o futuro está nas
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o futuro está nas
Entrevista: Oriovaldo O. Galasso – Fazer bom Marketing ainda é – em primeiro lugar – vender R e REVISTA DA ESPM – v VOLUME i 10 – ANO s 9- EDIÇÃO t N 5– O a d SETEMBRO/OUTUBRO a 2003 – R$ 24,00 O FUTURO ESTÁ NAS VENDAS AFINAL, O QUE É CRM MESMO? J OÃO M ATTA ESTRATÉGIAS DE MARKETING PARA PRODUTOS DE ALTA TECNOLOGIA: O Caso Hewlett-Packard-Compaq do Brasil D ANIEL B RAGA R ODRIGUES A LVES /M ARIA C LARA P IAZZA /T ALES A NDREASSI O MUSÉE DE LA PUBLICITÉ DE PARIS J. R OBERTO W HITAKER P ENTEADO SERVICE PROFIT CHAIN – Gerando Valor para os Clientes, Funcionários e Acionistas A LEXANDRE M ATHIAS E E DUARDO H ALPERN O DESAFIO DO REPOSICIONAMENTO DE MARCAS MARCUS S AVOI B ORTOLAN E R ENATO T ELLES A GLOBALIZAÇÃO DAS ECONOMIAS E AS TRANSFORMAÇÕES NO MERCADO DE TRABALHO EM TEMPOS DE PÓS-MODERNIDADE D URVAL M EIRELLES E ROBERTO GIL UCHOA MESA REDONDA ISSN – 1676-1316 COM ESPECIALISTAS CASE-STUDY OCEANIC COSMÉTICOS O S DESAFIOS NO SETOR DE DE VENDAS FRANQUIAS PONTO DE VISTA COM M ARIO F RANCESCATO EXPEDIENTE CONSELHO EDITORIAL Francisco Gracioso – Presidente Alex Periscinoto Alexandre Gracioso Aylza Munhoz Jacques Marcovitch J. Roberto Whitaker Penteado Editorial A VOLTA DO CAIXEIRO VIAJANTE EDITOR J. Roberto Whitaker Penteado MTB n.º 178/01/93 e-mail: [email protected] COORDENAÇÃO EDITORIAL Lúcia Maria de Souza PROJETO GRÁFICO Miriam Duenhas DIAGRAMAÇÃO Miriam Duenhas FINALIZAÇÃO Antonio Celso Collaro FOTOS Júnior de Oliveira REVISÃO Anselmo Teixeira de Vasconcelos PUBLICIDADE Claudio Mello e-mail: [email protected] Paulo Tamanaha e-mail: [email protected] Tel.: (11)5085.4508 IMPRESSÃO Editora Referência Rua François Coty, 228 – CEP 01524-030 Tel.: (11) 6165-0766 – Fax: (11) 272-6921 REDAÇÃO E DISTRIBUIÇÃO Rua Dr. Álvaro Alvim, 123 São Paulo - SP – CEP 04018-010 Tel.: (11) 5085-4508 – Fax: (11) 5085-4646 E-mail: [email protected] REVISTA DA ESPM - uma publicação bimestral da Escola Superior de Propaganda e Marketing. Os conceitos emitidos em artigos assinados são de exclusiva responsabilidade dos autores. Professores, pesquisadores, consultores e executivos são convidados a apresentar matérias sobre suas especialidades, que venham a contribuir para o aperfeiçoamento da teoria e da prática nos campos da administração em geral, do marketing e das comunicações. Informações sobre as formas e condições, favor entrar em contato com a coordenadora editorial. P ara quem já não se lembra, “A morte do caixeiro viajante” foi uma peça épica de Arthur Miller – depois transformada em filme – cujo personagem principal, Willy Loman, era um vendedor. Um mundo em transformação acabou fazendo de Willy um fracassado, verdadeira anomalia. Seus fregueses desapareceram ou perderam o interesse nele. Os produtos que vendia tornaram-se obsoletos. Mas Willy persistia. Recusou a aposentadoria e continuou fazendo o que sabia: carregando sua maleta de amostras, caminhava pelas ruas e tocava campainhas que as donas-de-casa fingiam não ouvir. Agora, o pêndulo da história completa mais um ciclo e inicia o caminho de volta. Lentamente, as vendas retomam o seu lugar, como o momento da verdade do marketing. Os novos vendedores, porém, não se parecem com Willy Loman. São universitários bem preparados, treinados para administrar os negócios com os clientes, com a mesma competência de um gerente de contas. Em vez da maleta de amostras, carregam agora o computador que os mantém em permanente contato com a matriz e lhes permite negociar com autoridade e responsabilidade. Continuam a ser amigos dos clientes, mas tornaram-se também parceiros estratégicos de muitos deles. Tudo isso, e muito mais, é contado nas páginas que se seguem. Para nós, que vimos a peça de Arthur Miller na Broadway há muitos anos, esta edição da Revista da ESPM tem um sabor de revanche e de homenagem à memória de Willy Loman. Francisco Gracioso PARA ASSINAR, LIGUE: (0XX11) 5085-4508 OU MANDE UM FAX PARA: (0XX11) 5085-4646 SE PREFERIR, ACESSE O SITE: WWW.ESPM.BR Cartas SÉRIA, OUSADA E INTELIGENTE Faz tempo que estou para escrever para dar os parabéns pela Revista da ESPM. Ela é muito boa. A última que recebi foi a de maio/junho 2003. Gosto da proposta editorial da revista e do seu projeto gráfico. Aprecio os sumários executivos; a forma em que as matérias e as informações são disponibilizadas ao leitor; passam uma proposta séria, mas não por isso quadrada; pelo contrário, ousada e inteligente! Não queria passar sem parabenizá-los em particular pela entrevista a José Murilo de Carvalho, uma contribuição a que, acredito, todos devemos agradecer. Graciela Inés Presas Areu Curitiba, por e-mail QUALIDADE CONTEÚDO VALORIZADO Pelo fim: no artigo Ponto de Vista há foto com nome do autor e sua posição na empresa, na seção Entrevista, o mesmo critério – fotos dos participantes com nome e a empresa; porque na seção Mesa-Redonda, que é um dos atrativos da Revista não se usa o mesmo critério – fotos com nomes, para identificação de quem fala? Fiquei feliz em ver a nova Revista da ESPM. Sou arquiteto com especialização em Marketing pela FGV, cursando pós-graduação em Filosofia na USP. Trabalho projetos sociais – Ética e Responsabilidade Social – para empresas e ONGs, buscando sinergias dentro dos seus “brand equities”. A Revista da ESPM é a única que trata do assunto P&M no Brasil, com critérios e alta qualidade. Destaque, também, ao trabalho da Qualimetria, que é do conceito editorial (vínculo com escola) e também com muita qualidade. Parabéns. Fernando Zanforlin por e-mail R. Obrigado, Graciela. Esperamos continuar a merecê-la como leitora. R. Você deve ter notado, Fernando, que – como toda mudança de visual em periódicos – a nossa tem sido gradual. Suas sugestões são bem-vindas. 4 REVISTA DA ESPM– S E T E M B R O / O U T U B R O D E 2003 A diagramação e o visual adotado valorizam o conteúdo editorial que sempre foi o forte da nossa Revista. Grande abraço. Fábio Mestriner Presidente da ABRE – Associação Brasileira de Embalagem e da Packing R. Vindo de quem vem, esse elogio vale muito. Obrigado. INDISPENSÁVEL Não conhecia ainda a Revista e gostei, muito. Acho-a indispensável aos alunos de cursos como o de Gestão de Processos Comunicacionais, da ECA, do qual fui coordenadora. Maria Aparecida Baccega Gestão de Processos Comunicacionais por e-mail R. Obrigado. Trabalhamos no sentido de fazer com que a Revista, se não indispensável – que é slogan de uma outra revista – seja, pelo menos, útil para os alunos e professores das áreas de comunicação e administração. Índice ENTREVISTA ORIVALDO O. GALASSO AFINAL, O QUE É CRM MESMO? JOÃO MATTA 8 22 Atualmente as três letras CRM têm sido utilizadas pelo mercado com significados diversos. É importante resgatarmos o real significado desta nova filosofia de negócios. O que realmente estamos querendo dizer quando falamos em gerenciar o relacionamento com o cliente? ESTRATÉGIAS DE MARKETING PARA PRODUTOS DE ALTA TECNOLOGIA: O CASO HEWLETT-PACKARD-COMPAQ DO BRASIL DANIEL BRAGA RODRIGUES ALVES/MARIA CLARA PIAZZA /TALES ANDREASSI 36 O objetivo deste artigo é contribuir para o entendimento do mercado de alta tecnologia e suas peculiaridades, tendo como variáveis de análise as estratégias empregadas, o comportamento de compra dos clientes e o ciclo de vida dos produtos do setor. O MUSÉE DE LA PUBLICITÉ DE PARIS J. ROBERTO WHITAKER PENTEADO 46 O Musée de la Publicité é, possivelmente, o único museu oficial da publicidade em todo o mundo e funciona nas mesmas instalações do Museu do Louvre, o que legitima a presença da propaganda comercial, na cultura – e na sociedade – francesas, como arte aplicada. SERVICE PROFIT CHAIN – GERANDO VALOR PARA OS CLIENTES, FUNCIONÁRIOS E ACIONISTAS ALEXANDRE MATHIAS E EDUARDO HALPERN 58 Por que algumas empresas são de fato extraordinariamente melhores do que outras no mesmo segmento? Como conseguem gerar mais valor e lucratividade a seus clientes, funcionários e acionistas? Neste artigo os autores apresentam o modelo da Cadeia Serviços-Lucro que as empresas vencedoras vem adotando intuitivamente ou deliberadamente. O DESAFIO DO REPOSICIONAMENTO DE MARCAS MARCUS SAVOI BORTOLAN E RENATO TELLES 70 Com o objetivo de contribuir no exame e/ou avaliação do reposicionamento de marcas, este artigo aborda as condições, os desafios e os impactos potenciais, oferecendo uma classificação e uma estrutura de análise orientadas para operação e gestão de estratégias de reposicionamento. A GLOBALIZAÇÃO DAS ECONOMIAS E AS TRANSFORMAÇÕES NO MERCADO DE TRABALHO EM TEMPOS DE PÓS-MODERNIDADE DURVAL MEIRELLES E ROBERTO GIL UCHOA 84 Este artigo estuda um viés que permita o questionamento do papel do trabalhador na nova economia globalizada, cujo maior foco é o incremento de fluxos financeiro e real. MESA REDONDA COM ESPECIALISTAS DE VENDAS CASE-STUDY OCEANIC COSMÉTICOS OS DESAFIOS NO SETOR DE FRANQUIAS LEITURA RECOMENDADA SUMÁRIO EXECUTIVO ENGLISH ABSTRACT PONTO DE VISTA COM MARIO FRANCESCATO 96 112 122 126 128 130 Entrevista ENTREVISTA COM ORIVALDO O. Fotos: Júnior de Oliveira FAZER BOM MARKETING AINDA É – EM PRIMEIRO LUGAR – VENDER. N ão faz tanto tempo assim, o marketing era visto como uma ideologia importada, que vinha atrapalhar as atividades tradicionais de venda e de propaganda. Muitos novos profissionais de marketing foram, aos poucos, preenchendo os espaços do planejamento e das ações estratégicas – nas empresas – a tal ponto que a propaganda tornou-se um subitem das atividades de comunicação e promoção – e as vendas... sumiram! Bom, talvez não tenha sido assim tão radical. Mas a verdade é que, dentro da crise multifacetada – que parece a companheira inseparável dos executivos e empresários brasileiros –, já há quem suspire de nostalgia dos supervendedores e das grandes equipes de venda de antigamente. Claro, as pessoas continuam tentando vender. Minhas caixas de e-mail continuam repletas de propostas patéticas para a compra de produtos que aumentam o desempenho sexual e de investimentos nas Bermudas. O telefone toca, em horas impossíveis, oferecendo assinaturas de jornais e revistas de interesse limitado, cartões de crédito que já se têm e a abertura de contas em bancos que mal se conhecem. Não estará na hora de reler os antigos livros sobre técnicas de vendas e de refletir que fazer bom marketing ainda significa, em primeiro lugar: vender? Para debater esse assunto e suas implicações, a Revista convidou Orivaldo Galasso – um “monstro sagrado” da Era de Ouro das Vendas, no Brasil – responsável durante mais de três décadas pelo setor em uma das maiores e mais bem-sucedidas multinacionais do Brasil, a Unilever. Galasso, que hoje contribui para o sucesso de uma empresa brasileira do ramo alimentar, a Marilan, e é um convicto apaixonado pelas atividades de treinamento – dentro e fora da escola –, não se fez de rogado e nos proporciona boa matéria-prima para importantes reflexões atuais e futuras. yw JRWP 8 REVISTA DA ESPM– S E T E M B R O / O U T U B R O D E 2003 Orivaldo O. Gallasso GALASSO ENTREVISTADORES J. ROBERTO WHITAKER PENTEADO FRANCISCO GRACIOSO S E T E M B R O / O U T U B R O D E 2003–REVISTA DA ESPM 9 Entrevista FG – Gallasso, é um prazer realmente – para mim e para o J. Roberto – fazer essa entrevista. Ela fará parte de um número da Revista da ESPM que vai ser dedicado ao renascimento das vendas, da figura do gerente de vendas, da necessidade JRWP – Você fala de Brasil ou mundo? Gallasso – Em “mundo” há que separar duas coisas. Os Estados Unidos, de um lado, e a Europa do outro. A Europa nunca deu à venda a importância que deveria ter dentro da empresa; os Estados Unidos não. Lá, há muitos e muitos anos, vendas têm um papel mais importante até do que marketing. JRWP – É o país onde havia os supervendedores dos anos 40 e 50. Gallasso – A Europa sempre teve um comércio pouco desenvolvido. Enquanto nos EUA as grandes cadeias de varejo e atacado tinham preponderância nos “OS PROFISSIONAIS DE MARKETING, EM GERAL, NÃO TÊM EXPERIÊNCIA DE VENDAS.” do esforço de vendas. Estivemos conjecturando que, talvez, uma parte da crise atual seja causada pela má performance em vendas. Empresas de modo geral que não estão fazendo o que poderiam e deveriam para vender os seus produtos. Mau atendimento no pré e pós-venda, informações insuficientes, problemas causados por má preparação das estruturas. Além disso, o novo papel que as vendas podem estar assumindo na nossa economia, no nosso marketing. Sabemos – e você é personagem desta novela: o que se espera hoje de um diretor de vendas, ou mesmo de um simples vendedor, comparado com o que era há alguns anos? Gallasso – Entendo perfeitamente a sua preocupação e a sua colocação. Mas temos que voltar um pouco. Vendas nunca teve a expressão que deveria ter dentro da empresa. Este foi o grande problema de vendas no passado e continua sendo. 10 REVISTA DA ESPM– S E T E M B R O / negócios. Isso fez com que as empresas norte-americanas se preparassem melhor em vendas do que as empresas européias. E o Brasil teve esse tipo de influência... FG – Mais dos norte-americanos ou dos europeus? Gallasso – Dos europeus. JRWP – Culturalmente, somos um país europeu – colonizado pelos europeus. Gallasso – Então esse desprezo pela área de vendas... O marketing é que tinha expressão dentro da empresa, era o máximo – e vendas foi deixada para trás. Durante muitos anos, inclusive, foi uma função subordinada a marketing – e isso foi um grande erro. Os profissionais de marketing, em geral, não têm experiência de vendas, sabem muito pouco so- O U T U B R O D E 2003 bre vendas. Outra coisa importante: nunca tivemos estrategistas na área de vendas. A área de vendas era tratada como uma “caixa preta”. Eu é que conheço o cliente, ele é meu, só eu sei lidar com ele e ninguém pode chegar perto. Isso que os homens de vendas criaram – em benefício próprio, talvez – foi outro ponto negativo para o desenvolvimento de vendas dentro das empresas. Porque, na realidade, o cliente não é de um gerente ou de um diretor; ele é da empresa. Um terceiro ponto negativo é que os profissionais de vendas eram sempre definidos como “os grandes vendedores”. E nunca se pensou, realmente, em transformar esses homens de grandes vendedores para grandes estrategistas; fazer deles os executivos que buscam performance. FG – A venda olhava sempre para o curto prazo. Gallasso – Muito. Resultados imediatos, que são parte inerente de vendas, pois temos que estar buscando resultado todo mês. Mas não podemos simplesmente sair à busca de resultado e esquecer todo o resto. Na estratégia da empresa, vendas tem um papel extremamente importante, que muitas vezes não é cumprido. Por exemplo, no passado, nos vários planos da empresa, víamos planos para produtos, grupos de produto, mas nunca um planejamento de cliente. Não existia. Era a estratégia de vendas. Mas se você pedisse a um homem de vendas que preparasse uma estratégia, ele não sabia o que fazer. Essas coisas prejudicaram a área de vendas. Mas, hoje, quando olhamos a crise que estamos vivendo, no comércio em geral, vemos que vendas desempenha um papel na estrutura da empresa que nunca teve no passado. Quem não se preparar para esse novo papel não vai ter futuro. Orivaldo JRWP – Vamos tentar pôr isso cronologicamente. Quando comecei como gerente de produto, nos anos 60, marketing ainda era meio novidade. As empresas tinham o seu setor de vendas – as grandes tinham a sua equipe de vendas, o seu gerente de vendas – e, do gerente de propaganda, alguma coisa de pesquisa, evoluiu o marketing. Aí, como você disse, o marketing tomou conta… e algumas cometeram esse engano de pôr vendas abaixo de marketing. No Brasil, quando é que isso aconteceu? Gallasso – Até os anos 70, uma empresa grande atendia diretamente a cerca de 40/50 mil clientes. O mercado era relativamente homogêneo e marketing praticamente não existia, só as grandes equipes de vendas. O importante era vender para 50, 60, até 70 mil clientes. O comércio era muito otimizado. Isso fazia com que venda fosse fácil de ser feita. JRWP – Nos anos 70, o auto-serviço era praticamente uma novidade? Gallasso – Estava começando. No Brasil, os auto-serviços começaram por volta de 65. Até então, tínhamos atacadistas, que atendiam a grande parte do interior. Nas grandes cidades, várias lojas pequenas faziam a distribuição, era onde o consumidor ia comprar. Até essa fase, quem ditava as regras do mercado era a indústria. O comércio não tinha tanta importância e o consumidor era pouco exigente. Outra coisa, a indústria achava que sabia o que o consumidor queria consumir e lançava os produtos que bem entendia, usando o comércio como meio distribuidor de produtos. Essa foi a grande fase da indústria. FG – O comerciante achava que a indústria lhe prestava um favor ao lhe entregar o produto que iria revender. Gallasso – Porque eram pequenos e davam grande importância ao fato de uma grande empresa ir visitá-los. Essa situação – acho – perdurou durante os anos 70. A indústria comandava totalmente as ações, e o comércio fazia o papel de mero distribuidor. FG – Fui testemunha de alguns confrontos entre indústria e varejo, que às vezes aconteciam. Havia um problema qualquer – de preço, de prazo – o supermercado dizia: “Enquanto não resolvermos, não comprarei o seu produto”. E a indústria aceitava o desafio. Às vezes, durante meses. Mas, quando retomavam o fornecimento, era geralmente a indústria que saía ganhando. Gallasso – Em 1991, a Gessy-Lever teve um confronto com o Carrefour. O Carrefour queria mais prazo, mas estávamos numa época de inflação terrível. Então deixaram de comprar durante onze meses. Eles haviam lançado marcas próprias e julgavam que poderiam conquistar o consumidor. Mas perderam, porque aumentaram as vendas nos concorrentes e não perdemos um ponto de market-share. Se você perguntar se eu faria isso hoje, eu digo não. Na realidade, o prejudicado foi o consumidor, que tinha que sair da loja do Carrefour e ir procurar os produtos da Gessy-Lever em outro supermercado. Esses embates não valem a pena porque o prejudicado é o consumidor. Até os anos 80, a indústria comandava, o comércio tinha pouca voz e o consumidor não era exigente. Mas a partir daí, mudou o relacionamento. O. Gallasso tria em nome do consumidor. Foi uma mudança radical no sistema, o papel do supermercado mudou e a indústria não conseguiu entender isso, pois continuou baseando-se no consumidor, fazendo as mesmas pesquisas que fazia no passado. Só que – com essa mudança que houve no comércio – mudou também o comportamento do consumidor em relação ao comércio. Diante da grande variedade de produtos oferecidos nas gôndolas, o seu comportamento era completamente diferente. E a indústria demorou para entender essa transformação. Hoje, existem pesquisas sobre o shopper, não mais apenas o consumidor, mas o consumidor dentro da loja e a indústria está acompanhando isso também. Mas o supermercado descobriu isso muito antes da indústria. JRWP – Deram-se conta de que tinham os consumidores dentro de suas lojas… Gallasso – Anteciparam-se à indústria. Quer dizer, além da concentração havida, o distribuidor passou a ter a consciência do shopper – o consumidor comprando – muito maior do que a indústria. FG – Inclusive com a ajuda dos cartões de fidelidade. JRWP – Quando? Gallasso – Primeiro foram as pesquisas – o Carrefour fazia muito, o Pão de Açúcar. Depois, vieram os cartões de fidelidade e, com isso, passaram a ter um conhecimento do consumidor que a indústria não tinha – ela continuou sentada em berço esplêndido imaginando que a relação continuava igual. Gallasso – Acho que foi no começo dos anos 80, e o grande causador foi a concentração. Se eles tinham um papel de simples distribuição, na fase seguinte passam a comprar os produtos da indús- JRWP – Você está falando de supermercados. E qual foi o comportamento das empresas que utilizam outros canais, como a indústria automobilística ou farmacêutica? yw S E T E M B R O / O U T U B R O D E 2003–REVISTA DA ESPM 11 Entrevista Gallasso – De fato, são indústrias muito diferentes das que atuam nos supermercados. Ocorre que a situação, nos anos 80, nesses dois tipos de indústria, era quase monopolística. Uns poucos mandavam nesses mercados. JRWP – Veja, aqui, o jornal O Globo faz uma crítica ao pessoal da cerveja, dizendo que estão na contramão da lei da oferta e procura. Estamos no inverno, o consumo cai e eles aumentam os preços.Você acha que isso tem a ver com essa mentalidade monopolística de que você fala? Gallasso – Tem, muito. Mas temos que separar as duas fases: o Brasil da época da inflação e hoje. Muitas empresas não entenderam o Brasil pós-inflação, que já vai completando 10 anos. Analisando a questão dos supermercados e essa concentração… as cadeias médias no Brasil eram muito boas, mas venderam suas lojas para as maiores porque não tiveram condições profissionais de enfrentar um país sem inflação, de buscar eficiência. Na época da inflação, essas cadeias de varejo – e os atacadistas também – praticamente viviam da inflação. JRWP – Como era esse mecanismo? Gallasso – Era simples. Analisando os balanços de supermercado, na época, eles não tinham lucro operacional; só lucro financeiro. Compravam num prazo médio de 45 dias e vendiam a vista. Assim, tinham o capital de giro financiado, aplicavam o dinheiro no mercado financeiro e isso produzia resultados. FG – Só que estavam se descapitalizando cada vez mais… Gallasso – Mas não entendiam isso, porque o mercado inteiro era ineficiente na época da inflação. A indústria também, 12 REVISTA DA ESPM– S E T E M B R O / mas essa ineficiência era coberta por aumentos de preço. E os consumidores pagavam por toda essa ineficiência. Imaginem que, quando acabou a inflação, o pessoal dos supermercadistas perguntava-nos a que preço deveriam vender os produtos. porque não tinham idéia de margem de produto.Vinham nos perguntar que margem deveriam aplicar, porque não sabiam. Muita gente não conseguiu superar essa cultura inflacionária. Viviam felizes com a inflação e quando ela deixou de existir, continuaram ineficientes. Por isso, acabaram vendendo – e muitos venderam numa época extremamente propícia. Muitas empresas foram compradas bem acima do seu valor. JRWP – Você fala das empresas varejistas? Gallasso – Sim. Mas essas empresas foram vendidas a um preço muito bom. Todas elas. Tanto é que hoje empresas como Ahold – que comprou o Bom Preço –, Sonae e o próprio Carrefour estão lamentando os dólares que colocaram no Brasil e não tiveram retorno. FG – Gallasso, no início, você falou de uma tendência muito importante, que é o planejamento cliente a cliente e não mais linear. As cotas de vendas por produtos – como era praxe – estão sendo substituídas, ou pelo menos complementadas, por cotas cliente a cliente, o que mostra a importância maior de alguns clientes – as grandes redes – e, de certa forma, aproxima a venda ao varejista das técnicas de B2B. Uma grande siderúrgica tem, no máximo, 500 clientes. Para eles, o planejamento sempre foi feito cliente a cliente. A novidade, então, no caso das grandes indústrias, é que 50 clientes entre os 50 mil passam a corresponder a metade das vendas, ou algo assim. O U T U B R O D E 2003 Gallasso – No Brasil, a participação ainda não é tão concentrada, não se compara à européia e nem mesmo à Argentina. Lá, o Carrefour chega a representar 25% dos negócios de uma empresa. O WalMart nos Estados Unidos representa facilmente 25% dos negócios de várias empresas. Isso é terrível, porque muda totalmente a relação entre as empresas. JRWP – Por que no Brasil essas megaorganizações não tiveram ainda maior sucesso? Gallasso – O Carrefour teve bastante sucesso no Brasil. As operações da empresa no Brasil e na Argentina foram muito bem-sucedidas, inclusive financeiramente, no tempo da inflação. Hoje menos. Na França, eles tinham até mais dificuldades com a competição. Muitas empresas brasileiras de varejo contrataram executivos do Carrefour mas não conseguiram os mesmos resultados, porque havia o problema de cultura. Uma empresa brasileira não tinha a mesma cultura negocial que tinha o Carrefour. FG – Quando o Carrefour se instalou aqui em São Paulo, minha mulher costumava dizer que os caixas pareciam gerentes do Peg & Pag. Era outra apresentação. JRWP – Vamos falar sobre cultura. Cultura de vendas, o espírito, a idéia de vender, de competir. Um amigo, filho de português, que tem uma pequena indústria, o pai levou-o a visitar Portugal quando ele era garoto. Numa agência de viagens portuguesa, o garoto ouviu do diretor da agência: “Esse pessoal da Varig está estragando o mercado, porque correm atrás das pessoas para vender passagens. Isso é uma tolice, pois quem quer viajar vem à agência”. Fale um pouco dessa nossa herança cultural. Orivaldo Gallasso – Há algumas coisas importantes. É difícil trabalhar numa empresa que tem liderança absoluta do mercado. A equipe de vendas se torna arrogante, prepotente e não trata o cliente como deveria. Uma das coisas que não consegui na minha carreira foi fazer com que a nossa equipe de vendas fosse mais humilde e realmente levasse o cliente em consideração. Quando uma equipe tem um produto importante, ela usa e abusa daquilo para impor o que quer. Não é um problema brasileiro. Ocorre no mundo inteiro, especialmente nos Estados Unidos. As grandes empresas norte-americanas – com alta participação no mercado – têm uma cultura de vendas arrogante e prepotente. JRWP – Você falou da cultura norte-americana. E a nossa cultura: não é um pouco avessa a vendas? Gallasso – De jeito nenhum.Vendas é algo sensacional, emocionante. E uma equipe de vendas, para estar realmente motivada, tem que ter uma grande dose de emoção por trás. Isso é importante, e o brasileiro é assim. Acho difícil você encontrar isso numa equipe de vendas norte-americana ou européia. Mas na brasileira você encontra essa emoção como um motor da venda. O. Gallasso gente acha que temos que tratar a equipe de vendas com carinho, porque representa a empresa lá na frente. Eu não acho isso. Acho que a equipe de vendas tem que ser tratada com carinho e com paulada. FG – Vou te passar um problema. Ainda outro dia o seu assistente mostrou-me um trabalho que está fazendo, orientando os gerentes regionais com dados estatísticos e projeções que mostram até onde cada FG – Foi lá que surgiu a “venda casada”. Gallasso – E há empresas que saem de lá e querem implantar essa mentalidade em países como o Brasil. JRWP – Algumas até se dão mal. Gallasso – O caso do Wal-Mart é típico. Vieram para o Brasil, tinham apenas uma loja – o Carrefour e o Pão de Açúcar já eram gigantes – e quiseram impor para as empresas, por exemplo, o pallet de 90 por 90, que é o padrão norte-americano. Mas o pallet decidido pela ABRAS há muito tempo no Brasil é de 1/20 por 1. Eles quiseram impor. Isso é típico do norte-americano. Acham que o que deu certo nos Estados Unidos vai dar certo no mundo inteiro. Outro erro foi achar que o consumidor brasileiro era como o consumidor norte-americano. Trouxeram, para a inauguração do primeiro Wal-Mart, não sei quantas bolas de futebol americano para vender. E todo o equipamento de esqui. Quando entrei na loja e vi aquilo, pensei: – Meu Deus, o que é isso? “UMA EMPRESA BRASILEIRA NÃO TINHA A MESMA CULTURA NEGOCIAL QUE TINHA O CARREFOUR.” vendedor pode ir, em determinada circunstância. Como ocorre em outras organizações, o trabalho de apoio à venda é cada vez mais técnico, porque, hoje, o vendedor é um administrador de conta e tem que estar sempre bem informado. Você não acha que isso contradiz, de certa forma, a idéia de que a emoção deve prevalecer? Gallasso – O que precisamos buscar é o equilíbrio. Precisamos dar à equipe de vendas todas as formas técnicas de realmente controlar o negócio e fazer o negócio ser bem feito. Mas não podemos perder a emoção típica da força de vendas. FG – E de que forma se consegue essa emoção? Gallasso – Através da motivação. Muita S E T E M B R O / JRWP – Esse é o processo pedagógico simplificado. Gallasso – Mas é o que funciona. Sabe com que se parece o comportamento da equipe de vendas? Com a área industrial. As duas são movidas a volume, à produtividade, a mostrar resultado. A mesma satisfação que tem o pessoal da área industrial de mostrar os seus números é a satisfação que vendas também tem. O que o Prof. falou é lógico: precisamos dar à equipe todos os instrumentos técnicos para que possam controlar suas funções. Mas não podemos acabar com o emocional. O equilíbrio entre a emoção e a técnica é extremamente importante. O homem de vendas é facilmente desmotivado. Sabe por quê? Se estou como vocês, aqui, na ESPM e precisam conversar com alguém e só sair da sala e encontrar vários especi- O U T U B R O D E yw 2003–REVISTA DA ESPM 13 Entrevista alistas, em várias outras salas para conversar, trocar idéias. O vendedor é um solitário. Ele está totalmente afastado da empresa e, quando alguma coisa acontece, não tem com quem conversar. A grande emoção de um vendedor é quan- e em nenhum dos cartões aparecia a palavra vendas. quatro. São excelentes homens de vendas, no Brasil. Gallasso – Esse desprestígio do vendedor vem do caixeiro viajante: aquele homem que pegava seus produtos e ia andando pelo Brasil inteiro. FG – Há uma história parecida do Lee Iaccoca – na Chrysler. Quando se aposentou, escreveu uma espécie de testamento para o pessoal com os últimos conselhos. Ele dizia que, como presidente da Chrysler, havia entrevistado muitos trainees que vinham dos MBAs norte-americanos, e perguntava sempre: “O que você pretende fazer?” E o rapaz dizia: “Planejamento estratégico”. O Iaccoca “subia a serra”: “Planejamento estratégico, uma ova. Primeiro você vai aprender a vender!” JRWP – Por que desprestígio? Gallasso – Porque muitas empresas ainda não deram à equipe de vendas a importância que deve ter. FG – J. Roberto, acho que você exagera. Você reage como acadêmico, que é o que somos. Nesta Escola, por exem- “O VENDEDOR É UM SOLITÁRIO. ELE ESTÁ TOTALMENTE AFASTADO DA EMPRESA” do ele tira um pedido, até maior do que havia planejado. Essa é a sua grande emoção, que não transmite para ninguém. JRWP – E deve fazer mal a ele, porque se trata de uma pessoa extrovertida quase por necessidade. Gallasso – Essa solidão do vendedor é algo que precisa ser entendido. É por isso que precisamos motivar, tratar de ver o que está acontecendo com o vendedor e encontrar caminhos para que esteja sempre motivado. Aí a emoção é importante. JRWP – A palavra “vendedor” nunca teve muito prestígio social no Brasil. Tivemos uma mesa-redonda aqui – a idéia era chamar especialistas em vendas. Participaram seis pessoas, que me deram seus cartões de visita 14 REVISTA DA ESPM– S E T E M B R O / plo, a maioria dos jovens formandos prefere cargos na área do marketing. Não querem trabalhar como vendedores, se puderem evitar. Acho que isso vem da ênfase que damos ao planejamento de marketing, à estratégia – uma palavra mágica, que os jovens adoram. Você acaba de dizer que vendas tem pouco a ver com estratégia. Venda é tática, ação rápida. E muitos jovens têm medo de vendas, têm medo de não ser capazes de vender. Gallasso – Tenho experiência nisso. A Gessy-Lever sempre teve muitos trainees e eles entravam na companhia querendo marketing. Um ano, peguei seis e trouxe para vendas. Os seis estavam infelizes, porque não tiveram opção. Pois treinei esses rapazes em vendas e, de fato, não tive sucesso com os seis. Mas tive com O U T U B R O D E 2003 Gallasso – É extremamente importante aprender a vender porque é a única área da empresa que realmente ensina às pessoas o que é a companhia no mercado. Um gerente que nunca passou pela área de vendas não pode dizer que conhece a empresa. O gerente de marketing, por exemplo, era aquele burocrata que ficava atrás da mesa, sentado e pegava as pesquisas Nielsen e achava que sabia tudo. Na realidade, a gente sabe o que está acontecendo no mercado não é com a pesquisa Nielsen, porque, quando ela chega, aquilo já é passado. Precisamos estar vendo o que está acontecendo, no cliente, para realmente entender o que precisamos fazer com as nossas marcas e os nossos produtos. Isso o pessoal de marketing muitas vezes não entende. Outro aspecto, no Brasil, que considero importante: sei que estou numa universidade, os currículos universitários são pobres na área de vendas e ainda apresentam marketing como sendo a grande força da empresa,quando, na realidade, marketing perdeu muito por causa da força que o comércio assumiu. Marketing, hoje – aquele marketing glamouroso que co- Orivaldo nhecemos – é parte da história, não existe mais. Quando olhamos, hoje, a estrutura da empresa e vemos a função como trade marketing, aí entendemos por que marketing perdeu função. O marketing está mais envolvido com inovação e contato com o consumidor. E o trade marketing é que faz o que marketing fazia no passado. Essa função de trade marketing precisa ser fortalecida dentro da empresa, porque é a que vai dar o input de marketing e o input do cliente. JRWP – Por favor, defina trade marketing para os nossos leitores. Gallasso – É colocar o input de marketing, ou o que queremos com o marketing, entender o cliente, o que o cliente pode querer das nossas ações – juntar as duas coisas e transformar isso em ações no comércio. Antigamente, fazíamos uma oferta que era válida para o Brasil inteiro, para qualquer tipo de cliente. Isso acabou, não existe mais. Agora você precisa entender o que é um Carrefour, o que é um Pão de Açúcar, o que são os supermercados médios, e desenvolver ações sobre os produtos que possam levar esses supermercados a vender o que podem vender. E aí que eu acho que a universidade erra, porque os alunos não têm essa visão de como as funções mudaram dentro da empresa. JRWP – Há cerca de vinte anos, o Prof. Theodore Levitt – uma figura muito influente do marketing – escreveu um artigo memorável: “Vender ou administrar o relacionamento”. A partir daí, todo mundo começou a preocupar-se com algo que foi o database marketing – e hoje é chamado de CRM. FG – Quero lembrar que o Gallasso é vice-presidente da Associação de ECR – Efficient Consumer Response. JRWP – Isso foi a proposta de um acadêmico – que, aliás, respeito muito. Mas pergunto-me, às vezes, se ele não fez com que tomássemos um bonde errado, interpretando aquilo como “Vendas já era. Estamos numa nova fase. Temos que ter grandes database, administrar relacionamento, SACs etc.” E o consumidor parece estar mais infeliz do que nunca. Gallasso – Relacionamento é uma coisa que vem naturalmente. Eu me orgulho de ter tido um relacionamento fantástico com o comércio. Eu tinha verdadeiros amigos no comércio, do lado do cliente. Fiz um trabalho para a Gessy-Lever na América Latina e queria entender alimentos, no Brasil e dentro da perspectiva da Gessy-Lever, pois foi uma área em que nunca trabalhei. Saí por esse Brasil afora, para entender o mercado de alimentos, e tive a surpresa de ver os clientes abrir os seus livros para me dar as informações que eu queria. Tive informações inclusive de concorrentes da Unilever, cliente a cliente. Então, esse relacionamento é extremamente importante e você precisa administrá-lo. FG – O que o cliente espera desse relacionamento? Gallasso – Que os negócios da empresa com ele, cliente, melhorem. Eu nunca fui a uma reunião com o cliente para dar mais 5% ou 10% de bonificação. Ia procurar entender como estava a nossa empresa em relação àquele cliente. Sempre ia com os gerentes, supervisores. Depois que terminava aquela reunião, pegava a minha equipe e dizia o que tinha que ser feito. Eu via a reação dos clientes. Depois que conversávamos, as coisas melhoravam muito. S E T E M B R O / O. Gallasso FG – Você acredita em parcerias estratégicas? Isto é, de longo prazo, com contratos assinados e deveres recíprocos? Gallasso – No Brasil, ainda não. É coisa para o futuro. Nos Estados Unidos, o WalMart foi um exemplo de caminhada nesse sentido. E acho que foi um sucesso. Nos Estados Unidos, um supermercado normal tem custo operacional de 20%; um hipermercado, com depósito central, na ordem de 15% e um supercenter – o Wal-Mart – tem um custo de 10%, e um Sam´s Club tem um custo da ordem de 7%. Eis o problema que o mercado começou a enfrentar. Porque, na medida em que um Wal-Mart consegue esses custos, e esses daqui vão competir com ele, perderão, automaticamente. Isso foi o que fez com que o Wal-Mart se desenvolvesse muito rapidamente e se tornasse a maior empresa do mundo. E eles desenvolveram parcerias, como o Sr. falou, só que são parcerias em que, na realidade, quem ganha sempre é ele. Falo dos Estados Unidos; não do Brasil. Ganha sempre, porque como participa com uma média de 25% dos negócios de muitas empresas dos Estados Unidos, isso, em valor e volume, é um negócio fantástico. O que eles começaram a fazer foram parcerias com fornecedores, para poder chegar nesses números. Foi o início do ECR. O ECR, na realidade, foi uma reação do mercado norte-americano ao que a Wal-Mart vinha fazendo. A indústria e o comércio entenderam que se eles não atingissem níveis de custos parecidos com o que tinha a Wal-Mart, todos iriam morrer. Isso trouxe uma outra visão para o mercado norte-americano. No Brasil acho que é muito complicado ainda. A própria Wal-Mart, no Brasil, tenta praticar essa filosofia, mas ainda para eles mesmos é difícil. FG – Não são suficientemente gran- yw O U T U B R O D E 2003–REVISTA DA ESPM 15 Entrevista des para isso. E isso leva a uma outra reflexão: tudo parece pertencer cada vez mais aos grandes. Gallasso – Não tenho dúvida. Se pegarmos, por exemplo, os últimos dez anos das grandes empresas industriais – produtoras de consumo massivo, e colocarmos num gráfico, veremos que o valor somado de vendas delas é uma linha sinuosa, com perdas ali, ganhos aqui (Veja gráfico abaixo). E estou falando de grandes empresas – Procter & Gamble, Unilever, Gallasso – Sim. JRWP – Qual é o reflexo disso em relação ao consumidor final? Gallasso – Acho que o consumidor final vai ser beneficiado. Porque na medida em que existe uma concorrência forte entre os grandes comerciantes, a tendência é a queda de preços. Quem vai sofrer é a indústria porque suas margens vão cair. O que ele tirar dos preços terá que recuperar em outro lugar. Infelizmen- “...UMA LINHA RETA, CRESCENTE, QUASE EXPONENCIAL. ESSA DIFERENÇA DÁ MEDO!” Nestlé, Kraft etc. Mas, quando pegamos o mesmo número dos dez principais supermercados do mundo, é assim: uma linha reta, crescente, quase exponencial. Essa diferença dá medo! JRWP – Isso significa predominância do intermediário, da distribuição? te, é assim. Por isso, as parcerias, no Brasil ainda não funcionam. FG – Vamos falar sobre o papel dos atacadistas. Todos vivemos a fase de ouro dos grandes atacadistas. Com a inflação – mas também devido a outros fatores – eles perderam importância, que parecem estar recuperando agora. Estive em Uberlândia, recentemente, conversan- *CRESCIMENTO: INDÚSTRIA X GRANDE VAREJO 45 de crescimento taxa 80 70 60 50 40 30 20 10 0 1 3 5 7 9 11 13 anos *Dados estimados para simulação 16 REVISTA DA ESPM– S E T E M B R O / O U T U B R O D E 2003 do com diretores da Martins – e perguntei como explicavam o seu sucesso. Disseram-me: “A Martins parte do princípio de que o seu trabalho, hoje, tem pouco a ver com vendas e muito com logística e distribuição. Investimos na redução dos custos de logística, de movimentação de estoques e armazenagem, porque só assim conseguimos competir”. E disse-me que estão tendo cada vez mais clientes entre as grandes empresas. O que está causando isso e até onde irá? Gallasso – Se pegarmos a relação atacadista/varejista da maioria das grandes empresas, ela é de 45% para o atacado e 55% para o varejo É difícil mudar. O que acontece com o atacado brasileiro é que ele não se renovou. O atacado brasileiro veio de uma especulação fantástica na época da inflação e também depois da inflação. E, simplesmente, não soube se renovar. Acho que o atacado é um dos problemas mais sérios do nosso mercado porque qualquer indústria tem dificuldades imensas para atender adequadamente um país com as dimensões do Brasil. Economicamente, não vale a pena – os custos são muito altos. FG – E há também os problemas fiscais – PIS, COFINS. Gallasso – O mais sério é o ICMS. Essa concentração de vendas no final do mês, em muitos atacadistas, mas também no varejo, tem a ver com a sistemática do ICMS. O atacadista ou o varejista vão vendendo produtos e vão tendo que pagar ICMS para o governo pela venda desses produtos. No fim do mês, fazem grandes compras porque se creditam de todo ICMS dessas compras e não têm que pagar nada para o governo… É um absurdo mas trata-se de um problema tributário, que ninguém quer enfrentar. Acho que nem essa reforma tributária que Orivaldo está aí. Então, o atacadista usou a especulação e também não soube transformarse depois da inflação. Mas, para atender a esse país imenso que é o Brasil, se não tivermos um atacado organizado e forte, não vamos ter uma boa distribuição. Empresas que vendem produtos frios – como Sadia, Perdigão – têm grandes dificuldades para distribuir os seus produtos, porque não há atacadistas que disponham dessa parte frigorificada. As próprias empresas estão tentando adaptar os atacadistas para o seu tipo de negócio. Mas isso não é bom. Enquanto isso, nos Estados Unidos, atacado é um negócio fantástico. E, além do atacado, há os brokers, que têm um poder fantástico. FG – E a lei permitiria o trabalho dos brokers no Brasil? Gallasso – Sem dúvida. Já existem brokers no Brasil. Acho que os atacadistas não entenderam o papel que deveriam desempenhar no mercado brasileiro. E não vejo, por parte do atacado, nenhum movimento para que isso seja revertido. JRWP – As empresas citadas pelo Gracioso não são exemplos de atacados que progrediram? Gallasso – Conheci bem o atacado brasileiro. Naquele tempo, Dias Martins, J. AlvesVeríssimo, Dias Pastorinho, Gonçalves Sé eram grandes empresas de atacado. Na realidade, nunca exerceram a função de atacadista, mesmo naquele tempo. Eram grandes especuladores, especialmente em condimentos – alimentos básicos como farinha, açúcar, arroz etc. E essas empresas todas, se olharmos bem – José Alves, Benjamim... –desapareceram praticamente. Benjamim não existe mais; José Alves faliu; Gonçalves Sé foi para o varejo; Dias Martins desapareceu; J. Alves Veríssimo antes de desaparecer foi para o varejo. Dias Pastorinho ainda existe hoje com algumas lojas de varejo. Isso é que era o nosso atacado, no passado. JRWP – Você não parece muito otimista… Gallasso – A maioria dos atacadistas brasileiros, ainda hoje, têm livros enormes com sete, dez mil itens a serem vendidos. Não há vendedor que consiga vender sete a dez mil itens. Ele acaba pegando as ofertas, vai ao cliente e oferece. Outro tipo de negócio horrível é o “leilão”. Um varejista é atendido por dez diferentes atacadistas e começa: “Ervilha Jurema. Qual é o seu preço? Qual é o seu?” Pega o menor preço e fala: “Quero dez caixas”. “Maizena”. E assim por diante. No fim do dia, ele acaba tendo o menor preço de cada um dos produtos que precisava comprar. Essa é uma forma de trabalho arcaica. Se o atacado não se modificar e fizer a sua parte na distribuição de produtos, em todo o Brasil... anos atrás. São distribuidores que trabalham somente em linha de perfumaria e higiene pessoal. E essa é uma linha de alta rotatividade. Há muitos distribuidores especializados em produtos de papel.Tudo isso precisa ser revisto pelo atacado. Uma empresa não pode atender o Brasil inteiro diretamente. A Sadia chegou a ter cento e vinte mil clientes. Como não tinha atacado para fazer a distribuição, ela atendia diretamente. Mas o custo disso é inviável. JRWP – De repente, começamos a falar muito de distribuição. Mas quanto mais vendas se torna distribuição, menos personalizada ela é – para tornar-se um quebra-cabeça tecnológico. Você não vê problemas nisso? Gallasso – Não. Quando penso em vendas, penso em vendas... Imagine o importante papel do vendedor nisso tudo, em todas essas etapas. FG – O vendedor de hoje é melhor do que o de dez, vinte anos atrás? JRWP – Qual é essa parte? Gallasso – Distribuição realmente. Por exemplo, você não pode ter um portfólio com sete a dez mil itens. Então, o atacado deveria especializar-se. FG – Mais como a linha norte-americana e até européia. Gallasso – Isso mesmo. Eles querem abraçar o mundo com as duas mãos e eles não conseguem. JRWP – Você diria que há oportunidades para novos empreendimentos nessa área? Gallasso – O que deveria haver é uma modificação clara da forma de atuar dos que estão aí. Por exemplo, hoje já existe o chamado DEC –Distribuidor Categorizado. A Gessy-Lever iniciou isso, alguns S E T E M B R O O. Gallasso / Gallasso – É. Porque, há dez, vinte anos, tínhamos aquela idéia de que o vendedor nasce feito. E isso é uma grande mentira. Hoje em dia, os vendedores são pessoas de muito bom nível – acho que 90% dos componentes das equipes de vendas têm grau universitário. A qualidade é muito melhor. Outra coisa é que temos que mudar a forma de pensar e atender aos grandes clientes. Nos Estados Unidos, isso é assim há muitos anos. Lá não existe mais relação vendedor/comprador. O que há são equipes de trabalho de um lado e equipes de trabalho do outro, com especialistas em marketing, finanças, logística, category management,efficient replenishement etc., que é muito importante, hoje. Essas equipes trabalham juntas em benefício dos negócios das empresas, tanto supermercadistas como fornecedoras. yw O U T U B R O D E 2003–REVISTA DA ESPM 17 Entrevista JRWP – E em todos os níveis, eles estão conscientes de que estão trabalhando com vendas? Gallasso – Sem dúvida. Você precisa formar essas equipes e elas precisam estar voltadas para os clientes que elas atendem. JRWP – Você está dizendo isso. Na nossa mesa-redonda, um participante deu um exemplo interessante. Ele recebeu um PTA da Varig e foi pessoalmente à loja. Queria fazer algumas modificações, enfim, queria comprar, consumir. Mas foi atendido por uma pessoa muito gentil, inteiramente incapaz de atendê-lo. Estava lá para entregar o PTA, ponto. Isso foi dado como exemplo da complexidade da cadeia de vendas de hoje. Insisto um pouco nesta questão, porque essa moça da Varig, naquele momento, perdeu uma venda. Ela não foi capaz de atender ao cliente. Gallasso – No passado era a relação vendedor/comprador. Hoje em dia é comum as empresas terem logística com logística, trabalhando junto, finanças com finanças. E essa relação vendedor/comprador começa a ter menos importância. Uma outra coisa que, no Brasil, ainda é rudimentar é a figura do key account. Ai sim, não são mais os vendedores com emoção; mas homens e mulheres de fato treinados para desenvolver um plano estratégico. E é um plano estratégico que vai aos níveis superiores para ser aprovado, porque envolve dinheiro, muitas coisas. Mas, no Brasil, essa figura ainda não está muito clara; são, de fato, grandes vendedores. FG – Gallasso, gostaria de voltar a essa questão do PTA daVarig. O Procon de São Paulo publica estatísticas de queixas, reclamações e verifica-se que o consumidor raramente se queixa da qualidade da salsicha da Sadia, do detergente da Unilever ou do sabonete da Palmolive. 18 REVISTA DA ESPM– S E T E M B R O / Essas grandes empresas chegaram a um padrão de qualidade aceitável, as vendas fluem normalmente, não causam reclamações. O que pipoca por lá, o tempo todo, são queixas contra serviços – planos de saúde, educação, bancos, telefonia, telecomunicações, transporte. Creio que este é o nosso grande problema de vendas: não sabemos vender serviços, principalmente do que atende a milhões de pequenos usuários. Gallasso – Estamos começando a viver, no Brasil, a era pós-industrial, especialmente em São Paulo. Há menos postos de trabalho na indústria e mais na área de serviço. O problema do Brasil é que não preparamos adequadamente os homens e mulheres para atuar na área de serviços. É um problema de educação. Em temos de educação, temos essa geração perdida, tentando se empregar de qualquer forma na área de serviços… JRWP – Você está falando do nível ou do conteúdo da educação? Gallasso – As duas coisas. Não quero parecer preconceituoso. Mas quem nos atende no restaurante? Na lavanderia? No bar? Geralmente brasileiros que vieram de outros estados, principalmente do Nordeste. Eles não receberam qualquer treinamento, para trabalhar na área de serviço. Muitas vezes, nem tiveram educação básica. Mas, para ter sucesso na área de serviço, precisa ter pelo menos essa educação básica. JRWP – Mas você conhece bem a Europa, e lá, nos países da CEE, vai encontrar árabes, romenos, turcos, ucranianos… Gallasso – A maioria teve melhor nível de educação que os nossos compatriotas nordestinos, por exemplo. Esse é o grande problema do Brasil: gente preparada O U T U B R O D E 2003 para assumir funções na área de serviços. JRWP – Ao mesmo tempo, você está levantando outra questão. Está dizendo que quem está na área de serviços são as pessoas mais mal pagas. Então, será que não devíamos aumentar os salários, nessas áreas? Gallasso – Isso só vai acontecer quando, efetivamente, todos reclamarem. As empresas vão tomar mais cuidado, colocar pessoas mais bem-preparadas e remuneradas para essas funções. Não adianta. O Brasil tem uma geração perdida. Os sindicatos brasileir;os discutem geração de emprego, inclusive o nosso presidente. Mas isso é uma ilusão total e completa. Eles imaginam que a indústria vai dar emprego. A indústria não dá mais emprego para ninguém. As linhas de produção de produtos de consumo estão altamente automatizadas. Esses empregos fazem falta, pois – em empresas como a GessyLever – tinham assistência média, almoço, até comida para levar para casa. Mas, hoje, uma linha dessas não tem mais do que duas pessoas trabalhando. O resto é automatizado. Lembram das equipes de manutenção, na indústria? Eram enormes, ficavam praticamente paradas, esperando quebrar alguma coisa, alguma máquina para consertar. Isso não existe mais. As mesmas pessoas que supervisionam a linha cuidam da manutenção. Muitos empregos acabaram e nunca mais vão ser recuperados. O grande desafio do Brasil, para mim, é a área de serviços – e é onde não temos pessoas preparadas da maneira que a área de serviços precisa. Essa história do PTA é tipicamente um problema de treinamento, de qualidade de gente. JRWP – Esse meu amigo português tem uma pequena indústria em Petrópolis, com 214 empregados. E disse que não sabe mais como mantê-los, com as nossas leis trabalhistas. Mas você está, de fato, apontando Orivaldo para algo da maior importância. Gallasso – Não digo que a legislação trabalhista brasileira deva ser liberal como a norte-americana, mas ela acaba criando monstruosidades. JRWP – Você acha que podemos dizer aos jovens, aqui na ESPM, e em outras escolas de administração, comunicação, que se deveriam encaminhar na direção de carreiras em vendas? Gallasso – Primeiro vocês teriam que mudar o currículo. Aí, sim, poderiam encorajá-los. JRWP – Você acha que eles deveriam ser mais adequadamente adestrados e preparados para lidar com as realidades de vendas. Gallasso – É, mas hoje envolve logística e muitas outras coisas. Aí o ECR veio com uma forma – isso pelo FIM (Foods Marketing Institute), que criou um grupo de pessoas que eram executivos importantes de grandes empresas que forneciam ao varejo e grandes varejistas para estudar quais seriam as melhores técnicas possíveis para melhorar a eficiência no relacionamento comércio/indústria. E foi aí que apareceram várias técnicas como Category Management, VMI – Vendors Management Inventory –, RMI – Retailers Management Inventory –, EDI, etc. Todas essas inovações que estão aí, à disposição do mercado. ECR, na realidade, tenta aproximar comércio e indústria para, juntos, desenvolvam as técnicas para que o O. Gallasso cio. Essas coisas lindas e maravilhosas do marketing, para mim, são passado, já acabou. Sei, porque fui gerente de produto. Na realidade, acho que há oportunidades ainda nem sonhadas na “A UNIVERSIDADE BRASILEIRA AINDA VÊ O MARKETING COMO O GRANDE MOTOR DA EMPRESA.” FG – Nossos currículos deveriam ser modificados. Gallasso – Uma coisa que deve entrar no currículo das escolas como a ESPM, a FGV são as técnicas de ECR, que estão sendo desenvolvidas – Efficient Consumer Response. CRM é outra coisa; é o relacionamento com o cliente. ECR é aquilo que apareceu no Wal-Mart nos Estados Unidos, já faz uns 12 anos. Nos Estados Unidos, um supermercado normal tinha 20% de custos operacionais; um supermercado atendido por central de distribuição 15%; os supercenters do WalMart chegaram a ter 10% e o Sam’s Club 7%. E como o Wal-Mart conseguiu isso? Através de uma melhora de eficiência nas suas relações com os fornecedores. JRWP – O que se chamava antigamente de setor de compras. mercado seja mais eficiente e o consumidor, na ponta, beneficiado. área de vendas. E a universidade brasileira é responsável por isso. JRWP – Interpretando com certa liberdade as suas palavras, desde que nós, escolas, estivéssemos dando uma formação mais adequada, esses jovens encontrariam boas oportunidades no mercado... FG – A universidade brasileira não gera conhecimentos; abre a cabeça. Sua obrigação é ter as antenas voltadas para o mercado, para captar essas novidades, trazê-las para cá, pô-las em perspectiva, conceituar e teorizar. Mas talvez não estejamos captando com rapidez o que está acontecendo lá fora. Gallasso – Sem dúvida. Posso estar errado, mas a universidade brasileira ainda vê o marketing como o grande motor da empresa. Pode ser, em termos de inovação, mas o grande motor da empresa é vendas. E, em vendas, é preciso gente de qualidade, para atuar dessa forma que estamos descrevendo, precisam ser formados para isso. Fui fazer uma palestra, na FGV, para alunos da graduação, sobre ECR e fiquei abismado com o desconhecimento que tinham do comércio. Não sabiam o que era comér- S E T E M B R O / Gallasso – E muitos dos nossos professores acadêmicos são presunçosos. Imaginam que sabem tudo e, infelizmente, muitos deles não se atualizam como deveriam. FG – E ainda não perceberam o que você acabou de dizer: que a era do marketing está acabando. Gallasso – Está acabando, modificando-se. O U T U B R O D E ESPM 2003–REVISTA DA ESPM 19 Customer Relashionship Management AFINAL, O QUE É CRM MESMO? emos lido e ouvido falar muita coisa ultimamente sobre CRM. Depois que essas três letrinhas deixaram de significar apenas Conselho Regional de Medicina, e começaram a freqüentar o vocabulário do mundo corporativo com o significado, em inglês, de Customer Relashionship Management, muito se falou sobre esta nova forma de se fazer negócios – verdadeiramente uma nova T filosofia empresarial. O seu uso tornouse um apetitoso prato para ser devorado pelos teóricos e práticos do mundo do marketing. Enquanto margens diminuem cada vez mais e lucratividades ficam comprometidas, mostrou ser uma grande saída para as corporações do novo milênio, não importando muito o seu tamanho. Isso tem levado o CRM a ser apresentado como uma nova forma de se pensar um negócio. O cliente passa a ocupar a posição de maior importância dentro do organograma das empresas (veja o orgonograma abaixo). ORGANOGRAMA COM CLIENTE NO TOPO CLIENTES CEO DIRETOR DE MARKETING 22 DIRETOR DE VENDAS DIRETOR FINANCEIRO GERÊNCIA DE MARKETING GERENTE DE VENDAS GERENTE FINANCEIRO GERÊNCIA DE COMUNICAÇÕES GERENTE DE CONTAS GERENTE DE CONTABILIDADE REVISTA DA ESPM– S E T E M B R O / O U T U B R O D E 2003 João Matta cliente passa a ocupar a posição de D Omaior importância dentro do organograma das empresas. Fala-se em foco no cliente em lugar de foco no produto. Fala-se em foco no cliente em lugar de foco no produto, em gerentes de segmentos de clientes em vez de gerentes de produtos. A partir daí temos uma pista do que realmente quiseram dizer os primeiros que conceituaram o CRM. É muito importante o entendimento da proposta inicial do CRM. Essa proposta traz um conteúdo realmente diferenciado para o mundo corporativo, ao mesmo tempo em que desafiador. Não é fácil persuadir executivos e empresários a mudar sua forma de conduzir suas corporações, mudar sua forma de encarar o cliente, mudar a hierarquia de seus departamentos comerciais. O CRM requer um investimento menos financeiro e mais de esforço para uma real mudança de visão. Poucos estão dispostos ou enxergam que se deve investir nesta direção, o que os leva a uma perigosa armadilha: restringir o CRM a uma solução que é comprada no mercado como se fosse um programa de computador. A pulverização do uso da expressão CRM tem colocado em risco sua real aplicação. Uma conseqüência drástica desse fato é o comprometimento de seus resultados e seu descrédito, hoje ainda de poucos. Estamos falando de um desperdício de esforço, de dinheiro e, principalmente, de oportunidade. No início do século passado, o CRM já estava presente entre nós. Nossos bisavós eram tratados de forma diferente pelas pequenas corporações da época. Clientes diferentes já eram tratados de forma diferente. Os proprietários dos pequenos arma- yw S E T E M B R O / O U T U B R O D E 2003–REVISTA DA ESPM 23 Customer Relashionship Management proprietários dos pequenos armazéns, que D Os trabalhavam em seus próprios negócios, conheciam comprofundidade o comportamento de compra de seus clientes. zéns, que trabalhavam em seus próprios negócios, conheciam com profundidade o comportamento de compra de seus clientes, suas reais necessidades e, de forma mágica, seus desejos de consumo. Após esse tempo, com o aumento do poder aquisitivo das pessoas e o veloz crescimento da indústria, tivemos uma mudança neste antigo mercado. Pela primeira vez, os consumidores tinham poder aquisitivo suficiente para o consumo e poderiam 24 REVISTA DA ESPM– S E T E M B R O / ir mais longe em seus desejos por produtos. As pessoas começaram a sonhar em suprir suas necessidades básicas de transporte, antes atendidas por carruagens, bicicletas e trens, pelos revolucionários automóveis. Nesses tempos, é atribuída a Henry Ford a célebre colocação de que todos podem comprar um carro e escolher a cor, desde que esta seja o preto. Ford revolucionou a indústria, criou linhas de produções rápidas e sempre com o menor custo possível. O U T U B R O D E 2003 Havia mercado para os seus carros. Todos da mesma cor e todos vendidos em uma velocidade assustadora. A partir daí o mundo empresarial inclinou-se totalmente para a indústria. As corporações começaram a se tornar cada vez maiores para atender às crescentes demandas. Surgia a necessidade de se ter cada vez mais produtos, melhores produtos. Tinha início a grande batalha por clientes. Com ela a necessidade de se variar os produtos. Os carros, antes apenas de uma cor, começaram a ser fabricados em outras cores. Surge a necessidade da sedução de prospects e clientes, e juntamente com ela uma João revolução da comunicação. Era preciso comunicar tudo isso aos consumidores e públicos de interesse (ver diagrama1). Nesse tempo,e em alguns países, as pessoas começaram a adquirir um aparelho televisor, a ler jornais, a comprar revistas, a ouvir diariamente o rádio. Era o primeiro passo da comunicação de massa que temos hoje. Surgiu a propaganda como fortíssima ferramenta para a comunicação desses variados produtos, tendo como expectadores pessoas loucas para consumi-los. Com o passar dos anos, a propaganda evoluiu. Agências de propaganda começaram a sur- 1. DIAGRAMA DA INDÚSTRIA INDÚSTRIA CANAL DE DISTRIBUIÇÃO MÍDIA CAMINHO DA INFORMAÇÃO Matta 2. DIAGRAMA DE SEGMENTAÇÃO E NICHO MERCADO MARKETING DE MASSA MERCADO MERCADO MARKETING DE SEGMENTOS MARKETING DE NICHOS MERCADO MARKETING INDIVIDUAL gir juntamente com inúmeros fabricantes de diversos produtos e uma grande população apta ao consumo em massa. levou as empresas a desenvolverem produtos para suprir diferentes necessidades de partes do mercado. O aumento da concorrência traz, mais uma vez, a necessidade de mudar a forma de fazer negócio. Os profissionais de marketing começaram a dividir os mercados em alguns segmentos para melhor explorá-los. Teve início, nesse momento, uma nova fase para o marketing. Produtos começam a ser produzidos especificamente para atender a necessidades e desejos de segmentos de mercado diferentes. O que antes era para todos começa a ser para segmentos específicos de consumidores. O estudo da segmentação de mercado Mais à frente, diante de novas e diferentes dificuldades para a diferenciação de produtos, se fez necessário segmentar ainda mais os mercados. Essa segmentação de mercados já segmentados levou as empresas aos nichos de mercado: segmentos dentro de segmentos. Produtos eram produzidos para atender a segmentos cada vez menores de consumidores. A informação sobre o comportamento de consumidores, antes irrelevante para a indústria, torna-se um forte diferencial competitivo e uma potente arma para ultrapassar a barreira da concorrência (ver diagrama 2). yw CONSUMIDOR revolucionou a indústria, criou linhas de D Ford produções rápidas e sempre com o menor custo possível. S E T E M B R O / O U T U B R O D E 2003–REVISTA DA ESPM 25 Customer Relashionship Management Com o aumento desenfreado da concorrência e o acesso fácil à tecnologia, os resultados efetivos da propaganda começaram a diminuir. Grandes marcas começaram a perder seu espaço no mercado, o resultado da comunicação de massa não era mais o mesmo. Empresas, que antes investiam milhões de dólares em grandes campanhas sem uma preocupação pontual com seus resultados, começaram a diminuir seus investimentos nesse tipo de ferramenta de comunicação. Elas descobriram que poderiam utilizar outras formas para se comunicar com seus públicos de interesse. Ferramentas como Marketing Direto, Promoção de Vendas, Merchandisng, Assessoria de Imprensa e Eventos começaram a ser vistas por estas empresas como opções para a comunicação. Nesse momento, surgiu o conceito de Comunicação Integrada como um grande alavancador de resultados para essas empresas. Talvez o melhor caminho de se garantir a diferenciação entre marcas e produtos atualmente em mercados altamente competitivos (ver diagrama 3). comunicação de massa foi capaz de informar ao D Amercado o lançamento de novos produtos e seus benefícios, criando desejo pelo seu consumo. 26 REVISTA DA ESPM– S E T E M B R O / O U T U B R O Com maior consistência nas mensagens e melhor utilização dos recursos disponíveis, a comunicação integrada tem sido, desde então, a forma mais eficaz para se atingir os resultados esperados por estas empresas. Essa nova 3. DIAGRAMA DE MIX DE COMUNICAÇÃO INTEGRADA Diagrama 4 BOCA A BOCA D E 2003 EVENTOS MARKETING DIRETO PROPAGANDA PÚBLICO-ALVO Paralelamente a tudo isso, a propaganda cresceu como a grande ferramenta de comunicação. Tornou-se um negócio de milhões e milhões de dólares. Justo crescimento para uma ferramenta perfeita para suprir as necessidades da indústria. Os consumidores, que pertenciam aos diversos segmentos e nichos de mercado, eram quase em sua totalidade alcançados pela propaganda. A comunicação de massa foi capaz de informar a esse mercado o lançamento de novos produtos e seus benefícios, criando desejo pelo seu consumo. A propaganda emocionou esse público, fez com que ele sonhasse e consumisse mais e mais produtos. COMUNICAÇÃO INTEGRADA PROMOÇÕES TRADE PUBLICIDADE EMBALAGEM João forma de se pensar a comunicação é, definitivamente, o melhor caminho para uma comunicação com resultado, otimização de recursos e construção de marcas vencedoras. A comunicação integrada utiliza eficientemente o mix de comunicação e todos os pontos de contato dessas empresas com seus públicos de interesse. Não podemos mais dizer que a “pro- paganda é a alma do negócio” e nem tampouco que a propaganda não traz mais resultados. Nem tanto o céu e nem tanto a terra. Talvez o melhor seria entendermos que, hoje, a comunicação integrada é a melhor forma de se chegar ao sucesso. Podemos até arriscar em dizer que a comunicação integrada é atualmente a alma da grande maioria dos negócios. Matta A VOLTA DO CRM Ao mesmo tempo, o rápido aumento da concorrência e a facilidade de acesso à tecnologia começam a dar oportunidade a uma nova forma de se encarar o mercado. Com a perda regular de clientes e a dificuldade para diferenciar seus produtos, as empresas descobriram que manter seus atuais clientes é mais rentável e econômico que partir para a aventura de conquistar novos. Ressurge, então, o conceito do foco no cliente experimentado há tempos por nossos bisavós. No passado, o foco no cliente era utilizado empiricamente pelos empresários em suas pequenas corporações. Eram poucos clientes e poucos produtos. O desafio hoje é bem maior. As empresas pretendem utilizar esse mesmo conceito, essa mesma filosofia de negócios, agora para milhões de consumidores disputados diariamente por todos os tamanhos e tipos de empresas concorrentes. Devemos aprender que uma grande saída é aprender sempre, aprender com o cliente. Esse é um grande e difícil desafio. Para vencê-lo, precisamos de uma maior precisão no entendimento de como colocar em prática este novo conceito de foco no cliente. Restringir o CRM a um software de gerenciamento de informações de clientes ou a uma ferramenta de comunicação (marketing direto) tem sido, infelizmente, muito comum. Isso coloca em risco sua aplicabilidade e traz ao mercado a falsa percepção de sua real utilização. filosofia de negócios CRM, popularizada D Apelos gurus norte-americanos Martha A sigla CRM tornou-se sinônimo de várias coisas diferentes hoje no mer- yw Rogers e Don Peppers, sugere tratar clientes diferentes de forma diferente. S E T E M B R O / O U T U B R O D E 2003–REVISTA DA ESPM 27 Customer Relashionship Management cado. Vemos ser usada como sinônimo de Marketing Direto, de Banco de Dados de Clientes, de programas de computadores etc. Esse uso distorcido é preocupante. Quantos empresários não estão, neste momento, decepcionando-se com a filosofia de negócios que prega o foco no cliente após terem adquirido uma solução customizada de banco de dados de clientes ou uma criação/execução de uma ação de mala-direta para prospecção de clientes imaginando terem comprado uma solução completa de CRM? Muito cuidado! Não sejamos simplistas demais. Definitivamente, CRM não se restringe a uma aplicação de banco de dados e nem tampouco a uma ferramenta de comunicação dirigida. É muito mais que isso. BANCO DE DADOS DE CLIENTES NÃO É CRM Tem sido comum vermos alguns executivos e empresários se orgulhando do fato de terem implementado um CRM em suas empresas. Outro dia mesmo, ouvi o proprietário de uma pequena rede de postos de gasolina dizendo que havia adquirido uma solução de CRM para o seu negócio. Bastante curioso, perguntei se havia implementado tal filosofia de negócios com alguma ajuda externa ou através dos seus próprios recursos – algum eventual funcionário com experiência e conhecimento na área. Sua resposta foi bastante rápida e proporcionalmente preocupante: “Não! Comprei o CRM de uma empresa de software que conheço. Agora posso enviar malas-diretas para todos os meus clientes”. foco no cliente deve ser prioridade tanto D Opara o presidente da empresa como para o atendente do Call Center e assim por diante. 28 REVISTA DA ESPM– S E T E M B R O / O U T U B R O D E 2003 Essa afirmação nos indica um entendimento equivocado do que realmente propõe a filosofia de negócios CRM (Customer Relationship Management) por parte deste empresário. Essa afirmação, infelizmente, sintetiza um entendimento cada vez mais comum em nosso mercado a respeito do CRM. Apesar de vários desenvolvedores de sistemas darem o nome de CRM aos seus produtos, estas três letras significam muito mais do que uma simples aplicação de banco de dados de clientes e prospects utilizada para ações de comunicação. A filosofia de negócios CRM, popularizada pelos gurus norte-americanos Martha Rogers e Don Peppers, sugere tratar clientes diferentes de forma diferente. A prática aprofundada dessa filosofia tem levado empresas de todos os tamanhos a repensarem seus negócios do ponto de vista do cliente. Ter o foco no cliente ao invés do foco no produto, diretriz principal do marketing 1to1 de Peppers e Rogers, tem sido o grande desafio para essas empresas que estão optando por esta nova filosofia de negócios. É necessário mudar mais do que simplesmente processos e sistemas de uma empresa para se implantar essa nova forma de fazer negócios e obter resultados expressivos dela. A cultura empresarial precisa ser alterada. O foco no cliente deve ser prioridade tanto para o presidente da empresa como para o atendente do Call Center e assim por diante, passando por todos os outros níveis. Isso não tem sido fácil, já que culturalmente vivemos em um mundo corporativo com heranças autoritárias com grande rigidez hierárquica. Na hierarquia proposta no CRM, todos, sem exceção, respondem primeiramente ao cliente e depois, se der tempo, ao chefe (ver diagrama 4). João Matta Está aí colocado um grande desafio para as empresas, já que temos trabalhado de forma diferente há muito tempo. Mas ter foco no cliente não pára por aí; isto é só o início da grande mudança. Estamos realmente falando de fazer negócios de forma diferente. Diferente da forma que estávamos habituados e acomodados a fazer: desenvolvendo produtos e procurando um cliente para eles. Precisamos, sim, desenvolver o relacionamento com este cliente procurando-o e oferecendo-lhe produtos adequados, da melhor forma através do melhor canal, no menor tempo possível. Para isso é necessário conhecermos com profundidade esse cliente. Os gurus Peppers e Rogers, anteriormente citados, sugerem mais quatro letras para guiar-nos neste desafio de conhecer realmente o nosso cliente. São elas: I D I P – Identificar, Diferenciar, Interagir e, finalmente, Personalizar. Isso, necessariamente nessa ordem. Uma ação depende da outra para acontecer de forma eficaz. Estamos falando de um processo que se inicia com a identificação, objetivando a personalização. Identificar os melhores clientes, sem a identificação dos principais, não possibilitara o desenvolvimento de uma relação comercial. 4. DIAGRAMA DE FOCO NO PRODUTO E FOCO NO CLIENTE CLIENTE EMPRESA FOCO NO CLIENTE INFORMAÇÃO EMPRESA INFORMAÇÃO FOCO NO PRODUTO CLIENTE A personalização da mensagem, da oferta ou D da ação de marketing é resultado de uma relação de aprendizado entre empresa e seu público-alvo. Diferenciar os clientes pelo seu valor para a empresa. Assim é possível priorizar esforços e, posteriormente, personalizar contatos, mensagens, ofertas etc. É importante lembrarmos sempre dos clientes com potencial de crescimento de importância. Um cliente pode ainda não ser de grande retorno para a empresa, mas ter grande potencial de crescimento futuro. Interagir para fortalecer o relacionamento entre empresa e cliente através da troca de informações relevantes para ambos os lados. S E T E M B R O / Finalmente, personalizar o comportamento da empresa em relação ao cliente. Agora sim, tratar clientes diferentes de forma diferente, sendo esta forma individualmente relevante para este cliente. A personalização da mensagem, da oferta ou da ação de marketing é resultado de uma relação de aprendizado com o cliente, que acontece no dia-a-dia através dos mais diversos canais de comunicação entre empresa e seu público-alvo de interesse. yw O U T U B R O D E 2003–REVISTA DA ESPM 29 Customer Relashionship Management O CRM que, segundo Peppers e Rogers, propõe tratar clientes diferentes de forma diferente objetiva uma relação ganha-ganha. Relações sadias, onde ambos – cliente e empresa – ganhem, têm muito mais chance de prosperar diante de relações desequilibradas, onde as partes não se conhecem com profundidade, não existindo lealdade na troca. Estamos falando de uma forma diferente de se fazer negócios. Trata-se de uma mudança do foco das empresas, migrando do produto para o cliente. Não falamos de tecnologia, não falamos de qual banco de dados se ajusta melhor a esta ou àquela situação. Estamos falando mesmo é de filosofia de negócios, estamos falando de uma estratégia de competição. Existe hoje no mercado uma perigosa confusão conceitual e prática que tem levado executivos e empresários a comprar soluções de bancos de dados como sendo soluções de CRM, comprometendo os resultados esperados. A tecnologia é complementar à filosofia de negócios. Como ferramenta, permite que uma prática milenar de se fazer negócios seja aplicada hoje em um mercado de milhões de pessoas. O tratamento personalizado de clientes e prospects não é novidade para nós, seres humanos. A novidade é a possibilidade deste tratamento 1to1 ser feito para milhares ou até milhões de pessoas através da tecnologia. A personalização, idealmente 1to1 e na prática realizada em massa, só é possível com a utilização das mais variadas técnicas estatísticas e tecnologias disponíveis. Portanto, como tudo neste desafiante e mutante mundo de negócios, o melhor é a utilização correta da filosofia de negócios CRM apoiada pela mais adequa- 30 REVISTA DA ESPM– S E T E M B R O / correta determinação do público-alvo, o desenho de uma D Aoferta diferenciada e a criação conceitual da ação são fatores importântes para intensificar os resultados desejados. da solução tecnológica, buscando sempre a real relação de aprendizado da empresa com seus clientes e prospects. MARKETING DIRETO NÃO É CRM A exemplo do empresário do posto de gasolina, não é incomum vermos profissionais do mercado colocando ações de marketing direto em prática para prospecção e relacionamento com clientes como dizendo ser uma ação de CRM. A comunicação dirigida ou, como a maioria do mercado prefere chamar, o marketing direto tornou-se bastante popular entre os profissionais de negócios nos últimos anos. Trata-se de uma excelente alternativa à diminuição expressiva no resultado trazido às empresas pela propaganda, mas é preciso saber que nem de longe é a mesma coisa que CRM. Talvez seja a mais eficaz ferramenta de su- O U T U B R O D E 2003 porte para o gerenciamento da relação das empresas com seus clientes. Segundo o DMA, Direct Marketing Association, “marketing direto é um sistema de marketing interativo que utiliza uma ou mais mídias de propaganda para obter uma resposta mensurável e/ou uma transação em qualquer localização”. Dessa definição duas palavras são mágicas para o contexto do mercado atual: interativa e mensurável. A possível interação através do marketing direto torna esta ferramenta diferenciada para o relacionamento entre empresa e cliente comparativamente com a propaganda tradicional. Ao contrário da propaganda e da publicidade que tratam seus públicos de interesse de forma impessoal, o marketing direto possibilita uma comunicação interpessoal. Esta troca entre empresa e cliente fornece infinitas possibilidades para um aprendizado contínuo por parte da empresa com seus clientes e prospects. João A outra palavra mágica – mensurável – cai como uma luva para as corporações que se viam angustiadas com a impossibilidade de medir de forma precisa o resultado de seus investimentos em comunicação. O marketing direto permite uma verdadeira mensuração dos resultados de cada ação, possibilitando testes das ações durante sua execução. Interação e mensuração são características vencedoras dessa ferramenta. Estrategicamente o marketing direto tem sido utilizado pelas grandes e pequenas empresas para impactar seus públicos de interesse. Trata-se de uma ferramenta de comunicação mais trabalhosa para ser implementada. Existe a possibilidade de constantes mudanças durante sua execução e, por esta razão, uma conseqüente necessidade de se medir regularmente os resultados. Esse trabalho adicional com essa ferramenta normalmente é muito recompensado por um menor custo e maior impacto por prospect ou cliente, se compararmos com as outras ferramentas de comunicação. Taticamente, o marketing direto conta com muitas ferramentas: mala-direta, telemarketing, e-mail marketing,TV, rádio etc. Mala-direta, telemarketing e e-mail marketing são as mais conhecidas e mais comuns utilizadas pelo mercado. Infelizmente, muitas vezes utilizadas sem o foco devido, desgastando assim a sua percepção pelo mercado. TV e rádio estão na lista acima não por engano. São, sim, potentes ferramentas que podem ser utilizadas pela comunicação de massa e também pela comunicação dirigida. É muito importante entendermos que não é o meio que determina a ferramenta de comunicação e sim a forma como a utilizamos. A veiculação de um anúncio em TV ou em rádio que permite uma interação através de um número de telefone ou um código que identifique o cliente em uma loja e, conseqüentemente, medir seus resultados é uma ação de marketing direto, segundo a definição citada acima. Por outro lado, enviarmos uma maladireta sem as informações necessárias que permitam uma interação e conseqüente mensuração dos resultados não é marketing direto. Não é demais repetirmos que não é o meio que determi- 5. DIAGRAMA COM OS 3 OS DO MARKETING DIRETO 2. OFERTA 1. ORGANIZAÇÃO DO PÚBLICO-ALVO PÚBLICO-ALVO PARA A AÇÃO MKT DIRETO DIFERENCIADA SOB MEDIDA ADAPTADA AO O ANTERIOR – CLIENTE OU PROSPECT Matta na a ferramenta de comunicação e sim a forma como este meio é utilizado. Aqui temos um exemplo da utilização de uma mala direta como uma simples tentativa de se fazer propaganda pelo correio: um verdadeiro desperdício de dinheiro. A prática nos mostra que os melhores resultados em ações de marketing direto são obtidos através da combinação otimizada das ferramentas. Nada mais eficaz para a prospecção de clientes que uma mala direta seguida de uma ação de telemarketing ativo ou receptivo. Ações conjuntas e muitas bem planejadas têm trazido resultados antes dificilmente obtidos pelas tradicionais ferramentas de comunicação de massa. E por falar em ações planejadas de marketing direto, não é só a escolha do meio mais adequado que é importante para se obter o melhor resultado. Uma ação eficaz deve ser planejada e executada levando-se em consideração outros 3 importantes elementos: os 3 Os do marketing direto. Seguindo a idéia da utilização das letras como forma de fixar os conceitos importantes, como é o caso dos 4 Ps de marketing, arrisco-me a sugerir, para o melhor entendimento da prática da comunicação dirigida, os 3 Os do marketing direto. Além da escolha do meio, é importante, para intensificar os resultados desejados, a mais correta possível determinação do público-alvo para a ação; o desenho de uma oferta diferenciada e, se possível, exclusiva, e a criação conceitual da ação (ver diagrama 5). v Organização do público-alvo v Oferta – benefício exclusivo v Operação – criação e execução yw 3. OPERAÇÃO CRIAÇÃO E OPERACIONALIZAÇÃO DA AÇÃO AOS 2 OS ANTERIORS – PÚBLICO-ALVO E OFERTA S E T E M B R O / O U T U B R O D E 2003–REVISTA DA ESPM 31 Customer Relashionship Management v ORGANIZAÇÃO DO PÚBLICO-ALVO A determinação, com o maior grau de precisão possível, para quem será destinada a ação é o primeiro e o mais importante passo para a obtenção de um bom resultado. Quanto mais conhecermos o público com o qual queremos nos comunicar, maior é a chance de obtermos sucesso. Para isso, devemos utilizar uma precisa estratégia de segmentação do públicoalvo: identificar as bases para a segmentação, definir características de cada segmento, definir o grau de atratividade de cada segmento e escolher o(s) segmento(s)-alvo(s). v OFERTA Com o objetivo de potencializar ao máximo a ação de marketing direto, é bastante importante que os profissionais envolvidos na ação tenham claro para eles o que será oferecido e qual o grau MARKETING DIRETO COMO FERRAMENTA PARA O CRM Agora, se voltarmos o nosso foco ao CRM, nada mais natural que a melhor e mais utilizada ferramenta de comunicação para apoiá-lo seja o marketing direto. Lembrando da definição citada acima, a interatividade é uma das principais características dessa ferramenta de comunicação. Imaginemos uma empresa que esteja em processo de mudança de sua cultura organizacional na direção do CRM, ou seja, foco no 32 REVISTA DA ESPM– S E T E M B R O / de atratividade desta ação para o segmento-alvo escolhido. O oferecimento exclusivo de um desconto, de um brinde ou, até mesmo, de uma mensagem fornece à ação uma maior credibilidade e fornece resultados muito mais efetivos do que simplesmente uma ação oferecendo o mesmo que qualquer cliente ou prospect pode encontrar nas lojas de uma determinada empresa. A sensação de receber uma oferta com exclusividade, sem dúvida, dá maior credibilidade à ação, ao mesmo tempo em que potencializa o seu resultado. v OPERAÇÃO Uma vez definidos públicos-alvo e o que será oferecido a este público, o próximo e último passo é a criação e operacionalização, da ação, incluindo todas as peças que a suportam. Esse terceiro “O” do marketing direto conta, normalmente, com o trabalho de uma cliente em vez de foco no produto. Como já falamos anteriormente, para que essa nova forma de se pensar o negócio realmente dê resultados efetivos, é necessária uma mudança mais profunda na cultura organizacional. Todas as pessoas dessa corporação precisarão mudar seu foco. Ele deverá ser direcionado exclusivamente ao cliente. Para isso acontecer, precisaremos implementar um processo de aprendizado contínuo da empresa com seus clientes. Este aprendizado requer ações regulares que permitam uma interação profunda entre empresa e cliente. Essa interação, por ser uma ação de co- O U T U B R O D E 2003 agência, preferencialmente especializada na ferramenta, para sua realização. Especialistas em criação de ações e peças têm experiência suficiente para nos ajudar a adaptar a ação e as peças que fazem parte dessa ação ao nosso públicoalvo e à nossa oferta exclusiva. Esta idéia do três “Os” do marketing direto, necessariamente na ordem apresentada, tem mostrado resultados efetivos na prática. Este raciocínio serve tanto para ações de aquisição de clientes como para ações de relacionamento com clientes. Cada vez mais precisamos impactar nossos públicos de interesse com uma oferta de valor perceptível e através de uma ação coerente com o seu comportamento de compra. Precisamos definitivamente utilizar essa ferramenta – marketing direto – da forma mais eficaz possível. Esse é o resultado esperado após a utilização correta dos três “Os” do marketing direto. municação, deve ser realizada através da ferramenta marketing direto. Por essa razão, o marketing direto se tornou a principal ferramenta de comunicação neste novo mundo de CRM. Não faz sentido buscarmos a interação com nossos prospects e clientes através de ferramentas impessoais de comunicação, como é o caso da propaganda e da publicidade. Devemos utilizar para isto uma ferramenta interpessoal chamada marketing direto, ou melhor, comunicação dirigida. E por falar nisso, talvez o melhor nome para esta ferramenta não seja marketing direto, seja mesmo comunicação dirigida. Mas, isto é assunto para outra conversa. João E O CRM? PARA ONDE IRÁ? Escrever sobre o futuro sempre foi um exercício de adivinhação. Qualquer um que escreva sobre o que está por vir não estará fazendo nada mais que tentando seguir uma linha de raciocínio, às vezes lógica e às vezes não, para chegar em algum cenário possível. Através do raciocínio que tivemos acima a respeito do caminho do CRM que correu em paralelo à história do marketing e da comunicação, podemos definir uma linha de raciocínio interessante. Hoje, é comum encontrarmos empresas onde o CRM esteja sendo implantado da forma colocada acima: como uma verdadeira filosofia de negócios e não como mais uma simples ferramenta de gestão. Por outro lado, também é comum encontrarmos empresas comprando soluções de CRM em pacotes. Para esse raciocínio, pensemos apenas nas empresas que estejam implementando o CRM como sua nova filosofia de negócios. Normalmente, a responsabilidade pelo CRM nestas empresas é dada ao departamento de marketing. Nada estranho, já que o entendimento da maioria é que a área de marketing das empresas deve cuidar das necessidades e desejos do cliente, entender e afetar positivamente a demanda pelos produtos desta empresa. Portanto, como o CRM trata especificamente do foco no cliente, não seria errado concluirmos que hoje o CRM como processo dentro de uma empresa pertença ao marketing. Não estaríamos errando muito dizendo que, hoje, o CRM pertence ao marketing como nós o conhecemos. Agora, seguindo a linha de raciocínio colocada, o mercado segue em constante transformação: antes as empresas 6. DIAGRAMA DE CRM CONTENDO O MARKETING CRM HOJE MARKETING CRM RELACIONAMENTO CRM vendiam para todo o mercado, depois começaram a segmentá-lo, depois a segmentá-lo mais ainda – chegando nos nichos. E assim por diante chegamos ao menor segmento possível: o indivíduo. Isso está sendo chamado por todos de marketing individual. Mas, como planejar o marketing apenas para um indivíduo? Seriam quatro Ps apenas para um indivíduo? Simplificando o raciocínio, mas não deixando os conceitos de lado, podemos dizer que seria um Produto, um Preço, uma Distribuição e uma Comunicação para cada cliente. Utilizando a expressão de Pepper e Rogers: “tratar clientes diferentes de forma diferente”. Desenvolver e produzir apenas um produto para um indivíduo específico. Ofertá-lo através de uma política de preços específica apenas para esse indivíduo. Disponibilizar esse produto através de um canal específico e escolhido por esse indivíduo. Desenvolver e manter um canal de comunicação único com esse indivíduo. É disso que estamos falando quando pensamos em marketing individual. Será que futuramente quem pertencerá ao CRM não será o próprio e todo poderoso marketing que o contém hoje? (ver diagrama 6) Será que em um futuro próximo seremos atendidos de forma totalmente individual pelas empresas? Esperemos para ver! ESPM CRM AMANHÃ Matta MARKETING AUTORES ACESSO TOTAL JOÃO MATTA MARKETING DE RELACIONAMENTO MARKETING DE ACESSO Graduado em Engenharia Eletrônica pela USP, com MBA Executivo pela ESPM. É gerente de comunicação da Vivo e professor da ESPM. Fotos desta matéria: Corbis/Stockphotos S E T E M B R O / O U T U B R O D E 2003–REVISTA DA ESPM 33 Marketing para produtos de Alta Tecnologia ESTRA TÉGIAS DE MARKE TING PARA PRODU TOS DE ALTA TEC NOLOGIA: O CASO HEWLETT-PACKARD-COMPAQ DO BRASIL 1. APRESENTAÇÃO tualmente o setor de alta tecnologia vem ganhando uma importância estratégia, seja em função das cifras cada vez maiores que movimenta, seja em função da alta possibilidade de expansão e conquista de novos mercados. Contudo, se este é um mercado que embute muitas oportunidades e lucratividade, também requer técnicas cada vez mais adequadas e específicas, em função principalmente de seu ciclo de vida peculiar e dos comportamentos e expectativas que gera em seus consumidores. Segundo Mckenna A 36 REVISTA DA ESPM– S E T E M B R O / (1999) e Parasuraman e Colby (2001), muitas empresas do setor de tecnologia não tiveram sucesso por utilizarem técnicas e estratégias de marketing provenientes de mercados com características diferentes. O objetivo deste trabalho é contribuir para o entendimento do mercado de alta tecnologia e suas peculiaridades, através do estudo de caso de uma multinacional americana com destacada posição no setor de alta tecnologia (HewlettPackard-Compaq), tendo como variáveis de análise as estratégias empregadas, o comportamento de compra dos clientes e o ciclo de vida dos produtos do setor. O U T U B R O D E 2003 Nesse sentido, espera-se que o trabalho possa gerar subsídios para a tomada de decisão por parte dos empreendedores do setor. Acreditase que a partir da formulação de adequadas estratégias mercadológicas possam ser criados novos paradigmas e empreendimentos de sucesso. Muitas vezes, boas oportunidades são desperdiçadas devido a posicionamentos estratégicos errôneos e a táticas mal elaboradas. Ressalta-se que não será objetivo do trabalho o aprofundamento teórico dos temas tratados, mas apenas montar um quadro de referência que facilite o entendimento do leitor. Corbis/Stock Photos Daniel 2. REVISÃO TEÓRICA Braga, Maria Clara Piazza, Tales Andreassi Além de atributos óbvios como qualidade e comprometimento, as empresas que operam nesse mercado esperam obter parceiros capazes de oferecer uma solução padronizada o bastante para oferecer economia de escala, mas que ao mesmo tempo seja customizada, atendendo às reais necessidades da empresa. Ou seja, desejam uma solução de alto valor custo-benefício, geradora de vantagem competitiva, de fácil absorção pelos funcionários e de baixo impacto para o consumidor final, no que diz respeito à complexidade e operacionalização no uso. Encontrar esse ponto de equilíbrio é o desafio diário para pequenas empresas que buscam obter sucesso neste mercado, bem como para grandes corporações já estabelecidas. 2.1. O MERCADO DE ALTA TECNOLOGIA Para Mckenna (1999), “os critérios do consumidor para uma absoluta satisfação com as organizações fornecedoras, seja uma empresa ou um órgão público, se tornaram a tal ponto rigorosos que parecem irreais se comparados aos padrões do passado” (MCKENNA, 1999, p. 34). Nesse contexto podemos concluir que são as indústrias, em sua constante busca por competitividade, as grandes geradoras de demanda por novas tecnologias. mercado de alta tecnologia está t Omuito atrelado à questão da inovação No mercado de alta tecnologia a customização ocorre em um amplo campo de ação que pode ir desde adaptar maquinarias até a criação de um avançado e complexo sistema de informações. A diferenciação está em realizar tais tarefas de forma inovadora, operacionalizar invenções tornado-as úteis do ponto de vista socioeconômico para os clientes e para a sociedade em geral. tecnológica. Para Drucker (1987), “é uma distinção crucial. Em uma era de competição acirrada, inovar se tornou uma prioridade para empresas, corporações e nações”. Corbis/Stock Photos Além disso, o mercado de alta tecnologia está muito atrelado à questão da inovação tecnológica, pois é esta exatamente sua base. Para Drucker (1987), “é uma distinção crucial. Em uma era de competição acirrada, inovar se tornou uma prioridade para empresas, corporações e nações” (DRUCKER, 1987, p. 49). S E T E M B R O / Nos próximos tópicos serão abordadas as formas como os clientes absorvem tais inovações e como as estratégias podem ser empregadas para evitar que idéias que despendam grande esforço e investimento em pesquisa não se tornem fracassos. yw O U T U B R O D E 2003–REVISTA DA ESPM 37 Marketing para produtos de Alta Tecnologia v INOVADORES 2.2. O CICLO DE VIDA DE ADOÇÃO DA TECNOLOGIA O ciclo de vida de adoção da tecnologia é um modelo que demonstra como os indivíduos reagem às inovações, principalmente as descontínuas. De acordo com o modelo proposto por Moore (1991), as inovações descontínuas são novos produtos e/ ou serviços que requerem do usuário final e do mercado uma mudança significativa do seu comportamento, em troca de mais e melhores benefícios. Em suma, trata-se de quebrar paradigmas, como mudar de um carro movido a gasolina para outro cujo combustível é a eletricidade. Nesse momento o cliente faz uma análise dos riscos e benefícios oferecidos pela novidade e, de acordo com seu grau de aptidão à mudança, podem ser classificados em cinco grupos, dos Inovadores até os Retardatários. Entre esses dois extremos encontramos três grupos adicionais: os adeptos iniciais, a maioria inicial e a maioria tardia. O primeiro segmento da curva de adoção é composto pelos consumidores denominados inovadores, os clientes de tudo que é realmente novo. São impulsionados pelo prazer de ter e testar o que é considerado como a última palavra em inovação. É normal que fabricantes forneçam gratuitamente seus novos produtos a este público, que desempenha um papel de extrema importância no processo de criação e adaptação de novas tecnologias e serviços, uma vez que se propõem a testálos, mesmo durante a fase de desenvolvimento, apontando defeitos e sugerindo melhorias. Porém, poder que este grupo detém é a capacidade de influenciar o restante do mercado. Se desaprovam um novo produto, as alternativas são desistir da idéia ou retrabalhar. v ADEPTOS INICIAIS Os adeptos iniciais são consumidores que arriscam trocar um produto ou serviço estabelecido por algo novo, com base na possibilidade de obter maior vantagem competitiva. É um grupo composto por pessoas que buscam, de forma revolucionária, eficiência e rapidez de resultados e correm riscos para tanto. Nestes dois estágios iniciais do ciclo, encontramos consumidores que possuem uma característica comum muito forte: querem ser os primeiros a usufruir a inovação, apesar das motivações pessoais diferentes. Assim, o inovador deseja explorar a tecnologia, já o adepto inicial busca usufruir os benefícios antes do restante do mercado. v MAIORIA INICIAL Entre os denominados de maioria inicial, encontram-se os consumidores que formam o grosso do mercado. Como observou Moore (1991), a principal característica desses consumidores é serem altamente pragmáti- OS ESTÁGIOS DO CICLO DE PRODUTOS DE ALTA TECNOLOGIA FIGURA 1 OBTER RECEITA SERVINDO A MAIORIA INICIAL PARA TORNAR-SE LÍDER DE MERCADO TORNAR OS PRODUTOS CONFIÁVEIS E BARATOS PARA CONQUISTAR A MAIORIA TARDIA MERCADO DE MASSA m ESTRATÉGIAS l AGRESSIVAS m ESTRATÉGIAS l MODERADAS m ESTRATÉGIAS l SUTIS PRODUTO COMPLETO 38 MERCADO INICIAL SATISFAZER OS ADEPTOS INICIAIS PARA QUE SIRVAM DE REFERÊNCIA A MAIORIA INICIAL SEMEAR OS NOVOS PRODUTOS ENTRE OS INOVADORES PARA QUE EDUQUEM OS ADEPTOS INICIAIS MERCADO ESTÁVEL Fonte: Adaptada pelos autores com base em MOORE e MCKEENA (1991). REVISTA DA ESPM– S E T E M B R O / O U T U B R O D E 2003 DEIXAR OS RETARDATÁRIOS COM SEUS PRÓPRIOS RECURSOS cos. Não se entusiasmam pela tecnologia como os inovadores, e nem procuram obter benefícios de forma revolucionária, como os adeptos iniciais. Convencer esses consumidores da pertinência e da necessidade da mudança é um grande desafio, pois são pessoas que apreciam a estabilidade de seu sistema, evitando a todo custo interferências. Quando finalmente resolvem mudar a tecnologia a seu dispor, buscam pelo fornecedor que transmita maior confiabilidade. Este geralmente é o líder de mercado, mesmo que seu produto não seja a melhor inovação disponível. v MAIORIA TARDIA A maioria tardia é composta por clientes pessimistas quanto à possibilidade de se obter algum valor decorrente do investimento em novas tecnologias, e só o realizam sob pressão de serem deixados para trás pelo restante do mercado. Ao mesmo tempo, esses clientes representam para as inovações uma grande oportunidade inexplorada de novos clientes e um grande desafio para os fornecedores que optam por servi-los, já que o segredo para se obter sucesso com este grupo é simplificar o produto, transformando-o em mercadorias funcionais. v RETARDATÁRIOS Já os retardatários constituem atualmente uma minoria, pois combatem as inovações, não aceitando os novos paradigmas impostos pela evolução tecnológica. São críticos negativos e não são encarados como clientes potenciais. Os cinco estágios do ciclo, constituídos por seus diferentes clientes e perfis, devem ser trabalhados etapa após etapa, fornecendo a base estratégica de marketing para que o novo produto se estabeleça no mercado. O trabalho de estabelecimento de uma inovação deve seguir o fluxo da Figura 1. 2.3. ESTRATÉGIAS MERCADOLÓGICAS PARA AS DIFERENTES FASES DO CICLO DE VIDA DE ADOÇÃO DA TECNOLOGIA As variáveis do ciclo de vida de adoção da tecnologia são intrínsecas à cadeia de valores e devem ser exploradas de forma diferente em cada uma das fases do ciclo de vida. A seguir encontramse descritas as variáveis importantes para cada estágio do ciclo de vida e como trabalhá-las para criar oportunidades e alcançar a diferenciação. Daniel ESTRATÉGIAS PARA MAIORIA GIAS PARA A) ESTRATÉ C) INICIAL E MAIORIA TARDIA: INOVADORES: MERCADO INICIAL No mercado inicial é importante manter a liderança do produto. O meio social composto por consumidores inovadores e visionários deve ser incentivado a aceitar as mudanças propostas. Tal processo transforma invenções, algo totalmente novo e inusitado, em inovações. Outro fator importante nesta fase é a flexibilidade. Os consumidores deste estágio devem ter liberdade para adaptar e criar produtos que atendam a suas necessidades específicas. A cadeia de valor deve ser trabalhada no sentido de vender tecnicamente bem a idéia aos consumidores iniciais; possuir uma equipe de pesquisa e desenvolvimento capaz de adaptar o produto/serviço até sua customização transformando-o em um produto padrão com um forte controle de custos. Ao introduzir a inovação no mercado, a empresa aprende como racionalizar o potencial futuro de seus produtos e acaba gerando o conhecimento estratégico necessário para o próximo desafio, competir com um produto completo. ESTRATÉGIAS PARA ADEPTOS B) INICIAIS: COMPETINDO COM vESTRATÉGIA AGRESSIVA LEVANDO O PRODUTO COMPLETO AO MERCADO DE MASSA Para Moore (1999), é este o momento em que os clientes percebem que não seguir o novo padrão pode resultar em perda de competitividade, uma vez que a inovação sai dos limites do nicho e se torna um produto de massa. O mercado em geral adota a inovação como novo paradigma de infra-estrutura, padronizando-a e transformando-a quase numa commodity. Agora que a empresa já possui um produto diferenciado, ela deve torná-lo o mais completo possível. Desta forma, faz com que a base de clientes do nicho se reúna ao redor de sua solução, impedindo que outros paradigmas tenham condições de competir. Aqui, a liderança do produto continua sendo importante. Mas o diferencial surgirá da intimidade que a empresa mantém com seus clientes, uma vez que outras soluções semelhantes não criam os vínculos apropriados para atender às necessidades específicas do segmento. Golberg (2002) e Gale (2001) citam a importância de uma abordagem, junto aos consumidores , que leve em conta o retorno sobre os investimentos dos projetos. Um outro processo chave nessa etapa do ciclo de vida é saber escolher a concorrência. O fornecedor de alta tecnologia deve atuar em um nicho onde os clientes já estejam familiarizados com algum tipo de solução de alta tecnologia. Dessa forma, são capazes de diferenciar as soluções oferecidas e selecionar as que proporcionam o maior custo-benefiício. Escapam dessa forma de uma dispendiosa campanha para educar o mercado e construir preços condizentes com o real valor que está sendo oferecido. Portanto, o principal elemento que deve ser explorado na cadeia de valores nesta etapa é o produto/serviço que está sendo oferecido, posicionando corretamente a inovação para deixar seus diferenciais e benefícios claros aos clientes e barrar a concorrência. Ao buscar uma estratégia agressiva, o fornecedor de tecnologia usa sua posição de líder para maximizar a participação de mercado e níveis de preços privilegiados. Os pontos-chave a serem trabalhados na cadeia de valores são a distribuição e o capital humano. É preciso fazer com que o produto/serviço esteja em todos os lugares do mercado, tornando fácil o acesso à solução. Além disso, vendedores e executivos de primeira linha reforçam a posição de líder da empresa. Sua excelência operacional capacita a empresa a obter uma porção cada vez mais desproporcional de vendas. v ESTRATÉGIA MODERADA Essa fase é geralmente uma das mais conturbadas, pois é difícil saber se uma resposta do mercado está sendo gerada por sua ação ou por uma corrente de desenvolvimento comum. As alternativas estratégicas são muitas, mas basicamente podemos agrupá-las em três: estratégia agressiva, estratégia moderada e estratégia sutil. A seguir veremos cada uma delas e como os posicionamentos das empresas mudam de acordo com a estratégia adotada (veja o quadro ao lado). UM PRODUTO COMPLETO Segundo Moore (1997), “produtos completos incluem tecnologia, serviços, suporte, documentação e o que mais seja necessário para implementar um sistema e resolver o problema dos consumidores” (MOORE, 1997, p. 7). Nesta fase do ciclo de adoção da tecnologia as empresas atuam em nichos de mercado, o que diminui seus custos de desenvolvimento e os riscos de introdução do produto. Braga, Maria Clara Piazza, Tales Andreassi ESTRATÉGIAS PARA COMPETIR D) EM UM MERCADO ESTÁVEL Nessa fase do ciclo de vida, os volumes de vendas do supercrescimento se estabilizam num patamar inferior e os concorrentes devem deixar de focalizar a captura de novos clientes e aprofundar o comércio com a base instalada existente. Tal fato não significa que não existam novos clientes para conquistar, porém ganha-se mais dinheiro, aprimorando-se e estendendo a infra-estrutura implantada durante o mercado de massa. Segundo Moore (1999), as decisões estratégicas dessa fase do mercado devem atender basicamente a dois grupos: o usuário final e o diretor financeiro, diminuindo custos e adicionando valor. Confiabilidade, compatibilidade, facilidade de uso e retorno de investimento são características importantes. O referencial torna-se a própria empresa; ela deve mostrar como sua linha de produtos e serviços evoluiu. Além disso, segundo Moore (1999), há na escolha uma forte carga de segurança emocional. Na próxima fase do ciclo de vida do produto, as vendas entram em declínio e as margens diminuem num ritmo maior. É a hora de descontinuar o produto/serviço sem causar grandes atribulações ao mercado. A empresa deve passar por esse processo sem abrir brechas aos concorrentes e nem deixar os consumidores com a sensação de desamparo pelo sumiço do produto. Trata-se de um trabalho gradual que segue as mesmas regras básicas de outros mercados; por este motivo não será um tema explorado com profundidade neste trabalho. S E T E M B R O / As empresas que adotam uma estratégia moderada o fazem por não terem o capital necessário para investir em Pesquisa e Desenvolvimento e Marketing. Esses fornecedores de alta tecnologia não estão em posição de competir por grandes participações de mercado, focam seus esforços para aproveitar ao máximo as oportunidades que surgem. Tal operação é muito rentável, sendo a tônica, a excelência operacional baseada em economias de custo. As empresas de estratégia moderada apresentam-se como alternativas competitivas, preenchendo os espaços que o líder não consegue ocupar. Contudo, essas empresas conseguem a venda, mas não mantêm o cliente fiel, uma vez que não detêm o padrão do mercado. Conseguem alguma vantagem competitiva ao realizar um bom trabalho nos canais de distribuição. A única alternativa para que essas empresas se tornem líderes é regredir um pouco a estratégia e tentar obter algum sucesso em um nicho de mercado. v ESTRATÉGIA SUTIL Uma estratégia sutil é a alternativa adotada por empresas que têm fortes investimentos em suas próprias tecnologias, mas não possuem liderança de mercado. Assim como em todos os mercados de massa, elas competem pela distribuição desejando ganhar acesso à demanda reprimida. O interessante para essas empresas é ter participação suficiente de mercado para se posicionarem como alternativa segura ao líder. Nesse contexto entendese por participação de mercado tecnologia própria e confiável, excelente distribuição e boa relação custobenefício, fatores que deixam a comunidade de consumidores pragmáticos (que domina o mercado de massa) extremamente segura. São empresas cujas atuações não definem o padrão e não desafiam a posição hierárquica do mercado. A orientação mais adequada para as empresas que adotam tal estratégia é serem agressivas sem exceder limites e sem ameaçar o líder. Elas devem desenvolver tecnologias de alto padrão, que as diferenciem de suas concorrentes que utilizam estratégias de mercado moderadas, assim garantindo um fluxo de receita substancial na competição pelos negócios excedentes do líder. yw O U T U B R O D E 2003–REVISTA DA ESPM 39 Marketing para produtos de Alta Tecnologia 4. DESCRIÇÃO DO 3. METODOLOGIA Este trabalho foi desenvolvido utilizando a metodologia do estudo de caso. Segundo Yin (1989), o estudo de caso é um método bastante indicado em situações nas quais o investigador tem pouco controle sobre os eventos que está pesquisando, ainda mais quando o caso tem um caráter revelador. Para o estudo de caso, escolheu-se a empresa Hewlett-Packard-Compaq (HPQ). Tal escolha deve-se ao importante papel exercido pela HPQ no mercado de alta tecnologia, principalmente após a fusão com a Compaq em 2002. Com base na revisão teórica efetuada, foram formuladas três questões de pesquisa, as quais irão nortear o estudo de caso. São elas: EMMERCADOSDEALTA 1.1. Em mercados alta tecnoTECNOLOGIA, OSde FATORES RACIONAIS logia, os fatores racionais e emoEEMOCIONAIS QUELEVAM À cionais que levam à compra são COMPRA SÃOMAIS COMPLEXOS mais complexos que em outros? QUE EMOUTROS? 2.2. MERCADO ALT A NoNO mercado de DE alta tecnoTECNOLOGIA ACONFIABILIDADE logia a confiabilidade e o mar- E OMARKETING DERELACIONAMENTO keting de relacionamento são SÃO MUITOIMPORTANTES? muito importantes? 3.3. ÉPOSSÍVEL, ATRAVÉS DAANÁLIÉ possível, através da análiSEDO CICLO VIDA PRODUTO, se do ciclo de DE vida doDO produto, OFERECER AOSCONSUMIDORES oferecer aos consumidores proPRODUTOS DEALTATECNOLOGIA dutos de alta tecnologia capazes CAPAZES DEATENDER de atender melhor a suasMELHOR neces- SUAS NECESSIDADES EEXPECTATIVAS? sidades e expectativas? A coleta de dados para este estudo aconteceu em duas etapas. Na primeira, de caráter mais exploratório, levantou-se um amplo material impresso sobre a empresa. Na segunda etapa foram realizadas entrevistas pessoais com alguns executivos da HPQ. 40 REVISTA DA ESPM– S E T E M B R O / CASO HEWLETTPACKARD-COMPAQ SERVIÇOS E SUPORTE O mercado de serviços e suporte pode ser dividido em dois segmentos: HISTÓRICO v Suporte a organizações de todos A Hewlett-Packard foi a primeira empresa de alta tecnologia a surgir no Vale do Silício , nos Estados Unidos da América, em 1939. Na sua configuração atual, após a fusão em 2002 com a Compaq, a HPQ – Hewlett-PackardCompaq – é a segunda maior empresa de alta tecnologia no mundo, atrás apenas da IBM. Atua nos mais diversos segmentos tecnológicos, atendendo tanto a consumidores finais como a organizações dos mais diversos portes. Oferece equipamentos, sistemas de controle de informações e serviços de suporte reconhecidos mundialmente por sua qualidade distribuídos em 4 diferentes unidades de negócios. Atualmente emprega 140.000 pessoas, e em 2002 sua receita foi de 72 bilhões de dólares. É líder mundial no segmento de impressoras e possui forte participação nos mercados de computadores de grande porte, os chamados Mainframes, de sistemas de informação e de serviços e suporte. Seus principais concorrentes mundiais são a IBM e a Dell. O mercado de serviços e suporte de alta tecnologia responde atualmente por uma boa fatia do faturamento das empresas que atuam neste setor, além de ser um dos que mais crescem. Nele, a HPQ ocupa posição de destaque, sendo líder e referencial em vários segmentos. No decorrer do estudo de caso veremos as estratégias utilizadas para crescer neste setor e como a empresa obteve maior vantagem competitiva através da diversificação dos serviços oferecidos. O U T U B R O D E 2003 os portes no gerenciamento de seus sistemas de informação, envolvendo a manutenção dos programas de computador, equipamentos, estrutura de transmissão de dados, bem como a capacitação de pessoas através de treinamentos; v Consultorias para criação, implantação e manutenção de sistemas de alta disponibilidade. Neste estudo de caso, o foco estará nas estratégias utilizadas pela HPQ para introduzir no mercado e aprimorar os serviços aos clientes que necessitam de Sistemas de Alta Disponibilidade. Para entender como a empresa utilizou elementos do seu composto de marketing, durante o ciclo de vida dos produtos, para posicionar seus serviços no mercado, é preciso compreender melhor os sistemas de alta disponibilidade. SISTEMAS DE ALTA DISPONIBILIDADE Tecnicamente um sistema de alta disponibilidade é aquele que, no caso de falhas, não incorre em perda de dados e tem funcionamento restaurado em um período de tempo razoável. Os sistemas de alta disponibilidade visam operar os aplicativos de missão crítica (esta engloba cada função do organograma que, de cima para baixo e da esquerda para direita, envolvem um nível crítico) das organizações, minimizando os efeitos de eventuais paralisações. Sistemas de Braga, Maria Clara Piazza, Tales Andreassi Arquivo Daniel SETOR DE SERVIÇOS E SUPORTE DA HPQ MANTÉM NOS t OPRINCIPAIS MERCADOS MUNDIAIS UMA FORTE ESTRUTURA QUE alta disponibilidade devem operar no máximo de sua performance, o tempo todo. Paralisações desse tipo de estrutura, bem como perdas de dados são ocorrências altamente dispendiosas e devem ser minimizadas. Os sistemas de alta disponibilidade se caracterizam por serem abertos, ou seja, englobam em suas estruturas diferentes aplicações e máquinas de diversos portes e funções. Além disso, são capazes de absorver uma crescente demanda de negócios e são operacionais em tempo real, 24 horas por dia. A HPQ E SEU SISTEMA DE ALTA DISPONIBILIDADE O setor de Serviços e Suporte da HPQ mantém nos principais mercados mundiais uma forte estrutura que realiza serviços de diversas complexidades, que podem ir desde reparo de impressoras, treinamentos e ajuda a usuários de sistemas operacionais, chegando até a criação de intricadas e avançadas redes de informação. Operações tão grandes como essas vinham, ao longo dos anos, se tornando extremamente dispendiosas. O modelo de operação adotado pela HPQ separava os departamentos por níveis de clientes e pela complexida- REALIZA SERVIÇOS DE DIVERSAS COMPLEXIDADES. de dos serviços oferecidos, gerando duplicação de esforços e processos, além de custos maiores, funcionários insatisfeitos, perda de produtividade e margens de lucro menores. Era clara a necessidade de mudanças, surgindo a necessidade de endereçamento de questões como o enxugamento da estrutura sem afetar a qualidade dos serviços oferecidos e a geração de tecnologia para ser líder e atender, também, ao mercado periférico. A reposta para tais questões foi a criação de um sistema de alta disponibilidade. A HPQ poderia então oferecer ao mercado um serviço premium que englobasse todos os departamentos e serviços existentes em sua estrutura. Atualmente, os serviços de alta disponibilidade são a espinha dorsal de onde saem todos os outros serviços, que, independentemente de sua complexidade ou custo, envolvem os elos já existentes da cadeia de valores da HPQ. O segredo do sucesso da divisão de serviços e suporte da HPQ está em usar a mesma estrutura para atender o cliente que compra apenas o serviço de helpdesk até o cliente que rea- S E T E M B R O / liza uma consultoria para a criação de um sistema de telefonia e transmissão de dados. Ela praticamente usa sua estrutura como um jogo de peças para oferecer serviços altamente customizados, mas faz com base num padrão preexistente de operações, reduzindo sensivelmente seus custos. Tais fatos trazem grandes vantagens competitivas para a empresa, que pode atuar tão bem no mercado inicial quanto o faz em um mercado de massa. Essa configuração e as experiências adquiridas foram úteis, como veremos a seguir, nos mercados iniciais, nos mercados de massa e nos mercados estáveis. v MERCADOS INICIAIS Neste mercado, onde os clientes são inovadores e visionários, a HPQ possui vasto capital e grandes recursos de pesquisa e desenvolvimento para gerar novas tecnologias aplicando-as comercialmente, além do conhecimento necessário para torná-las produtos completos, aptos a competir no mercado de massa. Um bom exemplo dessa capacitação foi a criação do O U T U B R O D E yw 2003–REVISTA DA ESPM 41 Marketing para produtos de Alta Tecnologia sistema de administração de dados da TESS, operadora de telefonia celular no interior do Estado de São Paulo. Foi realizado um projeto de redes de informações capaz de administrar desde o fluxo de dados nas linhas telefônicas até os sistemas de cobrança e controle financeiros da empresa. A HPQ, além de criar e executar o sistema, forneceu todos os equipamentos e softwares necessários ao seu funcionamento. O sucesso obtido incentivou a empresa a transformar esse tipo de projeto em um serviço regular de seu portfólio, chegando a realizar algo semelhante com a Telesp Celular na implantação dos sistemas de telefonia celular pré-pago, o Baby. Focar em um nicho específico de mercado a indústria de telefonia permitiu à HPQ adquirir conhecimentos que reforçam sua tecnologia de transmissão de dados. v MERCADOS ESTÁVEIS Ao falarmos de sistemas de alta disponibilidade, o mercado estável é a etapa do ciclo de vida em que alguns países do mundo se encontram, como os Estados Unidos (onde a HPQ é líder). A maioria dos clientes de sistemas de alta disponibilidade desses países usa configurações intermediárias ou semi-avançadas. O sucesso para levar os clientes aos próximos estágios do serviço está no marketing de relacionamento. MERCADOS DE MASSA Sua principal característica é a relutância dos clientes pragmáticos em trocar sua plataforma por algo novo. A HPQ tornou-se líder em suporte a usuários (helpdesk), em alguns países do mundo, ao associar seu nome a parceiros como Microsoft, SAP e Oracle. Usando uma estratégia agressiva de liderança, a HPQ fez seus clientes perceberem o helpdesk terceirizado como uma opção segura e barata em relação a possuir estrutura própria. Uma forte campanha de educação minimizou a preocupação dos clientes em relação ao comprometimento de um helpdesk terceirizado. É claro que associar o nome da HPQ ao serviço, grande líder em vários setores tecnológicos, ajudou. 42 Lançando mão de uma estratégia competitiva sutil, a HPQ desenvolveu sistemas operacionais para computadores de grande porte que capacitaram a empresa a operar, modificar e reparar com grande habilidade os sistemas líderes de empresas concorrentes, como o AS400 da IBM. A HPQ é um dos referenciais de mercado para os serviços relacionados a esse sistema, porém não é líder de mercado. A vantagem de manter tal operação é adquirir conhecimentos ao lidar com as diferentes aplicações em que o sistema é utilizado. Com esse tipo de abordagem, a HPQ oferece uma alternativa viável caso o mercado resolva mudar o padrão. Corbis v Usando uma estratégia competitiva moderada, a HPQ conquistou a demanda reprimida de seus principais concorrentes. Usando técnicas de engenharia reversa, tornou-se capaz de reparar e dar suporte às máquinas de concorrentes como IBM, absorvendo boa parte da demanda reprimida para esses serviços. Seu gigantismo e conhecimento tecnológico a tornaram uma alternativa segura à concorrência, além de capacitá-la a operar com mais propriedade sistemas abertos. REVISTA DA ESPM– S E T E M B R O / principal característica é a relutância dos clientes tSua pragmáticos em trocar sua plataforma por algo novo. A HPQ O U T U B R O tornou-se líder em suporte a usuários (helpdesk), em alguns países. D E 2003 Daniel Nesse estágio do ciclo de vida, as negociações com os clientes para a ampliação do serviço giram em torno das diretorias de tecnologia da informação e financeira. A barreira principal está no fato de convencer quem já recebe um serviço caro e de qualidade comprovada a comprar uma extensão que não necessariamente trará vantagens muito superiores à configuração atual. A chave está em mostrar que o custo-benefício e as inovações da versão ampliada trarão vantagem significativa para o cliente em termos de diferenciação da concorrência. Segundo Moore (1997), nesta fase, a comunicação de marketing é a área em que o próprio valor do produto é definido. O valor é percebido com base na experiência do usuário com o produto. Outro fator importante é saber o nível de satisfação e o momento certo para abordar o cliente. Para isso, a HPQ desenvolveu um complexo sistema de acompanhamento e medição das reações e da satisfação do cliente ao interagir com o serviço e com o própria empresa. Dessa forma os executivos abordam o cliente em momentos mais apropriados e com argumentos de vendas mais consistentes. CONCLUSÃO DO CASO HPQ Todo conhecimento adquirido pela HPQ no realinhamento de sua estrutura de suporte e serviços foi essencial para capacitar a empresa a competir nos diferentes momentos do ciclo de vida da tecnologia. Dessa forma, mais enxuta e com “armas” mais eficazes, os resultados alcançados, utilizando diferentes estra- tégias, foram excelentes. Os lucros da divisão de serviços e suporte foram maximizados, os custos caíram, foram criadas fortes parcerias, e o pessoal (mais bem capacitado) trabalha com foco e satisfação. Isso reflete uma boa utilização dos elementos do composto de marketing da empresa frente às condições de mercado, sejam elas provenientes de qualquer um dos ciclos de vida de adoção da tecnologia. O resultado é uma empresa mais forte, que consegue diferenciar-se de seus concorrentes e obter vantagem competitiva, chegando a liderar vários segmentos. 5. DISCUSSÃO DAS QUESTÕES DE PESQUISA Pode-se concluir que para posicionar produtos e serviços no mercado de alta tecnologia, deve-se observar com cuidado a fase do ciclo de vida em que o produto está. Isso ocorre porque os clientes, os fatores que levam à compra e os custos operacionais são diferentes em cada uma dessas fases, levando a empresa empreendedora a trabalhar seu marketing mix de forma direcionada à fase em que se encontra. Nesse sentido, levando em conta as questões formuladas no item 3 deste trabalho, chega-se às seguintes conclusões: 1. EM MERCADOS DE ALTA TECNOLOGIA, OS FATORES RACIONAIS E EMOCIONAIS QUE LEVAM À COMPRA SÃO MAIS COMPLEXOS? Ao falar de produtos e serviços de alta tecnologia é preciso ter em mente que S E T E M B R O / Braga, Maria Clara Piazza, Tales Andreassi os fatores racionais e emocionais que levam à compra são mais complexos que os geralmente encontrados em outros mercados. Essa é uma indústria movimentada por inovações, quebras de paradigmas. O consumidor de alta tecnologia, como qualquer outro, teme trocar um produto/serviço seguro e que já conhece por algo novo, que não necessariamente domina. Esse sentimento se acentua, pois o mercado de alta tecnologia apresenta ciclos de vida mais curtos que os outros. Tendo como base essa informação, a empresa de tecnologia deve saber usar os argumentos e as ferramentas necessárias para convencer o consumidor a trocar a atual infra-estrutura para o novo paradigma que está sendo oferecido. Esses argumentos podem vir de uma equipe de vendas eficiente, de uma campanha de educação promovida pela empresa, ou por qualquer outro meio necessário. O importante é que o consumidor se sinta seguro e motivado para adotar a nova tecnologia, seja ele um visionário que procura vantagens competitivas ou um pragmático que deseja o menor impacto possível em suas operações. No caso específico da HPQ, notou-se que os consumidores receavam em contratar um serviço terceirizado de helpdesk temendo que a atenção dispensada não fosse satisfatória. A HPQ, através de associações estratégicas com parceiros de renome e de uma forte campanha de educação, conseguiu reverter o quadro tornando-se líder no fornecimento desse tipo de serviços. O consumidor passou a comprar no momento em que a HPQ criou uma imagem de liderança e segurança que satisfizesse também a seus anseios emocionais. yw O U T U B R O D E 2003–REVISTA DA ESPM 43 Marketing para produtos de Alta Tecnologia 2. É UM MERCADO EM QUE A CONFIABILIDADE E O MARKETING DE RELACIONAMENTO SÃO MUITO IMPORTANTES? A grande velocidade de mudança dos padrões no mercado de alta tecnologia faz com que os clientes sejam extremamente rigorosos na escolha de seus fornecedores. Eles precisam confiar que a empresa escolhida seja capaz de guiálos na troca do paradigma, adaptando seus sistemas atuais e minimizando o impacto nas operações. A segurança dos clientes vem das referências que possui, e do modo como interage com o fornecedor de tecnologia. A maioria deles confia na empresa de alta tecnologia que já possui experiências bem-sucedidas com seus pares, que por sua vez passam essa informação ao mercado, ajudando a tornar o fornecedor de tecnologia uma referência no segmento em que atua. A verdade é que a maioria dos clientes quer “ver para crer”, por isso a propaganda boca a boca é uma grande arma para criar a imagem de um fornecedor de alta tecnologia em que se pode confiar. Uma boa parte dessa confiança é construída no relacionamento que a empresa fornecedora de alta tecnologia mantém com seus clientes. Esses devem ter a empresa de alta tecnologia como parceira, alguém que entende suas necessidades e expectativas e oferece, com base nisso, soluções adequadas. O fornecedor de alta tecnologia deve fazerse presente e interagir com o cliente em todas as fases do ciclo de vida do produto, utilizando as ferramentas adequadas para construir um relacionamento duradouro. Como já abordado anteriormente neste trabalho, vale lembrar que, ao escolher um fornecedor de alta tecnologia, o cliente procura acima de tudo uma par- 44 REVISTA DA ESPM– S E T E M B R O / ceria de longo prazo. Esse é um dos motivos pelos quais as empresas líderes de mercado são privilegiadas, uma vez que se mostram aptas a fornecer soluções tecnológicas adequadas por um grande espaço de tempo. Durante o estudo de caso, verificou-se que uma forte razão para os clientes escolherem a HPQ é o potencial da empresa em ser um fornecedor de tecnologia a longo prazo. Líder e possuidora de tecnologia de ponta em diversos segmentos, a HPQ mostra-se altamente capacitada a ajudar seus clientes na troca dos paradigmas tecnológicos. Tal posição faz com que a HPQ se beneficie da propaganda boca a boca. Foi assim com a implementação e expansão dos sistemas de alta disponibilidade. A HPQ inicialmente ofereceu e instalou tais sistemas em clientes formadores de opinião, tornando-se referência no mercado. Com essa posição conquistada, conseguiu oferecer seus produtos a outros clientes, de variados portes. 3. É POSSÍVEL, ATRAVÉS DA ANÁLISE DO CICLO DE VIDA DO PRODUTO, OFERECER AOS CONSUMIDORES PRODUTOS DE ALTA TECNOLOGIA CAPAZES DE MELHOR ATENDER A SUAS NECESSIDADES E EXPECTATIVAS? No mercado de alta tecnologia, uma boa idéia não garante sucesso. É preciso que ela evolua através do ciclo de vida de adoção da tecnologia e se torne um produto completo. Isso ocorre porque as necessidades e expectativas dos consumidores mudam de acordo com a fase do ciclo em que estão, e com o tipo de interação que mantêm com o produto/serviço. A maioria dos empreendedores adentra o O U T U B R O D E 2003 mercado de alta tecnologia com boas idéias, e estas representam, inicialmente, uma possibilidade de lucros futuros. As empresas de sucessoconseguem,atravésdainteraçãocom seus clientes durante as diversas fases do ciclo de adoção da tecnologia, dotar a idéia de um valor comercial. O desenvolvimento do sistema de alta disponibilidade da HPQ ilustra fortemente esse item. Em um primeiro momento procuraram-se parceiros que pudessem desenvolver e testar junto com a HPQ um sistema de informação que tivesse baixos níveis de paradas e manutenção, gerando desta forma alta disponibilidade e grande vantagem de custos. O passo seguinte foi vender a idéia de um sistema de informática altamente disponível a consumidores inovadores, que enxergaram antes do restante do mercado a vantagem competitiva e econômica que tais sistemas podiam oferecer. Os consumidores inovadores ajudaram os sistemas de alta disponibilidade a tornarem-se produtos cada vez mais completos, bem como a evoluir a estrutura de suporte da HPQ para interagir com os clientes de forma mais rápida e assertiva. Nesse estágio do ciclo de vida, o sistema de alta disponibilidade já estava preparado para enfrentar os consumidores pragmáticos do mercado de massa. Esses exigem alto desempenho, ótima relação custobenefício e padronização. Com o desenvolvimento e a expansão dos sistemas de alta disponibilidade, a HPQ foi capaz de ajustar sua estrutura de Serviços e Suportes para gerar mais e melhores tecnologias, bem como a atender a um maior e variado número de clientes. 6. CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES O estudo mostrou que no mercado de alta tecnologia os fatores racionais Daniel e emocionais que levam à compra são mais complexos. Isso ocorre devido à velocidade com que os produtos tecnológicos se tornam obsoletos e ao distanciamento que a própria tecnologia tem com as pessoas; muitos consumidores a encaram como algo difícil de apreender e lidar. Por tais motivos, recomenda-se, antes de entrar no mercado ou levar um produto ao mercado de massa, realizar o maior número possível de pesquisas e estudos que possam elucidar o comportamento do consumidor em relação à tecnologia e à inovação que se pretende comercializar. Esses estudos devem ter foco e explicitar ao máximo as barreiras emocionais e racionais frente à novas tecnologias, além de indicar possíveis caminhos para transpor tais barreiras. Outra recomendação importante é feita a partir da constatação de que, no mercado de alta tecnologia, a confiabilidade e o marketing de relacionamento são muito importantes. Um dos maiores desafios para as empresas que atuam neste segmento é comunicar um produto ou uma mensagem e receber uma resposta positiva por parte do consumidor. Ao ser exposto a qualquer tipo de comunicação ou até mesmo abordado pela equipe de vendas, o consumidor deve sentir que está sendo oferecida uma solução rentável e confiável. Acima de tudo o que o consumidor realmente procura são referências seguras do trabalho da empresa, garantia de que esta poderá apoiá-lo, como fornecedora, conhecendo seus problemas e indicando soluções, durante um longo tempo. Recomenda-se uma criteriosa seleção entre os potenciais parceiros no desenvolvimento de projetos; estes devem ser consumidores de reputação, formadores de opinião. Além disso, para garantir a longevidade de seu sucesso, a empresa de alta tecnologia deve investir em instrumentos de pesquisas que lhe forneçam dados indicadores do desempenho de seus produtos, bem como a satisfação de seus clientes. Dessa forma ela saberá quando e como intervir estrategicamente junto aos clientes. A questão da exploração de nichos também merece destaque. A escolha de nichos capitalizados e em expansão deve ser um dos principais fatores de sucesso para a empreitada no mercado de alta tecnologia. A não-existência de uma metodologia que ajude a determinar a viabilidade econômica e o poder de influência de um nicho sobre o restante do mercado pode ser uma problemática para os empreendedores que nele desejem atuar. Embora não tenha sido foco deste trabalho explorar mais a fundo tal contexto, é algo que deve merecer atenção dos estudiosos sobre o tema. Por fim, a metodologia de adequação dos produtos de alta tecnologia às aspirações dos consumidores, através de uma análise do ciclo de vida do produto, deve ser recomendada como instrumento base para as empresas atuantes neste mercado. Tal prática minimiza os riscos de lançamento de novos produtos, ajuda a direcionar a comunicação e controlar os gastos em pesquisa e desenvolvimento, além colocar a empresa em sintonia com os desejos e expectativas do mercado. Certamente, este trabalho não pretendeu esgotar o assunto de uma área tão nova, rica e com tão poucos estudos aplicados. Muitas outras áreas de investigação podem ser desenvolvidas. Sugerem-se, por exemplo, estudos de natureza mais quantitativa, procurando levantar a percepção dos consumidores em relação aos produtos de alta tecnologia e inserindo para comparação com o atual estudo de caso o exemplo uma empresa nacional. ESPM S E T E M B R O / Braga, Maria Clara Piazza, Tales Andreassi BIBLIOGRAFIA DRUKER, P. 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Roberto O que é, possivelmente, o único museu oficial da publicidade em todo o mundo funciona nas mesmas instalações de um dos mais afamados e visitados museus da Europa: o Louvre, em Paris. verdade, este museu francês Na da propaganda nasceu de um outro museu, mantido pela UCAD desde 1978: o Musée de l’affiche (cartazes). de Rivoli e que – como a instituição matriz – recebe visitantes do mundo inteiro o ano todo. Em 2002, foram 167.407. Trata-se do Musée de la Publicité, instalado no número 107 da Rue O MP passou a ocupar as atuais instalações em novembro de 1999 e faz parte da Union Centrale des Arts Décoratifs – divisão do Louvre especializada no que se denomina de artes decorativas e que incluem as artes aplicadas em geral – em madeira, cerâmica, vidro, e também jóias, rendas, bordados e impressões sobre diversos materiais. Na verdade, esse museu francês da propaganda nasceu de um outro museu, mantido pela UCAD desde 1978: o Musée de l’affiche (cartazes), criado para conservar uma arte publicitária que, se não nasceu na França, ali teve algumas de suas maiores expressões, como Chéret, Colin, Toulouse-Lautrec e Mucha. O acervo do MP reúne cerca de 50.000 cartazes, que vão desde o século 18 até a Segunda Grande Guerra e mais 50.000 da fase moderna e mais 100.000 filmes comerciais franceses e estrangeiros, a partir de 1930, 30.000 anúncios impressos e mais objetos promocionais e embalagens. As instalações foram projetadas pelo designer Jean Nouvel – o mesmo que projetou o polêmico (e ain- yw S E T E M B R O / O U T U B R O D E 2003–REVISTA DA ESPM 47 Musée de la Publicité de Paris Corbis/ Stock Photos da incerto) Museu Guggenheim do Rio de Janeiro. Não são muito grandes mas permitem ao MP promover duas exposições simultâneas. Entre essas exposições já foram apresentadas diversas mostras de cartazes, a publicidade da Belle Epoque, Marcas, Embalagens e uma grande retrospectiva da propaganda francesa desde os anos 20 até os anos 50, denominada “Do Reclame à Publicidade”. Nesse mês de outubro abre-se a mostra “On Air”, apresentando a história publicitária da companhia aérea Air France – que, em 2003, comemora o seu 70 aniversário. 0 A principal atração do Musée de la Publicité, contudo, é a sua “Midiateca” – uma sala aberta ao público que reúne cerca de duas dezenas de terminais de computadores, através dos quais pode ser consultada uma parte do seu acervo, que já se encontra digitalizada. instalações foram projetadas pelo designer Jean Nouvel – As o mesmo que projetou o polêmico (e ainda incerto) Museu Guggenheim do Rio de Janeiro. Não são muito grandes mas permitem ao MP promover duas exposições simultâneas. 48 REVISTA DA ESPM– S E T E M B R O / O U T U B R O D E 2003 Como parte do Louvre – e da UCAD – o museu desempenha uma importante função educativa em relação ao papel da propaganda nas sociedades modernas. Além do acervo de peças publicitárias, criado a partir da coleção de cartazes, o museu abriga uma biblioteca especializada, com 4.000 livros e 70 periódicos franceses e internacionais. A hemeroteca conta com cerca de 7.000 arquivos monográficos, dedicados aos profissionais de criação, principalmente artistas; 250 consagrados a agências, empresas gráficas, etc. e mais 500 denominados de “arquivos temáticos”. yw J. Roberto Whitaker Penteado grande retrospectiva da propaganda francesa desde os Uma anos 20 até os anos 50, denominada “Do Reclame à Publicidade”, está entre as exposições que já foram apresentadas. S E T E M B R O / O U T U B R O D E 2003–REVISTA DA ESPM 49 Musée Musée de dela la Publicité de Paris Paris O site do Museu em www.ucad.fr/ pub/musee, além de possibilitar a consulta online de uma parte do acervo descrito na página anterior, ainda contém um precioso Dicionário da Comunicação Publicitária. Esse dicionário só existe no domínio virtual e foi elaborado por Maurice Lescure, professor da Ecole Supérieure de Publicité de Paris e ex-diretor de promoção e estudos de mercado da empresa Sopalin/Kleenex. Além disso, o museu está desenvolvendo, gradualmente, um repertório de Marcas e Personalidades que pode também ser consultado online. Já es- tão disponíveis: Alsacienne, Banania, Benetton, Cadum, Citroën, Dim, La Vache qui rit, LU, Maggi, MenierNestlé, Pathé-Marconi, Perrier, Peugeot, Renault, Arts Ménagers, Marcel Bleustein-Blanchet, Bill Bernbach e Philippe Michel. Finalmente, estão no site informações atualizadas sobre: v Calendário francês e internacional sobre eventos e manifestações da propaganda e do marketing. v Escolas especializadas. v Comércio de objetos históricos ligados à publicidade. essas exposições já foram apresentadas diversas mostras Entre de cartazes, a publicidade da Belle Epoque, Marcas, Embalagens 50 REVISTA DA ESPM– S E T E M B R O / O U T U B R O D E 2003 v Instituições que lidam com affiches. Os responsáveis pelo Musée de la Publicité não revelam os dados financeiros específicos da instituição; apenas que o orçamento total da UCAD, em 2002, foi de cerca de 18 milhões de euros, dos quais 11 milhões originaram-se de verbas do Estado. Dos 390 funcionários da UCAD, apenas 15 dedicam-se exclusivamente ao MP. Duas mulheres são responsáveis por suas operações: Sophie Durrleman, como diretora geral da UCAD e Rejane Bargiel, diretora e conservadora do Musée de la Publicité. J. Roberto Penteado Roberto Whitaker WhitakerPenteado ENTREVISTA com Rejane Bargiel, diretora e conservadora do Musée de la Publicité Revista da ESPM: Por que um Museu da Propaganda e por que se encontra dentro da UCAD (União Central das Artes Decorativas)? Rejane: A partir de 1901, a biblioteca da UCAD começou a receber doações de cartazes (affiches) importantes, que se constituiram na base das antigas coleções do Musée de l’Affiche. Esse museu abriu suas portas em 1978, estimulado por Geneviève Gaëtan-Picon, que foi sua primeira conservadora-chefe. Naquela época, ficava na rue de Paradis, 18. Pouca gente sabe que se transformou em Musée de la Publicité já em 1981. Em 1990, o museu deixava as instalações da rue de Paradis e instalava-se na rue de Rivoli, já dentro do Museu do Louvre. Ele foi reinaugurado em novembro de 1999 e seus espaços foram planejados e instalados por Jean Nouvel. Revista da ESPM: Houve uma participação expressiva dos profissionais da propaganda francesa na criação do Museu? Rejane: A participação mais importante dos profissionais de propaganda na fundação do Musée de l’Affiche foi da UPE (Union pour la Publicité Extérieur), que financiou uma parte dos trabalhos de construção e decoração e que participou generosamente no enriquecimento do acervo das coleções contemporâneas, principalmente a partir de meados dos anos 70 – e também o Clube dos Diretores de Arte da França. Na reabertura do Musée de la Publicité, em 1999, participaram o Ministério da Cultura e da Comunicação, a Thomson Multimedia, Silicon Graphics, o grupo Première Heure (produtora) e o programa de TV Culture Pub. A AACC (Association des Agences Conseils en Communication) também participou da inauguração. A exposição inaugural, que foi dedicada ao ilustrador Renê Gruau, (bom material visual em http:// www.rene-gruau.com/) teve o apoio de Perfumes Dior, Relógios Omega, Chocolates Lindt, Rodier, e a Bemberg Trasformazioni Tessili. Revista da ESPM: A presidente da UCAD diz que a propaganda reune o belo e o útil. Isso continua sendo verdadeiro em 2003? Rejane: A beleza no que é útil continua sendo mais verdadeiro do que nunca. Hoje em dia, a interdisciplinaridade, as fronteiras entre as disciplinas, se superpõem. Designers são convidados para projetar embalagens e mobiliário urbano, assim como objetos únicos ou fabricados em séries limitadas (alguns exemplos seriam Castelbajac e Martin Szekely). Revista da ESPM: O Museu da Propaganda francês é único no mundo? Rejane: Sob a forma atual, sim. Não sei de nenhum outro museu de propaganda que ofereça, ao mesmo tempo, affiches, filmes, objetos, e um centro de documentação. Já coleções de cartazes existem em praticamente todos os países – e alguns museus de cartazes, em Essen (Alemanha) e Wilanov (Polônia), por exemplo. Revista da ESPM: Como combinar uma atividade tão efêmera como a propaganda com a permanência de um museu? Todos os dias são criados milhões de anúncios. Como vocês decidem o que deve ser guardado na sua coleção? S E T E M B R O / Rejane: Para selecionar as peças, usamos os critérios de criatividade e de novidade (tanto em termos de técnica publicitária como mídia/suporte/ produto) – e também de coerência e continuidade com as coleções mais antigas. Estamos recebendo material todos os dias, geralmente agrupados por “lotes”, como campanhas ou coleções existentes. Revista da ESPM: Quem são os visitantes do Museu? Rejane: Notamos uma grande variedade – e diferenças – de acordo com as exposições que estejam acontecendo. Mas, infelizmente, não temos, ainda, estudos sobre o público que nos permitam avaliar se os objetivos do Museu estão sendo alcançados ou não. Revista da ESPM: Depois da exposição da Air France – em outubro de 2003 – quais são os próximos eventos programados? Rejane: Uma exposição sobre as artes domésticas (produtos e utensílios para o lar) e, depois, uma exposição sobre a propaganda entre os anos de 1950 e 1970. Revista da ESPM: Quais são os problemas específicos de guarda e preservação de materiais publicitários – promoções e embalagens, por exemplo? Rejane: Para uma organização como o Louvre, não há problemas específicos para a conservação de objetos publicitários. Talvez alguns detalhes em relação aos materiais de tipo “plástico” – que são os mais delicados. Mas, de modo geral, não temos problemas. yw O U T U B R O D E 2003–REVISTA DA ESPM 51 Musée de la Publicité de Paris do MP reúne cerca de 50.000 cartazes, que B Ovãoacervo desde o século 18 até a Segunda Grande Guerra 52 REVISTA DA ESPM– S E T E M B R O / O U T U B R O D E 2003 J. Roberto Whitaker Penteado PERGUNTAS E RESPOSTAS COM PASCAL BEUCLER DIRETOR DA AGENCIA CARRÉ NOIR E CATEDRÁTICO DA SORBONNE (TAMBÉM COLABORADOR DA REVISTA DA ESPM* ) Revista da ESPM:Um Museu da Propaganda dentro do Louvre. Vocês provocam a inveja de todos os publicitários do mundo. Como é que conseguiram isso? Pascal: Acho que isso tem muito a ver com o fato de que, desde o início da publicidade de marca, na França, esta disciplina foi considerada como se situando na fronteira entre a palavra “comprometida” e o discurso social, mesmo cultural. Prova disso é que os maiores cartazistas da publicidade foram artistas reconhecidos – ou, ainda, que um Roland Barthes seja contratado pela Publicis para fazer estudos semiológicos. A característica “museográfica” da produção publicitária é, pois – muito provavelmente – uma questão de cultura local. Devo acrescentar que os presidentes dos 2 maiores grupos de propaganda franceses fazem parte da administração da UCAD). Revista da ESPM: Quem são as pessoas (e instituições) mais ativas no apoio ao MP? Pascal: Não tenho como particularizar. Mas diversos empresários – inclusive da direção de grandes grupos de publicidade – fazem parte dos comitês de administração da UCAD. Revista da ESPM: A presidente da UCAD diz que a propaganda reúne o belo e o útil. Isso continua sendo verdadeiro em 2003? Pascal: Acho que sim. Isso está na própria definição de artes decorativas: conciliar o belo e o útil. Essa é, sem dúvida, a razão pela qual a publicida- Beucler: Diretor da agencia Pascal Carré Noir e catedrático da Sorbonne. de francesa tem a reputação de visar ao estetismo, um certo culto da forma, um gosto pronunciado por todas as variantes do pós-modernismo... Revista da ESPM: No Brasil, temos algumas dificuldades para desenvolver e manter idéias parecidas com a do MP. A maior parte das empresas não gosta de ter sua imagem associada às “velharias” de um museu... O que acha? A situação é diferente, na França, na Europa? Pascal: Compreendo bem essa dificuldade, que não é exatamente exclusividade dos materiais publicitários. A dificuldade maior é de conseguir que as pessoas admitam que a presença, em um museu, de uma obra – seja ela qual for: imagem, volume, pintura, cartaz, fragmentos de discurso etc. – não significa que essa obra perca a sua atualidade, sua vitalidade, sua modernidade. Devemos pensar um museu como um meio de conservação e de proposta, nunca uma prisão ou um cercado. Revista da ESPM: Objetivamente, quais são os benefícios para a profissão – e para a sociedade em geral – de ter-se um MP? Pascal: Além do que eu já disse, mais do que uma legitimação – coisa de que, eu acho, no fundo, a propaganda não precisa – é o reconhecimento do seu acesso ao status de gênero discursivo particular da vida social. yw * O Paradoxo da Obrigação Fecunda, Revista da ESPM, Volume 9, ano 8, edição n.º 5, setembro-outubro 2002 S E T E M B R O / O U T U B R O D E 2003–REVISTA DA ESPM 53 Musée de la Publicité de Paris O SURGIMENTO DE UMA NOVA PROFISSÃO O entre-guerras revela-se capital para a publicidade. Assistese ao nascimento de uma nova profissão e ao desenvolvimento de uma atividade econômica à parte. Nessa época, as estruturas da distribuição mudam, com o aparecimento dos intermediários aos varejistas. As mercadorias passam a ser vendidas em embalagens próprias, não mais em caixas ou tonéis. A concentração e a uniformização da fabricação dos produtos de consumo corrente são tamanhas, que se torna indispensável assegurar-lhes alguma notoriedade. presas de desenho e – assim – começam a estruturar a atividade publicitária. Assim é com as Editions Paul Martial – especializadas em cartazes e material promocional para as ferrovias francesas; Vercasson (que agencia Leonetto Cappiello) e a Alliance Graphique, que se organizam em torno de uma direção artística e de uma direção comercial. Nesse sistema, o artista usufrui de grande liberdade criativa e não tem, praticamente, contato com o cliente. É o único a resolver o problema proposto pelo produto que deve anunciar. Trabalha de acordo com os próprios critérios e constrói sua composição em função do que Jean Carlu chama de “expressão gráfica da idéia”, Cassandra, “o ideograma” e Cappiello “o arabesco”. Sua assinatura é a garantia de sucesso para o anunciante. São os gráficos que, ao assinar contratos de exclusividade com artistas, para a confecção de cartazes (affiches), abrem em- Etienne Damour encarna o exemplo típico do “publicitário”. É ele que abre a primeira agência francesa, em 1919, “Publicité et Organisation”, que se torna DAM, em 1923, e, em 1929, ocupa 100 pessoas. Ele trabalha a partir de estudos de mercado, pesquisas, planos e utiliza suportes variados, como cartazes, stands em exposições e anúncios em revistas. As agências Succès, Publicis e Synergie iniciam operações em 1926, 1927 e 1932. A organização dessas empresas deixará menos espaço para o artista. Ele passará a fazer parte de uma equipe e deverá adotar o “espírito DAM” ou “espírito Publicis”. yw MUSÉE DE LA PUBLICITÉ, PARIS DO CATÁLOGO DA EXPOSIÇÃO DO RECLAME À PUBLICIDADE/19201950 os gráficos que, ao assinar contratos de exclusividade com artisSão tas, para a confecção de cartazes (affiches), abrem empresas de desenho e –assim – começam a estruturar a atividade publicitária. 54 REVISTA DA ESPM– S E T E M B R O / O U T U B R O D E 2003 J. Roberto Whitaker Penteado “museográfica” da produção publicitária é, Apoiscaracterística – muito provavelmente – uma questão de cultura local. AS EXPOSIÇÕES RECENTES DO MUSÉE DE LA PUBLICITÉ Setembro 2000/janeiro 2001 CITROËN - UMA SAGA PUBLICITÁRIA Março/outubro 2001 250 ANOS DE PUBLICIDADE Novembro 2001/fevereiro 2002 CHRISTIAN COIGNY, UM FOTÓGRAFO PARA UMA MARCA Maio/agosto 2002 ARTE E PUBLICIDADE Março/setembro 2002 A BELLE EPOQUE NA PUBLICIDADE Outubro 2002/janeiro 2003 OS AFFICHES CHINESES Janeiro/agosto 2003 DO RECLAME À PUBLICIDADE 1920-1950 Outubro 2003/janeiro 2004 ON AIR 1933-2003 UMA HISTÓRIA DA AIR FRANCE MUSÉE DE LA PUBLICITÉ UNION CENTRALE DES ARTS DECORATIFS PALAIS DU LOUVRE 107, rue de Rivoli 75001 PARIS TELEFONE 33 1 44 55 57 50 SITE www.museedelapub.org S E T E M B R O / O U T U B R O D E 2003–REVISTA DA ESPM 55 Musée de la Publicité de Paris 70 ANOS DA AIR FRANCE ON AIR 1933-2003 – A AIR FRANCE EXPÕE SUA HISTÓRIA NO MUSÉE DE LA PUBLICITÉ De 16 de outubro de 2003 até 25 de janeiro de 2004, o Musée de la Publicité de Paris estará expondo cartazes publicitários, documentos de arquivo, fotografias e objetos do acervo histórico da companhia aérea francesa, que descrevem a história das suas atividades de comunicação. Praticamente desde a sua fundação, a Air France ligou sua imagem à criatividade, à elegância e às características bem gaulesas do savoir-vivre. Suas atividades mobilizaram agências de propaganda, os artistas mais diversos, arquitetos, decoradores, costureiros e estilistas. Em outubro de 2003, a empresa também comemora 50 anos de vôos ininterruptos entre o Brasil e a França. Algumas celebrações foram previstas, inclusive as apresentações – em São Paulo e no Rio – de uma pequena mostra dos cartazes criados para a rota, entre 1963 e 1988, pelo artista Claude Brunswick. ESPM mais importante dos profissionais de propaganda Anaparticipação fundação do Musée de l’Affiche foi da UPE (Union pour la Publicité Extérieur), que financiou uma parte dos trabalhos de construção e decoração e que participou generosamente no enriquecimento do acervo das coleções contemporâneas. Fotos não creditadas: Exposition “De le a reclame a la publicité” – 08/2003 J.ROBERTO WHITAKER PENTEADO Editor da Revista da ESPM [email protected] 56 REVISTA DA ESPM– S E T E M B R O / O U T U B R O D E 2003 Service Profit Chain Chain SERVICE PROFIT CHAIN GERANDO VALOR PARA CLIENTES, FUNCIONÁRIOS E ACIONISTAS 58 REVISTA DA ESPM– S E T E M B R O / O U T U B R O D E 2003 Alexandre Mathias, Mathias, Eduardo Eduardo Halpern Halpern Alexandre P or que algumas empresas são de fato extraordinariamente melhores do que outras no mesmo segmento? Como con- seguem gerar mais valor e lucratividade a seus clientes, funcionários e acionistas? Buscar a resposta a essas duas questões pode de fato fazer a diferença nos dias de hoje para aqueles que, como nós, têm estudado o comportamento e os resultados gerados pelas empresas. Os resultados surpreendem. Por exemplo, no setor de seguros a diferença chega a ser 20 vezes maior, conforme tabela 1. O que pode explicar tamanha diferença? Não podemos crer que em um mercado tão competitivo isso possa ser atribuído somente aos pacotes de seguros oferecidos, ao tamanho da empresa, sua participação de mercado ou a economias de escala da melhor empresa para se trabalhar do setor. De fato, nos parece que há algo mais por trás Na edição de 2002 do Guia Exame: As 100 Melhores Empresas para Você Trabalhar, o Professor Alexandre Gracioso, nosso colega de ESPM, publicou uma pesquisa inédita no Brasil onde ele compara o desempenho dessas empresas com o desempenho da lista das maiores e melhores. MELHORES E MAIORES de tamanho sucesso. Alexandre Gracioso aponta como um dos grandes fatores a motivação dos funcionários. Com certeza esse é determinante, mas o que mais precisa ser feito e como chegar lá? (ver tabela1). Este artigo busca explicar como empresas do setor de serviços vêm intuitivamente ou deliberadamente aplicando o modelo SERVICE PROFIT CHAIN – traduzido para Cadeia Serviços-Lucro –, criado pe- yw MELHORES EMPRESAS PARA TRABALHAR RETORNO SOBRE O PATRIMÔNIO LÍQUIDO (%) SETOR Seguros Serviços diversos Tecnologia e computação Eletroeletrônico Farmacêutico Siderurgia e metalurgia Química e petroquímica Comércio varejista Material de construção Total das empresas MELHORES E MAIORES MELHORES EMPRESAS PARA TRABALHAR -0,55 9,75 11,06 3,28 -1,56 9,44 7,03 6,23 7,19 3,07 11,85 56,10 58,40 14,10 0,40 15,20 10,45 7,82 8,90 12,74 PERCENTUAL DIFERENÇA 2,255% 475% 428% 269% NA* 61% 49% 26% 24% 314% * Não Aplicável Tabela 1 – fonte: O Estilo de Cada Uma – As 100 Melhores Empresas para Você Trabalhar – edição 2002. artigo busca explicar como empresas do setor de l Este serviços vêm intuitivamente ou deliberadamente aplicando o modelo SERVICE PROFIT CHAIN – traduzido para Cadeia Serviços-Lucro, criado pelos Professores James Heskett, Earl Sasser Jr., Leonard Schlesinger da Harvard Business School. S E T E M B R O / O U T U B R O D E 2003–REVISTA DA ESPM 59 Service Profit Chain É desse tema que trataremos neste artigo. Para nós esse modelo é capaz de explicar, provar e dar os caminhos para que outras empresas possam chegar lá. Arquivo los Professores James Heskett, Earl Sasser Jr., Leonard Schlesinger da Harvard Business School. Para responder às questões colocadas em nosso primeiro parágrafo, os professores chegaram à proposição do modelo Cadeia Serviços-Lucro. Suas idéias propõem a existência de relações diretas e intensas entre lucro, crescimento, fidelidade dos clientes e sua satisfação, ao valor dos bens e serviços a eles oferecidos à capacidade, satisfação, fidelidade e produtividade dos funcionários. foco na atividade de logística externa garantiu à Souza Cruz l Oelevada participação no mercado brasileiro já que seus concorrentes diretos não foram capazes, ou não quiseram assumir o risco. 1. A CADEIA SERVIÇOS-LUCRO A cadeia serviços-lucro é um dos mais importantes conceitos desenvolvidos no campo da administração estratégica na última década. Sua importância para empresas do setor de serviços pode ser comparada à que a Cadeia de Valor, de Michael Porter, teve para o setor industrial. Porter conseguiu identificar a relação entre posicionamento competitivo sustentável e a execução de atividades criadoras de valor para os clientes. Ele propôs que as empresas começassem a pensar suas estratégias a partir da execução de atividades diferenciadas de seus concor- rentes, para criar um posicionamento único e valioso para seus clientes (ver figura 1). Um bom exemplo identificado no mercado brasileiro seria o da Souza Cruz, que foi capaz de perceber a possibilidade de criação de valor para seus clientes diretos, ou seja, pequenos varejistas, atra- 1234567890123456789012345678901212345678901234567890123456789012123456789012345678901234567890121234567890123456789 1234567890123456789012345678901212345678901234567890123456789012123456789012345678901234567890121234567890123456789 1234567890123456789012345678901212345678901234567890123456789012123456789012345678901234567890121234567890123456789 1234567890123456789012345678901212345678901234567890123456789012123456789012345678901234567890121234567890123456789 1234567890123456789012345678901212345678901234567890123456789012123456789012345678901234567890121234567890123456789 1234567890123456789012345678901212345678901234567890123456789012123456789012345678901234567890121234567890123456789 1234567890123456789012345678901212345678901234567890123456789012123456789012345678901234567890121234567890123456789 1234567890123456789012345678901212345678901234567890123456789012123456789012345678901234567890121234567890123456789 1234567890123456789012345678901212345678901234567890123456789012123456789012345678901234567890121234567890123456789 ATIVIDADES CRIADORAS DE VALOR PARA O CLIENTE 1234567890123456789012345678901212345678901234567890123456789012123456789012345678901234567890121234567890123456789 1234567890123456789012345678901212345678901234567890123456789012123456789012345678901234567890121234567890123456789 1234567890123456789012345678901212345678901234567890123456789012123456789012345678901234567890121234567890123456789 1234567890123456789012345678901212345678901234567890123456789012123456789012345678901234567890121234567890123456789 1234567890123456789012345678901212345678901234567890123456789012123456789012345678901234567890121234567890123456789 INFRA-ESTRUTURA DA EMPRESA 1234567890123456789012345678901212345678901234567890123456789012123456789012345678901234567890121234567890123456789 1234567890123456789012345678901212345678901234567890123456789012123456789012345678901234567890121234567890123456789 1234567890123456789012345678901212345678901234567890123456789012123456789012345678901234567890121234567890123456789 1234567890123456789012345678901212345678901234567890123456789012123456789012345678901234567890121234567890123456789 1234567890123456789012345678901212345678901234567890123456789012123456789012345678901234567890121234567890123456789 M GERÊNCIA DE RECURSOS HUMANOS 1234567890123456789012345678901212345678901234567890123456789012123456789012345678901234567890121234567890123456789 AR 1234567890123456789012345678901212345678901234567890123456789012123456789012345678901234567890121234567890123456789 1234567890123456789012345678901212345678901234567890123456789012123456789012345678901234567890121234567890123456789 GE 1234567890123456789012345678901212345678901234567890123456789012123456789012345678901234567890121234567890123456789 1234567890123456789012345678901212345678901234567890123456789012123456789012345678901234567890121234567890123456789 DESENVOLVIMENTO DE TECNOLOGIA M 1234567890123456789012345678901212345678901234567890123456789012123456789012345678901234567890121234567890123456789 1234567890123456789012345678901212345678901234567890123456789012123456789012345678901234567890121234567890123456789 1234567890123456789012345678901212345678901234567890123456789012123456789012345678901234567890121234567890123456789 1234567890123456789012345678901212345678901234567890123456789012123456789012345678901234567890121234567890123456789 1234567890123456789012345678901212345678901234567890123456789012123456789012345678901234567890121234567890123456789 AQUISIÇÃO 1234567890123456789012345678901212345678901234567890123456789012123456789012345678901234567890121234567890123456789 1234567890123456789012345678901212345678901234567890123456789012123456789012345678901234567890121234567890123456789 CADEIA DE VALOR LOGÍSTICA INTERNA OPERAÇÕES LOGÍSTICA EXTERNA REVISTA DA ESPM– SERVIÇOS EM RG A M Figura 1 Porter: 1986. 60 MKT E VENDAS S E T E M B R O / O U T U B R O D E 2003 Alexandre Mathias, Eduardo Halpern vés da criação de uma rede de distribuição própria de pronta entrega. O mercado varejista brasileiro é tipicamente composto por pequenos negócios com reduzida capacidade de estocagem em função de limitações de espaço físico e de baixa disponibilidade de capital de giro. A empresa constatou que teria mais sucesso neste mercado se fosse capaz de garantir entregas mais freqüentes e com lotes mais reduzidos, garantindo a presença de seus produtos nas prateleiras dos varejistas, fator-chave para empresas que vendem produtos de compra por impulso. O foco na atividade de logística externa garantiu à Souza Cruz elevada participação no mercado brasileiro já que seus concorrentes diretos não foram capazes, CADEIA SERVIÇO-LUCRO INTERNA CONCEITO DOS SERVIÇOS ESTRATÉGIA OPERACIONAL E SISTEMA DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS EXTERNA MERCADO-ALVO CLIENTES FUNCIONÁRIOS FIDELIDADE SATISFAÇÃO RENTABILIDADE PRODUTIVIDADE E QUALIDADE DA PRODUÇÃO VALOR DOS SERVIÇOS CAPACIDADE SATISFAÇÃO FIDELIDADE AUMENTO DA RECEITA QUALIDADE DOS SERVIÇOS Heskett, Sasser e Schelesinger, 1994. 2. Figura 2 ou não quiseram assumir o risco, de desenvolver um sistema que exige tão pesados investimentos (mais tarde a Souza Cruz foi forçada a rever tal sistema em função de problemas associados à segurança especialmente em grandes centros urbanos). A Cadeia Serviços-Lucro parte da premissa de que os clientes não compram produtos ou serviços. Compram resultados. O resultado é composto pelo serviço ou produto adiquirido, pela qualidade dos processos para oferta dos resultados e inclusive pela atitude de quem entra em contato direto com os clientes (ver figura 2). Valor dos serviços prestados para os clientes acarreta satisfação e fidelidade. E o valor é produzido basicamente por meio de funcionários da linha de frente que se sintam satisfeitos e sejam fiéis e produtivos – características que se devem, em parte, à sua alta capacidade de apresentar resultados para os clientes. A combinação dessas medidas gera o que chamamos de Cadeia de Serviços-Lucro. yw avião da Southwest voa, em média, 12 horas por dia, l Um contra oito horas de seus concorrentes. OPERANDO EM ECONOMIAS DE LEALDADE VS ECONOMIAS DE ESCALA Se a competição estivesse centrada exclusivamente na obtenção das economias de escala, as empresas de baixo volume tenderiam a desaparecer. Operar em economias de escala traz o saudável efeito de diluir os custos fixos, repartir entre o maior número de produtos e serviços os gastos fixos. S E T E M B R O / O U T U B R O D E 2003–REVISTA DA ESPM 61 Service Profit Chain Estudo a respeito do Impacto do Lucro sobre a participação de mercado (PIMS), realizado na década de 1970, identificou a existência de relações entre participação de mercado e rentabilidade (ver gráfico 1 ao lado), onde as empresas com melhor rentabilidade eram as empresas com pequena participação de mercado (ocupantes de nichos – geralmente cobram preços elevados por seus produtos) e as empresas com grande participação (líderes de mercado – geralmente com posições de custo mais competitivas em função de ganhos de escala). ECONOMIAS DE LEALDADE VS ECONOMIAS DE ESCALA LÍDERES DE MERCADO RENTABILIDADE OCUPANTES DE NICHO 12345678901234567890123456789012123456789012345678901234567890121234 12345678901234567890123456789012123456789012345678901234567890121234 12345678901234567890123456789012123456789012345678901234567890121234 12345678901234567890123456789012123456789012345678901234567890121234 12345678901234567890123456789012123456789012345678901234567890121234 12345678901234567890123456789012123456789012345678901234567890121234 12345678901234567890123456789012123456789012345678901234567890121234 12345678901234567890123456789012123456789012345678901234567890121234 12345678901234567890123456789012123456789012345678901234567890121234 12345678901234567890123456789012123456789012345678901234567890121234 12345678901234567890123456789012123456789012345678901234567890121234 12345678901234567890123456789012123456789012345678901234567890121234 12345678901234567890123456789012123456789012345678901234567890121234 12345678901234567890123456789012123456789012345678901234567890121234 12345678901234567890123456789012123456789012345678901234567890121234 12345678901234567890123456789012123456789012345678901234567890121234 12345678901234567890123456789012123456789012345678901234567890121234 12345678901234567890123456789012123456789012345678901234567890121234 12345678901234567890123456789012123456789012345678901234567890121234 12345678901234567890123456789012123456789012345678901234567890121234 12345678901234567890123456789012123456789012345678901234567890121234 12345678901234567890123456789012123456789012345678901234567890121234 12345678901234567890123456789012123456789012345678901234567890121234 12345678901234567890123456789012123456789012345678901234567890121234 12345678901234567890123456789012123456789012345678901234567890121234 12345678901234567890123456789012123456789012345678901234567890121234 12345678901234567890123456789012123456789012345678901234567890121234 12345678901234567890123456789012123456789012345678901234567890121234 12345678901234567890123456789012123456789012345678901234567890121234 12345678901234567890123456789012123456789012345678901234567890121234 12345678901234567890123456789012123456789012345678901234567890121234 12345678901234567890123456789012123456789012345678901234567890121234 12345678901234567890123456789012123456789012345678901234567890121234 MÉDIA BAIXA fidelidade dos clientes e não o porte das empresas. O exemplo mais ilustrativo dessa proposição seria o da Southwest Airlines. 85 75 50 45 40 35 REVISTA DA ESPM– S E T E M B R O SOFTWARE ADMINISTRADORASPREDIAIS LAVANDERIAS DISTRIBUIÇÃO CORRETAGEMDESEGUROS SEGURO DE CRÉDITO CARTÕES DE CRÉDITO 25 DEPÓSITOSBANCÁRIOS REDEDEAUTO-ATENDIMENTO 45 Heskett, Sasser e Schlesinger, 2002. 62 Gráfico 2 / Gráfico 1 Sasser e Schelesinger demonstram que, em diversos setores l Heskett, de serviços, o fator determinante para a rentabilidade seria a AUMENTO DOS LUCROS DECORRENTE DE AUMENTO DE 5% NA FIDELIDADE 30 ALTA PARTICIPAÇÃO DE MERCADO Afortunadamente existem outras economias similares à de escala. A principal delas é a de economias de lealdade. Neste modelo podemos diluir os investimentos realizados na captação de clientes em uma relação a posteriori mais extensa e intensa com o cliente. O U T U B R O D E 2003 Heskett, Sasser e Schelesinger demonstram que, em diversos setores de serviços, o fator determinante para a rentabilidade seria a fidelidade dos clientes e não o porte das empresas. O exemplo mais ilustrativo dessa proposição seria o da Southwest Airlines, que, mesmo sem nunca ter ultrapassado a sétima posição entre as maiores do setor nos EUA, mantém-se como a mais rentável desde 1971. Levando em conta alguns fatores, como por exemplo o custo de aquisição de novos clientes, os autores conseguiram estimar que o aumento de 5% na fidelidade dos clientes poderia trazer aumentos de até 85% na rentabilidade de alguns dos setores por eles pesquisados (ver gráfico 2). Alexandre Mathias, Eduardo Halpern tes graus. Os professores Thomas Jones e Earl Sasser, de Harvard, identificaram a relação entre satisfação e fidelidade em diversos setores, como telefonia local, empresas aéreas, hospitais, computadores pessoais e automóveis. Eles identificaram quatro categorias de clientes, em função da relação fidelidade/satisfação. 3.FIDELIDADE DOS CLIENTES VS SATISFAÇÃO DOS CLIENTES As principais organizações de serviços quantificam a satisfação de seus clientes. Essa medida não raro fornece resultados surpreendentes, indicando que não há uma relação constante entre satisfação dos clientes e sua fidelidade. O primeiro grupo é compos to pelos clientes que eles convencionaram chamar de “apóstolos”. Além de fiéis à empresa, ainda recomendam seus serviços, realizando a divulgação boca a boca. & Ainda assim, ao observarmos o gráfico anterior, vemos que tal relação existe, embora em diferen- RELAÇÃO FIDELIDADE/SATISFAÇÃO REFÉNS APÓSTOLOS FIDELIDADE 1 2 3 TERRORISTAS PLENAMENTE INSATISFEITOS Heskett, Sasser e Schlesinger, 2002. 4 Os clientes “reféns” são aque les que se mantêm fiéis, apesar de insatisfeitos. Sua fidelidade é resultado da falta de alternativas no mercado ou da percepção de custos de mudança elevados. O Por fim, os clientes “terroristas” são aqueles que não voltam a comprar com a empresa e, ainda por cima, realizam a comunicação boca a boca desfavorável, procurando afastar potenciais compradores. M Estudos conduzidos pela Xerox mostraram que os clientes que davam nota 5 (equivalente a muito satisfeitos) para a empresa, numa pesquisa de satisfação, tinham probabilidade seis vezes maior de voltar a comprar serviços e produtos da empresa do que aqueles que lhe davam nota 4 (equivalente a satisfeitos). Pesquisas conduzidas no setor bancário confirmam tal tendência, indicando que os clientes muito satisfeitos tinham probabilidade 42% maior de serem fiéis do que os simplesmente satisfeitos. 5 MERCENÁRIOS SATISFAÇÃO O segundo grupo seria o dos chamados “mercenários”. Embora satisfeitos com a empresa, eles não são considerados fiéis, e podem facilmente mudar de fornecedor em função de preços ou promoções mais atraentes. Observando o gráfico ao lado, vemos que os clientes que dão nota 1 às empresas quase sempre assumem o comportamento de “terroristas”, enquanto os clientes que dão nota 5 quase sempre assumem o comportamento de “apóstolos” (ver gráfico 3). ALTA BAIXA N PLENAMENTE SATISFEITOS vTELEFONIA LOCAL vEMPRESAS AÉREAS vHOSPITAIS vPC´S vAUTOMÓVEIS As empresas costumam achar razoável possuir clientes satisfeitos com yw Gráfico 3 S E T E M B R O / O U T U B R O D E 2003–REVISTA DA ESPM 63 Service Profit Chain seus serviços (aqueles que lhes atribuem nota 4). No entanto, as descobertas de Jones e Sasser e da Xerox, nos levam a concluir que o foco das empresas deveria ser deslocado para os clientes que lhes atribuem notas 1 e 4. É o que Heskett, Sasser e Schelesinger chamam de “Economia dos Extre- mos”. O esforço para transformar clientes satisfeitos em clientes muito satisfeitos aumenta a rentabilidade da empresa em função da lealdade e da comunicação boca a boca por eles empreendida. O esforço para transformar clientes muito insatisfeitos em clientes apenas insatisfeitos ajuda ORGANIZAÇÕES QUE NÃO IDENTIFICAM SEU l AS PÚBLICO-ALVO SOFREM UMA GRANDE DESVANTAGEM NA OBTENÇÃO DA SATISFAÇÃO TOTAL DO CLIENTE. a reduzir a comunicação boca a boca desfavorável que enfraquece os esforços de posicionamento da empresa. 4. AS EMPRESAS TAMBÉM ESCOLHEM SEUS CLIENTES As organizações que não identificam seu público-alvo sofrem uma grande desvantagem na obtenção da satisfação total do cliente. Costumam tentar agradar a todos, gerando demasiados clientes apenas satisfeitos e muito poucos apóstolos. Segmentar consiste em agrupar para discriminar. A Cadeia Serviços-Lucro requer novas e melhores segmentações que permitam agrupar os clientes em função da qualidade da relação que estabelecem, ou podem estabelecer, com a empresa. Uma boa segmentação evita o erro de investir recursos de maneira parecida para todos os clientes. Na Cadeia Serviços-Lucro devemos ter mais recursos para os melhores clientes e menos recursos para piores clientes. Estamos falando de 80% dos recursos para os 20% melhores clientes. As empresas que querem pôr o cliente no centro do palco de suas operações devem praticar a Cadeia Serviços-Lucro com a mesma intensidade com que investem na captação dos clientes. 64 REVISTA DA ESPM– S E T E M B R O / O U T U B R O D E 2003 Alexandre Mathias, Eduardo Halpern 5. A EQUAÇÃO DE VALOR PARA O CLIENTE VALOR = RESULTADOS + PROCESSO CUSTOS DE AQUISIÇÃO Valor para os clientes é a relação entre os resultados esperados mais a qualidade dos processos de entrega e relacionamento sobre o preço atribuído ao serviço mais os custos de aquisição do mesmo como conveniência, por exemplo. A equação de valor é a representação lógica de como a empresa lida com três das características dos serviços: intangibilidade, inseparabilidade e variabilidade. A quarta é a perecibilidade que está ligada à não-possibilidade de estocar serviços. Esta ligada à gestão da demanda e da oferta. v INTANGIBILIDADE Passemos à intangibilidade. É a impossibilidade de teste e a lacuna entre a expectativa de resultado e o resultado real. São elementos críticos para o seu gerenciamento as instalações, pessoas, equipamentos, material de comunicação, símbolos e preços percebidos. EXISTEM CINCO DIMENSÕES UNIVERSAIS DA QUALIDADE DO PROCESSO SEGUNDO PARASURAMAN, ZEITHALML E BERRY. INSEPARABILIDADE Em serviços, a produção e o consumo são simultâneos. Isso define o que chamamos de inseparabilidade. Os elementos críticos a serem gerenciados são a interação do prestador de serviços e o cliente e a percepção de que tanto o cliente quanto o prestador de serviços afetam o resultado. v VARIABILIDADE Por último, a variabilidade. Serviços dependem de quem fornece, onde e como são fornecidos. Os elementos críticos são o treinamento das pessoas, os processos de prestação de serviços (front Office e back Office) e a constante medição da satisfação dos clientes. A dimensão confiabilidade está associada aos resultados atingidos pelo serviço, enquanto as demais dimensões estão associadas ao processo de prestação do serviço. A dificuldade para a maioria das empresas de serviços, porém, é que a confiabilidade só pode ser efetivamente verificada e comprovada após a execução do serviço. Por mais bem preparado que um advogado seja, por mais que ele tenha ganho todas as causas que já disputou em sua carreira, ele não tem como garantir a um eventual cliente a garantia de que também será bem-sucedido na próxima vez que execute seu trabalho. Isso ocorre por causa da natureza intangível dos serviços e sua variabilidade. Assim, as dimensões associadas ao processo tendem a ganhar em importância, já que CONFIABILIDADE (O PRESTADOR DE SERVIÇOS FEZ O QUE FOI PROMETIDO?) 1. RESPONSABILIDADE 2. AUTORIDADE 3. (O SERVIÇO FOI PRESTADO EM MOMENTO OPORTUNO?) (O PRESTADOR DO SERVIÇO TRANSMITIU UMA SENSAÇÃO DE CONFIANÇA AO CLIENTE DURANTE O PROCESSO DE PRESTAÇÃO DO SERVIÇO?) 4. EMPATIA (O PRESTADOR DO SERVIÇO FOI CAPAZ DE ASSUMIR O PONTO DE VISTA DO CLIENTE?) 5. EVIDÊNCIAS TANGÍVEIS (APRESENTARAM EVIDÊNCIAS DE QUE O SERVIÇO FOI EFETIVAMENTE REALIZADO?) S E T E M B R O v / O U T U B R O D E yw 2003–REVISTA DA ESPM 65 Service Profit Chain aviões voando por mais tempo porque ela é capaz de mantê-los por menos tempo no solo se preparando para uma nova decolagem (em média 15 minutos contra 45 minutos dos concorrentes). E ela é capaz de passar menos tempo no solo porque a preparação dos seus aviões é mais simples, já que não precisam ser reabastecidos com refeições e limpos com a mesma intensidade. exemplo, em restaurantes fast food, a expectativa do cliente é de lPor fazer uma refeição em um curto espaço de tempo e o não-cumprimento do prazo terá maior relevância do que a própria refeição. representam aquilo que pode ser imediatamente observado pelo cliente. Ao chegarmos a um consultório médico, imediatamente temos como perceber a aparência das instalações e equipamentos e a empatia, a autoridade e a responsabilidade dos funcionários que nos atendem. Os resultados gerados variam de serviço para serviço e também em função das expectativas dos clientes. Em alguns casos a qualidade do processo pode ter maior relevância do que os resultados gerados, como por exemplo em restaurantes fast food. Nesse caso, a expectativa do cliente é de fazer uma refeição em um curto espaço de tempo e o não-cumprimento do prazo terá maior relevância do que a própria refeição. 66 REVISTA DA ESPM– S E T E M B R O / A Southwest Airlines consegue proporcionar elevado valor para seus clientes (ainda que não ofereça muitos dos confortos de seus concorrentes, como programas de milhagem e serviço de bordo) combinando tarifas 60% a 70% menores que seus concorrentes com partidas freqüentes, pontualidade, baixo índice de extravio de bagagens e funcionários amáveis. Tal resultado é possível graças à decisão estratégica da empresa de se concentrar em rotas de curta distância (seus vôos têm duração média de 55 minutos). A simplicidade de seus serviços permite que ela tenha grande eficiência nas suas operações e use seu principal ativo, as aeronaves, de forma mais produtiva. Um avião da Southwest voa, em média, 12 horas por dia, contra oito horas de seus concorrentes. A empresa consegue manter seus O U T U B R O D E 2003 O objetivo principal de uma estratégia operacional é a medida com que o valor para os clientes é alavancado acima dos custos para o prestador de serviços. É essa a margem entre valor e custo que representa uma oportunidade de lucro para o prestador. Ao observarmos as dimensões da qualidade propostas por Parasuraman, Zeithalml e Berry, vemos que o valor dos serviços está intimamente ligado ao comportamento dos funcionários da empresa. 6. RETENÇÃO, VENDAS RELACIONADAS E REFERÊNCIAS O VALOR DO CLIENTE ESTÁ ASSOCIADO A TRÊS FATORES: 1. 2. CAPACIDADE DA EMPRESA EM RETER SEU CLIENTE, CAPACIDADE DE REALIZAR VENDAS RELACIONADAS PARA ELE, 3. CAPACIDADE DE SE APROVEITAR DAS REFERÊNCIAS FORNECIDAS. Alexandre Mathias, Eduardo Halpern A primeira questão é: quanto vale um cliente para sua empresa? Responder a essa pergunta é o primeiro passo para iniciar o processo de retenção. Vejamos o exemplo de uma restaurante a quilo onde um cliente tem um tíquete médio de R$ 7,00. Imaginemos que ele vá ao restaurante duas vezes por semana em quarenta semanas por ano durante cinco anos. Esse cliente vale R$ 2.800,00 (7X2X40X5). Poderíamos sofisticar a análise incluindo suas referências. Considerando que ele fale com mais cinco pessoas, estaríamos aumentando seu valor em R$ 14.000,00. v v A RETENÇÃO A retenção é o relacionamento contínuo e ativo com um cliente, que acarreta um fluxo de receita a partir da venda do produto ou serviço inicial. Esse fluxo de receita vai se tornando cada vez mais rentável, à medida que fica mais fácil atender os clientes existentes, com menor necessidade de dedicar-lhes esforços de marketing com vistas à familiarização. Segundo inúmeras estimativas, o custo da atração de novos clientes é cinco ou mais vezes maior que o da retenção dos já existentes. VENDAS RELACIONADAS DE NOVOS PRODUTOS E SERVIÇOS Custa muito menos vender novos produtos e serviços a clientes já existentes do que a clientes novos. A explicação é clara. As vendas, para quem já conhecemos, e a quem já nos conhece, requerem pouco esforço de marketing, não exigem verificações de crédito e ocupam muito menos tempo. insatisfeitos, l Clientes por sua vez, apresentavam a probabilidade de falar com outras onze pessoas. v REFERÊNCIAS O maior impacto sobre o lucro, exercido pelos os esforços de retenção dos clientes e de desenvolvimento de sua satisfação, decorre das referências positivas fornecidas por estes aos clientes em potencial. Esse fato é especialmente importante para os serviços nos quais os potenciais clientes apresentam elevados riscos percebidos – bem mais suavizados pelas recomendações de um amigo. Se- guem alguns exemplos: médicos, consultoria, universidades. Dados sugerem que os clientes satisfeitos com serviços prestados provavelmente falariam a esse respeito com outras cinco pessoas (quer fossem ou não potenciais pessoas). Clientes insatisfeitos, por sua vez, apresentavam a probabilidade de falar com outras onze pessoas (Fonte: U.S. Office of Consumer Affairs). S E T E M B R O / 7. ESTRATÉGIA OPERACIONAL E SISTEMA DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS – A HORA DA VERDADE A produtividade e a qualidade do serviço dependem, portanto, da capacidade dos funcionários da empresa para executá-lo de acordo com as expectativas dos clientes. Funcionários bem selecionados e treinados representam uma importante fonte de criação de va- yw O U T U B R O D E 2003–REVISTA DA ESPM 67 Service Profit Chain A Southwest Airlines, por exemplo, possui a maior média de passageiros por funcionário entre as oito maiores empresas do mercado de aviação civil americano (50% mais passageiros por funcionário que a segunda colocada). Seus pilotos passam 40% mais tempo voando do que os pilotos de seus concorrentes. Apesar de serem muito mais produtivos que seus concorrentes, eles não ficam sobrecarregados. A estratégia da empresa, com serviços e operações mais simples, permite que eles dediquem mais tempo ao relacionamento com os clientes do que com tarefas rotineiras (como distribuição e coleta das bandejas com as refeições, por exemplo), gerando maior satisfação daqueles. A capacidade dos funcionários está relacionada à fidelidade dos mesmos à empresa. Empresas com grande capa- Arquivo lor quando a interação entre clientes e empregados se torna mais intensa, já que o cliente não é, geralmente, capaz de distinguir o serviço do prestador de serviço. Southwest novamente surge como exemplo. A empresa l Aconsegue atingir índices de rotatividade de funcionários inferior a 5% ao ano em algumas de suas operações locais. cidade de retenção de seus melhores funcionários se beneficiam, não apenas por conseguir menores custos de recrutamento, seleção e treinamento, mas também por conseguir maior produtividade na execução de suas tarefas. Os funcionários da linha de frente das empresas são aqueles que constroem, na prática, os relacionamentos RELAÇÃO DIRETA ENTRE A SATISFAÇÃO DOS CLIENTES E A DOS FUNCIONÁRIOS. FUNCIONÁRIOS CLIENTES MENORES CUSTOS MELHORES RESULTADOS MELHOR SATISFAÇÃO POR PARTE DO FUNCIONÁRIO MAIOR QUALIDADE DOS SERVIÇOS MAIOR SATISFAÇÃO POR PARTE DO CLIENTE MAIS OPORTUNIDADE DE RECUPERAR-SE DOS ERROS TENDÊNCIA MAIS ACENTUADA A QUEIXARSE DE ERROS NOS SERVIÇOS MAIOR FAMILIARIDADE COM AS NECESSIDADES DO CLIENTE E COMO SATISFAZÊ-LAS MAIS COMPRAS REPETIDAS MAIOR PRODUTIVIDADE Heskett, Sasser e Schlesinger, 2002. 68 REVISTA DA ESPM– S E T E M B R O Figura 3 / O U T U B R O D E 2003 com os clientes. Seu conhecimento acumulado sobre as necessidades desses clientes, bem como sobre as rotinas operacionais da empresa tornamse, portanto, valiosíssimos. Daí vem a preocupação com o último elo identificado na Cadeia de ServiçosLucro, entre fidelidade dos funcionários e satisfação dos funcionários. A Southwest novamente surge como exemplo. A empresa consegue atingir índices de rotatividade de funcionários inferior a 5% ao ano em algumas de suas operações locais. Coincidentemente, ela tem sido classificada sistematicamente como uma das melhores empresas para se trabalhar, nos Estados Unidos. Pesquisas realizadas por Benjamin Schneider e David Bowen, em 1985, levaram à conclusão de que há de fato uma relação direta entre a satisfação dos clientes e a dos funcionários. Um dos elementos mais valorizados pelos empregados das Alexandre Mathias, Eduardo Halpern empresas pesquisadas era a liberdade de julgamento em suas relações com os clientes, assim como a qualidade de seu ambiente de trabalho. Tais atributos os incentivam a manter seu empenho em satisfazer os clientes (ver figura 3). Para evitar que esse círculo virtuoso se quebre é necessário um gran- de investimento no processo seletivo das pessoas. A contratação deve estar baseada em atitudes e deve-se estimular a avaliação dos novos contratados por seus pares. A manutenção dos valores em alguns casos é mais importante que as competências que os novos possam trazer ao negócio. De fato, é CICLO DE CAPACIDADES HESKETT, J. L., SASSER JR., W. E., SCHLESINGER, L. A. Lucro na Prestação de Serviços; The Service Profit Chain. Brasil, Campus, 2002. INDICAÇÃO PELOS FUNCIONÁRIOS DE 12345678901234567890123456789012123456789012345 TREINAMENTO DE 12345678901234567890123456789012123456789012345 POTENCIAIS CANDIDATOS 12345678901234567890123456789012123456789012345 ALTA QUALIDADE 12345678901234567890123456789012123456789012345 AO TRABALHO 12345678901234567890123456789012123456789012345 12345678901234567890123456789012123456789012345 12345678901234567890123456789012123456789012345 12345678901234567890123456789012123456789012345 12345678901234567890123456789012123456789012345 12345678901234567890123456789012123456789012345 12345678901234567890123456789012123456789012345 12345678901234567890123456789012123456789012345 12345678901234567890123456789012123456789012345 12345678901234567890123456789012123456789012345 SISTEMAS DE APOIO 12345678901234567890123456789012123456789012345 12345678901234567890123456789012123456789012345 12345678901234567890123456789012123456789012345 BEM ELEBORADOS 12345678901234567890123456789012123456789012345 v INFORMAÇÃO 12345678901234567890123456789012123456789012345 12345678901234567890123456789012123456789012345 v INSTALAÇÕES 12345678901234567890123456789012123456789012345 12345678901234567890123456789012123456789012345 12345678901234567890123456789012123456789012345 12345678901234567890123456789012123456789012345 12345678901234567890123456789012123456789012345 12345678901234567890123456789012123456789012345 12345678901234567890123456789012123456789012345 12345678901234567890123456789012123456789012345 12345678901234567890123456789012123456789012345 12345678901234567890123456789012123456789012345 RECOMPENSAS ADEQUADAS E RECONHECIMENTO FREQÜENTE LIMITES E EXPECTATIVAS CLAROS COM RELAÇÃO AOS FUNCIONÁRIOS Figura 4 8. CONCLUSÃO Nós da ESPM temos cada vez mais a certeza de que os investimentos em desenvolvimento e satisfação dos profissionais de linha de frente são os dois elementos determinantes para gerar clientes mais satisfeitos e fiéis. Outro elemento fundamental diz respeito ao conceito dos serviços prestados a partir do entendimento do Veja a seguir o Ciclo de Capacidades responsável pelo alcance do círculo virtuoso com foco nos funcionários (ver figura 4). BIBLIOGRAFIA SELEÇÃO (E AUTO-SELEÇÃO) CUIDADOSA DE FUNCIONÁRIOS E CLIENTES FUNCIONÁRIOS SATISFEITOS mais difícil alterar comportamentos indesejáveis do que habilitar as pessoas nas competências necessárias ao negócio. HUETE, L. M. Servicios e beneficios: la fidelizacion de clientes y empleados la inteligecia emocional em los negocios. Espanhã, Ediciones Deustu, 1997. PORTER, M. Vantagem Competitiva. Brasil, Ed. Campus, 2001. MAIOR AUTONOMIA PARA SATISFAZER ÀS NECESSIDADES DOS CLIENTES GRACIOSO, A. O Estilo de Cada Uma: 100 melhores empresas para você trabalhar. Editora Abril, Brasil, 2002. Heskett, Sasser e Schlesinger, 2002. SARKIS, A. M. Duas Boas Razões para se Ter Qualidade em Serviços: dá lucro e mercado exige, Revista da ESPM, 2000. modelo de valor de grupos de clientes homogêneos. Prestar serviços significa, fundamentalmente, entender comportamentos, aspirações e necessidades de grupos de clientes. Vale lembrar que clientes não compram produtos ou serviços. Clientes compram resultados. Mas, devido a natureza dos serviços o processo ganha peso na decisão de compra dos clientes. ESPM S E T E M B R O / AUTORES ALEXANDRE MATHIAS Diretor Geral da ESPM Rio de Janeiro [email protected] EDUARDO HALPERN Mestre em Administração pelo COPPEAD/UFRJ e Professor da ESPM Rio de Janeiro Fotos desta matéria: Corbis/Stockphotos O U T U B R O D E 2003–REVISTA DA ESPM 69 Reposicionamento de Marcas O desafio do reposicionamento de INTRODUÇÃO D evido à progressiva importância atribuída à marca e, em especial, ao seu gerenciamento, diferentes teorias e modelos de compreensão foram desenvolvidos, procurando orientar abordagens e decisões estratégicas de negócio. Embora seja possível identificar algumas diferenças conceituais entre elas, pelo menos um aspecto está sempre presente na análise de marcas e pode ser considerado decisivo na gestão destas: 70 REVISTA DA ESPM– S E T E M B R O / a idéia posicionamento. Com relação a esse conceito, vem se tornando progressivamente mais decisiva a avaliação de sua eficácia em termos organizacionais e a decisão por sua eventual modificação ou adequação ao longo do tempo, materializando, neste caso, a hipótese de reposicionamento de marca. Atualmente o exame e a decisão de um reposicionamento está presente no cotidiano de profissionais de marketing e comunicação, porém é um tema relativamente “órfão” de literatura. Este trabalho se propõe a abordar os desafios e riscos da adoção de O U T U B R O D E 2003 “Posicionamento significa diferentes coisas para diferentes pessoas.” (AAKER & Shansby, 1982:56) Corbis Marcos Savoi Bortolan, Renato Telles uma estratégia de reposicionamento de marcas, utilizando argumentação baseada em revisão bibliográfica e exemplos reais para propor uma tipificação para os casos de reposicionamento de modo a auxiliar gestores de marca. Antes de se iniciar qualquer estudo sobre este assunto, é imprescindível analisar cuidadosamente os elementos que definem o próprio conceito de posicionamento, uma vez que é grande a confusão e a variedade de terminologias que envolvem o mesmo. POSICIONAMENTO DE MARCA Posicionamento de marca é um conceito cuja definição é considerada uma tarefa, no mínimo arriscada, mesmo para especialistas no assunto, como se depreende das afirmações abaixo. Como referência de orientação para a abordagem do conceito de posi- cionamento, optou-se por analisar historicamente quando e em quais situações o termo posicionamento começou a ser utilizado. A literatura de administração e negócios indica que esse conceito ganhou evidência no ano de 1981, com a publicação do livro ”Posicionamento: a batalha pela sua mente”, dos consultores norte-americanos Al Ries e Jack Trout (1979). Nesse trabalho, que se tornou best-seller internacional, os autores se consideravam responsáveis por uma das maiores descobertas do mundo corporativo: o conceito de posicionamento. Uma análise cuidadosa do texto sugere a utilização de raciocínio dedutivo, a partir de regras gerais sobre propaganda, sem esclarecer efetivamente a origem e as bases para esses conceitos, assim como sua base empírica. Eduardo Refkalefsky posicionou-se da seguinte maneira sobre essa questão: “Pouco se falou sobre a fonte das idéias de Al Ries “Posicionamento é uma daquelas palavras que todo mundo usa mas poucas pessoas entendem.” (BAINSFAIR, 1990:18) “Peça para cinco gerentes de marketing definirem posicionamento e você provavelmente terá cinco respostas diferentes.” (CLANCY, 2001) “Não existem duas pessoas no mundo que definam posicionamento da mesma maneira.” (OGILVY, 1985:12) S E T E M B R O / O U T U B R O D E 2003–REVISTA DA ESPM 71 Corbis/Stock Photos Reposicionamento de Marcas e Jack Trout para chegar às suas conclusões. Na verdade, a fonte tem nome e sobrenome, Bill Bernbach, o grande criativo que fez campanhas como a do Fusca e da Avis, que revolucionaram a linguagem da propaganda” (REFKALEFSKY, 2002). De fato, a premiada campanha “Think small” (1950) para o lançamento do Volkswagen Fusca (Figura 1) e a campanha “We are number 2” (1963) da locadora de carros Avis, ambas, desenvolvidas pela agência DDB de Bill Bernbach e citadas no livro de Ries e Trout, foram as precursoras do conceito de posicionamento, mesmo que Bernbach não tivesse consciência disso. Mas o que essas campanhas possuíam de especial para serem consideradas as responsáveis pelo surgimento do conceito de posicionamento? Figura 1 do Fusca – percursor do t Anúncio conceito de posicionamento premiada campanha “Think small” (1950) para o lançamento do t AVolkswagen Fusca, desenvolvida pela agência DDB de Bill Bernbach é citada no livro de Ries e Trout como uma das precursoras do conceito posicionamento de marca. 72 REVISTA DA ESPM– S E T E M B R O / O U T U B R O D E 2003 Fonte: Clube de Criação Marcos Savoi Bortolan, Renato Telles Itaú divulga amplamente os conceitos de tecnologia, conveniência e personalização. G OFilme para Itaú Bankfone – 1994/1995 – Clube de Criação “A essência do posicionamento de marca é que esta tenha uma vantagem competitiva sustentável que dê ao consumidor uma razão convincente para comprá-la” (CALIXTO, 1999:87). No fundo, a idéia que move a concepção do posicionamento defende que uma empresa precisará comunicar ativamente as associações e conceitos mais relevantes e distintivos para uma marca, posicionando-se no mercado como legítima representante dos mesmos. que em um ambiente tumultuado, onde os compradores têm pouco tempo para avaliar decisões em relação a produtos, é altamente vantajoso para um profissional de marketing simbolizar algo importante, ser lembrado por algo significativo” (CLANCY, 1994:45). No mercado bancário, por exemplo, é possível perceber como diferentes declarações de posicionamento convivem no ambiente competitivo. O Itaú divulga amplamente os conceitos de tecno- logia, conveniência e personalização. O Unibanco prefere comunicar intensamente a idéia de atendimento diferenciado e amigável. O Bradesco trabalha com a tradição, segurança e acessibilidade. O Banco Real ABN Amro posiciona-se como um banco mais “humano”, um parceiro do dia-a-dia de seus clientes. A Caixa Econômica Federal escolheu o conceito da abrangência territorial e da preocupação com o desenvolvimento do Brasil para posicionar sua marca. Fonte: Clube de Criação Simplificadamente, pode-se afirmar que, no caso do lançamento do Fusca, pela primeira vez um produto era colocado no mercado associado a uma imagem de marca definida e focalizada (um automóvel pequeno, prático e irreverente), destoando do lugar-comum das propagandas veiculadas na época, em que se costumava enfatizar basicamente a qualidade como diferencial. Em outras palavras, era um produto que transmitia um conceito específico que o posicionava em um segmento de mercado e mapeava uma configuração de percepção para o consumidor ainda inexplorado. O Unibanco prefere comunicar intensamente t a idéia de atendimento diferenciado e amigável. Comercial: Casal Unibanco – 1993/1994 – Clube de Criação “Todas as definições, porém, têm algo em comum, pois reconhecem S E T E M B R O / O U T U B R O D E 2003–REVISTA DA ESPM 73 Fonte: Jornal da Memória – set./out. 1997 Reposicionamento de Marcas cerveja Antarctica, por exemplo, nos últimos três anos t Amudou de “A cerveja do pingüim” para “Com Antarctica é mais gostoso” e em 2003 divulga “Só se for Antarctica”. A IMPORTÂNCIA DA CONSISTÊNCIA DO POSICIONAMENTO Uma vez definido o posicionamento que será adotado por uma determinada marca, o gestor da mesma precisa zelar para que ele seja respeitado. Ou seja, é fundamental para o sucesso duradouro de uma marca que o seu posicionamento seja consistente ao longo dos anos. “Uma estratégia de posicionamento consistente é tão indispensável para uma marca sólida quanto o é um exército forte para a defesa nacional” (CLANCY, 1994:147). “Construir uma marca é um trabalho tedioso. O que funciona melhor é a absoluta consistência durante um período de tempo contínuo” (REIS & REIS, 1999:110). em boa parte desse tempo o posicionamento foi sempre o mesmo. A base da sua comunicação está centrada nos conceitos de aventura, fantasia, emoção, e reposição de energia. A marca de achocolatados Nescau é uma demonstração de posicionamento consistente e bem dirigido. “A comunicação é dirigida ao mesmo público há anos, basicamente com os mesmos diferenciais, muito embora a execução criativa tenha evoluído” (MARTINS, 2000:52). Há pelo menos 40 anos, a Nescau é líder absoluto de mercado, sendo que 74 REVISTA DA ESPM– S E T E M B R O / O U T U B R O Como explica David AAKER, apesar de ser um elemento tão importante, é muito comum encontrar grandes empresas negligenciando a consistência do posicionamento de suas marcas. Como resultado disso, é possível encontrar consumidores confusos e incapazes de criar uma imagem sólida e diferenciada para EVOLUÇÃO DO “TOP OF MIND” NA CATEGORIA CERVEJAS % das menções 45 40 35 30 25 20 15 Figura 2 10 5 0 1994 1997 2000 2001 2002 Fonte: pesquisa “Top of Mind” – Folha de S. Paulo/2002 D E 2003 Skol Brahama Antarctica Newcommbates Marcos Savoi Bortolan, Renato Telles mudou três vezes sua linha de comunicação em um período de dois anos: t AdeKaiser “A cerveja nota 10” passou para “Abre que vem” e atualmente divulga “Kaiser sempre vai bem”. as mesmas. Exemplo interessante nesse sentido está ocorrendo com o mercado brasileiro de cervejas. ja do pingüim” para “Com Antarctica é mais gostoso” e em 2003 divulga “Só se for Antarctica”. A Kaiser mudou três vezes sua linha de comunicação em um período de dois anos: de “A cerveja nota 10” passou para “Abre que vem” e atualmente divulga “Kaiser sempre vai bem”. Como reconhece Júlio César Gomes Pedro, diretor de marketing da companhia: “não conseguimos o posicionamento adequado e nos últimos anos tivemos uma inconsistência grande de campanha” (TOLEDO, 2001:16). É fundamental entender que não são apenas slogans publicitários que se sucederam ao longo dos anos, mas sim diferentes conceitos de posicionamento. Sem dúvida, outros fatores podem ter contribuído para a liderança da SKOL, porém, em uma categoria na qual grande parte da imagem de marca é construída com base na comunicação, ser negligente e pouco consistente no posicionamento é meio caminho para o baixo desempenho de uma marca. Entre as razões que poderiam explicar a liderança da marca SKOL em termos de vendas e recall de marca (figura 2), é imprescindível destacar o posicionamento adotado pela marca em 1997 (materializado no slogan “A cerveja que desce redondo”) e, desde então, consistentemente respeitado, como um elemento fundamental para esse sucesso. Esses resultados podem provavelmente ser explicados, ao menos em parte, pelo fato de que, enquanto a Skol estava alinhada a um conceito forte de posicionamento (leve, jovem e irreverente), suas concorrentes mostravam grande inconsistência na comunicação. A cerveja Antarctica, por exemplo, nos últimos três anos mudou de “A cerve- para a Brahma t Comercial na Copa do Mundo de 1994 S E T E M B R O / O U T U B R O D E 2003–REVISTA DA ESPM 75 Reposicionamento de Marcas MANUTENÇÃO DA CONSISTÊNCIA OU REPOSICIONAMENTO? Apesar de todos os aspectos listados sobre os benefícios que a consistência do posicionamento traz para uma marca, é um equívoco imaginar que esta consistência seja sinônimo de uma postura estática, ainda mais em ambientes de crescente turbulência e imprevisibilidade. Neste momento, surge a pergunta: não é paradoxal e incoerente defender a consistência e, ao mesmo tempo, a transformação para uma estratégia de desenvolvimento de posicionamento de marca? “Depois de termos insistido na idéia de consistência, por que iríamos trazer à tona o conceito de mudança?” (REIS & REIS, 1999:115). Eis o dilema e desafio permanente dos construtores de marca: “em um mundo em que os modelos empresariais estão sendo continuamente reavaliados e reinventados, qual o momento certo de mandar a consistência para o espaço e reinventar a marca?” (SLYWOTZKY & KANIA, 2002:58). Em suma, a consistência do posicionamento deve ser mantida a todo custo, a menos que um fato relevante exija sua transformação ou indique uma boa oportunidade para que isso ocorra. Apesar de parecer lógica a idéia teórica de se reposicionar uma marca, na prática esse trabalho se mostra ser um desafio efetivo para os gestores de marca. Além de lidar com alto grau de incerteza de sucesso, o REPOSICIONAMENTO REATIVO Decisão/ação de reposicionamento resultante de mudanças ambientais (culturais, socioeconômicas, políticas ou tecnológicas), que enfraquecem as associações componentes do posicionamento de uma determinada marca, demandando uma readequação ao novo contexto. 76 REVISTA DA ESPM– S E T E M B R O / custo da operação é geralmente alto. A razão para isso está na essência do processo de construção de um posicionamento de marca. Como todos os esforços para a criação de uma marca forte e sólida estão na direção de proporcionar estímulos e associações consistentes ao consumidor-alvo, quanto mais bemsucedida uma empresa nesse processo, mais difícil será a tarefa do reposicionamento da marca. O raciocínio desse processo é o seguinte: se uma marca consegue ser sistematicamente lembrada em função de certas associações, pode-se dizer que ela incorporou um conjunto de características identificadoras. Na percepção do seu consumidor-alvo a marca é ou representa alguma coisa ou conceito. Ao mesmo tempo em que isso sinaliza o sucesso da construção de um posicionamento, torna a marca “refém” do seu conjunto de associações e, conseqüentemente, dificulta o trabalho de reposicionamento, uma vez que este lida com a idéia de alterar o que existe enraizado na mente do consumidor-alvo. “Para mim, isso ilustra o fato de que o reposicionamento é mais fácil na teoria do que na prática. Às vezes, é um processo brutal, porque você está tentando mudar as percepções das pessoas, o que é muito difícil” (RIES & TROUT, 2001:49). “Alterar uma marca não é algo trivial. Envolve desafios técnicos e logísticos que são amenizados através de um bom planejamento, de recursos apropriados e de um cronograma correto de implantação da nova marca. Ou seja, a empresa deve ter todo o cuidado para não chocar seus consumidores” (GRACIOSO & NAJJAR, 2000:10). Por isso, para evitar desperdícios de tempo e dinheiro, cabe neste momento uma análise das situações e hipóteses em que um esforço de reposicionamento pode ser efetivamente considerado. CONDIÇÕES PARA DECISÃODOREPOSICIONAMENTO: TIPIFICAÇÃO A decisão por um reposicionamento de marca envolve custos e riscos relativamente elevados, sendo que a adoção de uma estratégia com este grau de impacto, incerteza e necessidade de recursos naturalmente tem de ser suportada por argumentação estruturada. A análise das possíveis razões ou motivos que fundamentam uma opção por alteração do atual posicionamento para outro conduzem à possibilidade de classificação das estratégias a partir de um critério objetivo. Basicamente, uma ação de reposicionamento é derivada da perda de valor da atual posição ou orientada para o aproveitamento de uma dada oportunidade de mercado ou decidida pelo reconhecimento da ineficácia mercadológica do atual posicionamento da marca. A partir dessa abordagem, as estratégias de reposicionamento poderiam ser classificadas em: REPOSICIONAMENTO PROPOSITIVO REPOSICIONAMENTO CORRETIVO Decisão/ação de reposicionamento orientada para melhoria de desempenho de negócio e/ou aproveitamento de oportunidades identificadas de mercado, inviáveis no domínio atual do posicionamento da marca. Decisão/ação de reposicionamento decorrente da ineficácia da configuração de posicionamento adotado em relação aos objetivos pretendidos pela marca. O U T U B R O D E 2003 Marcos Savoi Bortolan, Renato Telles REPOSICIONAMENTO REATIVO Se existe uma certeza no mundo dos negócios, ela diz respeito à inevitabilidade das mudanças. As indústrias mudam, os produtos mudam, os canais de distribuição mudam e os consumidores também mudam. Conseqüentemente, as marcas também estão vulneráveis às alterações ambientais. As associações e os atributos que sustentam seu posicionamento podem perder significados, podem ficar ultrapassados e irrelevantes inesperadamente. Nesse caso, é preciso abandonar a consistência e partir para o reposicionamento. Para uma melhor compreensão dessa idéia, é oportuno analisar em detalhe alguns tipos de mudanças mais importantes e usuais. MUDANÇAS NO COMPORTAMENTO DO CONSUMIDOR O comportamento de compra dos consumidores é um elemento que está em constante evolução e mutação. Os be- nefícios e características de uma marca que justificariam sua aquisição ou aspiração por um determinado público há duas décadas atrás possivelmente não mais persistem. Ao se analisar o papel desempenhado pelas mulheres ao longo das décadas no Brasil, nota-se claramente a existência desse tipo de fenômeno. Nos anos 60, por exemplo, a mulher claramente possuía uma atitude de passividade e submissão. Era a donade-casa que não trabalhava fora e vivia para cuidar dos filhos e do marido. Tal conjunto de características era absorvido pelo posicionamento das marcas que com ela falavam, como era o caso da publicidade de margarinas, por exemplo. A partir da década de 70 e com mais intensidade durante os anos 90, houve uma consolidação de um novo papel assumido pela mulher, sobretudo como consumidora de produtos e serviços. Essa situação claramente exigiu das marcas de margarinas a adoção de uma estratégia de reposicionamento. Assim, ao se observar, na década de 70, o posicionamento de Doriana, nota-se que ela explorava associações como a dona-de-casa a dona de casa dedicada ao bem estar da família, cozinha, carinho, segurança e atenção aos filhos. dedicada ao bem-estar da família, cozinha, carinho, segurança e atenção aos filhos, materializada, entre outros aspectos, no famoso “jingle”: “Quem é que faz tudo com amor e põe na mesa o melhor sabor...com Doriana você logo vê os elogios são pra você!” No final dos anos 90, Doriana já trabalhava em sua comunicação o reposicionamento da marca. Desse modo, seus comerciais passam a espelhar as angústias (trabalhar fora de casa) e desejos (de praticidade) que perfazem a vida da mulher do final do século. MUDANÇAS TECNOLÓGICAS Mudanças tecnológicas podem interferir no desempenho de muitas marcas, forçando-as muitas vezes a o surgimento da nova tecnologia eletrônica, a fabricante tCom de relógios Timex precisou mudar de posicionamento. S E T E M B R O de Doriana nota-se G Oqueposicionamento ela explorava associações como / O U T U B R O D E 2003–REVISTA DA ESPM 77 Reposicionamento de Marcas adotarem estratégias de reposicionamento para se readequarem à nova configuração do setor. O mercado de relógios fornece um bom exemplo. Antes do surgimento do relógio a quartzo, a exatidão na monitorização do tempo era o principal fator diferencial entre competidores do setor. No entanto, com o surgimento da nova tecnologia eletrônica, o mais barato dos relógios a quartzo se tornou mais exato do que o mais caro dos relógios mecânicos. Esse problema foi vivenciado pela fabricante de relógios Timex. Tida como marca sinônima de precisão de tempo, essa empresa, de uma hora para outra, viu o seu posicionamento perder toda a sua importância. Nesse caso, ela precisou reposicionar-se em função de outras vantagens competitivas. ENTRADA DE NOVOS COMPETIDORES NO MERCADO Quando novos concorrentes entram em um determinado mercado, é possível que forcem as empresas já estabelecidas a reposicionarem suas marcas. O mercado automobilístico no Brasil presenciou esse fenômeno nos últimos anos. A entrada de montadoras como Peugeot, Renault, Honda e Citroën inseriu no cenário competitivo novos e, muitas vezes, superiores parâmetros de qualidade, tecnologia, “design”, inovação, conforto e segurança. Em resposta, as quatro tradicionais montadoras do mercado brasileiro (Volkswagen, Fiat, General Motors e Ford) resolveram abandonar a consistência de seus posicionamentos, visando a uma maior adequação à nova realidade do mercado. Nesse sentido, foi possível observar, por exemplo, a Volkswagen abandonando seu clássico slogan “Você conhece. Você confia” e passando a adotar “A Volkswagen vai mais longe por você”. Segundo Sergio Szmoisz, gerente de propaganda da empresa: “O nosso objetivo é reposicionar a marca no mercado brasileiro. A VW quer passar a imagem de que tem diversos valores de uma marca luxuosa mas é acessível” (SATOMI, 2002:5). A General Motors também alterou seu conceito de comunicação após 10 anos de consistência. O velho conhecido “Andando na frente”, ancorado nos conceitos de modernidade tecnológica e inovações constantes, foi substituído por “Conte comigo”, um slogan que transmite um apelo mais rejuvenescer a imagem da marca, a Nestlé lançou em julho de 2001 uma campanha mundial tVisando associando o café à ousadia, tecnologia e misticismo para conquistar as tribos “tecno”, desportista e “zen”, um posicionamento bem diferente do adotado até então pela maioria dos países. Figura 3 78 REVISTA DA ESPM– S E T E M B R O / O U T U B R O D E 2003 Marcos Savoi Bortolan, Renato Telles emocional, intimista e de parceria aos consumidores. ENVELHECIMENTO DA MARCA Muitas vezes, os elementos que sustentam o posicionamento de uma determinada marca podem ficar desatualizados e envelhecidos. Nesse caso, é imperativo que a marca reposicione-se no mercado. Desde seu lançamento em 1938, Nescafé sempre foi a líder do mercado de café solúvel em vários países do mundo, sendo considerada uma das marcas mais valiosas e estratégicas da Nestlé. A marca que nos anos 50 tinha se tornado a favorita dos jovens com o tempo foi envelhecendo e se distanciando dessa categoria de consumidores. Visando rejuvenescer a imagem da marca, a Nestlé lançou em julho de 2001 uma campanha mundial associando o café à ousadia, tecnologia e misticismo para conquistar as tribos “tecno”, desportista e “zen”, um posicionamento bem diferente do adotado até então pela maioria dos países. A linguagem da campanha publicitária desenvolvida (figura 3) foi altamente sugestiva, ousada e moderna, adequando-se à necessidade de rejuvenescimento da marca. de uma marca que se reposicionou, ao longo de seus vinte e cinco anos de vida, aproveitando-se de oportunidades proporcionadas por inovações. Nos anos 80, OMO baseou a sua estratégia de posicionamento nos seguintes benefícios: maior poder de limpeza, mais espuma, melhor perfume, tradição, segurança, confiabilidade. Nos anos 90, através de aperfeiçoamentos e inovações tecnológicos, OMO agregou novos benefícios ao posicionamento da marca, como: maior rendimento, maior praticidade, espuma na quantidade certa e tecnologia avançada. Ou seja, a marca reposicionou-se no mercado aproveitando-se das oportunidades que as inovações tecnológicas lhe proporcionaram. ça das estruturas do ambiente. Nesse caso, uma determinada marca vislumbra na estratégia de reposicionamento uma oportunidade de explorar um novo conceito, muitas vezes inovador, que considera atraente e com potencial de lhe trazer melhores retornos. OPORTUNIDADE PELA INOVAÇÃO A trajetória do detergente em pó OMO fornece um bom exemplo OPORTUNIDADE EM MERCADOS MAIS SOFISTICADOS Alterar o posicionamento da marca para explorar as oportunidades que um mercado mais sofisticado pode oferecer foi a estratégia adotada pelas sandálias Havaianas em 1994. Como produto de baixa margem de lucro, com o passar dos anos nem o domínio de 90% do mercado de sandálias de borracha garantia a rentabilidade adequada para a fabricante Alpargatas. Para reverter esse quadro, as Havaianas tinham pela frente a necessidade e o desafio de agregar valor a um produto que durante décadas se manteve inalterado e com um cla- REPOSICIONAMENTO PROPOSITIVO Até o presente momento foram analisadas situações em que uma determinada marca encontrava-se na posição de vítima das mudanças ambientais. Nesta seção, será analisado um tipo de reposicionamento que não envolve como fator preponderante uma mudan- trajetória do detergente em pó OMO fornece um bom tAexemplo de uma marca que se reposicionou, ao longo de seus vinte e cinco anos de vida. S E T E M B R O / O U T U B R O D E 2003–REVISTA DA ESPM 79 ro posicionamento de marca barata e funcional: “as únicas que não deformam, não têm cheiro e não soltam as tiras”(Figura 4). AlmapBBDO Reposicionamento de Marcas sistentes que alcançaram os 4P`s do composto de Marketing, a marca conseguiu agregar a sua imagem aspectos de prestígio e sofisticação, afastando as impressões de produto popularesco que durante muito tempo tanto promoveu. Ao agregar esses novos valores à marca, a Alpargatas pode aumentar o preço e a margem de lucro sobre cada par de sandálias vendido, resolvendo, em parte, o grande problema da baixa rentabilidade que acompanhava seu produto mais popular (Figura 5). AlmapBBDO Em 1994, a empresa iniciou o processo de reposicionamento das Havaianas: o objetivo era transformar o conceito da marca de funcional e popular para um conceito de marca “fashion” (acessório de moda). Ou seja, um típico caso de reposicionamento de oportunidade, em busca de mercados mais sofisticados. Através de ações coerentes e con- Figura 4 Figura 5 1994, a empresa iniciou o processo t Em de reposicionamento das Havaianas: o objetivo era transformar o conceito da marca de funcional e popular para um conceito de marca “fashion” (acessório de moda). 80 REVISTA DA ESPM– S E T E M B R O / O U T U B R O D E 2003 Marcos Savoi Bortolan, Renato Telles OPORTUNIDADE EM MERCADOS MAIS POPULARES Em direção oposta, é possível encontrar empresas que vislumbraram na popularização de suas marcas uma oportunidade de melhorarem seus desempenhos de mercado. Em 1999, a emissora de televisão MTV iniciou uma estratégia para mudar seu clássico posicionamento de marca elitista, moderna, irreverente, inteligente e vanguardista, visando tornar-se mais popular e próxima do público da classe C, um mercado consumidor emergente que surgiu com o Plano Real a partir de 1994. Para atingir essas expectativas, toda a programação e a forma de comunicação da emissora foram reformuladas: gêneros tipicamente nacionais, como axé music e pagode, passaram a ganhar destaque, dividindo espaço na grade da nova MTV com clipes internacionais. Até o cantor romântico Roberto Carlos, em meados de 2001, chegou a gravar um programa especial para o canal, atitude inimaginável anos atrás pelos fundadores da emissora. Independentemente de críticas ou elogios, o fato é que o reposicionamento da emissora alcançou os objetivos esperados, aumentando a audiência da MTV em praticamente 30% em 1999. REPOSICIONAMENTO CORRETIVO É possível que a escolha de um determinado posicionamento, que a princípio parecia o mais adequado aos objetivos estratégicos de uma marca, decepcione as expectativas da empresa. A falta de apelo, relevância ou diferenciação do conceito adotado para guiar as iniciativas da marca são alguns fatores que podem justificar o início de um trabalho de reposicionamento corretivo. A marca de congelados da Sadia, por exemplo, vivenciou esse processo em meados da década de 90. Quando foi lançada em 1993, a marca desenvolveu seu posicionamento com base em elementos como pratos prontos com sabor caseiro. Nos primeiros meses, os produtos obtiveram resultados pouco animadores para um mercado com alto potencial de consumo, fazendo com que a empresa revisse as suas estratégias. Após alguns estudos, descobriu-se que o motivo das vendas baixas não era o mercado em si, mas a forma como o cliente vinha sendo abordado. Quando a empresa experimentou reposicionar sua marca enfocando atributos como rapidez, praticidade e facilidade no preparo, ao invés de um alegado sabor caseiro, as vendas saltaram: de 4% do total do faturamento da empresa em 1993 para 20% em 2000. CONCLUSÃO Os conceitos abordados e aqueles propostos no corpo do texto sugerem a consideração de algumas hipóteses de orientação para a gestão de marcas quanto ao momento em que estas devem considerar uma estratégia de reposicionamento, destacando-se, em particular, o pressuposto desenvolvido de que quanto mais forte a imagem ou as percepções do público a respeito de um posicionamento de marca, mais difícil será o processo de alterá-lo. 1. REPOSICIONAMENTO REATIVO As mudanças ambientais forçam a adoção de uma estratégia de reposicionamento. Nesse caso, por mais enraizadas que estejam as percepções do público a respeito do posicionamento atual de uma determinada marca, o gestor precisa (por uma questão de sobrevivência) enfrentar as dificuldades de se mudar estas percepções, buscando um posicionamento mais adequado para o novo ambiente competitivo. Em outras palavras, ou a marca muda seu posicionamento, ou ela corre o risco de perder relevância para o consumidor. QUADRO RESUMO REPOSICIONAMENTO DE MARCA PERCEPÇÕES DO POSICIONAMENTO ATUAL GESTÃO DE MARCA DECISÃO DE MARCA Pouca importância Escolha de novo posicionamento para sobrevivência Transição com riscos inevitáveis PROPOSITIVO Muita importância A oportunidade compensa o risco de alterar as percepções? Construção de novo paradigma CORRETIVO Pouca importância Seleção de novos atributos para o posicionamento Revisão da estrutura do posicionamento REATIVO S E T E M B R O / O U T U B R O D E 2003–REVISTA DA ESPM 81 Reposicionamento de Marcas BIBLIOGRAFIA 2. REPOSICIONAMENTO PROPOSITIVO Explorar um posicionamento considerado mais rentável ou inovador que o adotado até o momento é uma decisão que precisa basear-se no grau de fixação da imagem atual da marca. Nesse caso, o gestor precisa analisar e decidir se a oportunidade a ser explorada pelo reposicionamento compensa o risco e as dificuldades de se alterar as percepções do público a respeito do posicionamento atual da marca. 3. REPOSICIONAMENTO CORRETIVO Se um determinado posicionamento não alcançou os resultados esperados, a estratégia da marca precisa sofrer alterações. Nesse caso, mesmo com uma imagem de marca fixada (hipótese difícil de se imaginar para este quadro), o gestor precisa repensar a estratégia de reposicionamento para adequar a marca aos objetivos almejados pela organização. ESPM AAKER, David. Criando e administrando marcas de sucesso. 3.o ed. São Paulo, Futura, 1996. MARTINS, José Roberto. Branding. São Paulo, Negócio Editora, 2000. AAKER, David. Marcas: brand equity gerenciando o valor da marca. 2.o ed. São Paulo, Negócio Editora, 1991. McKENNA, Regis. Estratégias de marketing em tempos de crise. 2.o ed. Rio de Janeiro, Campus, 1989. ANSOFF, H. Igor. Administração estratégica. São Paulo, Atlas, 1983. MILUNOVICH, Steve & PORTER, Michael & Ries, Al & TROUT, Jack.Idéias em comum. Revista HSM ARQUIVO DA PROPAGANDA. Galeria. Disponível em: <http://www.arquivo.com.br> [2002 Out 15]. 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D E 2003 Transformações no Mercado de Trabalho A GLOBALIZAÇÃO DAS ECONOMIAS E AS TRANSFORMAÇÕES NO MERCADO DE TRABALHO EM TEMPOS DE PÓS-MODERNIDADE INTRODUÇÃO necessidade de políticas de modernização das economias vem ao encontro da atual condição de sociedade denominada liberal ou pós-moderna, ou programada, ou pós-industrial, ou informacional – esta última denominada por Castells (1999), caracterizada sobretudo pela complexidade das relações econômicas e no entendimento das grandes transformações A 84 REVISTA DA ESPM– S E T E M B R O / econômicas globais, tais como a reforma do papel do Estado, a desregulamentação dos mercados, reestruturação produtiva internacional, a velocidade da informação, a revolução do conhecimento, pelas mudanças das relações de trabalho, dentre outras. Esta situação, chamada por Giddens (1997) de “radicalização da modernidade”, aliada aos problemas já vividos pelo capitalismo nos anos setenta, oitenta e noventa do século XX, deflagra, nos dias atuais, uma série de fenômenos contraditórios, à luz do desenvolvi- O U T U B R O D E 2003 mento econômico projetado pela economia de mercado. Sem embargo, as regressões políticas verificadas em países em desenvolvimento ou da periferia e os crescentes conflitos sociais, que aparecem com mais intensidade em todo o mundo, decorrentes, por um lado, do aumento de grupos de excluídos, e por outro da crise do Estado que não tem mais capacidade de atuar como amortecedor das tensões sociais, nos leva a refletir sobre as conseqüências deste processo, sobre as sociedades contemporâneas. yw Durval Meirelles, Roberto Gil Uchoa avanço da tecnologia da informação nos últimos 30 anos permitiu l Oa conectividade de pessoas e agentes econômicos em tempo real. S E T E M B R O / O U T U B R O D E 2003–REVISTA DA ESPM 85 Transformações no Mercado de Trabalho Uma análise mais profunda desse contexto nos leva a crer em uma possível desorganização do capitalismo moderno, com um avanço sem fronteiras do capital financeiro em detrimento de uma reestruturação saudável da produção e do mercado de trabalho, em nível global. 1. CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA O avanço da tecnologia da informação nos últimos 30 anos permitiu a conectividade de pessoas e agentes econômicos – e entre eles mesmos – em tempo real, encurtando o tempo entre o fato e a sua divulgação pelos meios de comunicação de massa, entre o levantamento dos dados e a análise das informações e entre os eventos e a tomada de decisão nas empresas. Decerto, nesse hiato temporal, o mundo capitalista observa, na aflição pelo incremento na produtividade, as empresas serem automatizadas em paralelo com a crescente ênfase na qualidade total e no marketing; o mundo comunista desmancha-se com a desintegração da União Soviética e nas secessões étnicas, numa busca por uma identidade nacionalista. Em contra-senso, a integração do mundo se dá pelo comércio, informatização dos meios de comunicação e do mercado financeiro internacional, permitindo a interação de países de diferentes continentes numa proporção jamais vista na história da humanidade. das explicações da crise do mundo moderno seria conseqüência l Uma das contradições e antagonismos que amadurecem no âmbito de uma correlação de forças entre proprietários de capital e trabalhadores a partir da falência do Welfare State. Nesse sentido, Castells (1999) acentua que a tecnologia e o gerenciamento da tecnologia, envolvendo mudanças organizacionais, poderiam estar se difundindo a partir da produção da tecnologia da informação, telecomunicações e serviços financeiros, alcançando grande parte a atividade industrial e depois os serviços empresariais, para então, aos poucos, atingir as atividades de serviços diversos em que existe menos incentivo para a difusão da tecnologia e maior resistência a mudanças organizacionais. No passado, especialmente nos países desenvolvidos, o Estado do bem-estar social conseguia manter sua legitimidade em função de suas reais condições de atender às demandas sociais oriundas de diversos segmentos da sociedade. Assim, estabelecia certo equilíbrio entre os atores sociais, as forças políticas e as forças do Estado, capaz de absorver os conflitos sociais e manter o funcionamento básico da sociedade. Contraditoriamente, porém, a política liberal rapidamente se desenvolveu com intuito de desmontar aquele formato de Estado, tendo como um dos objetivos beneficiar a rápida acumulação e transferência do capital, entre países. Essa facilidade proporcionou uma enorme liberalização e avanço do capital financeiro especulativo, o que pode ter ajudado a romper com a antiga relação de segurança existente entre o Estado e a sociedade, vigente até então. Assim sendo, uma das explicações da crise do mundo moderno seria conseqüência das contradições e antagonismos que amadurecem no âmbito de uma correlação de forças entre proprietários de capital e trabalhadores a partir da falência do Welfare State. 86 REVISTA DA ESPM– S E T E M B R O / O U T U B R O D E 2003 Durval Pela primeira vez na história, a unidade básica da organização econômica não é um sujeito individual ou coletivo: são as unidades da rede. Elas são formadas de vários sujeitos e organizações, modificam-se continuamente conforme as redes se adaptam aos ambientes de apoio e às estruturas do mercado. As alianças que unem essas redes devem ter uma dimensão cultural própria, caso contrário, a atividade econômica seria desempenhada em um vácuo social e cultural. Furtado (2000) traçou uma análise crítica da industrialização da periferia no quadro A Divisão Internacional do Trabalho, caracterizado por três aspectos, a saber: a dessimetria no processo de transformação, a modernização e industrialização e a tipologia da industrialização periférica. Vejamos os principais pontos de Furtado: 1.1. DESSIMETRIA NO PROCESSO DE TRANSFORMAÇÃO Para a economia periférica, a inserção no sistema de divisão internacional do trabalho assumia a forma de um processo duplo e dessimétrico de transformação: por um lado existia o esforço de alocação de recursos produtivos, de especialização, visando criar a produção exportável (base da criação do novo excedente). Por outro lado, configurava-se a transformação da demanda interna, conseqüência da semiintegração com economias orientadas para a inovação (fontes de um fluxo de novos produtos). A transformação do sistema de vida no sentido da modernização não se efetua sem provocar modificações no siste- ma produtivo. Os bens duráveis importados requerem trabalhos complementares internos, como a infra-estrutura de estradas e de oficinas de reparação que seguem os automóveis e as instalações elétricas requeridas pela nova urbanização. Existe, portanto, um multiplicador de emprego e de renda, ligado à utilização interna do excedente. Quando a oferta interna de mão-de-obra é elástica e os salários permanecem baixos, o efeito do multiplicador de emprego também se faz sentir no excedente. Em casos especiais, em que os salários devem subir a fim de atrair mão-de-obra do exterior, o efeito pode ser inverso. 1.2. MODERNIZAÇÃO E INDUSTRIALIZAÇÃO O sistema de divisão internacional do trabalho tem sua origem no dinamismo do núcleo industrial inicial, o qual busca ampliar a própria base de recursos naturais e o mercado interno, com vistas em frustrar as tendências aos rendimentos decrescentes. As transformações mais significativas ocorriam na demanda e foi a isso que chamamos de modernização. As peculiaridades da industrialização periférica têm aí sua origem. A inserção no sistema de divisão internacional do trabalho da economia que se periferiza deve ser percebida como uma transformação de conjunto dessa economia: os seus principais setores são remodelados pelo esforço de modernização. A exportação continua a desempenhar o papel de variável principal na dinâmica do crescimento, mas seu efeito final S E T E M B R O / Meirelles, Roberto Gil Uchoa dependerá cada vez mais da capacidade da economia para diversificar sua estrutura produtiva ligada ao mercado interno, ou seja, da industrialização. 1.3. TIPOLOGIA DA INDUSTRIALIZAÇÃO PERIFÉRICA Nessa fase de crescimento induzido pela inserção no sistema de divisão internacional do trabalho, identificam-se facilmente na periferia três tipos de indústrias: INDÚSTRIAS LIGADAS AO A) SETOR PRIMÁRIO-EXPORTADOR Essas indústrias são uma decorrência da natureza das exportações de produtos primários; elas estão ligadas à demanda exterior de forma similar ao que ocorre com as atividades primário-exportadoras, destituídas praticamente de toda capacidade transformadora direta da estrutura produtiva do país onde se localizam. É o caso antigo das usinas de açúcar. COMPLEMENTARES B) INDÚSTRIAS DAS IMPORTAÇÕES Surgem como um complemento necessário de certas importações, sendo, portanto, parte do processo de modernização. À medida que aumenta o valor adicionado localmente, cresce o efeito transformador que elas exercem na estrutura produtiva. Esse é o ponto de partida das chamadas indústrias de “substituição de importações”. INDÚSTRIAS QUE SE BENEC) FICIAM DE ALGUMA FORMA DE PROTEÇÃO NATURAL São aquelas que se beneficiam de proteção, independentemente da política seguida pelo governo. É o caso das indústrias de produtos perecíveis e outras, nas quais incide pesadamente o custo do transporte. w O U T U B R O D E 2003–REVISTA DA ESPM 87 Transformações no Mercado de Trabalho Na evolução industrial das economias periféricas observou-se um progressivo predomínio das indústrias do segundo grupo, ou menor, a preeminência das indústrias mais diretamente caudatárias do processo de modernização. 2. A COMUNICAÇÃO E A GLOBALIZAÇÃO A globalização é econômica, política, tecnológica e cultural, analisa Giddens (2000). Foi influenciada basicamente pelo desenvolvimento nos sistemas de comunicação que remontam apenas ao final da década de 1960. Até o final da década anterior não existia nenhum cabo transatlântico ou transpacífico exclusivo. Os primeiros comportavam menos de cem canais de voz. Os de hoje conduzem mais de um milhão. Na nova economia eletrônica global, os administradores de fundos, os bancos, as empresas, assim como os milhões de investidores individuais, podem transferir vastas quantidades de capital de um lado do mundo para outro ao clique de um mouse, disserta Giddens. Ao fazê-lo, podem desestabilizar economias que pareciam de inabalável solidez – como aconteceu recentemente na Ásia e na América do Sul. A globalização não é, portanto, um processo singular, mas um conjunto complexo de processos. E estes operam de maneira contraditória ou antagônica. A maioria das empresas multinacionais gigantes é também sediada nos EUA. Todas as que não são vêm de países ricos, não das áreas mais pobres do mundo. Isso gera uma concentração de renda no hemisfério norte, capaz de formar poder de barganha com economias menos favorecidas. A criação de blocos econômicos, como o da União Européia e o Mercosul – cada um respeitando seus limites proporcionais –, visa fazer frente à continuidade de um crescimento, com estabilidade e evitando o desequilíbrio. Mas o efeito desse desequilíbrio cria um abismo entre países ricos e países periféricos, em escala histórica, afetando nível de emprego e renda (Furtado, 1994). l 88 O computador transforma nossa maneira de criar e comunicar, ditando novos comportamentos. REVISTA DA ESPM– S E T E M B R O / O U T U B R O D E 2003 Para Castells (1999), a cultura da virtualidade real associada a um sistema multimídia eletronicamente integrado Durval contribui para a transformação do tempo em nossa sociedade de duas formas diferentes: simultaneidade e interpolaridade. Ao mesmo tempo em que temos contato com notícias acontecendo no mundo inteiro em tempo real, oferece-se ao expectador a mistura de tempos na mídia dentro do mesmo canal de comunicação, criando uma colagem temporal em que não apenas se misturam gêneros, mas seus tempos tornam-se síncronos em um horizonte aberto sem começo, nem fim, nem seqüência. É o tempo virtual, o tempo intemporal. O processo de trabalho situa-se no cerne da estrutura social. Veremos como o autor analisa as transformações sociais no âmbito do homem e a economia, ou seja, na sua relação com as empresas – o mercado de trabalho informacional. progresso técnico e o desemprego no mundo moderno. O argumento central é que a principal causa da tendência de aumento do desemprego no passado recente não é o progresso técnico. Ainda que as novas tecnologias de processo sejam intrinsecamente poupadoras de trabalho, o progresso técnico, segundo o professor da UFRJ, envolve novas oportunidades de investimento, inclusive aquelas associadas tanto a novos processos como a novos produtos. Nesse sentido, Gonçalves conclui empiricamente – pois não se tem dados disponíveis ou pesquisas válidas que possam suportar essa conclusão –, a incapacidade dos agentes econômicos de explorar essas novas oportunidades de negócios, via maiores investimentos, provoca escassez de demanda agregada Meirelles, Roberto Gil Uchoa e, por conseguinte, a tendência ao desemprego em países desenvolvidos e em desenvolvimento. Prevalece a observação histórica de que o capitalismo global caracteriza-se pela incapacidade de absorver trabalho na mesma magnitude em que rejeita. As taxas de crescimento da produção não têm sido elevadas o bastante para reduzir significativamente a taxa de desemprego nos países que formam o núcleo duro (Gonçalves, 2002) da economia mundial. Em países como a Alemanha e a França, ainda persistem taxas relativamente altas de desemprego (vide Tabela 1). No caso do Japão, a taxa de desemprego de 5%, em 2000, é considerada alta pelos padrões históricos deste país. yw 3. A TRANSFORMAÇÃO DO TRABALHO E O MERCADO DE TRABALHO O manifesto cultural de Johnson (2001) parece concordar com as assertivas de Castells, à medida que brilhantemente mapeiacomoocomputadortransformanossa maneira de criar e comunicar, ditando novos comportamentos.Ao descrever a velocidade como essas interfaces que se dão nobinômiohomem-teconologia,eledisserta em sua obra sobre a fusão arte-tecnologia como sendo um produto do avanço da velocidade dessa tecnologia das interfaces. Por seu turno, Reinaldo Gonçalves (2002, Capítulo 3), ao fazer uma análise do capitalismo global e seus reflexos na economia brasileira, dedica um capítulo aos reflexos da inter-relação entre discurso neoliberal de uma economia baseada na globalização de l Omercados permitiu a expansão desequilibrada de agentes econômicos e aumentou o abismo social entre as nações. S E T E M B R O / O U T U B R O D E 2003–REVISTA DA ESPM 89 Transformações no Mercado de Trabalho TAXAS MÉDIAS ANUAIS COMPARATIVAS DO CRESCIMENTO DA RENDA, DESEMPREGO, EMPREGO E PRODUTIVIDADE NO PERÍODO 1982 A 2001 PAÍSES 1982-1991 1992-2001 2000 2001 2,9 4,1 2,7 2,4 2,7 3,1 3,7 1,1 1,7 2,1 2,6 2,9 5,2 1,4 2,9 3,5 3,1 4,2 3,2 1,8 3,3 3,5 2,8 3,2 Crescimento de Renda Estados Unidos Japão Alemanha França Reino Unido Países Desen. (média) Destarte, uma conclusão sobre a análise dos dados daTabela 1 é que o ganho de produtividade – com a absorção de novas tecnologias – confere maior renda ao povo, mas não consegue provocar mais empregos que a capacidade que essa economia tem de acabar com postos de trabalho. Parece não haver saída para esse desemprego, afirma Gonçalves. Mas sugere que medidas de intervenção do Estado – com medidas fiscais, via redistribuição de riqueza e renda – podem afetar o sistema econômico, que parece ser incapaz de gerar investimentos. 4. O MERCADO Desemprego Estados Unidos Japão Alemanha França Reino Unido Países Desen. (média) 7,0 2,5 7,3 9,5 9,0 7,0 5,4 3,7 8,1 11,2 6,6 6,7 4,1 5,0 7,9 9,8 3,9 5,9 4,4 5,3 7,6 8,8 4,0 5,7 1,6 1,3 0,7 0,3 0,7 1,2 1,5 0,1 0,2 0,9 0,3 0,9 1,2 -0,2 1,0 2,6 0,2 1,3 0,6 0,2 0,7 1,9 0,9 3,0 3,2 3,7 3,8 5,7 3,4 4,5 1,7 4,5 4,1 2,2 3,7 6,2 4,4 2,4 3,5 2,3 4,7 4,0 2,1 2,8 3,3 1,4 3,1 Crescimento do Emprego Estados Unidos Japão Alemanha França Reino Unido Países Desen. (média) Crescimento da Produtividade Estados Unidos Japão Alemanha França Reino Unido Países Desen. (média) Fonte: FMI-WED, outubro 2000, tabelas 4 e 10. 90 REVISTA DA ESPM– S E T E M B R O / O U T U B R O D E 2003 Tabela 1 DE TRABALHO DA SOCIEDADE INFORMACIONAL O discurso neoliberal de uma economia baseada na globalização de mercados permitiu a expansão desequilibrada de agentes econômicos e aumentou o abismo social entre as nações. Observa-se gradativamente a formação de três grupos inteiramente distintos de nações, consoante seus perfis socioeconômicos. Num primeiro grupo, potências econômicas com a produtividade escalar de suas entidades transnacionais ganhando competições em mercados do mundo inteiro: incluímos aqui os países-membros do chamado G7. Num segundo grupo, países periféricos ou em desenvolvimento, de ranço histórico que remontam o início da industrialização, sem infraestrutura básica para facilitar as produtividades e o escoamento dos produtos pelas empresas, que se desmantelam no açoite desproporcional do estrangeirismo, sem barreira de entradas em sua maioria. Resta um terceiro grupo de países, sem economia de escala com sua exclusão quase total da informatização, o Durval extrativismo natural e falta de condições que propiciem a satisfação das necessidades fisiológicas mais elementares. Na rasteira de uma proposição de integração de economias globais, houve a formação de blocos econômicos regionais na Europa Ocidental, na América do Norte e, mais recentemente, no Sudeste da Ásia. Em contraposição, a tentativa de uma busca pelo equilíbrio econômico e político da região, nasce o Mercosul – já abalado pelo desequilíbrio do Balanço de Pagamentos de seus integrantes e pela tentativa norte-americana de criar um mercado único nas Américas. A proposição de mercados globais não permitiu a também globalização do mercado de trabalho. Os produtos e serviços transcendem com divisas o que o homem não pode transpor em fronteiras. A língua deixa de ser a barreira mais importante, mas o protecionismo decantado passa a ser a maior arma de quem o condenou no passado. Os volumes bilionários despedidos pelas maiores economias em subsídios à agricultura e à indústria nacional se tornam a maior barreira de entrada aos produtos provindos das nações menos favorecidas. A preponderância bélica e econômica dos Estados Unidos, em atos ditatoriais, faz a designação de responsáveis em órgãos internacionais, Meirelles, Roberto Gil Uchoa interferem nas deliberações políticas do mundo e questiona a soberania de governos e países, em nome do combate ao terrorismo e perseguições políticas. Nesse contexto, focalizamos o trabalho de Castells (1999), um dos mais brilhantes trabalhos de pesquisa sobre o mercado de trabalho naquele denominado primeiro grupo e os reflexos econômicos e sociais do que denominou economia informacional. O seu trabalho baseouse num extenso referencial teórico de pesquisas registradas em muitas monografias, modelos de simulação e estatísticas-padrão, analisando (veja o quadro a seguir): w língua deixa de ser a barreira mais importante, mas o protecionismo R Adecantado passa a ser a maior arma de quem o condenou no passado. S E T E M B R O / O U T U B R O D E 2003–REVISTA DA ESPM 91 Transformações no Mercado de Trabalho v A questão clássica da transformação secular da estrutura do mercado de trabalho que embasa as teorias do pósindustrialismo, por meio da análise de sua evolução nos principais países pósindustrializados; v O surgimento de uma força de trabalho global; v O impacto específico das novas tecnologias da informação sobre o processo de trabalho e sobre o mercado de trabalho, avaliando o temor reinante de uma sociedade sem empregos; v Os impactos potenciais da transformação do trabalho e do mercado de trabalho sobre a estrutura social. Ao final, Castells formula a hipótese alternativa da individualização do trabalho e a fragmentação das sociedades. Sua observação da evolução do emprego nos países do G-7 revela alguns aspectos básicos que, de fato, parecem ser característicos das sociedades informacionais: v Declínio estável do emprego industrial tradicional; v Eliminação gradual do emprego rural; v Aumento dos serviços relacionados à produção e dos serviços sociais; v Crescente diversificação das atividades do setor de serviços como fontes de emprego; v Rápida elevação do emprego para administradores, profissionais especializadas e técnicos; v A formação de um proletariado “de escritório”, composto de funcionários administrativos; v Relativa estabilidade de uma parcela substancial do emprego no comércio varejista; v Crescimento simultâneo dos níveis superior e inferior da estrutura ocupacional; v A valorização relativa da estrutura ocupacional ao longo do tempo, com uma crescente participação das profissões que requerem qualificações mais especializadas e nível avançado de instrução em proporção maior que o aumento das categorias inferiores. Isso nos leva à conclusão de Castells de que o impacto de uma estrutura do emprego, de certa forma valorizada, nos países pós-industriais, sobre a estrutura social dependerá da capacidade de as instituições incorporarem a demanda no mercado de trabalho e valorizarem os trabalhadores na proporção de seus conhecimentos. 5. O EMPREGO NA ERA DO CONHECIMENTO Analisando os fenômenos sociais e seus reflexos econômicos, numa 1 visão biunívoca, Jones (1975) afirmou que “todo período histórico parece ter sido associado a um desafio econômico proeminente, que ultrapassa os limites da discussão especializada e se torna tema de interesse público”. A visão de uma economia baseada no conhecimento, de Stewart (1998), parece replicar a conclusão de Jones. A teoria do Capital Intelectual se baseia na conclusão inequívoca de que o avanço tecnológico confere um grau de produtividade nas empresas, relegando a mão-de-obra operária a uma gradual substituição por inteligência corporativa, onde o que interessa não é mais o custo agregado do homem ao apertar um parafuso, mas no valor econômico gerado pela sua inovação e criatividade. Observamos um mundo em que cada vez mais o homem será valorizado pela sua capacidade de saber usar o conhecimento e a informação. A conclusão geral de Castells (1999) de que se observa nos países mais ricos a migração dos empregos do setor industrial para o de serviços parece encontrar respaldo nas assertivas de Stewart. A diferenciação é essencial para a compreensão. A comunicação é o meio. A informação é o conjunto de dados que navega pelo mundo. A tecnologia da informação é a fer- 92 REVISTA DA ESPM– S E T E M B R O / O U T U B R O D E 2003 Durval ramenta capaz de tornar a informação utilizável. Mas o conhecimento do homem é que faz a diferença na geração de valor econômico. O conhecimento depende da cultura do indivíduo. A cultura leva à inovação que, por seu turno, leva à criatividade. A capacidade do Ser de criar que o difere na sociedade do conhecimento. Somente com tecnologias de ponta que são ge- radas a partir do conhecimento humano que se conquistam novas tecnologias, novas patentes, que vão gerar renda. Uma política de incentivo ao desenvolvimento tecnológico seria um oportuno diferencial para alavancar o desenvolvimento econômico de uma nação. Isso se mostrou eficaz no passado com as maiores economias pós-industriais do planeta. Não parece ser diferente para o Brasil. Meirelles, Roberto Gil Uchoa Cabe também aos agentes econômicos (empresas) perceberem as sinalizações que esse âmbito parece oferecer. Num exemplo mais recente, o governo brasileiro editou a Medida Provisória n.º 66, em setembro de 2002, criando um incentivo fiscal para a criação de patentes na tecnologia. A perfeita conciliação de capital e conhecimento pode fazer o grande diferencial para o país nos próximos anos. Basta saber aproveitar. w l O homem será valorizado pela sua capacidade de saber usar o conhecimento e a informação. S E T E M B R O / O U T U B R O D E 2003–REVISTA DA ESPM 93 Transformações no Mercado de Trabalho 6. CONCLUSÃO Polanyi (1999) destacou, em sua clássica obra, que a “insensibilidade e ganância dos capitalistas em busca de lucro poderia levar a uma grande devastação social e a um sistema incontrolável, a economia de mercado”. A contradição reside no fato de que a hegemonia de mercado e suas exigências atingiu um nível de tal intensidade, que se trata de uma sociedade que substituiu a explora- ção pela exclusão, contribuindo para que em diversas economias os ciclos de declínio econômico se intensificassem. Em resposta a isso, surgiram novos movimentos sociais, que, apesar de tratarem mais de autogestão e democracia interna do que a antiga luta pela tomada do poder, verificase, em casos mais complexos, que em alguns países o poder do Estado com relação à segurança de seus 2 cidadãos já esteja em cheque. De certa forma, o que encontramos na sociedade liberal atual é a de- composição da ação coletiva que não é mais capaz de contestar a apropriação privada dos meios de produção e refugia-se cada vez mais no consumismo fácil e incontrolável da economia de mercado. Na verdade, a visão liberal ignora os excluídos do processo, mostrando claramente uma visão míope de desenvolvimento. Em contraposição a essa doutrina liberal, a visão de Sen (1999) sugere um desenvolvimento econômico mais amplo e com mais liberdade. (1999) também chama atenção para a possibilidade de uma exclusão não só de pessoas e empresas, l Castells mas até de países, caso não consigam se plugar ao sistema global que chama de sociedade de rede. 94 REVISTA DA ESPM– S E T E M B R O / O U T U B R O D E 2003 Durval Enfoca que o apoio a políticas públicas que invistam na formação das gerações futuras, no sentido de dar-lhes capacidade de ter uma vida mais digna, assim como possam interferir e se vincular mais adequadamente aos aspectos econômicos, sociais e políticos. De outra forma, Castells (1999) também chama atenção para a possibilidade de uma exclusão não só de pessoas e empresas, mas até de países, caso não consigam se plugar ao sistema global que chama de sociedade de rede. O autor enfoca que as economias modernas devem construir ou acumular competências competitivas, tais como: v capacidade tecnológica; v investimentos em P&D; v investimentos em capital humano; petitivas”. Para ele, a diferença de sucesso entre as economias estaria na maior ou menor defasagem entre a descoberta, transferência e absorção das novas tecnologias por empresas e pessoas, tendo reservado para o Estado um papel relevante, como coordenador dessa tarefa. Assim sendo, as economias men o s d e s e n vo l v i d a s p o d e r i a m adotar estratégias para se tornar e m m a i s c o m p e t i t iva s n e s t e mundo pós-moderno, investindo em setores e áreas que poderiam contribuir para torná-las mais competitivas em âmbito internacional. A lógica de mercado parece perder força neste momento de grandes preocupações econômicas, políticas e sociais. Será que surgirá uma nova lógica, uma nova parceria entre setor privado, público e a sociedade em geral? O papel do Estado será revitalizado? Surgirão novas formas de organização para suprir as falhas existentes neste modelo liberal? v acesso ao mercado internacional; e v instituições privadas e públicas fortes. Segundo o autor “a busca pela produtividade e competitividade e lucratividade deveriam criar condições para economias cooperarem mais e se tornarem complementares e não puramente com- Na verdade, o que todos esperam é que surja uma nova via, senão for 3 apelidada de “terceira via” que sirva para uma nova discussão sobre as conseqüências desse processo esquizofrênico modernizante, especialmente sobre o mercado de trabalho, cujas transformações vêm massacrando sociedades em todo o mundo. ESPM Meirelles, Roberto Gil Uchoa BIBLIOGRAFIA BECK, U, GIDDENS, A e LASH, S. Modernização Reflexiva: Política, tradição e estética na ordem social moderna. São Paulo, Ed. Unesp, 1997. CASTELLS, Manuel. A Era da Informação: Economia, Sociedade e Cultura. 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Fotos desta matéria: Corbis/Stock Photos S E T E M B R O / O U T U B R O D E 2003–REVISTA DA ESPM 95 Mesa-Redonda MESA-REDONDA COM ESPECIALISTAS DE VENDAS Fotos: Júnior de Oliveira PARTICIPANTES CLAUDIO CORACINI Diretor de Unidade de Negócios Eli Lilly do Brasil ouve época em que o gerente de vendas reportava-se diretamente ao principal executivo da empresa. A estratégia de vendas era a essência da estratégia comercial da empresa. H Mais tarde, o marketing assumiu o papel dominante. O planejamento estratégico tinha respostas para todas as questões e as vendas se tornaram uma mera conseqüência. O planejamento estratégico “voltado para o mercado” entrou na sala de reuniões do board, aparentemente para ficar. EDUARDO FRANÇA Diretor Nacional de Auto-Serviço AmBev FLAVIO LUIZ RICHIERI Strategy & Solutions Dev. Director SSA Global JOSÉ LUIZ TEJON MEGIDO Diretor Geral OESP Mídia Hoje, já se fala do retorno da primazia das vendas, sob uma forma nova: a administração do relacionamento com o cliente. MARCOS HENRIQUE NOGUEIRA COBRA Professor Fundação Getulio Vargas As atividades de distribuição adquiriram uma enorme complexidade. As grandes redes de varejo passaram a “dar as cartas” na relação com os produtores, a tal ponto que o presidente da FIESP já pediu publi- RENATO LABBATE Gerente de Novos Negócios Datasul J. ROBERTO WHITAKER PENTEADO Moderador 96 REVISTA DA ESPM– S E T E M B R O / O U T U B R O D E 2003 camente que os varejistas busquem a conciliação. E nas vendas B2B estão surgindo parcerias estratégicas que envolvem os primeiros escalões das empresas. Por outro lado, são generalizadas as queixas contra o atendimento dado aos clientes, em todos os setores. As pessoas se queixam de maus serviços, pouca atenção dos vendedores e pouco respeito ao cliente. Pode-se ainda especular que a atual crise de mercado poderia ser atenuada se os vendedores fossem mais eficientes. Não haverá aí uma contradição entre a importância que as vendas assumem hoje e o fraco desempenho de muitas equipes de vendas? Enfim, o que se coloca em discussão é não apenas o ressurgimento do gerente de vendas como fator-chave do negócio, mas também as características que o trabalho de vendas assume hoje – o que já é bem feito e o que precisa melhorar. Chamamos seis grandes especialistas no assunto – profissionais e professores – e a questão foi-lhes colocada na nossa mesa-redonda. • JOSÉ LUIZ TEJON MEGIDO Diretor Geral OESP Mídia J. ROBERTO WHITAKER PENTEADO Moderador RENATO LABBATE Gerente de Novos Negócios Datasul FLAVIO LUIZ RICHIERI Strategy & Solutions Dev. Director SSA Global EDUARDO FRANÇA Diretor Nacional de Auto Serviços AmBev CLAUDIO CORACINI Diretor de Unidade de Negócios Eli Lilly do Brasil MARCOS HENRIQUE NOGUEIRA COBRA Professor Fundação Getulio Vargas S E T E M B R O / O U T U B R O D E 2003–REVISTA DA ESPM 97 Mesa-Redonda JRWP – Já não se fazem mais vendedores como antigamente? MARCOS – A idéia que se tem é de que o vendedor, no passado – há 20, 30 anos –, nascia feito. Ou ele nascia para ser vendedor, ou não havia possibilidade de ser vendedor. Se tem talento, será vendedor. Se não tem, não será. JRWP – Mas há 20, 30 anos havia coisas bem definidas chamadas vendas, departamento de vendas, gerente de vendas... MARCOS – E o talento para ser vendedor, que era o exigido para trabalhar em vendas. Há uma coisa interessante, na realidade brasileira. Somos precon- não dava para isso podia ser vendedor, se tivesse a habilidade de que o Marcos falou. JRWP – Mas a idéia dessa mesa é de que a crise pela qual estamos passando – mais uma vez – pudesse ser, de alguma forma, resolvida, ou atenuada, por uma maior eficácia na área de vendas. CLAUDIO – Talvez a culpa tenha sido da própria empresa ou empresas, que formaram esse tipo de vendedor. Quando falamos que a pessoa tinha talento para ser vendedor, na realidade, era isso que as empresas procuravam: alguém que fosse agressivo, que colocasse o pé na porta, para vender o aspirador “SOMOS PRECONCEITUOSOS EM RELAÇÃO AO VENDEDOR. ATÉ COMO RESQUÍCIOS DA IDADE MÉDIA.” ceituosos em relação ao vendedor. Até como resquícios da Idade Média em que o ato de vender era pecaminoso, colocado à margem dos burgos das cidades. As feiras ficavam fora das cidades. RENATO – O Marcos usou a expressão “ter talento para a área de vendas”... Não parece contraditório? Quer dizer, se tinha talento, ia ser um vendedor. Mas, até hoje, a figura do vendedor é ligeiramente pejorativa. Tem-se a idéia de que se é um vendedor, provavelmente, vai te enganar, levar na conversa... MARCOS – Havia a contrapartida: o sujeito que não deu para ser nada na vida foi ser vendedor. Tentou tudo, não conseguiu, então, ia ser vendedor. EDUARDO – Quando eu era criança, uma boa formação significava ser advogado, engenheiro ou médico. Quem 98 REVISTA DA ESPM– S E T E M B R O / Electrolux. Acho que as próprias empresas cultivavam isso. Costumo brincar com meu pessoal, dizendo que a área de vendas é como a ala das baianas, nas escolas de samba. Ninguém gosta muito, mas todos sabem que precisam daquilo para ter nota na classificação geral. Então, a área de vendas não se tornou muito especializada nem muito profissional, devido à má conduta administrativa das empresas. Tentando responder à pergunta do J. Roberto , quando há uma crise, ela tem dois lados: por um, você quer profissionalizar e, por outro, estabelecemse targets de vendas muito altos. Fica-se no meio-termo. Tenta-se profissionalizar e, no final, acaba-se pedindo para o cara enfiar o pé na porta. Concordo com o que o Marcos disse, mas não acho que foi há 20, 30 anos. Ainda hoje, há empresas que adotam esse tipo de sistema. FLAVIO – Acho que o termo vender ain- O U T U B R O D E 2003 da está ligado a essa imagem de uma relação onde um ganha, outro perde. E o consumidor, naquela época, sempre acabava perdendo. Mas esse modelo de vendas – talvez com exceções, no mercado de massa – mas no tipo de empresa e de vendas que estou acostumado a lidar – o mercado Business to Business – não existe mais. Isso não significa que não precisemos de um novo modelo de vendas. Hoje, o mercado apresenta um nível de rotatividade de profissionais muito alto e – para mim – é porque estamos tentando praticar um modelo antigo, face a uma situação nova. Em outras palavras, precisamos construir um relacionamento mais no modelo de “farmer” do que de “hunter”, construir ligações de longo prazo, entender realmente a necessidade do cliente para construir algo que seja mutuamente benéfico. TEJON – Na maioria das empresas, as áreas de vendas hoje estão muito burocratizadas e a serviços da TI ,tecnologia, informática, a serviços de marketing. Então, grande parte do tempo dos vendedores é usada para preenchimento de relatórios. Em Key Accounts, por exemplo, talvez 50% do tempo é usado para levantamentos e contagens de estoques. Se, no passado, havia, realmente, a pressão do vendedor, o vendedor era a pessoa importante, mas hoje, esta inteligência de vendas perdeu-se, ficamos numa inteligência de marketing – e vendas estupidamente a serviço disso. Sinto que vai haver a convergência dos mundos: marketing pode ser a solução empresarial, mas vendas é a solução interpessoal. Vendedores não são só os caras que têm um cartão de visita de vendedor. Hoje, quem não vende alguma coisa para alguém está perdido. Se você não vender uma idéia para o seu filho, o traficante vai vender. Estamos todos num negócio de vendas: nossa sociedade é mais de vendedores do que de consumidores, embora não percebamos isso. Então, vendas é o “ressurgimento das soluções interpessoais”. JRWP – Houve uma época em que dizíamos: “Eu trabalho em marketing”. E as pessoas perguntavam: “O que é isso? É vendas?” EDUARDO – O fato é que não podemos marginalizar o vendedor. Trabalhei a minha vida toda em vendas, estou na AmBev há 12 anos, sempre na área comercial e orgulho-me de ser vendedor. Foi o que me impulsionou para fazer a carreira, chegar onde cheguei e crescer na empresa aonde trabalho. Ao longo do tempo houve uma profissionalização. Os relatórios têm de ser feitos. Claro, vendedor vive de vender, e não de preencher relatório. Mas antes era só a coisa “NA MAIORIA DAS EMPRESAS, AS ÁREAS DE VENDAS HOJE ESTÃO MUITO BUROCRATIZADAS.” interpessoal. Talvez o vendedor tenha ficado um pouco mais marginalizado no passado. Hoje não. Hoje, a maior dificuldade da minha empresa é conseguir grandes vendedores para trabalhar conosco: pessoas que entendam, que sejam capazes de interagir, de solucionar os problemas, de enxergar onde está uma oportunidade e trabalhar em conjunto – ser o farmer, construir e não o caçador. Tem que ter o espírito caçador mas ir construindo as coisas. E é o marketing que concilia tudo, o marketing é a estratégia, é o caminho. Mas vendas é o ponto de intersecção com o mercado, o termômetro, é quem sabe o que está acontecendo. Há que saber medir isso para poder ajustar a estratégia de S E T E M B R O / marketing. O marketing que não usa vendas como termômetro do mercado, ou a TI que não usa está perdendo tempo, não está aproveitando o que deveria. Vendas é o ponto crítico, e você vai sentindo que caminho tem que dar ao seu negócio. MARCOS – É a linha avançada. Queria retomar a questão das três profissões: o advogado, o engenheiro e o médico. O vendedor foi uma evolução do advogado, pela facilidade de expressão, mas não tinha titulação e acabava sendo vendedor. E na área médica, sempre existiu restrição ética. Fazer marketing, vendas era visto com certo pudor. Houve época em que engenheiros viraram suco, ou O U T U B R O D E • 2003–REVISTA DA ESPM 99 Mesa-Redonda quibe. Não havia mais espaço para trabalhar e foram trabalhar em vendas. A Esso, a Shell só recrutavam engenheiros, porque era uma formação cartesiana, de análise, interpretação de dados etc. Esse pessoal, quando migrou para a área de vendas, lançou as bases para o marketing porque era um pessoal que pensava quantitativamente, analisava metas, potencial de mercado,e não ficava só no relacionamento. Temos uma “escola” de vendas – que o Tejon herdou das listas telefônicas brasileiras. Essa foi uma das nossas primeiras escolas de vendas, com treinamento e investimento. Dói um pouco ver como se perdem vendas, por não se saber vender. Hoje, fui receber um PTA para viajar para a Colômbia e fiquei uma hora e meia no quiosque do Shopping Ibirapuera de pé. A moça dizia: “Pelo PTA, o Sr. tem que pagar uma diferença em dólar para poder fazer o up-grade com os seus pontos do Smile”. E eu: está aqui o e-mail, eles pagaram a diferença, está claro; mas ela não sabia ler em espanhol. O que se nota é que um atendente é vendedor, mas ele não quer ser vendedor. Ele diz a si próprio: “Sou emissor de bilhete, não sou vendedor”. E outro: “Sou um técnico que vende sistemas, mas não estou vendendo, estou ajudando o cliente a comprar”. Crêem que são consultores... JRWP – Você tocou num ponto interessante. PTA significa que alguém mandou essa passagem para você e pagou por ela. Onde está – exatamente – a venda? Uma empresa da Colômbia adquiriu uma passagem, para você ir para lá.Você foi ao balcão, pegar a sua passagem, foi recebido por uma atendente que não considera que está fazendo uma venda. Ao mesmo tempo, tem um cartão Smile, que foi uma promoção de vendas, feita há muito tempo, para que você se tornasse um cliente fiel da Varig. Nessa complexidade, onde é que se localiza a venda? MARCOS – A venda ocorreria na entrega do bilhete. Mas a moça não entendeu assim e apenas fez a entrega do bilhete. Acabei ficando feliz de receber o bilhete e não ter de pagar nada. Mas eu queria ir de Bogotá para St. Andreas e não fiquei sabendo, porque ela não agiu como vendedora. “ELE MENTE, CONTA HISTÓRIA, INVENTA, DIZ QUE A ENCICLOPÉDIA TEM TUDO...” 100 REVISTA DA ESPM– S E T E M B R O / O U T U B R O D E 2003 JRWP – A distribuição adquiriu uma enorme complexidade . Eu costumava usar o exemplo da enciclopédia, para mostrar aos alunos como é que se podia vender um produto absurdo. Porque, objetivamente, ninguém precisava realmente de uma enciclopédia, em termos de desejos e necessidades... TEJON – O Brasil é um país de vendedores. É o terceiro maior mercado do mundo em vendas diretas. Para a Avon, é o número 1. O primeiro mercado é os Estados Unidos, o segundo o Japão e o terceiro o Brasil, no total de vendas diretas. É uma atividade crescente. Até porque, com a concentração de canais de vendas, torna-se mais difícil o relacionamento. O poder de barganha com o intermediário cresce. Como é que você analisa o que vendas é? Alguém poderia concluir que vendas seria de menor importância. A mulher que vende Avon não é mais uma vendedora Avon, mas alguém que lida com a evolução da auto-estima de quem ela visita. MARCOS – Tornou-se confidente. O papel da vendedora Avon é importante, porque ocupou o espaço da assistente social, do padre. O vendedor do passado tinha o forte na habilidade de argumentação, negociação. Lembro-me do caso de um vendedor, no Rio Grande do Sul, que passou um mês, visitando cliente e quando chegou, perguntei: como foram as vendas? E ele: “Oh! Chê! Era para vender?” Aí entramos na era da motivação – programas de treinamento para fazer a cabeça do vendedor –, e agora estamos começando a encaixotar conhecimento na cabeça do vendedor. Chega uma hora em que ele não sabe o que fazer com tantas ferramentas – e vem a questão da inteligência emocional. Como você lida com os medos dele, com a baixa auto-estima? Desde a figura do Zé Ninguém, no Brasil – que era a mistura da índia com o português. Não era índio, não era português; era o Zé Ninguém. Então, essa baixa auto-estima apareceu na área de vendas, porque o pessoal não tinha bons conhecimentos. Para evitar a baixa auto-estima, pegavam vendedores engenheiros porque já vinham com uma das três melhores profissões no Brasil. E o que fazer para combinar isso tudo e gerar competência? O que você encontra? Profissionais desajustados porque não existe escola de vendas. É a escola da vida. Falta competência porque a mistura de conhecimento, de atitude e inteligência não moldou o profissional que as empresas esperam. E elas esperam um profissional que venha pronto. É como buscar um recém-forma- RENATO – Esse cara é um entregador de mercadorias. “Quanto vai aí?” “Vai tanto.” Ele despeja na porta e vai embora. MARCOS – Apenas para lembrar ao cliente que o produto dele existe. TEJON – Mas é o elo para o pequeno varejista que, muitas vezes, precisa dele para resolver problemas, conseguir algumas coisas nas AmBevs da vida. Essa pessoa tem grande importância. EDUARDO – Concordo e discordo. Não se pode separar os tipos de vendedores dos tipos de vendas. Quando se fala de enciclopédia e outros itens similares, ele não espera vender duas ou três. É um “NÃO EXISTEM NEGÓCIOS DE EMPRESAS VENDENDO PARA EMPRESAS. EXISTEM NEGÓCIOS DE PESSOAS VENDENDO PARA OUTRAS PESSOAS.” do na ESPM que já tenha condições de assumir uma posição de supervisão ou gerência, sem nunca ter tido a experiência de campo. Mas é no campo que se aprende onde estão os problemas. O vendedor da Sadia faz cem visitas por dia. Na AmBev são quantas? EDUARDO – 45 por dia. JRWP – Você disse cem visitas? EDUARDO –Visitas de venda. Ele visita e vende em cem pontos-de-venda por dia. JRWP – Como alguém pode fazer cem visitas por dia? Mesmo quarenta, já me parece de bom tamanho. MARCOS – São muitos pontos-devenda, padaria e barzinhos. Dá cem visitas por dia. S E T E M B R O / contato único. Ele mente, conta história, inventa, diz que a enciclopédia tem tudo e mais alguma coisa porque não vai vender outra para a mesma pessoa. Trata-se de um tipo de vendedor com habilidade pessoal, para agradar alguém num primeiro contato. Mas quando se trata de um tipo de venda como a que a gente faz, por exemplo, na AmBev, em que se repetem as vendas, está todo dia no ponto-de-venda – visitamos, por mês, aproximadamente 800 mil pontos-de-venda –, aí você precisa construir um relacionamento. Não se trata de pegar o profissional pronto, mas alguém que está se formando, a quem possamos ensinar o processo de vendas. Os sistemas de vendas e os palm top são para dar suporte ao vendedor. Quando um vendedor nosso saí à rua, ele leva um minicomputador e já tem uma proposta de venda. Os sistemas ou a TI têm uma função diferente.Têm que sugerir uma pro- O U T U B R O D E • 2003–REVISTA DA ESPM 101 Mesa-Redonda posta de venda, qual o mix adequado para aquele ponto-de-venda, em função da sua categoria como varejo. Se visita uma padaria, tem um código e por esse código ele sabe que aquele ponto-de-venda é uma padaria, um restaurante. Já sugere um pedido adequado à categoria de que aquele cliente faz parte, o mix de produtos que melhor atende àquela categoria. Quando você pega gente nova, que se formou e tem oportunidade de trazer para dentro da sua empresa pessoas que não têm vícios e estão abertas a entender este algoritmo de vendas, que faz parte do seu negócio, eles se tornam ótimos profissionais. E aí, pessoas normais fazem coisas anormais. renta visitas por dia já é puxado, e eu falei em cem. JRWP – O presidente de uma grande empresa, conversando com o Gracioso, disse a ele: “Quem visita o Pão de Açúcar sou eu”. Como vocês vêem isso, em termos de administração de relacionamento? RENATO – Não sei se os colegas vão concordar – mas acho que não existem negócios de empresas vendendo para empresas. Existem, sim, negócios de pessoas vendendo para outras pessoas. É que aí entra essa característica do relaciona- “ISSO É COM A ÁREA DE VENDAS. O MEU TRABALHO É EMITIR O BILHETE, ENTREGAR A MERCADORIA.” 102 JRWP – Foi o Theodore Levitt que escreveu há uns vinte anos: “Vender ou administrar o relacionamento” num artigo na Harvard Business Rewiev. Foi quando ocorreu a transição da venda para administração do relacionamento... mento. É lógico que por trás existe o meu sobrenome profissional, que dá valia a tudo o que eu falo. A minha percepção é de que quanto maiores os negócios, mais conta o relacionamento na hora do fechamento. MARCOS – Quando se vende uma vez, esse consumidor ainda não é cliente; é cliente só quando compra repetidamente. Mas o ponto importante, que você abordou, é a juventude, são os neurônios. Lembro-me de uma ocasião, em Nova Iorque, visitando o Salomon Brothers e me mostravam: “Aquele fulano é o Michael e ganha um milhão de dólares por ano. O que está ao lado – o Jackson – recebe cinco milhões de dólares”. E qual a média de idade de seu pessoal? “Vinte e dois, vinte e três. Depois dos vinte e três, mandamos embora, porque já não têm mais neurônios para trabalhar aqui”. É importante a juventude – o preparo físico. Qua- TEJON – A grande mudança é que o presidente da Danone trata com o presidente do Carrefour. Antigamente, os presidentes viviam em elevadores particulares, ninguém falava com eles, e eram pessoas difíceis de falar com alguém. Hoje, nesse mundo da globalização, os negócios das companhias multinacionais são realizados pelos presidentes; eles têm que ser o vendedor número 1 de suas empresas. Então, têm que ter empatia, carisma que antigamente não precisava. Além de saber coordenar a grande negociação, ele precisa ir para frente de uma televisão e falar em nome da empresa dele sobre qualquer assunto. Mudou espetacularmente o conceito do que REVISTA DA ESPM– S E T E M B R O / O U T U B R O D E 2003 é ser um vendedor. Você tem desde a dona-de-casa, que vende Natura até o presidente de uma corporação que tem que ser seu vendedor número 1. Mesmo o pequeno e médio empresários têm de assumir para si essa responsabilidade pelo próprio negócio. CLAUDIO – Concordo que o presidente tem que ser o maior vendedor de seus produtos, mas ele não pode chamar para si toda a responsabilidade de vendas, porque é o presidente. Ele não pode ser melhor do que a força de vendas. Senão todos vão ganhar o seu salário sem fazer força, deixar isso para o presidente. Hoje, a força de vendas precisa de um processo. E há processos diferentes para produtos diferentes. O vendedor tem que ter selling skills, conhecimento do produto, relacionamento pessoal, tem que entender de marketing, de tecnologia. RENATO – Infelizmente, o vendedor ainda continua sendo medido por vendas e não por relacionamento. CLAUDIO – Mas se você não tiver um relacionamento, não terá a venda. Voltando ao exemplo do Marcos, que ficou uma hora e meia de pé. O marketing descobre as oportunidades de venda. Nesse caso, teria descoberto uma oportunidade de venda no uso do PTA, por e-mail etc. Mas a seqüência do relacionamento ficou perdida. Hoje em dia, a venda não pode ser relegada apenas a um plano de vendas.Tem que haver processos claros. Não basta decidir: “Sou o presidente da empresa, vou lá e vendo”. EDUARDO – Mais uma vez, acho que é uma questão de processo. É importante que o presidente vá. Mas ele não pode ir esporadicamente, sem preparação ou sem ter uma rotina que acompanhe. Tem que haver encontros, reu- niões onde o presidente do Carrefour se encontre com o presidente da Danone ou da AmBev. Mas uma coisa preparada com acompanhamento de resultado, para que ele possa realmente contribuir naquela negociação. Os níveis realmente diminuíram. Na minha antiga empresa – a Brahma – o presidente tinha um refeitório, um elevador exclusivo, um motorista. Mas vão-se encurtando os níveis, para diminuir custos porque essa é a nova realidade – viver de resultados. Você pode fazer o melhor negócio do mundo, mas se a margem não for positiva, você vai quebrar. O presidente precisa ir num momento solene, em que os presidentes se reúnem. Na nossa empresa, chamamos de top to top – ouvir, discutir, fazer com que andem os negócios entre as duas empresas. Não existe um relacionamento da AmBev com o Pão de Açúcar. Essas identidades não se comunicam; as pessoas é que fazem isso. JRWP – Vamos falar um pouco de administração do relacionamento a partir do database. Lembram do Frank Bettger, que escreveu livros sobre “Como vender mais”? Lembro-me de uma coisa que ele dizia, que foi organizando a vida dele, de tal forma, que conseguia fazer as vendas de cinco dias em quatro, e a sexta-feira ele dedicava ao planejamento das vendas da semana seguinte. Ao fazer isso, as vendas da semana seguinte eram muito melhores e, assim, ele tinha mais tempo. Isso é o precursor do database. O Eduardo falou em 800 mil clientes. Não há equipe de vendas, hoje, que consiga memorizar 800 mil clientes. Outras têm milhões. Como é que funciona isso? FLAVIO – Ouvindo vocês, ficou claro que temos uma crise de identidade. Dissemos que vendedor é um visitador, um cara que cuida do relacionamento. No passado, era quem fechava a venda... Mas tudo isso é uma mistura do que está acontecendo e essa questão de tecnologia – marketing 1 para 1, database marketing – complica ainda mais as coisas. No passado era mais fá- • “O PRESIDENTE TEM QUE SER O MAIOR VENDEDOR DE SEUS PRODUTOS.” S E T E M B R O / O U T U B R O D E 2003–REVISTA DA ESPM 103 Mesa-Redonda “VENDAS É O PONTO DE INTERSECÇÃO COM O MERCADO, O TERMÔMETRO.” cil, porque a criação da demanda era responsabilidade dele e, num certo momento, virou marketing. Mas já temos uma geração de vendedores que viveram numa época em que não precisava gerar demanda. Esse é primeiro ponto de ruptura. Hoje, você tem, novamente, de gerar demanda, através do relacionamento e entender as necessidades. A tecnologia entra aí – usar o database para aplicar a mesma dinâmica do marketing de massa, mas de uma forma individual e sem saber exatamente de que maneira. Você tenta se relacionar com o cliente, mas não sabe se ele quer se relacionar, nem de que forma, de que maneira. JRWP – O Carlos Salles, ex-presidente da Xerox, mandou uma carta para a Revista dizendo: “O pessoal da indústria automobilística está reclamando que os carros estão no pátio e, no entanto, eu, com sessenta e poucos anos, já comprei mais de 30 automóveis durante a minha vida inteira, e ninguém nunca veio me vender um automóvel”. Ele fazia uma crítica à competência de vendas da indústria automobilística. FLAVIO – A Peugeot tentou uma inici- 104 REVISTA DA ESPM– S E T E M B R O / ativa diferente: criaram um site onde, teoricamente, eu me registro, entro com os dados do meu carro e eles projetam a quilometragem, avisam-me de revisões etc. Mas eles não me perguntaram se eu tenho tempo para isso, e se quero visitar o site. O meio não está definido, a forma não está definida e o novo papel do profissional de vendas também não. Não adianta nada agendar a revisão do meu carro, de que fui informado proativamente pelo site, se chego lá e o atendente vai dizer: “A oficina está cheia. O Sr. não quer voltar amanhã?” RENATO – Não há uma percepção clara do que, de fato, gera valor para o cliente. No caso do Marcos, é uma entrega bem feita da passagem aérea, um bom atendimento. No caso do Flavio, um preço mais adequado e não um site na Internet. Acho que o que vemos são as empresas ainda voltadas a características do produto. MARCOS – Com toda essa complexidade de uma cadeia de distribuição, na área de serviços, no ato de vender não está claro de quem é a responsabilidade porque, na verdade, todos são vendedores. Foi lembrado o caso de revenda de automó- O U T U B R O D E 2003 veis. É dos mais críticos. Recebi uma ligação depois de ter feito a revisão dos 30 mil km do meu Honda, e perguntaram: “Foi bem atendido?” Eu disse: Está tudo bem, mas a luz do freio acende sem mais nem menos. “Ah! Então vamos agendar. Que dia o Sr. pode vir? Podemos marcar na terça-feira às 9?” Eu disse tudo bem. Quando cheguei, o recepcionista me informou que havia três pessoas na minha frente e eu deveria aguardar. O grande problema é que as pessoas que estão ao longo do processo – na cadeia distributiva – fazem um trabalho de vendas, que não é reconhecido como tal, não é valorizado, não é remunerado. O que acaba acontecendo é que as pessoas se eximem de responsabilidade, ao longo da cadeia, e a venda se torna inadequada. RENATO – E temos diferenciais de produtos – produtos habituais, produtos não habituais – mas, na verdade, o ato de vender é um processo contínuo. JRWP – Vocês estão colocando o dedo no problema: na complexidade do mundo atual, onde exatamente se localiza a venda? MARCOS – Todos são vendedores. Essa é a verdade. JRWP – Não se pode cair no outro extremo. Quando tudo é urgente, nada é urgente. Se todo mundo é responsável por vendas, as pessoas se eximem da responsabilidade. MARCOS – Responsabilidade você não delega; você delega autoridade. O que acaba acontecendo é que as pessoas confundem. Ele é diretor, ele é responsável. Ele pode ter delegado autoridade para o assistente dele, mas a responsabilidade é dele. Então, o processo de vendas tem um encadeamento até chegar na entrega. Todos têm responsabilidades dentro do processo. O que acontece na sociedade brasileira é que as pessoas se eximem. Volto ao que disse no início. As pessoas têm uma baixa autoestima, acham que vendas é uma coisa menor. Elas tendem a dizer: “Não sou vendedor. Isso é com a área de vendas. O meu trabalho é emitir o bilhete, entregar a mercadoria”. O entregador é um vendedor, o assistente técnico é um vendedor. Quando você chama alguém na sua casa para consertar a sua televisão, ele é o maior vendedor de uma nova televisão. Mas isso não está sendo percebido, falta treinamento, falta criar nas pessoas objeto de desejo. Queria dizer o seguinte: não existe acordo entre instituições; existe acordo entre pessoas. Quem disse isso foi o Prof. Lion Selling da Pace University em 85, num seminário sobre o marketing no Brasil. O que sentimos é que as pessoas não estão comprometidas com o processo. A responsabilidade da AmBev é só do Eduardo França? A responsabilidade da Eli Lilly é só do Claudio? Como é que fica? Acho que o que está faltando é conscientizar as pessoas de que o ato de vender, primeiro, não é pecaminoso. Vender não vai ferir ninguém. Pelo contrário, vai realizar o sonho de muita gente. Segundo, é uma forma de a empresa mostrar a sua competência. No Brasil faltam competências em várias funções. A pessoa vai crescendo na função, mesclando a sua titulação, mas não faz necessariamente uma carreira dirigida para resultados. JRWP – Essa é uma ótima dica. Gostaria de perguntar a cada um de vocês, que são especialistas de vendas – começando pelo Claudio –, que definisse a atividade de vendas que você tem dentro da sua empresa, e vou pedir a mesma coisa a cada um. CLAUDIO – Regularmente, tenho contato com os clientes externos. Sou diretor de marketing e vendas. Então, tenho contatos regulares – seja com parceiros comerciais, seja com médicos, associações. Sou o responsável – ou a autoridade máxima – nessa área, junto com o cliente. Não procuro fazer o papel do vendedor em si, mas com certeza tenho um forte compromisso com a empresa, de vender a sua marca e sua filosofia. RENATO – Trabalho na área de novos negócios da Datasul, especificamente, comercialização de CRM. Hoje, visitei três clientes, almocei com um deles, vendendo estratégia de negócio voltada ao uso de tecnologia na área de CRM. É o que faço diariamente.Visito principalmente grandes contas, tentando vender a estratégia que se chama CRM, gestão de relacionamento, cliente de maior valor, menor valor. Enfim, disseminar tudo isso – que não está tão claro, infelizmente, para todos os empresários – tentando viabilizar negócios. EDUARDO – Sou diretor de auto-serviço da AmBev. Isso quer dizer um canal que • “...ELES NÃO ME PERGUNTARAM SE EU TENHO TEMPO, SE QUERO VISITAR O SITE.” S E T E M B R O / O U T U B R O D E 2003–REVISTA DA ESPM 105 Mesa-Redonda vai de um check-out aos grandes hipermercados no Brasil. Faço fechamentos com esses clientes, com os grandes e os menores. Determinamos os processos de vendas, as políticas, as estratégias de vendas junto com a minha equipe.Temos uma equipe grande onde trocamos informações e decidimos as estratégias a usar. Na AmBev definimos as funções das pessoas. A minha é, basicamente, bater metas e formar pessoas, é o objetivo do meu trabalho. Monto estratégias, defino processo, como o vendedor tem que atuar, estudo tecnologias novas, que acontecem fora, para trazer para o nosso negócio. Mas a função básica é mesmo atingir um resultado, em função do gerente. Diretor nada mais é do que alguém fazer um gerenciamento. Coloca-se o nome de diretor para ficar mais charmoso, talvez ganhar um pouco mais. Mas o que tenho de fazer é bater metas e formar pessoas para garantir o futuro da empresa. MARCOS – Qual é o seu produto carro-chefe? EDUARDO – Skol. RENATO – O meu é tecnologia para CRM, automação de força de vendas, database marketing. CLAUDIO – Produtos farmacêuticos. Há produtos para osteoporose, esquizofrenia, antidepressivos. JRWP – Marcos, não vou eximir você da responsabilidade de falar da sua função de venda. MARCOS – Vocês têm um produto para vender e nós, como professores, temos uma coisa muito séria para vender, que é entusiasmo para o aluno. Vender a ele a idéia de que o conhecimento é uma coisa importante. E percebemos, hoje, que o jovem está bastante alienado, porque não vê horizonte. O tema da última edição da Revista da ESPM foi empregabilidade. Esse é o grande problema: o jovem sai da escola e não tem horizonte para trabalhar. O aluno sai da escola de propaganda e vai ter que fazer estágio de graça, porque não encontra trabalho “VOCÊ TRANSFORMA A COMPANHIA TODA NUMA COMPANHIA DE VENDAS.” 106 REVISTA DA ESPM– S E T E M B R O / O U T U B R O D E 2003 remunerado. É difícil você – nesse momento em que algumas funções são banalizadas – vender a ele a idéia de que precisa estudar, precisa fazer a carreira dele e que vai ter de ser um gerador de competência, administrar a carreira. Porque falta ao jovem uma visão do futuro, ele estuda para passar de ano. Compra livro se a prova for com consulta e se puder levar o livro, e não a cópia. Acaba acontecendo um desvirtuamento desse trabalho. Mas o professor tem de ser um vendedor de idéias, de ilusões. A gente vende para ele a idéia de que ele vai trabalhar na Eli Lilly, não passar Merthiolate e assoprar. JRWP – Flavio, da SSA Global, como é a sua atividade de vendedor? FLAVIO – A minha atividade de vendedor se materializa de duas formas. A primeira: deixe-me citar uma pesquisa da Booz Allen – hoje entre as mil empresas norte-americanas, mais de 35% da receita são provenientes de alianças estratégicas. Esse é um dos temas a que me dedico – alianças estratégicas de várias formas. Nesse ecossistema, cada vez mais complicado, trabalhamos com vendas e você, muitas vezes, tem que atender e superar as expectativas dos clientes, em todo o seu ciclo de vida. Mas nem sempre você tem controle direto sobre isso. Muitas vezes, depende de outras empresas, de outros agentes. Então, isso é um aspecto que acho importante.Outro aspecto do meu cargo é o desenvolvimento de soluções. Mas também acho que “solução” e “parceria” são dois dos termos mais desgastados dos últimos anos. Mas é o que acontece, na área das vendas corporativas, principalmente na de tecnologia. Essa atividade de vendas foi tão segmentada. Primeiro, a geração da demanda está com marketing. Depois, o processo de convencimento está com pré-vendas. Então, fomos segmentando. Num determinado momento, percebemos que não se precisava entender a solução de um cliente específico. Alguém tem que amarrar e dar uma visão integradora, mais holística. O que, de certa forma, remete à questão inicial do vendedor que ia lá, entendia, conversava, escutava e propunha uma solução. Olhava no olho do cliente. É isso que estamos fazendo. JRWP – Tejon, fale da sua atividade na OESP Mídia. TEJON – Antes, tenho de falar da minha atividade de professor. Sou professor da ESPM há 18 anos e – como disse o Marcos – nós temos, também, uma missão de vender entusiasmo, procedimentos, preencher um formulário, mandar um formulário de cobrança. Elas trabalham porque estão na missão de ajudar micros, pequenos e médios empresários a ser mais bem-sucedidos, no Brasil, que é o nosso target, o nosso alvo. Nós vendemos anúncios em listas telefônicas, uma mídia popular, onde 90% da receita são oriundos de pequenos empresários. Estamos no negócio de promover os pequenos empresários brasileiros. O maior inimigo, na área de vendas, costuma estar dentro da própria empresa. A gente pensa que o inimigo está fora, mas não está. O maior inimigo costuma ser a nãoarticulação, a não-organização, a nãoorientação de todas as áreas em comum para o objetivo de vender e de fazer as vendas seguintes. Nem sempre o número 1 é alguém oriundo de vendas ou de “COLOCA-SE O NOME DE DIRETOR PARA FICAR MAIS CHARMOSO, TALVEZ GANHAR UM POUCO MAIS.” empreendedorismo, iniciativa. Na empresa sou o presidente – dirijo a empresa. É diferente de ser diretor de vendas ou outro diretor da companhia. Como primeiro executivo é evidente para mim que, ou você transforma a companhia toda numa companhia de vendas, ou não será apenas a área de vendas que conseguirá chegar aos resultados. Mesmo porque a segunda, a terceira venda, são profundamente dependentes da qualidade com que o entregador opera, da qualidade com que a cobrança atua – que costuma ser uma inimiga incessante da área de vendas. Ou seja, preciso vender para todo o corpo de colaboradores que eles têm uma missão de vendas. E uma missão importante na de pós-venda. É necessário vender para as pessoas a razão pela qual elas trabalham. Elas não trabalham para clicar um computador, S E T E M B R O / marketing. Ele pode ter vindo de finanças ou de tecnologia. O diretor de vendas moderno precisa ter a consciência de que tem que vender para dentro. Se não fizer isso, a desarticulação o quebra. Agora, a área de vendas existe para vender. É a área compromissada com estimativa. É uma área alucinada e louca para chegar aos números combinados. Fora disso, é poesia. TEJON – J. Roberto, você também tem que dizer. JRWP – Vocês, por exemplo, são um ingrediente importante do meu trabalho, como editor da Revista. Na escola, o professor deve ser um incentivador, usar seu carisma, estimular o aluno. Mas a instituição tem que responder a uma expectativa dos alunos e de suas famílias, que O U T U B R O D E • 2003–REVISTA DA ESPM 107 Mesa-Redonda é a de estar sintonizada com a realidade. No Instituto Cultural, estamos gerando conhecimento dentro da ESPM. Uma escola hoje que não se preocupa em gerar conhecimento e desenvolvêlo, estará enfraquecendo o seu produto. Mas gostaria de propor, agora, um olhar para o futuro e em relação aos jovens que estão estudando, aos nossos professores. O que podemos fazer para melhorar essa competência? FLAVIO – Acho que um ponto importante – que o Tejon mencionou – é que a venda é fruto de uma série de eventos em série que são responsabilidades de agentes não apenas internos, mas externos. Um ecossistema complicado. Acho processo, que começa desde a compra da matéria-prima, lá na porta, até a viabilização e materialização da entrega. E a cobrança, porque se a fatura estiver errada, o cliente fica bravo. JRWP – Será que não estamos falando de um mundo ideal onde todos conhecem suas responsabilidades e sabem o que fazer? RENATO – Mas há que se buscar a eficiência do processo. MARCOS – Acho que mudou bastante o foco do vendedor como tirador de pedidos, no passado. Ela passa a integrar as funções de marketing, fazendo pesqui- “NESSE PROCESSO, VOCÊ AINDA ENCONTRA PROFISSIONAIS QUE NÃO SÃO ORIENTADOS PARA RESULTADOS.” que o segredo é conseguir enxergar tudo isso e mobilizar os recursos de forma a atender e superar a expectativa do cliente em cada uma das etapas. E aí atravessando fronteiras não apenas departamentais mas empresariais. Acho que essa é a grande habilidade a mobilizar para que esse processo contínuo ocorra. RENATO –Vou citar como exemplo, sem citar o nome da empresa. Até saiu na Exame uma empresa farmacêutica que mostra ganhos que teve a partir do instante em que começou a observar o ato de venda como um processo e confessou publicamente: “O funcionário de vendas não conhecia o funcionário de logística que não conhecia o funcionário de cobrança, na mesma empresa”. É uma multinacional. Mais do que nunca, mostra, como orientação ao jovem, que é preciso enxergar o ato de venda de cada empresa. Isso tem que ser visto como um 108 REVISTA DA ESPM– S E T E M B R O / sa, demonstração do produto, ajudando o cliente a vender, a entender o processo dele. O que vai acontecer, no meu modo de entender? Se você quer ser presidente da empresa, vai ter de entender de tudo isso: distribuição, logística, vendas, propaganda, merchandising. Quer dizer, quando você transforma o vendedor em gerente de contas, ele já é o precursor dessa função. Acho que, dentro de algum tempo, não teremos mais aquela empresa departamentalizada, setorizada. Quebraram-se várias barreiras. Não há mais secretária, as estruturas foram rompidas. Aquela estrutura piramidal deixou de existir. O que mais teremos serão especializações em termos de mercado, cliente e expectativas de soluções para os clientes. O sujeito vai ter que entender de logística, de previsão de vendas, de recursos humanos. Enfim, muita coisa de que hoje é poupado. A retaguarda faz esse papel e nem sempre O U T U B R O D E 2003 faz bem-feito porque não conhece o mercado.Você pega a área de RH, no passado. Era o Genival Paschoal, o chefe de pessoal. Hoje, você já tem Genival Paschoal chefe do marketing interno, endomarketing etc. No fundo, se o cara não entender de negócio, ele que vá ler o Domenico De Masi e gozar do seu ócio. TEJON – Na medida em que a empresa atue como um bloco consciente da responsabilidade do negócio, os clientes conquistados e existentes, passam a ser responsabilidade do bloco da empresa. E a área de vendas clássica seria cada vez mais uma força voltada à conquista. Então, a área de vendas, que hoje é responsável por clientes existentes – muitos Key Accounts –, opera como despachante do vendedor dentro da empresa. É o grande facilitador, que vai atrás das coisas, para quebrar galhos, fazer o pedido ser atendido. A evolução seria esse Customer Relationship Management – a empresa inteira tomando conta do patrimônio de clientes existentes – responsável pelos clientes perdidos, diminuição do faturamento. Cuida do patrimônio atual. E a força de vendas – essa estará focada na conquista, na prospecção, em infernizar a vida do concorrente. Isso me lembra uma experiência vivida no lançamento da genética de frango na Agroceres. Hoje, essa genética é responsável por 50% do frango que comemos, no Brasil, e é da Agroceres. Em 1986 era zero. O negócio B2B puro é esse: genética. Estava responsável por essa operação naquela época – e não sou geneticista. Nas conversas com o mercado – Perdigão e outros –, descobri que os donos dessas organizações queriam conversar com o geneticista. A coisa mais importante que poderíamos fazer era trazer o geneticista para conversar com o Brandalise porque ele era o dono da Perdigão. E quem fazia o pacote do negócio dela era o profissional da genética. É na genética que nasce a equação de lucro da Perdigão. É o cara que faz o modelo do frango. E isso, antes, era importado. Esses modelos de frango eram feitos lá fora. Não havia ninguém trabalhando o frango nas condições tropicais. O grande vendedor da Agroceres foi o geneticista. Ele era um charmoso profissional de vendas? Não, era um geneticista. Mas foi o maior sucesso do mundo. MARCOS – O grande processo de vendas é vender credibilidade. JRWP – Parece que constatamos – aqui na mesa-redonda – uma coisa interessante, que é identificar onde está a venda. O processo deve ser analisado para ressaltar a identificação de pontos de contato. Portanto, a venda ficou mais complexa. Mas os cursos profissionais tratam pouco de vendas... TEJON – No pós-graduação, temos planejamento de vendas. Temos planejamento do negócio em que uma parte do bimestre é planejamento do negócio e a segunda parte do bimestre é planejamento de vendas para aquele negócio. É uma matéria do MBA de Vendas. EDUARDO – A estrutura é matricial e, hoje em dia, nas empresas, você não é mais um bloco e tem que se relacionar como se tivesse vários chefes.Vários diretores de logística vão lhe solicitar, o diretor de marketing, diretor de vendas. Então, a pessoa que vai entrar no mercado de trabalho tem que saber que existe um relacionamento interno no qual ele tem que contribuir. O pessoal do financeiro não pode torcer para que vendas não bata a cota, o resultado, e dizer: “Esse ano não vai ter convenção. Aquele pessoal de vendas vai se ferrar. Vamos pagar menos comissão. Aquela convenção maravilhosa que custa um milhão de dólares não vai acontecer”. Ele tem que torcer para que haja até duas convenções porque o resultado vai estar melhor. A pessoa precisa saber que ela interage com isso, é parte disso. RENATO – Uma coisa a discutir, quando se fala de processos de vendas: yw tradi- “VOCÊ ACHA QUE A VENDA MAIS DIFÍCIL DO MUNDO É VENDER VOCÊ MESMO?” S E T E M B R O / O U T U B R O D E 2003–REVISTA DA ESPM 109 Mesa-Redonda “AS EMPRESAS TAMBÉM NÃO ESTÃO FAZENDO AQUILO QUE PRECISAVAM FAZER.” cionalmente, só o vendedor ganha comissão? E o resto da empresa? EDUARDO – Isso pode mudar. Deveria haver comissões para logística e para outras áreas que participam disso, desde que mudemos o relacionamento. O relacionamento antes era com o vendedor – era um ponto. Imagine um triângulo, em que o ponto fosse esse. Mas está mudando e quando você faz isso, essas outras áreas – que estão do lado de cá, logística, marketing – se você conseguir traçar o target... Porque há metas. Ele não tem que ganhar comissão só porque o de vendas ganha. Tem que definir qual é o seu skill, qual a habilidade. O que o marketing tem que fazer? Como é que mensuro? Qual é o ponto-de-venda? É gerar preferência? Então, se ele consegue levar a preferência de um produto através de uma campanha, de tanto para tanto, ele pode ter. Se a 110 REVISTA DA ESPM– S E T E M B R O / logística consegue melhorar a produtividade... Sempre foi mais fácil traçar a meta para o vendedor. JRWP – Qual seria o novo skill de vendas? O que o novo executivo, o executivo do futuro precisa ter como skill em vendas? EDUARDO – Ele tem que entender que a estrutura é matricial. Não pode se estressar por ter dois ou três inputs. Tem que entender que tem que ser participante em vendas. Não pode ser o jacaré que fica torcendo para o negócio não dar certo e tem que brigar pelo direito dele. Se trabalha em logística, tem que ser auxiliar de compras, tem que se posicionar, não como vendedor, mas como alguém que auxilia o cliente a comprar. FLAVIO – Acho importante essa multidisciplinaridade, entender de finan- O U T U B R O D E 2003 ças. Se formos falar de como o vendedor é comissionado, dá para ficarmos dois dias discutindo porque é por receita e não por lucro. Ele só vai conseguir agir como um facilitador e um entregador dos vários processos se tiver essa visão mais abrangente e a percepção de que a venda é resultado dessa atuação. Não pode mais ser “meu negócio é vender, faço isso e pronto”. CLAUDIO – Precisa ser muito analítico. Saber para quem vai vender. Não é conquistar market-share a todo custo. Saber o que vai fazer, quem são os seus clientes. Porque muito cliente não dá lucro e você tem que saber despedi-lo. Essa é a verdade. Agora, pergunto: será que temos uma geração saindo do banco escolar que se adapta a essa nova realidade? Essa é a pergunta e eu diria que estamos com um problema de mercado. RENATO – Claudio, você acha que isso aí tem a ver com formação profissional ou critérios de medições das empresas? Se tenho um processo e todo mundo é medido pela eficiência do processo final, que todo mundo seja remunerado não da mesma forma, não no mesmo peso, mas remunerado pela eficiência do processo como um todo. No MBA de Vendas, eu dava aula de estratégia de vendas, de comercialização dentro do mercado de Business to Business. A gente passava a seguinte visão: um pouco de conhecimento em cada uma das áreas – em logística até em compras para o vendedor. Isso tem muito a ver, não só com a qualidade da educação, da formação, mas com o modelo das empresas. TEJON – Mas a pergunta do Claudio é pertinente. Quer dizer, como é que está a formação de quadros neste modelo moderno de dirigente de vendas? JRWP – Acho que parte dessa resposta está no tema dessa mesa-redonda – ressurgimento de vendas. CLAUDIO – Se há um processo, com certeza, as coisas fluirão melhor. Mas dentro desse processo você ainda encontra muitos profissionais que não são orientados para resultados. TEJON – Esperar que o processo resolva é um risco. CLAUDIO – E o processo pode falhar. E você, na frente do cliente, não pode falhar porque não é o processo que está na frente do cliente; é o Cláudio, o Renato. E vou um pouco mais fundo. Geralmente, nos cursos de graduação, pósgraduação e MBA ensinamos ao mundo ideal. É aquele planejamento estratégico que não tem budget, onde tudo é possível.Vendas é o relacionamento sem estar com o cliente, sem estar decidido e sem estar combinado. TEJON – Na nossa empresa, hoje, na admissão de qualquer vendedor, ele tem que responder a três perguntas.Vivemos, em vendas, uma atividade de louco, uma atividade em que as coisas não foram combinadas com o inimigo. Então, avaliamos o camarada sob três ângulos interessantes. Primeiro, você compra o mundo ou acha que no mundo chove BMW? Você acha que a venda mais difícil do mundo é vender você mesmo ou não? Você entrou na vida da empresa: o que significa a empresa na sua vida? São três questões básicas que definem esse vendedor. É a diferença entre um homem de vendas e os demais. Ele tem que viver com a incerteza, com as coisas que vão dar errado; sobre um grande erro, ele tem de dar dignidade ao seu trabalho. Então, ele não pode esperar que as coisas realmente sejam só apertar botão. Ele tem que ter consciência de que para vender o cliente para ele mesmo, a missão mais difícil é ele comprar a ele mesmo. CLAUDIO – Vendas é a única máquina que é movida a pessoas. JRWP – Quero agradecer a participação de vocês. Alguém tem ainda algo a dizer? MARCOS – Fica o fato de que estamos numa fase de transição. Temos algumas visões do que pode a vir ocorrer, mas indiscutivelmente acho que ainda falta um elo de ligação entre as empresas e as escolas, porque não estamos formando os profissionais de que as empresas precisam. Esse é o primeiro ponto. O segundo é que as empresas também não estão fazendo aquilo que precisavam fazer. A lição de casa está deixando de ser cumprida. Esse sentimento de mea culpa, tanto do lado S E T E M B R O / acadêmico quanto do lado empresarial é uma coisa muito importante. O Brasil é um país que precisa crescer e nós precisaríamos deixar de ser administrados pela contabilidade fiscal e tributária, passando a ser administrados por um planejamento estratégico, em que o crescimento propicie oportunidade às pessoas de terem uma vida mais digna. Andamos pelas cidades brasileiras e percebemos que há muito sofrimento, muita gente morando mal, vivendo mal. Mas eu diria uma coisa mais. Se não houvesse vendas, o país pararia. Porque – em larga escala – a venda é que motiva o trabalho da economia informal. Há quem diga que a economia informal, no Brasil, chega a 40%. Isso mantém o país aceso, apesar de todas as crises e de todas as Brahmas. Deveríamos estar pensando melhor que país nós queremos ser e que país queremos ter para os nossos filhos. Isso passa por repensar a área de vendas, integrando funções de marketing, logística, de uma filosofia organizacional que ainda não temos; copiamos modelos. Acho que a ESPM a e FGV têm sido padrões para quebrar esses paradigmas, mas ainda seguimos muito o modelo norte-americano – desconhecendo até o modelo europeu que tem coisas muito interessantes nessa área de relacionamento. E desconsiderando uma coisa fundamental, que é a característica do nosso povo, o aspecto antropológico, sociológico, o lado emotivo. Falei rapidamente do Domenico De Masi, mas ele coordenou o projeto “Cara Brasileira” – uma pesquisa, no ano passado –, que mostra que o homem de vendas tem muita atividade em termos de pesquisa, propaganda, marketing... JRWP – Agradeço, em nome da ESPM, a participação de todos vocês. Esse debate certamente não vai terminar aqui. Espero que o que se discutiu aqui continue sendo discutido muitas vezes nas salas de aula. ESPM O U T U B R O D E 2003–REVISTA DA ESPM 111 Case-Study OS DESAFIOS NO SETOR DE FRANQUIAS ESTE ESTUDO DE CASO DESCREVE O SURGIMENTO DE UM NOVO SISTEMA DE FRANQUIA, A “LOJA MÓVEL”, E COMO A OCEANIC COSMÉTICOS BUSCA, COM ESSE NOVO FORMATO DE VAREJO, FORTALECER SUA MARCA E AMPLIAR SUA REDE DE FRANQUIAS. NOTA IMPORTANTE: ESTE CASE SE DESTINA EXCLUSIVAMENTE AO ESTUDO E DISCUSSÃO EM CLASSE, SENDO PROIBIDA A SUA UTILIZAÇÃO OU REPRODUÇÃO EM QUALQUER OUTRA FORMA. DIREITOS RESERVADOS ESPM/EXAME. ESTE CASE FOI ELABORADO POR ELAINE MICHELY FURTADO CAROZZI, SOB A ORIENTAÇÃO DO PROFESSOR IVAN PINTO, COM BASE EM PUBLICAÇÕES EDITADAS NO PERÍODO DE FEVEREIRO DE 2001 A SETEMBRO DE 2003. 112 REVISTA DA ESPM– S E T E M B R O / O U T U B R O D E 2003 Oceanic 1. INTRODUÇÃO O sistema de franquias é um modelo de negócio que vem obtendo muito êxito e aceitação no mercado brasileiro. Porém, é um sistema que pressupõe a existência de rígidos padrões, impostos pelas empresas aos franqueados, para que a marca franqueda mantenha sua identidade por toda a rede. A estrita padronização dos produtos e serviços é ponto comum entre as franquias vencedoras, e muitos analistas chegam a pensar que essa é a principal característica para que um sistema de franquia funcione e tenha suceso. Bons exemplos são McDonald’s, Boticário, Cultura Inglesa, entre vários outros. Este caso descreve como surgiu a marca Oceanic, um sistema de franquia que quebra alguns paradigmas do modelo tradicional e, mais ainda, num tipo de negócio, o de cosméticos, caracterizado pela sua complexidade e competitividade. O modelo da Oceanic é flexível e atípico. Com “lojas móveis”, que vão até onde o consumidor está, a Oceanic se antecipa às tendências de um consumidor cada vez mais exigente e que busca um relacionamento estreito com uma marca e os vendedores dessa marca. 2. MERCADO DE COSMÉTICOS NO BRASIL e inovação constante são pontos muito importantes no • Embalagem setor de cosméticos, que é regido por tendências muito acentuadas e pela moda, fazendo da mudança a única constante. A indústria da beleza é um dos setores que mais crescem no Brasil. w S E T E M B R O / O U T U B R O D E 2003–REVISTA DA ESPM 113 Case-Study 114 REVISTA DA ESPM– S E T E M B R O / O U T U B R O D E 2003 Oceanic Em 2002, só o setor de cosméticos registrou um faturamento de R$ 9,6 1 bilhões , que garantiu ao Brasil o quinto lugar entre os consumidores de cosméticos do planeta. O crescimento do setor foi de 7,4% sobre 2001. Comparado com o crescimento negativo de 1,5% da indústria em geral, registrado no mesmo período, o setor se revela como de especial atratividade para novos investimentos e negócios. indústria da beleza é um dos • Asetores que mais crescem no Brasil. Em 2002, só o setor de cosméticos registrou um . faturamento de R$ 9,6 bilhões. Um ramo tão atraente não poderia deixar de apresentar grandes desafios aos participantes. É preciso se conformar a uma rígida legislação, com definição exata do negócio que se vai montar. E, como seria de esperar, a concorrência é das mais acirradas, com muitas empresas, grandes e pequenas, nacionais e multincionais, disputando a preferência dos consumidores. É crucial analisar todas as “forças” que atuam no setor – clientes, concorrentes atuais e entrantes, substitutos, fornecedores e governo – e procurar vantagens competitivas inovadoras, se se quiser ter sucesso na disputa. É indispensável uma decisão cuidadosa sobre o segmento a conquistar, sobre o tipo de negócio que se pretende montar, bem como uma avaliação das tendências mundiais da moda e das tecnologias que substituem produtos existentes (como aparelhos de depilação, Botox, medicamentos e cirurgias estéticas). Um bom produto não basta. É preciso que a marca esteja posicionada corretamente para o segmento visado, seja bem divulgada e, se a estratégia for de S E T E M B R O / segmentação geográfica, atenda às necessidades dos consumidores potenciais de uma região específica. Embalagem e inovação constante são pontos muito importantes no setor de cosméticos, que é regido por tendências muito acentuadas e pela moda, fazendo da mudança a única constante. Consumidores e consumidoras estão sempre buscando novidades, o que os torna vulneráveis a marcas concorrentes e a novos tipos de produto. Não obstante, o setor possibilita pouco espaço para competição por preço, principalmente para as pequenas empresas, o que faz com que a diferenciação do produto pese bastante na hora da compra. O consumidor brasileiro de cosméticos busca um relacionamento com a personalidade da marca e com a pessoa do vendedor ou vendedora, o que ajuda a explicar o sucesso da venda direta e, também, o posicionamento adotado por grandes marcas, como Avon, com seu slogan “A gente conversa, a gente se entende”. Não é por acaso que empresas como Natura e Avon trabalham para transformar suas vendedoras em verdadeiras consultoras de beleza. A consumidora confia na vendedora. A informação sobre o produto é muitas vezes fator crítico na venda, devido às grandes mudanças nas linhas do produto. No varejo tradicional não é diferente. Muitas consumidoras entram na loja sem bem saber o que desejam e com pouco ou nenhum conhecimento sobre as características dos produtos. Cabe à vendedora orientá-las para garantir o sucesso da venda. yw O U T U B R O D E 2003–REVISTA DA ESPM 115 Case-Study 3. FRANQUIA NO BRASIL Segundo dados da Associação Brasileira de Franchising, existem no país cerca de 600 empresas franqueadoras de suas marcas, serviços ou produtos. Isso significa, hoje, mais de 53.000 pontos de vendas dirigidos aos mais variados segmentos. Esses números colocam o Brasil na 3.ª posição do ranking dos países franqueadores. A avaliação da ABF é de que o ano de 2003 seja de transição, com a provável procura pela abertura de novos negócios. Os dados da ABF indicam que, nos últimos cinco anos, a taxa de mortalidade das franquias foi de 5%, contra 45% dos negócios próprios. Para 2003, as expectativas são de um 2 faturamento de R$ 25 bilhões . O sistema de franquias no Brasil iniciou-se nos anos 60, com o lançamento da Escola de idiomas Yázigi. Depois disso, várias mudanças ocorreram com esse formato de negócio. Até 1992, não havia leis específicas para a franquia enquanto alternativa de negócio. Naquele ano, o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) começou a aceitar contratos de franchising, expedindo uma resolução, número 035 de 29 de junho de 92, que vigorou por cinco anos. A resoluçao foi revogada por dois atos normativos. Hoje, o sistema conta com a Lei de Franquia, n.ª 8955 e com a Lei de Propriedade Industrial, n.º 9279, de 14 maio de 1996. A averbação dos contratos entre franqueados e franqueadores é feita pelo INPI e pode envolver empresas nacionais e estrangeiras, para normatizar o pagamento dos chamados “royalties” – uma espécie de taxa pelo direito de uso da marca. Há dois pilares básicos que fundamentam o sistema de franquia: v MARCA FORTE, JÁ CONSOLIDADA; • A marca Oceanic nasceu em 1996, como uma linha de produtos de verão da marca Racco, que atua há 12 anos no setor de cosméticos, utilizando o sistema de venda direta ao consumidor. v CAPACIDADE PARA INOVAR CONSTANTEMENTE. Porém, essa abordagem, que faz sentido teórico, não leva em conta o espírito empreendedor, e a prática revela muitas exceções: empresas que começam com pequenos quiosques ou lojas, sem que suas marcas estejam ainda consolidadas. Academias, supermercados e shoppings são alvos das mais inusitadas formas de lojas, quiosques e, agora, as chamadas “lojas móveis”, da Oceanic. 4. A OCEANIC A marca Oceanic nasceu em 1996, como uma linha de produtos de verão da marca Racco, que atua há 12 anos no setor de cosméticos, utilizando o sistema de venda direta ao consumidor. 116 REVISTA DA ESPM– S E T E M B R O / O U T U B R O D E 2003 Oceanic A Racco é uma marca de produtos cosméticos para venda direta ao consumidor. A proprietária da marca é a Bayonne, empresa fundada em Curitiba, PR, por Luiz Felipe Rauen, com o objetivo de produzir cosméticos que obedeçam a normas internacionais de qualidade. Para isso, a Bayonne desenvolveu uma sólida estrutura fabril, com um moderno laboratório equipado para análises físico-químicas e macrobióticas, além de uma estrutura de pesquisa e desenvolvimento que acompanha de perto as tendências mundiais do setor de cosméticos. Ao longo dos seus 15 anos de existência, a Bayonne sempre procurou desenvolver produtos adequados ao clima brasileiro. Rauen, um empreendedor criativo, sempre aberto a novas oportunidades, teve a inspiração para uma linha de produtos de verão para ser vendida sob a marca mestra Racco, quando estava de férias na praia de Camboriu, em Santa Catarina. A então submarca marca Oceanic nasceu naquele momento, tanto pelas as emoções evocadas pelo mar quanto pela lembrança de possibilidades de matéria-prima que ele oferece. sucesso inicial da linha Oceanic estimulou Rauen a expandi-la • Ocomo marca autônoma que incorpora produtos para o corpo todo e independentemente de sazonalidade, inclusive uma linha pioneira de Aromaterapia, pesquisada e desenvolvida na França. O sucesso inicial da linha Oceanic estimulou Rauen a expandi-la como marca autônoma que incorpora produtos para o corpo todo e independentemente de sazonalidade, inclusive uma linha pioneira de Aromaterapia, pesquisada e desenvolvida na França. Os produtos da Oceanic são posicionados como de alta qualida- yw S E T E M B R O / O U T U B R O D E 2003–REVISTA DA ESPM 117 Case-Study de mas a um preço atraente. São mais de 175 produtos para todo o corpo, incluindo maquiagem e perfumaria. Os preços variam de R$ 9,00 (um baton) a R$ 40,00 (um perfume). A empresa é forte na linha de FitoAmazônica, que utiliza como matéria-prima extratos vegetais e marinhos. O mix de produtos, segundo a empresa, é focado em produtos básicos, para atrair o público masculino, e práticos, para atrair as mulheres, que cada vez dispõem menos de tempo para cuidar de si mesmas. A aceitação dos produtos com a marca Oceanic estimulou Rauen a ampliar a concepção da Oceanic para se tornar a Oceanic Cosméticos, uma unidade de negócios apoiada no sistema de franquia. Em dois anos, a Ocenic cresceu para 50 lojas, próprias e franqueadas. 5. O DESAFIO Com o precoce sucesso em seu sistema de franquia, a empresa se deparou com grandes problemas. O primeiro deles foi uma forte queda nas vendas, devido à saturação e à alta concorrência do setor de franquias no Brasil. Por exemplo, só o Boticário possui 2.200 lojas, entre próprias e franqueadas, e uma fatia (market share) de 80% do mercado. As vendas da empresa registraram um aumento real de quase 50% nos últimos seis anos. A empresa faturou 134 milhões de dólares em 2002, com a produção de 52 milhões de unidades de perfumes, cremes e maquiagem. Sua rede de lojas próprias e franqueadas movimentou quase 370 milhões de dólares. loja móvel, a minivan, é • Atotalmente “envelopada” para exibir com grande visibilidade a marca Oceanic. 118 REVISTA DA ESPM– S E T E M B R O / O U T U B R O D E 2003 Além desse grande concorrente, as empresas que buscam o sistema de franquias enfrentam a falta de espaço. Garantir um bom ponto pode custar muito caro para o franqueado e tornar o negócio pouco atrativo. Outro problema da Oceanic era que os franqueados estavam muito insatisfeitos com o desempenho das lojas. A empresa, por seu lado, percebeu que, no período de crescimento acelerado, não selecionara seus franqueados adequadamente: a maioria deles não possuía um perfil apropriado a um mercado caracterizado pela agressividade da concorrência. E não tinham suficiente vivência no sistema de franquia. O desafio inicial, então, era: como sobreviver e se expandir Oceanic num mercado onde há uma forte concorrência e em que só um dos competidores, experimentado e proprietário de uma marca reputada, detém quatro quintos das vendas? 6. A ESTRATÉGIA Para orientá-la na superação desse enorme desafio, a Oceanic contratou o consultor Anderson Portes, que veio a se tornar seu Diretor de Marketing. Sob sua orientação, lançou um modelo inédito de franquia no país: a loja móvel. O primeiro passo dessa estratégia foi a recompra de 40 das 50 lojas físicas franqueadas, o que a libertou para aplicação da estratégia, em parceria com novos franqueados, com um perfil adequado. loja móvel é de cosméticos, permite ao franqueado • Alocomover-se, dentro de uma área predeterminada de atuação, podendo visitar residências, condomínios, indústrias, clubes, feiras etc. Em seguida, o sistema foi desenvolvido com a participação do Grupo Cherto, especialista em sistemas de franquias e estratégia de canais de distribuição. A loja móvel é uma minivan Fiat Doblò, totalmente equipada como uma completa loja de cosméticos, que permite ao franqueado locomover-se, dentro de uma área predeterminada de atuação, podendo visitar residências, condomínios, indústrias, clubes, feiras, exposições, universidades, escolas, hospitais, salões de beleza, praças, parques etc. A loja móvel, a minivan, é totalmente “envelopada” para exibir com yw S E T E M B R O / O U T U B R O D E 2003–REVISTA DA ESPM 119 Case-Study grande visibilidade a marca Oceanic. Mostra, também, com destaque, o telefone da empresa, para que os compradores potenciais (e outros públicos interessados, como os responsáveos pelos pontos onde as lojas móveis podem estacionar para servir os frequentadores desses pontos) possam obter informações sobre o itinerário das lojas móveis. O objetivo da empresa é facilitar o acesso de seus produtos ao consumidor final, e ao mesmo tem- po, oferecer uma oportunidade de negócio para o franqueado a um custo acessível. O investimento do franqueado para montar uma loja móvel é de, em média, R$60.000. Nesse valor, estão incluídos a minivan e o seu seguro, o estoque inicial e taxas municipais. Além disso, o franqueado conta, sem custos adicionais, com o apoio de marketing e mídia da empresa e treinamento em marketing, produtos e vendas. O franqueado da loja móvel não paga aluguel e condomínio. A margem bruta dos produtos é de 100%. A Oceanic calcula que o franqueado obtém o retorno sobre o investimento em 4 a 12 meses. Q www.oceanic.com.br • O investimento do franqueado para montar uma loja móvel é , em média, de R$ 60.000. 120 REVISTA DA ESPM– S E T E M B R O / O U T U B R O D E 2003 Oceanic Em comparação, uma loja fixa num shopping center, no mesmo período de um ano, pode custar em torno de R$ 230.000, já que as taxas pagas para obter espaço em shopping centers e o investimento para montar e manter lojas fixas é consideravelmente maior e os custos com aluguéis e condomínios são significativos. Para atrair franqueados – e tornar sua marca conhecida –, a Oceanic veiculou uma campanha publicitária na televisão, em rede nacional. O primeiro comercial gerou mais de 18.000 ligações para a Central de Atendimento de Franquia e, quando este case foi escrito, a empresa já contava com 1.300 nomes cadastrados que foram préselecionados para uma posterior avaliação financeira. O segundo comercial traz depoimentos de franqueados sobre a experiência que tiveram com as lojas móveis. 7. CONCLUSÃO O setor de cosméticos cresce constantemente no Brasil e, com isso, surgem muitas novas opções de negócios mas, também, muitos desafios para quem quer garantir o sucesso. O sistema de franquia é uma solução de sucesso, que permite expansão rápida, mas é muito competitiva e carregada de seus outros tantos desafios. É nesse ambiente que a Oceanic Cosméticos inaugura o inovador formato da “loja móvel”. A rede busca, com esse modelo, minimizar os custos e riscos para o franqueado e, ao mesmo tempo, uma solução diferenciada para enfrentar a concorrência acirrada no setor, já que a loja móvel pode operar em lugares em que a concorrência é bem mais reduzida, como universidades, escolas, empresas, clubes, associações, igrejas, feiras, shows e quase qualquer outro tipo de lugar ou evento. A essa solução inventiva, a Oceanic procura aliar produtos com bom desempenho e preço adequados aos segmentos visados. vEmpresa detentora de marca “forte”, com apelo junto ao público-alvo; v Produtos e serviços que respondam aos anseios do mercado consumidor; v Tecnologia de instalação, operação e comercialização no varejo eficaz e que possa ser transferida facilmente e em pouco tempo para os franqueados. v Pontos padronizados e instalação em territórios julgados adequados, sem maiores dificuldades para o franqueado. v O investimento necessário para 8. QUESTÕES a instalação e as despesas operacionais devem ser compatíveis com a rentabilidade esperada. PARA DISCUSSÃO Recomenda-se ao leitor que, ao iniciar o estudo deste caso, vá conhecer as lojas físicas da Oceanic e também as suas lojas móveis. Sabendose que o ambiente é uma das principais vantagens competitivas de uma rede de franquia, compare o atendimento oferecido por estas com o dos concorrentes. Analise, também, a estratégia do novo formato da loja móvel da Oceanic. A rede está certa nessa preferência? Você acha que o posicionamento da Oceanic se adapta bem às lojas móveis? Levando em conta esses pré-requisitos, quais são os fatores críticos da estratégia da loja móvel da Oceanic? BIBLIOGRAFIA CHERTO, M.R. Franchising: Revolução no Marketing. São Paulo, McGraw-Hill, 1998. SITES: www.portalexame.com.br www.franquianaweb.com.br www.francap.com.br Você acredita que a loja móvel possa resultar em falta de precisão para a marca Ocenic, já que ela pode atingir públicos diferentes ao mudar de lugar constantemente? ARTIGOS: O AMBULANTE DA BELEZA, IstoÉ Dinheiro, n.º 312, de 20/08/2003. Marcelo Cherto, especialista em franquias, elenca os seguintes pré-requisitos para se obter sucesso através do sistema de franquias: 2 FONTE: InfoMoney S E T E M B R O / ESPM 1 FONTE: Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (Abihpec). Fotos desta matéria: arquivo da Oceanic. O U T U B R O D E 2003–REVISTA DA ESPM 121 Leit ura RECOMENDADA MARLY MONTEIRO DE CARVALHO E FERNANDO JOSÉ BARBIN LAURINDO Estratégias para Competitividade CHARLES M. FUTRELL Tradução: Lenke Peres e Cecília Bartalotti Revisão técnica: Marcelo Chiavone Pontes Editora Futura São Paulo, 2003 272 p. – R$ 39,00 Vendas – Fundamentos e Novas Práticas de Gestão Editora Saraiva São Paulo, 2003 548 p. – R$ 79,00 Vendas: fundamentos e novas práticas de gestão trata de diversos assuntos atuais e polêmicos e é indicado para professores, alunos e profissionais, além de ampliar a visão meramente voltada às técnicas de vendas e gerenciamento de equipes dos outros livros, situando de maneira inédita a administração de vendas dentro do planejamento estratégico e do marketing da empresa. Entre os assuntos tratados, podem ser citados: v A profissão de vendas: experiências do profissional de vendas, marketing de relacionamento, questões sociais, éticas e legais de vendas; v Venda de relacionamento: prospecção, planejamento da visita de vendas, métodos de apresentação, objeções dos clientes, fechamento de vendas, serviços pós-vendas; v Gerenciamento da carreira de vendas: administração do tempo, seleção de novos profissionais, motivação, remuneração, avaliação de vendas. Charles M. Futrell é Ph.D., MBA e BBA em Marketing e professor da Texas A&M University. Além de editor de diversas publicações na área, é autor de vários artigos em periódicos do mundo inteiro e de livros em vários países. É considerado um dos três principais pesquisadores de venda nos Estados Unidos. 122 REVISTA DA ESPM– S E T E M B R O / FRANCISCO LACOMBE Dicionário de Administração Editora Saraiva São Paulo, 2003 368 p. – R$ 49,00 O autor do Dicionário de Administração tem a expectativa de que venha a se tornar uma referência na área. Trata-se da primeira iniciativa no Brasil cobrindo os campos da Administração. Moderno e atualizado, traz grande quantidade de verbetes, dispostos de forma clara e de fácil consulta. O livro conta ainda com vários apêndices, que organizam e sintetizam informações importantes do segmento. Voltado para o meio acadêmico e empresarial, apresenta abordagem multidisciplinar, incluindo termos e expressões não só de administração, mas também das áreas de economia, contabilidade, informática, estatística, matemática, sociologia e direito. Master of Sciences pela University of Houston e professor da UFRJ e autor da obra Administração: princípios e tendências, Francisco Lacombe dedicou vários anos a pesquisar, priorizar, escrever, reescrever e organizar os mais importantes temas da área, buscando as definições mais precisas e objetivas. O U T U B R O D E 2003 Estratégias para a competitividade é um livro para profissionais de áreas que desejam melhorar o seu grau de competitividade nas empresas em que trabalham. Alunos e professores também se beneficiarão com a leitura, visto que irão encontrar material de apoio para disciplinas que se relacionem com estratégia e competitividade. Na obra, o pensamento estratégico é apresentado por meio de um modelo que integra a pluralidade do tema, respeitando as suas diversas abordagens, perspectivas e natureza multifacetada. Dessa forma, pretendese discutir as diferentes visões relativas à compreensão da empresa, ao entendimento do ambiente em que atua e à utilização dos meios para atingir seus objetivos. Dentre os muitos temas abordados, destacam-se as diferentes visões do que é estratégia, as características gerais associadas à estratégia, clusters, cadeia de valor e formação de redes e alianças, e a adequação dos pontos fortes e fracos da empresa às ameaças e oportunidades do meio ambiente. Marly M. de Carvalho é doutora professora do Departamento de Engenharia de Produção da Escola Politécnica da USP, diretora técnica da Associação Brasileira de Engenharia de Produção (ABEPRO) e editora da revista Produção. Fernando J. B. Laurindo é doutor professor do Departamento de Engenharia de Produção da Escola Politécnica da USP e diretorexecutivo da Fundação Vanzolini. Também é pósgraduado em administração de empresas pela FGV. LEIF EDVINSSON Longitude Corporativa WILLIAM C. BYHAM, AUDREY B. SMITH, MATTHEW J. PAESE Formando Líderes M. Books São Paulo, 2003 220 p. – R$ 39,00 A ascensão da economia do conhecimento evidenciou uma discrepância entre os atuais sistemas dos relatórios financeiros e a avaliação dos ativos intelectuais. As corporações modernas normalmente se orientam com base em uma única coordenada: a financeira. Essa é a latitude corporativa. O problema é que ela só proporciona uma visão parcial do quadro. A outra coordenada-chave – a longitude corporativa – falta. É necessário que haja algum método para medir a longitude – ou, dito de outra forma, de mensurar o capital intelectual. Este vem a ser uma combinação entre o capital humano – as mentes, as habilidades, as idéias, e o potencial dos membros de uma organização – e o capital estrutural – que consiste em clientes, processos, bancos de dados, marcas e sistemas. Longitude corporativa proporciona um meio de navegar pelas águas turbulentas dos negócios e satisfaz a demanda por novos mecanismos, modelos, medidas e metáforas que nos permitam capitalizar sobre a nova realidade. Leif Edvinsson apoiou os primeiros movimentos que fomentaram o capital intelectual (CI) e defendeu a mensuração nos relatórios anuais das empresas. Seu livro de 1997, Capital intelectual (escrito em parceria com Michael Malone) baseava-se em suas experiências na companhia de serviços financeiros Skandia. Após deixá-la, em 1999, foi nomeado na Universidade de Lund para ocupar o primeiro cargo do mundo de professor de Capital Intelectual e de Economia do Conhecimento. Prentice Hall São Paulo, 2003 320 p. – R$ 55,80 ANDRÉA MACHADO A Comunicação com o Público Qualitymark Editora Rio de Janeiro, 2003 208 p. – R$ 30,00 Transmitir mensagens com eficácia e competência, para públicos de quaisquer naturezas, pode ser uma tarefa extremamente complicada. Especialmente quando se trata de um emissor que não está familiarizado com as noções básicas de como se portar e se comunicar com audiências diversas. E por trás de uma simples apresentação bemsucedida, existe todo um conjunto de práticas e técnicas desenvolvidas por especialistas na arte de fazer-se entender. A comunicação com o público trata dos diferentes níveis de comunicação nos relacionamentos entre as pessoas, usando uma linguagem simples e prática. Sem desprezar os aspectos teóricos, promove reflexões que de fato interferem na comunicação cotidiana. Além de comentar aspectos como a postura, os gestos, o uso correto de recursos audiovisuais, também oferece elementos para que o leitor seja capaz de refletir sobre a qualidade dos seus relacionamentos pessoais. Andréa Machado é fonoaudióloga, presta consultoria empresarial em técnicas de apresentação, comunicação com o público e relacionamentos interpessoais. S E T E M B R O / Na grande maioria dos casos, o sucesso das organizações é definido por um fator: a qualidade de seus líderes. Mas desenvolver grandes líderes nunca foi tão difícil, como agora. Baseando-se na experiência de mais de 1.600 empresas, três reconhecidos consultores de liderança mostram como identificar os líderes de amanhã dentro de sua organização, acelerar o desenvolvimento e a utilização deles e maximizar seu valor para sua empresa. Formando líderes cobre cada fase do desenvolvimento e sucessão de executivos, introduzindo técnicas de impacto e sem burocracia e que, segundo os autores, realmente funcionam. Há capítulos sobre como alinhar o desenvolvimento de executivos com a estratégia corporativa; como tirar plena vantagem das atribuições de curto prazo, de treinamento profissional e outras abordagens; e como assegurar a responsabilidade/prestação de contas e medir resultados. William C. Byham, Ph.D., é presidente e CEO da Development Dimensions International (DDI) consultores de Recursos Humanos. Audrey B. Smith, Ph.D., é vice-presidente consultora dos grupos Staffing and Assessment Consulting e Executive Succession Management na DDI. Matthew J. Paese, Ph.D., é gerente e líder da Prática de Desenvolvimento de Executivos da DDI e responsável pela elaboração de sistemas de desenvolvimento de executivos. O U T U B R O D E 2003–REVISTA DA ESPM 123 PYR MARCONDES Marcas – Uma História de Amor Mercadológica JONATHAN LOW/PAM COHEN KALAFUT Vantagem Invisível Meio & Mensagem São Paulo, 2003 232 p. – R$ 45,00 Bookman São Paulo, 2003 208 p. – R$ 37,00 Empresas como McDonald’s, General Electric, Pfizer, Coca-Cola, entre outras, são histórias de sucesso que mexem com a cabeça de muitos executivos preocupados em como chegar à liderança no mercado. Essas companhias foram usadas como exemplo para os autores Jonathan Low e Pam Cohen Kalafut,no livro Vantagem Invisível – como os intangíveis conduzem o desempenho da empresa, da editora Bookman. A obra é resultado de uma pesquisa sobre avaliação corporativa, estratégia e comportamento do consumidor. “Um terço do valor de uma empresa é o resultado de elementos que não podem ser vistos, como força da marca, execução de estratégias, reputação e cultura inovadora”, afirmam os autores. Para eles, esses elementos, chamados de “intangíveis”, referem-se a muitos aspectos diferentes de uma empresa. O importante é saber equilibrá-los. O texto aborda os principais aspectos dos intangíveis e tem como objetivo ser um roteiro para os gestores atraírem os colaboradores mais talentosos, os clientes mais lucrativos, os parceiros mais colaborativos e os investidores mais agressivos. Além disso, identifica 12 “medidas importantes” capazes de contribuir para administração das estratégias de marketing de forma a otimizar o valor da empresa. Jonathan Low é pesquisador senior da Cap Gemini Ernst & Young Center for Business Innovation (CBI). Low é especialista em Valores Intangíveis, tendo publicado quatro grandes estudos na área, além de diversos artigos e reportagens. Pam Cohen Kalafut é presidente da Cohen Kalafut Associates, LLC, uma consultoria especializada em negócios estratégicos. O trabalho de Pam é focado em valores inatingíveis. 124 REVISTA DA ESPM– S E T E M B R O / ICHAK ADIZES Gerenciando os Ciclos de Vida das Organizações Pearson Education São Paulo, 2003 362 p. – R$ ,00 A obra Gerenciando os ciclos de vida das organizações apresenta a teoria dos ciclos de vida organizacionais e os princípios que levam à efetivação de mudanças. O lançamento complementa dois livros do mesmo autor: Em busca da plenitude, que discute como uma organização deve ser gerenciada, a depender do ciclo de vida em que se encontra; e Gerenciando mudanças, que apresenta os fundamentos teóricos da metodologia para a transformação das organizações. A relação que une marcas e consumidores é a linha mestra do recém-lançado livro Marcas – uma história de amor mercadológica. Nele, o autor apresenta cases de 25 marcas que ultrapassaram o estágio de recall e conseguiram criar laços afetivos com seus consumidores. O número 25 não é por acaso. O lançamento faz parte das comemorações pelos 25 anos de Meio & Mensagem, publicação especializada no mercado de comunicação que acompanhou, ao longo de sua trajetória, o surgimento e a consolidação de inúmeras marcas de sucesso. O livro está dividido em três partes. Na primeira, o autor apresenta sua visão pessoal sobre o que une marcas e consumidores, traçando um paralelo entre esta relação e um caso amoroso comum. Para ele, algumas marcas se instalam diretamente no coração do consumidor. O autor discorre sobre o que chama de “história emocional” de algumas marcas internacionais. “Escolhi marcas que expressam muito bem este tipo de relação amorosa. São ícones do consumo moderno, como Ferrari, Absolut, Levi´s, Budweiser, entre outras”. Desenvolvida e praticada por Adizes nos últimos 30 anos, a teoria e seus princípios permitem, a partir da metodologia desenvolvida pelo próprio autor, discriminar os problemas normais dos anormais e aplicar as intervenções adequadas que conduzem as organizações à sua condição de plenitude. Eles descrevem e analisam o caminho usual tomado pelas empresas à medida que crescem e o caminho a se escolher para evitar os problemas típicos de crescimento e envelhecimento. Na segunda parte do livro, são relatados os 25 cases que se destacaram no mercado brasileiro no último quarto de século. A escolha foi baseada em uma pesquisa realizada pelo autor e a lista analisada pela direção de Meio & Mensagem e por um júri formado pelos profissionais Jaime Troiano,Alan Liberman, Saul Bekin e Álvaro Ferraz. A partir daí, Marcondes chegou à relação final dos cases. Ichak Adizes é fundador e diretor de serviços profissionais do Adizes Institute em Santa Bárbara, Califórnia, e tem tido trabalhos publicados em Fortune, Business Week, New York Times e London Financial Time. A história dos quatro patrocinadores do projeto (Neogama, Lew, Lara, Grupo Ypy e DPZ) é contada na última parte do livro. O autor escreve sobre as histórias destas marcas/empresas e, na seqüência, há um portfólio de seus trabalhos. ESPM O U T U B R O D E 2003 Sumário O Musée de la Publicité de Paris EXECUTIVO Afinal, o que é CRM mesmo? 22 JOÃO MATTA Tem-se falado muito em CRM nos dias de hoje. É comum lermos e ouvirmos empresários relatando ter optado pelo CRM como uma solução para o seu negócio. Será que realmente estamos falando da mesma coisa quando utilizamos a expressão CRM? Sabemos que tem sido comum a confusão entre o CRM como foi concebido e o CRM como tem sido vendido no mercado. Restringir o CRM a uma tecnologia de gestão do relacionamento de uma empresa com seu cliente ou a uma ferramenta de comunicação dirigida é menosprezar todo seu potencial. Estamos diante de uma nova e eficaz forma de se fazer negócio. Estamos falando de uma nova filosofia empresarial. Temos à nossa frente talvez a grande solução para um mercado altamente competitivo e em constante mutação. Estratégias de Marketing para Produtos de Alta Tecnologia: O Caso HewlettPackard-Compaq do Brasil 36 DANIEL B. R. ALVES/MARIA CLARA PIAZZA /TALES ANDREASSI O objetivo deste artigo é contribuir para o entendimento do mercado de alta tecnologia e suas peculiaridades, tendo como variáveis de análise as estratégias empregadas, o comportamento de compra dos clientes e o ciclo de vida dos produtos do setor. Procedeuse a uma revisão bibliográfica para formular três questões de pesquisa, analisadas pelo método do estudo de caso em um multinacional líder no setor de alta tecnologia, a Hewlett-Packard-Compaq. Os resultados mostraram que as estratégias voltadas ao mercado de alta tecnologia são certamente distintas das aplicadas ao mercado de massa, sugerindo ao empreendedor ou a alta diretoria das empresas como explorar os nichos como alternativas seguras para o lançamento de novos produtos. O trabalho apresenta também a análise do ciclo de vida de adoção de tecnologia como uma ferramenta essencial para gerar produtos que melhor respondam às necessidades dos clientes. 126 REVISTA DA ESPM– S E T E M B R O / 46 J. ROBERTO WHITAKER PENTEADO O Musée de la Publicité, possivelmente, o único museu oficial da publicidade em todo o mundo, funciona nas mesmas instalações do Museu do Louvre, em Paris. Isso legitima a presença da propaganda comercial, na cultura – e na sociedade – francesas, como arte aplicada – já que faz parte da Union Centrale des Arts Décoratifs. Esse museu francês da propaganda nasceu do Musée de l’affiche (cartazes),criado para conservar uma arte publicitária que tem na França algumas de suas maiores expressões. O acervo reúne cerca de 50.000 cartazes, mais 100.000 filmes comerciais franceses e estrangeiros,30.000 anúncios impressos, objetos promocionais e embalagens. A hemeroteca conta com cerca de 7.000 arquivos monográficos, dedicados aos profissionais de criação, principalmente artistas; 250 consagrados a agências, empresas gráficas etc. e mais 500 denominados de “arquivos temáticos”. As instalações foram projetadas pelo designer Jean Nouvel. A principal atração, contudo, é a “Midiateca” – uma sala aberta ao público que reúne cerca de duas dezenas de terminais de computadores, através dos quais pode ser consultada a parte do acervo já digitalizada. Em outubro, realiza-se a exposição comemorativa dos 70 anos da comunicação da Air France. Service Profit Chain – gerando valor para os clientes, funcionários e acionistas 58 ALEXANDRE MATHIAS E EDUARDO HALPERN Neste artigo os autores buscam explicar como empresas do setor de serviços vêm intuitivamente ou deliberadamente aplicando o modelo SERVICE PROFIT CHAIN – traduzido para Cadeia Serviços-Lucro –, modelo criado pelos Professores James Heskett, Earl Sasser Jr., Leonard Schlesinger da Harvard Business School. Suas idéias propõem a existência de relações diretas e intensas entre o lucro, o crescimento, fidelidade dos clientes e sua satisfação, ao valor dos bens e serviços a eles oferecidos à capacidade, satisfação, fidelidade e produtividade dos funcionários. O U T U B R O D E 2003 O desafio do reposicio na-mento de marcas 70 MARCUS SAVOI BORTOLAN RENATO TELLES Devido à progressiva importância atribuída à marca, diferentes teorias e modelos de compreensão foram desenvolvidos, procurando orientar abordagens e decisões estratégicas de negócio. Embora seja possível identificar algumas diferenças conceituais entre elas, pelo menos um aspecto está sempre presente na análise de marcas e pode ser considerado decisivo na gestão destas: a idéia posicionamento. Com relação a esse conceito, vem-se tornando progressivamente mais decisiva a avaliação de sua eficácia em termos organizacionais e a decisão por sua eventual modificação ou adequação ao longo do tempo, materializando, neste caso, a hipótese de reposicionamento de marca. Atualmente, o exame e a decisão de um reposicionamento está presente no cotidiano de profissionais de marketing, porém é um tema relativamente “órfão” de literatura. Este trabalho se propõe a abordar os desafios e riscos da adoção de uma estratégia de reposicionamento de marcas, utilizando argumentação baseada em revisão bibliográfica e exemplos reais para propor uma tipificação para os casos de reposicionamento de modo auxiliar gestores de marca. A Globalização das Economias e as Transformações no Mercado de Trabalho em Tempos de Pós-Modernidade 84 DURVAL MEIRELLES ROBERTO GIL UCHOA O avanço da tecnologia da informação e sua influência no avanço das comunicações permitiu o rápido desenvolvimento do comércio internacional nas últimas três décadas. Observou-se a automação de transações e processos nas empresas de uma maneira tal, que o ganho de produtividade extrapolou a execução das tarefas pelo homem, transformando rotinas antes ocupadas por trabalhadores em bits e bites que geravam produtos padronizados e de maior qualidade. Este artigo busca em alguns estudos recentes, expressos em referencial teórico, estudar um viés que permita o questionamento do papel do trabalhador na nova economia globalizada, cujo maior foco é o incremento de fluxos financeiro e real. ENGLISH Abstracts Now, what is this CRM business…? 22 JOÃO MATTA Much is said about CRM nowadays. We read – and hear about businessmen who have opted for CRM as a solution for their problems. Now, is everybody talking about the same subject, when they mention CRM? A common confusion is made between CRM as it was meant to be, and CRM as a market commodity. To restrict CRM to the role of a management technique that deals with the relationship between the company and its clients, or as a specialized comunication tool is to underestimate all of its potentiality. In fact, what we have in CRM is a new and effective way to do business. It’s indeed a new philosophy in the realm of management. May be the great solution for today’s intensely competitive and changing markets. Marketingstrategiesfor High-TechProducts:The caseofHewlett-PackardCompaqofBrazil 36 Daniel Braga Rodrigues Alves/ Maria Clara Piazza/Tales Andreassi The purpose of the article is to contribute to a better understanding of the high-tech market and its peculiarities, on the analytical basis of the strategies employed, clients’ purchasing behavior and the lifecycle of high-tech products. A bibliographic review produced three research questions, which were analysed by the case-study method of a leading multinational company in the area: Hewlett-PackardCompaq. Results have shown that the strategies geared towards the high-tech sector are certainly diverse from the mass-produced market, and give hints to entrepreneurs and executives relating to the best way to explore segmented alternatives for the safe launch of new products. The work also presents analysis of technology adoption lifecycles as an essential tool to generate products which will respond better to needs and expectancy of clients in high-tech markets. 128 REVISTA DA ESPM– The Musée de la Publicité in Paris S E T E M B R O / 46 The challeng of brand repositioning70 J. ROBERTO WHITAKER PENTEADO MARCUS SAVOI BORTOLAN RENATO TELLES This is possibly the only “official” advertising museum in the world, as it is located in the Louvre compound, in Paris, part of the Central Union of Decorative Arts (UCAD). The author considers this a meaningful contribution for advertising to be socially accepted in French society and French culture, and a nice example to follow. The Musée de la Publicité was born in the previous Musée de l’Affiche (Posters Museum), a segment in which French artists have excelled. The collection includes 50,000 posters, over l00,000 French and foreign TV and film commercials, 30,000 print ads, promotional objects and packages. The archives have some 7,000 items, mainly dedicated to individuals, ad agencies and specialized suppliers, and to specific themes. The installations were designed by Jean Nouvel. A “mediatheque” – with some two dozen computer work stations - allows visitors to consult the collections on-line. In October 2003, the Museum is showing an exhibit on the 70 Years of Air France and its presence in the Media. Due to the ever-increasing importance of branding and its management, several theories and models for its understanding have appeared, mostly aiming at improving the effectiveness of decision-making. Although it is possible to establish some conceptual differences among them, one aspect seems to be present in all and this is positioning. With regard to this concept, the evaluation of the effectiveness, in business terms, of the decisions made of modifying or adapting brands, in fact, the whole hypothesis of re-positioning brands has become paramount. Although analysing and deciding about brand re-positioning has become an everyday activity for marketing and communication professionals, the theme is still relatively scarce in the specialized litterature. This article intends to face the challenges and risks of brand re-positioning strategies,using arguments found in the existing bibliography and some actual examples – with the ultimate objective of helping brandmanagers improve their frames of reference. Service Profit Chain – building value for clients, employees and stockholders. 58 ALEXANDRE MATHIAS AND EDUARDO HALPERN The authors of the article try to explain how many institutions in the field of services are – intuitively or deliberately – using the model SERVICE PROFIT CHAIN – created by Professors James Heskett, Earl Sasser Jr., and Leonard Schlesinger, of Harvard Business School. Their ideas establish direct and intense relations between profit, growth, clients’ fidelity and satisfaction and the value of the goods and services thus offered, to the capacity, satisfaction, fidelity and productivity of the employees of a given company. O U T U B R O D E 2003 The globalization of Economiesand transformations in the Labor Marketduring Post-Modern times 84 DURVAL MEIRELLES ROBERTO GIL UCHOA Progress in information technology, and its influence in the advancement of communications, have allowed for the fast development of international trade during the last three decades. Automation of corporate transactions and processes have resulted in productivity gains, resulting from replacing man-made routines by bits and bites, and in more standardized and higher quality products. Based in recent studies as theoretical reference, this article endeavors to focus – and question – the role of the workers in the new global economy, which emphasizes increments in actual financial flows. Ponto de Vista O EXECUTIVO DE NEGÓCIOS O CUSTOMER MANAGEMENT CONSULTANT gerenciamento de clientes vem-se tornando fator crítico de sucesso para as empresas, elevando o status da área comercial perante as demais e valorizando seus executivos. Como decorrência, estudos e análises vêm sendo desenvolvidos, visando detectar os fatores que determinam o sucesso dos profissionais que atuam dentro desse contexto comercial, que se torna cada vez mais complexo e competitivo.Vejamos alguns movimentos do mercado: A globalização intensificou e tornou comum a utilização de tecnologias comer- ciais e a troca de informações sobre Best Practices, tanto em empresas produtoras como comerciais. Sistemas gerenciais, tecnologias comerciais e processos operacionais estão passando de fatores de inovação para prérequisitos de negócios. Também no que se refere a produtos, a inovação tem perdido espaço para a reprodução de conceitos, com pouca diferenciação, e baixo valor agregado. Os movimentos de incorporações e fusões de empresas têm concentrado progressivamente os negócios num número cada vez menor de Big Players com grande influência no mercado e maior poder de barganha junto a seus fornecedores. A combinação desses fatores com a necessidade de resultado a curto prazo das empresas vem transferindo grande parte de seus recursos financeiros, antes investidos em P&D, propaganda e promoções aos consumidores para atividades ligadas a canais de distribuição e clientes, passando para a área comercial a responsabilidade de gerenciar esses recursos, e o sucesso da empresa, a depender cada vez mais do correto direcionamento estratégico e do retorno desses investimentos. Como dirigir os negócios da empresa com sucesso dentro desse cenário desafiador? Notamos em algumas operações de sucesso traços de gestão de negócios que diferenciam seus executores e que merecem ser destacados. Citaremos alguns dos mais relevantes: v A DEFINIÇÃO DA ESTRATÉGIA DE COMERCIALIZAÇÃO DA EMPRESA qualificadas. Apresentam elevado senso analítico e de julgamento, utilizados para identificar habilidades, competências e potencialidades na seleção dos recursos humanos que compõem sua equipe e na distribuição deles dentro da sua organização de vendas, conciliando as necessidades de cada função com o perfil e expectativas de cada elemento. Sabem lidar e motivar o grupo, combinando perspectivas de desenvolvimento profissional e carreira com estímulos financeiros ligados a performance, de forma a neutralizar conflitos e estimular o resultado do time, fazendo com que a performance coletiva supere de forma expressiva a soma do potencial individual de seus componentes. Comandam seus times de vendas na liderança de clientes, criando através da conduta profissional, da credibilidade e do respeito um relacionamento comercial aberto e propício à apreciação de propostas e planos de negócios. oportunidades e eventos, dentro e fora do ambiente de trabalho, para a troca de informações e ampliação do conhecimento recíproco, de estratégias, visões de mercado,culturas,valores,expectativas de crescimento e convergência de planos de negócios. Mantém um canal permanente para a leitura de necessidades, demandas e sugestões dos seus clientes, tais como: Como crescer? Como melhorar? Como servir? etc. Antecipam, através de informações e percepções dos clientes, movimentos do mercado que podem ser convertidos em oportunidades de negócio para a empresa. Sabem gerar motivação e interesse, mantendo-os informados sobre o direcionamento dos projetos comerciais prioritários da empresa, criando expectativas favoráveis em relação a sua participação nesses projetos. O diferencial na gestão de clientes tem início dentro da própria empresa na forma como sua estratégia de comercialização é construída, definida e principalmente como as demais áreas funcionais são envolvidas na sua operacionalização. Executivos de negócios diferenciados desenvolvem estratégias agressivas com a colaboração de seus pares, fazem-na aprovar pelos superiores, transformando-as em projeto prioritário da empresa. Estimulam sua disseminação dentro da organização, divulgam seus objetivos, promovem a integração operacional das áreas de suporte internas com as equipes de vendas, compartilham os méritos em relação ao atingimento de seus resultados e mantêm todos motivados,assegurando que os pontos essenciais das estratégias sejam permanentemente considerados no processo operacional da empresa. v PERCEPÇÃO DOS MOVIMENTOS DE MERCADO v LIDERANÇA DE EQUIPES DE VENDAS E CLIENTES Esses executivos de negócios destacam-se pela capacidade de formar e manter equipes de vendas altamente 130 MARIO FRANCESCATO REVISTA DA ESPM– S E T E M B R O / O profissional diferenciado utiliza sua credibilidade pessoal, de sua equipe e da empresa para estreitar o relacionamento com clientes em todos os níveis. Promovem O U T U B R O D E 2003 v PAIXÃO PELO CRESCIMENTO DO NEGÓCIO Esses profissionais diferenciam-se pela sua relação com a empresa, fazem parte de sua visão estratégica, são extremamente dedicados aos negócios e emanam, contagiando seus pares, subordinados e clientes, verdadeira paixão pelo crescimento e satisfação de estar sempre surpreendendo pela superação de suas metas. ESPM