O Zeppelin de Chumbo
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O Zeppelin de Chumbo
ESTADO DE MINAS - SEXTA-FEIRA, 4 DE MAIO DE 2001 CHICO AMARAL PÁGINA 8 “QUALQUER GAROTO HOJE, QUE LIDA COM OS ESTÚDIOS, QUE ESTÁ AÍ NA LUTA, SABE COMO É DURO CONSEGUIR, POR EXEMPLO, AQUELE SOM DA BATERIA DE JOHN BONHAM” O Zeppelin de Chumbo Q uando vou escrever minha modesta crônica tenho o hábito de colocar antes um disco no som da sala. Desta vez pus um disco do Led Zeppelin, uma coletânea, que está sempre em cima da mesa, sem capa, meio abandonado. No entanto não consigo pensar direito quando rola música. Quando vou escrever minha modesta crônica tenho o hábito de colocar um disco e, logo em seguida, desligar o som. Mas resolvi escrever sobre o próprio Led, e o som vai continuar rolando. É o caos! Mal começo o segundo parágrafo e meu filho troca o disco por um outro do The Doors. Bom também. O Doors mais solto, psicodélico, o Led mais estruturado, mais forte. As duas bandas (e uma infinidade de outras) superam o insuperável: o rock ainda estruturado como canção, dos Beatles. Libertam o som, as guitarras, a bateria (não menosprezando a riqueza da bateria dos Beatles). Ufa! Tiraram o disco do The Doors. Na verdade sempre achei essa banda meio durona, sem suingue. Volto ao Led Zeppelin. O que provocou o fim dos Beatles não foi o casamento de John e Yoko, nem a morte de Brian Epstein. Foi o Zeppelin de Chumbo. Se confiarmos num texto de contracapa escrito ÄLE XAN DRE por Nelson Motta na época, foi o LZ que substituiu os fab four nas paradas americanas. Problema nenhum. Os Beatles continuam com seus recordes históricos e estéticos. Com sua forma de arte tão bem realizada que a novidade, agora é claro, viria mesmo de outro lugar. E aí entram Led Zeppelin, The Who, Jimi Hendrix. O som cresce. Qualquer garoto hoje, que lida com os estúdios, que está aí na luta, sabe como é duro conseguir, por exemplo, aquele som da bateria de John Bonham. Ou da guitarra de Hendrix. A chegada desses roqueiros foi uma coisa avassaladora. Junto com a sonoridade pesada vem uma composição riquíssima, compassos incomuns, passagens instrumen- ● SEGUNDA-FEIRA - Helena Jobim ● TERÇA-FEIRA - Roberto Drummond ● QUARTA-FEIRA - Fernando Brant ● QUINTA-FEIRA - Frei Betto ● SEXTA-FEIRA - Chico Amaral ● SÁBADO - Cyro Siqueira ● DOMINGO - Affonso Romano de Sant’Anna c m y k tais e vocais de alto virtuosismo. Pedi a alguns amigos uma opinião sobre o Led. “Foi a banda que me colocou, como ouvinte, no mundo do rock” (Flávio Henrique, músico); “a banda que influenciou mais porcarias, dentre alguns seguidores razoáveis, como Soundgarden e Alice in Chains. Mas o Led é o Led (Reginaldo Silva, músico); “gosto de falar mal deles, muita pose e tal, mas quando ponho o disco acho bom” (Tomás Amaral, estudante); “a banda com maior integração entre seus componentes; além de serem quatro virtuoses” (Podé, músico); “usou e vendeu de volta a música negra para os Estados Unidos; John Bonham é o segundo baterista mais sampleado do mundo, depois de Bernard Purdie, baterista de James Brown” (Paul Ralphes, produtor fonográfico); “é a banda que Juliano (dois anos e meio) gosta de ouvir; o riff de guitarra de Living Loving Maid é o melhor do mundo; Jimmy Page é o maior criador de riffs que há” (Samuel Rosa, músico); “meu rock é o mais antigo, é o Bill Halley, o Gene Vincent, o Little Richards” (Afonso Pereira Bernardino, professor aposentado); “não tive filhos, portanto não me acostumei com rock; o ouvido da gente é muito sensível, não agüenta barulho” (Edla, mulher de Afonso, professora aposentada); e por último a opinião de João Guimarães, músico e empresário: “a bateria de John Bonham ainda é a mais moderna do rock; a banda também continua moderna; essa tendência atual, que mistura rock com funk, deve muito a eles; influenciaram grupos como o Living Colour e o Red Hot Chili Peppers.” Não vou dizer mais nada, não é preciso chave de ouro; escrevi esse texto para os que gostam de rock, como eu. Engana-se quem pensar que é nostalgia. MEMÓRIA PROFESSOR RELEMBRA CARLOS SCLIAR, GÊNIO, HOMEM E INTELECTUAL, E SUA RELAÇÃO COM VÁRIAS GERAÇÕES DE MORADORES DE OURO PRETO ARTE QUE SUSTENTA A ESPERANÇA MARCO ANTONIO FURTADO * Artista múltiplo, mas pintor por genialidade e construção, Carlos Scliar foi grande e inovador ilustrador gráfico dos anos 50/60, mas sobretudo um pintor cuja obra marca, de forma profunda, a pintura brasileira do século XX. Foi reinventando espaços, formas, ângulos, cores, texturas e objetos familiares, muitas vezes trastes antigos de nossas casas ouropretanas, que Scliar nos surpreendia vendo o mundo circundante sempre com um olhar novo e instigador. Se a obra do artista é reconhecida por nomes famosos da arte e cultura nacional como Fayga Ostrower, Ferreira Gullar e outros, quem conheceu o homem Scliar jamais esquecerá a sua inquietação intelectual, a sua figura pequena e humilde, mas de enorme força e presença, seu permanente interesse por tudo que dizia respeito à vida e ao homem. Em Scliar Ouro Preto é substância da arte. Casario, telhados, a visão do bairro de Antonio Dias, as chaleiras e bules dos antigos fogões a lenha. Chaves de casarões centenários ganhavam força e luz nas telas do artista. Ele nos ensinou a valorizar cada canto, cada objeto do cotidiano popular ouropretano. Scliar, homem e artista amavam muito esta cidade. Foi este amor que o fez fixar-se em Ouro Preto, criando sua pintura no belo casarão da Encardideira. O homem e artista observador caminhavam pelas ladeiras vendo, com alegria e entusiasmo, arqui- O CRUZEIRO CONSCIÊNCIA Gaúcho apaixonado por Minas Gerais, Carlos Scliar fez de sua arte uma trincheira na luta pela conservação do patrimônio histórico teturas e cores, conversando com transeuntes e fazendo hora na Garapinha. Às vezes, lendo um jornal na mesa do Toffolo de outros tempos, como um morador comum desta cidade, poucos reconheceriam o ex-combatente da Segunda Guerra, o grande artista, o intelectual brilhante. Se na guerra Scliar foi combatente, na vida foi mais que isso. Uniu à sua cultura a crença no homem, um coração generoso e fez-se lutador da igualdade, da liberdade e da arte. Em certo momento, quando percebeu a descaracterização da Ouro Preto que tanto amava, fez como Émile Zola, mas utilizando-se de sua arte, uma exposição exclusivamente sobre o tema, bradando ao mundo um “J’accuse” de título “Meus amigos, meus inimigos, salvemos Ouro Preto”. Este título, tirado de um poema de Manuel Bandeira, que narra a realidade de uma cidade esvaziada pela nova capital, o que ameaçava a conservação do casario local no início do século XX, transformou-se, por ironia, na denúncia de uma ameaça de outra natureza: o progresso desordenado e descaracterizador do patrimônio histórico nos anos 70. Mas Scliar não era nem nunca foi retrógrado, avesso ao progresso. Ao contrário, sempre apoiou todas as iniciativas locais que conciliavam modernidade com preservação do patrimônio histórico, artístico e natural. Sempre vislumbrou uma universidade de Ouro Preto que fosse forte também em arte e cultura, e não apenas na área tecnológica. Isso ouvi no início dos anos 70, quando a cidade vivia sob o medo de seus filhos mortos ou presos pelo regime militar, e a Ufop era apenas uma instituição recente. No alvorecer da idéia do Centro de Artes e Convenções da Ufop, após a explicação do que se pretendia, foi, juntamente com Dom Luciano Mendes de Almeida, dos primeiros a acreditar e apoiar a iniciativa. Da síntese destes três Scliars guardo, como muitos moradores, ex-estudantes da universidade, artistas e gente simples que o conheceram, saudade. Mais do que isso, ficam na lembrança as imagens emocionadas e emocionantes de seus quadros. Da sua inabalável crença no homem e no futuro. O amor à arte e a Ouro Preto e a capacidade de transmitir emoção e esperança, mesmo quando, como nos anos 70, dávamos a esta última o nome de Liberdade, e a víamos tão distante. E, mesmo se tudo em que Scliar acreditou naufragar, e o homem optar pelo crescimento da desigualdade, pela divinização do lucro fácil, pela destruição voraz da natureza e do patrimônio histórico e cultural, pela violência desenfreada e gratuita, enfim pela hegemonia da barbárie, ainda assim restará a convicção última, ou talvez primeira, de que, nas paredes de pedra da caverna haverá, sem dúvida, um artista a nos dizer que há esperança, pois o homem ainda crê e faz arte. * Vice-reitor da Ufop – Universidade Federal de Ouro Preto. c m y k