a percepção do silêncio completo
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a percepção do silêncio completo
24 Julho A PERCEPÇÃO DO SILÊNCIO COMPLETO* POSTADO POR ADMIN ÀS 12:38 Dr. Shrikrishna** Voltemos ao HathaPradipika[1] . O verso dezessete começa com uma descrição de Ásanas. Há ali também um verso específico, o de número 57, que nos dá uma idéia de quais são os diferentes componentes da Hatha Ioga. São, basicamente, quatro os componentes ali descritos: 1º) Ásana (a prática das posturas); 2º) Kumbhaka (a prática com os exercícios respiratórios), ou seja, Pranayama (note-se aqui que os Kriyas, ou práticas de purificação, não são ali mencionados separadamente, senão como uma preparação para o Pranayama); 3º) Mudras (gestos simbólicos ou posturas corporais), muitos dos quais, tais como o Maha Mudra, Maha Veda e Maha Bandha, são considerados essencialmente como uma progressão da prática do Pranayama (há também o Viparita Karani Mudra que se assemelha, essencialmente, a uma postura invertida), havendo também algumas Bandhas (chaves ou contrações) mencionadas em conjunto com os Mudras e, muitas delas, tais como Jalandhara Bandha, Mula Bandha e Uddiyana Bandha, que já fazem parte do Pranayama, e, finalmente; 4º) Aquilo que é chamado Nada Anusandhana: Nada em Sânscrito significa o som; Anusandhana significa seguí-lo, meditar nele, contemplá-lo. Trata-se apenas de uma das técnicas, mas, existem muitas e variadas técnicas que, em última análise, devem acarretar aquilo a que se chama Laya. Laya significa uma dissolução interior completa, tudo se dissolve, tudo silencia. É, então, que surge o estado chamado de Unmana. Então, basicamente, aquele livro fala de Ásanas, Pranayama e, em última análise, da prática de Nada Anusandhana e, também, de várias outras práticas, que acarretam uma percepção do silêncio completo. Alguns de vocês podem já ter lido os Ioga Sutras de Patañjali. Neles se descreve aquilo que ele chama de Ashtanga Ioga (a Ioga de oito membros). Ashta significa oito. Ele começa com Yama (refreamentos) e Niyama (observâncias). Então, ele passa aos Ásanas e ao Pranayama. Depois, vem Pratyahara (recolhimento dos sentidos), Dharana (concentração), Dhyana (contemplação) e Samadhi (transcendência). Este último conjunto de práticas, desde o Pratyahara até o Samadhi, podemos classificar de práticas de interiorização. É por isso que, muitas vezes, o próprio Ioga Sutra utiliza-se do termo Antaranga Ioga, aquele que é o aspecto interior da Ioga. Portanto, de acordo com Patañjali, ao lado dos Ásanas e do Pranayama, precisamos começar com Yama e Niyama. Ambos se ocupam de nosso comportamento, não apenas daquilo que fazemos sobre o tapete de Ioga, mas, daquilo que fazemos fora do tapete de Ioga. Yama lida com a nossa vida social, com nossos processos interpessoais. Quando você interaje com outras pessoas, você tem um sentimento de Ahimsa? Himsa significa violência. Ahimsa significa ausência de violência. Não se trata apenas de ausência de violência, mas, há algo além disso. Caso eu me preocupe com alguém, caso eu ame e respeite esse alguém, então, serei cuidadoso em me certificar que, o que quer que eu venha a fazer, jamais traga qualquer dano ou destruição a essa pessoa. Se eu não amo ninguém, não respeito ninguém, não me importo com ninguém, então, farei tudo sem me importar, mesmo que algo que eu faça possa trazer dano e destruição a alguém. Assim, isso significa simplesmente que, só no caso de eu realmente me importar com as pessoas, amar e respeitar as outras pessoas, é que serei cuidadoso a ponto de não trazer dano ou destruição a ninguém. Assim, ao lidar com as pessoas, primeiramente preciso me certificar de que eu me importo com elas. A seguir, encontramos Satya, que significa veracidade, mas, mais do que isso, trata-se da honestidade no meu comportamento. Será que eu sou honesto com as outras pessoas? Caso haja um engano no relacionamento que tenho com as pessoas, então, isso criará um problema. Muitas vezes, em nosso cotidiano, não nos preocupamos muito em evitar enganos. Sou um professor. Será que sou suficientemente honesto para admitir que há muitas coisas que não conheço? Ou, será que eu crio uma impressão desonesta no sentido de que sei tudo? Assim, o engano pode aparecer em qualquer circunstância, e preciso ser cuidadoso no sentido de me certificar de evitar esses enganos, especialmente no caso de eu querer trilhar a senda espiritual e, especialmente, se eu estiver interessado em manter um relacionamento de longo prazo com qualquer pessoa, com qualquer ser humano. Caso não haja respeito, caso não haja confiança e, caso não haja honestidade, nenhum relacionamento poderá ser sustentado. Isso é muito simples. Preciso dessas três coisas, quer seja no relacionamento com minha esposa, meus filhos, colegas de escritório, etc. Se eu não respeito, e a pessoa não me respeita, como pode funcionar qualquer relacionamento? Se eu não confio em você, e você não confia em mim, como pode se sustentar nosso relacionamento? Se eu não sou honesto com você, e você não é honesto comigo, qual o sentido dessa relação? Assim, Patanjali nos diz para cuidarmos dessas coisas que precisam fazer parte de nossa vida do dia a dia, ao interargirmos com as pessoas. Partirei do pressuposto que você já está familiarizado com os cinco Yamas (refreamentos): Ahimsa (não violência), Asteya (não apropriação indevida), Satya (veracidade), Brahmacharya (continência sexual) e Aparigraha (renúncia à ganância). Então, ele diz que deve haver uma integridade em sua vida pessoal: Sauca (purificação), que não se refere apenas à limpeza exterior da superfície de seu corpo, trata-se de uma purificação interior. Quão alerta você está no sentido de se certificar que a sua mente, seus pensamentos e suas idéias estão claros e puros. O que queremos dizer com puros? Todos podemos entender isso. Quando nos sentimos impuros? Quando nos sentimos desconfortáveis? Quando sentimos que algumas coisas não deveriam estar presentes, mas estão? Aquelas coisas que nos fazem sentir interiormente muito desassossegados. Essa impureza não deveria me tocar. Nenhuma outra pessoa pode fazer nada quanto a isso, sou eu que preciso fazer algo para isso, se é que algo pode ser feito. Aquilo que eu mostro publicamente é uma coisa, mas, aquilo que sinto, aquilo que sei de minha própria mente, só eu conheço. E, eu preciso trabalhar isso, não apenas para mostrar aos outros. Depois de Sauca vem Santosha acerca do que já falamos um pouco anteriormente. Será que eu desperdiço minhas energias o tempo todo com reclamações e lamentações com relação a coisas que me fazem falta, ou será que eu procurarei fazer o melhor uso possível daquilo que já tenho? Não vou desperdiçar minhas energias falando o tempo todo daquilo que não está aí. O que é que vou fazer com aquilo que está aí? É a isso que se chama Santosha. Tapas: deve haver intensidade e paixão. Não estou aqui porque alguma outra pessoa me empurrou para eu vir para cá. Eu sinto, apaixonadamente, sim!, É isto o que eu quero fazer! Não quero viver uma vida que seja limitada. Não quero experienciar uma vida que só esteja ocupada com meus problemas, minhas ambições e meus desejos. Não quero experienciar o tempo todo sentimentos prenhes de insegurança, ansiedade, preocupação, medo e ciúme. Preciso sentir isso. Não apenas temporariamente, sob a impressão, ou sob a influência de um palestrante, que nos diz alguma coisa. Meu interesse não é algo temporário. Trata-se de um interesse que é forte. É a isso que chamamos Tapas. Estamos juntos até aqui? Não ouça apenas, procure descobrir o que é que pode ser trazido para nossas vidas. Amanhã cada um seguirá seu caminho. O que é que permanecerá contigo? E, o que é que vai ficar contigo? Muitas das coisas que aqui foram ditas, por mais belas que tenham sido de se ouvir, você as esquecerá. O que é que não será esquecido? O que é que cala fundo? E, o que é que você sente que seja realmente importante para você? Assim, na verdade, depois que cada um segue o próprio caminho, a única coisa que realmente será de auxílio, é aquilo que ficará contigo, em teu interior. Então, chegamos a Swadhyaya (o estudo das Escrituras): estar continuadamente alerta para olhar, observar e saber, o que é que exatamente eu sou. O que quer que eu esteja fazendo, quanto é que isso realmente me ajuda a me conhecer melhor? Finalmente, Ishvara Pranidhana. Será que, constantemente, eu me lembro de que existe algo sagrado em meu interior? Não apenas como uma idéia, não apenas como uma possibilidade. Posso não sentir sua presença o tempo todo, mas sei que está aí. Caso eu tenha essa consciência de que algo de muito sagrado está presente, então, automaticamente, estarei bem alerta quanto a que nada deveria sair de minha boca, nada deveria se manifestar através de minhas ações, ou através de meus pensamentos, que não fosse apropriado a essa presença sagrada. Assim, qualquer coisa que eu faça, qualquer coisa que eu diga, qualquer coisa que eu pense, não deveria se dar como se nada além de meu ego estivesse presente em meu interior. Há esse grande Ishvara, esse grande espírito divino, que é o centro mais profundo de meu ser interior. É nesse sentido que o Bhagavad Gita afirma que o Senhor habita o coração de todos os seres viventes (XV, 15; XVIII, 61), incluindo os seres humanos. Assim, Ishvara Pranidhana significa que eu me abro àquela presença sagrada que reside em meu interior. Não apenas enquanto medito, não apenas enquanto pratico Asanas, não apenas durante o Pranayama, mas, fora de minha esteira de Ioga, em todo o restante de minha vida. Assim, Yama e Niyama são muito importantes nos Ioga Sutras de Patanjali. Patanjali dedicou cerca de trinta e seis sutras para descrever aquilo que leva o nome de Ashtanga Ioga. Desses trinta e seis sutras ele dedicou dezesseis apenas para descrever Yama e Niyama, ou seja, quase a metade deles. E, por que eu disse essas coisas todas? Porque, muitas vezes, quando se fala de Hatha Ioga, fala-se primeiro de Asanas, e não se fala nada sobre Yama e Niyama. Essa não é a verdade. Existem versos que nos dão a idéia de que Svatmarama também considera Yama e Niyama muito importantes. Apenas para chamar sua atenção a esse aspecto, nesse verso, o de número 38, ele fala do quanto é importante o Siddhasana dentre todos os Asanas, comparando-o ao maior grau de importância que Mitahara[2] possui dentre todos os Yamas, e Ahimsa possui dentre os Niyamas. Patanjali descreveu apenas cinco Yamas e cinco Niyamas. Depois de Patanjali, no entanto, muitas outras pessoas descreveram vários Yamas e Niyamas adicionais. Por isso Svatmarama elegeu Mitahara como sendo o Yama mais importante e, dentre os Niyamas, Ahimsa. Patanjali relacionou Ahimsa dentre os Yamas, e Mitahara poderia ser considerado uma parte de Sauca, que é um dos Niyamas. Isso, na verdade, não faz muita diferença. Importante é lembrarmos que Svatmarama falou acerca de Yama e Niyama e, que ele partiu do pressuposto de que, se você está nesta senda, você deve estar familiarizado com isso. Digo isso, porque já vi alguns livros mencionarem que no caminho da Hatha Ioga, Yama e Niyama não são importantes, mas, isso é impossível, pois qualquer um que esteja na senda espiritual sabe que o que importa não é o que você faz na esteira de Ioga, mas sim, o modo como você leva toda a sua vida. Portanto, ainda que neste livro de que falamos a primeira descrição apresentada se refira aos Asanas, isso não quer dizer que ele dá menos importância aos Yamas e Niyamas. Voltando agora ao verso de número 17 do Hatha Pradipika, há nele uma descrição acerca dos Asanas que se estende até o verso 55. Neles, são descritos apenas quinze diferentes Asanas. Muitos dos Asanas que praticamos em nossa prática diária nem são mencionados ali. Não seria verdadeiro encararmos esse livro com um livro texto que esgota o assunto. Não se trata de um livro texto completo. Muitas coisas que fazem parte da tradição regular, não estão nele mencionadas. Muitos Asanas nem são mencionados. Muitos Shat Kriyas[3] nem são mencionados. E, mais importante que esses, existem muitas práticas de Pranayama que são importantes na tradição, e que nem são nele mencionados. Há apenas oito variedades de Pranayama mencionadas aqui, sendo todas elas denominadas Kumbhaka e, aqui Kumbhaka quer dizer essencialmente inalação, retenção da respiração e exalação. Porém, em todas as tradições vivas existem muitas práticas que focalizam a Kumbhaka não após a inspiração, mas após a expiração. Nenhuma destas práticas é mencionada neste livro. Se tanto, apenas algumas práticas são mencionadas como parte dos Shat Kriyas. Como exemplo, cito as práticas de Uddiyana e de Nauli[4], que são essencialmente uma prática na qual você exala completamente o ar dos pulmões, para depois fazer algo, mas isso é tudo o que se descreve ali. Assim, eu desejava chamar sua atenção para o fato de que este não é um livro texto completamente abrangente. Só porque algo não é nele mencionado, não seria verdadeiro afirmarmos que esse algo não existe. Muitas das práticas que são recomendadas pelo professor de Ioga, na orientação específica que ele dá a seu aluno, não são nele mencionadas e, é por isso que na Índia ninguém aprende Ioga a partir de livros. Os livros são apenas uma espécie de coadjuvante para explicar, refletir ou descrever algo, ou elaborar sobre algo. Porém, o principal aprendizado se dá na interação existente entre o professor e o aluno, como parte da tradição vivente. Ninguém deve começar a praticar o Pranayama por ter lido uma descrição do mesmo em um livro, seja ele o Hatha Pradipika ou o Gheranda Samhita. Eles ajudam muito, é claro, se você aprendeu algo de seu professor e deseja aprender algo mais, ou elaborar mais sobre isso, esses livros poderão ser muito úteis nesse sentido. Este livro de que estamos falando, por exemplo, possui muitas descrições que podem ser consideradas excessivas. Esse é um meio muito utilizado na época medieval de se descrever as coisas através de uma espécie de hipérbole. Por exemplo, ao descrever Uddiyana, o livro afirma que Uddiyana é algo que te ajudará a sobrepujar a morte. As pessoas que vem da mesma tradição sabem, é claro, como fazer uma leitura disso. Não devemos ler cada palavra como se fosse uma descrição literalmente veraz. Trata-se de uma forma literária, uma maneira de descrever as coisas. Todos esses livros são muito úteis, desde que nos mantenhamos alertas, sem fazer deles algum tipo de guia informativo. Quinze Asanas estão ali descritos. Um deles é Shavasana e, então, há quatro que se destinam à prática de Dhyana (Meditação) ou Pranayama. Os restantes são práticas variadas como, por exemplo, Paschimotanasana, Dhanurasana, Gomukasana, Simhasana, etc. O Shavasana, é claro, se destina basicamente a cuidar de qualquer fadiga que possa surgir a partir da prática de qualquer desses outros Asanas. Isso porque, no início de sua prática existe a possibilidade de que você faça alguma prática exageradamente, o que lhe fará sentir cansaço ou estresse. Mais tarde, assim como descrito no texto, chegará o momento em que não mais haverá a necessidade do Shavasana. Toda prática de Asana será executada em maneira tão natural e relaxada, que não mais haverá necessidade de prática separada de Shavasana. O que importa, no entanto, é que a prática de Dhyana demanda uma postura sentada, uma postura meditativa e, todas as variedades de Asanas devem, em última análise, nos ajudar a desenvolver essa habilidade. Pela manhã eu já mencionei algo acerca disso, porque nosso objetivo é o de iniciar o Pranayama e, depois, entrar em Meditação. Asana é a base preparatória, que me confere a habilidade de me sentar imperturbado, por um longo período de tempo. Dentre as várias práticas recomendadas para a postura meditativa, quatro delas foram descritas em especial: a primeira é Swastikasana, a mais simples delas; então, um postura um pouco mais exigente chamada Ardha Padmasana, que é a postura de meio lótus; então, temos Padmasana, a postura de lótus, que é muito famosa; porém, em última análise, a mais importante, de acordo com Svatmarama, e também de acordo com o Gheranda Samhita[5] e outras tradições, é aquela chamada Siddhasana. Assim, quaisquer que sejam os Asanas que você pratique, em última instância, eles deveriam lhe conferir a possibilidade de sentar em Siddhasana por um longo período de tempo. Você poderá praticar uma variedade de Asanas que afastarão as doenças, que permitirão que seu corpo seja mais estável (Sthira), mas, em última análise, eles deverão conduzi-lo ao nível em que você poderá se sentar em Siddhasana, por um longo tempo, de maneira confortável. Se Siddhasana não for possível, então Padmasana. Se Padmasana não for possível, então meio (ardha) Padmasana. Se esse também não for possível, então, pelo menos, o mais simples Swastikasana. Porém, uma vez sentado na sua postura, qualquer que seja ela, você deveria ser capaz de se manter imperturbado nessa postura, por um longo período de tempo. E, eu gostaria de chamar a sua atenção para aquilo que encontramos no verso de número quarenta e dois, em que, de alguma maneira, descreve toda a sequência. Uma vez que você tenha conquistado a habilidade de sentar em Siddhasana, qual a utilidade de se continuar praticando quaisquer outros Asanas? Assim, quaisquer Asanas que você pratique, deveriam, em última instância conduzi-lo a Siddhasana e, uma vez que você esteja em Siddhasana, então, você pode iniciar o Pranayama de uma maneira muito alerta e relaxada. Uma vez que você consiga fluir através do Pranayama, automaticamente, então, você chegará àquilo que recebe o nome de Kevala, o silenciamento da respiração e, uma vez chegado ao silêncio da respiração, abre-se a possibilidade de adentrar o estado de Unmana. Assim, existe uma espécie de sequência contínua, pela qual, passo a passo, se mencionam todas essas diversas práticas. Trata-se de algo simples. Eu pratico vários Asanas. Isso me traz a possibilidade de me sentar imperturbado por um longo período de tempo? Só então, serei capaz de fluir através do Pranayama, de uma maneira imperturbada, livre e sem distrações. Então, afinal descobrirei que ao final do Pranayama, quando deixo a respiração fluir por si só, ela se aquieta, Kevala. Então, quando a respiração se aquieta, de alguma maneira, abre-se uma porta que me leva a entrar no estado chamado Unmana, que é o estado em que nos elevamos acima da mente, transcendemos a mente, de modo que deixo de permanecer no nível da mente, com essa ou aquela experiência. Experiencio essa cor, experiencio esse som, tenho tipos diferentes de sensações em meu corpo. Sinto calor, sinto frio, sinto expansão, ou contração, ou ainda, me sinto muito leve como se estivesse flutuando. Tudo isso passa a ser irrelevante, do contrário, nossa mente se tornaria fascinada com todas essas experiências fantásticas. Todas essas experiências devem ser deixadas para trás, precisamos ir além. Esse, é o estado de Unmana. Muitas vezes, se diz que a Ioga é um processo muito eficaz para fortalecer a mente. Não propriamente para fortalecer a mente, mas para ir além dela, do contrário, permaneceremos o tempo todo como um fanático controlador. Desejo controlar todas as coisas, controlei meu corpo, controlei minha respiração, controlei minha mente. Muito bem, sou o máximo, mas, descubra quem é que está no controle e quem é que quer controlar? Talvez, isso não seja tão interessante. Todas as outras coisas parecem ser muito atraentes e interessantes. Essa não é uma minha interpretação, isso é o que Svatmarama escreveu no quarto capítulo, caso você se dê ao trabalho de lê-lo. Patanjali também falou disso nos Ioga Sutras, caso você se dê ao trabalho de lê-los. Mas, se você não fizer essas leituras, você se enredará em todas essas atrações, toda essa excitação, e em todo esse tipo de processo de controle sobre todas as coisas. Com todas essas experiências estranhas e fantásticas, posso me convencer de que eu sou especial, de que estou passando por experiências especiais. Não caia nessa armadilha. Descubra quem é que vê aquela cor, quem é que ouve aquele som, quem é que fica excitado com todas essas experiências. Precisamos entender isso, por se tratar do ponto mais crucial. Sempre nos será possível falar das várias práticas que precisam ser executadas, sempre poderemos falar sobre todos os efeitos que essas práticas produzirão sobre nosso corpo, fisica e fisiologicamente, emocional e intelectualmente, mas, se errarmos nesse único ponto, então, erraremos em tudo. Não se trata do que estou experienciando, mas, sim, de quem é que passa pela experiência. Investigue, e descubra. Aquilo com que você vier a se deparar, a princípio, pode não ser a verdade final. À medida que você segue investigando, e descobrindo, a realidade com que você se depara poderá ser inteiramente diferente daquela que você havia pressuposto de início. Assim, não focalize todas as suas energias nas diversas experiências. Mude o foco de modo a descobrir quem é o sujeito da experiência. Você entende isso? Se você entendeu isso, então, você entendeu a verdadeira essência de toda a senda espiritual. Mas, se você deixa para trás o sujeito da experiência, sentindo-se completamente atraído e apegado às experiências, começando a se sentir "especial, maravilhoso, como já tendo alcançado alguma iluminação", então você terá caído na armadilha. Passemos, então, aos importantes versos finais de números 65, 66 e 67. Eles falam acerca da importância da prática. Ali, antes de mais nada, se diz que, qualquer que seja a condição inicial, quem pratica alcançará resultados. Quer o praticante seja um jovem, uma pessoa madura, velha, muito velha, ou mesmo uma pessoa doente; quem quer que execute essas práticas de maneira apropriada, atenta e alerta, definitivamente, atingirá os resultados. Não faça nada mecanicamente, faça tudo com atenção plena. O verso 64 diz: "Aquele que pratica Ioga incansavelmente, em todos os seus aspectos, alcança sucesso, seja ele jovem, velho, decrépito, doente ou fraco." Você sempre atingirá resultados, desde que não esteja em um estado de distração ou dispersão mental. Explicarei isso em apenas três palavras: Eu Estou Aqui. Se você não estiver aqui, as suas pernas poderão estar se movendo para cima e para baixo, você poderá obstruir suas narinas, etc., mas, isso não vai funcionar. Se eu estiver aqui, então, minha condição não terá importância, se sou jovem ou velho, etc.: se eu perseverar, alcançarei sucesso. A palavra que se usa no Sânscrito é atandrah que quer dizer ausência de distração mental. Ou seja, sem distração mental, temos a atenção plena. Os versos seguintes falam aproximadamente o mesmo. Verso 65: "O sucesso é alcançado por aqueles que praticam. Como se pode obter sucesso sem a prática? Na Ioga não se alcança o sucesso a partir da mera leitura de livros genuínos." Verso 66: "A vestimenta não traz o sucesso; falar sobre a Ioga, também não. Apenas a prática traz o sucesso; indubitavelmente, esta é a verdade." Aquele que apenas fala, sem praticar, não conseguirá alcançar resultados. Apenas aquele que pratica alcançará resultados, não por falar a respeito, não pela leitura de muitos livros, não pela mudança da forma como se veste. Você poderá se vestir como um Sanyasi, usar roupas soltas, usar todos aqueles colares, etc. Isso pode até te ajudar a lembrar de que você é uma pessoa santa, e que você precisa cuidar do que você diz, faz ou pensa, mas isso não é nenhuma garantia. Apenas a mudança de suas vestimentas, não te proporcionará nenhum resultado. Apenas aquele que pratica alcançará resultados, isso é o que importa. Não fale a respeito, pratique! Isso é muito simples. Este é o primeiro capítulo do Hatha Pradipika. De per si ele é suficiente para que nós compreendamos muitas coisas. Há também muitas outras coisas a serem aprendidas nos capítulos seguintes. Porém, pratiquemos Santosha, contentemo-nos com isso. Com o que já temos, a questão que se nos apresenta é: o que vamos fazer com isso? *Texto extraído do Encontro com Dr. Shrikrishna, em Outubro de 2011 na Casa de Retiros das Irmãs Marianistas de Cana. Organizado pelo Prof. Marcos Rojo Rodrigues (Tarde de 15 de Outubro de 2011) **Dr. Shrikrishna Bushan Tengshe, médico e doutor em Psiconeurologia. Foi consultor e Diretor do Centro Médico do renomado Instituto de Kaivalyadhama em Mumbai. Atua como professor, palestrante e criador de cursos de treinamento para médicos e professores de Yoga ao redor do mundo. São de sua autoria os livros: Essence of Pranayama (1985) e Notes on Man, Mind and Consciousness, A Yogic Viewpoint (1997). A tradução é de Roldano Giuntoli. Notas do tradutor: 1 - Na tarde do dia anterior Dr. Shrikrishna havia explicado: A Hatha Ioga se desenvolveu por volta do século décimo da era Cristã. O livro Hatha Pradipika, ou Hatha Ioga Pradipika, como às vezes é chamado, é o texto daquela época, de autoria de Svatmarama, que lança luz na Hatha Ioga. 2 - A moderação na dieta alimentar. 3 - Em Sânscrito, Shat Kriyas são processos de purificação da Ioga. 4 - Termos do Sânscrito para as Bandhas (contrações e movimentações - da cavidade abdominal) dentro da categoria dos Shat Kriyas. 5 - Outro texto muito importante da tradição do Hatha Ioga, publicado no Brasil no livro A Essência do Hatha Yoga Hathapradipika, Gheranda Samhita e Goraksha Shataka Tradução de Alícia Souto, Adaptação Técnica de Marcos Rojo Rodrigues (São Paulo, 2009, Phorte Editora)