universidade técnica de lisboa instituto superior técnico

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universidade técnica de lisboa instituto superior técnico
UNIVERSIDADE TÉCNICA DE LISBOA
INSTITUTO SUPERIOR TÉCNICO
CARACTERIZAÇÃO DO COMPORTAMENTO FACE À CORROSÃO DA
LIGA NiTi - QUALIDADE EM APLICAÇÕES BIOMÉDICAS
Nádia Cristina Amaral Figueira
(Licenciada)
Dissertação para obtenção do Grau de Mestre em Engenharia Química (Química Aplicada)
Orientador: Doutor João Carlos Salvador Santos Fernandes
Co-Orientador: Doutora Maria Teresa Oliveira de Moura e Silva
Júri
Presidente: Doutora Maria Teresa Nogueira Leal da Silva Duarte
Vogais:
Doutora Alda Maria Pereira Simões
Doutor Rui Jorge Cordeiro Silva
Doutor João Carlos Salvador Santos Fernandes
Doutora Maria Teresa Oliveira de Moura e Silva
Abril 2008
i
Resumo
Nitinol é uma liga equiatómica de Ni e Ti com considerável interesse em
aplicações biomédicas, dadas as características de superelasticidade e memória
de forma. No entanto, a elevada composição em Ni pode influenciar
negativamente a biocompatibilidade desta liga.
A
resistência
à
corrosão
do
NiTi
foi
avaliada
por
métodos
electroquímicos, em diferentes soluções fisiológicas, com diferentes pH’s e
temperaturas. O titânio e o níquel puros foram incluídos no estudo, de forma a
compreender a contribuição de cada metal na liga.
O traçado de curvas de polarização permitiu concluir que o NiTi
apresenta uma elevada resistência à corrosão, semelhante à observada para o
Ti puro, o que é consequência da formação de um filme de passivação. Através
de ensaios de EIS, foi possível ajustar um circuito equivalente, o qual considera
uma estrutura «duplex» para o filme de óxido: uma camada de óxido interna e
compacta e uma camada externa porosa. A caracterização de superfície por
XPS e Auger permite concluir que o filme de óxidos é maioritariamente
constituído por TiO2 e que é possível reduzir a concentração de níquel no óxido,
por imersão em meio agressivo. As medidas de capacidade mostram que o
filme apresenta um comportamento semicondutor do tipo-n, compatível com a
composição obtida por XPS.
Palavras–Chave: Liga de NiTi, Biomateriais, Corrosão, Caracterização de
superfície, Espectroscopia de impedância electroquímica (EIS)
iii
Abstract
Nitinol is a nickel-titanium alloy that has been attracting considerable
interest for biomedical applications due to its shape memory and superelastic
properties. However, the high nickel content of the alloy may have a negative
affect on the biocompatibility.
The corrosion behaviour of NiTi was assessed using electrochemical
methods. Pure Ti and pure Ni were included in the study in order to understand
the contribution of each alloying element. Moreover, the susceptibility of Nitinol
to
corrosion
under
different
conditions
was
examined
using
different
physiological solutions, different pH values and different temperatures.
From polarization curves it was observed that NiTi presents a high
corrosion resistance, similar to that of pure Ti, which results from the formation
of a passive film.
An equivalent circuit was proposed to fit the impedance spectra of NiTi,
assuming a duplex structure for the passive film: a compact inner oxide layer
and a porous outer layer. XPS analysis and AES profiles show that the passive
film is mainly composed by TiO2 and that immersion in the aggressive
environment promotes a decrease in Ni content. Capacitance measurements
have revealed an n-type semiconductive behaviour, in agreement with the film
composition obtained by XPS.
Key-words: NiTi alloy, Biomateriais, Corrosion, Surface characterization,
Electrochemical Impedance Spectroscopy (EIS)
v
Agradecimentos
Quero expressar o meu especial agradecimento ao Prof. João Salvador
Fernandes pela orientação científica, espírito crítico e pelo seu valioso apoio ao
longo do desenvolvimento deste trabalho.
À Doutora Teresa Moura e Silva agradeço a sua co-orientação neste
trabalho, a motivação e a sua constante boa disposição.
Os meus agradecimentos à Doutora Maria João Carmezim pelos
esclarecimentos diversos e pelo estímulo na concretização da escrita deste
trabalho.
À Doutora Maria de Fátima Montemor agradeço a realização das análises
Auger e XPS, bem como a sua preciosa ajuda na utilização do software
específico e na interpretação dos resultados.
Os meus agradecimentos aos professores e colegas do Laboratório de
Electroquímica do IST, que estiveram sempre presentes nos bons e nos maus
momentos, proporcionando um ambiente de trabalho excelente.
Agradeço aos meus amigos pela paciência dispensada nas horas difíceis,
especialmente ao Zé, pela ajuda, carinho e dedicação concedido nos últimos
meses.
Por fim, o meu especial agradecimento à minha família, em especial
aos meus pais, ao meu irmão e ao meu sobrinho pelo apoio, motivação e
carinho que sempre manifestaram em todas as etapas do meu percurso
académico e profissional.
vii
Índice
Capítulo 1 - Introdução
1
1.1. Metais para uso biomédico
3
1.2. Objectivo do trabalho
5
Capítulo 2 - NiTinol
7
2.1. Enquadramento Histórico
9
2.2. Superelasticidade
10
2.3. Efeito de memória de forma
11
2.4. Aplicações do NiTinol
13
2.4.1. Cateteres
13
2.4.2 Stents
14
2.4.3. Filtros para a veia cava
14
2.4.4 Arcos de ortodontia
15
2.4.5. Próteses e Implantes Ortopédicos
15
Capítulo 3 - Corrosão e Biocompatibilidade no NiTinol
17
3.1. Corrosão – Aspectos gerais
19
3.2. Corrosão no NiTinol
24
3.3. Influência das proteínas na corrosão de metais
30
3.4. Biocompatibilidade
32
3.4.1. Biocompatibilidade da liga de NiTi
32
Capítulo 4 – Técnicas Experimentais
35
4.1. Introdução
37
4.2. Técnicas electroquímicas
37
4.2.1. Monitorização do Potencial de Circuito Aberto
37
4.2.2. Curvas de Polarização Anódica
39
4.2.3. Espectroscopia de Impedância Electroquímica
40
viii
4.2.4. Medidas de capacidade (aproximação de Mott-Schottky)
4.3. Técnicas de análise de superfície
47
51
4.3.1. Espectroscopia de Fotoelectrões Raios-X (XPS)
51
4.3.2. Espectroscopia de Electrões Auger (AES)
52
Capítulo 5 – Procedimento Experimental
55
5.1. Introdução
57
5.2 Materiais e Soluções
57
5.2.1 Metais e Ligas
57
5.2.2 Soluções fisiológicas
57
5.3 Condições Experimentais
59
5.3.1. Preparação das Amostras
59
5.3.2. Ensaios Electroquímicos
59
5.4 Técnicas de Caracterização
60
5.4.1. Técnicas electroquímicas
60
5.4.2. Técnicas de Análise de Superfície
63
Capítulo 6 – Resultados e Discussão
65
6.1. Ensaios Electroquímicos
67
6.1.1. Monitorização do potencial de circuito aberto (OCP)
67
6.1.2. Curvas de polarização anódica
68
6.1.3. Efeito do pH no comportamento do NiTi
71
6.1.4. Efeito da temperatura no comportamento do NiTi
73
6.1.5. Espectroscopia de Impedância Electroquímica (EIS)
74
6.1.6. Medidas de Capacidade
79
6.2. Técnicas de análise de superfície
81
6.2.1. Espectroscopia de Electrão Auger (AES)
81
6.2.2. Espectroscopia de Fotoelectrões Raios-X
84
Capítulo 7 - Conclusões
91
Capítulo 8 – Sugestões para trabalho futuro
95
Capítulo 9 – Referências bibliográficas
99
ix
Lista de símbolos e
abreviaturas
A
Ampere
Af
Temperatura final da transformação de fase austenítica (Austenite Finish)
As
Temperatura inicial da transformação de fase austenítica (Austenite Start)
C
Capacidade
Cb
Capacidade da camada barreira
Cdl
Capacidade da dupla camada (double layer capicitance)
CE
Contra-eléctrodo (Counter Electrode)
Cf
Capacidade do filme
CH
Capacidade da camada de Helmoltz
CPE
Elemento de fase constante (Constant Phase Element)
CPEb
CPE relativo à camada barreira
CPEf
CPE relativo ao filme
Csc
Capacidade da zona de carga de espaço
d
Espessura do óxido
Ebp
Potencial de banda plana
Ecc
Potencial crítico de corrosão intersticial
Ecorr
Potencial de corrosão
ECS
Eléctrodo de calomelanos saturado
EIS
Espectroscopia de impedância electroquímica (Electrochemical Impedance Spectroscopy)
I
Intensidade de corrente
i
Densidade de corrente
L
Coeficiente de auto-indução de bobina
MEM
Meio de cultura MEM (Minimum Essential Medium Eagle)
x
Mf
Temperatura final da transformação da fase martensítica (Martensite Finish)
Ms
Temperatura inicial da transformação da fase martensítica (Martensite start)
NA
Densidade de aceitadores
ND
Densidade de doadores
Nq
Densidade de defeitos
OCP
Potencial de circuito aberto (Open Circuit Potential)
PBS
solução salina tampão de fosfato (Phosphate buffered solution)
q
carga
R
Resistência
r.m.s.
Valor eficaz (Root Mean Square)
Rb
Resistência da camada barreira
RE
Eléctrodo de referência (Reference Electrode)
Rporo
Resistência do poro
Rsol
Resistência da solução
Rtc
Resistência à transferência de carga
SEM
Microscopia Electrónica de Varrimento (Scanning Electronic Microscopy)
SFB
Soro fetal de bovino
SMA
Liga com memória de forma (Shape Memory Alloy)
SME
Efeito de memória de forma (Shape Memory Effect)
u.a.
Unidades arbitrárias
WE
Eléctrodo de trabalho (Working Electrode)
XPS
Espectroscopia de fotoelectrões de raios-X (X-ray Photoelectron Spectroscopy)
Z
Impedância
Zimag.
Componente imaginária da Impedância
Zreal
Componente real da Impedância
Zw
Impedância relativa ao elemento de Warburg
ε
Constante dieléctrica
ε0
Permitividade do vácuo
θ
Ângulo de fase
ω
Frequência angular
xi
Lista de figuras
Figura 1.1.
Curvas de tensão-deformação para vários materiais: aço inoxidável,
cabelo humano, liga de NiTi, osso humano e tendão.
Figura 2.1.
Representação esquemática
característico do NiTinol.
Figura 2.2.
Representação esquemática do efeito de memória de forma
característica da liga de NiTinol utilizada neste trabalho.
Figura 2.3.
Representação esquemática de um coração humano, ao qual foram
colocados cateteres, com o auxílio de guias em NiTinol.
Figura 2.4.
Fotografia de um stent feito em NiTinol.
Figura 2.5.
Fotografia de um filtro fabricado em NiTinol.
Figura 2.6.
Fotografia de um aparelho de ortodontia com arcos fabricados em
NiTinol.
Figura 3.1.
Representação esquemática do processo autocatalítico característico
na corrosão por picada.
Figura 3.2.
Representação esquemática do mecanismo de corrosão em fendas.
Figura 3.3.
Esquema dos vários tipos de corrosão possíveis de ocorrer em
materiais metálicos.
Figura 3.4.
Representação esquemática da superfície de titânio, evidenciando
os vários filmes de óxido que se formam espontaneamente e
quando colocado em meio fisiológico.
Figura 4.1.
Representação esquemática de vários tipos de curvas de potencial
de circuito aberto. (1) – Passivação; (2) – Corrosão localizada;
(3) – Corrosão generalizada.
Figura 4.2.
Representação de uma curva de potencial característica de um
material passivo.
Figura 4.3.
Representação de uma onda sinusoidal de potencial.
Figura 4.4.
Circuito equivalente de Randles e respectivo diagrama de Nyquist.
Figura 4.5.
Representação esquemática dos elementos de impedância numa
célula electroquímica: Resistência de solução (Rs); Capacidade de
dupla camada (Cdl); Resistência à transferência de carga (Rct) e
Elemento de Warburg (W).
Figura 4.6.
Diagrama de Nyquist característico do circuito equivalente com o
elemento de Warburg.
do
conceito
de
superelasticidade,
xii
Figura 4.7.
Representação esquemática das bandas em diversos materiais. ∆e é
a energia necessária para promover a transição de um electrão da
banda de valência para a banda de condução.
Figura 4.8.
Representação esquemática da distribuição de carga na interface
semicondutor/electrólito.
Figura 4.9.
Representação esquemática de um espectrómetro usado em XPS.
Figura 4.10.
Representação esquemática do efeito do bombardeamento de
electrões e dos mecanismos de libertação de energia através do
efeito Auger (esquerda) e da fluorescência raios-X (direita).
Figura 5.1.
Montagem
das
electroquímicos.
Figura 5.2.
Imagem da célula de parede dupla constituída por três eléctrodos
(eléctrodo de trabalho, eléctrodo auxiliar e eléctrodo de referência).
Figura 5.3.
Imagem do potenciostato usado para a realização dos ensaios de
OCP e traçado das curvas de polarização.
Figura 5.4.
Imagem
do
sistema
de
espectroscopia
electroquímica, com gaiola de Faraday.
Figura 5.5.
Imagem do sistema usado na determinação das capacidades.
Figura 5.6.
Imagem do laboratório onde se realizam os ensaios de XPS e AES
(esquerda) e pormenor ampliado do equipamento onde se realizam
estes ensaios.
Figura 6.1.
Evolução do potencial de circuito aberto dos diferentes materiais em
solução de Hank a 37ºC, nos primeiros 2000 segundos de imersão.
Figura 6.2.
Evolução do potencial de circuito aberto da liga de NiTi e dos metais
que a constituem (Ti e Ni) em solução de Hank e a 37ºC, durante
24 horas de imersão.
Figura 6.3.
Curvas de polarização anódicas obtidas em solução de Hank e a
37ºC, para todos os metais/ligas em estudo (1 mV.s-1).
Figura 6.4.
Curvas de polarização anódicas obtidas em meio de cultura de MEM
e a 37ºC, para todos os metais/ligas em estudo (1 mV.s-1)
Figura 6.5.
Curvas de polarização anódica das amostras de NiTi com dois
diâmetros diferentes (2 mm e 8,5 mm) e comparação com os
resultados obtidos para os elementos de liga Ti e Ni.
Figura 6.6.
Curvas de polarização anódica de NiTi em solução de NaCl a 0,9%,
a vários valores de pH: pH3; pH5,7; pH 7,4 e pH10.
Figura 6.7.
Representação esquemética do efeito do pH de solução no potencial
de corrosão de um metal.
Figura 6.8.
A – Representação gráfica da influência da temperatura do
electrólito no potencial de corrosão da liga de Niti.
B – Representação da variação da temperatura do eléctrólito
durante a monitorização do potencial de circuito aberto.
Figura 6.9.
Diagramas de Bode obtidos para a liga NiTi imersa em solução de
amostras
dos
materiais
para
de
ensaios
impedância
Hank (▪) e em meio de cultura MEM (•), durante 24 horas.
xiii
Figura 6.10.
Diagrama de Nyquist obtido para a liga NiTi imersa em solução de
Hank (▪) e em meio de cultura MEM (•), durante 24 horas.
Figura 6.11.
Circuito eléctrico equivalente proposto para a simulação numérica
dos resultados de EIS obtidos.
Figura 6.12.
A – Curva experimental e curva ajustada para a liga NiTi depois de
imersa em solução de Hank a 37ºC, durante 24 horas.
B – Resultados obtidos através do ajuste do circuito equivalente.
Figura 6.13.
A – Curva experimental e curva ajustada para a liga NiTi depois de
imersa em meio de cultura MEM a 37ºC, durante 24 horas.
B – Resultados obtidos através do ajuste do circuito equivalente.
Figura 6.14.
A – Capacidades obtidas para as amostras de Ti, Ni e NiTi
B – Representação de Mott-Schottky.
Figura 6.15.
Perfil de concentração AES obtido para uma amostra de NiTinol,
depois de polida a 1µm.
Figura 6.16.
Perfil de concentração AES obtido para uma amostra de Ni puro,
depois de polida a 1µm.
Figura 6.17.
Perfil de concentração AES obtido para uma amostra de Ti, depois
de polida a 1µm.
Figura 6.18.
Perfis de concentração AES obtidos para a liga de NiTi, no caso de
formação de óxido por exposição ao ar (linhas a cheio) e no caso de
formação de óxido por imersão em solução de Hank durante 3 dias,
a 37ºC (linhas a tracejado).
Figura 6.19.
Proporção de titânio relativamente ao níquel presente no filme de
óxidos, obtido por análise de perfil de concentração AES, na
amostra de NiTi antes e depois de imersa em solução de Hank.
Figura 6.20.
Espectros de XPS para a liga de NiTi, em relação a (A) Ti 2p e
(B) Ni 2p.
Figura 6.21.
Espectros de XPS da região Ti 2p, obtidos para a liga de NiTi com
filme de óxidos crescido ao ar (vermelho), em solução de Hank
(azul) e em meio de cultura MEM (verde).
Figura 6.22.
Espectros de XPS da região Ni 2p, obtidos para a liga de NiTi com
filme de óxidos crescido ao ar (vermelho), em solução de Hank
(azul) e em meio de cultura MEM (verde).
Figura 6.23.
Espectros de XPS da região O 1s, obtidos para a liga de NiTi com
filme de óxidos crescido ao ar (vermelho), em solução de Hank
(azul) e em meio de cultura MEM (verde).
xv
Lista de tabelas
Tabela 4.1.
Elementos básicos de um circuito equivalente.
Tabela 5.1.
Composição química das soluções utilizadas.
Tabela 5.2.
Composição química do meio de cultura (MEM).
Tabela 6.1.
Resultados obtidos para as amostras de NiTi, Ti e Ni após ensaio
com Mott-Schotkky (Ebp – potencial de banda plana e ND/A –
Densidade de defeitos).
Tabela 6.2.
Energias e quantificação das espécies de Ti (Ti2p)
Tabela 6.3.
Energias e quantificação das espécies de Ni (Ni2p)
Tabela 6.4.
Razões entre os vários elementos visualizados por XPS, para os
diferentes meios electrolíticos utilizados (solução de Hank e meio
de cultura MEM), e comparação para o caso em que o filme de
óxidos se desenvolveu ao ar.
Capítulo
1
Introdução
1. Introdução
3
1.1. Metais para uso biomédico
Biomateriais são materiais utilizados para substituir partes do corpo e
permitir a recuperação de funções biológicas afectadas por doenças ou acidentes.
O desenvolvimento tecnológico permitiu um grande avanço no campo da medicina,
o que resultou numa significativa melhoria de qualidade e aumento de esperança
de vida das populações. Assim, o conhecimento dos mecanismos fisiológicos
possibilitou o desenvolvimento e aperfeiçoamento de biomateriais, presentemente
utilizados por milhões de pessoas.
Uma grande variedade de metais, ligas, polímeros e cerâmicos podem ser
actualmente usados como biomateriais, nomeadamente como implantes cirúrgicos
ou ferramentas médicas, desde que possuam propriedades mecânicas, químicas e
físicas adequadas para desempenhar este papel quando implantados. Por outras
palavras, estes materiais, quando colocados em contacto com os tecidos vivos,
quer seja de forma temporária ou permanente, não devem provocar qualquer
dano a esses tecidos biológicos.
Aliado ao aspectos sociais de melhoria da qualidade de vida das populações,
a ciência dos biomateriais tem um forte interesse económico, impulsionado pela
pesquisa constante no desenvolvimento e melhoria de novos materiais, técnicas e
procedimentos cirúrgicos. No caso específico dos implantes ortopédicos, nos
Estados Unidos, eram utilizados anualmente, no princípio da década de 90, mais
de 300.000 implantes de joelhos e anca e de 100.000 a 300.000 implantes
dentários [1], estimando-se que cerca de 90% da população americana acima dos
40 anos sofra, em algum grau, de uma doença degenerativa das articulações [2].
Durante as últimas décadas, o campo dos biomateriais sofreu consideráveis
alterações. No passado, a actividade era focada no uso de materiais já existentes,
tendo como objectivo, a utilização desses materiais como biomaterial. Um desses
exemplos é o caso da liga Ti-6Al-4V, que foi desenvolvida originalmente para
aplicações aeroespaciais, e que passou a ser utilizada como biomaterial, chegando
a ser o material mais usado no campo das próteses.
Apesar da grande variedade de metais e ligas metálicas aparentemente
indicadas para o uso com carácter biológico, poucas apresentam os requisitos
necessários à sua utilização. Entre essas propriedades contam-se uma elevada
1. Introdução
4
resistência à corrosão, boa resistência mecânica, baixo módulo de elasticidade e
biocompatibilidade com o ambiente fisiológico, de modo a diminuir os efeitos de
rejeição. Contudo, a união de todas estas propriedades revela-se praticamente
impossível, pelo que se opta normalmente pela utilização de materiais cujo critério
benefício-custo se torna relevante. A combinação entre a alta corrosividade dos
fluidos fisiológicos, aliada à baixa tolerância do organismo à maioria dos produtos
de corrosão, impossibilita o uso da maioria dos materiais metálicos. De entre os
metais mais usados para estes fins, destacam-se os aços inoxidáveis (liga 316L),
as ligas de titânio referidas anteriormente (Ti-6Al-4V) e ligas de crómio-cobalto.
Nos últimos anos, no entanto, houve um interesse crescente no uso das
ligas
equiatómicas
de
níquel
e
titânio
(NiTi
ou
NiTinol)
dadas
as
suas
características de memória de forma e superelasticidade, em paralelo com
aparentes sinais de biocompatibilidade e resistência à corrosão. Para além destes
aspectos, e como se pode observar na figura 1.1., a liga NiTi apresenta um
módulo de elasticidade próximo do osso humano, o que contribui para as boas
propriedades biomecânicas desta liga [3].
Figura 1.1. Curvas de tensão-deformação para vários materiais: aço inoxidável,
cabelo humano, liga de NiTi, osso humano e tendão.
Com efeito, no caso dos aços inoxidáveis, a percentagem de deformação
que é possível recuperar no domínio elástico é de apenas 0,5%. Passada essa
barreira, o aumento da deformação provoca uma situação de não recuperação, a
que se dá o nome de deformação no domínio plástico. Pelo contrário, embora nos
primeiros instantes de aplicação de deformação o NiTinol se comporte como os
aços inoxidáveis, ou seja, a tensão da liga é proporcional à deformação aplicada,
após os primeiros instantes da curva da figura 1.1., a deformação continua sem
que se verifique substancial aumento da tensão. No domínio elástico, a liga de NiTi
1. Introdução
5
consegue recuperar toda a sua forma após uma deformação de 8%. O osso
humano apenas possui a capacidade de recuperar completamente de uma
deformação de aproximadamente 1%. As semelhanças no comportamento de
deformação do NiTinol e dos tecidos ósseos contribuem para o facto de se poder
afirmar que o NiTinol apresenta, como referido anteriormente, compatibilidade
biomecânica. A ausência das propriedades de recuperação das deformações
semelhante
aos
tecidos
vivos,
o
que
se
verifica
nos
materiais
usados
habitualmente como biomateriais, é normalmente a razão das fracturas de
implantes
que
se
verificam
muitas
vezes,
uma
vez
que
se
deformam
plasticamente [4,5].
Contudo, apesar da sua boa compatibilidade mecânica a liga NiTi contém
níquel numa percentagem de aproximadamente 50%, caracterizando-se este
elemento por uma elevada toxicidade o que pode induzir reacções alérgicas
quando implantado [6]. Este facto pode assim limitar o uso da liga de NiTi, dada a
sua elevada concentração neste metal. É então imperativo que o NiTi apresente
uma elevada resistência à corrosão de modo a que a libertação de iões Ni2+ para o
meio fisiológico se considere desprezável.
1.2. Objectivo do trabalho
Embora a liga de NiTinol já se encontre comercializada e a sua utilização
seja uma prática de vários profissionais da área da saúde, as questões
relacionadas com os efeitos tóxicos provocados pela libertação de iões Ni2+, são
ainda alvo de alguma discordância.
Pretende-se
com
este
trabalho
estudar
um
conjunto
de
aspectos
relacionados com a liga de NiTinol, de modo a permitir compreender quais as
características desta liga face à corrosão em meio fisiológico, nomeadamente no
que respeita à libertação de iões Ni2+ e aos aspectos de biocompatibilidade.
Para além do NiTinol, foram também analisadas outras ligas habitualmente
usadas
com
o
mesmo
propósito,
de
modo
a
permitir
comparar
o
seu
comportamento, extraindo vantagens e desvantagens da sua utilização.
Para tal, serão compilados dados da literatura e resultados obtidos
experimentalmente, de forma a cumprir o objectivo deste trabalho.
Capítulo
2
NiTinol
2. NiTinol
9
2.1. Enquadramento Histórico
NiTinol é o nome atribuído a uma liga de composição aproximadamente
equiatómica de titânio e níquel, desenvolvida no Laboratório de Material Bélico
Naval dos EUA (NOL – Naval Ordnance Laboratory, localizado em White Oak,
Maryland) em 1962 pela equipa de investigadores do metalúrgico William F.
Beuhler [7]. A descoberta de que esta liga possuía efeito de memória de forma
(em inglês SMA - Shape Memory Alloy) foi possível quando a equipa de
investigadores tentava desenvolver uma liga resistente ao calor e à corrosão. De
modo a obter um material resistente à corrosão, desenvolveram primeiramente
uma liga cuja constituição era de 55% em níquel e 45% em titânio. O nome
atribuído (NiTinol) por esta equipa, representa os componentes elementares da
liga e o laboratório de origem. Assim “Ni” e “Ti” são os símbolos químicos do
níquel e do titânio, ao passo que a terminação “Nol” representa as siglas de “Naval
Ordnance Laboratory”. O uso destas ligas no campo médico foi relatado pela
primeira vez no ano de 1973 por Cutright et al [8], no entanto, só nos anos 90 do
século passado é que foi comercializado o primeiro stent feito em NiTinol.
O NiTinol apresenta basicamente dois efeitos relevantes que justificam o seu
uso crescente:
•
Apresenta
uma
consequência
de
grande
capacidade
uma
transformação
de
de
deformação
fase
elástica,
induzida
por
que
é
tensão –
superelasticidade.
•
Apresenta a capacidade de retomar uma forma ou dimensão previamente
definida quando sujeita a um tratamento térmico adequado - efeito de
memória de forma.
Existem inúmeros tipos de ligas de NiTinol e, dependendo das composições
de cada um dos elementos básicos (Ni e Ti), apresentam características de
superelasticidade ou de efeito de memória de forma.
Por outro lado, embora a composição de níquel e titânio no NiTinol seja
aproximadamente equiatómica, uma pequena diferença na razão entre estes dois
elementos tem um efeito significativo na temperatura de transição da liga i.e. na
2. NiTinol
10
temperatura à qual ocorre a mudança de fase, podendo este valor variar desde 100ºC até +100ºC apenas com 1% de variação na composição em níquel/titânio.
Graças às suas propriedades, o NiTinol pode ser utilizado como biomaterial,
tendo a sua aplicação sofrido um aumento em larga escala nos últimos anos.
2.2. Superelasticidade
A superelasticidade é um fenómeno característico de algumas ligas, nas quais
se inclui o NiTinol, e significa que o material ao ser deformado por aplicação de
uma carga, a uma temperatura constante, consegue recuperar a sua forma
original quando se interrompe essa carga. Esta propriedade é consequência da
formação de martensite induzida por tensão, o que significa que uma força
externa aplicada sobre o metal na forma de austenite, causa a formação de
martensite a temperaturas que podem ser superiores a Ms (Martensite start) [9].
Assim, a temperatura de início de formação da martensite pode ser modificada por
aplicação de tensões à austenite.
Num ensaio de tracção isotérmico realizado a um provete de uma liga
termoelástica, a uma temperatura superior a Ms, tal como o representado
esquematicamente na Figura 2.1., a curva tensão/deformação começa por
apresentar um comportamento elástico linear habitual e depois diminui fortemente
a sua inclinação (parecendo que o material entrou em deformação plástica, com
extensões que podem atingir valores da ordem dos 8%); todavia, se for retirada a
tensão, observa-se uma diminuição gradual da extensão num andamento em
sentido contrário da curva tensão/extensão, aproximadamente paralelo ao inicial
mas com uma certa histerese, anulando-se toda a extensão quando a tensão
voltar
a
zero,
ou
seja,
o
comportamento
é
aparentemente
elástico
(pseudoelástico). O que sucede é que, após uma zona linear de comportamento
verdadeiramente elástico, em que a extensão do provete se deve à elasticidade da
austenite, começa, para um determinado valor de tensão aplicada, a formar-se
martensite termoelástica (SIM-stress induced martensite, martensite induzida por
tensão) com um grande aumento de extensão sem que a tensão suba muito; ao
descarregar-se gradualmente o provete, inicia-se a certa altura, quando a tensão
aplicada desce para um determinado valor, o reaparecimento da austenite com
2. NiTinol
11
gradual diminuição da extensão do provete, até que, finalmente, se dá o
encolhimento linear elástico de toda a austenite reaparecida (figura 2.1.).
Martensite
Tensão
Austenite
Austenite
Martensite
Deformação
Figura 2.1. Representação esquemática do conceito de
superelasticidade, característico do NiTinol.
No NiTinol, é possível realizar deformações superelásticas até 8%, sem que
o material se deforme no domínio plástico. Além disso, as ligas de NiTinol que
apresentam carácter superelástico podem ser várias vezes deformadas sem que
ocorra uma deformação plástica (permanente), o que reflecte o comportamento de
metal-borracha, como foi descrito por Duerig et al.[10].
2.3. Efeito de memória de forma
O efeito de memória de forma (SME – shape memory effect) consiste no
facto de que, a baixa temperatura, usualmente abaixo de Mf (Martensite Finish ou
seja a temperatura à qual todo o material se encontra na fase martensítica), a liga
pode ser deformada e depois descarregada, voltando à sua forma original quando
aquecida no intervalo de temperatura de As (Austenite Start) – Af (Austenite
Finish). Esta propriedade resulta de transformação da martensite (monoclínica)
para a fase-mãe ou austenite (cúbica) (figura 2.2.). Também neste caso,
deformações da ordem de 6-8% são completamente recuperadas.
2. NiTinol
12
Figura 2.2. Representação esquemática do efeito de memória de forma
característica da liga de NiTinol utilizada neste trabalho.
O processo de obter a forma original está claramente associado à
transformação reversível da martensite deformada. Cada lamela de martensite vai
deformar-se por maclagem, e não por escorregamento, crescendo certas lamelas
melhor orientadas para ceder à tensão aplicada, em detrimento de outras que vão
desaparecendo, e cada grão vai ganhando uma nova forma, fazendo com que a
amostra de NiTinol vá modificando a sua forma global. Assim, podemos dizer que
quando
a
martensite
(multi-orientada)
é
deformada,
resulta
numa
única
orientação como consequência da maclagem e do movimento de certas interfaces
da martensite. As maclas que se formam na martensite deformada são outras
orientações
da
martensite.
Se
a
deformação
for
elevada
e
ocorrer
o
escorregamento das deslocações (i.e. deformação plástica), a memória de forma
torna-se imperfeita [3].
Ao aquecer-se posteriormente até atingir uma temperatura superior a Af, a
estrutura
martensítica
volta
a
transformar-se
em
estrutura
austenítica,
eliminando-se a deformação por maclagem em cada grão. Assim, o que foi
“memorizado” pelo material, foi a forma da amostra com a estrutura inicial da
fase-mãe, austenite. Diz-se que se trata de um efeito de memória de forma.
2. NiTinol
13
2.4. Aplicações do NiTinol
Actualmente
existem
no
mercado
diversos
instrumentos
cirúrgicos
fabricados em NiTinol. Apresentam-se de seguida os mais comuns, bem como
algumas das suas propriedades.
2.4.1. Cateteres
Na medicina, o cateter consiste num tubo
que pode ser inserido num vaso (cateter vascular),
numa cavidade corpórea natural ou numa cavidade
cística ou de abscesso. O processo de inserção de
um cateter é denominado de cateterização. Os
cateteres possibilitam a drenagem, injecção de
fluidos ou o acesso a instrumentos cirúrgicos.
Na maioria dos casos o cateter é um tubo
fino, macio e flexível. No entanto, pode ter o
diâmetro largo e consistência dura. Assim, a
introdução de catéteres nos canais arteriais não é
possível, normalmente, devido à sua rigidez e
falta
de
guiabilidade.
Deste
modo,
são
normalmente introduzidos guias que auxiliam a
Figura 2.3. Representação
esquemática de um coração
humano, ao qual foram
colocados cateteres, com o
auxílio de guias em NiTinol.
entrada dos cateteres.
As ligas de NiTinol superelásticas são utilizadas como guias com bastante
sucesso, devido à combinação das seguintes propriedades: excelente capacidade
de deformação e de torção; capacidade de recuperação e de não sofrerem efeito
de ricochete. Após a introdução do cateter, as guias podem manter-se ou ser
removidas e, no segundo caso, podem vir a ser reutilizadas.
2. NiTinol
14
2.4.2 Stents
No corpo humano, um stent, associado a um balão de dilatação, ou
simplesmente por expansão própria, consegue dilatar de modo a suportar um vaso
sanguíneo que se encontre bloqueado.
Nestes
casos,
é
introduzido
um
stent
deformado martensiticamente, de modo a obter-se
um diâmetro menor que o do vaso sanguíneo em
questão. Depois de colocado, com o auxílio de uma
guia, no local onde deverá permanecer, o stent
expande, assumindo o diâmetro apropriado, por
reconversão à fase austenítica. Este instrumento
Figura 2.4. Fotografia de
um stent feito em NiTinol.
possui a capacidade de abrir o vaso, restaurando o
fluxo sanguíneo normal. A mesma técnica pode ser
usada em muitas condutas humanas, incluindo o esófago, a traqueia, o sistema
biliar e o sistema urinário.
Alguns stents funcionam por recurso à superelasticidade. No entanto,
existem variantes que utilizam a propriedade de efeito de memória de forma.
Nesse caso o stent é inserido sob a forma de baixa temperatura e, ao receber o
calor proveniente do corpo humano, sofrerá a
transformação estrutural à qual
está associada a expansão de volume.
2.4.3. Filtros para a veia cava
Os
filtros
para
a
veia
cava
são
amplamente usados em aplicações in vivo. São
construídos a partir de fios de NiTinol e aplicados
numa das câmaras exteriores do coração para
reter coágulos de sangue. Estes filtros também
podem ser usados para prevenir a entrada de
Figura 2.5. Fotografia de um
filtro fabricado em NiTinol.
coágulos
no
sistema
pulmonar,
evitando
embolias pulmonares.
O filtro é introduzido sob a forma compacta cilíndrica, apresentando cerca
de 2,5 mm de diâmetro. Quando colocados no local adequado, assumem a forma
2. NiTinol
15
de um chapéu de chuva (figura 2.5.). Estes filtros são normalmente aplicados com
recurso à superelasticidade, no entanto, no mercado existem também variantes
que actuam pelo mecanismo de memória de forma.
2.4.4 Arcos de ortodontia
Uma das limitações do uso de materiais tradicionais em ortodontia prende-se com
a necessidade de se manter a sua operação dentro do domínio elástico, obrigando
a
frequentes
ajustes
nos
aparelhos.
Pelo
contrário,
o
comportamento
pseudoelástico dos arcos de NiTi permite que recuperem a forma original (sem
deformação
plástica)
depois
de
traccionados
até
deformações
de
aproximadamente 8 %. Desta forma, as tensões aplicadas nos arcos de ortodontia
podem ser largamente superiores às usadas em nos materiais tradicionais,
permitindo alargar os intervalos entre intervenções.
Figura 2.6. Fotografia de um aparelho de
ortodontia com arcos fabricados em NiTinol.
Além disso, uma vez que a resistência à corrosão é superior à do aço
inoxidável, neste aspecto, os fios de NiTinol são mais apropriados para uso intraoral. Os benefícios mais importantes do NiTinol, estão associados também ao facto
de permitir simultaneamente rotação, nivelagem e movimentos de torção.
2.4.5. Próteses e Implantes Ortopédicos
Próteses e implantes ortopédicos são dispositivos médicos que são
aplicados, mediante um acto cirúrgico, total ou parcialmente no interior do
organismo com o objectivo de restabelecer ou substituir a capacidade funcional de
um dado osso ou articulação. A sua presença no organismo pode ser temporária,
quando se visa restabelecer ou apoiar um dado osso na sua consolidação após
fractura, ou promover o seu alongamento (caso de fixadores externos). Adopta-se,
neste caso, a designação de implante, reservando-se o nome de prótese para os
2. NiTinol
16
dispositivos de carácter definitivo. Neste caso, o dispositivo, uma vez aplicado, não
deve terminar a sua função durante a vida do paciente. Infelizmente, em muitos
casos, esta noção é ainda um objectivo não alcançado, pelo que muitos pacientes
são submetidos a novas intervenções cirúrgicas com vista à substituição por um
novo componente, sendo o processo cirúrgico, em geral, mais invasivo que o
precedente. Tal deve-se, sobretudo à deterioração da junção prótese/osso na zona
de interface, com descelamento – designação adoptada para a separação entre
prótese e osso - bem como à possível degradação de um componente de prótese,
por exemplo, devido a fenómenos de desgaste ou desgaste/corrosão.
De entre os diversos tipos de próteses e implantes que se utilizam em
ortopedia, salientam-se as prótese de anca, do joelho e do ombro, que visam
restabelecer a capacidade de movimento e de transferência de carga. Existem
igualmente as próteses vertebrais, com o objectivo de imobilizar grupos de
vértebras e respectivos espaços intervertebrais.
Dadas as características mecânicas oferecidas pela liga de NiTinol no que
respeita ao comportamento próximo do osso humano, esta liga é usada já em
muitos casos, competindo até com os materiais que foram desenvolvidos para o
mesmo efeito e que durante muito tempo eram usados em próteses quase em
exclusividade, como os aços inoxidáveis 316L ou a liga de Ti-6Al-4V.
As ligas de NiTinol são também utilizadas como agrafos para aperto de
ossos que sofreram fractura, sondas coronárias, afastadores de tecidos e fórceps,
entre outros instrumentos [11] do campo da medicina.
Capítulo
3
Corrosão e
Biocompatibilidade no
NiTinol
3. Corrosão e Biocompatibilidade no NiTinol
19
3.1. Corrosão – Aspectos gerais
O titânio e as suas ligas pertencem ao grupo dos metais e ligas com
capacidade de auto-passivação, onde se incluem os aços inoxidáveis, o níquel, o
cobalto e as ligas de alumínio. Contudo, o titânio ocupa uma posição destacada no
seio deste grupo, dada a sua especial resistência à corrosão por picadas, uma vez
que praticamente apenas se corrói em meios de HF [12].
O fenómeno de passivação metálica corresponde à formação, quando em
contacto com o electrólito, de uma camada superficial protectora que é produto da
oxidação do metal e que impede que essa reacção prossiga. Por outras palavras, a
passivação dos metais tem a ver com a perda de reactividade na presença de uma
determinada condição ambiental, devida ao efeito barreira de um filme de óxidos.
De um modo geral, existem duas teorias para explicar a natureza de um filme
passivo [13]:
™ Teoria do filme de óxido – o filme passivante é sempre um produto da
reacção de oxidação do metal (por exemplo, óxidos metálicos ou outros
compostos) que passa a constituir uma barreira física entre este e o meio
ambiente, baixando a velocidade da reacção.
™ Teoria da adsorção – Os metais que se passivam estão cobertos por filmes
de oxigénio adsorvido quimicamente. Esta camada de oxigénio substitui as
moléculas de H2O adsorvidas normalmente e faz baixar a velocidade de
dissolução anódica que envolve a hidratação dos iões do metal.
O que as duas teorias têm em comum é que ambas consideram a existência
de um filme protector na superfície do metal que cria o estado de passivação, do
qual resulta um aumento na resistência à corrosão.
Embora os metais e as ligas usadas como implantes cirúrgicos se
encontrem normalmente passivos, com a formação de um filme de óxidos na
superfície que inibe a corrosão e que diminui a libertação de produtos de corrosão
até limites muito baixos, estes materiais podem, contudo, ser susceptíveis a vários
tipos de corrosão quando em contacto com o meio fisiológico.
Estes principais tipos de corrosão são:
3. Corrosão e Biocompatibilidade no NiTinol
20
™ Corrosão por picadas
A corrosão por picadas é uma forma de ataque corrosivo localizado, uma
vez que dá origem a pequenas cavidades num metal/liga. É característica dos
materiais passivos na presença de meios contendo iões agressivos, como os
halogenetos e, em particular, pela sua abundância, os cloretos. De uma forma
geral, a corrosão por picadas é muitas vezes difícil de detectar, porque as
pequenas cavidades podem ser cobertas por produtos provenientes das reacções
de corrosão. As picadas iniciam-se em locais como inclusões e heterogeneidades
na estrutura e na composição da superfície do metal. Inicia-se de forma lenta,
mas uma vez iniciada, as picadas crescem com uma velocidade cada vez maior, na
maioria dos casos, na direcção da força da gravidade [14,15].
Existem 2 fases no desenvolvimento de uma picada. A fase de nucleação e
a fase de crescimento, sendo que a primeira resulta de várias teorias, pelo que a
sua explicação é ainda alvo de alguma controvérsia [16]. Pelo contrário, o
crescimento de uma picada é um processo bem definido, o qual envolve a
dissolução do metal no seu interior e a manutenção de um elevado grau de acidez.
A reacção anódica do metal no fundo de uma picada é M → Mn+ + ne-. A reacção
catódica ocorre na superfície do metal em redor da picada e consiste na redução
do oxigénio, O2 + 2H2O + 4e- → 4HO-, à custa dos electrões provenientes da
reacção anódica. O aumento da concentração de iões de metal no interior da
picada atrai os iões cloreto (provenientes de soluções fisiológicas) que vêm manter
a neutralidade de carga eléctrica (figura 3.1). O cloreto do metal reage então com
a água dando origem ao hidróxido do metal e a ácido livre, de acordo com a
reacção:
M+Cl- + H2O → MOH + H+Cl-
(3.1)
Assim, é possível a criação de uma elevada concentração de ácido no
interior da picada, o que provoca o aumento da velocidade da reacção anódica,
tornando-se um processo autocatalítico [13].
3. Corrosão e Biocompatibilidade no NiTinol
21
Figura 3.1. Representação esquemática do processo autocatalítico característico na
corrosão por picada [17].
™
Corrosão intersticial ou em fendas
A corrosão em fendas é uma forma de corrosão localizada, que ocorre
maioritariamente no interior de fendas ou em zonas oclusas, nas quais existam
soluções estagnadas. Para que ocorra este tipo de corrosão, é necessário que a
fenda seja suficientemente larga para permitir a entrada de solução, mas ao
mesmo tempo estreita de modo a que a solução permaneça estagnada. Um
mecanismo para a corrosão intersticial foi proposto por Fontana [17], o qual é
semelhante ao que propôs para a corrosão por picadas. O mecanismo assume que
as reacções iniciais na superfície da fenda são [13]:
Reacção anódica
M → M+ + e-
(3.2)
Reacção catódica
O2 + 2H2O + 4e- → 4HO-
(3.3)
3. Corrosão e Biocompatibilidade no NiTinol
22
Figura 3.2. Representação esquemática do mecanismo de corrosão em fendas [17].
Dado que a solução no interior da fenda se encontra estagnada, o oxigénio
necessário para a reacção catódica é gasto na sua totalidade, não havendo
possibilidade de renovação. No entanto, a reacção anódica M → M+ + e- continua a
dar-se, criando uma concentração elevada em iões com carga positiva (figura
3.2). De modo a equilibrar esta carga positiva, migram para o interior da fenda
iões negativos, principalmente iões cloreto, dando origem à formação de espécies
M+Cl-. Este cloreto é hidrolisado pela água, formando-se hidróxido do metal e
ácido livre, de acordo com a reacção:
M+Cl- + H2O → MOH + H+Cl-
(3.4)
A formação de ácido provoca a ruptura do filme passivo e dá origem a
ataque corrosivo, o qual também é autocatalítico, como no caso da corrosão por
picadas descrita anteriormente.
™ Corrosão sob tensão
A corrosão sob tensão é uma forma de corrosão localizada definida como
um processo corrosivo que resulta da acção combinada de esforços mecânicos e
de um meio agressivo. Devido à necessidade de aplicação de tensão, a destruição
da camada passiva na superfície de um metal neste tipo de corrosão, está
geralmente relacionada com causas mecânicas. Os mecanismos envolvidos na
3. Corrosão e Biocompatibilidade no NiTinol
23
corrosão sob tensão não estão completamente compreendidos, uma vez que
existem várias teorias que tentam explicar o fenómeno.
™ Corrosão com fricção
Outra forma de corrosão característica em implantes, a qual resulta na
ruptura do filme passivo, é corrosão com fricção (fretting corrosion) que ocorre
nas áreas de contacto entre materiais, quando estes estão sob carga e efectuam
movimentos de escorregamento ou vibração, repetidos e de pequena amplitude.
Sempre que uma superfície é friccionada contra outra, os filmes passivos
são removidos e passam a ocorrer novas reacções com o meio, de modo a
produzir novo filme de óxidos. A repetida remoção do filme de óxido produz
produtos de corrosão, o que pode ser prejudicial para os tecidos corporais [13].
Existem muitos outros tipos de corrosão, tais como a corrosão intergranular
ou a corrosão galvânica, entre outros. No entanto, não se considera relevante a
sua descrição, uma vez que não são característicos das aplicações em estudo. Na
figura 3.3., apresentam-se, no entanto, esquematicamente os possíveis tipos de
corrosão que podem ocorrer quando se trata de materiais metálicos.
Figura.3.3. Esquema dos vários tipos de corrosão possíveis de ocorrer em materiais
metálicos.(adaptado de Roberge et al. [12]).
3. Corrosão e Biocompatibilidade no NiTinol
24
3.2. Corrosão no NiTinol
Como já foi referido anteriormente, a designação “NiTinol” refere-se a uma
mistura quase equiatómica de níquel e titânio. No entanto, no que diz respeito à
corrosão, o NiTinol comporta-se como uma liga de titânio, herdando o mesmo
comportamento, face a ambientes corrosivos. Mais concretamente, verifica-se que
o óxido primário que se forma, na sua superfície, é o rutilo, TiO2, o mesmo que
surge no titânio puro.
A excelente resistência à corrosão de ligas de titânio é possível pelo
crescimento espontâneo de um filme de óxido estável, aderente e protector, que
se forma à superfície do metal, devido à alta reactividade e afinidade do metal
pelo oxigénio [18,19]. Esse filme forma-se espontaneamente quando a superfície
metálica é exposta ao ar ou humidade, e segundo Andreeva [20], citado em Tun et
al. [21], apresenta uma espessura inicial de aproximadamente 1,4 nm, alcançando
5 nm em 70 dias e 25 nm após 4 anos de exposição atmosférica [22].
Hanawa [23] refere que o filme de TiO2 presente na superfície das ligas de
titânio é amorfo ou cristalino não-estequiométrico, regenerando-se rapidamente
se for destruído. De acordo com a teoria dos filmes passivos, o titânio possui uma
superfície activa e passiva simultaneamente em contacto com os electrólitos e
apresenta um processo de contínua dissolução e re-precipitação, idêntico ao que
acontece nos aços inoxidáveis (figura 3.4).
Além dos filmes ricos em TiO2 que se formam à superfície das ligas de
titânio, existem indicações de que se possam formar filmes ricos em fosfato de
cálcio quando as ligas são expostas a ambientes fisiológicos, os quais podem
actuar como uma barreira à difusão de iões na superfície da liga [24,25].
De facto, quando colocados in vivo ou em fluidos fisiológicos simulados, os
implantes constituídos à base de titânio favorecem a precipitação de fosfato de
cálcio à superfície [26,27]. De acordo com Hearly [28,29], numa primeira etapa, a
formação do fosfato de cálcio deve-se a uma adsorção dos iões fosfato. Os iões
fosfato hidratados são adsorvidos no óxido de titânio hidratado, como se
esquematiza de seguida [23]:
3. Corrosão e Biocompatibilidade no NiTinol
25
−
4+
2−
Ti(OH)3 + + H2PO4
(aq) ←⎯⎯→ Ti(ox)HPO4 (ads) + H2O
(ox)
Ti (4ox+ ) HPO 42− ( ads ) + OH − ←⎯→Ti (4ox+ ) PO 43− ( ads ) + H 2O
ou
2−
+
Ti (OH )(3ox
⎯→Ti (4ox+ ) PO43− ( ads ) + H 2O
) + HPO 4 ( aq ) ←
onde (ads), (ox) e (aq) representam os iões adsorvidos, iões na forma de óxido e
em solução aquosa, respectivamente.
Dissolução
parcial Re-precipitação
Superfície de óxido
TiO2
Insolúvel e não
estequiométrico
Titânio
Incorporação de
iões e moléculas
in vivo
Superfície de
óxidos modificada
Superfície de
óxidos estável
Superfície de óxido
Maior
Biocompatibilidade?
Titânio
Figura 3.4. Representação esquemática da superfície de titânio, evidenciando os
vários filmes de óxido que se formam espontaneamente e quando colocado em meio
fisiológico [23].
No entanto, embora o filme de óxido formado à superfície do titânio seja
termodinamicamente estável, quando utilizado em implantes, podem ocorrer
reacções
electroquímicas
com
os
fluidos
fisiológicos,
que
poderão
ser
intensificadas com acções de solicitação mecânica e desgaste. Estas reacções são
influenciadas pelas características da superfície, como a composição, estrutura e
rugosidade, e também pelas características dos diversos fluidos fisiológicos em
contacto.
3. Corrosão e Biocompatibilidade no NiTinol
26
No caso da liga de NiTi, a camada passiva não é tão estável como no caso
do titânio, sendo, todavia, mais estável do que a camada de óxido que protege o
aço inoxidável. Por outro lado, embora se considere que o filme de óxidos formado
à superfície seja maioritariamente constituído por TiO2, há que considerar a
eventual presença de níquel, dada a sua composição.
Os estudos realizados in vitro para a liga de NiTi apresentam resultados
controversos em relação ao comportamento face à corrosão em meios fisiológicos.
De um modo geral, os resultados obtidos por vários autores variam entre muito
maus, indicando que o uso da liga de NiTi para fins biomédicos é inadequado, e
muito bom comportamento quanto à corrosão, comparável com o comportamento
do titânio [30,31,32].
Rondelli et al. [33] comparou a liga de NiTi com a de aço inoxidável 316L,
recorrendo à espectroscopia de impedância electroquímica (EIS) e, concluiu que o
filme barreira formado no NiTinol imerso em solução tampão de fosfato (PBS
solution) apresenta uma resistência superior ao formado no aço inoxidável 316L
nas mesmas condições.
Um outro estudo, do grupo de investigação de Villermaux et al. [34], aponta
para a falta de reprodutibilidade nos valores de potencial de picada do NiTi, que
variam entre 240 mV e 1000 mV.
Sarkar et al. [35] relataram num dos seus trabalhos o facto da liga de NiTi
se
apresentar
mais
susceptível
à
corrosão
em
solução
de
NaCl
a
1%,
relativamente ao titânio, apresentando corrosão por picadas, e associaram o tipo
de corrosão ocorrida com a dissolução preferencial do Ni presente na liga.
Vandenkerckhove
et
al. [36],
realizaram
testes
potenciodinâmicos
combinados com EIS, concluindo que o NiTinol passiva rapidamente em soluções
desarejadas, formando à superfície uma camada de óxidos com carácter
semicondutor, de forma semelhante ao que sucede com outros materiais como os
aços inoxidáveis e as ligas de titânio.
Como referido anteriormente, a corrosão intersticial é um dos tipos de
corrosão que a liga de NiTinol pode sofrer quando está em contacto com o meio
fisiológico. Assim, Cheng et al. [37] realizaram um estudo baseado na resistência
à corrosão intersticial, por aplicação de métodos electroquímicos em amostras de
3. Corrosão e Biocompatibilidade no NiTinol
27
NiTinol em solução de Hank e a 37ºC. No mesmo estudo, incluíram outros
materiais para comparação, nomeadamente, liga de NiTiCu, liga de Ti-6Al-4V, aço
inoxidável 316L e Ti puro. A susceptibilidade para a corrosão intersticial foi
investigada
usando
um
esquema
de
estimulação-repassivação
controlado
potenciostaticamente, na presença de um activador de corrosão intersticial. A
tendência para a corrosão intersticial é caracterizada por um potencial crítico de
corrosão intersticial (Ecc), o qual é definido como o maior potencial ao qual a
superfície corroída intersticialmente repassiva, após estimulação. Baseados nos
resultados, estes autores compararam os diferentes materiais, obtendo uma
susceptibilidade por ordem crescente: Ti ≈ Ti6Al4V<< 316L << NiTiCu < NiTi. A
presença de Cu pode estar na causa de uma menor susceptibilidade à corrosão
intersticial relativamente à liga de NiTinol, devido ao facto de poder existir uma
reposição de cobre dentro do interstício.
Além das alterações ao nível da superfície da liga de NiTi, também o meio,
como se referiu anteriormente, pode influenciar o comportamento face à corrosão,
nomeadamente no que respeita a alterações de pH, a concentração de iões Cl- em
solução e a variações de temperatura.
Os electrólitos mais usados nos ensaios de corrosão no campo dos
biomateriais são a solução salina tampão de fosfato (PBS), a solução de Ringer e a
solução de Hank, por vezes com adição de albumina e soro fetal de bovino (SFB).
São, no entanto, raros os estudos que utilizam meio de cultura como electrólito
directo, embora seja comum o uso de meio de cultura em ensaios de
citotoxicidade e análise de superfície de biomateriais previamente incubados
nesses meios de crescimento celular [38].
O pH dos fluidos fisiológicos é tamponizado a um valor que ronda pH=7,4.
No entanto, após as cirurgias, esse valor pode ser temporariamente alterado, uma
vez que as células dos tecidos que estão em contacto com o implante (agente
estranho) reagem à presença desse material, o que resulta numa diminuição do
pH do meio, podendo atingir-se valores de 5,2, normalizando em cerca de duas
semanas [23]. No caso de ocorrência de hematomas ou infecções, o pH pode vaiar
entre 4 e 9 [14]. A saliva humana apresenta um valor de pH próximo de 7, mas
esse valor pode alterar-se por influência do alimento ingerido. Após consumo de
açúcar, por exemplo, o pH pode diminuir para valores de pH 4, existindo alimentos
e bebidas que podem levar o pH da saliva a valores desde pH 2 até pH 11. Em
3. Corrosão e Biocompatibilidade no NiTinol
28
virtude de a saliva, tal como a maioria dos fluidos fisiológicos, se comportar como
uma solução tampão, estas alterações de pH são rapidamente recuperados para o
valor normal de pH 7 [39]. Alguns autores, nomeadamente Hanawa [23] citando
T. Sugimoto et al.[40], referem exactamente esta problemática, referenciando que
a variação do pH em pouco influencia o comportamento de corrosão de
biomaterias metálicos, uma vez que os fluidos se comportam como uma solução
tampão.
Recentemente, têm sido vários os estudos relacionados com estes
parâmetros
na
liga
de
NiTi.
Huang
et
al. [41],
realizaram
estudos
de
caracterização de superfície, recorrendo a técnicas como Microscopia de Força
Atómica (AFM), Espectroscopia de Fotoelectrão de Raios-X (XPS) e Espectroscopia
de Electrão Auger (AES), associadas a técnicas electroquímicas, tendo concluído
que menores valores de pH conduzem a uma diminuição do potencial de picada e
da susceptibilidade à corrosão intersticial. No entanto, nestas mesmas soluções
verificou-se um aumento no potencial de corrosão e da velocidade de corrosão da
liga de NiTi. Os mesmos autores apontam ainda que não existe relação entre as
diferenças encontradas em termos de resistência à corrosão e a rugosidade de
superfície e os defeitos preexistentes. Paralelamente, também Wang [42] estudou
a resposta face à corrosão do NiTinol, apoiado em técnicas potenciodinâmicas,
numa solução de saliva artificial, com diferentes valores de pH, tendo concluído
que o valor de potencial de picada diminui para valores extremos de pH, sendo
máximo a pH=6.
A influência do pH e da temperatura foi também avaliada na liga de
Ti-6Al-4V, pelo grupo de investigação de Wen-Wei Hsu [39], o qual, utilizando
técnicas de polarização, voltametria cíclica e espectroscopia de impedância
electroquímica em solução tampão de fosfatos (PBS) e fluidos fisiológicos (urina e
soro fisiológico), estudaram o comportamento electroquímico do material em
questão. Segundo estes autores, a influência da temperatura no comportamento
face à corrosão da liga Ti-6Al-4V foi mais significativa na solução PBS com pH4,
tendo-se observado um aumento de 3 vezes no valor médio de densidade de
corrente com o aumento de temperatura de 25ºC para 45ºC. No caso dos
restantes electrólitos estudados, o aumento da temperatura também produziu um
aumento
na
densidade
de
corrente,
mas
de
forma
menos
principalmente nas condições mais alcalinas e nos fluidos biológicos.
acentuada,
3. Corrosão e Biocompatibilidade no NiTinol
29
Clarke et al. [43] estudaram diferentes ligas de NiTi, cujo processo de
preparação e de tratamento da superfície foi diferente em todos os casos, e
concluíram que o tratamento superficial das amostras de NiTinol é o factor
essencial na bioperformance do NiTinol.
Alguns estudos em diversas ligas de titânio têm também demonstrado que
o estado da superfície é uma característica importante a ser considerada pois, em
determinadas situações, as superfícies que apresentam carácter rugoso podem
oferecer vantagens que as superfícies espelhadas não conseguem, como é o caso
dos implantes endo-ósseos em que se observa uma melhor fixação do osso com
superfície mais rugosa [44,45]. A influência da rugosidade na composição do filme
de óxidos que se forma na superfície de titânio foi estudada por Mustafa et al [46]
utilizando
espectroscopia
de
impedância
electroquímica
(EIS),
microscopia
electrónica de varrimento (SEM) e espectroscopia de fotoelectrões de raios-X
(XPS). Para tal, amostras de titânio foram submetidas a um jacto de partículas de
TiO2, com diferentes granulometrias e amostras sem qualquer tipo de tratamento
superficial foram mantidas em meios de cultura durante 28 dias, com e sem
adição de soro fetal de bovino e células osteoblásticas*1. Após esse período de
incubação, as amostras foram submetidas a ensaios de análise de superfície (SEM
e XPS) e ensaios de EIS em solução tampão de fosfato (PBS). Segundo os autores,
para as amostras expostas ao meio de cultura sem a adição de células,
independentemente do acabamento superficial, e para as amostras imersas em
meio de cultura com a adição de células e que receberam tratamento superficial
com partículas de TiO2, com maior granulometria, os espectros de impedância
apresentaram uma única constante de tempo. Já as amostras que tiveram
acabamento superficial com partículas de TiO2 de menor granulometria e que
foram imersas em meio de cultura com a adição de células, apresentaram
diagramas experimentais de impedância com duas constantes de tempo. Esses
autores propuseram que o aparecimento da segunda constante de tempo está
associado ao fecho dos poros da camada de óxido. Os resultados obtidos por XPS
revelaram que antes do tratamento em meio de cultura o filme superficial era
*1 Células osteoblásticas – são células mononucleares responsáveis pela formação dos
ossos.
3. Corrosão e Biocompatibilidade no NiTinol
30
constituído por óxido de titânio e que após o contacto com o meio de cultura o
filme de óxido passou também a conter cálcio e fósforo.
Bruce G. Pound [47] estudou a susceptibilidade do NiTinol quanto à
corrosão localizada. Realizou testes com solução 0,9% em NaCl e tampão de
fosfatos salino (PBS). De modo a avaliar a susceptibilidade à corrosão por picada e
à corrosão intersticial, foram examinados os valores de diferença entre o potencial
de ruptura e o potencial de corrosão e as diferenças entre o potencial de protecção
e potencial de corrosão, respectivamente. Este autor concluiu que o tipo de
solução e, em particular, as condições de superfície da liga afectam a resistência à
corrosão por picada do NiTi. Verificou também que independentemente do
tratamento superficial utilizado (polimento mecânico ou polimento electroquímico),
a liga de NiTinol se apresentou mais susceptível à ruptura em solução de NaCl do
que em solução de PBS. Ao comparar o tipo de tratamento superficial, concluiu
ainda que o polimento electroquímico aumenta a resistência do NiTinol em termos
de corrosão por picada.
3.3. Influência das proteínas na corrosão de
metais
Os fluidos fisiológicos apresentam uma composição bastante complexa,
dada a presença dos iões cloreto, fosfato, cálcio, sódio, potássio, magnésio,
compostos orgânicos como a albumina, e enzimas. A complexidade destas
soluções, associada à presença de gases dissolvidos, como oxigénio, dióxido de
carbono e azoto, faz com que os fluidos fisiológicos sejam propícios ao
desenvolvimento
de
processos
electroquímicos.
Assim,
o
uso
de
técnicas
electroquímicas em meios que simulam os fluidos fisiológicos é uma prática muito
utilizada para a avaliação do comportamento à corrosão de materiais metálicos
destinados a aplicações biomédicas. A adição de soro fetal bovino (FSB), o qual
contém
proteínas,
a
esses
fluidos
é
um
artifício
utilizado
por
vários
investigadores [48,49,50,51] para aproximar os meios artificialmente formados dos
fluidos fisiológicos reais.
A inserção de um biomaterial no corpo humano faz com que se estabeleça,
de imediato, uma interface entre o material e os fluidos extracelulares e/ou
3. Corrosão e Biocompatibilidade no NiTinol
31
tecidos
envolventes,
sendo
essa
interface
constituída
essencialmente
por
proteínas. Sob o ponto de vista de adsorção, as proteínas são moléculas
constituídas por regiões hidrofóbicas e hidrofílicas. Normalmente, as proteínas
adsorvem mais facilmente nas superfícies hidrofóbicas do que nas hidrofílicas.
Formam-se também, camadas mais espessas em superfícies hidrofóbicas. A
interacção que ocorre entre a superfície adsorvente e os fluidos extracelulares
pode ser de um dos seguintes tipos: forças de Van der Waals, ácido-base de Lewis
(incluindo pontes de hidrogénio) e forças electrostáticas.
O comportamento das proteínas em interfaces e os fenómenos a si
associados, nomeadamente conformação e estrutura de proteínas adsorvidas,
permuta
de
proteínas
à
superfície,
inactivação
e
activação
de
proteínas
adsorvidas, constituem áreas de investigação importantes em biomateriais. Esse
comportamento depende, essencialmente, do tipo de superfície, uma vez que as
proteínas possuem afinidades relativas diferentes para os vários tipos de
materiais. Além disso, como cada tipo de célula possui receptores específicos para
cada tipo de proteínas, a interacção célula-proteína-material é fundamental para o
comportamento biológico desse material.
A formação de coágulos, as reacções inflamatórias, a adesão celular e as
infecções são efeitos biológicos que estão intimamente associados com o
fenómeno de adsorção de proteínas à superfície de um metal. Em particular, as
proteínas influenciam uma propriedade, a qual está directamente relacionada com
o processo de osseointegração*2, que é a capacidade que o alguns materiais têm
de permitir a nucleação e o crescimento de uma camada de fosfato de cálcio à
superfície. Serro et al [52]. propuseram que quando o titânio se encontra em
contacto com soluções que contêm proteínas e iões cálcio e fosfato, ocorre uma
adsorção preferencial de proteínas na superfície do material e posteriormente,
ocorre a deposição dos mesmos iões.
*2 Osseointegração - Ancoragem directa de um implante pela formação de tecido
ósseo ao redor do implante, sem crescimento de tecido fibroso na interface ossoimplante.
3. Corrosão e Biocompatibilidade no NiTinol
32
Williams et al [53]. observaram que as proteínas aumentam a taxa de
corrosão no aço inoxidável e no Ti comercialmente puro, mas não têm qualquer
efeito na liga de Ti-6Al-4V.
Além do referido anteriormente, as proteínas presentes no meio electrolítico
apresentam uma função importante nos processos de corrosão, desgaste e
repassivação das ligas de titânio, pois as suas moléculas podem formar complexos
na superfície da liga e com isso alterar a composição da camada de óxido[49].
3.4. Biocompatibilidade
A biocompatibilidade de um material é geralmente avaliada pelas reacções
do tecido adjacente ao material, uma vez que os materiais introduzidos no corpo
humano podem sofrer degradação segundo mecanismos como a abrasão, erosão e
corrosão. Contudo, a biocompatibilidade dos materiais metálicos com aplicação em
próteses ou implantes é equacionada em termos de resistência à corrosão, tendo
em conta também a interacção electroquímica, que resulta na libertação de iões
metálicos nos tecidos, e a toxicologia das substâncias libertadas [54].
As reacções teciduais podem adquirir diversas formas, ou seja, a reacção à
presença de corpos estranhos pode resultar em respostas inflamatórias crónicas
locais ou em alergias cutâneas na zona de contacto do material.
3.4.1. Biocompatibilidade da liga de NiTi
A selecção de um material adequado para o uso como implante baseia-se
normalmente no facto de este não sofrer corrosão quando em contacto com o
meio fisiológico, o que leva muitas a vezes a escolha a recair sobre materiais que
apresentam um comportamento inerte. Deste modo, o ouro e a platina são muitas
vezes usados puros ou como base de algumas ligas em diversas aplicações
dentárias. Uma vez que estes metais nobres são dispendiosos e mecanicamente
inferiores, tornam-se inapropriados para a maior parte das aplicações estruturais e
a escolha passa então por ligas passivas, baseadas em titânio ou aços inoxidáveis.
No entanto, embora estas ligas se encontrem no estado passivo no interior do
corpo, poderá existir libertação de metais na forma de óxido para os tecidos
circundantes.
3. Corrosão e Biocompatibilidade no NiTinol
33
O titânio, uma vez extraído do corpo, não demostra qualquer sinal de
corrosão e a sua camada de óxido permanece intacta, ou mais espessa com o
tempo. No entanto, é possível a identificação de iões titânio nos tecidos adjacentes
ao implante [55]. Assim, a biocompatibilidade é muitas vezes avaliada pelas
reacções com os tecidos circundantes. A interacção entre o tecido e o material
implantado é considerada adversa se existir evidência de danos específicos pelos
produtos de corrosão, tanto no tecido adjacente como noutras partes do corpo.
Embora a presença de Ni na liga de NiTi garanta as boas condições de
performance apresentadas pela liga, a biocompatibilidade deste material ainda não
se encontra perfeitamente estabelecida [56]. De facto, quando a aplicação requer
um longo período de permanência no corpo humano, a grande questão prende-se
com a resistência à corrosão, particularmente com a presença de Ni e o seu
potencial
citotóxico,
carcinogénico
e
mutagénico.
De
acordo
com
alguns
estudos [57,58], a questão torna-se ainda mais complicada, quando se acredita na
possibilidade dos iões Ni2+ poderem reagir com os fluidos fisiológicos.
Embora existam inúmeras aplicações clínicas [59,60,61,62,63] para o uso de
NiTinol, os dados sobre a biocompatibilidade da liga ainda resultam em opiniões
discordantes, sobretudo quando se tratam de aplicações sob longos periodos em
contacto com os tecidos vivos. Nestes casos, é recomendado em diversos
trabalhos [64,65,66], o recurso a tratamentos de superfície do NiTinol ou a
pinturas, de modo a minimizar os possíveis efeitos tóxicos da liga. De facto, os
tratamentos superficiais podem resultar numa liga mais apropriada para o uso
humano, mascarando a presença do níquel sem, no entanto, perder as
propriedades mecânicas intrínsecas da liga [67,68].
No caso de ligas de NiTinol usadas por pequenos períodos de tempo em
contacto com os tecidos vivos, foi demonstrado que a liga de NiTi apresenta um
comportamento idêntico ao que sucede com o aço inoxidável 316L, no ponto de
vista da biocompatibilidade [69]. Do mesmo modo, quando usada como cateter, a
liga de NiTi apresenta uma maior vantagem relativamente às outras ligas, dadas
as suas propriedades mecânicas e particularmente no ponto de vista da fácil
inserção, o que constituí uma escolha justificada para o seu uso, por períodos
curtos [70].
3. Corrosão e Biocompatibilidade no NiTinol
34
Como foi referido anteriormente, os estudos de corrosão levados a cabo por
vários investigadores demonstraram que a liga de NiTi se aproxima do Ti no que
diz respeito à corrosão, sendo aceite pela comunidade científica a boa tolerância
que este metal apresenta em contacto com os tecidos vivos [71,72]. No entanto,
uma boa resistência à corrosão não exclui a libertação de iões metálicos. A taxa de
libertação, a solubilidade e a capacidade de ligação de iões a proteínas e a sua
actividade citotóxica, alérgica e genotóxica, determinará a sua segurança
biológica. Por esta razão, todos estes aspectos de cariz da biocompatibilidade
devem ser tidos em consideração antes do NiTinol ser usado com implante no
corpo humano.
A biocompatibilidade do NiTinol foi estudada pela primeira vez por
Cutright [8], o qual implantou fios de NiTinol em tecido sub-cutâneo em 45 ratos,
durante 9 semanas e não observou qualquer reacção ao nível dos tecidos
circundantes.
Num outro estudo, Castleman et al. [73,74] colocaram implantes de NiTinol
nos tecidos musculares de cães durante 6, 12 e 17 meses, utilizando 3 animais
por grupo de análises. Como padrão de controlo, colocaram-se implantes de Co-Cr
nas mesmas condições experimentais. Foram realizadas análises morfológicas e
radiológicas aos tecidos dos implantes e não se observaram efeitos adversos
provocados pela colocação dos implantes. Mais tarde, foram colocados implantes,
desta vez por Ryhänen et al.[62], em ratos e durante 2, 4, 8, 12 e 26 semanas, de
modo a avaliar a biocompatibilidade do NiTinol. Em todos os casos, esta equipa de
investigadores obteve resultados satisfatórios em relação à liga de NiTinol, não se
observando qualquer caso de alergia ou reacção inflamatória.
Estudos realizados por Wever et al [75]., levaram o autor a concluir que o
NiTinol não mostrou actividade citotóxica, alérgica ou genotóxica, pelo que, a
somar à sua boa compatibilidade a nível de tecidos, se pode considerar como
sendo um material biologicamente compatível.
Vários estudos de avaliação de biocompatibilidade entre implantes de
NiTinol
e
osso
foram
indicativos
de
que
o
NiTinol
apresenta
boa
biocompatibilidade [76,77,78,79], embora não seja feita, normalmente, uma
avaliação ao teor em Níquel libertado em redor do implante, o que constitui uma
das incertezas quanto à real biocompatibilidade da liga.
Capítulo
4
Técnicas Experimentais
4. Técnicas Experimentais
37
4.1. Introdução
Ao longo do trabalho foram utilizadas diferentes técnicas experimentais, de
modo a permitir correlacionar os resultados de cada uma e inferir sobre os
aspectos da liga de NiTinol como um todo.
Assim, foram realizados ensaios electroquímicos usando monitorização do
potencial em circuito aberto, curvas de polarização anódica, espectroscopia de
impedância electroquímica e medidas de capacidade, por recurso a aproximação
de Mott-Schottky.
Do ponto de vista de análise superficial, foram realizados ensaios pela
técnica de espectroscopia de Fotoelectrões Raios-X (XPS) e de Espectroscopia de
Electrões Auger (AES).
Nos pontos que se seguem, será feita uma ligeira apresentação às
referidas técnicas, tendo em conta que, para um aprofundamento de cada, se
recomenda a consulta de literatura da especialidade.
4.2. Técnicas electroquímicas
4.2.1. Monitorização do Potencial de Circuito Aberto
A monitorização do potencial consiste no estudo da variação ao longo do
tempo do potencial de corrosão de um metal imerso num determinado meio. Esta
poderá ser uma ferramenta bastante útil na análise de transformações que
ocorram ao nível de uma superfície metálica.
O potencial de corrosão (Ecorr), também chamado de potencial de abandono
ou potencial de circuito aberto, é o potencial que se estabelece espontaneamente
à superfície de um metal quando em contacto com um electrólito, sem aplicação
de qualquer corrente externa. Por outras palavras, o Ecorr será o valor ao qual as
reacções anódicas e catódicas progridem simultaneamente e com velocidades
iguais, pelo que depende dos potenciais de equilíbrio e das sobretensões
associadas a cada uma das reacções, bem como da relação entre as áreas
disponíveis para os processos anódicos e catódicos [80].
4. Técnicas Experimentais
38
A monitorização do potencial pode revelar a formação ou a destruição de
um filme protector na superfície do metal, como se esquematiza na figura 4.1..
Assim, na curva (1), está representado o comportamento de uma liga cujo filme
se comporta como um filme passivo, aumentando de espessura ao longo do
tempo; na curva (2), evidencia-se uma curva que traduz o comportamento de um
material que, após um período de espessamento do filme, sofre ruptura do
mesmo e começa a sofrer corrosão localizada; a curva (3), representa um
material que após o contacto com o electrólito, rompe o filme passivo e começa a
sofrer corrosão generalizada.
Potencial
1
2
3
Tempo
Figura 4.1. Representação esquemática de vários tipos de curvas de potencial
de circuito aberto. (1) – Passivação; (2) – Corrosão localizada; (3) – Corrosão
generalizada [54].
No entanto, as curvas de potencial de circuito aberto fornecem pouca
informação, devendo ser usadas apenas no sentido de conhecer a tendência de
novos materiais em relação à corrosão. São também um instrumento valioso para
assegurar que se atinge o estado estacionário antes da realização de outros
ensaios, como as curvas de polarização ou a espectroscopia de impedância
electroquímica.
4. Técnicas Experimentais
39
4.2.2. Curvas de Polarização Anódica
As curvas de polarização anódicas consistem na caracterização do
comportamento do metal através da relação potencial-corrente dada por este. Do
ponto de vista qualitativo, a realização de uma curva de polarização pode dar
indicações sobre as transformações que se verificam aos diferentes potenciais,
permitindo, por exemplo, observar se o metal é passivável no meio electrolítico
em questão. Por outro lado, do ponto de vista quantitativo, podem obter-se
vários parâmetros, como os potenciais críticos para a ocorrência de vários
fenómenos e as correntes correspondentes.
No caso concreto de um metal passivo, como no caso do presente trabalho,
através da elevação do potencial, a curva de potencial-corrente apresenta uma
forma muito característica (figura 4.2). Quando o metal é imerso num electrólito
sem aplicação de corrente, o seu potencial evolui até atingir o potencial de
corrosão Ecorr. Com o aumento do potencial, a corrente aumenta até se atingir um
potencial Epp (e uma corrente ipp), ao qual se verifica uma queda brusca da
corrente para um valor muito pequeno (irp), o qual se mantém, mesmo com a
elevação do potencial. Ao potencial Epp dá-se o nome de potencial de passivação e
a densidade de corrente que lhe corresponde é a densidade de corrente crítica de
passivação ipp [81].
Figura 4.2. Representação de uma curva de potencial
característica de um material passivo.
4. Técnicas Experimentais
40
4.2.3. Espectroscopia de Impedância Electroquímica
A
espectroscopia
de
impedância
electroquímica
(do
inglês,
EIS –
Electrochemical Impedance Spectroscopy), pode ser considerada actualmente
uma técnica promissora na caracterização cinética e mecanísitica dos sistemas
electroquímicos. Além disso, a impedância constitui a grandeza mais completa
que se pode medir num sistema electroquímico já que, se for medida ao longo de
uma gama infinita de frequências, contém toda a informação que pode ser obtida
sobre o sistema através de meios puramente eléctricos.
A espectroscopia de impedância electroquímica em corrente alterna causa
no sistema em estudo uma pequena perturbação que não altera o seu estado
estacionário. As medidas podem ser levadas a cabo em meios de muito baixa
condutividade onde as técnicas em corrente contínua dão erros elevados. Além
disso, a técnica fornece informação variada como a velocidade e o mecanismo do
processo de corrosão, características dos filmes formados, quer em termos de
resistência, capacidade ou espessura, presença de espécies adsorvidas, cinética
da reacção.
A técnica é de muito fácil aplicação, sendo no entanto o tratamento de
resultados complexo, pelo que se recorre à ajuda de equipamento sofisticado e
software adequado.
Entre as várias aplicações possíveis, destacam-se o uso no campo da
electrónica, baterias, corrosão e revestimentos (por exemplo, tintas), síntese
orgânica.
4.2.3.1. Definição de Impedância
Sendo uma técnica de estado transiente, cada medida resulta de uma
média de valores, o que aumenta o nível de precisão, e a larga banda de
frequências a que opera, possibilita o estudo de muitos processos interfaciais,
nomeadamente sistemas como a corrosão, que se caracteriza por um conjunto de
processos que ocorrem a velocidades diferentes.
Em termos teóricos, a aplicação de uma diferença de potencial constante
(∆V) aos terminais de uma resistência provoca uma intensidade de corrente (I),
que, segundo a lei de Ohm, depende do valor dessa resistência:
4. Técnicas Experimentais
41
∆V = RI ou R =
∆V
I
(4.1)
onde ∆V é a diferença de potencial e I é a intensidade de corrente. Se se
introduzir uma pequena perturbação ao sistema, por aplicação de um potencial
variável, por exemplo, com a forma de uma onda sinusoidal, V = V0 sen(ωt ) , o
sistema
responderá
com
uma
intensidade
de
corrente
dada
por
I = I0 sen(ωt + φ) (figura 4.3), onde ω é a frequência angular, t é o tempo, V0 é a
amplitude da onda, I0 é a amplitude da intensidade de corrente e φ é o desvio
entre as duas ondas (ângulo de fase). Esta grandeza pode ser positiva ou
negativa, e é constante ao longo do tempo, uma vez que as frequências são
iguais para as duas ondas.
Assim, a expressão (4.1) pode ser rescrita, determinando a razão entre o
potencial e a corrente obtidos pela aplicação de uma onda sinusoidal de potencial:
Z=
V V0 sen(ωt )
=
I
I0 sen(ωt + φ )
(4.2)
V
+V0
π/ω
2π/ω
-V0
t
Figura 4.3. Representação de uma onda sinusoidal de potencial.
À grandeza Z dá-se o nome de Impedância, e como se pode inferir de
(4.1), trata-se de um conceito generalizado de resistência (sendo esta última
referida no caso de corrente contínua).
Para o caso da resistência vem φ=0 e então,
4. Técnicas Experimentais
42
Z=
V0
=R
I0
(4.3)
Supondo que o circuito consiste apenas num condensador com uma
determinada capacidade (C), as equações fundamentais são
Q = CV ou i = C
dV
dt
(4.4)
Uma vez que V = V0sen(ωt ) , virá:
i = ω ⋅ C ⋅ V ⋅ cos(ωt )
π ⎞ e então,
⎛
= ω ⋅ C ⋅ V ⋅ sen⎜ ωt + ⎟
2⎠
⎝
Z =
1
sen(ωt )
⋅
ωC sen ωt + π
(
)
2
(4.5)
Assim, torna-se claro que a razão entre as amplitudes do potencial e da
corrente é constante para a resistência pura, mas depende da frequência para o
condensador. Além disso, a corrente e o potencial estão em fase na resistência,
mas têm um desvio de π/2 no condensador.
Os cálculos e a representação da impedância podem ser facilitados se esta
for expressa no domínio dos números complexos. Atendendo à relação de Euler,
ejωt= cos ωt + j sen ωt, a expressão (4.2) pode ser rescrita da forma:
Z=
V0 e jωt
= Z ⋅ e − jφ
j
(
ω
t
+
φ
)
I0 e
(4.6)
Deste modo, a impedância pode ser separada numa parte real e numa
parte imaginária: Z=Zreal + j Zimag.
Nos estudos electroquímicos, os resultados são sob a forma de diagramas
de Nyquist ou de Bode. Nos primeiros, são representados os resultados num
plano complexo para as várias frequências analisadas ao passo que nos
segundos, se representa o módulo da impedância e o ângulo de fase em função
do logaritmo da frequência.
A utilização do conceito de circuito equivalente para a análise dos
resultados de EIS baseia-se no facto de que, em princípio, qualquer célula
electroquímica poder ser representada por um modelo eléctrico. Assim, uma
4. Técnicas Experimentais
43
interface
eléctrodo/electrólito
na
qual
ocorra
uma
determinada
reacção
electroquímica, poderá ser representada por um circuito eléctrico formado
essencialmente por um conjunto de resistências e condensadores. Esta analogia,
que constitui uma das principais vantagens da impedância electroquímica, torna
possível a caracterização de um sistema electroquímico através do circuito
eléctrico equivalente. O objectivo principal desta técnica é medir os valores de
Zreal e Zimag para perturbações com várias frequências e tentar encontrar o circuito
equivalente mais próximo da realidade física que apresente a mesma resposta.
Vários elementos da impedância podem ser combinados de forma a
originar circuitos equivalentes mais ou menos complexos, consoante o número e
a combinação dos elementos. Um dos circuitos eléctricos mais simples é o circuito
proposto inicialmente por Randles, o qual pode ser representado como indica a
figura 4.4.
FitResult
C dc
Rs
Rtc
Figura 4.4. Circuito equivalente de Randles e respectivo diagrama de Nyquist.
O comportamento de um circuito eléctrico, formado por vários elementos
passivos (resistências, condensadores e bobinas), é função do comportamento de
cada um dos elementos constituintes e do modo como eles se inserem no circuito.
Para cada elemento, a corrente que passa (em amperes), sujeita a um potencial
sinusoidal de frequência ω (rad s-1) e amplitude máxima V0 (em volts) é dada por
(tabela 4.1).
A Impedância total de um circuito pode ser conhecida através das leis de
Kirchoff:
4. Técnicas Experimentais
44
Z=Z1+Z2 (para elementos em série)
1
1
1
(para elementos em paralelo),
=
+
Z Z1 Z2
onde Z1 e Z2 são as impedâncias dos elementos presentes.
Tabela 4.1.Elementos básicos de um circuito equivalente
Elemento
I(t ) =
Resistência (R)
Condensador (C)
Expressão de
Impedância
Corrente
V0
senωt
R
π⎞
⎛
I( t ) = ω C V0 sen⎜ ωt + ⎟ ,
2
⎝
⎠
ZR = R
onde
C
é
a
Zc = 1
( jω C )
capacidade do condensador
I( t ) =
Bobina (L)
V0
π⎞
⎛
sen⎜ ωt − ⎟ ,
ωL
2⎠
⎝
onde
L
é
o
ZL = j ω L
coeficiente de auto-indução da bobina
4.2.3.2. Aplicação da técnica aos fenómenos de corrosão
Numa reacção de corrosão elementar, Ox + ne-
Red, envolvendo
apenas um processo de transferência de carga, a impedância do sistema poderá
ser caracterizada por três elementos: resistência óhmica ou resistência da solução
(Rs), capacidade da dupla camada (Cdl) e resistência à transferência de carga
(Rct). Além destes, é corrente o recurso ao Elemento de Warburg (W) e ao
Elemento de Fase Constante (CPE).
4. Técnicas Experimentais
45
Figura 4.5. Representação esquemática dos elementos de impedância numa célula
electroquímica: Resistência de solução (Rs); Capacidade de dupla camada (Cdl);
Resistência à transferência de carga (Rtc) e Elemento de Warburg (W).
Resistência Óhmica: A resistência óhmica pode ser definida como a soma da
resistência do electrólito, da resistência dos fios eléctricos e da resistência interna
dos eléctrodos. No entanto, dado que a resistência dos fios eléctricos e a
resistência interna dos eléctrodos são normalmente desprezáveis, apenas se
assume o valor de resistência da solução.
Capacidade da dupla camada: A dupla camada electroquímica, que se forma
na interface metal-electrólito, comporta-se como um condensador de placas
paralelas, permitindo, através de sucessivas cargas e descargas, a passagem de
corrente de forma descontínua. A capacidade da dupla camada depende da
própria espessura, da concentração iónica e da constante dieléctrica do meio.
Resistência à transferência de carga: A resistência à transferência de carga
traduz a componente reaccional (ou farádica) do sistema e pode ser definida
como a resistência à adição ou à remoção de electrões. Este parâmetro pode ser
usado para determinar a velocidade de corrosão através da relação de
Stern-Geary [82]
β aβc
ln 10 (β a + β c )
i corr =
Rtc
(4.7)
4. Técnicas Experimentais
46
onde βa e βc são os coeficientes de Tafel dos processos anódico e catódico e icorr é
a densidade de corrente devida ao processo corrosivo, que pode ser relacionada
com a velocidade de corrosão e com a perda de massa de metal.
Elemento de Warburg: A impedância de Warburg é usada para modelar
situações onde a transferência de massa (difusão) das espécies electroactivas que
se aproximam ou afastam da superfície do eléctrodo é um passo importante no
sistema. Este tipo de impedância é expressa por:
Z w = σω
onde o coeficiente de Warburg,
−1
2 − jσω
−1
2
(4.8)
σ = σ ox + σ red , é dado ao potencial de equilíbrio,
pela expressão:
σ =
RT
n2 F 2
⎛ 1
1
⎜
+
1
1
⎜
2 c D 2 c D 2
red red
⎝ ox ox
⎞
⎟
⎟
⎠
(4.9)
A interface metal/electrólito passa a ser representada pelo circuito
equivalente de Randles [83], originando diagramas de Nyquist como o da figura
4.6. Às altas frequências, é representado um semicírculo correspondente ao
processo de transferência de carga, enquanto que às baixas frequências passa a
- Z imag
aparecer uma linha recta com declive aproximadamente de 45º.
Cdc
FitResult
Rs
Zw
Rtc
Figura 4.6. Diagrama de Nyquist característico do circuito equivalente com o
elemento de Warburg.
Elemento de Fase Constante: Um sistema electroquímico controlado pelo
passo de transferência de carga deveria comportar-se como um circuito RC em
paralelo, apresentando o Diagrama de Nyquist uma resposta equivalente a um
4. Técnicas Experimentais
47
semi-círculo com diâmetro Rtc. No entanto, isso raramente acontece, surgindo
semi-círculos achatados cujo centro se situa abaixo do eixo real. Esta depressão
pode ser explicada através de um elemento semelhante a um condensador mas
cujo ângulo de fase, embora constante, é diferente de 90º. Este elemento,
denominado elemento de fase constante (CPE), apresentará uma resposta do
género:
ZCPE =
1
Y0 ( jω)n
(4.10)
onde Y0 é a admitância independente da frequência e n é o expoente do
CPE, o qual, dependendo do valor de n, pode apresentar a resposta de uma
resistência (n=0), de um condensador (n=1) ou de um elemento de difusão de
Warburg (n=0,5). No caso mais comum de um circuito RC em paralelo cuja
resposta é um semicírculo ligeiramente deprimido, o respectivo resultado pode
ser ajustado com um circuito R-CPE em paralelo, no qual o valor de n deverá ser
bastante próximo de 1 (0,8<n<1).
O ajuste dos circuitos equivalentes aos dados experimentais é feito através
de ajustes por mínimos quadrados não lineares, recorrendo a programas de
computador específicos.
4.2.4. Medidas de capacidade (aproximação de Mott-Schottky)
Através da medição da capacidade de um sistema em função do potencial
aplicado e por aplicação da aproximação de Mott-Schottky, é possível determinar
as características de semicondutividade de um dado material.
4.2.4.1. Metal, Semicondutor e Isolante
De acordo com a teoria das bandas [84], no caso de um metal, a banda de
valência e a banda de condução estão muito próximas, ou seja, o hiato energético
é muito pequeno, sendo apenas necessária uma energia mínima para promover
um electrão de um nível para outro (figura 4.7). Consequentemente, os electrões
de um metal apresentam uma elevada mobilidade, conferindo ao material elevada
condutividade. Já num material não condutor, o movimento de electrões é
desfavorecido, pois o hiato energético entre a banda de valência e a banda de
condução é bastante elevado. No caso de um semicondutor, o hiato energético
tem um valor intermédio entre o valor para um material condutor e um não
4. Técnicas Experimentais
48
condutor. Deste modo, os electrões podem ser promovidos da banda de valência
para a banda de condução, conferindo ao material alguma condutividade
(figura 4.7.).
Figura 4.7. Representação esquemática das bandas em diversos materiais. ∆e é a
energia necessária para promover a transição de um electrão da banda de valência
para a banda de condução.
A condutividade de um semicondutor pode ser aumentada adicionando-lhe
pequenas quantidades de determinadas substâncias, processo este denominado
por dopagem. A dopagem pode fornecer electrões à banda de condução através
da incorporação de átomos contendo electrões em excesso (doadores), sendo os
semicondutores deste tipo denominados semicondutores de tipo n. Outro tipo de
dopagem é relativa à incorporação de substâncias deficientes em electrões
(aceitadores),
que
injectam
lacunas
na
banda
de
valência,
originando
semicondutores designados por semicondutores do tipo p. No caso da formação
de filmes de óxidos em processos de corrosão, a classificação dos
filmes com
carácter de semicondutor envolve a formação dos filmes contendo electrões em
excesso ou por defeito.
Os filmes passivos formados em muitos metais (entre os quais se incluem
o Ni e o Ti) manifestam propriedades semicondutoras, sendo comparáveis a
semicondutores altamente dopados. O tipo de semiconductividade dos óxidos
passivos será obviamente dependente da natureza do dopante que, no caso de
filmes passivos, é consequência da existência de defeitos na rede cristalina do
óxido. Assim, a título de exemplo, catiões em posição intersticial ou lacunas
aniónicas
comportam-se
como
doadores,
sendo
responsáveis
por
uma
semiconductividade do tipo n. Pelo contrário, aniões em posição intersticial ou
4. Técnicas Experimentais
49
lacunas
catiónicas
comportam-se
como
aceitadores
criando
assim
uma
semiconductividade do tipo-p.
O conhecimento da estrutura electrónica dos filmes passivos permitirá
uma melhor compreensão do fenómeno de passivação.
4.2.4.2. Interface Semicondutor/Electrólito
Quando um semicondutor é posto em contacto com um electrólito, o
sistema tende a evoluir para uma situação de equilíbrio. Assim, ocorre
transferência de electrões, cujo sentido depende da posição dos níveis de Fermi
de cada fase em relação ao vácuo, ocorrendo a separação de cargas de sinal
contrário e o aparecimento de um e outro lado da interface, de planos
carregados.
A interface semicondutor-electrólito, é habitualmente descrita por duas
zonas situadas do lado do electrólito e uma região do lado do semicondutor. As
duas zonas no electrólito são designadas por camada de Helmohltz e zona difusa
de Gouy-Chapmann (zona de carga de espaço na solução que se torna
desprezável no caso de soluções concentradas) enquanto que a região que se
localiza do lado do semicondutor se designa por região de carga de espaço [85]
(figura 4.8). Esta zona, que no caso de materiais condutores corresponde a um
excesso de carga situado na camada atómica superficial, pode estender-se em
profundidade no caso dos semicondutores, e compreender várias centenas de
camadas atómicas. A espessura da região de carga de espaço é dependente do
valor da dopagem do semicondutor, diminuindo quando esse valor aumenta.
Figura 4.8. Representação esquemática da distribuição de carga na interface
semicondutor/electrólito.
4. Técnicas Experimentais
50
Deste modo, a interface semicondutor-solução pode ser representada por
um circuito equivalente composto por dois condensadores em série associados
com a região de carga de espaço e com a camada de Helmholtz. A capacidade
total da interface será então dada por:
1
1
1
=
+
CT
C SC CH
(4.11)
Ainda assim, na maioria dos sistemas, verifica-se que a capacidade da
região de carga de espaço é inferior a 5µF/cm2 enquanto que a capacidade
associada à camada de Helmhotlz é superior a 20µF/cm2. Assim, o termo 1 C H é
desprezável vindo a capacidade total da interface igual à capacidade da região de
carga de espaço. Este último parâmetro pode ser estimado conhecida a carga da
região de carga de espaço, obtendo-se a relação geral de Mott-Schottky,
⎛
2
=⎜
⎜
2
C SC
⎝ ε ε 0 q Nq
1
⎞⎛
⎟⎜ E − E bp − kT ⎞⎟
⎟⎝
e ⎠
⎠
(4.12)
onde CSC é a capacidade de zona de carga de espaço, E é o potencial de
polarização aplicado e Ebp o potencial de banda plana, ou seja, o potencial ao qual
não existe carga acumulada no semicondutor; é possível obter a concentração de
doadores/aceitadores, desde que sejam conhecidas a constante dieléctrica (ε) e a
área do eléctrodo.
Da equação geral (4.12) pode estabelecer-se que:
ƒ
Para um semicondutor de tipo n: q=e; Nq=Nd (concentração de
doadores)
ƒ
Para um semicondutor de tipo p: q=-e; Nq=Na (concentração de
aceitadores)
A representação gráfica de 1
apresenta
uma
recta
cujo
C2
declive
em função do potencial aplicado E,
permite
obter
a
concentração
de
doadores/aceitadores (Nd/Na). Da intercepção do gráfico com o eixo dos
potenciais obtém-se Ebp +
kT
, e por conseguinte, o potencial de banda plana.
e
4. Técnicas Experimentais
51
4.3. Técnicas de análise de superfície
4.3.1. Espectroscopia de Fotoelectrões Raios-X (XPS)
A espectroscopia de fotoelectrões tem como base o efeito fotoeléctrico,
descrito pela primeira vez por Hertz, em 1887. No entanto, apenas nos anos 50
de século XX cresceu o interesse pela espectroscopia fotoelectrónica no campo da
análise de superfícies.
Quando um feixe de fotões incide numa dada superfície, os átomos aí
presentes são ionizados libertando-se os fotoelectões. Se a energia da radiação
incidente for suficientemente elevada, podem ocorrer ionizações ao nível do cerne
do átomo, o que provoca uma grande instabilidade. Para compensar esta situação
ocorre a transferência de um electrão de uma das camadas de mais baixa energia
para a lacuna deixada pelo electrão libertado. Ocorre então a libertação de um
fotão de energia hυ, ou de um electrão Auger, de modo a compensar o balanço
energético. Os fotoelectrões apenas conseguem percorrer pequenas distâncias
dentro do material, sem que ocorram colisões com outros átomos, pelo que
apenas os mais superficiais conseguem escapar às colisões e sem perdas de
energia. Por este motivo, a profundidade de uma análise de XPS situa-se entre 5
e 100 Å, dependendo do material e da energia cinética dos electrões
analisados [86].
Além da análise química elementar, é ainda possível inferir sobre o estado
químico dos elementos através de pequenas variações nas energias de ligação,
possibilitando assim a distinção entre diferentes vizinhanças atómicas (e.g. óxidos
e/ou hidróxidos em filmes de passivação).
Do ponto de vista do equipamento (vd. figura 4.9.), ele é constituído por
um ânodo de raios-X, normalmente um ânodo de Al ou Mg, obtendo-se radiações
Al Kα ou Mg Kα com energias de 1486,6eV ou 1256,6 eV, respectivamente. O
ânodo de raios-X é responsável pela emissão de um feixe de fotões com energia
suficiente para excitar os átomos presentes na superfície da amostra [87].
Fazem ainda parte do equipamento de XPS utilizado, um espectrómetro,
um canhão de iões, um detector de electrões secundários e um sistema mecânico
que permita a movimentação da amostra sob vácuo.
4. Técnicas Experimentais
52
Ultra Alto Vácuo
Amplificação
Fonte de
Raios X
Controlo de Aquisição
de Dados
Raios X
Amostra
Figura 4.9. Representação esquemática de um espectrómetro usado em XPS.
4.3.2. Espectroscopia de Electrões Auger (AES)
A técnica de espectroscopia de electrões Auger foi desenvolvida a partir
dos anos 60 do século XX, quase 40 anos depois da descoberta do electrão Auger
por Pierre Auger em 1923.
Quando se efectua o bombardeamento de uma amostra sólida com um
feixe de electrões, favorece-se a excitação dos electrões das camadas internas,
desencadeando o aparecimento de lacunas. Essas lacunas são preenchidas
através do decaimento de um electrão de uma camada mais externa e por isso,
com uma energia de ligação menor. Para compensar o balanço energético dos
processos acima referidos pode libertar-se um terceiro electrão, o electrão Auger,
ou ocorrer a emissão de fotões (fluorescência de raios-X) (vd. figura 4.10.).
Alguns destes electrões (electrões Auger) possuem energia cinética que é
característica do elemento e, por vezes, até do tipo de ligação química a que
estão ligados os átomos da amostra [87].
4. Técnicas Experimentais
53
Figura 4.10. Representação esquemática do efeito do bombardeamento de electrões
e dos mecanismos de libertação de energia através do efeito Auger (esquerda) e da
fluorescência raios-X (direita).
Um espectrómetro Auger é essencialmente constituído por um canhão de
electrões, cuja função é produzir um feixe de electrões para o bombardeamento
da amostra, uma câmara acoplada a um sistema mecânico que permita o
posicionamento da amostra, um detector e um canhão de iões, o qual permite a
produção de um feixe de iões acelerados, que são utilizados no bombardeamento
da amostra, provocando o desgaste de uma área e expondo assim as camadas
internas do material. Como se pode verificar pela descrição anterior, um
espectrómetro Auger apenas difere do espectrómetro de XPS, em termos da fonte
emissora, que neste caso é um canhão de electrões e no XPS trata-se de um
ânodo de raios-x.
As análises Auger e XPS traduzem-se na obtenção de espectros de perda
de energia onde, sobrepostas a um ruído de fundo, surgem as diferentes
transições Auger. Cada elemento da tabela periódica emite electrões Auger ou
fotoelectrões a energias cinéticas bem definidas, o que permite a sua fácil
identificação. A área dos diferentes picos é, por sua vez, proporcional à
concentração
atómica
do
elemento.
A
técnica
exige
que
os
electrões
característicos emitidos pelos átomos não sofram perdas de energia durante o seu
percurso até à superfície. A distância que os electrões conseguem percorrer sem
sofrer perdas de energia define-se como distância média de escape. Esta
distância, que varia entre 20 e 50 Å, depende do átomo e das características do
feixe de ionização e é mínima para energias cinéticas de 80-100 eV [88].
Capítulo
5
Procedimento Experimental
5. Procedimento Experimental
57
5.1. Introdução
Com vista à realização dos ensaios experimentais, foram utilizados, para
além do NiTi, outros tipos de metais e ligas (Titânio, Níquel, Aço inoxidável 316L
e Ti-6Al.4V), de modo a possibilitarem um estudo comparativo. Uma vez que o
âmbito deste trabalho se destina a aplicações biomédicas, foram utilizadas
soluções que simulam as condições fisiológicas (Solução de Hank, Solução de
NaCl a 0,9% ou Solução de soro fisiológico e Meio de cultura MEM (Minimum
Essencial Medium Eagle)).
5.2 Materiais e Soluções
5.2.1 Metais e Ligas
™ Titânio (Ti) 99,99% (varão com diâmetro: ∅=9,5 mm, fornecido pela
Goodfellow)
™ Níquel (Ni) 99,98% (varão com diâmetro: ∅=12,7 mm, fornecido pela
Goodfellow)
™ Aço inoxidável 316L (varão com diâmetro: ∅=10 mm, fornecido pela
Goodfellow)
™ Ti-6Al-4V (varão com diâmetro: ∅=10 mm)
™ NiTi (50,2% a 50,4% em Ni (% atómica); diâmetro: ∅=8.509 mm, liga
B da Memory-Metalle GmbH)
5.2.2 Soluções fisiológicas
Os ensaios electroquímicos foram realizados em solução 0,9% de NaCl,
solução de Hank e meio de cultura MEM. O meio de cultura MEM foi adquirido à
Sigma-Aldrich®, ao passo que todas as outras soluções foram preparadas
laboratorialmente com reagentes P.A. e água desmineralizada, de acordo com as
composições químicas presentes na tabela 5.1. Na tabela 5.2, apresenta-se a
composição química do meio de cultura MEM, fornecido pelo fornecedor.
5. Procedimento Experimental
58
Tabela 5.1. Composição química das soluções utilizadas.
Solução
Solução de Hank
Solução de soro fisiológico
Composição (g/L)
KCl
0,40
KH2PO4
0,06
Na2HPO4.2H2O
0,06
NaHCO3
0,35
NaCl
8,0
C6H12O6
1,0
CaCl2.2H2O
0,185
MgCl2.6H2O
0,10
MgSO4.7H2O
0,06
NaCl
9
Tabela 5.2. Composição química do meio de cultura (MEM)[89].
Sais inorgânicos (g/L)
KCl
Aminoácidos (g/L)
0,40
L-Arginina.HCl
0,126
Na2HPO4
0,122
L-Cistina.2HCl
0,0313
NaHCO3
2,2
L-Glutamina
0,292
NaCl
6,8
L-Histedina HCl.H20
0,042
CaCl2 anidro
0,2
L-Isoleucina
0,052
L-Leucina
0,052
MgSO4 anidro
0,09767
Vitaminas(g/L)
Ácido fólico
0,001
Inositol
0,002
Niacina
0,001
Pantotenato de Cálcio
0,001
Piridoxina HCl
0,001
Riboflavina
0,0001
Tiamina HCl
0,001
L-Lisina. HCl
0,0725
L-Metionina
0,015
L-Fenilalanina
0,032
L-Treonina
0,048
L-Tirosina
0,01
L-Valina
0,0519
Outros componentes(g/L)
C6H12O6
Vermelho de fenol
1,0
0,011
5. Procedimento Experimental
59
5.3 Condições Experimentais
5.3.1. Preparação das Amostras
As amostras utilizadas neste estudo (exceptuando os ensaios de XPS e
AES), foram incorporadas em resina epoxídica (EpoFix da Struers), tendo o
contacto eléctrico sido assegurado por um fio de cobre devidamente colado com
prata coloidal. Depois de montadas em resina, procedeu-se ao desgaste
superficial das amostras, com lixas SIC de várias granulometrias, até 2400 mesh,
seguindo-se o polimento com pasta de diamante até 1µm.
De forma a minimizar os fenómenos de corrosão intersticial entre a resina
e o metal, as amostras metálicas foram delimitadas com uma mistura de cera de
abelha e colofónia (3:1).
A figura 5.1 mostra as várias etapas de preparação das amostras para uso
nos ensaios electroquímicos.
Figura 5.1. Montagem das amostras dos materiais para ensaios electroquímicos.
As amostras utilizadas nos ensaios de XPS e Auger foram lixadas e polidas
do mesmo modo que o descrito anteriormente, mas não foram colocadas em
resina nem em cera, dada a possibilidade de contaminação da superfície com o
carbono proveniente destes tratamentos.
5.3.2. Ensaios Electroquímicos
Nos ensaios electroquímicos utilizou-se uma célula de três eléctrodos
composta pela amostra (eléctrodo de trabalho), por um contra-eléctrodo de
platina na forma de fio em espiral e por um eléctrodo de calomelanos saturado
(ECS) como eléctrodo de referência. A célula utilizada é uma célula de parede
dupla, de modo a manter constante a temperatura da solução através da
5. Procedimento Experimental
60
circulação de um banho termostatizado, tendo-se usado uma gaiola de Faraday
para minimizar interferências externas.
Todos os ensaios foram realizados a 37ºC, sem desarejamento, de modo a
simular as condições in vivo.
Figura 5.2. Imagem da célula de parede dupla constituída por três eléctrodos
(eléctrodo de trabalho, eléctrodo auxiliar e eléctrodo de referência).
5.4 Técnicas de Caracterização
5.4.1. Técnicas electroquímicas
5.4.1.1. Monitorização do Potencial de Circuito Aberto (OCP)
A duração dos ensaios de monitorização do potencial de circuito aberto
dependeu da resposta do sistema, ou seja, do tempo necessário à estabilização
dos valores de potencial.
Uma vez que os ensaios de monitorização do potencial de circuito aberto
precederam outros ensaios electroquímicos, como o traçado de curvas de
polarização, foi utilizado para o efeito um potencióstato da marca Radiometer,
modelo VoltaLab PGZ100, acoplado a um computador, e ajustaram-se as
condições
experimentais
fabricante do equipamento.
através
do
software
VoltaMaster4 fornecido
pelo
5. Procedimento Experimental
61
5.4.1.2. Curvas de Polarização Anódica
Para o traçado das curvas de polarização anódica, após estabilização do
potencial de circuito aberto (OCP), fez-se um varrimento do potencial desde um
valor 20 mV catódico em relação ao OCP até 1,2 V/ECS, usando uma velocidade
de varrimento de 1mV/s. Para tal, usou-se um potenciostato da marca
Radiometer, modelo VoltaLab PGZ100, acoplado a um computador, e ajustaramse as condições experimentais através do software mencionado no ponto 5.3.1.1.
Figura 5.3. Imagem do potenciostato usado para a realização dos ensaios de OCP e
traçado das curvas de polarização.
5.4.1.3. Espectroscopia de Impedância Electroquímica (EIS)
Os
ensaios
de
espectroscopia
de
impedância
electroquímica
foram
realizados com o auxílio de uma interface electroquímica FAS1 Femtostat, da
Gamry Instruments (figura 5.4), controlada por computador através do software
EIS 300.
Todas as medidas de EIS foram realizadas ao potencial de circuito aberto,
impondo-se uma perturbação sinusoidal com amplitude de 10 mV (valor eficaz,
do inglês r.m.s.) e frequências de 10 kHz a 5 mHz. O comportamento das
amostras foi seguido ao longo do tempo, através da aquisição de sucessivos
espectros, até à verificação da estabilização do sistema em estudo.
Figura 5.4. Imagem do sistema de espectroscopia de
impedância electroquímica, com gaiola de Faraday.
5. Procedimento Experimental
62
5.4.1.4. Medidas de Capacidade
Medidas de impedância electroquímica efectuadas a frequência fixa e
potencial variável, foram realizadas para determinar a capacidade dos filmes
passivos formados a 800 mV/ECS nas amostras em estudo. À semelhança dos
ensaios de espectroscopia de impedância electroquímica referidos em 5.3.1.3,
também neste caso se utiliza uma perturbação sinusoidal de potencial com
amplitude 10 mV (rms), mas com frequência fixa e fazendo-se variar o potencial.
Os valores de capacidade, são determinados a partir da componente imaginária
da impedância (Zimag), através da relação C=1/(2π f Zimag).
Foi realizado um varrimento do potencial entre 0,8 V/ECS e -1,5 V/ECS
utilizando um potenciostato (EG&G 273A) acoplado a um amplificador de
detecção síncrona (tipo lock-in) EG&G/PAR 5210 (figura 5.5.), impondo um sinal
alternado de amplitude 10mV (rms) e frequência de 1kHz.
Uma vez que o objectivo destes ensaios é o estudo das propriedades dos
filmes passivos e que estas podem ser modificadas em caso de ocorrênica de
corrosão, optou-se por analisar as amostras numa versão modificada da solução
de Hank, por remoção dos iões cloreto da solução original.
Figura 5.5. Imagem do sistema usado na
determinação das capacidades.
5. Procedimento Experimental
63
5.4.2. Técnicas de Análise de Superfícies
5.4.2.1.
Espectroscopia
de
Fotoelectrões
Raios-X
e
Espectroscopia de Electrão Auger
Figura 5.6. Imagem do laboratório onde se realizam os ensaios de XPS e AES
(esquerda) e pormenor ampliado do equipamento onde se realizam estes ensaios.
A caracterização analítica de superfície dos diferentes materiais foi
efectuada através de Espectroscopia de Electrões Auger (AES) e Espectroscopia
de Fotoelectrões X (XPS).
Para a análise por espectroscopia de Auger e XPS, usou-se um sistema
FISONS, MICROLAB 310 F, que é um microsonda Auger de varrimento equipado
com uma fonte de raios X (figura 5.6).
Os perfis de concentração Auger dos óxidos formados espontaneamente
sobre a liga de NiTi e dos seus componentes puros (Ti e Ni) foram efectuados
utilizando um feixe de iões Ar+ de alta pureza, à energia de 1 keV, pressão de
1x10-7 mBar e uma densidade de corrente variando entre 0,5 – 0,6 µA/mm2. Os
espectros Auger foram obtidos em modo CRR (Constant Retard Ratio) usando
uma energia de 10 keV e uma corrente de cerca de 50 nA para o feixe de
electrões.
As análises de espectroscopia de fotoelectrões de raios-X (XPS) foram
realizadas sobre os mesmos materiais, tendo sido utilizado um ânodo não
monocromático de Mg (risca Ka = 1253,6 eV) como fonte de raios-X, trabalhando
a uma energia de 15 keV, tendo os espectros sido obtidos em modo CAE
(Constant Analyser Energy). A resolução energética nas condições utilizadas foi
de aproximadamente 0,85 eV.
Capítulo
6
Resultados e Discussão
6. Resultados e Discussão
67
6.1. Ensaios Electroquímicos
Nesta secção, serão apresentados e discutidos os resultados obtidos, com
o objectivo de avaliar o comportamento da liga de NiTinol face à corrosão. Para
tal, foram realizados ensaios electroquímicos tais como monitorização do
potencial de circuito aberto, curvas de polarização anódica e ensaios de
espectroscopia de impedância electroquímica. A estrutura electrónica dos filmes
passivos foi analisada através de medidas de capacidade (aproximação de MottSchottky). As diferentes técnicas electroquímicas serão apresentadas em itens
diferentes, sendo, no entanto, complementares entre si.
6.1.1. Monitorização do potencial de circuito aberto (OCP)
Foi realizado um estudo comparativo entre os diferentes materiais
normalmente usados em aplicações biomédicas no campo das próteses (liga de
Ti-6Al-4V e Aço inoxidável 316L) e a liga de NiTi, elemento central deste estudo.
Na Figura 6.1. apresenta-se a evolução do potencial de circuito aberto para os
materiais mencionados acima, bem como para os elementos da liga NiTi - Ti
99,99% e Ni 99,98% - quando imersos em solução de Hank a 37ºC.
-0,2
316L
E (V vs ECS)
-0,3
Ni
-0,4
NiTi
-0,5
Ti
Ti-6Al-4V
-0,6
-0,7
0
250
500
750
1000
1250
1500
1750
2000
Tempo de imersão (s)
Figura 6.1. Evolução do potencial de circuito aberto dos diferentes materiais em
solução de Hank a 37ºC, nos primeiros 2000 segundos de imersão.
6. Resultados e Discussão
68
Um dos aspectos a realçar é o facto de tanto o Ti como a liga de Ti-6Al-4V
apresentarem um Ecorr muito baixo, típico de metais activos, o que contradiz a
bem conhecida resistência à corrosão destes materiais. Para esclarecer este
aspecto, procedeu-se à monitorização do OCP para maiores tempos de imersão,
tendo-se verificado que, após aproximadamente 24 horas de imersão, o OCP
tinha aumentado (figura 6.2). É assim de esperar que, o potencial de circuito
aberto destes materiais venha a atingir valores típicos de materiais passivos para
maiores períodos de imersão. Note-se que este facto tem paralelo com dados da
bibliografia que referem que o filme de óxido de Ti formado ao ar, cresce
continuamente com o tempo de exposição, podendo, para tempos elevados (da
ordem dos 4 anos), vir a atingir os 25 nm [19,20].
E (V vs ECS)
-0,2
Ni
-0,3
NiTi
-0,4
-0,5
Ti
-0,6
-0,7
0
3
6
9
12
15
18
21
24
Tempo de imersão (h)
Figura 6.2. Evolução do potencial de circuito aberto da liga de NiTi e dos metais que
a constituem (Ti e Ni) em solução de Hank e a 37ºC, durante 24 horas de imersão.
Relativamente ao NiTinol, observa-se que nos instantes iniciais de imersão,
este apresenta um potencial de circuito aberto situado entre os valores obtidos
para o Ni e Ti. Sendo a liga de NiTi constituída por estes dois metais, é normal
notar essa influência em termos de OCP. Contudo, para maiores tempos de
imersão, verifica-se que o valor de potencial de circuito aberto do NiTinol e do
titânio se aproximam, o que parece indicar que a composição dos filmes passivos
formados nos dois materiais, devido à imersão no meio agressivo, é semelhante
6.1.2. Curvas de polarização anódica
Foram realizadas curvas de polarização anódicas nas amostras de NiTi, Ni,
Ti, Ti-6Al-4V e aço inoxidável 316L. De forma a comparar também a influência do
electrólito no comportamento dos diferentes materiais, testaram-se a solução de
Hank (Figura 6.3.) e meio de cultura MEM (Figura 6.4.).
6. Resultados e Discussão
69
1,5
Ti-6Al-4V
1,2
NiTi
E (V vs ECS)
0,9
Ti
0,6
Ni
0,3
316L
0,0
-0,3
-0,6
-9
-8
-7
-6
-5
-4
-3
-2
log i (A.cm )
Figura 6.3. Curvas de polarização anódicas obtidas em solução de Hank e a 37ºC,
para todos os metais/ligas em estudo (1mV.s-1).
1,5
Ti-6Al-4V
1,2
NiTi
E (V vs. ECS)
0,9
Ti
0,6
316L
0,3
Ni
0,0
-0,3
-0,6
-9
-8
-7
-6
-5
-4
-3
log i (A.cm-2)
Figura 6.4. Curvas de polarização anódicas obtidas em meio de cultura de MEM e a
37ºC, para todos os metais/ligas em estudo (1mV.s-1)
Dos resultados obtidos, pode observar-se que, independentemente do
meio agressivo, todas as ligas apresentam um comportamento passivo, embora a
liga de aço inoxidável 316L e o Ni apresentem uma menor extensão da zona de
passivação do que os restantes materiais. Este comportamento está relacionado
com o aparecimento de picadas, sendo possível determinar um potencial de
picada de aproximadamente, 0,3 V/ECS para estes materiais. Por outro lado, na
liga de NiTi, o aumento de corrente ocorre a potenciais bastante elevados
(~1 V/ECS) sendo provavelmente devido à libertação de O2, não estando por isso
6. Resultados e Discussão
70
associado a uma situação de corrosão por picada. Aliás, segundo a literatura [90],
para potenciais até 9V não se observa corrosão por picadas nas ligas de titânio. A
existência de uma reacção de oxidação envolvendo iões Ti3+, com formação de
Ti4+, também poderia justificar esse aumento de densidade de corrente. De notar
ainda que no caso do Ti puro não se detecta qualquer aumento de corrente
mesmo quando o potencial atinge valores muito elevados, o que revela o carácter
válvula deste metal.
No entanto, embora a liga de NiTi não seja susceptível à corrosão por
picadas nestas soluções, pode sofrer corrosão intersticial. Com efeito, ensaios
realizados em amostras de NiTi com um diâmetro de 2 mm - dimensão que,
impossibilitando o uso da máscara de cera de abelha, conduz a áreas de interface
amostra/resina elevadas - acusaram a ocorrência deste fenómeno (figura 6.5.).
1,2
NiTi – 8,5 mm
E (V vs ECS)
0,8
Ti
Ni
0,4
NiTi – 2 mm
0,0
-0,4
-0,8
-9,0
-8,0
-7,0
-6,0
-5,0
-4,0
-3,0
log i (A.cm-2)
Figura 6.5. Curvas de polarização anódica das amostras de NiTi com dois diâmetros
diferentes (2 mm e 8,5 mm) e comparação com os resultados obtidos para os
elementos de liga Ti e Ni.
Neste caso, verifica-se um rápido aumento de densidade de corrente acima
dos 0,5 V o que poderá estar associado com o fenómeno de corrosão intersticial.
Este aspecto indicia um carácter menos protector do filme formado no NiTinol,
relativamente à camada passiva do titânio.
Por
outro
lado,
estes
resultados
permitem
ainda
justificar
os
aparentemente menores valores de potencial de picada do NiTinol observados por
outros autores [91] que deverão ser associados ao um processo de corrosão
6. Resultados e Discussão
71
intersticial e não ao aparecimento de picadas, explicando-se desta forma a falta
de reprodutibilidade deste parâmetro referida por Villermaux et. al. [34].
6.1.3. Efeito do pH no comportamento do NiTi
De forma a avaliar o efeito do pH do electrólito no comportamento face à
corrosão da liga de NiTi, foram realizados ensaios de curvas de polarização
anódica a pH 3; pH 5,7; pH 7,4 e pH 10 numa solução de 0,9% em NaCl. Foi
necessário recorrer a esta solução, uma vez que representa um teor em cloretos
próximo do que se encontra no corpo humano, além de ser uma solução cujas
alterações em termos de pH são possíveis, comparativamente com a solução de
Hank, uma vez que esta última é uma solução tampão. Estes valores de pH
pretendem simular os casos concretos em que uma inflamação ou uma reacção
alérgica podem ocorrer, tal como se mencionou na parte introdutória.
1,5
E (V vs ECS)
1,2
pH 3
0,9
pH 5,7
0,6
pH 7,4
pH10
0,3
0,0
-0,3
-0,6
-8
-7
-6
-5
-4
-3
-2
log i (A.cm )
Figura 6.6. Curvas de polarização anódica de NiTi em solução de NaCl a 0,9%, a
vários valores de pH: pH3; pH5,7; pH 7,4 e pH10.
Pela avaliação dos resultados obtidos nas soluções a diferentes valores de
pH (figura 6.6.), verificou-se que a liga de NiTi não exibiu diferenças significativas
em termos de valores de densidade de corrente, permanecendo o material
passivo em toda a gama de pH estudado.
Numa primeira abordagem estes resultados permitem concluir que a
resistência à corrosão do NiTinol será devida à presença de um filme passivo
maioritariamente constituído por óxido de titânio. Com efeito, de acordo com o
diagrama de Pourbaix do titânio, é de esperar uma elevada estabilidade deste
6. Resultados e Discussão
72
óxido em toda a gama de pH, uma vez que a zona de passivação cobre
completamente o domínio de estabilidade da água
Um outro aspecto a ter em conta da observação da figura 6.6 é que a
diminuição do pH da solução se traduz num aumento do Ecorr. Este facto é
facilmente justificável pelo aumento do potencial de equilíbrio do processo
catódico com a diminuição de pH. Com efeito, dado que o potencial de corrosão é
um potencial misto, ao qual se verifica a igualdade entre a corrente produzida no
sistema anódico e a corrente consumida no processo catódico, e tendo em conta
que o processo catódico corresponde à evolução do hidrogénio, é de esperar que
uma variação nos parâmetros desta reacção seja sentida no valor de Ecorr.
Atendendo ao comportamento Nernestiano da reacção de redução, traduzido pela
relação
E H / H + = 0,000 − 0,0591.pH
2
(6.1)
quanto mais alto for o pH menor será o valor do potencial de equilíbrio desta
reacção. Por seu lado, o comportamento do sistema anódico (metal) na zona
passiva é praticamente independente do pH. Desta forma, e de acordo com a
Figura 6.7, o potencial de corrosão do sistema passivo reflectirá apenas a
dependência da reacção catódica, pelo que um sistema a pH mais alto terá um
E’corr inferior ao medido para um sistema a pH inferior, Ecorr.
Figura 6.7. Representação esquemática pH de solução no potencial de corrosão de
um metal.
6. Resultados e Discussão
73
6.1.4. Efeito da temperatura no comportamento do NiTi
A influência da temperatura no comportamento do NiTi foi avaliada através
da medição, em solução de Hank, do potencial de circuito aberto, de modo a
interpretar o comportamento da liga quando sujeita a alterações da temperatura
externa. Estas oscilações de temperatura, que por vezes se fazem de forma
drástica, são procedimentos habituais, realizados pelos especialistas da área da
medicina, quando se pretende tirar partido das propriedades de memória de
forma destas ligas. Tal como referido anteriormente, a diminuição da temperatura
da liga (abaixo de Mf) conduz à formação de martensite deformável enquanto que
a temperaturas superiores (conseguidas por exemplo quando a liga é implantada
no paciente) o material recupera a fase austenítica e com ela a sua forma
original.
Nestes ensaios monitorizou-se o potencial de circuito aberto num ciclo
constituido por um aumento da temperatura (-5ºC a 37ºC), seguido de uma
diminuição da temperatura (37ºC a -1ºC), e novamente, de um aumento da
temperatura até aos 37ºC. Note-se que durante o ensaio, a medição da
temperatura foi realizada apenas no electrólito e não na liga NiTi. Contudo, tendo
em conta que o material em estudo é um metal, é possível esperar uma
semelhança entre a temperatura do electrólito e a temperatura do material, pelo
que se assume que a temperatura medida será muito próxima da da liga (não se
consideram portanto, possíveis perdas de energia).
Da observação da figura 6.8. é possível constatar que existe uma clara
relação entre o potencial de circuito aberto e a temperatura do electrólito,
verificando-se que o Ecorr se desvia para valores mais negativos com o aumento
da temperatura, voltando a valores mais elevados quando se diminui a
temperatura novamente. Assim, é possível associar um potencial de corrosão
característico a cada fase cristalográfica, apresentando a martensite potenciais de
corrosão mais altos do que a fase autenítica.
6. Resultados e Discussão
74
-0,35
Ecorr (V vs ECS)
B
30
Martensite
-0,39
Austenite
-0,41
23
Austenite
16
-0,43
9
A
-0,45
2
-0,47
-0,49
0
30
60
90
120
150
180
210
240
Temperatura electrólito (ºC)
37
-0,37
-5
270
tempo (min.)
Figura 6.8. A - Representação gráfica da influência da temperatura do electrólito no
potencial de corrosão da liga de NiTi. B - Representação da variação da temperatura
do electrólito durante a monitorização do potencial de circuito aberto.
6.1.5. Espectroscopia de Impedância Electroquímica
(EIS)
Com o propósito de comparar o filme de óxidos formado à superfície da
liga de NiTinol quando imersa em solução de Hank e quando imersa em meio de
cultura MEM, amostras de NiTi foram estudadas através de espectroscopia de
impedância electroquímica após 24 horas de imersão a 37ºC. Os resultados
obtidos ao potencial de circuito aberto são apresentados sob a forma de diagrama
-90
-80
Solução
-70
de Hank
-60
-50
MEM
-40
-30
-20
-10
0
-3
-2
-1
0
1
2
3
4
5
10 10 10 10 10 10 10 10 10
7
10
6
10
|Z|(Ω.cm2)
θ (graus)
de Bode e de Nyquist nas figuras 6.9 e 6.10, respectivamente.
5
10
4
10
Solução
de Hank
3
10
2
10
1
MEM
10
0
10 -3
-2
-1
0
1
2
3
4
5
10 10 10 10 10 10 10 10 10
f (Hz)
f (Hz)
Figura 6.9. Diagramas de Bode obtidos para a liga NiTi imersa em solução de Hank (▪) e em
meio de cultura MEM (•), durante 24 horas.
6. Resultados e Discussão
-Zimag (Ω.cm2)
75
-1,2x10
6
-1,0x10
6
-8,0x10
5
-6,0x10
5
-4,0x10
5
-2,0x10
5
0,0
0,0
Solução
de Hank
MEM
5
5
5
5
6
6
2,0x10 4,0x10 6,0x10 8,0x10 1,0x10 1,2x10
Zreal (Ω.cm2)
Figura 6.10. Diagrama de Nyquist obtido para a liga NiTi imersa em solução de
Hank (▪) e em meio de cultura MEM (•), durante 24 horas.
Os diagramas apresentados nas figuras 6.9 e 6.10. sugerem um
comportamento capacitivo, indicado pelos ângulos de fase próximos dos -90º na
região das médias frequências e típico de materiais passivos, envolvendo um
filme protector com elevada resistência à corrosão. Este facto é também
corroborado pelo seu elevado valor de resistência, que leva a que não seja
detectado o fecho do semicírculo ás baixas frequências.
De um modo geral, a liga de NiTi comporta-se de forma semelhante em
relação à corrosão quer imersa em solução de Hank, quer em meio de cultura
MEM. Contudo, comparando os resultados nos dois electrólitos usados, observam-se valores de ângulo de fase (figura 6.9.) menores no caso do meio de cultura
MEM na região das baixas frequências, o que poderá estar relacionado com a
formação de uma camada barreira mais defeituosa e, consequentemente, com
uma menor resistência do que a formada em solução de Hank. Além disso, os
diagramas de Nyquist (figura 6.10.) apoiam o descrito anteriormente, uma vez
que apresentam um menor valor de impedância no caso do meio de cultura de
MEM, e apontam para um filme mais espesso no caso da solução de Hank.
Após a análise dos espectros de EIS obtidos tanto para a solução de Hank
como para o meio de cultura MEM, verificou-se que é possível ajustar os
resultados experimentais a um circuito equivalente (figura 6.11.), o qual
considera uma estrutura «duplex» para o filme de óxido: uma camada de óxido
interna e compacta e uma camada externa porosa. Desta forma, a condução
electrónica pode ser assegurada através de dois diferentes caminhos:
6. Resultados e Discussão
76
ƒ
nos poros, considera-se apenas a contribuição do atravessamento
do filme barreira, caracterizado pela sua resistência Rb e pela sua
capacidade Cb, e resistência adicional da solução dentro do poro,
Rporo;
ƒ
na restante área do filme (fora dos poros), considera-se o
atravessamento da espessura total do filme, representada pela
capacidade Cf, uma vez que a correspondente resistência Rf, será,
para um filme espesso, tão elevada que, no processo em paralelo,
não assegura qualquer caminho para o fluxo de electrões)
Os resultados foram ajustados usando elementos de fase constante (CPE’s,
constant phase element), os quais permitem simular um comportamento típico de
um condensador (se n ≈ 1) quando existe uma dispersão de constantes de tempo.
Nas figuras 6.12. e 6.13., apresentam-se os diagramas de Bode para as duas
condições experimentais testadas, com o respectivo ajuste ao circuito equivalente
proposto.
NiTi
Figura 6.11. Circuito eléctrico equivalente proposto para
a simulação numérica dos resultados de EIS obtidos.
6. Resultados e Discussão
|Z| (Ω.cm2)
77
10
7
10
6
10
5
10
4
10
3
10
2
10
1
10
A
Rsol=
θ (graus)
12,7 Ω.cm2
CPEf= 1,7x10-5 F.cm-2
(n=0,90)
0
-3
10
-9
-8
-7
-6
-5
-4
-3
-2
-1
B
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
10
-2
10
-1
10
0
10
1
10
2
10
3
10
4
10
10
5
Rporo= 4,3x103 Ω.cm2
CPEb= 2,0x10-6 F.cm-2
(n=0,98)
Rb= 5,0x106 Ω.cm2
χ2= 10-3
-3
10
-2
10
-1
10
0
1
10
2
10
3
10
4
10
10
5
|Z| (Ω.cm2)
f (Hz)
Figura 6.12. A - Curva experimental e curva ajustada para a liga NiTi depois de
imersa em solução de Hank a 37ºC, durante 24 horas. B – Resultados obtidos através
do ajuste do circuito equivalente.
10
7
10
6
10
5
10
4
10
3
10
2
10
1
10
θ (graus)
Rsol=
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
10
11,2 Ω.cm2
CPEf= 2,7x10-5 F.cm-2
(n=0,94)
0
10
-9
-8
-7
-6
-5
-4
-3
-2
-1
B
A
-3
10
-2
10
-1
10
0
10
1
10
2
10
3
10
4
10
5
Rporo= 30,7 Ω.cm2
CPEb= 7,9x10-6 F.cm-2
(n=0,93)
Rb= 2,3x106 Ω.cm2
χ2= 10-4
-3
10
-2
10
-1
10
0
10
1
10
2
10
3
10
4
10
5
f (Hz)
Figura 6.13. A - Curva experimental e curva ajustada para a liga NiTi depois de
imersa em meio de cultura MEM a 37ºC, durante 24 horas. B – Resultados obtidos
através do ajuste do circuito equivalente.
Avaliando os resultados dos ajustes aos espectros obtidos nos dois
electrólitos, conclui-se haver algumas diferenças entre as características das
respectivas camadas barreira. Com efeito, as capacidades dos filmes barreira
formados em solução de Hank e em MEM são de, respectivamente, 2,0 µF.cm-2 e
6. Resultados e Discussão
78
7,9 µF.cm-2, indicando que o filme formado em MEM é, aparentemente, mais fino
do que o formado na outra solução. De facto, assumindo que a capacidade da
camada de óxidos pode ser expressa por C=εε0/d, onde d é a espessura, ε a
constante dieléctrica do óxido e ε0 é a permitividade no vácuo, maiores valores de
capacidade indiciam menores espessuras. Para uma razão entre os valores de Cb
de 2,0 µF.cm-2 e 7,9 µF.cm-2, i.e., de aproximadamente 1:4, é de esperar que o
filme de óxidos formado em solução de Hank seja aproximadamente quatro vezes
mais espesso que o formado no meio de cultura MEM. Os valores ajustados para
as resistências da camada barreira estão também de acordo com esta análise, já
que os obtidos para a solução de Hank são superiores aos da camada barreira
formada em MEM.
No que respeita à camada porosa, os valores obtidos para as respectivas
capacidades parecem demasiado elevados, já que, aplicando-se directamente a
relação C=εε0/d, e assumindo que o óxido predominante nesta liga é TiO2, o qual
possui uma constante dieléctrica na ordem de 100 [92], se obteriam para a
espessura total do filme os valores de 5 nm e de 3 nm, respectivamente para a
solução de Hank e para o meio de cultura MEM, valores demasiado baixos,
podendo mesmo ser inferiores às espessuras determinadas para a camada
barreira. Esta aparente contradição pode ser explicada pela estrutura porosa do
filme que leva a que a área real, que determina a capacidade medida, seja muito
superior à área geométrica contabilizada nos cálculos, resultando na obtenção de
valores desproporcionadamente elevados de capacidade e, portanto, demasiado
reduzidos para a espessura. De qualquer forma, e assumindo que este efeito de
área afecta de forma semelhante os resultados obtidos nas duas soluções, pode
dizer-se que a espessura dos filmes formados na solução de Hank é superior à
obtida em meio de cultura MEM.
Estes resultados estão em consonância com as ideias propostas na
bibliografia [53, 52], segundo as quais a presença de aminoácidos e compostos
biológicos pode desencadear mais facilmente o ataque corrosivo. Assim, pode ser
justificado o facto do filme de óxidos formado em MEM ser menos espesso do que
o formado em solução de Hank, embora sejam ambos caracterizados como filmes
porosos.
6. Resultados e Discussão
79
6.1.6. Medidas de Capacidade
O estudo das propriedades electrónicas dos filmes de óxido formados na
liga de NiTi foi efectuado através de medidas de capacidade (representação de
Mott-Schottky). O objectivo deste estudo foi a obtenção de uma melhor
compreensão sobre o comportamento da interface óxido/electrólito, com base na
estrutura electrónica do material.
O crescimento dos filmes de óxido foi realizado através da imposição de
um potencial anódico, situado no patamar de passivação da liga NiTi (800 mV vs
ECS), durante 1 hora, em todas as amostras. No entanto, já que a este valor de
potencial é expectável que o níquel sofra corrosão por picada, optou-se por se
utilizar um electrólito semelhante à solução de Hank, quer em termos de pH como
em sais, mas sem a presença de iões cloreto.
Na figura 6.14. apresentam-se os resultados de capacidade dos filmes de
óxido formados no NiTinol e nos seus elementos de liga, Ti e Ni. Durante o
ensaio, os filmes foram sujeitos a um varrimento potencial entre 0,8 V e -1,5 V
no caso do NiTi e Ti e entre 0,8 V e -1V no caso do Ni, sendo em todos
determinada a capacidade à frequência constante de 1000Hz.
A
30
B
Ti
0,025
25
0,02
1/C2 (cm4/µF2)
C (µ F/cm 2)
Ni
20
15
NiTi
10
5
Ti
0,015
NiTi
0,01
0,005
Ni
0
-1
-0,5
0
0,5
E (V vs. ECS)
1
0
-1,5
-1
-0,5
0
0,5
1
E (V vs. ECS)
Figura 6.14. A - Capacidades obtidas para as amostras de Ti, Ni e NiTi B –
Representação de Mott-Schottky.
De acordo com os resultados apresentados na figura 6.14. A, pode
observar-se que para todos os casos se obtiveram capacidades inferiores a
6. Resultados e Discussão
80
15 µF/cm2, o que revela a presença de um filme passivo à superfície das
amostras.
Na representação de Mott-Schottky para o Ti e NiTi (figura 6.14. B),
obtiveram-se curvas cuja zona linear apresenta um declive positivo, o que sugere
que os óxidos formados em ambas as amostras apresentam um comportamento
semicondutor de tipo-n. Pelo contrário, no caso do Ni, o declive negativo da curva
permite considerar um comportamento semicondutor de tipo-p para os óxidos de
Ni.
De acordo com a teoria de Mott-Schottky, apresentada no capítulo 4., a
capacidade da região de carga de espaço de um semicondutor é dada pela
equação:
⎛
1
2
=⎜
2
⎜ε ε qN
C SC
q
⎝ 0
⎞⎛
⎟⎜ E − E bp − kT ⎞⎟
⎟⎝
e ⎠
⎠
(4.12)
pelo que, a partir das curvas C-2 em função do potencial aplicado E, se pode
determinar o potencial de banda plana, através da intercepção da região linear
com o eixo dos potenciais, e a taxa de dopagem através do declive da recta.
Note-se que, de acordo com a relação de Mott-Schottky, o cálculo da taxa de
dopagem (densidade de doadores ou aceitadores) requer o conhecimento da
constante dieléctrica ε do filme. Assim, de acordo com as fontes bibliográficas
consultadas, usou-se o valor de 10 [93] para as amostras de Ni, e 100 [92,94]
para o Ti e NiTi, assumido que neste último material o filme passivo é
maioritariamente constituído por óxido de titânio.
Foi então possível estimar o potencial de banda plana e a densidade de
defeitos (doadores ou aceitadores) dos filmes passivos (tabela 6.1.), não se
verificando diferenças significativas entre as propriedades semicondutoras do
óxido formado à superfície do NiTi e do óxido formado nas mesmas condições no
Ti (figura 6.14. B).
Tabela 6.1. Resultados obtidos para as amostras de NiTi, Ti e Ni
após ensaio com Mott-Schotkky (Ebp – potencial de banda plana e
ND/A – Densidade de defeitos).
Amostra
Ebp (V vs ECS)
ND/A (cm-3)
Ti
-1,01
6,1x1020
NiTi
-0,99
6,3x1020
Ni
0,39
1,1x1020
6. Resultados e Discussão
81
Parece ser assim possível concluir que o efeito do óxido de Ti será
preponderante nas propriedades electrónicas dos filmes passivos formados no
NiTinol.
6.2. Técnicas de análise de superfície
Os filmes passivos formados nos diferentes materiais foram caracterizados por
espectroscopia de fotoelectrões raios-X (XPS) e espectroscopia de electrões Auger
6.2.1. Espectroscopia de Electrão Auger (AES)
Os perfis de concentração obtidos pela técnica de AES envolvem um
processo de desgaste, através do bombardeamento das amostras com um feixe
de iões Ar+, e o traçado de um espectro Auger após cada bombardeamento. O
tratamento dos espectros obtidos permite quantificar os vários elementos
presentes e, consequentemente, a obtenção dos perfis de concentração, quando
se representam os resultados obtidos em função da profundidade desgastada. O
conhecimento da velocidade de desgaste de um material envolve a utilização de
padrões de espessura conhecida. No entanto, neste trabalho isso não foi possível,
pelo que se arbitrou que o bombardeamento da amostra, durante 1 segundo, com
um feixe de iões Ar+ de densidade de corrente 1µA/mm2 conduz à remoção de 1
unidade arbitrária (u.a.) de espessura. Por outro lado, a quantificação dos vários
elementos é feita com base nas áreas dos picos característicos tomando um factor
de sensibilidade para o elemento e transição considerados.
Na Figura 6.15 apresenta-se o perfil de concentração AES obtido para uma
amostra de NiTinol, depois de polida a 1µm e lavada com álcool e água destilada.
6. Resultados e Discussão
82
80
Percentagem atómica (%)
70
60
50
Ti
40
Ni
30
20
10
O
0
0
50
100
150
200
250
300
Espessura desgastada (u.a.)
Figura 6.15. Perfil de concentração AES obtido para uma amostra de NiTinol, depois
de polida a 1µm.
Como se pode verificar na figura 6.15, a análise do perfil de concentração
AES mostra que, na superfície, a razão Ti/O é cerca de 1:2, o que é consistente
com a presença do óxido de titânio na forma de TiO2. A presença de níquel à
superfície é muito pouco relevante, em comparação com os outros 2 elementos
(cerca de 6%).
Ao longo do tempo de bombardeamento, é notória a evolução da
percentagem atómica do Ni, e o consequente desaparecimento do oxigénio. Ao
fim de 260 s de bombardeamento, observa-se que a proporção Ti/Ni é a esperada
para a composição da liga de NiTi ~ 50%Ni/50%Ti.
O perfil de concentração Auger para o níquel e o titânio puro (Figuras 6.16.
e 6.17., respectivamente), permitem afirmar que para ambos os casos é possível
encontrar o metal em simultâneo com o oxigénio, embora em proporções
diferentes. No caso da amostra de Ti, pode observar-se uma razão Ti/O 2:1
indicativa da presença de TiO2. No caso do Ni, esta razão é de 1:1 permitindo
concluir que a amostra apresenta na sua superfície um óxido de Ni na forma de
NiO.
6. Resultados e Discussão
100
90
80
70
60
50
40
30
20
10
0
Ni
Percentagem atómica (%)
Percentagem atóm ica (% )
83
O
0
20
40
60
80
100
120
140
100
90
80
70
60
50
40
30
20
10
0
Ti
O
0
Espessura desgastada (u.a.)
20
40
60
80
100 120 140 160
Espessura desgastada (u.a.)
Figura 6.16. Perfil de concentração AES
obtido para uma amostra de Ni puro, depois
de polida a 1µm.
Figura 6.17. Perfil de concentração AES obtido
para uma amostra de Ti, depois de polida a
1µm.
Na Figura 6.18 apresenta-se o perfil de concentração AES obtido para uma
amostra de NiTinol, após 3 dias de imersão em solução de Hank, a 37ºC e ao
potencial de circuito aberto. Verifica-se que ocorreu um crescimento do filme de
óxidos, evidenciado pelo aumento do tempo de bombardeamento até se chegar à
composição do substrato (~ 50% Ni/50% Ti).
80
Percentagem atómica (%)
70
60
O
50
40
Ti
30
20
Ni
10
0
0
100
200
300
400
Espessura desgastada (u.a.)
Figura 6.18. Perfis de concentração AES obtidos para a liga de NiTi, no caso de
formação de óxido por exposição ao ar (linhas a cheio) e no caso de formação de
óxido por imersão em solução de Hank durante 3 dias, a 37ºC (linhas a tracejado).
6. Resultados e Discussão
84
Através da representação gráfica da razão Ti/Ni no caso do filme de óxidos
formado ao ar e do filme de óxidos formado por imersão do NiTi em solução de
Hank durante 3 dias, é possível observar que o filme de óxidos das amostras de
NiTi cresce ao longo do tempo, já que a razão unitária Ti/Ni só se atinge a maior
profundidade na amostra que for imersa.
10
9
8
3 dias de imersão em solução de Hank
Ti/Ni
7
6
5
Filme crescido ao ar
4
3
2
1
0
100
200
300
400
Espessura desgastada (u.a.)
Figura 6.19. Proporção de titânio relativamente ao níquel presente no filme de
óxidos, obtido por análise de perfil de concentração AES, na amostra de NiTi antes e
depois de imersa em solução de Hank.
Por outro lado, o perfil Auger representado desta forma (figura 6.19.)
permite observar um pico na razão Ti/Ni aos ~20s, o que indica que, em ambos
os casos, a superfície é rica em Ni, relativamente ao interior da camada de
óxidos. O mesmo resultado foi obtido por O’Brien [95], o qual descreve que o
filme de óxidos formado no NiTinol é essencialmente constituído por TiO2, embora
com alguma quantidade de NiO. No mesmo estudo, o autor refere a existência de
camadas a diferentes profundidades e com diferentes concentrações relativas de
óxidos de titânio e níquel.
6.2.2. Espectroscopia de Fotoelectrões Raios-X
Uma vez que a análise por XPS permite a caracterização superficial, a
identificação e a quantificação dos vários elementos químicos presentes no filme
de passivação e do seu tipo de ligação química, um dos objectivos deste estudo
foi o de caracterizar os elementos presentes à superfície das amostras logo após
6. Resultados e Discussão
85
o processo de preparação e depois de imersa durante 3 dias e a 37ºC em solução
que simula o meio fisiológico (solução de Hank) e em meio de cultura (MEM).
Realizaram-se ensaios de XPS na amostra de NiTi e em amostras dos
metais puros correspondentes aos seus elementos de liga (Ni e Ti) com o
propósito de caracterizar o filme de óxidos nativo. Na Figura 6.20., apresentamse as sobreposições das regiões Ti2p e Ni2p, obtidas para o NiTinol e para os
metais puros. Além disso, foram colocadas amostras em solução durante 3 dias,
de modo a ser possível o estudo do filme de óxidos formado em condições mais
próximas das que sucedem no meio fisiológico.
7E+04
A
Ti puro
Contagens (u.a.)
6E+04
5E+04
Ti4+
4E+04
Ti0
3E+04
Nitinol
2E+04
6E+03
466.5
461.5
456.5
451.5
Energia de ligação (eV)
8.7E+4
B
Contagens (u.a.)
8.5E+4
8.3E+4
Ni puro
8.1E+4
Ni hid.
7.9E+4
Ni0
7.7E+4
Nitinol
7.5E+4
Ni ox
7.3E+4
861
856
851
846
Energia de ligação (eV)
Figura 6.20. Espectros de XPS para a liga de NiTi, em relação a (A) Ti 2p e (B) Ni 2p.
6. Resultados e Discussão
86
No tratamento dos espectros, utilizou-se o algoritmo de Shirley para a
remoção do ruído de fundo e para cada um dos elementos utilizou-se sempre a
mesma gama de energias para a definição da linha de base.
Como se pode observar nos resultados apresentados sobre as amostras
cujo filme de óxidos foi crescido ao ar (Figura 6.20.A), a região Ti2p é
caracterizada pela presença de um sinal duplo, correspondente às ionizações
Ti2p1/2 e Ti2p3/2 sendo os espectros obtidos para os dois materiais totalmente
sobreponíveis.
A
cada
uma
das
ionizações
foram
ajustados
dois
picos,
correspondentes a dois estados de oxidação diferentes, indicando a presença de
Ti(IV) e Ti(0), sendo este último sinal muito provavelmente originado no
substrato metálico (Tabela 6.2.).
Tabela 6.2. Energias e quantificação das espécies de Ti (Ti2p)
Pico
Ti 2p3/2
Ti 2p1/2
Centro (eV)
% de Ti
0-III
455,6
29,12
IV
459,0
70,88
0-III
461,0
IV
464,7
De igual modo, a desconvulção da região Ni2p permitiu o ajuste de dois
picos, correspondentes às forma metálica (substrato) e à forma oxidada. No
entanto, para esta ionização verifica-se que o pico correspondente ao Ni(II) se
encontra desviado para energias de ligação superiores no caso do Ni puro,
podendo ser associado com a presença de hidróxido de níquel, enquanto que as
menores energia de ligação no caso do NiTinol poderão ser indicativas da
presença de um óxido (não hidratado) ou, eventualmente, de uma ligação Ti-Ni.
No entanto, esta diferença deve ser alvo de futura investigação (Tabela 6.3.).
Tabela 6.3. Energias e quantificação das espécies de Ni (Ni2p)
Pico
Centro (eV)
% de Ni
Ni
0
853
90,87
Ni
II
854,12
9,13
6. Resultados e Discussão
87
Dado que as formas oxidadas encontradas para o titânio e para o níquel
são, respectivamente, as formas Ti4+ e Ni2+, parece ser possível concluir que o
filme de óxido formado ao ar no NiTinol é constituído por TiO2 e NiO, não sendo
no entanto possível distinguir se se trata de uma mistura de óxidos ou de um
óxido misto. Estes resultados parecem estar de acordo com os resultados obtidos
pela técnica de Auger, no estudo da liga com o filme de óxidos crescido por
exposição ao ar.
A comprovar estes resultados, salienta-se o facto dos filmes de óxido de
titânio formados ao ar [96,97] serem habitualmente descritos como sendo
constituídos por TiO2 coexistindo com quantidades menores de óxidos de valência
inferior,
situados
nas
camadas
mais
internas,
próximas
da
interface
óxido/metal [98].
No caso das amostras de NiTi imersas em solução de Hank e em meio de
cultura MEM durante 3 dias e a 37ºC, a desconvolução dos espectros das zonas Ti
2p, Ni 2p e O 1s é apresentada nas figuras 6.21., 6.22. e 6.23., respectivamente.
1,2E+05
TiIV 2p3/2
Ao ar
Contagens (u.a.)
1,0E+05
8,0E+04
MEM
Solução
de Hank
6,0E+04
TiIV 2p1/2
4,0E+04
Ti0-III 2p3/2
Ti0-III
2p1/2
2,0E+04
0,0E+00
470
465
460
455
450
Energia de ligação (eV)
Figura 6.21. Espectros de XPS da região Ti 2p, obtidos para a liga de NiTi com filme
de óxidos crescido ao ar (vermelho), em solução de Hank (azul) e em meio de cultura
MEM (verde).
Comparando a zona de Ti 2p nas três amostras (figura 6.21.), é possível
observar que a quantidade de Ti (IV) é menor no caso da amostra com filme de
óxidos crescido em meio de cultura MEM, relativamente ao filme crescido em
solução de Hank, o que pode ser significativo do tipo de filme que se forma nas
duas situações. No caso do filme crescido em MEM, devido ao facto deste ser
6. Resultados e Discussão
88
constituído por vários aminoácidos, é possível que estes se adsorvam à superfície
da amostra, competindo assim com a formação de óxido de TiO2, ou mesmo
sobrepondo-se a este.
O mesmo parece acontecer no caso do Ti metálico, uma vez que os filmes
de óxido formados no meio de cultura MEM poderão ser menos penetráveis até ao
substrato metálico ou mais espessos. Esta questão, bem como alguns aspectos
que se seguem, deverão ser comprovados através da análise de perfil Auger no
meio de cultura MEM que, por razões alheias a este trabalho, não foi possível
realizar.
Relativamente aos resultados obtidos na zona de Ni 2p (figura 6.22.), e
começando pelo sinal de Ni metálico, obtido a 853 eV, este apresenta grande
intensidade na amostra apenas exposta ao ar, sendo muito mais fraco para as
amostras imersas, como seria de esperar, dada a maior espessura dos óxidos
formados
em
solução.
Por
outro
lado,
o
Ni
oxidado
apresenta-se
predominantemente na forma de óxido (NiO) para a amostra exposta ao ar,
enquanto que nas amostras imersas em solução de Hank ou em meio de cultura
MEM a forma predominante passa a ser a forma hidratada, de hidróxido, Ni(OH)2.
Uma aparente incongruência pode ser detectada no caso do meio de
cultura MEM, já que a respectiva razão entre o Ni oxidado, na forma de Ni(OH)2, e
o Ni(0) é anormalmente baixa. Mais uma vez, isso pode ser devido ao
crescimento de um filme adsorvido na amostra, com um carácter mais biológico,
onde o hidróxido de níquel não se sobrepõe.
Outro aspecto a salientar é a diferença que se verificou nas razões entre os
teores em Ti e Ni entre o filme formado ao ar e após 3 dias de imersão (Tabela
6.4.). Com efeito, verifica-se que o filme formado à superfície das amostras de
NiTi imersas em solução de Hank e em MEM tem maior percentagem em Ti do
que o formado ao ar.
6. Resultados e Discussão
89
7,0E+04
Ni0
Contagens (u.a.)
6,0E+04
Ao ar
5,0E+04
4,0E+04
Solução de
Hank
3,0E+04
MEM
2,0E+04
Ni2+
[Ni(OH)2]
1,0E+04
Ni2+
[NiO]
0,0E+00
860
858
856
854
852
850
848
Energia de ligação (eV)
Figura 6.22. Espectros de XPS da região Ni 2p, obtidos para a liga de NiTi com filme
de óxidos crescido ao ar (vermelho), em solução de Hank (azul) e em meio de cultura
MEM (verde).
Tabela 6.4. Razões entre os vários elementos visualizados por XPS, para os
diferentes meios electrolíticos utilizados (solução de Hank e meio de cultura MEM), e
comparação para o caso em que o filme de óxidos se desenvolveu ao ar.
Meio
Razão
Ti
Ni
Ti (IV )
Ti (0 )
Ni(OH)2
NiO
Ni(0)
Ni(0)
Ao ar
79,8
70,9
20,2
29,1
--------9,1
90,9
Solução de
Hank
95,0
86,4
62,0
5,0
13,6
38,0
---------
Meio de
cultura MEM
98,4
81,9
8,7
1,6
18,1
91,3
---------
Finalmente, no caso da ionização O1s (figura 6.23.), podem ser ajustados
3 picos nas amostras relativas à solução de Hank e meio de cultura MEM,
correspondentes a 3 desvios químicos: um mais intenso, relativo à espécie O2-,
com um centro em 530,4 eV e outros, situados às energias de 532,2 eV e
533,6 eV que correspondem, respectivamente às formas OH- e H2O. O aumento
do teor da forma OH- no meio de cultura MEM demonstra o carácter mais
hidratado do óxido formado à superfície da liga, apontando para a presença de
aminoácidos adsorvidos à superfície das amostras. Mais uma vez, estes dados
carecem de confirmação, nomeadamente pela técnica de Auger.
6. Resultados e Discussão
90
5,0E+04
O2-
Contagens (u.a.)
Ao ar
4,0E+04
OH-
3,0E+04
Solução de
Hank
MEM
2,0E+04
H2O
1,0E+04
0,0E+00
537
535
533
531
529
527
Energia de ligação (eV)
Figura 6.23. Espectros de XPS da região O 1s, obtidos para a liga de NiTi com filme
de óxidos crescido ao ar (vermelho), em solução de Hank (azul) e em meio de cultura
MEM (verde).
Capítulo
7
Conclusões
7. Conclusões
93
Os estudos realizados sobre o NiTinol e sobre os metais puros que o
constituem permitem concluir, de uma forma geral, que o comportamento da liga
é muito semelhante ao do titânio puro.
Os baixos valores de densidade de corrente de corrosão obtidos através
das curvas de polarização mostraram que esta liga apresenta uma elevada
resistência à corrosão nas condições experimentais adoptadas neste estudo.
Também os resultados obtidos através das medidas de potencial de circuito
aberto e de espectroscopia de impedância electroquímica permitem chegar à
mesma conclusão, indicando que esta liga apresenta um comportamento típico de
material passivo.
Através do traçado de curvas de polarização, comparou-se a liga estudada
com materiais usados habitualmente para os mesmos fins biomédicos (liga de
Ti-6Al-4V e aço inoxidável 316L), sendo possível seriá-los segundo a sua
resistência à corrosão: aço inoxidável 316L < NiTi < Ti-6Al-4V. Estes resultados
podem ser comprovados pelos valores de potencial de circuito aberto.
O comportamento da liga de NiTi quando submetida a soluções com vários
valores de pH levou a concluir que, em toda a gama de pH’s estudados, esta
manteve um comportamento típico de material passivo.
A avaliação do efeito da temperatura na liga de NiTinol através da medição
do OCP revela que este depende da temperatura, tornando-se mais nobre às
temperaturas mais baixas. Assim, torna-se possível utilizar os resultados de
potencial de circuito aberto como critério para a identificação da fase em que se
encontra o NiTi.
Através dos resultados obtidos nas medidas de capacidade e aplicando a
relação de Mott-Schottky, é possível confirmar que a liga de NiTi se assemelha
mais ao Ti puro do que ao Ni puro, uma vez que a zona linear das curvas de C-2
vs E tem declive positivo na liga de NITi e no Ti puro, o que sugere que os óxidos
formados em ambos os materiais apresentam um comportamento semicondutor
de tipo - n, ao contrário do Ni puro, que apresenta um comportamento
semicondutor
de
tipo - p.
Estes
resultados
comprovam
o
que
foi
dito
anteriormente sobre a presença maioritária de TiO2 nos óxidos superficiais
formados sobre o NiTi.
Os resultados obtidos pela técnica de EIS permitem afirmar que o filme de
óxidos formado em meio de cultura MEM apresenta uma impedância menor do
que o filme de óxidos formado em solução de Hank, o que poderá dever-se à
7. Conclusões
94
presença de aminoácidos e compostos biológicos, que poderá facilitar o ataque
corrosivo.
Os perfis Auger permitem concluir que a liga de NiTinol apresenta um óxido
formado espontaneamente em contacto com o ar, cuja espessura aumenta
quando as amostras são imersas em solução durante 3 dias. Em qualquer dos
casos, o filme é constituído maioritariamente por TiO2, apresentando uma
percentagem muito baixa de Ni. A relação entre os teores dos óxidos dos dois
metais, Ti/Ni diminui continuamente com a profundidade, até à interface
metal/óxido, onde se torna aproximadamente unitária. Contudo, as camadas mais
externas do filme apresentam uma concentração de NiO ligeiramente mais
elevada, reduzindo a razão Ti/Ni.
Pelos resultados obtidos através da técnica de XPS, e tal como se esperava
através dos diagramas de Pourbaix [99],confirmou-se que o filme formado sobre
o níquel puro é constituído por NiO e no caso do titânio puro, é constituído por
TiO2.
De acordo com as análises de XPS, o filme de óxidos formado ao ar na liga
de NiTi é constituído por TiO2 e NiO, não sendo no entanto possível distinguir se
se trata de uma mistura de óxidos ou de um óxido misto. Pelo contrário, quando
a amostra é imersa em solução, verifica-se um crescimento acentuado do filme
de óxidos onde predomina TiO2, com uma relação entre Ti e Ni na ordem dos
95%Ti:5%Ni, sendo ainda mais acentuada em meio de cultura MEM. Por outro
lado, as amostras imersas apresentaram uma maior proporção de hidróxidos de
níquel, enquanto que na amostra exposta ao ar o ião Ni2+ se encontrava
principalmente sob a forma de óxido.
Não obstante os resultados evidenciarem uma grande resistência à
corrosão por parte da liga de NiTi, deve haver uma especial atenção para os
possíveis problemas que ainda assim possam surgir, nomeadamente na libertação
de Ni2+ em meio fisiológico. Neste contexto, é importante a continuação deste
estudo, no sentido de minimizar estes factores, recorrendo a técnicas que
promovam a libertação preferencial do Ni2+ à superfície da liga ou técnicas onde
se forme uma camada superficial mais protectora, sem contaminação de Ni.
Capítulo
8
Sugestões para trabalho
futuro
8. Sugestões para trabalho futuro
97
O objectivo deste trabalho, como referido no início desta exposição, foi o
de caracterizar a liga de NiTinol, quer em termos de resistência à corrosão quer
de biocompatibilidade, e efectuar a comparação com outras ligas de uso
biomédico.
Este estudo pode considerar-se a fase preliminar de um projecto mais
vasto, que visa desenvolver um material com melhores características no que
respeita à resistência à corrosão e principalmente, à citotoxicidade da liga. Deste
modo, sugere-se como trabalho futuro, o desenvolvimento e selecção de
tratamentos de superfície da liga de NiTinol, que diminua a concentração de
níquel em superfície e simultaneamente o permitam reduzir a degradação da
superfície por corrosão e desgaste. A caracterização dos filmes produzidos poderá
ser realizada com ensaios electroquímicos e testes tribológicos que simulem a
situação in vivo.
No que respeita aos ensaios de caracterização de superfície, sugere-se um
estudo mais aprofundado pela técnica de Mott-Schottky, uma vez que neste
trabalho apenas se procedeu a uma caracterização preliminar, e por medidas de
fotoelectroquímica de modo a avaliar as propriedades semicondutoras do filme
passivo. Sugere-se ainda a utilização de AFM (Microscopia de Força Atómica)
acoplada a uma célula electroquímica, para observar a estrutura do filme formado
caracterizando a sua morfologia e, por nanoidentação avaliar os mecanismos de
tribocorrosão.
Capítulo
9
Referências bibliográficas
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