11 Transparências.

Transcrição

11 Transparências.
setembro/outubro 2014
#11
CONCEITUAL
TRANSPARÊNCIAS
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Publishers André Poli e Roberta Queiroz
Conselho Editorial Renata Amaral e Roberto Negrete
Edição e Arte Marcos Guinoza
Redação Marcella Aquila
Colaboradores Álvaro Tedesco, Amer Moussa, Barbara Heckler,
Bruno Moreschi, João Lourenço
Revisão Luciana Sanches
Jornalista Responsável Marcos Guinoza MTB 31683
Trans-lúcidos
Amigos,
O tema desta edição de ABD Conceitual é a transparência, palavra cheia de significados importantes, tanto para
o design quanto para a vida.
Ser transparente é demonstrar sinceridade e lisura.
Ser transparente é fazer as coisas às claras, sem se esconder sob as aparências.
Ser transparente é deixar a luz passar.
Ser transparente, enfim, é permitir ver o que há por
trás, o que há além.
No design de interiores, a transparência imprime personalidade aos ambientes, deixando-os mais clean e lhes
conferindo um ar contemporâneo. Na vida, a transparência
separa aqueles que agem com idoneidade daqueles que
agem por conveniência.
Nós da ABD, trans-lúcidos em nossas inúmeras ações
para valorizar ainda mais a profissão de designer de interiores,
seguimos atentos às demandas do mercado e nos esforçando para apresentar uma revista que seja cada vez mais interessante, informativa e de acordo com o tempo-agora.
Nesta 11ª edição de ABD Conceitual, entrevistamos o
designer Leo Capote e o artista plástico Daniel Arsham; falamos sobre a beleza etérea dos móveis translúcidos e sobre os
significados possíveis das janelas; além de relembrar alguns
nomes-referências que utilizaram a transparência para se
comunicar com o mundo, como Cini Boeri e Philip Johnson.
Se as aparências enganam, as transparências revelam, enchendo o mundo de luz, leveza e resplandecências.
Renata Amaral, presidente da ABD
Publicidade
Comercial [email protected]
e Rosane Gulhak (ABD) | [email protected]
VELVET EDITORA LTDA
Tel.: 11 3082-4275 | www.velveteditora.com.br
ABD Associação Brasileira de Designers de Interiores
Tel: (11) 3064-6990 | www.abd.org.br
Corpo Diretivo ABD
Presidência: Renata Amaral
Vice-presidência: Marcia Kalil, Ricardo Caminada, Bianka Mugnatto,
Jéthero Miranda
Conselho Deliberativo - Membros Efetivos: Carolina Szabó
(presidente), Francesca Alzati (SP), Silvana Carminati (SP), Maurício
Peres Queiroz dos Santos (SP), Alexander Jonathan Lipszyc (SP),
Renata Maria Florenzano (SP), Rosangela Larcipretti (SP), Joia
Bérgamo (SP), Lucy Amicón (SP), Carlos Alexandre Dumont (MG),
Jaqueline Miranda Frauches (MG), Paula Neder de Lima (RJ), Luiz
Saldanha Marinho Filho (RJ), Flávia Nogueira da Gama Chueire (RJ)
Conselho Deliberativo - Suplentes: Nicolau da Silva Nasser (SP),
Paula Almeida (SP)
Conselho Fiscal - Membros Efetivos: Maria Fernanda Pitti (SP),
Fabianne Nodari Brandalise (PR), Catia Maria Bacellar (BA),
Delma Morais Macedo (BA)
Conselho Fiscal - Suplente: Daniela Marim (SP)
Diretora executiva: Alessandra Decourt
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Os artigos assinados são de exclusiva responsabilidade
dos autores e não refletem a opinião da revista.
* Condição de pagamento sujeita a aprovação de crédito.
EDITORIAL
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8 abd conceitual SETEMBRO/OUTUBRO 2014
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abd conceitual / #11 / edição transparências
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SEpT. 5-9,2014
JAN. 23-27, 2015
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leo
capote
Vitrine 12
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JACK FAHRER
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CALL THE
WORLD
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RG 52
andrée
putman
20 | transparessências
30 | geologia do tempo
44 | cobogó
Revelar, tornar visível, trazer à tona: as
funções da transparência
Daniel Arsham é conhecido por transformar
o comum em algo espetacular e surreal
Ícone da arquitetura moderna, o elemento
ganha releitura em forma de Dingbat
24 | móveis-rabiscos
34 | vidrados
46 | os objetos falam
As criações engenhosas do japonês
Daigo Fukawa
Eles utilizaram a transparência para se
comunicar com o mundo
Somos definidos pelos objetos que
possuímos e amamos
26 | janelas
38 | invisíveis
54 | empty dress
Elas iluminam, descortinam, desvendam
espaços, dando contornos ao mundo
Acrílico: a beleza etérea dos móveis
translúcidos
Galeria A fragilidade e delicadeza do vidro
nas obras de Alison Lowry
10 abd conceitual SETEMBRO/OUTUBRO 2014
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yVitrine
Sergio e Jack Fahrer
yPor Marcos Guinoza
sobretons
Design dos irmãos Fahrer; estampas de Lino Villaventura
O paraense Lino Villaventura é estilista reconhecido pela pesquisa técnica e pelo desenvolvimento de materiais, com valorização do trabalho
manual e dos elementos nativos do país. Os designers Sergio e Jack Fahrer seguem esse mesmo
pensamento criativo, interessando-se pelo uso de
novos materiais em suas produções.
Da parceria entre o estilista e os designers
surge a coleção LINO, formada por nove peças com
estampas criadas por Lino ao longo da carreira.
“Foram utilizados 20 vestidos do meu acervo para compor as estampas da coleção; vestidos
que fizeram parte das minhas apresentações em
várias edições da São Paulo Fashion Week”, conta
Lino. “No trabalho dele, existem muito bordado e
combinação de texturas em um mesmo vestido.
Pensamos: ‘Como ficaria a mistura de vários deles,
uns sobre os outros?’. O resultado é fascinante”, comemoram os designers.
A coleção é composta por cadeiras, mesas
de jantar, mesas de centro e luminárias. As estampas
dos vestidos do estilista foram impressas com o uso
de tecnologia ainda inédita no Brasil: a nanoimpressão em acrílico, produzida pela Creatto.
Segundo os designers, é possível variar a estampa escolhida, movendo os quadrados de acrílico
(com 3 mm de espessura) e criando novas combinações. A mesa de jantar, por exemplo, pode estar, de
manhã, multicolorida, e, à noite, com uma estampa
mais sóbria e escura.
Um objeto de estimação?
Sergio – Minha lapiseira.
Jack – Meu chapéu, que está sempre comigo.
O que te inspira?
Sergio – A vida, o cotidiano, as matérias-primas.
Jack – O cotidiano, a música, a vida.
Como é seu processo criativo?
Sergio – Desenho à mão livre, adoro o contato da lapiseira
com o papel vegetal. Conhecer e experimentar novas matérias-primas e técnicas construtivas. Desafios técnicos e
estruturais são parte do processo de criação. Também gosto
de observar as experiências cotidianas. As provocações criativas com meu irmão e parceiro, Jack.
Jack – Intuitivo, deixo a música ou um momento guiar minha lapiseira. As referências são aquilo que vivi, a música que
está tocando ou até um sonho.
COLEÇÃO LINO Todas as peças são de acrílico reciclado, com impressão
NANO dos vestidos do estilista Lino Villaventura medidas Cadeiras: 0,45 x
0,58 x 0,80 h. Mesa de jantar: 2,60 x1,20 x 0,75 h. Mesa de centro: 1,60 x 0,80 x
0,35h. Luminária: 1,80 m x 20 cm
Qual objeto que já existe gostaria de ter inventado?
Sergio – O contrabaixo.
Jack – O cigfiddle, um banjo feito a partir de uma caixa de
charutos. Tem um design inusitado para um instrumento
musical e um som incrível, e me ajuda muito na criação.
Design decorativo ou design utilitário?
Sergio – Design utilitário.
Jack – Utilitário decorativo. Nada melhor do que unir o útil
ao agradável.
sergio e jack fahrer
J sergiofahrer.com.br
J linovillaventura.com.br
fotos divulgação
12 abd conceitual SETEMBRO/OUTUBRO 2014
ySala
de Estar
LEO CAPOTE
yPor Barbara Heckler
porcas,
parafusos
Representado pela Firma Casa, o jovem designer paulistano Leo Capote
se destaca por fazer das ferramentas sua obra de arte
14 abd conceitual SETEMBRO/OUTUBRO 2014
e
marretas
Foi no bairro paulistano de Santa Cecília que o designer Leo Capote teve o primeiro contato com
a matéria-prima de seu trabalho: as ferramentas. Cresceu em meio a parafusos, pregos, porcas e martelos,
dentro da loja do avô materno, que tinha como cliente os Irmãos Campana, com quem o designer estagiou.
O legado da década de 1950 ainda é preservado pela família e foi fundamental para que, hoje, aos 32
anos, Capote se firmasse como um dos mais talentosos e criativos jovens designers do país.
Mesmo sob holofotes e representado pela conceituada Firma Casa, o tímido rapaz ainda preserva a
natureza de menino de bairro, onde fez questão de instalar seu ateliê, o Outra Oficina, com o sócio Marcelo
Stefanovicz. Em cada peça, a lembrança dos ensinamentos do avô e a criatividade nata que o impulsionou
ao mundo. Em 2007, Capote foi indicado como um dos cem designers mais importantes da atualidade pela
publicação &fork, da respeitada editora inglesa Phaidon.
Com uma fala tranquila e olhos vívidos, Leo Capote conversou com a ABD Conceitual.
Seu trabalho é fundamentalmente produzido a partir de
ferramentas. O que te encanta nelas?
Elas têm um valor emocional para mim. Nasci dentro da loja de ferramentas do meu avô. Ela existe há 59 anos e é o tronco da família.
Vou todos os dias lá até hoje e divido a responsabilidade de tocá-la
com a minha mãe, já que seu pai, infelizmente, faleceu há quatro
anos. Eu dou um novo significado às formas que todo mundo conhece. Isso que é gostoso. Desde os 12 anos tinha a minha oficina.
Ficava observando meu avô consertar os eletrodomésticos e pensava: “Mas ligar uma luminária é fácil assim? Quero fazer!”. Aos 13,
já fazia as minhas próprias invenções e presenteava a família. E, de
repente, os clientes da loja começaram a se interessar e perguntar
pelo preço, inclusive os irmãos Humberto e Fernando Campana.
BMQ MMQ (2013) Cadeira de flores feitas com porcas e parafusos, totalizando
110 porcas de aço carbono. Pés: quatro barras roscadas de 24 mm
Banco parafuso (2011) 15 parafusos de aço carbono com acabamento
oxidado e verniz fosco
Luminária Bigorna Cobre (2013) Bigorna original de aço 1020 como
base, haste com duas articulações com acabamento de cobre brilhante
Cadeira Panton - Porcas (2013) Releitura da clássica cadeira de Verner
Panton, com medidas e ergonomia fielmente respeitadas. Feita da soldagem de
680 porcas de aço carbono com pintura eletrostática vermelha
cubo pregos (2011) União de 830 pregos por soldagem,
sem adição de estrutura, com acabamento polido, verniz
brilhante, usado como assento ou mesa
Eles eram clientes da loja?
Sim, tinham conta aberta lá. Conheço os Campana desde pequeno,
antes mesmo de ficarem tão famosos. O ateliê deles é atrás da loja.
Diziam que quando eu entrasse na faculdade, poderia estagiar com
eles. E a promessa foi cumprida, estagiei dois anos na oficina deles.
desperta a ideia de desenvolver algum móvel. Vou logo para
a prática. Depois de pronto, é que desenho e, mesmo assim, só
quando tenho que guardar ou mostrar a algum cliente. Produzo
todos os dias, depois das 18h. Antes disso, ainda fico na loja de
ferramentas. Sempre tenho amigos que vêm para cá me ajudar. O
Marcelo Stefanovicz, atualmente meu sócio, era um deles. Quando
precisava desenvolver alguns projetos no computador, maiores,
eu o chamava para me ajudar. Ele é um artista e fotografa minhas
peças, além do trabalho dele. Agora, estamos abrindo juntos o
ateliê Outra Oficina.
Mas você sempre quis fazer design?
Na época eu pensava em fazer educação física. Meu irmão mais
velho, arquiteto, foi quem me influenciou a fazer desenho industrial.
O curso foi importante, porque me deu a noção de reprodução em
escala. A maioria dos alunos queria desenhar carro e eu estava sempre do lado do design com arte. Uma professora de comunicação
abria esse debate na classe e citava os Campana como referência
no assunto. Até que chegou meu projeto de conclusão de curso. A
primeira ideia era desenvolver uma mesa de centro que virasse de
jantar, para se adaptar aos pequenos apartamentos de hoje. Mas
essa professora insistiu para eu seguir o meu instinto. Pediu que eu
fotografasse todas as peças que já havia desenvolvido. Ao mostrá-las,
ela me fez enxergar que eu já tinha uma coluna do meu trabalho, a
de ressignificar as funções dos objetos e transformá-los em arte.
E qual é o limite entre o design e a arte para você?
Meu trabalho tem que transmitir um apelo emocional, mas nunca
pode perder sua função. Por mais que uma cadeira pese uma tonelada e seja feita de ferramentas, ela tem que ser confortável para se
sentar, o objetivo dela é esse.
Como funciona seu processo criativo?
Meu processo é inverso. Fico olhando o objeto, e sua forma me
16 abd conceitual SETEMBRO/OUTUBRO 2014
Você está desenvolvendo lustres para um autódromo,
um balcão para um cabeleireiro e outras encomendas. Dá
tempo para criar seus próprios desejos?
Tento trabalhar com um meio-termo, entre peças para vender e
outras para expor. Por mais que as encomendas tenham seu tempo para ser desenvolvidas, separo um pouco por dia para produzir,
devagar, as que eu quero. Pintamos até uma parede-lousa para
deixar as ideias anotadas e não perdê-las.
E sua casa? O mobiliário é inteiro feito por suas mãos?
Quase tudo! Até detalhes, como uma maçaneta-martelo, puxadores de roupeiro, além de mesas, cadeiras...
Quando se deu conta de que era um designer conhecido?
Foi na minha primeira aparição em uma revista. Dá um susto.
Estava estagiando com os Campana e desenvolvi minha cadeira
de colher. Eles pediram para deixar lá um tempo e, nesse período,
apareceu um representante da Marco 500 que adorou a peça e
“Meu trabalho tem que
transmitir um apelo
emocional, mas nunca pode
perder sua função”
ção que fizemos juntos em Dubai, com o Coletivo Amor de
Madre. Ele me ensinou a perder o medo de desenvolver mobílias muito pesadas, afinal, os troncos dele pesam toneladas.
Por falar nisso, sua poltrona de porcas é bem pesada
e tem influência dos traços de Arne Jacobsen.
Sim, perdi o medo do peso. Passei 60 noites soldando as 2
mil porcas, feitas de aço carbono com tratamento em níquel
químico. A poltrona Egg – Porcas é uma releitura da clássica
Egg do dinamarquês, de quem sou fã.
Cadeira 18 (2011) Construída da
junção de 18 martelos soldados a uma
chapa de aço carbono cortada a fogo,
com acabamento em verniz PU
E dos Irmãos Campana? O que ainda carrega deles
em seu trabalho?
Eles são incríveis. Aprendi o valor que tem a identidade do
seu trabalho. Uma marca deve ser construída para que, mesmo com o passar dos anos, as pessoas olhem uma peça e
saibam que é sua.
J leocapote.com
fotos divulgação
ribs Banco foi criado em 1996 e
reeditado em 2007 para Dpot
Banco Pá (2001) Pá de pedreiro original com corte e dobra específica, soldagem
para reforço, pintura eletrostática em diversas cores
quis que eu fizesse mais. E foi ela que estampou a revista Casa Cláudia.
Depois, foi quando vi meu nome, em 2007, na publicação &fork, da
editora inglesa Phaidon, como um dos cem jovens designers mais
importantes da atualidade. Outro salto foi quando Waldick Jatobá me
chamou para fazer parte da loja Firma Casa, em 2012, da qual era
diretor criativo. Foi um marco para mim. Quando aconteceu a minha
exposição, não acreditei em estar ao lado de grandes nomes, inclusive
dos meus mestres Irmãos Campana.
Tem sonhos de consumo de peças de outros designers?
Nossa, muito! Não sou um cara que acha que só os meus objetos são
bons. Pelo contrário, eu tiro o chapéu para vários outros nomes. Gosto
da época mais antiga do francês Philippe Starck, do clássico dinamarquês Verner Panton e do norte-americano Charles Eames. Do Brasil,
gosto muito do Hugo França. Nós nos conhecemos em uma exposi-
18 abd conceitual SETEMBRO/OUTUBRO 2014
Poltrona Egg - Porcas (2013) Releitura da clássica poltrona Egg, de
Arne Jacobsen, com medidas e ergonomia fielmente respeitadas. Feita da
junção por soldagem de 2.000 porcas de aço carbono, com tratamento em
níquel químico
Mesa Brasil (2013) 1.184 porcas
soldadas, com tratamento oxidado,
mais verniz eletrostático fosco. Pés
feitos de barra roscada
yENSAIO
O que vem à cabeça quando falamos em transparência? Água,
um saco plástico, um cristal lapidado? Um tecido, um caco de vidro?
Transparente é, segundo o dicionário, qualidade daquilo que deixa
passar a luz, “permitindo que se vejam objetos através dele”. A transparência tem, portanto, uma relação direta com a luz, ou com o que
se pode acessar, tornar visível, através dela. Acontece que, se pensarmos a transparência na direção da luz, as significações possíveis
para essa qualidade se abrem. E não apenas no sentido da matéria,
palpável, mas também em sentidos mais amplos: filosóficos, culturais, sociopolíticos. No âmbito do desenho, nosso fio condutor para
as diferentes visadas que a transparência pode ter, essa qualidade
aparece, desdobra-se e se transmuta, dando expressão formal para
as diversas significações que assume ao longo do tempo.
Talvez a primeira associação que façamos quando o assunto
é transparência seja com o vidro. Impossível não pensar nele quando
se trata de “ver através”. Mesmo porque, muito antes da explosão do
plástico entre nós, era o vidro que desempenhava a função de ponte
(in)visível para o livre trânsito do olhar – do interior para o exterior e
vice-versa. Feita a partir de um dos elementos mais abundantes na
crosta terrestre, a sílica, a produção do vidro tem início em duas das
grandes civilizações da antiguidade: Egito e Mesopotâmia. De artigo precioso, o vidro veio a ser pop durante o Império Romano. Com
produção intensa, esteve para os romanos como o plástico para o
planeta conectado do século 20. O fim do mundo romano impôs
à produção e ao emprego desse material uma drástica redução. A
transparência, entendida como fragilidade, através do vidro, cedeu
lugar à robustez e à força na busca por proteção frente aos recorrentes saques e invasões que inauguraram a chamada Idade Média.
Da matéria transparente à transparência como matéria, o
vidro ressurge na Baixa Idade Média com novo significado, agora associado ao sagrado e não mais como utensílio recorrente na vulgar
vida cotidiana. Na transição da Alta para a Baixa Idade Média, o gótico encontra na transparência do vidro a matéria ideal para expressar
texto marcella aquila
Revelar, tornar visível, trazer à tona
T R A N S PA R E SS Ê N C I A S
visualmente as aspirações de elevação espiritual. A leveza das estruturas
ogivais combinada aos vitrais coloridos nas igrejas góticas permite que a luz
opere como sopro de vida às imagens ali estampadas ou como consistência corpórea, como se os próprios feixes de luz fossem em si a manifestação
do sagrado. O corpo-luz que chega ao homem nas composições góticas,
permitindo a ele experimentar, mesmo que por um breve momento, o divino, transfigura-se, no momento posterior, na busca empreendida pelo próprio homem por uma maior clareza sobre o mundo que o cerca.
No Renascimento, revelar, tornar visível ou trazer à tona já não é
mais uma tarefa do divino. Descobrir se torna uma aventura, motor e impulso fundamentalmente humanos. Já não se trata de esperar por uma
revelação, mas, ao contrário, de sair em busca dela. No desenho do espaço, transparece a retomada pelas formas puras – e os volumes (cilindros,
semiesferas, cubos, cones) executam um jogo sábio sob a luz, conforme
sintetizaria Le Corbusier séculos depois. O ritmo e as proporções resultavam
em dimensões diretamente proporcionais às ambições e invenções desse
período. Lúcio Costa lembraria, ao conceber as relações de escala em Brasília, que “o italiano da Renascença se sentiria diminuído se a porta de sua
casa tivesse menos de 5 metros de altura”.
A transparência, no sentido de uma integridade entre essência e
aparência, entre materiais e possibilidades técnico-construtivas de sua época, é uma relação que se tornará mais e mais presente com o avanço da
era industrial. O Palácio de Vidro, construído em 1851, em Londres, para
a Primeira Grande Exposição, é o edifício inaugural dessa relação. Além de
literalmente transparente, era franco com o panorama das possibilidades
construtivas industriais que se abriam, além de desafiar as expectativas
acerca dos limites impostos por um material até então considerado frágil
como o vidro.
Ao longo do século 20, a fragilidade do vidro foi posta à prova inúmeras vezes por designers que assumiram esse material como matéria-prima de suas produções: do Pavilhão de Barcelona (1929), de Mies van der
Rohe, ao cubo de vidro da Apple, em Manhattan, concebido pelo escritório
Bohlin Cywinski Jackson e também reelaborado por ele, em 2011. Não apenas a aparente fragilidade de materiais transparentes instigou os designers
GC Prostho Museum Research Center, Aichi, japão
22 abd conceitual SETEMBRO/OUTUBRO 2014
libertas
de portar
as linhas
de frente
(fachadas), as
estruturas
de kengo
kuma podem
brilhar e
brincar com a
luz, que, por
sua vez, vem a
ser elemento
lúdico e
poético
como o caráter revelador, altamente provocativo e desafiador
de colocar a nu o que geralmente se procura esconder, foi um
dos principais estímulos para o desenho do século 20.
Pôr a nu as estruturas bem como trazer à tona a “verdade dos materiais”, ou mesmo tornar uma planta livre, foram
princípios que nortearam grande parte da produção mais incômoda do século 20. Os cavaletes de vidro projetados por
Lina Bo Bardi para expor o principal acervo do Masp causaram
escândalo. Não apenas por gerar uma colagem visual ao não
isolar as obras, mas, sim, justapô-las, como pelo fato de “esconder” os dados autorais no verso das obras. Décadas depois da
concepção, permanecem decorosamente trancafiados nos
porões do museu. A Casa Farnsworth (1951), absolutamente
“desavergonhada” estrutural e visualmente, levou o arquiteto
Mies van der Rohe aos tribunais americanos sob a acusação
de inabitabilidade por parte dos proprietários. E se o assunto é
inabitabilidade, temos, entre os arquitetos paulistas, um grande campeão de acusações por parte daqueles que prezam
pelo conforto: João Batista Vilanova Artigas. Talvez seja por isso que o edifício da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, uma das maiores experiências espaciais vivas,
esteja prestes a desabar: afinal de contas, como conviver num ambiente afiado (e sem
isolamento) como aquele?
Provocações à parte, o fato é que muito do que se pode experimentar e conceber como transparência hoje deriva da cada vez maior autonomia entre as partes que
compõem um projeto, seja ele do edifício, de interiores ou do objeto. Na medida em
que os elementos de uma composição se tornam mais e mais autoportantes, o destino
do conjunto passa a ser portar nenhum conteúdo que não o próprio diálogo promovido pela interação entre essas partes. Nos edifícios de Kengo Kuma, essa relação se
torna evidente: libertas de portar as linhas de frente (fachadas), as estruturas podem
brilhar e brincar com a luz, que, por sua vez, vem a ser elemento lúdico e poético.
Revelar, revelar, sempre revelar. Revelar o novo. Desvelar o ovo dentro do bolovo. Desfiar o novelo… Talvez a grande “transparessência” seja essa missão incessante e permanente que nos persegue de trazer à tona, de tornar visível uma face ainda
oculta disso que chamamos de realidade, com a qual convivemos. Talvez seja essa
a grande pulga atrás da orelha que nos move e nos mantém vivos, e que sempre irá
nos lançar além.
KENGO KUMA
Nascido em Yokohama, no Japão,
o arquiteto é conhecido pelo
cuidado singular com a luz, a
transparência e a materialidade.
Madeira, cerâmica, pedra e
alumínio aparecem em seus
projetos sempre de forma
inovadora. Kengo Kuma define a
arquitetura como uma interface
entre o homem e a natureza.
J kkaa.co.jp
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+32 Cores disponíveis
M
Y
CM
móveis-rabiscos
Criação engenhosa do japonês Daigo Fukawa
Se é confortável, não sei. Mas que é inédito, divertido e engenhoso, não há como negar. A ideia
é do estudante de design japonês Daigo Fukawa. E, cá entre nós, só podia ser mesmo “coisa
de japonês” – talvez o povo que mais nos surpreenda com invenções para lá de mirabolantes.
A série de móveis se chama Rough Sketch Products – nome mais do que adequado para bancos, cadeiras e mesas que lembram esboços rabiscados casualmente em uma folha de papel.
A série foi apresentada por Fukawa na Tokyo University of the Arts como trabalho de conclusão
de curso e, logo, ganhou o mundo, com imagens sendo veiculadas em blogs e sites de design.
Goste-se ou não, confortáveis ou não, os móveis-rabiscos de Fukawa combinam perfeitamente
com ambientes onde o inusitado é bem-vindo. (MG)
J facebook.com/fukawa.daigo
24 abd conceitual SETEMBRO/OUTUBRO 2014
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parede, sendo ótimo para isolamento térmico e acústico.
Ideal para ambientes internos e externos, tais como:
salas, cozinhas, terraços, escadas, banheiros, saunas,
barcos, hotéis, lojas, bancos, escritórios, escolas, estandes,
restaurantes, consultórios, decks, entre outros ambientes.
CMY
K
Ambiente Maximiliano Crovato | Casa Cor® 2014
ESPECIFICAÇÕES TÉCNICAS
Pode ser cortado em
qualquer direção.
Uso imediato após
colocação
Não desbota ao
Sol ou lavagem.
Seca rápido e
não deforma
Não
escorrega.
Confortável
ao pisar
À prova
de fogo
Não absorve sujeira
e líquidos. Fácil de
limpar. Enxaguar a
temperatura menor
de 40ºC
Eletricidade
estática / ISO TR
6356<1.1 Carga
estática / ISO 3415
(FR 1987)
Totalmente
anti-alérgico
e higiênico
Durável /
Alto
transito
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yarquitetura
JANELAS
“No seu silêncio, a janela se oferece
como um serviço à inteligibilidade:
ilumina, descortina, desvenda espaços.
Imprimi-lhes vestígios de tempo,
testemunha cenas de uma sempre
mutável realidade, aglutina e concentra
signos na sua moldura, dá contornos
ao mundo, para se afirmar como campo
narrativo” – Luís Antônio Jorge, O
Desenho da Janela
texto marcella aquila
ilustrações josé guízar
Janela é, antes de tudo, a palavra janela. Janela,
fenêtre, ventana, finestra, fenster, window, para citar
algumas das designações entre as mais conhecidas
línguas do Ocidente. E, embora grande parte delas
tenha origem no latim, algumas derivam de palavras
diferentes dentro do repertório da língua-mãe. Janela
vem de januella – diminutivo de janua, que, por sua
vez, era usada para indicar qualquer tipo de abertura
em uma parede. De uma abertura indistinta a uma ligação mais estreita com a técnica construtiva: finestra, fenêtre e mesmo fenster, respectivamente do
italiano, francês e alemão, são tributárias da mesma
fenestra, também do latim. Fenestra significava fresta
ou, mais precisamente, uma série de estreitas aberturas retangulares presentes nas paredes exteriores
26 abd conceitual SETEMBRO/OUTUBRO 2014
ILUSTRAÇÕES DA SÉRIE WINDOWS
OF NEW YORK, DO DESIGNER JOSÉ GUÍZAR
“a janela
venceu a
parede, da
qual, um dia,
foi furo – e
negação”
das casas romanas, em geral adotadas para garantir
a ventilação dos ambientes internos.
Já as palavras ventana, do espanhol, e window, do inglês, ainda que de origens diferentes,
partem do mesmo elemento – o vento. A palavra
espanhola descende do latim ventus, ou vento, e
a inglesa, com raízes nas línguas nórdicas antigas,
parte mais especificamente da palavra vindauga,
em que “vind” resultaria em wind (vento) e “auga”
em eye (olho). As janelas, portanto, seriam as aberturas pelas quais passaria o vento, ou, no caso de
window, um “olho” de vento.
Barroca, rococó, românica, renascentista,
gótica, industrial, eclética, moderna, brutalista, pósmoderna, ideal, a mais barata, gradeada… De dentro
para fora, a janela nos propõe diferentes enquadramentos do mundo exterior. De fora para dentro, a
chave léxica para a relação do homem com as (im)
possibilidades de seu tempo. Se para Da Vinci os
olhos eram as janelas da alma, podemos pensar a
pintura como seu inverso: um reflexo do universo
exterior processado pelo interior do artista. E a mesma relação é possível de se estabelecer para outras
linguagens: poesia, prosa, arquitetura, escultura, cinema, música etc. O papel, a tela, a matéria-prima
transfigurada seriam, portanto, janelas por onde
poderíamos acessar, mesmo que por um instante, o
mundo refletido pelos olhos de quem o apreendeu
e sintetizou. Janelas apontam caminhos.
Nessa direção, quase 500 anos depois, Le
28 abd conceitual SETEMBRO/OUTUBRO 2014
Corbusier estabeleceria o desenho das superfícies
exteriores como a tradução do desenho interior dos
edifícios: “A planta procede de dentro pra fora. Todo
exterior é reflexo de um interior”. As janelas, elementos ativos na composição dos exteriores, teriam,
assim, relação direta com a composição interior.
Cheios e vazios vibrando em conjunto, soariam em
diferentes ritmos. Como resultado, poderíamos ler
prédios como partituras.
Já para Décio Pignatari (no prefácio do livro
O Desenho da Janela, de Luís Antônio Jorge), meditar sobre o signo “janela” retroperspectivamente,
revelaria o quanto essa pequena fresta inicial foi, ao
longo do tempo, tomando o corpo todo dos edifícios até se tornar, ele próprio, sua estrutura. O movimento de o edifício vir-a-ser vazado, ou todo janela,
seria, para Pignatari, correspondente à tentativa humana de fazer “levitar a pedra” em suas construções
penetráveis. Para ele, o cume desse processo se
dá com o surgimento do Palácio de Cristal, edifício
emblemático de 564 metros de comprimento por
33 metros de pé-direito, construído em ferro fundido e vidro no Hyde Park, em Londres, para abrigar
a Grande Exposição de 1851. Fruto da Revolução
Industrial, o Palácio de Cristal seria também inaugural do que, posteriormente, viria a se desenvolver
como o movimento moderno em arquitetura e os
arranha-céus de aço e vidro de Mies van der Rohe,
as grandes expressões dos edifícios-janela.
Muito atento e vivo ao movimento dinâmico dos fatores construtivos de sua época, e à conquista espacial das janelas, Décio Pignatari ainda
pontua: “Não tendo para onde ir, para onde foi a
janela? Para o espaço, literalmente. Ela está nas ondas das inovais, nos micros, nas telintas da televisão;
abrem-se, fecham-se eletronicamente, ao ritmo do
pensamento, mesmo que delirante. A janela venceu
a parede, da qual, um dia, foi furo – e negação”.
Podemos dizer que hoje, as telas – essas
janelas eletrônicas que nos sincronizam com os
acontecimentos nos quatro cantos do mundo em
tempo real – integram uma parte fundamental
da nossa vida. Há até quem questione o quanto a
absorção por esses planos não gere dependência,
comprometendo, inclusive, a vida social na esfera
tridimensional. Mas, para além das problemáticas
da psique humana que, no mais, tem raízes mais
profundas (sociais) e antigas do que o advento das
novas tecnologias, o que podemos fazer com os
desdobramentos dessas contemporâneas abertu-
ras? Onde será que os caminhos, descortinados por
essas novas janelas, poderão nos levar? Poderemos,
no futuro, (re)programar as paisagens que protagonizarão nossas janelas? Será que elas se tomarão
formas outras, como portais de teletransporte, encurtando ainda mais a distância de deslocamento
entre os espaços? Não sei. Mas imaginar é sempre
tentador, desafiador e… Preciso.
J joseguizar.com
yARTE
geologia
do tempo
Natural de Cleveland, Ohio, Daniel Arsham passou a
maior parte da infância e adolescência em Miami. Era fim
dos anos 1980 e começo do boom da cena artística na segunda maior cidade da Flórida. Influenciado por fotografias
e imagens de artistas locais, Arsham começou a estudar
design e arquitetura no ensino médio. Nesse período de
formação, alugou uma casa com outros estudantes e transformou o primeiro andar em galeria, chamada The House.
Esse senso de colaboração entre artistas que estavam começando alavancou a carreira e a confiança de
Arsham e dos colegas de classe. “Se não tivesse participado dessa iniciativa, não sei se estaria onde estou hoje. O
conselho para quem está no início da carreira é simples:
não espere ninguém bater na sua porta.” Logo depois, ele
terminou os estudos em design na Cooper Union, faculdade em Nova York, cidade onde mora e trabalha hoje.
Transitando entre pintura, escultura, instalações,
set design e apresentações de dança, Arsham utiliza experiências do cotidiano para confundir nossas expectativas de espaço e forma. Ele é conhecido por subverter
estruturas arquitetônicas existentes em formas não convencionais, lúdicas, como paredes que parecem ondular
ao vento. “Meu trabalho manipula a arquitetura e faz coisas que, em um mundo natural, não deveria fazer. Gosto
de criar cenários ilusórios, me interesso pela possibilidade
de a ilusão um dia se tornar realidade.”
A obra de Arsham também é influenciada por
passagens do tempo e catástrofes naturais, quando
determinados eventos mudam o curso das coisas. O
artista sentiu na pele a força da devastação da natureza. “Quando criança, presenciei a passagem do furacão
Guiado por conceitos arquitetônicos, o multiartista Daniel Arsham
é conhecido por transformar o comum em algo espetacular e surreal
texto JOÃO LOURENÇO
The Eyes (2010), obra inspirada em esculturas gregas antigas. Na página ao lado e acima, à
direita, Hiding Figure (2011), feitos de fibra de vidro e tecido
“Design bom é aquele
que parece que não foi
pensado à exaustão.
São objetos que
transmitem a sensação
de que sempre
thinking glass figure (2012), de cacos de vidro e resina. 0 trabalho foi inspirado no furacão Andrew (1992)
fotos DIVULGAção
Andrew. Agora, quase 20 anos depois da catástrofe, tento utilizar o conceito de destruição dentro
de propostas criativas.” Essa experiência gerou a
série Reach Ruin (chegar à ruína, em tradução livre), anagrama da palavra hurricane (furacão). As
esculturas da série foram feitas a partir de materiais comumente utilizados na arquitetura, como
vidros quebrados e gesso.
As colaborações do artista, representado
pela Baró Galeria, envolvem moda, música e
arte. Ele já fez parcerias com nomes como o
músico Pharrell Williams e o coreógrafo Merce
Cunningham. Sobre o design, Arsham opina: “O
design sempre esteve presente em nossa vida.
Pense em um garfo, uma cadeira, mesa ou até
mesmo na maçaneta de uma porta. É incrível
como sempre convivemos com esses objetos e,
hoje, paramos para observar os detalhes de tudo
que consumimos. Acredito que estamos vivendo
um momento em que a nossa relação com os
objetos vai muito além de sua funcionalidade”.
A obra abaixo e o pneu, na página anterior, são da série The future is always now, composta
por 20 esculturas feitas de pó glacial, herostone, quartzo e aço
J danielarsham.com | barogaleria.com
32 abd conceitual SETEMBRO/OUTUBRO 2014
Glacial Rock
Eroded Hollow
Guitar (2014), de
pó de pedra glacial ,
fragmentos de mármore
e herostone
existiram no
mundo. É isso que
eu busco fazer no
meu trabalho. Algo
simples, elegante,
básico”
yREFERÊNCIAS
vidrados
Eles utilizaram a transparência para se comunicar com o
mundo e colocaram seu nome na história do design e da
arquitetura com obras inovadoras e emblemáticas
> CINI BOERI
Máxima da designer italiana Cini Boeri: “Sentar
é apenas uma parte do que se espera de um
sofá”. E foi pensando assim que ela revolucionou a indústria de móveis no início da década
de 1970, quando lançou o sofá modular Strip.
A principal inovação do móvel era a flexibilidade, permitindo as mais diversas combinações. Por essa criação, Cini recebeu o prêmio
Compasso d’Oro, e seu sofá é apontado como
um dos produtos mais importantes da história
do design, integrando o acervo de instituições
como Triennale di Milano Tokyo Museum e
MoMA, em Nova York.
Cini também é conhecida pelo traba-
texto joão lourenço
lunario Mesa com tampo de vidro
e base de chapa de aço
> PHILIP JOHNSON
J ciniboeriarchitetti.com
34 abd conceitual SETEMBRO/OUTUBRO 2014
fotos reprodução
lho com vidro. Em 1987, com a colaboração do
japonês Tomu Katayanagi, apresentou ao mundo a poltrona Ghost, produzida pela Fiam a partir de uma única peça de vidro temperado de
12 milímetros. Um copo desenhado pela designer foi usado por Harrison Ford no filme Blade
Runner, de 1982. Outra peça de vidro criada
por Cini é a mesa Lunario, lançada pela Knoll.
Nascida em Milão, em 1924, Cini Boeri
estudou arquitetura e desenho industrial na
Politecnico di Milano. Depois de formada,
iniciou longo período de colaboração com
Marco Zanuso, fundador da Arflex, empresa
italiana de mobiliário que lançou o sofá Strip,
best-seller da marca até hoje.
ghost chair Produzida a partir de uma única peça de vidro. Ao lado, o sofá modular STRIP
Frank Lloyd Wright, ao visitar a casa de vidro de
Philip Johnson, teria comentado, com algum
sarcasmo: “Aqui estou eu, Philip. Já estou dentro
de casa ou continuo no jardim? Devo tirar meu
chapéu ou mantê-lo na cabeça?”.
Inspirada na Farnsworth House,
projeto do alemão Mies van der Rohe, a
Glass House de Philip Johnson foi construída
entre 1945 e 1950 e serviu de laboratório e
morada para o arquiteto. Erguida em New
Canaan, Connecticut, a casa tem 170 metros
quadrados, todas as paredes externas são de
vidro e não há divisórias entre os cômodos –
com exceção do banheiro, que fica dentro de
um cilindro feito de tijolos.
Apesar do sarcasmo de Lloyd, a
construção permanece como um dos mais
icônicos exemplos do modernismo americano,
e Johnson – que se referia à Glass House
como “o diário de um arquiteto excêntrico” –
doou a casa para o National Trust for Historic
Preservation anos antes de morrer.
Nascido em Cleveland, Ohio, Philip
Johnson (1906-2005) é considerado um dos
nomes fundamentais da arquitetura modernista. Foi historiador e o primeiro diretor do departamento de arquitetura do MoMA (Museu de Arte Moderna de Nova York). Ao
longo da vida, assinou mais de 2 mil construções, tendo
como principal característica pensar os edifícios como
imensas “caixas de vidro”.
Algumas das obras mais conhecidas de Johnson
são o lobby e alguns interiores do edifício-sede da
Seagram (1958), em Nova York, na época o prédio mais
alto do mundo; o monumento a John F. Kennedy (1970),
em Dallas; e a Crystal Cathedral (1980), em Los Angeles.
J theglasshouse.org
> MAX INGRAND
O francês Max Ingrand (1908-1969) nasceu na
pequena Bressuire, cidade no centro-oeste da
França, e estudou na Escola de Belas Artes de
Paris, onde se especializou em artes decorativas, sob orientação de nomes como Jacques
Gruber e Charles Lemaresquier.
Considerado um dos mais importantes
vitralistas do século 20, ele produziu vidraças
decorativas para um grande número de
construções religiosas, hotéis e prédios
públicos. A Catedral de Notre-Dame, o castelo
de Chenonceau e o transatlântico Normandie
> Pierre Chareau
36 abd conceitual SETEMBRO/OUTUBRO 2014
fontana Candeeiro com estrutura
de metal pintada de branco e globo de
vidro opalino (1954)
lustre Latão e vidro colorido (1958)
fotos reprodução
A Maison de Verre (casa de vidro, em português) é o mais importante projeto arquitetônico de Pierre Chareau. Foi construída no fim da
década de 1920, em Saint-Germain-des-Prés,
bairro da boemia e dos intelectuais em Paris,
para o casal Annie e Jean Dalsace – ele, médico; ela, uma mulher apaixonada por literatura e
tudo que fosse atual e arrojado.
A ideia de Chareau era erguer uma
casa modernista, construída com o auxílio de
soluções tecnológicas avançadas e de execução rápida e econômica. Nesse sentido, não
deu muito certo. A casa extrapolou todas as
previsões iniciais: demorou quatro anos para
ser finalizada, além de ter custado bem mais do
que o planejado. O resultado final, no entanto,
fez da Maison de Verre um dos mais celebrados
exemplos do ideal sonhado pelos modernistas
das primeiras décadas do século 20.
As paredes externas da casa são feitas
de tijolos de vidro, surgidos na França no século
19 e ideais para permitir a entrada de luz. No
hall central, 11 colunas estruturam a casa inteira. As janelas são altas, movidas por manivela.
Painéis de metal perfurado ou de vidro dividem
os ambientes. O piso é quase todo forrado por
linóleo de borracha clara. A biblioteca tem estantes de metal que ocupam toda uma parede,
e escadas unem os andares sem delimitá-los.
Mais conhecido como designer de móveis, Pierre Chareau (1883-1950) teve a participação do serralheiro Louis Dalbet e do construtor
Bernard Bijvoet para colocar a Maison de Verre de
pé. Hoje, a casa pertence ao empresário americano Robert Rubin, que a comprou de Dominique
Vellay, neta do casal Dalsace.
têm obras de Ingrand. Até nas janelas da
Catedral da Sé, em São Paulo, há vitrais
executados por ele.
Max Ingrand, em 1954, assumiu a direção artística da FontanaArte, uma das mais
tradicionais marcas italianas de design, fundada, em 1932, por Gio Ponti, criador da revista
Domus. Durante os dez anos em que esteve
na empresa, Ingrand desenhou e desenvolveu
uma série de luminárias que entraram para a
história do design, como as luminárias de mesa
Ashanghai e Fontana.
COFFEE TABLEVidro, bronze
pintado e latão (1960)
ASHANGHAI Luminária de mesa com
base feita de vidro borosilicato transparente
e quadro de latão cromado (1955)
yACRÍLICO
A beleza etérea dos móveis TRANSLÚCIDOS
texto AMER MOUSSA
Philippe Starck
louis ghost chair (2002)
38 abd conceitual SETEMBRO/OUTUBRO 2014
fotos divulgação
Introduzido no mercado nos anos 1930, o acrílico é comercializado sob diversas patentes. Plexiglas,
Acrylite, Optix e Lucite são algumas delas. Derivado do plástico, que, por sua vez, vem do petróleo, o acrílico
tem uma relação com a indústria extremamente versátil. Isso se deve principalmente à sua capacidade de
permanecer claro e límpido, mesmo após ser esticado ou modelado. Para completar, a habilidade de emendar
peças utilizando apenas solventes, sem parafusos ou cola, torna os complexos objetos feitos de acrílico um
instigante enigma para os olhos.
O acrílico não deve ser confundido com o policarbonato, que tem melhor maleabilidade e mais resistência a impacto. Ambos são termoplásticos. Geralmente, opta-se pelo acrílico quando não são solicitadas
cargas excessivas. Além de ser mais acessível, não contém bisfenol – polêmica substância cancerígena banida
em diversos países e presente no policarbonato. Ademais, o acrílico, se comparado aos outros plásticos, tem
Patrick Jouin
SOLID C2 SIDE CHAIR (2008)
Tokujin Yoshioka
Invisible Table (2012)
uma excelente estabilidade ambiental: não amarela quando exposto ao sol, o que faz dele matéria-prima ideal
para usos externos.
No mercado de mobiliário e objetos para uso doméstico, pode-se afirmar que o acrílico provocou uma
revolução, com destaque para a Kartell. A empresa italiana há anos investe na pesquisa desse material e parceria com importantes designers, e o resultado tem sido fabuloso. Que o diga Philippe Starck. No último Salão de
Milão, em abril de 2014, foi apresentado o sofá Uncle Jack, mais uma colaboração do designer com a marca.
Produzido a partir de uma única peça de policarbonato injetado, o assento de três lugares é extremamente
resistente, e surpreendentemente leve.
Um verdadeiro “milagre da tecnologia”, orgulha-se Starck. “Por que o plástico? Porque é uma criação
humana, da nossa inteligência. Nós não criamos as pedras, a
madeira, nós criamos o plástico”, continua. Segundo Starck, o
plástico é o material perfeito para fabricar produtos em alto nível de qualidade e baixo custo. É o preferido dos praticantes do
design democrático.
O lançamento segue a onda da linha Ghost, também
em parceria com a Kartell. Louis Ghost (2002) é uma confortável poltrona de policarbonato transparente, desenhada no
estilo Luís XV. Apesar da aparência evanescente e cristalina, a
estrutura é estável e durável. A poltrona pode ser empilhada
em até seis unidades. É como se o espírito moderno tivesse sequestrado a forma barroca dos interiores dos palacetes para
revelar, por meio de um desenho simplificado, a potencialidade dos materiais contemporâneos.
Outra série de destaque da empresa é a Invisible Table (2012), em parceria com o designer japonês
Tokujin Yoshioka. Como o próprio nome diz, tratase de uma linha de mesas transparentes, que tendem a desaparecer no ambiente. Foi a primeira
mesa monobloco de material plástico, com
tampo quadrado medindo 100 cm x 100 cm
e cerca de 20 quilos. O objeto contribuiu
significativamente para a história do design, uma vez que conseguiu resolver
a estabilidade dos pés sem abrir mão
de um desenho elegante.
Mais utilitária, a Magino
Stool (2006), de Karim Rashid,
tira partido das dobras estruturais do acrílico para configurar múltiplas possibilida-
42 abd conceitual SETEMBRO/OUTUBRO 2014
des. O assento pode servir como banquinho, mesa de canto
ou revisteiro, uma vez que é possível alocar revistas e jornais
nas curvas do móvel. Outro modelo interessante de cadeira
feita com o mesmo material é a Solid C2 Side Chair (2008), do
francês Patrick Jouin. Mais conceitual, a obra é uma realização
de plástico da técnica de impressão 3D.
Entretanto, quando o assunto é inovação, nada se
compara à Bubble Chair, de Eero Aarnio. Projetada na Finlândia, durante o explosivo ano de 1968, a poltrona é formada
por uma esfera de acrílico seccionada para abrigar o assento
internamente. Suspenso por um cabo de aço, o ninho habitável
sugere a leveza de uma bolha de sabão – numa época em
que a conquista do espaço pelos homens se consolidava.
Impossível não imaginá-la no cenário do filme Barbarella
(1968), com as belas pernas de Jane Fonda cruzadas
para fora. Ou talvez aceitá-la como uma versão voadora da Bardi’s Bowl (Lina Bo Bardi, 1951).
Alguns designers de interiores evitam o
uso de móveis de acrílico ou policarbonato nos
projetos, por temer o excesso de ranhuras e
arranhões na superfície, ocasionados pelo
uso intenso. Recomendações dos fabricantes incluem não utilizar solventes
na limpeza, apenas panos levemente
úmidos. Quanto aos riscos, é impossível garantir que a peça vá sobreviver incólume; porém, já existem
no mercado ceras capazes de
removê-los com resultados
excelentes. Por sua beleza
etérea, vale o risco, não?
Eero Aarnio
karim rashid
bubble chair (1968)
Magino Stool (2006)
yelemento
vazado
abcdef
ghiklm
nopqrs
tuvxyz
COBOGÓ
qwerty
iopasd
fghzxc
vbnmqw
Ícone da arquitetura moderna, o elemento foi criado
em Pernambuco e ganha releitura em forma de Dingbat
texto Bruno Moreschi
Nos manuais de arquitetura, a definição de cobogó pode parecer simplória demais: trata-se de um elemento vazado encontrado
nas mais diversas construções. Afirmar que eles possibilitam mais ventilação e luminosidade ao interior do local também é muito pouco.
Isso porque o cobogó é mais do que apenas um procedimento utilizado frequentemente em construções de regiões quentes. Cobogó é
especialmente um patrimônio cultural do Brasil.
A ideia dos tais furinhos em fachadas começou no início do
século 20, por volta de 1930, na cidade de Recife. Por lá, dois comerciantes e um engenheiro se juntaram para pensar em uma maneira de
permitir que o vento entrasse com mais facilidade em casas, edifícios
comerciais e galpões industriais. Mas era preciso uma maneira simples
e barata para isso, visto que Pernambuco, nos anos 1930, não era tão
rica quanto Nova York ou Berlim, que se utilizavam cada vez mais da
associação entre arquitetura e alta tecnologia. Os três tiveram a ideia
de vazar parte das fachadas de cimento das construções, facilitando
a entrada da corrente de ar do exterior para o interior. A inspiração
44 abd conceitual SETEMBRO/OUTUBRO 2014
veio dos chamados muxarabis, um conjunto entrelaçado de tiras de
madeira, de origem árabe, que era usado nas janelas das casas para
que as mulheres pudessem ver o lado de fora sem que fossem vistas.
Concluindo que a singela ideia era uma grande solução,
Amadeu Oliveira Coimbra, August Boeckmann (os dois comerciantes) e Antonio de Góis (o engenheiro) a patentearam com um nome
que reúne as duas letras iniciais do sobrenome deles. Surgiu, assim,
o co-bo-gó.
Não só surgiu como também em muito pouco tempo se espalhou por outras cidades do Nordeste e para os mais diferentes locais de todo o Brasil. Exemplos da utilização dos cobogós em território
nacional não faltam: na Caixa d’Água, no Alto da Sé, em Olinda; nos
prédios da Universidade Federal do Mato Grosso; na Igreja de Nossa
Senhora da Imaculada, em Recife; em projetos mais contemporâneos, como na Casa Cobogó, projetada, em 2011, por Marcio Kogan e
Carolina Castroviejo. Este projeto é um capítulo à parte. Construída
em Brasília, em um condomínio de mansões de estilo neoclássico de
gosto, no mínimo, duvidoso, a casa pensada por Kogan e Castroviejo
tem uma fachada repleta de cobogós amarelos que combinam muito
bem com as linhas retas da residência.
Tamanha é a quantidade de cobogós no Brasil que parece ser
uma tarefa quase impossível mapear esse elemento arquitetônico. O
mais próximo que se chegou foca especificamente nos cobogós pernambucanos. O resultado está no livro Cobogó de Pernambuco, com
concepção do fotógrafo e designer Josivan Rodrigues e participação
dos professores e arquitetos Antenor Vieira e Cristiano Borba. Com
120 páginas, a obra é uma espécie de inventário sobre o cobogó na
arquitetura pernambucana e mostra como o elemento ainda persiste
nas construções do Estado.
Entretanto, mais surpreendente é outro projeto que nasceu
justamente a partir da pesquisa iconográfica do livro. Ela mostre como
o cobogó é permanentemente atualizado, não pertencente apenas à
arquitetura mais tradicional. Assim que tomou conhecimento do projeto que pretendia mapear os cobogós de Pernambuco, o designer
Guilherme Luigi teve a ideia de transformar alguns dos mais conhecidos estilos de cobogós em fontes chamadas de Dingbat. Sim, é isso
mesmo: fontes que podem ser utilizadas em qualquer computador.
A ideia é justamente espalhá-las mundo afora, visto que elas podem
ser baixadas gratuitamente no site dingbatcobogo.com.br. “Gosto de
pensar que não tenho controle de quem irá usá-las. Na arquitetura, o
cobogó sempre foi um elemento bastante dinâmico. O mesmo precisa se repetir no ambiente gráfico”, explica Luigi. O designer já tem
notícia de que lambe-lambes, capas de livros e objetos decorativos em
Miami foram feitos a partir das fontes.
Luigi já fez 72 caracteres, mas em pouco menos de um mês
deve criar outra quantia igual de novos caracteres. “Não se trata de
um resgate do cobogó. Trata-se de uma releitura”, conclui. Talvez esse
seja o segredo da ainda forte presença do cobogó em nossa arquitetura. Ele é um elemento vivo que está aí para ser transformado e
espalhado em todos os cantos. Como ele mesmo faz com o vento
que ajuda a circular.
yAll
i own
os objetos falam
Somos definidos pelos objetos que possuímos e pela materialidade
que nos rodeia e com a qual interagimos
texto marcos guinoza fotos sannah kvist
O que é uma chave? Resposta padrão: uma chave é um objeto que
usamos para abrir e fechar algo. Mas, para o filósofo francês Roger-Pol
Droit, há outros significados possíveis para uma simples chave: “Além
de ser um objeto que perdemos com frequência e que temos dificuldade de localizar, também fala da relação que temos com os outros.
Dar sua chave a alguém e retomá-la é o começo e o fim de todas as
histórias amorosas. Pode-se dizer também que amar alguém é abrir
portas no outro e deixar o outro abrir certas portas em nós mesmos”.
E a porta, o que é? “Não sabemos o que há atrás de uma porta. Há esse sentimento de poder mudar de mundo, de universo. Uma
porta significa a passagem, o espaço livre, mas a tábua que tapa esse
buraco também se chama porta. É possível dizer que a porta é o que
impede de passar pela porta.”
Essas e outras associações de ideias sobre “coisas” banais do
cotidiano estão reunidas no livro Dernières Nouvelles des Choses, em
que Droit analisa, de maneira lúdica, poética e filosófica, objetos como
o aspirador de pó, a frigideira, a máquina de lavar, o despertador, a secretária eletrônica e o guarda-chuva: “A primeira ideia, evidentemente,
é a de que ele serve para nos proteger da chuva. Mas ele protege mui-
48 abd conceitual SETEMBRO/OUTUBRO 2014
to mais do céu do que da água. É um pequeno teto portátil, que nos
protege do infinito”.
Os objetos com os quais as pessoas convivem no dia a dia de
modo automático e indiferente, sem reflexão, foram inventados pelo
homem e, por esse motivo, para Droit, “falam de nós mesmos e da
nossa relação com os outros”.
Sim, os objetos falam e, por meio deles, podemos conhecer e
entender a personalidade de cada pessoa.
Na série All I Own (tudo que eu possuo), cujas imagens ilustram estas páginas, a fotógrafa sueca Sannah Kvist pediu que amigos
juntassem alguns de seus objetos pessoais em um cômodo da casa
onde moravam e os fotografou em meio às “coisas” selecionadas por
cada um deles. A intenção de Sannah foi refletir sobre o consumismo,
sobre o tanto de quinquilharias que as pessoas acumulam ao longo
da vida – muitas vezes, levadas apenas pelo impulso de comprar. Mas,
ao observar as imagens com um pouco mais de atenção, é possível
desvendar detalhes da personalidade dos retratados. Os objetos que
os circundam “falam”, revelam traços peculiares do comportamento
deles, individualizando-os. Se um dos retratados surge na foto com
muitos livros, mostrando inclinação pela leitura, outra aparece
com várias máquinas fotográficas e um globo terrestre geográfico, o que entrega o gosto por viagens.
Segundo o professor britânico Ian Woodward, no livro
Understanding Material Culture, somos definidos pelos objetos que possuímos e pela materialidade que nos rodeia e com
a qual interagimos. É isso. Em linguagem silenciosa, os objetos
que possuímos falam por nós, comunicando aos outros quem
somos, nossos gostos, nossas informações, como enxergamos o mundo.
Mas há objetos e objetos. E alguns são mais importantes do que outros; alguns recebem de nós significados simbólicos que vão muito além de suas funções práticas. São os objetos com história.
Se você assiste à televisão, já deve ter visto. Tem um
comercial de uma empresa de classificados cujo slogan é:
“Desapegar é só começar”. Conjugar o verbo “desapegar”, no
entanto, nem sempre é tarefa fácil, principalmente quando os
objetos guardados carregam recordações. Em alguns casos,
desfazer-se de um sofá velho pode doer bem mais do que se
separar de algo mais necessário ou belo, porém sem nenhum
valor sentimental.
O designer Maurício Arruda costuma dizer que “o objeto com valor sentimental é garantia de sustentabilidade”. É o
mesmo preceito defendido por uma corrente da área de design
de produtos: desenvolver objetos capazes de estabelecer uma
relação emocional com as pessoas a fim de prolongar a vida útil
desses objetos e, assim, evitar o “descarte” precoce. É a chamada “sustentabilidade afetiva”.
É essa mesma afetividade que diferencia, por exemplo,
uma casa de um lar. No livro Era uma Vez uma Casa, uma
Casa Que Era um... Lar, o ilustrador e escritor britânico Alex T.
Smith conta a história dos amigos Um, Dois, Três e Quatro –
respectivamente, um alce, uma ursa, uma coelha e um texugo.
Os personagens dividem o mesmo teto, mas quando discordam
sobre em qual local morar, desmontam a casa e cada um leva
um pedaço dela consigo. Depois de se aventurar pelo mundo,
descobrem que, separados, acabaram perdendo o sentido de
lar. “Uma casa é feita de viga e concreto; um lar é feito de amor e afeto”, ensina a
obra voltada para o público infantil.
Mas, se amor e afeto fazem um lar, o que faz um lar ser só seu? Único?
Ter a sua cara? Dois designers de interiores respondem.
Roberto Negrete: “Todos temos humores variados e somos personas
diferentes, assim, a nossa casa tem que ter um pouco de cada uma delas para
que, não importa o momento, sempre nos abrigue, nos eleve, nos proteja. A casa
tem que ter alma. E pedaços da nossa história”.
Fabio Galeazzo: “Uma casa só é um lar quando tem sinais de desgaste.
Uma casa só se torna um lar quando tem pelos de gatos ou de cachorros sobre
o sofá. Marcas que acontecem no meio do caminho. Nessas casas existe movimento, passado e futuro festejam seu encontro no presente”.
Vivemos numa época de supervalorização do descartável, em que
muitos produtos são programados para se tornar obsoletos em poucos meses.
Guardar “pedaços da nossa história” e saber valorizar os “sinais de desgaste” servem como espécie de antídoto a essa tendência.
Para um objeto significar algo, tem que ter valor afetivo; para uma casa
virar um lar e ser única, tem que ter “movimento e alma”.
50 abd conceitual SETEMBRO/OUTUBRO 2014
sannah kvist
Após se formar, a fotógrafa se
mudou para Estocolmo, levando
um caminhão abarrotado de
coisas. Depois de um tempo na
capital sueca, abandonou o novo
apartamento e foi viajar pelo
país, carregando apenas uma
bolsa com computador, câmera
fotográfica e algumas peças de
roupa. Hoje, ela assina trabalhos
para a label ACNE e para a revista
Esquire, entre outros.
J sannahkvist.se
yRG
ANDRÉE PUTMAN
yPor Marcos Guinoza
QUEM Andrée Christine Aynard.
ONDE Andrée nasceu em Paris, em 23 de dezembro
de 1925. Tornou-se Andrée Putman em 1958, quando
se casou com o colecionador, editor e crítico de arte
Jacques Putman.
O QUE Andrée foi jornalista antes de virar uma das mais
respeitadas designers de interiores da França. Respeitada?
Bem mais do que isso. Permita-me um aumentativo, em
deselegante caps lock, seguido por um hiperbólico ponto
de exclamação: RESPEITADÍSSIMA! Afinal, não é qualquer
fulana que tem biografia capaz de compará-la a Coco
Chanel. Falam que Andrée, na decoração, representa o
mesmo que a icônica estilista foi para a moda.
Andrée poderia ter sido apenas “madame Aynard”.
Neta de um banqueiro, filha de pai intelectual e mãe pianista, nasceu em família abastada. Mas a garota logo se rebelou contra o luxo que a cercava, revolucionando completamente seu quarto ao substituir a pompa pela simplicidade.
Seus pais, claro, não gostaram nada, nada, da nova e “estranha” arrumação proposta pela filha: uma cama de ferro,
colheres chinesas e africanas dispostas sobre um banco,
uma cadeira Mies van der Rohe, um lustre Noguchi e, para
colorir o ambiente, pinturas abstratas expressionistas.
a designer que
o conceito de
por criadores esquecidos da década de 1930. “Eu amo os loucos, os
solitários. Mariano Fortuny, Eileen Gray e Pierre Chareau, por exemplo,
eram criaturas delicadas e condenadas a uma solidão fatal.”
Anos depois, em 1984, Andrée foi chamada para reformular os
interiores do Morgans Hotel, em Nova York. Foi nesse projeto que ela
usou, pela primeira vez, o xadrez em preto e branco na decoração –
recurso estético que se tornaria uma de suas marcas. E foi também a
partir desse projeto que surgiu o conceito de hotel-boutique. O termo
foi sugerido por Steve Rubell, dono do Morgans. Ao ser perguntado
sobre seu renovado estabelecimento, Rubell afirmou que os outros
hotéis eram grandes lojas de departamento, enquanto o Morgans era
uma pequena boutique. Mal sabia ele que, ao dizer isso, estava inaugurando um novo conceito de hotelaria e, de quebra, divulgando o nome
de Andrée Putman para o mundo.
POR QUE Dali em diante, Andrée, pouco a pouco, foi introduzindo seu
estilo sóbrio e “limpo” em projetos variados. Além de decorar residências em lugares como Dublin, Miami, Paris, Roma, Xangai, Tel-Aviv e
Tanger, foi ela quem desenhou os cenários do filme O Livro de Cabeceira (1996), do diretor britânico Peter Greenaway, e decorou o interior
do Concorde, avião supersônico franco-britânico que, ainda hoje, simboliza o melhor do design em aviação comercial.
definiu
hotel-boutique
Mesa Correspondances
Para Bisazza (2008)
Para Andrée, “estilo e dinheiro não têm nada a ver
um com o outro”. Alguém discorda? Para ela, “um bom design é puro e simples”. E foi assim, fiel às suas convicções
e sem jamais se render a modismos, que a designer construiu sua carreira.
QUANDO Andrée começou sua trajetória no design
quando já estava separada do marido. Livre para pintar e
bordar, abriu a própria empresa, chamada Ecart, e foi responsável por redescobrir e relançar móveis desenhados
Na moda, Andrée trabalhou com os estilistas Thierry Mugler,
Karl Lagerfeld e Yves Saint Laurent e com a grife Guerlain. Para Didier
Grumbach, presidente da Federação Francesa de Alta-Costura, Andrée
tinha “um estilo único na forma de se vestir e de olhar para os lugares”.
Mais: segundo Didier, a designer “redefiniu a elegância à francesa no
século 20”.
Em 1997, Andrée abriu o Studio Putman, que, desde 2007,
é dirigido por sua filha Olivia. Andrée Putman morreu em janeiro de
2013, em Paris, deixando a França um pouco menos elegante.
J andreeputman.com
ygALERIA
ALISON LOWRY
João Lourenço
yPor
acima: Found (and lost) e Dolly Mixtures
ao lado: the others (95% series)
HolyInnocence-InnocenceLost
Alison Lowry: “Sempre soube que queria trabalhar com as mãos,
mas nunca me senti confortável com materiais como argila e tecido.
Gosto da fragilidade e delicadeza do vidro. Às vezes, é um pouco
frustrante trabalhar com esse material, você nunca sabe o que esperar. Coisas que você passou meses planejando podem dar errado na
etapa final, quando o material vai para o forno, por exemplo. Tentar
algo diferente requer muita paciência. Vale lembrar que o vidro é
uma matéria-prima cara, o que aumenta a pressão”.
Alison nasceu em Belfast, na Irlanda do Norte, e, apesar de
ter presenciado a guerra entre católicos e protestantes em seu país,
diz que há trabalhos suficientes sobre os problemas que aquele
período causou e não usa “batalhas sangrentas” em sua obra. A
artista estudou produção têxtil e bordado criativo, mas não chegou
a explorar essas técnicas. Após o nascimento do primeiro filho, fez
outra faculdade. “Durante o curso, percebi que meu trabalho com esculturas era muito mais forte do que as minhas técnicas de design, e
logo me apaixonei por vidros. A identificação com o material foi imediata. Infelizmente, não havia um departamento específico dentro
54 abd conceitual SETEMBRO/OUTUBRO 2014
A fragilidade e delicadeza do vidro
da Universidade de Ulster. Meu último ano lá foi como um batismo
de fogo, tive que ir atrás das técnicas em que estava interessada, não
tinha ninguém para me ajudar.”
As técnicas utilizadas por Alison vão do tradicional vidro
fundido até a milenar pâte de verre – uma pasta de vidro desenvolvida pelos antigos egípcios e utilizada em acabamentos – e suas
esculturas buscam captar memórias de um tempo perdido, como na
série Empty Dress: “Estou interessada na maneira como certas roupas
podem armazenar memórias afetivas, como um vestido de noiva, por
exemplo. Cada vez que você abre o armário e vê uma peça especial,
é impossível não se lembrar do momento em que usou a peça pela
primeira vez”.
O trabalho de Alison varia de pequenas peças a obras
maiores para galerias e museus. Sobre o design, ela opina: “Nossa
geração tem uma noção mais rica e consciente. Hoje, esperamos
por produtos bem projetados em nossa casa e em nossa vida, não
importa qual seja o orçamento”.
J alisonlowry.co.uk
fotos divulgação
empty dress

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