Caracterização biológica de membranas de colágeno visando a
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Caracterização biológica de membranas de colágeno visando a
UNIVERSIDADE FEDERAL DO ABC Curso de Pós-Graduação em Nanociências e Materiais Avançados Dissertação de Mestrado Ana Carolina Mioko Nozaki Caracterização de membranas de colágeno visando à aplicação no tratamento de lesões de cartilagem articular. Santo André 2012 1 Curso de Pós-Graduação em Nanociências e Materiais Avançados Dissertação de Mestrado Ana Carolina Mioko Nozaki Caracterização de membranas de colágeno visando à aplicação no tratamento de lesões de cartilagem articular. Trabalho apresentado como requisito parcial para Mestre em Avançados, obtenção do Nanociências e sob título Materiais orientação Professora Doutora Juliana Marchi. Santo André 2012 de da Ficha catalográfica elaborada pelo Sistema de Biblioteca da Universidade Federal do ABC NOZAKI, Ana Carolina Mioko, Caracterização de membranas de colágenos visando à aplicação no tratamento de lesões de cartilagem articular / Ana Carolina Mioko Nozaki — Santo André : Universidade Federal do ABC, 2012. 60 fls. il. 29 cm Orientador: Juliana Marchi Dissertação (Mestrado) — Universidade Federal do ABC, Programa de Pós-graduação em Nanociências e Materiais avançados, 2012. 1. Colágeno 2. Cartilagem 3. Biocompatibilidade. 4.Teste in vitro . I. MARCHI, Juliana. II. Programa de Pós-graduação em Nanociência e Materiais avançados, 2012. III. Título. CDD 620.5 2 4 Dedico esse trabalho a toda a minha família, em especial aos meus pais, Adelina e Sérgio, ao meu irmão, Rodrigo e ao meu amor, Danilo. 5 AGRADECIMENTOS Agradeço a Deus por estar sempre junto a mim e por ter colocado em minha vida pessoas tão especiais e queridas que me ajudaram a superar as dificuldades e a conquistar mais esta etapa de minha vida. Agradeço à Universidade Federal do ABC (UFABC) pelo apoio estrutural e financeiro e ao CNPq e à FAPESP pelo auxílio financeiro. À Profª. Drª Juliana Marchi pela amizade, pelos ensinamentos, pela orientação tão dedicada a este trabalho e por considerar as minhas opiniões com tanta atenção e respeito. Aos colaboradores deste trabalho: à Profª. Drª. Mariselma Ferreira (Centro de Ciências Naturais e Humanas da UFABC, CCNH-UFABC) e suas alunas de doutorado Christiane Pinto Davi e Lígia Maria Manzine pela ajuda nos os ensaios de intumescimento e degradação; à Profª. Drª. Eliana Cristina da Silva Rigo (Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos da USP) por me receber com tanta hospitalidade e por ter me ensinado a metodologia do ensaio de intumescimento; ao aluno de doutorado Thiago Revers Dreyer (UFABC) pela ajuda com a análise de FTIR para o ensaio de degradação; à Profª Olga Zazuco Higa (Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares, IPEN), à Profª. Márcia Martins Marques (Faculdade de Odontologia da USP) e a sua aluna de doutorado Ivana Márcia Alves Diniz, as quais colaboraram imensamente com a realização e análise dos ensaios de citotoxicidade e adesão celular in vitro; ao Prof. Rodrigo F. C. Marques (Instituto de Ciência e Tecnologia da UNIFAL, campus Poços de Caldas) pela síntese das membranas de colágeno; aos laboratórios de microscopia do Centro de Ciência e Tecnologia de Materiais do IPEN (CCTM-IPEN) pelo auxilio com a Microscopia Eletrônica de Varredura (MEV) das membranas de colágeno. À Profª. Drª. Raquel de Almeida Ribeiro, pela amizade e pelas palavras de conforto e incentivo. Aos integrantes dos laboratórios do 5º andar, torre 3, bloco A, em especial ao meu laboratório, 507, pela amizade e agradável convivência. A todos os amigos que conheci no decorrer destes dois anos, vindos de tantos lugares diferentes e que me enriqueceram com suas amizades, permitindo-me compartilhar um pouco de suas histórias e de suas culturas. Em especial aos amigos Wagner, Laos, Thizay e Thiago pelas colaborações teóricas e práticas indispensáveis à conclusão das disciplinas e dos experimentos desta dissertação. 6 Agradeço aos meus familiares que, apesar da distância, sempre estiveram presentes, me apoiando com carinho e amor incondicionais e que sempre participaram alegremente das minhas conquistas. Aos meus pais, Adelina e Sérgio, que me educaram através do amor. Agradeço por todos os ensinamentos, pelos gestos de carinho, preocupação, pela dedicação de uma vida inteira para que eu pudesse ter um bem tão precioso, a boa educação. Vocês são exemplos de amor, força, persistência e vitória! Ao meu irmão, Rodrigo, de quem tenho tanto orgulho, te agradeço pela amizade e proteção que sempre me dedicou! Ao meu amor, Danilo, uma pessoa maravilhosa que transformou minha vida e me fez mais forte, te agradeço pelo amor, pela paciência, pela compreensão e pelo companheirismo. A todos os que de alguma forma colaboraram com a realização deste trabalho. 7 EPÍGRAFE Desistir? Eu já pensei seriamente nisso, mas nunca me levei realmente a sério. É que tem mais chão nos meus olhos do que cansaço nas minhas pernas, mais esperança nos meus passos do que tristeza nos meus ombros, mais estrada no meu coração do que medo na minha cabeça. Geraldo Eustáquio de Souza 8 CARACTERIZAÇÃO DE MEMBRANAS DE COLÁGENO VISANDO À APLICAÇÃO NO TRATAMENTO DE LESÕES DE CARTILAGEM ARTICULAR. Ana Carolina Mioko Nozaki RESUMO O tecido cartilaginoso apresenta características que dificultam o reparo de lesões e a formação de tecido regenerativo. A literatura apresenta alguns tratamentos, porém, a maioria visa apenas o alívio dos sintomas e poucos são comprovadamente eficazes para a regeneração. Os materiais à base de colágeno são estudados como terapias alternativas para o tratamento de lesões de diferentes tecidos, podendo mostrar bons resultados também no tratamento de lesões de cartilagem. O objetivo deste trabalho foi caracterizar membranas de colágeno visando à aplicação no tratamento de lesões de cartilagem articular. A caracterização das membranas de colágeno foi realizada através de Microscopia Eletrônica de Varredura (MEV) para análise morfológica; ensaio de intumescimento para análise do comportamento das membranas em solução fisiológica em até 24 horas; ensaio de degradação da membrana monocamada em solução fisiológica para avaliação da degradação em até 12 semanas; testes de cultura celular para análise da citotoxicidade e adesão celular. As imagens de MEV de secções transversas das membranas possibilitaram a observação das diferentes estruturas das membranas de colágeno mono e bicamada, mostrando que ambas oferecem um ambiente propício à proliferação celular. Através do ensaio de intumescimento, foi possível selecionar a membrana monocamada como a mais adequada para aplicação in vitro e in vivo, por apresentar maior estabilidade em solução. O teste de degradação mostrou redução de massa das membranas, bem como aumento na concentração de colágeno na solução após 12 semanas, mas com manutenção da estrutura secundária do colágeno nas membranas. Através dos testes de cultura celular foi possível observar que a membrana de colágeno não é citotóxica, as células aderiram adequadamente na superfície do material e que houve alta proliferação celular na placa de cultura, junto com as membranas em até 7 dias. As características biológicas apresentadas pela membrana de colágeno monocamada mostraram que, apesar de a estrutura do material não permitir a penetração das células em seu interior, este biomaterial não é citotóxico e permitiu a adesão celular em sua superfície, mostrando-se como possível candidato à aplicação como suporte para o crescimento celular. Maiores estudos serão necessários para o desenvolvimento de uma membrana que apresente uma estrutura mais adequada ao cultivo de condrócitos, que necessitam de um ambiente que lhes permita a manutenção de sua morfologia e função. Palavras-chave: Colágeno. Cartilagem. Biocompatibilidade. Testes in vitro. 9 CHARACTERIZATION OF COLLAGEN MEMBRANES FOR APPLICATION IN THE TREATMENT OF ARTICULAR CARTILAGE INJURIES Ana Carolina Mioko Nozaki ABSTRACT The cartilaginous tissue has characteristics that hinder the wound healing and regenerative tissue formation. The literature presents some treatments, however, the majority aims only the relief of symptoms and few have proven to be effective for regeneration. The collagen based materials are studied as alternative therapies for the treatment of injuries of different tissues and also may show good results in the treatment of cartilage lesions. The objective of this study was to characterize collagen membranes for application in the treatment of articular cartilage injuries. The characterization of collagen membranes was performed through Scanning Electron Microscopy (SEM) for morphological analysis; swelling test for analysis of the behavior of the collagen membranes in physiological solution until 24 hours; degradation test of the monolayer membrane in physiological solution for the evaluation of degradation until 12 weeks; cell culture tests for analysis of the citotoxicity and cell adhesion. The SEM images of cross sections of the membranes enabled the observation of the different structures of the mono and bilayer collagen membranes, showing that both provide an environment conducive to cell proliferation. Through the swelling test, it was possible to select the membrane monolayer as the most suitable for the in vitro and in vivo application, due to its greater stability in solution. The degradation test showed the mass reduction as well as the increase in the concentration of collagen in the solution after 12 weeks, but with maintenance of the secondary structure of the collagen in the membrane. Through the cell culture tests, it was possible to observe that the collagen membrane is not cytotoxic, the cells adhered adequately in the surface of the material and that there was high cell proliferation in the culture plate, together with the membranes until 7 days. The biological characteristics presented by the monolayer collagen membrane showed that, although the structure of the material does not allow the cell to penetrate inside of it, this biomaterial is not cytotoxic and allowed the cell adhesion on its surface, showing up as a possible candidate to be applied as a scaffold for cell growth. More studies will be necessary for the development of a membrane with a more conductive structure for growing chondrocytes that need an environment that allows them to maintain their morphology and function. Keywords: Collagen. Cartilage. Biocompatibility. In vitro Tests. 10 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 12 2 OBJETIVO.................................................................................................................... 133 2.1 Geral ............................................................................................................................. 13 2.2 Específicos .................................................................................................................... 13 3 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA ....................................................................................... 14 3.1 Cartilagem .................................................................................................................... 14 3.1.1 Conceito ...................................................................................................................... 14 3.1.2 Funções ....................................................................................................................... 14 3.1.3 Estrutura...................................................................................................................... 14 3.1.4 Tipos de cartilagem ..................................................................................................... 14 3.1.5 Lesões de cartilagem ................................................................................................... 16 3.1.6 Regeneração de cartilagem articular ............................................................................ 18 3.2 Biomateriais e engenharia tecidual.............................................................................. 20 3.2.1 Biomateriais poliméricos ............................................................................................. 22 3.3 Colágeno no tecido biológico ........................................................................................ 22 3.3.1 Origem ........................................................................................................................ 22 3.3.2 Estrutura molecular e síntese ....................................................................................... 23 3.3.3 Aplicação do colágeno para regeneração tecidual ........................................................ 27 3.3.3.1 Aplicação do colágeno para regeneração condral ...................................................... 29 3.4 Testes de avaliação biológica de biomateriais ............................................................. 29 4 MÉTODOS ...................................................................................................................... 32 4.1 Síntese das membranas de colágeno ............................................................................ 32 4.2 Caracterização das membranas de colágeno............................................................... 32 4.2.1 Microscopia Eletrônica de Varredura (MEV) das membranas de colágeno mono e bicamada.............................................................................................................................. 32 4.2.2 Testes in vitro .............................................................................................................. 32 4.2.2.1 Ensaio de intumescimento ........................................................................................ 32 4.2.2.2 Ensaio de degradação .............................................................................................. 33 4.2.2.2.1 Análise da variação da massa das membranas ........................................... 33 4.2.2.2.2 Espectroscopia de UV-Visível .................................................................... 34 4.2.2.2.3 Espectroscopia de Infravermelho com Transformada de Fourier (FTIR) .... 33 4.2.2.3 Testes de citotoxicidade ............................................................................................ 34 11 4.2.2.3.1 Teste de extrato ....................................................................................... 35 4.2.2.3.2 Teste de contato direto I .......................................................................... 36 4.2.2.3.2 Teste de contato direto II ......................................................................... 36 4.2.2.5 Teste de adesão ........................................................................................................ 37 5 RESULTADOS E DISCUSSÃO ..................................................................................... 38 5.1 Microscopia Eletrônica de Varredura (MEV) das membranas de colágeno mono e bicamada. ........................................................................................................................... 38 5.2 Testes in vitro ................................................................................................................ 39 5.2.1 Ensaio de intumescimento ........................................................................................... 39 5.2.2 Ensaio de degradação .................................................................................................. 42 5.2.2.1 Análise da variação da massa das membranas ......................................................... 42 5.2.2.2 Espectroscopia de UV-Visível ................................................................................... 42 5.2.2.3 Espectroscopia de Infravermelho por Transformada de Fourier (FTIR) ................... 42 5.2.3 Testes de citotoxicidade .............................................................................................. 46 5.2.3.1 Teste de extrato ........................................................................................................ 46 5.2.3.2 Teste de contato direto I ........................................................................................... 48 5.2.3.3 Teste de contato direto II .......................................................................................... 50 5.2.5 Teste de adesão ........................................................................................................... 51 6 CONCLUSÕES ............................................................................................................... 54 7 BIBLIOGRAFIA............................................................................................................. 55 12 1 INTRODUÇÃO Os atletas constituem um grupo de pacientes fortemente susceptíveis a lesões ortopédicas de diferentes tecidos devido ao contato físico com outros atletas, o impacto, o esforço repetitivo, a sobrecarga, entre outros. As lesões de cartilagem articular, particularmente, se apresentam como um grande problema em esportes de alta competitividade, pois estão tradicionalmente associadas à limitação da atividade esportiva e potencial encerramento da carreira (MITHOEFER et al, 2009). Isto se deve a um aspecto muito importante, a falta de vascularização na cartilagem articular que prejudica o processo de regeneração deste tecido (LEE & SHIN, 2007; LOMBELLO et al, 2003). Atualmente, diversas terapias têm sido estudadas e aplicadas no tratamento de lesões de cartilagem articular, tal como a cicatrização fibrosa, o uso de matriz óssea desmineralizada e de materiais à base de colágeno (CAMANHO, 2001; COSTA et al, 2001; LEE e SHIN, 2007). Porém, na maioria das vezes, os tratamentos são paliativos e grande parte dos casos de lesão cartilaginosa apresenta recuperação insatisfatória, sem a regeneração do tecido condral e com a formação de tecido fibroso no local da lesão. Novas propostas de tratamento de cartilagem envolvem a utilização de técnicas de engenharia tecidual e o uso de biomateriais, dentre eles, o colágeno. O colágeno é o principal constituinte protéico do corpo dos mamíferos, estando presente em diferentes tecidos, como a pele, a cartilagem, os ossos e os tendões. Atualmente a família dos colágenos é composta por mais de vinte tipos geneticamente diferentes, dentre os quais, os mais bem caracterizados são os colágenos formadores de fibras longas (tipos I, II, III, V e XI), os colágenos associados a fibrilas (tipos IX, XII e XIV), o colágeno que forma rede (tipo IV) e o colágeno de ancoragem (tipo VII) (JUNQUEIRA & CARNEIRO, 2004). Os biomateriais a base de colágeno têm sido estudados há muitos anos e sua aplicação no tratamento de diversos tecidos lesados tem apresentado ótimos resultados (MIMURA et al, 2008; FRENKEL et al, 1997), inclusive para o tratamento de lesões de cartilagem. A avaliação dos biomateriais envolve diversos ensaios in vitro, in vivo e estudos clínicos, para que se possa avaliar a interação dos materiais com ambientes biológicos e os riscos possíveis relacionados à sua aplicação. Neste trabalho foram realizados testes biológicos in vitro para a avaliação do comportamento de membranas de colágeno com duas estruturas diferentes, uma monocamada e outra bicamada, quando imersas em solução fisiológica e também em contato com células. 13 2 OBJETIVO 2.1 Geral Caracterizar membranas de colágeno monocamada e bicamada visando à aplicação no tratamento de lesões de cartilagem articular. 2.2 Específicos Analisar a morfologia das membranas; Analisar o comportamento de intumescimento das membranas em solução PBS (phosphate buffered saline) em até 24 horas; Analisar a degradação das membranas em solução PBS por até 12 semanas; Avaliar o grau de citotoxicidade das membranas; Avaliar a adesão das células sobre as membranas. 14 3 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA 3.1 Cartilagem 3.1.1 Conceito O tecido cartilaginoso é uma forma especializada de tecido conjuntivo de consistência rígida, composto por condrócitos e pela matriz extracelular (JUNQUEIRA & CARNEIRO, 2004). 3.1.2 Funções A cartilagem desempenha a função de suporte de tecidos moles, reveste superfícies articulares, onde absorve choques e facilita o deslizamento dos ossos nas articulações. Estas funções dependem principalmente da estrutura da matriz, a qual é constituída de colágeno ou colágeno e elastina, em associação com macromoléculas de proteoglicanas, ácido hialurônico e diversas glicoproteínas (JUNQUEIRA & CARNEIRO, 2004). 3.1.3 Estrutura A consistência firme da cartilagem deve-se, principalmente, às ligações hidrostáticas entre os glicosaminoglicanos sulfatados e o colágeno, e à grande quantidade de moléculas de água presas a esses elementos, o que confere turgidez à matriz (JUNQUEIRA & CARNEIRO, 2004). A cartilagem hialina, exceto a cartilagem articular, é envolvida pelo pericôndrio, o qual é fonte de novos condrócitos, além de apresentar vasos sangüíneos e linfáticos, inexistentes na cartilagem, sendo responsável pela nutrição e eliminação de refugos metabólicos (JUNQUEIRA & CARNEIRO, 2004). Como nenhuma estrutura neurovascular penetra o pericôndrio, toda nutrição chega à cartilagem através de difusão, limitando a superfície da cartilagem a poucos centímetros (HORVAI, 2011). As cartilagens que revestem a superfície dos ossos nas articulações móveis não têm pericôndrio e recebem nutrientes do líquido sinovial das cavidades articulares. O tecido cartilaginoso é também desprovido de vasos linfáticos e de nervos (JUNQUEIRA & CARNEIRO, 2004). 3.1.4 Tipos de cartilagem Segundo Junqueira & Carneiro (2004), a cartilagem pode ser classificada de acordo com os componentes da matriz extracelular em: 15 a) Hialina: é o tipo mais comum encontrado no corpo humano e sua matriz possui fibrilas constituídas principalmente por colágeno do tipo II. Ela forma o primeiro esqueleto do embrião, constitui o disco epifisário, a parede das fossas nasais, traquéia, brônquios, a extremidade ventral das costelas e recobre as superfícies articulares dos ossos longos. b) Elástica: possui poucas fibrilas de colágeno do tipo II e abundantes fibras elásticas. Ela é encontrada no pavilhão auditivo, no conduto auditivo externo, na tuba auditiva, na epiglote e na cartilagem cuneiforme da laringe. c) Fibrocartilagem: apresenta matriz constituída preponderantemente por fibras colágenas do tipo I. É encontrada nos discos intervertebrais, nos pontos em que alguns tendões e ligamentos se inserem nos ossos, e na sínfise pubiana. Microscopicamente, a cartilagem articular é composta pela matriz extracelular circundando um único tipo celular, os condrócitos (FLIK et al, 2007). A matriz extracelular da cartilagem hialina é composta por água (60 a 80% de seu peso líquido) e por diversas macromoléculas, sendo o colágeno do tipo II a principal delas (95%), podendo ocorrer também colágenos dos tipos IV, IX, X e XI (ANGEL et al, 2003). Além do colágeno, a matriz contém glicosaminoglicanos ligados através de ligações covalentes a proteínas, formando proteoglicanos. Cada molécula de proteoglicano consiste em uma parte central protéica, de onde irradiam numerosas moléculas não ramificadas e relativamente curtas de glicosaminoglicanos sulfatados, aos quais se une uma grande quantidade de moléculas de água que atua como um sistema de absorção de choques mecânicos, com grande significado funcional (JUNQUEIRA & CARNEIRO, 2004). Outro componente importante da matriz da cartilagem hialina é a glicoproteína estrutural condronectina, uma macromolécula com sítios de ligação para condrócitos, fibras colágenas do tipo II e glicosaminoglicanos. Assim, a condronectina participa da associação do arcabouço macromolecular da matriz com os condrócitos (JUNQUEIRA & CARNEIRO, 2004). Os condrócitos são derivados de células mesenquimais e sua função principal é manter a matriz extracelular (FLIK et al, 2007). Eles secretam colágeno, principalmente do tipo II, proteoglicanos e glicoproteínas, como a condronectina (JUNQUEIRA & CARNEIRO, 2004). Como pode ser observado na Figura 1, a cartilagem articular pode ser dividida em quatro zonas distintas: superficial, de transição, profunda e calcificada (FLIK et al, 2007): 16 - Zona superficial: nesta região, as fibras de colágeno são orientadas paralelamente à superfície, os condrócitos são alongados, há poucas moléculas de proteoglicanos e alto conteúdo de água. - Zona de transição: as fibras colágenas apresentam maior diâmetro, com menor organização e os condrócitos são arredondados. - Zona profunda: as fibras colágenas são orientadas perpendicularmente à superfície articular. Os condrócitos são esféricos e estão organizados em um padrão colunar. A concentração de proteoglicanos é maior nesta região e o conteúdo de água é menor. - Zona calcificada: região de transição que ancora a cartilagem hialina sobrejacente ao osso subcondral. Esta região rígida bloqueia o transporte de nutrientes do osso subjacente, tornando a cartilagem articular dependente da nutrição através do líquido sinovial. As células nesta região são pequenas e distribuídas randomicamente em uma matriz preenchida por sais de apatita. Figura 1 – Estrutura da cartilagem articular dividida em quatro zonas. Em (A) observa-se a variação na morfologia dos condrócitos em cada zona; em (B) observa-se orientação das fibras de colágeno em cada zona. Fonte: Flik et al (2007) (modificado). A estrutura e composição únicas da cartilagem articular proporcionam às articulações uma superfície que combina baixa fricção, alta lubrificação, absorção de choques, resistência ao uso e a cargas repetitivas (FLIK et al, 2007). 3.1.5 Lesões de cartilagem As lesões desportivas podem resultar em redução da atividade física, perda de tempo de trabalho, além de substanciais custos médicos (MURPHY et al, 2003). Estas lesões 17 músculo-esqueléticas ocorrem quando a carga de trabalho é maior do que a capacidade de carga dos componentes do sistema músculo-esquelético, resultando em lesões de músculos, tendões, ligamentos, ossos e cartilagem (OLIVEIRA, 2007). A necessidade de atingir vitórias e resultados cada vez melhores em esportes de alta competitividade reflete no crescente número de lesões desportivas em atletas de diferentes modalidades. O atleta de alto nível não utiliza o esporte como forma de melhorar sua saúde, mas torna-se um profissional do esporte, altamente sujeito ao desenvolvimento de lesões por esforço repetitivo, lesões por estresse, fadiga, entre outros (GAERTNER, 2002). Muitas vezes, as lesões desportivas são causadas por métodos inadequados de treinamento, alterações estruturais que sobrecarregam determinadas partes do corpo, por fraqueza muscular, tendínea ou ligamentar (PIRES et al, 2009). As lesões desportivas podem ser classificadas em traumáticas ou por sobrecarga. As lesões traumáticas são causadas por uma carga forte e curta que leva à falha repentina da estrutura e função; já as lesões por sobrecarga são decorrentes de aplicação de sobrecarga permanente, levando ao aumento de dor gradual e disfunção, podendo resultar em lesões crônicas (OLIVEIRA, 2007). As lesões de tecidos moles como músculos, tendões, ligamentos e cartilagem são muito comuns, principalmente em atletas de elite, os quais estão submetidos constantemente a traumas e sobrecarga (DOMINGUES et al, 2005; RAYMUNDO et al, 2005; STEWIEN & CAMARGO, 2005; GANTUS & ASSUMPÇÃO, 2002; EJNISMAN et al, 2001; VITAL et al, 2007). As lesões cartilaginosas, particularmente, representam um grande desafio para os atletas, pois estas lesões estão tradicionalmente associadas à limitação da atividade esportiva e potencial encerramento da carreira (MITHOEFER et al, 2009). Além disso, as lesões condrais são importantes, pois podem predispor o paciente a processos degenerativos articulares, tais como a osteoartrite prematura (CONAGHAN, 2002; LAURINO, 2010; RATZLAFF & LIANG, 2010). Conaghan (2002) afirma que esportes de elite são os que oferecem o maior risco de trauma devido à repetitividade, alta intensidade e alto impacto e afirma ainda que o desenvolvimento de osteoartrite está diretamente relacionado a fatores de risco como a predisposição genética, idade, obesidade, alinhamento do joelho e trauma prévio. Buckwalter et al (1997) realizaram uma revisão bibliográfica a respeito da incidência de osteoartrite no esporte e concluíram que esportes selecionados cuidadosamente, com baixo impacto, tais como natação recreacional, golf, caminhada, bicicleta ergométrica, entre outros, parecem não aumentar o risco de desenvolvimento de osteoartrite em pessoas de média idade ou idosos 18 com articulações e força muscular normais. Porém, esportes que submetem as articulações a altos níveis de impacto, repetitivamente, aumentam o risco de doenças articulares e de degeneração. Tendo em vista o impacto das lesões de cartilagem na vida dos atletas, o objetivo da restauração da cartilagem articular neste grupo de pacientes é possibilitar o retorno às participações esportivas anteriores ao dano tecidual e minimizar a degeneração da articulação (MITHOEFER, 2009). Neste ponto, vale ressaltar que, apesar de a prática esportiva estar cada vez mais relacionada a um crescente número de lesões, deve ser considerado que os esportes são fonte de muitos benefícios, os quais não se relacionam apenas às preocupações de saúde futuras, mas incluem também as vantagens de uma maior auto-estima, relaxamento, socialização, trabalho em equipe e um maior desenvolvimento de habilidades motoras (EMERY, 2005). Também deve ser lembrado que uma das melhores abordagens no que se refere às lesões desportivas ainda é a prevenção. A prevenção das lesões está diretamente relacionada ao desenvolvimento de um treino bem elaborado, sob orientação adequada e multidisciplinar, considerando-se os fatores de risco específicos de cada modalidade esportiva, além de respeitar os limites fisiológicos e psicológicos dos atletas, para que se possa desfrutar dos benefícios e reduzir os riscos de lesões. 3.1.6 Regeneração de cartilagem articular A falta de vasos sanguíneos, de vasos linfáticos e de nervos na cartilagem hialina dificultam o reparo de lesões condrais (LEE & SHIN, 2007; LOMBELLO et al, 2003). Quando a cartilagem sofre algum dano, há pouca evidência de reação inflamatória, a qual geralmente supre o local danificado, em minutos, com elementos sanguíneos assim como com uma grande variedade de fatores de crescimento e tipos celulares (YANNAS, 2001). A restauração das lesões cartilaginosas pelo organismo envolve três fases: necrose inicial, inflamação e reparo (RIBEIRO et al, 2004). Porém, a extensão da lesão é um dos fatores que pode influenciar o reparo. Segundo O’Driscoll (2001), as lesões condrais e osteocondrais podem ser classificadas em: defeito de espessura parcial com a base composta por cartilagem; defeito de espessura total, não ultrapassando o limite do osso subcondral; defeito osteocondral, que ultrapassa o limite do osso subcondral. Ribeiro et al (2004) destacam que quando a lesão ocorre nas camadas superficiais da cartilagem hialina (defeito de espessura parcial), este processo é prejudicado devido à 19 ausência do sistema vascular. Desta maneira, na fase inicial, quando ocorre a necrose tecidual, há perda celular e da matriz, entretanto, os condrócitos são relativamente insensíveis à condição de hipóxia instalada, existindo assim, um número menor de células mortas em comparação com qualquer outro tecido orgânico; a fase inflamatória é ausente, pois depende do sistema vascular, assim, não há formação de hematoma, não há produção de fibrina e nem de coágulo, o qual serviria como arcabouço para o novo tecido de reparação; a fase de reparação é prejudicada devido à ausência de resposta inflamatória, o que resulta em limitação no número de células disponíveis para responder ao trauma, bloqueando assim, todo o processo de cicatrização. Por outro lado, na presença de um defeito osteocondral, com exposição do osso subcondral, as três fases (necrose inicial, inflamação e reparação) ocorrem naturalmente (RIBEIRO et al, 2004). Neste caso, o sangue proveniente dos vasos do osso subcondral lesado provê a vascularização necessária ao reparo da lesão cartilaginosa com liberação de mediadores vasoativos e fatores de crescimento que favorecem a invasão vascular e a migração de células mesenquimais que irão se diferenciar em condrócitos, iniciando a síntese de matriz extracelular e de um tecido que mimetiza a cartilagem hialina (BUCKWALTER et al, 2000). Porém, estudos in vivo, como o de Shapiro et al (1993), mostram que mesmo quando há presença de defeitos osteocondrais, com extravasamento de sangue da medula óssea, a regeneração da cartilagem pode ser ineficiente, com formação de fibrocartilagem. Hunziker (2001), em uma revisão da literatura, relata alguns tratamentos para as lesões de cartilagem, classificando-os em intervenções terapêuticas sem ativação biológica (lavagem, artroscopia, raspagem, debridamento, abrasão por laser ou condroplastia por laser, condroplastia abrasiva, técnica de Pridie e microfratura); intervenções cirúrgicas extensas (osteotomias e distração das articulações); intervenções terapêuticas com ativação biológica (transplante de tecido autólogo, englobando transplantes de enxertos de pericôndrio e periósteo e transplante osteocondral, conhecido como mosaicoplastia). Camanho (2001) relata o processo de tratamento da cartilagem com a retirada do tecido doente associada ao estímulo à cicatrização fibrosa e o transplante de cartilagem. De acordo com este autor, ambos os tratamentos apresentam limitações. O primeiro devido à formação da fibrocartilagem, a qual não apresenta as mesmas características e mesma função que a cartilagem hialina. Além disso, a cicatrização fibrosa traz benefícios ao paciente apenas em casos de lesões condrais de pequena extensão. No caso do transplante de cartilagem, a limitação envolve o caráter geral do processo degenerativo da artrose, e tal tratamento deve 20 restringir-se a lesões de pequena extensão (2cm) e em pacientes com idade até 45 anos (HANGODY et al, 1998). Costa et al (2001) propuseram a utilização da Matriz Óssea Desmineralizada (MOD), a qual apresenta características elásticas e que pode ser moldado facilmente, promovendo o preenchimento de lesões osteocondrais de vários tamanhos e formatos, e favorecendo a aposição e fixação de tecidos e cultura de células potencialmente condrogênicas no tratamento das lesões osteocondrais. A MOD também apresenta fatores indutores de condrogênese e de osteogênese que podem favorecer a permanência e o desenvolvimento de tecidos ou cultura de células, se utilizados em um enxerto composto. Ao longo das últimas décadas, a terapia baseada em células incorporadas a materiais à base de colágeno para engenharia tecidual tem se mostrado muito promissora para a regeneração de cartilagem (LEE & SHIN, 2007). Polímeros orgânicos naturais, tais como o colágeno, apresentam propriedades que os tornam mais vantajosos para a regeneração tecidual do que muitos outros polímeros sintéticos. Tais vantagens envolvem a degradação com subprodutos não tóxicos, baixa antigenicidade e imunogenicidade, possibilidade de controle das propriedades mecânicas e da taxa de degradação, além de abundantes grupos funcionais ao longo da cadeia polipeptídica que tornam o colágeno altamente receptivo à adesão celular e a ligações com genes, fatores de crescimento e outras moléculas biológicas (HARLEY & GIBSON, 2008; KYLE et al, 2009). Apesar do desenvolvimento de novas tecnologias para o tratamento das lesões cartilaginosas, como o transplante de cartilagem, o uso de matriz óssea desmineralizada e outras técnicas de engenharia tecidual, os recursos viáveis e comprovadamente eficientes ainda são escassos e a dificuldade de reparação deste tecido inspira muitos estudos para o desenvolvimento e análise da utilização de terapias que facilitem o processo de restauração da cartilagem. Os materiais à base de colágeno são estudados para a aplicação no tratamento de diversas lesões teciduais com bons resultados fisiológicos e funcionais, mostrando-se como terapia promissora também para a regeneração de cartilagem (MIMURA et al, 2008). 3.2 Biomateriais e engenharia tecidual Biomateriais são materiais destinados à interface com sistemas biológicos para avaliar, tratar, aumentar ou substituir qualquer tecido, órgão ou função do corpo (WILLIAMS et al, 1992). O desenvolvimento dos biomateriais evoluiu ao longo dos anos de acordo com as novas necessidades de aplicação. A primeira geração de biomateriais teve início por volta da 21 década de 1950 e englobou materiais utilizados na indústria e que não eram desenvolvidos especificamente para o uso médico, mas que apresentavam uma combinação de propriedades físicas interessantes ao uso clínico e eram utilizados com a intenção de provocar uma resposta mínima do tecido hospedeiro, sendo portando, denominados bioinertes (SHOEN, 2004). Atualmente, o conceito de bioinerte, segundo o qual o material não causaria nenhuma reação dos tecidos, foi abandonado devido às evidências de que todo material provoca algum tipo de resposta do organismo (ORÉFICE et al, 2005). A segunda geração de biomateriais surgiu após 1980, com dois novos tipos de materiais: os materiais bioativos, que tinham como objetivo provocar uma reação terapêutica, não trivial e controlada dos tecidos onde eram implantados; e os materiais bioreabsorvíveis ou biodegradáveis, os quais eram reabsorvidos ou degradados pelo hospedeiro a longo prazo e substituídos por tecido neoformado (SHOEN, 2004). Após os anos 2000, surgiu a terceira geração de biomateriais, na qual o principal objetivo era a regeneração funcional dos tecidos, também através de bioatividade e reabsorção, porém estimulando respostas altamente específicas, com proteínas e células, utilizando materiais com características específicas para determinadas aplicações (SHOEN, 2004). Segundo Berthiaume & Yarmush (2003), a engenharia tecidual pode ser definida como a aplicação de princípios científicos ao design, construção, modificação, crescimento e manutenção de tecidos vivos. Ela pode ser dividida em duas categorias: - Construção in vitro de tecidos bioartificiais (tecido composto por substâncias naturais e sintéticas) a partir de células isoladas por dissolução enzimática do tecido doado. Estes tecidos podem ser utilizados como uma alternativa ao transplante de órgãos. - Alteração in vivo do crescimento celular e da função, por exemplo, a implantação de tubos poliméricos para promover o crescimento e a reconexão de nervos danificados. Os scaffolds, ou arcabouços, surgiram seguindo este novo conceito de regeneração da terceira geração de biomateriais, sendo utilizados como dispositivos de regeneração tecidual, podendo ser semeados com células in vitro para subseqüente implantação, ou atrair especificamente células funcionais endógenas in vivo (SHOEN, 2004). Estes dispositivos devem prover suporte mecânico suficiente para manter um espaço para formação do novo tecido ou servir como barreira para interações indesejadas, podendo prover estas funções por um período de tempo determinado antes de sua biodegradação/biorreabsorção ou permanentemente (MOONEY & LANGER, 2003). 22 3.2.1 Biomateriais poliméricos Segundo Hoffman (2004), os biomateriais podem ser divididos em 4 classes: polímeros, metais, cerâmicas e compósitos. O biomaterial utilizado neste trabalho, o colágeno, é um polímero natural, sendo assim, serão expostas a seguir informações relativas à classe dos polímeros, mais especificamente ao colágeno, procurando demonstrar as características, estrutura e propriedades que justificam sua aplicação como um biomaterial. Os polímeros podem ser derivados de fontes naturais (por exemplo, celulose, alginato de sódio, colágeno e glicosaminoglicanas) ou de processos orgânicos sintéticos (por exemplo, silicone, polietileno, polipropileno e poli(etileno glicol)) (COOPER et al, 2004). A vantagem dos polímeros sintéticos é a possibilidade de controlar suas propriedades e a possibilidade de serem submetidos a altas temperaturas e pressão para produzir biomateriais porosos e com microestruturas complexas. Porém, polímeros naturais, tais como o colágeno, oferecem a vantagem de serem similares a substâncias macromoleculares que são reconhecidas pelo meio biológico, suprimindo assim, problemas como a toxicidade e a estimulação de uma resposta inflamatória crônica, freqüentemente desencadeados por polímeros sintéticos (COOPER et al, 2004). Além disso, os polímeros naturais também são mais eficientes quanto à aderência celular, pois apresentam diversos ligantes de superfície (DADO & LEVENBERG, 2009; HARLEY & GIBSON, 2008). Os biomateriais de colágeno, especificamente, são degradáveis com subprodutos não-tóxicos, estão disponíveis em abundância na natureza, podem ser sintetizados em diferentes formas (membranas, esponjas, géis, filmes, etc), são sinérgicos com componentes bioativos e compatíveis com polímeros sintéticos (HARLEY & GIBSON, 2008; KYLE et al, 2009). 3.3 Colágeno no tecido biológico 3.3.1 Origem O colágeno é um polímero natural biodegradável, podendo ser aplicado como um produto de engenharia tecidual quando o objetivo é reparo ou remodelamento de diferentes tecidos, como pele, cartilagem e ossos, mas não quando a estabilidade do material é necessária por longos períodos (PACHENCE & KHON, 2000). Existem mais de 20 tipos de colágeno, sendo o colágeno do tipo I uma forma fibrilar que representa 25% da massa protéica do corpo humano. Devido a esta prevalência e à possibilidade de ser separado dos tecidos, o colágeno do tipo I é o mais utilizado em dispositivos médicos (BATICH & LEAMY, 2009). Ele é encontrado em grandes quantidades 23 em tendões, pele, osso e fáscia dos mamíferos, sendo estas estruturas fontes convenientes para a sua obtenção e isolamento (PACHENCE & KHON, 2000). Há grande homologia na estrutura da molécula de colágeno do tipo I entre diferentes espécies, isto explica porque o colágeno do tipo I, de origem animal, pode ser utilizado para implantação em humanos (LI, 2003). 3.3.2 Estrutura molecular e síntese O colágeno é uma proteína tendo, portanto, como unidade fundamental os aminoácidos. A sequência de aminoácidos de um peptídeo de colágeno típico consiste em tripletes da sequência X-Y-glicina (Gly), em que, frequentemente X é 4-hidroxiprolil (Hyp) e Y é prolina (Pro). Os resíduos de prolina previnem a formação da α-hélice, fazendo com que o peptídeo do colágeno assuma uma conformação helicoidal para a esquerda, com cerca de três resíduos por volta. Como pode ser observado na Figura 2, três cadeias paralelas enrolam-se uma em torno da outra com um giro orientado para direita para formar a estrutura de hélice tripla da molécula do colágeno (VOET et al, 2006). Figura 2 – Estrutura em tripla-hélice do colágeno. Fonte: VOET et al (2006) Todo terceiro resíduo de cada cadeia polipeptídica passa pelo ponto central da hélice tripla e apenas uma cadeia lateral de Gly pode encaixar-se neste local, pois a Gly é o aminoácido que apresenta cadeia lateral mais simples. As três cadeias polipeptídicas estão encaixadas de forma que os resíduos X, Y e Gly de cada uma das três cadeias aparecem no mesmo nível ao longo do eixo da hélice tripla. Os grupos peptídicos são orientados de forma que o hidrogênio do grupo amina de cada Gly faz uma forte ligação com o oxigênio carbonílico de um resíduo X de uma cadeia vizinha. Os resíduos Pro e Hyp, volumosos e 24 relativamente inflexíveis são responsáveis pela rigidez e arranjo completo. A estrutura secundária é representada pelas hélices, formadas pelas cadeias polipeptídicas (VOET et al, 2006). Mais de 95% dos aminoácidos apresentam a sequência Hyp-Pro-Gly, os outros 5% que não apresentam esta sequência, não apresentam a conformação em tripla-hélice. Estas porções não-hélicas se localizam nas porções C e N terminais e são denominados telopeptídeos (MILLER, 1984). As três subunidades peptídicas que formam a tripla hélice do colágeno apresentam composição similar de aminoácidos, com cada cadeia contendo aproximadamente 1050 resíduos de aminoácidos (PACHENCE & KHON, 2000). O colágeno apresenta também ligações cruzadas covalentes, o que explica sua pequena solubilidade. As ligações cruzadas não são formadas ao acaso, mas tendem a ocorrer perto da região dos telopeptídeos (VOET et al, 2006). Segundo Junqueira & Carneiro (2004), a biossíntese do colágeno ocorre em 6 etapas principais, inicialmente em meio intracelular sendo finalizada em meio extracelular (Figura 3): a) Polirribossomos, ligados ao retículo endoplasmático rugoso seguem a codificação do RNA mensageiro, sintetizando as cadeias polipeptídicas (preprocolágeno), que crescem para o interior das cisternas. Logo após a liberação da cadeia na cisterna do retículo endoplasmático, o peptídio sinal é clivado, formando-se o procolágeno. b) À medida que estas cadeias (alfa) se formam, ocorre a hidroxilação de prolinas e de lisinas. Hidroxilisina e hidroxiprolina livres são incorporadas às cadeias polipeptídicas. A prolina hidroxilase e a lisina hidroxilase são as duas enzimas envolvidas neste processo. c) Assim que a hidroxilisina se forma, começa a sua glicosilação. d) Cada cadeia alfa é sintetizada com dois peptídios de registro em cada uma das extremidades amino e carboxil. Eles garantem que as cadeias peptídicas se arranjem de maneira apropriada para formar a tripla hélice que resulta na formação da molécula de procolágeno, a qual é mais longa que o colágeno maduro, solúvel e que não se agrega, o que impede a formação de fibrilas de colágeno no interior da célula. O procolágeno é transportado em vesículas desde o complexo de Golgi até a membrana plasmática, de onde é exocitado para a matriz extracelular. e) No meio extracelular, os peptídios de registro são removidos por peptidases. Sem estes peptídios, a molécula passa a ser chamada tropocolágeno, sendo agora capaz 25 de polimerizar para formar fibrilas de colágeno. Os resíduos de hidroxiprolina formam pontes de hidrogênio entre as cadeias alfa, contribuindo para estabilizar a tripla hélice. f) A estrutura fibrilar é reforçada pela formação de ligações covalentes entre as moléculas de tropocolágeno. Este processo é catalisado pela ação da enzima lisil oxidase. 26 Figura 3 – Representação esquemática das etapas intracelulares da síntese do colágeno do colágeno. Fonte: Junqueira & Carneiro (2004). As unidades de tropocolágeno se agrupam para formar fibrilas, fibras e feixes (Figura 4). Cada unidade de tropocolágeno mede 280nm de comprimento e se sobrepõem umas às outras. Este arranjo forma regiões de sobreposição e regiões lacunares que resultam na estriação transversal característica da fibrila de colágeno com faixas claras e escuras que se 27 alternam a cada 64nm. Nos colágenos do tipo I e do tipo III, estas fibrilas se associam para formar fibras. O colágeno do tipo II, presente na cartilagem, forma fibrilas, mas não forma fibras. O colágeno do tipo IV presente nas lâminas basais, não forma fibrilas e nem fibras (JUNQUEIRA & CARNEIRO, 2004). Figura 4 – Representação esquemática mostrando como as moléculas de colágeno se agregam para formar fibrilas, fibras e feixes. Fonte: Junqueira & Carneiro (2004) 3.3.3 Aplicação do colágeno para regeneração tecidual O colágeno pode ser utilizado com a estrutura original do tecido de onde foi retirado, para uso em suturas, válvulas cardíacas ou próteses ligamentares; ou como biomateriais preparados com o colágeno purificado em associação ou não com outras macromoléculas, podendo ser preparado em diferentes formatos como esponjas, géis, tubos, esferas, membranas, entre outros, dependendo da aplicação desejada (CHEVALLAY & HERBAGE, 2000). Os materiais à base de colágeno para regeneração tecidual devem reproduzir a estrutura e as propriedades do tecido humano para direcionar o processo de formação do novo tecido. Este material deve apresentar as seguintes características: 1) uma extensiva rede de poros interconectados para que as células possam migrar, se multiplicar e se fixar profundamente; 2) canais através dos quais oxigênio e nutrientes são levados às células e 28 resíduos possam ser retirados; 3) biocompatibilidade com uma alta afinidade para as células aderirem e proliferarem; 4) forma específica, como desejado pelo cirurgião; 5) força mecânica apropriada; 6) perfil biodegradável (LIU et al, 2007). O colágeno é um biomaterial que vem sendo muito utilizado para o tratamento de lesões de diversos tecidos, pois apresenta muitas vantagens como a formação de fibras com muita força e estabilidade através de auto-agregação e de ligações cruzadas (LEE et al, 2001). O estudo de Carvalho et al (2009) analisou comparativamente a aplicação de curativos de colágeno associados a alginato de cálcio cobertos por filme de poliuretano com a aplicação de curativos de filme de poliuretano e curativos de rayon. As terapias foram empregadas em pacientes com queimaduras de pele e a avaliação dos resultados mostrou que os pacientes tratados com o curativo com colágeno/alginato de cálcio com filme de poliuretano apresentaram epitelização mais rápida da área lesada e menor referência de dor em comparação com os outros dois curativos. A regeneração de nervos em eqüinos foi estudada por Delistoianov et al (2008), que aplicaram tubos de silicone com e sem colágeno em lesões nervosas dos nervos ulnares e torácicos de eqüinos. Para ambos os tratamentos, os animais não apresentaram a formação de neuromas e o processo inflamatório foi limitado às áreas perineurais. Além disso, constatouse a presença de axônios mielinizados interligando os cotos, células de Schwann e processo de remielinização, principalmente nos animais tratados com tubos de silicone com solução de colágeno, nos quais o número de fibras mielinizadas foi cerca de 30% maior em comparação com os animais tratados com os tubos de silicone sem solução de colágeno. O colágeno também pode ser utilizado na regeneração de tendões, como no estudo de Tovar (2009), a qual avaliou a regeneração de tendões de ovinos submetidos à terapia com matrizes de colágeno associadas ou não a células tronco mesenquimais autólogas. Os animais foram divididos em três grupos sendo o grupo 1 (G1) o controle, que sofreu a lesão, mas não recebeu tratamento; o grupo 2 (G2) que recebeu tratamento apenas com a matriz de colágeno; grupo 3 (G3), que recebeu a matriz de colágeno associada às células mesequimais. Avaliações histopatológicas e de microscopia eletrônica de varredura mostraram que o grupo tratado com a matriz de colágeno apresentou melhor organização das fibras colágenas quando comparado ao grupo controle, porém, o grupo que recebeu a matriz de colágeno associada às células mesenquimais apresentou melhor organização e arranjo das fibras colágenas. 29 3.3.3.1 Aplicação do colágeno para regeneração condral Devido a estas características favoráveis à regeneração tecidual, os materiais à base de colágeno têm sido utilizados em muitos estudos para o tratamento de lesões de cartilagem. Mimura et al (2008) analisaram a aplicação de géis de colágeno em lesões da cartilagem articular em joelhos de coelhos. Eles observaram uma resposta efetiva de regeneração tecidual para um gradiente de concentração de 33% de colágeno gel, o qual recrutou um número significante de células proliferativas para a região central da lesão cartilaginosa. Os materiais à base de colágeno podem agir também como carreadores de drogas ou de culturas celulares, como no estudo de Frenkel et al (1997), no qual se analisou a utilização de uma matriz colágena com e sem a associação de condrócitos para a regeneração de cartilagem articular. Os resultados comprovam a eficácia de ambos os tratamentos, com melhor reparo histológico no grupo que recebeu a aplicação da matriz colágena com condrócitos. 3.4 Testes de avaliação biológica de biomateriais A biocompatibilidade de um material não envolve apenas os efeitos que os materiais podem causar no organismo, mas também, as ações do ambiente fisiológico sobre o biomaterial. Os biomateriais, tanto naturais quanto sintéticos, apresentam características que definem sua biocompatibilidade e bioestabilidade, as quais devem ser conhecidas para que se possa predizer o comportamento do dispositivo durante o período de aplicação clínica (ABRAHAM & CUADRADO, 2004). De acordo com Cano & Peraire (2004), os ensaios biológicos para avaliação da biocompatibilidade dos materiais podem ser realizados através de uma grande variedade de testes, dentre eles pode-se citar: Testes in vitro: estudos de citotoxicidade, de proliferação e adesão celular, estudos de biodegradação/biorreabsorção e de mutagênese; Testes in vivo: estudos de implantação, irritação, sensibilização, carcinogênese, teratogênese e hemocompatibilidade. Os testes in vitro e in vivo são requeridos pela maioria das agências regulatórias para aprovação de dispositivos para aplicações clínicas. Eles podem fornecer informações úteis a respeito da interação do material com o ambiente fisiológico e dos possíveis riscos associados 30 à sua aplicação, permitindo assim, identificar os materiais que não apresentarem características adequadas à utilização em estudos clínicos. A norma ISO 10993-5 (2009) apresenta três categorias de testes de citotoxicidade in vitro: teste de extrato, teste de contato direto e teste de contato indireto. Os testes de extrato e de contato direto possibilitam a avaliação qualitativa e quantitativa da citotoxicidade dos materiais, enquanto que o teste de contato indireto permite apenas a avaliação qualitativa. Neste trabalho foram realizados os testes de extrato e de contato direto para avaliação da viabilidade e adesão celular. A viabilidade celular pode ser avaliada através de métodos colorimétricos utilizando-se corantes como o MTT, 3-(4,5-dimetiltiazol-2-il)-2,5-difenil brometo de tetrazólio) e o MTS, 3-(4,5-dimetiltiazol-2-il)-5-(3-carboximetoxifenil)-2-(4sulfofenil)-2H-tetrazólio (Figura 5). O MTT é um sal amarelo que é reduzido pela atividade da enzima desidrogenase mitocondrial resultando em um sal de formazan de cor púrpura. Esta redução ocorre somente nas células vivas. Desta maneira, a viabilidade celular pode ser determinada pela intensidade da coloração púrpura que é proporcional à quantidade de cristais de formazan formados. A desvantagem da utilização deste corante é a necessidade do uso de solventes orgânicos como o DMSO ou o isopropanol para dissolver os cristais de formazan que são insolúveis em água. O corante MTS é reduzido da mesma forma que o MTT, pela enzima desidrogenase mitocondrial, com a formação de cristais de formazan. A diferença é que os cristais formados a partir do MTS são solúveis em água e, portanto, o uso de solventes orgânicos não é necessário. O MTS é utilizado em conjunto com um agente acoplador de elétrons, o PMS (fenazina metosulfato). Figura 5 – Estruturas moleculares dos corantes MTT e MTS. Fonte: Barltrop & Owen (1991) 31 O teste de compatibilidade in vivo, ou seja, com animais, é necessário para prever quando um dispositivo médico apresenta risco potencial para os pacientes. Para isto, os animais devem ser selecionados de acordo com a aplicação do dispositivo, considerando-se a anatomia e a bioquímica semelhante à situação de aplicação humana. Além disso, o protocolo de ensaio deve ser determinado com base em leis que regem o uso de animais em laboratório, garantindo assim que os mesmos sejam tratados eticamente (RATNER et al, 2004). 32 4 MÉTODOS 4.1 Síntese das membranas de colágeno As membranas de colágeno foram desenvolvidas em colaboração com o Prof. Dr. Rodrigo Fernando Costa Marques, da Universidade Federal de Alfenas. A seguir será exposta uma breve descrição da obtenção do colágeno e da síntese das membranas. A membrana de colágeno é uma matriz colagenosa não friável, ajustável, reabsorvível e concebida a partir do tendão flexor profundo bovino (tendão de Aquiles). Primeiramente, o tendão bovino é processado fisicamente para descarne e retirada de gorduras. O tendão limpo é mergulhado por 48h em solução 2M de ácido acético e na sequência o pH ajustado para 7,0 com solução 1M de NaOH. O tendão é lavado em água destilada e depois aquecido em solução de ácido acético 1M a 40C até a obtenção de uma solução com consistência viscosa. Em seguida, a solução é filtrada e o pH ajustado para 7,4 com solução de NaOH 0,1M. Para a obtenção da membrana, a solução de colágeno é adicionada em formas de teflon e secas em estufa. 4.2 Caracterização das membranas de colágeno 4.2.1 Microscopia Eletrônica de Varredura (MEV) das membranas de colágeno mono e bicamada Dois diferentes tipos de membrana de colágeno (monocamada e bicamada) foram analisados através da técnica de Microscopia Eletrônica de Varredura com Canhão de Emissão de Campo (MEV-FEG, JSM 6701S, JEOL, Tóquio, Japão) em um corte transversal para a observação da estrutura interna das membranas. 4.2.2 Testes in vitro 4.2.2.1 Ensaio de intumescimento A avaliação do intumescimento de filmes permite verificar por antecipação a perspectiva de degradação, a qual está relacionada ao grau de hidratação do sistema (VAN DEN MOOTER et al, 1994). Para o ensaio de intumescimento, foram analisadas as duas membranas de colágeno, monocamada e bicamada. Inicialmente, foram cortadas 6 amostras de 5mm x 5mm de cada tipo de membrana, as quais foram pesadas e, em seguida, 3 amostras de cada membrana foram imersas em solução 33 PBS com pH= 5.5 e outras 3 amostras de cada membrana foram imersas em solução PBS com pH= 7.4. Todas as amostras permaneceram em incubadora a 37°C, sendo retiradas para pesagem após 1h, 2h, 3h, 4h, 6h, 8h, 10h, 12h e 24h. Para a realização da pesagem, as membranas foram retiradas das soluções, colocadas em papel de filtro úmido para remover o excesso de líquido e, então, pesadas. Após a pesagem, as membranas foram colocadas novamente na solução e voltaram para a incubadora a 37ºC. Ao término do experimento, os dados de pesagem foram comparados entre as diferentes membranas e entre os diferentes valores de pH. 4.2.2.2 Ensaio de degradação O teste de degradação in vitro foi realizado de acordo com a norma ISO 10993-13 (1998), a qual avalia a degradação química de biomateriais poliméricos. Para este teste, foram utilizadas 3 amostras de membrana monocamada para cada período. As amostras foram cortadas em 5mm x 5mm e foram secas por 4 horas em estufa a vácuo, com sílica gel, a 37°C. Então, as membranas foram colocadas individualmente em frascos com 3mL de solução PBS, pH= 7.4, e incubadas a (37+/-1)°C por 2 dias, 1, 2, 4 e 12 semanas. 4.2.2.2.1 Análise da variação da massa das membranas Após cada período de análise, as amostras foram separadas da solução por filtragem. Os papéis de filtro utilizados, com porosidade de 14µm, foram previamente secos por 4 horas, em estufa a vácuo, com sílica gel, a 37ºC e em seguida foram pesados. Após a filtragem, as amostras foram lavadas 3 vezes com 1mL de água Milli-Q e secas juntamente com o filtro, em estufa a vácuo, com sílica gel, por 24 horas, a 37°C. Após este período as amostras foram pesadas juntamente com o filtro e a perda de massa em relação à massa inicial foi determinada através da Equação (1): ( ′ ′ ) 100 = (%) Equação 1 Sendo Mfiltro a massa do filtro seco antes da filtragem; Mamostra a massa da amostra seca antes da degradação; M’filtro e M’amostra as massas do filtro e da amostra, respectivamente, 34 secos após a degradação; Mperdida a massa perdida pela amostra no ensaio de degradação, em porcentagem. A média dos dados das perdas de massa foi calculada e então foram levantadas curvas de degradação das membranas em função do tempo. 4.2.2.2.2 Espectroscopia de UV-Visível Após a filtragem das membranas, a solução PBS, juntamente com a água Milli-Q utilizada na lavagem das membranas foram analisadas através de Espectroscopia de UVVisível (Espectrômetro Varian Cary 50 Uv-Vis, Varian Inc, EUA). Para este teste foram analisadas as triplicatas de cada período. A partir dos dados obtidos foi calculada a média das absorbâncias de cada período e foi plotado o gráfico dos espectros. 4.2.2.2.3 Espectroscopia de Infravermelho com Transformada de Fourier (FTIR) Após a pesagem, as membranas foram analisadas através de Espectroscopia de Infravermelho com Transformada de Fourier (Fourier Transform Infrared Spectroscopy – FTIR) com acessório de ATR (Attenuated Total Reflectance) com cristal de seleneto de zinco, ZnSe (Varian Espectrômetro FT-IR 660, Varian Inc., ). A resolução utilizada foi de 4cm-1 e foram realizadas 200 varreduras por ponto amostral. Foram avaliadas duas amostras de cada período e três pontos por amostra, sendo um ponto central e dois nas extremidades. Os espectros obtidos foram normalizados através da divisão dos valores de absorbância pela soma das áreas abaixo dos picos das amidas primária (I), secundária (II) e terciária (III). Após a normalização, foi plotado o gráfico das médias dos espectros das amostras em cada período analisado (2 dias, 1, 2, 4 e 12 semanas). 4.2.2.3 Testes de citotoxicidade Os testes de citotoxicidade in vitro das membranas de colágeno foram realizados de acordo com os estudos de Nogueira et al (2010) para os testes de extrato e no estudo de Marchi et al (2011) para os testes de contato direto, baseados na norma ISO 10993-5 (2009), com algumas modificações necessárias. Todas as amostras foram esterilizadas com radiação gama (25kGy) (Centro de Tecnologia das Radiações do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares, CTR-IPEN, São Paulo) antes de cada teste de citotoxicidade. 35 4.2.2.3.1 Teste de extrato Inicialmente as amostras foram cortadas em 1cm² em condições estéreis e em seguida foram colocadas em tubos falcon com 1mL de meio de cultura RPMI sem soro, por 48 horas, para preparação do extrato. Após este período foi feita a filtragem das amostras e as diluições seriadas do extrato para concentrações de 100, 50, 25, 12,5 e 6,25%. Os controles positivo e negativo foram uma solução de fenol 0,4% e polietileno de alto peso molecular, respectivamente. A análise da citotoxicidade foi realizada utilizando-se o corante vital MTS (3-(4,5dimetiltiazol-2-il)-5-(3-carboximetoxifenil)-2-(4-sulfofenil-2Htetrazólico) (CORY et al, 1991), utilizado para determinação do número de células viáveis em proliferação. Os extratos obtidos da membrana de colágeno, do controle positivo e do controle negativo, bem como o branco (apenas meio de cultura RPMI) foram pipetados em placas de 96 poços, sendo 50µL de solução por poço, em quadruplicata. Uma suspensão de células de ovário de hamster Chinês (CHO-k1) 6x104células/mL foi preparada e 50µL (3000 células) foram pipetados por poço. Então, as células foram incubadas em estufa a 37°C, por 72h em atmosfera umidificada com 5% de CO2. A viabilidade celular foi medida pela adição de solução MTS com PMS (fenazina metasulfato), um acoplador de elétrons, na diluição de 20:1. Em seguida, as placas foram incubadas por 2h a 37°C em atmosfera umidificada com 5% de CO2. As microplacas foram lidas em espectrofotômetro a 490 nm e os cálculos para obtenção dos valores de viabilidade celular seguiram o seguinte procedimento: 1. Cálculo da média da densidade óptica das 4 medidas de densidade óptica de cada diluição, do branco e do controle celular; 2. Subtração da média do branco das médias do controle e das diluições; 3. Cálculo da viabilidade celular média pela relação: = 100 Equação 2 Sendo, VC= viabilidade celular; DOD= média da densidade óptica da diluição; DOC= média da densidade óptica dos controles. A partir dos dados obtidos foi plotado o gráfico de viabilidade celular em função da concentração da amostra. 36 4.2.2.3.2 Teste de contato direto I Para o teste de contato direto I, as membranas foram cortadas em formato circular, com o mesmo diâmetro do poço da placa de cultura de 24 poços (15mm). Foi utilizada uma linhagem celular de fibroblastos derivados de gengiva humana (FMM1), os quais foram cultivados em meio de cultura Dulbecco’s Modified Eagle Medium (DMEM) High Glicose (LGC, Biotecnologia LTDA, Cotia, SP, Brasil), contendo 10% de soro fetal bovino (Invitrogen, Grand Island, NY, USA) e 1% de solução antibiótica-antimicótica (100 UI/ml de penicilina, 100 microgramas/ml de estreptomicina e 0,25 microgramas/ml de anfotericina B). As células foram incubadas a 37 ºC em uma atmosfera umidificada contendo 5% CO2 até a semiconfluência. As amostras esterilizadas foram colocadas em microplacas de 24 poços, cobertas com meio de cultura e aproximadamente 1 x 104 células foram colocadas na superfície de cada amostra e em um poço vazio como controle. Uma amostra sem células, apenas imersa em meio modificado foi utilizada como branco. Então as microplacas foram incubadas a 37°C, em atmosfera umidificada com 5% de CO2. O meio de cultura das placas foi trocado a cada dois dias. Após 1, 3, 5 e 7 dias, as microplacas foram retiradas da estufa, o meio de cultura foi removido e foi adicionado aos poços das amostras, do controle e do branco 270 µL de meio fresco e 30µL do reagente A, composto de 0,05g do pó de MTT (Invitrogen, Eugene, Oregon, USA) para cada 10mL de água Milli-Q. As microplacas permaneceram na estufa por 4 horas cobertas com papel alumínio e após este período, os poços foram sugados e foi adicionado a cada poço 300µL do reagente B, composto por 12mL de dimetilsulfóxido (DMSO) para cada 3mL de Solução Tampão Glicina, para solubilização dos cristais de tetrazólio. As microplacas foram novamente cobertas com papel alumínio e colocadas na estufa por mais 15 minutos. Após este período, as soluções dos poços foram transferidas para microplacas de 96 poços para leitura em espectrofotômetro a 562nm. O valor de absorbância do branco foi subtraído dos valores das amostras e dos controles. Então, os valores de absorbância referentes às soluções das amostras foram comparados com os controles e foi determinada uma curva de proliferação celular para todo o período de análise. 4.2.2.3.3 Teste de contato direto II Três amostras foram cortadas em formato quadrangular de 5mm x 5mm e colocadas no centro dos poços da placa de cultura de 24 poços. Os procedimentos de plaqueamento e cultura celular foram os mesmos aplicados ao teste de contato direto, utilizando-se fibroblastos FMM1, cultivados em meio de cultura DMEM High Glicose, com 10% de soro fetal bovino e 1% de solução antibiótica- 37 antimicótica. Após 2, 3, 4, 5 e 7 dias foram obtidas micrografias através de Microscópio Invertido (Nikon TMS) da interface membrana/placa de cultura, tal como ilustrado na Figura 6. Figura 6 – Representação esquemática da micrografia óptica da interface membrana/placa de cultura. Poço da placa de cultura, com meio de cultura DMEM Membrana de colágeno Exemplo de local de obtenção da micrografia em Microscópio Invertido As micrografias ópticas foram comparadas entre os diferentes períodos de observação para avaliação da proliferação celular na placa de cultura, na interface com a membrana de colágeno. 4.2.2.5 Teste de adesão Inicialmente, as amostras foram cortadas em formato quadrangular de 5mmx5mm. O procedimento de plaqueamento foi o mesmo aplicado ao teste de contato direto, porém, as células foram cultivadas por 1, 2 e 4 horas para análise da adesão celular. Após o cultivo das células, as amostras foram fixadas com uma solução de glutaraldeído a 2.5% por 2 horas. A seguir, as amostras foram pós fixadas em tetróxido de ósmio a 1% (Electron Microscopy Sciences, FT Washington, PA) em solução tampão fosfato 0.1 M e desidratadas em uma seqüência de etanol (30% até p.a.). As amostras desidratadas foram secas quimicamente por 2 horas em capela utilizando hexametil disilasano (HMDS) (Sigma Aldrich, St Louis, USA). Então, as amostras secas foram recobertas com uma fina deposição de ouro (equipamento Bal Tec SCD 050 Sputter Coater) para que fossem analisadas as superfícies das membranas através de Microscopia Eletrônica de Varredura (equipamento Philips XL30). As imagens foram comparadas entre os diferentes períodos para análise da evolução do processo de adesão das células sobre as membranas. 38 5 RESULTADOS E DISCUSSÃO 5.1 Microscopia Eletrônica de Varredura (MEV) das membranas de colágeno mono e bicamada. As imagens de MEV possibilitaram a observação das diferentes estruturas das membranas. A membrana monocamada (Figura 7) apresentou uma camada fina e com poros de tamanhos irregulares, com um tamanho longitudinal médio de 700µm, variando entre 450µm e 1080µm. Figura 7 – Micrografia Eletrônica de Varredura da membrana de colágeno monocamada em corte transversal. A membrana bicamada (Figura 8) apresentou uma camada fina com pequenos poros de tamanho longitudinal médio de 440µm, variando entre 270µm e 670µm e uma camada mais espessa com poros maiores, de tamanho longitudinal médio de 1160µm, variando entre 940µm e 1560µm, circundado por poros menores, semelhantes aos da camada mais fina. Figura 8 – Micrografia Eletrônica de Varredura da membrana de colágeno bicamada em corte transversal. 39 A porosidade do biomaterial é um fator importante para a aderência celular, pois quanto mais poroso o material, maior a superfície disponível para a aderência e proliferação celular (ZHENG et al, 1998). As células eucarióticas apresentam tamanho variado, entre 5 e 100µm (BOLSOVER, 2004) e assim, o biomaterial deve apresentar tamanho de poros suficientemente grandes para permitir a entrada destas células. Como pôde ser observado através da análise por MEV, ambas as membranas monocamada e bicamada apresentam porosidade predominantemente maior que 100µm, oferecendo assim, um ambiente propício à proliferação celular. 5.2 Testes in vitro 5.2.1 Ensaio de intumescimento Os dados de pesagem obtidos no ensaio de intumescimento foram analisados e foram levantadas curvas de variação de peso para todas as amostras. Os resultados foram comparados entre as diferentes membranas e entre os diferentes valores de pH. A Tabela 1 mostra os dados obtidos no ensaio de intumescimento para as membranas monocamada. A variação do peso foi maior entre o tempo inicial e a primeira hora do que entre as horas subseqüentes, mostrando que a maior absorção de água ocorreu na primeira hora e se manteve estável após este período, tanto em pH 5.5 quanto em pH 7.4, sugerindo que a membrana estabilizou a absorção de solução após a primeira hora e não apresentou degradação, ou perda de massa para a solução, até o final do ensaio. Tabela 1 – Média, desvio padrão dos pesos e porcentagem de absorção de água pelas membranas monocamada em soluções PBS de pH 5.5 e 7.4 após todos os períodos de imersão. Membrana Monocamada Tempo 0 1h 2h 3h 4h 6h 8h 10h 12h 24h Peso médio (mg) 0,00263 0,01063 0,00817 0,01077 0,01037 0,01163 0,01157 0,01233 0,01243 0,013 pH 5.5 Desvio Padrão do peso 0,00121 0,00279 0,00347 0,00216 0,00284 0,00326 0,00378 0,00293 0,00261 0,00346 % variação de peso* Peso médio (mg) pH 7.4 Desvio Padrão do peso % variação do peso* 304,18 210,64 309,50 294,29 342,20 339,92 368,82 372,62 394,29 0,0012 0,00847 0,0054 0,0093 0,01003 0,01107 0,00903 0,00943 0,01017 0,01 0,0003 0,0006 0,0007 0,0003 0,00005 0,00125 0,0009 0,0003 0,0006 0,0012 605,83 350 675 735,83 822,5 652,5 685,83 747,5 733,33 *Porcentagem de variação de peso em relação ao peso inicial (tempo 0). 40 Em relação à membrana bicamada, como pode ser observado na Tabela 2, o peso médio das membranas aumentou consideravelmente após a primeira hora de imersão em solução PBS, tanto em pH 5.5 quanto em pH 7.4, mantendo-se estável até a 4ª hora. Após este período, o peso médio das membranas começou a diminuir, o que pode ser justificado pela degradação da membrana com perda de material para o meio. Considerando-se esta hipótese e observando-se os dados da Tabela 2, a degradação em meio ácido seria um pouco mais evidente que em meio neutro, pois, entre 6 e 24 horas de imersão, a porcentagem de redução de peso da membrana bicamada em pH 5.5 foi de 10,4% e em pH 7.4 foi de 9,1%. Outra indicação de degradação foi o início da descamação das membranas após a quarta hora, como mostra a Figura 9. No decorrer do ensaio, a perda de material das membranas para o meio pode ser observada macroscopicamente através de detritos na solução e ao final do ensaio, todas as amostras apresentaram descamação parcial. Tabela 2 - Média, desvio padrão dos pesos e porcentagem de absorção de água pelas membranas bicamada em soluções PBS de pH 5.5 e 7.4 após todos os períodos de imersão. Membrana Bicamada Tempo Peso médio (mg) pH 5.5 Desvio Padrão do peso % variação do peso* Peso médio (mg) pH 7.4 Desvio Padrão do peso % variação do peso* 0 1h 2h 3h 4h 6h 8h 10h 12h 24h 0,00877 0,07203 0,0786 0,0747 0,0777 0,06653 0,06737 0,0662 0,0629 0,05963 0,00005 0,00285 0,00358 0,0051 0,00477 0,0009 0,0009 0,00372 0,00148 0,00258 721,32 796,23 751,76 785,97 658,60 668,18 654,84 617,21 579,93 0,00963 0,08317 0,08807 0,09147 0,08903 0,0798 0,0789 0,0805 0,0795 0,07257 0,0002 0,00402 0,00793 0,00654 0,00581 0,00651 0,00585 0,00495 0,00921 0,01042 763,65 814,53 849,84 824,50 728,66 719,31 735,92 725,54 653,58 *Porcentagem de variação de peso em relação ao peso inicial (tempo 0). Figura 9 – Fotografia da membrana bicamada após 4h de imersão em solução PBS com pH 7.4. 41 Os dados de peso médio e desvio padrão das membranas monocamada e bicamada imersas em solução PBS de pH 5.5 e 7.4, após todos os períodos de imersão podem ser observados no gráfico da Figura 10. Figura 10 – Variação do peso das membranas monocamada e bicamada durante o teste de intumescimento. Comparando-se os dois tipos de membrana, após a primeira hora de imersão, a membrana bicamada apresentou maior porcentagem de absorção de água, porém esta também apresentou maior redução de peso no decorrer do ensaio, sugerindo maior degradação. A descamação das membranas bicamada deixou evidente a inviabilidade do uso deste tipo de material para aplicação in vivo devido à perda da estrutura original das membranas, logo após 4h de imersão. Sendo assim, apesar de apresentar uma estrutura mais especializada, as membranas bicamada foram desconsideradas para a continuidade deste trabalho. Em relação às membranas monocamada, a absorção de água após a primeira hora, assim como a variação de peso no decorrer do experimento foram menores, sugerindo que este tipo de membrana apresenta menor taxa de absorção de água e menor degradação quando comparada às 42 membranas bicamada. A maior estabilidade em solução durante todo o ensaio mostrou que as membranas monocamada são mais adequadas para a aplicação in vitro e in vivo e, por isto, foram as membranas escolhidas para a caracterização em relação às propriedades físicoquímicas e biológicas in vitro neste estudo. 5.2.2 Ensaio de degradação 5.2.2.1 Análise da variação da massa das membranas Os resultados da análise de variação de massa das membranas após 2 dias, 1, 2, 4 e 12 semanas podem ser observados na Figura 11. Neste ensaio, esperava-se que a massa das membranas reduziria com o passar do tempo devido à degradação da mesma, porém, houve um pequeno aumento de massa das membranas em relação à massa inicial, até a 4ª semana de análise, seguido de uma redução de massa em 12 semanas. Este comportamento pode ter sido resultado de três fatores: 1) a presença de água residual nas amostras após a secagem; 2) deposição de sais da solução PBS; 3) a retenção de resíduos das membranas, maiores que a porosidade do papel filtro. Durante todo o período de análise, as membranas podem ter sofrido degradação e perda de massa, porém a secagem das mesmas após a imersão em solução PBS, pH=7.4, pode não ter sido eficiente, havendo ainda a presença de água residual nas amostras. Com o passar do tempo de ensaio, um maior número de moléculas de água pode ter se ligado à matriz de colágeno e permanecido na estrutura da membrana como água residual, resultando assim no aumento de massa das amostras proporcionalmente ao tempo de ensaio. O segundo fator diz respeito ao aumento na deposição de sais da solução PBS. Tal deposição pode ter ocorrido em maior proporção com o passar do tempo. Estes sais podem ter sido retidos pelo papel filtro, refletindo assim um aumento de massa com o passar dos períodos de análise. Desta maneira, a água residual e a deposição dos sais de PBS podem ter mascarado a perda de massa até a 4ª semana de análise. Porém, após 12 semanas de ensaio, as membranas de colágeno apresentaram uma redução de massa de 2,67%. Esta redução de massa após 12 semanas possivelmente ocorreu porque até a 4ª semana, o material pode ter sofrido degradação, com liberação de resíduos da membrana para a solução, porém, estes resíduos possuíam tamanho maior que a porosidade do papel de filtro (14µm), ficando assim retidos durante o processo de filtragem. Neste caso, a retenção dos resíduos da membrana colaborou apenas para a manutenção do peso das amostras e não pelo aumento de massa até 4 semanas. Porém, após 12 semanas, estes resíduos podem ter sido degradados e reduzidos a um tamanho 43 suficiente para passar pelos poros do papel de filtro e, portanto, a massa retida na filtragem foi menor neste período, resultando em redução de massa medida ao final do ensaio. Figura 11 – Variação de massa das membranas de colágeno durante o ensaio de degradação. 5.2.2.2 Espectroscopia de UV-Visível Os dados de análise das soluções por espectroscopia de UV-Visível são apresentados na Figura 12 a seguir. Houve pouca variação na absorbância entre os espectros até a 4ª semana de análise, sendo visível apenas um ombro em torno de 283nm, o qual é referente ao aminoácido tirosina (DOYLE & BELLO, 1968). Porém, após 12 semanas, houve uma grande mudança no espectro das amostras, com o aparecimento de picos máximos em 254, 260 e 268nm, os quais são referentes ao aminoácido fenilalanina (DOYLE & BELLO, 1968). A tirosina está presente na região terminal das fibrilas de colágeno, na porção não hélica (telopeptídeo), enquanto que a fenilalanina está presente na estrutura principal do colágeno (DOYLE & BELLO, 1968). O aumento no pico de fenilalanina após 12 semanas mostra que houve um aumento significativo na quantidade de colágeno na solução analisada apenas neste período. O que está de acordo com os dados de perda de massa pela membrana. 44 Figura 12 – Espectros de absorbância em UV-Visível das soluções do ensaio de degradação após os todos os períodos de análise. 5.2.2.3 Espectroscopia de Infravermelho com Transformada de Fourier (FTIR) A partir dos espectros de FTIR obtidos foi calculada a área abaixo dos picos das amidas I e II (entre 1487,96 e 1716,96cm-1) e da amida III (entre 1213,81 e 1270,43cm-1). Os espectros foram divididos pela soma das áreas dos picos das amidas para obtenção dos espectros normalizados. A Figura 13 mostra a média dos espectros de FTIR normalizados das membranas após os diferentes períodos de análise. É possível observar que todas as amostras apresentaram os picos máximos característicos das amidas I, II e III em aproximadamente 1630 cm-1, 1545 cm-1 e 1236 cm-1, respectivamente. 45 Figura 13 – Espectros de FTIR das membranas de colágeno após os diferentes períodos de degradação. As bandas das amida I, II e III presentes nos espectros de FTIR são características do colágeno devido às aminas ricas em resíduos de glicina e prolina (MANDAL et al, 2012) e estão diretamente relacionadas à conformação peptídica (CHANG & TANAKA, 2002). Segundo Chang & Tanaka (2002), a banda da amida I, com freqüências características entre 1600 e 1700 cm-1 é associada principalmente com as vibrações de estiramento de grupos carbonila (C=O). Há também contribuições em menor escala das vibrações de estiramento de C-N e de flexão de N-H. As freqüências de vibração de cada ligação C=O dependem da força das ligações de hidrogênio com o oxigênio da carbonila, bem como das interações entre as unidades de amidas, ambas influenciadas pela conformação peptídica local relacionada com a estrutura secundária. Na região da amida II há bandas entre 1540-1550cm-1, 1620-1530cm-1 e entre 1520-1545cm-1. Estas bandas vibracionais estão relacionadas a uma combinação fora de fase de flexão de ligações N-H e estiramento de ligações C-N. Na amida III, as bandas estão localizadas entre 1270-1300cm-1, 1229-1235cm-1 e entre 1243-1253cm-1 e são relacionadas com as vibrações de estiramento C-N e deformação N-H. 46 Muyonga et al (2004) relatam que as mudanças nos picos destas amidas para menores comprimentos de onda, o aumento na intensidade de absorbância da amida III e a ampliação do pico da amida I estão associados ao aumento de interações intermoleculares (através de ligações de hidrogênio) no colágeno. Por outro lado, a denaturação do colágeno leva à redução na intensidade dos picos das amidas I, II, III e redução da frequência da banda da amida II, indicando uma mudança estrutural (FRIES & LEE, 1996). Porém, é possível observar nos espectros obtidos que não houve diferenças nem na intensidade, nem na frequência de absorbância dos picos referentes às amidas I, II e III entre os diferentes períodos de análise, indicando que, apesar da degradação observada através da redução de massa das amostras, bem como com a maior quantidade de colágeno na solução após 12 semanas, não houve mudanças nas interações intermoleculares e nem na estrutura secundária do colágeno. A análise da degradação dos biomateriais é importante para avaliação da estabilidade do material em ambiente fisiológico por um tempo compatível à cinética de reparação tecidual. A degradação de um arcabouço deve permitir que as células cultivadas proliferem e secretem sua própria matriz extracelular (1-12 semanas), enquanto o arcabouço polimérico desaparece gradualmente deixando espaço suficiente para o crescimento do novo tecido (HUTMATCHER, 2000). O ensaio de degradação realizado com as membranas de colágeno em solução fisiológica permitiu prever o comportamento de degradação in vitro das membranas de colágeno em até 3 meses, mostrando que as mesmas apresentam alta estabilidade no período analisado. Porém, extrapolações dos dados obtidos in vitro para a condição in vivo devem ser realizadas com cuidado, pois o organismo vivo interage com o biomaterial de maneira muito mais complexa, envolvendo inúmeros fatores químicos, físicos, mecânicos e biológicos. 5.2.3 Testes de citotoxicidade 5.2.3.1 Teste de extrato As Tabelas 3, 4 e 5 apresentam os dados de densidade óptica obtidos com a leitura das microplacas com o extrato da membrana de colágeno e dos controles positivo e negativo, respectivamente, bem como os valores de viabilidade celular calculados para cada concentração através da Equação 2. 47 Tabela 3 – Densidade óptica das diluições dos extratos da membrana de colágeno monocamada. Colágeno Branco Controle 6.25% 12.5% 25% 50% 100% -0.0015 0.5921 0.5994 0.6014 0.5943 0.6576 0.6438 0.0015 0.5839 0.6263 0.5993 0.6528 0.6399 0.5992 0.0012 0.6016 0.6332 0.6199 0.6465 0.6593 0.6195 -0.0011 0.5547 0.6236 0.6968 0.6536 0.6528 0.6236 Média 0.0000 0.5831 0.6206 0.6393 0.6368 0.6524 0.6215 Desvio Padrão 0.001 0.020 0.015 0.051 0.029 0.009 0.018 Viabilidade celular – VC (%) - 100 106 110 109 112 107 Desvio Padrão (%) - 3.4 2.5 8.7 4.9 1.5 3 Tabela 4 – Densidade óptica das diluições do controle positivo (fenol 0,4%). Fenol 0,4 % - Controle Positivo Branco Controle 6.25% 12.50% 25% 50% 100% 0.0069 0.8213 0.7654 0.7231 0.7529 0.6317 0.0529 0.0001 0.8358 0.7564 0.6910 0.7179 0.5434 0.0354 -0.0031 0.8114 0.7108 0.7101 0.7401 0.4967 0.0275 -0.0038 0.7795 0.7482 0.6780 0.7272 0.4488 0.0197 Média 0.0000 0.8120 0.7452 0.7005 0.7345 0.5301 0.0338 Desvio Padrão 0.005 0.024 0.024 0.020 0.015 0.078 0.014 Viabilidade celular – VC (%) - 100 91.8 86.3 90.5 65.3 4.2 Desvio Padrão (%) - 2.9 2.9 2.4 1.8 9.6 1.7 Tabela 5 – Densidade óptica das diluições do controle negativo (PEAD). PEAD – Controle Negativo Branco Controle 6.25% 12.50% 25% 50% 100% -0.0008 0.8542 0.8070 0.8466 0.8236 0.8390 0.8012 0.0018 0.8392 0.8437 0.8286 0.8344 0.7452 0.7989 -0.0005 0.8199 0.8118 0.8125 0.7889 0.7751 0.7574 -0.0006 0.8462 0.8308 0.8240 0.8430 0.7713 0.7733 Média 0.0000 0.8200 0.8234 0.8280 0.8225 0.7827 0.7827 Desvio Padrão 0.001 0.015 0.017 0.014 0.024 0.040 0.021 Viabilidade celular – VC (%) - 100 100.4 101.0 100.3 95.5 95.5 Desvio Padrão (%) - 2.5 2 1.7 2.9 4.8 2.5 48 De acordo com os dados obtidos neste ensaio, a membrana de colágeno não apresentou citotoxicidade, pois a viabilidade celular manteve-se acima de 100% para todas as concentrações, tendo-se o PEAD como controle negativo e o fenol a 0,4% como controle positivo (Figura 14). Figura 14 – Análise da viabilidade celular em relação às diferentes concentrações de extratos da membrana monocamada e dos controles negativo (PEAD) e positivo (fenol). 5.2.3.2 Teste de contato direto I A análise de viabilidade celular pela técnica de MTT mostrou que houve grande aumento no número de células no controle (placa de cultura), mas não houve aumento significativo das células nas amostras no decorrer dos períodos de 1, 3, 5 e 7 dias, como pode ser observado no gráfico da Figura 15. 49 Figura 15 – Curva de viabilidade celular das membranas de colágeno após 1, 3, 5 e 7 dias (técnica com corante vital MTT). Porém, este teste de contato direto não foi suficiente para a determinação da viabilidade celular visto que a membrana de colágeno foi corada pelo MTT (Figura 16), influenciando os resultados do teste. Esta coloração ocorreu nas membranas nas quais foram cultivadas as células, mas também na membrana utilizada como branco, ou seja, sem células, apenas com meio de cultura. Isto indica que a membrana de colágeno reagiu com o corante vital MTT, reduzindo os sais de tetrazólio. Supõe-se que esta redução do corante pode ter sido realizada por alguma substância residual do processamento da membrana, ou pelo soro fetal bovino, ou pelo vermelho de fenol presente no meio de cultura DMEM utilizado. Além de a membrana ter interferido na redução do corante MTT, os sais de tetrazólio ficaram retidos nas amostras, colorindo-as. Como parte do corante permaneceu nas amostras e não passou à solução a ser analisada na leitora de placas, estas soluções referentes aos poços das amostras apresentaram menor densidade óptica, indicando, portanto, resultados falsos de menor viabilidade celular. No teste de extrato, porém, o corante MTS não entra em contato direto com a membrana e o meio com o soro é retirado das placas antes da adição do corante MTS. Sendo assim, a redução do corante MTS foi limitada à atividade celular, representando corretamente 50 a viabilidade das células cultivadas, as quais apresentaram excelentes níveis de viabilidade celular quando comparadas aos controles positivo e negativo utilizados. Figura 16 – Membrana de colágeno após o contato com o corante MTT: branco (membrana sem célula); 1 dia (membrana com 1 dia de cultura celular). Branco 1 dia 5.2.3.3 Teste de contato direto II A Figura 17 apresenta as imagens obtidas com microscópio óptico invertido (Nikon TMS) durante diferentes períodos de cultivo. Estas imagens mostram que as células proliferaram adequadamente nos poços, podendo-se observar que houve grande aumento no número de células na placa, inclusive em contato direto com a membrana no decorrer do período de observação até 7 dias. Este fato é mais um indicativo de que a membrana não é citotóxica, visto que, caso o material apresentasse citotoxicidade, as células não conseguiriam sobreviver na placa de cultura, juntamente com a membrana. A membrana de colágeno não é translúcida e, por isso, aparece opaca quando observada em microscópio invertido, não sendo possível a visualização das células cultivadas sobre ela. Porém, a crescente proliferação celular na placa de cultura e na interface com a membrana durante todo o período de análise indica que, provavelmente, também há um significativo número de células em sua superfície. 51 Figura 17 - Fotomicrografias ópticas das membranas de colágeno mostrando a proliferação celular na placa de cultura (P), em contato com a membrana de colágeno (M) em diferentes períodos de cultura celular. 2 dias 3 dias P M P M 4 dias 5 dias P M 7 dias P M P M 5.2.5 Teste de adesão A Figura 18 apresenta as Micrografias Eletrônicas de Varredura do teste de adesão durante 1, 2 e 4 horas. Como pode ser observado, as células aderiram adequadamente ao material em todos os períodos observados. Em 1 e 2 horas (Figuras 18-A e 18-B, 52 respectivamente), as células iniciaram o processo de adesão através de prolongamentos citoplasmáticos que se estenderam sobre a superfície do material. Na quarta hora de cultivo (Figura 18-C), as células apresentaram-se mais achatadas e com prolongamentos citoplasmáticos mais aderidos na superfície da membrana e ligando algumas células a outras. Isto indica que as membranas de colágeno monocamada apresentam uma superfície adequada à adesão dos fibroblastos cultivados. Figura 18 – Micrografias eletrônicas de varredura das membranas de colágeno após experimento de adesão celular por diferentes períodos. A B C Por outro lado, também pode ser observado nas Micrografias Eletrônicas de Varredura da Figura 18, que não há poros conectados com a superfície do material. Sendo assim, não é possível que as células penetrem o interior das membranas. Segundo o estudo de Lombello et al (2000) o substrato ideal para a proliferação de condrócitos são os materiais porosos que não permitam adesão significativa das células, para que assim, elas possam manter a sua morfologia arredondada, fazendo com que a sua função metabólica não seja alterada. Desta forma, as membranas de colágeno monocamada não apresentam um ambiente adequado ao 53 crescimento de condrócitos. Mais estudos serão necessários procurando-se obter um material com poros conectados com a superfície, sendo mais adequado à aplicação no tratamento de lesões de cartilagem. Apesar da falta de uma superfície porosa, esta análise de adesão mostrou que os fibroblastos cultivados sobre as membranas de colágeno monocamada aderiram adequadamente à superfície do material, tal como esperado para estas células, mostrando mais uma vez que o material não é citotóxico, pois apresentou boa interação direta com as células cultivadas sobre a sua superfície, não causando a morte das mesmas. Uma possível aplicação para esta membrana de colágeno seria o uso como sutura da lesão condral após o transplante autólogo de condrócitos. Frequentemente, esta sutura é realizada com periósteo retirado, por exemplo, da tíbia do paciente (COHEN et al, 2008). A membrana de colágeno sem aberturas de poros em sua superfície permitiria a sutura e a manutenção adequada dos condrócitos transplantados no local da lesão condral. Mais estudos serão necessários para avaliação da possibilidade de utilização destas membranas para esta finalidade. 54 6 CONCLUSÕES As características biológicas apresentadas pelas membranas de colágeno monocamada nas análises realizadas neste trabalho mostraram que, apesar de a morfologia do material não permitir a penetração das células em seu interior poroso, este biomaterial apresentou comportamento adequado in vitro, quando em ambiente fisiológico e em contato com as células, como pode ser observado pela ausência de citotoxicidade, além da adesão e proliferação celular na superfície e em torno das membranas de colágeno em diferentes períodos. Estes resultados indicam que o material é um possível candidato à aplicação como suporte para o crescimento celular na regeneração tecidual. Porém, a aplicação desta membrana para regeneração de cartilagem exigirá maiores estudos visando à síntese de um material com características mais adequadas ao cultivo de condrócitos, os quais necessitam de um ambiente tridimensional que lhes permita a proliferação sem a modificação de sua morfologia e sua função. A aplicação das membranas em um modelo animal possibilitará o estudo mais completo deste biomaterial e o entendimento da sua interação com o tecido cartilaginoso in vivo. 55 7 BIBLIOGRAFIA ABRAHAM, G. A.; CUADRADO, T. R. Métodos de caracterización de biomateriales. In: SASTRE, R.; AZA, S.; ROMÁN, J. S. (Eds). Biomateriales. Faenza: Faenza Editrice Iberica, 2004. cap. 9, p. 173-196. ANGEL, M. J.; RAZZANO, P.; GRANDE, D. A. Defining the challenge. The basic science of articular cartilage repair and response to injury. Sports Medicine and Arthroscopy, v. 11, p. 168-181, 2003. BARLTROP, J. A.; OWEN, T. 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