Actividade Contabilística até Luca Pacioli
Transcrição
Actividade Contabilística até Luca Pacioli
____________________ REVISTA DE CONTABILIDADE E COMÉRCIO ___________________ Hernâni O. Carqueja Actividade Contabilística 1 até Luca Pacioli 1 Estes apontamentos têm como base lições policopiadas de TEORIA DA CONTABILIDADE ao curso de 1968/1969, na Faculdade de Economia da Universidade do Porto, uma "sebenta", que, só por excepção, tinha indicação das fontes. Só parcialmente foi possível colmatar essa falta. De memória o autor recorda que a versão de 1968/1969 assentou principalmente na consulta conjunta das lições de J. Sarmento coligidas por alunos (1955,) dos livros de Lopes Amorim (1929), Gonçalves da Silva(1938), Martim Noel Monteiro (1965), Cañizares Zurdo (1933), Ferrando Boter Mauri (1959), H. Vlaemminck (1961), e Federico Melis (1950) e de artigos de “The Accounting Review” e da Revista de Contabilidade e Comércio. Nesta reedição foram feitas correcções e alterações muito significativas. Na bibliografia listam-se as obras recordadas como fontes de consulta quando da versão de 1968/1969 e as fontes consultadas quando da revisão, estas referenciadas nos lugares próprios. ________________________________________________ RCC n.º 231 - Pág. 699 ____________________ REVISTA DE CONTABILIDADE E COMÉRCIO ___________________ Enquadramento: CONTABILIDADE como SISTEMA DE INFORMAÇÃO (ciência aplicada) Saberes, Práticas e Instrumentos contabilísticos. Actividade Contabilística até Luca Pacioli. Do Saber da profissão às Doutrinas da Academia. Saber académico e pesquisa contabilística. Contabilidade: coerência de princípios e soluções. Objecto da informação. Referência da informação (entidade e perímetro). Destinatários da informação. Modelos e qualidades da informação. Quadro conceptual e normalização contabilística. Contabilidade como construção social. Contabilidade: problemas em aberto e novos rumos? Contabilistas e Ética Profissional. ______________________________________________________________________________ TEORIA da CONTABILIDADE (Contabilidade Geral) I CONTABILIDADE como SISTEMA DE INFORMAÇÃO (ciência aplicada) II EXPRESSÃO CONTABILÍSTICA III MEDIDA CONTABILÍSTICA IV ANÁLISE CONTABILÍSTICA RCC n.º 231 - Pág. 700________________________________________________ ___________________ REVISTA DE CONTABILIDADE E COMÉRCIO __________________ SUMÁRIO 0. Apresentação 1. Actividade contabilística 1.0 ....................................... 1.1 Actividade contabilística na antiguidade 1.1.1 Actividade contabilística nas civilizações dos grandes rios 1.1.1.1 Os Sumérios, Acádios e Babilónios 1.1.1.2 Civilização Egípcia (Egipto Faraónico) 1.1.2 A Contabilidade na Grécia e Roma antigas 1.1.2.0 ................. 1.1.2.1 A Contabilidade na Grécia 1.1.2.2 A Contabilidade em Roma 1.1.3 A actividade contabilística noutras civilizações antigas 1.2 Actividade contabilística durante a Idade Média 1.2.0 .................... 1.2.1 Os maometanos, em especial os da Península Ibérica 1.2.2 A Igreja, os Templários e os Cavaleiros Teutónicos, as feiras e associações comerciais na Europa Central 1.2.3 Império Romano do Oriente, Cruzadas e as Republicas Italianas 1.3 Algumas notas sobre os entendimentos de Pacioli 1.3.0 .................... 1.3.1 Digrafia (partidas dobradas) 1.3.2 Técnica de registo e documentação de apoio 1.3.3 Informação sobre o negócio, a periodização e a prestação de contas 1.3.4 Autenticação dos livros e correcções de registos 1.4 Rebusco de ideias estruturantes ______________________________________________RCC n.º 231 - Pág. 701 ___________________ REVISTA DE CONTABILIDADE E COMÉRCIO __________________ RESUMO: Enquadrada no estudo da Teoria da Contabilidade, a exposição tem como objectivo contribuir para validar a ideias de profunda ligação entre actividade económica e actividade contabilística, reconhecendo a contabilidade como apoio da organização socio-económica, e o de situar, no desenrolar histórico da civilização, o livro de Luca Pacioli. Respigando a história da civilização europeia salientamos alguns aspectos da actividade económica da Antiguidade e, depois, da organização económico-social, política e religiosa da Idade Média, procurando as raízes das construções agora rotuladas como contabilísticas. Salientamos também algumas soluções técnicas, até chegar ao papel e à impressão, e passos importantes até ao saber contabilístico implícito no quadro conceptual de Pacioli, conforme o “Tractatus particularis de computus et scripturis”. Nos últimos números registamos características das soluções descritas no célebre livro que, em 1994, completou meio milénio. Palavras chave (ordem alfabética, separação = ;) : actividade contabilística; auditoria; banqueiros; cambistas; contabilidade; história; digrafia; documentos; economia; escrita; partidas dobradas. Créditos Agradecemos em particular ao arqueólogo Dr. Adriano Vasco Rodrigues a autorização de reprodução de gravuras e de quadros cronológicos. Toda a exposição beneficia muito de tais referências históricas e visuais. RCC n.º 231 - Pág. 702 ______________________________________________ ____________________ REVISTA DE CONTABILIDADE E COMÉRCIO ___________________ APRESENTAÇÃO Vamos abordar a TEORIA da CONTABILIDADE como ciência social aplicada. Dadas as limitações da experimentação nas ciências sociais, é importante ponderar a evolução histórica da actividade e do saber contabilísticos, procurando entender como se interligaram com as sociedades de cada época. Para os cortes no tempo, definindo períodos, tomaremos como referências, o livro de Luca Pacioli, a entrada da contabilidade na academia, e a aprovação do primeiro plano contabilístico português. A exposição sobre o primeiro período corresponde ao tema “Actividade contabilística até Luca Pacioli”. O segundo período será abordado sob o título “Do Saber da Profissão às Doutrinas da Academia”, e abarca os cerca de 350 anos que passaram desde o livro de Pacioli até à entrada na academia.O período que seguiu a entrada da contabilidade na academia e até ao Plano Contabilístico de 1977, corresponde a: “Saber académico e pesquisa contabilística”. A primeira etapa termina, portanto, com a publicação do primeiro livro impresso sobre contabilidade, em 1494, o que aconteceu na mesma década em que navegadores portugueses chegaram á Índia(1498), foi assinado o tratado de Tordesilhas(1494) e deixou de haver reis maometanos na Península Ibérica(1492). 1. ACTIVIDADE CONTABILÍSTICA 1.0. ... … A actividade contabilística tem foral de independência como profissão desde que implica aprendizagem especializada, tem dignidade como ramo do saber desde que é objecto de ensino universitário e formulações teóricas, mas existe desde que há organização económicosocial estável, tem como centro das suas preocupações as unidades económicas e a natureza de informação económica. Pensamos que a contabilidade foi e é, sempre, apoio essencial da organização económico-social. É esta ligação entre contabilidade e actividade económica que vamos procurar validar, passando em revista ________________________________________________ RCC n.º 231 - Pág. 703 ___________________ REVISTA DE CONTABILIDADE E COMÉRCIO __________________ alguns aspectos das civilizações anteriores à impressão do livro de Luca 2 Pacioli, em 1494 . A vida do dia a dia sugere que a contabilidade anda ligada à actividade económica e que os registos contabilísticos têm como pano de fundo a representação da riqueza duma entidade, vista como coisas apropriáveis ou como rendimento, só ganho ou recebido. Esta primeira achega, da nossa vivência, é corroborada pela história: o desenvolvimento da actividade contabilística seguiu o da actividade económica. A unidade económica desde muito cedo foi centro de actividade contabilística e os bens e fluxos económicos sempre foram o objecto da informação contabilística. O desenvolvimento da vida social e económica acentuou a necessidade de registos, acrescentou-lhes utilidade como prova e meio de informação. No século XV, avultam factos como a conquista de Ceuta em 1415, queda de Constantinopla em 1453, primeiro livro impresso em 1454, fim do Reino de Granada em 1492, tratado de Tordesilhas em 1494, descobrimentos portugueses com a chegada à Índia, em 1498, o que muitas vezes contribui para tornar menos notados factos como o conhecimento e a 3 disponibilidade de papel, a existência da imprensa e conjunto de alterações profundas nas condições de vida anteriores. Foram necessários milénios para a civilização construir os sistemas de escrita, de operação numérica, e mais condições técnicas e de estruturação do saber que viabilizaram a publicação do livro. São diferentes os apoios tecnológicos e conceptuais e é uma nova atitude de sistematização e busca de saber 2 Comemorando e recordando o meio milénio que passou depois da publicação do tratado impresso foram editadas obras em que merece especial destaque, pela qualidade da análise e fotografia do livro original, a obra do Professor Fernández Estebe (1994). Anote-se também a edição que transcreve os textos de Pacioli em italiano conjuntamente com a tradução para francês por Jouanique(1995). A Revista de Contabilidade e Comércio editou e distribuiu conjuntamente com o número 205, 1995 – 1.º Tr, a colectânea “Luca Pacioli” em que reeditou o artigo de F. V. Gonçalves da Silva anteriormente publicado, de pág. 5 a 27 do nr.º 61/62, “Luca Pacioli: o Homem e a Obra”. Na mesma colectânea também foram publicados artigos sobre Luca Pacioli de António Lopes de Sá, Esteban Hernández Estebe, Fernando Martin Lamouroux, José Fernandes de Sousa e sobre o estudo e investigação da história da contabilidade de Enrique Fernández Peña. 3 Os primeiros livros impressos portugueses, impressos no século XV, os incunábulos portugueses foram objecto de notícia na Revista de Contabilidade e Comércio Rodrigues (1998). RCC n.º 231 - Pág. 704 ______________________________________________ ____________________ REVISTA DE CONTABILIDADE E COMÉRCIO ___________________ que enquadra o primeiro livro impresso com exposição sobre contabilidade, caldeado pela civilização em longa evolução e somatório de saberes. Entendemos que para a civilização em que vivemos foi imprescindível teia contabilística que torna possíveis a produção, circulação, e utilização de bens e capacidades, e suporta a organização pública da nossa vida social; esta ideia é suportada pela evolução histórica. 1.1 Actividade contabilística na antiguidade 1.1.1 Actividade contabilística nas civilizações dos grandes rios Datas: a.C. Egipto Mesopotâmia e Pérsia Palestina 4000 Neolítico Neolítico Neolítico 3000 Metalurgia do cobre Metalurgia do cobre Metalurgia do cobre 2700 2600 Império Antigo Época das Pirâmides 3.º dinastia 2300 6.ª dinastia Sargão I 2.º idade do bronze 2050 Império Médio 2000 Abraão sai de Ur para Canaã 1700 1728-1689 Hamurábi 1530 Hicsos (invasão) 1567 Novo Império Período de Tell-al-Marna 1400 a 1350 Período dos impérios Hitita e Mitaniano 1250 1200 1800-1500 Hebreus no Egipto Ocupação hebraica Ramsés III 1.º idade do ferro 1010-970 1.º idade do ferro David 961 Salomão 671 Conquista por Ciro (rei Pérsia) 625 Conquista pérsica 522-486 Conquista pérsica Dário I ________________________________________________ RCC n.º 231 - Pág. 705 ___________________ REVISTA DE CONTABILIDADE E COMÉRCIO __________________ 1.1.1.0 ............ O saber sobre o passado da nossa civilização é apoiado nos testemunhos que chegaram até nós e de que temos conhecimento, directa ou indirectamente. A pesquisa arqueológica justifica situar 8000a.C. símbolos que podemos interpretar como servindo para informação sobre bens económicos, riqueza, e que, dentro dos entendimentos actuais, são já assomos de actividade contabilística. Procurando base para ajuizar sobre o significado de dos símbolos em tão recuada data, 8000a.C., considere-se o cotejo da cronologia4 com que abrimos este tema, em diferentes civilizações, e em que a primeira data é 4000 anos A. C. Entre as civilizações antigas hoje conhecidas destacam-se as dos grandes rios, assim chamadas em virtude da sua localização geográfica. Pela influência mais directa que exerceram sobre a nossa civilização, muitas vezes referida como ocidental, ou, simplesmente, porque as 5 conhecemos melhor , é normal destacar os povos entre Tigre e Eufrates6 e do Nilo, isto é, sumérios, acádios, babilónios e os egípcios, respectivamente. Por volta do ano 3000a.C. ambas as civilizações conheciam o cobre e tinham desenvolvimento compatível. Tendo usado a roda, o carro de cavalos e o ferro depois da Mesopotâmia7, a civilização egípcia exerceu influência até mais tarde e é, talvez, melhor conhecida. No respigar de aspectos mais significativos adoptamos a ordem de abordagem mais frequente nos nossos livros de história. Procuraremos evidenciar que, no desenrolar destas civilizações, houve, desde muito cedo, actividade que, pelos nossos critérios de hoje, pode ser vista como contabilística. Nem sempre a memória do homem é fiel e nem sempre os homens têm recta intenção. Aparentemente quando a utilidade de registos, testemunhos, dos factos económicos justificou o custo, em trabalho e material, de os produzir, começou a actividade contabilística. O 4 Rodrigues (1969, 35), (transcrição rectificada e autorizada pelo autor). 5 É ainda recente o nosso acesso ao conhecimento da história de outras civilizações adiantadas para a época, como foram as da China e Índia, ou a desenvolvida na América do Sul. Na Europa a observação histórica continua centrada nas influências que conduziram à nossa situação actual, tendo como fulcro a Europa, e, portando, ainda divorciada de realizações humanas que, embora grandiosas, tiveram, na civilização europeia, influência menos reconhecida. 6 Actual Iraque. 7 Rodrigues, (1969, 38): “Foram os hicsos que, entre 1530 e 1370,a.C., introduziram no Egipto a roda e o carro, o cavalo, o arco e a flecha, a cerâmica torneada e o ferro fundido”. RCC n.º 231 - Pág. 706 ______________________________________________ ____________________ REVISTA DE CONTABILIDADE E COMÉRCIO ___________________ registo convencional em placas de cerâmica, varas de madeira8, atados de cordas com nós, e outros métodos engenhosos - alguns semelhantes aos que chegaram quase até nós, como os registos de moleiros ou de taberneiros9, analfabetos, com soluções muito suas para representar responsabilidades e créditos - corresponde a necessidades intensas, dado o labor e engenho requeridos pela sua produção. 1.1.1.1. Os Sumérios, Acádios e Babilónios Na civilização entre o Tibre e o Eufrates, c.8000a.C. e até c.3000a.C., aparecem registos simbólicos, anteriores à escrita que a arqueologia atribui ao propósito de registar situações jurídico-económicas. Mattessich (2000,23) esquematiza a interpretação de tais testemunhos arqueológicos nos termos seguintes: “ STAGES IN THE EVOLUTION OF ACCOUNTING AND SYMBOLIC REPRESENTATION IN THE PREHISTORIC MIDDLE EAST I - 8,000 BC: Plain clay tokens of various shapes (spheres, discs, cylinders, triangles, rectangles, cones, avoids and tetrahedrons, each standing for a unit of a specific commodity) which account for the stocks and flows of agricultural goods and services - coinciding with agricultural revolution. II - 4,400 BC: complex tokens with incised lines or punctuation (and occasionally perforated) appear in the old as well as some new shapes (parabolas, vessel forms, trussed duck forms, bent coils, etc.) - coinciding with the first monumental architecture and the rise of the state, indicating a need for greater accounting accuracy. III - 3,250 BC: Emergence of sealed aggregation devices, such as hollow clay envelopes, to safeguard accounting tokens (usually representing agricultural products that were common `currencies') and sealed string systems for safeguarding perforated accounting tokens (usually representing manufactured goods and labour units). Both devices were impressed with personal or institutional seals and often used simultaneously to give evidence for inventories and debt claims as well as the equities behind them - indicating increasing legalism and bureaucratism. IV - 3,200 BC: Surfaces of clay envelopes are also impressed with each token to be enclosed (or each token shape combined with a number symbol) to reveal from outside the assets and equity 8 Ver Baxter (1989) e também Rodrigues (2001). 9 Amorim (1969,11 e 12) testemunha a solução duma viúva analfabeta que era dona de uma pequena mercearia e que resolveu os seus problemas, para registar vendas a crédito, com tábuas e giz, e com traços e circulos que ela entendia. ________________________________________________ RCC n.º 231 - Pág. 707 ___________________ REVISTA DE CONTABILIDADE E COMÉRCIO __________________ represented by the token content - constituting a kind of double entry system (actual tokens inside represent assets, token impressions on the surface are counter entries representing the corresponding equity). V - 3,100-3,000 BC: First pictographs incised in soft stones (very rare in contrast to the abundance of clay tokens and early pictographs in clay). Emergence of archaic cuneiform writing, using many symbols identical or similar to negative token impressions. This stage is also the beginning of abstract counting and writing. Continuing use of both token accounting systems. “ No período histórico, já com escrita, os registos têm como suporte gravações em placas cerâmicas, secas ao sol ou cozidas, caso em que beneficiamos de maior resistência à passagem do tempo.10 Chegaram até nós escritos do III milénio a.C. em que a escrita era executada com uma cunha, facto realçado pela designação escrita cuneiforme. 10 Melis (1950, quadro X entre pág. 144 e 145) RCC n.º 231 - Pág. 708 ______________________________________________ ____________________ REVISTA DE CONTABILIDADE E COMÉRCIO ___________________ Mattessich (1994,18 e 19) não só interpreta os testemunhos do período anterior à escrita como de natureza contabilística, como entende que há cinco mil anos (portanto cerca de 3000a.C.), existia já uma lógica digráfica no desenvolver de registos com base na deslocação dos símbolos de riqueza. Vários historiadores notam que no fim do III milénio a.C. já alguns registos sugerem claramente conceitos contabilísticos actuais, por exemplo o 11 de conta , com indicação das partes interessadas, unidades em que se avaliavam as operações, e movimento efectuado. Há mesmo casos em que o movimento é classificado conforme o sinal que afecta as operações, e em que se indica o saldo anterior e o saldo actualizado. Registos já do II milénio a.C., período em que a cidade de Babilónia dominou, na época de Hamurabi (cerca de 1728a.C.-c1689a.C.) têm conteúdo semelhante ao das actuais “contas sintéticas”, formando apanhados de movimentos descritos em pormenor noutros registos. Também existem testemunhos evidenciando a minuciosa regulamentação 12 jurídica dos negócios de então: (disposições do código de Hamurabi : “Se um comerciante tiver emprestado dinheiro para os seus negócios, e sofrer, no entretanto, um prejuízo, o comissário deverá entregar o dinheiro ao comerciante.” “Se um comerciante confiar a um comissário trigo, lã, azeite ou outras mercadorias para venda, o comissário deverá fazer uma declaração de débito pela importância respectiva, e reembolsar o comerciante, devendo este passar-lhe então uma quitação ou recibo”. “Se alguém confiar à guarda de outrem prata ouro ou outros objectos, deverá mostrar na presença de testemunhas tudo aquilo que dá, assinar o documento respectivo e depois entregar os objectos.” Nestes preceitos é bem evidenciada a importância da elaboração de documentos de conteúdo jurídico-económico. A referência a dinheiro no primeiro dos preceitos transcritos deve ser entendida como resultante de problema de tradução pois no segundo milénio a atribuição de valores baseava-se ainda em sistemas de equivalências, sistemas ponderais, 11 Sobre o conceito de conta ver, por exemplo, Carqueja(1975-A) 12 Amorim ( 1929, 29). ________________________________________________ RCC n.º 231 - Pág. 709 ___________________ REVISTA DE CONTABILIDADE E COMÉRCIO __________________ solução que nós temos pouca capacidade de idealizar, dada a nossa vivência com o meio geral de pagamentos institucionalizado, a moeda. Numa economia de troca a relação do valor entre dois bens pode ser estabelecida pelas quantidades de um terceiro correspondentes às razões de troca de cada um. O terceiro bem serve para ponderar o valor dos dois primeiros. Ainda na mesma época alguns dos documentos evidenciam o propósito de controlo de gestão e o de análise das explorações. Muitos foram conferidos, pois neles existem sinais próprios das conferências, outros foram emitidos em várias vias. Em qualquer caso a verificação da actividade do escriba, ou do administrador, parecem evidentes. Para além da margem esquerda do rio Tigre desenvolveram-se a Média e a Pérsia, origem dos medos e persas, que, sob o comando de Dario (521486a.C.), dominaram não só as Cidades Mesopotâmicas mas, também na Europa, o norte da Grécia e, na África, o Egipto. O fulgor da civilização mesopotâmica esbate-se, tal como o da egípcia, com as conquistas pérsicas que assinalaram final da civilização chamada de Antiguidade Oriental, a que sucedeu a Antiguidade Clássica. O Império Persa deixou, entretanto, um testemunho, hoje visto como de teor contabilístico, que merece registo especial: existência de inspecções sobre as unidades administrativas, as satrapias. É uma primeira evidência sobre a utilidade dos serviços de auditoria em organizações sociais grandes ou complexas. Depois, com a conquista pelo macedónio Alexandre o Grande, em 325a.C. os centros de desenvolvimento passam para a Grécia e Roma, e a Mesopotâmia perde influência como base de desenvolvimento da Europa. Dada a feição utilitária das realizações dos sumérios, acádios e babilónios, e também dos medos e persas, os testemunhos que nos chegaram só podem ser explicados por necessidades muito intensas, atendendo ao trabalho exigido na sua elaboração. Os testemunhos contabilísticos aparecem lado a lado com outros de carácter económico e jurídico, a qualificação só tem como base a compartimentação baseada nos entendimentos actuais. Então a actividade contabilística não existe com independência e só por semelhança com a realidade actual distinguimos os registos contabilísticos dos restantes de carácter económico e jurídico: são contabilísticos os que visam representação de riqueza. Aparecem conjuntamente cartas de negócios, assentos de contratos, ordens de pagamento e registos, desenvolvidos com quantidades em espécie, que são vistos como lançamentos em contas. RCC n.º 231 - Pág. 710 ______________________________________________ ____________________ REVISTA DE CONTABILIDADE E COMÉRCIO ___________________ A civilização de que nos ocupamos ficou caracterizada pelo seu desenvolvimento em torno de agregados urbanos. É mesmo a hegemonia de uma ou outra cidade que serve aos historiadores como referência das épocas e culturas. O desenvolvimento de grandes agregados urbanos implica organização da contabilidade e despesas públicas. Estas devem ser custeadas pela colectividade, o que origina um complexo trabalho de rateio. Há ainda que controlar a recolha, manobra e aplicação dos fundos públicos. Também nas grandes cidades se complica a vida económica privada. Praticam-se operações de crédito que exigem registos como meio de prova. Desenvolvem-se unidades de produção cuja grandeza impede o titular de seguir pessoalmente toda a actividade; aos registos incumbe a missão de informar e controlar. O mandato ganha importância e implica prestação de contas, isto é, registos. Os grandes agregados urbanos aparecem assim como fonte da necessidade de registos. A existência, antes de existir escrita, de registos com conteúdo legitimando a qualificação, pelo critério de hoje, como contabilísticos, merece destaque; e até não pode ser ignorada a ideia de que a necessidade de elaborar tais registos pode ter sido factor 13 importante no desenvolvimento dum primeiro sistema de escrita . Entre os testemunhos da vida económica, pública e privada, aparecem os registos contabilísticos. A estruturação da organização económicosocial passa pela resolução das necessidades de registos contabilísticos, e isso aconteceu na civilização entre o Tigre e o Eufrates. 1.1.1.2. Civilização Egípcia (Egipto Faraónico) O despontar, nas margens do Nilo,14 da civilização egípcia esconde-se, tal como a entre rios Tibre e Eufrates, no recuado dos tempos. Não é pacífica a atribuição de prioridades quanto à sua influência. Houve tempo em que a do 13 Mattessich(1994,5). Logo no resumo inicial escreve, referindo-se a Denise SchmandtBesserat: “She also drew parallels between the shapes of the tokens and those of the first signs of writing, establishing accounting as a perequisite and impetus to writing and abstract counting”. 14 Considerado um dos rios mais compridos, corre perdominantemente de Sul para Norte, com curso paralelo ao Mar Vermelho, termina no delta em cujos cantos se situam as actuais cidade do Cairro (início do delta), Alexandria (a ocidente) e Port-Said (na margem do Suez; o canal de Suez foi aberto em 1869). ________________________________________________ RCC n.º 231 - Pág. 711 ___________________ REVISTA DE CONTABILIDADE E COMÉRCIO __________________ Egipto era considerada como mais antiga, hoje tem com grande aceitação a perspectiva que a da Mesopotâmia evidenciou desenvolvimento anterior, e que nos dois últimos milénios a.C. são coexistentes, e tem ambas muita importância no desenrolar da civilização europeia. A civilização Egípcia chegou mais perto de nós. Passando ao lado de problemas de prioridade e datações, mais do domínio da história, evocamos o conhecimento pacífico de que, milhares de anos antes de Cristo, no Egipto Faraónico foram realizadas obras ainda hoje grandiosas. A unificação do Egipto sob o governo dum mesmo senhor aconteceu cerca de três milénios antes da nossa era. Até à passagem do Egipto para o domínio persa em 525 a.C. estão identificadas 30 dinastias, com alterações significativas não só nas etnias predominantes como nos limites de fronteiras e na organização. É frequente realçar os períodos do Egipto Faraónico, do Império do Meio e do Novo Império, antes da passagem ao Egipto Greco-Romano e ao Egipto Bizantino, em que o Egipto foi ponte entre a cultura grega e a civilização europeia. Na globalidade podem ver-se os primeiros milénios como referidos a uma organização que hoje seria caracterizada como enorme monopólio em que o Faraó, deus vivo, tudo controlava: a armazenagem e conservação das colheitas eram uma das funções de quem tinha que se preocupar com a vida dos indivíduos. A organização político-social, em que os sacerdotes e os templos ocuparam sempre lugar de realce, era complicada e burocrática, o que conferiu aos escribas lugar junto da autoridade e prestígio. A escrita Egípcia15 evoluiu muito ao longo dos séculos e coexistiram tipos de escrita diferentes. A leitura dos escritos egípcios é dificultada, 15 Rodrigues (1969,43): figura com esclarecimento sobre escrita egípcia. RCC n.º 231 - Pág. 712 ______________________________________________ ____________________ REVISTA DE CONTABILIDADE E COMÉRCIO ___________________ mesmo depois de 1821 e Champollion16, pela evolução de simbologia usada. Nas inscrições dos monumentos, tão cheios de interesse para os arqueólogos, só por excepção se referem factos económicos. 17 O uso do papiro e da tinta de fuligem nos escritos correntes, desde épocas recuadas, talvez cerca de 2000a.C. impede-nos hoje de dispor de elementos equiparáveis aos deixados pelos mesopotâmicos com base em material bem mais resistente ao envelhecimento. Os papiros foram destruídos pelo tempo e muito raros exemplares chegaram até nós, mas, embora poucos, e mutilados, existem alguns18. Também foram usados para escrever em alguns casos pedaços de cerâmica especialmente para documentos correntes como cartas, recibos ou certificados de depósito. Desenvolveram-se comunidades numerosas, e a vida económica conheceu uma complexidade que merece destaque dentro dessa época histórica. Os problemas relativos à administração pública, aos pagamentos ligados às grandes construções e à organização económica, motivaram registos de feição contabilística. Nem poderíamos esperar outra coisa numa civilização em que o escrever gozou de tanto prestígio como no Egipto antigo. O lugar social dispensado aos escribas, evidenciado em 19 pinturas e registos , ilustra bem a importância das suas funções. Chegaram, tal como os mesopotâmicos, também até à elaboração de “contas”, registos em que se indicavam as partes interessada, se descrevia e valorava o movimento efectuado e se indicavam os saldos resultantes. 16 Em 1821 Young e Champollion decifraram a escrita de hieroglifos com base na pedra da Roseta, encontrada em 1799, com inscrições em grego, egípsio demótico e caracteres hieroglíficos. Rodrigues (1969,43). 17 O porto de Alexandria foi, durante séculos, a referência europeia para obtenção do papiro. O papiro continuou em uso na Europa até ao século XIII, coexistindo com as tábuas de cera dos romanos, e com o pergaminho e com o velino já usados na antiguidade clássica, e mais tarde com o papel, até que este acabou por todos substituir. Entretanto, como Gonçalves da Silva (1970,38) refere, em Roma o uso da papiro não foi regra nem mais frequente, os romanos escreviam em tabuinhas enceradas com um estilete. O documento ibérico em papel mais antigo é de 1009 e está depositado no museu do Escorial. O papel foi usado em Portugal no reinado de D. Dinis. 18 Especialmente sobre o período helenistico do Egipto chegaram até nós testemunhos preciosos. Os papiros de Zenon, colecção de mais de um milhar de documentos, fornecem evidência sobre o sistema contabilístico desde o século V a.C. (Hain, 1966, 699) 19 Stone, Wiliard E., (1969) ________________________________________________ RCC n.º 231 - Pág. 713 ___________________ REVISTA DE CONTABILIDADE E COMÉRCIO __________________ Há que salientar um avanço notável, básico para o desenvolvimento da 20 contabilidade: o uso de uma unidade de conta: o “shat ”. À complexidade de expressão de valores quando só a correspondência espécie espécie, dos sistemas ponderais, permite avaliações, sucede a simplicidade resultante do uso de uma referência geral de valores. Notemos que se não trata ainda de moeda no sentido actual do termo, pois, além do mais falta ao “shat” o carácter de meio de pagamentos. Estamos perante uma medida de valor, mas ainda não perante um meio de pagamentos, ou de entesouramento, institucionalizado. Outra faceta curiosa dentro do desenrolar da actividade contabilística no 21 Egipto em reinado datado entre 1728-1689 a.C., a atender a Abel Rey , é o aparecimento de um escrito que pretende ensinar os segredos de bom calculador e de bom contabilista. Para referência no tempo 22 consideremos que, conforme datações recentes, os hicsos aparecem no Egipto no período entre 1630 a 1530 a.C., portanto o escrito é anterior a estes. A civilização junto do Nilo continuou muito influente mesmo depois do século V, em que o milagre grego abre uma nova fase. O desmembrar do império de Alexandre, o Macedónio, criou condições para o período helenístico. Face aos antecedentes não surpreende que, entre 332 a 30 a.C., tenha existido ensino de cálculo e registo contabilístico em Alexandria. Concluindo: o registo contabilístico fazia certamente parte do conjunto de tarefas do escriba, profissional cujo prestígio é evidenciado em muitos testemunhos. São realizações egípcias o uso da unidade de conta, talvez resultante do apuramento dos sistemas ponderais, e a elaboração de escritos contabilísticos, pelo menos parcialmente, com fim didáctico. A observação histórica continua a sugerir a estreita ligação entre contabilidade e actividade económica. Surgem testemunhos de registo 20 Melis (1959, 87-91) analisa a possibilidade do uso como unidade de conta ter resultado da utilização do ouro como meio de pagamento e conveniência em considerar parcelas do valor atribuido à peça normalmente utilizada. 21 Citado por Vlaemmink (1961,13). 22 Citado por Vlaemmink (1961,12) refere como suporte o “papiro de Rhind” existente no British Museum, feito no reinado do rei Hiksos Auserre Apofis, entre 1788 e 1580 a.C. . RCC n.º 231 - Pág. 714 ______________________________________________ ____________________ REVISTA DE CONTABILIDADE E COMÉRCIO ___________________ contabilístico logo que existe uma organização social implicando relações económicas com alguma complexidade. A Contabilidade na Grécia e Roma antigas. Datas Grécia A.C Jogos Olímpicos 776 753 Roma Península Ibérica Colónias fenícias Fundação Santuários 750 Coloniz. grega Mediter. Reino dos Tartessos 750-600 Creso. Moeda cunhada e comércio Colónias Gregas 625 Tales de Mileto 621 Dracon (legislação) 508 Clístenes (reformas democráticas) 490-485 Tesouro Ateniense. Delfos Partenon. Liga Pan-helénica 477 461 Péricles 449-448 Fim Guerras Pérsicas 325 Alexandre Magno Castros da Idade do Ferro 264 Início Guerras 237 Guerra Púnica Aníbal 218 2.ª Guerra Púnica Desemb. romano Ampúrias 181-174 154 Guerras Celtiberos Com Macedónia província romana 147-139 A.C 48 D.C 30-33 ? Lusitanos: Viriato Júlio César introduz o áureo Morte de Jesus Morte de Jesus 98-117 Trajano 117-138 Adriano 313 Édito de Milão 404-409 Vândalos, Suevos, Alanos 415 476 Morte de Jesus Visigodos Odoacro Roma conquista ________________________________________________ RCC n.º 231 - Pág. 715 ___________________ 1.1.2.0. REVISTA DE CONTABILIDADE E COMÉRCIO __________________ ... ... Em história, os cortes no tempo, necessários às soluções de caracterização de épocas ou civilizações, são, em muitos casos, resultado de guerras ou conquistas. Embora a conquista persa (século VI a.C.) seja uma marca, quer no evoluir das civilizações Mesopotâmica, quer da egípcia, o corte marcando um para período de nova fase da civilização, corresponde ao surto de esplendor intelectual na Grécia, ao milagre grego no século seguinte, o séc. V a.C. Dos dois mil e quinhentos anos desde o início da idade do cobre, dos sete séculos desde a divulgação do uso do ferro ficou muito saber acumulado, principalmente sobre o como fazer. Mas o ritmo do progresso muda quando o homem grego se dedica à reflexão primeiramente sobre o mundo, e depois sobre o próprio homem, o que acontece no século V a.C. e ficou conhecido por milagre grego (Péricles vive entre 495-429 a.C.). Depois, no século IIIa.C., surge a empreendedora Roma que reformula as fronteiras políticas. Como referências consideremos a sequência cronológica23 que consta da página anterior. Procuremos sumariar aspectos com interesse para esclarecimento da actividade contabilística. Durante o período histórico em que a Grécia e Roma são referências, um milénio dividido a meio pela vida de Cristo (33 anos?), a contabilidade continuou a acompanhar a actividade económica respondendo a maiores exigências, e chegando a apurados aperfeiçoamentos, dentro da chamada técnica de partida simples. 1.1.2.1. A Contabilidade na Grécia Na Grécia aparecem os primeiros filósofos e cientistas. Como já referimos a civilização grega é um marco no mundo antigo: separa o homem que pensa do homem que sabe que pensa, e que essa reflexão o distingue de todas as outras criaturas vivas. Os gregos salientam-se na análise do abstracto e ideal; os problemas económicos ligados ao dia a dia, só lhes mereceram atenção quando relacionados com a política24 ou em situações de excepção. 23 Ao autor, arqueólego e prof. Adriano Vasco Rodrigues, agradecemos a autorização de uso e publicação deste seu quadro (inédito, e por ele adaptado acedendo ao nosso pedido). 24 Amazalak (1942). RCC n.º 231 - Pág. 716 ______________________________________________ ____________________ REVISTA DE CONTABILIDADE E COMÉRCIO ___________________ No despontar da civilização grega a actividade contabilística começou por existir num figurino difícil de explicar25 face ao prestígio que, na mesma época, os escribas tinham na Mesopotâmia e no Egipto. No II milénio a.C. os escribas e os auditores eram escravos: " In 1939 archaeological excavations at Pylos, Greece (the possible site of the palace of Nestor of Trojan-war fame) recovered hundreds of clay tablets written in Minoan script. Scholars have since concluded that a Cretan scribe had been carried off by Mycenaean raiders and set to work keeping the accounting records of this early Grecian King (circa 1400 B.C.). Perhaps from this beginning, it became customary to use slaves as scribes and auditors in Greece. The early Greeks were a war-like people with little use for writing, arithmetic or accounting and the scribe lost his place of great respect. Slaves were preferred as accountants because the law prohibited the torture of the freeman. The statements of a slave under torture were felt to be more conclusive evidence than those of a freeman under oath; an unsophisticated and drastic, even though effective, type of audit." Enquanto a organização social foi rudimentar e menos estável, o desempenho tal função pode ser entregue a escravos. Nos séculos VI a.C. e V a.C. a importância do governo das cidades, e da riqueza dos templos, e o desenvolver de negócios, dotaram de nova dignidade as tarefas de registo sobre factos económicos, designadamente das receitas e despesas públicas ou relacionados com os templos. Com o milagre grego a administração pública atingiu notável aperfeiçoamento. Gerir e controlar os dinheiros públicos implica registos, portanto actividade contabilística. Em alguns casos o registo das operações relativas a fundos públicos terminava com a elaboração de quadro a expor para informação pública (por ex. quadros de receita e despesas classificadas por grandes classes). Por terem sido gravados em pedra alguns deles chegaram até nós. Chegaram poucos, porque foi corrente reaproveitar as pedras, quando a informação já não tinha actualidade, para outras utilizações. É conhecida a riqueza e actividade económico-financeira dos templos gregos. 25 Surpreende a exposição de Stone (1969, 287). Simaultâneamente, no século XV a.C., no Egipto os escribas tinham estatuto social de que nos ficaram testemunhos. ________________________________________________ RCC n.º 231 - Pág. 717 ___________________ REVISTA DE CONTABILIDADE E COMÉRCIO __________________ O templo de Delfos foi um dos templos importantes. Aí aparecem gravadas em mármore e outros calcários não só ofertas feitas aos deuses mas outros registos. A acumulação e movimentos de riqueza no templo obrigou a registos contabilísticos. Por volta de 339 a.C. a administração do templo não tem os registos em ordem e é necessário nomear uma comissão de especialistas para os regularizar! Entre outros testemunhos sobre a actividade junto dos templos aparecem 26 os ábacos de riscos , instrumento baseado no desenho numa pedra de linhas definindo colunas para cálculo. Cada coluna correspondia a uma casa: unidades, dezenas, etc., e, tal como o ábaco de eixos, poderia ter possibilidade de representar o cinco com uma só pedra. As tarefas de registo contabilístico certamente eram facilitadas pela disponibilidade deste instrumento de cálculo. A actividade contabilística dos gregos desenvolveu-se também à volta das grandes unidades de produção agrícola e industrial, mas aparece uma nova fonte que convém referir especialmente: o negócio dos cambistas e banqueiros. O aparecimento e divulgação da moeda 27 cunhada e a sua muito rápida multiplicação tiveram como consequência o aparecimento dos cambistas banqueiros — os trapezistas — uma nova profissão. Na Mesopotâmia foram usados sistemas ponderais, os egípcios tiveram já uma unidade de conta e os gregos utilizam a moeda representativa cunhada. Isto foi um novo passo facilitando a atribuição de valor, mas foi também uma fonte de dificuldades, pois logo apareceram vários cunhos simultaneamente em circulação. 26 O artigo “L´’ Abaque – machines à calculer des anciens grecs” , Archéologia, nr 379 Juin 2001, pág 52 a 57, contém várias fotografias e esclarecimentos. È provável que exista maior relação do que tem sido reconhecido entre a utilização do ábaco e dos contos (ou moeda de contar, ou moeda de contas) 27 Notemos que a moeda não é invenção grega. É um produto de lenta evolução. No Séc. XIII a.C., na Lídia, região da Ásia Menor que foi centro comercial em que reinou Cresos, rei deposto pelos persas em 540a.C., conhecia-se a moeda representativa como pedaços de metal (ouro e prata) de valor relativo definido. A cunhagem foi talvez motivada pela necessidade de garantir o valor de cada peça. A partir do século V a c a moeda é cada vez mais vulgar e perde-se parte da vantagem oferecida pelo seu uso quando se multiplicaram as espécies em circulação,(Rodrigues,(1969,167)). RCC n.º 231 - Pág. 718 ______________________________________________ ____________________ REVISTA DE CONTABILIDADE E COMÉRCIO ___________________ Já Sócrates28 (470-399 a.C.) que, convém lembrar, nada deixou escrito, teria considerado a economia como ciência29, ao lado da medicina, metalurgia e arquitectura30. No tempo de Aristóteles31 (384-322a.C.) já a moeda justificava a reflexões deste pensador, conforme os termos seguintes termos: “Não pode haver comunidade de relações entre dois médicos, em compensação isso é possível entre um médico e um trabalhador e, de um modo geral, entre pessoas diferentes e de situações desiguais. Contudo é indispensável, antes, torná-las iguais. Também é preciso que todas as coisas sejam de qualquer modo comparáveis quando se deseja trocá-las. Eis por que se recorre à moeda que é, por assim dizer um intermediário. Ela mede tudo, o valor superior de um objecto e o valor inferior de outro, por exemplo quantos sapatos são necessários para equivaler a uma casa ou à alimentação duma pessoa, na sua falta não haveria nem troca nem comunidade de relações. Essa relação não se realizará se não existir um meio de estabelecer a comparação entre coisas diferentes. Como acima dissemos é pois necessário uma referência a uma medida comum para tudo. E essa medida resulta da necessidade que temos uns dos outros, a qual salvaguarda a vida social; porque sem necessidade e sem necessidades 28 Anotem-se, para referência histórica, as épocas : Górgias ( c 484-376 a.C), Sócrates (470399.a.C.), Platão ( c 429-348 a.C) e Aristóteles ( c 384-322 a.C), Gorgias nasceu 55 anos antes de Platão e 100 anos antes de Aristóteles. 29 A primeira classificação das ciências foi feita por Aristóteles, não está esclarecido o conceito de ciência no diálogo atribuído a Sócrates por Xenofonte. 30 Bensabat, (1942,89) 31 Aristóteles, “Ethica Nicomaque”, tradução para francês de J. Foilquim, edições GarnicoFlammariou, cap. V, pág-134. A tradução para português é de Rodrigues, Maria da Assunção Carqueja, em manuscrito inédito comentando Aristóteles. A origem da palavra “moeda” é atribuível à conexão com “nomos=lei”, portanto sem relação com o templo da deusa romana “Moeda”. ________________________________________________ RCC n.º 231 - Pág. 719 ___________________ REVISTA DE CONTABILIDADE E COMÉRCIO __________________ semelhante, não haveria trocas, ou as trocas seriam diferentes. Em virtude de uma convenção, por assim dizer, a moeda tornou-se um meio de troca por aquilo que nos faz falta. Eis por que se lhe deu o nome de numisma, porque ela é instituída, não é natural, mas legal (nomos=lei) e está no nosso poder seja de a alterar seja decretar que ela não servirá mais.” A necessidade de trocar moeda por outra moeda e estabelecer 32 equivalências motivou o aparecimento de cambistas . O enriquecimento e aumento de negócios destes obrigaram a registos contabilísticos cuja complexidade levou à adopção de processos de registo, em duas etapas, em que se esboçam sistemas futuros. Os cambistas registam os factos, com o seu contexto histórico, num memorial e, partindo desse memorial agrupam-nos em novo registo por contas. O esplendor do pensamento grego chegou ao tempo de Pacioli através dos romanos, e depois do império Bizantino e dos árabes, mas a liderança política deslocou-se para Roma quando esta ainda não tinha grandeza. A retalhadura do poder na Grécia não resistiu ao centralismo romano. Os registos dos cambistas, na Grécia, atingiram apuro significativo. Entretanto hoje aceita-se que só deficiente conhecimento das coisas de 33 contabilidade permitiu haver historiadores que atribuíram aos 34 gregos, e outros aos romanos, a criação da digrafia . Não é o uso de dois registos – o diário e o razão – que caracteriza a partida dobrada. Esta tem a sua base em princípio(s) diferente(s). Não existe qualquer evidência que tenha sido conhecida a partida digráfica, o uso de dois registos com funções parecidas com as do actual diário e do razão só realça aperfeiçoamento da técnica de partida simples adoptada. Concluindo: a actividade contabilística grega desenvolve-se, principalmente, em redor dos dinheiros públicos, dos templos, e dos cambistas (trapezistas). Estes, os cambistas, apareceram quando a utilização de moeda cunhada originou a necessidade de trocar diferentes 32 O conhecimento dos problemas de câmbios manteve-se como saber especialmente necessário aos contabilistas até meados do século dezanove, época em que se divulgou na generalidade dos países europeus o uso de moeda fiduciária nacional, reduzindo os problemas de câmbios ao comércio internacional e à efectiva troca de moeda. Os livros de contabilidade muitas vezes dedicavam aos câmbios cerca de metade do ttotal de páginas. 33 Por exemplo Niebuhr, Vlaeminck (1961, 35 a 39) 34 . O destaque deste método dentro da contabilidade é tal que há mesmo quem confunda contabilidade com digrafia (ou partidas dobradas), Carqueja (1969 e 1993). RCC n.º 231 - Pág. 720 ______________________________________________ ____________________ REVISTA DE CONTABILIDADE E COMÉRCIO ___________________ moedas. O uso que fizeram de dois registos, um cronológico e outro por conta, foi base para confusão em opiniões, hoje, em geral, consideradas sem apoio adequado, sobre o uso da digrafia35. 1.1.2.2. A contabilidade em Roma O espírito organizador e geométrico dos romanos foi talvez a sua melhor ferramenta no talhar da herança que nos deixaram. O desenvolvimento das artes e da ciência em geral não é favorecido com tal estrutura psicológica, mas o direito e a contabilidade são excepções, bebem na organização social os seus princípios. Por isso os romanos se distinguiram como juristas e aperfeiçoaram de maneira notável a contabilidade. Claro que acabam em destaque os aspectos legais da contabilidade, como seria de esperar em tal enquadramento. O material de escrita então mais utilizado – tábuas com cera em que se escrevia com um estilete – não apresenta condições excepcionais de resistência, embora alguns registos tenham conseguido enfrentar o tempo. Também excepcionalmente aparecem registos em pedra, complementando o conjunto de testemunhos que inclui escritos em papiro e em pergaminho. Em Roma a contabilidade desenvolve-se junto dos templos, que foram ricos e poderosos, mas encontrou meio mais propício para o seu enquadramento na administração pública e, tal como na Grécia, junto dos banqueiros, e ainda na administração das grandes fortunas, algumas delas relativas ao domínio da Península Ibérica. A grande superfície abarcada pelo Império Romano implicou os problemas das grandes organizações, pelo que não surpreendem as funções dos “questores”, cerca do ano 200a.C., muitas vezes apontadas como próprias de auditoria. Ao termo auditor aponta-se mesmo como origem o relatório oral perante o senado. A verificação dos factos por observação directa e o relatório são uma das primeiras formas de auditoria. Roma não inovou, pois 35 Note-se, entretanto, que Mattessich (1994,18 e 19) qualifica como “registo em partidas dobradas” solução adoptada pelos sumérios 3000 a.C. . O conceito de partidas dobradas ainda não é conceito pacífico. Um sistema em partidas dobradas não é a mesma coisa que o registo duma certa transacção em partidas dobradas. ________________________________________________ RCC n.º 231 - Pág. 721 ___________________ REVISTA DE CONTABILIDADE E COMÉRCIO __________________ uma solução semelhante tinha sido já usada por Dario, o conquistador persa. Merecem referência especial os processos de registo seguidos pelos banqueiros relativamente às operações em que intervinham. Aparecem bem marcados os passos seguidos e os registos utilizados. É possível distinguir registos auxiliares da gestão e registos próprios do testemunho de cada transacção. No primeiro grupo encontramos o “calendarium”, registo de lembrança de vencimentos de créditos e débitos que é, portanto, auxiliar precioso da gestão financeira. Enquadram-se no 36 testemunho da transacção o ”comentarius”, o ”codex accepti ed expensi” e “tabulae rationum”. Os diferentes autores parecem de acordo sobre a ordem de registo e as passagens, primeiro em registo menos formal no “comentarius”, depois em transcrição já formalizada para o “adversária”, e ordenamento das operações por classes no “tabulae rationum” em que o “codex accepti ed expensi” era escriturado com separação da receita e despesa. Gonçalves da Silva (1938,28) esclarece os entendimentos sobre estes livros com a tradução do seguinte passo do discurso de Cícero “Pro Roscio Comedo”: “ É petulância apresentar o codex em lugar de testemunha; mas não será loucura produzir os adversaria com as suas anotações e cancelamentos? Porém, se os adversaria tiverem o mesmo crédito, a mesma exacção e a mesma autoridade que as tabulae, que vantagem haverá em instituir o codex, escriturá-lo, mantê-lo em ordem, perpetuar os lançamentos? Mas porque nenhuma confiança nos inspira o adversaria por isso se estabeleceu escriturar o codex. Como há-de ser importante e digno perante o juiz aquilo que para todos é de pouco peso e sem garantia? Porque é que escrituramos os adversaria despreocupadamente? E porque é que estabelecemos as tabulae com tanto cuidado?. . . . . . “ Pode encontrar-se semelhança com o Memorial, o Diário e o Razão do sistema de coordenação de registos contabilísticos conhecido por clássico, e um livro-caixa preenchido pelo tesoureiro para seu controlo e informação. Apreciando o método de registo dos banqueiros romanos merece destaque o uso das transferências de conta a conta, e a maneira correcta de as registar. O sistema de registos abreviadamente referido corresponde a um processo de partidas simples muito aperfeiçoado. Um pequeno passo poderia 36 Silva, Gonçalves da (1970, 35, 67, 115). RCC n.º 231 - Pág. 722 ______________________________________________ ____________________ REVISTA DE CONTABILIDADE E COMÉRCIO ___________________ ter levado em certos casos à digrafia. Parece que tal passo não foi dado em grupo e que, se foi dado por alguém, não se generalizou o método37. Em Roma a contabilidade possui grande dignidade legal. São elucidativos sobre tal aspecto, entre outros testemunhos, as orações de Cícero “Pro Fonteio” e “Pro Roscio Comedo”. Durante o império as próprias disposições legais expressas bastam para ilustrar o valor legal dos registos contabilísticos. Assim, por lei, foram os cambistas e banqueiros obrigados a efectuar certos registos. Determina-se que os executem na presença do devedor ou credor. Relativamente aos restantes comerciantes a contabilidade estabelecia, certamente, presunções. O hábito dos grandes senhores romanos confiarem a mandatários a gestão dos seus patrimónios implicou a necessidade de prestar contas e, portanto, actividade contabilística. Em escritos de carácter económico são muitos os elementos sobre essa actividade. Por exemplo em “De re rustica” Catão (234-149 ac) descreve a forma de efectuar os registos contabilísticos numa exploração agrícola. Concluindo: a contabilidade continua a acompanhar a organização económica e, em Roma, encontra um novo apoio: reforço da dignidade legal. A obrigação legal do cambista fazer o registo com a presença do devedor ou credor, tem significado. Os contabilistas romanos usaram a unigrafia de forma apurada e com um bom domínio da técnica, como testemunham as transferências de conta a conta. 1.1.3. A actividade contabilística noutras civilizações antigas. Dentro das limitações dos nossos propósitos com estas breves notas acerca das civilizações da antiguidade cabe ainda mais um breve esclarecimento. Além dos mesopotâmios, egípcios, gregos e romanos, muitos outros povos desenvolveram intensa actividade contabilística, sempre resultante do condicionamento da civilização em que viveram. É o caso dos hebreus e dos hindus. No caso dos judeus, Stone (1969,287) refere exemplos de testemunhos do velho testamento. Por exemplo Jonas, tio do rei David, era conselheiro, sábio 37 Vlaemminck( 1961, 35 a 39). O historiador Niebuhr, que decifrou num palimpsesto o discurso de Cicero designado “ Pro Fonteio”, atribuiu aos romenos o conhecimento das partidas dobradas mas com base num errado entendimento da essencia deste método. ________________________________________________ RCC n.º 231 - Pág. 723 ___________________ REVISTA DE CONTABILIDADE E COMÉRCIO __________________ e “escriba”. Um outro escriba bíblico foi o representante, em Israel, do rei persa Artaxerxes quando este dominou, entre 536-456 a.C. Os Hindus desenvolveram entre cerca de 321 a.C. e 184 a.C., período Maurya, conceitos sobre rendimento, capital e classificação de despesas que 38 merecem particular atenção . Nota Mattessich “These aspects indicate a surprising long-standing need for and, possible, use of relatively sophisticated accounting concepts”. Também na China e nas Civilizações americanas aparecem testemunhos de interesse. Entretanto as civilizações referidas, dos grandes rios, entre Tibre e Eufrates e do Nilo, e da Grécia e de Roma, tiveram influência mais reconhecida no desenvolvimento da nossa e bastam para salientar as ideias de ligação entre actividade económica e contabilística, e entre unidade económica e centro de actividade contabilístico. 1.2. Actividade contabilística durante a Idade Média Datas (D.C.) Europa 476 Odoacro em Roma 480 Nasce S. Bento 573 Península Ibérica Médio Oriente Leovegildo faz a unidade política 586 S. Gregório Magno Recaredo faz a unidade religiosa 622 Hégira 711 Entrada dos maometanos 732 Batalha de Poitier 800 Coroação de Carlos Magno (742-814) 866 Afonso III das Astúrias 926 Califado de Córdova 962 Sacro Império Romano-Germânico 1086 38 Afonso VI conquista Toledo Matttessich(2000). RCC n.º 231 - Pág. 724 ______________________________________________ ____________________ REVISTA DE CONTABILIDADE E COMÉRCIO ___________________ 1099 Cruzados Jeruzalém 1135 Maimónidas Córdova (judeu) 1139 Afonso Henriques aclamado rei de Portugal 1143 Papa reconhece Portugal 1147 Conquista de Lisboa em 1187 1218 Perda de Jeruzalém pelos cristãos 1225 nasce S. Tomás 1290 1339 tomam Estudos Gerais em Salamanca Estudos Gerais em Lisboa (D. Dinis) Guerra dos Cem Anos 1341 portugueses descobrem as Canárias 1415 portugueses conquistam Ceuta 1453 Fim da Guerra dos Cem Anos 1455 Impressão da Bíblia de Gutenberg Conquista de Constantinopla pelos turcos 1468 imprensa em Barcelona 1487 imprensa em Faro 1492 Conquista de Granada Colombo chega à América Expulsão dos judeus 1494 Tratado de Tordesilhas 1498 Vasco da Gama Índia 1500 Pedro Álvares Cabral Brasil ________________________________________________ RCC n.º 231 - Pág. 725 ___________________ 1.2.0 REVISTA DE CONTABILIDADE E COMÉRCIO __________________ ... ... Depois dos mil anos da antiguidade Clássica, séc. Va.C. até Vd.C., estende-se a Idade Média por outro milénio fértil em acontecimentos e realizações, algumas vezes esquecidas, período que significa cerca de metade do período da Era Cristã: entre os séculos V e XV, em que foi caldeada a civilização europeia, e marcado pelas quedas do Império Romano 39 40 do Ocidente (476 ) e a do Oriente (1453 ). Recordemos algumas datas que 41 são referências especiais com base na cronologia apresentada na página anterior. Como estudiosos da contabilidade não podemos deixar de notar desde já que a técnica digráfica, embora divulgada nos séculos XV e seguintes, é produto medieval. No final da Idade Média este método de registo era já bem conhecido nas Republicas Italianas, donde irradiou para o resto da Europa. Já havia mais de um século desde a queda de Roma quando apareceu o maometanismo, religião dos crentes em Maomé. A rápida propagação desta fé teve grande influência no desenrolar da civilização europeia e, em especial, dos povos ibéricos. O intensificar do comércio e a dignificação da actividade económica e a divulgação do uso de letras de câmbio e a chegada ao conhecimento europeu, através dos maometanos, das possibilidades oferecidas pelo uso de algarismos e da técnica de fabrico de papel, foram pedras fundamentais no assentar das condições existentes quando da publicação do livro de Pacioli. São efemérides que merecem referência, no balizar o desenvolver da actividade contabilística, a sobrevivência do saber romano no Império Romano do Oriente, a rápida expansão maometana que conduziu à ocupação da Península Ibérica, a evolução e desenvolvimento de feiras, especialmente na Europa Central, a que acresceu o internacionalismo dos Cavaleiros Teutões e dos Templários, e o período das cruzadas e desenvolvimento das Repúblicas Italianas. 39 Tomada de Roma por Odoacro. 40 Tomada de Constantinopla pelos turcos. 41 Ao autor, arqueólego e prof. Adriano Vasco Rodrigues, agradecemos a autorização de uso e publicação deste seu quadro (por ele ajustado, acedendo ao nosso pedido). RCC n.º 231 - Pág. 726 ______________________________________________ ____________________ 1.2.1. REVISTA DE CONTABILIDADE E COMÉRCIO ___________________ Os maometanos42, em especial os da Península Ibérica Quando Roma caiu, marcando o fim do Império Romano do Ocidente, já o cristianismo era a religião predominante no Centro e Sul da Europa. Tinhase estendido também pela Ásia Menor e Norte de África. No norte da Europa continuaram a existir reinos pagãos, por quase mais cinco séculos. A expansão cristã não obstou a que, na primeira metade do século VII, aparecesse outra religião monoteísta, o maometanismo, cuja rápida propagação, em especial na Ásia e Africa, influenciou a evolução da Europa. Na Península Ibérica, os séculos V a VII correspondem a período de instabilidade e grandes movimentações de pessoas, chefes e fronteiras, com reis visigóticos na abertura ao século VIII. Depois, em 711, chegaram os maometanos chamados por uma facção de cristãos, que disputava o poder. Em finais do século X os maometanos controlavam a quase totalidade do território ibérico, embora no norte sempre tenham sobrevivido bolsas de ocupação sob chefia de reis cristãos, e alguns deles tenham tido importância na sua época. Mas só em 1492 Granada deixou de ter reis maometanos. Nos últimos sete dos dez séculos da Idade Média houve, na Península, reis maometanos. Foram sete séculos com muita instabilidade de fronteiras, com um permanente esforço de reconquista cristã e vários surtos de reconquista árabe. Alternaram-se também fases em que reis cristãos foram vassalos de reis árabes com fases em que reis árabes foram vassalos de reis cristãos. Registaram-se vários pedidos de ajuda de maometanos a cristãos e de cristãos a maometanos em situações em que a guerra era, de base, só entre cristãos, ou só entre árabes. Estes sete séculos, já tão perto de nós, são período muito representativo, que deixou marcas não só nas línguas e costumes de todas as regiões ibéricas, mas também nas actividades e saberes dos povos43. Toledo, Granada, Córdova, Sevilha, Badajoz e outros lugares centros da cultura maometana, foram também lugares de convivência de maometanos, judeus e cristãos, em que o conhecimento não era travado pelas barreiras 42 Optou-se por referir a designação baseada na religião e não na origem dos povos porque estes tiveram origens diversas, embora sempre crentes de Maomé. 43 Notem-se, por exemplo, as marcas da passagem dos maometanos deixadas na Guarda. Rodrigues (2000,46). ________________________________________________ RCC n.º 231 - Pág. 727 ___________________ REVISTA DE CONTABILIDADE E COMÉRCIO __________________ entre credos. Os sábios de vários credos e as bibliotecas maometanas44 foram famosos e muito importantes na transmissão do conhecimento, não só dos pensadores gregos como do saber entretanto acumulado. Os Moçárabes, cristãos a viver dentro dos reinos maometanos aos quais era consentida a prática religiosa e forma de viver diferente, embora sujeitos a tributos especiais, foram, na passagem do saber e actividades, um elo muito importante. Numa fase da reconquista cristã mais adiantada foram os Mudéjares, maometanos a viver em território cristão, que fizeram ponte entre as culturas. Ficaram-nos testemunhos da atracção que a cultura maometana peninsular do século XII exerceu não só nos cristãos peninsulares mas mesmo em estudiosos de outros países europeus, Alemanha, Inglaterra Escócia. Mesmo o rei cristão Pedro de Aragão (1070-1104) revela acolhimento da influência dos maometanos, quando assina com caracteres árabes45. Allháqueme II, filho do Abderramão III, que tomou o título de Califa e Príncipe dos Crentes de Córdova, no século X, ficou conhecido pela sua biblioteca e fomento das letras46. No séc. XIII Afonso X, o Sábio (1221-1284) fundou o colégio muçulmano de Múrcia, que foi uma espécie de universidade, e também testemunha a diferença entre fronteiras políticas e fronteiras do saber, agora em reino de cristãos. É neste contexto de interpenetração de culturas na Península, marcadas pela religião judaica, maometana ou cristã, que merecem 44 Damião Peres (1928, vol.I -414). Esta influência não foi anulada pela instabilidade e guerras, que incluíram o queimar de bibliotecas famosas. Por exemplo Almançor queimou e arrasou, incluindo bibliotecas. Mais do que os acontecimentos pontuais representam as atitudes generalizadas.(autor) 45 Damião Peres (1928,volI-431) Houve reis cristãos que viveram com mulheres maometanas e maometanos que tomaram esposas cristãs. O episódio da tentativa do rei Ricardo, durantre a terceira cruzada, ter pondereado a hipótese de fazer a paz com Saladino acordando o casamento da irmã deve ser apreciada face aos entendimentos da época. (autor) 46 Damião Peres (1928, vol I- 398 e 414) RCC n.º 231 - Pág. 728 ______________________________________________ ____________________ REVISTA DE CONTABILIDADE E COMÉRCIO ___________________ destaque os algarismos, o ábaco, a organização religiosa-política árabe e a existência de uma fábrica de papel de linho47 em Xátiva. A chegada ao conhecimento europeu dos algarismos indianos, em que o zero fazia parte do conjunto de sinais, foi um passo cultural muito importante, embora de lenta aceitação. O Papa Silvestre II, (reinado c.999 a 1003) antes frade Gelberto (francês) já os conhecia. Leonardo de Pisa (c.(1165 a 1170) -1235), escreveu o “Liber Abaci” que, contrariamente à sugestão do título, não tem como objecto a arte do ábaco, mas sim as operações relacionadas e resolvidas com base em algarismos. A escrita de números com base em letras48 ou na notação romana estendeu-se entretanto até à revolução francesa, com a designação de números financeiros! A arte 49 do ábaco, ou o saber do calculador , perderam rapidamente importância com a possibilidade de encolunamento e facilidade do operar com algarismos árabes e sistema decimal. Como forma de entender a importância deste conhecimento e como ilustração da dificuldade de calcular, sem recurso aos algarismos ditos árabes, considere-se a tarefa de determinar o resultado da soma de MCCI, com MCCXCIX e MMD. Encontrar a solução implicava o recurso ao ábaco, de colunas ou de eixos; tudo mudou quando foi possível escrever: 1201 + 1299 + 2500 = 5000. Os centros de cultura peninsulares tiveram necessariamente um papel muito importante na divulgação de conhecimento tão importante, a que ficou ligado o nome árabe de Al-Khwarismi50 (ou Al-Kuwarismi), bibliotecário em Bagdad, embora de facto, os algarismos árabes tenham origem hindu. 47 Damião Peres (1928,volI-414 e 415): “ ... e Xátiva teve uma fábrica de papel, a primeira que houve na Europa...”... “Facilitava esta difusão do livro , e por isso favorecia imensamente a cultura, a substituição do pergaminho, muito caro, pelo papel de linho, cuja indústria foi introduzida na Europa pelos árabes antes do século XI e de que houve uma fábrica famosa em Xátiva,..” Rodrigues (1969,436):”Também foram os árabes que introduziram na Europa o papel chinês. Encontra-se em Espanha o mais antigo documento existente na Europa escrito em papel de algodão, baseado no mesmo sistema de fabrico do papel actual. Trata-se de um manuscrito árabe de 1009, existente na biblioteca do mosteiro do Escorial” 48 Em hebraico, e também noutras línguas, os algarismos foram representados pelas primeiras letras do alfabeto, o que implicava cuidados especiais para evitar dificuldades na interpretação dos caracteres como algarismos. 49 No Brasil é corrente designar o contabilísta por “contador”. Contar, entendido o termo como fazer contas, e calcular, continuam no dia a dia dos contabilistas. O ábaco entrou em Inglaterra através via maometanos de Espanha (Baxter(2000, 217). 50 Vlaemminck (1961,63) ________________________________________________ RCC n.º 231 - Pág. 729 ___________________ REVISTA DE CONTABILIDADE E COMÉRCIO __________________ Foi certamente ponte na divulgação do uso dos algarismos mas a Espanha Maometana foi simultaneamente uma das origens da divulgação do ábaco na Europa designadamente da versão do ábaco em colunas que deu origem ao “checker-board”. Por virtude do uso nos serviços do tesouro dos reis ingleses este dispositivo de cálculo, e o controlo das situações de crédito e débito através do “tally”, ficaram particularmente registados no Reino Unido51. A organização político-religiosa maometana corresponde a um domínio do religioso sobre o administrativo e político, o que legitima a presunção de organizações muito semelhantes entre os califados da Península e os do Oriente. Ora a organização religiosa implica pagamento 52 de impostos (?) sobre o rendimento , entendido como diferença entre receitas e despesas, o que tem implicações grandes na organização dos registos, não só dos centros religiosos, que se confundem com o estado, como do contribuinte. Esta é a base para destacar não só a importância dos registos sobre bens económicos na organização maometana, como mesmo para legitimar hipóteses sobre o desenvolvimento das partidas dobradas. Até que ponto os métodos de registo dos maometanos na Arábia foram usados e divulgados na Península? É uma questão em aberto e sem resposta fácil, especialmente quando considerado que foram várias, e tiveram diferentes bases, as invasões maometanas na Península e que são muito especiais as características da organização político-religiosa maometana. Entretanto a organização político-militar é um dos aspectos realçados sobre a influência maometana na Península, evidenciada ainda hoje na terminologia, não só castelhana de outras línguas espanholas, mas também da portuguesa. Os meios e instrumentos de escrita foram sempre uma condicionante da existência de documentos escritos. O livro de Pacioli foi impresso em 51 Baxter (2000,198): “To us, wood must seem a clumsy material for records. But our ancestors were short of alternatives. The most obvious was parchment (sheep or calf skin); but this was costly. Such paper as was used in Europe Game from the outside till the twelfth century, when its manufacture started in Italy or Spain; Britain had to rely on imports till the late sixteenth century. And wood was in fact a surprisingly suitable means of recording. It could take ink and seals, and was for long regarded as the most important writing material after parchment. Even lengthy documents such as charters could be written on birch bark.“ 52 Zaid, Omar A.,(2000, 73 a 90). RCC n.º 231 - Pág. 730 ______________________________________________ ____________________ REVISTA DE CONTABILIDADE E COMÉRCIO ___________________ papel, produto que só em finais da Idade Média53 se torna mais acessível. Admite-se que o seu fabrico e uso passou para os árabes no século VIII através dos chineses, que o souberam produzir e usar muito mais cedo. Entretanto o uso de papel implicava em geral fornecimento por mercador que o trazia do oriente. Por isso a existência da primeira fábrica europeia, no Andaluz maometano, é uma efeméride que não deve ser passada em claro. A fábrica produziu papel de linho e é referida como fábrica de Xátiva (Játiva?)54. O fabrico de papel foi divulgado, foi fabricado em Nuremberga c. 1390, ainda no século XV é possível que tenha existido uma fábrica de papel em Leiria, facto que pode ter influenciado a instalação dum prelo donde podem ter saída alguns dos primeiros livros impressos em Portugal55 (é outro problema histórico em aberto). A organização dos reinos árabes maometanos baseava-se em menos barreiras e maiores distâncias entre fronteiras, e o conhecimento, em maior tolerância relativa a credos, apesar de ter havido períodos em que o território maometano peninsular esteve retalhado bem ao estilo medieval, e de ter havido períodos de particular intolerância religiosa. Acresce que existiram épocas de grande relacionamento entre o sul de Espanha e as cidades italianas, designadamente através do reino de Aragão. Concluindo: o manto de esquecimento sobre a passagem maometana na Península Ibérica não deve esconder achegas tão importantes como foram a divulgação do uso do ábaco e dos algarismos, as necessidades e soluções maometanas relativas a impostos e a divulgação e o fabrico de papel. A influência maometana na civilização europeia, via Península, carece de reconhecimento. 53 Rodrigues, (2000,267): “embora se saiba que o papel apareceu em Portugal no tempo de D. Dinis”. 54 Xátiva = Játiva, localidade situada a sul de Valência e norte de Alicante, no interior. 55 Atendendo aos incunábulos que chegaram até nós o primeiro livro impresso em Portugal pode ter sido escrito em hebraico, o “Pentatêutico Judaico” impresso em Faro 1487, a que se seguiram, em Chaves 1489, “Tratado da Confisson”, em Lisboa 1495, “Vita Christ” e, em Leiria 1496, “Almanach Perpetuum” de Abraão Zacuto.( Rodrigues (1997,512)). Américo Cortes Pinto (1948, 490) considera fundada a sua convicção que a imprensa entrou em Portugal com a instalação dum prelo em Leiria no ano de 1465, sob a direcção dos frades Cruzios, e que houve outras obras impressas de que não chegaram exemplares até nós. ________________________________________________ RCC n.º 231 - Pág. 731 ___________________ REVISTA DE CONTABILIDADE E COMÉRCIO __________________ 1.2.2. A Igreja, os Templários, os Cavaleiros Teutónicos, as associações comerciais na Europa Central feiras e as Na Europa, a Idade Média abre, no séc. V, com um período de barbárie e instabilidade política, social e económica. A contabilidade, actividade baseada na ordem, não encontra ambiente próprio para se desenvolver. No séc. IX, com Carlos Magno (742-814), afirmar-se nova ordem político-social e parece estabilizar-se novo quadro da vida económica. Mas seguiu-se logo a divisão dos territórios, que acabou por ser característica da nova ordem, dificultando a expansão das actividades económicas. Esta sofre com a limitação de horizontes e multiplicação de fronteiras, e com a pequenez de cada centro. A contabilidade progride nos grandes centros e, num primeiro período, estagnou dentro das fronteiras acanhadas deste novo mundo, ou até esqueceu as realizações anteriores. A limitação de fronteiras e quadro feudal, característica da Europa da Idade Média, são menos pesadas para algumas espécies de instituições como as ordens religiosas, organizações internacionais em que merecem 56 destaque a ordem dos Templários e a dos Cavaleiros Teutões , e as feiras, lugares e ocasiões de encontro de mercadores em que existiam excepcionais possibilidades de movimentação de pessoas e mercadorias. Os mercadores criaram ainda uma terceira espécie – as associações de mercadores em que se salientaa Hansa Adriática – contornando as dificuldades das deslocações com uma rede complexa de negócio em que floresciam a consignação e agência, e abarcava dezenas de cidades. Qualquer destas realidades medievais serviu de suporte à utilização de letras de câmbio e estas estão muitas vezes ligadas à utilização de 57 valores em conta e às transferências de conta para conta . Sobre os Templários e os Cavaleiros Teutões muito se tem escrito, e não raro são qualificados de banqueiros medievais ou de empreendimentos multinacionais da época. Os seus privilégios e isenções de taxas não só 56 Raymond de Roover (1970,IX e X): “ A l’ époque des croisades les Templiers et les Chevaliers de l’Ordre Teutonique doive avoir apris des Libanais, successeusr des Phéniciens, une forme de comptabilité dont ils se sont servis pour la tenue de leurs comptes. ..... La comptabilité des Templiers était tenue de manière très détaillé et suivant une technic déjà perfectionnée …” 57 Forrester (1999) refere várias explicações sobre a origem das letras de câmbio: procedimento adoptado pelos judeus para evitar extorsões, forma de contornar os entendimentos da Igraja Romana sobre juros, evolução de acordos objecto de escrituras notariais, evolução da prova feita com base em livros comerciais, outras. RCC n.º 231 - Pág. 732 ______________________________________________ ____________________ REVISTA DE CONTABILIDADE E COMÉRCIO ___________________ facilitavam a circulação de membros da ordem por diferentes países, como tornaram possível uma grande acumulação de poder económico possibilitou, por exemplo, à ordem dos Templários servir como banqueiro do rei de França, o que até pode ter sido a causa primeira da sua perseguição. Os incidentes históricos, designadamente quando da extinção da ordem dos Templários por iniciativa do rei francês (Filipe o Belo em 1311, papado de Clemente V), não ajudaram a que chegasse até nós muita documentação sobre os seus métodos de registo contabilístico. Entretanto conhece-se a sua intervenção não só em operações de crédito como em transferências internacionais de meios de pagamento e na utilização de letras de câmbio. As feiras são a outra realidade cujo papel tem que ser apreciado especialmente dentro do grande número de fronteiras feudais da Alemanha e Países Baixos. Os dias e lugares de feiras significavam liberdades de circulação e isenções de taxas especiais, e eram também referências para vencimento de obrigações mercantis, ao lado de datas litúrgicas especiais, com as quais muitas vezes se confundiam. O papel que os encontros de mercadores em feiras podem ter desempenhado no desenvolver da digrafia pode ser imaginado com base na fábula criada por Littleton (1961) para exemplificar como poderia ter-se chegado à compreensão dos movimentos de transferência de conta para conta. A entidade que mantinha as contas, perante as declarações formais do titular dum crédito e da pessoa para quem o crédito era transferido assumiria quase a posição dum notário, ficando em segundo plano as operações mercantis subjacentes aos direitos de crédito. A Idade Média é muitas vezes invocada para ilustrar o espírito corporativo e uma organização social focada em proteger e manter o status existente, e evitar interferências. As associações de mercadores não foram excepção. A sua organização permitiu, no caso da Hansa teutónica, abranger mais de oitenta cidades e espalhar a sua representação por parte significativa da Europa. A contabilidade das operações de consignação e agência foi particularmente aperfeiçoada, e foram apurados os conceitos de apoio, designadamente a distinção entre operações semelhantes mas tendo causas diferentes. As despesas que afectam uma conta de consignação foram bem identificadas e não confundidas com despesas semelhantes do agente58. 58 Roover(1970, X) ________________________________________________ RCC n.º 231 - Pág. 733 ___________________ REVISTA DE CONTABILIDADE E COMÉRCIO __________________ Os juros como remuneração de empréstimos foram objecto de especial condenação pela Igreja, o fundamento o desenvolvimento de justificação de remuneração com base no lucro acessível ao devedor, ou com base na perda de lucros pelo prestamista, ou outras razões. A dificuldade de justificação religiosa acabou por não ser obstáculo suficiente e nos últimos séculos da Idade Média desenvolveu-se o crédito. Crédito implica contas entre devedor e credor e conduz à hipótese de transferência de conta para conta, abrindo caminho para o uso de sistemas de contas fechados. Estas foram as condições criadas nas feiras ou pela intervenção de banqueiros, funções que os templários acabaram por também desempenhar. 1.2.3. Império Romano do Oriente, Cruzadas e as Republicas Italianas Mais de cinco séculos depois da queda de Roma e retalhado o império de Carlos Magno (742-814), faz-se sentir a força do cristianismo com a 59 realização das cruzadas, de 1095 a 1270 . Os cruzados, que também facilitaram o arranque de Portugal como reino, contribuíram para uma nova configuração política e criaram novas condições para a vida económica até porque eles próprios adquiriam e traziam novos hábitos e concepções. A necessária colaboração para passagem em diferentes territórios e a custosa organização de armadas e exércitos iniciaram nova época de expansão económica. Algumas cidades italianas, favorecidas pela localização e organização político-social, souberam expandir-se e crescer em importância dentro do novo ambiente. Foi o caso de Pisa, Génova, Florença e Veneza Os comerciantes e banqueiros das cidades italianas, que souberam aproveitar as oportunidades, enriqueceram a suas empresas e as grandes fortunas e interesses ressuscitaram a necessidade de informação e da actividade apta a satisfazê-la. A unigrafia praticada pelos romanos foi certamente o primeiro recurso. Depois a necessidade de informação e controlo, e o génio inventivo ou elevada competência de alguns mercadores, provavelmente fizeram o resto, embora não se deva excluir a possibilidade de contributo maometano, mesmo através das ligações comerciais. Quando e quem chegou pela primeira vez ao sistema de expressão auto-controlado, conhecido por digrafia ou partidas 59 São em geral referidas oito cruzadas: 1.ª (1095-1099), 2.ª (1147-1149), 3.ª (1189-1192), 4.ª (1202-1204), 5.ª (1217-1219), 6.ª(1228-1229), 7.º e 8.ª (1248-1254 e 1270); por exemplo in Fonseca, Luís Adão da, (1984,455); “La Cristiandade Medieval”, tomoV, EUNSA, 1984. RCC n.º 231 - Pág. 734 ______________________________________________ ____________________ REVISTA DE CONTABILIDADE E COMÉRCIO ___________________ dobradas, não sabemos. Mas sabemos que no séc. XIII houve registos digráficos e que, no século XIV já eram várias as casas italianas em que se usava a nova técnica. Por volta de 1340 já a comuna de Génova mantinha as suas contas pelo novo método. Melis (1950) descreve e analisa testemunhos em que avultam: Documentos relativos a: Período: Fonte: Compagnia dei Fini di Firenza 1335-1343 Melis (1950,481) Compagnia Farofoldi 1299-1300 Melis (1950,485) dos Alberti del Giudice 1302-1329 Melis (1950,490) dos Peruzzi 1292-1335,1335-1343 Melis (1950,494) dos Bardi 1310-1345 Melis (1950,504) dos Frescobaldi 1311-1313 Melis (1950,507) dos Del Bene 1318-1324 Melis (1950,509) Compagnia Benini 1372-1375 Melis (1950,519) Compagnia degli Strozzi 1395 Melis (1950,520) A partir da introdução das partidas dobradas, os registos, que hoje chamamos contabilísticos, correspondem a um sistema já articulado. A actividade contabilística, até então servo sem personalidade da actividade económica e do direito, dá os primeiros passos como actividade com foro próprio. Os registos em partidas dobradas exigiam conhecimentos que só uma aprendizagem especializada permitia adquirir, o que passa a caracterizar a profissão de contabilista. A impressão do livro de Pacioli considerada como um corte no tempo, tem muito de questionável. Existem registos em partidas dobradas do século XIII e admite-se que, já em 1458,60 Benedetto Cotrugli teria escrito 60 Roover (MCMLXX:XVII). ________________________________________________ RCC n.º 231 - Pág. 735 ___________________ REVISTA DE CONTABILIDADE E COMÉRCIO __________________ um livro descrevendo o processo, livro que entretanto só acabou impresso em 157361. Mesmo sendo possível que o livro de Pacioli também não tenha sido o primeiro livro de contabilidade impresso é entretanto a melhor referência reconhecida. Da conjugação da existência de papel, possibilidade de imprensa e atitude renascentista resultou um livro de contabilidade impresso, que é, antes de mais, um símbolo. O autor, um sábio renascentista, passou a letra de imprensa uma técnica comercial que tinha tido a oportunidade de aprender e cuja divulgação estava em curso. 1.3. Algumas notas sobre os entendimentos de Pacioli 1.3.0 ........... Passaram mais de quinhentos anos62 desde a publicação do tratado de Pacioli, o que é suficiente para dificultar adequada apreciação. Mas há alguns aspectos cuja ponderação pode contribuir para a resposta a questões actuais: - Como se caracteriza o método das partidas dobradas e qual o desenvolvimento já evidenciado por Pacioli? - Nos tempos mais próximos de nós entende-se que o objecto de registo contabilístico é a riqueza e que esta é objecto de prestação periódica de contas, em geral anual; já era assim para Pacioli? - uso do computador é hoje regra. É um exercício ter que imaginar as condições de registo no tempo de Pacioli. Quais eram? A resposta a estas, e outras, questões não só ajuda a enquadrar a evolução da contabilidade como contribui para esclarecer ideias actuais. 61 Stevelinck (MCMLXX:14) esclarece que Benedetto Cotrugli, nascido em Ragusa serviu na corte de Afonso V de Aragão. Stevelinck nem sempre distingue este rei do sobrinho, D. Afonso V de Portugal, e faz confusão no índice do livro entre os dois reis. No Congresso de História da Contabilidade, que teve o patrocício da ADCES e da Apotec e correu no ICAC, em Coimbra, foi apresentada comunicação sobre Cotrugli. 62 Dos quais trezentos e cinquenta, até meados do século XIX, considerados como de estagnação Winjum (1970, 743-761). RCC n.º 231 - Pág. 736 ______________________________________________ ____________________ REVISTA DE CONTABILIDADE E COMÉRCIO ___________________ 1.3.1. A obra de Pacioli e a digrafia (partidas dobradas) Segundo Vlaeminck, o historiador Niepuhr, partindo duma falsa ideia de digrafia, foi do parecer que os Gregos e os Romanos já a praticaram. Não foi único na errada interpretação da expressão que nada tem a ver com a existência de dois livros, o diário e o razão, nem com a possibilidade de registar transferências de conta a conta, nem com a existência da conta capital. Só o simultâneo registo de valores antitéticos, de igual valor absoluto, conduzindo à igualdade entre créditos e débitos corresponde à exigência do método de partidas dobradas. Não se exige que o controlo da igualdade seja feito em diário, só é necessário que se verifique, salvo erros de execução. A caracterização e estudo deste método é um problema do estudo da expressão contabilística. Neste bosquejo histórico, só se pretende alertar sobre juízos pouco apoiados, relativamente a toda a evolução do progresso contabilístico. Eis como Jouanique (1995,15) caracteriza a parte da obra de Luca Pacioli relacionada com a contabilidade: « L'Arithmétique elle-même se divise en quatre parties 1. Les nombres et les opérations fondamentales. Cette partie comporte également des éléments d'arithmétique commerciale. 2. Les sociétés commerciales, les changes, l'escompte, la monnaie. 3. La comptabilité. 4. Le « Tarif », c'est-à-dire les usages commerciaux, les poids et mesures et les monnaies des différents pays. La troisième partie, consacrée à la comptabilité, porte, en latin, le titre : «Tractatus XI particulares de computus et scripturis (Traité particulier des comptes et des écritures). Les caractéristiques principales de la comptabilité «à la vénitienne», telle que la décrit Pacioli, peuvent se résumer comme suit. 1. C'est une comptabilité essentiellement analytique. Les comptes reflètent chacun des éléments du patrimoine, tels qu'ils résultent de 1'inventaire initial, très détaillé, mais ne font pas l'objet d'un regroupement méthodique ________________________________________________ RCC n.º 231 - Pág. 737 ___________________ REVISTA DE CONTABILIDADE E COMÉRCIO __________________ au sein de plusieurs grandes catégories. En particulier, il n'existe pas de compte Marchandises générales. 2. Les livres sont arrêtés, soit lorsqu'ils sont entièrement remplis, soit, mieux, en fin d'année ou à 1'issue d'une période de plus d'un an. A cette occasion, sont déterminés, pour chaque compte, le bénéfice ou la perte, mais il n'est pas dégagé de résultat d'ensemble. 3. On n'enregistre au journal que les opérations de gestion. Bien que Pacioli semble faire allusion, au chapitre 25, à des balances d'entrée et de sortie, il préconise le transport direct des soldes d'un grand livre au suivant. De même, le compte Profits et Pertes ne figure pas au journal, mais seulement au grand livre. 4. La façon dont Pacioli décrit le mécanisme des parties doubles correspond à ce que est encore pratiqué actuellement. 5. La «balance» des chapitres 33 et 34 parait bien être une simple balance de vérification, bien que certains commentateurs la considèrent comme un bilan. 6. Les opérations sont passées successivement sur trois livres, le brouillard, le journal et le grand livre, dont la tenue obéit à des règles strictement définies. » Conforme esta apreciação os conceitos contabilísticos de apoio são ainda muito básicos: por exemplo todos os registos eram processados em contas elementares, isto é, não havia contas gerais. O livro razão funcionalmente aproximava-se mais de um livro de contas correntes actual que do livro de razão. Fazer o controlo da igualdade entre créditos e débitos com base num livro de contas correntes ainda hoje é tarefa ingrata, pela dificuldade em localizar a origem dos erros, que tanto pode estar nas passagens de valores copiados do diário, como nas operações algébricas. O entendimento das funções do balanço na exposição de Pacioli não é claro, dependendo da “opinião” do leitor. 1.3.2 Autenticação dos livros e correcção de registos A função contabilística como testemunho jurídico, muito destacada nos códigos comerciais de inspiração napoleónica, entre os quais se contam os códigos portugueses, é corroborada por Pacioli ao referir a necessidade de autenticar os livros e os cuidados relativos à correcção formal e substancial dos registos. Interpretando Forrester (1999, 8/18): “Entre todas as hipóteses e exposição de pormenor, podemos encontrar nas palavras e símbolos comentados por Pacioli, alguma evidência que ele descreve menos RCC n.º 231 - Pág. 738 ______________________________________________ ____________________ REVISTA DE CONTABILIDADE E COMÉRCIO ___________________ um sistema privado livremente adaptável às necessidades de certas pessoas e negócios e mais práticas em uso há muito em várias profissões63 e sujeitas a regras públicas e legais”. De facto o capítulo VII do tratado de Pacioli começa com a seguinte exposição64: "Capítulo VII De como em muitos lugares se devem autenticar (legalizar?) todos os livros dos comerciantes, qual o motivo e por quem Em muitos lugares em que tenho estado existe o bom costume de levar e apresentar os livros num escritório ou centro oficial de comerciantes, como é, por exemplo, o consulado da cidade de Perusa, aonde se declara que aqueles são os livros que quem escrever ou mandar escrever por fulano de tal para registar ordenadamente todos os teus negócios, dizendo em que moeda os queres manter, quer dizer, em liras "picioli" ou em liras "de grossi", ou em ducados e liras, ou florentinos, soldos e dinheiros, ou em onças, "tari" (moeda napolitana), grãos, dinheiros, etc., termo que um bom comerciante deve apor na primeira folha dos seus livros. E se posteriormente é mudada a pessoa declarada como encarregada de escrever os livros, convirá também registar o facto com igual formalismo. O escrivão inscreverá todos os livros no registo de livros indicando os dias em que foram apresentados, qual a forma de identificação, como se chama cada um, quantas folhas tem cada um, e quem os vai escrever, tu ou fulano de tal, embora um deles, chamado Borrão, ou "Vacchetta", possa ser preenchido por qualquer funcionário da casa, por razões indicadas. Depois o mesmo escrivão autenticará todos os termos com sua própria mão, em nome da entidade legalizadora, na primeira folha de todos os livros autenticando-os e apondo o selo da entidade legalizadora como testemunho oficial que te servirá em todos os julgamentos que possam ocorrer. Este costume deve ser muito apurado, tal como as praças que o respeitam, pois de facto muitos comerciantes têm dois jogos de livros, um para mostrar ao comprador e outro para o vendedor, e, o que é ainda pior, juram e perjuram tanto sobre um como sobre o outro, prática que é absolutamente reprovável. A apresentação dos livros na referida entidade torna menos fácil mentir e defraudar o próximo. Depois de haver apresentado os livros e de os ter devidamente autenticados e ordenadamente registados, podes voltar para tua casa com a benção de Deus, já preparado para começar os teus negócios. E, em primeiro lugar, deverás passar por ordem todas as partidas do Inventário para o Diário, como se explicará posteriormente, mas antes terás que aprender a escriturar o Borrão." O tratado de Pacioli sugere importância então atribuída à utilidade dos registos contabilísticos como meios de prova. Como simultaneamente são apresentados os fechos de contas sem particulares esclarecimentos, parece razoável questionar a evidência dos entendimentos actuais sobre as funções da contabilidade; pelo menos em termos históricos o cálculo de resultados do período não aparece como função em destaque. 63 Forrester destaca a relação entre notários entre os profissionais da contabilidade . 64 Tradução livre por H. Carqueja a partir da tradução para castelhano de Hernández Esteve, (1994,163) ________________________________________________ RCC n.º 231 - Pág. 739 ___________________ REVISTA DE CONTABILIDADE E COMÉRCIO __________________ Aliás também a função de prova é necessariamente o pano de fundo para os cuidados da descrição sobre o preenchimento do memorial: “Se tens boa memória, recordarás que já disse que todos os teus podem fazer anotações no Borrão, ou “Vacchetta” ou “Scartafaccio”, como outros o chamam. Sendo assim, não podemos enunciar regras rigorosas sobre a forma de fazer estas anotações, que alguns de tua casa poderiam entender mas outros não. O que se costuma fazer normalmente é o seguinte: suponhamos que comprámos algumas peças de pano, digamos 20 panos brancos da Brescia, ao preço de 12 ducados cada um. Bastará que anotes simplesmente o facto: este dia comprámos ao senhor Felipo de Rufoni, de Brescia, 20 panos brancos de Brescia, que estão no armazém de Stefano Tagliaprieta, e cada uma das peças mede tantas braças, ao preço de tantos ducados cada uma, e estão marcadas com tal número. De igual modo indicarás se os panos são a três dobras ou simples, altos ou baixos, finos ou médios, de Bergamo ou Vicenza, de Verona ou de Pádua, de Florença ou Mantrea, etc., e também pormenorizarás, sendo o caso, se na compra interveio um corretor e se o pano foi todo pago a pronto ou parte a pronto e parte a prazo, e dirás a que prazo, ou se foi parte em dinheiro e parte em géneros, e em tal caso especificarás quais os géneros, sua quantidade, peso ou medida, e qual era o preço do milhar, centena ou libra da unidade de conta empregada. E se o pagamento foi totalmente a prazo, indicarás o prazo: por exemplo, se foi o das galeras de Beicret ou de Flandres, o regresso das naves, etc., e em tal caso especificarás a data de chegada das mesmas, e se o prazo foi até uma feira ou outra solenidade, como a data da Ascensão próxima futura, ou a Páscoa ou a Ressurreição, ou o Carnaval, etc., também especificarás de acordo com o que haja sido concertado na operação. Sumariando, pode dizer-se que no borrão não convém omitir nenhum detalhe; pelo contrário, se fosse possível conviria escrever tal qual as palavras que se tivessem pronunciado, porque, como já se disse a propósito do inventário, para o comerciante 65 toda a clareza é pouca.” Só a importância atribuída à necessidade de comprovar operações e ocorrências permite entender as recomendações, que fazem sentido quando se aceitam como funções do borrão as de testemunho original escrito. Se também lhe foi atribuído o objectivo de rascunhar lançamentos, a passar a limpo no diário, tal função resultou do livro ser preenchido por contabilista. É essencial entender que o borrão desempenhava as mesmas funções que hoje os copiadores de documentos: era o testemunho original em que se baseavam os lançamentos contabilísticos. 1.3.3 Técnica de registo e documentação de apoio Um outro aspecto a que é fundamental atender para apreciar a evolução do saber contabilístico diz respeito à documentação de apoio. Habituados 65 Tradução livre por H. Carqueja a partir da tradução para castelhano de Hernández Esteve,(1994,166). RCC n.º 231 - Pág. 740 ______________________________________________ ____________________ REVISTA DE CONTABILIDADE E COMÉRCIO ___________________ como estamos ao uso de formulários e à disponibilidade de instrumentos e suportes de escrita, precisamos de procurar compreender a base dos procedimentos descritos por Pacioli. O primeiro registo é processado num borrão. As recomendações e sugestões não podem ser entendidas hoje sem imaginar uma situação em que não havia formulários e as partes poucas vezes passam as transacções em que acordam a documento escrito. Nessas condições todo o pormenor para ajudar a recordar a operação a alguma das partes era importante e, no mínimo, havia que registar em memorial todas as especificações agora registadas em formulários. Portanto o Borrão desempenha, à época de Pacioli, não só as funções dos nossos documentos mas também dos respectivos arquivos. O registo no borrão é uma descrição que pode não seguir convenções contabilísticas. O especial cuidado com o borrão não dispensava, entretanto, o cuidadoso arquivo dos documentos eventualmente disponíveis.66 Segue-se o registo em diário. Note-se que o tratado de Pacioli foi o primeiro livro impresso, e, como já referimos, o recurso a formulários impressos estava fora do quadro de trabalho pressuposto na época. Depois note-se que o uso de algarismos era ainda novidade, sendo frequente a indicação de números simultaneamente em notação romana ou por extenso e, no colunado para soma, em algarismos. O custo do papel era então custo significativo e o uso de abreviaturas, menos linhas e outros expedientes, importantes. A execução do trabalho contabilístico com o papel, a pena e a tinta da época, comportava ainda outras dificuldades instrumentais como a escolha do sistema de moeda de conta67, dado que corriam diversas moedas e estas eram representativas. Havia que escolher um conjunto compreendendo moedas com relação definida entre si e permitindo atribuir valores grandes e pequenos. Não existia à época qualquer sistema monetário que não resultasse da simultânea consideração das muitas moedas representativas em circulação e correspondências entre elas. 66 Cap. 35 do Tratado, Hernández Estebe (1994, 224) ou Jouanique (1995,183). Não se confunda moeda de conta, sistema monetário de referência contabilística exemplo: libra, dinheiro, soldo com moeda de “conto”, alternativa a pedras no cálculo com o ábaco. Algumas vezes a moeda de “conto” é designada como moeda de contar e outras vezes como moeda de conta, esta última hipótese pode gerar equívocos. 67 ________________________________________________ RCC n.º 231 - Pág. 741 ___________________ REVISTA DE CONTABILIDADE E COMÉRCIO __________________ Vencer a dificuldade de homogeneizar valores resultantes de quantidades vezes preços unitários fixados em moedas diferentes, era uma parte importante da tarefa do contabilista. Mesmo a operação de multiplicar exigia perícia calculatória que só com imaginação podemos idealizar. Os problemas de cálculo e as equivalências entre moedas ocuparam parte significativa dos livros e aprendizagem da contabilidade até meados do século XIX. Até o que hoje designamos tipo de letra era outra fonte de dificuldades, pois estava-se ainda longe da harmonização actual, e os livros impressos da série de iniciada por Pacioli descreviam soluções que deveriam ser manuscritas. Recorde-se que a caligrafia foi disciplina importante na preparação de contabilistas até meados do século XX. A técnica de registo utilizada e exposta por Pacioli só pode ser apreciada tomando em consideração as limitações dos instrumentos materiais e conceptuais disponíveis na época. 1.3.4 Informação sobre o negócio, a periodização e a prestação de contas Duas das ideias actuais pouco têm a ver com a realidade do tempo de 68 Pacioli: conceito de riqueza (situação ou rendimento) e períodos contabilísticos. Quando a empresa era predominantemente individual o importante era reconhecer os meios afectos à empresa. O centro de atenção eram os diferentes valores, um a um, recebendo o conjunto, riqueza afecta ao negócio, pouco realce, até porque conforme o método de Veneza os resultados eram apurados por partidas, isto é, por conclusão da venda de um certo tipo ou conjunto de mercadorias, e a conta ou contas de capital podiam ser objecto de movimentos por afectação ou desafectação. A partida de mercadorias podia corresponder às transportadas numa viagem de barco ou a um tipo de mercadoria comprada pelo mercador a um certo fornecedor, ou mercadorias compradas num certo local. Na contabilidade à maneira de Veneza a ideia de fazer um corte no tempo para calcular resultados não tinha força, pois estes tanto eram calculados à medida que as partidas eram concluídas como por eventual fecho das contas do razão por mudança de livro. 68 Lopes de Sá (1998,19): “riqueza como agregado de meios que visa satisfazer as necessidades da célula social, como objecto de estudos da contabilidade” RCC n.º 231 - Pág. 742 ______________________________________________ ____________________ REVISTA DE CONTABILIDADE E COMÉRCIO ___________________ Os entendimentos de prestação de contas e do conceito de riqueza implícito nos registos do século XV e que continuaram, em muitos casos, até ao século XIX, pouco tem a ver com o nosso. A conta duma partida de mercadorias poderia ser credora se as vendas já tivessem coberto todos os custos já registados na mesma conta; se esta conta era encerrada e os seus resultados apurados quando esgotada a existência. Pacioli trata a conta de resultados como algo diferente, os seus movimentos não eram registados no diário. Durante os séculos seguintes os activos incorpóreos não eram reconhecidos, a não ser eventualmente como despesa ainda não considerada em contrapartida de resultados; o activo imobilizado mantinha o valor até que uma avaliação por entrada de novos sócios ou herança provocasse uma reavaliação e correspondente reconhecimento em contas de novo valor. Aquilo que chamamos balancete do razão era produzido quando se mudava de livro, e com base em saldos, ou por causas especiais como alteração dos sócios ou abertura de sucessão. Também podia ser produzido quando do apuro de resultados, mas não era frequente, nem regra. O balancete correspondia a uma conferência, e não a uma etapa para produzir um balanço. Demorou a sedimentar-se a ideia de conjunto de bens constituindo um património, embora desde Pacioli tenha sido entendida a ideia de valores envolvidos no negócio. As maneiras de contabilizar, por exemplo de Veneza ou de Florença, correspondiam menos a modelos e mais a tipos de operações predominantes. Na produção de panos, por exemplo, o conceito de partida não tinha operacionalidade porque as existências não se esgotavam: seria normal a produção repor a existência antes de totalmente vendida a existência anterior. Nesta hipótese a ideia de momentos de balanço ou cortes no tempo era a única que resolvia a dificuldade, e, por isso, eram feitos balanços de quando em quando (cada dois ou mesmo cada cinco anos, na maioria dos casos conhecidos sem especial cuidado em manter o período). Quer para efeito de fazer contas quando havia sócios, a companhia, quer mesmo para efeitos de gestão, só contavam os valores investidos e o valor das coisas quando vendidas no mercado ou avaliadas em partilha. ________________________________________________ RCC n.º 231 - Pág. 743 ___________________ REVISTA DE CONTABILIDADE E COMÉRCIO __________________ Por partidas, método mais corrente quando em Veneza, ou com balanços de quando em quando, como em Florença, em qualquer dos casos a contabilidade focava o valor dos fundos envolvidos no negócio e visava conhecimento ou prestação das contas. Até ao século XIX a contabilidade podia, por exemplo, não representar o imobilizado se a gestão do negócio não era responsável por ele. Tal poderia ser o caso do edifício de um convento, ou um terreno agrícola, que podiam ser ignorados em contas. A contabilidade só abarcava o que era objecto da gestão que servia de referência. O objecto da representação contabilística sempre foi o conjunto de bens económicos sujeitos a uma gestão com um certo fim, mas, quer o reconhecimento, quer a atribuição de valores às coisas e situações, tinha no tempo de Pacioli bases muito diferentes das de hoje, e tem variado de civilização para civilização e, em cada uma, ao longo dos tempos. 1.4. Pesquisa de ideias estruturantes Quer o aparecimento quer a divulgação do método de contabilidade por partidas dobradas têm merecido a atenção de muitos estudiosos e foram vários os que procuraram ligações com o tipo de organização económicosocial, ou outros aspectos sociais, que os esclareçam. Concorrem actualmente várias opiniões, por exemplo: De 1250 a 1350 verificou-se alteração significativa da organização de negócios nas repúblicas italianas, e só nestas, deixando o capital de estar nas mãos de indivíduos ou famílias e passando a estar mais disperso, isto é, por várias pessoas ou famílias. Este facto implicou maior exigência quanto a prestação de contas e conduziu à conveniência da utilização do método de partidas dobradas69. A partir do século XII regista-se uma alteração significativa nos sistemas de ensino, multiplicando-se escolas e universidades régias, de bispados, de ordens e de cidades. Foram os professores, em cujo conjunto está incluído Pacioli, que racionalizaram e apuraram a técnica 69 Bryer (2000, 145 e seg.s). RCC n.º 231 - Pág. 744 ______________________________________________ ____________________ REVISTA DE CONTABILIDADE E COMÉRCIO ___________________ contabilística, e é esta alteração do quadro escolar que se deve procurar o apuro da técnica de partidas dobradas.70 As partidas dobradas proporcionam informação essencial à racionalidade dos negócios e o seu aparecimento foi um dos motores do desenvolvimento capitalista posterior71. A nossa leitura da história da contabilidade deixa-nos com a ideia de que o conhecimento do método das partidas dobradas tem recebido demasiada atenção. Não devemos confundir desenvolvimento da contabilidade com a divulgação ou apuro de um dos métodos em particular. A unidade económica, vista como centro de interesses económicos e de decisões, parece ser referência em toda a informação contabilística, desde os primeiros registos em barro, os registos simbólicos ainda antes da escrita. Os registos contabilísticos respeitam à unidade económica titular dos direitos e obrigações ou à entidade responsável pelas receitas e despesas. A referência de qualquer registo contabilístico a uma unidade económica parece ser universal, no tempo e no espaço. A convivência de pessoas é uma realidade das sociedades organizadas, e a história da actividade contabilística sugere que a contabilidade responde a essa necessidade da organização, designadamente pública, e também das relações de natureza patrimonial entre as pessoas, por exemplo de créditos e débitos e do exercício de mandato. Na alta antiguidade é importante a responsabilidade do pastor e aparecem soluções para esse registo, mesmo antes da escrita, na Suméria. É importante conhecer as receitas e despesas, para o banqueiro medieval bem como o registo dos direitos que adquire e das obrigações a que se compromete. Nos conventos é necessário prestar contas e encontrar base para gestão racional. A utilidade dos registos está sempre em destaque: em cada caso regista-se a observação importante para os fins visados. Em nenhuma das civilizações referidas foi preocupação representar a riqueza como tal, mas tão-somente representar as manifestações de riqueza 70 Citando Hoskin and Macve, Bryer (2000,165) refere o Magister Brown da corte inglesa em 1160, que tinha sido educado na Itália. A tese também pode encontrar apoio na história do sec. XIX, quando a teorização da Contabilidade surge na Itália e na Alemanha e estes países são os pioneiros na inclusão de disciplinas de contabilidade em cursos superiores. 71 Tese muito citada, atribuída a Sombard. Littleton é um dos autores que enfatiza o apoio à decisão, e portanto a contribuição para a racionalidade. ________________________________________________ RCC n.º 231 - Pág. 745 ___________________ REVISTA DE CONTABILIDADE E COMÉRCIO __________________ que importavam ao conhecimento, ou controlo, do negócio ou actividade, adequados à vida social. As relações postas em destaque pela teoria da agência são uma explicação não refutada da actividade contabilística. No desempenho de funções de prestação de contas a contabilidade condiciona o desempenho social dos agentes económicos. Os destinatários podem ser agentes da unidade económica, ou público interessado, como eram os cidadãos de Atenas relativamente às contas da cidade, objecto de publicidade por gravação em pedra. O Rei Dario (521-486) recorreu a inspectores, “os olhos e ouvidos do rei”. Roma apoiou-se em questores que inquiriam oralmente, e Carlos Magno apoiou-se em auditores como forma de melhor coordenar e controlar quem estava ao serviço do poder. O controlo dos agentes, sejam decisores ou contabilistas, é um propósito que assume particular realce sempre que as fronteiras se alargam e se complica o universo centro de decisões. Não se estranhe que a auditoria actual tenha especial importância quando estas mesmas condições se verificam: fronteiras que se afastam e universo cuja dimensão torna o seu governo mais complexo. A racionalidade de decisões nas casas dos grandes senhores romanos, ou depois nos conventos e ordens religiosas, pode explicar alguns dos testemunhos contabilísticos que chegaram até nós. A preocupação com racionalidade acompanhou o intensificar da actividade económica que foi acompanhado pelo desenvolver de actividade contabilística. A história corrobora a ideia de utilidade dos registos contabilísticos para facilitar a racionalidade das decisões, especialmente quando o tempo ou a complexidade dificultam recordar sequências ou ponderar alternativas. Tal como a complexidade da organização social também o destaque da racionalidade de conduta parece ser indutor de actividade contabilística. Entendemos que a contabilidade por partidas dobradas proporciona solução para apoio das relações de agência que se complicam e intensificam nas grandes unidades de produção; mas não compartilhamos da opinião que proporciona informação mais adequada a suportar decisões racionais do que os sistemas apurados de partidas simples. É através do controlo do comportamento de agentes com acentuada capacidade de arbítrio, e não da busca de maior racionalidade, que encontramos forte dependência entre qualquer sistema de produção complexo e a RCC n.º 231 - Pág. 746 ______________________________________________ ____________________ REVISTA DE CONTABILIDADE E COMÉRCIO ___________________ contabilidade por partidas dobradas. A tardia adopção das partidas dobradas na contabilidade pública, considerada a evidente complexidade da organização a que esta respeita, sugere também que a complexidade não basta para explicar a opção pelo método das partidas dobradas. Entretanto, quando os padrões de comportamento social, adoptados nas grandes unidades de produção e baseados na possibilidade de arbítrio do agente, são desejados no sector público o método das partidas dobradas ganha suporte: aparentemente proporciona soluções menos burocráticas e mais eficazes para condicionar o comportamento dos agentes. O livro de Pacioli contém uma exposição sobre o método de registo conhecido por partidas dobradas ou digrafia; visa ensinar como fazer e não corresponde a qualquer dissertação, seja sobre a natureza dos registos contabilísticos ou sobre o entendimento do seu objecto. Entretanto é evidente a atenção dada à correcção legal dos livros. A utilização da escrita como meio de prova e para prestação de contas ressalta até dos cuidados com a autenticação e com a correcção formal. O apuramento de resultados não surge como objectivo em destaque na digrafia do tempo de Pacioli, nem como apuramento por partida (Veneza) nem como apuramento de quando em quando, período não regular (Florença). Quando da partilha pelos sócios ou entrada de novos sócios o apuramento de resultados acontece, tal como o apuramento do valor da riqueza quando da sua afectação ao negócio. A atribuição de valor a itens do inventário é resultado do acordo entre sócios ou do arbítrio do comerciante. As finalidades prestação de contas, condicionamento do comportamento dos agentes económicos e informação para base racional de decisão, desde a primeira hora parecem ser as justificações em destaque para a actividade contabilística. No convento podia não se registar o valor dos terrenos e edifícios, nas instituições públicas os registos visavam as receitas e despesas, e não os bens disponíveis para utilização, especialmente quando estes estão fora da alçada da gestão72. Registavam-se receitas e despesas relativas à construção do templo ou obra privada ou pública, mas não se registava o valor desta enquanto fonte de 72 Passando ao lado do sector público, onde a contabilidade até há poucos anos estava inteiramente dirigidas a controlar receitas e despesas, a evidência dada pelo tratamento contabilístico do imobilizado, até princípio do século XX, parece-nos bastante. Para aprofundar a problemática especial do imobilizado ver, por exemplo, Lemarchande (1993). ________________________________________________ RCC n.º 231 - Pág. 747 ___________________ REVISTA DE CONTABILIDADE E COMÉRCIO __________________ utilidades nem enquanto correspondente a um valor, pelo menos de substituição. Anotámos que o valor da riqueza aparece, durante todo o período até Pacioli, mais como valor acordado ou arbitrado para viabilizar o registo contabilístico, do que como fruto do registo contabilístico. São apurados resultados para informação do mercador, ou para distribuição pelos sócios, em qualquer caso com evidente propósito de informação ou prestação de contas. Não se encontra em todo o longo período de gestação das partidas dobradas que se deseje evidenciar e a importância do propósito de determinar o valor da riqueza sob gestão, salvo como meio necessário a outro fim. Se o maometano devia pagar imposto de acordo com o seu rendimento e, por isso, anotava receitas e despesas, se o agente da associação de comerciantes, por exemplo da Hansa Teutónica, dedicava especial atenção às receitas e despesas de que deveria prestar contas, se a contabilidade tinha, e tem, em tantos casos especial atenção as receitas e despesas, e se não encontramos em todo o longo período antes de Pacioli evidência do primado do propósito de determinar o valor dos resultados ou da situação patrimonial, temos base para questionar este objectivo como propósito básico da contabilidade. O desenrolar posterior da história do saber e da actividade contabilísticos proporciona esclarecimento adicional, mas considerar a história da contabilidade até Luca Pacioli, só por si e, legitima que se questione a determinação do valor da riqueza, especialmente em foco nas últimas décadas do século XX, como fim característico da actividade contabilística. RCC n.º 231 - Pág. 748 ______________________________________________ ____________________ REVISTA DE CONTABILIDADE E COMÉRCIO ___________________ BIBLIOGRAFIA Amazalak, Moses Bensabat (1942), “História das Doutrinas Económicas da Antiga Grécia — XENOFONTE”, Academia das Ciências de Lisboa, 1942, 170 pág.s. Ameal, João (1964), “História da Europa”, Livraria Tavares Martins, Porto, 880 pág.s. Amorim, Jaime Lopes (1929), “Lições de Contabilidade Geral - Prelecções feitas ao curso de Contabilidade Geral durante o ano lectivo de 1928-1929”,Volume I, Empresa Industrial Gráfica do Porto, Lda., 524 pág.s. Amorim, Jaime Lopes (1965), “Digressão através do Vetusto Mundo da Contabilidade”, Livraria AVIS, Porto, 1969, 670 pág.s Archéologia, nr 379, juin 2001, Éditions Faton, Dijon Baxter, W.T. (1989) “Early accounting: the tally and the checkerboard”, “The Accounting Historians Journal”, nr. 16-2, pág 43-83, reeditado no vol II de “History of Accounting, John Richard Edwards, 2000, pág.s 28 a 65. Bryer, R. A. (2000); “Double-entry bookkeeping and the birth of capitalism: accounting for the commercial revolution in medieval northern Italy”, “The History of accounting”, John Richard Edwards, 2000, London and new York, vol II, pág.s 145 a 177. Carqueja, Hernâni O., “Lições de TEORIA DA CONTABILIDADE ao curso de 1968/1969”, na Faculdade de Economia da Universidade do Porto, edição policopiada da AAFEP. Carqueja, Hernâni O., (1971) “Expressão Contabilística: introdução”, artigos publicados na Revista de Contabilidade e Comércio, vol. XXXV, nr 139 e vol XXXVI, nr. 143. Carqueja, Hernâni O., (1976) “Planeamento contabilístico”, separata da Revista de Contabilidade e Comércio, vol. XLI, ano 1974, nr. 163. Carqueja, Hernâni O., (1975-A); “A Conta como Solução Contabilística”, separata da Revista de Contabilidade e Comércio, vol. XLII, ano 1975, nr 165. Carqueja, Hernâni O., (1975-B) “O Balanço como Solução Contabilística”, separata da Revista de Contabilidade e Comércio, vol. XLII, ano 1975, nr 167. Carqueja, Hernâni O., (1993) “A digrafia”, artigo publicado na Revista de Contabilidade e Comércio, vol L,, ano 1993, nr.s 197, 198 e 199. Carqueja, Hernâni O., (1994) “Expressão contabilística: instrumentos e métodos de trabalho”, artigo publicado na Revista de contabilidade e Comércio, vol. LI, ano 1994, nr.s 201, 202 . 203 e 204. Carqueja, M. Assunção; Rodrigues, Adriano Vasco (s/ data), “Noções de Filosofia”, Porto Editora, 272 pág.s ________________________________________________ RCC n.º 231 - Pág. 749 ___________________ REVISTA DE CONTABILIDADE E COMÉRCIO __________________ Gonzalez Ferrando, José Maria, (1961), tradutor para castelhano de Vlaemminck, JosephH, “Historia e Doctrinas de la Contabilidad” , Editorial E.J.E.S., Madrid, 1961, 430 pág.s. Fonseca, Luís Adão da, (1984,455); “La Cristiandade Medieval”, tomo V, EUNSA, 1984. Forrester, David (1999), “An Invitation to Accounting History”, Strathclyde Convergencies, Glasgow G20 0AW, U.K.. Hain, H.P.(1966), Accounting Control in The Zenon Papyri”, in “The Accounting Review”, Vol XLI, nr. 4 - 1966, October, no. 4, pág.s 699 a 703. Hernández Estebe, Esteban (1994): “De Las Cuentas Y Las Escrituras”, Luca Pacioli, AECAAsociación española de Contabilidad y Administración de Empresas, Madrid, 1994. Hernández Esteve, Esteban (1995), “A Summa of Arithmetica prior to that of Luca Pacioli: “The Suma de la arte de Arismetica” by Franchesch Sanct Climent (Barcelona, 1482), comunicação apresentada em 11 de Maio de 1995 na EAA. “História de Portugal”, Portucalense Editora, 1928, edição de BARCELOS, vol. I. Huzadric, M. ; Habek, M. ; Stipec, V.; (1998), “Benedikt Kotruljevic (Benedetto Cotrugli) of Dubronenik on double entry bookkeeping in the year 1458 before Pacioli”, comunicação inédita apresentada no I Congresso de História da Contabilidade no ISCA de Coimbra. Jouanique, Pierre, (1995), “Traité des Comptes et des Écritures”, Luca Pacioli, Ordre des Exper-Comptables, Paris, 1995. Yamey, Basil S., (1947), “ Notes on The Origin of Double Entry Bookkeeping”, in “The Accounting Review”, 1947, July, pág.s 263 a 272. Lemarchand, Yannick,(1993), “Du Dépérissement à l’Amortissement”, Ouest Éditions, 1993, Nantes, 720 pág.s. Littleton, A. C., (1961), “Essays on Accounting”, University of Ilinois Press, Urbana, 1961 (Biblioteca da FEUP: C.C. 837- nr 8140) Matttessich, Richard, (2000), “Review and extension of Bhattacharyya’s Modern Accounting Concepts in Kautilya’s Artha sastra”, de pág 129 a 150 de “New Works in Accounting History”, New York University, 2000, 180 pág. Mattessich, Richard (1994,5), “Archaeology of Accounting and Schmandt-Bessera’s contribution”, in Accounting, Business & Financial History, vol.4, nr 1, March 1994, Rutledge, London, pág.s 5 a 28. Boter Mauri, Fernando (1959), “Las Doctrinas Contables”, Editorial Juventud, SA, Barcelona, 1959, 328 pág.s. (Biblioteca da FEUP: C.C. 425- nr 3721) Melis, Federico (1950), “Storia Della Ragioneria”, Dott. Cesare Zuffi editore, 1950, 874 pág.s. RCC n.º 231 - Pág. 750 ______________________________________________ ____________________ REVISTA DE CONTABILIDADE E COMÉRCIO ___________________ Monteiro, Martin Noel, (1965), “A Contabilidade e o seu Mundo”, I Volume, Portugália Editora, 1965, páginas 1 a 600. Monteiro, Martin Noel, (1965), “A Contabilidade e o seu Mundo”, II Volume, Portugália Editora, 1965, páginas 601 a 1240. Monteiro, Martin Noel, (1965), “Pequena História da contabilidade”, APOTEC, s/d, Lisboa Nepomuceno, Próf Valério, (1999) " Dos “Quipus” às Contas Multidimensionais", Revista de Contabilidade e Comércio, nr 222, vol LVI, 2ºTr 1999, pág 355/388. Peres, Damião, (MCMXXVIII), “História de Portugal”, vol I, Portucalense Editora, Lda. (muitas vezes designada como História de Portugal, edição de Barcelos) Pinto, Américo Cortes, (1948), “Da famosa Arte da Imprimissão”, Editora ULISSEIA L.da, MCMXLIII, 508 pág.s. “Revista de Contabilidade e Comércio”, número 205, 1995 – vol.LII - 1º Tr. -colectânea “Luca Pacioli” com reedição do artigo de F. V. Gonçalves da Silva, anteriormente publicado, de pág. 5 a 27 do nr.º 61/62, “Luca Pacioli: o Homem e a Obra”. Na mesma colectânea também foram publicados artigos sobre Luca Pacioli ou história da contabilidade de António Lopes de Sá, Esteban Hernández Estebe, Fernando Martin Lamouroux, José Fernandes de Sousa e de Enrique Fernández Peña. Rodrigues, Adriano Vasco (1969), "História da Civilização", vol I, Porto Editora, 1974 ( 8ª edição), Porto. Rodrigues, Adriano Vasco (1969 A), "História da Civilização", vol II, Porto Editora, 1973 (7.º edição), Porto. Rodrigues, Adriano Vasco (2000), "Breve Notícia sobre a arte de imprimir em Portugal”, “revista de Contabilidade e Comércio, 1997-vol.LIV- n.º 215, pág 511 e 512. Rodrigues, Adriano Vasco (2000), "GUARDA – Monografia”, Edição da Santa Casa da Mesericórdia da Guarda, 2000, 566 pág.s. Roover, Raymond de, (1955), “New Perspectives on the History of Accounting”, in “The accounting Review”, 1955, July, pág.s 405 a 420. Roover, Raymond de (MCMLXX), “La Comptabilité à travers Les Âges”, Bibliothéque Royale Albert 1er, MCMLXX, 240 pág.s. Sá, António Lopes de (1992), Teoría General del Conocimiento Contable (Lógica del Objecto científico de la Contabilidad), Instituto de Contabilidad y Auditoria de Cuentas, Madrid. Sá, António Lopes de (1998) História Geral e das Doutrinas da Contabilidade, Vislis Editores, 1988 - 2ª Edição Ampliada, 260 pág.s. Sarmento, José António, (1955) “ Lições de J. A. Sarmento de TEORIA da CONTABILIDADE” coligidas por alunos do curso 1955/1956, edição policopiada, FEP, PORTO ________________________________________________ RCC n.º 231 - Pág. 751 ___________________ REVISTA DE CONTABILIDADE E COMÉRCIO __________________ Silva, F. V. Gonçalves da (1938), “A regulamentação Legal da Escrituração Mercantil”, Tipografia da Empresa nacional de Publicidade, 1938 Lisboa,288 pág.s. Silva, F. V. Gonçalves da (1948 e 1995) ,“Luca Pacioli: o Homem e a Obra”, separata da Revista de Contabilidade e Comércio nr. 61/62, reeditado na separata do nr.205 sob o tema “Luca Pacioli”. Silva, F. V. Gonçalves da (1959), “Doutrinas Contabilísticas resumo e crítica das principais”; Centro Gráfico de Famalicão, 1959, 276 pág.s. Silva, F. V. Gonçalves da (1970), “Curiosidades, Velharias e Miudezas Contabilísticas”, edição sem indicação de editor, Lisboa, 1970, 166 pág.s.. Stevelinck, Ernest(1970,14); “La Comptabilité à travers Les Âges”, Bibliothéque Royale Albert 1er, MCMLXX. Stone, Wiliard E., (1969),”Antecedents of the Accounting Profession”, in “The Accounting Review”, Vol XLIV, nr 2, 1969, April, pág.s 284 a 291. Vlaemminck, Joseph-H, tradução para castelhano de Gonzalez Ferrando, José Maria , (1961) “Historia e Doctrinas de la Contabilidad” , Editorial E.J.E.S., Madrid, 1961, 430 pág.s. Winjum, J (1970), “Accounting in its Age of Stagnation”, The Accounting Review, 1970 – October , pág.s 743-761. Zaid, Omar A.,(2000),”Were Islamic Records Precursors to Accounting Books Based on the Italian Method”, The Accounting Historians Journal, vol 27, number 1, June 2000, pág.s 73 a 90, Zurdo, Cañizares (1933), “Ensayo Histórico sobre Contabilidad”, Imprenta del Asilo de San Bartolomé, 1933, 192 págs. (Existe reedição AECA) RCC n.º 231 - Pág. 752 ______________________________________________