Livro_Edmundo_08-06 - Sport: Laboratório de História do
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1 DA CONSTRUÇÃO DE UMA NOVA MANEIRA DE ENVELHECER A UMA PROPOSTA DE PREVENÇÃO DE QUEDAS Prof. Dr.Edmundo de Drummond Alves Junior Universidade Federal Fluminense RESUMO Estudar a velhice e o envelhecimento nos dias atuais é se debruçar sobre questões as mais diversas, que entre outros fatores envolvem: os direitos sociais, como acesso à saúde e ao lazer; a aposentadoria e o sistema de idades no qual estão fundamentadas as gerações dos atuais idosos; o modo de vida, bem como as atividades assumidas no período que ronda a aposentadoria. Neste capítulo apresentamos algumas reflexões que vêm norteando nossa proposta de discussão do envelhecimento na sociedade brasileira e dela apresentamos nossas reflexões acerca da prevenção de quedas. Falamos da transição demográfica que junto a outras características torna os que envelhecem mais visíveis e ao mesmo tempo suscetíveis a serem considerados como parte de mais um problema social. Estereótipos, medos e preconceitos fazem com que a velhice seja considerada como uma etapa da vida em que haveria mais lamentação do que júbilo. Neste caso nos parece serem fundamentais as influências exercidas pela sociedade. Compreender como a velhice e o envelhecimento foram considerados em outras épocas pode auxiliar para ao entendimento desta nova construção social que é a do envelhecimento ativo como forma de postergar a velhice. Esta sendo indesejada é aproximada a um mau envelhecimento em que os atores não atentaram aos reclames da ‘feliz idade’, ‘boa idade’, ‘melhor idade’ ou mesmo da ‘terceira idade’. São estas e outras questões que serviram à elaboração de um projeto associativo para idosos que tem como um dos seus principais objetivos atuar com a prevenção de quedas. Palavras chave: envelhecimento, lazer, intergeracionalidade, cultura corporal, prevenção de quedas. INTRODUÇÃO Na atualidade, quando é considerado o aspecto do envelhecimento individual, sugere-se que é necessário envelhecer tendo pelo maior tempo possível a sensação de bemestar geral, o que é bastante subjetivo. Essa meta tem feito parte das preocupações mais atuais de um considerável número de grupos de convivência, tanto na esfera pública como na privada. Aproveita-se a indústria do ‘antienvelhecimento’, que nem sempre aguarda os resultados conclusivos das pesquisas que dão fundamento às suas panacéias; muitas não passando de ilusões. Com certa regularidade são anunciadas as pílulas que revolucionarão os anos 2000. Podemos mencionar alguns exemplos, que já estiveram em evidência, como a melatonina, hormônio natural que teve seu descobrimento nos anos 1950 e que foi bastante 2 comercializado na década de 1990 (Sciences, 1995); como o dehidro-epi-andresterona (DHEA) e o hormônio do crescimento (GH), sendo que este último, na sua forma sintetizada, vem sendo muitas vezes aplicado de forma indiscriminada. Mas foi a entrada no mercado do Viagra e seus similares, que, mesmo não sendo específicos para o aumento da longevidade, certamente acabaram influindo numa nova percepção do envelhecimento. Muitos estigmas do significado do ‘ser velho’ têm origem na valorização que é dada ao trabalho e ao engajamento produtivo, que no curso da vida acabam ficando cada vez mais presentes. Se em algumas épocas aos aposentados quase sempre era recomendado descanso, recolhimento e inatividade, depois da metade do século XX outros valores ganharam importância. Fenômenos como o associativismo e a participação em atividades socialmente reconhecidas, como o voluntariado, passam a ser incorporados, resultado do novo modelo, que acabou caracterizando o que é bom ou mau para o envelhecimento. Em nosso entender isso está bem de acordo com o que tem sido sustentado pelos defensores de algumas teorias psicossociais como a da atividade, que veio para se contrapor a do desengajamento ou a da continuidade. Em outra oportunidade procuramos mostrar como se delineou o que denominamos como a ‘A pastoral do envelhecimento ativo’ e que serviu de suporte às discussões de uma pesquisa comparativa ente França e Brasil sobre a vida associativa e prática da ginástica em 4 grupos de convivência de idosos e aposentados destes dois países (ALVES JUNIOR, 2004). A partir das elaborações teóricas da gerontologia e geriatria, que são duas ciências aplicadas, das políticas públicas por um modo de vida para os aposentados, pode-se perceber melhor que parte significativa dos idosos passou a ser confrontada a uma nova maneira de envelhecer. No caso dos novos aposentados, chegam mesmo a ser vistos como um novo poder, mesmo que paradoxalmente a sociedade contemporânea ainda seja bastante preconceituosa com relação às coisas relacionadas ao envelhecimento, buscando de todas as maneiras subterfúgios para esconder a velhice ou mesmo ignorá-la. Para combater as doenças ditas da civilização, reconhecemos que após os anos setenta do século passado vemos crescerem as recomendações visando a um modo de vida mais saudável, tendo como suporte características mais científicas. A prática de atividades 3 físicas e principalmente as ginásticas, independente da forma como era apresentada, passa a ser relacionada como capaz de influir na saúde, autonomia, qualidade de vida e bem-estar, surgindo como a grande novidade do nosso tempo praticá-la independente da idade cronológica. Daí não ser tão difícil encontrarmos nos grandes centros urbanos, grupos de idosos se reunindo com a finalidade de praticar uma atividade física. Ela passou a ser um novo campo de intervenção de profissionais que utilizam a animação com finalidades sociais ou de saúde, tendo forte presença dos professores de educação física e terapeutas corporais, que propõem de forma sistemática as mais variadas atividades esportivas ou não para grupos de idosos. Consideramos como movimento desencadeador deste tipo de comportamento extensivo aos idosos e aposentados, os anos sessenta, e aqui tomamos como exemplo o que ocorria na França e em outros países que já percebiam a alteração nas suas pirâmides etárias, e principalmente, a tendência de crescimento daqueles que eram considerados como velhos. Resultado de conquistas sociais das últimas décadas começava a chegar à aposentadoria um grupo significativo de idosos que acumularam determinados capitais simbólicos que não permitia mais pensar a aposentadoria como repouso e morte social. A proposta passou a considerar a representatividade deste grupo com muitos anos ainda a viver e com disposição para assumir outros compromissos que já foi chamada de segunda carreira por Gaullier (1999). Para isto ser efetivado de forma mais maciça, incorporou-se como política de estado o incentivo a criação de grupos que visavam à preparação para a aposentadoria. Paralelamente também surgiam as associações para idosos já aposentados. Ambos passaram a incluir a idéia de um envelhecimento ativo e engajado em associações nos períodos pré e pós-aposentadoria. Pode-se perceber que inicialmente havia um forte viés para a ocupação do tempo, visando à inclusão e (re) inserção social, mas posteriormente, com a chegada de novos aposentados com forte ‘capital cultural’, incorporaram-se os princípios da educação permanente nas propostas associativas em que ‘animadores’(MELO, ALVES JUNIOR, 2003) sobre as mais variadas denominações, passaram cada vez mais a atuar. Acrescentando-se o fato de que esses novos aposentados passaram a ter uma maior esperança de vida, lhes restando uma considerável expectativa de viver a vida com saúde, 4 passou a ser viável viver a aposentadoria de forma totalmente diferente. O que se passou a dizer é que “o indivíduo não deveria mais aceitar passivamente seu envelhecimento, mas prolongar a vida, pelas atividades físicas, intelectuais e voluntárias, o maior tempo possível” (BOURDELAIS, 1993: 373). Lenoir (1979) falou da invenção social da terceira idade. Com o decorrer da euforia midiática alcançada por este novo modo vida, chegou-se mesmo a culpabilizar aqueles que apresentavam deterioração física, sendo a dependência e a decrepitude resultados de uma conduta desviante do indivíduo. Sendo assim, inatividade corresponderia à velhice, opondo-se às vantagens do envelhecimento ‘terceira idade’. No momento em que ocorre a diminuição do tempo destinado ao trabalho, não existindo grandes pressões, seja de ordem financeira ou de saúde, a família, a religião e o lazer passaram a ser as principais ocupações no tempo social das pessoas. No que toca o lazer, duas tendências podem ser analisadas, uma em que ele é visto como uma necessidade individual e outra em que ele é uma necessidade social (MUNNÉ, 1992). Independente do que é feito, se a atividade tem predominância física ou intelectual, tendo mais ou menos gasto energético, a proposta ativista encontrou no ambiente associativo o espaço ideal para a prática dos seus mais caros princípios. Passado o tempo da euforia em que idosos e aposentados se engajavam em qualquer coisa preparada para eles pelos que entendiam dos velhos (HADDAD, 1986), chegamos a um momento em que idosos e aposentados já buscam gerir seus próprios destinos lutando para não serem tão tutelados como antigamente. Consideramos que o êxito das novas propostas associativas seja resultado de uma reflexão mais ampla do processo do envelhecimento, do curso da vida, das relações geracionais e principalmente a que servem determinadas atividades que são endereçadas a idosos e aposentados. Temos tido estas preocupações no âmbito de dois grupos de convivência em que integramos ensino, pesquisa e extensão cuja tônica principal é a questão das quedas, mas que não fica deslocada de diversas outras questões que rondam o envelhecer na sociedade. Neste capítulo abordaremos inicialmente como veio se constituindo na história da humanidade a relação com os que passam a ser considerados como velhos. Isto servirá para dar seqüência aos principais referenciais que fundamentam as nossas propostas. Falaremos do envelhecimento enquanto problema social, da transição demográfica dando maior 5 visibilidade aos idosos e aposentados, como os elaboradores das políticas públicas sugerem um novo modo de envelhecer; além de tocarmos na questão da promoção da saúde, animação cultural e lazer e da intergeracionalidade. O ENVELHECIMENTO E A VELHICE ATRAVÉS DA HISTÓRIA DA HUMANIDADE A partir do conhecimento de como nossos antepassados envelheciam, podemos fazer uma tentativa de entender como essa herança cultural pode ter influído na compreensão do que envolve o envelhecimento na contemporaneidade. Estudar a senescência com a única pretensão de defini-la pelo aspecto individual é bastante limitante. Não pelo fato dele não ser importante, mas porque não é suficiente, acabando por representar apenas um “momento abstrato” (BEAUVOIR, 1970:41). Concordamos com essa autora quando ela diz que “para compreender a realidade e o significado da velhice é, portanto, indispensável examinar qual o lugar nela atribuído aos velhos, qual a imagem que deles se tem em diferentes épocas e em diferentes lugares”. Independente da cultura investigada, a velhice é percebida de maneira bastante distinta. Fundamentando-se em estudos etnológicos, Beauvoir apresentou a condição de ser velho nas sociedades primitivas e sua dependência do contexto social. Podemos perceber que diversas soluções foram adotadas para encarar a velhice. Algumas vão mesmo eliminar seus velhos; outras vão abandoná-los, deixando morrer. Ao se tornar uma boca inútil, não podendo mais trabalhar, a solução pode ser a morte. De raciocínio semelhante, quando o chefe não é mais capaz de proteger o grupo, pode-se eliminá-lo. No entanto, também se verificou que isso não seria uma norma, havendo povos em que, mesmo em situação de penúria, e mesmo nômades, os velhos mereciam respeito e eram venerados. Segundo ainda Beauvoir (1970:97), “o que define o sentido e o valor da velhice é o sentido atribuído pelos homens à existência, é o seu sistema global de valores. E viceversa: segundo a maneira pela qual se comporta para com os seus velhos, a sociedade desvenda, sem equívocos, a verdade – tantas vezes cuidadosamente mascarada – de seus princípios e de seus fins”. Uma maneira peculiar de representar a velhice ou sua aproximação, a fraqueza, é encontrada em representações gráficas do antigo Egito. O hieróglifo que significa ‘velho’ ou ‘envelhecer’, encontrado a partir dos anos 2800-2700 a.C., foi representado pela 6 “imagem de uma figura humana deitada, com ideograma representativo de fraqueza muscular e perda óssea” (LEME, IN: PAPALEO NETTO, 1996:14). Se por um lado o envelhecimento na antiga China era associado a respeito do ponto de vista das relações sociais, em outras civilizações da mesma época o mesmo não ocorria. É por meio de relatos escritos, quadros, esculturas, em manifestações culturais as mais diversas, como poemas ou a dramaturgia, que são identificadas as mais diferentes reflexões sobre os velhos e a velhice (BOIS, 1989, 1994; MINOIS, 1987; CRANDALL, 1980; BEAUVOIR, 1970). Nas diversas vezes em que esses relatos apareceram na história antiga, quase sempre se restringiam à velhice do indivíduo, não havendo uma característica de grupo. Tanto nas crônicas como nos tratados morais e nas obras de arte, o que se encontrou são fragmentos que reproduzem uma visão bastante limitada do corpo social. Saber e poder faziam parte das características dos velhos que mantinham respeito e privilégios: “eles encarnam a continuidade e o sucesso do grupo, e, diferentemente dos outros homens, eles estão próximos dos deuses” (BOIS, 1994:6). Num meio termo entre mito e história, tanto a Grécia do tempo de Homero como a Roma arcaica não escaparam desse modelo. Quando as sociedades passam a ficar mais organizadas, e o sagrado desaparece das relações com a política, com o desenvolvimento institucional e administrativo, acabou-se fazendo com que declinasse o sistema gerontocrático. A velhice tornava-se destino e há certa ambigüidade nos gregos. Enquanto Aristóteles ataca a velhice, Platão vai defendê-la, colocando-a mais próxima de um ideal. Na verdade, ao se falar da Grécia, deve-se ter em conta a existência de cidades-estado, não havendo qualquer unidade entre elas. Em Esparta encontrava-se um conselho conhecido como Gerúsia, constituído de 28 gerontes e dois reis, escolhidos entre aqueles que tinham mais de sessenta anos. Como resultado do fim de algumas guerras, em Roma, tal como na Grécia, demograficamente já se apresentava um considerado número de pessoas com mais de cinqüenta anos, que eram estimadas, segundo Cowgil, citado por Crandall (1980), em 4% do total da população. Na antiga Roma o senado parece valorizar a experiência dos seus velhos senadores, e Cícero (1997), que era, além de filósofo, influente político, vai apresentar a velhice pelo prisma do que podemos chamar do ‘bom envelhecer’. Segundo 7 ele, existiriam quatro razões utilizadas pelos que concebiam a velhice como algo detestável: ela nos afastaria da vida ativa, acabando por enfraquecer-nos o corpo, privando-nos de alguns dos melhores prazeres, e finalmente nos aproximaria da morte. Seria então necessário resistir à velhice e combater seus inconvenientes: “é preciso lutar contra ela como se luta contra a doença; conservar a saúde, praticar exercícios apropriados, comer e beber para recompor as forças sem arruiná-las” (CÍCERO, 1997:16). Suas recomendações demonstram a importância que já era dada ao permanecer ativo, tanto intelectual como fisicamente. Procurando mostrar as vantagens do envelhecimento, Cícero sugere que no momento em que algumas características se vêem alteradas nos velhos, outras passam a ser evidenciadas positivamente quando se confrontam jovens a velhos. Na verdade, velhice e juventude não deveriam se contrapor, pois os que estão na primeira categoria não têm necessariamente a obrigação de cumprir as mesmas tarefas que distinguem a segunda. Para Cícero, os velhos acabam por fazer mais e melhor, pois “não são nem a força, nem a agilidade física, nem a rapidez que autorizam as grandes façanhas; são outras qualidades, como sabedoria, a clarividência, o discernimento” (CÍCERO, 1997:19). Nos primórdios do desenvolvimento das civilizações, a velhice foi percebida como uma etapa particular da vida, não se verificando, como era de se esperar, qualquer acordo sobre qual seria a idade em que ela se iniciava. Se hoje alguns usam a fórmula de dividir a vida em três idades, antigamente outras foram feitas: Hipócrates usava para descrever o ciclo da vida as quatro estações, sendo que a velhice corresponderia ao inverno, que para ele cronologicamente começaria aos 56 anos. Já Aristóteles se referia à idade de 50 anos, enquanto Santo Agostinho, que estabelecia 60 anos como limite, dividia a vida em sete idades – divisão utilizada durante a Idade Média. Não sendo tão simples quanto parece, na busca por identificar o início da velhice, mesmo se nunca encontrou unanimidade, foi a idade de sessenta anos a mais utilizada para distinguir aqueles que não serviam mais para pegar nas armas ou mesmo para trabalhar. Foi só a partir do Renascimento que houve um aumento da expectativa de vida, surgindo com isso um maior interesse pelos problemas do envelhecimento. Segundo Leme, a segunda metade do século XV, Gabriele Zerbi, que era clínico, professor e anatomista, 8 escreveu alguns sintomas e doenças típicas de velhos, no que poderia ser considerado como o primeiro manual de geriatria. Par ele, “o idoso tem uma compleição especial, primeiro fria e seca e posteriormente quente e úmida, definindo nessa compleição uma predisposição para mais de 300 doenças”. Também de maneira sintomática, Richelet, lexicógrafo francês do século XVII (BOIS, 1994), apontado como um dos primeiros a catalogar o sentido das palavras para caracterizar a velhice na França, em 1680 já se referia às palavras ‘ancião’ e ‘velha’. Foi assim, na forma feminina, que ele se expressou, demonstrando o que foi claramente percebido por Minois (1987), que a história da velhice é uma história do ponto de vista masculino. O pouco poder das mulheres, como da velhice anônima, sempre foi ridicularizado e rejeitado; já a velhice honrada seria para os possuidores de poder, como os doges, os de classes abastadas, os conselheiros dos governantes e os reis. Cronologicamente, anciões seriam aqueles que têm entre 40 e 70 anos: “são geralmente desconfiados, ciumentos, avaros, melancólicos, conservadores, se queixando de tudo; os anciões não são capazes de amizade” (BOIS, 1989:27). No que toca a caracterização da velhice como feminina, Richelet, ao se referir às ‘velhas’, incluiu-as no mesmo período etário dos anciões, caracterizando-as também como muito repugnantes, além de enrugadas e sonolentas. Alguns anos mais tarde, no dicionário elaborado por Furretière, também citado por Bois (1994), encontramos algumas características mais abonadoras. O ciclo da vida foi dividido em escalas de idade, cada uma comportando sete anos: a faixa dos 30 aos 50 anos seria a da ‘idade forte’, ‘idade madura’ e ‘idade viril’, ao passo que as expressões ‘estar na idade’, ‘estar avançando na idade’ ou ‘declinar na idade’ definiriam o começo do envelhecer, e a decrepitude começaria após os 75 anos. Assim como em outras definições, o paradoxo também continuava, pois ao mesmo tempo em que se associava muita idade à experiência, enaltecendo os anciões como pessoas que têm algo de venerável, de grande, por outro lado a velhice também é considerada como “um tempo de caduquice, em que não se tem mais força” (BOIS, 1989:28). Na mesma época a Academia Francesa evita apresentar qualquer idade para caracterizar a velhice e passa a incluir expressões positivas para referi-la. Isso não significava maiores conhecimentos adquiridos, mas sim uma parcial 9 mudança de mentalidade, já que se tornar ‘caduco’ continuava a ser considerado como uma inevitável conseqüência dessa fase da vida. O século XVIII é aquele no qual a percepção da velhice muda, “de puramente apreciativas, tornam-se objetivas” (BOIS, 1994:63). Delineava-se no final do século um interesse na contabilização matemática das populações, que podia constatar o lento, mas progressivo aumento demográfico na Europa. Jean-Pierre Gutton, citado por Bois (1994), usa a expressão ‘nascimento dos velhos’ mostrando que o interesse no século XIX passava a valorizar mais as qualidades do indivíduo. No momento em que esses valores são descobertos, os velhos, tal como as crianças, passaram a ser tratados de forma diferente no seio familiar. Há uma ‘evolução favorável’, resultado de um movimento que ocorreu nas sociedades européias. As representações da idade passam a ser bem otimistas, principalmente após a segunda metade do século. Cria-se a imagem do bom velho, segundo a qual ter muita idade pode contribuir para a aquisição de outras qualidades, não mais pelo saber acumulado, mais por valores ligados à virtude, como justiça, bondade e temperança (BOIS, 1994). Mas a ambigüidade logo fica novamente marcada. Não demorou muito para que no século XIX, a partir da influência da medicina, se tivesse uma imagem cada vez mais diferente da velhice, e foi nessa época que surgiram os primeiros tratados de geriatria. Por um lado, nesse mesmo século, verificava-se uma gerontocracia na França, já que os idosos conseguiam deter algum tipo de poder, o que explicava o fato de que muitos deles ainda estivessem “nas famílias, nos negócios, no exercício dos poderes constitucionais ou eletivos. A característica dominante era muito mais favorável aos velhos do que em qualquer outra época” (BOIS, 1994:95-96). Por outro lado, a relação com os que não tinham qualquer poder e respeito era diferente. Em Paris, foi criado o Hospital Salpétrière, que acolhia de dois a três mil idosos, e passou-se a observar a velhice pelos aspectos clínicos. Esse dado parece ser definitivo para marcar a contribuição do modelo que se fundamenta na inevitável responsabilidade do indivíduo por sua degradação ou mesmo conservação para uma boa velhice. Os doentes nos hospitais “[...] tornavam-se sujeitos de observação, em que a clínica se afirmava e novas abordagens das doenças da idade se sucediam [...] existiu a partir do primeiro terço do século XIX uma verdadeira demanda de livros informando sobre o envelhecimento do indivíduo e dando 10 conselhos. Estes guias de grande difusão foram geralmente escritos por professores célebres [...] eles escreviam ao vislumbre de seus conhecimentos gerais e de sua sabedoria uma promoção de regras para a vida que garantiriam uma boa velhice [...] Não se tratava de pesquisas, mas de escritos que pertenciam a um gênero completamente diferente, num meio de caminho entre medicina e filosofia”. (BOURDELAIS, 1993:322-339). Para esse autor, era incontestável o interesse que o envelhecimento e a velhice passaram a ter tanto no campo científico como no terapêutico, sendo estudados dentro dos hospitais. O desenvolvimento da geriatria parece ter contribuído para a deterioração da imagem da pessoa idosa; as diversas descrições clínicas eram categóricas, apresentando sempre “quadros precisos, chocantes e repetitivos da decadência física. À medida que as investigações se desenvolviam num quadro de pesquisas das anomalias, do que não funcionava, estaria provada a deterioração pela idade” (BOURDELAIS, 1993:348). QUEM QUER SER VELHO? Não importa o período analisado na história da humanidade, seja nas culturas mais antigas, seja nos países mais jovens, os significados atribuídos ao ‘ser velho’ e ao envelhecimento foram sempre marcados por profundas contradições. Uma pessoa velha pode ser considerada como alguém que merece e impõe respeito, ou um indivíduo altamente desprezível. Na atualidade, testemunhamos ser bastante comum recorrer-se ao uso da palavra ‘velho’ para uso mais pejorativo e depreciativo do que lisonjeiro. No momento em que a velhice é apresentada como um período da vida ao qual se associam mais desvantagens do que vantagens, constata-se com freqüência a busca de distanciamento desse processo. Mas é fato que existe grande controvérsia sobre qual seria o momento ideal para marcar o início dessa tal velhice. O mais freqüente é o uso da idade cronológica para se dizer quando alguém é velho, sendo as mais utilizadas as que rondam os sessenta anos. Há também referência ao momento em que começam os cabelos brancos ou mesmo ao período que ronda a aposentadoria. Se pensarmos nas mulheres do início do século XX, o climatério, sendo um período cheio de significados que extrapolam o orgânico, também marcava para muitas delas a aproximação da velhice. Fica claro que não é muito simples nem unânime qualquer tentativa de caracterização desse momento. A falta de consenso é presente, seja no uso de critérios cronológicos, seja na importância que se dá 11 aos sinais externos, apresentados por meio das mudanças corpóreas ou orgânicas, que acabam refletindo na variedade de conselhos que são dados em cada época para se enfrentar a velhice. Não precisamos ir muito longe, deixando aqui o exemplo dos ensinamentos propostos em algumas publicações de mais de cinqüenta anos: com o significativo título A vida começa aos quarenta anos, Pitkin (1942) apresenta um modo de vida que deveria ser assumido para se ter uma boa velhice. O Dr. Peter Steincrohn (1950) publicou um livro com o título O repouso começa aos quarenta. Reforçando a idade de quarenta anos como simbólica para o início da velhice, o livro procurava ensinar ao ‘quarentão’ de que forma ele poderia ter uma velhice mais saudável. Basicamente a recomendação principal é a de que não é preciso fazer ginástica, pois aqueles que se dedicam a ela gastam as poucas reservas energéticas que ainda sobrariam para enfrentar os últimos anos de vida. Assim como a juventude podemos considerar a velhice mais uma categoria criada culturalmente. Segundo Pierre Bourdieu (1980:145), “a idade é uma variável biológica, socialmente manipulada”, por esse motivo, plena de ambigüidades que não serve como único parâmetro para dizer quando alguém é velho. Não podemos ignorar, entre outras, as variáveis derivadas: das influências do meio ambiente; das condições de trabalho; da classe social e do modo de vida. Na verdade, os cortes cronológicos só contribuem para aumentar as barreiras entre gerações (ATTIAS-DONFUT, 1988). Remi Lenoir (1998:68) deixa claro que “o que está em questão é a definição dos poderes associados aos diferentes momentos do ciclo da vida, sendo que a amplitude e o fundamento do poder variam segundo a natureza das implicações – peculiares a cada faixa etária ou a cada fração da faixa – da luta entre as gerações”. Sendo assim, alguns buscam compreender o inexorável processo do envelhecimento enquanto um processo gradual, multifatorial e multidiferencial, havendo atualmente os que defendem que os aspectos deletérios do envelhecimento devem ser enfrentados. É cada vez mais acentuada a busca por viver mais e de maneira saudável, aumentando assim o combate às doenças da velhice. Diversas tentativas são feitas para postergar pelo maior tempo possível alguns signos da velhice, contribuindo para que aumentassem nos últimos anos as publicações sobre o sentido do envelhecimento e como resistir à velhice. 12 Os mistérios da vida sempre empurraram a humanidade a procurar dominar seu medo do desconhecido que é a morte. As possibilidades de fazer com que sejamos capazes de viver o maior número de anos possível não são uma preocupação de hoje, e ao que parece não se encerrará jamais. Desde os povos antigos, alquimistas e cientistas dedicaram seus esforços no sentido de achar algo que seja capaz de prolongar a vida humana, ou pelo menos chegar a atenuar alguns desgastes. Teoricamente sabemos que em média nossos limites têm sido situados em torno dos 120 anos, embora festejar os cem anos de alguém seja bastante raro. Os centenários constituem-se num grupo bastante restrito, mesmo considerando o aumento da sua proporcionalidade. Se até pouco tempo eram relegados aos asilos, hoje muitos convivem com outras gerações. Um dos componentes, e provavelmente um dos mais importantes relacionado ao que estamos vendo como novo modo de envelhecer é a possibilidade de se engajar nos diversos projetos associativos. Percebemos que nas propostas das políticas sociais, sempre é sugerido nas suas ações manter o idoso ativo, inserido socialmente, evitando-se ao máximo a forma asilar. O fato de aderir a uma associação e praticar as atividades que nela são propostas acaba dando ao idoso uma possibilidade de se sentir mais útil e de permanecer inserido na sociedade, afirmam os que defendem esse modelo ativo e socialmente engajado do bom envelhecer. Idosos e aposentados foram transformados nas últimas décadas do século XX em categorias boas de se investir, não sendo poucos os que se viram atraídos pelos apelos da mídia que lhes acenava com um novo imaginário do que poderia ser seu envelhecimento num novo tempo mais independente (VENDRUSCOLO, LOVISOLO, 1997: 40). A TRANSIÇÃO DEMOGRÁFICA NO BRASIL Vários fatores influíram para a transformação do envelhecimento e da velhice, de processo que só importava ao indivíduo, a destino não mais de poucos privilegiados, assunto de responsabilidade social. O século XX marca o mundo pelos significativos avanços sociais e científicos, que acabaram contribuindo para profundas alterações demográficas: controle de certas doenças infecto-contagiosas, desenvolvimento de sistemas de saneamento básico, de controle conceptivo, diminuição tanto do número de nascimentos 13 como da mortalidade infantil. No entanto, o aumento da população de velhos não foi exclusivo daquele século, já tendo sido verificado em outras épocas. A França, por exemplo, tinha no século XIX, do total da sua população, 8% de pessoas com mais de sessenta anos (BOURDELAIS, 1993). Esse número é bastante significativo, principalmente quando o comparamos à recente distribuição demográfica brasileira. Durante muito tempo o Brasil foi considerado um país de jovens, e o sinal de alerta de que estaria havendo uma mudança em seu perfil demográfico surgiu nos anos setenta, quando a proporção de pessoas com mais de sessenta anos ainda rondava os 7%. Hoje constatamos que foi preciso percorrer quase todo o século XX para que a mesma proporção encontrada na França no século XIX fosse alcançada no Brasil, só acontecendo no decorrer da década de noventa. Registre-se que atualmente, início do século XXI, a proporção de pessoas com mais de sessenta anos no Brasil anda em torno dos 9%. Não se pode falar do envelhecimento de uma população, da forma como vem ocorrendo no Brasil, sem se reportar às pressões demográficas. Tendo como base os aspectos quantitativos, a demografia surgiu como uma ciência interessada em estudar o movimento das populações humanas, suas mais diversas dimensões, estruturas, evolução e também suas características gerais. Ela é tanto prospectiva como retrospectiva. Diante dos dados já conhecidos, tudo indica que o século XXI ficará marcado pelo significativo aumento demográfico da população mundial de idosos (US CENSUS BUREAU 2003; INSEE 2001; BRASIL 2001), fato que se delineou no decorrer do último século. Para melhor compreender a emergência do envelhecimento de uma população enquanto problema é comum serem reportadas suas evoluções demográficas. Enquanto uma das primeiras ciências sociais quantificáveis, a demografia se utiliza de estatísticas, “cujos resultados tornam-se cabíveis de análises qualitativas (fatores sociológicos, psicológicos, etc.), levantando diversas questões ligadas à economia, à sociologia e à história” (GRAWITZ, 1991:108). No período compreendido entre os anos de 1950 e 2025, enquanto a população mundial total deverá triplicar, a parcela formada pelos que têm mais de sessenta anos será multiplicada por cinco. Surpreende quando se observa os dados demográficos brasileiros e suas profundas alterações que ocorrerão nos próximos anos. (TABELA 1). 14 TABELA 1 PORCENTAGEM DA DISTRIBUIÇÃO DA POPULAÇÃO BRASILEIRA POR GRUPO DE IDADE NOS ANOS DE 2000, 2025 E 2050 Brasil 0-19 20-59 60 ou > 2000 39% 53% 8% 2025 27% 57% 16% 2050 22% 51% 27% Fonte: Us Census Bureau, 2003 A transição demográfica ocorrida no século XX fez com que se aumentasse o número de pessoas consideradas idosas. Credita-se esse fato à forte contribuição da melhoria das condições sanitárias, do progresso da ciência, do controle e erradicação de algumas doenças contagiosas, de mudanças de hábitos alimentares e de higiene pessoal. Entretanto, estas últimas não são tão fundamentais; o que mais vai importar é a sua conjunção com outros fatores, como a diminuição da taxa de mortalidade infantil e principalmente a diminuição das taxas de fertilidade ocorrida em determinados períodos (TABELA 2). No Brasil, as alterações são muito significativas, e as estimativas que os institutos de pesquisa vêm há alguns anos fazendo, mostram que a transição demográfica não se restringirá só ao Brasil. Projeta-se que as mulheres brasileiras terão um quantitativo em torno de 1.8 filhos para as duas próximas décadas, com tendência de baixa para as posteriores. Deve-se registrar que a taxa de 2.1 filhos é a considerada para se ter o equilíbrio de uma população. TABELA 2 Taxa de fertilidade das mulheres francesas e brasileiras – dados listados a partir da década de 1950 até o ano 2000 Brasil 1950 1960 1970 1980 1990 2000 5.93 6.07 5.33 4.09 2.56 2.13 Fonte: IBGE (2003) Os dados que obtivemos indicam que a esperança de vida média dos brasileiros nascidos no ano de 2000 ainda estava abaixo de 70 anos, enquanto que na França a média já 15 seria de 78,8 anos. No ano de 2003 o IBGE divulgou uma pesquisa que indica entre outros dados que a esperança de vida média do brasileiro passava a ser de 71 anos com as mulheres vivendo em média 7,6 anos a mais do que os homens. Durante milhares de anos a espécie humana teve um aumento demográfico muito lento. Só a partir dos últimos três séculos a população começou a crescer de maneira mais acentuada, o que se deveu, entre outros fatores, ao desequilíbrio entre nascimento e morte. Esse conjunto de fatores, como também o aumento da longevidade média, acabou contribuindo para fazer do envelhecimento “uma novidade para o nosso tempo”, conforme Bois (1994:1), mesmo considerando que em todas as épocas tenham existido velhos. Concordamos com o autor quando ele diz não restar qualquer dúvida de que a nossa velhice não será a mesma dos nossos pais, avós ou de nossos ancestrais mais longínquos. Acrescentamos ainda que o estudo do envelhecimento e da velhice deve ser acompanhado por uma reflexão do significado dos fenômenos geracionais. Afinal, quem poderia imaginar há algum tempo atrás que as novas gerações estariam sendo induzidas a praticar atividade física ou mesmo participar de competições esportivas; mais impensável seria a presença nessas práticas de pessoas de mais de sessenta anos, como vem ocorrendo atualmente. O uso de dados demográficos para caracterizar o envelhecimento de uma população como um problema social do momento não é garantia de que os anseios dessa categoria e suas necessidades mais prementes sejam atendidos. As políticas públicas encaminhadas pelos que se apresentam enquanto entendedores do envelhecimento e da velhice acabam por privilegiar outros interesses; no caso dos idosos e aposentados que praticam as mais diversas atividades, em especial as de caráter físico ou esportivo, será que não poderíamos falar de uma ‘indústria do envelhecimento saudável’? A NOVA VELHICE O século XX é considerado um período bastante importante no tocante ao interesse social pelas coisas da velhice, quando uma ‘nova velhice’ passou a ser delineada, surgindo as associações gerontológicas e geriátricas. Época da ‘hiperatividade contemporânea’, de contato com uma ‘nova arte de envelhecer’ (MIRA Y LOPES, 1966), um resgate da época dos iluministas do século XVIII que apresentaram uma imagem positiva da velhice. Mas quando se encarava o envelhecimento a partir das obras geriátricas, ficavam bem marcadas 16 as perdas e as doenças, o aspecto negativo. Só na segunda metade do século XX surgiram trabalhos mais próximos das ciências sociais que começaram a fazer denúncias sobre o abandono e as condições miseráveis dos velhos. Ao mesmo tempo, gerontólogos passam a defender um modelo diferente de envelhecimento que é logo incorporado pelos geriatras. Simone de Beauvoir (1970) apresentou de maneira contundente as dificuldades de sobrevivência dos idosos, e o descaso com que os mais velhos eram tratados. No momento em que foi publicado este livro, foi bastante peculiar e foi considerado um dos mais importantes para quem estudava o envelhecimento e a sociedade. Estudo abrangente denunciava na história da humanidade o estado de miséria e o abandono social impostos àqueles velhos desprovidos de algum tipo de poder. Segundo a autora, sendo raras as sociedades em que o velho era venerado, um estudo sobre as influências da sociedade sobre a velhice e o envelhecimento deve considerar que será então a própria sociedade que vai determinar “[...] o lugar e o papel do velho, levando em conta suas idiossincrasias individuais: sua impotência, sua experiência; reciprocamente, o indivíduo é condicionado pela atitude prática e ideológica da sociedade a seu respeito” (BEAUVOIR, 1970:13). Sobre o trabalho da autora, alguns justificam sua importância pelo momento histórico em que foi escrito, já que as condições dos velhos na França nos anos 60 deixavam muito a desejar. Uma vez que durante muitos anos “o conhecimento do envelhecimento e da velhice era dominado por mitos, estereótipos, preconceitos, ignorância e medos pessoais com a velhice” (CRANDALL, 1980:4), foi necessário incorporá-la primeiro como uma fase importante da vida e depois considerá-la enquanto um fato social, para que pudesse então merecer estudos mais sistemáticos. Ao fazer uma história da velhice, Jean-Pierre Bois (1994:4) argumentou que, não importando o período em que ela foi abordada, o discurso que se fez passará sempre por uma discussão de “[...] temas em oposição, mas sem dúvida complementares – sabedoria e loucura, felicidade e tristeza, beleza e feiúra, virtudes e corrupções de idade e das pessoas idosas – que exprimem duas aspirações, a tentação de uma vida longa e a recusa das fraquezas clássicas da idade”. Acrescentamos ainda a noção de progresso e desenvolvimento em oposição à de estagnação e involução, ou seja, um mau e um bom envelhecimento, o que abre o caminho 17 para se contrapor atividade à inatividade na aposentadoria e autonomia à dependência. Como então superar o que parece rondar o senso comum, a noção de que existiria certa semelhança entre ser muito velho e a fase de dependência total? É aí que acaba surgindo com outros fatores uma nova maneira de envelhecer, em oposição à velhice indesejada. É então no século XX, visando a combater o mau envelhecimento, que surgem cada vez maior número de manuais, alguns seguindo os preceitos higienistas que defendem uma moral que resultará no bom envelhecimento. Isso acabou se intensificando ainda mais a partir do tema na categoria de problema social. Mais precisamente, no período a partir dos anos cinqüenta, quando aqueles manuais passaram a propor com certa freqüência um modelo do bom envelhecimento, que acabou de certa forma sendo incorporado nas políticas sociais da velhice. Só que agora quem passará a cuidar dos velhos serão eles próprios, auxiliados pelo Estado, que passou a dividir com a família as responsabilidades de seus velhos. Com o passar dos anos de desenvolvimento após a Segunda Guerra e a influência da política do bem-estar social, surgiram novas aspirações de uma classe média assalariada que, junto com o envelhecimento da população, cresceu de forma considerável. PREVENINDO AS QUEDAS: INTEGRANDO PROMOÇÃO DA SAÚDE, LAZER E INTERGERACIONALIDADE Sendo cada vez mais crescente o número de oportunidades profissionais para se atuar com os idosos interessados em praticar atividades físicas esportivas, é necessário estar atento à diversidade de públicos que muitas vezes se apresentam. A melhor compreensão desses públicos certamente contribuirá para a melhor adequação das práticas escolhidas e dos conteúdos utilizados. Identificamos inicialmente, que entre os praticantes das atividades físicas após a entrada na aposentadoria existe um grupo que já vem praticando há algum tempo. Nesse mesmo caso encontram-se alguns que investem na forma dos torneios ‘masters’ em práticas competitivas. O exemplo dos competidores masters de natação serve para percebemos como os idosos e aposentados podem participar de situações que até pouco tempo eram exclusivas de pessoas jovens. Fica clara a existência de um outro grupo distinto, que é constituído de idosos e aposentados que com certa regularidade só praticaram atividades físicas em determinado período da vida, muitas vezes de maneira obrigatória, como nas escolas ou nas forças 18 armadas. O abandono após esses períodos acaba sendo justificado pela falta de interesse ou pelas mais diversas causas, mas a mais comum é a falta de tempo disponível, que se concentrou na dedicação à vida familiar e profissional, ou a outros interesses pessoais. Entre esses idosos, o retorno à atividade no período que ronda a aposentadoria, pode ser devido a uma recomendação terapêutica específica, como uma opção de viver o envelhecimento de forma diferente. Finalmente encontramos um terceiro grupo que em muito se assemelha ao anterior, sendo ambos os mais representativos. Sua constituição é de pessoas que nunca praticaram regularmente alguma atividade física, e que só após a entrada nas associações de idosos e aposentados passaram a se engajar em programas específicos de atividades físicas. Acreditamos que nossa proposta esteja mais dirigida a estes dois últimos grupos e percebemos que na grande maioria dos casos enquadra-se na última opção sendo a presença feminina a mais significativa, chegando, em muitos momentos, a ser exclusiva. O que se considera como teoria da ‘estratificação das idades’ (MARKIDES, MINDEL, 1986:29) foi apresentado pelos seus autores como um modelo de envelhecimento, de maneira que sua perspectiva não é a de oferecer uma explanação teórica da adaptação à velhice, como a teoria da atividade e do desengajamento pretendem fazer. O uso de algum tipo de modelização sobre o envelhecimento a partir da influência exercida pelo meio social requer bastante prudência, já que nenhuma teoria será capaz de explicar e que seria um conjunto de teorias que aproximariam a determinados modelos assumidos pelos que envelhecem. O modelo percebe de duas formas fundamentais a estratificação das idades: a idade podendo limitar as habilidades do indivíduo para desempenhar determinados papéis; e a sociedade diferentemente repartindo direitos, papéis, privilégios e oportunidades tendo como base uma idade. De acordo com Crandall (1980:119), a idade cronológica pode afetar o desempenho de um papel por causa da influência das características biológicas, legais ou das restrições sociais. Se por um lado houve no século XX uma verdadeira revolução no que toca a longevidade, por outro, as estruturas por idade não acompanharam no mesmo ritmo as alterações, conforme o que vem sendo anunciado para o século XXI, quando será cada vez mais crescente o número de pessoas idosas tanto competentes e motivadas como 19 potencialmente produtivas. Sendo assim, certamente elas “não poderão se acomodar por muito mais tempo a estruturas que não lhes dão nenhum papel” (RILEY, RILEY, 1991:7). Numa estrutura por idade considerada mais tradicional, os papéis sociais são divididos em três partes: aposentadoria com a primazia dos lazeres, o trabalho para os considerados adultos e a educação para os jovens. Nesse modelo banal, originário de um tempo mais antigo, a aposentadoria seria muito próxima da morte e haveria uma dificuldade adaptativa a novos modos de vida. Ele se fundamenta no declínio que se acentua com o decorrer dos anos e acaba fortalecendo concepções que podem ser consideradas ‘ageismos’, uma espécie de preconceito fundamentado nas idades. Seria uma divisão considerada prática para a sociedade, pois não possibilita muitos questionamentos. Já na integração das idades, seria possível ter diferentes papéis em todas as estruturas e tanto na escola, no emprego como nos lazeres as pessoas estariam integradas. Mesmo que possam ser observados alguns sinais de que estaria havendo uma intervenção sobre as estruturas, que teria como objetivo aproximar as pessoas, independente da idade seja no trabalho, na educação ou no lazer, os exemplos observáveis dessa integração ainda são raros na sociedade moderna. Consideramos que nossa proposta de atuar com a intergeracionalidade encontra suporte nesta fundamentação, que se junta à questão da promoção da saúde. A noção de saúde varia segundo os indivíduos, as civilizações, as épocas. A noção de norma, de estado completo de bem-estar físico, mental e social, que seria o mesmo para todas as pessoas, é uma generalização abusiva, daí a importância de repensá-la a partir de outros significados. Drulhe (1996) apresenta os quatros indicadores principais de que se serviu a OMS para propor suas ações: a mortalidade ou duração da vida; a morbidade ou qualidade de vida; fatores considerados de risco; a autogestão da saúde tanto pelo indivíduo como por grupos. Neste último podem ser considerados os hábitos que podem passar pelo lazer, como a prática de exercícios e as preocupações nutricionais. Durante muito tempo entendeu-se a saúde como algo exclusivo da esfera médica. Entretanto, alguns pesquisadores, percebendo sua multifatoriedade, passaram a entendê-la como algo mais amplo. 20 Defendemos que a educação para a saúde e suas relações com promoção da saúde, podem ser consideradas como um referencial que pode ser utilizado pelos que atuam com a animação cultural. O conceito de ‘promoção da saúde’, encara a saúde por sua multifatoriedade, visa no caso dos idosos à autonomia, propõe a desmedicalização, incorpora a educação para a saúde e o envolvimento do indivíduo nas mais diversas ações para a consecução da saúde. Consideramos a universidade como local privilegiado para a discussão da transmissão cultural, e nada melhor do que fazer através do lazer. Alertamos para que ele não seja confundido como mero entretenimento, com fim em si mesmo, pois sendo assim, nada justificará sua presença numa universidade. Aceitamos que seja uma alternativa educar pelo lazer e para o lazer, e desde o ano de 2001, temos sobre nossa responsabilidade um Projeto de Intervenção e Pesquisa que objetivamente se interessa: a) pela diminuição da incidência de quedas em idosos; b) pelos fatores extrínsecos e intrínsecos que podem ser trabalhados para evitar as quedas; c) pela utilização de elementos da cultura corporal; d) pela promoção da saúde através de atividades físicas que proporcionem prazer. Procuramos encontrar apoio nestes indicativos na montagem do método que aplicamos no Projeto ‘Prev-quedas’, e quatro anos mais tarde no projeto ‘Envelhecimento sem tropeços’, que veio a ser criado na Universidade Federal do Rio de Janeiro. A inclusão de elementos da cultura corporal se mostrou fundamental para manter um ambiente mais favorável para a passagem dos nossos conteúdos, que aliam a educação pelo lazer à perspectiva de promoção da saúde. O uso pelos animadores culturais de elementos culturais com forte representatividade na sociedade brasileira, tem possibilitado uma melhor mediação durante nossas intenções pedagógicas. Cair faz parte de nossa vida, ninguém aprende a andar sem antes ter experimentado alguma queda, a posição de pé é bastante complexa, adquirida, aprendida e por isto frágil. “Cair é perder o equilíbrio sem poder recuperá-lo. Não se pode recuperar este desequilíbrio quando as capacidades de adaptação postural estão inadaptadas ou sobrecarregadas em face de esta situação” (REIGEWIRTZ, 2000:25). As quedas não estão relacionadas unicamente a fatores considerados de risco, relacionados ao indivíduo, havendo fatores extrínsecos, que dependem de uma situação, ligada não só à atividade 21 como também ao meio ambiente (PIERA, 2000). O meio ambiente às vezes nos proporciona algumas surpresas que nos levam a ter uma perda do equilíbrio que podem ocasionar uma queda do nosso corpo ao solo. Uma queda pode acontecer tanto no interior de nossa residência como fora dela, em decorrência de uma diversidade de situações. Podemos listar como causas mais freqüentes: escadas mal dimensionadas com inclinações e alturas diferentes entre cada degrau; acesso a elevadores desnivelados; ambientes com pouca iluminação; ausência de corrimão. É também importante considerar os diversos buracos e obstáculos existentes nos equipamentos públicos urbanos, as calçadas que têm as pedras portuguesas. Nos transportes públicos, seja no seu acesso, na tentativa de se manter equilibrado nos balaústres ou mesmo na saída do veículo, requer-se bastante equilíbrio e rapidez para não fazer o deslocamento com o veículo em movimento. Sem esgotar as possibilidades de locais ou situações onde ocorre um número significativo de quedas, temos o interior das residências. Nelas perde-se o equilíbrio escorregando na umidade de banheiros e cozinhas, em tapetes não fixos, em pisos muito encerados, como também tropeçando em obstáculos dos mais diversos, como fios elétricos estendidos pelo chão, pequenos animais, brinquedos infantis etc. Considerando que esta lista contenha algumas das causas mais freqüentes das inevitáveis quedas que rondam nosso cotidiano, nada vem a ser de muito dramático quando o resultado destas quedas, não apresenta conseqüências mais graves, não passando de um simples susto. Quando se é criança, ou mesmo um adulto mais jovem, a ocorrência de alguma queda, nem sempre influirá na mudança de comportamento. Já que com causas semelhantes, velhos e jovens caem diferentemente (MOULIAS, H, IN: GROUPE de travail de l´assistance publique, 2000), o grande problema passa a ser quando as quedas ocorrem com pessoas mais idosas ou as que têm os ossos mais frágeis, resultado da alteração na mineralização óssea, aí as conseqüências deixarão de ser tão simples. Consideramos que existe uma série de estratégias que serão capazes de prevenir uma queda, mas reconhecemos que não conseguiremos eliminá-las do nosso cotidiano. Pensando na contribuição do que propomos, procuramos inicialmente responder: há um risco potencial? Uma observação mais acurada, que envolve alguns testes de simples aplicação, nos permite procurar interferir nas causas que o favorecem, para finalmente 22 propor medidas de segurança e quando for o caso, estratégias terapêuticas (REIGEWIRTZ, 2000: 25). Para avaliar o risco de alguém vir a sofrer alguma queda pode ser aferido a partir de algumas respostas dadas sobre o comportamento da pessoa. No caso de pessoas idosas devemos verificar: se houve incidência de quedas no decorrer do último ano; se o uso de algum sedativo mais forte é freqüente; se existem limitações que dificultem a mobilidade física; se há pouca força nos membros inferiores; se há dificuldade para sentar-se e levantar-se de uma cadeira sem utilizar a força dos braços; se durante a marcha, ao ser feita uma ligeira mudança de direção há perda de equilíbrio; se há problemas posturais como uma cifose, que venha a alterar a maneira de andar pela mudança do centro de gravidade; se é satisfatório o tratamento dispensado aos pés; se existem problemas de ordem sensorial que venham a influir no equilíbrio ou na percepção espaço temporal. Como causadores de quedas uma variedade de fatores vão influir. A abordagem médica aponta de maneira precisa diversas causas dando algumas razões de ordem patológica como: problemas cardiovasculares, neurológicos e metabólicos. Contudo só 60% dos casos parecem ser devido a uma patologia específica. As razões são bem mais diversificadas e muitas podem ser evitadas, seja através de uma melhor adequação urbanística de nossos equipamentos públicos, adequando também a residência a novas demandas dos idosos ou modificando o comportamento das pessoas. Como propostas alternativas para diminuir os problemas que envolvem as quedas sejam elas em adultos ou idosos, apresentamos inicialmente a prevenção fora de casa, propondo aos responsáveis pelas políticas públicas urbanas uma maior atenção para que sejam: reduzidas as alturas de certas calçadas muito altas ou mal concebidas; melhorados os calçamentos públicos; melhoradas as vias de acesso dos pedestres aos equipamentos públicos urbanos sendo instaladas rampas e corrimãos que facilitem o trânsito de todos; regulados os sinais de trânsito que são muito rápidos e obrigam a aceleração das passadas além das habituais; conscientização dos motoristas dos transportes públicos sobre o ritmo dos idosos, obrigando os empresários dos transportes públicos a nivelarem os acessos dos ônibus com a altura das calçadas, como ocorre em diversos países. 23 Os episódios de quedas envolvendo idosos têm conseqüências que não passam só pelas questões sanitárias e sociais, mas repercutem também no aspecto econômico, afetando física e psicologicamente o indivíduo. Na França segundo dados do Instituto Nacional de Saúde e das Pesquisas Médicas (INSERM), 11 mil pessoas morreram em decorrência de uma queda acidental. O mesmo número de óbitos que ocorreu no mesmo ano em conseqüência de acidentes de tráfegos (LASCAUX, PERDRIZET, 1998), contudo lá como aqui no Brasil não vemos tantas campanhas públicas sobre a prevenção de quedas, fato que vez ou outra vem sendo veiculado na mídia com relação aos acidentes de trânsito. Ao analisar os dados franceses sobre quedas Serge Reigewirtz (2000) indica que são 2 milhões de quedas anuais neste país, sendo que de cada 10 pessoas hospitalizadas por períodos curtos, quatro caem, e entre os que ficam muito tempo hospitalizados, de cada dois, um cairá ao menos uma vez por ano. Nos EUA como em outros países encontramos dados semelhantes, indicando que 1/3 das pessoas que tem mais de 65 anos cairão a cada ano (CUMMINGS, NEVITT, 1994) tendo um custo anual orçado pela Associação Americana de Cirurgiões Ortopédicos (AAOS, 1997) de 20,2 bilhões de dólares. O principal gasto é o de uma fratura de quadril, que chega a ser de 35 mil dólares por paciente. De todas as fraturas tratadas nos EUA, 90% são decorrentes de alguma queda e para o ano 2000 foram previstas 350 mil fraturas de quadril, ou seja, quase 1000 fraturas por dia. Neste tipo de fratura, um em cada quatro pacientes terá uma recuperação total; 40% irão necessitar de cuidados especiais na própria residência; 50% ficarão dependentes de uma bengala para andar e 20% morrerão no primeiro ano após a ocorrência. No Canadá no ano de 1989 também 1/3 das pessoas com mais de 65 anos vieram a cair pelo menos uma vez naquele ano (GALLAGHER, 1995) sendo esta a causa principal de morte acidental entre pessoas com mais de 65 anos. Seja por causas intrínsecas ou extrínsecas, mais de 2 milhões de pessoas caem a cada ano na Comunidade Européia (LASCAUX, PERDRIZET, 1998). Os números que mostramos sobre a incidência de quedas e fraturas em pessoas idosas, baseados em pesquisas de outros países nos serviram como alerta para a reflexão quanto ao que ocorre com a população brasileira, que como sabemos vem tendo um acentuado envelhecimento demográfico. Daí privilegiamos como uma das linhas de 24 pesquisa do Grupo de Pesquisa Envelhecimento e Atividade Física a questão de quedas e nossa proposta foi a de ter como foco idosos e aposentados que se predispusessem a fazer parte de um projeto que não se apresenta como terapêutico. Atualmente temos algumas pesquisas em desenvolvimento, sendo uma delas em parceria com a Universidade do Quebec de Montreal. Na maioria dos casos quando pessoas mais idosas se envolvem em quedas, vai se ter alguma conseqüência que acaba comprometendo significativamente a qualidade de vida, sendo bastante comum que pessoas idosas após sofreram alguma queda importante fiquem cada vez mais temerosas que novos episódios venham a ocorrer. Chegam mesmo a restringir ao mínimo seus deslocamentos fora da residência, entretanto o problema continua, pois sabemos que é bastante significativo o número deste tipo de acidente nas residências. O medo de cair ocasiona uma diminuição da dedicação às atividades que necessitam de locomoção, primeiro impõe um isolamento social, depois acaba causando ansiedade e provoca finalmente um grande estresse. A decorrente inatividade acentua a perda de certas capacidades físicas que são bastante importantes na manutenção do equilíbrio, da locomoção e da independência física. Reduzindo as atividades físicas pelo medo de novas quedas, diminuirá a mobilidade articular, ocorrerá conseqüentemente perda de força e do tônus muscular. Estes decréscimos impõem uma mudança de hábitos em alguns idosos e influirão no grau de independência para a realização de suas atividades da vida cotidiana, e principalmente na sua participação na vida em sociedade. Como atenuar este quadro foi o nosso desafio, e sem dúvida, os profissionais de educação física integrados a médicos, fisioterapeutas, psicólogos entre outros que se predispõem a atuar com a promoção da saúde têm um importante papel a cumprir, atuando integradamente nas atividades que propomos. Inicialmente os profissionais capacitados para atuarem com as especificidades dos aposentados e idosos devem estar conscientes de suas responsabilidades sociais, evitando as armadilhas das receitas do bom envelhecer manifestadas por um exacerbado ativismo em que se preconiza que os idosos têm obrigação de fazer alguma coisa. O que propomos é que a sua atuação num programa que inclua a prevenção de quedas, não se limite a ele, que ele deve ir além, discutindo o envelhecimento como algo que recebe as mais diversas influências da sociedade, passando pela questão do 25 exercício da cidadania. Isto pode ocorrer seja na participação em grupos reivindicativos como algumas associações sejam elas de bairro, representativas de idosos, aposentados ou sindicatos. Alertamos sempre em nossas capacitações, que o responsável por uma atividade que é dirigida a um grupo predominantemente constituído de idosos deve se abster de utilizar “concepções que prejulguem as capacidades dos idosos refletidas pela percepção do processo do envelhecimento unicamente pelo sinal de diminuição, das perdas, dos riscos, enfim de um processo involutivo do ser humano” (ALVES JUNIOR, 1999: 61). Uma proposta global de prevenção de quedas também inclui uma reestruturação das residências como mais uma alternativa. Entretanto sabemos que fazer uma reestruturação nas residências, que adeqüe o ambiente a presença de pessoas que estão envelhecendo não é uma tarefa das mais fáceis e devem-se levar em consideração três aspectos. Primeiro sabemos que há idosos que moram sós e têm autonomia financeira, as mudanças dependem em grande parte da influência que neles podemos exercer ou mesmo através de parentes e amigos conscientes com alguns riscos com que este idoso convive. Fazer o idoso compreender estas necessidades como prevenção é um grande desafio, já que eles tendem a não se empolgarem com grandes mudanças na sua vida. Problema semelhante pode ocorrer em lares onde os idosos têm autonomia financeira, são os proprietários da residência e têm outros familiares como seus dependentes em coabitação. Finalmente temos aqueles idosos que moram como dependentes dos parentes, em famílias em que muitas vezes convivem várias gerações, neste caso a família tem que ter a percepção de que é importante fazer as modificações e isto não ocorre com muita facilidade. Pelos motivos apresentados é que vem justificando a nossa preocupação em também sensibilizar a família para o problema das quedas. Uma vez que estas dificuldades forem surgindo sugerimos: fixar tapetes ou mesmo retirá-los, substituir pisos escorregadios e mesas de tampo vidro; eliminar banheiras, substituindo camas e cadeiras muito baixas; instalar corrimãos nos corredores da casa, próximo ao vaso sanitário e dentro do boxe do chuveiro, sendo que neste último se pode instalar também um banco fixo; usar nas casas uma iluminação bastante clara, além de instalar pequenas luzes nas tomadas que iluminem os corredores; eliminar fios elétricos espalhados pelo chão; adequar a altura dos moradores às alturas de pias e armários. Outro 26 foco de nossa atenção envolve diretamente o idoso, e para os que têm muito receio das quedas, recomenda-se o uso de equipamentos auxiliares da marcha como andadores, bengalas ou cadeiras (PIERA, PETIT, CHRISPIN, 1999). Temos com certa veemência defendido o uso do equipamento bengala, como um recurso a mais na prevenção, não esperando que ocorra uma queda mais significativa para se fazer uso dela. Na verdade há indicativos que permitem uma melhor recomendação ao uso deste equipamento, não devendo seu uso ser contaminado com concepções pejorativas de que dela se utiliza é um velho dependente. Finalmente, para todos, recomendamos a prática das atividades físicas que tenham uma proposta que vise à prevenção de quedas dentro de uma perspectiva educativa global. O QUE PODE CONTER UM PROGRAMA DE ATIVIDADE FÍSICA QUE VISE À PREVENÇÃO DE QUEDAS Um programa de prevenção de quedas com atividades físicas só terá sucesso se for compreendido a partir do reconhecimento da importância da intercomplementariedade de um trabalho que seja multiprofissional. Consideraremos que a prática de uma atividade física pode ser uma prática alternativa e agradável utilizada como recurso complementar às diversas proposições que viemos de fazer. Somos a favor de fazê-la em contato com outras pessoas, pois isto contribuirá também para a sociabilidade, já que “a prática de uma atividade realizada por idosos no meio associativo, traz em si uma forte contribuição para a re-inserção social de idosos e aposentados” (ALVES JUNIOR, 1999b: 1108). No caso das atividades físicas recomendamos que os idosos procurem profissionais que tenham se especializado no trabalho com idosos. Hoje já são vários os centros de formação capacitados para preparar estes profissionais, não se justificando mais que o seu aprendizado seja feito de maneira empírica, diretamente com os idosos. Até algum tempo atrás, em decorrência de uma opção de mercado, muitas vezes isto ocorreu como regra já que o assunto envelhecimento e atividade física não era muito abordado nas faculdades de educação física. É de suma importância que os centros de formação de profissionais de Educação Física tenham em seus currículos como disciplina o estudo das atividades físicas praticadas por idosos ensinando como atuar especificamente com as questões referentes ao envelhecimento senão corre-se o risco de improvisações. No campo das pesquisas 27 científicas é um campo ainda recente, mas que já existe muita produção de conhecimento que pode servir de suporte para a prática pedagógica. Sempre recomendamos àqueles que têm a intenção de intervir em programas que têm idosos, que antes de iniciar um projeto de intervenção deva ser avaliado com qual tipo de clientela se atuará, e não é o fato de duas pessoas terem a mesma idade cronológica que elas façam parte de um mesmo grupo de interesse, que tenham habilidades semelhantes e tenham as mesmas respostas ao esforço físico. Devemos estar atentos aos objetivos dos praticantes, verificando antecipadamente quais são as atividades consideradas mais apropriadas para cada tipo de público. Temos já há algum tempo apontado para existência de um fenômeno de moda do tipo ‘vamos propor algum programa de atividade para idosos’, pois para eles o que interessa é estarem em atividade fora de casa em contato com os outros. Se em algum momento este tipo de proposta teve relativo sucesso, deveu-se em parte a uma situação nova que se apresentava, onde alguns idosos aceitavam qualquer coisa que lhes era sugerido. Um projeto para idosos sem uma boa fundamentação teórica, que leve em conta onde se pode chegar, estará fatalmente comprometido e poderá fracassar, principalmente devido ao alto grau de exigência que será a tônica das novas gerações de idosos, que certamente neste século XXI não vão mais aceitar qualquer coisa. Não são poucas as experiências calcadas no amadorismo e ingenuidade que confundem o trabalho com idosos com o de crianças e tanto a infantilização como a escolarização dos conteúdos foi por nós verificadas em diversos programas de atividades físicas para idosos (ALVES JUNIOR, 1999 a). Defendo a importância da prática de atividades físicas por idosos pelos aspectos biológicos, psicológicos e sociais não abdicando do trabalho multidisciplinar que envolve entre outros profissionais a parceria e troca de informações com o médico. Num trabalho conjunto, este deverá estar sempre inteirado sobre o tipo de atividade que está sendo realizada, sua intensidade a freqüência semanal etc. Este profissional deve encaminhar ao responsável pela atividade, suas observações, possíveis limitações e recomendações referentes a cada participante do grupo. Parece ser definitivo que após os trabalhos de Maria Fiattorone, que a prática de atividades físicas regulares em que haja resistência, pode melhorar a força das pessoas, 28 mesmo em pessoas muito idosas e frágeis. Também temos boas respostas no que toca as atividades que visam à melhora do tempo de reação, mobilidade articular e o equilíbrio. Num plano preventivo de quedas, apostamos na eficácia de propostas simples, que possam ser repetidas pelos praticantes na própria residência e que tenham como base o equilíbrio, a força muscular, a mobilidade articular e a estimulação do sistema proprioceptivo, entretanto sabemos da importância do trabalho em grupo. Na proposta que temos desenvolvido em nosso projeto visamos: a conservação nas melhores condições possíveis dos diferentes receptores que são necessários à manutenção do equilíbrio; a reativação da sensibilidade da planta dos pés; a percepção da posição do corpo no espaço; melhorar a coordenação sensorio-motora; a manutenção em condições a musculatura; ensinar os praticantes a se deslocar e reagir frente a obstáculos, com ou sem ajuda da vista; ensinar a sair do solo após uma possível queda, e mesmo a cair protegendo determinadas partes do corpo (LASCAUX, PERDIZET, 1999; PIERA, 2000; JACKOUT, STRUBEL, PÉLISSIER, 1999). Sem querer ser exaustivo, parece ser esta conjunção que irá permitir aos idosos uma melhor segurança nos seus deslocamentos e no enfrentamento de uma situação de inevitável queda. Acreditamos que propostas de trabalhos a serem realizados com aposentados e pessoas idosas visando à prevenção de quedas tendem a ter mais sucesso quanto mais simples elas forem, sendo fundamental que devam estar incluídas numa perspectiva multidisciplinar, onde todos envolvidos estejam atentos às contradições do envelhecimento multidiferencial, apostando na questão do prazer de estar entre semelhantes e estar diante de uma atividade que lhe proporciona prazer. Além disso, parece ganhar cada vez mais consenso, que propostas baseadas unicamente em idades cronológicas que limitem a participação de alguém só pela data do seu nascimento, se apresentam como mais uma forma preconceituosa, estigmatizante e simplista para decretar quando alguém se torna velho, que pode também ser entendido como mais um ‘ageismo’, que reduz os idosos a um ser de segunda categoria, dependente e isolado do resto da sociedade. Por este motivo defendemos que um programa de prevenção de quedas deva ser incluído em propostas associativas envolvendo adultos e idosos, tendo a abertura no sentido de entender que é de suma importância aceitar a intergeracionalidade. 29 CONSIDERAÇÕES FINAIS O envelhecimento de uma sociedade vem sendo apontado como capaz de influenciar mutuamente a política, a economia e as relações entre as gerações. É um fato que não se deu de forma semelhante em nenhuma outra época, sendo surpreendente o que ocorre em diversos países nestes últimos anos. Se os anos sessenta ficaram caracterizados pela revolução em diversos sentidos empreendida pelos jovens, quarenta anos mais tarde estamos entrando numa época em que, pelo menos em aparência, busca-se privilegiar uma nova geração de pessoas que envelhecem. Indesejável durante o século XX, a velhice acabou se tornando o envelhecimento um problema social, principalmente nas sociedades que exacerbaram na valorização das coisas mais afetas a jovialidade. Como conseqüência da perspectiva ‘antienvelhecimento’ das últimas décadas, desprezam-se, de forma direta ou velada, os velhos e a velhice. Se por um lado aumenta-se a longevidade, a expectativa de vida e a proporção de pessoas aposentadas frente aos mais jovens, paradoxalmente entre os novos aposentados poucos querem se assumir como velhos ou estarem próximos da velhice. Como alternativa, criamse novas denominações e impõem-se modos de vida para eles, que associam essa fase da vida a um período em que tudo é aparentemente permitido e possível de ser feito. É inegável que nunca se falou tanto nessa nova idade, melhor representada como ‘terceira idade’. O que estaria por trás dessa pretensa redenção social para com aqueles que envelhecem? Será que a sociedade contemporânea está passando a ter mais preocupação, respeito e solidariedade, ou, ao contrário, estaria cada vez mais individualista, tentando encontrar meios de se afastar e negar um modelo de velhice que associa a pessoa à idéia de inutilidade e de peso para a sociedade? Os próprios idosos não se sentem à vontade para falar da sua velhice, em geral, os exemplos são sempre a partir dos outros. Na procura de se redefinir o significado da velhice, expressões como ‘feliz idade’, ‘melhor idade’, ‘boa idade’ associam-se a ‘terceira idade’ transparecendo que existe para os aposentados uma nova fase da vida, vista como um período alentador. Não é difícil constatar que essas referências pecam pela ingenuidade aliada à tentativa de homogeneização de pessoas que só têm em comum o fato de terem nascidos na mesma época. Não se pode negar que a mídia 30 em geral vem exercendo um papel de grande divulgador dessa perspectiva de envelhecimento em que aos idosos pertencentes a essa ‘idade dourada’ tudo seria permitido e possível de ser experimentado. A partir do que temos proposto no projeto de prevenção de quedas que estamos como responsável evitamos cair nestas armadilhas, procurando estabelecer um diálogo franco sobre os alcances e limitações do que estamos defendendo, não nos apresentando como messiânicos ou salvacionistas. 31 REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS AAOS, American Academy of Orthopeadics Surgeons, D´ont let a fall be your last trip, AAOS: 1997, www.aaos.org/wordhtml/pat_educ/fallsbro.htm ALVES JUNIOR, Edmundo de Drummond, A pastoral do envelhecimento ativo, Tese de doutorado, Programa de pós graduação da Universidade Gama Filho, 2004. 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Dados do autor: Edmundo de Drummond Alves Junior Doutor em Educação Física Professor do departamento de Educação Física da Universidade Federal Fluminense Coordenador do Grupo de Pesquisa Envelhecimento e Atividade Física Pesquisador do Grupo ANIMA. e-mail [email protected] 34 ASPECTOS BIOMECÂNICOS DO ENVELHECIMENTO RELACIONADOS COM O RISCO DE QUEDA: EQUILÍBRIO E MARCHA Profa Dra Liliam Fernandes de Oliveira Universidade Federal do Rio de Janeiro Prof. Taian de Mello Martins Vieira Universidade Federal do Rio de Janeiro RESUMO Devido ao aumento da população mundial de idosos, tem crescido o interesse de pesquisadores em identificar os fatores biomecânicos relacionados às quedas. O equilíbrio postural, estudado na condição estática (na postura de pé) e dinâmica (na marcha) durante o envelhecimento, revela-se como um agente importante para a mobilidade funcional e tem sido investigado através da técnica da estabilometria. Embora o risco de queda necessite de uma abordagem multifatorial, as alterações do sistema de controle do equilíbrio têm relação direta com a propensão à queda e já são largamente descritas na literatura. Contudo, tendo em vista que o processo de envelhecimento implica em déficits diferenciados individuais dos mecanismos de controle, geralmente agravados pela presença de patologias, ainda não é possível quantificar precisamente o risco de queda. No entanto, apesar desta dificuldade, é comprovada a importância da prática de atividade física na manutenção da mobilidade funcional do idoso e redução do risco de queda. Palavras-chave: equilíbrio postural, marcha, envelhecimento, biomecânica INTRODUÇÃO A população de idosos no mundo cresce aceleradamente, principalmente em países mais desenvolvidos. Em torno de 2040 a expectativa de vida para homens e mulheres é de respectivamente 75 e 83 anos (DALEY et al., 2000). Qual será a qualidade de vida desses anos adicionais? Para a liberdade de movimento e realização pessoal, um certo grau de independência funcional é necessário, onde a manutenção da mobilidade é um aspecto central desta questão. Deficiências relacionadas ao controle do equilíbrio e da postura podem limitar severamente as atividades durante a vida diária. Um dos problemas mais agravantes para o declínio da mobilidade é a tendência de queda na população idosa (LORD et al., 2001, SPIRDUSO, 1995). Direta ou indiretamente, a queda representa uma importante parcela da taxa de mortalidade em pessoas acima dos 65 anos (DALEY et al., 2000), somando 40% das 35 mortes decorrentes de lesões e 1% do total de mortes nesta faixa etária (SCHULTZ, 1992). Cerca de um terço dos idosos de comunidades ativas sofrem pelo menos uma queda por ano (HAUSDORFF et al., 1997), sendo mais freqüentes em mulheres do que em homens (CAMPBELL et al., 1989). Pesquisadores têm-se dedicado a compreender as causas que provocam as quedas identificando fatores de risco, que são diferenciados em intrínsecos e extrínsecos. Os intrínsecos estão relacionados às características fisiológicas naturais ou patológicas decorrentes do processo de envelhecimento, enquanto os extrínsecos envolvem aspectos do ambiente como luminosidade, obstáculos, tipos de superfície etc. (GAUCHARD et al. 2001). Ainda são importantes os fatores atribuídos às relações sociais e ao estado emocional, ressaltando a necessidade de uma abordagem multidisciplinar no estudo do envelhecimento. Neste contexto, a biomecânica é uma área do conhecimento que muito tem contribuído para elucidar questões relativas às alterações físicas do corpo humano com o avançar da idade e identificar deficiências mecânicas levando a um potencial risco de queda. A priori, a biomecânica procura explicar o equilíbrio e o movimento, considerando as causas e conseqüências, através da análise das forças internas e externas que atuam no corpo humano. Juntamente com os conhecimentos da fisiologia e do controle motor, é possível avaliar o desempenho funcional e suas implicações no padrão de atividade biológica. Neste capítulo serão considerados, os dois mais significantes fatores de risco para limitação da mobilidade e para a queda nos idosos: o equilíbrio e a marcha (DALEY et al., 2000). ENVELHECIMENTO NATURAL OU PATOLOGIAS INSTALADAS O processo de envelhecimento não está dissociado do aspecto cronológico, porém, sua caracterização depende da alteração de mecanismos fisiológicos, inerentes ao organismo vivo, que provocam a redução da capacidade funcional, adaptativa e eventualmente a morte (SPIRDUSO, 1995). Em uma nova abordagem, as alterações fisiológicas decorrentes do processo natural de envelhecimento são comprometidas em graus específicos de acordo com a presença de determinadas patologias (SHUPERT e HORAK, 1999). Uma maneira pessimista e incoerente de se observar os efeitos da 36 passagem do tempo nas pessoas, é imaginar um declínio linear e generalizado da atividade dos sistemas indispensáveis a uma vida diária ativa, como músculo-esquelético e nervoso. Estudos com idosos apresentam resultados discrepantes conferindo heterogeneidade a este grupo. A diferença encontrada nos resultados, quando as metodologias utilizadas são controladas, denota a preservação, dentro de um padrão de eficiência, das funções do organismo vivo com a idade, até o aparecimento de patologias que afetem a sua atividade. Se comparada ao envelhecimento natural, a elevada probabilidade de desenvolver patologias específicas que interferem no controle destes sistemas, tem se mostrado como o principal fator de interesse entre os pesquisadores (ROMERO e STELMACH, 2003). Independente da causa – tanto pelas alterações fisiológicas instaladas pelo envelhecimento natural, como pelo desenvolvimento de doenças específicas – a imutável ação da gravidade contra a manutenção da postura de pé é agravada com o tempo. As corridas são substituídas por caminhadas, as reações a diferentes estímulos em ambientes variados se tornam mais lentas e a coordenação motora exigida em atividades complexas ou no aprendizado de uma nova tarefa é menos eficiente (SPIRDUSO, 1995). O declínio da força muscular é evidente, podendo, em situações extremas, impossibilitar a sustentação do próprio peso ao subir um degrau. De acordo com SHUMWAY-COOK et al. (1997), mulheres acima de 90 anos geralmente apresentam dificuldade em se levantar de uma cadeira em decorrência da perda de força muscular do grupo extensor de joelho. A mobilidade funcional é um termo que se refere às manobras utilizadas durante a marcha e para controle do equilíbrio no cotidiano, como girar o corpo ao andar ou simplesmente quando se permanece em postura ortostática (PODSIADLO et al., 1991). A reduzida mobilidade, evidente a partir dos 65 anos, gera um dos mais graves problemas de saúde em pessoas idosas, a dependência funcional (LA CROIX et al., 1997, HO et al., 1997). EQUILÍBRIO POSTURAL E ALTERAÇÕES COM O ENVELHECIMENTO A tarefa primária do sistema de controle do equilíbrio é manter o centro de gravidade dentro dos limites compreendidos pelo contato do corpo com a superfície. Quando o corpo permanece estático e de pé, este contato se restringe à área delimitada pelo contorno dos pés, e a atuação do sistema de controle postural se traduz em um processo 37 dinâmico. Mecanismos de controle neuromuscular, como o limiar de ativação sensorial, atrasos na velocidade de condução do sistema nervoso, tipo de recrutamento de unidades musculares e flutuações musculares, em conjunto com fatores intrínsecos ao organismo vivo, como o batimento cardíaco e a freqüência respiratória, não permitem a manutenção do centro de gravidade corporal em um ponto específico no espaço, o que confere pequenas oscilações ao corpo. O estudo dessas oscilações permite quantificar a atuação dos sistemas de controle postural e tem trazido contribuições no conhecimento de alterações no equilíbrio e revelando potencias fatores de queda na população de idosos. CONCEITOS DE ORIENTAÇÃO E ESTABILIDADE Imagine uma criança que alegremente brinca com seu boneco e durante suas aventuras imaginárias, deseja colocar o seu brinquedo sobre algum lugar e em uma determinada posição. Para isso, é preciso que todas as partes móveis do boneco sejam ajustadas para uma orientação específica, o que chamamos de postura. A sustentação sobre a superfície desejada depende, então, da postura solicitada e do contato do boneco com o seu apoio. Simplesmente observando a permanência do brinquedo nesta situação, a criança é capaz de identificar se obteve êxito em sua tarefa. Caso o boneco caia, novos ajustes são necessários para uma outra tentativa. É de maneira semelhante que o sistema nervoso central regula as diferentes posturas que somos capazes de adotar. Desta forma, pode-se dizer que a manutenção do corpo em uma determinada postura para a realização de diferentes tarefas corresponde ao equilíbrio postural. Nesta seção serão abordados os principais aspectos envolvidos na regulação do equilíbrio, enfatizando a postura de pé, e suas implicações com as quedas, assim como a elaboração de medidas de intervenção para desenvolver o controle do equilíbrio. Durante as atividades da vida diária, o corpo humano se depara com inúmeras tarefas que exigem a manutenção de posturas específicas para sua execução e, portanto, o sistema nervoso central (SNC) deve considerar informações do ambiente, assim como suas próprias condições de funcionamento. Deste modo, o sistema de controle postural depende da relação estabelecida entre o indivíduo, o ambiente e a tarefa a que se está sujeito em um determinado momento. Como resultado final deste processo, duas finalidades podem ser atribuídas à regulação da postura: orientação e estabilidade. A orientação é compreendida 38 pelo posicionamento adequado do corpo e seus segmentos no espaço, enquanto a estabilidade se refere à capacidade de manutenção desta situação (SHUMWAY-COOK e WOOLLACOTT, 1995). Como exemplo, embora a ação dos músculos flexores de cotovelo sejam indispensáveis para sustentar um objeto pesado a frente do corpo (o que corresponde à orientação dos segmentos para esta tarefa), isto não seria conseguido sem a atividade da musculatura posterior dos membros inferiores e do tronco, evitando que o corpo fosse projetado em direção ao solo pela ação da carga (estabilidade). CONTROLE DO EQUILÍBRIO POSTURAL Manter a postura de pé é uma tarefa que exige um complexo sistema sensoriomotor de controle postural, que opera através de um conjunto de informações provenientes de sistemas sensoriais especializados, produzindo respostas manifestadas pela atividade muscular para corrigir os desvios do centro de massa do corpo (LIN et al., 2005, PETERKA, 2000, PRIETO et al., 1996). A principal fonte de perturbação para o equilíbrio é a ação da gravidade, que pode ser entendida como uma força a qual os segmentos do corpo estão permanentemente sujeitos, na direção do solo. Para simplificação, os estudos sobre equilíbrio postural, consideram a ação da gravidade em um ponto específico no corpo, o centro de gravidade (CG) (ROBERTS, 1995). No caso da postura de pé, este ponto geralmente é localizado a alguns centímetros à frente da articulação lombossacra, ao nível do quadril. A projeção do CG sobre a base de suporte, que corresponde à área de contato dos pés com o solo, determina a relação de estabilidade, cujos limites representam a base de suporte funcional, ou seja, a região em que o CG pode ser deslocado sem que seja necessário modificar a base. Para contrapor a ação da gravidade, é necessária a ativação de grupos musculares específicos, chamados músculos antigravitacionais, como os posteriores da perna e do tronco, que estão constantemente promovendo ajustes na posição do CG, conferindo sua natureza oscilatória. As respostas musculares adequadas só podem ser solicitadas a partir do reconhecimento atual do corpo em um determinado instante. Enquanto a criança utiliza a sua visão para promover os ajustes no brinquedo, o corpo humano dispõe, também, de informações sobre sua posição e movimentação no espaço, assim como de seus segmentos 39 (LORD et al., 2001). Três sistemas sensoriais contribuem, de forma integrada, para esta representação interna do corpo: sistema visual, somatossensorial e vestibular. a) Sistema visual – Os mecanismos de identificação dos estímulos visuais são indispensáveis para o controle do equilíbrio postural, indicando ao SNC sobre movimentos do corpo em relação ao ambiente, uma vez que ligeiros movimentos, lineares ou angulares, promovem desvios das imagens projetadas sobre a retina. Essa seqüência de imagens formadas corresponde a movimentos relativos da cabeça, ou decorrentes do próprio indivíduo ou de um estímulo externo a ele, de modo que a indistinção da causa penaliza os ajustes posturais para o equilíbrio (ROBERTS, 1995). b) Sistema somatossensorial – Possibilita ao sistema de controle postural a discriminação adequada da orientação entre o corpo e seus segmentos, assim como a sua relação com a superfície de suporte, e recebe este nome por compreender diversas funções sensoriais, incluindo a propriocepção mediada pelo fuso muscular, órgão tendinoso de golgi (OTG) e pelos receptores articulares, e a exterocepção proveniente de sensações cutâneas a partir de receptores localizados na superfície do corpo (SHUPERT e HORAK, 1999). c) Sistema vestibular – Sua função é identificar a posição e movimentação da cabeça em relação à ação da gravidade, o que pode ser observado quando subimos uma ladeira. Embora nesta situação a superfície seja inclinada, a direção e o sentido da força gravitacional atuante no corpo não se alteram. Para compensar o desnível do solo, o corpo é inclinado à frente. O sistema vestibular é responsável, ainda, pela regulação dos movimentos da cabeça em conjunto com os do globo ocular, a fim de permitir a fixação do olhar em um determinado objetivo. As informações provenientes destes sistemas sensoriais são utilizadas pelo sistema de controle postural para representar, internamente, a orientação do corpo no espaço, processo que, pela sua complexidade, exige a ativação de centros superiores do sistema nervoso, principalmente do tronco cerebral e do cerebelo (MORASSO et al., 1999). Embora os mecanismos utilizados para a representação do estado do corpo não estejam esclarecidos, sabe-se que o sistema de controle é capaz de reconhecer quando uma informação sensorial é precisa, atribuindo-lhe maior importância (SHUMWAY-COOK e WOOLLACOTT, 1995). Por exemplo: quando se está em um ambiente escuro, ainda assim 40 o corpo é capaz de manter-se em pé, pois apesar da informação visual não ser adequada, a contribuição dos sistemas vestibular e somatossensorial se torna maior para a representação do corpo. Durante a manutenção da postura de pé, em situação relaxada, as informações dos sistemas sensoriais contribuem de forma redundante para o equilíbrio, pois esta tarefa é caracterizada pelo controle de pequenas perturbações, que decorrem do próprio corpo e não oferecem grande demanda aos sistemas. No envelhecimento, a capacidade destes sistemas de fornecer informações pode ser atenuada por uma determinada patologia (ROMERO e STELMACH, 2003), revelando alterações das oscilações na postura de pé. ESTABILOMETRIA Embora nossa acuidade visual não permita observar estas oscilações, os pesquisadores dispõem de uma técnica específica para quantificá-las, conhecida como estabilometria (OLIVEIRA, 1996), que consiste na utilização de plataformas de força (balança com dispositivos eletrônicos sensíveis à deformação) para calcular o deslocamento do centro de pressão (CP) durante um determinado período. O CP corresponde à localização, dentro da base de suporte, da força resultante da reação do solo sobre o corpo, que tem a mesma intensidade e direção, mas em sentido oposto à força do peso aplicada no solo. Normalmente, os testes estabilométricos estáticos são feitos com o indivíduo de pé sobre a plataforma, em duas condições visuais; olhos abertos e fechados. Dependendo do objetivo, o período de teste é variável e pode ser de curta duração (20 segundos até 2 minutos) ou longa duração (até 30 minutos VIEIRA e OLIVEIRA, 2006, FREITAS et al., 2004). Alguns dos parâmetros característicos das oscilações posturais mais estudados são a área e a velocidade de deslocamento (OLIVEIRA et al., 1996, MELLO et al., 2002). Um indivíduo de pé, com base confortável, apresenta uma amplitude de oscilação em torno de 5mm na direção lateral e 10 mm na anteroposterior (WIECZOREK, 2004). Existem também sistemas de plataformas móveis, que criam perturbações em translação e rotação, com intensidades e freqüências ajustáveis, chamados de posturografia dinâmica, que são importantes no estudo do controle da recuperação do equilíbrio. Os testes estabilométricos têm sido largamente utilizados nas pesquisas das alterações do equilíbrio e do risco de queda em idosos. 41 ALTERAÇÕES COM O ENVELHECIMENTO A orientação espacial dos segmentos na postura ortostática reflete uma estratégia individual de sustentação contra a ação da gravidade, analisada em termos de compensações e assimetrias. Pessoas acima de 60 anos apresentam, geralmente, uma postura caracterizada pela tendência de flexão dos segmentos cuja severidade está correlacionada com a debilidade muscular dos membros inferiores e do tronco, com a reduzida capacidade de equilíbrio e com a intensificação de dores na região lombar e cervical da coluna (BALZINI et al., 2003, SHUMWAY-COOK e WOOLLACOTT, 1995). HIROSE et al. (2004) identificaram, em um grupo de 237 idosos, quatro padrões posturais específicos, caracterizados de acordo com as curvaturas da coluna vertebral no plano sagital. Com o objetivo de quantificar as oscilações posturais, diversos estudos mostraram que indivíduos idosos tendem a oscilar mais. TEASDALE et al. (1991) demonstraram um aumento da amplitude de oscilação de 18% e da velocidade de deslocamento de 43% de um grupo de idosos comparados com jovens adultos, em testes de olhos abertos. CHOY et al. (2003) mostraram que a partir dos 60 anos, a velocidade de deslocamento do centro de pressão aumenta significativamente, enquanto FUJITA et al. (2005) evidenciaram um aumento significativo da área de oscilação para pessoas acima de 80 anos. A tendência de aumento destes parâmetros é relatada em outros estudos (VIEIRA et al., 2006, PRIETO et al., 1996). Embora idosos saudáveis consigam compensar a redução da informação de um dos sistemas sensoriais, quando duas ou mais fontes estão ausentes ou distorcidas, um aumento das oscilações é observado. CHOY et al. (2003) verificaram que na situação de olhos fechados e sobre uma superfície de espuma, a velocidade de deslocamento do centro de pressão se torna significativamente maior a partir dos 50 anos de idade. Quando uma fonte de informação é sucessivamente retirada e reapresentada, os idosos têm mais dificuldade de reintegrar de forma correta estas informações para recuperar a estabilidade, em contraste com os jovens que rapidamente se adaptam (ROMERO e STELMACH, 2003). Para verificar o desempenho do sistema de controle do equilíbrio postural frente a situações desafiantes, estudos têm elaborado protocolos experimentais com este fim. A 42 redução das dimensões da superfície de contato, o aumento da altura em relação ao solo, a movimentação do ambiente em torno do indivíduo, ou simplesmente adotar a base unipodal, são exemplos destes procedimentos (ADKIN et al., 2000, CHOY et al., 2003, SHUMWAY-COOK e WOOLLACOTT, 1995, LORD et al., 2001). Em relação ao risco de quedas, parece que o deslocamento lateral é uma característica importante. Pessoas com mais idade e com um histórico de queda, apresentam um aumento das oscilações laterais durante testes onde a base é reduzida lateralmente e, quando de olhos fechados, adotam uma estratégia caracterizada como passo de proteção (LORD et al., 2001). ROGERS e MILLE (2003) relatam que indivíduos idosos têm dificuldades em compensar as perturbações laterais e podem reagir com um passo cruzado, onde o membro inferior sem sustentação do peso é deslocado a frente do membro de apoio, aumentando o risco de contato e posteriormente de queda. O declínio do funcionamento dos sistemas sensoriais, motor e de integração com a idade, está associado com a queda em pessoas de mais idade, que vivenciam a perda de parte de sua função sensoriomotora mesmo sem documentarem a presença de uma determinada doença ou patologia. Muitos idosos com histórico de queda e sem relato de doenças neurológicas ou músculo-esqueléticas apresentam baixos desempenhos em testes funcionais (SHUMWAY-COOK et al., 1997), que envolvem aspectos relacionados ao equilíbrio e a locomoção. MARCHA HUMANA E ALTERAÇÕES COM O ENVELHECIMENTO Em termos cinesiológicos, a marcha humana é uma atividade resultante do aprendizado, sendo o movimento do corpo caracterizado pela seqüência de apoios sucessivos dos pés. A manutenção do equilíbrio durante a marcha representa um desafio considerável para o sistema de controle postural de modo que a locomoção pode ser dividida em quatro sub-tarefas: a geração de movimento contínuo para atingir um determinado destino; a manutenção do equilíbrio durante a progressão; a capacidade de adaptação às questões ambientais e o início e término do objetivo da locomoção (LORD et al., 2001). Devido a sua natureza cíclica, a análise de um ciclo da marcha é suficiente para identificar um padrão de movimento dos segmentos do corpo, representativo do todo. Este 43 padrão é definido por subdivisões do ciclo baseado em eventos mecânicos importantes. A forma mais elementar de se observar a marcha é através da divisão entre suporte simples e duplo, conforme o tempo de contato entre um dos pés ou de ambos os pés com o solo, respectivamente. Na marcha normal, o tempo de suporte simples é aproximadamente três vezes maior do que o de suporte duplo (INMAN, 1981). Para fins de estudos mais detalhados, utiliza-se a divisão de quatro fases principais: a) Fase do toque de calcanhar – Representa o primeiro contato com o solo, com duração aproximada de 10% do ciclo, caracterizado por um impacto mecânico, onde a força de reação do solo é de cerca de 120% do peso corporal. Nesta fase, o funcionamento adequado dos mecanismos de amortecimento é essencial para prevenção de lesões. b) Fase de apoio total – Caracterizada pelo contato total do pé com o solo. Tem duração média de 30% do ciclo e corresponde a um período de transferência do peso pela linha média do corpo. c) Fase de propulsão – Definida pela ação muscular impulsionando o corpo para frente, enquanto o calcanhar está elevado, com duração de 20% do ciclo. d) Fase de balanço – Quando o membro inferior, após a perda de contato com o solo, se desloca livremente para frente, até o próximo contato do calcanhar, com duração de aproximadamente 40% do ciclo. Durante esta fase, o membro inferior oposto se encontra em apoio simples. Durante o apoio simples, o corpo está em um estado inerente de instabilidade devido à projeção vertical do centro de massa passar próximo da borda medial do pé e não no centro da base de suporte. Para o membro inferior que se desloca para frente, os dedos do pé passam a uma altura menor que um centímetro do solo. A cabeça, o tronco e os braços, que representam cerca de 60% de toda a massa corporal, têm que ser controlados pela musculatura do quadril para evitar inclinações. O único período de estabilidade é durante o duplo suporte e mesmo durante este período, os pés não estão completamente apoiados no solo enquanto os outros segmentos se deslocam em máxima velocidade (PRINCE et al., 1997). 44 ALTERAÇÕES DA MARCHA COM O ENVELHECIMENTO As alterações dos sistemas sensoriais responsáveis pelo controle do equilíbrio dinâmico, com a idade, podem comprometer a estabilização do corpo na marcha. As principais alterações biomecânicas da marcha com o envelhecimento são estudadas há mais de três décadas e são largamente descritas na literatura. A velocidade mais lenta da marcha do idoso, causada principalmente pelo aumento da fase de duplo contato da marcha é uma característica comum. Este prolongamento da fase de contato parece ser uma estratégia desenvolvida pelo sistema nervoso para se obter um aumento da estabilidade postural. Segundo estudos clássicos de HIMAN e colaboradores (1988) a taxa de declínio da velocidade da marcha em pessoas acima de 62 anos aumenta de 2,5 e 4,5% em homens e mulheres respectivamente para 16 e 12 % por década de vida. Embora a velocidade de marcha nos idosos seja reduzida, os jovens podem caminhar de forma mais lenta quando solicitados. A dificuldade dos idosos em apresentarem velocidades extremamente lentas de sua marcha é decorrente do aumento da demanda de atividade muscular, principalmente ao nível do quadril, para controle do movimento, em função do tempo mais prolongado das fases de contato (LEIPER e CRAIK, 1992). Também o comprimento do passo é significativamente reduzido com a idade. Enquanto na população de jovens o comprimento do passo compreende a faixa de 151 a 170 cm, nos idosos estes valores reduzem para 135 a 153 cm. O aumento da flexão do quadril na marcha do idoso pode ser uma precaução inconsciente contra tropeços ou uma tentativa para manter o comprimento do passo. Também, é comum observar na marcha do idoso a redução da flexão plantar, o que pode explicar a diminuição da potência da fase de propulsão (WINTER et al., 1990; OSTROSKY et al., 1994). Em um estudo de WIEMAN et al. (1992), o comportamento de 15 grupos musculares foi monitorado e comparado entre grupos de jovens e idosos, durante a marcha (de 10 a 17 ciclos). Os resultados demonstraram, curiosamente, que no grupo de jovens a variabilidade do padrão de atividade muscular foi maior. Esta comparação indicou que os idosos apresentaram um padrão motor mais consistente, que pode ser interpretado de duas formas: reduzida capacidade do sistema nervoso em responder a diferentes estímulos ou o 45 resultado espontâneo caracterizado por uma marcha mais cautelosa. Comportamento semelhante foi observado por CRAIK e colaboradores (1992) em relação à velocidade da marcha. Quando idosos e jovens foram solicitados a andar de forma mais rápida e mais lenta possíveis, a variabilidade dos jovens foi significativamente maior do que a dos idosos. Um dado importante relacionado ao potencial de queda é o que descreve a ação da musculatura responsável pela frenagem do movimento da perna durante o fim do balanço (isquiotibiais). Este grupamento muscular apresenta um atraso do início da sua atividade nos idosos em relação aos jovens, o que pode explicar a maior componente horizontal no toque do calcanhar, refletindo uma maior tendência ao deslizamento do pé sobre o solo (WIEMAN et al., 1992). Este fato, somado à tendência do pé em alcançar o solo de forma mais achatada, aumentam o risco de queda nesta fase da marcha (WINTER et al., 1990). Todas estas diferenças indicam uma adaptação do idoso para um padrão de marcha mais seguro e mais estável. Estudos específicos sobre os mecanismos causadores de quedas durante a marcha são mais recentes e envolvem a descrição de estratégias adotadas frente a perturbações ou presença de obstáculos na superfície (MEYER e AYALON, 2006). A grande motivação desta nova abordagem é o fato de que maior proporção das quedas se deve ao tropeço. Logo, a avaliação isolada do gesto de andar resulta em informação limitada sobre a habilidade individual em se deslocar em ambientes potencialmente ameaçadores. Além disso, a análise da transposição de obstáculos provê mais esclarecimentos sobre o papel do componente adaptativo no controle postural (LORD et al., 2001). A recuperação de uma perturbação intensa, como escorregar, é alcançada quando a estabilidade do movimento pode ser restabelecida com um passo de proteção compensatório: ato de dar um passo a partir de uma posição, estacionária ou dinâmica, que requer a perda momentânea do equilíbrio e sua retomada. Esta estratégia é crítica para evitar a queda eminente e demanda uma combinação adequada do comprimento do passo, tempo de execução e força dos músculos dos membros inferiores. Esta atividade geralmente se torna mais difícil com o aumento da idade e suscita respostas mais intensas do que as dos jovens, para uma mesma condição (WOOLLACOTT e ASSAIANTE, 2002). O desequilíbrio do corpo durante a transposição de obstáculos pode causar movimentos 46 inapropriados das extremidades inferiores, ocasionando possíveis contatos do pé com o obstáculo. Para evitar uma queda, é necessária uma resposta em três fases, que envolve a percepção de uma ameaça eminente, a seleção da conduta apropriada como resposta e a sua execução. Idosos parecem usar uma estratégia mais conservativa para esta transposição, com redução da velocidade de passagem pelo obstáculo, do comprimento do passo e da distância entre o obstáculo e o subseqüente contato do calcanhar. A flexão do quadril é maior para enfatizar a elevação do pé (LORD et al., 2001; MEYER e AYALON, 2006). O estudo de McKENZIE e BROWN (2004), evidenciou diferentes respostas nos idosos para transposição de um mesmo obstáculo, porém em diferentes condições de ameaça à estabilidade, representadas pelo estreitamento do caminho e altura relativa ao solo. Este resultado demonstra que as diferentes estratégias de transposição de obstáculos não são decorrentes apenas de limitações fisiológicas e/ou biomecânicas, mas refletem também, um estado psicológico conhecido como “medo da queda”. TREINAMENTO DO EQUILÍBRIO E MARCHA: PREVENÇÃO DE QUEDAS Até o momento, foram relatas as principais alterações biomecânicas do equilíbrio e da marcha durante o processo de envelhecimento. Outrossim, numerosos trabalhos demonstram que os efeitos da idade são passíveis de intervenção, principalmente através da atividade física, promovendo a manutenção ou recuperação da qualidade de vida. Na maioria dos trabalhos, os programas de atividades físicas são gerais envolvendo os exercícios para fortalecimento e alongamento, os funcionais e os lúdicos. Como exemplo, BARNETT et al., 2003, observaram uma melhora no controle do equilíbrio e a redução da taxa de queda em idosos considerados sob risco, a partir de um programa de treinamento constituído de alongamentos dos músculos dos membros inferiores, exercícios para o desenvolvimento do equilíbrio, coordenação, capacidade aeróbica e força muscular. Os exercícios de equilíbrio envolviam manobras de Tai Chi Chuam modificadas, prática de passos, alterações na direção, passos de dança e atirar e apanhar uma bola. Estudos que visam à intervenção específica no equilíbrio da postura de pé e na marcha, são menos freqüentes e adotam modelos experimentais mais diferenciados. NITZ 47 E CHOY (2003), avaliaram a eficácia de um programa de treinamento específico para o equilíbrio na prevenção de quedas, onde os participantes praticavam uma vez por semana, em um total de 10 sessões, uma série de oito exercícios direcionados para o treinamento do equilíbrio, como exemplo; sentar e levantar, ampliação do limite de estabilidade, tarefas de alcance lateral e prática da estratégia do equilíbrio com movimentos na articulação do tornozelo, quadril e articulações dos membros superiores. Encontraram melhoras significativas nos testes clínicos funcionais para o grupo de intervenção e a redução do número de quedas. Um programa similar foi proposto por ROGERS et al. (2003), consistindo de exercícios com mudança de base e transferência de peso, em diferentes tipos de superfícies e condições visuais. Os autores apresentaram ainda, um circuito modular com obstáculos, constituído de nove estações reproduzindo situações funcionais comuns, encontradas em diferentes ambientes, com objetivo principal de solicitar diferentes estratégias relacionadas ao equilíbrio, estático e dinâmico. Sistemas sofisticados, baseados em biofeedback, onde o indivíduo tem o retorno sobre o seu desempenho durante a tarefa, são menos empregados clinicamente para intervenção no equilíbrio estático e dinâmico, restringindo-se às pesquisas científicas. Plataformas de força com biofeedback, que apresentam na tela de um monitor o deslocamento do centro de pressão (WIECZOREK, 2004, SHUMWAY-COOK e WOOLLACOTT, 1995), podem ser utilizadas para treinamento, pelo controle voluntário das oscilações posturais. O recurso de biofeedback também tem sido utilizado para a marcha em esteira rolante, onde a informação apresentada é relativa à intensidade da ação muscular dos membros inferiores. CONSIDERAÇÕES FINAIS A manutenção da estabilidade postural é uma habilidade extremamente complexa que depende da coordenação de inúmeros fatores fisiológicos e biomecânicos. O envelhecimento normal está associado com decréscimo da capacidade de manter a estabilidade da postura de pé, quando respondendo a perturbações inesperadas, durante a marcha e na transposição de obstáculos. Esse déficit na estabilidade postural nas pessoas idosas pode ser explicado pela redução da força muscular, sensação periférica, acuidade visual, função vestibular e o processamento do sistema nervoso central. Não obstante, 48 numerosos trabalhos, na área da biomecânica, têm confirmado a efetividade da prática da atividade física, específica ou generalizada, na manutenção (e/ou recuperação) da capacidade funcional dos sistemas envolvidos no controle do equilíbrio, garantindo ao idoso, a preservação de sua mobilidade física, refletindo na sua independência social. 49 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BALZINI, L., VANNUCCHI, L., BENVENUTI, F., BENUCCI, M., MONNI, M., CAPPOZZO, A., STANHOPE, S.J., “Clinical Characteristics of Flexed Posture in Elderly Women”. Journal of the American Geriatrics Society, 51:1419-1426, . 2003. BARNETT, A., SMITH, B., LORD, S. R., WILLIAMS, M., BAUMAND, A., “Community-based group exercise improves balance and reduce falls in at-risk older people: a randomized controlled trial”. Age and Ageing, 32(4):407-414, .2003. McKENZIE, N. C., BROWN, L. A., “Obstacle negotiation kinematics: age-dependent effects of postural threat”. Gait and Posture, 19:226-234, .2004. CAMPBELL, A. 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Experimental Brain Research, 144(3):385-396, .2002. 52 Dados dos autores Liliam Fernandes de Oliveira Chefe do Departamento de Biociências da Atividade Física Coordenadora Laboratório de Biomecânica Escola de Educação Física e Desportos Universidade Federal do Rio de Janeiro Av Pau Brasil 540, Cidade Universitária Ilha do Fundão CEP 21941590 Rio de Janeiro [email protected] Taian de Mello Martins Vieira Professor Colaborador de Biomecânica Laboratório de Biomecânica Escola de Educação Física e Desportos Universidade Federal do Rio de Janeiro Av Pau Brasil 540, Cidade Universitária Ilha do Fundão CEP 21941590 Rio de Janeiro [email protected] 53 COMPREENDENDO O ENVELHECIMENTO FISIOLÓGICO E SUA RELAÇÃO COM POSSÍVEIS QUEDAS Prof. Dra. Fátima Palha de Oliveira Universidade Federal do Rio de Janeiro Prof. Ms André Favre Universidade Estácio de Sá RESUMO O presente capítulo enfoca a ação do processo de envelhecimento em algumas funções fisiológicas que são essenciais para a manutenção da saúde geral dos idosos e que, quando preservadas, contribuem para uma menor incidência de quedas. São sugeridas intervenções preventivas pelo exercício físico com o objetivo de retardar esse processo degenerativo e, assim, garantindo uma melhor qualidade de vida. Os fatores que contribuem para a maior incidência de quedas são abordados e, em seguida, é apresentado um projeto que avalia possíveis fatores de risco para a queda em idosos de Petrópolis. Palavras chaves: funções fisiológicas, força muscular, osteoporose, quedas. INTRODUÇÃO Em virtude da maior longevidade, a população de idosos apresenta um crescimento expressivo, ou seja, mais pessoas estão vivendo por mais tempo. Diversos são os fatores responsáveis por esse comportamento populacional; e, sem dúvida, os avanços tecnológicos e científicos têm contribuído significativamente para isso. Vale lembrar que políticas de saúde pública, associadas às de saneamento básico, como a ampliação da rede de abastecimento de água e a de esgotos, proporcionaram a diminuição de óbitos motivados por doenças infecciosas, parasitárias e as chamadas “doenças de subdesenvolvimento”. Com o envelhecimento da população, observou-se o aumento da taxa de óbitos por doenças crônicas e degenerativas mais comuns em idosos (PARAYBA, 1995). Outro problema específico desse segmento populacional é a elevada incidência de quedas que podem deixar seqüelas físicas que contribuem para a incapacitação e muitas vezes para óbitos (BLACK et al., 1993). Esse é, pois, um problema de saúde pública que acarreta gastos elevados além do sofrimento humano. Os fatores que podem provocar quedas em indivíduos idosos são diversos, por exemplo: a deterioração da visão, o uso de medicamentos (diuréticos e psicoativos), o comprometimento da 54 flexibilidade e força muscular (PERRACINE e RAMOS, 2002; Guimarães e Farinatti, 2005), diminuição no controle postural (BLACK et al., 1993), fatores socioeconômicos (ROSA et al., 2003). É importante destacar que ações preventivas de problemas específicos do idoso contribuirão para um menor índice de incapacidades, lesões ou doenças, proporcionando melhoria na qualidade de vida dessa faixa etária. O presente capítulo objetiva apresentar aspectos fisiológicos relativos ao processo de envelhecimento enfocando o problema da queda em idosos. EVIDÊNCIAS FISIOLÓGICAS DO PROCESSO DE ENVELHECIMENTO Capacidade funcional A curva da capacidade funcional de indivíduos saudáveis varia, ascendentemente, até em torno de 30 anos de idade, quando começa a decrescer em função do processo de envelhecimento. A velocidade de declínio das funções fisiológicas depende de diversos fatores (genéticos, comportamentais, ambientais etc.) que determinam a resposta do organismo aos estímulos. Sabe-se que um estilo de vida ativa, apesar de não evitar o processo de envelhecimento, proporciona um declínio menos acentuado dos níveis gerais das funções fisiológicas em relação a indivíduos de uma mesma idade e que mantêm um estilo de vida sedentário (HARDMAN e STENSEL, 2006). As alterações nas diferentes funções fisiológicas decorrentes do processo de envelhecimento tornam-se, pois, evidentes com o avanço da idade. O marcante declínio da resistência cardiovascular com a idade se expressa pelo decréscimo no consumo máximo de oxigênio (VO2máx) o que compromete o desempenho físico e é mais acentuado nas mulheres. O VO2máx é um índice valioso no acompanhamento do processo de envelhecimento, pois expressa a resposta integrada ao esforço físico dos sistemas cardiorrespiratório, circulatório e metabólico. O declínio do VO2máx ocorre pela degeneração natural do processo de envelhecimento que atua em todos estes sistemas. A perda de massa muscular observada ao longo dos anos e, ainda, o declínio da capacidade oxidante dos músculos, que, em geral, decorre da baixa atividade enzimática, têm papel determinante na diminuição do VO2máx. Somam-se também a esses fatores a menor densidade capilar e o decréscimo do número de mitocôndrias, além de outras alterações 55 bioquímicas importantes para a respiração celular (FLEG e LAKATTA, 1998; Trappe et al., 1995). A diminuição, com a idade, da máxima capacidade respiratória contribui, de forma igualmente significante, para o decréscimo da resistência cardiovascular. A freqüência cardíaca máxima diminui com o processo de envelhecimento, expressando uma menor capacidade de bombeamento sangüíneo. O volume sistólico decresce com o envelhecimento por causa da redução do desempenho contrátil cardíaco, de modo que o débito cardíaco, que é expresso pelo produto da freqüência cardíaca com o volume sistólico, sofrerá também uma redução, prejudicando o fornecimento de oxigênio aos músculos. Essa diminuição do débito cardíaco pode ser compensada com o aumento do volume sistólico em idosos saudáveis estimulados por atividades aeróbias (SCHULMAN e GERSTENBLITH, 1989; BABCOK, 1994; MACARDLE et al., 1998). Com as perdas relatadas, o VO2máx decresce em torno de 10% por década após os 20 anos de idade, mas é preciso lembrar que essa queda relaciona-se com o estilo de vida do indivíduo. A atividade física sistemática e bem orientada pode retardar a velocidade de decréscimo da capacidade cardiovascular geral, permitindo, por exemplo, que um indivíduo que se manteve ativo aos 70 anos apresente um VO2máx compatível com o do sedentário de 30 anos (HARDMAN e STENSEL, 2006). A baixa capacidade cardiovascular incapacita para esforços de longa duração em virtude da instalação precoce da fadiga. A restrição às atividades físicas diárias, decorrentes de uma menor condição física do idoso, é preocupante, pois tende a desencadear um maior isolamento social e declínio da saúde, tanto mental (depressão) como física, gerando perda expressiva na qualidade de vida dessas pessoas. Considerando que os diversos sistemas relacionados à capacidade funcional mantêm a habilidade de adaptação ao treinamento físico ao longo da vida, preconiza-se o encaminhamento dos idosos para a prática sistemática de atividades físicas (orientadas) de modo a estimular o metabolismo aeróbio e intervir na velocidade do processo degenerativo de envelhecimento. Força muscular Constata-se, na literatura, que o decréscimo da potência e da massa muscular (sarcopenia) apresenta relação direta com o aumento da idade. Esse é um comportamento 56 gênero dependente (FRONTERA et al., 1991), sendo mais pronunciado nas mulheres que alcançam o pico e o declínio da potência máxima mais precocemente que os homens (FOLDAVARI et al., 2000). Segundo Rogers e Evans (1993), aos 70 anos um indivíduo pode apresentar uma redução de força muscular de 30% e uma diminuição de área muscular de 40% em relação ao que apresentava aos 20 anos de idade. A perda de massa muscular é mais pronunciada nas fibras do tipo II (fibras de contração rápida), fato que justifica a diminuição de potência muscular (capacidade de desenvolver força rapidamente) do idoso. A diminuição de potência muscular acarreta limitações físicas na medida em que é necessária para a execução de diversas tarefas diárias, além de ser um componente importante na prevenção de quedas (FLECK e KRAEMER, 1999). Com o envelhecimento, ocorre uma perda de qualidade e quantidade protéicas nas unidades contráteis do músculo, o que contribui para a diminuição da força e potência muscular (FLECK e KRAEMER, 1999). O decréscimo da força muscular, observado em indivíduos idosos, é, portanto, conseqüência da hipotrofia muscular por desnervação e da degeneração das estruturas musculares e placas motoras (MacArdle et al., 1998). A perda da força muscular em idosos resulta na limitação da mobilidade e do desempenho físico, aumentando a probabilidade de acidentes e quedas que para esses indivíduos podem ser desastrosos. É importante destacar que preocupa bastante a possibilidade de quedas especialmente entre as mulheres que se encontrem na pósmenopausa, fase em que a perda de massa óssea é acentuada pelo decréscimo da secreção de estrógenos característico nessa fase da menopausa. A probabilidade de ocorrer lesões ósseas, portanto, é maior; e a menor eficiência dos osteoblastos dificulta a recuperação de lesões que por ventura ocorram. Um programa de treinamento com sobrecargas, adequadamente ajustado ao indivíduo idoso, promove respostas adaptativas significantes no músculo esquelético desses indivíduos. Tais adaptações decorrem de um maior recrutamento de unidades motoras, de melhor estimulação de inervações e, ainda, da hipertrofia do músculo esquelético estimulado. A literatura apresenta, em diversos estudos científicos, a efetividade de exercícios regulares de sustentação de peso no retardamento da perda, tanto de massa 57 muscular como óssea, em indivíduos idosos (CHARETTE et al., 1991; YOUNG e SKELTON, 1994; FLECK e KRAEMER, 1999; CRESSET al., 2004). O aumento ou a preservação da força em indivíduos idosos, com base em um programa de atividades físicas, torna-os capazes de executar suas tarefas diárias com menor risco de quedas, além de permitir-lhes condições de prestar serviços à sociedade. Medidas preventivas, voltadas para a saúde dos idosos, contribuirão, ainda, para diminuir os gastos do sistema de saúde pública em internações e terapias especiais. Massa óssea A saúde óssea é expressa por sua densidade que depende de seu conteúdo mineral. A queda no teor de mineral ósseo revela enfraquecimento e predispõe ao risco de fraturas. Em muitas mulheres o período de pós-menopausa, em conseqüência da baixa produção de estrógenos, apresenta uma perda de minerais ósseos de até 15% na primeira década. A desmineralização e maior porosidade óssea caracterizam a osteoporose que é uma das causas mais comuns de fraturas em indivíduos idosos. Em homens, a osteoporose ocorre em idades mais avançadas e em menor proporção do que nas mulheres. A intervenção por um programa de exercícios que enfatize força, flexibilidade, coordenação e condição cardiovascular reduz o risco de fraturas osteoporóticas por diminuir o risco de quedas e permitir que idosos permaneçam ativos, reduzindo, pois, a perda óssea por inatividade (RIKLI e MEMANIS, 1990; ACSM, 1995). Quedas em idosos Desde o primeiro ano de vida, quando começamos a dar nossos primeiros passos, as quedas passam a estar presentes em nossa vida. É verdade que, na idade infantil, encaram-se as quedas como habituais — frutos da tentativa de começar a andar ou correr, das brincadeiras etc. — e, em geral, não afetam negativamente a qualidade de vida. Contudo, na fase senil, incidem sobre as quedas uma outra visão por repercutirem na qualidade de vida das pessoas. Vale ressaltar que os idosos já não possuem um controle postural com a mesma qualidade e nem o poder regenerativo de uma criança. Um conjunto de fatores contribui para a maior incidência de quedas em idosos, os quais, ao sofrê-las, apresentam elevados risco de lesões. Os fatores de risco mais citados 58 como determinantes de quedas são: idade igual ou maior a 75 anos; sexo feminino; declínio cognitivo; inatividade física; fraqueza muscular; distúrbios do equilíbrio corporal, de marcha ou de mobilidade; história prévia de acidente vascular cerebral, de quedas anteriores e de fraturas; comprometimento na capacidade de realizar atividades de vida diária; e uso de medicações psicotrópicas, assim como o uso de várias medicações concomitantes (PERRACINI e RAMOS, 2002; ROSA et al., 2003; GIMARÃES e FARINATTI, 2005). Torna-se importante, portanto, identificar as causas e trabalhar na prevenção. O distúrbio de equilíbrio é o fator de risco que, possivelmente, esteja mais diretamente envolvido nas quedas. Existem fatores que podem influenciá-lo, como a paresia muscular, ou mesmo serem influenciados, como a marcha e o grau de independência funcional. Há, portanto, uma relação entre os fatores de risco. O controle postural, responsável pelo equilíbrio, envolve um complexo processo de coordenação de mecanismos sensoriais ou aferentes e de mecanismos motores ou eferentes, ambos organizados pelo sistema nervoso central (SNC). Quando há algum desalinhamento entre o centro de massa corporal e a base de sustentação, gera-se uma situação de instabilidade, isto é, de perda do equilíbrio. Tal perturbação é detectada pelo sistema sensorial e encaminhada ao SNC que, através do sistema motor, gera respostas posturais coordenadas por meio de atividades musculares, a fim de restabelecer o equilíbrio (PAIXÃO JÚNIOR e HECKMANN, 2002). Entre os mecanismos aferentes estão os sistemas visual, vestibular e proprioceptivo. Os proprioceptores, situados nas articulações, nos músculos, tendões etc., são responsáveis pela noção de posição e de movimento do corpo ou de determinado segmento corporal. O sistema vestibular está envolvido no controle da estabilidade ocular, na orientação da cabeça e na ativação dos músculos do tronco e dos membros para a manutenção da postura. A visão é o sistema de informação sensorial mais importante e, geralmente, o mais exigido quando os outros sistemas estão deficientes, como forma de compensação. Com o envelhecimento, o sistema vestibular apresenta perda de células ciliares nos canais semicirculares e ganglionares vestibulares, assim como de fibras nervosas (ROSENHALL e RUBIN, 1975). A sensibilidade cutânea dos pés, que pode ser 59 incluída no sistema proprioceptivo, também diminui com o envelhecimento. Dessa forma, o idoso costuma “apoiar-se” na visão para manter-se equilibrado, por isso é um comportamento comum em idosos caminhar olhando para os pés. Daí pode-se perceber o risco de quedas aumentado quando o idoso apresenta uma acuidade visual diminuída. Os mecanismos eferentes e o SNC também são afetados pelo envelhecimento. Há uma redução da força muscular, principalmente nos membros inferiores, associada à diminuição de tamanho e número de fibras musculares e motoneurônios (ROGERS e EVANS, 1993). No SNC, há perda neuronal e dendrítica, redução das ramificações e diminuição do metabolismo cerebral (LIPSITZ e GOLDBERGER, 1992). Tais alterações levam a uma lentificação no processamento de informações que, associada à diminuição da velocidade de condução, geram um retardo da contração muscular, e, conseqüentemente, das respostas musculares posturais. Para compensar, o SNC pode ser mais exigido por meio do sistema atencional, porém a capacidade de dividir atenção e de processar informações está reduzida. Portanto, em situações de distração ou de sobrecarga de informações, como conversar e concomitantemente caminhar em um piso irregular, o risco de quedas estaria aumentado. Com todas as alterações fisiológicas inerentes ao envelhecimento, o sistema de controle postural torna-se menos eficiente para compensar as possíveis perturbações que fazem parte do dia-a-dia. Deve-se ressaltar que, pela própria ação da gravidade, o corpo, na posição ortostática, já se encontra em uma situação que exige do sistema de controle postural. Somando-se às perturbações próprias da biomecânica postural as perturbações externas, como por exemplo, um chão escorregadio ou acidentado, o sistema de controle postural compensará até um certo limite, dependendo da habilidade de cada um. As causas de origens internas e externas das quedas são comumente classificadas, na literatura, como fatores de risco intrínsecos e extrínsecos (SHUMWAY-COOK et al., 1997). Os fatores de risco intrínsecos incluem as próprias alterações fisiológicas associadas ao envelhecimento (sistema sensorial, motor e cognitivo, por exemplo), doenças específicas e uso de medicamentos. Como doença específica, é válido citar dois exemplos de origem circulatória que podem comprometer a reserva de perfusão cerebral: a síncope (perda súbita e transitória da consciência) cardiogênica, por causa da alta incidência de 60 arritmias ou da insuficiência cardíaca; e a hipotensão postural ortostática que pode ser definida como a queda da pressão sistólica (maior ou igual a 20mmHg) ou diastólica (igual ou maior que 10mmHg) na mudança postural do decúbito para o ortostatismo, e que pode ter origem na desidratação, na imobilização e no uso de medicamentos (Paixão Júnior e Heckmann, 2002). Vários estudos indicam a associação entre o uso de medicamentos, como os psicotrópicos, e o risco aumentado de quedas (PERRACINI e RAMOS, 2002; GUIMARÃES e FARINATTI, 2005). Alterações no metabolismo com o envelhecimento modificam as características farmodinâmicas e farmacocinéticas dos medicamentos, tornando o idoso mais suscetível aos efeitos colaterais dos remédios (WYNNE, 2005). Contudo, não é trivial distinguir os efeitos colaterais de medicamentos daqueles causados por doenças pelas quais houve a prescrição. Com o envelhecimento, aumenta a incidência de doenças e, conseqüentemente, o uso de medicamentos. Não se pode esquecer que fatores psicológicos, como o medo de sofrer quedas, também estão envolvidos e que as quedas podem produzir sintomas de ansiedade e depressão (DOWNTON, 1990), os quais, por sua vez, aumentam o risco de uma nova queda. Como fatores de risco extrínsecos há os sociais e os ambientais. Os fatores ambientais estão relacionados com o ambiente físico em que o idoso se encontra, ou seja, a iluminação local, as condições do piso (molhado, irregular etc.), a presença de obstáculos (animais ou crianças correndo, objetos no chão etc.) e outros que podem causar distração. Os fatores de risco geralmente coexistem, por exemplo: o idoso portador de demência apresenta distúrbios cognitivos que atrapalham o reconhecimento dos riscos do ambiente. Além disso, o ambiente familiar constitui-se também num fator externo que pode atuar de maneira positiva ou negativa. O agravamento do nível de cuidado, geralmente associado aos atritos e ao estresse causados pela situação do idoso, aumenta mais ainda a ansiedade e o medo de ele sofrer quedas. As restrições exageradas das atividades de vida diária afetam a qualidade de vida do idoso, aumentando a sua dependência de terceiros e diminuindo sua independência funcional. O idoso pode vir a ser encarado como um estorvo, uma pessoa que requer atenção e cuidados especiais; o que nem sempre é possível ou há disposição para tal. Por isso, 61 muitos são transladados para uma casa de repouso ou um asilo. Segundo Rubeinstein e Josephson (2002), cerca de 75% dos idosos institucionalizados sofrem quedas. Prevenir quedas é, pois, evitar aborrecimentos e gastos. Uma fratura de colo de quadril conseqüente a uma queda, além de representar um custo elevado para os familiares e para a saúde pública, pode incapacitar o idoso a andar novamente; geralmente por medo de cair novamente. É importante destacar que, para prevenir uma queda, é preciso, primeiro, identificar os fatores de risco, o que é feito por meio de avaliação clínica, anamnese e questionários específicos, assim como testes de avaliação (força muscular, equilíbrio, marcha etc.). UM ESTUDO DESENVOLVIDO COM IDOSOS DE PETRÓPOLIS Pensando em estudar as relações entre incidência de quedas e possíveis fatores de risco, os autores vêm desenvolvendo uma pesquisa com idosos asilares na cidade de Petrópolis, Rio de Janeiro, que segundo uma reportagem televisiva local, tem a maior população de idosos do Estado do Rio. A apresentação deste estudo visa expor a forma de abordagem de estudo que considera algumas variáveis físicas envolvidas no processo de envelhecimento e de quedas em idosos, apresentando as dificuldades inerentes às pesquisas com este segmento da sociedade. Até o momento, coletaram-se dados de dois asilos, um público e outro particular. Para este estudo, consideraram-se como idosos indivíduos a partir de 60 anos (cf. ESTATUTO do idoso, Lei 10.741 de 01/10/2003), obtendo-se 9 homens e 6 mulheres, após exclusão daqueles que não deambulavam, que possuíam doença neurológica grave (AVC, Parkinson, demência) e amputados. Realizaram-se anamnese e verificação da pressão e da freqüência cardíaca. Obteve-se o número de quedas, nos últimos quatro anos, por meio de questionário e anotações da equipe de saúde local. É bom que se saliente que o levantamento do número de quedas constituiu uma limitação do estudo, visto que se dependia da recordação dos idosos os quais tendem a sub-relatar as quedas. Os registros de quedas no asilo também podem conter erros, pois apenas foram consignadas as quedas que foram vistas. Todos os idosos assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido e foram orientados quanto aos riscos e procedimentos necessários ao desenvolvimento do projeto. 62 Variáveis selecionadas para o estudo Avaliou-se o equilíbrio, a marcha, a mobilidade, a flexibilidade, a independência funcional, o nível de depressão, a qualidade de vida, a antropometria, a resistência muscular dos membros inferior e superior e a força de preensão manual. Antes de comentar os resultados, faremos comentários a respeito de cada um dos fatores avaliados e da metodologia empregada para a familiarização do leitor com os testes empregados. Equilíbrio e Marcha: Mantém-se o equilíbrio, conforme comentado anteriormente, pelo controle postural. Ele influencia diretamente a marcha; e é difícil imaginar alguém com distúrbio de equilíbrio que não apresente alteração na marcha. Sabe-se que os idosos caminham com os pés rodados para fora, com passos mais curtos e lentos, passam menos tempo em apoio unipodal e aumentam a freqüência dos passos quando querem desenvolver a velocidade — estratégias para manter o equilíbrio. A cifose torácica é comum, contudo a flexão de tronco pode ser também empregada para manter a estabilidade. Utilizou-se no estudo a avaliação validada de marcha e equilíbrio de Tinetti (TINETTI, 1986), a qual consiste de 9 itens de avaliação de equilíbrio e 7 de marcha, ambos com pontuação de 0 a 2, obtendo-se o score pela soma de cada item. Os itens de equilíbrio envolvem avaliações na postura de pé com os olhos fechados, girando 360º, por exemplo, na posição sentada e na transição de sentado para de pé. Para a marcha, avaliamse iniciativa, direção, continuidade e simetria dos passos, além da posição do tronco e da distância dos tornozelos. Solicitou-se que cada indivíduo caminhasse normalmente em uma direção e voltasse caminhando rapidamente na direção oposta, enquanto o avaliador observava e dava a pontuação. Mobilidade (ou agilidade): Vale lembrar que a mobilidade, ou agilidade, envolve interação de força muscular, equilíbrio e velocidade (GUIMARÃES e FARINATTI, 2005). A mobilidade pode ser avaliada de diversas formas; sendo que para os idosos costuma-se envolver a marcha na tarefa a ser executada. Utilizou-se, no estudo, o teste de mobilidade para idosos, proposto por Podsiadlo e Richardson (1991), conhecido como Timed “Up & Go”. Dessa forma, avaliou-se o idoso pelo tempo que levava para levantar-se de uma cadeira sem apoio para 63 os membros superiores, caminhar até uma demarcação feita no chão a 3m da cadeira, dar a volta e sentar-se novamente. Realizou-se, primeiramente, um ensaio, isto é, descartou-se o teste que serviu de adaptação e de aprendizado para a tarefa. Depois, solicitou-se que cada um deles realizasse a atividade o mais rápido possível, respeitando-se suas limitações. É interessante destacar que adultos saudáveis costumam realizar o teste em até 10s, e idosos em até 20s. Considera-se mais de 20s para a execução da tarefa como um valor indicativo da necessidade de intervenção para a prevenção de quedas. Flexibilidade: Como se sabe, a flexibilidade, avaliada pela amplitude de movimento, torna-se reduzida com o envelhecimento. E mais: a diminuição do arco de movimento das articulações de quadril, joelhos, tornozelos e coluna vertebral estão associadas com a ocorrência de quedas, possivelmente por influenciar o padrão da marcha. Todavia, poucos trabalhos fazem menção à relação entre flexibilidade e número de quedas (GUIMARÃES e FARINATTI, 2005). Para o estudo foram utilizadas duas formas de quantificar a flexibilidade dos idosos: uma por meio da medida em graus da flexão de quadril com a perna dominante estendida, em que se utilizou um goniômetro, e o resultado foi a média das três medidas; outra, mediuse em centímetros, por uma variação do teste “sentar e alcançar” (MARINS e GIANNICHI, 1998), realizado num banco de Wells. Originalmente, no teste de “sentar e alcançar”, coloca-se o indivíduo sentado sobre as tuberosidades isquiáticas, com a perna estendida e os tornozelos a 90º, com a planta do pé apoiada no anteparo do banco. Solicita-se que realize uma flexão de tronco ao expirar, e, com uma das mãos sobre a outra, desloque um marcador o mais longe possível através da escala graduada. Devido à dificuldade da maior parte dos idosos para realizar esse teste sentado, e porque muitos não conseguiam nem sequer alcançar o marcador nesta posição, optou-se por executar o teste com o avaliado na posição vertical. Assim, o indivíduo, em posição ortostática, encostava a parte posterior dos membros inferiores numa parede (para evitar que o corpo fosse projetado para trás), e o banco de Wells era colocado à frente com a escala na sua direção. Em seguida, solicitou-se que realizasse uma flexão de tronco e tentasse levar o marcador até o fim da escala — no caso, o mais próximo do chão. Os 64 idosos foram estabilizados logo acima dos joelhos para manter as pernas estendidas e evitar que o corpo tombasse anteriormente, em virtude do deslocamento do centro de gravidade para frente. O banco foi mantido a uma distância dos pés, de forma a obter-se o melhor desempenho. Registrou-se a melhor medida de três tentativas. Como o teste original deve ser realizado de forma ativa e livre de ajuda, a fraqueza muscular encontrada nos idosos poderia estar contribuindo para o mau desempenho no teste de sentar e alcançar, o que se evitou com a gravidade atuando a favor, no caso do teste feito na posição ortostática. Devese lembrar que tal teste envolve toda a cadeia muscular posterior; portanto é um teste de flexibilidade global. Independência Funcional: Pode-se avaliar a independência funcional por meio de testes das atividades de vida diária (AVD’s) e das atividades instrumentais de vida diária (AIVD’s). As AVD’s compreendem as atividades básicas praticadas pelo indivíduo diariamente, tais como: alimentar-se; realizar transferências, higiene pessoal, controle esfincteriano; vestir-se; arrumar-se etc. As AIVD’s envolvem atividades mais complexas, como usar o telefone, fazer compras, administrar as finanças, cuidar da casa, preparar refeições etc. Como as AIVD’s não são comumente praticadas pelos idosos asilares, utilizou-se somente as escalas de AVD’s no estudo, ou seja, as escalas de Barthel (COLLIN et al., 1988) e de Katz, (KATZ et al., 1963). É importante destacar que os idosos que apresentam maior dependência nas AVD’s têm mais chance de quedas do que os independentes, isto é, aqueles que obtêm a pontuação máxima nos testes de independência funcional (ROSA et al, 2003). Qualidade de vida e Depressão: O nível de depressão também é citado como um fator de risco para quedas (Rao, 2005). Assim, no estudo, avaliou-se a qualidade de vida, tendo em vista o grau de relação entre essas duas variáveis. Quando a qualidade de vida do idoso não é satisfatória, há maior propensão a sentir-se deprimido, ou vice-versa. A depressão influi em vários aspectos da vida, desde o padrão da marcha, em que o indivíduo pode andar mais cabisbaixo e desatento aos possíveis fatores extrínsecos de risco de quedas, até a redução da realização 65 das atividades de vida diária e/ou de exercícios físicos. Assim, um fator de risco pode favorecer o surgimento de outro(s) fator(es) ou piorá-lo(s). Para observar se há relação entre os fatores de risco já citados e a depressão e qualidade de vida, é necessário uma forma de quantificá-los. Para isso foi utilizada a escala de depressão de Yesavage (YESAVAGE et al., 1983) e o questionário sobre qualidade de vida da Associação Mundial de Saúde (grupo WHOQOL), na sua versão abreviada de 26 perguntas (WHOQOL-BREF), pois o questionário voltado para idosos (WHOQOL-OLD) ainda não se encontra disponível (FLECK et al., 2003). Medidas Antropométricas: O percentual de gordura corporal foi estimado por bioimpedância. Embora o percentual de gordura não seja considerado um fator de risco para quedas pela literatura estudada, serviu, juntamente com as medidas de perimetria debraço, para a obtenção da área muscular transversa do braço. Observou-se que a área muscular do braço dos idosos era proporcional à resistência muscular medida pelo número máximo de flexões de cotovelo efetuadas com um haltere de 2kg. O resultado foi condizente com o de adultos jovens, nos quais quanto maior a massa muscular, maior a força muscular (POMPEU et al., 2004). Força Muscular: A redução da massa muscular e, conseqüentemente, da força muscular por causa do envelhecimento é apontada como o segundo maior fator de risco para quedas (AMERICAN Geriatrics Society et al., 2001). A perda de massa muscular dos membros inferiores é destacada, pois favorece o desequilíbrio e a redução de atividades cotidianas, como levantar e sentar, subir e descer escadas, etc. Avaliou-se a resistência muscular dos membros inferiores por meio do teste de sentar e levantar em uma cadeira, sem apoio para os membros superiores e sem carga externa, cujo resultado foi o número máximo de repetições. A força de preensão manual foi medida com um dinamômetro. Efetuaram-se três medidas para cada indivíduo e escolheu-se o melhor desempenho. Resultados Após a obtenção do coeficiente de correlação Rank de Spearman, com nível de significância de p≤ 0,05, conheceu-se a relação entre si de todas as variáveis analisadas. 66 Observou-se na análise das variáveis que apenas a “Independência funcional” (escala de Katz) apresenta uma relação com o número de “Quedas” (incidência de 30%) dos idosos asilares avaliados. O “Equilíbrio” foi a variável que se correlacionou com o maior número de fatores de risco na amostra analisada (“Independência funcional”; “Mobilidade”; “Marcha”). Quanto maior o equilíbrio, melhor a qualidade da marcha (r =0,60) e a mobilidade (r=0,70). Por sua vez o equilíbrio foi influenciado pela variável “Resistência muscular dos membros inferiores” (r=0,79) e pelo “Nível de depressão” (r= -0,66), ou seja, quanto maior a “Resistência muscular” e menor o “Nível de depressão” e melhor o “Equilíbrio”. Quanto mais deprimido o indivíduo, pior a qualidade de sua “Marcha” (r= -0,61). O “Equilíbrio” e a “Força muscular” dos membros inferiores influenciam diretamente a independência funcional (r=0,82 e r= 0,81, respectivamente). Isso é coerente, visto que um indivíduo que possui menos força muscular nos membros inferiores terá menos equilíbrio e, conseqüentemente, mais dificuldade para realizar suas atividades de vida diária. Uma menor independência funcional pode favorecer o aparecimento de quedas; e a queda pode trazer prejuízos na realização das atividades de vida diária; e assim, gera-se um ciclo vicioso. A relação direta entre a independência funcional e o número de quedas aponta uma maior necessidade de atenção das equipes de saúde para esse fator de risco. Dessa forma as escalas de AVD’s podem ser instrumentos úteis na prevenção de quedas dos idosos. Modelos preditivos de quedas, baseados em mais de um fator de risco (SHUMWAY-COOK et al., 1997), mostraram ser mais eficientes do que a análise dos fatores individualmente, e poderiam incluir os scores obtidos com as escalas de AVD’s. Em suma, a origem das quedas é multifatorial, e trabalhar na prevenção é realizar uma boa avaliação e abordar o idoso em todos os aspectos mencionados, além de outros, como o ambiente físico e o familiar. Cada profissional tem, portanto, sua importância nesse compromisso. Exercícios de equilíbrio e de fortalecimento têm sido apontados como os mais eficazes na prevenção de quedas em idosos (RAO, 2005); porém não se deve restringi-los apenas a tais exercícios. A prática de exercícios físicos variados e com enfoques recreativos tornam-se efetivos e agradáveis aos idosos, além de possibilitar uma 67 maior socialização do grupo. Exercícios físicos adaptados às características da faixa etária contribuem para um menor nível de depressão e uma menor influência do processo de envelhecimento sobre as variáveis fisiológicas estudadas e garantem, sobretudo, melhor qualidade de vida. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ACSM, AMERICAN COLLEGE OF SPORT AND MEDICINE. “Osteoporosis and Exercise”. Medicine and Science of Sport and Exercise, 27:i-vii, 1995. AMERICAN GERIATRICS SOCIETY, BRITISH GERIATRICS SOCIETY, AND AMERICAN ACADEMY OF ORTHOPAEDIC SURGEONS PANEL ON FALLS PREVENTION. “Guideline for the prevention of falls in older persons”. Journal American Geriatrics Society, 49(5):664-72, 2001. BABICOK MA, PETERSON DH, CUNNINGHAM DH. “Exercise on-transient gas exchange kinetics is slowed as a function of age”. Medicine and Science of Sports and Exercise, 26:440-6, 1994. BLACK SE, MAKI BE, FERNIE GR. Aging, imbalance and falls. In: SHARP JA, BARBER HO, Eds. The vestibule-ocular reflex and vertigo. Raven Press, New York, 1993. 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CEP 22 240-000 e-mail: [email protected] Telefones: 21 2562 68 25, celular: 93823844 André da Silva Favre. Mestre em Ciências de Engenharia Biomédica pelo Laboratório de Engenharia Pulmonar da COPPE/ UFRJ. Coordenador do Laboratório de Fisiologia do Exercício de Universidade Estácio de Sá, Petrópolis, Rio de Janeiro. Endereço: Rua Basílio de Brito, 271. Cachambi, Rio de Janeiro. CEP: 20785-000 e-mail: [email protected] Telefones: 21 2281-8512 e 21 8123-8512. 71 FISIOTERAPIA PREVENTIVA: UM TRABALHO COM IDOSOS Esp. Fátima de Lima Paula Universidade Federal Fluminense RESUMO Este capítulo pretende comentar a abordagem de um trabalho Fisioterapêutico preventivo que tem como ferramenta a conscientização corporal para a prevenção de quedas de idosos. A grande dificuldade atualmente é aplicar os conhecimentos de forma a mobilizar os idosos a realizar mudanças de hábitos para a melhora da qualidade de vida. Partindo dos fatores de risco característicos da idade foi traçado um programa de tratamento que utiliza a terapia corporal como uma forma prazerosa de se trabalhar o corpo e de aprender a realizar os movimentos organizados e coordenados. Este trabalho de Fisioterapia vem sendo realizado com os participantes do projeto Prev-Quedas (UFF) e o Envelhecimento sem Tropeços na UFRJ. . Palavras chave: Conscientização corporal, propriocepção, terapia corporal INTRODUÇÃO O envelhecimento populacional veio acompanhado da transição epidemiológica. Houve um controle das doenças infecto-contagiosas e o surgimento das crônicodegenerativas. O indivíduo, assim vai perdendo sua capacidade de adaptação em função dos anos vividos, das capacidades intrínsecas, seus fatores genéticos e do meio ambiente em que vive. E, de acordo com esse processo natural de envelhecimento, começam a surgir os problemas que interferem na qualidade de vida do indivíduo e cuja solução torna-se difícil, partindo do princípio que as pessoas não envelhecem da mesma forma. Existem problemas médicos comuns nos idosos que são chamados de os ‘gigantes da geriatria’, já que são fatores que tendem a levar o idoso a perder a autonomia e a independência (KANE et al, 2005). Eles são designados de os cinco ”is”: incontinência urinária e fecal, instabilidade postural, iatrogenia, imobilidade e insuficiência cognitiva. Quando estudamos as quedas podemos observar que elas têm uma relação com todos esses fatores acima relacionados, e por isso, são bastante temidas entre os idosos. Segundo Ramos et al (2003) o grande desafio deste século XXI não é mais convencer o idoso de que mudanças em seu estilo de vida são benéficas, mas sim, mobilizálo de forma a realizar essas mudanças. E quando falamos em mudanças estamos nos 72 referindo à mudança alimentar, prática de exercícios, ingestão de líquidos, lazer e tudo aquilo que de maneira geral possa vir a melhorar a qualidade de vida desta pessoa. Morel (2002) comenta que o difícil é transformar os conhecimentos em aplicação e enfatiza a complexidade da transformação de conhecimento em decisões firmes e ações efetivas de saúde pública, sendo esta transformação um processo que depende de fatores econômicos, sociais, políticos e comportamentais. Para facilitar essa prática, tem-se valorizado a interdisciplinidade nos trabalhos voltados para promoção da saúde, já que os problemas são multi-fatoriais. Um dos profissionais que participa deste trabalho interdisciplinar de promoção da saúde é o Fisioterapeuta que atua nas doenças crônicodegenerativas controlando a dor e prevenindo a perda de autonomia do idoso. Alguns fatores de risco presentes no envelhecimento são observados na abordagem Fisioterapêutica. São eles: dor, diminuição da propriocepção, alterações articulares, alterações posturais, distúrbios da marcha e alterações nos pés. Estes fatores estão associados à perda de função e de autonomia. Sendo assim, vamos abordar, neste capítulo, uma forma de prevenção que acreditamos ser bastante eficaz e de grande abrangência. PREVENÇÃO Segundo a Organização Mundial de Saúde (WHO, 1993) um dano ou lesão pode trazer as seguintes conseqüências para o indivíduo (PORTUGAL, 1989): • Deficiência (impairment) – anomalia ou perda da estrutura corporal, aparência ou função de um órgão ou sistema. • Incapacidade (disability) – restrição ou perda de habilidades • Desvantagem (handicap) – restrições ou perdas sociais e/ou ocupacionais A prevenção atua nesses três níveis: • Prevenção primária – atua no indivíduo, buscando influenciar nas deficiências. • Prevenção secundária – atua rastreando grupos de risco buscando interferir na incapacidade. • Prevenção terciária – atua na avaliação para reabilitação buscando evitar as desvantagens. 73 Como exemplo, podemos citar a queda tendo como ‘deficiência’ a diminuição da propriocepção, causando uma ‘incapacidade’ da execução das atividades de vida diária e como ‘desvantagem’, a ocorrência da perda da autonomia e da independência. Neste caso a prevenção Fisioterapêutica primária seria um trabalho de equilíbrio estimulando os receptores proprioceptivos com a intenção de fazer com que esta perda de propriocepção seja a mínima possível e venha a surgir num tempo muito maior, buscando evitar a queda. Já na prevenção secundária, o trabalho estaria visando a diminuir o déficit proprioceptivo, em um indivíduo que cai, através de atividades que viessem a recrutar receptores e evitar novas quedas. E, a prevenção terciária seria inserir esse indivíduo que cai, de volta às suas atividades de vida diária, adaptando-o de acordo com suas limitações. Para se fazer um trabalho de prevenção é imprescindível que se conheça a biologia do envelhecimento e os fatores de risco que estão influenciando nas alterações que ocorrem no corpo com o decorrer do tempo. Existem várias teorias que discutem o envelhecimento. Não vamos aqui comentar sobre elas. Na verdade, dos cinco ‘is’ citados anteriormente, pode-se dizer que três podem ser abordados pela Fisioterapia de uma forma prática e direta. São eles: incontinência urinária, imobilidade e instabilidade postural. A seguir, será feito um breve comentário sobre cada um deles separadamente, para que se possa discutir a prevenção fisioterapêutica, com seus objetivos. INCONTINÊNCIA URINÁRIA A incontinência urinária (IU) é definida como perda involuntária de urina através de uma uretra anatomicamente sadia, resultante de um distúrbio, de uma disfunção do equilíbrio vesico-esfincteriano (GROSSE e SENGLER, 2002). A IU é um problema comum no idoso, que pode interferir em suas atividades de vida diária e em suas atividades sociais e influenciar na sua qualidade de vida (SWITHINBANK e ADAMS, 1999; Mc GROTHER et al, 1998). De acordo com a Sociedade Brasileira de Urologia, embora possa acontecer uma mistura de sintomas, a incontinência urinária pode ser classificada como: 74 1. IU de esforço – perda involuntária de urina na ausência de contração do músculo da bexiga (detrusor) que acontece ao esforço, como ao espirrar, tossir, correr. 2. IU por urgência miccional – caracterizada pela perda de urina ao surgimento inesperado de um reflexo miccional, ou seja, graças à hiperatividade do detrusor. Se o esfíncter conseguir resistir, não há incontinência, mas sim, urgência. 3. IU paradoxal – sensação de urgência para urinar sem conseguir algumas vezes; perda de gotas de urina todo o tempo; sensação de não esvaziar completamente a bexiga. A Fisioterapia possui um trabalho de reeducação perineal com utilização de técnicas como “biofeedback”, eletroestimulação, utilização de cones (dispositivos vaginais), exercícios de reeducação muscular do assoalho pélvico e correção postural. Para isso, o indivíduo precisa conhecer a anatomia desta musculatura e conhecer melhor seu corpo. IMOBILIDADE A imobilidade pode ser vista por vários aspectos. Desde a ausência de mobilidade em uma ou mais articulações até a ausência generalizada do movimento, como acontece quando o indivíduo está acamado. Neste capítulo serão abordados os fatores de risco para a imobilidade, decorrentes das alterações funcionais que ocorrem devido à idade, com enfoque nas articulações, músculos e sistema nervoso. Articulações As articulações determinam a amplitude de movimento, através de sua forma, ou seja, a partir das formas dos ossos e da maneira com que eles se articulam, o movimento vai poder ocorrer em um ou mais planos. Outro componente que vai limitar o movimento é o ligamento, um feixe de ‘tecido fibroso’ que une dois ossos e estabiliza-os de forma a impedir que certos movimentos aconteçam. A cápsula articular também tem como função a estabilização e proteção das extremidades ósseas. Ela é composta de um tecido conjuntivo fibroso denso e envolve a articulação. A membrana sinovial é composta de tecido 75 conjuntivo vascular que reveste internamente a cavidade articular. Este tecido produz o líquido sinovial, o qual é viscoso, nutritivo, lubrificante e deslizante e possui a função de nutrir a cartilagem articular e diminuir o mecanismo de fricção sobre a cartilagem (RASCH, 1989). Os discos e meniscos são compostos de fibrocartilagem interposta entre os ossos da articulação. Servem para absorver e distribuir as cargas, proteger a articulação, aumentar a área de contato entre as superfícies articulares e limitar o deslizamento entre os ossos. O disco intervertebral é composto de um anel fibroso, núcleo pulposo e 2 placas cartilaginosas que separam o anel e o núcleo do corpo vertebral (MIRANDA, 2000). A extremidade do osso é coberta pela cartilagem hialina que possui uma qualidade elástica com a função de dissipar as altas sobrecargas, assim como diminuir a taxa de compressão das superfícies articulares. Esta cartilagem é composta de condrócitos e matriz extracelular relativamente densa. Esta última é composta de água, fibras colágenas e proteoglicanos. A água representa 66% a 80% de sua estrutura e o material orgânico é composto de 48% a 62% de colágeno tipo II e de 22% a 38% de proteoglicanos. O colágeno é responsável pela forma e resistência à tensão. De uma forma mais grosseira podemos dizer que a água e os proteoglicanos hidrófilos fornecem à cartilagem articular a capacidade de se deformar e retornar à forma original. Com a idade vai acontecendo um desgaste da articulação. Alterações na cartilagem hialina produzem dor e imobilidade. As camadas superficiais da cartilagem apresentam uma diminuição do número de células, da quantidade de água e do número de proteoglicanos. Desta forma a cartilagem fica mais delgada e começam a surgir rachaduras e fendas na superfície. Uma das doenças que acometem a cartilagem hialina, muito comum em idosos, é a osteoartrite. Embora a doença não deva ser igualada às alterações fisiológicas da cartilagem relativas à idade, sabe-se que no processo de artrose há desagregação do equilíbrio e da homogeneidade da estrutura da cartilagem que ocorre pela sua fragmentação e resulta na liberação de enzimas degradadoras da matriz pelos condrócitos (VELLUTINI, 1997; EGRI et al, 1999). Com o envelhecimento também há aumento dos elementos fibrosos do anel e diminuição no número relativo de elementos elásticos. A quantidade de água do núcleo 76 também diminui com a idade. Segundo Cox (2002) indivíduos com 77 anos apresentam 70% de conteúdo de fluido no núcleo, enquanto que um recém nascido tem esse número aumentado para 88%. Adultos entre 30 a 50 anos são propensos a lesões do anel e herniação do núcleo. Adultos mais velhos (50 a 90 anos) podem perder altura do tronco e apresentar aumento da cifose torácica (PERISSINOTO et al, 2002). Naturalmente a diminuição de altura do disco intervertebral tende a produzir degeneração das articulações apofisárias na distribuição da tensão. Como a função das articulações apofisárias é estabilizar e segmento e controlar seu movimento, protegendo os discos e ligamentos, podese concluir que a degeneração do disco ocasionando a degeneração das articulações apofisárias pode ser causa de dor lombar em idosos (COX, 2002). Como decorrência destas alterações percebe-se uma diminuição da flexibilidade da coluna, o que é de grande importância (SCHENKMAN et al, 2001). Thigpen et al (2000) explicam que o jovem e alguns idosos realizam uma virada de 1800 dentro do eixo do corpo, mas que a maioria dos idosos, para executar essa virada, cambaleiam e precisam dar de 1,7 a 2,7 passos, o que ocasiona um risco de perda de estabilidade. Músculos Os músculos esqueléticos são compostos de fibras organizadas em feixes. Os três tipos de fibras musculares mais importantes são: tipo I, tipo IIA e IIB. Os músculos contêm uma mistura destes três tipos, apresentando sempre predominância do tipo de fibra que vai determinar suas propriedades. A fibra do tipo I é escura (vermelha) pela predominância de grande número de mitocôndrias e alta concentração de mioglobina. Esta fibra é de contração lenta e sua principal fonte de ATP (energia) é a fosforilação oxidativa. Elas têm boa resistência à fadiga. A fibra do tipo IIA é clara (branca), já que não apresenta grande quantidade de mitocôndrias e mioglobina. Ela é uma fibra de contração rápida e sua característica é força e velocidade. Possui maior diâmetro que a fibra I, desenvolve maior força de contração e fadiga mais rapidamente. Sua principal fonte de ATP é a glicólise. O terceiro tipo, IIB é designado oxidativo rápido glicolítico. É intermediário. A fibra é vermelha, possui alto teor de mioglobina e numerosas mitocôndrias. Sua principal fonte de ATP é a fosforilação oxidativa. Possui velocidade de contração intermediária e a resistência à fadiga fica entre a da fibra tipo I e tipo IIA. Para ocorrer contração muscular é necessária 77 a ação dos neurônios motores. O conjunto de neurônio motor, seu axônio e todas as fibras musculares por ele inervadas é denominado unidade motora. O aumento da força de contração muscular se dá pelo aumento do recrutamento de unidades motoras e pelo aumento da freqüência de estimulação das unidades motoras individuais (McARDLE,1998). O envelhecimento do corpo provoca alterações morfológicas e bioquímicas no músculo. O músculo atrofia e há aumento dos tecidos conjuntivos e gordurosos. Há diminuição da capacidade oxidativa, do número de unidades motoras. Estas alterações parecem atingir mais as fibras musculares de contração rápida. Consequentemente podem ocorrer perda da massa muscular sem gordura, declínio da força muscular absoluta e a redução do uso de determinados grupos musculares (IMAMURA et al, 1999). Segundo Carvalho e Soares (2004) a força muscular máxima é alcançada por volta dos 30 anos, estabilizando até à quinta década e declinando a partir daí. Entre os 50 e 70 anos a perda se dá aproximadamente 15% por década. Após os 70 anos a redução da força muscular aumenta para 30% em cada 10 anos. Sistema Nervoso O sistema nervoso (SN) detecta estímulos externos e internos, tanto físicos quanto químicos, e desencadeia as respostas musculares. Assim, é responsável pela integração do organismo com o seu meio ambiente. Através desse sistema, o organismo é capaz de produzir respostas estereotipadas que constituem os comportamentos fixos e invariáveis (por exemplo, os reflexos), ou então, produzir comportamentos variáveis em maior ou menor grau. O ser humano pode modificar o seu comportamento em função de experiências passadas. Essa modificação comportamental é chamada de aprendizagem (LENT, 2004). Funcionalmente, pode-se afirmar que o SN é composto por neurônios sensoriais, motores e de associação. As informações provenientes dos receptores sensoriais dirigem-se ao Sistema Nervoso Central (SNC), onde são integradas por neurônios de associação ou interneurônios. Estes últimos enviam uma resposta que chega ao órgão efetor (músculo) através dos neurônios motores. Kandel, Schwartz e Jessel (2000) sugerem que para o movimento voluntário acontecer é necessária a conexão dos sistemas sensorial e motor e o sistema motivacional (sistema límbico). Os autores afirmam que o sistema motivacional 78 controla o sistema motor autônomo e o sistema sensoriomotor somático. As respostas desencadeadas pelo SNC são tão mais complexas quanto mais exigentes forem os estímulos ambientais (aferentes). Para tanto o cérebro necessita de grandes concentrações de neurônios capazes de armazenar, interpretar e emitir respostas eficientes a qualquer estímulo, tendo também a capacidade de, a todo instante, em decorrência de novas informações, modificar e fazer reajustes em suas conexões sinápticas, possibilitando novas aprendizagens (LENT, 2004). Somestesia é a capacidade de receber informações sobre as diferentes partes do corpo. O sistema somestésico subdivide-se em epicrítico (tato fino e propriocepção consciente) e protopático (termossensibilidade e dor). A propriocepção é uma submodalidade da somestesia. Receptores sensoriais nos músculos, tendões e cápsulas articulares enviam informações sobre a posição e o movimento das regiões do corpo para áreas específicas do sistema nervoso central. Isso proporciona retroalimentação sensorial importante durante as atividades de um indivíduo. No córtex cerebral essas informações são utilizadas para a percepção da posição e movimento das regiões do corpo (propriocepção consciente). Essas informações também são utilizadas para controlar os reflexos e gerar respostas e ajustes motores (propriocepção inconsciente) capazes de tornar as posições do corpo adequadas a cada situação (KANDEL, SCHWARTZ e JESSEL, 2000). A principal função dos sistemas sensoriais é transformar a informação contida nos estímulos ambientais em energia eletroquímica. A energia do estímulo é traduzida para uma descarga neural através de dois estágios: transdução, que transforma a energia em despolarização ou hiperpolarização local da membrana celular do receptor; e, codificação neural, que faz com que o sinal neural evoque uma descarga de potenciais de ação os quais representam a informação do estímulo, como a intensidade ou duração. Um estímulo forte vai evocar grandes potenciais receptores que vão gerar um maior número e uma maior freqüência de potenciais de ação. É importante lembrar que os receptores possuem a propriedade da adaptação, ou seja, quando um estímulo se inicia, o potencial receptor atinge certa amplitude proporcional a este estímulo e, após, decresce a um valor menor que depois se torna estável. Esta adaptação pode ser lenta ou rápida (LENT, 2004; KANDEL, SCHWARTZ e JESSEL, 2000). 79 Segundo Sargant (2000) os receptores mais estudados e considerados de maior importância são os fusos musculares e os órgãos tendinosos de Golgi, sendo os primeiros os funcionalmente mais elaborados e de organização mais complexa. Ribot-Ciscar e Roll (1998) também afirmam que os fusos musculares são principais componentes sensoriais do sistema motor e a propriocepção muscular tem um papel importante na codificação sensorial do movimento e da posição. Eles explicam que isso está relacionado ao fato de que quando o feedback proprioceptivo é abolido ou experimentalmente ou em alguma patologia, percebe-se um déficit considerável. Eles relatam que a percepção da articulação resulta de um co-processamento do SNC dos múltiplos feedbacks dos fusos musculares originados do movimento. Konradsen et al (1993) realizaram um estudo no qual anestesiaram a cápsula articular e ligamentos de uma articulação sem alterar os receptores musculares. Não observaram alteração da propriocepção. Assim, eles sugerem que os fusos musculares são os principais responsáveis pela propriocepção. Para que haja a execução de um movimento harmônico, bem coordenado é necessário que haja perfeita interação entre os sistemas acima citados. Segundo Levin (1995), para que o movimento ocorra há necessidade também de integridade do aparelho motor e da existência de um desejo. Assim, esse processo segue uma seqüência marcada pela imagem do inconsciente do movimento inscrita no corpo pelo desejo, e por sua vez sua articulação na ação específica. Isso seria, então, uma definição para praxia, ou seja, um sistema de movimentos coordenados e adaptados em função de uma intenção específica. O envelhecimento produz algumas características macro e microscópicas no sistema nervoso. Algumas delas são: diminuição do tamanho e peso do cérebro; queda do número de neurônios e da quantidade de proteínas cerebrais; diminuição da quantidade de neurotransmissores; alteração do número e da sensibilidade dos receptores e do limiar de excitabilidade dos centros reguladores (PAPALEO NETTO et al, 2002). Verschueren et al (2002) apresentaram estudos que mencionam um declínio na função dos fusos musculares com o avanço da idade. Eles consideram que a percepção da posição do joelho e tornozelo tende a diminuir com a idade. Isso acontece com o cotovelo e os dedos também. O limiar para percepção do movimento parece aumentar no joelho e tornozelo do idoso. Esta deficiência da propriocepção é associada a problemas de equilíbrio. 80 Como o idoso apresenta alteração em seu sistema sensorial (BALOH, YING e JACOBSON, 2003) pode-se deduzir que a diminuição da propriocepção vai atuar como fator de risco de queda para o idoso, já que sua resposta acontecerá num tempo maior, às vezes, insuficiente para manter o equilíbrio. Lord et al (1999) confirmam que a deterioração do sistema sensorial afeta a estabilidade postural e com isso há diminuição da habilidade de se recuperar da perda de equilíbrio. Amiridis, Hatzitaki e Arabatzi (2003) sugerem que idosos se adaptam à postura estática de forma diferente dos jovens. Os idosos dependem mais dos músculos do quadril do que do tornozelo para manter o equilíbrio. Uma hipótese apresentada como justificativa para este fato foi que os idosos apresentam déficit proprioceptivo no tornozelo e no pé. INSTABILIDADE POSTURAL Um corpo é dito estável quando seu centro de gravidade é perturbado, mas ele consegue retorná-lo à posição anterior. O estudo da instabilidade postural é extremamente abrangente, já que envolve vários fatores de risco, tais como, iatrogenia, distúrbios vestibulares, visuais, psicogênicos, alterações musculoesqueléticas etc... Para se manter a estabilidade é necessário um sistema neuro-muscular íntegro. A postura é fundamental para a manutenção do corpo na posição ortostática. Uma boa postura faz com que o indivíduo permaneça em pé sem grande gasto de energia. A postura e a marcha A postura nada mais é do que uma resposta de nosso corpo à força da gravidade. Ela é decorrente do sistema musculoesquelético, sistema nervoso e do nosso ‘emocional’ que estaria ligado às nossas pulsões, pensamentos e experiências. Qualquer que seja a posição, o corpo está ‘reagindo’ à força da gravidade. Sendo assim, o tempo todo, temos um grupo de músculos agindo para manter nossa posição, e por trás disso, nossas emoções e nosso sistema nervoso ativando esses músculos. A postura, então, acaba por exteriorizar o bem-estar, a doença, auto-estima e os sentimentos do indivíduo. No útero, o feto se mantém numa ‘cifose única’ como se estivesse enrolado. No parto, ele experimenta a primeira lordose ao passar pela pelve da mãe: a lordose cervical. Esta vai ser trabalhada nos primeiros dias e meses de vida. Ao começar a querer obter a 81 posição ortostática e a dar seus primeiros passos, a segunda lordose, a lombar, começa a ser trabalhada de forma mais intensa. Assim, as curvas fisiológicas vão sendo estabelecidas no corpo e vão se equilibrando, graças à força da gravidade (BIENFAIT, 1995). Da mesma forma os músculos são alongados e fortalecidos dentro de uma organização que está relacionada com as cadeias musculares. Para um músculo ser agonista de um movimento ele precisa da permissão do antagonista, que através de seu alongamento ‘permite’ que o agonista realize o movimento. Como é impossível um músculo atuar sozinho, sabemos que existem os sinergistas que atuam junto ao agonista estabilizando a articulação ou atuando na direção e sentido do movimento. Desta forma as cadeias musculares são acionadas. Quando comentamos que a postura recebe influência do emocional podemos citar Keleman (1985) que comenta que ficar ereto é um evento emocional e social e que a postura ereta humana “é um impulso genético que, entretanto, requer uma rede social e interpessoal para se realizar” (p.76). Sendo assim, a educação dos pais, as atividades físicas, o convívio na escola, influenciam a confiança que a pessoa tem em si mesma, interferem em sua auto-imagem e se refletem na postura. Atualmente vem-se dando grande importância aos fatores epigenéticos influenciando na atividade neural (Annunciato, 2001). A postura adquirida no decorrer da vida pode vir a sofrer algumas alterações provenientes de sensações e emoções vivenciadas em um dado momento da vida. Então, ao invés dessa pessoa ter aquela postura, pode estar com aquela postura devido a algum fator específico. Um exemplo comumente utilizado é o da postura de uma pessoa deprimida, que se ‘fecha’. Ela enrola seu ombro, seu tronco e mantém a cabeça inclinada para frente, dando a impressão de querer se fechar para o mundo. Denys-Struyf (1995) afirma que utilizamos nosso corpo a partir daquilo que percebemos e experimentamos para traduzir nossas emoções e nossa vivência. O corpo se expressa com a ajuda de nossos músculos pela postura, pelo gesto e pela mímica. Mesmo se a expressão foi inibida, o sistema neuromuscular é ativado da cabeça às mãos e aos pés. Pensamentos e emoções acionam grupos musculares. Em decorrência das alterações musculoesqueléticas e dependendo da condição emocional e social em que se envelhece a postura do idoso vai variar de indivíduo para indivíduo. Apesar disso é comum que alterações do sistema neuro-muscular façam com que 82 a gravidade provoque aumento da cifose dorsal, projeção da cabeça para frente para manter o olhar horizontalizado, diminuição da lordose lombar alterando a localização do centro de gravidade do corpo (KAUFFMAN, 2001). Naturalmente esta postura traz dificuldades para a manutenção da posição ortostática. Segundo Carvalho Filho (2000), a partir dos 40 anos há um declínio da estatura cerca de 1 cm por década, graças a aumento das curvaturas da coluna, achatamento das vértebras, redução dos discos intervertebrais e achatamento dos arcos do pé. Esse declínio começa aos 40 anos e torna-se mais acentuado com o avanço da idade (PERISSINOTTO et al, 2002). Da mesma forma que a postura deve ser observada com cuidado, é importante que se dê atenção à marcha do indivíduo. Para isso torna-se necessário conhecer alguns fatores importantes característicos de uma marcha fisiológica (SMITH et al, 1997): 1. O contato do pé com o chão deve ser feito pelo calcanhar. 2. A transferência do peso do corpo deve ser realizada pela base lateral do pé. 3. O impulso pelo ante-pé deve chegar até o hálux. 4. Boa extensão do membro inferior de apoio (100 de extensão de coxofemoral com vértebras lombares). 5. Boa flexão de coxofemoral do membro em balanço (300 de flexão). 6. Rotação do tronco alternando membros inferiores com membros superiores. 7. Boa flexão do joelho no momento do amortecimento do toque do calcanhar (150) e no momento do balanço para se manter afastado do solo (700). Com a idade podem-se observar algumas alterações na marcha: diminuição da velocidade, do comprimento do passo e da altura de oscilação, e aumento do tempo de sustentação. Kerrigan et al (2001) observaram que existe uma diminuição da extensão do quadril em idosos durante a marcha. Sparrow et al (2002) sugerem que embora a caminhada pareça totalmente automática, ela exige certa atenção. Os autores sugerem que existe uma correlação entre a idade e a necessidade de atenção para caminhar. 83 A FISIOTERAPIA NA PREVENÇÃO Através do conhecimento das alterações que o idoso tende a apresentar, podem-se discutir os meios que o Fisioterapeuta possui para atuar na prevenção. Para isso, é necessário definir os objetivos da prevenção, que de uma forma geral, poderiam ser: • Diminuição ou prevenção da dor. • Aumento ou manutenção do espaço interarticular. • Aumento ou manutenção do arco de movimento. • Estimulação da produção do líquido sinovial. • Alongamento dos músculos retraídos. • Manutenção da força muscular. • Fortalecimento do assoalho pélvico. • Aumento ou manutenção do número de receptores proprioceptivos. • Melhora do equilíbrio. • Melhora da coordenação. • Melhora da postura. A Fisioterapia possui vários recursos tradicionais que podem ser utilizados na prevenção. São eles: termoterapia (gelo e calor), ultra-som, laser e as correntes elétricas. Acreditamos que todas essas ferramentas têm um grande valor na terapia e não duvidamos dos efeitos que elas produzem na reabilitação, especialmente no que diz respeito à dor. Por outro lado acreditamos que a cinesioterapia e a biomecânica nos fornecem subsídios imprescindíveis para que se atinjam os objetivos acima citados. Sendo assim vamos exemplificar algumas abordagens comumente utilizadas: exercícios e posturas de decoaptação das articulações, alongamento e mobilizações passiva e ativa podem atuar na dor, no aumento de arco de movimento e no aumento da quantidade de líquido sinovial; com o conhecimento das cadeias musculares pode-se realizar um trabalho corporal visando à melhora da postura, aumento da flexibilidade e alongamento dos músculos retraídos; atividades de conscientização corporal e fortalecimento do assoalho pélvico; atividades proprioceptivas, com tábuas proprioceptivas e circuitos específicos, para melhorar a performance dos receptores proprioceptivos e consequentemente melhorar o equilíbrio; atividades que treinem a coordenação são também de grande importância para a 84 manutenção do equilíbrio. Além disso, o treino de marcha deve ser realizado com freqüência para fazer com que os fatores importantes que devem ser observados durante a marcha possam ser executados repetidamente a fim de se tornarem automáticos no dia a dia do indivíduo. O trabalho voltado para a respiração é imprescindível. Segundo Campignion (1998) não se aprende a respirar e sim, se aprende a liberar a respiração. Esta pode agir sobre o físico e o mental e pode ser utilizada para liberar o corpo de tensões ou para obter ganho de mobilidade nas articulações torácicas. Assim, é importante levar o indivíduo a tomar consciência do seu próprio modo respiratório e a descobrir sua própria qualidade de equilíbrio e harmonia na respiração. Os estudos de Thérèze Bertherat, Godelieve Denys-Struyf, Piret e Béziers e Mézières são de grande valor quando se quer trabalhar a prevenção, já que essas autoras apresentam trabalhos que visam à organização e coordenação do movimento, o conhecimento do próprio corpo e o conhecimento das cadeias musculares. Quando nascemos apresentamos um grande potencial adaptativo do corpo. Aos poucos temos uma tendência a perder essa adaptabilidade e a flexibilidade, graças a traumas, lesões, vícios posturais, alterações neurológicas, problemas reumatológicos e emocionais. Françoise Mézières trouxe a importância da cadeia posterior, descrevendo que a tensão e a retração muscular afetam principalmente os músculos posteriores do tronco e dos membros inferiores, os rotadores internos do quadril e o diafragma. Ela comenta sobre a importância de alongar os músculos que estão retraídos ao invés de fortalecer os que estão impedidos de atuar. Segundo Denys-Struyf (2001) Mézières ensinava que o corpo também se vê comprimido por nossa própria força e que a partir do encurtamento dos grandes grupos musculares podemos compreender a maioria de nossas deformações, dos nossos sofrimentos articulares que podem ser remediados pela cinesioterapia. Conhecendo seu próprio corpo o indivíduo aprende a alongar e relaxar a musculatura tensa e retraída. Denys-Struyf (1995) estuda a integração do funcionamento do corpo e seus vínculos indissociáveis com o comportamento psicológico. Ela faz uma análise da forma humana na posição ereta na sua pulsão global e relata que todo o gesto é marcado pelo psiquismo. A autora descreve seis cadeias musculares, pelas quais o corpo pode se exprimir 85 e faz correlação da predominância destas cadeias com a alteração postural. Com o conhecimento desta correlação fica mais fácil trabalhar o corpo do indivíduo. Piret e Béziers (1992) colaboraram com a coordenação motora como organização fundamental do movimento, sugerindo que um movimento correto dá ao corpo uma forma correta. Elas explicam a importância dos músculos pluriarticulares acessando os monoarticulares na organização e coordenação desses últimos e explicam que existe um sistema reto através do qual pode-se enrolar e endireitar o corpo; e o sistema cruzado através do qual pode-se torcer o tronco e alternar membros inferiores com membros superiores. O indivíduo precisa saber como funciona o movimento das articulações e como são as torções que os músculos fazem no tronco, nos membros inferiores e superiores para que através da execução destes movimentos durante as atividades, possa aprendê-los, repeti-los e utilizá-los em seu dia a dia. Bertherat (2002), discípula de Mézières, explica que a cadeia muscular posterior é uma força oculta que domina o resto de nossa musculatura, inibe os abdominais, os movimentos do diafragma, nossos impulsos amorosos e nossos movimentos. A autora (1998) comenta que a inteligência, a emoção e o corpo nunca estão separados. Eles formam um todo indissociável. Ela enfatiza a importância da conscientização corporal, dizendo que a tomada de consciência é o primeiro passo para o bem-estar. E acrescenta que a maioria dos esportistas deforma o corpo porque dele só têm uma consciência parcial, pois não conhecem a interdependência dos músculos e seus antagonistas. Por não saberem usar os músculos mais apropriados ao esforço, vão retirando energia de onde podem. Reich (1995) descobriu que o corpo contém a história de cada indivíduo e descreve as couraças musculares que são tensões crônicas que se formam ao longo da vida cuja função é proteger o indivíduo de experiências dolorosas e ameaçadoras. Utilizando todos estes conhecimentos, e principalmente, partindo do princípio que com o passar do tempo existe uma tendência do indivíduo de retirar a atenção do próprio corpo e levá-la para outros focos, percebemos que um trabalho de conscientização corporal, voltado para a realização de um movimento organizado e coordenado pode servir como prevenção de uma série de alterações características do envelhecimento. Segundo Bertazzo (2004), nossa sociedade ‘...imprime um ritmo muito acelerado à nossa vida, despejando 86 muito mais informações do que somos capazes de absorver’ (p. 36). Para ele, compreender a coordenação motora permite perceber que atividades corriqueiras como o caminhar têm um significado maior que lhe atribuímos. Para o autor, a sociedade pouco a pouco se distancia de certas verdades básicas. Assim, ele acredita que quando o indivíduo repete um movimento observado, ‘surgem sensações interiores que constituem seu mapa para o refinamento do próprio gesto’ (p.57) Como realizar o trabalho de Fisioterapia Preventiva? Acreditamos na importância da educação como instrumento para facilitar o trabalho de prevenção. Com isso é necessário (1) criar palestras e cartilhas explicando os fatores de risco a que os indivíduos estão expostos, e fornecer opções de formas de prevenção; (2) criar intervenções buscando minimizar os fatores de risco; e (3) criar meios que motivem e mobilizem os indivíduos a mudar seus hábitos para melhorar sua qualidade de vida. Isso faz com que surja a necessidade de buscar um meio pelo qual o trabalho fisioterapêutico de prevenção possa se tornar prazeroso. Para isso esse trabalho deve perder a conotação de ‘obrigação’ e passar a ser considerado ‘lazer’. Segundo Melo e Alves Junior (2003) quando se trabalha com grupos pode-se perceber que o elemento motivador da atividade é exatamente a promoção de tais encontros. Sendo assim, observa-se que a realização de um trabalho de prevenção em grupo, buscando dar ao indivíduo a oportunidade de aliar o lazer ao trabalho corporal faz com que as pessoas tenham prazer em realizar a atividade e o resultado é um bem-estar geral. São relatados na literatura diversos trabalhos que usam atividades grupais com o objetivo de influir na promoção da saúde. Há indicativos, por exemplo, de que o Tai Chi Chuan (PAULA, 2005; PAULA e ALVES JUNIOR, 2006) melhora o equilíbrio e diminui o risco de quedas. No entanto, a maioria dos idosos que praticam esta atividade, na verdade, o faz na busca do seu bem-estar, como lazer. Em nossa intervenção no projeto Prev-Quedas que se desenvolve na UFF e o Envelhecimento sem Tropeços na UFRJ, temos utilizado todos os princípios aqui descritos com o objetivo da prevenção de quedas, que na verdade engloba a maioria das alterações relacionadas ao envelhecimento. Além das palestras e das informações gerais e do trabalho do Professor de Educação Física, existe o trabalho do Fisioterapeuta que engloba (1) 87 informações sobre os fatores de risco a que eles estão expostos; (2) informações sobre como realizar o movimento de forma correta; (3) atividades de execução de movimentos harmônicos e coordenados (respeitando as limitações e capacidades de cada um); (4) atividades de conscientização corporal; (5) liberação da respiração; (6) relaxamento; (7) treino de marcha; (8) atividades de coordenação e (9) trabalho proprioceptivo. Os recursos utilizados são: escovação, percussão óssea, apresentação de figuras das articulações e de posturas, movimentos de torções, alongamentos, mobilizações passivas e ativas. Tudo isso, o tempo todo, estimulando a percepção do próprio corpo, chamando a atenção para os detalhes que normalmente são esquecidos em nosso dia a dia. Assim, o trabalho alia a educação à prática de atividades que levam o indivíduo a perceber suas limitações e suas capacidades, a trabalhar seu corpo e a realizar os movimentos de modo a economizar energia e evitar a dor e o desconforto. CONSIDERAÇÕES FINAIS É importante lembrar que o Fisioterapeuta precisa ter consciência de que cada cliente é um indivíduo que possui uma história diferente, um corpo único e que por mais que se trabalhe em busca de um movimento coordenado é preciso que se respeite e considere a individualidade de cada um. Só desta forma o trabalho em grupo vai poder ser eficiente e eficaz. O resultado desse trabalho pode ser observado no momento em que elas relatam melhora das dores e das tensões quando realizam as atividades. É interessante também citar que as técnicas ensinadas durante as atividades como passar os pés na bolinha ou passar a bolinha na parede massageando o corpo, por exemplo, são repetidas por muitas delas em casa para o bem-estar e o relaxamento. 88 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AMIRIDIS, Ioannis G.; HATZITAKI, Vassilia e ARABATZI, Fotini. Age-induced modifications of static postural control in humans. Neuroscience Letters, v.350, p.137-140, 2003. ANNUNCIATO, Nelson F. Desenvolvimento do Sistema Nervoso: Genes neurogênicos, fatores epigenéticos e hormônios. IV Seminário sobre desenvolvimento infantil. 2001. BALOH, R. W.; YING, S.H. e JACOBSON, K.M. A longitudinal study of gait and balance dysfunction in normal older people. Arch Neurol. v.60, n.6, p.835-839, 2003. BERTAZZO, Ivaldo. Espaço e Corpo. Reeducação do Movimento.São Paulo: SESC-SP, 2004. 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Além de medicamentos e psicoterapia, o exercício físico é apontado como uma estratégia de tratamento não farmacológico da depressão, podendo estar relacionado tanto à prevenção quanto à diminuição da sintomatologia. A prática de atividade física está relacionada à melhora de aspectos fisiológicos e psicológicos que influenciam na qualidade de vida e na saúde. Neste sentido, é preciso conhecer as causas da doença e entender o impacto da atividade física no envelhecimento saudável e sua contribuição na diminuição da depressão em idosos. Palavras chave: exercício - depressão - envelhecimento INTRODUÇÃO Com o processo de envelhecimento, ocorre também uma diminuição da qualidade de vida, seja por comprometimento no aspecto físico, psicológico ou social. Um fator importante para o envelhecimento saudável é a prática do exercício físico regular. A participação de idosos em programas de exercícios físicos pode influenciar no processo de envelhecimento através da melhora na qualidade de vida, funções orgânicas e cognitivas, garantindo uma maior independência pessoal e prevenindo doenças. As duas síndromes psiquiátricas mais comuns em idosos são a demência e a depressão. Associada com morbidade e mortalidade, a depressão, um transtorno mental do humor, é o maior problema de saúde pública do mundo, e é caracterizada por perda no humor e na capacidade de sentir prazer, fadiga e preocupação com morte e suicídio (STRAWBRIDGE et al., 2002). A depressão em idosos está relacionada a diversos fatores, entre eles, disfunções executivas e funcionais (ALEXIOPOULOS 2002; LOCKWOOD & ALEXIOPOULOS, 2002; CRAFT & PERNA, 2004; LAKS et al,. 2005). Várias são as queixas cognitivas presentes durante o estado depressivo, incluindo redução das habilidades atentiva e mnêmica e lentidão do pensamento (ROZENTHAL et al., 2004). Neste sentido, a 93 atividade física pode ter um importante papel tanto no auxílio do tratamento quanto na prevenção da depressão (BLUMENTAL et al., 1999; MELLION & PAPEZ, 1985; WEUVE et al., 1996). A saúde mental está relacionada com a saúde física e o tratamento de doenças como a depressão deve englobar terapias farmacológicas e de reabilitação cognitiva e atividade física. A inclusão de rotinas de exercício na atividade diária vem sendo indicada para a redução dos sintomas de depressão, além da melhora em aspectos cognitivos como humor, atenção e memória (WEUVE et al., 2004; COLCOMBE et al., 2004). Além disso, estudos demonstram o efeito preventivo da atividade física em disfunções cognitivas na depressão e na demência (STRAWBRIDGE et al.,2002; COLCOMBE et al., 2004; ABBOTT et al., 2004). A participação em um programa de condicionamento físico sistematizado apresentase como uma alternativa não medicamentosa para a melhora cognitiva em idosos normais. DEPRESSÃO EM IDOSOS: A depressão é um dos maiores problemas da saúde pública, atingindo cerca de 121 milhões de pessoas em todo o mundo. De acordo com a Organização Mundial de Saúde, a depressão representa a quarta maior causa de doenças mundiais em 2000, com projeção de se tornar a segunda maior responsável em 2020. No Brasil, dez milhões de brasileiros são diagnosticados por ano com depressão. Davidson et al (2002) apontam para achados consistentes na literatura relacionados à depressão, entre eles: seu curso recorrente, o impacto do estresse e do fator de risco genético, o risco de suicídio, a multiplicidade de fatores e a prevalência em mulheres. Esta doença ocupa um importante destaque não só pela sua gravidade, mas também por ocorrer em comorbidade com outras doenças. Idosos com diabetes, hipertensão, doenças coronarianas e obesidade comumente apresentam quadros de depressão. Especialmente em pacientes hospitalizados, doenças físicas e mentais são agravadas. Além disso, autores relacionam a depressão geriátrica com a síndrome de disfunção executiva (ALEXIOPOULOS et al., 2002; LOCKWOOD & ALEXIOPOULOS, 2002). Estudos clínicos, neuroimagem, estruturais e funcionais sugerem que tal disfunção executiva poderia agravar o quadro de depressão e seu curso. Com isso, pesquisadores buscam cada vez mais identificar circuitos cerebrais da depressão, relacionando anatomia e fisiologia cerebral às respostas comportamentais. 94 O ENVELHECIMENTO E O CÉREBRO O envelhecimento provoca diversas alterações no organismo como: diminuição no condicionamento cardiovascular, alterações na composição corporal, diminuição na visão, audição, memória e tempo de reação (SPIRIDUSO, 2002). O Sistema Nervoso Central (SNC) sofre alterações funcionais e anatômicas que podem ocorrer de forma linear ou exponencial, mas sempre progressiva. O cérebro atinge a maturidade entre a segunda e a terceira décadas de vida. A partir desta fase, começa o processo degenerativo do cérebro (SHEPHARD, 1997). O seu envelhecimento pode estar relacionado a fatores genéticos (programação de morte celular), ao estilo de vida (drogas, alimentação, descanso, atividade física), ao ambiente (poluição, radiação) e às doenças (físicas e mentais). Diversas modificações anatômicas e fisiológicas estão associadas ao envelhecimento do cérebro, entre elas: diminuição do peso do cérebro, atrofia cerebral, morte de neurônios, aumento dos ventrículos, diminuição da ação de neurotransmissores e diminuição do fluxo sanguíneo cerebral (LENT, 2004). Estas modificações neurofisiológicas geram um prejuízo nas respostas comportamentais, como aumento no tempo de reação e perda de memória e atenção. Com isso, muitas vezes o limite entre o diagnóstico de um envelhecimento normal e patológico é extremamente difícil e passível de erros. Diversas técnicas são utilizadas para estudar as modificações do SNC em função do envelhecimento. Pela dificuldade de acesso, a maior parte dos estudos em humanos é feita após a morte ou com técnicas nãoinvasivas. Entre as técnicas não-invasivas, destacam-se a Ressonância Magnética Funcional, a Tomografia por Emissão de Pósitrons (PET), a Tomografia por Emissão de Fótons (SPECT) e a eletroencefalografia (EEG). Tais técnicas associadas à integração progressiva das neurociências com as ciências do comportamento contribuem para o avanço da neuropsicologia nesta área. ASPECTOS NEUROBIOLÓGICOS DA DEPRESSÃO: As regiões mais estudadas são as áreas frontais e suas conexões, bem como as áreas temporais (ROZENTHAL et al., 2004; DAVIDSON et al., 2002). Área frontal A área frontal tem uma importante função na análise neuropsicológica da depressão. Considerando os comprometimentos deste transtorno em funções como a emoção e a 95 atenção, é esperado que esta área tenha um destaque especial nos estudos que buscam detectar localizações e circuitos cerebrais envolvidos na depressão. Davidson et al. (2002) apontam para modificações anatômicas e funcionais específicas, como a diminuição do fluxo sanguíneo e do metabolismo de glicose no córtex pré-frontal. Esta área possui conexões com as vias para-límbicas, e estão relacionadas a aspectos emocionais, assim como a amígdala. Especificamente em idosos deprimidos, foram relatadas também alterações anatômicas no córtex orbital bilateral (LAI TJ et al., 2000). Área temporal A depressão está relacionada a alterações do eixo hipotálamo- hipófise- adrenal (HHA). Dentre outras respostas, o aumento da produção de cortisol em resposta à estimulação do hormônio adrenocorticotrópico (ACTH) seria uma característica associada ao transtorno. Alterações no eixo HHA estão relacionadas a aferentes vindos de inúmeras áreas cerebrais, entre elas, lócus ceruleus, amígdala, córtex cerebral e hipocampo (BARDEN, 2004). Além disso, aspectos anatômicos como a hipertrofia da glândula adrenal e da hipófise são relatados na literatura (DAVIDSON et al., 2002). ASPECTOS NEUROPSICOLÓGICOS DA DEPRESSÃO E O PAPEL DO EXERCÍCIO: Atenção Apesar das queixas de redução da habilidade atentiva presente durante o estado depressivo, estes déficts parecem estar relacionados à gravidade do transtorno. Algumas disfunções cognitivas permanecem mesmo com a melhora do quadro. Neste sentido, Abbott et al. (2004) analisaram 2257 idosos num estudo prospectivo e concluíram que a atividade física está relacionada com a melhora cognitiva e a redução do risco de demência. Segundo Colcombe et al. (2004), através da ressonância magnética cerebral (RM), há uma ativação do córtex pré-frontal e do giro cingulado anterior em sujeitos idosos com melhor condicionamento físico. Além disso, o autor observou que os sujeitos que treinaram em atividades aeróbicas tiveram um melhor resultado no tempo de reação. O autor sugere que o aumento da atividade física possa aumentar a plasticidade do cérebro de idosos, através do aumento do fator neurotrófico do cérebro em áreas frontais e parietais e que isso possa contribuir para a melhora cognitiva. 96 Memória Os hormônios do estresse estão alterados na depressão, gerando um aumento na função do eixo HHA. Com isso, o hipocampo, área amplamente relacionada à memória, vem sendo observado nos estudos neuropsicológicos da depressão. Davison et al. (2002) relacionam anormalidades no volume do hipocampo à expressão da depressão e consideram esta modificação anatômica como uma conseqüência e não uma causa primária da desordem. A depressão poderia estar relacionada a memórias específicas, já que a de curto prazo e implícita parecem não ser afetadas pelo transtorno (ROZENTHAL et al., 2004). A memória semântica parece estar mais comprometida em pacientes deprimidos com psicose. Estudos que investigaram idosos e a atividade física observaram uma boa relação entre treinamento físico e memória. Weuve et al. (2004) observaram 18766 idosas e concluíram que a atividade física regular está associada a uma função cognitiva melhor, através de testes de memória de trabalho e atenção. Outro estudo realizado com 40 idosas observou uma melhora na memória lógica e imediata com a atividade aeróbica (ANTUNES et al., 2001). Função executiva Uma das funções cognitivas mais prejudicadas no idoso é a função executiva (ALEXIOPOULOS, 2002; LOCKWOOD & ALEXIOPOULOS, 2002). No caso específico da depressão em idosos a alteração executiva pode ser significativa durante a evolução, sendo que a presença desses déficts está correlacionada com comprometimento funcional, pior resposta ao tratamento, recaídas e recorrências. A síndrome da disfunção executiva na depressão interfere diretamente na vida diária do paciente e no prognóstico destes casos. Os pacientes têm dificuldade de planejamento, organização, iniciativa, velocidade de processamento e desenvolvimento de estratégias, além de flexibilidade mental comprometida. Terapias voltadas para a solução de problemas se mostram eficazes na diminuição dos sintomas depressivos e na melhora do desempenho em atividades diárias, podendo ser uma alternativa terapêutica importante para a população que permanece sintomática (ROZENTHAL et al., 2004). Aliado a estas terapias, o exercício vem sendo apresentado como um importante auxílio na melhora funcional, já que contribui para uma maior independência do idoso em sua rotina diária. Um estudo com 153 pacientes de 97 Alzheimer observou que a terapia comportamental através do auxílio de cuidadores e o treinamento físico contribuem para a melhora funcional e a diminuição dos sintomas de depressão (TERI et al., 2003). Emoção Uma questão fundamental na neuropsicologia da depressão é a emoção, já que esta tem o importante papel de guiar a cognição (ROZENTHAL et al., 2004). A emoção estará influenciando, entre outros, o processo de tomada de decisão, de grande relevância clínica para pacientes deprimidos que possuem dificuldade neste sentido. Entretanto, existe a dificuldade de mensuração e definição de afetos e sentimentos, fazendo com que no caso dos aspectos emocionais, os avanços das Neurociências estejam à frente da capacidade atual da Neuropsicologia em observar e testar objetivamente a “inteligência emocional” (LAKS et al., 1996). Observando as bases neuroanatômicas e neurofisiológicas das emoções e sentimentos, observamos algumas teorias que tentam explicar seus processamentos e circuitos cerebrais. A primeira proposta foi a teoria de Papez (PAPEZ, 1937), que relacionou as áreas do hipocampo, hipotálamo, núcleos talâmicos anteriores e giro do cíngulo, com as experiências e expressões emocionais. Outro sistema de integração das emoções que reforçou a teoria de Papez foi o sistema límbico. Este sistema compreende os componentes corticais do lobo límbico (córtex límbico, hipocampo e giro do cíngulo) e os núcleos subcorticais associados (amígdala, núcleos septais, hipotálamo, epitálamo, núcleos talâmicos e parte dos núcleos da base). Este sistema seria responsável por interpretar e dar expressão às informações que chegam em termos de sentimentos.Além disso, outras regiões importantes nos estudos das emoções são os lobos frontal e parietal e suas conexões (DAVIDSON et al., 2002, GAZZANIGA et al., 2002). Estudos relacionam a assimetria da área frontal com os humores positivos e negativos. Na depressão, haveria uma diminuição de atividade esquerda frontal, que estaria associada a sentimentos negativos (GAZZANIGA et al., 2002). Outro aspecto neurofuncional importante seria a relação do fluxo sanguíneo cerebral e do metabolismo de glicose na amígdala com a gravidade da depressão e os sintomas negativos (DAVIDSON et al., 2002). A importância do exercício nestes circuitos ainda não é estabelecida, apesar da grande especulação a respeito deste assunto. 98 EXERCÍCIO E DEPRESSÃO: HIPÓTESES Como foi dito anteriormente, a atividade física vem sendo relacionada com a melhora nos sintomas neuropsicológicos da depressão. Diversos mecanismos são propostos para explicar este efeito benéfico, entretanto poucos são os estudos para suportar tais evidências (CRAFT & PERNA, 2004). Hipóteses fisiológicas e psicológicas são propostas na tentativa de elucidar a relação entre atividade física e função emocional. Hipóteses fisiológicas incluem alterações no fluxo sanguíneo cerebral, funcionamento cerebral das monoaminas, fatores neurotróficos do cérebro, alterações no eixo HHA e temperatura corporal. Mecanismos psicológicos incluem o exercício servindo como distração, aumento da auto-estima e aumento da socialização. A seguir, serão detalhadas algumas destas hipóteses. Hipótese HHA A atividade do eixo HHA é modificada com o exercício, fazendo com que haja uma diminuição da sensibilidade adrenal à estimulação do ACTH e uma menor resposta do eixo HHA ao cortisol e ainda uma menor resposta de produção de cortisol pelas adrenais (CHENNAOUI et al., 2002). O exercício é responsável também pelo aumento de βendorfinas, relacionadas com a melhora de humor. Entretanto, os estudos mostram que para uma liberação de endorfinas são necessários uma intensidade e um volume alto de treinamento, tornando esta hipótese questionável. Além disso, estudos que utilizaram bloqueadores desta substância obtiveram sensação de prazer após a atividade, reforçando a idéia de que outros mecanismos estão envolvidos na relação de prazer e exercício (POWERS & HOWLEY, 2000). Hipótese das Monoaminas Uma resposta amplamente reconhecida do exercício é o aumento das monoaminas, entre elas a dopamina, noradrenalina e adrenalina. Além disso, a serotonina também se encontra aumentada após a atividade física (POWERS & HOWLEY, 2000). Visto que as monoaminas encontram-se diminuídas na depressão, o aumento destas com o exercício vem sendo uma hipótese fisiológica de destaque nos estudos nesta área. Autores apontam para o aumento de dopamina no cérebro após o exercício, devido ao aumento nos níveis de cálcio 99 no cérebro através do estímulo de um sistema enzimático conhecido como cálciocalmodulina (SUTOO & AKIYAMA, 1996; SUTOO & AKIYAMA, 2003). A dopamina está relacionada com o desempenho motor, motivação locomotora e a modulação emocional. O exercício atuaria através da estabilização de circuitos e desordens cerebrais geradas pela diminuição desta monoamina. Entretanto, dificuldades metodológicas impossibilitam a esta linha de pesquisa avançar, permitindo na maioria dos estudos a interpretação dos achados de pesquisas em animais. Hipótese da Neurogênese Estudos recentes apontam para uma nova teoria da depressão, que relaciona o transtorno a uma diminuição de plasticidade neuronal. Os autores acreditam que uma disfunção na neurogênese hipocampal possa alterar os circuitos cerebrais favorecendo o aparecimento da depressão. Neste sentido, o estresse estaria contribuindo para a diminuição de fatores neurotróficos do cérebro (FNC) e a atividade física e os antidepressivos teriam um efeito oposto, facilitando o aumento do FNC e conseqüentemente a neurogênese no hipocampo adulto e o aumento da plasticidade (LIE et al., 2004, KEMPERMANN et al., 2002, RUSSO- NEUSTADT et al., 1999). O exercício parece ter um efeito protetor das respostas degenerativas do estresse no cérebro (ADLARD & COTMAN, 2004). Entretanto, esses estudos foram feitos em animais, não podendo ser afirmados em humanos. Hipótese da Distração e da auto-estima Diversos mecanismos psicológicos são associados à melhora dos sintomas da depressão com o exercício, entretanto estas teorias não foram testadas extensivamente. Espera-se que, com a atividade física, haja um aumento da distração, da auto-estima e da independência (SPIRIDUSO, 1995). Enquanto o indivíduo treina, ele estará livre de pensamentos negativos e problemas que o deixem deprimido. Especialmente em idosos, as modificações corporais, tais como, aumento de força, equilíbrio e condicionamento fazem com que ele tenha uma melhor imagem de si próprio e menor necessidade de auxílio de terceiros para realizar as tarefas diárias como subir uma escada ou atravessar uma rua rapidamente. Esta capacidade funcional está relacionada a uma melhor qualidade de vida e com isso, observa-se uma menor suscetibilidade à depressão. 100 DEPRESSÃO E QUEDAS As alterações do equilíbrio corporal, clinicamente caracterizadas como tontura, vertigem, desequilíbrio e queda, estão entre as queixas mais comuns da população idosa e constituem um problema médico de grande relevância. As quedas em idosos representam altos níveis de mortalidade e morbidade (ROSE, 2003). A relação entre ser depressivo e o ato de cair pode ser tanto de causa quanto de conseqüência. Devido às quedas, o idoso pode ficar hospitalizado ou impossibilitado de realizar suas tarefas diárias, o que leva a um isolamento social, além do aparecimento de doenças relacionadas ao sedentarismo (obesidade, hipertensão, diabetes, etc). Todos esses fatores podem iniciar um processo de depressão no idoso, que contribuirá para dificultar o processo de reabilitação do paciente. Neste sentido, a depressão estará acontecendo como conseqüência do ato de cair. Já a relação de causa é um pouco mais complexa, pois está dividida em dois aspectos importantes: o efeito do medicamento no equilíbrio e a diminuição da capacidade funcional gerada pela diminuição de atividade física no idoso depressivo. A utilização de medicamentos antidepressivos e benzodiazepínicos está relacionada a problemas de hipotensão postural e elevado risco de quedas em idosos (TINETTI et al., 1994, LEIPZIG, 1999a). Freqüentemente o idoso faz uso de outros medicamentos como anti-hipertensivos, hipoglicemiantes orais e outros, sendo altamente susceptíveis às interações medicamentosas. Idosos que fazem uso de antidepressivos tricíclicos, devido à resposta de hipotensão postural, devem ter um cuidado maior na mudança da posição deitada e sentada para a posição ereta. Além disso, um dos aspectos funcionais importantes do desequilíbrio é a falta de força e flexibilidade, comum em idosos sedentários. Estudos que avaliaram a relação entre estar depressivo e sedentarismo, verificaram uma diminuição de atividade física em idosos depressivos. Penninx et al.(1999) acompanharam 6247 idosos ao longo de seis anos e verificaram que aqueles que apresentavam maiores sintomas depressivos reduziram significativamente o desempenho em tarefas diárias. Esses resultados poderiam ser parcialmente explicados por redução da prática de atividade física e da interação social. Vários estudos comprovaram que a depressão pode prejudicar a capacidade funcional nas atividades de rotina (tomar banho, comer, vestir-se) e na mobilidade (caminhar metade de uma milha ou subir e descer degraus sem ajuda) (REYNOLDS & SILVERSTEIN, 2003, 101 TURNER et al, 2005, KIVELA et al., 1994). A falta de independência no desempenho dessas atividades pode estar associada com dores físicas crônicas (TURNER et al., 2005), inatividade física (REYNOLDS & SILVERSTEIN, 2003, GAZMARARIAN et al., 2000, MEANS et al., 2003) e o medo de quedas (SATTIN et al., 2005). Rotinas de exercício que incluíram alongamento, equilíbrio, caminhada, força e coordenação mostraram ser eficientes na redução dos níveis de depressão para idosos com recente histórico de quedas (GAZMARARIAN et al., 2000). EXERCÍCIO FÍSICO NA DEPRESSÃO: EFEITO PROTETOR OU TRATAMENTO EFICAZ? A capacidade funcional, a energia, a vitalidade e a saúde física são fatores fundamentais para melhores níveis de qualidade de vida (SPIRIDUSO, 1995). O impacto do exercício na depressão em idosos está relacionado à diminuição de sintomas depressivos e à prevenção da doença. Os estudos que avaliam a relação entre a prática de atividade física e a depressão são divergentes; alguns autores observam uma boa correlação entre fazer exercício e não ter depressão (KOHUT et al., 2005, RYBARCZYK et al., 1999), outros não encontram relação de proteção da doença (BAYLEI & MCLAREN, 2005, ANTOM & MILLER, 2005). O efeito do exercício como tratamento não farmacológico para diminuição dos sintomas de depressão é observado em diversos estudos. O tipo de atividade (HABOUSH et al., 2006), volume de treino (KING et al., 1993) e a interferência do aspecto social (MC NEIL et al., 1991) parecem não serem fatores significativos, mostrando que o exercício pode colaborar para diminuir os sintomas de depressão. Além disso, quando comparados os idosos que ingeriam medicamento com os que faziam treinamento ou, ainda, com os que se submetiam a ambas as ações, constatou-se que todos obtiveram diminuição dos sintomas de depressão (BLUMENTAL et al., 1999). CONCLUSÃO A qualidade de vida em idosos está relacionada a fatores físicos, socioeconômicos e mentais. Neste sentido, a prática regular de atividade física é fundamental para um processo de envelhecimento normal. Através dela, os idosos diminuem o risco de doenças associadas ao sedentarismo, melhoram aspectos físicos (força, capacidade aeróbia, equilíbrio) e mentais (auto-estima, motivação), além de diminuir o tempo livre para pensamentos 102 negativos. O exercício promove alterações fisiológicas e psicológicas que contribuem para a prevenção e diminuição da depressão. Apesar de os estudos não conseguirem definir as causas específicas da melhora dos sintomas de depressão com a prática de atividade física, esta relação positiva é respaldada por diversos estudos na literatura, mostrando que o exercício é uma estratégia efetiva de tratamento da depressão em idosos (FRAZER et al., 2005). Idosos com ou sem depressão devem realizar uma rotina de exercícios físicos, orientada por uma equipe multidisciplinar composta de médicos, professores de Educação Física, fisioterapeutas, psicólogos e nutricionistas. A família e/ou cuidadores possuem um papel fundamental neste processo, e precisam ter conhecimento da influência da atividade física na depressão, para que incentivem a sua prática regular. O treinamento deve ser gradativo e seguro, sem proporcionar riscos de lesões e quedas. O objetivo deve estar voltado para a melhora da capacidade funcional, através do treinamento dos componentes de capacidade aeróbica, força, flexibilidade e equilíbrio. Com isso, a atividade física também estará contribuindo na prevenção de quedas. Independente da rotina de treinamento deve-se estar associado à socialização (treinamento coletivo) e ao prazer. Isto facilitará a aderência, fator fundamental para que os benefícios do exercício possam acontecer. Independente do tempo que se vive, o importante é como viver, e neste sentido, a atividade física tem um papel fundamental para que o envelhecimento aconteça de forma saudável. É preciso buscar o equilíbrio do corpo e da mente, para atingir a saúde de forma plena, conquistando a saúde física e mental. 103 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABBOTT, R; WHITE, L; ROSS, G; MASAKI, K; CURB, J; PETROVICTCH, H. “Walking and dementia in physically capable elderly men”. Jama, 292: 1447- 53, 2004. ADLARD, P; COTMAN C. “Voluntary exercise protects against stress-induced decreases in brain-derived neurotrophic factor protein expression” Neuroscience, 124: 985-992, 2004. 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Bolsista da CAPES Responsável pela pesquisa “O Impacto do treinamento aeróbio em idosos depressivos”. Av. Venceslau Brás, 71 Fundos - Botafogo 22.290-140 - Rio de Janeiro, RJ - Brasil. Email: [email protected] 108 ENVELHECIMENTO E AUTO-ESTIMA: CONTRIBUIÇÕES DA VIDA ASSOCIATIVA Andréa Lucena Costa Mestre em Educação Universidade Gama Filho “O tempo é um ponto de vista: velho é quem tem um dia a mais que eu.” Mário Quintana RESUMO O objetivo deste artigo é analisar a relação entre os conceitos de envelhecimento dependência, autonomia e auto-estima, apresentar a influência da auto-estima no desempenho de pessoas acima de 65 anos de idade, apontando a dinâmica estabelecida entre os idosos e seus familiares. Os pressupostos que norteiam este artigo apregoam a possibilidade do exercício da autonomia de pensamento e decisão frente ao comprometimento da autonomia de ação. Percebemos que a dependência seja ela física, emocional ou financeira compromete a autonomia total do idoso, trazendo à tona a rede de relações familiares, permeadas de sentimentos e atitudes antagônicas e envolvidas por uma capa zelosa de cuidados extremistas camuflados por um autoritarismo discriminatório. Isso acontece em um contexto onde a ausência de negociação entre o idoso e seu familiar ocorre e o espaço desse idoso é invadido e desrespeitado. A influência exercida por cada pessoa sobre nós varia muito, porém os processos de aceitação, ou rejeição ou os valores que lhes são atribuídos, incidem sobre a formação da sua auto-avaliação. Durante o nosso desenvolvimento muitos contribuem para esse processo como nossos pais, familiares, professores, amigos e a sociedade num modo geral. Porém no envelhecimento esses conceitos são colocados em xeque a partir do somatório das perdas emocionais, sociais, fisiológicas e profissionais decorrentes dessa faixa etária. Palavras-Chave: auto-estima, autonomia, dependência, idoso. INTRODUÇÃO Quando pensamos em auto-estima, imaginamos logo alguém bem sucedido profissionalmente, engajado em muitos projetos, cercado de amigos, com uma família bem estruturada, jovem e feliz. Você consegue imaginar alguém assim aos 65 anos de idade? É pensando nisto que este capítulo se propõe a uma discussão teórica sobre os aspectos psicológicos que envolvem as quedas e suas conseqüências nas relações familiares. Discutindo assim algumas implicações psicossociais no processo de envelhecimento, tentando perceber quais são os fatores — de cunho psíquico, físico, social ou cultural — que interferem na vivência de uma vida ativa e saudável. 109 O envelhecimento sempre representou um desafio a todas as sociedades humanas, em especial no mundo moderno, cuja dimensão social privilegia a juventude, como mito e como valor que preside a percepção de mundo e a compreensão da vida. Assim, é bastante natural que questões relacionadas à qualidade de vida e bem-estar do idoso passem a ocupar a pauta das discussões políticas, acadêmicas e sociais, pois o aumento do contingente de indivíduos pertencentes ao que vem sendo chamada de Terceira Idade demanda que maiores estudos relacionados a este grupo sejam empreendidos, visando à melhoria na qualidade de vida e promoção de saúde desta população. Segundo Robledo (1994: 34), o envelhecimento é um processo inexorável, que, considerando-se os fatores genéticos, ambientais e psicológicos, isto é, as condições a que uma pessoa está exposta, pode ocorrer de variadas formas. O envelhecimento pode ser analisado a partir dos pontos de vista cronológico, biológico, psíquico, social, fenomenológico e funcional, cada qual com suas especificidades e respondendo diferentemente aos questionamentos em relação ao processo de envelhecer. Ele também aponta para as variadas formas de envelhecer. Indivíduos acima de 80 anos em plena produtividade e outros com menos idade em estado de total decrepitude. É sabido que alguns idosos preservam sua capacidade funcional, mas também encontramos indivíduos acometidos por doenças crônico-degenerativas ou simplesmente que após sofrerem uma queda, resulta em fragilidade na mobilidade e declínio nas suas atividades da vida diária (AVDS), tornando-se dependentes dos cuidados dos outros. Mesmo que esses cuidados sejam executados por profissionais qualificados se faz necessário à participação familiar onde muitas vezes não acontece. Postulamos que nem sempre a família está consciente da importância do problema das quedas dos seus idosos achando que isto seria um fato normal e decorrente da idade. Entretanto, sabemos que medidas simples, como alterações nas residências como também uma maior conscientização do que pode vir a causar uma queda, contribuirá na prevenção de episódios banais de quedas, mas que podem ter conseqüências bastante importantes. A família pode e deve estimular a participação de seus idosos em atividades associativas das mais diversas, existindo algumas que em seus programas têm propostas destinadas à prevenção de quedas. O envolvimento da família também nestes projetos nos parece 110 fundamental, e isto já vem ocorrendo como, por exemplo, no projeto Prev-quedas, que se desenvolve na Universidade Federal Fluminense e no projeto Envelhecimento sem tropeços, que se desenvolve na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Às vezes a simples mudanças de atitude da família, estimulando a participação na vida em sociedade e não culpando o idoso pelas quedas que venham a ocorrer, contribui para que o idoso se sinta mais seguro para enfrentar as barreiras arquitetônicas que rondam os espaços por eles freqüentados. Uma família conscientizada sobre que papel pode desempenhar evitará o agravamento da síndrome pós-queda, que é um fato bastante comum, e que faz com que o temor de novas quedas venha a diminuir a confiança de sair só. Posturas que fortalecem a melhor estima da pessoa evitarão que o idoso fique cada vez mais imóvel e isolado socialmente, muitas vezes dependerá da sua compreensão a efetivação de determinadas alterações que se fazem necessárias na arquitetura caseira, já que sabemos que é significativo o número de quedas que ocorrem em casa. Afinal, o preconceito e o estereótipo são as caracterizações que envolvem qualquer atividade que o idoso exerça em nossa sociedade e a família deve estar atenta para não vir a perpetuar os preconceitos. O envelhecimento é um processo dinâmico e progressivo, no qual há alterações morfológicas, funcionais e bioquímicas, que vão alterando progressivamente o organismo e tornando-o mais susceptível às agressões intrínsecas e extrínsecas que terminam por levá-lo à morte. (CARVALHO FILHO, 1996). Entretanto, (PAPALÉO NETO; PONTE, 1996), sugerem sobre a dificuldade de definição quanto às etapas do próprio período de envelhecimento, visto que este é marcado por declínios funcionais que, geralmente, começam de forma quase que imperceptível na segunda década de vida. Tais declínios, caracterizados através dos déficits, são entendidos como "deterioração ou incapacidade da função neurológica: perda da fala, perda da linguagem, perda da memória, perda da visão, perda da destreza, perda da identidade e inúmeras outras deficiências e perda das funções (ou faculdades) específicas" (SACKS, 1997). Percebemos que alguns idosos se isolam e perdem completamente sua capacidade de participação e expressão frente aos problemas do cotidiano. São pessoas que, em face de 111 suas limitações, se tornam dependentes dos cuidados de terceiros, que, por sua vez, limitam o exercício de sua autonomia. Os estudos gerontológicos apontam novas modalidades de atendimento à pessoa idosa, seja para prevenção de quedas e doenças, para detecção antecipada e reabilitação dos déficits funcionais e cognitivos e na promoção de saúde. Essas ações são vitais para a preservação ou o resgate da autonomia e paralelamente da auto-estima deste idoso almejando-se assim que os mesmos tenham o direito de usufruir a atenção e dos seus bens conquistados ao longo de sua vida. DEPENDÊNCIA, AUTONOMIA E AUTO-ESTIMA: O QUE POSSUEM EM COMUM? Nas especializações em assistência ao idoso, há uma preocupação com a avaliação do grau de dependência para a realização das atividades de vida diária. É na velhice que encontramos o ápice de situações que geram transformações. Algumas transformações acontecem de forma gradativa, outras, são instantâneas e são capazes de modificar todo o rumo da vida dos idosos, como por exemplo, a queda. Novaes (1995) destaca como transformações na vida do idoso: a perda do papel profissional; a perda de amigos, familiares e contatos sociais gratificantes; as transformações físicas e hormonais; e os comprometimentos das condições de saúde. As situações acima citadas podem comprometer a capacidade funcional, o que implica dependência para a realização das atividades da vida diária (AVDS) e à perda da autonomia. A dependência pode ser um problema na velhice, muitas vezes, se configura como perda de espaço, de valores e de autodeterminação, em função da inexistência de negociação entre os idosos e seus familiares. Essa dependência trás situações estressantes e ausência de respeito para ambos os lados. Contribuiu para um desequilíbrio das condições em que ocorre o cuidado, dificultando assim uma interação familiar coesa. Baltes e Silverberg (1995) comentam que a dependência, na velhice, é resultado de mudanças ocorridas ao longo do curso de vida e acrescentam que elas englobam desde as mudanças biológicas até as transformações exigidas pelo meio sociais. As autoras discriminam a dependência em três níveis: a dependência estruturada, resultante da circunstância cultural que atribui valor ao homem em função do que e enquanto produz. 112 A dependência física que decorre da incapacidade funcional, ou seja, falta de condições para realizar as tarefas da vida diária. Finalmente, a dependência comportamental, que é socialmente induzida, pois advém do julgamento e das ações de outrem. Referimo-nos à circunstância em que uma pessoa é considerada incompetente para realizar suas tarefas. Diante dessa avaliação, alguém sempre assume a função de fazê-lo em seu lugar, mesmo que não haja necessidade ou que a própria pessoa não o deseje. A dependência desencadeia algumas situações que impõem limites ao exercício da autonomia, sobretudo no que tange à participação e tomada de decisões em situações de interesse pessoal dos idosos. É na participação na dinâmica familiar que buscamos as representações do idoso sobre sua relação familiar. Quando falamos em autonomia, pensamos na capacidade do indivíduo de tomar decisões, de administrar a vida de acordo com valores próprios e de se autogovernar. Para Baltes e Silverberg (1995) uma incapacidade orgânica não é condição necessária nem suficiente para a dependência. Apesar disso, dentro da dinâmica das interações sociais e da percepção social, a dependência física é freqüentemente interpretada como um sinal de incompetência geral, geradora de dependência generalizada. As autoras são criticas no que tange a associação da dependência física com a perda total de autonomia. Já segundo Motta (1992) autônomo é quem tem em si mesmo a própria lei. Entretanto Gillon (1995) aponta para três critérios de autonomia: autonomia de ação é aquela em que o homem pode agir de forma independente, sem qualquer obstáculo; a autonomia de vontade é a que permite ao ser humano decidir sobre coisas com base nas suas próprias deliberações, e a autonomia de pensamento é a que faz do homem, no uso de sua capacidade intelectual, um ser que pode tomar decisões com base nas suas crenças e valores. Pavarine (1996) apresenta a influência da autonomia na qualidade de vida das pessoas idosas, ressaltando que, apesar do grau de fragilidade ou dependência, é importante que elas próprias exerçam o controle de suas vidas, a despeito das limitações com que se deparam. Se o idoso mantiver preservada sua cognição, as limitações físicas não podem constituir, por si, obstáculos para a realização de seus desejos, vontades e para que tenha participação nas decisões que dizem respeito, em especial, à própria vida. 113 A dependência não é sinônimo de perda de autonomia. A auto-estima é um sentimento que tem como característica conhecer e aceitar as nossas próprias limitações sejam elas afetivas, físicas, sociais e/ou financeiras. O grau de independência do individuo acompanha as medidas necessárias para conservar a autonomia do mesmo. Esta manutenção ligada à preservação da capacidade funcional do idoso proporciona indicadores de qualidade e promoção de saúde. Segundo Evans (1984) quando há perda de algumas funções, associa-se imediatamente à perda total da autonomia, o que conseqüentemente afeta o processo de envelhecimento. Uma das formas de mensurar a qualidade de vida satisfatória consiste na aferição do grau de autonomia de uma pessoa, ou seja, o grau de independência que ela possui para desempenhar suas atividades de vida diária. O simples fato de ser velho não o impede de tomar suas decisões, baseado em seus valores. A sua participação ativa no processo de tomada de decisões é restringida, muitas vezes, pela própria família ou pelas instituições, mesmo em situações de incapacidade temporária, como quedas, breves esquecimentos, tristezas, apatia, histórias de perda ou até mesmo definitiva, como as demências. Mesmo que o idoso apresente limitações físicas, financeiras ou emocionais, isso não o impede de tomar decisões e estabelecer uma participação social e muito menos um isolamento da convivência. É fato que esse idoso poderá estabelecer limitações quanto as suas possibilidades na interação social, familiar e na sua auto-estima, criando uma imagem de pessoa dependente e tornando-se um ser como tal. A unidade familiar exerce influencia sobre esse idoso onde encontramos uma grande rede de conflitos no exercício da autonomia e na interação social e familiar. Os aspectos afetivos e valorativos no núcleo familiar definem em parte, a forma de cuidado para com o idoso. Estudar os aspectos psicológicos que envolvem a queda e a relação existente entre o idoso e seus familiares nos fez perceber que as possibilidades de interação social do velho, em nossa sociedade, sofrerão reduções significativas. Estudos enfatizam o papel do idoso quando ele deixa de ser economicamente produtivo e lucrativo. Em função disso ele passa a assumir também uma condição de incapaz, inútil, descartável e os valores são distorcidos e seu valor social é deixado de lado 114 sendo excluído a partir daquele momento. A partir disso é muito comum ouvirmos idosos reclamarem da sua exclusão nas decisões familiares. Alguns idosos possuem condições de tomar decisões acerca de algumas situações de vida, mas dependem da negociação estabelecida com o grupo familiar. Casos contrários às relações familiares irão se apresentar conflituosas e insatisfatórias, com total ausência de diálogo e poder de escolha, cerceando esse idoso nas suas ações, seja no campo afetivo, intelectual, social, religioso e financeiro. DISCREPÂNCIAS FORMADAS ENTRE A CONCEPÇÃO DE TERCEIRA IDADE E MODERNIDADE O processo de modernização, apontado por muitos estudiosos, tem como traço comum à extrema valorização do esteticamente padronizado e associado ao jovem, fenômeno acentuado pela massificação da imagem na cultura da civilização ocidental. O próprio Foucault (1997) aborda o assunto. Nesse sentido, os conceitos de jovem e moderno resvalam-se que no mesmo sentido. Tal movimento desconsidera o segmento social que se encontra em posição oposta: a terceira idade. O culto ao corpo, como efeito do processo de modernização, é reflexo de uma superficialidade atribuída às diversas estruturas. A desvalorização da função cognitiva das estruturas reduz o conceito de valor ao mero atributo estético (Foucault, 1997). Inúmeros autores vêm direcionando pesquisas com este objeto ao longo do século XX, estabelecendo uma estreita relação entre a modernidade e a superficialidade dos conteúdos, já que a característica mais marcante deste momento histórico é a ruptura com o tradicional. Para construir um conceito de saúde, equilíbrio e sucesso, a imagem do jovem é o paradigma difundido pelos meios de comunicação (Beauvoir, 1990). Desta maneira, o jovem é a mais forte expressão do moderno. Em uma sociedade em que predominam os valores da juventude, beleza, energia e ativismo, coisas vinculadas diretamente ao corpo, à experiência e a sabedoria daqueles que mais viveram não são consideradas importantes (LOPES, 1994). Dessa maneira, disseminam-se os conceitos deturpados acerca dos valores estéticos e representativos. Tais conceitos são estabelecidos pelos aparelhos de comunicação, absorvidos e praticados sem muita reflexão pela sociedade (Bulcão et al., 2004). De acordo com o senso enraizado, o próprio termo “idoso” está associado à insuficiência de saúde, inflexibilidade, solidão, descaso, improdutividade e desocupação. 115 Do ponto de vista de Magalhães (1995), o mundo contemporâneo não cria oportunidades para que haja diálogo efetivo e freqüente entre gerações, o que reduz as oportunidades para que o portador dessa memória, ou seja, o idoso vivido e experimentado possa exercitá-la. A conseqüência deste comportamento do corpo social causa o isolamento desta camada populacional, atrofiando a capacidade vital destes indivíduos. Esta privação da velhice, sem diálogo e comunicação intergeracional, cria uma concepção no próprio idoso de que ele é de fato um ser incapaz e impossibilitado de travar diálogo com os mais jovens, fato agravado pela linguagem, devido aos novos termos de gíria e costumes lingüísticos que aparecem como barreiras culturais que esses "novos idiomas" erguem em relação ao discurso tradicional (ROSENTTHAL, 1993). Mesmo que ainda se entenda a Terceira Idade como uma fase improdutiva na sociedade atual, é notável que esta visão do idoso passe por uma reformulação gradual: "Estamos em um período de redefinição do papel social da velhice. Para o idoso tradicional fica o que para ele significa. O importante é o ato de refazer, relembrando o que foi feito e selecionando o que ainda tem sentido em sua vida atual. Não é o passado, objetivamente reconstruído, que o idoso exprime. Mas o que ainda está carregado de emoção e de paixão no presente” (MAGALHÃES 1995: 39). Inúmeras ações promovidas sejam por setores públicos e privados para que se mude um pouco a realidade do conceito de idoso na sociedade. Algumas dessas ações estão girando na esfera Governamental, que tem como objetivo aliviar a discriminação social, que atualmente, constitui uma conduta caracterizada como passível de penalidade, no novo Código Civil (2002). Para Jurberg (1996), ela compreende tanto os comportamentos de recusa social dirigidos a diferentes faixas etárias como, principalmente, em relação às diferenciações de gênero e etnias, além daquelas ligadas ao nível sócio-econômico. Para a autora, as minorias sociais são renegadas e submetidas a um status de inferioridade pelos grupos sociais tidos como “superiores” e avaliados positivamente pela sociedade, em detrimento dos demais, que sofrem dominação e exclusão sociais. De acordo com Negreiros (2004: 08), envelhecimento é um termo em desenvolvimento, que vem sofrendo uma gama de novos sentidos ao longo dos séculos: 116 Desde o ancião respeitável – oriundo dos raros patriarcas com experiência acumulada e valorizada, ao velho – caracterizando tudo o que está gasto e degradado, passando pelo idoso – termo mais respeitoso, significando pleno de idade e destinado, em geral, às camadas mais ricas da população, até a denominada terceira idade – a partir da noção do sistema de produção: a primeira etapa compreendendo a fase de preparação, a segunda de produtividade e a terceira de aposentadoria. Esta última, entendida tanto como ócio, inutilidade, inatividade, como em seu oposto, dando idéia de uma etapa destinada a novas oportunidades e prazeres, a uma segunda vocação, ao descanso e a qualidade do momento de vida presente: uma espécie de “idade do extra”, “idade do lucro”, especialmente para os que têm condições financeiras para desfrutá-la. A partir do século XIX, a velhice passou a ser tratada como uma etapa da vida caracterizada pela decadência física e ausência de papéis sociais. Discute-se com privilégio a questão da velhice na sociedade atual, justamente por se tratar de um tema relativamente novo. Pensar cientificamente sobre a velhice é cada vez mais um desafio para os intelectuais e para a sociologia, conforme aponta Debert (1999: 25). O "idoso", segundo a autora, é um ator que não mais está ausente do conjunto de discursos produzidos. Ao possuir tempo livre, o idoso é figura cada vez mais presente seja em debates sobre políticas públicas, nas interpelações dos políticos em momentos eleitorais e, até mesmo, na definição de novos mercados de consumo e novas formas de lazer. Essa transformação traduz uma preocupação da sociedade e do mercado com o processo de envelhecimento, resultante do fato de os idosos corresponderem a uma parcela da população cada vez mais representativa, em termos numéricos. A diversidade de perspectivas na percepção do segmento social idoso revela uma crescente dualidade no imaginário social. Identifica-se de forma bem distinta uma socialização progressiva da gestão da velhice, atribuindo uma importância de questão pública, quando antes era considerada como própria da esfera privada e familiar (LOPES, 1994). Focado nesse propósito é que o Estado e outras organizações privadas programam um conjunto de orientações e intervenções, criando-se um campo de saber específico, que é a Gerontologia, com profissionais e instituições encarregados da formação de especialistas 117 no envelhecimento, como exemplo as UTI’s (Universidades da Terceira Idade). De um prisma diferenciado, o avanço etário é visto como um processo contínuo de perdas e dependência, que resulta em uma concepção pejorativa através de um conjunto de imagens negativas associadas à velhice que, embora também tenha propiciado a legitimação de certos direitos sociais, como a universalização da aposentadoria, passa também por processos de reprivatização, que transformaram a velhice numa responsabilidade individual. Conforme anota (CARDOSO 2004: 12). A qualidade de vida no que vem sendo chamado de Terceira Idade está diretamente relacionada com as atitudes e os comportamentos individuais, o envolvimento familiar e o suporte social. A procura por um envelhecimento ativo, que pode passar pela participação comunitária ou centrar-se preferencialmente na família, promove um sentimento de utilidade com reflexos sobre a alta estima. Seja por interesses mercadológicos ou pela própria reconstrução do paradigma na sociedade, é notável que, atualmente, cada vez mais se constrói novos conceitos atrelados à velhice, que tendem a diminuir o valor pejorativo e rever certos estereótipos associados ao idoso, levando-se em conta não mais às perdas, e sim a consideração de que os estágios mais avançados da vida, e seu tempo disponível curto, porém desocupado, são momentos propícios para novas conquistas, na busca do prazer e da satisfação pessoal. No entanto, mesmo diante do fenômeno que reconstrói a imagem do idoso e, conseqüentemente, da velhice, não é capaz de oferecer instrumentos eficazes para se enfrentar a perda física, a deficiência cognitiva e distúrbios emocionais. Como um reflexo desta nova construção da imagem do idoso, na última década, proliferou no Brasil e no mundo, os programas voltados para os idosos, como as "escolas abertas", as "universidades para a terceira idade" e os "grupos de convivência de idosos". Estes programas, espelhados nas escolas para idosos na França, também se desenvolveram no Brasil a partir dos SESC’s — Serviço Social do Comércio, organizações financiadas por comerciantes, onde inicialmente idosos se reuniam para jogar cartas e outros passatempos, acabou por desenvolver a maior atividade de interação entre idosos, além inseri-los em outras atividades como exercícios físicos e até estudos. Isto acaba por abrir espaço para que uma experiência inovadora possa ser vivida coletivamente, ao mesmo tempo em que indicam 118 que as sociedades, entre elas a brasileira, são, hoje, mais sensíveis aos problemas do envelhecimento e estão dispostas a buscar alternativas para a melhoria da qualidade de vida desta população (DEBERT 1999: 15). Ser velho significa não ser mais produtivo e útil em uma sociedade de jovens; não ter mais possibilidade de concretizar as aspirações de sucesso profissional ou financeiro; não ter mais condições de gozar os prazeres da juventude; não ter mais perspectivas de vida e não ser capaz de sentir e gerar amor. Isso tudo faz com que os velhos tenham a sensação destrutiva de serem pessoas "sem valia, sem função, um verdadeiro refugo social", conforme ressalta (FUCS 1993: 102). Esse modo de encarar a velhice deve ser reformulado, pois, com os adventos da Medicina, tanto a curativa quanto a preventiva, a população de idosos tem apresentado um crescimento contínuo, em nível mundial. Por outro lado, é difícil determinar exatamente quando começa a velhice. Alguns estabelecem um marco cronológico, ou seja, é considerado velho quem tem mais de 65 anos, entretanto, a idade de uma pessoa não pode ser medida apenas pela cronologia, devendo-se considerar o estado fisiológico, o psicológico e o social. "O avanço dos anos não é um empecilho para a produtividade pessoal, capacidade criadora ou utilidade social de alguém. Cora Coralina morreu aos 96 anos, lúcida e fazendo belíssimos poemas; Bertrand Russell, um dos maiores filósofos da humanidade, tinha mais de 90 anos e continuava líder do movimento pacifista mundial. Chagall, gênio da pintura, morreu aos 98 anos ainda expondo suas obras; Jorge Luis Borges, grande poeta, continuava em plena atividade literária, mesmo cego, aos 86 anos" (FUCS, 1993: 103-104). Ainda segundo a autora, em virtude do aumento da população de idosos, os países evoluídos aprofundaram estudos de gerontologia na busca das causas do envelhecimento, com a finalidade de se obter um retardamento desse processo. Estes estudos envolvem componentes genéticos, imunológicos, biológicos e fisiológicos. Embora seja impossível a juventude eterna, é possível controlar algumas doenças que antecipam o envelhecimento, ou seja, pode-se atingir a longevidade máxima, vivendo-se a velhice de forma satisfatória, incluindo-se a afetividade e a sexualidade. 119 Um outro aspecto, que é abordado por (MALDONADO e GOLDIN 2000: 36), é que "o último terço da vida pode ser utilizado para desenvolver outros projetos e decidir, com criatividade, o que fazer com o tempo livre", ou seja, novas habilidades poderão ser desenvolvidas, antigos sonhos poderão ser revisitados e concretizados. Assim, com essa visão positiva de si mesmo e da vida, o grau de saúde será melhor. A "mudança de vida" não é o "fim de vida"; o essencial é fazer uma "mudança de olhar". Na sociedade tradicional, ao velho cabiam papéis e padrões comportamentais apoiados no valor da respeitabilidade, associados à figura patriarcal, nas sociedades patrilineares, e matriarcal, nas sociedades matrilineares, como assinala Magalhães (1995). Além das funções de conselheiros e curandeiros, de sábios e feiticeiros, existia o respeito pela experiência acumulada. Já na sociedade industrial e pós-industrial, mantém-se o estímulo aos mitos que são funcionais para o seu equilíbrio e solução de dilemas e desafios de crescimento, ou seja, o mito de que em todas as sociedades pré-industriais o idoso era respeitado e tratado com veneração em função de seu saber e experiência. Por sua vez, na sociedade contemporânea, a velhice é numerosa e sua experiência de vida já não conta para o equilíbrio e a organização social. Outro mito reforçado na sociedade industrial é o de atribuir à família a obrigação de assistir e cuidar de seus avós, bisavós, sogros, sogras, tios-avó, etc. Na verdade, a coesão familiar só funciona quando articulada à ação institucional pública, ou seja, dificilmente a família poderá arcar sozinha com a responsabilidade de cuidar dos idosos. A sociedade contemporânea, além disso, oferece pouca oportunidade ao idoso para exercitar e ativar a lembrança, instrumento e conteúdo fundamental de seu diálogo com as demais gerações. Infelizmente, o que foi produzido no passado não tem interesse hoje e possivelmente será destruído amanhã, pois o ciclo permanente de produção e de consumo exige a incessante destruição e o desaparecimento do que foi produzido no passado e a criação permanente de novas formas de produção e consumo. A população idosa vem aumentando a cada dia e o seu bem-estar e sua influência não podem ser menosprezados. A informação sobre as mudanças normais que ocorrem com a idade é um auxílio básico que a educação pode dar. 120 CONSIDERAÇÕES FINAIS Não obstante as transformações ocorridas ao longo da vida do indivíduo o processo de envelhecimento é um processo complexo onde envolve muitas questões. É fato que a vida pode continuar se a pessoa tiver saúde mental e física. Desta forma, a sua existência não pode fazer parte da lista de fatores negligenciados pela sociedade quando o ser humano está prestes a se aposentar, pois isto contraria a dinâmica do processo evolutivo dos seres humanos. Risman (1999) aponta a “teoria da continuidade”, que postula a permanência do aprendizado acumulado durante a vida: existe uma continuidade entre aquilo que fomos e o que somos. O desejo, o prazer, o romance e o afeto são intrínsecos ao homem, independentemente de idade, raça, sexo ou nacionalidade. A experiência diária, no entanto, parece contradizer esta asserção. Freqüentemente encontram-se homens e mulheres que, ao chegarem aos 65 anos, declaram sentir que “encerraram sua missão”, e se tornam apáticos, solitários, deprimidos. Ressalte-se que a própria sociedade parece negar aos idosos o direito à continuidade das vivências plenas. Os estereótipos estão ainda presentes no imaginário social, e dentro deles não cabem os termos namoro, romance, sexo, orgasmo, atividade física, viagens, aventuras, independência, auto-estima, reuniões, clubes, quando aplicados à Terceira Idade. Verifica-se, nas últimas décadas, um movimento para recuperar a dignidade do idoso, resgatando sua auto-estima e importância social. Crescem o número de instituições, empresas, universidades, ONGs e outros organismos que se dedicam a projetos e trabalhos com os idosos mantendo-os a partir da vida associativa que elas promovem a interação deles com as coisas da sociedade. Não obstante, estas iniciativas que procuram a desmistificação dos preconceitos contra os idosos, segundo apontam França e Soares (1997), dois mitos relativos à idade persistem: o primeiro relaciona-se à experiência adquirida com o passar do tempo, e o segundo a fragilização progressiva inerente ao envelhecer. Em ambas as perspectivas, são delegadas ao idoso um papel social fixo e imune a evidências, como, por exemplo, a de que a saúde pode ser mantida mesmo em idade avançada, que a saúde perfeita não existe nem mesmo na infância e a constatação de que envelhecer não é se transformar. Daí, que 121 afirmativas tais como “o idoso é paciente com crianças”, e outras do gênero, devem ser postas em suspenso pelas evidências de que o simples envelhecer não confere, a uma pessoa, qualidades tidas como inerentes à idade provecta, como a paciência, a sabedoria, a tolerância, etc. As alternativas capazes de minimizar o impacto do envelhecimento populacional estão no investimento na promoção da saúde e na educação da população de jovens. Conforme ressaltam França e Soares (1997: 160), “o caminho para a quebra desses e de outros tantos preconceitos existentes é o da educação, através do contato e da convivência entre as gerações”. Há uma necessidade de discutir melhor a situação do idoso, seus conflitos internos frente à família. É preciso desenvolver uma alta auto-estima, a partir da busca da independência dos idosos, diálogo e o posicionamento diante das mais diversas questões que o afastasse da indiferença e o aproximasse da busca por soluções, ampliando suas possibilidades de participação social, proporcionando promoção de saúde. 122 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BALTES, M. M; SILVERBERG, S. A dinâmica da dependência-autonomia no curso de vida. In:. NERI, L. (org) Psicologia do envelhecimento: tópicos selecionados numa perspectiva do curso de vida. Campinas: Papirus, 1995. BEAUVOIR, S. A Velhice. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990. BULCÃO, C B. et al.. Aspectos fisiológicos, cognitivos e psicossociais da senescência sexual. Ciências & Cognição; Vol 01, 2004: 54-75. Disponível em www.cienciasecognicao.org CARVALHO FILHO, E. T. Fisiologia do envelhecimento. In: PAPALÉO NETO, M.(org). Gerontologia. 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P.34-41 124 Dados da autora: Andréa Lucena Costa Mestre em Educação Psicóloga Especialista em Gerontologia e Geriatria- UFF Profa da Universidade da Terceira Idade da UGF-Piedade [email protected] 125 GÊNERO, ENVELHECIMENTO E ANIMAÇÃO CULTURAL Prof. Cleber Augusto Gonçalves Universidade Federal do Rio de Janeiro RESUMO Este trabalho é uma reflexão sobre a articulação entre questões de gênero e envelhecimento e sua possível incorporação em projetos de intervenção pedagógica no campo do lazer que tenham o público de mulheres idosas como alvo. Neste sentido, meu objetivo foi o de apontar, a partir de dados e de exemplos de uma experiência educacional em desenvolvimento, alguns princípios metodológicos que possam subsidiar novas experiências desse tipo. Anda mais particularmente, minha intenção é demonstrar a operacionalidade dos conceitos de animação cultural, compreendida como uma possibilidade de intervenção pedagógica nos momentos de lazer, na formulação e execução de projetos que estejam assentados sobre questões ligados ao gênero e ao envelhecimento. Palavras-chave: gênero, envelhecimento, lazer e animação cultural. INTRODUÇÃO Na tentativa de nos esclarecer sobre a raiz dos muitos problemas que enfrentamos na contemporaneidade, Boaventura de Souza Santos começa argumentando que o último milênio foi o milênio das descobertas, citando basicamente três tipos: o oriente, o selvagem e a natureza. (SANTOS, 2002). Esta apresentação inicial nos dirige a reflexão para a constatação de que toda descoberta se dá numa relação simbiótica entre descobridores e descobertos, já que não é possível estabelecer, a priori, quem desempenha cada um desses papéis. Entretanto, contrariando essa interdependência, essa relação quase sempre acaba assumindo um caráter assimétrico, pois só pode declarar-se descobridor quem tem mais poder, pois tem a capacidade de declarar o outro como sendo o “objeto” descoberto. É nisso que reside à relação assimétrica de poder e de saber assumida pelas descobertas do nosso milênio. Postulados desse tipo implicam a compreensão de que a desigualdade transforma a reciprocidade da descoberta em apropriação imperial, desembocando, inevitavelmente, numa ação de controle e submissão, onde vemos a transformação do outro em objeto, o que permite, por seu turno, imposições de toda ordem. Trago esta discussão preliminar porque ao tê-la como inspiração, me parece ser possível (re) pensar questões sobre as aproximações e diálogos possíveis entre elementos de 126 constituição identitárias, igualmente responsáveis pela constituição de profundas assimetrias nas relações de poder, tais como as de gênero ou a de envelhecimento, por exemplo. A possibilidade dessa aproximação a partir da reflexão sobre a invenção cultural das descobertas imperiais está exatamente no entendimento de que toda formulação das identidades está assentada numa profunda e radical arbitrariedade simbólica, sendo de fundamental importância, o exame preliminar da maneira como determinadas verdades (pré) estabelecidas são produzidas e reproduzidas, tentando compreender e deslindar as maneiras como estas se consolidam e se propagam. Já nesse sentido e seguindo a provocação a respeito das descobertas imperiais, é importante antecipar que todo o sistema de valores culturais do Ocidente está assentado sob a égide de uma lógica binária, dicotômica, responsável pela produção e reprodução de um sem número de desigualdades. Denuncia-las com o intuito de tentar supera-las, presume a desconstrução destes binarismos que são reflexos do conhecimento que constituem o mundo como sendo masculino e feminino, branco e negro, jovem e velho, ciência e não ciência. Separações dessa monta são, muito provavelmente, os frutos mais obviamente observáveis de amplas formas de pensar (racionalizadas e pretensamente universalizáveis – marcas da civilização Ocidental) e que também se materializam num essencialismo biológico. A esse olhar essencialista são atribuídos rigidamente alguns lócus sociais tais como profissões e práticas corporais para um ou outro grupo. Não é por acaso que alguns grupos que compõe uma subcultura (as chamadas minorias) - e estou nos referimos mais especificamente às mulheres e aos idosos -, iniciaram uma forte crítica aos cânones culturais, isto é, uma crítica à expressão do privilégio de uma cultura que é branca, masculina, européia, jovem e heterossexual, o que representa, em última instância, a contestação aos próprios valores culturais da civilização ocidental, que está fortemente assentada, como disse, sob a égide de uma lógica binária e excludente. Em resumo, podemos dizer que o gradiente de desigualdade e injustiça social é fruto, além das óbvias discrepâncias econômico-financeiras, de diversas outras dinâmicas 127 sociais como, por exemplo, as de gênero, de raça, de sexualidade e mesmo as geracionais. Esses entendimentos se desdobram numa possibilidade de relativização ou problematização acerca de alguns enunciados, especialmente aqueles ligados à compreensão do caráter arbitrário, isto é, culturalmente produzido de uma série de conceitos sociais. Um deles é o entendimento das relações de poder que estão engendradas na constituição de identidades ligadas a questões de gênero ou de envelhecimento. Vejamos brevemente a partir de agora, a constituição social de cada um desses dois casos. GÊNERO E MOVIMENTO FEMINISTA A palavra gênero foi utilizada pela primeira vez, num sentido próximo ao que reconhecemos atualmente, pelo biólogo americano John Money em 1955, numa tentativa de dar conta dos aspectos especificamente sociais do sexo. Refere-se, portanto, não a uma questão de sexo (como sexo masculino ou sexo feminino), mas muito mais aos processos de representação de masculinidade e feminilidade construído social e culturalmente. Os equívocos de confundir discussões de gênero com questões sexuais são comuns. Entretanto, devemos deixar claro que identidade de gênero é diferente de identidade de sexo. Em parte, esse equívoco ainda é um reflexo da história da disseminação do próprio conceito de gênero, já que as primeiras apropriações feitas desse conceito foram feitas pelo movimento feminista que introduziu esse conceito na arena pública dos debates sobre desigualdade de acesso das mulheres, onde o grande avanço da politização do conceito de gênero está na possibilidade de mudança no foco de análise, que sai das mulheres e se volta para os homens, já que são estes sim estão nos pólos de poder. A partir daí, a questão passa a ser do tipo: como se forma a masculinidade? Qual a relação da masculinidade com a posição privilegiada de poder? Aceita essas proposições, o desdobramento que se extrai daí é um instigante questionamento as teorias críticas estabelecidas até então. Questionamento que se endereçava mais precisamente ao fato de que essas teorias explicativas do social estariam demasiadamente ligadas aos processos de produção das desigualdades circunscritas exclusivamente às questões de classe social, desconsiderando outras dimensões desse processo, como, por exemplo, gênero, etnia e sexualidade. 128 Apresentam-nos, nesse caso, a argumentação de que as linhas de poder não estão estruturadas apenas pelo capitalismo, mas também pelo patriarcado ou pelo “juvenelismo”.1 Essa denúncia feminista acusa a sociedade de ser feita de acordo com a característica do gênero dominante, a dizer-se, a cultura masculina e patriarcal, o que também acaba causando profunda desigualdade, pois a apropriação dos recursos materiais e simbólicos da sociedade será realizada de maneira desequilibrada entre homens e mulheres, causando uma profunda partição. Não se trata apenas de uma questão de acesso, mas de perspectiva, pois dependendo do lugar onde se esteja conhece-se certas coisas e não outras. Esses entendimentos criam uma reviravolta epistemológica. Isso nos lembra, em muito, as teorizações dos Estudos Culturais, sobretudo as de Raymond Williams, que através do seu conceito de “cultua comum”, tenta superar a postura puramente “difusionista”, que pretende propagar para todos aquilo que tem “valor cultural”: a dita alta cultura. Ao abandonar essa postura “meramente difusionista”, parte-se para um questionamento mais profundo e radical sobre quem teria o poder de atribuir esse valor. O conceito de cultura comum acaba desmonopolizando os modelos culturais e relativizando o valor das manifestações e experiências produzidas pela classe dominante. Não há nenhuma possibilidade de se chegar a uma cultura comum por meio da difusão e extensão dos valores de um grupo específico a todos os outros, pois uma cultura comum não é a extensão geral do que uma minoria quer dizer e acredita, mas a criação de uma condição em que as pessoas como um todo participem na articulação dos significados e valores (CEVASCO, 2003, p. 45). Nesse caso, trata-se de recuperar para todos os processos de esforço criativo. Naturalmente, a “cultura comum não existe ainda e falar nela é mostrar a situação adversa do presente” (ibid.), onde a luta por uma cultura comum é a luta por uma sociedade comum. 1 Aqui, tomo de empréstimo essa expressão de Michel Maffesoli (2003) que, ao descrever a atual dinâmica social, ampla e complexa, que cultua a maneira jovem de ser, chama-a pelo nome juvenelismo que, nas palavras do autor, quer dizer: “ser jovem na sua maneira de se vestir, de falar, de construir e de cuidar de seu corpo, ou mesmo de pensar e meditar, é um novo imperativo categórico que não deixa nada nem ninguém incólume” (p.12). 129 Teorizações desse tipo tinham em mente, desde seu início, efetivar uma luta política rumo a uma mudança estrutural da sociedade. Essa luta aconteceria através da cultura. A perspectiva de luta impôs uma necessidade teórica: a de se pensar a cultura em conjunto com a organização social, pois dessa forma, a intervenção no campo da cultura, implicaria necessariamente uma intervenção na sociedade. Na verdade, inicialmente, os Estudos Culturais viviam sob um conflito teórico entre dois paradigmas: por um lado, os culturalistas, que viam a cultura como um todo social, um instrumento de descoberta, interpretação e luta social; e por outro, os estruturalistas, que buscavam na cultura a manifestação de dados estruturais da sociedade. A convivência conflituosa entre esses dois paradigmas foi interrompida pela invasão de outra problemática que veio redirecionar muito do debate intelectual. Trata-se da irrupção do feminismo, que, na recordação de Hall, “arrombou a porta e, como um ladrão no meio da noite, interrompeu tudo o que se estava fazendo e virou a mesa dos Estudos Culturais” (CEVASCO, 2003, p. 102). O feminismo tem como grande vantagem nos lembrar que a igualdade não pode ser conseguida apenas através da igualdade de acesso a cultura hegemônica. A obtenção de igualdade depende de um reordenamento de toda a cultura. Aliás, é isso que acaba marcando a segunda fase deste movimento social no final da década de 60. Não se trata mais simplesmente de ganhar acesso às instituições e formas de conhecimento do patriarcado, mas de transformá-la radicalmente para refletir os interesses e experiências das mulheres. O simples aceso pode tornar as mulheres iguais aos homens, mas num mundo ainda definido pelos homens (SILVA, 2001:93). Trouxemos estas reflexões para este trabalho, pois tem sido verificado que é muito mais significativa a presença de mulheres do que a de homens em projetos associativos como os de prevenção de quedas que estão sendo abordados neste livro. A questão que vem sendo posta é saber se o fato de se ter mais mulheres nestes espaços sociais seria uma questão relacionada a gênero, entendendo que os espaços sociais onde se desenvolve a sociabilidade seriam diferentes. Esta posição ainda não pode ser aceita de maneira simplista, considerando que homens idosos vão para espaços abertos como praças ou bares enquanto as mulheres se adequariam a ambientes fechados como clubes e outros locais 130 considerados como centros de convivência. Isto pode ser considerado como resultado de uma época onde a socialização das mulheres ocorreria sempre em ambientes fechados, como em espaços residenciais, cuidando da família e do lar, já os homens estariam em contato com as atividades externas. Na verdade estas questões poderiam ser levadas a discussão através da compreensão dos fenômenos geracionais, que fazem parte de estudos que o Grupo de pesquisas Envelhecimento e Atividade Física vem empreendendo atualmente. ENVELHECIMENTO E GERONTOLOGIA Diferentemente do que ocorreu com o movimento feminista, a divulgação das questões de desigualdade e mesmo de discriminação ocorrida com os idosos, não foi feita por eles próprios, mas ao contrário, foi feita a partir de outros porta-vozes. Nesse caso, tratava-se mais precisamente de médicos e outros profissionais ligados aos cuidados com idosos que proclamavam um discurso especializado (leia-se, científico), que por ser largamente aceito na sociedade, legitimou facilmente a constituição dos idosos como uma categoria especificamente demarcada no espectro social. A idéia de Modernidade, de “desencantamento do mundo”, introduziu o conceito de racionalidade para definir todas as formas de atividade humana. Trata-se, portanto, da submissão de todas as esferas sociais aos critérios de decisão racional.(HABERMAS, 2001). Com isso, inegavelmente, nossa capacidade de controle aumentou com o conhecimento racionalizado, onde o controle das epidemias é apenas um exemplo. Mas em certos níveis biológicos, parecemos nos aproximar de uma barreira intransponível. Isso se torna tão mais evidente, por exemplo, quando tentamos estender o controle humano sobre processos de envelhecimento ou morte. A capacidade dos seres humanos em relação ao universo natural tem seus limites e o envelhecimento inevitável dá provas disso. Os homens podem tentar, e até certo ponto conseguir, dominar o curso da natureza e do destino, mas a velhice marca os limites deste controle do homem sobre determinados processos naturais. Uma das origens desses processos de controle racional, esta na imposição do controle da violência pelo caráter inextricavelmente coletivo e social assumido pela vida em sociedade (ao que Freud chamaria de “o mal estar da civilização”). O convívio social e 131 a crescente interdependência na vida de uma comunidade, com suas relações cada vez mais complexificadas passou a exigir uma sociedade uniformemente pacificada pelo controle completo dos impulsos instintivos e violentos, uma espécie de arrefecimento permanente das emoções violentas e pulsionais (ELIAS, 1993). Como desdobramento podemos observar uma crescente securitização generalizada da vida cotidiana pela utilização desses mesmos mecanismos de controle racionais, que acabam tornando a vida mais previsível. Isso fica mais evidente se observarmos a expectativa de vida cada vez mais elevada, que nada mais é que um reflexo desse aumento de segurança, pois não estamos mais tão vulneráveis aos perigos e ameaças físicas imprevisíveis e imponderáveis. Daí podem decorrer alguns problemas no tratamento social dispensado aos idosos, pois o aumento das sensibilidades à violência, aumenta também o embaraço diante dos processos naturais em geral e faz surgir uma antipatia muda em ralação aos velhos ou a qualquer comportamento que nos remeta ao nosso lado mais sombrio, mais animalesco, mais naturalmente incontrolável. O isolamento dos idosos, especialmente aqueles com doenças e já em estado terminais, é um testemunho das dificuldades de identificar-se com estes processos. O envelhecimento do outro nos traz a lembrança do nosso próprio envelhecimento [como diria Marc Auge (1999), o homem só existe na sua relação com os outros, ou seja, o outro define o si mesmo] e o que é mais assustador, a lembrança que ao envelhecermos nos aproximamos cada vez mais da temida e inescapável morte. De maneira inconsciente, sentimos que a velhice é ameaçadora. Assim sendo, tendemos a evitar o quanto possível esta idéia. Estabelece-se uma espécie de censura social, um desejo silencioso de ocultar a finitude irrevogável de nossa existência, cercando-se e isolando-se os elementos que nos remetem aos nossos aspectos animalescos, através de uma complexa estrutura de normas sociais, que Elias chama de barreiras civilizadoras. A morte é um dos grandes perigos biossociais da vida humana. Com outros aspectos animais, a morte, tanto como processo quanto como imagem mnemótica, é empurrada mais e mais para os bastidores da vida social durante o impulso civilizador. Para os moribundos isso significa que eles 132 também são empurrados para os bastidores, são isolados (ELIAS, 2001, p. 37). Envelhecer ou mais radicalmente morrer é uma coisa cada dia menos pública atualmente. Isso é um reflexo da aversão em se falar ou de expressar qualquer comportamento ligado a fatos biológicos da vida. Como esses aspectos da vida humana passaram a ser embaraçosos, pois lembram-nos exatamente aquilo que o longo processo de planificação/racionalização quer adormecer, quer nos fazer esquecer, ou seja, essa nossa imemorial animalidade, esses elementos, como a velhice, acabaram sendo empurrados o mais longe possível para os bastidores da vida pública para detrás das cenas da vida normal, pois constituem zonas de risco biossocial. O impacto social desse processo pode ser medido através de um dos muitos, e graves problemas da nossa época: a desigualdade no tratamento dispensado aos idosos. Uma das formas dessa desigualdade se manifestar é o isolamento imposto a muitos idosos, que diante da sua fragilidade física, se vêem obrigados a conviverem com desconhecidos o que na prática, corresponde a uma forma escamoteada e dissimulada de isolamento. “Asilos são desertos de solidão”. Em suma, o processo de envelhecimento produz uma mudança fundamental na posição de uma pessoa na sociedade e, portanto, em todas as suas relações. CORPOREIDADE E SUBJETIVIDADE A exemplo das representações de velhice ou de masculinidade/feminilidade que tentei sumariar em poucas linhas até aqui, também as dimensões da corporeidade podem ser pensadas nessa perspectiva, pois o corpo não é só um corpo, mas também o seu entorno, o que significa dizer que é também local de construção de subjetividades, que não esta circunscrito somente ao plano psicológico, mas é uma entidade que marca nossa identidade e pode se instrumentalizar tanto para a resistência quanto para a reprodução, materializando um olhar atravessado que aproxima natureza e cultura. Michel Onfray (2001), astuto e provocativo, fala-nos sobre a sociedade querer que o corpo pessoal se assemelhe ao corpo social, refletindo e reproduzindo todos os seus ideais. Uma espécie de ingerência da sociedade, ou do que é social e coletivo sobre o que é pessoal e particular. Assim sendo, o corpo improdutivo ou fragilizado, tal como os da imagem dos idosos e das mulheres, não podem sequer ser considerados um corpo, já que o corpo social 133 é demasiado preocupado com a eficiência e a rentabilidade; repousa sobre os ideais de “juventude, saúde, razão e moralidade”. Os velhos e as velhas, aos quais são negados todos os direitos salvo o de ser ainda consumidor e gastar de sua aposentadoria no jogo social consumista, sofrem progressivamente de toda arrogância permitida aos jovens: sem sensualidade, nem sexualidade triunfante, uma vida privada que se quer modesta e discreta. Empurrados docilmente à saída, os afagamos, conservamos e veneramos desde que reciclem suas economias dentro da máquina social. Reconhecidamente improdutivos – exceto quando fazem política, onde o limite etário não existe eles são afastados com a mesma veemência com que lhe sacrificaram a sua liberdade, sua vida, sua energia, sua existência no tempo em que se empenhavam para alimentar a máquina social no seu período dito ativo. Suas forças definitivamente irrecuperáveis, a dose de isolamento a ser infligido é ajustada: de uma participação modesta, discreta, recuada, para os de mais sorte, ao gueto puro e simples prometido àqueles cujas mecânicas já estão demasiadamente gastas para que sejam destinados à outra coisa além da morte em casas pudicamente chamadas de repouso (ONFRAY, 2001:72). Na rígida lógica social que impera, que poderia ser caracterizada como progressiva separação entre racionalidade e subjetividade (TOURAINE, 1994), onde as particularidades somente são consideradas quando estão convencidas da necessidade da sua subsunção diante dos valores racionais proclamados como universais, nossa sociedade parece não suportar ver extraviadas suas virtudes absolutas. A degradação da razão objetiva na razão subjetiva é uma visão racionalista do mundo, especializada em separar, classificar, ordenar, homogeneizar e desqualificar. Diante da constatação que determinados subgrupos sociais, as chamadas minorias, têm seus interesses e experiências suprimidas e suplantadas pela imposição de valores culturais da “maioria”, urge buscarmos estratégias de luta rumo a uma democracia cultural radical, ou seja, buscar a equivalência nas formas de representação e refletir os interesses e experiências destes subgrupos. Necessidade que fica tão mais evidente quando observamos os corpos desses grupos, mulheres e idosos, que insistentemente são colocados em 134 suspensão; são docilmente alocados em “zonas de sombra”; ou seja, são corpos que existem, mas não aparecem nas diversas representações sociais. Nesta perspectiva, parece muito útil recorrer às preposições teóricas do pensamento pós-estruturalista e mais particularmente do conceito de “vericção”, cuja ênfase recai muito mais numa tentativa de investigar como e por que determinados discursos, prerrogativas e afirmativas constituíram-se tão fortemente como verdades, do que propriamente a busca ou esforço na construção de uma verdade consolidada e absolta. Entendimentos desse tipo podem potencializar intervenções educativas de outra natureza, com uma outra envergadura. Portanto, a partir de agora, minha intenção é tentar refletir brevemente sobre o processo de intervenção pedagógica na população idosa, especialmente as mulheres, a partir da experiência educacional em desenvolvimento no projeto envelhecendo sem tropeços, que se desenvolve na UFRJ e no Prev-quedas que deu origem ao primeiro, que consistem no oferecimento de um programa de atividades físicas, especificamente direcionado à prevenção de quedas, somado a um processo de sensibilização ao lazer, e sua compreensão como um direito de cidadania, numa tentativa de ampliar suas possibilidades de vivência e usufruto de bens simbólicos, estimulando e garantindo o seu acesso a patrimônios culturais. Trata-se, em última análise, de uma tentativa de demonstrar a operacionalidade dos conceitos ligados à animação cultural, compreendida como uma possibilidade de intervenção pedagógica nos momentos de lazer, na formulação e execução de projetos que estejam assentados sobre questões articulados ao gênero e ao envelhecimento. ANIMAÇÃO CULTURAL, LAZER E ENVELHECIMENTO: NOTAS SOBRE O PROJETO ENVELHECENDO SEM TROPEÇOS Muito mais que um esforço em construir uma matriz teórica essa iniciativa que ora se apresenta se refere a um esforço para empreender um redimensionamento das forças políticas, de poder, de saber e discursivas que convergem e incidem sobre mulheres idosas, ao mesmo tempo em que objetiva somar-se aos esforços que já vem sendo empreendidos no sentido de produzir trabalhos científicos sobre o assunto, contribuindo para sua consideração como fator de melhoria da qualidade de vida. 135 Isto se torna importante na medida em que observamos, a partir das constatações de Melo (2003), que nos chama atenção para o fato de que os trabalhos sobre lazer produzidos no Brasil mais recentemente, raramente apontam caminhos para uma intervenção mais efetiva. Aguçada a relevância da temática pelo delineamento definitivo no Brasil de iniciativas ligadas à organização de uma indústria de lazer e de entretenimento, e mais especificamente para o público idoso, onde o discurso midiático reforça sua classificação a todo o momento como a idade do lazer. A questão é que esse mercado e essas oportunidades têm se desenvolvido de forma bastante seletiva, somente acessível em sua plenitude a pequena parcela da população. O desafio maior nesse momento parece ser estruturar estratégias que permitam e estimulem os extratos excluídos da população brasileira a ter acesso a tais bens culturais, um dos desafios maiores e mais prementes para pensarmos a animação cultural no Brasil (MELO, 2005b:74l). Uma das abordagens que recentemente vem ganhando corpo teórico, e que surge exatamente nesta perspectiva; a de dar conta de operacionalizar-se concretamente no campo do lazer, é o conceito de animação cultural. A definição conceitual e precisa do termo, ainda é nebulosa, talvez por conta do quão recente é sua utilização, ou mesmo pela carência de estudos e compreensões mais aprofundadas (MELO, 2003). Ainda assim, já podemos vislumbrar a emergência da animação cultural como uma possibilidade tangível de intervenção no campo do lazer, sobretudo por conta da atual tendência de: se tratar o assunto de forma mais crítica. Isto é, não se trata mais de oferecer um conjunto de atividades para o simples passar do tempo, que acabam contribuindo para a alienação do indivíduo perante a ordem social. Trata-se sim de perceber que temos uma poderosa ferramenta de intervenção à busca da construção de uma nova ordem social, mais fraterna e mais justa (ibid.). É dentro deste escopo teórico crítico que a animação cultural tem sido implementada no âmbito do projeto ‘Envelhecendo sem tropeços’ e o ‘Prev-quedas’. Projetos de pesquisa e extensão, realizados na Universidade Federal Fluminense (UFF) e na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) com o objetivo de atuar, a partir do 136 oferecimento de um programa de atividade física, sob os comprometimentos que geralmente ocorrem com o processo do envelhecimento e da prevenção de quedas. Além disso, a proposta metodológica desenvolvida – que tem na corporeidade seu instrumento mais interessante - tenta discutir alguns outros valores culturais utilizando, mais especificamente, elementos da Capoeira e do Samba. A utilização destas atividades permite, além da óbvia exercitação do equilíbrio, da mobilidade articular, da força e da percepção do corpo no espaço, um divertimento e consolidação das redes de sociabilidade através de elementos da cultura popular, isto é, permite a construção de subjetividades a partir de um processo diferenciado, ou seja, com uma leitura crítica aos elementos sociais que intervêem na construção dessas subjetividades. Talvez por isso, estas atividades passaram a ser o ponto alto do programa, pois o caráter lúdico (relacionado à própria utilização do corpo) e o entendimento teórico ampliado das noções de lazer que orientam e estão por trás desse tipo de atividade, faz com que a percepção dos participantes seja direcionada, intencionalmente, sobremaneira a estes momentos (ALVES JUNIOR, 1999, 2003, 2004). Soma-se a isso, a realização cotidiana de um processo de estímulo e sensibilização a necessidade do lazer, e de maneira mais profunda, sua compreensão e aceitação como um direito de cidadania, numa tentativa de ampliar as possibilidades de lazer dos participantes, estimulando e garantindo o seu acesso a patrimônios culturais (MELO; ALVES JUNIOR, 2003). Atualmente já encontramos evidências de que há uma maior sensibilização com relação ao problema das quedas, ao mesmo tempo em que há um progressivo aumento nos seus hábitos de lazer. Evidenciando mudanças comportamentais que corroboraram nossa perspectiva de prevenir as quedas, problematizar alguns elementos da construção de suas subjetividades e tecer vínculos e redes de sociabilidade a partir de um programa específico de atividades corporais dimensionados numa perspectiva do lazer. 137 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALVES JUNIOR, Edmundo de Drummond. A prática de atividades físicas alternativas realizadas por idosos em ambiente associativo. In: Congresso Brasileiro de Ciências dos Esportes, 1998, Florianópolis. Revista Brasileira de Ciências do Esporte. Florianópolis: NEPEF/UFSC, 1999. v. 21. p. 1105-1111. _______________ . Aliando atividade física e lazer num projeto de prevenção de quedas. In: IV Seminário Lazer em debates, 2003, Belo Horizonte. Anais... Belo Horizonte: UFMG/CELAR, 2003. p.398-398 _______________ . Usando o samba e a capoeira na prevenção de quedas. In: IX semana de extensão da UFF, 2004, Niterói. Anais... Niteróis, RJ; UFF, 2004. ÁRIES, Philippe. 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Nesse sentido, nos deparamos com a existência de vários projetos sociais voltados para os idosos, mas que muitas vezes, pela falta de conhecimento e/ou pela falta de compromisso com os indivíduos que envelhecem, podem estar levando-os à alienação e somente a perpetuação das condições existentes. Assim, acreditando que a utilização das atividades físicas em projetos para idosos e aposentados é uma prática significativa, desde que esteja comprometida socialmente com esses indivíduos, permitindo-lhes sua participação ativa além de proporcionar-lhes a reflexão acerca dos problemas que os envolve, um projeto de prevenção de quedas torna-se uma intervenção relevante para as pessoas que envelhecem. Levando em conta os interesses dos idosos no lazer e a importância de uma prática intergeracional, o desenvolvimento das atividades desse tipo de projeto, não pode estar distanciado do lúdico e do prazer. Diante disso, encontramos elementos da cultura corporal, como o samba e capoeira, importantes aliadas para o desenvolvimento de um projeto que atue na prevenção de quedas ao mesmo tempo em que sejam feitas reflexões do envelhecimento em sua sociedade. Essa experiência, tem nos apresentado elementos riquíssimos que justificam a importância da capoeira em um projeto de quedas para idosos e aposentados. Palavras-chave: prevenção de quedas, cultura corporal, capoeira, intergeracionalidade. INTRODUÇÃO Com o aumento populacional dos indivíduos considerados idosos, é cada vez mais comum nos depararmos com invenções sociais que induzem a uma nova maneira de envelhecer, há atualmente um mercado importante voltado para o lazer e cultura direcionado para esse segmento populacional. Tendo em vista também que a velhice de hoje certamente não é a mesma que de alguns anos atrás, estamos lidando com indivíduos que estão buscando serem mais ativos e mais participativos socialmente. No entanto, não é garantido ainda que haja uma infraestrutura e uma política social justa para a maioria da população que envelhece, assim como não temos extensivo a todos que envelhecem condições de poder usufruir do que vem sendo considerado como bom envelhecimento. 141 As sociedades modernas são sociedades do hoje e agora, mas que tecem para si um discurso como sociedade do futuro, algo de um devir que comanda um presente e o banaliza em nome de um tempo que está por se fazer. Com isso aliena-se o presente, inviabilizando a reflexão sobre o que é o vivido por diferentes sujeitos, diferentes grupos no interior da sociedade e quais os possíveis significados de sua existência, no aqui e agora de suas vidas, mas também em nome de um futuro aparentemente deles distanciado”(GUSMÃO, 2003 :17). No caso dos idosos, eles ainda representam uma incógnita para a sociedade, que ainda não consegue lidar com esse aumento populacional é um fenômeno novo ainda não vivido na história da humanidade. São indivíduos que, muitas vezes com a chegada da aposentadoria, desfrutam de um tempo disponível, mas sem condições de usufruí-lo em detrimento de suas condições financeiras, muitas vezes se vêem ocupadas em ajudar a família com a sua renda, se dedicam na criação dos netos sem, terem por parte da sociedade o reconhecimento do seu papel de indivíduo cidadão. As pessoas que chegam à velhice possuem histórias e hábitos de vidas diferentes, assim como, a forma de encarar essa fase da vida. Passando por um processo de envelhecer diferenciado, os indivíduos são vistos por toda a sociedade como pessoas de características únicas, tal como preconiza o modelo terceira idade. A maioria da população esquece que “o envelhecimento tem suas especificidades marcadas pela classe social, pela cultura e pelas condições socioeconômicas e sanitárias individuais e/ou coletivas da região” (GOLDMAN 2004: 65). Encarada como um processo único, o envelhecimento tem colocado as pessoas pertencentes em um grupo só, alheias as suas características individuais tanto quanto as suas diversidades culturais. Dessa forma, é comum estarmos diante de vários projetos sociais endereçado a um grupo de pessoas desconsiderando a sua diversidade, parecendo mesmo que é um fazer deslocado de sentido, que serve para o entretenimento de um determinado momento. Atualmente tem sido cada vez mais comum nos depararmos com muitos eventos e projetos voltados para os idosos, como os bailes para a terceira idade, passeios culturais para os idosos, ginásticas para uma feliz idade, sem a devida reflexão crítica do que significa envelhecer na nossa sociedade (ALVES JUNIOR, 2001). 142 Deve ser considerado em primeiro lugar o que se pretende alcançar com propostas de atividade física, certamente hoje sabemos que podemos ir além do aspecto da sociabilidade. Porém não devemos esquecer que muitas vezes acaba-se isolando os idoso e aposentados do contato com outras gerações, reflexo de uma sociedade preconceituosa com relação as coisa da velhice e ao processo do envelhecimento. Defendemos a importância de se levar em conta o compromisso que a qualidade das propostas para os idosos, sendo elas pautadas pelo acompanhamento objetivo do que é proposto. Neste caso os estudos que são feitos nas universidades acompanhando e investigando estes grupos têm uma grande contribuição a dar. Dessa forma, é importante a busca por práticas que estejam comprometidas com a aprendizagem de saberes que estejam relacionadas a uma melhor qualidade de vida para esses indivíduos (ALVES JUNIOR 2001). Foi pensando nestas premissas que nos engajamos numa proposta que visa trabalhar com os idosos e aposentados com compromisso de realizar uma intervenção que seja significativa, daí a escolha por atuar na prevenção de quedas, já que é um dos problemas que os afligem os que envelhecem e é pouco abordado em nosso país. Em relação à prevenção de quedas, encontramos nas atividades físicas uma importante aliada para esse trabalho de intervenção. Nesse sentido, uma atividade física que não se limita a um fim em si mesmo, que juntamente com ela os indivíduos possam estar refletindo sobre suas ações, que se sinta valorizado enquanto ser participativo no mundo, que possam estar se relacionando com o outro, além de se beneficiar com o prazer que essas atividades podem proporcionar. Considerando os interesses dos idosos no uso qualitativo do seu tempo de lazer, o desenvolvimento das atividades do projeto Prev-quedas e Envelhecimento sem tropeços, não desconsiderou o lúdico e se fundamentou nas manifestações de cultura corporal como o samba e capoeira, este têm sido bastante importantes para o desenvolvimento da metodologia, que inclui as principais qualidades físicas que merecem ser trabalhadas para a prevenção de quedas. A CULTURA CORPORAL E O PROJETO DE PREVENÇÃO DE QUEDAS No dicionário Básico de Filosofia, encontramos algumas definições que diz que o conceito de cultura, 143 serve para designar tanto a formação do espírito humano quanto de toda a personalidade do homem: gosto, sensibilidade,inteligência.; é tesouro coletivo de saberes possuído pela humanidade ou por certas civilizações; enquanto se opõe a natura(natureza), a cultura possui duplo sentido antropológico:a) é o conjunto das representações e dos comportamentos adquiridos pelo homem enquanto ser social...b) é o processo dinâmico de socialização pelo qual todos esses fatos de cultura se comunicam e se impõe, em determinada sociedade, seja pelos processos educacionais propriamente ditos, seja pela difusão das informações em grande escala, a todas as estruturas sociais, mediante os meios de comunicação de massa [....] por último, num sentido mais filosófico, a cultura pode ser considerada como esse feixe de representações, de símbolos, de imaginário, de atitudes e referências suscetíveis de irrigar, de modo bastante desigual, mas globalmente, o corpo social.(JAPIASSU, MARCONDES 1990 :63) Nesse sentido podemos dizer “que a cultura é o conjunto de símbolos elaborados por um povo em determinado tempo e lugar. Dada a infinita possibilidade de simbolizar, as culturas são múltiplas e variadas” (ARANHA 1996: 15). A questão cultural é importante para estarmos trabalhando com o indivíduo, ela permite a construção de sua identidade social e sua participação ativa no mundo. O indivíduo não vive dissociado disso, os símbolos e todos os significados que representam ajudam o indivíduo a ampliar o conhecimento e entendê-lo como ser social no mundo. “Trata-se de um processo que dura a vida toda e não se restringe à mera continuidade da tradição, pois supõe a possibilidade de rupturas, pelas quais a cultura se renova e o homem faz a história.” (Aranha 1996 :18) O termo Cultura Corporal, fortemente defendido nos anos 90 na área do conhecimento da Educação Física Escolar, surgiu na tentativa de ruptura com as tendências bioligizantes e tecnicistas enraizadas nessa disciplina. Associada com o movimento da educação em alcançar tendências críticas e superadoras, a reflexão acerca de uma cultura corporal surgia com a intenção de levar a Educação Física a um novo patamar de educação que fosse crítica, levando os seus educandos ao conhecimento para a criticidade, autonomia e participação enquanto cidadão ativo em sua sociedade. 144 No livro “Metodologia do Ensino de Educação Física”, escrito por um “coletivo de autores” (1992: 38) a reflexão acerca da cultura corporal e a sua dinâmica curricular no âmbito da Educação Física, era tratado como uma nova forma de se trabalhar com os conteúdos da Educação Física, sendo feita “uma reflexão pedagógica sobre o acervo de formas de representação do mundo que o homem tem produzido no decorrer da história, exteriorizadas pela expressão corporal”. Portanto, tendo a cultura corporal, em suas mais variadas expressões: o jogo; a ginástica; a dança e o esporte, como principal foco pedagógico de uma tendência crítico– superadora, a possibilidade de proporcionar aos indivíduos uma participação mais crítica e criativa, deixando de ser apenas meros “observadores” da história, para sujeitos participativos e construtores de suas próprias histórias. Nesse sentido, as atividades corporais não serão entendidas como um fim em si mesmas, serão vistas de forma não alienada, permitindo ao indivíduo, através da expressão corporal como linguagem, participar dos processos de produção da cultura corporal. No caso dos idosos, a atividade física passa a ser significativa, porque além de prevenir e/ou minimizar os declínios fisiológicos que podem ocorrer devido ao processo de envelhecimento, pode proporcionar prazer, facilitar o convívio em grupo, além de recuperar a auto-estima. Desta forma, a atividade física pode ser vista também como uma prática criadora. O poder de criar, estimulado por esta prática, despertará novas maneiras de pensar, fazendo com que os idosos criem novas perspectivas em suas vidas, em vez de se conformar com que a sociedade lhe reserva. Nesta perspectiva, ao pensarmos em atividade física para os idosos, não podemos esquecer de relacionar corpo e movimento dentro do contexto social. Pois quando se compreende corpo como um todo que pensa, sente e age, as alterações que podem ocorrer durante esse processo, podem ser melhores compreendidas e uma nova forma de lidar com essas alterações podem ser experimentadas e criadas, conseqüentemente crescem as chances de adaptações bem sucedidas e mais felizes. A partir do momento em que o indivíduo tem consciência de que o corpo não sobrevive sem movimento e que vive melhor ainda quando ele conhece suas limitações e as possibilidades de superá-las ou minimizá-las, a relação consigo, com os outros e com o mundo poderá tornar-se mais fácil. 145 O envelhecimento pode dificultar a realização das tarefas diárias, contribuindo para a perda da autonomia, além de dificultar o relacionamento entre as pessoas, fazendo com que o idoso tenha sua participação social reduzida. A atividade física pode ser facilitadora para a sua participação social ativa, porque favorece o resgate de sua autonomia, sendo uma importante aliada para uma velhice bem sucedida. Assim, segundo Simões (1994:86) o trabalho com idosos deve “enfocar a conscientização deste ser idoso-no-mundo. O idoso deve ter a certeza que seu corpo ainda pode realizar e participar de muitas atividades e ações que produzam vida”. Mas para isso, as atividades devem estar adequadas às condições morfofisiológicas de cada indivíduo participante, além de ser aconselhável a participação de grupos etários variados, para que haja estímulo, troca de experiências, conhecimento das igualdades e diferenças. Um bom convívio social pode contribuir de forma positiva na relação dos indivíduos. A dimensão social do envelhecimento não pode prescindir da questão intergeracional. Constata-se que o encontro entre gerações não ocorre de forma linear e sem conflitos. Os padrões culturais, os interesses, as motivações, as concepções de mundo, os valores e a ideologia, ou seja, todos os espaços ídeo-culturais diferem dentro e entre as faixas etárias. Mas é justamente o embate das diferenças que propicia o salto para as transformações e para a possibilidade de um intercâmbio rico, dinâmico e multifacetado entre as gerações (GOLDMAN 2004: 65). Tendo em vista os indivíduos que envelhecem, o desenvolvimento de sua expressão corporal, através da participação em atividades físicas que possibilitam o encontro de diferentes gerações, principalmente no âmbito do lazer, o prazer e o movimento corporal permitidos por diferentes práticas físicas, podem ajudar significativamente na inserção social e na facilitação de outros objetivos como a prevenção de. “As práticas corporais no âmbito do lazer, considerando seus aspectos educativos, contribuem para a compreensão do novo mundo social e a intervenção nele” (FRANÇA 1999: 35). 146 Portanto, temos nas diversas formas de manifestações artísticas e culturais no âmbito do lazer, serão vistas de forma não alienada, permitindo aos indivíduos, participar dos processos de produção da cultura tanto erudita quanto popular. Em grande parte dos projetos de educação não-formal desenvolvidos pelos mais diversos tipos de instituições em nosso país, voltados para as populações de baixa renda, a capoeira aparece como uma das atividades que encontra maior receptividade por parte desse público [...] Os resultados obtidos por essas atividades educacionais envolvendo a capoeira, bem como outras manifestações da cultura popular, nas quais o samba também aparece com muita freqüência, são considerados excelentes na opinião da maioria de pedagogos e arte-educadores envolvidos nesses processos, pois permitem que sejam trabalhados valores como a auto-estima, o respeito pelo outro, a solidariedade e a auto-superação entre outros benefícios. (ABIB 2006:16) Dessa forma, a capoeira e o samba, tomados como exemplo, elementos de nossa cultura corporal brasileira, ricos pela sua diversidade de movimentos e principalmente pelo prazer que elas podem proporcionar, são fortes aliadas no desenvolvimento de nosso trabalho. Nesse contexto, a capoeira ou o samba, partem da cultura corporal brasileira, rica pela diversidade de movimentos e raízes culturais, além de serem práticas intergeracionais, pois na sua história e execução elas sempre foram praticadas por muitos indivíduos independentes de suas faixas etárias, pertencentes a diferentes gerações. Além do desenvolvimento físico, o ritmo, a musicalidade, a cooperação, a troca e a interação que a capoeira e o samba tem sido fundamental para o desenvolvimento do trabalho de prevenção de quedas. A introdução destas manifestações não entram sem estarem ligadas diretamente com a proposta global. A base do método que tem sido proposto a partir do Grupo de Pesquisa Envelhecimento e Atividade Física considera primeiramente a sensibilização do grupo quanto ao problema das quedas, em seguida a verificação do estado dos participantes no que toca as capacidades físicas que segundo a literatura sugerem que devem ser enfocadas em um trabalho de prevenção de quedas. Dessa forma, a questão postural, a força física, o equilíbrio tanto estático quanto dinâmico e a mobilidade articulares são capacidades físicas vistas como necessárias para serem trabalhadas. Num segundo momento, fazemos com que os participantes do projeto, percebam a maneira mais adequada 147 para que se possa passar da posição do chão para a posição de pé, caso ocorra uma queda, e depois no outro sentido. Os projetos “Prevenindo as quedas para um envelhecimento saudável e sem tropeços”, desenvolvido pela Associação Nacional de Gerontologia do Rio de Janeiro – ANG-RJ, em parceria com o grupo Anima e a BrazilFoundation, funciona no Campus da Faculdade de Educação Física da UFRJ, localizado na Praia Vermelha, zona sul da cidade do Rio de Janeiro, vem atendendo um grupo significativo de pessoas idosas e aposentadas, estando aberto o acesso a pessoas de todas as idades, já que consideramos que será a maneira como ela é apresentada que vai fazer a diferença. O projeto é desenvolvido a partir de uma metodologia que já vem sendo aplicada desde o ano de 2001, no projeto de extensão e pesquisa do departamento de educação física da Universidade Federal Fluminense (UFF). O projeto ‘Prev-Quedas – Prevenindo as quedas hoje, evitará que o próximo a cair seja você’. Vale ressaltar que a compreensão da importância do lazer e da animação cultural como estratégia de intervenção permitiu sua inclusão dentro das atividades investigadas no grupo ANIMA de pesquisas (www.lazer.eefd.ufrj.br). Ao se assumir a postura a favor da intergeracionalidade e do lazer numa perspectiva de promoção da saúde, a proposta de Capoeira, se mostrou bastante original, diferente da grande maioria dos projetos voltados para idosos. Atuar considerando a importância da cultura corporal numa perspectiva de promoção da saúde e do lazer permite ao animador cultural (Melo, Alves Junior, 2003), sensibilizar os indivíduos para as suas diferentes linguagens e interesses, onde as relações intergeracionais podem estar presentes, tornando as atividades significativas para todos que tiverem envolvido nela, torna-se um desafio a mais desse projeto. A capoeira é repleta de significados culturais, desde a sua identidade enquanto herança de uma raça, até mesmo com a identidade brasileira, pois ela é uma luta historicamente construída em nosso país. Esta característica cultural e o que representa ser brasileiro facilita a inclusão desta atividade para os participantes do projeto. Nossa intervenção estimula a troca mútua, com movimentos que permitem a livre criação. A capoeira, muitas vezes é vista como uma atividade cujo acesso é para os jovens ou para os adultos que iniciaram com relativas condições físicas. Pensar em idosos que 148 muitas vezes estão fazendo uma atividade física sistemática pela primeira vez aos olhos de muitos parece ser impossível. Evidente que nossas expectativas com alguma performance são bastante limitadas, nos interessa trabalhar com outros significados como o simbólico da atividade, da troca da movimentação com ritmo do equilíbrio, que são características da deambulação.Portanto, na tentativa de quebrar essas barreiras, são abertos novos caminhos, há novos olhares para seus corpos e suas possibilidades físicas levando-as a enfrentarem novos desafios, mas de forma prazerosa e significativa. Não tememos dizer que a partir da proposta estamos atuando na melhorara da auto-estima, que pode representar entre outras, no enfrentamento das barreiras arquitetônicas que rondam nosso cotidiano e que podem possibilitar uma. Nas trocas e na interação que mediamos através da animação cultural contribuímos para uma nova visão de envelhecer em sociedade. Considerando que as atividades de lazer são “atividades culturais, em seu sentido mais amplo, englobando os diversos interesses humanos, suas diversas linguagens e manifestações” (MELO, ALVES JUNIOR, 2003: 32). O toque, “o corpo a corpo” com os outros indivíduos poderá levá-los a uma relação mais intensa, melhorando significativamente o contato com os outros indivíduos, principalmente quando há envolvimento de diferentes gerações. CONSIDERAÇÕES FINAIS Apresentamos à guisa de ilustração alguns depoimentos de participantes do projeto. Realizamos uma entrevista semi diretiva com quinze (15) participantes do projeto “Prevenindo quedas para um envelhecimento saudável e sem tropeços”, onde foram questionadas sobre questões variadas como: seu conhecimento da capoeira, o que achavam da realização da capoeira no projeto, qual era a reação dos indivíduos mais próximos ao saberem que idosos praticavam capoeira. Como era de se esperar num grupo quase que totalmente constituído de mulheres, moradoras da zona sul carioca, nenhuma dela havia praticado Capoeira anteriormente. No entanto, todas já tinham tido algum contato com a atividade, seja assistindo uma demonstração na televisão ou mesmo em eventos dos mais diversos que normalmente são praticadas. Elas perceberam a importância de vivenciá-la enquanto uma atividade cultural 149 de movimento, uma forma de expressão corporal de identidade brasileira, permitindo-lhes acrescentar mais uma nova experiência de movimentos em suas vidas. As possibilidades de trabalhar determinadas capacidades físicas que interfiram na prevenção de quedas, de forma prazerosa, faz com que a capoeira seja um elemento significativo nas atividades desenvolvidas no projeto de prevenção de quedas. Pode-se perceber isso, na fala de algumas participantes do projeto, C. M. de 72 anos de idade acha algo muito interessante e aponta os benefícios que ela percebe na prática: “é formidável porque é uma coisa pra nós nova, que nos está trazendo muitos benefícios, equilíbrio principalmente”; para M C de 71 anos sua impressão é a de que “melhorou mais os movimentos, que é bom pra circulação”. Mesmo que os resultados de nossas pesquisas ainda não podem confirmar tal afirmação percebe-se claramente a questão da auto-estima. Ficou também bem marcada a compreensão de que a capoeira além de beneficiar fisicamente, houve o entendimento de que o que elas faziam mesmo de uma forma diferente do que era visto por elas anteriormente, não deixava de representar a capoeira.. A M de 77 anos se expressou dizendo que mesmo sendo uma luta o que passou a interessar foi a estética do movimento, “não é violento, é uma coisa pra nós que não é violento, é uma coisa que mexe com o corpo, bonito, principalmente aquela musiquinha que eu adoro”. Nesse sentido, a fala de M C 71 anos também é esclarecedora “[...] você não vai fazer a capoeira mesmo pra luta. São exercícios da capoeira”. Para ela o entendimento era de que a capoeira como estava sendo ensinado era uma prática corporal possível de ser realizada, por pessoas que nem ela. Os denominados “exercícios da capoeira” como foi exposto por mais de uma delas, significam os educativos para a aprendizagem A ginga é o movimento de base da capoeira, e é a partir dele que elas percebem estar jogando a capoeira, o que acompanha qualquer outro aprendizado destinado a pessoas de outras idades, sendo ele o ponto de partida para todos os outros movimentos da capoeira. Com movimentos alternados de braços e pernas, na posição de pé, o capoeirista se locomove, se defende e mantém a base de sustentação do seu corpo durante o jogo da capoeira. Já as esquivas, são posições de agachamento para defesa de algum golpe e a meia lua de frente, corresponde um golpe em que você usa uma das pernas em direção ao outro, em pé, fazendo um desenho de meio círculo com a perna no ar, para frente no sentido ante-horário. Nestes movimentos entram 150 em jogo o equilíbrio, a mobilidade a força da perna e a propriocepção que são os elementos perseguidos na nossa proposta global. A transferência do peso corporal para uma das pernas e a postura são pontos importantes para a execução desses movimentos, portanto relevantes serem trabalhados em um projeto de prevenção de quedas. Foi unânime a compreensão dos motivos que levaram a incluir a capoeira no projeto e elas mesmo que seja ocupado todo o tempo da atividade todas estão de acordo com a continuidade desta estratégia como recurso para a prevenção de quedas.: “é uma coisa diferente, porque ginásticas assim nunca tem capoeira, é uma coisa boa e que a gente movimenta bastante o corpo,”(V C, 77 anos)” [...]continuar sempre, sempre, é novidade pra gente, devemos continuar.” (C M) Outro fator importante que não podemos deixar de ser apresentado aqui, diz respeito ao fato de que a sociedade em geral acredita que a capoeira é algo difícil de ser realizado por pessoas que alcançam determinadas idades. Ao perguntarmos sobre a reação das pessoas mais próximas como familiares e amigos quando souberam que elas estavam praticando esta atividade, percebemos reações que variavam da surpresa a deboche pelo fato de pessoas com idades como a delas não deviam estar praticando tal atividade: “Quando eu digo que faço capoeira as pessoas ficam admirados”. (A O, 85 anos); “Eles riem, né, não adianta nada, eles só ficam rindo.” (A M, 77 anos); “Eles acham engraçado, capoeira nessa idade! [...] eu falo qualquer idade é idade, a gente gosta de aprender, visa o aprendizado né?!”(G A, 63 anos); “Algumas pessoas que eu falo, acham isso uma besteira, porque com essa idade! Mas aí eu explico que é ótimo, muito bom porque aí você dançando você se equilibra, é meio a meio.”(Y L, 66 anos) Levando em consideração a reação das pessoas ao saber da prática da capoeira por pessoas que envelhecem, é possível perceber o fato de que a sociedade vive atribuindo papéis aos grupos de indivíduos determinadas pelas suas faixas etárias, que agem de acordo com o que lhes foram destinadas. Dessa forma, são reconhecidas socialmente, através de suas condutas e atitudes. As práticas cotidianas, que são práticas discursivas, reforçam, no entanto, as imagens determinísticas dos grupos etários e de suas formas de estar no mundo. Essas práticas reforçadoras das delimitações sociais e afetivas dos diferentes grupos etários estão permeadas de interesse políticos e de controle 151 sobre a população, jogando as pessoas em uma classificação de idade que legisla o que ela deve ou não sentir, como deve ou não viver (Magro 2003: 40). Deste modo, os idosos quando realizam algo que socialmente não lhe cabe mais, são criticados e/ou cobrados por não estarem desempenhando seu papel de um indivíduo frágil, sem condições para o trabalho e/ou de uma participação ativa na sociedade. Ou então, atribuem-lhe uma imagem fora da realidade, “de um sábio aureolado de cabelos brancos, rico de experiência e vulnerável, que domina de muito alto a condição humana.”(BEAUVOIR, 1990:10).Ao pertencermos a um “grupo etário, somos marcados socialmente e isso delimita as nossas possibilidades de expressão e de sociabilidade.” (MAGRO, 2003 :35) Portanto, consideramos estar comprometidos socialmente com esse grupo populacional procurando desmistificar muitas das idéias errôneas que os indivíduos tendem a ter da velhice. Buscamos através deste trabalho permitir como que estes indivíduos tenham acesso a novas experiências na sua vida, que os levam à atos transgressivos, nesse caso, a prática da capoeira. Nesse sentido, a transgressão, como afirma Vieira, é a possibilidade de entrar em contato com o diferente, constatando alternativas à monocultura, e construindo uma interculturalidade. A experiência de uma nova racionalidade rompe com uma rotina e potencializa a integração das diferenças que enriquece a aprendizagem cognitiva, e a afirma a multiplicidade de identidade em cada um de nós (MAGRO 2003: 39). A continuidade de uma prática diferenciada é relevante ao considerarmos as possibilidades de aprendizagem que extrapolam o movimento corporal, abrindo caminhos para novas relações consigo mesmo e até mesmo com outros indivíduos. Finalizamos com este relato de A de O (85 anos): “um dia desses na rua estava o capoeirista com o grupo e eu estava saindo de um baile, ia pelo museu da República, lá no palácio do Catete, aí eu comecei fazendo assim (o movimento da ginga), mas eu estava vestida, aí me disseram vem cá, vem cá, entra aqui dentro e os alunos todos me chamando... e eu respondi que não dava por causa da minha roupa que não estava adequada de vestido e toda arrumada..., não num 152 dá não... e eles falaram pra mim... numa outra vez venha com uma roupa mais simples, que eu faço aula todo dia aqui e quero ver você fazendo”. Ao mesmo tempo em que essas idosas que estão praticando a capoeira, presenciam reações de indignação pelo fato de estarem executando essa prática considerada pela maioria dos indivíduos possível somente entre os mais jovens, ela possibilita um novo espaço de interação e troca de experiências, já que entre os praticantes desta prática quando estão num jogo de capoeira, todos que queiram praticar são convidadas para entrar na roda, independente de sua idade, classe social ou até mesmo de suas possibilidades físicas. Portanto, ao pensarmos em um projeto de prevenção de quedas, vemos na capoeira, uma prática corporal que vai além do meramente físico, possibilitando-lhes um novo conhecimento que poderá permiti-lhes o melhor convívio consigo mesmo, com as pessoas e sua inserção com a sociedade. 153 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABIB, Pedro Rodolfo Jungers. Capoeira Angola: Cultura Popular e o Jogo dos Saberes na Roda. Disponível em http://www.faced.uffba.br/mel/textos/. Acesso em 24/07/2006. 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Tutora à distância do curso de Pedagogia para as séries iniciais (PAIEF/ UNIRIO), Pesquisadora do grupo de pesquisas de envelhecimento e atividade física.(GPEAF) Endereços para correspondência: Estrada da Boiúna 1133 casa 179 – Taquara - Cep: 22723-021 / email: [email protected]