9 Dano Moral e a Pessoa Jurídica

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9 Dano Moral e a Pessoa Jurídica
Revista de Direito das Faculdades Integradas de Jaú
ISSN 2318-566X
DANO MORAL E A PESSOA JURÍDICA
JORGE SHIGUEMITSU FUJITA1
RESUMO
O presente artigo objetiva colocar em pauta a discussão referente aos danos morais
causados à pessoa jurídica, a qual pode sofrer a violação de alguns de seus direitos
da personalidade amparados pelo art. 52 do Código Civil.
PALAVRAS-CHAVE
Pessoa jurídica; Dano moral; Direitos da personalidade; Reparação.
1 INTRODUÇÃO
Etimologicamente, dano provém do latim damnum, que significa todo
mal ou ofensa que uma determinada pessoa haja causado a outrem, da qual possa
decorrer uma deterioração, destruição ou prejuízo a seu patrimônio ou a valores de
ordem moral.
O vocábulo moral se origina do latim moralis, que traduz “relativo
aos costumes”.
Já a pessoa jurídica 2 , que é um grupo de pessoas ou de bens,
voltado a um fim comum, cuja natureza jurídica é decorrente da construção da
1
Professor Titular de Direito Civil do Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas – FMU (São
Paulo). Assistente Doutor no Curso de Pós-Graduação stricto sensu da Faculdade de Direito da Universidade de
São Paulo. Professor do Curso de Pós-Graduação lato sensu em Direito Civil e Processo Civil da Universidade
Estadual de Londrina. Doutor em Direito Civil pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Membro
do Instituto Brasileiro de Direito de Família - IBDFAM. Associado e colaborador do Instituto dos Advogados de
São Paulo - IASP e da Associação dos Advogados de São Paulo - AASP. Advogado, consultor, parecerista e autor
de livros jurídicos.
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técnica jurídica, pode ser lesada em seus direitos da personalidade, resultando, em
consequência, danos morais, ante os expressos termos do art. 52 do Código Civil de
2002, que estende à pessoa jurídica, no que couber, os direitos da personalidade.
2. CONCEITO DE DANO MORAL
Várias são as conceituações lançadas por ilustres juristas.
Wilson Melo da Silva 3 conceitua os danos morais como sendo
“lesões sofridas pelo sujeito físico ou pessoa natural de direito em seu patrimônio
ideal, entendendo-se por patrimônio ideal, em contraposição a patrimônio material, o
conjunto de tudo aquilo que não seja suscetível de valor econômico”.
Para Carlos Alberto Bittar4, danos morais são aqueles qualificados
“em razão da esfera da subjetividade, ou do plano valorativo da pessoa na
sociedade, em que repercute o fato violador, havendo-se, portanto, como tais
aqueles que atingem os aspectos mais íntimos da personalidade humana (o da
intimidade e da consideração pessoal, ou o da própria valoração da pessoa no meio
em que vive e atua (o da reputação ou da consideração social)”.
Para Sílvio de Salvo Venosa5, dano moral “é o prejuízo que afeta o
ânimo psíquico, moral e intelectual da vítima”.
2
A expressão “pessoa jurídica”, consoante Pontes de Miranda (Tratado de Direito Privado, 2ª ed.,
atualizada por Vilson Rodrigues Alves, Campinas :Bookseller, 2000, p. 349 e 350, v. 1), provém do
início do século XIX, tendo sido empregada, primeiramente, por Heise em 1807, mas divulgada por
Savigny e adotada pelo BGB.
Não há denominação única para essa unidade de pessoas naturais ou de patrimônios, tanto que são
designativos: pessoas morais (direito francês e direito suíço), pessoas coletivas (direito português),
pessoas civis, pessoas místicas, fictícias, abstratas, intelectuais, de existência ideal, universais,
compostas, universidades de pessoas e de bens, pessoas sociais e pessoas jurídicas. A mais difundida
é pessoa jurídica. A denominação “pessoa jurídica” é a adotada pelo Código Civil do Brasil (arts. 40 a
69) e pelos Códigos da Alemanha (§§ 21 a 89 do BGB), Itália (arts. 11 e seguintes) e da Espanha (art.
35).
3
SILVA, Wilson Melo da.O Dano Moral e a sua Reparação. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983, p. 13.
BITTAR, Carlos Alberto. Reparação Civil por Danos Morais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1993, p.
41.
5
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil – Responsabilidade Civil. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003, v. 4, p. 33.
4
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Orlando Gomes6, entendendo que a “expressão dano moral deve ser
reservada exclusivamente para designar o agravo que não produz qualquer efeito
patrimonial”, conceitua como sendo “o constrangimento que alguém experimenta em
consequência de lesão em direito personalíssimo, ilicitamente produzida por
outrem”.
Miguel Maria de Serpa Lopes 7 afirma apresentar-se o dano moral
sob duas espécies, uma no sentido lato e outra no sentido restrito. O dano moral, de
caráter lato, “também denominado parte social do patrimônio moral, está sempre
ligado mais ou menos a um dano material, patrimonial, como o ser alguém obrigado,
em consequência do evento danoso, a demitir-se de uma função elevada, a
comprometer o seu futuro e o de seus filhos. Em tais casos, a ideia de reparação
quase não sofre contestação”. Já o dano moral, de caráter restrito, é aquele que
existe quando não se produz nenhum efeito sobre o patrimônio, “senão sobre a
pessoa em seus interesses morais tutelados pela lei”8.
Maria Helena Diniz9 assim se expressa a respeito do dano moral: “é
a lesão de interesses não patrimoniais de pessoa física ou jurídica, provocada pelo
fato lesivo”.
Podemos, então, conceituar o dano moral como sendo toda e
qualquer lesão sofrida pela pessoa natural ou pessoa jurídica em seus direitos da
personalidade10.
6
GOMES, Orlando. Obrigações. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997, n. 195, p. 271.
7
LOPES, Miguel Maria de Serpa. Curso de Direito Civil - Fontes das Obrigações: Contratos. 6. ed. rev. e
atualizada por José Serpa Santa Maria. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1995, v. 2, p. 392.
8
Idem, p. 392.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro – Responsabilidade Civil. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2003,
v. 7, p. 84.
9
10
Daisy GOGLIANO conceitua os direitos da personalidade como sendo “os direitos subjetivos
particulares, que consistem nas prerrogativas concedidas a uma pessoa pelo sistema jurídico e
assegurada pelos meios de direito, para fruir e dispor, como senhor, dos atributos essenciais da sua
própria personalidade, de seus aspectos, emanações e prolongamentos, como fundamento natural
da existência e liberdade, pela necessidade da preservação e resguardo da integridade física,
psíquica, moral e intelectual do ser humano, no seu desenvolvimento” (Direitos Privados da
Personalidade, Dissertação de Mestrado apresentada no Curso de Pós-Graduação Stricto Sensu,da
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, 1982, p. 404).
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2.1 Espécies de Dano Moral
O dano moral pode ser direto ou indireto.
Consoante Eduardo Zannoni 11 , o dano moral direto é aquele
consistente “na lesão a um interesse que visa a satisfação ou gozo de um bem
jurídico extrapatrimonial contido nos direitos da personalidade (como a vida, a
integridade corporal, a liberdade, a honra, o decoro, a intimidade, os sentimentos
afetivos, a própria imagem) ou nos atributos da pessoa (como o nome, a
capacidade, o estado de família)”.
Já o dano moral indireto consiste “na lesão a um interesse tendente
à satisfação ou gozo de bens jurídicos patrimoniais, que produz um menoscabo a
um bem extrapatrimonial, ou melhor, é aquele que provoca prejuízo a qualquer
interesse não patrimonial, devido a uma lesão a um bem patrimonial da vítima.
Deriva, portanto, do fato lesivo a um interesse patrimonial”12. P. ex.: perda de coisa
com valor afetivo, ou seja, de um anel de noivado13.
Entendemos plausível a ocorrência de danos morais à pessoa
jurídica, quer na forma direta, quer na forma indireta.
3 HISTÓRICO
Pela pesquisa histórica, podemos depreender o reconhecimento dos
danos morais e da sua reparação, embora ainda de forma incipiente, em legislações
antigas.
Com efeito, no Código de Hamurabi, estabelece-se que, na hipótese
de bruxaria provocada a uma pessoa que não a merecesse, traduzindo-se, pois,
injusto o mal a ela causado, a reparação se fazia mediante a morte do enfeitiçador14.
O Código de Manu, vigente na antiga Índia, previa a imposição de
uma pena pecuniária àquele que desse em casamento uma donzela com “defeitos”,
sem o prévio aviso ao homem interessado em desposá-la.
11
ZANNONI, Eduardo. El Daño en la Responsabilidad Civil. 2. ed. Buenos Aires: Astrea, 1993, p. 287 e 288.
Idem, p. 287 e 288.
13
DINIZ, Maria Helena; op. cit., p. 86.
14
VITÓRIO, Teodolina Batista da Silva Cândido. Dano Moral – Princípios Constitucionais. Belo Horizonte: Del
Rey, 2004, p. 41.
12
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De outra parte, impunha a famosa legislação o pagamento de cem
panas à pessoa que, de má-fé, afirmasse que determinada mulher não era detentora
da virgindade.
Já o condenado por seduzir uma mulher, era submetido a mutilações
desonrosas, seguidas de seu desterro.
Como se vê, a existência de danos morais dava lugar, quase
sempre, a uma reparação, que impunha ao seu autor uma pena punitiva corporal,
que, muitas vezes, culminava com a sua morte.
Todavia, embora mais antigo que o Código de Hamurabi e o Código
de Manu, informam os historiadores do direito que o Código de Ur-Nammu, datado
do ano 2000 a.C. aproximadamente, trazia soluções que afastavam a pena corporal,
utilizando, em seu lugar, a pena pecuniária.
Assim, na hipótese de uma pessoa ocasionar à outra, mediante uso
de arma, a quebra de seus ossos, seria ela condenada a pagar à vítima uma mina
de prata. Se houvesse decepado o nariz da outra, seu autor seria obrigado a pagar
ao mutilado 2/3 de minas de prata.
Na antiga Grécia, consoante relata Wilson Melo da Silva 15, Homero,
em sua Odisséia (rapsódia 8ª, versos 266-367), descreve a realização de uma
assembleia de deuses pagãos, com o objetivo de examinar e decidir um caso de
reparação de danos morais resultantes de um adultério. A decisão foi no sentido de
que Hefesto, que flagrara sua esposa Afrodite mantendo colóquio amoroso com
Ares, deveria receber de Ares uma multa vultosa.
A Bíblia Sagrada, em seu Velho Testamento, fixa algumas normas
que foram seguidas pelos hebreus durante um longo período. Em Deuteronômio,
capítulo XXII, versículos 13-21, prevê-se um caso de difamação por parte do marido,
que alega, publicamente, não ser virgem a sua mulher. Produzidas as provas de
virgindade perante os anciãos da cidade, se fosse procedente a acusação do
marido, a mulher seria condenada à morte por apedrejamento. Caso contrário,
demonstrada a improcedência, ao marido, autor da difamação, eram impingidos
castigos corporais, além de uma pena pecuniária consistente no pagamento de 100
(cem) siclos de prata, destinados ao sogro. Ademais, ficava ainda obrigado a
continuar com a sua mulher.
15
SILVA, Wilson Melo da; op. cit., p.17.
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Em Deuteronômio, capítulo XXII, versículos 28-30, verifica-se a
hipótese em que um homem vem a ser flagrado mantendo relações sexuais com
uma jovem virgem não prometida para casamento. Além de ter de desposá-la
compulsoriamente, deveria pagar ao pai da jovem 50 (cinquenta) siclos de prata.
O Corpus Iuris Canonici oferece também uma passagem que dá
uma real ideia do seu reconhecimento quanto aos danos morais. Trata-se de
hipótese de rapto de uma mulher virgem, devendo o raptor se casar com a raptada.
Entretanto, não autorizando o pai a realização do matrimônio, deveria o raptor
promover o pagamento de uma importância em dinheiro equivalente ao valor de um
dote da época.
3.1 Direito Romano
O direito em Roma conhecia a figura da iniuria(injúria), que
significava o não direito, algo que se praticava sem o direito (in + ius, iuris). A injúria
se caracterizava, na época de Justiniano 16 , pelas seguintes hipóteses: a) pela
ofensa física traduzida por golpes de punho ou com varas; b) quando uma pessoa
alterava a sua voz contra qualquer outra; c) quando uma pessoa se apossava de
bens de outra que nada lhe devia; d) o ato de escrever, compor ou publicar, por si ou
por interposta pessoa, um libelo ou um livro infamante contra outrem; e) quando se
perseguia uma mãe de família, um jovem ou uma jovem, com ato atentatório contra
o pudor de qualquer deles; f) por uma infinidade de ações.
A pessoa ofendida nos casos elencados nos itens “a”, “b”, “c”, “e” e
“f”, poderia lançar mão da actioprevista na Lex Cornelia, cujo prazo prescricional era
de 30 (trinta) anos.
Tratando-se de caso preconizado no item “d”, ou seja, de escrita,
composição ou publicação, por si ou por interposta pessoa, de um libelo ou de um
livro infamante contra outra pessoa, poderia esta, a vítima, valer-se de uma ação
denominada actioiniuriarumaestimatoria, mediante a qual pleiteava uma reparação
em determinada quantia em dinheiro, que poderia ser acolhida pelo magistrado, ou
16
JUSTINIANO. Institutas, § 1º, De Iniuris, IV, 4.
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fixada em outro valor, de acordo com o seu critério. O prazo prescricional era de 1
(um) ano.
Também poderia usar a actioiniuriarumaestimatoria a vítima, mãe de
família, um jovem ou uma jovem da alta sociedade romana, que tivesse sido
seguida, por repetidas vezes, nas ruas, por alguém com pretensões libidinosas
(Justiniano, Institutas, § 1º, De Iniuris, IV, 4). Assim, pleiteava perante o magistrado
romano o pagamento de uma importância em dinheiro, visando à sua reparação
moral.
4 DANO MORAL À PESSOA JURÍDICA
A questão correspondente ao dano moral sofrido pela pessoa
jurídica não é mansa e pacífica entre os doutrinadores, como também na
jurisprudência, pelo que podemos classificá-los em uma corrente desfavorável e
outra corrente favorável.
4.1. Corrente Negativista
Dentro da corrente negativista, Jorge Bustamante Alsina17 assevera
que inexiste a possibilidade de dano moral a uma pessoa jurídica, porquanto, por
não possuir um organismo físico, tal qual ocorre com o ser humano, não tem
sentimentos, emoção ou espírito, que possam ser passíveis de uma lesão. Para ele,
a pessoa jurídica não tem os direitos personalíssimos inatos às pessoas naturais.
Santos Cifuentes 18 enfatiza a impossibilidade de a pessoa jurídica
sofrer danos morais, porquanto não reúne condições para refletir, raciocinar,
perceber, sentir, faculdades próprias da pessoa natural.
Wilson Melo da Silva 19 , da mesma forma, afirma que a pessoa
jurídica não pode ser indenizada por danos morais, uma vez que não possui um
17
ALSINA, Jorge Bustamante. Teoria General de la Responsabilidad Civil. 8. ed. Buenos Aires: Abeledo-Perrot,
1993, p. 251 e 252.
18
CIFUENTES, Santos. El Daño Moral y la Persona Juridica, in: Derecho de Daños. Primeira Parte. Buenos Aires:
La Rocca, 1996, p. 393 a 413.
19
SILVA, Wilson Melo da; op., cit., p. 650 a 652.
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corpo físico dotado de um sistema nervoso, de capacidade sensorial, podendo
apenas existir como uma simples ficção jurídica. Entende que os danos morais
somente têm por base alicerces puramente espirituais, pelo que os danos ao
patrimônio ideal estão atrelados à capacidade afetiva e sensitiva presente apenas
nos seres humanos. As pessoas jurídicas, a seu ver, jamais teriam um sistema
nervoso próprio, uma alma, uma sensibilidade, enfim, um patrimônio ideal que
pudesse ser objeto de uma lesão.
Agostinho Alvim20 não vislumbra, igualmente, o dano moral à pessoa
jurídica. Na sua ótica, o dano não patrimonial equivale ao dano moral, consistindo
ambos na dor. Deste modo, critica os autores que sustentam o cabimento do dano
moral à pessoa jurídica sob a alegação de que não haveria coincidência entre o seu
caráter não patrimonial e a dor, podendo existir o dano não patrimonial
independentemente da dor.
Antônio Carlos Amaral Leão 21 entende ser inviável o pleito de
indenização por danos morais, a qual somente seria justificada, se a vítima fosse
uma pessoa física ou natural. Embora concorde que uma pessoa jurídica, cujo título
foi indevidamente protestado, tenha direito a perdas e danos, nega toda e qualquer
possibilidade de reclamo por danos morais.
Deste modo, as ideias dos juristas que negam a possibilidade de
reparação de danos morais causados à pessoa jurídica têm como cerne,
simplesmente, o fato de não vislumbrarem nela a ocorrência de fenômenos
biológicos e psicológicos próprios do ser humano, onde a dor, o sofrimento, a
decepção, a depressão, o constrangimento são decorrentes da sua mente, do seu
centro nervoso, ao contrário da pessoa jurídica, totalmente desprovida desses
elementos sensoriais.
20
ALVIM, Agostinho. Da Inexecução das Obrigações e suas Consequências. São Paulo: Saraiva, 1980, p. 219 e
220.
21
LEÃO, Antônio Carlos Amaral. Considerações em torno do Dano Moral e a Pessoa Jurídica. São Paulo: Revista
dos Tribunais n. 689, 1993, p. 7 a 13.
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4.2 Corrente Favorável
Ao contrário da corrente atrás comentada, posiciona-se a maioria
doutrinária em sentido favorável à existência de danos morais e de sua
reparabilidade.
Adriano De Cupis 22 ensina que uma pessoa jurídica, como uma
sociedade comercial ou um instituto beneficente, pode sofrer um dano não
patrimonial, em hipóteses envolvendo uma campanha difamatória, denegrindo a sua
imagem, ou pela violação de sigilo de correspondência. Critica o argumento de que
a pessoa jurídica não é sujeito de dores físicas ou morais, entendendo que a pessoa
jurídica possa sofrer um dano não patrimonial distinto da dor percebida pela pessoa
natural.
Henri Mazeaud e Léon Mazeaud23, na década de 30 do século XX,
consideravam plenamente viável a possibilidade de as pessoas jurídicas sofrerem
danos morais relativamente à parte social de seu patrimônio não econômico.
Afirmam: “se uma pessoa moral não tem coração, ela tem honra e consideração”24.
Brebbia 25 assevera serem as pessoas jurídicas detentoras de
direitos extrapatrimoniais, com exceção dos direitos à vida, à integridade física e à
honestidade, próprios das pessoas físicas. Têm direito à honra, consideração e
fama, ao nome, à liberdade de ação, à segurança pessoal, à intimidade, ao direito
moral do autor sobre a obra intelectual. Conclui que essa relação não é taxativa,
uma vez que as pessoas jurídicas recebem, em princípio, a mesma proteção das
pessoas individuais.
Aguiar Dias 26 assim se pronuncia: “a pessoa jurídica pública ou
privada, os sindicatos, as autarquias, podem propor ação de responsabilidade, tanto
fundada no dano material como no prejuízo moral. Este ponto de vista, esposado
pela generalidade dos autores, é sufragado hoje pacificamente pela jurisprudência
22
DE CUPIS, Adriano. Il Daño – Teoria General de La Responsabilidad Civil. Tradução de Ángel Martinez Sarrión,
Barcelona: Bosch, 1975, p. 124.
23
MAZEAUD, Henri et MAZEAUD, Léon. Traité Théorique et Pratique de la Responsabilité Civile, Délictuelle et
Contractuelle. 4ème. ed. Paris: Recueil Sirey, 1947, t. I, p. 295.
24
MAZEAUD, Henri et MAZEAUD, Léon, Traité Théorique et Pratique de la Responsabilité Civile, Délictuelle et
Contractuelle. 2ème. ed.. Paris: Recueil Sirey, 1934, t. III, p. 685.
25
BREBBIA, Roberto. Instituciones de Derecho Civil. Rosário: Juris, 1997, v. 2, p. 429.
26
DIAS, José de Aguiar. Da Responsabilidade Civil. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1979, v. 2, p. 897.
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estrangeira. A nossa carece de exemplos, ao menos de nós conhecidos. Não há
razão para supor que não adote, ocorrida a hipótese, igual orientação”.
Walter Moraes27 consigna que “a doutrina, em geral, admite a tutela
da honra das pessoas jurídicas, distinta da proteção da dignidade dos indivíduos que
as compõem”.
Carlos Alberto Bittar
28
ensina que as pessoas jurídicas são
suscetíveis de danos morais, porquanto se lhes reconhecem direitos da
personalidade. Pontifica o saudoso jurista: “De fato, para a respectiva identificação e
de seus produtos, bem como para a sua individualização e a preservação de seus
valores básicos, inúmeros direitos dessa ordem compõem a sua essencialidade,
merecendo, pois, o amparo jurídico. Consequentemente, podem também sofrer
danos morais, seja de qualquer pessoa, vinculada, ou não, sócio, acionista ou
mesmo controlador (Lei 6.404, de 15.12.76, art. 117), ou, ainda, de concorrente,
hipótese em que se submete a repressão correspondente a regime legal próprio, ou
seja, o da concorrência desleal (C. Penal, art. 196)”29.
Sergio Cavalieri Filho30, argumentando não existir mais o porquê de
se fazer a exigência injustificada de dor e sofrimento por parte da pessoa jurídica, no
que concerne à honra, para que houvesse o reconhecimento do dano moral,
promove uma diferenciação entre a honra subjetiva e a honra objetiva. A honra
subjetiva, consistente na dignidade e na auto-estima, é presente apenas na pessoa
física ou natural. Já a honra objetiva se funda na reputação e na imagem
desfrutadas no meio social tanto pela pessoa natural, como também pela pessoa
jurídica.
Observa Sergio Cavalieri Filho31 que “o fundamento da reparação do
dano moral não é apenas aquela ideia de compensação – substituir a tristeza pela
alegria, etc.; a par do sentido compensatório, a indenização pelo dano moral tem de
assumir um caráter punitivo, conforme salientado”.
27
MORAES, Walter. Direito à Honra. InEnciclopédia Saraiva do Direito. São Paulo: Saraiva, 1977, v. 25, p. 208.
28
BITTAR, Carlos Alberto. Reparação Civil por Danos Morais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
1993, p. 146 e 147.
29
Idem, p. 147.
CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 2. ed., 2ª tiragem, São Paulo: Malheiros, 1999,
p. 83.
31
Idem, p. 84.
30
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A pessoa jurídica é detentora de uma honra objetiva, que, uma vez
atingida, merece uma reparação por dano moral, a qual, caso fosse negada,
efetivamente traduziria um verdadeiro acinte, soando como apologia à impunidade.
4.3 Nossa Posição
Embora existam opiniões discordantes a respeito da existência de
danos morais perpetrados em desfavor de uma pessoa jurídica, alegando não
possuir existência psicofísica e ética 32 , ou um substrato biológico, psíquico e
espiritual, desprovida de quaisquer sentimentos, entendemos que a atual
Constituição Federal e, sobretudo, o Código Civil de 2002 não dão margem a
qualquer dúvida a esse respeito. Ademais, a Súmula 227 do Superior Tribunal de
Justiça é taxativa:“A pessoa jurídica pode sofrer dano moral”.
Com efeito, pela leitura do art. 5º, incisos V, X, XII, XVII e XXIX, da
Constituição Federal, que preconizam o direito de resposta, proporcional ao agravo,
além da indenização por dano material, moral ou à imagem (V); a inviolabilidade da
intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas, assegurado o
direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação (X); a
inviolabilidade do sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de
dados e das comunicações telefônicas, exceto por ordem judicial (XII); a liberdade
de associação (XVII); o direito de autoria de inventos industriais e a proteção às
criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros
signos distintivos (XXIX); assim como, pela exegese do art. 52, combinado com os
arts. 11 a 21 do Código Civil (aplicação, no que couber, dos direitos da
personalidade à pessoa jurídica) e art. 186 do mesmo diploma civil (comete ato ilícito
aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar
direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral), temos como
plenamente possível o reconhecimento dos danos morais e a sua reparabilidade
dentro do direito brasileiro.
32
ALSINA, Jorge Bustamante; op. cit., p. 251.
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Aliás, no que concerne à reparação por danos morais perpetrados
em prejuízo da pessoa jurídica, entendemos ser ela devida independentemente da
existência de danos patrimoniais.
5. DIREITOS DA PERSONALIDADE DA PESSOA JURÍDICA QUE, VIOLADOS,
PODEM CONFIGURAR DANO MORAL
Levando em consideração o ensinamento de Eduardo Zannoni 33 ,
que alude a existência de dano moral indireto, o qual é aquele que provoca prejuízo
a qualquer interesse não patrimonial, devido a uma lesão a um bem patrimonial da
vítima, podemos também afirmar a configuração de dano moral direto, consistente
“na lesão a um interesse que visa a satisfação ou gozo de um bem jurídico
extrapatrimonial contido nos direitos da personalidade”34.
Conquanto haja evidente diferença entre a pessoa natural e a
pessoa jurídica, sendo esta o resultado de uma construção da realidade técnica
jurídica, estabeleceu o novo ordenamento jurídico civil, em seu art. 52 35, dispositivo
reconhecendo a aplicabilidade dos direitos da personalidade à pessoa jurídica.
Levando em conta a expressão “no que couber”, teremos que
considerar, por meio da análise sistemática, quais os direitos da personalidade se
traduzem aplicáveis à pessoa jurídica.
Deste modo, em primeiro lugar, não poderemos falar do direito à
vida e o direito à integridade física, mesmo reconhecendo que a vida da pessoa
jurídica (de direito privado) tem início com a inscrição do ato constitutivo no registro
respectivo, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação, do Poder
Executivo (CC, art. 45, caput). Não teria sentido falarmos em indisponibilidade ou
intransmissibilidade da pessoa jurídica durante a sua “vida”.
Entretanto, Manoel Gonçalves Ferreira Filho 36 entende existir um
direito à vida por parte de associações, ao interpretar os termos do art. 5º, XIX, da
Constituição Federal, que dispõe a respeito da impossibilidade da dissolução ou
33
ZANNONI, Eduardo. El DañoenlaResponsabilidad Civil, p. 287 e 288.
Idem, p. 287 e 288.
35
CC, art. 52: “Aplica-se às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos direitos da personalidade”.
36
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição Brasileira de 1988. São Paulo: Saraiva, 1988,
v. 1, p. 44.
34
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suspensão compulsória das atividades das associações, exceto por decisão judicial
transitada em julgado. Assevera o eminente constitucionalista que as associações
têm assegurado o direito à livre constituição, independentemente da boa vontade do
Poder Executivo, a menos que exista um objeto ilícito.
5.1 Direito à Honra Objetiva e à Imagem
O reconhecimento do direito à honra da pessoa jurídica, para Carlos
Alberto Bittar37, se prende “à necessidade de defesa da reputação da pessoa (honra
objetiva), compreendendo o bom nome e a fama de que desfruta no seio da
coletividade”. A honra pode ser violada pela falsa atribuição de um crime ou pela
imputação de fato ofensivo à reputação da pessoa jurídica dentro do meio social.
Walter Moraes38 comenta que a “doutrina, em geral, admite a tutela
da honra das pessoas jurídicas, distinta da proteção da dignidade dos indivíduos que
as compõem”. Entretanto, faz uma objeção: “não se pode porém confundir esse
direito, no mais das vezes de interesse patrimonial, com direito de personalidade – a
nosso ver apanágio da pessoa humana”39.
Sergio Cavalieri Filho 40 promove uma diferenciação entre a honra
subjetiva e a honra objetiva.
A honra subjetiva tem como base a dignidade, decoro e auto-estima,
sendo exclusiva do ser humano, e não da pessoa jurídica.
Porém, a honra objetiva, que tem como supedâneo a reputação, a
imagem, a fama, o bom nome perante o meio social, é comum não apenas à pessoa
natural ou física, como também à pessoa jurídica.
A violação da honra pode se verificar, dentro da coletividade, por
qualquer meio de comunicação, seja ela escrita (livro, jornal, artigos na internet,
etc.), sonora (por meio da rádio, televisão, por gravações eletromagnéticas, em
37
BITTAR, Carlos Alberto. Os Direitos da Personalidade, p. 129.
38
MORAES, Walter. Direito à Honra. InEnciclopédia Saraiva do Direito. São Paulo: Saraiva, 1977, v. 25,
p. 208.
39
Alerte-se que a afirmativa de Walter Moraes foi feita em 1977, porquanto o Código Civil de 2002 preconiza,
em seu art. 52, a possibilidade de se aplicar às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos direitos da
personalidade.
40
CAVALIERI FILHO, Sergio; op. cit., p. 83.
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discos, etc.) ou verbal. Pode se verificar de maneira ostensiva ou sutil, ou, até
mesmo, dissimulada, objeto de percepção por terceiros41.
Quanto ao direito à imagem, este significa o direito que a pessoa
tem sobre a sua expressão externa. Em se tratando de pessoa física ou natural, ele
se exterioriza pela forma plástica e por seus respectivos componentes, como a boca,
os olhos, os braços, o tronco, as pernas, etc., com destaque para a sua divulgação
em propaganda e publicidade de produtos e serviços42.
Embora o direito à honra seja distinto do direito à imagem, podemos
afirmar, com base em Bittar 43 , na seara da pessoa jurídica, que a sua imagem,
atrelada à ideia de sua reputação ou consideração social, corresponde à honra.
Assim, quando alguém, indevidamente, promove o protesto de um
título emitido contra uma pessoa jurídica, o qual já se encontra pago, está violando o
seu direito à honra objetiva, maculando a sua imagem junto à sociedade como um
todo, não apenas comprometendo a sua credibilidade de que desfruta no meio
comercial, como também a sua boa reputação e fama perante o meio social. Nesse
caso, indubitável a possibilidade de pleito de indenização por danos morais.
5.2 Direito à Intimidade
Esse direito vem preconizado no art. 5º, X, da Constituição Federal,
e no art. 21 do Código Civil. Violado, ensejará o direito à indenização por danos
morais.
Segundo obtempera Rui Stoco
44
, a pessoa jurídica possui
personalidade e imagem próprias, tendo “a sua própria identidade, que não se
confunde com a dos sócios dela integrantes”.
O direito à intimidade que possui a pessoa jurídica significa, segundo
Carlos Alberto Bittar45, aquele ligado “à preservação de sua vida interna, vedandose, pois, a divulgação de informações de âmbito restrito. Há, inclusive, normas legais
41
BITTAR, Carlos Alberto. Os Direitos da Personalidade, p. 130.
Idem, p. 90.
43
Idem, p. 130.
44
STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. 5. ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2001, p. 1.351.
45
BITTAR, Carlos Alberto. Os Direitos da Personalidade, p. 110.
42
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que proíbem a difusão de dados de cunho confidencial na empresa (assim, no
âmbito societário; no plano da publicidade; das comunicações)”.
Podemos dar alguns exemplos de violação do direito à intimidade: 1)
violação de domicílio; 2) violação a gavetas ou arquivos existentes no
estabelecimento; 3) a divulgação geral não autorizada de dados cadastrais obtidos,
para seus próprios fins, por um determinado estabelecimento de crédito, oferecendo
a terceiros, de maneira indesejada, o perfil econômico da pessoa jurídica; 4)
grampeamento telefônico; 5) tirar fotografias, mediante teleobjetivas ou por
minicâmeras, do interior do estabelecimento administrativo ou fabril, devassando a
sua intimidade.
5.3 Direito ao Sigilo
Embora com certa semelhança com o direito à intimidade, o direito
ao sigilo é ligado aos interesses documentais, profissionais, industriais ou
comerciais, caracterizando-se, segundo Patrícia Guerrieri Barbosa Viana 46 , como
transgressão a esse direito “os atos de intromissão, divulgação e uso indevido, em
proveito próprio ou alheio, dos fatos considerados confidenciais”.
Enquanto o direito à intimidade se refere a fatos mais abrangentes
do campo privado, compreendendo a pessoa em sua vida interna, o direito ao sigilo
é relativo a fatos específicos, mantidos de forma reservada, nos limites estreitos da
pessoa jurídica, em virtude de sua atividade profissional, industrial ou comercial.
Exemplos: 1) haverá violação de segredo profissional, se o
advogado revelar detalhes contados por sua cliente, pessoa jurídica; 2) configurará
violação de segredo documental, se o extrato bancário da pessoa jurídica vier a ser
objeto de conhecimento de terceiros, sem autorização judicial; 3) violação ao sigilo
comercial ou fiscal: obtenção não autorizada do conteúdo de livros comerciais ou
fiscais; 4) violação ao sigilo industrial: experiências obtidas pela aplicação de técnica
ou pela exploração de empresa, as quais, por sua natureza, não podem ser
registradas para proteção específica na seara da propriedade industrial (marcas e
46
VIANA, Patrícia Guerrieri Barbosa. Dano Moral à Pessoa Jurídica. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, p. 86.
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patentes)47; 5) violação de segredo de fábrica ou de negócio: ato de concorrência
desleal; 6) violação de sigilo de proposta de concorrência pública.
Transgredido o direito ao sigilo da pessoa jurídica, terá esta
legitimidade para a propositura da ação indenizatória por danos morais.
5.4 Direito à Liberdade
O direito à liberdade é classificado por Roberto Senise Lisboa 48
dentro dos direitos psíquicos da personalidade, sendo conceituado como o direito “à
autodeterminação de se conduzir nas relações sociais”. É o direito de fazer ou de
fazer alguma coisa na conformidade com a lei, é a faculdade “que tem a pessoa de
desenvolver, sem obstáculos, suas atividades no mundo das relações” (Carlos
Alberto Bittar49).
Seus aspectos mais proeminentes são, conforme Bittar 50 , os da
“liberdade de associação e de exercício de atividade, que permitem o
desenvolvimento privado de empreendimentos diversos, respeitada a intervenção do
Estado, quando necessária, dentro dos modelos criados pelo neoliberalismo”.
Exemplos: a) violação do direito à liberdade de exercício de
atividade de jornalismo: exclusão de uma emissora de televisão, com privilégio de
uma outra empresa televisiva, numa entrevista coletiva do Presidente da República;
2) violação do direito à liberdade de associação: ato de uma federação de um
determinado segmento da indústria de impedir que uma sociedade empresária, a
qual preenche todos os requisitos estatutários, possa ingressar em seu quadro
associativo.
A violação desse direito, em detrimento da pessoa jurídica, configura
danos morais, independentemente da existência de danos materiais ou patrimoniais.
47
BITTAR, Carlos Alberto. Os Direitos da Personalidade, p. 121.
LISBOA, Roberto Senise. Manual de Direito Civil. 3. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 275.
49
BITTAR, Carlos Alberto. Os Direitos da Personalidade, p. 101.
50
Idem, p. 105.
48
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5.5 Direito à Identidade: Nome, Título e Signo Figurativo
A pessoa jurídica tem direito à identidade, a qual se exterioriza por
meio do nome, que, consoante Alexandre Ferreira de Assumpção Alves 51 , é “a
identificação legal de toda e qualquer associação de pessoas dedicadas à indústria,
ao comércio ou à prestação de serviços, com ou sem fins lucrativos”.
A proteção ao nome da pessoa jurídica resulta do seu respectivo
registro no órgão correspondente (sociedade simples ou associação no Registro
Civil das Pessoas Jurídicas; sociedade de profissionais liberais no órgão em que se
encontre enquadrada; sociedade empresária na Junta Comercial). Havendo violação
ao nome da pessoa jurídica, esta poderá pleitear a supressão do uso impróprio do
nome ou a indenização por danos morais 52 . O uso indevido de nome comercial
poderá configurar o crime de concorrência desleal53, sem prejuízo da propositura da
ação cível, inclusive por danos morais (Lei n. 9.279, de 14-5-1996, arts. 207 e 209).
Além do direito ao nome, há também o direito ao título de
estabelecimento, que significa o nome utilizado para promover a identificação do
lugar onde suas atividades são levadas a efeito. Pode consistir em um nome de
fantasia, cujo uso não autorizado pode resultar em danos, materiais e morais, que
poderão ser requeridos pela pessoa jurídica prejudicada.
Ainda existe o signo figurativo, representado pela marca, que é o
sinal ou expressão, que visa a individualizar os produtos ou serviços de uma
empresa, podendo se apresentar na forma nominal, emblemática ou figurativa, mista
ou complexa (marca envolvendo um nome e um sinal figurativo) 54 . O Código da
Propriedade Industrial (Lei n. 9.279, de 14 de maio de 1996, arts. 207 e 209) prevê a
possibilidade de indenização por perdas e danos, em hipótese de uso indevido de
marca alheia, pelo que podemos incluir os danos morais.
51
ALVES, Alexandre Ferreira de Assumpção. A Pessoa Jurídica e os Direitos da Personalidade. Rio de Janeiro:
Renovar, 1998, p. 83.
52
VIANA, Patrícia Guerrieri Barbosa; op. cit., p. 81 e 82.
53
Lei n. 9.279, de 14-5-1996, art. 195, V.
54
ALVES, Alexandre Ferreira de Assumpção; op. cit., p. 94.
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5.6. Direito Moral do Inventor
Por força do Código da Propriedade Industrial (Lei n. 9.279, de 14-51996), a pessoa jurídica é considerada, por via indireta, o titular da patente. Com
efeito, os artigos 88 e 91 estabelecem que a invenção ou o modelo de utilidade,
quando decorrerem de contrato de trabalho, cuja execução ocorra no Brasil e que
tenha por objeto a pesquisa ou a atividade inventiva, pertencerão exclusiva e
originariamente ao empregador. Nesse sentido, a lei não faz qualquer distinção entre
pessoa física ou pessoa jurídica.
É de se destacar, ainda, que haverá propriedade em comum entre o
empregador e o empregado, quando a criação do bem patenteável for obtida através
da contribuição pessoal do empregado e de recursos, dados, materiais, instalações
ou equipamentos do empregador, hipótese em que é garantido a este o direito
exclusivo de licença de exploração.
A Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, X e XXIX,
estabelece a possibilidade de indenização por danos morais pela violação do direito
moral do inventor. Com efeito, o inciso X, do art. 5º, assegura a reparação por dano
moral a um dos direitos da personalidade, cuja relação não é taxativa, mas
exemplificativa, ao passo que o inciso XXIX, do mesmo dispositivo legal, garante o
direito moral do inventor, pessoa natural ou pessoa jurídica.
6 TENDÊNCIA JURISPRUDENCIAL AO LONGO DO TEMPO
Comenta Antonio Jeová Santos55 que “bosquejando a jurisprudência
pátria, não é encontrado entendimento de que a pessoa jurídica deixe de padecer
dano moral. Parcela pequena de câmaras civis, ao rejeitar a possibilidade de a
pessoa jurídica padecer dano moral, reúne um aspecto interessante ao exigir a
prova de prejuízo para que exista, realmente, a lesão extrapatrimonial”. Cita
acórdãos em que os Tribunais, em posição minoritária, negam, pura e
simplesmente, o reconhecimento do dano moral à pessoa jurídica, ou o deferem
55
SANTOS, Antonio Jeová. Dano Moral Indenizável. 3. ed. São Paulo: Método, 2001, p. 156 e 157.
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condicionado somente à existência de prova do efetivo prejuízo patrimonial. Senão
vejamos:
Ementa: A pessoa jurídica não pode ser sujeito passivo de dano moral. O
elemento característico do dano moral é a dor em sentido mais amplo,
abrangendo todos os sofrimentos físicos ou morais, só possível de ser
verificada nas pessoas físicas. O ataque injusto ao conceito da pessoa
jurídica só é de ser reparada na medida em que ocasiona prejuízo de
ordem patrimonial. Recurso desprovido.
(Acórdão do TJRJ, 4º Gr. Cs.,EInfrs. 17/94, j. 27.4.1994, Rel. Des. Miguel
Pachá - in RT 716/258).
Ementa: A indenização por dano moral, dada a sua natureza, não alcança
pessoas jurídicas.
(Acórdão do TARS, 7ª C., Ap. 194.101.911, j. 26.4.1995, Rel. Juiz Leonello
Pedro Paludo - in RT 717/249).
Ementa: Para que a pessoa jurídica faça jus à indenização por dano
material ou por dano moral, pelo protesto indevido de título de crédito,
necessária se torna a demonstração do efetivo prejuízo econômico sofrido.
(Acórdão do 1º TACSP, 10ª C., Ap. 570.388-0, j. 2.4.1996, Rel. Juiz
Edgard Jorge Lauand - in RT 731/286).
A
par
desses
acórdãos,
podemos
arrolar
outros
arestos
jurisprudenciais, que demonstram uma sensibilidade maior por parte do Poder
Judiciário, no que concerne ao dano moral provocado em prejuízo da pessoa
jurídica, a saber:
Ementa: A honra objetiva da pessoa jurídica pode ser ofendida pelo
protesto indevido de título cambial. Cabível a ação de indenização, por
dano moral, sofrido por pessoa jurídica, visto que a proteção dos atributos
morais da personalidade não está reservada somente às pessoas físicas.
(Acórdão do STJ, 3ª T., Resp 58.660-7-MG, j. 3.6.1997, Rel. Min.
WaldemarZveiter – DJU 22.9.1997 – in RT 747/221).
Ementa: O protesto indevido de título acarreta à pessoa jurídica forte abalo
em sua imagem, em seu conceito, motivando que terceiros passem a ter
fortes dúvidas sobre sua situação financeira, assim, tal abalo, apesar de
não ter acarretado consequências patrimoniais, por si só, autoriza a
condenação em indenização por dano moral correspondente a 10 vezes o
valor atualizado do título.
(Acórdão do 1º TACSP, 2ª Câm. Extraord. B, Ap. 716.708-2, j. 10.6.1997,
Rel. Juiz Alberto Tedesco – inRT 747/289).
Ementa: Quando a pessoa jurídica sofrer ofensa ao seu bom nome, fama,
prestígio e reputação comercial e social, decorrente do protesto indevido
de título, pode pleitear a indenização por dano moral, nos termos do art. 5º,
X, da CF.
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(Acórdão do TJSP, 5ª C., Ap. 34.202.4/0, j. 18.6.1998, Rel. desig. Des.
Silveira Netto – in RT 758/192).
Ementa: No que tange à honra, protegida hoje com acento constitucional
(art. 5º, X), não descaracteriza violação moral o fato de ser pessoa jurídica
a atingida, vez que a honra, que relativamente à pessoa física define-se
como dignidade pessoal, por estar vinculada ao valor ontológico intrínseco
da pessoa, comporta uma avaliação objetiva, na medida em que está ela
também ligada ao conceito que os outros fazem do nosso valor, ou seja, a
reputação, a consideração, o bom nome, a boa fama, a estima. Não se
pode negar que, por ato de outrem, essa dignidade externa possa ser
depreciada, resultando daí ser possível que a pessoa jurídica, a despeito
de desprovida de dignidade subjetiva – ante a ausência de sentimento de
dignidade – possa ser atacada em sua reputação, no seu nome e boa
fama, e, relativamente ao conceito alheio, possa ser lesionada. Essa a
melhor exegese, em se considerando que a expressão patrimônio, no seu
sentido mais amplo, comporta aspectos morais dos bens jurídicos, que
podem sofrer diminuição em consequência de ataques de terceiros, porque
a ofensa pode acarretar diminuição da posição jurídica de que desfruta o
ente ideal, atingindo-lhe bens de natureza extrapatrimonial.
(Acórdão do TRF 2ª Reg., 3ª T., Ap. 97.02.08886-0, j. 8.9.1998, Rel. Juíza
Maria Helena, DJU 23.2.1999 – in RT 766/425).
Ementa: A pessoa jurídica pode padecer de ataque à sua honra objetiva,
pois goza de uma reputação junto a terceiros, passível de ficar abalada por
atos que afetam seu bom nome no mundo civil ou comercial onde atua,
circunstância que lhe dá o direito de ser indenizada pelo dano moral
experimentado, que existe e pode ser mensurado através de arbitramento.
(Acórdão do STJ, 4ª T., Resp 195.842-SP, j. 11.2.1999, Rel. Min. Ruy
Rosado de Aguiar, DJU 29.3.1999 – in RT 767/210).
As decisões mais recentes variam quanto ao reconhecimento do
direito à indenização por danos morais, dependendo ou não da prova de prejuízo
patrimonial. Assim:
Ementa: Dano moral. Pessoa Jurídica. Prova do dano. Protesto
indevido de título. Súmula nº 227 da Corte.
1. Está alinhada a jurisprudência da Corte no sentido de que a
pessoa jurídica pode sofrer dano moral (Súmula nº 227 da Corte).
2. Provado o fato gerador do dano moral, no caso, o indevido
protesto, impõe-se deferir a indenização.
3. Recurso especial conhecido e provido.
(Acórdão do STJ, 3ª T., REsp 538.687/RS; Rel. Min. Carlos Alberto
Menezes Direito, j. 16.12.2003, publicado no DJ de 29.03.2004, p.
237).
Ementa: Direito Comercial. Duplicata sem aceite e sem causa
subjacente. Protesto pelo banco endossatário. Responsabilidade
pela reparação dos prejuízos. Cabimento. Dano moral. Prova do
prejuízo. Desnecessidade.
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I – Consoante entendimento da Corte, o banco endossatário que
leva a protesto duplicata desprovida de causa ou não aceita
responde pelos danos decorrentes do protesto indevido.
II – O protesto indevido de duplicata enseja indenização por danos
morais, sendo dispensável a prova do prejuízo (REsp 389.879/MG,
DJ de 02/09/2002).
Recurso Especial não conhecido.
(Acórdão do STJ, 3ª T., REsp 254.433/SP; Rel. Min. Castro Filho; j.
19.02.2004, publicado no DJ de 08.03.2004, p. 248).
Segundo se deflui das referidas ementas da mesma Turma (3ª) do
Colendo Superior Tribunal de Justiça, houve um progresso entre o acórdão de
dezembro de 2003 e o de fevereiro de 2004, com diferença temporal de apenas 2
(dois) meses, porquanto o último decisório dispensou a prova do prejuízo
patrimonial.
7 ENTES DESPERSONALIZADOS
Segundo Carlos Alberto Bittar, 56 entes despersonalizados, como
condomínios, fundos, espólios, forças armadas, órgãos ou ministérios públicos e os
tribunais, também podem aparecer somo lesados na órbita dos danos morais.
Porém, em virtude de serem desprovidos de personalidade, “não se aceitava, quanto
a essas entidades, a possibilidade de obtenção, em Juízo, de indenização, no
regime tradicional. Isso não impedia, no entanto, que os integrantes, os associados,
ou componentes da entidade – cuja existência fática sempre se entendeu inegável –
pudessem pleitear reparação por efeitos negativos suportados individualmente” 57.
Conclui, afirmando que “tais barreiras cederam com a coletivização
da defesa de interesses, possibilitando-se, igualmente, a esses entes a satisfação
de seus direitos, quando lesados injustamente, através da atuação, em Juízo, dos
legitimados e nas hipóteses previstas na legislação especial”58.
56
BITTAR, Carlos Alberto. Reparação Civil por Danos Morais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
1993, p. 147.
57
58
Idem, p. 147.
Idem, p. 147.
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8 REPARAÇÃO DO DANO MORAL À PESSOA JURÍDICA
Conforme aponta Regina Beatriz Tavares da Silva, 59 ao contrário do
que ocorre nos Estados Unidos, onde a fixação da indenização tem o caráter
punitivo (punitivedamagesou exemplarydamages), com montantes elevados e
inibidores, no Brasil, a indenização se funda na compensação e na punição.
De acordo com a teoria punitiva, a indenização por danos morais
deve representar uma quantia que soe como advertência ao agente causador e a
toda sociedade, no sentido de que não mais haja a sua repetição. A crítica que se
faz a essa teoria diz respeito à fonte de enriquecimento sem causa, que deve ser
objeto de combate e restrição por parte dos tribunais.
Outra teoria, a da punição e compensação, visa destinar à vítima
uma determinada quantia em dinheiro para compensar o dano moral sofrido.
Segundo Caio Mário da Silva Pereira, o ressarcimento pelo dano moral deve ter um
caráter punitivo, para que o causador da lesão seja castigado pelo que fez, como
também um caráter compensatório para a vítima, que deverá receber 60 uma quantia
em dinheiro pelo dano sofrido.
Assevera Carlos Alberto Bittar61: a importância estabelecida deve ser
“compatível com o vulto dos interesses em conflito, refletindo-se, de modo
expressivo, no patrimônio do lesante, a fim de que sinta, efetivamente, a resposta da
ordem jurídica aos efeitos do resultado lesivo produzido. Deve, pois, ser quantia
economicamente significativa, em razão das potencialidades do patrimônio do
lesante”.
Para a fixação do quantum indenizatório, na doutrina brasileira,
apresentam-se duas correntes: uma, denominada sistema aberto, atribui ao
prudente arbítrio do juiz a fixação da indenização pelo dano moral; outra,
denominada sistema fechado ou tarifado, estabelece, segundo Rui Stoco 62, que os
59
SILVA, Regina Beatriz Tavares da.Critérios de Fixação da Indenização do Dano Moral. In Questões
Controvertidas no Novo Código Civil. Coordenação de Mário Luiz Delgado e Jones Figueirêdo Alves.
São Paulo: Método, 2003, p. 267.
60
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1992, p. 55.
BITTAR, Carlos Alberto. Reparação Civil por Danos Morais, p. 220.
62
STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil: Responsabilidade Civil e sua Interpretação Doutrinária e
Jurisprudencial. 5. ed. rev., atual. eampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 1.400.
61
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valores sejam “predeterminados pela lei ou pela aplicação da analogia e da
integração analógica”.
No sistema aberto ou ilimitado, o juiz, ao fixar o quantum
indenizatório, deverá seguir o critério de examinar o nível cultural do agente
causador do dano moral, a condição sócioeconômica do ofensor e da pessoa
jurídica ofendida; a intensidade do dolo ou grau de culpa do agente causador; efeitos
do dano no contexto em que se encontra a ofendida.
Deverá, ainda, estabelecer o valor da indenização com o intuito de
desestimular a repetição de fatos lesivos semelhantes futuramente. Não poderá, no
entanto, determinar um valor que traduza um enriquecimento sem causa, nem
tampouco que represente algo inexpressivo 63.
Conclui Carlos Alberto Bittar64: “Deve-se, em qualquer hipótese, ter
presentes os princípios básicos da satisfação integral dos interesses lesados e da
estipulação de valor que iniba novas investidas, como balizas maiores na
determinação da reparação devida”.
No sistema fechado ou tarifado, são estabelecidos valores mínimos
e máximos a título de indenização em favor da vítima, valores esses fixados pela lei
ou em virtude da analogia ou da integração analógica. No direito brasileiro, tenhamse como exemplos as tarifas máximas previstas pela Lei de Imprensa (200 salários
mínimos), pela Lei de Direitos Autorais (3.000 exemplares), pelo Código Brasileiro
de Aeronáutica (3.500 OTN por morte e 150 OTN por morte) e pelo próprio Código
Civil de 2002, em seus art. 940 (aquele que demandar por dívida já paga deverá
pagar o dobro do que houver cobrado). Consoante pontifica Carlos Roberto
Gonçalves65, “o inconveniente desse critério é que, conhecendo antecipadamente o
valor a ser pago, as pessoas podem avaliar as consequências da prática do ato
ilícito e as confrontar com as vantagens quem, em contrapartida, poderão obter,
como no caso do dano à imagem, e concluir que vale a pena, no caso, infringir a lei”.
Entendemos ser melhor o sistema aberto ou ilimitado, inexistindo
para o magistrado um limite mínimo ou máximo, para a fixação do quantum
indenizatório, o qual terá sempre como base o justo critério do juiz, na apreciação de
cada caso levado ao seu conhecimento e apreciação.
63
64
65
STJ, 3ª T., Recurso Especial 355.392-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 26.03.2002.
BITTAR, Carlos Alberto. Reparação Civil por Danos Morais, p. 225.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 569.
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9 CONCLUSÕES
1. Embora a discussão se faça presente ainda a respeito do dano
moral, verificamos, pela pesquisa histórica, que sua existência remonta à
Antiguidade, consoante fragmentos e documentos consistentes no Código de
Hamurabi, Código de Manu, Código de Ur-Nammu e na própria Bíblia Sagrada.
2. Em Roma, mais exatamente à época de Justiniano, presenciamos
o uso da actioiniuriarumaestimatoria, pela qual era possível requerer uma reparação
em determinada quantia em dinheiro, que poderia ser objeto de acolhimento por
parte do magistrado, ou fixada em outro valor, em conformidade com o seu justo
critério.
3. Embora o dano moral seja objeto de reconhecimento há muito
tempo, não a flagramos reconhecida, na história, no que concerne à pessoa jurídica
como
vítima,
nem
mesmo
na
velha
Roma,
onde
havia
a
figura
das
Collegia66(chamadas também universitates, societates, sodalitates, corpora), ou de
Municipia67, ou coloniae, ou civitates; ou mesmo de entes unitários68 semelhantes às
fundações, constituídos por um complexo de bens destinados a um escopo
determinado.
4. Aliás, a discussão a respeito da existência ou não dos danos
morais à pessoa jurídica dividiu os juristas em duas grandes correntes doutrinárias,
uma negando-lhe o direito, por entender não haver a ocorrência de fenômenos
biológicos e psicológicos, sempre presentes aos seres humanos.
Outra corrente reconhece, de maneira taxativa, o dano moral
perpetrado contra uma pessoa jurídica, asseverando não haver necessidade de uma
lesão a um bem patrimonial para a configuração de um dano moral, no caso indireto.
É possível a existência de um dano moral direto, consoante bem afirma Zannoni,
consistente na lesão a um interesse “que visa a satisfação ou gozo de um bem
jurídico extrapatrimonial contido nos direitos da personalidade”69.
66
Collegiaeram corporações, isto é, associações de pessoas com um escopo comum, tais como de fins
religiosos, corporações de artes e ofícios, sociedades com fins esportivos e com fins lucrativos.
67
Municipia,coloniaeoucivitateseram igualmente corporações de direito privado. Podiam ser proprietárias para
adquirir bens por legado e fideicomisso, e em época tardia serem também instituídos herdeiros
68
Estes entes surgiram somente no período pós-clássico.
69
ZANNONI, Eduardo. El Daño en la Responsabilidad Civil, p. 287 a 288.
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5. Verificamos que o Código Civil de 2002 assinala, de modo
taxativo, em seu art. 52, que se aplica às pessoas jurídicas, no que couber, a
proteção dos direitos da personalidade. Assim, concluímos que a pessoa jurídica
pode sofrer danos morais, resultantes de violação aos seus direitos da
personalidade, consistentes na honra objetiva, na imagem, na intimidade, no sigilo,
na liberdade, na identidade e na invenção. Sua reparação poderá ser requerida com
base no art. 186 do Código Civil, que assevera cometer ato ilícito a pessoa que, por
ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano
a outrem, ainda que exclusivamente moral.
6. Assim, a pessoa jurídica pode sofrer dano moral decorrente da
violação do seu direito à honra objetiva e à sua imagem, na medida em que a sua
reputação, nome ou boa fama dentro do meio social se encontram prejudicados.
Essa violação poderá se verificar de várias maneiras, seja ela escrita, seja sonora ou
verbal.
7. A violação do direito à intimidade também poderá traduzir um
dano moral à pessoa jurídica, a qual possui a sua vida interna, que deverá ser
preservada, não podendo quem quer que seja devassar a sua privacidade.
8. Semelhante ao direito à intimidade, surge também o direito ao
sigilo. Esse direito diz respeito a notícias, informações ou dados sigilosos guardados
pela pessoa jurídica. Distingue-se o direito ao sigilo do direito à intimidade, uma vez
que, enquanto este se refere a fatos mais amplos da seara privada, considerando a
pessoa jurídica em sua vida interna, o direito ao segredo se encontra ligado a fatos
específicos, mantidos de maneira reservada, nos limites da pessoa jurídica, em
virtude de suas atividades. Sua violação traduzida, por exemplo, por uma divulgação
não autorizada do conteúdo de seus livros fiscais ou comerciais ou de seus
segredos industriais, poderá configurar um dano moral.
9. Assegura-se à pessoa jurídica outro direito da personalidade: o
relativo à sua liberdade. Nesse sentido, destacam-se a sua liberdade de associação
e a sua liberdade de exercício de atividades. No instante em que esse direito se
traduzir violado, indubitavelmente existirá dano moral.
10. A pessoa jurídica tem direito à sua identidade, compreendendo a
proteção ao nome, ao título de estabelecimento e ao signo figurativo. O seu uso
indevido ou não autorizado poderá provocar danos, inclusive na órbita moral.
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11. Ainda o Código da Propriedade Industrial (Lei n. 9.279, de 14-51996), em seus arts. 88 e 91, preconiza o direito à invenção ou ao modelo de
utilidade decorrentes do contrato de trabalho, cuja violação dará ensejo a existência
de danos morais, cuja reparação poderá ser requerida, com base no disposto no art.
5º, X e XXIX, da Constituição Federal, e no art. 186 do Código Civil.
12. A jurisprudência brasileira ainda não se manifesta de maneira
inequívoca e unânime quanto ao reconhecimento da reparabilidade de danos morais
provocados em desfavor da pessoa jurídica. Há decisões que negam sua existência,
assim como outras em que seu reconhecimento se encontra ligado à necessidade
de ocorrência de danos patrimoniais. Mesmo assim, são uma realidade decisões
determinando a indenização por danos morais diretos, independentemente da
existência de danos patrimoniais. Essa tendência, por certo, terá maior progressão
nos próximos anos.
13. Não se reconhece direito à indenização por parte de entes
despersonalizados, porém isso não significa que seus integrantes ou associados
não possam obter a reparação dos danos morais sofridos por eles de modo
individual.
14. Por último, ao contrário do que ocorre nos Estados Unidos, onde
vige o entendimento de que a indenização por dano moral deva ter caráter punitivo
(punitivedamagesou exemplarydamages), no Brasil a indenização tem como base a
compensação e o desestímulo à repetição do evento lesivo, prevalecendo o sistema
aberto, atribuindo ao magistrado o poder discricionário, para estabelecer o quantum
indenizatório, de acordo com o seu discernimento e justo equilíbrio e critério.
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