a percepção do silêncio completo

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a percepção do silêncio completo
24
Julho
A PERCEPÇÃO DO SILÊNCIO COMPLETO*
POSTADO POR ADMIN ÀS 12:38
Dr. Shrikrishna**
Voltemos ao HathaPradipika[1] .
O verso dezessete começa com uma descrição de Ásanas. Há ali também um
verso específico, o de número 57, que nos dá uma idéia de quais são os diferentes
componentes da Hatha Ioga. São, basicamente, quatro os componentes ali descritos:
1º) Ásana (a prática das posturas); 2º) Kumbhaka (a prática com os exercícios
respiratórios), ou seja, Pranayama (note-se aqui que os Kriyas, ou práticas de
purificação, não são ali mencionados separadamente, senão como uma preparação
para o Pranayama); 3º) Mudras (gestos simbólicos ou posturas corporais), muitos
dos quais, tais como o Maha Mudra, Maha Veda e Maha Bandha, são considerados
essencialmente como uma progressão da prática do Pranayama (há também o
Viparita Karani Mudra que se assemelha, essencialmente, a uma postura invertida),
havendo também algumas Bandhas (chaves ou contrações) mencionadas em
conjunto com os Mudras e, muitas delas, tais como Jalandhara Bandha, Mula
Bandha e Uddiyana Bandha, que já fazem parte do Pranayama, e, finalmente; 4º)
Aquilo que é chamado Nada Anusandhana: Nada em Sânscrito significa o som;
Anusandhana significa seguí-lo, meditar nele, contemplá-lo. Trata-se apenas de uma
das técnicas, mas, existem muitas e variadas técnicas que, em última análise,
devem acarretar aquilo a que se chama Laya. Laya significa uma dissolução interior
completa, tudo se dissolve, tudo silencia. É, então, que surge o estado chamado de
Unmana.
Então, basicamente, aquele livro fala de Ásanas, Pranayama e, em última
análise, da prática de Nada Anusandhana e, também, de várias outras práticas, que
acarretam uma percepção do silêncio completo.
Alguns de vocês podem já ter lido os Ioga Sutras de Patañjali. Neles se descreve
aquilo que ele chama de Ashtanga Ioga (a Ioga de oito membros). Ashta significa
oito. Ele começa com Yama (refreamentos) e Niyama (observâncias). Então, ele
passa aos Ásanas e ao Pranayama. Depois, vem Pratyahara (recolhimento dos
sentidos), Dharana (concentração), Dhyana (contemplação) e Samadhi
(transcendência). Este último conjunto de práticas, desde o Pratyahara até o
Samadhi, podemos classificar de práticas de interiorização. É por isso que, muitas
vezes, o próprio Ioga Sutra utiliza-se do termo Antaranga Ioga, aquele que é o
aspecto interior da Ioga. Portanto, de acordo com Patañjali, ao lado dos Ásanas e do
Pranayama, precisamos começar com Yama e Niyama. Ambos se ocupam de nosso
comportamento, não apenas daquilo que fazemos sobre o tapete de Ioga, mas,
daquilo que fazemos fora do tapete de Ioga. Yama lida com a nossa vida social, com
nossos processos interpessoais. Quando você interaje com outras pessoas, você tem
um sentimento de Ahimsa? Himsa significa violência.
Ahimsa significa ausência de violência. Não se trata apenas de ausência de
violência, mas, há algo além disso.
Caso eu me preocupe com alguém, caso eu ame e respeite esse alguém, então,
serei cuidadoso em me certificar que, o que quer que eu venha a fazer, jamais traga
qualquer dano ou destruição a essa pessoa. Se eu não amo ninguém, não respeito
ninguém, não me importo com ninguém, então, farei tudo sem me importar, mesmo
que algo que eu faça possa trazer dano e destruição a alguém. Assim, isso significa
simplesmente que, só no caso de eu realmente me importar com as pessoas, amar e
respeitar as outras pessoas, é que serei cuidadoso a ponto de não trazer dano ou
destruição a ninguém. Assim, ao lidar com as pessoas, primeiramente preciso me
certificar de que eu me importo com elas.
A seguir, encontramos Satya, que significa veracidade, mas, mais do que isso,
trata-se da honestidade no meu comportamento. Será que eu sou honesto com as
outras pessoas? Caso haja um engano no relacionamento que tenho com as pessoas,
então, isso criará um problema. Muitas vezes, em nosso cotidiano, não nos
preocupamos muito em evitar enganos. Sou um professor. Será que sou
suficientemente honesto para admitir que há muitas coisas que não conheço? Ou,
será que eu crio uma impressão desonesta no sentido de que sei tudo? Assim, o
engano pode aparecer em qualquer circunstância, e preciso ser cuidadoso no
sentido de me certificar de evitar esses enganos, especialmente no caso de eu
querer trilhar a senda espiritual e, especialmente, se eu estiver interessado em
manter um relacionamento de longo prazo com qualquer pessoa, com qualquer ser
humano. Caso não haja respeito, caso não haja confiança e, caso não haja
honestidade, nenhum relacionamento poderá ser sustentado. Isso é muito simples.
Preciso dessas três coisas, quer seja no relacionamento com minha esposa, meus
filhos, colegas de escritório, etc. Se eu não respeito, e a pessoa não me respeita,
como pode funcionar qualquer relacionamento? Se eu não confio em você, e você
não confia em mim, como pode se sustentar nosso relacionamento? Se eu não sou
honesto com você, e você não é honesto comigo, qual o sentido dessa relação?
Assim, Patanjali nos diz para cuidarmos dessas coisas que precisam fazer parte
de nossa vida do dia a dia, ao interargirmos com as pessoas.
Partirei do pressuposto que você já está familiarizado com os cinco Yamas
(refreamentos): Ahimsa (não violência), Asteya (não apropriação indevida), Satya
(veracidade), Brahmacharya (continência sexual) e Aparigraha (renúncia à
ganância).
Então, ele diz que deve haver uma integridade em sua vida pessoal: Sauca
(purificação), que não se refere apenas à limpeza exterior da superfície de seu
corpo, trata-se de uma purificação interior. Quão alerta você está no sentido de se
certificar que a sua mente, seus pensamentos e suas idéias estão claros e puros. O
que queremos dizer com puros? Todos podemos entender isso. Quando nos
sentimos impuros? Quando nos sentimos desconfortáveis? Quando sentimos que
algumas coisas não deveriam estar presentes, mas estão? Aquelas coisas que nos
fazem sentir interiormente muito desassossegados. Essa impureza não deveria me
tocar. Nenhuma outra pessoa pode fazer nada quanto a isso, sou eu que preciso
fazer algo para isso, se é que algo pode ser feito. Aquilo que eu mostro
publicamente é uma coisa, mas, aquilo que sinto, aquilo que sei de minha própria
mente, só eu conheço. E, eu preciso trabalhar isso, não apenas para mostrar aos
outros.
Depois de Sauca vem Santosha acerca do que já falamos um pouco
anteriormente. Será que eu desperdiço minhas energias o tempo todo com
reclamações e lamentações com relação a coisas que me fazem falta, ou será que eu
procurarei fazer o melhor uso possível daquilo que já tenho? Não vou desperdiçar
minhas energias falando o tempo todo daquilo que não está aí. O que é que vou
fazer com aquilo que está aí? É a isso que se chama Santosha.
Tapas: deve haver intensidade e paixão. Não estou aqui porque alguma outra
pessoa me empurrou para eu vir para cá. Eu sinto, apaixonadamente, sim!, É isto o
que eu quero fazer! Não quero viver uma vida que seja limitada. Não quero
experienciar uma vida que só esteja ocupada com meus problemas, minhas
ambições e meus desejos. Não quero experienciar o tempo todo sentimentos
prenhes de insegurança, ansiedade, preocupação, medo e ciúme. Preciso sentir isso.
Não apenas temporariamente, sob a impressão, ou sob a influência de um
palestrante, que nos diz alguma coisa. Meu interesse não é algo temporário.
Trata-se de um interesse que é forte. É a isso que chamamos Tapas.
Estamos juntos até aqui? Não ouça apenas, procure descobrir o que é que pode
ser trazido para nossas vidas. Amanhã cada um seguirá seu caminho. O que é que
permanecerá contigo? E, o que é que vai ficar contigo? Muitas das coisas que aqui
foram ditas, por mais belas que tenham sido de se ouvir, você as esquecerá. O que é
que não será esquecido? O que é que cala fundo? E, o que é que você sente que seja
realmente importante para você? Assim, na verdade, depois que cada um segue o
próprio caminho, a única coisa que realmente será de auxílio, é aquilo que ficará
contigo, em teu interior.
Então, chegamos a Swadhyaya (o estudo das Escrituras): estar
continuadamente alerta para olhar, observar e saber, o que é que exatamente eu
sou. O que quer que eu esteja fazendo, quanto é que isso realmente me ajuda a me
conhecer melhor?
Finalmente, Ishvara Pranidhana. Será que, constantemente, eu me lembro de
que existe algo sagrado em meu interior? Não apenas como uma idéia, não apenas
como uma possibilidade. Posso não sentir sua presença o tempo todo, mas sei que
está aí. Caso eu tenha essa consciência de que algo de muito sagrado está presente,
então, automaticamente, estarei bem alerta quanto a que nada deveria sair de
minha boca, nada deveria se manifestar através de minhas ações, ou através de
meus pensamentos, que não fosse apropriado a essa presença sagrada. Assim,
qualquer coisa que eu faça, qualquer coisa que eu diga, qualquer coisa que eu
pense, não deveria se dar como se nada além de meu ego estivesse presente em
meu interior. Há esse grande Ishvara, esse grande espírito divino, que é o centro
mais profundo de meu ser interior. É nesse sentido que o Bhagavad Gita afirma que
o Senhor habita o coração de todos os seres viventes (XV, 15; XVIII, 61), incluindo
os seres humanos. Assim, Ishvara Pranidhana significa que eu me abro àquela
presença sagrada que reside em meu interior. Não apenas enquanto medito, não
apenas enquanto pratico Asanas, não apenas durante o Pranayama, mas, fora de
minha esteira de Ioga, em todo o restante de minha vida.
Assim, Yama e Niyama são muito importantes nos Ioga Sutras de Patanjali.
Patanjali dedicou cerca de trinta e seis sutras para descrever aquilo que leva o
nome de Ashtanga Ioga. Desses trinta e seis sutras ele dedicou dezesseis apenas
para descrever Yama e Niyama, ou seja, quase a metade deles.
E, por que eu disse essas coisas todas? Porque, muitas vezes, quando se fala de
Hatha Ioga, fala-se primeiro de Asanas, e não se fala nada sobre Yama e Niyama.
Essa não é a verdade. Existem versos que nos dão a idéia de que Svatmarama
também considera Yama e Niyama muito importantes. Apenas para chamar sua
atenção a esse aspecto, nesse verso, o de número 38, ele fala do quanto é
importante o Siddhasana dentre todos os Asanas, comparando-o ao maior grau de
importância que Mitahara[2] possui dentre todos os Yamas, e Ahimsa possui dentre
os Niyamas.
Patanjali descreveu apenas cinco Yamas e cinco Niyamas. Depois de Patanjali,
no entanto, muitas outras pessoas descreveram vários Yamas e Niyamas adicionais.
Por isso Svatmarama elegeu Mitahara como sendo o Yama mais importante e,
dentre os Niyamas, Ahimsa. Patanjali relacionou Ahimsa dentre os Yamas, e
Mitahara poderia ser considerado uma parte de Sauca, que é um dos Niyamas. Isso,
na verdade, não faz muita diferença. Importante é lembrarmos que Svatmarama
falou acerca de Yama e Niyama e, que ele partiu do pressuposto de que, se você
está nesta senda, você deve estar familiarizado com isso. Digo isso, porque já vi
alguns livros mencionarem que no caminho da Hatha Ioga, Yama e Niyama não são
importantes, mas, isso é impossível, pois qualquer um que esteja na senda
espiritual sabe que o que importa não é o que você faz na esteira de Ioga, mas sim,
o modo como você leva toda a sua vida. Portanto, ainda que neste livro de que
falamos a primeira descrição apresentada se refira aos Asanas, isso não quer dizer
que ele dá menos importância aos Yamas e Niyamas.
Voltando agora ao verso de número 17 do Hatha Pradipika, há nele uma
descrição acerca dos Asanas que se estende até o verso 55. Neles, são descritos
apenas quinze diferentes Asanas. Muitos dos Asanas que praticamos em nossa
prática diária nem são mencionados ali. Não seria verdadeiro encararmos esse livro
com um livro texto que esgota o assunto. Não se trata de um livro texto completo.
Muitas coisas que fazem parte da tradição regular, não estão nele mencionadas.
Muitos Asanas nem são mencionados. Muitos Shat Kriyas[3] nem são mencionados.
E, mais importante que esses, existem muitas práticas de Pranayama que são
importantes na tradição, e que nem são nele mencionados. Há apenas oito
variedades de Pranayama mencionadas aqui, sendo todas elas denominadas
Kumbhaka e, aqui Kumbhaka quer dizer essencialmente inalação, retenção da
respiração e exalação. Porém, em todas as tradições vivas existem muitas práticas
que focalizam a Kumbhaka não após a inspiração, mas após a expiração. Nenhuma
destas práticas é mencionada neste livro. Se tanto, apenas algumas práticas são
mencionadas como parte dos Shat Kriyas. Como exemplo, cito as práticas de
Uddiyana e de Nauli[4], que são essencialmente uma prática na qual você exala
completamente o ar dos pulmões, para depois fazer algo, mas isso é tudo o que se
descreve ali.
Assim, eu desejava chamar sua atenção para o fato de que este não é um livro
texto completamente abrangente. Só porque algo não é nele mencionado, não seria
verdadeiro afirmarmos que esse algo não existe. Muitas das práticas que são
recomendadas pelo professor de Ioga, na orientação específica que ele dá a seu
aluno, não são nele mencionadas e, é por isso que na Índia ninguém aprende Ioga a
partir de livros. Os livros são apenas uma espécie de coadjuvante para explicar,
refletir ou descrever algo, ou elaborar sobre algo. Porém, o principal aprendizado
se dá na interação existente entre o professor e o aluno, como parte da tradição
vivente.
Ninguém deve começar a praticar o Pranayama por ter lido uma descrição do
mesmo em um livro, seja ele o Hatha Pradipika ou o Gheranda Samhita. Eles
ajudam muito, é claro, se você aprendeu algo de seu professor e deseja aprender
algo mais, ou elaborar mais sobre isso, esses livros poderão ser muito úteis nesse
sentido. Este livro de que estamos falando, por exemplo, possui muitas descrições
que podem ser consideradas excessivas. Esse é um meio muito utilizado na época
medieval de se descrever as coisas através de uma espécie de hipérbole. Por
exemplo, ao descrever Uddiyana, o livro afirma que Uddiyana é algo que te ajudará
a sobrepujar a morte. As pessoas que vem da mesma tradição sabem, é claro, como
fazer uma leitura disso. Não devemos ler cada palavra como se fosse uma descrição
literalmente veraz. Trata-se de uma forma literária, uma maneira de descrever as
coisas. Todos esses livros são muito úteis, desde que nos mantenhamos alertas, sem
fazer deles algum tipo de guia informativo.
Quinze Asanas estão ali descritos. Um deles é Shavasana e, então, há quatro
que se destinam à prática de Dhyana (Meditação) ou Pranayama. Os restantes são
práticas variadas como, por exemplo, Paschimotanasana, Dhanurasana,
Gomukasana, Simhasana, etc. O Shavasana, é claro, se destina basicamente a
cuidar de qualquer fadiga que possa surgir a partir da prática de qualquer desses
outros Asanas. Isso porque, no início de sua prática existe a possibilidade de que
você faça alguma prática exageradamente, o que lhe fará sentir cansaço ou estresse.
Mais tarde, assim como descrito no texto, chegará o momento em que não mais
haverá a necessidade do Shavasana. Toda prática de Asana será executada em
maneira tão natural e relaxada, que não mais haverá necessidade de prática
separada de Shavasana. O que importa, no entanto, é que a prática de Dhyana
demanda uma postura sentada, uma postura meditativa e, todas as variedades de
Asanas devem, em última análise, nos ajudar a desenvolver essa habilidade. Pela
manhã eu já mencionei algo acerca disso, porque nosso objetivo é o de iniciar o
Pranayama e, depois, entrar em Meditação. Asana é a base preparatória, que me
confere a habilidade de me sentar imperturbado, por um longo período de tempo.
Dentre as várias práticas recomendadas para a postura meditativa, quatro delas
foram descritas em especial: a primeira é Swastikasana, a mais simples delas; então,
um postura um pouco mais exigente chamada Ardha Padmasana, que é a postura de
meio lótus; então, temos Padmasana, a postura de lótus, que é muito famosa; porém,
em última análise, a mais importante, de acordo com Svatmarama, e também de
acordo com o Gheranda Samhita[5] e outras tradições, é aquela chamada
Siddhasana.
Assim, quaisquer que sejam os Asanas que você pratique, em última instância,
eles deveriam lhe conferir a possibilidade de sentar em Siddhasana por um longo
período de tempo. Você poderá praticar uma variedade de Asanas que afastarão as
doenças, que permitirão que seu corpo seja mais estável (Sthira), mas, em última
análise, eles deverão conduzi-lo ao nível em que você poderá se sentar em
Siddhasana, por um longo tempo, de maneira confortável. Se Siddhasana não for
possível, então Padmasana. Se Padmasana não for possível, então meio (ardha)
Padmasana. Se esse também não for possível, então, pelo menos, o mais simples
Swastikasana. Porém, uma vez sentado na sua postura, qualquer que seja ela, você
deveria ser capaz de se manter imperturbado nessa postura, por um longo período
de tempo. E, eu gostaria de chamar a sua atenção para aquilo que encontramos no
verso de número quarenta e dois, em que, de alguma maneira, descreve toda a
sequência. Uma vez que você tenha conquistado a habilidade de sentar em
Siddhasana, qual a utilidade de se continuar praticando quaisquer outros Asanas?
Assim, quaisquer Asanas que você pratique, deveriam, em última instância
conduzi-lo a Siddhasana e, uma vez que você esteja em Siddhasana, então, você
pode iniciar o Pranayama de uma maneira muito alerta e relaxada. Uma vez que
você consiga fluir através do Pranayama, automaticamente, então, você chegará
àquilo que recebe o nome de Kevala, o silenciamento da respiração e, uma vez
chegado ao silêncio da respiração, abre-se a possibilidade de adentrar o estado de
Unmana. Assim, existe uma espécie de sequência contínua, pela qual, passo a passo,
se mencionam todas essas diversas práticas. Trata-se de algo simples. Eu pratico
vários Asanas. Isso me traz a possibilidade de me sentar imperturbado por um
longo período de tempo? Só então, serei capaz de fluir através do Pranayama, de
uma maneira imperturbada, livre e sem distrações. Então, afinal descobrirei que ao
final do Pranayama, quando deixo a respiração fluir por si só, ela se aquieta, Kevala.
Então, quando a respiração se aquieta, de alguma maneira, abre-se uma porta que
me leva a entrar no estado chamado Unmana, que é o estado em que nos elevamos
acima da mente, transcendemos a mente, de modo que deixo de permanecer no
nível da mente, com essa ou aquela experiência. Experiencio essa cor, experiencio
esse som, tenho tipos diferentes de sensações em meu corpo. Sinto calor, sinto frio,
sinto expansão, ou contração, ou ainda, me sinto muito leve como se estivesse
flutuando. Tudo isso passa a ser irrelevante, do contrário, nossa mente se tornaria
fascinada com todas essas experiências fantásticas. Todas essas experiências
devem ser deixadas para trás, precisamos ir além. Esse, é o estado de Unmana.
Muitas vezes, se diz que a Ioga é um processo muito eficaz para fortalecer a mente.
Não propriamente para fortalecer a mente, mas para ir além dela, do contrário,
permaneceremos o tempo todo como um fanático controlador. Desejo controlar
todas as coisas, controlei meu corpo, controlei minha respiração, controlei minha
mente. Muito bem, sou o máximo, mas, descubra quem é que está no controle e
quem é que quer controlar? Talvez, isso não seja tão interessante. Todas as outras
coisas parecem ser muito atraentes e interessantes.
Essa não é uma minha interpretação, isso é o que Svatmarama escreveu no
quarto capítulo, caso você se dê ao trabalho de lê-lo. Patanjali também falou disso
nos Ioga Sutras, caso você se dê ao trabalho de lê-los. Mas, se você não fizer essas
leituras, você se enredará em todas essas atrações, toda essa excitação, e em todo
esse tipo de processo de controle sobre todas as coisas. Com todas essas
experiências estranhas e fantásticas, posso me convencer de que eu sou especial,
de que estou passando por experiências especiais.
Não caia nessa armadilha. Descubra quem é que vê aquela cor, quem é que
ouve aquele som, quem é que fica excitado com todas essas experiências.
Precisamos entender isso, por se tratar do ponto mais crucial. Sempre nos será
possível falar das várias práticas que precisam ser executadas, sempre poderemos
falar sobre todos os efeitos que essas práticas produzirão sobre nosso corpo, fisica
e fisiologicamente, emocional e intelectualmente, mas, se errarmos nesse único
ponto, então, erraremos em tudo. Não se trata do que estou experienciando, mas,
sim, de quem é que passa pela experiência. Investigue, e descubra. Aquilo com que
você vier a se deparar, a princípio, pode não ser a verdade final. À medida que você
segue investigando, e descobrindo, a realidade com que você se depara poderá ser
inteiramente diferente daquela que você havia pressuposto de início. Assim, não
focalize todas as suas energias nas diversas experiências. Mude o foco de modo a
descobrir quem é o sujeito da experiência. Você entende isso? Se você entendeu
isso, então, você entendeu a verdadeira essência de toda a senda espiritual. Mas, se
você deixa para trás o sujeito da experiência, sentindo-se completamente atraído e
apegado às experiências, começando a se sentir "especial, maravilhoso, como já
tendo alcançado alguma iluminação", então você terá caído na armadilha.
Passemos, então, aos importantes versos finais de números 65, 66 e 67. Eles
falam acerca da importância da prática. Ali, antes de mais nada, se diz que,
qualquer que seja a condição inicial, quem pratica alcançará resultados. Quer o
praticante seja um jovem, uma pessoa madura, velha, muito velha, ou mesmo uma
pessoa doente; quem quer que execute essas práticas de maneira apropriada,
atenta e alerta, definitivamente, atingirá os resultados. Não faça nada
mecanicamente, faça tudo com atenção plena.
O verso 64 diz: "Aquele que pratica Ioga incansavelmente, em todos os seus
aspectos, alcança sucesso, seja ele jovem, velho, decrépito, doente ou fraco."
Você sempre atingirá resultados, desde que não esteja em um estado de
distração ou dispersão mental. Explicarei isso em apenas três palavras: Eu Estou
Aqui. Se você não estiver aqui, as suas pernas poderão estar se movendo para cima
e para baixo, você poderá obstruir suas narinas, etc., mas, isso não vai funcionar.
Se eu estiver aqui, então, minha condição não terá importância, se sou jovem ou
velho, etc.: se eu perseverar, alcançarei sucesso. A palavra que se usa no Sânscrito
é atandrah que quer dizer ausência de distração mental. Ou seja, sem distração
mental, temos a atenção plena.
Os versos seguintes falam aproximadamente o mesmo.
Verso 65: "O sucesso é alcançado por aqueles que praticam. Como se pode
obter sucesso sem a prática? Na Ioga não se alcança o sucesso a partir da mera
leitura de livros genuínos."
Verso 66: "A vestimenta não traz o sucesso; falar sobre a Ioga, também não.
Apenas a prática traz o sucesso; indubitavelmente, esta é a verdade."
Aquele que apenas fala, sem praticar, não conseguirá alcançar resultados.
Apenas aquele que pratica alcançará resultados, não por falar a respeito, não pela
leitura de muitos livros, não pela mudança da forma como se veste. Você poderá se
vestir como um Sanyasi, usar roupas soltas, usar todos aqueles colares, etc. Isso
pode até te ajudar a lembrar de que você é uma pessoa santa, e que você precisa
cuidar do que você diz, faz ou pensa, mas isso não é nenhuma garantia. Apenas a
mudança de suas vestimentas, não te proporcionará nenhum resultado. Apenas
aquele que pratica alcançará resultados, isso é o que importa. Não fale a respeito,
pratique!
Isso é muito simples. Este é o primeiro capítulo do Hatha Pradipika. De per si
ele é suficiente para que nós compreendamos muitas coisas. Há também muitas
outras coisas a serem aprendidas nos capítulos seguintes. Porém, pratiquemos
Santosha, contentemo-nos com isso.
Com o que já temos, a questão que se nos apresenta é: o que vamos fazer com
isso?
*Texto extraído do Encontro com Dr. Shrikrishna, em Outubro de 2011 na Casa de Retiros das Irmãs
Marianistas de Cana. Organizado pelo Prof. Marcos Rojo Rodrigues (Tarde de 15 de Outubro de
2011)
**Dr. Shrikrishna Bushan Tengshe, médico e doutor em Psiconeurologia. Foi consultor e Diretor do
Centro Médico do renomado Instituto de Kaivalyadhama em Mumbai. Atua como professor,
palestrante e criador de cursos de treinamento para médicos e professores de Yoga ao redor do
mundo. São de sua autoria os livros: Essence of Pranayama (1985) e Notes on Man, Mind and
Consciousness, A Yogic Viewpoint (1997). A tradução é de Roldano Giuntoli.
Notas do tradutor:
1 - Na tarde do dia anterior Dr. Shrikrishna havia explicado: A Hatha Ioga se desenvolveu por volta do século décimo
da era Cristã. O livro Hatha Pradipika, ou Hatha Ioga Pradipika, como às vezes é chamado, é o texto daquela época,
de autoria de Svatmarama, que lança luz na Hatha Ioga.
2 - A moderação na dieta alimentar.
3 - Em Sânscrito, Shat Kriyas são processos de purificação da Ioga.
4 - Termos do Sânscrito para as Bandhas (contrações e movimentações - da cavidade abdominal) dentro da categoria
dos Shat Kriyas.
5 - Outro texto muito importante da tradição do Hatha Ioga, publicado no Brasil no livro “A Essência do Hatha Yoga
– Hathapradipika, Gheranda Samhita e Goraksha Shataka” – Tradução de Alícia Souto, Adaptação Técnica de
Marcos Rojo Rodrigues (São Paulo, 2009, Phorte Editora)