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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE EDUCAÇÃO CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO MESTRADO VIVÊNCIAS E SIGNIFICAÇÕES DE SEXUALIDADES FEMININAS E SUAS RELAÇÕES COM EXPERIÊNCIAS EDUCATIVAS TÂNIA TEREZINHA CENI PINTO PORTO ALEGRE, DEZEMBRO DE 1997 PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE EDUCAÇÃO CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO MESTRADO Dissertação apresentada por TÂNIA TEREZINHA CENI PINTO, como requisito parcial para a obtenção do Grau de Mestre em Educação. Profª Dra. NARA M. GUAZELLI BERNARDES ORIENTADORA PORTO ALEGRE, DEZEMBRO DE 1997 PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE EDUCAÇÃO CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO MESTRADO VIVÊNCIAS E SIGNIFICAÇÕES DE SEXUALIDADES FEMININAS E SUAS RELAÇÕES COM EXPERIÊNCIAS EDUCATIVAS COMISSÃO EXAMINADORA Profª Dra. Nara M. Guazzelli Bernardes _________________________________ _________________________________ PORTO ALEGRE, DEZEMBRO DE 1997 MOMENTOS PARA AGRADECER Ao apresentar esta dissertação, reporto-me às mulheres e espero que o conteúdo destas páginas possa ajudá-las a melhor compreender seu papel no mundo; quero, então, prestar homenagens e agradecimentos a todas as mulheres. Mulheres representadas por aquelas que conheci e venho conhecendo no desenrolar de minha vida e que através das relações familiares, pessoais e profissionais inspiraram-me para fazer esta pesquisa. Dessas mulheres, quero destacar algumas que marcaram profundamente a minha vida, em momentos distintos e importantes. Minha avó, Anunciata ( in memorian ), pelo exemplo de vida, coragem e amor deixados como gotas de elixir vital. Minha mãe, Theolide, pela dignidade e por ter me feito mulher, herança que tem sido a cartografia do meu caminho. Minha irmã, Sandra, pelo amor que nos une e nos fortalece. Minha amiga, Verginia, pela força espiritual que nos liga e nos fortalece transcedendo a força natural de nossas vontades. Minha orientadora, Nara, pela compreensão, incentivo e amor que fizeram dos nossos encontros muito mais do que profissionais e intelectuais, conversas ricas de nuances acolhedoras. Minhas entrevistadas, pela confiança em mim depositada, pelos momentos alegres e tristes, pela cumplicidade e companheirismo na árdua tarefa de ser e viver mulher. No meio a tantas mulheres quero fazer um adendo aos homens. A todos os homens que completam as mulheres e nelas se completam. Em especial, meu marido, Edmundo, pelo amor, dedicação, força e companheirismo, nos momentos mais cruciais da minha vida. Meus filhos, Patrick e Gregory, pedacinhos de uma mulher que os ama como preciosidades raras, jamais possíveis de serem encontradas. A cada nome citado, outros mil surgem e, na ânsia de manifestar minha gratidão a todos, finalizo agradecendo de modo carinhoso aos meus colegas de mestrado, de trabalho, aos meus mestres, ao CPEA e Faculdades de Palmas, por terem sido coadjuvantes importantes nessa caminhada. Carta de Princípios Se tu sentes, hoje, como a adolescente que já foste, Ou que, talvez, nem tenhas, de fato sido: Se passas a acalentar a idéia de uma plástica, Tão criticada, nas outras, até então: Se, ao andares pela rua, és abordada por um homem, Que quer... saber as horas ou teu relógio roubar: Se já duvidas de tudo que a razão teima em provar-te, Mas é capaz de, sempre, acolheres nova ilusão: Se és chamada de tia, pelo rapaz que é um tesão, E de jovem, pelo guardador, espertalhão: Se, no momento mais solene, tudo colocas em questão, Sendo capaz de rir dos outros, e, ainda, de ti mesma: Se observas, impotente, a eficiente ação da gravidade, No indefeso espaço de teu corpo: Se és capaz de, frente a teu pensar, tão pouco linear, De ti, não cobrares coerência, apesar das insistências: Se andas de táxi e a aflição, com o rádio aos berros, É bem maior que o medo de um estupro: Se agüentas a perda do viço, dos pêlos e dos apelos, Sem mesmo assim, o gozo da vida tu perderes: Se teu companheiro, de certo fazendo graça, Fala em trocar-te por duas de vinte: Se, do ou similar, já não lembras dos teu ídolos, Mas continuas a dançar, se possível conforme a música: Se olhas, distraída, ao espelho e, curiosa, Perguntas, quem será essa senhora: Se teu tesão, na imaginação mais forte que na ação, Ainda assim te guia, na busca de novo pão: Se, entre a austeridade e o ridículo, o tamanho da saia oscilar e, Ao alongares os braços, não resolves a questão: Se assim é contigo ou, mais ou menos, te parece, És MULHER, minha guerreira, e quarenta já mereces. Rudyard Kliping RESUMO Este estudo buscou compreender vivências e significações referentes à sexualidade de mulheres de diferentes gerações, focalizando suas relações com experiências de educação informal e formal. Pretende igualmente oferecer subsídios para desenvolver ações que conduzam ao melhor entendimento da sexualidade humana, mais precisamente a sexualidade feminina. Os sujeitos desta pesquisa foram nove mulheres que se situam na faixa etária de 20 a 80 anos, escolhidas e convidadas à entrevista, residentes em cidades do interior do Estado do Paraná e do Estado do Rio Grande do Sul. O método utilizado foi uma análise compreensiva de base fenomenológica e os dados foram coletados por meio de entrevista. Os temas centrais gerados pela análise dos dados foram: o vivido e o aprendido que focaliza família, escola, amigos, meios de comunicação, parceiros com fontes de informações sobre a sexualidade; a experiência do corpo que inclui cuidados, diferenças anatômicas, sentimentos, masturbação, prazer sexual, orgasmo, virgindade, menarca, menopausa, maternidade, aborto, concepção; as vivências afetivo-sexuais que se referem a namoro, casamento, separação, traição, viuvez; a concepção de mulher. A reflexão sobre os temas teve como pressuposto uma concepção da sexualidade humana, não apenas como meio de reprodução, mas também como relação e enriquecimento interpessoais, segundo a qual o saber da mulher é também perceber o homem, pois falar de um é subentender o outro na complexidade dos conflitos. Mostrou que as vivências e significações dessas mulheres no que tange à sexualidade foram marcadas pelas dificuldades na obtenção de informações, pela educação em família, cujo papel da mulher caracterizava-se pela submissão e pela insegurança, assim como pelos mitos e tabus que geravam medos e sofrimentos. Simultaneamente, tais vivências e significações também foram atravessadas pela alegria, pelo prazer e pelas realizações como mulher. Discuto também uma proposta de orientação sexual que possa envolver educadores, sistema de saúde, família e outros grupos sociais. ABSTRACT The present research aimed to understand experiences and meanings related to the sexuality of women who belong to different generations and it focuses their formal and informal education experiences. It sought, as well, to yield elements to carry out actions leading to a better understanding of human sexuality, more specifically of women sexuality. The research subjects were nine women who are in the age range from 20 to 80 yearold and who live in cities from the inner area of Paraná and Rio Grande do Sul States, Brazil. The method employed was a qualitative comprehensive analysis based on a phenomenological approach and the data were collected by means of interviews. The main themes that emerged from data analysis are the following: living and learning experiences focusing family, school, friends, media and mates as sources of information concerning sexual life: body experience ( including its care), anatomical differences, feelings, masturbation, sexual pleasure, orgasm, virginity, menarche, menopause, maternity, abortion, conception; sexual and affective experiences concerning courtship, marriage, divorce, cheating, widowhood; woman’s child conception. Reflection on the themes rely on the presumption that human sexuality is not just a means of reproduction, but of interpersonal relationship and enrichment, according to which woman’s self perception comprises also man’s perception, because to mention one of them is also to mention the other one within the complexity of their conflicts. The reflection also indicated that women’s life experiences and meanings, as far as sexuality is concerned, were marked by dificulty to obtain information, by family education on which woman’s role was characterized by submission and insecurity, as well as by miths and taboos that brought about fears and distress. At the same time, such life experiences and meannings were also permeated by joy, pleasure and by accomplishments as a woman. It is also discussed a sexual education suggestion that might involve educators, health system, family and other social groups. SUMÁRIO RESUMO ......................................................................................................... vii ABSTRACT ..................................................................................................... ix INTRODUÇÃO ................................................................................................ 1 CAPÍTULO I CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS ...................................................................... 6 1. Aspectos da trajetória histórica das mulheres ........................................ 8 2. Sexualidade e desenvolvimento Psicossocial Feminino ....................... 19 CAPÍTULO II PROBLEMAS E OBJETIVOS .......................................................................... 43 CAPÍTULO III METODOLOGIA .............................................................................................. 48 CAPÍTULO IV DESVELAMENTO DAS ESSÊNCIAS DO FENÔMENO .................................. 62 1. O vivido e o aprendido................................................................................. 63 2. A experiência do corpo ............................................................................... 79 2.1 - Diferenças e sentimentos .................................................................... 80 2.2 - Prazer sexual e virgindade .................................................................. 99 2.3 - Menarca e menopausa ........................................................................ 125 2.4 - Maternidade e contracepção ............................................................... 151 3. Vivências afetivos sexuais .......................................................................... 176 4. Concepções de mulheres ............................................................................. 211 CAPÍTULO V CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 224 POSFÁCIO .......................................................................................................... 240 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................. 244 Ficha Catalográfica _______________________________________ P659v Pinto, Tânia Terezinha Ceni Vivências e signficações de sexualidades femininas e suas relações com experiências educativas. / Tânia Terezinha Ceni Pinto. - Porto Alegre: PUCRS, 1998. Folhas 1. Educação Sexual. 2. Sexualidade. 3. Biologia. 4. Relações de Gênero. CDU 1. 613.88 2. 612.06.057 3. 57.017.5 4. 396 CDD 1. 612.69019 2. 306.7 3. 575.9 ____________________________________________ ÍNDICE ALFABÉTICO PARA CATÁLOGO SISTEMÁTICO 1. Biologia 2. Biologia Educacional 3. Educação Sexual 4. Sexualidade 5. Orientação Sexual 6. Gênero e Educação 7. Relações de Gênero CDU CDD 57.017.5 37.015.2 613.88 612.06.057 ------396 575.9 --612.69019 306.7 306.72 370.193245 --- Bibliotecária responsável CLEUZA IRENE SILVA CRB 9/781 INTRODUÇÃO Algunas de las cosas que creemos jamás fueron verdad. Eran solamente los miedos de otra persona. Date la oportunid de examinar tus pensamientos, y cambias los que são negativos. Tú te lo mereces. LOUISE L. HAY Esta pesquisa é o resultado de um exercício de reflexão sobre a sexualidade empreendido ao longo de minha vida como mulher, filha, estudante, mãe, educadora e orientadora educacional. Do pensar e dialogar com mulheres em palestras, das conversas sobre o tema com amigas, vivendo situações difíceis, inerentes à condição de ser mulher no final do século XX; das discussões geradas sobre conteúdos referentes ao gênero. Tudo isso gerou dúvidas, busca de esclarecimentos, elaboração de idéias sobre as trajetórias e as particularidades de ser mulher. É muito difícil escrever sobre as histórias de mulheres, mas foi exatamente nesta dificuldade que senti a importância deste trabalho, que será baseado em depoimentos de mulheres e que pretende ser útil como subsídio para a educação sexual formal e informal. Enquanto mulher-menina sempre me senti atraída por assuntos ligados à sexualidade, assuntos esses discutidos com colegas e familiares; raramente me satisfazia com as respostas que eram dadas, o que aguçava mais ainda minhas dúvidas e indagações. Como mulher-púbere os meus conhecimentos a respeito do assunto não se desenvolveram, pois entrei na puberdade em meados dos anos 60, num momento de grande repressão política e sexual; o desconhecimento sobre a sexualidade humana era enorme, transparecendo uma realidade triste e desoladora, na qual as distorções eram transmitidas, reforçando os tabus que cercavam a questão, levando-me a percorrer, muitas vezes, caminhos penosos à procura da verdade. Fui uma adolescente dos anos 70, dos anos rebeldes, onde muito era proibido e o proibido era o que mais me apaixonava. Como mulher-estudante posso deixar registrado que pouca ou nenhuma informação me foi transmitida no período em que mais precisava, pois o país continuava a viver momentos políticos, sociais e educacionais de muita repressão. Lembro-me que quando fazíamos alguma indagação sobre sexualidade (sexo), a professora colocava o dedo nos lábios, como se pedisse silêncio e dizia: “cuidado, as paredes têm ouvidos!”. Como mulher-educadora e orientadora educacional, interessava-me muito pelo assunto, tanto em trabalhos de educação formal como informal. Durante muito tempo trabalhei com mulheres de diferentes faixas etárias e níveis sócio-econômicos num Programa de Planejamento Familiar e Sexualidade. Foi nessa atuação que nasceu o interesse pelo tema desta pesquisa. No período de prática educacional, nos cursos, aulas e conversas com pessoas das mais variadas ocupações, classes e níveis educacionais, fui constatando algo que me chamou a atenção: o amplo desconhecimento e a curiosidade no que se refere à sexualidade. Nesses casos, a desinformação sexual independia da classe social, do gênero, do grau de escolaridade, da idade ou até mesmo do estado civil. Nesta pesquisa, portanto, procurei focalizar as relações entre aspectos da sexualidade feminina em diversos períodos da vida e experiências de educação sexual formal e informal. Para tanto, investiguei vivências e significações de mulheres de diferentes gerações. Tratar de sexualidade é também tratar de saúde e, tratar da saúde da mulher pode significar a possibilidade de melhorar sua participação na comunidade em que vive, bem como suas condições de ser feliz e libertar-se de tabus e mitos transmitidos através das gerações. Além disso, tenho a convicção de que as mulheres ainda são as principais provedoras das informações sobre sexualidade na família e fora dela. Este trabalho foi organizado em cinco capítulos. O primeiro aborda aspectos teóricos da trajetória da sexualidade feminina no interior da história humana, objetivando fundamentar o tema em estudo. O segundo procura situar o problema e os objetivos desta investigação, salientando a importância da mesma. O terceiro capítulo trata da metodologia utilizada na realização desta pesquisa. O quarto capítulo focaliza o desvelamento das essências e o quinto diz respeito às considerações finais. CAPÍTULO I CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS Mais perto da natureza selvagem que dá paisagem humanizada, detentoras da fertilidade da terra e da fecundidade do grupo, delas provêm a ameaça suprema de que, caso rompam a relação primordial de alteridade / oposição e recusem-se aos homens estiole-se o solo e aniquele-se a espécie. ROSISKA OLIVEIRA Neste capítulo apresento alguns aspectos da trajetória histórica de mulheres, a qual possibilita entender que também no Brasil a sexualidade está sujeita à repressão estabelecida pela cultura patriarcal na qual o homem é o detentor do poder. A sexualidade como parte integrante do ser humano é o resultado de um permanente processo de construção que acompanha o indivíduo desde os primeiros momentos de seu ciclo vital. Deve ser compreendida não apenas no que diz respeito às suas práticas, mas também no que se refere aos significados que são constituídos pela cultura e pela sociedade, pelos grupos e indivíduos. Assim, se faz necessário igualmente tecer considerações sobre a sexualidade no decorrer do ciclo vital das mulheres, bem como suas relações com as experiências de socialização e educação na família, na escola, no trabalho e em outros grupos sociais. 1. ASPECTOS DA TRAJETÓRIA HISTÓRICA DAS MULHERES Pacto de Sangue? Magia negra? É no ventre da terra que as mulheres conspiram silenciosamente, apoderando-se do barro. Apalpam seu modelo para decifrá-lo, enquanto vão tentando esculpir as próprias imagens. Filhas, mãe e avós, em infinito suceder. REGINA M. C. L. PIMENTEL Para compreendermos a importância de se trabalhar um tema tão discutido, mas que ainda desperta curiosidade - a sexualidade feminina - é preciso termos uma visão, ao menos mínima, de aspectos da trajetória das mulheres no interior da história humana. Segundo a Antropologia, a Terra é habitada há mais de dois milhões de anos e por um longo período, o ser humano viveu na coleta e caça de pequeno porte, na qual não havia necessidade de força física para a sobrevivência. Nesta sociedade, a mulher ocupava um lugar privilegiado. Para MURARO (1995, p. 5): “Nestes grupos, o princípio masculino e feminino governavam o mundo juntos. Havia divisão de trabalho entre os sexos, mas não havia desigualdade. A vida corria mansa e paradisíaca...”. A mulher era considerada sagrada porque podia gerar filhos, sangrava mensalmente sem estar ferida, era símbolo da fertilidade, da terra e dos animais. Em alguns grupos (na antiga Mesopotâmia, hoje Iraque), a magia da menstruação era festejada e havia um dia de festa em que todos descansavam em homenagem à Deusa Ishtar, que estaria menstruando e com isso fertilizando as terras. A supremacia masculina teve início nas sociedades em que a força física era essencial, nas culturas de caça de grandes animais. Mesmo assim, a mulher era considerada um ser sagrado que possuía o dom de reproduzir a espécie. Até então, o homem não concebia sua capacidade reprodutora e acreditava que as mulheres eram fecundadas por deuses. Na introdução histórica da obra “O Martelo das Feiticeiras”, ROSE MARIE MURARO (1995, p. 5), faz um breve comentário do que descrevemos acima: “Os homens se sentiam marginalizados nesse processo e invejavam as mulheres. Essa primitiva ‘inveja do útero’ dos homens é antepassada da moderna ‘inveja do pênis’ que sentem as mulheres nas culturais patriarcais mais recentes”. A “inveja do útero” deu origem a rituais universais nas sociedades de caça, como o fenômeno da “couvade” e da iniciação masculina. Na “couvade”, a mulher começava a trabalhar dois dias após o parto, enquanto que o homem ficava se resguardando com o bebê, recebendo visitas e presentes. Na iniciação masculina, os meninos na puberdade eram introduzidos na “casa dos homens” através de uma cerimônia que imitava o parto, com objetos de madeira e instrumentos musicais. Somente após essa iniciação, o homem podia “parir”, tomando seu lugar na escala das gerações. A mulher possuía o “poder biológico” e o homem o “poder cultural”, à medida que a tecnologia foi avançando. Isto porque a cultura criou um processo evolutivo tipicamente humano: nossa evolução tornou-se muito mais cultural do que biológica. Esse acúmulo de conhecimentos e hábitos, chamado cultura, cuja renovação depende mais do surgimento de novas técnicas e idéias do que das próprias mutações, é que aumentou progressivamente o poder do homem sobre a mulher. O homem começou a dominar a sua função biológica reprodutiva e passou a controlar a sexualidade feminina (MURARO, 1995). As sociedades, então, se tornaram patriarcais, isto é, os portadores dos valores e da sua transmissão são os homens. Já não eram os princípios femininos e masculinos que governavam juntos o mundo, mas sim a lei do mais forte. A relação homem-mulher-natureza não era mais de integração e, sim, de dominação. A mulher era vista como tentadora do homem ligada à carne, ao sexo, ao prazer, ao bem e ao mal. A dominação de mulheres também é afirmada no Antigo Testamento, segundo o qual, desde o princípio, a humanidade consistia de homens e mulheres e os filhos eram uma bênção de Deus (Salmos, 127, 3). De acordo com esse documento religioso, as mulheres eram mantidas numa posição legal e social inferior. Em relação à sexualidade e ao sexo, KOSNIK (1982, p. 23), enfatiza que eles eram vistos de forma distinta, no Gênese, sem que houvesse qualquer sinal de desprezo pela natureza sexual humana: ... a sexualidade como desejada por Deus, criada como algo bom, diante da qual as criaturas humanas não precisam ficam desconcertadas ou envergonhadas de qualquer modo. [...] o sexo é simplesmente um aspecto da vida humana, nem desprezado, nem dominado, pois nunca é considerado realidade isolada. Ele está num contexto mais amplo, juntamente com os outros aspectos da vida humana. [...] o Antigo Testamento se estende por um período de cerca de mil anos e apresenta não só a pluralidade de atitudes diante da sexualidade, mas também uma evolução específica, principalmente com relação à dignidade da pessoa. O Novo Testamento, da mesma forma como o Antigo, não se preocupou em estabelecer uma ética sistemática sobre a conduta sexual e o matrimônio. A questão da sexualidade é tratada ocasionalmente, condicionada por circunstâncias particulares. De acordo com KOSNIK (1982, p. 37): “A doutrina de Jesus sobre o matrimônio se limita em grande parte a afirmar a fidelidade e proibir o divórcio. Ao considerar a união do homem e da mulher como um símbolo messiânico, os evangelhos demonstram uma afirmação do matrimônio e do gozo que o acompanha”. Nos primeiros quatorze séculos depois de Cristo, era muito confusa a situação da mulher. Ela passava por período de alta submissão e em contrapartida tendia a ocupar lugar de destaque no mundo das decisões, nos períodos em que os homens se ausentavam por ocasião das guerras. É na Idade Média que a condição da mulher floresce: elas têm acesso às artes, às ciências e à literatura. “Uma monja, por exemplo, Hrosvitha de Gandersheina, foi a única poetiza da Europa durante cinco séculos”. (MURARO, 1995, p. 13) No final do século XIV até meados do século XVIII, ocorreu a maior repressão já vista às mulheres - a caça às bruxas. Desde a mais remota antigüidade, as mulheres eram as curadoras populares, parteiras e detinham o saber próprio que lhes era transmitida de geração em geração. Mais tarde vieram a representar uma ameaça ao poder médico, à religião católica e à protestante, pois nos encontros de mulheres desenvolviam a saúde e iam tomando força nas revoltas camponesas, que eram uma ameaça ao sistema capitalista que estava sendo forjado no seio do feudalismo. Por esse motivo, elas eram levadas aos tribunais da Inquisição e condenadas a serem queimadas vivas em fogueiras, sob a denominação de bruxas. Tal situação é muito bem colocada por MURARO (1995, p. 16), quando diz: Quando cessou a caça às bruxas, no século XVIII, houve grande transformação na condição feminina. A sexualidade se normatiza e as mulheres se tornam frígidas, pois o orgasmo era coisa do diabo e, portanto, passível de punição. [...] o saber feminino popular cai na clandestinidade, quando não é assimilado como próprio pelo poder médico masculino já solidificado. As mulheres já não têm mais acesso ao estudo como na Idade Média e passam a transmitir voluntariamente a seus filhos valores patriarcais já então introjetados por elas. No Brasil, os hábitos e valores europeus influenciaram o tratamento dado às mulheres, desde que aqui chegaram os primeiros colonizadores. Estudando trajetórias femininas, principalmente a partir do século XVI, encontramos marcas da dominação e da opressão da mulher. Ela era vítima constante da dor, do sofrimento, da solidão, da humilhação, da exploração física, emocional e sexual. Situados no contexto de uma sociedade profundamente patriarcal, os conceitos de macho e fêmea, de masculino e feminino, influenciaram o mundo dos significados sexuais construídos no Brasil. Segundo MURARO (1995), essas relações entre homens e mulheres foram reforçadas desde o início do período colonial, através de um sistema de domínio delimitado pela religião como forma de controle social. O “eu sexual” possuía ênfase cultural na reprodução, os encontros sexuais eram vistos como dever para perpetuar a família e dever com Deus e seus semelhantes. Para atender tais objetivos, a energia sexual não podia ser canalizada na procura do prazer, afirma PARKER (1991). A mulher ficava relegada ao papel de santa-mãezinha e a realização feminina residia apenas e exclusivamente na maternidade. PRIORE (1993, p. 19), ilustra a afirmação sobre o papel de mãe, dizendo: “A mãe era [...] a única responsável pelo nascimento, sobrevivência, saúde e educação dos seus filhos, o que não ocorre mais em nossa sociedade contemporânea, onde tais tarefas são divididas com os pais, professores e o médico, e as mulheres permitem-se exercer vários papéis sociais diferentes”. Para PARKER (1991), as mulheres brasileiras pertencem a um povo cujas raízes históricas se formaram no entrecruzamento de etnias diversas, sob visões de mundo diferentes, costumes, hábitos e crenças que marcaram sua identidade como seres sexuais. Em geral, para o resto do mundo, são percebidas como sensuais, místicas e cheias de sedução. Os jogos de sedução fazem parte da tradição da sociedade brasileira na qual já foram tanto celebrados como desprezados, vistos como motivo de vergonha ou de muito orgulho. Para este autor, a ênfase na sexualidade das mulheres na cultura brasileira é uma característica quase tão velha como o próprio país e parece estar enraizado nas mais remotas reflexões dos exploradores que pela primeira vez delinearam o relevo do Brasil. Por ocasião do seu descobrimento, os escritos a respeito do país dizem que pouco podiam ser afirmada sobre as riquezas ali contidas. Porém, o que mais fascinou os exploradores foram os habitantes ali encontrados. Na famosa carta de Pero Vaz de Caminha ao Rei de Portugal, Dom Manoel, está explícita a mistura de desejo, fascinação e curiosidade acerca da beleza e inocência do povo que habitava a nova terra. A nudez inocente foi o que forneceu o principal material para as descrições feitas sobre as mulheres nativas. CAMINHA (apud PAES, 1969, p. 67), descreve as nativas falando dos órgãos genitais como partes vergonhosas: “[...] andam nus, sem cobertura alguma. Não há o menor caso de encobrir ou de mostrar suas vergonhas; e nisso têm tanta inocência como mostrar o rosto”. Sobre a genitalidade das nativas, CAMINHA (apud PAES, 1969, p. 70), descreve-a como se tivesse a intenção de encantar e, ao mesmo tempo, escandalizar o leitor: [...] ali andavam entre eles três ou quatro moças, bem moças e bem gentis, com cabelos muito pretos e compridos pelas espáduas, e suas vergonhas tão altas, tão cerradinhas e tão limpas das cabeleiras que, de as muito bem olharmos, não tínhamos nenhuma vergonha. E uma daquelas moças era toda tingida, de baixo acima daquela tintura, e certo era tão bem feita e tão redonda, e sua vergonha tão graciosa, que a muitas mulheres de nossa terra, vendo-lhes tais feições, fizera vergonha, por não terem a sua como ela. Outros exploradores descreveram os nativos como grotescos selvagens, delineando conceitos ambíguos sobre os costumes e as práticas sexuais do novo povo. Os brasileiros resultaram de uma mistura racial em que índios, europeus e africanos, unidos pelo desejo e pelo prazer sexual, marcaram, de maneira única, a formação de um novo povo, romântico e melancólico. A sexualidade exacerbada da vida brasileira deve ser entendida na perspectiva das relações de poder e dominação, de conquistadores e conquistados, do contexto social que a produz. (PARKER, 1991) No Brasil, assim como em outros países ocidentais, o século XX provocou inúmeras alterações na situação das mulheres. A urbanização e a industrialização modificaram a estrutura familiar e social. As mulheres tentaram romper com sua situação de dominação, sobretudo a partir das décadas de 60 e 70, por meio de movimentos feministas. O advento da pílula contraceptiva permitiu à mulher maior controle sobre a procriação e maior liberdade em discutir sua sexualidade, seu direito à participação pública, política, econômica e cultural. (SUPLICY, 1995) As décadas de 60 e 70 estão ainda muito próximas de nós, o que pode indicar que este é ainda um momento de transição, no qual velhos valores continuam imperando e os novos não tiveram tempo suficiente para se consolidarem. Pode significar, simplesmente, o rompimento dos antigos valores e um período em que novos valores ainda estão em gestação. Isto mostra que as mulheres estão lutando por sua libertação, buscando caminhos que deverão percorrer para seu crescimento, uma vez que, múltiplas possibilidades se abrem para seu desenvolvimento. Os anos 70 foram marcados pela realização das conferências das Nações Unidas sobre a mulher. A primeira aconteceu na cidade do México, em 1975, a segunda em Copenhague e a terceira em Nairóbi, em 1985. A caminhada continuou com o objetivo de abrir novos horizontes rumo à igualdade e à justiça. Sempre reavaliando-se os avanços das mulheres e garantindo-se um espaço de maior expressão no que diz respeito à sua posição na sociedade, no mundo como ser humano trabalhador, sentimental, lutador, independentemente de classes sociais, de raças ou etnias. O ano de 1995 ficou marcado pelos 180 dias de mobilização das mulheres para “Beijing 95”; pelas lutas contra a prostituição infanto-juvenil e violência contra a mulher; pelo esforço desempenhado por homens e mulheres em busca da conquista dos objetivos de ação mundial que nortearam a IV Conferência Mundial de Mulheres, realizada em Beijing, China. Segundo SUPLICY (1995, p. 11): O governo brasileiro vem assinando desde Nairóbi (1985), acordos importantes para acelerar a eqüidade entre os gêneros e a total integração das mulheres no processo de desenvolvimento. [...] os governantes, sucessivamente, pouco têm feito para cumprir as metas objetivadas. Vamos ver se agora muda. Afinal, há anos tentamos diminuir o fosso que separa a mulher do homem. Já existe uma sensibilização mundial, consciência governamental, mãos a obra! Atualmente, vemos a mulher inserida nos programas de proteção à vida, de direitos e, sobretudo preocupadas com os problemas relacionados com a Síndrome de Imunodeficiência Adquirida (AIDS ou SIDA) e o aborto. Até pouco tempo atrás, falava-se da AIDS como uma doença estranha que atingia grupos de risco, entre eles o principal eram os homossexuais. LONGO (1993), diz que isso serviu como uma boa desculpa para a discriminação e para a condenação dos hábitos “perversos”, citados na Bíblia desde os primórdios. A discriminação foi tão grave e tão grande que serviu para formar uma falsa proteção e a mulher não se julgava pertencente aos grupos de risco, o que a levou a engrossar a lista dos soro positivos e doentes da AIDS. A mulher passou a ser vítima da discriminação, sofrendo cada vez mais da doença, da discriminação e do preconceito, vitimando crianças, fruto dos seus ventres doentes. Segundo LONGO (1993), há um movimento social pelo qual as mulheres, além de vítimas de homens “pouco confiáveis”, provavelmente teriam tido relacionamentos fora dos limites de seus lares, levando a culpa pela contaminação das crianças inocentes. A visita do Papa João Paulo II, em outubro, mais uma vez coloca a mulher em jogo pelos seus direitos. A proibição do uso de contraceptivos e a condenação do aborto, fazem com que ela, mais uma vez, sinta-se perdida em relação ao que é certo ou errado. A perpetuação da família e a indissolubilidade do casamento, tão frisados por Sua Santidade, o Papa João Paulo II, leva a mulher católica a percorrer caminhos penosos na resolução de seus problemas conjugais, no intuito de não ser mais uma vítima da Igreja e da sociedade. 2. SEXUALIDADE E DESENVOLVIMENTO PSICOSSOCIAL FEMININO A sexualidade é... a expressão mais profunda do ser inteiro. ROSE MARIE MURARO É comum vermos a sexualidade sendo tratada como atributos anatômicos do indivíduo, como resposta fisiológica do encontro entre homens e mulheres, como relação sexual cuja resposta seja o prazer. Segundo LITTRÉ (apud DELAMARE, 1984), sexualidade é o conjunto dos atributos anatômicos e fisiológicos que caracterizam cada sexo. De forma distinta, para BERNARDES (1989, p. 227), a sexualidade pode ser conceituada como algo mais abrangente do que a simples expressão reducionista do prazer: ... (ela é) uma dimensão constitutiva do ser-no-mundo de homens e mulheres, complexa e múltipla, que tem suas raízes na natureza e na cultura. O dado biológico vivido e interpretado pela pessoa singular segundo significações socialmente construídas, as quais são reelaboradas pela mediação de sua subjetividade. Abrange características anátomo-fisiológicas de macho e de fêmea: cromossomas, gônodas, genitálias [...], hormônios, características sexuais secundárias, processo de reprodução. Inclui o prazer sexual, o desejo sexual, a escolha do objeto sexual, condutas e ações sexuais, emoções e sentimentos, o corpo vivido e significado. Nesta perspectiva, a sexualidade é algo inacabado, articulando o ser humano com a sociedade, o ser humano com ele mesmo e com as relações de subordinação e de exploração a que ele possa ser submetido. É parte integrante do ser humano com suas sensações, conflitos e relacionamentos sociais nas diferentes etapas do seu desenvolvimento. O desenvolvimento do ser humano pode ser entendido como um processo contínuo que sofre influências biológicas, psicológicas, sociais e culturais. O desenvolvimento humano é visto por DORIN (1982, p. 27), como: “... o conjunto de séries progressivas de mudanças ordenadas que conduzem à maturidade. envolve mudanças funcionais que ocorrem num órgão ou organismo desde sua origem até a maturidade”. Segundo COSTA (1994, p. 12), é a sexualidade o ponto mais conflituoso, contraverso e desconhecido do ser humano e de seu desenvolvimento psicossocial: “A sexualidade começa a se definir no ato da fecundação e, desse momento até a hora de nascer, passamos por transformações fisiológicas e bioquímicas que reforçarão a nossa estrutura masculina ou feminina”. Para esse autor, é na gestação que o indivíduo passa por momentos significativos na formação de sua sexualidade. Tais momentos são definidos como “encruzilhadas”, nas quais o ser humano poderá seguir o caminho do feminino ou do masculino. Do ponto de vista biológico, o corpo humano é formado por trilhões de células interligadas que permitem o pensar, o amar e o existir. No centro de cada uma dessas células estão vinte e três pares de cromossomos, estruturas que contêm os genes, responsáveis pelas nossas características físicas e biológicas. Um par de cromossomos, os cromossomos sexuais, é o responsável por nascermos homem (macho) ou mulher (fêmea). Na mulher esse par foi batizado de XX e no homem de XY. Segundo COSTA (1994, p. 3), do ponto de vista biológico, o sexo pode ser cromossômico, gonodal e genital: “Cromossômico é o sexo identificado pelos pares XX e XY. Sexo gonodal está relacionado às gônodas, ovários na mulher e testículos no homem. Sexo genital são os órgãos sexuais visíveis, no homem o pênis e a bolsa escrotal, na mulher a vulva, a vagina e o clitóris”. A fecundação ocorre da penetração do espermatozóide (do homem) no óvulo (da mulher). Encontro que acontece de uma longa corrida, cheia de obstáculos do espermatozóide em direção à tuba uterina na procura do óvulo, para então penetrá-lo. Quem vencerá tal corrida? O espermatozóide X, que ao juntar-se com o X do óvulo, dará origem a uma menina ou o espermatozóide Y, que juntando-se ao X do óvulo, começará a gerar um menino? Baseado nisso, COSTA (1994, p. 23), coloca: “A fecundação é a primeira encruzilhada pela qual passa o desenvolvimento da sexualidade humana, embora nesse momento exista apenas uma única célula chamada ovo”. Ao longo das primeiras semanas, o embrião desenvolve órgãos rudimentares, minúsculos, uma espécie de filamento que serão ativados a partir da sétima semana de gravidez. Se o ovo resultante da fecundação for XY, o cromossomo Y ativará a estrutura de Wolff, estrutura que contém a potencialidade para o desenvolvimento da sexualidade do ser masculino, ocorre então o início da formação testicular. Quando o cromossomo Y ativa a estrutura de Wolff, a estrutura de Müller, feminina, não se desenvolve, fica adormecida, mas continua a existir. Se o embrião é de uma menina, a estrutura de Müller passa a formar os ovários e a estrutura de Wolff não é acionada. Para COSTA (1994, p. 5), essa seria a segunda encruzilhada da vida: “Nesse momento, os cromossomos não podem bobear. Se eles não enviarem ‘mensagens’ corretas, isso causará uma grande complicação nos órgãos genitais internos e, mais à frente, nos externos”. Segundo o autor, a terceira encruzilhada diz respeito à complexa combinação de hormônios sexuais, produzidos pelos testículos no embrião masculino ou pelos ovários no embrião feminino. Tais hormônios são responsáveis pelo desenvolvimento dos demais órgãos genitais internos ou externos, femininos ou masculinos. A quarta encruzilhada é a formação da genitália externa, que para COSTA (1994), é vital, porque é nesse órgão que a sociedade se baseia para designar o sexo do nascimento e o gênero do indivíduo: se macho será denominado homem, se fêmea será rotulada de mulher. Quando focalizamos a sexualidade, não podemos deixar de contextualizá-la em uma visão mais ampla do ser humano, no qual se destaca o papel de gênero masculino ou feminino que será a base para o desenvolvimento de todos os demais papéis sociais. É impossível dissociar do gênero a sexualidade. Apoiada nos trabalhos de STOLLER, médico e psicanalista norte-americano, que vem trabalhando com o conceito de gênero desde a década de 60. BLEICHMANN (1985, p. 38), incorporou de modo consistente, a distinção conceitual entre gênero e sexo: “Sob o termo se incluem todos os aspectos psicológicos, sociais e culturais da feminilidade, masculinidade, reservando-se sexo para os componentes biológicos, anatômicos e para designar o próprio intercurso sexual”. Segundo BERNARDES (1993, p. 50), o gênero consiste numa categoria complexa que articula três aspectos: a) atribuição de gênero que significa a rotulação do recém-nascido como homem ou mulher, realizada pelos adultos com base nos indicadores anatômicos do sexo, a qual desencadeia um discurso cultural que se funda nos estereótipos da feminilidade / masculinidade e é fator determinante do núcleo da identidade do gênero; b) identidade de gênero, que é constituída pelo núcleo da identidade e pela identidade propriamente dita. O primeiro significa a auto-percepção consciente e inconsciente de pertencer a um dos gêneros [...] encontra-se estabelecido até os três anos de idade, aproximadamente. A identidade, propriamente dita, manifesta-se na crença “sou feminina / sou masculino”, que se constrói a partir do núcleo [...] é mais suscetível a mudanças; c) o papel de gênero, que significa o conjunto de expectativas socioculturais, quanto aos comportamentos apropriados às pessoas de cada sexo, determinados em função da assimetria de poder existente entre o homem e a mulher. A primeira marca, quanto à nossa identidade sexual e identidade de gênero, localiza-se no momento do nascimento ou no exame de ultra-som. Menino ou menina? A determinação da cor do enxoval, do enfeite da porta da maternidade, a escolha do nome e inúmeros outros fatores são determinantes para a construção inicial de gênero da criança e farão com que a sociedade comporte-se em relação a ela de maneira particular e diferente. Se for menina, não faltarão expressões como lindinha, fofurinha, gracinha, acompanhadas de laços e fitas. Contribuindo desde cedo para o desenvolvimento do “sexo frágil”, submisso. Se for menino, o tratamento será diferente, com frases fortes, onde ressoe: “será um campeão”, “que meninão”, roupas? só azuis. Sem se dar conta, os familiares reforçam a idéia do machismo, segundo o qual homens e mulheres devem ser e se comportarem de forma diferente e o masculino é mais valorizado do que o feminino. Como BERNARDES (1993) enfatiza, as diferenças ou especificidades de homens e mulheres devem ser compreendidas à luz das posições assimétricas ocupadas por mulheres e homens numa sociedade que funciona, segundo a lógica, de dominação e exploração. A mesma autora ressalta que: “Os atributos que qualificam a fêmea ou o macho da espécie humana de mulheres ou homens, de feminino ou masculino, portanto, não são apenas da ordem da natureza nem são independentes entre si; são produzidos por relações socialmente construídas, ou seja, são da ordem da cultura”. (p. 52) Segundo COSTA (1994, p. 41), a identidade de gênero só se evidenciará por completo com os surgimentos dos caracteres sexuais secundários, na fase da adolescência. A consciência que temos de pertencer ao gênero masculino ou feminino vem do comportamento dos pais, dos familiares e da sociedade. A isso se soma a percepção do nosso próprio corpo: “Quando falamos em identidade de gênero, nos referimos às sensações internas que estão dentro de cada um de nós. Essas sensações podem vir para fora ou não. SENTIMOS pertencer ao gênero masculino ou feminino, que somos homens ou mulheres”. Essa sensação interna de pertencermos ao gênero masculino ou feminino, bem como a capacidade de nos relacionarmos socialmente, faz parte da identidade de gênero a que pertencemos e é natural para a maioria das pessoas. Desde o nascimento, na interação com homens e mulheres, a criança aprende a identificar-se com o masculino e o feminino. Pensando a identificação a partir dos registros imaginários e simbólicos, para somente mais tarde aprender a expressar seu papel de gênero. Quando focalizamos o papel de gênero, não podemos deixar de realçar a importância dos meios de comunicação, da escola, das influências da família como agentes reforçadores de estereótipos. Embora as colocações de GRACIANO (1978, p. 29), tenham sido elaboradas quando o conceito de gênero não havia ainda sido incorporado à Psicologia, sua definição de papel sexual mostra-se adequada para chamar atenção para a construção social do papel de gênero: “Define-se papel sexual como um conjunto de normas referentes a atitudes, valores, reações emocionais e comportamentos que são considerados apropriados a cada sexo em uma cultura e momento histórico apropriado. Não se pode falar em papéis sexuais sem se considerar a cultura e o momento histórico, pois eles só existem em função do conteúdo social”. Os papéis de gênero, portanto, são formas de funcionamento que o indivíduo adquire através do meio social que exerce influência sobre ele desde a gravidez, quando os familiares elaboram expectativas sobre o sexo / gênero da criança, a escolha do enxoval e os cuidados pós-nascimento. COSTA (1994, p. 25), também enfatiza essa concepção ao assinalar que: “São ‘regras’ sobre as quais pouco pensamos porque estão incorporadas em nosso dia-a-dia. Esse tratamento ‘diferente’ para meninos e meninas está nos gestos da mãe, na maneira de pegar a criança no colo, de dar o seio ou a mamadeira e tantos outros”. O autor relata ainda que tais regras ficam incorporadas em nosso dia-a-dia, reforçando a formação das diferentes identidades: “[...] identidade genital (a sensação de que se tem pênis ou vagina), identidade de gênero (se sente pertencer ao gênero masculino ou feminino), papel de gênero terá um desempenho social masculino ou feminino no futuro”. Na infância, os fatores biológicos, psicológicos, sociais e culturais se desenvolvem de forma interligada e simultaneamente são elementos básicos na formação da sexualidade. Na medida em que a criança vai formando sua identidade corporal sexual, ela passa por significativos momentos vivenciais junto às pessoas que a educam e que convivem com ela. Para COSTA (1994), por volta dos dois anos e meio, a criança em situação normal de desenvolvimento, formará sua identidade de gênero. Isso lhe permitirá relacionar-se com as pessoas e até assumir outros papéis. No período dos cinco a dez anos, a criança, menino ou menina, passa a ter um prenúncio de sensação sexual. De acordo com COSTA (1994, p. 46), essa sensação é como: “... se fosse um tipo de energia latente que perpassa o seu corpo de maneira muito sutil, tanto que a criança sequer tem noção disso. É comum nessa fase os jogos considerados “sexuais”, que nada têm de erótico e visam apenas reconhecer o próprio corpo e o do outro, enquanto o gênero a que pertencem”. A exploração do corpo é uma etapa fundamental no desenvolvimento psicossexual da criança. A percepção e o questionamento sobre as diferenças anatômicas dos órgãos sexuais geram perguntas e curiosidades que, na maioria das vezes, levam as crianças a experimentarem sensações agradáveis em situações de contato corporal com os pais, irmãos e amigos em brincadeiras inocentes. Brincadeiras que deixam de ser inocentes pelos temores dos adultos que vivem cercados de tabus e mitos e passam a reprimir essas atividades, procurando instituir, desde cedo, normas e valores sociais que consideram corretos. Nesse momento, como muito bem coloca LOPES (1993, p. 6), é importante o diálogo aberto e com amor entre pais e filhos: “[...] a ‘brincadeira de médico’, o cavalinho (pau de vassoura entre as pernas), foi brinquedo condenado pelos pais, a hora do banho, o acariciar do rosto, o aconchego no colo, o sugar no seio, tudo isso tem muito a ver com a expressão da sexualidade. Esse prazer sexual é extremamente gratificante para o desenvolvimento da criança, dando-lhe sensação de equilíbrio emocional.”. O auto-erotismo como impulso sexual faz com que a criança sinta prazer acariciando seu próprio corpo, seus órgãos genitais, servindo para relaxar tensões, familiarizar-se de forma agradável com ele e desenvolver conhecimentos sobre a própria sexualidade, para no futuro vivê-la com maior segurança. STOLL (1993, p. 26), ao referir-se à sexualidade e ao prazer, relata: “Quando afirmo que a sexualidade e o prazer atuam no corpo como um todo, não estou pretendendo absolutizar o relativo, imaginando que tudo na vida se resume a sexo e prazeres, mas admito que no todo humano, a sexualidade é algo que perpassa esse corpo”. Quando as questões dos impulsos sexuais são mal resolvidas na infância, surgem as dúvidas, sensações de culpa, a insegurança e uma visão distorcida sobre seu corpo e sua sexualidade, fazendo com que as crianças sigam confusas rumo à adolescência, chegando, muitas vezes, a perderem o sentido delas próprias. Para COSTA (1994), é na meninice, entre cinco e dez anos, o momento mais adequado para se iniciar a educação sexual, pois a criança está descobrindo como funciona o mundo e está cheia de perguntas. O autor afirma que: “A orientação sexual e a educação sexual precisam ser feitas com naturalidade, sem tabus, nem moralismos. Infelizmente, muitos pais têm, eles mesmos, pouca ou nenhuma informação sobre sexo, ‘acham vergonhoso’ o que fazem na cama ou não querem ‘correr o risco’ de ensinar aos filhos aquilo que para muitos é proibido, feio ou mesmo pecado.” (p. 47). Para REICH (apud STOLL, 1993), todo o corpo da criança passa a ser compreendido como fonte natural de prazer. O comportamento sexual e o desejo não são vistos apenas na perspectiva do prazer, mas sim da apetência, do desejo de expressão e de comunicação, caracterizando-se assim como uma energia positiva a serviço do relacionamento das pessoas. A criança é o principal agente construtor de sua identidade através da construção do seu conhecimento, do meio em que vive, dos seus pensamentos, da relação social familiar, sociabilizando-se e utilizando-se de modelos que tomam espaço especial em sua vida. Esses modelos adultos, pais, irmãos, professores, influenciam decisivamente a criança, libertando-a ou reprimindo-a, através de seus discursos, atitudes, aparências, sua forma de ser e falar, de silenciar, de acariciar, refletindo no bem-estar e prazer de viver dessa criança quando adulta. COSTA (1994, p. 3), enfatiza que a capacidade de percepção da criança faz parte das três potencialidades que trazemos dentro de nós e que devem ser desenvolvidas: a espontaneidade, a criatividade e o Fator Téle: A espontaneidade é a capacidade de responder adequadamente a uma situação nova ou dar uma resposta diferente a uma situação antiga. [...] é o fator que nos permite ser criativo, ou seja, criar algo novo. [...] o fator Téle, que em grego quer dizer à distância, significa que todos nós, já nos primeiros anos de vida, somos capazes de, aos poucos, ir percebendo as outras pessoas com quem nos relacionamos, ao mesmo tempo que somos e nos sentimos percebidos. Segundo J. L. MORENO (apud COSTA, 1994), todos os seres humanos nascem com a potencialidade de perceber o mundo, o que vai se desenvolvendo desde os primeiros meses e se aprimorando ao longo da vida. Essas três potencialidades são primordiais no desenvolvimento da identidade sexual relacionada à identidade genital, à identidade de gênero e à orientação afetivo-sexual. Esta última, COSTA (1994, p. 34), relata que: “[...] está vinculada aos sentimentos que existem dentro de todos nós em relação à outra pessoa. Entre esses sentimentos estão o desejo e o prazer sexual, as sensações de orgasmo, as fantasias sexuais, os sonhos eróticos, o amor e a paixão. [...] pode ser acrescentado à orientação afetivo-sexual, o sentimento de se ter a capacidade da reprodução.”. A adolescência envolve mudanças biopsicossociais significativas através da interferência da sociedade e da cultura às quais pertencemos, além dos impulsos sexuais que explodem como a força de um vulcão. Uma dessas mudanças se dá no início da adolescência, com a puberdade, na qual os caracteres sexuais primários desenvolvem-se. Surgem também os caracteres secundários que vão moldando o corpo do menino e o da menina, em corpo de homem ou de mulher. Ocorrem mudanças no timbre de voz, na distribuição de pêlos, nos ombros mais largos, nos seios crescidos, quadris mais volumosos. O surgimento da menstruação na mulher e a ejaculação no homem. COSTA (1994, p. 47), ressalta que: “Quando essas transformações ocorrem, os adolescentes iniciam a descoberta do seu corpo, as emoções que ele desperta nas outras pessoas e aquelas que os outros despertam neles mesmos. As mudanças são tantas e simultâneas que muitos se sentem perturbados e necessitam, tanto quanto possível, da compreensão dos pais e dos outros adultos.”. A adolescência representa um período de perdas e modificações, de uma busca incansável por uma identidade pessoal própria. É uma época de incertezas, sofrimentos, dúvidas e ambivalências, dos desafios, do despertar para a sexualidade, das emoções, da procura pelo encontro, da troca de intimidades. ALMEIDA (apud COSTA, 1994, p. 55), afirma que a palavra encontro abrange diversas esferas da vida: “... significa estar junto, reunir-se, o contato de dois corpos, ver e observar, tocar, sentir, participar e amar, compreender, conhecer intuitivamente através do silêncio ou do movimento, do beijo ou do abraço, da palavra ou do gesto. Significa tornar-se um só. [...] que se vivenciam e se compreendam cada um como todo o seu ser.”. A sexualidade, na vida do adolescente, é essencial, e orientá-lo abertamente, conversando sobre o que ele pensa e sente refletir com ele sobre o que nós, adultos, pensamos ou sentimos, é muito importantes na formação de seus valores. Deixar transparecer nossos sentimentos, o por quê das nossas posições, como fomos quando adolescentes, fará com que o elo entre ele e nós seja maior. A coerência ou incoerência de atitudes dos adultos exerce relevante influência sobre a saúde emocional do adolescente, que é um grande observador da cultura adulta. Nessa fase, ele atravessa crises pubertárias e de identidade, em função das mudanças biopsicossociais e as resoluções dessas crises dependem das relações de respeito e afetividade com os adultos em termos de tolerância, negociações e informações honestas, ao invés de atitudes de poder, dominação e manipulação. Sobre a adolescência, SUPLICY (1994, p. 57), comenta que: “No decorrer da adolescência, o indivíduo sofre três grandes perdas: a do corpo de criança, da identidade infantil e a dos pais idealizados. O adolescente perde o seu corpo de criança, mas ainda não é dono de um corpo adulto. [...] se surpreende com atitudes infantis. Os laços com os pais são modificados e são estabelecidas novas identidades com colegas e professores.”. A paixão, a intimidade, a redução da ansiedade, a substituição do eu pelo nós, são pontos importantes dessa fase e são o referencial para que ocorra um ajustamento sexual satisfatório, ampliando o mundo de relações interpessoais do adolescente e com isso tornando-se uma pessoa livre de preconceitos, à vontade consigo mesmo, sabendo o que quer e segura do que os outros pensam a seu respeito. Para a menina, a adolescência tem sua marca na menarca ( primeira menstruação ), momento esperado, almejado, às vezes temido, mas também vivenciado com muito significação. A aceitação das mudanças físicas e a menstruação dependem da identidade de gênero, de sentir-se mulher em relação à ela e aos papéis que lhe são atribuídos na sociedade, bem como de particularidades e tratamento entre ela e seus pais. Se nessa convivência a menina sentir prazer em ser mulher, ela sentir-se-á amada e encontrará satisfação na vida como mulher. As transformações evidenciadas no corpo de menina são descritas por LIDZ ( 1983, p. 320 ): “... os seios aumentam... as pernas se alongam, [ ... ] as coxas se aproximam entre si. [ ... ] surgem os pêlos púbicos e axilares, desenvolvem-se os lábios e o clitóris, este tornando-se eréctil. [ ... ] a menina começa a menstruar e se sente uma mulher.” Quando falamos em adolescência é difícil defini-la cronologicamente, de modo preciso, visto que ela acontece em períodos diferentes nos diferentes níveis sócio-econômicos. Trata-se de um período específico do desenvolvimento humano caracterizado pelo agravamento de conflitos com o eu e o mundo exterior, pela necessidade de companheirismo e por um elevado potencial de crescimento físico, intelectual e emocional. A definição da identidade torna-se ponto de importância crucial na adolescência, uma vez que ocorre no indivíduo as mudanças em seu processo de desenvolvimento produzindo, de modo especial, nesta fase da vida, um ruptura no conceito do seu “eu”. ( ROSA, 1993 ) Além disso, segundo LIDZ (1983), a adolescência é uma época de expansão e expansividade. De ganhar reconhecimento. De iniciar movimento para amar abertamente, movimento esse, lento, com tentativas de explorar os mistérios do outro sexo e seus próprios sentimentos, aprendendo a relaxar as fronteiras e sentir-se estimulada, amada, vivenciando as fantasias que levarão aos mistérios da sexualidade. No que diz respeito à idade adulta, parece ser muito difícil determinar com precisão as idades características de cada etapa. Portanto, concordo com GUNTRIP ( apud FELDMANN, 1975 ), quando coloca que não existe uma “identidade monótona” que possa ser atribuída a todos os seres humanos em relação ao período de vida que estão vivendo. Para ERIKSON (1972), também parece que não existe idade precisa determinada; no entanto, ele aponta três grandes áreas de abrangência da vida adulta, que são: adulto jovem, adulto médio e adulto tardio. MOSQUERA (1978), também divide a fase adulta nestes três períodos e associa a eles uma faixa etária, embora elas não representem demarcações rígidas, mas apenas indicações gerais sobre o período: - adulto jovem, de 25 a 40 anos de idade; - adulto médio, de 40 a 65 anos de idade; - adulto velho, de 65 anos até a morte. A adultez jovem se caracteriza por uma série de ações que abrangem comportamentos que não se acabam subitamente e apresentam ainda características da adolescência. É uma fase de muita luta, vitalidade, sensibilidade emocional, valorização da individualidade, da impulsividade, alegria e prazer em viver, o que lhe dá perspectiva de vivenciar a independência, de dar-se valor e valorizar-se, obtendo prazer e poder. Segundo MOSQUERA (1978), o adulto jovem se acha na combinação de seu vigor físico e mental quando se dispõe a abrir um caminho no mundo e encontrar nele um lugar onde suas energias possam ser aplicadas. É nesse momento que o significado do trabalho é muito importante para uma personalidade sadia, para sua satisfação, sua realização e sua afetividade. LIDZ (1983), acentua que a profissão constitui uma forma de vida e não somente um conjunto de aptidões e funções. Na adultez jovem a afirmação de si está intrinsecamente ligada ao amor, à paixão e nesta época da vida os aspectos “paixonais” são mais valorizados do que os aspectos de ternura e maturidade. (REMPLEIN apud MOSQUERA, 1978) Ainda segundo MOSQUERA (1978), existem diferenças bastante significativas entre o homem e a mulher, sendo que a mulher é mais capaz de experimentar um amor objetivo e espiritualizado, enquanto que o homem tem seu amor mais localizado em termos de satisfação sexual. O sexo desempenha um papel de grande significação para a afirmação da personalidade adulta e a sexualidade se caracteriza nessa fase pela capacidade de consumação plena e mútua do ato sexual. O corpo, o toque, os sentimentos se complementam, se realizam e coroam o amor. O amor representa a mutualidade dos integrantes de um casal em uma identidade compartilhada. ( ERIKSON, 1972) A adultez média caracteriza-se como o núcleo da vida, o caráter das pessoas está definido, seus valores determinados, há firmeza de sentimentos, fidelidade e lealdade. Entretanto, esclarece MOSQUERA (1978), que a idade adulta média tem, também, os seus momentos de crise que se concretizam no declínio das forças, nas alterações hormonais, na perda da flexibilidade e da esbeltez. As mudanças ocorridas em nível biopsicossocial levam o ser humano a adotar determinadas estratégias para o enfrentamento da realidade vivenciada em ambos os sexos. COMIOTTO (1992, p. 121), explica que na adultez média a mulher apresenta maior preocupação com a saúde, com as transições para o lar vazio e para a aposentadoria, maior responsabilidade pelos pais idosos, tanto seus, como os do marido. Salienta que: “ A mulher coloca-se com anteparo das pressões exercidas pelas gerações mais novas e mais velhas, tudo isso associado às pressões, decorrentes pelo fato de trabalhar fora e ter que desenvolver dupla jornada de trabalho, no lar e fora dele.” As mudanças na vida da mulher são mais tangíveis que na do homem. A adultez média é um período crítico e difícil no qual a mulher enfrenta transformações físicas e psicológicas decorrentes do climatério. Para WENDER (1996, p. 251): O declínio da função ovariana traz consigo uma série de manifestações características desse período. [ ... ] o sintoma mais típico da mulher climatérica é o fogacho [ ... ], frequentemente sentido desde a pré-menopausa. É descrito como uma onda de calor [ ... ] acompanhada de sudorese, palpitação e/ou cefaléia. Dentre os sintomas psicológicos são citados insônia, depressão, irritabilidade, ansiedade, labilidade emocional, diminuição da memória e perda de libido. Considera-se climatério o intervalo de tempo entre o início do declínio da função ovariana até sua extinção. Para WENDER (1996), é a fase de transição da vida reprodutiva de uma mulher para a não produtiva. TRIEN (1991, p. 14), posiciona-se em relação ao climatério, colocando: “ A palavra vem do grego KLIMAKTER e significa degrau de uma escada. Corresponde a um período crítico da vida, quando algumas mudanças importantes acontecem... à mulher na meia-idade. Em termos médicos, o climatério é definido como o período de transição entre a vida reprodutiva da mulher e o fim de sua fertilidade.” Em um certo período do climatério ocorre a interrupção total da menstruação. O fenômeno isolado que corresponde à última menstruação é o que recebe o nome de menopausa. Em relação à menopausa, WENDER (1996, p. 250), explica: Menopausa é o último período menstrual identificado restrospectivamente através de amenorréia. Ocorre em média, aos cinqüenta anos, independente da idade da menarca, história familiar, paridade ou uso de anovulatórios... Divide o climatério prémenopáusico e pós-menopáusico e pode ser classificada em menopausa natural ( de ocorrência espontânea) ou artificial (provocada por cirurgias, quimioterapia ou radioterapia) e menopausa precoce ( antes dos 40 anos) ou tardia (após 55 anos). Entretanto, LOPES (1993), coloca que a menopausa não deve ser considerada apenas uma fase da vida biológica da mulher, representando a transição entre a menacme (fase procriativa) e senectude (velhice), mas sim um fato profundamente humano, único e personificado, cujas variações e matrizes influenciam radicalmente a personalidade de cada mulher. Segundo MOSQUERA (1979), também a menopausa, não raramente, joga um papel preponderante, pois a perda das funções de procriar filhos se associa à perda da capacidade gerativa. A menopausa rotula as mulheres como senhoras de idade avançada. Capacidade gerativa foi definida como “o interesse para estabelecer e guiar a geração seguinte”. É mais do que paternidade ou maternidade, significa atividade de cuidado, produtividade e criação: implica em responsabilidade para com os outros, é a chefia no seu sentido mais amplo e melhor. Em algumas mulheres, as mudanças decorrentes da menopausa podem vir acompanhadas de efeitos depressivos, de grande suscetibilidade emocional, inclusive afetando sua auto-estima. Tais efeitos são temporários e normais e não são sinais de doença. Estudos epidemológicos demonstram existir aumento de freqüência de estado depressivo no período do climatério, sendo que, a que tudo parece, as evidências de tal problema residem no modelo biopsicossocial no qual as mulheres convivem, somando as mudanças endocrinológicas que vão atuar como catalisadores para os distúrbios de personalidade, queixas emocionais e problemas sociais. ( CAMARGO, 1993 ) Segundo CAMARGO (1993, p. 1100), a abordagem atual do climatério fundamenta-se na tendência moderna de tratá-lo como uma endocrinopatia e não somente como um período fisiológico da vida da mulher. As transformações que ocorrem no organismo da mulher no climatério podem ser assim descritas: O rubor facial habitualmente precede as ondas de calor... O envelhecimento da pele, as glândulas sebáceas e sudoríparas diminuem sua atividade e a pele torna-se seca, fina e traumatizável... Ocorre um balanço negativo de cálcio e aumento na reabsorção das fraturas ósseas... as mamas perdem parte da elasticidade do ligamento de Cooper, agravando a tendência à queda mamária... a vulva sofre progressiva perda dos pêlos e a pele torna-se fina e brilhante na senilidade... a vagina torna-se suscetível a infecções vaginais pela diminuição do pH, na senilidade ocorre a diminuição das pregas vaginais, diminuição do fluxo sangüíneo vaginal e ressecamento com menor capacidade de lubrificação levando à dispareunia... As mudanças na musculatura pélvica, epitélio e secreções vaginais são fatores que podem contribuir para o declínio da atividade sexual entre as mulheres que já tiveram sua menopausa. Isto porque ao lado dos fatores biológicos mencionados, causados pelo hipoestrogenismo, não podemos esquecer as influências sócio-culturais e as relações psíquicas determinantes da sexualidade humana. CAMARGO (1993), argumenta que mesmo um casal bem integrado sexualmente, pode experimentar dificuldades quando da menopausa da parceira. Estas dificuldades também podem estar ligadas à perda da libido e da capacidade erétil ou mesmo ejaculatória do parceiro. A menopausa, portanto, não deve ser responsabilidade pela dessexualização da mulher. A qualidade da resposta sexual depende da convivência entre os parceiros, de ver que sexo é todo o corpo e lugar, que é produto de estímulo afetivo aliado às experiências de vida. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a velhice começa a partir dos 65 anos. Porém, a idade biológica, a bioquímica cerebral, as emoções, os sentimentos é que vão determinar as realizações das pessoas idosas. FELDMANN (1975), enfatiza que os indivíduos envelhecem em diferentes ritmos. O metabolismo geral declina afetando as estruturas e funções do corpo. Na velhice, as pessoas estão se dirigindo para completar o ciclo da vida. A força dos impulsos sexuais sofrem modificações, surge o desejo da partilha vivenciada, afeiçoada e sensual, é uma época de satisfações e prazeres diferenciados. Segundo LIDZ (1983), o prazer deriva das atividades de lazer, das satisfações, da felicidade dos filhos e netos e o conforto sensual pode tornar-se mais importante do que o prazer orgástico. Considerando-se que a resposta sexual humana é trifásica: desejo, excitação e orgasmo, na mulher idosa o desejo apresenta respostas bastante divergentes. Desde a ausência do desejo, até a exacerbação da libido. LOPES (1993), comenta que o desejo pode continuar exacerbado desde que seja mantida uma regularidade no relacionamento sexual. Na fase da excitação observa-se em algumas mulheres, em termos de qualidade, a mesma resposta sexual de quando jovens, porém com uma diminuição do rubor vaginal e do aumento do clitóris e pequenos lábios, bem como a diminuição da lubrificação vaginal, pelo decréscimo hormonal. A fase orgásmica apresenta-se com menor quantidade de contrações rítmicas da vagina, porém se acompanhada de carícias e toques chegará ao platô. A senescência caracteriza-se pelas modificações biopsicossociais que ocorrem no indivíduo. Os cabelos embranquecem e tornam-se ralos, a pele se enruga, o nariz se alonga, o esqueleto se modifica, a vista se debilita, ocorre a diminuição na capacidade de ouvir. Podem surgir sentimentos de perda, de inutilidade e também de carência afetiva, de desamor, bem como a espera da morte. Segundo SUPLICY (1994), o que determinará como a mulher viverá esta idade está mais relacionado ao seu psiquismo. Como ela se sente, ainda atraente, valorizada e útil... e esta percepção será também influenciada pela sua família e, principalmente, pelo seu companheiro. CAPÍTULO II PROBLEMA E OBJETIVOS A sexualidade, enquanto possibilidade e caminho de alongamento de nós mesmos, de produção de vida e de existência, de gozo e de boniteza, exige de nós essa volta crítico-amorosa, essa busca de saber do nosso corpo. Não podemos estar sendo, autenticamente, no mundo e com o mundo, se nos fecharmos medrosos e hipócritas aos mistérios do nosso corpo ou se os tratarmos, aos mistérios, cínica e irresponsavelmente. PAULO FREIRE Esta pesquisa representa uma tentativa de refletir sobre a sexualidade de mulheres de diferentes gerações, através da riqueza e singularidade de experiências individuais e à luz de múltiplas contribuições teóricas. O tema aqui tratado faz parte das minhas ponderações, dúvidas e perplexidades cotidianas. Sua problematização baseou-se na constatação de que a sexualidade feminina encontra-se mergulhada num universo de crenças, mitos, tabus e valores que são transmitidos por diferentes modalidades de educação e socialização que constituem a subjetividade das mulheres desde seu nascimento e ao longo de sua vida. Neste mergulhar, a sexualidade pode ficar sufocada na penumbra do mistério, do não falado, do reprimido, do proibido. Nesta pesquisa, portanto, pretendo compreender as relações das vivências e significações da sexualidade de mulheres de diferentes gerações e suas relações com processos educativos. Compartilho das idéias de PARKYN ( 1976, p. 12 ), de que a educação deve ser tomada na sua totalidade como dimensão de vida: “Educação é considerada como uma preparação para a vida que será vivida. [ ... ] elemento essencial a todo o indivíduo durante a sua existência”. Entendo e vejo que o valor do processo de educação é o de transformação, expansão de experiências com o objetivo de melhorar cada vez mais a qualidade de vida. Nesta busca pela melhoria de vida, a mulher defronta-se com aprendizagens que permitirão a manutenção do seu nível de bem-estar, pelas trocas que faz com seus congêneres, de acordo com as circunstâncias de seu desenvolvimento pessoal através dos longos anos de preparo individual pela educação formal, assim como pela busca de novos meios de aprendizagem. MARQUES (1980, p. 52), chama a atenção para os diferentes tipos de educação quando se considera sua inserção formal: “... a educação formal ou o preparo inicial do indivíduo para assumir seu papel de adulto responsável toma um certo número de anos de vida do indivíduo nos quais ele deve aprender a [ ... ] buscar as fontes que melhor coadunem com seus interesses e necessidades”. A educação formal é vista como forma de aprendizagem sistemática que se desenvolve dentro do sistema formal de educação. Enquanto que a educação não-formal engloba toda a atividade educacional sistemática e organizada que se desenvolve fora do sistema formal de educação e com o objetivo de atender às necessidades específicas da população-alvo. Sobre a educação não-formal, MARQUES (1980, p. 55), salienta: “... a Educação nãoformal envolve praticamente todas as agências que se preocupam com a otimização de recursos humanos, bem como aquelas que se voltam para o desenvolvimento da competência do indivíduo para a responsabilidade social e o pleno exercício da cidadania”. Os grupos de mulheres, associações femininas e grupos feministas cada vez mais vêm buscando lançar mão da educação não-formal com o intuito de informar e conscientizar as mulheres sobre seus diferentes papéis na sociedade, para que elas possam tornar-se comprometidas consigo e com os que as rodeiam, no exercício cada vez mais pleno de sua cidadania em todas as suas dimensões, tais como trabalho, sexualidade, autonomia. Sobre a educação informal MARQUES ( 1980, p. 56 ), citando INGLE, esclarece: “... deve ser entendida como a aprendizagem que a vida oferece e que se caracteriza por ser assistemática e não intencional [ ... ] as experiências decorrem das oportunidades naturais que a cultura ou o ambiente oferecem, constante e continuamente, aos indivíduos de qualquer idade”. Concordo com SILVA (1995), quando coloca que educar a mulher para uma vivência mais plena da sexualidade, significa ampliar suas chances de vida saudável e, em última análise, educá-la para a saúde. O estudo de aspectos intergeracionais da sexualidade de mulheres pode conduzir a um entendimento mais aprofundado de preconceitos, mitos e tabus, assim como dar subsídios para ações de educação sexual que promovam seu questionamento e sua superação. Em decorrência, formulou-se as seguintes questões norteadoras: - Como se mostram as vivências e as significações de sexualidade em mulheres de diferentes gerações? - Como as mulheres explicitam e percebem as relações das experiências educativas com sua sexualidade? Com esse estudo, consequentemente, busquei alcançar os objetivos de: - Compreender as vivências e significações de sexualidade experienciadas ao longo da vida por mulheres de diferentes gerações. - Refletir sobre a sexualidade humana, entendida não apenas como reprodução, mas também como relação e enriquecimento interpessoais. - Proporcionar experiências de auto-conhecimento sobre a sexualidade para que mulheres possam vivê-la com menos temores, tabus e anseios. - Oferecer subsídios para desenvolver ações de orientação sexual com mulheres. CAPÍTULO III METODOLOGIA O nosso viver diário nos mostra que as nossas vivências não estão contidas dentro de nós, mas se manifestam intimamente relacionadas ao ambiente, às pessoas, às situações nas quais nos encontramos ou às quais nos reportamos pela imaginação. YOLANDA FORGHIERI A pesquisa realizada insere-se na abordagem qualitativa na perspectiva de uma análise compreensiva de base fenomenológica, proposta por BERNARDES ( 1991 ). Este método de investigação mantém-se atento à complexidade dos fenômenos, permitindo, segundo BERNARDES ( 1991 ), descrever o que se passa efetivamente no mundo da vida dos sujeitos, do ponto de vista daquele que vive as situações concretas, mostrando-se adequado para compreender como os sujeitos vivem e como percebem, pensam e sentem estas vivências, tomando como ponto de partida a expressão pessoal de tais processos. Minha preocupação com a sexualidade feminina buscou a compreensão das vivências e significações sobre a sexualidade experienciadas ao longo da sua vida por mulheres de diferentes gerações, levando em conta suas peculiaridades e contextos nos quais se inseriram. A escolha da pesquisa fenomenológica justificou-se porque, segundo MORAES (1993, p. 28) : “... proclama o retorno às coisas mesmas, salienta o estudo dos fenômenos da forma como se manifestaram ao sujeito, enfatizando a experiência original, o mundo vivido.” Um método de base fenomenológica, como muito bem mostra SILVA (1995), possibilita estudar a sexualidade feminina a partir do seu interior, captando essas experiências do modo como foram vivenciadas pelas mulheres ao longo das gerações. Os sujeitos deste estudo foram nove mulheres de diversas origens sub- culturais habitantes de cidades do interior do Estado do Paraná e do Estado do Rio Grande do Sul, pertencentes a distintas gerações, com idades que variam entre 20 e 80 anos e possuem diversos níveis de escolarização. Com coragem, discernimento e generosidade abriram suas portas e suas vidas, compartilhando seus anseios e sua sabedorias numa permanente inspiração na realização deste estudo. Os nomes das entrevistadas foram substituídos por nomes de minerais, pois como eles, as mulheres proporcionam equilíbrio físico, mental e espiritual. Considero-os símbolos da sabedoria e dos poderes misteriosos do ser humano. Tenho várias razões para respeitar os tesouros minerais e as mulheres, contemplar sua beleza e respeitá-los como parte essencial da existência de toda forma orgânica. Cada mineral e cada mulher aqui tratados, tem vida própria e apreciá-los é fazer uma ponte entre o intelectual e o emocional. Os minerais e as mulheres são parte da vida incessante do planeta. Comungando da idéia de WHITMAN (apud BENATOVID, 1997), de que “ nenhuma vida se perde”, uso suas palavras para ilustrar minhas intenções: “ Lego-me à terra, para crescer com a relva que amo. Se você ainda me quer, procure-me sob a sola de suas botas. Você mal vai saber quem sou ou o que significo, mas ainda assim servirei à sua saúde, como filtro e fibra para seu sangue. Se falhar na busca a princípio, não se desencoraje. Se não me achar num lugar, procure num outro. Em algum canto estou, esperando você.” Neste momento, apresento minhas entrevistadas: ESMERALDA (73 anos). Dona-de-casa. Aposentada, 1º Grau incompleto. Casada, mãe de três filhos e uma filha. Mulher forte, lutadora, criada sob os princípios rígidos do catolicismo e, como tal, sonhava em seguir Jesus, como freira. Viveu sua juventude na década de 40, quando falar de sexo era pecaminoso. Defendeu a idéia de se ter orientação sexual nas escolas para evitar que aconteça com as meninas o que aconteceu com ela. Relatou que sua educação foi cerceada de tabus, sem diálogo, o que influenciou sua maneira de educar os filhos: “... não tinha liberdade nem com a menina. Era tão difícil... ninguém passa o que não recebeu.” GRANADA ( 60 anos ). Cabeleireira. Divorciada e viúva. 1º Grau incompleto. Mãe de duas filhas e um filho. Tratada com muito carinho pelo pai e irmãos homens. Revolucionária e participante ativa de grupos femininos na decáda de 50. Teve sua liberdade tolhida com o casamento, e posicionou-se absolutamente contrária a esse tipo de relacionamento. Divorciada e viúva, abençoou os que lutaram pela emancipação da mulher. Comentou que estudou muito pouco e que na escola assuntos ligados à sexualidade eram terminantemente proibidos. As informações eram transmitidas por amigas e através de filmes no cinema. DIAMANTE (53 anos). Hoteleira. Cursou o 2º Grau. Casada, sem filhos. Como o mineral que a representa é imbatível. Mulher maravilhosa, batalhadora. Viveu sua adolescência na década de 60. Lamentou a falta de diálogo entre as filhas, o pai e a mãe. As poucas informações que teve sobre sexualidade lhe foram transmitidas pelas irmãs mais velhas. Foi uma adolescente feliz e transportou-se em sonho quando falou dos bailes que participava e das lembranças vivenciadas. Emocionada, relatou: “ Olha, é um romance a vida da gente.” RUBI ( 52 anos ). Advogada e empresária. Casada, mãe de uma filha. Liberal, defensora dos direitos humanos. Ama a vida e gosta de tudo o que faz. Vê na filha sua companheira principal. Vivenciou sua juventude na década de 60. comentou que foi um privilégio viver na época das serenatas. Obteve informações e orientação sexual através de leituras. Comentou que entre as amigas o assunto era somente ventilado e que na escola e na família não se falava sobre o assunto, “ era a inocência total”. Confessou que ama fazer sexo de múltiplas maneiras, comer bem e tomar banhos prolongados, “isso tudo me fascina”. AMETISTA ( 46 anos ). Professora. Pós-graduada. Casada, mãe de um filho e uma filha. Recatada, tímida, valorizadora dos sentimentos e da união familiar. Viveu pouco tempo em companhia da família nuclear, na zona rural, passando a conviver com a parentela, numa constante troca de famílias. Relatou que as poucas informações em relação à sexualidade foram obtidas através de leituras, visto que na família nada era tratado e que, na década de 60, quando vivenciou o período de curiosidade, nada sobre o assunto era ventilado. Declarou que quando teve sua primeira menstruação, “ enchia a banheira de água e ficava lá dentro dela, me lavava, me lavava, até descobrir sozinha que precisava usar forro”. Demonstrou grande preocupação ao questionar-se sobre sua atuação na educação dos filhos, “ será que eu eduquei sexualmente errado meus filhos?” Preocupou-se em relação à AIDS e os filhos, motivo que levou-a falar sobre sexo com eles, mesmo sendo o filho médico e a filha estudante de medicina. SAFIRA ( 45 anos ). Professora. Pós-graduada. Casada, mãe de dois filhos homens. Mulher realizada na maternidade. Se vê como uma “ super-mãe”, pronta a viver tudo pelos filhos. Vivenciou a jovem-guarda, a chegada da mini-saia, os encontros às escondidas, as paixões da adolescência, na segunda década dos anos 60. Relacionava-se muito bem com o pai e a mãe, principalmente com o pai, “ eu tive um relacionamento muito bom com ele até o final da sua vida...”. Teve sua orientação sexual passada pela mãe. Contou que a mãe procurava informá-las sobre os assuntos ligados ao sexo, com o objetivo de evitar fatos que pudessem vir a envergonhar a família. Confessou que a repressão fazia parte da educação. Emocionada, relatou: “ nós adorávamos dançar, e dançar juntos, porque a proximidade do corpo era uma coisa maravilhosa... as sensações que a gente tinha eram incríveis...”. Demonstrou preocupação em relação às transformações que vem ocorrendo no seu corpo, “ o corpo vai envelhecendo, perdendo aquelas formas... está sendo difícil me aceitar”. TOPÁZIO ( 33 anos ). Professora. Pós-graduada. Divorciada e mãe de duas filhas e um filho. Mulher de fibra, uma eterna apaixonada. Filha adotiva. Teve sua adolescência na década de 70. Vivenciou-a com toda a paixão de uma jovem que viveu a década da liberdade e dos prazeres. Casou-se muito jovem, teve três filhos. Viveu o casamento, a traição, a separação e a união livre. Sobre a vida descasada, relatou que foi uma época muito boa e que tinha um grande poder de sedução, “ era uma época que o homem que eu quisesse ter, eu podia ter, eu não sei se pelo fato de ser descasada que eu seduzia os homens ou o quê?” Sua mãe adotiva era a mentora de sua orientação sexual, oferecendo-lhe vários materiais educativos. Confessou que aprendeu sobre o corpo no convívio e nos ‘jogos sexuais’ que tinha com uma amiga mais velha. Procurou ser uma mãe “ cabeça aberta”, desenvolvendo valores que lhe foram passados. TURQUESA ( 28 anos ). Funcionária pública, serviços gerais. Cursando o 2º Grau. Solteira e com uma filha. Tímida, solitária, guerreira. Viveu parte de sua infância com a família, na zona rural. Lembra do pai como uma pessoa agressiva e má, “ eu sempre tive medo do meu pai. Medo! Muito medo de apanhar. Sempre fui de ter medo dele”. Saiu aos onze anos de casa para estudar, indo trabalhar em casa de estranhos. Mesmo tendo vivido sua adolescência no final da década de 80, poucas lembranças traz. Relatou que as poucas informações e orientações sobre sexo foram obtidas através de leituras e na escola, pois a mãe “ não deixava a gente perguntar nada sobre sexo... não podia perguntar”, restringia-se a passar os cuidados mínimos. Viveu uma gravidez e o abandono ainda na adolescência. Emocionada, relatou que se sentiu abandonada e sem amigos, vítima da desinformação e da vergonha. Confessou que ao ver uma moça grávida, só consegue sentir compaixão. Vive com a filha e almeja um futuro melhor. CRISTAL ( 23 anos ). Auxiliar de biblioteca, 2º Grau. Casada e grávida. Filha de pais separados. Batalhou desde muito jovem para auxiliar no sustento dos irmãos. Vê na mãe uma grande mulher, que soube superar os maus momentos da vida, passando de semi-analfabeta à universitária. Lembrou do pai com muita tristeza, só ficou com lembranças que invocam medo e pavor, “ sempre tive muito medo... sempre, sempre, toda a vida... acho que muitas vezes é preferível levar um tabefe do que um olhar tão gelado. Ele tinha esse olhar”. Comentou que divertia-se muito quando solteira, que a mãe permitia que saísse, fosse a bailes, festas. Com o casamento tudo mudou. A situação financeira é um grande entrave em sua vida. Sua orientação sexual foi através da escola, leituras e conversas com alguns professores. Lamentou, relatando: “ a gente não tinha educação sexual. Hoje é bem mais falado”. Emocionada e demonstrando nervosismo, confessou que tem muitas limitações e que não consegue manter um diálogo aberto com o marido. Argumentou, dizendo: “ prá falar bem a verdade, acho que nem sei o que é orgasmo... algumas vezes sinto prazer... outras não”. Seu sonho é a “ esperança de mudar de vida, melhorar”. Os dados foram coletados através de entrevistas de depoimentos sobre a vida dessas mulheres, que de uma forma simples ofereceram suas histórias íntimas a uma pessoa ora conhecida, ora desconhecida. Os contatos foram realizados em forma de visitas, encontros domiciliares, encontros no local de trabalho, em horários disponíveis pelos sujeitos a serem pesquisados. Durante o contato, as mulheres abriram suas portas, ofereceram chá, café e suas histórias, que foram gravadas em fita magnética, com autorização das entrevistadas. Elas falaram das mães, dos pais, do crescer como mulher, da educação, dos seus anseios e paixões, dos fracassos e realizações, da maternidade, dos seus corpos e de ser mulher... Nos relatos, muitas vezes, houve lágrimas, rancor, tristeza, alegria, riso, gargalhadas e a certeza do desabafo mais íntimo, como ilustra ESMERALDA: “... parece que eu abri meu coração. Saiu! Parece que foi um filme da minha própria vida...” A cada final de entrevista, a cada sessão de transcrição, a cada análise feita, sentia-me pasma, admirada com o que ouvia. Os detalhes, que não eram possíveis de serem gravados, como: expressões corporais, diferentes linguagens, olhares questionadores, tudo foi anotado no diário de campo, os quais foram utilizados para a compreensão da experiência pessoasujeito em sua totalidade. As entrevistas foram iniciadas com um diálogo sobre as lembranças mais importantes que cercearam sua vida de mulher. A partir daí construíram-se novos questionamentos que permitiram o desvelamento do fenômeno explicitado nas questões norteadoras. As entrevistas fluíram num clima de entendimento, muitas vezes atravessado por sentimentos de medo, de vergonha, que logo iam sendo substituídos pela descontração, na qual entrevistada e entrevistadora viam-se como seres únicos: mulheres preocupadas com o seu viver e com o compartilhar da sabedoria construída por este viver. Lembranças surgiram e, então, contaram o que é ser mulher, cada uma do seu jeito, em palavras e gestos que relacionavam sua experiência particular à história de muitas, demonstrando na capacidade da sabedoria a fórmula de neutralizar o medo. Para análise dos dados coletados foram seguidos procedimentos apresentados por BERNARDES (1991), os quais se apoiam em estudos de GIORGI e SURANSKI (apud BERNARDES, 1991). Segundo BERNARDES (1991), a linguagem da palavra, a linguagem do corpo e a linguagem do olhar, simplesmente acentuam o meio de o sujeito se expressar, que aparece como preponderante no momento ou situação: falar, gesticular, olhar. Tais informações podem ser sistematizadas de forma a compor um conjunto de dados qualitativos, cuja análise requer seguir passos que produzirão descrições compreensivas do fenômeno pesquisado. 1º Passo: - Montagem dos registros anotados no diário de campo e transcrição dos registros gravados em forma de descrições ingênuas. 2º Passo: - Leitura da descrição ingênua com o objetivo de obter uma compreensão geral do enunciado ou o sentido do todo. Caracteriza-se como tentativa de aprender através da linguagem o vivido, o sentido e o comunicado do sujeito. Segundo BERNARDES (1991), nesse momento da análise, a compreensão geral buscada por meio da leitura da descrição ingênua, não necessita ser questionada ou explicitada, já que sua finalidade reside em colocar o pano de fundo para a etapa da discriminação das unidades de significado. 3º Passo: - Leitura da descrição completa com a finalidade de discriminar unidades de significado nas perspectivas psicológica, educacional e biológica, tendo como foco o fenômeno pesquisado e mantendo integralmente a linguagem com a qual o sujeito expressouse. Surge, após, a visão do todo. É o momento da análise em que o texto é decomposto para fazer emergir seus significados pertinentes ao fenômeno. A unidade de significado foi delimitada pela identificação de uma mudança de significado em que cada troca de sentido constituiu uma nova unidade que se evidenciou: essa mudança encontrou-se expressa na palavra ou na ação do sujeito. Segundo BERNARDES (1991), as unidades de significado não são absolutas, mas só existem em função da atitude e da posição do pesquisador. 4º Passo: - Transformação das unidades de significado, ou seja, transformação das expressões cotidianas do sujeito na linguagem científica com ênfase no fenômeno que está sendo investigado. Nesta etapa, o pesquisador precisa estar atento, aberto, sensível ao mundo vivido das entrevistas para poder atingir a essência. Ainda segundo BERNARDES (1991), a descoberta das essências efetua-se por meio da variação livre, a imaginação. Esta consiste numa operação da imaginação criadora que procede a sucessivas modificações para encontrar os limites dentro dos quais as modificações mantêm o objeto como tal. 5º Passo: - Síntese das unidades de significado transformadas num enunciado consistente com o fenômeno pesquisado ou síntese das estruturas do significado. Esta etapa evidenciou o processo de interpretação dos sentidos revelados nos relatos das vivências dos sujeitos. Explicitou-se como novas descrições na tentativa de prender as essências dos fenômenos. Esta síntese pôde ser desdobrada em duas descrições da estrutura de significados: - a descrição específica da estrutura: própria de cada sujeito concreto. - a descrição geral da estrutura: diz respeito a todos os envolvidos na direção de um significado geral do fenômeno. 6º Passo: - Identificação dos temas centrais que emergem da descrição geral da estrutura de significado do fenômeno. Com base nas colocações de SURANSKI ( apud BERNARDES, 1991), definiu-se como tarefa primeira do pesquisador as vivências e significações dos sujeitos para, posteriormente, tendo fundado os dados da experiência no mundo da vida, avançar em direção a uma análise dialética dos horizontes internos e externos desta experiência, sintetizando os pólos do social e do pessoal. A metodologia utilizada buscou compreender as essências do fenômeno em foco e a reflexão sobre elas no diálogo com a literatura, a qual será exposta nos próximos capítulos. CAPÍTULO IV DESVELAMENTO DAS ESSÊNCIAS DO FENÔMENO Em mi infancia, me manipulaban con la culpa para que me portara bien: “ NO SEAS ASÉ”, “No digas eso”, “No, no, no”. La religión también usa la culpa para mantener a la gente a raya, incluso deciendoles que van a arder en el infierno si “se portan mal”. Perdono a las Iglesias y a sus autoridades. Elijo perdonar a mis padres y perdonarme a mí. Todos vivíamos bajo un pesado manto de culpa, sintiéndonos poca cosa por cualquier motivo. Este es um novo día. ; Recuperemos nuestro poder! Comienzo por amarme y aceptarme incondicionalmente. LOUISE Z. HAY 1. O VIVIDO E O APRENDIDO Em casa, na escola e na rua ensinaramme como não ser feliz. Deram-me proteção em troca de obediência e chamaram isso de amor. Exigiram-me sinceridade, mas proibiram-me a expressão dos sentimentos. Eu disse “não” e dizem que sou louca. Rita Barreto As informações sobre assuntos relacionados à sexualidade passam por barreiras que incluem a família e a escola. Neste contexto, a família se omite, nega o assunto. A escola fala restritamente sobre o assunto. E os jovens e as jovens continuam sendo vítimas de informações desencontradas, cercadas de tabus e mitos que lhes são transmitidos ou aprendidos no seu viver. Resgatando minhas memórias, lembro que ainda menina sonhava em ser moça, namorar, casar e ter filhos. Sonhos comuns de meninas dos anos 60, que logo foram substituídos pelo desejo de descobrir o desconhecido num momento de grande repressão política e sexual. A ânsia de saber e as ditorções citadas pelos tabus que cerceavam os conhecimentos, levaram-me a percorrer, muitas vezes, caminhos penosos à procura da verdade. Esta experiência foi comum a muitas mulheres, como no caso das mulheres entrevistadas, em cujo discurso observou-se que na infância pouca informação sobre sexualidade lhes foi transmitida. A maioria das entrevistadas nasceram e viveram sua infância em comunidades interioranas. Cresceram em cidades de pequeno e médio porte pertenceram a uma geração reprimida, na qual falar sobre sexo era pecaminoso e obsceno. Em suas famílias não tinham receptividade para dialogar sobre o assunto, discutir dúvidas, saciar curiosidades. Na escola o acesso às informações era restrito, tudo era proibido, separado, escondido. GRANADA (60 anos), relatou que tinha muita liberdade em dialogar com os familiares, principalmente com o pai, porém não podia tratar de assuntos ligados à sexualidade. De modo semelhante, SAFIRA (45 anos), tinha mais liberdade com o pai, porém assuntos ligados ao sexo eram tratados com muito tabu e ela não podia abordá-los. Para ESMERALDA (73 anos), DIAMANTE (53 anos), RUBI (52 anos), AMETISTA (46 anos), TOPÁZIO (33 anos) e CRISTAL (23 anos), não foi diferente: não obtiveram informações e falar do assunto era coisa proibida. Segundo ESMERALDA (73 anos), a falta de diálogo entre os pais e os filhos era sinal de respeito e receio. Atribuiu à falta de conhecimento por parte dos pais em tratar do assunto: “ não se passa aquilo que não se sabe”. A mãe de TURQUESA (28 anos), não permitia que falassem no assunto e quando as filhas pediam algo relacionado ao sexo, ficava agressiva e não respondia. Emocionada, enfatizou: “ a gente pedia alguma coisa, ela brigava... sobre sexo... não podia perguntar”. Para uma dessas mulheres, durante a infância, as primeiras informações sobre sexualidade foram obtidas no convívio com uma amiga mais velha. Ela aprendeu através do contato físico e os momentos de intimidade serviram de fonte de informação: “ a gente não conversava muito... a gente ia ‘brincar’... em vez de conversar, a gente brincava”. ( Topázio, 33 anos) A família se omite. O pai e a mãe não podem ser responsabilizados por essa omissão, visto que são, na maioria também frutos de uma educação repressora, o que os impede de tratar do assunto de forma espontânea, sem sentimentos de culpa ou de pecado. O pai e a mãe não têm coragem de se abrir com os filhos e as filhas e estes não vêem naqueles a pessoa certa para tratar do assunto, preferindo os amigos mais próximos. O desconhecimento do próprio corpo por parte do pai e da mãe é outro agravante. Quem não conhece não sabe transmitir, quem não vivenciou com naturalidade, não pode transmitir com naturalidade, tornando a curiosidade e os meios pelos quais o jovem e a jovem tentam satisfazer tal curiosidade, traumatizante e passível de um enorme sofrimento. A escola e as amigas foram citadas por TURQUESA (28 anos) e CRISTAL (23 anos), como fonte de informação. Relataram que na infância pouco era falado e que alguns professores, quando indagados sobre sexo, procuravam dar respostas breves e evasivas, desviando o assunto. A escola não discute o assunto, de forma organizada, com grupos que apresentem interesses comuns, limitando-se a informações anatômicas, não raro, desconectadas da realidade dos alunos. Muito é falado, comentado, vivido, os “mais sabidos” falam aos “menos sabidos”. Tais informações, às vezes, são desencontradas, incompletas, acompanhadas de gozações que, ao invés de orientar, desorienta. Infelizmente, a maioria das escolas possui professores com pouca ou nenhum formação para trabalhar um assunto tão importante. A todo instante surgem questionamentos: de quem é a responsabilidade pelas informações sobre sexualidade? Quem está mais preparado? Segundo SILVA (1995, p. 272), necessitamos com urgência de um serviço adequado e eficiente que auxilie os/as professores/as e familiares a transformarem-se em verdadeiros orientadores sexuais, nos quais o jovem sinta apoio e seu centro de comunicação: “... essa responsabilidade cabe e deve ser assumida por todos. [ ... ] milhares de adolescentes continuam fazendo das dúvidas e ansiedades a razão primeira de sua vida sexual.” A escassez de informações obtidas junto aos familiares permaneceu durante a adolescência, na maioria das entrevistadas. ESMERALDA (73 anos), considerava que a falta de diálogo, na família, sobre o assunto, era resultado da educação repressora da época. Falar ou pensar em sexo era pecado. Além disso a Igreja influenciava na educação dos filhos uma vez que sua mãe era muito católica. As informações transmitidas pelas mães de GRANADA (60 anos) e TURQUESA (28 anos), limitavam-se aos cuidados com o corpo e eram repletas de tabus e proibições. As poucas informações que DIAMANTE (53 anos), obteve foram fornecidas pelas irmãs mais velhas. AMETISTA (46 anos) e SAFIRA (45 anos), tratavam do assunto com a mãe de forma superficial e com o objetivo, por parte dos familiares, de evitar que acontecessem fatos que viessem a envergonhar a família. Segundo AMETISTA, “ a moça podia ficar grávida... e o rapaz não casar”. SAFIRA relatou que a mãe: “... ela tentava esclarecer a gente de todos os perigos... você engravidar! era uma vergonha para a família se engravidasse solteira... manter um relacionamento sexual antes do casamento era um crime, ficaria mal falada, moça difamada”. Entre CRISTAL (23 anos) e sua mãe, a falta de diálogo era total: a mãe nada comentava e ela sentia vergonha em tratar do assunto. De modo diverso, TOPÁZIO (33 anos), afirmou que não desejava trocar confidências com os familiares: “ as minhas coisas íntimas, eu guardava para mim... não era de ficar conversando”. Vimos que as informações, na maioria das vezes, resumem-se em conselhos do que deve ou não ser feito, do que é certo ou errado. As informações relacionadas à moral e aos bons costumes, aparecem como forma de preservar a integridade da família católica, construída e orientada sob a Lei de Deus, escrita por homens. Embora seja voz corrente nos meios de comunicação de massa nesta década que é necessário a educação sexual, ainda há muita discordância sobre o que deve ser ensinado, onde deve ser ensinado e a quem compete ensinar ( RIBEIRO, 1993; STOLL, 1993; LOURO, 1997) .Tenho a certeza de que, além das informações biológicas, faz-se necessário trabalhar valores, emoções e tomadas de decisões num intuito de educar para o respeito da sexualidade, capacitando o indivíduo a tomar decisões sexuais responsáveis na vida. A convivência com amigos representou a fonte de conhecimento sobre sexualidade para algumas das entrevistadas. TOPÁZIO (33 anos), SAFIRA (45 anos), GRANADA (60 anos) e ESMERALDA (73 anos), costumavam trocar informações com amigas mais velhas e mais experientes. SAFIRA costumava viver em conspiração com o grupo e o que cada uma sabia transmitia para a outra. GRANADA aprendia através do diálogo com uma única amiga. ESMERALDA, ao contrário, viveu uma situação constrangedora e extremamente desagradável quando viu cenas de sexo através de figuras que uma amiga mais velha lhe mostrou. No caso de AMETISTA (46 anos), as dificuldades de comunicação com os familiares também aconteciam com colegas e amigos. Na adolescência, portanto, algumas dessas mulheres buscavam informar-se com outras mulheres, com as quais mantinham laços afetivos, fora do âmbito familiar, numa situação de cumplicidade. Isto coincide com a constatação de RODRIGUES/MONESI e COSTA ( 1991 ), segundo os quais a maior fonte de informações do adolescente é o companheiro da mesma idade ou ligeiramente mais velhos. Outra fonte de informação para essas mulheres adolescentes foram os livros e filmes. Para DIAMANTE (53 anos), RUBI (52 anos), AMETISTA (46 anos), SAFIRA (45 anos), TOPÁZIO (33 anos), TURQUESA (28 anos) e CRISTAL (23 anos), as leituras foram o alicerce das informações sobre sexualidade. SAFIRA enfatizou que tudo era lido muito às escondidas porque havia muitos tabus. Às vezes não conseguiam compreender com exatidão o que estava escrito e formavam conceitos errôneos que foram mantidos durante longos anos de suas vidas. Tal afirmativa encontra respaldo no depoimento de TOPÁZIO (33 anos), que relatou: “ Lembro-me de uma reportagem, tinha um desenho da mãe e do pai... lá dizia que o espermatozóide fecundava o óvulo e eu fiquei com a idéia que o pênis do homem fosse o espermatozóide, depois, mesmo sabendo, ficava com essa idéia na cabeça”. Como GRANADA (60 anos), não gostava de ler, apreciava os filmes que apresentassem cenas censuradas, pois esta era a única fonte de informações a que tinha acesso. Considerava que o cinema havia sido seu maior instrutor na adolescência. Para SIMONETTI (1993), falar de sexo naturalmente, como de qualquer outro assunto, é uma mudança que muitos consideram positiva. Sem dúvida, as leituras de livros e revistas, os programas de televisão e os filmes contribuem para a “modernização da vida sexual” que acompanha as mudanças de padrão de vida contemporânea, opondo-se à moralidade sexual tradicional. Sendo a sociedade complexa e o mercado de literatura livre, os valores, fantasias, idéias e normas, reproduzidas, nem sempre são entendidas e compreendidas num sistema de informações ou referencial sexual. Como afirma PARKER (1991, p. 252), “ os dilemas enfrentados pelos indivíduos de carne e osso neste mundo são naturalmente tantas vezes inconscientes quanto conscientes, e as maneiras pelas quais o indivíduo específico responde às opções que defronta, claro, são impossíveis de prever”. No que diz respeito ao papel da escola como fonte de conhecimento sobre sexualidade, parece que as vivências dessas mulheres mostram-se distintas conforme as gerações. DIAMANTE (53 anos), RUBI (52 anos) e SAFIRA (45 anos), disseram que na escola o “assunto sexo” era proibido, as meninas e os meninos estudavam em salas separadas e o assunto não podia sequer ser ventilado. Não havia diálogo com as professoras ou professores sobre o assunto. SAFIRA lembrou que quando assuntos relativos à sexualidade a ser tratados na escola, já era professora, e limitava-se a lecionar anatomia para grupos separados de meninos e meninas. Ao contrário, as mulheres mais jovens como TURQUESA (28 anos) e CRISTAL (23 anos), enfatizaram que, na adolescência, tinham liberdade de discutir o assunto com alguns professores e que as informações obtidas foram de grande valia para a sua formação. Segundo MONESI (1993, p. 96), a escola tem papel fundamental na transmissão de informações sobre sexualidade: “ A obtenção dessas primeiras informações sexuais na escola tem importância fundamental, principalmente porque as inibição dos pais, entre outros motivos, impede que o ‘conhecimento mínimo’ sobre sexo chegue até o adolescente...” Para SCHIAVO (1993), a educação sexual luta por existir, por fazer-se presente. Concordo com o autor quando afirma que a sexualidade tem servido, ao longo dos séculos, para dominar e oprimir e que é exercida como instrumento a serviço de privilégios de alguns. Na idade adulta dessas mulheres, assim como na infância e na adolescência, as informações sobre sexualidade continuavam escassas. Parece que, de modo geral, a desinformação e o desconhecimento não são privilégio de uma única etapa de vida e nem de uma geração: com raras exceções, isto se repete de geração em geração, cultivando-se um círculo vicioso. Das entrevistadas, somente ESMERALDA (73 anos), GRANADA (60 anos), RUBI ( 52 anos) e SAFIRA (45 anos), citaram informações que haviam sido obtidas na idade adulta através de consultas a profissionais de saúde. ESMERALDA (73 anos), relatou que ao procurar o ginecologista, foi surpreendida com o atendimento, esperava que ele lhe indicasse qual a doença que ela tinha. No entanto, ele limitou-se a falar sobre sexo e que este era necessário para acalmar a pessoa. Indignada com a atitude do médico, retirou-se do consultório, porém, algum tempo depois, concluiu: “ Hoje, depois de muitos anos, eu vejo que o sexo acalma a pessoa e o médico tinha razão”. Declarou que: “... se a pessoa tá bem sexualmente... se estima, se ama, se perdoa, se aceita”. O sexo une o casal, supera dificuldade, faz a pessoa sentir-se melhor. Algumas pessoas, ao procurarem um especialista de saúde, parecem ter um desejo interno de que lhe seja atribuído algum tipo de doença física, não aceitando que fatos emocionais, quando não trabalhados, podem ser tão destruidores quanto uma moléstia física. As dores e desconfortos vivenciados por RUBI (52 anos), após a histerectomia, fizeram-na procurar o parecer de vários médicos. Declarou que apesar de ouví-los, de aceitar as explicações dadas, não consegue entender a diferença que tal cirurgia “ detonou no meu organismo”. GRANADA (60 anos), relatou que só procurou o médico após alguns meses de sua menopausa, pois estava muito deprimida e a insônia era seguida de fortes dores de cabeça. Declarou que o médico então explicou-lhe que eram sintomas normais da mulher menopausada e que ela deveria fazer reposição hormonal. Por acreditar que a reposição hormonal ia contra a “natureza”, abandonou o tratamento em poucos meses: “ hoje me arrependo da minha ignorância... não voltei no médico prá ele me falá tudo”. Ao contrário das demais, SAFIRA (45 anos), não obteve as informações que almejava ao procurar um ginecologista que lhe explicasse sobre as transformações que estavam ocorrendo no seu corpo. Relatou que ao contar sobre o desconforto que vinha sentindo com as menstruações, com as dores nas pernas, com o estresse que a impedia de ter os orgasmos que tinha, foi atendida com muito descaso pelo médico. Declarou que “ sinto muitas dores... fui ao médico e ele disse que é normal, problema hormonal e que não é hora de tomar medicamento. Eu te pergunto, como ele sabia se não mandou fazer exames?” À medida que a mulher vai se aproximando da menopausa, aumenta o risco de desenvolver uma série de disfunções ginecológicas e na maioria dos casos, o diagnóstico precoce resulta de uma consulta médica em que se ofereça a oportunidade de perguntar e aprender coisas sobre o corpo. TRIEN (1994, p. 245), aconselha: “... seu médico deve dispor de tempo para conversar... se você sente que seu tratamento é feito apressadamente ou de forma impessoal, é interessante procurar outro médico. A comunicação entre o paciente e o médico é mais do que uma cortesia. É parte importante dos bons cuidados médicos”. Para SIEGEL (1989, p. 13 ), a melhor ocasião para se tornar um paciente especial acontece na relação médico/paciente antes que este apresente a doença. Para ele, a paciente que procura um profissional de saúde em busca de informações e esclarecimentos, é uma paciente que é capaz de reagir às tensões. Entretanto, ele afirma: “... quando o desamor ocorre na infância, quando as relações com os pais estabelecem a forma característica de reagir à tensão. Na idade adulta repetimos essas reações e, assim, nos tornamos vulneráveis à doenças, cuja natureza específica depende, muitas vezes, da nossa personalidade”. A escassez nas informações durante muitos anos, deixou um saldo grande de mulheres desinformadas, frustradas, vítimas das próprias transformações corporais não compreendidas, insatisfeitas com a vida e com a sua situação de mulher, esposa e mãe. O desconhecimento da mulher face à sua anatomia é surpreendente. Isso se torna, também, particularmente importante no que tange à questão da sexualidade. É importante que ela desmistifique a repressão existente acerca dos seus prazeres e se permita a uma busca livre de sentimentos e sensações, para poder tornar-se um veículo de informação aos filhos e ao companheiro. Para algumas mulheres, tanto de gerações mais velhas quanto mais jovens, livros e programas de televisão são reconhecidos, em sua vida adulta, como fonte válida de informações sobre sexualidade. ESMERALDA (73 anos), revelou que teve acesso às leituras sobre sexualidade e que aprendeu através de um livro sobre educação sexual que o marido possuía. Enfatizou que as figuras “pornográficas” lhe causaram “horror” e “nojo”. Costumava assistir, mesmo na velhice, muitos programas de televisão sobre o assunto. Relatou que a falta de informações e a maneira como foi educada, cerceada de tabus, sem diálogo, influenciou a maneira dela transmitir as informações ao filhos, “ ... não tinha liberdade nem com a menina. Era tão difícil!” As primeiras informações “oficiais” sobre sexualidade foram obtidas por GRANADA (60 anos), na leitura de um livro, dado a ela pelo padre, quando marcou a data do casamento. A compra de um livro que trouxesse informações sobre sexualidade foi atitude tomada por ela quando os filhos começaram a ficar “mocinhos”, não queriam que passassem o que ela passou. Disse que “adora” assistir programas de televisão que focalizem assuntos relacionados à sexualidade. AMETISTA (46 anos), ressaltou que lê constantemente sobre o assunto e que procura obter informações em todos os meios de comunicação, visto que atualmente existe uma “parafernália” de mensagens. Considerou que o advento da AIDS contribuiu para que tivesse maior interesse em ficar informada. Assinalou ainda que esse foi o motivo que levoua a discutir sobre sexualidade com os filhos já adultos. De modo semelhante, TOPÁZIO (33 anos), procurou estar bem informada para tratar do assunto sexualidade com o filho, de doze anos, a filha de dez anos e, principalmente, a filha de dezesseis anos. Percebe a troca de informações entre ela e a filha maior, como forma de prepará-la para viver a sexualidade de forma saudável. Segundo SIMONETTI (1993, p. 83), é inegável que a televisão influencia o comportamento sexual das pessoas, de idades e classes sociais variadas, levando as pessoas a tratarem do assunto com maior liberdade, conforme relata: “ Falar de sexo naturalmente, como de qualquer outro assunto, é uma mudança que muitos consideram positiva. Faz parte da ‘modernização da vida sexual’ que acompanha as mudanças de padrão da vida contemporânea, opondo-se à moralidade sexual tradicional. Sem dúvida, a TV contribui muito para esse processo”. Concordo com a autora quando diz que apesar da contribuição dada pela televisão, é preciso que tenhamos alguns cuidados quanto à análise das “múltiplas éticas” transmitidas por ela. Sua influência poderá variar conforme o significado e a importância que as pessoas atribuem àquilo que assistem. A preocupação com a AIDS acalora a preocupação em informar os jovens sobre os riscos que estão ocorrendo, voltando ao início dos tempos, quando a educação sexual era dada apenas com o objetivo de evitar a proliferação das doenças sexualmente transmissíveis. Para COSTA (1993), os aspectos médicos da AIDS, bem como suas formas de transmissão, são temas importantes que devem ser tratados à luz de valores, comportamento e atitudes num intuito de evitar as conseqüências dramáticas geradas pelo medo e pelos mitos, preconceitos e discriminações. 2. A EXPERIÊNCIA DO CORPO A existência, porque humana não pode ser muda, silenciosa, nem tampouco pode nutrir-se de falsas palavras, mas de palavras verdadeiras, com que os homens transformam o mundo. Existir humanamente é pronunciar o mundo, é modificá-lo. PAULO FREIRE 2.1 - Diferenças e sentimentos [ ... ] Um corpo inteiro, que não pode ser dividido - corpo e mente; razão e emoção; inteligência e sentimentos; corpo como “geografia” do pecado, alma como pureza; razão como certeza, emoção como erro. PAULO FREIRE Apesar das semelhanças, cada ser humano apresenta diferenças físicas e psicológicas. A resposta sexual depende de fatores biológicos e psicológicos e da maneira como foram vivenciadas as descobertas e os cuidados com o corpo. No que diz respeito aos cuidados com o corpo, observou-se que as entrevistadas falaram de si mesmas, do exercício do seu viver e do papel realizado por suas irmãs, mães e pessoas do seu convívio, como coadjuvantes nestas descobertas. Concordo com VARGAS (1996), quanto à importância do conhecimento global do corpo para o ser humano. O entendimento da sexualidade depende de um conhecimento real e consciente dos órgãos que estão envolvidos direta ou indiretamente na atividade sexual. Se o indivíduo conhecer bem seus órgãos sexuais, poderá usufruir ao máximo os estímulos que ele venha a receber ao longo do seu desenvolvimento. ESMERALDA (73 anos), GRANADA (60 anos), SAFIRA (45 anos) e CRISTAL (23 anos), relataram que perceberam as diferenças entre meninos e meninas observando e convivendo com irmãos e primos. Na infância, o indivíduo percebe seu corpo com naturalidade, descobre a diferença entre os sexos, principalmente na observação e nas brincadeiras, sem desenvolver sentimentos de culpa. No entanto, a maneira como os adultos vêem tais brincadeiras poderá resultar, para a criança, em uma percepção distorcida sobre o seu corpo e consequentemente sobre sua sexualidade. O cuidado com o corpo foi relatado pela maioria das mulheres somente sob a ótica da higiene. Já, para TOPÁZIO (33 anos), perceber que os meninos eram diferentes e “ podiam fazer xixi onde queriam”, fez com que sentisse vontade de “pegar, olhar como era” o pênis. Tais cuidados também faziam parte da educação dada pela mãe de GRANADA (60 anos), SAFIRA (45 anos), TOPÁZIO (33 anos) e CRISTAL (23 anos). Estas relataram que não receberam nenhuma informação sobre sua genitália, somente informações relacionadas à higiene e aos cuidados que deveriam ter para conservá-la escondida das pessoas. Para CRISTAL ( 23 anos), a mãe e o ginecologista foram os responsáveis em lhe falar sobre os cuidados higiênicos que deveria ter. Quanto às diferenças anatômicas, relatou que descobriu-as na convivência com o irmão, “ cresci junto dele, a gente tinha liberdade, se via tomando banho, se tratava de igual para igual. Sabia que um era diferente do outro”. As irmãs mais velhas de DIAMANTE (53 anos), RUBI (52 anos) e SAFIRA (45 anos), tinham liberdade para conversar sobre a higiene e os cuidados que deveriam ter. Relataram que eram muito exigentes e que a mãe fazia a supervisão para ver se haviam trocado as roupas íntimas. RUBI declarou que os banhos eram limitados e que a higiene era feita com bacias. Adora tomar banhos como forma de compensar o tempo em que não era permitido banhos prolongados, pois não existia chuveiro elétrico. ESMERALDA (73 anos) e TURQUESA (28 anos), relataram que aprenderam “a se cuidar” com as pessoas que conviviam e nada foi tão importante ao ponto de ter lembranças. Os cuidados com o corpo, para AMETISTA (46 anos), surgiram no exercício do seu viver, com naturalidade, sem que lhes fossem ensinados por alguém. MENDONÇA (1993, p. 234), afirma “ ser pai ou mãe é fazer brotar uma semente e, após semeá-la, cultivá-la com carinho, regá-la com informações que lhe facilitem o crescimento, iluminá-la com os raios do amor e da paciência, vê-la crescer com liberdade e conhecimento do mundo que a aguarda”. A higiene dos órgãos genitais deve ser ensinada com naturalidade durante todo o processo de crescimento. O diálogo aberto, o não fortalecimento de mitos que envolvam os genitais como algo sujo e a visão do corpo como um todo, são condições essenciais ao desenvolvimento do indivíduo. Nos genitais encontram-se glândulas que produzem secreção, o esmegma. Se não for praticada a higiene correta, os meninos e as meninas exalam odores ácidos, característico da secreção. A cultura de bactérias, na vulva, pode ser facilitada quando a menina não teve acesso à informações corretas do uso do papel higiênico e cuidados na limpeza da sua genitália. Para COSTA (1994), a capacidade de percepção da criança está ligada às potencialidades do ser humano, que envolvem a espontaneidade e a criatividade. Capacidades que permitem ao ser adequar-se a uma situação nova e a perceber-se como pessoa, perceber o outro e se fazer percebido. O desenvolvimento de tais capacidades está diretamente ligado à influência do mundo adulto. O interesse pelo conhecimento dos órgãos sexuais deve ser encarado com naturalidade, permitindo ao indivíduo condições de enfrentar as transformações pelas quais passará na puberdade, de forma natural e construtiva. Neste perceber-se, ESMERALDA (73 anos), GRANADA (60 anos), TOPÁZIO (33 anos) e TURQUESA ( 28 anos), relataram que viam seus corpos com naturalidade. ESMERALDA, que tinha muito pudor em relação ao corpo, observava as transformações que ocorriam sem no entanto tocar-se. GRANADA (60 anos) e SAFIRA (45 anos), declararam que a descoberta do corpo surgiu através de brincadeiras nas quais era comum a exploração e a observação das diferenças entre meninos e meninas. Confessaram que tudo era feito às escondidas, pois eram passíveis de punições. SAFIRA relatou que “ para eles o castigo, a punição... era bater, e a gente apanhava com certeza, se soubessem que tinha acontecido”. A ausência de irmãos e o pudor dos pais em não se deixarem ver nus fizeram com que DIAMANTE (53 anos) e RUBI (52 anos), não percebessem, enquanto crianças, que homens e mulheres eram diferentes. A primeira atribuiu o fato à inexistência de curiosidade sobre o corpo. RUBI declarou que observava sua genitália e achava tudo natural. Muito séria, falou da falta de liberdade que tinham com os pais: “ Pelo amor de Deus! Nunca os vi nus. Isso seria um crime!” É a adolescência, no entanto, a época que fica mais marcada para o indivíduo, em virtude das transformações bruscas que ocorrem em seu corpo. O surgimento dos caracteres secundários, como os seios, os pêlos pubianos, o aprimoramento das formas femininas, são demonstrados pelas entrevistadas de formas distintas. ESMERALDA (73 anos), sentiu-se muito envergonhada, procurando esconder-se, pois tudo que se relacionasse com sexo era cerceado de muito pudor. Para GRANADA (60 anos), RUBI (52 anos), TURQUESA (28 anos) e CRISTAL (23 anos), o desenvolvimento dos seios foi desagradável e incômodo, causando-lhes vergonha. Enquanto que, para SAFIRA (45 anos), o surgimento dos seios foi esperado com muita ansiosidade. DIAMANTE (53 anos), vivenciou cada momento de transformação corporal como um momento inédito, deslumbrante, percebia-se uma pessoa “bem linda, linda”. TOPÁZIO (33 ANOS), porém, via-se feia, gorda, “ um patinho feio”, tímida e rejeitada. Observou-se nos relatos das entrevistadas a total falta de informações nas conversas sobre o corpo, ligadas aos seus órgãos sexuais, como vagina, vulva, clitóris e notou-se que, ao referirem-se ao corpo, só falavam sobre os seios, curvas corporais e pernas. Isso remete-nos à impressão de que a falta de conhecimento, o sentimento de vergonha, falavam mais alto do que a própria vontade de se manifestar sobre o assunto. GRANADA ( 60 anos), relatou que percebia que era diferente dos meninos, porém não compreendia o por quê da diferença. Declarou que só foi compreender quando, mais tarde, teve a oportunidade de observar o corpo nu de uma amiga, então percebeu que as mulheres eram diferentes dos homens. Relatou que “ nos sábados nóis ia tomar banho no rio, meninos e meninas, primos e vizinhos, então os pequenos ficavam pelados e os maiorzinhos ficavam com roupa prá não mostrá as ‘partes’, a mãe ficava vigiando”. Na curiosidade de saber como era sua genitália, AMETISTA (46 anos), tocava seus órgãos genitais com a mão e com o auxílio do dedo procurava descobrir quantos orifícios tinha, pois desde pequena observava que a urina saía da parte superior da sua genitália. TURQUESA (28 anos), que na infância tinha grande fascinação em observar o pênis dos meninos, continuou se questionando, na adolescência, sobre a presença dele nos homens e não nas mulheres. Quanto mais crescia e se desenvolvia, mais constrangimento tinha em desvelar seu corpo, o que a impedia de observar-se. Segundo COSTA (1994), é somente através do conhecimento científico que aprenderemos, a cada dia, um pouco mais a respeito desta complexidade que é o corpo humano. O fato é que cada um, na realidade, se percebe de forma diferente e desenvolverá características próprias e individuais, o que caracteriza o ser humano. É através do conhecimento dos órgãos genitais, suas funções, que desmistificaremos as dúvidas e incertezas que atormentam o ser humano durante toda sua vida. A necessidade do indivíduo conhecer, tocar, acariciar o seu corpo, num conhecimento natural, faz com que a sexualidade seja vista de forma normal e prazerosa. As leituras informativas tomavam o tempo disponível de SAFIRA (45 anos), que relatou ter aprendido muito sobre seu corpo e seus sentimentos através dessas leituras. Declarou que quando foi tornando-se adulta, gostava muito de ser observada; mostrar as pernas era o que a fascinava, visto que naquela época (final dos anos 60) ainda era proibido expor as partes do corpo, pois poderia ficar mal falada. Contou que, no seu grupo de amigas, viviam em cumplicidade e que a subversão era vivida com audácia, “ naquela época... com a jovem-guarda, a mini-saia chegou... os pais não deixavam usar e a gente enrolava a saia, ia para o bar, paquerava, longe de casa... porque tinha que mostrar as pernas”. O pai e a mãe tendem a estimular as meninas a serem delicadas e submissas desde pequenas. Quando crescem, a liberdade da menina é mais controlada e tudo é proibido. Algumas se rebelam e quando conseguem apoio no seu grupo de amigas, mostram-se donas dos seus sentimentos e de suas atitudes. Na adolescência, as emoções são vivenciadas com muita intensidade. O desconhecimento relativo ao corpo feminino e masculino leva, muitas vezes, o indivíduo a fazer imagens ilusórias. E, quando ocorre a observação natural, pode causar grandes problemas. DIAMANTE (53 anos), contou que desconhecia completamente o corpo do homem e que só foi visualizá-lo na noite de núpcias, causando-lhe verdadeiro horror, pois não conseguia imaginar como que “aquilo” ( o pênis), poderia entrar dentro dela. O corpo e suas transformações foram observadas pelas entrevistadas na idade adulta sob a ótica sentimental. DIAMANTE (53 anos), relatou que a convivência com o marido e a paciência dele é que levaram-na a aceitar o contato sexual com naturalidade, diminuindo gradativamente seus medo e anseios em relação à penetração peniana. Relatou que ficou apavorada quando, na noite de núpcias, visualizou pela primeira vez um pênis: “ eu achei assim... que era uma brutalidade quando vi o sexo dele... que ‘aquilo’ tinha que entrar em mim... e o esperma, aquele cheiro... aquela coisa... que horror de lembrar!” Quanto ao seu corpo, relatou que gosta de ser como é e que está com sua auto-estima abalada em função da idade e da acomodação que esta gerou. O conhecimento da terminologia científica correta dos órgãos sexuais se faz necessário na desmistificação imposta por termos pejorativos e repugnantes que, na maioria das vezes, fazem as pessoas dirigirem-se a eles por “aquilo”, com medo de pronunciar a terminologia correta ou a que aprendeu em sua vivência. Segundo GAUDERER ( 1996, p. 130 ), os órgãos sexuais possuem muitos sinônimos que refletem diferentes visões: “ A vagina, assim como o pênis, tem inúmeros sinônimos que refletem visões sociais, culturais e antropológicas diversas. [ ... ] ela, (a vagina), é chamada de forma afetuosa de ‘xoxota’... como objeto de poder, a ‘perseguida’... como algo misterioso, ‘aquilo’... como se tivesse sentimentos, ‘está chorando’. [ ... ] como o pênis tem conotação de poder, ‘pau’, ‘cacete’, ‘espada’, ‘porrete’...” Visualizar e valorizar os órgãos genitais faz com que homens e mulheres se sintam seres completos e com suas emoções bem desenvolvidas. O conhecimento das genitálias masculina e feminina despertará na mulher e no homem mais carinho, atenção e cuidado, substituindo sentimentos de indignação e repulsa pelos de intimidade e apreço. Adultos bem resolvidos sexualmente serão orientadores sexuais capazes de estabelecer uma conversa liberdadora, que comece a partir do conhecimento do corpo, do respeito ao corpo, encaminhando os jovens a fazerem opção conscientes, sem precisar dizer o que é certo ou errado. Levando-os a concluir sobre a melhor maneira de lidar com seu próprio corpo e com sua sexualidade de forma mais humana e gratificante, na qual o amor e o respeito sejam sinônimos de realização e felicidade. As transformações sofridas em função das gestações deixaram SAFIRA (45 anos), que sempre foi muito vaidosa, deprimida, com sentimentos negativos. Demonstrou profunda preocupação com as modificações que vem observando em seu corpo: “ o corpo vai envelhecendo, perdendo aquelas formas... está sendo mais difícil me aceitar”. AMETISTA (46 anos) relatou que admira seu corpo, achando-o normal para o período etário em que se encontra, Teceu comentários em relação às transformações que marcaram seu corpo após as gestações “ adquire uns quilinhos a mais e tenho facilidade em criar barriga, mais isso não me preocupa”. O aumento de peso deixou TOPÁZIO (33 anos), agressiva e com a auto-estima baixa. Demonstrando segurança e maturidade, RUBI (52 anos) relatou que gosta do corpo que tem apesar de estar com alguns quilos a mais. Demonstrou preocupação com a saúde em relação ao excesso de peso. Comentou que na juventude era muito vaidosa, escrava da beleza, freqüentadora assídua de academias, adepta de caminhadas e dietas alimentares e que atualmente está acomodada, pois “ amo o meu corpo, tenho uma barriga bonita, bem linda, parece uma almofadinha”. Os anos da meia idade podem ser altamente angustiantes para algumas mulheres. Há novas alterações acontecendo. Desde a mudança do corpo até a perda de papéis sociais familiares. Se as alterações são muitas, a mulher começa a desenvolver um espectro de sintomas nervosos e preocupações. TRIEN (1994) afirma que o envelhecimento provoca alterações físicas inevitáveis e as mudanças nas curvas do corpo são normais. GRANADA (60 anos) falou do corpo menopausado, do envelhecimento, das modificações físicas e emocionais que passou a ter. Relatou que sente-se muito só, que os filhos cresceram, formaram famílias e que ela tem uma grande tristeza em se observar no espelho e ver que sua pele está manchada, sem o viço de alguns anos atrás. O entusiasmo com que ESMERALDA (73 anos) relatou que há pouco tempo observou-se no espelho, pela primeira vez, e viu como era sua genitália, também remete à necessidade do conhecimento sobre os órgãos sexuais femininos. A anatomia sexual da mulher pode ser dividida em órgãos genitais internos e externos. Seu estudo é interessante e gratificante e pode ser acompanhado de técnicas de observação do próprio corpo, evitando dessa forma que o estudo torne-se acadêmico e desvinculado da naturalidade que é o próprio corpo. Quando falo em estudo natural, estou demonstrando que não existe tempo limitado para essa descoberta e que mesmo fora dos bancos escolares ainda se pode aprender muito sobre o nosso corpo. Utilizo o relato de ESMERALDA (73 anos), para ilustrar tal posição. Ela confidenciou que, somente a partir da observação de sua genitália, permitiu que o marido a visse nua. Os genitais femininos externos somente podem ser observados quando a mulher os abre para a observação. Ao observar-se, a primeira parte visualizada são os grande lábios, formados por duas dobras de pele que começam no Monte de Vênus, uma pequena elevação sobre o osso púbis, chegando até o períneo, espaço entre o limite da vulva e o ânus. Os pequenos lábios encontram-se dentro dos grandes lábios, tornam-se aumentados quando a mulher está excitada e estão intimamente ligados ao clitóris, pequena protuberância coberta por uma pele que se chama prepúcio do clitóris. O clitóris é constituído histologicamente (tecido) semelhante ao corpo cavernoso e à glande do pênis, no homem. O clitóris, portanto, é dotado de grande quantidade de terminações nervosas livres, também encontradas na vagina, que servem para traduzir as sensações eróticas na mulher. Ele pode ser estimulado manualmente, oralmente ou pela fricção dos órgãos genitais, durante o ato sexual. Ele participa ativamente do orgasmo. Ainda entre os pequenos lábios pode-se observar a uretra, orifício responsável pela eliminação da urina e a vagina, órgão copulador. Ao lado de cada pequeno lábio, na entrada da vagina, encontramos as glândulas de Bartholin, secretoras do esmegma e de alguns fluídos quando a mulher está excitada. Além de órgão copulador, a vagina ainda tem a função de expelir as secreções oriundas do seu interior como corrimentos e muco, secreções do útero; a menstruação e as secreções sanguinolentas no período pós-parto e serve de passagem para a vida extra-uterina, como canal do parto. Os órgãos sexuais internos são representados pela vagina, colo do útero ou cérvix, corpo do útero, tubas uterinas e ovários. A vagina é um canal muscular e elástico, dotado de terminações nervosas que fica localizada entre a uretra e o períneo. Ela faz a conexão entre os genitais externos e o útero. Na sua entrada encontra-se o hímen, película existente nas vaginas que não tiveram relações sexuais ou em alguns casos de partos normais. Existem vários tipos de hímen, sendo que o mais comum é o anular, que possui perfuração em forma de anel. Quando ele se apresenta de forma complacente, é normal o rompimento dele somente por ocasião de um parto vaginal É pelo orifício himinal que são eliminadas as secreções e a menstruação. A maioria dos hímens permitem a colocação de um dedo na vagina, sem que seja rompido. Raramente pode ocorrer hímens cartilaginosos ou sua completa ausência. A vagina é formada por uma série de músculos que, dependendo da excitabilidade ou da necessidade, se distendem pouco ou muito. Suas paredes são extremamente vascularizadas e quando excitada, produz líquido lubrificante. Segundo autores como VARGAS (1996), é no interior da vagina que se encontra o ponto G, ponto de Grafenberg, localizado no terço anterior da vagina, é representado por uma região de rugosidade acentuada que pode ser sentida quando tocada com o dedo, introduzido na vagina. Essa área, segundo a autora, é a mais receptível a todos os estímulos físicos durante a atividade sexual. A umidade e a conservação da mucosa feminina ocorre pela ação dos hormônios femininos. As mulheres que já passaram pela menopausa podem sentir a mucosa vaginal menos irrigada e mais flácida. Tais sinais são um alerta para procurar um ginecologista para fazer um balanço hormonal e, se necessário, sua reposição. A vagina é um orifício virtual e suas paredes coladas só se abrem se forem excitadas. O colo do útero está localizado ao fundo do tubo vaginal, possui um orifício por onde os espermatozóides penetram no útero, começando sua caminhada em direção às tubas uterinas à procura do óvulo. No colo do útero existem glândulas que segregam um muco transparente, que é lançado no período do pico ovulatório. Esse muco, se pegado com os dedos, mostra-se cristalino e elástico. É nesse período que a mulher poderá engravidar. É importante colocar que o espermatozóide tem cerca de setenta e duas horas de vida intrauterina, o que poderá determinar uma gravidez se a mulher tiver tido relação sexual neste prazo e anteriormente à presença do muco. Segundo os hindus, a estimulação profunda do colo uterino faz com que as mulheres tenham orgasmos significativos. O útero é constituído de fibras musculares, revestido internamente por uma camada membranosa chamada endométrio que, dependendo da variação hormonal, pode apresentar-se pregueada, à espera do ovo, ou então, desprender-se e descamar em forma de menstruação quando não ocorre a implantação do ovo ou não houver a fecundação. Os ovários são estruturas duplas, responsáveis pela produção total dos óvulos, cuja quantidade varia muito de autor para autor: COSTA (1996) e SUPLICY (1994), mencionam 400.000; TRIEN (1994), 500.000; VARGAS (1996), 200.000. São responsáveis também pela produção de hormônios femininos que aumentam durante a puberdade, o que determina as características sexuais secundárias como mamas, formas corporais, entre outras. A produção hormonal ovariana geralmente fica altamente reduzida, chegando a cessar, na mulher menopausada, causando transformações físicas na mulher. As tubas uterinas são duas, uma de cada lado do ovário; ao chegarem aos ovários se abrem em forma de franjas chamadas fimbrias, cuja função é captar o óvulo quando este é expulso do ovário, através do movimento de varredura. São revestidas internamente por uma mucosa rica em pêlos e cílios que se movimentam levando o óvulo ao encontro do espermatozóide para a fecundação ou para o útero onde será eliminado. Embora os seios não façam parte dos órgãos genitais femininos, constituíram peças importantíssimas na vivência da sexualidade das entrevistadas. ESMERALDA (73 anos), sentiu-se muito envergonhada com o surgimentos dos pêlos e dos seios, procurando esconder-se, pois tudo referia-se a sexo e pudor. Idéias que cerceavam sua vida faziam-na pensar que a observação e o toque no corpo fossem pecado, “ era pecado e a gente não falava, se cuidava... e se falava... era com alguma amiga, escondido”. SAFIRA (45 anos), contou que era muito vaidosa e que o surgimento dos seios fora esperado com muita ansiedade, sentia necessidade de ter um modelo para imitar. Os sexólogos GAUDERER (1996) e VARGAS (1996), recomendaram que a mulher se examine, se toque em frente ao espelho, observe em detalhes e intimamente sua genitália, mesmo que no início sinta um misto de surpresa, repulsa ou indignação, pois tudo isso é importante no desenvolvimento do carinho, atenção e apreço pelo seu corpo. Parte dessa resignação frente ao seu corpo é determinada pelo fato dos pêlos pubianos encobrirem a vulva ( conjunto dos órgãos sexuais externos), dificultando a sua visualização, aumentando assim o clima de mistério em relação a essa parte do corpo. Somando-se a isso, há o fato de a mulher achar que a observação ou o toque de sua vulva é indevido, feio, pecaminoso. ( GAUDERER, 1996) Em contrapartida, o pênis, por ser um órgão exposto e de fácil observação, tornou-se um mito muito cultuado, mais valorizado e mais atraente. Concordo com GAUDERER (1996) quando diz que teorias impostas por alguns psicanalistas, entre eles Freud, de que existe a inveja do pênis por parte das mulheres, merecem questionamentos e estudos, pois “ reflete uma autodesvalorização desnecessária da mulher frente a si própria e uma supervalorização do homem. Isto cria e perpetua uma situação complicada para ambas as partes e absolutamente desnecessárias”. (p. 132 ) Para GRANADA (60 anos), RUBI (52 anos), CRISTAL (23 anos) e TURQUESA (28 anos), o surgimento dos seios foi desagradável e incômodo, causando-lhes vergonha. CRISTAL sentia-se diferente em relação às amigas. De modo semelhante, RUBI (52 anos) sempre gostou do seu corpo, porém o surgimento dos seios deixou-a constrangida e envergonhada, procurando escondê-los. O fato levou-a a tomar uma atitude radical: usar o sutiã que havia sido dado à empregada da casa, pela irmã, o qual achava muito bonito: “ eu me achei no direito de usar antes dela”. Nos seios existem o mamilo e a auréola. O mamilo possui terminações nervosas que, quando estimulado, fica ereto. Tornando-os parte ativa no relacionamento sexual. Os seios femininos e masculinos constituem uma intensa zona erógena, podem e devem ser utilizados para propiciar prazer. A maior ou menor eroticidade do seio depende da sensibilidade e desinibição de cada indivíduo. ( SUPLICY, 1994) O tamanho do seio e sua valorização dependem da cultura em que o indivíduo está inserido e o padrão de beleza a ser perseguido deve ser decisão de cada um. 2.2 - Prazer sexual e virgindade Cuando reprimes tus emociones o te guardas las cosas, creas desolación en tu interior. Ámate lo suficiente como para darte permiso para sentir tus emociones... LOUISE L. HAY Quando pensamos em prazer sexual, em sensualidade e em sexualidade adulta, precisamos pensar nas raízes do seu desenvolvimento. O desenvolvimento que tem início nos primórdios da vida, no período intra-uterino, na infância prolonga-se, na vida adulta e na velhice num constante aprender. Estudos desenvolvidos na área de sexualidade humana, defendem que a percepção do feto e do recém-nascido são altamente ativas, o que leva o indivíduo a interagir ativamente com o meio, tornando-se parceiro no trato afetivo. Para que seu desenvolvimento sexual ocorra de forma construtiva e prazerosa, o amor, a aceitação, o aconchego e a vasta gama de afetos são importantes. Segundo MALDONADO (1993), a base de confiança e de entrega bem sedimentada farão com que o indivíduo enfrente os momentos menos prazerosos ou mesmo as frustrações com naturalidade, evitando sentimentos de abandono, perdas ou insegurança. O relacionamento afetivo não sexualizado como confiança, cumplicidade, carinho entre amigos , irmãos, pais e filhos são básicos no desenvolvimento do prazer sexual: “... não só por palavras, mas fundamentalmente por gestos, atitudes e contatos físicos que deixam transparecer a emoção: o sorriso, o olhar, o toque, o beijo, o abraço...” ( p. 53) Durante o período intra-uterino o indivíduo experimenta as sensações agradáveis de flutuar no líquido amniótico, quente e acolhedor. Movimenta-se expressando vitalidade, prazer ou desprazer. O útero materno representa o primeiro ambiente de satisfação ou insatisfação. O acariciar a barriga, o toque dos parceiros, o aconchego fazem parte da comunicação corpo a corpo, importantes no relacionamento entre pais e filhos e que ficarão registradas nas células como algo agradável. O nascimento representa, muitas vezes, um misto de prazer e desprazer, no qual a batalha pela vida inicia com a ruptura entre mãe e filho. O impacto do nascimento é muito forte e nesse momento a mãe é seu ponto de referência. Para SUPLICY (1993, p. 52), os bebês nascem com níveis de satisfação e frustração inatas e a mãe exerce um papel fundamental na tolerância às frustrações: “ ... dependerá muito da capacidade da mãe... para que possa desenvolver-se de maneira mais harmoniosa. [ ... ] O contato da mãe com a criança, principalmente o contato da pele, desenvolve a capacidade amorosa e erótica, que é essencial para o desenvolvimento erótico da criança”. O contato físico, pele a pele, entre mãe e filho é a experiência primordial do aconchego e da intimidade. A amamentação, as carícias, as massagens, são bases para a relação de confiança, da possibilidade de entrega, da sensação de estar recebendo amor. MALDONADO ( 1993, p. 59 ), enfatiza: “ Pegar o bebê com calma e carinho, envolvê-lo nos braços com ternura, falar-lhe em voz baixa e melodiosa transmitem a ele a sensação de profundo bem-estar. [ ... ] Anos mais tarde, é exatamente essa sensação que acontece no amor adulto, nos momentos de abraço terno, em que há uma sensação de bem-estar e acolhimento”. Durante a infância, a criança passa por vivências e descobertas prazerosas. A curiosidade e o interesse em se tocar aumentam durante o período de descobrimento e o controle exercido pelos adultos, as proibições tendem a dar um significado muito especial a essas descobertas levando a criança a viver fantasias e jogos reprovados pelo adulto. As brincadeiras, os jogos sexuais entre crianças foram relatados por ESMERALDA (73 anos), como atos proibidos e só praticados às escondidas dos familiares. Confidenciou que os meninos de sua época “ eram malandros” e gostavam de olhar as calcinhas das meninas. Enfatizou que muitos se relacionavam trocando intimidades e que ela desde muito pequena aprendeu que tocar no corpo era “ abuso contra a castidade... a gente evitava o máximo”. As primeiras sensações de prazer foram sentidas por SAFIRA (45 anos), com forte emoção e medo. Na infância costumava brincar com os primos e quando era tocada sentia prazer. As brincadeiras preferidas, quando adolescente, eram as que permitissem a aproximação dos corpos, o toque, o que lhe proporcionava momentos prazerosos e, ao mesmo tempo, sensações assustadoras, pois eram sempre vigiados. De acordo com COSTA (1986) e LOPES (1993), as fantasias realizadas através de jogos de médico e enfermeira, de papai e mamãe, são carregadas de curiosidade e servem como trocas afetivas e prazer sexual extremamente gratificantes e fundamentais para o desenvolvimento psicossexual do futuro adolescente, dando-lhe sensação de equilíbrio emocional. Os adultos, vitimados por uma educação distorcida sobre afeto e sexo, passam a projetar seus medos e falsos pudores na criança, limitando-a na maturação quanto às suas sensações corporais, dificultando o entendimento das sensações prazerosas como algo bom, não negativo, associada à culpa, vergonha e pecado. Quando as questões dos impulsos sexuais são mal resolvidas na infância, surgem as dúvidas, sensações de culpa, a insegurança e uma visão distorcida sobre seu corpo e sua sexualidade, fazendo com que as crianças sigam confusas rumo à adolescência chegando, muitas vezes, a perderem o sentido delas próprias. TOPÁZIO (33 anos), relatou que as primeiras sensações de prazer foram sentidas por ela por volta dos oito anos de idade quando brincava com um primo mais velho e muito carinhoso que morava com a família. Declarou que ele costumava pegá-la no colo para brincar de “ jogar sério”. Tal brincadeira consistia em ficar olhando firme nos olhos e se embalar no colo. Confidenciou que “ eu sentia um negócio diferente, mas eu não sabia o que era aquela sensação... ele tinha ereção, só que eu não sabia... essas foram as primeiras sensações de prazer que eu tive... ele nunca tirou minha calcinha, era só brincadeira”. Na adolescência, a necessidade do toque, as manifestações prazerosas nos contatos físicos tornam-se maiores e os sentimentos sexuais, muitas vezes, passam a ser considerados segredos invioláveis, e suas manifestações, uma contravenção às normas morais estabelecidas na infância. Neste período, os isolamentos acentuam-se e o auto-erotismo e a masturbação deixam de constituir experiências enriquecedoras e prazerosas e passam a ser utilizadas a serviço da liberação de tensões reprimidas reforçando o sentimento negativo da sexualidade. A necessidade do toque e as sensações prazerosas nos contatos físicos foram relatados por SAFIRA ( 45 anos), com muita emoção: “ quando a gente pegava na mão, tocava o corpo, era uma sensação... eu nem sei explicar... era uma felicidade total... precisava controlar todas as atitudes, todas as emoções, não podia demonstrar...” CRISTAL (23 anos), relatou que se masturbava e era masturbada pelo namorado, o que lhe dava prazer e ao mesmo tempo vergonha. Sobre o sentimento de vergonha, declarou que talvez seja porque aprendeu que masturbar-se era um “ pecado enorme” e fazer o que todos achavam que era errado, era vergonhoso. A masturbação talvez seja a forma maior do prazer sexual, visto que os seres humanos se masturbam independemente da idade. A estimulação da genitália é prazerosa, pois a glande e o clitóris são extremamente ricos em terminações nervosas que quando tocados, fazem conexões sinápticas que terminam no hipotálamo e nos centros do prazer. Para GAUDERER ( 1996, p. 123 ), a masturbação é um fenômeno normal, natural e que o indivíduo descobre de forma espontânea: “... a masturbação é um mecanismo de ensaio onde o indivíduo faz o seu ‘dever de casa’ preparando-se para poder conhecer melhor o seu corpo e posteriormente embarcar numa relação sexualmente saudável, positiva, enriquecedora, gratificante e sobretudo, prazerosa”. Sobre a masturbação, TOPÁZIO (33 anos) declarou que “ não vejo como um tabu... minha mãe nunca falou sobre fazer ou não”. Relatou que aprendeu a masturbar-se com uma amiga mais madura, com a qual costumava trocar afagos em contatos físicos. Confessou que esses momentos de intimidade com a amiga serviram para aprender sobre sexo e ter prazer, “ a gente não conversava muito... a gente ia brincar... em vez de conversar, a gente brincava”. Mesmo tendo percebido como algo prazeroso, esse contato trouxe-lhe muito medo e dúvidas. Confessou que era “ uma atitude homossexual... nesse ponto a gente sabia que as pessoas condenavam... tínhamos o máximo de cuidado... tínhamos medo que alguém soubesse, que alguém visse”. Apesar dos sentimentos vivenciados, declarou que não se surpreenderia se visse os filhos se masturbando. Concluiu que ela e a amiga aprenderam muito na troca de carinhos e que se sente uma mulher altamente prazerosa. O comportamento com a homossexualidade no início da elaboração da identidade sexual pode ser conflitante e a puberdade parecer ser a etapa mais propícia a esses desvelamentos pelas transformações físicas e a ânsia em compará-las com colegas. WÜSTHOF (1994, p. 103), explica que na adolescência pode existir uma tendência maior das pessoas do mesmo sexo a se juntarem antes de criarem coragem para enfrentar o sexo oposto: “ Parece que sentir cumplicidade nas transformações do corpo dá segurança. São feitas comparações: as meninas analisam os seios, os meninos medem o pênis com a régua. Ver que os outros são parecidos tranqüiliza bastante. E daí podem pintar os jogos sexuais entre pessoas do mesmo sexo”. De acordo com VARGAS (1996), as relações fortuitas com o mesmo sexo são naturais e normais no período pré-adolescente e adolescente. A autora cita teóricos, Freud, Jung, Renshaw e Coleman, que explicam que essas relações não determinam a verdadeira orientação sexual do indivíduo. A construção da identidade sexual homossexual ou heterossexual é complexa e depende de vários fatores tais como: genéticos, anatômicos, hormonais e experiências psicossociais. As informações que temos sobre os primórdios da sexualidade feminina são um tanto vagas, porém demonstram que a mulher sempre foi objeto de censura no que tange à sexualidade. A vontade de masturbar-se e descobrir suas partes prazerosas muitas vezes é envolvida por um clima de fantasia misturada com indecisão e sentimento de pecado em tudo que pretende fazer. Esses sentimentos trazem conseqüências importantes na resolução do prazer. Segundo GAUDERER (1996 ) e WEITEZ (Apud VARGAS, 1996), as mulheres que praticam a masturbação conseguem atingir muito mais rápida, plena e totalmente o orgasmo não apresentando disfunções orgásticas na vida adulta. Para VARGAS ( 1996 ), as primeira experiências prazerosas iniciam-se pela manipulação tátil da pele e mucosa até o coito extravaginal. Para a autora, as mulheres que se masturbam mais cedo, geralmente apresentam-se multiorgásticas, sendo muito gratificante a vida sexual no período adulto. O beijo, o toque no seio, na genitália, o contato rosto a rosto, olho a olho, o roçar da língua, consistem numa exploração lenta e gradual de descobertas que serão vivenciadas com enorme intensidade gerando emoções e sensações que irão contribuir para o encontro afetivo e o desejo maduro de ter uma relação sexual que terá o poder de reorganizar suas experiências sexuais anteriores. A satisfação sentida numa relação sexual completa é a base para a continuidade do desenvolvimento das próximas vivências sexuais. É importante ressaltar que o significado pessoal do encontro do prazer poderá alterar suas expectativas, criando ou dissolvendo problemas. ESMERALDA (73 anos), relatou que tomava muito cuidado para não tocar no corpo, não mexer nos órgãos genitais, não se expor, não se olhar nua no espelho, pois para ela isso tudo era um grande pecado. Confessou que vivenciou a masturbação e que se abstinha do prazer rezando muito e pedindo a Deus proteção constante. De forma semelhante, SAFIRA (45 anos), declarou que sempre que praticava a masturbação sentia-se culpada e “ a gente tinha que ir confessar e pedir perdão do pecado”. Contou que certa ocasião estava dançando de “corpo colado” e o roçar dos corpos, a respiração do companheiro na sua pele, fizeram-na sentir, “ as sensações foram se multiplicando... eu fiquei encabulada... tive a impressão que todo mundo estava vendo, que estava escrito no meu rosto... fiquei com vergonha... parecia que eu tinha feito um crime”, seu primeiro orgasmo. Historicamente, a masturbação tem representações aterrorizadoras que deixaram marcas profundas em numerosas gerações. A princípio, o significado da masturbação, segundo COSTA (1986), parece ser o de “profanar com a mão”. Termos populares como: “punheta”, “depenar o sabiá”, “siririca” ou “dedilhar o violão”, ainda são ouvidos diariamente por jovens de diversas camadas sociais. Para o autor, na antigüidade a masturbação era considerada uma das possíveis formas da obtenção do prazer. Os gregos e romanos viam-na como prejudicial, levando ao desperdício de energia vital. Na Idade Média negava-se a masturbação, pois a ejaculação deveria apenas ter função reprodutiva. A Santa Inquisição considerou-a uma heresia, estimulada pelo demônio. Na Idade Moderna era considerada maligna, levando à impotência, à epilepsia, à loucura e à cegueira. No século XIX surge a “cura” da masturbação feminina através do decepamento do clitóris e o juntamento dos lábios vaginais por suturas, deixando apenas dois pequenos orifícios por onde deveria passar a urina e a menstruação. A Igreja, a escola e a medicina tornam-se os carrascos dos jovens. O século XX vem mudar essa visão errônea da masturbação. Passa então a ser vista como um fato normal, necessário ao desenvolvimento normal do indivíduo. Porém, sua longa história deixou marcas, consciências confusas que até hoje são visualizadas pela cultura, levando a maioria das mulheres a terem grandes dificuldades em tratar do assunto ou admitir a masturbação solitária ou conjugal como algo normal e bom para se chegar ao orgasmo. ( COSTA, 1986) DIAMANTE (53 anos), GRANADA (60 anos), AMETISTA (46 anos), RUBI (52 anos) e TURQUESA (28 anos), declararam que não sentiram necessidade de masturbar-se, mas a consideraram normal, desde que a pessoa sinta prazer em praticá-la e que não se torne um ato doentio. A masturbação é uma prática sexual bastante comum em qualquer período da vida. No entanto, VARGAS (1996), alerta que quando as relações sexuais completas são possíveis e a masturbação passa a ser a única opção escolhida, poderá ser considerada patológica. Segundo WÜSTHOF (1994, p 64), o orgasmo é uma das reações mais complexas e mais vibrantes experimentadas pelo nosso corpo: “ É a explosão libertadora de um crescimento de excitação, com participação do corpo e alma. Produz alterações significativas: os mamilos ficam eretos, as circulação sangüínea se intensifica na pele, os músculos se enrijecem, a respiração e os batimentos cardíacos se aceleram e a pressão arterial sobe”. A atração pelo sexo oposto e o prazer em ficar com o companheiro, foram para GRANADA (60 anos), formas de sensações gostosas sem que tivesse trocado carícias sexuais. Lembrou que certa ocasião ouviu uma amiga de sua mãe dizendo que “ essa vontade de ficar com homem é normal, elas sentem a coceirinha... mas Deus faça que nunca descubram aonde é...” Atribuiu à sua falta de experiência, o fato de ter casado virgem e à escassez de informações ao fato de ter tido pouco ou nenhum prazer sexual em sua vida. Revoltada, falou que “ tive horror” da primeira experiência sexual. O prazer sexual é sentido de forma única e individualizado, cada um sente a seu jeito. Criar expectativas sem se sentir estimulado sexualmente, ter vontade sexual, sentir-se atraído pode levar a frustrações. Ele é resultado de uma estimulação adequada onde a participação ativa dos parceiros é decisiva. Segundo SUPLICY ( 1996 ), o orgasmo é a palavra mágica da nossa era. Assunto altamente discutido pelos meios de comunicação permitindo, ao mesmo tempo, a possibilidade de a mulher discutir a sua sexualidade, revendo sua posição de mulher com direito ao prazer sexual e por outro lado, enfatizando a supremacia orgástica como algo passível de normas e receitas para alcançá-lo, esquecendo-se, como já foi colocado, que ele é uma experiência única de intimidade e entrega diferente para cada ser humano. O orgasmo pode acontecer durante um sonho, um beijo, no toque de pele, na troca de carícias, nas visualizações eróticas, levando a mulher e o homem ao prazer sexual sem que necessariamente aconteça o coito. Para DIAMANTE (53 anos) o prazer sexual aconteceu como uma conseqüência das relações sexuais e estas foram se moldando a ela, visto que casou virgem e sem conhecimento do assunto e do ato. Relatou que sua primeira experiência sexual foi um grande desprazer sexual, pois sentiu-se estuprada, enganada, usada, “ eu achei assim que era uma brutalidade quando vi o sexo dele. Que tudo aquilo tinha que entrar em mim... e o esperma! aquele cheiro... aquela coisa... que horror de lembrar!” Atualmente o orgasmo faz parte de suas relações, pois só se relaciona com o marido quando está disposta, preparada e com vontade. VARGAS (1996), explica que o orgasmo não é restrito a uma única parte do corpo e tanto pode ser genital quanto não-genital e que é muito importante o conhecimento do corpo para a realização do prazer sexual: “ Para despertar facilmente sua sexualidade, as mulheres devem primeiro pesquisar as zonas eróticas de seu corpo, localizar o clitóris e o seu prepúcio, assim como o ponto G ( na parede anterior da vagina) [...]. É importante que a mulher conheça todas as suas zonas eróticas... e saiba até mesmo atingir seu orgasmo sozinha”. ( p. 63 ) O sexo e a sua resposta prazerosa desempenham um papel de grande significação da personalidade adulta. A sexualidade, nesta fase, caracteriza-se pela capacidade de consumação plena e mútua do ato sexual. O corpo, o toque, os sentimentos se complementam, se realizam e coroam o amor. O bom relacionamento entre os pares, o amor, são fatores primordiais para se chegar ao prazer sexual, declarou TURQUESA (28 anos). Relatou que quando se sentia amada, tinha muitos orgasmos e que atualmente já não os tem. Atribuiu o seu desprazer ao trauma que vivenciou ao ser abandonada pelo homem que amava quando ficou grávida. O amor representa a mutualidade dos integrantes de um casal em uma identidade compartilhada ( ERIKSON, 1972) e pode ser crucial para as mulheres sentirem prazer sexual mais intensamente. Considerando o orgasmo e o prazer sexual partes essenciais em sua vida, RUBI ( 52 anos ), declarou que são complementos para a realização e que “ amo fazer sexo de múltiplas maneiras... sinto muitos orgasmos e gosto de tê-los”. Porém, comentou que assim como TOPÁZIO ( 33 anos ), teve certas dificuldades em ter prazer após o parto. Para a primeira, a razão estava em “ eu devo ter ficado velha e chata e ele um bebê de bigodes”. Enquanto que, para TOPÁZIO, os motivos eram a depressão pós-parto, a insegurança e a sensação de perda. O orgasmo não é sempre igual, nem tem a mesma intensidade, ( VARGAS, 1996). A musculatura vaginal é extremamente importante, pois faz parte da resposta sexual nos estágios de excitação, platô e orgasmo. Com base na afirmativa acima e nos estudos feitos por GUYTON (1993), sobre o tempo necessário para a musculatura uterina e vaginal voltarem ao normal após o parto, acredito na possibilidade de a resposta orgástica ser diferente nas mulheres no período pós-parto, pois músculos fortes e responsivos são necessários para fazer a contração que leva ao orgasmo. AMETISTA (46 anos), relatou que só descobriu que era prazer sexual, as sensações que sentia, muito tempo após o casamento. Declarou que sente dificuldade para chegar ao orgasmo e que necessita de muita atenção e carinho. Para ela sentir ou não orgasmos não interfere no seu gosto pelas relações sexuais. No entanto, afirmou que o orgasmo é a “ realização da mulher... o orgasmo vem comprovar uma relação completa”. TOPÁZIO (33 anos), assim como AMETISTA (46 anos), sente necessidade de ser estimulada, acariciada e estar emocionalmente preparada para chegar ao orgasmo. Porém, difere da segunda, quanto a ter relações sexuais sem orgasmo. Relatou que acha-as frustrantes e que “ não finge” prazer quando não o sente. Declarou que o homem deve ser sensível para perceber quando “ algo não vai bem na cama”. Declarou que “ o prazer é uma coisa fantástica, o orgasmo... me acalma, me relaxa, me faz sentir amada”. Demonstrando dúvidas sobre o que é sentir ou não prazer, CRISTAL ( 23 anos), declarou que perdeu a capacidade de sentir prazer, por dois motivos: o primeiro, o fato de ter sido flagrada pela polícia quando trocava carícias, no carro, com o noivo e o segundo pela falta de diálogo franco com o marido sobre preferências, medos e indisposições. Confidenciou que finge ter prazer para não magoar o marido. A idéia de machucar o bebê, durante a gravidez, levou-a a sentir pavor das relações sexuais e raiva do marido sempre que era procurada: “ não sei se era normal na gravidez... se ele me encostasse, eu tinha vontade de pular, arranhar, arrancar o pescoço dele... ele era acostumado a qualquer hora e como desse... agora ele me respeita”. A história da vida de cada um faz com que determinantes como a educação, a repressão, o abuso, os tabus dificultem a comunicação afetiva entre os companheiros, dificultando a descoberta do que o próprio corpo está pedindo. A bagagem de experiências anteriores pode servir de base positiva ou negativa, dependendo da forma e da maneira como foram vivenciadas. O abuso de autoridade causou sérios problemas nos relacionamentos de CRISTAL (23 anos), que emocionada, relatou o fato dizendo que sofreu humilhações por parte da polícia e da sociedade, “ como se as pessoas fossem todas puritanas”. Declarou, chorando, que “ficou uma barreira, não consigo me soltar, tem que estar tudo a portas fechadas, no silêncio, eu mudei muito, fiquei mais fria, faço para agradar... não que eu esteja me sentido bem”. A participação do companheiro no exercício da descoberta do prazer é vislumbrada nos depoimentos de ESMERALDA (73 anos), DIAMANTE (53 anos) e SAFIRA (45 anos). ESMERALDA (73 anos), relatou que aprendeu com o marido a ter prazer sexual. Considerou seus orgasmos normais, não exagerados. Suas relações sexuais foram no escuro e com o corpo vestido, até bem pouco tempo. Hoje, vê o sexo, o prazer sexual, com naturalidade, inclusive como uma terapia que acalma e faz superar as dificuldades. Enfatizou declarando que: “ se a pessoa tá bem sexualmente... se estima, se ama, se perdoa, se aceita”. SAFIRA (45 anos), comentou que as primeiras relações sexuais foram muito dolorosas e que a dor superava o prazer. Atribuiu ao marido o prazer que sente atualmente. Relatou que ele, por ser mais velho e experiente, ensinou-a a descobrir os pontos de prazer através dos estímulos e carícias. Durante o período de gravidez não tinha prazer, sentindo-se abalada, deprimida, enciumada e logo que tinha os bebês, tudo voltava ao normal, com exceção do último parto, quando perdeu a filha. Sentia medo de engravidar, não confiava em contraceptivos, voltando a ter prazer somente após a laqueadura, “ voltei a relaxar e a ter relações normais, sentir prazer novamente... prá mim foi ótimo”. A adultez média caracteriza-se como núcleo da vida, o caráter das pessoas está definido, seus valores determinados, há firmeza de sentimentos, fidelidade e lealdade. Entretanto, esclarece MOSQUERA (1978), nessa idade também ocorrem os momentos de crise que se concretizam no declínio das forças, nas alterações hormonais, na perda da flexibilidade e da esbeltez, o que levam o indivíduo a adotar determinadas estratégias para o enfrentamento da realidade vivenciada em ambos os sexos. As mudanças na vida da mulher são mais tangíveis que na do homem. Ela passa por um período crítico e difícil no qual enfrenta transformações físicas e psicológicas decorrentes do climatério que poderão influenciar no seu prazer sexual. Preocupada com o futuro em relação ao prazer sexual, SAFIRA (45 anos), relatou que tem medo de não ter mais orgasmos após a menopausa e que essa idéia deixa-a inquieta e temerosa, pensando que o marido possa vir a procurar outra mulher. Tais sentimentos são reforçados pela nossa cultura através de atitudes que desmerecem os velhos e supervalorizam a vitalidade dos jovens. Estudos desenvolvidos por VARGAS (1996) demonstram que a sexualidade tende a desaparecer somente quando não estimulada e que mulheres bem estimuladas, que se sintam amadas, respeitadas e desejadas pelos seus companheiros chegam ao prazer sexual mais rapidamente que as jovens, porém com menor quantidade de líquidos ejaculatórios. A vida sexual ativa da mulher pode diminuir quando a unidade conjugal desaparece, o que prova que a freqüência sexual baixa é resultado do não estímulo sexual e não da idade, visto que muitas mulheres continuam tendo sonhos orgásticos. ( VARGAS, 1996) A fruição do prazer sexual feminino nas relações sexuais, em nossa cultura e sociedade, aparece muitas vezes, associado à manutenção ou à perda da virgindade. A questão virgindade sempre mostrou-se conflitante, pois não pode ser vista, analisada ou entendida sob o ângulo simplista e unilateral do certo ou errado, do bem ou do mal em ser virgem ou deixar de ser. Faz-se necessário que repensemos os valores, o equilíbrio entre o conservar e o inovar, com o objetivo de manter o desenvolvimento natural da maturação necessário para encontrar novos significados de vida. Tal questão foi tratada pelas entrevistadas de formas diversas, levando-se em conta o período das vivências, os costumes, os valores e o conhecimento sobre o assunto. Foi supervalorizada para algumas e encarada com naturalidade por outras. ESMERALDA (73 anos), GRANADA (60 anos), DIAMANTE (53 anos), RUBI (52 anos) e SAFIRA (45 anos), conservaram-se virgens até o casamento. Suas opiniões sobre virgindade e o fato de permanecerem virgem contudo, diferem. Para ESMERALDA (73 anos), manter relações sexuais antes do casamento, era pecado, era ir contra os princípios religiosos nos quais fora criada e educada. Relatou que apesar de ser assediada constantemente pelo namorado, permaneceu virgem até o casamento: “ eu casei virgem e as minhas irmãs também, porque rezava... naquela época era isso que valia: casar virgem!” A fé e a convicção religiosa na qual foi educada, faziam-na ver os relacionamentos com inocência e o respeito era tido como o mais importante: “achava que o amor era uma coisa linda, pura, não a pessoa querer sexo, aquilo prá mim era uma ofensa!” Confessou que casou virgem e inexperiente. Sorrindo, relatou: “ casei virgem mesmo e daí então ele tinha que me ensinar as malícias...” O medo de “ficar falada”ou então engravidar e ser abandonada pelo namorado foram os motivos que levaram GRANADA (60 anos) a manter-se virgem até o casamento. Observou-se a preocupação em provar a serenidade do seu relato quando declarou: “ eu... eu juro por tudo o que é mais sagrado que o único que tive relação foi com o meu marido, quando eu casei”. Frisou que, atualmente, a virgindade voltou a ser valorizada como resultado de retomada de valores morais. Atribuindo à sua formação rígida, o fato de ter casado virgem, DIAMANTE (53 anos) relatou que não permitia momentos de intimidade com o namorado. Em relação a permanecer ou não virgem até o casamento, disse que “ cada um deve fazer uso do seu corpo da maneira que lhe convier”. As limitações do conhecimento sobre o corpo, a falta de orientação, a preocupação constante dos pais em vigiar, têm deixado as jovens órfãs em relação à sua sexualidade e às decisões que são próprias de cada ser. A insegurança entre o desejo e o não fazer, a vontade e as proibições, produz-lhes uma grande dose de ansiedade. O depoimento de SAFIRA (45 anos) ilustrou tal afirmativa quando declarou que casou- se virgem não por opção própria e sim pelo resultado da vigilância a que era submetida constantemente. Relatou que sentia necessidade de um relacionamento mais íntimo e o fato de “ controlar todas as atitudes, todas as emoções, não podia demonstrar... então, eram pequenos gestos, uma pegadinha aqui, uma pegadinha ali, um beijinho roubado... não tinha jeito!”, deixaram-na frustrada. Confessou que a mãe era muito severa e a sociedade ditava as normas, prejudicando a liberdade dos indivíduos. Segundo SUPLICY (1994), a virgindade tem sua importância no processo cultural e psicológico. O hímen sempre foi valorizado nas diferentes culturas e não é percebido pela mulher como sua parte anatômica, como algo que lhe pertença e do qual dispõe como quiser, mas como parte que lhe confere prova de virtude e honestidade. Do ponto fisiológico, a virgindade não apresenta importância, visto que o hímen não possui nenhuma função fisiológica. simbolizadas concretamente pelo hímen. Contudo a inocência e a pureza da virgem são Conforme PARKER (1991, p. 83), a virgindade é vista como objeto de controle e reconhecimento social: “ O reconhecimento social da inocência de uma moça é assim ligado à condição do seu corpo - o fato de não ter tido contato sexual, atestado pelo hímen intacto. De acordo com os ditames da moralidade popular, é o hímen que a virgem deve conservar até o casamento”. O hímen, além de representar o indício de pureza, simboliza a honra da família. As especulações e a preocupação acerca da virgindade fundamentam-se no ato de evitar possíveis vergonhas à família. As moças eram educadas para não terem intimidades, declarou GRANADA (60 anos), do contrário ficariam “mal faladas”, podiam engravidar, serem abandonadas e consideradas mulheres de vida fácil. Relatou que nos anos 50, quando viveu os anos dourados de sua juventude, teve algumas amigas que passaram por essas situações e que “ os homens eram muito machistas e saíam dizendo que ela era mulher de todos”. Confessou que apesar do pai ser amigo dos filhos, era terrível em relação a casos amorosos que pudessem vir a acontecer com as filhas. Contou que sua irmã mais velha relacionou-se sexualmente com o companheiro quando solteira, resultando numa gravidez, motivo que levou o pai a expulsá-la de casa, não tendo mais voltado. Em relação ao acontecido, declarou: “ aquela que dava de virá a pá, virava mesmo e não tinha solução... virava porque queria”. É importante salientar que a masturbação, os jogos sexuais, a manipulação, não rompem o hímen e que a estimulação e o preparo para o ato sexual são de extrema importância. A importância em se focalizar o hímen quando se está tratando de virgindade fundamenta-se na afirmação de que a presença do hímen não documenta a virgindade. Tal afirmação baseia-se no fato de existirem diversos tipos de hímen e entre eles, o tipo complacente, que é elástico e não se rompe com relações sexuais. Ainda que raro, há mulheres que nascem desprovida de hímen, que, segundo SUPLICY (1994), não serve de evidência confiável para a comprovação da virgindade. Para COSTA (1986, p. 86), a mulher já disputa os mesmos direitos que os homens na sociedade, o que leva-a pensar mais em si, no seu destino, na opção pela vida amorosa antes ou após o casamento, apesar das restrições e preceitos morais e religiosos que ainda vigoram em nossa sociedade. Porém, o autor chama a atenção: “ Mesmo que a virgindade, como antigo tabu, já dê sinais de que sua manutenção se encontra em xeque e não esteja mais entre as virtudes mais valorizadas nos dias atuais, é importante que os adolescentes... reconheçam que a conservação ou manutenção da virgindade deve ser uma opção ou escolha pessoal. O importante é o direito a uma livre escolha”. Posicionando-se favorável à experiências sexuais antes do casamento, AMETISTA ( 46 anos), relatou que não casou virgem e que teve um único relacionamento com o noivo antes do casamento, o qual não gerou sentimento de culpa ou arrependimento algum. Para ela, “ a mulher é um ser livre para ir e vir” e os relacionamentos íntimos fazem parte da vida, são complementos do ato de existir. CRISTAL (23 anos) não casou virgem, apesar de ter relutado muito em ter um ato sexual com penetração antes do casamento. Relatou que “ tava a ponto de bala e eu barrei... ele me respeitou... na outra vez, eu mesma queria, até sem tomar comprimido”. Após o ocorrido, confessou que passou por momentos de angústia até vir a menstruação, preocupada com uma possível gravidez. O desejo de se envolver faz parte do desenvolvimento da vivência sexual. Porém, torna-se conflitante quando a ‘‘perda” da virgindade firma-se na insegurança, no medo, nos sentimentos de vergonha, no resultado de situações de rebeldia, na pressão exercida pelo companheiro, no medo de engravidar ou perder o namorado, ou ainda, no desejo de sentir-se aceita pelo grupo. Em contrapartida, o envolvimento somente poderá ser positivo quando o desejo de ser mulher for vivido como forma de integração e fortalecimento da vida, resultante da descoberta dos seus próprios potenciais sexuais e sensoriais. RODRIGUES (1993, p. 106), enfatiza: “ ... a ansiedade e a mistura de emoções confusas podem conduzir facilmente a uma primeira experiência desagradável. Esse fato irá influenciar toda a vida sexual posterior. [ ... ] os conflitos podem ser facilmente superados através do diálogo e da obtenção de informações. [ ... ] informado... escolherá o momento correto para si mesmo”. Atualmente discute-se virgindade face às transformações que vive a sociedade. A facilitação de contatos e intimidades cria um clima de desejo, fascínio e necessidade de transgredir, transpondo as barreiras da repressão, dos tabus e regras ditadas pela sociedade. RUBI (52 anos), pronunciou-se sobre o assunto de forma clara e objetiva. Defendeu a idéia de que “ a mulher deve ter relacionamentos íntimos antes do casamento”. Justificou dizendo: “... se o homem não precisa ir virgem para o casamento, por quê a mulher deve, se os nossos direitos são iguais?” Considerou a mulher um ser muito inteligente, que soube conquistar sua liberdade e que saberá o momento certo para relacionar-se com um parceiro. O importante é que a jovem conheça seu corpo e desenvolva pensamentos positivos acerca dele. Analise seus sentimentos, principalmente quando o sexo está envolvido num clima de proibição, valorização perante o grupo ou forma de obtenção de prestígio, para que não tome atitudes que venham desapontá-la ou frustrá-la no primeiro contato sexual. 2.3 - Menarca e Menopausa Para o meu último período menstrual. Bem garota, adeus, depois de trinta e oito anos. Trinta e oito anos e você nunca chegava. Esplêndida no seu vestido vermelho, sem perturbações para mim em algum lugar, de algum modo. Agora se acabou, e me sinto exatamente como as avós que, depois que a garota levada se foi, se sentam segurando a fotografia dela e suspiram, ela era tão bela! ela não era bela ? LUCILLE CLIFTON Ao nascer a menina já traz em seu corpo o equipamento de que precisará para um dia, quando mulher, chegar à reprodução. No interior do seu corpo encontram-se aninhados duas minúsculas glândulas sexuais, os ovários, nos quais estão armazenados os óvulos, células sexuais, que irá liberar ao longo de sua vida. Embora não haja unanimidade teórica quanto à quantidade de óvulos, sabe-se que a natureza, porém, é muito pródiga, permitindo que muitos deles amadureçam completamente, sendo liberados durante o ciclo menstrual ou sexual. Do nascimento à puberdade, a atividade hormonal feminina é tranqüila. Diferentemente, de organismo para organismo, entre as idades de dez a quatorze anos, o hormônio feminino estrógeno começa, sob o comando do cérebro, ser secretado em quantidades crescentes, na corrente sangüínea. Nesse período ocorre o desenvolvimento dos caracteres secundários: crescimento dos seios, pêlos pubianos e axilares, o útero, os ovários e a vagina amadurecem, as curvas do corpo se modelam e a mulher púbere tem sua primeira menstruação, biologicamente chamada de menarca. Segundo TRIEN (1994, p. 106), essa revolução hormonal é desencadeada pelo alarme biológico da menina que é determinado por alguns cientistas: “... alarme biológico é determinado pelo peso e pela composição da gordura da moça, que devem atingir um determinado nível crítico antes que o estrógeno possa ser liberado no seu organismo. Talvez esta seja a forma de a natureza se assegurar de que a moça tem suficientes calorias armazenadas no corpo para enfrentar as demandas da gravidez e da lactação”. As mulheres deste estudo tiveram suas menarcas em idades que variaram entre onze e dezesseis anos. GRANADA ( 60 anos), AMETISTA (46 anos) e TOPÁZIO (33 anos), menstruaram aos onze anos. Somente CRISTAL (23 anos), menstruou aos doze anos. RUBI (52 anos) e SAFIRA (45 anos), aos treze anos. TURQUESA (28 anos), teve sua menarca aos quatorze anos. ESMERALDA (73 anos) e DIAMANTE (53 anos), menstruaram aos dezesseis anos. A primeira menstruação é vivida com sentimentos ambivalentes, em que se misturam conformidade, medo, alegria e desespero pelo destino biológico, nas entrevistadas. Os sentimentos vivenciados pelas entrevistadas constituíram um fenômeno real do vivido e do significado. A menarca, o sangue aflorando, fez com que ESMERALDA (73 anos), ficasse assustada; GRANADA (60 anos), achasse que ia morrer; DIAMANTE (53 anos), recorresse a Deus; RUBI (52 anos), escondesse de todos; AMETISTA (46 anos), procurasse água como meio de livrar-se do acontecido; SAFIRA (45 anos), se sentisse mal, muito diferente. TOPÁZIO (33 anos), sentisse que já era moça, adulta; TURQUESA (28 anos), assumisse com naturalidade; CRISTAL (23 anos), sentisse desespero e vergonha. A adolescência envolve mudanças bio-psicossociais significativas através da interferência da sociedade e da cultura às quais pertencemos, além das transformações que passam a ser vivenciadas de forma intensa nos quais o nascimento do corpo novo supera o corpo de criança numa sucessão de eventos rápidos, desordenados e confusos em que os impulsos sexuais explodem como a força de um vulcão. Segundo GAUDERER (1996, p. 41): “ as sensações despertadas... são um misto de satisfação, pesar, curiosidade e até receio. [ ... ] se sente confuso perante o novo quadro que se delineia no seu próprio ser à sua revelia, sem muita ou quase nenhuma participação dele próprio”. A adolescência representa um período de perdas e modificações, de uma busca incansável por uma identidade pessoal própria. É uma época de incertezas, sofrimentos, dúvidas e ambivalências, dos desafios, do despertar das emoções, da procura pelo encontro, do ver-se mulher na primeira menstruação. Do ponto de vista biológico e com base no conceito explicitado por COUTINHO (1996, p. 83 ) : “ a menstruação é uma hemorragia uterina provocada pela expulsão do revestimento interno do útero, o endométrio, pela ação contrátil da musculatura uterina, o miométrio, sempre que uma ovulação não resulta em gravidez”. A primeira menstruação é vista como um marco na vida procriativa da mulher. Fato esse que, na maioria das vezes, gera a preocupação dos familiares em informar a adolescente sobre os cuidados que deve ter com o seu corpo, não com o objetivo de ajudá-la a viver esse momento, mas sim, como forma de evitar uma gravidez não planejada que viria contra os valores e princípios morais. Segundo LIDZ (1983), a adolescência é uma época em que a jovem tende a ganhar reconhecimento. É uma época onde a expansividade aflora nos movimentos, nos gestos e atitudes. É uma época de iniciar movimentos para amar abertamente, sentir-se estimulada, amada, vivenciando as fantasias que a levarão aos mistérios da sexualidade. Para a menina, a adolescência tem sua marca na menarca (primeira menstruação), momento esperado, almejado, às vezes temido, mas também vivenciado com muita significação. O desconhecimento da fisiologia feminina faz com que a adolescente, na maioria das vezes, não perceba a menstruação como resultado de um processo orgânico natural que ocorre no interior do seu corpo, levando-a a viver momentos de angústia, desconhecimento e medo. Reportando-me ao passado, vejo as lembranças aflorarem em minha mente. Minha menarca! Quanta emoção! Não havia completado um década de vida e já deixava de ser menina. Minha mãe... guardiã do meu segredo, levou-me ao médico e foi provedora de todos os cuidados que eu deveria ter, pois como dizia: “ porte-se bem, você é uma moça, não é mais criança!” Mesmo já tendo presenciado a menstruação nas irmãs, DIAMANTE (53 anos), sentiu medo. Quando contou para a irmã mais velha, disse: “ Meu Deus! Eu estou sangrando!” Então a irmã passou-lhe as informações sobre o que fazer, como proteger-se e acalmou-a dizendo: “ Isso é só quatro ou cinco dias e você vai ver que todos os meses vai acontecer”. Relatou que sentiu o corpo transformar-se, “ começou a aparecer os pelinhos e isso foi me deixando apreensiva... as mamas aparecendo... senti que estava ficando moça”. Declarou que após a menstruação ficou deslumbrada com o crescimento e as formas que seu corpo ia tomando, passando a ser ver “ bem linda, linda”. As transformações puberais e a aceitação das mudanças físicas dependem dos sentimentos vividos pela adolescente. O sentir-se mulher e o prazer em ser mulher serão pontos de partida na construção do seu eu. É nessa fase que ocorrem transformações significativas para a adolescente que são muito bem descritas por LIDZ (1983, p. 320): “As primeiras manifestações visíveis são a elevação da auréola que circunda o mamilo... o arredondamento dos quadris. [...] os seios também aumentam ... as pernas se alongam... as coxas se aproximam entre si... surgem os pêlos púbicos e axilares, desenvolvem-se os lábios e o clitóris... [ ... ] a menina começa a menstruar e se sente uma mulher”. GRANADA (60 anos) declarou que o que realmente a marcou foi a menarca. Estava com onze anos. Ficou apavorada, “achei que tava doente... achei que ia morrê”. Explicou que a mãe nunca havia falado no assunto e que na escola era proibido falar sobre qualquer assunto relacionado a sexo. Escandalizada, GRANADA relatou que correu se banhar e contou para uma amiga que lhe explicou que, para ela, já vinha a menstruação há algum tempo. Sentindo-se aliviada, foi então contar para a mãe que passou a lhe falar sobre os cuidados com o corpo e com a higiene pessoal. Confessou que a mãe não permitia que lavasse a cabeça, mas exigia que fizesse a higiene pela manhã, antes de ir à escola e à noite. Enfatizou que naquele tempo as mães não diziam nada, não ensinavam e quando ela se tornou mãe de adolescentes, comprou um livro para informar as filhas. Justificou o ato dizendo: “ então, se eu tinha vergonha de falá as coisas, aí no livro tava tudo declarado, com figura, tudo, tudo, sabe?” A importância de um conhecimento claro e preciso acerca da menstruação é demonstrado no relato de AMETISTA ( 46 anos ), que declarou ter menstruado muito cedo, aos onze anos. Explicou que não contou para ninguém e que não sabia o que era. Relatou que “ enchia a banheira de água e ficava lá dentro dela, me lavava, me lavava”, até descobrir sozinha que precisava usar “ forro”. Indignada ela contou que a tia “ viu que eu fiquei menstruada mas, mesmo assim não me falou nada”. Comentou que a tia era uma pessoa muito tímida, com sérias dificuldades de convivência, criada só com os irmãos e sem mãe. Relatou que as primeiras orientações foram dadas pela mãe por ocasião das férias. Atribuiu ao fato de estar com febre, menstruada e com doença infecto-contagiosa, o motivo da conversa que teve com a mãe que falou-lhe para não tomar banho e dos cuidados que deveria ter quando menstruada. Providenciou os “forrinhos”, falou da higiene e da individualidade de cada pessoa. Ela contou que a mãe fiscalizava as roupas íntimas e não permitia que as irmãs trocassem entre si roupas íntimas. A mãe ainda observava a higiene dos “ forrinhos”, os cuidados na lavanderia para que ninguém visse. Relatou que sente dificuldade em falar do assunto, até mesmo com amigas. Atribuiu a dificuldade à falta ou total ausência de informações sobre sexualidade na sua juventude. Quanto à sua menarca, ESMERALDA (73 anos), confessou que ficou muito assustada quando se viu sangrando. Tinha dezesseis anos, “ quase morri de susto quando menstruei”. Lembrou que passou algum tempo sem menstruar e a mãe levou-a ao médico. Disse que não se lembra para quem anunciou sua primeira menstruação, acredita que tenha sido para a irmã mais velha. Confessou que a mãe nunca falou sobre o assunto e o que sabia sobre menstruação aprendeu com uma amiga. Justificou dizendo: “ eu já sabia, mas foi um choque”. Defendeu a idéia de se ter uma orientação sexual nas escolas para preparar as meninas. Relatou que o cuidado com as toalhas higiênicas eram às escondidas para que ninguém percebesse, principalmente os homens. Comentou que, felizmente, os tempos mudaram e hoje já existem os absorventes. Concordo com COSTA (1986 ), quando diz que na nossa sociedade persistem muitos mitos e crenças que levam a mulher a ter seu período menstrual cercado de medos e transtornos, impedindo-a de ter uma vida plena. A menstruação, dessa forma, passa a ser vista mais como um problema, um desconforto, do que um fator biológico natural. Revivendo o passado e num momento de apreensão, SAFIRA (45 anos), relatou que sua menarca foi aos treze anos e quando viu-se menstruada ficou extremamente assustada. Confessou que “ eu sabia que ia menstruar... nem sei explicar direito o que senti naquele dia... me senti mal... me senti diferente”. Explicou que naquela época os cuidados eram exagerados, que a menstruação era um tabu e que ninguém podia ficar sabendo que estava menstruada. Contou que naquele dia não pôde participar da aula de educação física e que ficou constrangida em ter que contar para a professora que estava menstruada e por isso não poderia participar das aulas. A não participação nos exercícios físicos fazia parte do ritual dos tabus. Sua mãe foi a primeira a ficar sabendo do ocorrido e comunicou ao pai. A partir daquele momento, os cuidados com a então mocinha redobraram, pois a preocupação dos familiares era em relação à gravidez. Daquele momento em diante passou a sentir-se liberada para várias coisas, entre elas “ usar roupa de mocinha, ir a festas... usar batom”. Os cuidados, medos e tabus passados de geração em geração fundamentam-se em literaturas da época em que seus pais foram educados. Sobre a higiene e as atividades física, encontramos em KAHN ([19..] p. 101 ), cuja obra foi provavelmente publicada no início do século, a seguinte explicação: “ Durante as regras o líquido de irrigação será aquecido à temperatura do corpo para não agir sobre os órgãos genitais... Esse método não é aconselhável, à vista de ser justamente durante as regras muito maior o perigo de um resfriado...” Os exercícios físicos e sua influência no desenvolvimento são assim descritos por KAHN ([19..] p. 35): [ ... ] . As jovens de hoje, em sua concepção masculinizada do mundo, não podem conformar-se com perder uma hora de ginástica, um chá dançante ou um passeio de automóvel. Mas caro pagarão esses prazeres baratos. Nada prejudica tanto a frescura juvenil da mulher como a falta de repouso no tempo das três funções concepcionais: a regra mensal, que é o nascimento do ovo morto; o aborto... e o parto verdadeiro. Se a profissão da mulher não lhe permite repousar durante as regras, isso deve ser lamentado como causa irremediável. Mas, na ânsia de prazeres, sobrecarregar seu corpo durante a menstruação é irracional. Os mitos e tabus que cercam a menstruação vem de longa data. Segundo COUTINHO (1996), já no século II a.C., a menstruação era vista como um veneno fatal, cujo poder de destruição era capaz de matar insetos, plantas e o próprio homem, se este se relacionasse sexualmente com a mulher menstruada. Segundo RANKE (1996, p. 33), em seu livro “Eunucos pelo reino de Deus - mulheres, sexualidade e a Igreja católica”, Deus define a mulher menstruada “ como impura durante sete dias; e quem a tocar ou o que ela tiver tocado ou qualquer coisa tocada por alguém que ela tocou também ficará impuro”. CRISTAL ( 23 anos ), comentou que menstruou pela primeira vez aos doze anos, na escola durante a aula de educação física. Declarou que percebeu ao ir ao banheiro, “fui fazer xixi e olhei no fundo da calcinha... tinha sangue... me desesperei... eu sabia que ia acontecer, mas me desesperei porque tinha vergonha de contar. Aí peguei papel higiênico e me pus... fiquei quietinha, nem prá professora eu contei, prá ninguém”. Relatou que ao chegar em casa contou para a mãe e que esta não deu importância. O pai fez um comentário do tipo “ Ah! Agora temos uma mocinha em casa...” Mencionou o fato da mãe ter-lhe transmitido alguns tabus que a deixaram em conflito por longo tempo. Comentou que “ não podia lavar a cabeça, molhar os pés, se lavar com água fria... até hoje tenho medo de lavar a cabeça na água do chuveiro... dizem que fica louca”. No início menstruava muito, precisou ir ao médico e tomar medicamento. Lembrou ainda que usava “ paninho de casa, paninho velho”, que os lavava no banheiro e os colocava de molho com naturalidade. Quando começou a trabalhar, comprou seus primeiros absorventes. Embora reconhecendo que já estava mocinha, continuou brincando de boneca. Relatou seu sentimento em relação à menstruação dizendo: “... ficava mais chorosa... me retraía mais, sentia raiva de ter ficado mocinha”. A referência sobre a atitude do pai ao saber que a filha está menstruada, mostra que o sangue derramado no ciclo menstrual evidencia sua condição de mulher e o reconhecimento pelo homem de sua feminilidade e sua capacidade de reprodução. A menstruação não deve ser encarada como doença. Na verdade, ela é a conseqüência de uma gravidez que não ocorreu. Como salienta ARATANGY (1989, p. 40), “ pode parecer estranho, mas a menstruação é uma espécie de frustração do corpo, que, a cada mês, se prepara especificamente para gerar um novo ser”. O fato da mãe não se dar conta, ou não aceitar o desenvolvimento sexual de sua filha, tem a ver com o desafio de enfrentar a realidade existente, e já conhecida por ela, na tomada de atitude que a levará à desacomodação. TOPÁZIO ( 33 anos ), relatou sua menarca com entusiasmo. Contou que esperava ansiosa pela primeira menstruação e que essa aconteceu aos onze anos, o que deixou-a muito feliz. Confessou que “ não fiquei com vergonha, nem nojo... o meu corpo formou... o meu seio ficou bonitinho... usava sutiãzinho... ainda tava naquela mudança... achava que eu não era nem moça nem criança, tava num fase difícil de transição”. Comentou que quando se sentiu menstruada, primeiramente contou para a empregada, porque a mãe estava no trabalho. A sensação que teve foi: “... me senti mais adulta, eu achava que eu já era uma moça e era mais respeitada”. Enfatizou o fato de que contou para a mãe esperando mudança no comportamento desta, na forma de tratamento, porém a reação da mãe foi frustrante, pois nada mudou. Desabafou dizendo: “ Eles não mudaram, mas eu achava que eles tinham que mudar... eles continuaram me tratando como criança”. Para SILVA (1995, p. 57), os tabus, os preconceitos e as fantasias, que a cultura transmite às famílias, criam um clima de medo e constrangimento em tratar dos assuntos ligados à sexualidade: “ Vencer tal desafio exige da mãe e da família conhecimentos sobre a fisiologia do corpo feminino, coragem e desacomodação que, muitas vezes, é mais difícil do que ignorar que sua filha cresceu”. Ao referir-se à sua primeira menstruação, RUBI (52 anos), relatou ter tido sua menarca aos treze anos, não tendo ficado grandes lembranças. Disse que não a marcou em nada e que não contou a ninguém, fechando-se em silêncio. Para proteger-se utilizava-se de toalhinhas higiênicas que eram de uso da empregada, as quais lavava sem que ninguém percebesse. Para TURQUESA (28 anos), a menarca aconteceu aos quatorze anos e foi assumida com naturalidade. Conversava com as irmãs mais velhas sobre o assunto. Contou para a mãe e as irmãs que passaram a lhe ensinar como deveria proceder. Assumiu os cuidados com normalidade e naturalidade, incorporando-os na sua vivência. “... não podia mostrar prá ninguém, cuidar da roupa, não podia sair... não podia lavar o cabelo”. Atualmente vê na menstruação um grande incômodo, pois passa por momentos de tensão pré e pós menstrual. A menstruação que para algumas foi sonhada, é o marco para a possibilidade de entrar no mundo da reprodução, dos prazeres e desprazeres, do controle orgânico do seu ritmo biológico. Atualmente o fenômeno das menstruação, sua ação e importância no organismo feminino está sendo amplamente discutido. Segundo COUTINHO (1996), “ os argumentos utilizados por filósofos, médicos e biólogos para justificar a aceitação da menstruação baseiam-se principalmente na suposição falsa de que a menstruação é benéfica à saúde”. Contrário à maioria dos profissionais ginecologistas, COUTINHO (1996), defende a idéia de que os agravos na saúde da mulher são, na sua grande maioria, oriundos da menstruação, afetando a mulher física, psíquica e socialmente. Cita a síndrome pré-menstrual, representada por cólicas, enxaquecas, trombocitopenia menstrual (diminuição das plaquetas), insônia e hipersonia. A endometriose e os miomas também são citados, assim como a anemia, que acarretará a diminuição dos glóbulos vermelhos do sangue e, consequentemente, da hemoglobina, levando a mulher, nestas condições, a um menor aporte de oxigênio às células de todo o organismo e, em particular, ao cérebro e músculos, “ provocando... falta de memória, dificuldade de aprender, cansaço e fraqueza. Em virtude da sua indisposição... é frequentemente marginalizada na escola... ficando para trás social e profissionalmente”. (p. 132) Essas colocações são polêmicas e geram questionamentos e inquietações que requerem a realização de mais estudos para serem corroboradas. Quando se trata da menstruação, não se pode deixar de citar que “ os períodos mensais da mulher se baseiam num delicado sistema de realimentação” (TRIEN, 1994, p. 27), provocado por reações químicas. Estas começam no cérebro, mais precisamente numa glândula chamada Pituitária que assume o comando da reação liberando na corrente sangüínea o FSH ( hormônio estimulante do folículo) e o LH ( hormônio luteinizante), que vão agir diretamente nos ovários, onde farão com que o folículo ovariano amadureça e se desenvolva completamente, liberando o óvulo. Inicia-se a produção de dois outros hormônios, o estrógeno e a progesterona, preparando o organismo para uma possível gestação. Se não ocorrer a fertilização do óvulo pelo espermatozóide, as taxas dos dois últimos hormônios caem e o ciclo recomeça. Com o passar dos anos, a mulher passa a perder os passos na complicada dança dos hormônios, levando-a a ter seus ciclos mensais alterados, caracterizando o climatério. TRIEN (1994, p. 34), em seu tratado sobre a menopausa, relatou que não se sabe exatamente o que acontece no organismo feminino que desencadeia a disfunção. ... em algum lugar do delicado sistema de comunicação entre o hipotálamo, a pituitária e os ovários, há uma interrupção. Os sinais entre os mensageiros dos órgãos se tornam confusos e as glândulas, freneticamente, segregam hormônios em excesso ou insuficientemente, num esforço de pôr as coisas em ordem. [ ... ] Em conseqüência, as taxas de estrógeno e progesterona variam muito de mês a mês, causando irregularidades menstruais. Portanto, como vimos, a menopausa é o resultado final de um lento processo que começou há longo tempo no organismo, transformando a mulher fértil em mulher, somente mulher. A menopausa precisa ser situada na fase da vida adulta em que é comum a sua ocorrência. É na adultez média que ocorre a menopausa na maioria das mulheres. Porém, a idade da menopausa é um fato muito pessoal e cada mulher tem seu próprio prazo. Concordo com MOSQUERA (1978) quando coloca que a adultez média caracteriza-se pela firmeza de sentimentos, fidelidade e lealdade e que, apesar disso, também tem seus sentimentos de crise que se concretizam no declínio das forças, nas alterações hormonais, na perda da flexibilidade e da esbeltez, levando o ser humano a adotar estratégias para o melhor enfrentamento da realidade vivenciada. Das mulheres entrevistadas, duas já vivenciaram sua menopausa, três estavam no período pré-menopáusico e as demais ainda não se preocupavam com o fenômeno. ESMERALDA (73 anos), jovem fértil da década de 40, deparou-se com a menopausa após o nascimento do último filho, aos trinta e oito anos, no final dos anos 60 quando, segundo TRIEN (1994), os cientistas principiavam a decifrar a complexa dinâmica do ciclo menstrual. ESMERALDA lamentou o fato, sentia-se na exaustão, não compreendia o por quê de não menstruar mais, visto que ainda era jovem. Atribuiu a essa menopausa precoce os problemas de saúde que enfrentou. Relatou que sempre fez consultas periódicas em bons médicos e que, no entanto, “ senti aqueles calorões, calafrios... vivia em tratamento, podiam ter feito o tratamento prá voltar a menstruação e não fizeram, ninguém se interessou”. Considerou descaso médico e não falta de informação, todos os sintomas que passou. As mudanças na vida da mulher são mais tangíveis e as transformações físicas e psicológicas decorrente do lento processo de declínio hormonal, causam-lhe ansiedades e desconfortos que, em conjunto com as tensões emocionais vivenciadas ao longo de suas vidas, resultam numa reunião de sinais e sintomas, que erroneamente são vistos como doença. Tais transformações são decorrentes do intervalo de tempo entre o declínio da função ovariana até sua extinção, conhecida por climatério. WENDER (1986, p. 251), diz que o declínio da função ovariana traz consigo uma série de manifestações características desse período: “ [ ... ] o sintoma mais típico da mulher climatérica é o fogacho... Freqüentemente sentido desde a pré-menopausa. É descrito como uma onda de calor... acompanhada de sudorese, palpitações e/ou cefaléia. Dentre os sintomas psicológicos, são citados insônia, depressão, irritabilidade, ansiedade, labilidade emocional, diminuição da memória e perda de libido”. Para a maioria dos autores, entre eles TRIEN (1994), WENDER (1996), VARGAS (1996), o climatério é a fase de transição da vida reprodutiva de uma mulher para a não reprodutiva e a menopausa assinala o fim do estado procriativo. No entanto, faz-se necessário citar que estudos, já comprovaram, que o cessamento da menstruação nem sempre leva à esterilidade absoluta e que a gravidez ainda pode acontecer por um período de 18 a 20 meses de amenorréia. Os sintomas do climatério, assim como a menopausa, podem se apresentar de forma diferente em cada organismo. A menopausa para GRANADA (60 anos), aconteceu aos quarenta e três anos. Ela relatou que seu climatério foi caracterizado por períodos de dores de cabeça, manchas na pele e problemas visuais. Declarou que após a menopausa, tais sintomas se agravaram, causandolhe grande sofrimento. Fez reposição hormonal e interrompeu o tratamento, pois achava que estava indo “ contra a natureza do corpo”. Nas conversas com amigas, sobre o assunto, ouviu muitas opiniões: “ umas com depressão, outras muito melhor do que antes...” Concluiu que “ eu acho que cada corpo passa de uma forma. Um diferente do outro”. LOPES (1993), argumenta que a menopausa é um fato profundamente humano, único e personificado, cujas variações e matrizes influenciam radicalmente a personalidade de cada mulher. Portanto, não deve ser tratada como uma simples fase da vida biológica da mulher, tão comumente comentada como a transição entre menacme (fase procriativa) e senectude (velhice). Aceitando a menopausa com naturalidade, DIAMANTE (53 anos), relatou que ela ocorreu aos quarenta e sete anos, sem surpresas, pois foi amadurecendo com a idade e com a idéia de que este fenômeno faz parte da vida, “ não menstruar mais... prá mim foi natural”. Confessou que viu seu corpo se transformar, aumentou as medidas, os seios cresceram, a menstruação aumentou e depois diminui, viveu o climatério com naturalidade, sem achar que estava ficando velha. O significado do termo climatério e sua implicação na vida da mulher encontra-se bem explicitado na obra: “Menopausa - a grande transformação”, na qual TRIEN ( 1994, p. 14 ) explica: A palavra vem do grego KLIMAKTER e significa degrau de uma escada. Corresponde a um período crítico da vida quando algumas mudanças importantes acontecem. A imagem de subir a escada da vida e atingir novas alturas aplica-se à mulher no início de sua meia-idade. Em termos médicos, o climatério é definido como o período de transição entre a vida reprodutiva da mulher e o fim de sua fertilidade. Em certo período do climatério ocorre a interrupção total da menstruação. O fenômeno isolado que corresponde à última menstruação é o que recebe o nome de menopausa. Para WENDER (1996, p. 250), a menopausa é um fenômeno natural do organismo feminino, que ocorre como resultado da maturação do organismo. Menopausa é o último período menstrual identificado retrospectivamente- através da amenorréia. Ocorre em média aos cinqüenta anos independente da idade da menarca, história familiar, paridade ou uso de anovulatório. Divide o climatério em prémenopáusico e pós-menopáusico e pode ser classificado em menopausa natural ( de ocorrência espontânea) ou artificial (provocado por cirurgias, quimioterapia ou radioterapia) e menopausa precoce (antes dos 40 anos) ou tardia (após os 55 anos).. A menopausa artificial foi vivenciada por RUBI (53 anos), quando, por problemas de saúde, teve seu útero e ovários retirados através da histerectomia. Relatou que não sentiu falta da menstruação, mas, no entanto, sente-se diferente, e muito doente, “ com seqüelas que terei que conviver pelo resto da vida”. Experiência semelhante foi vivida por mim. Surgiu a doença e o sentimento de exaustão, de deixar de viver, de perder parte de mim: meu útero, ninho da vida. Veio a indagação: por quê eu? Não tive fuga e a histerectomia aconteceu. Meu Deus! Que sensação terrível! Deixar de menstruar, não poder mais ser mãe. Considerava-me tão jovem ainda. Estava no auge da minha vida de mulher. E as dúvidas, como ficaria minha vida sexual? E o meu prazer? Naquele momento meus conhecimentos de bióloga não me diferenciavam das mulheres que pouco ou nenhum conhecimento do corpo tinham. O conflito estava travado. A depressão surgia e eu não via solução. Afoguei-me no trabalho, tirava força de cada raio de luz que surgia no final do túnel, e venci. Esses efeitos depressivos, que causam grande suscetibilidade emocional e que inclusive afetam a auto-estima podem acompanhar as mudanças decorrentes da menopausa em algumas mulheres. Volto a afirmar que tais efeitos são temporários e normais e não são sinais de doença. AMETISTA ( 46 anos), declarou que não pensa no assunto e que vê a menopausa com naturalidade. Disse que está no período pré-menopáusico, pois já está tendo as primeiras modificações, mas isso não a preocupa porque acredita que a mulher que se mantém ativa, fazendo o que gosta, ocupando o tempo com coisas prazerosas, não terá problemas psicológicos e emocionais. Relatou: “ já tive meses que não veio... à vezes vem pouquinho, às vezes vem bastante... vejo que enquanto a gente está menstruada, o corpo da gente está em atividade constante, não tem grandes modificações... eu vejo com naturalidade”. DOWLING (1996, p. 41), argumenta que desde o início deste século, o tempo de vida dos seres humanos dobrou na fase adulta e, consequentemente, as mulheres têm pela frente mais tempo produtivo, o que requer um envolvimento maior, decisões a tomar, novas oportunidades. Isto requer das mulheres o preparo contínuo do corpo que, devido aos programas avançados da medicina, propiciam condições melhores de saúde e, em decorrência, mais energia para gozar essa fase tão importante da vida. [ ... ]. Talvez esta seja a primeira vez que as mulheres de nossa geração se sentiram verdadeiramente livres para realizar coisas, livres para optar pelo que é mais significativo para elas, livres para exercer poder. [ ... ] o desafio de nos reinventarmos na meia idade exige esforços. Precisamos reformular a nossa identidade enquanto pessoas cujo valor tem a ver com algo mais do que a habilidade de ter filhos. Vivenciando o climatério, SAFIRA (45 anos), comentou que está passando por um período em que a menstruação gera desconforto e sofrimento físico. “ Sinto muitas dores... fui ao médico... ele disse que é normal... problema hormonal... que não é hora de tomar medicamentos”. Ao falar sobre a menopausa, ela demonstrou preocupação com seu futuro sexual: “... tenho um pouco de receio... uma certa angústia com essa idade... é uma nova fase da minha vida. Até aqui eu tenho me sentido mulher normalmente... tenho medo que com a menopausa diminua esse desejo sexual... daí meu marido possa querer procurar outra... isso me assusta...” Demonstrou ainda preocupação em relação às transformações corporais, sente que “ o corpo vai envelhecendo, perdendo aquelas formas... está sendo mais difícil me aceitar”. Declarou que o marido vê as transformações com naturalidade, “ como coisa da idade”. O sentimento de velhice, inutilidade, feiura, devem ser revistos e analisados à luz das alterações hormonais. Tais alterações atingem justamente os aspectos que são socialmente mais valorizados. Pode ocorrer a flacidez muscular, afinamento da pele, aparecimento de rugas, lubrificação vaginal diminuída. Entretanto, como bem coloca TRIEN (1994), não há motivos para a mulher se tornar menos feminina ou menos atraente. Ao contrário, é o momento de sentir-se atraente, valorizada, ativa física e mentalmente, demonstrando uma auto-imagem positiva. Dessa maneira, as mulheres podem manter-se e sentir-se atraentes. A preocupação com o corpo, com a permanência de ser atraente e o medo do abandono, da traição podem estar presentes na maioria das mulheres menopausadas. Muitas vezes sentem-se emocionalmente depressivas, o que afeta suas vidas. A convivência com o companheiro poderá determinar uma vida mais saudável, mais humana, onde um bom entendimento sexual e a liberdade de dividir com ele os prazeres e desprazeres, fortalecerá a relação na meia-idade. DOWLING (1996, p. 121) vê, no eterno sentimento de juventude, o alicerce para as transformações: “ A idéia de juventude é equacionada à própria noção de sexo [ ... ]. A mulher que perde a juventude pode se sentir como se estivesse perdendo a feminilidade. [ ... ] muitas mulheres sentem vergonha em envelhecer. [ ... ] as mulheres que sempre foram amadas e desejadas sexualmente acham mais fácil aceitar a sexualidade quando a idade começa a cobrar o seu tributo físico”. Infelizmente nossa cultura valoriza especialmente alguns aspectos da juventude, não levando em conta o fenômeno natural do envelhecimento, que começa desde o dia em que nascemos, com o processo natural de desgaste de células e tecidos, até a morte. Não estamos falando de fragmentos de células ou de tecidos soltos no espaço. Estamos nos referindo a partes essenciais que estão em nossos ossos, músculos, pele, sangue: num corpo de mulher, processado por uma cabeça de mulher e que vai formar uma imagem de mulher, na qual a sensação de estar estéril ultrapassa os limites biológicos, estendendo-se para a vida como um todo. Para ARATANGY (1989), o que cada mulher sente nessa fase da vida é reflexo e continuação da trajetória que vem sendo percorrida em todos os setores de sua vida. Em relação à menopausa, TOPÁZIO (33 anos), relatou que a vê “ como uma fase difícil da vida da mulher em que ela vai murchando... é um período difícil da vida da mulher”. Comentou que não se encontra preparada para enfrentá-la, mas reconheceu que a menstruação para ela “ significa muito problema... sinto dores, é uma coisa indesejada”. TURQUESA (28 anos) e CRISTAL (23 anos), declararam que ainda não se envolveram com esse assunto. Para elas, a menopausa faz parte de uma outra parte da vida e como tal não deve preocupá-las neste momento. A qualidade de vida, da resposta sexual, dependem da convivência da mulher com ela mesma, com o parceiro, com os filhos e as filhas e com a sociedade. Neste contexto, portanto, a menopausa não pode ser responsabilizada pela decadência feminina, pela sua dessexualização e pelo sentimento de inutilidade. Deve sim, ser vista como um fenômeno que marca o final de uma vida reprodutiva e o início de uma nova vida. Refletindo sobre minhas experiências, vejo em mim uma mulher que descobriu a forma de aceitar a dor da perda e reconhecer as delícias de ser mulher com mais de quarenta anos, escolhida nas encruzilhadas da vida para ter uma menopausa provocada, onde o sonho pelo corpo escultural foi substituído pelo corpo feminino e o respeito crescente pelos valores da capacidade de amar e de se relacionar. Descobri, a duras penas, que a menopausa, tida como uma ameaça à vida da mulher, não é sinônimo de declínio, mas sim de plenitude. Descobri ainda que é maravilhoso ser mulher... 2.4 - Maternidade e contracepção Meu filho, iniciemos já nosso diálogo. Tua vida está suspensa em mim, inédita seiva nos percorre. Não sou apenas um, mas dois em ti - um sangue de esperança nos inunda. A mesma carne, a que darás outra existência é veia que nos une, e o mesmo espírito onde paira a ânsia de verdade. LUPE COTRIN No relato das entrevistadas, apareceram diferentes posicionamentos acerca das percepções e dos sentimentos vivenciados na maternidade. ESMERALDA (73 anos), limitou-se a relatar que quando se tem um filho, “ a renúncia passa a ser o que conta”. Para GRANADA (60 anos), a gravidez nunca foi motivo de alegria. DIAMANTE (53 anos), relatou que nunca pôde ter filhos. Insegurança, pavor e medo foram sentimentos vivenciados por RUBI (52 anos), que engravidou aos trinta e nove anos. AMETISTA (46 anos), vivenciou a maternidade com naturalidade. SAFIRA (45 anos), sente-se realizada em ser mãe. Os sentimentos de fascinação, paixão e realização, foram experimentados por TOPÁZIO (33 anos). TURQUESA (28 anos), mulher solteira que viu seu mundo ruir quando soube que estava grávida. CRISTAL (23 anos), ficou abalada, carente e, emocionalmente, muito sensível. Ao mesmo tempo em que a gravidez pode produzir alegria, as mulheres podem ter reações variadas, num misto de tristeza e encantamento. A preocupação com o novo ser, com as mudanças físicas, com o prazer, com a responsabilidade, provocam ansiedade e alterações no modo de vida de cada uma. A gravidez não planejada, muitas vezes, causa sofrimento para a mulher, principalmente quando a mulher é solteira e sente-se abandonada. Se não aborta e nem casa, a mãe solteira poderá ter de enfrentar o preconceito que ainda existe em relação à geração de filhos/as que não são legitimados pelo casamento. As mulheres que não podem ter filhos e que não vivem a experiência da maternidade, muitas vezes experimentam sentimentos de vazio que só é preenchido pelo amor próprio e pelo amor do seu companheiro. DIAMANTE ( 53 anos), relatou que mesmo não tendo tido a oportunidade de ter filhos, vê na maternidade a realização da mulher. Disse que a mulher se fortalece quando pode dizer “ aquele saiu de mim, é um pedaço de mim”. Confessou que procurou todos os meios para ser mãe, mas nada conseguiu. Emocionada, falou que já desejou muito adotar um filho, mas o marido nunca aceitou, justificando que quando se casaram já sabia, pelos exames pré-nupciais, que ela não poderia ter filhos e que havia se casado com ela “ para ter uma companheira e não uma criadeira”. Emocionada, confessou: “ não me sinto frustrada e não adotei filhos porque meu marido não aceitou”. Comentou que as pessoas do seu convívio costumam dizer: “ vocês é que são felizes porque não tão aí perdendo sono por causa de filho que não aparece em casa, que não fazem o que o pai pede, o que a mãe pede”. Para DOMAR e DREHER (1997, p. 282), os efeitos da infertilidade sobre os casais é impressionante e surpreendente, onde uns aceitam com naturalidade e outros fingem aceitar: “ Para os homens é difícil compreender o sofrimento das mulheres provocado pela infertilidade - os procedimentos médicos... os sentimentos... Também é difícil para as mulheres compreenderem o sofrimento de seus companheiros... é difícil para ambos suportar os efeitos da infertilidade na vida sexual, na vida social e na capacidade de desfrutar prazeres simples em conjunto”. A sensação de culpa, a incompreensão da família, o medo do futuro, o fechamento das possibilidades de sucesso e de felicidade, entre outras considerações, fazem com que a mãe solteira passe a ver a vida de forma sombria, causando-lhe sofrimentos. Esses sentimentos foram vivenciados por uma das entrevistadas, TURQUESA (28 anos), que, como mãe solteira, viu na maternidade o sinônimo da discriminação e do abandono. Confessou que ao ver uma garota grávida, só consegue expressar sentimentos de compaixão. Relatou que sentiu “ pavor, foi pavoroso, não dá nem prá explicar” ao saber que estava grávida e solteira. Para a jovem, a condição de mãe solteira traz uma série de limitações. Suas amigas, que até então incentivavam sua vida sexual ativa, se afastaram, já que suas mães não as queriam em “ más companhias”. A perspectiva de um casamento se esvazia na presença de um filho, os familiares a discriminam. Então, sem apoio familiar, com grau de profissionalização, às vezes, quase nulo, ela passa por dificuldades em prover sua subsistência e a de seu filho/a. Felicidade e curiosidade foram sentimentos vivenciados por TOPÁZIO (33 anos), nas gestações. Achava-se linda e adorava analisar o crescimento e as transformações que ocorriam em seu corpo. Relembrou as gestações dizendo que as duas primeiras foram acompanhadas de momentos de enjôo e queda de pressão, mas que sempre usufruiu de acompanhamento médico. Já na terceira, houve complicações devido a uma doença infecto-contagiosa que poderia deixar seqüelas no bebê. Aliviada, comentou que optou por não fazer aborto e que a filha nasceu apenas com um pequeno problema físico. Segundo GUYTON (1988), a presença de um feto em crescimento no útero, significa para a mãe uma carga fisiológica extra, e grande parte da resposta materna à gravidez deve-se a esse aumento de carga. Primeiro, modificações ocorrem em seus órgãos reprodutivos e em suas mamas para assegurar o desenvolvimento do feto e a nutrição da criança após o nascimento. Segundo, todas as funções metabólicas ficam aumentadas para suprir nutrição suficiente para o feto em crescimento. Terceiro, a enorme produção de determinados hormônios pela placenta, durante a gravidez, produz certos efeitos colaterais não diretamente relacionados com a reprodução. ( p. 521) Quanto aos relacionamentos sexuais durante a gestação, TOPÁZIO (33 anos ), relatou que eram normais e que mantinha relações até o último mês. Comentou que os períodos pós-partos foram períodos terríveis, sentia-se insegura, depressiva e convivia com a sensação de perda: “ sempre aquele sentimento, aquele medo de perder, eu até não dormia... eu ficava assim e as criança não davam problemas, eram crianças sadias, normais, mas eu tinha muito medo, era muito insegura”. Por imposição da família, costumava fazer dieta rigorosa: “ não lavava o cabelo... mantinha dieta na alimentação... não mantinha relações sexuais...” Justificou-se dizendo: “... é um período em que o corpo está voltando ao normal”. Após o resguardo, sua vida voltava ao normal. O cuidado com o corpo, o resguardo, os cuidados com a higiene, com a alimentação e a abstinência sexual, no puerpério, foram relatados por todas as entrevistadas que tiveram filhos, desde as que os tiveram na década de 50 até a década de 90. A necessidade do resguardo é citada por diversos autores, de épocas diferentes, embora não haja unanimidade quanto ao número de dias. Para KAHN ([19..] p. 87), apesar dos grandes progressos em obstetrícia, foi uma “conduta errônea”, diminuir os dias em que a mulher deveria ficar em repouso. Segundo ele, renomado autor científico da década de 40: O corpo humano não é nenhuma máquina... o parto não é somente uma façanha técnica do corpo, mas também um fenômeno biológico... O útero requer três semanas para regredir...; os ovários... ; as glândulas mamárias...; os músculos abdominais... devem recobrar a rigidez primitiva; coração e vasos tem que reestabelecer-se...; o tubo elástico da vagina... deve reduzir-se ao calibre de um dedo... a alma feminina... O puerpério deve durar duas semanas... a mulher só se levanta no 13º ou 14º dia. [ ... ] as relações sexuais... não devem ter início antes da quarta semana após o parto... A involução do útero e a recomposição do corpo materno, segundo GUYTON (1993, p. 534), leva de quatro a cinco semanas após o parto: “ No início da involução uterina, o local placentário na superfície endometrial sofre autólise, causando o corrimento vaginal conhecido como loquia, inicialmente sanguinolento e depois seroso... Após esse período, a superfície endometrial terá se tornado repitelizada e pronta novamente para a vida sexual não-grávida”. O cessamento das secreções sanguinolentas e a volta à normalidade dos órgãos reprodutores também são critérios indicados por SUPLICY (1994, p. 172), como ponto de partida para o início das relações sexuais pós-parto: “ Depois que o bebê nasce é aconselhável de quatro a seis semanas... para reassumir a relação sexual. Isto não quer dizer que outro tipo de contato sexual não seja permitido”. As reações físicas e emocionais do pós-parto, também chamado de puerpério, podem prolongar-se de seis semanas a seis meses. Neste período, cuidados com a alimentação adequada e a pausa sexual num período de quarenta dias após o parto, é fundamental para garantir a recuperação da mãe, afirma a ginecologista Iara LINHARES (apud, RIBEIRO, 1996) Observou-se dessa maneira que o saber popular em relação à abstinência sexual e o cuidado com a alimentação no puerpério, coincide com o que é colocado pelo conhecimento científico. Ao contrário, em relação a “lavar a cabeça”, “ficar louca”, não há evidências para sua veracidade científica, ficando, portanto, como um mito cultuado através das gerações. A visão da maternidade como dom divino foi relatada por ESMERALDA (73 anos), que via o sofrimento da gestação e a dor do parto necessários à realização da mulher. Para ela o ato da procriação é um ato divino, uma bênção de Deus, “ ser mulher, ser mãe, é uma coisa linda! É uma graça especial que Deus dá às mulheres... É um pedacinho de Deus”. A entrevistada teve uma formação religiosa rigorosa e só abandonou a idéia de ser freira quando um padre lhe disse que o mundo estava “precisando mais de boas mães do que o convento de freiras”. Sua conduta no puerpério baseava-se nas suas crenças religiosas judaico-cristãs e não nos conhecimentos da medicina: fazia resguardo de quarenta dias com abstinência sexual, além dos cuidados com a alimentação e a higiene. Para ela, o período pós-parto era para ser vivido para o filho e para a oração; relacionar-se sexualmente era considerado um grande pecado. Confessou que sentia-se muito deprimida e que atribuía ao marido todo o sofrimento. Passou por período em que a insegurança em relação ao filho recém-nascido, deixava-a desesperada. Biologicamente, a depressão pode ser desencadeada pela queda rápida do hormônio feminino estrógeno, associada à pré-disposição genética e à qualidade de vida. A ausência de informações coerentes acerca do corpo e de suas transformações pode fazer com que algumas mulheres adquiram e transmitam conhecimentos confusos e preconceituosos que provocaram o surgimento de bloqueios emocionais que estes, às vezes, levam as mulheres a viver períodos de depressão pós-parto e a encararem o exercício da sexualidade, nesta fase, como ato negativo e pecaminoso. O psiquiatra Antônio H. G. VIEIRA FILHO (Apud, RIBEIRO, 1996), explica que algumas mulheres sofrem alterações psicológicas depois do parto, tais como: tristeza, choro, dor de cabeça, sono excessivo e cansaço. Se tais alterações persistiream por mais de quatorze dias, poderá resultar em depressão pós-parto que se caracteriza “pela irritação, diminuição do apetite sexual e insegurança em relação ao bebê”. (p. 123) GRANADA (60 anos), falou da maternidade sem demonstrar emoção, dizendo: “ ah! eu me senti triste”, longe da família, morando no interior. Contou que chegou a ficar desesperada e que sentia muito medo. Relatou que no prazo de quatro anos teve três filhos, motivo pelo qual voltou para perto do pai. O marido continuava viajando, permanecendo longos períodos longe da família, então o pai passou a sustentá-la e aos netos. Afirmou que nunca parou de trabalhar, mas as crianças eram pequenas e isso trazia dificuldades. Lembrou da última gestação, na qual disse ter sofrido muito. Foi parto por fórceps e ela ficou várias horas desacordada. O marido nunca esteve presente por ocasião dos partos. Ela sempre estava acompanhada pelo pai. O último parto deixou seqüelas por vários anos. Teve dificuldade na cicatrização das incisões, o que deixou-a muito sensível nas primeiras relações sexuais após o parto. A presença do companheiro, o apoio, o sentir-se amada, são fatores importantes no transcorrer da gestação e no parto. O parto normal constitui-se num fenômeno amedrontador para a maioria das mulheres, em virtude de elas, muitas vezes, não saberem exatamente como ele irá transcorrer. Quando aparecem dificuldades e há necessidade de serem usados mecanismos mais agressivos, podem surgir conflitos e problemas para as mulheres. Sobre a maternidade, AMETISTA (46 anos), admitiu ter ocorrido casualmente, sem planejamento. Era casada há dois anos quando teve sua primeira gestação. Era uma pessoa muito ocupada, ainda estudante, diretora de escola e responsável pelo lar, o que levou-a a não ter tempo de pensar na gestação. Quando o filho nasceu, ficou aos cuidados de uma de suas irmãs e de empregadas. Passou por sérias dificuldades, mas nada que a tivesse marcado. A filha nasceu quando o menino tinha seis anos. Ametista colocou que não sentiu diferenças após o parto. Suas gestações foram boas e os partos normais. Disse que era costume na família passar por um período de resguardo de quarenta dias após os partos. Quanto às relações sexuais, só voltavam a acontecer após exame médico e reinício da pílula. Relatou que a dedicação aos filhos, durante o pouco tempo livre que tinha, ocasionou transtornos conjugais, pois o marido queria “ todas as atenções para ele”. O problema de conciliar a esfera conjugal familiar e a esfera profissional demonstrou que a ordem de prioridades pode influenciar negativamente nos convívios. O valor atribuído aos filhos ocasiona sentimentos de ciúmes, de desamparo e abandono no companheiro, que até então, era o único. Com a maternidade, muitas vezes, o casamento só se torna viável se ancorado num novo padrão de conjugalidade. SAFIRA (45 anos), demonstrando muita emoção, relatou que sente-se realizada em ser mãe. Confessou que “ foi a coisa mais bonita da minha vida... eu ando... eu respiro... eu vivo... porque tenho dois filhos prá pensar neles”. Relatou que muitas vezes o marido demonstrou ciúmes em relação aos filhos, mas isso não a preocupa. Considerou-se “ supermãe”, sempre pronta a ajudar os filhos, solucionar problemas que possam vir a perturbá-los. Justificou dizendo “ se eu pudesse evitar... qualquer coisa que perturbasse a vida deles, eu evitaria tudo. Se eu pudesse passar tudo no lugar deles, eu passaria”. Quando indagada sobre ser mãe, altivamente respondeu: “ eu sou super-mãe”. Ao discorrer sobre suas gestações, SAFIRA comentou que teve sérios problemas físicos, passando por períodos de muito enjôo, o que mostra que depois da gravidez e do esforço do parto, algumas mulheres podem viver um processo de adaptação que inclui dificuldades psicológicas e desconfortos físicos. Saber identificá-los ajuda a lidar com eles. SAFIRA (45 anos), foi hospitalizada por várias vezes, pois sentia-se muito doente, muito deprimida e abatida. Comentou que se sentia feia, preocupada com o corpo. Seu relacionamento sexual ficava muito abalado e ela sentia muito ciúme do marido. Relatou que passou por quatro gestações e em todas teve sérios problemas de saúde, do enjôo à hipertensão. Relatou que teve um aborto espontâneo. Confessou que a quarta gestação deixou marcas profundas “ ... eu queria o filho e o medo de perder... os médicos queriam que eu abortasse... eu estava correndo risco de vida... eu não quis... eu me apeguei ainda mais a essa filha... eu não queria perder de jeito nenhum... eu lutei com todas as forças... foi uma gravidez bem sofrida emocionalmente... ela nasceu... e morreu”. Ela demonstrou grande tristeza ao relatar suas gestações, mas confessou que “ eu me senti feliz... eu queria ter esses filhos... eu não tive nenhum filho por acaso, todos eles foram porque eu realmente queria”. Para a mulher, o período de gestação é muito especial. Pode acarretar problemas emocionais e a demonstração de amor, carinho e compreensão, por parte das pessoas que convivem com ela são muito importantes. Às vezes, principalmente no início da gravidez, ela pode sentir-se muito sensível, reagindo com choro e sentimentos de inferioridade e insegurança. Também a ocorrência de enjôos e vômitos que são atribuídas às modificações hormonais podem ser muito desgastantes. As mulheres que têm abortos espontâneos e gestações complicadas que podem resultar num feto natimorto, sofrem e vivenciam momentos de angústia, medo e tristeza e, se os outros não validarem seus sentimentos, estes poderão expressar-se durante toda a vida. Segundo DOMAR e DREHER (1997), a maioria das mulheres se beneficia ao dividir sua dor, pelo menos ocasionalmente, com os familiares, em especial o marido e amigos específicos. Poucas de nós podem sofrer as perdas sozinhas. Precisamos de amigos e de pessoas queridas para aliviar a dor do isolamento... Não estou sugerindo que as mulheres que passam por abortos espontâneos nunca devam sofrer sozinhas. Mas o processo de sentir a perda do bebê não é diferente do processo de sofrer qualquer outra perda - tem seu próprio ritmo, que varia entre sofrer sozinha e procurar apoio. ( p. 306) CRISTAL (23 anos) confessou que ao receber o resultado positivo de uma gravidez não planejada, sentiu um misto de felicidade e infelicidade. O marido sempre quis ter filhos e ficou feliz, chorou de alegria, enquanto que ela não sabia como agir, pois sonhava em engravidar quando estivesse morando em sua própria casa. Desabafou dizendo: “... agora que ele está aqui, que seja bem vindo e não vejo a hora que ele nasça”. A gravidez deixou-a muito abalada, carente, sensível e depressiva. Seu relacionamento sexual sofreu mudanças em função de ter sentido, no início, muito medo de machucar o bebê. Confessou que com o passar dos meses seus medos, indisposições, dores e frigidez foram substituídos por momentos de carinho e amor, mas a preocupação com o parto e o bebê continuaram. É comum sentir-se medo quando se aguarda a chegada de um bebê, porém é importante que ocorra o preparo e a aceitação para que o parto e a relação mãe/filho sejam saudáveis. Tempo de maturidade, de plenitude sexual, de sucesso profissional... trinta e nove anos, início de uma idade rica em aventuras, a idade da loba. Nesse enredo, RUBI (52 anos) experimentou as dores e as delícias da maternidade. Relatou que ficou muito assustada ao saber que estava grávida. Passou pela indecisão entre abortar e preservar o futuro bebê que ali estava. Confessou que o marido nunca havia aceitado filhos e que sempre a induzia ao aborto. No entanto, após analisar a situação, fez a opção que sempre quis fazer: Levou a gestação ao término. Confessou que “ Deus é tão bom que perdoa os ignorantes e hoje tudo na minha vida é minha filha”. Em relação ao aborto, afirmou que já havia passado pela situação em outra época. Para ela, faz aborto “ quem precisa”. A mudança nos hábitos, a perda da liberdade, o comprometimento com as mamadas e fraldas foram motivos de grande sofrimento, segundo relatou RUBI (52 anos). O relacionamento conjugal ficou abalado, pois ela passou a agir como “dona da situação” e o marido, por sua vez, demonstrava insegurança, exigia atenção constante, demonstrando ciúmes da recém-nascida. Ilustra dizendo: “ eu devo ter ficado uma velha chata e ele um bebê de bigodes”. Sorrindo, confessou que tudo “ valeu a pena” e que “ hoje eu amo de paixão só de lembrar aquele período”. Quanto à possibilidade de ter outros filhos, RUBI mostrou-se irredutível: “ essa será a única”. A gravidez após os trinta e seis anos, que até pouco tempo atrás era vista como fator de risco para a mulher e para o bebê, hoje está sendo vivenciada com mais naturalidade e menos preocupação. Porém, para alguns obstetras atuais, a idade da gestação ainda é motivo de preocupação. SKLOVSKY (1996, p. 189 - 191), afirma que a obstetrícia moderna preocupa-se muito com a saúde da gestante e do recém-nascido. Considera gestação de alto risco: “ ... aquela na qual a mãe e o feto têm uma maior chance de morte ou morbidade, quando comparada com gestações normais... a idade materna menor de dezesseis anos ou maior que trinta e cinco anos é fator de risco gestacional”. O profissional de saúde deve estar atento, pois, muitas vezes, fatores de risco para algumas podem não ser para outras. Cada caso deve ser avaliado levando-se em consideração as características individuais da gestante, bem como seu macro e micro ambientes, afirma SKLOVSKY (1996). Ao ouvir os relatos sobre maternidade, algumas entrevistadas falaram no aborto, nos sentimentos experienciados particularmente na dor vivenciada ao ter que fazê-lo, na sua aceitabilidade e sua rejeição. A questão do aborto é uma das mais complexas e discutidas na sociedade brasileira. De método anticoncepcional amplamente difundido no passado, tornouse proibido e criminoso. A condenação do aborto vem de longa data. Não é somente um problema para a sociedade, ele toca profundamente as pessoas envolvidas. Mesmo acreditando que existam casos em que o aborto se faz necessário, CRISTAL (23 anos), posicionou-se contrária, “ não faria e não apóio quem faz”. Enfatizou que a mulher deve pensar também no ser que está se projetando, que está sendo gerado e nos sentimentos que ele tem, os quais devem ser respeitados. Afirmou que é favorável ao uso de contraceptivos e não do aborto. Para alguns autores, do ponto de vista biológico, não há concordância quanto ao momento em que a vida inicia. Segundo JACOB ( apud SUPLICY, 1994, p. 195), “Um espermatozóide isolado ou um óvulo não está menos ‘vivo’ que um ovo fecundado. Entre o ovo e o recém-nascido que dele surgirá não há um momento privilegiado nem etapas decisivas conferindo de repende a dignidade de pessoa humana”. Neste mesmo sentido, COSTA (1986, p. 136) argumenta: O espermatozóide, entre um dos milhões que disputarão a primazia de juntar-se ao óvulo feminino, carrega sua parte de vida. Porém ninguém questiona seriamente, filosoficamente, a vida de cada espermatozóide ou de cada óvulo que, mensalmente, é expulso em cada menstruação. [ ... ] tudo é vida e ela não deixa de existir; transforma-se constantemente [... ] Tudo é vida, não há começo, não há fim. RUBI (52 anos), posicionou-se a favor do aborto. Justificou-se explicando que só deve ser usado por quem precisa e desde que não cause problemas para a mulher, e que esta “ esteja confiante e consciente de que é isso que ela quer e precisa no momento de sua vida... faz aborto quem precisa e quando precisa”. De forma semelhante, TOPÁZIO (33 anos), considera que cada caso é um caso e que cada pessoa tem suas razões para praticá-lo ou não. Enfatizou, no entanto, que “ eu sou contra o aborto... eu não faria aborto”. A aceitação ou não do aborto depende dos companheiros mas, principalmente, da mulher que se sente marginalizada e insegura. Cada um tem o direito de pensar e agir à sua maneira, desde que não interfira na vida do outro. Segundo ROCHA, OPPER MANN-LISBOA e GIUGLIANI (1996, p. 176), “ todo nascimento deveria ser desejado e toda criança deveria ser bem-vinda, amada e nutrida...”. Porém, nem sempre essa é a realidade e a mulher se vê obrigada a realizar o aborto. No Brasil a prática clandestina do aborto, considerada ilegal, provoca a morte de muitas mulheres: De acordo com uma estimativa feita pela Organização Mundial da Saúde, os abortos foram a principal causa da mortalidade materna no Brasil... para isto contribui o fato do aborto ser ilegal em nosso país, e praticada, na maioria das vezes, na clandestinidade, em condições totalmente inapropriadas. [ ... ] Aproximadamente 10% do total mundial... ocorre no Brasil, o que lhe confere o título de campeão mundial de abortos em proporção ao tamanho da população”. (idem) AMETISTA ( 46 anos), defendeu a idéia de que o aborto é prejudicial à mulher pois, além de afetá-la psicologicamente ao deixar marcas profundas, também a agride fisicamente. Valoriza a educação que esclarece sobre o uso e as vantagens dos contraceptivos e representa uma forma de conscientização. A mulher que souber evitar uma gravidez não precisará sofrer a agressão do aborto, muitas vezes praticado e efetuado por pessoas sem nenhum escrúpulo ou sentimento em relação à vida daquela mulher que ali se expõe. O aspecto emocional e ético deve ser visto e tratado com liberdade e segurança. Concordo com SUPLICY (1994) quando ela assinala que a escola, assim como a família tem um papel muito importante na conscientização do indivíduo sobre o uso do seu corpo. Discutir a sexualidade, o direito ao controle da natalidade, o uso de contraceptivo, os direitos trabalhistas, além do desenvolvimento de uma política de saúde que assista e oriente a mulher, oferecendo-lhe condições de escolha para a vida sexual, são medidas necessárias e urgentes para que a mulher possa viver sua sexualidade de modo pleno, diminuindo sensivelmente as dramáticas conseqüências da falta de informações e opções. SKLOVSKY (1996, p. 194) explica que a prevenção da gravidez não planejada só ocorrerá quando se “investir intensamente na educação sexual nas famílias e na escola, além de garantir o acesso a métodos anticoncepcionais eficazes para todas as mulheres que desejarem. Desta maneira elas poderão engravidar no momento que considerarem mais adequado”. Sentimentos de dor e sofrimento foram vivenciados por ESMERALDA (73 anos) e SAFIRA (45 anos), quando espontaneamente tiveram filhos abortados. Emocionada, SAFIRA declarou “ se eu tivesse que morrer, eu morreria no ato do aborto provocado... eu não aprovo o aborto”. Para ESMERALDA o “ aborto é sofrimento”. A ilegalidade do aborto tem conotação de clandestinidade e crime, o que dificulta a prestação de serviço especializado, de assistência clínica e psicológica às mulheres e a possibilidade de se pensar e discutir sobre o tema, sobre os sentimentos que desperta ou, ainda, se é a única ou melhor opção. Isto faz com que as mulheres que o praticam, muitas vezes, tornem-se agressivas, com sentimentos de culpa que só lhe causarão danos à saúde. A luta pela legalização do aborto tem sido empreendida pela maioria dos grupos feministas de todo mundo. Inúmeras são as barreiras que impedem a consolidação da legalidade do aborto. Neste impasse, no qual mede-se a força dos movimentos sociais e os propósitos religioso-dogmáticos, as grandes vítimas continuam sendo as mulheres. No entanto, o ponto principal a ser discutido é a concepção de que a mulher é dona do seu próprio corpo e somente ela tem o direito de decidir se tem ou não condições de levar adiante a gestação. Não raro ouço falar que a prática abortiva tem legalidade no Código Penal Brasileiro, quando a gravidez é resultante de estupro ou quando a vida da gestante está em risco. Então me pergunto: que parâmetros são utilizados para determinar a necessidade? quanto tempo leva essa determinação, quando judiciária? estas e outras indagações me atormentam quando ouço relatos sobre condenações à mulheres que provocam abortos por si próprias ou consentem que outro o faça. Diante deste quadro e do Projeto de Lei em tramitação no Congresso Nacional Brasileiro, que mantém inalterada a legislação existente, apenas regulamenta-a para possibilitar à mulher ser assistida em hospitais públicos, gratuitamente, no caso de aborto legal, é revoltante o conflito gerado em torno da aprovação ou não, como se sua aprovação determinasse uma matança em massa. Preocupam-se tanto em legalizar ou condenar o aborto e deixam de se preocupar com o mais importante: educar para a sexualidade consciente, na qual não houvesse violência, os pares pudessem decidir sobre o melhor método contraceptivo, sem se preocupar em seguir métodos ditos naturais e de risco para uma futura gravidez indesejada. O controle da natalidade foi citado na maioria dos relatos. As entrevistadas, desde as de gerações mais antigas como as de geração atual, falaram dos diversos métodos demonstrando dúvidas sob sua eficácia e sua ação no organismo. Declararam que fizeram uso de contraceptivos naturais, químicos e cirúrgicos. A pílula anticoncepcional aparece como método mais usado. Segundo KAHN ([19..] , p. 114 ), a preocupação com o controle sistemático de nascimentos vem de longa data. O pensador inglês MALTHUS, em 1798, emitiu a seguinte idéia sobre o assunto: “ O homem civilizado regula tudo... só o mais importante, a própria multiplicação, não é por ele regulada. O homem deve, todavia, limitar a sua fertilidade para pô-la em harmonia com as possibilidades de sustentação e criação”. REICHELMANN (1993), afirma que a ideologia vigente sobre o controle da natalidade diz respeito à diminuição de indivíduos para que melhorem as condições de saúde da gestante e da criança a fim de se tornarem adultos eficientes no desempenho de papéis sociais a eles determinados. ESMERALDA (73 anos) relatou que fazia uso do método natural, o coito interrompido. Tinha conhecimento de outros métodos utilizados à época, mas a falta de informação fez com que ela não fizesse uso de “ um anel, um aparelho... eu nunca pus”. A pílula ainda não existia e o método usado “ não funcionava muito bem e eu engravidava”. No livro, “A nossa vida sexual”, do Dr. Kahn ([19..] , citado pelas entrevistadas, ESMERALDA (73 anos) e GRANADA (60 anos), como literatura conhecida da sua época, o autor descreveu o coito interrompido como meio bíblico para se evitar a gravidez. Ele relatou uma passagem em que ONAN (personagem bíblico), “derrama o esperma na terra” para não fecundar a viúva de seu irmão. As desvantagens de tal método foram citadas por vários especialistas, entre eles, KAHN ([19..] ) e PESSINI (1996) que defendem a idéia de que é prejudicial tanto ao homem quanto à mulher, podendo levar a desajustes sexuais. A procura pelo aconselhamento médico apareceu no relato de GRANADA (60 anos) e RUBI (52 anos). Para GRANADA, o método indicado consistia no uso de óvulos anovulatórios, no formato de capsúlas que ao entrarem em contato com o calor do corpo se rompiam. “ Nóis usava um método tipo óvulo de J. Jardel, que foi o médico que me deu... tu vê quantos anos faz que já tinha coisa prá evitá e não adiantou, fiquei grávida”. RUBI relatou que fez uso da pílula anticoncepcional desde o exame pré-nupcial, optando pelo uso do Dispositivo Intra-Uterino (DIU), após o nascimento da filha. Atualmente, “ já não uso nada, não tenho mais nada... fiz histerectomia”. O uso de óvulos anovulatórios e comprimidos vaginais também são citado por KAHN ([19..] p. 138 ), como uma das três principais formas de proteção química utilizadas nos anos 40: “ as substâncias anticoncepcionais são introduzidas na vagina geralmente sob a forma de comprimido, pasta ou óvulo. [...] os óvulos são cápsulas de... gordura... (que) derretem-se ao calor do corpo”. O uso da pílula anticoncepcional como principal método, ao lado de outros métodos, foi mencionado pelas entrevistadas que passaram a ter vida sexual a partir da década de 60. A vergonha e a falta de conhecimento acerca da eficácia dos métodos contraceptivos, levaram TURQUESA (28 anos), a usar o método do coito interrompido. Acreditou no namorado que dizia ser um método garantido. Declarou que não usou pílula por ser solteira e ter vergonha de comprá-la. Emocionada falou sobre o resultado do método usado: “ eu fiquei grávida e desesperada”. Segundo TAKIUTI (1994), a falta de maturidade emocional, o sentimento de culpa em relação à sexualidade ativa, a vergonha e uma série de tabus amedrontam a jovem levando-a a não usar o anticoncepcional, mesmo conhecendo-o, o que resulta em uma gravidez indesejada. O método cirúrgico conhecido como laqueadura, foi a opção feita por AMETISTA (46 anos), SAFIRA (45 anos) e TOPÁZIO (33 anos). Antes porém, AMETISTA usou por muitos anos a pílula, indicada por um farmacêutico por ocasião do casamento; SAFIRA confessou que não confiava em outros métodos dos quais fez uso antes da laqueadura, (desde o coito interrompido à pílula). TOPÁZIO declarou que tinha uma facilidade muito grande em engravidar, não se adaptava à pílula e já tinha três filhos. Optou pela laqueadura aos 23 anos. TOPÁZIO (33 anos), confessou que atualmente a idéia de não poder mais ter filhos a atormenta constantemente. Não aconselha mulheres jovens a usarem métodos definitivos. Declarou que daria tudo para poder ter mais uma gravidez. A divulgação dos métodos contraceptivos e o ensino da regulação da fertilidade são de extrema importância para os profissionais que trabalham na área de saúde, afirma SOUZA ( 1993, p. 298 ). Ela diz que a falta de orientação leva as mulheres a optarem por métodos que as impossibilitem de procriar pelo resto da vida: “... dois terços das mulheres brasileiras de 15 a 44 anos usavam algum método contraceptivo... A contracepção em quatro de cada cinco dessas mulheres se restringia a apenas dois métodos: a pílula ou a esterilização... Isso representa que uma de cada cinco mulheres no Brasil chega aos 29 anos sem possibilidade de procriação”. O médico deve estar consciente de que a contracepção é importante para a mulher e o casal. Um aconselhamento adequado evitaria laqueaduras prematuras. A mais jovem das entrevistadas, CRISTAL (23 anos), relatou que faz uso do contraceptivo oral, a pílula, e que nos intervalos em que suspendia sua ingestão, usava a “camisinha”. Declarou que não se sentia bem quando fazia uso do preservativo, pois estes lhe causava alergia. Após o puerpério pretende fazer uso da pílula novamente. Desde que entrou no mercado farmacêutico mundial, no início da década de sessenta, a pílula parece ser o método contraceptivo, que inibe a ovulação e evita a gravidez, mais usado no mundo. 3. VIVÊNCIAS AFETIVO-SEXUAIS O ser busca o outro ser, e ao conhecê-lo acha a razão de ser, já dividido. São dois em um: amor, sublime selo que à vida imprime cor, graça e sentido. CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE A palavra namorar, segundo RIOS (1996), significa cortejar, inspirar amor, cativar, atrair, desejar ardentemente, possuir-se de amor, apaixonar-se. Portanto, o namoro, é um meio que leva à descoberta do afetivo, do sexual. O beijo, as carícias, os toques, os sonhos e os pensamentos eróticos fazem parte deste descortinar sexual, natural do ser humano. No relato das entrevistadas sobre namoro, percebe-se duas situações: uma prazerosa, cuja importância se concentrava no olhar, na aproximação, na obtenção e na troca de satisfação através do contato com o companheiro; outra conflitante, na qual a vivência do namoro sofre influências da educação recebida dos familiares ou dos costumes da sociedade vigentes na época e os anseios eram reprimidos. ESMERALDA (73 anos), que vivenciou o namoro da década de 40, relatou que à época as jovens já tinham liberdade de escolher os namorados, porém eram namoros inocentes, nos quais não eram permitidos nenhum tipo de carícias: “ nem na mão pegava”. Emocionada, contou sobre seu primeiro beijo: “ ele me beijou roubado... era noiva, nunca tinha dado um beijo... roubado! parecia que ia morrer!” Relatou que a emoção e o medo eram tão grandes que mesmo no dia seguinte tinha a sensação de que todos sabiam do acontecido. Declarou que só teve um namorado e que o namoro durou dez anos, dos quais três foram de noivado. Condenou o costumes dos seus antepassados dizendo que os jovens se casavam sem ter nenhum conhecimento: “ era inocente... não sabia nada”. O namoro na década de 50 foi vivenciadoa por GRANADA (60 anos), que disse não ter havido mudanças significativas daquela época para cá, a diferença é que ocultava-se mais o que acontecia e hoje tudo é mais exposto. Os namoros eram bem íntimos, com beijos e abraços, “ a gente namorava aquele namoro com malícia”, só que não havia relações sexuais. Declarou que teve vários “ namoradinhos”, inclusive um de “origem brasileira” (mulato), do qual gostava muito, porém o namoro não foi permitido pelo pai que era “ muito racista”. Namorou durante nove anos o jovem que tornou-se seu marido e, mesmo sendo ele de origem italiana, o pai não o aceitava. Seu pai tinha receios de que ela sofresse com o marido, pelo fato dele pertencer a uma família na qual havia vários casos de alcoolismo. DIAMANTE (53 anos) falou dos seus namoros e da emoção de ter vivido na década de 60, na qual os bailes, as festas eram locais encantados. Relatou que os namoros eram resultados das conversas, do encontro dos corpos nas danças e do cortejo, tudo com muita “inocência”, sem nenhuma “maldade”. Lembrou que teve que ser muito cortejada pelo namorado, pois não simpatizava com ele. Começou a namorar aos dezessete anos. Era um relacionamento bom, sem muitos afagos, pois não sentia necessidade de um relacionamento mais íntimo. Disse que naquela época, ter ou não relações sexuais antes do casamento dependia da necessidade de cada um. Atribuiu à sua formação rígida, o fato de não permitir que fosse tocada ou tivesse relacionamentos sexuais. Justificou dizendo: “ cada um deve fazer uso do seu corpo da maneira que lhe convier”. Segundo COSTA ( 1986, p. 97 ), um dos empecilhos para viver a sexualidade mais plenamente está no fato de as mulheres, das sociedades cristãs, serem preparadas somente para terem uma iniciação sexual após o casamento: “ Esta mulher, guardada e cuidada para manter-se ‘pura’, não recebia da família nenhum preparo para a vida conjugal ou para a primeira relação sexual. Recebia sim, regras e normas morais sobre o que permitir ou fazer para agradar o homem”. RUBI (52 anos), lembrou de sua época de jovem, dos namoros, com muita emoção. Relatou que as jovens eram conquistadas com serenatas e que vivia em “cidade grande”, onde as oportunidades para namorar eram maiores. Contou que teve alguns namorados, uns mais apaixonados, outros menos e que todos a respeitavam muito. Lembrou que certa ocasião foi muito assediada por um rapaz que vinha da capital e que este, nos poucos encontros que tiveram, tentava “ me agarrar à força”, o que levou-a a se distanciar dele. Namorou durante quatro anos o atual marido sem que tivesse tido “maiores liberdades sexuais”. Vivendo com os avós, no final da década de 60, AMETISTA (46 anos), relatou que foi muito reprimida e que não se sentia encorajada para ter namorados ou até mesmo namoricos. Seus relacionamento eram superficiais e limitavam-se a conversas e danças durante os bailes a que ia acompanhada por familiares. Disse que não teve oportunidade de vivenciar essa etapa da vida, assim como muitas outras, e que não guarda nenhuma lembrança prazerosa. Lembrou que quando começou o namoro, a mãe era completamente contrária, mas mesmo assim, após alguns encontros, casou-se, conhecendo superficialmente a família dele, o que fez com que levasse muito tempo para adaptar-se ao novo estilo de vida. A educação recebida muitas vezes dificultava a vivência do namoro como parte natural do despertar sexual e, consequentemente, do desenvolvimento humano. Os modelos impostos, as atribuições dadas a cada idade, a fiscalização constante, resultantes da idéia de que sexo no namoro é algo perigoso e imoral são barreiras que fizeram e continuam fazendo as jovens e suas famílias viverem constantes conflitos. SAFIRA (45 anos), declarou que os namoros de sua época eram diferentes dos atuais. As pessoas, para namorar, precisavam se conhecer bem. Comentou que “ era bonito, tudo causava emoção, a gente nem consegue explicar de tão forte que eram... não podia pegar na mão logo que se conhecia, não podia ir num cinema sozinhos”. Relatou que viveu sua juventude numa cidade do interior, de pequeno porte, onde, na década de 60, no auge dos “anos dourados”, dos movimentos “hippie”, uma moça “ da minha idade não podia entrar em uma lanchonete desacompanhada... então, era uma vergonha, era sinal de ser vagabunda”. Todo esse cuidado dificultava os relacionamento. Comentou que atualmente é comum ver as moças bebendo cerveja com seus namorados e que na sua época “ cerveja? quem tomava... era uma prostituta... uma moça vulgar”. Lembrou que sua primeira paixão foi aos doze anos e que o namoro com o marido foi rápido, cheio de encantamentos: “ quando a gente pegava na mão, era uma sensação! parecia que ia ao céu, o coração disparava, era incrível!” Explicou que só não se relacionou sexualmente com o namorado porque era vigiada constantemente pelos familiares: “ bem que ele tentava de todas as formas... as tentativas foram inúmeras”. Observou-se nas entrevistas, verdadeiras exceções, nas quais o casal mantinha no namoro e noivado algumas carícias e envolvimento mais íntimo, sempre cerceados de respeito e confiança. Eram carícias apressadas, escondidas, vigiadas, mas que possibilitavam um maior aprofundamento do vínculo afetivo. Ao contrário das demais, TOPÁZIO (33 anos), viveu seus namoros ainda na adolescência e com jovens mais maduros do que ela. Relatou que teve dois namorados: o primeiro, durante um ano, não deixou lembranças; o segundo, porém, foi muito íntimo, levando-a ao casamento com apenas dezessete anos. Falou dos namoros após a separação, como namoros emocionantes, cheios de aventuras. Em relação aos namoros da filha, declarou que procura ser uma mãe “ cabeça aberta” e que dessa forma, a filha de dezesseis anos mantém com ela “ um relacionamento de bastante amizade, existe muita confiança entre as duas... ela me conta as coisas dela, desde as mais íntimas... eu procuro encarar com naturalidade”. TURQUESA (28 anos), relatou que teve alguns namorados e que a família nunca emitiu nenhum parecer. Muito emocionada, num misto de tristeza e revolta, contou que amava muito o namorado e que este a abandonou quando ficou grávida, deixou-a viver na esperança do casamento até o dia do nascimento da filha, quando a abandonou definitivamente. Declarou que tentou outros namoros depois que a filha estava com quatro a cinco anos, mas nenhum muito sério. Explicou que os rapazes se aproximam e querem sexo e ela atribui isto ao fato de ser mãe solteira. Atualmente está namorando, mas se sente envergonhada em assumir o namoro porque ele é mais jovem. Acha que a sociedade não vai aceitar e que ser mãe solteira é “ ter uma barreira na vida”. Disse que vê o amor de maneira diferente, que não consegue mais se apaixonar. A fase do “ ficar” foi vivenciada por CRISTAL (23 anos), que relatou ter tido vários namoricos que não passaram de “ ficar num baile... dançar... pintou o clima, ficar juntos, dar uns beijos, abraços, carícias, mas nunca chegou a intimidades”. Sua primeira paixão foi aos quinze anos, “ um namoro maravilhoso que deixou marcas inesquecíveis”. Contou emocionada que foi nesse namoro que descobriu o prazer de ser tocada, amada e ter orgasmos sem penetração. Disse que apesar de gostar do que fazia sentia-se mal porque achava que estava fazendo algo errado e que sofreu muito quando o namoro terminou. Relatou que o namoro com o marido aconteceu em função de esquecer o ex-namorado. Tal namoro durou algum tempo, as brigas eram constantes e a iniciativa de retornar sempre partia dele. Contou que ele a presenteava muito, principalmente nestas ocasiões. Relatou que nesse namoro teve relações sexuais sem fazer a contracepção, o que causava-lhe temores de engravidar. A experiência sexual derivada do namoro é algo que faz parte do processo de sexualização, iniciado desde o nascimento, passando pela infância e fortalecendo-se na adolescência com o descobrimento do outro. A adolescente sente-se perdida, pois as mensagens que recebe são conflituosas. De um lado a família aceita o namoro, mas a obriga a controlar-se, a se contentar com carícias; de outro, a sociedade, o grupo, a incentiva, pressiona, mas não lhe dá subsídios suficientes para viver sua sexualidade. Neste momento faz-se necessário citar que, além da educação formal e familiar e do próprio grupo, a jovem ainda depende financeiramente do pai e da mãe, o que dificulta o encontro com o outro. CRISTAL ( 23 anos) relatou, ainda, que passou por uma situação altamente constrangedora, pois não tinham condições financeiras de ir a um motel e ela e o namorado estavam trocando carícias no carro quando foram interceptados por policiais. Disse que sofreu abuso de autoridade, pois foram presos e seus nomes foram divulgados na mídia, o que causou-lhe muito sofrimento e condenação por parte da sociedade. COSTA (1986), cita que em nossa sociedade, o exercício da sexualidade está muito ligado ao fator econômico e que carícias trocadas em lugar público, pode ser enquadrado como atentado ao pudor. Concordando com o autor, vejo no abuso de autoridade, na crise de valores e na inserção cada vez maior de tabus que impõe inibições e meias-verdades, as dificuldades das jovens e dos jovens em conviver com suas frustrações afetivas, em transpor suas inibições internas decorrentes de sua sexualidade, geralmente inibida. Vemos essa situação no desabafo de CRISTAL (23 anos), “ a polícia deu risada, debochava... foi uma barreira, não consegui mais me soltar... faço para agradar, não que eu esteja me sentindo bem”. O namoro deve ser vivido na sua intensidade, visto que atualmente os jovens e as jovens têm capacidade para perceber e expressar suas necessidades num movimento de libertação e renovação. O namoro e a iniciação sexual remetem para o surgimento do desejo sexual, da necessidade de uma relação de maior intimidade, como conseqüência do estar junto. É nesse período que muitas jovens vivem o seu despertar erótico, o desejo, a excitação e as fantasias sexuais, culminando no vivenciar das primeiras paixões. Ao perceber-se como ser sexuado aflora a vontade de viver a sexualidade, de sentir-se adulta. Surge, então, a preocupação em manter ou não conceitos de honestidade e dignidade perante a sociedade e a família. Entra em jogo a vontade de tocar e ser tocada, sua capacidade de sedução e o conflito em manter-se intocada e virgem. O depoimento de SAFIRA (45 anos), ilustra tal afirmativa quando diz: “ a gente tinha que controlar todas as atitudes, não podia demonstrar... eram pequenos gestos, uma pegadinha aqui, uma pegadinha ali... um beijinho roubado... não tinha jeito”. Observei, também, que a idéia de ter relações sexuais com o futuro marido era algo inconcebível, que isso tinha a conotação de pecado, vulgaridade sujeita a restrições sociais, a ser rotulada de prostituta: “ achava que o amor era uma coisa linda, pura, não a pessoa querer sexo, aquilo para mim era uma ofensa... era pecado, não se falava sujeira, a vida era inocente... pecado beijar”. (Esmeralda, 73 anos) Para COSTA (1986, p. 98), o medo de engravidar, de pecar contra a castidade, levava a mulher a adiar sua iniciação sexual e vivenciar o conflito entre o desejo sexual e as restrições sociais gerando o sentimento de culpa: “ ... mesmo carícias mais íntimas entre namorados ou noivos eram policiadas e surgiam os conflitos, baseados na falta de conhecimento do corpo e do ato sexual em si”. Observa-se atualmente que a jovem se deixa levar pelas emoções e sensações que tem durante o encontro e a escolha do momento sexual depende dos seus interesses pessoais, só se envolvendo sexualmente quando se sente preparada para tal: “ tava a ponto de bala e eu barrei... ele me respeitou... na outra vez eu mesma queria, até sem tomar comprimido”. ( Cristal, 23 anos) A adolescência representa um período de perdas e modificações, de uma busca incansável por uma identidade pessoal própria. É nesse período, portanto, que o namoro torna-se importante. É um desafio, um despertar para a sexualidade, para as emoções, para a procura pelo encontro, pela troca de carinho, atenção e intimidades. SAFIRA (45 anos), relatou que na sua adolescência estudava em colégio de salas mistas, o que permitia “ que nós conseguimos chegar perto dos rapazes... tinha aquele mistério... as sensações do amor eram incríveis... era muito bom!” Contou que as festas eram esperadas com muita ansiosidade para “dançar junto porque a proximidade dos corpos era uma coisa maravilhosa”. Para ALMEIDA (apud COSTA, 1994, p.55), a palavra encontro abrange diversas esferas da vida: “... significa estar junto, reunir-se, o contato de dois corpos, ver e observar, tocar, sentir, participar e amar, compreender, conhecer intuitivamente através do silêncio ou do movimento, do beijo ou do abraço, da palavra ou do gesto. Significa tornar-se um só. [ ... ] que se vivenciam e se compreendem cada um como todo o seu ser”. A paixão, a intimidade, a redução da ansiedade, a substituição do eu pelo nós, são pontos importantes na fase do namoro e são o referencial para que ocorra um ajustamento sexual satisfatório, ampliando o mundo de relações interpessoais das jovens e com isso tornando-as pessoas livres de preconceitos, à vontade consigo mesmas, sabendo o que querem e seguras do que os outros pensam a seu respeito. O casamento surgiu na sociedade antes do Século I como forma destinada a assegurar a transação privada entre os chefes: o pai da moça e o futuro marido. ( FOUCAULT, 1984 ). O casamento tinha então a conotação de transferência de poder, na qual os atos fundamentais eram marcados pela transferência ao marido da tutela sobre a moça. Ele não era um ato jurídico, consistia num acordo entre as partes, no qual a mulher, submissa, sem direito à livre escolha, era negociada como mercadoria. Progressivamente o casamento tomou novos rumos, passando do quadro familiar para o público, com a intervenção da Igreja e a aprovação da sociedade. Porém, a mulher continua sendo a mercadoria em disputa. Historicamente, de acordo com PRIORE (1993), o sacramento do matrimônio serviu para justificar o poder da Igreja no Novo Mundo e a dominação masculina sob o consentimento da submissão feminina. As camadas mais afortunadas viam no casamento a função de acumular fortunas através de alianças familiares, transmissão do nome e constituição de herdeiros, o que permitia assegurar os laços sociais e culturais não levando em conta o emocional. Nas camadas menos favorecidas, no início de sua instituição, o casamento desempenhava uma função de ordem econômica: “a esposa e os filhos podiam constituir mão-de-obra útil para o homem livre e pobre”. ( FOUCAULT, 1985, p. 81 ) Com as mudanças sociais, nas quais o poder político e econômico não mais depende das alianças familiares, mas do cargo ocupado pelo indivíduo, o casamento passou a ser visto sob outra ótica. Tornou-se mais livre, principalmente, nas classes menos favorecidas, nas quais o exercício da livre escolha do cônjuge deixa aflorar, de maneira espontânea, os sentimentos, sustentando relações norteadas pelo compartilhar a vida, na ajuda mútua e no apoio moral. ( FOUCAULT, 1985; PRIORI, 1993 ) A conduta de SAFIRA (45 anos) está de acordo com o modelo analisado: “ eu assumi por amor, porque eu casei por amor...” Atualmente questiona-se o significado do casamento como “união legítima entre homem e mulher” (RIOS, 1996), pois o termo “legítimo” continua tendo a conotação de que o indivíduo não pode dispor livremente, pois faz parte da herança. Nos depoimentos das mulheres entrevistadas desvelou-se uma nítida variação sobre o que pensam, o que significa e como vivenciaram ou vivenciam o casamento. Num misto de prazer e tristeza as mulheres falaram dos seus casamentos, desde a “instituição que deve perdurar” até a “instituição do ilusionismo”. Para ESMERALDA (73 anos), o sentido de casar-se está na procriação. Disse que as pessoas devem ser preparadas para casar e que o casamento significar amar muito, superar tudo, renunciar a tudo, “ união até que a morte nos separe”. Não é a favor de uniões sem casamento, posicionando-se a favor da Igreja. O casamento traz segurança e é de bom senso praticá-lo. Relatou que está casada há quarenta e seis anos e que os primeiros anos foram muito difíceis, pois o marido era muito rígido, não havendo liberdade entre eles. Emocionada, disse que só foi valorizada após o sofrimento, quando perdeu o primeiro filho. Comentou que pelo fato de ter casado virgem e inexperiente, o marido tinha que ser o seu instrutor e que só se relacionavam no escuro e com a maior parte do corpo vestida. Falou do respeito, do pudor que um tinha pelo outro, declarando que tudo era proibido, era pecado e cercado de muito medo. Concluiu dizendo que “ o ‘medo’ e o ‘não’ são os maiores inimigos do homem”. GRANADA (60 anos), disse que jamais se casaria novamente e é contra o casamento para qualquer pessoa. Vê no casamento o sofrimento. Casou-se sem o apoio do pai, pois este previa que haveria dificuldades no relacionamento. Viveu vinte e oito anos de sofrimento e quando sentiu-se encorajada a enfrentar a separação, já havia passado os bons momentos de sua vida. Disse: “ eu deixei os bons casamentos prá casá com essa desgraça”. É a favor do viver junto. Sente-se envergonhada de falar que o casamento é ruim, porém é assim que pensa. “ Sou contra o casamento, contra mesmo... ninguém deveria casar... e não vivê tantos anos que nem eu vivi sofrendo”. Relatou que não sabe como explicar, mas supõe que possa haver uma relação entre a oposição do pai e o fato de o marido ter se tornado um alcoólatra, morrendo de cirrose hepática. Lamentou o fato de ter se casado aos vinte e cinco anos e “muito mal”. Comentou que o marido foi péssimo companheiro e bom pai enquanto os filhos não precisavam de dinheiro. Nunca escondeu dos filhos sua aversão pelo casamento e que, no entanto, os três se casaram: “ por azar, a mais nova se separou”. Justificou que mesmo assim continua dizendo: “ maldita a vez que me casei... sempre disse essas palavras e os meus filhos sabem de cór”. Para LIDZ (1983), o casamento envolve novas responsabilidades e decisões firmes. O sucesso dessa união dependerá do tipo de relação que se estabelecerá entre os pares e do ajustamento sexual alcançado. Além desses pontos, vimos também a importância do relacionamento familiar. DIAMANTE ( 53 anos ), não acredita na necessidade de casamento para a felicidade feminina. É favorável a uma união na qual os pares sejam amigos, companheiros e que não haja necessidade de documentos para se respeitarem. Atualmente vê o seu relacionamento como um relacionamento pacato, sem emoções, onde “ trabalhamos juntos, almoçamos juntos, dormimos na mesma cama”. Afirmou que seu casamento continua pela força do companheirismo. Justificou dizendo: “ o casamento tem as fases da vida: amor, amizade, companheirismo... o meu chegou na fase de... virou companheirismo”. Segundo RIECHELMANN (1993), as ações da educação sexual opressiva-repressiva influem sobre a sexualidade no sentido de consolidar e preservar o espaço matrimonial como o único meio para o exercício da sexualidade. O casamento era o meio para RUBI (52 anos) alcançar a liberdade. Relatou que, de forma revolucionária, sem comunicar aos familiares sobre o casamento, casou-se no fórum aos vinte e dois anos, em plena segunda-feira dos anos 70, anos da libertação feminina. Contou que o pai ficou muito chocado com a atitude: “ não anunciei meu casamento no civil para o meu pai, quando voltei do fórum foi uma surpresa para todos, ele ficou furioso. Alguns dias depois casei no religioso e fiz festa como era o costume... até hoje ele me vê diferente”. Declarou que é favorável ao casamento e que o vê como algo prazeroso e bom. LIDZ (1983), sugere que a determinação e a vontade em assumir um casamento faz com que esse comece bem e sirva de oportunidade para a auto compreensão. O casamento como uma relação estável em declínio foi percebido por AMETISTA (46 anos). Ela assinalou que vê o casamento sob ângulos diferentes em dois momentos bem distintos de sua vida: quando jovem, acreditava que as pessoas eram criadas em função da casamento, da procriação; já não acredita na solidez e na união estável porque os valores já não são os mesmos. Para SAFIRA (45 anos), o casamento é uma relação muito séria, responsável e indissolúvel. Sua formação cristã faz com que acredite no juramento que fez, fortalecendo-a na superação dos problemas conjugais. Defendeu a idéia de que existe algo mais do que a simples união de corpos num casamento: “ eu assumi por amor, porque eu casei por amor... uma separação de corpos não seria uma separação total”. Relatou que passou por problemas sérios em seu casamento e que superou-os pela fé que sempre a sustentou. Por ser “mestiça” não foi aceita pela sogra, o que lhe causou muito sofrimento. Contou que o filho mais velho, já casado, está vivendo uma crise matrimonial e que, no entanto, ela não é a favor da separação. Relatou que apesar do ciúme que o marido tem dela, vive bem e é feliz. TOPÁZIO (33 anos) relatou que “casar-se” tem conotação ilusionista, faz parte da sociedade, da satisfação dos valores morais, enquanto que o “viver juntos”, ficar com alguém, é ter opção própria, é construir os próprios valores, é procurar a felicidade. Declarou que foi casada durante sete anos, teve três filhos e foi muito infeliz. Justificou dizendo que acreditava em valores diferentes dos do marido, o que gerava muitos conflitos. Casou-se aos dezessete anos. Viveu a experiência do “ficar” e atualmente a de “viver juntos”, considerase uma pessoa feliz: “ viver junto você escolhe, é uma opção tua, você tá quebrando valores, é a tua felicidade”. Confessou que só casou “ ... por pena dele, era uma pessoa simples, foi entrando prá nossa família e eu não via mais como sair... não que fosse amor, não era esse sentimento”. De forma semelhante, CRISTAL (23 anos), relatou que só se casou para “dar satisfação à sociedade”. Justificou que “ quando ele ficava lá em casa, a gente já dormia juntos, só não assumimos completamente pela recriminação dos outros. Nós casamos prá tapar a boca do povo, sabe?” Comentou que não vê diferença em estar casada ou não. Já para TURQUESA (28 anos), que não se casou, o casamento é visto como uma necessidade para documentar uma relação. Acredita que essa relação deva ser norteada pelo respeito e pelo amor. Disse que o casamento só deve ser efetuado quando ambos estiverem conscientes em “ ficar juntos para sempre”. Relatou que sente muito medo de “ arrumar” um companheiro, que a filha não aceite, que queira ter filhos, o que para ela compõe uma situação extremamente preocupante. Confessou que o medo é uma constante em sua vida. Segundo SUPLICY (1992, p. 276 ), o medo é uma palavra chave que deve ser quebrada para a liberação da mulher: “ ... criada para ter medo de toda situação nova, a mulher para se desenvolver precisa ter coragem de arriscar. Ela vive envolta nos conflitos do medo... medo de casar e ter responsabilidades familiares; medo de não atrair homem e medo de atrair e ficar presa; medo de ser tocada...” Acredito que as mulheres têm um grande desafio a vencer que é o de romper com o medo e com o conflito que fazem com que não tenha coragem de romper com o desejo maior: o desejo de proteção, de se sentir atraída e não ter coragem para se separar. A traição amorosa oferece inúmeros elementos, cujos significados acompanham a história da humanidade, causando desapontamentos, sentimentos de perda e submissão. Partindo da definição da palavra traição amorosa, que significa infidelidade no amor e quebra da fidelidade prometida e empenhada. (RIOS, 1996 e BUENO,1985), percebo na traição amorosa um estado aterrorizante para a mulher e para os que a rodeiam. Se for capaz de suportar a tensão dessa fase, ela atuará como uma contestadora a serviço da vida e da reconquista. Desde os ensinamentos cristãos, legados pela Bíblia, vemos a possibilidade da inserção de um terceiro elemento numa relação. A fidelidade de Adão e Eva para a permanência no Paraíso foi quebrada pela presença e pela ação da serpente. A este respeito, PAIVA ( 1989, p. 55 ), descreve a situação de Eva como o protótipo da mulher: “ Eva e o protótipo da mulher moldada pelo Deus Judaico-cristão, que sendo Pai e todo Poderoso quis estabelecer um padrão eterno de conduta para a mulher. Propõe a lei dessa tradição que a mulher, seja mulher de algum Adão, porque foi criada de sua costela... Seja sua auxiliar e companheira pela preservação do casamento e pela felicidade do lar...” Sob esse modelo, são definidas características que, muitas vezes, configuram o papel da mulher numa relação e quando ela os transforma, torna-se objeto de censura. Tais características indicam que seja esposa fiel e servil, boa mulher, mãe dedicada, o que mostra ideologia patriarcal que afirma a superioridade e o poder do homem e a obrigação da mulher em se submeter às normas e aos padrões que lhe foram impostos de geração a geração, sobre o direito de somente o homem poder trair. No relato das entrevistadas, a traição aparece associada a opiniões que demonstram formas diferenciadas de vivenciá-la. A maioria das mulheres vê a traição como algo doloroso, desintegrador e avassalador. Em contra partida, uma das mulheres entrevistadas declarou que traiu e vivenciou sentimentos de medo e culpa e, no mais íntimo de suas emoções, muito prazer. ESMERALDA (73 anos), contou que vivia bem com o marido, que nunca soube se foi ou não traída. No entanto, diz que sua opinião ficou muito dividida entre os princípios morais nos quais foi educada, segundo os quais a mulher não podia trair, o homem, se traísse, não era condenado e a modernidade, na qual ambos traem. Confessou que sempre viveu sob os princípios de Deus e que a traição “ é contra a Lei de Deus. O adultério seria um pecado grave... eu não aceito”. Já, para GRANADA (60 anos), que vivenciou a traição na “carne”, o fato foi marcante, “ deixou marcas que nunca serão apagadas”. Contou que o marido foi muito infiel, “ um grande traidor... saía com as mulheres aos olhos de todos”. Disse ter um grande sentimento de “pena”em relação aos filhos, que nunca foram poupados da vergonha pelo pai. Emocionada e chorando muito, relatou que o marido voltava das traições e ela tinha que se “deitar” com ele, mesmo sentindo horror achava que era sua obrigação “deitar-se” com ele: “ ... ficava rígida, ficava odiando... prá ele não notá... eu nunca teve relação de luz acesa”. Comentou que chegou ao “cúmulo” de “ sustentá ele no vício... até ir na zona, dinheiro eu dava do meu... isso eu cansei de fazer”. Confessou que relutou muito para se separar e que quando os filhos cresceram e se casaram ela sentiu que já tinha feito sua obrigação, então optou pela separação. Relatou que o filho homem não aprovou e que “ tive todo o apoio das filhas mulheres”. Segundo NICZ ( 1996, p. 38 ), a nossa cultura contribui para a aceitação e a submissão, levando algumas mulheres a se sentirem frágeis e inseguras para assumirem a responsabilidade de sua própria existência: “ Uma vez casada, ela passa a servir o marido, a quem considera um ser superior... ela transfere todo o seu valor para ele e se coloca a serviço dele em detrimento de suas próprias possibilidades criativas”. Quando traída, a mulher se percebe um ser incompleto, frustrada. Indagações mil se instalam no seu ser e as respostas resultam num conflito cruel e desestruturador. O desabafo de algumas entrevistadas traduz bem esse estado: RUBI ( 52 anos), disse que sentiu-se a pior das mulheres; AMETISTA (46 anos), ficou desesperada, sentindo vontade de matar; DIAMANTE (53 anos), sentiu que sua vida ia acabar. DIAMANTE (53 anos), não admite a traição. Acredita que quando se tem uma pessoa ao seu lado, essa pessoa deve ser respeitada e relacionar-se com outro seria um desrespeito. Contou que o marido a traiu com a própria empregada da casa e suspeita estar sendo traída novamente. Sua suspeita fundamenta-se no fato de que sua vida sexual está muito irregular, que o marido costuma sair e ficar várias horas fora de casa, o que a deixa muito insegura. Confessou que não se sente encorajada em averiguar se ele está ou não em companhia de amigos, como ele diz. Declarou que jamais teria coragem de ter uma ligação extraconjugal, porém, vê no homem “a pessoa que mais sabe trair”. A mulher traída, geralmente, resiste a tomar uma atitude que venha a resultar no rompimento da relação. Ela tenta, de todas as formas, encontrar desculpas para não descobrir o que poderia causar-lhe um sofrimento maior. Ou então, ela tenta mostrar forças para lutar e reaver o perdido, mesmo que às custas de muito sacrifício e dor. Isto evidenciou-se no relato de RUBI (52 anos) quando declarou que ao passar por uma situação de traição, a relação não era mais a mesma e a confiança foi algo que precisou ser conquistada e que: “ o tempo de conquista é longo e árduo”. Contrária à traição, RUBI (52 anos), posicionou-se dizendo que quando a união é sólida e munida de amor, não há necessidade de traição, mas se isso acontecer, o casal precisa rever seus valores, “ ou começa uma relação nova ou fica esculhambada”. Comentou que quando foi traída, sentiu-se “ a pior das mulheres”, mas que do desespero, retirou forças para lutar e reaver o vínculo perdido. Contou que atualmente o marido tenta conquistá-la com carinho e atenção, mas confessa que a relação não é mais a mesma é como “ se eu não tivesse mais coração”. Justificou dizendo que hoje vive em função da filha e que ela “ é tudo que tenho de mais precioso na vida”. A este respeito, MALDONADO (1995), afirma que o jogo da sedução para tentar reconquistar o parceiro mescla-se com desânimo, desesperança, desconfiança. De forma semelhante, AMETISTA (46 anos) vê na traição um sofrimento que envolve, além do casal, os filhos e considera que com sentimentos “não se deve brincar”. O homem é o grande traidor e o protegido da sociedade. É a favor da reconciliação, da reconquista. Foi muito traída. Presenciou uma das cenas de traição. Emocionada relatou que: “ senti vontade de matar”, ficou desesperada. Tentou esquecer o ocorrido pensando nos filhos, no tempo de casamento, nos pedidos de desculpa e nas promessas de que as traições não se repetiriam. Na sua opinião, a traição depende de vários fatores, entre eles as companhias, o tipo de trabalho que dá acesso às pessoas que “não se dão o respeito” e que o meio favorece a situação. Relatou que muitas vezes sentiu vontade de se separar e que só não o fez em função dos filhos e do compromisso assumido em viver “ na alegria e na tristeza”. Confessou que não se sentiria bem em ver o marido abandonado, “um trapo”, fazendo os filhos passarem vergonha. Confessou que sua vida foi marcada pelo sofrimento, mas que “ com o tempo a raiva vai passando, vai atenuando... a gente não esquece e daí fica a desconfiança”. De acordo com NICZ (1996, p. 109), muitos casamentos não terminam após a descoberta da traição porque a mulher: “ embora despertada para transformar sua vida, para ser uma outra mulher, ainda não consegue se desapegar da família. Ela pode enfrentar muitos tabus, preconceitos, - afinal a dor faz com que compreenda tantas coisas - mas a família é algo que ainda a nutre. A família é seu ninho, criado por ela, e que a agasalha; por isso sente-se parte fundamental dela”. Demonstrando prudência, SAFIRA (45 anos), posicionou-se contrário aos relacionamentos extraconjugais. Quanto à traição, acredita que “ cada um deve saber os motivos que levam a trair”. Demonstrou medo em ser traída e que a idéia do marido procurar outra mulher a assusta. Declarou que é a favor da felicidade de ambos numa relação. A insegurança, o medo da solidão, fazem com que muitas mulheres passem a viver parte de suas vidas preocupadas em manter seu casamento como que em cumplicidade com estes sentimentos. Quando eles são enfrentados, ela experiencia emoções conflitantes. MALDONADO ( 1995), afirma que a prática das relações extraconjugais é tolerada por algumas mulheres no intuito de preservar o casamento, a família. E nesse conviver algumas mulheres permitem que outras pessoas passem a aprisioná-las, sofrimento e a infidelidade. suportando o TOPÁZIO (33 anos), vivenciou a traição, num caso extraconjugal, vivida por ela. Falou que o marido aceitava a situação e isso a revoltava. Durante o período que mantinha o casamento e o amante, sentia-se muito mal, tinha a sensação de estar pecando e que só o amor que sentia pelo amante tranqüilizava-a. Hoje já não considera a traição como algo errado e que tudo depende da pessoa. Disse que teve vários casos, inclusive um que a marcou muito, com um homem casado, bem mais velho que ela. Desse relacionamento traz lembranças maravilhosas. Sentia-se muito amada, pois o casamento do amante era só por conveniência. Atualmente reconhece que não se envolveria mais: “ serviu de lição, hoje eu não gostaria mais de ter ou de fazer, também não me arrependo de ter feito... de tudo a gente tira alguma coisa boa”. Para ela, a traição é vista pela sociedade sob dois ângulos: primeiro, se a mulher trai e conserva o casamento, logo é esquecida; segundo, se ela se separa, é vista pelas outras mulheres e pelos homens como prostituta. Confessou que sentiu na “pele” tal rótulo e que, após a separação, era cortejada por muitos homens. Declarou que foi uma época em que “ eu tinha o homem que queria... quando eu queria”. Muito falante, declarou que “ a traição só acontece quando o amor, a união, o casamento não existe mais... eu tive uma experiência e foi o que acabou com o meu casamento. Optei por me separar a ficar mantendo os dois, na minha cabeça não cabe as duas coisas... era terrível e a gente ficou um ano separados e vivendo na mesma casa... para a sociedade a gente tava casado”. Quando a mulher é a agente da traição no casamento, frequentemente os julgamentos dos outros prostituta. voltam-se contra ela, culpando-a ou mesmo rotulando-a de pecaminosa e O rompimento da relação, tanto por parte do homem como da mulher é conflituoso. Vislumbrar a possibilidade de transformação, requer autoconhecimento e retomada de valores pessoais que servirão para enfrentar incertezas e conflitos que podem tornar a trajetória da separação e do rompimento, árdua e cercada de sofrimento. Como relatou TOPÁZIO (33 anos), enquanto mantinha o casamento e o envolvimento com o amante, sentia-se muito mal, tinha a sensação de estar pecando e que essa sensação só se esvaziava pelo sentimento de amor que sentia por ele. Para NICZ (1996, p. 122), na construção da autonomia as mulheres devem compreender que: “ o casamento deve significar crescimento individual sem rejeição das diferenças de papéis. Sem se distanciar da essência feminina, procurará, através da diversidade, a igualdade do relacionamento. Poderá, enfim, proclamar que a base de seu relacionamento é pura e simplesmente o amor”. Além disso, a permanência com o companheiro que a traiu ou que foi traído, é decisão pessoal e intransferível de cada mulher que vivenciou esta história. TURQUESA (28 anos) e CRISTAL (23 anos), posicionaram-se contrárias às relações extraconjugais. Para a primeira, o rompimento da relação é a solução quando o compartilhar estiver ameaçado. Não vê na traição a solução para o conflito. Já para CRISTAL , traição tem conotação de divisão e ela sente-se muito egoísta para aceitar qualquer tipo de divisão. A separação foi vivenciada por GRANADA ( 60 anos) e TOPÁZIO (33 anos), porém a maioria das entrevistadas emitiram opiniões sobre a separação na vida das mulheres. ESMERALDA (73 anos) aceita a separação quando o relacionamento torna-se inviável. No entanto, nem sempre pensou dessa maneira, pois casou-se acreditando que deveria ser submissa aos anseios do marido. Vê a possibilidade da separação para a mulher como forma de valorização, apesar de observar que ela “ ainda sofre as conseqüências do machismo imposto pelo homem... a gente ainda é escrava do homem”. ESMERALDA ( 73 anos) viveu sua adultez no final da década de 40, período esse que passou por alguns problemas conjugais. Relatou que naquela época a mulher separada era muito mais discriminada, sendo proibida de participar das atividades da Igreja e da sociedade. Atualmente vê a mulher separada vivendo normalmente, sendo aceita pela sociedade, porém acredita que, na separação, os filhos são os maiores sofredores. De acordo com MALDONADO ( 1995), a separação provoca repercussões importantes nos filhos, mas nem sempre traumatizantes. A atmosfera tensa e opressora de um casamento conflituoso é mais frustrante do que a própria separação. Embora a revolta, a tristeza e a mágoa pela separação passam perdurar por algum tempo em alguns filhos, outros surpreendem pela capacidade de compreensão e apoio dados à mãe. A separação foi vivenciada por GRANADA (60 anos), após vinte e oito anos de casamento. Comentou que seu maior sentimento em relação à separação foi a situação financeira em que ficou. Relatou que sempre trabalhou muito e que na hora da separação ficou numa situação “ horrível”, dependente da filha, sem uma aposentadoria: “ para mim só restou uma casa e a miséria de ser dependente o resto da vida”. Relatou que além de descasada, atualmente é viúva. Explicou que perante a sociedade a mulher divorciada leva a culpa pela separação, a difamação e a indiferença, enquanto que a viúva passa a ser vista como uma sofredora, uma “coitada”. Emocionada e demonstrando profunda tristeza, disse que “ a solidão é triste” e que a separação deve ocorrer antes do desgaste e do envelhecimento. Confessou que gostaria de ter um companheiro, mas que nesta idade é difícil encontrar alguém que a complete, então prefere “ viver e morrer sozinha do que mal acompanhada”. Segundo MALDONADO (1995, p. 107), o casamento ruim, ao tornar-se insustentável, aumenta o conflito e a separação torna-se inevitável: “ No conflito... há hesitação, dúvida... surge o medo da mudança, do novo, da solidão... de ser discriminada, de piorar a situação financeira e passar a viver ‘apertado’, vem o medo de perder o conforto...” A raiva e a dor de constatar que ajudou o parceiro em momentos de dificuldades financeiras e que depois é trocada por outra mulher, faz a mulher experimentar o sentimento de frustração quando se encontra em situação financeira inferior a do ex-marido. Muitas mulheres atravessam crise de desconfiança e desamor quando perdem o contato, quando vêem o seu construir, ruir sem nada poder fazer. Elas experimentam o sentimento de perder a esperança, de serem inúteis, de não terem mais dignidade. Sentimentos de compaixão invadem sua vivência e nesse momento sua dignidade precisa ser preservada. Segundo BENATOVICH (1997), o poder não acolhe bem o desafio e sempre houve e haverá instituições, estruturas e sistemas arraigados que resistem à mudança e que punem a discordância, a inovação e a coragem. A mulher deve “ construir pontes” que a levem ao viver pleno, livre de preconceitos e rancores na luta por uma sociedade em transformação. Os anos da meia idade podem ser altamente angustiantes para as mulheres, principalmente as que vivem a separação e a viuvez. As mudanças com o corpo, a perda do papel social de mãe e de esposa, a dependência financeira e a solidão são fatos que afetam a integridade física e moral da mulher. A luta para redescobrir, reconhecer e desenvolver todas as dimensões, não apenas a sexualidade, deve servir de referência para o enfrentamento e a efetivação da liberdade. Para DIAMANTE (53 anos), a separação é sinônimo de libertação, de reorganização, de assunção dos direitos de mulher, de trabalhadora e lutadora, que pode viver sem estar subjugada ao poder do homem. Vê a separação como uma conquista da mulher atual, de conseguir mostrar seu valor à sociedade. No entanto, acredita que, para uma dona-de-casa, a luta pelos seus direitos é mais árdua do que para uma profissional, que supre suas necessidades com seu salário, não dependendo da pensão do marido. RUBI (52 anos) declarou que a idéia da separação a atormenta, não gosta de tratar do assunto. Para ela um companheiro é um motivo a mais para viver. Vê na separação a imagem da solidão. AMETISTA (46 anos) e TOPÁZIO (33 anos) posicionaram-se a favor da separação. Consideraram que se não existe mais amor ou companheirismo, deve ocorrer a separação para evitar uma vida de mentiras. Sobre a separação na vida da mulher, emitiram diferentes opiniões: AMETISTA vê na separação a possibilidade de reconstrução da vida; TOPÁZIO acha que “ a separação para a mulher é mais fácil... a mulher tem mais estrutura, enquanto que o homem fica desestruturado, meu ex-marido é uma pessoa frustrada”. SAFIRA (45 anos), TURQUESA (28 anos) e CRISTAL (23 anos) são contra a separação. TURQUESA falou que vive uma vida “descasada” e que sente a discriminação da sociedade, apesar de ser uma grande lutadora e criar a filha sozinha. SAFIRA (45 anos) posicionou-se contra a separação, confessando que não saberia viver sozinha. Não acredita na separação como solução para os problemas conjugais. A mulher separada se anula, não consegue se relacionar facilmente com outros homens e é muito discriminada. Atribuiu à Igreja, a influência absurda e revoltante que tanto discrimina a mulher separada. Disse que desistiu de trabalhar em grupos voluntários da Igreja por ter sido proibida de dar autorização para batismo aos filhos de mães solteiras ou separadas, o que deixou-a muito revoltada: “ ... não acho justo isso... a criança não tem culpa e a mãe tem o direito... se ela é católica, de querer que o filho seja cristão”. Declarou que para haver uma separação, deve existir um motivo muito sério: “... prá dissolução de um casamento, terá que ter um motivo muito sério... não concebo a idéia de viver sozinha... não sei se é uma forma egoísta de pensar... não consigo encarar a idéia de ver meu marido com outra mulher... eu acho que tem que durar até que a morte venha separar a gente”. CRISTAL (23 anos), caracterizou a separação como um sofrimento. Filha de pai e mãe separados, considera que a separação é coroada de muitas dificuldades, principalmente para a mulher que costuma assumir os filhos. Contou que a mãe enfrentou dificuldades, não tinha profissão, era analfabeta, viveu para os filhos, para o trabalho e o estudo. Orgulhosa, afirmou que a mãe superou as dificuldades chegando ao nível universitário e que, no entanto, vive sozinha há dez anos sem relacionar-se com outros homens. Acredita que o fato de as mulheres separadas serem freqüentemente comparadas às prostitutas, decorre do fato de que algumas, com desejo de vingança, ou ainda para firmarem-se como mulher, jogam-se em qualquer tipo de relacionamento. A viuvez foi relatada pela maioria das entrevistadas como algo natural, passível de ser superado. ESMERALDA ( 73 anos) acredita que o sentimento de perda é superado pela responsabilidade com os filhos e que a mulher é um ser forte e convicto de suas obrigações. DIAMANTE ( 53 anos) vê a viuvez como parte natural do ciclo da vida: “ é uma situação que faz parte da vida: nasce, cresce, vive e morre”. Para TOPÁZIO (33 anos), é uma “ separação inevitável”, mais sofrida pela mulher por ser um ser mais emotivo que o homem. Para outras, a viuvez representa solidão, desamparo, sofrimento, tanto para o homem quanto para a mulher. SAFIRA (45 anos) vê a questão da viuvez como algo traumatizante para o ser humano. Não admite a idéia de viver sozinha e a viuvez a preocupa e assusta: “ eu tenho medo de ficar só, tenho medo da viuvez, tenho medo de que vá acontecer alguma coisa prá ele e eu vou me sentir tremendamente perdida, tenho certeza disso”. Para AMETISTA (46 anos), a vivência da viuvez vai depender da personalidade da mulher: se for retraída, tenderá ao isolamento, se for ativa, aceitará com naturalidade, passando a viver intensamente sem se deixar abalar pela falta do companheiro. Citou a mãe como exemplo de mulher ativa. Disse que ainda não se vê na situação. GRANADA (60 anos) contou que viuvou recentemente. Não sentiu diferenças afetiva-emocionais, pois já estava separada. Porém, disse que passou a ser vista pela sociedade como a sofredora e não mais a culpada pela separação. Condenou a sociedade por tal atitude. Para TURQUESA (28 anos), a solidão da viuvez deve ser superada com outra companhia. Muito sonhadora e sem querer pensar no assunto RUBI (52 anos) enfatizou que se vier a acontecer, casar-se-á novamente, pois “ não nasci para viver sozinha, sou meio imortal. Se tiver que acontecer, eu caso de novo”. 4. CONCEPÇÕES DE MULHERES Hoy soy una persona nueva... Estoy a favor de todo aquello que mejore la calidad de mi vida. Uso las palabras y las ideas como herramientas que pueden dar forma a mi futuro.... LOUISE L. HAY A busca de uma significação da nossa ação como mulheres fundamenta-se na própria luta para conquista da dignidade humana, pelo direito de sermos sujeitos sociais concretos pelo direito universal de valorização das mulheres, no coletivo, no social, como forma de humanização. Desvalorizar as mulheres é negar os próprios homens, pois se não tivermos e não formamos uma visão crítica e significativa da atuação das mulheres, estaremos destruindo a possibilidade de sermos seres ativos, produtivos, capazes de criar, de transformar e de construir uma nova natureza. É nesta perspectiva que se coloca a construção de novas mulheres, dispostas a configurar novas imagens, a ter condições de definir com clareza seus sentimentos, sua vontade de superar os muros do conservacionismo e das visões ingênuas que lhes foram transmitidas como mulheres. Essas novas mulheres, atuantes, serão o ponto fundamental para uma educação destinada a preparar seus e suas filhas, alunos e alunas, companheiros e companheiras, para a autonomia, a coragem, o fortalecimento e a vivência de sua sexualidade como pontos fundamentais de sua existência. Neste contexto necessita-se de mulheres femininas, com força de luta, questionadoras, que se percebam numa relação maior. Que não sofram a pressão de sua consciência em saber se agiram certo ou não, “ será que eu eduquei sexualmente errado meus filhos?” ( Ametista, 46 anos). Mas que tenham garra e coragem de reverter o processo, de mostrar sua competência não só como mediadoras desse processo, mas como agentes transformadoras. A construção de um novo sentido de educação sexual, comprometida com a totalidade do ser humano, para mim, parte da própria definição das mulheres sobre o ser mulher, enquanto educadoras permanentes: na família, na escola, nos grupos, no dia-a-dia social. Desde o nascimento, na integração com homens e mulheres, a criança aprende a identificar-se com o masculino e o feminino. Pensando na identificação, a partir dos registros simbólicos, para mais tarde aprender a expressar seu papel de gênero, não se pode deixar de realçar a importância dos meios de comunicação, da escola e da família como agentes reforçadores de estereótipos. À medida em que a criança cresce, impõe-se a ela um comportamento compatível com o seu sexo, independentemente dos seus reais interesses ou motivações. TURQUESA (28 anos), ilustra o posicionamento acima com seu relato: “ nós não podia brincar, tinha que aprender a fazer o serviço da casa, tinha que ser como a mãe... submissa, ela era submissa, o pai mandava e nós obedecia sem responder, eu tinha muito medo”. Relatou que gostava de brincar, de jogar bola, mas só podia fazê-lo quando ia para a escola, sem que o pai soubesse. Segundo COSTA (1986), os brinquedos na infância são escolhidos conforme o sexo. Qualquer alteração deste esquema leva a pressões sobre a criança. DIAMANTE (53 anos) e RUBI (52 anos) relataram que a mãe tinha uma grande preocupação em apresentá-las sempre com vestidos bonitos, laços no cabelo e que costumava dizer “ menina tem que ser menina... bem limpa, bem vestida”. RUBI contou também que gostava muito de brincadeiras de subir em árvores, o que não era permitido que fizesse. Confessou que “ trepava nos pés de ‘ariticum’, apanhava algum... levava prá mãe para não ‘apanhar’ ”. A maneira como os adultos se portam em relação à criança poderá reforçar o desenvolvimento do “sexo frágil” e submisso na mulher, bem como a supervalorização da idéia de machismo, como relatou SAFIRA ( 45 anos ), “ prestava contas ao pai... minha mãe dizia que mulher nunca podia fazer nada sem que o marido autorizasse”. O papel de gênero vivenciado por algumas entrevistadas coincidem com os argumentos de BERNARDES (1993), quando afirma que o conjunto das expectativas socioculturais e os comportamentos determinados em função da assimetria de poder existente entre o homem e a mulher constituem fatores importantes na formação do papel de gênero do indivíduo, na sua forma de ver, viver e sentir-se. A sensação interna de pertencermos ao gênero masculino ou feminino, bem como a capacidade de nos relacionarmos social e sexualmente, faz parte da identidade de gênero a que pertencemos. Tal afirmativa encontra respaldo no depoimentos de RUBI (52 anos), quando relatou que sempre se percebeu menina e que ser menina para ela era muito mais do “ que ter uma vulva, uma vagina... é nunca ter me percebido menino, não ter me imaginado menino”. Declarou que não percebe diferença entre homem e mulher, acredita na igualdade e no poder de conquista. Concordo com COSTA (1986), quando afirma que em relação ao aspecto anátomofisiológico, as diferenças entre homens e mulheres são mínimas e as diferenças psicológicas são decorrentes da aprendizagem, do desenvolvimento emocional específico de cada ser. A importância do nascimento de um filho homem, esperado pela família como meio para transformar as atitudes de poder por parte do pai, apareceram no depoimento de TURQUESA (28 anos), cuja família era constituída só por mulheres: “ eu pensava que quando nascesse o filho homem, que ele tanto queria, ele mudasse... não mudou, ficou ainda pior, só via como filho o menino... minha mãe também gostava mais dele... ele mora até hoje com eles”. A idéia de que as mulheres devem ser percebidas como seres dóceis, meigos, apaziguadores, submissos, mães e companheiras e que é próprio dos homens serem realistas e, afetivamente distantes, ficou claro no depoimento de ESMERALDA (73 anos), que percebe a mulher e o homem como “ seres bem diferentes”, onde afirmou que “ eles conservam o machismo... a gente ainda é escrava do homem”. De modo semelhante, lembro de minha mãe nesses últimos quarenta anos, sacrificando sua vida, sendo esposa e mãe em tempo integral, submissa e dependente de um homem. Muitas vezes, porque não dizer, na maioria das vezes, atormentada, deprimida, marcada pelos acontecimentos de sua própria vida e da vida de seus filhos, porém, sempre altiva, protetora e amada. A submissão da mulher ao poder do homem, como fato real, ainda comum em nosso meio, ficou claro no depoimento de CRISTAL (23 anos), que relatou o medo e o pavor que sentia pelo pai. Tal medo sustentava-se no fato da mãe ser uma pessoa que não podia ter opiniões próprias, ficando sempre à mercê das decisões do marido. Assim relatou: “ ela era muito... como se fosse uma escrava do meu pai. Ela fazia só que ele queria... o que ele dizia é que era certo, então a gente tinha que seguir as regras e ela também seguia”. Justificou dizendo que, atualmente, a mãe é uma grande vencedora que conseguiu superar todos os medos que lhe foram impostos, passando a viver livremente após a separação. Contou que “ não foi fácil ela superar... mas ela venceu, é outra mulher”. Segundo LOURO (1997, p.28), as identidades de gênero estão continuamente em construção e as relações sociais atravessadas por diferentes vivências contribuem para a construção do masculino e do feminino, “ arranjando e desarranjando” sua forma de “ ser e de estar no mundo... Essas construções e esses arranjos são sempre transitórios, transformando-se não apenas ao longo do tempo, historicamente, como também transformando-se na articulação com as histórias pessoais, as identidades sexuais, étnicas, de raça e de classe...” Neste contexto, CRISTAL (23 anos) conceituou a mulher, dizendo: “ mulher é sinônimo de trabalho, responsabilidade e submissão e não é valorizada pelo que faz”, Emocionada, falou da mulher ideal: “ uma mulher independente... que não seja submissa, que mande, que tenha coragem para enfrentar.... que vai à luta, não desanima... que goste do que faz, que tenha uma profissão que goste. Essa é a mulher ideal”. Como resultado de sua vivência com o pai na infância e pelo poder exercido por ele, declarou que sempre desejou ser homem: “ não pelo pênis, isso nunca me chamou a atenção... o homem tem toda liberdade de fazer tudo e não é falado, a mulher... fica na boca do povo. O homem pode tudo, a mulher tem que se preservar”. BOECHAT (1997, p. 129 ) discorre sobre a influência das histórias familiares na construção do masculino e feminino: “ As histórias familiares se desenrolam em vários planos, sobretudo por estarem implicadas com aspectos inconscientes, passados de geração a geração, onde problemas diversos fazem eco uns aos outros. [ ... ] Masculino e feminino articulam-se forçosamente com os mitos familiares e com toda sua complexidade...” O poder exercido pela mulher foi vislumbrado no depoimento de AMETISTA (46 anos), quando esta referiu-se à mãe: “ uma personalidade mais forte do que meu pai dentro da família... a gerenciadora... até hoje, meu irmão tem nela a sua consultora”. Através dos depoimentos, percebi que as entrevistadas pertencem a famílias nas quais as mulheres exerciam o poder ou os homens dominavam por meio do medo ou o poder era exercido de forma complementar e recíproco, como o caso de GRANADA (60 anos) “ meu pai era uma pessoa maravilhosa... Minha mãe, Vige! Era maravilhosa, amiga... mandavam igual.... ele dava respeito para ser respeitado”. Para TOPÁZIO (33 anos), a diferença entre os sexos é algo natural, fruto da educação, mas que na verdade ambos de completam. Atribuiu à sociedade a supervalorização masculina. Demonstrando sentimento de independência, declarou: “ nunca me projetei dependente ou abengalada num homem... sempre me projetei dona da situação”. De forma semelhante, AMETISTA (46 anos) afirmou que vê o homem e a mulher das mesma maneira, cada um dentro do seu limite de vida, de seus problemas, seus medos e que ambos são tratados da mesma forma. Declarou que ambos sofrem influências positivas e negativas da sociedade e cabe a cada um internizá-las ou não. Concordo com LOURO (1997, p. 41), quando argumenta que os gêneros se produzem nas e pelas relações de poder: “ Homens e mulheres certamente não são construídos apenas através de mecanismos de repressão ou censura, eles e elas se fazem, também, através de práticas e relações que instituem gestos, modos de ser e de estar no mundo, formas de falar e de agir, condutas e posturas apropriadas...” Dentre as entrevistadas, a maioria falou das mudanças ocorridas em relação a ser mulher nas última décadas, na luta pela valorização do trabalho profissional como forma de emancipação, da independência alcançada e do prazer em ser mulher no final de um século tão conturbado e ao mesmo tempo tão importante para elas. ESMERALDA (73 anos), emocionada, relatou que gosta de ser mulher: “ ser mulher é uma ‘coisa’ muito grande, muito sublime, muito edificante. É bom ser mulher”. Altiva, GRANADA (60 anos) declarou: “ sou privilegiada por ter nascido mulher”. Vê as mulheres como seres de capacidade superior, lutadoras, pivô da transformação social esperada por ela durante décadas: “ abençoados sejam aqueles que libertaram a mulher... não deram o grito de independência antes porque não tinham oportunidade”. Pensativa, relatou que atualmente está passando por uma “ crise de aceitação...” DIAMANTE (53 anos), confessou que “ se eu tivesse que reencarnar, eu queria ser mulher novamente”. Admira as mulheres pela sua capacidade de equilíbrio, pelas suas lutas e conquistas na caminhada em busca do seu reconhecimento como seres humanos inteligentes e participativos, numa sociedade injusta e machista. Declarou que é uma batalhadora e que, às vezes, sente-se cansada, pronta a desestruturar-se, porém fortifica-se na idéia de ser independente: “ eu vejo mulheres com ‘cabeças’ maravilhosas e homens com ‘cabeças’ de minhoca, não sabem pensar... o machismo ainda não deixa a mulher ser superior a determinados trabalhos porque pertence ao macho...” Também falando da transformação sofrida pela mulher, RUBI (52 anos) enfatizou que a libertação das mulheres foi resultado de muita luta, dignidade e sofrimento. Vê nas mulheres seres inteligentes que souberam conquistar sua liberdade sem perder se lado apaziguador e sentimental. Sua maior realização é ter posto no mundo “ uma mulher”. “Sou feliz... queria ser mulher, sempre mulher... ser mulher é uma dádiva de Deus... um privilégio que Deus deixou”. As mulheres engajadas na sociedade, envolvidas com diferentes atividades, fortalecidas na política, na economia e sendo destaque “ além do lar”, são reconhecidas, com muito orgulho, por AMETISTA (46 anos) que gosta de ser mulher, e mulher como é, sem se incomodar com o que o outros pensam a seu respeito. A libertação e a independência através da profissão apareceu no emocionante relato de SAFIRA (45 anos) que contou sobre sua luta em se libertar da idéia de ter sido criada para prestar contas ao homem, dos sacrifícios enfrentado par poder estudar e se profissionalizar, do valor que sua profissão de professora atribuiu à sua vida: “ por trabalhar fora... sou independente. Adquiri essa independência”. Considerando-se feminista, defensora dos direitos da mulher, independente, decisiva, extrovertida e de fácil amizade, TOPÁZIO (33 anos), declarou que “ ser mulher é ser uma pessoa forte, inteligente... que tem mais sensibilidade e pode ser mais útil à sociedade do que o homem... a mulher é a base”. TURQUESA ( 28 anos), sente-se bem como mulher. Idealizou “ uma mulher que lute, que se defenda, que saiba se protegê”. Segundo ZWEIG (1994) uma consciência feminina emergente vem mostrar que determinados problemas básicos que ora enfrentamos são herança de eras passadas, as quais dificultam a determinação de nos percebermos masculino ou feminino. A autora considera a existência desses problemas em cinco níveis distintos: 1) No nível arquetípico... o que é considerado masculino ou feminino pode diferir de sociedade para sociedade, mas o ponto essencial é que sempre existe uma diferença [ ... ] . 2) No nível interpessoal, homens e mulheres reagem reciprocamente com base em seus próprios sistemas de valores... como enxergamos e nós mesmos? Como enxergamos o sexo oposto? [ ... ] . 3) No nível da sociedade, a cisão entre papéis masculino e feminino é uma questão que inclui diferenças no poder e na autoridade... Até que ponto conseguimos fazer com que os interesses de ambos os sexos assumam o processo de tomada de decisão em nossa sociedade? 4) No nível ambiental... há carência de uma boa educação e assistência para aquelas de nossas crianças que mais precisam... 5) No nível espiritual... o problema é que um número excessivo de pessoas com poder e influência está mais preocupado com os ganhos imediatos que com uma visão evolutiva global da humanidade e seu bem estar... Somos incapazes... de ver nossas vidas “ sob o aspecto da eternidade...” ( p. 324) Sob a ótica dos níveis citados, percebi que a questão do gênero vai muito além do imaginado e do aprendido. Homens e mulheres são produzidos pela própria humanidade constituída por eles; a história nos mostra claramente que o feminino sempre foi visto em sua relação com o masculino numa força constante de assegurar a fertilidade da terra e da humanidade. Faz-se necessário que homens e mulheres pensem suas necessidades, sua qualidades especiais num processo de relacionamento mútuo e criativo, cujo objetivo seja o de se conhecerem uns aos outros para poderem perceber que ambos possuem valores que precisam ser preservados e respeitados ao mesmo tempo que fortalecidos na espiritualidade. CAPÍTULO V CONSIDERAÇÕES FINAIS Eu me entusiasmo porque acredito. Sonho jovens ilusões. Mas levo comigo a força crua dos realistas. Sinto-me eufórico (a), preocupado (a), livre, responsável... JOÃO CARLOS PECCI Instigada pelas indagações e dúvidas que surgiram e surgem nas conversas com mulheres; pela insegurança e desespero observados em mães quando chamadas ao Serviço de Orientação Educacional (SOE) para tratar assuntos que diziam respeito à sexualidade de seus filhos; pelo trabalho desenvolvido com alunos e alunas de diferentes níveis de graduação e grupos de mulheres jovens e idosas de diferentes níveis sócio-culturais, senti-me desafiada a fazer este estudo. A preocupação em trabalhar com mulheres adultas baseou-se nas razões citadas e na crença que tenho em afirmar a idéia de que o ser humano é dotado de plasticidade que lhe garante a capacidade de reformulação como processo de transformação contínuo que tem início na concepção e se desenvolve até o infinito. Portanto, a escolha de nove mulheres de diferentes gerações para fazer parte deste trabalho foi intencional. Considero as mulheres avós, mães, irmãs, amigas ou colegas, ainda hoje, as maiores responsáveis pela Orientação Sexual. Vejo a mãe, tanto aquela que gera como a que recebe crianças geradas por outra mulher, a maior responsável pela educação dos filhos. No mundo capitalista em que vivemos e com a necessidade crescente da mão-de-obra feminina, vejo avós e irmãs também assumindo o papel de educadoras na família. Além disso, não podemos deixar de citar a mulher professora, visto que, atualmente, o sexo feminino ocupa o maior número no corpo educacional das escolas. A idade das entrevistadas permitiu que através de seus depoimentos fossem mostradas as transformações e as permanências vivenciadas por elas, nas diferentes gerações. Justificou-se dessa forma o que muitos autores já vinham afirmando: a sexualidade sempre foi e ainda é um assunto polêmico e instigador. Vislumbrei vivências ocorridas no auge da juventude de ESMERALDA, nos anos 40; de GRANADA, nos anos 50; de DIAMANTE e RUBI, no início dos anos 60; de AMETISTA e SAFIRA, em meados dos anos 60; de TOPÁZIO na segunda metade dos anos 70; de TURQUESA no início dos anos 80 e, finalmente CRISTAL, no final dos anos 80 e início dos anos 90. No encontro com essas mulheres busquei captar as emoções, as informações, as percepções que me permitissem compreender aspectos das vivências e significações de sexualidades femininas e suas relações com experiências educativas. A partir da análise dos dados e das compreensões elaboradas no diálogo com a literatura, as quais possibilitaram desvelar as essências do fenômeno pesquisado. Percebi o desconhecimento que as mulheres têm de seus corpos e as dificuldades em de tratar sua sexualidade. Percebi também a necessidade urgente que pairava e continua pairando em nossa sociedade de se fazer uma Orientação Sexual que possa contibuir para a realização plena e consciente do ser humano. Escrevo estas considerações com o propósito de despertar nos leitores, homens e mulheres, momentos de reflexão que envolvam a importância de resgatarmos a nossa imagem enquanto educadores e orientadores de nossas vidas, de nossos descendentes e dos que conosco convivem. Cada vida é uma vida, cada subjetividade é uma subjetividade. No entanto, foi na coletividade do ouvido e do falado, do visto e do escondido, do revelado e do sussurrado que edificou-se este estudo. O que vou considerar aqui aconteceu há mais de cinqüenta anos atrás ou quem sabe, quarenta, ou ainda trinta, ou talvez vinte, ou ainda acontece atualmente, visto que, em determinados momentos, se assemelharam tanto que foi difícil compreender que havia se passado em épocas distintas. Entre tais situações destaco: - No processo de conquista, o mais importante era o olhar... - O contato mais próximo entre moças e moços acontecia nos bailes, nas matinês, nas festas de Igreja, sob o olhar controlador da família ou de amigos da família, onde os mais velhos ficavam atentos à conservação da reputação das moças... Momentos para as apresentações... para iniciar o namoro... - Enquanto dançavam era grande a chance de aproximação dos corpos... o pegar na mão “ era o céu”. - O namoro acontecia sob os olhares de familiares... - A moça se casava para realizar o sonho de ser mãe ou para adquirir um pouquinho mais de liberdade e cumprir seu destino ou o desejado pela sociedade. Servir o marido, ter casa, filhos... relações sexuais... tudo através do casamento. - As mães não conversavam sobre sexualidade com as filhas... Praticamente não existia nenhum tipo de orientação sexual... e quando acontecia, era através de irmãs mais velhas, amigas e livros... - O sexo praticado no escuro, de camisolão, evitava a aparição do corpo, o que era considerado pecado... - O descobrimento do corpo... a supervalorização da virgindade levava a mulher que praticasse sexo antes do casamento a ser expulsa de casa... tudo contribuía para que a noite de núpcias fosse um desastre... um horror... - O fato de saber que o marido tinha outra deixava a mulher magoada, com sentimento de humilhação... relutavam, sofriam muito até chegar à separação ou à luta pela reconquista... - A participação do padre como conselheiro e incentivador do casamento, procurando diminuir a desinformação, através de conselhos e leituras... - O trabalho fora do lar dignificava-as... - A primeira menstruação! Como não citá-la novamente? Vivida com ansiedade, medo, prazer e emoção... lavar a cabeça? Ficar louca? Dúvidas que permanecem até os dias atuais... - A idéia de relação sexual explícita difundida pelos meios de comunicação, na década de 40, entrava em choque com os valores aprendidos... - O desejo de compartilhar a intimidade, de vivenciar o prazer, nutre sentimentos na década de 60... o medo se confunde com o respeito e a consideração. - O prazer passou a ganhar mais espaço na vida das mulheres... - A masturbação é vista como algo pecaminoso e, ao mesmo tempo, bom e normal. “Usa quem quer, quem precisa...” Essas vivências e significações fizeram com que a maioria das mulheres não pudesse proporcionar a seus filhos uma educação da sexualidade, preferindo calar-se ou limitar-se a oferecer-lhes livros e meios para “aprender”. Atualmente essas mulheres confessaram que estão se sentindo mais livres para expor e refletir sobre sua intimidade. Cheias de coragem, elas contam histórias de submissão, recriando o passado, revendo e revivendo as emoções num exercício de liberdade e interesse em serem protagonistas de um novo tempo, no qual a educação sexual, formal e informal, seja vista como um processo ininterrupto, que nos habilite a refazer e desfazer os conceitos superados dentro de nós, transformando nossos pensamentos e nossa vida. Penso que estamos passando por um processo de busca na direção da transformação social, cultural e econômica. A mídia entra indiscriminadamente nas nossas casas e o papel da família como fonte de informação, orientação e educação, sofre alterações. Foram as mulheres que forçaram as portas da própria emancipação, saindo da esfera doméstica para participar da esfera social como trabalhadoras remuneradas, com direito a voto, à participação política, à educação, à sexualidade mais plena. Os avanços acontecem e com eles os comportamentos, valores e concepções, como prazer sexual, virgindade, namoro, casamento, contracepção, separação, traição, entre outros, passam a ser estudados cientificamente, dando à sociedade a oportunidade de socializar as informações. A sexualidade então passa a ser vista como parte do todo que compõe o corpo e não como parte excludente e pecaminosa rodeada de medos e tabus. Ela é algo a ser desenvolvida desde a fecundação até a morte. Se faltar esse aprendizado na direção de sua plenitude, corremos o risco de ver essa dimensão maior do ser humano reduzida à simples dimensão física. De um lado, a ideologia repressiva do sexo, transmitida através de gerações, é a maior responsável pela ignorância, pelos medos e tabus introjetados nas pessoas a esse respeito. De outro, dados atuais da Organização das Nações Unidas (ONU) evidenciam que a televisão, a informática e as revistas são responsáveis pela maior parte das informações transmitidas às crianças e às/aos jovens. Tais dados contribuem para que a preocupação se agrave, visto que, se pode constatar, através de experiências diárias, programas televisionados que mostram uma visão exploratória do sexo como instrumento de prazer, de propaganda, de lucro e de fama. Programas infantis, músicas e concursos em programas de elevada audiência na televisão, supervalorizam músicas e encontros, cujo objetivo maior é a exploração do corpo, levando à desumanização e afetando negativamente a sociedade, principalmente os/as jovens que se encontram em pleno desenvolvimento bio-psico-social. Interesses particulares sobrepujam os valores essenciais da dignidade humana, alimentando o poder e a exploração do sexo. O despreparo e/ou descaso das famílias e a influência da mídia na banalização e exacerbação em relação à sexualidade pode fazer com que, atualmente, os jovens e as jovens estejam vivendo fantasias deturpadas e maliciosas. Nesse contexto, cabe uma retomada, no sentido de que os familiares sejam os principais orientadores de seus filhos. Sei das dificuldades e do despreparo que eles enfrentarão em tal situação, por isso proponho que escolas e setores de saúde, que são mais preparados ou que possam fazê-los, passem a prestar este serviço a essa população a fim de procurarmos, em conjunto, soluções para enfrentar tais problemas. Como muito bem coloca CARVALHO (1995), a orientação sexual se faz necessária. As escolas e as universidades devem preparar-se para trabalhá-la. Chamo atenção também para a necessidade de se fazer um trabalho paralelo com os familiares a fim de que eles possam viver mais plenamente sua própria sexualidade e, consequentemente, poderem orientar seus filhos/as para que não continue acontecendo o que a autora coloca: “ A falsidade dos conceitos de liberdade aos jovens e o despreparo destes fazem com que sua iniciação sexual seja experimentada de uma forma inadequada. [ ... ] A liberdade sem autonomia, decorrente da modernização social dos costumes, sem ter orientação sexual aberta, implica em sofrimento para as partes”. ( p. 252) Neste momento, considero imprescindível resgatar a distinção explicitada por SUPLICY (1993), entre educação sexual e orientação sexual: “ Educação é um processo ao qual todos somos submetidos, querendo ou não”. (p. 22 ). É um processo ininterrupto, através do qual formamos nossa opinião, transformamos nosso pensamento. Acontece de forma constante e, muitas vezes, espontânea. Enquanto que a orientação difere da educação pelo fato de ser “ formal, sistemática e temporária”. ( p. 23 ). Na escola deve ocorrer a orientação sexual com a finalidade de alcançar três objetivos fundamentais: “(...) completar as lacunas de informações com que os jovens chegam à escola. (...) mexer com os preconceitos. (...) mexer com os conflitos”. ( p. 25) O papel do educador como orientador sexual envolve ações que transcendem o espaço escolar, atingindo a sociedade como um todo. E, para tanto, precisamos assumir um compromisso com a comunidade. Neste compromisso faz-se necessário repensar nossa realidade, discutir o assunto nos diferentes segmentos sociais, buscar mudanças e transformações sociais, econômicas, políticas e culturais efetivas. Os movimentos, os grupos organizados, as ações coletivas, merecem atenção e respeito. A força da união e dos interesses coletivos poderão gerar uma repercussão mais ampla e intensa. Concordo com GONÇALVES ( 1993), quando enfatiza que o nosso compromisso é fazer uma leitura crítica da realidade que estamos vivendo para que possamos compreender o fenômeno das relações sociais a fim de definirmos uma linha de ação, cuja finalidade seja a transformação de nossa sociedade. Neste sentiddo, precisamos repensar a escola. Pensá-la como um espaço social, aberto a todos os segmentos da sociedade e cuja proposta pedagógica esteja voltada aos interesses de sua clientela, garantindo-lhe o acesso e sua permanência. Segundo GONÇALVES (1993, p. 273), a orientação sexual é uma das alternativas de que a escola dispõe para: “... garantir uma unidade de ação que se contraponha ao individualismo e faça o social prevalecer no desafio da construção do conhecimento”. O preparo do profissional envolvido, a definição e elaboração de metodologias envolventes, o conhecimento do grupo a ser trabalhado, a presença da família e a priorização dos assuntos de interesse dos alunos, são aspectos fundamentais para se pensar em uma orientação sexual consciente e compromissada. Não se faz orientação sexual impondo-se assuntos. Ela só ocorrerá efetivamente a partir de interesses e formação de grupos com anseios próprios. Com isso estou tentando colocar que a orientação sexual não deve ser dada simplesmente como conteúdo programático e nem como matéria obrigatória do currículo, mas sim, como meio de atendimento a grupos com interesses comuns. Caso contrário, ela não passará de meros encontros de informações desvirtualizada do ponto fundamental: o interesse. A busca por uma ação pedagógica de orientação sexual competente é o grande desafio de todos os envolvidos. Pois, antes de mais nada, precisamos nos sentir como seres verdadeiramente sexuados e não alienados. Autovalorização, ser homem e ser mulher, corpo e sexualidade, direitos e cidadania, desmistificação dos tabus e medos, o uso responsável da liberdade, saúde e sexualidade, desigualdade sexual, sexo, matrimônio e reprodução, família, violência e abuso sexual, são assuntos, entre outros, que poderão se trabalhados efetivando-se uma orientação sexual que vise desenvolver a autonomia de poder aprender, crescer, definindo a si próprio o que pode ou não pode, numa troca de respeito por si e pelo outro. Desmistificando as tão criticadas “ aulas de sexo”. A educação sexual, como processo contínuo, faz parte do viver de crianças, jovens, adultos e velhos, pois não há indivíduos que não tenham recebido alguma forma de educação sexual. Mas afinal, de quem é essa responsabilidade? Quem deve fazer a orientação sexual? Penso que todos somos responsáveis e que essa responsabilidade não deve ser unicamente da escola, mas também da família, onde ela tem início desde o momento em que decidimos ter filhos e vejo a escola como mentora de um ambiente propício à troca, à discussão, ao conhecimento e às vivências da própria sexualidade. Ao Estado compete transformar as demandas coletivas em ações que viabilizem condições adequadas de existência social, garantindo a formação plena do indivíduo. O Sistema de Saúde, como viabilizador de ações educativas de cunho preventivo, evitando que sua clientela sofra as conseqüências da desinformação. Estas ações deveriam implicar atendimento mais pessoal, permitindo a seus pacientes um diálogo aberto. A orientação sexual mesmo se realizada fora dos espaços formais convencionais, vem ao encontro das pessoas menos favorecidas pelo sistema, pois já se encontram fora das escolas, aposentadas e na maioria, excluídas da sociedade. A minha experiência com grupo de mulheres num trabalho voluntário durante muitos anos, mostrou-me o quanto é importante a atenção e a liberdade de expressão dada a essas pessoas no que tange às suas vivências. Os resultados são visíveis: filhos mais informados nas escolas, maridos pedindo encontros também com eles, mulheres mais felizes e com menos problemas. Mulheres idosas que já não tinham mais esperança, voltaram a ter uma vida mais humana e participativa, passaram a serem vistas como seres humanos de grande valor pelas suas famílias. Essa parcela da população precisa e deve ser ajudada a adquirir concepções para melhorar suas vivências. A meu ver, a escola que possuir em seu corpo pedagógico pessoas que se sintam efetivamente envolvidas com estas questões, poderá desenvolver esse trabalho de modo frutífero. Se orientarmos sexualmente a criança, poderemos ter um/uma adolescente melhor; se ouvirmos sexualmente o/a adolescente, poderemos ter um adulto confiante; se ajudarmos sexualmente o adulto, poderemos ter adolescentes melhores, adultos confiantes e idosos preparados para viver plenamente sua sexualidade, conscientes das mudanças e alterações fisiológicas que ocorrerão na maturidade. Abrir espaço, vivenciar situações, trocar idéias, desejos, repensar, pensar é isso e muito mais o que se quer da orientação sexual. Não considero que o/a professor/a que trabalhe em orientação sexual seja terapeuta ou consultor médico, mas sim um condutor de debates, propondo atividades, levantando questões, complementando dados e informações que ajudem a reflexão dos alunos sem misturar este papel com questões pessoais. A ética do trabalho precisa ser garantida por parte dos participantes. O compromisso em manter sigilo e o respeito pelas manifestações do grupo, sem levá-los ao conhecimento de outras pessoas, é ponto primordial a ser discutido e assumido com muita responsabilidade. A formação de profissionais universitários se faz urgente no que tange à preparação para tornar-se professor/a que possa trabalhar em orientação sexual. Penso que disciplinas de orientação sexual devem fazer parte do currículo, nas Instituições de Ensino Superior, principalmente dos cursos de Pedagogia, Biologia e Educação Física. Pois, preparar esse profissional requer muito mais do que palestras ou semanas de estudos. Requer um trabalho educativo continuado, sob a supervisão sistemática de especialistas ou profissionais com experiência na área, visto que o referido profissional deve conhecer o tema, saber que metodologias poderá usar, a quem servirá tais metodologias, que tipo de clientela pretende atingir e que orientação sexual quer fazer. Desmistificar a sexualidade como instrumento de domínio e repressão e contribuir efetivamente para o fim do analfabetismo sexual é tarefa também das universidades quando se pensa e se fala em educação transformadora e libertadora. Preparar o professor sob uma ótica, denominada por SCHIAVO (1993, p. 396) de “ linguagem total no ensino-aprendizagem da sexualidade”, é tarefa primordial dos cursos superiores. O autor explicita alguns princípios norteadores, que considero pertinente citá-los, visto que um dos objetivos deste meu estudo é fornecer subsídios para a orientação sexual: 1) Participativa - a palavra deve ser assegurada a todos e não existem as figuras do educador e do educando... o universo do conhecimento será compartilhado e discutido sem imposições de verdades absolutas. 2) Dialógica - a forma de atuação é o diálogo, a troca de informações... onde a negociação de conhecimentos e pontos de vista substitui a ditadura do saber. 3) Lúdica - o sexo é bom e deve ser transmitido de forma alegre e positiva... tornando o ambiente favorável ao desenvolvimento do processo de mudança e percepção frente à sexualidade. 4) Cotidiana - o sexo está presente em tudo que nos cerca e daí vem a inspiração sobre o que falar... Do cotidiano sai a matéria-prima para discussão sobre todos os aspectos da sexualidade. 5) Criativa - as potencialidades dos membros do grupo devem ser exploradas, devem servir de vínculos à apresentação dos temas e situações... 6) Intimista - a vivência de cada um na área da sexualidade... deve ser compartilhada com liberdade... 7) Servindo aos indivíduos - [ ... ] o sujeito da educação sexual é a pessoa e não a organização. ( p. 395 ) Proponho, portanto, um trabalho de orientação sexual que percorra caminhos ricos em informações e esclarecimentos, farta em sentimento de respeito, amor, cooperação e valorização do ser humano como ser integrante de uma sociedade detentora de direitos e deveres, na qual a honestidade e o respeito ao próximo sejam os grandes norteadores na conquista por um corpo totalizado. Talvez esteja sonhando alto ao acreditar numa orientação sexual ativa, porém sei que o início desta caminhada poderá ser o marco de um novo futuro, de um novo ser humano consciente e preparado para viver plenamente. Vamos à luta, a transformação depende do nosso trabalho, do trabalho conjunto dos envolvidos, no qual os tropeços devem ser encarados apenas como atalhos e não como obstáculos finais e intransponíveis. Proponho igualmente a continuidade deste estudo em outros que focalizem também o homem, pois a vida não se conclui e a mulher e o homem se complementam... POSFÁCIO Saudade infinita... É esse o meu sentimento por você... Você que viveu em nossa companhia por longos e maravilhosos anos... Você que ficou emocionada quando lhe falei que gostaria de conhecer a sua história, que seria minha entrevistada... Você que gestou a dona do meu ninho... Você que foi muito amada, é amada e será eternamente amada... Você que mesmo a caminho da vida eterna, transmitia esperança, força e luz... Você que me permitiu horas maravilhosas de convivência, onde a vontade louca em ouví-la superava qualquer compromisso... Você que viajou para a vida eterna, não permitindo que sua maravilhosa história fosse concluída... Você que emocionada relatou que nasceu em 1913, numa família de italianos da Pádua. Que teve sete irmãos e cinco irmãs... Você que demonstrando tristeza, declarou que viveu em uma época em que a mulher não era valorizada, que não teve direito à herança paterna, que os filhos varões eram o símbolo da família porque “ carregavam o nome do pai”. Você que alegremente relembrou as brincadeiras de infância. O correr pelos campos, as bonecas de espiga de milho, as brincadeiras no “tanque”... Você que envergonhada relatou que teve sua primeira menstruação aos doze anos. Que correu até o rio para lavar-se e que “ achava que tava machucada”. Que escondeu da mãe e com medo procurou “ trapo de roupa” para se proteger... Você que apaixonada relatou que foi muito namoradeira e que no intuito de justificar-se declarou que só teve dois namorados “ sérios”, que freqüentaram a casa. Que começou a namoricar com quatorze anos... Você que feliz declarou que conquistou seu companheiro, que ele era noivo de outra e que “ eu venci e casei com dezoito anos... depois de um ano de namoro e noivado”. Você que altiva relatou que sempre teve casa própria, conforto e empregadas para fazer os seus serviços domésticos, costureira em casa para fazer as roupas da família e principalmente os vestidos das filhas. Que tinha nas empregadas muita confiança e amizade, que as considerava verdadeiras irmãs. Você que apaixonada, quase sussurrando, relatou que o marido era muito carinhoso, que gostava de tê-la em sua companhia, que sabia explorar seus pontos de prazer, que era afoito e apaixonado na cama. Que viviam como “pombinhos”, passeavam, iam a festas... Você que submissa declarou que sempre o tratou com muito respeito, dirigindo-se a ele, chamando-o de senhor... Você, que sonhadora, relatou que teve a primeira filha após três anos de casada e que sempre usou o coito interrompido como meio de contracepção... Você, que orgulhosamente declarou que teve cinco filhas, fruto de seu amor e da “vontade de Deus”... Você, que pensativa, declarou que as decisões, os negócios, partiam do marido e que teve na filha mais velha o suporte nos acertos do armazém... Você, que desolada, relatou que não realizou um grande sonho: aprender a ler e escrever e que agradece a Deus por ter podido dar estudo para as filhas... Você que deprimida declarou que foi severa com as filhas, que não tinha conhecimento para ensiná-las, que gostaria que o tempo voltasse para poder fazer tudo o que não fez... Senhora, que eu chamo carinhosamente de você. Que com certeza está num plano espiritual maravilhoso, rodeada por flores que perfumam seu caminho... envolta por anjos que inundam seu espírito com canções maravilhosas... Você, que foi escolhida por Deus... Você que mesmo tão distante e tão perto não poderia deixar de fazer parte deste estudo. Para você, senhora, dedico as palavras de Herbert Daniel, que com certeza está em sua companhia: Vida é algo que você transmite, é transmitida, ela nos penetra, repenetra, ultrapassa e enche... REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARATANGY, Lidia Rosenberg. O sexo é um sucesso. São Paulo: Ática, 1989. BENATOVICH, Beth. A sabedoria das mulheres. Tradução de Anna Olga de Barros Barreto. Rio de Janeiro: Objetiva, 1997. BERNARDES, Nara M. G. Crianças oprimidas: autonomia e submissão. Porto Alegre, 1989. Tese (Doutorado em Ciências Humanas - Educação) - Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. ____________________. 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