16 1 INTRODUÇÃO As Unidades de Operações

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16 1 INTRODUÇÃO As Unidades de Operações
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1 INTRODUÇÃO
[...] pero desde más antiguo hay ejemplos (algunos ya demasiado
esteriotipados) sobre la existencia de <<guerrillas>>, tanto en la Península
como fora de ella, ejemplos que en muchos casos han servido de modelo
intuitivo o razonado a otros contemporáneos, acumulando sobre ellos la
inevitable <<profesionalización>> y los avances técnicos que se
consideraron adecuados, y sin que todo esto nos lleve a tomar actualmente
la guerrilla como una tácnica antigua y primitiva o, en el extremo contrário,
1
sólo como un fenómeno moderno (CEBRIAN, 1985, p.64) .
As Unidades de Operações Especiais (UOPES) tiveram sua origem nos
Pelotões de Operações Especiais (PELOPES) e Subunidades de Operações
Especiais (SUOPES) criadas na década de 1970 para serem empregadas em
operações contra forças irregulares, haja vista que grupos, patrocinados por partidos
vinculados ao Movimento Comunista Internacional (MCI), passaram a desenvolver
atividades subversivas no Território Nacional (nos ambientes urbano e rural).
Essas tropas foram organizadas inicialmente dentro das Unidades Militares,
segundo um Quadro de Organização (QO) flexível, e um Quadro de Distribuição de
Material (QDM) modular, adequado às diversas situações e ambientes operacionais,
sem, contudo, prejudicar a vida vegetativa das Organizações Militares (OM)
enquadrantes. Além disso, os PELOPES estavam aptos a serem empregados em
qualquer ambiente operacional, utilizando os mais diversos tipos de armamento e
meios de transporte, dentro de um quadro de guerra convencional ou irregular.
Segundo Moura (1994), a necessidade do Exército Brasileiro de organizar
forças dessa natureza, capazes de atuar em qualquer lugar, com quaisquer meios,
em quaisquer condições, no mínimo espaço de tempo, empregando os mais
diversos meios de transporte; surgiu, em parte, das experiências colhidas na
Guerrilha do Araguaia2, particularmente no que tange ao emprego em ambiente
rural, e das lições aprendidas pela Força Interamericana de Paz (FAIBRÁS)3, em
Santo Domingo, na República Dominicana, no que se refere às ações em ambiente
urbano.
1
La Geografia y La Guerra: Un Analisis de Sus Relaciones. Madrid: EME, 1985.
Ação militar desenvolvida na região do Araguaia, contra as forças de guerrilha patrocinadas pelo PC
do B, nos anos de 1968 a 1974.
3
Força de Paz, sob a égide da OEA, enviada à República Dominicana, em 1965, para combater o
movimento revolucionário patrocinado pelo Movimento Comunista Internacional.
2
17
Essa gama de capacidades tornava-se impositiva em função da natureza do
“novo inimigo”: um inimigo ardiloso e doutrinado, dotado de elevada capacidade
técnica e tática, que em muitas das vezes era preparado em centros de treinamento
localizados em Cuba e até mesmo na extinta União das Repúblicas Socialistas
Soviéticas (URSS). Ademais, era dotado de grande capacidade intelectual e
conhecimento dos ambientes em que atuava, além de se misturar com facilidade a
população civil, o que facilitava suas ações.
A
versatilidade
e
flexibilidade
dos
PELOPES
possibilitava
que
as
Organizações Militares (OM) cumprissem suas missões de Defesa Interna, sem
comprometer as demais atividades relacionadas à sua vida vegetativa, com o
mínimo de alterações em sua estrutura original.
Em função dessa situação, e
visando atender aos escalões mais elevados da Força Terrestre, foram organizadas,
ainda que sem uma regulamentação a nível Exército (comum), as Subunidades de
Operações Especiais (SUOPES) e as Unidades de Operações Especiais (UOPES),
que passaram a constituir as Forças de Operações Especiais para a Defesa Interna.
Com a criação do Comando de Operações Terrestres (COTer),
tais
estruturas passaram a ser regulamentadas através de diretrizes, que passavam o
encargo de organização, preparo e emprego para os Comandos Militares de Área (C
Mil A). A fim de se padronizar o adestramento dessas forças, foi confeccionado, em
1991, um Programa Padrão de Adestramento (PPA), em caráter experimental, o que
facilitou o acompanhamento das atividades desenvolvidas por essas forças de
operações especiais.
Analisando-se a fundo essas forças, em particular a UOPES, com sua
estrutura modular, capaz de moldar-se às mais diversas situações, e sua gama de
capacidades, de maneira conjugada com o inimigo apresentado, observa-se uma
certa similaridade com o momento vivido nos dias de hoje, onde busca-se a melhor
maneira de desenvolver capacidades e articular forças para fazer frente a um
inimigo desconhecido, onde a conquista do terreno deixou de ser prioridade, e o
apoio da população primordial ao sucesso das operações, onde a atuação sinérgica
das forças em presença no Teatro de Operações é essencial, onde as operações de
informação crescem de importância e onde o homem bem treinado e adestrado é a
chave do sucesso.
Nesse sentido, apesar da velocidade inerente a era do conhecimento, faz-se
mister puxar os “manchos” do tempo e estudar as UOPES, com um enfoque nas
18
novas dimensões da segurança e defesa, nas ameaças latentes e nas capacidades
requeridas; tudo isso dentro da realidade brasileira.
1.1 PROBLEMA
Formular um problema consiste em dizer, de maneira explícita, clara,
compreensível e operacional, qual a dificuldade com a qual nos defrontamos
e que pretendemos resolver, limitando o seu campo e apresentando suas
características. Dessa forma, o objetivo da formulação do problema da
pesquisa tende a torná-lo individualizado, específico e inconfundível
4
(RUDIO, 1978, p. 75; BERTUCCI, 2014, p. 27) .
Segundo Silva (2007, p. 95)5 Após a Guerra Fria, tem se verificado no mundo
uma significativa quantidade de conflitos localizados, de baixa intensidade,
internacionais ou internos, nem sempre contidos dentro das unidades estatais onde
ocorrem, envolvendo atores estatais e não estatais. Esses conflitos têm sido
motivados por questões religiosas, tribais, étnicas e até mesmo criminosas
(criminalidade doméstica e internacional).
Acrescenta Pinheiro (2007, p. 18)6 que desde a Segunda Guerra Mundial (II
GM) eclodiram no mundo um reduzido número de conflitos armados convencionais e
uma significativa quantidade de guerras irregulares. Destaca, ainda, que a guerra
irregular tornou-se um eficaz instrumento na consecução de transformações
radicais, quer sejam de cunho político-ideológico, étnico ou religioso.
Para corroborar com essa linha de raciocínio, Silva (2007, p. 97) esclarece,
com relação aos Conflitos Assimétricos de Quarta Geração, que em todo o mundo
uma quantidade considerável de militares encontra-se combatendo oponentes não
estatais, como: a Al Qaeda, o Hamas, o Hezbollah e as Forças Armadas
Revolucionárias da Colômbia, dentre outros.
Nesse viés, verifica-se uma mudança nas ameaças e principalmente no seu
modus operandi. As ameaças estatais, convencionais, cederam espaço às não
estatais, que primam pelo uso de técnicas e táticas de procedimento, peculiares da
guerra irregular, criando um ambiente indefinido, fluído e confuso.
4
Metodologia Básica para Elaboração de Trabalhos de Conclusão de Cursos (TCC). 1. ed. São
Paulo: Atlas, 2014.
5
Guerra Assimétrica: adaptação para o êxito militar. Revista PADECEME (2ºQ/2007).
6
O Conflito de 4ª Geração e a Evolução da Guerra Irregular. Revista PADECEME (3ºQ/2007)
19
Por outro modo, segundo Pinheiro (2007, p. 18), a América Latina vivenciou o
conflito de 4ª Geração, por ocasião das guerras revolucionárias de motivação
predominantemente marxista-leninista nas décadas de 1960 e 1970, oportunidade
em que o Exército Brasileiro colheu experiências e ensinamentos acerca do combate
irregular em área urbana e rural.
Esses ensinamentos acabaram por influenciar na organização preparo e
emprego de forças capazes de atuar no ambiente irregular, como foi o caso da
organização das Unidades de Operações Especiais (UOPES).
Assim. Em que medida a reativação das Unidades de Operações
Especiais (UOPES) contribuiria com a Força Terrestre no cumprimento das
diretrizes preconizadas na Estratégia Nacional de Defesa, de forma a atender
os anseios nacionais, frente às ameaças do Sec. XXI?
1.2 OBJETIVOS
Segundo Bertucci (2014, p. 32) o objetivo geral de uma pesquisa deve
enunciar o seu propósito maior, o alvo a que se pretende alcançar. Os objetivos
específicos constituem-se em objetivos menores que juntos possibilitarão o alcance
do objetivo geral.
Objetivo Geral:
- Verificar se a reativação das UOPES, segundo um novo enfoque, trariam
benefícios para a Força, no que tange ao preparo e emprego, frente aos desafios do
Sec XXI.
Objetivos Específicos:
- Caracterizar a “Era do Conhecimento”;
- Caracterizar os conflitos do Sec XXI;
- Identificar as ameaças, no ambiente interno e externo, a que está sujeito o
Brasil da “Era do Conhecimento”;
- Descrever as principais diretrizes, relacionadas ao preparo e emprego da
Força terrestre, constantes da END; e
- Analisar as Unidades de Operações Especiais (UOPES), segundo sua
organização, características, possibilidades e limitações e preparo e emprego.
20
1.3 QUESTÕES DE ESTUDO
Para se alcançar os objetivos propostos e melhor delinear o problema
proposto, algumas questões de estudo foram selecionadas.
- Quais são as características dos Conflitos Assimétricos de 4ª Geração?
- O Exército Brasileiro possui experiências em conflitos dessa natureza?
- Quais são as principais ameaças contemporâneas e suas Técnicas e
Táticas de Procedimento?
- Qual a atual concepção de preparo e emprego de forças no contexto da
Guerra de 4ª Geração?
- O Exército Brasileiro possui tropas aptas a operarem no ambiente
assimétrico de 4ª Geração?
- Como se dá a organização, o preparo e o emprego da Força Terrestre (F
Ter) na atualidade?
- Quais são os principais óbices à organização, ao preparo e ao emprego da F
Ter na atualidade?
- Como as Unidades de Operações Especiais (UOPES) eram organizadas,
preparadas e empregadas, e em qual contexto histórico isso se deu?
1.4 DELIMITAÇÃO DO ESTUDO
Este trabalho abrangerá o estudo das UOPES, no que tange à organização,
possibilidades/limitações, preparo e emprego, segundo a perspectiva dos conflitos
assimétricos de 4ª Geração, às ameaças contemporâneas e do que preconizam a
legislação, documentos institucionais e trabalhos científicos relacionados à Defesa.
O trabalho de dissertação limitar-se-á a uma revisão bibliográfica com vistas a
levantar os principais óbices decorrentes desse estudo, apontando possíveis
soluções, com base na busca em artigos científicos, documentos e livros.
Dentro das possibilidades, serão realizados questionários, junto às OM do
Exército, aos Comandos Militares de Áreas e, se possível, junto ao Comando de
Operações Terrestres, com o objetivo de comprovar os possíveis óbices, no que
tange ao preparo e emprego da Força Terrestre.
21
Ao final do trabalho serão apresentadas algumas propostas referentes ao
preparo e emprego da Força Terrestre, segundo a experiência extraída das
Unidades de Operações Especiais (UOPES).
1.5 RELEVÂNCIA DO TEMA
Segundo Neves e Domingues (2007, p. 26)7 o tema do trabalho deverá ser
relevante para a instituição a qual pertence o pesquisador, devendo agregar algum
conhecimento ou visão particular a respeito de um determinado assunto ou matéria
de serviço.
Nesse sentido, busca-se com o presente trabalho destacar a importância para
o Exército Brasileiro em possuir tropas aptas a operarem no ambiente irregular
assimétrico, dentro de um quadro urbano e/ou rural, haja vista que isso tem sido
uma tendência mundial nesse início de século.
Ademais, resgatar conhecimentos e experiências adquiridas no passado por
ocasião do emprego de tropas em operações contra forças irregulares com o intuito
de adequá-los às necessidades de segurança e defesa atuais.
1.6 METODOLOGIA
Segundo Bertucci (2014, p. 45) deverão constar da metodologia o tipo de
pesquisa a ser realizado, os procedimentos a serem adotados para a realização da
pesquisa, a maneira como os dados serão analisados e outros dados que possam
dar credibilidade ao trabalho científico.
A metodologia aplicada ao trabalho em tela está calcada na pesquisa e
análise de livros, documentos, trabalhos monográficos e artigos científicos, dada a
dificuldade de se encontrar assuntos ligados ao tema na literatura civil.
Por esse motivo, crescem de importância como referenciais teóricos
documentos como: a Constituição da República Federativa do Brasil, o Livro Branco
da Defesa Nacional, a Estratégia Nacional de Defesa, o Plano Estratégico do
Exército, o PROFORÇA, a Diretriz do Comandante da Força, o Caderno de
7
Manual de Metodologia da Pesquisa Científica. Rio de Janeiro:Centro de Estudos de Pessoal, 2007.
22
Instrução do SIMEB, o Programa de Instrução Militar, a Lei do Serviço Militar, dentre
outros.
O trabalho será desenvolvido em capítulos onde serão apresentados de forma
compartimentada (por assuntos) todo o referencial teórico. Ao final da cada capítulo
serão realizadas as considerações finais acerca do que foi abordado. O ultimo
capítulo será destinado às discussões e sugestões acerca do estudo realizado.
1.6.1 Tipo de Pesquisa
Segundo Bertucci (2014, p. 47) “[...] existem várias formas de classificar os
tipos de pesquisa existentes, cabendo ao pesquisador definir a taxonomia que irá
adotar”.
No que se refere ao tipo, a pesquisa desenvolvida para a realização do
trabalho foi exploratória, pois além de flexível, proporcionou maior familiaridade com
o problema apresentado, possibilitando sua apreciação sobre diferentes enfoques.
1.6.2 Universo e Amostra
A pesquisa em tela ficou restrita à coleta e análise de documentos, livros e
artigos científicos relativos ao tema, não tendo um universo que viesse a motivar
uma pesquisa de campo.
1.6.3 Coleta de Dados
A coleta de dados foi realizada através de uma ampla pesquisa bibliográfica,
pautada na leitura de livros, documentos, manuais, revistas, artigos científicos,
dentre outros relacionados ao tema.
1.6.4 Tratamento dos Dados
Os dados obtidos com a pesquisa bibliográfica foram selecionados,
analisados e interpretados segundo a ótica do problema apresentado, buscando-se
com isso embasar o objetivo proposto.
23
1.6.5 Limitação do Método
A metodologia selecionada para o desenvolvimento da pesquisa apresentou
alguns problemas com relação, principalmente à coleta dos dados, haja vista que
muitos dos documentos relacionados às UOPES e SUOPES são antigos e muitos
deles classificados.
No que se refere à análise dos dados, a condição deste pesquisador de militar
e Ex-Comandante de PELOPES e SUOPES pode ter influenciado no tratamento dos
dados colhidos, mesmo que de maneira involuntária. Nesse sentido, cabe destacar
que este pesquisador primou sempre pela imparcialidade na interpretação dos
dados colhidos, apoiando-se em uma vasta lista de obras, documentos, artigos
científicos, manuais, periódicos, dentre outros, constante da bibliografia estudada.
24
2 CONFLITOS DO SÉC XXI
[...] vivemos, também, uma época de conflitos localizados e limitados,
internacionais ou internos, nem sempre contidos no(s) país(es) onde
ocorrem, envolvendo forças estatais e/ou não-estatais, motivados por
questões étnicas, tribais, religiosas ou apenas criminosas (criminalidade
nacional e transnacional), por “integrismos” nacionalistas e por contenciosos
territoriais em geral herdados de maus arranjos coloniais (SILVA, 2007,
p.95).
O fim da “Guerra Fria” constituiu-se em um marco na condução dos conflitos
armados. A guerra convencional, para as quais os exércitos nacionais estavam
preparados, cedeu lugar a uma guerra com características especiais, em muitos
casos semelhantes às de um conflito irregular, exigindo mudanças na articulação,
preparo e emprego do braço armado do estado, bem como das demais instituições
governamentais.
Dentro dessa perspectiva, o arsenal produzido pelas potências mundiais
desde a Segunda Guerra Mundial, bem como as técnicas e táticas convencionais
treinadas a fio durante quase cinquenta anos, perderam sua eficiência ante as novas
ameaças que, atentas às transformações na sociedade, na economia, na ciência e
tecnologia, dentre outras áreas; resgataram antigas formas de se combater
(guerrilha), produzindo uma espécie de combate hibrido com características ao
mesmo tempo convencionais e irregulares bastante distintas dos anteriores.
Nesse tipo de combate, as ações passaram a se desenvolver tanto no
ambiente urbano como em áreas rurais habitadas, afetando diretamente a
população civil, que de certa forma, passou a ser um instrumento de mobilização
política por parte de estados e outros atores. Em decorrência disso, cresceram de
importância nos conflitos atuais a atuação da mídia e os Direitos Humanos (DH), que
passaram a determinar a liberdade de ação dos diversos contentores.
Ademais,
o
caráter
multidimensional
das
novas
ameaças
provocou
transformações no que tange ao preparo e emprego do braço armado do estado e
demais órgãos de governo, de forma a buscar uma sinergia nas ações contra tais
ameaças. Fruto disso surgiu a doutrina de operações interagências e foram
aperfeiçoadas as de operações conjuntas e combinadas, com ênfase no
desenvolvimento de capacidades.
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Nesse sentido, crescem de importância as experiências do Exército Brasileiro
obtidas durante os combates contra forças irregulares, patrocinadas pelo Movimento
Comunista Internacional (MCI), nas décadas de 1960 e 1970.
2.1 A EVOLUÇÃO DOS CONFLITOS
Durante a história da humanidade a guerra sofreu diversas transformações,
em função basicamente do desenvolvimento científico-tecnológico, que por sua vez
transformou a doutrina. Até a Paz de Westfália8, em 1648, as guerras eram travadas,
basicamente, por famílias que detinham o poder militar através de milícias
organizadas nos feudos.
A Primeira Geração da Guerra (1648-1860) teve início com o surgimento do
Estado-Nação, que passou a monopolizar a guerra através da organização dos
exércitos nacionais (profissionais) fardados, treinados e equipados para esse fim.
Em razão das armas rudimentares de alcance reduzido, crescia de importância na
condução dessa guerra as formações lineares (emassadas), que acabavam por
potencializar o efeito dos armamentos individuais, decidindo os combates. Uma das
maiores contribuições dessa fase foi o surgimento da disciplina e ordem militar, que
diferenciavam o civil do militar. Carl Von Clausewitz9 em sua obra prima, Da Guerra,
conseguiu mapear os meandros dessa geração de guerra.
Com o surgimento dos mosquetes raiados, em meados do século XIX, a
precisão e o alcance das armas possibilitavam engajar o inimigo a distâncias bem
maiores, aumentando as dimensões do campo de batalha, tornando obsoletas as
formações ordenadas, que determinavam a tática da época. Nesse contexto surgiu
a Segunda Geração da guerra, onde as formações ordenadas cederam espaço às
trincheiras, que de certa maneira concentravam o poder de combate dos exércitos
em posições estáticas, a exemplo do que ocorreu em algumas frentes de combate
durante a 1ª Guerra Mundial (1914-1919). Em resposta a essa nova situação, o
emprego da artilharia e do gás tornaram-se fundamentais, pois forçava o
combatente a mover-se no campo de batalha, o que facilitava sua destruição pela
infantaria.
8
Conjunto de tratados que pôs fim a Guerra dos Trinta Anos travada entre a França e, os aliados
tradicionais, Império Germânico e Espanha.
9
Militar e estrategista prussiano nascido em Burg, na Alemanha em 1780.
26
A Terceira Geração da Guerra caracterizou-se pela velocidade nos combates,
proporcionado pelo emprego da aviação e dos carros de combate. O nascimento
dessa geração se deu ao final da I GM, com a iniciativa inglesa de se construir um
engenho bélico que transpusesse os obstáculos e neutralizasse as metralhadoras.
Mas foi através de um visionário General alemão, Heinz Guderian, que atento às
transformações do mundo, aproveitou a iniciativa inglesa idealizou o emprego dos
meios blindados de maneira conjunta com a força aérea, o que resultou na
“Blitzkrieg”10, ou guerra relâmpago, amplamente utilizada pelo Exército Alemão
durante a 2ª Guerra Mundial (II GM).
Observa-se, portanto, que nas três primeiras gerações da guerra, apesar dos
avanços tecnológicos, proporcionados pelas Revoluções Industriais, algumas
características permaneceram imutáveis, como a organização linear do campo de
batalha, a definição do inimigo, a ênfase na conquista do terreno, a participação de
atores estatais, a prevalência dos combates em áreas rurais, dentre outras.
A Guerra de Quarta Geração (Guerra Assimétrica), base onde se desenvolve
o presente estudo, surgiu se contrapondo a essa tendência até então comum aos
conflitos. A presente geração teve sua origem ao final de Guerra Fria, com o
esfacelamento do sistema bipolar, preconizado pelos Estados Unidos da América
(EUA) e União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS).
Essa nova ordem mundial alterou sensivelmente a condução dos conflitos do
século XXI, pois a guerra para a qual os exércitos se prepararam por quase 05
(cinco) décadas, contra um inimigo conhecido, e em cima de hipóteses bem
estudadas, não ocorreu. O fato é que enquanto o mundo ficava atônito ante as
mudanças na estrutura de poder e nos avanços tecnológicos, sem precedente, a
guerra mudava suas características.
Dentro desse contexto, eclodiram na África, no Leste Europeu, no Oriente
Médio, na América do Sul, dentre outras regiões do globo; conflitos de baixa
intensidade, motivados em sua maioria por questões políticas, religiosas e étnicoraciais; caracterizados basicamente por uma aproximação indireta, uma violência
extremista e pelo amplo emprego de táticas e técnicas peculiares da guerra
irregular.
10
“Guerra Relâmpago” - Forma de guerra implementada por Hitler, em abril de 1940, que consistiu
em ataques maciços com o uso de carros blindados (divisões panzer) e aviação (Luftwaffe).
27
2.2 A NATUREZA DOS CONFLITOS DE QUARTA GERAÇÃO
Ao fim da Guerra Fria e a “Era do Conhecimento” proporcionaram o
surgimento de uma nova geração de guerra. O marco histórico dessa mudança
foram os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001, nos Estados Unidos da
América (EUA), onde milhares de vidas foram ceifadas dentro do território daquele
País sem que houvesse uma reação imediata por parte da maior potência militar do
mundo, e por que não se dizer por parte do “Hegemon”.
Esse acontecimento vem ao encontro do que prescreve o artigo “On the Sea
Change in Security Environment”, publicado na revista “The Officer” em fevereiro de
1993, citado por Liang; Xiangsu (1999, p. 41)11, onde o então Secretário de Defesa
Les Aspin apresenta uma comparação entre a antiga e nova ambiência da
segurança.
Quadro 1 - Quadro de Ambiências de Segurança
Fonte: Liang; Xiangsu (1999, p. 41)
11
A Guerra Além dos Limites: Conjecturas Sobre a Guerra e a Tática na Era da Globalização. Beijing:
Pla Literature And Arts Publishing House, 1999.
28
Ao observar as comparações expressas no quadro, verifica-se que os
ataques de 11 de setembro caracterizaram uma ambiência de segurança no cenário
geopolítico mundial da época.
As ameaças que antes eram definidas e previsíveis dentro de uma estrutura
geopolítica bipolar, onde as alianças entre Estados eram duradouras; passaram a
ser incertas, encobertas, diversificadas e desprovidas de interesses políticosideológicos, surgindo nesse contexto diversos atores não estatais. Em decorrência
disso verifica-se a falta de resposta imediata por parte dos EUA.
A violência extremista de cunho religioso suplantou as questões políticas,
nesse sentido, os conflitos ganharam projeção transnacional, ou seja, a guerra de
atrição conduzida, normalmente em espaços de batalha contíguos onde a conquista
do terreno representava grande vantagem, cedeu lugar às ações estratégicas
pontuais e decisivas, em áreas profundas, direcionadas contra alvos de valor
estratégico em qualquer parte do planeta, sem considerar a presença civil não
combatente.
Verifica-se, nesse viés o aumento dos conflitos em áreas urbanas com a
presença de civis. Em razão disso, verifica-se uma maior atuação das Organizações
das Nações Unidas (ONU), no que se refere aos Direitos Humanos (DH), pois até
então os conflitos eram conduzidos entre Estados Nacionais, onde prevalecia o
Direito Internacional dos Conflitos Armados (DICA) preconizado, desde 1949, pelas
Convenções de Genebra e por seus Protocolos Adicionais.
Ainda segundo o quadro, verifica-se o amplo emprego integrado da alta,
média e baixas tecnologias. Assim, organizações e atores não estatais passaram a
atuar em rede, utilizando-se de alianças temporárias estruturadas com base em
interesses comuns. Isso possibilitou a projeção de poder a partir de bases
domésticas, possibilitando o alcance internacional dessas organizações.
No que se refere à previsibilidade das ações, os conflitos deixaram de ter um
marco temporal do início das hostilidades, pautado por uma escalada da crise,
dentro do tradicional espectro dos conflitos, sendo verificado sua ocorrência em
qualquer parte desse espectro, desde a paz estável ao conflito generalizado de
grandes proporções. Hoje o conflito é no amplo espectro.
29
Figura 1 - Espectro dos Conflitos
Fonte: Manual de Campanha C 124-1 – Estratégia (Brasil, 2004, p. 2-4)
Ao analisar o quadro de Les Aspin, observa-se uma gama de características
que, de certa forma, delineia o que se entende hoje por conflitos de Quarta Geração,
dentre elas: a presença de atores não estatais, as ameaças incertas e
multifacetadas, uma maior atuação da ONU, o extremismo religioso, dentre outras
que possam ter passo desapercebidamente.
As observações do Secretário de Defesa, datadas de fevereiro de 1993,
assinalavam mais que uma mudança radical no contexto da segurança e defesa,
elas apontavam o estabelecimento de um novo arranjo mundial, que apresentaria
novos atores, novos ambientes de conflito, novas normas de direito, novas
responsabilidades, novas estruturas de combate, novos modus operandi e por fim
uma nova guerra: a guerra assimétrica de quarta geração.
O surgimento de novos atores se deu em função basicamente do fim da
Guerra Fria. Esse acontecimento histórico afastou da humanidade a ameaça de um
conflito generalizado entre Estados Nacionais; por outro lado gerou inúmeros
conflitos internos, de baixa intensidade, pela disputa do poder naqueles países que
até então viviam sob a tutela das grandes potências de época.
Nesse contexto, questões religiosas, tribais, políticas, econômicas, etc, que
estavam adormecidas face ao controle dessas potências, recrudesceram-se,
gerando uma violência extremista, que acabou por enfraquecer o poder e a
economia dos Estados, provocando, por um lado, a falência de grande parte destes,
a medida que possibilitou o fortalecimento e a projeção internacional desses novos
atores.
Assim, esses atores passaram a empreender ações, contra Estados
Nacionais, pautadas por uma assimetria de poder, onde Técnicas e Táticas de
Procedimento (TTP) peculiar da Guerra Irregular, dentre elas o terrorismo, passaram
30
a ser empregadas indiscriminadamente contra civis não combatentes. Era a
violência com um fim em si mesma.
Nesse viés, os combates que até então eram entre Estados Nacionais, sob
uma lógica convencional, travados normalmente em áreas desabitadas, cujo
enfoque principal pautava-se pela conquista do terreno, passaram a ser entre
Estados e atores não estatais, sob os preceitos ilógicos da guerra irregular, em
áreas urbanas com o objetivo de causar o maior dano possível.
No final da década de 1990 e início deste século, verificou-se a ocorrência de
diversos conflitos assimétricos de baixa intensidade na África, no Leste Europeu, no
Oriente Médio, na América do Sul, na América Central, dentre outras regiões do
planeta, onde questões religiosas, raciais, tribais e políticas, dentre outras, tornamse o principal motivo para o extermínio de milhares de civis não combatentes.
A presença da mídia nas frentes de batalha, associado aos avanços
científico-tecnológicos nas telecomunicações e informática, bem como o surgimento
das redes sociais, tem colocado os cidadãos comuns frente a frente com a triste
realidade dos combates, onde civis, não combatentes, tornaram-se as principais
vítimas.
Dessa maneira, a opinião pública, em escala global, começou a interferir na
liberdade de ação dos exércitos em operações, tornando-se um fator decisivo na
condução dos conflitos. Em contrapartida, os exércitos passaram a dar ênfase à
apostila legal dos Direitos Humanos (DH) e do Direito Internacional dos Conflitos
Armados (DICA) e atuar dentro da legitimidade.
Experiências reais, no passado, demonstraram a força que tem a opinião
pública no desenrolar de conflitos armados. O exemplo mais contundente dessa
atuação se deu durante a Guerra do Vietnã, onde as tropas norte-americanas foram
forçadas a deixar o teatro de operações por força da opinião pública daquele país.
Há que se considerar que, na ocasião, tratava-se apenas de um país e não de parte
considerável da comunidade internacional.
Ao todo, os comunistas sofreram a perda de cerca de quarenta mil soldados
(quase metade das forças envolvidas) enquanto as perdas das forças dos
EUA e do ERVN (Exército da República do Vietnã) somaram apenas 3.400
mortos. Se julgado pelos critérios de “contagem de corpos”, foi um importante
sucesso para os EUA e seu aliado. No entanto, na guerra, as contagens de
corpos e os quocientes de baixas não determinam sucesso ou fracasso.
Aquela guerra não estava apenas sendo lutada nas selvas e aldeias do
Sudeste Asiático, mas também nas salas de estar e nos grêmios estudantis
31
nos Estados Unidos. Mais importante do que a realidade nos campos de
batalha asiáticos era as percepção nas mentes norte-americanas (Mc
12
NEILLY, 2009, p.23) .
A aplicação das leis do Direito Internacional, o novo ambiente de batalha
(guerra no meio do povo), o desenvolvimento de novas tecnologias, a presença da
mídia, a prevalência de TTP peculiares da guerra irregular (assimetria nos
combates) moldaram as novas dimensões do ambiente operacional.
Conforme consta do Manual de Fundamentos EB20-MF-10.103 – Operações
(BRASIL - 2014, p. 2-2), tradicionalmente o ambiente operacional era baseado nas
dimensões físicas, considerando as influências do terreno e das condições
meteorológicas sobre as operações militares. Hoje as variações na natureza e no
caráter dos conflitos, resultante dos avanços científico-tecnológicos e das
transformações sociais, impõe que as influencias das dimensões humana e
informacional sejam consideradas nas operações militares.
Essas transformações trouxeram novos desafios para as Forças Armadas do
mundo inteiro nesse início de século, pois o aumento das dimensões do ambiente
operacional impôs aos Estados Nacionais que reorganizassem o poder estatal
(militar e civil) para fazer frente às novas ameaças. Assim, buscou-se a sinergia de
esforços priorizando-se desenvolvimento de ações conjuntas, combinadas e de
interagências, em situação de guerra e de não guerra.
Com vistas a essas transformações, o Manual de Fundamentos EB20-MF10.103 – Operações (BRASIL Exército Brasileiro- 2014, p. 3-1) aborda algumas
considerações sobre as operações no amplo espectro, vindo ao encontro do que já
foi estudado:
Da
análise
do
ambiente
operacional
contemporâneo,
onde
forças
convencionais e irregulares, combatentes e população civil, a destruição
física e a guerra de informação estão cerradamente interligados, é possível
antever as tendências estratégicas, que orientam os conflitos, a seguir
discriminadas: a) crescente importância da Informação; b) evolução de
capacidades próprias das guerras irregulares; c) prevalência dos aspectos
não militares na solução de conflitos; e d) expansão e escalada dos conflitos
para além dos espaços geográficos do campo de batalha. [...] Nesse
contexto, as forças militares de um Estado-Nação devem estar aptas a
12
Sun Tzu e A Arte da Guerra Moderna. 4. Ed. Rio de Janeiro: Record, 2009.
32
conduzir, com legitimidade e empregando o uso controlado da força,
operações militares em qualquer ponto do espectro dos conflitos – desde a
paz estável, até o conflito armado/guerra – para contribuir de forma decisiva
para a prevenção de ameaças, no gerenciamento de crises e/ou
na
solução de conflitos nacionais ou internacionais, de qualquer natureza e
13
intensidade (BRASIL. Exército Brasileiro, 2014a, p. 3-1) .
Dentro dessa análise verifica-se a necessidade do emprego do poder militar,
de maneira simultânea ou não, em maior ou menor proporção, em todo o espectro
do conflito, para desencadear ações diretas sobre a ameaça, defender a soberania
do País, pessoas, propriedades e ativos públicos, estabilizar áreas ou regiões
sujeitas a conflitos, criminalidade e/ou catástrofes naturais ou não, e contribuir com
os órgãos governamentais.
Dentro dessa moldura, os temas operacionais tradicionais (ofensiva e
defensiva), que antes eram tratados de maneira faseada na escalada da violência,
passaram ser enquadrados como Operações Básicas e a permear todo o espectro
do conflito, desde a situação de paz até a guerra generalizada; e a eles foram
acrescidas outras duas Operações Básicas, relacionadas às operações militares de
não guerra, as Operações de Pacificação, que são conhecidas internacionalmente
como Operações de Estabilização, e as de Apoio aos Órgãos Governamentais.
A figura 2 ilustra muito bem um exemplo da combinação de atitudes do amplo
espectro dentro de temas operacionais atuais.
13
Exército Brasileiro - Manual de Fundamentos EB20-MF-10.103 – Operações. Brasília, 2014.
33
Figura 2 - Exemplos de combinação dos elementos das operações no amplo espectro dentro dos
temas operacionais
Fonte: Manual de Campanha FM 3-0 Operations (EUA, 2008, p. 3-20)
Por fim, verifica-se que a natureza dos conflitos mudou em muitos aspectos
desde a guerra industrial aos dias de hoje, moldando novos ambientes operacionais,
nos quais passaram a ter importância, também, as dimensões humana e
informacional.
Há que se considerar, porém, que não só o ambiente sofreu alterações, mas
também a forma de atuação das ameaças (modus operandi), que passaram a fazer
ampla utilização das TTP peculiares da guerra irregular, combinando, por vezes,
estas com as preconizadas nos combates convencionais, face à disponibilidade de
armamentos e equipamentos peculiares daquelas.
A presente observação, associada à nova dimensão do ambiente operacional,
constituem-se em elementos essenciais à organização, preparo e emprego de forças
militares para atuarem nos conflitos assimétricos de quarta geração.
34
Para corroborar com o que foi exposto, Pinheiro (2007) explica:
[...] A “4ª Geração” resulta de uma evolução que visa tirar vantagem das
mudanças política, social, econômica e tecnológica vivenciadas desde a
Segunda Guerra Mundial. Junto aos estados nacionais, aparecem novos
atores protagonistas, organizações não estatais armadas, forças irregulares
de diferentes matizes: separatistas, anarquistas, extremistas políticos, étnicos
ou religiosos, crime organizado e outras, cuja principal forma de atuação se
baseia nas táticas, técnicas e procedimentos da guerra irregular.”
(PINHEIRO, 2007, p. 17).
2.3 A EXPERIÊNCIA BRASILEIRA EM COMBATES IRREGULARES
Ao se analisar a natureza dos Conflitos de Quarta Geração, verifica-se que o
Exército Brasileiro já esteve envolvido em operações militares que, guardadas as
devidas proporções, se acercavam de muitas das características já citadas, dentre
elas a atuação em um ambiente de conflito indefinido, fluido e confuso, a prevalência
de ações irregulares, inclusive atos terroristas, por parte do inimigo, o combate em
áreas urbanas/rurais (no meio do povo), a importância do “terreno humano” (apoio
da população), a atuação de atores não estatais, a necessidade de se operar de
forma conjunta ou combinada, dentre outras.
Assim, princípios e estratégias preconizados por Sun Tzu, em sua Obra “A
Arte da Guerra”, relacionados à aproximação indireta, passaram a ter grande
relevância no contexto dos Conflitos Assimétricos de Quarta Geração, por estarem
presentes no modo de atuação das principais ameaças contemporâneas, assim
como também se fizeram, por ocasião dos movimentos revolucionários e
subversivos, patrocinados pelo Movimento Comunista Internacional, na maioria dos
países de “Terceiro Mundo”, após a II Guerra Mundial.
Segundo Taber (1965, p. 214)14, “[...] Mao estudou a fundo Sun Tzu e não
nega; muitos ditames do chefe das guerrilhas chinesas são, de facto, meras
paráfrases da Arte da Guerra.”
Sobre esses princípios e estratégias, Taber (1965, p. 213) cita parte da obra
de Sun Tzu, com intuito de demonstrar a semelhança extraordinária entre o trecho
da mesma e os axiomas militares de Mao Tsé-tung. De outro modo, verifica-se a
14
Teoria e Prática da Guerrilha, A <<Guerra da Pulga>>. Lisboa: Iniciativa Editoriais, 1976.
35
atualidade desses no que se refere à assimetria de forças e ao ambiente difuso,
incerto e confuso presentes, também, nos Conflitos de Quarta Geração.
[...] << Toda Guerra se baseia em enganar o inimigo. Portanto quando tiveres
capacidade, finge-te incapaz; quando estiverdes activo, simula inactividade.
Quando estiverdes perto do inimigo, tenta parecer longe. Quando estiverdes
longe, faz com que pareças estar perto. Dá ao inimigo uma isca para o atrair,
finge-te desordenado e ataca-o. quando ele se concentrar, prepara-te contra
ele; quando for forte evita-o. enfurece o chefe do teu inimigo e desconcerta-o.
Finge inferioridade e alimenta a arrogância do inimigo. Mantém o inimigo sob
tensão e desgasta-o. Quando o inimigo está unido, divide-o. Ataca onde ele
não estiver preparado; ataca-o quando ele menos espera. Estas são as
regras estratégicas decisivas para uma vitória.>> (TABER, 1965, p. 213).
Nesse contexto, duas experiências reais do EB, vividas durante a “Guerra
Fria”, mais precisamente na luta contra o avanço do Comunismo no mundo,
contribuíram para o desenvolvimento de uma doutrina própria em operações contra
forças irregulares, tanto em ambiente urbano como em ambiente rural. A primeira se
deu por ocasião da Força Interamericana de Paz (FAIBRÁS), na República
Dominicana, caráter eminentemente urbano; enquanto que a segunda se deu por
ocasião da Guerrilha do Araguaia, no Estado do Pará, ambiente rural.
Verifica-se, ainda, que nessas duas atuações o EB se contrapôs às duas
principais vertentes político-ideológicas do comunismo moderno/contemporâneo. A
primeira, Marxista-Leninista, de origem Soviética, que pregava a ditadura do
proletariado, aproveitando-se para isso das classes operárias urbanas, daí o caráter
urbano. A segunda, maoísta (baseada nos princípios de Mao Tsé-tung), de origem
chinesa, que pregava a luta armada a partir do campo, a exemplo do que ocorrera
na Revolução Chinesa, com caráter eminentemente rural.
Essas correntes político-ideológicas se fizeram presentes nas Américas
através de diversos movimentos, na segunda metade do século XX, dentre eles, a
Revolução Cubana (1959), o Movimento Nacionalista Revolucionário (MNR), na
Bolívia (1941). No Brasil, elas se fizeram representar pelo Partido Comunista
Brasileiro (PCB), criado em 1922 (linha Marxista-Leninista), e pelo Partido
Comunista do Brasil (PC do B), fundado em 1962 (linha maoísta).
Os movimentos guerrilheiros no Brasil, nas décadas de 1960 e 1970, tiveram
a participação direta ou indireta desses dois partidos. No que se refere à guerrilha
urbana, desenvolvida no triângulo Rio – São Paulo – Belo Horizonte, uma das
36
grandes organizações atuantes foi a Aliança Libertadora Nacional (ALN), fundada
por Carlos Marighela, em 1968, após rompimento com o PCB.
Com relação ao PC do B, o mesmo desencadeou ações em ambiente rural,
dentro da lógica maoísta, nas localidades de Marabá/PA e Xambioá/GO. Como
esclarece Pinheiro (1995, p.63)15 “[...] O então ilegal Partido Comunista do Brasil (PC
do B), de orientação maoísta, ali instalara uma área de treinamento visando o
posterior desenvolvimento de uma “zona liberada”16.”
Na República Dominicana, onde a atuação da FAIBRÁS deu-se em um
ambiente eminentemente urbano, os grupos oponentes mais proeminentes eram: o
“Movimiento 14 de Junio” (linha Castrista), o Partido Socialista Popular Dominicano
(linha Soviética) e o Movimento Popular Dominicano (linha Chinesa).
Nesse viés, há que se destacar que ensinamentos e experiências colhidas
naquela época contribuíram, de sobremaneira, para o desenvolvimento de uma
doutrina própria de guerra irregular em ambientes urbano e rural, que acabaram por
influenciar na criação das Unidades Especiais Contra Guerrilhas, embrião dos
Pelotões de Operações Especiais (PELOPES), estrutura base das Subunidades de
Operações Especiais (SUOPES) e das Unidades de Operações Especiais (UOPES).
Além do que, esses ensinamentos são amplamente empregados nos dias de
hoje, quer seja em ações de guerra como em ações de não guerra, tanto em
ambientes convencionais como irregulares.
2.3.1 Atuação do Destacamento Brasileiro na Força Interamericana de Paz
(FAIBRÁS)
A República Dominicana esteve sob a ditadura da família Trujillo desde a
década de 1930, com a permanência no poder de Rafael Leonidas Trujillo de 1930 a
1952 e de Hector Trujillo deste ano até 1960. Essa situação tornou-se insustentável
a partir do momento em que diversos movimentos de esquerda, ocorridos no
entorno desse País, lograram êxito, culminando com a derrubada de antigas
estruturas de poder a exemplo do ditador Marcos Pérez Gimenez (1950-1958), na
Venezuela, e de Fulgêncio Batista (1952-1959), em Cuba.
15
16
Guerrilha na Amazônia: uma experiência no passado, o presente e o futuro. Military Review, 1995.
Segundo Mao Tsé-tung, uma área onde a única autoridade válida seria a do chefe da guerrilha.
37
Segundo Mattos (1966, p.3)17, “[...] O assassinato do General Rafael Leônidas
Trujillo, ocorrido a 30 de maio de 1961, pode ser considerado como o marco inicial
do processo revolucionário que resultou no movimento de 24 de abril de 1965.”
Após a morte de Trujillo, a República Dominicana passou por um período de
grande instabilidade política, marcada pela secessão de governos estruturados em
um Conselho de Estado, um Triunvirato e por um Governo Duo, que terminou nas
mãos de Donald Reid Cabral, que acabou por culminar no Movimento
Revolucionário de 24 de abril de 1965, oportunidade em que os partidos
anteriormente citados se aproveitam da situação de grave comprometimento da
ordem interna para levar a cabo seus intentos políticos.
Em decorrência dessa situação os Estados Unidos da América (EUA) em
conjunto com a Organização dos Estados Americanos (OEA) criaram uma força
multinacional (interamericana) para garantir a segurança e os direitos humanos, bem
como os ideais democráticos da República Dominicana. Essa força era composta
pelos seguintes países: EUA, Brasil, Honduras, Paraguai, Costa Rica, Nicarágua e
El Salvador.
A participação do Brasil no processo de paz da República Dominicana foi
autorizada pelo Decreto Legislativo nº 38, de 20 de maio de 1965, sendo que o
Destacamento Brasileiro da FAIBRÁS foi efetivamente criado pelo Decreto nº
56.308, de 21 de maio de 1965, para atuar como um instrumento militar do poder
político da Organização dos Estados Americanos (OEA). Nesse sentido, constava de
sua apostila legal a seguinte missão:
[...] Dentro de um espírito de imparcialidade democrática, colaborar na
reestruturação de normalidade na REPÚBLICA DOMINICANA, na garantia
da segurança de seus habitantes, na inviolabilidade dos direitos humanos e
no estabelecimento de um clima de paz e conciliação que permitisse o
funcionamento de instituições democráticas na dita República
18
(WANDERLEY, 1966, p. V) .
O Destacamento Brasileiro da Força Interamericana de Paz (FAIBRÁS)
completou sua concentração, sob o comando do Coronel Carlos de Maira Mattos, a
27 de maio de 1965, com o efetivo de 1.110 homens do Exército Brasileiro e da
17
A Experiência do FAIBRÁS na República Dominicana. Relatório, 1966.
Ordem do Dia do Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, Ten Brigadeiro Nelson Freire
Lavenére Wanderley, sobre o Regresso ao Brasil e Extinção do FAIBRÁS (Transcrição do Bol.
Especial nº 3 de 30 de setembro de 1965 do EMFA).
18
38
Marinha do Brasil, que correspondiam, em termos táticos, a 01(um) Batalhão de
Infantaria do Regimento Escola de Infantaria (I/REsI) e 01 (uma) Companhia de
Fuzileiros Navais (reforçada) do Grupamento de Fuzileiros Navais (MATTOS. et al,
1966, p. 25).
A missão do FAIBRÁS durou de maio de 1965 a julho de 1966. Nesse período
três grandes missões marcaram a participação brasileira nesse evento:
Segundo Wanderley (1966, p. VII), a 1ª Missão (3 de junho de 1965) – Op
PALÁCIO NACIONAL: constituiu-se em uma operação de cerco ao Palácio Nacional
a fim de eliminar um ponto crucial de fricção entre as forças litigantes, para
possibilitar um ambiente propício às negociações políticas da crise dominicana, sob
os auspícios da OEA;
A 2ª Missão (de 7 de junho a 3 de setembro de 1965) – Isolamento de
CIUDAD NEUVA: constituiu-se em uma missão de substituição da 6ª Brigada de
Fuzileiros Navais Norte-Americana e isolamento da referida cidade até a posse do
Governo Provisório; e
A 3ª Missão (25 de outubro de 1965) – Investimento/Ocupação de CIUDAD
NEUVA: consistiu em uma operação combinada da Brigada Latino-Americana e da
1ª Brigada/82nd/Airborner Division Norte-Americana, investindo de forma simultânea
sobre a localidade.
Cabe destacar que Ciudad Nueva era uma “Zona Liberada” e constituía-se
num baluarte da resistência comunista no país, como esclarece Wanderley (1966,
p.VII), “[...] CIUDAD NUEVA DE SANTO DOMINGO constituiu um mito de
intocabilidade para os chamados “constitucionalistas”, transformada em um
“Santuário” pelos comunistas, através de uma propaganda montada à base de
técnicas e dialéticas persuasivas. O “tabu” foi quebrado, a cidade foi aberta e
pacificada.”
A atuação do FAIBRÁS em um ambiente de Guerra Revolucionária, segundo
Mattos (1966, p. 104) indefinido, fluido e confuso, trouxe reais experiências acerca
do combate no meio do povo, frente a um inimigo que se utilizava de ações
terroristas e técnicas persuasivas e de combate urbano, como nas evidências abaixo
transcritas do Relatório Final do FAIBRÁS.
[...] Essa instabilidade representava uma frustação para os verdadeiros
patriotas que pensavam em reconstituir o país após o desaparecimento de
Trujillo. A insatisfação popular crescia. Gerava-se assim o clima propício à
39
proliferação de grupos de esquerda a ao seu adestramento nos conflitos de
rua (MATTOS. et al, 1966, p. 3).
[...] No curso dêsse processo pré-revolucionário, os grupos de extrema
esquerda, principalmente o mais bem organizado deles, o “Movimento 14 de
Junio”, vinha se exercitando nas táticas de terrorismo e de violência
(MATTOS. et al, 1966, p. 4).
[...] 2ª fase (de 26 out. 65 a 23 abr.66) – em que tiveram relevo as missões
de manutenção da ordem pública; embora vencida a insurreição, persistiam
o terrorismo e a desordem, praticados por grupos extremistas inconformados
(MATTOS. et al, 1966, p.23 ).
Observa-se ainda, com relação à atuação da FAIBRÁS, em Santo Domingo, a
preocupação com a população civil não combatente, aspecto de muitíssima
relevância nos conflitos atuais. Basta analisar o conteúdo de parte da Ordem de
Operações referente à ocupação de “Ciudad Nueva” e do comentário acerca da
referida ordem.
[...] (3) Apoio de Fogo. (a) – não haverá preparação da Artilharia; sòmente
será empregado o fogo de infantaria [...] Cabe aqui um comentário. Êsse
Conceito da Operação é um exemplo das preocupações que dominam o
espírito de um Comandante de fôrça de paz, antes de ordenar a execução
de uma ação militar, mesmo na sua montagem. Nota-se aí, primeiro, a
preocupação em resolver o problema sem ter que empregar a fôrça [...] Em
segundo lugar, vê-se tôda sorte de limitações imposta à ação militar, tal
como a proibição de tiro de artilharia, de uso de munição incendiária
(MATTOS. et al, 1966, p. 36).
Outro aspecto a se considerar foi o apoio da população, que se tornou
fundamental para a consecução dos objetivos militares do FAIBRÁS, uma vez que o
terreno era desconhecido pelos integrantes da força em questão, o que de certa
forma prejudicava o cumprimento da missão. Soma-se a isso, a presença de
militantes de extrema esquerda, a exemplo do “Movimento de 14 de Junio”,
treinados em táticas de terrorismo, misturavam-se com facilidade junto à população
civil, causando pânico e desordem pública.
Para se conquistar o apoio da população e fizer com que ela se contraposse
às furtivas campanhas persuasivas patrocinadas pelo inimigo, a FAIBRÁS passou a
realizar Ações Cívico-Sociais em assistência à população civil, o que contribuiu para
o andamento das operações, conforme o relato abaixo.
[...] o FAIBRÁS desenvolveu ainda um amplo programa assistencial ao
sofrido povo dominicano, executando uma verdadeira ação cívica de
assistência aos necessitados, de restauração de escolas, de reconstrução
40
de pequenas estradas de interêsse local, de difusão do escotismo
(WANDERLELEY, 1966, p. VIII).
Há que se destacar ainda que em ambos os exemplos o emprego conjunto
das Forças Armadas contribuiu para o sucesso das operações e propiciou o
desenvolvimento e aperfeiçoamento de doutrinas de emprego conjunto.
A missão do FAIBRÁS empolgou as três Fôrças Armadas, que coordenadas
pelo Estado-Maior das Fôrças Armadas nas operações combinadas de
transportes e de apoio logístico, tiveram a oportunidade de ainda mais
estreitar os laços indissolúveis de sã camaradagem e de unidade que as
congrega; os planejamentos combinados sempre foram executados com
perfeição (WANDERLEY, 1966, p. VIII).
Por fim, a missão do FAIBRÁS possibilitou, por parte do Exército Brasileiro, a
aquisição de uma gama de conhecimentos e experiências referentes ao combate
irregular em ambiente urbano, além de acrescentar conhecimentos acerca de
operações conjuntas e combinadas.
No que cabe à instrução militar, possibilitou um ganho considerável,
acrescentando conhecimentos, relativos ao emprego de técnicas especiais, até
então estranhos à Força, dentre eles:
- Instrução Helitransportada;
- Instrução Tática em Terreno Montanhoso;
- Instrução Tática de Selva;
- Instrução de Contra-Guerrilha;
- Instrução de Tiro de Combate.
Esse ganho foi retratado pelo Cel Meira Mattos por ocasião da escrituração
do relatório sobre a experiência do FAIBRÁS na República Dominicana, conforme o
trecho abaixo transcrito.
[...] A instrução para o nosso soldado, de assuntos de aplicação imediata nas
operações em localidade ou de assuntos especiais que normalmente não são
objetos dos PP, apresentou resultados excelentes. Essa instrução, no Brasil,
não deveria ser apenas executada por elementos selecionados em algumas
unidades especiais, mas sim, ser assunto mais generalizado no
adestramento de todas as Unidades (MATTOS. et al, 1966, p. 95).
Cabe destacar, ainda, que os conhecimentos e experiências adquiridos
naquela oportunidade influenciaram de sobremaneira na organização e preparo das
tropas especiais, citadas anteriormente, além do que contribuíram na elaboração
41
das Instruções Provisórias de Operações Urbanas de Defesa Interna (IP 31-17, 1ª
Ed. 1969).
2.3.2 Atuação do Exército Brasileiro no Combate à Guerrilha do Araguaia
Se por um lado a participação do Exército Brasileiros no FAIBRÁS (19651966), na República Dominicana, foi um terreno fértil ao desenvolvimento de uma
doutrina própria em operações contra forças irregulares em ambiente urbano; por
outro, sua atuação no Combate à Guerrilha do Araguaia (1968-1974), no Estado do
Pará, possibilitou o incremento dessa doutrina no que se refere ao ambiente rural.
A Guerrilha do Araguaia se deu no mesmo contexto histórico em que ocorreu
a atuação do Exército Brasileiro no FAIBRÁS, ou seja, no período da “Guerra Fria”,
onde o Movimento Comunista Internacional (MCI) buscava ampliar sua influência em
todo o mundo, principalmente nos países tidos não alinhados politicamente e na
América do Sul, em função do sucesso obtido com a Revolução Cubana (1959).
Naquela oportunidade (1960-1970), o Brasil se viu envolto em três grandes
questões que demandaram o emprego do poder militar em maior ou menor
proporção, uma relacionada à política externa e outras duas com caráter
eminentemente doméstico. A primeira, já abordada, foi a constituição do
Destacamento Brasileiro da Força Interamericana de Paz (FAIBRÁS); a segunda
está relacionadas à atuação da Aliança Libertadora Nacional (ALN), criada por
Carlos Marighela, em 1968, após rompimento com o PCB, no triângulo Rio – Belo
Horizonte – São Paulo e por último, a Guerrilha do Araguaia que, sem dúvidas,
demandou o maior esforço por parte do Governo Brasileiro.
[...] No Brasil, a luta armada começou em 1965, um ano depois da
implantação do regime militar. Guerrilhas urbana e rural desenvolveram-se
paralelamente, com quase duas dezenas de diferentes facções marxistasleninistas, ora aliadas, ora rivais; cada uma tentava a seu próprio jeito, com
estratégias e táticas distintas, encontrar um caminho para tomar de assalto o
poder. O maior desses grupos foi a Ação Libertadora Nacional, ALN, liderada
por Carlos Marighela. Decidiu pela guerrilha urbana, com ações armadas de
propaganda e intimidação ao regime – o velho e conhecido “terrorismo”. O
objetivo estratégico era ganhar o apoio popular até levar o governo ao
colapso, como fez Lênin na Rússia. O grupo rebelde mais consistente, o
Partido Comunista do Brasil, PC do B, optou pela guerrilha rural. Instalou-se
numa zona perdida da floresta amazônica, na região do Rio Araguaia, com
ações armadas de fustigação e fuga, ou seja, a antiga guerra de partisans. O
42
objetivo estratégico era criar um exército regular de libertação, como fez Mao
19
na China (STUDART, 2006, p. 13) .
“[...] a Guerrilha do Araguaia foi uma das insurreições armadas mais
representativas da luta revolucionária brasileira; desde a Guerra de Canudos,
o maior conflito Interno; e com a maior mobilização de contingentes desde a
participação da Força Expedicionária na II Guerra Mundial (STUDART, 2006,
p. 16).
Esse movimento armado foi instalado pelo Partido Comunista do Brasil (PC
do B) – de orientação maoísta, no final da década de 1960, na região conhecida
como “Bico do Papagaio”, englobando os Estados do Pará, Maranhão e o então
Estados de Goiás. No que cabe a localização do foco de guerrilha, David Galula
esclarece segundo a doutrina da fronteira.
“[...] Todo país é dividido, para propósitos administrativos e militares, em
províncias, municípios, distritos, zonas, etc. As áreas de fronteiriças são fonte
constante de fraqueza para o contra-rebelde, quais quer que sejam suas
estruturas administrativas, e geralmente essa vantagem é explorada pelo
rebelde, principalmente nos estágios violentos iniciais da rebelião. Passando
de um lado da fronteira para o outro, o rebelde pode, com frequência, escapar
à pressão ou, pelo menos, complicar as operações do adversário (GALULA,
20
1966, p. 48) .
Há que se destacar que no aspecto político-social a região caracterizava-se
por um “vazio de poder” que resultava na baixa qualidade de vida dos habitantes da
área, que não raro ocupavam-se da agricultura de subsistência e do extrativismo.
Parte considerável dessa população se agrupava em sítios próximos às localidades
de Marabá (PA) e Xambioá (GO).
No que se refere à vegetação, a região era em sua maioria coberta por selva,
possuindo variações em áreas desmatadas próximas às cidades citadas, na região
da Serra das Andorinhas e à cavaleiro da rodovia Transamazônica. Com relação ao
relevo a região possui desníveis, conhecidos na área amazônica como “socavões” e
a Serra já citada. Toda essa área é drenada pelos Tocantins e Araguaia, seus
afluentes e igarapés.
Segundo Pinheiro (1995, p. 63), o movimento recebeu grande apoio do MCI,
através Partido Comunista da Albânia, que além dos recursos financeiros, prestava
grande apoio, nos termos de hoje, em Comando e Controle (C2) e Operações
19
20
A Lei da Selva. São Paulo: Geração Editorial, 2006.
Contra-Rebelião – Teoria e Prática. Rio de Janeiro: Edições GRD, 1966.
43
Psicológicas, por meio da Rádio Tirana, que operava diariamente um programa, em
língua portuguesa, direcionado à Força de Guerrilha e à população local.
Observa-se nesse sentido, que apesar de o movimento da Guerrilha do
Araguaia ter sido desenvolvido segundo a corrente ideológica maoísta, o apoio
externo era realizado por um país que desenvolveu um movimento de resistência
contra a invasão facista italiana, na década de 1940, valendo-se da corrente
marxista-leninista. Nesse sentido, há que se destacar que no país em tela o
movimento de resistência apoiou-se tanto nos núcleos urbanos como no meio rural.
Ainda segundo Pinheiro (1995, p. 64), em maio de 1972, a guerrilha
encontrava-se organizada na região, possuindo um Birô Político, uma Comissão
Militar e três Destacamentos, cada um com três Grupos compostos de 8 a 10
guerrilheiros. Toda essa estrutura somava por volta de 80 guerrilheiros, dentre os
quais 15 eram mulheres.
A Força de Guerrilha do Araguaia (FOGUERA), como se autonominou o
movimento revolucionário, desenvolveu suas atividades de guerrilha a partir dos três
Destacamentos que atuavam de maneira descentralizada/compartimentada. Ao
Norte da região, o de Faveiro, desenvolvia suas ações próximas à rodovia
Transamazônica; na parte central, próximo a Serra das Andorinhas, o da Gameleira;
e ao Sul, o de Caiano.
No que se refere a capacidade operacional irregular desses Destacamentos,
faz-se necessário destacar que parte dos guerrilheiros que atuavam na região
possuíam adestramentos e cursos em operações dessa natureza, realizados no
exterior em países comunistas, patrocinados pelo MCI.
As ações de repressão ao movimento de guerrilha na região se
desenvolveram em três fases. Como nos esclarece Pinheiro (1995, p. 65) “[...] a 1ª
fase, de abril a outubro de 1972; a 2ª fase, de abril a agosto de 1973; e a 3ª fase, de
setembro de 1973 a março de 1975.”
As três fases foram materializadas pelo emprego do poder militar no terreno.
Nesse viés foram desencadeadas as seguintes operações:
- 1ª Fase (Operação Papagaio): caracterizou-se pelo emprego de grandes
efetivos, cerca de 1500 homens, de várias partes do País, sob dois Grandes
Comandos (Comando Militar da Amazônia e Comando Militar do Planalto);
- 2ª Fase (Operação Sucuri): nessa fase, foram priorizados os esforços de
inteligência no sentido de se colher informações acerca da Força de Guerrilha, da
44
Força de Sustentação, da Força Subterrânea, do terreno e acerca das
considerações civis;
- 3ª Fase (Operação Marajoara): emprego de tropas especializadas (Unidades
de Selva e Paraquedista), dentro de estruturas de pequenos efetivos, com elevado
grau de adestramento, apoiado por aeronaves de asa rotativa. Faz-se necessário
destacar que nessa fase houve um grande esforço interagências, envolvendo
diversos órgãos do governo, no sentido de reduzir as mazelas sociais existentes na
região.
As operações desenvolvidas contra a Força de Guerrilha do Araguaia
possibilitaram às Forças Armadas e, em especial, ao Exército Brasileiro, rever
conceitos e desenvolver doutrinas acerca do emprego de tropas nos combates
contra Forças Irregulares em ambiente rural em área de selva.
A atuação do Exército com a Força Aérea Brasileira (FAB), evidenciada por
uma interoperabilidade perfeita, principalmente durante a 3ª Fase, contribuiu para a
aproximação das Forças e para o desenvolvimento de técnicas e táticas de emprego
conjunto, que nos dias atuais, guardadas as devidas proporções, poderiam ser
consideradas como uma Doutrina de Emprego Conjunto.
Soma-se a isso, o amplo emprego interagências com os órgãos do governo
nas esferas federal e estadual, no sentido de alinhar suas Ações de caráter CívicoSociais, com os objetivos militares, criando a sinergia necessária para a solução do
problema.
[...] E fruto das informações obtidas na “Operação Sucuri” ficou muito claro
para o escalão superior que o problema não poderia ter apenas uma solução
militar. Haveria necessidade de se integrar a ação de diversos órgãos
governamentais civis de nível federal e estadual, para que se efetuasse a
eliminação completa do foco subversivo (PINHEIRO, 1995, p. 66).
Além dos aspectos já levantados, que aproximam essa atuação do EB a um
Conflito Assimétrico Irregular de Quarta Geração, outra característica que vem a
corroborar com isso é o desenvolvimento das operações no meio do povo, uma vez
que a região era habitada por cerca de vinte mil pessoas, distribuídas nas principais
cidades e meio rural.
Esse acontecimento histórico contribuiu para grandes transformações no que
se refere à doutrina de preparo e emprego de tropas em Operações
Contraguerrilhas, em ambiente rural; bem como na articulação do poder militar na
45
região amazônica, através da criação da 17ª e 23ª Brigadas de Infantaria de Selva e
do Centro de Instrução de Guerra na Selva (CIGS).
Nessa vertente, cabe destacar que o emprego dos Batalhões de Infantaria de
Selva (BIS) é determinado por uma mescla de táticas e técnicas de combate
irregular com o que existe de regular. Tal situação é imposta pelas ameaças
presentes e potenciais, e principalmente pelo ambiente operacional nos quais estão
inseridos. Essa combinação doutrinária é o que existe de mais atual nos conflitos de
quarta geração, onde o inimigo é irregular.
Outros ensinamentos técnicos e táticos, colhidos durante esse evento,
contribuíram para a valorização da organização, preparo e emprego de tropas de
menores efetivos com elevado grau de adestramento para atuarem em Operações
Contra Forças Irregulares. Nesse contexto foram criadas as Unidades Especiais
Contra Guerrilhas, embrião dos Pelotões de Operações Especiais (PELOPES).
Ademais, outras publicações do Exército Brasileiro, além da já citada no item
anterior, que tratam de assuntos afins, foram editadas há época, muitas delas
baseadas nas experiências norte-americanas vivenciadas na Guerra do Vietinã:
- IP 31-15 – O pequeno Escalão nas Operações Contraguerrilhas (1ª Ed,
1969) – Reservada;
- IP 31-16 – Operações Contraguerrilhas (1ª Ed, 1970) – Reservada;
- C 31-20 – Operações Contra Guerrilheiros (1ª Ed, 1976) - Reservado.
Por fim, independentemente do viés político ideológico em que se deram as
ações contra a Força de Guerrilha do Araguaia, não se pode descuidar que muitas
das táticas e técnicas de combate, empregadas naquela época, são válidas para os
dias atuais, em função da natureza dos Conflitos de Quarta Geração, que,
guardadas as devidas proporções, muito se assemelham ao vivenciado no Araguaia,
dentro de um contexto rural.
2.4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nos conflitos de Quarta Geração a capacidade bélica dos estados nacionais,
associada ao desenvolvimento científico-tecnológico, tem se mostrado pouco
eficiente frente a um novo tipo de inimigo que cada vez mais tem se valido de
antigas técnicas e táticas de guerrilha para atingir seus objetivos. A “Era do
Conhecimento” tem permitido que as ações desses elementos tivessem alcance
46
mundial, dificultando o seu monitoramento e, por conseguinte, o processamento das
informações e a atuação do braço armado do estado.
Acontecimentos recentes, como redes de comunicações globais, o mercado
financeiro internacional e o emprego de homens-bomba de orientação
religiosa, por exemplo, capacitaram organizações terroristas como a Al
Qaeda a ameaçar seus oponentes de formas não antecipadas. Contudo,
essa tendência não é realmente nova, por si só. É óbvio que o contendor
materialmente inferior sempre irá buscar estratégias que desbordem a
superioridade militar de seu oponente. Antulio Echevarria resumiu assim:
“Ao longo da história, terroristas, guerrilheiros e assemelhados buscam
abater a determinação de seus oponentes pela luta, em vez de tentar
derrotar seus meios. A diferença é que, agora, dispõem de maior alcance à
21
determinação de seus inimigos” (SCHUURMAN, 2010, p. 49) .
Esse tipo de guerra ficou bastante evidente por ocasião da “Operation
Restore Hope”, na Somália (1992), quando forças de elite dos Estados Unidos da
América (EUA) foram derrotados em Mogadíscio pelas milícias do general Farrah
Aidid. Apesar do número de baixas entre os somalis ter sido bem superior a dos
norte-americanos, a mídia se encarregou de resgatar o trauma do Vietnam e ganhar
a guerra para os somalis.
[...] Contudo, em 3 de outubro de 1993, os contingentes da Joint Special
Operation Task Force (JSOTF) e das Special Forces Operational
Detachment-Delta, sob o comando do general William Garrison, sofreram
dura derrota, durante a batalha, quando atacaram Mogadíscio, a fim de
capturar o general Maxamed Faarax Caydiid (mais conhecido como Farrah
Aidid). Conquanto cerca de 500 somalis morressem e mais de 1000
ficassem feridos, 19 soldados dos Estados Unidos foram mortos, 77 feridos
e um capturado. E as milícias do general Farrah Aidid, comemorando a
vitória, arrastaram pelas ruas de Mogadíscio, em júbilo, os cadáveres dos
soldados americanos abatidos no confronto. O espetáculo tétrico, mostrado
pela televisão, e o número de baixas chocaram os Estados Unidos, e ao
presidente William “Bill” Clinton, sucessor de Georg H. W. Bush, ante ao
clamor provocado pelo fiasco, não restou alternativa senão retirar as tropas
22
da Somália em 31 de março de 1994 (BANDEIRA, 2013, p. 50) .
Outro exemplo mais recente em que forças inferiores (não estatais), adotando
técnicas e táticas de guerrilha, impuseram grande desgaste ante a potência
hegemônica (EUA), impedindo que esta atingisse seus objetivos estratégicos e se
retirassem da região de operações, ocorreu no Afeganistão onde forças norteamericanas permaneceram por cerca de dez anos.
21
22
Clausewitz e os Estudiosos da “Nova Guerra”. Military Review, 2011.
A Segunda Guerra Fria. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013.
47
Os Estados Unidos, não obstante contar com a mais alta tecnologia, a mais
sofisticada e avançada, e forças especiais muito bem equipadas e treinadas,
como os SEALs, Rangers, Delta, SF, não venceram a Fourth Generation
War, a guerra travada contra inimigos que não configuravam nenhum
Estado, e mais uma vez, como no Vietinã, mostraram fraqueza de poder.
Não alcançaram nenhum dos seus objetivos estratégicos (BANDEIRA, 2013,
p. 203).
Verifica-se, portanto, que mesmo com todo o desenvolvimento científicotecnológico dos exércitos mais poderosos do mundo, as técnicas e táticas
preconizadas nos combates irregulares permanecem bastante atuais e muito mais
eficazes em razão dos avanços científico-tecnológico, que as potencializam,
tornando-as um instrumento imprescindível por parte de organizações extremistas.
Nesse sentido, crescem de importância as ações indiretas, preconizadas,
num espectro mais distante, por Sun Tzu, e mais recentemente por Mao Tsé-tung,
por ocasião da Revolução Chinesa, em detrimento das ações diretas realizadas
entre Estados na Guerra de Terceira Geração.
Dentro dessa perspectiva, se avulta de importância a experiência que as
Forças Armadas Brasileiras, em especial o Exército, tiveram nesse tipo de combate
nas décadas de 1960 e 1970, por ocasião das ações do Movimento Comunista
Internacional em solo nacional, no triângulo da guerrilha urbana (Rio de Janeiro, São
Paulo e Belo Horizonte) e na região do Araguaia (guerrilha rural); e em Santo
Domingo, na República Dominicana, onde predominaram as ações em áreas
urbanas.
Esses conhecimentos e experiências são de extrema importância para o
Exército Brasileiro, pois técnicas e táticas de combate irregular, dentre elas o
terrorismo, desenvolvidas principalmente na URSS, China e Cuba, durante a
“Guerra Fria”, sob a ótica da tomada do poder, num viés totalmente político; vêm
sendo utilizadas no Séc XXI por organizações e atores não estatais, sob a ótica da
violência extremista dentro das mais variadas matizes (religiosa, política, étnica, etc),
caracterizando um quadro de conflito assimétrico de quarta geração.
Por outro lado, verifica-se uma mobilização nos Estados-Nacionais no sentido
de preparar estruturas de combate cada vez menores (Brigadas/Batalhões), com
elevado grau de adestramento em Operações Contra Forças Irregulares para se
contraporem a essas ameaças. Dentro desse contexto, manobras que antes eram
peculiares dos pequenos escalões, hoje são desenvolvidas por tropas valor Batalhão
48
e até mesmo Brigada, dentre elas: Incursões, Infiltração, Emboscadas, Cerco e
Destruição do Inimigo, etc.
Somam-se a isso outros aspectos levantados no presente estudo que vão ao
encontro do que se pensa hoje a respeito de Guerra de Quarta Geração, dentre os
quais: o combate no meio do povo, a preocupação com a população civil e não
combatentes, a importância da mídia e da opinião pública e o emprego conjunto das
Forças Armadas.
Além disso, há que se considerar o fato de que as operações contra forças
irregulares, no contexto da experiência brasileira, foram desenvolvidas no amplo
espectro, pois durante toda a escalada da violência foram desencadeadas
operações tipo polícia, ofensivas, defensivas e de estabilização, basta se fizer um
paralelo, guardada as devidas proporções, com as operações de bloqueio de
estradas, patrulhas de combate, defesa de pontos sensíveis e ações cívico-sociais.
Por fim, as UOPES, SUOPES e PELOPES foram organizadas, instruídas e
adestradas segundo esse enfoque, o de atuar na defesa interna frente a um inimigo
irregular, empregando tropas leves dotadas, de grande mobilidade, capazes de atuar
conjuntamente em qualquer tipo de terreno.
49
3 SEGURANÇA E DEFESA
A segurança, em linhas gerais, é a condição em que o Estado, a sociedade
ou os indivíduos se sentem livres de riscos, pressões ou ameaças, inclusive
de necessidades extremas. Por sua vez, defesa é a ação efetiva para se
obter ou manter o grau de segurança desejado [...] 2.4.Para efeito da
Política Nacional de Defesa são adotados os seguintes conceitos:
I – Segurança é a condição que permite ao País preservar sua soberania e
integridade territorial, promovendo seus interesses nacionais, livre de
pressões e ameaças, e garantir aos cidadãos é o conjunto de medidas e
ações do Estado, com ênfase no campo militar, para a defesa do território,
da
soberania
e
dos
interesses
nacionais
contra
ameaças
preponderantemente externas, potenciais ou manifestas (BRASIL, 2013a, p.
23
2) .
As transformações ocorridas no início do século XXI contribuíram para a
ampliação do conceito de segurança, que deixou de ser um tema exclusivo do
campo militar, e passou a permear, mesmo que com menos intensidade, todos os
campos do poder. Em decorrência disso, questões como segurança pública, defesa
civil, saúda, meio ambiente, dentre outras, passaram a constar das pautas das
agendas de segurança e defesa dos estados.
Por outro lado, o caráter difuso das novas ameaças ampliou de sobremaneira
a sensação de insegurança dos estados, haja vista que os exércitos nacionais,
presos aos paradigmas da “Guerra Fria”, estavam preparados para enfrentar um
inimigo estatal convencional.
A grande maioria dos atuais planos de desenvolvimento das forças armadas
norte-americanas como, por exemplo, aqueles relacionados ao “Exército do
Século XXI”, estão todos orientados para o enfrentamento de um inimigo
que disponha de blindados pesados convencionais; e caso os Estados
Unidos, no início do século XXI, defronte-se com um inimigo que disponha
somente de um baixo nível de tecnologia, um oponente de nível tecnológico
intermediário, ou, um adversário com poder equivalente, então o problema
decorrente de uma amplitude de frequência insuficiente provavelmente irá
ocorrer ( Strategy and the Military Revolution: From Theory to Policy, 1996;
LIANG; XIANGSUI, 1999, p. 166).
Os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, aos Estados Unidos da
América, comprovaram a incapacidade das estruturas de defesa de prover
segurança ao cidadão, frente a um inimigo não estatal, dotado de capacidades não
convencionais. Há que se considerar, ainda, que tal ação foi dirigida contra a maior
potência militar do planeta e dentro de seu próprio território. Dentro dessa
23
Brasil - Política Nacional de Defesa, 2013.
50
perspectiva, ficou clara a existência de um hiato entre o pensamento militar e as
reais ameaças do século XXI.
Além desse acontecimento, outros fatores contribuíram para o aumento no
grau de insegurança global, ampliando a pauta das agendas internacional e
doméstica, no que se refere ao assunto. Questões como segurança alimentar,
combate ao narcotráfico, meio-ambiente, segurança energética, segurança hídrica,
segurança pública, direitos humanos, ações humanitárias e defesa civil, dentre
outras, ganharam espaço nos foros internacionais motivados principalmente pela
opinião pública internacional e por organizações não governamentais.
Dentro dessa ideia, surgiu uma tendência mundial de se ampliar o espectro
de atuação das diversas Forças Armadas, ao passo que a redução de efetivos
tornou-se uma necessidade em face da pressão das sociedades, que passaram a
priorizar outras vertentes da segurança.
Como resultado disso observou-se um crescimento substancial das ações
subsidiárias, em apoio aos órgãos governamentais, em detrimento das atividades
puramente relacionadas à defesa externa, principalmente em países emergentes e
de terceiro mundo onde as demandas na segurança interna cresceram
substancialmente nos últimos anos.
Essa nova tendência exigiu que os exércitos desenvolvessem novas
capacidades e atuassem em todo o espectro da segurança e defesa. Assim, o
planejamento por capacidades passou a nortear a organização, o preparo e o
emprego desses exércitos, racionalizando o emprego de pessoal e material,
tornando essas forças mais eficientes.
Não obstante a tudo isso, há que se considerar outro aspecto, de suma
importância, relacionado diretamente à segurança e defesa, uma vez que países
emergentes vêm priorizando o emprego de suas Forças Armadas em ações
subsidiárias, a securitização.
A securitização é o processo através do qual, potências militares tem se
valido para trazer para a esfera da segurança assuntos que não estão diretamente
ligados ao tema, com objetivo de realizar intervenções militares, tais como: meioambiente, questões humanitárias e de direitos humanos, narcotráfico, crimes
transnacionais, dentre outros. Sabe-se, porém que essas intervenções normalmente
possuem como “pano de fundo” questões econômicas e/ou de cunho estratégico.
51
[...] Logo após assinar o finding autorizando a Cia a organizar uma revolta
para a remoção de Saddam Hussein, o presidente George H. W. Bush
ordenou a Operation Desert Shield, depois denominada Operation Desert
Storm, e enviou tropas para expulsar as forças da Guarda Republicana do
Iraque, que haviam invadido o Kuwait em 2 de agosto de 1990. Essa foi a
primeira vez que os Estados Unidos promoveram uma guerra sem alegar a
defesa da democracia e dos direitos humanos. Nem o Kuwait nem o Iraque
eram modelos de democracias. O problema é que, com a ocupação do
Kuwait, Saddam Hussein, ditador do Iraque, passara a controlar um quinto
das reservas mundiais de petróleo (BANDEIRA, 2013, p. 47).
[...] Dentro desse contexto, porém, o presidente George H. W. Bush
inaugurou um período em que os Estados Unidos realizaram sucessivas
intervenções militares em outros países, com o objetivo de expandir seus
interesses econômicos e estratégicos, sempre encapuçados com o pretexto
de defesa humanitária (BANDEIRA, 2013, p. 49).
Fica evidente, portanto, que tal aspecto deve ser considerado pelos países
emergentes, principalmente por àqueles que detêm reservas de minerais
estratégicos e de recursos vitais à existência humana, ao se analisar as possíveis
ameaças e o desenvolvimento de capacidades, bem como ao priorizar o emprego de
suas Forças Armadas segundo uma política de governo, e não segundo uma política
de estado.
3.1 NOVAS VERTENTES DA SEGURANÇA E DEFESA
New Transnational Agenda
Resource issues Will gain prominence on the international agenda.
Unprecedented global economic growth – positiva in so many other regards
– Will continue to put pressure on a number of highly strategic resources,
including energy, food, and water, and demand is projected to outstrip easily
24
available supplies over the next decade or so (USA, 2008, p. vii) .
[...] Ainda que continuem existindo as mesmas disputas territoriais da
Antiguidade, os conflitos de nacionalidade, os entrechoques religiosos a
delineação das esferas de Poder, e dirigentes deflagrando guerras. Estes
fatores tradicionais estão ficando cada vez mais interligados com a
apropriação indébita de recursos, a disputa por mercados, o controle de
capitais, as sanções comerciais e outros fatores econômicos, a ponto de os
fatores tradicionais estarem assumindo um papel secundário (LIANG;
XIANGSUI, 1999, p. 132).
Neste século, poderão ser intensificadas disputas por áreas marítimas, pelo
domínio aeroespacial e por fontes de água doce, de alimentos e de energia,
cada vez mais escassas. Tais questões poderão levar a ingerências em
assuntos internos ou a disputas por espaços sujeitos à soberania dos
Estados, configurando quadros de conflito (BRASIL, 2013a, p. 2).
24
Global Trends 2025: A Transformed World. National Intelligence Council. Washington, DC, 2008.
52
No alvorecer do Séc XXI, assuntos, que até então eram relegados a segundo
plano, ganharam espaço nas diversas agendas (segurança) e foros internacionais,
contribuindo para que uma dinâmica mais pluralista se instalasse no cenário
internacional. Inserem-se nesse contexto temas relacionados à segurança alimentar,
energética, hídrica, bem como os relacionados ao meio ambiente e aos direitos
humanos, dentre outros.
Nessa perspectiva, acrescenta Diégues (2011, p. 82)25 o seguinte:
[...] Segundo a ONU, a população mundial deve passar de 6,7 bilhões de
pessoas nos dias atuais para um pouco mais de 9 bilhões por volta de 2050.
A situação se torna mais complicada diante da distribuição do crescimento:
estima-se que, nessa ocasião, mais de 85% dos seres humanos estarão
vivendo nos países menos desenvolvidos do mundo. Em 1950, eram 65%. É
pelo menos duvidoso que, até lá, o desenvolvimento tecnológico e novas
formas de produção possam satisfazer as necessidades de energia e
alimentação de quase mais um terço da humanidade (DIÉGUES, 2011, p.
82).
Ainda segundo Diégues (2011, p. 82), os efeitos decorrentes de possíveis
crises econômicas e financeiras (global), de conflitos étnico-religiosos, de alterações
climáticas, dentre outras causas, poderão provocar migrações em massa, refugiados
ambientais e o aumento da pobreza em várias regiões do planeta, aumentando a
instabilidade e potencializando crises.
Verifica-se, porém, que se por um lado esses temas vêm ocupando lugar de
destaque nas agendas internacionais, sob um enfoque humanitário, por outra parte,
vêm contribuindo para a ampliação do conceito de segurança nacional, ao passo
que criam visão ampliada de soberania.
Na realidade, não apenas os Estados Unidos, mas todas as nações que
veneram o conceito moderno de soberania, inconscientemente já deram
início à ampliação das fronteiras da segurança, estendendo-as a múltiplas
ambiências, compreendendo a política, a economia, os recursos materiais, a
nacionalidade, a religião, a cultura, as redes interativas, a geografia, o meio
ambiente, o espaço sideral e etc (LIANG; XIANGSUI, 1999, p. 135).
Este tipo de “visão ampliada de soberania” constitui uma premissa para a
sobrevivência e desenvolvimento dos países modernos, assim como, para
os seus esforços visando alcançar uma posição de influência no cenário
mundial. (LIANG; XIANGSUI, 1999, p. 135).
25
Atuação das Forças Armadas no Século XXI. Revista da Escola de Guerra Naval. V. 17. Rio de
Janeiro, 2011.
53
Observa-se, portanto, a existência de um impasse entre o que é preconizado
nas definições descritas no início deste capítulo (segurança e defesa) e o conceito
de soberania ampliada, apresentado por QUIAO LIANG e WANG XIANGSUI,
reforçado pela estratégica dos EUA (2008). Assim, fica evidente, dentro dessa nova
visão de segurança global, que o que para alguns países é questão de segurança,
para outros é defesa.
Corroborando com essa linha de raciocínio, esclarece Diégues (2011, p. 85)
sobre a atuação das Forças Armadas na defesa dos ativos energéticos e da
biodiversidade nacionais (pré-sal e Amazônia).
[...] Uma tal concepção supõe, entre outras imposições, a necessidade de as
Forças Armadas exercerem – e efetivamente exibirem, por meio de ações
preventivas ou repressivas, e pela própria constante presença –
incontestável controle de áreas que têm um significado estratégico mais
crítico para o Brasil; nas quais, mesmo na ausência de conflitos declarados,
a soberania e a jurisdição nacionais devem prevalecer sem lacunas ou
restrições (DIÉGUES, 2011, p. 85).
Abaixo serão apresentadas algumas das novas vertentes relacionadas à
segurança e defesa, que poderão num futuro próximo vir a se transformar em
causas de conflitos entre nações.
3.1.1 Segurança Alimentar
A produção de alimentos no âmbito mundial tem sido uma questão de
preocupação por parte de organismos internacionais, dentre eles a Organização das
Nações Unidas (ONU), haja vista a redução dos espaços destinados à produção de
alimentos, às variações climáticas e o crescimento populacional.
Segundo as perspectivas de crescimento da população mundial já
apresentada, estima-se que vários países sofrerão graves crises de escassez de
alimentos, principalmente os localizados na Ásia e Pacífico e na África Subsaariana.
Essa questão aponta o foco dos debates sobre o assunto para os países
produtores de alimentos, ampliando as fronteiras da segurança, à medida que se
questiona a soberania.
Recentemente, alguns países da comunidade internacional questionou o
aumento das áreas de plantio destinadas ao cultivo de cana-de-açúcar e outros
vegetais, com fins de produção de álcool combustível e biodiesel, em detrimento da
54
produção de alimentos. Com relação a isso o Brasil vem se saindo muito bem, pois o
governo federal vem desenvolvendo diversas ações e programas com vistas a
combater a fome e a desnutrição, apresentando soluções para diversos países que
enfrentam tais dificuldades.
Observa-se, portanto, duas vertentes relacionadas à segurança, para parte da
opinião pública mundial a questão se atém à segurança alimentar; enquanto que
para o Brasil, a defesa da soberania e projeção internacional.
3.1.2 Segurança Energética
[...] O petróleo é outro recurso natural que pode ser motivo – se já não é,
como no Oriente Médio – de disputas pelo controle de territórios ou
concessões para sua exploração. Ele continua sendo o combustível do
crescimento (DIÉGUES, 2011, p. 83).
A segurança energética está diretamente ligada à produção mundial de
petróleo, uma vez que o mesmo constitui-se na principal matéria da cadeia produtiva
dos combustíveis fósseis, dos quais a maioria dos países do globo é historicamente
dependente. Estima-se que em 2030, caso os níveis de consumo atual não se
alterem, haverá um desabastecimento do produto em grande escala, o que
provocará uma alta nos preços (Agência Internacional de Energia - AIE).
A história tem mostrado que inúmeros conflitos ocorridos no planeta se deram
em função de disputas sobre áreas produtoras de petróleo. A Guerra do Golfo,
ocorrida no Oriente Médio, em 1991, constituiu-se no exemplo mais recente dessas
disputas. As grandes proporções do conflito e o número considerável de países
envolvidos demonstraram a importância do que realmente estava em jogo, cerca de
um quinto das reservas de petróleo do mundo.
Hoje, grande parte das reservas mundiais de combustíveis fósseis encontrase praticamente estagnada, colocando em risco a produção industrial de inúmeras
nações, cujas plantas industriais foram baseadas nesse tipo de insumo. Ademais, a
economia globalizada contribuiu para a busca desenfreada desse produto, no âmbito
mundial, reafirmando a importância estratégica do mesmo.
Alguns países têm buscado outras formas de obtenção de hidrocarbonetos. O
Brasil vem logrando sucesso na prospecção e exploração desses produtos em
águas profundas e ultra-profundas, diminuindo sua dependência no mercado
55
internacional. Os EUA, por sua vez, vêm desenvolvendo técnicas avançadas na
produção de óleos a partir do xisto.
Segundo Vidigal (2006), citado por Diégues (2011, p. 85), cerca de 92% das
reservas brasileiras provadas de petróleo encontram-se em área marítima, no
Atlântico Sul, dentre elas as do pré-sal, e em 2010 a extração de petróleo dessas
áreas correspondeu a 91% da produção brasileira.
Essa situação coloca o Brasil, mais uma vez, no foco das discussões
internacionais relacionadas à segurança e defesa.
3.1.3 Segurança Hídrica
A escassez de água é outro tema que vem sendo tratado na esfera da
segurança. Segundo Diégues (2011, p. 83), “[...] É da escassez de água que devem
decorrer os problemas mais graves, envolvendo, principalmente, países que
compartilham o acesso e o aproveitamento desse recurso.”
Apesar desse quadro se apresentar como uma realidade apenas para alguns
poucos países do planeta, particularmente no Oriente Médio, Ásia Central e África,
ele poderá ganhar novas dimensões ao se considerar as projeções de crescimento
da população mundial, apresentadas anteriormente, associada principalmente aos
problemas ambientais decorrentes do aquecimento global.
Considerando que nas últimas seis décadas a população mundial mais que
dobrou, enquanto que o consumo de água cresceu sete vezes, estima-se que cerca
de 70% da população mundial poderá vir a enfrentar uma escassez crônica de água
em um futuro próximo, caracterizando o cenário supracitado, o que trará danos sem
precedentes para a humanidade.
As causas desse aumento no consumo, na escala apresentada, estão
diretamente ligadas ao crescimento demográfico, aos desequilíbrios ambientais, a
produção de alimentos e ao mau uso desse recurso. Dentro dessa premissa, os
países detentores desse recurso natural possuem, perante a comunidade
internacional, um maior grau de responsabilidade no que cabe a conservação,
exploração e uso do mesmo, sendo por vezes alvo de críticas por parte de
organismos internacionais e de organizações não governamentais.
Essa situação, associada à visão ampliada de soberania, coloca o Brasil
numa situação bastante delicada, no que tange à segurança, pois além de ser um
56
dos maiores produtores de alimentos do mundo, possui consideráveis reservas de
recursos hídricos, a saber: aquífero Alter do Chão, parte expressiva do aquífero
Guarani (70%) e o Rio Amazonas, dentre outros, que somados respondem por cerca
de 13% de toda água doce do planeta.
3.1.4 Segurança do Meio Ambiente
[...] 3.4. A questão ambiental permanece como uma das preocupações da
humanidade. Países detentores de grande biodiversidade, enormes
reservas de recursos naturais e imensas áreas a serem incorporadas ao
sistema produtivo podem tornar-se objeto de interesse internacional
(BRASIL, 2013a, p. 3).
O meio ambiente, além de interagir diretamente com os temas supracitadas,
abrange uma gama de assuntos relacionados com a existência de todos os seres
vivos, em especial o homem.
O aquecimento global tem sido nas últimas décadas um dos assuntos de
maior relevância na comunidade internacional. Agendas e protocolos têm norteado
as ações políticas de diversos países com relação ao tema, buscando-se com isso
uma melhora considerável nas condições de vida na biosfera.
A emissão de carbono na atmosfera é considerada a principal causa do
fenômeno em tela, que vem provocando mudanças climáticas e catástrofes naturais,
prejudicando comunidades em diversas partes do mundo. Ante a essa situação,
países desenvolvidos (industrializados) têm sido alvos de críticas, por parte de
outras nações, por não cumprirem as metas estabelecidas para a redução na
emissão de gases poluentes na atmosfera.
Por outro lado, países emergentes, dentre eles o Brasil, vêm sofrendo
pressões com relação à preservação das florestas tropicais, tidas em muitos casos
como patrimônio da humanidade. Isso ocorre em decorrência principalmente dos
desmatamentos e queimadas, que normalmente cedem espaços de mata nativa
para a produção de alimentos (criação de gado e agricultura).
A floresta amazônica, por suas dimensões e biodiversidade, tem sido o foco
dessas pressões, motivando ações governamentais, por parte do Brasil, para regular
a exploração sustentável da região em tela. Nesse contexto, a atuação das Forças
Armadas, em conjunto com outros órgãos governamentais, bem como o
57
desenvolvimento do SISFRON26, tem contribuído para a redução do desmatamento
da região.
Segundo Ellis (2012, p. 21)27 “[...] No Brasil, as Forças Armadas também
serão cada vez mais utilizadas na defesa dos recursos naturais incluindo [...] a
madeira da Amazônia.”
Acrescenta Diégues (2011, p. 86) ao elencar a Amazônia como uma área de
significado estratégico crítico.
“[..] Com seu enorme potencial de riquezas minerais e a maior
biodiversidade do planeta, ela tem sido objeto de interesse ou, talvez, fosse
mais certo dizer, da cobiça internacional. A baixa densidade demográfica, as
enormes distâncias a serem percorridas e a precariedade de seu sistema de
transportes, complicam a ocupação racional, o desenvolvimento sustentado
e a sua integração ao resto do território brasileiro; dificultam a presença do
Estado na região, em especial na faixa de fronteiras com os outros sete
países da América do Sul (DIÉGUES, 2012, p. 86).
Dentro dessa linha de raciocínio, o governo brasileiro, através da Estratégia
Nacional de Defesa (END/2013), elenca a região Amazônica como prioritária para os
esforços de defesa. Dessa forma, além de enfatizar e priorizar o desenvolvimento do
SISFRON destaca a importância da estratégia da presença com os Pelotões
Especiais de Fronteira (PEF), e não descarta a possibilidade de um conflito
assimétrico na região, dentro de um quadro de guerra de resistência nacional.
3.1.5 Direitos Humanos
A questão dos diretos humanos cresceu de importância, em razão
principalmente da atuação da opinião pública junto ao poder político nos mais
diversos níveis, interferindo nas políticas de governo e na liberdade de ação do
braço armado do estado, quando empregado.
Nesse sentido, o ser humano como um todo, independente de nacionalidade,
cresceu de importância no jogo político do século XXI, tanto no cenário internacional,
como no doméstico dos diversos países, mas especial atenção foi dedicada às
minorias étnicas, raciais e religiosas, dentre outras, até então relegadas a um
segundo plano.
26
Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteira: Programa do Governo Federal voltado para o
monitoramento, processamento de informações e emprego de forças para repelir qualquer ameaça
na faixa de fronteira.
27
Perspectivas Latino-Americanas para 2017. Military Review (Set-Out, 2012)
58
No que tange ao ambiente internacional, o foco das ações governamentais e
não governamentais foi direcionado, principalmente, para a população civil vítima de
conflitos armados, da fome e de catástrofes naturais. Ressalta-se, porém, que a
interferência de países e ONGs em questões internas a outras nações têm sido cada
vez mais comuns no século em questão, gerando, por vezes, questionamento
acerca da autoingerência.
Assuntos internos relacionados a minorias étnicas, dentre elas os índios, e a
violência policial, por vezes, são tratadas em foros internacionais, interferindo na
política interna de determinados países, que buscam sanear esses problemas com
ações que futuramente poderão trazer prejuízos à soberania nacional.
No Brasil, por exemplo, para se resolver uma das vertentes desse problema,
foram demarcadas reservas indígenas em diversas partes do território nacional,
sem, contudo, se levar em conta a questão da segurança nacional, pois muitas
dessas áreas se encontram em zonas contíguas a outros países, onde da mesma
forma são habitadas por índios da mesma etnia.
Soma-se a isso o fato de grande parte dessas regiões estarem localizadas
sobre importantes reservas minerais e em áreas de rica biodiversidade, como a
Amazônia e o pantanal, tornando-se um foco de possíveis tensões num futuro
próximo. Fatos portadores de futuro, como a presença atuante de ONGs nessas
reservas, bem como o reconhecimento, por parte de atores da comunidade
internacional, das “nações indígenas”, desconsiderando a soberania dos países nas
quais elas se encontram, corroboram para esse cenário prospectivo de segurança.
3.2 PRINCIPAIS AMEAÇAS
[...] 2.2.2 Uma ameaça – concreta (identificável) ou potencial – pode ser
definida como a conjunção de atores, estatais ou não, entidades ou forças
com intenção e capacidade de realizar ação hostil contra o pa´ís e seus
interesses nacionais com possibilidade de causar danos à sociedade e ao
patrimônio. Ameaças ao país e a seus interesses nacionais também podem
ocorrer na forma de eventos não intencionais, naturais ou provocados pelo
homem, como por exemplo: catástrofes climáticas, movimentos
descontrolados de pessoas, propagação de epidemias, bem como a
28
interrupção de fluxos de recursos vitais (BRASIL, 2014b, p. 2-1) .
[...] 2.2.3 Distante dos principais focos de tensão, a América do Sul mantém
um ambiente de cooperação, apesar de persistir um crônico
28
Exército Brasileiro - Manual de Fundamentos EB20-MF-10.102 - Doutrina Militar Terrestre. Brasília,
2014.
59
subdesenvolvimento, com áreas de graves instabilidades, demandas sociais
não atendidas e prática comum de ilícitos transnacionais que podem
transbordar conflitos em uma região de abundantes recursos naturais, ainda
não explorados, motivo de velada cobiça por outros atores globais (BRASIL,
2014b, p. 2-1).
O Brasil está inserido no complexo regional da América do Sul, uma das
regiões mais seguras do planeta, segundo analistas. O distanciamento das
principais áreas de tensão do globo, a ausência de catástrofes naturais de vulto,
bem como a ausência de disputas acentuadas por questões territoriais contribuem
para esse panorama de paz.
Hoje os focos de tensão mundial estão vinculados, primordialmente, ao
domínio das reservas de minerais energéticos e a expansão do terrorismo
internacional. Daí decorre outras questões relacionadas, principalmente, aos direitos
humanos, insurgências, proliferação de armas de destruição em massa, etc.
Dentro dessa perspectiva, nada impede que futuramente a América do Sul
venha a se tornar um foco de tensão mundial, quer seja pela projeção política do
Brasil no cenário internacional, tendo que se posicionar de maneira mais efetiva ante
as questões relacionadas ao terrorismo internacional; quer seja pela exploração de
petróleo no pré-sal, ou até mesmo pelo domínio de consideráveis reservas de água
potável.
Ademais, a história política da região mostra uma ocorrência considerável de
conflitos, se comparada a outras partes do mundo. Além dos conflitos externos entre
estados, ocorreram inúmeros conflitos interno (irregulares), de natureza políticoideológico, em que os estados tiveram que combater forças de guerrilha, que se
utilizavam muitas das vezes de técnicas e táticas terroristas para tentar impor a
ideologia comunista.
Contrariamente ao senso comum, as estatísticas de que Mares faz uso dão
conta que, entre 1945 e 1997, a América Latina foi palco de três guerras
interestatais (duas na América do Sul e uma na América Central). Esse
número é maior, por exemplo, do que o registrado na África (duas), Nordeste
29
da Ásia (uma) e América do Norte (nenhuma) (ALSINA, 2009, p. 180).
É com base nessa constatação que Mares procura comprovar sua tese de
que predominaria na América Latina uma “paz violenta”. Entre 1884 e 1993,
teriam havido 237 episódios de disputas interestatais militarizadas (DIMs) na
região – 110 na América Central e 127 na América do Sul. No período que
29
O poder militar como instrumento da política externa brasileira contemporânea. Revista Brasileira
de Política Internacional. Nr. 52. 2009.
60
vai de 1980 a 1997, correspondente ao retorno da democracia à maioria dos
Estados latino-americanos, teriam ocorridos 52 DIMs – sendo 16 deas,
ocorridos depois de 1990, se deram entre díades democracia/democracia.
Se esses dados estiverem corretos, poder-se-ia afirmar que o subcontinente
sul-americano não é tão pacífico quanto a resultante de uma análise
baseada na dicotomia guerra/paz quer fazer crer (ALSINA, 2009, p. 180).
Ainda no quaro das ameaças, os atentados terroristas de 11 de setembro de
2001, nos Estados Unidos da América, evidenciaram ao mundo profundas
mudanças no modus operand das células terroristas internacionais, que passaram a
atuar em rede, realizando atentados com extrema destreza e elevado poder de
destruição em qualquer parte do mundo, fazendo com que a audiência nos meios de
comunicações, pautada na destruição e no sofrimento de pessoas inocentes,
paralisasse o poder de estados constituídos. Assim, o terrorismo clássico, de
matizes político-ideológico, deu lugar ao terrorismo extremista religioso.
Não obstante a tudo isso, verifica-se, ainda, o surgimento de ameaças
híbridas, resultantes da mescla de organizações criminosas transnacionais (OCT)
com forças de guerrilha, cartéis ligados ao tráfico internacional de drogas e com o
crime organizado presentes nos grandes centros urbanos que possuem conexões
internacionais.
Em decorrência dessa ligação, a expertise do combate irregular e das táticas
e técnicas terroristas, peculiar às forças de guerrilha, foram disseminadas aos
narcotraficantes atuantes nas grandes cidades, que passaram a se utilizar de tais
artifícios para influenciar nas decisões dos estados.
No que tange às catástrofes naturais de grande vulto, consideradas também
no escopo das ameaças, o Subcontinente Sul-americano possui um grau de
segurança elevado, pois se encontra totalmente sobre a placa tectônica sulamericana, reduzindo a ocorrência de terremotos. Ademais, sua posição geográfica
associada às variações climáticas impede a manifestação de ciclones, tufões e
furacões.
Por outro lado, as variações climáticas têm se constituído, por vezes uma
ameaça aos países da América do Sul, em especial ao Brasil, em razão de sua
dimensão territorial. Ocorrência de enchentes e falta de água em algumas regiões
tem preocupado os governos da região, que vêm empregando cada vez mais suas
forças armadas em ações subsidiárias.
61
Dentro dessa ideia, sem descuidar das tradicionais Hipóteses de Emprego,
serão apresentadas algumas ameaças que poderão se concretizar, em curto prazo,
no subcontinente sul-americano, prejudicando o equilíbrio da região.
3.2.1 Terrorismo Transnacional Contemporâneo (TTC)
O terrorismo constitui-se em uma das principais ameaças do século XXI, quer
seja por sua utilização com um fim em si mesmo, quando dotado conotação político
ou religiosa, como é o caso, respectivamente, das Forças Armadas Revolucionárias
da Colômbia (FARC) e de grupos terroristas extremistas de origem islâmica, como o
Hezbollah, o Hamas e a Al-Qaeda, quer seja por sua utilização apenas como uma
tática com fins de desmoralizar o poder estatal constituído, como é o caso de ações
perpetradas por grupos criminosos organizados nos grandes centros urbanos do
Brasil.
A globalização provocou grandes transformações nas estruturas terroristas
tradicionais, que em função do desenvolvimento científico-tecnológico na área das
telecomunicações e informática, passaram a atuar em rede, facilitando suas ações
no que cabe ao financiamento, às comunicações, a propaganda, os planejamentos,
recrutamento, a logística, dentre outras.
Em função disso, houve uma articulação do terrorismo extremista religioso a
nível mundial, proporcionando uma divisão internacional do trabalho terrorista.
Assim, países foram organizados em três grupos de acordo com as necessidades
dessas organizações, quais sejam: países alvos, países palcos e países base.
Os países alvos são àqueles cuja ação terrorista em si visa atingir, já os
países palcos são aqueles em que são executadas as ações cinéticas, com vistas a
atingir os primeiros e os países bases são àqueles onde são realizadas as
atividades
de
suporte
à
ação
principal
(treinamento,
logística,
homizio,
reconhecimento, dentre outras).
O Brasil vivenciou ações terroristas, com um enfoque doméstico nas décadas
de 1960 e 1970, desencadeadas por grupos subversivos de matizes políticoideológico de extrema esquerda, que buscavam a tomada do poder com a finalidade
de implantar no País o regime comunista.
Studart (2006, p. 13) acrescenta que a Aliança Libertadora Nacional, ALN,
liderada por Carlos Marighela utilizou-se do terrorismo como um meio de ação
62
armada de propaganda para intimidar o regime vigente. Destaca, ainda, o atentado,
a bomba, ocorrido no aeroporto de Guararapes (Recife/PE) em 1965, que veio a
provocar a morte de duas pessoas.
Dentro desse contexto, basta se fazer uma análise simplória no Mini Manual
do Guerrilheiro Urbano, 1969, de Carlos Marighella (1911-1969), para ver a
importância que o movimento dava às ações terroristas, no caso em questão, como
uma técnica e tática utilizada por esses grupos.
Hoje, ser violento ou um terrorista é uma qualidade que enobrece qualquer
pessoa honrada, porque é um ato digno de um revolucionário engajado na
luta armada contra a vergonhosa ditadura militar e suas atrocidades. [...] O
terrorismo é uma ação, usualmente envolvendo a colocação de uma bomba
ou uma bomba de fogo de grande poder destrutivo, o qual é capaz de influir
30
perdas irreparáveis ao inimigo (MARIGHELLA, 1969, p. 1 e 30)
Fernando Pinto Cebrian, em seu livro LA GEOGRAFIA Y LA GUERRA, 1985,
reforça a ideia de que a guerrilha urbana e o terrorismo estão amplamente ligados,
além de reforçar a ideia de que o terrorismo se fez presente no Brasil no período
citado, ao fazer referência a Carlos Marighella, no capítulo da obra em questão que
trata sobre a guerrilha urbana e o terrorismo.
[...] Fenómeno que también se produce, con esquema similar, en el Brasil de
Carlos Marighela (1911-1969), con la apoyatura para la guerrilla rural (que
quedó en meras intenciones) en el triángulo de la guerrilla urbana: Rio-São
Paulo-Bello Horizonte (<<Triángulo de la sustentación estatal
brasileña>>).[...] Guerrilla urbano-terrorismo y la guerrilla rural, que
relacionadas de una forma u otra, atendiendo a las características
geográfico-topográficas de un país, aparecen también em otros lugares
(CEBRIAN, 1985, p. 130)
Cebrian (1985, p. 130) destaca, ainda, que a guerrilha urbana-terrorista se fez
presente em diversos países da América do Sul nas décadas de 1960, 1970 e 1980,
dentre os quais:
- México: Movimento Armado Revolucionário (esquerda) – caráter urbano;
- Guatemala: Forças Armadas Revolucionárias FAR (esquerda) e Mão Branca
(direita) – ambas com caráter urbano e rural;
- Haiti: Movimento Haitiano de Liberação – caráter rural e urbano;
- Perú: Sendero Luminoso – caráter rural, mas realizava ações urbanas;
Tupac Amaru (M.R.T.A.) – caráter urbano;
30
Mini-Manual do Guerrilheiro Urbano, 1969.
63
- Nicarágua: Guerrilha Sandinista – caráter rural e urbano;
- Venezuela: FALN – caráter rural e urbano;
- Uruguai: Tupamaros – caráter urbano com ações rurais;
- Argentina: Triple A (direita) e Montoneros (esquerda) – ambas com caráter
rural e urbano;
- Filipinas: Frente de Libertação Nacional Moro (FLNM) e Novo Exército do
Povo (NPA) – caráter rural com ramificações urbanas.
Nesse viés, cabe destacar outras organizações que se encontram atuantes na
América do Sul, dentre elas, as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia
(FARC) – caráter urbano e rural, consideradas pelo governo daquele país e por
outros, como uma organização terrorista; o Exército do Povo Paraguaio (EPP) –
caráter urbano e rural, surgido em 2008, considerado pelo Governo Paraguaio como
uma organização terrorista; e o Partido Comunista do Perú – Sendero Luminoso
(PCP-SL), considerado por alguns países como uma organização terrorista.
Especial atenção deve ser dada a esses últimos grupos em função de suas
áreas de atuação (regiões que fazem fronteira com o Brasil), do emprego de TTP
terroristas (sequestros, assassinato seletivos, assaltos, emprego de artefatos
explosivos, etc) e da conexão com Organizações Criminosas existentes no Brasil.
Apesar de a distância se constituir em um fator facilitador às ações terroristas,
ameaças como o Hezbollah, o Hamas e a Al-Qaeda devem ser consideradas no
contexto de América do Sul e Brasil, dado o caráter transnacional dessas
organizações, basta recordar dos trágicos atentados terroristas perpetrados pelo
Hezbollah em territórios argentino em 1992 e 1994 contra a Embaixada de Israel e a
Associação Comercial Israelense.
Atualmente, o terrorismo internacional tem possibilidade de utilizar o Brasil
como um “país base”, dada a permeabilidade de suas fronteiras, ao elevado índice
de corrupção nas diversas instituições, a existência de organizações criminosas
transnacionais, dentre outro fatores. Por outra parte, poderá vir a ser utilizado como
um “país palco”, em razão da realização de grandes eventos com participação de
considerável número de nacionais de países relacionados com alvos pelas
organizações terroristas internacionais.
Não obstante ao já citado, não se deve descartar a possibilidade de o Brasil,
num futuro próximo, vir a ser considerado como um “país alvo”, em decorrência de
sua estatura político-econômica no cenário internacional, e principalmente da sua
64
busca por um assento permanente no Conselho de Segurança da Organização das
Nações Unidas (ONU).
3.2.2 Organizações Criminosas Transnacionais (OCT) e o Crime Organizado
As organizações criminosas transnacionais passaram a se estruturar e
articular no mundo após a Guerra Fria, fruto dos avanços tecnológicos, da
globalização do sistema financeiro, da permeabilidade das fronteiras nacionais,
dentre outros aspectos. Suas atividades estão relacionadas, basicamente ao tráfico
internacional de drogas ilícitas e de armas, movimentando anualmente vultosas
quantias de dinheiro. Segundo Diégues (2011, p. 80) os “negócios” do tráfico de
drogas, armas e pessoas viriam a alcançar, conforme estimado pela ONU, cerca de
1 trilhão de dólares anuais.
Em decorrência disso, os estados nacionais têm se organizado de forma a
executar medidas eficazes no sentido de combater tais ilícitos, quer seja na área
administrativa, exercendo um melhor controle das transações financeiras e no fisco,
alimentando sistemas de inteligência; quer na área operacional, combatendo em
território nacional essas organizações criminosas, a corrupção nos órgãos
governamentais e instituições, dentre outras ações.
A ação integrada das agências estatais, nacionais e internacionais, tem
impactado os cartéis da droga naquilo que lhes são mais importantes, nos lucros.
Diante disso, estes, para se manterem na atividade criminosa, vêm atuando
diretamente contra esses governos, impetrando ações terroristas seletivas contra
elementos do judiciário e até mesmo do legislativo, com o objetivo de intimidar o
poder constituído.
Em outros casos, vêm realizando alianças com grupos guerrilheiros,
localizados em países periféricos, como é o caso da Colômbia, onde a
narcoguerrilha desenvolvida pelas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia
(FARC) passaram a controlar parte daquele país. Somam-se a isso, questões ainda
mais graves, como o que vem ocorrendo no México onde há indícios de que as OCT
estejam fomentando insurgências com o intuito de influenciar nas decisões de
estado.
65
NOS ÚLTIMOS ANOS, autoridades governamentais e jornalistas
norteamericanos têm comparado a violência das Organizações Criminosas
Transnacionais (OCT) no México às táticas terroristas empregadas pelas
Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), sugerindo que elas
estariam conduzindo uma “insurgência”.[...] As OCT mexicanas são, com
efeito, insurgências comerciais, concebidas para influenciar os elementos do
poder nacional a fim de gerar renda com o tráfico de drogas ilícitas, em vez
de contorná-los ou obter o controle político do país (MARTINEZ, 2012,
31
p.84)
No Brasil, há indícios de que organizações criminosas atuantes nas grandes
cidades vêm estabelecendo ligações com as Forças Armadas Revolucionárias da
Colômbia (FARC). A prisão do traficante Luis Fernando da Costa, o “Fernandinho
Beira-Mar”, na Colômbia em 2001, quando negociava a troca de armamentos por
cocaína é um fato que confirma tais ligações.
Além da articulação com o grupo guerrilheiro em questão, o traficante em
questão afirmou, naquela oportunidade, à Revista Isto É, que: “ninguém chega no
lugar onde estou na hierarquia do crime sem contar com a conivência e a proteção
de autoridades. Isso custa muito dinheiro”32, denotando uma possível corrupção na
estrutura do poder constituído.
Não obstante a tudo isso, tem se verificado no Rio de Janeiro, São Paulo e
Belo Horizonte a crescente ocorrência de ações orquestradas pelo crime
organizado, utilizando técnicas e táticas terroristas, causando grande terror junto à
população civil (opinião pública), com o intuito de interferir nas ações de estado
desfechadas contra essas organizações. Além do terrorismo indiscriminado,
direcionado aos eleitores dos grandes centros, tem se verificado o aumento das
ações retaliatórias contra policiais militares e civis (em serviço ou de folga),
evidenciando algo aproximado ao terrorismo seletivo.
O domínio dessas táticas e técnicas, associado ao elevado poder de fogo
dessas organizações criminosas tem colocado os Órgãos de Segurança Pública
(OSP) em uma situação delicada, resultando, com certa frequência, no emprego das
Forças Armadas na segurança pública, em operações que possuem características
de um combate irregular ou de uma Guerra de Quarta Geração.
Um exemplo marcante desse tipo de emprego foi a atuação do Exército
Brasileiro, em novembro de 2010, quando das operações de combate ao crime
31
Organizações Criminosas Transnacionais: A Insurgência Comercial do México. Military Review,
2012.
32
Os segredos de Beira-Mar. ISTOÉ independente. Ed. Nº 1648. Disponível em: www.istoe.com.br.
66
organizado (narcotráfico) no complexo do alemão, no Rio de Janeiro. Faz-se mister
destacar que, por ocasião das operações, foram utilizadas técnicas e princípios
adotados nas operações contraguerrilhas, dentre as técnicas: o controle de
quarteirão e o vasculhamento, preconizadas nas Instruções Provisórias Operações
Contraguerrilhas (IP 31-16).
Uma das estratégias do governo brasileiro para reduzir o poder de fogo do
crime organizado tem sido o aumento do controle nas regiões de fronteira, com a
realização de operações interagências, envolvendo o Ministério da Defesa e o da
Justiça, além de outros órgãos federais, estaduais e municipais. Tais operações têm
contribuído para reduzir a criminalidade nessas regiões, o tráfico internacional de
drogas e armas e os crimes de descaminho. Por outra parte, o emprego demasiado
em operações tipo polícia tem prejudicado o adestramento das Forças Armadas, em
especial, do Exército, em operações convencionais de defesa externa.
3.2.3 Violência Extremista nos Grandes Centros
A violência extremista tem sido uma marca registrada dos movimentos
reivindicatórios, de ordem social, da “era do conhecimento”. No Brasil, os grandes
centros tem sido palco de reivindicações sociais de toda ordem. Ademais, a
violência desmedida empreendida contra os órgãos de segurança e o patrimônio
(público e privado) por grupos organizados, com objetivos escusos, e manifestantes,
tem obrigado esses órgãos a atuarem de forma mais violenta, colocando a opinião
pública contra o poder coercitivo do estado.
Por outro lado, observa-se a ampla utilização, por parte desses grupos, de
Táticas e Técnicas de Procedimento (TTP) peculiar da guerra irregular. A
“propaganda armada”, através das redes sociais, tem sido outro instrumento
utilizado por esses grupos para causar a paralisia do estado e descrédito nos
organismos policiais e no poder constituído, contribuindo com o aumento da
violência.
A utilização do anonimato, proporcionado pelo emprego de máscaras,
camisetas ou tiras de panos no rosto tem dificultado a ação policial no sentido de
identificar e responsabilizar essas pessoas pelos danos causados, aumentando a
impunidade. Soma-se a isso, a facilidade com que essas pessoas se misturam à
67
população civil que comparece a esses eventos para manifestar-se de forma
pacífica.
As causas dos movimentos sociais nas grandes cidades têm sido
relacionadas, basicamente, à mobilidade urbana, saúde, justiça social e moradia,
dentre outras, mas questões menores, como o aumento nas tarifas dos transportes
públicos, uma pane em uma composição do metrô ou uma ação policial isolada, têm
se transformado em ações violentas de grandes proporções. Não obstante a isso,
tem-se verificado ações, supostamente provocadas, com o intuito de causar a
desordem pública.
Nesse contexto, há que se destacar alguns trechos da obra de Robert Taber,
A Teoria e Prática da Guerrilha, em que podem sinalizar, de alguma maneira, como
verdadeira a retórica clássica da história.
O guerrilheiro é, antes do mais, um propagandista, um agitador, um
disseminador de idéias revolucionárias, que usa a própria luta – o confronto
físico – como instrumento de agitação. O seu objectivo central é a elevação
do nível de maturidade revolucionária e, consequentemente de participação
popular, até ao ponto crítico em que a revolução se generalize a todo país e
as massas populares cumpram sua tarefa final – a destruição da ordem
existente e (com frequência, se bem que nem sempre) do exército que a
defende (TABER, 1965, p. 23).
Na situação revolucionária potencial, podem esperar-se insurreições
espontâneas; é provável que sejam provocadas por qualquer tipo de conflito
social – uma greve, uma campanha eleitoral, uma disputa sobre terras,
salários, preços, rendas ou escolas, ou outro dos muitos <<problemas>>
sociais que possam ocorrer. Frequentemente tais insurreições surgirão
como resposta a algum acto de repressão ou injustiça – real ou imaginário –
por parte das autoridades governamentais, como sucede, por exemplo,
quando esforços da polícia para dominar uma manifestação popular a
convertem num motim (TABER, 1965, p. 217).
Ainda sobre o modo de atuação do guerrilheiro, Taber (1965, p.23), explica
que este pode se dar o luxo de combater e se retirar com grandes probabilidades de
sucesso, pois pode dispersar-se e esconder-se quando a segurança o exigir. Em
situações extremas poderá diluir-se no meio da população pacífica, que considera
como um vasto mar, para utilizar a expressão de Mao Tsé-tung de que a guerrilha
nada como peixes na água.
Por fim, verifica-se que os movimentos sociais urbanos vêm aumentando a
cada dia tornando-se um terreno fértil para grupos e pessoas (organizados), mal
intencionados, que buscam a paralisia do estado e a desmoralização do poder
coercitivo do mesmo com fins ainda pouco delineados. Nesse sentido, há que se
68
preparar e organizar forças federais capazes de intervir nos estados da federação
com o objetivo de garantir a lei e a ordem.
3.2.4 Catástrofes Naturais
[...] as Forças militares continuarão a desempenhar um importante papel em
resposta aos terremotos, furacões, enchentes e outros desastres naturais,
em função de sua capacidade única para promover os serviços necessários
rapidamente e em larga escala, como evacuação, entrega de suprimentos,
prestação de serviços médicos, busca e resgate e manutenção da ordem
pública (ELLIS, 2012, p. 21).
Apesar de na América do Sul não ser comum a ocorrência de catástrofes
naturais de grandes proporções, como já citado, existe uma preocupação por parte
dos governos nacionais com relação aos efeitos causados pelas alterações
climáticas, tais como a mudança nos regimes de chuvas, o derretimento excessivo
da neve acumulada na Cordilheira dos Andes, as ondas de calor nos grandes
centros, dentre outros.
Esses efeitos por vezes provocam enchentes de grandes proporções,
causando destruição e desabrigando milhares de pessoas. Por outro lado, têm
provocado secas intensas em outras regiões do continente, afetando a saúde e o
desenvolvimento econômico dessas áreas. Por vezes, as Forças Armadas dos
países Sul-americanos vêm sendo empregadas, dada suas capacidades materiais,
nessas situações para minimizar os danos à população e ao bem público.
No Brasil, verifica-se com frequência o emprego das Forças Armadas, sob o
tema de operações subsidiárias, na Região Norte do País, Sudeste e Sul por
ocasião dos períodos prolongados de chuvas, e no semiárido nordestino, em função
dos grandes períodos de estiagem.
Atualmente, a 2ª Subchefia do Comando de Operações Terrestres (COTer),
alinhada com a Estratégia Nacional de Defesa, está desenvolvendo o Subprojeto de
Força de Ajuda Humanitária, no sentido de se preparar uma tropa valor Batalhão por
C Mil A para atuar em cooperação com a Defesa Civil dos estados da federação e
municípios, no ambiente interno, e com estruturas de Defesa Civil de Nações
Amigas, no ambiente externo, frente a catástrofes naturais ou provocadas pelo
homem.
69
3.2.5 Insurgências
Governments can be overthrown in a number of ways. An unplanned,
spontaneous explosion of popular will, for example, might result in a
revolution like that in France in 1789. At another extreme is the coup d’etat,
where a small group of plotters replace state leaders with little support from
the people at large. Insurgencies generally fall between these two extremes.
They seek to achieve one of two goals: to overthrow the social order and
relocate power within a single state, or to break away from state control and
from an autonomous entity or ungoverned space that they can control.
Insurgency is typically a from of internal war, one that occurs primarily within
a state, not between states, and one that contains at least some elements of
33
civil war (USA Army, 2006, p.1-2) .
Martinez (2012, p. 85), esclarece que, segundo consta do Field Manual (FM)
3-24 Counterinsurgency, “[...] O vocábulo insurgência é definido como um
movimento organizado, que tem como objetivo derrubar um governo constituído, por
meio da subversão e do conflito armado.”
Os movimentos de insurgências têm sido muito comuns no mundo nesse
início de século e, mais uma vez, o fim da Guerra Fria é grande catalisador dessa
nova tendência. Isso se deve, principalmente, ao vazio de poder nos países que
durante anos estiveram sobre a esfera de influência dos Estados Unidos da América
(EUA) e União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Os países do Leste
Europeu foram os grandes precursores desse tipo de movimento, ao buscarem
autonomia da antiga potência comunista.
Segundo Martinez (2012, p. 85) a insurgência possui duas grandes vertentes
que se diferem quanto ao objetivo político. A primeira tem por objetivo suplantar
sistemas políticos existentes. Nela se enquadram quatro tipos de insurgências a
anarquista, a igualitária, a tradicionalista e a pluralista. Já a segunda, não busca total
poder político dentro de seus respectivos países. Neste grupo estão as insurgências
separatistas, reformistas, preservacionistas e comercialistas.
- As insurgências anarquistas pregam a desordem total e a ilegitimidade do
poder constituído;
- As insurgências igualitárias buscam um sistema político centralizado que
transforme de maneira radical a estrutura social, buscando uma distribuição
equitativa de recursos;
33
US Army - Field Manual MF 3-24 – Counterinsurgency. Washington, DC, 2006.
70
- As insurgências tradicionalistas lutam pela volta de um “status quo” político
anteriormente vivido, uma “era de ouro” ou a um sistema de valores religiosos;
- As insurgências pluralistas têm por objetivo estabelecer democracias
liberais, dentro dos valores ocidentais;
- As insurgências separatistas buscam retirar-se de seu Estado-Nação para
seguirem um destino independente ou aderir a outro Estado.
- As insurgências reformistas se utilizam da violência para provocar mudanças
no governo, com o objetivo de criar uma distribuição mais equilibrada do poder
político e econômico;
- As insurgências preservacionistas fazem uso da violência contra pessoas ou
grupos que estejam buscando efetuar qualquer tipo de mudança ou reforma na
estrutura político-econômica;
- As insurgências comercialistas fazem o uso da violência direcionada ao
governo instituído para auferirem ganho financeiro.
Observa-se, portanto, que as insurgências abrangem uma temática de causas
bastante ampla, e englobam uma variedade de atores, desde os cidadãos comuns,
irmanados, na busca de seus direitos constitucionais; ao narcotraficante, que afronta
o poder do estado para garantir seus lucros.
Segundo Martinez (2012, p. 86), diversos tipos abordagens são utilizadas
para promover uma insurgência tais como: de conspiração, de foco militar, urbana,
guerra popular prolongada, de foco identificado, dentre outras.
Ainda segundo o manual em questão, existem cinco maneiras de mobilizar o
apoio popular, que é o principal aspecto numa luta pelo controle político com a
finalidade de se ter legitimidade; quais sejam: a persuasão, a coerção, reação aos
abusos, apoio externo e motivações apolíticas.
Recentemente, outros movimentos de caráter separatistas ocorreram no
continente Sul-americano, sem, contudo, suplantar a esfera política. No Brasil, nas
décadas de 1980 e 1990, surgiu o movimento “O Sul é o Meu País”, que buscava a
autonomia dos Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo. Na
Bolívia, em 2006, o governador do Departamento de Santa Cruz liderou um
movimento separatista que tinha por objetivo tornar independente a parte mais
industrializada daquele país, a região conhecida como “meia lua”. Em ambos os
casos a causa não foi aceita pela maioria da população e não teve apoio externo.
71
Dentro desse estudo, há que se considerar, porém, a questão das “nações
indígenas” abordadas no subtítulo Diretos Humanos, do presente trabalho. A
demarcação de reservas indígenas em áreas contíguas, entre o Brasil e países
limítrofes, poderá futuramente facilitar a ocorrência de insurgências, motivadas por
atores externos, interessados nas riquezas minerais e na biodiversidade presentes
nessas áreas.
Soma-se a isso, o fato de considerável número de Organizações Não
Governamentais de diversos países estarem atuando nessas áreas.
3.3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
[...] 2.4.Para efeito da Política Nacional de Defesa são adotados os
seguintes conceitos:
I – Segurança é a condição que permite ao País preservar sua soberania e
integridade territorial, promovendo seus interesses nacionais, livre de
pressões e ameaças, e garantir aos cidadãos é o conjunto de medidas e
ações do Estado, com ênfase no campo militar, para a defesa do território,
da
soberania
e
dos
interesses
nacionais
contra
ameaças
preponderantemente externas, potenciais ou manifestas (BRASIL, 2013a, p.
2).
Ao retomar o conceito de segurança descrito na Política Nacional de Defesa,
2013, e confrontá-lo com as questões estudadas no presente capítulo, chega-se a
conclusão num primeiro momento, que apesar de o Brasil se encontrar em uma das
regiões mais seguras do globo, existem questões latentes que poderão, num futuro
próximo, ameaçar a segurança nacional.
A escassez, no âmbito mundial, dos minerais estratégicos, de água, de
alimentos, dentre outros, poderá levar algumas potencias globais a intervirem em
países que possuam tais recursos, valendo-se de pretextos humanitários, como foi
exemplificado durante o estudo, com a finalidade de manterem seus níveis de
crescimento e desenvolvimento.
Por outro lado, o terrorismo internacional, considerando-se a divisão
internacional do trabalho terrorista, poderá vir a eleger o Brasil como um “país palco”
para suas ações em razão da gama de eventos internacionais que se avizinham,
como a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016; e até mesmo como “país
alvo”, em face da projeção política e econômica que o País vem galgando nos
últimos anos, que se torna mais evidente quando se trata da disputa por um assento
permanente no Conselho de Segurança da ONU.
72
Não menos importante que os aspectos já citados, a Amazônia poderá vir a
ser foco de tensões e conflitos, dado sua biodiversidade e riquezas minerais ainda
não exploradas.
Ademais, a questão da demarcação de terras indígenas em áreas contíguas,
entre dois ou mais países, poderá vir a ser a origem primária de uma insurgência de
cunho separatista, apoiada por agentes externos, com interesse nos recursos
existentes nessas áreas e utilizando-se de pretextos humanitários.
O presidente Obama, quando recebeu o Prêmio Nobel da Paz, em 2009,
não escondeu que seu desafio era “reconciliar duas verdades
aparentemente inconciliáveis – a de que a guerra é ocasionalmente
necessária e a de que a guerra é em certo nível a expressão de sentimentos
humanos”. Afirmou acreditar que todas as nações – “fortes e fracas
igualmente” – deveriam aderir a padrões que orientem o uso da força, e ele,
como qualquer outro chefe de estado, se reservava“ o direito da agir
unilateralmente, se necessário, para defender minha nação” e que “there
Will be times when nations - acting individually or in concert – Will find the
use of force not only necessary but morally justified”. E, entre essas
situações, citou a necessidade de intervenção “para impedir o massacre de
civis por seu próprio governo, ou deter uma guerra civil cuja violência e cujo
sofrimento se espalhem por toda uma região”. “I belive that force can be
justified on humanitarian grounds, as it was in the Balkans, or in the places
that have been scarred by war”, acentuou o president Obama (BANDEIRA,
2013, p. 207).
Destaca-se ainda nesse quadro, o crescimento das organizações criminosas
transnacionais, atuando cada vez mais em rede e exercendo grande influência na
área política e financeira dos países em que atuam. Por outro lado crime organizado
e a violência extremista presentes nos grandes centros do País vêm causando, por
vezes, a paralisia do estado constituído e desmoralização dos órgãos de segurança
pública.
Num Segundo momento, verifica-se que o emprego das Forças Armadas em
ações humanitárias tem aumentado consideravelmente, contribuindo para a redução
de sua capacidade operacional para emprego na defesa da pátria.
Por fim, observa-se que as ameaças apresentadas, em quase toda sua
totalidade, apresentam características comuns no que tange ao emprego de Táticas
e Técnicas de Procedimento (TTP) presentes apenas no escopo de ações terroristas
e de combates irregulares. Nesse sentido, crescem de importância a organização, o
preparo e o emprego de forças capazes de atuar, de maneira proativa, no combate
assimétrico de quarta geração e em operações contra forças irregulares, frente a
atores internacionais, ou mesmo domésticos.
73
4 ORGANIZAÇÃO, PREPARO E EMPREGO DA FORÇA TERRESTRE
O primeiro, o mais importante, o ato de apreciação mais decisivo que um
homem de Estado ou um comandante-chefe executa, consiste, pois, na
apreciação correta do tipo de guerra que leva a efeito, a fim de não tomá-la
por aquilo que não é e não querer fazer dela aquilo que a natureza das
circunstâncias lhe impede que seja. Eis, portanto, a primeira e a mais vasta
34
de todas as questões estratégicas (CLAUSEWITZ, 1832, p.29) .
[...] a ação militar representa apenas uma parcela – nesse caso, decisiva por
sua simples ameaça potencial – em um conjunto complexo, realizando
diversas ações políticas, psicológicas e diplomáticas. A ação militar por si só
é tornada possível pela constituição de forças suficientes (linha Siegfried,
Luftwaffe, divisões Panzer) em uma fase preliminar de preparação que
presume prazos e recursos financeiros suficientes, e também uma opinião
35
pública favorável (BEAUFRE, 1968, p. 111) .
A organização, o preparo e o emprego de forças, no contexto do século XXI,
constituem-se em um dos maiores desafios para os governantes e chefes militares.
Observa-se, porém, que a preocupação com relação a esse assunto remonta a
outras épocas.
Estrategistas militares, pertencentes a outras gerações de guerras, como
Clausewitz e Beaufre36, já abordavam questões relacionadas às ameaças, às ações
políticas, à constituição de forças, aos recursos financeiros e à opinião pública,
fatores de suma importância na análise desse assunto.
A grande diferença, no entanto, é que há época desses pensadores da arte
da guerra, as ameaças eram, quase sempre, bem definidas, o que determinava um
planejamento em cima de hipóteses de emprego bem definidas, o que repercutia na
elaboração de uma doutrina própria e, por conseguinte, na organização, preparo e
emprego das forças militares.
Hoje, entretanto, a preparação de forças militares eficazes sofre a
interferência de outros fatores muitos deles intangíveis e facilmente manipuláveis
pela mídia, tais como: nível de ambição política, percepção da ameaça,
conhecimento
de
causa,
a
natureza
idealista/pacifista,
opinião
pública,
ressentimentos políticos-ideológicos, dentre outros. São esses fatores que,
34
Da Guerra. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010.
Estratégia da Ação: O procedimento político e militar na era nuclear. 1. ed. Rio de Janeiro: Bloch
Editores, 1970.
36
Militar e estrategista francês, nasceu em Neuilly-sur-Siene (1902). Foi o grande defensor da
independência nuclear francesa.
35
74
normalmente, contribuem para o aporte de recursos financeiros que é destinado à
organização, ao preparo e emprego do braço armado do estado.
Dentro dessa perspectiva, as políticas e estratégias nacionais, relacionadas
ao campo militar, têm apontado para um judicioso emprego do poder de combate,
levando-se em conta a atuação no amplo espectro dos combates, as novas
ameaças, o emprego conjunto, a natureza dual dos meios e o planejamento por
capacidades, sem, contudo, descuidar das hipóteses de emprego.
Essa tendência tem se afirmado como forma de dar uma satisfação à
sociedade brasileira da importância das Forças Armadas como instrumento de
defesa, de projeção de poder no cenário internacional e de apoio à sociedade; além
de justificar os gastos do governo com defesa e, por conseguinte, a manutenção
dessas Forças.
Em decorrência disso, a organização do poder militar passou a pautar-se por
princípios que condicionassem às novas demandas de emprego à realidade
nacional, premente de recursos nos demais campos do poder. Assim, conceitos
como elasticidade, modularidade, sustentabilidade, adaptabilidade e flexibilidade,
cresceram de importância na organização do poder militar.
Esses conceitos conjugados com o desenvolvimento ou geração de
capacidades, com as hipóteses de emprego e com a sistemática de emprego de
forças baseada no monitoramento, processamento e atuação, vêm ao encontro do
que se preconiza como o que existe de mais atual para a organização, preparo e
emprego do poder militar.
Assim, forças com efetivos reduzidos, altamente móveis, baseadas em
estruturas modulares leves, dotadas de alta tecnologia, melhor adestradas, com
elevado rendimento, aptas a operarem de forma conjunta e/ou combinada, no
ambiente interagência, empregando os mais diversos meios e nos mais variados
ambientes operacionais (nacionais e internacionais), passaram a nortear a
estruturação dos exércitos da “era do conhecimento”.
75
4.1 PLANEJAMENTO BASEADO EM HIPÓTESES DE EMPREGO
Segundo (BRASIL, 2009, p. 41)37 “[...] Hipótese de Emprego: é a antevisão de
possível emprego das Forças Armadas em determinada situação ou área de
interesse estratégico para a Defesa Nacional.”
O planejamento por hipóteses norteou por muito tempo, de maneira isolada, a
organização, o preparo e o emprego do Exército Brasileiro, contribuindo para a
elaboração
de
doutrinas
próprias
para
emprego
nos
diversos
ambientes
operacionais. Por outro lado, determinou a articulação de forças, bem como sua
natureza, nos diversos rincões do Brasil para fazer frente às ameaças elencadas por
ocasião do planejamento no nível político e estratégico.
Nesse tipo planejamento, o conhecimento da ameaça, do seu o poder, bem
como de sua localização, possibilitava o delineamento do espaço da batalha, dos
prazos e do tipo de guerra a ser desencadeado. Assim, crescia de importância o
Poder Relativo de Combate (PRC), ou seja, a superioridade de meios no sentido
mais amplo. Em função disso, o módulo básico de emprego da Força Terrestre era a
Divisão de Exército, composta por até cinco Brigadas de naturezas distintas, mais
elementos de apoio ao combate e de apoio logístico todos com estruturas fixas.
Dentro dessa concepção, efetivos foram deslocados, quartéis foram
construídos, materiais de defesa foram desenvolvidos e/ou adquiridos, recursos
foram alocados, dentre outras ações, tudo com a finalidade de se desenvolver
capacidades pré-concebidas com base nessas hipóteses. Essa situação acabou por
contribuir, em alguns casos, na organização de estruturas militares “pesadas” e com
limitada mobilidade tática, típicas da Guerra Industrial, além de influenciar de
sobremaneira na instrução e no adestramento do Exército.
Há que se levar em conta, também, que o planejamento de emprego conjunto
das Forças Armadas era insipiente, o que conduzia cada Força a planejar, executar
e coordenar suas ações segundo princípios e doutrinas próprias, sem haver uma
sinergia perfeita dos meios militares presentes no espaço de batalha, acarretando
duplicidade nas ações e emprego demasiado de meios.
Além disso, a concentração de forças e de meios militares, segundo essa
concepção, contribuiu para o desenvolvimento econômico de diversas regiões do
37
Manual Básico (volume III): Método para o Planejamento Estratégico/ESG. Rio de janeiro, 2009.
76
Brasil, quer seja movimentando a economia local, quer servindo como núcleo base
de povoamentos, em função da segurança e infraestruturas proporcionadas por
essas forças. Essa concepção de emprego das Forças Armadas visava
principalmente dissuadir qualquer ameaça através da presença (poder de combate).
Hoje, porém, em decorrência dos acordos e alianças políticas, tanto no
espaço regional, como no internacional, em consonância com o sentimento de
segurança coletiva, as hipóteses de emprego vêm perdendo sua importância,
particularmente na esfera política, enquanto elemento caracterizador de uma
ameaça, interferindo substancialmente na articulação, no preparo e emprego do
meio militar. Por outro lado, o Planejamento Baseado em Capacidades (PBC) vem
sendo implementado em diversos países com o objetivo de se manter forças prontas
para fazer frente aos desafios e incertezas do Séc XXI.
4.2 PLANEJAMENTO BASEADO EM CAPACIDADES (PBC)
A Política Nacional de defesa (PND) e a Estratégia Nacional de defesa (END)
constituem marcos legais que orientam a organização e a modernização do
instrumento militar brasileiro, bem como seu preparo e emprego, de forma
condizente com a estatura político-estratégica do Brasil. Esses documentos
definem a postura estratégica dissuasória adotada pelo País, que prima por
uma política ativa de diplomacia voltada para a paz e o desenvolvimento,
para a manutenção da relação de amizade e cooperação com os países
vizinhos e com a comunidade internacional, baseada na confiança e no
respeito mútuos. Em conformidade com as diretrizes legais, as forças
Armadas brasileiras se estruturam em torno de capacidades e não em função
38
de inimigos (BRASIL, 2012a, p. 53) .
[...] as distintas características fisiográficas do território nacional, que
impõem condicionantes, nos níveis estratégico, operacional e tático, à
geração de capacidades que visam ao emprego dos elementos da F Ter;
39
(BRASIL, 2014c, p. 2-3) .
[...] Nesse ambiente de incertezas, o EB deve gerar forças com base no
planejamento baseado em capacidades (PBC). Cada capacidade, adequada
para fazer frente às ameaças visualizadas no estudo dos cenários
prospectivos, deve atender a todos os seus fatores determinantes –
Doutrina, Organização (e processos), Adestramento, Material, Educação,
Pessoal e Infraestrutura (DOAMEPI) (BRASIL, 2014c, p. 7-5).
O Planejamento Baseado em Capacidades surgiu da necessidade de se
adequar o poder militar às incertezas da “era do conhecimento”, e à natureza dos
38
Brasil - Livro Branco da Defesa Nacional (LBN), 2012.
Exército Brasileiro - Manual de Fundamentos EB20-MF-10.101 – O Exército Brasileiro. Brasília,
2014.
39
77
conflitos atuais (de quarta geração), evidenciada em diversas ocasiões nesse início
de século e já apresentadas neste trabalho.
Diferentemente
do
preconizado
no
planejamento
por
hipóteses,
o
planejamento por capacidades busca contrapor-se a um número variado de
ameaças multifacetadas,
dentro de
cenários prospectivos,
demandando a
organização, o preparo e emprego de forças “leves” e flexíveis, dotadas de
mobilidade tática40 e estratégica41, capazes de atuar de forma conjunta ou
combinada, e se for necessário, projetar poder.
Para isso, torna-se imprescindível possuir determinadas capacidades
completas, desde já, e desenvolver outras, a medida que eventos portadores de
futuro vão caracterizando um determinado cenário elencado no plano político e
estratégico, que demande o emprego do poder militar.
Assim, diversamente, do previsto no planejamento por hipóteses, o Poder
Relativo de Combate (PRC) cedeu espaço às manobras estratégicas, dotadas de
grande mobilidade e precisão, onde a surpresa é o principal fator do desequilíbrio de
forças. Essa nova concepção de emprego está calcada em três pilares
fundamentais, quais sejam: no amplo emprego de sensores de alta tecnologia, no
processamento oportuno das informações e no emprego imediato do poder militar
(atuadores), a fim de repelir a ameaça considerada (BRASIL, 2013b, p. 2).
Nesse sentido, cresce de importância o emprego de escalões menores,
altamente adestrados, dotados de materiais e equipamentos com alto grau de
tecnologia embarcada, além de possuírem elevada mobilidade tática e estratégica.
Para corroborar com essa tendência, a Estratégia Nacional de Defesa preconiza
uma reestruturação do Exército em “módulo brigada”, que será o módulo básico de
combate da Força Terrestre.
Ademais, verifica-se a importância em se possuir capacidades militares/
capacidades completas para fazer frente às demandas de segurança e defesa préconcebidas nos níveis político e estratégico, ou seja, capacidades que atendam a
um ou mais temas operativos, dentro do amplo espectro dos combates. Neste caso,
estariam enquadradas, prioritariamente, às hipóteses de emprego mais prováveis.
Assim, essas capacidades estariam alinhadas com a política de estado e mais
direcionadas para uma estratégia direta e indireta.
40
41
Aptidão que uma força dispõe para chegar rapidamente a uma região em conflito (END 2013).
Aptidão que uma força dispõe para mover-se dentro de uma região em conflito (END 2013).
78
CAPACIDADE MILITAR – Conceito aplicado no nível estratégico que
representa a aptidão de uma Força Armada para executar as operações que
lhe cabem como instrumento da expressão militar do poder nacional. É
obtida mediante a combinação de soluções organizacionais que integram as
áreas de doutrina, organização, adestramento, material, educação, pessoal
e infraestrutura. [...] No processo para definir as capacidades requeridas
consideram-se, basicamente, as conjunturas nacional e internacional, as
potenciais ameaças ao país e o grau de risco associado a essas ameaças
42
(BRASIL. Exército Brasileiro, 2013) .
Um dos exemplos históricos da perfeita sincronia entre Planejamento
Baseado em Hipóteses de Emprego e o Planejamento Baseado em Capacidades se
deu na Alemanha, na primeira metade do Séc XIX, entre a I GM e a IIGM, quando
aquele país, que cercado por inimigos em várias de suas frentes (França, Polônia e
Tchecoslováquia), teve seu exército fixado em 100.000 homens, pelo Tratado de
Versalhes43. Nesse quadro, a implementação dos blindados, no Exército Alemão,
por Hainz Guderian, acrescentou grande flexibilidade e poder de combate (manobra)
às tropas alemãs, que combinado o emprego destes com a Infantaria, Artilharia e
Engenharia teriam condições de aplicar um duro golpe aos seus inimigos.
Germany still faced her usual problem of having potential enemies on widely
separated fronts. It was possible that she might become involved in a war
with France and Poland or with France and Czechoslovakia. In the 1920s the
size of the German Army was fixed by the Treaty of Versailles at a mere
100,000 men […] One way of doing this might be to employ a mobile
operational reserve which could strike a hard blow on one front and them
move rapidly to mount a counter-attack on the other. Motor transport would
confer much greater flexibility on such a reserve then railways ever could
44
(GUDERIAN, 1992, p. 9).
De outra maneira, observa-se o emprego das Forças Armadas em proveito de
ações de governo, dada sua gama de meios, prontidão de recursos humanos,
articulação a nível nacional, estrutura logística e de comando e controle próprias
(modulares e móveis), dentre outras. Nesse escopo, as capacidades teriam um
aspecto mais técnico, vinculada aos meios disponíveis e capacidade de operação
destes, a exemplo do emprego de aeronaves e viaturas no resgate de vítimas de
enchentes em diversas regiões do Brasil. Nesse contexto enquadram-se, também,
as capacidades operativas.
42
Palestra do Centro de Doutrina do Exército (C Dout Ex) ministrada aos Alunos do CCEM/ECEME
(1º Ano) em junho de 2013.
43
Tratado de Paz assinado, em 1919, pelos vencedores da I GM, criando uma série de
determinações que visavam enfraquecer e desmilitarizar a Alemanha.
44
Achtung-Panzer! London: Arms & Armour Press, 1992.
79
CAPACIDADE
OPERATIVA:
capacidade
específica
de
uma
unidade/elemento que integra uma Força, orientada para a obtenção de um
efeito estratégico, operacional ou tático (BRASIL. Exército Brasileiro, 2013).
Nesse viés, verifica-se o princípio da dualidade, onde equipamentos e meios
tipicamente militares, são empregados em proveito da sociedade como um todo, em
situações de não guerra, em função de suas características. Esse tipo de emprego
tem sido cada vez maior, possibilitando a aquisição de novos equipamentos (de
emprego dual) para a Força Terrestre, e o adestramento técnico de determinadas
unidades, a exemplo das unidades de engenharia que têm recebido pontes
modulares para emprego em caso de catástrofes e em atividades militares.
Assim, têm-se duas abordagens para o aspecto capacidade, uma mais ampla,
próxima da arte, quando dela resulta a geração do poder de combate, englobando
todos os seus fatores determinantes; e outra, num sentido mais restrito, mais
técnico, fruto da qual se obtém uma competência para a realização de uma
determinada tarefa crítica, empregando meios de emprego dual.
Segundo BRASIL (2014b, p. 3-3) para se gerar capacidades completas
devem ser atendidos os seguintes fatores determinantes: doutrina, organização,
adestramento, material, educação, pessoal e infraestrutura. Esses fatores, alinhados
com as hipóteses de emprego, passaram orientar a organização, preparo e emprego
da Força Terrestre.
Operacionalidade: é a capacidade que uma OM operacional ou GU adquire
para atuar como um todo integrado, a fim de cumprir as missões previstas
em sua base doutrinária e inerentes à sua natureza e escalão, para as quais
foi organizada, dotada de pessoal, instruída, adestrada e equipada. A
operacionalidade da F Ter é um dos fatores fundamentais para a Estratégia
45
da Dissuasão (BRASIL, 2012b, p. 1-3) .
Por fim, a geração de capacidades deve possibilitar a operacionalidade da
Força, como fator fundamental na estratégia da dissuasão, conforme consta de
BRASIL (2012b). De outra forma, deverá estar alinhada com a PND e END, pois
PBC não substitui as tradicionais hipóteses de emprego.
Há que se cuidar, ainda, com o emprego demasiado de forças constituídas
em atividades subsidiárias, de pouca visibilidade para o Exército (pouca comoção
nacional), em que o fator humanitário esteja em um segundo plano; pois seria um
45
Exército Brasileiro - Sistema de Instrução Militar do Exército Brasileiro. 2. Ed. (Portaria nº 009 –
COTer, de 19 Dez 2011).
80
preço muito alto ser pago com a falta de preparo e adestramento Exército no
contexto das ameaças contemporâneas vistas anteriormente.
4.3 DOUTRINA
A doutrina estabelece como a Força deve executar o preparo de seus
meios, considerando o modo de emprego mais provável, quando estiver
integrando uma Força em operações conjuntas (BRASIL. Exército Brasileiro,
2013).
As doutrinas militares compreendem o conjunto harmônico de ideias e de
entendimentos que define, ordena, distingue e qualifica as atividades de
organização, preparo e emprego das Forças Armadas (FA). Dentro dessa
visão, as doutrinas militares englobam a administração, a organização e o
funcionamento das instituições militares. [...] A Doutrina Militar de Defesa é
parte da doutrina militar brasileira que aborda as normas gerais da
organização, do preparo e do emprego das FA, quando empenhadas em
atividades relacionadas com a defesa do país. Seus assuntos relacionam-se
diretamente com a garantia da soberania e da integridade territorial e
patrimonial do país, e ainda com o respeito aos interesses nacionais
(BRASIL, 2014b, p. 1-1).
[...] A Doutrina Militar Terrestre (DMT) é o conjunto de valores, fundamentos,
conceitos, concepções, táticas, técnicas, normas e procedimentos da F Ter,
estabelecido com a finalidade de orientar a Força no preparo de seus meios,
considerando o modo de emprego mais provável, em operações terrestres e
conjuntas. A DMT estabelece um enquadramento comum para ser
empregado por seus quadros como referência na solução de problemas
militares (BRASIL, 2014b, p. 1-2).
A Doutrina Militar, com base nas Hipóteses de Emprego e ameaças
levantadas no nível político e estratégico, determina a maneira pela qual as Forças
Armadas (FA) devem se preparar e atuar para se contrapor a possíveis investidas
dos inimigos (conhecido e/ou potencial). Destarte, está diretamente vinculada à
organização, ao preparo e emprego dessas Forças, determinando sua organização,
natureza e forma de combater.
Se por um lado ela relaciona-se com a Hipótese de Emprego (HE), orientando
a melhor maneira de solucionar os problemas militares advindos dessas, por outro,
impõe à Força o desenvolvimento de capacidades críticas, necessárias a efetiva
solução desses problemas, realimentando, dessa forma, o sistema de doutrina com
novas necessidades e soluções doutrinárias.
A doutrina não deve constituir-se em um conjunto de normas fixas, mas numa
orientação de como se deve agir para solucionar problemas militares. Segundo o
Estado Maior do Exército, deve-se estimular a iniciativa e as soluções criativas,
81
orientando como pensar – não o que pensar. Essa linha de raciocínio torna-se
bastante oportuna quando a associamos aos conflitos assimétricos de quarta
geração, onde as Táticas e Técnicas de Procedimento (TTP) de guerra irregular se
transformam com frequência no desenrolar das operações.
Dessa maneira, a doutrina, apoiada em experiências acumuladas, preconiza a
organização de estruturas com características de Flexibilidade, Adaptabilidade,
Modularidade, Elasticidade e Sustentabilidade (FAMES), o que permite a Força
acompanhar as frequentes transformações no modus operandi do inimigo e obter
resultados decisivos nas operações militares, através da prontidão operativa e da
capacidade de emprego do poder militar de forma gradual e proporcional à ameaça.
[...] FLEXIBILIDADE [...] Característica de uma força que dispõe de
estruturas com mínima rigidez preestabelecida, o que possibilita sua
adequação às especificidades de cada situação de emprego considerado os
fatores da decisão. [...] A flexibilidade faculta ao comandante um número
maior de opções para reorganizar os elementos de combate em estruturas
temporárias, com o adequado suporte logístico, desde a fração elementar
até a GU. [...] ADAPTABILIDADE [...] Característica de uma força ou do
comandante e integrantes dessa força que lhes permite ajustarem-se à
constante evolução da situação e do ambiente operacional e adotarem
soluções mais adequadas aos problemas militares que se lhes apresentam.
[...] Também, esta característica possibilita uma rápida adaptação às
mudanças nas condicionantes que determinam a seleção e a forma como os
meios serão empregados, em qualquer faixa do espectro do conflito, nas
situações de guerra e não guerra. [...] MODULARIDADE [...] Característica
de um elemento de combate que lhe confere a condição de, a partir de uma
estrutura básica mínima, receber módulos que ampliem seu poder de
combate ou lhe agreguem capacidades. [...] Também se refere à divisão de
um sistema em componentes, denominados módulos, que são nomeados
separadamente e que guardam características comuns, podendo operar de
forma independente em relação a esse sistema. [...] A modularidade está
diretamente relacionada ao conceito de elasticidade. Ela faculta aos
comandantes adotar estruturas de combate “sob medida” para cada
situação de emprego. [...] ELASTICIDADE [...] Característica de uma força
que, dispondo de adequadas estruturas de Comando e Controle e de
Logística, lhe permite variar o poder de combate pelo acréscimo ou
supressão de estruturas, com oportunidade. [...] SUSTENTABILIDADE [...]
Característica de uma força que lhe permite durar na ação, pelo prazo que
se fizer necessária, mantendo suas capacidades operativas, resistindo às
oscilações do combate (BRASIL, 2014b, p. 6-13).
Por fim, verifica-se que a doutrina atua na Força como um elemento
aglutinador, aproximando, em tempo de paz, a arte da guerra das estruturas
militares de defesa, através do adestramento baseado nas Hipóteses de Emprego;
ao mesmo tempo em que atua como um elemento catalisador, acelerando o
desenvolvimento de capacidades de defesa e movendo a força através de novas
organizações, do preparo contínuo e do emprego.
82
4.4 ORGANIZAÇÃO
A Força Terrestre (F Ter) é aparelhada a partir de estruturas organizacionais
constituídas por Organizações Militares (OM). Estas possuem caráter permanente e
são fundamentadas segundo um Quadro de Organização (QO), composto de uma
Base Doutrinária, um Quadro de Cargos (QC) e de um Quadro de Dotação de
Material (QDM). Ademais, são estruturadas para facilitar o desenvolvimento de
capacidades necessárias ao cumprimento das diversas missões inerentes ao
Exército Brasileiro.
Essas estruturas favorecem a coesão interna e a unidade de esforços, a
primeira mediante o convívio, o adestramento e o cumprimento de missões; já a
segunda pela liderança dos comandantes em todos os níveis e pelo perfeito
entendimento da missão e de sua finalidade por parte dos de todos, desenvolvendo
a sinergia no âmbito da equipe.
A Base Doutrinária, formulada a partir das possibilidades de emprego mais
prováveis, determina a natureza da OM, sua organização em termos de pessoal e
material, bem como suas missões básicas dentro dos diversos temas operativos,
para os quais deverá estar sempre preparada, através da instrução e do
adestramento. Corrobora com isso BRASIL (2014b, p. 6-7) “[...] A concepção
estratégica de emprego e o ambiente operacional indicam a natureza, a organização
e o material de dotação dos elementos de combate da F Ter.”
Partindo-se dessa premissa, verifica-se que fatores relacionados à geração
de capacidades estão diretamente ligados a estrutura organização de uma força,
dentre eles, a questão de pessoal, liderança, material, processos, estruturas, dentre
outros. Por outro lado, a organização pode ser vista como uma componente da
operacionalidade, quando se trata de estruturas organizacionais.
Segundo BRASIL (2013b, p. 12), o Exército Brasileiro deverá estar apto a
cumprir sua destinação constitucional (na paz e na guerra), segundo os conceitos
estratégicos de flexibilidade e elasticidade.
A flexibilidade relativiza o contraste entre o conflito convencional e o conflito
não convencional: reivindica, para as forças convencionais, alguns atributos
de força não convencional, e firma a supremacia e da imaginação sobre o
mero acúmulo de meios materiais e humanos. Por isso mesmo, rejeita a
tentação de ver na alta tecnologia, alternativa ao combate, assumindo-a
como um reforço da capacidade operacional. Insiste no papel da surpresa.
83
Transforma a incerteza em solução, em vez de encará-la como problema.
Combina as defesas meditadas com os ataques fulminantes (BRASIL,
46
2013b, p. 13) .
Dentro dessa concepção, as brigadas serão reestruturadas em módulos
(módulo brigada), passando a ser o elemento básico de combate da Força Terrestre,
vindo ao encontro das necessidades operativas preconizadas no amplo espectro dos
combates, onde o emprego descentralizado e simultâneo de forças cada vez
menores, nos mais diversos temas operativos, vem se tornando cada vez mais
comum. Há que se considerar, porém, o alto grau de adestramento dessas forças,
sua mobilidade e o seu equipamento altamente moderno.
Ainda segundo BRASIL (2013b, p. 13), o “módulo brigada” deverá ser a base
para a transformação de todo Exército em vanguarda, com a prioridade sobre a
estratégia da presença. Nesse sentido, o Estado-Maior do Exército visualizou três
tipos de Grandes Unidades (GU) - valor brigada, dotadas das capacidades
necessárias para atuar na área estratégica para qual tenha vocação prioritária, de
acordo com as Hipóteses de Emprego (HE):
[...] GU Leves - Brigada de Infantaria de Selva, Brigada de Infantaria Leve,
Brigada de Infantaria Leve (Aeromóvel), Brigada de Infantaria Leve
(Montanha) e Brigada de Infantaria Paraquedista. As GU leves existem em
função da necessidade da F Ter dispor de elementos dotados de acentuada
flexibilidade e capacidade operativa, em condições de deslocar-se e atuar
com rapidez e eficiência em qualquer parte do território nacional e operar no
amplo espectro dos conflitos. São as tropas mais aptas à execução de
operações de assalto aeromóvel, à realização de ações de Defesa externa
em todas as partes do território nacional e, ainda, atuar em Operações de
Apoio a Órgãos Governamentais (OAOG). [...] GU Médias – Brigada de
Infantaria Mecanizada e Brigada de Cavalaria Mecanizada. As GU médias
são dotadas de plataformas veiculares de rodas com relativa proteção
blindada, sendo vocacionadas para Operações no Amplo Espectro,
particularmente na solução de conflitos armados ou guerra. As Brigadas de
Cavalaria Mecanizada são as mais aptas para as tarefas de
Reconhecimento, Vigilância e Segurança. [...] GU Pesadas – são as
Brigadas Blindadas, constituídas pelas unidades de regimentos de cavalaria
blindados e batalhões de infantaria blindados. Como força potente e
altamente móvel, são as GU da F Ter mais aptas ao emprego no extremo do
espectro dos conflitos, como o elemento de decisão do combate terrestre.
Sua missão é cerrar sobre o inimigo, a fim de destruí-lo ou neutralizá-lo,
utilizando o fogo, a manobra, ação de choque e proteção blindada. São
aptas para as ações ofensivas altamente móveis e com grande profundidade
(BRASIL, 2014b, p. 6-6)
Para se efetivar a estratégia da presença e melhor aproveitar as capacidades
completas disponíveis, o Estado-Maior do Exército visualiza a articulação dessas
46
Brasil - Estratégia Nacional de Defesa (END), 2013.
84
Grandes
Unidades
(GU),
no
Território
Nacional,
em
cinco
grupamentos,
considerando as HE e as ameaças reais e potenciais, as dimensões continentais e
os diversos ambientes operacionais, que demandam tropas de naturezas especiais.
- Força de Atuação Estratégica (FAE)
- Força de Ação Rápida Regional (FAR)
- Força de Fronteira (F Fron)
- Força de Expedicionária (F Expd)
- Força de Emprego Geral (F Empr G)
Nesse viés, cabe mais uma vez considerar o exemplo da Alemanha no
período do “entre guerras”, época em que o Poder Relativo de Combate (PRC) era
fator primordial na estratégia da dissuasão. Naquela época o País em tela, que tem
uma área de 357.112 km2 (12 km2 menor que o Estado do Mato Grosso do Sul) e
era cercado por poderosos inimigos, possuía um exército de 100.000 homens,
regulado pelo Tratado de Versalhes, oportunidade em que foi implementado o
emprego dos blindados, como forma de se atuar estrategicamente ante as ameaças
em presença, que eram bem definidas e convencionais.
O Brasil, que possui uma área que corresponde a aproximadamente 24 (vinte
e quatro) “alemanhas”, conta atualmente com um Exército de aproximadamente
190.000 homens47, para fazer frente às ameaças irregulares do Séc XXI, atuar como
elemento base na estratégia da dissuasão frente às ameaças tradicionais, projetar
poder e apoiar os órgãos governamentais em ações subsidiárias e de Garantia da
Lei e da Ordem (GLO).
Tal situação só vem a demonstrar a importância que tem a articulação dessas
forças no Território Nacional, segundo a concepção do “Módulo-Brigada”, sua
organização e preparo, bem como a necessidade de se dispor de capacidades
estratégicas relacionadas ao Comando e Controle, Inteligência, Sensoriamento,
Mobilidade, de Guerra Irregular, dentre outras, pois a dissuasão pautada no PRC
tem grande valor apenas para as ameaças convencionais tradicionais, o maior
exemplo nesse sentido foram os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, no
EUA.
47
Dado extraído do Almanaque Abril 2012.
85
Verifica-se que, com base no estudo das ameaças, no Capítulo 3, deste
trabalho, se dispor de ter tropas organizadas, preparadas e adestradas para atuarem
no ambiente irregular assimétrico é uma necessidade premente no momento atual.
No que se refere à questão de pessoal, parte considerável do Exército é
composta por militares profissionais e temporários. Os profissionais das armas são
àqueles oriundos de escolas de formação, dentre elas a Academia Militar das
Agulhas Negras (AMAN) e Escola de Sargentos das Armas (EsSA); já os
temporários das armas são os oriundos dos Centros de Preparação de Oficiais da
Reserva (CPOR) e Núcleos de Preparação de Oficiais da Reserva (NPOR), bem
como as praças engajadas (núcleo base) e recrutas (efetivo variável) provenientes
do Serviço Militar Obrigatório.
Esses militares são distribuídos dentro dos Quadros de Cargos (QC) das OM
do Exército. Esse quadro, integrante do QO, divide-se em dois outros quadros, o
Quadro de Cargos Previstos (QCP) e o Quadro Complementar (QC). O primeiro
destina-se aos militares profissionais e temporários do núcleo base, enquanto que o
segundo destina-se aos militares convocados em caso de mobilização. Este quadro
é ocupado anualmente pelos recrutas convocados para o Serviço Militar Inicial, o
Efetivo Variável (EV).
Assim, uma parte considerável do efetivo de praças do Exército é composta
por militares do efetivo variável, àqueles recrutados anualmente, no âmbito da
sociedade brasileira, através do Serviço Militar Obrigatório, em consonância com a
Lei do Serviço Militar e seu Regulamento, com o objetivo maior de se compor uma
reserva mobilizável. Além desse objetivo, a Política Nacional de Defesa destaca a
importância do Serviço Militar Obrigatório no desenvolvimento de uma mentalidade
de defesa no seio da sociedade brasileira.
A base da defesa nacional é a identificação da Nação com as Forças
Armadas e das Forças Armadas com a nação. Tal identificação exige que a
Nação compreenda serem indispensáveis as causas do desenvolvimento e
da defesa. O Serviço Militar Obrigatório é essencial para a garantia da
defesa nacional. Por isso será mantido e reforçado. [...] No Exército,
respeitada a necessidade de especialistas, e ressalvadas as imposições
operacionais das Forças de Emprego Estratégico, a maioria do efetivo de
soldados deverá ser recrutas do Serviço Militar Obrigatório (BRASIL, 2013b,
p. 24).
Nesse sentido, cresce de importância o processo de seleção dos reservistas,
principalmente no que cabe ao grau de escolaridade, higidez física e mental, e
86
formação moral, capacidade analítica, dentre outros atributos; pois desse universo
sairão os sargentos temporários, cabos e soldados do efetivo profissional que
assumirão funções críticas no amplo espectro dos combates do século XXI, cuja
falta de preparo poderá comprometer estrategicamente o sucesso das operações.
Stringer (2010, p. 2), apoiando-se no artigo “The Strategic Corporal:
Leadership in the Three Block War” (O Cabo Estratégico: Liderança na Guerra de
Três Quadra), do general Charles C. Krulak, do Unitedes States Marine Corps,
afirma que as interações interculturais e interagências nas operações de
estabilidade e de contrainsurgência, atuais e futuras, caberão cada vez mais aos
líderes de pequenas frações, interferindo diretamente no sucesso das operações
com relevância nos níveis operacional e estratégico.
Ainda com relação ao pessoal, segundo BRASIL (2013b, p. 13) todas as
brigadas das Forças de Ação Estratégicas (FAE) devem possuir recursos humanos
motivados e com efetiva capacitação operativa, peculiares da Brigada de Operações
Especiais. Soma-se a isso a importância que vem sendo dada pelo Alto Comando
do Exército no recompletamento dos efetivos dessas Grandes Unidades, priorizando
a movimentação de oficiais, subtenentes e sargentos de carreira.
A manutenção de efetivos completos, com certeza é um fator que impacta
positivamente a operacionalidade de uma tropa, mas infinitamente superior a isso é
a existência, em todos os níveis de comando, de líderes experimentados, dotados
de elevada capacitação técnico-profissional e consciência situacional relacionada
aos mais diversos temas, aspectos indispensáveis ao profissional que se prepara
para atuar nos ambientes assimétricos contemporâneos.
Para corroborar com isso, segundo Stringer (2010, p. 4) “[...] As operações
militares do pós-Guerra Fria são extremamente descentralizadas, exigindo que
homens e mulheres de todos os níveis em toda a Força exerçam tarefas complexas
de liderança e gerenciamento.”
A preparação material constitui-se outra vertente de extrema importância na
organização de uma Força, pois, ao lado da doutrina e da estrutura organizacional,
contribui para a geração do poder de combate. Nesse sentido, cresce de importância
os Quadros de Dotação de Materiais (QDM), pois são através destes que são
alocados todos os equipamentos e materiais de defesa destinados às Organizações
Militares do Exército, considerando sua natureza e base doutrinária.
87
Nesse sentido, diversas ações a nível estratégico e operacional vêm sendo
desenvolvidas, no sentido de se adquirir novos materiais de defesa para se reduzir a
demanda reprimida, ocasionada pela obsolescência de antigos materiais e pela falta
de investimentos, além de contribuir na geração de novas capacidades.
O Projeto de Recuperação da Capacidade Operacional da Força (RECOP),
um dos sete Projetos Estratégico do Exército Brasileiro, indutores da transformação
do Exército para a “Era do Conhecimento”, é um exemplo dessas ações. O RECOP
tem por objetivo prioritário o recompletamento dos Quadros de Dotação de Material
(QDM) das organizações militares operacionais com equipamentos modernos,
dotados de alta tecnologia; além de contribuir no adestramento da tropa, no que
tange à aquisição de suprimentos, em especial: munições, combustíveis e
lubrificantes.
Os Projetos Estratégicos do Exército são: Sistema Integrado de
Monitoramento de Fronteiras (SISFRON); Sistema Integrado de Proteção de
Estruturas Estratégicas Terrestres (PROTEGER); Defesa Cibernética;
Guarani; Defesa Antiaérea, Astros 2020; e Recuperação da Capacidade
48
Operacional da Força (RECOP) (BRASIL. 2012c, p. 10) .
O RECOP compõe-se de dezessete projetos integrantes voltados para a
aquisição de novas viaturas operacionais, munição, armamentos leves e pesados,
embarcações, optrônicos, fardamento e equipamentos individuais, materiais de
comunicações, combustíveis e lubrificantes, dentre outros. Além disso, prevê outros
projetos direcionados para a manutenção e recuperação de diversos materiais e
equipamentos.
Outro Projeto Estratégico do Exército que vem a corroborar com uma melhor
preparação material da Força é o Projeto Guarani. Esse projeto visa criar uma nova
família de blindados sobre rodas para equipar as já conhecidas Unidades de
Cavalaria Mecanizada e as novas Unidades de Infantaria Mecanizada, oriundas da
evolução da antiga Infantaria Motorizada. O presente projeto, alinhado com a
concepção do “módulo brigada”, poderá ser considerado a base material de uma
grande transformação na estrutura do Exército.
Segundo BRASIL (2012c, p 36), esse projeto vem ao encontro do que se
preconiza hoje no mundo, em termos de forças regulares, para atuarem no amplo
espectro dos conflitos, ou seja, tropas leves, dotadas de grande mobilidade e com
48
Exército Brasileiro – Projetos Estratégicos. Revista Verde Oliva. Nr. 217 (Nov 2012).
88
relativa proteção blindada. Além disso, as viaturas da família Guarani possuem
características que atendem aos critérios da flexibilidade e elasticidade, dentre elas:
capacidade anfíbia e de operação noturna, transportabilidade por aeronaves, baixa
assinatura térmica e de radar, aviso de detecção por laser, capacidade de
navegação por GPS.
Uma das principais vulnerabilidades desses projetos reside nos cortes
orçamentários e contingenciamentos por parte do governo federal, que acabam por
alongar a execução dos mesmos, gerar mudanças em seus escopos, visando
adequá-los às novas realidades financeiras, e até mesmo inviabilizá-los em parte,
através da eliminação ou transformação de subprojetos ou projetos integrantes.
Vulnerabilidades como essa interferem de sobremaneira na instrução e no
adestramento da Força, bem como no cumprimento de sua missão constitucional,
além disso, prejudica o funcionamento e a manutenção dos materiais de defesa. A
Dotação de Munição Anual Reduzida (DMAR) é um exemplo dessa vulnerabilidade.
Anualmente, as OM têm recebido uma quantidade de munição aquém da prevista,
repercutindo na instrução da tropa e no seu adestramento. Nesse sentido, módulos
de tiro, previstos nas Instruções Gerais de Tiro com Armamento do Exército
(IGTAEx)49, têm deixado de ser cumpridos na íntegra, como é previsto.
A Dotação de Munição Anual (DMA) é a quantidade de munição necessária
para a OM desenvolver as atividades de instrução e de adestramento,
conforme previsto nas IGTAEx e diretrizes específicas. Ao final do Ano de
Instrução, o total da DMA deve ter sido consumida. [...] O COTER, a partir
de 2007, em virtude dos baixos níveis dos estoques de munição, emitiu uma
Diretriz de Consumo de Munição, estabelecendo alterações nas IGTAEx,
necessárias ao ajustamento à DMA. Convencionou-se chamar de DMA
Reduzida (DMA-R) o cálculo de munição necessária para cumprir a diretriz
supracitada (BRASIL, 2012b, p. 3-12).
Por outro lado, a aquisição de materiais de uso dual tem contribuído para o
aprimoramento de algumas capacidades que já estavam reduzidas em função da
obsolescência dos materiais tipicamente militares. Neste contexto se enquadram
basicamente materiais e equipamentos de engenharia, como pontes e viaturas
especiais, que foram adquiridos, com verbas extraorçamentárias (de outros
49
Documento de instrução que regula todas as atividades de tiro com armamento do EB, definindo os
Módulos de Tiro, as condições de execução e a quantidade de munição a ser empregada por arma e
instruendo, considerando a Qualificação Militar (QM) e a função de cada militar.
89
ministérios), para serem empregados de maneira emergencial em catástrofes
provocadas pela natureza.
Há que se destacar, porém, que o QDM está diretamente ligado à base
doutrinária das Organizações Militares (OM), regulando de maneira rígida a
distribuição de todo o material de emprego militar por Unidades, Subunidades e
Frações, bem como dentro de cada uma das funções previstas no Quadro de
Organização (QO).
Dessa maneira, os materiais de emprego coletivo são distribuídos às diversas
Frações50, a exemplo das metralhadoras pesadas, morteiros e canhões; enquanto
que os de emprego individual são partilhados entre os militares, pertencentes a uma
determinada OM, de acordo com a sua função exercida no QO, exemplo dos
armamentos de uso individual.
Outro aspecto a se considerar é o acréscimo de missões à base doutrinária
das OM, além daquelas elencadas em seu QO, quando da sua criação, e o
crescente emprego em ações subsidiárias de apoio aos órgãos governamentais.
Tais atividades por um lado têm propiciado um ganho em termos de materiais,
muitos deles não previstos no QDM, mas sob outro enfoque, tem prejudicado o
adestramento da tropa, em função do desvio da atividade fim para atuação em áreas
afetas a outras instituições, além dos gastos orçamentários com vista a
sustentabilidade desses materiais.
Por fim, verifica-se que o sucesso nos conflitos da atualidade depende, em
parte, da organização de forças modulares e flexíveis, dotadas de grande
mobilidade, muito bem equipadas e adestradas. Ademais, da exigência de quadros
profissionais altamente especializados, de liderança experimentada, e de uma
criteriosa seleção de pessoal temporário, em especial os que prestam o Serviço
Militar, pois parte considerável desse efetivo acaba exercendo funções de comando
nas pequenas frações, tendo que tomar decisões que, suas consequências, por
vezes repercutem nos níveis operacional e estratégico.
50
É a subdivisão básica de uma Unidade Militar (Batalhão/Grupo) apta a receber missões dentro de
um quadro tático. Normalmente, recebem o nome de Pelotões e são comandados por um oficial
subalterno (Tenente). As Subunidades (Companhias) são compostas por Pelotões/Frações e são
comandadas por um oficial intermediário (Capitão).
90
4.5 PREPARO E EMPREGO
O preparo da Força está ligado diretamente à sua missão e às suas
possibilidades reais de emprego, tanto em situação de guerra, como em situação de
não guerra. No primeiro caso, quando a Expressão Militar do Poder Nacional for
empregada em toda sua plenitude (explorando a totalidade de suas características);
já no segundo, quando essa expressão for empregada de maneira limitada, sem
explorar a plenitude de suas características, exceto em casos especiais, onde o
poder de combate poderá ser empregado de forma limitada (em situação de
normalidade institucional ou não).
[...] Cabe ao Exército o preparo da F Ter para cumprir sua missão
constitucional da defesa da Pátria e da garantia dos poderes constitucionais,
da lei e da ordem. Além disso, a F Ter deve cumprir as atribuições
subsidiárias gerais previstas na legislação complementar, que são: cooperar
com o desenvolvimento nacional e com a defesa Civil, bem como apoiar a
política externa do País e participar de operações internacionais de paz e de
ajuda humanitária (BRASIL, 2014b, p. 7-1)
Segundo o SIPLEx 1, aprovado pela Portaria nº 766 - Cmt Ex, de 7 de
dezembro de 2011, a missão do Exército é “Defender a Pátria, Garantir os
Poderes Constitucionais, a Lei e a Ordem. Apoiar a Política Exterior do País.
Cumprir Atribuições Subsidiárias. [...] Dentre as condicionantes para o
cumprimento da Missão do Exército, conforme documento supracitado, o
Adestramento - “capaz de transformar homem, tropa e comando - desde os
escalões elementares - num conjunto harmônico operativo e determinado no
cumprimento de qualquer missão.” é extremamente dependente do ensino
profissional no Exército (BRASIL, 2012b, p. 1-1).
Dentro dessa perspectiva, a Força Terrestre (F Ter) deverá estar em
condições de atuar no amplo espectro dos conflitos (em situação de guerra e de não
guerra), fazendo frente a uma gama de ameaças, algumas delas elencadas no
capítulo anterior, além de contribuir com o desenvolvimento nacional e, quando for o
caso, atuar em apoio à defesa civil e aos órgãos de segurança pública (quando da
comprovada ineficiência destes), dentre outras, como operações internacionais de
paz e ajuda humanitária.
Há que se considerar, portanto, nesse viés, a natureza dos conflitos
assimétricos de quarta geração, o Terrorismo Transnacional Contemporâneo, as
Organizações Criminosas Transnacionais (OCT), o Crime Organizado, a violência
extremista, de cunho social, presente nos grandes centros do País, as insurgências,
o extremismo religioso, dentre outros.
91
Não obstante a tudo isso, mas distantes na linha temporal ou na possibilidade
de ocorrência, estão presentes as tradicionais hipóteses de emprego, a ameaça ao
pré-sal, a luta por recursos hídricos e alimentos, a biopirataria, a busca por recursos
minerais estratégicos, além da presença estrangeira em áreas de vazio de poder,
onde os interesses internacionais mostram-se convergentes, como é o caso das
reservas indígenas na região amazônica (delimitadas de forma contígua), dentre
outras ameaças.
Observa-se, porém, que as ameaças constantes do primeiro bloco, bastante
comuns nos dias de hoje, possuem características que as aproximam bastante,
principalmente no que se refere ao modus operandi. Em todas elas são utilizadas,
em maior ou menor escala, Táticas e Técnicas de Procedimentos (TTP) peculiares
da guerra irregular (urbana e rural), para as quais a F Ter deverá estar preparada.
Assim, cresce de importância o Sistema de Instrução Militar do Exército
Brasileiro (SIMEB).
O Sistema de Instrução Militar do Exército Brasileiro (SIMEB) é voltado para
o adestramento da Força Terrestre como instrumento de combate, para a
formação das praças temporárias e para a adaptação de técnicos civis à
vida militar. Esse sistema é coordenado pelo Comando de Operações
Terrestres (COTER). [...] O Sistema de Instrução Militar do Exército (SIMEB)
é o documento de alto nível da atividade de Preparo da Força Terrestre, de
caráter normativo e doutrinário, que estabelece os fundamentos e a
sistemática da Instrução Individual e do Adestramento (BRASIL, 2012b, p. 12).
Ao se analisar a citação acima, levando-se em conta as ameaças estudadas,
a missão da F Ter, sua organização e articulação Território Nacional, bem como a
necessidade de se manter uma reserva mobilizável compatível, verificar-se a
complexidade que é instruir e adestrar uma força, como efetivo instrumento de
combate, para desencadear de forma simultânea ou sucessiva, em maior ou menor
intensidade, tarefas elencadas nos quatro tipos básicos de operações (Ofensivas,
Defensivas, de Pacificação e de Apoio aos Órgãos Governamentais).
Somam-se a isso, as dimensões continentais do Brasil, que determinam a
manutenção de forças de naturezas peculiares capazes de atuar em diversos
ambientes operacionais presentes em seu território (selva, pantanal, caatinga,
cerrado, pampas, dentre outros).
Nesse contexto, há que se considerar, também, as restrições orçamentárias,
que afeta diretamente o preparo da Força, a baixa qualidade do ensino público, que
92
impacta a formação dos sargentos, cabos e soldados temporários, os problemas de
ordem social que incorporam à instituição junto com o conscrito, as ações
subsidiárias de apoio aos órgãos governamentais que a desviam de sua atividade
fim.
No que tange aos recursos financeiros, para que sejam alcançados os
objetivos de instrução e adestramento, o Comando de Operações Terrestres
(COTer) emite, anualmente, o Programa de Instrução Militar (PIM), documento do
SIMEB que tem como objetivo orientar o planejamento do ano de instrução, com
base na realidade nacional do momento, priorizando o esforço de instrução e
adestramento com base no orçamento disponível.
Consta também desse Programa a divisão do ano de instrução, os
grupamentos de instrução, os níveis a serem atingidos e os módulos de
adestramento a serem cumpridos no respectivo ano, dentre outras diretrizes.
Segundo BRASIL (2012b, p. 2-1) o ano de instrução dos cabos e soldados é
dividido da seguinte maneira:
- Instrução Individual Básica (IIB), com 08 (oito) semanas de duração, que
tem por finalidade formar o combatente básico, habilitando-o a sobreviver no campo
de batalha. Essa instrução é direcionada aos recrutas que incorporam à instituição
através do Serviço Militar Obrigatório;
- Instrução Individual de Qualificação (IIQ), com 12 (doze) semanas de
duração, tem por finalidade qualificar o soldado recruta, formar o futuro cabo e
requalificar os cabos e soldados engajados ou no primeiro reengajamento. Nessa
fase, os militares são distribuídos nas diversas funções do QCP e QC da OM, e
aprendem a manusear e empregar de forma técnica e tática (com ênfase na
primeira) os MEM distribuídos no QDM da OM;
- Capacitação Técnica e Tática do Efetivo Profissional (CTTEP): Essa
instrução destina-se aos militares do Efetivo Profissional (EP), é desenvolvida de
maneira simultânea com as duas primeiras, havendo uma maior flexibilidade por
parte da Direção de Instrução, uma vez que parte desse efetivo contribui na
formação do recruta e na vida administrativa da OM. Seu objetivo é a manutenção
de padrões e a atualização de conhecimentos técnicos, táticos, doutrinários e
administrativos;
- Adestramento: Esse período divide-se em três fases, o Programa de
Adestramento Básico para as Operações de Garantia da Lei e da Ordem (PAB/GLO)
93
com duração de três semanas (02 de instrução e 01 de adestramento), o Período de
Adestramento Básico (PAB) e o Programa de Adestramento Avançado (PAA). No
adestramento as OM operacionais cumprem os Módulos de Adestramento previstos
pelo COTer, de acordo com sua natureza e base doutrinária. O PAB/GLO é
desenvolvido antes da IIQ, com o objetivo de se preparar a força o mais cedo
possível para atuar em GLO, já o PAB visa adestrar as OM operacionais, suas
Subunidades e Frações. Este adestramento é executado pela própria OM. No que
se refere ao PAA, este é executado pelos Grandes Comandos, sob coordenação do
COTer.
O ano de instrução tem em torno de 34 (trinta e quatro) semanas de
instrução. Nesse período, são formados os soldados e cabos, que futuramente
poderão se candidatar ao Curso de Formação de Sargentos Temporários (CFST),
caso cumpram os requisitos previstos na legislação específica. É importante
destacar que durante esse período a carga horária instrução sofre alterações em
função de operações reais em apoio aos órgãos governamentais (ações
subsidiárias).
Essas alterações impõem, muitas das vezes, à Direção de Instrução das OM
a supressão de Objetivos de Instrução previstos para as diversas fases, provocando
lacunas na formação do soldado.
Ainda com relação à instrução e ao adestramento da Força, os ProgramasPadrão (PP) constituem-se em instrumentos fundamentais nesse processo, pois
além de padronizar a execução da instrução no âmbito do Exército, definem as
missões táticas a serem desenvolvidas pelas OM operacionais por ocasião do
PAB/GLO, PAB e PAA, elencando os documentos doutrinários necessários à
preparação intelectual, ao planejamento e a execução dessas missões.
Nesse sentido, todas as atividades de instrução e adestramento das OM do
Exército constam, a priori, de um PP específico, considerando suas naturezas
(Infantaria, Cavalaria, Artilharia, etc.), o ambiente operacional em que atuam (Selva,
Pantanal, Montanha, Catinga, etc.), bem como suas bases doutrinárias elencadas a
partir das HE e ameaças mais prováveis.
A presente concepção encontra-se alinhada com as estruturas dos exércitos
convencionais da “era industrial” (Guerra de Terceira Geração), pós II GM, onde
prevaleciam grandes operações ofensivas e defensivas, desencadeadas em fases
distintas da manobra.
94
Isso se justifica, porque durante o período da “Guerra Fria” a maioria das
ameaças demandava o preparo de forças convencionais dotadas de elevado Poder
Relativo de Combate (PRC). Por outro lado, forças menores, de elevado rendimento,
altamente adestradas eram instruídas para atuarem na Defesa Interna, em
operações contra forças irregulares, o que, de certa maneira, caracterizava uma
atuação em amplo espectro, já naquela época. Neste contexto, surgiram as UOPES,
SUOPES e PELOPES.
Hoje, porém, a situação inverteu-se, pois o combate assimétrico de quarta
geração, onde se desenvolve o presente estudo, demandam a organização, o
preparo e emprego de forças menores, dotadas de características especiais, para
atuarem num ambiente de guerra irregular.
Exemplos dessa forma de atuação foram verificados no Iraque, durante a
ocupação norte-americana, pós de 2001 (ambiente urbano); no Mali, por ocasião da
“Operação Serval”, desenvolvida pela França em 2013 (ambiente rural-urbano); no
Afeganistão, durante a “Operação Anaconda” conduzida pelos EUA contra os
Talibãs, em março de 2002 (ambiente rural), dentre outras atuações.
Nesse contexto, há que se distanciar do viés político em que se deram as
operações contra forças irregulares no Brasil (Operações Contraguerrilhas), nas
décadas de 1960 e 1970, bem como por ocasião da atuação de tropas brasileiras na
Força Interamericana de Paz (FAIBRÁS), na Republica Dominicana, em 1965, e
colher com lisura grande parte os ensinamentos técnicos e táticos obtidos naquele
período, pois como já foi verificado anteriormente por ocasião desse estudo, parte
considerável das ameaças contemporâneas se utilizam de TTP peculiares da guerra
irregular.
A exemplo disso faz-se necessário destacar que durante a “Operação
Anaconda”, realizada no Afeganistão, no período de 04 a 18 de março de 2002, já
citada, os EUA, com países aliados e forças afegãs treinadas pelo Exército dos
EUA, empregaram uma tática preconizada nas operações contraguerrilhas nas
décadas de 1960 e 1970. Essa tática consiste, basicamente, no emprego de duas
forças principais, uma força mais estacionária para conter o inimigo em uma posição
favorável a sua destruição (bigorna), e outra para atuar ofensivamente com o
objetivo de pressionar o inimigo contra a primeira (martelo) – Martelo e Bigorna.
95
Figura 3 - Operação de Martelo e Bigorna
Fonte: palestra do US Army na 10ªRM, 2002
Outras manobras e técnicas especiais, peculiares das pequenas frações em
operações contra forças irregulares, vêm sendo aplicadas no combate assimétrico,
de forma combinada, por escalões maiores (Brigada/Batalhão), dentre elas, as
operações de incursão, infiltração, emboscada, dentre outras.
Nesse viés, há que se considerar o oponente irregular tanto no contexto de
operações convencionais de grande vulto, como numa guerra generalizada contra
um ator externo, bem como no contexto de uma operação de pacificação ou até
mesmo em Operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), num quadro de apoio
aos órgãos governamentais. O que delineia esse quadro não são as tendências
político-ideológico do momento, mas o as Técnicas e Táticas de Procedimento
empreendidas pelo elemento hostil, que demanda respostas efetivas por parte de
tropas especializadas em operações contra forças irregulares.
Soma-se a isso, a atuação de grupos terroristas como o Hezbollah, no Sul do
Líbano, que desenvolveu a expertise de empregar armas convencionais no combate
irregular (“O novo emprego de velhas armas.”), potencializando o poder destrutivo
dessas forças, sem, contudo assumir a postura de um exército regular; e o Hamas,
96
na Faixa de Gaza, que emprega baterias de foguetes contra Israel, utilizando TTP
da guerra irregular.
Cabe um adendo, no sentido de que o emprego de armas convencionais de
elevado poder de destruição não é algo novo, pois a “Frente Polisario” em sua
guerrilha contra o Marrocos já se utilizava dessas técnicas. Fernando Pinto Cebrian
em sua obra LA GEOGRAFIA Y LA GUERRA, 1985, transcreve uma notícia da
imprensa, veiculada a 23 de maio de 1985 a partir da qual destaca essa forma de
atuação.
[...] ”Si Marruecos persiste en ocupar nuestra pátria y en continuar su guerra
da agresión, nos va a obligar a hacer ló que siempre hemos querido evitar:
utilizar otros medios de lucha”, señaló Abdelaziz respectos a una eventual
guerrilla urbana. Para Abdelazis, la Yihad o guerra santa islámica es una
forma válida para todos aquellos pueblos cuyos derechos son violados.>>”
(CEBRIAN, 1985, p. 133).
Sobre a citação supracitada, Cebrian destaca:
[...] En este caso es, de todas formas, relativo hablar de paso de la guerrilla
rural a la urbana, en cuanto que los elementos armados del Frente Polisario
se han convertido, prácticamente, en fuerzas <<regulares>>, ante sus
procedimientos de combate, médios y armas empleadas (al parecer,
cuentan com misiles antiaéreos SAM-6 y Carros de Combate <<T-55>>, de
frabricación sovoética) (CEBRIAN, 1985, p. 133)
Outros tipos de ameaças contemporâneas, enquadradas no quadro de não
guerra, dentre elas o crime organizado, têm exigido o emprego de forças federais no
cenário doméstico. Nesse sentido há que considerar o amplo emprego de TTP
peculiares da guerra irregular, combinadas com uma meticulosa preparação do
“Espaço de batalha”51, ações de interdição e desenvolvimento de campanhas de
propaganda por parte dessas organizações, além do uso de armamentos pesados,
como metralhadoras antiaéreas, rocket-propelled grenade (RPG) e granadas de
bocal, dentre outros.
Isso ficou bastante evidente por ocasião da ocupação do “Complexo do
Alemão” e da “Penha”, por parte do Exército Brasileiro, em 2010, oportunidade onde
se verificou a existência de diversos obstáculos feitos de concreto e trilhos de trem,
que eram batidos por fogos diretos a partir de posições fortificadas, segundo a
51
O Espaço de Batalha é, portanto, a dimensão física e virtual onde ocorrem e repercutem os
combates, abrangendo as expressões política, econômica, militar, científico-tecnológica e
psicossocial do poder, que interagem entre si e entre os beligerantes (BRASIL, 2014a, p. 2-7).
97
doutrina da guerra regular, construções de concreto armado com seteiras. Naquela
oportunidade ficou evidente também a preparação de eixos de fuga, utilizando redes
pluviais existentes na área, além do pré-posicionamento de armas, drogas e
munições, técnicas puramente irregulares.
Outras ações menores, mas não menos importantes foram impetrada por
essas organizações criminosas com o intuito de causar o terror no meio da
população e fragilizar o poder constituído, dentre elas o assassinato de policiais, que
guardadas as devidas proporções, nada mais é do que uma forma de terrorismo
seletivo; além da destruição, coordenada, de ônibus em vias públicas, ataques a
postos policiais dentro de comunidades, ocorrências que impactaram à mídia
nacional e internacional.
Dessa maneira, verifica-se a mescla de TTP da guerra irregular com técnicas
e táticas tipicamente convencionais, características do combate assimétrico de
quarta geração, o que demanda forças adequadamente treinadas para atuarem
nesse tipo de ambiente. Essa preparação não deve se restringir apenas às tropas,
mas também aos Estados-Maiores.
Algumas ações, relativas ao preparo e emprego da F Ter, foram tomadas no
sentido de ampliar o espectro de atuação da F Ter, face às novas demandas de
segurança. Um exemplo nesse sentido é o preparo de forças para atuarem na
Garantia da Lei e da Ordem (situação de não guerra). Nesse sentido, foi editado o
EB70-PP-11.012 - PROGRAMA-PADRÃO DE INSTRUÇÃO DE QUALIFICAÇÃO DO
CABO E DO SOLDADO - INSTRUÇÃO DE GARANTIA DA LEI E DA ORDEM E
INSTRUÇÃO COMUM (1ª Ed, 2013), onde constam alguns objetivos de instrução
voltados para essa forma de atuação.
Verifica-se, porém, que os objetivos de instrução preconizados no presente
documento priorizam o preparo da Força para Operações Tipo Polícia, a maioria
delas previstas nos antigos manuais de Operações de Defesa Interna, dentre eles as
Instruções Provisórias OPERAÇÕES URBANAS DE DEFESA INTERNA (IP 31-17),
OPERAÇÕES CONTRAGUERRILHAS (IP 31-16), bem como no relatório “A
Experiência do FAIBRÁS na República Dominicana”, 1966.
Essa forma de preparo vem sendo ratificada anos a fio por ocasião de
operações conduzidas pelo Ministério da Defesa, dentre elas a “Operação Ágata” e
“Hiléia-Pátria”, onde as Operações Tipo Polícia vêm se consagrando em função dos
protocolos e dispositivos legais.
98
Por outro lado, as Operações de Combate, preconizadas nesses manuais,
que na atualidade se enquadrariam mais no quadro das operações de Pacificação,
Contra Forças Irregulares ou de Grande Vulto, deixaram de ser exploradas,
ocasionando a perda dessa capacidade por parte da F Ter, justo no momento em
que ensinamentos, descritos nos manuais em questão, vêm sendo empregados
amplamente no combate assimétrico de quarta geração.
Algumas ações, porém, têm sido direcionadas no sentido de preparar forças
para atuarem no amplo espectro dos combates, priorizando as Operações de
Combate em ambiente não convencional, previstas nos antigos manuais. A
“Operação Poço Preto”52, executada anualmente pelo 2ª Divisão de Exército, com a
participação da Brigada de Infantaria Paraquedista e de elementos da Brigada de
Operações Especiais, é um exemplo do emprego de tropas convencionais em ações
com características especiais, dentro de um quadro de operações de baixa
intensidade, contra forças irregulares.
No ano de 2012, o referido adestramento contou com a participação do 3º /3º
Grupo de Aviação de Caça, Esquadrão FLEXA (Campo Grande-MS), o que
determinou o caráter conjunto da operação e possibilitou o treinamento de Guias
Aéreos Avançados (GAA). Além disso, participaram da operação elementos da
Polícia Militar de São Paulo (PMSP), evidenciando o caráter interagência do
exercício.
No que tange aos ensinamentos colhidos por ocasião da operação em
questão, realizada em 2012, consta do relatório o seguinte:
[...] A atual conjuntura nacional propicia o maior emprego da Força Terrestre
em Op tipo polícia, seja em GLO seja em Força de Pacificação sob a égide
da ONU, como é o caso da Op ARCANJO, nos conjuntos de favelas da
PENHA e do ALEMÃO no RIO DE JANEIRO-RJ e do HAITI. Por outro lado,
observa-se que no cenário internacional avultam de importância as
operações de combate nível pequenas frações (SU e Pel) em conflitos de
amplo espectro em ambiente não-linear. Isto posto, observa-se que as
tropas brasileiras estão perdendo, grosso modo, a capacidade de realizar
operações de combate de pequenas frações tipo patrulha, reflexo do cenário
nacional atual. A Op POÇO PRETO teve por fim, entre outros, recuperar
53
essa capacidade (BRASIL, 2012d, p.13) .
52
Exercício de adestramento, em operações no amplo espectro, conduzido pela 2ª Divisão de
Exército.
53
Exército Brasileiro - Relatório da Operação Poço Preto III. 2ª Divisão de Exército, 2012.
99
Nesse escopo, verifica-se que o exercício em tela vem ao encontro do que
preconiza a Estratégia Nacional de Defesa, quando da apresentação de suas
diretrizes.
[...] 7. Unificar e desenvolver as operações conjuntas das três Forças, muito
além dos limites impostos pelos protocolos de exercícios conjuntos. [...] 12.
Desenvolver o conceito de flexibilidade no combate, para atender aos
requisitos de monitoramento/controle, mobilidade e presença. Isso exigirá,
sobretudo na Força Terrestre, que as forças convencionais cultivem alguns
predicados atribuídos a forças não convencionais (BRASIL, 2013b, p. 3).
[...] A conveniência de assegurar que as forças convencionais adquiram
predicativos comumente associados a forças não convencionais pode
parecer mais evidente no ambiente da selva amazônica. Aplicam-se eles,
porém, com igual pertinência, a outras áreas do País. Não é uma adaptação
a especificidades geográficas localizadas. É resposta a uma vocação
estratégica geral (BRASIL, 2013b, p. 6).
As citações acima só vêm a corroborar com o que já foi estudado no quadro
das ameaças contemporâneas, principalmente no que se refere às suas técnicas e
táticas irregulares.
De outro modo duas outras questões chamam a atenção, pois está
diretamente relacionada ao preparo e emprego da F Ter, a primeira refere-se à
participação do EB em Forças de Paz, sob a égide da Organização das Nações
Unidas (ONU), enquanto que a outra se refere à Estratégia da Resistência.
No primeiro caso, verifica-se a necessidade de se preparar forças capazes de
atuarem em ambientes irregulares, não lineares, pois tem se verificado que as
missões de paz da ONU estão sendo cada vez mais voltadas para a imposição da
paz do que para a manutenção da paz, o que demanda um emprego maior de força
contra o oponente, cada vez mais irregular. Mesmo nas operações de manutenção
da paz tem se verificado um emprego maior da força por parte das tropas da ONU,
neste caso amparado pelo Capitulo VII da Carta das Nações Unidas.
Há que se considerar, nesse viés, a possibilidade do envio de tropas do
Exército Brasileiro para atuarem como força de paz no Líbano, uma vez que a
Marinha do Brasil já se encontra naquele país integrando a Força Interina das
Nações Unidas no Líbano (UNIFIL)54. Nesse contexto, especial atenção deve ser
54
A Força Interina das Nações Unidas no Líbano (UNIFIL) foi criada em 2006 de acordo com a
Resolução 1.701/2006 do Conselho de Segurança das Nações Unidas, em atendimento à solicitação
do Governo Libanês.
100
dada ao Hezbollah, que exerce forte influência principalmente na Região Sul
daquele país.
Com relação ao segundo, a necessidade está relacionada ao preparo e
emprego de forças com características não-convencionais. Nesse sentido, cresce de
importância ainda mais o domínio das técnicas e táticas irregulares, e mais que isso,
a combinação destas com as preconizadas no combate convencional. Uma
vantagem a ser explorada com relação ao preparo de tropas para atuar contra forças
irregulares é que para se combater é necessário se conhecer as TTP do inimigo.
Nesse contexto, o Governo Brasileiro destaca, através da END, a importância
de se preparar e manter forças aptas a desencadearem uma guerra assimétrica na
Região Amazônica contra um inimigo de poder militar muito superior que, por
iniciativa isolada ou através de uma coligação, venha a questionar, sob os mais
diversos pretextos, a soberania brasileira sobre a área em questão. Esse objetivo
estratégico vem ao encontro das ameaças elencadas no Capítulo 3, em especial no
que se referem à Amazônia, às questões indígenas, aos recursos minerais e às
questões humanitárias.
Ainda com relação ao preparo emprego da F Ter, há que se considerar a
ameaça terrorista, tendo em vista que o Brasil poderá vir a ser um “país palco” de
ações perpetradas por organizações internacionais por ocasião da realização da
Copa do Mundo de Futebol, de 2014 e dos Jogos Olímpicos de 2016. Nesse viés há
que se ter força para atuar nas ações de contraterror e antiterror.
Para as ações de contraterror existem tropas especializadas, dentre elas os
Destacamentos de Contraterror da Brigada de Operações Especiais; já para as
ações de antiterror, há a necessidade de se preparar tropas para cumprirem as
missões decorrentes de tal atividade, preferencialmente formada por elementos
profissionais e do NB, previamente selecionados e altamente adestrados, uma vez
que em casos extremos, essa força poderá vir a executar ações diretas com o fim de
neutralizar uma ameaça.
Numa outra vertente, mais direcionada ao emprego, estão as ações
subsidiárias
e
de
apoio
aos
órgãos
governamentais,
que
têm
crescido
substancialmente nos últimos anos. Essas ações ocorrem, por vezes, de maneira
não planejada, impactando o ano de instrução e, por conseguinte, a formação dos
soldados. Há que se analisar a visibilidade dessas ações perante a sociedade sob
pena de desmotivar a Força, além de prejudicar seu adestramento.
101
Segundo Ellis (2012, p. 20), até 2017 as Forças Armadas latino-americanas
serão empregadas cada vez mais em missões de ordem interna, em função das
necessidades dos países e da luta por recursos institucionais.
Finalizando a presente abordagem, observa-se que o preparo e emprego da F
Ter deve estar direcionado para as ameaças contemporâneas (presentes nos
ambientes externo e doméstico), num contexto de guerra e de não guerra, sem
descuidar de seus modus operandi. Nesse contexto, há que se adestrar tropas para
atuar num ambiente de guerra irregular.
O Sistema de Instrução Militar do Exército Brasileiro (SIMEB), em função da
conjuntura nacional, tem priorizado o preparo e emprego da F Ter em Operações de
Garantia da Lei e da Ordem (Tipo Polícia) e operações convencionais, além do que,
grande parte dos PP está vocacionada para a guerra de 3ª Geração (Guerra
Industrial), sem considerar o amplo espectro dos combates.
Soma-se a isso o Sistema de Conscrição que impõe, anualmente, a formação
de reservistas para comporem a reserva mobilizável, limitando a quantidade de
cabos e soldados do NB nas diversas OM do EB, o que dificulta a manutenção de
estruturas operacionais adestradas, umas vez que, parte desses militares atua na
vida administrativa dessas OM.
Essa situação é agravada pelo fato de o ano de instrução ser composto de 34
(trinta e quatro) semanas, das quais apenas 04 (quatro) são destinadas a
preparação do soldado recruta para as operações de GLO sendo, nas demais,
priorizado a formação do convencional. Nesse período não são previstas instruções
contra forças irregulares, nem técnicas associadas a esses tipos de operações.
Não obstante a tudo isso, o Exército Brasileiro adquiriu e desenvolveu, nas
décadas de 1960 e 1970, doutrinas de guerra irregular, por ocasião do FAIBRÁS,
em Santo Domingo (República Dominicana) – num quadro urbano, e na Guerrilha do
Araguaia, em Xambioá – num quadro rural. Hoje, técnicas e táticas, desenvolvidas
naquela época, são utilizadas pelos exércitos mais modernos do mundo em ações
de contrainsurgência, bem como em operações contra forças irregulares, a exemplo
da “Operação Anaconda”.
No quadro doméstico, verifica-se, a necessidade de se preparar forças para
atuar num cenário irregular, haja vista que organizações criminosas têm se valido de
táticas e técnicas irregulares, combinadas com ações regulares, para criarem “zonas
liberadas” e desenvolverem livremente suas atividades ilícitas.
102
Reforçando essa ideia, acrescenta Ellis (2012, p.20), ao tratar sobre o papel
das Forças Armadas latino-americanas até 2017, “[...] Embora a situação varie
dependendo do país, os militares vêm se tornando a principal força para impor o
controle estatal sobre territórios dominados por narcotraficantes e grupos
paramilitares...”
4.6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O emprego da F Ter no ambiente multifacetado, assimétrico e difuso presente
nos conflitos contemporâneos, demanda o preparo de estruturas de combate com
características de flexibilidade, adaptabilidade, modularidade, elasticidade e
sustentabilidade, dotadas de grande mobilidade, cuja base doutrinária abarque as
operações elencadas como prioritárias no levantamento das Hipóteses de Emprego
e ameaças, considerando o ambiente de guerra e não guerra.
Essas estruturas devem ser capazes de atuar de forma conjunta, combinada
e em ambientes interagências, com o mínimo de impacto na sua organização,
doutrina e forma de preparo.
O desenvolvimento de capacidades, associado à aquisição de novas
tecnologias, deve permitir o emprego de efetivos cada vez menores segundo a
concepção do monitoramento / sensoriamento - processamento – atuação,
buscando-se com isso auferir vantagens táticas e surpresa sobre o inimigo.
Nesse sentido, o “módulo brigada” veio para corroborar com a transformação
da F Ter, no que se refere ao módulo de combate básico, onde serão alocadas as
estruturas organizacionais de combate, apoio logístico e apoio ao combate, ou seja
as unidades nível Batalhão.
Apesar de esses módulos possibilitarem a formação de estruturas variadas
segundo sua natureza e/ou vocação de emprego, baseada nas HE, os Batalhões
possuem estruturas fixas, menos flexíveis, limitadas pelo seu Quadro de
Organização (QO), no qual consta sua Base Doutrinária, o Quadro de Dotação de
Material (QDM) e o Quadro de Cargos Previstos (QCP) e o Quadro Complementar
(QC), normalmente estruturados segundo a ótica convencional de guerra de terceira
geração (guerra industrial).
Dessa forma, a flexibilidade requerida nos dias de hoje, que contribui para a
adaptabilidade da tropa às rápidas mudanças de cenário, fica prejudicada. Basta se
103
ter em mente que uma determinada tropa ora poderá estar atuando em uma
operação ofensiva convencional (situação de guerra) e, em determinado momento,
em operações contra forças irregulares (situação de não guerra). Essa simples
mudança demandaria, na unidade base, o emprego de novas estruturas, novos
equipamentos, armamentos, pessoal selecionado, modus operandi, dentre outras
mudanças, que seriam limitadas pelo seu Quadro de Organização (QO).
Países de primeiro mundo, dentre eles os EUA e a União Europeia, já estão
testando o emprego de estruturas modulares menores que Brigadas, devidamente
reforçadas por elementos de apoio logístico, apoio ao combate apoio aéreo e naval,
em função das necessidades impostas pela situação. Uma dessas novas
concepções de emprego são os BATTLEGROUPS, concebidos na União Europeia
nesse início de século para atuarem como uma força de pronta-resposta âmbito
regional, ante as possíveis situações de crise e ameaças.
Esses grupamentos possuem efetivos que giram em torno de 1500 homens e
possuem características de Forças-Tarefas (FT). São organizados a partir unidades
de infantaria, reforçados com os elementos de apoio de fogo, engenharia, defesa
antiaérea, e apoio logístico necessário, podendo ainda contar com o apoio aéreo,
naval e de Forças Especiais.
Figura 4 - Estrutura do Battlegroup UE
Fonte: Institute for Security Studies. European Union, 2007.
104
Nesse viés, faz-se necessário destacar um trecho do relatório da Operação
Poço Preto III, 2012, da 2ª Divisão de Exército, no qual fica evidente a organização
de Forças-Tarefas não convencionais para o cumprimento das diversas missões.
[...] As frações eram organizadas para o cumprimento da missão sob a
forma de Forças-Tarefas (FT), valor SU/Pel, empregando elementos
constituintes de todos os sistemas operacionais. A SU, para esse exercício,
possuía na sua constituição elementos de manobra (Inf /Cav), apoio de fogo
(OA Art), MCP, C2 e Sau, necessários ao cumprimento da missão, o que
possibilitou a integração e o fortalecimento dos laços táticos entre as OM
constituintes da Grande Unidade, aumentando, assim, a interoperabilidade
(BRASIL, 2012d, p. 7).
A questão de pessoal constitui-se em outro problema com relação ao preparo
de forças modulares de grandes efetivos para atuarem no amplo espectro dos
conflitos, pois como já foi verificado, o Sistema de Conscrição, regulado pela Lei do
Serviço Militar, determina que um número considerável de OM do EB possuam em
seus quadros o efetivo variável, composto por recrutas.
O baixo nível educacional, proporcionado pelas escolas públicas, e os
problemas de ordem social impactam diretamente o processo de seleção dos
conscritos, dificultando a estruturação dessas forças segundo um padrão de
uniformidade. Ademais, prejudicam o desenvolvimento da instrução e a formação de
cabos e sargentos temporários.
Nesse concerto, há que se destacar a importância dos comandantes de
pequenas frações no contexto das operações de amplo espectro, onde as decisões
tomadas por esses militares, em função de sua repercussão, poderão ganhar
proporções estratégicas.
A criteriosa seleção do militar e sua correta colocação dentro do sistema
contribuem para a sinergia do grupo/equipe, facilitando o gerenciamento e a solução
de crises, bem como o desenvolvimento de trabalhos interagência. Nesse sentido,
cresce de importância a liderança em todos os níveis de comando.
Não menos importante que a situação de pessoal, a base material reveste-se
de grande importância no preparo e emprego da F Ter. Com relação a isso, diversos
programas vêm sendo desenvolvidos no sentido de reduzir a demanda reprimida por
materiais de defesa decorrente da obsolescência e falta de investimentos. Além
disso,
equipamentos
de
uso
dual
têm
sido
adquiridos
extraorçamentárias, aumentando a capacidade de diversas OM do EB.
com
verbas
105
De outra forma, os cortes orçamentários e os contingenciamentos, por parte
do governo, têm prejudicado os programas em andamento, a manutenção, o
adestramento, dentre outras atividade da Força. A Dotação de Munição Anual
Reduzida (DMA/R) é apenas uma das medidas adotadas pelo EB no sentido de
reduzir o impacto de tais ações em áreas prioritárias.
No que cabe ao preparo e emprego, os conflitos do século XXI têm exigido
cada vez mais o emprego descentralizado de forças com efetivos reduzidos, com
estruturas altamente flexíveis e elevado rendimento capazes de combinar atitudes e
de se adaptar ao espaço de batalha sem grandes transtornos. Ao mesmo tempo em
que deve possuir capacidades para operar tanto no ambiente irregular assimétrico
como no convencional.
Soma-se a isso a necessidade de se possuir tropas capazes de se
contraporem às ameaças elencadas no Capítulo 3, deste trabalho, bem como
atenderem as diretrizes de emprego preconizadas na Estratégia Nacional de Defesa,
dentre elas: o preparo de forças para atuarem em missões de paz sob a égide da
ONU, e para atuarem na Estratégia da Resistência dentro de um quadro de conflito
na Amazônia.
Observa-se nesse sentido, que a estrutura de instrução militar do Exército
Brasileiro não contempla um esforço de instrução e adestramento voltado para uma
preparação para o combate irregular assimétrico de quarta geração, uma vez que
está voltada para as Operações Convencionais (Guerra Industrial), no quadro de
guerra; e para as operações de Apoio aos Órgãos Governamentais (Garantia da Lei
e da Ordem – GLO), no quadro de não guerra.
Por outra parte, cresce de importância os ensinamentos colhidos por ocasião
da Guerrilha do Araguaia e da FAIBRÁS, nas décadas de 1960 e 1970, origem de
vasta documentação que trata sobre operações contra forças irregulares, cujas
técnicas e táticas permanecem bastante atuais se confrontadas com o modus
operandi
empregado
pela
maioria
dos
atores
presentes
nas
ameaças
contemporâneas.
O Sistema de Conscrição, sob o qual estão estruturadas a maioria das OM do
EB, dificulta a busca da eficiência operacional com a totalidade dos meios
disponíveis. Além disso, das 34 (trinte e quatro) semanas de instrução destinadas a
formação do soldado, apenas 04 (quatro) são destinadas a preparação para atuar
106
em GLO (Operações Tipo Polícia) e nenhuma para as Operações de Combate, que
estariam mais ligadas às Operações de Pacificação.
Soma-se a isso, o crescente emprego da Força em ações subsidiárias, em
apoio aos órgãos governamentais, que acaba por contribuir na redução da carga
horária de instrução destinada à formação do soldado, resultando numa formação
militar incompleta, o que atinge diretamente a formação de uma reserva mobilizável
de qualidade, além de prejudicar as instruções voltadas para a manutenção de
padrões do Efetivo Profissional, dentre elas a CTTEP.
107
5 UNIDADES DE OPERAÇÕES ESPECIAIS (UOPES)
As Unidades de Operações Especiais (UOPES) foram concebidas segundo a
necessidade do Exército Brasileiro de manter forças de emprego imediato para
atuarem na Defesa Interna (Def Int). Essa mentalidade teve origem nas operações
contra forças irregulares desenvolvidas pelo Exército, nas décadas de 1960 e 1970,
por ocasião da Guerrilha do Araguaia e da Força Interamericana de Paz em Santo
Domingo, na República Dominicana.
Esses dois acontecimentos históricos nortearam o desenvolvimento de uma
doutrina própria por parte da Força, que influenciou a organização, o preparo e o
emprego de tropas em operações dessa natureza tanto no ambiente rural como no
urbano. Muito dessa doutrina vem sendo aplicado nos dias de hoje principalmente
nas operações de baixa intensidade.
As tropas precursoras dessa doutrina foram as Unidades Especiais de Contra
Guerrilhas, organizadas na década de 1970, para combater as forças de guerrilhas.
A concepção de organização, de preparo e emprego dessas forças diferenciava-se
da tendência mundial da época, em que prevalecia a organização de estruturas de
combate rígidas e pesadas, calcadas no Poder Relativo de Combate (PRC), fruto da
guerra industrial e herança da II Guerra Mundial.
Sobre a organização dessas forças cabe destacar o seguinte:
O principal valor dessas unidades, não repousa na sua força numérica e sim
na capacidade de seu comandante e de seus membros de desenvolverem
especial habilidade para aplicarem eficientemente seus conhecimentos e
realizarem um trabalho coletivo, harmonioso e eficaz (BRASIL, 1976, p. 455
40) .
Naquela oportunidade, já se verificava uma preocupação com a seleção dos
militares que iriam integrar essas forças, com o material a ser conduzido, bem como
com a instrução. A seleção do pessoal baseava-se no caráter voluntário, na
inteligência, autoconfiança e capacidade física. Com relação ao material, a
organização era o mais flexível possível, fugindo aos critérios preconizados na
época. De igual maneira a instrução era desenvolvida.
Nesse sentido, tinha-se uma tropa de leve, de organização flexível, com
pessoal selecionado e altamente adestrado, capaz de adaptar-se com facilidade a
55
Exército Brasileiro - Manual de Campanha C 31-20 – Operações Contra Guerrilheiros, 1976.
108
qualquer situação. Sua organização moldava-se aos meios de transporte disponíveis
na época, aumentando sua mobilidade. Há que se destacar, ainda, que essas
unidades eram dotadas de especialistas em saúde, comunicações e destruições e
armadilhas, selecionados dentre os oficiais e sargentos do próprio grupo.
Segundo BRASIL (1976, p. 4-43), a instrução era ministrada pelos oficiais e
comandantes de grupos, a fim de que os demais militares desenvolvessem
confiança em seus comandantes. Além disso, os oficiais e sargentos tinham sob sua
responsabilidade a instrução individual e coletiva de sua própria unidade. Nesse
viés, verifica-se uma preocupação com o desenvolvimento da liderança pautada pelo
exemplo, com base na proficiência técnica e tática.
Ainda com relação à instrução, chamam a atenção alguns assuntos por serem
bastante atuais no concerto das operações no amplo espectro, dentre eles:
Operações Noturnas, Táticas Especiais, Informações, Incursões, Emboscadas,
Segurança, População Nativa e Línguas.
Com relação a esses dois últimos assuntos cabe um destaque especial por
estarem diretamente ligados ao “Terreno Humano”, às considerações civis,
amplamente exploradas nos conflitos da “Era do Conhecimento”, como se verifica no
artigo Formação do Cabo Para o Desempenho de Atividades Estratégicas (“O Cabo
Estratégico”): Uma Mudança de Paradigma de Kevin D. Stringer, 2010.
[...] O desenvolvimento do “cabo estratégico” inclui complementar sua
proficiência militar tradicional com conhecimento cultural e de idiomas
estrangeiros e oportunidades de trabalhar com governos civis e
organizações não-governamentais (STRINGER, 2010, p. 4).
A conjunção de uma organização flexível com a instrução especial ministrada
ampliava o rol de capacidades dessas forças, tornando-as capazes de atuarem em
um ambiente difuso, onde o modus operandi do inimigo mudava a cada fracasso.
Essas unidades possuíam uma estrutura não convencional para a época, pois
contavam com um Quadro de Organização e um Quadro de Dotação de Material
flexíveis, que permitiam a inclusão de elementos de apoio e armamentos especiais.
Eram constituídas por uma Seção de Comando, três ou mais Grupos Tarefas e um
Grupo de Armas Especiais (BRASIL, 1976, p. 4-41).
109
Figura 5 - Unidades Especiais de Contra Guerrilha
Fonte: Manual de Campanha C 31-20, 1976
Mais tarde, outras estruturas foram organizadas a partir das Unidades
Especiais de Contra Guerrilhas, dentre elas os Pelotões de Operações Especiais
(PELOPES), as Subunidades de Operações Especiais (SUOPES) e os Batalhões de
Operações Especiais (BOPES), que passaram a ser chamados de Unidade de
Operações Especiais (UOPES). Na década de 1990, essas estruturas passaram a
constituir as Forças de Operações Especiais para a Defesa Interna (FOpEsp/Def
Int).
Essas forças eram configuradas a partir do Quadro de Organização das OM
existentes na F Ter, com prioridade para as de Infantaria e Cavalaria. O fato de não
serem OM criadas por portaria, permitia-lhes grande flexibilidade no que tange a
organização, preparo e emprego, pois não estavam sujeitas a um QO, que como já
foi visto, impõe uma Base Doutrinária, um Quadro de Cargos Previstos (QCP), um
Quadro Complementar (QC) e um Quadro de Dotação de Material (QDM).
110
A organização, o preparo e emprego dessas forças passaram a ser regulados
por Diretrizes específicas dos Comandantes Militares de Área (C Mil A). Essa
situação possibilitava alocar quadros selecionados, com as mais diversas
especializações, e com liderança experimentada, além de viabilizar uma criteriosa
seleção de cabos e soldados do NB, dentre os voluntários na OM.
A instrução era ministrada, inicialmente, de forma descentralizada a critério
dos comandantes de OM que tinham esses encargos. Era alinhada com as
experiências adquiridas, nas décadas de 1960 e 1970, por ocasião da Guerrilha do
Araguaia (caráter rural) e da Força Interamericana de Paz – FAIBRÁS (caráter
urbano). Posteriormente, com a criação do COTer, as instruções dessas forças
foram padronizadas através do Programa Padrão de Adestramento Avançado para
Forças de Operações Especiais para Defesa Interna (PPA – F Op Esp/Def Int),
edição experimental - Reservado, 1991.
Diversos fatores, além dos já citados, propõem um estudo mais acurado
dessas estruturas, haja vista que foram organizadas para atuarem em um ambiente
irregular, de ameaças multifacetadas, com a presença de população civil, dentre
outras características.
5.1 ORGANIZAÇÃO
As UOPES, diferentemente das demais OM do Exército, não possuíam
caráter permanente. Elas eram estruturadas pelos C Mil A ou DE de acordo com as
necessidades
de
adestramento
e/ou
emprego
real
em
suas
áreas
de
responsabilidade. Para tanto, esses Grandes Comandos deveriam manter um
comando de UOPES, dentre os Batalhões de Infantaria (prioritariamente), em
condições de enquadrar de duas a cinco SUOPES e uma Companhia de Comandos
e Serviços (Fig. 02).
111
Figura 6 - Unidade de Operações Especiais (UOPES)
Fonte: Moura, 1994, p. 8
Em casos excepcionais, Grandes Unidades (Brigadas), em função de sua
localização, características de sua área de responsabilidade, bem como das
ameaças potenciais, poderiam constituir comandos de UOPES, com a finalidade de
facilitar o emprego de tropas dessa natureza.
A SUOPES, de igual maneira, também não possuía caráter permanente. Era
constituída por um número variado de PELOPES (de dois a cinco), sob a
coordenação de uma Brigada.
O PELOPES era a base da Força de Operações Especiais para a Defesa
Interna, pois possuía caráter permanente durante todo o ano de instrução, o que
facilita a instrução, a prontidão, o adestramento e o emprego.
Essa forma de organização (UOPES, SUOPES e PELOPES), com laços
táticos temporários, permite o emprego, por módulos de força, de acordo com as
reais necessidades. Assim, cada uma dessas peças deveria estar em condições de
atuar de maneira isolada ou enquadrada pelo escalão imediatamente superior.
Há que se destacar que a UOPES e a SUOPES poderiam receber em reforço,
em função das missões, outras estruturas modulares de apoio de fogo, engenharia,
comunicações, apoio logístico, dentre outras, ampliando suas capacidades e
sustentabilidade. Ainda, poderiam contar com o apoio de elementos especializados
em operações de informações, operações psicológicas, além de guias e mateiros.
Essa situação levou outras OM, de apoio ao combate e apoio logístico, a
comporem módulos de apoio específicos para serem empregados em proveito das
112
UOPES, o que evidenciava o caráter modular das Forças de Operações Especiais
para a Defesa Interna.
No que tange a pessoal, as UOPES, como já foi dito eram compostas por
quadros altamente selecionados. Em relação aos PELOPES, a força básica dessa
estrutura, tinham prioridades para integrá-los os quadros (oficiais e sargentos)
especializados em cursos operacionais (Comandos, Curso de Operações na Selva,
Curso Básico Paraquedista, dentre outros). Os cabos e soldados eram selecionados
dentre os voluntários do Núcleo-Base (NB) que cumprissem requisitos como
liderança,
combatividade,
iniciativa,
capacidade física,
equilíbrio
emocional,
inteligência, espírito de corpo, dentre outros.
Os militares eram avaliados nesses atributos durante todo o ano por ocasião
das
atividades
de
instrução,
exercícios
no
terreno,
serviços,
formaturas,
representações, dentre outras. Caso o militar evidenciasse condutas não
condizentes com a situação de soldado do PELOPES, era passado a disposição do
Batalhão para ser relocado em outra Subunidade/Fração.
A organização dos PELOPES era prioritária, no âmbito da OM com encargo
de formação. Essa situação possibilitava agrupar em uma Subunidade os melhores
militares do Batalhão, considerando os atributos supracitados, e sem levar em conta
o QCP/QC. De igual maneira, eram estruturados os Comandos de SUOPES e de
UOPES.
Ainda segundo o PPA FOp Esp/Def Int - RESERVADO, 1991, esse tipo de
organização possibilitava aos Comandantes a manutenção, durante todo ano, de
forças integradas capazes de atuar emergencialmente em operações contra a
guerrilha rural e urbana, particularmente na fase mais crítica do ano, entre o
licenciamento e a incorporação.
Dessa forma, o recruta incorporado, com base na Lei do Serviço Militar
Obrigatório, não sofria alterações em sua formação básica (IIB) e qualificação (IIQ),
além de ter seu adestramento (PAB) totalmente voltado para o Emprego
Convencional (Defesa da Pátria), contribuindo para a formação da Reserva
Mobilizável do País. Os soldados que engajavam e eram selecionados para os
PELOPES, no ano seguinte eram submetidos às instruções especiais, direcionadas
para a guerra irregular.
Assim, os cabos e soldados dos PELOPES eram instruídos tanto para a
guerra convencional, como para a guerra irregular, o que permitia o emprego dessas
113
frações em ações convencionais e até mesmo a combinação dessas técnicas e
táticas.
No que cabe ao material, essas forças estavam aptas a utilizar todo o material
de defesa existente na OM (previsto no QDM), além de outros, relacionados às
técnicas especiais, adquiridos no comércio pelas OM que tinham encargo de compor
essas forças, bem como meios improvisados. Isso lhes permitia uma melhor
combinação de armas e equipamentos, com vistas a potencializar um determinado
efeito sobre um objetivo, além de ampliar suas capacidades.
O emprego de meios transportes terrestres, aéreos e aquáticos, não
necessariamente previstos em QDM, aumentava a mobilidade dessas forças
permitindo-lhes se fazerem presentes em locais e momentos em que, pelos meios
orgânicos existentes nas OM, seria impossível. Além disso, possibilitava, com
restrições, o adestramento conjunto com elementos da Marinha do Brasil (MB) e da
Força Aérea Brasileira (FAB), criando um ambiente de interoperabilidade entre as
Forças.
5.2 PREPARO E EMPREGO
Segundo BRASIL (1991, p. 11.00)56, a preparação das UOPES, SUOPES e
PELOPES era totalmente voltada para o emprego em Operações de Combate e do
Tipo Polícia contra Forças Irregulares em ambiente urbano e rural, o que cresce
muito de importância nos dias atuais, em que grande parte das ameaças
contemporâneas, como verificado no Capítulo 3 deste trabalho, apresenta elevado
grau de proficiência técnica e tática em ações irregulares.
Nesse viés, o documento acima referenciado, previa o adestramento das F
Op Esp/Def Int segundo um quadro de operações táticas (de Combate e Tipo
Polícia), estabelecendo Objetivos de Adestramento (OA) específicos para os
PELOPES, SUOPES e UOPES, que deveriam ser atingidos de maneira sequencial
durante o ano de instrução. Cabe destacar, com relação aos OA ESP abaixo
especificados, que os iniciados com o número 120 eram específicos dos PELOPES,
enquanto que os iniciados com os números 110 e 100 pertenciam às SUOPES e
UOPES, respectivamente.
56
Exército Brasileiro - Programa-Padrão de Adestramento das Forças de Operações Especiais para a
Defesa Interna (Reservado). COTer, 1991.
114
No quadro das Operações Tipo Polícia, estipulava para os PELOPES os
seguintes OA:
- OA ESP 120.01 – Defender um Ponto Sensível (PSE)
- OA ESP 120.02 – Bloquear Via de Circulação (PCte)
No que tange às Operações de Combate, previa para os PELOPES, SUOPES
e UOPES os seguintes OA:
- OA ESP 120.03 – Realizar Operações de Patrulha na Contra Guerrilha
- OA ESP 110.01 – Estabelecer e Operar uma Base de Combate/Patrulha
- OA ESP 110.02 – Atuar Contra Forças de Guerrilha em Área Edificada
- OA ESP 100.01 – Cercar e Destruir uma Força de Guerrilha
Para a execução desses objetivos era previsto a realização de instruções
preliminares, dentro dos diversos escalões, com o objetivo de se rever os aspectos
doutrinários, valendo-se para isso dos manuais, relatórios e outros documentos
oficiais.
Dentre os documentos previstos para estudo nessa fase do adestramento,
constam do referido PPA F Op Esp/Def Int alguns manuais citados anteriormente
neste trabalho, quais sejam:
- C 31-20 Operações Contra Guerrilheiros (1ª Ed. 1976)
- IP 31-15 Os Pequenos Escalões nas Operações Contraguerrilha
- IP 31-16 Operações Contraguerrilhas (1ª Ed. 1970) – Reservado
- IP 31-17 Operações Urbanas de Defesa Interna, 1969, Reservado
Não se pode desconsiderar, porém, que esses manuais já vinham sendo
utilizados pelo Exército há muito tempo (basta se verificar as edições), e que
passaram a constar do PP em questão dada a importância das técnicas e táticas
operacionais constantes dos mesmos, atuais para a década de 1990, assim como
para os dias atuais, se considerarmos as ameaças já estudadas.
Alguns desses manuais previam a organização da instrução da tropa para o
tema apresentado, uma vez que há época não existiam os Programas-Padrão de
Instrução.
Ainda com relação aos ensinamentos doutrinários, faz-se mister destacar que
a IP 31-17 Operações Urbanas de Defesa Interna (1ª Ed. 1969), sofreu grande
influência dos ensinamentos colhidos pelo EB por ocasião da atuação da FAIBRÁS
contra forças irregulares, em Santo Domingo, na República Dominicana, em 1965.
115
Por outro lado, os demais manuais abarcam aspectos doutrinários tanto da
atuação citada, como do posterior emprego da Força Guerrilha do Araguaia, na
década de 1970. Verifica-se que enquanto a primeira atuação caracterizou-se por
um emprego contra forças irregulares em ambiente urbano, a segunda pautou-se
por um emprego em área rural.
Considerando que constavam da preparação das F Op Esp/Def Int (UOPES,
SUOPES e PELOPES) ensinamentos relacionados à atuação em ambiente de
guerra irregular (rural e urbano), fica evidente, no que se refere à instrução e
adestramento, a capacitação dessas forças para emprego no amplo espectro dos
conflitos do Séc XXI.
Para corroborar com isso, alguns aspectos devem ser considerados:
O primeiro deles é que em instruções para o contingente da FAIBRÁS, na
década de 1960, já se falava, com relação ao moderno conceito de guerra
(revolucionária), que o ambiente em que a tropa ia atuar pautava-se pelas seguintes
características: Indefinido, Fluido e Confuso.
O segundo é que nesse início de século, o Exército mais poderoso do
planeta, US Army, se viu em duas campanhas com características bem distintas
basicamente, no que tange aos atores envolvidos, às motivações e ao terreno, mas
semelhantes no que tange à natureza dos conflitos, irregular assimétrico. Trata-se
da atuação norte-americana no Iraque, em 2001 (ambiente urbano) e no
Afeganistão, a partir de 2001 (ambiente rural), oportunidade em que se deu a já
citada “Operação Anaconda”, onde fora empregada a tática irregular conhecida
como “martelo e bigorna” (constante desses manuais).
116
Figura 7 - Martelo e Bigorna
Fonte: BRASIL, 1970, p. 50
Por último e não menos importante cabe destacar que, segundo o Maj Inf
INDISON LUIS DE PAULA CARVALHO, Oficial de Operações do 27º Batalhão de
Infantaria Paraquedista (FT VELAME) na época da ocupação do Complexo da
Penha, Rio de Janeiro, em 2010, foram utilizadas, por parte daquela tropa, técnicas
e táticas não convencionais preconizadas na IP 31-16 Operações Contraguerrilhas –
Reservado (1ª Ed. 1970), haja vista estarem atuando em um ambiente totalmente
irregular, dominado pelo crime organizado, em que obstáculos, construídos de
concreto e trilhos de trem, eram batidos por fogos diretos de posições fortificadas,
cuja dominância impunha restrições ao movimento da tropa, além de possibilitar
observação privilegiada.
117
Figura 8 - Técnica de Vasculhamento
Fonte: BRASIL, 1970, p. 51
Ademais, como já foi explorado anteriormente, ficou evidente, por parte das
organizações criminosas, a combinação de táticas e técnicas executadas nos
combates regulares com as executadas em ações irregulares, acrescentando-se
nesta última o terrorismo.
Ainda com relação à instrução e ao adestramento, faziam parte da instrução
técnica e tática das F Op Esp/Def Int, no contexto das Operações Contra Forças
Irregulares (Operações de Combate e Tipo Polícia), os assuntos constantes do
Quadro 2, dentre outros:
118
Instrução Técnica
Instrução Tática
Explosivos e destruições
Infiltração
Armadilhas Improvisadas
Incursão
Tiro de Combate
Patrulhas
Interrogatório Sumário
Interdição e Isolamento de Área
Imobilização e Condução de Presos
Combate em Ambiente Confinado
Comunicações/Criptografia
Emboscadas
Orientação
Busca e Apreensão
Técnicas Ribeirinhas
Op Ribeirinhas
Técnicas Aeromóveis
Op Aeromóveis
Técnicas de Montanhismo
Op Contraguerrilhas
Sobrevivência
Op Controle de Distúrbios
Treinamento Físico/Lutas/Natação
Op Tipo Polícia
Progressão em ambiente urbano/rural
Patrulha de Segurança Urbana
Tiro de Sniper
Desobstrução de Vias de Circulação
Quadro 2 - Instruções das F Op Esp
Fonte: Autor deste trabalho, 2014
A instrução era ministrada nos mesmos moldes das antigas Unidades
Especiais de Operações Contra Guerrilhas, o que possibilitava o desenvolvimento
da liderança por parte dos comandantes em todos os níveis.
No que se refere ao emprego, segundo o PPA F Op Esp/Def Int, 1991, as
UOPES, por serem tropas leves dotadas de elevado grau de mobilidade,
proporcionado por meios aéreos, terrestres e aquáticos, tinham capacidade de
pronto emprego em qualquer área de jurisdição do C Mil A. Essa capacidade lhe era
conferida, basicamente, pela interoperabilidade proporcionada pelo emprego
conjunto com elemento da Força Aérea e Marinha do Brasil.
Nesse viés, cabe destacar que essa forma de atuação conjunta, em
operações de natureza especial, como é o caso das Operações Contra Forças
Irregulares, preconizadas no documento supracitado, também foram ensinamentos
colhidos durante a atuação do EB na FAIBRÁS e na Guerrilha do Araguaia, já
evidenciados no Capítulo 2 do presente trabalho.
Além do emprego conjunto, as UOPES já operavam no ambiente
interagências, pois era comum, durante as Operações Tipo Polícia, receber apoios
119
de Órgãos de Segurança Pública (OSP) para darem a base legal dos procedimentos
relativos à prisão de infratores.
O preparo e emprego das UOPES eram vocacionados para as Operações
Contra Forças Irregulares, por isso se tratava de tropa com características especiais,
algumas herdadas de experiências do EB no Araguaia e na FAIBRÁS. Guardada as
devidas proporções e trazendo para o contexto atual, pode-se considerar que
aqueles combates foram assimétricos, travados no amplo espectro e influenciaram
na elaboração de uma doutrina própria aplicável nos dias de hoje.
Sobre isso, verifica-se que técnicas e táticas daquela época vêm sendo
aplicadas, com sucesso, nas Operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO),
amparadas
pelo
Estado
Democrático
de
Direito,
principalmente
aquelas
relacionadas às Operações Tipo Polícia.
Por outro lado, doutrinas e técnicas ligadas diretamente às Operações de
Combate contra forças irregulares também vêm pautando a execução dessas
operações, principalmente nas áreas de total domínio do crime organizado.
Para corroborar com isso, em palestra do COTer ministrada aos alunos do
Curso de Comando e Estado-Maior da ECEME, em 28 de maio de 2014, versando
sobre Operações de Garantia da Lei e da Ordem, foram apresentadas as principais
ações da Força de Pacificação no Complexo da Maré, dentre elas: Isolamento e
Vasculhamento, Incursões, Patrulhas, Estabelecimento de Pontos Fortes, etc.
Esses tipos de ações, bem como outras já evidenciadas por ocasião da
ocupação do Complexo do Alemão e da Penha, no Rio de Janeiro, em 2010,
constituem-se em ações de combate em ambiente irregular, preconizadas nos já
citados manuais da seguinte maneira.
No contexto da IP 31-17 Operações Urbanas de Defesa Interna, 1969, essas
ações são abordadas no Artigo III - OPERAÇÕES OFENSIVAS; Já na IP 31-16 –
Operações Contraguerrilhas, 1970, parte delas são apresentadas no Artigo III –
OPERAÇÕES DE COMBATE, no Manual C 31-16 – Operações Contra Forças
Irregulares em Ambiente Rural, 1990, elas reaparecem no Artigo III – OPERAÇÕES
DE COMBATE.
Observando-se o conteúdo desses manuais, no que se refere às ações
supracitadas, fica evidente a semelhança na abordagem do assunto, bem como no
enquadramento junto às operações de combate. O fato de essas ações estarem
enquadradas no contexto de GLO justifica-se, primeiramente, pelo planejamento
120
realizado com base nos fatores da decisão (missão, inimigo, terreno, meios, tempo e
considerações civis); em um segundo plano, pela edição da IP 85-1 Operações de
Garantia da Lei e da Ordem, (1ª Ed. 2002), que apesar de revogar parte dos
manuais citados, contemplou em seu Artigo V – OPERAÇÕES DE COMBATE com
uma abordagem semelhante aos demais.
Hoje, porém, o manual C 85-1 Operações de Garantia da Lei e da Ordem,
2010, que revogou a Instrução Provisória de mesmo nome, não mais aborda as
operações de combate, apesar de existirem termos que podem sugerir ações em
força típicas do combate irregular.
Por fim, independentemente do contexto em que estejam enquadradas, as
Operações Contra Forças Irregulares, elas permanecem atuais no contexto do
século XXI, não mais investidas de um caráter político ideológico, mas vivas e
atuantes em suas TTP, quer seja em ambiente de guerra como de não guerra.
Destarte, torna-se imperioso instruir e adestrar forças capazes de responder de
imediato às ações diretas e/ou indiretas, impetradas por atores estatais ou não
estatais, que venham de encontro aos Objetivos Nacionais Permanentes (ONP).
Nesse sentido, cresce de importância o estudo relacionado ao preparo e
emprego das UOPES, no sentido de se extrair conhecimentos e experiências úteis à
preparação de novas forças capazes de atuarem no amplo espectro dos conflitos,
com o cuidado de não enquadrar em um mesmo tema operacional as Operações
Tipo Polícia, que estariam mais alinhadas com o tema de Operações de Apoio aos
Órgãos Governamentais (Garantia da Lei e da Ordem) e Operações de Combate,
que estão mais vocacionadas para as Operações Contra Forças Irregulares, de
Pacificação, dentre outras.
5.3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
[...] 1) As F Op Esp/Def Int são tropas leves, aliviadas de equipamentos e
armamentos pesados, dotadas de elevado grau de mobilidade e com
capacidade de pronto emprego em qualquer área de jurisdição do respectivo
C Mil A. 2) A mobilidade da F Op Esp caracteriza-se pela transportabilidade
de seus elementos, por meios terrestres, aéreos e aquáticos; pela
possibilidade de cumprir missões em qualquer parte da área do C Mil A e
pela intervenção nessas áreas. 3) São formadas por Of e Sgt de carreira e
Cb/Sd do núcleo-base, preferencialmente, de modo que o Cmt disponha,
particularmente na fase mais crítica do ano (entre o licenciamento e a
incorporação), de uma força integrada e capaz de atuar, emergencialmente
e antes do emprego regular das OM, contra a guerrilha rural e urbana
(BRASIL, 1991, p. 11.00).
121
A citação acima apresenta alguns aspectos que se revestem de grande
importância no contexto da organização, preparo e emprego da F Ter no Séc XXI.
Nela, observam-se características como: prontidão, mobilidade, interoperabilidade,
flexibilidade e modularidade. Além disso, verifica-se a prioridade dispensada à
organização de pessoal, bem como a preocupação em se ter uma tropa profissional
preparada para atuar o ano inteiro, sem considerar a formação do recruta.
Ainda com relação à transcrição, verifica-se em sua última parte a
preocupação em se preparar tropas para atuar em ambiente irregular (urbano e
rural).
Conjugando essa pequena análise com a conjuntura nacional, com os
conflitos assimétricos de quarta geração e com as ameaças apresentadas, chega-se
a uma conclusão parcial de que as UOPES possuíam capacidades plenamente
aplicáveis no contexto atual da segurança e defesa.
Por outro lado, nota-se a importância da atuação do EB na Guerrilha do
Araguaia e na FAIBRÁS em função do ganho doutrinário, técnico e tático expressos
em diversas publicações (já citadas), que acabaram por orientar, primeiramente, a
criação das Unidades Especiais de Contra Guerrilhas e, posteriormente, as UOPES,
SUOPES e PELOPES.
Ademais, técnicas e táticas preconizadas nessas publicações vêm sendo
aplicadas, com sucesso, nas Operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), com
a ressalva de que muitas delas estão mais alinhadas com ações de combate,
propriamente
dito,
do
que
com
as
Operações
de
Apoio
aos
Órgãos
Governamentais/GLO.
Não obstante a isso, exércitos modernos vêm empregando tropas valor
Batalhão, sob a forma de Forças-Tarefas, que se utilizam de técnicas e táticas
semelhantes às preconizadas na doutrina que norteou a organização, o preparo e o
emprego das F Op Esp/Def Int.
Por fim, chega-se a que essas Forças, de estrutura modular, eram preparadas
para atuar com prontidão em um ambiente indefinido, fluido e confuso, povoado ou
rural, em ações de guerra e não guerra, de forma conjunta e/ou interagência contra
um inimigo que se utilizava de TTP da guerra irregular.
122
6 CONCLUSÃO
O objeto do presente estudo era verificar a viabilidade de se reativar as
Unidades de Operações Especiais (UOPES), no contexto do século XXI. Nesse
sentido, foram estudados os Conflitos de Quarta Geração, fazendo-se uma análise
comparativa da experiência do Exército Brasileiro nos combates contra forças
irregulares nas décadas de 1960-1970, aspectos relativos à Segurança e Defesa,
com ênfase nas ameaças, a organização, preparo e emprego da Força Terrestre e
por fim, as UOPES.
Com base nesses estudos, verificou-se que os Conflitos de Quarta Geração
do Séc XXI possuem muitas das características presentes, também, nos ambientes
em que se deram as ações militares contra os movimentos armados (subversão e
terrorismo) perpetrados pelo Movimento Comunista Internacional (MCI) na América
do Sul nas décadas de 1960 e 1970. Isso se comprova pela assimetria nos
combates, pelo ambiente indefinido, fluido e confuso, pelo amplo emprego de TTP
de guerra irregular e pela presença da população nos ambientes de conflito,
constituindo-se no centro de gravidade das operações.
Por outro lado, estudou-se a atuação do Exército Brasileiro no combate a
esses movimentos armados irregulares, em particular na República Dominicana, em
1965 (ambiente urbano) e no Araguaia, em 1968 (ambiente rural); fonte de vasta
experiência para a Instituição, que resultou na elaboração de uma doutrina própria
acerca de Operações Contra Forças Irregulares nos dois ambientes, mais tarde
descritas em manuais, notas de aula e outros documentos.
A atuação do EB em Santo Domingo e no Araguaia também contribuiu para a
organização, preparo e emprego de forças aptas a atuarem na defesa interna,
dentro de um quadro irregular assimétrico, como foi o caso das Unidades Especiais
de Contra Guerrilha e mais tarde dos Pelotões de Operações Especiais (PELOPES),
elemento de constituição permanente das UOPES.
Outro aspecto, bastante relevante, levantado durante o estudo foi que grande
parte das ameaças contemporâneas se utiliza dos métodos e princípios de
aproximação indireta, preconizados por Sun Tzu em sua obra “A Arte da Guerra”, na
antiguidade, e por Mao Tsé-tung, num passado recente, por ocasião da Revolução
Chinesa. Cabe destacar que este, influenciou inúmeros movimentos revolucionários
na América do Sul, dentre os quais destaco a Guerrilha do Araguaia.
123
Há que se considerar, nesse viés, que hoje essas ameaças, apesar de se
utilizarem de princípios, técnicas e táticas preconizadas naquela época, seus
matizes são outros, não necessariamente político-ideológicos, como no século
passado, durante a “Guerra Fria”. Atualmente, verifica-se a aplicação de tais
princípios, técnicas e táticas irregulares por organizações e atores não estatais que
buscam projetar poder, através da violência extremista, valendo-se de pretextos
religiosos, étnico-raciais, dentre outros e dos avanços tecnológicos.
Assim, para que experiências, adquiridas no passado, bastante atuais nos
dias de hoje, não se percam em função de uma conjuntura política, é necessária a
perfeita compreensão do que seja Guerrilha.
A guerra de guerrilha (oriunda do termo hispânico “guerra pequena”) referese ao combate de pequenas unidades que não buscam manter o território e
descreve uma tática que pode ser empregada por qualquer um, incluindo os
mais poderosos exércitos. Pode também denotar a dimensão do combate da
guerra revolucionária. O combate de guerrilha como um coadjuvante das
operações regulares é tão antigo quanto a guerra: qualifica-se por qualquer
57
forma de incursão sem maiores estruturas (LUTTWAK, 2009, p. 200) .
[...] la GUERRILLA (palabra española institucionalizada internacionalmente
desde siglo XIX, con la <<práctica>> de la guerra de indepenencia), al
margen de otras denominaciones, algunas con equívocos (<<resistencia>>,
<<guerra de partidas>>, <<guerra o lucha subversiva>>, <<guerra sin
fronteras ni frentes>>, <<guerra sub-limitada>>, etc.), considerada aislada o
coadyuvante de outro conflicto mayor de carácter regular, tomada como la
fundamental (<<guerrillerismo>>, en el límite máximo de culto a esa forma
de guerra) (CEBRIAN, 1985, p.63).
[...] Esta é a guerra de guerrilhas, a guerra com a qual os guerrilheiros
espanhóis enfrentaram o exército invasor de Napoleão, aperfeiçoada nos
nossos dias a ponto de quase se tornar numa ciência político-militar – uma
parte da teoria social do marxismo-leninismo e outra das inovações táticas
que tem estado a alterar as relações de poder no período posterior à
Segunda Guerra Mundial; um processo pelo qual são destruídos os dogmas
dos Estados-Maiores do Ocidente, cujo objetivo primordial é e será cada vez
mais compreender e combater essa guerra (TABER, 1965, p. 9).
Nesse sentido, verifica-se que o termo guerrilha não possui uma vertente
eminentemente política, pois se constitui num conjunto de técnicas e táticas de
procedimento, tidas como irregulares, no sentido de não convencionais, que definem
uma forma de luta e que são amplamente utilizadas tanto por exércitos regulares,
em ações secundárias no contexto de uma guerra convencional, bem como por
organizações terroristas, grupos extremistas, facções criminosas, dentre outros.
57
Estratégia: a Lógica da Guerra e da Paz. Rio de Janeiro: BIBLIEX, 2009.
124
A própria estratégia da resistência, preconizada em BRASIL (2013b, p. 16),
comprova a importância do domínio desses atributos não convencionais por parte do
Exército Brasileiro, em face de uma guerra assimétrica na região amazônica, a ser
sustentada contra um inimigo de poder militar muito superior. Nesse sentido, tornase imperioso analisar a história buscando-se conhecer mais sobre esse tipo de
guerra (de guerrilhas), com o intuito primeiro de se buscar soluções mais eficazes
para o enfrentamento das ameaças contemporâneas, e em último caso, fazer uso
delas para a defesa do Território Nacional.
No prosseguimento do estudo, constatou-se que o Exército Brasileiro carece
de tropas aptas a atuarem no ambiente assimétrico irregular de quarta geração, e
que a doutrina irregular adquirida nas décadas de 1960 e 1970 vem sendo
paulatinamente substituída pela doutrina de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), a
qual abarca somente as Operações Tipo Polícia, constantes da primeira; ao passo
em que potências militares vêm empregando, nos escalões Brigada e Batalhão, as
técnicas e táticas preconizadas nas Operações de Combate concebidas naquela
época, como foi o caso da “Operação Anaconda”.
Verificou-se ainda que o “Módulo-Brigada” é uma tendência mundial que
flexibiliza o emprego do poder militar nos Conflitos de Quarta Geração, apesar de
que estruturas menores dentro de um contexto de Forças-Tarefas vêm sendo
empregadas principalmente na Europa, como é o caso dos BATTLEGROUPS. A
redução no tamanho do módulo básico de emprego não implica necessariamente
numa redução de efetivos. No exemplo citado, existem numa área menor que o
território brasileiro dezenove Unidades dessa natureza, treze com o efetivo de 1.500
homens e três com 2.500 homens, isso para uma pronta-resposta.
Ademais, observou-se um aumento considerável de missões, extra Quadro de
Organização (QO), impactando o Sistema de Instrução Militar do Exército Brasileiro,
que como visto ainda encontra-se bastante alinhado com a Guerra de Terceira
Geração. Essa situação fica mais clara se fizermos o seguinte questionamento:
Como se forma, em 34 (trinta e quatro) semanas de instrução, um soldado recruta
de uma Unidade de Infantaria Leve, da Força de Fronteira, no Pantanal, para ser
empregado na defesa externa e interna, considerando as inúmeras ações
subsidiárias desenvolvidas por essa OM durante o Ano de Instrução?
Nesse quadro foram apresentados diversos fatores que condicionam essa
formação, dentre os quais: o tempo, a condição sociocultural do recruta, a natureza
125
de sua OM, bem como o ambiente operacional no qual está inserida, as HE nas
quais se enquadra (Defesa Interna e Externa), o grupamento de forças do qual faz
parte e o número de ações subsidiárias da qual participa. Todos esses aspectos são
de extrema importância e diferenciam-se de uma Unidade para outra, em razão de
sua localização, além do que devem ser consideradas as ameaças irregulares da
Guerra de Quarta Geração.
Soma-se a essa questão o atual Sistema de Conscrição que impõe às OM do
EB a manutenção de um percentual considerável de militares do Efetivo Variável
(EV). Tal situação impacta a manutenção dos padrões do Núcleo-Base (NB), uma
vez que estes são empregados, não raro, em atividades administrativas ou de apoio
à formação dos recrutas.
Outra questão levantada no estudo refere-se ao orçamento e ao
contingenciamento de recursos, que impactam diretamente os projetos e o
adestramento da Força, determinando a priorização de atividades e distribuição de
meios. A Dotação de Munição Anual Reduzida (DMA/R) é uma das consequências
dessa política de recursos.
As UOPES foram concebidas para atuar em um quadro de defesa interna, de
forma a não trazer prejuízos para a vida vegetativa das OM, viabilizar a formação do
recruta (vocacionada para defesa externa), racionalizar o emprego de recursos,
priorizar a distribuição de materiais de defesa e se ter uma tropa de pronta-resposta
apta a operar em ambientes irregulares.
Considerando que as TTP peculiares da guerra irregular estão presentes em
quase todas as formas de ameaças contemporâneas, o crescente número de
missões
extra
Quadro
de
Organização
das
OM
do
EB,
o
constante
contingenciamento de recursos, o aumento do emprego do EB em ações
subsidiárias e de Garantia da Lei e da Ordem, conjugados com o atual Sistema de
Conscrição, pode-se concluir que as Unidades de Operações Especiais (UOPES),
com algumas modificações no que tange a organização, preparo e emprego, ou
outras tropas com características semelhantes, seriam importantes para atual
estrutura do Exército Brasileiro, cabendo para isso estudos mais aprofundados.
___________________________________
Gladstone Corlet dos Santos – Ten Cel Inf
126
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