baixo - UFMT

Transcrição

baixo - UFMT
0
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
INSTITUTO DE LINGUAGENS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE CULTURA
CONTEMPORÂNEA
Karina Galli Fraga da Silva
“ESSA VAI PARA O MEU FACE”: A CONSTRUÇÃO DA FACHADA EM SITES DE
REDES SOCIAIS
Cuiabá-MT
2012
1
Karina Galli Fraga da Silva
“ESSA VAI PARA O MEU FACE”: A CONSTRUÇÃO DA FACHADA EM SITES DE
REDES SOCIAIS
Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Estudos de Cultura
Contemporânea como requisito para obtenção
do título de Mestre em Estudos de Cultura
Contemporânea, na Área de Concentração
Estudos Interdisciplinares de Cultura, Linha
de Pesquisa Epistemes Contemporâneas.
Orientadora: Profª Drª Icléia Rodrigues de Lima e Gomes.
Cuiabá-MT
2012
2
Dados Internacionais de Catalogação na Fonte.
G168e Galli Fraga da Silva, Karina.
"Essa vai para o meu Face": A construção da fachada em sites de
redes sociais / Karina Galli Fraga da Silva. -- 2012
158 f. : il. color. ; 30 cm.
Orientadora: Icléia Rodrigues de Lima e Gomes.
Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de Mato Grosso,
Instituto de Linguagens, Programa de Pós-Graduação em Estudos de
Cultura Contemporânea, Cuiabá, 2012.
Inclui bibliografia.
1. (n) etnografia. 2. sites de redes sociais. 3. fotografias. 4.
fachada. 5. internet. I. Título.
Ficha catalográfica elaborada automaticamente de acordo com os dados fornecidos pelo(a) autor(a).
Permitida a reprodução parcial ou total, desde que citada a fonte.
3
4
AGRADECIMENTOS
A Deus, pela força e sabedoria concedidos durante a caminhada do mestrado.
Aos meus sujeitos de pesquisa, pela confiança e empenho em me ajudar.
À minha orientadora, pelos conselhos e direcionamentos da pesquisa.
Aos meus pais, pelo carinho e amparo nas horas difíceis.
Ao meu irmão, pelo bom humor e a presença constante durante o período da escritura deste
trabalho.
Ao meu companheiro, pela paciência e companhia, ainda que virtual, durante todo o processo
de elaboração da dissertação.
5
“If you´re not prepared to be wrong, you´ll never come up with
anything original.”
Sir Ken Robinson
6
RESUMO
Este trabalho descreve e caracteriza a fachada construída por homens e mulheres nos sites de
redes sociais Orkut e Facebook a partir das fotografias publicadas em ambos os sites. As
fotografias são aqui tomadas como recursos de apresentação pessoal: proporcionam
visibilidade, permitindo a administração da aparência diante da rede de contatos. As
dinâmicas de representação e interação dos sites são contextualizadas tendo como pano de
fundo a perspectiva da pós-modernidade e a análise situa-se a partir de uma concepção
hedonista e tribal sugerida por Michel Maffesoli e das noções de performance e fachada de
Erving Goffman. A pesquisa, descritiva e de caráter (n)etnográfico, observa os perfis de
cinquenta usuários do Orkut e do Facebook, sendo vinte e cinco de mulheres e vinte e cinco
de homens, cujas idades variam entre 18 e 68 anos. Em relação às fotografias, constata-se que
há um repertório de temáticas comuns entre os perfis observados: Família, Festas,
Viagens/passeios, Eu, Amigos, Par, Memórias, Montagens. Para a apreciação dessa cultura de
Facebook, além da observação, são analisadas também as falas de entrevistas on-line feitas
com os sujeitos analisados. E o que as falas revelaram é uma vontade de transmitir, através
das fotografias, a alegria e felicidade de suas vidas, representadas pela vida cotidiana, pelos
momentos com a família, com os amigos, com os bichos de estimação, os momentos de
descontração em festas, passeios e viagens. São esses “instantes eternos” que parecem
conferir vida e que destacam o aspecto emotivo como característica marcante de nossa época.
Palavras-chave: (n) etnografia, sites de redes sociais, fotografias, fachada, internet.
7
ABSTRACT
This work describes and characterizes the front built by men and women on the social
network sites Orkut and Facebook taking the photographies published on both websites. The
photographies are considered to be resources of personal presentation: they provide visibility,
allowing the management of impression in front of the contact network. The dynamics of
presentation and interaction of the websites are contextualized having the perspective of post
modernity as backdrop and the analysis is set in a hedonist and tribal conception suggested by
Michel Maffesoli and the notions of performance and front of Erving Goffman. The research,
descriptive and of an (n) ethnography kind observes the profiles of fifty users from both Orkut
and Facebook, twenty-five from men and twenty-five from women, aged between 18 and 68
years old. Regarding the photographies, it is noticed that there is a common repertoire of
themes: Family, Party, Trips, Me, Friends, Partner, Memories and Montages. For the
appreciation of this Facebook culture, besides the observation, the speeches of the interviews
carried out on-line with the observed subjetcs are analyzed as well. And what they reveal is a
will to convey, through the photographies, the joy and happiness of their lives represented by
the everyday life, the moments with the family, with the friends, with the pets, the relaxation
moments at parties, trips. These “eternal moments” are the ones which seem to grant life and
which highlight the emotional aspect as an outstanding feature of our time.
Keywords: (n) ethnography, network sites, front, photographies, internet.
8
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 10
A O DESAFIO DA PESQUISA: APROFUNDANDO O LEAD .......................................... 16
1
A etnografia como método ................................................................................................. 18
2 Por que netnografia? ............................................................................................................ 22
3 A entrada no campo: perambulando on-line ........................................................................ 25
B
A INTERNET ENQUANTO CAMPO DE INVESTIGAÇÃO: O COTIDIANO E O
CONTEMPORÂNEO EM FOCO ............................................................................................ 30
1 Breve panorama da internet ................................................................................................. 34
2 Cibercultura no contexto da pós-modernidade .................................................................... 42
3 Os SRS em linhas gerais: estrutura e histórico .................................................................... 46
4 Os SRS e a socialidade mediada por computador ............................................................... 50
5 Maffesoli e Goffman: de tribos e de fachadas ..................................................................... 54
C AS FOTOS NO ORKUT E NO FACEBOOK: CONSTRUINDO UMA FACHADA
VIRTUAL................................................................................................................................. 72
1 Orkut e Facebook: descrevendo o campo ............................................................................ 74
1.1 Orkut no Brasil: da invasão ao abandono do site ............................................................... 76
9
1.2 Facebook, mania mundial: curtiu? ..................................................................................... 84
2 Chegando aos dados............................................................................................................. 92
2.1 A Fachada virtual.............................................................................................................. 101
*A família ............................................................................................................................... 107
*As festas estão em mim ........................................................................................................ 111
*Por onde andei ...................................................................................................................... 114
*Aqui tem sempre um pedacinho meu ................................................................................... 117
*Amigo é coisa pra se guardar ............................................................................................... 122
*O par perfeito ........................................................................................................................ 127
*Com um pé no passado ......................................................................................................... 134
* A vida como obra de arte ..................................................................................................... 143
REFLEXÕES (IN) CONCLUSIVAS ..................................................................................... 148
BIBLIOGRAFIA .................................................................................................................... 153
ANEXO I ................................................................................................................................ 158
ANEXO II .............................................................................................................................. 159
10
INTRODUÇÃO
“Estamos condenados ao pensamento incerto.”
Edgar Morin
A
ideia de fazer pesquisa na internet não é recente. Ainda na graduação decidi
trabalhar neste ambiente. Naquela época, o foco de investigação era outro, mais voltado para a
minha área de formação, o jornalismo. Estudava as novas ferramentas trazidas pela rede e os
usos que o jornalismo faz delas, o chamado webjornalismo. De lá pra cá não consegui investir
em outra área senão a internet, pois cada vez mais percebo que o número de pessoas
conectadas e o tempo por elas despendido neste espaço é maior. Porém, diferente dos que
acreditam que a internet está nos afastando, prefiro pensá-la enquanto um meio de
aproximação das pessoas, cujo objetivo não é substituir o contato face a face, mas
proporcioná-lo quando não há outra maneira de estar junto. Também me recuso a pensá-la
enquanto um ambiente hiper-real e encantado, à parte do real. São as pessoas que fazem e
reinventam a internet diariamente e elas carregam para o mundo on-line aquilo que são no
mundo off-line. Dessa forma, o par real/virtual pode ser perigoso quando usado para
diferenciar os dois ambientes: o que faço no mundo virtual é real porque acontece, aproxima,
vincula.
Muitos, no entanto, ainda enxergam a vida on-line como ficção. A expressão “mundo
virtual” é empregada conotativamente em referência a um mundo mágico, de faz de contas e
onde tudo é possível. É comum encontrar discursos de pessoas que acreditam que ao acessar a
rede estão invisíveis e não deixarão rastros, internautas desencarnados que navegam e fazem
de tudo on-line sem se preocupar, ao seu bel prazer.
Essa não é uma visão exclusiva dos que desconhecem o funcionamento da rede, mas
ecoa por todos os lados, inclusive vinda dos ditos “formadores de opinião”, os jornalistas.
Posso dar um exemplo que ouvi quando escrevia este texto. Numa reportagem sobre as
mudanças de hábitos provocadas pela tecnologia, o repórter faz a seguinte pergunta a um
entrevistado: “E o mundo aqui fora, como é que fica, o mundo de verdade?”. Tal indagação
esbarra numa perspectiva reducionista da relação entre sociedade e tecnologia, ou melhor, da
11
vida on e off-line. O que fazemos quando navegamos pela internet não é, em hipótese alguma,
ilusório ou falso. É tudo produto da ação humana, que investida com um nick ou um nome de
usuário produz e distribui conteúdo, se informa e se diverte, estuda e namora. Não são dois
mundos à parte, apenas um, cujo aparato técnico auxilia e potencializa as relações sociais.
A opinião do repórter ratifica a visão fantasmagórica do mundo “de mentira”
proporcionado pela internet. O que espanta em tal afirmação é pensar que ele próprio,
enquanto jornalista, utiliza diariamente as ferramentas digitais proporcionadas pela internet,
seja em busca de informação ou mesmo para entrevistar pessoas. E não há nada de irreal
nisso. Para evitar a confusão que os termos real/virtual causam quando da distinção entre os
âmbitos on e off-line, utilizarei, no decorrer do trabalho, o termo físico para me referir a tudo
que acontece sem a mediação de dispositivos eletrônico-digitais.
Muitas pesquisas já identificaram a internet como potencializadora de um interesse ou
afinidade anterior a ela, ou apenas como uma aliada diária nos afazeres domésticos e
profissionais. Tudo isso desmente a suposição apocalíptica da substituição do contato físico
pelo aparato digital. Assim, tomar a internet como um campo autônomo e autocontido, que
existe independente de forças humanas é no mínimo uma tendência determinista. Somos seres
tecnológicos porque precisamos sempre, ao contrário de outros animais, transformar o mundo
externo. Mas, mais importante do que as transformações e os artefatos tecnológicos é o
componente relacional, ou seja, o homem em relação a eles e em relação aos outros membros
da sociedade. A partir daí, pode-se estabelecer não apenas os usos e os efeitos da tecnologia
na vida de quem a utiliza, mas, acima de tudo, o vínculo social mantido e renovado por ela.
Foi com essa visão que escolhi pesquisar os chamados sites de redes sociais, tendo em
vista que o que eles fazem basicamente é estreitar os laços off-line, seja com quem mora
longe, seja com o vizinho. E ao contrário de esconder o internauta numa vida de mentira, eles
propõem exatamente o inverso: a aparição. Através de um perfil, os usuários desses sistemas
são encorajados a mostrar à sua rede de contatos o que pensam, o que gostam e como são.
Não que isso seja feito sem uma filtragem prévia e que não existam os perfis do tipo “fake” 1
que tentem ocultar a identidade real do usuário, o fato é que os sites de redes sociais, como o
Orkut e o mais famoso no momento, o Facebook, são exemplos de como a comunicação em
rede estrutura a vida social contemporânea.
1
No caso do Facebook, dos 955 milhões de usuários cadastrados, mais de 83 milhões correspondem a perfis
falsos. Nesse quesito, aparecem os perfis duplicados (4,8% do total), aqueles mal categorizados como perfis de
empresas ou de animais de estimação (2,4%) e os indesejáveis, que violam os termos de serviço e são usados,
por exemplo, para enviar spams (1,5%). Disponível em: <http://tecnoblog.net/108742/facebook-perfis-falsos/>.
Acesso em 08 ago. 2012.
12
Eles estão em alta no momento e se diferenciam de outros sites como blogs e fotologs
por permitirem a conexão a uma rede de amigos, o compartilhamento e a postagem de
fotografias, vídeos, mensagens e etc. Essa possibilidade dá vazão a um desejo de se expressar
perante o outro, mostrando aquilo que se queira de maneira conveniente. Digo isso porque há
formas de editoração do material publicado nos sites, sendo as fotografias a mais visível
delas. Com elas, os usuários configuram suas vidas de modo a ressaltar as partes que
consideram interessantes e importantes. No Facebook, por meio da linha do tempo - Timeline
- você pode selecionar os eventos marcantes de sua vida e então construir a sua própria
história. E são as fotografias que retratam as fases, as experiências e situações que desejamos
compartilhar. Elas expressam o mundo de cada um, da maneira desejada.
Tal exposição, sugiro, ao mesmo tempo em que revela, esconde. O fato de
apresentarmos uma imagem “editada” de nós mesmos implica na criação de uma fachada de
modo a regular a impressão que causamos no outro. Mesmo que não haja álbuns com
fotografias, a própria imagem de perfil, trocada e retocada, exemplifica a necessidade de
autocontrole da imagem frente à sociedade. Isso, porém, não é uma exclusividade do mundo
digital. Nas interações face a face procuramos apresentar características e ações que definam a
situação e nos legitimem perante os presentes. Assim, nas entrevistas de emprego, com os
amigos, em casa, no trabalho, nos valemos de papéis diferentes em cada situação. Erving
Goffman, autor referência para este trabalho, se vale deste termo do senso comum, a fachada,
para designar o modo como nos representamos em sociedade, como moldamos a nossa
imagem social de forma a dar a “melhor impressão”.
Essa perspectiva, ao invés de negativa e pessimista, apenas constata a forma como a
sociedade nos força a apresentar uma imagem de nós mesmos e como, através de manobras
diárias, tentamos controlar a forma como os outros nos veem. Quando em presença imediata,
além da fala, há a linguagem não verbal, os gestos, os olhares, que auxiliam na transmissão da
impressão desejada. Uma vez mediado por um computador, apesar da ausência de outras
formas de comunicação além do texto escrito e dos recursos audiovisuais, a preocupação do
indivíduo em manter uma boa imagem permanece, às vezes consciente e intencionalmente, às
vezes pouco consciente e de forma não intencional. Pode ser que ele esteja apenas
expressando a tradição de seu grupo ou posição social, ou então que ele queira ser aceito.
Os perfis dos sites de redes sociais podem ser vistos, então, como fachadas, cujas
mensagens, fotografias, vídeos etc evidenciam a maneira de o usuário se representar on-line.
Esse conteúdo, bem como as informações inseridas quando da feitura do perfil, ilustram outra
13
característica desses sistemas: a forma tribal de relacionamento e apresentação. O aspecto
individualizante e até narcisista criticado por muitos é na verdade uma visão um tanto
distorcida do modo de funcionamento dos sites. Isso porque tudo ali só adquire sentido na
coletividade. Os gostos, as músicas, os livros, os estilos de vida expressos em cada
postagem... Tudo gira em torno das tribos às quais pertencemos. E ao “curtir” alguma
publicação ratificamos esse pertencimento. O grande número de usuários dos sites de redes
sociais indica a potência da socialidade no tempo presente. Sem finalidade específica, as
pessoas querem se conectar e saber umas das outras, fofocar, estar em relação. O laço que nos
une agora tem uma dimensão afetual e não pode ser explicado à luz de concepções
mutiladoras e doutrinadoras da vida em sociedade. O contrato que regulava as interações deu
lugar ao pacto, que celebra de forma lúdica o estar junto para nada.
A proxemia e a vida em bando recebem ajuda do desenvolvimento tecnológico, que
potencializa os agrupamentos tribais e nos faz estar-junto virtualmente. Se antes a máquina
era individualizada e fazia do computador pessoal um aliado na produção – seja acadêmica,
seja militar - na contemporaneidade, o computador, para além da esfera produtiva, permite
uma comunhão diária e coletiva que religiosamente e de forma ritualística promove
discussões, reivindicações, festas, risos e conflitos.
A atenção dada a esses aspectos anódinos e frívolos nos faz atentar para a fertilidade
do componente social. E a aparência, nesse contexto, adquire relevância. O culto ao corpo, as
dietas, as indumentárias, maquiagens e adornos dão notícia de uma tragicidade cotidiana que
diz sim à vida ao mesmo tempo em que aceita a morte. A aparência, o exibicionismo, apesar
de caracterizados como individualizados e individualizantes e serem por isso estigmatizados,
atestam o fato de que é preciso ser visto para existir. O desejo de se diferenciar na multidão se
confunde com a vontade de se assemelhar a ela. Tentamos ser diferentes para, no fim, sermos
iguais.
Esse jogo de reversibilidade ecoa pelos sites de redes sociais. No Orkut e no Facebook
há um conformismo diante da exposição possibilitada e das formas de interação. Com maior
ou menor intensidade, as pessoas concordam em expor suas intimidades e dar nas vistas
alheias, bem como de receber “curtidas”, comentários e mensagens. No controle de suas
vidas, contando e mostrando suas histórias, cada usuário é um ator-personagem da
teatralidade que encena, e se vale de diferentes máscaras para mostrar todas as suas
potencialidades.
14
Diante do exposto e levando em conta as estatísticas que comprovam a adesão em
massa aos sites de redes sociais2, e que também confirmam a posição do Brasil como um dos
países cuja população on-line tem presença marcante nesses sites3, não há como esconder de
baixo do tapete a pertinência de um estudo de tais espaços. É a vida social que fala por meio
das máquinas que merece atenção, a socialidade mundana que virtualmente marca a sua copresença por meio de imagens e palavras que precisa ser colocada em evidência.
À maneira de Maffesoli, cuja perspectiva hedonista e tribal vê na contemporaneidade
um vínculo social baseado na partilha de identificações e na busca pelo prazer, me limito a
apresentar um fenômeno social assim como ele é, e não como deveria ser. Nesse sentido, o
foco é a teatralidade social cotidianamente encenada por regras de conduta pouco levadas em
conta, porque muito evidentes, como tudo o que é óbvio. É a partir dessa análise micro da
interação que o termo fachada ganha sentido: ela é a materialização do trabalho de
representação de que todos nos valemos, enquanto sujeitos sociais, para nos apresentar e nos
valorizar. A fachada criada, então, se baseia em características socialmente aprovadas, em
regras de conduta, com o intuito de manter a ordem social.
Dito isso, o convite que ora faço ao leitor é o de me acompanhar na tentativa de
compreender a maneira pela qual os usuários dos sites Orkut e Facebook, se apresentam, se
relacionam e se envolvem numa arena que está longe de ser de mentira, mas que, ao contrário,
proporciona uma forma pagã de o corpo natural e individual se constituir em corpo social.
Essa (con)fusão permite que cada um, a partir do écran de seus computadores, esteja em
correspondência com o outro e vibre junto, numa teatralidade que faz de cada perfil um mini
palco.
Na primeira parte da dissertação, o leitor encontrará o caminho trilhado para a
obtenção dos dados da pesquisa. É esclarecido o motivo da escolha da metodologia utilizada,
a etnografia, que desembocou numa netnografia, uma vez que a pesquisa foi conduzida online. Mesmo não tendo sido a do tipo clássica, a metodologia utilizada seguiu todos os
preceitos da abordagem convencional, respeitando suas especificidades.
2
As redes sociais na internet já são a atividade on-line mais popular do mundo. Em outubro de 2011, de cada 5
minutos gastos na rede, um deles era dedicado aos sites de redes sociais. Informação disponível em:
http://www.comscore.com/Press_Events/Presentations_Whitepapers/2011/it_is_a_social_world_top_10_needto-knows_about_social_networking>. Acesso em: 11 fev. 2012.
3
O Brasil ocupa atualmente a segunda posição no ranking dos países que mais utilizam o Facebook, segundo
estatísticas do site Socialbakers, disponíveis em: http://www.socialbakers.com/facebook-statistics/. Acesso em
20 jul. 2012. Em relação ao Orkut, apesar de apresentar queda no número de usuários, ainda encontra no Brasil
o seu maior mercado. Veja dados em: < http://pt.scribd.com/doc/48622322/ComScore-SOI-Brazil-Webinar-Feb2011>. Acesso em: 04 abr. 2011.
15
A segunda parte traz o referencial teórico sobre o qual toda a pesquisa está
fundamentada. No primeiro momento é feita uma contextualização do surgimento da internet
e das modificações sociais decorrentes do desenvolvimento das tecnologias da informação e
da comunicação, expressas pelo termo cibercultura. As redes sociais são então localizadas e
sublinham um novo modo de estar-junto na contemporaneidade. Noções chave para a
pesquisa como socialidade e fachada são aqui abordadas.
Na terceira parte da dissertação, os sites pesquisados são apresentados ao leitor. O
mais velho e o xodó do brasileiro por pelo menos cinco anos, o Orkut, e o mais recente, o
Facebook, que tirou o reinado do seu antecessor e já é o site de rede social mais acessado no
Brasil e no mundo. Além da apresentação do campo da pesquisa, o leitor terá contato com os
dados coletados nos sites e com os depoimentos das entrevistas dos sujeitos pesquisados. A
análise feita considera, basicamente, as fotografias publicadas nos perfis dos usuários
analisados para compreender o modo como eles se representam, mas não se limita a elas.
Descreve analiticamente os hábitos e também a relação estabelecida com os “amigos” e com a
própria dinâmica dos sites. Pretende, assim, atualizar o laço social vivido virtualmente e
mostrar que apesar dos riscos da exposição da vida privada na rede, as pessoas não deixam de
se mostrar umas às outras e contar sobre suas vidas.
16
A
O DESAFIO DA PESQUISA: APROFUNDANDO O LEAD
“... é verdade que muitas investigações jornalísticas se parecem muito, afora alguns matizes, com pesquisas
etnográficas”.
Yves Winkin
G
eralmente um trabalho acadêmico inicia-se com um panorama geral das discussões
sobre o objeto de estudo de modo a contextualizar as recentes e importantes visões
e opiniões acerca dele e encaixá-lo numa vertente teórica. A partir daí, são escolhidos os
autores que darão suporte à empreitada e depois de feito todo o percurso teórico começa a
exposição do trabalho empírico: é aí que são combinados os achados da pesquisa com o que
foi exposto anteriormente, na parte teórica. Não que todos os trabalhos apresentem essa
organização, alguns são mais rizomáticos e não tem uma estrutura linear. Mas, na maioria das
vezes, é a partir dessa configuração que se pautam os trabalhos acadêmicos: teoria, análise,
conclusão.
Não proponho uma revolução na sistematização dos trabalhos, pois não vou fugir
muito dessa proposta. A ideia é mudar um pouco os rumos das coisas, tentar focar no que, no
caso do meu trabalho, acredito ser o mais importante: o método. Dizendo de outra forma,
depois de ter andado um pouco, feito minhas observações e minhas entrevistas, descido ao
campo, de modo geral, entendo que o que foi destaque na minha pesquisa foi o modo como a
conduzi. Para mim, foi um aprendizado e um novo olhar acerca das coisas, mais
especificamente, das coisas na internet. Não deve ter sido a primeira vez que alguém faz isso,
nada é original. Mas, tendo sido feito por mim, é a primeira vez que mergulho nessas águas
profundas e que tenho a dimensão do que é um trabalho acadêmico, com todas as suas
incompletudes e limitações.
A ideia, então, é começar mostrando o caminho que percorri e as escolhas que fiz nesse
percurso, como abordei as pessoas e fui por elas acolhida, ainda que não fisicamente. Os aceites e as
recusas de participar da pesquisa e a maneira como, aos poucos, entendi que mesmo não sendo
17
presencial, os encontros e as conversas aconteceram e, em algumas situações, com pessoas das quais
eu certamente nunca teria conhecido não fossem os sites de redes sociais, esses novos espaços de
socialização proporcionados pela internet. A ênfase aqui é no respaldo de um grupo de pessoas que se
comprometeram em me ajudar e que não faltaram nos nossos encontros virtuais.
As conversas com colegas e orientador e as leituras que precederam a entrada no
campo foram também, de certa forma, importantes no processo de preparação, mas foi,
certamente, a intuição, o faro e a emoção que foram decisivas durante a pesquisa. Só sentindo
os dados é que pude dar sentido a eles e assim construir, junto com os autores selecionados,
uma maneira própria de ver as coisas.
Dito isso, é necessário agora explicar o título que escolhi para esta primeira parte do
trabalho. Jornalista por formação, comecei a enxergar muitas semelhanças nos trabalhos do
pesquisador e do jornalista, porque o jornalista é um pesquisador. É preciso consultar
documentos, interpretar tabelas numéricas, ler balanços, buscar um número de telefone,
enfim, toda reportagem pressupõe investigação e interpretação. O jornalista investiga os
fenômenos para deles extrair uma história, seja ela um escândalo ou uma bela história. Precisa
enxergar para além dos fatos para escrever a sua reportagem. Como diz Juremir Machado 4, ele
cobre para descobrir ou desencobrir, pois assim como para o pesquisador é – ou pelo menos
deveria ser - tarefa do jornalista desvelar a realidade, tirar o véu daquilo que está coberto, pois
de tão arraigado no nosso cotidiano não conseguimos vê-lo, nem fazemos uma reflexão acerca
dele. É disso que se trata a pesquisa, “fazer vir à tona o que se encontra, muitas vezes,
praticamente na superfície do vivido” 5.
Esse processo, no entender de Machado, passa por três fases: o estranhamento, o
entranhamento e o desentranhamento. O primeiro, por vezes afetado pelos óculos embaçados
do dia a dia, é ver algo que quase ninguém vê, num processo antropológico de abstração de
valores. O segundo é quando o pesquisador mergulha no universo do outro e deixa se
contaminar por ele; e finalmente o terceiro é o processo de retomada de seus valores, que
agora, afetado pelo outro precisa escrever o que viu. Colocando isso no dia a dia do jornalista,
o estranhamento se inicia no recebimento da pauta – ou na própria proposta feita pelo
jornalista -, o entranhamento é quando, in loco, ele busca ser tomado pelo outro, e o
desentranhamento seria, quando depois do mergulho, ele volta à redação para organizar as
ideias e escrever a sua reportagem.
4
MACHADO, Juremir. O que pesquisar quer dizer: como fazer textos acadêmicos sem medo da ABNT e da
Capes. Porto Alegre: Editora Sulina, 2011.
5
Idem. p.15.
18
E é aí que vem o lead enquanto uma técnica jornalística que visa, em poucas linhas dar
a notícia. Resume-se pelas cinco perguntas: o quê, quando, como, por que e onde.
Normalmente é o que se vê nos textos jornalísticos, e a estória para por aí. Poucos tentam
aprofundar o lead, dando uma visão mais completa e geral dos fatos. Normalmente, por falta
de interesse e por questões ideológicas, deixam de informar quando se resumem a responder
às cinco questões. Não conseguem dar meios para o interlocutor formar uma opinião a
respeito do assunto tratado. E o pesquisador, da mesma forma, ao falar tudo que já foi dito e
não propor nada novo faz o mesmo. Não contribui muito para fomentar as discussões acerca
do fenômeno estudado. Compilando citações de autores e copiando as ideias de artigos e
livros pesquisados, não consegue discutir e tratar do seu objeto. É essa a ideia do título.
No meu caso, vi na etnografia uma metodologia fértil para a minha proposta de
trabalho e, a seguir, apresento o porquê de tal escolha.
1 A etnografia como método
Escrevi, em outro lugar6, que o trabalho do etnógrafo se parece muito com o do
jornalista. Fazendo referência à Clifford Geertz7, apontei algumas semelhanças entre os
ofícios, tais como: subjetividade, observação participante, análise microscópica. Em ambos os
casos, a narrativa apresentada é sempre interpretativa e inesgotável. A descrição densa, o que
fazem os etnógrafos, e a reportagem, o que fazem os jornalistas, apresentam um objetivo
comum: uma tentativa de “alargamento do universo do discurso humano” 8, nas palavras de
Geertz. Situando-se entre o grupo estudado, ambos os profissionais elegem o detalhe que
revela muito daquela gente, assim como o fez Geertz com as brigas de galo balinesa.
Nesse trabalho, o olhar e a escuta são fundamentais: é preciso saber ver e saber ouvir.
Isso é muitas vezes difícil, devido à domesticação do olhar- vemos, mas não enxergamos - e à
falta de hábito de ouvir as pessoas - temos a tendência de tentar encaixar nossas teses naquilo
que estudamos. O ofício desses profissionais é, portanto, olhar uma cultura enquanto (con)
texto, que precisa ser lida e interpretada, de modo que esta interpretação é sempre de segunda
e terceira mão, pois como explica Geertz “o que inscrevemos (ou tentamos fazê-lo) não é o
6
O etnógrafo e o jornalista: o olhar e a escuta como ferramentas de trabalho. In: XXXIV Congresso Brasileiro
de Ciências da Comunicação, Recife-PE, 2 a 6 de setembro de 2011, Anais.
7
GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC Editora, 1989.
8
Idem, p.10.
19
discurso social bruto ao qual não somos atores, não temos acesso direto a não ser
marginalmente, mas apenas àquela pequena parte dele que os nossos informantes nos podem
levam a compreender” 9.
A objetividade jornalística preconizada nos manuais de redação perde espaço e a tal
imparcialidade é desmitificada, uma vez que, ao adentrar o universo do outro, o repórter se
modifica ao mesmo tempo que modifica o outro. É só sentindo que ele será capaz de ordenar
o que vê e ouve e, dessa forma, escrever uma boa história. No caso do etnógrafo, que também
se mistura ao estranho, o desafio é o de aproximar mundos, fundindo o seu com o de seus
observados. É dessa forma que a pesquisa etnográfica é vista como uma experiência pessoal.
Situar-nos, um negócio enervante que só é bem sucedido parcialmente, eis
no que consiste a pesquisa etnográfica como experiência pessoal. [...] Não
estamos procurando, pelo menos eu não estou, tornar-nos nativos ou copiálos. O que procuramos, no sentido mais amplo do termo, que compreende
muito mais do que simplesmente falar, é conversar com eles, o que é muito
mais difícil, e não apenas com estranhos, do que se reconhece
habitualmente.(GEERTZ, 1989, p.10)
Como metodologia de pesquisa, a etnografia foi escolhida não apenas por ser
semelhante ao trabalho do jornalista, mas por envolver um processo complexo que parte do
caos para a ordem, ou seja, para lançar luz num fenômeno social. Desde Malinowski até os
dias de hoje ela é muito pertinente e particularmente adequada à investigação científica no
campo das ciências ditas sociais e humanas. Embora tenha sido ancorada durante muito tempo
a um contexto exótico e colonialista, que visava estudar grupos geograficamente e
culturalmente distantes, a etnografia é hoje utilizada para que compreendamos os fenômenos
da nossa própria sociedade. Yves Winkin10 diz que o trabalho etnográfico não é simples, mas
não exige anos de formação. Aprende-se com os erros e com os relatos de antropólogos. É por
isso que ele a considera, ao mesmo tempo, uma arte e uma disciplina científica. É preciso, no
entanto, utilizá-la “com pleno conhecimento teórico de causa”.
O fenômeno específico que estudei diz respeito aos sites de redes sociais11 e a maneira
com que as pessoas ali se apresentam. É neste caos que mergulhei e dele trago alguns achados
e apontamentos.
9
Ibid., p.14.
WINKIN, Yves. A nova comunicação: da teoria ao trabalho de campo. Tradução Roberto Leal Ferreira.
Campinas, SP: Papirus, 1998, p.132.
11
De agora em diante, utilizarei a abreviação SRS para me referir aos sites de redes sociais pesquisados, a saber,
Orkut e Facebook.
10
20
Semelhante a um caçador, que foi o primeiro pesquisador, segui pistas, conclui
hábitos, desvendei alguns mistérios a respeito da minha presa. E apesar de não poder utilizar
do faro para sentir a caça, utilizei do golpe de visão para vasculhar por entre os vestígios. Esse
modo de trabalho caracteriza um saber do tipo venatório, próprio dos caçadores, que, muito
antes de nós, precisaram de astúcia e competência para se manter vivos. Eles partiam de dados
pequenos, muitas vezes negligenciáveis por outros, para solucionar alguns enigmas relativos
ao modo de vida de suas presas: a que horas o animal dormia, comia, que tipo de rastros e
excreções deixava, que cheiro exalava etc. e em função disso tomava as suas decisões.
Contrariamente à ciência positivista, calcada no emprego da matemática e do método
experimental que exigem quantificação e repetibilidade dos fenômenos, o paradigma do
caçador adota uma perspectiva individualizante, analisa as minúcias para desvendar um fato.
É isso que relata Carlo Ginzburg em seu “Mitos, emblemas e sinais”. Esse paradigma
“indiciário”, baseado na semiótica, começou a se firmar nas ciências humanas no final do
século XIX, porém, “até agora não se prestou suficiente atenção a esse modelo
epistemológico” 12.
O paradigma indiciário influenciou Freud antes mesmo da descoberta da psicanálise.
Ginzburg, se referindo a Freud, diz que a proposta de um método interpretativo centrado
sobre os resíduos do comportamento, sobre os dados marginais, os pormenores normalmente
considerados sem importância ou até triviais, baixos, forneceriam a chave para aceder aos
produtos mais elevados do espírito humano.
Giovani Morelli, pintor que utilizava a mesma técnica descrita por Ginzburg, sugeria a
possibilidade de identificar o autor de um quadro pelo exame de características como os
lóbulos das orelhas, as unhas, as formas dos dedos das mãos e dos pés das figuras retratadas.
Essas são características menos influenciadas pela escola a que o pintor pertencia13.
Da mesma forma, o criador de Sherlock Holmes, Arthur Conan Doyle, também se
aproximou do paradigma venatório ao construir seu detetive Holmes. O detetive é comparável
ao conhecedor de arte ao descobrir o autor do crime baseado em indícios imperceptíveis para
a maioria. As pegadas na lama, as cinzas de cigarro, os lóbulos das orelhas, tudo é importante
para Holmes. Nessa tripla analogia descrita por Ginzburg – Morelli, Freud, Doyle – pistas
mínimas talvez possam captar uma realidade mais profunda, de outra forma inatingível. Essas
12
GINZBURG, Carlo. Mitos, emblemas e sinais: morfologia e história. São Paulo: Companhia das Letras, 1989
p.143.
13
Ibid., p.144.
21
pistas teriam uma nomenclatura distinta em cada caso: para Morelli, eram signos pictóricos;
para Freud, sintomas; e para Holmes, indícios14.
Essa forma mais humana e, portanto, falha e sensível de análise pode se relacionar
com o pensamento complexo de Edgar Morin15. A complexidade de que se vale Morin vem
de encontro ao paradigma da simplificação, pensamento que dominou a ciência desde o
século XVII e que visa reduzir o real a dados quantificáveis, precisos, distintos e
hierarquizados. Ao isolar e categorizar esse real, legitimando-o enquanto científico,
mutilaram-se e reduziram-se todas as características do mesmo fenômeno. E ainda hoje,
quatro séculos mais tarde, vemos esse mesmo paradigma rondar as ciências humanas, com
análises e discursos que desconsideram o objeto de estudo como um todo, concebendo-o
unilateralmente e desperdiçando todas as suas faces e polissemias. O pensamento complexo
não substitui o pensamento simples, ele o integra.
O pensamento complexo reage contra essa situação, sem ser, contudo,
apenas o contrário do pensamento simples, e integra os modos de pensar
simples e complexos numa concepção mais rica. Trata-se da « dialógica » do
simples e do complexo, do separável e do não-separável, da ordem e da
desordem, da « dialógica » entre a lógica clássica e a transgressão lógica
quando esta se impõe, ou antes entre a lógica clássica e a racionalidade
aberta.(MORIN, 2011, on-line)
Uma pesquisadora que tem como referência Edgar Morin, Michel Maffesoli, Carlo
Ginzburg, Clifford Geertz e Erving Goffman não pode ser simplista: precisa, ao contrário,
abraçar os acasos, as inexatidões, a ambiguidade, a contradição, porque isso é próprio do
pensamento humano. E a marca do cientificismo moderno foi exatamente o oposto: separar o
pesquisador de sua subjetividade. Na perspectiva epistemológica da pós-modernidade, tudo
vale, tudo é importante, tudo é caminho e conduz a algum lugar. É essa a proposta do
conhecimento complexo, ele “implica o reconhecimento de um princípio de incompletude e
de incerteza. Mas traz também em seu princípio o reconhecimento dos laços entre as
entidades que nosso pensamento deve necessariamente distinguir, mas não isolar uma das
outras” 16.
Sobre a complexidade, Geertz afirma não ser necessário reduzir o complexo ao
simples para explicar um fenômeno cientificamente, mas substituir uma complexidade menos
inteligível por outra mais inteligível. Ele vai mais adiante ao dizer que “a explicação consiste,
14
Ibid., p.150.
MORIN, Edgar. Introdução ao pensamento complexo. Tradução Eliane Lisboa. 4.ed. Porto Alegre : Sulina,
2011.
16
Ibid., p.7.
15
22
muitas vezes, em substituir quadros simples por outros complexos, enquanto se luta, de
alguma forma, para conservar a clareza persuasiva que acompanha os quadros simples” 17. De
minha parte, tentei, ao máximo, explorar o meu objeto de estudo e através da etnografia
sistematizar alguns dos pontos mais destacados entre o que observei. Por ter a internet como
campo de trabalho, escolhi a expressão netnografia para designar o método desta pesquisa e
na sequência explico o motivo de tal escolha.
2 Por que netnografia?
A pesquisa etnográfica que desenvolvi não foi do tipo “clássico”, já que não estive
fisicamente com as pessoas pesquisadas. A conversa que tivemos foi mediada pelo
computador. As entrevistas foram feitas via ferramentas de comunicação instantânea, como o
MSN, Skype, Google Talk, e o chat do Facebook. Em cinco delas, consegui fazer a entrevista
com áudio e então pude gravá-las. Dadas as devidas semelhanças e diferenças, preferi usar
uma outra nomenclatura para designar o método que utilizei.
Na bibliografia pesquisada, encontrei duas possibilidades de descrever essa
metodologia: netnografia e etnografia virtual18. Decidi usar a primeira, uma vez que a
perspectiva dicotômica real x virtual me parece um tanto confusa e perigosa quando se
pesquisa a internet. A impressão causada é a de que o que acontece on-line é oposto ao que
acontece off-line, enquanto o que acontece é muito mais um prolongamento, na rede, da vida
fora dela. É essa a abordagem utilizada por Daniel Miller e Don Slater 19 ao investigar os
cibercafés em Trinidad.
Miller e Slater questionam a distinção on-line/off-line como o ponto de partida
metodológico e analítico em pesquisa porque “a noção de ciberespaço como um lugar a parte
da vida off-line nos conduziria a esperar observar um processo no qual os participantes estão
absortos e distanciados das relações sociais locais e corporificadas”
20
(tradução livre). Nesse
sentido, e por uma questão mais didática, utilizarei a expressão netnografia em referência ao
método escolhido.
17
GEERTZ, op. cit., p.252.
Há ainda outras possibilidades, como etnografia digital, webnografia e ciberantropologia. Porém, o foco do
trabalho não consiste em problematizar tais diferenças.
19
MILLER, Daniel; SLATER, Don. The Internet: an ethnographic approach. Oxford: Berg, 2001.
20
The notion of cyberspace as a place apart from offline life would lead us to expect to observe a process in
which participants are abstracted and distanced from local and embodied social relations. (MILLER e SLATER,
2000, p.7).
18
23
Conforme Adriana Braga21o neologismo “netnografia” (nethnography = net +
ethnography) foi originalmente cunhado por um grupo de pesquisadores/as norte
americanos/as em 1995, para descrever um desafio metodológico: preservar os detalhes ricos
da observação em campo etnográfico usando o meio eletrônico para seguir os atores. O
objetivo era ainda entender o uso tanto factual quanto virtual a partir de um número de pontos
de vista, e em uma larga escala crescente. Sueli Fragoso, Raquel Recuero e Adriana Amaral 22
indicam Robert Kozinets como popularizador do termo. Segundo elas, Kozinets utilizava o
método em suas pesquisas relacionadas ao marketing e às comunidades de consumo on-line
na metade dos anos 9023. Por se tratar de uma metodologia recente, vale a pena discorrer um
pouco mais sobre suas especificidades.
Seria simplista a afirmação de que a netnografia consiste numa transposição do
método etnográfico para a internet. Ela tem as suas características que, de forma geral, vão da
perspectiva comunicacional entre sujeito observado e pesquisador, além da própria noção de
tempo-espaço. Não se fala em não-lugar, como preconizou Augé24, mas em um território
contínuo ao off-line, uma vez que as pessoas levam consigo suas circunstâncias off-line para
junto de seu comportamento on-line. Dizendo de outra forma, podemos recorrer a Miller e
Slater para quem “a etnografia não pode ser definida pela distinção off-line e on-line, mas ela
certamente precisa ser empregada para que aquela possa ser estudada” 25.
Há muitos pontos a favor e contrários à netnografia. Quando se está mediado por um
computador, perde-se em gestual, em vestígios da comunicação não verbal que certamente
enriquecem uma pesquisa. Quando se conversa com alguém via computador, o texto escrito
substitui a fala, e como não há entonação, é comum se perder nas entrelinhas entre o dito e o
não dito.
No entanto, mesmo sem sair da frente do seu computador, é preciso e possível sair de
sua casa para se juntar a um mundo estranho e se deixar invadir por ele. Também há
vantagens. A facilidade de acesso a dados e pessoas, além do baixo investimento – tudo o que
se necessita é de um computador e um bom serviço de conexão à internet – estão entre
21
BRAGA, Adriana. Usos e consumo de meios digitais entre participantes de weblogs: uma proposta
metodológica. In: XVI Encontro da Compós, na UTP, 2007 Curitiba. Anais eletrônicos. Curitiba: UTP,2007.
Disponível em <http://www.compos.org.br/pagina.php?menu=8&mmenu=0&fcodigo=162>2007. Acesso em:
14 dez. 2011.
22
FRAGOSO, Sueli; RECUERO, Raquel; AMARAL, Adriana. Métodos de Pesquisa para a internet. Porto
Alegre: Sulina, 2011. P.173-174.
23
Segundo FRAGOSO, RECUERO E AMARAL, op. cit., os teóricos divergem quanto à data correta e à autoria
desse neologismo, mas acredita-se que ele se tornou popular na década de 90.
24
AUGÉ, Marc. Não-lugares: introdução a uma antropologia da supermodernidade. Campinas: Papirus, 1994.
25
MILLER e SLATER, op. cit., p.59.
24
algumas delas. Se considerarmos que as pessoas estão se organizando cada vez mais ao redor
de emails, websites, telefones móveis, é preciso desenvolver práticas metodológicas que
analisem e evidenciem isso, levando em conta cada possibilidade de alargamento da
socialidade.
Apesar das especificidades, é preciso lembrar que a netnografia derivou da etnografia,
sendo assim as suas premissas básicas não devem ser deixadas de lado. É possível afirmar,
com Sá26, que se deve manter, numa pesquisa netnográfica: a postura inicial de estranhamento
do pesquisador em relação ao objeto; a subjetividade como elemento fundante; os dados
obtidos como “nossas próprias construções sobre interpretações de outras pessoas”, portanto
interpretações de segunda e terceira mão; o relato etnográfico como uma tradução cujo texto
resultante está entretecido por textualidades múltiplas.
A netnografia contribui para ampliar o leque epistemológico nas ciências sociais e
humanas, uma vez que opera, a exemplo da etnografia, de forma microscópica, preocupada e
atenta aos detalhes e à narrativa que dali será desenvolvida. A partir de negociações consigo
próprio e com o pesquisado, o pesquisador se envolve em situações de troca e descobertas
permeadas por sentimentos, afetos e incertezas cujo resultado evocará aspectos do grupo
analisado de forma sistematizada.
Para o exercício de alinhar a netnografia à etnografia, é preciso lembrar a matériaprima de que ambos os métodos se valem: os homens, as pessoas. Sobre isso, é importante
citar aquele que foi o pai da etnografia e que foi buscar em ilhas longínquas e com território
delimitado alguma semelhança conosco. Malinowski dizia que na etnografia embora as fontes
sejam facilmente acessíveis, elas são dúbias e complexas e não se encontram materializadas
em documentos fixos e concretos. Por isso a distância entre o material bruto coletado e a
apresentação final dos resultados.
Na etnografia, o autor é ao mesmo tempo, o seu próprio cronista e
historiador; suas fontes de informação são, indubitavelmente, bastante
acessíveis, mas também extremamente enganosas e complexas; não estão
incorporadas a documentos materiais fixos, mas sim ao comportamento e
memória de seres humanos. Na etnografia, é frequentemente imensa a
distância entre a apresentação final dos resultados da pesquisa e o material
bruto das informações coletadas pelo pesquisador através de suas próprias
observações, das asserções dos nativos, do caleidoscópio da vida tribal
(MALINOWSKI, 1976, p.22-23).
26
SÁ, Simone. Netnografias nas redes digitais.In: PRADO, J.L. Crítica das práticas midiáticas. São Paulo:
Hacker Editores, 2002. p.159.
25
Semelhanças e diferenças à parte entre etnografia e netnografia, é preciso pontuar que
se na primeira o pesquisador ao invés de estudar as aldeias, estuda nas aldeias, na segunda ele
não estuda as redes, mas nas redes27. A minha presença na rede e o desenvolvimento da
pesquisa serão explicitados no próximo tópico.
3 A entrada no campo: perambulando on-line
Por realizar uma netnografia, com todas as características até aqui descritas, posso
dizer que não fui a campo no sentido estrito do termo; na verdade, não consigo separar o antes
e o depois do campo porque estive o tempo todo nele, muito antes de iniciar a pesquisa.
Estar conectado à internet e aos sites de redes sociais é uma prática diária para mim.
Tenho perfis no Orkut e no Facebook há algum tempo e os dois sites configuram nos meus
favoritos. Foi daí que surgiram as indagações que resultaram na presente pesquisa. A principal
delas era o motivo das fotografias no site. Percebia que praticamente todos os usuários
apresentavam fotografias e o tipo delas era parecido. Alguns tinham muitas, outros o
suficiente para ser vistos. De um jeito ou de outro, as pessoas despendiam certo tempo
descarregando as fotografias no site, além do tempo arrumando, cortando, centralizando-as.
Isso sem falar naquelas que faziam montagens e manipulavam as imagens utilizando o famoso
photoshop. Tudo isso me parecia contrariar um pouco a ideia de que as pessoas estão cada vez
mais sem tempo, que o corre-corre do dia a dia as impede de conversar com os outros. Ter
tempo para se preocupar com as fotografias que publicam parecia não ser prioridade nesse
contexto.
A partir dessas constatações, iniciei a empreitada da pesquisa. Mas as observações
assistemáticas já ocorriam há certo tempo. E apesar da linha tênue que separa a vida de
pesquisadora e de usuária dos sites, posso descrever como e quando tudo começou.
No inicio de 2012 comecei o processo de adicionar os prováveis sujeitos da pesquisa.
Organizei-me no sentido de adicionar os contatos da minha orientadora, que eram estranhos a
mim, e misturá-los com contatos meus, com os quais não tinha muita proximidade. Sempre
que mandava os convites, explicava quem eu era e o motivo de querer adicionar a pessoa. O
27
Analogia ao que disse Clifford Geertz (1989, p.16) quanto ao trabalho do antropólogo ao se valer da etnografia:
“Os antropólogos não estudam as aldeias (tribos, cidades, vizinhanças...), eles estudam nas aldeias.
26
fato de ter a minha orientadora como amiga em comum facilitava o processo, uma vez que,
diferente do que muitos pensam, as pessoas têm critérios para selecionar seus contatos28.
Nessa mesma mensagem do convite pedia o email da pessoa para que pudesse enviar
os documentos e autorizações da pesquisa29, além de detalhar do que se tratava. Não
demorava e as pessoas começavam a sinalizar, enviando mensagens de carinho e de
compreensão, além dos respectivos e-mails para que aprofundasse a explicação. Nem todas
aceitavam participar. Deparei-me com mensagens de pessoas que diziam: “peraí, então vc só
me adicionou por causa da pesquisa?”, “Amor!! Só não espero que me queiras somente para
ser objeto de estudo!! Quero tua amizade!!! Quero ser teu amigo e não estudo!!!”, “olá, sim
pode me mandar via email, mas entenda eu ñ vou dar dados meus, perdão mas é assim que
sou. Veja estou sendo sincera logo é minha maneira de ser ok! Beijos e me entenda”. Um
deles se justificou:
Desculpe, mas pelo que entendi você quer minha autorização para expor
meus comentários depoimentos, entre outros, e ainda tenho que assinar um
termo de autorização de meu material? Preciso conhecer vc melhor antes de
fazer isso, se eu puder ajudar de outra maneira sem expor minha pagina,
meus dep. e mensagens posso até ajudar mas assinar esse termo ai desculpe,
mas no momento não30.
Alguns se sentiram incomodados por expor o material que publicam nos sites, outros
não queriam “apenas” ser sujeitos da pesquisa. Mas, no geral, posso dizer que fui muito bem
acolhida. Mesmo sem me conhecer, as pessoas demonstravam carinho e vontade de ajudar.
Escreviam dizendo: “seja sem vinda, amiga! Estou a postos para o que precisar”, “seja bem
vinda, espero que minhas mensagens possam ajudá-la quando necessário. Deus abençoe”,
“ficarei feliz em poder ajudar”, “ Gostei da iniciativa e aqui estarei sempre às ordens
tentando colaborar como merecem; abraços”, “Onde eu puder ajudar, conte comigo”,
“Fique à vontade, use-me e abuse-me, kkkk”, “Estou à disposição para contribuir com sua
pesquisa”, “No que precisar pode contar comigo, é só falar”, “Que bom que posso te
ajudar”, “Posso te ajudar sim...sem problemas!”, “Conte comigo. Grande beijo”, “espero
que vc tenha sucesso na sua pesquisa!”, “será um prazer poder te ajudar”, “Boa sorte com
seu trabalho. No que mais precisar, é só falar”.
Um contato, na impossibilidade de participar, conversou com uma amiga e a indicou
para ser sujeito da pesquisa. Disse que “não ia me deixar na mão”. Outra, mesmo em
28
Falarei mais sobre essa questão na terceira parte do trabalho.
Ambos os documentos constam nos anexos.
30
Durante todo o trabalho, mantive a grafia original das transcrições dos meus informantes.
29
27
tratamento médico, aceitou participar da pesquisa. A entrevista foi agendada para um dia que
ficaria em casa, de repouso, logo após um procedimento médico.
Em relação àqueles que já eram meus contatos, nem todos se dispuseram a participar.
Alguns não respondiam os e-mails e não encaminhavam as autorizações. E outros, mesmo
aceitando, queriam saber um pouco mais sobre a pesquisa e perguntavam, na maioria dos
casos, como se daria tal exposição: queriam saber se suas identidades seriam preservadas.
No total, selecionei 50 sujeitos, sendo 25 mulheres e 25 homens, cujas idades variam
entre 18 e 68 anos. Era uma preocupação inicial trabalhar com a heterogeneidade da internet,
e mostrar que pessoas de várias idades se conectam todos os dias aos sites, não apenas os mais
jovens. O número 50 representa a quantidade de pessoas que responderam as minhas
solicitações e se disponibilizaram a participar da pesquisa dentro do prazo estipulado para o
aceite.
Selecionados os sujeitos, era hora de começar a selecionar o material para compor o
corpus do trabalho. Os álbuns dos perfis foram escolhidos e, um a um, percorri todas as
fotografias que compõem cada um deles. Essa perambulação levou em consideração o que
disse Yves Winkin31 sobre o trabalho etnográfico e os três saberes que envolvem. Nessa fase,
a competência que estava em questão era “saber ver”. Precisava procurar por entre os
inúmeros dados aquilo que me interessava, ou seja, as fotos que falavam muito a respeito do
grupo analisado e, mais do que isso, da nossa sociedade. Além de saber ver, Winkin relaciona
outras duas habilidades que estão em jogo no trabalho etnográfico:
Para mim, a etnografia é ao mesmo tempo uma arte e uma disciplina
científica, que consiste em primeiro lugar em saber ver. É em seguida uma
disciplina que exige saber estar com os outros e consigo mesmo, quando
você se encontra perante outras pessoas. Enfim, é uma arte que exige que se
saiba retraduzir para um público terceiro (terceiro em relação àquele que
você estudou) e, portanto que se saiba escrever. Arte de ver, arte de ser, arte
de escrever. São estas três competências que a etnografia convoca.
(WINKIN, 1998, p.132)
Como a maioria dos sujeitos tinham perfis tanto no Facebook quanto no Orkut o
trabalho era dobrado: era preciso coletar as fotos em ambos os sites. Entre os homens, 21
deles tinham conta nos dois sites; três tinham conta apenas no Facebook e um deles só tinha
Orkut. Com relação às mulheres, 23 tinham perfis nos dois sites e duas possuíam apenas o
Facebook.
Esse trabalho durou seis meses, além das observações assistemáticas. As mulheres
possuem mais fotos: no Orkut, as 25 somaram um total de 24.173 fotos, e no Facebook
31
WINKIN, op. cit., pp 129-145.
28
10.915 fotos. Já os homens apresentaram 4.616 fotos no Orkut contra 3.067 no Facebook. É
claro que de lá para cá todos eles publicaram mais fotos. O recorte foi feito no período de dois
meses e a coleta de dados acontecia logo que eu recebia a autorização dos sujeitos por escrito.
Depois de coletadas, era a hora de analisá-las. E de novo, aqui, era preciso não só saber ver,
mas tentar ordenar o caos provocado pelo mar de dados.
Com algumas informações e dados sobre as fotos, iniciei as entrevistas. As conversas
com os cinquenta sujeitos foram feitas no período de meados de abril a meados de maio de
2012. Agendei os horários com cada um de acordo com sua disponibilidade e, no caso de
pessoas que não moravam em Mato Grosso ou que no momento não estavam no Brasil32, me
atentei à diferença de fuso horário.
Em praticamente todos os casos, encontrava as pessoas on-line esperando por mim no
horário combinado. Digo praticamente porque só tive dois sujeitos que não puderam me
atender no dia e horário marcados e não avisaram também. No dia seguinte, depois de deixar
mensagens em seus perfis eles me retornaram e combinamos um novo dia e horário. Em outra
situação, uma entrevistada me mandou mensagens nos perfis do Orkut e do Facebook,
pedindo desculpas por não poder realizar a entrevista naquele dia porque tinha que levar o
filho enfermo para o hospital. Em todos os demais casos, tudo correu normalmente. Conversei
com pessoas de manhã, à tarde e à noite, inclusive nos finais de semana. Além de prestativas,
muitas se diziam gratas por ter sido escolhidas para participar da pesquisa.
Mesmo mediadas por um computador e, às vezes, sem ao menos conhecer umas as
outras, as pessoas se ajudam mutuamente. Praticam uma forma de solidariedade que destoa
das falas carregadas de ódio em relação ao presente: aquelas que insistem em falar que a
internet e o que ela oferece estão acabando com as relações humanas face a face, distanciando
as pessoas, tornando-as mais individualistas e sozinhas.
O que vi, tanto nas conversas quanto nas fotos e no perfil como um todo, foi uma
necessidade de prolongar os vínculos afetivos off-line somado ao desejo de conhecer novas
pessoas. Essas características evidenciam a “lei dos irmãos”33 que predomina na pósmodernidade, contra a “lei do pai”, que se manteve durante toda a modernidade. Ou seja, não
há como negar o reaparecimento de um imaginário da fraternização, de altruísmos coletivos,
que com mais ou menos força estão presentes no coração dos homens. Ao invés de um Pai
32
Entre os informantes, dois deles estavam fora do país durante a pesquisa: um na Inglaterra e o outro em
Portugal.
33
Cf. MAFFESOLI, Michel. A leis dos irmãos. In: Revista Famecos, Porto Alegre, v.19, n.1, p.6-15, janeiro/abril
2012. Disponível em: < http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/revistafamecos/article/view/11337>,
p.6-15. Acesso em: 09 mai. 2012.
29
soberano que prove os filhos e os instrui, o que se vê são irmãos que colaboram e comungam
entre si saberes, pensamentos, vivências. A relação não é mais vertical, mas se estabelece
horizontalmente entre as pessoas, e é isso o que evidenciam os SRS. Parafraseando Maffesoli,
assistimos ao “deslizamento atual da verticalidade do poder para a horizontalidade da
fraternidade” 34.
34
Idem, 2011, p.45
30
B
A INTERNET ENQUANTO CAMPO DE INVESTIGAÇÃO: O
COTIDIANO E O CONTEMPORÂNEO EM FOCO
“Por trás das técnicas agem e reagem ideias”.
Pierre Lévy
N
ão foi à toa que escolhi a internet como locus desta pesquisa. A decisão levou em
conta o fato de não ser mais possível analisar os fenômenos sociais
contemporâneos e, portanto, urbanos, ignorando as tecnologias e a relação estabelecida entre
elas e a sociedade. De minha parte, resolvi trabalhar com a internet35, “talvez o mais
revolucionário meio tecnológico da Era da Informação”
36
, por perceber o quanto ela está
presente em nosso dia a dia. Em qualquer esfera da vida social há a possibilidade e, às vezes,
obrigação de estar conectado: as escolas já adotam atividades específicas para a internet; em
casa, é difícil passar um dia sem, ao menos, checar e-mails; no trabalho, dependendo da
profissão, não há como exercê-la sem um computador com acesso à internet; sem falar no
lazer, que está cada vez mais eletrônico e virtual: games, chats, filmes, sites de redes sociais e
etc divertem e promovem certa união entre os usuários. Nesse contexto, é possível afirmar
que em muitos aspectos da vida cotidiana nos encontramos mediados por um computador.
Essa nova estrutura social, marcada pela presença e pelo funcionamento de um sistema
de redes interligadas é chamada de sociedade em rede por Manuel Castells. O fluxo incessante
de informação auxiliado pelo aparato tecnológico constitui a chamada era da informação.
Nela, “a lógica do funcionamento de redes, cujo símbolo é a Internet, tornou-se aplicável a
todos os tipos de atividades, a todos os contextos e a todos os locais que pudessem ser
conectados eletronicamente”37. Dessa forma, nenhum campo da atividade social resiste
incólume, da economia às relações interpessoais.
35
A grafia de internet com letra minúscula segue o entendimento de que esta palavra é um substantivo comum,
não um nome próprio. (MARKHAM e BAYM 2009, p.VII apud FRAGOSO; RECUERO; AMARAL, 2011,
p.23).
36
CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. A era da informação: Economia, Sociedade e Cultura; v.1
tradução: Roneide Venâncio Majer; 6. Ed. São Paulo: Paz e Terra, 1999, p.82
37
Ibid., p.89.
31
A constatação de José Machado Pais38 quanto à velocidade da vida nas metrópoles
parece não encaixar a internet na sua perspectiva. Ele afirma que vivemos o paradigma do
encontrão decorrente do apressuramento da vida urbana e da nossa consequente falta de
tempo. Nessa situação, tendemos a privilegiar o olhar em detrimento da escuta: “Hoje, com o
apressuramento da vida, as orelhas moucas fogem dos contadores de histórias, não há tempo
para as memorizar nem para as recriar nos confins da recordação”39. O encontrão, explica o
autor, retrata o sentido de ir contra ou em contra alguém. A etimologia da palavra, derivada do
latim incontra, remete para a descoberta, mas também para o choque. Esse comportamento
seria visível em todas as esferas da sociedade: em casa, na rua, no trânsito, no trabalho.
O que tenho presenciado, no entanto, é um elogio a lentidão, muitas vezes auxiliado e
impulsionado pela tecnologia. A despeito da eterna falta de tempo anunciada, na internet
sempre há tempo de conferir o último vídeo de sua banda favorita, de assistir a uma gravação
inusitada de um bebê cantando ou de um bichano fazendo graça. Por mais afazeres que
tenhamos, é difícil deixar de ver as imagens do casamento de uma conhecida ou mesmo de
postar algumas fotografias no seu álbum num SRS. Para nada. Mesmo sem finalidade
reconhecida, despendemos bastante tempo nessas ações. E elas dão notícia de uma inversão
de paradigmas, característica da pós-modernidade: ao invés do encontrão proposto por Pais,
retomamos, ainda que sob novos contornos, o paradigma da lentidão característico das
sociedades arcaicas.
A profusão de imagens e símbolos que percorrem a rede favorece não apenas o olhar,
mas também a escuta. Ao invés do choque, estamos sempre buscando encontros com outros.
E compartilhando histórias, experiências, dores, alegrias. A publicização do privado acirrouse com o advento das novas tecnologias da informação e da comunicação e passou a ser um
vetor de agregação social, já que ser visto é também estar junto.
Interligados por cabos de fibras óticas, os internautas apreciam cada instante: os
games, os chats, os blogs, os vídeos, as fotos, tudo tem sentido nesse estar-junto para nada.
Um nada que não é físico, mas como lembra Maffesoli40, “toca o outro”. Nesse contexto, o
que se quer não é apenas “dar nas vistas”, como proposto por Pais enquanto lema do
paradigma do encontrão. Além de ser vistos, os transeuntes do virtual querem ser escutados.
As frases do perfil dos SRS, os vídeos postados, os blogs, todos querem compartilhar as
38
PAIS, José Machado. Lufa-lufa quotidiana: ensaios sob e a cidade, cultura e vida urbana. Lisboa. Imprensa de
Ciências Sociais, 1ª Ed. 2010.
39
Ibid., p.40.
40
MAFFESOLI, Michel. No fundo das aparências. Petrópolis: Vozes, 1996. p.161
32
alegrias, tristezas, emoções, só para se sentirem vivos e comungarem do mesmo divino. São
essas práticas, que parecem desprovidas de sentido, que fazem com que o tempo se imobilize
para os participantes da festa virtual. A lentidão marcante de um tempo arcaico retoma
vigorante e “hoje vemos despontar um elogio da lentidão, incluindo a ociosidade; a vida não é
mais que uma concatenação de instantes imóveis, de instantes eternos, dos quais se pode tirar
o máximo de gozo. 41” A tecnologia, criticada por promover um isolamento, pode estar nos
ligando cada vez mais. Eis a pertinência de estudar tal fenômeno.
Como objeto de pesquisa, a internet aparece, cada vez mais, em diferentes áreas do
conhecimento, caracterizando, assim, o caráter interdisciplinar e multifacetado do novo meio.
O fato de a sociedade estar em rede muda a maneira como se produz, consome, e distribui
informação e parece estar aí o trunfo da internet enquanto campo de investigação. Apesar da
popularidade nas universidades, ainda é cedo para caracterizar os estudos sobre a internet
como uma disciplina. No entender de Nancy Baym42, para ser considerada uma disciplina é
preciso que haja uma forma organizacional clara, com uma estrutura física que contemple
departamentos, centros de pesquisa, secretaria, além de servir de apoio às associações
acadêmicas, periódicos e conferências. Disciplinas também compartilham temas centrais e
utilizam termos comuns, sem contar no consenso acerca de metodologias e quadros teóricos,
bem como critérios para avaliação. Por esses motivos, fala-se em internet enquanto um campo
e não uma disciplina, que “oferece o potencial para preencher as lacunas entre as
disciplinas”43.
É nítida a participação da internet na vida das pessoas, porém é necessário atentar para
um risco quando se pesquisa esse ambiente. Para Fragoso, Recuero e Amaral44, ao especificar
a internet como universo de observação implicitamente damos abrigo à ideia de uma ruptura
entre o que está ou acontece “dentro” da rede e o mundo “fora” dela. O “real” e o “virtual”
são, nesse caso, tidos como instâncias dicotômicas e é preciso corrigir esse mal entendido
ressaltando que não existe oposição entre esses pólos, apenas uma outra forma de existência,
que não é física, mas nem por isso é menos real. Essa falácia reduz as perspectivas de
compreender qualquer fenômeno social mediado por um suporte técnico, uma vez que a
41
MAFFESOLI, Michel. O instante eterno: o retorno do trágico nas sociedades pós-modernas. São Paulo: Zouk
2003. Trad. Rogério de Almeida, Alexandre Dias. p.8.
42
BAYM, Nancy K. Internet Research as it isn´t, is, could be and should be. In: The Information Society, 21.
On-line. p.229-234.
43
Ibid. p.231.
44
FRAGOSO, Sueli; RECUERO, Raquel; AMARAL, Adriana. Métodos de Pesquisa para a internet. Porto
Alegre: Sulina, 2011. p.54.
33
tendência é a de analisá-lo de forma hiperreal e encantada ignorando, assim, as formas de
socialidade, subjetividade e de vinculação social que o novo meio proporciona.
Invocando Geertz, procedendo assim estaríamos reduzindo as possibilidades de
significação que as teias – cultura (s) – do tecido social apresenta. A interdisciplinaridade da
internet enquanto universo de observação mostra que o que acontece na rede não pode ser
entendido como uma redução de signos sociais, como uma cultura autossuficiente e alienante,
mas, como local onde as fronteiras entre on-line e off-line interagem.
Nesse sentido, os âmbitos não podem ser isolados, mas precisam se integrar de modo a
conferir à pesquisa a fidedignidade dos fenômenos sociais que se prolongam na internet,
afinal, “o mundo constituído por essa rede de redes não existe lá fora, independentemente da
nossa própria experiência individual dele; nem é a internet ‘o mundo’, mas sim um mundo online para o qual nós todos levamos as particularidades do nosso lugar na sociedade off-line”
45
.
Dessa forma, a abordagem desse trabalho vem ao encontro do que propuseram Daniel
Miller e Don Slater46: não buscar os “usos” ou os “efeitos” deste novo meio. Antes, se
preocupar em olhar como os membros de uma determinada cultura se percebem e interagem
nesse meio comunicativo em transformação. Também não falarei sobre os “impactos” das
novas tecnologias digitais na sociedade, pois compreendo, com Lévy, que a tecnologia não
pode ser comparável a um projétil (pedra, míssil, obus) e a cultura ou sociedade a um alvo
vivo, como se uma viesse de encontro à outra. A metáfora bélica só faz reduzir a
complexidade da relação homem-máquina.
Pela literatura já existente sobre o assunto, acredito ser dispensável incluir um
histórico sobre a internet. Relatos completos foram já escritos e seria desnecessário compilar
informação que está em todo lugar, inclusive na própria internet. Vou, no entanto, fazer uma
breve referência às primeiras fases do desenvolvimento da rede de redes, já que este é o início
da explosão telemática que assistimos desde o século passado.
45
HART, Keith. Notes towards an anthropology of the Internet. In: Horizontes Antropológicos, Porto Alegre,
ano 10, n. 21, p. 15-40, jan./jun. 2004, p.16.
46
T4fMILLER e SLATER, op. cit., p.1.
34
1
Breve panorama da internet
Os computadores nasceram como consequência da 2ª Guerra Mundial, na Califórnia,
em 1946. De lá pra cá, a revolução tecnológica difundiu-se de maneira natural, em um
período histórico de reestruturação global do capitalismo, para o qual a tecnologia foi uma
ferramenta básica.
Uma revolução tecnológica concentrada nas tecnologias da informação
começou a remodelar a base material da sociedade em ritmo acelerado.
Economias por todo o mundo passaram a manter interdependência global,
apresentando uma nova forma de relação entre a economia, o Estado e a
sociedade em um sistema de geometria variável. (CASTELLS, 2008, p. 39).
A internet, espinha dorsal da CMC – Comunicação Mediada por Computador – foi
criada no ano de 1969 com o nome de ARPANET, a rede projetada pela Agência de Projetos
de Pesquisa do Departamento de Defesa dos EUA, cujo objetivo era criar um sistema de
transmissão de informações militares estratégicas que resistisse aos ataques nucleares no
contexto da Guerra Fria.
Ao final dos anos 80 existiam muitos computadores conectados, mas principalmente
computadores acadêmicos instalados em laboratórios e centros de pesquisa. Foi só nos anos
1990, com um novo salto tecnológico, que a internet foi difundida na sociedade em geral: a
criação de um novo aplicativo, a teia mundial (world wide web – WWW), que interligava
mundialmente todos os computadores, organizava o teor dos sítios da internet por informação
e não por localização, e oferecia aos usuários um sistema fácil de pesquisa. Pela primeira vez,
a rede ganhava uma interface gráfica amigável, baseada em hipertexto e multimídia, que
permitia aos usuários acessarem qualquer informação com um simples clique do mouse. Já
não era mais preciso aprender uma série de comandos complicados para navegar na internet.
Desta forma, ela se tornou muito mais interessante e fácil de acessar, atraindo um grande
número de internautas.
A invenção aconteceu no Centro Européen poour Recherche Nucleaire (CERN), em
Genebra em 1990, e só foi possível graças ao trabalho de um grupo de pesquisadores do
CERN chefiado por Tim Berners-Lee. O CERN distribuiu o software WWW gratuitamente
pela internet, e os primeiros sites da web foram criados por grandes centros de pesquisa
científicas espalhados pelo mundo. 1994 é considerado o ano de nascimento da internet, tal
35
como o público a conhece atualmente47. A partir desta data, surgiram novos navegadores e “o
mundo inteiro abraçou a internet, criando uma verdadeira teia mundial”
48
. Do campo da
investigação militar, os computadores e as redes logo invadiram o dia a dia acadêmico, mais
tarde as empresas, e finalmente os cidadãos.
No desenvolvimento da rede internet, como observa Sá49, dois impulsos estavam em
jogo: por um lado, a instituição militar e suas estratégias de defesa; por outro, a contracultura
computacional utópica e libertária, representada por jovens interessados nesta nova tecnologia
de comunicação cujas descobertas eram divulgadas gratuitamente, impulsionando o
desenvolvimento do computador pessoal como ferramenta amigável, a ser utilizada por
pessoas sem domínios de programação.
Castells relata que esse outro lado da história, o da contracultura, nasceu nos EUA
com os efeitos dos movimentos da década de 60 em sua versão mais libertária/utópica. Os
“hackers”, pioneiros dessa contracultura e assim batizados antes da conotação negativa que
teriam mais tarde, foram os que inventaram o modem, importante descoberta tecnológica
criada por dois estudantes de Chicago em 1978. Assim, pode-se contextualizar o advento da
internet como uma contribuição da cultura dos hackers da década de 70 aliada a um projeto de
cunho político-científico.
Em “Hackers – heroes of the computer revolution”, o jornalista americano Steven
Levy reúne um histórico dos verdadeiros inventores da tecnologia que nos proporciona, desde
a década de 60, vivenciar uma nova experiência com a técnica. Apesar da carga pejorativa que
o termo adquiriu com o passar do tempo, os hackers “eram aventureiros, visionários, aqueles
que se arriscavam, artistas, e os que mais viram claramente por que o computador era uma
ferramenta verdadeiramente revolucionária”50. Por meio de entrevistas, o autor recolheu
informações para apresentar e contar as estórias dos hackers das décadas de 50 e 60, 70 e 80
até os últimos remanescentes. Eles são protagonistas, ainda que oficialmente excluídos, da
revolução provocada pelos computadores e nos apresentaram um novo estilo de vida. São, por
isso, chamados de “heróis” por Levy.
Da mesma forma, em Rheingold51 é possível observar a adaptação da rede e a
importância dos chamados hackers para uma mudança na sua concepção. O autor lembra que
“as alterações tecnológicas mais profundas vieram da periferia e das subculturas, e não da
47
RÜDIGER, Francisco. As teorias da cibercultura: perspectivas, questões e autores. Porto Alegre: Sulina,
2011, p.17.
48
CASTELLS, op. cit. p.89.
49
SÁ, op. cit. p.150.
50
LEVY, Steve. Hackers: heroes of the computer revolution. Califórnia:O’Reilly, 2010. Prefácio.
51
RHEINGOLD, Howard. A comunidade virtual. Tradução Helder Aranha. 1.ed. Lisboa: Gradiva, 1996.
36
ortodoxia da indústria informática e dos meios acadêmicos das ciências da computação” 52.
Ele atribui aos hackers o sucesso e a popularização da informática e do computador ao afirmar
que “sem eles, a investigação no âmbito do projeto ARPA, do Departamento de Defesa, nunca
teria tido sucesso na criação da computação gráfica, das comunicações por computador e dos
antecedentes da informática pessoal” 53.
As empresas e instituições foram as principais protagonistas do processo de ocupação
do ciberespaço, o novo campo de comunicação da sociedade. De acordo com Rüdger, esse
termo foi elaborado pioneiramente pelo livro Neuromancer (1984), de William Gibson, pelo
filme Tron (1982), de Steven Lisberger, e pelo álbum Cumputer world (1981), do conjunto
alemão Kraftwerk. O termo ciberespaço é um “espaço criado artificialmente pela
convergência entre o mundo on-line gerado pelas redes telemáticas e as projeções digitais e
imaginárias dos sujeitos que, direta ou indiretamente, interagem por seu intermédio”54.
Depois de 2000, foram as redes sociais que apareceram com força na internet, mas o
embrião desses sistemas havia surgido muito antes com as primeiras comunidades virtuais
que visavam ajudar as pessoas de diversas formas. Aspen, Santa Mônica ou WELL (Whole
Earth ‘Lectronic Link) descrita por Rheingold em seu livro “A comunidade virtual” são
alguns exemplos. É só com o microcomputador que a internet começa a se disseminar a partir
desse tipo de ferramenta de socialização, como também das listas de discussão e das primeiras
BBS (Bulletin Board System).
No início da década de 80, antes de os primeiros computadores pessoais se
popularizarem, Howard Rheingold, em seu livro “Tools for thought”, já adiantava:
Antes dos alunos da primeira série de hoje se graduarem no ensino médio,
centenas de milhões de pessoas em várias partes do mundo se juntarão para
criar novos tipos de comunidades humanas, fazendo uso de uma ferramenta
que um número pequeno de pensadores sonhavam ao longo do século
passado55. (tradução livre)
A profecia se concretizou e a internet tem sido responsável por uma verdadeira
revolução no campo da comunicação e das relações sociais. Em 1993 o número de
computadores conectados ao redor do mundo era de 1,7 milhão. Em 1997, este número saltou
para 20 milhões. Em 2010, um estudo divulgado pela União Internacional de
Telecomunicações (ITU, em inglês), apontou que o número de internautas no mundo superava
52
Ibid., p.20.
Ibid., p.68.
54
RÜDIGER, op. cit., p.291.
55
Before today's first-graders graduate from high school, hundreds of millions of people around the world will
join together to create new kinds of human communities, making use of a tool that a small number of thinkers
and tinkerers dreamed into being over the past century.” (RHEINGOLD, 1985, on-line)
53
37
os dois bilhões56·. Só no Brasil, segundo estudo do Yankee Group57, eram 42,3 milhões de
usuários de internet em 2006, quase o triplo do número existente no final de 2001. Hoje,
segundo pesquisa Ibope, contabiliza-se 83,4 milhões de pessoas com acesso à internet de
qualquer ambiente, como domicílio, trabalho, escola, lan houses e outros. Todos esses
números sugerem uma mudança expressiva no modo como a sociedade se informa e
comunica. As novas tecnologias digitais passaram a exercer o papel de informar e entreter
antes restritos às mídias clássicas.
O gráfico a seguir dá uma dimensão do crescimento do número de pessoas com acesso
à internet, de 2009 a 2012.
Gráfico 1 - Evolução do número de pessoas com acesso a internet em qualquer ambiente, de 2009 a 2012.
Fonte: IBOPE Nielsen Online
No dizer de Fernando Villela58, a internet é a responsável pelo fenômeno da
“revolucionária anarquia” no processo das mídias. O modelo clássico de comunicação “um muitos” torna-se obsoleto, uma vez que a rede é por natureza um veículo de expressão
“muitos-muitos”.
O que Palacios considera como revolucionário em relação às novas tecnologias
digitais é que, pela primeira vez, há a junção entre comunicação massiva e interatividade, pois
no tocante às outras mídias, como telefone, televisão, rádio, mídias impressas, a dissociação
entre massivo e interativo era clara: ou uma coisa, ou outra. Mas, “a comunicação telemática é
56
Disponível em: <http://economia.uol.com.br/ultimas-noticias/valor/2010/10/19/numero-de-internautas-nomundo-supera-2-bilhoes-em-2010.jhtm> Acesso em: 14 fev. 2012.
57
Pesquisa batizada de “The second wave: the Brazilian Internet user forecast”. Informação retirada do livro
Jornalismo Digital, de Pollyana Ferrari (2008).
58
VILLELA, Fernando. In: CALDAS (Org.). Deu no Jornal. 2. Ed-Rio de janiero: PUC Rio, 2002. p.173.
38
massiva
e
interativa”59.
Interatividade,
memória,
multimídia,
hipertextualidade,
personalização, essas características fazem com que as novas tecnologias se tornem vetores de
agregação social e possibilitem recombinações de informações nos mais variados formatos.
Em relação às críticas quanto ao alcance massivo da internet, vale pensar nas milhares
de lan houses espalhadas pelo país. Elas estão promovendo a inclusão digital prometida pelo
governo. Estamos vivendo, como escreveu Lemos60, “um rito de passagem da era industrial à
pós-industrial, da modernidade dos átomos à pós-modernidade dos bits”.
Diante deste cenário, há apenas uma assertiva: já não somos como antes. Melhor, já
não nos relacionamos como antes. As práticas, atitudes, modos de pensamento e valores estão,
cada vez mais, sendo condicionados pelo novo espaço de comunicação que surge da
interconexão mundial dos computadores: o ciberespaço. E isso para o bem e para o mal.
Pierre Lévy61 diz que a internet é um espaço de comunicação propriamente surrealista,
do qual nada é excluído, nem o bem, nem o mal, nem suas múltiplas definições, nem a
discussão que tende a separá-los sem jamais conseguir. A internet encarna a presença da
humanidade a ela própria, já que todas as culturas, todas as disciplinas, todas as paixões, aí se
entrelaçam. Ela manifesta a conexão do homem com a sua própria essência que é a aspiração
à liberdade.
O foco então, quando se estuda a (e na) internet não é simplesmente se posicionar
contra ou a favor da nova mídia digital, como num julgamento entre apocalípticos e
integrados, mas reconhecer as mudanças qualitativas na cultura e sondar o que está
acontecendo. Aos tecnofóbicos e aos que se opõe à internet, fiquem tranquilos:
A mente humana não será substituída por uma máquina, pelo menos não
num futuro previsível. Mas, há pouca dúvida, que a eficácia mundial dos
amplificadores de fantasia, kit de ferramentas intelectuais e comunidades
interativas eletrônicas mudarão a maneira que as pessoas pensam, aprendem
e comunicam62. (tradução livre)
De forma rizomática, a internet atua como um suporte técnico para discursos não
lineares, apropriação de imagens, espaço de jogos e, acima de tudo, de criação de relações
59
PALACIOS, Marcos. Cotidiano e sociabilidade no cyberspaço: apontamentos para discussão. In: Encontro
nacional
da
Compós.
Rio
de
Janeiro,
1995,
on-line.
Disponível
em:
<http://www.comunidadesvirtuais.pro.br/hipertexto/biblioteca/palacios.pdf >. Acesso em: 08 fev. 2012.
60
LEMOS, André. Cibercultura: Tecnologia e vida social na cultura contemporânea. -5. Ed. - Porto Alegre:
Sulina, 2010.
61
LÉVY, Pierre. Uma perspectiva vitalista sobre a cibercultura. In: LEMOS, André. Cibercultura: tecnologia e
vida social na cultura contemporânea. 5ª edição. Porto Alegre: Sulina, 2010 p.12.
62
The human mind is not going to be replaced by a machine, at least not in the foreseeable future, but there is
little doubt that the worldwide availability of fantasy amplifiers, intellectual toolkits, and interactive electronic
communities will change the way people think, learn, and communicate. (RHEINGOLD, 1985, on-line.)
39
afetivas. Sendo um produto social, a internet e as demais tecnologias digitais de comunicação
e informação apontam caminhos para entender o tempo presente sob o ponto de vista da
contemporaneidade enquanto território plural.
Elas ratificam um rompimento com os
paradigmas da modernidade e não se estabelecem em um nível político, mas da ordem da
fusão63. Esta é a proposta da cibercultura.
A cibercultura é a palavra criada para dar conta dos fenômenos que nasceram a partir
das novas tecnologias de comunicação que, no dizer de um dos precursores no assunto, Pierre
Lévy64, representa o conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de
modos de pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do
ciberespaço. Ela nasceu nos anos 50 com a informática e a cibernética, começou a se tornar
popular na década de 70 com o surgimento do microcomputador e se estabeleceu
completamente nos anos 80 e 90, com a informática de massa e com as redes telemáticas,
principalmente com o boom da internet. Nesse sentido, em estrito senso, podemos afirmar que
os computadores e a internet já são efeito do que se pode chamar de cibercultura65.
Pode-se afirmar, a partir de Lemos66, que a cibercultura consiste na conjunção do
ciberespaço, enquanto uma tecnologia retribalizante, com a sociabilidade contemporânea. Ela
formou-se com a microinformática e atingiu consistência na metade dos anos 80, com a
popularização do ciberespaço e sua inserção na cultura contemporânea. Sua dinâmica e
definição foram explorados por Lévy. Para ele, “longe de ser uma subcultura dos fanáticos
pela rede, a cibercultura expressa uma mutação fundamental da própria essência da cultura”
. O que a cibercultura promove, diz o autor, é a “universalidade sem totalidade”, ou seja, ela
67
não é universal porque está em toda a parte, mas porque a sua forma ou sua ideia implicam de
direito o conjunto dos seres humanos. Dizendo de outra forma, a interconexão mundial de
computadores forma a grande rede, mas cada nó dela é fonte de heterogeneidade e diversidade
de assuntos, abordagens e discussões, em permanente renovação. Algo novo se comparado às
sociedades orais e escritas, mas não como uma negação destas formas de linguagem e sim
como prolongamento delas, pois “a cada etapa da evolução da linguagem, a cultura humana
torna-se mais potente, mais criativa, mais rápida”68.
Em seu livro, Francisco Rüdger sugere a ideia de cibercultura como
63
Ver MAFFESOLI Michel, 1998. O tempo das tribos: o declínio do individualismo nas sociedades de massa. 2
ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1998.
64
LÉVY, Pierre. Cibercultura; tradução de Carlos Irineu da Costa. São Paulo: Ed. 34, 1999, p.17.
65
Cf. RÜDIGER,2011.
66
LEMOS, 2010.
67
Ibid. p.247.
68
LÉVY, Pierre, 2010. p.12.
40
a exploração do pensamento cibernético e de suas circunstâncias, de acordo
com o projeto que se vai criando historicamente mas que, como tal, vai
incorporando inúmeras ordens de outros fatores, levando sua ideia central, a
de cultivo, a perder a sua conexão originária com aquele pensamento e seus
desenvolvimentos especializados, a projetar-se de um modo cada vez mais
cotidiano e profano, em que só de forma muito mediada, estranha para o seu
sujeito, está em jogo a cibernética (RÜDGER,2011, p.10)
Compilando as diversas teorias da cibercultura, o autor contextualiza o surgimento da
expressão durante a segunda metade do século XX, tendo como criadora a engenheira e
empresária norte-americana Alice Hilton. Fundadora do Instituto de Pesquisas Ciberculturais
(1964), ela foi a pioneira a utilizar a expressão com sentido enfático, referindo-se a uma
exigência ética da nova era da automação e das máquinas inteligentes.
A cibercultura é vista aqui como um novo ethos social, uma nova forma de a
sociedade se relacionar com a técnica, reconhecendo-a no campo da cultura. É uma maneira
de a sociedade falar através de um aparato maquínico. Ela incorpora um saber coletivo e
compartilha diferentes visões de mundo, consumindo, e acima de tudo, produzindo conteúdo
de interesse. É essa nova relação entre o social e a técnica que caracteriza a cibercultura, pois
o fato de a sociedade lidar com aparatos técnicos não é, em si, algo novo. “O mundo humano
é ao mesmo tempo, técnico” 69. Mas a forma como isso se dá, atualmente, se mostra peculiar
por não estar baseada numa racionalidade estrita (é claro que também a utilizamos de forma
racional, principalmente em certas áreas como economia), mas na ênfase do lúdico e do
emocional. Na cibercultura, novas formas de solidariedade social surgem e são instrumentos
de uma cooperação mútua operando a partir de valores presenteístas e hedonistas, como
mostra Maffesoli. A técnica não surge como um processo à parte; ela é, antes, inerente à
forma humana:
(...) o fenômeno técnico nasce com a aparição do homem, depois será
enquadrado pelo discurso filosófico e a noção de tekhné (a arte, os saberes
práticos) para, enfim, entrar no processo de cientifização com o surgimento
da tecnociência, ou o que chamamos hoje de tecnologia. O surgimento da
cibercultura não é só fruto de um projeto técnico, mas de uma relação
estreita com a sociedade e a cultura contemporâneas. (LEMOS, 2010, p.26)
Lemos70 também chama atenção para o fato de que a cibercultura não pode ser
associada à ficção científica ou a uma ideia futurista, mas ela é o que estamos vivenciando
hoje. A cibercultura ou cultura digital é a nossa nova relação com os objetos técnicos, pois,
pela primeira vez, temos a dimensão técnica, o digital, colado à dimensão da comunicação.
69
LÉVY, 1999, p.22.
LEMOS, André. Cultura digital.br. Organização Rodrigo Savazoni, Sérgio Cohn. Rio de Janeiro: Beco do
Azougue, 2009, p.136.
70
41
Com a cibercultura, o que está se configurando, conforme Castells, é uma nova
sociedade, a sociedade em rede, trazendo consigo tantas possibilidades quanto problemas
novos. O que não se pode negar é a maneira pela qual ela está estimulando a iniciativa e ação
comunicativa dos seus sujeitos, despertando uma audiência criativa que produz, consome e
transforma as mensagens que nela circulam “com seus próprios códigos e projetos de
comunicação” 71. Essa cultura digital, que explora as possibilidades das mídias criadas há 18
anos, como observa Ronaldo Lemos72, fez surgir muitas oportunidades e relações sociais antes
impossíveis. Ele compara o que estamos vivendo com uma cidade rural, onde a estrada de
ferro acabou de chegar, mudando o modo como as pessoas vivem:
O que a gente está vendo hoje é um novo tipo de estradas virtuais, novos
caminhos e novas formas das pessoas se conectarem, que estão
reestruturando completamente a forma de como a cultura é feita. Essas novas
mídias estão mudando de forma transversal todas as organizações de
relacionamento, com impacto em todas as esferas: a cultura, a política, a
ciência, o direito, a economia. (LEMOS, 2009, p.97).
Não há como falar em mídia totalmente democrática uma vez que o serviço de banda
larga é privado e sabemos que nem toda a população tem internet em casa, ainda que tenham
acesso à rede via lan house, trabalho, escola. O que é sabido é que há uma apropriação de um
objeto técnico, o computador e uma apropriação cujo objetivo final é mais social que
individual. É dentro desse contexto que Lemos73 situa a cibercultura ao dizer que ela é radical
por possibilitar a produção coletiva, colaborativa e distributiva da informação. E isso é
inédito.
No fim, o que nos chama a atenção diante da expressão cibercultura não é o
desenvolvimento tecnológico, mas a vida social contemporânea que molda e é moldada pela
técnica. Como Rüdiger escreveu, só compreendemos a cibercultura “quando a vemos como
uma relação entre nossas capacidades criadoras e sua materialização tecnológica em
operações e maquinismos, mas também em mundos sociais e históricos” 74. Retomando
Rheingold, é possível dizer que “os limites dessa tecnologia não estão dentro do hardware,
mas dentro de nossas mentes”75. (tradução livre).
71
CASTELLS, 1999, apud RÜDIGER, 2001, p.131.
LEMOS, Ronado. Cultura digital.br. Organização Rodrigo Savazoni, Sérgio Cohn. Rio de Janeiro: Beco do
Azougue, 2009.
73
LEMOS, André, 2009, p.137.
74
RÜDIGER, op, cit. p.114-115.
75
As we shall see, the future limits of this technology are not in the hardware but in our minds. (RHEINGOLD,
2000, online).
72
42
Se entendermos que o que existe são culturas, é possível afirmar que a cibercultura
se estabelece como um tipo de cultura contemporânea. Nesse sentido, é necessário inseri-la no
contexto do tempo presente, cujo expoente de maior vulto é a pós-modernidade.
2
Cibercultura no contexto da pós-modernidade
A maneira pela qual a sociedade negocia com a técnica contemporaneamente requer
um novo prisma temporal. Sem saber ao certo o nome dele, aprecio a noção de pósmodernidade de Maffesoli: “Sinergia do arcaísmo e do desenvolvimento tecnológico. É a
única definição que me permite dar conta da pós-modernidade”.76 Mesmo provisoriamente, a
designação parece pertinente ao que estamos vivendo. O avanço tecnológico aliado à
retomada de alguns elementos pré-modernos configuram um cenário cujas bases estão no
vínculo social.
Gianni Vattimo relaciona o termo pós-moderno ao fato de a sociedade em que
vivemos ser uma sociedade de comunicação generalizada, a dos mass media, e que estes tem
um papel determinante nessa nova sociedade. Concorda sobre o uso do termo porque
“consideramos que, em alguns dos seus aspectos essenciais, a modernidade acabou” 77.
Ao se referir ao pós-moderno, Omar Calabrese afirma que sua difusão está
relacionada com três campos: literatura e cinema, filosofia e arquitetura. No primeiro
momento, o termo pós-moderno significa antiexperimentalismo; em filosofia quer dizer pôr
em dúvida uma cultura baseada em narrativas que se tornam prescrições; e em arquitetura
seria um projeto que regressa às citações do passado, à decoração, à superfície do objeto
projetado contra a sua estrutura e sua função78.
Calabrese não adere ao time dos teóricos da pós-modernidade. Ele prefere outra
etiqueta, a do neobarroco. Escrevendo acerca de fenômenos da cultura de nosso tempo, mais
especificamente filmes, jogos, vídeos, músicas, moda, publicidade, o autor utiliza o termo
porque vê nesses exemplos marcas de uma forma interna específica que pode remeter ao
76
MAFFESOLI, 2003, p.10.
VATTIMO, Gianni. A sociedade transparente. Tradução Hossein Shooja e Isabel Santos. Relógio D’Água,
1992. p.7.
78
CALABRESE, Omar. A idade neobarroca. Tradução de Carmen Maria de Carvalho e Artur Mourão. Lisboa:
Edições 70, 1987. pp 24-25.
77
43
barroco. Mas sua hipótese não é a de uma retomada daquele período e sim a de que pode
haver barroco em qualquer época da civilização.
Para Bauman, pós-modernidade significa uma sociedade ou um tipo de condição
humana, enquanto "pós-modernismo" refere-se a uma visão de mundo que pode surgir, mas
não necessariamente, da condição pós-moderna. Ele prefere falar em pós-modernidade, pois
acredita que pós-modernismo carrega uma carga valorativa e ideológica demasiada grande.
Em quaisquer perspectivas, os autores da pós-modernidade tomam como ponto de
partida o enfraquecimento ou mesmo o abandono dos valores da modernidade, a saber,
história, indivíduo, progresso, futuro, ciência, razão. Esses ideais aparecem agora de forma
rearranjada, com novas perspectivas e outros direcionamentos não hierarquizados. Ainda
assim, é impossível nomear com precisão o que vivemos. A esse respeito, Maffesoli lembra
que quando alguma coisa está em vias de atingir o termo de seu desenvolvimento é que se
pode legitimamente atribuir-lhe um nome. Apenas tardiamente falou-se em modernidade.
“... desde o século XIX, os valores da época moderna começam a saturar-se e é por isso que
se pode falar em modernidade” 79.
Um dos primeiros a proclamar o fim da modernidade foi Jean-François Lyotard e ele o
fez munido de um pensamento chave para a compreensão da pós-modernidade: o fim das
grandes narrativas ou metanarrativas, como trata em “A condição Pós-Moderna”.
As metanarrativas são aquelas que marcaram a modernidade: emancipação
progressiva da razão e da liberdade, emancipação progressiva ou catastrófica
do trabalho (fonte de valor alienado no capitalismo), enriquecimento da
humanidade inteira através dos progressos da tecnociência capitalista, e até
se considerando o próprio cristianismo na modernidade (opondo-se, neste
caso, ao classicismo antigo), salvação das criaturas através da conversão das
almas à narrativa crística do amor mártir. (LYOTARD, 1999, p.31).
Para Lyotard, essas representações ideológicas tem uma função legitimante e por
serem universais orientam todas as realidades humanas. O declínio dessas narrativas de
referência aponta para uma pluralidade de pequenas ideologias, que constituirão a trama da
vida cotidiana. Essa crise das grandes narrativas abriu espaço para o cotidiano e suas micronarrativas. Nele, a vida “sem qualidade” e os vínculos sociais começam a fazer sentido e ser
aceitos enquanto estilo de vida. O destino, o caos, são incorporados e dão vez a uma
“tragicidade” nietzschiana própria do aqui e agora, que valoriza o presente como fonte de
prazer. Segundo essa concepção, há uma integração da morte, um viver a morte todos os dias.
79
MAFFESOLI, Michel. Quem é Michel Maffesoli: entrevistas com Christophe Bourseille. Tradução Guilherme
João de Freitas Teixeira com a colaboração de Jaime A. Clasen. Petrópolis: De Petrus et Alii, 2011. p.67.
44
Se o ideal moderno preconizava o domínio da natureza e da técnica como forma de
explicar, cientificamente, qualquer fenômeno, na pós-modernidade natureza e técnica são
aliadas e parceiras do homem para compreender e empreender a vida em sociedade. A sede
pelo progresso e o olhar estendido para o futuro dão lugar a valores mais presenteístas. O
carpe diem é a expressão de ordem da geração jovem que, despretensiosamente, quer gozar
cada instante: as festas, os jogos, as paixões. É isso que juventude da década de 60
reivindicava. Tribos de hippies e rockeiros queriam viver os excessos de uma vida alternativa
regada a sexo, álcool e drogas porque eram através dessas explosões orgiásticas que eles
poderiam viver a vida em toda a sua plenitude. E hoje, com as festas rave, na batida do
techno, ou nos bailes de forró, nos estádios de futebol, nos shows e porque não no consumo,
que não é mais simples, mas envolve uma intensa consumação, vemos que “o dispêndio
improdutivo tende a substituir o progressismo ‘energético’”80.
O berço da cibercultura é a pós-modernidade e é nessa mesma lógica passional que ela
confere vida ao corpo social que se arranja em torno da rede. Munidos de um computador
pessoal, cada internauta navega só, mas nunca isolado. Essa nova forma de estar junto
promove pequenas efervescências a todo o tempo: rimos juntos com o novo viral da internet,
com os emails de corrente, a cada acesso aos SRS e as postagens dos amigos, sejam
fotografias, vídeos, textos ou mensagens. Isso sem falar na criação e distribuição de
conteúdos, pois agora gravamos o próprio CD, editamos as próprias imagens, divulgamos a
nossa marca, produto ou serviço. E podemos juntos promover movimentos pró ou contra
alguma medida governamental, espalhar causas humanitárias, apelos e reivindicações os mais
diversos.
Não é simplesmente a técnica, mas o potencial comunitário, associativo e agregador
dessa nova tecnologia que merece atenção. O conteúdo, muitas vezes, é zero, mas o que
importa é o laço que ele promove, a coesão social que provoca, e a possibilidade de reunir,
num só lugar, diversos grupos, as tribos de que Maffesoli trata.
Lemos81afirma que a cibercultura é pós-moderna, por estar veiculada a um processo de
libertação em relação o estágio anterior, o da modernidade, quando a tecnologia era
apropriada de forma autônoma e instrumental, sendo, na maioria das vezes, associada a
projetos políticos tecnocráticos futuristas e totalitários. A tecnologia, em tempos de
cibercultura, estaria sendo libertária, cotidiana e expressiva, convertendo-se num suporte
criador de relações sociais lúdicas e presenteístas. Se na modernidade houve uma apropriação
80
81
Idem, 1985, p.33.
LEMOS, 2010.
45
técnica do social, o que se vê agora é uma aproapriação social da técnica, ou seja, na
sociedade contemporânea a técnica e o social caminham lado a lado, potencializando
situações lúdicas, comunitárias e imaginárias da vida social.
Para maior compreensão dos fenômenos técnicos, o autor esquematiza três fases que
acredita representar os conteúdos simbólicos com os quais a cultura se associa ao longo de
nossa história. Na etapa primitiva é a magia. Na fase antiga, é o mítico. Na modernidade,
trata-se da tecnocultura, entendida por ele como razão científica aplicada. Atualmente, no
contexto da chamada era pós-moderna, aparece uma nova forma de sociabilidade: a
cibercultura, que é a prática social ou conteúdo significativo da tecnologia82.
De máquinas racionais, objetivas e individuais, os computadores passam a ser
coletivos e unir os internautas em torno de seus gostos e preferências. Agregam e promovem
um estar junto. É a transformação do PC – computador pessoal em CC – computador
coletivo/conectado e mais atualmente em CCM – a computação coletiva móvel, que são os
laptops, os netbooks e os telefones celulares. Essas três fases do desenvolvimento da
microinformática propostas por Lemos83 ilustra o fato de a computação pessoal estar cada vez
mais deixando de ser individual e só tendo sentido na coletividade. Bebendo em Maffesoli,
Lemos afirma que as máquinas apolíneas se transformam em máquinas dionisíacas. A internet
e o desenvolvimento tecnológico nada mais fazem senão dar suporte ao transbordamento
festivo da nossa época, e abrem espaço a toda e qualquer manifestação de preferências,
gostos, e ideias.
Essas difusões de gostos, odores e humores, portanto, esses particularismos
tribais, recebem a ajuda do desenvolvimento tecnológico (...). E é
interessante observar que, atualmente, graças à internet, MySpace, Facebook
e Twitter, os gostos mais estranhos e mais estrangeiros encontram uma
inegável difusão e, assim, traduzem o fato de que o vínculo social apoia-se
em um processo de ajustamento, de ajuntamento e de acordança a
posteriori.(MAFFESOLI, 2011, p.73-74)
A sombra de Dioniso paira sobre nossa época e essa contaminação se dá em todos os
setores da vida social. O que prevalece, nesse caso, é menos o objetivo que se deseja atingir
do que o fato de estar junto. O que importa é o sentimento de filiação e a emoção que a
proximidade suscita, independente da forma utilizada para se estar perto.
82
83
Ibid., p.56.
Idem, 2009, p.137-138
46
3
Os SRS em linhas gerais: estrutura e histórico
Desde o primeiro SRS, o SixDegrees.com84, lançado em 1997, cuja criação foi
inspirada na teoria de Frigyes Karinthy de 1929 que diz que qualquer pessoa na terra pode se
conectar a qualquer outra através de uma cadeia de seis conhecidos, é possível criar um perfil,
listar os seus amigos e navegar pelas listas dos amigos deles.
De maneira geral, segundo Boyd e Ellison85 depois de se tornar usuário de um SRS, é
preciso preencher formulários com uma série de questões. O perfil é gerado a partir das
respostas dessas questões, que geralmente incluem descrições como idade, localização,
interesses além de uma seção “sobre mim”, onde o usuário se autodescreve através de texto,
vídeo, trecho de música, poesia, enfim, o que a imaginação permitir. A maioria dos sites
também disponibiliza a opção de fazer o upload86 de uma fotografia para o perfil. É possível
também adicionar conteúdo multimídia ao perfil, como vídeos e trocar a aparência da página
– configurações como cor, plano de fundo etc.
No caso do Orkut e do Facebook é possível adicionar aplicativos ao perfil. O usuário
também precisa identificar aqueles com quem se relaciona nos sites, e isso pode variar, sendo
os termos mais comuns “Contatos”, “Amigos” ou “Fãs”. A maior parte dos SRS também
disponibiliza um mecanismo para os usuários deixarem mensagens nos perfis de seus
Amigos. Esse recurso pode ser identificado como mensagem, depoimento, ou outras
nomenclaturas, sendo que alguns deles são privados, ou seja, apenas o destinatário pode
visualizar. A questão da privacidade, aliás, também varia dependendo do site, sendo que
muitos adotam as configurações “público”, “somente amigos” ou “Amigos de amigos”. Em
alguns deles, o usuário pode selecionar quem pode ver o quê, deixando, por exemplo, as
informações do perfil públicas, porém as fotografias fechadas somente para amigos.
Um elemento crucial desse tipo de site é a exposição pública de conexões. Através de
links, o usuário é conduzido aos perfis de seus amigos. Apesar das especificidades de cada
site, Boyd e Ellison dizem que a espinha dorsal deles é sempre a mesma: “perfis visíveis que
84
Este é considerado o primeiro SRS baseado em relações off-line preexistentes. Ryan (2008) menciona o
Craiglist e o Match.com, como anteriores ao SixDegrees.com, ambos lançados em 1995. Aquele sendo um
sistema de anúncios e este um site de namoro on-line.
85
BOYD, Danah e ELLISON. Nicole. Social network sites: Definition, History and Scholarship.2007, online.
Disponível em: <http://jcmc.indiana.edu/vol13/issue1/boyd.ellison.html> Acesso em: 09 abr. 2011.
86
Upload é um termo de origem inglesa cujo significado é a ação de enviar dados de um computador local para
um computador ou servidor remoto, geralmente através da internet. Um exemplo disso pode ser visto nos
próprios SRS quando publicamos uma foto. Precisamos, para que ela apareça enviá-la ao servidor do site
47
expõem uma lista articulada de amigos que também são usuários do sistema”
87
(tradução
livre).
De 1997 pra cá, muitos SRS foram criados e também extintos, muitos dos quais
conectavam pessoas tanto pessoal quanto profissionalmente, como Ryze.com, Tribe.net,
LinkedIn e Friendster. A partir de 2003 o mercado dos SRS foi ganhando popularidade e
surgiram sites com vários propósitos: Dogster, uma rede social e também fórum para
discussão de tópicos caninos; Care2 promove encontro de ativistas, Couchsurfing conecta
viajantes, Mychurch reúne igrejas cristãs e seus membros. Boyd e Ellison também citam sites
que se tornaram SRS:
Além disso, como o fenômeno da mídia social e de conteúdos gerados pelo
usuário cresceram, os web sites focados no compartilhamento de mídia
começaram a implementar características de SRS e se tornar SRS. Exemplos
incluem Flickr (compartilhamento de fotos), Last.FM (hábitos musicais) e
YouTube (compartilhamento de vídeo)88. (tradução livre)
O Ryze.com foi lançado em 2011 nos Estados Unidos e pretendia ser um site para
alavancar as redes de negócios de seus usuários. Acabou nunca adquirindo popularidade
massiva e foi complementado por outro SRS, o Friendster, que foi o primeiro desses sites a
ganhar popularidade, em 2003. A proposta era criar um site para competir com serviços de
encontro de casais. Para tanto, e segundo Jennifer Ryan89, o SRS era voltado para a temática
romance e os usuários publicavam depoimentos nos perfis de seus amigos, o que ajudava a
estabelecer sua confiança e reputação para futuros interesses amorosos. Através do boca a
boca, o site logo atingiu a marca dos 300.000 usuários (O´SHEA, 2003, apud BOYD e
ELLISON, 2007). Mas foi em função desse crescimento que o site começou a sinalizar falhas.
Com muita gente on-line, os problemas técnicos envolvendo servidores e outros
equipamentos foram ficando comuns.
Outros problemas que acarretaram o desligamento de muitos usuários foram: conflitos
sociais, uma vez que era possível encontrar contatos profissionais junto com os amigos mais
próximos, e uma ruptura de confiança entre os usuários e o site, uma vez que a prática de criar
87
visible profiles that display an articulated list of Friends who are also users of the system (Boyd e Ellison,
2007, online).
88
Furthermore, as the social media and user generated content phenomena grew, websites focused on media
sharing began implementing SNS features and becoming SNSs themselves. Examples include Flickr (photo
sharing), Last.FM (music listening habits), and YouTube (video sharing). (BOYD e ELLISON, 2007, p.5).
89
RYAN, Jennifer Anne. The virtual campfire: an Ethnography of Online Social Networking.2008 200f.
Dissertação (Mestrado em Antropologia). Universidade de Wesleyan, Middletown, Connecticut. 2008.
Disponível em: < http://thevirtualcampfire.org/> Acesso em: 12 abr. 2012.
48
perfis falsos, os chamados “Fakesters”, que em sua maioria representavam personagens
fictícios, era cada vez mais comum. O que aconteceu foi que “esses Fakesters indignaram a
empresa, que baniu perfis falsos e eliminou o recurso mais popular” 90. O ocorrido foi “uma
das maiores decepções na história da internet” 91 (tradução livre).
Descrito por Boyd e Ellison como o SRS que cresceu para agradar um nicho de
usuários, Tribe é um site cuja forma mais comum de se envolver é se juntando a grupos
denominados “tribos” e também participando dos fóruns de mensagens que são a principal
fonte de formação de comunidade no site. Como explicitado por Ryan, é comum encontrar no
site perfis individuais criados a partir de conteúdo original na forma de posts de blog,
exposição de atividade recente no site, poesias, imagens, vídeos e listas descritivas de
interesses esotéricos. Ao enfatizar as redes locais, o Tribe permite aos usuários comprar e
vender itens, classificar restaurantes e outros estabelecimentos além de vasculhar anúncios de
emprego e de habitação. Tópicos mais transgressivos como o uso de drogas e nudismo
também aparecem no site. Para a autora, “a falta de censura no site é uma das características
mais valorizadas” 92 (tradução livre).
Outro SRS mencionado pelos autores como uma importante referência foi o
Myspace93, criado em 2003, mas amplamente conhecido em 2005. O grande diferencial desse
site é a possibilidade de conhecer os gostos musicais dos usuários logo no primeiro acesso ao
seu perfil. Ryan o descreve como “uma plataforma universal para promover música e se
conectar aos fãs”
94
(tradução livre). Foram as bandas, com seus respectivos fãs que
impulsionaram a popularização do Myspace. Boyd e Elisson afirmam que a dinâmica “bandas
e fãs” foi mutuamente benéfica, pois as bandas queriam estar em contato com os fãs, enquanto
os fãs desejavam atenção das suas bandas favoritas. Em 2004, os adolescentes começaram a
se juntar em massa ao site. Ao invés de rejeitar o acesso aos menores de idade, o Myspace
alterou sua política de uso para permitir a sua entrada. Isso acarretou sérias complicações
judiciais, uma vez que o site foi envolvido em escândalos sexuais entre adultos e menores de
idade. Raquel Recuero95 afirma que o MySpace era o SRS mais popular dos Estados Unidos,
mas foi superado (em número de visitantes) pelo Facebook no início de 2008.
90
BOYD e ELLISON, op. cit., p.5.
One of the biggest disappointments in internet history.(CHAFKIN, 2007, p.1, apud BOYD e ELLISON, 2007,
on-line)
92
Tribe´s lack of censorship is one of its most cherished values (RYAN, 2008, p.18).
93
http://www.myspace.com
94
MySpace is commonly viewed as the universal platform for promoting music and connecting to Fans (RYAN,
op. cit., p.14).
95
RECUERO, Raquel. Redes sociais na internet. Porto Alegre: Sulina, 2010. p.173.
91
49
Para melhor visualização das datas de lançamento dos principais SRS no mundo,
apresento a seguir um gráfico que esboça a linha do tempo com essas informações, além das
datas de sites que foram relançados com características de SRS.
Figura 1 - Linha do tempo com as datas de lançamento
dos principais SRS
Fonte: Boyd e Ellison (2007)
Descrevi, rapidamente, o início da fase dos SRS no mundo com alguns exemplos dos
primeiros e mais importantes sítios. Para não me prolongar, optei por deixar alguns sites de
fora, dado o grande número de exemplares e o espaço reduzido. Saliento que a proposta desse
50
trabalho não é compilar todos os SRS e seus respectivos históricos e formatos, mas destacar
dois dos mais populares SRS no Brasil, cujas características apresentam consideráveis
maneiras de representação e de estar-junto. Estou falando do Orkut e do Facebook, que serão
apresentados na terceira parte do trabalho.
4
Os SRS e a socialidade mediada por computador
Michelle, uma estudante de direito de 18 anos, acessa diariamente o Facebook. Para
ela, o hábito virou um vício: “Nossa, não vou negar que isso vicia e muito. Às vezes tenho
prova, alguma coisa importante e no intervalo de estudo eu corro dar uma olhadinha no
Facebook, qualquer oportunidade eu estou no Facebook”.
Priscila, auxiliar de enfermagem aposentada por motivos de doença, utiliza o Orkut e
atualmente mais o Facebook para entrar em contato com pessoas portadoras ou não da artrite
reumatoide, além de comunicação com amigos e familiares. Através do site, ela, juntamente
com pessoas que vivenciam a doença, participa de um grupo de discussão que criaram para
atualizar informações sobre a artrite reumatoide, legislação e eventos. Ela está sempre on-line:
“só quando estou dormindo estou off, mas praticamente todo o dia estamos on-line”.
Bruno, jornalista e fotógrafo, que na época da entrevista e coleta de dados para essa
pesquisa estava em Londres para uma temporada de estudos, perde as contas de quantas vezes
acessa o Facebook diariamente. Apesar de ainda ter uma conta no Orkut, não a utiliza mais:
“Nossa, eu não sei nem quantificar pra você porque eu acesso o Facebook o dia inteiro,
(risos). São aquelas acessadas rápidas. Acesso, fico um minuto, saio, daqui a meia hora acesso
de novo”.
Esses três exemplos, de um universo de cinquenta, ilustram a forma como as pessoas
estão se relacionando e se comunicando atualmente. As práticas midiáticas estão cada dia
mais se movendo para o campo digital, tendo a internet como aliada. De casa, do trabalho, da
lan house, as pessoas se conectam diariamente a esses sites, como num ritual, onde os meios
de comunicação, no caso a internet, são os novos totens que nos permitem estar sempre
51
juntos. Não há como ignorar essa nova configuração social cuja característica marcante é
viver a proxemia, mesmo de uma maneira virtual. É isso o que os SRS nos possibilitam.
As redes sociais precedem e prescindem a internet. Para Boyd e Ellison a novidade
delas em relação ao formato off-line não é permitir encontros com estranhos, mas permitir aos
usuários articular e tornar visíveis sua rede social. Elas definem estes sites enquanto
serviços baseados na web que permitem aos usuários (1) construir um perfil
publico ou semi-público dentro de um sistema limitado, (2) articular uma
lista de outros usuários com os quais eles partilham uma conexão, e (3) ver e
cruzar suas listas de conexões com as feitas por outros dentro do
sistema96.(tradução livre)
Recuero sugere uma rede social enquanto um conjunto de dois elementos: atores, as
pessoas envolvidas, representados pelos nós e suas conexões, constituídas pelas interações ou
laços sociais. Atores são aqui identificados pela autora por serem uma representação
performática dos indivíduos, o que questiono não ser distintivo dos usuários de sites de redes
sociais, uma vez que estamos sempre nos representando em sociedade. Ela diz que “a rede é
uma metáfora para observar os padrões de conexão de um grupo social, a partir das conexões
estabelecidas entre os diversos atores” 97.
Falamos em SRS para referir aos espaços utilizados para a expressão das redes sociais
na internet. Uma ressalva feita por Recuero é que os sites não são em si redes sociais, apenas
sistemas. E embora eles possam apresentá-las e auxiliar a percebê-las, são somente os atores
sociais que utilizam essas redes que as constituem. Nesse sentido, segundo ela, “sites de redes
sociais são aqueles que compreendem a categoria dos sistemas focados em expor e publicar as
redes sociais dos atores. São sites cujo foco principal está na exposição pública das redes
conectadas aos atores” 98.
É banal falar em redes hoje em dia. Em várias áreas do saber, o substantivo aparece
para explicar e exemplificar o modo de funcionamento de um sistema. E apesar de parecer
contemporâneo, o uso da metáfora remete a 1736, quando o matemático Leonard Euler a
utilizou numa abordagem científica99. Tudo isso para falar que estudar a sociedade a partir de
uma concepção de rede é considerar, antes da dimensão comunicacional, a ligação e a
96
We define social network sites as web‐based services that allow individuals to (1) construct a public or
semi‐public profile within a bounded system, (2) articulate a list of other users with whom they share a
connection, and (3) view and traverse their list of connections and those made by others within the system.
(BOYD e ELLISON,2007, on-line).
97
RECUERO, op. cit., p.24.
98
Ibid., p.104.
99
Ibid., p.19.
52
interdependência entre as pessoas. No caso da internet – a rede de redes – a possibilidade não
é apenas estudar as redes, mas estudar nas redes.
E quando se estuda nas redes, por também participar daquele agrupamento, é possível
estar com as pessoas, vê-las e ouvi-las. Ao vivenciar essa experiência em um SRS, é possível
afirmar que a construção do perfil pode ser vista como forma de o usuário expressar
elementos de sua personalidade ou individualidade. Os sites Orkut e Facebook trabalham na
perspectiva da “construção de si” e da “narração do eu”, ainda que estejamos falando de um
eu que só existe enquanto participante de uma coletividade, uma vez que tudo ali só adquire
sentido na perspectiva grupal. Essa prática contemporânea também pode ser vista como uma
experiência estética, tanto no sentido de arte, do belo, como no sentido de comunhão de que
fala Maffesoli. O autor aposta numa abordagem dinâmica, partindo da origem etimológica da
palavra: aisthesis, capacidade de experimentar emoções comuns. Com isso, o autor pretende
devolver à palavra estética seu sentido pleno:
Um momento em que, de certa maneira, alguém vai “vibrar” com o outro.
Sejam elas vibrações musicais, religiosas, e, até mesmo, consumistas. A esse
respeito, há uma multiplicidade de ocasiões, sejam públicas, privadas,
tribais: tudo é conveniente para fazer a festa. (MAFFESOLI, 2011, p.69-70).
A festa de que me ocuparei neste trabalho, que faz com que as pessoas vibrem juntas,
trata-se de um aspecto do cotidiano e do contemporâneo que tem provocado mudanças no
modo como as pessoas interagem e se relacionam em sociedade: o advento dos SRS e de
forma específica, do Orkut e do Facebook. O que destaco aqui não é o que muitos autores
apocalípticos têm enfatizado: a desumanização que o aparato tecnológico provoca, tendo
como consequência o afastamento das pessoas, nem a crítica às novas tecnologias de
comunicação cuja falta das características fundamentais da presença como gestos, troca de
olhares e linguagem corporal não permitem a formação de laços mais íntimos. Antes, a
proposta empreendida é a de mostrar que as pessoas usam essas ferramentas de forma a se
aproximar do outro, de ampliar as possibilidades convencionais de contato, a saber, encontros
presenciais, telefone, além daquelas que procuram conhecer e fazer novas amizades a partir
desse meio. É consenso que a exposição ou o uso abusivo de qualquer ferramenta digital pode
acarretar problemas de saúde, além dos relacionados à socialização, mas não é o intuito deste
trabalho focar apenas nesses casos.
Como sugeriu Ryan, o envolvimento diário que temos com os SRS pode ser
representando metaforicamente por uma “fogueira virtual”, no sentido de que uma fogueira
reúne pessoas para fora de suas casas para contar suas estórias e conversar umas com as
53
outras. No caso desses sites, “os usuários compartilham suas estórias com os amigos através
da criação de um perfil, atualizando as mensagens do status, escrevendo posts, fazendo o
upload100 de fotografias, músicas e vídeos”
101
(tradução livre). As estórias promovidas por
cada usuário, a interação através dos comentários, das mensagens escritas, da formação de
grupos, dos convites para eventos, das “cutucadas”
102
, reúnem as pessoas em torno de
interesses comuns, de suas “fogueiras” juntamente com seu círculo de amigos. Essa imagem
da fogueira virtual abriga, a meu ver, muito mais coesão do que alheamento social. A fogueira
sugere uma das mais primitivas e importantes atividades sociais, a interação, e o
desenvolvimento tecnológico a potencializa.
É nesse sentido que argumento serem os SRS importantes ferramentas na atualidade
por permitirem aos seus usuários compartilhar estórias e interagir. São por isso os novos
centros de atenção social, assumindo um lugar estratégico para a divulgação de produtos, para
pesquisas de mercado e como canal de comunicação entre empresas e consumidores. Uma
sociedade conectada significa mais informações sendo transmitidas e novas ideias circulando
independente das mídias de massa tradicionais. Isso, contudo, não quer dizer que estamos nos
informando melhor, até porque o excesso de informação pode produzir um efeito contrário. O
fato é que os encontros sociais estão acontecendo, cada vez mais, nesses espaços, onde as
pessoas se representam e se (re) conhecem de forma peculiar.
Se comparados com outras formas de comunicação mediada por computador, os SRS
são diferentes devido ao “modo como permitem a visibilidade e a articulação das redes
sociais”
103
. Eles lidam essencialmente com questões relacionadas a três eixos: visibilidade,
aparência e redes de contatos. Antes de tornar algo público e visível, os usuários se
preocupam com a aparência das fotografias, por exemplo, uma vez que toda a sua rede de
contato poderá ter acesso a esse material, a menos que o usuário tenha configurado seu perfil
de modo a mostrar determinadas fotos para determinados usuários, apenas.
Sem dúvida, como observa Recuero104, os sistemas que suportam os SRS permitem
um controle maior das impressões que cada usuário emite e dá aos outros, o que auxilia na
construção de valores como a reputação e a popularidade. As informações sobre quem sou e o
que penso certamente influenciarão os demais usuários a construir uma impressão sobre mim,
101
Engaged members of online social networks share their stories with Friends through creating individual
Profiles, updating their Status messages, writing blog posts, and uploading photographs, music, and
videos.(RYAN, 2008, p.9).
102
Do inglês pokes.
103
RECUERO, 2010, p.102
104
RECUERO, 2010.
54
tendo como foco o que escrevo e o material que incorporo ao meu perfil, sejam os vídeos, os
sites ou as fotografias. Na próxima seção deste trabalho, trago dois importantes autores à
discussão sobre os SRS. Ainda que não falem especificamente deles, ambos resumem com
precisão a sua dinâmica: tribos e fachadas.
5
Maffesoli e Goffman: de tribos e de fachadas
A socialidade vivida virtualmente nos SRS só pode ser compreendida se tais
momentos forem analisados como momentos carregados da intensidade que vivemos
juntamente com os outros e que cada um, à sua maneira, vai atualizar, realizar, a partir do
écran de seus computadores. Isso conduz a um entendimento de que, enquanto usuário, tendo
construído um perfil, toda e qualquer ação só vai ter sentido por estar inserida num cenário
maior, com milhares de outros usuários, todos publicando e compartilhando material por
saber que outros também o fazem. Assim sendo, entendo que a socialidade105 de que fala
Maffesoli, tem sido alargada pelos diversos dispositivos eletrônicos e digitais.
Essa socialidade, no dizer do autor, é “uma maneira mais holística de estar-junto, ou
seja, que integra parâmetros humanos que haviam sido deixados de lado pela modernidade”
106
. Fazem parte desses parâmetros a tríade lúdico, onírico e imaginário e são esses elementos
que conferem dinamicidade e sentido à existência humana. Não é preciso ir longe para buscar
exemplos: todas as formas de lazer, os jogos, as competições, os shows, as danças, a música,
tudo isso provoca gozo e prazer. A sociedade não se caracteriza mais pelo aspecto produtivo,
mas pelo consumo, pela destruição e despesa que o reencantamento do mundo que ora
assistimos nos convoca a participar.
A noção de tribo é, então, invocada, porém não na acepção clássica do termo,
relacionada à visão antropológica. “Contrariamente à estabilidade induzida pelo tribalismo
clássico, o neotribalismo é caracterizado pela fluidez, as reuniões pontuais e a dispersão”
107
.
Diferentemente do que prevaleceu nos anos 70, diz o autor, trata-se menos de se agregar a um
grupo, a uma família, ou a uma comunidade do que o ir e vir de um grupo a outro. Ao
contrário da estrutura mecânica da sociedade moderna, onde a organização dos indivíduos se
105
Maffesoli distingue a sociabilidade simples, relativa à polidez, aos rituais, civilidade, vizinhaças à socialidade
mais complexa relativa à memória coletiva, simbólica, ao imaginário (1996, p.160).
106
MAFFESOLI, 2011, p. 46.
107
Idem, 1998, prefácio.
55
dava a partir da função de cada um e as classes se apoiavam numa lógica de identidade, a
metáfora da tribo empregada por Maffesoli trata do processo de desindividualização, da
saturação da função e da valorização do papel que cada pessoa (persona) representa dentro de
uma estrutura orgânica, onde tribos afetuais e não grupos contratuais interagem.
O neotribalismo pratica uma solidariedade orgânica que vai de encontro à
solidariedade mecânica racional. Se antes a identidade era fixa e condicionava o sujeito a ser
uma coisa ou outra, na pós-modernidade é possível ser uma coisa e outra. O princípio da
disjunção abre espaço para o da conjunção. Isso possibilita a dinâmica de entrada e saída das
tribos sem nenhum prejuízo. Fala-se menos em identidade e mais nos processos de
identificação. Neste sentido, o princípio da individualização está superado.
Contrariamente à ideia da individualização, Maffesoli vê na contemporaneidade a
criação de uma alma coletiva, na qual as atitudes, as identidades e as individualidades se
apagam. Ele diz que toda vida individual é limitada e é essa limitação que permite existir no
grupo. Não há como existir isolado, uma vez que nos encontramos, sempre, e de alguma
forma, ligados, seja pela cultura, pela comunicação, pela moda, a uma comunidade. Esta pode
não ser a mesma da Idade Média, os tempos são outros. Ainda assim, não deixa de ser uma
comunidade.
Partindo do termo proxêmica cunhado pelo antropólogo Edward Hall para designar o
uso que o homem faz do espaço como uma elaboração especializada da cultura, Maffesoli
propõe a proxemia para dizer do estar-junto. Na pós-modernidade o estar-junto é uma
proxemia porque volta a uma vida da tribo ou do bando. As tribos urbanas, cada qual à sua
maneira, espalham suas ideologias vividas no dia-a-dia que tem por base valores de
proximidade. “Nesse sentido, levar em conta a proxemia pode ser a maneira certa de superar
nossa habitual atitude de suspeita, para apreciar os intensos investimentos pessoais e
interpessoais que se exprimem no trágico cotidiano” 108.
É a partir do território de origem que se organiza a vida social e nisso somos
semelhantes aos animais. Hall se valeu do trabalho de vários etólogos para compreender o
comportamento humano e à luz do conhecimento gerado por esses cientistas ele concluiu que
assim como os outros animais, o ser humano também é influenciado pelo espaço que ocupa e
o seu comportamento varia de acordo com ele. O homem e seu ambiente participam na
moldagem um do outro109.
108
Ibid., p.175.
HALL, Edward T. A dimensão oculta. Tradução Valéria Barcellos. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p.5
109
56
A territorialidade, um conceito básico no estudo do comportamento animal, também
pode dizer muito a respeito do comportamento humano. Ela é geralmente definida como um
comportamento por meio do qual um organismo caracteristicamente reivindica a posse de
uma área e a defende de membros de sua própria espécie110. Outras funções importantes
expressas na noção de territorialidade são: garantia da propagação da espécie, fornecimento
de limites – para aprender, brincar, se esconder, proteção contra os predadores e exposição
dos inaptos à predação. Segundo Hall, a territorialidade humana também está condicionada ao
modo como a pessoa sente o entorno e a alteridade - o outro, os outros - e isso dirá de sua
proximidade, das distâncias que guarda, da evitação, do contato, da comunhão, enfim, da vida
em grupo. Cada cultura organiza o espaço de maneira diferente, a partir de um substrato
animal idêntico, o território.
O estudo da territorialidade não se restringe ao espaço físico. Hoje em dia, é possível
estudar também a territorialidade virtual, uma vez que estamos cada vez mais conectados: a
sociedade em rede nos possibilita entender, para além das fronteiras geográficas, as
necessidades do homem em termos da proxêmica.
A proxemia diz respeito a um estar-junto que pode ou não ser físico: de qualquer
forma, ele toca. Para além das fronteiras físicas e geográficas, ainda assim podemos nos unir
ao outro. A internet com os SRS é um exemplo da proxemia virtual, que agrupa milhões de
pessoas ao redor do mundo. Nesses sites, o objetivo é aproximar. Portanto, tudo que vincula,
que liga e que remete a um lugar, um ambiente, a uma comunidade, deve ser ressaltado, pois
são eles que nos identificam. As tribos que lá existem operam a partir dessa prerrogativa: a
sua entrada nelas depende de uma atração pelo que é comum. Não há, no entanto,
exclusividade: é possível ir e vir por entre os agrupamentos, tantos forem os motivos da
comunhão.
A possibilidade de escolha está relacionada à socialidade eletiva de Maffesoli. Isso
quer dizer que os processos de atração e repulsa são feitos por escolha. O que prevalece, nesse
caso, é menos o objetivo que se deseja atingir do que o fato de estar junto. O que importa é o
sentimento de filiação e a emoção que a proximidade suscita.
Simplesmente, o cavaleiro da Idade Média ou o protagonista da Guerra de
Troia estão armados com um raio laser ou suscitam uma nova guerra nas
estrelas. É neste sentido, relembro, que os arcaísmos – ou seja, as pulsões
primevas, fundamentais, o confronto com o misterioso e o divino –
encontram a ajuda do desenvolvimento tecnológico; em meu entender, a
110
Segundo Hall, esse conceito é recente e foi descrito pela primeira vez pelo ornitólogo inglês H.E. Howard em
Territory in Bird Life (O território na vida das aves) Cf. HALL, p.10
57
dimensão planetária da técnica limita-se a representar, de novo, o paganismo
da Antiguidade.(MAFFESOLI, 2011, p.84-85)
Ao contrário do que é postulado sobre a internet e as novas tecnologias da
comunicação e informação, a virtualização do ambiente digital não está promovendo uma
desterritorialização, mas uma reterritorialização. Sobre o assunto, Rogério Haesbaert defende
que a desterritorialização é um mito e que ao invés da perda ou do desaparecimento de
territórios estamos assistindo a um processo complexo de (re) territorialização. Ele propõe,
então, a multiterritorialidade, que não chega a ser, necessariamente, algo novo:
(...) a existência do que estamos denominando multiterritorialidade, pelo
menos no sentido de experimentar vários territórios ao mesmo tempo e de, a
partir daí, formular uma territorialização efetivamente múltipla, não é
exatamente uma novidade, pelo simples fato de que, se o processo de
territorialização parte do nível individual ou de pequenos grupos, toda
relação social implica uma interação territorial, um entrecruzamento de
diferentes territórios. Em certo sentido, teríamos vivido sempre uma
“multiterritorialidade”. (HAESBAERT, 2004, p. 344 apud HAESBAERT
2004, on-line)
O elemento novo constitutivo dessa era pós-moderna é o fato de que, com a
compressão espaço-temporal, é agora possível uma identificação territorial por meio de
contatos locais e globais. Dessa maneira, a multiterritorialidade é a possibilidade de
combinação de vivências e intervenção de uma enorme gama de territórios.
Mesmo conectados à rede não deixamos de estar territorializados, de nos reconhecer e
de nos apresentar a partir de um território. O que temos, a partir da internet é uma infinidade
de territórios possíveis, de conexões que possibilitam melhor conhecer e ratificar nosso
pertencimento.
Além da importância do que é próximo, Maffesoli cita uma série de características,
típicas de sociedades pré-modernas, que reaparecem com força neste tempo atual: o mito, o
nomadismo, o hedonismo, a ênfase nas emoções, o destino, o trágico. E é no cotidiano que
essas características tomam forma e podem ser vislumbradas, é no presente que podemos
observá-las. Daí aparece um outro termo maffesoliniano, o presenteísmo. Para um observador
atento, diz o autor, “só o presente é a fonte fecunda do pensamento”
111
, porque é nele e para
ele que nos organizamos. Essa ideia é fundamentada no retorno do destino como forma de
(des) orientação, como entendia Nietzsche. Ou ainda, na força de Dioniso que opera uma
transfiguração na vida social e faz com que o simples social racional da modernidade dê
espaço à socialidade, própria da pós-modernidade.
111
MAFFESOLI, 1996, p.9
58
A aceitação do destino está ligada ao fato de que não mais se vive em função do
futuro; não há um projeto de vida a ser seguido: goza-se o presente, sem se preocupar com o
amanhã. A fruição do presente a tudo esgota no próprio ato. Eis mais um dos paradoxos
modernidade versus pós-modernidade: do drama que regia a modernidade, ao trágico, próprio
da pós-modernidade.
Ora o destino recorda que o ser é acontecimento, até mesmo advento. Para
retomar a oposição modernidade/ pós-modernidade, podemos dizer que, na
primeira, a história se desenrola, enquanto que na segunda o acontecimento
advém. Ele se intromete. Ele força e violenta. Daí o aspecto brutal,
inesperado, sempre surpreendente que não deixa de ter. Aí também
reencontramos a diferença de tonalidade entre o drama, ou a dialética, que
postula uma solução ou uma síntese possível, e o trágico, que é aporético por
construção. (MAFFESOLI, 2003, p.26).
A tragédia cotidiana é aquilo que não podemos mudar, por isso o carpe diem é o lema
de nossa época. É preciso desfrutar de cada momento e aceitar o presente como única fonte de
prazer. Há uma dose de conformismo nisso, mas também uma aceitação de que não é preciso
adiar a felicidade e o prazer. Sobre isso, Maffesoli propõe a comunidade de destino, “uma
acomodação ao meio ambiente natural e social”
112
, pois ao não apostar numa vida perfeita,
num paraíso celeste ou terrestre, nos acomodamos com aquilo que temos.
A ênfase no cotidiano mostra que o senso comum, o estar-junto, a profundidade da
aparência são todos vetores que implicam de significado o momento que estamos vivendo.
Esse novo ethos sugere que o que é vivido aqui e agora e compartilhado com os outros é o que
realmente importa. As práticas sociais estão todas carregadas de uma “ética da estética”. Em
sua proposição, o termo estética não é concebido de maneira estática, designando apenas o
objeto que suscita emoção, seja ele uma estátua, um templo ou uma peça musical, mas na sua
dinamicidade: a capacidade de experimentar emoções comuns, de vibrar com o outro. E
vibramos juntos em várias ocasiões, da música ao consumo, passando pelo lazer. Hoje em dia,
com o desenvolvimento tecnológico, vibramos via celular, televisão, computador; em
qualquer lugar, em qualquer ocasião, há sempre uma desculpa para a festa.
O orgiasmo típico de nossa época e a urgência do sensual e do sensível expressam
uma forma que “permite compreender uma multiplicidade de situações que, por estarem
menos delimitadas, escapam em grande parte à injunção moral”
113
. É a ética e não a moral
que prevalece em nossa sociedade, pois aquela é particular, limitada a determinado grupo e
pode ser, ela mesma, imoral, sem deixar de ter uma ética. As práticas contemporâneas,
112
Idem, 1998, p.174.
Idem, 1985. p.24
113
59
inclusive aquelas auxiliadas pelo aparato tecnológico, como os SRS destacados neste trabalho,
apresentam éticas particulares cuja ambição é sempre a mesma: aproximar.
Tal aproximação vai acontecer conforme os interesses do momento, conforme gostos e
humores e isso irá conduzir a tal ou qual grupo. Não há como falar em unidade dentro dessa
perspectiva, mas em unicidade ou união em pontilhado. Ao invés de uma completa adesão
sem conflitos e questionamentos, assiste-se a fenômenos de atração e repulsa, adesão e
afastamento que dizem respeito à dialética massa-tribo, “sendo a massa o polo englobante, e a
tribo o polo da cristalização particular, toda a vida social se organiza em torno desses dois
polos num movimento sem fim”114. O sentimento de filiação e a partilha de um gosto faz de
cada um de nós membros de tantas tribos quantas forem as identificações.
A partir de então, é possível argumentar que o sujeito pós-moderno não possui uma
identidade única e fixa, mas compactua com outros uma multiplicidade de identificações.
Stuart Hall fala de identidades múltiplas ao caracterizar esse sujeito, em oposição àquele da
modernidade cuja concepção essencialista fragmentou-se e agora é composto não de uma
única, mas de várias identidades. As identidades da pós-modernidade são, portanto, múltiplas.
(...) O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos,
identidades que não são unificadas ao redor de um “eu” coerente. Dentro de
nós há identidades contraditórias, empurrando em diferentes direções, de tal
modo que nossas identificações estão sendo continuamente deslocadas. (...) à
medida em que os sistemas de significação e representação cultural se
multiplicam, somos confrontados por uma multiplicidade desconcertante e
cambiante de identidades possíveis, com cada uma das quais poderíamos nos
identificar – ao menos temporariamente.( HALL, 2005, p.13).
Alargando o contexto das tribos e das múltiplas identificações, interessa pensar o
indivíduo enquanto ator social, de acordo com a noção de performance desenvolvida pelo
sociólogo canadense Erving Goffman115. Seríamos atores por estarmos, sempre, engajados em
representações performáticas, uma vez que a análise proposta por Goffman concebe a
sociedade enquanto um teatro. Essa analogia advém do fato de que enquanto atores sociais
“encenamos” diversos papéis dependendo da situação em que nos encontramos. Assim,
através de técnicas de encenação, evitamos o embaraço e o constrangimento do olhar alheio.
Da mesma forma, a encenação tem a função de guiar a impressão do outro para os aspectos da
nossa personalidade que queremos destacar, uma vez que a ideia da representação é
114
Idem, 1998, p.176.
GOFFMAN, Erving. A representação do eu na vida cotidiana; tradução de Maria Célia Santos Raposo.
Petrópolis, Vozes, 1985.
115
60
apresentar padrões ideais e por isso é necessário abandonar ou esconder ações que não sejam
compatíveis com eles.
Para manter a impressão desejada durante a representação nos valemos de fachadas, “o
equipamento expressivo de tipo padronizado intencional ou inconscientemente empregado
pelo indivíduo durante a sua representação” 116. Da mesma forma que em casas e construções,
a fachada pessoal é aquilo que apresentamos ao exterior, a parte de fora, a casca, o invólucro
que é visto e cuja visão é limitada àquilo que queremos mostrar. Durante a representação, a
fachada consiste no equipamento utilizado pelo indivíduo para caracterizá-lo, cujas partes
incluem vestuário, sexo, idade, características raciais, altura, aparência, expressões faciais,
gestos corporais, distintivos da função ou da categoria, entre outros.
Na perspectiva da representação teatral, os elementos de uma interação são: os atorespersonagens - as projeções feitas por cada um dos interagentes, a plateia, constituída pelo(s)
próprio(s) interlocutor (es) que são, concomitantemente atores, e o cenário, “compreendendo
a mobília, a decoração, a disposição física e outros elementos do pano de fundo que vão
constituir o cenário e os suportes do palco para o desenrolar da ação humana executada
diante, dentro ou acima dele”117. É na região de fachada que a representação de cada ator
social é executada e tudo aquilo que não deve aparecer fica na região denominada região de
fundo ou bastidores.
Toda a dramaturgia apresentada e encenada exemplifica os rituais de interação de que
nos valemos sempre que entramos em presença imediata de outras pessoas. O que é destaque
aqui são as normas e regras de conduta que regem o comportamento pessoal em qualquer
interação, inclusive as diferentes fachadas utilizadas em diferentes situações. Vem daí a
famosa assertiva do sociólogo canadense de que não se estudam “os homens e seus
momentos; antes, os momentos e seus homens” 118.
Apesar de normalmente situarmos o ator-personagem encenando um papel em termos
pessoais, Goffman afirma ser essa uma concepção limitada, pois muitas vezes o que ocorre é
uma representação de equipe ou grupo. Dessa forma, a representação pessoal pode contribuir
para uma encenação de maior alcance. É o caso de profissionais da mesma classe ou até de
uma família ou ainda, “qualquer grupo de indivíduos que cooperem na encenação de uma
116
Ibid.,p.29.
Ibid., p.29.
118
GOFFMAN, Erving. Interaction Ritual. Essays on face-to-face behavior. New York: Pantheon Books, 1982,
p.3.
117
61
rotina particular”
119
. Um exemplo dado pelo autor entre marido e mulher situa esse tipo de
representação:
Em nossa sociedade, quando o marido e a mulher aparecem diante de novos
amigos para uma noite social, a esposa costuma demonstrar uma submissão
mais respeitosa aos desejos e opiniões do marido do que a que se preocupa
em mostrar quando sozinha com ele ou em companhia de velhos amigos.
Quando ela assume um papel respeitoso, ele pode assumir um papel
dominante, e quando cada membro da equipe do casamento representa seu
papel especial, a unidade conjugal, enquanto unidade, pode manter a
impressão que as novas plateias esperam dela. (GOFFMAN, 1985, p.77)
Goffman diferencia a fachada pessoal em aparência e maneira. A aparência se refere
aos estímulos que revelam o status social do ator e também o estado ritual temporário, ou
seja, o tipo de atividade que ele está desempenhando no momento. A maneira, por outro lado,
diz respeito aos estímulos que informam sobre o papel de interação que o ator irá
desempenhar, a saber, uma maneira arrogante ou humilde de se apresentar.
Falamos em fachada social quando indivíduos situados num dado grupo podem ou são
obrigados a manter a mesma representação, que se torna coletiva e institucionalizada dadas as
expectativas estereotipadas. Enquadram-se nesse caso, no argumento do autor, os papéis dos
lutadores, cirurgiões, violinistas e policiais, cujas “atividades permitem uma auto-expressão
tão dramática, que os profissionais exemplares – reais ou falsos – se tornam famosos e
ocupam lugar de destaque nas fantasias comercialmente organizadas da nação”120.
Yves Winkin121 destrinchando o trabalho de Goffman, diz que se estamos num lugar
que não sozinhos em nosso banheiro, quando estamos em co-presença física sob o olhar
possível de alguém, ou se pensarmos estar sob o olhar físico de alguém, sentimo-nos na
obrigação de nos projetar no espaço constituído pela pessoa e por nós mesmos. E esse
envolvimento vai fazer com que não tenhamos certos comportamentos de ordem privada e
que tenhamos outros, julgados admissíveis em público. A maneira de andar, certa postura dos
ombros, certa posição dos pés, das mãos, enfim, o objetivo é manter a fachada.
Assim, o que interessava ao autor era entender como o comportamento humano,
pessoal, era influenciado pela interação com outras pessoas, como o estar-junto modelava o
comportamento individual, que seria, então, social, de modo que todos lançariam mão de
atitudes semelhantes para se apresentar e interagir em sociedade. Isso acontece, segundo o
autor, porque “a sociedade está organizada tendo por base o princípio de que qualquer
119
Ibid.,p.78.
Ibid., p.37.
121
WINKIN, Yves, op. cit., p.135.
120
62
indivíduo que possua certas características sociais tem o direito moral de esperar que os
outros o valorizem e o tratem de maneira adequada”
122
. O trabalho de Goffman trata, então,
das técnicas utilizadas pelas pessoas para manter tais impressões, tendo como foco o deslize,
as gafes, os passos em falso, entre os atores que todos somos para chegar às regras
constitutivas da interação social adequada.
Dessa forma, é possível compreender, com Goffman, que o comportamento
apresentado aos outros será sempre baseado em atributos sociais aprovados já que a
representação apresenta uma concepção idealizada da situação. A representação de
desempenhos adequados implica, inclusive, a aspiração de ascender às mais elevadas posições
sociais. A hipótese de Goffman é a de que o ator emprega esforços expressivos para
reivindicar para si uma posição de classe superior à que lhe seria concedida. Por isso, “talvez
a peça mais importante do equipamento de sinais associado à classe social consista nos
símbolos do status, mediante os quais se exprime a riqueza material” 123.
Greg Smith124, em sua biografia sobre Goffman, escreve que ele não era um sociólogo
ambicioso, uma vez que ele não estava preocupado com as grandes questões sobre a natureza
e o desenvolvimento da sociedade. O que o movia, ao contrário, eram as minúcias da
interação face a face, as falas, atitudes, gestos, olhares e atividades comuns que se desenrolam
toda vez que estamos em co-presença física do outro. Essas formas de comunicação eram
chamadas pelo autor de “expressões emitidas”, aquelas de natureza não verbal e
presumivelmente não intencional, cujas características são mais teatrais e contextuais.
O que Goffman enfatiza é que, ao contrário do que costumamos supor, as regras de
decoro que prevalecem em recintos sagrados, como igrejas, não são muito diferentes das
encontradas em lugares comuns, frequentados diariamente, tais como trabalho, escola,
hospital. Independente do lugar, uma vez na presença física do outro tendemos,
inconscientemente, a ajustar nosso comportamento de modo a transmitir informação social
apropriada à situação. Assim, de acordo com o autor, “quando uma pessoa chega à presença
de outras, existe, em geral, alguma razão que a leva a atuar de forma a transmitir a elas a
impressão que lhe interessa transmitir”
125
. Essas seriam as performances de que lançamos
mão em toda a interação.
122
GOFFMAN, 1985. p. 21.
Ibid.,p.42.
124
SMITH, Greg. Instantâneos ‘sub specie aeternitatis’ Simmel, Goffman e a sociologia formal. In:
GASTALDO, Édison (org.). Erving Goffman, desbravador do cotidiano. Porto Alegre:Tomo Editorial, 2004.
pp.47-80.
125
GOFFMAN, 1985, p.13-14.
123
63
Outros termos importantes no trabalho do autor são “linha e “face”, que expressam
como as interações humanas se caracterizam e o valor social atribuído a elas. A linha consiste
no “padrão de atos verbais e não verbais pelos quais a pessoa expressa a sua visão da situação
e através disso sua avaliação dos participantes, especialmente de si mesmo”126. (tradução
livre). O termo face, segundo Goffman, pode ser definido como:
O valor social positivo que uma pessoa efetivamente atribui a si pela
linha que os outros supõem que ela tomou durante um contato
particular. Ou seja, face é uma imagem de si delineada em termos de
atributos sociais aprovados127. (tradução livre).
O sentir-se bem numa interação ocorre quando estamos “em face”. Nessa condição,
tipicamente respondemos com sentimentos de confidência e confiança, uma vez que “firme na
linha que assume, a pessoa sente que pode erguer a cabeça e apresentar-se abertamente aos
outros. Sente certa segurança e alívio”128(tradução livre). O desconforto, porém, assola quando
ela se encontra “fora de face” ou “em face errada”.
Se ele sentir que está em face errada ou fora da face é provável que ele se
sinta envergonhado e inferior devido ao que aconteceu e pelo que pode
acontecer a sua reputação enquanto participante. Além disso, ele pode se
sentir mal porque ele confiou ao encontro apoiar uma imagem de si a qual
ele se ligou emocionalmente e que agora ele sente ameaçada129. (tradução
livre)
A linha e a face são, dessa forma, o script pelo qual estabelecemos a “cara certa” que
precisamos manter em determinada situação. Uma vez “firmes no script”, atuamos de modo a
não deixar dúvidas a respeito de nosso comportamento e de nossas intenções.
Assim como nas sociedades indígenas – para citar apenas um exemplo – há
ritualizações que diferenciam grupos e indivíduos, também em nossa sociedade é possível
vislumbrar aspectos, ritos, que promovem um processo de distinção dos grupos. A fala, a
postura, o modo de se vestir ou de se apresentar em público configuram aspectos desses ritos.
Em se tratando de rituais, vejo em Goffman que as relações sociais envolvem uma constante
dialética entre rituais de dois tipos: apresentação e evitação. Eles representam os dois
126
(...) a pattern of verbal and nonverbal acts by which he expresses his view of the situation and through this his
evaluation of the participants, especially himself. (GOFFMAN, 1982, p.5).
127
The term face may be defined as the positive social value a person effectively claims for himself by the line
others assume he has taken during a particular contact. Face is an image of self delineated in terms of approved
social attributes. (GOFFMAN, 1982, p.5).
128
Firm in the line he is taking, he feels that he can hold his head up and openly present himself to others. He
feels some security and some relief. (GOFFMAN, 1982, p.8).
129
Should he sense that he is in wrong face or out of face, he is likely to feel ashamed and inferior because of
what has happened to the activity on his account and because of what may happen to his reputation as a
participant. Further, he may feel bad because he had relied upon the encounter to support an image of self to
which he has become emotionally attached and which he now finds threatened. (GOFFMAN, 1982, p.8).
64
principais tipos de deferência. Através dos rituais de apresentação, o indivíduo retrata
concretamente a sua simpatia pelo outro; os rituais de evitação têm a forma de interdições,
proscrições, tabus, e sugerem atos que o indivíduo deve evitar para que ele não viole o direito
do outro de mantê-lo à distância130.
Goffman considera a interação como um processo fundamental de identificação e de
diferenciação dos indivíduos e grupos, uma vez que estes não existem isoladamente: só
existem e procuram uma posição de diferença pela afirmação, na medida em que, justamente,
são valorizados por outros. O papel social de cada um está intrinsecamente ligado ao modo
como cada indivíduo constrói sua imagem e a mantém em sociedade. A gestão desses
minibalés que todos nós realizamos em nossas interações é uma ordem assim como são a
ordem econômica e a ordem social. Assim sendo, toda infração da ordem interacional, toda
ruptura das regras que regem a interação são igualmente rupturas da ordem social. A ordem
interacional é também uma das modalidades da ordem social. Um dos objetivos do trabalho
de Goffman é justamente desvelar a ordem normativa que se estabelece toda vez que as
pessoas se encontram em presença uma das outras. Em suas palavras:
(...) revelar a ordem normativa prevalecente dentro e entre essas unidades, ou
seja, a ordem comportamental encontrada em todos os locais povoados,
sejam eles públicos, semi-públicos ou privados, e quer subordinado aos
auspícios de uma ocasião social organizada ou das restrições lisonjeadores
de um mero cenário social rotinizado131. (tradução livre)
Assim como Goffman, Norbert Elias132 sonda o comportamento social que o processo
dito “civilizador” nos enquadrou. Nossas ações e comportamento não são naturais, mas
seguem padrões, certas etiquetas que nos acompanham desde os primórdios e que guiam a
vida em sociedade. Elas não são as mesmas de outras épocas, mas cumprem o papel de
estabelecer uma dinâmica social coesa.
Em sua obra, Elias retoma alguns manuais de etiqueta e mostra como no curso de
séculos o padrão de comportamento humano muda, gradualmente, em uma direção específica.
O que antes era tido como uma atitude normal frente à sociedade, hoje pode ser espantoso e
configurar um desrespeito com o próximo. Muda o padrão do que a sociedade exige e proíbe.
As práticas analisadas pelo autor vão do hábito de escarrar até questões de sexualidade e da
educação de crianças. Em todas elas, o autor percebe que a motivação para a adoção de tantas
130
GOFFMAN, 1982, p.73.
(...) to uncover the normative order prevailing within and between these units, that is, the behavioral order
found in all peopled places, whether public, semi-public, or private, and whether under the auspices of an
organized social occasion or the flatter constraints of merely a routinized social setting. (GOFFMAN, 1982, p.2).
132
ELIAS, Norbert. O processo civilizador. Tradução Ruy Jungman - 2.ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.,
1994.
131
65
práticas “higiênicas” não está relacionada ao medo do contágio de doenças ou ao nojo que tais
práticas causam, mas à vergonha e ao embaraço frente ao outro. É necessário, portanto,
ocultar certas práticas a fim de manter a ordem social.
(...) Cada vez mais, as pessoas mantêm as próprias funções, e tudo o que as
lembra, ocultas uma das outras. Nos casos em que isto não é possível - como
no casamento, por exemplo -, a vergonha, o embaraço, o medo e todas as
demais emoções associadas a essas forças motivadoras da vida humana são
dominados por um ritual social precisamente regulado e por certas fórmulas
de ocultamento, a fim de preservar o padrão de vergonha. Em outras
palavras, com o avanço da civilização a vida dos seres humanos fica
·cada·vez mais dividida entre uma esfera intima e uma publica, entre
comportamento secreto e público. E esta divisão é aceita como tão natural,
torna-se um hábito tão compulsivo, que mal é percebida pela consciência.
(ELIAS, 1994, p.188).
Essa constatação passa despercebida pelas pessoas uma vez que, como disse Elias, os
diversos rituais estão tão arraigados e são sobremaneira automáticos no nosso dia a dia que
são aceitos como naturais e acabamos por não elaborar uma reflexão sobre eles. Eles se
tornaram uma “segunda natureza”.
Uma leitura aproximada dessa dialética comportamento pessoal versus social foi
proposta por Roberto Da Matta133 quando da análise da sociedade brasileira. A casa e a rua134
são, como ele sugere, instâncias sociológicas que não designam simplesmente espaços
geográficos ou coisas físicas mensuráveis, mas acima de tudo entidades morais, esferas de
ação social, províncias éticas dotadas de positividade, domínios culturais institucionalizados
e, por causa disso, capazes de despertar emoções. Enquanto esferas de significação, a casa e a
rua apresentam regras de conduta próprias de modo que “não se pode misturar o espaço da rua
com o da casa sem criar alguma forma de grave confusão ou até mesmo conflito. Sabemos e
aprendemos muito cedo que certas coisas só podem ser feitas em casa e, mesmo assim, dentro
de alguns dos seus espaços”
135
. Há condutas e regras específicas de acordo com o espaço
ocupado e é por isso que não dormimos na rua, não fazemos amor nas varandas, não
comemos com comensais desconhecidos, não ficamos nus em público, não rezamos fora das
igrejas etc.
O discurso de Da Matta se diferencia por destacar a casa e a rua como categorias que
não apenas separam contextos e diferenciam atitudes, mas que contem visões de mundos e
133
MATTA, Roberto da. A casa e a rua. 5. ed. Rio de Janeiro: Rocco, 1997.
O autor acrescenta a essas duas instâncias o “outro mundo”, categoria sociológica que desperta curiosidade
por tratar de religião, vida após a morte etc.
135
Ibid., p.50.
134
66
éticas particulares. Afasta-se, portanto, das máscaras e cenários propostos por Goffman ao
afirmar que
Não se trata de cenários ou de máscaras que um sujeito usa ou desusa de
acordo com suas estratégias diante da “realidade”, mas de esferas de sentido
que constituem a própria realidade e que permitem normalizar e moralizar o
comportamento por meio de perspectivas próprias. (DA MATTA, 1997,
p.47-48).
Ainda assim, o comportamento esperado nessas esferas não é o mesmo, variando de
atitudes, gestos, roupas, assuntos, papéis sociais e quadro de avaliação da existência em todos
os membros de nossa sociedade.
Apesar de utilizar termos que o situem na tradição do interacionismo simbólico como
o self, a análise goffmaniana não pode ser reduzida a mera psicologia dos indivíduos, pois ela
considera que a interação tem regras próprias que são exteriores a eles. Resta-lhes apenas
obedecê-las, se quiserem ser considerados pessoas normais. Resulta disso o fato de, uma vez
reunidos pela interação, ser possível e necessário que o ator disfarce certos aspectos da
performance alheia ou até finja uma postura que certamente destoa da sua. Tudo para a
manutenção do equilíbrio social.
A abordagem do autor, que trata basicamente do gerenciamento da impressão, fala em
atores, personagens, máscaras. O termo indivíduo perde eficácia linguística nesse contexto
dando lugar à pessoa. Para Goffman, “uma pessoa é um indivíduo que se torna envolvido
num valor de algum tipo – um papel, um status, um relacionamento, uma ideologia – e então
faz uma reivindicação pública que ele deve ser definido e tratado como alguém que possui o
valor ou propriedade em questão”
136
. A transição indivíduo-pessoa é indicada por Goffman
em citação de Park:
Em certo sentido, e na medida em que esta máscara representa a concepção
que formamos de nós mesmos – o papel que nos esforçamos por chegar a
viver – esta máscara é o nosso mais verdadeiro eu, aquilo que gostaríamos
de ser. Ao final a concepção que temos de nosso papel torna-se uma segunda
natureza e parte integral de nossa personalidade. Entramos no mundo como
indivíduos, adquirimos um caráter e nos tornamos pessoas.(PARK, 1950,
p.250, apud GOFFMAN, 1985, P.27)
A pessoa, conforme Maffesoli, é toda exterioridade e enquanto arquétipo vive e repete
os instintos criadores coletivos. Enquanto máscara, ela coloca em cena ou participa da
encenação dos tipos gerais. O autor argumenta que se na modernidade existiam indivíduos
136
GOFFMAN, 1952, p.461, apud SMITH, 2006, p.20
67
autônomos e senhores de suas ações, com uma identidade única, na pós-modernidade entram
em cena pessoas de máscaras variáveis, que são tributárias do ou dos sistemas emblemáticos
com que se identificam. Logo, ela “poderá ser um herói, uma estrela, um santo, um jornal, um
guru, um fantasma ou um território, o objeto tem pouca importância, o que é essencial é o
ambiente mágico que ele segrega, a adesão que suscita” 137. Diferente da lógica individualista,
a pessoa (persona) só existe na relação com o outro. Numa passagem que lembra Goffman,
Maffesoli diz:
Na teatralidade geral, cada um, em graus diferentes, e em função das
situações particulares, desempenha um papel (papéis) que o integra(m) ao
conjunto societal. É isso que funda a dialética corpo-corpo social, tão pouco
levada em conta pelas ciências sociais. (MAFFESOLI, 1996, p.172).
Podemos, por conseguinte e sem prejuízo, ler a obra de Goffman como os “eus” sendo
representados na vida cotidiana, já que não há como reduzir a complexidade de ser dos atores
deste palco social que é a sociedade. Muito menos quando a sociedade em questão passa por
diversas mudanças de cunho político-ideológico, econômico e social, fazendo com que o
sujeito racional e senhor de si seja substituído por outro fragmentado, composto não de uma
única, mas de várias identidades, algumas vezes contraditórias ou não resolvidas.
É, pois, nesse encontro de pessoas e atores que a sociedade se faz. Seja em termos de
interação face a face ou daquelas mediadas ou virtualizadas, como a que me ocupo neste
trabalho, o que merece destaque é o fato de que a sociedade vive e se organiza através dos
encontros, das situações, das experiências no seio dos diversos grupos a que cada um de nós
pertence. E é dentro do mais insignificante desses fenômenos que aprendemos e descobrimos
os mais profundos ensinamentos: aqueles que nos mostram a nós mesmos.
Inserir os sites de redes sociais nesse debate é entender que eles são importantes
espaços de interação e socialização na contemporaneidade porque o próprio fato de estarmos
em rede sugere uma (re) união. Um ajuntamento virtual, por certo, mas ainda assim uma
forma de estar-junto. Mesmo podendo nos comunicar com aqueles que escolhemos – e que
como já exposto corresponde geralmente aos contatos com quem já temos um vínculo físico
off-line - é importante dizer que “essa ‘panelinha’, tal como ocorre nas redes sociais, não
significa o fim do estar-junto, mas simplesmente que este foi investido em outra parte que não
as formas reconhecidas pela legalidade institucional”138. Há uma vontade de ser/estar com o
outro que ultrapassa o contato físico, ainda que a forma, não seja aquela de uma interação
137
138
MAFFESOLI, 1996, p.18 -19.
Idem, 1998, p.136.
68
tradicional. O telefone, o telégrafo, a carta, de forma semelhante, ligam as pessoas, propõe
uma aproximação. A inovação, agora, com a convergência das mídias em um único aparelho,
é que podemos bater-papo, escrever, ver o interlocutor... Tudo ao alcance de alguns cliques.
É somente na e pela interação que os diversos atos adquirem sentido nesses sites.
Embora o conteúdo muitas vezes seja nulo, o continente é o que interessa, o fator agregador é
que desperta atenção. É notável uma desconstrução da perspectiva individualizante, pois tudo
ali só adquire sentido por fazer parte de um todo maior. Ao criar um avatar, um perfil, há o
desejo da partilha: dos gostos, da privacidade, das histórias pessoais. Tudo gira em torno da
emoção ou da apatia que eu crio no outro. O valor pessoal só adquire valor no coletivo.
Eis a eficácia da metáfora da tribo empregada por Maffesoli. No caso dos SRS, ela
pode ser visualizada no simples preenchimento do formulário que validará a existência do
usuário no site, em que ele é questionado sobre o seu pertencimento a grupos variados: Em
que instituição de ensino estudou? Quais são suas referências musicais, literárias,
cinematográficas, televisivas? Qual sua cidade? A empresa onde trabalha? Ainda há as
comunidades e os grupos com os quais ele se identifica: as preferências gastronômicas, de
vestuário, as marcas favoritas, os lugares que gosta de frequentar, além de tornar públicos os
eventos em que vai estar e as fotografias pessoais, elementos simbólicos que comunicam e
que tocam os usuários.
Em se tratando de representação, é possível analisar os perfis enquanto fachadas dos
usuários, onde estes encenam diferentes papéis. Ainda que nunca tenha citado a internet ou a
interação mediada por computador, a perspectiva dramatúrgica utilizada por Goffman se
encaixa nesse contexto, uma vez que on-line o desejo de criar e manter uma boa impressão
permanece. Além disso, sendo esse perfil público, os usuários estão constantemente sob o
foco de olhares desconhecidos, o que significa uma preocupação maior com a fachada.
Certamente nem tudo é exposto. E isso pode ser entendido, com Maffesoli, e sua “temática do
véu”139, uma vez que o véu deixa ver e mascara, ao mesmo tempo.
O perfil, de forma geral, pode ser visto como um texto da vida do usuário. Texto esse
que é configurado a partir da maneira pela qual o usuário quer ser visto pelos outros, mas que
segue um padrão estabelecido pelo editor ajudante, que podemos chamar de espelho. Espelho
porque é preciso se “espelhar” no modelo proposto e criar o seu perfil a partir dele. Há, então,
uma repetição de perfis, todos construídos a partir da mesma matriz. Ele é escrito com
palavras, mas também com fotografias, vídeos. E são as fotografias os elementos não verbais
139
MAFFESOLI, 1996, p.176.
69
que melhor caracterizam a fachada criada, pois cada vez mais a vida privada transborda a
cercania da vida domiciliar e ocupa, em massa, a praça pública. Isso não pode ser visto como
uma atividade desprezível que culmina em narcisismo e vaidade extremista, uma vez que a
cada dia mais pessoas de várias idades, etnias, classes sociais, se arranjam e determinam sua
participação nos sites a partir dos perfis e, de forma mais específica, das imagens.
Se o usuário precisa se “espelhar” num roteiro pré-estabelecido para construir sua
fachada, ele também olha para o seu perfil, em especial para suas fotografias e, como num
espelho, apaixona-se pelo seu melhor sorriso. Essa passagem pode lembrar o mito de Narciso,
que se enamorou pela imagem de si no espelho formado pela água, mas será mais bem
entendida se tal aproximação não focar a perspectiva individualizante, mas compreender o
corpo que se mostra como um corpo coletivo. Se existe narcisismo, ele é de grupo.
... ao contrário do que continua a ser dito sobre a ligação existente entre a
prevalência do corpo e o individualismo contemporâneo, os diversos
conformismos da aparência, o body-building, os momentos em que se
observam “os corpos em cacho” (concerto, esporte, consumo nos grandes
magazines), tudo isso nos deveria incitar a falar de narcisismo de grupo.
(MAFFESOLI, 1996, p.183)
O corpo, por sinal, está presente nos SRS, ainda que não fisicamente. As fotografias
dos usuários mostram um corpo que se pavoneia, um corpo festivo que se mostra ao outro e
que não proclama o seu fim com o desenvolvimento tecnológico, mas aparece como uma
forma a mais de ser visto, de ser lembrado, de ser tocado. A eliminação do corpo no
ciberespaço, como descrito por Le Breton140 em “Adeus ao Corpo”, onde este é visto como
excesso e onde a presença carnal do outro é dispensada, pode não ser uma eliminação
corporal stricto sensu. Não obstante os inúmeros exemplos da não corporeidade do espaço
cibernético como a multiplicação de identidades e o sexo virtual, o corpo que se despede em
Breton é na realidade um corpo apolíneo, estritamente racional e mecanicista.
O corpo que é visto no ciberespaço, sobretudo nos SRS, é um corpo que rompe com os
dogmatismos e cuja ênfase está no aspecto emocional da vida cotidiana. Daí a importância da
aparência e a forte carga simbólica investida em cada aparição pública: as indumentárias, os
estilos, o linguajar. O ambiente comunicacional é pano de fundo para uma exacerbação da
aparência que não tem nada de frívola. Apenas dá vazão a um corpo dionisíaco, afetual, um
corpo que se epifaniza e que estabelece uma relação com o outro, ainda que este outro esteja
140
LE BRETON, David. Adeus ao corpo:antropologia e sociedade. Campinas, SP: Papirus, 2003.
70
lhe vendo através do écran do seu computador. Esse corpo atualizará sentimentos de empatia
e proximidade dentro de uma lógica da identificação. Por isso, convém falar em narcisismo de
grupo.
Não há, portanto, desaparecimento do corpo no ciberespaço. O que as novas
tecnologias digitais da comunicação possibilitam é uma transfiguração do corpo: de apolíneo,
ele se transforma em dionisíaco e sinaliza uma nova maneira de estar-junto.
Falar em SRS pelas lentes de autores como Maffesoli e Goffman tem pertinência. Eles
evidenciaram, cada qual a seu modo, as múltiplas interações como constituintes da realidade
inter-humana e a importância da aparência no imaginário social. Ainda que o reino das
aparências tenha uma dimensão alienante, lembrando a sociedade do espetáculo de Guy
Debord, ele “pode permitir a expansão da astúcia, da duplicidade, que fazem com que cada
um, e o conjunto social em seu todo, avancem mascarados, e resistam, por isso, às diversas
injunções de todos os poderes, quaisquer que sejam: políticos, religiosos, morais, intelectuais”
141
. As imagens invadem o mundo contemporâneo e dão tom a um reencantamento do mundo,
em contraposição ao desencantamento provocado pelo excesso de racionalização e
cientificismo moderno. A teatralidade da vida cotidiana pode ser vista na criação e partilha de
imagens.
No caso de Goffman, por exemplo, cujas análises da interação face a face foram feitas
em espaços físicos bem delimitados, como hospitais, prédios, fábricas, o escopo do trabalho
foi muito maior: do confinamento de quatro paredes a um estudo geral da sociedade angloamericana.
Eu uso esses dados sobre o pressuposto de que um lugar lógico para
aprender sobre propriedades pessoais está entre as pessoas que foram presas
por não conseguir mantê-las. Suas infrações de decoro ocorrem nos confins
de uma ala, mas as regras quebradas são bastante gerais, nos conduzindo
para fora da ala para um estudo geral da nossa sociedade AngloAmericana142. (tradução livre)
Esse trabalho propõe, da mesma forma, partir de achados em sites de redes sociais, no
que diz respeito ao manejo da impressão, para falar da forma como os atores de nossa
sociedade constroem uma imagem de si. Para isso, debruço-me sobre meu computador e
observo com atenção as imagens lá publicadas. As fotografias chamam atenção, pois a meu
ver, elas “funcionam regularmente e de forma geral e fixa com o fim de definir a situação para
141
MAFFESOLI, 1996, p.174.
I use this data on the assumption that a logical place to learn about personal proprieties is among persons who
have been locked up for spectacularly failing to maintain them. Their infractions of propriety occur in the
confines of a ward, but the rules broken are quite general ones, leading us outward from the ward to a general
study of our Anglo-American society. (GOFFMAN, 1982, p.48)
142
71
os que observam a representação” 143. Consistem, então, em fachadas construídas por cada um
dos usuários do Orkut e do Facebook.
143
GOFFMAN, 1985, p.29.
72
C
AS FOTOS NO ORKUT E NO FACEBOOK: CONSTRUINDO UMA
FACHADA VIRTUAL
“(...) as primeiras impressões são importantes”.
Erving Goffman
C
omo discutido anteriormente, é sabido que existem fotografias aos milhares nos
SRS Orkut e Facebook, uma vez que cada usuário pode ter, no caso do Orkut até
10.000 fotografias, ou até 100 álbuns de 100, e no Facebook até 1.000 por álbum. Mas, o que
realmente intriga é o tipo delas, ou seja, a forma como as pessoas ali se apresentam ou,
melhor, representam. Posso concordar com a maioria e dizer que as pessoas estão cada vez
mais expondo suas vidas e deixando a vida privada escancarada em praça pública. Contudo,
pergunto-me se é realmente tudo que elas estão mostrando. Há uma dinâmica em ambos os
sites que me parece padronizar os perfis, e, portanto, os álbuns dos usuários. E é claro, há
certo consentimento em torno disso, uma vez que as pessoas constroem as suas fachadas
tendo em vista a fachada alheia. De qualquer maneira, se existem interação e correspondência,
é sinal que as imagens também unem.
Apesar de serem alvos de críticas que ressoam em várias pesquisas, e que tem como
mote o exibicionismo, a vaidade excessiva, o narcisismo, as fotografias me parecem funcionar
como o corpo a corpo entre os usuários desses sites. Carregadas de valor simbólico e
comunicacional, elas operam por afetos e são a materialização dos amigos da rede. Se as
postagens verbais provocam algum sentimento de identificação, as fotografias agregam e
fazem vibrar. A linguagem não verbal dessas imagens é entendida instantaneamente e elas são
logo comentadas ou “curtidas”, tão intensas as emoções que elas evocam. São elas a melhor
forma de saber como os amigos, parentes distantes ou mesmo os amigos virtuais estão e são.
O corpo que aparece na tela do computador toda vez que abrimos o álbum de alguém é, como
73
pontuou Maffesoli, um corpo que “engendra comunicação, porque está presente, ocupa
espaço, é visto, favorece o tátil” 144.
As fotografias são uma maneira que encontramos de tocar os outros e sermos por eles
tocados. A questão da aparência, assim, não pode ser vista como frívola, uma vez que as
imagens remetem a uma temática da corporeidade e o desenvolvimento tecnológico só faz
ajudá-la. Voltamos a viver num mundo encantado pelo que é, cuja eficácia imagética pode ser
vista nos cinemas, nos meios de comunicação incluindo a internet, na publicidade, na moda
etc.
Por meio das imagens publicadas, nos representamos e apresentamos um pouco de
nossa vida aos outros: de onde viemos, a família, a casa, o trabalho, enfim, aquilo com os
quais nos reconhecemos. E a partir de então somos reconhecidos pelos outros. É incrível
como as pessoas querem e pedem por fotografias e parecem assim proceder a fim de conhecer
o mundo de cada um. Através do compartilhamento dessas banalidades, dos aspectos comuns
da vida de todos os dias, suportamos melhor nossa existência. A publicização do que antes era
íntimo e apenas privado diz respeito a isso. Lemos confirma ao dizer que “revelar a
privacidade parece ser um exercício que visa instituir a conexão, tocar o outro, comunicar. No
fundo, estamos sempre lutando contra a solidão, contra o desencontro e o estranhamento” 145.
Se pensarmos as fotografias enquanto símbolos dotados de significação, enquanto
elementos proxêmicos, fica mais fácil entender a profusão de imagens pelos sites, e as diárias
e constantes atualizações. São através delas, e de outros elementos textuais como as
mensagens, legendas, comentários etc, que nos aproximamos do outro. Embora sem
finalidade, “o fato de conhecer o outro com exatidão, de saber sempre alguma coisa sobre ele,
traz consequências notáveis para os modos de vida quotidianos” 146.
Sempre dizemos algo de nós mesmos pelas imagens postadas, mas revelamos muito
mais a partir do que não é mostrado. E isso varia de acordo com a idade e com os padrões
sociais impostos. É dessa forma que à medida que mostramos também escondemos. Isso é
próprio do véu, como pontuou Maffesoli. As fotografias dos SRS analisados funcionam a
partir dessa dialética do velar-desvelamento: “para os que fazem parte da mesma comunidade,
ele acentua o que merece ser visto; ao mesmo tempo, protege contra a indiscrição do olhar
exterior”147.
144
MAFFESOLI,1996, p.134.
LEMOS, André. Aspectos da cibercultura: vida social nas redes telemáticas. In: PRADO, J.L. Crítica das
práticas midiáticas. São Paulo: Hacker Editores, 2002. p.115.
146
MAFFESOLI, 1998, p.175.
147
Idem, 1996, p.176.
145
74
Como defendido por Goffman, uma vez expostos ao olhar alheio estamos sempre
tentando gerenciar a impressão que causamos no outro. É na região conhecida como fachada
que conduzimos as performances idealizadas de nós mesmos. E isso acontece tanto on quanto
off-line. O que apresento a seguir pode sinalizar algo para aqueles que acreditam que todo
mundo é feliz e não tem problemas nos SRS. Parece-me que na vida física não deixamos de
ser atores sociais, mas quando on-line temos recursos os mais variados para controlar a
imagem que queremos transmitir, às vezes omitindo ou mesmo forjando ser quem não somos.
Isso pode ter sérias consequências na vida dos usuários. Imagine pessoas cruzando
oceanos para conhecer um provável parceiro com quem se relacionava via SRS e se deparar
com alguém diferente daquele (a) que via nas fotografias? O encontro que consumaria o
relacionamento acaba em desilusão e dor de cabeça. Uma reportagem recente que li enquanto
escrevia este trabalho trata exatamente disso. Nela, um indiano conhece uma brasileira pelo
Facebook e decide viajar até Belo Horizonte para encontrá-la, tal encantamento que suas
imagens provocaram-lhe. Resultado: ela não era nenhuma Giovanna Antonelli como
mostravam as fotografias e ele, segundo a mulher, divorciada e mãe de dois filhos, não era o
“príncipe indiano” que ela via na tela do seu computador148. A fachada virtual construída por
ambos não era condizente com aquela da vida física.
A construção e caracterização dessa fachada virtual será mais bem esmiuçada na
exposição analítica dos dados. Esta será precedida de uma introdução aos SRS de que me
ocupei nesta pesquisa. De forma rápida, descrevo na sequência, o campo por onde estive.
1 Orkut e Facebook: descrevendo o campo
A escolha dos SRS analisados não foi casual, mas se deu por uma questão de relação
pessoal com eles. Sou usuária do Orkut há pelo menos cinco anos, apesar de a frequência de
acesso ter sido reduzida nos últimos dois; no Facebook, estou há menos tempo, dois anos. Foi
esse contato que me despertou o interesse em estudar a vida social que fala através das
máquinas, a interação interpessoal que se tornou coletiva, dado o número de usuários desses
sites. De acordo com a ComScore, empresa que mede o mundo digital, as redes sociais são a
atividade on-line mais popular no mundo, sendo responsáveis por 1 em cada 5 minutos gastos
148
NISZ, Charles. Foto de Giovanna Antonelli em rede social faz indiano vir até BH. Blog Vi na internet, ago.
2012. Disponível em: http://br.noticias.yahoo.com/blogs/vi-na-internet/foto-giovana-antonelli-em-rede-socialfaz-indiano-191127537.html. Acesso em: 02 ago. 2012
75
on-line. Além disso, essa atividade alcança 82% da população mundial da internet,
representando 1,2 bilhão de usuários ao redor do globo149.
Compilando mais dados, encontrei números expressivos que mostram o sucesso dos
sites de redes sociais no Brasil, entre os quais Orkut e Facebook liderando a lista dos mais
acessados. Os dados da tabela abaixo mostram os números comparativos entre os meses de
dezembro de 2010 e dezembro de 2011 com o total de visitantes e o crescimento substancial
do Facebook no Brasil. Mesmo com o número de usuários em queda, o Orkut cresceu 5% em
um ano, porcentagem baixa se comparada aos 192% de crescimento do Facebook. É
importante lembrar que a ComScore não inclui o tráfego originado em computadores
públicos, como em internet cafés, ou acesso em celulares ou computadores de mão (PDAs), o
que significa que os dados são, certamente, ainda maiores. As estatísticas a seguir se referem
a visitantes a partir de seis anos de idade, que acessam os sites de casa ou do trabalho.
Tabela 1 - Número de visitantes dos principais sites de redes
sociais no Brasil entre 2010 e 2011
Fonte: ComScore (2012)
149
As estatísticas foram feitas tendo por base os dados de outubro de 2011. Cf.
http://www.comscore.com/Press_Events/Presentations_Whitepapers/2011/it_is_a_social_world_top_10_needto-knows_about_social_networking Acesso em: 04 abr. 2012.
76
1.1 Orkut no Brasil: da invasão ao abandono do site
Criado em 2004 por Orkut Büyükkökten, engenheiro turco do Google, o Orkut150 foi
desenvolvido nas horas de folga de seu fundador151e inspirado num trabalho anterior de
Büyükkökten, o Club Nexus, projetado enquanto ainda era estudante da Stanford University,
em 2001. O sucesso do site no Brasil começou logo após o seu lançamento e foi considerado
por Suely Fragoso152 como o Brazilian Internet Phenomenon, “quando o numero de usuários
brasileiros de um serviço on-line ultrapassa largamente o número de usuários da
nacionalidade original do serviço”153. Nesse caso, o país em questão eram os Estados Unidos
e a data histórica foi 23 de junho de 2004154, quando o Brasil desbancou os usuários
estadunidenses e se tornou o país com maior número de usuários no Orkut.
Fragoso afirma que passados dois anos do seu lançamento, quando escrevera o artigo,
o site não dava sinais de enfraquecimento, mantendo os altos índices, porém agora nem tanto
por usuários brasileiros, mas pela entrada de países como a Índia e o Paquistão. Um dos
motivos que influenciaram a tomada do Orkut pelos brasileiros foi o fato de, no início, ser
preciso de convite feito por outro usuário que já estivesse cadastrado para se tornar membro
do site. Conforme Recuero155 “essa característica do convite acabou valorizando a entrada de
atores, inclusive com a venda de convites via E-bay”. Diferente de usuários de outros países,
os brasileiros mandavam convites com facilidade, convidando qualquer um para se conectar.
Isso era motivo de irritação por parte de usuários de outras nacionalidades, “que
consideravam o caráter de clube privativo uma parte importante do charme inicial do Orkut”
156
150
.
http://www.orkut.com
Essa versão oficial do Google é contestada por alguns. Na época, Hempell (2004, online) disse que os
fundadores do rafer.net alegavam que o Orkut era “a rede social mais cheia de recursos que já existiu” e que não
poderia ser o trabalho de um homem apenas.
152
FRAGOSO, Sueli. Eu odeio quem odeia...Considerações sobre o comportamento dos usuários brasileiros na
‘tomada’ do Orkut. In: XXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, 2006, Brasília. Anais...
Brasília,
2006.
Disponível
em:
<
http://galaxy.intercom.org.br:8180/dspace/bitstream/1904/20258/1/Suely%2BDadalti%2BFragoso.pdf> Acesso
em: 27 jun.2012.
153
FRAGOSO, op. cit., p.2.
154
RECUERO, Raquel. Recuperando a história do Orkut no Brasil. 2008, on-line. Disponível em:
http://www.pontomidia.com.br/raquel/arquivos/recuperando_a_historia_do_orkut_no_brasil.html>. Acesso em:
02 jun. 2012.
155
Idem, 2010, p.166
156
FRAGOSO, op. cit., p.8
151
77
Outro importante elemento observado por Recuero157 foram as classificações dos
amigos: os corações, estrelinhas, cubinhos de gelo e o “top ten” que existia, pois “todos
queriam saber como os amigos os classificavam e assim, era interessante convidá-los”. O
criador do site aponta uma combinação de fatores para o sucesso entre o público brasileiro: o
primeiro seriam os próprios brasileiros, por serem simpáticos e acolhedores, um povo bonito,
e usarem bastante a internet, outro foi o fato de o Orkut ser o primeiro SRS bem-sucedido no
país, pois alguns usuários influenciaram seus amigos a se cadastrar no site, os quais
convidaram mais amigos; um terceiro fator seria a interface do usuário do Orkut, pois era fácil
de usar mesmo para quem não dominava a língua inglesa. E, finalmente, o nacionalismo
contribuiu muito para o crescimento do site, uma vez que os brasileiros queriam ser o país
com o maior número de usuários então espalhavam a notícia para seus amigos. Dessa forma,
houve um crescimento exponencial no país, três meses depois de o site ter sido lançado; em
2007, mais de 50% dos usuários estavam no Brasil158.
Como os SRS que o antecederam, no Orkut o usuário é solicitado a preencher algumas
informações para ativar o seu perfil, que é dividido em três partes: Social, Profissional e
Pessoal. No perfil social ou geral, a pessoa pode falar um pouco de si mesma, além de
características como gostos, livros preferidos, músicas, programas de TVs, filmes, entre
outros. No profissional, ela mostra a sua profissão, e também informações sobre seu grau de
instrução e carreira. A função do perfil pessoal é a de apresentar as características do usuário
de forma a facilitar as relações interpessoais. Apresenta informações físicas – cor do cabelo,
cor dos olhos, tipo físico etc - e sobre o tipo de pessoa que ela gostaria de se relacionar ou até
mesmo namorar/casar.
A possibilidade de criar conexões com outros usuários é baseada em links feitos,
chamados de “amigos”. No Orkut o número de amigos pode chegar a, no máximo, 1.000
pessoas. Eles podem classificados como: desconhecido, conhecido, amigo, bom amigo e
melhor amigo. Os usuários tem também a possibilidade de publicar fotos, para isso são
disponibilizados “álbuns”. Recursos populares e amplamente usados no site, as fotografias e
também os recados, os famosos scraps, são motivo de alguns recordes do Orkut. De acordo
com o blog oficial do site, na véspera do Natal de 2010, os usuários compartilharam 93
157
RECUERO, 2008, on-line.
Entrevista
de
Orkut
Büyükkökten
a
Globo
News,
em
2007.
Disponível
em:
http://dicasdainternet.wordpress.com/2008/05/09/conhea-o-criador-do-orkut-orkut-bykkokten/. Acesso em: 17
out. 2011.
158
78
milhões de scraps. Depois do ano novo, no dia 3 de janeiro, foram publicadas 1,6 bilhão de
fotos159.
O que chama a atenção no site, entre outras coisas, são as comunidades. Elas existem
aos milhares e atendem a todo o tipo de gosto. Ao fazer um perfil, você pode adicionar
comunidades que dizem um pouco sobre você e as suas preferências podem atrair novos
contatos. Em algumas delas, é preciso ser “aprovado” pelo moderador, em outras basta
adicioná-las para fazer parte daquela tribo. De qualquer forma, é possível ter tantas
comunidades quantas forem os seus interesses – o máximo permitido é de mil comunidades -,
havendo a possibilidade, inclusive, de criar a sua própria e então atrair adeptos. Os aplicativos
e os jogos também são recursos de destaque no site. Jogos como Mini Fazenda, Colheita Feliz
e Café Mania são febre entre os usuários chegando a atingir a marca dos 17 milhões de
adeptos no caso da Mini Fazenda e 13 milhões, no caso do Café Mania160.
Fragoso lembra que logo após o lançamento do Orkut os brasileiros começaram a criar
comunidades, sendo a primeira delas “Eu ando com meus pés”. A mais antiga comunidade
brasileira e uma das mais ativas contabilizando 549.842 membros em 2006 é a “Brasil”. Esse
caráter nacionalista das comunidades continuaria e se tornaria fator decisivo para os usuários
brasileiros “tomarem” o Orkut dos estadunidenses. A comunidade que ilustra essa ambição,
criada em 2005 é a “Brazilians own Orkut” 161.
Em 2010, quase 90% das páginas do Orkut foram consumidas no Brasil, totalizando
quase 32 milhões de usuários brasileiros. Apesar de números expressivos, o site está com o
índice de crescimento em queda e se não fosse o Brasil seria muito provável que esta rede
social deixasse de existir em 2011162. A tabela a seguir ilustra a popularidade do site no país
entre os anos de 2009 e 2010, se comparada ao concorrente Facebook, mas indica como em
termos mundiais, ele já esboçava baixos índices de alcance.
159
Dados do blog oficial do Orkut. Disponível em: <http://blog.orkut.com/2011/01/o-orkut-continua-crescendodepois-de-7.html> Acesso em: 28 jun. 2012.
160
Ibid.
161
“Brasil é dono do Orkut” (FRAGOSO, 2006, p.7).
162
Dados da ComScore de fevereiro de 2011. Disponível em: < http://pt.scribd.com/doc/48622322/ComScoreSOI-Brazil-Webinar-Feb-2011>. Acesso em: 04 abr. 2011.
79
Tabela 2 - Número de visitantes únicos do Orkut e Facebook entre 2009 e 2010
Fonte: ComScore Media Metrix, dezembro de 2009 e dezembro de 2010
Para não perder terreno para os recém-criados SRS, várias reformulações tem sido
feitas no site: já é possível bater papo no Orkut, inclusive por vídeo; ao invés de apenas ler as
novidades dos contatos através da visualização das suas atualizações, agora o usuário também
pode deixar comentários ao lado das mensagens de status deles ou de suas fotografias e
vídeos. As fotografias, aliás, agora podem ser visualizadas em tela cheia e é possível medir a
popularidade delas através de um contador que mede as visualizações. Na seção “Quem sou
eu”, se as palavras não forem suficientes, é possível adicionar um vídeo, imagem ou
aplicativos. Além disso, é possível também ouvir música e compartilhá-la com amigos. Em
relação aos recados, eles agora podem ser privados, ou seja, não há mais necessidade de
mandar depoimentos quando você só quer que o destinatário veja a mensagem.
Embora o site esteja passando por modificações, ele também tem sido alvo de críticas
por parte dos seus usuários, basicamente relacionadas com a maneira pela qual as pessoas
vem utilizando-o: ao invés de escrever as mensagens, se limitam a copiar imagens com frases
prontas, os famosos gifs animados e dessa forma “poluem” o site. Isso somado ao descaso que
a equipe do Google vem demonstrando em relação a esse uso tem feito vários usuários deixar
o SRS mais famoso do Brasil. Durante o período da pesquisa, testemunhei alguns desabafos
de usuários que se diziam indignados e ameaçavam deixar o sistema. Um deles escreveu:
Bom dia,
Dos poucos sobreviventes do Orkut, são mais poucos ainda os que ainda
vem aqui e escreve algumas palavras, o pouco que resta é só aquela lengalenga de sempre, tudo copiado, colado e enviado...Mas esta meia dúzia de
pessoas fazem a diferença, por isto ainda não exclui de vez a página que já
teve seus dias de glória.. E o mais estranho é que os donos do Orkut
80
parecem que estão satisfeitíssimos com o grande feito do ano...Acabar com
tudo e todos...Mando meu abraço (54 anos, Rio Grande do Sul)
Percebi, entre os meus informantes, que a euforia dos idos de 2004, quando os
brasileiros promoveram a invasão do Orkut, se transformou em insatisfação e estaria levando
muitos dos usuários a abandoná-lo. Muitos reclamam da poluição visual, das propagandas e
de algumas modificações do site, o que tem causado certos problemas. De forma geral, com a
novidade de outro SRS, o Facebook, muitos usuários migraram do Orkut para lá, apesar de na
maioria dos casos, as contas não terem sido desativadas.
“eu comecei a perceber, de um certo tempo pra cá, que o Orkut tinha
virado uma verdadeira bagunça: era foto, aquelas imagens animadas,
não tava mais servindo para uma rede de comunicação. Era muita
propaganda.”(jornalista, 24 anos, Mato Grosso)
“o orkut está meio defasado”( contadora, 24 anos, Mato Grosso)
“todo mundo acabou migrando do orkut para o face e muitos
abandonaram o Orkut” (artesã, 48 anos, São Paulo)
“O Orkut estava ficando às moscas; a maioria dos meus amigos e
familiares estão no facebook (radialista, 27 anos, São Paulo).
“Meus círculos de amizade migraram para ele. O orkut ficou meio
sem graça por isso” (publicitário, 25 anos, Mato Grosso)
“Todos os meus amigos e familiares também não utilizam mais e
como o intuito é manter contato diário com eles, permaneço apenas
no Facebook” (administrador, 24 anos, Paraná)
A princípio era a menina dos meus olhos, mas fui tendo que escolher
entre ele e o face. E, como meus alunos utilizam mais o face e os
amigos vão chegando aos poucos, estou mais assídua nele”
(pedagoga, 32 anos, Goiás)
Dos 50 entrevistados, 33 disseram preferir o Facebook e usar raramente o Orkut,
sendo que alguns nem lembram a última vez que entraram no site e outros já desativaram a
conta. Mas, também há os que, mesmo usando os dois sites, preferem o Orkut. Percebi uma
aproximação maior e um senso comunitário mais aguçado no Orkut, se comparado ao
Facebook. Usuários ativos do Orkut disseram que:
“No Orkut o contato é muito mais pessoal. Fiz grandes e preciosos
amigos nesse site de relacionamento. Além de poder relacionar-me
81
com pessoas que pensam a vida e os acontecimentos de uma maneira
mais séria e profunda”. (professora, 68 anos, Minas Gerais).
“embora muitos o vejam como ultrapassado acredito em uma
proximidade maior com as pessoas com as quais se relacionam”
(bombeiro, 46 anos, Distrito Federal).
Dos que preferem o Orkut, alguns argumentam a questão do tempo de uso e da
praticidade, mencionam que é “mais fácil mexer”. A identificação com o site também ocorre
devido às fotografias, comunidades e os jogos. São esses dois últimos que mantém muitos
usuários no site, como relatado:
“O Orkut eu mantenho por causa de alguma comunidade que faço
parte referente à artesanato, mas já não mantenho contato com mais
ninguém por lá”.( artesã, 48 anos, São Paulo)
Eu tenho dois orkuts, o Orkut que é o que você está adicionada, eu só
mantenho ele assim porque ele é muito antigo, de quando eu entrei
para a internet que eu fiz. Então tem muitas pessoas ali que são
amigos, que são de outras cidades que eu morei, conhecidos,
parentes, tal. Então eu gosto dele por causa das fotos, pelas fotos, e
também comunidades (...). Gostoso participar de comunidades. Eu
não sou uma participante ativa de comunidades, eu sou mais uma
observadora, gosto de aprender, ler alguma coisa e tal ( ...).Mas,
então, e o outro Orkut eu mantenho ele pra jogar mini fazenda, que
também já tô enjoada, mas... (professora, 59 anos, Mato Grosso).
“prefiro o Orkut em função das comunidades” (empresário, 48 anos,
Espírito Santo).
“Na verdade, o Orkut teve alguns anos atrás que eu usava bastante,
recebia muitas mensagens e também retribuía, mandava muitas
mensagens. Só que depois, com o tempo, foi ficando difícil pra eu
usar, falta de tempo mesmo, né. Então, aí chegou num determinado
momento que nem sequer responder as que eu recebia eu respondia.
Então ultimamente o Orkut o que eu entro realmente é mais por causa
dos joguinhos lá que eu gosto.” (secretária, 53 anos, Paraná)
A questão de o laço ser mais forte entre os usuários do Orkut também foi explicado
pelo fato de lá as pessoas serem mais “simples” que no Facebook, além de estarem envolvidas
numa relação de amizade mais “profunda”. Segundo alguns usuários dos dois sites:
“as pessoas do face são ou pensam que são mais inteligentes.Um
exemplo, no face alguns fazem questão de dizer: hoje vou jantar no
restaurante mais caro da cidade.Lá (no Orkut) as pessoas são bem
82
mais simples. Pena que falo pras paredes quando peço para pararem
de me enviar scraps gigantes, sem play e tirados de comunidades,
piscando um monte” ( motofretista,54 anos,Rio Grande do Sul)
“Não gosto muito do Facebook. É muito pueril e a comunicação é
muito superficial. Gosto de relacionamentos mais profundos”. (68,
Minas Gerais)
“eu acho que o Facebook expõe muito, muito”. (59, Mato Grosso)
“vejo o face como modismo onde postam coisas que muitas vezes não
tem a ver. Não me simpatizo com a forma como muitos utilizam,
postam coisas do tipo: “estou saindo agora pra trabalhar, acabei de
chegar do trabalho muito cansado... não me interessa pra onde você
vai o que fez, o que vais fazer. E no Orkut te desejo um bom dia, uma
boa semana um bom feriado coisas do tipo que você recebe também.
(46, Distrito Federal)
Conhecer pessoas de outros locais e travar uma amizade virtual é comum entre os
usuários do Orkut e os laços afetivos criados a partir daí são fortalecidos quando acontece um
encontro físico, o que me foi relatado nas entrevistadas, sobretudo dos homens. Quase todos
os meus informantes do sexo masculino já conheceram fisicamente quem apenas conheciam
virtualmente. No total, 21, dentre os 25, responderam que marcaram de se encontrar ou então
acabaram conhecendo a pessoa acidentalmente. Às vezes eram pessoas de outras cidades, e
eles programaram de se ver, em outras eles mesmo viajaram e acabaram marcando de se
encontrar. Uns dizem que fazem questão de conhecer ao vivo os amigos virtuais, e vários se
mostram cuidadosos: conversam muito antes, às vezes até pela webcam, e só depois marcam
de se encontrar. Em alguns casos, o encontro foi sexual. E a maioria ainda mantém contato
com essas pessoas, alguns viraram amigos, tem um que foi até no casamento de uma “amiga
virtual”. Trago aqui alguns comentários feitos:
“sempre que vou a uma cidade que tenho amigos virtual que queiram
me conhecer procuro para conhecer pessoalmente ou mesmo em
minha cidade” (54 anos, Mato Grosso do Sul).
“várias pessoas, numa viagem ao Rio, recente, foi um exemplo, nos
encontramos no aeroporto, e também conheci várias pessoas aqui na
cidade onde moro, alguns de encontros casuais na rua mesmo sem
combinar seguidamente encontro algumas nas ruas ainda” (54 anos,
Rio Grande do Sul).
83
“nos encontramos em um shopping logo depois aconteceu, ficamos(
tivemos relação sexual)” (26 anos,Portugal).
“Desde a época de colégio...alguém que sabia que existia, mas não
tinha um contato mais próximo, e a ferramenta da internet acabou
auxiliando. Já também de se encontrar em festa.. ou até mesmo
acabar se encontrando sem marcar, por ser amigo em comum, e dai
acabar conhecendo pessoalmente” (26, Mato Grosso do Sul).
“marcamos e nos encontramos, foi muito bom tanto pra mim quanto
pra outra pessoa. Em outras oportunidades ficou só na amizade
mesmo” (46, Distrito Federal).
“uma amiga de Fortaleza veio a BH para me conhecer e tivemos
grande prazer em nos conhecermos pessoalmente, sempre lembrando
'os olhos são as janelas da alma', como diz 'Leonardo da Vince', nos
encontramos numa praça de alimentação de um shopping central e
por lá começamos os passeios e trocas de lembranças” (68, Minas
Gerais).
“aham, a pessoa veio aqui em Cuiabá e eu fui pra São Paulo
também” (29, Mato Grosso).
“Já, várias pessoas; Quando morava no interior, era mais fácil
encontrar na rua, sem precisar combinar. Aqui em Curitiba, conheci
algumas pessoas combinando” (24, Paraná).
“eu não sou de marcar assim, procuro sempre entender as ocasiões,
eu tive a oportunidade de conhece uma pessoa que mora em São
Paulo aqui em Recife, até hoje somos amigos” (44, Pernambuco).
“assim, nada romântico não, era um amigo que eu fiz pela internet.
conversávamos bastante por cerca de 1 ano, 1 e meio... aí bem por
acaso eu mudei para a cidade dele, acabei chamando ele pra ir tomar
um café e conhecer o cara... foi bem legal, hoje moramos longe de
novo, mas somos muito mais amigos”(25, Mato Grosso)
“sim, marcamos por telefone... só serviu pra fortalecer a amizade e se
tornar real...” (58, Rio de Janeiro)
“bem, tenho 5 experiências, 2 vieram conhecer eu e minha família em
casa 1 fomos a casa dela eu e minha família e 2 foram
relacionamento digamos sexuais somente eu né, rsssrsrs..isso no
passado viu, todos só ocorreram depois que nos vimos pela web e
depois de muitos diálogos” (36, Bahia)
Entre as mulheres, apenas nove conhecerem fisicamente algum amigo feito pelo
Orkut. O que observei é que há muito cuidado e preocupação em relação a estranhos, às vezes
84
até medo. “Nunca fui disso”, revelou uma delas. Outras disseram não usar o site para
conhecer pessoas novas, apenas para contato com amigos e familiares. Das que já passaram
pela experiência, uma faz parte de um grupo de portadores de doenças reumáticas, cujo nome
veio dessa vontade do encontro físico: “ENcontrAR”, encontro de pessoas com artrite
reumatoide.
“todo mês depois de dois anos nas redes sociais resolvemos se
encontrar pessoalmente, daí surgiu o nome. As redes sociais nos
impediram de ficar no isolamento e servem de autoajuda pela
possibilidade de rapidamente conhecer alguém como a gente”. (31,
São Paulo)
Outra informante, cujos filhos sofrem de uma doença genética, também disse que os
SRS a ajudaram a encontrar pessoas que estão na mesma situação e outras que, apesar de não
ter nada a ver com a doença, foram solidárias e hoje são amigas.
“Assim que eu soube da doença deles, aqui eu encontrei muitos
amigos com a mesma situação. Muitos eu já conheci pessoalmente,
mas muitos ainda não. E através disso ali eu conheci muita gente que
não tinha nada a ver com a doença, mas que viraram amigos
verdadeiros”. (46, Santa Catarina).
Em relação à faixa etária dos que preferem o Orkut, constatei, através da netnografia
conduzida, que, se comparados aos que preferem o Facebook, de forma geral, eles são mais
velhos. Muitos dos que já desativaram ou não usam mais o primeiro SRS que fez sucesso no
Brasil estão na faixa dos 20 anos, enquanto os outros têm entre 40 e 60 anos. Outra
característica interessante é que os usuários do Orkut, mesmo aqueles que não o utilizam
mais, tem mais fotografias por lá se comparado ao número das publicadas no Facebook.
1.2 Facebook, mania mundial: curtiu?
O Facebook163 nasceu em 4 de fevereiro de 2004, na Califórnia, tendo como criador
Mark Zuckeberg e seus colegas de quarto da época de faculdade Dustin Moskovitz, Chris
Hughes e o brasileiro Eduardo Saverin. Hoje é o SRS mais popular do mundo, com um bilhão
163
www.facebook.com
85
de usuários164. Em relação a um elemento importante do site, as fotografias, elas já são 219
bilhões. Se fosse um país, o Facebook seria o terceiro maior do mundo165. Apesar de ter sido
lançado no mesmo ano do Orkut, o Facebook não obteve sucesso tão rapidamente no Brasil.
Na verdade, o ano de 2004 marca a criação do site somente para os estudantes de
Harvard, e naquela época ainda se chamava “TheFacebook”. Ele virou hit entre os
universitários, que podiam visualizar o status de relacionamento dos usuários. Ainda em
2004, atingiu a marca de um milhão de usuários166. Foi só em setembro de 2005, segundo
Boyd e Ellison, que o site passou a aceitar usuários de fora do universo universitário. E
apenas em 2008 que ganhou uma versão em português. Entre os anos de 2009 e 2010, o
Facebook atingiu um crescimento de 295%, enquanto o Orkut, apesar de ainda liderar o
ranking das SRS no Brasil, crescia apenas 28%. Os gráficos abaixo sinalizam o crescimento
dos sites no Brasil e no mundo entre 2009 e 2010, com grande ênfase para o sistema de
Zuckerberg.
Gráfico 2 - Percentuais de crescimento do Orkut e do Facebook no Brasil e no mundo, de 2009 a 2010
Fonte: ComScore Media Metrix, dezembro de 2009 e dezembro de 2010
Atualmente, segundo dados do site de pesquisas “Social Bakers”167, o Brasil é o
segundo país em número de usuários do Facebook, com mais de 53 milhões de pessoas que
164
Galileu.
O
tamanho
do
Facebook.
Disponível
em:
<http://revistagalileu.globo.com/Revista/Common/0,,EMI321188-17770,00INFOGRAFICO+O+TAMANHO+DO+FACEBOOK.html>
165
Technology review. What Facebook knows. Disponível em: <http://www.technologyreview.com/featuredstory/428150/what-facebook-knows/> Acesso em: 30 jul. 2012.
166
Globo.com. O perfil do Facebook. Disponível em: <http://g 1.globo.com/platb/o-perfil-do-facebook/#a2004.>
Acesso em : 03 jun. 2012.
167
Disponível em: < http://www.socialbakers.com/facebook-statistics/brazil> Acesso em: 31 jun. 2012.
86
usam a rede social ativamente. Em relação à penetração no país, o número de usuários
representa 25,45% da população. Há pouco tempo, o Brasil ultrapassou a Índia. Abaixo, a
lista dos 10 países mais populosos no Facebook e na sequência os dados relativos ao Brasil.
Tabela 3 - Relação dos 10 primeiros países em número de usuários no Facebook
Fonte: Social Bakers
Tabela 4 - O Brasil no Facebook
Fonte: Social Bakers
Em relação à faixa etária dos usuários do Facebook, a maioria é jovem, com idades
entre 18 e 24 anos. O gráfico a seguir mostra as porcentagens das idades no site no Brasil.
87
Gráfico 3 - Distribuição de usuários do Facebook no Brasil por idade
Fonte: Social Bakers
O Facebook funciona através de perfis e comunidades e também aceita o acréscimo de
aplicativos – jogos, ferramentas. Esse é um recurso que o diferencia dos demais SRS, “a
habilidade de desenvolvedores de fora de construir aplicativos que permitem aos usuários a
personalização dos perfis, além do desempenho de outras tarefas tais como comparar
preferências de filmes e mapear histórias de viagens”168. Por ser originalmente dirigido a
universitários, um requisito importante na hora de configurar o perfil é o nome da instituição
educacional de origem. É isso o que acompanha o nome do usuário quando procurado no
sistema, bem como o nome da empresa onde trabalha. Isso certamente influencia o tipo de
público, bem como o conteúdo por ele publicado no site.
Um dos aspectos que me pareceu revelador entre os dois sites é o comportamento dos
usuários quanto às suas publicações. Se no Orkut eu recebia scraps e montagens com alguma
mensagem a todo momento, o que fez meus recados aumentarem de cerca de 200 no início da
pesquisa, para mais de mil no momento em que escrevo essas linhas, no Facebook
dificilmente recebo alguma coisa dos sujeitos analisados. O que as pessoas fazem mais
frequentemente é escrever em seus murais algo relacionado ao seu dia, como num diário, ou
fazer referência a alguma matéria jornalística, música, blog e afins. Os recados parecem só ser
168
BOYD e ELLISON, op. cit., p.7
88
enviados aos que se conhece bem, àqueles com quem se tem algum relacionamento fora do
site. E isso também é possível visualizar, uma vez que toda vez que contatos da mesma rede
trocam mensagens, elas automaticamente aparecem na listagem das atualizações.
Conforme Recuero169,o Facebook é visto como mais privado que os outros SRS, pois
apenas os usuários que fazem parte da mesma rede podem ver o perfil uns dos outros. Entre
os meus informantes também percebi isso. Um deles, uma jovem de 18 anos que atualmente
tem conta apenas no Facebook, me explicou o porquê da decisão:
“acho o facebook mais privado, quando eu tinha orkut tinha gente que
pegava minhas fotos e abria outro orkut com nomes diferentes”.(18 anos,
Mato Grosso)
A ênfase dada ao Facebook é para as relações off-line, portanto já existentes. Ele seria
uma extensão on-line para contato com essas pessoas. Isso fica claro em um slogan da
empresa: “No Facebook, você pode se conectar e compartilhar o que quiser com quem é
importante em sua vida”. Sobre isso, Boyd e Elisson e também Ryan concordam. Elas dizem,
respectivamente, que:
Ellison, Steinfield, and Lampe (2007) sugerem que o Facebook é usado para
manter relações offline existentes ou solidifcar conexões offline, e não para
encontrar pessoas novas. Essas relações podem ser do tipo “laço fraco”, mas
há algum elemento offline comum entre os indivíduos que adicionam um à
lista do outro, como por exemplo, a mesma sala de aula na escola170.
(tradução livre)
Aqueles com quem um usuário tipicamente interage no Facebook são
naturalmente pessoas que ele vê e interage de forma regular offline, na
escola, no trabalho, ou em comunidades geográficas. Uma vez que os perfis
das pessoas são, de forma padrão, somente visíveis dentro dessas redes
articuladas, o site instaura uma sensação de privacidade e confiança171.
(tradução livre)
169
RECUERO, 2010, p.172.
Ellison, Steinfield, and Lampe (2007) suggest that Facebook is used to maintain existing offline relationships
or solidify offline connections, as opposed to meeting new people. These relationships may be weak ties, but
typically there is some common offline element among individuals who friend one another, such as a shared
class at school. (BOYD e ELLISON, 2007, p.10).
171
Those with whom one typically interacts on Facebook are usually people one also sees and interacts with on a
regular basis offline in her school, workplace, or geographic communities. Because people’s Profiles are by
default only visible to those within these articulated networks,the site instills a sense of privacy and trust.
(RYAN, 2008, p.16).
170
89
O fato de os usuários desse site se relacionarem com contatos já conhecidos fica
evidente nas respostas obtidas durante a pesquisa. Muitos revelam, inclusive, que é esse o
motivo de manter o site e também de publicar fotos.
“Apenas entrei no Facebook porque encontrei meus parentes da
Grécia procurando pelo sobrenome no Google.” (27, Mato Grosso).
“Para que os parentes distantes ou amigos acompanhem minhas
novidades.” (27, São Paulo).
“ter mais contato com quem conheço mesmo e acabamos perdendo
contato.” (48, São Paulo)
“Reencontrar pessoas da infância, fácil acesso à minha família que
mora longe, resolver coisas da faculdade pelo bate-papo.” (24, Mato
Grosso)
“para manter contato com familiares e também com o povo da
faculdade já que a forma mais rápida de saber as notícias como
prova, trabalhos.” (24, Mato Grosso)
“mais para acompanhar o que meus amigos tem feito, o que tem
pensado, e para fazer o mesmo, compartilhar de ideias, pensamentos,
comunicar-se com pessoas, encontrar pessoas, manter contato.”
(26,Mato Grosso do Sul)
“para fazer visitas, pelo menos virtual, manter contatos.” (61, Rio de
Janeiro)
“é a forma que eu achei mais fácil de se compartilhar fotos e
situações felizes com pessoas queridas que não podem estar perto,
como amigos e familiares que moram longe, e ao mesmo tempo
compartilhar minha vida com meus amigos que estão por perto pois
acredito que esse meio me permite ser sociável e criar contatos para
relacionamentos sociais e profissionais.” (20, Mato Grosso)
Há também os que utilizam o site para reencontrar pessoas que há anos não veem. Um
exemplo disso foi o que me relatou um estudante que atualmente mora em Mato Grosso do
Sul:
“Encontrei amigos da época de colégio de quando eu morava em
Juína, até a quinta série, ‘amiguinhos’ próximos, que sem dúvida foi
90
algo muito interessante, hoje compartilhamos de historias de tempos
atrás”.
Apesar de a grande maioria falar em contato com amigos e familiares, ou seja, com
pessoas com quem já tem um envolvimento off-line, me deparei com sujeitos cujo motivo
maior em manter as contas nos sites é o de conhecer pessoas novas, fazer novas amizades.
Um gaúcho espontâneo que conheci via Orkut, mas que também mantém um perfil no
Facebook, me deu a seguinte explicação:
Eu: então costuma adicionar estranhos?
Jorge: sempre adiciono
Eu: tem algum critério para aceitar o convite de um estranho?
Jorge: só para amigos e parentes não preciso de uma rede social,
entende?
Como no Orkut, há várias formas de interação. Além das fotografias, existe uma
ferramenta muito utilizada no site: o botão “curtir”. Do inglês “like”, ele foi criado em 2009
para que os usuários “curtam” as publicações uns dos outros. Ele atua como um vetor de
identificação, uma vez que clicando-o você assume que pensa como aquela pessoa, que tem
interesses semelhantes e isso te aproxima. Também há a possibilidade de compartilhar aquilo
que alguém publicou e cujo conteúdo te agrada. As possibilidades de interação ainda incluem
os recados escritos no Mural de seus contatos, o chat e as mensagens, que tem a mesma
função dos depoimentos no Orkut: são opções privadas de enviar recados. Enfim, o que as
pessoas querem mesmo é estar em correspondência, falar umas com as outras através de seus
teclados ou celular.
Além dos exemplos citados anteriormente, os comentários aparecem como
importantes ferramentas de interação. No bate-papo que tive com os usuários, percebi o
quanto eles são importantes e desejados. Algumas declarações mostram essa necessidade e
ressaltam que os usuários, por vezes, publicam material movidos pela possibilidade de receber
comentários. Um dos homens entrevistados foi irônico ao destacar a importância dos
comentários:
Eu: E gosta de receber comentários?
Bruno: Ah, quem não gosta né? (risos) porque que a gente posta?
Foto, vídeo, etc? pra receber comentário, (risos).
91
Uma artesã que utiliza os sites de redes sociais para contato com amigos e familiares e
também para divulgar seus produtos, revelou o motivo pelo qual publica conteúdos nos sites:
Eu: Quando publica algo – foto, vídeo, texto... – o faz pensando em
quem?
Márcia: em quem vai ver, ou seja todos do meu grupo de amigos
Eu: sim, então se preocupa com eles, com o que vão achar, pensar...
Márcia: coloco sempre achando que todos vão curtir e comentar
A preocupação com os outros é clara na fala de outra entrevistada, uma estagiária:
Eu: Quando publica algo – foto, vídeo, texto... – o faz pensando em
quem?
Ana Caroline: se os meus amigos vão gostar, curtir...
Eu: aham, então pensa neles antes de publicar algo
Ana Caroline: sim!!! Se vão gostar
Os comentários são um feedback importante para os usuários dos sites. Um deles, um
aposentado de 63 anos, usuário apenas do Orkut, afirmou que os comentários dão visibilidade
à pessoa que publicou algo:
Eu: Gosta de receber comentários?
Armando: Com esse Orkut, correndo além da minha velocidade,
estou tendo dificuldades em vê-los, rsrs.
Eu: rs! Mas gosta?
Armando: Sim. Significa que não estou invisível.
E apesar da preferência por comentários elogiosos, alguns afirmam que qualquer
manifestação é válida, como essa enfermeira, usuária dos dois SRS pesquisados:
Eu: E gosta de receber comentários?
Iraci: Gosto muito, mesmo que sejam críticos, dependendo de quem
for a crítica/elogio, sei o que devo melhorar, e de que forma as
pessoas estão me vendo, muitas vezes eu não passo a mensagem que
quero, isso porque dependo do olhar da outra pessoa.
Enfim, as conversas geradas pelos comentários são pertinentes porque cumprem com a
noção de interagir e de “falar” com o outro, ainda que virtualmente. Isso, aliás, foi o que
motivou os criadores do Orkut e do Facebook a lançar um sistema onde o foco é a interação.
Para o engenheiro turco do Google cujo site que criou leva o seu nome, Orkut Büyükkökten,
92
“costumamos conhecer pessoas através de amigos e da rede de amigos deles. Foi assim que
tive a ideia de uma rede social na internet”
172
. Mark Zuckerberg, do Facebook, diz que “as
pessoas querem compartilhar e ficar conectadas com seus amigos e as pessoas ao seu redor.”
173
.
Mesmo em outra dimensão da realidade, é possível estar em comunhão com o outro.
Em frente ao écran dos seus computadores, os usuários trocam informações, colaborações,
jogam conversa fora e vivenciam a experiência on-line da socialidade. Agora estamos
pegando a bagagem que havíamos deixado no meio da estrada: o jogo, a festa, o lúdico, o
imaginário retomam vigorosos e se apresentam com força nos SRS. A propósito da
importância dos sites, uma professora aposentada disse: “as redes sociais são muito
importantes. Como animais gregários, temos necessidade de pertencer a grupos”.
2
Chegando aos dados
Se me fosse necessário sintetizar o que vi dentre os perfis, diria uma repetição na
feitura e configuração dos mesmos. Em relação às fotografias, o usuário se mostra nas
repetições de tórax nus, decotes abertos, cochas, cabeleiras. Esconde partes do corpo para se
desvelar noutras, com óculos escuros, com chapéus, com sombra e luz de photoshop.
Emolduram-se com flores, com bichos, com arabescos, em slideshows, em capas de revistas,
em outdoor. Trazem fotografias antigas, de quando eram crianças e lembranças dos já
falecidos. Trazem tomadas com seus carros, suas casas, suas motos, seus barcos, suas
bicicletas. E seus saxofones, suas teleobjetivas, seus computadores, seus pianos, suas violas.
Seus enquadramentos de viagens, de formaturas, de casamentos, de baladas, de almoços e
ceias de festa. Abraçam-se com o companheiro, o compadrio, a parentela, os filhos, os
sobrinhos, os bebês. Cercam-se de amigos, de colegas, de autoridades, de notoriedades.
A
partir
deste
cenário,
algumas
categorias
emergem:
Família,
Amigos,
Viagens/passeios, Festas, Eu, Montagens. Não que existam fotografias de cada tipo nos
172
Entrevista disponível em: < http://dicasdainternet.wordpress.com/2008/05/09/conhea-o-criador-do-orkutorkut-bykkokten/>. Acesso em: 17 out. 2011.
173
“People want to share and stay connected with their friends and the people around them.” Cf. em The
Facebook Blog. Disponível em: <http://www.facebook.com/blog.php?post=391922327130>. Acesso em: 13
mar. 2012.
93
álbuns de todos os observados, mas essas categorias são as que mais se repetem quando
analisados todas as imagens. E há algumas peculiaridades de acordo com o site analisado.
Em geral, homens e mulheres têm mais fotografias no Orkut – como citado
anteriormente. E uma das temáticas mais comuns por lá é a montagem. Há fotografias de
outros tipos também, mas as montagens aparecem copiosamente. Não apenas nas fotografias.
Eu mesma recebo diariamente mensagens automáticas feitas a partir de montagens. Algumas
delas trazem uma foto do remetente, além de figuras e desenhos. De certa forma, os álbuns
aparecem mesclados. Há fotografias de viagens, e aí aparecem paisagens, a natureza
juntamente com imagens pessoais, diante daquele cenário. Noutras aparecem a família em
momento de descontração, os filhos, o par, os amigos, o trabalho. São os álbuns intitulados
“Diversas”, “Fotos variadas”, “De tudo um pouco”, “Tudo junto e misturado”.
Às vezes, logo no Quem Sou Eu do perfil a linguagem verbal perde espaço para o
texto não verbal das fotografias. São imagens que apresentam o usuário logo na capa dos seus
perfis. Com elas, os usuários miram e se deixam mirar, tanto ou mais do que nas palavras. A
fachada apresentada, de forma geral, transmite um cuidado com a aparência, onde as pessoas
aparecem sempre bem arrumadas, penteadas, vestidas, maquiadas, num cenário que também é
previamente escolhido.
As figuras 2, 3, 4 e 5 a seguir exemplificam o uso de fotografias logo na descrição do
usuário.
94
Figuras 2, 3, 4 e 5 - Páginas principais do Orkut
95
Apesar de muito se falar nos perigos da internet e dos SRS no que tange a
apresentação de informações, as pessoas não deixam de publicá-las. Ao criar um perfil, elas
disponibilizam dados pessoais, revelam gostos e visões de mundo e se mostram aos demais
usuários através dos álbuns publicados. Mas há um cuidado anterior a exposição, uma
96
espécie de ritual que precede a interação, uma vez que antes de adicionar alguém sempre
buscamos referências a partir do que é mostrado.
Em relação à imagem de perfil, também há cuidado. Talvez até mais do que nas
fotografias dos álbuns, pois é ela quem vai localizar o usuário quando de uma busca no site.
Ela está sempre visível, é pública, diferente das imagens dos álbuns, que podem ser
configuradas de modo a eleger quem poderá visualizá-las. Se, como confirma Goffman, “na
vida cotidiana, por certo, há uma clara compreensão de que as primeiras impressões são
importantes”, diria, sem rodeios, que as primeiras impressões são ainda mais importantes na
internet e nos sites analisados, pois, diferente do contato físico, que engendra diferentes
elementos interacionais, como a fala e os gestos, nos SRS o contato comunicacional é
precedido de uma avaliação da imagem do usuário. O cuidado com a “cara”, portanto, é
importante. Quando perguntados sobre a relevância da aparência nos sites, as respostas dos
informantes foram parecidas:
(...) nesses sites de relacionamento diria que é primordial ter uma boa
aparência pois ninguém estará interessado em parar para conversar
contigo e desfazer a má impressão q teve com vc. (21 anos,
estudante).
“Temos que estar bem na foto, se nos sentimos feia a foto já não vai.
Acho que a grande maioria se preocupa em ter uma aparência boa”.
(26 anos, fisioterapeuta).
“eu acredito que sim! Tanto que quando você está com uma fotinha
bonitinha aparece um monte de gente, se coloca uma foto meio
estragadinha não aparece ninguém!” (23 anos, jornalista).
“Se eu me achar feia em uma foto jamais postaria”. (25 anos,
administradora).
“contribui muito quem esta vendo, então deve-se ter um boa
aparência.” (44 anos, eletricista).
A próxima página traz uma sequência de fotografias de perfil de alguns dos sujeitos
analisados, tanto do Orkut quanto do Facebook. Elas são elementos da fachada apresentada
por cada um e por isso o cuidado em escolhê-las. Os usuários aparecem sempre bem vestidos,
geralmente sorrindo, num cenário previamente escolhido.
97
1- Fotografia de perfil
2- Fotografia de perfil
3- Fotografia de perfil
4- Fotografia de perfil
5- Fotografia de perfil
6- Fotografia de perfil
7- Fotografia de perfil
8- Fotografia de perfil
9-Fotografia de perfil
10- Fotografia de perfil
11- Fotografia de perfil
12-Fotografia de perfil
98
Dentre todas as maneiras de autorrepresentação fornecidas pelos sites – dados do
perfil, mensagens, vídeos, comentários... – as fotografias parecem melhor ilustrar a questão da
fachada criada. A imagem de perfil, por exemplo, é quase sempre retocada, cortada, de modo
a tirar de cena o que não pode ser visto, ressaltando o que deve melhor aparecer: o usuário,
em seu mais perfeito close-up.
Alguns me confessaram já ter utilizado uma fotografia falsa como imagem de perfil.
Um deles, um motofretista, explicou que isso aconteceu apenas uma vez, logo que criou a
conta no Orkut, e que o fez por vergonha de sua própria fisionomia, colocando uma foto de
outra pessoa parecida com ele: “até os conhecidos pensavam que era eu, mas deixei a foto só
uma semana, depois encarei a real; agora não me envergonho mais”. Um servidor público
disse que já colocou uma foto de um ator norte-americano que se parecia com ele na sua foto
de perfil, mas “só por diversão”. Logo foi desmascarado por seus contatos, que não acharam
semelhança entre os dois. Além deles, uma artesã também admitiu já ter utilizado uma
fotografia forjada na imagem de perfil. No caso, a foto era dela, mas numa montagem em que
“vc só encaixa o rosto e fica perfeita, kkk”. Ela conta que ninguém notou e que também fez só
por diversão.
A ideia de colocar uma imagem falsa no perfil ratifica o desejo, já exposto por
Goffman, de tentar parecer melhor do que somos. Nesse esforço de produção, moldamos uma
imagem social a fim de dar a “melhor impressão”, apresentando-nos sob uma luz favorável.
A fachada apresentada é fruto do desempenho do participante, o que para Goffman
equivale a toda a atividade que sirva para influenciar, de algum modo, os outros participantes.
Nesse sentido, a fachada não é somente a “cara”, em sentido estrito. Ela é algo difuso e diz
respeito à linguagem de uma forma geral. Assim, ao observar os perfis de alguns usuários,
percebi que o cuidado com a fachada era visível não só nas fotografias, mas nas postagens
escritas, na escolha das palavras e no português correto. Alguns perfis eram de professores,
pedagogos, jornalistas, advogados, o que implica uma expectativa maior, por parte dos demais
usuários, em relação à fachada exibida. Nessas situações, há uma institucionalização da
representação, uma “representação coletiva”, à maneira de Goffman. O que significa que a
fachada precede o papel assumido pelo ator.
Isso acontece, segundo o autor, porque quando projetamos uma definição da situação,
ou seja, quando apresentamos uma fachada, nós exigimos que os demais nos valorizem e nos
tratem da maneira que aquele tipo de pessoa tem o direito de esperar. Esse princípio está
ligado a outro que diz que “um indivíduo que implícita ou explicitamente dê a entender que
99
possui certas características sociais deve de fato ser o que pretende que é” 174. É aí que
acontecem as surpresas desagradáveis como a do indiano e da mineira relatada anteriormente.
Ao encontrar um amigo virtual fisicamente espera-se que o seu desempenho seja compatível
com a fachada apresentada em seu perfil. Alguns relatos que obtive dos sujeitos analisados
confirmam essa perspectiva. No caso abaixo a falsa representação de um usuário fez com que
a relação de amizade terminasse.
Karina: Você já conheceu fisicamente alguém que só conhecia
virtualmente?
Ronaldo:Sim
Karina: como aconteceu? marcaram de se encontrar?
Ronaldo: Sim
Karina: e foi como o esperado?
Ronaldo: Sim com uns, não com outros
Karina: por quê? mentiram?
Ronaldo: Sim e não
Karina: como assim?
Ronaldo: Alguns foram legais, outros não e sim ocorreram algumas
mentiras.
Karina:e ainda conversa com eles?
Ronaldo: Com quem não mentiu sim
Em outro caso, apesar de a fachada virtual não ser a mesma da física, a amizade ficou
mais forte depois do encontro:
Izilda: essa Izilda, pelas fotos, pelas queixas de família, ela, porque
tem pessoas que coloca tudo né, a vida exposta né,
Karina: sim
Izilda: eu tenho amiga que coloca tudo, tudo, tudo, ela o
relacionamento com o marido dela, ela sempre colocou tudo no
Orkut, né, coisa que jamais eu faria também né, imagina! rs....
Karina: risos
Izilda: coisa tão íntima. Aí tudo ela ia lá e colocava. Então né eu
tinha uma impressão de que ela era uma pessoa muito sofredora
Karina: entendi
Izilda: a impressão quando eu conheci ela era de outra pessoa, ela
tinha um rosto alegre, sabe, ela tem aquele jeito doce, aquela cara,
aquele contato macio gostoso, aquele contato bom
Karina: aham
Izilda: eu fazia uma ideia totalmente diferente né...gostei, eu gostei
muito, mais ao vivo
Karina: legal! E vcs até hj mantém contato?
174
GOFFMAN, 1985, p.21.
100
Izilda:sim, mantemos contato. Ficou de ela vir pra minha casa
passear né, mas aqui é longe...
Mesmo que o usuário adicione um estranho e nem chegue a conhecê-lo fisicamente,
ele vai procurar se informar acerca de sua fachada. É o que fica claro na conversa com uma
mãe cujos filhos têm uma doença genética, a fibrose cística. Ela utiliza o Orkut e o Facebook
para conhecer e manter contato com outros portadores da doença, ou com gente que não tenha
qualquer ligação com ela, mas com cujo desempenho ela se identifique.
Karina: e aí, como é que foi assim, que você adicionou? Porque se a
pessoa é estranha à você, teve algum critério pra adicionar no seu
perfil?
Rita: alguns eu peguei, eu fui numa comunidade de fibrose cística e
escolhi alguns e adicionei.
Karina: e aí, mais ou menos, como que você escolheu, teve algum
critério?
Rita: Não, eu fui... a hora que o coração bateu na foto, falei na hora:
esse vai.
Karina: mas, você deu uma andada assim, pelos álbuns?
Rita: Sim, olhei, o álbum, olhei o que estava escrito, olhei os recados
pra ver se era....teve alguns que eu olhei e não adicionei, não gostei.
O fato de ela não ter adicionado alguns contatos por não ter gostado do que viu pode
estar relacionado com a ideia de que o ator em questão não cuidou bem da sua cara e expôs
uma fachada que, em geral, não foi compatível com as expectativas. Nesse caso, e como
sugeriu Goffman, a partir da conduta e aparência do indivíduo, o observador pode obter
“indicações que lhes permitam utilizar a experiência anterior que tenham tido com indivíduos
aproximadamente parecidos ou, o que é mais importante, aplicar-lhes estereótipos não
comprovados”175.
Os problemas relativos à falsa representação não acontecem apenas quando pessoas
estranhas que se conheciam apenas através dos SRS se encontram fisicamente. Muitas vezes,
mesmo ao manter contato com amigos ou contatos com os quais já se tem um relacionamento
off-line há desconfiança diante da fachada apresentada. Isso em relação aos outros porque
dificilmente alguém suspeita de sua própria representação on-line.
175
Ibid., p.11
101
2.1 A Fachada virtual
Dentre todas as pessoas com as quais conversei e cujos perfis nos SRS Orkut e
Facebook eu xeretei, apenas dois homens acreditam que seus perfis não correspondem à
maneira pela qual se enxergam. Um deles falou que o perfil é apenas uma visão idealizada de
si, tal como Goffman preconiza.
(...) acredito que, quando nos descrevemos em redes sociais, tentamos
apresentar ao máximo - mas de uma maneira insuspeitável - nossa
visão idealizada de nós mesmos. Eu, por exemplo, quem dera fosse
apenas um jovem jornalista que tem uma bela namorada, amigos
fantásticos e curte altas viagens à Europa. Eu não coloco meus
problemas e meus defeitos ali. Acredito que ninguém faça isso
conscientemente. (...) meu perfil está muito longe de quem eu sou na
vida real. Há um filtro muito seletivo que gerou aquele perfil, mas
isso não vale só pra mim.
O outro, um jovem de 27 anos, diz que o perfil o mostra parcialmente, representando
seus gostos e costumes, o que corresponde a um recorte da realidade, apenas uma parte dela.
Todos os demais 48 sujeitos analisados acreditam que o seu perfil é um a expressão daquilo
que são e fazem e o que publicam diariamente ali é verdadeiro, porém algumas declarações
mostram um claro desejo de melhorar a aparência nos sites.
Uma das entrevistadas fala em marketing pessoal. “Meu perfil é autêntico, mas, uso
atributos com objetivo de aperfeiçoar meu marketing pessoal”. Outro confirma ser o perfil
uma extensão do que é, mostrando ali fotografias do trabalho. No entanto, em seus álbuns o
que se vê são imagens em rodeios e montarias, mostrando uma atividade que gosta, mas que
não corresponde à sua profissão de metalúrgico. Em outro caso, um homossexual garante que
não esconde nada em seu perfil, nem mesmo sua opção sexual. Porém numa passeada por
seus ábuns não encontrei nenhuma imagem em que ele esteja acompanhado de alguém, de
mãos dadas ou mesmo aos beijos. Mesmo sem me relatarem isso, percebo que há certo pudor
naquilo que tornam público.
Um dos usuários analisados disse que o seu perfil corresponde ao modo como ele se
enxerga, mas que em relação aos outros percebe uma brecha entre aquilo que são, de fato, e o
que publicam nos sites. Ele percebe um gerenciamento da impressão representado pelas
fotografias alheias ao afirmar que as pessoas publicam apenas o “melhor” de si, mas parece
não identificar esse comportamento em relação a ele próprio.
102
Eu: o seu perfil, nos dois sites, representa o modo como você se
enxerga?
Luis Antônio: O modo que eu me enxergo, mas muitas vezes não o
modo com que eu vejo as pessoas, principalmente aquelas que
conheço bem.
Eu: Como assim?Você diz do modo que você vê as pessoas ao olhar o
perfil delas?
Luis Antônio: Sim, as pessoas tem a opção de apresentar aos demais
muitas vezes o que elas acham “de melhor”...
Eu: não reconhece as pessoas, seria isso?
Luis Antônio: Não é isso, apenas a forma de que alguns se expõe na
rede social
Eu: entendi...então você acredita que as pessoas se escondem mais do
que se revelam nesses sites?
Luis Antônio: e difícil falar isso, mas sem dúvida que expõe apenas o
que ela acha que a sociedade (rede social, grupos de amigos) vai
aceitar melhor.
De forma semelhante, uma informante acredita que as pessoas se escondem mais
nesses sites:
Eu acho que tem muita gente que passa uma imagem do que não é. É
felicidade demais, alegria demais, tá sempre tudo bem né, então eu
acredito que a grande maioria é isso.
O fato de as pessoas apresentarem somente o “melhor” de si ou “passar uma imagem
do que não é”, como apontaram os sujeitos analisados, se aproxima da perspectiva
goffmaniana de que, à medida que a representação é socializada, há uma tendência, por parte
dos atores, a oferecer a quem os observa uma impressão idealizada de si. Uma imagem
“moldada e modificada para se ajustar à compreensão e às expectativas da sociedade em que é
apresentada.”176
Uma apresentação idealizada da situação também pode ser uma tentativa de garantir
um emprego. Isso pode fazer com que alguns usuários tomem cuidado com o material
publicado. Obtive como resposta de um dos homens entrevistados que a forma como a pessoa
se expõe nos sites deve ser “criteriosa”.
Creio que tem que ser de forma criteriosa, até mesmo porque já
existem empresas que na seleção de recursos humanos investigam de
176
Ibid., p.40
103
alguma forma atraves das redes sociais, seu comportamento, atitudes,
forma de pensar... mas nao só isso, acho que cada um deve promover
e tem essa opção, de promover o bem.
Nesse caso, é preciso tomar cuidado para não publicar nada que comprometa a face:
vídeos, mensagens, fotografias, enfim, é preciso manter a fachada. Outra informante, uma
dentista, também mostra a mesma preocupação. Em seu perfil, ela afirma colocar apenas o
que a representa: “se não concordo com algo não curto e não coloco no face pq não quero que
demonstre algo que não sou”. A essa preocupação visível com a manutenção da face é
possível inferir que o indivíduo age assim em virtude da garantia de tratamento respeitoso.
Para tanto, no dizer de Goffman, “ele deve, por exemplo, ser capaz de ocultar dos outros
aspectos dele mesmo que o tornaria indigno aos olhos deles e ocultar quando ele estiver num
estado não digno seja de vestimenta, mente, postura ou ação.”177
Em outro depoimento, uma mulher sugere como o perfil pode ser uma fachada e guiar
a impressão de quem o vê, de acordo com a noção de performance de Goffman.
Eu: O seu perfil representa o modo como você se enxerga?
Emanuelli: Sim, mas tbm é o modo como eu quero que os outros me
enxerguem.
Nesse caso, fica claro o esforço de encenação por parte da usuária, uma vez que se
preocupa em apresentar uma fachada que conduza a plateia a enxergá-la da maneira como
quer.
A questão da aparência é, portanto, relevante. Mais da metade dos homens e mulheres
entrevistados disseram que selecionam as fotografias antes de publicá-las. E isso tem muito a
ver com a preocupação do olhar estrangeiro, pois as fotografias vão apresentar o usuário a
quem ele ainda não conhece, ou então manter a imagem que os conhecidos têm dele. As
fotografias são as vitrines das pessoas nos sites. E por isso a necessidade de guiar o outro para
aquilo que se deseja transmitir. Eis o papel da fachada, função desempenhada pelo perfil nos
SRS analisados, sobretudo pelas imagens. As manobras dramatúrgicas também podem ser
encontradas em outras falas:
“Eu sei como eu sou de verdade, mas uma pessoa que não me
conhece direito pode interpretar uma foto de maneira errada por isso
é melhor se mostrar tomando cuidado com a aparência”.
177
Idem., 1982, p.83
104
“eu gosto de mostrar fotos onde eu esteja bonita, mesmo no meu
álbum Faces da Solidão as fotos são selecionadas, posso estar triste,
mas tenho que estar bonita aos meus olhos, trabalhando meu
marketing pessoal, quero que as pessoas captem o melhor de mim”.
“Tipo assim, todos me veem e por isso tenho que cuidar da minha
imagem”.
“tem que se ter uma postura”.
A vergonha e o embaraço frente ao olhar alheio são fatores levados em conta na hora
da publicação de fotografias e as pessoas relatam isso com certa preocupação. São elas que
nos mostram ao outro e, portanto, falam muito de nós. São a prova de como somos ou
queremos ser. Alguns depoimentos de usuários dos sites comprovam essa constatação.
“Eu não coloco foto minha em situação de exposição assim, nossa, eu
morro de vergonha, eu acho que você pode estar assim simples, mas
vc tem que estar composta”.
“acho importante sim. Eu sei que isso acaba fazendo com que a gente
crie um personagem baseado no que a gente queira ser, só com
nossas coisas boas. Mas acho essa preocupação importante. A pessoa
mostra que não tem desleixo com ela mesma”.
“ninguém posta foto desabonadora da imagem de si porque as redes
sociais são uma espécie de vitrine das pessoas. Gordinhas postam
fotos em ângulos em que não parecem tão gordinhas, por exemplo.
Ninguém quer ser conhecido por seus defeitos”.
“coloco sempre as (fotos) que mais gostei e me achei mais bonita”.
“é muito importante para mim, eu sempre sei o que posso add que
não denigre minha imagem”
... as pessoas sempre querem preservar sua imagem ou projetar o ego
que acreditam que sejam. Filtram o que elas não gostariam que as
pessoas vissem; às vezes não para poder parecer ser algo que não é,
mas para evitar constrangimento.
Para evitar constrangimento é necessário, então, manter a fachada. Isso vai evitar que
o ator fique, no dizer de Goffman, “fora de face” ou “em face errada”, pois se isso ocorrer ele
pode se sentir “envergonhado e inferior devido ao que aconteceu e pelo que pode acontecer à
sua reputação enquanto participante”178.
178
Idem, 1982, p.8.
105
No caso dos indivíduos que precisam dar expressão a padrões ideais na representação,
como professores e militares, é preciso abandonar ou esconder ações que não sejam
compatíveis com tais funções. Os exemplos de profissionais foram dados uma vez que eles
estiveram presentes na pesquisa. No caso de militares, por exemplo, foram cinco, e a
representação nos SRS de todos é semelhante: as temáticas das fotografias são parecidas,
senão iguais, e eles mostram a profissão escolhida por meio de imagens no quartel, em alto
mar, algumas das quais recordando as lembranças da época de farda. Apenas um deles utiliza,
além das imagens comuns aos demais, fotografias de mulheres seminuas, com camisetas de
time ou apenas de biquíni. Isso apesar de afirmar, durante a entrevista, que jamais publicaria
fotos pornográficas em seu perfil. Esse comportamento, batizado por Goffman de “consumo
secreto”, quando mesmo sendo imprópria a conduta é satisfatória, tende a não ser tão secreta
nos SRS. Ainda que ele configure seu perfil de modo que apenas determinados contatos
possam visualizar tais imagens, ainda assim o que ele publica está vinculado à figura de
militar.
O que vemos nos álbuns, então, é uma mistura de revelação e recato, de exibicionismo
e de segredo. Este segredo pode ser escancarado por outrem por uma ferramenta do
Facebook. Com a opção de marcar os rostos de amigos da rede, os usuários podem colocar a
face de alguém em risco ao expor um local, pessoas ou a própria aparência do usuário em
discordância com a fachada que o seu perfil visa apresentar, uma vez que a fotografia
marcada é vinculada ao perfil da pessoa. Por isso, são comuns as reclamações das marcações
dos amigos. E as “caras” são logo desmarcadas.
Diante das cenas e personagens que as fachadas apresentam, as fotografias pessoais
revelam identidades diversas: mostram a mulher mãe, dona de casa, trabalhadora, baladeira,
amiga, voluntária, viajante. O homem esportista, o pai, o aventureiro, o cowboy, o protetor
dos animais, o executivo. Elas mostram a multiplicidade de que somos feitos, as identidades
múltiplas próprias da pós-modernidade de que fala Stuart Hall. Somos essas personas e não os
indivíduos. Uma professora diz que usa o Facebook exatamente para mostrar suas diversas
fachadas aos seus alunos. Segundo ela “é uma forma das pessoas em geral, principalmente
meus alunos, conhecerem a Dayanna que não enxergam muito na sala de aula”. Aqui, a
professora apresenta suas diferentes facetas, nas fotografias 13, 14, 15 e 16:
106
Fotografia 13 - a professora em sala
Fotografia 15 - A professora no espelho
Fotografia 14 - A professora mãe
Fotografia 16 - A professora e seu cowboy
107
As principais temáticas presentes nas fotografias analisadas serão expostas a seguir.
Elas correspondem às múltiplas fachadas criadas pelos usuários nos sites e podem ser vistas
como uma forma do neotribalismo proposto por Maffesoli, pois funcionam como a “cola” que
liga as pessoas.
*A família
Os usuários do Orkut e do Facebook analisados mostram, em suas fotos, de onde
vieram. O território de origem é destaque por vinculá-los a uma região, uma comunidade, uma
tribo. Quando se fala em internet enquanto um ambiente desterritorializado, é preciso atentar
para o fato de que se há desterritorialização, o que ela promove é uma reterritorialização.
Ninguém é alguém sozinho, mas sempre em relação a um ambiente, a um grupo. É a partir de
uma raiz que nos tornamos quem somos.
Isso nos atenta para o componente relacional da vida social, “o homem em relação”.
Não apenas a relação interindividual, mas também a que me liga a um território, a uma
cidade, a um ambiente partilhado. Na contemporaneidade, as pequenas histórias do dia-a-dia
substituem a grande História, há uma nova relação espaço-tempo. A ênfase é colocada no que
é próximo e no afetual, aquilo que nos une a um lugar, lugar que é vivido em conjunto com
outros.
As fotografias analisadas ratificam isso. O destaque é para a família. Imagens com
mãe, pai, avós, irmãos e demais parentes são maioria nos álbuns de muitos dos sujeitos
analisados. Também há fotografias com os filhos, álbuns inteiros mostrando os primeiros
passos do bebê ou ainda a família nuclear: apenas o pai, a mãe e os filhos nas situações mais
diversas: em casa, num passeio, numa festa, sempre mostrando e ressaltando a família e os
seus valores. Se estiverem distantes, então se lê “saudades” na legenda. Perto ou longe,
sempre há um “Te amo” como legenda.
As fotografias em grupo, com toda família reunida, à mesa para um almoço ou em
outra situação de descontração ilustram a importância dos valores familiares em nossa
sociedade. Se pensarmos nos álbuns dos sites, no caso das mulheres, a temática Família fica
em primeiro lugar tanto no Orkut quando no Facebook. Alguns álbuns criados única e
exclusivamente para a família são:
“família”, “família amo muito”, “Pais, filhos, netos”, “Tal pai, tal filha, tal
neta”, “as bagunças da família Nunes”, “Caminhada da família”, “Amigos
e minha família”, “Família Goiana”, “Minha família”, “Laços de amor”,
108
“Eu em família”, “Em família e alegre sempre”, “Família, amo muito”,
“Familiares Ira” “Mamis, Papis, mana”, “Esses são os Torres”, “Família
Torres 2010. Álbuns dedicados aos filhos: “Maria Clara a mais nova
princesa”, “Ana Julia andando”, “Juju 2 anos e meio e Cacá 9 meses”,
“Primeiro dia de aula Ana Julia”, “Mannu cantando no Quiosque
Tropical”
Esses exemplos foram tirados do Orkut, onde os álbuns femininos que contêm a
temática família contabilizam 142.
No Facebook, isso se repete. São 73 álbuns com referências à família. Alguns títulos
de álbuns analisados são: “Família”, “Minha família”, “Família 2011”, “Esses são os
Torres...e agregados”, “Família 2010”, “Eu amo tudo isso”, “Pesque pague em Araguari
com a família”, “Vou ser mamãe novamente”, “Razões do meu sorriso”, “Minhas
pequenas”, entre outras.
Alguns títulos dos álbuns de família dos homens pesquisados em ambos os sites são:
“Meu caçula Arthur”, “Num rancho fundo, los Castro!”, “Na casa da
minha irmã”, “Meus pais”, “Minha sobrinha”, “Família Gomes”,
“Filhotes”, “Hoje, amanhã e sempre”, “Raissa dia de família”, “Os
Andrade”, “Jeovane, Cléia, Jeovana e Raissa”, “Casa da minha mãe”,
“Visita do meu pai”, “Álbum da família linda”, “Os parentes”, “Álbum da
princesinha Giovana”, “Sobrinhos queridos”, “Vovô e Cia”, “Família,
tradições”, “Família Leite todos”.
Quando perguntados sobre a possibilidade de publicar apenas uma fotografia nos sites,
muitos dos entrevistados disseram que escolheriam uma da família. Entre as 25 mulheres, 17
optariam por uma assim. No caso dos homens, onze. E cinco disseram que o que ressaltam
nas suas fotografias é justamente a família: “Minha esposa e minha família”, “o que eu
admiro no objeto da foto, minha filha, mulher, parentes”, “Família”, “sempre minha
família”, “a família, que na busca pelo pão nem sempre dei valor às relações familiares”,
“Momentos alegres junto com amigos e parentes talvez”. A fala de uma das mulheres
entrevistadas ilustra muito bem a fachada ideal de que fala Goffman. Se lhe fosse necessário
escolher uma foto para publicar, ela elegeria uma foto que representasse, em suas palavras,
“Uma família unida e feliz”.
Os valores proxêmicos são muito valorizados nos sites e são eles que ditam a maneira
pela qual as pessoas se representam, através das imagens. Tudo que é próximo e que remete a
um ambiente de origem são retratados nelas, porque são a partir desses valores que as pessoas
se reconhecem. Não só a família, mas a casa, o trabalho, a vizinhança, os amigos. Essas
fotografias revelam o território de origem de cada usuário e apresentam aos outros aqueles
109
com os quais se importa: os seus. Uma entrevistada afirmou que quem não retrata a família
em seu perfil pode estar tentando esconder algo. Isso daria uma má impressão do usuário:
Se você não coloca nada, dá a impressão que você é uma pessoa ou
que não liga pra família, ou que é, sei lá, quer omitir alguma coisa né,
então eu acho interessante colocar fotos da família.
O território de origem e a partilha afetual desse espaço são considerados, como
pontuou Maffesoli, a aura da qual todos nós participamos. E é ela que assegura a existência
social. É a sedimentação de um lugar comum que faz rastros e une as pessoas. Ao ser um
elemento comum das fachadas apresentadas nos sites, o tema família produz identificação,
uma identificação que é emocional e coletiva. Pode ser este o argumento que leva a
entrevistada a contestar o perfil daqueles que não apresentam a sua origem, a sua família.
Os discursos sobre o fim da família e dos valores santificados dessa instituição não
estão presentes nas fachadas analisadas. Ao contrário, é com entusiasmo, alegria e satisfação
que os usuários apresentam suas famílias via fotografias. Além delas, eles também podem
listar quem da sua rede pertence à sua família: primos, sobrinhos, tios, pais, irmãos, são
agrupados no perfil segundo tal pertencimento.
Mesmo sem ter conta nos SRS pesquisados, muitos membros da família são
homenageados através de fotografias. Tudo isso são índices do orgulho dos usuários de
mostrar e saber que tem uma origem.
As fotografias que seguem são exemplares que encontrei nos perfis de usuários e
mostram, à sua maneira, um pouco sobre as suas histórias. Em cada uma delas, é possível
compreender que se trata de fotografias em família.
110
Fotografia 17 – Família
Fotografia 19 - Família
Fotografia 21 -Família
Fotografia 18 – Família
Fotografia 20 – Família
Fotografia 22 - Família
111
*As festas estão em mim
O título deste tópico foi retirado de um dos álbuns do Facebook de uma das mulheres
observadas e resume com precisão outra temática das fotografias: as festas. Nos álbuns das
mulheres, essa temática só perde para a família, que vem em primeiro lugar. Entre as
fotografias dos homens, o motivo festa fica em 4º lugar no Facebook e em 5º no Orkut.
Esse tipo de fotografia mostra um cenário de descontração, diversão e gente bonita. A
questão da aparência, nesse caso, também pesa. As mulheres e os homens estão sempre
elegantes, as mulheres maquiadas, e este é um bom momento para tirar fotos para depois
publicá-las. Não só pela aparência, mas pelo que se está vivendo no momento. Um
casamento, um aniversário, uma formatura ou simplesmente uma festa da empresa onde
trabalha: tudo reúne e deixa as pessoas mais próximas, num ambiente de contaminação,
efervescência e prazer que nada tem a ver com a monotonia da esfera do trabalho.
Muitas fotografias, sobretudo das mulheres, são de momentos anteriores às festas.
Nelas, há uma exibição de roupas, sapatos, maquiagem, penteados, joias. Os homens não
ficam para trás. Aparecem em ternos, engravatados, ou mais despojados, com roupas casuais
num churrasco de final de semana ou na festa de aniversário do amigo. Muitos já com uma
bebida à mão, em evidente aquecimento para a festança.
A questão das festas aparece em muitas falas como um incentivador para a publicação
de fotografias. A frequência, para muitos homens e mulheres, varia de acordo com a
ocorrência deste tipo de evento. Se há algo novo, uma festa, uma comemoração com os
amigos, há atualização dos álbuns. Algumas falas confirmam isso: “Posto mais quando vou a
formaturas, aniversários, casamentos, etc”, “uma vez por mês, mais ou menos, quando tenho
um evento importante ou quando me reúno com pessoas especiais, cada momento é um
flash”. Umas das entrevistadas lamentou o fato de ainda não poder publicar as fotografias
simultaneamente ao evento e falou que anda atrasando as postagens:
“meu sonho é publicá-las em tempo real; Sempre publiquei com um
dia de atraso, o evento acontece hoje, já publico amanhã, mas com a
falta de tempo, ando levando de 2 a 3 dias”.
Alguns títulos de álbuns que envolvem a temática festa são:
112
“Festinhas por aí”, “Aniversário da Maria Clara 2 aninhos”, “Noivado
Reysser e Ana Paula”, “Fest praia 2011”, “Natal e Reveillon 2011 2012”,
“Bodas de 50 anos”, “Comemoração da 1ª Eucaristia”, “White Label”,
“Niver 24 anos”, “Aniversário do melhor menor aprendiz do mundo”,
“Skol Sensation”, “As festas estão em mim”, “Casamento Pri e Nilo”,
“Formatura”, “Aniversário da Cleidinha”, “Dias de festa”, “É dia de festa,
quadrilha da Manu”, “Carnaval e niver mamis”, “Festa dos 300 dias”,
“niver de pessoas especiais”, “Festa das Nações 2011”, “Niver do pai”,
Meu aniversário 2011”, “Pizzas, comemoração niver vovô”, “Camarote
Brahma Expoagro”, “Casamento Regiane e Roginaldo”, “Chá de Mulheres
da IPRD”, “Um pouquinho de folia”, “aniver da Jady filhota”, “Num belo
casório”, “Meu casamento”, “Niver da minha mãe”, “Ano novo no Rancho
das rosas”, “Natal 2009 em grande estilo”, “Niver da nona”, “Aniversário
Hugo e Liz”, “Sessão night”
As festas são os instantes eternos em que podemos celebrar a vida, a família, os
amigos, tudo o que nos faz bem. São momentos de transbordamento e histeria coletiva. O
aspecto dionisíaco das vidas ordinárias é representado nas fotografias dos usuários dos dois
sites pelas festas, com certo destaque.
O corpo que se pavoneia, que dança e que brinda a vida nesses momentos de
efervescência diz muito do dispêndio improdutivo próprio de nossa época e do orgiasmo de
que fala Maffesoli. São nesses rituais que vivemos a vida com intensidade e são eles que
representam o aspecto emotivo das “vagabundagens” pós-modernas. A despeito da falta de
utilidade, as fotografias mostram que tudo é motivo para as reuniões festivas, pois são através
delas que acontecem os agrupamentos de tribos diversas e que a vida é celebrada na sua forma
mais sublime.
Os momentos festivos ilustrados com as imagens destacam o trágico como
característica de nosso tempo. Ao contrário do drama próprio da modernidade, projetivo, que
adiava os momentos de prazer para a eternidade no paraíso, o trágico é a aceitação do destino,
um viver a morte diariamente. Eis o presenteísmo de Maffesoli, o gozo do presente e do aqui
e agora como fonte de prazer.
A seguir, uma amostra das inúmeras fotografias de momentos festivos encontradas nos
sites.
113
Fotografia 23 - Festa
Fotografia 24 - Festa
Fotografia 25- Festa
Fotografia 26- Festa
Fotografia 27- Festa
Fotografia 28- Festa
114
*Por onde andei
Outro aspecto que salta aos olhos é a temática das viagens e passeios. No geral, as
pessoas mostram em seus álbuns os lugares por onde viajaram, passearam e conheceram,
tornando públicos os momentos especiais que passaram em cada local.
Há muitas cidades como título dos álbuns:
“Lavras 2009”, “Zuação em Chapada”, “Petrolina”, “Pirinópolis”, “Chile
– janeiro de 2010”, “Nossa Senhora do Livramento”, “Passeio a nova
Petrópolis”, “Algumas fotinhas do passeio ao RJ”, “Caldas Novas”,
“Cidade Maravilhosa”, “Peruíbe”, “Campos do Jordão”, “Férias
Jaraguá”, “Sampa”, “Chapada”, “Cidades Rep, Dominicana”, “Ilha
Saona”, “Praia Macao”, “Praia Boca Chica”, “TGA/Cuiabá”, “Imperatriz
– MA”, “Viagem a Belém”, “Lua de mel – Maceió”, “Ctiba”, “Cáceres”,
“Viagens e passeios pelo RS”, “Passeios pelo Pantanal”, “Blumenau”,
“Catanduvas e Canoinhas”, “Passeio Cuiabá”, “Passeando em Sapezal”,
“Treze Tilhas-SC”, “Sorriso-MT”, “New York”, “Boston”, “Natal/RN”,
“Férias nos EUA”, “Arraial do Cabo”, “Jurerê 2012”, “Gramado- RS”,
“Mergulho Punta Cana”, “Polônia”, “Ano novo nos Pirineus”,
“Londres”, “Amsterdã”, “Nova Xavantina”, ”Suiça”.
Mas há também aqueles onde se lê simplesmente “viagens” ou “Andanças noturnas”,
“Passeios”, “Lugares por onde andei”, “Fui andar”, “Férias”, “Passeios”, “Mochilada”,
“Playcenter”, “Hard Rock Café”, “Alguns passeios em família”, “Morro de Santo Antônio”.
As viagens e os passeios valem ser lembrados e por isso as fotografias, uma vez que
rompem com a rotina diária de trabalho, estudo, tarefas. Ao saber onde o seu amigo foi,
também estamos conhecendo um pouco dos lugares com as fotografias. Isso pode ajudar no
caso de uma futura viagem, pois as imagens dão uma ideia do que esperar. Ou então, serve
para saber por onde aquele amigo andou, o que ele fez por lá, o que visitou. Dá para saber
mais da vida daquela pessoa e dá também, como me disse uma das entrevistadas, para
apreciar o lugar através das fotografias dos amigos. É uma forma de identificação com aquele
local:
Por exemplo, eu vou num passeio, eu normalmente eu gosto de
fotografar o rio, árvores, essas coisas (...), pq assim...o que me faz
bem eu coloco (...) quem gostar, vai se identificar comigo... Não é?
Então, quer dizer, se gostar, vai apreciar, sempre tem quem gosta
também (...) e normalmente forma-se grupos assim (...) eu aprecio
muito ver fotos dos amigos, das viagens deles, então to sempre à par.
Assim como as festas, as viagens são motivadoras para a publicação de fotos nos sites,
segundo os meus informantes. A frequência das postagens varia de acordo com as novidades:
115
“Se eu passeio mais e tô inspirada pra tirar foto, aí eu publico”, “a
cada festa que vou ou viagem acho que umas 2 vezes por mês eu
coloco algumas fotos” “Ainda não publiquei a das últimas férias, em
janeiro deste ano”, “fotos pessoais só quando viajo, festas, etc”, “ah,
depende, quando saio e é algo importante, algo do dia a dia”. “Olha,
eu não tenho uma frequência, quando acho que tem alguma coisa
especial que vale ser publicada, um evento, uma viagem....
As respostas dos homens foram semelhantes. A frequência não é fixa e também
depende de algo novo: “não tenho frequência, apenas quando tem uma novidade”, “sempre
que tem novidades”, “só posto no face quando faço algum passeio legal”, “fotos é raro, mais
por ocasião mesmo”, “não há uma frequência, porque só publico fotos das viagens”,
“quando viajo e participo de algum evento ou encontro”, “sempre quando tem algo novo”.
Os fotografias do tipo viagens e passeios são símbolos de status. Quem viaja e passeia
deve ter como bancar essas despesas. Isso está relacionado com a hipótese goffmaniana de
que os símbolos do status são a peça mais importante do equipamento de sinais relacionado à
classe social. Logo, a fachada apresentada pelos lugares conhecidos mostra uma posição
social cujas características exigem uma valorização e um tratamento adequado. Esse cenário é
uma importante parte cênica representada nas fotos, conferindo símbolo de status. Se
pensarmos nossa sociedade de orientação ascendente, podemos supor que muitos dos esforços
da representação tendem a reivindicar uma posição de classe superior àquela em que o ator se
encontra.
Este cenário é tão valorizado que às vezes uma imagem que não seria publicada em
outra ocasião é, nesse contexto, exaltada. Em um dos relatos de uma informante, ela afirmou
jamais publicar fotografias do seu corpo inteiro de biquíni. Contudo, verifiquei, em uma de
suas atualizações, que havia fotografias nessa situação. O provável motivo da contradição
parece ter sido o fato de ela estar numa praia e, logo, de biquíni. O momento não poderia
deixar de ser registrado, o cenário era peça chave na fachada encenada.
Aqui, algumas fotografias cuja temática é viagem e passeios. Destinos nacionais e
internacionais, praias, parques, praças etc são cenários escolhidos para o clique.
116
Fotografia 28 – Viagem
Fotografia 29 – Viagem
Fotografia 30 – Viagem
Fotografia 31- Viagem
Fotografia 32 - Viagem
Fotografia 33 - Viagem
117
A próxima temática abordada será a das fotografias individuais, aquelas em que só o
dono do perfil aparece. Pode parecer narcisismo, mas essa prática estabelece correspondências
entre as pessoas. Os símbolos de status também podem ser visualizados neste tipo de
fotografia, uma vez que em várias delas temos pessoas em seus carros, motos, celulares,
computadores, e outros elementos que conferem riqueza material.
*Aqui tem sempre um pedacinho meu
É muito comum, também, encontrar fotos individuais nos sites. Nelas, as pessoas
aparecem em lugares tais como festas, passeios, no trabalho, na própria casa, em frente ao
espelho, fazendo biquinho, em visível aquecimento para as festas, nos banheiros de
lanchonetes, casas noturnas, apenas para citar alguns exemplos. Algumas gostam de ressaltar
o olhar, as expressões, certas partes do corpo como mãos, pés, a tatuagem, a barriga, no caso
de mulheres grávidas. “Aqui sempre tem um pedacinho meu” é, também, título de um dos
vários álbuns que analisei. Decidi utilizá-lo em referência às imagens que trazem apenas os
usuários. Esse tipo de fotografias costuma ser o alvo principal de críticas, em virtude da
superexposição do “eu”.
No entanto, nos referidos SRS, o que parece haver é um consenso em torno de
fotografias desse tipo. Se não todos, um número grande de usuários apresenta, em seus
álbuns, imagens assim. Às vezes o que se vê são álbuns inteiros dedicados à exibição de si,
cujas imagens projetadas possibilitam uma apresentação ao outro. E não só as mulheres.
Muitos homens também publicam fotografias close-ups, com máquinas de fotografar em
punho mirando o próprio rosto, o corpo sarado ou destacando sua mais nova aquisição.
Mulheres e homens se apresentam em trajes de banho na piscina, em praias ou com o corpo
cheio de roupas, no inverno rigoroso da cidade visitada.
Diante da tela do computador, os usuários analisam as fotografias uns dos outros e a
partir daí criam expectativas em relação à personalidade do amigo. Isso é ainda mais comum e
pertinente quando os amigos não se conhecem fisicamente, são apenas amigos virtuais.
Enquanto vestígios pessoais, as imagens permitem projetar e anteceder certas características
118
do amigo, que nem sempre são exatas. São apenas representações e na maioria delas,
idealizadas.
Outra observação interessante pontuada por alguns usuários a respeito da publicação
de fotografias pessoais é a cobrança por parte dos amigos. Muitos me disseram que o grande
motivador são os amigos, uma vez que as fotografias aproximam e permitem saber como a
pessoa é e está. Perguntados sobre o motivo de manter e atualizar fotografias nos sites, alguns
me responderam que os amigos são os grandes motivadores: “porque os amigos pedem”, “as
pessoas, amigos em geral cobram isso e axo legal”. As palavras podem dizer sobre o
momento em que a pessoa está vivendo, mas as fotografias retratam esse momento, elas são a
materialização da existência do usuário.
De forma geral, os álbuns com fotos individuais apresentam títulos semelhantes.
Agrupando-os, encontramos álbuns com o nome do usuário, tais como:
“Ira 2012 4.9”, “Juliana Teixeira”, “Pri”, “Laiza”, “Gleicy
Cunha”, “Fotos Iraci Espínola”, “Jeovane”, “Jorge Luiz”,
“Edinaldo cowboy”, “Cezar na academia”, “Dilson César”, “Luis
Antônio”.
Há os álbuns pessoais que marcam um período importante: “Curtindo a
barriguinha”, “O crescimento do meu bebê”, “Minha gravidez”, “Mulher de
30”,“Eu...antigamente”, “Somente eu em épocas diferentes”. Outros ainda com títulos mais
poéticos que definem quem é o dono do perfil:
“Pedaços de mim”, “Autobiografia”, “As que mais gosto”, “Me”,
“Eu sou um pedaço de cada um que conheço”, “Eu que não sei nada
do mar, descobri que não sei nada de mim”, “Um pouco do que
sinto”, “Meu verdadeiro eu”, “Sempre em alto estilo”,
“Inevitavelmente feliz”, “Sejamos nós, pedras vivas”, “Meus
costumes: ser feliz e espalhar felicidade”, “Eu”, “Minhas fotos”,
“Just like me”, “Eu...uma pecinha rara”, , “Eu em família”, “Quem
sabe eu ainda sou uma garotinha”, “Simplesmente eu”, “Tudo aquilo
que sou e que amo”.
Outros destacam características físicas e também da personalidade do usuário: “Mais
fotos de eu, rapei o cabelo”, “Meu jeito simplis”, “Sou do tipo fora da estrada”, “Minha
tatoo”, “Cowboy”.
Isso sem contar as fotografias que mostram a casa, o carro, os gostos, a faculdade, o
trabalho e que apresentam elementos constitutivos das preferências e identificações dos
usuários. Mostram, indiretamente, quem são as pessoas. Vários exemplos podem ser vistos
nos álbuns dos meus informantes, tais como:
119
“Momentos escola JK”, “Arte é amor”, “Natureza”, “Mark Ryden”,
“Construção da casa, começando”, “Faculdade”, “Moro ao lado do
Paraíso”, “Turma de arquitetura”, “A vida de campo”, “truco”,
“Administração”, “Minhas artes”, “Seminário Atibaia”, “Gremio”,
“Casa da minha mãe”, “Casa nova”, “Ser bombeiro”,
“Fluminense”, “Desenhos animados”, “Aeronaves militares”, “Meu
trabalho”, “Meu RS”, “Minha casa”, “Minhas plantinhas”,
“Batizado no fotojornalismo”, “Timão Palmeiras”, “Pescaria”,
“Moto”, “Flamengo”, “Meu carro”, “Minha vida animal”, “Aikido,
um caminho para toda a vida”, “Eventos, reuniões, ações”.
Podemos dizer, a partir desses álbuns, que essa é uma maneira de expressar o
tribalismo proposto por Maffesoli. As difusões de gostos, preferências, humores são formas
de as pessoas se reunirem em torno de suas identificações. Elas podem ser o time do coração,
os carros preferidos, os desenhos, os filmes, os programas, as músicas, os ídolos, enfim, em
vários álbuns as pessoas expressam seus particularismos. Além das fotos, podemos listar as
comunidades do Orkut e os grupos do Facebook como as tribos virtuais presentes nos sites. E
há espaço para todos os gostos, de tipo de dança aos títulos de livros, de raças de animais às
marcas de roupa, de comida, de bebida. Cada usuário expressa sua preferência em relação aos
mais diversos temas.
É possível, então, falar em um nomadismo pós-moderno existente nos sites, um ir e vir
de uma tribo a outra. Tudo estampado no perfil de cada usuário. Posso gostar de axé e música
clássica, fazer parte de um grupo que discute religião e me identificar com uma etiqueta
política de esquerda.
O indivíduo indivisível, cujas raízes estabeleciam os gostos e a
identidade que levaria durante a vida toda, são transmutados em identificações das mais
variadas. E as tribos são os círculos por onde elas transitam. No caso dos sites, o tribalismo
virtual parece ser a dinâmica encontrada pelos usuários para saber de cada um. É uma forma,
também, de construir sua fachada.
Apesar de parecer uma frivolidade sem nenhuma importância, os usuários dizem que
se preocupam em se apresentar bem. É por isso que não publicam qualquer fotografia. Há
uma seleção quanto à qualidade e aparência e, mais do que isso, um cuidado em relação à
imagem que as fotografias vão passar. No caso das mulheres, por exemplo, das 25, 18
disseram jamais publicar fotos que comprometam a sua imagem. Nesse quesito entram
fotografias de biquíni, sensuais, íntimas, obscenas, pornográficas, indecentes, muito pessoal,
de beijos, de relacionamento, nua, extravagantes, sem noção, ousadas, desagradáveis, feias,
fotografias que exponham, que possam comprometer de alguma maneira o usuário ou alguém
120
que esteja na imagem, fotografias que invadam a privacidade, que denigram a imagem do
dono do perfil ou de sua família.
Os homens demonstram a mesma preocupação. Nas nossas conversas, 17 deles
disseram que não publicariam fotografias que expusessem o corpo. Entre as respostas, estão
nudez, pornografia, fotos íntimas, libidinosas, com conteúdo sexual, fotos constrangedoras,
fotos negativas, fotos que não motivam a elevação espiritual, moral e intelectual, fotos muito
pessoais.
A preocupação com a face pessoal é estendida à face alheia. Como observou Goffman,
além do respeito próprio e do cuidado em se apresentar bem, espera-se que o indivíduo
sustente um padrão de consideração pelos demais, agindo de modo a salvar a face dos outros
presentes. No caso da representação pelas fotografias, isso também acontece. Uma informante
afirmou jamais publicar “fotos constrangedoras de algum amigo onde eu não estou na mesma
situação”. Do mesmo modo, outra entrevistada revelou não tornar público “fotos que possam
me comprometer de alguma maneira, ou comprometer alguém que está na foto”. Essa conduta
é esperada, no entendimento de Goffman, em decorrência da identificação emocional com os
outros e com os sentimentos deles e espera-se também, “que ele faça isso de bom grado e
espontaneamente”179.
As fotografias expostas na sequência são exemplares de como os usuários gostam de
se mostrar. Direta ou indiretamente, eles apresentam os seus melhores ângulos.
Fotografia 34 - "Eu”
179
Ibid., p.10
Fotografia 35 - "Eu"
121
Fotografia 36 - "Eu"
Fotografia 37 - "Eu"
Fotografia 38 - "Eu"
Fotografia 39 - "Eu"
122
Fotografia 40 – “Eu”
Fotografia 41 – “Eu”
*Amigo é coisa pra se guardar
Quem tem amigos os mostra. Prova disso é o número de fotografias cujo tema é a
amizade. Abraçados, num passeio, num evento, em casa para uma conversa fiada, para comer
um churrasco. Esses são os enredos por trás de muitas das imagens de amigos analisadas. Nas
legendas, isso se confirma:
“te amo”, “amizade eterna”, “parceria”, “quem tem amigos tem
tudo”, “Minha grande amiga”, “Um evento super especial para esta
pessoa linda que é a Cleidinha”, “Minha amiga lindona lá de
Maringá”, “Meninas lindas do meu S2”, “Amigo mais que querido”,
“Mais uma vez juntas (L)”, “Amigo =)”.
Sem falar nos álbuns dedicados exclusivamente aos amigos, alguns apenas virtuais e
que estão longe. Isso acontece com muita frequência no Orkut, onde alguns dos meus sujeitos
criaram álbuns em homenagem aos seus amigos espalhados pelo Brasil de modo a apresentálos. Nas legendas, escrevem o nome, alguma mensagem e de onde são. São as:
“Amigas do Orkut”, “Amigos”, “Para Laís”, “Os amigos mais
lindos e amados do Orkut”, “Ira com pessoas especiais”, “Laços
123
eternos”, “Amigos reais, não mais virtuais”, “Amigos queridos”,
“Dedico a vc, amiga”.
Em outros casos, os amigos estão perto e há um contato mais frequente. De qualquer
forma, é importante destacar a importância deles, tal qual é feito com os familiares. Alguns
álbuns dão a dimensão disso, evidenciando a importância dos amigos, os membros das tribos
a que cada um pertence.
“Amigas”, “Galera”, “Luciana Baiana”, “Amigos e componentes da
turma”, “Fotos de amigos”, “Amigos para sempre”, “Especiais”, “A gente
se
diverte,
sempre”,
“Complementares”,
“Incomparáveis”,
“Complementares”, “Sinônimos de minha felicidade”, “Razões de meu
sorriso”, “Tiffany”, “Meus amigos”, “Galera reunida”, “Gentes”, “Visita
da Carmem, João e Larissa”, “Fotos de todas as pessoas que amo.
Isso sem falar dos amigos de outras espécies, cães e gatos que tem lugar cativo nos
álbuns de muitos dos sujeitos. Alguns álbuns se referem a eles como:
“Meus grandes amigos”, “Meus companheiros”, “Meus amigos de
todas as horas”, “Moradores da casa”, “Meus amores”, “Agora
tenho um lar, não sou mais abandonada”, “Cães e cia”, “Minha vida
animal”.
Outros batizam os álbuns com os próprios nomes dos bichanos: “Pitucha e deco”,
“Tango”. Num perfil de um dos meus informantes, encontrei um álbum em homenagem aos
seus cachorros já falecidos, o Kolly e a Kelly. Entre algumas fotografias das fases do casal de
quatro patas, lê-se “saudades eternas”.
Muitos dos que conversei disseram que o motivo dos fotografias nos sites é
exatamente a possibilidade de compartilhar os momentos com os amigos e familiares. É
através das fotos que eles se mostram e contam sua vida. Além disso, as fotos cumprem o
papel de reconhecimento, quando se está à procura de alguém nos sites. Também há os que
publicam para receber algum feedback. Um dos sujeitos da pesquisa revelou em sua fala que,
além de gostarem das fotos, as pessoas se aproximam através delas: “As pessoas gostam de
fotos, criam um vínculo de proximidade”.
Dos 50 pesquisados, 37 afirmaram que o motivo de publicar fotografias é o de se
aproximar de amigos e familiares, tentando suprir a falta de contato ou então simplesmente
para prolongar o contato off-line. Por mais banais que sejam, as fotografias conferem
124
dinâmica às relações mediadas pelo computador. Elas servem aos outros e só tem sentido no
coletivo. Há quem as publique esperando os comentários que elas vão despertar, e outros que
não se importam com isso. Para os últimos, a publicação ou não depende exclusivamente de
sua vontade, independente dos comentários alheios. E há quem não tenha um motivo coerente
para as publicações, dizendo: “apenas publiquei” ou simplesmente “porque gosto”.
Entre os motivos mais comuns das postagens, todos estão ligados, de alguma forma,
aos amigos. São eles: compartilhamento, para facilitar identificação ou para o (re)
conhecimento, feedback e como homenagem.
O compartilhamento de fotografias tem uma relevância clara para uma informante: a
de servir de identidade visual para outros portadores de doenças reumáticas.
(...) nas doenças reumáticas, em especial a artrite reumatoide as pessoas
sofrem muito com o estigma social de ser diferentes, de terem deformidades
aparentes, então,elas costumam não aparecer, ou pelo menos,até chegar no
nosso grupo virtual, essa pessoa se escondia, qdo ela vê que nós publicamos
fotos de vida social e familiar elas começam a entender que podem ter uma
vida compatível com uma pessoa sem a doença.Na verdade sem eu ter
planejado isso me tornei uma referência para os pacientes; se eu posso
viajar, sair, e namorar eles começam a entender que eles podem também
então, minhas fotos são uma identidade visual para eles.
Nos casos em que os amigos não se conhecem fisicamente, as fotografias são
facilitadoras de um encontro virtual. Além disso, mesmo quando já amigos “físicos” elas
cumprem a função de melhor apresentar quem ele é realmente. Uma professora de 68 anos,
explica o porquê de suas fotos: “Para que meus amigos, ao estudarem meu rosto, minhas
expressões, possam conhecer-me melhor e verdadeiramente”.
Semelhante é a explicação de um militar reformado. Ele diz que as fotografias são um
meio “para que reconheçam-me aqueles que não me veem há muito tempo e até quem nunca
teve contato comigo, no caso de sobrinhos e sobrinhos netos”. Se fisicamente não há contato
com alguns parentes e amigos, reside aí uma das principais funções das imagens, explicitadas
por um aposentado: “eu tenho parentes que não conheço e amigos que não vejo há muitos
anos, elas servem até como uma maneira deles me encontrarem”.
Um dos homens entrevistados, que utiliza os sites também para conhecer novas
pessoas, afirmou que as fotografias tornam-no conhecido e popular e ele as utiliza “para que
mais pessoas fiquem me conhecendo e assim formar mais amizades”. Alguns deixam fotos
pessoais públicas no caso de alguém lhes procurar.
125
Com os SRS também ficou mais fácil enviar fotografias para os amigos. Uma
declaração, em especial, apresentou essa possibilidade: “na verdade é uma troca, tiro várias
fotos com as pessoas, ao invés de enviar por e-mail eu posto no facebook”.
É comum ver fotos postadas para felicitar alguém pelo aniversário ou simplesmente
para mostrar a importância da amizade e do amor entre duas pessoas. Em alguns casos, o
destinatário não tem conta no site ou então é apenas um bebê. De qualquer forma, o que se
busca é mostrar aos demais que o homenageado existe e o que ele representa na vida do
remetente. A admiração pelos conhecidos, amigos e familiares que fazem parte da mesma
rede social ainda que não estejam nos sites, fica explícita no argumento de uma jornalista
entrevistada: “eu publico muitas vezes em homenagem a alguém, ah, é aniversário do meu
pai, aí eu coloco uma foto minha com ele, é aniversário de casamento dos meus pais”. Outra
disse que, no geral, publica fotos “para homenagear pessoas”.
Há quem o faça por motivo de admiração simplesmente, de suas fotografias e também
das fotografias dos amigos. Uma gaúcha exemplifica isso: “são pessoas que fazem parte do
meu dia a dia, então é muito bom olharmos de vez em quando as fotos e admirarmos elas”.
Uma informante, em particular, me deu uma explicação interessante. Segundo ela, além de os
sites serem uma excelente forma de arquivamento de fotografias, o simples exercício de olhar
para elas é relaxante.
Ah, eu publico fotos pq eu gosto, por exemplo, eu tô, às vezes eu não
to num dia muito bom, por exemplo, aí de repente, eu sei que eu posso
ir na internet pesquisar lá em imagens e ver um monte de fotos. As
que eu gosto mais, são minhas pessoais, eu guardo lá. Eu acho o
Orkut maravilhoso pra se guardar fotos como um arquivo, e outra,
publicando ou não, eu entro e eu fico vendo aquelas imagens, aquilo
me dá uma paz tremenda, é gostoso, sabe... eu acho aquilo uma
delícia, é um relax.
Relataram-me, aliás, encontros promovidos pelos sites. Há quem encontrou o primeiro
namorado de cinquenta anos atrás e quem entrou em contato com parentes que há trinta anos
não via. Mesmo que não seja possível voltar no tempo e estabelecer a mesma ligação que se
tinha com este que acaba de reencontrar, é possível dar uma nova tônica à relação, interagindo
de forma a buscar novas identificações dentre velhas e nostálgicas histórias. Eis o trágico
cotidiano de Maffesoli. Ludibriamos o passado e damos um fecho diferente para nossas vidas.
Se parecia difícil rever um certo alguém, está aí uma potencialidade do desenvolvimento
126
tecnológico presente nos SRS: a de unir passado e presente e fazer com o que o destino seja
dominado, ao menos no campo virtual.
Apresento, então, exemplos das muitas fotografias de amigos que estampam os álbuns
dos usuários do Orkut e também do Facebook.
Fotografia 42 – Amigos
Fotografia 44 -Amigos
Fotografia 43 – Amigos
Fotografia 45 - Amigos
127
Fotografia 46 - Amigos
Fotografia 47 -Amigos
A possibilidade de falar com o outro através das fotografias fica clara nas respostas
dadas pelos sujeitos analisados. E fala-se, através delas, de amor pela família e amigos, como
já foi exposto, mas também pelo parceiro, namorado, esposo. É disso que me ocuparei na
próxima temática.
1.1.1
*O par perfeito
Já mencionei que as pessoas falam e compartilham sentimentos de amor e carinho
entre os amigos e os familiares através de suas fotografias. Entre os casais, esse amor é
exaltado, enaltecido, idealizado. Homens e mulheres, usuários dos SRS pesquisados dão
demonstrações explícitas de amor por meio das fotografias, seja na criação de álbuns
exclusivos do parceiro, nas legendas, ou na imagem do perfil a dois.
Quanto às fotografias do perfil, 12 homens disseram que usam ou já usaram imagem
com a parceira, e entre as mulheres o resultado foi parecido: 14 delas responderam que não
veêm problema algum em publicar fotografias com o parceiro como imagem de perfil. Porém,
durante o período da coleta de dados, observei imagens a dois no perfil de apenas dois
128
homens no Orkut e quatro no Facebook; quanto às mulheres, no Orkut de três delas havia uma
fotografia com o parceiro enquanto no Facebook quatro se apresentavam dessa maneira.
Se agrupados aqueles que disseram não utilizar fotografias com o parceiro como
imagem de perfil, muitos afirmam que as fotos existem, mas elas aparecem nos álbuns, já que
o perfil é individual. Algumas mulheres relataram essa opção:
“no perfil não, só nas fotos pq o perfil é somente meu”.
“Pq o perfil é meu, e o face representa minha personalidade, e tem o
local correto para por fotos com o namorado, que é no álbum de
fotos”.
“não como capa de perfil, o perfil é meu, foto minha”.
Entre as mulheres entrevistadas, também existem aquelas que não publicam
fotografias com o parceiro em virtude da exposição provocada. Uma respondeu que utiliza o
site com outra intenção:
“não gosto de me expor muito, só adiciono pessoas que conheço
então eles me conhecem e conhecem meu namorado, o face é só para
descontrair.”
Além dessas, há quem já tenha utilizado fotografia com o namorado ou marido, mas
que não faria isso novamente. Uma delas, casada, afirma que hoje só publicaria fotografias
com as filhas como imagem de perfil, com o marido não mais. Em sua explicação ela diz:
“já usei muitas, mas coisinhas foram acontecendo e as ilusões de
adolescente foram passando, então como imagem de perfil não uso
mais”.
Semelhante é o caso da dona de outro perfil analisado. Ela afirma já ter publicado
fotografias com o namorado, mas que tal exposição não lhe agradou. Segunda ela, as pessoas
vão criando intimidade e querendo saber da sua vida pessoal. Depois disso, ela nunca mais
publicou fotografias deste tipo. Agora publica somente com amigos, filho e família. Ela relata
a experiência que teve:
Não isso, não. Namorados podem passar, não costumo expor minha
vida tão pessoal assim. Já tive essa experiência, por exemplo,
namorei um bom tempo uma pessoa tínhamos fotos em eventos sociais
e pessoal. Quando terminamos o relacionamento as pessoas ficaram
com raiva dele, ele foi assediado e eu tinha que toda hora dar
satisfação para alguém: pq terminou? como vc tah? vc arrumou
129
outro? isso me deu muito trabalho, e desde então, ñ faço + isso. O
coitado levou a culpa social não achei legal.
Outra entrevistada disse que o fato de ter uma fotografia com o marido na imagem de
perfil desconfigura a sua presença no site. Independente do estado civil, ela quer ser
reconhecida por ser o que é.
Eu: e assim, fotos com parceiro, marido, essas coisas?
Izilda:não, não tenho o hábito. Eu não tenho o hábito de fazer isso, eu
não sei pq...
Eu: é só a sua mesmo
Izilda: Só a minha mesmo. Aliás, eu nem me identifico se eu sou
casada, sou solteira...e não é por nada...é verdade....meus amigos, eu
já coloquei foto dele no álbum, já coloquei que eu era casada
Eu: sim
Izilda: mas aí eu não sei, eu acho que isso aí desconfigura um pouco.
Eu tô voltada não é pra , tipo assim, não é pra nada, assim, pra nada
sexualmente... então eu quero que as pessoas se apeguem a mim pela
Izilda que eu sou, a Izilda natureza
Eu: e não pelo seu status matrimonial
Izilda: isso, independente da minha idade, do meu estado civil, eu sou
a Izilda que ama a natureza
Entre os homens, também há aqueles que não simpatizam com a ideia de configurar a
imagem do perfil com uma fotografia junto da parceira. Pelos comentários, o que se percebe é
que eles acham isso muito pessoal e sem garantia, por isso preferem publicar imagens da
parceira somente nos álbuns. Um deles me disse que é preciso respeitar a individualidade de
cada um: “quando tiver ela que faça o dela; É uma coisa particular de cada um, respeitando
a individualidade de cada um.” Outro fala em desnecessidade:
Eu: Utiliza fotos com a parceira/ namorada na imagem do perfil?
Raron: Não, só no álbum.
Eu: utilizaria?
Raron: não, acho desnecessário.
Alguns acreditam que é preciso ter um relacionamento mais sério ou encontrar a
pessoa certa para só então publicar uma fotografia juntos na imagem do perfil.
“Ainda não encontrei assim uma pessoa bem legal sabe, ke eu possa
amar e confiar ao ponto de mostrar a todos até mesmo nestes sites de
relacionamento”.
130
Eu: Utiliza ou já utilizou fotos com a namorada na imagem do perfil?
Fernando: na imagem do perfil não, acredito que no mural, mas na
imagem de perfil não!
Eu: mas utilizaria?
Fernando: essa pergunta acho que é difícil, mas acredito que não.
Eqto o status continuar como namorada, acredito que não
Eu: tem que ficar mais sólido, concreto para colocar?
Fernando: seria o único jeito que eu colocaria, caso o
relacionamento passasse de um namoro para algo mais concreto
mesmo. Mas, mesmo assim, não seria algo obrigatório, pensaria antes
de colocar.
Em seu comentário, um senhor de 63 anos afirma não postar fotografia sua com a
mulher na imagem do perfil porque ela tenta passar uma imagem de harmonia perfeita entre
os dois, o que o irrita:
Até agora, ele tenta se passar por dona de mim, e se intromete em
todas as minhas comunidades, tantando passar uma falsa imagem de
harmonia perfeita, então a mantenho afastada, rsrs. Acha-se no
direito de escolher os meus contatos, criticar as minhas conversas,
como se fossemos um ser único. Se deixar, ela pensa por mim, e, pior,
se recusa a fundamentar os seus achismos.
O conflito, nesse caso, parece advir do fato de que a fachada que a esposa deseja criar,
aquela de um casal perfeito e em eterna harmonia não está em acordo com o dia a dia do
casal, que briga, passa por dificuldades, se desentende. O parceiro entende que a
representação é falsa e que há uma discrepância entre as aparências alimentadas pela esposa e
a realidade. Nesse caso, o excesso de idealização da fachada não o agradou.
Alguns homens disseram não usar fotografias com a parceira por motivo de segurança
ou então para preservar a sua imagem.
“não, pois sou separado, entretanto, mesmo se não fosse não usaria
em respeito a sua imagem”.
Miro: não sou mais casado e se fosse também não postaria
Eu: por questão de segurança?
Miro: afirmativo
Mas há usuários de ambos os sexos que não se importam em dividir a imagem do
perfil com quem amam. Eles disseram que usam ou já usaram fotografia com o (a) parceiro
131
(a) na imagem de perfil e que não veem problema algum nisso. Alguns colocam a família
toda, uma vez que isso representa certa estabilidade ou que ele (a) é comprometido (a).
“acho interessante mostrar ali que eu sou casada, que eu tenho
filhos”.
“Meu relacionamento tem quase quatro anos e as pessoas já me
relacionam com a imagem do meu parceiro... então considero q ele já
faz parte do meu perfil tbm!!!”
“no face na linha do tempo somos nós dois”
“com relação a foto minha juntamente com minha namorada, acho
que apenas uma forma de divulgar que estou com alguém, amo essa
pessoa.... algo do gênero”.
“Sim, na minha foto de perfil estamos nós três... eu, minha mulher e
filha”.
Às vezes, a esposa tem perfil em algum SRS, mas o parceiro não. Ela então coloca
fotos juntos para os amigos saberem e até como uma maneira de passar recados de seus
amigos em comum para o esposo. Mas isso só me foi relatado por mulheres, nunca por
homens.
“geralmente uso próximo do niver dele, ou dia dos namorados, niver
de casamento (...) é pra divulgar pros amigos saberem, já que meu
marido não tem face e nem Orkut, kkk”.
Eu: Você já usou fotografias de outras pessoas no seu perfil?
Priscilla: coloco muitas vezes foto minha junto de meu marido
Eu: por quê?
Priscilla: Porque é uma forma que encontrei, que podemos
compartilhar as mesmas amizades, e de expressar o carinho que
tenho por ele.
Eu: inclusive, no seu orkut o nome que aparece é o seu e o dele né?
Priscilla: isso mesmo
Eu: mas por que ele não tem uma conta no site?
Priscilla: ele me diz que não tem muito tempo de entrar e nem
paciência. Quando alguem manda recado a ele, eu sempre dou o
recado. E as vezes ele responde.
132
Em relação às fotografias dos álbuns, é comum encontrar algumas ou até álbuns
inteiros dedicados ao parceiro, como:
“Aniversário do meu amor”, “O amor em minha vida”, “Meu
vidinha”, “O amor é lindo”, “Amor para a todo vida, amo demais”,
“Dia dos namorados 2009”, “Amor e eu”, “Eu e ela”, “anjo”, “1
ano de felicidade”, “Amor”, “Minha princesinha”.
Isso sem falar nos álbuns que apresentam essas fotografias, mas que não estão
intitulados, ou que apresentam um título mais geral, como “Momentos”, “=)”, “Variadas”,
“Especiais”.
As legendas dizem muito sobre esses sentimentos também. Deparei-me com frases
como:
“Meu eterno amor”, “Curtindo uma preguiça com minha fro”,
“Meus amores”, “Eu e o meu lindo...te amo”, “Meu Homem....com H
maiúsculo!! Amo vc”, “S2”, “Amoo muito você meu amor”, “Amooo
muito vc meu vida”, “Te AmO”, “Te amo meu vidinha”, “Só tenho
que agradecer por vc estar ao meu lado cuidando de mim. Obrigada
por tudo muito minha vidinha”, “Sempre linda”, “Minha Doutora”,
“Meu amor =)”, “Eu e meu marido”, “Meu capitão Nascimento”,
“Fernando, marido, vida”, “Te amo marido”, “Eu e Júlio”, “Os
noivos”, “Cada dia com vc é muito especial”, “Meu amoreeeeeeee”,
“Que casal lindo”, “Te amo gata”, “Te amo muito mais que ontem e
hoje muito menos que amanhã”, “Casal do século”.
Há um cuidado maior ao apresentar o parceiro. E também há rituais. Vocativos do tipo
amor, mozão, moli, amorzinho povoam o imaginário dos casais. E não são apenas as mulheres
que idealizam a representação de um amor perfeito, mas também homens se orgulham em
apresentar suas escolhidas. Declarações de amor aparecem nas legendas de fotografias a dois
ou nos próprios títulos dos álbuns. A fachada criada nesse caso é a de um casal em perfeita
harmonia, sorridentes e felizes um por ter o outro. Nessa representação idealizada do par
perfeito as promessas de amor eterno somam-se aos diversos comentários apaixonados. De
repente um sinal de que o amor ideal se transformou em cinzas: eis que surge uma atualização
dizendo que alguém trocou o status de relacionamento para solteiro.
Arrisco-me a dizer que a decisão por publicar, como imagem de perfil, uma imagem
com o parceiro é um passo adiante na relação e significa muito mais do que apenas postar
fotografias no Mural ou nos álbuns. Para alguns, isso só acontecerá no dia que o
relacionamento se estabilizar ou então quando encontrar a pessoa certa.
Vincular a fotografia do perfil com o parceiro (a) significa reduzir o seu espaço no site
para compartilhá-lo com tal pessoa e por isso é visto com certo desconforto por alguns
133
usuários. O que acontece é que eles deixam de ser identificados por serem quem são e passam
a ser vistos como namorado (a), esposa (a), parceira(a) de fulano de tal. Apesar do estado
civil, o que querem é manter a individualidade de cada um, portanto cada um tem a sua conta
nos SRS. Podem, entretanto, informar se são casados ou se namoram, preenchendo o
formulário do site.
O amor está no ar nos SRS. E as fotografias são provas disso. A seguir, exemplares do
amor perfeito exibido pelos usuários.
Fotografia 48- Par
Fotografia 50 - Par
Fotografia 49 - Par
Fotografia 51 - Par
134
Fotografia 53 - Par
Fotografia 52 - Par
Muitos também publicam fotografias que remetem ao passado, recordando o que já
viveram e quem já esteve por perto.
Essas imagens podem ser situadas na categoria
“Memórias”. Na sequência, falarei mais sobre esse tópico.
*Com um pé no passado
Numa passada de olhos pelas fotografias dos seus amigos, você certamente as verá.
Comumente vistas nos álbuns são aquelas imagens que acionam a memória dos usuários. Elas
relembram momentos com a família, junto dos amigos de infância, da escola, das festas, do
trabalho. Faz quem publicou e também os amigos que passeiam pelos álbuns reviver uma
época que já passou. Entre os álbuns que trazem essa temática, alguns que encontrei foram:
“Infância”, “Túnel do tempo”, “Trajetória”, “Momentos”, “Lembranças”,
“Volta às origens”, “Naftalina, direto do fundo do baú”, “Saudades”,
“Tudo o que vale ser lembrado”, “Tão pequeninos, pena que crescemos”,
“Alguns anos atrás, não sei se continua”, “Quem sabe quem é aqui?”,
“Antigas, mas eu amo”, “Exclusivas”, “Faz tempo”, “Momentos
inesquecíveis”, “Inéditas/relíquias”, “Retrospectiva 2011”, “Saudade do
tempo e das pessoas que fizeram parte de minha vida”, “Família, tradições”
135
A união de presente e passado mostra como a questão do tempo é relativizada na
internet e como as pessoas criam vínculos de identificação ao redor das fotografias. É
interessante poder ver como uma amiga era quando criança, ou então dar-lhe forças quando
um parente morre. As fotografias nos deixam em contato direto com as pessoas, nos
possibilitam tocá-las de alguma maneira. E aquelas do passado nos remetem ao território de
origem, nos permitem saber quem somos e mostrar aspectos de nossa vida que não seriam
conhecidos de outra maneira. Reviver o passado é sinal de vivências, experiências, e permite
um entendimento de que ele foi bom. Por isso o desejo de compartilhá-lo com os outros.
No contexto da pós-modernidade o mosaico contaminado por diferentes tendências,
modas, pensamentos, atitudes, revelam que a mistura de elementos arcaicos com outros
contemporâneos é próprio de um tempo presente cujas fronteiras se encontram esfumaçadas.
Daí a fusão de presente e passado ser inteligível: um tempo que não volta mais sendo
lembrado num tempo em que o passado é congelado através de scanners, e de programas de
tratamentos das fotos antigas.
Recordar é viver e nos SRS analisados recordar é experimentar junto um sentimento
de nostalgia e voltar ao tempo através das fotografias. Pode ser das saudades da infância ou da
adolescência:
15 anos, êta época boa”, “Querendo ser grande...agora queria voltar no
tempo”, “Eu quanto garoto,pensando em ser gente”, “Faz tempo, mas eu já
adorava fazer pose”, “Faz tempo,mas eu já tinha esse sorrisão”, “1º ano,
esse dias atrás =D”, “Quando eu era pequenina...
136
Fotografia 54- Infância
Fotografia 56 - Adolescência
Fotografia 55 - Infância
Fotografia 57 – Infância
Dos tempos de colégio:
“1º ano ginásio, São José, 1962”, “Turma da formatura do Ginasial em
1965”.
137
Fotografia 58 - Colegial
Fotografia 59 - Festa da escola
Do lazer ou do trabalho:
“Torneio da Guatemala, 1949, Flamengo campeão invicto”,“isso aí é em
um encontro do pessoal da sala de bate-papo de Cuiabá da ZAZ (Terra) em
1997... só tinha uma sala na época, kkkkkk, “Al mare em 1986”, “Navio
transporte de tropas Barroso Pereira (G-16), meu primeiro embarque”,
“Escola de Samba Filhos de Netuno – Carnaval de 1966 – Florianópolis SC
(EAMSC)”
Fotografia 60- Lembrança do trabalho
Fotografia 61 - Lembrança do trabalho
138
Fotografia 62 - Lembrança de lazer
Fotografia 63 - Lembrança de lazer
Da família:
“Vovô Oswaldyr, mamãe e Juju...sangue não é água”, “Olha o
Rubens e o paizão, que saudades dos tempos idos”, “que lembrança
beleza”, “Quase o jardim do Éden em 1978”, “Eu e minha mãe
(Cinelândia-RJ) 1960”
Fotografia 64 - Lembrança de família
Fotografia 65 - Lembrança de família
139
Fotografia 66 - Lembrança de família
Fotografia 67 - Lembrança de família
Uma fala de um militar reformado é carregada de boas lembranças em relação à
função desempenhada:
Eu: mas nas suas fotos pessoais, é só você quem aparece?
Miro: afirmativo, principalmente as do tempo de Marinha do Brasil, e
os poucos comentários que faço são exatamente sobre postagens de
ex- companheiros de farda
Eu: entendi, publica essas fotos como lembrança
Miro: afirmativo, e por sinal boas lembranças... Eu era feliz e não
sabia!
140
Fotografia 68 - Militar reformado em tempos de Marinha
Outra memória trazida pelas fotografias é a dos entes queridos já falecidos. E nesse
quesito também entram amigos de outras espécies que não estão mais por perto, os gatos e
cachorros que deixaram um rastro de fidelidade e alegria e que já partiram dessa vida. O que
chama a atenção é o fato de os homenageados não estarem presentes para ouvir e ver o que é
publicado sobre eles. Ao que tudo indica, essas publicações atendem a um tipo de necessidade
de dividir os momentos felizes e as pessoas queridas que passaram pela vida de cada um,
porque é através dessas banalidades comuns que encontramos conforto para lidar com a perda
de alguém ou para aceitar que o passado ficou pra trás. Todos passaram por tais momentos e,
portanto, a compreensão.
As frases aqui compiladas foram retiradas dos títulos dos álbuns e das legendas das
fotografias e mostram as saudades de quem já se foi. Elas mostram, em flashes, a história da
construção de vidas e são essencialmente de membros da família.
“Navô:o meu avô materno”, “Cotinha sempre muita saudade”, “Vô
Noel, Descanse”, “Amiga eterna, saudades”, “Bella...que
saudades!!!!”, “Mano gostava de animais como eu”, “Minha mãe, tá
no céu”, “Manos Alfredo (in memorian)e mano Geraldo (in
memorian)”, “Minha irmã Dalva (in memorian)no casamento de seu
filho Geovane, à direita meu pai (in memorian)”, “Este era meu
pai...”, “Quantas saudades, estes era meus pais”, “A que tá com
chalé preto era minha vó Luiza, saudades”, “ow minha irmã,sinto
falta de conversar com vc”, “Meu saudoso pai José Emílio Pereira”,
“Meu saudoso irmão Domi”, “minha saudosa mãezinha”, “A grande
guerreira, esteja com Deus”, “Eu e minha mãe na praia do farol da
Barra em 1987”
141
Fotografia 69 - Parente falecido
Fotografia – 71 Parente falecido
Fotografia 70 - Parente falecido
Fotografia 72- Parente falecido
Os entes de quatro patas não podem ficar de fora, pois a presença deles marcou a vida
de seus donos e de toda a família.
“meu cãozinho assassino. Descanse em paz amigo”, “The flash, the
mad dog, esse comia fogo”, “Meus grandes amigos, muitas
saudades”, “Meu querido e fiel amigo/companheiro Kolly – partiu
dessa vida em 09-02-2010. Obrigado por quase 13 anos de alegria”.
142
Fotografia 73 - Cão falecido
Fotografia 75 – Cães falecidos
Fotografia 74 - Cão falecido
Fotografia 76 - cão falecido
Finalmente, mas não menos importante, são as fotomontagens que aparecem
repetidamente nos SRS pesquisados, com destaque para o Orkut, onde além de estampar os
álbuns dos usuários, elas também são enviadas como recados. Nelas, em geral, as pessoas
adaptam fotos pessoais com conteúdos diversos, como imagens com pessoas famosas, de
lugares, de bichos e outras mais que serão comentadas a seguir.
143
* A vida como obra de arte
O farto material que encontrei sob a classificação montagens me faz questionar o que
leva alguém passar tanto tempo recortando, manipulando, colando, puxando e repuxando as
suas fotos para que se encaixem em imagens prontas de locais, pessoas, e até objetos.
Seguindo o raciocínio dos moralistas de plantão, tendo a conceber tal fenômeno como perda
de tempo. E é normal que isso aconteça, dada a visão moderna e econômica de que todos os
esforços e atividades devem ser redutíveis às necessidades materiais de produção e
conservação. Porém, ao situar meu olhar numa perspectiva da pós-modernidade, vejo outra
leitura possível para este fenômeno, que diz respeito à estetização da vida, tanto no sentido de
obra de arte quanto no sentido original da palavra, que sugere uma vibração coletiva.
Ao vasculhar por entre os álbuns dos sujeitos analisados, sobretudo no Orkut, me
deparei com fotografias que mostram o usuário numa tela em um museu, num outdoor na rua,
na tela da TV, no celular, emoldurada num retrato, na capa de um livro, na capa de um CD, no
rótulo de perfume, no cartaz de um filme, na capa de revista, na tela do cinema. Até na carta
de baralho tinha uma!
Outros apareciam emoldurados em anjos, borboletas, flores, em
bonecas, dentro de corações, entre estrelas e bichos os mais diversos, além de montagens ao
lado de estrelas da TV e no próprio corpo do (a) famoso (a). Não só nos álbuns encontrei esse
tipo de foto, mas também em recados enviados aos amigos, onde a foto do usuário é ajustada
em um cenário desejável onde se lê uma mensagem de carinho, como “Tenha uma ótima
semana” ou “Sua amizade é importante para mim”.
Nessa estetização do cotidiano, o que se busca é transformar a vida em obra de arte.
Há um dispêndio de tempo para fazer as montagens e, aparentemente, não há um propósito
final a não ser o prazer próprio e coletivo. Há certo consenso sobre isso e nada de racional,
pois o que reúne é justamente o aspecto emotivo e efêmero das fotografias, a histeria que elas
provocam quando do irromper de uma gargalhada ou da vibração dos amigos: “ficou show!”.
Não se usam as montagens como forma de forjar uma fotografia verdadeira, mas
apenas brincar com a própria existência. Os próprios álbuns ratificam isso:
“Montagens e efeitos 1”, “Montagens e efeitos 2”, “Matheus e
Helena montagens”, “Fotos montagens”, “Foto montagens Ana”,
“Montagens”, “Montagens feitas por amigos”.
Existem as fotomontagens espalhadas por outros álbuns também, sem um álbum
específico.
144
Na maioria das vezes, homens e mulheres utilizam essas fotografias por diversão, para
ver a reação dos amigos e, algumas vezes, dão de presentes a amigos também. Perguntei a
uma das entrevistadas o porquê de publicar esse tipo de imagem e ela me explicou que tinham
sido presentes de amigos e que gosta de recebê-los porque sente que seus filhos e ela são
queridos e lembrados.
“nem foi bem eu que fiz, a maioria foi os amigos que fizeram e
mandaram.Sim (gosto), é uma forma de carinho.Eu acho que é uma
forma da pessoa demonstrar carinho pelas crianças (...)”.
Outra me contou que já utilizou fotografias com montagem até mesmo na imagem de
perfil:
já usei minha mesmo com montagens de um programa que tenho, vc
só encaixa o rosto e fica perfeita kkk, foi só uma brincadeira, na
época que achamos esse site, eu e minha irmã fizemos várias, pra
brincar mesmo, por diversão.
Em algumas fotomontagens há uma clara modificação das cores da fotografia original.
Ao colocar mais tinta na imagem, ao alterar a sua cor, a fachada construída se adapta às
vontades do usuário. Desse modo, há uma acentuação de aspectos de sua fisionomia na
tentativa de reforçar algumas características e provavelmente disfarçar outras. Introduzindo
mais tinta às imagens, há uma tendência de retoque da fachada, que ao fim aparecerá mais
bela e chamará mais atenção.
Analisando o fenômeno das montagens, me ocorre relacioná-lo com o barroco ou o
neo-barroco, como propõe Calabrese, numa atitude de descrever os fenômenos de cultura do
nosso tempo. Esse termo é fecundo porque, antes de ser limitador de um período histórico,
ajuda-nos a compreender esse tempo presente. A vida cotidiana, sob diferentes aspectos,
ilustra a atualidade do barroco. A força da ilusão pode ser exemplificada pelos vários termos
empregados sobre ele: artifício, pitoresco, fantástico, aparência, superficialidade.
De forma semelhante, Maffesoli vê nos fenômenos contemporâneos uma
contaminação barroca. Essa barroquização da existência pode ser vislumbrada no culto ao
corpo e nas milhares de experimentações, nunca ortodoxas, da vida cotidiana, representadas
em músicas, fotos, quadros, nas diversos hibridismos e porque não nas montagens? Esse
mosaico de possibilidades, que casa fotografias de pessoas comuns com efeitos às vezes
pouco interessantes, até mesmo grosseiros, não quer lembrar a perfeição. Ao opor elementos
díspares, as montagens mostram que tudo vale e que nem por isso deixam de ser simbólicas.
145
Em analogia aos objetos de arte do barroco, com toda sua exuberância e fazendo de cada
momento uma pequena festa, é possível inferir que as montagens são dotadas das mesmas
qualidades: elas agregam e se tornam acontecimento.
Tal constatação, acredito, não vale apenas para as fotomontagens, mas para todas as
fotografias publicadas diariamente nos sítios pesquisados. Numa espécie de religiosidade
social, estamos nos ligando ao outro, nos aproximando por meio delas. Nas fotomontagens, há
ainda um fator a mais: a espetacularização da vida banal, elevada ao estatuto de arte e
compartilhada com os demais usuários.
As imagens comuns nos SRS permitem falar em um reencantamento do mundo, assim
entendido por Maffesoli em contraposição com a modernidade, uma época em que a técnica e
a ciência promoveram um desencantamento do mundo. A estetização do cotidiano visualizada
nos sites através das fotografias mostra que é o sensível, o emotivo, o banal e a proxemia que
sustentam toda a vida em sociedade.
Abaixo, apresento algumas das várias fotomontagens exibidas nos sites.
Fotografia 77 - Fotomontagem
Fotografia 78 - Fotomontagem
146
Fotografia 79 - Fotomontagem
Fotografia 81 - Fotomontagem
Fotografia 80 - Fotomontagem
Fotografia 82 - Fotomontagem
147
Fotografia 83 – Fotomontagem
Fotografia 84 – Fotomontagem
A explosão orgiástica contemporânea é impulsionada pelas novas tecnologias de
comunicação e distribuída em escala planetária pela internet. O sucesso dos SRS só
comprovam essa tendência. A socialidade de que fala Maffesoli não se limita à presença física
das pessoas. Hoje ela é alargada pelos chats, fóruns, listas de discussão, blogs, os SRS e
tantos outros serviços disponibilizados por softwares cada vez mais atentos às necessidades
das pessoas: estar próximas, apesar de distantes. Com a possibilidade de inserção das
fotografias, além da visão e da escuta – já agraciadas com conversas por áudio e vídeo -, os
sistemas de comunicação introduziram o tato e agora permitem que as pessoas se toquem
umas às outras por meio de suas imagens. No caso das fotomontagens, com toda a sua
superficialidade, além de tocar, o que se pretende é surpreender o interlocutor com cenários
inusitados, exóticos, fantasmagóricos, cuja figura principal é o usuário. Elas representam os
quinze minutos de fama que todos sonham ter.
148
REFLEXÕES (IN) CONCLUSIVAS
“Quando nada é importante, tudo tem importância.”
Michel Maffesoli
D
iante de um relato certamente incompleto e empobrecido, cujas referências me
permitem apenas mostrar como os fatos são e não como deveriam ser, encerro meu trabalho
com algumas reflexões cujos desdobramentos estão longe de se esgotarem aqui. Na tentativa
de desvendar como os usuários de sites de redes sociais se apresentam e a partir daí se
relacionam e se envolvem, mais do que falar deles, falo de mim, uma usuária ativa desses
sistemas. Como experiência pessoal, a (n) etnografia conduzida me fez conhecer não apenas o
grupo estudado, mas a mim mesma. Por isso, considero ter o trabalho alguma contribuição.
Como sujeitos sociais, somos também atores e estamos sempre, num esforço mais ou
menos constante de encenação, envolvidos em estratégias através das quais cada um constrói
uma imagem de si e busca se autoafirmar em sociedade. Apesar de as novas tecnologias da
comunicação e informação estarem alterando significativamente o cotidiano das pessoas,
inserindo-as em novos formatos de interação e permitindo-as se expressarem de um jeito
novo, como nos SRS, é possível dizer, a partir da pesquisa, que a construção da fachada
nesses espaços não é diferente da empreendida na interação face a face.
Ainda que “escondido” por trás da tela do computador, o usuário se vale de um ritual
de apresentação, como Goffman já havia captado. A apresentação de si parece guiada pelas
mesmas regras que estabelecem o que pode ou não aparecer no contato não mediado, ou seja,
há um cuidado para que o ator não tenha sua “cara” comprometida. A ressalva é que há um
controle expressivamente maior da situação quando se está on-line. O constrangimento, as
bochechas coradas e a falta de jogo de cintura típicos de um encontro físico, não são
problemas enfrentados pelos usuários de SRS. Não até que o encontro físico aconteça. Nesse
caso, e se a representação do usuário for falsa, a amizade ou até mesmo o romance virtual
pode ser abalado.
149
No que diz respeito à apresentação dos usuários no Orkut e no Facebook, há uma
visível preocupação com a aparência e com a imagem de si produzida. As fotografias
selecionadas para compor os álbuns e também aquela eleita para figurar na imagem de perfil –
diria a mais importante, pois é a que identifica o usuário quando de uma busca nos sites – são
sempre as melhores, as mais bonitas e aquelas em que o usuário aparece “bem”. Isso parece
não ser algo desconhecido do senso comum, mas é importante recuperar o fato e associá-lo ao
que afirma Goffman sobre a criação e manutenção de fachada. “A face de alguém é uma coisa
sagrada, e a ordem expressiva exigida para sustentá-la, é portanto, um ritual”180. Logo, as
negociações que antecedem a publicação de material nos sites acima citados, sobretudo em
relação às fotografias. Elas envolvem seleção, recorte, posicionamento e às vezes algum efeito
para melhoramento da imagem.
As fotografias analisadas e os depoimentos colhidos dão notícia de uma padronização
daquilo que é tornado público nos SRS e também daquilo que não pode aparecer. Em relação
às imagens apresentadas, os usuários se mostram de forma semelhante: com a família, os
amigos, sozinhos, em viagens, festas, com o parceiro, relembrando o passado, e em
montagens cuidadosamente elaboradas. Tudo que cause embaraço frente à sociedade deve
ficar de fora: fotografias obscenas, íntimas, pornográficas, libidinosas, indecentes, feias,
ousadas, extravagantes, constrangedoras, enfim, como relataram meus informantes, tudo o
que possa comprometer de alguma maneira o usuário não pode ser visto.
Contudo, a representação e a conduta tomada pelos usuários, sempre melhorativas, não
parecem ser feitas de forma consciente. Durante as entrevistas, apenas dois informantes
mencionaram que não são exatamente o que os perfis dão a entender. Não que a representação
seja falsa, apenas que ela não corresponde, de forma precisa, ao que são e vivenciam
diariamente. Os demais disseram que o perfil é verdadeiro, autêntico e que representa o modo
como eles se veem. Isso pode ser compreendido a partir de Goffman, dado que “a maioria das
ações guiadas por regras de conduta são executadas sem pensar”.181
Se a padronização do modo de apresentação de si nos sites pode parecer uma forma de
exibir apenas as coisas “belas” da vida, ela também pode simbolizar uma forma de agregação
social. Lembrando o tribalismo definido por Maffesoli como “o sentimento de filiação ou a
partilha de um gosto”182, é possível enxergar tal o fenômeno como uma maneira de as pessoas
expressarem o que é importante em suas vidas. E isso as une. As temáticas partilhadas
180
GOFFMAN, 1982, p.17.
Ibid., p.49.
182
MAFFESOLI, 2011, p.71
181
150
mostram um gosto comum, uma maneira semelhante de se apresentar em sociedade por meio
da internet. É esse vínculo social, esse sentimento de pertencimento que permite às pessoas se
sentir em correspondência.
As formas atuais das relações sociais não se esgotam nos encontros face a face. Elas
são
alargadas
pelos
novos
dispositivos
comunicacionais
proporcionados
pelo
desenvolvimento tecnológico e pela internet. E assim como em outros agrupamentos físicos,
na internet é possível observar a marca da sociedade contemporânea, a socialidade de que fala
Maffesoli. Integrando o lúdico, o onírico e o imaginário, ela dá o tom às reuniões, enfatizando
a tragédia do presente, nas relações banais do cotidiano, no instante vivido sem projetos
futuristas ou morais. São as práticas cotidianas que escapam ao controle social rígido e cujas
características principais são o hedonismo e o tribalismo. Nesse sentido, e a partir de Lemos, é
possível falar que a cibercultura se constitui em uma ciber-socialidade, ou seja, uma estética
social alimentada pelas tecnologias do ciberespaço. A tecnologia investida pela potência da
socialiade pode ser vista nos SRS, não sem conflitos.183
Os aspectos mais frívolos e anódinos da vida de cada um são exaltados nesses sites e
há uma clara busca por empatia. Ao mostrar a casa, os animais de estimação, a família, os
amigos, as novas aquisições etc, os usuários buscam um sentimento de filiação, de partilha, de
afeto. E assim, a existência de cada um ganha sentido, porque assentada sob os mesmos
valores. Eis a ideia do estar-junto, o cimento social de toda a vida em sociedade.
Vida essa que não é mais marcada pelo aspecto produtivo, mas pela emoção que o
vínculo com o outro pode suscitar. São as efervescências festivas e os momentos de júbilo que
conferem o prazer de estar vivo. Nos SRS, as mensagens postadas imploram pelo final de
semana, quando se pode, enfim, vivenciar tudo isso. Os títulos dos álbuns também sugerem
essa tendência: “Momentos especiais”, “Qualidade de vida”, “Vida de qualidade”,
“Momentos de felicidade”, “Instantes”, “Momentos inesquecíveis”, “Férias”, “A gente se
diverte, sempre”, “Satisfaction”, “Festas e passeios”, “Sair, viajar, repensar, curtir a vida”,
“Um pouquinho de folia”, “Tô de folga”, “O que importa”, “É tudo o que eu amo”, “Razões
do meu sorriso”, “Tudo o que vale ser lembrado”, “Fim de semana animado”. Em cada um
deles, a expressão do que realmente importa os usuários.
O ambiente comunicacional dos SRS é palco de uma exacerbação da aparência que
não pode ser vista como algo sem valor. Como pontuou Maffesoli, “a vida urbana é mesmo a
183
A agregação social possibilitada pela tecnologia pode também ter contornos violentos, conflitantes,
discriminatórios, como, aliás, também acontece com as outras formas de comunhão não mediadas.
151
das aparências”184 e são elas que, simbolicamente, exprimem um modo de tocar o outro. A
aparência não é desprezível. Ela é, antes, intrínseca ao corpo social. A eficácia da aparência,
nas palavras de Maffesoli, “é tornar visível essa graça invisível que é estar-junto”185. É, de
fato, por isso, que as fotografias são publicadas nos sites. A maior parte dos meus informantes
disse que o motivo delas é justamente manter contato, mostrar um pouco da vida e de como as
coisas estão a amigos e parentes com os quais não tem um contato físico frequente. Também
há os que se preocupam com os amigos ou parentes que ainda não os conhecem e por isso
publicam fotografias. É dessa forma que as imagens permitem tocar os seus observadores,
proporcionando um estar junto virtual, por assim dizer.
As apresentações dos usuários através das fotografias também dizem respeito de uma
multiplicidade de máscaras. As imagens mostram homens e mulheres desempenhando papéis
variados: em casa, no trabalho, com os amigos, na balada, o esportista, o artista, a dona de
casa, o pai, a mãe, o filho, o torcedor, a voluntária... Enfim, a fachada bem cuidada também é
uma fachada múltipla, que revela as várias facetas do usuário, os eus de que somos feitos.
De forma geral e (in) conclusiva, entendo, então, que a construção da fachada nos SRS
pesquisados está relacionada a um processo de representação performática dos usuários. Uma
representação cuidada e previamente decidida, no sentido de que os usuários optam por deixar
à mostra, ressaltar e também ocultar algumas informações, gostos e interesses, se pautando
pelo que é valorizado ou desvalorizado pelos sujeitos com os quais se identifica, e, sobretudo,
pelas regras da sociedade em que vive. Como exemplo dessas manobras, está a decisão de
publicar em determinado site apenas as fotografias em que “saiu bem”. A aparência é,
portanto, fator determinante para a construção da fachada, assim como as informações
acrescentadas ao perfil. Tudo serve para que o observador adquira uma informação sobre o
observado e projete uma definição dele. A construção da fachada é importante, mas é
igualmente necessário manter a face inicialmente projetada. As constantes atualizações são,
portanto, pertinentes.
A importância da imagem no palco virtual dos sites é que ela é, antes de tudo,
proxêmica. Faz as pessoas se sentirem mais próximas ao compartilharem situações e
experiências vividas. E quando se observa certa padronização dessas imagens é sinal de que
existe um equilíbrio ritual e que o usuário não as produz “a partir das propensões psíquicas do
interior, mas das regras morais que são imprimidas sobre ele de fora”. É a partir dessas regras
que a pessoa avaliará a si e aos seus companheiros.
184
185
MAFFESOLI, 1996, p.159.
Ibid., p.167-168.
152
Finalmente, é preciso considerar a condição mediada da pesquisa enquanto um novo
formato na relação orientador-orientado. Muitos encontros físicos não puderam acontecer,
mas o contato virtual entre mim e a minha orientadora se fizeram constantes. Nos SRS
pudemos trocar ideias, discutir caminhos, observar indícios...
necessariamente estar perto.
E estar juntas, sem
153
BIBLIOGRAFIA
AUGÉ, Marc. Não-lugares: introdução a uma antropologia da supermodernidade.
Campinas: Papirus, 1994.
AMARAL, Adriana; NATAL, Geórgia; VIANA, Lucina. Netnografia como aporte
metodológico da pesquisa em Comunicação Digital. Revista Famecos, Porto Alegre, nº20, p.
34-40,
dez.
2008.
Disponível
em:
<http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/famecos/article/viewFile/4829/3687.Acessa
do> Acesso em: 10 jan. 2012.
BAYM, Nancy K. Internet Research as it isn´t, is, could be and should be. In: The
Information
Society,
21.
Online.
p.229-234.
Disponível
em:
<
http://www.indiana.edu/~tisj/readers/full-text/21-4.PDF> Acesso em: 14 jun. 2011.
BLOG DO ORKUT. O Orkut continua crescendo depois de 7 anos. Janeiro de 2011.
Disponível
em:
<http://blog.orkut.com/2011/01/o-orkut-continua-crescendo-depois-de7.html>. Acesso em: 28 jun. 2012.
BRAGA, Adriana. Usos e consumo de meios digitais entre participantes de weblogs: uma
proposta metodológica. In: XVI Encontro da Compós, 2007, Curitiba. Anais do XVI
Encontro da Compós. Curitiba: UTP, 2007.
BRAUN, Daniela. Número de internautas no mundo supera 2 bilhões em 2010. Valor.
Outubro
de
2010.
Disponível
em:
<
http://economia.uol.com.br/ultimasnoticias/valor/2010/10/19/numero-de-internautas-no-mundo-supera-2-bilhoes-em2010.jhtm>. Acesso em: 27 jan. 2012
BOYD, Danah M.; ELLISON, Nicole. B. Social Network Sites: Definition, History and
Scholarship. In: Journal of Computer-Mediated Communication. Disponível em:
http://jcmc.indiana.edu/vol13/issue1/boyd.ellison.html
CALABRESE, Omar. A idade neobarroca. Tradução de Carmen Maria de Carvalho e Artur
Mourão. Lisboa: Edições 70, 1987.
CASTELLS, Manuel. A Sociedade em Rede. A era da informação: Economia, Sociedade e
Cultura; v.1 tradução: Roneide Venâncio Majer; 6. Ed. São Paulo: Paz e Terra, 1999.
COMSCORE. The Brazilian online audience. Fevereiro de 2011. Disponível em: <
http://pt.scribd.com/doc/48622322/ComScore-SOI-Brazil-Webinar-Feb-2011>. Acesso em:
04 abr. 2011.
_____________. It´s a social world. Top 10 need-to-knows about social networking and
where
it´s
headed.
Dezembro
de
2011.
Disponível
em:
<
http://www.comscore.com/Press_Events/Presentations_Whitepapers/2011/it_is_a_social_worl
d_top_10_need-to-knows_about_social_networking>. Acesso em: 11 fev. 2012.
154
DEMETRIO, Amanda.O perfil do Facebook. G1, mai. 2012. Disponível
<http://g1.globo.com/platb/o-perfil-do-facebook/#a2004>. Acesso em: 03 jun. 2012
em :
ELIAS, Norbert. O processo civilizador. Tradução Ruy Jungman; 2ª ed. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Ed., 1994.
FERRARI, Pollyana. Jornalismo Digital. 3. ed. São Paulo: Contexto, 2008.
FRAGA DA SILVA, Karina Galli. O etnógrafo e o jornalista: o olhar e a escuta como
ferramentas de trabalho. In: XXXIV Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação,
2011,
Recife.
Anais...
Recife,
2011.
Disponível
em:
<
http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2011/resumos/R6-0954-1.pdf> Acesso em: 14
jan. 2012.
FRAGOSO, Sueli; RECUERO, Raquel; AMARAL, Adriana. Métodos de Pesquisa para a
internet. Porto Alegre: Sulina, 2011.
FRAGOSO, Sueli. Eu odeio quem odeia...Considerações sobre o comportamento dos
usuários brasileiros na ‘tomada’ do Orkut. In: XXIX Congresso Brasileiro de Ciências da
Comunicação, 2006, Brasília. Anais... Brasília, 2006. Disponível em: <
http://galaxy.intercom.org.br:8180/dspace/bitstream/1904/20258/1/Suely%2BDadalti%2BFra
goso.pdf> Acesso em: 27 jun.2012.
GALILEU.
Infográfico:
o
tamanho
do
Facebook.
Disponível
em:
http://revistagalileu.globo.com/Revista/Common/0,,EMI321188-17770,00
INFOGRAFICO+O+TAMANHO+DO+FACEBOOK.html>. Acesso em: 1 out. 2012.
<
GASTALDO, Édison (Org.). Erving Goffman: desbravador do cotidiano. Porto Alegre:
Tomo Editorial, 2004.
GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC Editora, 1989.
GINZBURG, Carlo. Mitos, emblemas, sinais: morfologia e história. São Paulo: Companhia
das Letras, 1989.
GOFFMAN, Erving. A representação do eu na vida cotidiana. 10 ª ed. Petrópolis: Vozes,
2002.
GOFFMAN, Erving. Interaction Ritual.Essays on face-to-face behavior. New York: Pantheon
Books, 1982
HAESBAERT, Rogério. Dos múltiplos territórios à multiterritorialidade. Porto Alegre, 2004.
Disponível
em:
<http://www.uff.br/observatoriojovem/sites/default/files/documentos/CONFERENCE_Rogeri
o_HAESBAERT.pdf> Acesso em: 28 jun. 2012.
HALL, Edward T. A dimensão oculta. Tradução Valéria Barcellos. São Paulo: Martins
Fontes, 2005.
155
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Tradução Tomaz Tadeu da Silva,
Guacira Lopes Louro -10. Ed. – Rio de Janeiro: DP&A, 2005.
HART, Keith. Notes towards an anthropology of the Internet. In: Horizontes Antropológicos,
Porto Alegre, ano 10, n. 21, p. 15-40, jan./jun. 2004. Disponível em: <
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010471832004000100002&lng=en
&nrm=iso&tlng=en> Acesso em: 28 ago. 2011.
IBOPE. Comércio eletrônico atingiu mais de 32 milhões de usuários em outubro. Novembro
de
2011.
Disponível
em:<http://www.ibope.com.br/ptbr/noticias/Paginas/Com%C3%A9rcio%20eletr%C3%B4nico%20atingiu%20mais%20de%20
32%20milh%C3%B5es%20de%20usu%C3%A1rios%20em%20outubro.aspx> Acesso em:
17 dez. 2011.
________. Acesso à internet no Brasil chega a 83,4 milhões de pessoas. Agosto de 2012.
Disponível
em:<http://www.ibope.com.br/ptbr/relacionamento/imprensa/releases/paginas/acesso-%C3%A0-internet-no-brasil-chega-a83,4-milh%C3%B5es-de-pessoas.aspx.> Acesso em: 02 out. 2012.
LE BRETON, David. Adeus ao corpo: antropologia e sociedade. Campinas, SP: Papirus,
2003.
LEMOS, André. Cibercultura. Tecnologia e vida social na cultura contemporânea. 5. ed.
Porto Alegre : Sulina, 2010.
LEVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo : Editora 34, 1999.
LEVY, Pierre. O Que é o Virtual? São Paulo: Editora 34, 2001.
LEVY, Steven. Hackers: heroes of the computer revolution. Califórnia: O’Reilly, 2010.
LYOTARD, Jean-François. O pós-moderno explicado às crianças. Correspondência 19821985. 3ªedição. Lisboa: Publicações Dom Quixote, Ltda, 1999.
MACHADO, Juremir. O que pesquisar quer dizer: como fazer textos acadêmicos sem medo
da ABNT e da Capes. 2ª Ed. Porto Alegre: Sulina, 2011.
MACHADO, Juremir. Entrevista com Edgar Morin. Correio do Povo, Porto Alegre, 7 de ago.
2011. Disponível em: <http://www.correiodopovo.com.br/blogs/juremirmachado/?p=1129>.
Acesso em: 18 jul.2012
MALINOWSKI, Bronislaw. Os argonautas do pacífico Ocidental. In: Os pensadores. Abril
Cultural. São Paulo: Abril S.A. Cultural e Industrial, 1976.
MAFFESOLI, Michel. A lei dos irmãos. Revista Famecos, Porto Alegre, v.19, n.1, p.6-15,
janeiro/abril
2012.
Disponível
em:
<
http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/revistafamecos/article/view/11337> Acesso
em: 27 mai. 2012.
156
________________. A sombra de Dionísio: contribuição a uma sociologia da orgia. Rio de
Janeiro, Graal, 1985.
________________.O elogio da razão sensível. Tradução de Albert Christophe Migueis
Stuckenbruck. Petrópolis, RJ: Vozes, 1998.
________________. No fundo das aparências. Petrópolis: Vozes, 1996.
________________.O tempo das tribos: o declínio do individualismo nas sociedades de
massa. 2 ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1998.
________________.O instante eterno: o retorno do trágico nas sociedades pós-modernas.
São Paulo: Zouk 2003. Trad. Rogério de Almeida, Alexandre Dias.
_______________. Quem é Michel Maffesoli: entrevistas com Christophe Bourseille.
Tradução Guilherme João de Freitas. Petrópolis, RJ: De Petrus et Alii, 2011.
MATTA, Roberto Da. A casa e a rua. 5ª ed. Rio de Janeiro: Rocco, 1997.
MILLER, Daniel; SLATER, Don. The Internet: an ethnographic approach. Oxford: Berg,
2000.
MORIN, Edgar. Introdução ao pensamento complexo. Tradução Eliane Lisboa. 4.ed. Porto
Alegre : Sulina, 2011.
NISZ, Charles. Foto de Giovanna Antonelli em rede social faz indiano vir até BH. Blog Vi na
internet, ago. 2012. Disponível em: http://br.noticias.yahoo.com/blogs/vi-na-internet/fotogiovana-antonelli-em-rede-social-faz-indiano-191127537.html. Acesso em: 02 ago. 2012
PAIS, José Machado. Lufa-lufa quotidiana: ensaios sob e a cidade, cultura e vida urbana.
Lisboa. Imprensa de Ciências Sociais, 1ª Ed. 2010.
PALACIOS, Marcos. Cotidiano e sociabilidade no cyberspaço: apontamentos para
discussão. In: Encontro nacional da Compós. Rio de Janeiro, 1995, online. Disponível em:
<http://www.comunidadesvirtuais.pro.br/hipertexto/biblioteca/palacios.pdf >. Acesso em: 8
fev. 2012
RECUERO, Raquel. Recuperando a história do Orkut no Brasil. 2008, on-line. Disponível
em:<http://www.pontomidia.com.br/raquel/arquivos/recuperando_a_historia_do_orkut_no_br
asil.html>. Acesso em: 02 jun. 2012.
RECUERO, Raquel. Redes sociais na internet. Porto Alegre: Sulina, 2010.
RYAN, Jennifer Anne. The virtual campfire: an Ethnography of Online Social
Networking.2008 200f. Dissertação (Mestrado em Antropologia). Universidade de Wesleyan,
Middletown, Connecticut. 2008. Disponível em: < http://thevirtualcampfire.org/> Acesso em:
12 abr. 2012
RHEINGOLD, Howard. A comunidade virtual. Tradução Helder Aranha. 1.ed. Lisboa:
Gradiva, 1996.
157
RHEINGOLD, Howard. Tools for thought. 2000, online.
<http://www.rheingold.com/texts/tft/1.html> Acesso em: 12 fev. 2012
Disponível
em:
RÜDIGER, Francisco. As teorias da cibercultura: perspectivas, questões e autores. Porto
Alegre: Sulina, 2011.
SÁ, Simone. Netnografias nas redes digitais. In: PRADO, J.L Crítica das práticas midiáticas.
São Paulo: Hacker editores, 2002.
SAVAZONI, Rodrigo; COHN, Sergio. (Org.). Cultura digital.br. Rio de Janeiro: Beco do
Azougue, 2009.
SILVA, Rafael. Facebook estima que 83 milhões de perfis cadastrados sejam fakes.
Tecnoblog
diário
tecnológico,
ago.
2012.
Disponível
em:
<
http://tecnoblog.net/108742/facebook-perfis-falsos/>. Acesso em 08 ago. 2012
SIMMEL, Georg. Sociologia. Organizador da coletânea Evaristo de Moraes Filho; tradução
de Carlos Alberto Pavanelli...et al. São Paulo: Ática, 1983.
SIMONITE, Tom. What Facebook knows. Technology review. Julho/agosto 2012. Disponível
em: < http://www.technologyreview.com/featured-story/428150/what-facebook-knows/>.
Acesso em: 30 jul. 2012.
SMITH, Greg. Erving Goffman. Nova York: Routledge, 2006
SOCIAL
BAKERS.
Brazil
Facebook
Statistics.
Disponível
<http://www.socialbakers.com/facebook-statistics/brazil>. Acesso em: 20 jul. 2012.
em:
___________________.
Facebook
Statistics
by
country.
Disponível
em:
<http://www.socialbakers.com/facebook-statistics/>. Acesso em: Acesso em: 20 jul. 2012.
STERENBERG, Leila. Entrevista com Mr. Orkut. Conta Corrente. Globo News. Disponível
em: < http://dicasdainternet.wordpress.com/2008/05/09/conhea-o-criador-do-orkut-orkutbykkokten/>. Acesso em: 17 out. 2011.
THE FACEBOOK BLOG. Disponível em: <http://blog.facebook.com/>. Acesso em: 13 mar.
2012.
VATTIMO, Gianni. A sociedade transparente. Tradução Hossein Shooja e Isabel Santos.
Relógio D’Água, 1992.
VILLELA, Fernando. In: CALDAS (Org.). Deu no Jornal. 2. Ed-Rio de janiero: PUC Rio,
2002.
WINKIN, Yves. A nova comunicação: da teoria ao trabalho de campo. Organização e
apresentação de Etienne Samain; tradução Roberto Leal Ferreira. Campinas, SP: Papirus,
1998.
158
ANEXO I
Carta de apresentação aos sujeitos
159
ANEXO II
Autorização para uso dos dados depoimentais e das fotografias