos baratos, reprodutíveis e pouco invasivos.
Dentre eles, a circunferência abdominal é útil
para identificar crianças obesas com maior risco
metabólico (com maior quantidade de gordura
visceral).13 Dessa forma, tal medida deve ser incluída na avaliação de crianças e adolescentes com
sobrepeso e obesidade. No entanto, referências
pediátricas de curvas de circunferência abdominal ainda são escassas.
A medida de pregas cutâneas é um método útil
para a avaliação da distribuição de gordura corporal, pois são tomadas medidas de várias partes
do corpo. Como ponto negativo, têm de pouca reprodutibilidade, especialmente em pacientes muito obesos, mesmo após o treinamento técnico do
examinador.
O cálculo do IMC é um método amplamente
difundido na prática médica, sendo inclusive utiliRev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S107-S118
109
Obesidade na infância e adolescência
zado na definição de obesidade. No entanto, uma
das preocupações ao considerá-lo como medida
de gordura corpórea é a sobre-estimativa do sobrepeso, já que o método não constitui uma medida
específica de gordura corpórea, sobretudo gordura visceral. A correlação de valores de IMC com
aspectos clínicos é de extrema importância, pois
indivíduos com grande percentual de massa magra (músculos, ossos e líquidos corporais), como
atletas e adultos jovens, podem apresentar-se com
IMC elevado. De forma contrária, atenção deve ser
dada aos pacientes classificados como eutróficos
ou com leve sobrepeso, mas com grande acúmulo
de gordura abdominal.13
Em muitos países, curvas com dados de sua
própria população são utilizadas para a avaliação
de dados antropométricos. No Brasil, há muitos
anos têm-se utilizado os dados do National Center
for Health Statistics, dos Estados Unidos, como referência para avaliação de percentis de IMC para
idade e sexo.
Em 1997, a OMS iniciou um trabalho para o
desenvolvimento de gráficos e curvas para a avaliação do crescimento, do estado nutricional e o
desenvolvimento motor de crianças e adolescentes. O estudo, publicado em 200614, contou com a
participação de vários países, incluindo o Brasil
(com apoio do Ministério da Saúde), Gana, Índia,
Noruega, Oman e os Estados Unidos, de modo a representar as seis principais regiões geográficas do
mundo. A característica mais marcante dessas curvas é o fato de terem sido construídas com crianças em aleitamento materno até os 4 meses e por
terem como critérios de inclusão um conjunto de
fatores que favorecem o pleno desenvolvimento de
suas potencialidades de crescimento. Dessa forma,
essas referências de percentis de IMC para idade
e sexo (também disponíveis em desvios-padrão),
de 0 a 18 anos, são consideradas mais adequadas
para a população brasileira, permitindo uma melhor avaliação e classificação nutricional.
As curvas de IMC para idade da OMS se iniciam
desde o nascimento, enquanto que as do CDC aos
2 anos de idade. Pelo reflexo da maior obesidade
da população americana em relação à brasileira,
as curvas do CDC tendem a subestimar o número
de obesos brasileiros. As curvas da OMS, por outro
lado, tendem a identificar mais fielmente o grau de
obesidade da população brasileira, aumentando a
estimativa de obesos.15 (Figura 1)
110
Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S107-S118
Figura 1 - Comparação das curvas de IMC para idade,
de 0 a 5 anos, da OMS (WHO) e CDC 2000.
As curvas da OMS são mais baixas que as
do CDC 2000, aumentando a identificação
de crianças obesas. Por outro lado, podem
subestimar os casos de desnutrição.
ETIOLOGIA DA OBESIDADE INFANTIL
Apesar de serem conhecidos mais de 600 genes
e porções cromossômicas ligados à obesidade, os
fatores genéticos são considerados raros como
causa direta da obesidade infantil. Quando presentes, geralmente há o desenvolvimento de formas
graves e precoces da doença.
Dos genes ligados diretamente ao desenvolvimento da obesidade, destacam-se os reguladores
do metabolismo leptina-melanocortina, um complexo sistema regulador do apetite, envolvendo hormônios e neurotransmissores. Mutações no gene
do receptor de melanocortina 4 (MCR4) são as causas monogênicas mais freqüentes de obesidade,
ocorrendo em até 4% das formas graves e de início
precoce da doença na faixa etária pediátrica.16
Algumas síndromes genéticas se associam a
um quadro de obesidade. Dentre elas, destaca-se a
síndrome de Prader-Willi (OMIM 176270), caracterizada por hipotonia, retardo mental, hipogonadismo hipogonadotrófico e obesidade, geralmente, de
início precoce e de mau prognóstico. Os pacientes
com essa síndrome apresentam um quadro de hiperfagia, relacionada a níveis elevados de grelina,
um hormônio orexigênico. A síndrome de BardetBiedl (OMIM 209900) também se associa a quadros
variáveis de obesidade, além de retardo mental,
retinopatia pigmentar, polidactilia e anormalidades renais. A síndrome de Beckwith-Wiedemann
(OMIM 130650) não se associa especificamente
à obesidade na infância, mas ao crescimento ge-
Obesidade na infância e adolescência
neralizado e à visceromegalia. Outras síndromes
raras, como a de Cohen (OMIM 216550), a deficiência congênita de leptina ou do seu receptor, entre
outras, também estão relacionadas com formas
graves de obesidade.
Há evidências que a obesidade infantil tem, muitas vezes, sua origem no ambiente intra-uterino.3
Esse, quando adverso, com o conseqüente atraso
do crescimento fetal, influencia o acúmulo posterior de gordura e, dessa forma, o desenvolvimento
de complicações relacionadas à obesidade. O rápido acúmulo de gordura, nos primeiros anos de vida
(especialmente nos primeiros meses), está associado ao desenvolvimento da síndrome metabólica na
idade adulta, que se caracteriza pela detecção concomitante de adiposidade abdominal, dislipidemia,
hipertensão arterial e intolerância à glicose.17
Em síntese, a obesidade infantil é a expressão
fenotípica final resultante da influência de fatores
ambientais e comportamentais em indivíduos geneticamente susceptíveis. Tem, portanto, como
causa principal, os fatores exógenos. As mudanças na quantidade e na qualidade da alimentação,
além da drástica redução da atividade física são
os principais fatores responsáveis pelo aumento
da prevalência da obesidade em crianças e adolescentes nos últimos 35 anos.
Um grande estudo de coorte18, com mais de
8 mil crianças, identificou nos primeiros anos de
vida oito fatores relacionados à obesidade infantil
(aos 7 anos de idade): 1) obesidade dos pais; 2)
ganho excessivo de gordura ou de IMC em idades
muito precoces; 3) hábito de assistir à televisão por
mais de 8 horas por semana na idade de 3 anos; 4)
recuperação da curva de crescimento (catch up); 5)
desvio-padrão de peso aos 8 e 18 meses; 6) ganho
de peso excessivo no 1º ano de vida; 7) peso ao
nascimento; 8) sono noturno menor que 10,5 horas
na idade de 3 anos. Além desses fatores, evidências apontam o leite materno como protetor contra
o sobrepeso futuro, em algumas populações.19
Ainda que raras, as causas endócrinas devem
ser pesquisadas quando, além de obesidade, houver sinais clínicos sugestivos de algum distúrbio
hormonal. Endocrinopatias caracterizadas por
diminuição do gasto energético e da velocidade
de crescimento resultam no desenvolvimento de
baixa estatura e adiposidade central. É o caso das
deficiências de hormônio do crescimento e de hormônio tireoidiano (ou uma combinação dos dois),
como também pode ocorrer no hipercortisolismo
ou síndrome de Cushing. Tal síndrome ainda se
acompanha de hipertensão, dislipidemia, intolerância à glicose, face de “lua cheia”, estrias violáceas e fraqueza muscular.
A obesidade infantil é uma freqüente complicação de tratamentos (cirurgias e/ou irradiação) direcionados a doenças do sistema nervoso central,
como tumores e traumas. Os mecanismos implicados no rápido ganho de peso pós-operatório são
pouco conhecidos, mas envolvem a diminuição
da atividade física, alterações hipotalâmicas em
centros reguladores da fome e saciedade, além de
disfunções do sistema nervoso simpático.7
O uso crônico de alguns medicamentos deve
ser pesquisado ao se avaliar uma criança ou adolescente com obesidade. O uso prolongado de glucocorticóides, tópicos ou sistêmicos, é a principal
causa de hipercortisolismo. Drogas anti-psicóticas,
valproatos, progestágenos, entre outros, também
se associam freqüentemente ao ganho de peso,
além de dislipidemia e intolerância à glicose.7
O TECIDO ADIPOSO COMO ÓRGÃO ENDÓCRINO
Desde 1994, ano da descoberta da leptina, o
tecido adiposo deixou de ser considerado apenas
como um reservatório passivo de energia, passando
então a assumir o papel de órgão endócrino.20 Além
da secreção de ácidos graxos livres, o tecido adiposo expressa e secreta vários peptídeos bioativos, as
chamadas adipocinas, atuantes tanto no nível local
(ação parácrina/autócrina) quanto no sistêmico
(ação endócrina).20 Tais substâncias desempenham
diversas funções metabólicas, como a regulação do
acúmulo e gasto energético, a regulação do metabolismo de glicose, lípides, além de efeitos imunológicos anti- e pró-inflamatórios. O tecido adiposo
contém ainda uma complexa maquinaria metabólica, capaz de interagir com diversos órgãos e sistemas à distância, tais como o sistema nervoso central
(SNC), o sistema cardiovascular (SCV) e os rins. 21
CONSEQÜÊNCIAS DA OBESIDADE INFANTIL
A obesidade na infância pode levar a danos
imediatos à saúde, como dislipidemia, hipertensão arterial, microalbuminúria, esteatose hepátiRev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S107-S118
111
Obesidade na infância e adolescência
ca não-alcoólica, problemas ortopédicos, baixa
auto-estima, intolerância à glicose ou até o início
precoce do diabetes mellitus tipo 2.6,7 Nos EUA, o
diabetes mellitus tipo 2 é responsável por até 45%
dos novos casos de diabetes diagnosticados nos
pacientes pediátricos, principalmente nas populações afro- e hispano-americanas, com maiores
taxas de obesidade. 22
Ainda que não haja uma definição uniforme de
síndrome metabólica para pacientes pediátricos,
alguns estudos demonstram relação direta entre o
grau de obesidade e sua prevalência, associada à
morbi-mortalidade na vida adulta por doenças cardiovasculares.7,23
Um grande trabalho envolvendo mais de 2600
adolescentes mostrou que aqueles com sobrepeso
têm 50-70% de chance de se tornarem adultos com
sobrepeso ou obesidade.2
Além disso, a maior prevalência de obesidade
nas últimas décadas tem contribuído muito para
o aumento dos custos relativos à saúde (pública
e privada). Um estudo americano, incluindo crianças e adolescentes de 6 a 17 anos, mostrou que os
custos hospitalares referentes a doenças relacionadas à obesidade aumentaram cerca de 3 vezes, em
10 anos. 22
AVALIAÇÃO CLÍNICO-LABORATORIAL
Anamnese e exame físico
A história médica detalhada, aliada ao exame
físico, é de grande importância para se diferenciar
causas primárias de obesidade de causas secundárias (doenças genéticas, endócrinas, lesões do
SNC ou ainda causas iatrogênicas).7
Como toda anamnese pediátrica, informações
sobre a gestação e o período neonatal são de
grande importância, como, por exemplo, história
de crescimento intra-uterino retardado e de diabetes gestacional. Os dados antropométricos ao
nascimento, como peso e comprimento, devem
ser solicitados, já que os recém-nascidos pequenos para a idade gestacional e os filhos de mãe
diabética têm maior risco para o desenvolvimento de anormalidades metabólicas futuras.17
Devem-se obter informações detalhadas sobre a alimentação, desde os primeiros meses de
vida: leite materno ou fórmula artificial, idade de
112
Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S107-S118
introdução de sólidos, avaliação da quantidade
calórica ingerida, assim como sua distribuição, a
rotina da criança ou adolescente e dados sobre o
preparo da dieta. A época de início do ganho de
peso e o aparecimento de outros sinais ou sintomas também devem ser investigados.
Distúrbios do sono, como dificuldade respiratória, associados a déficit de atenção e sonolência
durante o dia podem ser sinais de apnéia do sono,
representando uma co-morbidade do sobrepeso.
Durante a anamnese, devem-se valorizar as
questões psicológicas relativas à criança e seus
relacionamentos com seus pares, pois muitas
vezes sintomas depressivos, ansiedade e baixa
auto-estima estão presentes e influenciarão no
tratamento.
Hábitos sedentários, como o tempo dedicado à televisão, computador e jogos eletrônicos
devem ser descritos. É importante detalhar também a prática de atividades físicas, além do
ambiente em que é realizada. Avaliar se a obesidade traz algum prejuízo ortopédico que possa
atrapalhar a realização de esportes, como dores
articulares. Recomenda-se investigar ainda o
uso prévio de medicamentos obesogênicos e
história de lesões do SNC, cujos tratamentos envolveram cirurgia ou radioterapia. Além disso, a
história familiar deve incluir informações sobre
obesidade, doenças cardiovasculares, dislipidemia e distúrbios do metabolismo glicêmico nos
parentes de 1º grau.
No exame físico, deve-se inicialmente realizar as medidas antropométricas: peso, estatura,
circunferência abdominal, freqüência cardíaca e
pressão arterial. Observar dismorfismos corporais e sinais clínicos, como hipotonia muscular,
que possam sugerir alguma síndrome genética.
À ectoscopia, procurar por sinais de resistência à insulina, como a presença de acantose nigricans e a distribuição abdominal de gordura.
Observar se há estrias violáceas, acne e outros
sinais que possam sugerir hipercortisolismo.
Nas adolescentes com sobrepeso ou obesidade,
investigar sinais de hiperandrogenismo, como
acne e hirsutismo, além de alterações do ciclo
menstrual, que podem sugerir a síndrome dos
ovários policísticos, intimamente relacionada
à resistência insulínica. A palpação abdominal
pode revelar hepatomegalia, possível sinal de esteatose hepática.
Obesidade na infância e adolescência
Exames laboratoriais
Os exames laboratoriais devem ser solicitados
após uma estimativa de risco metabólico e cardiovascular, com base nos dados da anamnese e
exame físico. De modo geral, a triagem metabólica
dos pacientes com sobrepeso e obesidade deve incluir as dosagens de glicemia e insulina de jejum,
colesterol total e frações, triglicérides, provas de
função tireoidiana e hepática.7
Os pacientes com maior risco de síndrome
metabólica, como os obesos graves, com IMC
para idade superior a 3 desvios-padrão, acantose
nigricans e/ou com história familiar positiva para
diabetes devem realizar o teste de tolerância oral
à glicose, com as dosagens de glicose e insulina
2 horas após a ingestão de 1,75g/Kg de dextrosol
(máximo de 75g).6,7
Se houver hepatomegalia e/ou elevação de
transaminases hepáticas, o que ocorre em cerca
de 10% dos obesos, o ultra-som abdominal deve
ser solicitado, para avaliar a existência de esteatose hepática. Da mesma forma, o ecocardiograma,
se houver suspeita de anormalidades das câmaras
cardíacas. A polissonografia deverá ser realizada
nos casos suspeitos de apnéia do sono.7
Nos últimos anos, estudos têm mostrado o valor
da dosagem quantitativa de alta sensibilidade da
proteína C-reativa nos casos de sobrepeso e obesidade, pela correlação positiva dos seus níveis com
o IMC e com o risco cardiovascular.20,24 No entanto,
é necessário uma melhor definição dos valores de
referência para idade e sexo.
Se houver suspeita de doenças específicas,
como hipercortisolismo ou alguma síndrome genética, exames específicos deverão ser indicados. É
recomendável, nesses casos, a participação de um
especialista em Endocrinologia Pediátrica.
TRATAMENTO
O tratamento da obesidade infantil visa sobretudo à diminuição das co-morbidades associadas,
em curto e longo prazo. As crianças obesas têm
maior vulnerabilidade às complicações decorrentes do excesso de tecido adiposo, justificando
ações preventivas e terapêuticas.
Tendo em vista que crianças e adolescentes
com sobrepeso apresentam maior risco de dislipi-
demia, hipertensão arterial e intolerância à glicose7,8, torna-se evidente a necessidade de tratamento,
que se baseia inicialmente em orientações alimentares e aumento da atividade física. Por outro lado,
apesar de algumas crianças e adolescentes com
obesidade, mesmo com formas graves da doença,
não apresentarem co-morbidades, continua a ser
recomendada a mudança de estilo de vida, associada ou não ao tratamento medicamentoso, já
que muitas vezes esse grupo apresenta graves distúrbios emocionais. Abordagens terapêuticas mais
agressivas devem ser realizadas nos pacientes que
apresentam percentil de IMC para a idade maior
ou igual a 95 (ou mais que 2 desvios-padrão), ou
naqueles que apresentam sobrepeso associado a
co-morbidades.
A abordagem da obesidade em crianças e adolescentes geralmente necessita da participação de
uma equipe interdisciplinar. Tais equipes devem
incluir psicoterapeuta, nutricionista, endocrinologista e professor de educação física. O objetivo
do trabalho em equipe é sobretudo propiciar uma
abordagem mais ampla do paciente, procurando
envolvê-lo, bem como seus familiares, no processo
terapêutico.
O objetivo inicial do tratamento é restaurar o
balanço energético, equilibrando a relação ganho/
gasto calórico. Nos casos em que é clara a ingestão
calórica excessiva, a restrição alimentar deverá ser
aplicada, associada a um maior gasto energético,
ou seja, aumento da atividade física. Deve-se objetivar, em longo prazo, alcançar o percentil 85
de IMC para sexo e idade, já que a gravidade da
obesidade no adulto está relacionada à gravidade
e persistência da obesidade na infância. 25
A estabilização do peso em crianças em crescimento reduz o IMC progressivamente. É um objetivo a ser atingido no tratamento de crianças de 2
a 6 anos obesas e sem complicações secundárias.
A perda de peso é recomendada para crianças de
2 a 6 anos obesas e com co-morbidades, e para
as crianças maiores de 6 anos, cujos percentis de
IMC para idade e sexo superem 85. A redução de 5
a 10% do peso e a sua manutenção por 2 a 5 anos
melhora significativamente a sensibilidade à insulina e, conseqüentemente, a tolerância à glicose,
além de outros benefícios. 25
Quanto à abordagem nutricional, medidas simples podem ser muito eficazes para aqueles pacientes com erros alimentares graves. O aumento
Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S107-S118
113
Obesidade na infância e adolescência
do consumo de frutas e vegetais, a diminuição das
porções servidas, o intervalo regular entre as refeições, evitando longos períodos sem se alimentar,
são exemplos de orientações que devem ser feitas
inicialmente.
Restrições calóricas leves a moderadas são
geralmente seguras e podem ser eficientes quando as crianças obesas e seus familiares estão suficientemente motivados para manter por tempo
prolongado as mudanças de estilo de vida adotadas inicialmente. Algumas crianças, no entanto,
extremamente obesas ou com complicações secundárias, necessitam dietas mais restritivas. As
orientações nutricionais devem visar à redução
calórica com um aporte de proteínas e carboidratos minimamente suficiente para promover cetose,
sem perda de massa magra. Para tal, a participação de nutricionista, sob supervisão médica, é de
grande utilidade. Nesses casos, atenção deve ser
dada às deficiências de vitaminas, minerais e micronutrientes essenciais, que podem afetar a mineralização óssea e o crescimento linear.
Especula-se que a qualidade dos carboidratos
ingeridos possa interferir no ganho de peso. A secreção de insulina em resposta à ingestão de alimentos contendo açúcares simples (com alto índice glicêmico), como refrigerantes e doces, supera a
que é desencadeada por alimentos com altas concentrações de proteínas, gorduras e fibras. Dessa
forma, o tipo de dieta pode provocar um estado de
hiperinsulinemia crônica, contribuindo para o ganho de peso. Estudos sobre os efeitos dos alimentos
com altos índices glicêmicos no peso de crianças
pequenas são inconclusivos.7 Já os trabalhos envolvendo adolescentes têm mostrado que a diminuição da ingestão de refrigerantes, suco e líquidos
ricos em açúcar tem uma associação independente
e negativa sobre o IMC e a massa adiposa.26
Em contrapartida, a ingestão de fibras solúveis
e insolúveis deve ser estimulada, já que há uma diminuição da absorção de macronutrientes e conseqüente aumento da oxidação de ácidos graxos
livres, diminuindo o risco de desenvolver doenças
cardiovasculares.
Os programas comportamentais direcionados
ao tratamento de pacientes obesos são trabalhosos,
geralmente de alto custo e requerem uma intensa
participação dos pais, o que na maioria das vezes
não é possível. Incluem geralmente a participação
de equipes interdisciplinares. Alguns trabalhos
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Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S107-S118
sugerem que o tratamento comportamental para
obesos é mais efetivo para crianças e adolescentes
do que para adultos. No entanto, mesmo estudos
conduzidos em centros especializados para o tratamento da obesidade infantil têm mostrado que
apenas metade dos pacientes pediátricos tratados
com modificação dos hábitos de vida obtiveram
manutenção da perda de peso em longo prazo.27
Como parte do tratamento das crianças e adolescentes obesos, recomenda-se o estímulo à atividade física. As atividades devem ser divertidas,
adequadas à idade e direcionadas ao interesse e
condições do paciente. Deve-se estimular exercícios preferencialmente aeróbicos e que envolvam
grandes grupos musculares, aumentando assim o
gasto energético.7 Uma das grandes dificuldades
para convencer alguns obesos a praticarem exercícios físicos é o seu receio de exposição pública.
As comunidades e escolas deveriam promover
programas de integração social dessas crianças,
criando um meio saudável de convivência e atividade física.
Os benefícios do exercício físico incluem a redução da gordura total e visceral, o aumento da
taxa de metabolismo basal e melhora do perfil
metabólico, com o aumento da sensibilidade à
insulina pelo tecido adiposo, redução da concentração de ácidos graxos livre, de colesterol LDL e
triglicérides e aumento da concentração de colesterol HDL. Um recente estudo em adultos jovens
mostrou que o exercício físico orientado durante
5 dias por semana (aumento de 12,5% do gasto
energético), associado à dieta restritiva (redução
de 12,5% da energia consumida), por 6 meses, não
mostrou efeito superior (redução de peso e massa adiposa) à dieta restritiva isolada. No entanto,
houve aumento do condicionamento aeróbico no
primeiro grupo, o que se relaciona com melhora
do perfil metabólico e cardiovascular.28
A associação de dieta e exercício físico no tratamento da obesidade infantil geralmente resulta
numa redução efetiva do IMC em curto prazo. Por
outro lado, em longo prazo, as mudanças de estilo
de vida têm se mostrado desapontadores, como
demonstrou o trabalho de Pinnelli L et al., com
uma taxa de desistência de 30-40% dos 1.383 pacientes pediátricos obesos envolvidos, em apenas
3 meses de tratamento.29 Uma revisão da Cochrane
de 2003, com ensaios clínicos randomizados com
mais de 6 meses de duração, mostrou que a maio-
Obesidade na infância e adolescência
ria dos estudos realizados com esse intuito envolve um número pequeno de pacientes e por pouco
tempo de seguimento para se detectar os efeitos do
tratamento. Além disso, poucos ensaios usam os
mesmos critérios de comparação e de resultados.30
As evidências científicas disponíveis para esse tipo
de análise são, portanto, de qualidade limitada e
devem ser interpretadas de forma cautelosa.
Tratamento medicamentoso
Quando as mudanças de estilo de vida (sob supervisão médica) falham na redução de peso, uma
reavaliação dos riscos e co-morbidades deverá ser
feita. Tratamentos mais agressivos, como a farmacoterapia, poderão ser instituídos, desde que haja
critérios clínico-laboratoriais para sua indicação.7
As drogas disponíveis no mercado para o tratamento da obesidade incluem agentes estimulantes
(contra-indicados na faixa etária pediátrica), anorexígenos, redutores de absorção de nutrientes e
drogas que alteram o metabolismo insulínico (produção e ação).
O único anorexígeno aprovado atualmente
para o uso em adolescentes maiores de 16 anos é
a sibutramina, um inibidor não-seletivo da recaptação de serotonina, noradrenalina e dopamina, cujo
principal efeito é promover saciedade. Além disso,
um estudo recente mostrou que a sibutramina
pode prevenir a redução da taxa de metabolismo
basal, efeito observado no grupo-placebo tratado
apenas com dieta restritiva.31 Seu uso é recomendado em associação à dieta restritiva e aos exercícios físicos, nos casos selecionados. Apresenta
maior efeito durante os 4 a 6 primeiros meses de
uso e sua administração por mais de 2 anos não é
recomendada. Como efeitos colaterais, destacamse a hipertensão arterial, taquicardia, insônia, sudorese, ansiedade e constipação intestinal. Portanto, seu uso é contra-indicado para os obesos com
hipertensão arterial não-controlada.
Um trabalho envolvendo adolescentes mostrou
benefício do uso de sibutramina associado a dieta e atividade física, com redução de IMC de 8,5 ±
6,8% em 6 meses de tratamento, em comparação
ao grupo que utilizou placebo (4,0 ± 5,4%). Além
da perda de peso, houve redução da insulina de
jejum e aumento dos níveis de colesterol HDL.
Apesar da perda de peso inicial, não houve benefí-
cio adicional nos 6 meses seguintes.32 No entanto,
vários pacientes apresentaram efeitos colaterais,
necessitando redução ou até mesmo suspensão
da medicação.
O orlistat, inibidor da lipase pancreática, age
no intestino, reduzindo a absorção de triglicerídeos. Sua ação promove a perda de peso e a redução
dos níveis de colesterol LDL.33 No Brasil, seu uso é
aprovado para adolescentes com mais de 12 anos.
Seus efeitos adversos incluem a esteatorréia, o desconforto abdominal e a deficiência de vitaminas
lipossolúveis (A, D, E e K), os quais podem ser minimizados pela redução da ingestão de gorduras e
pela reposição polivitamínica. O estudo de Mc Duffie et al. mostrou que o orlistat associado a dieta e
atividade física, por 3 meses, reduziu significativamente o peso, o IMC, o colesterol total e LDL, a glicemia e insulina de jejum e aumentou a sensibilidade à insulina em adolescentes.34 Apesar dos bons
resultados iniciais, a maioria dos pacientes em uso
de orlistat interrompeu o uso da medicação após
alguns meses, pela dificuldade de restrição prolongada a alimentos gordurosos, o que ocasiona invariavelmente flatulência e esteatorréia.
A metformina, fármaco que aumenta a sensibilidade à insulina, reduz a produção hepática de
glicose e aumenta a sua captação pelos tecidos
periféricos. Além da melhora da sensibilidade à
insulina, exerce um efeito orexigênico, com conseqüente perda de peso, diminuição da adiposidade (principalmente visceral) e melhora do perfil
lipídico. Aprovada para o uso em adolescentes a
partir dos 10 anos de idade, é considerada uma
medicação segura e bem tolerada. Seus efeitos colaterais incluem desconforto abdominal, elevação
leve de transaminases hepáticas e acidose lática.
Este medicamento tem sido amplamente prescrito para os pacientes adultos com diabetes mellitus
tipo 2, apresentando, portanto, um potencial terapêutico para adolescentes obesos com resistência
à insulina.7 Nesse contexto, ensaios clínicos randomizados, controlados e com duplo mascaramento,
envolvendo adolescentes obesos com resistência
à insulina, tolerância normal à glicose e história
familiar positiva para diabetes mellitus tipo 2, mostraram efeitos benéficos em curto prazo em relação ao peso, sensibilidade à glicose, perfil lipídico
e leptina, com ou sem dieta restritiva associada.35
Em contrapartida, recentemente um ensaio randomizado com duplo mascaramento não detectou
Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S107-S118
115
Obesidade na infância e adolescência
perda de peso significativa com o uso da metformina associada a dieta e exercício físico.36
O análogo da somatostatina octreotide se liga
ao receptor-5 de somatostatina na membrana da
célula beta pancreática, promovendo uma redução da secreção de insulina. Um estudo piloto utilizando essa medicação no tratamento de crianças
e adolescentes com obesidade hipotalâmica mostrou bons resultados e boa tolerabilidade.37
Os pacientes devem ser capazes de seguir
corretamente as recomendações nutricionais
pós-operatórias e manter regularmente o acompanhamento médico e psicológico. Além disso,
as adolescentes devem concordar em evitar a
gravidez por, no mínimo, um ano após a cirurgia,
pelo risco oferecido ao feto, relacionado à rápida
perda de peso pós-cirurgia.38 A reposição de vitaminas, minerais e oligoelementos essenciais é de
extrema importância no pós-operatório. 38
Cirurgia bariátrica
CONCLUSÃO
Infelizmente, os resultados em longo prazo dos
tratamentos comportamentais e farmacológicos
de crianças e adolescentes obesos têm sido desapontadores, especialmente dos casos mais graves.
Nos últimos anos, a cirurgia bariátrica se tornou
uma opção de tratamento para os adolescentes
gravemente obesos e com co-morbidade associadas.38 As técnicas cirúrgicas mais realizadas são o
bypass gástrico (ou derivação gastro-jejunal) em
“Y de Roux” e a bandagem gástrica regulável. Há
maior tendência de utilização da derivação gastrojejunal nos adolescentes.
É recomendável que, previamente à indicação
cirúrgica, os pacientes-candidatos estejam psicologicamente preparados, e com uma estrutura familiar bem consolidada, condições mínimas necessárias para uma boa aderência ao tratamento. Uma
equipe multidisciplinar deverá participar de todo
o processo de seleção, preparo e procedimento cirúrgico, assim como o acompanhamento em curto
e longo prazo.39 A cirurgia deverá ser realizada em
centro terciário de atenção à saúde, por equipe cirúrgica experiente.39 O consentimento informado
dos pais ou responsáveis deverá ser obtido previamente à realização procedimento cirúrgico.
A cirurgia poderá ser indicada aos adolescentes com no mínimo 6 meses de tratamento médico
mal sucedido e que tenham preenchido critérios
antropométricos, médicos e psicológicos. Consideram-se candidatos os adolescentes cuja maturação
óssea e sexual corresponda no mínimo a 13 anos
de idade para as meninas e 15 anos de idade para
os meninos38, cujo IMC seja superior a 40 Kg/m2, ou
superior a 35 Kg/m2 em associação a co-morbidades relacionadas ao excesso de peso.40 Constatase, no entanto, que não há consenso sobre os critérios de indicação para adolescentes.40
116
Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S107-S118
A prevalência da obesidade na infância e
adolescência tem aumentado muito nas últimas
décadas, em todo o mundo. Os maus hábitos alimentares e o sedentarismo são apontados como
as principais causas desse fenômeno. A avaliação
clínico-laboratorial deve ser indicada às crianças
e adolescentes com percentil de IMC superior a
85, para sexo e idade. As conseqüências da obesidade incluem dislipidemia, hipertensão arterial, problemas ortopédicos, baixa auto-estima,
intolerância à glicose ou até o início precoce do
diabetes mellitus tipo 2. Freqüentemente, crianças
e adolescentes obesos se tornam adultos obesos,
com a manutenção dos riscos de doenças metabólicas e cardiovasculares. O tratamento da obesidade, assim como das suas complicações, deve ser
feito de forma interdisciplinar e com participação
da família. Apesar de mostrar bons resultados em
curto prazo, as mudanças de estilo de vida têmse mostrado desapontadoras em longo prazo. O
tratamento medicamentoso pode ser indicado aos
adolescentes como adjuvante à terapia comportamental, porém seus resultados em longo prazo
também têm sido decepcionantes. A cirurgia bariátrica se apresenta nos últimos anos como opção
para os adolescentes com obesidade mórbida e
co-morbidades associadas. Seu sucesso depende
de uma integração do paciente, de sua família e
da equipe multiprofissional envolvida. Em geral,
medidas preventivas devem ser estimuladas, com
a participação do governo, das escolas, das indústrias de alimentos e dos profissionais da saúde,
estimulando hábitos de vida saudáveis. Estudos
adicionais são necessários para promover a prevenção e aprimorar o tratamento da obesidade na
criança e adolescência.
Obesidade na infância e adolescência
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ARTIGO DE REVISÃO
Programa de pós-graduação em Saúde da
Criança e do Adolescente, da Faculdade
de Medicina da UFMG
Post-graduation programme in children and adolescent
health of the UFMG School of Medicine
Joel Alves Lamounier1; Eduardo Araújo Oliveira2; Ana Cristina Simões e Silva3; Francisco José Penna3; Ivani
Novato Silva3; Lincoln Marcelo Silveira Freire3; Marco Antonio Duarte3; Regina Lunardi Rocha3
RESUMO
Em 1985, foi aprovada pela CAPES a criação do curso pós-graduação em Pediatria,
em níveis de mestrado e doutorado. Porém, foi autorizado iniciar apenas o mestrado,
que ocorreu em 1987. Posteriormente, com a consolidação do mestrado, iniciou-se
o doutorado, sendo a primeira tese defendida em 1998. Outra importante inovação
ocorreu em 2004, com modificações na estrutura curricular e no processo de seleção,
com a inclusão de outros profissionais. O curso passou de Pediatria para Programa em
Ciências da Saúde, Área de Concentração Saúde da Criança e Adolescente. Com esta
abertura, foi possível o ingresso de outros profissionais com diferentes formações para
desenvolvimento de teses e dissertações, tendo como objeto de estudo a criança e o
adolescente. Admissão de outros profissionais de diferentes áreas constituiu um marco
na pós-graduação da Faculdade de Medicina da UFMG e permitiu a inclusão de profissionais de outras áreas do conhecimento, além da área médica.
1
2
3
Coordenador
Subcoordenador
Docente membro do Colegiado
Palavras-chave: Educação Médica; Educação de Pós-Graduação em Medicina; Pediatria/educação.
ABSTRACT
In 1985 it was approved by CAPES the creation of the course postgraduation in Pediatrics
in levels of master and doctorate. However, it was authorized to initiate barely the master
that occurred in 1987. Subsequently with the consolidation of the master it was initiated
the doctorate, being to first thesis defended in 1998. Another one important innovation
occurred in 2004 with modifications in the curricular structure and in the trial of selection
with the enclosure of others professionals. The course changed from Pediatrics to Program in Sciences of the Health Concentration Area of the Infant and Adolescent Health.
With this opening was possible the ingression of others professionals with different formations for development of theories and dissertations having like object of study the infant
and the adolescent. Admission of others professionals of different areas constituted a
landmark in the postgraduation of the Faculty of Medicine of the UFMG and permitted the
enclosure of professionals of other areas of the knowledge beyond the medical area.
Key words: Education, Medical; Education, Medical, Graduate; Pediatrics/education.
INTRODUÇÃO
Em 1985, foi criado o curso pós-graduação em Pediatria, em nível de mestrado, cujo início aconteceu, somente, em 1987. A primeira dissertação foi defendida em 1989.1,2 Posteriormente, foi criado o doutorado, sendo a primeira tese
Endereço para correspondência:
Joel A Lamounier
Faculdade de Medicina UFMG
Av. Alfredo Balena 190
Belo Horizonte - MG
CEP: 30.130-100
Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S119-S122
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Programa de pós-graduação em Saúde da Criança e do Adolescente, da Faculdade de Medicina da UFMG
defendida em 1998. Após alguns anos de funcionamento e consolidação do mestrado e doutorado, foram propostas mudanças que permitissem
acompanhar as tendências da pós-graduação, com
a presença, cada vez mais, de profissionais de diversas áreas da saúde na medicina. Em 2004, foram feitas várias mudanças na estrutura curricular
e no processo de seleção e o curso passou de Pediatria para Programa em Ciências da Saúde Área
de Concentração Saúde da Criança e Adolescente.
Com esta abertura, foi possível o ingresso de outros profissionais, com diferentes formações para
desenvolvimento de teses e dissertações, tendo
como objeto de estudo a criança e o adolescente.
O objetivo principal do programa é a formação
de docentes e pesquisadores, especificamente
para área da saúde, por meio dos cursos de mestrado e doutorado em Ciências da Saúde, Área de
Concentração Saúde da Criança e do Adolescente. Esta nova área de concentração, antes apenas
para formação de profissionais da área médica, foi
possível após longas discussões em reuniões de
colegiado e de seminários com os membros do colegiado, professores e orientadores do programa.
Assim, após aprovação pelo Colegiado, em 2004,
ocorreu a primeira seleção de alunos com este
novo perfil, ou seja, para admissão de outros profissionais de áreas não médica. Sem dúvida, um
marco na pós-graduação da Faculdade de Medicina da UFMG, que, de forma ampla e democrática,
permitiu, por meio de seleção pública, a admissão
de discentes de outras áreas do conhecimento.
Com as modificações e abertura do programa
para outras áreas do conhecimento, além da área
médica, observou-se grande interesse de outros
profissionais. Nas seleções, verificou-se um aumento de profissionais não médicos, tanto para
mestrado quanto doutorado. Portanto, o programa
contribui para formação de pessoal capacitado e
qualificado, do ponto de vista técnico e de pesquisa nas diversas áreas do conhecimento, confi-
gurando, na prática, o que já se observa pelo trabalho de equipe multi-profissional. Na busca pela
qualidade na formação dos alunos, o programa
tem procurado adequar e criar novas disciplinas,
incorporar novos docentes. Assim, novos orientadores e co-orientadores de outras áreas do conhecimento passaram a fazer parte do programa, o
que possibilita melhores condições para os alunos
desenvolverem as teses e dissertações.
Até maio de 2008, foram apresentadas 275 dissertações de mestrado e 78 teses de doutorado.
Para os meses de junho, estão programadas seis
dissertações de mestrado e uma de doutorado;
para julho, nove mestrados e dois doutorados. Portanto, a previsão é um total de 371 defesas, sendo
290 de mestrado e 81 de doutorado, até julho de
2008 (Quadro 1). Em 2006, o tempo médio de titulação foi de 31 para o mestrado e 48 meses para o
doutorado.3
ADMISSÃO AO PROGRAMA E GRADE CURRICULAR
Na admissão ao programa, é necessário, sempre que possível, a convergência do interesse de
estudo do candidato para linhas de pesquisa do
Programa. Tanto para mestrado quanto para o doutorado, a procura tem sido, predominantemente, de
candidatos oriundos das áreas de Fonoaudiologia,
Psicologia, Fisioterapia, Odontologia, Terapia Ocupacional, Nutrição, Enfermagem. Em menor escala,
candidatos com formação em Farmácia, Ciências
Biológicas, Artes Cênicas, Música, Engenharia.
Como reflexo da abertura, sem limitações, para
graduados de outras áreas, procurou-se ampliar a
participação de um número maior de co-orientadores e professores orientadores plenos de outros departamentos e de outras áreas do conhecimento da
UFMG. Desta forma, proporcionar aos alunos, com
projetos de pesquisa em outras áreas do conhecimento, uma orientação mais adequada.
Tabela 1 - Dissertações e teses apresentados de 2008
Pediatria
Ciências da
Saúde*
Total
Maio 2008
Programados
Junho/Julho 2008
Total Defesas
Mestrado
145
130
275
15
290
Doutorado
37
41
78
3
81
Total
182
171
353
18
371
Nível
* a partir de 2004
120
Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S119-S122
Programa de pós-graduação em Saúde da Criança e do Adolescente, da Faculdade de Medicina da UFMG
O Programa tem se empenhado para manter a
oferta regular de disciplinas formadoras, que contemplem as diferentes áreas do conhecimento e
que abram a perspectiva da inserção dos alunos
em novos projetos de pesquisa, além da ampliação
de seus conhecimentos. Neste contexto estão inseridas as disciplinas: Dor e Morte: Objetos complexos,
Tecnologia Biopsicosociais em Saúde da Criança e
do Adolescente, Transdisciplinaridade, Rede, Arte e
Medicina. Dentro da disponibilidade de recursos, são
convidados docentes, tanto da UFMG como também
externos. Nas disciplinas desta natureza são abordados temas das áreas de filosofia, literatura, psicologia,
tecnologia, artes, teologia e outras. A partir de 2004,
foram abolidas disciplinas obrigatórias, pelo entendimento de que as disciplinas que o aluno necessita
para sua formação devem ser consideradas obrigatórias, mediante avaliação criteriosa do orientador. A
grade curricular contempla um elenco de disciplinas
instrumentais e/ou metodológicas, onde o aluno deve
cumprir pelo menos 50% do total de seus créditos. É
importante ressaltar que o complemento dos créditos
é feito de acordo as recomendações do orientador,
que leva em conta as disciplinas importantes em sua
área de estudo. Portanto, a expectativa é de uma evolução favorável com compartilhamento concreto dos
conhecimentos, o que, certamente, irá gerar produtos
novos nas dissertações e teses do Programa. Em 2007,
foi proposta a criação de uma disciplina Telemedicina e Telesaúde, para ser ministrada sob forma integrada com alunos da graduação e pós-graduação. Outra
disciplina - Tópicos em Saúde da Criança e do Adolescente - tem, por finalidade, oferecer um conteúdo
que atenda aos alunos com diversas formações, cujo
conteúdo pode ser útil para as pesquisas.
As atividades de orientação dos alunos de mestrado e doutorado são realizadas por um corpo de
35 orientadores plenos e 10 específicos, credenciados com base na avaliação do curriculum vitae.
Também são credenciados um grupo de co-orientadores que preenchem os critérios definidos pelo
Colegiado: experiência em orientação e produção
científica relevante. Dos orientadores, cerca de
80% são do Departamento de Pediatria da UFMG.
Os demais são do Departamento de Medicina Preventiva e Social, Propedêutica Complementar e Clínica Médica, da Faculdade de Medicina. De outras
unidades da UFMG são credenciados orientadores
específicos e plenos: Psicologia, Odontologia, Bioquímica, Enfermagem.
ESTRUTURA, RECURSOS E
CONDIÇÕES DE PESQUISA
O Programa conta com os recursos do PROF e
também com recursos específicos de alguns projetos, provenientes do CNPq, FAPEMIG, FINEP, OMS
e outros. Além disso, sempre existe alguma disponibilidade de recursos da própria Universidade
ou da Faculdade de Medicina. Com os recursos financeiros do PROF, tem sido possível a compra de
passagens e pagamento de estadas dos convidados
externos para as bancas. Para as defesas, tem sido
possível contar com a presença freqüente de professores convidados de várias instituições do Brasil. Também, sempre que possível, a vinda de algum
especialista do exterior. Assim, isso tem gerado importantes intercâmbios do Programa, tanto no país
como no exterior. Esses docentes ministram palestras, participam de pesquisas e de outras atividades com grupos específicos. Para divulgar os resultados das pesquisas, os alunos são incentivados e
apoiados a participar de eventos científicos. Recursos são destinados para auxílio e com a finalidade
de custear despesas em participações em eventos
científicos e congressos. Para o desenvolvimento
de pesquisas, o programa conta com um laboratório próprio, no prédio da Faculdade de Medicina. O
laboratório está equipado de maneira eficiente para
atendimento de pesquisas básicas e experimentais.
No laboratório, é desenvolvida atividade prática na
disciplina da grade curricular Métodos e Técnicas
Experimentais. Além disso, os pesquisadores trabalham, em parceria, nos projetos de laboratórios de
outras unidades da UFMG.
O Programa faz parte, juntamente com outros
nove Programas da Faculdade de Medicina, de
um Centro de Pós-Graduação, onde são feitas, de
maneira permanente, discussões administrativas,
acadêmicas e outras pertinentes aos cursos de
mestrado e doutorado. Com esta integração, tem
sido possível a racionalização de gastos, aplicação
melhor e mais eficiente dos recursos financeiros
nas atividades operacionais e administrativas. Informações são disponibilizadas no site www.medicina.ufmg.br, que contém linhas de pesquisas,
orientadores, disciplinas, seleção, edital, teses,
dissertações defendidas, etc. Assuntos de teses e
dissertações defendidas são objetos de entrevistas
e publicações na mídia em geral, sendo possível
atingir grande parte da população.
Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S119-S122
121
Programa de pós-graduação em Saúde da Criança e do Adolescente, da Faculdade de Medicina da UFMG
AVALIAÇÃO CAPES
O Programa tem mantido o conceito 5 nas últimas avaliações CAPES. Entretanto, existe consciência do Colegiado de que as deficiências precisam ser corrigidas, bem como avançar em outras
áreas, para consolidação da qualidade. O Colegiado tem procurado traçar metas para os próximos
anos, a fim de melhorar os de produção e desempenho do programa. Algumas questões importantes apontam para necessidade de discutir melhor
os seguintes aspectos:
■
formas de ingresso na seleção, maior captação
alunos de outras partes do país;
■
adequação da estrutura curricular para oferta
regular de disciplinas com conteúdos diversos;
■
readequação do corpo de orientadores plenos
e específicos com aplicação dos critérios e parâmetros definidos pela CAPES;
■
melhoria da produção científica, com publicação de artigos em periódicos internacionais de
impacto, ampliação da inserção internacional;
■
promover maior inserção internacional e maior
intercâmbio entre docentes e alunos de doutorado com instituições estrangeiras;
■
adequação das linhas de pesquisa, captação
de recursos nas agências de fomento nacionais
e internacionais;
122
Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S119-S122
■
planejamento de sistemática para avaliação de
egressos, para obter informações e indicadores
de produção de alunos formados no modelo
anterior (Pediatria), para comparação com o
novo modelo (Multi-profissional).
Estes temas fazem parte da proposta do Seminário de Auto-avaliação, realizado em 28 de junho
de 2008. A partir de um diagnóstico da situação
atual, verificar os possíveis aspectos com deficiência e propor meios para melhorias, metas a curto
e médio prazo.
REFERÊNCIAS
1. Lamounier JA, Bambirra EA. A pós-graduação na área
médica. Breve análise. Rev Med Minas Gerais. 1994;
4(4): 63-6
2. Dorea JG, Lamounier JA. Pós-graduação na área médica no Brasil: Necessidades e alternativas estruturais.
Rev Med Minas Gerais. 1998; 8(1): 32-5
3. Universidade Federal de Minas Gerais. Faculdade de
Medicina. Relatório CAPES Programa de Pos-graduação em Ciências da Saúde área de concentração
saúde da criança e adolescente. Belo Horizonte: Faculdade de Medicina da UFMG; 2007.
ARTIGO DE REVISÃO
Da tendência grupal aos grupos operativos
com adolescentes: a identificação dos
pares facilitando o processo de
orientação e educação em saúde1
From group tendency to the teenagers’ operative groups:
the identification of the pairs facilitating the process
orientation and education in health
Alisson Araújo1; Regina Lunardi Rocha2; Lindalva Carvalho Armond3
RESUMO
Trata-se de uma revisão teórica sobre grupos operativos com adolescentes como prática educativa em saúde, levando em consideração tanto a tendência grupal manifesta
durante a adolescência quanto a dinâmica, a estrutura, os princípios organizacionais e
as finalidades do grupo operativo. Tem como objetivo oferecer aos profissionais de saúde reconhecimento desta estratégia como forma de educação em saúde e de enfrentamento das adversidades do cotidiano dos jovens, viabilizando e estimulando uma ação
educativa que valoriza as vivências de cada participante.
Palavras-chave: Comportamento do Adolescente; Educação em Saúde; Saúde do
Adolescente.
1
Enfermeiro, Mestre em Ciências da Saúde: Saúde da
Criança e do Adolescente, Professor Assistente I do Departamento de Enfermagem da Universidade Federal dos
Vales do Jequitinhonha e Mucuri - UFVJM.
2
Médica Pediatra, Doutora em Medicina Tropical, Professora
Associada do Departamento de Pediatria da Faculdade de
Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG.
3
Enfermeira, Doutora em Enfermagem, Professora Aposentada da Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG. Membro do Setor de Saúde do
Adolescente do Hospital das Clínicas da UFMG.
ABSTRACT
This treats about a theoretician review about operative groups with teenagers as an
educative practice in health considerating as the group tendency manifested during the
adolescence, as the dynamic, the structure, the organizational principles and the finalities
of the operative groups. Has as an objective, to offer to the professionals of health, recognition of this strategy as a form of education and health and of facing of the adversities of
the youngsters’ quotidian, visualizing and stimulating an educative action that values the
customs of each participant.
Key words: Adolescent Behavior; Health, Education; Adolescent Health.
INTRODUÇÃO
Nas últimas décadas, a adolescência tem ocupado distinto interesse por diversas áreas do saber, através de inúmeros estudos que permitiram percebê-la
como um período necessário e único do desenvolvimento humano tão importante quanto a infância e a idade adulta.
Os vários conceitos e definições acerca do que seja adolescência foram
originados das diferentes áreas do saber humano, ora amplas, diversificadas,
ora buscando a exatidão, sem que tenha ocorrido o encontro de uma única
1
Texto extraído da Dissertação de Mestrado: “O Grupo de Adolescentes na Escola: A Percepção dos Jovens Participantes”, defendida na Faculdade de Medicina da UFMG pelo
Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde: Saúde da Criança e do Adolescente,
em abril de 2007.
Endereço para correspondência:
Alisson Araújo
Rua: do Progresso 88
B: Vila Operária
Diamantina- MG
CEP: 39.100-000
E-mail: [email protected]
Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S123-S130
123
Da tendência grupal aos grupos operativos com adolescentes:
a identificação dos pares facilitando o processo de orientação e educação em saúde
definição resultante do equilíbrio e da pertinência
de todas as demais. Esses conceitos foram elaborados a partir de arcabouços de conhecimentos
construídos, historicamente, marcados pelo objeto de seus estudos. Assim, para a Sociologia, a
adolescência depende da inserção do indivíduo
em determinada cultura; já a Antropologia a compreende por ritos de iniciação e passagem ao alcance da vida adulta; enquanto o Direito pauta-se
nas questões de menor e maioridade a partir de
um legislação vigente.1
No que tange à área da saúde, as Organizações
Pan-americana de Saúde (OPAS) e Mundial de
Saúde (OMS) delimitam a adolescência como a segunda década de vida (10 a 19 anos) onde ocorre
um processo fundamentalmente biológico de vivências orgânicas, em que a aceleração do desenvolvimento e da personalidade são marcantes.2
Com as intensas transformações dessa fase surgem diversas peculiaridades como a necessidade
de construção de uma nova identidade, o desempenho de novos papéis sociais, a mudança na relação de dependência da família para o grupo de
pares, além da escolha de um projeto de vida e dúvidas sobre as transformações ocorridas neles próprios. Em decorrência de tais peculiaridades, que
acarretam tantas mudanças de comportamento
esperadas na adolescência, percebe-se o quanto
essa fase deve ser particularmente valorizada por
caracterizar um período de maior vulnerabilidade
dos adolescentes à exposição de riscos.3
Conforme Mandu4, dentre esses riscos que constituem os principais agravos à saúde do adolescente podemos citar: as diversas formas de violência;
uso de álcool, fumo e outras drogas; gravidez na
adolescência; aborto e as DST/AIDS.
Na perspectiva de buscar uma assistência que
previna esses agravos e promova a saúde dos adolescentes, tornam-se necessárias ações de cunho
educativo direcionadas ao jovem em seu contexto
de vida.
Essas ações educativas, através de metodologias participativas, devem valorizar os conhecimentos e experiências dos integrantes, envolvendo-os na discussão, identificação e busca de
soluções para problemas que emergem de suas
vidas cotidianas.(5) Dessa forma, trazendo em seu
bojo essas considerações, a estratégia de grupos
operativos constitui um instrumento importante
no processo educativo dos adolescentes.
124
Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S123-S130
Com o objetivo de oferecer aos profissionais de
saúde uma melhor compreensão acerca dos grupos operativos, como estratégia de educação em
saúde junto aos adolescentes, realizaremos uma
revisão teórica sobre esse assunto, almejando conhecer as características da tendência grupal dessa fase e as bases conceituais do grupo no alcance
de seus objetivos.
DESENVOLVIMENTO
Os estudos realizados por Maurício Knobel, em
1992, levantaram importantes observações acerca
da adolescência e influenciaram outros trabalhos
já publicados, principalmente na América Latina,
contribuindo amplamente para a identificação
dessa enquanto suas manifestações do desenvolvimento psicológico-emocional esperadas.6
Nesse sentido, o autor utilizou dos conceitos
de luto da psicanálise, destacando a adolescência como um estágio de vivência e elaboração de
lutos da identidade infantil, da perda dos pais da
infância e da perda do corpo infantil; o que acarreta “crises”, “dor”, conflitos e a necessidade de um
ajustamento psicossocial.
A partir desse ajustamento psicossocial, esse
autor define as características do desenvolvimento
psicológico-emocional como Síndrome da Adolescência Normal6, facilitando assim sua compreensão:
■
busca de si e da identidade;
■
tendência grupal;
■
desenvolvimento do pensamento abstrato, necessidade de intelectualizar e fantasiar;
■
crises religiosas (do ateísmo ao misticismo);
■
deslocação temporal, onde o pensamento adquire características do pensamento primário;
■
evolução sexual manifesta desde o auto-erotismo à heterossexualidade genital adulta;
■
contradição sucessiva em todas as manifestações de conduta;
■
separação progressiva dos pais;
■
constantes flutuações de humor e estado de
ânimo.
Sob esta óptica, a adolescência é percebida
como um período necessário e único do desenvolvimento humano, tão importante quanto a
infância e a idade adulta. Esse processo é funda-
Da tendência grupal aos grupos operativos com adolescentes:
a identificação dos pares facilitando o processo de orientação e educação em saúde
mentado não somente “no forte componente físico-corporal decorrente de um processo evolutivo,
mas também de processos produzidos no âmbito
da sociedade, definindo-se e modificando-se na
interação com seus diversos componentes - econômicos, institucionais, político-éticos, culturais,
físico-ambientais. É no concreto da vida, na construção/reconstrução e apropriação ou não de seus
bens e valores materiais e culturais, na interação
desse com processos somáticos, genéticos e físico-ambientais que se definem os diversos modos
de vida adolescentes”7. Nesse contexto, família,
escola e sociedade como um todo, influenciam e
sofrem influência do processo de adolescer numa
perspectiva do que se viveu no passado, experimenta no presente e espera para o futuro.
Knobel6 estudando, minuciosamente, as características do ajustamento psicossocial na adolescência identificou dentre essas, a tendência grupal. O autor afirma que o espírito de grupo entre
os adolescentes se manifesta pela busca de suas
identidades próprias. Recorrem, como comportamento defensivo, a uma certa uniformidade grupal
– superidentificação em massa – que pode proporcionar segurança e estima pessoal. As atuações
desse grupo com seus integrantes representam a
oposição às figuras parentais e uma maneira ativa de determinar uma identidade diferente da do
meio familiar.
Para Beirão et al.8, a tendência grupal é necessária para construir uma nova identidade para o
adolescente, tornando-o independente da família.
Assim, o grupo oferecendo segurança e auto-estima funcionaria como uma ponte entre a família
e o laço social. Para tanto, o adolescente rompe
esses vínculos e parte na busca de si, junto com
outros que vivenciam o mesmo processo longe
da família, a fim de perceber-se sem influências
parentais.9
Nessa ruptura, a identificação mútua dos adolescentes desloca o sentimento de dependência
dos pais para o grupo de companheiros e amigos, fazendo com que o indivíduo pertença mais
ao grupo de coetâneos do que ao grupo familiar,
inclinando-se às regras da turma em relação a
modas, vestimentas, costumes e preferências de
todos os tipos.6
Conforme Saito e Silva1, este senso de pertencimento ao grupo é muito marcante entre os
jovens pelo fato de estarem no mesmo momento
existencial, vivenciando a mesma crise, os mesmos questionamentos. Isso torna cada integrante
menos frágil, menos solitário; além de fortalecer
a auto-estima individual. Contudo, a necessidade
de suporte emocional nessa fase, faz com que os
adolescentes se submetam às atitudes que passam
a ser soberanas no grupo.
Numa fase em que questionam autoridade,
instituições e modo de vida dos adultos, os adolescentes necessitam de um “senso de pertencer”,
que se realiza através do forte vínculo ao grupo
de pares e à “cultura jovem”. Demonstram egocentrismo, falta de empatia nas relações com os
adultos e profunda identificação e solidariedade
com os amigos.10
Essa identificação profunda entre os pares, ao
mesmo tempo em que oferece o distanciamento
da família, dá força ao senso de independência do
adolescente. Defender a independência constitui
uma das lutas mais desapiedadas em um período
em que os pais ainda possuem um papel ativo na
vida do indivíduo. É por isso que na tendência grupal o adolescente procura um líder ao qual submeter-se, ou então, erige-se ele próprio como líder
para exercer o poder do pai ou da mãe.6
Chipkevitch10 ressalta que a tendência grupal
se manifesta diferentemente em função do gênero
e da faixa etária, e descreve importantes observações do comportamento adolescente pela divisão
da adolescência em inicial (10 aos 13 anos), média
(14 aos16 anos) e final (17 aos 20 anos).
Esse autor observou que na adolescência inicial a turma de meninos é geralmente unissexual,
tendendo a ser mais numerosa que a das meninas,
que comumente são compostas por duas ou três
amigas. O grupo dessas meninas é marcado por
uma maior intimidade e troca de confidências,
enquanto os grupos masculinos são barulhentos e
centrados na resistência a autoridade adulta. A escolha de amigos é guiada mais pelas preferências
pessoais e interesses comuns do que pelas características de personalidade. Nesse período o envolvimento emocional tende a ser pouco intenso.
Já na adolescência média, o grupo aumenta a
confiança mútua, a troca de confidências e o envolvimento afetivo com as amizades verdadeiras, cumprindo melhor a função de suporte emocional que
pode ser importante em situação de conflito. Aqui,
os grupos constituem importantes fontes de informação e encorajamento nos relacionamentos, que
Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S123-S130
125
Da tendência grupal aos grupos operativos com adolescentes:
a identificação dos pares facilitando o processo de orientação e educação em saúde
neste momento passam a ser de pares de sexo diferentes, orientados para a interação heterossexual.
Na fase final da adolescência, diminui o número de amigos, embora os relacionamentos sejam
mais profundos, estáveis e significativos. Os que
namoram costumam se desligar parcialmente do
grupo. A necessidade de manter-se nos padrões do
grupo é reduzida e as opiniões dos pais tendem a
ganhar mais peso que os valores do grupo. Segundo Maakaroun9, ao final da adolescência os pais
emergirão do distanciamento de outrora e, se tudo
correu bem, serão novamente eleitos figuras de
identificação.
Em todas as faixas etárias, independente do
gênero, o grupo de pares cumpre importantes
funções para o desenvolvimento psicossocial do
adolescente. Como todos se parecem na procura de si mesmos, nas angústias e na recusa pelos
valores adultos, os adolescentes cultuam o grupo
como espaço privilegiado para a troca de idéias,
sentimentos e experiências. Com isso, a segurança
emocional, a compreensão, o suporte e o encorajamento podem ser adquiridos com a vivência grupal. As relações aí contidas incentivam o desenvolvimento dos diversos papéis e habilidades sociais
influenciando o futuro padrão adulto de amizades
e vida pública. O desenvolvimento das qualidades
como sensibilidade, mutualidade, reciprocidade e
cooperação são possíveis tanto pela diversidade
de características próprias dos integrantes quanto pelas nuances da adolescência. Além disso, os
grupos permitem a vasão dos impulsos sexual e
agressivo, facilitando o desligamento das figuras
parentais.10
Todavia, o jovem que, para ser incluído em
determinado grupo, assume comportamentos de
seus pares sem estar preparado, convive com o incremento de riscos que podem levar a agravos em
graus variáveis.1
Dessa forma “o grupo nem sempre tem um caráter integrativo ou está a serviço de promover a
integração da personalidade, solidariedade e continuidade do sistema social. Pode se tornar foco
potencial de anormalidades ou de propostas de
transformação social, o que traz à tona o caráter
potencialmente problemático de grupos juvenis e
da própria juventude como condição chave para o
processo de transmissão da herança social”.11
De acordo com Marques et al.12, as características do desenvolvimento psicossocial do ado126
Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S123-S130
lescente podem tender à vulnerabilidade e riscos,
ao agir no sentido do rompimento com valores
familiares, muitas das vezes de forma arriscada
e destemida.
Guimarães e Ferreira13 afirmam que tanto as
formas de adoecer quanto as causas de morte
dos adolescentes estão comumente associadas
aos comportamentos ditados pelos grupos que os
norteiam.
O comportamento do adolescente, por ser
muito influenciado pelo grupo, principalmente,
na adolescência inicial e média, torna-se aspiração inquietante para o candidato a integrante de
tal grupo. Outra reflexão quanto a esses comportamentos faz-se, por exemplo, na experimentação
coletiva de cigarros, bebidas e drogas ou em atos
anti-sociais. Por estar em grupo, a responsabilidade na concepção do adolescente parece diluir-se;
ele acredita que tais atitudes não oferecem nenhum tipo de risco.10
A escolha do adolescente ao assumir os comportamentos que colocam sua própria saúde, sua
vida em risco está muito pautada no “currículo
oculto” que traz consigo. Saito e Silva1 explicam
essa denominação como algo apreendido em termos de valores familiares, mesmo antes de seu
nascimento até a adolescência. Nesse percurso,
as autoras afirmam que a família funciona como
primeiro grupo de referência do ser humano e certamente vai influenciar sua inserção em outros.
Dessa forma, os adolescentes tendem a se vincular a amigos e ao grupo de pares que espelham
seus próprios valores e semelhanças, sendo que a
família tem uma influência sobre esta escolha de
um modo mais expressivo do que se pensava. Uma
relação muito conflituosa com as figuras parentais
tende a levar os adolescentes a se orientarem predominantemente pelo grupo. Se o grupo molda
inúmeros comportamentos assim como atitudes
e linguagem transitórias, os pais acabam tendo
maior ascendência em questões de ordem moral
ou nas escolhas a longo prazo. Bandos e gangues
de condutas delinqüentes, freqüentemente, são
formados de adolescentes oriundos de famílias
desorganizadas e com integrantes portadores de
distúrbios psicopatológicos.10
Em uma discussão sobre “Adolescência, Cultura, Vulnerabilidade e Risco - A Prevenção em Questão”, Saito e Silva1 mostram um outro aspecto com
relação à adolescência e marginalidade. As auto-
Da tendência grupal aos grupos operativos com adolescentes:
a identificação dos pares facilitando o processo de orientação e educação em saúde
ras comentam que os estereótipos e os preconceitos criados pelos adultos acerca da adolescência
são frutos da cultura social. Os jovens são vistos
como sendo irresponsáveis, desconsiderando que
a própria sociedade cultua uma adolescência de
longa duração, indeterminada, de elevada carga
de conflitos e apresentando grosseira assincronia
entre maturidade sexual e maturidade social; à
custa da susceptibilidade às novidades tanto políticas como tecnológicas veiculadas pelos meios de
comunicação.
Sendo assim, a vinculação do adolescente ao
grupo pode ser utilizada de maneira positiva e
não encarada sempre como uma forma perigosa,
agressiva e fortalecedora de condutas anti-sociais.
Por outro lado, a tendência grupal na adolescência pode configurar-se como fator de proteção,
através da promoção de mudanças de atitudes e
de comportamentos próprios entre seus pares,
levando-os a fazer escolhas mais saudáveis e a
exercer melhor o controle sobre a sua saúde e o
ambiente que o rodeia.14,15
Nessa perspectiva, a utilização da estrutura grupal como instrumento de promoção, prevenção e
atenção à saúde integral dos adolescentes destacase como estratégia de ação. A necessidade de buscar suas identidades e de apoio durante essa fase
possibilitam ao grupo ser mediador de questões
que favoreçam comportamentos secundários.
Para tanto, Munari e Furegato16 afirmam que
estudar a importância dos grupos é incontestável,
pois grande parte das atividades desenvolvidas pelos seres humanos é realizada em grupos, desde o
seu nascimento até a morte.
Através dos grupos (família, amigos, trabalho),
os sujeitos humanos se reconhecem como participantes de uma sociedade, inseridos em uma teia
de relações e papéis sociais, através dos quais
constroem suas vidas. Os grupos podem ser divididos em grandes grupos como classe social, dentre
outros e em pequenos grupos como os de convivência e grupos de atendimentos. Estes últimos,
cada qual a sua maneira, possuem uma ligação
com uma instituição; valores e práticas sociais, expressas por leis, normas e costumes para família,
mundo de trabalho, amizades, religião, etc. Dessa
forma, os grupos tem uma história própria com aspectos particulares, um jeito de ser próprio, singular e um pertencimento social pelo qual se fazem
similares a outros grupos.17
O atendimento em grupo, como recurso da área
de saúde, teve suas origens em 1905 com o médico
Joseph Pratt no Hospital geral de Massachussets,
nos EUA. Primeiramente, Pratt e seus seguidores
utilizaram o método de grupo em pessoas com
doenças somáticas e depois em tuberculosos, diabéticos e cardíacos. Os grupos partiam do pressuposto de que os resultados do tratamento dependiam da influência benéfica de uma pessoa sobre
a outra, através do suporte emocional existente entre indivíduos com preocupações e experiências
semelhantes. Dentre os estudiosos que, no início
do séc. XX, utilizaram grupos como recursos para
assistir pessoas podemos citar: Marsh e Lazell com
pacientes psiquiátricos institucionalizados; Trigant
Burrow nas terapias grupais com pessoas fora das
instituições, assim como Wender e Schilder do Setting grupal em experiências distintas; Jacob Lewin
Moreno criador da abordagem psicodramática
teatral e Bion e Foulkes na psicoterapia de grupo
analítica.18,19
A partir da década de 30 as contribuições de
Kurt Cowini marcaram consideravelmente todos
os estudos que vieram a seguir. Foram os primeiros
trabalhos mais sistematizados sobre os grupos que
os delimitavam como campo de estudo e pesquisa. Além de criar a expressão “dinâmica de grupo”
que popularizou-se desde a segunda guerra mundial, este pesquisador diferenciou-se dos demais
até o momento, pois na sua perspectiva “o grupo
não é meramente uma coleção de indivíduos, mas
uma entidade em si mesmo, com qualidades que
podem diferir daquelas de cada membro em particular”. Assim, os grupos que até então eram utilizados com finalidades estritamente terapêuticas,
passam a ter ênfase no contexto educacional com
pequenos grupos, desviando-se do modelo médico.19
Desde então, os estudos de Lewin possibilitaram uma grande expansão da utilização do enfoque grupal no contexto dos movimentos norteamericanos. Dentre estes destacamos o da terapia
gestálica de Parls, dos grupos tipo Synanom, das
terapias nudistas, dos grupos de terapia da bioenergética e das maratonas além dos trabalhos de
Carl Rogers que da terapia centrada no cliente
transportou-a para o contexto grupal.18
Os trabalhos com grupos na atualidade, norteados pelos estudos até aqui mencionados, diversificaram-se em muitas vertentes. Dentre estas verRev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S123-S130
127
Da tendência grupal aos grupos operativos com adolescentes:
a identificação dos pares facilitando o processo de orientação e educação em saúde
tentes temos a do grupo operativo que teve como
precursor Enrique Pichon-Revière.20
Pichon-Rivière (1907-1977) foi um médico psiquiatra e psicanalista que nasceu na Suíça e viveu
na Argentina desde os 4 anos de idade. Desenvolveu a teoria e técnica de grupos operativos, a
partir de uma atitude extremada, colocando pacientes menos comprometidos em seu estado de
saúde para cuidar dos mais comprometidos. Essa
atitude ocorreu durante uma incidente greve do
pessoal de enfermagem no Hospital De Las Mercês, em Rosário, onde era docente e clínico. Nessa
situação observou que ambos os subgrupos de pacientes apresentaram significativa melhora de seus
quadros clínicos. Os elementos referenciais do processo de evolução desses pacientes foram possíveis através da ruptura de definições de papéis de
quem cuida para quem é cuidado e do novo processo de comunicação estabelecidos entre eles. O
resultado intrigante levou Pinchon-Rivière a estudar os fenômenos grupais a partir dos postulados
da psicanálise, da teoria de campo de Kurt Lewin,
que culminaram nas bases estruturantes dos grupo operativos.14
Essa compreensão dos fenômenos grupais não
partem do ponto de vista psicoterápico, mas sim,
da operação de tarefas objetivas que no âmbito
institucional médico, pedagógico e empresarial
tem influenciado e difundido idéias de Pichon-Rivière e seus seguidores desses temas no Brasil.21,22
De acordo com Pichon-Rivière 20, essas tarefas
juntamente ao vínculo constituem os princípios organizadores do grupo operativo. O vínculo é um
mecanismo de interação que, ao mesmo tempo, é
bicorporal pela presença sensorial de dois corpos,
e tripessoal, pois além das duas pessoas existe
uma terceira que vem do mundo interno e interfere nessa relação. Essa estrutura rege todas as relações humanas, por incluir fantasias inconscientes
que são produtos de interação entre os vínculos.
Configura-se uma estrutura complexa que rege,
incluindo um sistema transmissor-receptor, uma
mensagem, um canal.20
Como tarefa, compreende-se o modo pelo
qual cada integrante interage segundo suas próprias necessidades em torno de objetivos comuns, emergindo daí obstáculos de várias naturezas. Como diferenças e necessidades pessoais e
transferenciais, diferenças de conceitos e marcos
referenciais e do conhecimento formal propria128
Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S123-S130
mente dito. A tarefa como trajetória que o grupo
percorre para atingir suas metas, necessita de
aprendizagem que, para Pichon-Revière, é sinônimo de mudança.14
Ao caracterizar grupos operativos, Afonso17 afirma que a mudança é exigida diante de uma problemática que é influenciada especialmente por
fatos sociais, culturais e psíquicos, transformando
não apenas a mente, como também as práticas e
relações que os participantes desenvolvem em seu
cotidiano.
Assim, a aprendizagem ocupa lugar importante
perante as mudanças. Para Berstein23, é através da
capacidade do grupo e de cada um de seus integrantes que se torna possível o desenvolvimento
de condutas alternativas diante das mudanças,
através da compreensão e da ação transformadora da realidade, não repetindo sempre as mesmas
condutas.
Para Gayotto24, aprender em grupo significa
que, na ação educativa, estamos preocupados
não apenas com o produto de aprendizagem, mas
com o processo que possibilitou a mudança dos
sujeitos. É uma ação formadora do sujeito para a
vida, rejeitando a simples transmissão de “conversas do saber”.
Discutindo a estrutura e dinâmica do grupo
operativo, Abduch14 esclarece que esse é composto por, no máximo, 15 integrantes e possui um
coordenador e um observador. Seus integrantes
entram em tarefa por meio de um disparador temático, passando o grupo a operar ativamente como
protagonista. Os grupos possuem normas básicas
de conhecimentos, como local e horários definidos. O coordenador é um facilitador do processo,
na medida em que cria condições para comunicação e diálogo, auxiliando o grupo a superar os
obstáculos que emergem na realização da tarefa.
Compete ao observador uma percepção global do
processo (por sua distância ótima do grupo) através de registros gráficos e de expressões verbais e
gestuais dos integrantes e do coordenador, a fim
de auxiliá-lo na elaboração da crônica evolucionária do trajeto percorrido pelo grupo.
Segundo Afonso17, o papel do coordenador nesta modalidade grupal “é cada vez mais o de um
co-pensador e co-operador, de um dinamizador
das relações, de um mediador das informações e
da reflexão, do que de um educador que detém
conhecimento”.
Da tendência grupal aos grupos operativos com adolescentes:
a identificação dos pares facilitando o processo de orientação e educação em saúde
Ainda caracterizando a estrutura do grupo operativo, Abduch14 relata que cada participante comparece com sua história pessoal consciente e inconsciente, isto é, com sua verticalidade. Na medida em
que constituem grupos, passam a compartilhar necessidades em função de objetivos comuns e criam
uma nova história, a horizontalidade do grupo que
não é simplesmente a somatória de suas verticalidades, pois há uma construção coletiva, resultante da
interação de aspectos de sua verticalidade, gerando
uma história própria, inovadora, que dá ao grupo
sua especificidade e identidade grupal.
Com relação a importância do grupo operativo
para os adolescentes, Beirão et al.8 explicam que
a adolescência, como processo de desconstrução
e reconstrução da identidade, traz consigo muitas
tarefas que o jovem terá de cumprir no seu caminho rumo à conquista da personalidade adulta. As
intensas transformações físicas, psíquicas e sociais
desse momento tornam os adolescentes mais vulneráveis a diversas situações do seu dia-a-dia, que
possam por em risco a sua integridade. Por outro
lado, o desconhecimento do processo de adolescência e a falta de espaços aos quais possam recorrer tornam-lhes mais inseguros.
Para tanto, os mesmos autores ressaltam a
importância de se criar espaços plurais onde os
adolescentes possam se expressar de modo mais
amplo; não só receber informações, mas também
falar de si, discutir melhor as suas questões e expor
seus sentimentos, ou seja, possam ser vistos na sua
singularidade. Embora seja importante focalizar o
sujeito, é junto a outros que os jovens terão mais
facilidade de expressão.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do exposto, o estudo da estratégia de
grupos operativos com adolescentes possibilita
uma melhor compreensão de sua dinâmica, estrutura, princípios organizacionais e finalidades. No
que tange aos profissionais da saúde, reconhecer
essa estratégia de educação em saúde como forma
de enfrentamento das adversidades do cotidiano
dos jovens viabiliza e estimula uma ação que valoriza as vivências de cada participante.
O grupo operativo com adolescentes, através
da identificação mútua dos seus integrantes, é capaz de promover hábitos saudáveis de vida, funcio-
nando como um potencial indutor desse processo.
Assim, esses hábitos de vida orientados pelo construído na aprendizagem grupal, configuram-se
como fatores de proteção à saúde do adolescente
rumo à vida adulta.
Repensar as práticas educativas em saúde, envolvendo adolescentes, pressupõe um novo olhar
sobre o jovem e seu papel na família, escola e sociedade, em que as tarefas a serem desempenhadas nestes contextos possam ser discutidas num
processo dinâmico e criativo, norteado pela experiência de cada um.
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ARTIGO DE REVISÃO
Tratamento da obesidade na infância e
adolescência: uma revisão da literatura
Treatment of adolescence and childhood obesity:
a literature revision
Carla Toledo Afonso1; Cristiane de Freitas Cunha 2; Tatiana Resende Prado Rangel de Oliveira3
RESUMO
É consenso que a obesidade na infância e adolescência vem aumentando de forma
significativa, nas últimas décadas, já sendo reconhecida como uma verdadeira epidemia mundial. A obesidade é um problema com grande prevalência e complexidade,
levando à frustração profissionais de saúde e pacientes, representando um desafio
terapêutico. Este estudo discute as inúmeras abordagens terapêuticas para o problema
da obesidade nesta faixa etária, como o atendimento ambulatorial individualizado, programas de educação em grupo, medicamentos e abordagens cirúrgicas. A importância
do atendimento multidisciplinar no tratamento da obesidade é ressaltada. Os agentes
farmacológicos atuais não estão aprovados para tratamento da obesidade na infância,
e o tratamento cirúrgico permanece como última opção, pois os efeitos, a longo prazo,
ainda não são completamente conhecidos. É recomendado que a intervenção comece
precocemente, que os programas de tratamento instituam mudanças permanentes e
que auxiliem as famílias a fazerem alterações pequenas e graduais. Dietas muito restritivas não são aconselháveis e podem promover déficit de crescimento estatural. Como
os programas de intervenção ainda têm pouco consenso, a prevenção continua sendo
o melhor caminho. Prevenir a obesidade na infância e adolescência significa diminuir
de forma racional e menos onerosa a incidência de doenças crônico-degenerativas.
1
Acadêmica do 11° período da Faculdade de Medicina da
UFMG.
Professor adjunto do Departamento de Pediatria - FM/
UFMG. Pós Doutorado em Endocrinologia pela Universidade de Barcelona
3
Nutricionista da Secretaria Municipal de Saúde (PBH).
Mestre em Saúde Pública, Doutoranda em Ciências da
Saúde (UFMG).
2
Palavras-chave: Obesidade/tratamento; Peso Corporal; Criança; Adolescente; Transtornos da Nutrição Infantil
ABSTRACT
It’s been a consensus that adolescence and childhood obesity has been rising conspicuously in the past decades, and now it’s been acknowledged as a world epidemic. Obesity is
a prevalent and complex problem that led patients and specialists to serious frustration,
and it’s a striking challenge. This study discusses the countless therapeutic approaches focusing on the obesity matter, over such aging span, such as private emergency assistance,
team educational programs, and medication and surgical issues. It also highlights the relevance of multidisciplinary assistance as to the obesity treatment. The current pharmacologic components aiming a childhood obesity treatment still haven’t been approved of. The
surgical treatment is to be seen as a last choice, for its effects, in the long run, hasn’t fully
come out yet. It’s advisable that taking steps procedures start as soon as possible and, on
top of it, that the treatment arrangements address themselves to permanent switches, besides helping families to take up little by little changes. Pretty restrictive diets aren’t recommendable, due to the fact that they may faster height growth deficit. Since the intervention
programs still keep little consensus, prevention must be seen as the best way to follow.
Avoiding obesity either in childhood or in adolescence means the reduction of chronic- degenerative disease incidence, as well as its emotional aftermath, and less onerous practice.
Key words: Obesity/thearapy; Body Weight; Child; Adolescent; Child Nutrition Disorders
Faculdade de Medicina - Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG)
Endereço para correspondência:
Rua Professor Antônio Aleixo, n° 760, apto 1501
B: Lourdes
Belo Horizonte - MG
CEP: 30.180-150
E-mail: [email protected]
Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S131-S138
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Tratamento da obesidade na infância e adolescência: uma revisão da literatura
INTRODUÇÃO
É consenso que a obesidade infantil vem aumentando de forma significativa nas ultimas décadas, sendo agora reconhecida como uma verdadeira epidemia mundial. Representa um problema
com alta morbidade, está associada com diversas
alterações metabólicas e é considerada como um
dos principais fatores de risco modificáveis para a
doença cardiovascular.1,2
A obesidade é um problema com grande prevalência e complexidade e fonte importante de frustração para profissionais de saúde e pacientes e,
sobretudo, é um grande desafio terapêutico.3
Objetiva este estudo apresentar uma revisão
atualizada e crítica sobre a obesidade na infância
e adolescência, focalizando principalmente os aspectos de tratamento e prevenção.
METODOLOGIA
Foi realizada uma revisão da literatura através
da base de dados PubMed/MEDLINE, tendo sido
selecionados os artigos mais atuais e representativos do tema (1997-2007). As palavras-chave
usadas na pesquisa bibliográfica foram: obesity,
child, adolescent, sendo encontrados 119 artigos
nesta busca. Estabeleceu-se uma estratégia de
busca priorizando a identificação de ensaios clínicos (controlados ou não controlados), revisões
sistemáticas e diretrizes publicados nos últimos 10
anos. Artigos que já eram do conhecimento dos
autores também foram utilizados.
CONCEITO
De acordo com a Organização Mundial de
Saúde (OMS), a obesidade pode ser conceituada
como o acúmulo anormal ou excessivo de gordura no organismo que pode levar a um comprometimento da saúde.4
Existem vários métodos de avaliação do estado nutricional e cada um deles apresenta critérios
para diagnosticar o sobrepeso e a obesidade. A
escolha do método a ser utilizado deve levar em
conta sexo, idade e maturidade sexual.
O Índice de Massa Corporal (IMC), calculado
pela fórmula peso (em kg) dividido pelo quadrado
132
Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S131-S138
da altura (em metros), é o parâmetro de escolha
para identificar adultos obesos e foi validado para
identificar crianças e adolescentes obesos. O termo obesidade é aplicado quando o IMC excede o
percentil 95 nos gráficos de crescimento do Centro
de Controle de Doenças nos Estados Unidos (CDC),
para crianças da mesma idade e sexo, enquanto
sobrepeso é aplicado para crianças ou adolescentes cujo IMC está entre os percentis 85 e 95.5
A Força Tarefa Internacional de Obesidade (International Obesity Taskforce - IOTF) desenvolveu uma
definição de sobrepeso e obesidade para crianças
e adolescentes, baseada em estudos de crescimento com representatividade nacional em seis países
(Inglaterra, Brasil, Holanda, Hong Kong, Singapura
e Estados Unidos). Nesse trabalho, para cada faixa
etária e sexo foram desenhadas curvas de tal sorte
que, na idade de 18 anos, passassem pelos pontos
de corte largamente aceitos para sobrepeso e obesidade em adultos (IMC de 25 a 30 Kg/m2). Essas curvas foram construídas para fornecer esses pontos
de corte para cada sexo e idade, de 2 a 18 anos.6
A RELEVÂNCIA DO TEMA
De acordo com o estudo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a freqüência
de adolescentes com excesso de peso no Brasil
foi de 16,7% em 2002-2003, sendo o problema um
pouco mais freqüente em meninos (17,9%) do
que em meninas (15,4%). Dentro de cada região,
o problema foi sempre mais freqüente no meio
urbano do que no meio rural. Observa-se ainda,
que a freqüência da obesidade pouco varia com
a idade em meninos e tende a diminuir com a
idade em meninas. 7
A tendência secular do estado nutricional da
população brasileira de adolescentes foi analisada em três inquéritos nacionais realizados em
1974-1975, 1989 e 2002-2003. A freqüência de excesso de peso em meninos é relativamente baixa no primeiro inquérito (3,9%), mas duplica no
segundo inquérito (8,3%) e novamente duplica
do segundo para o terceiro inquérito (17,9%).
A freqüência de excesso de peso em meninas
aumenta em cerca de 80% do primeiro para o
segundo inquérito (de 7,5% para 13,8%) e em
apenas cerca de 10% do segundo para o terceiro inquérito (de 13,8% para 15,4%). A evolução
Tratamento da obesidade na infância e adolescência: uma revisão da literatura
da obesidade repete, com freqüências menores,
a evolução do excesso de peso observada ao
longo dos três inquéritos. No sexo masculino a
freqüência de obesidade foi de 0,1% no primeiro
inquérito, 0,7% no segundo e 1,8% no terceiro.
No sexo feminino a freqüência da obesidade
também aumentou entre os inquéritos sendo
respectivamente 0,7%, 2,2% e 2,9%.7
TRATAMENTO
A obesidade é uma doença de difícil tratamento
em crianças e adolescentes, pois estes dependem
dos pais para modificar os hábitos de alimentação
e atividade física. Além disso, a dificuldade em refletir sobre as conseqüências da doença e a baixa
auto-estima dos pacientes prejudica a adesão ao
tratamento. Como a maioria das famílias não se envolve no tratamento, o manejo da obesidade infantil pode ser ainda mais difícil do que no adulto.3
Existem inúmeras abordagens terapêuticas
para o problema da obesidade infantil, como o
atendimento ambulatorial individualizado, programas de educação em grupo, medicamentos e
abordagens cirúrgicas.
Independentemente da abordagem escolhida, alguns princípios são importantes no tratamento da obesidade, entre eles: estabelecer
objetivos e intervenções de tratamento individualizadas baseadas na idade da criança, grau
de obesidade e na presença de comorbidades;
envolver a família e outros cuidadores no tratamento; oferecer assistência e monitoramento
freqüentes; considerar os fatores comportamentais, psicológicos e sociais envolvidos no ganho
de peso; fornecer recomendações para mudanças na dieta e aumento na atividade física, que
podem ser implementadas dentro do ambiente
familiar e que promovam a saúde, crescimento e
desenvolvimento adequados.8
É recomendado que a intervenção comece
precocemente, que os programas de tratamento
instituam mudanças permanentes (e não dietas
a curto prazo ou programas de exercício físico
objetivando uma rápida perda de peso) e que auxiliem as famílias a fazerem mudanças pequenas
e graduais. Os profissionais que atuam nesta área
devem adotar uma postura encorajadora e não
crítica frente a seus pacientes.9
Tratamento multidisciplinar
Os estudos mais recentes têm demonstrado
ainda a importância do atendimento interdisciplinar no tratamento da obesidade, que seria uma
forma mais consistente de abordar os aspectos
psicológicos, comportamentais e ambientais envolvidos no processo.10
A posição da American Dietetic Association
é que o tratamento da obesidade infantil combine programas com múltiplos componentes
baseados na família e na escola, que incluam a
promoção de atividade física, treinamento dos
pais, aconselhamento comportamental e educação nutricional.11
A educação nutricional pode promover o desenvolvimento da capacidade de compreender
práticas e comportamentos. O conhecimento ou
aptidão resultante desse processo contribui para
a integração do adolescente com o meio social,
proporcionando ao indivíduo condições para que
possa tomar decisões para resolução de problemas mediante fatos percebidos.12
Intervenções comunitárias
A Política Nacional de Alimentação e Nutrição (PNAN) propõe várias ações para melhoria da alimentação das crianças e adolescentes
como capacitações para cuidadores, merendeiras e professores sobre alimentação saudável;
ampliação da merenda escolar para comunidade
indígena; capacitações em alimentação saudável
com enfoque na Segurança Alimentar e Nutricional e no Direito Humano à Alimentação para
conselheiros de alimentação escolar e inclusão
do tema Alimentação Saudável nos parâmetros
curriculares das escolas brasileiras.13
Foi realizada uma revisão dos programas desenvolvidos em contexto escolar para prevenção de
obesidade em crianças e jovens com intervenções
sobre a dieta e/ou sobre a atividade física. Nesta
revisão, cerca de 68% dos programas selecionados
(17 dos 25) foram considerados eficazes, baseado
em uma redução significativa no Índice de Massa
Corporal (IMC) ou das medidas de dobras cutâneas. Educação física nas escolas e a redução do
tempo assistindo a televisão são dois exemplos de
intervenções que foram eficazes.14
Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S131-S138
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Tratamento da obesidade na infância e adolescência: uma revisão da literatura
Ressalta-se os resultados encorajadores das
intervenções escolares direcionadas a aumentar
atividade física e/ou diminuir comportamentos sedentários na infância.15
Mudanças no estilo de vida
São recomendadas algumas modificações na
maneira de se alimentar para o adequado treinamento do paladar e resgate da percepção de
saciedade, como evitar grandes intervalos entre
as refeições, comer pequenas porções, mastigar
adequadamente, evitar refeições apressadas ou
durante a realização de outra atividade (estudo,
programas de TV) e evitar a ingestão de líquidos
durante as refeições. 16 Dietas muito restritivas
não são aconselháveis e podem promover déficit
de crescimento estatural.3
Em uma revisão de 6 estudos comparando
dietas com pouca gordura com outros tipos de
dieta de redução de peso, não houve diferença
entre estas dietas em relação à perda de peso a
longo prazo. Além disto, a perda de peso em todos os estudos foi muito pequena (2-4 kg) após
um período de 12 a 18 meses.17
Um estudo realizado com adolescentes obesos do sexo masculino demonstrou que o exercício físico, tanto aeróbio como anaeróbio aliado à
orientação nutricional, promove maior redução
ponderal, quando comparado com a orientação
nutricional somente. Neste estudo, o exercício
anaeróbio foi mais eficiente para promover a
diminuição da gordura corporal e da percentagem de gordura e o exercício aeróbio foi mais
eficaz no sentido de preservar e/ou aumentar a
massa magra.18
Terapia comportamental
A terapia cognitivo-comportamental (TCC)
é uma intervenção semi-estruturada, objetiva e
orientada para metas, que aborda fatores cognitivos, emocionais e comportamentais no tratamento dos transtornos psiquiátricos. Os transtornos alimentares (TA) são multideterminados
e resultam da interação entre fatores biológicos,
culturais e experiências pessoais. A TCC ocupase da identificação e correção das condições que
134
Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S131-S138
favorecem o desenvolvimento e manutenção das
alterações cognitivas e comportamentais que
caracterizam os casos clínicos. Vários ensaios
clínicos avaliaram a eficácia da terapia cognitivo
comportamental, indicando que ela favorece a
remissão ou diminuição da freqüência de episódios de compulsão alimentar, dos comportamentos purgativos e da restrição alimentar. Tem sido
relatada também melhora do humor, do funcionamento social, e diminuição da preocupação
com peso e formato corporal. 19
Grupos de reeducação alimentar
O grupo de reeducação alimentar é um espaço para promover a aprendizagem, e deve ter
uma abordagem mais lúdica que teórica. Foi
observado que os programas de educação em
grupo apresentaram efeitos de magnitude semelhante ao atendimento individual (grupo ambulatório), exceto para redução da colesterolemia,
onde os programas de educação em grupo apresentaram vantagem significativa. Este estudo
mostrou que um programa educativo, que pode
ser ministrado por qualquer profissional da saúde, em qualquer local, não se revelou menos
efetivo que o atendimento tradicional individualizado à obesidade infantil, e ainda apontou
algumas vantagens.3
Tratamento medicamentoso
Com relação ao tratamento medicamentoso
para redução da obesidade são utilizadas as seguintes drogas: anfetaminas, fenfluraminas, fenterminas, dietilpropriona, mazindol, pemolina,
fenilpropanolamina e os antidepressivos, fluoxetina e sertralina, entre outras.20
Somente duas drogas são aprovadas pelo
FDA (Food and Drug Administration) para tratamento a longo prazo da obesidade: sibutramina (aprovada em 1997) e orlistat (aprovada em
1999). O orlistat pode ser usado em adolescentes de 12 a 16 anos, com efeitos adversos similares ao observados em adultos. A eficácia da
sibutramina em adolescentes não é comprovada e seu uso não é recomendado em pacientes
pediátricos.21
Tratamento da obesidade na infância e adolescência: uma revisão da literatura
O FDA também aprova a fentermina e a dietilpropriona para tratamento a curto prazo da
obesidade em adultos, porém o uso destes medicamentos não é recomendado para menores de
16 anos.21
Um estudo prospectivo, randomizado, placebo
controlado que demonstrou que o orlistat pode
ser um integrante útil no tratamento da obesidade
mórbida em adolescentes, porém os efeitos colaterais gastrointestinais limitam sua utilidade em
quase 1 a cada 3 adolescentes. Vinte e dois adolescentes com obesidade exógena foram tratados
com orlistat na dose de 120 mg/dia e com um
preparado multivitamínico diário em adição ao
tratamento convencional que incluía programas
de modificação nutricional e no estilo de vida.
O grupo controle (20 adolescentes) foi tratado
com o tratamento convencional isoladamente.
Sete dos 22 pacientes abandonaram o tratamento no primeiro mês devido aos efeitos colaterais
atribuídos ao orlistat. Os outros 15 pacientes foram acompanhados por 5-15 meses. Comparado
ao peso corporal inicial, os pacientes do grupo
do orlistat perderam -6,27 ± 5,4 kg, enquanto o do
grupo controle ganhou 4,16 ± 6,45 kg (p<0,001)
durante o período em estudo. Efeitos gastrointestinais moderados foram relatados por todos os
pacientes no grupo tratado com orlistat.22
Um estudo com 60 adolescentes (randomizado, duplo cego, placebo controlado) demonstrou que houve significativa redução de peso naqueles que usaram o medicamento sibutramina
( 10,3 ± 6,6 kg) em relação ao grupo que usou
placebo (perda de 2,4 ± 2,5 kg). Além disto, não
houve diferença na pressão arterial, freqüência
cardíaca e nos parâmetros ecocardiográficos
entre o grupo que usou o medicamento e o grupo placebo.23
Existem estudos clínicos em andamento na
avaliação de orlistat e de sibutramina em pacientes pediátricos. Esses estudos são necessários,
uma vez que não se pode assumir que riscos e benefícios do uso desses agentes sejam os mesmos
em adultos e em crianças.24
Há muitas controvérsias sobre a utilização destes medicamentos, pelos escassos estudos sobre
seus efeitos a longo prazo. Os remédios criam
uma expectativa de cura para a obesidade e as
pessoas comumente voltam a engordar com a suspensão do medicamento.25
Tratamento cirúrgico
Capellla e Capella26 sugerem que intervenção
cirúrgica precoce deveria ser oferecida a maior
número de adolescentes para minimizar as conseqüências emocionais e físicas da obesidade
mórbida. Foi realizado um acompanhamento
de 19 pacientes com idade entre 13-17 anos que
se submeteram a gastroplastia vertical com bandagem e derivação gástrica em Y de Roux entre
maio 1990 e agosto de 2001. O Índice de Massa
Corporal (IMC) médio era de 49 kg/m2, variando de 38 a 67. O IMC pós-operatório, no tempo
máximo de acompanhamento (média 5,5 anos,
variando de 1 a 10 anos), foi de 28 variando de
23 a 45. Somente um paciente não perdeu peso
suficiente e foi considerado um insucesso. Não
houve mortalidade ou séria morbidade e todas
as comorbidades desapareceram durante o processo de perda de peso. As famílias e pacientes
ficaram satisfeitos com a cirurgia, no entanto alguns pacientes manifestaram insatisfação como
excesso de pele após a perda de peso e expressaram relutância em exporem seus corpos.26
Sugerman et al sugeriu que a cirurgia bariátrica
em adolescentes obesos é segura e associada com
significativa perda de peso, correção das comorbidades relacionadas à obesidade e melhora da
auto-imagem e da socialização.27
De acordo com a resolução n° 1.766/05 do Conselho Federal de Medicina o tratamento cirúrgico
da obesidade mórbida é indicado para pacientes
maiores de 18 anos. Idosos e jovens entre 16 e 18
anos podem ser operados, mas exigem precauções especiais e o custo/benefício deve ser muito
bem analisado.28
O tratamento cirúrgico permanece como ultima opção, para pacientes que apresentaram falha por mais de 6 meses na tentativa de perda de
peso, Índice de Massa Corporal (IMC) ≥ 40, atingiram maturidade do esqueleto, tenham comorbidades relacionadas à obesidade que podem
melhorar com a redução do peso, demonstrem
capacidade de decisão, sejam capazes de aderir às orientações nutricionais pós-operatórias e
que tenham um suporte no ambiente familiar.
29
Ressalta-se que a cirurgia somente deverá ser
realizada em pacientes selecionados e mesmo
os casos que preencham estes critérios devem
ser analisados, já que estes reúnem característiRev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S131-S138
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Tratamento da obesidade na infância e adolescência: uma revisão da literatura
cas que poderiam possibilitar o emagrecimento
sem a cirurgia.
Deve ser levado em consideração que apesar do procedimento cirúrgico se mostrar eficaz
em reduzir significativamente o peso e comorbidades como apnéia do sono e hipertensão, os
efeitos metabólicos, nutricionais, e psicológicos
a longo prazo ainda não são completamente conhecidos.29
Adesão ao tratamento
Os estudos sobre a adesão ao tratamento de
obesidade são complexos e ainda insuficientes
e existe uma lacuna de novas publicações que
esclareçam melhor os aspectos psicossociais
envolvidos no fenômeno da baixa adesão e do
abandono precoce ao tratamento de obesidade.30
Dados da literatura mostram taxas muito altas de
abandono ao tratamento de adultos e crianças,
em torno de 50 %.31
Em um estudo brasileiro foram identificadas
diversas causas para a desistência da continuidade ao tratamento da obesidade em crianças
e adolescentes, como por exemplo, as dificuldades dos pais e/ou responsáveis em comparecer,
o não-comprometimento nas combinações por
parte das crianças e adolescentes, o entendimento de que a proposta fosse algo mais “mágico” e/ou a não-disponibilidade dos pais em mudar hábitos. Não foram identificadas diferenças
significativas nas características demográficas e
no IMC dos desistentes.3
PREVENÇÃO
De um modo geral, nos estudos que procuram
identificar os fatores relacionados ao abandono
do tratamento foram encontrados tópicos relacionados com os aspectos emocionais dos pacientes, com as características das famílias, com as
abordagens terapêuticas, com a relação médicopaciente e com os fatores sócio-econômicos. Os
resultados parecem ser menos efetivos em pacientes com IMC maior e aqueles que já tiveram outra
tentativa de perder peso.
É interessante observar que os fatores psicossociais descritos na literatura como determinantes da
136
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não-adesão ao tratamento, também estão envolvidos no processo de formação da obesidade.10
Devido a grande prevalência da obesidade infantil e da dificuldade do tratamento, grande atenção tem sido dada aos possíveis fatores de risco
para o desenvolvimento da obesidade, principalmente aos passíveis de prevenção. Alguns destes
fatores de risco estariam presentes mesmo antes
do nascimento.32
As características pré-natais, particularmente
raça, etnia, fumo durante a gravidez e obesidade materna pré-gravidez exercem influência no
peso da criança com uma tendência precoce ao
sobrepeso.33
Uma maior ingestão calórica aos 4 meses de
idade foi considerada como um fator de risco
para o aumento do peso corporal e IMC nas idades de 1 aos 5 anos. Além disso, observou-se que
a ingestão calórica era maior em filhos primogênitos e naqueles que receberam alimentação sólida mais precocemente.34
Maior peso e porcentagem de gordura corporal
materna foram associados com maior consumo de
energia nas crianças. Estas crianças eram alimentadas menos freqüentemente e consumiam mais
carboidrato em comparação com crianças filhas
de mães biológicas com peso normal. Estas variações nos padrões de alimentação podem predispor certas crianças à obesidade.35
A identificação de fatores de risco é a chave
para a prevenção. No entanto, a maior parte dos
fatores de risco reconhecidos são potenciais e
ainda não confirmados.36
Algumas áreas merecem atenção, sendo a
educação, a indústria alimentícia e os meios
de comunicação, os principais veículos de atuação. Medidas de caráter educativo e informativo, através do currículo escolar e dos meios de
comunicação de massa, assim como o controle
da propaganda de alimentos não saudáveis, dirigidos principalmente ao público infantil e, a
inclusão de um percentual mínimo de alimentos
in natura no programa nacional de alimentação
escolar e redução de açúcares simples são ações
que devem ser praticadas.1
É urgente estabelecer estratégias para melhorar a adesão ao tratamento da obesidade.37
A identificação de fatores que aumentam ou diminuem a perda de peso em adolescentes é um
importante passo em programas de obesidade
Tratamento da obesidade na infância e adolescência: uma revisão da literatura
infantil.38 Estratégias isoladas em uma única área
não resolvem o problema e deve-se considerar
sempre a influência da mídia, dos pais, dos colegas ao se estabelecer estratégias de enfrentamento da obesidade infantil.39
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O tratamento da obesidade infantil e juvenil
constitui estratégia importante na abordagem
dessa enfermidade, pois hábitos alimentares e de
atividade física são construídos neste período,
além da constituição da auto-imagem da criança,
amparada pelas relações familiares. Além disto, a
realização de intervenções precoces poderá evitar
a persistência da obesidade e conseqüentemente a
ocorrência de comorbidades.
A participação da família deve ser sempre
considerada nos programas de redução de peso.
As orientações alimentares e quanto aos hábitos
de vida são adequadas para todos os membros
da família.
Como os programas de intervenção ainda
têm pouco consenso, a prevenção continua sendo o melhor caminho para diminuir as importantes conseqüências físicas e emocionais da
obesidade.
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ARTIGO DE REVISÃO
Triagem auditiva em neonatos
Neonatal hearing screening
Fernanda Alves Botelho1, Maria Cândida Ferrarez Bouzada 2, Luciana Macedo de Resende 3, Cynthia Francisca
Xavier Costa de Assis Silva4, Eduardo Araújo de Oliveira 2
RESUMO
A preocupação de se identificar precocemente a deficiência auditiva se deve à melhora
no prognóstico se a intervenção é feita em tempo hábil. Objetivo: Revisar estudos que
preconizam realização de Triagem Auditiva Neonatal, o seu histórico e os indicadores
de risco para deficiência auditiva propostos pelo Joint Committee on Infant Hearing.
Fonte de dados: Pesquisa bibliográfica na base de dados MEDLINE e LILACS. Síntese
dos dados: A triagem auditiva no Brasil vem se expandindo. Observa-se aumento da
conscientização dos profissionais e da população acerca do exame além, do maior
conhecimento e possibilidade de identificação e intervenção precoces. Verifica-se a
existência de um esforço contínuo, para divulgação do teste, dos profissionais envolvidos nos Programas de Triagem Auditiva Neonatal e que, com auxílio da mídia,
reforçada pela aprovação de leis municipais e estaduais, vem atingindo maior parcela
da população. As emissões otoacústicas são utilizadas amplamente em programas de
triagem auditiva e o Potencial Evocado Auditivo de Tronco Encefálico automático vem
ganhando espaço nas triagens de neonatos de alto risco. Conclusão: A literatura pesquisada demonstra que a prevalência da deficiência auditiva é alta e que as conseqüências apresentadas, quando não identificada precocemente podem ser devastadoras
para o desenvolvimento de fala, linguagem, cognitivo e social As técnicas disponíveis
atualmente para avaliação auditiva são altamente sensíveis e com especificidade adequada para se detectar precocemente a deficiência auditiva.
1
Fonoaudióloga do Hospital das Clínicas da UFMG, Mestranda em Ciências da Saúde, área de concentração Saúde
da Criança e do Adolescente pela UFMG
2
Médico(a), Professor(a) do Departamento de Pediatria da
UFMG, Mestre em Ciências da Saúde, área de concentração Saúde da Criança e do Adolescente pela UFMG.
3
Fonoaudióloga, Mestre em Fonoaudiologia pela PUC-SP,
Professora assistente do departamento de Fonoaudiologia
da Faculdade de Medicina da UFMG
4
Acadêmica do curso medicina da UFMG.
Palavras-chave: Audição; Perda Auditiva; Indicador de Risco; Triagem Neonatal; Audiologia.
ABSTRACT
The concern to identify the early hearing loss is due to improvement in the prognosis.
Objective: Review studies that advocate holding of Neonatal Hearing Screening, its history and indicators of risk for hearing impairment proposed by the Joint Committee on
Infant Hearing. Data Sources: Information Sources in the database MEDLINE and LILACS.
Summary of data: The sorting hearing in Brazil has been expanding. There is increasing
awareness of professionals and elsewhere about the examination addition, the increased
knowledge and possibility of early identification and intervention. There is the existence of
an ongoing effort to disclose the test, the professionals involved in the Neonatal Hearing
Screening Program, and that, with the help of the media, strengthened by the adoption of
municipal and state laws, is achieving greater portion of the population. The otoacoustic
emissions are widely used in screening programs for hearing and the Auditory Brainstem
Response. Thuk space has gained the automatic screening of newborns at high risk. Conclusion: The literature search shows that the prevalence of hearing loss is high and that
the consequences presented, if not identified early can be devastating to the development
of speech, language, cognitive and social techniques currently available for evaluation the
hearing are highly sensitive and specificity to detect the early hearing disability.
Key words: Hearing; Hearing Loss; Risk Index; Neonatal Screening; Audiology.
Endereço para correspondência:
Fernanda Alves Botelho
Rua Centauro 461 apto 301
Belo Horizonte - MG
CEP: 30.360-310
Email: [email protected]
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Triagem auditiva em neonatos
INTRODUÇÃO
A Triagem Auditiva vem, nas últimas décadas,
ganhando força em todo o mundo, inclusive no
Brasil. A preocupação de se identificar precocemente crianças com deficiência auditiva se deve
à melhora no prognóstico se a intervenção é feita
em tempo hábil. Sabe-se que a perda auditiva diagnosticada tardiamente traz conseqüências para
todo o desenvolvimento infantil afetando funções
acadêmicas, sociais, cognitivas, ocupacionais e
principalmente as de fala e linguagem.
A incidência da deficiência auditiva é alta
principalmente quando comparada às outras doenças passíveis de triagem ao nascimento como
o hipotireoidismo, anemia falciforme e fenilcetonúria, avaliadas no “Teste do Pezinho”. Observa-se
que a incidência chega a ser 30 vezes superior a
fenilcetonúria (surdez 30:10.000 e fenilcetonúria
1:10.000).1 Sabe-se também que a prevalência de
alterações auditivas é ainda maior para crianças
que permaneceram em Unidade de Tratamento Intensivo Neonatal, sendo que um estudo descreveu
uma incidência de 1:50 em recém nascidos de alto
risco.2 De acordo com o Comitê Brasileiro de Perdas Auditivas na Infância (CBPAI) em 2000 dentre
o neonatos saudáveis, a perda auditiva bilateral significante é estimada entre 1 a 3 neonatos em cada
1000 nascimentos e em cerca de 2 a 4% nos provenientes de UTI. 3 Diversos autores estrangeiros determinaram a prevalência de deficiência auditiva
e sua provável etiologia, porém, estes resultados
podem não refletir a realidade brasileira.
Estudos nacionais e internacionais, em neonatos portadores de algum indicador de risco para
deficiência auditiva, encontraram 11% e 6,3% respectivamente de prevalência de alteração auditiva.4,5 Em 2006, estudou-se a prevalência de neuropatia auditiva em uma população de crianças com
perdas auditivas profundas e encontrou 0,94%.6
As Perdas Auditivas podem ser classificadas de
acordo com o tipo, grau e configuração. Dentre as
classificações do tipo da perda auditiva encontrase a neurossensorial (quando há comprometimento da cóclea ou do nervo auditivo), condutiva (alteração de orelha externa e/ou média prejudicando
a passagem do som), mista (quando há comprometimento condutivo e neurossensorial na mesma orelha), centrais (lesão ocorre na via auditiva
central) e funcional (quando a perda auditiva é
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Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S139-S145
exagerada ou simulada). O grau da perda auditiva
pode variar de leve a profundo de acordo com os
limiares auditivos encontrados na avaliação audiológica. A configuração audiométrica auxilia em
uma melhor avaliação da interferência da perda
auditiva sobre as habilidades de reconhecimento
de fala do paciente.7
O presente estudo tem por objetivo revisar estudos sobre a necessidade de se realizar a Triagem
Auditiva Neonatal (TAN), o seu histórico e os indicadores de risco para deficiência auditiva propostos pelo Joint Committee on Infant Hearing visando
proporcionar esclarecimentos aos profissionais
que atuam com neonatos como fonoaudiólogos,
pediatras, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, enfermeiros e psicólogos.
MATERIAL E MÉTODOS
Realizou-se pesquisa bibliográfica em artigos
de periódicos nacionais e internacionais e livros
considerando a relevância e valor informativo dos
materiais para este estudo.
Para revisão de literatura foram utilizadas fontes pesquisadas na MEDLINE e LILACS. Foram considerados artigos publicados na língua portuguesa
e inglesa. Utilizou-se as palavras-chaves: Audição,
Perda Auditiva, Indicador de Risco, Triagem Neonatal, Audiologia.
O tema foi apresentado levando em consideração
os seguintes tópicos: importância da triagem Auditiva Neonatal, seu histórico e metodologias; além dos
indicadores de risco para deficiência auditiva propostos desde a década de 1970 até os dias de hoje.
RESULTADOS
A preocupação em selecionar indivíduos em
triagens para o diagnóstico auditivo mais elaborado foi iniciado em 1930 nos Estados Unidos em
escolas públicas.8
O primeiro programa estadual de Triagem Auditiva Neonatal Universal foi o Rhode Island, nos
Estados Unidos, onde nos quatros primeiros anos
de pesquisa, de 1993 a 1996, encontrou-se uma prevalência de deficiência auditiva em duas de cada
1000 crianças e reduziu-se a idade de identificação
e intervenção da perda auditiva nos lactentes.9
Triagem auditiva em neonatos
Para se justificar a triagem em massa, em um
programa de saúde pública, o distúrbio pesquisado
deve ser freqüente ou, se raro, deve trazer conseqüências graves se não detectado.10 A Triagem Auditiva Neonatal pode ser justificada em ambas as colocações pois sabe-se que é um distúrbio freqüente
na população neonatal e que caso não seja detectado precocemente e encaminhado para intervenção
multidisciplinar precoce poderá trazer conseqüências devastadoras para o desenvolvimento infantil.
A detecção precoce da surdez está diretamente
associada ao desenvolvimento da fala, linguagem
e habilidades sociais, cognitivas e acadêmicas, influenciando diretamente a qualidade de vida destes
indivíduos. Os custos para detecção e intervenção
precoce da deficiência auditiva são sabidamente
inferiores aos custos de educação de uma criança com identificação tardia da perda auditiva. De
acordo com experiências internacionais o custo da
educação em escola especial é 3 vezes superior ao
de uma criança em escola regular, mesmo quando
utilizado apoio especializado.3
Em 1944 na Inglaterra, Ewing & Ewing observaram o Reflexo Cócleo-palpebral em recém-nascidos.11 Em 1964, Downs e Sterrit avaliaram as respostas comportamentais de neonatos frente a estímulo
sonoro de banda estreita centrada em 3000 Hz, a
90 dBNPS, e neste estudo perceberam alto índice
de falso negativos e propuseram a necessidade de
se elaborar um protocolo com os indicadores de
alto risco para a deficiência auditiva. 12
Devido a dificuldade em se detectar perdas
auditivas unilaterais e de grau leve a moderado
através da técnica de avaliação auditiva comportamental o CBPAI, 2000, recomendou que a triagem
auditiva deveria ser realizada por métodos eletrofisiológicos como o Potencial Evocado Auditivo de
Tronco Encefálico (PEATE) e as Emissões Otoacústicas Evocadas (EOA)3.
A descoberta das EOA ocorreu em 1978 por Kemp
que as definiu como “uma liberação de energia sonora produzida na cóclea que se propaga pela orelha
média até o meato acústico externo”. Esta descoberta propiciou um grande avanço na audiologia clínica
pois, permitiu a avaliação precisa do Sistema Auditivo Periférico. Segundo Kemp, a cóclea é capaz de
produzir sons e não apenas de recebê-lo e assim, a
partir da análise deste som recebido, poderia se ter a
indicação de uma função coclear normal.13 Kemp et
al.14, afirmam que o registro das EOA evocadas é um
método para detecção de alterações de origem coclear. As Emissões otoacústicas são energias sonoras
de fraca intensidade geradas pelas células ciliadas
externas da cóclea e que podem ser captadas através de um microfone e um amplificador, acoplados
ao meato acústico externo do indivíduo. Além disto, podem ser captadas na ausência de um estímulo
sonoro e serem denominadas de espontâneas ou a
partir de uma estimulação sonora e denominadas
evocadas. O exame é objetivo, rápido e não invasivo
fato que permite que a avaliação seja realizada desde as primeiras horas de vida.15
A avaliação realizada através da EOA abrange
apenas o sistema periférico e pode sofrer influência da condição da orelha externa e média. As
disfunções de orelha média reduzem as medidas
de amplitude de emissões otoacústicas e às vezes
eliminam totalmente a resposta.16 A otite média secretora pode estar associada à perda auditiva leve
e flutuante em 50% dos casos. Crianças que se encontram no período crítico para o desenvolvimento da linguagem e apresentam episódios recorrentes de otite tem maior risco de apresentar distúrbio
na aquisição da linguagem, no comportamento e
futuramente, no aprendizado escolar.17
As EOA não quantificam a deficiência auditiva,
porém detectam sua ocorrência, uma vez que estão presentes quando há integridade coclear. As
EOA não são observadas quando o limiar auditivo
está superior a 30 dBNA.18,19 As EOA estão presentes entre 98% e 100% dos indivíduos audiologicamente normais.20,22
AS EOAT conseguem detectar em resposta a
um estímulo breve (click) aproximadamente todas
as pessoas com audição normal. Elas realizam
uma “varredura” coclear. As EOAPD são o resultado da intermodulação produzida de forma não
linear pela cóclea em resposta a dois tons puros
simultâneos em freqüências próximas. Por convenção a freqüência mais baixa é chamada de f1 e sua
intensidade L1 e a freqüência mais alta denominada de f2 e intensidade L2. (f2 >f1). A mensuração
mais freqüentemente usada para a EOAPD é 2f1-f2
porque é onde se consegue maior mensuração de
resposta em orelhas humanas.23
Em estudo realizado com neonatos de alto risco para deficiência auditiva avaliados através de
EOAPD e PEATE automático observou a validade
da primeira técnica para avaliação na TAN. Observou-se a resposta na EOAPD a partir de três proRev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S139-S145
141
Triagem auditiva em neonatos
tocolos de passa-falha (triagem) de acordo com o
ruído de fundo de 5, 10 e 15dB. Verificou-se que a
sensibilidade da EOAPD foi de 50%, 67% e 87% e a
especificidade 94%, 68% e 38% respectivamente.24
Os Potenciais Evocados Auditivos são uma outra
opção ou complementam a avaliação audiológica
com EOA e consistem no registro da atividade elétrica que ocorre no sistema auditivo, da orelha interna até o córtex cerebral, em resposta a um estímulo
acústico. É uma avaliação eletrofisiológica objetiva e
não invasiva que permite a verificação da integridade
das vias auditivas e a estimativa do limiar auditivo.25
Em 1967, dois médicos israelenses, Sohmer
e Freinmer registraram respostas auditivas, através de eletrodos, evocadas por clique.26 Em 1971,
Jewett e Williston27 observaram a presença de sete
ondas com estabilidade, latências consistentes e
com picos positivos 10 ms após o estímulo sonoro.
Vale ressaltar que, o PEATE pode sofrer influência
da maturação das vias auditivas principalmente em
neonatos pré-termo. Esta tecnologia é, atualmente,
recomendada pelo Joint Committee on Infant Hearing para triagem auditiva de neonatos de risco.
A onda I do PEATE representa porção distal ao
tronco encefálico do nervo auditivo, a II porção
proximal, a III núcleo coclear, a IV complexo olivar
superior, a V leminisco lateral, a VI colículo inferior, a VII corpo geniculado medial.28 A onda V é a
mais consistente e de maior amplitude. A latência e
aparecimento dessa onda são os parâmetros mais
estudados. PEATE pode ser realizado com o uso
de sedação ou medicamentos, uma vez que estes
não interferem nos resultados.29
Na impossibilidade de se avaliar com metodologias eletrofisiológicas o CBPAI, 2000, recomenda
que se aplique a avaliação auditiva comportamental e a pesquisa do reflexo cócleo-palpebral em
neonatos com indicadores de risco para perda auditiva levando em consideração as devidas limitações da técnica como a dificuldade em se detectar
perdas auditivas de grau leve ou unilaterais.3
Lewis30 relata que o método de observação
comportamental é baseado na mudança de comportamento da criança após a estimulação auditiva. Pode ser realizado com instrumentos calibrados ou não, como instrumentos musicais. Em 2007,
Tiensoli e colaboradores realizaram a triagem
auditiva através de avaliação comportamental em
hospital público brasileiro e encontraram 1,8% de
alterações auditivas.31 Porém, o mais indicado, é
142
Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S139-S145
a realização de avaliação auditiva através de métodos eletrofisiológicos podendo ser associado a
avaliação audiológica comportamental.3
Em 1969, um comitê foi montado por representantes da Academy of Pediatrics, da Academy of Ophthalmology and Otolaryngology e da American Speech
and Hearing Association para traçar recomendações
para a triagem auditiva e para a detecção precoce de
deficiência auditiva em crianças de risco.32
Em 1973, Joint Committee on Infant Hearing
(JCIH) postulou um registro de alto risco para
deficiência auditiva a fim de voltar a atenção dos
profissionais aos neonatos que apresentavam
maior probalidade de alterações auditivas. Neste
documento colocou como critério de alto risco os
seguintes indicadores: história familiar de perda
auditiva hereditária, infecções intra-uterinas, muito baixo peso ao nascimento, hiperbilirrubinemia
com nível acima de 20 e anomalias craniofaciais.33
Em 1982, meningite bacteriana e asfixia severa foram incluídos nos critérios de alto risco.34 Já em
1994, em nova reunião, o JCIH recomendou-se a
avaliação universal, ou seja, em todos os neonatos e não apenas nos considerados de alto risco
para deficiência auditiva e que a detecção deveria
ocorrer até o 3o mês de vida e a intervenção até o
6o mês. Ainda nesta recomendação o JCIH estabeleceu que a triagem auditiva deveria ser realizada
através de métodos eletrofisiológicos e introduziu
o termo indicadores de risco ao invés de fatores
de risco.35 Em 2000, ressaltou-se a importância da
qualidade e da precocidade da intervenção e do
acompanhamento auditivo e lingüístico das crianças com indicadores de risco até os 3 anos, a fim
de se identificar e intervir prontamente nas perda
auditivas progressivas e de início tardio.36
Recentemente, foi publicada a última recomendação do JCIH, no qual declara que dependendo
da tecnologia selecionada para triagem auditiva
neonatal (como EOA), crianças com perdas auditivas neurais (neuropatia auditiva) poderiam não
ser identificadas em programas de intervenção
precoce. Como esta patologia pode atrasar o desenvolvimento da linguagem e tipicamente ocorre
nas crianças que requerem UTI o JCIH recomenda
que a triagem deste grupo seja realizada por procedimento capaz de detectar a neuropatia auditiva,
recomendando o uso do PEATE automático. A recomendação de detecção e intervenção precoces,
até o 3o e 6o mês de vida, permanece.37
Triagem auditiva em neonatos
Os indicadores atuais considerados para deficiência auditiva, segundo o JCIH, 2007, são:
■
Preocupação dos cuidadores a respeito da audição, fala, linguagem ou atraso no desenvolvimento;
■
História familiar de perda auditiva permanente
na infância;
■
UTI por mais de 5 dias ou ventilação mecânica,
uso de medicação ototóxica, diuréticos e exsanguineotransfusão;
■
Infecção intra-uterina como citomegalovirose,
herpes, rubéola, sífilis e toxoplasmose;
■
Anomalias craniofaciais;
■
Achados físicos que estão associados a síndromes que apresentam perdas auditivas neurossensorias ou condutivas permanentes,
■
Síndromes associadas a perda auditiva ou
perda auditiva progressiva ou de início tardio
como Usher, Waardenburg, Alport, Pendred;
■
Desordens neurodegenerativas;
■
Infecçãos pós-natal confirmada bacteriana ou
viral de meningite;
■
Traumatismo craniano;
■
Quimioterapia.37
Dentre os itens descritos pelo JCIH38, em 2007,
destacou-se que alguns indicadores podem estar
relacionados às perdas auditivas de início tardio
como: o história familiar de perda auditiva, ventilação mecânica, citomegalovirose, síndromes
associadas a perda auditiva, perda auditiva progressiva ou de início tardio, desordens neurodegenerativas, traumatismo craniano e quimioterapia.
Nestes casos deve-se estar atento ao acompanhamento auditivo e lingüístico das crianças para
que se possa identificar rapidamente o início da
perda auditiva.
DISCUSSÃO
A triagem auditiva no Brasil vem se expandindo a cada ano. Isto ocorre principalmente pelo
aumento da conscientização dos profissionais e
da população acerca do exame além, do maior
conhecimento e possibilidade de identificação e
intervenção precoces.
A deficiência auditiva pode ser imperceptível
até que se observe os efeitos no atraso do desenvolvimento infantil. Quando o período crítico para
o desenvolvimento da linguagem é superado, a reabilitação da criança deficiente auditiva se torna
menos eficaz. Desta forma, a detecção e intervenção precoce da deficiência auditiva é fundamental
para o prognóstico terapêutico.38
Os procedimentos para avaliação auditiva de
neonatos vêm evoluindo significativamente. As
emissões otoacústicas são utilizadas amplamente em programas de triagem auditiva e o PEATE
automático vem ganhando espaço nas triagens de
neonatos de alto risco.
Existe crítica sobre a utilização do PEATE automático na avaliação de neonatos. Em estudo recente realizado na Itália, pesquisadores compararam
a realização da triagem auditiva em crianças de
alto risco para deficiência auditiva através de emissões otoacústicas evocadas transientes (EOAT),
Potencial Evocado Auditivo de Tronco Encefálico
convencional (PEATE) e automático (PEATE-a).
Observou-se que o PEATE é o mais sensível (100%)
e específico (90,8%) do que o PEATE-a que apresentou valores respectivamente de 88,9% e 70,6%
para sensibilidade e especificidade. De acordo
com o estudo, o PEATE convencional é mais confiável para triagem auditiva pois apresenta maior
sensibilidade e especificidade e pode confirmar a
presença de neuropatia auditiva em crianças de
alto risco para deficiência auditiva. 39
Apesar de se observar um aumento da conscientização da população e dos profissionais acerca da deficiência auditiva, o diagnóstico ainda
ocorre tardiamente no País. A pouca valorização
da prevenção, a falta de conhecimento da população acerca do exame e dos profissionais em encaminhar precocemente os neonatos para avaliação
favorecem o atraso do diagnóstico.40
Observa-se na prática que, apesar de existirem
leis para TAN, nem todas as maternidades cumprem a determinação. Não há dúvidas que é preciso tempo para se adequar às novas determinações,
mas é preciso cobrar mais fiscalização para que a
população seja atendida adequadamente, no que é
seu direito por lei. A lei garante não apenas a identificação da perda auditiva, através de programas
de intervenção precoce, mas a intervenção através
da adaptação de Aparelhos de Amplificação Sonora Individual e de terapia fonoaudiológica essenciais para o desenvolvimento auditivo e lingüístico
do deficiente auditivo.
Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S139-S145
143
Triagem auditiva em neonatos
Espera-se reduzir o tempo de diagnóstico e
intervenção da deficiência auditiva, favorecer o
prognóstico das crianças identificadas além de,
buscar, através de medidas preventivas, favorecer
a redução da prevalência deste distúrbio.
CONCLUSÃO
A literatura pesquisada demonstra que a prevalência da deficiência auditiva é alta e que as conseqüências apresentadas, quando não identificada
e realizada a intervenção precoce podem ser devastadoras para o desenvolvimento de fala, linguagem, cognitivo e social.
É preciso que os profissionais que atuam com
neonatos, lactentes e crianças estejam atentos às
possibilidades oferecidas ao deficiente auditivo
quando detectados precocemente. O trabalho multidisciplinar é a chave para o sucesso terapêutico
das crianças com perda auditiva.
Observa-se interesse crescente, em todo o mundo, sobre as pesquisas nesta área e assim cada vez
mais tem-se conhecimento sobre a deficiência auditiva, as suas conseqüências bem como, é evidente
o avanço das tecnologias para avaliação audiológica precoce. A limitação na detecção e intervenção
da deficiência auditiva ocorre atualmente por dificuldades administrativas e financeiras para se implementar um programa de triagem, diagnóstico e
acompanhamento auditivo adequado. Existem diversos programas no país, porém a grande maioria
não possui condições de seguir adequadamente
os protocolos internacionais seja por limitações financeiras na aquisição de equipamentos de ponta
ou de equipe técnica multidisciplinar adequada.
Assim, observa-se que os protocolos são “adaptáveis” à realidade de cada região do país, porém a
consciência de se buscar adequar aos parâmetros
internacionais e melhorar a cada dia o trabalho de
detecção e intervenção precoces estão presentes
nos profissionais atuantes.
144
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Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S139-S145
145
ARTIGO DE REVISÃO
Uso de galactagogos na prática clínica
para o manejo do aleitamento materno
Use of galactagogues in the practical clinical for the
management of breastfeeding
Roberto Gomes Chaves1, Joel Alves Lamounier2, Luciano Soares 3, Graciete Oliveira Vieira4
RESUMO
1
Professor Auxiliar da Universidade de Itaúna. Programa
de Pós-graduação em Saúde da Criança e Adolescente da
Faculdade de Medicina da UFMG
2
Professor Titular Departamento de Pediatria UFMG.
Programa de Pós-graduação em Saúde da Criança e
Adolescente da Faculdade de Medicina da UFMG
3
Professor Departamento de Pediatria da Universidade
Federal do Triangulo Mineiro, Uberaba, MG
4
Professora Adjunto Universidade Estadual de Feira de
Santa, Feira de Santana, Bahia.
Galactagogos são substâncias que auxiliam o início e a manutenção da produção
adequada de leite, porém, alguns autores têm adotado o termo galactogogo. Nesta revisão foram selecionados artigos nos bancos de dados eletrônicos PubMEd, Medline,
Lilacs e SciELO nos últimos 10 anos, nas línguas portuguesa e inglesa, utilizando os
descritores aleitamento materno, lactação, transtornos da lactação, uso de medicamentos. Os fármacos galactagogos utilizados atualmente são antagonistas dopaminérgicos, que aumentam a prolactina sérica. Os mais conhecidos são metoclopramida e domperidona. O mecanismo de ação de alguns medicamentos e de plantas com
relato de efeito galactagogo ainda são desconhecidos. Antes de indicar galactagogos
é necessário avaliar freqüência e técnica da amamentação; uma vez que, a baixa
produção do leite pode estar associada com técnica inadequada da amamentação,
esvaziamento incompleto das mamas e baixa freqüência das mamadas Por conseguinte, grande parte dos problemas em aleitamento materno pode ser prevenido e
solucionado com conhecidas práticas que mantenham a lactação fisiológica, como
amamentação sob livre demanda, pega adequada do complexo aréolo-mamilar e
esvaziamento das mamas.
Palavras-chave: Aleitamento Materno; Transtornos da Lactação; Preparações
Farmacêuticas.
ABSTRACT
Endereço para correspondência:
Roberto Gomes Chaves
Rua Mariângela Medeiros, 50
B: Centro
Itaúna - MG
Brasil
Email: [email protected]
146
Galactagogues are substances that help the beginning and the maintenance of the
adequate output of milk, by, some authors has adopted the term galactogogue. In this
revision were selected articles in the electronic databases PubMEd, Medline, Lilacs
and SciELO in the last 10 years, in the English and Portuguese languages, utilizing the
descritores breastfeeding, lactation, perturbations of the lactation, use of medicines.
The medicines galactagogues utilized at present are dopamine antagonists which
increase the level of prolactin. The most know medicines are metoclopramide and
domperidone. The mechanisms of action of some medicines and of plants with accounts of effect galactagogue are still unknown. Despite of easier and comfortable, the
prescription of galactagogues should not be used for replace the correct management
of problems related to the breastfeeding. Like this most of the problems in maternal
breast-feeding can be prevented and solved with practical acquaintances that maintain the physiological lactation, as breastfeeding under free demand, adequate suckling and emptying of the breast.
Key words: Breast Feeding; Lactation Disorders; Pharmaceutical Preparations.
Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S146-S153
Uso de galactagogos na prática clínica para o manejo do aleitamento materno
INTRODUÇÃO
A amamentação deve ser incentivada devido
aos seus conhecidos benefícios para a criança,
para a mãe e para a sociedade. Contudo, existem
situações em que as mães necessitam de auxílio
para o exercício desta prática. Dentre as dificuldades mais freqüentemente relatadas pelas mães,
está a percepção de baixa produção de leite.1 As
mães de prematuros tendem a produzir um volume
de leite insuficiente para atender às necessidades
nutricionais do seu filho.2 Desafio maior é enfrentado por mães adotivas que desejam amamentar,
pois suas mamas não foram adequadamente estimuladas, do ponto de vista hormonal, para a lactação. Nestes casos, frequentemente os médicos são
questionados acerca da necessidade de uso de alimentos, plantas ou medicamentos para promover
aumento do volume lácteo.3 A compreensão dos
efeitos terapêuticos destas substâncias e a decisão de utilizá-las ou não deve estar embasada no
conhecimento do funcionamento dos processos
envolvidos na secreção e ejeção do leite.
MÉTODOS
Foram selecionados artigos nos bancos de dados eletrônicos PubMEd, Medline, Lilacs e SciELO
nos últimos 10 anos, nas línguas portuguesa e inglesa, utilizando os descritores aleitamento materno, lactação, transtornos da lactação, preparações
farmacêuticas, metoclopramida, domperidona,
sulpirida. Também foram utilizados livros textos recentes e alguns artigos-chave selecionados a partir
de citações em outros artigos.
rona e consequente elevação dos níveis séricos de
prolactina.7 Entre 24 a 48 horas a mama se torna
intumescida por causa da migração de água atraída pela força hiperosmolar da lactose, com conseqüente dilatação dos alvéolos e ductos.6 Neste
momento inicia-se a lactogênese II, caracterizada
pela secreção mais volumosa de leite.4 A partir de
então, a regulação da secreção de leite passa a ser
realizada no próprio local da produção, ou seja, o
controle, até então endócrino, passa a ser autócrino.6 Nesta fase, chamada galactopoiese, o volume
de leite secretado é determinado pelo estímulo
produzido pelo esvaziamento das mamas.7
Prolactina
A prolactina é secretada pela ptuitária anterior
em resposta à estimulação mamilar, tendo sua secreção inibida por estímulo hipotalâmico mediada
parcialmente pela dopamina. A concentração sérica
de prolactina aumenta durante a gravidez, variando
de 10μg/L nas não grávidas até 200 μg/L após 37 semanas.5 Nas mães que amamentam, os níveis basais
permanecem elevados e ocorrem picos séricos com
a estimulação mamilar. Caso a mãe não esteja amamentando, os níveis séricos de prolactina retornam
aos níveis pré-gravídicos em duas a três semanas
após o parto.4 Estudos enfatizam a ausência de correlação direta entre níveis basais e picos de prolactina
sérica com o volume de leite produzido.4,8 Fatores autócrinos exerceriam um papel mais importante neste
sentido.8 Acredita-se que a prolactina tenha apenas
um papel facilitador na produção de leite. Assim,
apesar da prolactina ser necessária para a secreção
de leite, sua concentração plasmática não regula diretamente a síntese e a secreção láctea.4
FISIOLOGIA DA LACTAÇÃO
Ocitocina
Lactogênese é o processo pelo qual a glândula mamária desenvolve a capacidade de produzir
leite.4 Tal processo ocorre em duas etapas, sendo
a primeira iniciada entre a 10ª e a 22ª semana de
gestação, denominada lactogênese I.5 Nesta fase
a mama está pronta para produzir leite, porém o
faz em pequena quantidade devido à presença de
altos níveis de progesterona produzidos pela placenta.6 Após o parto ocorre a expulsão da placenta
seguida de queda drástica dos níveis de progeste-
A sucção do complexo aréolo-mamilar pelo
lactente promove estímulo de neurônios sensórios
locais que emitem impulsos nervosos aferentes ao
hipotálamo, levando a secreção de ocitocina pela
ptuitária posterior. A ocitocina secretada é levada, através do sangue, até as glândulas mamárias,
onde se liga a receptores específicos nas células
mioepiteliais promovendo sua contração e conseqüente expulsão do leite dos alvéolos para os ducRev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S146-S153
147
Uso de galactagogos na prática clínica para o manejo do aleitamento materno
tos e seios subareolares. Este processo é chamado
reflexo de ejeção do leite.4 A secreção de ocitocina
é inibida por catecolaminas que são liberadas em
situações de estresse ou dor.9 Há evidência que a
prevenção e o tratamento de situações que exponham a nutriz ao estresse psíquico ou à dor são
fundamentais para o sucesso da amamentação.9
Inibidor de feedback da lactação (IFL)
Trata-se de uma glicoproteína de baixo peso
molecular sintetizada pela glândula mamária e secretada para o leite. Esta substância bloqueia de
forma reversível a síntese de proteínas pelas células mamárias. O IFL acumula-se nos alvéolos mamários entre as mamadas, bloqueando a secreção
protéica. Quando a mama é esvaziada, rapidamente o bloqueio termina e as células mamárias reiniciam a produção de proteína e lactose, responsáveis pelo volume do leite.5 Desta forma, a ação
do IFL parece explicar o efeito do esvaziamento
mamário na produção láctea.
Regulação do volume de leite
Logo após o nascimento, pequeno volume de leite é produzido, 37 a 169 ml de colostro durante as
primeiras 48hs.10 A partir do 5º dia após o parto, uma
mulher pode produzir de 500 a 750 ml de leite diariamente, e após o 14º dia, de 700 a 1000 ml diariamente.11 Mães de gêmeos ou trigêmeos podem produzir
2 litros ou mais de leite por dia12, revelando que mecanismos fisiológicos podem adaptar a produção de
leite às necessidades nutricionais dos lactentes.
Os lactentes podem regular o volume de leite produzido pela mãe através dos seguintes mecanismos:
■
freqüência das mamadas: um aumento na freqüência das mamadas está associado ao aumento do volume de leite secretado.12
■
esvaziamento completo das mamas: O esvaziamento mamário remove o IFL permitindo maior
secreção de leite.5 Urge lembrar que para que
ocorra o esvaziamento mamário é crucial que
a pega do complexo aréolo-mamilar seja realizada de forma adequada pelo lactente. Este
procedimento também evita o trauma mamilar
e conseqüente dor, sintoma associado à inibição do reflexo de ejeção.
148
Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S146-S153
GALACTAGOGOS
Galactagogos são substâncias que auxiliam o
início e a manutenção da produção adequada de
leite.13 Alguns autores têm adotado o termo “galactogogo” com o mesmo significado.3,13,14 Um respeitado
dicionário da língua portuguesa15 e as publicações
mais recentes5,16 referem-se às estas substâncias
como “galactagogos”. Assim, optamos por adotar
esta terminologia. Substâncias com relatos de propriedades galactagogas são frequentemente utilizadas durante o período de amamentação com intuito
de elevar a produção de leite.5 Westfall17 realizou
estudo qualitativo sobre uso de ervas galactagogas.
Em amostra de 23 mulheres, apenas 4 relataram baixa produção de leite. Contudo, 14 nutrizes (60,9%)
utilizaram substâncias com intuito de aumentar a
produção láctea, incluindo alimentos, plantas e medicamentos. Os fármacos galactagogos utilizados
atualmente são antagonistas dopaminérgicos. Eles
aumentam a prolactina sérica neutralizando a influência inibitória da dopamina sobre a secreção de
prolactina.5 O mecanismo de ação de alguns medicamentos e de plantas com relatos de efeito galactagogo ainda são desconhecidos.3
Anderson e Valdés5 realizaram extensa revisão
sobre estudos que procuraram determinar a eficácia dos galactagogos baseados no aumento do
volume de leite ou no ganho ponderal dos lactentes. Os autores concluíram que a maioria das publicações sobre os galactagogos não foi baseada
na moderna padronização da medicina baseada
em evidências, incluindo trabalhos duplo-cegos,
randomizados e controlados com placebo. Muitos
estudos foram realizados antes do conhecimento
acerca das técnicas corretas de aleitamento e da
necessidade da amamentação sob livre demanda.
METOCLOPRAMIDA
A metoclopramida foi inicialmente comercializada na Europa como antipsicótico e posteriormente nos Estados Unidos como gastrocinético.5
Seu efeito galactagogo foi descrito pela primeira
vez em 1975, sendo o primeiro estudo realizado
para comprovação deste efeito em 1979.18 A dose
mais utilizada para indução da lactação tem sido
10 mg, 3 vezes ao dia. Contudo, dosagens de 10 mg,
2 e 4 vezes ao dia têm sido prescritas.5
Uso de galactagogos na prática clínica para o manejo do aleitamento materno
Dentre os fármacos com propriedades galactagogas, a metoclopramida é o mais estudado. Contudo, a maioria dos estudos não foi baseada nos
princípios modernos da medicina baseada em evidência. Na extensa revisão realizada por Anderson
e Valdés5, apenas 4 estudos contemplaram tais
princípios (Quadro 1).
DOMPERIDONA
A domperidona é um fármaco aprovado, no
Brasil, para uso como gastrocinético, com propriedade de elevar a prolactina sérica devido ao efeito
antidopaminérgico. Em mulheres não grávidas, o
aumento da prolactina sérico com uso de domperidona é menor que o efeito da metoclopramida na
mesma dose. Porém, em multíparas seus efeitos
são similares.23
Na avaliação da eficácia galactagoga da domperidona, apenas uma publicação foi considerada
metodologicamente adequada.5 Neste estudo24
vinte mães de prematuros não produziram leite
suficiente para seus filhos após orientações extensivas fornecidas por profissionais capacitados. Todas foram ordenhadas com bomba de extração de
leite Medela Lactina em ambas as mamas, sendo
administrado domperidona 10mg (n=11) ou placebo (n=9) três vezes ao dia por 7 dias. Os níveis de
prolactina sérica eram similares entre os grupos no
início do tratamento. No 5º dia de terapia a prolacti-
na sérica no grupo tratado aumentou para 119μg/L
comparado a 18μg/L no grupo placebo. Os níveis
séricos de prolactina retornaram aos valores basais
em ambos os grupos 3 dias após a suspensão do
tratamento. A média diária de aumento da produção de leite nos dias 2 a 7 foi de 45% e 17% para as
mulheres que usaram domperidona e placebo, respectivamente. Porém, as usuárias de domperidona
possuíam produção láctea maior que aquelas que
usaram placebo. Quatro mulheres do grupo da
domperidona não completaram o estudo. Não foi
realizado seguimento após a suspensão do fármaco para avaliação do efeito da ação galactagoga
da domperidona no sucesso da amamentação ou
ganho de peso do lactente.
Anderson e Valdés5 acreditam que a grande diferença entre a produção láctea basal no início do
estudo, maior no grupo da domperidona, possa ter
contribuído para o melhor resultado neste grupo.
Estes autores criticam também a elevada perda
ocorrida no grupo da domperidona (36%). Tais
questões comprometem os resultados do estudo.
Assim, não há evidência inequívoca da eficácia da
domperidona como galactagogo.
SULPIRIDA
Sulpirida é um antagonista dopaminérgico usado como antidepressivo e antipsicótico. Atua sobre
receptores D2, D3 e D4 promovendo aumento dos
Quadro 1 - Estudos que avaliaram o efeito galactagogo da metoclopramida
Tipo de estudo
Duplo-cego, Randomizado, Controlado com
placebo
Tamanho da
amostra
Início do
estudo
Duração do
uso (dias)
Resultados
Referências
20
1º dia pós
parto
7
Não houve diferença no tempo de amamentação após avaliação com 10dias,
6 semanas e 3 meses
Lewis et al, 198019
Duplo-cego, Randomizado, Controlado com
placebo
13
1º dia pós
parto
8
Houve aumento significativo do volume
de leite no grupo que usou metoclopramida*
De Gezelle et al,
1983 20
Duplo-cego, Randomizado
50
29 a 100
dias pós
parto
10
Não houve diferença estatisticamente
significativa entre os grupos em relação ao tempo de AM ou ganho de peso
dos lactentes
Seema et al, 1997 21
Duplo-cego, Randomizado, Controlado
com placebo
60
4º dias
pós parto
10
Não houve diferença no volume de
leite produzido entre os grupos ou no
tempo de amamentação
Hansen et al, 2005 22
* Anderson e Valdés 5 colocam em dúvida os resultados deste estudo devido à ausência de informação sobre o tipo de dieta recebida pelo
lactente, assim como sobre o relato do número de mamadas ao dia.
Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S146-S153
149
Uso de galactagogos na prática clínica para o manejo do aleitamento materno
níveis de prolactina sérica semelhante aos demais
galactagogos.5 A dose habitual para iniciação da
lactação é 50 mg, 2 a 3 vezes ao dia.13
Uma revisão que analisou os estudos realizados para testar o efeito galactagogo da sulpirida
encontrou falhas como perda elevada da amostra,
falta de registro sobre volume dos suplementos alimentares utilizados, estudo apenas nos níveis de
prolactina sérica, ausência de menção sobre informação acerca das técnicas de manejo da lactação.5 Contudo, um estudo25 sugere fortemente que
puérperas sem produção de leite são candidatas a
usarem galactagogos.
OUTROS FÁRMACOS E ERVAS
Outros fármacos com relato de ação galactagoga são a clorpromazina, o hormônio de crescimento e o hormônio secretor de tireotropina (TRH),
porém há necessidade de maior experiência clínica para que sejam recomendadas com este fim.13
O antipsicótico clorpromazina possui uso muito
limitado como galactagogo devido ao risco potencial de efeitos colaterais.26 Apenas um estudo randomizado, duplo-cego e controlado com placebo
avaliou o efeito galactagogo do hormônio de crescimento, sendo encontrado aumento significativo
do volume de leite nas mulheres do grupo de tratamento (p<0,02).27 O único estudo que procurou
avaliar o uso de TRH como galactagogo é passível
de críticas por não ser um estudo cego, além da
não utilização de placebo.28
A ocitocina na forma de medicamento foi disponibilizada para uso nasal com intuito de reduzir
o ingurgitamento mamário, devido sua ação estimulante da contração das células mioepiteliais
das glândulas mamárias. A experiência clínica negativa e conseqüente baixo uso motivou a suspensão da comercialização deste fármaco em vários
países.5 Contudo, recente estudo sugere que o uso
da ocitocina spray nasal pode auxiliar a ejeção
do leite em mulheres tetraplégicas que tenham
perdido a conexão neuronal entre os mamilos e
o hipotálamo.29
Produtos naturais como o fenogreco (Trigonella foenicum-graecum), cardo santo (Cnicus benedictus), funcho (Foeniculum vulgare), framboesa (Rubus idaeus) e urtiga (Urtica dióica) têm sido
utilizados como recurso para aumentar o volume
150
Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S146-S153
de leite produzido.30 Bingel e Farnsworth31 documentaram mais de 400 espécies de plantas que
têm sido utilizadas com intuito de auxiliar na lactação. Contudo, não há comprovação científica
que quaisquer destas substâncias sejam eficazes
como galactagogos.
Avaliação da segurança
A medida mais utilizada para avaliar a segurança do uso de fármacos durante a lactação é a
dose relativa no lactente.16 Esta medida é uma estimativa da percentagem da dose materna recebida
pelo lactente através do leite. Esse valor é expresso
em percentagem da dose materna e corresponde
à proporção da dose materna recebida pelo lactente. Usualmente, a dose relativa do lactente deve
ser menor que 10% para que o fármaco seja considerado seguro. O fármaco é considerado de risco
elevado para efeitos adversos em lactentes quando
este valor supera 25%.32
Em relação aos fármacos galactagogos, os valores das doses relativas no lactente são mostrados
na Tabela 1.
Tabela 1 – Dose relativa no lactente dos principais
fármacos galactagogos
Fármaco
Dose relativa no lactente (%)
Metoclopramida
1–2
Domperidona
0,04 – 0,08
Sulpirida
Fonte: Adaptado de Anderson e Valdés
0,9
5
Anderson et al.33 realizaram estudo de revisão
sobre os efeitos adversos sobre os lactentes de fármacos utilizados pela nutriz. Não foram encontrados relatos de efeitos adversos de fármacos utilizados como galactagogos. Contudo, alguns estudos
consideram que a segurança do uso de antagonistas dopaminérgicos como galactagogos ainda não
foi bem estudada.5,13
Kauppila el al.34 citam relato materno de desconforto abdominal em seu filho após medicada
com metoclopramida. Há relato de aumento dos níveis séricos de prolactina em lactentes durante uso
materno de metoclopramida.35 Uma preocupação
teórica descrita em bula é o risco de depressão materna durante o uso de metoclopramida. O uso des-
Uso de galactagogos na prática clínica para o manejo do aleitamento materno
te fármaco por período maior que 4 semanas pode
elevar o risco de efeitos colaterais como depressão,
contudo, há relatos de várias mães que fizeram uso
por meses sem relato de efeitos adversos.5
A domperidona apresenta menor lipossolubilidade e maior peso molecular que a metoclopramida,
o que a torna menos permeável à barreira hematoencefálica e, portanto, mais segura que esta última
devido ao menor risco de efeitos extrapiramidais.
Além disto, atinge baixos níveis no compartimento
lácteo.36 Contudo, este fármaco não está disponível
para uso nos Estados Unidos da América. O Food
and Drug Administration, órgão norte-americano
que regulamenta e autoriza a comercialização de
fármacos, justifica sua proibição devido aos relatos de arritmia cardíaca, parada cardíaca e morte
após seu uso endovenoso.5 Esta proibição tem sido
questionada, pois os níveis séricos de domperidona após administração oral é muito inferior àqueles
atingidos após uso endovenoso.37
Não há relatos de efeitos adversos sobre lactentes após uso materno de sulpirida.5 Contudo, causa
preocupação a escassez de estudos que avaliem
a segurança deste fármaco na lactação, assim
como os relatos dos seguintes efeitos nos usuários:
sedação, depressão, distúrbios do sono, agitação,
perda de concentração, reações extrapiramidais,
ganho de peso, xerostomia e síndrome neuroléptica maligna.38
fundamentais para a adequada produção de leite
pela nutriz. Para tanto, recomendamos a leitura de
artigos e manuais especializados.39,40
Acredita-se que os galactagogos possam trazer
algum benefício nos seguintes grupos de mulheres3:
■
mães adotivas ou mães que aguardam seus filhos nascerem de uma barriga de aluguel: indução da lactação em mulheres que não estavam
grávidas.
■
relactação: reestabelecimento da lactação após
o desmame
■
aumentar um suprimento insuficiente de leite
decorrente de separação mãe-filho por doença materna ou do lactente. Nesta situação, a
prescrição mais freqüente dos galactogogos
tem sido para as mães de prematuros durante
a permanência em unidades de terapia intensiva neonatais, associada à ordenha manual ou
mecânica.
Mesmo pequeno aumento no volume de leite
pode resultar em benefícios significativos para recém-nascidos prematuros e de muito baixo peso.
Intervenções como relaxamento, apoio e aconselhamento no manejo da lactação nem sempre são
suficientes para aumentar a produção láctea em
mães de prematuros. Nestes casos, a intervenção
farmacológica pode ser necessária. Os princípios
básicos para a prescrição dos galactagogos são
mostrados no Quadro 2.
INDICAÇÕES PARA USO DOS GALACTOGOGOS
CONCLUSÕES
Uso de galactagogos deve ser reservado para
situações após serem descartadas as causas tratáveis de hipogalactia (p.e. hipotireoidismo materno
ou uso de medicamentos) e principalmente, após a
avaliação da técnica da amamentação, do aumento da freqüência das mamadas e do esvaziamento
das mamas.3,5 Cabe ressaltar que a estimulação
mecânica do complexo aréolo-mamilar pela sucção do lactente e a ordenha do leite são os estímulos mais importantes à indução e manutenção
da lactação. Tais estímulos promovem a secreção
de prolactina pela hipófise anterior e de ocitocina
pela hipófise posterior.13 Evidências sugerem que
com assistência nas técnicas de aleitamento, pelo
menos 97% das mulheres conseguem amamentar
seus filhos com sucesso.4 Este estudo não teve
como objetivo discutir estas técnicas consideradas
■
■
■
■
galatagogos antagonistas da dopamina elevam
a prolactina sérica basal em lactantes.
não há comprovação da correlação direta entre
níveis de prolactina sérica e maior período de aleitamento em mulheres em uso de galactagogos.
o uso profilático de galactagogos em pacientes não
selecionadas que supostamente poderão apresentar dificuldades com a amamentação, como mulheres submetidas a cesareana ou mães de prematuros, parece não apresentar benefícios.
previamente ao uso dos galactagogos, a avaliação e a correção de qualquer fator modificável
como a freqüência e a técnica da amamentação devem ser avaliadas. A prescrição de galactagogos deve ser realizada somente após
constatada falha nestas medidas.
Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S146-S153
151
Uso de galactagogos na prática clínica para o manejo do aleitamento materno
Quadro 2 - Princípios básicos para a prescrição de galactagogos
1. Antes de usar qualquer substância na tentativa de aumentar o suprimento de leite, uma cuidadosa avaliação do volume do
leite materno e das técnicas de amamentação.
2. A nutriz deve ser informada a respeito da eficácia, segurança e tempo de uso dos galactagogos.
3. Avaliar as contra-indicações do medicamento a ser prescrito e informar à nutriz os possíveis efeitos adversos
4. Acompanhar a mãe e o lactente, observando o aumento ou não do suprimento lácteo e a ocorrência de efeitos adversos em ambos.
5. Não há estudos que autorizem o uso destes fármacos por período maior que 3 semanas.
Fonte: Adaptado de The Academy of Breastfeeding Medicine 3
■
■
■
■
■
■
mulheres que podem necessitar de fármacos
galactagogos temporariamente são aquelas
que não produzem leite suficiente após a abordagem adequada acerca das técnicas para produção fisiológica do leite terem falhado.
caso as mães sejam adequadamente orientadas
sobre as técnicas da amamentação de forma a
sustentar a lactação fisiológica, os galactagogos
parecem ter pouco ou nenhum efeito.
dentre as substâncias que induzem, mantêm ou
aumentam a produção de leite, domperidona e
metoclopramida parecem ser as mais úteis clinicamente. Contudo, deve ser utilizadas por um
período máximo de 3 semanas.
não há evidências científicas que alimentos ou
plantas possuam propriedades galactagogas.
a segurança dos antagonistas dopaminérgicos
não foi adequadamente estudada quando utilizados como galactagogos, mas todos têm risco
potencial para as mães e/ou para os lactentes.
há necessidade de realização de estudos bem
delineados para avaliar a eficácia e a segurança dos galactagogos.
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Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S146-S153
153
ATUALIZAÇÃO TERAPÊUTICA
Abordagem interdisciplinar do
adolescente obeso com ênfase nos
aspectos psicossociais e nutricionais
Interdisciplinary approach of the obese adolescent with emphasis in the aspects psychological and nutritional aspects
Márcia Rocha Parizzi1, Cristiane de Freitas Cunha 2, Roberto Assis Ferreira3, Joel Alves Lamounier4, Márcia
Álvaro Listgarten5, Gisele Araújo Magalhães 6
RESUMO
1
Mestre em Pediatria pela UFMG. Doutoranda no
Programa de Pós-graduação em Ciências da Saúde, área
de concentração saúde da criança e do adolescente da
UFMG. Membro do Serviço de Saúde do Adolescente do
Hospital das Clinicas da UFMG.
2
Professora adjunta III. Departamento de Pediatria da
Faculdade de Medicina da UFMG. Membro da Divisão
de Endocrinologia Pediátrica e do Serviço de Saúde do
Adolescente do Hospital das Clinicas da UFMG. Presidente
do Comitê de Adolescência da Sociedade Mineira de
Pediatria.
3
Professor Associado. Departamento de Pediatria da
Faculdade de Medicina da UFMG. Programa de Pósgraduação em Saúde da Criança e Adolescente.
4
Professor Titular. Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da UFMG. Programa de Pós-graduação
em Saúde da Criança e Adolescente
5
Psicóloga psicanalista, especialista em psicologia hospitalar. Coordenadora da clinica de psicologia do Hospital
Socor e membro da clinica de psicologia do Hospital Belo
Horizonte.
6
Nutricionista do Socor Hospital Geral. Mestranda no
Programa de Pós-graduação em Ciências da Saúde, área de
concentração saúde da criança e do adolescente da UFMG.
A obesidade é um fenômeno em ascensão universal. Em crianças e adolescentes é
particularmente preocupante pelo risco do desenvolvimento precoce de doenças
típicas do adulto e pela possibilidade de permanência do quadro na vida adulta.
A abordagem interdisciplinar do adolescente obeso é a forma mais adequada de
tratamento uma vez que considera a complexa causalidade envolvida, tais como a
evolução do processo psíquico do indivíduo, a história pessoal, as relações afetivas
vivenciadas ao longo do desenvolvimento, as dificuldades relativas a um período
de grandes transformações biológicas e psicossociais e o contexto socioeconômico
característico da sociedade contemporânea. Estratégias de atendimento adequado
para esta faixa etária são fundamentais para evolução satisfatória do tratamento,
dentre as quais o atendimento separado dos pais, direito a sigilo e confidencialidade e o trabalho em grupo. Atendimentos padronizados focados exclusivamente
na mudança dietética e que desconsideram a complexidade e a singularidade
envolvidas podem agravar o quadro clínico. Assim, na abordagem interdisciplinar
o objetivo não é tratar a obesidade do adolescente, mas tratar o adolescente obeso.
Palavras-chave: Obesidade; Adolescente; Causalidade; Equipe de Assistência ao
Paciente.
ABSTRACT
Endereço para correspondência:
Márcia Rocha Parizzi
Rua: Grão Pará 660
B: Santa Efigênia.
Belo Horizonte - MG
CEP: 30.150-340
Email: [email protected]
154
Obesity is a phenomenon in universal ascent. In infants and adolescents is in
particular worrying by the risk of the early development of typical illnesses of
the adult and by the possibility of permanence of the chart in the adult life. The
interdisciplinary approach of the obese adolescent is more adequate form of
handling since considers to complex factors involved, such as the evolution of the
psychological trial of the individual, the personal history, the affectionate relations
experienced to the long one of the development, the relative difficulties to a period
of biological and psychological transformations in a context of social and economical characteristic of the contemporary society. Strategies of adequate service
for this age group are fundamental for satisfactory evolution of the handling,
among the indivual and right to secrecy of information. Therefore, the approach
exclusively in the dietetic change and that ignore the complexity and the singularity involved can aggravate the clinical chart. Like this, in the interdisciplinary
approach the objective is not going to treat the obesity of the adolescent, but treat
the obese adolescent.
Key words: Obesity; Adolescent; Causality; Patient Care Team.
Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S154-S160
Abordagem interdisciplinar do adolescente obeso com ênfase nos aspectos psicossociais e nutricionais
INTRODUÇÃO
A obesidade é um fenômeno em ascensão universal, observado em todas as faixas etárias da população em vários países no mundo. Seu aumento
na infância e adolescência é particularmente preocupante pelo risco do desenvolvimento precoce de
doenças típicas do adulto - como diabetes tipo II - e
pela constatação de que a maioria das crianças e
adolescentes obesos permanecerá nesta condição
na vida adulta.1-3 A adolescência é um dos períodos
críticos para o aparecimento de obesidade e aproximadamente 70% dos adultos obesos que começaram a ganhar peso antes de se tornarem adultos
o fizeram no período da adolescência.2
A obesidade é um distúrbio de causalidade
complexa de difícil tratamento, cuja abordagem
deve considerar, além dos aspectos genéticos e
nutricionais, a evolução do processo psíquico do
indivíduo, a história pessoal, as relações afetivas
vivenciadas ao longo do desenvolvimento, como
o vínculo mãe-filho, inseridos no contexto socioeconômico característico da sociedade contemporânea. Na adolescência, a esses aspectos somamse ainda as dificuldades relativas a um período
de grandes transformações biológicas e psicossociais.4-7 Diante disso, a abordagem interdisciplinar,
que inclui a participação interativa de especialistas médicos, psicólogos, nutricionistas e outros,
tem sido considerada a mais efetiva para evolução
satisfatória do tratamento da obesidade.4,7,8
Neste trabalho são discutidos aspectos importantes da condução do atendimento interdisciplinar
do adolescente obeso com ênfase na abordagem
das dimensões sociais, psíquicas e nutricionais envolvidas no tratamento.
FATORES PSICOSSOCIAIS DETERMINANTES
DA OBESIDADE EXÓGENA
O entendimento dos fatores determinantes da
obesidade é fundamental para construção do caso
clínico e condução interdisciplinar do tratamento.
A compreensão da história pessoal e familiar inserida no contexto socioeconômico e cultural da sociedade contemporânea é relevante, uma vez que
esses aspectos influenciam sobremaneira a formação do hábito alimentar do indivíduo, sua maneira de comer, o ritual nas refeições, percepção da
fome e saciedade, escolha dos alimentos, além dos
aspectos simbólicos e afetivos envolvidos na relação com os alimentos.8-11
Dentre os aspectos socioeconômicos destacase a influência da globalização que, apesar de ter
trazido grandes benefícios para a sociedade, como
a tecnologia, trouxe também, principalmente nas
últimas décadas, um rastro de efeitos colaterais
indesejáveis, dentre os quais a obesidade.9,11,12 A sociedade globalizada, cujo crescimento econômico
depende da produção e criação constante de novos produtos, enfatiza o consumo e seus prazeres
imediatos, o modismo massificado e padronizado,
o descartável.11,12 Tendo como principal pilar a
formação de consumidores e centros comerciais,
em substituição à formação de cidadãos e comunidades, a globalização alterou profundamente os
costumes, valores, relações com o trabalho, vida
familiar e lazer na sociedade contemporânea.12,13
Na vida familiar, observa-se que pais e mães
concentram esforços no crescimento profissional
e material, para manterem seu poder aquisitivo e
se conservarem no processo de trabalho em mercados cada vez mais competitivos, exigentes de
produtividade e eficiência. Muito ocupados, com
excesso de afazeres, perdem a disposição dedicada à convivência familiar. Um dos aspectos antropológicos que mais caracterizam as relações
contemporâneas é o fenômeno do declínio do convívio.7,12,13 Anteriormente, não se sentava à mesa
antes da presença de todos e fazia-se questão do
almoço e jantar em família. Hoje se come cada vez
mais sozinho: “os fast-foods são o protótipo da vida
contemporânea, marcada por um consumo solitário, sem tempo, de um alimento pré-fabricado”. 13 Os
pais têm cada vez menos disponibilidade para o
desenvolvimento em família de atividades ligadas
ao lazer (passeio e esportes em parques, clubes,
praças) às artes, à culinária ou a qualquer outra
atividade prazerosa que possa ser também um investimento na formação integral de seus filhos.6,7
A atenção que disponibilizam para as perdas financeiras tem sido muito maior do que às perdas
afetivas resultantes do pouco convívio familiar.7,13
Os filhos, aos poucos, vão incorporando em suas
vidas a referência do comportamento compulsivo
dos pais pelo “ter e fazer”; o vazio gerado pelo pouco acolhimento, com freqüência, é compensado
pelos excessos de comida, de bebida, de videogames, de TV, etc.7,13
Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S154-S160
155
Abordagem interdisciplinar do adolescente obeso com ênfase nos aspectos psicossociais e nutricionais
Na primeira infância, falhas no estabelecimento
da relação mãe-filho podem interferir negativamente na formação da estrutura psíquica da criança,
predispondo-a ao desenvolvimento de obesidade, quase sempre, de tratamento difícil. Mães, por
exemplo, com sentimentos ambíguos em relação
à maternidade, podem, de forma inconsciente,
compensar a rejeição inicial superalimentando o
filho, oferecendo alimento de forma indiscriminada, insistente e insensível às reais necessidades da
criança de fome, saciedade, frio, calor, sono, etc.
Aos poucos, a percepção fisiológica de saciedade
da criança vai sendo substituída pela saciedade do
outro, ou seja, a mãe que superalimenta ensina ao
filho que ele precisa comer tanto quanto ela precisa
para se satisfazer emocionalmente. A criança, ao
perder a capacidade de diferenciar a fome de uma
sensação distinta de outras tensões, frustrações ou
necessidades internas, tenderá a ingerir alimentos
como forma de compensação para seus problemas
emocionais.6,7,12-14 Perde sua autonomia e autoconfiança para responder positivamente às tensões e
frustrações com as quais se depara no seu cotidiano, mantendo, obviamente, esse mesmo comportamento quando já está em tratamento. Assim, o
ganho de peso pode advir também da vivência de
situações de mudança (nascimento de irmão, mudança de cidade, de escola, separação de pais, etc.)
ou situações de violência (relacionamento familiar
hostil, vivência de abuso, etc).5-7 Esses aspectos são
observados também na adolescência. A obesidade
iniciada ou agravada neste período pode estar relacionada com as mudanças biopsicossociais advindas na puberdade e conseqüentes dificuldades
com a sexualidade e imagem corporal.
Quando o excesso de peso já está instalado,
pesquisas demonstram que quanto mais excessivo
o controle materno para restringir o acesso aos alimentos e a quantidade ingerida pelos filhos, mais
dificuldade eles terão para auto-regular a sua ingestão. Acredita-se que a percepção pelos pais de
que seus filhos estão ganhando peso pode ser fator
de risco importante para que eles desenvolvam o
estado de obesidade. Cobranças inadequadas e
restrições alimentares impostas pelos pais podem,
inadvertidamente, promover o gosto de seus filhos
por alimentos densamente calóricos.11,15-17
A falta de tempo e o excesso de obrigações
interferem também na conduta alimentar, sobretudo na capacidade de percepção da saciedade. A
156
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capacidade de saciar-se está diretamente relacionada com a maneira como a pessoa se alimenta
e saboreia o alimento; relaciona-se, portanto, com
o grau de atenção dedicado ao ato de comer. Saborear detalhadamente cada porção de alimento
colocado na boca amplia as sensações bucais que
determinam o paladar, tornando possível a sensação da saciedade. Ao enfatizar a pressa, a rapidez
e eficiência, o homem desenvolve o hábito de comer de forma apressada, desatento, diminuindo
sua capacidade de degustar e de saciar-se. O estilo
de vida apressado da sociedade contemporânea é
incompatível com o saborear detalhado.16,17
Por outro lado, a ação agressiva dos meios de
comunicação incentiva o consumo exagerado de
alimentos prontos e industrializados, em geral,
com grande densidade calórica (ricos em gordura,
açúcar e pobres em fibras) e com baixo poder de
indução de saciedade.14 ,17 Os alimentos, por serem
de consumo obrigatório e universal, constituem
um dos setores mais lucrativos da economia mundial globalizada, onde se aplicam poderosas estratégias de marketing que atingem todas as classes
sociais. Durante o horário de programas infantis
na TV, 53% das propagandas transmitidas são relacionados com alimentos infantis industrializados.
Infelizmente, as indústrias alimentícias, amparadas
pela mídia, têm definido não só a qualidade, mas
também a quantidade de alimento ingerido.14,17,18
No ambiente urbano, a expansão desordenada
e não planejada das cidades, a formação de favelas,
a degradação ambiental com prejuízos na estética
urbana, perturbações na segurança, a ausência de
espaços seguros para pedestres e de áreas de lazer
comprometem profundamente a qualidade de vida
da população. Além disso, o sedentarismo, “estado natural” da população urbana, tem se agravado
com as facilidades trazidas pela tecnologia como
os elevadores, veículos automotivos, lazer na frente da TV, computadores, telefones fixos e móveis e
comunicações via-internet.9,18-20
Fatores determinantes ligados à genética são
também muito importantes na formação da obesidade. Crianças cujos pais são obesos apresentam
risco muito maior de obesidade quando comparadas com crianças cujos pais são magros. No entanto, embora o componente genético seja indiscutível, a prática clínica mostra que é muito difícil
separá-lo do contexto familiar e cultural.2,4,8 Uma
leitura ampliada do contexto genético, emocional,
Abordagem interdisciplinar do adolescente obeso com ênfase nos aspectos psicossociais e nutricionais
familiar e ambiental é, portanto, crucial para a
condução cuidadosa do tratamento da criança e
adolescente obesos.
Todos esses aspectos relatados se interagem e
se potencializam ampliando a complexidade envolvida no estado de obesidade. Apesar disso, a obesidade em crianças e adolescentes tem sido tratada,
equivocadamente, como um distúrbio nutricional
decorrente simplesmente do resultado positivo
do balanço energético. O tratamento da criança
e do adolescente obesos se inicia, de modo geral,
logo após ser constatada uma obesidade exógena,
ou seja, na ausência de uma síndrome ou doença
genética para explicar a obesidade (obesidade
endógena). Nesta etapa a orientação é dieta hipocalórica e aumento de atividade física, sem uma
leitura prévia ampliada do problema. Uma doença de causalidade complexa é abordada de forma
padronizada e simplista. Toda a singularidade do
paciente é desconsiderada, não havendo a preocupação em conhecer os fatores desencadeantes,
as razões emocionais, ideológicas e simbólicas
inerentes a sua conduta alimentar.4,11,14,20,21 Nessas
circunstâncias, a possibilidade de fracasso terapêutico é enorme com riscos, inclusive, de se agravar
o problema. Para alguns autores esta conduta fragmentada pode ser um dos fatores determinantes de
distúrbios alimentares como anorexia e bulimia,
compulsão alimentar, dificuldade em monitorar a
própria ingestão alimentar, baixa auto-estima e insatisfação com a imagem corporal.5,16,22,23
Portanto, a conduta terapêutica padronizada e
descontextualizada, direcionada apenas para questões dietéticas, pode estar interferindo negativamente na motivação do paciente obeso para se tratar.
Alguns autores, inclusive, têm enfatizado a necessidade de novos estudos que avaliem mais profundamente a eficácia e a segurança dos tratamentos de
obesidade em crianças e adolescentes.22
ABORDAGEM INTERDISCIPLINAR DA
OBESIDADE EXÓGENA NA ADOLESCÊNCIA
Na abordagem do adolescente com obesidade
exógena, aconselha-se o desenvolvimento de uma
postura ativa e acolhedora como forma de construir vínculo adequado e possibilitar resposta terapêutica consistente. Na primeira consulta, é fundamental esclarecer ao adolescente e seus pais que
ele será o centro de interesse na entrevista. Os pais
ou familiares só estarão presentes com sua permissão ou solicitação. Conforme determina o Estatuto
da Criança e do Adolescente (ECA), que define a
adolescência como o período compreendido dos
12 aos 18 anos, todo adolescente tem direito a privacidade, isto é, pode ser atendido sozinho em espaço privado e apropriado se assim desejar. Essa
postura fortalece sua autonomia e individualidade,
estimulando a responsabilização e implicação
com seu tratamento.21,24 A complexidade envolvida
na causalidade da obesidade precisa ser compreendida amplamente e considerada no diagnóstico
e condução terapêutica do caso clínico.
Quase sempre, na primeira consulta, os pais
estão ansiosos e desejam falar para o profissional
tudo que julgam estar errado no comportamento
dos adolescentes, como seus hábitos alimentares
inadequados e ausência de atividade física.25-28 Também não percebem, conscientemente, as suas parcelas de responsabilidade no desenvolvimento da
obesidade no filho. O profissional deve ser capaz
de criar estratégias que impeçam que essa postura
interfira na construção do vínculo com o adolescente, que pode desistir do tratamento ao perceber
no profissional a mesma atitude crítica e acusadora
dos pais. Acolher os pais em outro momento (com
a concordância do adolescente), ou, de preferência, encaminhá-los para atendimento com outro
profissional da mesma equipe interdisciplinar pode
ser uma boa estratégia. É importante ressaltar que a
participação da família no processo de atendimento do adolescente é altamente desejável e necessária, mas os limites desse envolvimento, devem ficar
claros para a família e para o jovem. Deve ser assegurado confidencialidade e sigilo na consulta, ou
seja, o profissional de saúde não repassará informações obtidas durante a consulta para os pais e/ou
responsáveis sem a permissão do adolescente. Isto
se verifica em situações na qual o adolescente tem
capacidade de avaliar seu problema, salvo quando
a não revelação possa acarretar danos ao paciente
(Art.103 – Código de Ética Médica, Art. 154- Código
Penal Brasileiro). Nas situações em que se caracteriza a necessidade da quebra do sigilo, o adolescente deve ser informado, esclarecendo-se os motivos
para essa atitude.24
Muitos encontros serão necessários para compreensão e construção do caso clínico a partir da
interação entre os membros da equipe interdisciRev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S154-S160
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Abordagem interdisciplinar do adolescente obeso com ênfase nos aspectos psicossociais e nutricionais
plinar. A discussão do caso deve fazer parte da rotina de trabalho da equipe interdisciplinar. Porem
é interessante que o adolescente se sinta vinculado
a um profissional (habitualmente o médico ou nutricionista, que fazem o primeiro atendimento do
adolescente) que será o responsável pelo caso e
pelo encaminhamento para outras especialidades
quando necessário. O profissional (ou equipe)
precisa conhecer os fatores físicos, nutricionais,
emocionais, relacionados com a família e sociais
que determinam o processo de ganho excessivo
de peso do adolescente. Essa condição é necessária para que este compreenda seu processo diminuindo a resistência, por exemplo, em aceitar o
tratamento psicológico quando for necessário. A
consulta com o adolescente, portanto, não se resume a um espaço para o profissional, seja médico
ou nutricionista, reforçar suas recomendações e
fazer investigações sobre a alimentação do paciente. No momento da consulta é necessário o desenvolvimento de escuta cuidadosa e atenta para as
questões familiares, psíquicas e sociais envolvidas.
Essas questões podem ser apuradas também por
meio de outras metodologias, tais como: atividade
em grupo, roda de conversa, discussão de vídeos
e filmes abordando temas escolhidos pelos adolescentes relativos à adolescência ou outros temas de
interesse tais como, dificuldades com as transformações biopsicossociais, com a imagem corporal,
com a sexualidade, conflitos familiares, cuidados
com a saúde (vacina, sono, lazer), com a nutrição,
afetividade e outros.
Nos encontros individuais ou em grupo o profissional (ou equipe) precisa ajudar o adolescente
a resgatar sua percepção de fome e de saciedade
fisiológicas além de ampliar a consciência das vivências e sentimentos envolvidos na ingestão excessiva. O trabalho em pequenos grupos possibilita, a partir de um ponto identificador - a obesidade
– que o paciente trabalhe suas particularidades
com muita eficiência. Os comprometimentos emocionais decorrentes da obesidade neste período
em que as transformações corporais se iniciam,
assumem dimensões significativas no processo
psicossocial da formação da identidade do adolescente, com grande prejuízo na sua qualidade
de vida. Com freqüência observa-se diminuição
da auto-estima, dificuldades com a imagem corporal, dificuldades nos relacionamentos sociais e no
exercício da sexualidade com sofrimento psíquico
158
Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S154-S160
importante e forte tendência para depressão, evasão escolar, ansiedade, compulsão alimentar e outros transtornos alimentares. Todos esses aspectos
podem também ser causa de não adesão ao tratamento e precisam ser cuidados pela equipe.
Nos encontros com os pais é importante conhecer a história dos mesmos, seus sentimentos, crenças e experiências relacionadas com condutas
alimentares inadequadas e com relacionamentos
familiares conflituosos. Deve ser nvestigado quando o filho começou a engordar, quais os fatores
desencadeantes, a história alimentar da criança
desde o nascimento, além dos hábitos alimentares
e de lazer da família. Nesse contexto, é possível conhecer fatores que impedem e facilitam o sucesso
do tratamento no convívio familiar.
Na relação dos pais com os filhos observam-se
com freqüência dois comportamentos extremos: o
autoritarismo, no qual o filho (a) recebe críticas o
tempo todo e os pais exigem que eles façam “tudo
certinho”, sem poder errar e sem considerar as dificuldades como naturais no processo de mudança,
ou a negligência, no qual pais “largam o filho (a)
prá lá”, perdem as esperanças e ficam esperando
brotar espontaneamente nos mesmos a consciência necessária para que eles emagreçam. Assim,
não é incomum expressões do tipo “esta será a última vez que eu levo você ao médico se não tiver
emagrecido” ou “você não faz nada que o médico
manda, quero só ver o que ele vai dizer quando
você for medir o peso”. É importante que os pais
compreendam que a “desobediência e pirraça” de
seus filhos, de fato é uma manifestação de indignação diante desta postura de ajuizamento, decorrente da ausência de uma compreensão ampliada do
problema. O comer a mais pode ser visto também
como uma forma que os obesos encontram para
confrontar os pais. O atendimento individual ou
em grupo dos pais é crucial para ajudá-los a assumir, a partir de uma ampliação da percepção dos
motivos que levam o filho a engordar, uma postura
cuidadosa na relação com os filhos que promova
mudanças efetivas no tratamento. Abre-se aos poucos a possibilidade de novas perspectivas de vida
construída passo a passo e baseada no respeito a
si mesmo e ao outro, com enriquecimento e valorização do convívio familiar.10, 27,28
A partir desse trabalho de ampliação da percepção dos pais e reflexão sobre seus mitos, crenças
e sentimentos relacionados à sua conduta alimen-
Abordagem interdisciplinar do adolescente obeso com ênfase nos aspectos psicossociais e nutricionais
tar inadequada, os pais devem ser incentivados a
adotar na família, por meio de mudanças construídas no passo a passo, uma alimentação balanceada, servida em quantidades compatíveis com
as necessidades nutricionais de seus membros. É
aconselhável e saudável que alimentos densamente calóricos, com excesso de açúcar ou gordura,
sejam consumidos em pequenas quantidades e esporadicamente por toda família, sem sua proibição
e privilegiando também os magros com uma dieta
adequada. Proibir o adolescente obeso de ingerir
um alimento calórico que foi oferecido para o restante da família é uma atitude desaconselhável,
que pode agravar ainda mais o problema. Assim,
os pais devem ser informados sobre os malefícios
para qualquer pessoa da ingestão freqüente de alimentos inadequados para a saúde. Como exemplo,
ressaltar que refrigerantes a base de noz de cola,
devido ao excesso de fosfato, podem interferir na
absorção de cálcio e, por isso, não devem ser usados no cotidiano da família. Os pais devem propiciar rituais de refeição que ampliem o prazer da
família na mesa, com ambientes harmônicos, tempo adequado para degustação, refeição saborosa
e saudável.10,27,28 Essa recomendação é importante
por ser condição para o resgate da percepção de
saciedade. A condição socioeconômica, os gostos e bons hábitos alimentares da família devem
ser valorizados e é importante que eles recebam
informações sobre os fundamentos da dieta equilibrada, que promove a saúde e previne as doenças
crônico-degenerativas.
Informações sobre a fisiologia humana, aspectos metabólicos e aproveitamento de energia precisam também ser conhecidas pelo adolescente e
seus pais. É relevante observar que a maioria dos
pacientes não tem conhecimentos de anatomia e
da fisiologia corporal. Desconhecem o caminho
pelo qual os nutrientes chegam à corrente sanguínea e participam do processo metabólico e não
sabem que o aumento do peso é decorrente do
acúmulo de gordura no corpo devido ao excesso
de alimento ingerido. Ignoram também que é possível perceber a saciedade em cada refeição. Portanto, não há necessidade de “passar dieta” com
as porções de alimentos determinadas para cada
refeição e com listas de permitidos e proibidos.
Entretanto, é preciso resgatar um estilo de vida
que valorize os rituais nas refeições, a importância
da percepção da saciedade e as diretrizes da ali-
mentação equilibrada e do preparo adequado dos
alimentos - quantidade de açúcar, óleo e alimentos industrializados que devem ser adicionados à
culinária da família. Dietas muito restritivas não
são aconselháveis, pois podem promover déficit
de crescimento em estatura. Um dos grandes inconvenientes do “passar dieta” é a ênfase dada aos
alimentos proibidos e permitidos, equivocadamente considerados, respectivamente, alimentos que
engordam e que não engordam. Os obesos e familiares submetidos a essas dietas ficam obsessivos
pelos alimentos permitidos/proibidos, perdendo a
espontaneidade e a liberdade diante dos alimentos
e os cuidados necessários para percepção da fome
e da saciedade. Diante de um doce (“alimento que
engorda”) a única saída é engordar, não existindo
a possibilidade de percepção dos sinais indicadores de saciedade. Come-se com medo de engordar,
uma situação que impossibilita a sensação de prazer na refeição, condição necessária para que a
saciedade ocorra.10,11,27,28
Considerando a complexidade inerente ao estado de obesidade é desejável que o profissional que
lida com adolescentes obesos invista na ampliação
das suas habilidades técnicas e humanas, para que
sua atuação não se torne fragmentada na abordagem ao paciente. Em geral, o campo de atuação do
profissional tende a se fundamentar no tratamento
da “obesidade”, deixando-se marginalizado o adolescente obeso separado de seu contexto psíquico
e social. Assim, na abordagem do adolescente obeso deve ser considerada sempre a singularidade do
caso a caso, pois possibilita maior consistência no
trabalho assistencial pelo profissional de saúde.
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ATUALIZAÇÃO TERAPÊUTICA
A adolescência e sua interferência no controle
do diabetes mellitus: dificuldades e propostas
a partir de uma revisão da literatura
Adolescence and its interference in the diabetes mellitus
control: difficulties and proposals after a literature review
Marcos de Souza Alvarenga Júnior1; Cristiane de Freitas Cunha 2; Thalita Figueiredo Silva Castro3
RESUMO
O Diabetes Mellitus tipo 1 (DM1) é uma doença que surge comumente durante a infância
ou adolescência, acarretando sérias implicações clínicas, psicológicas e sociais na vida
do indivíduo. A adolescência é um período crítico na vida dos pacientes com DM1, já
que os conflitos típicos dessa fase se somam, nesses indivíduos, às mudanças impostas
pela doença. A maioria dos diabéticos apresenta piora do controle metabólico na adolescência, o que não deve ser atribuído apenas a fatores biológicos da puberdade. Além
disso grande parte dos profissionais de saúde não está preparada para atender adolescentes diabéticos. Objetivos: identificar na literatura as causas do descontrole metabólico em diabéticos adolescentes, os fatores associados e as intervenções mais eficientes.
Material e métodos: foram realizadas buscas em bases de dados por artigos recentes
sobre o tema, além da releitura de artigos de relevância. Resultados: identificou-se que
vários fatores não biológicos também são relevantes na piora do controle metabólico
na adolescência. Os profissionais de saúde devem evitar atitudes autoritárias e críticas,
assumindo uma atitude de colaboração com esses pacientes. As metas do tratamento
devem ser individualizadas e flexíveis para evitar frustrações e baixa adesão.
1
Discente da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG);
Doutora, Professora Adjunta do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da UFMG;
3
Psicóloga e Psicanalista, mestranda do Programa de Pósgraduação em Saúde da Criança e do Adolescente da Faculdade de Medicina da UFMG.
2
Palavras-chaves: Comportamento do Adolescente; Serviços de Saúde para Adolescentes; Diabetes Mellitus Tipo 1; Doença Crônica.
ABSTRACT
Diabetes Mellitus type 1 (DM1) is a disease that usually emerges during childhood or
adolescence, bringing serious psychological, clinical and social outcomes in the patient’s
life. The adolescence is a critical stage for the a person with DM1, since the normal
conflicts of adolescence period adolescence are mounted up to the restraints necessary to
achieve proper serum glucose levels. Most of the diabetic patients present a decrease in
their metabolic control during adolescence, which is not explained by biologic changes at
all. Besides that, a great number of healthcare providers are not able to deal with diabetic
youths. Objectives: to identify in the literature reasons of the metabolic control impairment
in adolescents, the risk factors as well as the best interventions. Material and Methods:
it was carried out researches in health databases for recent articles on this matter, the
relevant literature was read carefully and it was documented the reasons for the metabolic
control impairment in adolescents with diabetes mellitus, the risk factors and the best
interventions to treat them. Results: non-biological reasons were found to be significant
to the impairment of the metabolical control that occurs during adolescence. Healthcare
providers must have a collaborative attitude with the patients, not be dictatorial when proposing the treatment, nor use criticism or personal judgments. The treatment goals must
be flexible and individualized, thereby avoiding low compliance and disappointments.
Key words: Adolescent Behavior; Adolescent Health Services; Diabetes Mellitus, Type 1;
Chronic Disease.
Instituição
Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG)
Endereço para correspondência:
Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da
UFMG
Av. Professor Alfredo Balena, nº 190 sala 2002
Belo Horizonte - MG
CEP: 30.130-100
E-mail:
Marcos de Souza Alvarenga Júnior: [email protected]
Cristiane de Freitas Cunha: [email protected]
Thalita Figueiredo Silva Castro: [email protected]
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A adolescência e sua interferência no controle do diabetes mellitus: dificuldades e propostas a partir de uma revisão da literatura
INTRODUÇÃO
A adolescência é essencialmente um período
de intenso trabalho psíquico, no qual o indivíduo
define vários aspectos pessoais, profissionais e
sociais de sua identidade. Nesse contexto as doenças crônicas surgem como um fator adicional
de estresse, aumentando ainda mais as tensões
características dessa fase da vida.1 Entre as doenças crônicas mais comuns dos adolescentes está
o diabetes mellitus tipo 1 (DM1). Seu tratamento é
baseado em injeções diárias de insulina, controle
estrito da glicemia, da ingestão de alimentos e até
mesmo da atividade física. Os objetivos do tratamento do DM1 incluem manter níveis glicêmicos
adequados, evitando complicações a curto e longo prazos, e assegurar o crescimento e desenvolvimento adequados.2 As principais complicações do
DM1 são as crises de hipoglicemia e as lesões macro e microvasculares, sendo essas últimas as principais responsáveis pela neuropatia, retinopatia e
nefropatia diabéticas que surgem após um longo
período de evolução da doença, mais comumente
quando o indivíduo já alcançou a idade adulta.
A adolescência é um período crítico para os pacientes com DM1. Nesse período observa-se comumente a piora da adesão ao tratamento e do controle metabólico3. Além disso como demonstrado com
relação ao diabetes e outras doenças, os padrões de
comportamentos presentes no final da adolescência tendem a permanecer pelo resto da vida do indivíduo4,5. Portanto, intervenções nessa fase da vida
visando melhor controle da doença podem causar
um impacto mais eficiente e duradouro.
Este artigo tem como objetivo evidenciar na
literatura as causas referidas para o descontrole
metabólico da doença nos pacientes adolescentes,
os fatores intervenientes e as abordagens mais eficientes para propiciar a adesão ao tratamento.
MATERIAL E MÉTODO
Trata-se de um estudo descritivo de revisão
da literatura sobre a adesão ao tratamento e causas de descontrole metabólico nos adolescentes diabéticos. A busca de referências abrangeu
a identificação de artigos realizada a partir do
banco de dados da PubMed/Medline nos últimos
cinco anos, utilizando os seguintes descritores:
162
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“adolescence+diabetes”, “diabetes+adhesion” e
“diabetes+compliance”. Foram encontradas 536
referências. Selecionou-se então os artigos relevantes de acordo com o título e o resumo. A partir
da leitura dos artigos buscou-se identificar os aspectos fisiopatológicos e psicossociais da doença,
os aspectos comportamentais dos adolescentes
frente à doença, o tratamento médico do DM1,
adesão dos adolescentes e os fatores relacionados
à família e ao indivíduo que influenciam a adesão
e o tratamento.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Aspectos fisiopatológicos da doença e suas
implicações na adolescência
O controle metabólico piora na maioria dos indivíduos no período da adolescência.3-7 O adolescente passa a depender mais da sua própria capacidade de manejo da glicemia, pois nesse período
o tempo passado longe dos pais, seja na escola
ou com os colegas, é progressivamente maior.3
Estima-se que um adolescente tenha uma chance
20% maior a cada ano de apresentar piora do seu
controle metabólico.1
Estudos prospectivos sobre o controle e as
complicações do diabetes mellitus demonstraram
a importância da manutenção de controle glicêmico rigoroso na redução das complicações em
longo prazo.8,9 Estima-se que uma redução de 1%
no controle glicêmico cause a redução de 15 a 30%
das complicações microvasculares que ocorrem
em longo prazo.10
Muitas alterações biológicas e psíquicas no indivíduo na transição da infância à vida adulta contribuem para a piora do controle metabólico. Os
adolescentes de uma maneira geral têm resistência
maior à insulina do que os adultos11, além de um
aumento na resposta de hormônios contra-regulatórios12, o que dificulta a ação da insulina. Nas adolescentes, até mesmo o ciclo menstrual pode alterar as necessidades de administração de insulina13.
Os aspectos psicossociais e comportamentais
dos adolescentes frente ao DM1 Adolescentes
diabéticos estão mais propensos a problemas escolares do que os controles não-diabéticos, apresentando maior absenteísmo.14 Carrol15 refere que
A adolescência e sua interferência no controle do diabetes mellitus: dificuldades e propostas a partir de uma revisão da literatura
a dinâmica familiar, a comunicação e o relacionamento entre pai e filho muitas vezes também são
comprometidos.
Ressalta-se que como a doença quase sempre
surge na infância ou adolescência, a família se
envolve intensamente no processo, com conseqüente mudança de toda a dinâmica familiar. As
mudanças envolvem a comunicação, as responsabilidades e papéis de cada uma das partes no
controle da doença, na busca de um novo ponto
de equilíbrio.1
O desligamento da autoridade dos pais é uma
das várias tarefas psíquicas que o adolescente
deve realizar e, para o paciente diabético, o trabalho para esta conquista pode ser mais árduo do
que para os outros indivíduos. Os pais de adolescentes diabéticos são mais relutantes em dar autonomia aos filhos, o que pode ser um obstáculo
no desenvolvimento normal do indivíduo, muitas
vezes impondo-lhes uma hipervigilância e, conseqüentemente elevando o nível de estresse.15 Os
adolescentes diabéticos também estão sujeitos a
preconceitos por parte dos colegas, namorados e
outras famílias, o que pode comprometer sua autoestima15. A percepção que se tem desses adolescentes é que eles se sentem presos e vivem com
vontade de se rebelar a qualquer momento contra as regras impostas16. Segundo Burrows (1997)
“chega um momento em que ser um adolescente
normal é mais importante do que seguir o regime
imposto pela doença”.16
O tratamento médico do diabetes mellitus e
a adesão dos adolescentes
É um erro comum acreditar que a piora no controle metabólico seja devida apenas às alterações
endócrino-metabólicas que ocorrem na adolescência. A menor adesão ao tratamento tem sido
apontada como um fator responsável pela piora
do controle metabólico pelo menos tão importante
quanto as alterações fisiológicas.6
A baixa adesão ao tratamento também contribui
para um número insuficiente de aferições de glicemia capilar. Morris et al.17 calculou a quantidade de
insulina que pacientes com até 40 anos deveriam
usar, a partir das prescrições médicas, e confirmadas pelo relato dos pacientes ao médico. Os resultados demonstraram que 28% dos pacientes adqui-
riram menos insulina do que seria necessário para
administrar a quantidade prescrita. Os pacientes
que adquiriram as menores quantidades de insulina
foram aqueles com idade entre 10 e 20 anos.
Um estudo internacional demonstrou que apenas 10 a 15% dos adolescentes de 15 anos realizavam 4 aferições da glicemia capilar diariamente.18
Em outro estudo foi observado que um número significativo de adolescentes do sexo feminino omitiu
propositadamente aplicações de insulina com o
objetivo de perder peso.19
Outro achado importante é o de que o nível
de conhecimento acerca da doença está relacionado com a adesão ao tratamento nas crianças20,
mas não nos indivíduos adultos.21 A partir desses
achados, a adolescência tem sido vista cada vez
mais como o momento crítico no qual o elo entre conhecimento e adesão é perdido, levando a
um comportamento dificilmente reversível na vida
adulta e que se configura como potencialmente
prejudicial aos diabéticos.
Um estudo longitudinal6 utilizou a escala de
desenvolvimento puberal de Tanner para dividir
os pacientes em subgrupos para se estudar a variação da adesão e do controle metabólico. Durante
a transição entre os estágios 1 a 4 de Tanner os pacientes apresentaram piora do controle metabólico não associada a menor adesão ao tratamento. A
redução da adesão teve influência apenas quando
os participantes alcançaram o estágio 5º e último
estágio de Tanner. Os autores concluíram que os
resultados sugeriam uma relação bi-direcional entre descontrole metabólico e baixa adesão, ou seja,
uma piora do controle poderia funcionar como
fator desestimulante para a adesão ao tratamento
adequado. Isso reforça ainda mais a teoria de que
fatores psicossociais, entre eles as relações familiares e as percepções do próprio indivíduo, também
exercem papel importante na piora do controle
metabólico que ocorre na adolescência.
Fatores relacionados a família e ao indivíduo
que influenciam na adesão ao tratamento
A família exerce papel primordial no controle
metabólico do DM1 no indivíduo adolescente de
uma maneira geral. Observa-se que quanto mais
saudáveis as relações dos indivíduos na família,
melhor a adesão ao tratamento e conseqüenteRev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S161-S166
163
A adolescência e sua interferência no controle do diabetes mellitus: dificuldades e propostas a partir de uma revisão da literatura
mente melhor o controle.1 Vários fatores familiares,
analisados em diversos estudos, demonstraram
associação significativa com o controle metabólico. Esses fatores incluem a relação com os pais22,23,
dinâmica familiar24, família coesa e acolhedora16 e
separação dos pais22,25.
Wysocki et al.26 demonstrou que uma entrega
precoce do controle da doença aos filhos resultava
em um pior controle metabólico. Por outro lado,
nas famílias em que algumas das tarefas não eram
reconhecidas como de responsabilidade dos pais
nem dos filhos (por exemplo, lembrar o horário
da administração de insulina), os indivíduos se encontravam em pior controle metabólico.27
O apoio emocional positivo por parte dos pais
está associado com um melhor controle metabólico25, enquanto que o suporte negativo se associa
a pior controle.28,29 A capacidade de comunicação
entre pais e filhos também foi associada com o
controle metabólico de forma direta29, enquanto o
nível de conflito nas relações familiares foi inversamente relacionado ao controle.30 Observa-se que
alguns adolescentes chegam ao ponto de evitar
medir a glicemia capilar, com medo de represálias
por parte dos pais caso os valores não estejam satisfatórios.15 As relações encontradas são possivelmente bidirecionais, pois à medida que o controle
piora, a relação entre pais e filhos também fica
mais difícil.22 Muitas vezes a família, mesmo bem
intencionada, prejudica o controle metabólico,
através de esforços excessivos e mal direcionados.
Os adolescentes que recebem suporte negativo dos
pais possivelmente têm mais medo de críticas, o
que torna mais improvável que eles solicitem ajuda
quando o controle não está adequado31. O resultado final tende a ser pobre adesão do adolescente,
seguida de mais esforços dos pais, o que culmina
num ciclo vicioso.32
A capacidade de tomar decisões é outro fator
associado ao melhor controle glicêmico a partir da
adolescência, quando o controle passa a depender
mais do próprio adolescente do que de seus pais.29
Entende-se a capacidade de tomar decisões como
o ato de fazer uma escolha dentre duas ou mais
possíveis, criando um plano de ação, e não apenas
criar uma solução para um determinado problema.
Essa habilidade aumenta gradualmente à medida
que o adelescente passa a se responsabilizar por
tarefas antes realizadas pelos pais. Adolescentes
que se sentem indecisos ou pessimistas durante o
164
Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S161-S166
processo de tomar decisões relacionadas ao diabetes apresentam menor adesão ao tratamento.29
Estudos com os pacientes com DM1 têm abordado a importância da qualidade de vida, bem
como sua interferência na adesão à terapêutica.33
Um grande estudo publicado em 2001 demonstrou
associação direta entre controle metabólico e qualidade de vida.34
A qualidade das relações familiares é outro fator importante que influencia no controle metabólico do adolescente.35 Um estudo intervencionista
demonstrou que uma abordagem psicológica visando melhorar o trabalho em equipe da família
melhorou a adesão e o controle metabólico.36 Em
casos de problemas com a adesão, o médico deve
perguntar sobre a dinâmica familiar e a existência
de conflitos em questões sobre o diabetes, bem
como o tipo de suporte dado pelos pais.22 Concluiu-se que é importante tentar esclarecer durante
a consulta a divisão de tarefas (ex. medir glicemia,
lembrar do horário das insulinas) entre os pais e a
criança e saber se existe consenso entre eles sobre
as responsabilidades de cada um, o que é associado com melhor controle metabólico.22
É importante que o profissional de saúde não
exija do adolescente mais do que ele esteja disposto a oferecer, especialmente no início de sua
autonomia no manejo do diabetes. Planos e metas,
desde que sejam individualizados, podem ajudar
os adolescentes a conseguir traçar objetivos dentro do tratamento.37 Fatores sociais, econômicos
e a receptividade devem ser considerados, sendo
que esta última tende a ser menor no início da
adolescência, devido ao senso de invulnerabilidade típico do adolescente.38 Por isso, tentativas
de intensificar o controle nessa etapa têm maior
chance de insucesso. Muito rigor ao estipular metas pode levar à não adesão ou ao burnout devido
ao diabetes.37 Trata-se de um distúrbio emocional
que ocorre quando o adolescente tem perspectivas irreais com relação ao controle metabólico, e
se submete a auto-críticas e sentimentos de culpa
devidos ao não cumprimento de objetivos inalcaçáveis na prática.
A monitorização periódica da glicemia, o uso
de insulina nos horários corretos e a periodicidade
das consultas médicas são questóes que devem ser
abordadas durante a consulta. Médico e paciente
devem interagir buscando soluções para problemas que podem surgir, como a hipoglicemia na
A adolescência e sua interferência no controle do diabetes mellitus: dificuldades e propostas a partir de uma revisão da literatura
escola, dias com alterações da rotina, doenças intercorrentes e uso de bebidas alcoólicas.2
O tratamento deve ser individualizado e respeitar as particularidades de cada paciente. Deve-se
também explicar à família que expectativas ou
vigilância exageradas podem aumentar o conflito
e comprometer ainda mais o controle. Algumas
vezes o profissional deve assumir o papel de mediador na conquista do adolescente por mais autonomia, quando percebe resistência exagerada
da família. Os clínicos também podem alertar os
jovens quanto aos problemas que podem surgir
na vida cotidiana, seja na escola, com amigos ou
outros relacionamentos.15 Os pais devem também
ser orientados a demonstrarem mais confiança
nos filhos, o que evita a entrada num ciclo vicioso
de frustrações e a conseqüente baixa adesão.38 A
piora do controle metabólico não deve ser atribuída exclusivamente à baixa adesão ao tratamento,
principalmente durante a fase inicial da adolescência. Possivelmente a piora do controle metabólico
precede a baixa adesão ao tratamento6. Cobranças
nesse sentido podem funcionar como mais um fator de desestímulo à realização do controle glicêmico adequado.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pelo estudo realizado observou-se que os pacientes respondem melhor ao tratamento quando
uma boa relação transferencial é estabelecida.
Uma equipe multiprofissional competente para a
abordagem do problema, quando disponível, aumenta ainda mais a possibilidade de êxito do tratamento. Médicos que tentam assumir totalmente
o controle, não valorizando as opiniões e as necessidades próprias dos adolescentes, ou emitindo
julgamentos sobre suas atitudes podem trazer conseqüências negativas, como o burn-out ou a perda
da confiança do paciente.37
Esse estudo apresentou como dificuldade para
a sua realização a escassez de trabalhos sobre o
tema abordado na literatura. É importante salientar
que outros estudos contemplando este tema devem
ser desenvolvidos, principalmente com relação à
efetividade das várias intervenções possíveis. Outras pesquisas nessa área se justificam devido à já
comprovada permanência dos hábitos adquiridos
nessa fase da vida do paciente.
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ATUALIZAÇÃO TERAPÊUTICA
Obesidade e osteoartrite: atualiazação
em implicações clínicas e metabólicas
Obesity and osteoarthritis: metabolic and clinical
implications updated
Maria Tereza Nicolau dos Santos1; André Everton de Freitas2; Joel Alves Lamounier3
RESUMO
Nas últimas décadas, a obesidade vem assumindo proporções epidêmicas alarmantes,
acarretando em custos enormes para a saúde dos indivíduos e para a economia da
sociedade. Dentre as inúmeras implicações orgânicas que acompanham a obesidade,
destaca-se aqui a osteoartrite, doença degenerativa e de alta prevalência. A obesidade
é um fator de risco potencialmente modificável para OA. Dessa forma, tal relação precisa ser bem compreendida, a fim de que medidas eficazes de tratamento e prevenção
sejam delineadas. Neste artigo é feito uma revisão bibliográfica atualizada do assunto.
Palavras-chave: Obesidade; Osteoartrite; Cartilagem Articular; Tecido Adiposo.
1
Fisioterapeuta, Especialista Fisioterapia em Terapia Manual, Mestranda em Ciência da Saúde na UFMG.
Professor PUC Minas. Fisioterapeuta. Mestre pela UFSC.
Doutorando em Ciências da Saúde pela Faculdade de Medicina da UFMG.
3
Professor Titular de Pediatria da Faculdade de Medicina
da Universidade Federal de Minas Gerais. Pesquisador II C
do CNPq. Coordenador do Programa de Pós-Graduação em
Ciências da Saúde, área de concentração Saúde da Criança
e do Adolescente da Faculdade de Medicina da UFMG.
2
ABSTRACT
In the last decades, the obesity is assuming alarming epidemic proportions, carting in
enormous costs for the individuals’ health and for the economy of the society. Among the
countless organic implications that accompany the obesity, stands out the osteoarthritis,
which is considered a degenerative disease with high prevalence. The obesity is a risk
factor potentially soft for osteoarthritis. In that way, such a necessary relationship to be
well understood, so that effective measures of treatment and prevention are delineated. In
this article it is made an updated bibliographical revision of this subject.
Key words: Obesity; Osteoarthritis; Cartilage, Articular; Joint Cartilage; Adipose Tissue.
INTRODUÇÃO
De acordo com a OMS, a obesidade, doença crônica, complexa e multifatorial, alcançou proporções epidêmicas alarmantes em diversos países.1 Portanto,
considera-se uma questão de saúde pública ao acarretar custos enormes para a
saúde e para a economia, pelas diversas implicações orgânicas. A obesidade é
identificada como fator de risco para várias doenças músculo-esqueléticas, tais
como osteoartrite (AO), doenças da coluna (há associação com dor lombar e
principalmente com hérnia discal), hiperuricemia, gota e síndrome do túnel do
carpo.2 A AO é acompanhada de dor e incapacidade.3,4,5 Sabe-se ainda que apesar de a OA ser mais comum em idosos, também pode afetar os jovens.6
Segundo Leveille et al.7, nos últimos anos a obesidade tem contribuído mais
para casos de artrite do que nas décadas anteriores. Por ser uma doença incapacitante, a OA gera custos altos com tratamentos, além de uma maior necessidade
de suporte social e familiar, além de gastos com a Previdência Social8,9,10, supera-
Endereço para correspondência:
André Everton de Freitas
Programa de Pós-graduação em Ciências da Saúde
Avenida Alfredo Balena, 190/sala 507
Belo Horizonte - MG
CEP: 30130-100
Email: [email protected]
Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S167-S172
167
Obesidade e osteoartrite: atualiazação em implicações clínicas e metabólicas
da apenas pelas doenças cardiovasculares como
causa de incapacidade a longo prazo.8
Observa-se na literatura e mesmo na prática clínica um maior foco da obesidade nas condições
associadas à alta mortalidade, como doença arterial coronariana, acidente vascular cerebral, diabetes, enquanto a associação à OA, à dor lombar e a
outros problemas músculo-esqueléticos vem sendo menos descritos na literatura.11
Entretanto, é importante também considerar a
saúde músculo-esquelética do obeso. Dessa forma,
este artigo tem por objetivo abordar a obesidade e
suas implicações na saúde músculo-esquelética,
enfocando a OA e os mecanismos que a vinculam
à obesidade. Tal entendimento é fundamental, haja
vista que a obesidade possui o potencial de ser um
fator de risco importante para OA.
OSTEOARTRITE – ASPECTOS CLÍNICOS
A Osteoartrite é uma doença crônica, caracterizada por degeneração da cartilagem articular,
dor e rigidez à movimentação.10 Sabendo que um
dos principais fatores de risco para esta doença é
a obesidade, verifica-se que sua associação com a
OA de joelho pode gerar um padrão dor aumentado e dificuldades funcionais, especialmente na locomoção, que exigem movimentação e descarga
de peso sobre as articulações afetadas. Observase, portanto, que a intensidade de dor influencia
a capacidade funcional de indivíduos obesos com
OA de joelho. Ambas as variáveis são de grande
relevância clínica, uma vez que os principais alvos
do tratamento para as pessoas que sofrem com a
OA constituem a redução dos níveis de dor e a melhora na capacidade de realização das atividades
funcionais.
Pottie et al.12 descrevem que apesar de a OA ser
usualmente considerada uma desordem articular
caracterizada pela destruição da cartilagem. Atualmente é considerada uma doença que pode afetar
não apenas a cartilagem, mas toda a articulação
(ossos, músculos, ligamentos e sinóvia). Robbins8
relata ser uma simplificação excessiva considerar
que a osteoartrite seja tão somente uma doença do
uso e desgaste da cartilagem. Apesar de sua etiologia ainda não estabelecida, os fatores de risco
principais são bem conhecidos e incluem fatores
mecânicos, bioquímicos e genéticos. Dentre tais
168
Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S167-S172
fatores, a obesidade é sem dúvida um fator proeminente, merecendo pois adequada atenção.12
Ding et al.13 conduziram estudo transversal
no qual os defeitos na cartilagem do joelho e o
alargamento do osso tibial foram as principais
mudanças estruturais associadas ao aumento
do índice de massa corporal (IMC) particularmente em mulheres. Prevenir tais mudanças
deve, pois, prevenir o desenvolvimento de OA
nos joelhos dos indivíduos em estado de sobrepeso ou obesidade. O controle do peso torna-se
peça fundamental na condução de indivíduos
obesos com OA.
De acordo com Radominski2, a OA é a mais comum das doenças articulares e o joelho é o local
de envolvimento mais freqüente nos membros inferiores. Estudos populacionais têm mostrado de maneira consistente que pessoas obesas apresentam
risco aumentado para OA de joelho, em relação
às não obesas, haja vista que durante a deambulação normal a articulação do joelho sofre forças
de impacto de cerca de seis vezes o peso corporal.
Sendo assim, qualquer ganho percentual de peso
tem influência marcante nas forças transmitidas
ao joelho. Quanto à OA de quadril, uma revisão
sistemática realizada por Lievense et al.14 mostrou
que na literatura a evidência de que a obesidade
influencie o desenvolvimento de OA em tal articulação é moderada.
Vasconcelos et al.10 concluíram que a intensidade de dor relaciona-se moderadamente à capacidade funcional objetiva de indivíduos obesos
com OA de joelho. Sendo que, isoladamente, não é
capaz de explicar as alterações e prejuízos funcionais associados à OA de joelho.
MECANISMOS ETIOPATOGÊNICOS
A obesidade é um determinante de extrema
importância na OA de membros inferiores e pode
ser explicado pelo efeito da sobrecarga nas articulações desses segmentos. No entanto, observa-se
que existe também associação entre obesidade
e OA das mãos, o que pressupõe a existência de
outros mecanismos.11,15 Recentes estudos têm permitido entender melhor a relação existente entre
obesidade e AO.12 Apesar da evidência da contribuição de componentes mecânicos para a destruição articular em indivíduos com sobrepeso, a OA
Obesidade e osteoartrite: atualiazação em implicações clínicas e metabólicas
é considerada não apenas uma doença da cartilagem articular, mas também uma desordem sistêmica relacionados à alteração do metabolismo
de lipídeos e de glicose. Isto poderia explicar a diversidade de mudanças fisiopatológicas em osteoartrites generalizadas. No entanto, a contribuição
potencial de citocinas derivadas do tecido adiposo
para a OA não exclui o envolvimento de outros mecanismos, incluindo a ativação de mecanorreceptores e a disfunção vascular no osso subcondral.
Assim, teorias têm sido propostas para explicar a
associação entre obesidade e AO.15
De acordo com Radominski2, a teoria biomecânica sugere que a obesidade leva ao aumento da
pressão e da força sobre a articulação, resultando
em ativação dos mecanismos de degradação da
cartilagem articular, esclerose do osso subcondral
e formação de osteófitos, causando a OA. Dessa
forma, forças de impacto sobre os ossos e articulações são afetadas pelo peso corporal. Portanto, é
de se esperar que a obesidade desempenhe papel
de destaque na patogênese, manifestações clínicas e curso da OA.
Pottie et al.12 descrevem que o efeito da sobrecarga na cartilagem articular explica em parte o
aumentado risco de desenvolver OA, pelo menos
do joelho, em indivíduos em estado de sobrepeso.
Tal estudo relata que recente descoberta sobre a
biologia da cartilagem aponta para a presença de
mecanorreceptores na superfície dos condrócitos:
estes são sensíveis à pressão e ligam o ambiente
extracelular às cascatas sinalizadoras intracelulares, sendo estimulados pela compressão e pelo
alongamento, o que leva à ativação de vias sinalizadoras, fazendo com que haja expressão de citocinas, fatores de crescimento, metaloproteinases e
produção de mediadores como prostaglandinas e
óxido nítrico. A obesidade pode, portanto, induzir
a degradação articular através da ativação desses
mecanorreceptores.
TEORIA METABÓLICA PARA
OSTEOARTRITE E OBESIDADE
Apesar de ser usualmente aceito que a carga
mecânica contribua para a destruição da cartilagem articular em indivíduos com sobrepeso,
recentes avanços na fisiologia do tecido adiposo
adicionam outras questões no entendimento da
relação entre obesidade e OA. De fato, a associação positiva entre obesidade e OA é observada
não apenas na articulação do joelho, mas também
em articulações que não suportam peso, como as
mãos. Sabe-se ainda que se a perda de peso pode
prevenir a OA, a perda de gordura corporal está
mais estreitamente relacionada ao benefício sintomático do que a perda de peso corporal.12
A degradação articular pode ser causada por
fatores sistêmicos, como as adipocinas, que podem representar o elo metabólico entre obesidade
e OA.16 Tais autores descrevem que o tecido adiposo, tradicionalmente visto como um estoque passivo de energia, é um órgão endócrino dinâmico
que libera uma série de fatores, incluindo citocinas
como a interleucina 1 e o fator de necrose tumoral
alfa, bem como adipocitocinas como a leptina, a
adiponectina e a resistina. Na obesidade, os depósitos de gordura corporal estão aumentados. Sendo assim, proporcionalmente ao maior volume das
células adiposas há conseqüente elevação na expressão e secreção das adipocinas, que se relacionam à homeostase, ao metabolismo de lipídeos,
de glicose, a funções reprodutivas, à regulação da
pressão arterial, à sensibilidade à insulina, à formação óssea e à angiogênese.12 Dessa forma, estudos
fortalecem a hipótese de que a OA seja uma desordem sistêmica que contém em sua patofisiologia a
desregulação da homeostase.
Lohmander15 descreve que fatores metabólicos
relacionados com a obesidade atuam aumentando
o risco de OA, estando tal associação relacionada tanto à própria obesidade quanto às doenças
estreitamente ligadas a ela, tais como resistência
à insulina, diabetes tipo 2 e doenças cardiovasculares. Este autor relata que essas condições se
associam à resposta inflamatória crônica com produção anormal de citocinas e ativação de vias de
sinalização inflamatória que podem ser desencadeadas pelo próprio tecido adiposo. Outra possível
associação importante é a relação dos condrócitos
serem sensíveis à insulina e aos IGFs (insulin-like
growth factors): a resistência à insulina poderia então comprometer a função metabólica das células
cartilaginosas. Também a leptina, produzida primariamente pelos adipócitos viscerais, podendo
também ter um papel ao longo deste eixo metabólico, já que os condrócitos respondem à leptina através de seus receptores. Outras adipocinas,
como a adiponectina, podem também influenciar
Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S167-S172
169
Obesidade e osteoartrite: atualiazação em implicações clínicas e metabólicas
as células articulares direta ou indiretamente, através de vias ainda desconhecidas.15
O tecido adiposo articular é um componente
presente nas articulações humanas, mas suas funções locais são desconhecidas. Estudos recentes
têm revelado várias relações entre tecido adiposo,
adipocitocinas e artrite. Ehling et al.17 investigaram
a expressão da adiponectina e seu papel funcional
no tecido adiposo articular e na sinóvia de pacientes com artrite. Ao contrário do seu papel protetor
em doenças endocrinológicas e vasculares, a adiponectina está envolvida em vias de inflamação
e degradação da matriz na articulação humana.
Dessa forma, o tecido adiposo articular e as adipocinas não podem ser ignorados devido à relevância do papel que desempenham.
Leptina, adiponectina e resistina foram encontradas no líquido sinovial e no plasma de pacientes
com AO.18 A leptina e seus receptores funcionais
foram identificados também em condrócitos humanos, desempenhando papel na síntese do fator de
crescimento, no anabolismo e no catabolismo.12 A
sua expressão é fortemente regulada por vários tecidos articulares que sofrem mudanças estruturais
e bioquímicas durante a OA, tais como cartilagem,
osteófitos e osso subcondral. O nível de expressão
da leptina se relaciona ao nível de destruição da
cartilagem.19 Embora a leptina tenha um efeito benéfico na síntese da cartilagem, tanto diretamente
quanto através da regulação dos fatores de crescimento, seu excesso pode levar à diminuição da síntese de matriz extracelular, com lesões e destruição
da cartilagem. A leptina tem ação sinérgica com citocinas pró-inflamatórias, como a interleucina 1, aumentando a produção de óxido nítrico, interferindo
na função dos condrócitos e resultando na perda de
matriz cartilaginosa através da indução da apoptose, da ativação de metaloproteinases e da inibição
de proteoglicanos e da síntese de colágeno tipo II.19
A OSTEOARTRITE COMO
DOENÇA VASCULAR ATEROMATOSA
INDUZIDA PELA OBESIDADE
Estudos epidemiológicos sugerem que a OA esteja relacionada à doença vascular ateromatosa.20
A hipótese é de que tal relação seja causal. A OA,
ou pelo menos a sua progressão estrutural, poderia ser uma doença vascular ateromatosa do osso
170
Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S167-S172
subcondral, a qual pode acelerar a OA tanto por alterar a nutrição da cartilagem quanto pelos efeitos
diretos da isquemia no osso. Dessa forma, a obstrução vascular e a hipertensão intraóssea resultante
podem alterar as propriedades mecânicas do osso,
reduzindo sua habilidade em absorver choques, aumentando a susceptibilidade da cartilagem. Porém,
ainda são necessários mais estudos epidemiológicos, investigações de imagem de vasos sanguíneos
relevantes e estudos sobre os efeitos das estatinas
na prevenção e tratamento da OA.
PREVENÇÃO E TRATAMENTO DA OA:
REDUÇÃO DO PESO CORPORAL
As drogas anti-inflamatórias não-esteroidais são comumente usadas para alívio dos sintomas da OA, mas seus efeitos colaterais no trato gastrointestinal acabam por aumentar o impacto dessa
doença.6 Tratamentos que reduzam a atividade da
doença e mantenham a função são requeridos,
mais do que os que apenas atingem os sintomas.
De acordo com Radominski2, independente do mecanismo que interliga obesidade com OA, parece
razoável inferir que a redução do peso, através da
dieta ou qualquer outro tratamento, possa diminuir
o risco de desenvolvimento ou progressão da OA.
Apesar de a obesidade ser cada vez mais
comum e um fator de risco significativo para OA, há
a necessidade de estudos clínicos controlados que
explorem os efeitos da perda de peso na OA. No
entanto, nos últimos anos tem sido sugerida uma
relação entre perda de peso e benefício clínico na
OA de joelho.15 Estudo randomizado controlado
realizado por Messier et al.21 com amostra significativa de homens e mulheres em estado de sobrepeso / obesidade mostrou que a perda de peso
proporcionou melhora na função, na mobilidade e
na dor, sendo que o grupo submetido à associação
entre dieta e exercício teve resultados melhores
do que os do grupo controle e os dos grupos de
intervenção submetidos apenas à dieta e apenas
ao exercício. Os autores concluíram que a perda
de peso atingida apenas com dieta não resulta em
melhora significativa da mobilidade (importante
determinante da incapacidade), da função e da
dor, sugerindo que o exercício moderado deve estar associado, constituindo abordagem importante
ao indivíduo obeso com OA.
Obesidade e osteoartrite: atualiazação em implicações clínicas e metabólicas
Nicklas et al.22, em estudo randomizado e controlado, observaram que a perda de peso induzida
por dieta resultou em maior redução da inflamação
geral (proteína C-reativa, interleucina-6, receptor 1
do fator de necrose tumoral alfa) do que o tratamento sem perda de peso. Os autores ponderaram
que estudos adicionais se mostram necessários
para se acessar os efeitos de diferentes modos e
intensidades de exercício na inflamação. Christensen et al.23 estudaram o efeito da perda de peso rápida (8 semanas) induzida por dieta na função de
indivíduos obesos com OA de joelho verificando
que 10% de redução do peso corporal melhorou a
função em 28%.
De acordo com Woolf et al.11, há evidência de
que evitar a obesidade ou reduzir o peso diminui a
incidência, a progressão e o efeito da OA de joelho.
Sendo a combinação de um programa de redução
de peso com um programa de exercícios recomendada. Tal abordagem deve ser encorajada e facilitada como estratégia de saúde pública, enfocando aspectos preventivos na obesidade e AO, bem como,
na reabilitação de pessoas que já apresentam problemas articulares e limitada função física. Dessa
forma, é importante que os profissionais de saúde
tenham uma abordagem acerca da importância da
dieta, do peso corporal e do nível de atividade física para as diversas condições de saúde.
Felson3 relata ser recomendável que os indivíduos que se encontram cronicamente em estado de
sobrepeso diminuam substancialmente o risco de
desenvolverem OA nos joelhos ou mesmo os sintomas já estabelecidos através de modesta perda
de peso, como uma diminuição de 2 unidades no
IMC. Dessa forma, previne-se a dor, a incapacidade
e o uso de serviços de saúde dispendiosos. Nevitt5
ressalva que mais estudos são necessários utilizando medidas de avaliação da dor e disfunção em
membros inferiores para identificar os limiares do
tratamento para redução de peso em indivíduos
com OA em joelhos e quadris e definir a melhora
clínica significativa.
Quanto à forma de se avaliar e acompanhar
o estado de sobrepeso e obesidade dos indivíduos, Vasconcelos et al.10 descrevem ser importante
lembrar que o IMC representa apenas uma alteração no equilíbrio energético do indivíduo, não
permitindo análises de alterações metabólicas ou
composições de massa gorda ou magra. É possível
que estes fatores não englobados pelo IMC tenham
maior repercussão na capacidade funcional de
indivíduos obesos. No entanto, estudo realizado
por Abbate et al.24 concluiu que o índice de massa
corporal (IMC) e o peso corporal estão fortemente associados à osteoartrite de joelho radiográfica
em mulheres. Tais autores sugeriram que medidas
precisas de composição corporal e de distribuição
do tecido adiposo não oferecem vantagens em relação à simples medida do peso corporal e ao cálculo do IMC para se acessar o risco de osteoartrite
de joelho.
CONCLUSÃO
A fisiopatologia da OA ainda não é completamente compreendida, porém apresenta uma relação estreita com a obesidade. Os sintomas dessa
doença são debilitantes, causando não apenas
incapacidade física e dor, mas também afetam o
bem-estar psicossocial do indivíduo com impacto
socioeconômico substancial.
Com os crescentes níveis de obesidade no Brasil aumenta-se o risco de AO. Porém, a obesidade
é um dos poucos fatores de risco para OA que podem ser modificados. Manter um peso corporal
adequado em todas as idades deve ser recomendado. No entanto, a complexidade do tratamento,
controle e prevenção da obesidade é preocupante,
haja vista a necessidade iminente de adoção de
políticas públicas que podem ir contra interesses
de diferentes setores da sociedade.
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EDUCAÇÃO MÉDICA
Medicina do Adolescente: avaliação de
uma experiência de ensino interdisciplinar
Adolescent Medicine: evaluation of an interdisciplinary
teaching experiment
Clara Sousa Diniz1; Cristiane de Freitas Cunha 2; Roberto Assis Ferreira3
RESUMO
Introdução: A adolescência corresponde a um período marcado por intensa transformação. Assim, torna-se fundamental que o adolescente expresse suas dúvidas,
inseguranças e angústias. A Medicina do Adolescente (MA) como disciplina do curso
médico capacita o aluno a prestar um acompanhamento integral do paciente, desenvolvendo habilidades como a escuta e o acolhimento. Objetivos: Avaliar a disciplina
Medicina do Adolescente, seu caráter interdisciplinar e seu impacto na formação médica dos estudantes da graduação e pós-graduação, além de relatar uma experiência
diferenciada de ensino e aprendizado. Métodos: Foram distribuídos questionários a
duas turmas matriculadas na disciplina MA da Faculdade de Medicina da UFMG em
2006, além de especializandos na área da adolescência. As respostas foram analisadas e apresentadas na forma de um texto dissertativo. Resultados: Todos os alunos
consideraram a Medicina do Adolescente relevante em sua formação acadêmica.
Conclusões: A participação do aluno da graduação de medicina em um grupo interdisciplinar possibilita o desenvolvimento de habilidades essenciais para um atendimento integral do paciente.
1
Residente de Clínica Médica do Hospital Municipal Odilon Behrens
Professor adjunto do Departamento de Pediatria - FM/
UFMG. Pós Doutorado em Endocrinologia pela Universidade de Barcelona
3
Doutor e Professor adjunto do Departamento de Pediatria
– FM/UFMG
2
Palavras-chave: Adolescente; Comportamento do Adolescente; Medicina do Adolescente/
education; Educação Médica
ABSTRACT
Introduction: Adolescence corresponds to a period marked by important changes.
In this context of such important changes, it becomes essential that the adolescent
expresses his doubts, insecurities and anxieties. Adolescent Medicine (AM), as a subject of the medical course, enables the student to provide comprehensive care to the
patient, developing abilities such as listening and welcoming. Objectives: To evaluate
the subject AM, its interdisciplinary character and its impact on undergraduate and
graduate students’ medical education, and report a distinctive experiment on teaching and learning. Methods: Questionnaires were distributed to two classes enrolled
in the subject Adolescent Medicine, held by the School of Medicine at UFMG, in 2006,
and also to professionals specializing in the field of adolescence. The answers were
analyzed and presented as a dissertation. Results: All students considered Adolescent
Medicine relevant to their scholarly education. Conclusions: Considering the adolescent patient’s characteristics and the positive impact of well-directed care at this stage
of life, the participation of an undergraduate student in an interdisciplinary group
provides the development of essential skills to thorough patient care.
Key words: Adolescent; Adolescent Behavior; Adolescent Medicine/education; Education, Medical.
Faculdade de Medicina - Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG)
Endereço para correspondência:
Endereço: Rua Aguapeí, 188
B: Serra
Belo Horizonte - MG
CEP: 30240 - 240
E-mail: [email protected]
Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S173-S178
173
Medicina do Adolescente: avaliação de uma experiência de ensino interdisciplinar
INTRODUÇÃO
A adolescência é o período de vida que vai dos
10 aos 19 anos, caracterizado por um intenso crescimento e desenvolvimento e no qual o indivíduo
sofre inúmeras mudanças anatômicas, fisiológicas, psicológicas e sociais. Essas mudanças resultam na construção da identidade adulta e podem,
muitas vezes, ser motivo de ansiedade, depressão,
insegurança e medo por parte dos adolescentes.
Assim, para assegurar o sucesso em uma fase do
desenvolvimento tão importante, é necessário que
o adolescente se encontre em um ambiente de segurança social e emocional, em que se sinta tranqüilo para expor suas idéias, suas angústias e sua
posição frente ao novo período de vida que se inicia. Nesse contexto, o papel desempenhado pelo
médico que assiste o adolescente assume extrema
importância.
Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente, todo adolescente tem “direito à proteção à
vida e a saúde, mediante a efetivação de políticas
sociais públicas que permitam o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de
existência”. Em Minas Gerais, existem atualmente
4.015.530 indivíduos na faixa etária entre os 10 e os
19 anos, o que representa 20,36% da população. O
atendimento ao adolescente corresponde a 12,47%
do total de consultas realizadas pelo Sistema Único
de Saúde. Embora seja uma faixa etária de relativa
baixa morbidade e mortalidade, existem problemas característicos da adolescência que exigem
atenção especial dos profissionais que a ela de
dedicam. Por ser um período de transição entre a
infância e a vida adulta, ainda não está bem estabelecido quem deve se responsabilizar pelo atendimento ao adolescente. Pediatra, Clínico Geral ou
médico especializado? O ideal é que seja realizado
por um profissional que se interesse e invista nessa faixa etária, ou, melhor ainda, por uma equipe
multiprofissional, com um trabalho interdisciplinar, preparada para acolher o adolescente.
Apesar dos adolescentes corresponderem a
uma parcela importante no total de atendimentos
prestados, pediatras e clínicos gerais relatam dificuldades e pouco treinamento em assuntos relacionados ao cuidado com os adolescentes.1 Os itens
mais citados como pontos de dificuldade incluem a
abordagem psicossocial, o uso de drogas, o início
da atividade sexual, a depressão e o suicídio, os dis174
Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S173-S178
túrbios alimentares e o estadiamento puberal.2 Por
outro lado, estudos mostram que o número de adolescentes envolvidos em comportamentos de risco
diminui consideravelmente quando são comparados adolescentes que receberam atendimento e
aconselhamento de equipes de saúde com aqueles
que não receberam.3 Isso se torna particularmente
verdadeiro, quando o adolescente sente-se confortável para expor seus problemas ao profissional que
o atende. Quando questionados sobre habilidades
e capacitação na assistência aos jovens, pediatras
relatam grande aprimoramento após programas de
treinamentos específicos.4 Dessa forma, é extremamente importante que o currículo das escolas de
medicina e os programas de residência em pediatria e clínica médica incluam módulos referentes à
saúde do adolescente.
Com o objetivo de dar ao aluno da graduação
de medicina condições de prestar atenção à saúde do adolescente, em nível secundário, sem prejuízo da visão integrada da assistência, foi criada
pelo Departamento de Pediatria da Faculdade de
Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais
a disciplina optativa Medicina do Adolescente. A
disciplina é ministrada durante um semestre letivo
e consta de uma carga horária de 60 horas, sendo
15 horas de caráter teórico e 45 horas de caráter
prático. O aluno deve conhecer e saber abordar
os principais problemas de saúde dos adolescentes referidos ao serviço. Isso inclui a realização do
exame físico geral, com ênfase no sistema acometido e interpretação desse exame juntamente com
a história clínica e com os exames complementares, de modo a propor uma hipótese diagnóstica
e orientar uma terapêutica. É importante também
que o aluno compreenda e saiba atuar sobre as
repercussões orgânicas, psicológicas e sociais das
doenças crônicas e agudas e, ainda, desenvolva
uma visão crítica da realidade de saúde, identificando possíveis fatores determinantes de doenças
e propondo alternativas. O aluno é orientado a
privilegiar a escuta do adolescente enquanto sujeito psíquico, dentro de seu contexto psicossocial.
Através dessa escuta, o aluno tem maior oportunidade de reconhecer manifestações psicossomáticas ou equivalentes depressivos, de desenvolver
habilidades para o diagnóstico clínico de depressão na adolescência e reconhecer as principais
patologias psiquiátricas que eclodem durante essa
etapa da vida. Dessa forma, espera-se que o aluno
Medicina do Adolescente: avaliação de uma experiência de ensino interdisciplinar
tenha condição de prestar uma assistência integral
ao paciente, abordando-o em seus aspectos físicos, mentais e sociais.
Durante o semestre letivo, o aluno se insere em
uma equipe interdisciplinar. Essa equipe é formada
por pediatras, residentes em pediatria, especializandos em Saúde do Adolescente, psiquiatras, psicólogos, psicanalistas, nutricionistas e dentistas.
Tal equipe vai de encontro ao objetivo principal da
disciplina, uma vez que oferece uma assistência
global ao adolescente. O aluno é elemento ativo
da equipe, participando do atendimento ambulatorial supervisionado, discussão de casos clínicos
e apresentações de temas teóricos que abrangem
particularidades da consulta do adolescente, problemas ginecológicos, puberdade, crescimento
e desenvolvimento, principais patologias psiquiátricas na adolescência, nutrição, saúde bucal e
comportamentos de risco (drogas, depressão e
suicídio, gravidez, doenças sexualmente transmissíveis, violência).
Considerando as dificuldades encontradas
por diversos profissionais nas particularidades do
atendimento ao adolescente e o impacto positivo
do treinamento em saúde do adolescente, o artigo
busca relatar e avaliar as experiências vivenciadas
no grupo multidisciplinar da disciplina Medicina
do Adolescente.
questionário inicial constava de duas perguntas
que buscavam avaliar a expectativa dos alunos no
início do semestre (Quadro 1). Já o questionário
final era composto por seis perguntas que tinham
como objetivo avaliar a experiência dos alunos
após a conclusão da disciplina e o impacto da
mesma em sua formação (Quadro 2). Assim como
os alunos, os pediatras integrantes da equipe da
Medicina do Adolescente na posição de especializandos também foram submetidos a um questionário. Esse era composto por seis perguntas similares àquelas presentes no questionário final dos
alunos (Quadro 3).
Quadro 1 - Questionário inicial dirigido aos alunos
1. O que o motivou a se matricular na disciplina Medicina
do Adolescente?
2. Quais são suas expectativas em relação à disciplina?
Quadro 2 - Questionário final dirigido aos alunos
1. Qual é a sua opinião sobre a disciplina Medicina do
Adolescente?
2. Quais foram os pontos positivo e negativos da disciplina?
3. Quais foram as principais dificuldades encontradas?
4. Você acha que a Medicina do Adolescente é uma disciplina relevante no currículo médico? Por quê?
5. Você acha que a Medicina do Adolescente contribuiu
para sua formação? Em quê?
OBJETIVOS
O projeto de ensino/pesquisa teve como objetivo principal avaliar a disciplina Medicina do Adolescente, seu caráter interdisciplinar e seu impacto
na formação médica dos estudantes da graduação
e pós-graduação. Visou, ainda, relatar uma experiência diferenciada de ensino e aprendizado.
MATERIAIS E MÉTODOS
O projeto de pesquisa/ensino foi desenvolvido durante dois semestres letivos (fevereiro a
dezembro de 2006) da disciplina Medicina do
Adolescente, cadeira optativa do Departamento
de Pediatria da Faculdade de Medicina da UFMG.
Duas turmas de alunos matriculados na disciplina foram submetidas a dois questionários, um no
início do semestre e outro após sua conclusão. O
6. Sugestões.
Quadro 3 - Questionário dirigido aos especializandos
1. O que o levou a buscar uma especialização em Medicina do Adolescente?
2. Quais são suas principais dificuldades em relação ao
atendimento do adolescente?
3. A especialização em Medicina do Adolescente contribuiu para sua atuação como médico? Em quê?
4. Você acha que a Medicina do Adolescente é relevante
no currículo médico? Por quê?
5. Quais são os principais pontos positivos e negativos
da disciplina Medicina do Adolescente?
6. Sugestões.
A participação na pesquisa foi voluntária e autorizada mediante à assinatura de termo de consentimento livre e esclarecido. A identidade dos
participantes foi mantida em sigilo.
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175
Medicina do Adolescente: avaliação de uma experiência de ensino interdisciplinar
176
RESULTADOS
■
Os questionários foram distribuídos para dez
alunos que cursaram a disciplina Medicina do
Adolescente no primeiro semestre de 2006 e seis
alunos que a cursaram no segundo semestre.
Todos foram respondidos e retornados aos pesquisadores. Já entre os especializandos, foram
distribuídos sete questionários, dos quais apenas
cinco foram devolvidos. Não foram coletados
dados de identificação dos participantes, tendo
sido feita apenas a diferenciação entre alunos e
especializandos.
No questionário inicial, quando abordados sobre fatores de motivação no momento da matrícula na disciplina optativa, os alunos apontaram
como principais: características particulares da
disciplina (grupo interdisciplinar, maior autonomia para o aluno, importância da escuta) (4/16),
dificuldade em lidar com pacientes na faixa etária da adolescência e necessidade de ampliar
conhecimentos (3/16), interesse em saúde mental (3/16), indicação de um colega (3/16), gosto
pela pediatria e por adolescentes (3/16). Já as
principais expectativas relatadas pelos alunos no
início do semestre letivo foram: aprender a lidar
com as particularidades do paciente adolescente
(6/16), aprender a conduzir uma consulta voltada para a escuta (5/16), adquirir conhecimentos
teóricos sobre os principais agravos à saúde do
adolescente (3/16) e ter um contato maior com a
psicanálise (2/16).
No questionário final, respondido ao término
da disciplina, as principais opiniões, pontos positivos e negativos apontados pelos alunos a respeito
da Medicina do Adolescente foram:
■
A disciplina constitui uma das únicas oportunidades durante o curso médico para discutir
questões relacionadas à adolescência.
■
As aulas teóricas orientam condutas de difícil
abordagem na prática (uso de drogas, suicídio,
distúrbios alimentares).
■
A disciplina fornece noções gerais sobre a
abordagem psicológica dos pacientes e possibilita que o aluno conduza uma consulta voltada
para a escuta.
■
Por oferecer ao aluno maior autonomia, permite a criação de um vínculo forte com seu paciente, despertando um sentimento de responsabilidade médica.
■
Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S173-S178
■
■
■
O contato com outros profissionais da área de
saúde se mostrou muito enriquecedor.
A disciplina desperta o lado humano e sentimental do aluno.
O número de consultas marcadas por vezes excede a capacidade de atendimento da equipe,
prejudicando a qualidade do atendimento.
As discussões dos casos clínicos com a equipe
interdisciplinar são tumultuadas e pouco esclarecedoras (1/16).
A equipe valoriza excessivamente as questões
psicológicas dos adolescentes (1/16).
Todos os alunos relataram que a Medicina do
Adolescente contribuiu para sua formação acadêmica e julgaram-na relevante no currículo médico.
Os pediatras espacializandos, ao responder o
questionário, relataram que ao buscar uma especialização em Medicina do Adolescente tinham como objetivo ampliar sua formação e seu campo de atuação
dentro da pediatria e vencer o desafio oferecido pelas
particularidades do atendimento dos jovens. Afirmaram que muitos adolescentes procuram um profissional que não somente os atenda, mas os entenda e, por
isso, muitos médicos não se sentem confortáveis em
trabalhar com essa faixa etária. As principais dificuldades encontradas durante as consultas são: a abordagem dos problemas psicológicos e dos pacientes
usuários de drogas e o exame da genitália. Existe um
sentimento de frustração por não poderem oferecer
respostas imediatas aos problemas de seus pacientes. Apesar disso, o trabalho com os adolescentes
contribui de forma marcante para sua atuação como
médico, pois permite desenvolver a capacidade de
apurar a escuta e considerar o paciente em seu contexto familiar e social. Assim, consideram a disciplina
fundamental para a formação do médico generalista,
voltado para a visão global dos pacientes.
DISCUSSÃO
A adolescência é tradicionalmente vista como
um período da vida em que os indivíduos gozam
de boa saúde. Entretanto, nos últimos anos, vem
se registrando altas taxas de morbidade e mortalidade entre os adolescentes, relacionadas, principalmente com comportamentos de riscos (1). Por
ser a adolescência um período de transição, incertezas, busca de identidade e questionamentos, os
Medicina do Adolescente: avaliação de uma experiência de ensino interdisciplinar
jovens se encontram mais vulneráveis ao envolvimento com drogas, depressão, suicídio, violência,
doenças sexualmente transmissíveis e gravidez
indesejada. Dessa forma, esses se tornam os principais fatores de agravo à saúde do adolescente.
Estudos mostraram que o acompanhamento periódico dos adolescentes em serviços de saúde preparados para acolher essa faixa etária contribuiu de maneira significativa para a diminuição do envolvimento
dos jovens em comportamentos de risco (1). Essa
diminuição foi ainda mais marcante entre os jovens
que receberam atendimento privado, uma vez que
esse favoreceu a construção do um vínculo maior entre o adolescente e seu médico e, consequentemente,
melhor abordagem e aconselhamento.
Apesar de ser clara a importância da construção
de um sistema de saúde preparado para atender o
adolescente, não existe uma capacitação adequada dos profissionais para lidar com os problemas
específicos dessa faixa etária. Um estudo realizado
nos EUA comparou a habilidade de representantes
de diversas especialidades médicas envolvidas no
cuidado dos adolescentes (pediatras, clínicos gerais, ginecologistas, médicos da família e especialistas em medicina do adolescente). Membros de
todos os grupos (exceto especialistas em medicina do adolescente) relataram poucas habilidades
e baixa competência na abordagem de assuntos
relativos à saúde dos jovens. O mesmo estudo
mostrou ser grande o número de profissionais que
encaminhariam pacientes adolescentes a serviços
especializados ao invés de conduzir o caso.2 Entre
pediatras, existe um treinamento inadequado em
Medicina do Adolescente, principalmente no que
se refere ao exame da genitália e à abordagem de
questões relacionadas à atividade sexual.3
Embora seja grande o número de programas
de residência médica que incluem em seu currículo módulos relativos à Medicina do Adolescente,
existe uma grande variabilidade de eficiência no
treinamento e na aquisição de habilidades.4 A elaboração de um currículo mínimo em Medicina do
Adolescente torna-se, então, extremamente importante na padronização do ensino e na formação de
profissionais realmente capacitados.5 Programas
de treinamento mostraram sucesso na preparação
de médicos para o cuidado de adolescentes, tanto
com relação à abordagem de comportamentos de
risco, quanto à capacidade de escuta, aconselhamento e exame físico.6
Existem poucos dados referentes ao ensino da
Medicina do Adolescente durante o curso médico. Sabe-se, entretanto que uma disciplina eletiva
pode contribuir de maneira significativa para a segurança, competência e conforto dos estudantes
na abordagem de questões que futuramente poderiam se tornar pontos de fraqueza em sua atuação
como médico (exame da genitália, uso de drogas,
atividade sexual, prática de esportes, comportamento e relações interpessoais).7
Partindo-se dos dados apresentados, consideramos importante relatar a experiência vivenciada
pela equipe interdisciplinar da Medicina do Adolescente da Faculdade de Medicina da UFMG. Essa
equipe se estruturou com o objetivo maior de oferecer um atendimento completo ao adolescente e
preparar alunos do curso médico para abordá-los
considerando suas particularidades biológicas,
psicológicas e sociais. Muitos alunos, ao se matricularem nessa disciplina optativa, buscam aprender a conduzir uma consulta baseada na escuta e
a vencer os desafios de lidar com uma faixa etária
tão peculiar. Os alunos da Medicina do Adolescente apresentam grande autonomia durante as consultas. Após a escuta, são estimulados a elaborar a
condução do caso, opinam sobre a conduta propedêutica e terapêutica e decidem sobre a freqüência do acompanhamento, sempre sob supervisão
do grupo. Isso desperta no aluno o sentimento de
responsabilidade e cuidado com o seu paciente.
Ao mesmo tempo, oferece ao adolescente a oportunidade de ser ouvido e acolhido, o que assumirá
grande impacto positivo na forma como irá vivenciar essa etapa de vida tão importante.
A equipe procura-se mostrar ao aluno que o
paciente adolescente apresenta características diferentes dos pacientes das demais faixas etárias
que não devem ser negligenciadas. Apesar disso,
o médico generalista é capaz de acompanhar os
pacientes adolescentes. Para isso basta se propor
a escutar, acolher e acompanhar.
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RELATO DE CASO
O tratamento psicanalítico associado ao
tratamento clínico em uma criança com
dermatite atópica: o caso R
Psychoanalytical treatment associated with clinical
treatment for child atopic dermatitis: case R. study
Silvia G. Myssior1; Maria Jussara Fernandes Fontes2; Roberto Assis Ferreira3; Maria Cândida Marques 4
RESUMO
Objetivo: Este trabalho relata um caso de dermatite atópica resistente ao tratamento
médico e que apresentou boa evolução, após instituído o tratamento psicanalítico. Descrição: O paciente, uma criança do sexo masculino de sete anos de idade, estava em
tratamento médico usual há três anos sem apresentar melhora; ao contrário, identificava-se agravamento dos sintomas, o prurido era constante, acompanhado de inflamação
cutânea e lesões de eczema. Ao se constatar a possibilidade de problemas emocionais
admitiu-se a presença de fenômeno psicossomático, e houve a indicação do tratamento
psicanalítico. Após a introdução desse tratamento houve mudanças no curso clínico
com atenuação progressiva dos sintomas Conclusão: Houve boa resposta clínica após
instituição da terapêutica psicanalítica, fruto da interseção pediatria-Psicanálise. Esse
fato estimula a indicação do tratamento psicanalítico nos casos de dermatite atópica
rebeldes ao tratamento médico usual, sobretudo na presença de fenômenos emocionais envolvidos.
1
Psicanalista, Mestre em Saúde da Criança e do Adolescente pela Faculdade de Medicina da UFMG
Profa. Adjunta da Faculdade de Medicina da UFMG.
Doutora em Medicina - Área de Concentração Pediatria
3
Prof. Associado do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da UFMG. Doutor em Medicina - Área de
Concentração Pediatria
4
Médica, Mestre em Pediatria pela UFMG. Doutoranda
em Saúde da Criança e do Adolescente, UFMG, SMS-PBH.
Especialista em Alergia e Imunopatologia.
2
Palavras-chave: Dermatite Atópica; Psiquiatria Infantil; Criança; Psicanálise; Pediatria.
ABSTRACT
This work reports an atopic dermatitis resistant to medical treatment that presented a positive evolution after psychoanalytic treatment. Description: atopic dermatitis in male child
of seven. The patient was being medically treated after three years without improvements,
on the contrary, symptoms were becoming more severe, itching constant, as well as
inflammation and eczema. After admitting the possibility of emotional cause and psychosomatic phenomena a psychoanalytic treatment was started. After treatment begun,
symptoms were attenuated. Conclusion: there was good clinical response after psychoanalytical treatment begun, generating a pediatrics-psychoanalysis positive intersection.
This facts stimulates psychoanalytical treatment for atopic dermatitis that do not respond
to regular clinical treatment, especially were emotional elements are detected.
Key words: Dermatitis, Atopic; Child Psychiatriy; Child; Psychoanalysis; Pediatrics.
INTRODUÇÃO
A dermatite atópica (DA) é a doença crônica da pele mais comum na infância. Afeta 10 a 20% das crianças em todo o mundo e ocorre, com freqüência,
em famílias com asma, rinite alérgica e alergia alimentar. Trata-se de doença de
fisiopatologia complexa, que inclui o comprometimento da barreira cutânea e
alterações imunológicas caracterizadas por uma fase inflamatória inicial onde
Endereço para correspondência:
Silvia G. Myssior
Rua Santa Maria de Itabira, 339/900
B: Sion
Belo Horizonte - MG
CEP 30310-600
E-mail: [email protected]
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O tratamento psicanalítico associado ao tratamento clínico em uma criança com dermatite atópica: o caso R
há predomínio de citocinas TH2 e uma fase posterior crônica com predominância TH1. Sua etiopatogenia contudo, não está totalmente esclarecida
e tem sido demonstrada complexa inter-relação
envolvendo fatores genéticos, imunitários, infecciosos, ambientais, alimentares e psicossomáticos,
associados a próprias alterações da pele. Tendo
em vista esse marco conceitual da DA como fenômeno psicossomático esta investigação surge da
experiência clínica da Psicanálise, onde se pode
constatar claramente a incidência do psiquismo
no corpo da criança, desde os primórdios de sua
constituição. A criança para se fazer ouvir revela simultaneamente grande parte de seus impasses de
suas formas, psíquica e somática. E o pediatra é o
primeiro a receber a criança que apresenta algum
transtorno, distúrbio funcional ou doença.
A interseção da Psicanálise com a Pediatria
Como colocado anteriormente, o pediatra é o
profissional que é buscado inicialmente pela família, visando o diagnóstico e a terapêutica das ocorrências da infância. Entretanto, quando aparecem
manifestações psicossomáticas, atinge-se um terreno que desafia o saber médico, pois tanto a compreensão da doença quanto a resposta do paciente
não se enquadram nos padrões médicos habituais.
Daí a importância da aproximação dos dois campos: o médico e o psicanalítico, que este trabalho
propõe como interseção dos dois saberes.
O momento atual do desenvolvimento científico tem verificado que a experiência emocional é
capaz de influenciar e mudar o funcionamento e
até a anatomia cerebral.1 O conceito de plasticidade cerebral com sua variabilidade infinita, leva a
articular o biológico com o sujeito da linguagem, e
parece estar além do que as neurociências conseguem demonstrar, pois não se trata mais de como
o cérebro determina, já que é a dimensão psíquica
que dá humanidade, diferenciando o ser humano
dos organismos animais.1 A abordagem psicanalítica das manifestações psicossomáticas é distinta
da abordagem médica, e também da psicologia
médica, diferença determinante na condução do
tratamento, pois o que a Psicanálise propõe não
é a simples modificação do comportamento, nem
somente a supressão do sintoma, mas a mudança
de posição frente às questões que propiciam o
adoecimento.
O termo “epistemo-somática” foi forjado por J.
Lacan em 1975 para chamar a atenção sobre a de180
Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S179-S184
terminação psíquica do que se manifesta no corpo,
como moléstia, e onde a dimensão do biológico
revela em seu saber, uma insuficiência.2 A moléstia
psicossomática obriga a ir além do reducionismo
de nomear como “psicossomático” tudo aquilo do
que não se sabe a causa orgânica. Aponta para
a busca de um ponto de junção possível entre a
Psicanálise e a Ciência. Um ponto nodal entre a
dimensão de organismo e a dimensão de sujeito,
aquele ponto onde o corpo se torna o lugar onde o
desejo inconsciente se manifesta. Para a ciência, o
corpo é considerado nos registros do somático, do
anatômico e do biológico, sendo que, para Freud,
o corpo está como corpo psíquico, no campo das
representações simbólicas, portanto, no campo da
linguagem. A linguagem apresenta-se como um
sistema de pura diferença, em que cada palavra é
definida por ser o que as outras não são. Temos aí
um sistema funcionando em cadeia, ou seja, com
um termo sempre em relação ao outro. Por conta
disso, as palavras não representam conceitos, sua
significação não é dada por si só, e o modo como
a criança vai tomá-la em sua subjetividade, vai depender tanto de seu lugar no encadeamento da frase quanto da particularidade de cada sujeito.
O psicanalista trabalha com o material inconsciente, aquele da subjetividade do paciente, cujo
corpo está afetado pela linguagem porque compõe sua realidade psíquica. Isto significa que ele
foi constituído através da linguagem e junto com
ela. É a construção de uma representação de corpo que permite que este passe de organismo, a
corpo humanizado. A articulação entre o corpo
biológico e sua representação, para cada um de
nós é estabelecida num tempo primário da vida,
desde as relações do bebê com o meio, nas intrincadas relações daqueles que cuidam dele e
desempenham as funções materna e paterna.
Essa noção de corpo marcado pela linguagem é
a referência que pode nos guiar quando nos perguntamos como se expressa esse corpo que é a
sede dos sintomas físicos. Mas, diferentemente dos
sintomas histéricos, hipocondríacos, obsessivos e
fóbicos, os chamados fenômenos psicossomáticos
(FPS) seriam aqueles que expressam uma desordem orgânica que, justamente se opõem aos distúrbios conversivos, comuns na histeria. Pois se o
histérico fala por meio de seu corpo, o paciente
psicossomático sofre no seu corpo. Desordem
psicossomática aparece, em princípio, vazia de
O tratamento psicanalítico associado ao tratamento clínico em uma criança com dermatite atópica: o caso R
significação simbólica e requer um trabalho de
decifração, que vai do real do corpo ao simbólico
da representação. Assim, quando a psique atua no
corpo de forma decisiva, o analista é convocado
para resgatar aí, o sujeito.
Na literatura psicossomática é possível constatar, com surpresa, que numa perspectiva freudiana,
o tratamento tem sido até hoje pouco explorado.
Embora exista há um século, a Psicanálise ainda
suscita profunda incompreensão no meio médico,
que a confunde frequentemente com o trabalho
do psiquiatra e do psicólogo. Tal posicionamento
conduz a perguntar qual o lugar que a Psicanálise
poderia ocupar num sistema de saúde, quando se
pretende uma interseção da Psicanálise com a Pediatria e suas especialidades, mas ao mesmo tempo, paradoxalmente, os pediatras parecem estar
cada vez mais sensíveis às questões do inconsciente que a criança manifesta em seu corpo.
DESCRIÇÃO E COMENTÁRIOS
Renato, sete anos de idade, foi encaminhado
pelo pediatra e o alergista-imunologista, porque
não estava respondendo satisfatoriamente à terapêutica médica. As melhoras eram mínimas com
os vários tratamentos e pomadas dermatológicas.
Apresentava alergia cutânea (urticárias), rinite e
sinusite de repetição, sendo o quadro prevalente, a dermatite atópica. Algumas áreas do corpo
apresentavam-se bastante lesionadas, sobretudo o
antebraço, em torno dos joelhos, nas orelhas, em
volta dos olhos, lesões intensificadas pelo efeito
das coceiras incontroláveis. O cotovelo apresentava descamações e forte vermelhidão. Foi sua avó
quem procurou o pediatra, preocupada com a falência do tratamento instituído pelo alergista-imunologista e com o desconforto e a tristeza do neto.
O pediatra após ouvi-lo, o alergista-imunologista o
encaminhou ao analista.
Os atendimentos à criança iniciaram-se, e durante o percurso da análise foram incluídas algumas entrevistas com os pais (mãe e padrasto)
e a avó. O tratamento analítico teve a duração
de doze meses, com a freqüência de uma sessão
por semana. Apesar de pertencer a uma família
de situação econômica precária, o paciente foi
trazido ao consultório do analista na freqüência
proposta.
A primeira entrevista foi feita com a mãe e o
paciente. De partida, ficou evidente a impaciência
que a mãe manifestou em relação ao “mau-comportamento” de R. Na escola, o menino vinha se
portando de forma agressiva, o que o deixava sob
constante ameaça de expulsão. Interrogado pela
analista sobre o que pensava sobre as coisas que a
mãe estava dizendo, responde estar muito incomodado com as coceiras, e que seus colegas tinham
medo dele, tinham nojo e o chamavam de “cascudo”, recusando sua companhia.
Bem-desenvolvido fisicamente, o menino se
mostrava agitado, articulando mal as palavras e
desconfortável diante do que a mãe falava sobre
ele. Seu pai, de quem era próximo, separou-se da
mãe quando ele tinha três anos e, desde então ele
vinha perguntando insistentemente à mãe por que
o pai os abandonara. Segundo relata a mãe, o pai
de R. era um trabalhador da construção e havia mudado de estado em busca de trabalho. Porém, não
mais voltou a procurar a família e dele não se tem
notícias. No transcurso da análise ficou claro que
diante da ausência de qualquer resposta da mãe a
essa indagação, se culpava por ter sido abandonado pelo pai, e dizia com freqüência: “Eu sou uma
praga mesmo”. Por outro lado, aproximou-se da
avó, que o escutava e o ajudava quando as coisas
andavam mal. Dessa avó partiu o empenho para
que se iniciassem os atendimentos psicanalíticos:
achava que “os pais estavam sendo muito rudes
com o menino, gritando muito com ele e às vezes
batendo”, sem conseguirem, contudo, contê-lo.
A mãe de R. se casara recentemente, e ele “ganhou”, segundo relatou, um padrasto a quem estimava e passou a chamar de pai. Nasceu um irmão,
atualmente com 8 meses, com quem dizia gostar
de brincar, mesmo que de início tenha ficado enciumado. Dizia-se incomodado pelo fato do irmão
“ter o mesmo sangue do padrasto; acho que é raiva
de que ele tenha um pai de verdade”. Provocava o
assunto, mas demonstrava mágoa quando se tocava no pai biológico. Nos relatos da mãe, o que chamava a atenção é que R. demorou muito a falar,
ele o fez por volta dos três anos, pouco antes do
pai deixar a família. Dos 3 aos 6 anos ficou só com
a mãe, com quem esteve muito ligado, até que ela
se casasse novamente. Desde então a avó materna
veio compor essa nova família.
No início da análise ainda ocorreram duas crises bem fortes de coceiras e descamações e, ao
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O tratamento psicanalítico associado ao tratamento clínico em uma criança com dermatite atópica: o caso R
mostrar o braço à analista, disse: “Olha meu braço,
está em carne viva, até tirando sangue”.
Freud (1933) mostrou a importância da superfície do corpo, das sensações, das experiências e
das trocas táteis para constituição do psiquismo e
a construção do eu. As doenças cutâneas fazem
apelo ao olhar e podem provocar mais do que
outras doenças somáticas, uma profunda ferida
narcísica.3
A analista tentava encontrar a mãe com certa
freqüência, pois ela já havia manifestado sua ambivalência quanto ao filho. Nesse período constatava-se visível rejeição, a mãe perdia a paciência
com freqüência e batia na criança. E, na maior parte das vezes que era solicitada enviava a avó em
seu lugar, alegando cuidados com o bebê.
Na análise, a criança brinca, desenha e cria
histórias: “Um cara que foi procurar alguma coisa
lá nos Estados Unidos, não sabia direito o que era,
mas onde ele tava, não dava. Pegou o caminhão
dele de construtor e foi, mas teve que parar porque não sabia o caminho, nem pra que lado era.
Alguém apontou o caminho e ele foi, mas teve que
voltar, porque o homem não estava mais ali. Ele
não sabia, então queriam tirar a pele dele como nos
bichos, arrancar para fazer roupa. O homem não
queria deixar, e disse: ‘Não pode tirar o couro, tem
que parar... curar’. Um homem aparece na luta e o
que morreu, ressuscitou. O carinha ganhou a luta e
ganhou um pai. Aí um não podia mais tirar a pele
do outro... terminou legal”.
R. coloca em palavras o que o aflige, e o analista o faz escutar o que diz. A raiva cede lugar à
angústia. O sujeito revela o quanto de angústia lhe
causava a relação com sua mãe, quando esta lhe
batia; na maior parte das vezes, por estar irritada
com ele, ameaçava “tirar a pele”, “dar um couro,
até tirar sangue”. É bom lembrar que a angústia,
em análise, é bom sinal, desde que dosada. Aos
poucos, Renato vai deixando de tentar ser um prolongamento de sua mãe, delimitando as questões
que são suas e as que são dela. Vai, gradativamente
parando de repetir com os colegas os comportamentos agressivos: os mesmos aos que era antes,
em casa, submetido. Enfim, começa a se separar
das questões que “tomava” de sua mãe, não mais
se confunde com ela, e isso fica evidente quando
me diz: “Pensei uma coisa... talvez, não fui eu...
meu pai foi embora porque quis... dar couro, tirar
o couro..?”.
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Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S179-S184
Suas crises de dermatite e de rinite foram se
espaçando; o “couro” da pele se recuperava. A
medicação dermatológica passou a apresentar
efeitos rápidos, surpreendendo o médico em suas
respostas, e no momento da conclusão da análise
R. apresentava a pele lisa e rosada, sem lesões. É
preciso dizer que seu comportamento passou por
muitas modificações, tanto na escola quanto socialmente, sua linguagem se organizou de forma
mais clara e articulada do que antes. Mas, principalmente, R. se reconheceu mais corajoso para
prosseguir seu caminho.
O que esta criança construiu em análise? De
início, muito sozinho e desamparado, encontravase “perdido, sem saber que caminho tomar”. Sem
conseguir aceder ao simbólico da separação com
o Outro, a função paterna era chamada o tempo
todo: brigava na escola, provocava reações dos
que encarnavam a autoridade, parecendo buscar
o exercício da função do pai, que promove o recalque. Pois o recalque, enquanto não se realiza em
certos pontos, poderia ser a causa de uma ancoragem no imaginário, ou seja, no corpo da criança.
O suporte paterno, identificação ao pai (e é claro,
ao padrasto, figura paterna substituta) possibilitou
a passagem necessária à sua escolha pela identificação com o masculino e com as interdições ao
corpo materno, que já se encontravam na estrutura, mas precisando ser confirmadas.
Quando as operações de constituição do sujeito carecem de suporte simbólico, lesões podem
aparecer no real do corpo.4 A função paterna parecia funcionar em seus relatos como aquele pai
imaginário cruel (que o abandonou), a ponto de
“tirar a pele”. É a esse pai cruel e tirânico (encarnado, muitas vezes pela mãe e mesmo pelo padrasto)
ao qual ele se submete, faz com ele se nomeie: “eu
sou uma praga”. Mais tarde, “a praga” vai ser deslocada, no dizer do paciente, para: “a praga dessa
doença”. Se de início a praga era ele próprio, o trabalho em análise o leva a percebê-la como um corpo estranho. Praga que lhe serviu, de algum modo,
de suporte, mas da qual agora anseia se ver livre.
Há casos em que o sujeito não consegue separar-se do impositivo da palavra materna. Faltando
o intervalo entre o que é dele e de sua mãe, não
pode apropriar-se de seu corpo, confundindo-o
com o corpo materno. Faltando o intervalo entre o
que é de um e de outro, ocorre no corpo da criança uma relação perturbadora.5
O tratamento psicanalítico associado ao tratamento clínico em uma criança com dermatite atópica: o caso R
A análise veio possibilitar que aquilo que estava fixado, paralisado, retido no corpo, se inscrevesse simbolicamente, fazendo com que os
efeitos do simbólico se tornassem presentes em
sua vida. O que provocou tais mudanças? Nada
além do trabalho analítico. Através da escuta das
palavras da criança — enfim, do sujeito, — pelos
relatos de seus sonhos e fantasias, do seu brincar, do devanear, de seus desenhos e recortes, o
analista pôde escutar as emergências do desejo
inconsciente, para retornar ao sujeito as questões
com as quais ele tanto se debatia sem poder expressá-las claramente. Tornando-se assim, possível elaborá-las.
No tratamento psicanalítico com as crianças,
é também fundamental o acompanhamento dos
pais, pois a confiança estabelecida entre os pais
e o analista é o que assegura a possibilidade do
trabalho com a criança.6 Não se trata de aconselhá-los, mas de ouvi-los em suas dificuldades de
exercer suas funções materna e paterna, em suas
dúvidas e angústias, para que recebam uma ou outra intervenção quando necessário. Isso faz com
que eles, os pais, também retifiquem sua posição.
gico.7 Do ponto de vista da Psicanálise é considerada como uma manifestação de efeitos de fronteira
que rege as relações do corpo com o exterior. Trata-se de uma patologia dos efeitos da linguagem na
fisiologia e nas relações do corpo com a inserção
da lei paterna. A resposta ao tratamento analítico:
vai do abrandamento à remissão do quadro sintomático, além de uma mudança psíquica tal, que a
criança já não mais precisa encontrar expressão
no real de seu corpo, com o adoecimento.
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CONCLUSÃO
Considera-se a dermatite atópica uma doença
psicossomática que causa lesões agressivas no corpo. A apreensão de sua origem, embora complexa,
aponta para as formulações mais atuais do fenômeno psicossomático, uma disfunção do corpo
biológico devido a processos vividos pela criança
na passagem de organismo a corpo erógeno, e não
simplesmente como tendo um determinante bioló-
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183
Normas de Publicação
1. Revista Médica de Minas Gerais (RMMG) destina se à publicação de artigos originais, revisões, atualizações, resumo de teses,
relatos de casos ou notas técnicas inéditas de qualquer especialidade médica.
2. A revista tem periodicidade trimestral (março, junho, setembro e
dezembro) com a seguinte estrutura: Editorial, Artigos Originais, Educação
Continuada (atualização/revisão), Atualização Terapêutica, Relato de
Caso, Educação Médica, História da Medicina, Cartas aos Editores,
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2.1. Para efeito de categorização dos artigos, considera-se:
a) Artigo Original: trabalhos que desenvolvam crítica e criação sobre
a ciência, tecnologia e arte da medicina, biologia e matérias afins
que contribuam para a evolução do conhecimento humano sobre o
homem e a natureza.
b) Educação Continuada: trabalhos que apresentam síntese atualizada do conhecimento disponível sobre medicina, biologia e matérias
afins, buscando esclarecer, organizar, normatizar, simplificar abordagem dos vários problemas que afetam o conhecimento humano sobre
o homem e a natureza.
c) Atualização Terapêutica: trabalhos que apresentam síntese atualizada do conhecimento disponível sobre a terapêutica em medicina,
biologia e matérias afins, buscando esclarecer, organizar, normatizar,
simplificar a abordagem sobre os vários processos utilizados na
recuperação do ser humano de situações que alteram suas relações
saúde doença.
d) Relato de Caso: trabalhos que apresentam a experiência médica,
biológica ou de matérias afins em função da discussão do raciocínio,
lógica, ética, abordagem, tática, estratégia, modo, alerta de problemas usuais ou não, que ressaltam sua importância na atuação prática
e mostrem caminhos, conduta e comportamento para sua solução.
e) Educação Médica: trabalhos que apresentam avaliação, análise,
estudo, relato, inferência sobre a experiência didático-pedagógica e
filosófica, sobre os processos de educação em medicina, biologia e
matérias afins.
f) História da Medicina: trabalhos que revelam o estudo crítico,
filosófico, jornalístico, descritivo, comparativo ou não sobre o desenvolvimento, ao longo do tempo, dos fatos que contribuíram para a
história humana relacionada à medicina, biologia e matérias afins.
g) Cartas aos Editores: correspondências de leitores comentando,
discutindo ou criticando artigos publicados na revista. Recomenda-se
o tamanho máximo de 1000 palavras, incluindo referências bibliográficas. Sempre que possível, uma resposta dos autores ou editores
será publicada junto com a carta.
3. Os trabalhos para publicação devem ter até 16 páginas de texto,
incluindo ilustrações e referências, exceto os artigos da seção “Relato
de Caso” que devem ter até 8 páginas. A RMMG reserva-se o direito
de recusar artigos acima desses limites.
4. Os trabalhos recebidos serão analisados pelo Corpo Científico
da RMMG ( Editor Geral, Editores Associados, Conselho Editorial e
Consultores Ad Hoc). Um trabalho submetido é primeiramente protocolado e analisado quanto a sua apresentação e normas, estando estas
em conformidade, o trabalho é repassado aos Editores Associados que
indicarão dois revisores da especialidade correspondente. Os revisores são sempre de instituições diferentes da instituição de origem do
artigo e são cegos quanto à identidade dos autores e local de origem
do trabalho. Após receber ambos os pareceres, os Editores Associados
os avalia e decide pela aceitação do artigo, pela recusa ou pela devolução aos autores com as sugestões de modificações. Um manuscrito
pode retornar várias vezes aos autores para esclarecimentos mas cada
versão é sempre analisada pelo Editores Associados e/ou Editor Geral,
que detém o poder da decisão final, podendo a qualquer momento ter
sua aceitação ou recusa determinada.
5. Os trabalhos devem ser digitados utilizando a seguinte configuração: margens: esquerda e superior de 3 cm e direita e inferior de 2 cm;
tamanho de papel formato A4 (21 cm x 29,7 cm); espaço entrelinhas
de 1,5 cm, fonte Arial ou Times New Roman, tamanho 12. A primeira página deve conter: título do trabalho, título em inglês, nome(s)
completo(s) do(s) autor(es), sua(s) titulação(ões) e afiliação(ões), indicação da instituição onde o trabalho foi desenvolvido, indicação do
autor correspondente com endereço completo, fax, e-mail, telefone
e a indicação da categoria do artigo, conforme item 2.1. A segunda
página deve conter o título do trabalho em português e inglês, o resumo, as palavras-chave, o summary e as key words. A partir da terceira
página apresenta-se o conteúdo do trabalho.
6. Para os trabalhos resultados de pesquisas envolvendo seres humanos, deverá ser encaminhado uma cópia do parecer de aprovação
emitido pelo Comitê de Ética reconhecido pela Comissão Nacional
de Ética em Pesquisa (CONEP), segundo as normas da Resolução do
Conselho Nacional de Saúde – CNS/196/96, e para os manuscritos
que envolveram apoio financeiro, este deve estar explicito claramente no texto e declarados na carta de submissão a ausência de qualquer interesse pessoal, comercial, acadêmico, político ou financeiro
na publicação do mesmo.
7. Os trabalhos devem ser enviados para o endereço eletrônico
(e-mail: [email protected]), anexando o original
e suas respectivas ilustrações, anexos e apêndices; Parecer do
Comitê de Ética, quando houver; e a correspondência de submissão
do manuscrito, dirigida ao Editor Geral, indicando a sua originalidade, a não submissão a outras revistas, as responsabilidades
de autoria, a transferência dos direitos autorais para a revista em
caso de aceitação e declaração de que não foi omitido qualquer
ligação ou acordo de financiamento entre o(s) autor(es) e companhias que possam ter interesse na publicação do artigo.
8. Para efeito de normalização, serão adotados os “Requerimentos do
Comitê Internacional de Editores de Revistas Médicas” (International
Committee of Medical Journal Editors – ICMJE) (Estilo Vancouver)
disponível em:<http://www.icmje.org/>.
9. Todo trabalho deverá ter a seguinte estrutura e ordem:
a) Primeira página: título; título em inglês; nome(s) completo do(s)
autor(es), acompanhado(s) de seu(s) respectivos(s) título(s) e
afiliação(coes); citação da instituição onde o trabalho foi realizado;
endereço para correspondência; indicação da categoria do artigo.
b) Segunda página: Título; título em inglês; resumo (em formato semiestruturado para os artigos originais)* do trabalho em português, sem
exceder o limite de 250 palavras; Palavras-chave (três a dez), de acordo com o DECS Descritores em Ciências da Saúde da BIREME (http://
decs.bvs.br/); Summary (resumo em língua inglesa), consistindo na
correta versão do resumo para aquela língua; Key words (palavraschave em língua inglesa) de acordo com a lista Medical Subject
Headings (MeSH) do PUBMED) da National Library of Medicine
(http://www.ncbi.nlm.nih.gov/sites/entrez?db=mesh);
c) Terceira página: TEXTO: Introdução, Material ou Casuística
e Método ou Descrição do Caso, Resultados, Discussão e/ou
Comentários (quando couber) e Conclusões;
d) Agradecimentos (opcional);
e) Referências como especificado no item 11 dessas normas;
*Nota: O resumo no formato semi-estruturado deverá ser adotado
para os artigos da categoria “artigos originais”, compreendendo,
obrigatoriamente, as seguintes partes, cada uma das quais devidamente indicada pelo subtítulo respectivo: Objetivos; Métodos;
Resultados; Conclusões.
10. As ilustrações devem ser colocadas imediatamente após a
referência a elas. Dentro de cada categoria deverão ser numeradas
seqüencialmente durante o texto. Exemplo: (Tabela 1, Figura 1).
Cada ilustração deve ter um título e a fonte de onde foi extraída.
Cabeçalhos e legendas devem ser suficientemente claros e compreensíveis sem necessidade de consulta ao texto. As referências
às ilustrações no texto deverão ser mencionadas entre parênteses,
indicando a categoria e o número da tabela ou figura. Ex: (Tab. 1,
Fig.1). As fotografias deverão ser enviadas em aquivos anexos, e não
devem ser incorporadas no editor de texto; podem ser em cores e
deverão estar no formato JPG, em alta resolução (300 dpi) e medir, no
mínimo, 10cm de largura (para uma coluna) e 20cm de largura (para
duas colunas). Devem ser nomeadas, possuir legendas e indicação de
sua localização no texto.
11. As referências são numeradas consecutivamente, na ordem em
que são mencionadas pela primeira vez no texto. Devem ser apresentadas de acordo com as normas do Comitê Internacional de Editores
De Revistas Médicas, disponível em:< http://www.nlm.nih.gov/bsd/
uniform_requirements.html> Os títulos das revistas são abreviados
de acordo com o “Journals Database” do PUBMED, disponível em:
<http://www.ncbi.nlm.nih.gov/sites/entrez?db=journals>. As referências no texto devem ser citadas mediante número arábico sobrescrito,
após a pontuação, quando for o caso, correspondendo às referências
no final do artigo. Nas referências, citar como abaixo:
11.1.ARTIGOS DE PERIÓDICOS
a) Artigo padrão de revista científica
Incluir o nome de todos os autores (último sobrenome, em caixa
baixa, seguido da primeira letra dos demais nomes e sobrenomes,
quando são até seis. Mais de seis autores indicar os seis primeiros
seguidos de et al.
You CH, Lee HY, Chey RY, Menguy R. Electrogastrografic
study of patients with unexplained nausea, bloating and vomiting.
Gastroenterology. 1980; 79:3114.
Viana MB, Giugliani R, Leite VH, Barth ML, Lekhwani C, Slade
CM, et al. Very low levels of high density lipoprotein cholesterol in
four sibs of a family with non-neuropathic Niemann-Pick disease and
sea-blue histiocytosis. J Med Genet. 1990 Aug; 27(8):499-504.
b) Autor corporativo:
The Royal Marsden Hospital BoneMarrow Transplantation Team.
Failure os syngeneic bonemarrow graft in post hepatitis marrow aplasia. Lancet. 1977; 2:2424.
c) Sem autoria (entrar pelo título):
Coffee drinking and cancer of the pancreas (Editorial). BMJ.
1981; 283:6289.
d) Suplemento de revista:
Mastri AR. Neuropathy of diabetic neurogenic bladder. Ann
Intern Méd. 1980; 92 (2 pt 2): 3168.
Frumin AM, Nussabaum J, Esposito M. Functional asplenia:
demonstration of esplenic activity by bone marrow sean (resumem).
Blood. 1979; 54 (supl 1): 26.
11.2. LIVROS E OUTRAS MONOGRAFIAS
a) Autor(es) pessoa física:
Eisen HN. Immunology: an introduction to molecular and cellular
principles of the immune response. 5th ed. New York: Harper and
How; 1974.
b) Editor, compilador, coordenador como autor:
Dausset J, Colombanij D, editors. Histocompatibility testing
1972. Copenhague: Munksgaard; 1973.128p.
c) Autor(es) institucional:
Royal Adelaide Hospital; University of Adelaide, Department of
Clinical Nursing. Compendium of nursing research and practice development, 1999-2000. Adelaide (Australia): Adelaide University; 2001.
11.2.1. Capítulo de livro:
Weinstein L, Swartz MN. Pathogenic properties of invading microorganisms. In: Sodeman WA Jr, Sodeman WA, editors.
Pathologic physiology: mechanisms of diseases. Philadelphia: WB
Saunders; 1974. p.457-72.
11.2.2. Trabalhos apresentados em congressos, seminários, reuniões etc.:
Blank D, Grassi PR, Schlindwein RS, Mello JL, Eckert GE. The
growing threat of injury and violence against youths in southern
Brazil. Abstracts of the Second World Conference on Injury Control;
1993 May 2023; Atlanda, USA. Atlanda: CDC; 1993. p.1378.
11.3 DISSERTAÇÕES E TESES
Caims RB. Infrared spectroscopic studies of solid oxigens [Tesis].
Berkeley (Ca): University of California; 1965.
Borkowski MM. Infant sleep and feeding: a telephone survey
of Hispanic Americans [dissertation]. Mount Pleasant (MI): Central
Michigan University; 2002.
11.4. ARTIGO DE JORNAL (não científico)
Shaffer RA. Advances in chemistry are starting to unlock musteiries of the brain: discoveries could help cure alcoholism and insomnia,
explain mental illnes. How the messengers work. Wall Street Journal,
1977; ago. 12:1 (col. 1). 10 (cl. 1).
11.5. ARTIGO DE REVISTA (não científica)
Roueche B. Annals of Medicine: the Santa Claus culture. The
New Yorker, 1971; sep. 4: 6681.
12. Agradecimentos devem constar de parágrafo à parte, colocado
antes das referências bibliográficas, após as key words.
13. As medidas de comprimento, altura, peso e volume devem ser
expressas em unidades do sistema métrico decimal (metro, quilo,
litro) ou seus múltiplos e submúltiplos. As temperaturas em graus
Celsius. Os valores de pressão arterial em milímetros de mercúrio.
Abreviaturas e símbolos devem obedecer padrões internacionais. Ao
empregar pela primeira vez uma abreviatura, esta deve ser precedida
do termo ou expressão completos, salvo se se tratar de uma unidade
de medida comum.
14. Lista de checagem: recomenda-se que os autores utilizem a lista
de checagem abaixo para certificarem-se de que toda a documentação está sendo enviada. Não é necessário enviar a lista.
• Carta de submissão assinada (assinatura digital) por todos os autores
• O manuscrito em arquivo .doc, contendo:
• Página de rosto com todas as informações solicitadas
• Resumo em português, com palavras chaves
• Texto contendo: introdução, métodos, resultados e discussão
• Resumo em inglês e palavras chave Summary/Keywords
• Referências no estilo Vancover numeradas por ordem de aparecimento das citações no texto
• Citações numeradas por ordem de aparecimento no texto com
algarismos arábicos
• Tabelas numeradas por ordem de aparecimento
• Gráficos numerados por ordem de aparecimento
• Legenda das figuras
15. Os casos omissos serão resolvidos pela Comissão Editorial.
16. O Conselho Editorial e RMMG não se responsabilizam pelas opiniões emitidas nos artigos.
17. Em casos de não aprovação de artigos, os autores serão comunicados por escrito. Os artigos reprovados não serão devolvidos.
18. Os artigos devem ser enviados para:
Revista Médica de Minas Gerais
Av. Alfredo Balena, 190
Prédio da Faculdade de Medicina, sala 12
30130-100 • Belo Horizonte • MG
Fone/Fax: (31) 3409-9796
E-mail: [email protected]
[email protected]
Rev Med Minas Gerais 2008; 18(4 Supl 1): S184

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