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Fundação Educacional de Divinópolis - FUNEDI
Universidade do Estado de Minas Gerais - UEMG
Mestrado em Educação, Cultura e Organizações Sociais
A REFLEXÃO COMO INSTRUMENTO DE MUDANÇA DA PRÁTICA PEDAGÓGICA
Aparecida Maria Jerônimo Miranda
Divinópolis – MG
2009
Aparecida Maria Jerônimo Miranda
A REFLEXÃO COMO INSTRUMENTO DE MUDANÇA DA PRÁTICA PEDAGÓGICA
Dissertação apresentada ao curso Mestrado de
Educação,
Cultura
e
Organizações
Sociais
FUNEDI/UEMG, como requisito à obtenção do título de
Mestre em Educação, Cultura e Organizações Sociais.
Área de concentração: Estudos Contemporâneos
Linha de Pesquisa: Cultura e Linguagem
Orientadora: Profª. Drª. Ana Mónica Henriques Lopes
Divinópolis – MG
2009
M672r
Miranda, Aparecida Maria Jerônimo
A reflexão como instrumento de mudança da prática pedagógica
[manuscrito] / Aparecida Maria Jerônimo Miranda. – 2008.
104 f., enc.
Orientador : Ana Mónica Henrique Lopes
Dissertação (mestrado) - Universidade do Estado de Minas Gerais,
Fundação Educacional de Divinópolis.
Bibliografia : f. 100-104
1. Professores - Formação .2. Professores reflexivos. 3.Professor Prática docente. I. Lopes, Ana Mónica Henrique. II. Universidade do
Estado de Minas Gerais. Fundação Educacional de Divinópolis. III. Título
CDD: 370.71
AUTORIZAÇÃO PARA A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA DA
DISSERTAÇÃO
Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta
dissertação intitulada “A reflexão como instrumento de mudança da prática pedagógica”, autoria de
Aparecida Maria Jerônimo Miranda, por processos de fotocopiadoras e eletrônicos. Igualmente, autorizo
sua exposição integral nas bibliotecas e no banco virtual de dissertações da FUNEDI/UEMG.
Aparecida Maria Jerônimo Miranda
Divinópolis, 16 de Abril de 2009
A meu esposo, Hézio Agostinho de Miranda, pelo amor,
apoio e incentivo constantes. Às minhas filhas, Clara Alice
e Sofia Anita pela ajuda e compreensão por tantas horas de
estudo que deixaram de ser dedicadas a elas.
AGRADECIMENTOS
A Deus pelo dom da vida e por ser meu porto seguro.
À minha querida avó Maria das Dores que me criou com tanto carinho e dedicação, que me mostrou as
primeiras lições sobre a vida. Pelo seu caráter e simplicidade.
A meu esposo Hézio, que sempre esteve a meu lado me dando incentivo e apoio nos momentos de
dificuldade, e nunca deixou de acreditar na minha vitória. Pelo seu amor e afeto.
Às minhas filhas Clara Alice e Sofia Anita, presentes de Deus na minha vida, pelo seu carinho e
incentivo, sempre dispostas a me ajudar nas dificuldades encontradas. Pela sua amizade e apoio.
Ao professor José Raimundo Bechelaine, que me estimulou a ingressar na academia. Pela sua atenção e
acolhida.
Ao professor José Geraldo Pedrosa, que me deu as primeiras orientações sobre este trabalho. Pelo seu
empenho e apoio.
À minha querida orientadora, professora Ana Mónica Henriques Lopes, que sempre esteve a meu lado
e me ajudou a encontrar o caminho certo para a conclusão deste trabalho. Pelo seu carinho e amizade.
Às minhas colegas de mestrado Alba, Mercedes e Flávia, que se tornaram amigas queridas, dividindo
comigo as alegrias e as dúvidas durante nosso período de estudos. Pela sua amizade e cumplicidade.
Às minhas colegas de estrada Eni Aparecida e Nina, que sempre estiveram comigo me apoiando e
ajudando nas adversidades da vida. Pelo seu estímulo e apoio.
À minha sobrinha Paula, que sempre acreditou nas minhas idéias, me apoiou na conclusão deste
trabalho. Pela sua atenção e carinho.
A todas as pessoas que, direta ou indiretamente, contribuíram para o meu crescimento pessoal e
profissional, e se tornaram responsáveis por mais essa conquista que estou realizando.
RESUMO
A escola pública no Brasil vem atravessando uma crise bastante séria no que se refere à sua identidade,
enquanto entidade responsável pela formação das novas gerações. Como a escola é uma instituição
inserida na sociedade, passa pelos mesmos conflitos que a afligem no contexto atual de mudanças tão
intensas de valores e paradigmas. Os professores, como não poderiam deixar de ser, estão vivendo esse
dilema mais intensamente, uma vez que eles estão diretamente ligados ao processo de
ensino/aprendizagem e que sofrem mais os efeitos dessa instabilidade da vida moderna.
Diante da realidade desses profissionais, buscam-se explicações para o problema e alguns estudos
importantes já foram feitos sobre o tema. Mediante essa realidade pode-se afirmar que reflexão e
participação crítica são fundamentais para o desenvolvimento de processos de ensino/aprendizagem
eficientes no contexto do mundo contemporâneo. Neste trabalho, serão analisadas práticas docentes e a
reflexão como prática cotidiana do ofício de professor. A proposta de professor reflexivo que será
abordada não se refere à reflexão que todo ser humano faz acerca de suas ações aleatoriamente, mas
uma reflexão sistemática com o objetivo de formar um arsenal de estratégias, ou seja, o habitus, para
que o professor possa lançar mão em situações inusitadas. É próprio do ofício de professor lidar com
situações inéditas, sem que haja tempo para planejar uma ação eficiente. No entanto, se o professor
reflete sobre sua prática, sobre suas decisões e consequências destas para o andamento de sua classe,
ele vai adquirindo experiências que podem ajudar em um momento oportuno. Esta prática também
contribui para melhorar a qualidade do ensino no dia-a-dia.
PALAVRAS-CHAVE: Formação, professor, educação e reflexão.
ABSTRACT
The public school in Brazil comes crossing a sufficiently serious crisis as for its identity, while
responsible entity for the formation of the new generations. As the school is an inserted institution in
the society, it passes for the same conflicts that afflict it in the current context of so intense changes of
values and paradigms. The professors, as they could not leave of being, are living this quandary more
intensely, a time who are they who are directly on to the education process/learning and that they suffer
more the effect from this instability of the modern life. Ahead of the reality of these professionals,
explanations for the problem search and some important studies already had been made on the subject,
where if it concludes that reflection and the critical participation is basic for the development of
processes of efficient education/learning in the context of the world contemporary. They will be being
analyzed the practical professors and the reflection as practical daily of I officiate it of professor. The
proposal of reflective professor who will be boarded in this work not relates to the reflection that all
human being makes randomly concerning its action, but a systematic reflection with the objective to
form an armory of strategies, that is, habitus, so that the professor can launch hand at a moment where
an unusual situation appears. He is proper of the craft of professor to deal with unknown situations,
where it does not have time to plan an efficient action. However, if the professor reflects on practical
its, on its decisions and consequences of these for the course of its classroom, it go acquiring
experiences that can help at an opportune moment. This practical also contributes to improve the
quality of education in day-by-day.
Key Words: Formation, professor, education and reflection
SUMÁRIO
1
INTRODUÇÃO ............................................................................................................
12
1.1
Metodologia ....................................................................................................................
17
1.2
Hipóteses .........................................................................................................................
21
2
HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO .....................................................................................
23
2.1
Os primórdios da educação ............................................................................................
25
2.2
História da Educação no Brasil ......................................................................................
32
2.3
O público e o privado na Educação brasileira ................................................................
41
2.4
A Educação no século XX ..............................................................................................
45
3
A FORMAÇÃO DE PROFESSORES ..........................................................................
47
3.1
O ofício de professor .......................................................................................................
55
3.2
A profissionalização dos professores ...............................................................................
58
3.3
O processo de proletarização do ofício de professor .......................................................
62
3.4
Mecanismo de controle e perda de autonomia ................................................................
66
3.5
Em busca da profissionalização através da reflexão .......................................................
73
4
O PAPEL DA ESCOLA NA SOCIEDADE ................................................................
78
4.1
Diferença entre Ensino e Educação .................................................................................
81
4.2
A Religação dos saberes como alternativa para a melhoria da qualidade da educação ..
84
4.3
Para que o professor seja reflexivo, a escola também deve ser ........................................
89
4.4
A importância da educação na formação das crianças e jovens ......................................
92
5
CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................
95
REFERÊNCIAS ............................................................................................................
100
12
1 INTRODUÇÃO
Fala-se muito, hoje, sobre a competência, habilidades e formação profissional. A situação dos
professores está em evidência, pois depende deles qualquer formação acadêmica. No entanto, os
professores se sentem frustrados diante de tantas adversidades encontradas no seu dia-a-dia. Condições
de trabalho inadequadas, formação acadêmica insuficiente para atender às necessidades básicas do
aluno, desvalorização perante a comunidade escolar e desvalorização profissional. Questões como
essas serão estudadas, a partir de uma bibliografia específica e esperam-se encontrar algumas respostas
que possam esclarecer a situação dos profissionais da educação que estão nas escolas formando os
futuros cidadãos e profissionais.
Assim como a sociedade em geral está atravessando uma séria crise de identidade, definição de
fronteiras e reconhecimento dos valores que a norteiem, a escola como reprodutora dos acontecimentos
sociais também se encontra em uma encruzilhada e procura encontrar o seu caminho, qual a direção
seguir. BOAVENTURA (1999), afirma que o paradigma dominante encontra-se em crise e em seu
lugar o paradigma emergente com suas contradições e desconstruções. Assim também se encontra a
escola em meio a uma realidade caótica, pois modelo antigo baseado em métodos ultrapassados
impregnados do “positivismo e tecnicismo” não cabe mais em um mundo globalizado interligado por
satélites que apreende o mundo na tela de um micro-computador. No entanto, essa realidade fluida e
gelatinosa não é acompanhada pelos programas escolares que continuam a privilegiar a fragmentação
do conhecimento através das disciplinas fechadas e compartimentalizadas, especialmente nas escolas
públicas e de periferia, onde as condições e recursos são mais escassos. Para o professor, a situação
também não é fácil, pois com os baixos salários ele não tem condições financeiras para se atualizar e
dispor dos recursos tecnológicos no seu dia-a-dia; porém, cabe a ele a tarefa de conectar o aluno com o
conhecimento.
É relevante lembrar que o conhecimento exigido pelo mundo, muitas vezes, não é o mesmo que o
professor tem acesso ou aprendeu na universidade. Aliado a esse grande impasse, os professores ainda
precisam conviver com alunos vindos dos mais diferentes meios sociais. Especialmente as escolas
públicas atuais, segundo o discurso de muitos professores e relatórios de organismos oficias como a
UNESCO, lidam com alunos mais carentes que vivem em situação de risco, com aqueles mais
13
desestruturados (com deficiências cognitivas, afetivas, comportamentais entre outras). Esse grupo de
alunos passou a integrar a rede de ensino após a Carta Constitucional de 1934. Antes desse período, o
acesso à educação era restrito, só frequentavam as escolas públicas as crianças de classe média e alta,
raramente alunos de classe baixa tinham essa oportunidade. Após a obrigatoriedade da Lei, um novo
perfil de aluno surgiu e as escolas não estavam preparadas para conviver com essa diversidade.
O conhecimento ganha novos contornos a partir de Descartes1 com a questão do método. Instala-se a
dúvida sobre o conhecimento aparente, empírico, surgindo a necessidade de investigação através do
método. Este é o primeiro passo para a especialização, para a divisão do saber em compartimentos
fechados. A história mostrou que essa “especialização” dificultou o conhecimento global de um objeto,
trazendo prejuízos que duram até hoje quando o assunto é o saber. Como afirma MORIN (2003, contra
capa): “Não se pode conhecer as partes sem conhecer o todo, nem conhecer o todo sem conhecer as
partes”. A disciplina é importante, porém mais importante é ela ser aberta para que possam ser visitadas
por outras disciplinas (visitar a sala ao lado) com o intuito de estabelecer teias de conexão entre os
vários pontos de vista de um objeto e se construa a complexidade do conhecimento, evitando a
proliferação de disciplinas híbridas que acabam se tornando autônomas, sem comunicação. Este é o
grande desafio para o século XXI, como afirma MORIN:
A reforma do pensamento é uma necessidade democrática fundamental: formar cidadãos capazes
de enfrentar os problemas de sua época é frear o enfraquecimento democrático que suscita, em
todas as áreas da política, a expansão da autoridade dos experts, especialistas de toda ordem, que
restringe progressivamente a competência dos cidadãos. Estes são condenados à aceitação
ignorante das decisões daqueles que se presumem sabedores, mas cuja inteligência é míope,
porque é fracionária e abstrata. O desenvolvimento de uma democracia cognitiva só é possível
com a reorganização do saber: e esta pede uma reforma do pensamento que permita não apenas
isolar para conhecer, mas também ligar o que está isolado, e nela renasceriam, de uma nova
maneira, as noções pulverizadas pelo esmagamento disciplinar: o ser humano, a natureza, o
cosmo, realidade. [...] Essa reforma é vital para os cidadãos do novo milênio, que permitiria o
pleno uso de suas aptidões mentais e constituiria não, certamente, a única condição, mas uma
condição sine qua non para sairmos de nossa barbárie. (MORIN, 2003, p.103-104).
Essa mudança de mentalidade nas ações das instituições escolares só será possível através da reflexão
proposta por Perrenoud e outros estudiosos da realidade educacional. A reflexão sobre as ações
realizadas e a mudança consciente das propostas pedagógicas buscando adequar a educação às
1
1637, são plublicados três pequenos resumos de sua obra científica: A Dióptrica, Os Meteoros e A Geometria. Esses
resumos, que quase não são lidos atualmente, são acompanhados por um prefácio e esse prefácio foi que se tornou famoso:
é o Discurso sobre o Método.Disponível em http//:www.mundodosfilosofos.com.br/descartes.htm. (consulta:20-04-09)
14
exigências do novo milênio, poderá ser a solução para tantos conflitos que afetam as escolas na
atualidade. Este também é o pensamento de DOMINGUES (2001, p.38) quando afirma: “... é
imperioso nos movermos em uma educação inicial mais ampla, capaz de produzir graduados mais
adaptáveis, com capacidades de auto-aprendizado e tráfego nos espaços transdicisplinares.” O grande
desafio que se coloca para educação do terceiro milênio se concentra neste ponto onde os egressos das
universidades possam ser capazes de estar em constante aprendizado e mais do isso, que possam
“aprender a aprender”. É certo que nenhuma instituição de formação será capaz de preparar um
indivíduo para a diversidade de conhecimentos que o mundo oferece, cada um deve por conta própria
encontrar meios de acompanhar as mudanças.
Uma reflexão direcionada através do habitus colocada em prática por todos os educadores poderá
promover a religação dos saberes, desenvolvendo nos alunos a postura crítica e flexível que a
contemporaneidade requer. A grande dificuldade apresentada pela atualidade está no fato de a
sociedade viver um momento de crise de paradigmas, por isso o conhecimento é a chave para
solucionar muitos problemas que estão postos no cenário social. A complexidade das relações sociais
exige cada vez mais o conhecimento “especializado”, no entanto esse saber não deve ser fragmentado,
precisa ser global. A especialização deve estar inserida em um contexto global, fazendo com que o
profissional possa transitar com segurança entre os vários campos do conhecimento, utilizar sua
linguagem específica, ou seja, ele deve ser capaz de ler as questões da sociedade em um contexto geral
a partir de sua especialização e permitir que outros especialistas também façam a conexão com o seu
saber. No final, as diversas especialidades devem estar interligadas por teias de comunicação que se
estabeleçam com o objetivo de religar o conhecimento em uma unidade global.
A formação de professores, sob uma perspectiva reflexiva, apresenta-se como uma alternativa para
promover a transdisciplinaridade, uma vez que conduzirá a um conhecimento global e a estabelecer
relações com os vários campos do conhecimento, promovendo a religação dos saberes. A proposta da
“religação dos saberes” defendida por MORIN (2005) se apresenta como uma nova perspectiva para
atender às necessidades da sociedade moderna, podendo ser uma chave para ler as propostas do
paradigma emergente que se coloca na cena contemporânea.
A educação se encontra intrinsecamente ligada à cultura e à linguagem, uma vez que se desenvolve
dentro de um contexto histórico e cultural se constituindo em mecanismo essencial para o
desenvolvimento da cultura de um povo. A linguagem é o instrumento utilizado para abrir o debate
15
sobre o conhecimento que se quer apresentar sobre o mundo, ou ainda, para despertar novas leituras
que estão por trás da linguagem oficial, representando uma forma crítica de transmitir uma ideologia ou
de produzir outras impressões sobre o que está sendo dito. A formação de professores é um tema que se
conecta inteiramente aos estudos culturais, pois eles são agentes diretos da educação, e esta se constitui
em uma das práticas mais antigas do ser humano. A preocupação com a educação dos filhos vem
sendo praticada desde os primórdios da sociedade.
Esta pesquisa tem por objetivo apresentar argumentos sobre a prática reflexiva de professores como
alternativa para a mudança da qualidade de ensino das escolas públicas e sua importância para diminuir
a frustração do profissional de ensino mediante as cobranças do sistema e da sociedade sobre sua
atuação na educação dos jovens e das crianças. Uma vez ciente de seu papel na sociedade, o professor
passará a reconhecer a si próprio como um profissional, suas limitações e suas possibilidades para o
sucesso de profissão, evitando o mal-estar que se encontra presente no cotidiano de muitos professores,
levando-o inclusive a desenvolver doenças ocupacionais provocadas pela frustração de não
corresponder de maneira satisfatória às atribuições de sua profissão. Esta reflexão o levará também a
desenvolver atitudes de mudanças com relação ao ensino-aprendizagem, buscando alternativas para
fazer com que a aprendizagem ocorra de maneira mais efetiva e eficiente. Se o professor reflete sobre
sua prática, reflete também sobre seu efeito sobre o aluno, caso as estratégias de ensino utilizadas não
funcionem, ele dispõe de outros argumentos para que ela se concretize de maneira eficiente.
Será abordada a reflexão como instrumento de mudança da prática pedagógica, buscando dar
significado aos conteúdos que são ensinados aos alunos e a sua assimilação como elemento de inserção
efetiva na sociedade. Relembrando o conceito escrito por GINZBURG (2001), quando fala do segundo
corpo do rei, que em um funeral eram usados bonecos de cera ou efígie de madeira para representar as
duas personalidades contidas na mesma pessoa: uma humana, e perecível; outra, na figura de um deus e
imortal, assim também é o professor representando duas personalidades distintas, uma pelo profissional
que tem como missão transmitir conhecimentos, e outra de um ser social que tem como
responsabilidade contribuir para a formação do aluno enquanto ser humano, com valores e virtudes.
Essa tarefa se torna mais complexa ainda no contexto contemporâneo, onde a informação e a (de)
formação andam juntas e estão a todo instante cercando nossos jovens e atraindo cada vez mais sua
atenção. Juntando-se a todo turbilhão imagens, sons, convites, a família encontra-se desestruturada no
que diz respeito à formação de seus filhos, pois a correria da vida moderna não dá espaço para que pais
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e filhos possam dialogar, resolver diferenças e transmitir os valores que receberam de seus pais (se
estes ainda estão dentro da validade). Essa tarefa é, portanto, relegada à escola, que se encontra também
sob a crise dos paradigmas que afetam toda a sociedade, sem ter solução para seus próprios conflitos,
acaba aceitando mais uma tarefa difícil de realizar, aumentando, assim, suas contradições. Toda a carga
de formar e informar, de uma forma ou de outra, chega às mãos dos professores, que por sua vez
entram em crise e se sentem frustrados por não realizarem nem uma nem outra tarefa que lhes foi
confiada. Diante de todos esses dilemas, existem estudiosos e pesquisadores que buscam uma luz no
fim do túnel, através de estudos e experiências bem sucedidas que têm como finalidade melhorar a
qualidade de ensino e diminuir as tensões vividas pelos professores.
Incluir a reflexão na formação do professor da Educação Básica é utiliza-la como instrumento de
melhoria da qualidade de ensino e valorização do profissional enquanto agente social de transformação
da sociedade. Baseando-se neste tema será realizada uma pesquisa bibliográfica de alguns autores que
discutem a aplicação da reflexividade em países europeus, nos Estados Unidos, onde surgiu a corrente
de pensamento, até chegar ao Brasil conquistando muitos adeptos.
A teoria da Reflexão-ação-reflexão foi elaborada pelo norte-americano John Dewey (1859-1952),
baseada no pragmatismo de William James2, que se tornou um dos pedagogos americanos mais
importantes por contribuir de forma decisiva para divulgação dos princípios da escola nova. Dewey
dizia que “o conhecimento é uma atividade dirigida que não tem um fim em si mesmo, mas está
voltado para a experiência. As idéias são hipóteses de ação e são verdadeiras na medida em que
funcionem como orientadoras da ação”. Dewey não se refere à reflexão que é inerente ao ser humano,
que reflete sobre todos os seus atos, que utiliza o seu raciocínio. Ele fala de uma reflexão especial,
programada que só pode efetivar-se na ação, e sendo realizada com esse propósito, configura-se em um
hábito, o hábito de refletir; com esta prática, o professor vai criando um “banco de experiências” que
será utilizado quando uma situação similar acontecer e confere segurança para criar e solucionar
problemas novos aumentando o repertório de soluções. Com sua teoria criou a escola progressiva que
se transformou na bandeira de luta de muitos educadores até os nossos dias. Nos anos setenta, o
filósofo Donald Shön retomou os estudos de Dewey e desenvolveu projetos para a formação de
profissionais reflexivos, não somente no campo da educação, mas voltado para todos os trabalhadores.
2
O Pragmatismo constitui uma escola de filosofia com origens nos Estados Unidos da América, caracterizada pela
descrença no fatalismo e pela certeza de que só a ação humana, movida pela inteligência e pela energia, pode alterar os
limites da condição humana. Este paradigma filosófico caracteriza-se, pois, pela ênfase dada às consequências – utilidade e
sentido prático – como componentes vitais da verdade.(Wikpédia, a enciclopédia livre.mhp. 24-07-2008,8:55)
17
Segundo Shön a prática reflexiva transforma, desperta a criatividade e faz com que o trabalho seja mais
eficaz e produtivo, melhorando, assim, sua qualidade.
1.1 Metodologia
A pesquisa científica é avaliada, segundo DEMO (1991), pela sua qualidade política e pela sua
qualidade formal. Qualidade política refere-se fundamentalmente aos conteúdos, aos fins e à substância
do trabalho científico. Qualidade formal diz respeito aos meios e formas usados na produção do
trabalho. Refere-se ao domínio de técnicas de coleta e interpretação de dados, manipulação de fontes de
informação, conhecimento demonstrado na apresentação do referencial teórico e apresentação escrita
ou oral, em conformidade com os ritos acadêmicos. Além disso, insere a pesquisa como atividade
cotidiana considerando-a como uma atitude, um “questionamento sistemático crítico e criativo, mais a
intervenção competente na realidade, ou o diálogo crítico permanente com a realidade em sentido
teórico e prático.” (DEMO, 1996, p.34).
Minayo faz a analise através de um prisma mais filosófico, considerando a pesquisa como:
[...] atividade básica das ciências na sua indagação e descoberta da realidade. É uma atitude e
uma prática teórica de constante busca que define um processo intrinsecamente inacabado e
permanente. É uma atividade de aproximação sucessiva da realidade que nunca se esgota,
fazendo uma combinação particular entre teoria e dados. (MINAYO,1993 p. 23)
Para GIL, a pesquisa tem um caráter pragmático, é um “processo formal e sistemático de
desenvolvimento do método científico. O objetivo fundamental da pesquisa é descobrir respostas para
problemas mediante o emprego de procedimentos científicos.” (GIL, 1999, p.42). Pesquisa é um
conjunto de ações, propostas para encontrar a solução para um problema, que têm por base
procedimentos racionais e sistemáticos. A pesquisa é realizada quando se tem um problema e não se
têm informações para solucioná-lo.
DOMINGUES (1999, p. 352) diz que o homem é o “ser da falta, o problema é ele queria ser deus, e os
deuses não deixaram, castigando-o com a morte, a decadência do corpo, as doenças e as penas do
trabalho.” O conhecimento é uma ferramenta que o homem dispõe para resolver sua fraqueza. Através
18
do conhecimento ele pode buscar a superação do óbvio, chegando se não à perfeição, pelo menos
próximo.
Diante das definições consagradas sobre a pesquisa cientifica, optou-se, neste trabalho, pela realização
de uma pesquisa bibliográfica tomando-se como referencial a análise do discurso. De acordo com GIL
(2002), a análise do discurso é composta de vários enfoques no estudo de texto: o sujeito da linguagem
não é o sujeito em si, mas aquele construído socialmente; a linguagem é não é um mero instrumento de
construção do discurso, mas faz parte dele e o identifica, uma vez que o discurso nunca é ingênuo ou
puro, está sempre impregnado de ideologia. O discurso é uma prática, uma ação do sujeito sobre o
mundo, portanto para compreendê-lo é necessário contextualizá-lo no tempo e espaço a fim de alcançar
um significado. Ao fragmentar um discurso e inserir os fragmentos em outro cenário, fatalmente o
significado será alterado e sua compreensão também. Neste novo contexto se produzirá um novo
discurso.
Na perspectiva da Análise do Discurso, destaca-se ENI ORLANDI( 2007 ), pesquisadora brasileira que
analisa o pensamento de Michel Pêcheux3, segundo a qual “na Análise do Discurso, procura-se
compreender a língua fazendo sentido, enquanto trabalho simbólico, parte do trabalho social,
constitutivo do homem e da sua história” (ORLANDI. 2007, p.15). Os estudos dessa autora são
relevantes para entender o discurso como ideologia que será desenvolvido nessa pesquisa. Aliando seu
pensamento a outros autores procurar-se-á conceber a linguagem como um instrumento para realizar
novas leituras acerca de um objeto, no caso “ a reflexão”:
[...] a Análise do Discurso visa a compreensão de como um objeto simbólico produz sentidos,
como ele está investido de significância para e por sujeitos. Essa compreensão, por sua vez,
implica em explicitar como o texto organiza os gestos de interpretação que relacionam sujeito e
sentido. Produzem-se assim novas práticas leitura. (ORLANDI, 2007, p.26-27).
Na ótica da Análise do Discurso, a linguagem não é um simples instrumento de comunicação ou de
transmissão de informação. Ela é mais do que isso, pois também serve para não comunicar. A
linguagem é o lugar de conflitos e confrontos, pois ela só pode ser apanhada no processo de interação
3
Michel Pêcheux é o fundador da Escola Francesa de Análise do Discurso, que teoriza como a linguagem é materializada
na ideologia e como esta se manifesta na linguagem. Ele concebe o discurso como um lugar particular em que esta relação
ocorre, e pela análise do funcionamento discursivo, objetiva explicar os mecanismos de determinação histórica dos
processos de significação. Disponível em: http//.www.estudosdalinguagem.org/revistas/n1 jun 2005/artigos/ orlandi.pdf.
Acesso em 20-04-2009.
19
social. É preciso estar atento aos enunciados que estão presentes no discurso para compreender a
mensagem que certo discurso que anunciar. Cabe ao pesquisador buscar o que está além do óbvio, nas
“entrelinhas” do discurso. Um discurso é proferido criando uma “imagem” ou uma “representação” do
sujeito. Por exemplo: o professor é construído pelo discurso que é produzido sobre ele, existe um
modelo estabelecido pela sociedade, endossado pelas teorias que são produzidas a seu respeito.
Portanto, sua imagem já foi constituída, está localizada no tempo e no espaço, em um contexto próprio
e vai sendo modificada de acordo com a necessidade da sociedade seguindo as determinações das
instituições de poder que os regem.
Na análise do discurso, o sujeito é histórico, porque está inserido em um contexto histórico que lhe dá
sentido; é social porque é constituído em um espaço coletivo que não se restringe ao “eu” individual,
mas o sujeito construído coletivamente, como se mostra. Um discurso nunca está só, ele move em
direção de outros discursos e é atravessado por vozes e contextos. Cada vez que um texto é analisado,
ele se transforma em outro texto com interpretações diferentes, dependendo do contexto e de quem o
produziu. Um discurso nunca é ingênuo, ele tem sempre um propósito por trás das palavras, “as
relações de linguagem são relações de sujeitos e de sentidos e seus efeitos são múltiplos e
variados”(ORLAND,2007, p.21). Quando um discurso é proferido, já surge pertencendo a uma
ideologia, não é puro, pois mesmo antes de sua concepção já existia um contexto que remetia para a
construção do discurso com a linguagem própria estabelecida para aquele momento e lugar, sendo,
portanto, resultado de uma relação de poder e de saber que determinam o curso das relações.
A opção pela pesquisa bibliográfica foi feita partindo do pressuposto de que um bom texto sobre o
tema se constitui em campo de pesquisa muitas vezes mais fecundo que o “campo” propriamente dito.
Baseando-se em SACRISTÁN (2002), o professor que produz (pesquisador) o discurso não é o mesmo
que trabalha (o professor que atua na educação básica), por isso pode haver uma grande distância entre
ambos. Optou-se por trabalhar com o discurso do professor pesquisador; pois através desse estudo mais
distanciado do “problema” da sala de aula é possível se fazer uma análise isenta de emoção do que se o
trabalho fosse feito utilizando o trabalho de campo através de questionários, entrevista. A distância
entre o professor que produz e o que trabalha resulta estudos diferentes, pois diante da hierarquia
existente, o professor que trabalha se sente inferior ao pesquisador (que ostenta status superior) e não
fala abertamente de seus problemas, ele não expõe seus dramas ao professor pesquisador por medo de
ser considerado incapaz. A pesquisa bibliográfica tem a oportunidade de analisar a teoria exposta que
20
deverá ser aplicada pelo professor que executa o trabalho. Através da postura reflexiva, o professor
utilizará aquela que melhor será aproveitada no seu ambiente de trabalho.
Portanto, será realizada uma pesquisa bibliográfica tomando como suporte teórico os autores Philippe
Perrenoud, Edgar Morin, Antônio Nóvoa e Miguel Arroyo que tratam desse assunto com o objetivo de
dar sustentação teórica ao trabalho. Esses autores discutem a formação de professores reflexivos como
alternativa para melhorar a qualidade da educação que é oferecida atualmente pelas instituições de
ensino públicas. E também como alternativa para que os próprios professores possam corresponder às
expectativas que a sociedade deposita neles. A sociedade está passando por uma crise de paradigmas
que afetam as sociedades como um todo e de maneira bem direta às escolas como instituições
encarregadas da formação de crianças e jovens. A crise está presente no cotidiano das escolas,
deixando-as em uma encruzilhada, como afirma COHEN, (2000, p. 26) “o monstro nasce nessas
encruzilhadas metafóricas, como a corporificação de certo momento cultural de uma época, de um
sentimento e de um lugar.” O professor tem se sentido um monstro que não se encaixa nas
determinações delegadas a ele, não consegue ver sentido em suas atividades uma vez que as teorias
aprendidas durante sua formação pouco servem para resolver os conflitos enfrentados por ele na sala de
aula. No momento de crise o monstro se apresenta: “o monstro que se revela, que adverte” (idem),
através da proposta de reflexividade o professor busca formas de sair da crise e encontrar um caminho
através do habitus que adquire através das experiências vividas. A reflexão não é introspectiva, mas
decorre da ação praticada por um sujeito, ela começa a partir de uma ação concreta, de uma experiência
que irá desencadear uma reflexão da qual se terá subsídio para agir prontamente no futuro quando se
deparar novamente com a mesma situação.
Conforme afirma PERRENOUD (1999), qualquer um que é projetado em uma situação difícil, sem
formação adequada, desenvolve uma atitude reflexiva por necessidade. Ser criativo faz parte do ofício
do professor para enfrentar as situações adversas a que está submetido. Mas não é dessa reflexão
forçada que se pretende tratar neste projeto, mas sim de uma reflexão direcionada no sentido de
melhorar a prática do ofício de professor, levando-se em conta o esforço que esses profissionais estão
fazendo para se aperfeiçoarem, para estarem aptos a desenvolver bem seu papel dando o retorno que se
espera deles. Para que isso aconteça é preciso percorrer um longo caminho, pois o professor encontrase em uma situação de descrédito e desvalorização perante a sociedade, porque não se sente capaz de
atender às demandas que lhe são impostas. A reflexão sobre sua prática neste momento é essencial para
21
que ele possa encontrar o caminho de sua profissionalização, encontrar maneiras de se valorizar como
aquele que tem nas mãos o futuro de cada cidadão.
No segundo momento, será feita uma análise dos discursos desses autores trazendo sua teoria para o
cotidiano dos professores com objetivo de demonstrar que a prática reflexiva é uma alternativa viável
para a melhoria da qualidade de ensino e deve ser aplicada nos cursos de formação de professores e
desenvolvida por estes ao longo de sua vida profissional.
Também será abordado o papel da escola na sociedade contemporânea, uma vez que suas atribuições
estão um tanto quanto nebulosas fazendo com que a instituição e seus profissionais se percam diante de
tantas tarefas que lhes são cobradas pela sociedade. A escola ampliou seu horizonte de atuação, mas os
professores continuam a ser formados para executar as teorias, muitas vezes ultrapassados diante das
mudanças que aconteceram nos últimos anos na sociedade como um todo.
1.2 Hipóteses
A formação de professores que atuam na educação básica não está correspondendo às expectativas e as
demandas da sala de aula, pois a qualidade de ensino é cada vez mais aquém das expectativas da
sociedade e do mercado de trabalho. Esta realidade pode ser percebida através das pesquisas de
qualidade realizadas pelo Ministério da Educação e Secretarias Estaduais e Municipais de Ensino. Os
resultados obtidos revelam que os alunos estão desmotivados, há muita evasão e repetência. Os
resultados das avaliações aplicadas pelos órgãos competentes (SIMAVE, SAEB4) não estão
apresentando resultados satisfatórios, inclusive em vários conteúdos estão abaixo da média, com
exceção de um ou outro resultado positivo.
Por que os alunos não estão apresentando resultados satisfatórios?
4 – SAEB: O Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) , conforme estabelece a Portaria n.º 931, de 21 de março de
2005, é composto por dois processos: a Avaliação Nacional da Educação Básica (Aneb) e a Avaliação Nacional do
Rendimento Escolar (Anresc). SIMAVE: sistema mineiro de avaliação. http// inep.gov./básica/saeb/difaut.asp., consulta em
04-10-2008.
22
Órgãos ligados ao estudo qualidade de ensino, representados pelas Secretarias Estaduais e Municipais
de ensino, Ministério da Educação tem divulgado que este é um problema global, que não está restrito
somente a paises em desenvolvimento, mas atinge quase todos os cantos do mundo. Medidas para
melhoria da qualidade vêm sendo adotadas por entidade internacionais como a UNESCO, com o
objetivo de melhorar a qualidade da educação básica, especialmente em paises em desenvolvimento,
como é o caso do Brasil, através da implantação de políticas públicas, financiamento da educação e
valorização dos profissionais de ensino. No entanto, a meta de um bom resultado ainda está longe de
ser alcançada. Muitas políticas não atingem seu objetivo pois, esbarram na vontade política e na
descontinuidade dos programas que normalmente, têm a duração de um governo e acabam com ele. Em
educação, as mudanças são lentas e sem a devida continuidade não há progresso, sempre se volta ao
ponto inicial quando se muda o governo, abandonando as práticas que estavam em andamento e o
resultado está aí: caos e desorganização. Tudo isto reflete no professor como agente direto das ações
implantadas, que não tem segurança ao estabelecer uma meta para ser alcançada, pois não sabe se ela
efetivará como o planejado ou mudará o curso durante a execução.
Outro ponto questionável diz respeito à formação inicial do professor, pois ela não lhe dá suporte para
resolver os problemas enfrentados no cotidiano, nem condições de conviver com tanta diversidade
dentro da mesma sala, além de não conseguir ser tão versátil como as mudanças de planejamento dos
governos.
Mudam-se as propostas, mas não mudam as condições de trabalho e a capacitação dos professores que
se vêem a todo o momento sendo surpreendidos com uma nova resolução, uma nova proposta de
ensino, um novo programa que de novo às vezes só tem o nome. Esta realidade traz conseqüências
sérias para a educação e para o desempenho dos profissionais de ensino.
Este trabalho busca confirmar que uma alternativa para mudar essa condição pode estar na reflexão do
professor sobre seu trabalho, sobre sua ação no cotidiano da sala de aula, bem como uma avaliação dos
resultados de sua atuação no processo ensino-aprendizagem buscando aperfeiçoar seu arsenal de
estratégias para despertar no aluno o interesse pela aprendizagem e a significação desse aprendizado na
vida futura. Dessa forma ele poderá adquirir mais autonomia na profissão e conseguir melhorar sua
imagem perante a comunidade escolar que atende, chegando à sua valorização como profissional.
2 HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO
Não é no silêncio que os homens se fazem, mas na palavra, no trabalho, na ação-reflexão.
Paulo Freire
24
A educação é vista hoje como fator essencial para a formação do ser humano, bem como para sua
inserção no mercado de trabalho, mas nem sempre foi assim. Através de uma retrospectiva no conceito
de educação desde os primórdios das sociedades, é possível observar que este conceito vem sofrendo
alterações e adaptações ao longo do desenvolvimento dos indivíduos em geral. Da mesma forma que a
sociedade está em constante processo de transformação e mudanças, também a educação vem mudando
acompanhando estas transformações. O que não se pode negar é que avançando ou retrocedendo em
sua missão, que segundo MORIN, (2003) deve ser de contribuir para a autoformação da pessoa humana
(ensinar a assumir a condição humana, ensinar a viver) e ensinar como se tornar cidadão; a educação
vem, ao longo dos séculos, buscando uma melhor forma de atender às expectativas que lhe são
confiadas. A tarefa de educar é bastante complexa podendo até mesmo ser uma missão impossível de
se concretizar com os moldes de educação vigente que se encontram quase na contramão da sociedade
de informação em que vive. O trabalho do professor se constitui em uma tarefa bastante árdua, e o que
se veem são profissionais frustrados e descontentes com sua atuação mediante a um resultado que não
condiz com suas expectativas. A saída para amenizar os problemas da educação de acordo com
(PERRENOUD, 2001) seria a reflexão sobre a prática pedagógica buscando melhorar o resultado de
seu trabalho e diminuir o sofrimento a que muitos profissionais estão sujeitos, encontrando assim, um
ponto de equilíbrio entre o ideal e o possível de ser realizado.
Partindo desse princípio, é mister fazer uma distinção entre o “professor” e o “educador”, uma vez que
o conceito de um não é sinônimo do outro. A missão delegada a um educador é infinitamente maior
que a função do professor, talvez esteja aí o ponto de desencontro que causa o mal estar da educação
atualmente. Professor é aquele que “professa” algo ou ensina; mestre; homem versado, perito ou
adestrado em uma arte, ciência ou profissão. O sentido para a palavra “professor” que se encontra nos
dicionários1 não difere muito da explicação dada pela etimologia da palavra: latim professor,õris, "o
que faz profissão de, o que se dedica a, o que cultiva; professor de, mestre", do radical de professum,
"declarar perante um magistrado, fazer uma declaração, manifestar-se; declarar alto e bom som,
afirmar, assegurar, prometer, protestar, obrigar-se, confessar, mostrar, dar a conhecer, ensinar, aquele
que ensina novo assunto”. Portanto, a tarefa do professor é bastante complexa, tanto no que se refere,
teoricamente, à sua função, quanto à representação que faz perante seu público no exercício de sua
profissão. No seu sentido original, educação provém do latim educare, significando trazer para fora a
sabedoria inerente ao indivíduo ou ainda segundo o dicionário educação é ato de educar; conjunto de
1
Dicionário Brasileiro Globo/Francisco Fernandes, Celso Pedro Luft, F. Marques Guimarães-30ª edição, São Paulo:
Globo,1993.
25
normas pedagógicas aplicadas ao desenvolvimento geral do corpo e do espírito; polidez; cortesia;
instrução; disciplinamento. Existe uma tênue diferença entre aquele que educa, que forma e aquele que
instrui, informa. A educação é mais abrangente que a instrução professada pelos professores atuais.
2.1 Os primórdios da educação
Embora seja uma atividade impossível de se realizar segundo Freud, a educação é uma preocupação
que acompanha a sociedade desde os tempos mais remotos. Tomando como base a Paidéia2 grega
pode-se perceber que a educação praticada pelos gregos, no conceito expresso por (JAEGUER, 2001)
tem uma abrangência infinitamente maior que a educação atual. A Paidéia era para os gregos era um
modo de vida, o indivíduo não vivia fora dos ensinamentos ditados pelo mestre (idem). Ele era
responsável pela educação das crianças (meninos) e sua formação, tanto em conhecimentos quanto na
formação espiritual e moral, uma não existia sem a outra, deste conceito são formadas as bases da
teoria educacional, sendo, portanto, os gregos os fundadores da pedagogia. A esse conceito vivido
pelos gregos esboçam-se as primeiras linhas conscientes da ação pedagógica e assim seguindo os
passos de um dos mestres mais ilustres gregos-Sócrates, a sociedade atual vem adaptando o conceito,
que de maneira simplificada foi denominada educação, e vem sendo adaptada ao longo dos tempos
para atender a uma determinada demanda. Tomando como base os conceitos gregos sobre educação
pode-se concluir que os mestres estavam sempre refletindo sobre sua prática enquanto educadores, uma
vez que seus discípulos estavam sob seus cuidados e, cabia a eles construir suas personalidades e
formá-los como cidadãos.
Um bom exemplo de educador reflexivo deste período é Sócrates (470-399 a.C.), que estabelecia
diálogos com seus discípulos e os levava a construírem seu próprio conhecimento. Havia um
encantamento em dialogar prazerosamente sobre diversos assuntos sem a imposição de um currículo ou
uma nota padrão para garantir o aprendizado. A maneira como Sócrates dialogava com seus discípulos
permitia um aprendizado global sem recortes e imposições. As conclusões eram um desfecho natural
do diálogo sem traumas, a aprendizagem se fazia espontaneamente. Embora não houvesse a
preocupação de uma educação reflexiva, ela de fato ocorria devido ao método utilizado e o fim a que se
2
Paidéia: conceito grego sem correspondência fiel na língua latina, inicialmente se referia a educação dos meninos,
ganhando importância a partir do V a.C. que pode ser entendido como educação.
26
destinavam essas conversas entre Sócrates e seus discípulos. Verdadeiramente existia uma preocupação
com a formação do homem de forma integral no que se refere ao corpo e o espírito.
Ainda se referindo à educação grega do período clássico, é imprescindível mencionar a educação dos
sofistas3. Estes novos mestres são sábios itinerantes, considerados os fundadores da ciência da
educação, responsáveis pela sistematização do ensino. Apesar de serem duramente combatidos por
Sócrates e Platão, eles fascinavam a juventude com o brilhantismo da sua retórica, da persuasão e do
convencimento; talvez por isto tenham sido reconhecidas pejorativamente como “mentes capciosas”
que não têm compromisso com a verdade. Apesar dessas críticas, não se pode negar sua importância
para educação, pois com os sofistas a Paidéia adquire um significado mais abrangente, passa a ocupar
também da formação do adulto e sua inserção no mundo da política. Pode-se dizer ainda que, através
dos sofistas, a arte de ensinar ganha proporções de profissão, uma vez que eles se colocavam como
“professores de sabedoria” e cobravam caro para transmitirem suas lições. A estrutura da educação
transmitida pelos sofistas serviu de modelo para educação ocidental e até hoje se encontram traços
daquela pedagogia. Os sofistas foram os primeiros professores no sentido latino da palavra “aquele que
professa algo”, também é deles a herança de profissionalização do professor, pois segundo (JAEGUER,
2001):
Quando ensina a Arete política, o sofista chama de techne política a sua profissão.A conversão da
educação numa técnica é um caso particular da tendência geral do tempo a dividir a vida inteira
numa série de compartimentos separados, concebidos com vistas a uma finalidade e teoricamente
fundamentados num saber adequado e transmissível. (JAEGUER, 2001, p.351).
Trazendo este pensamento para o tempo atual, comparando o professor com o sofista, percebe-se a luta
do primeiro para atingir o prestígio e a importância do segundo. A principal luta que os professores
travam é para a sua profissionalização, destacando a sua importância para a formação do ser como um
todo. Quanto ao sofista, este se colocava como um profissional de elevada importância para a formação
do homem grego, especialmente os chefes, os filhos de burgueses e se colocavam além, como
detentores de uma arte especial, a arte de formar cidadãos. Ao criar seus métodos, valorizando sua
função, os sofistas se consideravam artistas, dizendo que sua arte era a coroação de todas as artes. Os
sofistas estavam constantemente refletindo sobre seu papel na formação do homem grego, com sua
3
A palavra sofista, etimologicamente, vem de sophos, que significa sábio, ou melhor, professor de sabedoria. (ARANHA,
2000, p.43).
27
retórica moldavam os espíritos para o que chamava de techne, a arte da educação. Retomando este tema
para o debate atual sobre o professor e sua profissão, ainda resiste a questão: ensinar é uma arte ou uma
ciência? Estudiosos contemporâneos renomados ainda não chegaram a um consenso a respeito dessa
questão. É importante lembrar que transitando entre arte e ciência, o professor se vê espoliado de
argumentos para se colocar no mercado de trabalho e se afirmar como profissional, seja empiricamente
desenvolvendo a arte de ensinar, seja buscando cientificamente soluções para sua frustração enquanto
trabalhador do ensino. Embora existam muitas políticas públicas voltadas para o desenvolvimento e
melhoria da qualidade de ensino nas escolas públicas, elas não estão alcançando os objetivos a que se
propõem, pois não atingem as verdadeiras necessidades dos professores no seu dia-a-dia. A saída para
se buscar uma efetiva mudança na educação está num esforço conjunto de poderes públicos,
professores e gestores em uma mesma direção, buscando uma reflexão consciente e concreta para
trazer uma mudança efetiva nas escolas e consequentemente na educação.
O professor que reflete sobre sua prática e busca formas mais objetivas de transmitir o conhecimento,
ou melhor, que despertam em seus alunos a vontade de aprender:
Como dizia magnificamente Durkeim, o objetivo da educação não é transmitir conhecimentos
sempre mais numerosos ao aluno, mas o “de criar um estado interior e profundo, uma espécie de
polaridade de espírito que o oriente em um sentido definido, não apenas durante a infância, mas
por toda a vida.” é justamente, mostrar que ensinar a viver necessita não só dos conhecimentos,
mas também da transformação, em seu próprio ser mental, do conhecimento adquirido em
sapiência, e da incorporação dessa sapiência para a toda a vida. (MORIN, 2003, p.47).
O que importa, segundo MORIN, não é uma cabeça bem cheia, mas uma cabeça bem feita. Cabeça
cheia de informação, com saberes acumulados não tem muita serventia, mas sim uma cabeça que tenha
os conhecimentos necessários para ter discernimento sobre o que é bom ou ruim, que saiba ordenar e
dar sentido aos saberes, enfim, que possa religar seus saberes para que sejam aproveitados em todos os
aspectos da vida. Ao longo da historiada educação não se ocupou muito com a questão de fazer com
que o aluno assimile e use os saberes escolares em seu dia-a-dia. O saber escolar era um saber
intelectual, de acumulação, seria mais letrado quem acumulasse mais saberes. Hoje, diante das
constantes mudanças pelas quais passa a sociedade de maneira geral, torna-se necessário um saber
reflexivo, e mais que isso o mercado exige um profissional aberto a aprender, que possa ampliar seus
28
conceitos e que saiba ser criativo em suas decisões. Para conseguir tudo isso, é necessário que a escola
mude seus conceitos e sua forma de passar os conhecimentos. A formação exigida vai além de um
acúmulo de conhecimentos propostos por uma educação bancária e tradicional. A educação exigida se
aproxima da educação proposta pelos gregos na Paidéia, que abrangem todas as esferas do social, do
espírito e do corpo.
Na Idade Média a educação era responsabilidade da igreja que a usava para doutrinar sobre a fé e fazer
com que as pessoas, especialmente das camadas mais simples, não se rebelassem sobre sua condição e
aceitassem a submissão como vontade de Deus. Aranha afirma:
Os parâmetros da educação na Idade Média se fundam na concepção do homem como criatura
divina, de passagem pela Terra e que deve cuidar, em primeiro lugar, da salvação da alma e da
vida eterna. Tendo em vista as possíveis contradições entre fé e razão, recomenda-se respeitar
sempre o princípio da autoridade, que exige humildade para consultar os grandes sábios e
interpretes... (ARANHA, 1996, p.73).
As escolas eram precárias, resumindo-se à catequese ministrada pelos missionários. Quanto aos ricos,
possuía professores particulares que ensinavam as primeiras letras, fazer contas. Os padres dominavam
a leitura e se encarregavam de fazer os livros copiados à mão, portanto de difícil acesso, pois eram
caros. A educação em geral era aquela que a família se encarregava de ensinar, como valores, o temor a
Deus e a importância da religião e da obediência. As crianças aprendiam a trabalhar muito cedo,
brincando, acompanhando os pais nas tarefas diárias, elas aprendiam, pelo exemplo, e normalmente
seguiam o caminho dos pais, pois não havia mobilidade social. Para os servos, a educação se resumia
na obediência, no trabalho e na fé. A educação ministrada pelos missionários tinha como objetivo
formar o homem pelo caminho da fé, pode-se dizer que era uma educação reflexiva, pois o principal
objetivo era fazer dos educandos uma semelhança com Deus e com os Santos, o homem deveria, a todo
momento, buscar a purificação de seus pecados através da oração e penitência. Fazendo iss, ele estava
sempre refletindo sobre sua vida, seus princípios, enfim buscando se aproximar de Deus. Todo esforço
do homem em viver uma vida santa tinha como objetivo encontrar o paraíso na vida eterna. Essa
catequese era cuidadosamente planejada e refletida pelos missionários, com um foco bem definido: a
religião, que era o fim de toda sua ação. A reflexão proposta pelos missionários era diferente da
proposta pela educação hoje, que busca formar o homem com seu livre arbítrio para escolher o tipo de
caminho deve seguir.
29
Na Idade Média a reflexão era voltada para a religião, todos os caminhos deveriam convergir para ela,
o que lhe dava um caráter de educação reflexiva, baseada na ideologia da época. Outro ponto
importante a ser lembrado é a questão da representação que está muito presente nesta fase. Através dos
modelos de vida correta que os homens deveriam buscar estavam os Santos, a representação de uma
vida correta e da verdadeira felicidade que deveria ser imitada. Assim também como lembra
(GINZBURG 2001), apud Vernant:
O signo religioso não se apresenta como simples instrumento de pensamento, não visa apenas
evocar na mente dos homens a potência sagrada a que remete, mas quer sempre também uma
verdadeira comunicação com ela, inserir realmente sua presença no universo humano. No
entanto, procurando assim construir uma ponte ligando ao divino, ele deve ao mesmo tempo
ressaltar a distância, revelar a incomensurabilidade entre a potência sagrada e tudo o que a
manifesta, de um modo necessariamente inadequado, aos olhos dos homens. (GINZBURG, 2001,
p.94).
A importância que o símbolo sagrado tinha na Idade Média é preponderante para a formação da
consciência humana, revelando os mistérios de Deus aos homens, para que estes buscassem ser a sua
semelhança, porém deixava clara a distância entre o poder de Deus e seus Santos e os homens.
No final da Idade Média, ocorre um extraordinário desenvolvimento social e intelectual. A expansão
das universidades mudou radicalmente as condições de ensino, embora a mentalidade medieval ainda
predominasse, o espírito crítico começa a se desenvolver até assumir sua forma moderna no
Renascimento. Educar tornou-se questão de exigência diante da nova concepção de homem instalada
com o Renascimento, trazendo de volta o pensamento clássico grego.
O retorno a fontes da cultura greco-latinas, sem intermediação dos comentadores medievais, é um
procedimento que visa também à secularização do saber, isto é, a de desvesti-lo da parcialidade
religiosa, para torná-lo mais propriamente humano. Procura-se com isso formar o espírito do
homem culto mundano, o gentil-homem. [...] acentua-se na Renascença a buscada
individualidade, caracterizada pela confiança no poder da razão de cada um para estabelecer seus
próprios caminhos. O espírito de liberdade e crítica opõe-se ao princípio da autoridade.
(ARANHA, 1996. p.87).
A educação retomou os antigos ideais clássicos que defendiam a conjunção harmoniosa do homem
com a natureza. A meta da escola não se restringia à transmissão de conhecimentos, mas da formação
30
moral do homem. No entanto, mesmo com tantos avanços, a educação continuava fortemente
hierarquizada e favorecendo uma parcela pequena da sociedade. Com a reforma protestante, a educação
tende a se tornar mais popular. Outro fator importante para a difusão da educação foi a invenção da
imprensa que facilitou o acesso aos livros, que ficaram mais baratos e diversificados. Essa invenção se
configura em fator decisivo para diminuir o analfabetismo e melhorar a circulação de informação entre
as camadas médias e baixas da população que passaram a ter acesso a fontes de leitura, antes restritas
às camadas ricas e ao clero. Pode-se dizer que a invenção da impressa ampliou o alcance da escola para
um número maior da população e a tornou mais democrática.
O ideal da educação renascentista era de formar os homens com espíritos críticos e livres, capazes de
dominar todos os campos do conhecimento. Mas o que se viu foi a especialização de saberes nas mãos
de poucos, uma instrução compartimentalizada. O Iluminismo foi um período muito rico em reflexões
pedagógicas, cujo aspecto mais importante está no esforço de tornar a escola leiga, e função do Estado.
Nesse momento, ocorrem projetos de se fazer uma educação que atendesse a todos os cidadãos
igualmente, porém prevalece a diferença no ensino, ou seja, uma educação para a burguesia e outra
para a população. Esse procedimento, no entanto não era estranho, pois predominava o pensamento
liberal, no qual as pessoas não são iguais nem nas posses, nem na inteligência. A educação era privada,
mantida pela burguesia que esperava que seus filhos se tornassem aptos a continuarem seus negócios
ou se tornassem intelectuais. O iluminismo se configura como um dos movimentos mais importantes
para a constituição da sociedade contemporânea que tem como um de seus parâmetros a ciência e a
razão. O movimento da “ilustração”, segundo ROUANET (1987) foi um movimento que ficou restrito
ao século XVIII, no qual tinha suas raízes, mas o iluminismo não se prende ao tempo, ele foi préconcebido na antiguidade clássica, passou pela ilustração e se renova na contemporaneidade através de
pensadores como Foucault, Deleuze, Lyotard e Habermas. Estes pensadores fazem uma nova leitura do
conceito de razão que, na pós-modernidade, está associado ao conceito de poder e de saber. Por
conseguinte, o conceito de poder e disciplina contida em microfísica do poder (1999) de Foucault,
coloca seu discurso dentro dos princípios dessa nova leitura do iluminismo e expressa bem as intenções
da burguesia na formatação da escola para os operários, onde a produção e o disciplinamento eram o
principal objetivo.
À medida em que avança a sociedade industrial, a forma de conceber a educação também é modificada.
Há um interesse por parte dos patrões em escolarizar os operários com o objetivo de torná-los mais
dóceis e obedientes. O trabalho na fábrica exigia do operário certo conhecimento do funcionamento das
31
máquinas, leitura de manuais, além da produção em série, exigindo completa concentração e esforço do
trabalhador para aumentar a produtividade. Portanto, operários analfabetos não seriam bons
empregados, não teriam boa produtividade, uma vez que não resolviam sozinhos problemas rotineiros,
além de que frequentando os bancos escolares, aprendiam as primeiras letras à disciplina se tornando
mais “obedientes” quanto à rotina da fábrica. Era clara a separação entre a escola dos filhos dos patrões
e dos filhos dos operários. Nas escolas operárias ensinavam-se as primeiras letras, fazer contas, valores
morais e cívicos. Já nas escolas destinadas aos ricos, o principal objetivo determinava que os alunos
aprendessem a comandar os operários, se tornassem intelectuais ou políticos. E assim a evolução da
educação seguiu os mesmos passos do desenvolvimento da sociedade capitalistas reproduzindo seus
valores, interesses e utilidades. Neste momento histórico, tudo que não se praticava era uma educação
reflexiva, mas sim uma educação pela imposição hierárquica. Cabia aos professores transmitirem o que
lhes era determinado pelas instâncias superiores de acordo com a classe de alunos que estava sendo
atendida. Havia muita diferença entre a educação da elite e da classe operária. Seguindo o ritmo da
sociedade capitalista, altamente fragmentada, como as linhas de produção em série, também a educação
se torna compartimentalizada e seus conteúdos são classificados hierarquicamente, valorizando as
ciências exatas e desqualificando as humanas.
O poder imperativo e proibitivo conjunto dos paradigmas, das crenças oficiais, das doutrinas
reinantes e das verdades estabelecidas determinam os estereótipos cognitivos, as idéias recebidas
sem exame, as crenças estúpidas não-contestadas, os absurdos triunfantes, a rejeição de
evidências em nome da evidência, e faz reinar em toda parte os conformismos cognitivos e
intelectuais. Todas as determinações propriamente sociais, econômicas e políticas (poder,
hierarquia, divisão de classes, especialização e, em nossos tempos modernos, tecnoburocratização
do trabalho) e todas as determinações propriamente culturais convergem e sinergizam para
encarcerar o conhecimento no multideterminismo de imperativos, normas, proibições, rigidezes e
bloqueios. (MORIN, 2000, p.27).
Ao esfacelamento do conhecimento e sua consequente compartimentalização resultou um saber
fragmentado, este transmitido por especialista que destacou um determinado recorte do conhecimento.
Este procedimento torna o conhecimento incompreensível para os alunos e sem significado para quem
transmite porque não se apóia na realidade tangente que o constitui. Falta ao professor o espírito de
artesão descrito por Marc Bloch, que ao avistar uma peça bruta cria no seu imaginário um produto
acabado, lapidado e completo pelas suas mãos. Os saberes fragmentados não segue a mesma lógica do
artesão que concebe sua criação antes mesmo dela existir concretamente. Existe uma reflexão anterior
ao trabalho propriamente dito, uma reflexão direcionada para o produto que se quer produzir o artesão
já sabe o caminho quer vai trilhar para chegar ao seu objetivo.
32
O saber fragmentado vigente na sociedade industrial desvalorizava o trabalho do professor, que de
artesão passou a ser operário reprodutor de um conhecimento não produzido por ele. A educação na era
contemporânea continua sendo influenciada negativamente por esta postura positivista, uma vez que
não conseguiu se constituir como um todo para a formação do ser humano de forma integral. Nesse
sentido
o
trabalho
do
professor
compartimentalizado
em
uma
não
grade
atinge
inteiramente
curricular
fechada,
seu
com
objetivo,
conteúdos
pois
continua
muitas
vezes
descontextualizados e recortados de acordo com o interesse dos sistemas de ensino que se encontram
desconectados da realidade das escolas.
2.2 História da Educação no Brasil
No Brasil, a história da educação segue os mesmos padrões do desenvolvimento histórico, com seus
avanços e retrocessos. Segundo muitos estudiosos que acompanharam os passos da evolução da
sociedade, dividindo-se em ciclos marcados pelos acontecimentos políticos e sociais que se sucederam
na nossa história. Começando pela chegada dos portugueses ao Brasil que vieram acompanhados dos
jesuítas, encarregados de promover a educação segundo os moldes europeus nas populações nativas.
Desde sua chegada ao Novo Mundo, os missionários perceberam que não poderiam doutrinar os
nativos sem que estes soubessem ler e escrever. Inicia-se então a criação de escolas de ensino
elementar por todo o território brasileiro conhecido. Mas os jesuítas não se limitavam ao ensino das
primeiras letras, além do curso elementar eles mantinham os cursos de Letras e Filosofia (secundários)
e o curso de Teologia e Ciências Sagradas (de nível superior) destinados à formação dos sacerdotes. As
escolas eram regidas por um documento escrito por Inácio de Loyola chamado Ratio atque Institutio
Studiorum4, publicado em 1599, “o documento é bastante cuidadoso, com regras práticas sobre a ação
pedagógica, a organização administrativa e outros assuntos, destina-se a toda hierarquia, desde o
provincial, o reitor e o prefeito dos estudos, até o mais simples professor, se esquecer do aluno e o
bedel” (ARANHA, 1996, p. 92).
A educação ministrada pelos jesuítas no Brasil durou mais de dois séculos, período no qual foram
empreendidas ações maciças na catequese dos índios, educação dos filhos de colonos, formação de
4
Ratio atque Institutio Studiorum significa Organização e plano de estudo.
33
novos sacerdotes e da elite intelectual, além do controle da fé e da moral dos habitantes das novas
terras. Com uma rígida educação, os jesuítas montaram um sistema sólido de ensino, cujas raízes se
estendem até hoje na organização escolar. A presença desses missionários na estruturação da educação
brasileira muito importante para a consolidação dos sistemas de ensino, e mesmo com sua expulsão do
Brasil pelo Marquês de pombal, as escola “católicas” continuaram a exercer um papel primordial na
formação dos jovens, especialmente da elite. A escola leiga estruturada por Pombal não teve muito
sucesso, pois não contavam com uma base sólida como as escolas dos jesuítas. As reformas propostas
pelo Marquês de Pombal só aconteceram por volta de uma década mais tarde, provocando um
retrocesso de todo o sistema educacional brasileiro. A concorrência com a rede de ensino dos
missionários não era fácil, além do despreparo da administração para criar um sistema diferente, mas
tão bom como aquele desenvolvido pelos jesuítas.
Levou muito tempo para que a educação voltasse a e se estruturar novamente. Conforme Aranha,
Várias medidas desconexas e fragmentadas antecedem as primeiras providências mais efetivas,
levadas a efeito só a partir de 1772, quando é implantado o ensino público oficial. A coroa
nomeia professores e estabelece planos de estudo e inspeção. O curso de humanidades, típico do
ensino jesuítico, é modificado para o sistema de aulas régias de disciplinas isoladas. (ARANHA,
1996, p.134).
Entre planos e regimes de governo, a educação brasileira seguiu seu processo, ora com avanços e
muitas vezes com retrocessos ao longo da historia. Existe uma grande dificuldade de transformar a
educação que estava a cargo da igreja em educação laica. Este fato só irá acontecer ao final da Primeira
República, a partir da década 1930, quando é criado o Ministério da Educação e Saúde órgão
importante para o planejamento das reformas de âmbito nacional e para a estruturação das
universidades. ARANHA (1996). Neste momento é bastante divulgado o movimento da Escola Nova5,
na qual os educadores introduzem o pensamento liberal democrático, defendendo a escola pública para
todos, a fim de alcançar uma sociedade igualitária e sem privilégios. Um importante representante do
escolanovismo desde período é o filósofo Anísio Teixeira que traz as idéias pragmáticas de Dewey, que
diz: “o conhecimento é uma atividade dirigida que não tem um fim em si mesmo, mas está voltado para
a experiência”; e ainda: “a educação não pode ser uma preparação para a vida, pois ela é a própria
5
Escola Nova ou escolanovismo: Movimento de contestação da escola tradicional excessivamente rígida,
magistrocêntrica e voltada para a memorização dos conteúdos, que procura estimular o aluno a aprender fazendo. Tem suas
bases no Pensamento do filósofo norte-americano John Dewey, inspirado no pragmatismo. (ARANHA,1996, p.171,172).
34
vida.” Estas idéias que já estavam presentes nos estudos de muitos educadores fora do Brasil, passam
também a ser contemplada nos planos dos educadores brasileiros, embora tardiamente. Esse entusiasmo
coincide com desenvolvimento industrial e reproduz o momento histórico pelo qual passa a sociedade.
Porém, apesar dos avanços conseguidos, ainda se percebe um descaso com a educação fundamental e a
formação de professores não se concretiza de fato.
Neste período, destaca-se o Manifesto dos pioneiros da Educação Nova encabeçado por Fernando de
Azevedo e assinado por 26 educadores que buscam combater a escola elitista e acadêmica tradicional,
que se acha sob o monopólio da Igreja e defender a laicidade da escola. As idéias destes pensadores
que procuram implantar uma escola para todos ficaram conhecidas como otimismo pedagógico, pois
elas demonstravam a esperança de democratizar e de transformar a sociedade por meio da escola. Entre
conflitos e divergência de idéias, muitas reformas foram implantadas para modernizar a educação no
país. Merece destaque a formação de professores que até então não tinha sido contemplada, através da
reorganização de algumas escolas secundárias existentes e através da recém-fundada Faculdade de
Filosofia de São Paulo, os alunos que se formam obtêm complementação pedagógica no Instituto de
Educação:
Assim, em 1937 diplomam-se no Brasil os primeiros professores licenciados para o ensino
secundário. Diz Fernando de Azevedo: “Com esse acontecimento inaugurou-se, de fato, uma
nova era do ensino secundário, cujos quadros docentes, constituídos até então de egressos de
outras profissões, autodidatas ou práticos experimentados no magistério, começaram a renovar e
a enriquecer-se, ainda que lentamente, com especialistas formados nas Faculdades de Filosofias
que, além do encargo da preparação cultural e científica, receberam por acréscimo o da formação
pedagógica dos candidatos ao professorado do ensino secundário”.(ARANHA,1996, p.201).
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nº 4.024 é publicada em 1961 e entra em vigor já defasada,
devido à divergência dos debates acerca do documento até sua publicação. Quando de sua elaboração
era um projeto avançado, mas os entraves na aprovação a tornaram obsoleta, no entanto era o que se
tinha em mãos. Entre alguns de seus aspectos estão algumas medidas propostas por Gustavo Capanema
na reforma promovida por ele durante o Estado Novo quando era Ministro do Governo Vargas. Entre
as medidas estava a equivalência entre os cursos possibilitando a mobilidade entre eles. O ensino
secundário se torna menos enciclopédico. Entre as desvantagens pode ser citada a manutenção de ajuda
federal para as escolas privadas, contra as pressões para o fim desse subsídio. A criação do Conselho
Federal de Educação e os Conselhos Estaduais não diminuem o problema, pois as escolas particulares
possuem representação mais efetiva nesses órgãos aumentando a disputa por recursos financeiros.
Esses recursos distribuídos em forma de “verbas” vindas dos governos Federal, Estaduais e municipais
35
que deveriam ser aplicados nas escolas públicas, continuam a ser divididos com as escolas particulares,
que sempre possuiu mais recursos e privilégios. O ensino técnico não é lembrado, forçando as
empresas a promoverem a qualificação dos trabalhadores por conta própria.
Na segunda República, percebe-se um avanço na Educação e a redemocratização do país com o fim da
ditadura militar, coloca-se a educação em pauta com a retomada pelos educadores do manifesto dos
pioneiros pela educação, trazendo de volta a discussão sobre a escola nova. Surgem importantes
educadores que se destacam neste período e criam as bases da educação atual. Em oposição da
educação tradicional, considerada bancária, centrada predominantemente na narração, na qual os
alunos são recipientes vazios que devem ser ‘enchidos’ pelo professor, surge a concepção
problematizadora da educação, em que o diálogo e a troca de experiências são predominantes. Dentre
os principais representantes deste movimento, Paulo Freire se destaca como um dos pedagogos mais
importantes da atualidade, desenvolvendo métodos de alfabetização adultos e educação popular que
alcança êxito extraordinário. Novamente se coloca em pauta a educação reflexiva, porém com um foco
diferente. A reflexão deve partir do educando, no caso em se tratando de adultos, é preciso que eles
reflitam sobre a importância da educação em suas vidas para alcançarem êxito na aprendizagem.
(ARANHA, 1996) ressalta:
Paulo Freire parte do princípio de que vivemos em uma sociedade divida em classes, na qual os
privilégios de uns impedem a maioria de usufruir os bens produzidos. Se a vocação humana de
ser mais só se concretiza pelo acesso aos bens culturais, ela é “negada na injustiça, na exploração,
na opressão, na violência dos opressores, mas afirmada no anseio de liberdade, de justiça, de luta
dos oprimidos, pela recuperação de sua humanidade roubada.” Um desses bens necessários é a
educação, da qual é excluída grande parte da população do Terceiro Mundo. (ARANHA, 1996,
p.207).
Percebe-se claramente o caráter político da educação proposta por Freire, como um dos principais
agentes de mudança social e econômica das classes menos favorecidas. Segundo ele, só quando a
população se conscientizar de sua condição de exclusão e perceber que somente através de uma
educação de qualidade pode mudar essa perspectiva ascendendo social e economicamente, a cidadania
será conquistada. A reflexão neste caso parte principalmente do aluno que deve se conscientizar
primeiro. Ao professor cabe a missão de despertar esta consciência e ajudá-lo através da alfabetização
que será o primeiro passo para inclusão.
36
Aliados à pedagogia de Paulo Freire, surgem outros movimentos de educação popular que se espalham
pelo país, inclusive movimentos da igreja católica em favor dos oprimidos, já refletindo a nova postura
depois do Concílio Vaticano II. Porém todo esse processo será interrompido pela ditadura que se instala
no país a partir de 1964, colocando na clandestinidade os principais representantes da educação popular
como a UNE (União Nacional dos Estudantes) que achavam engajados no processo de educação. A
pedagogia de Paulo Freire pode ser considerada um divisor de águas no que se refere à educação
reflexiva, uma vez que ele propõe uma maneira diferente de se ensinar, partindo da vivência do aluno e
trazendo para acena da sala de aula o que é significativo para o aluno, deixando de lado tantas teorias e
manuais que muitas vezes é enfadonho, pois está distante da sua realidade. Sob a luz do pensamento de
Freire, muitos outros pesquisadores desenvolvem pesquisas e métodos que visam melhorar a qualidade
da educação, e estes trabalhos continuam sendo produzidos até hoje representando inovação bastante
produtivas.
Com a ditadura em vigor reaparece o modelo tecnicista da educação que transporta para a sala de aula a
lógica das empresas de racionalização, própria do modelo capitalista. Neste momento em que o Brasil
precisa ser inserido no modelo do capitalismo internacional, a escola é o melhor laboratório que deverá
produzir o ‘capital humano’ para a indústria. Este modelo é o mais apropriado para as escolas de
operários, onde estes são treinados para obedecer e repetir as ordens recebidas. O modelo taylorista da
indústria é adaptado à escola, onde o conhecimento é parcelado: cada indivíduo se especializa em uma
parte do processo. Próprio do capitalismo, a produção em série exige rapidez e eficiência. Para isso
cada um é responsável por parte da produção perdendo-se a idéia do todo e mecanizando as ações para
aprimorar as metas que devem ser alcançadas. O tecnicismo baseia-se na figura do especialista, no
planejamento racional e na realização de metas e aumento da produtividade. A reflexão que ensaiava
novos passos é suprimida totalmente neste modelo que separa completamente o planejamento do fazer,
que passam a ocupar categorias diferentes. Ao professor cabe a função dirigir a ação, auxiliado por um
técnico especialista. Novamente as disciplinas se fragmentam dando ênfase às disciplinas exatas.
A Lei nº 5.692/71, elaborada durante o governo Médici, propõe a reforma Universitária e do 1º e 2º
graus tendo como objetivo, segundo ARANHA (1996, p. 214), “proporcionar ao educando a formação
necessária ao desenvolvimento de suas potencialidades como elemento de auto-realização, qualificação
para o trabalho e preparo para o exercício da cidadania”. Para isso ampliou a obrigatoriedade escolar de
quatro para oito anos, eliminando os exames de admissão e a criação de uma única escola
profissionalizante. Ao final da escolaridade básica, o aluno estava qualificado para exercer uma
37
profissão técnica. Outra novidade da reforma da LDB foi a parceria das empresas com a educação. No
entanto, ao contrário do que se pensava, a reforma foi um fracasso e trouxe muitos prejuízos para a
educação, pois a promulgação da Lei não veio acompanhada de recursos financeiros e humanos para
implantá-la. Mais uma reforma que, ao invés de modernizar a educação traz conseqüências drásticas,
com prejuízos que se estendem até hoje. Continua a dualidade da escola fazendo forte distinção entre
ricos e pobres. Enquanto a escola pública passa por reformas e remendos, a escola particular segue sem
muitos atropelos preparando os jovens para o vestibular, para ocuparem as vagas nas melhores
universidades.
Merece atenção também o descaso com a formação de professores, uma perda substancial para esse
tema se deve a desativação da Escola Normal destinada à formação de professores para o Ensino
Fundamental Habilitação para o Magistério, aliás, o Ensino Fundamental sempre esteve à margem dos
programas para a educação, como consequência desse descaso os outros níveis de ensino não podiam
ter qualidade. Sem professores qualificados devidamente, a qualidade estava comprometida. O
Exercício do Magistério durante a ditadura passou para o rol das profissões exdrúxulas, perdendo sua
identidade e recursos materiais e humanos. O ensino tecnicista que se baseia na racionalidade, controle
e disciplina, responde satisfatoriamente aos ideais dos militares. A nova formação para o magistério
recebe críticas de vários professores, entre eles Carlos Luiz Gonçalves e Selma Garrido Pimenta, que
argumentam: “a nova habilitação encontra-se esvaziada de conteúdo, pois não responde nem a uma
formação geral adequada, nem a uma formação pedagógica consistente: não há articulação didática
nem de conteúdo entre as disciplinas do núcleo comum e a parte profissionalizante; a lei não permite
que se forme nem o professor nem o especialista, a formação é fragmentada.” (ARANHA, 1996, p.
215).
Apesar de todas as dificuldades, a produção dos intelectuais não parou sob a pressão da ditadura,
muitos foram os educadores que continuaram seus estudos buscando uma educação de qualidade para
todos, dentre eles devem ser lembrados Miguel Gonzáles Arroyo, o sociólogo Forestan Fernandes que
sempre lutou para manter as verbas públicas aplicadas exclusivamente na escola pública e pela
democratização no ensino, Moacir Gadotti que desenvolve a pedagogia do oprimido incluindo a
dialética marxista destaca o papel crítico e revolucionário do professor. Todos esses educadores e
vários outros se voltavam para a educação popular baseados na escola progressista que também pode
38
ser chamada de pedagogia-historico-crítica6, que germina no período da ditadura e continua com mais
intensidade na República Nova. Segundo ARANHA (1996, p. 219), “a tarefa da pedagogia históricocrítica se insere na tentativa de reverter o quadro de desorganização que torna uma escola excludente,
com altos índices de analfabetismo, evasão, repetência e, portanto de seletividade”. Um passo
importante para alcançar estes objetivos é a formação de professores de acordo com as novas
tendências, buscando diminuir as dificuldades enfrentadas pelas escolas públicas da América Latina,
são intensificados os movimentos sindicais da categoria por melhores salários, implantação dos planos
de carreira e a regulamentação da profissão.
Diante do estrago causado pela lei do ensino profissionalizante, ressalta ARANHA (1996) que há um
constante debate pela reestruturação dos cursos de formação de professores de grau superior
(pedagogia e licenciatura), bem como do secundário (habilitação para o magistério). Dentre as
iniciativas destacam-se as iniciativas do governo mineiro com a criação do Plano Mineiro de
Educação7, no qual 31 escolas normais são transformadas em centros de formação e aperfeiçoamento
de professores, promovidos pela UFMG, com o que havia de atual em termos de educação no
momento. Também em São Paulo foram implementadas ações importantes na formação de professores
e alunos com a criação de centros de formação integral e a distribuição de bolsas de estudos aos alunos.
A escola assume outra função social, nas regiões carentes ela torna-se uma alternativa para tirar as
crianças da violência e da marginalidade. Nestes centros há uma preocupação com formação integral
do aluno: surgem os programas de merenda escolar e assistência médica aos alunos. Programa social
importante, mas com custo elevado e acaba sendo abandonado. No Rio de Janeiro, sob a orientação do
então secretário de Educação Darcy Ribeiro, são criados os Cieps (Centros Integrados de Educação
Pública), estes centros eram equipados com quadras esportivas, bibliotecas, refeitórios, vestiários e
gabinetes médicos e odontológicos. Projeto de primeiro mundo, mas que apresentavam intenções
eleitoreiras, portanto foram rejeitados e não alcançaram seus principais objetivos. Enfim, pelo Brasil
surgiram muitas iniciativas que buscavam a melhoria e o acesso de todas as crianças e adultos
analfabetos a uma educação pública de qualidade.
Em março de 1990, acontece na Tailândia, mais especificamente em Jomtien, a Conferência de
Educação para Todos, considerada uma das ações mais importantes para a educação na atualidade. Lá
foram estabelecidas as diretrizes para os planos decenais de educação em diversos países. Em seu
6
Contra as pedagogias não-diretivas, defende o papel do professor, a quem atribui uma função
política.(ARANHA,1996.p.177)
7
Plano Mineiro de Educação, 1984-1987. Jornal da Educação, Belo Horizonte, p. 5-12, jan. 1984d.
39
artigo
intitulado
A
reestruturação
do
trabalho
docente:
precarização
e
flexibilização,
Dalila Andrade de oliveira, destaca a importância da Conferência de Jomtien:
Conferência Mundial sobre Educação para Todos, realizada em Jomtien, em março de 1990,
representou a tentativa de uma nova orientação para as reformas educacionais dos países mais
pobres e populosos do mundo: a educação para a eqüidade social. Para cumprir o compromisso,
estabelecido em Jomtien, de expandir a educação básica, os países em desenvolvimento tiveram
que pensar estratégias de elevação do nível de atendimento às populações sem, contudo, aumentar
na mesma proporção os investimentos. (ANDRADE, Dalila Andrade. Disponível em
http://www.cedes.unicamp.br.. consulta em : 06-10-2007, 16:20.p.1130).
Dessa conferência surgiram debates que no Brasil foram orientados pelo MEC, na ‘Semana Nacional
de Educação’ que lançou as diretrizes para o plano decenal de educação (1993-2003). Em 1995, o
Ministério da Educação elabora os Parâmetros Curriculares Nacionais, (os PCNs), que têm por
objetivo estabelecer um conjunto de conhecimentos socialmente elaborados e reconhecidos como
necessários para o exercício da cidadania. Para atender às diferenças específicas de cada região são
elaborados os Temas transversais, que são orientados para perpassarem todos os conteúdos e
proporcionarem a formação integral do aluno.
Junto à redemocratização do país vem a elaboração da Nova Constituição Federal, que gerou um amplo
debate dos diversos setores da sociedade, inclusive na educação para a formulação da nova carta
constitucional, promulgada em 1988 e recebeu o título de “Constituição Cidadã”, por apresentar
novidades neste setor. Ao lado da discussão pela nova constituição, surge a necessidade de renovar a lei
para a educação. Após os trabalhos da constituição, começam os trabalhos para elaborar a lei
complementar da educação. Também fruto de amplo debate, a Nova LDB foi aprovada em 1996 e
apresenta avanços em termos da educação para todos. Por esta lei ficam definidas as responsabilidades
com a educação como a obrigatoriedade do ensino público nos estabelecimentos públicos,
obrigatoriedade e gratuidade do ensino fundamental e progressiva extensão ao ensino médio,
valorização dos profissionais de ensino, através da regulamentação da carreira e implantação dos
respectivos planos de cargos e salários, além do estabelecimento de verbas públicas municipais,
estaduais e federais destinadas exclusivamente para a manutenção do ensino.
No final do século XIX e início do século XX, ocorreram mudanças significativas no mundo que
provocaram transformações importantes na organização social mundial. A educação também
40
acompanhou estas mudanças e atualmente pode-se perceber que o grande desafio da sociedade é
promover uma educação de qualidade que atenda aos anseios da sociedade moderna, na qual se
incluem a formação integral do educando, buscando sua melhor adaptação em um mundo competitivo e
complexo da sociedade contemporânea.
Na medida em que o mundo passa por transformações econômicas e sociais advindas da globalização e
divisão dos países em ricos e pobres, o Estado tenta implementar políticas públicas que diminuam as
diferenças, mas com o atual grau de complexidade da sociedade, este se mostra ineficiente para
resolver as questões. Neste contexto, verificam-se propostas neoliberais para a educação baseadas no
corte de custos e redução da participação estatal que será suprida pelo aumento da iniciativa privada. A
atuação do terceiro setor na educação é vista por alguns autores como um apaziguamento político
diante das desigualdades sociais. Neste contexto, pode-se concluir que atualmente não é somente o
Estado que tem o poder de promover a coesão social.
Portanto o Estado moderno foi concebido para garantir o bem-estar da sociedade. Para alcançar esse
objetivo o Estado se transformou em uma enorme organização acumuladora de muitas funções e se
pode observar que ele não consegue mais atender a todas as necessidades da sociedade e entra em crise,
provocando muitos problemas sociais nos quais a população que mais sofre é a carente.
O Estado de direito era responsável por promover entre outros uma educação pública, gratuita, laica e
de qualidade:
Ao Estado se impõe a tarefa de educar, nos espaços da escolarização, porque o bem trazido por
esta não poderia ter uma distribuição desigual entre os iguais. O direito à educação decorre de
dimensões estruturais coexistentes na própria consistência do ser humano (...) O desenvolvimento
da cidadania das pessoas não se poderia realizar sem o desenvolvimento efetivo da capacidade
cognitiva, uma marca registrada do homem. (CURY, 2005, p.9).
O Estado como provedor de bem estar social fica assim encarregado de promover a educação a todos
sem distinção e a partir de então passa gerir as políticas implementadas para o setor.
41
2.3 O público e o privado na educação brasileira
Para entender o significado de público e privado, é preciso fazer um retorno ao passado, tomando como
apoio os estudos de Hanna Arendt desde a antiga Grécia onde esses conceitos foram formados e com
sofreram modificações ao longo da história. Para os antigos gregos, a esfera pública era considerada a
mais importante, pois significava o espaço da visibilidade, onde se poderiam realizar obras que eram
dignas de serem expostas, divulgadas. O espaço público era o espaço masculino, pois somente ao
homem era permitido estar em público para discursar, para viver o “ócio produtivo”.
A esfera pública é um dos temas centrais no pensamento de Hanna Arendt. Esta centralidade se
justifica pela defesa que ela faz da autonomia e da dignidade da política – condição perdida, segundo
ela, com a inversão de valores ocorrida na modernidade, quando a lógica privada ganha dimensão
pública e a concepção moderna se instala após a constituição dos governos liberais. A era moderna traz
consigo uma série de contradições, das quais a economia ganha destaque em relação às demais esferas
da sociedade e embora sendo a educação uma das atividades mais elementares e necessárias do ser
humano, não há a devida preocupação com seu desenvolvimento na sociedade liberal, por parte do
Estado.
No caso do Brasil, que viveu um longo período colonial, formado por uma sociedade extremante
conservadora e desigual, marcada excessivamente pela escravidão que deixou marcas profundas na
emancipação da população e provocou uma carga de discriminação racial que perdura até atualidade8
no que diz respeito à educação não poderia ser diferente. As primeiras escolas que funcionaram no
Brasil foram as implantadas pelos jesuítas no período colonial. A educação oferecida pelos padres tinha
como objetivo catequizar e quase se confunde com a evangelização católica
Os jesuítas permaneceram como promotores da educação brasileira por cerca de dois séculos, quando
foram expulsos de todas as colônias portuguesas por decisão do Marquês de Pombal, conforme já foi
mencionado no texto. A educação brasileira com isso, vivenciou uma grande ruptura histórica, com a
interrupção do processo que já se achava implantado e consolidado como modelo educacional.
8
A escravidão no Brasil trouxe conseqüências negativas para o desenvolvimento social e provoca até hoje situações de
discriminação e desigualdades presentes nas escolas e salas de aula. Este tema, porém não será aprofundado neste texto, mas
pode ser encontrado em: AQUINO (1996), Indisciplina na escola:Alternativas teóricas e práticas, e LOPES e Outros(org),
500 anos de Educação no Brasil,(2003)
42
A História da Educação Brasileira é de fácil compreensão, uma vez que acompanha o desenvolvimento
histórico da sociedade. De acordo com SEVERINO (2005) a experiência histórica da sociedade
brasileira esteve sempre permeada por situações de violência, do autoritarismo, da dominação, da
discriminação e exclusão, ou seja, pela ausência do Estado de direito, onde predominasse a
preocupação com o desenvolvimento da sociedade. “O Estado brasileiro nunca foi um Estado de
direito, mas um estado de fato, onde as decisões são tomadas e implementadas pelo império da força e
da dominação” (idem, p.36). Embora o Estado seja oficialmente responsável pela consolidação de uma
educação pública de qualidade para todos, só acontece na teoria, pois na prática prevalecem às relações
de poder estabelecido no período imperial onde poucos são privilegiados e a maioria não usufrui os
direitos sociais. O Estado acaba sendo utilizado para perpetuar as relações de dominação que sempre
prevaleceram no país.
Segundo SAVIANE (2005), as categorias “público” e “privado” na educação constituem categorias
originárias e específicas da época moderna, só se pode considerar público e privado em educação no
Brasil a partir de 1890, com a implantação dos grupos escolares, que a partir deste momento se
espalham pelos estados seguindo o modelo paulista, que corresponderiam à história da escola pública
propriamente dita, substituindo as escolas que funcionavam precariamente nas casas dos professores,
predominantes até então. Ao longo da história do Brasil, seguiram-se diferentes regimes políticos que
proporcionaram alguns avanços e muitos retrocessos na sociedade e conseqüentemente na educação. É
importante lembrar que a defesa da escola “pública” se confunde com a defesa da escola “estatal” que
passou significar uma coisa só ao longo do processo de separação entre o público e o privado no Brasil.
Um momento importante é marcado pelo avanço do capitalismo e da industrialização do país com o
surgimento da classe média, o avanço do liberalismo político-econômico:
Neste contexto a dimensão pública se afirma como uma alternativa autônoma e positiva para a
condução das políticas sociais, em geral, e da política educacional, em particular . A sociedade
vai se tornando uma sociedade política na qual o estado é chamado a desempenhar papel
relevante e central no agenciamento do bem comum, garantia de sustentação da cidadania e da
democracia. (SEVERINO, 2005, p.32 e 33).
A partir desse momento a educação pública será oferecida pelo Estado prioritariamente e a igreja como
tutora da educação por tanto tempo não conforma e entra em conflito com o Estado, que lança o projeto
da LDB-1946 e esta se torna a favor de um sistema privado de gestão educacional. Entre 1950 e 1960,
43
parece que não havia dificuldade de entendimento entre o que fosse público e privado: público era o
ensino mantido com recursos governamentais e privado era o ensino por particulares-igrejas, ordens
religiosas ou proprietários leigos. E mais tarde a liderança do grupo privado deixa de ser as igrejas e
passa para o empresariado do ensino.
Seguindo seu caminho histórico, a educação pública no Brasil se confunde com a trajetória política e é
dominada por ela. Muitos programas de capacitação de professores, programas de ensino e até
construções de escolas se vêem subordinadas aos políticos na época do coronelismo. Esses políticos se
vêem no direito de exonerar professores, mudar o sistema de ensino de acordo com seu desempenho
eleitoral. Na década de setenta ainda sob a influência do movimento escolanovista9, vozes como as de
Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo e Lourenço Filho, reivindicaram a aplicação exclusiva de
recursos públicos na educação para barrar a interferência do coronelismo na educação e a promoção
dos profissionais por meio de capacitação profissional, valorização e remuneração e ingresso ao cargo
somente por concurso público. Essas medidas tinham como objetivo dar continuidade ao trabalho dos
professores, garantindo uma melhor qualidade do ensino.
O estudo sobre a história da formação de professores é bastante recente, segundo Nóvoa (1999), e se
explica pelo fato de não se constituir como atividade principal do professor, ainda hoje, os professores
lutam para se constituírem como profissionais. No período descrito, atividade ainda não era encarada
como profissão e se constituía de um contingente bastante significativo.
É importante lembrar também, segundo ALVES (2005), que entre as décadas de 1960 e 1970 houve
uma notável incorporação de escolas privadas às redes estatais de ensino, que também muitos
privilégios foram concedidos às redes particulares durante a ditadura militar:
Em franca oposição ao recente processo de privatização das empresas públicas viáveis, o Estado
incorpora, então empresas privadas insolventes, salvando os grupos mantenedores da falência,
por meio de procedimentos discutíveis e de tráfico de influência. Já na condição de empresas
estatais, elas eram saneadas, na seqüência, quando recebiam volumes expressivos de capitais
captados na esfera pública. (ALVES, 2005, p.106).
9
Escolanovismo:movimento surgido nos EUA a partir dos anos 20 em oposição à pedagogia tradicional. Sua
proposta é a utilização de “métodos ativos” de ensino-aprendizagem, que deu importância substancial à liberdade da criança
e ao interesse do educando, adotando métodos de trabalho em grupo e incentivou a prática de trabalhos manuais nas
escolas.(Girardelli,História da educação, SP editora Cortez, 2003,p.25)
44
Neste contexto, as escolas particulares vão perdendo espaço e a capacidade de competir com a escola
pública que se apresenta em franca expansão. O aumento de vagas na escola pública e o barateamento
do custo da educação levam as empresas particulares à falência. Para resolver o problema de caixa, as
escolas particulares estabelecem parcerias com o Estado e passam a incorporar o capital público,
deixando transparecer o de tráfico de influências. Daí surge o questionamento sobre o papel do Estado
na oferta de uma educação de qualidade que atenda a população mais carente, pois o que se vê
claramente é que o Estado como instrumento de realização de interesses de classes que detém o poder.
Portanto quando se trata de estudar o público e o privado na educação brasileira, há sempre a
preocupação de focalizar o desvio de recursos públicos para as redes privadas de ensino e o tráfico de
influencias que acompanham esse processo.
Atualmente vive-se um momento novo no contexto da nova ordem mundial. A economia tomou as
rédeas da sociedade e determina os caminhos que se deve percorrer. Diante das perspectivas mundiais
o estado de bem-estar está se esfacelando surgindo o estado mínimo, conforme a firma SEVERINO
(2005):
O dilema que vivemos hoje se expressa exatamente por essa ambigüidade, pela qual a
dimensão se esvazia, impondo a minimização do Estado na condução das políticas públicas e
sociais, que ficam dependentes apenas das leis do mercado, tido como dinâmica própria da esfera
do privado. Daí o ímpeto privatizante varre a sociedade e a cultura do Brasil nas últimas três
décadas, sob o sopro incessante e denso dos ventos ideológicos do neoliberalismo. A oferta de,
educação, assim como dos demais chamados serviços públicos, é um dentre outros
empreendimentos econômico-financeiros a ser conduzido nos termos das implacáveis leis do
mercado.(SEVERINO, 2005, p.34).
A realidade que se apresenta é esta: o mercado determina e as políticas são implementadas de acordo
com suas determinações. A educação como parte do sistema caminha na mesma direção. Porém a
dicotomia entre público e privado continua. Nem mesmo a nova LDB de 1996 fugiu a esse paradigma.
Ao mesmo tempo em que formula conceituações e diretrizes para a educação pública; com relação à
educação conduzida pela rede particular, consagra total autonomia. As exigências parecem ficar
exclusivamente com o ensino estatal. Não fica explícito o comprometimento da rede privada com um
45
projeto educacional de interesse da população. Seu relator foi rigoroso com a escola pública e
condescendente com as particulares.
SAVIANE (2005) ressalta que a saída para reconhecer a raiz do problema está na tutela do Estado
sobre a educação, não querendo dizer, é claro que o Estado não deva ter responsabilidade, mas trata-se
de inverter esta tendência, exigindo que o Estado assuma plenamente os encargos que lhe garantam as
melhores condições possíveis de funcionamento da rede pública de ensino.
2.4 A Educação no século XX
GADOTTI colocou muito bem que no final do século XX, o fenômeno da globalização deu novo
impulso à idéia de uma educação igual para todos, agora não como um princípio de justiça social, mas
apenas como parâmetro curricular comum. Como já foi explorada anteriormente no texto, a educação
passou por muitas mudanças e reformas sendo ministrada de diversas maneiras e conceituada também
de acordo com o momento em que aconteceram. Atualmente, assim como as sociedades que atingiram
um grau de complexidade bastante elevado, também a educação fatalmente está passando por essas
transformações. Com já foi dito, a partir do século XIX, o Estado assume o papel de gestor da
educação, agora na virada do século, o próprio Estado não consegue mais gerir com eficiência a
educação necessária para a atualidade. A burocratização do Estado faz com que as políticas públicas
aplicadas na educação sejam ineficientes ou muito morosas, além de esbarrar na corrupção que se pode
ser detectadas em alguns órgãos, o que prejudica sua eficácia. As políticas públicas implementadas não
surtem efeito por conta das desigualdades regionais e até cultural do país, assim como do
desconhecimento dos gestores em educação sobre a realidade das escolas. Muitas vezes uma política
não atinge seu objetivo porque se encontra fora da realidade daquela escola específica ou daquela
região em particular. Não dá para atender todo o território com medidas de massa, é preciso utilizar
mecanismos mais direcionados para alcançar os resultados esperados.
Atualmente a educação encontra-se em uma encruzilhada, pois diante do contingente de mudanças
pelas quais passam as sociedades atuais, os processos de transformações que nos chegam numa
sociedade globalizada. Onde os valores se perdem facilmente, onde o mercado e a economia dominam,
onde a lógica que vale não é a sabedoria de um povo, mas a lógica do mercado que controla governos,
46
indivíduos e empresas, todos subordinados a sua vontade. Vivemos uma crise de paradigmas conforme
afirma Boaventura de Sousa Santos, apud ARANHA (1996).
O que quer falte a concluir da modernidade não pode ser concluído em termos modernos, sob
pena de nos mantermos prisioneiros da mega-armadilha que a modernidade nos preparou: a
transformação incessante das energias emancipatórias em energias regulatórias. Daí “a
necessidade de pensar em descontinuidades, em mudanças paradigmáticas e não meramente subparadigmáticas.” (SANTOS, 1996, p.236e237).
A sociedade está assentada em bases fluidas, ocasionadas pela rapidez com que se mudam conceitos,
valores, principalmente a desagregação familiar. Embora muitas famílias continuem estruturadas e
garantam uma base sólida aos jovens, o que se percebe é a maioria deles não têm o privilégio de contar
com a educação “de berço” que auxilie no desenvolvimento moral e humano. Esperam-se políticas
públicas eficientes que possam promover o mínimo de dignidade especialmente aos setores
marginalizados da população. É louvável que setores não governamentais se envolvam no processo
educativo, mas não se pode deixar de cobrar do Estado mantenha sua luta por uma educação pública de
qualidade, pois o esvaziamento de luta por uma escola pública de qualidade se constitui em um grande
entrave na democratização da educação. O que importa salientar é que a escola como está estruturada
não serve mais para atender as demandas que lhe são colocadas, ela está obsoleta diante de tantas
mudanças pelas quais a sociedade vem passando desde a era industrial. Para atender aos anseios de
uma sociedade globalizada será necessário mais que uma mudança de método ou de processos
pedagógicos. Assim, como afirma Morin (2003), torna-se urgente uma mudança paradigmática na
estrutura da escola, que não se restrinja a mudanças de programas, mas que a escola se torne mais
flexível, que reveja seus conceitos diante de uma sociedade em transição. Segundo o autor é preciso
que haja uma reforma no pensamento para que as ações que resultem dessa reforma não se reduzam a
“reformazinhas” que camuflam mais ainda a necessidade de reformar o pensamento. “Daí resulta um
impasse: não se reforma a instituição sem uma prévia reforma das mentes, mas não se podem reformar
as mentes sem uma prévia reforma das instituições” (grifo do autor) (idem, p. 99 ). Talvez resida neste
paradoxo a dificuldade de encontrar uma saída para a educação do terceiro milênio, a escola, os
professores, os programas estão tão irredutíveis em sua mesmice que não cedem em suas posições
arcaicas, inflexíveis e burocratizadas, em nome de uma educação mais flexível, aberta e de mais
qualidade. As mentes que foram formadas em um modelo de “especialização fechada” não admitem a
mudança, o novo que muitas vezes abala as estruturas que se acham bastantes sólidas e perenes em
meio a uma sociedade que está em caos.
3 A FORMAÇÃO DE PROFESSORES
É no problema da educação que se assenta o grande segredo do aperfeiçoamento da humanidade.
(Kant)
48
Os desafios da educação são muitos, diante de uma sociedade em constante mutação, na qual uma
grande parte de seus membros já não acreditam totalmente na instrução como possibilidade de
crescimento, as perspectivas são desanimadoras. O contexto histórico traz uma série de descaminhos
pelos quais passaram a educação ao longo do tempo, mas a vontade de mudar move muitos educadores
e estudiosos sobre o assunto. Mesmo diante das diversidades e repressão que fizeram parte da nossa
história, sempre existiram pessoas otimistas e com boas idéias, e mais do que idéias iniciativas para
promover a mudança. Como já foi citado, mesmo durante a fase mais repressiva da ditadura militar, a
produção sobre mudanças na educação continuaram a ser produzida e difundida, como Paulo Freire,
por exemplo, que consolidaram as bases para a mudança da educação e conseqüentemente a sua
melhoria.
Uma questão bastante polêmica na profissão de professor se refere ao seu reconhecimento como
profissão, uma vez que pelo fato de carregar uma forte conotação emocional e afetiva existe a
dificuldade de tal reconhecimento. Muitos autores concordam com o tratamento dado ao ofício de
professor, assim como afirma NÓVOA (1999, p.71) “a profissão docente é uma semiprofissão. Em
parte, porque depende de coordenadas político-administrativo que regulam o sistema educativo, em
geral, e as condições do posto de trabalho, em particular.”.
A formação de professores, bem como sua elevação ao status de profissão, sempre esteve presente no
discurso e nos debates de educadores assim como na implementação de políticas públicas para a
educação. Segundo DELORS (2005, p.28) há um “reconhecimento unânime de que um corpo docente
bem formado e motivado é um grande passo para se atingir uma educação de qualidade, porém o que se
vê em pleno século XXI é que entre o ideal e o possível existe uma distância que fica cada vez maior,
diante das dificuldades econômicas, principalmente nos países em desenvolvimento”. A política atual
desses países não contempla a educação como prioridade para o desenvolvimento.
Para conseguirem alcançar status de “profissionais” e desempenharem bem seu papel diante da
sociedade, não resta dúvida que os professores precisam de uma boa formação, que lhes dê os prérequisitos básicos para atuarem de maneira satisfatória. No entanto a formação de professores, segundo
NÓVOA (1999), constitui-se um dilema enfrentado pelos seus atores que buscam uma qualificação e
esta muitas vezes não se efetiva devido ao desencontro entre as instituições formadoras e os postos de
trabalho.
49
A formação de professores é provavelmente, a área mais sensível das mudanças em curso no
sector educativo: aqui não se formam apenas profissionais, aqui se produz uma profissão. Ao
longo da sua história, a formação de professores tem oscilado entre modelos acadêmicos,
centrados nas instituições e em conhecimentos “fundamentais”, e modelos práticos, centrados nas
escolas e em métodos “aplicados”. É preciso ultrapassar esta dicotomia, que não tem hoje
qualquer pertinência, adotando modelos profissionais, baseados em soluções de partenariado
entre as instituições de ensino superior e as escolas, com um reforço dos espaços de tutoria e de
alternância” (NÓVOA, 1999, p.26).
Muitos autores concordam que para haver uma formação adequada é urgente que todos os agentes
envolvidos nesta formação desde as universidades, as entidades mantenedoras da educação, os próprios
professores e as escolas falem uma mesma língua, ou seja, trabalhem no sentido de estarem buscando
uma formação integral do profissional. É importante lembrar que não bastam conhecimentos teóricos,
nos quais os novos professores apenas reproduzam os conhecimentos acadêmicos, mas a atualidade
necessita de um profissional criativo, capaz de inovar sua prática, buscando atingir melhor seus
objetivos. Essa prática, no entanto, não condiz com os valores que ainda sustentam a produção
contemporânea da profissão docente e que estão em desacordo com a sociedade atual. Mesmo sentindo
que os paradigmas tradicionais estão em crise, há uma resistência à mudança, ao novo; haja vista que as
experiências novas que não estejam ainda respaldadas por uma boa teoria, não têm muito espaço na
prática de quem foi formado com padrões bem definidos, por uma academia que impunha seu saber
para que fosse aprendido e reproduzido. Este modelo está em crise, mas qual modelo colocar em seu
lugar, como preencher o vazio? Estas indagações estão povoando o imaginário da maioria dos docentes
que vivem o mal estar não estar correspondendo às expectativas acerca de seu trabalho.
Outro ponto importante a destacar na profissão é o fato da sua feminização ocorrida na virada do século
XIX e contribuiu para o desprestígio da atividade. No Estado Novo, a remuneração dos professores
chegou a ser considerado como uma “gratificação”, o que deixava claro não se tratar de uma profissão,
mas apenas uma ocupação secundária. Uma grande dicotomia se estabelece em face dos atores e o
papel que desempenham na sociedade. O ofício de professor lhe dá autonomia para ser o interlocutor
da cultura e do conhecimento, cuja função primordial é a formação de outros e sua inserção no mundo
a do saber. Como preparar outro, se o professor ainda não se preparou para responder a seus
questionamentos internos. Ele ainda está em busca de sua identidade, procurando se reconhecer nesse
emaranhado de obrigações e encargos que lhe foram confiados sem o respaldo necessário para cumprir
tantas obrigações.
50
A reflexão é um exercício de aprendizagem e deve ser praticado constantemente, não é uma prática
aleatória, mas coordenada com objetivos bem definidos. Os estudiosos concordavam que para formar
um profissional reflexivo, era necessário mudar os cursos de formação alterando os currículos que
foram construídos a partir de um modelo tecnicista que valoriza a técnica e a teoria em detrimento da
prática. Além disso, o que se ensina na academia está muito distante do que os novos professores vão
enfrentar nas salas de aula. A participação dos professores na formulação dos currículos é um passo
importante para se adequar a pratica à teoria, pois não adianta que o professor se torne um teórico bem
sucedido e muito menos que tenha uma prática invejável, há que se conciliar os dois para se chegar a
um profissional ideal, capaz de responder prontamente às demandas que lhe serão confiadas.
Analisando a teoria de Shön sobre a reflexão na ação, embora ele não tenha se dedicado inteiramente
ao estudo da formação de professores, é importante destacar que suas pesquisas serviram de suporte
para que outros pesquisadores se debruçassem sobre o assunto. Entre eles se destaca PIMENTA (2002)
que ao analisar as pesquisas de Shön, atenta para a seguinte questão: “colocar em destaque o
protagonismo do sujeito professor nos processos de mudanças e inovações, pode gerar uma
supervalorização do professor como indivíduo levando-o ao individualismo”. Essa prática pode resultar
em uma premissa de que a prática basta para elaboração de um saber docente, o professor que reflete e
consegue estabelecer respostas para sua atividade está em uma posição mais confortável que os demais,
pois se encontrou profissionalmente. Longe dessa simplificação do processo, os pesquisadores são
unânimes ao expor que uma reflexão só é feita na coletividade, não pode ser realizada solitariamente,
até mesmo para alcançar publicidade e respaldo legal para atingir um fim. Só existe professor reflexivo
se este for formado para a reflexividade, e só se efetiva a reflexão em uma escola reflexiva. . É
importante lembrar a importância da teoria na formação do professor, não basta somente à prática, mas
um bom professor também é aquele que domina a teoria e a aplica no dia-a-dia:
[...] o saber docente não é formado apenas da prática, sendo também nutrido pelas teorias da
educação. Dessa forma, a teoria tem importância fundamental na formação dos docentes, pois
dota os sujeitos de variados pontos de vista para uma ação contextualizada, oferecendo
perspectivas de analise para que os professores compreendam os contextos históricos, sociais,
culturais, organizacionais e de si próprios como profissionais. (PIMENTA, 2002, p. 24).
Portanto, pensar o professor reflexivo, não significa deixar de lado a formação teórica, mas sim ajustar
uma face à outra promovendo o equilíbrio entre elas no sentido melhorar a atuação dos professores
51
num contexto de mudanças na contemporaneidade. Esse equilíbrio será alcançado com uma posição
mais ativa dos professores nos processos de formação e na sua atuação na formulação das políticas
públicas para a educação. Enquanto o professor for mero transmissor das ações propostas por
especialistas que não estão conectados com a realidade vivida nas escolas não será efetivada a
mudança. A mudança deverá ocorrer na mentalidade do professor, deve partir de sua vontade de fazer a
diferença. Esta mudança envolve estudo e conhecimento sobre o assunto, uma vez que estando o
professor na condição de “intelectual” deve desenvolver um conhecimento sobre sua prática, sobre suas
ações, a teoria não deve ser abandonada, mas aplicada corretamente para surtir os efeitos desejados.
Refletir sobre a prática não significa abandonar a teoria sobre o ensino, mas aplicá-la corretamente, e
isto requer estudo.
Atingir um nível de reflexão que possa modificar a qualidade do ensino não é tarefa fácil e se torna
mais complexa à medida que a formulação conceito se amplia. PIMENTA (2002) alerta para um
possível “modismo” do conceito de professor reflexivo, onde o modelo é apropriado sem críticas. Caso
isto ocorra será apenas mais um pacote de mudanças que despenca sobre os professores e jamais será
efetivado concretamente. Não há como enviar um “pacote” de técnicas para se chegar ao professor
reflexivo. Liston & Zeichener, apud PIMENTA (2002), esclarecem que a proposta de Shön se aplica a
profissionais individuais, que conseguem operar mudanças imediatamente. Não é esse o caso dos
professores, que não conseguem alterar as situações fora da sala de aula. A instituição, os programas e
os sistemas de ensino não são afetados pelos professores, estão acima deles. Para alcançar resultados
propostos por esse modelo, torna-se necessária uma mudança institucional e social, tal qual propõe
MORIN (2005 ) através da reforma do pensamento em busca da religação dos saberes. Por este motivo,
talvez seja tão difícil implantar o modelo de reflexividade na escola, uma vez que esta não tem
autonomia para gerir as decisões que extrapolam seus muros, a reforma do pensamento e das
instituições é a saída para mudar a situação de crise enfrentada. No entanto, mesmo apresentando
limitações, o estudo de Shön é pertinente para que outros estudiosos se remetam a ele e apresentem
outras propostas seguindo sua linha de pensamento.
Na atualidade, outros tantos educadores retomam esses estudos e remodelam para que sejam aplicados
na educação, como por exemplo, o sociólogo francês Philippe Perrenoud, que dentre seus vários
estudos sobre o tema discorre sobre a formação de professores reflexivos, como alternativa de mudança
para os descaminhos em que se encontra a educação na atualidade. Segundo o sociólogo, somente com
a reflexão sobre as ações desenvolvidas, o trabalho docente poderá sanar suas dificuldades alcançando
52
melhores resultados de aprendizagem. A reflexão deve ser um exercício cotidiano coordenado para
eliminar as falhas, buscando aprimorar cada vez mais a prática pedagógica. Neste sentido retorna-se ao
raciocínio da reflexão na ação, retomando o pensamento já exposto do filósofo Edgar Morin que
propõe como alternativa para alcançar melhores resultados na educação a religação dos saberes, pois
educar é formar o ser humano por completo, na sua totalidade e isto não é possível com os saberes
compartimentalizados como acontece na escola, assim como a formação dos professores que se
resumem em formar ‘especialistas’ com seus saberes fragmentados. Só se obterá resultados positivos
quando os saberes estiverem interligados, a exemplo da vida e do mercado de trabalho que exige
pessoas versáteis e flexíveis, capazes de tomar decisões criativas.
A idéia de reflexão na ação e sobre a ação é uma atitude que todo ser humano realiza na sua prática
cotidiana, mas a reflexão a que se referem os autores, como prática de exercício do ofício de professor
não pode ser confundida com esta reflexão que se faz aleatoriamente, sem planejamento. Inicialmente
será feito um estudo sobre o conceito proposto por LIBÂNEO (2002):
Reflexividade é uma característica dos seres racionais conscientes; todos os seres humanos são
reflexivos, todos os pensamentos sobre o que fazemos. A reflexibilidade é uma auto-análise sobre
nossas próprias ações, que Pode ser feita comigo mesmo ou com os outros. Não é inútil recorrer à
etimologia: o dicionário Houaiss menciona reflexivo+dade, caráter do que é reflexivo; reflexivo –
o que reflete ou reflexiona, que procede com reflexão, que cogita que se volta sobre si mesmo. O
termo original latino seria “reflectere”- recurvar, dobrar, ver, voltar para trás. Reflexividade
parece ser, pois, um termo adequado para designar a capacidade racional de indivíduos e grupos
humanos de pensar sobre si próprio. (LIBÂNEO, 2002, p.55).
Esse conceito de reflexão é aquele presente em toda a ação humana, quando este pensa sobre qualquer
ação que tenha realizado. Voltando especificamente para ofício de professor, (LIBÂNEO, 2002,p.56)
propõe três significados para o termo. “O primeiro diz respeito à reflexão como consciência dos atos,
ou seja, como conhecimento do conhecimento. O ato de se pensar sobre si mesmo, sobre o conteúdo da
mente”, a medida que se reflete, mudam-se as idéias, os pensamentos. A partir desta reflexão pode
elaborar uma teoria sobre o próprio pensamento, construindo um conhecimento
sobre os atos
praticados. Neste sentido admite-se uma separação entre a realidade interior e o mundo exterior. Em
um segundo significado, “ a reflexão é entendida como uma relação direta entre a reflexibilidade e as
situações práticas”. A reflexão não é introspectiva, mas decorre da ação praticada por um sujeito, ela
começa a partir de uma ação concreta, de uma experiência que irá desencadear uma reflexão da qual se
terá subsídio para agir prontamente no futuro quando se deparar novamente com a mesma situação.
53
Esta é a visão de Dewey sobre a reflexão. Em um terceiro significado, “o caminho para entender a
reflexibilidade é a reflexão dialética, onde uma determinada realidade é apresentada concretamente,
esta pode ser percebida e refletida por um indivíduo ou não, de acordo com seus interesses ou
vivencias. Essa realidade ganha sentido no agir humano”. Neste caso existem duas realidades: o mundo
dos fatos e do pensamento de cada indivíduo. Quando acontece um fato real, semelhante àquele
vivenciado anteriormente e que já foi registrado como experiência, o pensamento é capaz de captar e
responder prontamente, acontece uma auto-reflexão que desvenda de maneira crítica o fato e o
transforma em ação positiva. Completando o pensamento de Libâneo sobre reflexão dialética,
PERRENOUD (2002), identifica o conhecimento prévio como habitus1. A reflexão na visão de
Libâneo se constitui em um campo bastante complexo, mas que de uma forma ou de outra todos os
indivíduos estão se relacionando com ela mesmo que não se dê conta disso. Quanto ao movimento do
professor reflexivo, esta reflexão se torna mais específica, de acordo com PERRENOUD (2002)
Não há ação complexa sem reflexão durante o processo; a prática reflexiva pode ser entendida, no
sentido mais comum da palavra, como a reflexão acerca da situação, dos objetivos, dos meios, do
lugar, das operações envolvidas, dos resultados provisórios, da evolução previsível do sistema de
ação. Refletir durante a ação consiste em se perguntar o que está acontecendo ou o que vai
acontecer, o que podemos e devemos fazer, qual é a melhor tática, que desvios e precauções
temos de tomar, que riscos corremos, etc. (PERRENOUD, 2002, p.30,31).
A prática reflexiva pode ser alcançada através do habitus, que também é objeto de estudo de Piaget,
que o coloca como uma “ação adaptada é um equilíbrio entre uma assimilação aos esquemas existentes
e uma acomodação deles à situação”. Ao longo de sua formação e durante o exercício de sua função, o
professor vai acumulando experiências que são colocadas em prática sempre que uma situação assim o
exigir:
Ainda que tenhamos tempo de realizar uma deliberação interna, nossa ação manifesta
estruturas estáveis, não por termos agido de forma irrefletida, mas porque nossa decisão
percorreu caminhos idênticos frente a problemas idênticos. Temos uma maneira estável
de enfrentar o conflito, a pressão, a mentira, a ignorância, a agressividade, a incerteza, a
desordem. As operações mentais são ações interiorizadas, as quais também dependem de
1
Habitus: sistema de pensamento, de percepção, de avaliação e de ação; é a “gramática geradora” de nossas práticas.
Nossas ações possuem uma “memória” que não existe sob a forma de representações nem de saberes, mas de estruturas
relativamente estáveis que nos permitem tratar um conjunto de objetos, de situações ou de problemas. PERRENOUD.
(2002), p.81.
54
esquemas. [...] De acordo com Bourdieu, podemos denominar habitus2 o conjunto de esquemas
que uma pessoa dispõe em um determinado momento de sua vida. O habitus é definido como
“um pequeno grupo de esquemas que permitem gerar uma infinidade de práticas adaptadas a
situações que sempre se renovam sem nunca se constituir em princípios
explícitos”(BOURDIEU,1972, p.209, apud, PERRENOUD, 2002, p.39).
A aquisição desse recurso permite que o professor tenha uma gama de soluções já refletidas, mas não
impede que ele aja inconscientemente, ou segundo Piaget, apud, PERRENOUD, (2002), que use seu
“inconsciente prático” que se constituíram de forma implícita em função da experiência e apesar do
sujeito, assim sua ação mesmo imediata já apresenta resultados positivos por estar bem assimilada pelo
sujeito.
O conceito de professor reflexivo, não é novo, muito menos está restrito ao ofício de professor. Dentre
os vários projetos e reformas educacionais pelos quais passaram a educação brasileira nos últimos anos
este conceito ganhou força final dos anos 1970, segundo PIMENTA (2002), e se encontra presente na
literatura relacionada com os paradigmas de formação de professores. Nos anos 1980 emerge com
força total nos quadros das reformas educativas dentro de um conjunto de mudanças associadas à
reestruturação produtivas e políticas de ajuste no âmbito do capitalismo. “Nos anos 90 a expressão
“professor reflexivo” tomou conta do cenário educacional, confundindo a reflexão enquanto adjetivo,
como atributo próprio do ser humano, com um movimento teórico de compreensão do trabalho
docente”.(PIMENTA, 2002, p.18). Para esclarecer a diferença entre o adjetivo e o conceito
propriamente dito criou-se o termo professor reflexivo, que conta com estudos até hoje.
Dewey, apud, PIMENTA (2002) propõe a formação dos profissionais não em moldes de um currículo
normativo que primeiro apresenta a ciência, depois sua aplicação e por último um estágio que supõe a
aplicação pelos alunos dos conhecimentos técnico-profissionais. Este princípio também foi criticado
por Shön, pois afirma que o profissional formado por este sistema não consegue responder bem às
situações inesperadas do que acontecem no dia-a-dia, pois muitas delas são inéditas e não tem teoria
que possa ser aplicada. O profissional reflexivo, por sua vez, aprende a refletir sobre acontecimentos
inesperados e a formular respostas. Através da experiência ou da prática profissional, ele elabora o
conhecimento que será utilizado no momento em que outra situação semelhante venha a ocorrer. Existe
então a valorização da experiência, pois um profissional inexperiente não poderá contar com esta
experiência e estarão sujeitos a mais erros. “Este pensamento abre perspectivas para a valorização da
2
Habitus: um sistema de disposições duráveis e transponíveis que, integrando todas as experiências passadas, funciona a cada momento
como uma matriz de percepções, de apreciações e de ações – e torna possível a realização de tarefas infinitamente diferenciadas, graças
às transferências analógicas de esquemas [...] (Bourdieu, 1983, p. 65,.) (1983). Questões de sociologia. Rio de Janeiro: Marco Zero.
55
pesquisa na ação dos profissionais, colocando as bases para o que se convencionou denominar o
professor pesquisador de sua prática”.
3.1 O ofício de professor
A educação é uma tarefa bastante peculiar que acompanha o homem desde seus primórdios e constitui
matéria importante para a evolução da sociedade. A tarefa de educar sempre povoou todas as
civilizações e não deixa de ser matéria de intensos debates na atualidade. ARROYO, (2004) fala do
retorno à visão humanística da educação, trazendo o professor ao destaque que merece. A
desvalorização do professor é vista como uma das causas do fracasso escolar. Um retorno ao
significado etimológico da pedagogia, segundo ARROYO (2004, p. 10) que tem no “seu cerne a figura
do pedagogo, de alguém que aprendeu o viver humano, seus saberes e valores, o significado da cultura,
a fala, a razão, o juízo. Conseqüentemente, está capacitado a formar a infância, os “in-fans” não
falantes, os aprendizes de humanos”. Os mestres serão aqueles que formarão a criança como um todo
com seus valores, vivências, portanto estão no centro da pedagogia, não apêndices. O grande desafio
hoje, segundo Arroyo é o de colocar ofício de mestre no centro da reflexão teórica e das políticas
educativas, devolvendo ao professor o status de mestre que era utilizado pelos gregos antigos.
Recuperaremos o direito à Educação Básica universal para além de “toda criança na escola”,
recuperarmos a centralidade das relações entre educadores e educandos, entre infância e
pedagogos. Colocando seu ofício de mestre no centro da reflexão teórica e das políticas
educativas. Colocando os conteúdos e os métodos, a gestão e a escola como mediadores desta
relação social e pessoal. Como meios deixando de ver os professores (as) como recursos e
recuperando sua condição de sujeitos da ação educativa junto com os educandos. (ARROYO,
2004, p.10).
Esta ação se faz necessária para recuperar a imagem do professor como ator social e político que exerce
funções que vão além de ensinar e aprender os conteúdos ministrados no cotidiano da sala de aula. A
utilização desta postura poderá ser um passo importante para recuperar a credibilidade dos professores
perante o público que atende. ARROYO (2004) lembra que se uma pessoa precisa de um serviço de
saúde ela não questiona a competência do hospital, mas do médico que irá atendê-la. Não acontece o
mesmo quando se fala em educação, uma vez que se lembra da escola e não dos profissionais que
atuam nela. Os professores não são as referências de seu próprio trabalho, mas sim a instituição.
56
Portanto a valorização é fundamental para que o professor possa se sentir realmente o condutor de sua
prática pedagógica.
Neste sentido, PERRENOUD (2001) se refere à profissão de professor como um ofício, o de lidar com
o ser humano que exige mais cuidado e preparação por parte dos professores, uma vez que seu material
de trabalho é outro ser humano,
que está em formação, esta característica acarreta mais
responsabilidade:
O ensino está incluído entre outros ofícios que chamei de “ofícios que lidam com o ser humano”.
Confrontamo-nos, então, com situações sociais complexas, subordinadas ao tempo, nas quais se
misturam o social, o institucional e o pessoal; o desfio é que o outro tenha acesso ao saber, cresça,
supere uma dificuldade paralisante, cure-se. Inauguramos assim, um espaço difícil, uma conduta
particular de pensamento, uma ética de ação e uma formação adequada que a palavra “clinica”
pode qualificar. [...] Quando se trabalha com uma criatura viva, o outro pode às vezes nos toca,
geralmente nos opõe resistência. Ele provoca fascínio, irritação ou rejeição. Nesses ofícios,
experimentamos sentimentos de amor e ódio. (PERRENOUD, 2001, p.104 e 105).
Diante dessa afirmação fica mais fácil entender todas as dificuldades que os professores encontram
para se afirmarem como profissionais, pois não há como excluir o lado afetivo que envolve alunos e
professores. A relação professor-aluno é muito importante no processo de ensino-aprendizagem, da
mesma forma como a sociedade precisa dar credibilidade ao trabalho docente para que se promova
efetivamente a educação. As relações afetivas e de confiança que se estabelecem entre as partes são
uma resposta positiva às representações que permeiam a atividade de aprender e ensinar.
ARROYO (2000) usa bastante o termo “ofício de mestre” e explica que ofício remete a artífice, aquele
que concebe e dá a luz a um conhecimento especializado, só seu, profissional:
Os ofícios se referem a um coletivo de trabalhadores qualificados, os mestres de um ofício que só
eles sabem fazer, que lhes pertence, porque aprenderam seus segredos, seus saberes e suas artes.
Uma identidade respeitada, reconhecida socialmente, de traços bem definidos. Os mestres de
ofício carregam o orgulho de sua maestria. Inquietações e vontades tão parecidas, tão manifestas
no conjunto de lutas da categoria docente. (ARROYO, 2000, p.18).
Este discurso sobre o ofício descrito por Arroyo remete ao fazer artesanal, descritos por Mac Bloch
(2001), Perrenoud, (2001) e Hobsbawam, apud Arroyo (2004) que também utilizam o conceito se
referindo ao papel do professor que se constitui numa construção artesanal de seu ofício. Presente na
57
sociedade pré-industrial, o artesão possuía uma identidade que era reconhecida socialmente, era um
saber elaborado por cada trabalhador que detinha todo o processo de produção como um saber especial,
que fora moldado através do conhecimento prévio, do planejamento e da execução personificada do
objeto. A industrialização vem para retirar do artesão essa totalidade do fazer, do construir com sua
habilidade, fragmentando o processo de produção e descaracterizando o produto final. Assim está
acontecendo com o ofício de professor que se encontra fragmentado, descaracterizado por tantos
métodos e modelos que separam o planejar do fazer. Portanto não há identificação no executar, uma
vez que o planejamento não foi gestado pelo seu executor, resultando em um reproduzir mecânico, sem
brilho, sem o entusiasmo que dá sentido ao ensinar e aprender. Completando esse pensamento, MORIN
(2003) vem alertar para a necessidade de reformar o pensamento em busca de uma nova configuração
dos
saberes
que
se
perderam
na
informação.
Atualmente
o
conhecimento
encontra-se
compartimentalizado, separado em seções, fruto do processo de industrialização que tem suas origens
no fordismo, que privilegia a produção, a quantidade e não a qualidade. Educar para condição humana
requer uma visão global, no contexto, já que o ser humano não está separado em seções.
Falar em “oficio de mestre”, remete ao campo das representações, comuns no campo da educação,
como uma moda que se instalou no discurso dos professores e que são entendidas de acordo com
BAILLAUQUÈS (2001, p.37) como “instrumentos cognitivos de apreensão da realidade e de
orientação das condutas; as representações dos professores podem ser consideradas como um dos
meios a partir dos quais eles estruturam seu comportamento de ensino e de aprendizagem”. A profissão
de professor é o que se tem de mais próximo de cada profissional, pois todos se lembram especialmente
de um ou de outro professor que teve na infância ou adolescência. Quando o professor se forma e
começa a exercer seu ofício ele busca aquele mestre que existe na lembrança para imitar, agir de forma
oposta ou remodelar de acordo com sua personalidade.
A concepção de professor é elaborada a partir de discursos sociais, de posições culturais, de
habitus. Ela é composta igualmente por projeções de sua experiência com determinado professor
ou com vários professores que ele conheceu quando aluno. Tal concepção inclui e mantêm as
suas fantasias, suas construções de ideal e suas idealizações. ( PERRENOUD, 2001, p.40).
Muitos professores recém-formados têm uma visão bastante fantasiosa da realidade de uma sala de
aula, algumas vezes por apresentar uma visão romântica de que “ensinar” é uma tarefa fácil, ou porque
gosta de crianças, ou ainda porque o que se aprende na universidade lhe confere credibilidade
58
suficiente para resolver qualquer conflito que surja. Mas ao deparar com os problemas reais, ele
percebe que a realidade é muito diferente das metodologias que aprendeu. Diante desta constatação o
professor começa a refletir sobre sua formação, sobre os problemas que precisa resolver e as
responsabilidades que tem com a turma. Ele busca modelos, questiona seu papel de ensinar e vai
construindo sua identidade, incorporando as representações sobre seu ofício. Alguns conseguem vencer
os obstáculos e construir uma imagem positiva, sem culpas. Outros se sentem frustrados e acabam
abandonando seu ofício ou o carrega como um peso, fazendo de sua profissão um constante mal-estar
levando-o inclusive a muitas patologias que são comuns atualmente na trajetória de vida dos
professores. Essas imagens são percebidas pelos alunos e muitas vezes provocam dificuldades de
aprendizagem e de relacionamento entre alunos e professores. Como conseqüência desses desajustes
pode-se perceber uma ruptura nas representações que os professores fazem de si mesmos, que a
sociedade faz deles e a realidade que acontece nos estabelecimentos de ensino.
3.2 A profissionalização dos professores
Uma questão relevante e urgente diz respeito à profissionalização e valorização do profissional da
educação, que ao longo de sua história vem sofrendo muitos percalços e desvalorização; o processo de
organização da escola, assim como a formação dos professores está intrinsecamente ligado ao processo
histórico do país. É importante lembrar que ainda hoje se luta pela profissionalização dos professores,
muitos os autores que debatem o tema, entre eles PERRENOUD (2001) afirma que o professor deve
adquirir certas competências necessárias ao bom desenvolvimento de seu trabalho.
Definimos o professor profissional como uma pessoa autônoma, dotada de competências
específicas e especializada que repousam sobre uma base de conhecimentos racionais,
reconhecidos, oriundos das ciências, legitimados pela universidade, ou conhecimentos passam a
ser autônomos e professados, isto é, explicitados oralmente de maneira racional, e o professor é
capaz de relatá-los. A profissionalização é constituída, assim, por um processo de racionalização
dos conhecimentos postos em ação e por práticas eficazes em uma determinada situação. (grifo
do autor) (PERRENOUD, 2001, p.25).
Segundo o autor, o professor é o agente da transformação, capaz de se adaptar às situações diversas e
refletir sobre sua ação no momento em que acontece, adaptando se for o caso a mudanças e situações
59
novas. Ele está, a todo o momento, representando seu papel sem deixar de analisar sua prática e de
ajustá-la a cada nova situação que apresente.
NÓVOA (1999), em sua análise sobre a “profissão professor” 3, dá um parecer que não é muito
animador sobre o assunto, quando afirma que a questão da crise da profissão se arrasta a longos anos e
que não vê perspectivas de mudanças em curto prazo. Atualmente os professores se encontram
desmotivados e desvalorizados em seu ofício, como consequência desse descaso está se presenciando
uma crise da qualidade da educação. Ainda segundo o autor, essa situação é resultado da ausência de
reflexão crítica do professor sobre sua prática. Aliada a essa depreciação está a desconfiança com
relação à qualidade do trabalho dos professores, daí então a falta de valorização dos profissionais,
investimentos escassos, mal aplicados e toda uma gama de culpabilidade do fracasso escolar na atuação
dos professores. Não se pode negar que, no contexto atual, a educação é uma das prioridades dos
governos que querem uma sociedade mais justa e um desenvolvimento mais humano. Também é fato,
ao longo da história recente, que governos que investiram na educação apresentam desenvolvimento
significativo em relação aos demais que países que não fizeram o mesmo. Cabe ao professor estar
sempre ciente de seu papel político e social na construção de uma sociedade mais humana, que valorize
o ser humano acima dos mercados e questões financeiras. Para conseguir este feito é imprescindível
que ele esteja a todo o momento refletindo seu papel na transformação da sociedade.
O professor precisa caminhar para sua autonomia, conforme afirma CONTRERAS (2002), mas essa
autonomia não é fácil de alcançar, pois se depara com uma série de contradições que envolvem o ofício
de professor e os agentes envolvidos no processo, assim como o próprio conceito de autonomia precisa
ser entendido. Este tema, apesar de ocupar espaço relevante no discurso acadêmico atual, é bastante
complexo e, diga-se “insólito”, pois não se trata de analisá-lo de forma material, pois ele traz em si uma
gama muito significativa de ideologia.
O processo de profissionalização dos professores é bastante antigo e vem se desenrolando à medida em
que a sociedade se desenvolve. Mas o processo de desenvolvimento da profissionalização de
professores acontece de forma semelhante em diversos países, acompanhando o desenvolvimento
social, econômico e político de cada um deles. No Brasil, não foi diferente, o processo se deu no
intercâmbio de desenvolvimento industrial e urbano pelo qual passou a partir da década de vinte do
século XX. Até então atuavam os mestre-escola, formado essencialmente por homens que davam à
3
Em seu livro “profissão professor” (1999), Antonio Nóvoa faz uma análise da profissionalização dos professores
em Portugal, este estudo está sendo aproveitado para se referir à situação dos professores brasileiros porque, a situação se
repete neste país, embora que mais tardiamente.
60
instrução um status diferenciado da educação ministrada por professores. As escolas normais foram
criadas para atender um público masculino, uma vez que às mulheres não era dado o privilégio da
profissionalização.
A criação das escolas normais é um marco importante na formação de professores e, segundo NÓVOA
(1999), representam uma conquista significativa na construção da profissionalização do professor.
As escolas normais estão na origem de uma verdadeira mutação sociológica do corpo docente: o
“velho” mestre-escola é definitivamente substituído pelo “novo” professor da instrução primária.
As instituições deformação ocupam um lugar central na produção e reprodução do corpo de
saberes e do sistema de normas da profissão docente, desempenhando um papel crucial na
elaboração dos conhecimentos pedagógicos e de uma ideologia comum. Mais do que formar
professores ( a título individual), as escolas normais produzem a profissão docente (em nível
coletivo), contribuindo para a socialização dos seus membros e para a gênese de uma cultura
profissional. (NÓVOA,1999, p.18).
A formação transmitida pelas escolas normais tem por objetivo sistematizar o ensino garantindo-lhe
qualidade. A instrução vai se constituir como meio de diferenciação social e os professores como
agentes da instrução serão detentores de um saber institucionalizado e de formação longa e específica.
NÓVOA (1999) afirma que a segunda metade do século XIX é um momento importante para
compreender ambiguidade do estatuto dos professores, pois se apresenta uma imagem intermediária,
tornando-se bastante difícil sua classificação. Os professores se encontram no limiar de várias classes,
não se enquadrando inteiramente em nenhuma, pois “não são burgueses, mas também não são povo;
não devem ser intelectuais, mas têm de possuir um bom acervo de conhecimentos; não são notáveis
locais, mas têm uma influência importante nas comunidades uma vez que se relacionam com todos os
grupos; não exercem o trabalho com independência, mas é importante que tenham certa
autonomia”(NÓVOA, 1999, p. 18). Aliada a essa ambigüidade, acrescenta-se nesse período o processo
de feminização do professorado que se concretizará na virada do século contribuindo para a indefinição
das imagens masculinas e femininas da profissão.
Ainda segundo NÓVOA (1999), o papel do Estado na condução do processo de formação dos
professores e a gestão da profissão contribuem para a homogeneização e hierarquização de todos os
grupos: “é o enquadramento estatal que institui os professores como um corpo profissional, e não uma
concepção corporativa do ofício.” Os professores constituem um grupo especial localizado entre o
61
funcionalismo e a profissão liberal. Embora sendo funcionários, são de um tipo especial, uma vez que
sua ação encontra-se fortemente ligada à ação política devido sua finalidade social. Os professores são
agentes de transformação social e fazem, parte de um grupo bastante atuante no processo de
transformações políticas ao longo da história.
Dialogar sobre o ofício de mestre é tentar interpretar a história mais recente. Durante as últimas
décadas podemos acompanhar um movimento de afirmação profissional dos professores que vêm
se reconhecendo e exigindo ser reconhecidos como categoria, com especificidade histórica, social
e política. Que vêm afirmando e defendendo sua identidade. Um momento forte aconteceu no
final da década de setenta e se intensificou na década de oitenta, o centro foi à defesa de sua
identidade como trabalhadores da educação. Na década de noventa, este movimento passa pela
defesa da especificidade de seu saber fazer e fazer, o que vem reforçar a defesa da identidade da
categoria como trabalhadores em educação. Esta identidade foi afirmada frente ao Estado
empregador que os descaracteriza como funcionários. A nova identidade tende a ser afirmada
frente a nova descaracterização da escola e da ação educativa. (ARROYO, 2004, p.21,22).
Nos anos 1980 intensificam-se os debates a cerca da profissionalização do professor; estes debates
surgem carregados da ideologia que esteve adormecida no período da ditadura militar. Se as
associações de professores representaram papel importante na construção da profissão docente, agora
surge um novo associativismo com objetivo de renovar a profissão, como afirma NÓVOA (1999 p. 27)
“A reconfiguração da profissão docente e o desenvolvimento de comunidades escolares autônomas
constituem condições necessárias ao aparecimento de um novo associativismo docente, agente coletivo
de um poder profissional cuja legitimidade não reside apenas numa delegação de competências do
Estado”. Os professores buscam retomar a idéia de conjunto no seu ofício, o saber fazer, perdido
durante a vigência do modelo tecnicista, que direcionava sua ação sobre a atuação de especialistas
fragmentados e reduzidos a reprodutores de técnicas de ensino sem o devido valor social e humano que
a profissão docente precisa acontecer de fato. Não é possível formar por setores, mas na integralidade.
Os anos oitenta foram de suma importância para os trabalhadores em educação no sentido do
reconhecimento aos trabalhadores educação como profissionais da educação e também para definição
de sua identidade como tal.
Os anos 1990 foram marcados por intensas reformas educacionais em todos os níveis e a busca pela
qualificação profissional. É o momento que floresce no Brasil a discussão sobre o profissional
reflexivo. O processo de globalização, fomento das economias emergentes e as legislações a favor da
escolaridade básica, impõe aos sistemas de ensino uma reestruturação para atender as demandas
62
exigidas pelo mercado. Organismos internacionais como a UNESCO efetivam sua atuação nos paises
em desenvolvimento e estimulam os governos a investirem mais na educação e oferecer uma educação
pública de qualidade para atender especialmente as populações de baixa renda como forma de inserção
no mercado de trabalho e melhoria na qualidade de vida. Ao professor foi dada uma parcela maior de
responsabilidade no processo educativo, embora não tenha sido acompanhado de condições favoráveis
para garantir sua efetivação, os professores se vêem forçados a buscar soluções e requalificações que
lhes permitam desempenhar bem suas novas funções. Para conseguir alcançar seus objetivos, é
necessário que os professores reflitam sobre seu papel na educação, sua prática pedagógica e sua
formação no sentido corresponderem às expectativas que a sociedade tem a seu respeito.
3.3 O processo de proletarização do ofício de professor
A prática docente é um campo bastante complexo dentro do pensamento pedagógico, e situar o
professorado em um conceito de profissionalização, também não é tarefa fácil devido à especificidade
da ação docente, de acordo com NÓVOA (1999, p.30) “o ensino é uma prática social, não só porque se
concretiza na interação entre professores e alunos, mas também porque estes actores reflectem a cultura
e contextos sociais a que pertencem”. Não há dúvida que ensinar é uma função social, mas os
professores, apesar de representarem um papel importante na formação das novas gerações, encontramse com seu estatuto muito defasado, não chegando a concretizarem-se como categoria profissional
graças aos aspectos ambíguos de sua função.
Existem muitos mecanismos que contribuem para o processo de proletarização do professor, como já
foi mencionado, os professores ainda lutam para se afirmarem como “profissionais”. Essa luta não
difere muito entre os paises ocidentais, no entanto em paises do primeiro mundo o debate se encontra
em estágio mais avançado. Em países em desenvolvimento como é o caso do Brasil, a discussão se
encontra no início, dada a história recente do país com um longo período de ditadura militar, o que
provocou retrocessos no discurso. Ao longo da história, os professores foram construindo sua
identidade e procurando se situar no universo do trabalho. Autores como ARROYO (2004), NÓVOA
(1999) e CONTRERAS (2002) afirmam que a partir dos anos 1970, com a definição dos professores
como “trabalhadores da educação”, começam o processo de proletarização de seu trabalho. Se os
professores até então desfrutavam de certo status que os colocavam acima de meros trabalhadores
63
assalariados devido à responsabilidade de sua ocupação, a partir de agora eles vão amargurar mais essa
perda. Eles serão enquadrados na mesma lógica que fragmenta o trabalho, descaracteriza o ofício e os
transforma em trabalhadores em série assim como os operários de uma fábrica: a fábrica de produzir
funcionários adestrados.
Contextualizar o trabalho do professor nunca foi tarefa fácil, pois ele se encontra no limiar de várias
categorias. Possui cultura e conhecimento, que embora não seja seu, uma vez que é mero reprodutor do
saber alheio, não produz um conhecimento que o reconheça como os intelectuais membros da
academia. Transita em todos os níveis da sociedade, no entanto não se encaixa nas classes superiores,
pois sua condição financeira não permite. Porém não se acomoda nas classes inferiores, pois possui um
nível de cultura que o diferencia dos demais. Talvez por conta dessas de dificuldade de situar o
professor em local determinado, o faça tão híbrido em relação aos demais. Esse dilema acompanha a
luta pela consolidação da imagem e auto-imagem do professor, conferindo-lhe um lugar de acordo com
a importância do papel social de sua função.
Uma das primeiras dificuldades para assumir o magistério como profissão estava no fato de muitos
professores não a terem como atividade principal, sendo assim um complemento do orçamento
doméstico ou era exercido pelas “donzelas” de famílias abastadas como um sacerdócio, não sendo
necessária a remuneração. Quando o magistério se torna uma ocupação principal, ele já é uma atividade
essencialmente feminina, mais um argumento para sua desvalorização financeira e social. Outro fator
determinante para desvalorização se refere ao número de profissionais e a falta de competência de
muitos que acaba por contaminar todo o grupo e provocar generalizações:
Os professores constituem um dos maiores grupos profissionais das sociedades contemporâneas,
o que, por vezes, dificulta a melhoria de seu estatuto socioeconômico. Toda a gente conhece um
ou outro professor que não investe na sua profissão, que não possui as competências mínimas,
que procura fazer o menos possível. O professorado no seu conjunto é penalizado pela existência
destes “casos”, que a própria profissão não tem maneira de resolver: os colegas estão amarrados
por uma “solidariedade” muitas vezes deslocadas; [...] Nesse sentido, parece fundamental dotar a
profissão docente dos mecanismos de seleção e de diferenciação, que permitam basear a carreira
docente no mérito e na qualidade. (NÓVOA, 1999, p.30).
Por causa destes problemas, a reflexão sobre a prática se torna cada vez mais difícil, pois o grupo de
professores não foi formado para refletir, para mudar seus hábitos e buscar melhorias. Nem sempre a
negligência com a qualidade do trabalho é fruto de permissividade, mas de ignorância e desânimo
64
diante de tantos descaminhos pelos quais passam a profissão docente. Muitos professores estão
alienados em seu trabalho porque se sentem estranhos no processo de produção do conhecimento.
Retomando o processo de proletarização do professor fica evidente a questão, pois ao reduzir o
professor à mera condição de “trabalhador” nos moldes da lógica do capitalismo orientado pela fórmula
Taylorista, da produção em série fragmentada e distanciada do planejamento. A separação entre o
planejar e o executar, tira do professor a integralidade de seu saber, o “saber-fazer” descrito por
ARROYO (2004) o trabalho artesanal que diferenciava o professor. No modelo atual o professor se
torna executor, reprodutor de uma atividade que não é sua, mas que se tornou burocratizada pelo
Estado.
Outro fator determinante para a desvalorização da profissão está no estatuto socioeconômico dos
professores, ele se encontram em franca degradação, os salários não são atrativos para uma profissão
que exige formação, capacitação e dedicação integral. Os candidatos que se habilitam atualmente para a
carreira do magistério são das camadas populares, que normalmente não conseguem pagar um curso
superior que o habilite para uma profissão mais vantajosa. Os cursos de licenciatura sofrem
desprestígio social e encontram-se cada vez menos procurados. A clientela já começa uma atividade se
sentindo inferior aos demais profissionais graduados. Especialmente os professores que atuam na
educação básica, nos primeiros anos da educação fundamental, encontram-se em desprestígio total. Os
professores que atuam no ensino superior ainda gozam de status, e respondem pelo saber acadêmico e a
pesquisa na área da educação.
É fato que os professores encontram-se em uma crise de identidade sobre sua profissão, os valores que
sustentavam a carreira docente caíram em desuso, novas competências e exigências estão sendo
cobradas dos professores na contemporaneidade. Os professores precisam encontrar novos valores e
refletirem sobre sua importância na sociedade, buscando resignificar sua atuação para a melhoria da
qualidade do ensino. Os professores segundo NÓVOA (1999) precisam substituir as representações a
cerca de si mesmos no sentido de buscar sentido para a sua função:
É evidente que há uma perda de prestígio, associada à alteração do papel tradicional dos
professores no meio local: os professores primários já não são, ao lado dos párocos, os únicos
agentes culturais nas aldeias e vilas da província; os professores do ensino secundário já não
pertencem à elite social das cidades, cujo recrutamento não passa apenas por critérios escolares. É
verdade que os professores não souberam substituir estas imagens-força por novas representações
profissionais. (NÓVOA, 1999, p.29).
65
Graças a esse desprestígio e as novas exigências que estão sendo propostas aos professores, eles estão
passando por um “mal-estar”, de acordo com ESTEVES, (1987) apud, NÓVOA (1999) essa expressão
“aparece como um conceito da literatura pedagógica que pretende resumir o conjunto de reações dos
professores como grupo profissional desajustado devido à mudança social”. Enquanto os professores
não conseguirem se encontrar em meio a essas mudanças e novas exigências que lhe são atribuídas, sua
situação tende a piorar cada vez mais, uma vez que esse sentimento se torna cada vez mais comum e
não atinge somente aos professores dos países em desenvolvimento, mas é uma questão que abrange o
professorado de forma geral. A esse conjunto de características que provocam o “desencanto” dos
professores com sua profissão, aliada ao descrédito da sociedade com a classe, SOUZA (2008)
descreve em sua dissertação de mestrado como desencadeante de uma patologia denominada burnoud,
“caracterizada por um conjunto de atitudes negativas com relação aos usuários, clientes, organização e
trabalho”, seria uma resposta ao constante stresse, em que vivem os professores, pode se transformar
em patologia grave e levar muitos professores aos consultórios médicos, e ser motivo de afastamentos
constantes do trabalho e causa entre outros perda da qualidade de vida.
Os debates que são realizados sobre a profissão docente atravessam a história e se confundem com ela
na medida em que o professor é parte integrante desse sistema que vem se concretizando ao longo do
tempo. NÓVOA (1999) faz uma análise sócio-histórica sobre a profissão docente, seus avanços e
retrocessos seguindo as tendências sociais. Ele deixa claro que a profissionalização ainda não
conseguiu se concretizar, além do fato de que o processo de proletarização do professor constitui em
um entrave para que ele encontre sua identidade. Faz parte do discurso também o processo construção e
reconstrução dos métodos de ensino e sua estatização, desenvolvimento e burocratização das
instituições, bem como a valorização e desvalorização do profissional na medida em que cria
hierarquias dentro da profissão. Há uma crescente desvalorização dos profissionais da educação básica,
especialmente daqueles que atuam nos primeiros anos do Ensino Fundamental. Esses profissionais não
vistos como tais, uma vez que ainda incorporam a figura sacerdotal da normalista, que não possui
qualificações para ser considerada como profissional. Os professores que atuam nos anos finais do
Ensino Fundamental e médio, devido à sua formação específica já atendem as normas de qualificação
da lógica capitalista, uma vez que é licenciado para uma especialidade (matemática, ciências, história,
etc.), no entanto ainda não são donos de um saber, haja vista que reproduzem um conhecimento que
lhes chega pronto e que é produzido por eles. Por causa dessa falta de “competência” para produzir o
66
conhecimento que é chamado a reproduzir, estes profissionais também são desvalorizados pela
academia, e embora tenham formação equivalente aos demais profissionais liberais não têm autonomia
sobre seu trabalho porque estão sempre dependendo dos empregadores para determinar sua ação. Por
causa dessa falta de autonomia encontram dificuldade de serem considerados como “profissionais” o
que justifica a classificação do magistério como “semi-profissão”. Outra vertente dessa dicotomia
encontra-se na aproximação dos trabalhadores da educação aos demais trabalhadores no que diz
respeito à forma de organização e luta por melhores condições de trabalho, aumento salarial e
organização sindical. Embora os sindicatos de professores tenham suas especificidades, mas a bandeira
de luta se iguala com a dos demais trabalhadores assalariados.
3.4 Mecanismos de controle e perda da autonomia
O ritmo de vida em que vive a sociedade atualmente, em ritmo de globalização da economia e da idéias
exige que os indivíduos estejam em constante vigilância, como afirma CANCLINI (2000, p. 27) “o que
podemos fazer com este mundo em que poucos observam muitos?”A globalização é uma realidade que
se apresente em duas faces: de um lado a facilidade de comunicação e informação que está ao alcance
de um grande contingente de pessoas, do outro a insegurança que assola a população em virtude da
violência instaurada nos centros urbanos. Apesar de todas as conquistas e avanços tecnológicos, de ser
detentora de um inestimável progresso científico, a sociedade continua refém do medo e da
insegurança. Esta se configura pela violência das grandes cidades, a desvalorização da vida humana e a
crescente ausência de valores humanos que traz o desrespeito do homem pelo homem. No entanto, essa
violência declarada e perceptível em todos os cantos do mundo não é a pior.
A violência velada, sutil que permeia as relações sociais e de trabalho, se constitui na atualidade de
forma tão brutal como a violência declarada. Vive-se em sociedade globalizada na qual a economia de
mercado direciona as ações dos cidadãos, dos governos e das empresas, estas últimas em primeiro
lugar, são aquelas que dão a diretriz para os cidadãos e governos. As relações privilegiadas são as
relações de poder, quem o detém controla os demais. Para conseguir exercer o poder sobre os demais,
as entidades se valem de recursos bastante sofisticados e sutis, dando a impressão de autonomia, de
crescimento profissional, porém o que está por trás das intenções nada mais é do que as relações de
67
poder e controle atuando sobre os indivíduos, através dos discursos apresentados que se constituem em
verdades como disse FOUCAULT:
Quero dizer que em uma sociedade como a nossa, mas no fundo em qualquer sociedade, existem
relações de poder múltiplas que atravessam, caracterizam e constituem o corpo social e que estas
relações de poder não podem se dissociar, se estabelecer nem funcionar sem uma produção, uma
acumulação, uma circulação e um funcionamento do discurso. não há possibilidade de exercício
do poder sem uma certa economia dos discursos de verdade que funcione dentro e a partir desta
dupla exigência. Somos submetidos pelo poder à produção da verdade e só podemos exercê-lo
através da produção da verdade. Isto vale para qualquer sociedade, mas creio que na nossa as
relações entre poder, direito e verdade se organizam de uma maneira especial. (FOUCAULT,
1990, p.179-180).
As relações de poder atuam o tempo todo sobre os indivíduos direcionando suas ações e fazendo
parecer que estes são pessoas autônomas donas de uma saber e de um conhecimento que as tornam
especiais perante a sociedade. No entanto os indivíduos não são ingênuos quanto aos mecanismos de
vigilância, eles sabem que estão sob a mira do “olho do poder”, porém acreditam que esta vigilância
lhe fará bem, é importante para seu desenvolvimento e pode também trazer segurança. O discurso sobre
a verdade foi bem colocado na cabeça das pessoas para que elas aceitem de bom grado a vigilância sem
se sentirem constrangidas e acreditarem que estão seguras, que podem tirar proveito dela. Este fato
traduz bem o princípio do panopticon, onde os detentos sabiam que estavam sendo vigiados pela torre
do inspetor, no entanto esta não se concretizava por ser invisível desconhecida para eles. A torre estava
lá, sua função era vigiá-los ininterruptamente, no entanto o inspetor, o “olho do poder” estaria lá o
tempo todo? Não se sabe, mas pelo sim e pelo não é melhor acreditar que esteja para não se cair em
tentação.
Da mesma forma, as câmeras de segurança que existem pelas ruas e os circuitos internos de TV estão
ali para “proteger” os cidadãos de bem da ação de marginais, ao mesmo tempo todos que circulam
naquele espaço estão sendo vigiados, não têm privacidade, no entanto isto não importa, o discurso da
segurança é o apelo mais forte para manutenção deste mecanismo. É preciso que se sacrifique algo
(como a privacidade) em nome de um bem maior: a segurança coletiva. Percebe-se então a força do
discurso do poder agindo em benefício próprio homogeneizando as ações, padronizando
comportamentos sem ser “invasivo” aos olhos da comunidade.
68
A educação, apesar de ser um dos requisitos mais elementares para a constituição das sociedades
humanas, encontra-se em crise uma vez que não consegue resolver as questões internas, como
instituição. Ela reproduz a crise de paradigmas em que vive a sociedade contemporânea. A intervenção
do Estado como gestor da educação tem causado danos significativos para a qualidade da educação
pública, pois este exerce uma função de poder que torna os programas e os agentes da educação
submissos a sua vontade e à mercê de mudanças que ocorrem de cima para baixo, dos gabinetes de
governos e secretarias sem levar em conta o cotidiano da escola e saber prático dos professores. A
crescente desvalorização profissional dos professores, bem como sua luta pela profissionalização tem
sido objeto de debates em muitos fóruns e congressos de educação, no entanto as discussões não
passam do discurso, não se efetivam de fato, pois esbarram na vontade política. A profissão docente
carrega em seu interior muitas especificidades que colocam os docentes em posição diferente, ainda
que seja teoricamente, em relação às demais profissões assalariadas, uma vez que tratam com o ser
humano, o ser em formação. A presença de uma carga ética, moral e social inerente à profissão, faz do
professor um agente político, lhe conferindo um status diferenciado dos demais profissionais.
Um grande entrave que acompanha o processo de profissionalização docente está no fato dessa
profissão não reunir condições específicas para ser considerada profissão, uma vez que seus
profissionais não têm autonomia sobre ela, são reprodutores de um conhecimento que não é seu e não
participam do planejamento, são apenas executores de um planejamento elaborado por especialistas
que estão longe das salas de aula. Talvez por causa desses fatores, a profissionalização seja tão difícil
de se concretizar, uma vez que a ocupação docente durante muito tempo não constituía a ocupação
principal dos profissionais se caracterizando como ocupação secundária e muitas vezes ligada ao
sacerdócio. Em momentos distintos da história da profissionalização docente no Brasil, chegou-se
atribuir ao professor uma “gratificação” por trabalhos prestados, em vez de salário, tão irrisório era o
seu valor. Ao longo do tempo, para conseguir seu intento os professores recorrem ao Estado a fim de
que este lhes garanta condições de profissionalismo; no entanto o que se viu foi a transformação destes
profissionais em “especialistas assalariados” em uma grande organização empresarial ou burocrática
como afirma CONTRERAS:
Essa transformação fez com que o status tradicional de muitos profissionais não seja agora mais
do que trabalhadores assalariados e burocratizados, sujeitos ao controle administrativo, apenas
com certo reconhecimento de suas capacidades técnicas e, apesar de tudo, com os privilégios que
o conhecimento técnico lhes concede na hierarquia trabalhista da organização. ( CONTRERAS,
2002, p.59-60).
69
O processo de profissionalização docente é entendido por autores como Contreras, Perrenoud, Arroyo,
entre outros, como proletarização e burocratização dos processos de ensino
seguindo o
desenvolvimento capitalista das sociedades ocidentais. Essa aproximação dos professores enquanto
trabalhadores, dos demais trabalhadores assalariados contribuem de forma decisiva para a
desvalorização da profissão dado ao papel que a educação desempenha nessas sociedades. Os
professores se transformaram em técnicos que reproduzem um conhecimento que não é seu, deixando
de lado o papel de “artesão” de construtor do conhecimento, o seu saber-fazer no contexto atual não
representa autonomia, uma vez que ele não é o detentor do processo de ensino-aprendizagem que
executa desde o planejamento, a execução e avaliação. A visão tecnicista que conferiu ao professor
uma atividade específica de executar manuais, modelos prontos, enquadrar a educação em rigor técnico
científico com o objetivo de colocar a educação no patamar de profissionalismo, trouxe muitos
prejuízos para educação integral tal qual a educação proposta pelos gregos na Paidéia e continuada
por educadores atuais como Perrenoud, Paulo Freire, Miguel Arroyo, Edgar Morin, entre outros. O
tecnicismo na educação na visão de ARROYO (2004) promoveu a descaracterização do mestre, da arte
de educar transformando os professores em ensinantes:
As artes de educar e o domínio da teoria pedagógica se tornaram desnecessários diante de um
campo descaracterizado. A Lei nº 5692 de 71 descaracterizou a escola e os currículos de
formação. As licenciaturas desfiguraram seus mestres. Os currículos gradeados e disciplinas
empobreceram o conhecimento, a escola e os professores. O peso central dado ao domínio dos
conteúdos das áreas nas licenciaturas e o peso secundário dado ao domínio das artes educativas
reflete essa mesma concepção e trato descaracterizado do ofício e do campo educativo que vem
se alastrando por décadas. Reduzimos a escola a ensino e os mestres a ensinantes. O movimento
de afirmação do campo educativo, de sua especificidade e do profissionalismo do trato estão do
outro lado, vem na contramão dessa triste história. Tem sentido dialogar sobre o ofício de
mestre?(ARROYO, 2004, p.23).
A dificuldade que os professores encontram para serem considerados profissionais e buscarem
autonomia são varas, entre elas estão os entraves legais, como afirmou Arroyo e Perrenoud. Um deles
diz respeito aos currículos de formação onde os futuros professores se ocupam excessivamente das
teorias e deixam a prática para o final do curso. Os professores são formados através de um currículo
gradeado, fechado, como se a educação pudesse ser recortada em fragmentos e empacotada em
disciplinas fechadas. A prática é distante da teoria, o que se aprende nos cursos de formação não
corresponde ao que os futuros professores encontrarão na prática cotidiana. Este é o primeiro choque.
Em seguida, são cobradas do professor tantas habilidades e posturas que ele jamais encontrou nos
70
cursos de formação, aliados a programas e modismos invadem a escola o tempo todo. Modelos prontos
que prometem resolver os problemas da educação num passe de mágica e colocam o professor no olho
do furacão para dar conta da implementação e sucesso dos novos programas. Quando estes programas
não despertam mais o interesse das instituições ou mudam-se os governos, mudam-se também os
planos e começa-se tudo de novo, como se a escola fosse um laboratório onde são testados novas
técnicas e processos. Dentre os muitos modismos experimentados pela escola pública nos últimos anos
encontram-se muitos que buscam transferir a função educativa dos professores para outros agentes da
comunidade como: os amigos da escola, atuação de empresas, entre outros. Isto não significa que a
participação da comunidade e da família na escola seja prejudicial à aprendizagem, pois apresenta uma
forma de humanizar a educação, estreitar os laços e trazer a escola para o meio da comunidade,
proporcionando momentos de trocas sociais, culturais; o que não deve acontecer é a substituição do
ofício de mestre, da ação pedagógica planejada por esses agentes estranhos no ato de ensinar. Não há
como tirar do mestre o mérito pelo processo de ensino-aprendizagem, como afirma ARROYO:
Investir na garantia desses direitos, no trabalho dos seus profissionais, na qualificação dos tempos
e espaços de sua ação e da materialidade e das condições de intervenção é mais caro, mais lento,
e politicamente menos manipulável e rentável do que as campanhas e mobilizações para angariar
amigos da escola. A história mostra que tem sido pelo investimento nos profissionais e nas
condições para desenvolverem seu ofício com profissionalismo que garantia dos direitos sociais
tem avançado em todas as áreas. [...] Diante dessas ameaças a categoria de trabalhadores em
educação se volta sobre si mesma e tenta defender e reafirmar a especificidade de sua ação, de
seu ofício, de seu saber-fazer, saber planejar, intervir, educar. É oportuno falar-nos sobre nosso
ofício. Podemos perceber um movimento de retomada da especificidade da ação profissional
ameaçada de vários lados. (ARROYO, 2000, p.20-21).
A luta dos profissionais em educação é árdua e se estabelece em várias direções, uma vez que suas
necessidades são bastante variadas e suas conquistas bem reduzidas. Embora a educação ainda tenha
um papel primordial na formação do indivíduo, atualmente ela deixou de ser considerada por boa parte
da sociedade, garantia de um futuro melhor para as novas gerações, dadas às condições sócioeconômicas enfrentadas por muitos países no que diz respeito à empregabilidade. Ter um diploma não
é garantia de ter um bom emprego, portanto a educação não é mais vista com tanta distinção pela
sociedade, levando os professores a uma atitude de desilusão e de renúncia com relação ao seu papel na
formação do indivíduo. Em consequência desse fato a convivência entre professores, alunos, famílias e
sistema de ensino têm se tornado bastante difícil, sendo delegada aos professores toda a culpa pelo
descritivo da educação e o fracasso dos alunos. Para resolver estes problemas os sistemas de ensino
lançam planos e medidas emergenciais que prometem ser a panacéia da vez, capaz de resolver todas as
71
dificuldades, são implantadas a toque de caixa sem a devida preparação dos professores que devem
executá-las. A maioria está fadada ao fracasso, logo em seguida surge outra e a história se repete. Nos
últimos anos, o trato com a educação tem sido este, e a culpa sobre o fracasso sempre cai sobre o
professor: é incompetente, não está bem preparado, é resistente a mudanças, e por ai vai. O professor
acumula frustrações, desprestígio e desilusão sobre sua atividade e muitas vezes abandonam a profissão
ou a levam como um fardo pesado.
Atualmente, o Estado como gestor da educação tem implementado medidas para melhorar a qualidade
da educação e de seus profissionais. A entrada em vigor da nova LDB 9394/96 determina a formação
mínima para os professores atuarem na educação básica, sendo exigido uma formação de nível superior
para todas as instâncias do ensino. Foi restituída a necessidade de concurso público para ingresso na
profissão e está em processo de implantação os planos de carreira, cargos e salários para os professores,
sendo este último especifico para cada Estado. Em Minas Gerais, o governo instituiu como meta para a
melhoria da qualidade da educação uma avaliação desempenho para os profissionais da educação como
principal meio de promoção na carreira, seria um ponto positivo para a valorização dos professores e a
recuperação do status social perdido nos modelos neoliberais que comandam as sociedades atuais, se
não houvesse por traz da intenção o “olho do poder” com sua vigilância sutil agindo como o objetivo
de homogeneizar as ações dos professores, evitando que eles encontrem sua autonomia perdida. O
objetivos dessas avaliações propostas pelo Estado traz à tona o princípio do panopticon previsto por
Benthan, é uma maneira velada da instituição manter um padrão nas atividades desenvolvidas na
escola, quem não se enquadra será punido com uma avaliação negativa. O inspetor que está na torre é
incorporado pelos gestores das escolas que a todo o momento lembram aos professores sobre suas
ações e cumprimento das “metas” estabelecidas pelo sistema, atribuindo única exclusivamente ao
professor qualquer fracasso ou insucessos que aconteçam educação.
Diante de todas essas exigências, o professor se torna “refém”, como afirma ZAGURY (2006), das
instituições de ensino que o preparou mal para executar as tarefas que lhe são impostas; do sistema que
cobra, mas não lhe dá condições de trabalho adequadas para executar bem seu trabalho; das instituições
mantenedores da educação que despeja sobre ele métodos e modelos para que ele execute sem a devida
preparação; dos baixos salários que o obriga a assumir mais compromissos que pode cumprir; da
família que relegou à escola toda e qualquer responsabilidade pela formação dos adolescentes; dos
alunos que não têm compromisso com a aprendizagem e encontram-se totalmente desmotivados,
atribuindo aos professores toda a responsabilidade pelo processo de ensino-aprendizagem. Todos esses
72
mecanismos acabam por tirar do professor sua autonomia e o levam a um processo de descrédito
perante a sociedade, a si próprio contribuindo para a proletarização de sua função, distanciando-o, cada
vez mais, de seu ofício de mestre, dono de um saber-fazer próprio que o distinguia dos demais
trabalhadores e lhe concedia o status de mestre como os educadores da antiguidade. A esse processo de
perda da autonomia do professor, consequentemente leva à desvalorização da educação que tem como
instrumento de veiculação o próprio docente, se ele não tem prestígio, assim também não tem a própria
educação.
A partir da década 1980, surgiram muitos trabalhos relativos à profissão docente. Foi a partir dessa data
que essa profissão ganhou destaque e passou a ser objeto de estudos de várias áreas do conhecimento.
No entanto, quem estuda sobre os professores não são os professores, e sim os intelectuais, os cientistas
sociais que atuam em um campo bem diverso daquele que o professor atua. As condições de trabalho
de um pesquisador ligado a uma universidade são bem diferentes daquelas enfrentadas todos os dias
pelo professor da educação básica. Esses fatores são importantes para dar a dimensão da distância entre
quem produz o conhecimento e que o executa. O professor acaba sendo o operário de um processo que
não foi planejado por ele e que muitas vezes está bem distante da realidade da sala de aula. Portanto o
professor acaba perdendo seu status de detentor de um conhecimento, de um saber próprio que deve
transmitir às novas gerações para ser um simples profissional do ensino, mal remunerado, mal
interpretado. Acontece então o processo de proletarização do ensino, das condições de trabalho e um
constante desconforto dos professores diante da realidade que os leva a buscar novas formas de luta em
favor de seu reconhecimento e aceitação perante a comunidade que atende. Como afirma ARROYO
(2000), lutar pela busca da profissionalização é lutar pela afirmação como profissionais que apresentam
especificidades diferente, que precisam tratar seu objeto de trabalho com bastante distinção:
Refletir sobre esse movimento é trazer à cena o próprio ofício de mestre, a construção social
desse profissional e do campo educativo. Um processo histórico delicado que esteve na base da
garantia do direito social à educação e à cultura. Que lança as bases onde se enraíza essa garantia:
na configuração de campos sociais e dos papéis sociais que dele dêem conta. Sem essa base e
esse subsolo os direitos ficam soltos, à mercê de mobilizações pontuais, de responsabilidades
difusas. (ARROYO, 2000, p.22).
Assiste-se, hoje, à completa descaracterização da educação, especialmente a educação pública
promovida pelo descrédito da sociedade com relação à sua atuação e eficácia na condução do processo
educativo atual. O Estado como gestor da educação não consegue oferecer uma educação de qualidade
73
e procura resolver o problema com “muletas” disfarçadas em novos planos e modelos que são
implantados quase todo ano sem uma devida preparação técnica dos professores, estrutural da escola
para se obter resultados positivos. São implantados a “toque de caixa” e esperam-se resultados
positivos, quando estes não aparecem, os professores são responsabilizados, são incompetentes,
resistentes à mudança. Toda a carga negativa é depositada no trabalho do professor e este se sente
culpado pelo fracasso escolar de seus alunos. No entanto, é preciso lembrar que ninguém pode dar o
não tem, oferecer o que não dispõe.
O professor foi formado em um currículo fechado, compartimentado e aprendeu a executar as teorias
consagradas, não está preparado para o novo, para a flexibilidade ou para reflexão, muito embora
muitos já consigam resultados positivos com suas experiências de erros e acertos. Existem muitas
histórias de sucesso, mas são casos isolados, individuais que não retratam a realidade da instituição
escolar. As perspectivas para o século XXI não são animadoras, pois os cursos de formação de
professores estão se esvaziando, em algumas regiões do Brasil e em outros países especialmente os
países em desenvolvimento. Uma licenciatura não atrai mais um jovem que busca um curso superior.
As dificuldades enfrentadas pelos profissionais que estão atuando nas salas de aula são um exemplo
que eles procuram evitar, num futuro não muito distante o professor poderá ser um profissional em
extinção.
3.5 Em busca da profissionalização através da reflexão
Se até hoje o profissional da educação não encontrou seu lugar, não é por falta de busca, mas pela
complexidade que o termo traz em seu interior. A educação é uma tarefa inerente ao seu humano desde
os primórdios da humanidade, assim como a sistematização da educação em diversas sociedades são
processos tão antigos como a própria sociedade. Porém, quando se chega ao século XXI, em plena era
de globalização, e a sociedade constata que a escola não apresentou mudanças significativas nas
últimas décadas, a situação pode ser considera bastante grave. A escola e seus profissionais ainda não
conseguiram vencer suas contradições enquanto instituições e encontra-se em descrédito pela
comunidade em geral. Não se pode atribuir a culpa somente aos seus agentes diretos, mas
especialmente aos órgãos que as mantêm, a educação institucionalizada vem passando, nos últimos
74
anos, por questionamentos sobre sua atuação na formação para a sociedade e para o trabalho. Muito é
exigido da escola e de seus profissionais, porém pouco é oferecido para que se efetivem as expectativas
que são lançadas sobre eles. O fracasso apresentado pela educação, especialmente a educação pública,
coloca todos os agentes envolvidos no processo em alerta, pois a situação não pode permanecer como
está, a escola e seus profissionais estão enfrentando um mal-estar quanto a realização de seu trabalho e
dos resultados obtidos e buscam, mesmo que de forma individual e informal maneiras de resolver os
problemas.
O agravamento da crise se deve ao fato de que nos últimos anos o contingente de alunos que frequenta
a escola pública mudou muito, o grupo dos excluídos sociais, a população carente que antes da LDB nº
5692/71 e reforçada pela 9394/96 não fazia parte do quadro das escolas agora é seu público majoritário.
Esse público chega à escola desprovido de tudo: valores, família, estrutura emocional e psicológica
entre outros; aos professores é dada a tarefa de “disciplinar” esses alunos para que se enquadrem nos
moldes da educação formal tradicional. Coloca-se a questão discutida por Freud, na qual ele descreve a
educação como uma tarefa impossível de se realizar. (Não significando literalmente que a educação
não se efetive, mas que esteja nos quadros das tarefas que são difíceis de alcançar). No contexto atual
pode ser mesmo, pois a diversidade de tarefas a ser desempenhada pelos professores, heterogeneidade
do público que atende aliadas ao seu despreparo para efetivar muitas atribuições que lhes são
colocadas, somando-se a gama de conhecimento presentes na sociedade atual informatizada, assim
como a velocidades de mudanças, tudo isso provoca um desconforto muito grande na atividade docente
fazendo com os professores busquem de alguma forma resolver essas contradições.
Se há algum tempo, eles gozavam de certo status e prestígio, atualmente a desvalorização e descrédito
com a docência devido ao fracasso escolar, faz com que professores busquem de alguma forma
reconquistar seu prestígio ou ser reconhecido pelo valioso trabalho que desempenha na sociedade do
conhecimento. Esse reconhecimento vem sendo buscado através da profissionalização da profissão
docente, uma vez aceito como profissional, acredita-se que o problema da educação esteja resolvido.
Porém a situação é mais complexa do que se imagina, dada a condição do professor que não pode ser
limitado como simples proletário, porém o que se tem visto é justamente isso. A luta pela
profissionalização tem levado os professores a se igualarem aos demais operários em sua busca pela
valorização, melhores condições de trabalho através da criação de sindicatos, greves , passeatas, etc.
Autores como Miguel Arroyo dizem que esse processo é positivo, mas deve-se levar em conta a
especificidade da função docente, NÓVOA (1999) também alerta para esse perigo, pois os professores
75
ainda nem conseguiram se firmar como profissionais, levando-se em conta o conceito de profissão
atribuído a outros profissionais, a proletarização dos professores além de não trazer sua valorização de
volta os torna ainda mais banais do que já se encontram, se forem considerados como simples operários
da educação.
Em um artigo recente, Perrenoud (1994h) identifica duas vias possíveis de evolução do ofício de
professore: de um lado, a proletarização e, de outro, a profissionalização:-os professores vêem-se
progressivamente despossuídos de seu ofício em proveito da noosfera de pessoas que concebem e
realizam os programas, as condutas didáticas, os meios de ensinar e de avaliar, as tecnologias
educativas e que pretendem oferecer aos professores modelos eficazes de ensino – é uma forma
de proletarização; os professores tornam-se verdadeiros profissionais, orientados para a
resolução de problemas, autônomos na transposição didática e na escolha de estratégias, capazes
de trabalhar em sinergia no âmbito de estabelecimentos de equipes pedagógicas, organizados para
gerir sua formação contínua – é a profissionalização. (CHARLIER, 2001, p.85).
Neste artigo CHARLIER (2001) alerta para o risco da proletarização, e discute o sobre o que é ser
“profissional”. Estudos recentes sobre a atividade docente trazem algumas conclusões que podem
ajudar a entender essa função tão ambígua que é profissão docente. De acordo com a visão sociológica
e psicológica, a atividade do professor é uma semiprofissão de acordo com algumas premissas. “É uma
atividade intelectual que envolve responsabilidade daquele que a exerce. É um trabalho criativo que
implica também um bom domínio de técnicas. Trata-se ainda de uma atividade de serviço à
coletividade”. O profissionalismo do professor pode ser definido de acordo com as atitudes que ele
toma. Essas decisões fazem parte de um arsenal de condutas disponíveis que o professor foi adquirindo
durante sua formação e sua atuação em sala de aula; é o que se denomina habitus, já mencionado neste
texto. Portanto a formação é muito importante para determinar que tipo de professor está se formando.
Não se pode exigir do professor uma conduta que ele não foi preparado para assumir.
O que se percebe é que as atribuições da escola não estão bem definidas e as condições de trabalho são
precárias, além da heterogeneidade do público atendido. Portanto cada vez é delegado mais atribuições
aos professores e estes não se sentem preparados para abraçar tantas tarefas.
A busca do profissionalismo esbarra em várias questões que impedem o professor de se ver como um
profissional autônomo e seguro de suas responsabilidades e que pode arcar com ônus desta decisão. A
autonomia exige que tome decisões importantes e muitas vezes difíceis e que pode lhe comprometer
enquanto profissional. Nenhum profissional acerta o tempo todo, cometem-se erros na tentativa de
acertar. Ser autônomo requer coragem de reconhecer o erro e voltar atrás na busca de corrigi-los. Ser
76
autônomo exige competência e segurança para executar determinadas tarefas e contribuir para que elas
se efetivem. Na profissão docente, com a ambiguidade que lhe cerca, muitas vezes é mais cômodo
atribuir ao Estado, ou à instituição mantenedora a responsabilidade pelo fracasso, cumprir o que foi
determinado sem questionar é, às vezes menos trabalhoso do que assumir a responsabilidade pelos seus
atos.
A resposta para os questionamentos que vêm sendo colocados sobre a profissionalização sem o risco
da proletarização pode estar na prática que vem sendo bastante difundida nos últimos anos em diversos
países e que chega ao Brasil nos anos 1990; trata-se do “professor reflexivo”, corrente defendida por
vários estudiosos do assunto.
É importante ressaltar que essa reflexividade não se restringe à prática de todo ser humano que pensa
sobre sua ação, trata-se de uma prática metódica que começa a ser praticada no curso de formação e
acompanha o profissional ao longo de sua vida profissional. Essa prática também não pode ser
divulgada como mais um modismo ou febre dessas que aparecem em tempos de crise e somem com a
mesma velocidade ao se constatar que os problemas da educação não se resolvem com modismos. A
prática reflexiva na educação deve ir além da proposta de Shön, que versa sobre o prático-reflexivo. O
professor deve buscar uma epistemologia da prática, onde o conhecimento é resultado de uma ação
carregada da teoria que a fundamenta, com afirma GHEDIN, (2002), e acrescenta “é preciso transpor o
modelo prático-reflexivo para uma prática dialética que compreenda as razões de sua ação social”. Essa
prática reflexiva leva o professor a buscar sua autonomia através da reflexão crítica que faz de sua
atuação. O trabalho do professor tem forte conotação social e está inserida no contexto social e político,
baseada nesta premissa a reflexão deve transpor os limites da sala de aula ampliando sua ação para que
o professor possa atuar como agente transformador de sua prática e rompa com os modelos prontos e a
forma tradicional de educação, deixando de ser um mero executor de teorias para ter papel
determinante na formação das novas gerações. Talvez seja esse um caminho para a autonomia e
profissionalização docente:
O caminho aberto pela necessidade da reflexão, como modelo de formação, propôs uma série de
intervenções que tornou possível, ao nível teórico e prático, um novo modo de ver, perceber e
atuar na formação dos professores. Com todas as críticas e acréscimos que se façam à proposta
feita por Shön, é inegável a sua contribuição para uma nova visão da formação, e por que não
dizer, de um paradigma esquecido pelos centros de formação. A grande crítica que se coloca
contra Shön não é tanto a realização prática de sua proposta, mas seus fundamentos pragmáticos.
A questão que me parece central é que o conhecimento pode e vem da prática, mas não há como
situá-lo exclusivamente nisto.( GHEDIN, 2002, p.133-134).
77
A proposta de Shön não se restringia à educação, ele pensou de forma prática porque sua pesquisa foi
realizada com outros profissionais liberais que conseguiam ver o resultado de sua ação mais
rapidamente dona educação, portanto ao se aplicar à educação, deve ser reestruturada e adequada como
fizeram outros estudiosos. O que importa lembrar é que esse modelo faz uma crítica contundente ao
tecnicismo derivado da filosofia positivista que reduz tudo a simples técnica de aplicação sem deixar
aflorar as peculiaridades das ciências humanas que seguem uma lógica diferente das ciências exatas.
Mas o fio condutor da reforma do pensamento desta proposta continua sendo a formação do
profissional. Se há o desejo de formar um profissional crítico e reflexivo, estes conceitos devem ser
privilegiados nos cursos de formação e continuar existindo onde o profissional está atuando. Por
exemplo, não há professor reflexivo em uma escola que não o seja. Além disso, só os cursos de
formação não garantem o arsenal de atitudes e conhecimentos que o professor precisa ter para atuar em
todas as adversidades que encontra no seu dia-a-dia. Esse é um exercício diário e com o passar do
tempo, com a experiência o professor acumula um repertório de atitudes que o fazem sentir-se seguro
diante de muitas questões que surgem diariamente. Enquanto que um professor novato se atrapalhe
com questões simples, à medida que acumula o habitus ele é capaz de sanar tranqüilamente muitas
questões. Todos esses procedimentos dão autonomia ao professor. No entanto, como afirma
PERREUND (2002, p.50) “...uma prática reflexiva não é apenas uma competência a serviço dos
interesses do professor, é uma expressão de consciência profissional. Os professores que só refletem
por necessidade e abandonam o processo de questionamento quando se sentem seguros não são
profissionais reflexivos”. É preciso adotar a postura reflexiva e interiorizar sua prática como uma
marca do profissional que usa a reflexividade como uma ferramenta indispensável para seu
aprimoramento e crescimento diário.
A postura reflexiva é um caminho para que os professores possam estar revendo suas práticas,
melhorando a qualidade de seu trabalho, alcançando melhores resultados com os alunos e diminuindo o
mal-estar que está presente na maioria das escolas públicas que leva os professores a um stress
constante e uma baixa estima de sua profissão. Estando mais conscientes e revigorados, sua
credibilidade tende a aumentar e os progressos serão mias visíveis uma vez que estão atuando de forma
crítica no processo ensino-aprendizagem.
4 O PAPEL DA ESCOLA NA
SOCIEDADE
A educação é um processo social, é desenvolvimento. Não é a preparação para a vida, é a própria
vida. (John Dewey)
79
A educação é, sem dúvida, a porta de entrada para o desenvolvimento de uma sociedade consciente,
ativa e sustentável. O processo de globalização pelo qual passam quase todos os países, promove uma
aceleração frenética na produção de conhecimento, no entanto a socialização desse conhecimento não
se dá na mesma proporção. Especialmente os países em desenvolvimento, onde as desigualdades são
mais acentuadas, essa distorção entre produção de conhecimento e sua distribuição se torna cada vez
mais desigual, desfavorecendo especialmente as classes menos privilegiadas. Esse contingente de
pessoas que está à margem do conhecimento pode resolver sua defasagem através de uma educação
pública de qualidade, que atenda às suas necessidades. Portanto esse tema é essencialmente importante
para garantir à população mais carente uma chance de se posicionar positivamente na sociedade do
conhecimento.
Um dos autores mais relevantes da atualidade sobre ao tema “educação” é Edgar Morin, pois através de
seus estudos afirma que a qualidade de ensino para se concretizar efetivamente, passa necessariamente
pela religação dos saberes. Se ao longo da história da educação, entre tantos modelos e paradigmas, o
processo levou à fragmentação do saber e o desenvolvimento do “especialista”, do saber
compartimentalizado, a experiência mostrou que para se obter um saber consistente e eficaz é
necessário que seja por inteiro sem rupturas. Esse é o drama que as sociedades atuais enfrentam, pois o
mercado exige um saber completo, elaborado e flexível que atenda a todas as dimensões do ser
humano. Não se trata evidentemente de anular a importância da especialidade para o progresso da
ciência e do conhecimento científico, mas vale lembrar que entre as especialidades existe uma linha
invisível que liga os saberes entre si formando o todo. É nessa ligação invisível que se encontra a chave
para manter ligada às diversas faces do conhecimento, promovendo um saber transdisciplinar. O grande
desafio da sociedade está neste ponto, como religar os saberes que se fragmentaram ao longo do tempo
e transformá-los num conhecimento inteiro e consistente, capaz de atender às demandas da atualidade
com suas complexidades e desafios.
Há um consenso entre os autores de que só pela educação de qualidade poderá se chegar a uma
qualidade de vida, minimizando as desigualdades sociais. O problema é que ainda não há consenso
sobre como atingir esta qualidade, que passa necessariamente pela valorização e qualificação dos
professores, políticas públicas adequadas, entre outros fatores. Não se pode negar que o papel do
professor como agente de transformação da qualidade de ensino, desde que ele reflita sobre sua prática
pedagógica e atue ativamente no sentido de promover a mudança, mesmo diante de tantas
adversidades, pois sua atuação competente e eficaz pode ser o ponto chave para se conseguir a
80
qualidade desejada. Como bem disse (ALARCÃO, 2001), hoje existe uma forte inadequação da escola
para fazer frente às demandas da sociedade perante as rápidas mudanças que ocorrem no mundo todo.
A mudança da escola precisa ser uma mudança de paradigmas, pois mais que do que mudar a escola, é
preciso mudar o pensamento sobre a escola, começando com a atuação dos professores, porém só se
pode pensar em professor reflexivo sem uma escola reflexiva. O estudo feito pela autora, mostra que
em uma escola reflexiva todo o trabalho se encaminha para esta prática:
Por analogia com o conceito de professor reflexivo, hoje tão apreciado, desenvolverei o conceito
de escola reflexiva e procurarei sugerir que a escola que se pensa e que se avalia em seu projeto
educativo é uma organização aprendente que qualifica não apenas os que nela estudam, mas
também os que nela ensinam ou apóiam estes e aqueles. É uma escola que gera conhecimento
sobre si própria como escola específica e, desse modo, contribui para o conhecimento sobre a
instituição chamada escola. (ALARCÃO, 2001, p.15).
Não há dúvida entre os educadores: “é preciso mudar a cara da escola”, e como disse Paulo Freire, não
se muda a cara da escola por um ato do secretário ou determinação governamental, mudar a cara da
escola exige uma mudança profunda nos métodos de ensino, no seu projeto pedagógico, valores
defendidos e na atuação do corpo discente e docente promovendo um envolvimento sincero de toda a
comunidade escolar. Claro que isto não é tarefa fácil, se fosse não estaria a escola mergulhada em um
grande caos, mas também não é impossível, haja vista que muitas escolas já começaram o processo e
estão se saindo muito bem, apresentando resultados excelentes em qualidade de ensino e satisfação de
sua comunidade escolar.
Para se alcançar uma verdadeira educação, deve-se começar com pequenas mudanças que podem fazer
a diferença. Entre elas destacam-se: a valorização de iniciativas de professores, diálogo entre os
membros da comunidade escolar a fim de encontrar as melhores decisões para os problemas do
cotidiano da escola; envolvimento de pais, alunos e funcionários na busca pela valorização do ensino;
transmissão de valores comuns à comunidade; aplicação adequada de verbas e recursos financeiros,
entre outros. Nem sempre é a falta de recursos que desmotiva uma comunidade escolar, mas as relações
interpessoais que se estabelecem nela. Um bom relacionamento de todos envolvidos no processo, a
certeza de que cada um faz a diferença é um grande motivador de iniciativas que podem trazer
resultados positivos.
81
4.1 Diferença entre ensino e educação
A nova LDB (lei de Diretrizes e Bases da Educação) promulgada em 1996, também conhecida como
“Lei Darcy Ribeiro”1 porque teve sua efetiva participação durante a elaboração, traz para a educação
brasileira muitas inovações que buscam melhorar o acesso, a permanência e a qualidade da educação
básica pública no Brasil. Em se tratando de extensão territorial e diversidade cultural, o Brasil figura
entre os países mais complexos, portanto criar uma lei que atenda, de forma satisfatória, a toda essa
diversidade não é tarefa fácil, portanto a LDB/96 procurou dar diretrizes para a constituição de uma
educação que possa ser ajustada às diversidades de cada região. Não há dúvidas de que a lei conseguiu
trazer grandes avanços e inovações, mais ainda restaram alguns ranços do passado que precisam ser
superados. Um deles está na diferença do conceito “educação” e “ensino” destacada por ARROYO
(2000) :
“A educação escolar compõe-se de: I-Educação Básica, formada pela educação infantil, ensino
fundamental e ensino médio. II- Educação Superior” (Título V, Artigo 21).Ao longo de vários
artigos a LDB define as finalidades da educação infantil, educação de jovens e adultos, educação
profissional, educação superior, educação especial ( sempre entendendo essas modalidades como
educação). Em vários artigos, definirá as finalidades do ensino fundamental e do ensino médio,
não usando o conceito educação. Sempre que me aproximo da LDB sinto-me incomodado com
essa segregação e me pergunto por que o trabalho de uma professora ou de um professor com a
infância, com jovens e adultos, com universitários, é reconhecido educação e o trabalho dos
professores e das professoras com crianças, adolescentes e jovens não é reconhecido como
educação, mas como ensino. (ARROYO, 2000, p. 50).
Existe, segundo ARROYO, uma diferença histórica entre “educação” e “ensino”, onde educação é
entendida como “adestramento” formação de um povo ordeiro e submisso; já por “ensino” tem-se uma
visão mais emancipatória, menos conformada, onde as pessoas que são “letradas” são mais livres e
difíceis de conduzir. Ao longo da história da educação no Brasil, existe um movimento para que o povo
vá à escola e se eduque, mas não existe movimento para que seja culto, consciente de seu papel social.
1
Darcy Ribeiro, etnólogo, antropólogo, professor, educador, ensaísta e romancista, nasceu em Montes Claros (MG), em 26
de outubro de 1922, e faleceu em Brasília, DF, em 17 de fevereiro de 1997. Eleito em 8 de outubro de 1992 para a Cadeira
n. 11.Em 1990, foi eleito senador da República, função que exerceu defendendo vários projetos, entre eles o projeto que se
converteria no nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação, sancionada
em 1996. Disponível em
:http://w.w.w.biblio.com.br/conteúdo/biografias. (consulta em 15-10-2008).
82
Essa concepção de educação2, embora não seja a mais adequada, é a mais difundida e traz marcas
profundas para seus agentes diretos que são os professores. Nos anos 1960 e 1970 aconteceu na
América Latina um intenso movimento de defesa da Educação popular. O diferencial era que a
educação estava vinculada à libertação, emancipação e politização do povo, uma visão bem diferente
da educação voltada para a submissão e adestramento. A nova visão da educação vem de encontro ao
perfil do profissional reflexivo, que busca a libertação por meio da educação, não se restringindo ao
simples ensino que denota a pura transmissão de conhecimento. Essa educação mais ampla, que busca
formar o indivíduo para “aprender a aprender” não se encaixa no “ensino” proposto pela LDB/96, está
além dessas possibilidades. Portanto a formação do professor reflexivo que busca melhorar sua atuação
e alcance diante de seu público deve ser objeto de políticas públicas que busquem a efetivação da
educação pública de qualidade para todos os cidadãos.
DEMO (2001, p.68), tem a mesma interpretação que ARROYO (2000), no que diz respeito a forma
como é colocada a educação escolar no Art.º,§ 1º da LDB/96, quando diz que “a educação se
desenvolverá predominantemente por meio do ensino, em instituições próprias”. Esta afirmativa
segundo o autor é bastante retrógrada porque reduz a educação ao espaço da sala de aula, ou seja, a sala
de aula é o “protótipo da educação escolar”. E acrescenta, nesta visão emitida pela LDB, que a
aprendizagem do aluno é uma consequência do ensino, porém, nem sempre ensino resulta em
aprendizagem. Para que esta aconteça, o aluno deve promover um esforço de reconstruir o
conhecimento por si mesmo estabelecendo relações entre este e o mundo em que vive. Portanto, a
educação não pode ser restrita a sala de aula e ficar reduzida a “ensino”. Uma educação completa nos
moldes da Paidéia grega que buscava a formação do individuo em sua plenitude deve o ideal de
educação pretendido para o futuro.
Estas diferentes interpretações trazem prejuízos sérios para a educação como formadora de cidadãos
críticos e conscientes, assim como para a instituição escolar. O papel social que a escola precisa
desempenhar na sociedade contemporânea exige que ela seja uma instituição respeitada e capaz de
atender às demandas que lhes são impostas. No entanto, o que se pode notar é que existe uma
dificuldade expressiva na realização de suas atribuições devido aos desencontros entre sua filosofia e
2
Existe uma diferença importante sobre o conceito de educação descrito por Arroyo, presente na LDB/96 e aquele descrito
no início do trabalho por JAEGUER. Arroyo percebe a educação da LDB como “adestramento”, uma maneira de disciplinar
as pessoas, enquanto, o ensino seria aquele que liberta, emancipa. A visão de educação de JEGUER é a Paidéia, a formação
integral do indivíduo, esta sim é aquela que liberta e não está restrita à sala de aula.. No texto os dois conceitos são
utilizados, no entanto não há contradição, pois a educação também é entendida como algo que ultrapassa a educação
escolar. O ensino neste caso se identifica com os conteúdos, que se trabalhados de forma reflexiva realmente traz a
liberdade do conhecimento e do entendimento, compõe-se em uma parte da educação, tal qual como a Paidéia.
83
ação no cotidiano. Atrelada ao conceito de “ensino”, a função da escola se restringe à mera transmissão
de conhecimentos, no entanto o discurso, inclusive destacado pela LBD/96, amplia o papel social da
escola para “formação integral do educando”. Realizar esta tarefa exige muito mais que domínio de
conteúdos e requer que o professor tenha uma formação também mais ampla para que consiga
desempenhar os múltiplos papéis que lhes são cobrados. A formação de professores foi contemplada na
nova legislação, uma vez que exige formação superior para atuação na educação básica. Pode-se
considerar este dispositivo como avanço diante das cobranças que são feitas sobre a atuação dos
professores. O que ainda falta é adequar a formação voltada para a prática diminuindo a carga de
professor “ensinante” para “formador”.
Reduzir essa tensa história do direito à Educação Básica universal ao domínio de habilidades,
saberes, competências pontuais é empobrecer o ofício dos profissionais desse direito. Nesse
reducionismo tão presente em nossa visão de escola e de seus mestres, aprender habilidades,
saberes, competências, exigem apenas alguém que domine essas habilidades e competências,
domine a matéria e a ensine. [...] A perda de sentido do magistério para os docentes e da escola
para os alunos pode ter uma de suas raízes mais fundas na perda do legado histórico do direito à
Educação Básica universal como direito radical de todos a sermos humanos, a aprender a sê-lo. A
escola passou a ser uma vivência pobre. (ARROYO, 2000, p. 54)
O processo de proletarização pelo qual passou a categoria do magistério contribuiu bastante para o
empobrecimento de sua atuação na formação dos indivíduos. A educação é um conceito bem mais
amplo que ensino, e tende a promover a formação do ser humano como um todo, especialmente a
formação humana tão requisitada nos tempos atuais. Não basta incluir essa preocupação nos programas
de ensino que não privilegiam em momento algum essa formação, e atribuir a escola somente a função
de ensinar. A LDB/96 apresenta muitos pontos positivos, entre eles está o fato da descentralização do
ensino, onde as escolas têm autonomia para construir seu projeto pedagógico em consonância com as
especificidades da região. Este é um avanço importante, pois dá oportunidade para que a comunidade
escolar discuta e construa junto, um projeto com a cara de sua comunidade, muitas escolas
aproveitaram o dispositivo e construíram projetos de sucesso promovendo a melhoria da educação.
Outro ponto que pesa bastante na descentralização da educação diz respeito ao financiamento da
educação, pois a infra-estrutura e incentivos à qualificação dos professores se constituem em ponto
relevante para o seu desenvolvimento. Para o financiamento da educação foi criado o FUNDEF (Fundo
de Manutenção e desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério) que prevê
a contribuição da federação, estados e municípios para melhoria das escolas, programas de capacitação
84
dos profissionais da educação e atendimento ao aluno. Este é um avanço da nova lei e muitos
progressos têm sido alcançados com esta iniciativa, mas como já foi mencionado neste texto, um país
com dimensões continentais não consegue fazer uma lei que atenda plenamente a todos os municípios,
existem distorções e desigualdades profundas entre as regiões, portanto muitas ainda não são
beneficiadas, especialmente as mais carentes. O primeiro passo já foi dado, cabe aos agentes
envolvidos no processo educacional atuarem efetivamente para diminuir as distorções. Um caminho
para transformar essa realidade passa pela reflexão da escola e de seus professores buscando
alternativas eficientes para ultrapassar o conceito de “ensinantes” para “educadores”, formando os
jovens para se tornarem seres humanos críticos e capazes de continuarem a aprender ao longo da vida.
4.2 A religação dos saberes como alternativa para a melhoria da qualidade da educação
A proposta para melhorar a qualidade da educação, de acordo com o pensamento do sociólogo e
pensador Edgar Morin, deve passar pela religação dos saberes evitando a fragmentação do
conhecimento e promovendo um aprendizado global. Para isso ele propõe sete saberes fundamentais
para a educação do futuro, que não se traduzem em método de ensino, mas que apontam os “buracos
negros” encontrados na educação que são ignorados pelos programas de educativos. O primeiro deles
diz respeito ao conhecimento; embora sabendo que a educação traz o conhecimento, não existe a
preocupação de ensinar o que é o conhecimento, todo o conhecimento está sujeito à ilusão e ao erro.
Para se alcançar o conhecimento deve-se ter em mente que o erro e a ilusão paralisam a mente humana,
o que pode provocar conseqüências irremediáveis para a humanidade, como tantas já vividas ao longo
da história (exemplo: a ideologia alemã que levou à Segunda Guerra Mundial), segundo MORIN
(2000, p.20) “o conhecimento não é um espelho do mundo externo. Todas as traduções são, ao mesmo
tempo, traduções e reconstruções cerebrais com base em estímulos ou sinas captados e codificados
pelos sentidos”. Analisando por este prisma, percebe-se que todo o conhecimento está sujeito a erros e
são passíveis de interferências afetivas e ilusões. O professor deve estar atento a esses detalhes e formar
no aluno esta percepção de evitar julgar um conhecimento como verdade absoluta, não há o “absoluto”
nas ciências humanas, mas sim o “aceitável”, o mais adequado no momento, que poderá ser modificado
no futuro.
85
O segundo ponto se refere ao conhecimento pertinente, como afirma MORIN (2003, p.15) “O
conhecimento pertinente é aquele capaz de situar qualquer informação em seu contexto e, se possível,
no conjunto em que está inscrito”. É importante ter em mente que o conhecimento para se tornar
significativo não deve estar solto no tempo e no espaço, mas deve ser contextualizado. Quando o
conhecimento é fragmentado e se torna uma especialidade, ele se isola do todo fazendo com que o
especialista atue somente num determinado compartimento do saber, mas não é capaz de integrá-lo
globalmente, provocando um desencontro entre o saber científico e o conhecimento pertinente
requisitado para o futuro.
Surge então a questão “onde está o conhecimento que perdemos na informação?” MORIN (2003, p.16)
esta é a grande questão para a educação atualmente; como decodificar e tornar significativa a gama de
informação que são lançadas a todo o momento? Este desafio pode ser resolvido pela educação através
de uma reflexão constante e consciente, pois para se conhecer o global deve-se conhecer o local e para
conhecer o local deve-se conhecer o global, não há maneiras de internalizar toda a informação que
chega a todo o momento, mas é preciso que o indivíduo tenha flexibilidade e discernimento para
selecionar o que é significativo para ele e descartar o que não interessa. Essa é a grande tarefa da
escola, preparar os jovens com capacidade crítica de interpretação e seleção; esta é uma postura
reflexiva que o professor deve ter na sala de aula e repassá-la ao seu aluno preparando-o assim para o
futuro.
Em terceiro lugar está a identidade humana, durante os últimos tempos à ciência fragmentou o homem
em especialidades: física, biológica, emocional e até hoje não o juntou novamente. Talvez por isso o
ser humano se encontra tão disperso de si mesmo. Além de ser um conjunto de especialidades, o
homem possui uma identidade própria que continua indecifrável e ainda se encontra ignorada pelos
programas de instrução, como afirma MORIN:
A educação do futuro deverá ser o ensino primeiro e universal, centrado na condição humana.
Estamos na era planetária; uma aventura comum conduz os seres humanos, onde quer que se
encontrem. Estes devem reconhecer-se em sua humanidade comum e ao mesmo tempo
reconhecer a diversidade cultural inerente a tudo que é humano. Conhecer o humano é , antes de
mais nada, situá-lo no universo, e não separá-lo dele. Todo conhecimento deve contextualizar
seu, para ser pertinente. [...] O ser humano continua esquartejado, partido como pedaços de um
quebra-cabeça ao qual falta uma peça. (MORIN, 2003 p.47-48).
A mudança para alcançar o conhecimento da condição humana deve partir da religação dos saberes,
para os quais as ciências devam se convergir para a compreensão da identidade humana. Essa visão
86
global é o caminho para que a educação possa ser efetiva. É necessário reconhecer que na segunda
metade do século XX, houve uma revolução científica, reagrupando as disciplinas em ciências
pluridisciplinares, já é um caminho para a religação dos saberes, no entanto somente este
posicionamento não basta, é preciso que as ciências humanas e as literárias convertam suas energias
para o entendimento do homem como um todo, ser biológico, cultural, histórico e social. Esse é o
principal objetivo da transdisciplinaridade, que não sugere o fim das disciplinas, mas o trânsito entre
elas de forma que uma complemente a outra e produza um conhecimento significativo e global, assim
afirma DOMINGUES (2001):
Por transdisciplinaridade, [...] entende-se antes de mais nada, ao se pôr em relevo o prefixo trans
( que, além da acepção de “através” ou de passar por”, encerra os sentidos de “para além”,
“passagem” “transição”, mudança”, “transformação”, etc.), aquelas situações do conhecimento
que conduzem à transmutação ou ao traspassamento das disciplinas, à custa de suas aproximações
e frequentações. Pois além de sugerir a idéia de movimento, de frequentação das disciplinas e da
quebra de barreiras, a transdisciplinaridade permite pensar o cruzamento das especialidades, o
trabalho nas interfaces, a superação das fronteiras, a migração de um conceito de um campo do
saber para outro, além da própria unificação do conhecimento. (DOMINGUES, 2001, p. 17-18).
O caminho mais eficaz para alcançar esse objetivo será através da mudança de postura da escola, dos
programas de ensino no sentido de estarem buscando conjuntamente uma solução para se chegar à
plena aplicação da transdisciplinaridade por um viés reflexivo respeitando a diversidade.
Em quarto lugar ensinar identidade terrena, ou na condição planetária, faz lembrar que em pleno
processo de globalização não existe mais o “híbrido” ou puro. Culturas, conhecimento e informação
circulam mundialmente em tempo real. Se o mundo está interligado por teias de comunicação, não faz
sentido pensar individualizado, recortar o conhecimento em partes. Há um consenso no qual se entende
que para se apreender e processar um novo conhecimento é preciso um certo distanciamento no tempo
e no espaço, no entanto isso não é mais possível devido a grande quantidade de informação que chega a
todo instante. Este talvez seja o ponto mais difícil de resolver da educação atual, para assimilar essa
complexidade o professor precisa lançar mão de seu habitus e selecionar o que for mais pertinente,
além de conduzir os alunos para que possam ser capazes de realizar tais tarefas no futuro. O
conhecimento é global, as informações também, portanto as soluções para acompanhar as mudanças
também o devem ser. Na condição planetária, a humanidade vive um destino comum.
87
Na quinta posição encontra-se o ponto de enfrentar as incertezas, este é um dos pontos mais
enigmáticos enfrentados pelas ciências de modo geral, a certeza da incerteza, a falta de controle sobre o
que virá deixa o ser humano frágil diante da autonomia da natureza. A história está repleta de temas
que deixam claro esse dilema, como explica MORIN (2000):
Os séculos precedentes sempre acreditaram em um futuro, fosse ele repetitivo ou progressivo. O
século XX descobriu a perda do futuro, ou seja, sua imprevisibilidade. Esta tomada de
consciência deve ser acompanhada por outra, retroativa e correlativa: a de que a história humana
foi e continua a ser uma aventura desconhecida. Grande conquista da inteligência seria poder
enfim libertar da ilusão de o destino humano. O futuro permanece aberto e imprevisível.
(MORIN, 2000, p. 79).
O grande desafio da humanidade quanto a este tema está no fato de que estando ciente da
imprevisibilidade se possa contar com o erro, e para tanto ter traçadas metas que eventualmente o
possam corrigir. Não há nada eterno e imutável, como o grande Império Romano que ruiu diante de
seus próprios erros, e as sociedades atuais não estão fora da possibilidade de sucumbir vítima de sua
própria devastação. Ocupar-se da incerteza deve estar presente também o ambiente escolar, para que as
gerações futuras não se sintam senhoras de si diante dos avanços tecnológicos e se esqueçam não
controlam o futuro, que não possuem em suas mãos o leme do destino. Agindo assim, estarão formando
pessoas corajosas, dispostas a lutar e mudar o curso dos acontecimentos pensando no bem-estar da
sociedade.
O sexto ponto proposto para a religação dos saberes refere-se à compreensão humana, vive-se em um
mundo competitivo e desigual onde o valor da vida e do outro é bastante subjetivo, não se ensina a
valorizar o outro, mas superá-lo. A sociedade de consumo incentiva cada vez mais o individualismo, o
egocentrismo que leva à rejeição do outro para a autojustificação de si próprio. Educar para a
compreensão humana pretende inverter esse paradigma, voltando-se para outro de forma solidária,
construindo um ao lado do outro um conhecimento coletivo, de acordo com MORIN (2000):
O planeta exige um pensamento policênico capaz de apontar o universalismo, não abstrato, mas
consciente da unidade/diversidade da condição humana; um pensamento policênico nutrido das
culturas do mundo. Educar para este pensamento é a finalidade da educação do futuro, que deve
trabalhar na era planetária, para a identidade e a consciência terrenas. (MORIN, 2000, p. 65).
Novamente está no centro a coletividade, enquanto o ser humano não atentar para um pensamento
global e coletivo, sua jornada não o levará a um bom termo. Pensar global, entender o local é condição
88
essencial para o pleno desenvolvimento humano para o futuro. Uma escola reflexiva deve cultivar essa
ideologia e formar em seus alunos este pensamento de que pessoas devem pensar juntas, se completar
em suas atividades buscando a sobrevivência do planeta e da sociedade.
Finalmente o sétimo ponto para a religação dos saberes está na ética do gênero humano, que pode ser
entendido como o diferencial entre o homem e os demais animais da terra. O homem é aquele ser que
dentro do processo de evolução alcançou o privilégio de ser dotado de “consciência”, este fato lhe traz
uma responsabilidade muito grande, pois o coloca como agente principal de conservação da Terra e da
natureza, além de conservar a si próprio. No entanto essa missão está um tanto quanto esquecida por
uma grande maioria da humanidade. A ética e os valores construídos socialmente são os caminhos para
realizar sua missão. O espírito solidário, as organizações não-governamentais, as ajudas humanitárias
são bons exemplos de que os valores de preservação da espécie humana ainda podem ser resgatados.
Despertar esse espírito solidário, não de “caridade”, mas com consciência de que todos devem viver
plenamente, essa é uma tarefa essencial da educação e deve ser cultivada em todos os níveis e
modalidades, afim de as novas gerações deixem um pouco do ranço da competição e do individualismo
e se voltem para a construção de uma sociedade mais justa e solidária.
Os temas propostos por MORIN (2000), trazem uma reflexão bastante pertinente sobre a educação do
futuro, destacando aspectos que muitas vezes são ignorados pelos programas de ensinos e políticas
públicas para a educação. Sua proposta está em consonância com os anseios da sociedade
contemporânea que busca através de suas conexões promoverem uma aprendizagem global e
significativa por meio da religação dos saberes, nos quais as disciplinas não serão abandonadas, mas se
comunicarão através da transdisciplinaridade, buscando se complementarem, se visitarem, sem que
uma sufoque a outra, mas que possam construir elementos de ligação como acontece com outras
ciências. Este é sem dúvida um grande desafio para o futuro.
89
4.3 Para que o professor seja reflexivo, a escola também deve ser
A sociedade do terceiro milênio se caracteriza por ser a sociedade da informação e do conhecimento. A
escola é o locus, privilegiado por excelência para a realização do conhecimento. Este pensamento vem
se cristalizando durante séculos na mente das pessoas se constituindo em conceito. No entanto na
sociedade contemporânea, a escola, assim como tantas outras instituições encontram-se em uma
encruzilhada, pois não conseguem encontrar o caminho para atender às demandas que lhe são impostas.
A crise da educação, assim como a crise do paradigma dominante está colocando em xeque os valores
tradicionais cristalizados como verdades dentro da sociedade. Na sociedade da informação e do
conhecimento, a escola não detém o monopólio do saber, muito menos o professor é o único
transmissor do conhecimento. Estamos numa sociedade onde as informações circulam com uma
velocidade espantosa através dos avanços dos meios de comunicação. Situar a escola e os professores
neste contexto é imprescindível para o desenvolvimento de uma educação de qualidade que possa
formar sujeitos aptos a conviver neste emaranhado de tecnologia.
Para conseguir alcançar seu objetivo, a escola não pode mais se sustentar por métodos e valores
ultrapassados, ela deve se inserir no contexto contemporâneo adotando uma postura reflexiva sobre seu
papel na sociedade. Para que os professores reflexivos possam desenvolver um trabalho de qualidade, a
escola também deve ser reflexiva, pois este deve ser um trabalho conjunto que não se restringe à sala
de aula. O mercado de trabalho não aceita mais o trabalhador que obedece a ordens, que produz em
série alienadamente, mas requer um trabalhador flexível que possa transformar em conhecimento as
informações quer recebe constantemente, ou seja deve possuir “habilidades” e “competências” para
atuar no mundo contemporâneo. Um trabalhador que possa transitar em vários níveis da produção e dar
respostas coerentes em todos eles.
A responsabilidade para alcançar todos esses diferenciais não pode ser delegada somente à escola, pois
uma vez que ela não é senhora de todo o saber, também não deve ser a única a formar para a sociedade
o conhecimento. É preciso levar em conta as responsabilidades individuais e da sociedade nesta
empreitada, além de considerar que para haver aprendizagem deve haver um ambiente propício e uma
troca entre quem aprende e quem ensina:
90
É que não existe ensinar sem aprender e com isto eu quero dizer mais do que diria se dissesse
que o ato de ensinar exige a existência de quem ensina e de quem aprende. Quero dizer que
ensinar e aprender se vão dando de tal maneira que quem ensina aprende, de um lado, porque
reconhece um conhecimento antes aprendido e, de outro, porque, observando a maneira como a
curiosidade do aluno aprendiz trabalha para apreender o ensinando-se, sem o que não o aprende,
o ensinante se ajuda a descobrir incertezas, acertos, equívocos. (FREIRE, 1997, p.19).
Portanto a responsabilidade de quem se propõe a ensinar é grande, mas maior ainda é a de quem se
propõe a aprender, pois dessa relação nenhuma das partes saem imunes, ambos ampliam seus
conhecimentos sejam no campo do conhecimento, no entendimento sobre o ser humano, nas relações
sociais ou ainda no distanciamento entre os objetivos propostos. Nesta tarefa de ensinar e aprender, o
relacionamento entre professor e aluno é tão essencial, quanto o conhecimento que ambos
compartilham. A escola, os professores e a família devem trabalhar no sentido de buscar a unidade, no
sentido de canalizar os esforços para promover uma aprendizagem consistente, para isso é preciso que
uma valorize a outra. Uma escola reflexiva empreenderá esforços no sentido trabalhar em consonância
com a sociedade para oferecer uma educação de qualidade. Em contrapartida, a sociedade também deve
valorizar a escola e os professores como agentes importantes na formação de cidadão conscientes e
comprometidos com uma sociedade mais justa e solidária.
Uma das grandes dificuldades enfrentadas pela escola é justamente o seu descrédito diante da
sociedade. Essa postura dificulta as relações entre ambas e provocam o desinteresse dos jovens com a
educação, e como consequência aumenta a cada dia o contingente de jovens desqualificados para o
mercado de trabalho e envolvidos com a marginalidade. Diante dessa realidade, a escola tem um papel
bastante significativo de mudar essa postura e se encontrar como instituição capaz de promover o
crescimento dos jovens enquanto profissionais e cidadãos. Para conseguir ser uma instituição
valorizada e capacitada para formar os cidadãos contemporâneos é preciso que a escola mude sua
postura se transformando numa entidade que motive os alunos e professores para estes sejam os
agentes do próprio conhecimento, desenvolvendo as capacidades necessárias na sociedade do
conhecimento, a saber:
São hoje muitas as competências desejadas, que assentam num conjunto de capacidade. Valorizase a curiosidade intelectual, a capacidade de utilizar e recriar o conhecimento, de questionar e
indagar, de ter um pensamento próprio, de desenvolver mecanismos de auto-aprendizagem. Mas
também a capacidade de gerir a sua vida individual e em grupo, de se adaptar sem deixar de ter
sua própria identidade, de se sentir responsável por seu desenvolvimento constante, de lidar com
as situações que fujam à rotina, de decidir e assumir responsabilidades, de resolver problemas, de
trabalhar em colaboração, de aceitar os outros. (ALARCÃO, 2007, p.14).
91
Formar nestes moldes não é tarefa fácil e requer um trabalho conjunto da escola e dos professores.
Portanto o primeiro passo é formar professores reflexivos e transformar a escola em uma entidade
reflexiva, para que se possa pensar em formar um aluno reflexivo. Apesar de ser tarefa bastante
complexa, não é impossível, uma vez que existem exemplos bem sucedidos de projetos dessa natureza
sendo desenvolvidos em Portugal e em muitas escolas brasileiras. Uma escola reflexiva tem o foco de
atuação na postura de “aprender a aprender”, portanto o papel do aluno não é mais de receptor de
conhecimento, nem o professor de transmissor de um conhecimento estático. O professor passa a ter o
papel de mediador do conhecimento, enquanto o aluno deve construir o seu conhecimento descobrindo
o prazer de pesquisar e encontrar as próprias respostas; num estágio mais avançado selecionar e criticar
a informação que lhe chega aproveitando o que for útil e descartando o resto. A sala de aula se
transforma de espaço de produção do conhecimento, trabalhando com a postura reflexiva o
conhecimento extrapola a sala e ganha espaço fora de seus muros porque deixou de ser um
conhecimento estático sem significado, para se transformar em nova maneira de ver o mundo e de ler
nos mais variados contextos que interagem com o aluno, com o professor e com a sociedade em geral.
Para alcançar este ponto ainda existe um longo caminho a percorrer, especialmente em se tratando das
escolas públicas brasileiras, especialmente as da periferia onde a carência e desestrutura é quase total.
Existe um longo caminho, para percorrer, no entanto é preciso começar, e não existe receita pronta para
escola seguir, como afirma ALRCÃO, (2007):
A escola reflexiva não é telecomandada do exterior. É autogerida. Tem o seu projeto próprio,
construído com a colaboração dos seus membros. Sabe para onde quer ir e avalia-se
permanentemente na sua caminhada. Contextualiza-se na comunidade que serve e com esta
interage. Acredita nos seus professores, cuja capacidade de pensamento e de ação sempre
fomenta. Envolve os alunos na construção de uma escola cada vez melhor. Não esquece o
contributo dos pais e de toda a comunidade. Considera-se uma instituição em desenvolvimento e
em aprendizagem. Pensa-se avalia-se. Constrói conhecimento sobre si própria. Uma escola
reflexiva é uma comunidade de aprendizagem e é um local onde se produz conhecimento sobre a
educação. (ALRCÃO, 2007, p.38).
A realidade escolar brasileira vem passando por uma série de desencontros resultantes de programas e
métodos fracassados que visam mais o político que a qualidade da educação. Programas sem
continuidade, e/ou se tornam inviáveis provocando rupturas no processo educativo; isto acontece
muitas vezes porque quem produz os programas está distante da realidade das escolas, e os professores
92
não participam do processo. O resultado que se vê é uma cultura de falta de hábito de estudo por parte
dos alunos, o que leva ao desinteresse pela educação e pelo aprendizado. Tem-se no Brasil um
contingente assustador de “analfabetos funcionais”3 outra causa importante está na defasagem
idade/série provocada pela repetência. O aluno carente vem à escola desnutrido e não consegue
acompanhar o rendimento da turma, ao ser reprovado por mais de uma vez abandona a escola. Outro
fator preocupante é a negligência de alguns pais com o acompanhamento escolar, deixando somente a
cargo da escola a tarefa de educar. Enquanto a escola faz o papel da família de proteger, formar e
alimentar, sua tarefa principal de mediadora do conhecimento é relegada ao segundo plano, o resultado
está ai: má qualidade da educação, professores frustrados e pais insatisfeitos.
A escola que se espera para o século XXI precisa de muito esforço para se concretizar, e só a partir
dessa consciência por partes das autoridades, governos, sociedade civil, professores e alunos no sentido
de buscar a mudança a partir dos próprios esforços, sem esperar a solução venha em um manual pronto
para ser seguido é que esta irá se concretizar. Paises que descobriram esta fórmula já se encontram
caminhando bem na concretização de seus objetivos, e os demais só poderão se desenvolver quando
trilharem o mesmo caminho.
4.4 A importância da educação na formação das crianças e jovens
Um dos avanços obtidos pela nova LDB foi a mudança de foco do “ensino” para a “aprendizagem”,
este pode ser considerado um ponto importante para a mudança de paradigmas vividos até então pela
educação. Quando um professor elaborava seu planejamento, preocupava com o que deveria ensinar,
após a LDB, o foco mudou, a preocupação agora está no que o aluno vai aprender. Somente uma
postura reflexiva é capaz de articular esta premissa com as necessidades da sociedade contemporânea.
A desigualdade social e econômica vivida por uma grande parte da população brasileira se torna cada
vez mais aguda e piora com a má formação de seus jovens. Embora estando na era da informação, uma
parcela significativa da população jovem não é alfabetizada e a grande maioria dos egressos do ensino
médio público são considerados analfabetos funcionais, ou seja apesar de concluírem a educação básica
3
Pesquisa IBOPE (09/09/2005) Entre os dois mil entrevistados, 68% são analfabetos funcionais, isto é, apresentam
dificuldade em interpretar textos e não têm muita habilidade na escrita. Fonte: Ig Educação.(acesso em 28-04-09).
93
não conseguem interpretar textos simples, resolver cálculos e escrever corretamente. Esse fato não é
exclusividade do Brasil. Acontece principalmente em países pobres ou subdesenvolvidos.
No caso do Brasil, a primeira etapa para mudar esse fato está sendo concluída, que é a “universalização
do acesso ao Ensino Fundamental”. A questão agora é garantir o acesso e a permanência do aluno na
escola. A seguir vem a parte mais complexa que é oferecer educação de qualidade para todos. Pois
única forma de diminuir as desigualdades sociais e garantir qualidade de vida especialmente à
população mais carente é através da educação, como afirma DELORS (2005):
Na medida em que o saber e a informação dominam cada vez todos os setores da atividade
humana, a aprendizagem torna-se a chave do progresso. Isso se aplica não só à economia, que
repousa essencialmente sobre o “fator humano” no que se refere ao conhecimento, às
qualificações, à capacidade de adaptação e ao espírito empreendedor, mas também ao
funcionamento das sociedades democráticas que necessitam de cidadãos bem-informados e
perspicazes. (DELORS, 2005, p. 25).
Portanto existe um longo caminho a ser percorrido para se atingir a qualidade proposta pela LDB e
requerida pelo mercado de trabalho, mas é preciso começar a mudar a “cara da escola”. Este é um
trabalho conjunto que não deve ser atribuído somente à instituição, mas à sociedade me geral. Partindo
do pressuposto de que a educação é um processo longo, as mudanças não serão sentidas imediatamente,
no entanto devem ser perseguidas com perseverança. O grande desencontro entre a prática e o discurso
está neste ponto, pois as políticas desenvolvidas para melhorar a educação não têm continuidade, são
medidas políticas e não educacionais. Somente quando as entidades governamentais se convencerem
que os programas devem ser planejados pelos agentes envolvidos diretamente com a sala de aula, a
situação vai mudar. Outra questão pertinente diz respeito à valorização dos professores, ao longo da
história os professores vem acumulando desprestígio social, má formação e remuneração pior ainda. Os
cursos de licenciatura estão cada vez mais distantes das necessidades dos alunos, e como conseqüência
o resultado não podia ser outro: educação de má qualidade, a expansão da oferta de vagas não veio
acompanhada de um processo de qualificação dos professores, melhoria na estrutura escolar, bem como
dos materiais didáticos, como afirma THROSBY:
[...] o conceito de qualidade do ensino remete a elementos como: a formação e a qualificação dos
professores; a disponibilidade e a qualidade dos materiais didáticos; assim como dos materiais
escolares; as normas relativas aos edifícios e às instalações escolares; a saúde; o estado
94
nutricional dos alunos e os conhecimentos adquiridos por eles antes de seu ingresso na escola; a
natureza e a eficácia da administração e a infra-estrutura da educação. (THROSBY, 2005, p.
160).
Os fatores que influem na qualidade de ensino são inúmeros e os países em desenvolvimento enfrentam
mais dificuldades que os países ricos, pois os financiamentos voltados para educação são os mesmos
destinados a outros setores. Normalmente onde existe a carência de educação, ela existe na mesma
proporção na saúde, moradia, alimentação. Sem contar que as distorções acontecem e muitas vezes os
recursos não chegam onde deveriam e ainda se chegam são mal utilizados.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Educação é aquilo que fica depois que você esquece o que a escola ensinou.
(Albert Einstein)
96
A educação é um elemento essencial para a evolução da sociedade e para a melhoria de sua qualidade
de vida. As sociedades que já se deram conta desse fato estão investindo maciçamente neste setor e
buscam uma educação de qualidade. Os países em desenvolvimento estão procurando formas de
alcançar estes objetivos, muitos já estão no caminho certo, outros ainda estão procurando soluções para
problemas elementares, como garantir o acesso de todas as crianças à escola. O Brasil vem, nos últimos
anos, investindo bastante na educação, e, embora ainda existam muitas carências, especialmente no que
diz respeito às desigualdades regionais, muitas ações estão sendo implantadas na busca de melhores
resultados.
Um exemplo está na LDB/96 que cria um fundo específico para manutenção da educação básica, tratase do FUNDEF (fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e valorização do
Magistério), que recentemente foi transformado em FUNDEB (Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação). Este fundo foi
regulamentado pela Lei nº. 11.494/2007 e tem como objetivo garantir recursos para a universalização
do Ensino Fundamental e Médio, ou seja, garantir vaga e infra-estrutura para que todas as crianças em
idade escolar possam concluir a educação fundamental. Depois de concluída a primeira fase de
ingresso no Ensino Fundamental, que de acordo com as estatísticas do governo foi atingida, passa-se
para a etapa seguinte, que é a extensão ao Ensino Médio. Portanto, a mudança da atuação do Fundo de
financiamento deve se estender a essa clientela egressa do Ensino Fundamental e que necessita de
vagas no Ensino Médio. O financiamento da educação deve ser distribuído entre os Municípios,
Estados e a Federação. Outra questão importante foi a descentralização dos recursos, pois as verbas são
repassadas diretamente para as escolas sendo aproveitadas de maneira mais objetiva. Estas são medidas
importantes para melhorar a qualidade do ensino, mas não bastam, uma vez que os recursos, muitas
vezes, são escassos, e muitas verbas ainda são “carimbadas”, ou seja, já chegam com destino definido;
cabe à escola comprar o que foi determinado pelas Secretarias de Educação.
Caminhando nos avanços da Lei de Diretrizes e bases da Educação, uma medida importante foi
contemplada: trata-se da educação de jovens e adultos. Devido ao processo histórico de exclusão da
educação brasileira, esta medida vem para corrigir o alto índice de jovens e adultos analfabetos ou
semi-analfabetos principalmente das camadas mais baixas da sociedade. O grande desafio que se
coloca na atualidade se refere à qualidade de ensino, não basta a universalização da matrícula, é preciso
manter o aluno na escola e aprendendo bem. Para que isto aconteça é necessário que a teoria e a prática
caminhem juntas e se movam no sentido de completarem, dando aos alunos uma aprendizagem
97
significativa. Neste ponto, infelizmente o Brasil está deixando muito a desejar, de acordo com DEMO
(2001, p. 68) “... é necessário perceber que a teoria e a prática da educação no país são terrivelmente
obsoletas. O Brasil é um dos países mais atrasados do mundo nessa parte.” A quantidade não veio
acompanhada de qualidade, ainda falta muito para que a educação alcance um patamar desejado para
que nossos jovens egressos da educação básica estejam aptos a continuarem aprendendo no mercado de
trabalho. A LDB institui como termômetro da educação o SAEB (Sistema Nacional de Avaliação da
Educação Básica), por este instrumento verifica-se a qualidade do ensino, a atuação das políticas
públicas de intervenção na educação e sua eficácia. Os resultados apresentados não são animadores, os
estudantes estão abaixo da média estipulada pelo ministério da Educação.
Em alguns Estados,
especialmente os mais carentes de recursos financeiros, essa situação piora.
Quanto à valorização do magistério, é ponto fundamental, para melhoria da qualidade de ensino, um
corpo docente bem formado e motivado é imprescindível para desenvolver um bom trabalho. Na
realidade, porém, não é o acontece, pois aos professores foi dado todo ônus dos fracassos escolares e a
eles foi atribuída toda a “culpa” pela má qualidade do ensino. Os professores não se sentem respeitados
pela comunidade e pela própria clientela que atende, uma vez que não se deve atribuir somente à
educação escolar o preparo para a vida, para o mundo do trabalho. A escola é uma das etapas, mas não
única. Diante desta carga de responsabilidade, o professor se sente diminuído em sua profissão, a
remuneração que nunca foi atrativa e cada dia se torna pior, é um agravante para atrair mão-de-obra
qualificada e motivada. Aliado a tantas desventuras, as condições de trabalho estão cada vez mais
degradantes. O Estado como gestor da educação pública não está correspondendo de forma satisfatória
para garantir o mínimo de condições de trabalho e remuneração digna aos profissionais que se ocupam
da educação. Enquanto esta etapa não for resolvida, a questão da qualidade da educação não será
alcançada.
No que diz respeito à formação de professores, a Lei inova quando ao instituir a Década da Educação,1
propõe o ingresso dos profissionais da educação básica habilitados com curso superior. Este é, sem
dúvida, um passo importante para melhorar a qualidade de ensino. Mas não é o único, a questão salarial
e as condições de trabalho também são essenciais para promover a qualidade. O plano de carreira para
1
A década da Educação será instituída a partir da publicação da Lei (Art.87) e deverá cumprir além dos objetivos mais
externos, a idéia volta-se para o cumprimento mais estrito da educação fundamental, implicando: matricula de todos os
educandos a partir de sete anos, oferta de cursos presenciais e a distância para jovens e adultos sem escolarização, realização
programas de capacitação para todos os docentes em exercício, integração de todos os estabelecimentos de educação
fundamental no sistema nacional de avaliação do rendimento escolar. Serão admitidos somente profissionais habilitados em
nível superior ou formados por treinamento em serviço.( DEMO, Pedro. A Nova LDB. Ranços e avanços, 2001, p.64 e 65).
98
o magistério está sendo implantado e cada Estado tem autonomia para executar o seu, a grande
dificuldade está no fato da Lei não sinalizar para a questão salarial e isso provoca grandes diferenças
salariais entre eles. Não existe piso salarial nacional, esta é uma questão que ainda está debatida no
Senado e nas Câmaras Estaduais.
A proposta do professor reflexivo, defendida neste texto, tem como objetivo mostrar um caminho
possível para que a escola e seus profissionais possam contribuir efetivamente na medida de sua
importância para a construção de uma sociedade mais justa e que dê oportunidade para que todos
cresçam culturalmente se libertando das injustiças sociais que tanto afligem as camadas mais
sacrificadas da sociedade. A proposta do professor reflexivo expressa bem a proposta de Paulo Freire
que coloca a educação como alternativa para a mudança. É evidente que a educação sozinha não
conseguirá resolver todas as mazelas do mundo, mas é um caminho seguro para diminuir as diferenças.
À medida que a escola toma ciência de seu papel social e sua importância na formação integral do
indivíduo, passa a usar alternativas coerentes e eficazes e busca se adequar à realidade do mundo
informatizado, globalizado e com fronteiras bastante insólitas, poderá encontrar um caminho que
possibilite uma educação de qualidade para todos.
Também é pertinente colocar uma questão crucial sobre a educação. A história mundial tem mostrado
que, através de uma educação de qualidade, muitos países enfrentaram as desigualdades sociais e as
sanaram, transformando-se em grandes potências. O desenvolvimento norte-americano, entre outros
fatores, deve-se ao fato de sua colonização ter sido feita por “protestantes”, que eram quase cem por
cento alfabetizados, pois tinham como obrigação o estudo da Bíblia. Os países mais pobres, hoje, têm
um grande número de pessoas analfabetas ou semi-analfabetas. Não significa, porém, que somente
através da educação os problemas brasileiros serão resolvidos, mas este é, sem dúvida, um caminho
certeiro, já trilhado anteriormente. Não há por parte desta pesquisa a crença ingênua de descobrir a
“panacéia do mundo”, mas colocar a educação como um ponto de apoio para que mudanças
importantes, especialmente no que diz respeito à qualidade de vida, sejam alcançadas. Os autores
pesquisados circulam no campo da Sociologia, Psicologia, Pedagogia, entre outros, seus trabalhos
apresentam resultados bastante coerentes e perspicazes, o que leva o pesquisador a assimilar seus
discursos e torná-los recorrentes no ambiente escolar.
Para futuras ponderações se faz necessário estar atento a estas questões procurar estudar outras
vertentes confrontá-las com outros posicionamentos sem, no entanto, deixar de lado a importância do
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tema para a contemporaneidade, uma vez que, em situação de transição de paradigmas como é o caso
da atualidade, a educação continua sendo referência para uma transição positiva.
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