USO DE RECURSOS EM CAATINGA POR
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USO DE RECURSOS EM CAATINGA POR
USO DE RECURSOS EM CAATINGA POR SCARABAEIDAE (COLEOPTERA) COPRÓFAGOS Lorena Pereira Cerqueira¹, Priscila Paixão Lopes² 1. Bolsista PROBIC/UEFS, Graduanda em Ciências Biológicas, Universidade Estadual de Feira de Santana, e-mail: [email protected] 2. Orientadora, Departamento de Ciências Biológicas, Universidade Estadual de Feira de Santana, e-mail: [email protected] PALAVRAS CHAVE: Evolução de Scarabaeidae, tipos de recursos, coprofagia INTRODUÇÃO Os Scarabaeinae, também conhecidos como besouros rola-bosta são insetos detritívoros que se alimentam de fezes, carcaças, frutos em decomposição e fungos (Halftter & Matthews, 1966). Dentre esses principais recursos os besouros rola-bosta tem preferência por fezes de vertebrados (Cambefort, 1991). Os odores emitidos pelos excrementos são responsáveis pela atração e seleção do recurso pelos Scarabaeinae (Hanski & Cambefort, 1991). Fezes de vertebrados apresentam um elevado grau de diversidade na composição química e as substâncias voláteis presentes nos diferentes tipos de fezes influenciam na escolha do recurso para utilização (Dormont et al., 2004, Dormont et al., 2010). Dois fatores que podem influenciar a abundância e a riqueza de Scarabaeinae em vários biomas. O primeiro relaciona-se à diminuição na densidade da fauna de vertebrados, que além de influenciar a diminuição na riqueza e abundância pode também influenciar a troca de espécies (Tshikae, 2011). O segundo está relacionado à sazonalidade, pois os Scarabaeinae têm grande sensibilidade a mudanças ambientais (Klein, 1989), respondendo assim à sazonalidade, sendo que durante a estação seca existe uma redução no número de espécies ativas (Hernández, 2007; Liberal et al., 2011). Diante do exposto testamos as seguintes hipóteses: 1. Fezes de onívoros atrairão uma riqueza de espécies maior que as demais fezes de herbívoros, 2. Existem Scarabaeinae na caatinga capazes de utilizar fezes mais secas, apresentando hábito alimentar especializado nestes recursos. MATERIAL E MÉTODOS O estudo foi realizado na Estação Experimental Fazenda Cruzeira do Mocó (EBDA), em Feira de Santana, BA. A área amostrada é uma vegetação de caatinga arbórea localizada em uma mancha de cerca de 140 ha. Levando em consideração o fato da atratividade de recursos de grandes mamíferos, fezes de bovinos, caprinos, asininos e humanos serem diferentes e oferecerem nutrientes e umidade em quantidade e qualidade distintas, estes foram recursos utilizados para realização desta pesquisa. Foram distribuídos quatro transectos de 100 metros, distantes 50 metros um do outro, a no mínimo 50 metros da borda do fragmento. Cada transecto foi composto por três pontos distantes 50 metros um do outro. Cada ponto foi composto por quatro armadilhas de queda (pitfalls), sendo cada uma iscada com um tipo de fezes (bovina, caprina, asinina e humana). Foi realizado um total de cinco amostragens, sendo quatro no período chuvoso de 2013 e uma amostragem no período chuvoso. Uma Análise de Variância (ANOVA) foi realizada considerando como variável explicativa os recursos (bovinos, caprinos, equinos e humanos) e as variáveis respostas foram à riqueza e a abundância de espécies. A composição de espécies foi comparada levando em conta variações dos recursos alimentares. Foram construídas duas matrizes de similaridade, uma qualitativa (índice de similaridade de Jaccard) e outra quantitativa (índice de similaridade de Bray-Curtis), sendo as duas matrizes submetidas de forma independente ao escalonamento multidimensional não métrico (NMDS) com 30 reinícios. Os agrupamentos apresentados no NMDS serão considerados representativos como representativos apenas se o stress for menor que 0,20. Os agrupamentos apresentados nos dois NDMS foram validados através de uma Análise de Similaridade (ANOSIM) com 50000 permutações. RESULTADOS E DISCUSSÃO Foram coletadas 2.495 indivíduos de 22 espécies. Das espécies coletadas a mais abundante foi Dichotomius gr. sericeus com mais de um terço do total de indivíduos coletados. Na comparação da abundância de indivíduos coletados nos quatro tipos de fezes utilizadas (caprina, asinina, bovina e humana), as fezes humanas foram as mais atrativas em comparação com os demais tipos de fezes (F(3,188)=10, p<0,01) (Figura 1). Figura 1. Abundância de Scarabaeidae registrados em cada um dos recursos utilizados como isca. Colunas são médias e barras são erros padrão. Comparando as iscas em relação à riqueza, as fezes humanas atraíram duas vezes mais espécies do que as fezes bovinas e mais espécies quando comparadas com as fezes caprinas e asininas (F(3,188)=9,2, p<0,01) (Figura 2). Figura 2. Riqueza de espécies de Scarabaeidae coletados em cada um dos recursos utilizados como isca. Colunas são médias e barras são erros padrão. A análise de similaridade (ANOSIM) usando Bray-Curtis mostrou diferenças significativas das comunidades que foram atraídas por fezes de jumento e por fezes humanas (R=0,462; p<0,001), fezes de boi e humana (R=0,347; p<0,001) e cabra e jumento (R=0,115; p=0,002). As iscas não diferenciadas são boi e jumento (R=0,05; p=0,154), cabra e humana (R=0,048; p=0,078) e boi e cabra, que tiveram uma variação ligeiramente maior, mas ainda não significativa (R=0,071; p=0,058). As espécies que apresentaram mais de dez indivíduos foram analisadas no sentindo de montar guildas tróficas para que dessa forma fosse comparada se as espécies são generalistas ou especialistas. Apenas duas espécies apresentaram ocorrência de mais de 89% em uma isca, e outras seis apresentaram ocorrência superior a 50%. Espécies como Canthidium sp1, Canthon sp1, Dichotomius gr. sericeus, Dichotomius nisus, Ontherus ulcopygus e Onthophagus sp demonstraram preferência por fezes de onívoros (humana), enquanto que Ateuchus semicribratus e Ateuchus sp1 foram encontradas preferencialmente em fezes de jumento. As demais espécies representadas se dispuseram de forma generalista, não fazendo discriminação dos recursos. A espécie Ateuchus sp1 demonstrou preferência por fezes de herbívoros sendo que sua porcentagem em fezes de onívoros foi muito baixa em relação às demais fezes. Dois motivos podem explicar uma maior atratividade das fezes humanas em comparação com os demais tipos de fezes utilizados: o primeiro deles é o fato de que em ambientes neotropicais, por conta da extinção dos grandes mamíferos, os Scarabaeinae especializaram-se em fezes de primatas, porque eram as fezes mais abundantes no ambiente (Cambefort, 1991). O segundo motivo é que os onívoros possuem uma alimentação muito mais diversificada em relação aos herbívoros, e por isso é de se esperar que as fezes humanas possuam muito mais compostos voláteis, atraindo um número muito maior de espécies (Hanski & Cambefort, 1991). A atratividade de um elevado número de indivíduos pelas fezes humanas, por sua vez, pode ser pelo fato delas possuírem um odor mais intenso, pelos compostos voláteis estarem mais concentrados e por isso é mais fácil dos indivíduos encontrarem o recurso, pois desta forma os compostos voláteis ficam no ar por mais tempo. Mesmo as fezes humanas sendo as mais atrativas, em caatinga alguns Scarabaeinae são capazes de utilizar fezes mais secas (cabra e jumento), uma vez que estas são mais ubíquas e poder-se-ia encontrar uma adaptação nos insetos para sua localização. A baixa atração por fezes de boi pode ser explicada pelo fato da alta disponibilidade desse tipo de fezes na região de amostragem, pois a área de Caatinga é praticamente cercada por pastagem sendo que algumas vezes houve presença de boi na própria área de coleta. A utilização de fezes de cabras em percentuais equivalentes aos registrados nos demais recursos oferecidos não era esperado. Nossa segunda hipótese, no entanto, era de que haveria utilização desse recurso mesmo que em baixa abundância e riqueza, e haveria utilização de forma sistemática por determinadas espécies que nele se especializariam. A segunda parte da hipótese não foi comprovada, já que nenhuma espécie ocorreu exclusivamente em fezes de cabra. A similaridade entre as comunidades que utilizam cada isca foi bastante diferente do esperado, considerando um gradiente de umidade do recurso (cabra, jumento, humano, boi, do menos para o mais úmido). Essa diferença do esperado pode ser explicada justamente pela característica de ocorrência de generalismo na utilização de recursos, compatível com o ambiente semiárido, onde qualquer recurso encontrado deve ser aproveitado antes que se perca por dessecação, homogeneizando comunidades e confundindo a escolha imediata por um ou outro recurso. O componente explicativo pode estar associado à composição de nutrientes e fibras de cada recurso, conforme foi indicado por Tshikae (2011), que demonstrou que fezes de boi e de cavalo têm fibras maiores que as demais fezes utilizadas por ele. Não tivemos esta análise realizada, de forma que, apesar de termos encontrado um agrupamento de comunidades de fezes de boi e de jumento, o motivo desse agrupamento não é perfeitamente clara. De mesma forma, bois e cabras são igualmente ruminantes, diferindo em porte do animal adulto e conteúdo de umidade das fezes, sendo que as comunidades ali encontradas não diferiram. Essa diferença também deverá ser futuramente correlacionada com composição química das fezes. CONCLUSÕES Os resultados desse trabalho corroboraram a primeira hipótese de que algumas espécies de Scarabaeinae tem preferência alimentar por fezes de onívoros. Conclui-se que neste ambiente o padrão semelhante ao encontrado em outros biomas se repete devido à adaptação a utilizar recursos odoriferamente mais atrativos. Com este trabalho pode-se notar também que em caatinga há Scarabaeinae que utilizam fezes mais secas, corroborando desta forma a segunda hipótese do trabalho. Isso pode explicar-se pelo fato dos vertebrados terem sofrido adaptações para que pudessem viver em ambientes mais secos e por conta disso, esses animais acabaram eliminando fezes mais secas. A não especialização a esse recurso, no entanto, se explica pela imprevisibilidade e redução de quantidades de recursos em ambientes secos, que estabelece o generalismo como melhor estratégia de guilda alimentar. Concluímos também que esta área de Caatinga, como tantas outras na região de Feira de Santana, é pouco preservada e está muito antropizada e por este fato ficamos impossibilitados de concluir o nosso trabalho, pois além desta área não ter mais condições ambientais para andamento das pesquisas, o local estava oferecendo riscos de vida às pessoas que estavam trabalhando nela, pois havia entrada frequente de caçadores, que na maioria das vezes desmontavam os nossos experimentos. Diante do exposto salientamos a importância da Caatinga e a conservação de sua fauna e sua flora, mas para isso se faz necessário uma ampliação de estudos nesse tipo de bioma para que se faça conhecido à biodiversidade presente nela. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CAMBEFORT, Y. 1991. Biogeography and Evolution of Dung Beetle Ecology. In: Hanski, I.; Cambefort, Y. (eds.). Dung Beetle Ecology 198–210. DORMONT, L.; Epinat, G.; Lumaret, J. 2001. Trophic Preferences Mediated by Olfactory Cues in Dung Beetles Colonizing Cattle and Horse Dung. Environmental Entomology 33, 370–377. DORMONT, L.; JAY-ROBERT, P.; BESSIÈRE, J.; RAPIOR, S.; LUMARET, J. 2010. Innate olfactory preferences in dung beetles. The Journal of experimental biology 213, 3177–86. HALFFTER, G.; MATTHEWS, E. 1966. The natural history of dung beetles of the subfamily Scarabaeinae (Coleoptera, Scarabaeidae). Folia Entomologica Mexicana 12-14, 1–312. HANSKI, I.; CAMBEFORT, Y. 1991. Dung Beetle Ecology. Princeton University Press, Princeton. 520 p. HERNÁNDEZ, M.I.M. 2007. Besouros escarabeíneos (Coleoptera: Scarabaeidae) da caatinga paraibana, Brasil. Oecologia Brasiliensis 11, 356–364. KLEIN, B. C. 1989. Effects of forest fragmentation on dung and carrion beetle communities in Central Amazonia. Ecology 70, 1715–1725. LIBERAL, C. N.; ISIDRO DE FARIAS, Â.;MEIADO, M. V.; FILGUEIRAS, B. K. C.; IANNUZZI, L. 2011. How habitat change and rainfall affect dung beetle diversity in Caatinga, a Brazilian semiarid ecosystem. Journal of Insect Science v.11, p.1–11. TSHIKAE, B.P. 2011. Local and regional factors influencing dung beetle assemblage structure across an environmental gradient in Botswana. PhD thesis, University of Pretoria, South Africa.