Lumen Veritatis - Revista Academica Lumen Veritatis - Site

Transcrição

Lumen Veritatis - Revista Academica Lumen Veritatis - Site
Lumen Veritatis – Teologia Bíblica
Ano IV - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
Lumen Veritatis é uma Revista de publicação trimestral que pretende ser um
instrumento de divulgação do pensamento de São Tomás de Aquino e de incremento da cultura cristã, promovendo um diálogo crítico entre o pensamento escolástico
e as demais correntes filosóficas.
Procura ela ser um veículo de divulgação aberto também aos pesquisadores graduados, sem contudo abrir mão do rigor e da qualidade da produção acadêmica.
Lumen
Veritatis
Ano IV - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
Teologia Bíblica
Revista de Inspiração Tomista
Instituto Filosófico Aristotélico-Tomista – Instituto Teológico São Tomás de Aquino
Lumen
Veritatis
Ano IV - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
r eVista de iNsPiração tomista
Revista trimestral editada pelo
Instituto Filosófico Aristotélico Tomista (IFAT)
e
Instituto Teológico São Tomás de Aquino (ITTA)
ISSN 1981-9390
LUMEN VERITATIS - REVISTA CIENTÍFICA
• Fundadores:
Dom Benedito Beni dos Santos
Mons. João Scognamiglio Clá Dias, EP
• Diretor Responsável:
Pe. Joshua Alexander Sequeira, EP (ITTA)
• Conselho Editorial:
Dom Benedito Beni dos Santos (Bispo Diocesano de Lorena)
Mons. João Scognamiglio Clá Dias, EP (ITTA)
Pe. Bruno Esposito, OP (Angelicum)
Prof. Carlos Alberto Serpa de Oliveira (Presidente da Academia Brasileira de Educação)
Côn. Carlos Antônio da Silva (PISDC-RJ)
Côn. José Adriano (ITTA)
Pe. José Francisco Hernández Medina, EP (Roma)
Pe. Caio Newton de Assis Fonseca, EP (ITTA)
Pe. Arnóbio José Glavam, EP (IFAT)
Pe. Pedro Rafael Morazzani Arráiz, EP (ITTA)
Pe. Carlos Arboleda Mora (UPB)
Dr. Gonzalo Soto Posada (UPB)
Ir. Anna Cristina Andrade de Moraes, EP (IFAT)
• Publicada por:
Associação Colégio Arautos do Evangelho - CNPJ: 05.905.795/0001-09
• Secretário de Publicações:
Diác. José Manuel Victorino de Andrade, EP (IFAT)
• Correspondência e subscrições
REVISTA LUMEN VERITATIS
Caixa Postal 257
CEP 07600-000 - Mairiporã, SP
Fone/Fax: (11) 4419-2311
E-mail: [email protected]
Aceitamos permuta com revistas congêneres.
• Montagem:
Equipe de artes gráficas dos Arautos do Evangelho
• Preços:
Assinatura nacional: R$ 70 - Assinatura exterior: US$ 70 / € 48 (via aérea)
• Tiragem deste número:
2.000 exemplares
2
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
Editorial
Mons. João Scognamiglio Clá Dias, EP
Desde toda a eternidade, ao conceber a obra da criação, teve Deus desejo de comunicar-se ao homem. Ao acompanharmos o processo histórico da
humanidade desde seu início, admiramos a beleza da Sabedoria divina ao
fazer-se conhecer através de uma revelação paulatina de Si mesmo. Em nossos dias, a sua Palavra não deixa de interpelar-nos, apesar de estarmos num
mundo que frequentemente “sente Deus como supérfluo ou alheio”, 1 e por
isso, o Papa Bento XVI destacou na Verbum Domini a prioridade de “reabrir
ao homem atual o acesso a Deus, a Deus que fala e nos comunica o seu amor
para que tenhamos vida em abundância” (cf. Jo 10, 10) (VD 2).
Se nos detivermos nas Sagradas Escrituras, veremos que nada há de supérfluo. De fato, “Deus dispôs amorosamente que permanecesse íntegro e fosse transmitido a todas as gerações, tudo quanto tinha revelado para salvação
de todos os povos”. 2 Para tal, erigiu Deus o profetismo. Além do magistério
ordinário dos sacerdotes, suscitou profetas que transmitiam as novas revelações e, ao mesmo tempo, conservavam e interpretavam as anteriores, constituindo assim instrumentos de Deus para educar o seu povo e prepará-lo para
o Evangelho (cf. VD 42; DV 7).
A linhagem dos profetas culminou com o aparecimento de João Batista, o
maior entre todos. A Sagrada Escritura canta as glórias desses varões, conselheiros de grande prudência, que tudo conheciam por meio de visões proféticas, como Elias, Isaías, Jeremias, Daniel, etc. O profeta, no Antigo Testamento,
era a ‘seta eleita de Deus’, aquela flecha que os reis guerreiros guardavam na
sua aljava para matar no combate o monarca inimigo. O programa de vida é
muito parecido em todos os profetas: ‘romper e destruir, edificar e plantar’;
como bons viticultores do monte Carmelo que podam e queimam as cepas
velhas para tornar possível o fruto do outono. A história dos profetas é a
1) BENTO XVI. Verbum Domini: Exortação Apostólica Pós-Sinodal. Cidade do Vaticano: Libreria
Editrice Vaticana, 2010. p. 5. n. 2. (Doravante, VD).
2) CONCÍLIO VATICANO II. Dei Verbum: Constituição dogmática sobre a divina revelação, 18 out.
1965. n. 7. (Doravante, DV).
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
3
Editorial
tragédia daqueles homens que ‘não podem deixar de falar porque a Palavra
de Javé os queima ‘por dentro’. 3
Eis a alta vocação dos profetas, tão elevada que a Sagrada Escritura os
menciona frequentemente em paralelo com a própria Lei: “A lei e os profetas duraram até João” (Lc 16, 16); “Encorajou-os citando a lei e os profetas”
(2 Mac 15, 9). Eles, ademais, sempre foram os guias do povo de Deus, indicando-lhe sem falha os caminhos do Senhor. Entretanto, o termo profeta não
se refere somente ao que se entende nas línguas modernas como aquele que
anuncia o futuro, mas remete-nos para as Escrituras. É o homem “inspirado
por Deus que comunica aos homens o pensamento e o querer divinos”. 4
São Tomás de Aquino explica-nos que, em diversas épocas da história da
Igreja, nunca faltaram pessoas dotadas de espírito profético, não para revelar novas doutrinas, mas para guiar a conduta dos homens. 5 Também hoje,
os batizados, partícipes no ministério profético de Cristo, estão chamados ao
testemunho da Verdade pelas suas palavras e ações, de modo a, fortalecidos
pela oração, aderirem indefectivelmente a sua doutrina, nela se aprofundarem
e anunciarem o que viram e ouviram da parte do Senhor. 6 Os que assim procedem, conforme o Catecismo da Igreja Católica, são aqueles que têm a Elias
por pai (cf. CEC 2582), pois à sua semelhança, procuram o Rosto de Deus, o
regresso do povo à Fé e a intercessão da Providência nos acontecimentos da
História (cf. CEC 2581-2584), em suma, consomem-se de “zelo pelo Senhor
Deus dos Exércitos” (cf. 1 Rs 19, 14).
Além disso, na sua infinita Sabedoria, Deus quis que os homens estivessem apoiados numa rocha inabalável. Ao operar a Redenção, o Divino Mestre instituiu o Magistério da Igreja, para ensinar e interpretar o que oficialmente havia sido revelado. Se Deus, através do “Espírito da verdade”, 7 “falou
outrora aos nossos pais pelos Profetas, nestes dias, que são os últimos, falou-nos por meio do Filho” (Hb 1, 1-2), que por sua vez ordenou ao Apóstolos:
“Toda autoridade me foi dada no céu e na terra. Ide, pois, e ensinai a todas as
nações; batizai-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Ensinai-as a
3) LÓPEZ MELÚS, Rafael María. El profeta san Elías, padre espiritual del Carmelo. Onda-Castello:
Amarcar, 1986.
4) Loc. cit.
5) Cf. S. Th. II-II, q. 174, a. 6, ad 3.
6) Cf. Catecismo Igreja Católica, n. 783; 785; 2581-2584. (Doravante, CEC).
7) É o próprio Jesus, no Evangelho de São João, que se refere ao Espírito Santo como “Espírito da
verdade” (cf. Jo 14, 17; 15, 26; 16, 13).
4
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
Editorial
observar tudo o que vos prescrevi. Eis que estou convosco todos os dias, até o
fim do mundo” (Mt 28, 18-20).
A transmissão do Evangelho — necessária para que os homens conheçam a
verdade e alcancem a salvação — passou a fazer-se de duas maneiras: “Pelos
Apóstolos, que na pregação oral, por exemplos e instituições, transmitiram
aquelas coisas que, ou receberam das palavras, da convivência e das obras de
Cristo, ou aprenderam das sugestões do Espírito Santo”, e “também por aqueles
apóstolos e varões apostólicos que, sob a inspiração do mesmo Espírito Santo,
puseram por escrito a mensagem da salvação” (DV 7). Ou seja, conforme ensina o Papa Bento XVI na Verbum Domini, “não é possível uma compreensão
autêntica da revelação cristã fora da ação do Paráclito” (VD 15).
Por sua vez, os Apóstolos deixaram aos seus sucessores, os bispos, o encargo do Magistério, de modo que o Evangelho sempre se mantivesse inalterado
e vivo na Igreja, e se conservasse, por uma sucessão contínua, até à consumação dos tempos (cf. DV 8). Por isso afirma D. Isidro Gomá y Tomás:
A Sagrada Escritura é como uma carta de Deus dirigida aos homens; mas
estes não podem interpretá-la por si sós: precisam ser conduzidos pela Igreja, que é a intérprete nata e autorizada das divinas Escrituras, e tem para
isso a luz e a assistência do Espírito Santo. Por isso, diz Lucas (24, 45), que
Jesus, antes de subir aos Céus, ‘abriu a inteligência de seus Apóstolos para
que compreendessem as Escrituras’. Não tenhamos, pois, a presunção de ler
estas deleitáveis cartas de Deus sem o sentido de Deus e sem a união com
os que têm a autoridade de Deus para interpretá-las. Seria condenar-nos à
ignorância, quiçá a erros grosseiros sobre seu conteúdo. Este é o segredo
das quedas daqueles que interpretam as Escrituras fora da Igreja Católica. 8
No próprio Evangelho encontramos o critério para interpretar de maneira
infalível a Tradição e até mesmo a Escritura, jamais errando em matéria de
Fé e de Moral: “Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja; as
portas do inferno não prevalecerão contra ela. Eu te darei as chaves do Reino dos céus: tudo o que ligares na terra será ligado nos céus, e tudo o que desligares na terra será desligado nos céus” (Mt 16, 18). A Cátedra infalível de
Pedro é um ponto fundamental para a vida sobrenatural e até mesmo intelectual de todo católico. Sem esse grande dom concedido pelo Divino Fundador
à sua Igreja, não teria ela atravessado um só século de História. A este propósito, afirma a Constituição Dogmática Lumen Gentium:
8) GOMÁ Y TOMÁS, Isidro. El Evangelio explicado. Barcelona: Rafael Casulleras, 1930, Vol. IV, p. 442.
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
5
Editorial
A infalibilidade, de que o Divino Redentor dotou a sua Igreja para definir
a doutrina de fé e costumes, abrange o depósito da Revelação que deve ser
guardado com zelo e exposto com fidelidade. O Romano Pontífice, cabeça do colégio episcopal, goza desta infalibilidade em virtude do seu ofício,
quando define uma doutrina de fé ou de costumes, como supremo Pastor e
Doutor de todos os cristãos, confirmando na fé os seus irmãos (cf. Lc 22,
32) […] [Ele] não fala como pessoa privada, mas expõe ou defende a doutrina da fé católica como mestre supremo da Igreja universal, no qual reside de modo singular o carisma da infalibilidade da mesma Igreja (LG 25).
Também a Verbum Domini lembra que “o lugar originário da interpretação
da Escritura é a vida da Igreja” (VD 29). Por isso, os exegetas e os teólogos
devem submeter-se filialmente a esta Mãe de Sabedoria, crescendo em amor
e observância, santificando a sua vida, conforme conclui o mesmo documento através das inspiradas palavras de São Pedro: “‘Nenhuma profecia da
Escritura é de interpretação particular’ (2 Pd 1, 20-21) […] O Espírito Santo,
que anima a vida da Igreja, é que a torna capaz de interpretar autenticamente
as Escrituras. A Bíblia é o livro da Igreja e, a partir da imanência dela na vida
eclesial, brota também a sua verdadeira hermenêutica” (VD 29).
Normas para os colaboradores
Os artigos devem ser enviados em CD ou anexo de e-mail. Também devem ser enviados um resumo (10 linhas) e os dados relativos à titulação do autor, atividade atual, endereço, etc. Os artigos devem ter entre cinco mil e seis mil palavras.
As referências bibliográficas e notas de rodapé devem ser apresentadas conforme as
normas da ABNT, ou da metodologia vigente no país do autor. As referências bibliográficas poderão ser apresentadas ao pé de cada página, ou colocadas no fim do artigo.
Os autores serão notificados sobre a decisão do Conselho Editorial. Caso seja publicado, receberão cinco exemplares da revista.
Os artigos assinados são de responsabilidade dos autores.
Endereço para envio de artigos:
REVISTA LUMEN VERITATIS
Caixa Postal 257
CEP: 07600-000
Mairiporã – SP
E-mail: [email protected]
6
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
Sumário
Artigos
Verbum Domini
Dom Benedito Beni dos Santos ............................................... 9
María, un corazón dócil ante
la palabra de Dios: modelo esplendoroso
de la contemplación (Lc 2, 41-52)
Pe. Santiago Ignacio Morazzani Arráiz, EP .......................... 17
O significado de perfeição no contexto
de Mateus (5, 48)
Thiago de Oliveira Geraldo .................................................. 79
Traduções
Discurso Acadêmico sobre a Bíblia
Juan Donoso Cortés ........................................................... 111
Este é o livro dos mandamentos de Deus
São Tomás de Aquino ........................................................ 119
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
7
Sumário
Resenhas
Jesus de Nazaré: Da entrada
em Jerusalém até a Ressurreição ............................. 123
8
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
Artigos
Verbum Domini
Dom Benedito Beni dos Santos 1
Resumo
Este artigo pretende oferecer uma visão sintética da Exortação Apostólica pós-sinodal Verbum Domini e, ao mesmo tempo, uma chave de leitura acompanhada de observações teológico-pastorais. A estrutura do artigo
está calcada na própria estrutura da Dei Verbum.
Abstract
This article aims at providing a synthetic vision of the post-synodal Apostolic Exhortation Verbum Domini, and, at the same time, a reading key
accompanied by theological-pastoral observations. The structure of the
article is grounded in the very structure of Dei Verbum.
Durante dois anos, a Exortação Apostólica referente ao Sínodo da Palavra foi aguardada ansiosamente por toda a Igreja. Finalmente, ela foi assinada
pelo Santo Padre Bento XVI no dia 30 de setembro de 2010. Foi um presente
do Papa a toda a Igreja.
A Exortação Apostólica Pós-Sinodal Verbum Domini tem uma introdução,
três partes com diversos capítulos e uma conclusão.
A introdução recorda, antes de tudo, a fonte inspiradora de todo o texto:
o prólogo do Evangelho de São João, o texto principal do Novo Testamento
sobre a encarnação do Verbo: “…pretendo apresentar e aprofundar os resultados do Sínodo, tomando por referência constante o prólogo do Evangelho
de São João (Jo 1, 1-18), que nos dá a conhecer o fundamento da nossa vida:
o Verbo, que desde o princípio está junto de Deus, fez-se carne e veio habitar
entre nós (cf. Jo 1, 14). Trata-se de um texto admirável, que dá uma síntese de
toda a fé cristã” (n. 5).
Em seguida, são recordados os objetivos da Exortação Apostólica. Em primeiro lugar, apresentar os resultados do Sínodo sobre a Palavra na vida e na
missão da Igreja, que teve lugar no Vaticano de 5 a 26 de outubro de 2008. O
1) Sua Excelência é Bispo de Lorena (SP), Licenciado em Teologia Dogmática pela Pontifícia Universidade
Gregoriana em Roma, mestre em Filosofia e Educação pela PUC-SP e doutor em Teologia Dogmática.
É Supervisor Geral da Formação dos Arautos do Evangelho, e co-fundador desta revista.
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
9
Verbum Domini
segundo objetivo consiste em promover a animação bíblica de toda a pastoral. Vem, a seguir, a nova evangelização e o incentivo ao diálogo ecumênico.
A primeira parte, de natureza teórica, é dedicada à reflexão sobre a Palavra de Deus e sua natureza (Verbum Dei). O que interessa, em primeiro lugar,
é o fato de Deus ter dirigido sua Palavra ao ser humano. Deus é o Grande
Mistério, o Totalmente Outro. O fato de ter falado ao homem é sinal de que
Deus fala como amigo, fala por amor. Através da Palavra, Ele deseja entrar
em relação com o ser humano, entrar em diálogo, em comunhão. Deus fala
para fazer aliança e salvar. Daí a natureza da revelação. Ela não é, antes de
tudo, uma série de informações sobre Deus. Ela é evento salvífico. Pela sua
Palavra, Deus salva. A Palavra é, antes de tudo, o Verbo gerado pelo Pai desde o “princípio”, isto é, desde toda a eternidade: “…nunca houve em Deus um
tempo em que não existisse o Logos” (n. 6). A “Palavra de Deus” designa ainda a pessoa de Jesus Cristo, Filho eterno do Pai feito homem.
O único Verbo de Deus se expressa numa sinfonia de diversas vozes:
a) A própria criação (liber naturae). São Paulo mostra, nos dois primeiros capítulos da Carta aos Romanos, que a revelação de Deus através da
criação não é apenas um processo racional que nos conduz da contemplação das coisas criadas à existência do Criador, mas é uma verdadeira comunicação de Deus, suficiente para despertar, nos seres humanos,
a religião (adoração de Deus) e a reta conduta moral.
b) A palavra dos profetas: (“falou pelos profetas”): a Palavra de Deus anunciada, com a força do Espírito, na história da salvação.
c) A Tradição Apostólica: a Palavra de Deus pregada pelos Apóstolos: “Ide
pelo mundo inteiro e anunciai a Boa Nova a toda criatura” (Mc 16, 15).
d) A Palavra de Deus escrita: Antigo e Novo Testamento.
e) A Palavra da Cruz (cf. 1, 18): “O Verbo emudece, torna-se silêncio de
morte porque Se “disse” até calar, nada retendo do que nos devia comunicar” (n. 12).
A Exortação Apostólica Pós-Sinodal sublinha a unidade entre o Antigo e
Novo Testamento. Ambos formam um único livro. O novo está implícito no
Antigo e o Antigo se torna claro, se realiza no Novo. Em outras palavras,
10
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
Dom Benedito Beni dos Santos
Cristo é o Tesouro escondido no Antigo Testamento, como afirmam alguns
Padres da Igreja. Já antes deles, o Apóstolo São Paulo, no capítulo três da
segunda carta aos Coríntios, recorda o fato de que Moisés, após ter falado
com Deus, desceu da montanha com o rosto resplandecente. Para que as pessoas pudessem olhar para ele, cobriu o rosto com um véu. E Paulo conclui:
“…até hoje, quando (os judeus) leem o Antigo Testamento, este mesmo véu
permanece. Não é retirado, porque é em Cristo que ele desaparece. Sim, até
hoje, todas as vezes que leem Moisés, um véu está sobre o seu coração. É
somente pela conversão ao Senhor que o véu cai” (2Cor 3, 14-16).
O texto cita também os critérios da interpretação católica da Bíblia segundo a Dei Verbum do Vaticano II: a unidade de toda a Escritura (exegese canônica), a tradição viva de toda a Igreja e a analogia da fé.
É necessário ter em conta a unidade de toda a Escritura, pois existe uma
evolução na revelação. Ela é feita em diálogo com o ser humano e progressivamente. A pedagogia divina respeita a capacidade, as condições históricas e
culturais do ser humano.
Quanto à tradição viva de toda a Igreja, existe uma compreensão continuada e crescente da revelação divina. É, através desta ponte, que chegamos à
leitura do texto sagrado. Esta tradição está presente na liturgia, nos Padres da
Igreja e no Magistério.
Com relação à analogia da fé, basta recordar que as verdades da fé estão
ligadas entre si, formam um conjunto bem articulado. Implicam-se mutuamente.
A Exortação Apostólica Pós-Sinodal faz também um alerta com relação à
hermenêutica secularizada, positivista, “cuja chave fundamental é a convicção de que o Divino não aparece na história humana” (35b). Esse pressuposto,
que reduz tudo ao plano exclusivamente humano, nega a própria natureza do
Livro Sagrado, que registra a revelação divina.
Ainda em relação à hermenêutica, o texto trata do sentido espiritual e literal da Sagrada Escritura. O sentido literal é objeto da pesquisa científica, do
assim chamado método histórico-crítico. Ele se deve ao fato de que a Palavra
divina está encarnada na palavra humana. É necessário, pois, levar em consideração a língua do escritor sagrado, a sua mentalidade e cultura, o gênero
literário que ele usa.
O sentido literal é útil para a compreensão do texto sagrado, mas é insuficiente. A Bíblia não é simplesmente um documento histórico. Ela possui uma
dimensão transcendente. Narra a história da salvação. Ela possui um senti-
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
11
Verbum Domini
do espiritual expresso pela tipologia. A exegese tipológica ajuda, sobretudo, a
adquirir uma visão global da história da salvação e de seus diversos períodos.
O sentido espiritual é revelado por Deus. Está presente no Novo Testamento. Encontra-se também na liturgia, bastando recordar a Vigília Pascal.
Encontra-se ainda nos Padres da Igreja, embora alguns deles tenham caído no
exagero. Acham que tudo, na Sagrada Escritura, é sacramento, sinal, símbolo.
A nossa resposta à Palavra de Deus é a fé. Por meio da Palavra, Deus manifesta o desejo de entrar em relacionamento com o ser humano, de fazer aliança. A resposta ao Deus que fala é a fé, que consiste em acolher a sua Palavra
como evento salvífico. “…é precisamente a pregação da Palavra divina que
faz surgir a fé, pela qual aderimos de coração à verdade que nos foi revelada e
entregamos todo o nosso ser a Cristo: ‘A fé vem da pregação e a pregação pela
palavra de Cristo’ (Rm 10, 17). Toda a história da salvação nos mostra progressivamente esta ligação íntima entre a Palavra de Deus e a fé que se realiza no encontro com Cristo” (n. 25).
O pecado consiste na não-escuta da Palavra de Deus: “Um fechar-se a
Deus que chama à comunhão com Ele” (n. 26).
A segunda parte tem, como título, A Palavra na Igreja (Verbum in Ecclesia).
A Igreja é a Casa da Palavra. De um lado, porque o autor humano da
Sagrada Escritura é o Povo de Deus. De outro lado, porque Cristo confiou
a guarda de sua Palavra não a um indivíduo particular, mas à Igreja. A Igreja é, pois, o lugar originário da interpretação da Palavra. Ela interpreta oficialmente a Palavra. A Palavra de Deus é norma de fé para a Igreja e, ao mesmo tempo, sua vida. Graças à Palavra de Deus e à ação sacramental, Cristo se
torna, na vida da Igreja, contemporâneo dos homens (cf. n. 51).
A Exortação Apostólica Pós-Sinodal afirma que a liturgia é o lugar privilegiado para o anúncio da Palavra. Isto é fácil de ser compreendido. A liturgia,
afirma o Vaticano II, é a fonte e o cume de toda a vida eclesial. O anúncio da
Palavra, feito neste contexto e como componente da ação litúrgica, é a principal forma de anúncio. Ainda mais, a Palavra de Deus deve sempre ser acolhida num contexto de oração. Na liturgia, temos a Igreja em estado de oração.
Para compreendermos a liturgia como lugar privilegiado para o anúncio
da Palavra, basta recordar que os eventos salvíficos anunciados pela Palavra
tornam-se realidade na liturgia. Nesta, a eficácia da Palavra se une à eficácia
dos sacramentos. Finalmente, a liturgia eucarística expressa a própria finalidade da Palavra de Deus. Deus fala na Sagrada Escritura, afirma a carta Pós-
12
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
Dom Benedito Beni dos Santos
-Sinodal, para reunir o seu povo, alimentá-lo com sua vida e recebê-lo na sua
comunhão.
A carta Pós-Sinodal, fazendo eco à voz do Sínodo, recorda a importância
do atual Lecionário. Este apresenta os textos mais importantes da Sagrada
Escritura. Existe uma correlação entre os textos do Antigo e Novo Testamento, tendo, como eixo, Cristo e seu mistério pascal. Para se descobrir essa correlação, é necessário considerar a unidade intrínseca de toda a Bíblia (cf. n.
57). O valor do atual Lecionário é reconhecido por diversas confissões cristãs
que o utilizam. O Lecionário tem, pois, um significado ecumênico (cf. n. 57).
Após a proclamação da Palavra, segue-se a homilia. Existem três modalidades de anúncio da Palavra: o querigma, a catequese e a homilia.
O querigma é o anúncio da Palavra feita àqueles que ainda não creem em
Cristo e que deve ser repetido sempre àqueles que creem. É semelhante à proclamação da Boa-Nova feita pelo arauto. Foi o que fez Pedro no dia de Pentecostes. Diz o livro dos Atos que Pedro “de pé”, isto é, em atitude de coragem,
tendo os Onze ao seu lado, ergueu a voz e disse: “Homens da Judeia e vós
todos habitantes de Jerusalém, ouvi o que vos tenho a dizer…” (At 2, 14). A
seguir anuncia, com convicção e coragem, a morte e a ressurreição de Cristo
pela nossa salvação. Proclama que, em nenhum outro nome, existe salvação.
O querigma não é, pois, um anúncio decorado e feito mecanicamente. É o
anúncio acompanhado do testemunho daquele que teve a sua vida transformada pelo evento que está anunciando.
A resposta ao querigma é a conversão, que consiste em renunciar ao pecado e entregar a própria vida a Cristo. Esta conversão é expressa publicamente
no Batismo, sacramento pelo qual a pessoa ingressa na Igreja — comunidade
dos discípulos de Cristo. Na Igreja, o discípulo prepara-se para tornar-se missionário. A finalidade do discipulado é a missão.
A segunda modalidade de anúncio da Palavra é a catequese: visão metódica da história da salvação e da doutrina da Igreja. O fundamento da catequese é o querigma.
A terceira modalidade é a homilia. Esta tem dois pressupostos. O primeiro é a unidade interior de toda a Sagrada Escritura (exegese canônica). E o
segundo é a natureza da Palavra de Deus. A “dabar” é diferente da “logos”
grego, simples comunicação do pensamento. A “dabar” é uma palavra —
ação. Deus age pela sua Palavra. Salva pela sua Palavra. “Com efeito, na história da salvação, não há separação entre o que Deus diz e faz; a sua própria
Palavra apresenta-se como viva e eficaz (cf. Hb 4, 12), como, aliás, indica o
significado do termo hebraico dabar” (n. 53).
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
13
Verbum Domini
A homilia tem, como finalidade, introduzir a comunidade litúrgica no mistério que está sendo celebrado. Deve revelar o sentido cristológico da Palavra
anunciada. Relacioná-la com a Eucaristia e à vida dos fiéis. Deve ter um tom
coloquial e familiar.
A Verbum Domini recorda a importância pastoral da homilia. Ela envolve todas as pessoas presentes: crianças, adolescentes, jovens, adultos, idosos,
homens e mulheres. Às vezes, é o único acesso que as pessoas tem à Palavra
de Deus.
Oportunamente, a Verbum Domini recorda a importância do silêncio litúrgico e a necessidade “de educar o Povo de Deus para o valor do silêncio”
(n. 66). Acrescenta: “O silêncio, quando previsto, deve ser considerado como
parte da celebração” (n. 66). Vivemos num tempo barulhento, que não favorece o recolhimento. “…fica-se com a impressão de ter medo de se separar, por
um momento, dos instrumentos de comunicação de massa” (n. 66).
Talvez valha a pena recordar, a propósito, as palavras de Dietrich Bonhoeffer: “Façamos silêncio, antes de ouvir a Palavra, para que os nossos pensamentos já se dirijam à Palavra. Façamos silêncio, depois da escuta da Palavra, porque ela continua a falar-nos, a viver e permanecer em nós. Façamos
silêncio logo de manhã cedo, porque Deus deve receber a primeira palavra.
Façamos silêncio antes de nos deitarmos, porque a última palavra pertence a
Deus. Façamos silêncio só por amor à Palavra”.
O silêncio articulado com a escuta da Palavra nos ajuda a compreender
a importância da lectio divina recomendada pela Verbum Domini. A leitura
orante está de acordo com a natureza dialógica da revelação divina. O Papa
cita as palavras de Santo Agostinho: “Quando lês, é Deus que te fala; quando
rezas, és tu que falas a Deus” (n. 8). O esquema para a leitura orante, proposto pela Verbum Domini, se inspira na própria liturgia da Palavra; lectio, meditatio, oratio et actio. Cada um desses passos corresponde a uma pergunta: a)
o que diz o texto bíblico em si? (lectio); b) que nos diz o texto bíblico? (meditatio); c) que dizemos ao Senhor em resposta à sua Palavra? (oratio). À oratio segue-se a contemplatio: olhar a realidade e perguntar: qual a conversão
da mente, do coração e da vida que o Senhor pede; d) actio: doação aos outros
na caridade (cf. n. 87).
No n. 73, a Verbum Domini, de modo rápido e insistente, trata da animação bíblica de toda a pastoral, incluindo movimentos, novas comunidades
e pequenas comunidades. Todas as pastorais precisam promover o conhecimento da Sagrada Escritura e a leitura orante. As atividades das pastorais
precisam ser iluminadas pela Palavra de Deus. Assim, as práticas pastorais
14
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
Dom Benedito Beni dos Santos
serão envolvidas pela espiritualidade. Além disso, a Sagrada Escritura precisa possuir uma centralidade nos eventos eclesiais: congressos eucarísticos,
concentrações, procissões, etc.
A terceira parte tem, como título, A Palavra para o Mundo (Verbum Mundo).
Afirma o Profeta Isaías que a Palavra sai de Deus, opera no mundo e volta para Deus. Ela é semelhante à chuva que cai e irriga a terra. A Palavra de
Deus “não volta sem ter produzido o seu efeito, sem ter executado a minha
vontade e cumprido sua missão” (Is 55, 10-11). Esta Palavra é Jesus Cristo.
No quarto Evangelho, ele afirma: “Saí do Pai e vim ao mundo. Agora, deixo o
mundo e volto ao Pai” (Jo 13, 3; 16, 28; 17, 8-10).
Ele volta ao Pai, mas a sua missão é continuada pela comunidade de seus
discípulos: a Igreja. A propósito, observa a Verbum Domini: “Por isso, na sua
essência a Igreja é missionária. Não podemos guardar para nós as palavras de
vida eterna que recebemos no encontro com Jesus Cristo: são para todos, para
cada homem” (n. 91).
A missão não é uma super-estrutura acrescentada à vida e à cultura de um
povo. Ela é resposta a uma busca. Afirma a Verbum Domini: “Cada pessoa do
nosso tempo, quer o saiba quer não, tem necessidade deste anúncio” (n. 91).
Sujeitos deste anúncio são todos aqueles que, pelo batismo, se tornaram
discípulos de Jesus Cristo, pois a finalidade do discipulado é a missão (cf. n.
94). Todo o Povo de Deus é um povo enviado (cf. ibid).
O destinatário da missão não são apenas os indivíduos, mas o mundo
humano, ou seja, o mundo construído pelo ser humano: a família, o trabalho,
a política, a economia, etc. A evangelização não pode separar os indivíduos
do povo a que pertencem. Nem pode separar o povo de sua cultura: os hábitos
sociais, as leis, o modo de organizar a sociedade, o conhecimento socializado.
Por meio do anúncio, a Palavra de Deus penetra no mundo. A Verbum Domini sublinha o papel importante do anúncio da Palavra de Deus para a promoção da justiça (cf. n. 100), da reconciliação (cf. n. 102), da defesa da criação etc. (cf. n. 108). O anúncio deve, porém, ser acompanhado do testemunho para que tenha credibilidade. O contratestemunho daquele que anuncia,
da comunidade, da Igreja, coloca obstáculos à eficácia da Palavra. “…aqueles que encontram testemunhas credíveis do Evangelho são levados a constatar a eficácia da Palavra de Deus naqueles que a acolhem” (n. 97). Podemos,
a propósito, recordar a observação de Nietzsche: “Se a boa nova de vossa
Bíblia fosse também escrita no vosso rosto, não teríeis necessidade de insistir, de modo tão obstinado, para que se creia na autoridade desse livro: as vos
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
15
Verbum Domini
sas obras deveriam tornar quase supérflua a Bíblia, porque vós mesmos deveríeis ser a própria Bíblia”.
A conclusão da Verbum Domini insiste na necessidade de familiaridade
com a Bíblia e apresenta um resumo das idéias principais do documento.
16
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
María, un corazón
dócil ante la palabra de
Dios:
modelo esplendoroso de la
contemplación
(Lc 2, 41-52)
Pe. Santiago Ignacio Morazzani Arráiz, EP 1
Introducción
Los relatos de la infancia refieren importantes tópicos de carácter teológico que, en relación a Jesús, el Mesías, el evangelista Lucas deseó poner de
relieve a través de su obra.
Como se podrá analizar en estas páginas, según la opinión de diversos
autores, la narrativa centrada en los capítulos 1-2 de su evangelio — denominados por algunos como “evangelios de la infancia” — corresponde a un
auténtico prólogo, obertura o micro evangelio de toda su exposición teológica, incluyendo los Hechos de los Apóstoles.
En este marco doctrinal, el evento de la Pascua, clave en la obra lucana,
adquiere consistencia y credibilidad, gracias a la narración de importantes
acontecimientos de la infancia de Jesús. Efectivamente, desde la perspectiva lucana, la persona de Jesús no pertenece al ámbito de las figuras míticas o
legendarias, sino que por el contrario, corresponde al verdadero y auténtico
Hijo de Dios, el Mesías, que quiso compartir la naturaleza humana para redimir a su pueblo y a todas las naciones, en un plan salvífico proyectado por
Dios desde toda la eternidad y vivificado en la esperanza a través de siglos
por voz de los profetas.
En esta perspectiva de pleno cumplimiento de las profecías, cúspide de la
historia humana, Lucas, como afirma De Fiores “convierte a María en figura
central de los relatos de la infancia. El ángel la saluda. Dios la ama, es alabada por Isabel, bendecida por Simeón, santificada por todas las generaciones.
1) O autor é sacerdote, membro dos Arautos do Evangelho, Conselheiro Geral da Sociedade Clerical
de Vida Apostólica Virgo Flos Carmeli e Reitor da Casa de Formação Thabor (Seminário Menor dos
Arautos do Evangelho). É especialista em Teologia Tomista pelo Centro Universitário Ítalo-Brasileiro
(UNIÍTALO), Mestre em Teologia com ênfase em Bíblica, pela Universidad Pontificia Bolivariana
(UPB, Medellín - Colômbia), e doutorando em Teologia pela mesma universidade. Também é licenciado
em Humanidades, pela Universidad Pontificia Madre y Maestra (PUCMM, República Dominicana).
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
17
María, un corazón dócil ante la palabra de Dios
Ella es interpelada directamente mientras que refleja, responde, actúa e interpreta en silencio o en el canto el plan de Dios”. 2
Pues en realidad, la visión que nos presenta el tercer evangelista, muestra
que la entrada del Mesías en la historia, tiene un punto de partida: María, la
criatura “llena de gracia”, la virgen fiel que haciendo la voluntad de Dios, responde con un sí amoroso y obediente a su llamada, recibiendo una maternidad mesiánica y sobrenatural, sellada con su libre y voluntario: “He aquí la
esclava del Señor, hágase en mí según tu palabra” (Lc 1, 38). Así, María es
presentada como un modelo esplendoroso de sabiduría que atiende el llamado
de Dios, lo acepta y es plenamente fiel.
El presente trabajo, toma la perícopa (Lc 2, 41-52) — parte integrante de
Lc 1-2 — que narra el episodio de la pérdida y hallazgo de Jesús en el Templo. En el contexto histórico del pueblo de Israel, ese acontecimiento tiene su
origen en circunstancias comunes: se trata de la obligación que todo israelita tenía de tomar parte en las festividades religiosas de la capital, a partir de
cierta edad:
A los trece años, el joven hebreo es considerado bar mitzva, “hijo del mandamiento”, sometido a los preceptos de la Ley, uno de los cuales consiste en
subir a Jerusalén para las tres fiestas de peregrinación: Pascua, Pentecostés
y Tiendas (Ex 23, 14-17; 34, 18-23; Dt 16, 1-17), siendo habitual que el joven
israelita se anticipe un año a tal obligación 3 (traducción personal).
Esta pieza de doce versículos (Lc 2, 41-52) corresponde a la conclusión de
los relatos de la infancia lucanos, motivo de encontradas opiniones a propósito de su origen. Para algunos, fue una composición añadida, para otros un
conjunto original de la obra. Con todo, es opinión unánime que la obra plantea numerosos aspectos teológicos, algunos de los cuales serán aquí estudiados.
En el capítulo I de este trabajo se presentará la referida perícopa, a la que se
aplicarán algunos métodos histórico-críticos.
2) DE FIORES, Stefano. María, madre de Jesús: síntesis histórico-salvífica. Salamanca: Secretariado
Trinitario, 2002. p. 108.
3) MEYNET, Roland. Il Vangelo secondo Luca, Analisi retorica, 2a. ed. Bologna: Dehoniane Bologna,
2003. p. 130. “A tredici anni, il giovane ebreo diventa bar mitzva, “figlio del comandamento”,
sottomesso ai precetti della Legge, fra cui quello di salire a Gerusalemme per le tre feste di
pellegrinaggio, Pasqua, Pentecoste e Capanne (Es 23, 14-17; 34, 18-23; Dt 16, 1-17); è abituale che il
giovane israelita anticipi di un anno il comandamento”.
18
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
Pe. Santiago Ignacio Morazzani Arráiz, EP
Primeramente, con el objetivo de asegurar el texto de estudio, se utilizará la crítica textual, siendo analizadas las variantes más destacadas. Una segmentación del texto servirá para visualizar su articulación y la correlación de
sus elementos, siendo realizada al mismo tiempo una traducción literal y luego una de carácter dinámico.
Por medio de la crítica literaria, se analizarán algunas características de los
capítulos 1-2 y sus respectivos niveles estructurales para establecer — a través de una delimitación — el lugar que ocupa, la perícopa 2, 41-52. De éste
último texto se analizarán algunos posibles esquemas de estructuración.
El capítulo I concluye con una descripción de las intenciones que posiblemente movieron a Lucas a redactar su “evangelio de la infancia”. Transcurridos casi dos mil años, éste continúa siendo motivo de estudios en el ámbito de
la teología bíblica.
En el capítulo II, se presentará un análisis de las fuentes utilizadas por
Lucas, ya sean éstas orales o escritas, y su correlación con la obra mateana,
el otro evangelio que también narra algunos episodios de la infancia de Jesús.
Dada la importancia que algunos autores asignan a los estribillos paralelos Lc 2, 19. 52:
19 “María conservaba todas estas palabras y las meditaba en su corazón.”
52 “Y su madre conservaba todas estas palabras en su corazón.”
Se realizará un análisis semántico para determinar sus sentidos dentro del
contexto bíblico, sobre la base de la versión de los LXX y el texto masorético.
El trabajo concluye con algunas consideraciones teológicas y hermenéuticas que, desde la mariología bíblica, se consideran útiles para los presentes
días.
En efecto, estamos inmersos en un mundo saturado de pragmatismo, lo
que, en palabras de Pagola, significa vivir en una “cultura de la ‘intrascendencia’ que ata a la persona al ‘aquí’ y al ‘ahora’ haciéndole vivir sólo para lo
inmediato, sin necesidad de abrirse al misterio de la transcendencia”. 4 Para el
citado autor, expresado en otros términos:
Es una cultura del “divertimiento” que arranca a la persona de sí misma
haciéndole vivir en el olvido de las grandes cuestiones que lleva en su corazón el ser humano. En contra de la máxima agustiniana. ‘No salgas de ti
4) PAGOLA, José Antonio. Silencio y escucha frente a la cultura del ruido y la superficialidad. [En línea] <Disponible en: http://www.conocereisdeverdad.org/website/index.php?id=2522 [Consulta: 11
Jul., 2010].
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
19
María, un corazón dócil ante la palabra de Dios
mismo; en tu interior habita la verdad’, el ideal más generalizado es vivir
fuera de uno mismo. 5
Frente a esta realidad, es posible que muchos evangelizadores sinceros, inconscientemente, sean llevados a creer que los éxitos de sus obras de
evangelización deben ser explorados, sobre todo, en factores de orden natural, como serían cualidades humanas, una eximia organización o el uso de
medios tecnológicos. Esta vía apostólica, contaminada por la aludida “cultura
de la intrascendencia”, inevitablemente por su propio dinamismo lleva a relegar la vida interior, el recogimiento y la meditación a un plano secundario:
Los que tanto hablamos de Dios, ¿cuándo y cómo buscamos realmente al
que está detrás de esta palabra? ¿Cuándo hablan los teólogos desde su propia experiencia interior?, ¿cuándo gozan y padecen la presencia de Dios en
sus vidas? ¿Cómo puede la Jerarquía pronunciar tantas veces el nombre de
Dios sin que nada “decisivo” suceda en sus vidas? ¿Cómo se pueden escribir y leer tantas obras de espiritualidad sin que el Espíritu haga arder más
nuestros corazones? ¿No nos estamos convirtiendo en ciegos que pretenden guiar a otros ciegos, sordos que pretenden hacer oír la Palabra de Dios
a otros sordos? 6
Es en este contexto, de tendencias hacia lo episódico y de vacío sobrenatural, donde la disposición de intenso espíritu contemplativo de María, la madre
de Jesús, se presenta como el modelo en la fe donde el discípulo del siglo XXI
puede encontrar las consignas perennes, que lo lleven a purificar y alimentar
su corazón, como una vía recta, segura y ascensional, para unir su voluntad a
la de Dios. 7 Efectivamente como nos enseñó el Bienaventurado Juan Pablo II:
María era la primera en la peregrinación de la fe, era la más iluminada,
pero también la más sometida a la prueba en la aceptación del misterio. A
ella le tocaba aceptar el plan divino, adorado y meditado en el silencio de
su corazón. De hecho, Lucas añade: “Su madre conservaba cuidadosamente
todas las cosas en su corazón” (Lc 2, 51). (…) Aquí se escucha el eco de las
5) Ibid.
6) Ibid.
7) MARTINI, Carlo Maria. Una libertad que se entrega. En Meditación con María. Santander: Sal Terrae,
1996. p. 120. Esta verdad de la espiritualidad católica, fue expuesta por Carlo Maria Martini, clausurando un retiro espiritual dirigido a un numeroso grupo de pastores. El entonces Cardenal de Milán, así sintetizó sus consideraciones exegéticas leyendo Lc 2, 19.51: “Por eso el obispo, en nombre de la Iglesia,
está llamado a ejercitarse, con María y como María, en la meditación; esta es parte de su ministerio, y a
ella debe consagrar tiempos largos y silenciosos, tiempos de oración y escucha”.
20
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
Pe. Santiago Ignacio Morazzani Arráiz, EP
confidencias de María; podríamos decir, de su “revelación” a Lucas y a la
Iglesia primitiva, de la que nos ha llegado el “evangelio de la infancia y de
la niñez de Jesús”, que María había tratado de entender, y sobre todo había
creído y meditado en su corazón. Para María la participación en el misterio no consistía sólo en una aceptación y conservación pasiva. Ella realizaba un esfuerzo personal: “meditaba”, verbo que en el original griego (symbállein) significa al pie de la letra juntar, confrontar. María intentaba captar
las conexiones de los acontecimientos y de las palabras para aferrar, en la
medida de sus posibilidades, su significado. 8
1. Crítica textual
En esta primera etapa, con el propósito de identificar posibles variantes textuales en Lc 2, 41-52, presentes en los diversos manuscritos, y de este modo
asegurar el texto de estudio, se utilizará la versión de la 4ª edición de The
Greek New Testament (GNT) 9 y Sinopsis Quattuor Evangeliorum (SQE). 10
Esta última obra ofrece un elenco de abundantes variantes textuales, sean de
orden verbal, omisiones o adiciones de ciertas expresiones. Por su parte, GNT
considera solamente las variantes más importantes para efectos de traducción, y tan sólo especifica las segmentaciones en subparágrafos del referido
texto, impresas en las principales ediciones bíblicas.
Finalmente, de gran utilidad para la verificación del pasaje 2,51b ha significado la investigación desde el Codex Sinaiticus disponible en línea. 11
1.1. Algunas variantes textuales
1.1.1. Versículo 41
Kai. evporeu,onto oi` gonei/j auvtou/ katV e;toj eivj VIerousalh.m th/| e`orth/| tou/
pa,sca
Iban sus padres cada año a Jerusalén por la fiesta de la Pascua.
8) JUAN PABLO II, Audiencia General. 4 de julio de 1990. In: Creo en el Espíritu Santo. 6a. ed. Madrid:
Palabra, 2006. p. 221-224.
9) ALAND, Barbara, et al. The Greek New Testament edited in cooperation with the Institute for New Testament Textual Research, Münster/Westphalia. 4th rev. ed. Stuttgart: Deutsche Bibelgesellschaft: United Bible Societies, 1994. p. 202-204 y 205.
10) ALAND, Kurt. Synopsis Quattuor Evangeliorum. Locis parallelis evangeliorum apocryphorum et patrum adhibitis edidit. Stuttgart: Deutsche Bibelgesellschaft, 1985. p. 18.
11) THE CODEX Sinaiticus Project. [En línea] <Disponible en: http://www.codexsinaiticus.org/en/>
[Consulta: 3 Sept., 2009].
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
21
María, un corazón dócil ante la palabra de Dios
En este versículo, (SQE) muestra que la variante admitida en el texto aprobado: oi` gonei/j auvtou (sus padres) es reemplazada en el minúsculo 1012
(S.XI) — ubicado en Athos Iviron —, algunos pocos manuscritos y la mayoría de los de la Vetus Latina, por “o[ te VIwsh.f kai. h` Maria,(m)”, 12 según
Fitzmyer se trata de una armonización de algún copista. 13 Los testigos en
favor de oi` gonei/j auvtou no son indicados. En consecuencia, se afirma que
esta lección se encuentra en los más importantes y confiables testimonios.
1.1.2. Versículo 42
kai. o[te evge,neto evtw/n dw,deka( avnabaino,ntwn auvtw/n kata. to. e;qoj th/j e`orth/j
Y cuando tuvo doce año, habiendo subido ellos según la costumbre de la
fiesta.
En este versículo, SQE acusa que los códices (A) Alexandrinus (S. IX),
(C) Ephraemi Syri rescriptus (S. V) — cuya lectura es la más probable pues
se hace imposible su verificación —, el (Θ) Coridethianus (S. IX), el (Y)
Athous Laurensis (S. VIII/IX), las familias de minúsculos (f.) 1 (S. XII) y
13 (S. XIII), los minúsculos 33 (S. IX), 892 (S. IX), 1006 (S. XI), 1342 (S.
XIII/XIV), 1506 (año 1320), el texto mayoritario (S. IV), la Vulgata y algunos
de la Vetus Latina, la traducción Siríaca Heracleana (Año 616) y el Códice
Boháirico — con una ligera diferencia — (S. III en adelante), acrecientan
la expresión: eij VIeroso,luma (a Jerusalén) después de avnabaino,ntwn auvtw/n
(habiendo subido ellos).
En sentido contrario, se citan los testigos que hablan en favor de la versión
aprobada. Se trata de los códices ( a ) Sinaiticus (S. IV), (B) Vaticanus
(S.IV), (D) Bezae Cantabrigiensis (S.V), (L) Paris – conocido como Regius
– (S.VIII), (W) Washington (S.IV/V) (Freerianus), el minúsculo 579 ubicado
en Paris: Bibliothèque Nationale (S. XIII); pocos manuscritos, aparte de
aquellos explícitamente mencionados para la lectura que difieren del texto
mayoritario; las versiones antiguas en latín: manuscrito b (S. VII) ubicado
en St. Paul (Kärten); los antiguos siríacos tales como el codex Sinaiticus
Syriacus (S.III/IV); el Peshitta (1ª mitad S. V) y todas las versiones coptas
(S. III en adelante).
12) ALAND, Op. Cit., p. 18 (SQE transcribe sin acentos).
13) FITZMYER, Joseph. El Evangelio según Lucas T. II. Madrid: Cristiandad, 1987. p. 278. Comenta:
“los manuscritos c y ff2 de la VL traducen: Joseph et Maria mater eius («José y María, su madre»). Se
trata obviamente de la corrección de algún copista que quiso armonizar el texto con la idea de la concepción virginal de la que se habla en Lc 1,34-35”.
22
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
Pe. Santiago Ignacio Morazzani Arráiz, EP
Argumenta a favor de esta decisión variante, comenta Bovon: “Por lo que
se refiere a la crítica textual, conviene no mantener “Jerusalén” en el V. 42, ya
que el nombre se encuentra en los V. 41.43”. 14
1.1.3. Versículo 43
kai. teleiwsa,ntwn ta.j h`me,raj( evn tw/| u`postre,fein auvtou.j u`pe,meinen VIhsou/j
o` pai/j evn VIerousalh,m( kai. ouvk e;gnwsan oi` gonei/j auvtou
Y habiendo acabado los días, al volver ellos, se quedó el niño Jesús en Jerusalén, sin que lo supiesen los padres.
En el V. 43, continuando con el aparato crítico de SQE, nuevamente se
observa que la oración e;gnwsan oi` gonei/j auvtou/ (que lo supiesen sus padres)
cuyo verbo ginw,skw está conjugado en indicativo aoristo activo 3ra persona plural, se reemplaza por el indicativo aoristo, activo en 3ra persona singular e;gnw VIwshf kai. h` mh,thr (supiese José y la madre) en los unciales
(A) Alexandrinus (S.IX), (C) Ephraemi Syri rescriptus (S. V); (Y) Athous
Laurensis (S. VIII/IX), las familias de minúsculos 13 (S.XIII), los minúsculos 892 con ligera diferencia (S.IX), 1006 (S.XI), 1342 (S.XIII/XIV), 1506
(año 1320), el texto mayoritario (S.IV), la traducción de los manuscritos de la
Vetus Latina, la versión siríaca llamada Peshitta (1era mitad del S.V) y parte
de la versión Copta Boháirica (desde el S. III).
Sin embargo, a favor del texto aprobado dan testimonio los unciales ( a )
Sinaiticus (S. IV) y (B) Vaticanus (S.IV), (D) Bezae Cantabrigiensis (S.V), (L)
Regius (S.VIII), (W) Washington (S.IV/V) (Freerianus) y (Θ) Coridethianus
(S. IX). La familia de minúsculos (f.) 1 (S.XII); los minúsculos 33 (S.IX),
205 (S.XV) y 579 – ubicado en Paris Bibliothèque Nationale – (S. XIII), los
minúsculos 700 con ligeras diferencias y 788 (S. XI), pocos otros manuscritos, la Vulgata y parte de la Vetus Latina, la versión Siríaca Sinaítica (S.III/
IV) y la lectura al margen en la versión siríaca heracleana (S. III/IV), el
manuscrito Sahídico (S. III en adelante) y una parte de los manuscritos de la
versión Copta Bohaírica (S. III en adelante).
Sobre esta última variante, con rasgos de similitud a la señalada en v. 41,
Muñoz Iglesias comenta que son las únicas de importancia en todo el pasaje
14) BOVON, François. El Evangelio según san Lucas. Salamanca: Sígueme, 2005. p. 226. Tomo I.
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
23
María, un corazón dócil ante la palabra de Dios
2, 41-52 “no por su valor textual que es nulo, sino por la intención subyacente,
son las que afectan a la paternidad de José con respecto a Jesús”. 15
1.1.4. Versículo 51
Finalmente, una variante valiosa para efectos del presente trabajo es la que
figura en el v. 51:
kai. kate,bh metV auvtw/n kai. h=lqen eivj Nazare,q kai. h=n u`potasso,menoj auvtoi/jÅ
kai. h` mh,thr auvtou/ dieth,rei pa,nta ta. r`h,mata evn th/| kardi,a| auvth/j
Y bajó junto a ellos y fue a Nazaret, y vivía sometido a ellos. Y su madre
guardaba todas las palabras en su corazón.
En el v. 51b la oración: kai. h` mh,thr auvtou/ dieth,rei pa,nta ta. r`h,mata evn
th/| kardi,a| auvth/j (Y su madre guardaba todas las palabras en su corazón).
El aparato crítico de (SQE) muestra que la lección pa,nta ta. r`h,mata (todas
las palabras), aprobada en su edición, es testimoniada por los unciales ( a )
Sinaiticus (S. IV), en su versión de primera mano, (B) Vaticanus (S. IV) y
(W) (S. IV/V) (Freerianus), el minúsculo 205 (S. XV), pocos códices de los
evangelios, el códice Sinaítico Siríaco (S. III/IV) y la versión Peshitta (1era
mitad del S. V)
Con base en estos testimonios se puede concluir que los miembros del
comité y autores de Synopsis Quattuor Evangeliorum y The Greek New
Testament han dado preferencia, en materia de crítica externa, a los factores de antigüedad y confiabilidad de los manuscritos. En efecto, se está ante
los códices ( a y B) que pertenecen a la familia alejandrina, “cuya bondad
no puede negarse, como base de la comparación con los demás textos”. 16 Y
(W) que si bien es mixto, en sus pasajes lucanos aquí analizados, hace parte de la misma familia mencionada. Además, el factor de la independencia
geográfica – importante para el establecimiento del texto original – queda asegurado por el minúsculo 205 de influencia bizantina y los dos siríacos (Códice Sinaítico y la versión Peshitta), empero, sean mucho más numerosos los textos que adicionan a pa,nta ta. r`h,mata el adjetivo demostrativo
neutro plural tau/ta (estas).
15) MUÑOZ IGLESIAS, Salvador. Los Evangelios de la Infancia. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1987. p. 217. Tomo III.
16) BOVER, José María y O’CALLAGHAN, José. Nuevo Testamento Trilingüe. Madrid: Biblioteca de
Autores Cristianos, 2005. p. XLVII.
24
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
Pe. Santiago Ignacio Morazzani Arráiz, EP
Se infiere en esta última variante la influencia del pasaje paralelo Lc 2, 19:
h` de. Maria.m pa,nta suneth,rei ta. r`h,mata tau/ta sumba,llousa evn th/| kardi,a|
auvth/j
María conservaba todas estas palabras meditándolas en su corazón.
Por tal motivo, aplicando los criterios de crítica interna, tau/ta (estas),
adicionada en el v. 51b, sería obra de los copistas, y en consecuencia, un
motivo para descartarla. Dan testimonio de esta variante desechada – según
apunta SQE – los unciales (C) Ephraemi Syri rescriptus (S. V), (L) Regius
(S.VIII), (Y) Athous Laurensis (S. VIII/IX) y (Θ) Coridethianus (S. IX). Las
familias de los minúsculos 1 (S. XII) y 13 (S. XIII), los minúsculos 33 (S.
IX), 892 (S. XI), 1006 (S. XI), 1342 con ligeras diferencias (S. XIII/XIV),
1506 (Año 1320), el texto mayoritario (S. IV), la Vulgata y parte de los
manuscritos de la Vetus Latina, las versiones siríacas Curetoniana (S. IIII/
IV) y Heracleana (S. III/IV).
Es digno de nota, como observa Kurt Aland en su SQE, que con esta
variante textual descartada, también figura en el uncial ( a ) Sinaiticus (S.
IV), pero con una corrección de segunda mano que incluye el participio presente, activo, nominativo, femenino, singular sumba,llousa (meditando, pensando) de Lc 2, 19. Confiriendo en el propio texto del Codex Sinaiticus, se
verifica que, al parecer, la mencionada corrección habría salido de mano
del escriba original por medio de una flecha en sentido ascendente apuntando hacia Lc 2, 19, según se puede observar en el screen obtenido del Codex
Sinaiticus en Lc 2,51. 17
17) THE CODEX Sinaiticus Project. [En línea] <Disponible en: http://www.codexsinaiticus.org/en/manuscript.aspx?=Submit%20Query&book=35&chapter=2&lid=en&side=r&verse=44&zoomSlider=0>
[Consulta: 15 Oct., 2009].
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
25
María, un corazón dócil ante la palabra de Dios
El texto encuadrado entre las líneas corresponde al v. 51b. Al interior del
óvalo queda patentizada la indicación del corrector por medio de la mencionada flecha ascendente para remitir al lector a Lc 2, 19.
Un análisis de las diferentes variantes observadas en Lc 2, 41-52, llevan a
la conclusión de que éstas no dificultan el sentido léxico y teológico del texto.
La perícopa no presenta “puntos críticos” y se puede afirmar que se está ante
la reconstrucción de un texto seguro.
A continuación se presenta la segmentación del texto acompañada de una
primera traducción literal, seguida de otra, conforme al criterio de equivalencia dinámica. 18
1.2. Segmentación del texto en griego – LC 1, 41-52 19
y primera traducción literal
41a Kai. evporeu,onto oi` gonei/j auvtou/ katV e;toj eivj VIerousalh.m th/| e`orth/|
tou/ pa,sca.
41a E iban sus padres todos los años hacia Jerusalén a la fiesta de la Pascua
42a kai. o[te evge,neto evtw/n dw,deka(
42a Y cuando tuvo de años doce,
42b avnabaino,ntwn auvtw/n kata. to. e;qoj th/j e`orth/j
42b habiendo subido ellos según la costumbre de la fiesta
18) EGGER, Wilhelm. Lecturas del Nuevo Testamento. Estella: Verbo Divino, 1990. p. 79. “El valor de
una traducción de equivalencia dinámica consiste en estar intensamente orientada al lector y a la recepción”.
19) Texto aprobado por The Greek New Testament y Synopsis Quattuor Evangeliorum.
26
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
Pe. Santiago Ignacio Morazzani Arráiz, EP
43a kai. teleiwsa,ntwn ta.j h`me,raj(
43a Y habiendo acabado los días, 43b evn tw/| u`postre,fein auvtou.j
43b en el volverse ellos
43c u`pe,meinen VIhsou/j o` pai/j evn VIerousalh,m(
43c se quedó Jesús el niño en Jerusalén,
43d kai. ouvk e;gnwsan oi` gonei/j auvtou/.
43d y sin que lo supiesen los padres de él.
44a nomi,santej de. auvto.n ei=nai evn th/| sunodi,a|
44a creyendo pues ellos que estaría en la caravana,
44b h=lqon h`me,raj o`do.n
44b anduvieron una jornada de camino,
44c kai. avnezh,toun auvto.n evn toi/j suggeneu/sin kai. toi/j gnwstoi/j(
44c y buscábanle entre los parientes y los conocidos;
45a kai. mh. eu`ro,ntej
45a y no hallándolo
45b u`pe,streyan eivj VIerousalh.m
45b volvieron a Jerusalén
45c avnazhtou/ntej auvto,n.
45c a la procura de él.
46a kai. evge,neto meta. h`me,raj trei/j eu-ron auvto.n evn tw/| i`erw/|
46a Y sucedió que después de días tres, encontráronlo en el Templo
46b kaqezo,menon evn me,sw| tw/n didaska,lwn
46b sentado en medio de los maestros,
46c kai. avkou,onta auvtw/n
46c y escuchándolos
46d kai. evperwtw/nta auvtou,j·
46d e interrogándolos.
47a evxi,stanto de. pa,ntej oi` avkou,ontej auvtou/ evpi. th/| sune,sei kai. tai/j
avpokri,sesin auvtou/.
47a (estaban) estupefactos pues todos los que oíanlo, por su inteligencia y
sus respuestas.
48a kai. ivdo,ntej auvto.n
48a Y al verle,
48b evxepla,ghsan(
48b quedaron impresionados,
48c kai. ei=pen pro.j auvto.n h` mh,thr auvtou/(
48c y dice a él la madre suya:
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
27
María, un corazón dócil ante la palabra de Dios
48d Te,knon( ti, evpoi,hsaj h`mi/n ou[twjÈ
48d «Hijo, ¿por qué nos has hecho esto?
48e ivdou. o` path,r sou kavgw. ovdunw,menoi evzhtou/me,n se.
48e Mira, el padre tuyo y yo, angustiados, buscábamoste.»
49a kai. ei=pen pro.j auvtou,j(
49a y dice a ellos:
49b Ti, o[ti evzhtei/te, meÈ
49b «¿por qué buscábaisme?
49c ouvk h;|deite o[ti evn toi/j tou/patro,j mou dei/ ei=nai me.
49c ¿No sabíais que en los asuntos del Padre mío es necesario que esté
yo?»
50a kai. auvtoi. ouv sunh/kan to. r`h/ma
50a Pero ellos no comprendieron la palabra
50b o] evla,lhsen auvtoi/j
50b que (él) díjoles.
51a kai. kate,bh metV auvtw/n
51a Y bajó junto a ellos
51b kai. h=lqen eivj Nazare,q
51b y fue a Nazaret,
51c kai. h=n u`potasso,menoj auvtoi/j.
51c y vivía sometido a ellos.
51d kai. h` mh,thr auvtou/ dieth,rei pa,nta ta. r`hm, ata evn th/| kardi,a| auvth/j.
51d y la madre de él conservaba todas las palabras en el corazón suyo.
52a Kai. VIhsou/j proe,kopten evn th/| sofi,a| kai. h`liki,a| kai. ca,riti para. qew/|
kai. avnqrw,poij.
52a Y Jesús crecía [en la] sabiduría, y estatura y en gracia ante
Dios y ante los hombres.
1.3. Traducción conforme al sentido del texto
41 Iban sus padres todos los años a Jerusalén para la fiesta de la Pascua.
42 Y cuando tuvo doce años, subieron según la costumbre de la fiesta,
43 Y habiendo acabado los días, al volver, se quedó el niño Jesús en Jerusalén, sin que lo advirtiesen sus padres.
44 Y creyendo que estaría en la caravana, anduvieron una jornada de
camino, buscándole entre parientes y conocidos;
45 y no hallándolo volvieron a Jerusalén en su búsqueda.
28
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
Pe. Santiago Ignacio Morazzani Arráiz, EP
46 Y sucedió que después de tres días, lo encontraron en el Templo sentado en medio de los maestros, escuchándolos e interrogándolos.
47 Estaban estupefactos todos los que lo oían, por su inteligencia y sus respuestas.
48 Y al verlo [sus padres], quedaron impresionados; y su madre le dijo:
«Hijo, ¿por qué nos has hecho esto? Mira, tu padre y yo, angustiados,
te buscábamos.»
49 Él les dijo: «¿por qué me buscabais? ¿No sabíais que es necesario que
yo esté en los asuntos de mi Padre?»
50 Pero ellos no comprendieron la palabra que les había dicho.
51 Y bajó junto a ellos y fue a Nazaret, y vivía sometido a ellos. Y su
madre conservaba todas las palabras en su corazón.
52 Y Jesús crecía en sabiduría, y estatura y en gracia ante Dios y ante los
hombres
1.3.1. Comentario a la traducción
Con excepción del v. 49c: ouvk 20 h;|deite 21 o[ti 22 evn 23 toi/j 24 tou/ 25 patro,j 26 mou 27
dei/ 28 ei=nai, 29 me 30 (¿No sabíais que es necesario que yo esté en las cosas de mi
20) NOLLI, Gianfranco. Evangelo secondo Luca. Città del Vaticano: Editrice Vaticana, 1993. p. 121. Explica que se trata de una negación objetiva que niega el hecho.
21) FRIBERG, Barbara y FRIBERG, Timothy. O Novo Testamento. Grego Analítico. Brasil: Vida Nova,
2007. p. 181. PABON DE URBINA, José Maria. Diccionario manual griego. Barcelona: Vox, 2000. p.
174. Verbo en indicativo, pluscuamperfecto, activo, segunda persona singular de la forma oi’/da: saber.
22) PABON DE URBINA, Op. Cit., p. 437. Conjunción coordinante: que. En estilo directo no se traduce
pues equivale a dos puntos.
23) NOLLI, Op. Cit., p. 122. Una de las diecisiete preposiciones propias del Nuevo Testamento, siendo la
más frecuente de todas (2713 veces) que, en dativo, siempre mantiene el significado fundamental “en”.
24) FRIBERG y FRIBERG, Op. Cit., p. 181. Corresponde al artículo definido, neutro, dativo, plural.
25) Ibid., p. 181. Corresponde al artículo definido, masculino, genitivo, singular.
26) PABON DE URBINA, Op. Cit., p. 462. Corresponde al sustantivo, masculino, genitivo singular de
path,r ¿patro,’j o.À cuyo significado es padre.
27) NOLLI, Op. Cit., p. 122. Pronombre genitivo de la primera persona singular de e`gw.
28) Ibid., p. 122. Verbo en indicativo presente activo, tercera persona singular. Es el tiempo de la realidad
y describe una acción que se está desenvolviendo, ahora, en este momento, con tendencia a durar hacia un futuro inmediato.
29) Ibid., p. 122. Verbo en infinitivo, presente activo de ei.mi,.
30) FRIBERG y FRIBERG, Op. Cit., p. 181. Pronombre acusativo, primera persona singular.
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
29
María, un corazón dócil ante la palabra de Dios
Padre?) este texto no ofrece mayores dificultades gramaticales para su traducción.
1.3.2. Las “cosas” o los “asuntos” del Padre
Según Bovon, 31 evn toi/j tou/ patro,j mou dei/ ei=nai me se trata de una antigua
crux interpretum pasible de tres interpretaciones: La primera, “en el terreno
de mi Padre”. La segunda, una vez que ta, (aquello) más el genitivo designa
por lo general “aquello que pertenece a” y que ei=nai me significa “estar en” se
puede traducir por “ocuparse de” o “ocuparme de los asuntos de mi Padre.” Y
la tercera sería “junto a su Padre” para diferenciarlo del padre terreno, José.
Por su parte, Carrol Stuhlmueller, 32 sostiene que evn toi/j tou/ patro,j
mou dei/ ei=nai me puede traducirse por “en los asuntos de mi Padre” ya
que esta traducción cuenta con el apoyo de la construcción griega en textos como Mt 16, 23, Jn 8, 29; 9, 4; 14, 31. No obstante, concluya el citado autor, “en la casa de mi Padre” está “de acuerdo con la situación inmediata y con la interpretación de numerosos Padres antiguos (cf. Gn 41, 51;
Est 7, 9). Esta interpretación encaja también con un rasgo importante del
evangelio de Lucas, cuyo momento culminante se alcanza en el templo de
Jerusalén, no sólo en el relato de la infancia (2, 22), sino también al final
(19, 45)”. 33
Para Muñoz Iglesias, la traducción “en la casa de mi Padre” propuesta por
los Padres de la Iglesia tendría su génesis “por influjo sin duda de la controversia antignóstica: Jesús se mostraría íntimamente relacionado con el Dios
del Antiguo Testamento al llamar casa de su padre al Templo de Jerusalén”. 34
Así, vemos que tanto “asuntos” como “casa” son traducciones legítimas.
Sea una u otra, el aspecto determinante es constituido por estas palabras que
corresponden a las primeras que Jesús pronuncia en el relato de Lucas. Por
medio de ellas, el evangelista pone en boca de Jesús la proclamación de que él
es Hijo de su Padre Dios.
En el presente trabajo se opta por la opinión de los estudiosos que siguen la
traducción “en los asuntos de mi Padre”, porque – dado el contexto en que se
31) BOVON, Op. Cit., p. 232.
32) STUHLMUELLER, Carrol. In Comentario Bíblico San Jerónimo. Dirigido por Brown, Raymond,
Fitzmyer, Joseph y Murphy, Roland. Madrid: Cristiandad, 1972. p. 322-323. Tomo III.
33) Ibid., p. 322.323.
34) MUÑOZ IGLESIAS, Op. Cit., p. 257.
30
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
Pe. Santiago Ignacio Morazzani Arráiz, EP
verifican los acontecimientos – expresa con más claridad la misión específica
de Jesús. Más aún, porque según observa Muñoz Iglesias, 35 la pregunta que
María dirigió a Jesús fue “por qué” había hecho tal cosa con ella y José, sin
la más mínima referencia a los aspectos locativos de la búsqueda infructuosa
de tres días. En otras palabras, a la pregunta: ¿Por qué nos dejaste o nos abandonaste? Jesús responde: Porque tenía que ocuparme de las cosas o los asuntos de Mi Padre.
1.3.3. El v. 48a y un detalle de traducción
Finalmente, corresponde formular una precisión en el v. 48a cuando se traduce: “Y al verlo [sus padres], quedaron impresionados”. Se pone entre [ ] la
expresión “sus padres” pues como bien repara Bovon, “a pesar del coro final
en el v. 47, el autor no corrigió el v. 48, de modo que los espectadores del v. 47
podrían seguir siendo el sujeto del v. 48”. 36
47 Estaban estupefactos todos los que lo oían, por su inteligencia y sus respuestas.
48a Y al verlo [sus padres], quedaron impresionados.
2. Estructura de Lucas 1-2
2.1. Una magistral “obertura” del tercer Evangelio y Hechos
Una de las peculiaridades de los capítulos 1-2 de Lucas – los Evangelios de
la Infancia – consiste en que las diversas unidades narrativas están claramente delimitadas. Tal particularidad, como observa Bovon, se debe a que ambos
capítulos “están organizados mediante determinaciones de lugar, tiempo,
personajes y acción”. 37 Es decir, se indican claves temporales y ambientales,
como además la presentación y la salida de los actores – según la expresión
de Laurentin – “en una suerte de acción dramática”. 38
35) Ibid., p. 257. Expone un detallado y erudito análisis de las diversas vertientes y sus respectivos seguidores.
36) BOVON, Op. Cit., p. 222.
37) Ibid., p. 72.
38) LAURENTIN, René. Structure et Théologie de Luc I-II. Paris : Lecofre J. Gabalda et Cie Éditeurs,
1964. p. 23.
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
31
María, un corazón dócil ante la palabra de Dios
Los exegetas son unánimes en destacar cómo “la composición de los elementos está perfectamente estructurada a base de escenas paralelas” 39 entre
los “anuncios” y los “nacimientos” de Jesús y de Juan Bautista. Este procedimiento literario – el paralelismo – según explica Perrot, estaba muy en boga
en el mundo helénico que rodeaba a Lucas y además había penetrado con
fuerza en la Palestina del siglo I. 40
Por otra parte, desde el punto de vista doctrinal, estamos ante textos
que incorporan importantes aspectos teológicos con una marcada nota de
síntesis:
Un auténtico “evangelio en miniatura” según observa Fabris. 41 O, “como
si fuera la obertura de toda la composición evangélica, el relato expone los
temas principales de la obra, que la orquesta se encargará de desarrollar a lo
largo de todo el evangelio y del libro de los hechos”. 42 En otras palabras, se
está ante una notable obra teológico-literaria, caracterizada por la unidad y
coherencia temática de comienzo a fin. Perrot los sintetiza en dos palabras:
“prólogo cristológico”. 43 Efectivamente, los evangelios de la infancia, según
este autor, “forman parte del conjunto de la obra”, agregando que “en Lucas
sólo hay un evangelio y no dos; no es posible separar del conjunto un ‘evangelio de la infancia’. En toda la obra nos encontramos con la misma mano, el
mismo estilo y los mismos temas”. 44
No obstante estemos ante un “prólogo cristológico”, una “magistral obertura” o un “evangelio en miniatura”, ciertos autores negaron la pertenencia de
estos dos capítulos a la obra lucana. Es el caso de Hans Conzelmann (19151989), quien en función de su teoría trifásica histórico-salvífica, opina que los
temas y la teología de Lc 1-2 no tendrían relación alguna con el conjunto de la
obra. Para este autor, la historia, entendida como una historia de la salvación,
comprende dos límites extremos: la creación y la parusía. Así, la historia trascurriría en un proceso dividido en tres épocas claves: tiempo de Israel, tiem-
39) FITZMYER, Joseph. El Evangelio según Lucas T. I. Madrid: Cristiandad, 1986. p. 271.
40) PERROT, Charles. Los relatos de la infancia de Jesús. Mt 1-2 –Lc 1-2. Estella: Verbo Divino, 1997.
p. 38.
41) FABRIS, Rinaldo. Os Evangelhos II. São Paulo: Loyola, 2006. p. 13. ”Fiel ao seu programa de oferecer ao leitor uma narração exaustiva e ordenada dos fatos sucedidos a Jesus remontando até as longínquas origens, Lucas antepõe ao evangelho público um evangelho em miniatura”.
42) Ibid., p. 272.
43) PERROT, Op. Cit., p. 34.
44) FABRIS, Op. Cit., p. 36.
32
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
Pe. Santiago Ignacio Morazzani Arráiz, EP
po de la actuación de Jesús y tiempo de la Iglesia. 45 Lucas habría presentado este “tiempo de la actuación de Jesús” como el centro de la historia, como
el tiempo de la salvación. 46 Dentro de esta perspectiva, donde la mencionada
actuación de Jesús es el fundamento de la historia, los relatos de la infancia
no tienen razón de ser.
Por otra parte, un punto no menos importante en la tesis del teólogo alemán, lo comenta Brown: “Según Conzelmann, el Juan Bautista lucano no fue
un precursor de Jesús, ni proclamó el Reino de Dios, ni supo nada de él; fue
el último de los profetas y perteneció al período de Israel (Lc 16,16)”. 47 Y renglón seguido el propio comentarista agrega: “Es evidente que en este esquema encaja bastante mal el relato de la infancia, pues en éste Juan Bautista forma parte de la buena nueva de salvación con que se da cumplimiento a lo que
dijeron los profetas (1, 19.70.76)”. 48
Brown, que califica la tesis de Conzelmann de “errónea” 49 – en concordancia con los autores arriba citados, que ven una clara pertenencia de los capítulos 1-2 al conjunto de la obra lucana – afirma:
El relato de la infancia puede considerarse como una verdadera introducción a algunos de los principales temas del evangelio propiamente dicho, y
ningún análisis de la teología debiera olvidarlo. Muchas son las relaciones
de Lc 1-2 con el resto del evangelio y las relaciones de Hch 1-2 con el resto de Hechos. 50
Para concluir, creemos pertinente el comentario que teje Fitzmyer a propósito de la obra elaborada por Conzelmann y otros autores que siguen sus
huellas:
(…) no es lo mismo «teología» lucana — en el sentido más literal del término — que «tesis» sobre la concepción teológica de Lucas. (…) Pues bien,
ahí es precisamente donde está el fallo fundamental de algunas monografías, como la de Conzelmann — especialmente con su engañoso títu45) CONZELMANN, Hans. El centro del tiempo: la teología de Lucas. Madrid: Fax, 1974. p. 32.
46) Ibid., p. 32. Este tiempo se verificaría en perícopas tales como Lc 4, 16-21 y Hch 10,38 caracterizados
por la actuación de Jesús, el anuncio de la palabra y las curaciones.
47) BROWN, Raymond E. El nacimiento del Mesías: comentario a los relatos de la infancia. Madrid:
Cristiandad, 1982. p. 246.
48) Ibid., p. 246.
49) BROWN, Op. Cit., p. 246.
50) Ibid., p. 246-247.
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
33
María, un corazón dócil ante la palabra de Dios
lo inglés The Theology of St. Luke — y la de J. C. O’Neill, The Theology
of Acts. Lo que ofrecen no es una síntesis del pensamiento de Lucas, sino
meras tesis o proposiciones sobre teología lucana; un verdadero desarrollo
de auténtica teología brilla totalmente por su ausencia. 51
2.2. Estructura Lc 1-2 y la perícopa 2, 41-52
Al momento de tomar contacto con el texto y analizar su trama literaria
observamos que el evangelista compuso la narrativa de estos dos capítulos
sobre la base de siete escenas-pivote de acuerdo con las ya mencionadas escenas paralelas de anuncios y nacimientos:
● Anuncio del nacimiento de Juan (Lc 1,5-25)
● Anuncio del nacimiento de Jesús Lc 1,26-38)
● Visitación de Maria a Isabel (Lc 1,39-56)
● Nacimiento de Juan (Lc 1,57-80)
● Nacimiento de Jesús (Lc 2,1-20)
● Presentación en el templo (Lc 2,21-40)
● Jesús en el templo a los doce años (Lc 2,41-52).
Frente a esta composición de paralelismos, son numerosos los autores
que han elaborado estudios a propósito de su integridad y cohesión literaria, pero como afirma Fitzmyer, “en cuanto a la formalización concreta de
la estructura, no se puede hablar, ni remotamente, de unanimidad”. 52 ¿Cuál
será el motivo?
Al concluir 2,40 entra en escena la perícopa 2, 41-52 en la que — como ya
se ha estudiado — Lucas narra la “subida” a Jerusalén de José y María llevando a Jesús, lugar en el que, al regresar a Nazaret, lo perderán por tres días. Es
en este tramo de la narración donde, en palabras de Bovon, “se altera la simetría, pero no la intención del autor”, 53 hecho que motiva las diversas opiniones
al momento de componer modelos o esquemas estructurales.
51) FITZMYER, Op Cit., p. 26. T. I
52) Ibid., p. 57. T. II
53) BOVON, Op. Cit., p. 227.
34
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
Pe. Santiago Ignacio Morazzani Arráiz, EP
Para algunos, se trataría de un texto añadido con posterioridad, para otros
una pieza original de los dos primeros capítulos. 54 Desde el punto de vista
literario existe consenso en tratarse de un texto de factura lucana, sea porque
imita el estilo de los LXX, sea porque tradujo al griego textos de origen semítico o utilizó unos ya traducidos. Sobre este particular volveremos más adelante.
Pero, ¿a qué alteración de la simetría alude Bovon? El episodio de la perícopa, acaecido en el Templo, no tiene paralelo con otro análogo en la infancia
de Juan Bautista, hecho que suscita formulaciones estructurales dispares, una
vez que los autores se empeñan en darle una cabida armónica.
Según Fitzmyer, Lc 2, 41-52 “en cierto sentido, es un cuerpo extraño dentro de la narración global, y no cuadra demasiado bien con el resto de los dos
primeros capítulos del Evangelio según Lucas”. 55 Para el citado autor, la perícopa, dentro de la estructura global de Lc 1-2, viene a ser un complemento de
los paralelismos, de los nacimientos, circuncisiones y manifestaciones tanto
de Juan como de Jesús. 56
A propósito de la composición estructural de esta perícopa, entre las propuestas más acreditadas, se pueden señalar las de Laurentin, 57 Bovon 58 y el
mismo Fitzmyer, 59 figuras de la exégesis que representan la corriente de autores que enfocan su atención sobre la existencia de dos dípticos con escenas
paralelas.
54) MUÑOZ IGLESIAS, Op. Cit., p. 218-228. Un elenco de las diversas opiniones desde fines del siglo
XIX hasta la década de los ochenta es proporcionada por este autor.
55) FITZMYER, Op Cit., p. 271. T. II
56) Ibid., p. 271.
57) LAURENTIN, Op. Cit., p. 32-33.
58) BOVON, Op. Cit., p. 73. Se basa en W. Wink quien se inspira en Laurentin y M. Dibelius.
59) Al presentar su estructura afirma: “La que yo propongo (…) está influida por M. Dibelius y, en parte,
también por S. Lyonnet y R. Laurentin”. FITZMYER, Op. Cit., p. 57. Tomo II.
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
35
María, un corazón dócil ante la palabra de Dios
Sintetizando y adaptando los tres modelos de estructura de estos autores,
tenemos, en una visión panorámica, el siguiente cuadro:
que dice
dice respecto
a losados
denominados
con el título de:
“complementarios”
EnEnloloque
respecto
losepisodios
dos episodios
denominados
con
el título de:
(visitación
de María a Isabel
y pérdida-hallazgo
de Jesús
en el templo),
Fitzmyer destacade
que
ambos
“complementarios”
(visitación
de María
a Isabel
y pérdida-hallazgo
Jesús
son
porFitzmyer
la temática
que abordan,
afirmando
“sólo el por
primero
tiene una que
cierta
en autónomos
el templo),
destaca
que ambos
son que
autónomos
la temática
abordan,con
afirmando
que precedentes,
“sólo el primero
cierta
vinculación
concon
losel
vinculación
los dos pasajes
mientrastiene
que el una
segundo
carece
de toda relación
60
dos
pasajes
precedentes,
mientras
que
el
segundo
carece
de
toda
relación
con
contexto”.
el contexto”. 60
Frente a esta dificultad que se plantea para los mencionados autores, otros exegetas prefieren
pensar en una división ternaria. Es la postura de Perrot que propone unir a los dos dípticos de las
anunciaciones y los nacimientos, las dos visitas de Jesús al templo, es decir, presentación y hallazgo.
Un esquema análogo presenta Burrows, citado por Muñoz Iglesias61 según el cuadro que sigue:
60) FITZMYER, Op. Cit., p. 59. Tomo II.
60
61
FITZMYER,
Op. Cit., p. 59. Tomo
36
LumenII.Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
MUÑOZ IGLESIAS, Op.Cit., p. 222. Se trata de E. Burrows. The Gospel of the Infancy and other biblical
Essays (The Bellarmine Series, VI) (London 1940).
Pe. Santiago Ignacio Morazzani Arráiz, EP
Frente a esta dificultad que se plantea para los mencionados autores, otros
exegetas prefieren pensar en una división ternaria. Es la postura de Perrot que
propone unir a los dos dípticos de las anunciaciones y los nacimientos, las
dos visitas de Jesús al templo, es decir, presentación y hallazgo. Un esquema
análogo presenta Burrows, citado por Muñoz Iglesias 61 según el cuadro que
sigue:
Podemos concluir que los esquemas pueden ser diversos, dependienPodemos concluir que los esquemas pueden ser diversos, dependiendo del criterio de cada
do del criterio de cada autor. En opinión de Perrot, “en lugar de empeñarautor. En opinión de Perrot, “en lugar de empeñarnos en encontrar un plan excesivamente
nos en encontrar un plan excesivamente sistemático y riguroso, habría que
sistemático y riguroso, habría que ver más bien en la composición lucana un nuevo ejemplo de
ver más bien en la composición lucana un nuevo ejemplo de construcciones
construcciones
que se mutuamente
implican mutuamente
y deque
las su
queobra
su obra
ofrece
otrosmuchos
muchos
que se implican
y de las
nos nos
ofrece
otros
62
ejemplos”.
ejemplos”. 62
En este sentido, Lucas plantea otros desafíos. Laurentin, de acuerdo con
En este sentido, Lucas plantea otros desafíos. Laurentin, de acuerdo con P. Lyonnet,
P. Lyonnet, menciona en Lc 1-2 la existencia de tres categorías de “refranes”63
menciona en Lc 1-2 la existencia de tres categorías
de “refranes” designados por las siglas A, B, C.
designados por las siglas A, B,
C. 63 Fitzmyer los denomina de “estribillos”. 64
64
Fitzmyer los denomina de “estribillos”.
2.2.1. Salida de personajes
61) MUÑOZ IGLESIAS, Op.Cit., p. 222. Se trata de E. Burrows. The Gospel of the Infancy and other bibEstos elementos no delimitan las grandes articulaciones del relato, sino el fin de las escenas
lical Essays (The Bellarmine Series, VI) (London 1940).
y no merecerían propiamente el calificativo de refranes.
62) PERROT, Op. Cit., p. 39-40.
63) LAURENTIN, Op. Cit., p. 28-29.
1, 23 Al terminar el tiempo de su servicio, Zacarías volvió a su casa.
64) FITZMYER, Op Cit., p. 57-58. T. II
1, 38 Dijo María: “Yo soy la esclava del Señor, hágase en mí tal como has dicho.” Después
la dejó
el ángel.
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
37
María, un corazón dócil ante la palabra de Dios
2.2.1. Salida de personajes
Estos elementos no delimitan las grandes articulaciones del relato, sino el
fin de las escenas y no merecerían propiamente el calificativo de refranes.
1, 23 Al terminar el tiempo de su servicio, Zacarías volvió a su casa.
1, 38 Dijo María: “Yo soy la esclava del Señor, hágase en mí tal como has
dicho.” Después la dejó el ángel.
1, 56 María se quedó unos tres meses con Isabel, y después volvió a su
casa.
2, 20 Después los pastores regresaron alabando y glorificando a Dios por
todo lo que habían visto y oído, tal como los ángeles se lo habían anunciado.
2, 39 Una vez que cumplieron todo lo que ordenaba la Ley del Señor, volvieron a Galilea, a su ciudad de Nazaret.
2, 51 Jesús entonces regresó con ellos, llegando a Nazaret. Posteriormente
siguió obedeciéndoles.
2.2.2. Refranes del crecimiento
Son propios del díptico de nacimientos:
1, 80 A medida que el niño (Juan Bautista) iba creciendo, le vino la fuerza
del Espíritu.
2, 40 El niño (Jesús) crecía y se desarrollaba lleno de sabiduría, y la gracia
de Dios permanecía con él.
2, 52 Mientras tanto, Jesús crecía en sabiduría, en edad y en gracia, ante
Dios y ante los hombres.
2.2.3. Refranes de recuerdos
Reveladores del papel que cumple María en estos relatos de la infancia:
2, 19 María, por su parte, guardaba todos estos acontecimientos y los volvía a meditar en su interior.
2, 51b Su madre, por su parte, guardaba todas estas cosas en su corazón.
38
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
Pe. Santiago Ignacio Morazzani Arráiz, EP
2.3. Delimitación de Lc 2, 41-52
La escena anterior a la perícopa aquí estudiada, como fue dicho, corresponde al texto 2,21-40 que describe la presentación de Jesús en el templo.
En dicho episodio, junto con José y María, figuran otros dos personajes
de eminente santidad: el viejo Simeón y Ana la profetisa. Éstos últimos
anuncian con gran alegría la salvación de Israel pues reconocen en el niño
Jesús al Mesías prometido. El cuadro se encierra con un refrán de crecimiento donde se destaca la sabiduría y la gracia de Dios que acompañan a
Jesús (2,52).
Inmediatamente tiene inicio la perícopa 41-52, con la presentación de dos
de los personajes implicados: José y María, piadosos y obedientes a la ley,
pues anualmente suben a Jerusalén por la fiesta de la Pascua (v. 41). La Ciudad Santa y la más importante fiesta del pueblo son la clave que nos indican el espacio geográfico y la coyuntura temporal donde se desarrollará el
drama.
Jerusalén (VIeroso,luma) es la ciudad sagrada, el corazón cultual por excelencia del pueblo elegido. Lucas la menciona treinta veces en su evangelio y
en nuestro texto que analizamos, en los vv. 41a; 43c y 45b. Tratándose de un
lugar ubicado en cierta elevación del terreno, para acceder a sus umbrales se
decía: “subir” (avnabai,nw). 65
El indicador cronológico del v. 42a kai. o[te evge,neto evtw/n dw,deka( (y cuando
[Jesús] tuvo doce años) es otro dato importante, pues sitúa al lector en la clave
de un cambio de época. El v. 42b muestra a Jesús, José y María avnabaino,ntwn
auvtw/n kata. to. e;qoj th/j e`orth/j (habiendo subido ellos según la costumbre de
la fiesta), redacción que viene a ser la introducción que Lucas ha tejido de este
acontecimiento inédito.
Efectivamente, desde el punto de vista dramático, el relato se desencadena
cuando José y María bajan rumbo a Nazaret y se percatan que Jesús no viaja
con ellos. La angustiante búsqueda del niño entre los caravanistas y la nueva
subida de ambos a Jerusalén son imágenes que ahondan la tensión dramática.
La escena del hallazgo de Jesús en medio de los doctores de la ley es descrita
con genialidad literaria.
Es “en el templo” (evn tw/| i`erw/|), simbólico y grandioso escenario, donde
Jesús da muestras de una extraordinaria y fascinante sabiduría, que arrebata a
sus oyentes. Según Bovon, dicho acontecimiento se verifica – con base en el
65) Lc 2,42.
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
39
María, un corazón dócil ante la palabra de Dios
relato lucano – “en el área del templo (i`ero,n y no nao,j, [en] el ‘santuario’)”. 66
Con este marco sacral queda patentizada la gran trascendencia del acontecimiento.
El término que revela la mencionada manifestación de sabiduría es presentado en el v. 47a con el sustantivo sune,sij (entendimiento, inteligencia,
comprensión). 67 De este modo, Lucas traza la capacidad de Jesús para captar y relacionar los más altos temas del espíritu que conciernen a Dios. Capacidad manifestada por el impacto provocado en todos los circunstantes que
escuchan sus preguntas y respuestas llenas de sabiduría. El evangelista, en
el v. 47a utiliza el verbo evxi,sthmi (dejar atónito) 68 conjugado en indicativo
imperfecto, voz media, en 3ª Pers. Pl. evxi,stanto. La obra de Bovon traduce por “se extasiaban”, 69 Fitzmyer por “estaban asombrados” 70 y Schmid “se
quedaban maravillados”. 71 Lucas recurrirá a este verbo sólo dos veces más en
su Evangelio. En 8, 56, para ilustrar la reacción de Jairo y su esposa ante la
resurrección de su hija a una palabra de Jesús, y en 24, 22 cuando los discípulos de Emaús narran a Jesús, sin percibir su identidad, las repercusiones que
causaron las noticias de “unas mujeres” que afirmaban haber visto ángeles y
que su Maestro estaba vivo.
Esta pericopa, sin duda, describe grandes impactos psicológicos. En el v.
48b Lucas utiliza el verbo evkplh,ssomai (quedar asombrado, quedar atónito,
de temor o admiración) 72 conjugado en el modo indicativo, aoristo pasivo,
66) BOVON, Op.Cit., p. 227. “El lugar reservado a la enseñanza era entonces la stoa, el pórtico. Lucas
piensa sin duda en el pórtico de Salomón (Hech 3, 11; 5, 12.21.25) y en la sabiduría bien conocida de
aquel rey (Lc 11,31)”.
67) BALZ, H. In: BALZ, Horst y SCHNEIDER, Gerhard. Diccionario exegético del Nuevo Testamento (l
– w) Volumen II) Salamanca: Sígueme, 2002. Col. 1591. Sobre este concepto afirma: En el NT el término aparece 7 veces; es frecuente en la LXX, especialmente en los escritos sapienciales, Cf. Sal 110, 10
LXX; Prov 2,1ss; Eclo 5,10;34,11; casi siempre se trata de la inteligencia (que Dios proporciona) para
comprender los actos y la voluntad de Dios”.
68) LAMBRECHT, J. In: BALZ, Horst y SCHNEIDER, Gerhard. Diccionario exegético del Nuevo Testamento (a – k - Volumen I) Salamanca: Sígueme, 2005. Col.1439. Comenta: “el significado que aparece
con más frecuencia es el del uso intransitivo con sentido atenuado: un estado psíquico en el que se está
desconcertado o en el que se queda uno atónito de asombro o temor. (…) En Lucas 2,47 el asombro es
consecuencia de la actuación maravillosa del Jesús adolescente en el templo”.
69) Ibid., p. 220.
70) FITZMYER, Op. Cit., p. 270. Tomo II.
71) SCHMID, Josef. El evangelio según san Lucas. Barcelona: Herder, 1968. p. 115.
72) BALZ - SCHNEIDER, Op. Cit., Col. 1282, Vol. I. Comentan: “En el NT (como en los LXX) el verbo
se usa únicamente en pasiva, y se refiere de ordinario a la reacción de los circunstantes, que se sienten
asombrados o atónitos ante las palabras o los actos de Jesús (excepciones en Lc 2,48; Hech 13,12, pero
aun en estos casos el verbo significa ‘maravillarse’”.
40
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
Pe. Santiago Ignacio Morazzani Arráiz, EP
en 3ª Pers. Pl. (evxepla,ghsan) para describir la reacción de José y María al
encontrar – luego de una afanosa y angustiante búsqueda – a su hijo Jesús.
Bovon traduce por “se llenaron de asombro”; 73 Fitzmyer por “se llevaron una
impresión tremenda”; 74 Schmid “se quedaron profundamente emocionados” 75
y Bover y O’ Callaghan por “quedaron atónitos”. 76 El evangelista repetirá este
verbo solamente en 4, 32 para mostrar la reacción de los habitantes de Cafarnaúm ante la fuerza y penetración de la enseñaza de Jesús y en 9, 43 al narrar,
luego de la Transfiguración, la expulsión, ante una numerosa muchedumbre,
del espíritu inmundo que atormentaba a un muchacho.
Además, el templo es el lugar donde Jesús revela su obediencia al Padre
celestial. Lucas desde el v. 48d al v. 49c deja el estilo narrativo que venía utilizando, para recurrir al discurso. Transcribe un emotivo diálogo de pedido de
explicaciones de María a su hijo por tan inusitada desaparición. Jesús, en respuesta, proclama su filiación divina, “pero que ellos (José y María) no comprendieron” (v. 50a kai. auvtoi. ouv sunh/kan), discurso que constituye el clímax
de todo el episodio.
La dinámica redaccional a lo largo de la perícopa se lleva a cabo por las
conjugaciones verbales: “en el volverse ellos” (v. 43b evn tw/| u`postre,fein
auvtou.j); “anduvieron una jornada de camino” (v. 44b h=lqon h`me,raj o`do.n);
“volvieron a Jerusalén” (v. 45b u`pe,streyan eivj VIerousalh.m); “y buscábanle”
(v. 44c kai. avnezh,toun auvto.n); “Y no hallándolo” (v. 45a kai. mh. eu`ro,ntej);
“a la procura de él” (v. 45c avnazhtou/ntej auvto,n); “después de días tres, lo
encontraron” (v. 46a meta. h`me,raj trei/j eu-ron auvto.n); finalmente, sin duda,
lo álgido del drama es expresado por María quien en tono de lamento le dice
a Jesús: “angustiados te buscábamos” (v. 48e ovdunw,menoi evzhtou/me,n se).
El texto concluye con tres refranes: de salida, de recuerdos y de crecimiento:
v. 51a Bajó con ellos y vino a Nazaret, y vivía sujeto a ellos.
v. 51b Su madre conservaba cuidadosamente todas las cosas en su corazón.
v. 52 Jesús progresaba en sabiduría, en estatura y en gracia ante Dios y ante
los hombres.
Se puede afirmar que la perícopa 2, 41-52 constituye una unidad textual independiente, pues proporciona antecedentes únicos y específicos.
73) BOVON, Op. Cit., p. 220.
74) FITZMYER, Op. Cit., p. 270. Tomo II.
75) SCHMID, Op. Cit., p. 115.
76) BOVER y O’ CALLAGHAN, Op. Cit., p. 310.
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
41
María, un corazón dócil ante la palabra de Dios
Además, queda claramente definida la intención redaccional del autor:
desatacar la sabiduría, la filiación divina y la gracia que caracterizan a
Jesús (v. 52).
El evangelista, continuando su relato, (3, 1) proporciona un nuevo dato cronológico: VEn e;tei de. pentekaideka,tw| th/j h`gemoni,aj Tiberi,ou Kai,saroj( (El
año quince del reinado de Tiberio César…) De este modo, Lucas invita a dar
un salto en el tiempo para adentrar al lector en los inicios de la vida pública de
Juan Bautista. El tercer evangelista, por este recurso literario, indica que los
relatos de la infancia han quedado atrás.
2.4. Estructura de Lc 2, 41-52
2.4. Estructura de LC 2, 41-52
La estructuración del texto no ofrece mayores dificultades. Como fue analizado, la perícopa presenta un sistema de correlaciones entre los diversos
presenta elementos
un sistema dedel
correlaciones
los diversos una
elementos
del texto,
que le
una que
texto, queentre
le confieren
evidente
unidad
y confieren
coherencia,
evidente puede
unidad yser
coherencia,
que puede
ser enmarcada
según
el siguiente esquema:
enmarcada
según
el siguiente
esquema:
La estructuración del texto no ofrece mayores dificultades. Como fue analizado, la perícopa
2.4.1. Sumarios analépticos
Como fue estudiado anteriormente, la denominación de “refrán” para estas últimas tres
42
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
estructuras (v. 51a –b y v. 52) pertenece a P. Lyonnet, a quien René Laurentin menciona en su obra
arriba citada. Fitzmyer prefiere la denominación “estribillo” en las categorías A, B y C. Otros
Pe. Santiago Ignacio Morazzani Arráiz, EP
2.4.1. Sumarios analépticos
Como fue estudiado anteriormente, la denominación de “refrán” para estas
últimas tres estructuras (v. 51a –b y v. 52) pertenece a P. Lyonnet, a quien
René Laurentin menciona en su obra arriba citada. Fitzmyer prefiere la denominación “estribillo” en las categorías A, B y C. Otros autores, como Bovon,
sostienen que la perícopa 2, 41-52 “está encuadrada entre dos sumarios (2, 40
y 2, 52), que llaman la atención sobre la sabiduría y la gracia”. 77
v. 40 To. de. paidi,on hu;xanen kai. evkrataiou/to plhrou,menon sofi,a|( kai.
ca,rij qeou/ h=n evpV auvto,.
En cuanto al niño, crecía y se robustecía, todo lleno de sabiduría, y el favor
de Dios estaba con él. 78
v. 52 Kai. VIhsou/j proe,kopten evn th/| sofi,a| kai. h`liki,a| kai. ca,riti para. qew/|
kai. avnqrw,poij.
Jesús progresaba en sabiduría y en estatura y en gracia ante Dios y ante los
hombres. 79
Reciban el nombre de estribillo, refrán o sumario, estas estructuras
tienen la particularidad de ser analépticas, es decir, cumplen una función retrospectiva. Por este medio, se señalan la conclusión y el inicio
de la escena y al mismo tiempo se sintetizan los diversos eventos narrados. 80 Según Bovon, “es natural que estos dos sumarios se parezcan, aunque teniendo cada uno su propio carácter. El primero insiste en el crecimiento durante la infancia; el segundo en el progreso a lo largo de la
adolescencia”. 81
2.4.2. Quiasmo y paralelismo
En esta perícopa, como fue señalado en la parte referente a la delimitación del texto, el evangelista solamente recurre al uso de estilo directo cuan77) BOVON, Op. Cit., p. 220.
78) Ibid., p. 196. Traducción de François Bovon.
79) BOVON, Op. Cit., p. 220. Traducción de François Bovon.
80) DIAS da SILVA, Cássio Murilo. Metodologia de exegese bíblica. São Paulo: Paulinas, 2000. p. 263.
(Traducción nuestra). “El sumario se diferencia del ‘marco’, pues presenta el sentido de los acontecimientos y, por eso, sirve como fuente primaria para estudiar la teología del redactor”.
81) BOVON, Op. Cit., p. 221.
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
43
María, un corazón dócil ante la palabra de Dios
do María se dirige a Jesús (vv. 48-49). Diálogo que, una vez construido por el
evangelista, “comprende elementos quiásticos y elementos paralelos”. 82
2.4.3. Esquema de revelación
2.4.3. Esquema de revelación
Otra posibilidad más simple de esquematización consiste dividir el episoOtra posibilidad más simple de esquematización consiste dividir el episodio en tres estadios,
dio en tres estadios, según un esquema clásico de revelación 83:
según un esquema clásico de revelación:
A) Subida a un lugar alto B) Revelación C) Bajada.
A) Subida a un lugar alto B) Revelación C) Bajada.
82) Ibid., p. 232.
83) Cf. SERRA, Aristide. In: Nuevo Diccionario de Mariología. Dirigido por Stefano Fiores y Salvatore
Meo. Madrid: Ed. Paulinas, 1988, p. 340.
44
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
Pe. Santiago Ignacio Morazzani Arráiz, EP
2.4.3.1. Subida.
Todos los años sus padres (v. 41) evporeu,onto (iban) eivj
2.4.3.1. Subida.
VIerousalh.m (a Jerusalén) para
celebrar la Pascua.
Todos los años sus padres (v. 41) evporeu,onto (iban) eivj VIerousalh.m (a Jeruy María
42b) avnabaino,ntwn (habiendo subido) auvtw/n kata. to. e;qoj
salén)Jesús,
para José
celebrar
la(v.
Pascua.
y María
(v.costumbre
42b) avnabaino,
ntwn (habiendo subido) auvtw/n kata. to.
… (ellos
según la
de la fiesta…).
th/jJesús,
e`orth/jJosé
e;qoj th/j e`orth/j… (ellos según la costumbre de la fiesta…).
estosdos
dosversículos
versículos Lucas
narra
la subida
a Jerusalén
y específicamente
al templo que
En En
estos
Lucas
narra
la subida
a Jerusalén
y específicamenestá
situado
en
el
“monte
Santo”
del
Señor
(Sal
2,
6)
para
celebrar
la
pascua.
te al templo que está situado en el “monte Santo” del Señor (Sal 2, 6) para
celebrar la pascua.
2.4.3.2. Revelación
Será (v. 46a)
evn tw/| i`erw/| (en el templo) — en diálogo con los doctores de ley — donde
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
45
María, un corazón dócil ante la palabra de Dios
2.4.3.2. Revelación
Será (v. 46a) evn tw/| i`erw/| (en el templo) — en diálogo con los doctores de
ley — donde Jesús se revela dejando a todos (v. 47a) evxi,stanto (estupefactos)
(v. 47a) evpi. th/| sune,sei kai. tai/j avpokri,sesin auvtou (por su inteligencia y sus
respuestas).
Luego, al responder a sus padres terrenos que lo inquieren, proclama su
filiación divina (v. 49c) evn toi/j tou/ patro,j mou dei/ ei=nai, me (en las cosas de
mi Padre es necesario que yo esté).
2.4.3.3. Bajada
Jesús en (v. 51a) kate,bh (bajó) metV auvtw/n (junto a ellos [sus padres]); (v.
51b) kai. h=lqen eivj Nazare,q (y fue a Nazaret). El verbo conjugado en indicativo, aoristo, activo kate,bh indica el fin del relato. Los verbos conjugados
en indicativo, imperfecto activo (v. 51c) h=n ([Jesús] estaba); (v. 51d) dieth,rei
([Maria] conservaba) y (v. 52a) proe,kopten ([Jesús] crecía) son indicativos de
una acción que continúa en Nazaret.
2.4.4. Simetría concéntrica
Para concluir este análisis estructural, basta mencionar el esquema elaborado por H. J. de Jonge 84 que ve una construcción quiástica o un modelo de
simetría concéntrica, según esta configuración:
84) MUÑOZ IGLESIAS, Op. Cit., p. 236 y BOVON, Op. Cit., p. 221.
46
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
Para concluir este análisis estructural, basta mencionar el esquema elaborado por H. J. de
Jonge
83
que ve una construcción quiástica o un modelo de simetría concéntrica, según esta
configuración:
Pe. Santiago Ignacio Morazzani Arráiz, EP
Muñoz Iglesias observa que este esquema “resulta un tanto artificial”. 85
Bovon, más explícito, afirma que “no da cuenta suficientemente del movimiento del relato, que deriva su tensión dramática de la oposición entre el programa de los padres y el hijo: la voluntad de los padres tiene que ver con la
ley; la voluntad de Jesús con la revelación”. 86
2.5. La intención de Lucas
La finalidad del evangelio de Lucas queda claramente trazada en la dedicatoria dirigida al “ilustre” personaje que identifica como “Teófilo” y atrás de
él, a un vasto público compuesto por gentiles cultos, judíos de habla griega
y miembros de la comunidad cristiana: “Para que conozcas la solidez de las
enseñanzas que has recibido” (1, 4).
Este aspecto es clave para comprender la teología y la cristología lucana,
pues como explica Fitzmyer, nuestro evangelista escribe en una etapa específica de la historia y desea ofrecer:
Una garantía de que la enseñanza y la práctica de la Iglesia contemporánea
estaba enraizada en el propio tiempo de Jesús; con ello pretende robustecer a sus lectores en su fidelidad a esa enseñanza y esa práctica. Por tanto,
85) MUÑOZ IGLESIAS, Op. Cit., p. 237.
86) BOVON, Op. Cit., p. 221.
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
47
María, un corazón dócil ante la palabra de Dios
la ‘garantía’ que ofrece Lucas es fundamentalmente doctrinal o didáctica, y
tiene por objeto explicar cómo la salvación de Dios, enviada primariamente a Israel en la persona y en el ministerio de Jesús de Nazaret, se ha difundido como palabra de Dios — con exclusión de la ley — entre los paganos,
hasta los últimos confines de la tierra (Hch 1,8). Si establecemos una relación entre Lc 1, 1-4 y Hch 1, 1.8 podremos ver claramente que Lucas-Hechos
es básicamente ‘una obra de edificación’. 87
En este sentido, Perrot es categórico cuando afirma que los dos primeros
capítulos del evangelio de Lucas, como ya fue referido, corresponden a un
“prólogo cristológico”, a “una confesión de fe cuya fundamentación y fuerza
se encuentra en el acontecimiento pascual que proyecta a los comienzos de la
vida de Jesús la luz total de su misterio”. 88
En otros términos, Lucas quiere dar cohesión a las enseñanzas recibidas:
“Tal como nos las han transmitido los que desde el principio fueron testigos
oculares y servidores de la Palabra” (1, 2) y de este modo llevar a sus lectores, a las raíces de las cuales surge el mensaje salvífico de Cristo 89 y demostrar que todo lo que ha acontecido en relación a Jesús corresponde a un plano
establecido por Dios desde toda la eternidad.
Efectivamente, ya los dos primeros capítulos lucanos muestran todos los
títulos mesiánicos de Jesús. Él es el Hijo de David (1, 27.32.69; 2, 4); el Salvador (2, 11); el Cristo Señor (2, 11; 1, 43); el Santo, el grande; Hijo del altísimo e Hijo de Dios (1, 32.35) (títulos estos últimos dados por el ángel Gabriel).
Además, son los virtuosos Isabel y Zacarías, llenos del espíritu (1, 41-43.67s),
y los profetas Simeón y Ana (2, 22-38) los que señalan su misión. 90 En síntesis, para Perrot, “tanto en los relatos de la infancia como en el de la resurrección, quien puede revelar finalmente quién es su Cristo es solamente Dios.
El hombre, dejado a sus propias fuerzas, no puede hacerlo; sólo Dios puede
manifestárselo”. 91
87) FITZMYER, Op. Cit., p. 31. Tomo I. Cita a E. Haenchen. Acts. p. 103.
88) PERROT, Op. Cit., p. 36.
89) FITZMYER, Op. Cit., p. 36. Tomo I. Sostiene que: “La obra lucana es una auténtica proclamación del
acontecimiento Cristo, dirigida a unos lectores en los que intenta provocar una reacción de fe y de aceptación cristiana. Tal vez la presentación del kerigma que nos da Lucas no esté formulada en términos
de ‘evangelio’ o de ‘potencia’, como la dynamis de Rom 1,16, pero no por eso renuncia a sus pretensiones de ser un verdadero proceso de interpelación o un auténtico testimonio sobre Jesús resucitado”.
90) Ibid., p. 36.
91) Ibid., p. 36.
48
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
Pe. Santiago Ignacio Morazzani Arráiz, EP
Así vemos que el mensaje lucano tiene como fundamento la venida de
Jesús, el Cristo, el Mesías, en cuanto realización plena de la promesa de salvación de Israel y de todas las naciones. Dentro de este plan de Dios, Juan el
Bautista es señalado como el precursor que prepara los caminos de esta esperanza mesiánica.
Para Lucas, Jesús no es un personaje de alegorías y leyendas, motivo por
el cual lo presenta en todas las etapas de su infancia: anunciación, nacimiento, circuncisión y presentación, concluyendo con el relato de la pérdida y el
hallazgo en el templo, a la edad en que se deja de ser niño, para manifestar
su sabiduría y filiación divina: “¿no sabíais que debía estar en la casa de mi
Padre?” (2, 49). Palabras que corresponden a las primeras que Lucas pone en
boca de Jesús, y, sus últimas, al expirar en la cruz (23, 46). 92
Sin embargo, es necesario notar que Lucas no deja de resaltar la condición
humana de Jesús, pues, como afirma García-Viana:
Esta filiación divina no suprime los condicionantes de la humanidad de
Jesús (Lc 2, 52). Como todos los niños y adolescentes de su tiempo irá
adquiriendo poco a poco su madurez física y espiritual. Los relatos de la
infancia, que nos han revelado en este niño al Mesías de Israel y al Señor
del universo, se terminan con una clara afirmación de la humanidad de
Jesús. 93
Así, al narrar los extraordinarios acontecimientos en este evangelio de la
infancia, el evangelista muestra que la persona de Jesús — con su naturaleza divina y humana — y sus enseñanzas, tienen pleno fundamento en las tradiciones del judaísmo y que el cristianismo es, en consecuencia, la continuidad y el cumplimiento de todas las profecías que anunciaban al Salvador y
Redentor:
La obra de Lucas es, en definitiva, un mensaje dirigido a Teófilo — y a
todos los que se encuentran en la situación del destinatario — en el que se
pregona la gran actuación de Dios, que realiza la salvación escatológica.
Tal vez el adjetivo ‘kerigmático’ no sea la calificación más adecuada para
englobar todos los aspectos de la intencionalidad del tercer evangelio y del
libro de los Hechos. Pero sería absurdo negar ese carácter a una obra, como
la de Lucas, que consiste esencialmente en una proclamación del aconteci92) PERROT, Op. Cit., p. 36.
93) GARCÍA-VIANA, Luís Fernando. Evangelio según San Lucas. In: Comentario al Nuevo Testamento,
6a. ed. Estella: Verbo Divino, 2000. p. 198.
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
49
María, un corazón dócil ante la palabra de Dios
miento Cristo y del reino de Dios y que exige a los destinatarios una respuesta de fe y un compromiso cristiano tan radical como el del Evangelio según Marcos o como los escritos paulinos; aunque, eso sí, de un modo
bien distinto. 94
En consonancia con estas apreciaciones, Fabris opina que la narrativa de
la infancia de Jesús de los capítulos 1-2 es de carácter eminentemente ‘kerigmático’, vale decir, busca anunciar a Jesucristo para quienes adhieren a la fe.
Para el citado autor, como ya fue mencionado, se trata de un “evangelio en
miniatura” cuyo “vértice (…) es verdaderamente el anuncio que el mensajero
de Dios da a los pastores: hoy nació para vos un Salvador, el Cristo Señor (cf.
2, 11)” 95 (Traducción personal).
Para su cometido, al tercer evangelista no le faltan dotes naturales. Existe unanimidad entre los filólogos en identificar a Lucas como “un hombre
de elevada formación literaria, que es también, junto con el autor de la carta
a los Hebreos, el mejor escritor de griego entre los autores del NT”. 96 Efectivamente, con sus dos libros (Evangelio y Hechos) rompe los cánones literarios del género “evangelio popular” 97 e inaugura un estilo culto para la
difusión de la persona de Jesús, el Mesías, y sus títulos cristológicos. 98 Esta
cualidad literaria, de alto quilate intelectual, dada la gran influencia que
ejercía la cultura helénica en el mundo mediterráneo dominado por Roma
en los últimos decenios del siglo I, desempeñó un importante rol en el anuncio del kerigma.
2.6. Conclusión de la primera parte
En esta primera etapa de la presente exposición, por medio del método de
crítica textual se verificó que la reconstrucción del texto presentado por la 4ª
edición de The Greek New Testament (GNT) y Sinopsis Quattuor Evangeliorum (SQE) ofrece garantías de ser fiel y conforme al original.
94) FITZMYER, Op. Cit., p. 253-254. Tomo I.
95) FABRIS, Op. Cit., p. 27. Como no Evangelho público, o interesse central destas sugestivas narrativas
da assim chamada ‘infancia de Jesús’ é ‘querigmático’, isto é, visa anuciar Jesus Cristo aos que abraçam a fé. Com efeito, o vértice deste evangelho em miniatura é verdadeiramente o anúncio que o mensageiro de Deus dá aos pastores: hoje nasceu para vós um Salvador, o Cristo Senhor (Cf. 2, 11).
96) SCHMID, Op. Cit., p. 23.
97) Ibid., p. 23.
98) FITZMYER, Op. Cit., p. 331-367. Tomo I. Un elenco de estos títulos son analizados por este autor.
50
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
Pe. Santiago Ignacio Morazzani Arráiz, EP
La investigación demostró la unidad y coherencia de los capítulos 1-2, al
punto que algunos autores no dudan en calificarlos de “obertura” del tercer
evangelio y Hechos, de “prólogo cristológico” o “evangelio en miniatura”.
Discrepa de esta visión Hans Conzelmann, cuyas proposiciones sobre la teología de Lucas ya fueron brevemente esbozadas.
Por el procedimiento de delimitación, se comprobó que Lc 2, 41-52
corresponde a una unidad textual independiente, cohesionada y bien lograda, pues proporciona antecedentes únicos y específicos, quedando claramente definida la intención redaccional de su autor: destacar la sabiduría,
la filiación divina y la gracia que caracterizan a Jesús, sin olvidar su condición humana.
Luego, fue presentado un esquema estructural de la perícopa dentro del
cual se analizaron algunas secuencias de palabras: estribillos, paralelismos y
quiasmos.
Finalmente, en la parte relativa a las intenciones que el evangelista Lucas
pudo tener al redactar su “evangelio de la infancia”, quedó demostrado su
alto interés “kerigmático” dirigido a gentiles cultos, judíos de lengua griega y
cristianos de las primeras comunidades.
En la segunda parte, corresponde formular un análisis a propósito de
las fuentes lucanas. Como se estudará, los exegetas constatan la presencia
de fuentes exclusivas utilizadas por este evangelista, entre otros aspectos, por las diferencias que su relato presenta en cotejo con el evangelio mateano, el otro libro que narra hechos de la infancia de Jesús. Interesantes divergencias surgen entre los estudiosos, al querer determinar
las fuentes del tercer evangelio, sean escritas u orales, pero de modo particular éstas últimas, pues no pocos autores — con base en la conformación del texto — señalan a María, la madre de Jesús, como fuente directa
o indirecta de los relatos lucanos por causa de los dos refranes de recuerdos (2, 19.51): “María conservaba todas estas palabras y las meditaba en
su corazón” (2, 19) y “Y su madre guardaba todas las palabras en su corazón” (2, 51).
3. Uso de fuentes
3.1. Las fuentes exclusivas de Lucas
Haciendo una recapitulación, se debe recordar que la perícopa en estudio,
aparte de estar inserida en los dos primeros capítulos lucanos de la infancia,
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
51
María, un corazón dócil ante la palabra de Dios
constituye la clausura de estas narraciones. Además, como ya fue mencionado no obstante exista cierta unanimidad en reconocer a Lucas como el redactor, traductor o retocador cuidadoso de su “evangelio de la infancia”, se constata una discrepancia a propósito de este texto 2, 41-52. Fue dicho que para
algunos autores se trataría de una pieza original de Lc 1-2 y para otros un
añadido con posterioridad. 99 Excepción hecha de Conzelmann que, como fue
estudiado, la desconoce como parte integrante.
Una de las causas que lleva a los estudiosos a discrepar sobre la naturaleza de la perícopa 2, 41-52, en cuanto texto añadido o no, radica en que Lucas,
al elaborar la secuencia de acontecimientos, parece utilizar materiales inéditos de fuentes de su exclusivo dominio. Dichos materiales no figuran en los
sinópticos y algunos ni siquiera en Mateo, el otro evangelista que se aplica a
narrar la infancia de Jesús.
3.2. Diversidades y analogías entre Mateo y Lucas
Efectivamente, si bien es verdad que, por una parte, una comparación
entre Mt 1-2 y Lc 1-2, muestra una coincidencia teológica “descendente”, 100
al presentar ambos evangelistas a Jesús con “todos los títulos mesiánicos
y divinos”, 101 unida a una concordancia plena en la narración de algunos
hechos 102*, por otra, se observan algunas diferencias sustanciales que, según
ciertos autores, indicarían la independencia de fuentes entre ambos evangelios 103 y que, por lo tanto, Lucas no dependería en absoluto de Mateo. 104
99) BROWN, Op. Cit., p. 249. Junto a los autores que tiene esta perícopa como añadido, se debe incluir su
opinión. “Dentro del mismo cap. 2, el relato de 2, 41-51 es perfectamente separable del resto. No sólo
trata de una fase distinta de la vida de Jesús, sino que su énfasis en que los padres no entendían (2, 4850) choca con las revelaciones que se les hicieron en líneas anteriores. Se podría objetar que 2, 40 era la
conclusión original a la que se le añadió un relato de procedencia distinta que exigió una segunda conclusión (2, 52)”.
100) FITZMYER, Op. Cit., p. 239. Tomo I.
101) PERROT, Op. Cit., p. 9.
102) * Probablemente huellas de una tradición común, forjada de voz en voz en las primeras comunidades,
a saber: el nacimiento de Jesús de una virgen llamada María (Mt 1, 18-20 y Lc 1, 26-38) la cual estaba
desposada con un hombre llamado José (Mt 1, 18-20 y Lc 1, 27) perteneciente a la estirpe de David (Mt
1, 16-20 y Lc 1, 27. 2, 4). Del mismo modo, la concepción de Jesús fue por obra del Espíritu Santo (Mt
1, 18 y Lc 1, 27) cuyo nombre fue dado por un ángel (Mt 1, 21 y Lc 1, 31) y nació en Belén de Judá, la
ciudad de David (Mt 1, 1 y Lc 1, 32).
103) SCHMID, Op. Cit., p. 127-129.
104) FITZMYER, Op. Cit., p. 136. Tomo I. “Si Lucas depende de Mateo, ¿Cómo es que omite invariablemente ciertos elementos del primer evangelio en los episodios comunes, que no tienen paralelos en el
52
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
Pe. Santiago Ignacio Morazzani Arráiz, EP
El tercer evangelista, por ejemplo, desconoce a Mateo cuando éste último
narra la presencia de unos “magos venidos de oriente” (Mt 2, 1b). Para Schmid, “Lucas hubiera podido acoger esta escena, tan apropiada para un Evangelio destinado como el suyo a lectores étnico-cristianos”. 105 Y ni se diga que
Mateo pasa por alto hechos que Lucas presenta y que serían de gran utilidad para su cometido de demostrar las características mesiánicas de Jesús y
el cumplimiento de las profecías. Nos referimos al nacimiento y los diversos
sucesos milagrosos que acompañan la vida de Jesús, piezas que constituyen
la esencia de la narración lucana.
Para Schmid, la prueba decisiva de que Lucas recurrió a fuentes extramateanas se verifica en Lc 2, 39s, cuando pone a Jesús, José y María bajando a Nazaret, una vez concluida la ceremonia de presentación en el templo,
circunstancia que no coincide con la narración de Mateo, que distribuye los
hechos de modo diverso, además de un viaje urgente a Egipto. 106
Análoga opinión defiende Muñoz Iglesias, quien afirma que Mateo y
Lucas, al describir el origen y la infancia de Jesús, lo hacen con total independencia uno de otro. 107
Vemos pues, un motivo más de dificultades, al momento de estudiar las
fuentes lucanas sobre la infancia de Jesús. Pero dejemos el Evangelio de
Mateo y volvamos nuestra atención a Lucas y a sus capítulos 1-2.
3.3. Las fuentes escritas
Un primer aspecto que ha llamado la atención de los estudiosos del tercer evangelio, es el contraste de estilos que se aprecia al comienzo de su obra.
Desde una clásica introducción, según los más puros cánones literarios griegos, pasa a un género veterotestamentario, adoptando un tonus hierático, que
introduce al lector en un ambiente solemne, elevado y sacral que prevalece a
lo largo de los capítulos 1-2. Según la expresión de Fitzmyer, se trata de una
Evangelio según Marcos, por ejemplo, en las narraciones de la infancia y de la resurrección?”
105) SCHMID, Op. Cit., p. 128.
106) Ibid., p. 129. “A pesar de todo va demasiado lejos la opinión que ve en este punto una contradicción
inconciliable entre las dos exposiciones. Lc 2, 39s sólo es una prueba de que Lucas dependía aquí de
sus fuentes, que no le daban noticia alguna sobre los acontecimientos que siguieron a la presentación de
Jesús en el templo, de los que da cuenta el Evangelio según Mateo”.
107) MUÑOZ IGLESIAS, Op. Cit., p. 344. Este autor afirma: “La independencia y desconocimiento mutuo en los autores de ambos relatos me parece evidente”.
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
53
María, un corazón dócil ante la palabra de Dios
“notable contaminación semítica”. 108 Ahora bien, frente a esta “notable contaminación”, y una vez que Lucas manifiesta su propósito de “redactar con cuidado” los “acontecimientos que se han cumplido” (v. 3), muchos se han preguntado: ¿Tuvo acceso Lucas a una documentación hebrea o aramea preexistente?
Las opiniones divergen. Fitzmyer presenta una relación de las diversas
corrientes interpretativas. Para unos, Lucas habría utilizado textos de una
fuente hebrea traducidos por él. 109 Entre estos autores figuran Laurentin 110 y
Muñoz Iglesias. 111
Para otros, se sirvió de una fuente aramea. 112 Algunos defienden la tesis de
una fuente semítica ya traducida al griego. 113 Las discrepancias tienen como
punto de partida concreto la interpretación de los cánticos del Benedictus y
del Magnificat. 114
Ante esta ausencia de unanimidad 115 Fitzmyer oportunamente observa: “Lo que hay que evitar a toda costa es que la reflexión se centre exclu108) FITZMYER, Op. Cit., p. 55. T. II
109) Ibid. El autor menciona a G. Dalman, G. H. Box, P. de Lagarde, H. Gunkel, B. H. Streeter, V. Taylor
y R. Laurentin.
110) La opinión de este ultimo autor queda sintetizada por sus propias palabras: «On retrouvait dans l’Ancien Testament les expressions et parfois jusqu’à des phrases entières de ces deux chapitres. Ce test a
conduit à l’hypothèse que le grec de Luc est la traduction d’un original hébreu. Cette conjecture n’a cessé de rallier arguments et sufrages, au détriment des deux solutions concurrentes: original araméen et
pastiche du grec des Septante. Elle se présente aujourd’hui comme la solution la mieux fondée. Il demeure toutefois hasardeux de déterminer les dimensions exactes de la source hébraïque par rapport à
l’écrit actuel, et plus encore de la reconstituer». LAURENTIN, Op. Cit., p. 13.
111) MUÑOZ IGLESIAS, Op. Cit., p. 269: “El autor único de esta pieza en su totalidad [Lc 1-2], que originalmente fue escrita en hebreo, es un judío-cristiano palestinense de primerísima hora, relacionado con los círculos levíticos de Jerusalén, que empleando derásicamente modelos bíblicos viejo-testamentarios transmite, a través de ese artificio literario, los datos históricos fundamentales que la tradición cristiana presinóptica conocía y profesaba sobre la concepción y nacimiento de Juan y de Jesús”.
112) FITZMYER, Op. Cit., p. 55. T. II. Menciona a B. Weiss, A. Plummer, M. Dibelius, W. Michaelis.
113) Ibid., p. 55. Cita a K.-H. Schelkle.
114) BOVON, Op. Cit., p. 38. Afirma: “Los himnos contenidos en el evangelio de la infancia tampoco son
obra de Lucas, sino provienen del movimiento bautista (el Benedictus, 1, 68-79), de la espiritualidad farisaica (el Magnificat, 1, 46-55) o de la piedad cristiana primitiva (el Nunc dimittis, 2, 29-32)”.
115) PERROT, Op. Cit., p. 37. Diverge de las posturas citadas que afirma: “En estos capítulos [Lc 1-2] encontramos todas las características propias de la obra de Lucas, el vocabulario y los giros propios del
tercer evangelista. Lucas usa el griego normal y corriente del siglo I. Sin embargo, al tener conciencia
de estar escribiendo una ‘revelación’, emplea una lengua y un estilo más bien hierático, más aún que en
el resto de su evangelio. Para ello, toma prestadas de la lengua sagrada de los Setenta algunas expresiones, calcando igualmente su estilo de esta Biblia de las comunidades de la diáspora. Sucede a veces que
toma incluso expresiones del texto hebreo de la escritura, para dar a su relato un cierto sabor arcaico,
y, a su parecer, de más autoridad. Estos contactos son a veces tan abundantes que algunos exegetas han
54
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
Pe. Santiago Ignacio Morazzani Arráiz, EP
sivamente en esas composiciones heterogéneas, cuajadas de citas del Antiguo Testamento, olvidando la problemática global de las narraciones de la
infancia”. 116
3.4. Las fuentes orales de Lc 1-2
Lucas no parece hacer parte de la generación contemporánea de Jesús. Él
mismo indirectamente lo declara al escribir su introducción, ya comentada,
en un clásico estilo griego. En ésta alude a la existencia de algunos que han
narrado los acontecimientos pues “fueron testigos oculares y ministros de la
palabra” (1, 2).
Lucas, “el historiador entre los evangelistas” 117 recurrirá a estos “testigos” y “ministros” para lograr su cometido: “Escribir un relato ordenado”
(1, 3) que constituirá el tercer Evangelio. Según Bovon, Lucas, “como evangelista, conoce la tradición de la Iglesia y sobretodo la tradición misionera paulina, que la recibió a su vez de Antioquia y de los helenistas; como
escritor, está documentado gracias a sus contactos personales y a sus sabias
investigaciones”. 118
Sin embargo, como ya fue observado, son los evangelios de la infancia
aquellos que más dificultades causan a los exegetas al momento de estudiar
sus fuentes. Tomando como base las principales opiniones aquí expuestas, se
puede quizá conjeturar que Lucas (capítulos 1-2) mezcló con arte los diversos componentes de su material. Tuvo acceso a textos semíticos de primera
mano, los tradujo para hacerlos accesibles a sus destinatarios y logró así un
relato convincente que parece fusionar realidad histórica, experiencias místicas y teología.
Todo ello bajo el común denominador de su hábil y culta pluma. Para este
objetivo, dentro de la perspectiva en la que explícitamente se sitúa, de “minuciosidad informativa” (1, 3), sus fuentes orales fueron de importancia primordial.
pensado que existió un original hebreo de Lc 1-2 traducido por el evangelista. La hipótesis no acaba de
convencer: los ‘lucanismos’ (expresiones propias de Lucas) son abundantes y si el lenguaje es arcaico
intencionadamente, el texto actual no da la impresión de ser una traducción”.
116) FITZMYER, Op. Cit., p. 55. T. II.
117) SCHIMD, Op. Cit., p. 129.
118) BOVON, Op. Cit., p. 38.
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
55
María, un corazón dócil ante la palabra de Dios
Este último aspecto es lo que observa Bovon: “A pesar de todas las fijaciones por escrito, el manantial de la tradición oral no se secó de pronto, de
manera que Lucas tuvo la posibilidad de corregir o completar en algún que
otro sitio sus fuentes escritas recurriendo a la tradición oral”. 119
¿Pero a fin de cuentas, cuáles serían esas fuentes orales? Al intentar dar
una respuesta, una vez más, se constata que los estudiosos no consiguen
salir de una maraña de probabilidades. En efecto, la temática plantea aspectos conflictivos, pues las opiniones a propósito del origen o del substrato de
las fuentes orales de estos relatos lucanos, no encuentra consenso entre los
autores.
En este sentido, Fitzmyer, al dar inicio a su trabajo, aquí tantas veces
citado, presenta a sus lectores una visión retrospectiva sobre el estado de
la investigación de esta obra. 120 Su análisis, que principalmente abarca un
período desde la segunda mitad del siglo XX hasta fines de los años ochenta, proporciona un elenco de diversos autores. En él, no deja de indicar la
línea más radical de interpretación crítica a la obra lucana, formada por “el
iniciador indiscutible de este tipo de análisis”, 121 Martin Dibelius, seguido
por otros tres exegetas alemanes: Philipp Vielhauer, 122 Ernst Haenchen 123 y
el ya citado Hans Conzelmann. 124 Representantes de esta corriente fueron
también R. Bultmann, E. Dinkler, E. Grasser, E. Käsemann, G. Klein, S.
Schulz y otros.
Según Fitzmyer:
Los resultados de este enfoque han conducido no sólo a una actitud escéptica con respecto al valor histórico de los escritos lucanos, sino también a un
juicio negativo sobre lo que se considera como «teología» de Lucas, y que
119) Ibid., p. 39.
120) FITZMYER, Op. Cit., p. 19-30. T. I.
121) Ibid., p. 23.
122) Ibid., p. 23. Autor de Zum “Paulinismus” der Apostelgeschichte (1950) quien ha desempeñado un papel relevante en toda esta problemática.
123) Ibid., p. 23. Quien publica su gran obra The Acts of the Apostles (1965), un exhaustivo trabajo sobre
Hch, que adopta gran parte de las interpretaciones de Conzelmann, y que puede considerarse como el
principal comentario crítico a este libro del Nuevo Testamento.
124) Ibid., p. 23. Autor que con sus obras dado el mayor impulso a esta línea interpretativa: Die Mitte der
Zeit (1953; 1964), traducido al inglés con el título The Theology of St. Luke, un análisis de la teología
lucana, centrado fundamentalmente en el Evangelio según Lucas, y su comentario a los Hechos de los
Apóstoles y Die Apostelgeschichte (1963).
56
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
Pe. Santiago Ignacio Morazzani Arráiz, EP
implica una concepción «tendenciosa» del cristianismo primitivo; se ha llegado incluso a poner en duda la propia identidad del autor. 125
En vista de este arrière-fond que suscita la obra lucana, aquí apenas serán
citados algunos autores que opinan a propósito de una de las hipotéticas fuentes orales del evangelio de la infancia. En consecuencia, nos situamos en la
órbita de quien observa, pondera y conjetura.
3.5. El dictamen de algunos exegetas
Formulando preguntas inquisitivas con vistas a lanzar alguna luz a propósito de las fuentes orales lucanas, Bovon se responde: “Todo lo más tenemos
razones para suponer que las leyendas de la natividad y de la infancia proceden de un ambiente judío-cristiano, eventualmente del entorno de Santiago el
Menor y de la familia de Jesús”. 126
Este dato parece ser efectivo. Consta que la persona de Santiago el Menor
fue conocida por Lucas (Hch 21, 18), pero ¿y la familia de Jesús? Esta última afirmación de Bovon da pábulo para plantear la tan debatida hipótesis
de que haya sido María, la madre de Jesús, quien haya narrado al interior
del colegio apostólico, como testigo viviente, estos hechos de la infancia.
Lucas la menciona explícitamente en Hch 1, 14 cuando la retrata haciendo
cabeza del sector femenino de la naciente comunidad cristiana que, juntamente con los apóstoles y los “hermanos de Jesús”, “perseveraba unánimemente en la oración”.
Fitzmyer, al abordar la problemática, sin citar autores, presenta un elenco
de los testigos que comúnmente se invocan para intentar determinar este tipo
de fuentes que nuestro evangelista pudiera haber utilizado, y a título informativo escribe:
Entre esas fuentes de información se cita frecuentemente a personajes
como María, la madre de Jesús, que «conservaba en su interior el recuerdo
de todo aquello» (Lc 2, 51; cf. Lc 2, 19; Hch 1, 14); se dice que María fue la
que informó a Lucas sobre los episodios de la infancia y sobre la visita de
Jesús a su pueblo de Nazaret (Lc 4, 16-30). 127
Grelot, por su parte, así presenta esta hipótesis:
125) Ibid., p. 23.
126) BOVON, Op. Cit., p. 38-39.
127) FITZMYER, Op. Cit., p. 155. T I.
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
57
María, un corazón dócil ante la palabra de Dios
¿Hay que suponer que el relato de Lucas tiene como punto de partida una
confidencia de María? En él aparecen ciertamente dos alusiones a los
recuerdos que María conservaba en su corazón (2, 19.51). Pero nada nos
indica que el evangelista haya estado en contacto directo con María. Se
necesitaría, pues, al menos un intermediario, pero ¿quién? En este campo
sólo contamos con suposiciones, nunca con certezas probadas. 128
Años antes, en la introducción de su obra — ya referida — y que se volvió un clásico obligado en los estudios referentes al evangelio de la infancia
lucano, su autor, René Laurentin, afirmó: “Tengamos pues una consideración
modesta, puesta bien en relieve por Gächter: María es (directa o indirectamente) la principal fuente de la mayor parte de la narración [Lc 1-2]. Esto se
desprende de la naturaleza de la escena de la Anunciación, de la cual ella fue
el único testigo, y la mención explícita de sus recuerdos”. 129 (Traducción personal).
Y más adelante agregó: “El Evangelio de la infancia se refiere directamente a testigos oculares: en primer plano, María, cuyos recuerdos son dos veces
evocados (2, 19 y 51). Estas menciones recuerdan la manera cómo el Evangelio de Juan invoca el testimonio del discípulo en Juan (13, 23, 18, 15, 19, 26).
Véase también 1, 14 y 1 Jn 1:1-4”. 130 (Traducción personal).
Años después, en los 70, Daniélou, al analizar la escena 2, 41-52, había
observado algo semejante. Afirmó que era posible concluir con seguridad
que la narración pertenecía a un género literario histórico, pues en su origen
se remontaba a testimonios de testigos oculares. Dichos testimonios, para el
autor, no constituían meras hipótesis, una vez que era el propio Lucas quien
apuntaba para su fuente (2, 51): “Su madre guardaba todas estas cosas en su
corazón”. Y Daniélou acotaba: “La fuente de nuestra historia es así, el testimonio de María. Pero este testimonio, Lucas sin duda no lo ha recibido de la
128) GRELOT. Pierre. Los evangelios y la historia. Barcelona: Herder, 1987. p. 206.
129) LAURENTIN, Op. Cit., p. 19. “Tenons-nous en donc à une constatation modeste, bien mise en relief par Gächter : Marie est (directement ou indirectement) la source première de l’essentiel du récit [Lc
1-2]. Cela ressort notamment de la nature de la scène de l’Annonciation dont elle fut seul témoin, et de
la mention explicite de ses souvenirs”.
130) Ibid., p. 97. “L’évangile de l’enfance se réfère directement à des témoins oculaires: au premier plan,
Marie, dont les souvenirs sont deux fois évoques (2, 19 et 51). Ces mentions rappellent la manière dont
l’Évangile de Jean invoque le témoignage du disciple en Jean (13, 23 ; 18, 15 ; 19, 26). Cf. aussi (1, 14
et 1Jn 1, 1-4)”.
58
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
Pe. Santiago Ignacio Morazzani Arráiz, EP
misma María”. 131 El autor concluía afirmando que la preservación de tales
materiales vivenciales — si así se pudiese expresar — se debía a la intención catequética de la primera comunidad judío-cristiana y de quienes habían
estado cercanos a Jesús.
Semejante es la postura de Muñoz Iglesias, autor para quien María está en
el centro de Lc 1-2. Esta afirmación — puntualiza — no va en desmedro de
Jesús, toda vez que el Hijo es superior a la madre, “sino porque ella fue la destinataria cualificada de aquellas revelaciones como una superviviente que las
había de conservar, comprobando el alcance de las mismas, a lo largo de la
trayectoria de Jesús hasta después de Pentecostés”. 132
Sobre la base de estas premisas, otro autor francés, Feuillet, también en
la década de los 70, planteó una variante. Estimó que las narraciones de Lc
1-2 serían recuerdos conservados y meditados por los seguidores de Juan el
Bautista y por la madre de Jesús. Lucas sería, por lo tanto, el transmisor de
acontecimientos de comprobado valor histórico, obtenidos de fuentes fidedignas. 133 Por otra parte, Feuillet mostraba la relación entre algunas tradiciones joánicas plasmadas en el Apocalipsis y las escenas cristológicas y mariológicas de Lc 1-2. El evangelista habría tenido acceso a tal doctrina por voz
de Juan, quien a su vez la habría recibido de María, durante todo el período en
que la cuidó como hijo.
Por esos mismos años, Mc Hugh, 134 al analizar las fuentes lucanas, defendió la tesis de la existencia de una relación de paralelismos entre el cuarto y
el tercer evangelio. 135 Para el citado autor, se hacía difícil creer que los paralelos por él mencionados fueran fruto de una simple casualidad. Se trataría de
conceptos doctrinales profundos, que estaban en el centro de las atenciones
131) DANIÉLOU, Jean. Les Évangiles de l’ Enfance. Paris: Du Seuil, 1967. p. 129. Traducción personal
del texto original: “La source de notre récit est donc le témoignage de Marie. Mais ce témoignage, Luc
ne l’a sans doute pas reçu de Marie elle-même”.
132) Ibid., p. 155.
133) FEUILLET, A. Jésus et sa Mère. Paris: Gabalda, 1974. p. 83. “Nous sommes dès lors invités à
conclure que, loin d’être une libre construction théologique de l’évangéliste, les récits de Lc 1-2 remontent en définitive à des souvenirs conservés et médités para les cercles baptistes et par la Vierge Marie;
en particulier ils nous livrent quelque chose de la contemplation faite par la Mère de Jésus du mystère
de l’Incarnation, mystère lié indissolublement à sa propre existence et à événements vécus par elle”.
134) MC HUGH, John. La Mère de Jésus. Dans le Noveau Testament. Paris: Les Éditions du Cerf, 1977.
s.p.
135) MC HUGH, Op. Cit., p. 55-56. En ambos prólogos — a diferencia de Mateo y Marcos — se menciona a Juan Bautista (Lc 1, 15-16.76-77; Jn 1, 6-8.15). Jesús era la luz del mundo (Jn 1, 8-12) y luz para
revelación a los gentiles (Lc 2, 32; 1, 8-12) Ambos abordan la gloria de Jesús ( Lc 2, 32; Jn 1, 14 Lc 2,
9.14). Lucas y Juan apuntan para la gracia de Dios (Lc 2, 40.52; Jn 1, 14.16.17).
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
59
María, un corazón dócil ante la palabra de Dios
de los miembros de la Iglesia primitiva, durante la segunda mitad del primer
siglo de la era cristiana. 136
Igualmente para Mc Hugh, María estaría en la fuente de Lc 1-2. Su argumentación sostiene que la naturaleza de los eventos narrados por Lucas
hubiesen sido olvidados o desapercibidos por el gran público, caso no existiese alguien cercano a Jesús que guardara en su memoria y luego relatara lo
sucedido. Por lo demás, razona que el acontecimiento de la anunciación sólo
es conocido por María. Si este hecho se considera como histórico, la discusión quedaría cancelada y se debería aceptar a la madre de Jesús como testimonio directo del evangelio de la infancia. Mc Hugh así concluía su argumentación: “Pero incluso si hacemos abstracción para el momento de la realidad histórica de la concepción virginal, debemos reconocer que Lucas nos
cuenta esta historia como si la viera a través de los ojos de María”. 137
Pese a todo, estas interpretaciones no encontraron eco entre otros estudiosos. Es así como Raymond Brown sostuvo que la presunta existencia de un
contacto pre-evangélico, es decir, de fuentes orales o escritas que están en la
base de Juan y que habrían influenciado a Lucas o viceversa, ofrecen puntos
“problemáticos”. 138
Asimismo, al estudiar las posibles fuentes lucanas del capítulo 1, Brown
manifiesta sus prevenciones a la opinión que “tiene hoy muchos abogados
136) Ibid., p. 56. “Il est difficile répétons-le, de croire que ces parallèles entre Luc et Jean soient l’effet
d’une pure coïncidence, d’autant plus qu’ils impliquent le type même de ces notions doctrinales sur lesquelles se concentra l’attention de l’Eglise chrétienne durant la seconde moitié du premier siècle. Leur
présence dans deux de nos évangiles semble indiquer que leurs auteurs ne se contentent pas d’ exprimer
ici un jugement purement personnel sur la personne de Jésus, mais se font en réalité l’écho, au moins
dans une certaine mesure, de croyances qui avaient cours dans l’Eglise primitive”.
137) Ibid., p. 189. “Mais même si nous faisons abstraction pour le moment de la réalité historique de la
conception virginale, nous devons reconnaître que Luc nous raconte cette histoire comme s’il la voyait
à travers les yeux de Marie”. (Traducción nuestra).
138) BROWN, Op. Cit., p. 242: “(…) no tiene ningún interés la tesis que recurre a toda una serie de conjeturas sin peso para establecer una relación entre Lucas y Juan y explicar así el origen del relato de la infancia: el discípulo amado era Juan, Hijo del Zebedeo (problemático); la escena de Jn 19, 27, altamente
simbólica, es histórica, y María vivió en casa de Juan cierto número de años (muy problemático); María contó a Juan los acontecimientos que rodearon el nacimiento de Jesús (pura conjetura); y Lucas obtuvo esa información de sus contactos con la tradición joánica, contactos que se demuestran por los paralelismo mencionados antes”. El autor alude a los paralelismos que se invocan apuntando a la referencia de la figura de Juan Bautista en el prólogo del cuarto evangelio (1, 6-8.15) y en Lc 1. Para Brown,
“no se parecen en nada”.
* En nota al pie de página Brown opina: “En Jerusalén o en Éfeso (según leyendas nada fidedignas que
cuentan la historia posterior de Juan). Se piensa que Lucas, incluido en el “nosotros” de Hechos, tuvo
contacto con Juan y María en alguno de esos sitios (Hch 20, 17; 21, 15)”.
60
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
Pe. Santiago Ignacio Morazzani Arráiz, EP
en círculos católicos” 139 de una fuente mariana. En efecto, para el exegeta, la
tesis por la cual María habría revelado su experiencia personal en contacto
con el ángel que le anuncia la encarnación:
(…) ha perdido mucha fuerza, desde el momento en que, para el pensamiento católico, la inspiración de la Escritura no es garantía de historicidad.
Actualmente no hay motivo alguno por el que un católico no pueda juzgar
que la escena es producto de la imaginación creadora de Lucas, mientras no
niegue las verdades teológicas que se contienen en ella. 140
Constatamos que las opiniones aquí vertidas no agotan la problemática.
Por el contrario, son las pruebas que la temática “fuentes lucanas, capítulos
1-2”, en el pasado reciente, ha sido tema de investigación y de intercambio de
argumentos exegéticos al interior del mundo académico, que de modo particular se interesa por estos evangelios de la infancia.
Algunos autores dan preeminencia a los acontecimientos históricos de la
infancia de Jesús, mientras otros los consideran leyendas edificantes. Frente a
esta realidad, oportunas son las palabras de Fitzmyer que aconsejan estar en
conocimiento de esta problemática y sus implicaciones, para lograr “un análisis y una interpretación correcta de los escritos lucanos”. 141 Pues, aludiendo a
dos figuras de la mitología griega, concluye que:
El verdadero problema consiste en conducir hábilmente el curso de la investigación entre Escila y Caribdis, entre una actitud excesivamente crítica,
que convierte a Lucas no sólo en «el malo de la película» (Van Unnik), sino
incluso en el «terremoto» de la familia neotestamentaria, y una aceptación ingenua de sus tendencias conscientes y deliberadas, como expresión de
una auténtica mentalidad histórica. 142
Seguramente, ante esta problemática, no pocos serán de la idea que lo
importante, tratándose de estudios teológico-exegéticos, es intentar descifrar
la globalidad del mensaje contenido en la narrativa lucana, tanto más que en
palabras de Fitzmyer:
139) Ibid., p. 249.
140) Ibid., p. 249.
141) FITZMYER, Op. Cit., p. 25. Tomo I.
142) Ibid., p. 25.
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
61
María, un corazón dócil ante la palabra de Dios
El Evangelio según Lucas posee una característica peculiar, en cuanto que
es el único escrito del Nuevo Testamento que tiene una continuación con
perspectivas propias en el aspecto literario, didáctico, apologético, geográfico, histórico y teológico. Algunos de estos aspectos se pueden detectar
también en la propia narración evangélica, y valen para justificar el trabajo redaccional con el que Lucas ha reelaborado los materiales recibidos de
la tradición. 143
4. El sentido de “corazón”, “conservar o guardar”, “cosas
o palabras” y “meditar” en el contexto bíblico
Considerando la importancia que los autores arriba citados asignan a estos
dos versículos, a continuación se presenta un análisis semántico, determinando el sentido que los conceptos “corazón”, “guardar” o “conservar”, “palabra” y “meditar” desempeñan dentro del contexto bíblico. Para tal propósito
se tomará como referencia la versión de los LXX y el texto masorético.
4.1. Palabras o cosas / conservar y guardar
Como se ha señalado, Lucas repite en dos ocasiones que “María guardaba
en su corazón todas estas palabras…”
2, 19 h` de. Maria.m pa,nta suneth,rei ta. r`h,mata tau/ta sumba,llousa evn th/|
kardi,a| auvth/j
María conservaba todas estas palabras meditándolas en su corazón.
2, 51b kai. h` mh,thr auvtou/ dieth,rei pa,nta ta. r`h,mata evn th/| kardi,a| auvth/j
Y su madre conservaba todas las palabras en su corazón.
Dentro del evangelio de Lucas el sustantivo r`h/ma es utilizado 18 veces
y podría corresponder a una traducción del concepto hebreo rB'D' dābār,
“palabra”. 144 En 2, 19 y 2, 51 describe por medio de tres verbos la actitud espi143) Ibid., p. 22.
144) Lc 1, 37,.38.65; 2, 15.17.19.29.50.51; 3, 2; 5, 5; 7, 1; 9, 45; 18, 34; 20, 26; 24, 8, 24, 11. BETZ, O.
In COENEN, Lotar; BEYREUTHER, Erich y BIETENHARD, Hans. Diccionario teológico del Nuevo Testamento. 3a. ed. Salamanca: Sígueme, 1993. p. 275. Vol III. “En los LXX rhéma se da preponderantemente por el hebreo dābār palabra, cosa, aunque es verdad que el término hebreo se traduce con
preferencia, especialmente en los libros proféticos, por lo,goj [lógos], sin embargo, rhéma se encuentra
147 veces en el Pentateuco y se da con frecuencia en Dt y en la obra histórica deuteronomística. Aquí
la estructura doble de dābār /palabra/cosa ha matizado también el uso de rhéma, que por ello puede significar tanto, a) palabra, sentencia, como b) cosa, acontecimiento, caso, rhéma aparece como resultado
del decir y también del hacer; es más, este último significado es el decisivo (Cf. 1 Sam 18, 8)”.
62
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
Pe. Santiago Ignacio Morazzani Arráiz, EP
ritual que María adopta frente a: ta. r`h,mata tau/ta (2, 19); pa,nta ta. r`h,mata
(2, 51) “todas estas ‘palabras’ o ‘acontecimientos’ que a ella le ha correspondido vivir. 145
En 2, 19 indica que María suneth,rei (indicativo, imperfecto activo 3ª
Pers. Sing) del verbo sunthre,w (conservaba, custodiaba detenidamente o con
detalle) 146 todas las palabras-sucesos. Este verbo es usado sólo dos veces más
en el Nuevo Testamento, una por Marcos y otra por Mateo, 147 y no figura en
la versión de los LXX.
En 2, 51, por la conjugación dieth,rei (indicativo, imperfecto activo 3ª Pers.
Sing) del verbo diathre,w se afirma que María custodiaba con atención o cuidadosamente 148 todas sus experiencias que ha vivido. Este verbo es una particularidad de Lucas pues aparece solamente una vez más en el Nuevo Testamento (Hch 15, 29), pero en el sentido de “evitar, mantenerse lejos, o guardarse de algo”. 149
La conceptualización de un “guardar” o “retener” en la mente, referida a
María, tiene un paralelo en la versión de los LXX. En Gn 37, 11b, a propósito
del relato del enigmático y profético sueño de José, se dice que:
(37, 11b) 150 o` de. path.r auvtou/ dieth,rhsen to. r`h/ma
(su padre guardó el acontecimiento).
rb'D'h;-ta, rm;v' wybia'w> (37, 11b) 151
145) RADL, W. In: BALZ–SCHNEIDER, Op. Cit., Col. 1310. Vol. II. Sobre la expresión ta. r`h,mata tau/
ta, presente en Lc 1, 65; Hech 13, 42 como objeto directo de (dia-) lale,w “podrían referirse a las palabras pronunciadas; pero el contexto sugiere que se piensa en sucesos o cosas, y que r`h/ma especialmente en Hech 13, 42, y también en Lc 2, 15.19.51, no se refiere tan sólo a lo que se ha ‘dicho’ inmediatamente antes (acerca de lale,w con acusativo de cosa cf. Hech 2, 11)”.
146) Keep or preserve closely. LIDDELL, Henry George y SCOTT, Robert. A Greek – English Lexicon.
New York: Oxford University Press, 1996. p. 1727.
BALZ y SCHNEIDER, Op. Cit., Col. 1607. Vol. II. Sostienen que significa, “preservar, conservar, proteger, conservar en la memoria (…) según Lc 2, 19 María conservaba en la memoria las palabras angélicas que le habían transmitido los pastores pa,nta suneth,rei ta. r`h,mata tau/ta”.
147) Mc 6, 20 lo utiliza para describir la “protección” de Herodes hacia el Bautista pues sabía que era un
hombre santo. En Mt 9, 17 en el sentido de “conservar” los odres de vino.
148) “Watch closely, observe”. LIDDELL y SCOTT, Op. Cit., p. 415. BALZ - SCHNEIDER, Op. Cit.,
Col. 949-950. Vol. I. Comentan: “Lc 2,51: ‘su madre conservaba pa,nta ta. r`h,mata en su corazón’. No
se hace referencia probablemente a ‘todas las palabras’ que ‘se conservan en la memoria’ (así Bauer,
Wörterbuch, s.v.), sino a ‘todos los sucesos’; cf. 2, 19”.
149) RUSCONI, Carlo. Dicionário do Grego do Novo Testamento. São Paulo: Paulus, 2005. p. 128.
150) RAHFS, Alfred et HANHART, Robert. (ed). Septuaginta: id est Vetus Testamentum Graece iuxta
LXX interpretes. 2a. ed. Stuttgart: Deutsche Bibelgesellschaft, 2006. s.p.
151) ELLIGER, K et RUDOLPH, W. Biblia hebraica Stuttgartensia. 5a. ed. Stuttgart: Deutsche Bibelgesellschaft, [1967/1977], 1997. s.p.
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
63
María, un corazón dócil ante la palabra de Dios
dieth,rhsen (aoristo, activo indicativo 3ª Pers. Sing) corresponde a la traducción de rm;v' shâmar (guardar, conservar). 152 Y to. r`h/ma (en acusativo singular) traduce rb'D'h; hadābār (el acontecimiento) de rb'D' dābār (palabra, cosa,
suceso). 153
4.2. Meditar / pensar / captar el verdadero sentido
En 2, 19 la forma verbal sumba,llousa (participio, presente activo, nominativo, femenino, singular) del verbo sumba,llw (meditar, pensar), 154 expresa la situación de diálogo interior, de deliberación por medio de la cual María
entrelaza y confiere hechos y palabras, para establecer cuáles son los designios de Dios. 155 Este último verbo también es exclusivo de Lucas pues de las
152) ALONSO SCHÖKEL, Luis. Diccionario bíblico hebreo-español. Madrid: Trotta, 1994. p. 777. También almacenar, depositar, encerrar, custodiar, observar, cumplir.
SAUER, G. In JENNI, Ernest y WESTERMANN, Claus. Diccionario teológico manual del Antiguo Testamento. Madrid: Cristiandad, 1985. Col. 1232-1233. Tomo II. Comenta que este verbo rm;v' está atestiguado 468 veces en el AT. “Tiene la misma amplitud semántica en las afirmaciones religiosas. El santuario ha de ser custodiado y vigilado (1 Sm 7, 1, el arca; en época posterior es, sin duda, una función
independiente). En sentido traslaticio, los piadosos guardan y observan la alianza (Gn 17, 9s y passim),
el derecho (Is 56, 1), el amor y el derecho (Os 12, 7) y, sobre todo, los mandamientos, preceptos e instrucciones de Dios (Gn 26, 5 y passim)”.
153) ALONSO SCHÖKEL, Op. Cit., p. 170. “Significa primero la palabra: sea el acto de hablar, el enunciado o su contenido (tomar la palabra, pronunciar unas palabras, comprender las palabras). De ahí pasa a significar el tema o el asunto. Significa además la acción y el modo de hacerla o ponerla en práctica, conducta; y su contenido o la tarea, faena. También hecho, suceso; y su causa: ocasión condición”.
GERLEMAN, G. In JENNI, Ernest y WESTERMANN, Claus. Diccionario teológico manual del Antiguo
Testamento. Madrid: Cristiandad, 1978. Col. 620-621. Tomo I. Sobre este sustantivo observa: “Aunque se asigne un doble sentido a dābār (es decir, ‘palabra’ - ‘cosa’), no se debe explicar esta duplicidad semántica refiriéndose a la antigua concepción del mundo que no distinguía estrechamente entre lo
espiritual y lo material. dābār no significa ‘objeto’ en sentido material, como opuesto a ‘persona o como designación de objetos propios de alguien (por ejemplo ‘objeto, aparato’), sino que es, por su mismo carácter, una abstracción. En dābār queda siempre algo propio de la actividad del verbo: designa algo que puede dar o ser ocasión de alguna reflexión o alguna acción, es decir, ‘ocasión’, ‘suceso’, ‘acontecimiento’”.
154) TAMEZ, Elsa. Diccionario conciso Griego-Español del Nuevo Testamento. Nördlingen: Sociedades Bíblicas Unidas, 1978. p. 168. Según RUSCONI, Carlo. Op. Cit., p. 432. entre sus acepciones está: “Reflexionar, meditar, concatenar, coordinar Lc 2, 19”. Este verbo también tiene otros significados
próximos. En intransitivo puede ser, encontrarse con; enfrentarse con; discutir con; consultar con; deliberar con; en uso medio, ayudar, socorrer (Hch. 18, 27).
155) S HOFIUS, O. In BALZ y SCHNEIDER, Op. Cit., Col. 1532-1533. Vol. II. “Ofrece dificultades la
comprensión de sumba,llw en la frase de Lc 2, 19, que debe atribuirse a la redacción lucana. Contra la
traducción, muy difundida, de ‘meditar/reflexionar’ habla el hecho de que este significado no se halla atestiguado en ninguna otra parte; tampoco en los pasajes ajenos al NT, aducidos por Bauer; Wörterbuch, s.v. Es discutible que pueda presentarse como prueba el texto de Herodoto VII, 24 (¡en voz media!). Como en el contexto del v. 19 se habla de acontecimientos extraordinarios y misteriosos, el verbo podría significar: captar el verdadero sentido, dar con el significado correcto (como Eurípides, Med
64
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
Pe. Santiago Ignacio Morazzani Arráiz, EP
seis veces que aparece en el Nuevo Testamento, cuatro son en Hechos (4, 15;
17, 18; 18, 27; 20, 14) y dos en su Evangelio (2, 19; 14, 31).
Todo este “movimiento dinámico y progresivo” 156 de diálogo sobrenatural en que María ha reunido (2, 19) con cuidado (2, 51) los impactantes sucesos que ha vivido en relación a su Hijo, tienen por sede un concepto de alto valor antropológico para el mundo hebreo: el corazón ble lêb / bb'le
lêbab.
4.3. Corazón
En la mentalidad del pueblo elegido, el “corazón” desde el punto de vista físico, es el más noble de los órganos del cuerpo. Al mismo tiempo, como
observa Wolff, “es el término más importante del vocabulario antropológico
del antiguo testamento (…) en su forma más corriente (lêb) la que se presenta en el Antiguo Testamento hebreo 598 veces y lêbab 258. Se debe agregar
el arameo de Daniel: lêb, una vez y lêbab siete. En total son 858 veces y en
consecuencia se trata del concepto antropológico más frecuente. En síntesis,
‘corazón’ a diferencia de otros términos, también fundamentales, dice relación casi exclusivamente, al hombre”. 157
El “corazón”, como también los conceptos “espíritu” h;Wr rūah y “alma”
vp,g< nefeš conforman un campo semántico, en el que con frecuencia son
apuntados como sitiales de la esfera de los sentimientos y los deseos. Es así
como en algunos pasajes de las escrituras se aprecian ciertos paralelismos: 158
Mirad que mis siervos cantarán con corazón dichoso, mas vosotros gritaréis con corazón triste, y con espíritu quebrantado gemiréis. (Is 65, 14)
El corazón alegre mejora la salud; el espíritu abatido seca los huesos.
(Prov 17, 22)
675; Iph Taur 55; Josefo, Ant II, 72; Bel lII, 352; Filóstrato, Vit Ap IV, 43; cf. además Wettstein, NT I,
633s, así como en cuestiones de detalle van Unnik). A diferencia de los pa,ntej, del v. 18, que simplemente se ‘maravillan’ de lo que refieren los pastores (v. 17), María conoce el verdadero significado ‘de
todas esas cosas’ (pa,nta ta. r`h,mata tau/ta). Ella reconoce en la milagrosa aparición de los ángeles y en
el mensaje angélico (vv. 9-14) la confirmación de la promesa que ella misma había escuchado de labios del ángel (1, 26ss)”)
156) GARCÍA PAREDES, José. Mariología. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1995. p. 94.
157) WOLFF, Hans Walter. Antropología del Antiguo Testamento. Salamanca: Sígueme, 1975. p. 63.
158) Jos 2, 11; 5, 1; Ez 21, 12; Sal 34, 19; 51, 19; Prov 15, 13. ALBERTZ, R y WESTERMANN, C. In
JENNI y WESTERMANN, Op. Cit., Col. 929-930. Tomo II.
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
65
María, un corazón dócil ante la palabra de Dios
“¿Hasta cuándo tendré congojas en mi alma, en mi corazón angustia, día y
noche? ¿Hasta cuándo triunfará sobre mí mi enemigo?” (Sal 13, 3).
Yahveh está cerca de los que tienen roto el corazón, él salva a los espíritus
hundidos” (Sal 34,19).
Sin embargo, como explica Eichrodt, “de todos modos, tales casos no constituyen lo característico del empleo de lêb; lo que deja entrever el significado
propio del término dentro de la mentalidad hebrea es su utilización preponderante en relación con procesos intelectuales y volitivos”. 159
En este mismo orden de ideas, a propósito de los puntos de contacto entre
“espíritu” y “corazón” afirman Albertz y Westermann:
Las interferencias no deben inducir a considerar rūah, en analogía con lêb,
como ‘sede de los sentimientos’. lêb está por principio ligado al hombre; es
algo presente, que luego participa de la concepción dinámica y unitaria del
hombre en el AT. rūah no es originariamente parte constitutiva del hombre
del mismo modo, sino un poder que puede dominar al hombre no sólo desde
dentro, sino también desde fuera. 160
Vale decir, el concepto lêb, “corazón”, se asocia a las facultades intelectuales del entendimiento y la voluntad, que corresponden a propiedades
inherentes al ser humano, pues es en su interior (su corazón), donde delibera, juzga y decide el rumbo de sus acciones, hecho fundamental que lo distingue de los seres irracionales. Solamente él, y nadie más, es dueño, ante
su Creador y sus semejantes, de sus actos, sean éstos objeto de mérito o
demérito.
Pone de relieve este aspecto intelectivo vinculado al concepto “corazón”,
Eichrodt:
Cuando Oseas quiere caracterizar la torpe política del reino del Norte, dice
que Efraín no tiene corazón, o sea, que no tiene inteligencia; y si Jeremías
se propone anatematizar los sacrificios infantiles israelitas como algo totalmente contrario a la voluntad de Yahvé, dirá que él no ha mandado nada
de eso, ni tuvo nunca cabida en su corazón. Esto demuestra dónde reside el
verdadero énfasis, incluso cuando lêb se utiliza de forma complexiva para
designar la persona entera, su vida interior, su carácter: hay una referencia clara a la actividad espiritual voluntaria y consciente, de un yo huma159) EICHRODT, Walther. Teología del Antiguo Testamento II. Dios y mundo-Dios y hombre. Madrid:
Cristiandad, 1975. p. 149.
160) ALBERTZ, R y WESTERMANN, C. In: JENNI y WESTERMANN, Op. Cit. Col. 930. Tomo II.
66
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
Pe. Santiago Ignacio Morazzani Arráiz, EP
no considerado como completo, que se contrapone de modo patente tanto a
la actividad de la nefĕs, de cáracter fundamentalmente animal e instintivo,
como a la de rūah, que actúa de forma prepotente y domina al hombre por
completo 161.
Dentro de la perspectiva de la Alianza y del relacionamiento entre el hombre y Dios, se llega a la conclusión de que es en el corazón ( ble lêb) donde, en
última instancia, la criatura opta por la fidelidad o el rechazo al llamado de
su creador. 162
Como explica Sorg, el corazón es la fuente de la vida espiritual, de la
inteligencia, el conocimiento, de las mociones y fuerzas intelectivas (1Re 3,
12, 5, 9), del amor, de la valentía, del dolor (Jer 4, 19) de la alegría (Dt 28,
47), de la tranquilidad (Prov 14, 30) o excitación (Dt 19, 6), como también
de las fantasías y visiones (Jer 14, 14). En resumen, el corazón es la fuente del sentir, pensar y querer del ser humano. Pero además es en el corazón
donde se fragua la necedad (Prov 10, 20s) y los malos pensamientos. Del
corazón sale la voluntad, la intención resuelta (1Re 8, 17) y la decisión dispuesta a la acción (Ex 36, 2). 163
Para Mourlon, cuando en la Biblia se habla del corazón, se intenta designar a toda la persona en su interioridad y no solamente como la sede de las
emociones y de la afectividad. El corazón es el centro de los proyectos y de
las opciones decisivas de la conciencia moral de la decisión de fe (un corazón
abierto) o de la decisión de no-fe (un corazón duro). En síntesis, el corazón es
el asiento de la vida psíquica, de la voluntad, de la vida emotiva, de la vida
moral y religiosa. 164
161) EICHRODT, Op. Cit., p. 150.
162) (Dt 30, 15-19). “Mira, yo pongo hoy ante ti vida y felicidad, muerte y desgracia. Si escuchas los mandamientos de Yahveh tu Dios que yo te prescribo hoy, si amas a Yahveh tu Dios, si sigues sus caminos y
guardas sus mandamientos, preceptos y normas, vivirás y multiplicarás; Yahveh tu Dios te bendecirá en
la tierra a la que vas a entrar para tomarla en posesión. Pero si tu corazón se desvía y no escuchas, si te
dejas arrastrar a postrarte ante otros dioses y a darles culto, yo os declaro hoy que pereceréis sin remedio y que no viviréis muchos días en el suelo que vas a tomar en posesión al pasar el Jordán. Pongo hoy
por testigos contra vosotros al cielo y a la tierra: te pongo delante vida o muerte, bendición o maldición.
Escoge la vida, para que vivas, tú y tu descendencia”.
163) SORG, Th. In: COENEN, Lotar; BEYREUTHER, Erich y BIETENHARD, Hans. Diccionario teológico del Nuevo Testamento. 3a. ed. Salamanca: Sígueme, 1993. p. 339. Vol I.
164) MOURLON BEERNAERT, Pierre. El hombre en el lenguaje bíblico. Estella: Verbo Divino, 1984.
p. 8-9.
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
67
María, un corazón dócil ante la palabra de Dios
Para Alonso Schökel, el corazón es la sede de la vida, la interioridad, la
intimidad, la memoria, la imaginación, la fantasía, la atención, la inteligencia, el entendimiento, el juicio, la razón, la comprensión, el ejercicio de pensar, la voluntad, el deseo, la decisión. 165
Léon-Dufour afirma que “el corazón es lo que se halla en lo más interior
(…), en lo íntimo del hombre se hallan, sí, los sentimientos, pero también los
recuerdos y los pensamientos, los razonamientos y los proyectos. El hebreo
habla, pues, con frecuencia del corazón en casos en que nosotros diríamos
memoria, o espíritu, o conciencia”. 166
En otras palabras, por corazón se designa a la personalidad conciente, inteligente y libre. 167
4.4. Guardar en el corazón
La expresión, “guardaba en el corazón”, empleada por Lucas, altamente
elogiosa en relación a María, tiene paralelos en el Antiguo Testamento. En
los LXX (1Sm 21, 13 a) se lee que David, huyendo de Saúl, llegó a la corte
de Akís, rey de Gat. Para desgracia del vencedor de Goliat, los sirvientes le
recordaron a su señor que del visitante hebreo se cantaba: “Saúl ha herido a
sus mil y David a sus diez mil”:
(1Sm 21, 13 a) 168 kai. e;qeto Dauid ta. r`h,mata evn th/| kardi,a| auvtou
Y puso la atención David sobre estas palabras en su corazón.
Abb'l.Bi hL,aeh' ~yrIb'D>h;-ta, dwID' ~f,Y”"w: (1Sm 21, 13 a) 169
La forma verbal e;qeto (aoristo medio indicativo, 3ª Pers. Sing) del verbo
ti,qhmi (poner, colocar establecer) 170 en el texto masorético tiene su equivalente en: ~Wf sum / ~yfi sim (poner, colocar, depositar, dejar, guardar); 171 r`h,mata
(en acusativo plural) palabras ~yrIb'D>h; hadebārîm (las palabras) y kardi,a (en
165) ALONSO SCHÖKEL, Op. Cit., p. 380-384.
166) LÉON-DUFOUR, Xavier. Vocabulario de Teología Bíblica. Barcelona: Herder, 1965. 871 p. 159
167) Ibid., p. 159.
168) RAHFS et HANHART, (ed). Septuaginta: id est Vetus Testamentum Graece iuxta LXX interpretes.
169) ELLIGER et RUDOLPH. Biblia Hebraica Stuttgartensia.
170) SCHRAMM, T. In BALZ y SCHNEIDER, Op. Cit., Col. 1747. Vol. II. Sostiene que “el uso de ti,qhmi
en la LXX corresponde al uso de este verbo en el griego profano”.
171) ALONSO SCHÖKEL, Op. Cit., p. 725.
68
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
Pe. Santiago Ignacio Morazzani Arráiz, EP
dativo) corresponde a ble lêb / bb'le lêbab (inteligencia, entendimiento, juicio,
razón, comprensión, imaginación, voluntad). 172
David reflexionando, y con desconfianza de Akís, concebirá la hábil estratagema de pasar por débil mental, para así librar su vida de la amenaza que
sobre él pesaba.
También en los LXX, en el libro de Daniel (7, 28b), cuando el profeta concluye su relato de la impresionante visión de las cuatro bestias que Dios le ha
concedido, declara que se conmovió en extremo:
(7, 28b) 173 kai. to. r`h/ma evn kardi,a| mou evsth,rixa
(y en mi corazón conservé el acontecimiento).
trej.nI yBiliB at'L.miW. (7, 28b) 174
La conjugación evsth,rixa (aoristo activo, indicativo 1ª Pers. Sing.) del verbo
sthri,zw (fortalecer, afirmar, fijar, establecer) 175 corresponde a la traducción
de trej.nI (Perf.1 Sing) de rj;n' net-ar’ (guardar, retener). 176
A su vez, kardi,a| (en dativo singular) de kardi,a (corazón) traduce ble lêb; 177
y r`h/ma (en acusativo singular) traduce hL'mi milla (palabra, discurso). 178
Finalmente, Lucas en su evangelio, relata el santo temor que se apoderó de
los vecinos de Zacarías (1, 66), quienes son testigos de la cura sobrenatural de
la mudez que lo afectaba. A propósito de la divulgación de estos sorprendentes acontecimientos por toda la montaña de Judea, escribe:
(Lc 1,66) 179 kai. e;qento pa,ntej oi` avkou,santej evn th/| kardi,a| auvtw/n…
Y todos los que los oían, los guardaron [a pecho o] en su corazón...
La conjugación e;qento (aoristo, indicativo, medio, 3ª Pers. Pl.) del verbo
ti,qhmi está relacionada con evn kardi,a| (tomarse a pecho/ prestar atención),
según la traducción que presenta Schramm. 180
172) Ibid., p. 380.
173) RAHFS et HANHART, Op. Cit.
174) ELLIGER et RUDOLPH, Op. Cit.
175) LIDDELL y SCOTT, Op. Cit., p. 1644.
176) ALONSO SCHÖKEL, Op. Cit., p. 493. Guardar, vigilar, custodiar (Cant 1, 6; 8, 11s).
177) Para un estudio detallado del uso y significado de ble en los distintos pasajes del Antiguo Testamento
Cf. ALONSO SCHÖKEL, Op. Cit., p. 380-384 y STOLZ, F. In: JENNI y WESTERMANN, Op. Cit.,
Col. 1176-1185. Tomo I.
178) ALONSO SCHÖKEL, Op. Cit., p. 429. Cf. El significado “palabra” en (Dn 4, 30/33) y “asunto” en
(Dn 2, 10).
179) ALAND Barbara, et al. The Greek New Testament Fourth Revised Edition.
180) BALZ y SCHNEIDER, Op. Cit., Col. 1749. Vol. II. “Lucas es el único que, ateniéndose al lenguaje semitizante de sus fuentes, ofrece las expresiones ti,qhmi evn kardi,a| tomarse a pecho/ prestar atención
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
69
María, un corazón dócil ante la palabra de Dios
El concepto “corazón” kardi,a a su vez ha hecho derivar algunos neologismos, como por ejemplo, kardiognw,sthj, que aparece por primera vez en el
Nuevo Testamento (Hech 1, 12; 15, 8) y se aplica a quien tiene el don de conocer los corazones como también el discernimiento que Dios o Cristo posee en
lo más íntimo del ser (Lc 16, 15; Rom 8, 27 1Tes 2, 4; Apoc 2, 23 y en el AT
1Sam 16, 7; 1 Rg 8, 39). 181
Un segundo concepto que se desprende de kardi,a es de carácter negativo, y corresponde a sklhrokardi,a “dureza de corazón” acuñado por los LXX
al traducir h'lr>[' bb'le lêbâb ‛orlâh (incircunciso de corazón) (Dt 10, 16; Jer 4,
4; Sir 3, 26s; Ecle 16, 1) que denota la actitud de alma refractaria al plan de
salvación de Dios. 182 Además la “incircuncisión de corazón” es sinónimo de
“paganismo”, “impureza” y “distanciamiento de la Alianza con Dios”. Este
reproche es uno de los tópicos de la predicación penitencial, en el ambiente
deuteronomístico-profético y — dependiendo de él — en el Israel antiguo. 183
Por otra parte, desde el punto de vista formal, la imperiosa necesidad para
los israelitas de abrir su corazón hacia el Señor, fue un tópico anunciado por
Jeremías.
Como afirma Léon-Dufour, este profeta “fue sin duda el primero que le
recordó [a Israel] que la circuncisión física, practicada por no pocos pueblos,
no tiene en sí misma ningún valor (Jer 9, 24); lo que importa es quitar el
prepucio de los corazones (Jer 4, 4), (…). El Deuteronomio proclama el mismo llamamiento a la circuncisión del corazón, es decir, al amor exclusivo de
Yahveh y a la caridad fraterna (Dt 10, 12-22)”. 184
5. María, el discipulado y la sabiduría
Habiendo llegado a esta etapa de la exposición y teniendo como fondo de cuadro las observaciones y análisis de los autores arriba citados,
quienes sostienen que los “evangelios de la infancia” corresponden a una
“obertura” de todo el evangelio de Lucas y Hechos (Fitzmyer); un “prólo(Lc 1, 66 [en voz media]; 21,14; Hech 5, 4 [en voz media] y ti,qhmai eivj ta. w=ta, ‘escuchar a /grabarse
en la memoria’ (Lc 9, 44). Cf. también Hech 1, 7; 19, 21”. SCHRAMM, T., voz ti,qhmi.
181) KITTEL, Gerhard y FRIEDRICH, Gerhard. Translated by BROMILEY, Geoffrey. Theological dictionary of the New Testament. United States of America: William B. Eerdmans Publishing Company,
2003. p. 416. Vol. I.
182) Ibid., p. 416.
183) BALZ y SCHNEIDER, Op. Cit., Col. 1436. Vol. II.
184) LEON-DUFOUR, Op. Cit., p. 144.
70
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
Pe. Santiago Ignacio Morazzani Arráiz, EP
go cristológico” (Perrot); o un “evangelio en miniatura” (Fabris), se puede
concluir que la perícopa 2, 41-52 se presenta como la culminación — dentro del conjunto eximiamente concatenado de confesiones cristológicas —
de todo Lc 1-2:
La densidad teológica es tal, que ilumina retrospectivamente con nueva
luz todos los títulos hasta el momento atribuidos al Mesías, y resume de
tal manera toda su enseñanza y su conducta en el ministerio público, que
una manifestación así, casi no aparecerá más. Resulta claro por qué Lucas
ha querido incorporar este texto a modo de conclusión en los relatos de la
infancia y como obertura al propio Evangelio. 185 (Traducción personal).
De hecho, la perícopa en cuestión está integrada en una atmósfera en la
que sobresale la sabiduría e inteligencia de Jesús. Cualidades que por vez
primera y de manera pública, brillan ante los sabios de Israel y otros oyentes en el lugar sagrado. Es Jesús en íntima relación con su Padre celestial,
obediente y sumiso a su voluntad, que sale al encuentro de los hombres.
Esta particularidad, que el evangelista se encarga de describir con maestría
literaria, la destaca enmarcándola entre dos refranes o estribillos con función analéptica: 186*
2, 40 El niño (Jesús) crecía y se desarrollaba lleno de sabiduría, y la gracia
de Dios permanecía con él.
2, 52 Mientras tanto, Jesús crecía en sabiduría, en edad y en gracia, ante
Dios y ante los hombres.
Pues bien, de estos dones de sabiduría y de gracia también participa María,
quien, como se ha leído, junto con José, angustiados por la desaparición de
Jesús, “no comprendieron” (2, 50) la respuesta que él les da. Con todo, “María
guardaba todas estas cosas en su corazón” (2, 51), realizando así un sapiencial
ejercicio de meditación en el que se articulan, cual mosaico interior, las valio185) ROSSÉ, Gérard. Il vangelo di Luca: commento esegetico e teologico. Roma: Città Nuova, 1992. p.
106. “La densità teologica é tale che illumina di luce nuova retrospettivamente tutti i titoli finora attribuiti al Messia, e fa da sfondo a tutto l’insegnamento e comportamento nel ministero pubblico dove una
tale dichiarazione non apparirà qua­si più. Diventa chiaro perché Luca ha tenuto a incorporare questo testo come conclusione ai racconti dell’infanzia, e come ouverture al vangelo vero e proprio”.
Esta hipótesis también es seguida por LAURENTIN, René. Jésus au Temple. Paris: Gabalda, 1966. p. 161s.
y LEGRAND, L. L’annonce à Marie. Une apocalypse aux origenes de l’Évangile. Lectio Divina, 106.
Paris: Du Cerf, 1981. Autor que va más allá pues Lc 2, 41-52 sería quizá la conclusión de todo el evangelio lucano. Ver MUÑOZ IGLESIAS, Op. Cit., p. 236.
186) * Ver numeral 3.4.1.
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
71
María, un corazón dócil ante la palabra de Dios
sas piezas de los acontecimientos vividos en cotejo con las profecías mesiánicas que todo judío piadoso, fuera hombre o mujer, conocía a la perfección.
Igual ejercicio piadoso María ya lo había realizado en 2, 19 — luego de oír
el relato de los pastores, que maravillados referían las palabras del ángel y la
visión de la cohorte celestial.
Se debe agregar a todo esto, que no faltan autores que sostienen que
Lucas, al presentar a María y José, “no comprendiendo” las palabras
que Jesús le dirige en respuesta a su desaparición por tres días, tendría
una clara intención catequética: el destinatario debería leerlos en la clave Pascual de la Resurrección. Efectivamente, María se presenta también como la madre sufriente que experimenta la angustia de perder a su
hijo, sin saber si la “espada que le atravesará un día su corazón” (Lc 2,
34-35), profetizada por Simeón, doce años antes, no estaría a tiempo de
cumplirse.
Ese “no comprender” que es guardado y rumiado en su corazón, solamente sería dilucidado veintiún años después, y al tercer día, al resucitar su hijo
glorioso de entre los muertos, luego de abrazar – en cumplimiento a la voluntad del Padre – una muerte ignominiosa de cruz. 187* En síntesis, la escena que
describe la pérdida y hallazgo en el templo podría ser un acontecimiento premonitorio, no obstante algunos autores disientan. 188
En otros términos, como explica De Fiores, el evangelista Lucas:
Traza una imagen de María recorriendo los caminos de la fe. Su no-comprensión del misterio pascual oculto en la respuesta de Jesús (Ambrosio)
muestra que el misterio del Señor permanece como un enigma insondable
para todos los creyentes. Pero “se trata de un ‘no comprender’ interrogativo, abierto a Dios, sin menoscabo de su inte­ligencia” 189.
La madre de Jesús se convierte así en modelo de discipulado, aunque
deba también enseñar a su hijo, como es propio a toda madre: “Fue, desde
187) * De hecho, Jesús durante su predicación, dentro del relato lucano, en tres oportunidades anunciará
que sufrirá, morirá y resucitará al tercer día (Lc 9, 22.43-44; 18, 31-33; 24, 6-7.26-27.44-46).
188) Discrepa de esta interpretación Muñoz Iglesias que no la considera probable. MUÑOZ IGLESIAS,
Op. Cit., p. 236. El mencionado autor, (Ibid. p. 248) cita como seguidores de esta hipótesis a LAURENTIN, René. Jésus au temple. Mystère de Pâques et foi de Marie en Luc 2, 48-50. Paris: Gabalda, 1996.
p. 101-115; DUPONT, Jacques. L’ Evangile de la Fête de S. Famille (Lc 2, 41-52) y Jésus à douce ans.
AssSeign 14 (1961) 24-43. ELLIOT, J.K. Does Luke 2, 41-52 anticipate the Resurrection? ExpTim 83
(1971-72) 87-89, y LEGRAND, Lucien. L’Annonce à Marie (Lc 1, 26-38). Une apocalypse aux origenes de l’Évangile. Lectio Divina, 106. Paris: du Cerf, 1981.
189) DE FIORES, Op. Cit., p. 105. Citando a Shürmann. Il vangelo di Luca, p. 269.
72
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
Pe. Santiago Ignacio Morazzani Arráiz, EP
el principio, discípula y maestra del Hijo. En esa tensión y proceso paradójico fue superando las dificultades de la fe, confirmando su opción por
el reinado de Dios a través de su propio proyecto de vida en Dios y desde Dios”. 190
En palabras de García-Viana, “esta fe reflexiva de María nos invita a los
creyentes a volver nuestra mirada a estos acontecimientos para descubrir en
ellos la luz que ilumine el camino de nuestra vida a servicio del evangelio de
Jesús”. 191 Así tenemos que la figura de María se perfila nítidamente como el
ideal más elevado del discípulo que escucha, guarda, reflexiona, contempla y
medita la palabra con amor, aunque el hic et nunc, por los designios misteriosos del Padre, puedan quedar en la oscuridad.
Sobre este particular se pregunta Clá Dias:
¿Por qué Nuestra Señora y San José no entendieron? Dios no les dio luces
para eso en aquel momento, a fin de que pidiesen tener mayor mérito, comprendiendo sólo más tarde las razones del comportamiento del Niño Jesús.
María no entendió las palabras de su hijo, pero (…) conservaba en su corazón “todas esas cosas” con amor, sabiendo que había una lección por detrás
de ese episodio. 192
En otros términos, para María, su hijo amado, el Mesías, será el eje en
torno al cual gravitarán todas sus preferencias y actividades. Los constantes ejercicios de oración contemplativa tendrán como sede su sapiencial corazón, al interior del que se sintetizarán elevadas operaciones de la inteligencia
y la voluntad, impregnadas de sentimientos de afecto, veneración y ternura.
Como explica Serra:
La que había sido la reflexión sapiencial de Israel y de cada Israelita fue
también herencia de María. Para comprender quién es Jesús, ella repite en
su interior el itinerario espiritual del pueblo del que desciende. En efecto,
¿cómo se comporta la Virgen ante todo lo que hace y dice Jesús, “sabiduría
de Dios”? (cf Cor 1, 24.30). Ella “conserva” el recuerdo de aquellos hechos
y de aquellas palabras (Lc 2, 19a.51b); pero no de una forma estática, pues-
190) LEÓN MARTÍN, Trinidad. María. In: FLORISTÁN, Casiano. Nuevo diccionario de Pastoral. Madrid: San Pablo, 2002. p. 867.
191) GARCÍA-VIANA, Luís Fernando. Evangelio según San Lucas. In: Comentario al Nuevo Testamento, 6a. ed. Estella: Verbo Divino, 2000. p. 198.
192) CLÁ DIAS, João Scognamiglio. ¿Cómo encontrar a Jesús en la aridez? In: Revista Heraldos del
Evangelio. Madrid. No. 77 (Dic., 2009), p. 15.
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
73
María, un corazón dócil ante la palabra de Dios
to que se esfuerza en profundizar en su sentido, meditándolas (literalmente:
“confrontándolas”) en su corazón (Lc 2, 19b: symbállousa). […] He aquí,
por consiguiente, el desarrollo dinámico de la fe de María: recordar para
profundizar, para actualizar, para interpretar 193.
Lo que sería, por excelencia, un ejercicio propio a la sabiduría:
Subraya el evangelista, “su madre guardaba todas estas cosas en su corazón” (v. 51b): a semejanza, se diría, de los sabios, que se recogen en meditación para rumiar los enigmas de la palabra de Dios. Y de esta manera,
como dice el Vaticano II, la Virgen avanzaba en la peregrinación de la fe
(LG 58). 194
6. Conclusiones
El presente trabajo, centrado en la perícopa 2, 41-52, unidad perteneciente a los primeros capítulos de la obra lucana, ha permitido llegar a las siguientes conclusiones.
En primer lugar, aplicando el método de crítica textual se identificaron las
variantes más destacadas, según atestiguan los manuscritos más importantes
a disposición. Se comprobó que ellas no dificultan el sentido léxico y teológico del texto. La perícopa no presentó “puntos críticos” y se puede afirmar que
tuvimos ante nosotros la reconstrucción de un texto seguro.
La traducción literal acompañada de una segmentación permitió una visualización más precisa de la articulación y correlación de los elementos gramaticales que conforman el texto. La presentación de una traducción dinámica o
funcional aproximó el texto para el lector contemporáneo.
Antes de entrar en el estudio de Lc 2, 41-52, con base en algunos de los
más destacados estudiosos del evangelio lucano, se demostró que los capítulos 1-2 — llamados de “evangelio de la infancia” — corresponden a textos
con una clara unidad y coherencia. En otros términos, ambos capítulos son
inseparables, al grado de ser definidos por ciertos autores como un “prólogo
193) SERRA, Aristide. María en el Antiguo Testamento. In: ROSSANO, Pietro, RAVASI, Gianfranco,
GHIRLANDA, Antonio. Nuevo Diccionario de Teología Bíblica, 2.ed., Madrid: San Pablo, 1990, p.
1129.
194) Ibid., p. 1129.
74
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
Pe. Santiago Ignacio Morazzani Arráiz, EP
cristológico”, una “magistral obertura” de todo el evangelio lucano y Hechos
o un “evangelio en miniatura”.
Quedó además en evidencia que Lucas compuso la narrativa de estos dos
capítulos sobre la base de siete escenas-pivote, de acuerdo a un paralelismo
entre los anuncios y nacimientos de Juan Bautista y Jesús.
Por otra parte, se analizaron algunas de las características literarias de
la perícopa 2, 41-52, que indicaron tratarse de una unidad textual independiente, que narra acontecimientos únicos y específicos, quedando
en evidencia la intención redaccional del autor: desatacar la sabiduría,
la filiación divina y la gracia que caracterizan a Jesús. En síntesis, al
momento de organizar una estructuración del texto se verifica que éste
no ofrece dificultades. Como fue estudiado, el texto presenta un sistema
de correlaciones entre sus diversos elementos que le confieren una evidente cohesión.
No deja de ser interesante comprobar las encontradas opiniones que
motiva este texto, 2, 41-52, cuando los autores intentan determinar su origen. Para algunos sería una composición añadida, para otros un conjunto original de la obra. Con todo, la opinión unánime es que la perícopa
plantea numerosos desafíos teológicos dignos de ser estudiados. En este
sentido, al concluir la primera parte del trabajo se mostró el alto interés
“kerigmático” del evangelista al redactar este “evangelio de la infancia”.
Era necesario que gentiles, judíos de habla griega y los primeros cristianos, conocieran en detalles la figura de Jesús de Nazaret, pues no se trata
de un personaje mítico o legendario, sin arraigo en la historia. Por el contrario, Él es el verdadero Hijo de Dios, el Mesías, el Redentor, quien en un
momento decisivo de la historia humana se anonadó a sí mismo, muriendo
y resucitando, salvando así a su pueblo y a la humanidad, según lo anunciado por los profetas.
En el capitulo II se presentó la opinión de los exegetas al momento de analizar las posibles correlaciones entre los “evangelios de la infancia” lucanos y
mateanos. Los referidos especialistas son unánimes en señalar el desconocimiento entre Lucas y Mateo y viceversa.
El estudio sobre las posibles fuentes de Lucas, demostró que la temática
plantea un cúmulo de conjeturas en el mundo académico. Para algunos, el
tercer evangelista habría tenido acceso a un texto original escrito en hebreo,
próximo a ciertos círculos levíticos de Jerusalén. Lucas, gran conocedor
de la lengua griega, habría realizado su traducción. Otros afirman tratarse de un texto en arameo y finalmente no faltan los que opinan que utili
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
75
María, un corazón dócil ante la palabra de Dios
zó un texto semítico ya traducido al griego. Con todo, las conjeturas alcanzan su zenit cuando se indaga al respecto de las fuentes orales. Es el propio
Lucas que las señala al iniciar su obra: “testigos oculares y ministros de la
palabra” (Lc 1, 2). Es así como no pocos autores levantan la hipótesis de ser
María, la madre de Jesús, la fuente directa o indirecta de estos relatos lucanos, pues en dos ocasiones la menciona en estribillos paralelos de modo elogioso (2, 19. 52):
19 “María conservaba todas estas palabras y las meditaba en su corazón.”
52 “Y su madre guardaba todas estas palabras en su corazón.”
Dada la trascendencia que estos dos versículos desempeñan en los relatos
de la infancia, se realizó un análisis semántico, determinando el sentido que
los conceptos, “corazón”, “guardar” o “conservar”, “palabra” y “meditar” tienen dentro del contexto bíblico, tomando como referencia la versión de los
LXX y el texto masorético.
En la parte final se concluye que la perícopa 2, 41-52 se presenta como la
culminación — dentro del conjunto de confesiones cristológicas — de todo
Lc 1-2. Dentro de la trama textual, María se erige como la figura modelo del
discípulo(a) que conserva, medita y guarda la palabra de Dios de modo sabio
y amoroso, inclusive cuando no comprende cabalmente sus designios misteriosos e insondables.
La contemplación de la madre de Jesús, constituye, como enseña Martini,
una invitación para penetrar en su corazón y “establecer un dialogo con ella,
para que nos enseñe esa actividad afectiva y espiritual que nos permita profundizar el misterio de Cristo en su totalidad”. 195
Esta actitud reflexiva, de quien procura entrar en sintonía con el Señor,
corresponde a una sublime práctica de espiritualidad, fruto del don de la sabiduría, que en nuestros días se vuelve apremiante. En efecto, como afirma
Pagola:
La ausencia de silencio ante Dios, la falta de escucha interior, el descuido del Espíritu están llevando a la Iglesia a una “mediocridad espiritual”
generalizada. K. Rahner consideraba que el verdadero problema de la Iglesia contemporánea es “seguir tirando con una resignación y un tedio cada
vez mayores por los carriles habituales de una mediocridad espiritual” (Lo
dinámico en la Iglesia. Herder. Barcelona 1968; La experiencia del Espíritu.
Narcea. Madrid 1980). (…)
195) MARTINI, Op. Cit. p. 120.
76
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
Pe. Santiago Ignacio Morazzani Arráiz, EP
En la Iglesia hay actividad, trabajo pastoral, organización, planificación
pero, con frecuencia, se trabaja con una falta alarmante de “atención a lo
interior”, buscando un tipo de eficacia inmediata y visible, como si no existiera el misterio o la gracia. 196
Sin duda, esta “mediocridad espiritual” y esta falta de “atención interior”
tiene sus reflejos en una crisis que se manifiesta en los individuos, en la familia y en las costumbres; en el egoísmo de los hombres y mujeres contemporáneos, en el materialismo de la vida, en la secularización de la sociedad temporal, en la descristianización de las masas, en el relativismo moral y en la
indiferencia religiosa. En último análisis, múltiples aspectos de una sola crisis fundamental, que tiene su raíz está en los problemas más profundos del
alma humana y que se extienden para todos los aspectos de la personalidad
del hombre contemporáneo. 197
La humanidad del siglo XXI necesita urgentemente de una renovación —
como medio de afrontar y superar los desafíos cruciales en los que se debate
— y ésta debe comenzar a realizarse necesariamente en el ámbito del corazón
humano y de la vida espiritual. Pero, ¿dónde podremos encontrar los parámetros adecuados y verdaderamente equilibrados para alcanzar esa tan deseada
renovación, sino en el modelo de la contemplación admirativa e sapiencial del
Corazón de María? La voz de la Iglesia, por medio de los papas, no cesa de
aconsejar a la humanidad a mantener vivo el recuerdo del ejemplo mariano.
Concluyamos con las palabras que el Bienaventurado Juan Pablo II dirigió a
todos los fieles, en el primer día del nuevo milenio, al comentar los versículos
de Lucas que este trabajo ha focalizado:
“Su madre guardaba todas estas cosas en su corazón” (Lc 2,51).
Hoy, primer día del año nuevo, en el umbral de un nuevo año, de este nuevo milenio, la Iglesia recuerda esa experiencia interior de la Madre de Dios.
Lo hace no sólo volviendo a reflexionar en los acontecimientos de Belén,
Nazaret y Jerusalén, es decir, en las diversas etapas de la existencia terrena
del Redentor, sino también considerando todo lo que su vida, su muerte y su
resurrección han suscitado en la historia del hombre.
196) PAGOLA, José Antonio. Silencio y escucha frente a la cultura del ruido y la superficialidad. [En línea] <Disponible en: http://www.conocereisdeverdad.org/website/index.php?id=2522 [Consulta: 11
Jul., 2010].
197) CORREA DE OLIVEIRA, Plinio. Revolução e Contra-Revolução. São Paulo: Retornarei, 2002. p. 21.
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
77
María, un corazón dócil ante la palabra de Dios
María estuvo presente con los Apóstoles el día de Pentecostés; participó
directamente en el nacimiento de la Iglesia. Desde entonces, su maternidad
acompaña la historia de la humanidad redimida, el camino de la gran familia humana, destinataria de la obra de la redención.
Oh María, al comienzo del año 2000, mientras avanzamos en el tiempo
jubilar, confiamos en tu “recuerdo” materno. Nos ponemos en este singular
camino de la historia de la salvación, que se mantiene vivo en tu corazón de
Madre de Dios. Te encomendamos a ti los días del año nuevo, el futuro de la
Iglesia, el futuro de la humanidad y el futuro del universo entero. 198
198) JUAN PABLO II. Homilía en la apertura de la puerta santa de la basílica de santa María la Mayor, 1 de
enero de 2000. In: Alabanza a la Trinidad, el hombre y su encuentro con Cristo, catequesis del gran jubileo. Madrid: Palabra, 2002. p. 186-187.
78
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
O significado de perfeição
no contexto de Mateus (5, 48)
Thiago de Oliveira Geraldo 1
1. Contextualização histórica:
análise pragmática e aspectos circunstanciais
No presente capítulo se pretende fazer um esquema geral do Evangelho de
Mateus, a fim de situar o Sermão da Montanha neste contexto. Os comentários acerca do sermão (cap. 5-7), em Mateus, são apenas clave de interpretação e aproximação do texto proposto.
Quando se fala de Evangelho, refere-se a uma mesma realidade inspirada sobre o ponto de vista peculiar dos escritores humanos. Três momentos
podem ser citados para relatar a redação dos Evangelhos: a vida e ensinamentos de Jesus, a pregação apostólica (entre os anos 30 e 60), e a redação dos
Evangelhos (entre os anos 60 e 90).
Acerca da ordem e das fontes dos Evangelhos, alguns estudiosos 2 têm a
concepção de que Mateus e Lucas trazem como fonte de sua redação a Marcos e os ensinamentos do Senhor (a fonte “Q”), 3 além de Mateus possuir um
patrimônio próprio. 4
1) O autor é Arauto do Evangelho, especialista em teologia tomista pelo Centro Universitário ÍtaloBrasileiro (UNIÍTALO), mestre em teologia com ênfase em bíblica pela Universidade Pontifícia Bolivariana (UPB, Medellín — Colômbia), e doutorando em teologia pela mesma universidade. Atualmente
faz parte do Corpo editorial da Revista Arautos do Evangelho.
2) DENZINGER-HÜNERMANN, Heinrich. Compêndio dos símbolos, definições e declarações de fé e
moral. Trad. José Marino e Johan Konings. São Paulo: Paulinas — Loyola, 2007. p. 1467 (n. 3562). Segundo a Resposta da Comissão Bíblica a 19 de junho de 1911 (Pergunta 2), o Evangelho de Mateus escrito em língua pátria, precede aos demais Evangelhos na data de redação. No entanto, o documento da
PCB expedido a 15 de abril de 1993, diz que esta hipótese acerca da fonte “Q” e Marcos é a mais aceita na exegese científica atualmente.
3) CASCIARO, José Maria. Nuevo Testamento. Pamplona: Eunsa, 2004. p. 41. “Alguns propõem que o
Evangelho de Mateus na língua dos hebreus de que fala Papias [Cf. Eusébio de Cesareia, História Eclesiástica 6, 14, 4], e do que só nos restou essa menção, seria em realidade este documento Q, que mais
tarde, traduzido ao grego, e confrontado com o Evangelho de Marcos, deu lugar ao Evangelho de Mateus canônico”.
4) LOPEZ, Luíz José Castellanos. Evangelio de San Mateo. Bogotá: Paulinas, 1981. p. 7.
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
79
O significado de perfeição no contexto de Mateus (5, 48)
O Evangelho de Mateus 5 pode ser considerado uma narrativa. Uma narrativa da história de Jesus prepara um relato que atravessa toda a sua vida (nascimento-ressurreição). Em sua trajetória pode-se notar primeiramente uma
atuação na Galileia e posteriormente em Jerusalém. 6
O evangelista se utilizou de uma estrutura doutrinal composta de cinco
partes, que são cinco discursos proferidos por Jesus para um público específico: ora para os discípulos, ora para uma multidão, ora para ambos. 7 Este
número “cinco” em elementos é importante em Mateus.
Esta estrutura dos discursos no Evangelho de Mateus pode ser representada no seguinte quadro:
Figura 1. Os cinco grandes discursos de Jesus. 8
Sermão da
Montanha
As
instruções
sobre a
missão
Mt 5-7
Mt 10
O ensino em
parábolas
Conselhos
sobre a
vida da
comunidade
Sermão
sobre a
plenitude
dos tempos
Mt 13
Mt 18
Mt 24-25
O Jesus que Mateus caracteriza é um Jesus que lembra a Moisés, o que dá
um sentido mais profundo ao livro do Deuteronômio. 9 No Evangelho Mateano se percebe uma semelhança entre a vida de Jesus e Moisés: Jesus é o
5) POITTEVIN, P. Le e CHARPENTIER, E. El evangelio según san Mateo. Navarra: Verbo Divino, 1976.
p. 17. Entre os escritos do Novo Testamento, o Evangelho de Mateus pode ser considerado como a literatura cristã mais influente até as últimas décadas do século II. O cristianismo se estabeleceu sobre seu
Evangelho, tornando-se norma de vida cristã. Por isso, foi denominado como o Evangelho “eclesial”.
MASSAUX, E. Influence de l’évangile de saint Matthieu sur la littérature chrétienne avant saint Irénée.
Louvain, 1950. p. 651 e 654.
6) LEVORATTI, Armando J.; TAMEZ; Elza y RICHARD, Pablo. Comentario bíblico latinoamericano:
Nuevo Testamento. Estella, Navarra: Verbo Divino, 2003. p. 275.
7) HENAO MESA, Jairo Alberto; MONTOYA MEJÍA, Francisco. El Evangelio según San Mateo: el
evangelio de la iglesia discípula. Bogotá: Instituto San Pablo Apóstol, 2007. p. 27.
8) JEREMIAS, Joachim. Estudos no Novo Testamento. Trad. Itamir Neves de Souza — João Rezende
Costa. São Paulo: Academia Cristã, 2006. p. 91; HENAO MESA e MONTOYA, Op. Cit., p. 26.
9) BENTO XVI (Joseph Ratzinger). Jesus de Nazaré. São Paulo: Planeta Brasil, 2007. p. 74. Trad. de José Jacinto Ferreira de Ferreira, SCJ. “Deveria ter-se tornado claro que o Sermão da Montanha é a nova Torá que Jesus traz”.
80
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
Thiago de Oliveira Geraldo
novo Moisés. Antes de morrer, Moisés dá a síntese de tudo o que ensinou —
o significado do Êxodo, do Sinai e da Lei judaica — expressando-a em cinco
grandes discursos no livro do Deuteronômio. Seguindo este esquema, Mateus
está mostrando que seu Evangelho é a síntese de tudo o que Jesus significou
e ensinou. 10
Além desta divisão dos discursos de Jesus, ainda se pode fazer outra divisão mais ampla do Evangelho de Mateus em dois grandes blocos: a atividade
de Jesus na Galileia (infância e preparação do ministério) e o segundo bloco
se subdivide em dois momentos (caminho da Galileia a Jerusalém e as atividades e sucessos na Cidade Santa). 11
Como seus destinatários, Mateus tem a judeus convertidos ao cristianismo, 12
e isso se supõe por muitas características encontradas em seu Evangelho. As
expressões como “Reino dos Céus”, “Pai Celestial”, “casa de Israel”, entre
outras, indicam a proveniência de seus ouvintes. 13 No Evangelho de Mateus,
Jesus é apresentado em sua majestade e dignidade (Pantokrátor). 14
O fato de o Evangelho estar escrito em grego na sua forma atual (e não
em aramaico) denota ter sido redigido fora de Jerusalém. Talvez essa hipótese se possa firmar com base na queda de Jerusalém no ano 70 d.C.; 15 com
isso, os cristãos tiveram de refugiar-se em outro lugar. Este provável refúgio dos cristãos seria em Antioquia da Síria, onde havia comunidades cristãs. Também tinham se refugiado na Fenícia e em Chipre. Os de origem
judaica pregavam a Boa Nova apenas aos judeus, mas quando alguns cipriotas e cirenenses convertidos chegaram a Antioquia, anunciaram Jesus também aos gregos. 16
Este quadro histórico permite conjecturar Antioquia como a provável
região onde foi escrito o Evangelho de Mateus. A crítica está em acordo ao
10) HENAO MESA e MONTOYA, Op. Cit., p. 27.
11) CASCIARO, Op. Cit., p. 59.
12) POITTEVIN, P. Le e CHARPENTIER, E. El evangelio según san Mateo. Navarra: Verbo Divino,
1976. p. 13. “Para quem se escreveu o Evangelho de Mateus? Sem dúvida alguma, em primeiro lugar
para as comunidades cristãs de Síria e de Palestina do norte, das que formava parte o próprio autor”.
13) Mt 5, 18-19.
14) THEISSEN, Gerd. El Nuevo Testamento: historia, literatura, religión. Santander, Sal Terrae, 2003. p.
152. Trad. María del Carmen Blanco Moreno y Ramón Alfonso Díez Aragón. “No EvMt encontramos
um cristianismo ético consequente de cunho judeu-cristão. O Jesus mateano quer cumprir a tradição judia (a Lei e os Profetas) atendo-se à sua verdadeira intenção (5, 17)”.
15) LEVORATTI, Op. Cit., p. 275.
16) At 11,19-20.
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
81
O significado de perfeição no contexto de Mateus (5, 48)
dizer que a versão em aramaico do Evangelho de Mateus (da qual fala Papias),
data entre os anos de cinquenta a setenta; e a versão grega, que é a canônica,
uns vinte anos depois. 17
A Igreja, através de seu Magistério, diz que se deve admitir uma unidade substancial entre o texto grego e o texto aramaico, 18 uma vez que no texto
grego se manteve a estrutura semítica. 19
A comunidade mateana era composta em sua estrutura de judeus convertidos, mas nesta comunidade eclesial havia um vínculo com o judaísmo; chegaria um momento onde estes judeus deveriam tomar sua posição ante o judaísmo oficial. Em seu Evangelho, Mateus sem deixar o Primeiro Testamento vai
indicando uma descontinuidade com o judaísmo oficial, pois foi Jesus quem
deu sequência ao Testamento.
No que diz respeito às características teológicas e literárias do Evangelho
Mateano, tem-se em primeiro plano um Evangelho didático: há uma unidade
no texto, onde o evangelista deixa claro uma intenção de transmitir certo conteúdo. 20 Por outro lado, este Evangelho também se caracteriza pelos discursos
do Senhor, cinco em geral, pois há outros menores: como aos fariseus e aos
escribas (motivo de controvérsias entre eles e Jesus). 21
Por fim, este Evangelho possui a característica do cumprimento. Mateus
se esmera por mostrar como em Jesus se cumpriu o Antigo Testamento. Para
Mateus, Jesus de Nazaré é o verdadeiro Messias de Israel, que realiza as promessas do Antigo Testamento; é Filho de Deus que atua na terra (também por
meio de seus discípulos).
Estes pressupostos permitem fazer um quadro demonstrativo-comparativo
da relação do Sermão da Montanha dentro do Evangelho de Mateus:
17) CASCIARO, Op. Cit., p. 62.
18) JEREMIAS, Op. Cit. p. 93. Defende que: “Existe, por conseguinte, subjacente ao Sermão da Montanha e ao Discurso da Planície, uma tradição aramaica comum”.
19) Resposta da Comissão Bíblica, 19 jun. 1911. (Pergunta 5). Apud DENZINGER-HÜNERMANN,
Heinrich. Compêndio dos símbolos, definições e declarações de fé e moral. São Paulo: Paulinas –
Loyola, 2007. (n. 3565). Trad. José Marino e Johan Konings.
20) LOPEZ, Op. Cit. p. 12-13.
21) CASCIARO, Op. Cit., p. 63.
82
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
Thiago de Oliveira Geraldo
Figura 2. Características do Evangelho de Mateus
Evangelho de
Mateus
Destinatários:
judeus convertidos ao cristianismo
Características
Teológicas e Literárias
Evangelho
Didático
Cinco discursos
de Jesus
Sermão da
montanha
Evangelho do
Cumprimento
Feita esta introdução geral acerca do Evangelho de Mateus, cabe um
comentário sobre o primeiro grande discurso proferido por Jesus: o Sermão
da Montanha. A estrutura deste sermão pode ser representada da seguinte
forma:
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
83
O significado de perfeição no contexto de Mateus (5, 48)
Figura 3. Estrutura do Sermão da Montanha 22
Situação: Jesus, a multidão e os discípulos 5, 1-2
Pertencer ao Reino 5, 3-16
Cumprimento da Lei 5, 17-20
Relação com o Próximo 5, 21-48
Relação com Deus 6, 1-18
Relação com as Coisas 6,19 - 7,11
Cumprimento da Lei 7,12
Pertencer ao Reino 7,13-27
Situação: Jesus e a multidão 7,28 - 8,1
Por meio deste esquema se percebe uma relação interna neste discurso:
em primeiro lugar, uma relação para com Deus (o centro máximo do discurso); também há uma relação com o próximo, cuja consequência será a relação
com as coisas. A narração de Mateus é organizada e com um objetivo determinado.
Há uma situação inicial que coincide com a final; o tema geral versa acerca
do Reino de Deus. A Lei é o meio para atingir a meta, Jesus será o verdadeiro intérprete desta Lei; é com a luz de Jesus que o Antigo Testamento se torna
compreensível. 23 O caminho proposto por Mateus pretende criar uma tríplice
relação: Deus-próximo-coisas.
Acerca deste discurso pode-se dizer que houve três grandes interpretações no intuito de descobrir seu verdadeiro sentido. O primeiro deles
22) HENAO MESA e MONTOYA, Op. Cit. p. 63.
23) LOPEZ, Op. Cit. p. 8.
84
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
Thiago de Oliveira Geraldo
se trata da “concepção perfeccionista”, que tentou mostrar no Sermão da
Montanha preceitos morais a serem praticados, como os mandamentos.
Também se tem a “teoria do ideal inatingível” que foi a proposta oferecida
pela ortodoxia luterana. Esta escola prega máximas inatingíveis pelo ser
humano, afirmando que Jesus quis transmitir a ideia de que com as próprias forças é impossível praticar estes preceitos. Por fim, o terceiro intento de resposta ao problema do Sermão da Montanha consiste em uma “ética de emergência”: Trata-se de uma concepção do sermão aplicado a um
caso em estado extremo; Jesus não o fez com a intenção de sua utilização diária, senão para uma ocasião onde a catástrofe é iminente (como em
caso de morte). 24
Destas tentativas de compreensão do Sermão da Montanha, resulta um
denominador comum, e este se refere à ideia de Lei. Nos comentários se
ressalta o papel da Lei em uma situação inadequada para este discurso de
Jesus. 25 Ele mais do que oferecer a prática da Lei, quer interiorizá-la. 26 A ação
posterior será a consequência do amor.
Como cenário para este sermão tem-se a montanha. Geralmente o monte,
na perspectiva bíblica, é o lugar do encontro com Deus. Certamente devido à
sua altura e do mistério que a envolve, a montanha, na maioria das religiões é
o lugar onde a terra e o céu se encontram. 27
Aparece aqui um lugar de comunicação, um ambiente propício para Deus
revelar-Se. “Vendo aquelas multidões, Jesus subiu à montanha. Sentou-se
e seus discípulos aproximaram-se dele. Então abriu a boca e lhes ensinava,
dizendo” (Mt 5, 1-2). Estes versículos dão uma clave de leitura para todo o
sermão.
24) JEREMIAS, Joachim. Estudos no Novo Testamento. Tradução de Itamir Neves de Souza – João Rezende Costa. São Paulo: Academia Cristã, 2006. p. 79-90.
25) JEREMIAS, Op. Cit., p. 90. “As três tentativas de solução que acabamos de discutir apresentam, não
obstante sua diversidade, um caráter comum: consideram o Sermão da Montanha como uma Lei. Ora,
que esta Lei seja, mais precisamente, perfeccionismo, pedagogia da salvação ou moral de emergência,
afinal pouco importa. Pois toda interpretação legalista situa Jesus na esfera do judaísmo tardio. A primeira teoria faz dele um doutor da Lei; a segunda, um arauto da penitência; a terceira, um apocalíptico”.
26) LÉON-DUFOUR, Xavier. L’évangile selon saint Matthieu, p. 92. Apud POITTEVIN e CHARPENTIER, Op. Cit. p. 34. Assim exprime esta interioridade da Lei: “No coração de cada ação, a intenção religiosa. No coração de toda ação religiosa, o amor. No coração de todo ato de amor, o absoluto”.
27) DUFOUR, Xavier Leon S. J. Vocabulário de teologia Bíblica. Petrópolis: Vozes, 1972. p. 611. Trad. de
Frei Simão Voigt O.F.M.
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
85
O significado de perfeição no contexto de Mateus (5, 48)
Aqui há um conflito com o Evangelho de Lucas no tocante ao lugar desta
narrativa: “Descendo com eles, parou numa planície” (Lc 6, 17a). Lucas não
apresenta um monte, mas sim uma planície onde Jesus falou a seus discípulos
e à multidão. Esta aparente contradição pode ser interpretada segundo a hipótese de que tais ditos de Jesus podem ter-se dado em diversas ocasiões para
públicos distintos, e isso faz com que este discurso seja corrente, mais do que
estar determinado a certa ocasião e a um público restrito. 28 Mas esta discussão não deve ter muita gravidade, devido ao formato da montanha, que pode
ser vista sob os dois aspectos. O importante é ter em conta a dimensão simbólica: a montanha de Moisés e a planície do povo peregrino, pois ambas as
situações remetem a um símbolo do Êxodo.
Nesta narrativa é comumente aceita a comparação entre Moisés no monte
Sinai e Jesus no monte das bem-aventuranças. 29 Isto se observa claramente na
estrutura do Evangelho Mateano, onde os cinco discursos de Jesus se equiparam aos cinco discursos de Moisés. 30
Outra clave interpretativa para o Sermão da Montanha é a ideia de Jesus
como Mestre; Jesus enquanto docente sobe em sua cátedra (a montanha),
se senta e começa a ensinar aos seus discípulos. 31 Jesus é o novo Moisés,
o “Moisés da Nova Aliança”, e seu discurso é a “Torá do Messias”, que
vem com uma doutrina dotada de autoridade; portanto, é aquele que ensina como Mestre. 32 Isto indica que, sendo Mestre, deve ser seguido por meio
do discipulado.
Jesus já havia chamado seus discípulos (Mt 4, 18-22), mas no Sermão da
Montanha está, de um lado, o fortalecimento dos discípulos para seguirem o
Mestre em seu itinerário; e por outro, a multidão indica o caráter universal do
28) CARDONA RAMÍREZ, Hernán y OÑORO CONSUEGRA, Fidel. Jesús de Nazareth en el Evangelio
de San Mateo: comentarios bíblicos al ciclo litúrgico A. Medellín: UPB, 2007. p. 183.
29) FERREIRA, Francisco Albertini. As Bem-aventuranças de Jesus no Evangelho de Mateus. Aparecida:
Santuário, 1999. p. 16. Diferentemente de Moisés que sobe sozinho o Sinai, Jesus leva consigo seus discípulos. Mostra com isso, que uniu a distância que separava seus seguidores do Reino de Deus.
30) CARDONA RAMÍREZ, Op. Cit. p. 184. “Os três planos do cenário (Jesus, os discípulos e a multidão)
lembram a Moisés quando sobe à montanha junto com os anciãos (Êx 24, 1), enquanto aos pés da montanha permanece o povo. Então começa o ensinamento”.
31) BENTO XVI (Joseph Ratzinger). Jesus de Nazaré. São Paulo: Editora Planeta Brasil, 2007. p. 72.
Trad. de José Jacinto Ferreira de Ferreira, SCJ.
32) BENTO XVI, Op. Cit. p. 101. “O Eu de Jesus avança para uma dignidade que nenhum doutor da Lei
podia permitir-se”.
86
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
Thiago de Oliveira Geraldo
discurso de Jesus. 33 Com isto, estabelece que todo aquele que escuta as palavras de Jesus pode tornar-se discípulo. 34
O conteúdo do Sermão da Montanha é a relação Jesus-discípulo presente no Evangelho, e portanto, um convite ao discipulado. A pregação de Jesus
é para todos, sem restrição; Deus fala a todos, pois há diversas formas (vocações) de segui-lo. O quadro abaixo mostra a relação que Jesus estabelece por
meio de seu discurso:
Figura 4. Convite ao discipulado
JESUS
Discurso
Multidão
Discípulos
Convite ao discipulado
Deus convida o homem a estabelecer uma relação com Ele. Isto é possível
através de seu Filho, Jesus Cristo, que é a revelação (o exemplo) do modo que
o homem deve viver:
O Sermão da Montanha esboça, como vimos, um quadro envolvente do
modo correto de ser homem. Quer mostrar-nos como é que se faz para
ser homem. A sua visão fundamental poderia resumir-se na afirmação: o
homem só se entende a partir de Deus e só quando vive na relação com
Deus é que a sua vida é correta. Mas Deus não é um distante desconhecido.
33) THEISSEN, Op. Cit. p. 155. “Interpreta a Torá judia de tal modo que a aplica aos gentios e aos judeus
em todo o mundo”.
34) MATEOS, Juan e CAMACHO, Fernando. O Evangelho de Mateus. São Paulo: Paulinas, 1993. p. 61.
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
87
O significado de perfeição no contexto de Mateus (5, 48)
Em Jesus, Ele nos mostra o seu rosto; no Seu agir e na Sua vontade, conhecemos os pensamentos e a vontade de Deus. 35
2. A perícope de Mt 5, 21-48
numa visão linguístico-sintática geral
A finalização encontrada em Mt 5, 48 cuja estrutura se estende para Mt
5, 21-48 e mesmo dentro desta como componente do Sermão da Montanha
Mt 5-7, fornece elementos para uma compreensão do lexema perfeição nesta perícope.
Na estrutura do Sermão da Montanha, após Jesus mostrar o prêmio aos
μακάριοι (“bem-aventurados”, vs. 3-11), chamar os discípulos de ἅλας τῆς
γῆς - φῶς τοῦ κόσμου (“sal da terra”, v. 13 e “luz do mundo”, v.14), assegurado τὸν νόμον ἤ τοὺς προφήτας (“a Lei e os profetas”, v. 17), vai agora entrar
nos detalhes da Lei antiga, aperfeiçoando-a com um novo ensinamento.
As seis antíteses do Sermão da Montanha são precedidas pela ideia de que
os discípulos devem ter uma justiça maior que a dos escribas e fariseus (v.
20a). Isto indica que a fórmula Ἠκούσατε ὅτι ἐρρέθη τοῖς ἀρχαίοις (“Ouvistes
que foi dito aos antigos”, v. 21a) já não era suficiente para entrar no Reino dos
Céus prometido por Jesus. Mateus, ao utilizar a expressão οὐ μὴ εἰδέλθητε
εἰς τὴν βασιλείαν τῶν οὐρανῶν (“não entrareis no Reino dos Céus”, v. 20b)
no subjuntivo aoristo ativo, 36 reforça a ideia de que os discípulos deveriam ter
mais justiça do que a τῶν γραμματέων καὶ φαρισαίων (“dos escribas e fariseos”, v. 20a). 37
As antíteses indicam uma mudança de mentalidade, e esta é a novidade
trazida por Jesus. É possível verificar as contraposições entre a Lei mosaica e
o acréscimo de Jesus: matar — ofensa (5, 21-26); adultério — olhar (5, 27-30);
divórcio — matrimônio indissolúvel (5, 31-32); juramento — sim e não, linguagem clara (5, 33-37); lei de talião — generosidade (5, 38-42); odiar aos
inimigos — orar por sua conversão (5, 43-47). As antíteses se fecham com a
35) BENTO XVI, Op. Cit., p. 121.
36) FRIBERG, Timothy e FRIBERG, Barbara. Novo Testamento grego analítico. São Paulo: Vida Nova, 1987. p. 13.
37) DEMOSS, Matthew S. y SARTOR JR., Paulo. Dicionário gramatical do Grego do Novo Testamento.
São Paulo: Vida, 2004. p. 161. Ressalta que a expressão οὐ μὴ εἰδέλθητε também pode ser chamada de
subjuntivo enfático de negação, por trazer consigo as negativas οὐ e μή as quais expressam uma negação forte que irá acontecer. Ademais, pode ser considerada como subjuntivo em declarações negativas.
88
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
Thiago de Oliveira Geraldo
grande proposta de Jesus: “Sede perfeitos como vosso Pai celeste é perfeito”
(5, 48).
A fórmula adotada por Jesus nas seis antíteses que precedem o v. 48
— onde está descrita a plenitude do discipulado — será a de Ἠκούσατε
ὅτι ἐρρέθη τοῖς ἀρχαίοις (“Ouvistes que foi dito aos antigos”, v. 21a), 38
com suas variações nos versículos subsequentes: Ἠκούσατε ὅτι ἐρρέθη
(“Ouvistes que foi dito”, v. 27); Ἐρρέθη δέ (“Foi dito também”, v. 31);
Πάλιν ἠκούσατε ὅτι ἐρρέθη τοῖς ἀρχαίοις (“Ouvistes também que foi dito
aos antigos”, v. 33); Ἠκούσατε ὅτι ἐρρέθη (“Ouvistes que foi dito”, v. 38);
Ἠκούσατε ὅτι ἐρρέθη (“Ouvistes que foi dito”, v. 43). Em contraposição
com a tradição até então vigente, vem o acréscimo de Jesus por meio da
fórmula ἐγώ δὲ λέγω ὑμῖν (“Mas eu vos digo”, vv. 22.28.32.34.39.44); 39
aqui, porém, não há variação como na fórmula anterior, onde pode se ressaltar que a nova doutrina ensinada por Jesus é una e dotada de potência,
sobretudo quando Mateus utiliza do pronome pessoal na primeira pessoa
do singular ἐγώ (“eu”).
A perícope de Mt 5, 21-48 apresentada num plano genérico, fornece três momentos onde se desenvolvem as antíteses até chegar à sua definição (v. 48): momento de repetição (vv. 21.27.31.33.38.43); momento de antítese (vv. 22.28.32.34a.39.44); momento parenético (vv. 23-26.29-30.34b-37.3
9b-42.45-48).
Na sexta antítese será revelado onde Mateus pretende conduzir seus leitores e o modo para se atingir este objetivo. Sua estrutura pode ser representada da seguinte maneira: momento de repetição (v. 43); momento de antítese
(v. 44); momento parenético (vv. 45-47); desfecho das seis antíteses e proposta paradigmática de como deve ser o discípulo (v. 48).
Por sua vez, o momento parenético indica algumas fases na relação entre
os elementos desta antítese: aproveitando o momento de antítese (v. 44),
Mateus inclui por meio da conjunção subordinada ὅπως (“para que”, v. 45a)
a condição para tornar-se υἱοι τοῦ πατρὸς ὑμῶν τοῦ ἐν οὐρανοῖς (“filhos do
vosso Pai que está nos céus”, v. 45a). Pode-se encontrar nos vv. 46-47 três
38) PIROT, Louis e CLAMER, Albert. La Sainte Bible. Paris: Letouzey et Ané, 1950. p. 62. Tome IX: “Esta
longa perícope se desenvolve segundo um plano uniforme: inicialmente o apelo da Lei mosaica, sempre
com a mesma fórmula: Vós ouvistes o que foi dito aos antigos (21, 23); ou o que foi dito (27); ou simplesmente: foi dito (31). A seguir vem a interpretação pessoal de Jesus, rompida claramente pela antítese: Mas Eu vos digo. Enfim uma exortação que segue estes vigorosos artigos do código”.
39) EGGER, Wilhelm. Metodologia do Novo Testamento. São Paulo: Loyola, 1994. p. 80. Trad. de Johan
Konings e Inês Borges. Evidencia que a frequência de alguns vocábulos pode fornecer a estrutura residente em determinada perícope.
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
89
O significado de perfeição no contexto de Mateus (5, 48)
fases proporcionais: vv. 46a.46b.46c.47a.47b.47c, indicando uma relação de
atitude (a), valor de reconhecimento (b) e paralelo com os não-praticantes
da Lei (c).
Em 46a e 47a tem-se uma oração subordinada precedida pelo termo ἐάν
(“se”) em ambos os casos; no entanto, 46a tem o reforço da conjunção subordinada γὰρ (“pois”) antes de ἀγαπήσητε (“amais”) no subjuntivo aoristo
ativo, enquanto que 47a é sucedido pelo subjuntivo aoristo média depoente ἀσπάσησθε (“saudais”). Num plano linear, os vv. 46a.47a apresentam a
seguinte estrutura:
Figura 5. Estrutura de 46a e 47a
Estrutura de:
46a
Conjunção subordinada:
ἐάν γὰρ
ἀγαπήσητε
τοὺς
ἀγαπῶντας
ὑμᾶς
Verbo:
Artigo definido:
Verbo**/substantivo:
Pronome:
Adjetivo pronominal:
47a
*
-
ἐὰν
ἀσπάσησθε
τοὺς
ἀδελφοὺς
ὑμῶν
μόνον
* NOLLI, Gianfranco. Evangelo secondo Matteo. 2a ed. Città del Vaticano: Editrice Vaticana, 1996. p.
120. “Conjunção coordenada causal (1036 vezes): sempre dá uma explicação, esclarecimento, pode ter
uma grande variedade de nuances que derivam uma da outra: porque, na verdade”.
**
Particípio presente ativo: o que indica que está amando continuamente, ou seja, amar aquele que está me
amando continuamente não é um ato difícil; apenas se trata de uma reciprocidade natural.
Os vv. 46b e 47b também apresentam estruturas paralelas na sequência do
movimento parenético, indicando o valor de reconhecimento pela atitude praticada em 46a.47a. Aqui Mateus mostra que para ser filhos do Pai que está nos céus
(v. 45a), não basta praticar os desdobramentos da Lei antiga (vv. 46a.47a), descrita
de forma geral no movimento de repetição (v. 43). A pretensa recompensa é transformada em pergunta de desvalorização, ou seja, a pergunta indica que a atitude
praticada não tem valor suficiente para tornarem-se filhos do Pai.
Desta forma, pode-se apresentar da seguinte maneira a estrutura contida
nos vv. 46b e 47b:
90
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
Thiago de Oliveira Geraldo
Figura 6. Estrutura de 46b e 47b
Estrutura de:
Adjetivo interrogativo
46b
τίνα
47b
τί
Substantivo/Adjetivo
pronominal
μισθὸν
περισὸν
Verbo
ἔχετε
ποιεῖτε
Estes versículos se iniciam com o adjetivo interrogativo próprio a cada pergunta, τίνα e τί (“que”, vv. 46b.47b), prosseguem com o substantivo μισθὸν
(“recompensa”, v. 46b) ou com o adjetivo pronomial περισὸν (“extraordinário, excelente”, v. 47b); e terminam a pergunta apresentando a mesma estrutura verbal: indicativo presente ativo na segunda pessoa do plural: ἔχετε (“tendes”, v. 46b) e ποιεῖτε (“fazeis”, v. 47b). Os verbos denotam que estas ações
praticadas continuamente não são suficientes para se tornarem filhos do Pai
celeste.
Como conclusão dos versículos 46.47 tem-se o paralelo com os não-praticantes da Lei (c), mostrando que a atitude tomada (a) não tem o valor necessário para tornarem-se filhos do Pai, pois os τελῶναι (“publicanos”, v. 46c) e os
ἐθνικοὶ (“gentios”, v. 47c) também fazem o mesmo e não são dignos de tornarem-se filhos de Deus por esta ação de reconhecimento natural.
Neste paralelo dos vv. 46c.47c, Mateus põe em equivalência não somente os publicanos e os pagãos, senão os próprios hebreus, uma vez que esta lei
natural era praticada por ambos. Veja-se a seguinte estrutura encontrada em
46c.47c:
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
91
O significado de perfeição no contexto de Mateus (5, 48)
Figura 7. Estrutura de 46c e 47c
Estrutura de:
46c
47c
Partícula
interrogativa*
οὐχὶ
οὐχὶ
Advérbio
καὶ
καὶ
Artigo definido
οἱ
οἱ
Substantivo /
adjetivo pronominal
τελῶναι
ἐθνικοὶ
Artigo definido
τὸ
τὸ
Adjetivo pronominal
αὐτὸ
αὐτὸ
Verbo
ποιοῦσιν
ποιοῦσιν
* NOLLI, Op. Cit., p. 120-121. “Partícula de negação reforçada (53 vezes) de modo algum, lat. minime”.
O verbo ποιοῦσιν (“fazem”) no indicativo presente ativo, denota que
os publicanos e os pagãos realizam a mesma ação assiduamente, o que
permite dizer que não era nada de extraordinário amar aqueles que os
amavam e saudar aos que os saudavam, podendo ser denominado de
presente costumeiro. 40
O momento parenético encerra-se com o v. 48 fechando as seis antíteses, de forma a criar um modelo paradigmático para a Lei aperfeiçoada por Jesus. Para verificação deste modelo é necessário ressaltar a
nova comparação feita por Mateus no v. 48; já não se trata de comparar
os hebreus aos publicanos e pagãos, mas de revelar aos discípulos que
a meta a ser atingida é a perfeição, como ὁ πατήρ ὑμῶν ὁ οὐράνιος (“o
vosso Pai celeste”, v. 48b).
40) DEMOSS, Op. Cit., p. 141. “Tempo verbal presente que denota uma ação que é típica, costumeira, normal, contínua ou habitual. Usado de forma sinônima com o presente processual e habitual ou presente geral”.
92
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
Thiago de Oliveira Geraldo
O v. 48 inicia-se com o verbo ἔσεσθε (“Sede”, v. 48a) que está no indicativo futuro 41 média depoente, mas exercendo a função de imperativo presente 42 ativo. 43 Este verbo apresenta uma ordem contínua, ou seja, não deve
ser praticada somente neste ou naquele momento, mas sempre. No v. 48a
Mateus coloca um imperativo contendo uma ordem permanente a qual os
discípulos de Jesus deverão sempre cumprir. O verbo utilizado pelo evangelista indica, portanto, que os discípulos deverão possuir uma qualidade 44
inerente aos praticantes da “nova Lei” e que se resume no termo τέλειοι
(“perfeitos”, v. 48a).
Segue o v. 48a com a conjunção coordenativa conclusiva οὖν (“portanto”),
referindo-se ao contexto do versículo, mas pode significar que não está encerrada somente esta antítese. Esta conjunção talvez se refira ao resultado obtido
com as seis antíteses. A nova Lei passa a entrar em vigor, mas deixa o paradigma de como ser: ὑμεῖς τέλειοι (“vós perfeitos”, v. 48a). Estes termos indicam como devem ser os discípulos, mas a expressão τέλειοι, sendo um adjetivo, denota por causa da cópula precedente que é um atributo de valor enquanto tal. No entanto, o termo τέλειοι pode apresentar outros significados, 45 dos
quais vários representam uma ação de acabado; daí se compreende que a conjunção οὖν aplicada ao termo τέλειοι determine a finalização da perícope,
mas tendo uma atitude permanente perante este discurso de Jesus.
A parênese do v. 48a obtém uma resposta em 48b, quando a conjunção
subordinada ὡς (“como”) indica a meta que o discípulo deve atingir. Jesus
não faz uma proposta irrealizável, mas oferece uma perfeição ὡς ὁ πατήρ
ὑμῶν οὐράνιος (“como o vosso Pai celeste”, v 48b), mostrando por meio
41) MACHEN, J. Gresham. Grego do Novo Testamento para Iniciantes. Revisão de Cláudio J.A. RODRIGUES. São Paulo: Hagnos, 2004. p. 83. Trad. de VICTORINO, Augusto. “O presente e o imperfeito,
em todas as três vozes, são formados com base no radical do presente ao qual se acrescentam as desinências pessoais ligadas por uma vogal variável o/e. Porém, os futuros ativo e médio são formados com
base no radical do futuro, isto é, acrescentando-se s ao radical do verbo”.
42) Ibid., p. 183. “Não há nenhuma distinção temporal entre os tempos verbais do imperativo. O imperativo aoristo refere-se à ação sem dizer qualquer coisa a respeito da sua duração ou repetição, enquanto o
imperativo presente dá a idéia de ação contínua ou repetida”.
43) FRIBERG, Op. Cit., p. 15. Indica esta mudança de função ocorrida no verbo.
44) NOLLI, Op. Cit., p. 121. “Med indic ft 2pl, εἰμί; ἔσομαι; ser, existir, na linguagem jurídica ft é utilizado com valor imperativo categórico, mas também fora dessa linguagem para uma exortação insistente,
ou um dever a cumprir, o ft tem caráter imperativo, o verbo εἰμι ser exprime existência quando é predicado; exprime qualidade quando é cópula: aqui é o segundo caso”.
45) DICCIONARIO Manual Griego. p. 578. “Terminado, acabado, realizado; completo, cumprido, irrevogável (ψῆφος decreto); perfeito, sem mancha, eminente; grave; maduro, crescido, feito (οἱ τέλειοι os
homens da idade), definitivo; último”.
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
93
O significado de perfeição no contexto de Mateus (5, 48)
do verbo ἐστιν 46 (“é”) que o Pai continuamente contém a realização do plano geral da perícope: τέλειος 47 (“perfeito”). Este predicado nominal expõe
uma situação final — em sentido de plenitude — na qual o Pai permanece.
Os discípulos são convidados a participar desta mesma plenitude por meio
de Jesus.
Em resumo: a perícope de Mt 5, 21-48 apresenta sempre três movimentos
onde Jesus faz uma proposta que supera as relações humanas que eram praticadas. Coloca como modelo de ação a própria perfeição do Pai celeste, que
faz o bem a todos (continuamente), mesmo quando este bem não é recíproco.
O próprio Jesus neste momento faz este chamamento aos que o ouvem, a fim
de que participem do reino que Ele está anunciando.
3. A semântica no v. 48 em paralelo com Lv 19, 2 e Lc 6, 36
O inventário 48 a ser utilizado nesta pesquisa será a divisão do versículo na
seguinte estrutura: Ação de ser; predicado nominal; detentor do predicado.
Este texto já contém em si uma comparação evidenciada pela conjunção ὡς, o
que torna seus elementos equiparados numa finalidade paradigmática:
Figura 8. Estrutura do versículo 48
Ação de ser:
Predicado
nominal:
Detentor do
predicado:
Sede
perfeitos
vós
É
Perfeito
vosso Pai celeste
46) NOLLI, Op. Cit., p. 121. “Att indic pres 3sing, εἰμί; ἔσομαι; ser, existir. O presente é o tempo da realidade e descreve uma ação que se está desenvolvendo agora, neste momento, com tendência de durar
em direção a um imediato ft”.
47) BALZ, Horst e SCHNEIDER, Gerhard. Diccionario Exegético del nuevo testamento. 2a. ed. Salamanca: Sígueme, 2002. p. 1707. Vol. II. Trad. de Constantino Ruiz-Garrido. “No NT os 20 testemunhos de
τέλειος se distribuem da seguinte maneira: 3 em Mateus, 1 em Romanos, 3 em 1 Coríntios, 1 em Efésios, 1 em Filipenses, 2 em Colossenses, 2 em Hebreus, 5 em Tiago, 1 em 1 Pedro (usado como advérbio) e 1 em 1 João”.
48) EGGER, Op. Cit., p. 93. “A expressão ‘inventário’ deriva da linguagem comercial, onde indica o complexo dos objetos e as suas subdivisões em grupos”.
94
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
Thiago de Oliveira Geraldo
A finalidade paradigmática de 48b, coloca 48a numa oposição
semântica momentânea, que deve ser superada e continuada, como
revela o verbo ἔσεσθε (“Sede”, v. 48a).
O texto de Mt 5, 48 encontra paralelo em Lv 19, 2, no Antigo Testamento, e em Lc 6, 36 no Novo Testamento. Ambos os textos propagam
a ideia dos homens assemelharem-se a Deus, adquirindo o mesmo predicado que Ele possui.
No caso do Livro do Levítico, este apresenta nos capítulos 17-26 um
conjunto de leis baseadas na santidade do próprio Deus (leis de santidade), por onde Lv 19, 2: “Sede santos como eu sou santo!” — torna-se a
clave interpretativa do texto e convite à participação desta qualidade. 49
As prescrições em sua maioria são de ordem cultual, pois é onde a santidade de Deus se manifesta e o povo pode participar dela; 50 estendem-se, porém, à vida cotidiana tornando-se um prolongamento do Decálogo e, por consequência, obtendo a santidade em todos os âmbitos.
A santidade em Deus vem a ser considerada um atributo essencial de
seu ser, contendo o mistério de sua glória, majestade, bondade e fidelidade. 51 A partir de Isaías o termo qados 52 (santo) torna-se qualificativo divino (Is 1, 4; 5, 19; 10, 17.20), e convida à participação (Lv 19, 2; Sl
71, 22; 145, 17) d’Aquele que é capaz de santificar; condição que afas-
49) MONLOUBOU, Louis e DU BUIT, F. M. Dicionário bíblico universal. 2a. ed. Petrópolis: Vozes,
2003. p. 730.
50) SÁNCHEZ, Tomás Parra. Dicionário da Bíblia. 3a. ed. Aparecida: Santuário, 1997. p. 193. Trad. Pe.
Francisco Costa, C.Ss.R.., e Pe. João Boaventura Leite, C.SS.R.
51) PEDRO, Aquilino de. Dicionário de termos religiosos e afins. 6a. ed. Aparecida: Santuário, 1994. p.
280. Trad. de Pe. Francisco Costa.
52) BORN, A. Van Der. Dicionário enciclopédico da Bíblia. 6a. ed. Petrópolis: Vozes, 2004. p. 1389-1393.
‟Os termos hebraicos qados (s.) e qodes (santidade) provavelmente vêm de qadad (cortar; em sentido cultual: ser afastado, separado do impuro, do profano (hol) e destinado para o serviço de Deus); cf.
o grego τέμνειν = cortar e o latim sanctus de sancire. Uma noção aparentada, mas não idêntica, é tahor
= puro (ritualmente, aos olhos de Deus) e por isso em condições para se tornar s. A noção bíblica de s.
apresenta três aspectos inseparavelmente ligados entre si; os dois últimos têm caráter relativo e só são
mencionados explicitamente quando tal relação se verifica. (1) A razão mais profunda da san­tidade (o
s. em sentido absoluto) consiste na­quilo que a filosofia das religiões chama o “numinoso” na divindade, a saber, a inacessi­bilidade e majestade incriada de Deus; é, portanto, quase sinônimo com a → glória de Deus. (2) Santa em sentido cultual, é a criatura, quando subtraída conscientemente ao uso pro­fano
e consagrada a Deus. (3) Como qualidade moral e religiosa a santidade só compete a Deus, aos anjos e
aos homens, manifestando-se no caráter moralmente irrepreensível, imacula­do (gr. ἁγνός) dos pensamentos e ações. A terminologia dos LXX (e do Novo Testamento) é bem dife­rente da do mundo grego
e helenístico; pela estreita continuidade com o AT o termo ἱερος foi substituído pela palavra muito menos freqüente ἅγιος”.
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
95
O significado de perfeição no contexto de Mateus (5, 48)
ta o participado do mal. 53 Existe uma concepção fundamental no Antigo Testamento da diferenciação daquilo que é santo com o que é profano. Através do culto (lugares, objetos, etc.) se propõe a aproximação do
divino, buscando uma reciprocidade positiva da parte humana com o
benefício recebido do divino. 54
No Novo Testamento esta participação da santidade divina encontra eco e
fundamento em Jesus; com seu advento, a santidade passa a vir por meio dele
(Jo 17, 17-19). 55 Antes o culto purificava os homens de forma exterior, mas
com o sacrifício de Cristo, verdadeiramente a santidade veio aos homens. 56
Esta participação da santidade divina faz com que o homem viva para valores
absolutos: Deus, mas também ao próximo; nesta concepção o santo tem como
sua expressão o amor e a caridade. 57
No paralelo sinóptico em Lc 6, 36 58 encontra-se o conceito grego
οἰκτίρμων 59 (“misericordioso”): “Sede misericordiosos como vosso Pai é
misericordioso”. Três palavras gregas podem exprimir este conceito: ἕλεος,
οἰχτιρμός e σπλάγχνα. 60 O primeiro termo refere-se ao sentimento de “compaixão”; o segundo — utilizado por Lucas — exprime a moção de “compaixão” ao deparar-se com a desdita alheia; por fim, σπλάγχνα indica a sede das
53) SÁNCHEZ Op. Cit., p. 193.
54) BROWN, Colin; COENEN, Lothar (Ed.). O Novo dicionário internacional de teologia do Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1989. p. 365. Volume IV: R - Z.
55) MANZANARES, César Vidal. Dicionário de Jesus e dos Evangelhos. 3a. ed. Aparecida: Santuário,
1997. p. 309. Trad. de Fátima Barbosa de Mello Simon.
56) LÉON-DUFOUR, Xavier. Vocabulaire de théologie biblique. Paris: Les Éditions du Cerf, 1966. p.
986. “Diferentemente das vítimas e do culto do A. T., que não purificavam os Hebreus senão exteriormente (Hb 9, 11-14; 10, 10), o * sacrifício de Cristo santifica os fiéis ‘em verdade’ (Jo 17, 19), lhes comunicando verdadeiramente a santidade. Os cristãos participam de fato na vida de Cristo ressuscitado
pela *fé e pelo batismo que lhes dá ‘a unção vinda do Santo’ (1Co 1, 30; Ef 5, 26; 1Jo 2, 20). São também eles ‘santos em Cristo’ (1Co 1, 2; Fl 1, 1), pela presença do Espírito Santo neles (1 Co 3, 16s; Ef
2, 22); eles são de fato ‘batizados no Espírito Santo’, como João Batista o anunciara (Lc 3, 16 p; At 1,
5; 11, 16)”.
57) PEDRO, Op. Cit., p. 281.
58) BALZ e SCHNEIDER Op. Cit., p. 515.
59) BROWN, Op. Cit., p. 181. “A palavra radical ho oiktos (Ésqu. e Sóf. em diante) significa a “lamentação” ou “pena” do infortúnio ou morte de uma pessoa, e depois, por metáfora, “simpatia”, “dó”. ho oiktirmos (desde Píndaro) era originalmente uma forma poética de oiktos. O derivado oiktirmōn, “compassivo” (Górgias, século V a.C., em diante), raras vezes se acha; oiktros, “lamentando” e “lamentável”, é mais comum. O vb. oikteirō, também oiktizō (desde Homero) significa “ter compaixão”, “compadecer-se”, tanto no sentido de mero sentimento quanto da ação misericordiosa dinâmica; emprega-se
freqüentemente como sinônimo de eleeō (→ eleos)”.
60) Ibid., p. 176.
96
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
Thiago de Oliveira Geraldo
emoções: as “entranhas” ou o coração como é considerado mais frequentemente. 61
O sentido íntegro de misericórdia não se exprime somente pelo sentimento de compaixão, mas inclui da fidelidade à Aliança. 62 Esta fidelidade pode ser explicada mais profundamente pela ótica divina, que vai ao
encontro dos homens. 63 A misericórdia de Deus expressa no Antigo Testamento realiza-se com profusão na pessoa de Jesus, criando o modelo
de misericórdia com o qual os homens devem conviver. 64 Jesus — “sumo
sacerdote misericordioso” (Hb 2, 17) — experimenta a própria miséria
que veio salvar; com isto, a misericórdia de Deus 65 no Antigo Testamento,
cuja expressão se faz na pessoa do Verbo, cria o paradigma de misericórdia entre os “irmãos”. 66
No Sermão da Planície, Lucas descreve como Jesus apela à misericórdia
no relacionamento mútuo entre os homens, tendo por medida exata desta atuação o próprio Deus. 67 Esta atitude, por sua vez, deve ser praticada com os
“doentes” 68 (na concepção de pecadores), o que torna a ação mais perfeita e
condição essencial para entrar no Reino dos Céus. 69
Como paralelo dos textos acima citados, tem-se o termo utilizado por
Mateus: τέλειος (“perfeito”). Este termo pode adquirir vários significados; no
entanto, em sua maioria se circunscreve à ideia de realizado, de plenitude, de
61) SÁNCHEZ, Op. Cit., p. 139. “A antropologia bíblica a expressa com o uso e as reações dos órgãos internos como as entranhas, o seio, ou regaço e o coração (Nm 14, 17-19; Is 54, 7-8; Lc 1, 54.72; Mt 5,
7). É também propriedade de Deus (Ex 33, 19; Lc 1, 50; Rm 9, 15-23) e meta da práxis cristã (Lc 6, 36;
10, 37; Mt 18, 23-35)”.
62) LÉON-DUFOUR, Op. Cit., p. 626-627.
63) MANZANARES, Op. Cit., p. 240.
64) BORN, Op. Cit., p. 994-995.
65) MANZANARES, Op. Cit., p. 240. “Deus é um Deus de misericórdia (Lc 1, 50) e essa virtude deve ser
encontrada também nos discípulos de Jesus (Mt 9, 13; 12, 7; 18, 23-35; Lc 6, 36; 10, 37)”.
66) BORN, Op. Cit., p. 994-995.
67) BROWN, Op. Cit., p. 181-182.
68) BORN, Op. Cit., p. 994-995.
69) LÉON-DUFOUR, Op. Cit., p. 631-632. “A ‘perfeição’ que Jesus exige de seus discípulos segundo Mt
5, 48, consiste no dever de ser misericordioso ‘como vosso Pai é misericordioso’ segundo Lc 6, 36. É
esta uma condição essencial para entrar no Reino dos Céus (Mt 5, 7), que Jesus retoma seguindo o profeta Oséias (Mt 9, 13; 12, 7). Esta ternura deve me tornar próximo do miserável que eu encontro em
meu caminho, assim como fez o bom samaritano (Lc 10, 30, 37), cheio de piedade para com aquele que
me ofendeu (Mt 18, 23-35), pois Deus teve piedade de mim (18, 32s). Também nós seremos julgados
segundo a misericórdia que tivermos exercido, quiçá inconscientemente, face à pessoa de Jesus (Mt 25,
31-46)”.
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
97
O significado de perfeição no contexto de Mateus (5, 48)
acabado, de completo, etc., o que indica um ponto ao qual se chegou. Pode ser
entendido como contendor de todas as qualidades possíveis 70 ou como algo
que está dentro de todo o seu desenvolvimento. 71 Da mesma forma que o termo qados pode ser entendido como algo sem defeito, assim se diz de τέλειος
num sentido de ausência de algo (carência); portanto, se trata de uma ação ou
pessoa que possui sua plenitude. 72 Num sentido mais lato, 73 pode ser entendido como algo perfeito em todos os pontos, como uma virtude perfeita, ou
como um homem perfeito. 74
No Novo Testamento, o termo τέλειος é utilizado de três formas distintas: como adjetivo substantivado, indicando um sentido de “os perfeitos”
— sempre no plural; 75 em Col 4, 12, pode estar sendo usado em tom de
ironia ou para indicar que há pessoas menos perfeitas. Outra forma refere-se a um adjetivo substantivado em sentido escatológico (1 Cor 13, 10)
ou como sentido ético (Rom 12, 2). Por fim, também se utiliza para indicar de maneira adjetiva uma qualidade em relação a determinados conceitos, como nos casos de Hb 9, 11 (“tabernáculo maior e mais perfeito”), Tg
1, 4.17.25 (“obra perfeita”; “dom perfeito”; “Lei perfeita da liberdade”), 1
Jo 4, 18 (“amor perfeito”). 76
O adjetivo τέλειος (“perfeito”) tem sua correspondência ao hebraico tamim
(“íntegros”, “completo”, “indiviso”, “sem defeito”, “são”). 77 Assim deveria ser
a relação de Israel com Deus, com uma sinceridade íntegra, uma adoração
indivisa (Dt 18, 13). Mais tarde, no judaísmo tardio, o termo tamim ficou relacionado com o fiel cumprimento da Lei. Assim, a integridade absoluta dian70) CUNHA, Antônio Geraldo da. Dicionário etimológico nova fronteira da língua portuguesa. 2a. ed.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982. (Perfeito).
71) DE LA LITTÉRATURE GRECQUE, Op. Cit., p. 985.
72) PEDRO, Op. Cit., p. 242.
73) Sempre na ideia de plenitude.
74) ALEXANDRE, PLANCHE et DEFAUCONPRET. Dictionnaire français-grec. Paris: Hachette, 1896.
p. 690.
75) 1Cor 2, 6; Hb 5, 14.
76) BALZ e SCHNEIDER, Op. Cit., p. 1708.
77) BONNARD, Pierre. Evangelio según san Mateo. Madrid: Cristiandad, 1976. p. 121. Trad. L. Alonso
Schökel y J. Mateos. “O tema da perfeição (tāmîm), nos escritos bíblicos, não expressa tanto a ideia de
pureza moral quanto de entrega total, de pertencer sem reserva a Deus no seio mesmo do pecado (cf. Dt
18, 13; Lv 19, 2; 1 Pe 1, 16; Mt 19, 21). Em seus atos de amor, de reconciliação, de fidelidade intrépida
à Lei de Cristo, seus discípulos farão aparecer neste mundo algo da perfeição do reino de Deus (cf. 25,
31-46). Lucas entendeu bem que a única perfeição que o Evangelho conhece é a da misericórdia (6, 36;
οἰχτίρμονες), mas isto não significa que seu texto seja mais arcaico que o de Mateus”.
98
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
Thiago de Oliveira Geraldo
te de Deus, corresponderia ao cumprimento radical e intransigente da Torá. 78
No Evangelho de Mateus o termo τέλειος aparece apenas três vezes: duas no
v. 48 e uma em 19, 21. Em Mt 19, 21 parece estar confirmado o sentido de
integralidade que aparece no v. 48.
O v. 48 resume em si toda a perícope, e em certo sentido todo o ensinamento do capítulo 5, e propõe como a plenitude da Lei a perfeição do Pai celeste. A melhor forma de alcançar esta plenitude é a imitação de Jesus Cristo. 79
Na época de Jesus havia uma interpretação generalizada entre os rabinos,
na qual somente os israelitas deveriam ser entendidos como próximos. 80 A
primeira parte do versículo 43 encontra-se no Levítico (19, 18), mas o que diz
respeito ao ódio, isto não se encontra escrito, e no entanto era praticado. É
esta visão errônea que Jesus corrige (Lc 10, 25-37). 81
Provavelmente a palavra “ódio” utilizada por Jesus, sirva para designar a
rejeição que os israelitas deveriam ter em relação aos outros povos, 82 insistida por Moisés e pelos profetas. Esta precaução pretendia evitar a contaminação idolátrica e manter o verdadeiro culto a Deus; rapidamente a precaução
tornou-se ódio. 83 O mesmo ódio era nutrido em relação aos publicanos. Eram
cobradores de impostos a serviço do Império Romano. Para sua própria subsistência, acrescentavam uma sobretaxa ao valor estabelecido pelos Roma-
78) LEVORATTI, Armando J.; TAMEZ, Elza y RICHARD, Pablo. Comentario bíblico latinoamericano:
Nuevo Testamento. Estella, Verbo Divino, 2003. p. 310. “Em Qumrán, o ‘caminho perfeito’ era um
conceito clave para a auto-definição da comunidade. Seus membros se chamavam a si mesmos ‘homens
da santidade perfeita’ (1QS 8,1). Em Mt o adjetivo téleios também implica a reta observância da Lei,
mas a diferença entre Qumrán e Mt está dada pelo contexto em que aparece este chamado à perfeição:
aqui não se trata, como em Qumrán, de uma observância rigorosa da Torá, mas de um cumprimento segundo o espírito expressado nas seis antíteses. A perfeição que se exige dos discípulos se identifica com
a justiça de 5, 20, parafraseada com o mandamento do amor”.
79) ASTERIO DE AMASEA, Homiliae 13. Apud CASCIARO, José Maria. Nuevo Testamento. Pamplona: Eunsa, 2004. p. 94. “Se quereis imitar a Deus, posto que fostes criados a sua imagem, imitai seu
exemplo. Vós, que sois cristãos, que com vosso mesmo nome estais proclamando a bondade, imitai a
caridade de Cristo”.
80) TEODORO DE HERACLEA, Fragmentos sobre el Ev. de Mateo, 38 / MKGK 67: Apud SIMONETTI, Manlio. La Bíblia comentada por los Padres de la Iglesia – Evangelio según San Mateo. Madrid:
Ciudad Nueva, 2004. p. 178.
81) CASCIARO, Op. Cit., p. 172.
82) BONNARD, Op. Cit., p. 119. “É provável que, como propôs Foerster [ThWbNT, art. ἐχθρός , II,
811ss], o inimigo não seja neste contexto nem o adversário pessoal no interior da comunidade religiosa
nem o inimigo da nação no sentido político e militar, senão o perseguidor da fé, o inimigo da comunidade messiânica formada pelos primeiros cristãos”.
83) DURAND, Alfred. Évangile selon Saint Matthieu. 3a. ed. Paris: Gabriel Beauchesne, 1929. p. 94-95.
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
99
O significado de perfeição no contexto de Mateus (5, 48)
nos, atitude que caracterizava seu explícito auxílio a uma nação gentílica, em
oposição aos cumpridores da Lei. 84
O ato de amar aos inimigos introduz uma mudança qualitativa na prática
da justiça 85 — da forma como entendiam os fariseus. Os discípulos de Jesus
devem procurar a perfeição 86 na correspondência com a generosidade do Pai
celeste, 87 que se estende a todos: bons e maus; também a luz do sol brilha para
todos, assim como a chuva é um dom do qual todos desfrutam. O imitar esta
ação misericordiosa de Deus não se torna requisito para o atuar divino, mas é
apenas a reciprocidade do dom gratuito. 88
A Lei que foi expressa através da escrita, a qual se concebia ter assumido
todo o espírito divino, agora é levada à perfeição pelo ensinamento de Jesus. 89
Por sua natureza a Lei é um conjunto de preceitos, que sempre pode ser praticada de forma mais perfeita. 90 A Lei de Moisés dada aos homens refere-se a
regras de conduta em seus deveres positivos, sociais e religiosos, mas para o
futuro estava reservada a proposta de Jesus, que em vez da obrigação, propõe
a caridade. Esta mesma caridade pode ser superada amanhã. 91
84) BENTO XVI. Os Apóstolos. Uma introdução às Origens da Fé Cristã. São Paulo: Pensamento, 2008.
p. 106-107. Trad. Euclides Luiz Calloni e Cleusa Margô Wosgrau.
85) DURAND, Op. Cit., p. 96. “Pagar o mal pelo bem é diabólico, pagar o bem pelo bem é humano, pagar o bem pelo mal é divino. Ora, o cristão não poderia se contentar com uma perfeição puramente humana [...] Temos aqui um preceito ou um conselho? Um e outro, conforme o caso, que é preciso analisar conforme os costumes e as circunstâncias [...] O perdão cristão das injúrias não exige que o ofendido renuncie ao seu direito, nem mesmo à reparação do erro que lhe foi feito, seja aos seus bens, seja à sua honra”.
86) TUYA, Manuel de. O.P. Biblia comentada. 3a. ed. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1977. p.
87. “Esta palavra [perfeitos], no contexto de Mt, exige a perfeição do caso concreto a que se alude. Como a ‘perfeição’ que se pede aqui é a benevolência e o amor aos inimigos, pode ser traduzida no estilo
helenístico de Lc pelo sentido amplo da palavra ‘misericordiosos’ (οἰχτίρμονες)”.
87) HILARIO DE POITIERS, Sobre el Ev. de Mateo, 4, 27 / SC 254, 146-148. Apud SIMONETTI, Op.
Cit., p. 181. “Ele o terminou tudo na perfeição da bondade [...] Assim nos forma Ele à vida perfeita com este laço de bondade para com todos, posto que temos no céu um Pai perfeito a quem imitar”.
88) LAVORATTI, Op. Cit., p. 309.
89) CROMACIO DE AQUILEYA, Comentario al Ev. de Mateo, 26, 2, 1 / CCL 9A, 320: BPa 58, 195196. Apud SIMONETTI, Op. Cit., p. 181. Ressalta que a lei comum do amor humano é superada pelo amor evangélico.
90) SILVA, Duarte Leopoldo da. Concordância dos Santos Evangelhos. 7a. ed. São Paulo: LTr, 1998. p.
108. “O ideal da virtude não está na mera observância de um texto escrito; o vosso modelo, o original
divino que deveis imitar e ter continuamente sobre os olhos, é vosso Pai celeste. É certo que nunca chegareis à perfeição, mas podeis aproximar-vos da perfeição, procurando ser cada vez melhores”.
91) LAGRANGE. J. M. O.P. El Evangelio de Nuestro Señor Jesucristo. 2a. ed. Barcelona: Litúrgica Española. p. 126-129. Trad. de R. P. Elías G. Fierro.
100
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
Thiago de Oliveira Geraldo
Esta novidade trazida por Jesus na consideração da Lei é um grande benefício na prática do amor aos inimigos. Jesus deu um sentido novo a este mandamento, ampliando-o de forma universal e ilimitado. Na verdade, Jesus uniu
a este mandamento do amor ao próximo, a filiação divina; 92 amar ao próximo
enquanto filho do Pai celeste. 93
Não deve assustar o fato de Jesus propor como ideal de perfeição o Pai
celeste, 94 pois é natural que os filhos imitem seus pais e este é um modelo de
perfeição que nunca está abaixo do ideal. 95 O versículo 48 não pretende atrair
o homem para se “igualar a Deus” (Gn 3, 5), mas para prestar a cada um a
dignidade que lhe pertence. 96
Num sentido mais estrito, o cristão não pode atingir a perfeição divina tal
qual ela é, 97 mas tem um ponto para o qual deve se nortear. 98 Isto não significa uma diminuição do mandamento do amor, mas um imitar o divino 99 através do amor e da misericórida. 100 Torna-se uma chamada universal à santidade, como relata a Constituição Lumen Gentium (n. 40):
Jesus, mestre e modelo divino de toda a perfeição, pregou a santidade de
vida, de que Ele é autor e consumador, a todos e a cada um dos Seus discípulos, de qualquer condição: ‘sede perfeitos como vosso Pai celeste é
perfeito’ [...]. É, pois, claro a todos, que os cristãos de qualquer estado ou
ordem, são chamados à plenitude da vida cristã e à perfeição da caridade.
Na própria sociedade terrena, esta santidade promove um modo de vida
mais humano.
92) AGUSTÍN, Sermón del Señor en la Montaña, 1, 23, 78 / PL 34, 1268: BAC 121, 881-883. Apud SIMONETTI, Op. Cit., p. 180. Comenta que o ser filhos de Deus comporta uma regeneração espiritual,
a qual inclui ser adotados para o reino de Deus — não como estranhos — como criaturas e obra de suas mãos.
93) LOPEZ, Luíz José Castellanos. Evangelio de San Mateo. Bogotá: Paulinas, 1981. p. 66.
94) JUAN CRISÓSTOMO. Obras de San Juan Crisóstomo. Homilías sobre el Evangelio de San Mateo.
2a. ed. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 2007. p. 384. “Sede, pois, perfeitos, como vosso Pai
celestial. O nome do céu está como semeado por todo seu discurso, e pelo lugar mesmo trata de levantar
os pensamentos de seus ouvintes. É que suas disposições, de imediato, eram muito débeis e grosseiras”.
95) FILLION. Sainte Bible. 8a. ed. Paris: Librairie Letouzey et Ané, 1924. p. 49. Tome VII.
96) DATTLER, Frederico SVD. Comentários bíblicos e homiléticos do novo lecionário – ano a. São Paulo: Paulinas, 1971. p. 140-141.
97) ROQUETTE, J. – I. História sagrada do Antigo e Novo Testamento. 5a. ed. Paris, 1908. p. 331.
98) CASCIARO, Op. Cit., p. 94-95.
99) TUYA, Op. Cit., p. 87. “A grande lição que Cristo ensina é que o cristão, em seu obrar, tem que imitar,
no modo de conduzir-se, ao Pai celestial, norma cristã de toda perfeição”.
100) CASCIARO, Op. Cit., p. 174.
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
101
O significado de perfeição no contexto de Mateus (5, 48)
O paralelo criado entre o termo qados, expressado na santidade de Deus
que faz o homem participante desta mesma santidade por meio do sacrifício de Cristo e o termo grego οἰχτιρμός, sentimento de compaixão para com
o próximo, adquire sua plenitude no sentido do lexema τέλειος utilizado por
Mateus, onde se reunirão os outros dois conceitos.
Santo é aquele que busca participar da própria santidade de Deus; misericordioso será aquele que praticar a bondade para com o próximo (como
participação da bondade de Deus). No entanto, perfeito é aquele que reúne em si o desejo da participação do divino por meio do seguimento de
Jesus, mas também compreende o amor que Deus tem para com os seres
humanos (misericórdia) e como consequência desse amor, o homem procura praticar a caridade fraterna. A perfeição consiste nestas duas dimensões: para com Deus através da santidade e para com os homens por meio
da caridade.
Nesta concepção a perfeição concentra em si o grande mandamento:
“Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda tua alma e de
todo teu espírito (Dt 6,5). Este é o maior e o primeiro mandamento. E o
segundo, semelhante a este, é: Amarás teu próximo como a ti mesmo (Lv
19,18). Nestes dois mandamentos se resumem toda a Lei e os profetas” (Mt
22, 37-40).
No entanto, o conceito de “perfeição” está em uma frase subordinada que
compara o homem a Deus. Assim também acontece com Lv 19, 2 e Lc 6,
36, onde o homem tem como modelo o próprio Deus. Enquanto a mediação
da santidade no Antigo Testamento se realiza por meio do culto exterior, no
Novo Testamento ocorre uma purificação interior. A misericórdia de Deus
para com os homens deve ser expressa pela misericórdia para com o próximo (ser humano). O τέλειος se faz sentir através da escuta de Jesus, o mestre
que ensina da montanha (sua cátedra) que está falando aos discípulos e à multidão (para todos), que está anunciando uma palavra enraizada na fé de seus
pais (Moisés), mas que vai mais além de tudo isto, posto que conduz à realização do Reino de Deus (expresso nas bem-aventuranças, de modo geral). Portanto, alguém se torna τέλειος na medida em que escuta o Evangelho e o realiza no seguimento de Jesus.
102
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
Thiago de Oliveira Geraldo
4. Algumas considerações teológicas num diálogo
com o conceito de perfeição em Mateus
Concluída a leitura bíblica, se fará agora um estudo sintético acerca de
duas opiniões teológicas, a fim de confrontá-las com os resultados obtidos em
Mateus. Vale ressaltar que o ponto de vista pelo qual se analisará as informações a seguir será o da Revelação expressa em Mateus. Apenas se destacará
pontos convergentes com o Evangelho Mateano.
Em primeiro lugar considera-se a opinião do teólogo suíço, Hans Urs von
Balthasar. Foi um teólogo que buscou a aproximação com o mistério de Deus.
A grande problemática de seu pensamento está centrada na relação de Deus
(Ser infinito) com o homem (ser finito):
Colocou-se à escuta da revelação e da interpretação que deram os Padres da
Igreja e os grandes mestres da História da Igreja. Pensou a revelação à luz
do amor trinitário de um Deus que assume em si a morte como expressão e
prova derradeira de seu fazer-se conhecer. O cerne da obra de Balthasar é o
amor total e gratuito — o único de fato crível — revelado na entrega total
de Jesus de Nazaré. A temática do amor total e gratuito em Balthasar vem
de encontro com a Encíclica Deus é amor, do Papa Bento XVI, em que os
temas Deus, Cristo e amor se fundem como guia central da fé cristã. Sublinhando a centralidade da fé em Deus — neste Deus que assumiu um rosto
humano e um coração humano. 101
Ele começa sua reflexão a partir do homem que é limitado, dentro de um
mundo limitado, mas que possui uma razão aberta ao infinito. Esta situação
se torna uma problemática para o ser humano, a relação entre finito e infinito
e a busca por um Ser Absoluto. A razão da própria existência e a do mundo só
podem receber uma resposta definitiva com base no próprio Ser, que se revela “a si mesmo por si mesmo”. 102 Para que o homem possa receber esta autorrevelação de Deus e entendê-la, necessita procurá-la.
Von Balthasar, a fim de explicar a essência de sua teologia, cria este exemplo cogente:
101) SILVA, José Pereira da. Vida e obra de Hans Urs von Balthasar: mistério e beleza. Em: Teologia em
Questão: Mística & Diálogo. Ano VI. Taubaté. (2007); p. 77.
102) BALTHASAR, Hans Urs von. Um resumo do meu pensamento. Em: Communio 15: International
Catholic Review. (1988; s.p.).
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
103
O significado de perfeição no contexto de Mateus (5, 48)
O homem existe apenas em diálogo com seu vizinho. A criança é trazida à
consciência de si mesma apenas pelo amor, pelo sorriso de sua mãe. Neste
encontro um horizonte ilimitado se abre para ela, revelando-lhe quatro coisas (1) que ele é um no amor com sua mãe, mesmo em sendo outro que sua
mãe, entretanto, seu ser é uno; (2) que o amor é bom, então o ser é bom; (3)
que o amor é verdadeiro, então todo ser é verdade; e (4) que o amor evoca
prazer, gozo, então todo ser é belo. 103
Sem dúvida esta é sua ideia principal, na qual mostra sua originalidade em
apresentar a teologia por meio de um olhar estético. Von Balthasar construiu
este pensamento não a partir de considerações abstratas do Ser, mas de uma
analogia concreta dos atributos transcendentais do Ser. E se o homem criado
possui a linguagem interpessoal, por que não falar com o Ser, criador desta
mesma linguagem?
Deste modo ele apresenta sua trilogia: Estética, Dramática e Lógica (ou
Glória, Teodramática e Teológica).
Teologia Estética: Deus aparece, se comunica através dos antigos patriarcas e profetas, atingindo seu auge em Jesus Cristo. Mas como diferenciá-lo
de tantos outros ídolos? E como diferenciar a Glória de Deus da glória do
mundo?
Teodramática: Travando aliança conosco, surge a questão de como a liberdade absoluta de Deus pode conformar-se com a liberdade finita do ser humano. Haverá um choque com aquilo que se escolhe como bem?
Teológica: Na Encarnação, Deus mostra que é possível sua Palavra infinita se tornar compreensível ao ser humano; por meio do Espírito Santo, Deus
permite ao espírito limitado do homem “apreender o sentido ilimitado” de
Sua Palavra. 104
Bento XVI comenta que von Balthasar procurou alcançar a genuína verdade, a verdadeira Vida; não fez sua mente prisioneira de si, mas buscou os vestígios de Deus, abrindo a razão ao infinito. 105
103) Ibid., s.p.
104) Ibid., s.p.
105) BENTO XVI. Mensagem do Papa aos participantes no congresso internacional no centenário do nascimento do teólogo Hans Urs von Balthasar. [Em linha]. Vaticano, 6 de Outubro de 2005. <Disponível em: www.vatican.va> [Consulta: 16 Feb., 2010. “A estética teológica, a dramática e a lógica constituem a trilogia, onde estes conceitos encontram amplo espaço e aplicação convicta. Posso afirmar que
a sua vida foi uma busca genuína da verdade, que ele compreendia como uma busca da verdadeira Vida.
Procurou os vestígios da presença de Deus e da sua verdade em toda a parte: na filosofia, na literatura,
nas religiões, chegando sempre a interromper aqueles circuitos que muitas vezes fazem a razão prisioneira de si e abrindo-a aos espaços do infinito”.
104
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
Thiago de Oliveira Geraldo
Um ponto sobre o qual von Balthasar discorreu e que parece ter relação
com o chamamento de Deus e a resposta do ser humano encontrados em
Mateus, localiza-se em sua obra Glória, na qual distingue o tempo de Jesus, o
tempo da Igreja e o tempo do seguimento. O acontecimento de Jesus (cronológico) deve ser analisado a partir da história da salvação. 106 A compreensão
do tempo de Jesus está na ordem estruturada do mundo criado, a qual se relaciona com a perspectiva divina.
A Igreja é o sujeito receptivo da Revelação. O tempo da Igreja é o momento de uma resposta livre a esta revelação; portanto, não se trata simplesmente
de pessoas concretas que ouviram a Jesus.
O tempo da Igreja está intimamente ligado ao tempo de Jesus. Segundo
von Balthasar, somente em Mateus se vê a tendência de juntar a realidade da
ressurreição e da parusia numa única perspectiva. 107 Esta nova perspectiva
deve ser vista pelo aspecto do amor, pois a justiça de Deus já não é a do Antigo Testamento (uma salvação terrena de Israel), mas uma salvação escatológica para todos.
O tempo do seguimento é a entrega incondicional à vocação. É a resposta
para o chamado de Deus, comprometendo-se com Jesus, na qual é assumida
a própria existência. 108 O seguimento inclui, por parte do discípulo, uma colaboração para o anúncio do reino (o apostolado).
Parece oportuno relembrar nesta pesquisa a relação entre teologia e exegese, pois como afirma Bento XVI:
Seguindo uma regra fundamental de cada interpretação de um texto literário, o Concílio afirma que a Escritura deve ser interpretada no mesmo espírito com que foi escrita, e por conseguinte indica três elementos metodológicos fundamentais [...]: 1) interpretar o texto, tendo presente a unidade de
106) BALTHASAR, Hans Urs von. Gloria una estética teológica. Madrid: Encuentro, 1998. p. 136-137.
Vol. VII.
107) Ibid., p. 147. “Nesta perspectiva, o tempo da igreja se situa objetivamente entra a ressurreição (como
síntese divina da vida terrena pela cruz) e a parusia, um tempo dentro deste parêntese, determinado por
ambos os lados: pela certeza de que em Jesus o fim foi alcançado e pela certeza de que se avança precisamente em direção a este fim (sua ‘volta’)”.
108) Ibid., p. 156. “Mas o peso do tempo de Jesus se imprime na vida dos que lhe seguem como peso da
chamada ao seguimento incondicional. Os quatro Evangelhos são explícitos em seus numerosos relatos
de vocação: para quem quer comprometer-se com Jesus, ou por quem Jesus mesmo se compromete, a
questão é ou tudo ou nada. O seguimento é algo indivisível que implica toda a existência que fica assim
marcada não em um, senão em todos seus pontos, com o estigma da possessão”.
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
105
O significado de perfeição no contexto de Mateus (5, 48)
toda a Escritura; [...] 2) além disso, há que recordar a tradição viva de toda a
Igreja e, finalmente; 3) é preciso observar a analogia da fé. 109
Quando falta o elemento teológico, cria-se um abismo entre exegese científica e Lectio Divina. 110 Por isso, cabe a insistência de um capítulo de aproximação teológica no presente trabalho. A fim de fechar este estudo, propõe-se tomar algumas considerações sobre a Encíclica Deus Caritas Est, de Bento XVI, na mesma perspectiva em que foram analisados os textos de Balthasar, pois indicam uma aproximação com o texto de Mateus em uma possível
atualização do discurso de Jesus.
Na mesma relação com Balthasar, o Papa inicia seu documento deixando
claro que o primeiro passo do cristão com Deus se dá por meio de um acontecimento, de uma “Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, assim, o rumo
decisivo”. 111 Portanto, é Deus que primeiro toma a iniciativa de se aproximar
do ser humano.
Ele continua com uma distinção entre eros, entendido numa concepção
grega de um amor natural no intuito de suscitar uma “loucura divina” 112 e
ágape, que verdadeiramente expressa uma entrega de amor. Numa visualização bíblica, o amor (ágape) pode ser entendido a partir da relação de Deus
com seu povo. Esta mesma relação muitas vezes é simbolizada pela união
matrimonial, a fim de mostrar essa entrega total ao outro.
Nesta perspectiva encontra-se um paralelo com a perfeição em Mateus,
pois o amor recíproco exige uma entrega total e definitiva ao Outro (Jesus):
“O amor compreende a totalidade de existência em toda a sua dimensão,
inclusive a temporal. Nem poderia ser de outro modo, porque sua promessa
visa ao definitivo: o amor visa à eternidade”. 113
Bento XVI argumenta no sentido de que Deus ama a criatura feita por Ele
mesmo. Quando Deus oferece a Torá ao homem, não o faz na intenção de
esmagá-lo, mas de criar condições mais humanizadoras. O homem, seguindo
este caminho, está sendo amado por Deus que lhe mostra a verdade. 114 Mostra
109) BENTO XVI. Exegese não só histórica mas teológica para o futuro da fé. L’Osservatore Romano:
Edição semanal em português, Vaticano, v. 39, 2.027 / 43, p.14, Outubro. 2008.
110) Ibid., p. 14.
111) BENTO XVI. Carta Encíclica Deus Caritas Est: São Paulo. Loyola; Paulus, 2006. p. 7. n. 1.
112) Ibid., p. 11. n. 4.
113) Ibid., p. 13. n. 6.
114) Ibid., p. 17. n. 9. “A história de amor de Deus com Israel consiste, em sua profundidade, no fato de que
Ele dá a Torah, isto é, abre os olhos a Israel sobre a verdadeira natureza do homem e indica-lhe a estrada
do verdadeiro humanismo. Por seu lado, o homem, vivendo na fidelidade ao único Deus, sente-se como
106
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
Thiago de Oliveira Geraldo
também como o auge desse amor se dá na Encarnação de Jesus Cristo, onde
Deus “desce” até as criaturas humanas e este ato contém um alcance muito
maior do que qualquer mística de elevação do homem ao Divino.
O chamamento encontrado em Mateus para uma plenitude do discipulado em relação a Jesus Cristo está em paralelo à doação exigida pelo amor em
relação ao outro. Aqui ocorre uma comunhão de vontade, unificada por meio
do amor. 115 Primeiro é Deus que chama o homem a uma integridade de entrega por meio de seu amor, depois cabe ao homem corresponder a este chamado por meio do discipulado; este processo gera a comunhão e supera todas as
divisões. 116
Na segunda parte desta encíclica, o Papa aborda a prática concreta do amor
ao próximo, por meio de instituições. Propõe o seguimento do exemplo dos
santos, os quais souberam responder a este chamado. A tal propósito, lembram-se as palavras de Bento XVI aos Postuladores da Congregação para
as Causas dos Santos: “Os santos e beatos, confessando com a sua existência Cristo, a sua pessoa, a sua doutrina e permanecendo n’Ele estreitamente
unidos, são quase uma ilustração viva de ambos os aspectos da perfeição do
Mestre divino”. 117
Este trabalho se encerra com uma consideração a respeito do próprio
Mateus, em cujo Evangelho está proposto um seguimento perfeito. Não só na
categoria de evangelista, mas de santo e Apóstolo, ele soube responder a este
chamado que descreve. 118 Desta forma, Mateus anuncia as palavras de Jesus,
as palavras que ele mesmo seguiu e da qual é testemunha:
O Evangelho de Mateus escrito em hebraico ou aramaico não existe mais,
mas no Evangelho grego que temos, continuamos a ouvir ainda, de certo
modo, a voz persuasiva do publicano Mateus que, tendo-se tornado Apóstolo, continua a anunciar a misericórdia salvífica de Deus para nós. Ouçamos
aquele que é amado por Deus e descobre a alegria na verdade, na justiça – a alegria em Deus que Se torna sua felicidade essencial”.
115) Ibid., p. 24-25. n. 17.
116) Ibid., p. 26. n. 18.
117) BENTO XVI. A importância eclesial e social de propor novos modelos de santidade. Discurso aos
Postuladores da Congregação para as causas dos Santos. L’Osservatore Romano: Edição semanal em
português, Vaticano, 2007. p. 5. ANO XXXVIII, n. 51.
118) BENTO XVI. Os Apóstolos. Uma introdução às Origens da Fé Cristã. Trad. Euclides Luiz Calloni e
Cleusa Margô Wosgrau. São Paulo: Pensamento, 2008. p. 109. “Outra reflexão inspirada pela narrativa evangélica é que Mateus responde imediatamente ao chamado de Jesus: ‘ele se levantou e o seguiu’.
A brevidade da frase põe claramente em evidência a presteza de Mateus em responder ao chamado”.
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
107
O significado de perfeição no contexto de Mateus (5, 48)
a mensagem de São Mateus, meditando sobre ele sempre de novo também
para aprender a levantar-nos e a seguir Jesus com determinação. 119
Este diálogo teológico com a Revelação transmitida por Mateus nos
faz propor um pensamento e uma forma de teologia com base no Evangelho Mateano. Sob a perspectiva tratada neste trabalho, bem se poderia
delinear uma “teologia da perfeição”. O que se quer dizer com este termo é o significado mais profundo da concepção de “perfeito”, que poderia se resumir na seguinte ideia: uma teologia da plenitude, entendida
enquanto sendo a Encarnação e o momento histórico de Jesus como o
auge do cumprimento das profecias, por um lado, mas também se refere
à novidade evangélica, um Deus que vem até nós por amor (Mt 9, 35-38),
que não rejeita os pecadores, mas os atrai (Mt 9, 11-13; 18, 21-35).
Essa “teologia da perfeição” proporia um Jesus que chama a todos a
participarem do Reino de Deus (Mt 13, 18-23; 24, 14). Esta proposta de
Jesus, em Mateus, renova as concepções de religiosidade: não é mais o
simples cumprimento de uma Lei exterior (Mt 5, 17.18) que basta para a
salvação (Mt 23, 23), mas é uma entrega interior e exterior do ser (Mt 19,
21.22; 19, 27-29). A perseverança nesta entrega a um chamado de Jesus é
o que propriamente caracterizaria esta perfeição, a fidelidade a Deus em
todos os momentos e vicissitudes (Mt 10, 308; 16, 24.25), da mesma forma
que Jesus o fez (Mt 20, 28).
Neste sentido se entende o alcance de Mt 5, 48. O ser humano deve manter
a integridade do seguimento a Jesus (Mt 8, 21.22), assim como Deus sustentou a proposta de amor para com a humanidade ao ponto de enviar seu Filho
(Mt 23, 37-39). Da parte de Deus esta “perfeição” deve ser entendida como
a história da salvação (Mt 20, 1-16), dos homens, aceitando e fazendo parte
desta salvação (Mt 8, 11).
Aquele que aceita o chamado de Jesus, deve aceitar uma entrega total que
comporta uma conversão e uma reciprocidade de amor (Mt 9, 9). Esta reciprocidade (Mt 22, 36-40) se faz notar não somente com Jesus, mas com todos
aqueles que são os “pequeninos” do Reino de Deus (Mt 18, 1-14; 19, 13-15).
A expansão de amor proposta em Mateus se assemelha a uma gota de azeite
em um papel; no início é um impacto (com Jesus), mas logo a tendência deste amor será expandir-se ao próximo e, posteriormente, a todos os povos (Mt
28, 18-20).
119) Ibid., p. 110.
108
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
Thiago de Oliveira Geraldo
Ainda hoje se faz sentir a ressonância deste chamado, por meio da Igreja.
Uma forma de “perfeição” atual seria responder com plenitude a este chamado que Jesus faz a todos, compreendendo a história particular do ser humano
como sendo parte integrante da história da salvação.
5. Conclusões
O presente trabalho procurou abordar certos temas acerca do Evangelho de
Mateus a fim de compreender com mais profundidade o significado do conceito de “perfeição”. Entre estes elementos pode-se ressaltar que o Evangelho
escolhido tem uma estrutura didática formada intencionalmente. Em Mateus,
Jesus é o novo Moisés, é n’Ele que as promessas do Antigo Testamento se realizam.
As mensagens de Jesus distribuídas em cinco grandes discursos recordam
Moisés à frente do povo eleito, mas agora é Jesus que convoca um “novo
povo”; neste momento é a própria humanidade que é convidada a fazer parte
desta relação íntima com Deus, por meio do chamado de Jesus.
Como receptores imediatos da mensagem de Mateus encontram-se os
judeus convertidos ao cristianismo. Mateus necessita mostrar que o Antigo
Testamento tem sua continuidade com Jesus e que, através do anúncio do
Reino de Deus, todos os povos também devem receber a boa nova.
No discurso do Sermão da Montanha Jesus fala enquanto Mestre, desde sua cátedra (a montanha). Ele não aboliu a Lei, mas deu-lhe pleno cumprimento (interiorizando-a), mostrando que pode ser cumprida com mais
radicalidade desde que se ame. O amor torna-se fundamental para a prática da Lei.
O Evangelho grego — canônico — de Mateus mostra que a perfeição não é
somente o cumprimento de certas regras exteriores, praticadas eventualmente, mas propõe um programa de vida contínuo. Também evidencia que não
basta comparar-se aos não praticantes da Lei a fim de mostrar a integridade de vida; é necessário olhar para Jesus que mostra qual o rumo a ser tomado (o Pai celeste).
Este ponto de encontro entre o humano e o divino se faz notar, sobretudo,
em três momentos da Bíblia: Mt 5, 48; Lv 19, 2; Lc 6, 36. Aqui se evidencia
que o ser humano está subordinado a Deus, e Ele mesmo quer que os homens
participem de suas qualidades. Através da santidade, mostra como os sacrifícios antigos purificavam exteriormente, mas com o oferecimento de Cristo veio a purificação interior. A misericórdia de Deus torna-se paradigma da
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
109
O significado de perfeição no contexto de Mateus (5, 48)
misericórdia que deve existir entre os seres humanos. No conceito de “perfeição” ganha realce o sentido de plenitude. Não é simplesmente um conjunto de
virtudes praticadas irrepreensivelmente, mas refere-se a uma entrega íntegra
a Deus.
O significado de entrega total a um chamado de Deus, acerca do conceito
de perfeição, se corrobora em Mt 19, 21. Somente em três momentos encontra-se o termo τέλειος (perfeito) no escrito deste evangelista: duas em 5, 48 e
uma em 19, 21. Portanto, Mateus mostra que não é mais o cumprimento rigoroso de regras exteriores que tornam o homem perfeito, mas uma atitude permanente de seguimento a Jesus, fazendo sempre sua vontade. Nesta relação
torna-se fundamental o amor.
O Evangelho oferece um plano de vida que evita perfeccionismos farisaicos. Propõe através de seu conceito de “perfeição” perceber que Deus se
entregou pelos homens por amor, e é por este motivo que os homens devem
entregar-se a Deus: por amor. Esta relação divino-humana deve ser o padrão
de relacionamento entre os seres humanos. Somente nesta compreensão o ser
humano encontrará sua própria dignidade e a dos outros.
Esta mensagem do Evangelho Mateano, confrontada com as duas opiniões
teológicas expostas neste trabalho, encontra pontos consonantes. Em geral,
eles têm como fundamento uma experiência de relação, que deve ser a base
para uma reciprocidade de amor.
Neste sentido, o conceito de “perfeição” em Mateus mostra na teologia um
Deus que, na história da salvação, amou os homens a ponto de se entregar por
eles. Este sentido contribui para dar a razão de ser e existir dos homens no
mundo. Os seres humanos não são apenas “mais um” dentro de uma multidão, mas fazem parte de uma história, onde o caminho pelo qual se deve trilhar está no seguimento integral das palavras e exemplos de Jesus.
110
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
Traduções
Discurso Acadêmico sobre a Bíblia
1
Juan Donoso Cortés 2
Senhores,
Chamado por eleição vossa a preencher o vazio deixado nesta academia
por um varão ilustre pela sua doutrina, célebre pela agudeza e fecundidade
de seu engenho, e pela sua literatura e ciência, merecedor de eterna e esclarecida memória, quem poderá afirmar ser digno de escritor tão eminente, e
desta nobilíssima assembleia, alguém como eu, pobre de fama e de escasso
engenho? Posto em tão grave situação, pareceu-me conveniente escolher para
tema de discurso um assunto altíssimo, que cativando a vossa atenção, force-os a apartar de mim vossos olhos, para colocá-los em sua grande majestade
e sublime alteza.
Há um livro, tesouro de um povo, que é hoje fábula e ludíbrio da terra, e
que foi em tempos passados estrela do Oriente, onde foram dessedentar sua
divina inspiração todos os grandes poetas das regiões ocidentais do mundo,
e no qual aprenderam o segredo de elevar os corações e arrebatar as almas
com sobre-humanas e misteriosas harmonias. Esse livro é a Bíblia, o livro
por excelência.
Nele aprendeu Petrarca a modular seus gemidos; nele viu Dante suas
aterradoras visões; daquela frágua acesa extraiu o poeta de Sorrento os
esplêndidos resplendores de seus cantos. Sem ele, Milton não teria surpreendido a mulher na sua primeira fraqueza, ao homem na sua primeira culpa, a Lúcifer em sua primeira conquista, a Deus no seu primeiro cenho;
nem poderia anunciar aos povos a tragédia do Paraíso, nem cantar com
canto de dor a má ventura e triste fado da linhagem humana. […] Quem
colocou diante dos olhos dos nossos grandes escritores místicos os obs1) Discurso proferido por Juan Donoso Cortés a 16 de abril de 1848, ao tomar assento na Real Academia
de la Lengua. Tradução de excertos escolhidos do original em espanhol presente em OBRAS de D. Juan Donoso Cortés. (Ord.) Gavino Tejado. Madrid: Imprenta de Tejado, 1854. Tomo III. p. 171-198, por
José Manuel Victorino de Andrade (IFAT).
2) Juan Donoso Cortés (1809-1853) filósofo, político e diplomata espanhol, autor de numerosos escritos
e discursos. “O seu estilo distingue-se por uma rara energia e um brilho que nenhum outro se crê que
iguale; mas não falta quem desaprove os frequentes neologismos e os giros singularmente atrevidos que
usa, em abono da abundância de ideias e da louçania da sua imaginação”. Ver DE OCHOA, Eugenio.
Apuntes para una biblioteca de escritores españoles contemporáneos: Colección de los mejores autores
españoles. París: Librería Europea, 1840. Tomo XXIII. p. 467-498.
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
111
Discurso Acadêmico sobre a Bíblia
curos abismos do coração humano? Quem colocou em seus lábios aquelas santas harmonias, e aquela vigorosa eloquência, e aquelas tremendas
imprecações, e aquelas fatídicas ameaças, e aquelas saídas sublimes, e
aqueles suavíssimos timbres de ardorosa caridade e de castíssimo amor,
com que algumas vezes espantavam a consciência dos pecadores, e outras
levavam ao arrebatamento as limpas almas dos justos? Suprimi a Bíblia
com a imaginação, e tereis suprimido a bela, a grande literatura espanhola, ou a tereis ao menos despojado de suas centelhas mais sublimes, dos
seus mais esplêndidos atavios, de suas soberbas pompas e de suas santas
magnificências.
E quanto, senhores, a literatura se desdoura, se com a supressão da Bíblia
todos os povos permanecem em trevas e nas sombras da morte? Porque nela
estão escritos os anais do céu, da terra e do gênero humano; na Bíblia, como
na própria divindade, está contido o que foi, o que é, e o que será: na primeira página conta o princípio dos tempos e das coisas; na última, o fim
das coisas e dos tempos. Começa com o Gênesis, que é um idílio, e acaba com o Apocalipse de São João, que é um hino fúnebre. O Gênesis é belo
como a primeira brisa que refrescou o mundo, como a primeira aurora que
se levantou no céu, como a primeira flor que brotou nos campos, como a
primeira palavra amorosa que pronunciaram os homens, como o primeiro sol que surgiu do Oriente. O Apocalipse de São João é triste como a última palpitação da natureza, como o último raio de luz, como o último olhar
de um moribundo. E entre este hino fúnebre e aquele idílio, veem-se passar umas após outras, à vista de Deus, todas as gerações, e uns após outros,
todos os povos: as tribos vão com os seus patriarcas, as repúblicas com os
seus magistrados, as monarquias como os seus reis, os impérios com os
seus imperadores. Babilônia passa com a sua abominação, Nínive com a
sua pompa, Mênfis com o seu sacerdócio, Jerusalém com os seus profetas e
o seu templo, Atenas com as suas artes e com os seus heróis, Roma com o
seu diadema e com os despojos do mundo. Nada está firme sem Deus; todo
o restante passa e morre, como passa e morre a espuma que vai desfazendo a onda.
Ali se contam ou se predizem todas as catástrofes; e por isso, estão ali
todos os modelos imortais de todas as tragédias; ali se recontam todas
as dores humanas; por isso, as harpas bíblicas ressonam lugubremente,
dando os tons de todas as lamentações e de todas as elegias. Quem voltará a gemer como Jó, quando prostrado na terra por uma mão excelsa
que o oprime, enche com seus gemidos e humedece com suas lágrimas os
112
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
Juan Donoso Cortés
vales da Idumeia? Quem voltará a lamentar-se, como se lamentava Jeremias em torno de Jerusalém, abandonada de Deus e das gentes? Quem
será lúgubre e sombrio, como era sombrio e lúgubre Ezequiel, o poeta dos
grandes infortúnios e dos tremendos castigos, quando oferecia aos ventos a inspiração arrebatada, espanto de Babilônia? Contam-se ali as batalhas do Senhor, em cuja aparência são vãos simulacros as batalhas dos
homens: por isso a Bíblia, que contém todos os modelos de todas as tragédias, de todas as elegias, e de todas as lamentações, contém também o
modelo inimitável de todos os cantos de vitória. Quem cantará como Moisés, do outro lado do mar Vermelho, quando entoava o cântico da vitória
de Javé, do triunfo sobre o Faraó, e da liberdade de seu povo? Quem voltará a cantar um hino de vitória como o que entoava Débora, a Sibila de
Israel, a Amazona dos hebreus, a mulher forte da Bíblia? E se dos hinos
de vitória passamos aos hinos de louvor, em que templo ressoaram jamais
como no de Israel, quando subiam ao céu aquelas vozes suaves, harmoniosas, concertadas, com o delicado perfume das rosas de Jericó, e com o
aroma de incenso oriental? Se buscais modelos da poesia lírica, que lira
haverá comparável com a harpa de David, o amigo de Deus, ele que colocava o ouvido às suavíssimas consonâncias e aos dulcíssimos cantos das
harpas angélicas? Ou com a harpa de Salomão, o rei sábio e felicíssimo,
que colocou a sabedoria em sentenças e em provérbios, e acabou por chamar vaidade à sabedoria; que cantou o amor e seus regalados desejos, e
sua dulcíssima embriaguez, e seus saborosos transportes e seus eloquentes delírios? Se buscais modelos da poesia bucólica, onde os encontrareis
tão frescos e tão puros como na época bíblica do patriarcado, quando a
mulher, a fonte e a flor eram amigas, porque todas juntas e cada uma por
si eram o símbolo da inicial sensibilidade e da cândida inocência? Onde
encontrareis, senão ali, os sentimentos limpos e castos, e o aceso pudor
dos esposos, e a misteriosa fragrância das famílias patriarcais?
Vede, senhores, porque todos os grandes poetas, todos os que sentiram os
seus peitos devorados pela chama inspiradora de um Deus, correram para
aplacar a sede nas fontes bíblicas de águas inextinguíveis, que agora, formam
impetuosas torrentes, rios amplos e caudalosos, estrepitosas cascatas e buliçosos arroios, ou tranquilos reservatórios e remansos.
Livro prodigioso aquele, senhores, que há trinta e três séculos o gênero
humano começou a ler, e após lê-lo todos os dias, todas as noites e todas as
horas, ainda não acabou sua leitura. Livro prodigioso aquele, em que se calcula tudo, antes de se ter inventado a ciência dos cálculos; em que sem estu
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
113
Discurso Acadêmico sobre a Bíblia
dos linguísticos, se dá a notícia da origem das línguas; em que sem estudos
astronômicos, se computam as revoluções dos astros; em que sem documentos históricos, se conta a história; em que sem estudos físicos, se revelam as
leis do mundo. Livro prodigioso aquele, que vê tudo e sabe tudo; que sabe os
pensamentos que se levantam no coração do homem, e os que estão presentes na mente de Deus; que vê o que se passa nos abismos do mar, e o que sucede nos abismos da terra; que conta ou prediz todas as catástrofes das gentes,
e onde se encerram e entesouram os tesouros da misericórdia, todos os tesouros da justiça, e todos os tesouros da vingança. Livro, enfim, senhores, que
quando os céus se dobrarem em si como um leque gigantesco, e quando a terra padeça desmaios, e o sol recolha sua luz e se apaguem as estrelas, permanecerá com Deus, porque é a sua eterna palavra ressoando eternamente nas
alturas.
Por aí vedes, senhores, quão livre e extenso campo se abre às investigações dos homens. Forçoso empenho, pela índole exclusivamente literária
desta ilustre assembleia, considerando a Bíblia somente como um livro que
contém a poesia de uma nação digna de perdurável memória, limitar-me-ei a indicar algo do muito que poder-se-ia indicar e dizer acerca das causas que servem para explicar o seu poderoso atrativo e resplandecente formosura.
[…] Sob o prisma religioso, todas as nações eram idólatras, maniqueias ou
panteístas. A notícia de um deus consubstancial ao mundo, espargida entre
todos os povos nos primitivos tempos, teve a sua origem nas regiões indostânicas; a existência de um deus, princípio de todo o bem, princípio de todo
o mal, fazendo-se oposição e contraste, foi invenção dos sacerdotes persas; e
as repúblicas gregas foram exemplo das nações idólatras. O deus do Indostão
estava condenado a um eterno repouso, o dos persas a uma impotência absoluta, e os deuses gregos eram homens.
Quanto à mulher, estava condenada em todas as regiões do mundo ao
ostracismo político e civil, e à servidão doméstica. Quem reconheceria nessa serva com a frente inclinada sob o peso de uma maldição tremenda e
misteriosa, a mais bela, a mais suave, a mais delicada criatura da criação,
em cuja face retrata-se Deus, refletem-se os céus, e se olham os anjos? Por
último, senhores, se buscais um povo livre, um povo que tenha notícia da
dignidade humana, não encontrareis nenhum em todos os âmbitos da terra, que se eleve a tão grande majestade e que se levante a tamanha altura.
Em vão buscareis naqueles impérios portentosos da Ásia, que caindo com
estrépito uns sobre os outros, desabaram com espantosa ruína. Em vão os
114
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
Juan Donoso Cortés
buscareis na terra dos faraós, onde se levantam aqueles gigantescos sepulcros, cujos cimentos se amassaram com o suor e com o sangue de nações
vencidas e sujeitas, e que denunciam com eloquência muda e aterradora que
aqueles vastos despovoados foram assentamentos de gerações escravas. E
se apartando os olhos das regiões orientais, os voltais às partes do Ocidente, o que vedes nas repúblicas gregas, senão aristocracias orgulhosas e tirânicas oligarquias? Que outra coisa vem a ser Esparta, sede do império dórico, senão uma cidade oriental, dominada por seus conquistadores? E, que
vem a ser Atenas, a heroica, a democrática, a culta, pátria dos deuses e dos
heróis, senão uma cidade habitada por um povo escravo e por uma aristocracia feroz e desvanecida, que não se chamou a si mesma povo, uma vez
que o povo não era nada?
[…]
As tradições bíblicas, que foram causa da liberdade da mulher, foram ao
mesmo tempo ocasião de liberdade para os filhos: os dos gentios caíam no
poder dos seus pais, os quais tinham sobre eles o mesmo direito que sobre
as suas coisas, enquanto os dos hebreus eram filhos de Deus, e um deles
haveria de ser o Salvador dos homens. Daqui, o santo respeito e o terníssimo amor dos hebreus pelos seus filhos, igual ao que tinham pelas suas
mulheres, daqui o exímio cuidado das matronas em amamentar com seus
próprios peitos aos que haviam levado em suas entranhas, sendo tão universal este costume, que apenas se sabe que Joas, rei de Judá, de Mifiboseth e
de Rebeca, que não tenham sido amamentados pelos peitos de suas mães.
Daqui, as bênçãos que desciam do alto sobre os progenitores de uma numerosa família e sobre as mães fecundas. Os seus netos são a coroa dos anciãos, diz a Sagrada Escritura. Deus tinha prometido a Abraão uma posteridade numerosa; e essa promessa era considerada pelos hebreus como uma
das suas mais insignes mercês. Daqui, a esmerada solicitude dos seus legisladores pelo crescimento da população, coisa já advertida por Tácito, que a
respeito do povo hebreu, observa o seguinte: “Nam et necare quemquam ex
agnatis nefas”.
Entretanto, se levais em conta a distância que há entre a família gentílica
e a hebreia, vereis logo que estão separadas entre si por um abismo profundo: a família gentílica compõe-se de um senhor e de seus escravos, enquanto
a hebreia, do pai, da mulher e de seus filhos. Entram como elementos constitutivos da primeira, deveres e direitos absolutos; a segunda, deveres e direitos limitados. A família gentílica descansa na servidão; a hebreia funda-se na
liberdade. A primeira é resultado de um esquecimento; a segunda, de uma
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
115
Discurso Acadêmico sobre a Bíblia
recordação; o esquecimento e a recordação das divinas tradições, prova clara de que o homem não ignora, senão porque esquece, e não sabe, senão porque aprende.
Agora se compreenderá facilmente porque a mulher hebreia perde nos
poemas bíblicos tudo o que teve entre os gentios de sombrio e de sinistro;
e porque o amor hebreu, diferentemente do gentio, que foi incêndio dos
corações, é bálsamo das almas. Abri os livros dos profetas bíblicos, e em
todos aqueles quadros, risonhos ou pavorosos, com que davam a entender
às sobressaltadas multidões, ou que ia desfazendo-se o nebuloso, ou que
a ira de Deus estava próxima, achareis sempre em primeiro lugar as virgens de Israel, sempre belas e vestidas de resplendores aprazíveis, levantarem então seus corações ao Senhor em melodiosos hinos e em angélicos cantares, ou depositarem, sob o peso da dor, as cândidas açucenas de
suas frontes.
[…]
Nem se contentaram os hebreus em confiar à mulher o brando cetro de
seus lares mas puseram muitas vezes na sua mão fortíssima e vitoriosa o pendão das batalhas e o governo do Estado. A ilustre Débora governou a república na qualidade de juiz supremo da nação; como general dos exércitos, peleou
e ganhou batalhas sangrentas; como poetiza, celebrou os triunfos de Israel
e entoou hinos de vitória, manejando ao mesmo tempo, com igual soltura e
maestria, a lira, o cetro e a espada.
No tempo dos reis, a viúva de Alexandre Janeu teve o cetro dez anos;
a mãe do rei Asa governou em nome do seu filho, e a mulher de Hircano
Macabeu foi designada por este príncipe para governar o Estado depois
de seus dias. Até o espírito de Deus, que se comunicava a poucos, desceu também sobre a mulher, abrindo-lhe os olhos e o entendimento para
que pudesse ver e entender as coisas futuras. Hulda foi iluminada com o
espírito de profecia, e os reis aproximavam-se dela sobressaltados com
um grande temor, contritos e receosos, para saber de seus lábios o que
no livro na Providência estava escrito de seu império. A mulher, entre
os hebreus, ora governa a família, ora dirige o Estado, ora fala em nome
de Deus, ora avassala os corações, cativos de seus encantos. Era um ser
benéfico, que já participava tanto da natureza angélica como da humana.
Lede apenas o Cântico dos Cânticos e dizei-me se aquele amor suavíssimo e delicado, se aquela esposa vestida de odoríferas e cândidas açucenas, se aquela música harmônica, se aqueles arrebatamentos inocentes
e elevados, e aqueles deleitosos jardins, não são mais que coisas vistas,
116
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
Juan Donoso Cortés
ouvidas e sentidas na terra, coisas que se nos apresentam como sonhos
do paraíso.
E entretanto, senhores, para conhecer a mulher por excelência; para ter
notícia certa do encargo recebido de Deus; para considerá-la em toda a sua
beleza imaculada e altíssima; para formar-se alguma ideia de sua influência santificadora, não basta colocar a vista naqueles belíssimos exemplos
da poesia hebraica, que até agora deslumbraram os nossos olhos e docemente embargaram os nossos sentidos. O verdadeiro modelo e exemplo de
mulher não é Rebeca, nem Débora, nem a esposa do Cântico dos Cânticos, cheia de fragrâncias como uma taça de perfumes. É necessário ir mais
além, e subir mais alto; é necessário chegar à plenitude dos tempos, ao cumprimento da antiga promessa. Para surpreender à maneira de Deus, formando o tipo perfeito de mulher, é necessário subir até ao trono resplandecente de Maria. Ela é uma criatura aparte, mais bela por si só que toda a criação; o homem não é digno de tocar suas vestes brancas, a terra não é digna
de servir-lhe de peanha, nem os tecidos de brocado como tapete; a sua brancura excede a neve que se acumula nas montanhas; o seu corado, o rosado
dos céus; o seu esplendor ao resplandecente das estrelas. Maria é amada de
Deus, venerada pelos homens, servida pelos anjos. […] O Pai a chama filha,
e lhe envia embaixadores; o Espírito Santo a chama esposa, e lhe faz sombra com as suas asas; o Filho a chama mãe, e faz de sua morada o seu sacratíssimo ventre. Os Serafins compõem a sua corte; os céus a chamam Rainha; os homens a chamam Senhora: nasceu sem mancha, livrou o mundo,
morreu sem dor, viveu sem pecado. Vede aí a mulher, senhores, vede aí a
mulher, porque Deus em Maria as santificou: às virgens, porque Ela foi Virgem; às esposas porque Ela foi Esposa; às viúvas porque Ela foi Viúva; às
filhas, porque ela foi Filha; às mães porque ela foi Mãe. Grandes e portentosas maravilhas obrou o cristianismo no mundo: fez as pazes entre o céu
e a terra, destruiu a escravidão, proclamou a liberdade humana e a fraternidade dos homens. Mas com tudo isso, a mais portentosa de todas as suas
maravilhas, a que mais profundamente influiu na constituição da sociedade
doméstica e da civil, é a santificação da mulher, proclamada desde as alturas evangélicas. E além do mais, senhores, desde que Jesus Cristo habitou
entre nós, nem sobre as pecadoras é lícito lançar o escárnio e o insulto, porque até os seus pecados podem ser lavados pelas suas lágrimas.
O Salvador dos homens colocou a Madalena sob o seu amparo. E quando chegou o tremendo dia em que se nublou o sol, estremeceram e deslocaram-se os despojos da terra, ao pé da sua cruz estavam juntas a sua inocen
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
117
Discurso Acadêmico sobre a Bíblia
tíssima Mãe e a arrependida pecadora, para dar-nos assim a entender que os
seus amorosos braços estavam abertos igualmente à inocência e ao arrependimento.
[…]
Terminei, senhores, o quadro que me havia proposto apresentar ante os
vossos olhos: se lhes parece belo e sublime, a sua sublimidade e a sua beleza
estão nele, como traçado que foi pelo próprio Deus, na larga e lamentável história de um povo maravilhoso. Se nele encontrais grandes lacunas e sombras,
essas sombras e lacunas são minhas. Por elas reclamo a vossa indulgência;
vossa indulgência, senhores, que nunca foi negada aos que, como eu, a imploram, e aos que, como eu, a necessitam.
118
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
Este é o livro dos mandamentos de Deus
1
São Tomás de Aquino
Este é o livro dos mandamentos de Deus,
e a Lei que subsiste eternamente:
todos os que a guardam alcançarão a vida 2. (Baruc 4, 1)
Louvor à Sagrada Escritura 3
Segundo Agostinho, na Doutrina Cristã 4, o homem instruído no falar deve
o fazer a fim de que ensine, deleite e comova 5: que ensine aos ignorantes,
que deleite aos entediados e que comova aos obtusos. A linguagem da Sagra1) Título original: Hic est liber mandatorum Dei. Traduzido do latim pelo Diác. Felipe de Azevedo Ramos,
EP a partir da edição: S. Thomae Aquinatis Opuscula Theologica, t. 1: Principium fratris Thomae de
commendatione et partitione Sacrae Scripturae. Ed. R. A. Verardo, Marietti, Taurini-Romae, 1954, p.
435-439 (hic: 435-436). O códice original, encontrado em Santa Maria Novella, Florença em 1912 (Bibl.
Cent. MS Conv. Soppr. G, 4, 36) está junto com o famoso discurso Rigans montes (cfr. Revista Lumen
Veritatis, 12, 2010, p. 111-126). No início do Hic est liber está escrito: Principium fratris Thomae de
Aquino quando incepit Parisiis ut baccalarius biblicus. Ou seja, seria uma aula inaugural ao começar o
magistério em Paris como Bacharel bíblico (cfr. Spiazzi, Raimondo. San Tommaso d’Aquino: biografia
documentata di un uomo buono, intelligente, veramente grande. Bologna: Ed. Studio Domenicano, 1995,
p. 75). Contudo, a esse respeito explica J.-P. TORRELL (Iniciação a Santo Tomás de Aquino, São Paulo:
Loyola, 2004, p. 63): “Seguindo sugestão de Mandonnet, até hoje todos viam nesse segundo texto a aula
inaugural de Tomás, ao iniciar seu ensino de bacharel bíblico em Paris, em 1252. Ora, conforme vimos,
ao que tudo indica Tomás jamais exerceu esse posto em Paris; portanto, não pôde ter pronunciado esse
discurso na referida ocasião. Daí a proposição de Weisheipl de ver nesse segundo discurso o que Tomás
teria pronunciado no dia de sua resumptio [primeiro dies legibilis seguinte a inceptio]. Esse texto revelase uma continuidade bastante clara do principium [Rigans montes] acima analisado, que ele completa
e prolonga, e podemos desse modo ter uma idéia mais precisa do que se passou em setembro de 1256,
por ocasião da entrada em regência de Tomás”. Weisheipl, por sua parte, nega que exista uma inceptio
para o cargo de Bacharel bíblico e confirma também a continuidade temática do Rigans montes com o
Hic est liber. O primeiro trata da sublimidade da Doutrina sagrada transmitida sabiamente do mestre
aos discípulos; já o segundo trata da autoridade, imutabilidade e utilidade da Sagrada Escritura. Por fim,
reitera que “estes dois discursos devem ser lidos em união de um com o outro e como parte integral
da cerimônia inaugural” (WEISHEIPL, J.A. Friar Thomas d’Aquino. His life, thought, and Work. New
York: Doubleday, 1974, p. 104 - trad. nossa). Por fim, este autor afirma que o Hic est liber teria sido
proferido em abril ou maio de 1256 em Paris (e não em 1252).
2) Original: Hic est liber mandatorum Dei, et lex quae est in aeternum: omnes qui tenent eam pervenient ad
vitam.
3) Original: Commendatione Sacrae Scripturae. Não traduziremos aqui a segunda parte do discurso
chamada Partitione Sacrae Scripturae.
4) De doctrina christiana, IV, c. 12 in Corpus scriptorum ecclesiasticorum latinorum (CSEL), vol. 80, ed.
W. M. Green, 1963, p. 185.
5) Inspirado em Cícero. Cfr. De oratore, I, 130. in Bibliotheca scriptorum graecorum et romanorum
Teubneriana (BT), vol. 3, ed. K. Kumaniecki, 1995, p. 50.
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
119
Este é o livro dos mandamentos de Deus
da Escritura contém plenissimamente estas três coisas. Pois ela ensina firmemente com sua verdade eterna: Eternamente, Senhor, permanece a tua palavra (Sl 118 [119] 89-90). Deleita suavemente por sua utilidade: Quão doces
são vossas palavras para o meu paladar (Sl 118 [119], 103). E convence eficazmente por sua autoridade: Não é minha palavra como fogo, diz o Senhor?
(Jr 23, 29).
Por esta razão, a Sagrada Escritura no texto proposto é louvada por três
motivos: primeiro, pela autoridade através da qual comove, dizendo: Este é
o livro dos mandamentos de Deus; segundo, pela verdade eterna com a qual
instrui, ao dizer: e a Lei que subsiste eternamente; terceiro, pela utilidade que
atrai, ao dizer: Todos os que a guardam alcançarão a vida.
A autoridade da Sagrada Escritura
A autoridade desta Escritura, por sua parte, é demonstrada eficazmente
por três razões. Primeiro, por sua origem, visto que Deus é a sua origem. Por
isso diz: dos mandamentos de Deus. Diz também Baruc (3, 37): Ele descobriu
o caminho inteiro da ciência; e em Hebreus (2, 3): Esta [salvação] foi anunciada no início pelo Senhor, e confirmada no meio de nós por aqueles que a
tinham ouvido.
Além disso, este autor deve ser crido infalivelmente, tanto pela condição
de sua natureza, em razão de ser ele a verdade: Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida (Jo 14, 4); quanto pela plenitude da ciência: Ó profundidade da
riqueza, da sabedoria e do conhecimento de Deus! (Rm 11, 33); quanto pelo
poder das palavras: a palavra de Deus é viva, eficaz e mais penetrante que
qualquer espada de dois gumes (Hb 4, 12).
Segundo, mostra-se eficaz pela necessidade que claramente se impõe: mas
quem não crer será condenado (Mc 16, 16), etc. Por este motivo, a verdade da
Sagrada Escritura é apresentada por meio de preceitos, e por esta razão está
escrito: dos mandamentos de Deus. E estes se dirigem ao intelecto através da
fé: Credes em Deus, crede também em mim 6 (Jo 14, 1); e, pelo amor, informam a sensibilidade: Este é o meu mandamento: amai-vos uns aos outros,
assim como eu vos amei (Jo 15, 12); conduzindo-nos à ação: faze isto e viverás (Lc 10, 28).
6) Este trecho é retomado constantemente por S. Tomás em suas obras como princípio de sistematização
teológica e cristológica (cfr. BIFFI, I. I misteri di Cristo in Tommaso d’Aquino. Milão: Jaca Book, 1994,
p. 40).
120
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
São Tomás de Aquino
Terceiro, mostra-se eficaz pela uniformidade de seus escritos, pois todos
os que transmitiram a sagrada doutrina 7 ensinaram o mesmo: Portanto, seja
eu ou sejam eles, assim pregamos, e assim crestes (1 Cor 15, 11). E isto é
necessário, pelo fato de que todos tiveram um único mestre: um só é vosso Mestre, etc. (Mt 23, 8); possuíram um único espírito: Não andamos com
o mesmo espírito? (2Cor 12, 18). E apenas um amor que vem do alto: A multidão dos fiéis era um só coração e uma só alma em Deus (At 4, 32). Por
isto, como sinal desta uniformidade de doutrina, está escrito com propriedade: Este é o livro.
A verdade da Sagrada Escritura
A verdade desta doutrina da Escritura é imutável e eterna. Donde resulta que a Lei subsiste eternamente. E diz Lucas (21, 33): O céu e a terra passarão, mas as minhas palavras não passarão. Desta forma, esta lei subsiste
eternamente por tres razões. Primeiro, em razão do poder do legislador: Se o
Senhor dos exércitos decidiu, quem poderá revogar? (Is 14, 27). Em segundo lugar, em virtude de sua imutabilidade: eu sou o Senhor e não mudo (Ml
3, 6). O Senhor não é homem para que minta, nem criatura humana para que
se arrependa (Nm 23, 19). Terceiro, em consequência da verdade da própria
lei: Todos os teus mandamentos são verdade (Sl 118 [119],86). Os lábios sinceros permanecem para sempre (Pr 12, 19). A verdade permanece e se fortifica eternamente (3Es 4, 38).
A utilidade da Sagrada Escritura
Por fim, a utilidade desta Escritura é máxima: Sou eu, o Senhor teu Deus,
sou quem te ensina o que vale a pena (Is 48, 17). Por isso continua: todos os
que a guardam alcançarão a vida. Esta vida se divide certamente em três. A
primeira é a vida da graça, para a qual a Sagrada Escritura nos prepara: As
palavras que vos disse são Espírito e são vida (Jo 6, 63). De fato, através desta vida, o espírito vive para Deus: Eu vivo, mas não eu: é Cristo que vive em
mim. (Gl 2, 20). A segunda é a vida da justiça, baseada nas obras, para a qual
a Sagrada Escritura guia: Jamais esquecerei teus preceitos: pois por eles me
deste a vida (Sl 118 [119], 93). A terceira é a vida da glória, prometida e con7) Biffi (op. cit., p. 40) nota como S. Tomás fala indiferentemente de “Sagrada Escritura” (sacra Scriptura)
e de “Sagrada doutrina” (sacra doctrina).
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
121
Este é o livro dos mandamentos de Deus
duzida pela Sagrada Escritura: A quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de
vida eterna. (Jo 6, 68). Da mesma forma (Cf. Jo 20, 31): Estes [milagres],
porém, foram escritos para que creiais; e para que, crendo, tenhais a vida em
seu nome 8.
8) Biffi (op. cit., p. 41) nota que a sucessão graça-justiça-glória se encontra também no prólogo de S.
Tomás a Lectura in Galatas (in Marietti, p. 563) onde se fala de “renovatio per novitatem gratiae, seu
Veritatis praesentiae Christi”, da “renovatio per novitatem iustitiae” e da “renovatio per novitatem
gloriae”.
122
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
Resenhas
Jesus de Nazaré: Da entrada em
Jerusalém até a Ressurreição
RATZINGER, J. / BENTO XVI. Jesus de Nazaré: Da entrada em
Jerusalém até a Ressurreição. São Paulo: Planeta, 2011. 272p. ISBN:
9788576656180.
O segundo volume do livro “Jesus
de Nazaré”, do Papa Bento XVI, veio
a lume recentemente, confirmando a
grande expectativa causada pelo anúncio de sua iminente publicação. Foram já
vendidos cerca de um milhão de exemplares da obra, editada em sete línguas.
A versão em português do Brasil chegou
às livrarias em maio de 2011, por meio
da editoria Planeta.
O autor, com a fineza de pensamento e
o acurado rigor científico que o caracterizam, apresenta uma Cristologia viva, profunda e enriquecedora a partir dos mistérios da vida de Jesus, desde “a entrada
em Jerusalém até a Ressurreição”. A obra,
porém, não adoece da frieza acadêmica de
um estudo técnico e exaustivo. O propósito de Bento XVI é claro: partindo da exegese histórico-crítica e de seus resultados,
vai mais longe, de modo a chegar à interpretação teológica. Este passo é decisivo,
pois, se a árvore da exegese não dá bons
frutos na área da Cristologia, corre o risco
de tornar-se teologicamente estéril.
Trata-se, portanto, de procurar ressaltar o autêntico valor de uma exegese verdadeiramente católica, inspirada
pelo sincero desejo de aprofundar à luz
da Fé a verdade contida no texto sagra
do (cf. Dei Verbum, n. 12), sem descuidar o auxílio da investigação histórica,
semântica e arqueológica.
O estilo do livro é habitualmente
um reflexo da disposição de espírito do
autor. Assim, singeleza e sabedoria inspiram a pena do Papa, sempre aberto ao
diálogo crítico e construtivo com a exegese histórica, mesmo quando se apresenta impregnada de positivismo, mostrando seus limites e explorando seus
contributos ao estudo das Escrituras.
O livro, com efeito, é convidativo e
atraente. Lê-se com paixão e amenidade,
sendo difícil deter a leitura. Não se destina exclusivamente ao estudo de técnicos
e especialistas. Nas suas páginas encontra-se uma mensagem acessível ao público católico e cristão em geral. O Cardeal Marc Ouellet, por ocasião da apresentação da obra na Sala Stampa do Vaticano, em doze de março deste ano, definiu
“Jesus de Nazaré” como “um testemunho
comovente, fascinante, libertador”. 1
Pelo prestígio do autor e sua capacidade de comunicação, a obra pressagia
uma nova aurora na exegese bíblica, por
1) Disponível em: <http://www.radiovaticana.org/
portuguese/noticiario/2011_03_11.html#gr1>.
Último acesso a 2 jun. 2011.
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
123
Resenhas
sua acertada aproximação científica e
teológica à Pessoa de Jesus.
O conteúdo do livro é substancioso e
muito rico, pois aborda os acontecimentos-chave narrados pelos Evangelistas, a
fim de tornar possível conhecer melhor
a figura e a mensagem de Jesus. A partir
desses episódios trágicos e gloriosos —
paixão, morte e ressurreição — é possível aprofundar muito especialmente o
mistério da filiação divina e da missão
redentora de Jesus, nas quais se manifesta o rosto amoroso de Deus.
A obra está estruturada em nove capítulos. Abarca o período que vai desde a
entrada em Jerusalém e a expulsão dos
vendilhões do Templo até a Ascensão
de Jesus aos céus. O Autor põe em foco
temas muito debatidos e de vivo interesse
nos meios exegéticos e teológicos. À guisa
de síntese, enunciamo-los em seguida: A
análise do discurso escatológico de Jesus
e seu conhecimento a respeito dos acontecimentos futuros; a mensagem de amor ao
lavar os pés dos discípulos; a oração sacerdotal de Jesus no Evangelho de São João
e sua profunda ligação com a Eucaristia e
com a Páscoa; a Última Ceia e a atualidade do caráter expiatório da missão de Cristo; a agonia no Horto das Oliveiras como o
grandioso embate da luz contra as trevas;
o processo de Jesus com a descrição, em
minuciosos detalhes, dos acontecimentos
e das personagens envolvidas; a crucifixão e morte de Jesus vistas em seu mais
profundo sentido bíblico-salvífico; a Ressurreição de Jesus de entre os mortos; e,
por fim, a Ascensão aos céus.
124
O fio condutor de toda a obra, em continuidade com o primeiro volume, é o
fundamento histórico do cristianismo e
da própria Escritura. Para Joseph Ratzinger, a mensagem do Novo Testamento não é tão só um conjunto de verdades
metahistóricas baseadas em narrações
simbólicas. Isso seria transformar em
fábula, ou em mito, acontecimentos reais.
Pelo contrário, pertence à essência da
Revelação o fato de estar fundada na história que aconteceu sobre a face da terra.
Ratzinger exemplifica a este respeito com a Eucaristia: se Jesus não tivesse dado a seus discípulos seu corpo e
seu sangue sob as espécies do pão e do
vinho, a celebração eucarística perderia
seu conteúdo, seria uma “ficção piedosa” e não “uma realidade que estabelece
a comunhão com Deus”.
No livro, aborda-se com seriedade
o tema do caráter sacrifical da missão
messiânica de Jesus, pedra de escândalo de alguns teólogos influenciados pela
sensibilidade moderna, avessa à ideia de
expiação. Embora a historicidade dos
textos eucarísticos do Novo Testamento
seja incontestada pelos exegetas, paira a
dúvida e continua-se discutindo a respeito do verdadeiro sentido do “sangue derramado” e do “corpo entregue”. Para Ratzinger, estes textos evocam o sacrifício
de expiação da Antiga Lei e o levam, ao
mesmo tempo, a seu pleno cumprimento.
Depois de explicar a necessidade de
deixar-se guiar pela Escritura, abandonando a atitude de querer confrontá-la
de forma presunsuosa e racionalista com
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
Resenhas
os critérios humanos, o Santo Padre desvenda primorosamente a força vencedora do sacrifício de Cristo sobre o pecado, a morte e o mal. Na paixão de Jesus,
a imundície do mundo entra em contato com O imensamente puro, mas desta vez o mal não vence. Em Jesus, o bem
é infinitamente mais forte, com poder
para anular e transformar a sordície do
pecado.
É o “extremo sim” ao Pai, após o combate interior travado no Horto das Oliveiras, que, por assim dizer, consagra a Cristo Sacerdote, no sentido mais pleno do
termo, “segundo o rito de Melquisedec”.
Sua doação voluntária leva a humanidade até o alto, até Deus, configurando-o
como o Sacerdote perfeito. Ele, tal como
o apresenta a epístola aos Hebreus, oferece-Se a Si mesmo: “Tu não queres sacrifícios e oferendas, mas me preparastes um
corpo” (Hb 10, 5). São as palavras dirigidas ao Pai pelo Filho como sinal de total
obediência e submissão, em atitude diametralmente oposta à soberba de Adão,
que quis ser como Deus (cf. Gn 3, 5).
Ressalta-se na obra a diferença existente entre o Salmo que inspira esta passagem e a adaptação dele feita na Epístola
aos Hebreus. Com efeito, o ato de “abrir
o ouvido” (Sl 39, 7) é substituído pelo
de “preparar um corpo” (Heb 10, 5). Eis
apontado com clareza o caráter sacrifical
e expiatório do sacerdócio de Cristo. Era
necessário que o Filho de Deus reparasse
com seu holocausto o pecado da humanidade. Mas não se trata só disso: a reparação é ao mesmo tempo triunfo sobre os
males decorrentes da soberba e da revolta. A morte é vencida pela Vida Eterna.
Para Ratzinger, esta realidade é
expressa de forma simbólica no Evangelho de São João, o qual situa a Ressurreição de Jesus e, portanto, a vitória definitiva sobre a morte, num horto
onde havia um sepulcro ainda não utilizado, evocando por contraposição o jardim do Éden, lugar do primeiro pecado.
O Santo Padre, ao tratar da Ressurreição, afronta vários temas candentes. Em
primeiro lugar, pergunta-se a respeito da
essência da Ressurreição, o que sucedeu
com Jesus e se teria Ele simplesmente voltado à vida como Lázaro. Estuda também
os dois tipos de testemunhas do evento:
a tradição em forma de confissão e a tradição em forma de narração. Em seguida
oferece uma síntese conclusiva a respeito
da natureza e da significação histórica da
ressurreição. Usando a linguagem analógica, o autor explica a Ressurreição como
um “salto qualitativo radical”, pois Jesus
com seu mesmo corpo “pertence agora
totalmente à esfera do divino e do eterno”.
A obra termina com uma perspectiva de índole escatológica, fundada na
Ascensão do Senhor aos Céus. Com
efeito, a alegria experimentada pelos
Apóstolos ao testemunharem o fato indica a nova forma de presença de Jesus no
meio deles. Cristo não partiu para uma
zona longínqua do universo, mas entrou
para sempre na comunhão de vida e de
poder com o Deus vivente.
Nessa perspectiva, adquire pleno sentido a promessa de Jesus no Evange-
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
125
Resenhas
lho de João: “Não vos deixarei órfãos.
Voltarei a vós” (Jo 14, 18). Ao subir ao
Céu, Jesus “foi”, mas ao mesmo tempo
“veio”, e sua presença fortalece os discípulos de maneira especial. Com isso,
esclarece-se o mistério a respeito da
cruz, da ressurreição e da ascensão.
Após oferecer a síntese da mensagem nuclear e central da obra e em razão
da impossibilidade de esgotar a sua
riqueza, serão destacados outros temas
importantes nela tratados.
Ratzinger oferece um contributo à ética cristã definindo sua essência.
Para ele, a Lei de Moisés oferecia ao
homem um caminho de verdadeira perfeição, mas com a Encarnação do Filho,
na kenosis misericordiosa, manifesta-se o perfil do verdadeiro cristão. Amar
como Cristo amou, eis a nota fundamental da moral cristã. E só mediante a participação pessoal na vida de Jesus é-nos
comunicada sua ardentíssima caridade.
As reflexões teológicas da obra iluminam de forma especial a vida espiritual cristã. O verdadeiro teólogo deve
ser um homem de Fé vivida e, em consequência, pode oferecer reflexões de alto
teor espiritual. Ao estudar, por exemplo,
a figura de Judas, o traidor desesperado,
incentiva a prática da virtude da Esperança na misericórdia do bom Mestre,
focalizando o arrependimento de São
Pedro, o traidor arrependido.
Não menos oportunas são as reflexões — a propósito da oração de Jesus
em Getsêmani e da sonolência dos discípulos — sobre a virtude da vigilância,
126
tão esquecida nestes tempos de individualismo imprevidente: “A sonolência
dos discípulos continua sendo uma ocasião propícia para o poder do mal”.
Reflexiona também sobre a surpreendente combinação entre a douta erudição e a profunda ignorância dos estudiosos apoiados sobre um saber que se pretende autossuficiente, incapaz de transformar o homem. Desta forma, interpela o leitor com agudeza, indagando-o
acerca da verdade e daquilo que muitas
vezes a ela se opõe: nós, o nosso saber, e
a fuga à dolorosa verdade.
Desde o ângulo da exegese histórica, a obra traz contributos muito interessantes, como por exemplo, a datação da
última ceia de Jesus. Os sinóticos afirmam que a última ceia foi a ceia de Páscoa; São João a situa na parasceve, véspera da Páscoa. Como resolver a aparente contradição? Depois de um acurado
estudo, Ratzinger mostra a idoneidade
cronológica da narração joanina e aponta para a concordância de fundo entre as
duas tradições. Jesus no cenáculo não
teria celebrado a páscoa judaica, mas a
sua própria Páscoa.
Em síntese, o Santo Padre trata com
maestria e par cœur daquilo que conheceu e amou na Pessoa de Jesus, com uma
ciência — como ele mesmo explica —
que cria comunhão com o conhecido. A
mensagem de seu trabalho é, sem dúvida, a mesma de Jesus: “Que Te conheçam
a Ti, o único Deus verdadeiro, e Aquele
que enviaste, Jesus Cristo” (Jo 17, 3).
Pe. Carlos Werner Benjumea, EP
Lumen Veritatis - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
Lumen Veritatis – Teologia Bíblica
Ano IV - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
Lumen Veritatis é uma Revista de publicação trimestral que pretende ser um
instrumento de divulgação do pensamento de São Tomás de Aquino e de incremento da cultura cristã, promovendo um diálogo crítico entre o pensamento escolástico
e as demais correntes filosóficas.
Procura ela ser um veículo de divulgação aberto também aos pesquisadores graduados, sem contudo abrir mão do rigor e da qualidade da produção acadêmica.
Lumen
Veritatis
Ano IV - Nº 15 - Abril-Junho - 2011
Teologia Bíblica
Revista de Inspiração Tomista
Instituto Filosófico Aristotélico-Tomista – Instituto Teológico São Tomás de Aquino