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MALDITO MILAGRE
Lucas Luiz
“Ache o que você ama e deixe isso te matar”
Há só uma chance de sair daqui por cima. Triunfar sobre a dor, olhá-la com um ar
superior. Uma mísera chance de gritar ao mundo inteiro que todo esforço valeu a pena.
Que a batalha travada foi vencida e que o trabalho feito com tanto esmero valeu a pena.
Viver é se perder num labirinto rizomático. Não existe uma saída que nos deixe
vivos. Tudo é morte. Mesmo as poesias escritas são uma forma de letargiar o fim. Entre
um cigarro e outro, esboço uma reação, surge uma vontade meio acanhada de encarar os
meus fantasmas. O vazio tem me engolido, vem me estrangulando aos poucos. E eu sei
que só existe uma forma de triunfar. Uma mínima porcentagem de transformar essa coisa
que me consome em alegria.
Veja essa moça que dorme ao meu lado. Deve ter seus vinte e poucos, no auge de
sua juventude. Tem essa bunda durinha, esses seios fartos e suculentos. Dorme com o
rabo pra cima, com essa calcinha enfiada até o talo. Não precisei de muito para trazê-la
para cama e comê-la de todas as formas possíveis. A bebida tem dois lados, terminar as
noites mais aterrorizantemente solitárias com um sexo casual é o lado bom. Duplicar a
sensação de solidão pela manhã é o lado péssimo. Os dois lados da moeda se equivalem,
é um enorme yang-yang.
Ela vai se levantar, vestindo-se apressadamente e dar o fora daqui como um raio.
Sei que não a encontrarei mais pelas esquinas da depressão. Esquivaremos nos um do
outro como o diabo faz com a cruz. Assim como tantas outras repetidas vezes. Não me
importo nem um pouco com isso, quero mais que essas vadias se fodam.
Quanta solidão um ser humano pode suportar? Digo, antes de enfiar uma bala na
própria cabeça. É uma corrida contra o tempo, melhor entregar os pontos, não se pode
mesmo vencer. Até onde sei, é sábio não dar murros em ponta de faca.
No final das contas eu acho que é isso. Apenas isso. Que eu nasci pra morrer de
saudades. Ela era a melhor pessoa do mundo. Delicada e sentimental, mas ao mesmo
tempo um poço de teimosia. Transmitia uma luz diferente em seu sorriso único e aqueles
olhos tinham um quê de mistério tão envolvente que todos queriam desvenda-lo. E sabe,
em meio a tantos, ela tinha me dado essa chance. A maldita chance de sobressair diante
a multidão, ser único e especial como todo mundo sonha ser. Mas eu não sei lidar com
essa coisa de ser amado.
- Largue essa cerveja. – encarou-me – Não acha que já bebeu demais?
Eu apenas a fitei com os olhos, mantendo-me imóvel. Ignorei a represaria e tomei
mais um gole da garrafa que tinha em minhas mãos. Ela passou as suas mãos pelo rosto
soltando um suspiro que transitava entre a decepção e a fúria. Ameacei sorrir,
contrariando-a ainda mais.
- Encontrei a vadia que dormiu contigo hoje pelo corredor. – sentou-se ao sofá –
Pelo menos era uma gostosa. Melhorou seu gosto, hein?
- Coloque alguma música para tocar. – pedi – Algo clássico.
- Vai se matar na minha presença?
- Não preciso de plateia para isso. – repliquei
- Você é um velho estúpido, tenha consciência disso.
- Coloque isso em minha lápide. – sorri – “Aqui jaz um velho estúpido”
- Não posso perder meu tempo todo santo dia vindo aqui ver se não se afogou no
próprio vômito ou se foi assassinado por essas prostitutas.
- E por que vem então?
- Gosto de ler o que escreve.
- E da companhia?
- Olhe ao seu redor. – contemplou a casa vazia – Ninguém gosta.
- Um dia você gostou.
Fez-se um silêncio insuportável. Ela procurou algo para beber, enquanto acendi
um cigarro. Encaramo-nos por um tempo sem uma palavra sequer. Até que se cansou,
levantando-se e saindo apressadamente como se fugisse de um estuprador. Sorri
maliciosamente.
Voltei-me para as minhas anotações, meus esboços jogados lá ao léu. Tantos
textos dedicados a ela, tantas formas de dizer eu te amo entalados na garganta e
esquecidos ali naquele caderno tão velho quanto eu. Ali ficava um pouco de mim todos
os dias, falecia lentamente em cada letra e cada frase reduzia duas horas de minha vida.
Era um milagre estar com sessenta. Era um maldito milagre.
No final das contas deve ser apenas isso, uma lata de cerveja jogada, um cigarro
apagado. E a maldita da depressão nos estrangulando.
Ela vai te matar, não há como lutar contra isso. Em sua autopsia estará redigido
de forma que salte aos olhos dos legistas, das pessoas que queiram saber. A causa da
morte foi: DEPRESSÃO.
Resta apenas aceitar o fato que vamos morrer dela e conviver com isso, arrastar
para o mais longe possível o tiro na própria cabeça. No final das contas todo dia é mesmo
sagrado e a gente devia aprender a agradecer por isso.
FIM
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