Anexo 1

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Anexo 1
ANEXO 1 – Tema 2014: Do tempo que temos, que uso fazemos?
(texto retirado parcialmente da revista Isto é, edição 1850, 30 de março de
2013)
Em busca do tempo
Com as novas tecnologias, o tempo vira um bem cada vez mais valioso e é
preciso enfrentar a permanente sensação de correr contra o relógio.
Darlene Menconi
Colaboraram Cláudia Pinho e Celina Côrtes (RJ)
A humanidade conta a passagem do tempo há pelo menos 20 mil anos. Começou com
marcas em ossos e gravetos. Passou para os relógios de sol e de água, onde o tempo fluía
sem cessar. Os artesãos medievais chegaram ao relógio mecânico e, daí para a frente, a
busca por instrumentos mais precisos não parou de acelerar. Na história do tempo, porém,
nada foi tão marcante quanto as teorias do físico Albert Einstein, cujas principais obras
completaram um século em 2005, o Ano Mundial da Física. Até o final do século XIX, os
cientistas acreditavam estar perto de uma descrição completa do Universo. Imaginavam que
o espaço era um meio contínuo chamado éter, por onde circulavam os raios de luz e os
sinais de rádio, assim como as ondas sonoras flutuavam no ar. Faltava apenas determinar
as propriedades do éter. E foi aí que entrou o terremoto Einstein. Em cinco trabalhos
publicados em 1905, ele mostrou que não havia o éter, que as leis da ciência são imutáveis
e que a luz viajava sempre à mesma velocidade, independentemente de quem a visse. Com
isso, foi preciso abandonar a ideia de um tempo universal, idêntico em todos os relógios do
mundo. A partir de Einstein, e de sua teoria da relatividade, cada um teria sua própria
medida do tempo.
À medida que os relógios de precisão se sofisticaram, a velocidade se tornou vital.
Cada vez mais se delimita o tempo em fatias mais finas do segundo. Com isso se ergueram
as bases para o surgimento de uma civilização atenta à passagem do tempo, preocupada
com a produtividade e o desempenho. Com o avanço das tecnologias, dos relógios atômicos
e dos sistemas guiados por satélites, é possível investigar onde os olhos não alcançam. Nos
laboratórios, os transistores trocam mensagens mais rápido do que um milésimo de um
bilionésimo de segundo. No corpo humano, um segundo marca o intervalo em que o
coração de uma pessoa saudável bate uma vez. Nesse mesmo lapso de tempo, a Terra
percorre 30 quilômetros em sua órbita em torno do Sol. E o Sol se desloca 274 quilômetros
em sua trajetória pela galáxia.
A capacidade de transcender o tempo e o esforço, seja na internet, seja pilotando um
avião guiado por satélite, nos permite acelerar o ritmo da vida e dilatar os limites da
velocidade. Por isso nos vem a sensação de ter menos horas disponíveis para os momentos
de pausa e de ócio. Alguns teóricos da nova era pregam que o tempo no século XXI é
equivalente ao que os combustíveis fósseis e os metais preciosos foram em outras ocasiões
da história.
Minuciosamente cronometrado, ele é nossa maior riqueza individual, o nosso capital.
Além de matéria-prima da economia erguida com base em informações guardadas em
arquivos digitais e transmitidas por linhas telefônicas. “Uma parte dos problemas atuais é
efeito do fato de que nossa cultura imagina ser carente de tempo. No futuro, o homem
revelar-se-á um bom ou mau recurso natural em função da maneira como administra sua
relação com o tempo”, diz a física Bodil Jönsson, da Universidade sueca de Lund, autora de
Dez considerações sobre o tempo.
Tempo é dinheiro – Um professor britânico chegou ao cúmulo de bolar uma equação
matemática para calcular o desperdício das horas. Na ponta do lápis, Ian Walker traduziu o
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bordão tempo é dinheiro. Contabilizou que três minutos escovando os dentes equivalem a
R$ 1,30. Pela mesma equação, o professor da Universidade de Warwick calculou que um
cidadão britânico médio deixa de ganhar quase R$ 13 para cada meia hora perdida lavando
o carro.
Há quem diga que a mais profunda transição entre a Idade da Pedra e a atual Era da
Informação está na experiência subjetiva da passagem das horas. Como a sociedade do
conhecimento e dos veículos de comunicação modelou o passo da economia digital, o
resultado prático é que não há intervalos nem pausas. Outro fator que multiplica a angústia
no mundo do excesso de informações é que comprimimos no mesmo período uma série de
novas atividades. Aulas de inglês, francês, espanhol, natação, ioga, pós-graduação, cursos
de reciclagem, cabeleireiro, supermercado. A era da tecnologia e do mundo global é
marcada pela eterna competição. Se o concorrente pode estar realmente do outro lado do
planeta, o elixir do sucesso é a produtividade.
No mundo dos negócios, tudo começou a acelerar a partir da década de 1980, quando
as entregas pelo correio de um dia para o outro mostraram que a comunicação entre
empresas podia ser mais rápida. Desde então, o ritmo se acelera sem cansar. Na era da
internet, tudo acontece em todos os lugares ao mesmo tempo. Não há fuso horário nem
fronteiras geográficas. Uma pessoa em seu computador pode acompanhar e negociar do
Recife as ações na Bolsa de Tóquio.
Não se pode atribuir à internet a conquista do tempo sobre o espaço. O tempo é medido
com mais precisão que qualquer outra entidade física. Por isso, ele é usado para mensurar
dimensões espaciais e também para guiar os satélites, que transmitem em tempo real sua
localização geográfica. Um erro de um milionésimo de segundo em um dos satélites poderia
falsear a localização de um barco em até 300 metros. Com tanto avanço, a essência do
tempo permanece um enigma para físicos, filósofos e antropólogos. Os cientistas se
dedicam a estudar as áreas do cérebro que produzem a sensação de que as horas voam
quando nos divertimos. Ou de que os ponteiros se arrastam pesadamente durante uma
palestra desinteressante.
Como a passagem do tempo não passa de abstração, os pensadores questionam
nossa sensação de correria constante. “Não somos mais senhores do nosso tempo. Esse
vazio nos leva a preencher e a matar o tempo com coisas que não são importantes. As
pessoas não sabem o que fazer com o horário livre”, diz a filósofa Olgária Matos, da
Universidade de São Paulo. Esse é o mal do mundo contemporâneo, ela diz. “O tempo livre
não é livre, é sem sentido.”
Para os físicos, ele é simplesmente o que os relógios medem. Na Grécia antiga, os
filósofos comparavam o correr das horas a um rio ou ainda a uma flecha que parte do
passado em direção ao futuro, passando pelo aqui e agora. Com os conceitos propostos
pela relatividade de Einstein, pode-se dizer que o tempo é um rio – ou uma flecha – que vai
em qualquer direção. Numa carta a um amigo, Einstein explicou-se: “O passado, o presente
e o futuro são apenas ilusões, ainda que tenazes.”
Mesmo que seja difícil entender conceitos complexos como a teoria da relatividade, o
que ela propõe é a negação do significado absoluto e universal do momento presente. Para
Einstein, a observação de um evento será diferente conforme a velocidade, a posição e o
olhar do observador. Portanto, é relativa. De forma simples se poderia dizer que a grande
novidade das teses de Einstein é que o tempo não é mais definido em relação ao
movimento da Terra, mas sim em relação à velocidade da luz. Com isso, espaço e luz se
ligam e o tempo se torna a quarta dimensão do espaço, o que se chamou de espaço-tempo.
Antes de Einstein, considerava-se o tempo como absoluto e universal, igual para todos. Na
teoria da relatividade, quando dois observadores se movem de maneiras diferentes, eles
experimentam durações diferentes do passar das horas.
Há 100 anos, ninguém suspeitava que a teoria da relatividade geral criaria tantos
problemas. “Antes não existiam o universo curvo, o espaço-tempo curvo, nem o universo em
expansão, ninguém pensava nisso. Foi uma surpresa para o próprio Einstein, e muitas
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surpresas maiores podem estar para acontecer num futuro próximo”, ensinou o físico Mário
Schenberg, um dos mais brilhantes cientistas que o Brasil já teve.
Ainda não temos ideia de como funciona nossa percepção do tempo. Parte das ilusões
tem raízes na psicologia, na linguística, na cultura e no funcionamento do cérebro. No futuro,
podemos imaginar uma forma de detectar o processo cerebral responsável pela impressão
da passagem das horas e criar drogas para suspender a sensação de que elas voam,
deixando à mostra a finitude humana.
Alguns praticantes de meditação afirmam ser capazes de atingir esse estado mental.
Uma de suas premissas é considerar só o hoje e o agora. Sem stress nem ansiedade, como
se o passado e o futuro fossem a mesma coisa: o momento presente. Se fôssemos capazes
de destrinchar os mecanismos do tempo, talvez deixássemos de nos inquietar com o futuro
ou de sofrer com o passado. Preocupações com a morte, as expectativas frustradas e a
nostalgia do passado que não volta sumiriam. Quem sabe assim o sentido de urgência que
nos acompanha poderia se evaporar, sem nos roubar a sensação de permanência.
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