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www.facebook.com/NosArteseCultura
Conto * Crítica *
Poesia *Loucuras
com
Guido Bilharinho,
Nélio Nhamposse,
Alex Dau, Pedro
Pereira Lopes,
Alexandre Staut,
Dye Kassembe,
Bonde, etc.
Digital
m’saho
Tradução popularizará
literatura moçambicana
LETRAS 21
Galeria 15
FLOR DE
KAKANA
ARTES
19
www.facebook.com/NosArteseCultura
Í
02
ndice
Julho de 2013
04 - Efeméride
[email protected]
07 - Literatura
17 - Música
100 anos do Museu de História
Natural
Colunas
24
The Best of Elvira Viegas
(Venho de Longe)
27
Cadernos de Haidian:
29 de Abril de 2013
30
11
A cantora Yolanda, traz nas suas composições, mensagens de esperança, paz e
amor. Baseados na Marrabenta e outros ritmos nacionais, fazem fusão com ritmos do
mundo, fazendo uma perfeita combinação da
guitarra de Jimmy Gwaza e a voz inconfundível da Yolanda Chicane...
HISTÓRIAS INDECENTES
OU O DESAFIO À DECÊNCIA(?)
Ensaio
Cartas ao Mundo
14 - Galeria
Obras de Craig Whyle
23
A professora de literaturas lusófonas da Universidade de Oregon, nos Estados Unidos da América,
Lanie Millar, está em Maputo para conhecer de
perto a situação literária moçambicana. De entre
várias acções de bastidores, Lanie Millar teve dois
encontros com escritores filiados à Associação dos
Escritores Moçambicanos (AEMO) ...
20 - Música
JAIMITO: UM LOUCO OU O HOMEM
QUE DEVIA TER NASCIDO AMANHÃ?
Unanimemente considerado o melhor guitarrista que o país játeve, Jaimito Machatine
nasceu há 64 anos em Zandamela, Inhambane, e tinha 15 irmãos. Faleceu em Maputo
no dia 26 de Julho de 2013….
Preservar patrimínio é garantir
identidade moçambicana
Música
02
Finalmente,
a minha mulher
morreu
03
Gente de ninguém
Crónica
04
Saci
Crítica
06
E a terra pariu uma
mulher:
Poemas do Exílio
Poesia
30
Poesia de Bonde
Poesia
Conto
Seja um de Nós. Escreva-nos pelo e-mail: [email protected]
E
03
Agosto de 2013
ditorial
[email protected]
…E O POVO TAMBÉM
MORRERÁ DE REMORSOS
U
m imbróglio
foi
É este mesmo mundo que o
servido
escultor não precisou viver mais de
aos corações
35 anos de idade. Foi como Cristo.
famintos de
Morreu das mãos de Judas, é como
paz e sosse-
se tudo estivesse premeditado. Mor-
go; almas enfurecidas de pobreza e
reu como Cristo. Fomos nós quem o
miséria com o terror à mistura. Já lá
matamos.
se vai o sossego desejado. O sonho
Alguém dizia que foi o povo. E quem
adormecido acordou os monstros.
é o povo? E esta mesma espécie, ora
Somos fantasmas de nós e dos
assassina, descreveu-a Craveirinha:
Nós
quem?
Ninguém.
Ah! Maria,
Põe as mãos e reza
Pelos homens todos
E negros de toda a parte
Põe as mãos
E reza, Maria
(José Craveirinha, Reza Maria)
outros. O terror agora tornou-se gente, ascendeu à civilização, subiu à
mesa e partilha connosco o prato
vazio ao jantar. Agora o problema
DIRECTOR
Eduardo Quive
Edição Mensal n.º 02
Matola — Julho 2013
Distribuição electrónica
não é se comemos, é o que comemos.
COLABORADORES
Alex Dau
Guido Bilharinho (Brasil)
Alexandre Staut (Brasil)
Nélio Nhamposse
José dos Remédios
Cesário Matias
David Bamo
Niosta Cossa
Pedro Pereira Lopes
PROJECTO GRÁFICO
Bantus Imagem
E não são bestas
nós. A verdade em que um artista,
São homens, Maria!
jovem, sucumbiu nas mãos de quem
não se sabe, tais movidos pela fúria
tia dos peitos sem oxigénio abafou-
Corre-se a pontapés os cães na fome dos
se, agora ascendeu à chacina. Pobre-
ossos
za maior agora se prenuncia, somos
E não são cães
órfãos de destino. Nem o futuro mete
Dois artistas morreram. Não
há voltas a dar. É como se nada
tivesse acontecido. É como se nin-
de quem não se sabe. Antes vale se o
artista morresse pelas mãos dos tais
―G20‖ da desgraça.
São seres humanos, Maria!
E porque a vida é um improvi-
custa de tudo. Um mundo árido.
Feras matam velhos, mulheres e crianças
E não são feras, são homens
so, Jaimito Malhatini, quem tinha
abandonado a guitarra, pelo papel e
caneta, para a escrita e pensamento,
cedeu às chantagens da natureza e
E os velhos, as mulheres e as crianças
morreu. Já há muito este artista exi-
morreu, para bem dizer. Não foi um
São os nossos pais
lou-se na escrita, mas não tinha che-
exímio guitarrista Jaimito Malhatini,
Nossas irmãs e nossos filhos, Maria!
gado à morte. Agora edificou-se para
guém
tivesse morrido. Ninguém
um novo trono. Como ele mesmo
não foi o escultor e artista plástico
Alexandria Ferreira. Não. Não foram
eles. Ninguém morreu e ninguém os
matou. Não é culpa do povo nem do
governo, quem devia ponderar e
Crias morrem à míngua de pão
Vermes na rua estendem a mão à caridade
sempre propalou, o reino de Deus é o
lugar da paz e tranquilidade. Não
sabemos que paz um artista precisa
no além. Mas se é verdade que Ele
penar essa alma que apenas almas
E nem crias, nem vermes são
traz o sossego, que o homem tenha
soube esculpir e aliviar na terra. Não
Mas aleijados meninos sem casas,
eterna paz. Aos homens, ele mesmo
conheço seus pecados, aliás, os peca-
Maria
conhece a desgraça que os guarda.
Amém!
dos de um artista são vários, são
eternos monstros da sua criação; um
FOTOGRAFIA
Bantus Imagem
Marcos Vieira (Portugal)
Rogério Rodrigues (Brasil)
para dizer o que se passa cá entre
Comemo-nos nós próprios. A angús-
-nos mais medo. Queremos viver a
ENDEREÇO
Av. Mártires da Machava, 904
Bairro Patrice Lumumba - Matola
E-mail: [email protected]
Celular: +258 82 27 17 645
Apenas palavras do poeta-mor
Suam no trabalho as curvadas bestas
artista é um eterno pecador. Um fingidor, disse Pessoa. Por isso não se
Do ódio e da guerra dos homens
Das mães e das filhas violadas
podia poupar a triste desgraça da
Das crianças mortas de anemia
vida de um artista num país que ago-
E de todos os que apodrecem nos cala-
ra tem nome, mesmo que Craveiri-
bouços
nha tenha morrido sem o dizer.
Cresce no mundo o girassol da esperança
[email protected]
E
04
feméride
Agosto de 2013
Fotos: Rogério Rodrigues
100 ANOS
MUSEU DE
HISTÓRIA
NATURAL
tória Natural passou a alçada
do Liceu 5 de Outubro (Escola
Secundária Josina Machel) e a
direcção passou a ser exercida
pelos professores que leccionassem as disciplinas de Ciências Biológicas ou FísicasQuimica. Em 1932, o Governador-geral de Moçambique
Coronel José Cabral, transferiu o Museu de história Natural da vila Jóia para a presente
localização, na praça das Descobertas (Praça Travessia do
Zambeze).
As actuais instalações do
Museu de História Natural,
foram inicialmente concebidas
para uma Escola Primária que
nunca funcionou como tal.
Portanto, em 1932 o Museu
Provincial passou a ser chamado de Museu Dr. Álvaro de
Castro pela portaria nº 1841.
Em 1957 o Museu de História
Natural deixou de estar sobalçada do Liceu Nacional Salazar (Escola Secundária Josina
Machel) e passou a depender
da Direcção dos Serviços de
Instrução Pública pelo decreto
nº 41472. Em 1959 à 1974, o
Museu de História Natural
esteve sobre a direcção do Instituto de investigação Cientifica de Moçambique assumindo
a direcção do museu o director
do instituto.
O Museu de História Natural foi criado a
6 de Junho de 1913, pela portaria nº
1095-A e passou a denominar-se Museu
Provincial, localizado nas dependências
da Escola 5 de Outubro. Foi criado pelo
Capitão Alberto Graça, na altura profes-
sor da mesma Escola. Três anos depois,
o Museu foi agregado à Secretaria-geral
e passou para a Vila Jóia, actual edifício
do Tribunal Supremo, por decisão do Dr.
Álvaro de Castro, na altura Governadorgeral de Moçambique.
Visão
Outrora o edifício era propriedade do
Cônsul da Holanda e estava incluído no
recinto do Jardim Tunduru (Jardim Vasco da Gama). Em 1928 o Museu de His-
O Museu de História Natural pretende
ser uma instituição regional de excelência na investigação Faunístico, assim
E
05
Agosto de 2013
feméride
Interior do
Museu
Outro papel importante do Museu de História Natural é a educação ambiental e divulgação da fauna.
como na qualidade de depositário do
património faunístico de Moçambique.
Sendo a única instituição nacional
vocacionada ao estudo da fauna, e
mantendo colecções de referência na
fauna, o Museu têm a visão de abranger
a sua actividade à todo território
Moçambique, com ênfase para as áreas
prioritárias de conservação ou áreas
pristinas, isto é, habitats e ecossistemas
com baixo nível de distúrbio humano,
bem como fazer-se presente nas áreas
com alto grau de biodiversidade e centros de endemismo da fauna Moçambique.
O Museu tem interesse de compilar a
informação sobre o uso dos faunísticos
e a sua a nível das comunidades rurais.
A determinação do estatuto de conservação das espécies das espécies faunísticos de Moçambique e a produção de
atlas de espécies faunísticas, bem como
a investigação da sua história natural,
são aspectos importantes da actividade
científica do Museu de História Natural. Estas acções poderão permitir os
gestores, decisores a tomarem medidas
de gestão adequadas a conservação.
Outro papel importante do Museu de
História Natural é a educação ambiental e divulgação da fauna. A sua contribuição na educação formal e informal
do cidadão nacional e estrangeiro é
relevante pois pode resultar num comportamento responsável dos cidadãos
na conservação do ambiente. O Museu
pretende alargar a sua presença e
acções educativas a todo território
nacional através do uso das tecnologias
de informação e de outros meios audiovisuais.
Missão
A missão do Museu de História Natural
resume-se em ―Preservar e divulgar o
património faunístico de Moçambique,
incentivar a investigação científica da
fauna e seus ecossistemas, e promover
a educação ambiental formal e informal
aos cidadãos, contribuindo para o uso e
gestão sustentável dos recursos naturais e ecossistemas de Moçambique‖
Agosto de 2013
letras
CPLP anuncia
novos observadores consultivos
O regresso o de
Ungulani Ba Ka
Khosa
Literatura
“Na Mão de
Deus”
06
Uso do Português
na ONU depende
do consenso dos países da Lusofonia
A
Plataforma
Portuguesa das
Organizações
Não Governamentais para o
Desenvolvimento (ONGD -http://
www.plataformaongd.pt/) passa a
ter a categoria de observador consultivo da Comunidade dos Países de
Língua Portuguesa(CPLP). O anúncio foi dado pelo Conselho de Ministros da CPLP, na sua 18ª. Reunião
Ordinária, realizada em Maputo no
último dia 18 de julho.
―A Plataforma Portuguesa é
composta por 69 ONGD que representam significativamente, através
dos seus associados e dos seus parceiros locais, as vozes da sociedade
civil que querem contribuir democraticamente para as decisões. Com
a atribuição deste estatuto à Plataforma Portuguesa das ONGD, será
possível aproximar estas vozes dos
centros de decisão e contribuir efetivamente para a implementação de
projetos que serão desenvolvidos
entre os Estados-membros da
CPLP‖, refere o documento final da
organização reunida recentemente
em Moçambique.
O Conselho de Ministros da
CPLP sublinhou em seu documento
que a ―atribuição deste estatuto à
Plataforma Portuguesa das ONGD
reveste-se da maior importância, na
medida em que reconhece a pertinência do trabalho da Plataforma e
das suas associadas nos países da
CPLP, nomeadamente nas áreas do
Desenvolvimento, trabalhando contra a pobreza e em prol de um mundo mais justo e equitativo‖.
Na mesma 18ª. Reunião Ordinária do Conselho de Ministros da
CPLP, foi também atribuída a categoria de Observador Consultivo
aoConselho Internacional dos Arquitetos
de
Língua
Portuguesa
(CIALP), com sede em Lisboa, e
à Universidade da Integração Internacional
da
Lusofonia
AfroBrasileira (Unilab), com sede em
Redenção, Ceará, Brasil. (LUSA)
O
escritor
moçambicano, Francisco Esaú
Cossa, mais conhecido nos meandros literários por
Ungulani Ba Ka Khola, lançou ao
princípio da noite desta quinta-feira
em Maputo, a sua mais recente obra,
intitulada ―Entre as Memórias Silenciadas‖.
Expl ica est e t ít ulo , as
memórias que o autor apresenta na
capa um olhar de tristeza, de
memórias sentenciadas, momentos
de desespero, de uma vedação de
arame que não é, um soldado em
sentinela atrás desse olhar de indignação‖entre o período e espaço.
Na obra, o escritor narra as
árvores deslumbradas, versando por
outro lado da luz ténue que dá outra
cor a savana.
Segundo Ungulani Ba Ka
Khossa, depois do súbito, vem a escuridão, as trevas ou seja momentos
de incerteza e de receio.
O autor monta na obra uma
orquestra denominada Ngodo, que
em língua Chope, etnia que cobre
parte sul de Moçambique leva marimbas e dançarinos e o respectivo
coro e eles próprio o apelidam de
Msaho.
Ungulani explica ainda que no
livro o ―Ngodo, tal como o Msaho,
comporta em geral onze andamentos
distribuídos em Mutsitso
(introdução orquestral), o Mutsitso
com duas ou três introduções,
Ngweniso (entrada dos dançarinos),
Ndano (chamada dos dançarinos),
Doinya (dança), Chibudo (dança),
Mzeno (dança), Nsumeto
(preparação para os conselheiros),
Mabandhla (os conselheiros), Njiriri
(final dos dançarinos) e Mutsitso
(final orquestral).
Uma obra para rir, fala igualmente de ―um grito amordaçado de
gozo sofrido que abriu as portas da
noite‖. (CANAL MOZ)
F
oi lançada na noite de
31 de Agosto, em
Maputo, a obra literária Na Mão de Deus, de autoria da
célebre escritora moçambicana,
Paulina Chiziane em co-autoria
com a médium e estudante de espiritismo Maria do Carmo da Silva.
O livro é prefaciado pelo
conhecido escritor e poeta moçambicano, Calane da Silva, sendo
composto por 199 páginas, preenchidas com uma envolvente história real e autodiegética em que o
narrador, a personagem principal
de nome ―Alice‖, fala sobre o seu
drama vivencial – os sintomas físicos e psíquicos que a levaram à psiquiatria e que, fundamentalmente,
eram o aflorar da sua mediunidade. Infelizmente, o fenómeno não
era compreendido pelos seus familiares e amigos que o tratavam
medicamente como se de uma
mera doença mental se tratasse.
A Comunidade dos Países de
Língua Portuguesa deixou de ser
apenas uma organização e reunião de Estados para também
atingir “o que deve ser a sua principal vocação: estar cada vez mais
virada para o povo, com a participação dos diferentes segmentos da
nossa Comunidade”. Estas foram
as palavras do ministro dos
Negócios Estrangeiros e Cooperação de Moçambique,Oldemiro
Balói.
O
analista de política internacional
Mário
Pinto de Andrade considerou hoje [segunda-feira, 12 de
agosto], em Luanda, que a expansão
da Língua Portuguesa, como instrumento de trab alho na ONU
[Organização das Nações Unidas] e na
União Africana, depende exclusivamente da vontade dos Estadosmembros no que concerne à concertação das quotas.
Falando à Angop, sobre o estado
atual dos PALOP – Países Africanos
de Língua Oficial Portuguesa –, o
académico disse ser importante que se
faça a expansão desse idioma por ser
falado por mais de 200 milhões de
pessoas no mundo.
Em sua opinião, a oficialização
da Língua portuguesa na União Africana só é possível através de negociações, uma vez que Angola é um país
com grande expressão, a seguir de
Moçambique, ao passo que na ONU,
depende exclusivamente da CPLP
[Comunidade dos Países de Língua
Portuguesa], porque não há grandes
constrangimentos em negociar com a
Assembleia Geral.
Acrescentou que neste momento, tudo depende de Portugal e do
Brasil, porque esses dois Estados
estão interessados nos pormenores da
tradução e da escrita.
―Se houver essa união entre os
países, conseguiremos alcançar a meta
que queremos. O que é necessário é o
consenso de todos‖, disse.
Integram essa organização de
concertação política Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, São Tomé e
Príncipe e Cabo Verde.
(ANGOLAPRESS)
L
07
Agosto de 2013
etras
“
Literatura
Lanie Millar
TRADUÇÃO POPULARIZARÁ
LITERATURA MOÇAMBICANA
Fotos: Embaixada dos EUA em Maputo
Eduardo Quive
[email protected]
A
professora de literaturas lusófonas da Universidade de Oregon, nos Estados
Unidos da América, Lanie Millar, está em Maputo para conhecer de perto a
situação literária moçambicana. De entre várias acções de bastidores, Lanie
Millar teve dois encontros com escritores filiados à Associação dos Escritores Moçambicanos (AEMO) e depois, com jovens escritores, aspirantes e
estudantes de letras no Centro Cultural Martin Luther King Jr.
Agosto de 2013
letras
À margem dos dois encontros,
surgiu a entrevista que se segue, onde a
professora faz uma radiografia do
ensino de literaturas africanas lusófonas nos Estados Unidos e as possibilidades que a literatura moçambicana
tem de se expandir no exterior.
Está em Maputo há vários
dias e manteve encontros com
escritores e demais intervenientes
das artes e letras. Que resultados
conseguiu obter?
- Estou em Maputo para explorar
e saber o que está-se a discutir, que
temas interessam as pessoas, qual é a
situação da literatura, dos escritores,
dos jovens, os estudos literários em
Moçambique e tudo isso tem sido muito
informativo. Primeiro tive encontro com
escritores da AEMO, depois com jovens
para escutar as principais questões e
informações sobre o estado da literatura
ou as publicações das obras e a circulação das revistas literárias.
Que preocupações levantadas pelos escritores filiados à
AEMO poderão ser úteis para si?
- Os escritores falaram da situação educativa que tiveram, da disponibi-
modelos de publicação e a necessidade de
ter encontros e espaços de conversa não
apenas entre os escritores mais jovens,
também com os mais velhos.
Mas antes da sua vinda que
informações tinha sobre o país, tendo em conta que é professora de
literaturas africanas de língua portuguesa?
- Basicamente o que tive foi através
dos livros. Li sobre a história colonial do
país, a independência, a guerra. Os grandes autores que nos chegam são poucos,
mas temos Mia Couto, Paulina Chiziane,
Lília Momplé, Rui Knofli, José Craveirinha, e mais alguns. Mas sempre é uma
questão reservada essa, por ser professora
ou crítica de literatura de um país estrangeiro. Porque o que temos acesso é essencialmente o que se publica fora desse país.
Por isso é que outra ideia desta visita era
de construir essas relações que me deixem
conhecer o cenário literário de Moçambique.
Os livros de que se refere teve
acesso nos Estados Unidos ou teve
que recorrer a outros países lusófonos, por exemplo, Portugal e Brasil?
- Tive acesso a alguns livros nos
Literatura
08
Brasil e, obviamente, nos últimos dias aqui
em Maputo achei vários outros que nunca
tinha visto.
O primeiro recurso para o estudo de uma literatura é a língua. Lecciona literaturas de língua portuguesa nos Estados Unidos e é norteamericana, como é que a língua
influencia para o seu trabalho?
- Há duas questões para falar de
quem é professor de uma língua estrangeira num país: primeiro temos que conhecer
e estudar a língua para poder consumir os
livros no seu contexto literário e linguístico.
Por outro lado, muitos dos nossos estudantes não vão chegar ao nível de interpretação
desejado das obras pela questão da língua,
isso faz com que nós também estejamos
abertos à possibilidade de estudar essas
obras traduzidas, para estimular nesses
estudantes o interesse e conhecimento
através da literatura em tradução e daí dar
a possibilidade de continuar a trabalhar
com a língua e conhecer essas literaturas na
sua língua original.
Há dificuldades?
- Há sim, particularmente no português. Nos Estados Unidos a primeira língua
estudada é o espanhol, por isso, muitos dos
Sempre há essa
questão de como é
que chegam estas
obras para o
público. No encontro com os jovens que tive, foime perguntado
como é que um
estudante que experimenta uma
literatura de
outra língua entra no contexto?
no acesso do texto literário africano principalmente dos autores que
se publicam por editoras estrangeiras que é a tentativa de ocidentalização desse texto. Tem se deparado com isso e como é que vê a
originalidade do texto africano?
- É sempre um dilema. São dois
mundos que tem muito em comum mas
tem muitas diferenças. Então sempre há
essa questão de como é que chegam
estas obras para o público. No encontro
com os jovens que tive, foi-me perguntado como é que um estudante que experimenta uma literatura de outra língua
entra no contexto? Como é que chega a
conhecer as estórias, vocabulário os contextos e quais são as políticas do mercado para o acesso dessas literaturas.
Sob ponto de vista de crítica
literária ao texto africano como é
que a vê?
Escritores moçambicanos num encontro com a professor Lanie Millar
lidade dos livros, dos movimentos e
ideias utópicas que tiveram nas primeiras décadas, depois da independência
em 1975, e falaram um pouco como é
que mudou a situação dos escritores
jovens, da situação de acesso dos escritores jovens às bibliotecas, o gosto pelos
livros, o processo das mudanças dos
Estados Unidos porque muitas vezes, pessoas como eu, viajam e trazem de volta
muitos livros que colocam nas bibliotecas.
Nós temos um bom sistema de circulação
bibliotecária nos Estados Unidos, tanto
que podemos ter acesso a informação de
livros que estão em outros lugares. Mas há
outros livros que comprei em Portugal e
nossos estudantes de literaturas lusófonas
já tem alguma experiência com o espanhol
e isso dá facilidade no momento de ler as
obras em português. É uma espécie de ponte entre os dois mundos.
Há uma questão que se coloca
- Para mim no campo da crítica
estrangeira temos que saber muito bem
da crítica que se escreve no lugar de origem dessas obras, o que circula. Há
grandes críticos de literaturas lusófonas,
por exemplo a professora Doutora Inocência Mata, é africana e está na Universidade de Lisboa, a professora Doutora
Tânia Macedo, Rita Chaves que são as
grandes críticas do momento para guiar
Agosto de 2013
Letras
Literatura
09
José Craveirinha
Mia Couto com a professor Lanie Millar
uma pessoa como eu, bastante nova na
profissão e conhecer isso. Mas sobre
tudo as informações em circulação, não
só nas literaturas lusófonas, mas também nas literaturas africanas no geral,
por exemplo a situação pós-colonial, a
relação entre as realidades sociais que
vivem não só os escritores mas as pessoas desses país, a situação urbana e o
dia-a-dia. A literatura dá a oportunidade
para conhecer mas também dá algum
tipo de comentário, um ponto de vista
particular que representa sempre o que
estão discutindo ou vendo, a maneira de
lidar com essa situação das pessoas que
moram lá. Particularmente, esse aspecto
social, para mim, destaca-se nas literaturas africanas.
Nota-se e se tem gerado um
“conflito” pelo facto de alguns
escritores africanos estarem também muito ligados à política, há
algum entendimento entre as duas
áreas?
- Acho que sim. Quando falamos
de literatura e política podemos falar
por exemplo de uma fase da construção
da nação, as primeiras gerações depois
da independência, pode se dizer que
essa é uma literatura política clássica.
Mas quando falo de política não me refiro a um ponto de vista de política particular, mas de uma realidade de pensa-
mento com o povo, pensamento colectivo,
as tensões colectivas, a visão da vida que
as pessoas tem e etc. Portanto, quando
falo de literatura e política refiro-me a
esse aspecto também.
E o facto de um escritor assumir um protagonismo político, no
seu entender, influencia a sua criação literária?
- Essa seria uma pergunta para o
escritor. Há tantas respostas para essa
pergunta. Levantamos, uma vez, a mesma
pergunta, há alguns meses, num encontro
com o escritor angolano João Melo, ele
falou que o seu mundo de política e de
escritor são diferentes. Eu acho que o facto de um escritor ter esse desenvolvimento político pode dar um certo entendimento, mas não necessariamente deve
guiar de uma o que ele escreve.
Já se nota que os escritores
africanos, moçambicanos em particular, tem essa tendência de viagem, portanto de fazer outras leituras para além do seu enredo. Aliado
a isso se levanta a questão da identidade literária. A professora concorda que uma literatura deve ter uma
nacionalidade ou identidade?
- Eu não diria que deve ter. Sempre
tem uma marca do seu contexto. E, muitas
vezes, no caso de Moçambique e noutros
países africanos lusófonos sempre há esse
ir e vir. Eu prefiro ver como um engajamento com o mundo externo. Eu acho que
tem vários aspectos. Por um lado sempre
há a questão do consumo nacional, se a
literatura é ou não conhecida dentro do
país e, a pressão ou a necessidade que o
escritor sente de procurar uma editora de
fora, simplesmente pela questão de mercado e pela questão de poder viver da sua
arte e da sua obra. Mas também esse
aspecto abre um espaço para uma discussão dessa identidade, porque quando essas
obras saem para o mundo é através delas
que os outros vão poder conhecer Moçambique e, por sua vez, os moçambicanos vão
poder articular a sua experiência com o
mundo. Então nunca diria que a uma literatura deve ter nem uma nem outra coisa,
mas eu acho que a literatura que circula
fora e dentro do país tem a possibilidade
de abrir conversa e debates.
Tem se reclamado, em Moçambique, da qualidade na actual literatura moçambicana. Na sua percepção o que pode minar a qualidade
literária?
Sobretudo acho que vai ter a ver com
o conhecimento que se deve ter da história
literária, social, sobre a situação original
Todos os países
tem o exemplo
desses grandes
escritores que se
lançam ao
mundo literário
sem este treinamento e há os
que eu diria que
são escritores
eruditos que têm
o conhecimento
da história
literária, fontes
filosóficas, entre
outras, que tem
uma informação
profunda sobre a
literatura.
Agosto de 2013
Letras
Literatura
Paulina Chiziane
10
Lília Momplé
dessa área. Também o não conhecimento das técnicas linguísticas, narrativas, entre outras coisas que dão à obra
literária uma voz original e única. São
essas coisas que procuro e acho que são
ligados com o conhecimento histórico
da literatura do país e outras fontes,
também com olhar agudo para o mundo fora e para as possibilidades que
oferecem as comunidades que entram
na obra.
A professora acha que pode
se formar um escritor? Como?
- Não sei. Acho que sim no sentido
de ensinar as técnicas de escrita e analíticas. Tem de haver uma combinação de
vocação e treinamento. Todos os países
tem o exemplo desses grandes escritores
que se lançam ao mundo literário sem
este treinamento e há os que eu diria que
são escritores eruditos que têm o conhecimento da história literária, fontes filosóficas, entre outras, que tem uma informação
profunda sobre a literatura. Eu acho que
esse esquema oferece a possibilidade para
que alguns saiam com essa combinação
perfeita do talento, da inspiração também
do acesso ao conhecimento profundo do
que é a literatura universal.
Já há algum descontentamento
sobre a forma como a literatura
moçambicana consegue sair do país
que tem sido por via de Portugal e já
se fala das limitações que advêm disso. Mas para que se leve a literatura
para os Estados Unidos provavelmente a questão é outra. Como levar a
literatura moçambicana para o
estrangeiro?
- É um dilema, sobre tudo a questão
da língua. Ou seja os autores moçambicanos, ou os autores lusófonos no geral,
entram através da tradução para o mundo
externo. Muitas pessoas têm opiniões a
favor e outras contra a tradução ou de vender os livros através da tradução. Mas eu
acho, como professora e já disse que uma
maneira de dar a um público maior a oportunidade de conhecer a literatura moçambicana ou o país é através da tradução. Pelo
contacto com as comunidades lusófonas
que há nos Estados Unidos comunidades de
brasileiros, portugueses ou de caboverdianos, seria uma maneira de estimular
a criação de uma comunidade africana ou
lusófona que pode dar mais oportunidades
para a entrada dessas obras.
Reiner Rilke escreveu cartas a
um jovem poeta. E a professora que
conselhos dá a jovens escritores?
Professora Lanie Millar
- Acho sobre tudo que devem
conhecer a literatura, conhecer os escritores do seu país como dos outros. Como
professora de fora quero ler esses jovens
quero ter acesso através de blogues,
revistas, o que pode sair facilmente, grupos de escritores em movimentos que
possam sair em antologias e é através
desse contacto, das conversas, e é através
desse efeitos de comunidades literárias
que vão crescer e os jovens poderão aproveitar o contacto com o público. O projecto de um blogue literário dá muita oportunidade para o público de fora saber o
que estão escrevendo os jovens moçambicanos. Tem que haver algum lugar de
conversa, de discussão, publicação, ainda
que não seja em papel, pode ser um oportunidade dos jovens continuar a produzir.
- Estamos a falar dos jovens,
mas pode haver receio por parte
dos escritores mais velhos ao recurso da internet. Acha que a internet
veio para mudar esse cenário de
isolamento?
- Acho que sim. Nas conversas que
tive nos últimos dias levantou-se essa
questão. É um problema como dizem
algumas pessoas que o acesso a internet
não é universal está limitado às cidades
grandes, há algumas pessoas, mas uma
vez que a pessoa tem esse acesso pode
melhorar o próprio ambiente de falta de
editoras, pode ser essa a alternativa boa,
porque uma vez que a pessoa tem acesso
a essas publicações, a internet representa
uma das forças mais importantes hoje
não só na literatura, mas no mundo da
cultura na geral. Há a possibilidade de
conhecer coisas que ainda não tenham
chegado a nós.
Agosto de 2013
Letras
Ensaio
11
HISTÓRIAS INDECENTES
OU O DESAFIO À DECÊNCIA(?)
À Cadiana Mónica, um sonho.
E para que é que serve a igreja senão para ajudar os que são parvos mas procuram a verdade?
William Faulkner
José dos Remédios
[email protected]
Ilustração: Salvador Mungoi
N
a
longuíssima
história da literatura – enquanto
manifestação
artística que se
concebe graças a imanente presença do
emissor, a tal entidade responsável pela
emissão dos enunciados do texto, daí o
substantivo, da obra, neste caso o texto
possuidor de infinitos significados e do
receptor, entidade a quem cabe processar o que lhe é transmitido pelo emissor
–, vários são os casos de obras literárias
que se assumindo como hereges ou
desafiadoras aos bons costumes, legitimados por uma sociedade num processo
espiral, tornam-se marginal(izadas).
Marginal, no sentido amplo, ―(…) adjectiva aqueles que estão em condição de
marginalidade em relação à lei ou à
sociedade, possuindo, portanto, sentido
ambivalente: assim como se refere, juridicamente, ao indivíduo delinquente,
indolente ou perigoso, ligado ao mundo
do crime e da violência; aplica-se, sociologicamente, aos sujeitos vitimados por
processos de marginalização social,
como pobres, desempregados, imigrantes ou membros de minorias étnicas e
raciais (…)‖ (Perlman, 1977)¹.
No sentido que nos é lícito elucidar, segundo Gonzaga (1981)², os usos e
significados do termo marginal atinente
à literatura estão relacionados, entendemos nós, com o status do(s) autor(es)
no mercado editorial, ao tipo de linguagem presente na obra e à escolha de
todos os elementos essenciais à configuração da narrativa, nomeadamente, personagens, acções, tempo, espaço, discursos, e etc. Decerto, ainda de acordo
com aquele autor, por literatura marginal refere-se às obras à margem dos circuitos comerciais oficiais de produção,
divulgação e que se revelam uma alternativa ao sistema editorial vigente; refere-se ainda às obras que recusam a linguagem institucionalizada ou os valores
literários [e porquê não sociais?] de uma
época e que, por fim, estão ligadas ao
interesse intelectual do escritor esmerarse em retratar o contexto dos grupos
oprimidos.
Contudo, os critérios, se assim
podemos chamar, conducentes à marginalização de obras literárias não são
estanques e tão-pouco são absolutos.
Dependendo dos contextos sociopolíticos, ideológicos e económicos, uma obra
pode ser marginal num período histórico
-literário e deixar de ser num outro – o
contrário, a acontecer, só pode ser um
insólito. São algumas dessas obras o
Evangelho Segundo Jesus Cristo, de
José Saramago, O Código da Vinci, de
Dan Brown, Teresa Raquin, de Émil
Zola, cá entre nós, Nós Matamos o Cão
Tinhoso, de Luís Bernardo Houwana³, e
etc. O que estas obras de autores diferentes, de regiões diferentes, de épocas
diferentes e que se expressam diferente
[Cada Homem é uma Raça⁴] têm de tão
semelhante para além da irreverência
que procuramos elucidar? Simples, a
liberdade de serem elas mesmas: autênticas e descomprometidas com seja lá o
que for. É esta irreverência madura,
resultante de uma introspecção concretizada nos enredos, que as faz serem elas
próprias. Por isso, mesmo sobre o olhar
crítico da censura, essas obras vão estando-se nas tintas com princípios, regras
ou algo parecido, e, no sentido inverso
ao supostamente razoável, enaltecem-se
com o tempo, passando de reles a genuínos modelos literários. É este o fenómeno que torna as obras acima um instrumento revolucionário em relação a um
determinado cânone literário, mas também em relação a uma determinada
construção social.
Como se seguisse à risca, numa
relação envolvendo a causa e o efeito, as
peculiaridades de obras contestadas,
adoptando um perfil próprio, Histórias
Indecentes, primeiro livro do escritor
moçambicano Nelson Manhisse (ele também é ensaísta e actor de teatro), não
podendo ser outra coisa para além do
que insistentemente é, torna-se num
desafio explícito à decência na medida
em que ao se narrarem as histórias os
narradores subvertem tudo quanto lhes
apetece sem se preocuparem com quaisquer tipos de represálias. Parafraseando,
à semelhança dos romances O Evangelho
Segundo Jesus Cristo e O Código Da
Vinci, de José Saramago e Dan Brown,
respectivamente, a colectânea de contos
em análise afronta os conhecimentos
sobre a religião que eventualmente o leitor possui e, acima de tudo, questiona,
algumas vezes num tom prosaico e céptico e outras vezes num tom convicto e
contundente, a veracidade dos alicerces
da religião cristã. Atentemos ao seguinte
exemplo do primeiro conto, ―Dois Mais
Um Caminho‖, e, depois, ao sétimo, ―O
Olhar‖: ―Voltando à narração, tudo indica que Jesuíno sabia quase tudo da vida
dos dois poderosos. Sabia, inclusivamente, que eles agiam como gémeos, porém,
de forma contrária a estes. Os gémeos,
dentro de casa, são tão adversários que
chegam a ser inimigos. No verso, é ao se
encontrarem fora do lar, só se definem
por um. Para não fadigar o leitor ou o
ouvinte, é só imaginar o contrário do
referido acima. É essa a relação entre
Deus e Satanás‖ (p. 7); ―Hei, hei, hei, há
outra coisa, como que o anverso de tudo:
é o seu defeito (todos os homens tem
defeitos, Jesus, por exemplo, era alcoólatra, só pregava com vinho)‖ (p.37).
Se no primeiro excerto o narrador
de ―Dois Mais Um Caminho‖ usa a sua
dialéctica, a sua capacidade analítica
para apresentar uma provável relação
entre Deus e Satanás, nada mais faz para
além de se opor às várias gerações religiosas do mundo, pois em nenhuma
delas se aceita a insinuação daquela entidade: Deus e Satanás são amigos. Há
aqui uma intenção, clara e objectiva, de o
Letras
narrador afastar-se da igreja – dizemos
igreja como quem poderia ter tido mesquita – das suas (im)purezas ou das
suas contradições, muitas vezes geradas
pela in capacidad e/ in gen u idade/
intencionalidade que conduzem os
membros dessas instituições à distorção
da complexa palavra contida nos livros
sagrados: o Alcorão e/ou a Bíblia. Portanto, dizer que Deus e Satanás são amigos pode estar a significar que a primeira entidade, a quem é atribuída a
bonança da vida, é tão medonha quanto
a segunda, a quem é atribuída a crueldade mundana. E, acto contínuo, dizer,
neste contexto, Allah Al-Khalid, Allah
An-Nur, Alla Ar-Rahman ou Allah u
akbar⁵ é equivalente a dizer Sheitwani
Al-Khalid, Sheitwani An-Nur, Sheitwani Ar-Rahman ou Sheitwani u akbar⁶ –
uma indecência absurda, grande sacrilégio.
No segundo excerto, o desafio à
decência continua quando um outro
narrador, diríamos, pelas semelhanças,
gémeo do primeiro e de todos os outros
existentes nos restantes doze (12) contos, não mencionados ainda, macula a
imagem d‘Aquele que para uns é filho
de Deus e para outros não passa de um
(mero) profeta, quiçá com a mesma
relevância que Mohamed, em outros
contextos, o profeta que ao se transferir
de Macca para Madina ergueu a fé
muçulmana⁷, tornando Khadija, sua
esposa, primeira mulher muçulmana.
Referimo-nos a Jesus, vulgarizado de
propósito como se de um bêbedo charlatão se tratasse.
Agosto de 2013
mesmo jeito, assumir que José era estéril⁸
constitui uma forma de ou o autor empírico ou o autor textual livrar-se, e ao leitor também, de todos os fundamentos
com os quais não comunga. Ateísmo?
Parece-nos que é a imagem com a qual o
emissor da obra reveste-se quando num
parêntesis do conto ―O Olhar‖ desvaloriza
a importância de Deus ao ponto de Lhe
expor ao ridículo sem meio-termo: ―(olha,
um dia ainda acerta no cu de Deus!)‖ (p.
40).
Inferiorizando Jesus, símbolo do
cristianismo, à classe de um homem
comum, retirando o prestígio de Deus,
símbolo da criação, igualando-O a Satanás, tendo como intermediário as vozes
dos narradores, Manhisse fere, mais do
que uma ou outra igreja, a fé dos que
acreditam na criação, no entanto, sem
aliar-se à ala dos que acreditam na evolução. Ao agir assim, Nelson Manhisse põese a combater do lado dos que questionam as projecções religiosas, sobretudo
cristãs, em relação a figura de Cristo,
como o fizeram José Saramago e Dan
Brown, nos romances oportunamente
citados, no entanto, sem a preocupação
efectiva e sistemática de desanuviar dogmas religiosos.
Não obstante, a vulgarização e a
consequente difamação daí resultante,
tendo Cristo como alvo principal, alastra-se aos seus pais com o mesmo azedume contido nas passagens supracitadas. Vejamos o seguinte excerto do terceiro conto, ―Apsiquismo‖: ―Disse-me
num desses nossos dias: Sabes o porquê
de Jesus não ter sido filho de José e
Maria? Abanei a cabeça em jeito de
negação – na verdade o velho testamento foi produzido depois do novo, não por
Deus, mas por um rei ocioso que amou
Maria mais do que à sua esposa, acabando por cometer a imprudência de a
engravidar, quando José era desprovido
da arte de fazer filhos, por isso escreveu
o novo testamento como continuação de
um velho que nem existia, isso vem legitimar totalmente a traição da esposa
perante o esposo e nem pecado é
(…)” (p. 14 – 15).
Nas Histórias Indecentes há assim
um suporte religioso muito forte – este
facto é irrecusável. Por um lado o autor
distancia-se das construções concernentes à igreja como se de um ateu se tratasse (nunca um tolo), questionando, ao
estilo Faulkner, ―E para que é que serve a
igreja senão para ajudar os que são parvos mas procuram a verdade?‖ (Faulkner,
2000: 365), conforme subentendem as
citações apresentadas. Por outro lado,
Manhisse aceita o questiona, revelandose integrante dessas mesmas construções.
A este último posicionamento são exemplos os contos ―(Re) Volta‖ ―(…) me via
como uma rocha datada de muito antes
do Senhor da terra e dos céus pensar em
fabricar o mundo. Não se usa o verbo
fabricar em forma de heresia, sou cristão de precisão⁹, por isso transformo-o
em criar para demonstrar a minha fé.‖ (p.
9) e “Os Pesadelos da Semana Passada”
―Eu que, certo dia, achei ridícula e imprópria a colocação de um velho no bar,
quando numa das suas rizadas dizia: acima de Deus, honra a teu filho e aos amigos deste para que se prolonguem os teus
dias, na terra que o Senhor, teu Deus, te
dá!‖ (p. 60) – isto destorce o primeiro
Mandamento da Lei de Deus constante
nos catecismos católicos¹º.
Ainda que estas ideias proferidas
pelo narrador num discurso indirecto
façam algum sentido se assumirmos que
em qualquer cultura o adultério fez e
continua a fazer parte da vida social,
envolvendo, de facto, patrícios e plebeus, na concepção da igreja, romana
fundamentalmente, esse excerto é indecente porque desacredita Maria, o símbolo de mulher ideal da Igreja Católica,
ao lhe retirar com despudor as virtudes
que a tornam única e irrepetível. Do
É aqui onde se dá o choque entre
narradores de alguns contos, aparentemente ateus, com os dos outros, aparentemente crentes em Deus. Esta talvez seja
uma forma adoptada pelo autor para
equilibrar a dimensão das várias indecências da obra com o que pacificamente é
aceite pelos que crêem no poder celeste: a
decência. Entretanto, a ser essa a pretensão do autor, desvanece-se qualquer possibilidade desse equilíbrio vincar, pois as
histórias libertam-se de quem as concebe
Ensaio
e impõem-se como aquilo que realmente são: indecentes. E estas indecências descontínuas, quiçá pela natureza de cada conto, ganham, a uma
determinada altura, outras especificidades, deixando a igreja à parte, ―por
já se saber que ela apenas serve aos
parvos que procuram ou fingem procurar a verdade‖, a fim de, com a mesma
naturalidade, porém numa escala
menor, se dedicar a desenterrar dos
escombros episódios fictícios susceptíveis de nos levar à conclusão de que
como espécie, como nação, não somos
decentes na proporção aparente. Por
isso, no conto ―As Vozes do Silêncio‖
há um enfoque a três (3) netos, símbolos da juventude, dos quais uma menina acusa a avó de dizer coisas fedorentas e os outros dois vão ainda mais longe, acusam a avó e a sua geração de
pertencer ao mundo das trevas. Um
leitor muito solidário poderia prestar
amnistia a estas personagens alegando
que elas assim agem por serem novas,
todavia o que elas dizem à e sobre a
idosa de noventa (90) anos de idade
equivale-se à atenção evitada pelos
seus pais ou à alegria que a família
inteira sente quando se depara com a
morte da velha. Tais atitudes de personagens de um mundo possível instaurado na obra, se não são reflexo de um
mundo empírico, tornam-se profícuos
à revelação das indecências de um universo que se adivinha ser o moçambicano.
O conto ―Camila‖, à semelhança
do anterior, o desafio à decência centra
-se rigorosamente nos comportamentos das personagens em detrimento
das intrusões do narrador. Em causa,
nesta história, está um pai que desde o
dia em que encontrou a filha de catorze (14) anos de idade, Camila, a conversar com um rapaz passou a espreitá
-la quando estivesse a vestir, a sair do
“acima de Deus,
honra a teu filho
e aos amigos deste para que se
prolonguem os
teus dias, na
terra que o Senhor, teu Deus, te
dá!”
12
banho ou quando ela estivesse sentada à
mesa sem quaisquer escrúpulos. Esse
protagonista, narrador da história (mais
ponderado, logo se vê, parece apresentar
uma gula sexual idêntica a de Sebastião
Jamisse Nipha ―Soba‖, o protagonista de
―O Caso de Soba‖, que almejava possuir
todas as mulheres, inclusive as cunhadas, e com o narrador, sem nome, de
―Nhancuave: a esposa dos espíritos‖, um
texto que mais se aproxima a um monólogo lírico do que a uma narrativa), nem
sequer se preocupa em esconder, desejava a filha como um homem a uma
mulher que espera possuir. É um cenário
asqueroso, no qual se mesclam o possível e a realidade.
Numa passagem de ―A Minha Terra‖ o narrador confessa quando trata das
hipocrisias circundantes aos heróis ―(…)
não é biografia de homem nenhum
(…)” (p. 28). E nós subscrevemos. Realmente não se encontra ali qualquer biografia, seja naquele conto, seja em toda a
colectânea. No lugar de biografia colocamos fotografia e, transformando a sintaxe e semântica da frase, formulamos: as
Histórias Indecentes não se tratam de
uma biografia de homem nenhum, tratam-se sim de uma fotografia de um
Homem gregário, quer dizer, de uma
sociedade que tanto pode ser a moçambicana do contexto actual ou de um contexto ainda por vir.
Porque ―(…) nada se faz por nada,
até o próprio nada‖ (p. 82), questionamos: o que Manhisse poderá pretender
com o feroz ataque à igreja e, simultaneamente, à sociedade onde essa mesma
igreja se insere? Com as antíteses descritas (ora os narradores assumem uma
postura ateia ora assumem uma postura
cristã) o que se pretende?
Na verdade, estas duas questões
estão intrinsecamente relacionadas. Por
essa razão as respostas às duas perguntas podem ser fundamentadas da seguinte maneira: quando Manhisse manyisa¹¹
incredulidade com o seu antónimo através das indecências ou do desafio à
decência nas narrativas que lhe valeram
o Prémio Literário TDM – 2012, na categoria de contos, tenta reflectir sobre o
universo polar africano, no qual num
pólo uns acreditam e guiam-se por Deus
do Ocidente/Oriente e noutro pólo
outros, ―os incrédulos‖, desafiam propositada/espontaneamente a concepção
ocidental/oriental ao preservarem as
crenças provenientes do contacto com as
tradições locais. É neste cenário que em
―(Re) Volta‖ encontramos um personagem que na expectativa de viajar procura
protecção num curandeiro e não num
padre ou pastor, embora seja cristão.
(Quanto às antíteses, o autor,
recorrendo a voz do narrador do conto
―Apsiquismo‖, explica: ―a minha antítese
pretende incriminar certas atitudes
humanas, pois várias são as vezes que
ouvimos pessoas a argumentar, quando
erram, não terem sido as primeiras a
fazer isso).
Agosto de 2013
Letras
Na mesma sequência, incorporando nas suas narrativas apartes incómodos aos servos de Deus, Nelson Manhisse põe à prova os leitores, chocalhando
as suas mentes quando de forma persuasiva destorce as construções erguidas
pelas instituições que geram esse tipo de
servos. Além disso, a obra deste jovem
autor, já com um holofote amplo que lhe
faculta reflectir literariamente sobre graves temas seculares, funciona como se a
legitimar um velho pensamento de Thomas Hobbes ―O Homem é lobo de outro
Homem‖, e, acto contínuo, é produto do
bem e do mal, possuindo assim, uma
face afável para uma situação benevolente e uma face horrenda para uma situação malevolente, que coabitam permanentemente no mesmo espaço, seja ele a
mesquita, a igreja, o seminário, o convento, a Assembleia da República, e etc.
Justifica aquela citação o conto
―Virgindade Rasgada‖, no qual Alex passa de herói a vilão por ter desiludido
Hege, uma rapariga atraiçoada pelas
suas utopias.
Em última instância, as Histórias
Indecentes – realmente têm muito de
indecente – vão vitalizando o cepticismo
ateu em prejuízo da fé em Deus e das
religiões que O louvam, sem deixar de
lado o desacreditar de uma sociedade
que se auto-envenena à medida que as
ambições aumentam.
A pergunta que deixamos ficar no
ar é: será a primeira obra de Nelson
Manhisse marginal ou marginalizada,
para depois, quem sabe, se tornar num
modelo literário à semelhança das obras
marginais ou em tempos marginalizadas
como as que foram identificadas nos
parágrafos iniciais?
Notas
¹Excerto extraído de Nascimento
(2006: 11).
²Citado por Nascimento (2006: 11).
³As duas primeiras obras sofreram
uma violenta censura, sobretudo pelos grupos cristãos, por subverterem as suas concepções. Tanto Saramago assim como Brown
foram alvo de muitas críticas e os romances
em causa desacreditados. Teresa Raquin e o
seu autor foram alvo de duras banalizações
por parte dos críticos franceses que conside-
Ensaio
ravam a obra um atentado à moral. Nós
Matamos o Cão Tinhoso foi, durante longos
anos, afastada dos circuitos literários pelo
facto de o regime colonial português em
Moçambique não a considerar obra literária.
Seja como for, com o tempo estas obras
emanciparam-se e tornaram-se verdadeiros
modelos literários.
⁴Título de um dos livros de Mia Couto.
⁵Deus, O Criador; Deus, A Luz; Deus,
O Beneficente; Deus é o maior (traduções
extraídas de Fúria Divina, p. 42, 45 e 64, de
José Rodrigues dos Santos).
⁶Diabo, O Criador; Diabo, A Luz; Diabo, O Beneficente; Diabo é o maior.
⁷Sobre a Hégira (retirada do profeta
Mohamed de Macca para Madina) pode-se
consultar o Alcorão Sagrado, traduzido para
língua portuguesa pelo prof. Samir El Hayek,
p. xi.
⁸Para além de recusar que Jesus não
pode ter sido filho de José, o narrador renega
automaticamente, embora não explique, que
Tiago, José, Simão e Judas, por exemplo, são
irmãos de Jesus e filhos de José e Maria. A
esta altura o narrador revela-se um pouco
informado ou ocioso, pois, de contrário, referir-se-ia a paternidade dos outros filhos de
Maria.
Sobre os outros filhos de José e Maria,
pode-se consultar Mateus 13. 53 – 57.
13
⁹Sublinhados nossos.
¹ºO primeiro mandamento da lei de
Deus diz: ―Adorar a Deus e amá-lo sobre
todas as coisas‖. Ver O Pão da Vida: Catecismo e Orações (p. 70).
¹¹Do xirhonga, entenda-se ―Junta‖.
Referência bibliográfica
Faulkner, W. (2000) A Luz em Agosto. Largo da Lagoa: Biblioteca Visão.
Manhisse, N. (2012) Histórias Indecentes. Maputo: AEMO.
Nascimento, E. (2006) “Literatura
Marginal”: Os Escritores da Periferia
Entram em Cena. São Paulo: Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas – Universidade são Paulo. Dissertação Apresentada ao Programa de Pós-graduação (não
publicada).
Santos, J. (2009) Fúria Divina, 20ª
Edição. Lisboa: Gradiva.
Sousa, J. (org.) (2008) O Pão da
Vida: Catecismo e Orações, 7ª Edição.
Maputo: Paulinas Editorial.
______________ (1978) O Novo
Testamento. Lisboa: Sociedade Bíblica.
______________ (s/d) O Alcorão
Sagrado. __________________
O ROTEIRO DE MARTIM
SOARES MORENO
O Professor Doutor António de Abreu Freire lançou recentemente a obra “O ROTEIRO DE MARTIM SOARES
MORENO” na Guerra de Restauração do Brasil entre 1604 e 1654. Para além de dar a conhecer o meio século
dessa luta, o livro poderá dar a conhecer outros percursos de Martim Soares Moreno, um dos grandes heróis
da recuperação do Brasil para o domínio português.
O
ROTEIRO DE
MARTIM SOARES MORENO
(ed. DebatEvolution, 2013, 192
páginas, com dois cadernos de ilustrações a cores) conta a história de meio
século de lutas pela restauração do Brasil, entre 1604 e 1654. Os franceses instalaram-se desde a Paraíba até ao Maranhão, depois de expulsos do Rio de
Janeiro e os holandeses chegaram a
ocupar metade da costa brasileira, onde
controlavam a produção e o comércio do
açúcar. Martim Soares Moreno chegou
ao Brasil muito jovem e participou em
todas as lutas contra franceses e holandeses; natural de Santiago do Cacém,
faleceu na sua terra natal, depois de ter
servido como militar desde a Bahia até
ao Maranhão, durante 45 anos.
Ele foi um dos grandes heróis da
recuperação do Brasil para o domínio
português, combateu intrusos e corsários, em terra como no oceano, desfigu-
rado e com uma mão decepada desde os
30 anos; faz parte da lenda, da tradição e
da literatura, sobretudo no Ceará, capitania por ele fundada e onde é venerado.
Um dos mais belos romances da literatura portuguesa intitula-se IRACEMA, da
autoria de José de Alencar (1829-1877):
o romance narra a história de um guerreiro português que se enamora da filha
de um chefe índio com quem tem um
filho e é uma metáfora da miscigenação
própria à nação brasileira. A ficção de
Alencar é decalcada sobre a vida real do
militar cuja história verdadeira é narrada no livro do professor Abreu Freire.
O texto agora publicado resulta de
investigações levadas a cabo durante
muitos anos, já que a vida do militar se
cruza em diversos momentos com a do
padre António Vieira, a quem o autor
dedicou vários livros e um filme. Martim
comandava um batalhão de tropas acantonadas na Bahia pelos anos de 1638 a
1645, antes da investida decisiva contra
os holandeses; por esses anos o jesuíta
pregava os primeiros sermões patrióticos
para animar os soldados. Mais tarde o
pregador foi incumbido de resolver na
Holanda, pela via diplomática, a questão
da presença holandesa no Brasil, sem
sucesso, enquanto os soldados a quem
ele pregara em Salvador da Bahia conseguiam derrotar os ocupantes em Pernambuco; em Agosto de 1648, o jesuíta
regressava a Lisboa e o militar também:
o padre tinha fracassado, o militar chegava como vencedor de uma grande
batalha, mas faleceu pouco tempo
depois.
Os contornos da luta pela restauração do Brasil são complexos e foram
muitos os intervenientes na criação da
nação brasileira; Martim Soares Moreno
falava a língua Tupi e comandou por
várias vezes batalhões de tropas indígenas. Na guerra pela restauração e unidade do Brasil combateram negros, índios
e brancos, com interesses diferentes mas
uma escolha comum que foi a de continuar a existir sob influência portuguesa.
Este livro é a primeira biografia completa escrita em Portugal sobre um dos personagens fundamentais na formação de
um dos países mais promissores do
mundo, onde hoje vivem 194 milhões de
pessoas.
DIVULGAçãO
Agosto de 2013
Eventos
14
G
15
aleria
Agosto de 2013
Fotografia
Corpo Insurrecto
Craig Whyle
Posso estar aqui
eu posso estar aqui perfeitamente pobre
um círio me acendi espora aguda
o vento ritmo negro assassino-o
posso estar aqui
- o musgo é lento como a sombra –
e sei de cor a voz cega das canções
(viola de silêncio acorda-me)
que eu posso estar aqui perfeitamente pedra
insone
e um longo segredo impessoal
bordando a minha solidão
Galeria
Agosto de 2013
Fotografia
Desgrenho cada minuto calmo –
e agonio-te de perigos escondidos
basta de tranças imóveis dobradas sobre mim
a terra imprevista sob a terra
caules retilíneos de flores de pedra
o mar imprevisto sobre o mar
Quebro os taus de vidro
Beijo as espáduas do espaço
na beira dos passeios
desfeito
febril como as pedras prenhes de evasão
16
Galeria
Agosto de 2013
Estou à espera da noite contigo
livre de amor e ódio
livre
sem o cordão umbilical da morte
livre da morte
estou
à espera
da noite
Fotografia
17
Julho de 2013
Artes
Artista do Mês
Agosto de 2013
Dadivo José
Fotos: Divulgação
DADIVO JOSÉ
Diz uma nota de imprensa
que já recebemos por ocasião de um espectáculo de
Dadivo José músico, docente
e actor de teatro: estreou-se
em palco a 21 de Março de
1992. Na altura, nem ele era
capaz de perceber o que
estava lá a fazer. O que o
artista Dadivo não sabia, é
que estava dentro de uma
produção teatral do, na
altura, grupo cultural Voz
Verde. Este agrupamento
“teatrava”, dançava e cantava. Construía um sonho.
Dadivo José pegou o teatro
como uma paixão, profissão
e escola de vida. Hoje vive de
teatro, é docente de um curso Superior de Teatro na
Escola de Comunicação e
Artes
da
Universidade
Eduardo Mondlane, mas seria
injusto dizer que naquela oficina de sonhos, continuada no
MAHAMBA e em todos grupos
amigos com os quais colaborou (Mutumbela Gogo, Mbeu,
Luarte, Xindiro, Ntiyiso, Ximbitana, GTO, Casa Velha, etc),
não tenha desenvolvido boa
parte das outras habilidades
artísticas. Uma delas é a música.
Em silêncio Dadivo José gravou um disco que por causa do
seu respeito pelos músicos
sérios, teima em não trazer ao
público. Uma boa parte dos
temas que compõem o disco já
foram partilhados em espectáculos.
MÚSICA COM ROSTOS E LÁGRIMAS
Ao Dadivo José
David Bamo
[email protected]
E
la tem gotas. Se de
água não sei. Mas a
verdade é que são
gotas áridas e ácidas. Queimam e
aleijam o coração. Dói ouvi-la. Implanta
alguma saudade. Uma saudade triste.
Ela invade a tranquilidade. Tem ternura. É penetrante. Tem feitiço. Nos ilustra um homem ao relento, solitário, no
escuro, sem rumo, arrependido, com a
casa desarrumada a precisar de uma
limpeza. Homem que perdeu o orgulho,
a honra e a verdade. Homem que chora.
O desespero lhe tira sono. Vida assombrada.
Isto é o que sinto quando a música ―Murandziwa‖ de Dadivo José cai
leve nos meus ouvidos. Uma autêntica
fotografia aos que perderam norte e sul
Crítica
com a morte dos seus amores. É um
abraço aos viúvos e viúvas do meu país
Moçambique. Dadivo questiona:
“Leswi u fambaku uni siya
nita sala na mani
A vana va hina wena nkata
Vata sala na mani”
O mesmo que dizer já que te vais
amor com quem vou ficar? Os nossos
filhos como é que ficam? Desgraçada
seja a morte. A morte, sempre a morte.
Esta coisa tão terrível e horrível que não
escolhe o alvo, só abate. Mas o meu amigo Dadivo se esqueceu de questionar ao
Senhor Todo Poderoso porquê leva os
seus filhos. Ela não quis morrer Dadivo,
chegou a vez, estava escrito, ela aceitou o
chamamento, foi-se. É bem verdade o
que dizes:
“Tanto sonhei contigo
Não é justo te perder sem te
ter
Amor vem
Vem me buscar
Contigo viverei na morte”
Mas sabes que isso não é possível.
Ela morreu. Este desespero musicalmente descrito em ―Murandziwa‖ é a incorporação de um bom dramaturgo e actor
num músico, ou seja, Dadivo não resistiu
a tentação de representar neste belíssimo
tema. Nos mostra rostos de gente angustiada. Lágrimas que o tempo não enxuga.
Saudades eternas. Em ―Murandziwa‖
Dadivo vai ser Joaquim da Silva da peça
―Lá na Morgue‖ que conhece tantas histórias sobre a morte. Dadivo lamenta:
nhamutla vani gwela ku loya – a
sociedade te acha um feiticeiro por teres
perdido esposa. Mas te digo, a tua indagação é hipócrita, foste sim feiticeiro
nesta grande viagem de música. Se não
nos mostrarias caixões com esse tom de
voz tenebroso, não falarias com fantasmas.
Por outro lado, há que felicitar a ti
e a banda que te acompanhou nesta
música. Ao guitarrista Albino Mbié pela
execução, os sopros e a bateria não sei de
quem são, as coristas comportaram-se
como aquelas deusas que beijam os
anjos.
Parabéns Dadivo pela música.
Parabéns música moçambicana. Parabéns Moçambique por gerares bons
artistas!
Artes
Agosto de 2013
ELA
DECLAROU-SE À
TODOS
Fotos: Facebook Yolanda Chicane
Em 2004, Azarias Arone e Yolanda Chicane fundaram a banda
Kakana, Desde então, a
dupla têm estado a brindar a plateia moçambicana com perfeição,
actuando em vários palcos
(festivais locais, festas, casamentos, cocktails, jantares de gala e
em algumas casas de pasto da
Cidade de Maputo).
A sua música não tem fronteiras.
Baseados na Marrabenta e outros
ritmos nacionais, fazem fusão
com ritmos do mundo, fazendo
uma perfeita combinação da guitarra de Jimmy Gwaza e a voz
inconfundível da Yolanda Chicane.
A cantora Yolanda, traz nas suas
composições, mensagens de
esperança, paz e amor. Acredita
que a música é uma linguagem
universal de concórdia entre
todos os seres.
Músicas como ―Suhura‖
catapultaram a banda e a
vocalista em particular.
Não há dúvidas que
―Serenata‖ é um presente
divinamente concebido e
esperado. Prova disso foi
a desafiadora enchente
no espectáculo de Julho
no Centro Cultural Universitário.
Moreira Chonguiça, João
Cabaço, Simba e Maria
Helena Pinto, fizeram
parte desse pote de música que marcou Maputo.
Afro, Rock e Jazz, são ritmos predominantes nas
composições escritas em
várias línguas tais como:
Changana, Emacua, Chope, Português e Inglês.
Fotoreportagem
19
Artes
Agosto de 2013
Fotoreportagem
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Agosto de 2013
Artes
Música
21
JAIMITO: UM LOUCO OU O HOMEM
Fotos: Marcos Vieira
QUE DEVIA TER NASCIDO AMANHÃ?
U
nanimemente considerado o melhor guitarrista que o
país játeve, Jaimito Machatine nasceu há 64 anos em
Zandamela, Inhambane, e tinha 15 irmãos. Faleceu em
Maputo no dia 26 de Julho de 2013.
Edmundo Galiza Matos
Fonte: RM
N
um dos muros da
vedação do jardim
botânico
Tunduru, mesmo
defronte do edifício-sede da Rádio Moçambique, em
Maputo, estão expostos em papel normal ou cartolina, algumas reflexões, em
texto, de um homem que chama a atenção de todo o transeunte da zona, mais
precisamente da Rua da Rádio.
Não estão registados em algum
caderno ou simples bloco de notas e
muito menos em livro, mas estão disponíveis para quem os quiser consultar,
interessado em conhecer e compreender
o que aquele homem, que um dia foi
considerado um dos melhores guitarristas moçambicanos no seu tempo, pensa
de si e da sua vida e dos que o rodeiam.
escreve tem a ver com a sua longa e misteriosa permanência fora de Moçambique e sobre a qual os pormenores são
escassos e dispersos e deles o Jaimito
jamais se refere.
―Os escritos do Jaimito‖, assim me
atrevo a chamá-los, podem ser entendidos como sendo fragmentos do pensamento do seu autor sobre os mais díspares assuntos, que vão da música ao cinema, passando pela literatura e religião,
que é o que ele mais gosta de dissertar
nas suas notas e em conversa com aqueles que o conhecem.
São também escassas referências a
pessoas ou instituições com quem se
relacionou no período em que permaneceu fora do seu pais, embora, numa conversa corriqueira das muitas que tenho
mantido com ele quando juntos tomamos
uma ―Bica‖ de café, se tenha referido ―a
minha mulher‖ a propósito de uma das
obras musicais de Joni Mitchel, cantora
canadiana, versátil, que disse apreciar
Um outro assunto sobre o qual ele
Artes
Agosto de 2013
Música
22
particularmente. Disse-me que tanto
ele como aquela a sua companheira –
de nacionalidade americana – partilhavam a mesma opinião sobre Mitchel, recordando até ―compramos um
LP‖ com uma foto da cantora sentada
numa pedra nas margens de um lago
ou riacho envolto numa paisagem tipicamente da América do Norte.
Num dia particularmente diferente dos demais Jaimito ―soltou‖ um
pouco a língua, talvez porque acabara
de lhe oferecer uma cassete contendo
a gravação do álbum ―Thick As A
Break‖ dos Jethro Tull, que me pedira
havia muito tempo. Interessante como
ficou agitadíssimo quando comprovou
no seu mal-tratado gravador o teor da
gravação, que disse ter reconhecido logo
de imediato ao ouvir os acordes da guitarra acústica iniciais da obra. Educadamente confidenciou-me que da banda
liderada por Ian Anderson tinha particularmente preferência pela obra ―
Benefit‖, lançada dois anos (1970)
antes dos Jethro Tull terem gravado o
épico poema do pequeno Gerald Little
Milton) Bostock.
Apenas para se aferir dos
conhecimentos que Jaimito tem da
música, é interessante a sua surpresa
quando lhe informei que uma das últimas obras discográficas de Joni Mitchel que me chegaram as mãos tinha a
ver com uma parceria entre a cantora
e Charles Mingus, que este nunca viria
a conhecer porque morrera uns dias
antes da sua edição. Jaimito ficou
extremamente interessado nos pormenores daquela que lhe parecera uma
―estranha‖ mas ao mesmo tempo agradável colaboração entre uma assumida
cantora folk e um jazzman esquizofrénico como o era Mingus. Fez-me prometer
-lhe uma cassete com o registo da obra,
tal era o seu interesse em ouvir que
sonoridades Joni Mitchel e Charles
Mingus poderiam produzir e oferecer
que pudessem agradar aos seus fãs
divididos quanto aos géneros.
Pois então, contou que viveu 16
anos nos Estados Unidos, após dois ou
três anos de permanência em Portugal.
Em Lisboa e no Algarve, o guitarrista terá tocado em clubes nocturnos, com moçambicanos, angolanos e
cabo-verdianos, nomeando Bana como
tendo sido um deles. Não se recorda
de alguma vez ter trabalhado com o
Fu, um reputado baterista moçambicano radicado há vários anos em Portugal, muito conhecido nos meios
musicais no Algarve.
Disse que com um certo Mitó
Dickson (com quem se conhecera ainda em Moçambique) fez algumas gravações de músicas de autores moçambicanos, entre os quais de Wazimbo. Desconhece o paradeiro desses registos mas
diz ter uma vaga ideia de que terão
sido editados em disco pelo Mitó Dickson.
Em Portugal terá conhecido a
―minha mulher‖, americana, que entretanto engravidara. A filha de ambos,
gerada naquele pais europeu, viria a
nascer em 1982 nos Estados Unidos,
por vontade expressa da mãe. Zara Jaime Machatine assim se chama a filha de
Jaimito, tendo hoje 28 anos de idade.
O que fazia e de que vivia Jaimito
nos Estados Unidos tal continua envolto
num mistério, sendo certo porém que
foi naquele país onde todos os seus problemas actuais tiveram origem.
Sabe-se apenas que dez dos
dezasseis anos nos EUA foram vividos
em cadeias e estabelecimentos psiquiátricos a mando dos tribunais, onde,
como ele próprio me confidenciou, passou por experiências terríveis e conheceu gente da ―pior espécie‖.
É de supor que Jaimito, guitarrista dotado acima do normal para os
padrões de Moçambique e Portugal, não
tenha singrado em terras americanas
onde o mercado musical é certamente
mais exigente e bastante concorrido.
Sem trabalho e sem meios para
uma vida desafogada e independente,
terá então ficado na dependência da
mulher, situação que, acredito, se lhe
tornou insuportável e geradora de conflitos com a parceira, a quem, diz-se,
terá violentado por diversas ocasiões.
O seu caso – e continuo nas
meras suposições – terá sido comunicado as autoridades judiciais que não se
fizeram de rogado perante um
―estranja‖.
A mais recente informação dá
conta que, depois de várias anos de
encarceramento em penitenciárias, a
sua nacionalidade e a língua portuguesa,
terão criado um natural interesse e simpatia de um psiquiatra americano de
origem cubana. Tornaram-se amigos de
longas e proveitosas conversas, o suficiente para o especialista caribenho lhe
propor duas alternativas para solucionar
o imbróglio em que Jaimito se encontrava amarrado: ir viver para Cuba ou …
regressar ao seu país.
vê-lo acocorado ou sentado a escrever as
suas notas, compenetrado no que faz, aparentemente alheado do rebuliço da estrada.
O nosso guitarrista não hesitou:
acompanhado por dois ―gorilas‖ do FBI,
voou dos EUA, com escala em Johanesburgo, até Maputo, onde foi entregue às
autoridades moçambicanas.
De madrugada, contam os homens
que velam pela segurança do centro, Jaimito entrega-se normalmente a tarefa de
―publicar‖ os seus pensamentos, pregandoos numa frondosa árvore plantada no jardim dos serviços administrativos da Rádio
Moçambique, qual um jornal de parede.
Por estes dias, a ―exposição‖ pode ser vista
num dos muros do jardim botânico Tunduru, defronte da RM.
De um dia para outro, ei-lo que
encontra na Rádio Moçambique a sua
casa e galeria de exposição dos seus textos ―filosóficos‖.
Os escritos estão sobre papel A4
normal mas, na falta deste, o autor falos em pedaços de cartões de embalagem de produtos alimentares ou bebidas, material fornecido por amigos e
conhecidos, ou que ele próprio recolhe
na rua ou nos cestos de lixo.
O lugar onde ele escreve as suas
notas não podia ser mais inspirador
para o Jaimito: num local público bastante concorrido por homens e mulheres
das mais diversas profissões, a maior
parte deles ligados a música e destes,
alguns antigos membros de bandas que
ele integrou antes de ―dar o fora‖ de
Moçambique.
É no Centro Social da Rádio
Moçambique onde preenche os seus
dias, toma as refeições que lhe são oferecidas e dorme ou passa a noite numa das
entradas daquela rádio pública. Todos
os que por ali passam já se habituaram a
O local tem todas as condições para
que o Jamito se inspire para o que vai
escrevendo, pois para além de se encontrar
e conversar com os que foram seus amigos
de outrora, testemunha como ninguém os
mais diversos comportamentos dos frequentadores do estabelecimento.
Após pregar o material, o nosso
―escritor de rua‖, faz o que todos fazemos –
ou devíamos fazer: dirige-se as casas de
banho do centro, onde cuida da sua hegiene pessoal. Senta-se depois num pequeno
muro situado na rampa que dá acesso ao
bar do centro, folheando velhos e rasgados
livros, ou então escutando música de um
pequeno gravador de cassete com auscultadores minúsculos ofertados certamente por
uma alma compreensiva.
Registei em imagem fotográfica
alguns dos seus escritos com a sua devida
autorização. Antes faço notar que quando
lhe pedi para lhe fazer um retrato ou uma
fotografia em conjunto recebi dele um
redondo ―não‖, justificando a recusa com o
intrigante argumento de ―eu não quero
mais problemas com ninguém‖. Anui e deime por satisfeito, não sem deixar de me
perguntar a que problemas se referia e com
quem.
Agosto de 2013
Artes
Brevíssimas
23
Música moçambi- Dino Miranda
cana no festival de actuou no African
Cabo Verde
Lounge
M’saho
da Paz
A
D
e 16 a 18 de Agosto
―Durante muito tempo consumimos e
assistimos espectáculos de músicos
vindos desses países. É tempo de
também mostrarmos as nossas
potencialidades‖
Depois de um grupo de artistas
ter participado recentemente de um
festival em Angola, segue agora um
outro, mas desta vez para Cabo Verde. O grupo é cons-tituído por
Yolanda e Banda Kakana, Dilon
Djindje, Mingas, Stewart Sukuma e
Sizaquel. Os músicos vão representar Mo-çambique no Festival Baía
das Gatas, de 16 a 18 deste mês na
Ilha São Vicente.
Para além dos músicos já referenciados, instrumentistas e coristas vão fazer parte desta lista de
artistas que vai levar os ritmos
moçambicanos a Cabo Verde. São
eles: Dodó, Pimen-ta, Stélio Zoé,
Nelton Miranda, Thaphelo Bongane,
Fernan-do Morte, Stelinho, Sandra,
Bernardo Ounhuane e Carlos Gove.
Os músicos vão sair de Maputo no dia 13 de Agosto, podendo
regressar no dia 20 do mesmo mês.
Júlio Sitói, que conduz a equipa
moçambicana ao festi-val, refere que
―Estamos a pre-parar o máximo possível para ter uma representatividade em grande de Moçambique. Queremos com tal continuar com a
internacionalização
da
música
moçambicana. Durante muito tempo, consumimos e assisti-mos espectáculos de músicos vindos desses
países. É tempo de também mostrarmos as nos-sas potencialidades‖.
D
epois de Stewart Sukuma ceder o African
Lounge para Ras
Haitrm e Guilherme Silva, no último
fim-de-semana, o convite foi endereçado ao compositor, produtor,
guitarrista e vocalista Dino Miranda.
O músico apresentou-se na
companhia de Tony Chabuca no
baixo e coros, Tony Paco na bateria,
Pateta na percussão e Valy no teclado. Voz e bateria estão a cargo de
Dino Miranda.
Vencedor de dois prémios musicais, nomeadamente, Mozambique
Music Awards e Ngoma Moçambique, ambos em 2009 com o seu
álbum intitulado ―Moya wa kaya‘‘,
Dino começou a sua carreira profissional em Maputo no ano de 1997,
tocando com bandas de música rock.
Em 1998, Miranda engrena no projecto Asaga, com Chico António,
tendo feito parte dessa banda por
dois anos. Em 2000, estuda música
na escola de música e dança fuba na School of Music - em Johannesburg, onde também participa em
vários projectos musicais. Em 2001,
Dino Miranda é aceite para estudar
música na Universidade de Cape
Town, tendo concluído o curso em
2004.
A sua carreira a solo começa
em Cape Town, em 2002, formou a
sua banda com músicos moçambicanos e estrangeiros, e fez parte de
grandes festivais na África do Sul e
Moçambique, além de várias participações com músicos nacionais,
como o Stewart Sukuma, e estrangeiros, Freshly ground, Napalma, Loading Zone, só para citar
alguns.
Associação dos Amigos
de
Zavala
(AMIZAVA) promove
entre 24 e 25 de Agosto, a décima
nova edição do festival anual
M‘Saho. O evento terá lugar na Vila
de Quissico, no Distrito de Zavala,
em Inhambane.
O r g a n iz a d a p e l a A M I ZAVA, participam na iniciativa grupos de Timbila da província de Inhambane, incluindo outras formações artístico-culturais de diversas
partes do país.
Preservemos a Paz é o lema
escolhido para a edição deste 2013.
Carlos Gove no
Franco...
O
Centro
Cultural
Franco-Moçambicano
acolheu a dias, o concerto do conceituado baixista
moçambicano, Carlos Gove, que
publica o seu primeiro trabalho discográfico com o título Massone.
Gove tem um percurso artístico de 25 anos de carreira. Sendo que
ele já trabalhou com inúmeros projectos culturais e bandas como, por
exemplo, a Ghorwane, a Nondje e
Vuka Africa. Por isso, o seu disco
traduz as suas múltiplas vivências
como artista e cidadão moçambicano.
Trata-se, na verdade, de uma
obra em que Carlos Gove desenvolve
uma abordagem concentrada também na questão da luta pela liberdade em vários níveis. Por exemplo, no
tema "Marrabenta Groove", interpretado por Tababasyle, Sheila
Jesuíta, Ras Haitrim e Yolanda Chicane faz-se um grito em prol da
liberdade da mulher, enfocando-se a
questão dos direitos humanos.
O melhor do jazz
em Maputo
O
s indispensáveis Norman Brown, Earl
Klugh, Lee Ritenour
estarão no nosso país em Setembro,
Novembro e Dezembro.
Earl Klugh será o primeiro a
esca-lar Maputo para um concerto
pro-gramado para o próximo dia 24
de Setembro de 2013, no Centro Cultu-ral Universitário. O mesmo espaço
vai acolher, no dia 16 de Novembro, o
espectáculo de Lee Ritenour.
Lee Ritenour que, a par de Earl
Klugh, escala Moçambique pela
primeira vez vai oferecer dois espectáculos, sendo o primeiro agendado
para 15 de Novembro no Conselho
Municipal de Maputo. O guitarrista
Norman Brown, já há muito esperado
no país, vai fechar este ciclo com dois
espectáculos nos dias 13, no Hotel
Polana, e 14 de Dezembro de 2013, no
Centro Cultural Universitário, facto
que vai acontecer na véspera de completar meio século de vida, ou seja, 50
anos de idade.
Norman Brown é um dos grandes nomes do ―Smoot Jazz‖, muitas
vezes comparado a seu contemporâneo George Benson. Já Earl
Klugh é guitarrista e compositor considerado um dos melhores violinistas da actualidade.
Agosto de 2013
Artes
Património
24
Preservar patrimínio é
garantir identidade
moçambicana
Fonte: RM
A
Organização
das
Nações Unidas para
a Educação, Ciência
e Cultura (UNESCO)
reiterou a importância do património
cultural intangível na promoção da identidade de nações como Moçambique.
―Não é o Governo que garante a
manutenção das tradições, mas sim é a
própria comunidade que mantem as suas
tradições. Nesse sentido, não existe
nenhuma implantação de convecções de
salvaguarda de património imaterial sem
que as comunidades sejam envolvidas‖,
referiu o Consultor.
―É através de práticas de histórias
orais e de rituais que se desenvolvem as
danças, o folclore que cada país se faz
reconhecer e ganhar forças para a construção da sua própria história ‖, disse
Lucas Roque, Consultor da UNESCO.
A participação das comunidades,
segundo Roque, é de extrema importância
para a preservação das tradições que são
também fundamentais para a manutenção dessas mesmas comunidades.
Roque falava segunda-feira na
cidade de Maputo a margem da cerimónia de abertura do ‗workshop ‘ subordinado ao lema ―Salvaguarda do Património e Cultura‖ organizado pelo Instituto
de Investigação Sócio - Cultural, Embaixada da Noruega, e pela própria UNESCO. De acordo com Roque, para que tal
aconteça é necessário que a sociedade
seja a principal mentora deste processo.
Este ‗ workshop‘ é considerado de
extrema importância por ter como objectivo munir os funcionários do Instituto
moçambicano de Investigação Socio - Cultural (ARPAC), do Ministério da Cultura,
e da sociedade civil, de técnicas de uso da
Convenção de 2003, que tem a ver com a
salvaguarda do património cultural e imaterial.
Por seu turno, o representante do
Ministério da Cultura, Fernando Dava,
disse ser graças ao ajustamento das neces-
sidades de protecção e da valorização do
património que se conseguiu motivar as
comunidades a interessarem-se pela sua
cultura imaterial.
― Um dos resultados colhidos dessa série de formações foi o inventário do
património cultural intangível da Ilha de
Moçambique, um trabalho pioneiro que
se apresenta já na sua versão final‖,
explicou a fonte.
A Ilha de Moçambique foi consagrada Património Mundial da Humanidade, em 1996. Esta zona insular também se destaca pelo seu valor cultural
tradicional.
―A nossa expectativa é que a partir destas duas capacitações estejamos
melhor munidos e preparados para
fazer face aos desafios que se apresentam na implementação da convenção
de 2003‖, acrescentou.
Enquanto isso, o representante
da UNESCO em Moçambique, Abou
Amani, frisou a importância deste
encontro de três dias por incluir, na sua
agenda, a avaliação do património imaterial de Moçambique, bem como a elaboração de planos de salvaguarda e
implementação de gestão estratégica
destas matérias.
The Best of Elvira Viegas (Venho de Longe)
Crítica
Niosta Cossa
A
carreira de Elvira
Viegas dentro
da
Música
Ligeira
Moçambicana
é
ímpar.
Dentre
todos os artistas conotados com aquele
género é a mais distinta. E entre as 3
grandes divas da Música Ligeira Moçambicana, Zaida Chongo, Elsa Mangue e ela
(Elvira Viegas) – se considerarmos
que Mingas sempre esteve mais na
"Música Moçambicana Internacional" do
que propriamente na Música Ligeira
Moçambicana – ela é a mais consciente e
mais serena.
Ao estilo pomposo e escandaloso
de Zaida Chongo e à natureza depressiva
-autodestrutiva de Elsa Mangue, Elvira
Viegas opõe consciência e serenidade e
sobriedade.
Dentro da crença e prática
moçambicana da arte como uma arte
educativa, Elvira Viegas é quem mais se
músicas foram regravadas para este
álbum.
destaca. A Música Moçambicana sempre
foi rica em artistas loucos, extravagantes,
rebeldes, desesperados, provocadores,
moderados, conservadores, temperados e,
ultimamente, engraxadores do poder político, enfim, sempre teve artistas de toda
estirpe lírica e de atitudes variadas, mas
nenhum chegou aos pés de Elvira Viegas
como artista educadora. Elvira Viegas é
única.
Tal qual é único o seu estilo, que
mistura a Marrabenta e o Afro-Pop, crian-
do um estilo suave, mas, forte, dinâmico
e pulsante. Por outro lado, o canto dela,
simplesmente, é o melhor (dentre o
género feminino) que se encontra dentro
da Música Ligeira Moçambicana.
Este The Best of Elvira Viegas,
que, como sugere o título, apresenta as
melhores de Elvira Viegas, não é simplesmente um exercício de recolha das
melhores músicas da cantora, tal qual
foram gravadas originalmente, para
serem relançadas num único disco. As
E nesta regravação as músicas
são embaladas pelo som sombrio do
teclado de Pipas, que, à entrega apaixonada de Elvira Viegas, acrescenta
melancolia, deixando as músicas tensas, magníficas, em catarse, no entanto,
no limiar da tristeza, da falta de ritmo e
da pregação de Moral, e só lá não caem
graças aos outros executantes, Stélio
Zoe, Carlitos Gove Manuel de Jesus,
Sacre, Pacha Viegas e o grande Sox, que
mantém a música viva e focada. Fantástico! Assombroso!
Ainda em relação aos artistas,
finda a audição deste The Best of Elvira,
fica-se
com
uma
certeza: Sizaquiel e Jenny são grandes vocalistas de apoio.
Um grande disco este.
m’saho
Caderno de Prosa&Verso
CONTO
POESIA
LOUCURAS
QUESTÕES DE NOSSO TEMPO
Guido Bilharinho
Pág. 05
Finalmente, a minha mulher morreu
Pág. 02
GENTE DE NINGUÉM
Pág. 03
Conto de Alex Dau
Parte Integrante de Nós 02 - Agosto de 2013 - Não pode ser distribuido separadamente
A insatisfação nas ruas os manifestantes ainda não viram tudo
M’saho
Agosto de 2013
02
Prosa
Finalmente,
a minha mulher morreu
Nélio Nhamposse
[email protected]
nizavas ou não.
Finalmente, a minha mulher
tinha morrido. O quarto, onde jazia
Julieta, estava funesto e pesado de dor.
As jasmins emanavam e esculpiam o
corpo estatelado sobre a cama. E eu
contemplava aquele silêncio que irradiava do corpo, que respirava a dor e morfo
que a morte nos permite: o silêncio de
não poder ter voz para verbalizar o que
sentimos e sonhamos, o que cheiramos
e tacteamos, o que amamos. Lembreime que Julieta apreciava tanto o silêncio
que se tornou cultora do mesmo. Esculpia-o e reinventava-o.
Instantaneamente,
enquanto
olhava incisivamente para o corpo que
jazia soberbo e altivo, travava monólogos e reminiscências das longas noites
de luas com Julieta. Luas de que me
tomo e choro. Luas de que me entrego
com a nostalgia de suar e morrer nelas.
E aí começa a cartase:
De certo, lembro-me que fui feliz
contigo, Julieta. Repito, fomos felizes.
Muita gente mete pança pela palúrdia
quando fala de felicidade e alegria. Confundem os sentimentos. A felicidade é o
leito do tempo. Nunca anuncia marés
altas ou baixas. É a premonição que a
poesia permite, o azul do céu; o futuro
por desenhar e o passado quando anunciado. E, em sentido inverso, a alegria é
o fulgor, a paixão, o instantâneo, a
envolvência, o calor, a volúpia ardente
que sentimos.
A princípio eu saía de manhã e
voltava no dia seguinte. Depois viajava
noites infinitas e, mesmo quando contigo estivesse, te abstias no infinito. Lembras-te, dormíamos de bruços e distintos
um do outro. O tempo foi andando. Descobriste a Rosimel, o verbo que me fazia
ecoar, a perdição, e nem para tanto te
incomodou. Permaneceste apenas em
silêncio. O facto é que me concormias os
ossos. Retalhava-os e transforma-os em
pó. Depois destilavas e tomava-os.
E sabe, os anéis passam, mas os
dedos permanecem. A Rosimel para
mim era um anel, a alegria, o calor, a
carne, a humidez. E tu, o sangue, o útero. Lembras-te das noites de núpcias? Se
me permites, dizias: ―tu dormes no meu
leito como quem agoniza. Quando me
tomas, decepas-me por inteiro. Não deixas nem espaço para a vírgula e raramente falhas o verbo. Tomas-me como
jorras sangue nos teus versos.‖ E retorquia:
- ―Não posso negar que te amo
como se me mutilasses. Como se me
banhasses de água e dilatasses em pó. A
nossa ligação é umbilical. Um cordão
que não me foi cortado. O leito dos afogados.‖
Hoje, a nostalgia se apossa. Passaram meses, depois anos. Não mudaste.
Permaneceste fiel e solitária. Uma solidão de que me banho e gemo. Uma solidão de que me alimento aos prantos e
choros. E continuas a corcomer-me. O
que eu queria era pintar-me no céu com
Rosimel. E, por muito tempo, o que eu
queria era que pairasses e desvanecesses
no Verão. Pouco interessava-me se ago-
O rio foi seguindo o seu curso
como uma criança quando
nasce, o ciclo da vida. Amantizaste com a solidão e o silêncio
e exilaste-te no abismo. Tornaste-te fantasma de mim e de
Rosimel. No autocarro, nos
hotéis, víamos-te passar, de
súbito e espontaneamente.
Seguias-me como uma mãe
que segue a sua cria. A princípio achei que fosse alucinação, mas
depois percebi que tu eras parte de mim,
esquartejada em ti. Eras uma sereia. E,
mesmo assim, não entendo por que é que
te lançaste do vigésimo primeiro andar,
se já eras eu e banhavas-te do sol de
Rosimel! Éramos cúmplices, amávamos a
mesma mulher. E, entre nós, amávamonos na solidão e no silêncio, nesse fio
cuja nascente hoje se revela.
E, quando dou por mim, travo
estes monólogos como se me tivesse
transposto de mim. E estou. Estou entre
o teu corpo e as ideias que ainda não
aclaram. As jasmins continuam a espalhar o teu cheiro em tudo quanto há na
casa. Escrevo no silêncio da solidão. A
profecia cumpria-se. Lembro-me que
dizias que no dia que morresses querias
morrer no poema: ―Quero esfolar a rima
com a minha morte. Quero ser enterrada
num poema. Quero que o céu e o verso se
encantem. E ninguém mais escreverá
tamanha heresia. Apenas eu e a poesia‖.
E, decerto, comecei a chorar. O que
durante anos cultivei e tanto desejei
tinha acontecido e eu contorcia-me. Contorcia-me pela saudade de não mais
poder sentir a solidão e o silêncio, e, sim,
transformar-me nela. Contorcia-me pela
dor de não mais me poder reflectir no
espelho e passá-lo a sê-lo. Quando, de
súbito e instantaneamente, ali defronte
do cadáver que já se fazia morto, uma
carta levitou.
————————————————
*Texto extraído do romance inédito “Matiangola e os discursos fúnebres”, da autoria de Matiangola
Lembro-me que
fui feliz contigo,
Julieta. Repito,
fomos felizes. Muita
gente mete pança
pela palúrdia quando fala de felicidade
e alegria. Confundem os sentimentos. A felicidade é o
leito do tempo.
Nunca anuncia
marés altas ou baixas. É a premonição
que a poesia permite, o azul do céu; o
futuro por desenhar
e o passado quando
anunciado. E, em
sentido inverso, a
alegria é o fulgor, a
paixão, o instantâneo, a envolvência,
o calor, a volúpia
ardente que sentimos.
M’saho
CADERNOS
DE HAIDIAN
29 de Abril
de 2013
Pedro Pereira Lopes
[email protected]
T
odo homem nasceu para
ser campeão! Quero acreditar, acredito, ah!, injusteza
de crenças omissas que me
aturdem como leão errante
em correnteza! Quem devo culpar por tamanha
insperança? Ninguém seria um pronome preciso demais, nem-ninguém, máscara branca de
palhaço de circo em ópera fantasma, com gestos e passos valsados, condenados ‗amazimus‘,
sem-rosto dos rostos sem-rostos. Era uma vez
um homem que negociou o seu próprio sorriso,
a narrativa acabou antes de se ter finalizado, o
meio perdeu-se entre lamentos, o fim fugiu de
si mesmo, de tão trágico que se sentia, voz
omnisciente que se assoberbou, vulcanizou,
expeliu brilhos de cinismo democrático.
Que se fez da nossa oportunidade? Que
possibilidade, a de repensares num futuro com
escassas páginas de avaliação, sem erros, sem
acertos, de inúmeras intentativas sem felizes
combinações? Jogas um jogo viciado, com
dados adulterados, com jogadores ridículos
mas previamente acautelados. Todos os teus
respiros são permitidos, os teus arrotos são
contados – como as batidas de um engenho
engendrado em oficina, Pinóquio de barro e
ventas de penas!
E desaproveitámos o nosso tempo cuidando em mudar o pensamento dos que pensam por nós, sobre nós, sob nós. Esquece! De
nada te vale o que sabes se não conheceres as
pessoas certas, tiveres os amigos certos; foi o
final do porco mais terrível do que o castigo do
coelho? De que nos vale o teu carisma se o brilho dos teus olhos não nos faz ver a luz do amanhã? Fartei-me de estudar o ontem, esse ontem
cavernado, e se desminto a própria objecção do
meu cérebro, que isso quererá dizer, estarei
formatado, poderei confiar nos meus sentidos?
O teu carisma, ah!, não me vale para
nada. Irónico: apreciar o mundo faz-me parecer que somos uma turba de demorados – intelectual versus espiritual – para o pior de nós
mesmos, ou aquela injusteza, sem dono para
oferecer, para aqui é alguém chamado. Tecnocracia – é isso que faz a diferença, não os litros
de petróleo que podemos pôr dentro do nosso
bujão, que tememos nós, fazer a fila?
Agosto de 2013
03
Prosa
Gente de ninguém
Alex Dau
[email protected]
V
agabundos famintos deambulam
pela cidade sem fé de outrora,
porque o lixo é pobre, já não têm
restos de comida como no passado.
Agora os munícipes são comensais
rigorosos e implacáveis, porque o custo de vida arrebata
muitas paciências e deixa estômagos desconfortáveis.
Mendigos escalam a urbe todas as sextas-feiras na
esperança que os súbditos de Alá sejam misericordiosos
para com eles. Mas nem todos são abençoados pela
condescendência do misericordioso e acabam mais
pobres, porque o cansaço lhes rouba as poucas energias
que possuíam e regressam a casa sem fé.
Meninos analfabetos proliferam pelas ruas da
cidade e não imaginam há existência do alfabeto de
Camões e companhia limitada. Os seus ideais são outros,
nas suas mentes repousam sonhos de banquetes com
muitos manjares.
com balas perdidas, ou as vezes com vontade de saciarem o
dedo no gatilho com vontade proclamado por satanás,
para aparentando nós proteger.
Vale a pena ser amigo dos larápios, pois uma vez
assinada a trégua sabem-no respeita-la.
A cidade continua manchada de sangue derramado
por pacatos citadinos que lutaram em prol dos seus
direitos ou buscaram justiça, e o espírito dos corpos
baleados vagueia algures pela cidade, aguardando o
momento de se vingarem dos seus carrascos.
O lixo nauseabundo intoxica a respiração dos
munícipes, quando transborda dos contentores, e
permanece no asfalto em muitas esquinas inviabilizando o
trânsito já desorganizado, protagonizado pelos motoristas
de ―chapa‖ que transformam a rodovia em pistas de
fórmula um, numa luta sem escrúpulos que travam entre si
na busca de passageiros.
Talvez tiveram certidões de nascimento, mas com
Cobradores de ―chapa‖ imploram aos citadinos que
viajem nos seus carros, mas uma vez a bordo, os
passageiros são maltratados e humilhados, porque de
simples passageiro, o indivíduo passa a simples carga a
bordo.
certeza os seus pais acabaram por usa-los para acender
uma fogueira para se resguardarem do frio, preparar um
manjar, ou mesmo devem ter usado para limparem o cu,
dependendo das circunstâncias.
A taxa de lixo instituída pelo conselho municipal
ainda não combate o inimigo implacável que é o lixo, mas
cria dissabores financeiros a muitos citadinos que lutam
desarmados contra o custo de vida.
Agora eles residem num canto da cidade, sonham
ao relento, sonhos resfriados com sabor a desespero.
Patrões de muitas nacionalidades, libaneses,
paquistaneses, brasileiros, portugueses, chineses impõem
sua autonomia degradando sobremaneira a nossa frágil
soberania.
São todos chamados de meninos da rua, mas todos
eles têm nome, mas quem quer saber, ninguém, nem eles
próprios, que os chamem como quiserem.
Mas eles fazem parte desta sociedade que os
ignora, são desta pátria parida a mais de três décadas,
quando eram rotuladas como seiva da nação.
Também os loucos carregam a sua insanidade pela
urbe e exibem acrobacias gratuitas enchendo de alegria as
crianças que transitam pela urbe que só conhecem o circo
pela televisão.
Vendedores ambulantes fazem promoção de
vários artigos, mesmo sem conhecimento de ―marketing‖,
mas a polícia camarária continua sempre no seu encalço,
para lhes dificultar a sobrevivência.
Estão todos condenados a miséria sem quartel,
todos vós, meninos de rua, vagabundos, mendigos e
insanos.
Estamos todos lixados incluindo vós os corruptos,
porque chegará o dia do julgamento final, confidencioume um afamado médium. Mas enquanto não chega o dia
do julgamento, a luta contínua, mesmo desarmados
contra o inimigo uniformizado que nos fuzilam por vezes
Os combatentes se cansaram, luta armada, guerra
civil, agora o povo crê sem fé na justiça divina, que devia
ter chegado há muito, mas enquanto não chega o povo vai
acreditando no futuro, porque no passado justiça nenhuma
foi feita, os vencedores são os mesmos que firmaram
contrato com o diabo.
Mesmo assim uma quietude paira na cidade numa
manhã de domingo qualquer com acerto no calendário da
nossa era, e a frescura de verão vem impregnada com o
cheiro nauseabundo libertada pela decomposição do lixo,
mas o ácido úrico de bebedores de todas as barracas que
proliferam pela cidade e arredores.
Entretanto vereadores municipais, mostram-se
impotentes para estancar o lixo, mal que se tornou símbolo
da capital.
A vida continua com a oposição do lixo e outros
malefícios urbanos e humanos, e a luta do povo avança em
prol da liberdade e justiça.
M’saho
Agosto de 2013
Crónica
04
SACI
Alexandre Staut*
[email protected]
*Alexandre Staut nasceu em Pinhal/SP/
Brasil, em 1973. Jornalista, é também autor
dos romances ―Jazz
Band na Sala da Gente‖ (Toada edições,
2010) e “Um Lugar Para
se Perder‖ (Dobra Literatura, 2012).
**Saci é um personagem do folclore brasileiro, um ser das matas
que tem uma única perna, que vive pulando e
que fuma cachimbo o
tempo todo.
A
lguns sussurravam,
ali, na rua da gente,
que
ele
era
o
currupira,
apelido
que ganhou por causa
dos calcanhares sujos, sempre inchados.
Outros o chamavam de Noia. Eu acredito
que achei o seu nome certo ao batizá-lo de
Saci**. Vivia mancando,arrastava uma
perna, o cachimbo aceso sempre preso à
boca, escondia-se de tudo, a cara de medo.
O corpo, um fiapo.
Nos últimos tempos deu para ficar
na frente da loja de discos. Dançava.
Dançava, tivesse música ou não. Eu
observava tudo da minha janela. Diziam
que tinha 27 anos, o infeliz. Às vezes,
quando o via, o desejo era rir do seu
desatino. Mas não ria. Pensava no meu
pobre paizinho, nos tios bêbadoslá do beco,
dos quais dois ou três se recuperavam,
aceitando só água nos aniversários.
Coxinha com água, empada com água, bolo
com água, por favor, eles falavam, com
sorriso estampado de quem descobriu
tarde que a vida é boa. Mas o Saci... Esse
parecia não se recuperar. Gastava uma
grana de cana, o coitado. E ainda
puxavacachimbo. Viciado até a raiz do
cabelo.
Certo dia, acordeide uma noite mal
dormida com alvoroço na rua. Abri a janela
evi a movimentação na frente da casa.
Pronto, o Saci morreu, foi o meu
pensamento. Não. A mulher, sentada no
chão, chorava, tampando a cara com as
mãos, como se estivesse envergonhada do
marido. Os que passavam para o trabalho
cochichavam, apontando uma frase
pichada na parede caiadado barraco do
casal. Desviando das cabeças ajuntadas na
cena, pude ler as letras tortas, grandes, que
anunciavam assim: ―o chupa latas‖.
Espichei as orelhas para ouvir mais
de perto o burburinho. Dona Daiana
Cristina, a esposa do Saci, conhecida no
becopor Nega da Cocada, senhora com
quem nunca tinha trocado palavra até o
citado dia, chorava, falava dos seus
dissabores.
Passei gumex no cabelo, penteei os
fios para trás, mandei a camisa de botão
pelo tronco, a calça de tergal passada com
vinco, sapatos bem apessoados,
engraxados. Atravessei a rua e escutei o
choro fino da jovem madama. Ainda
tampava o rosto com as duas mãos. O
choro escorria pela saia florida, as pernas
de fora. Engoli seco e pensei em estender a
mão, acertando os cabelos esfiapados na
cabeça dela. Mas não me atrevi. A gente
cabeça dela. Mas não me atrevi. A gente
nunca sabe. No mais, sempre primei pelo
respeito na vizinhança.
Mas, para a minha sorte, ou azar,
assim que cheguei mais perto, percebi, ela
sentiu o meu cheiro, doutor. Olhou bem
nos meus olhos. Olhar de mulher. Quase
sorriu. Disse que o Saci era um doce. Só
pensava em açúcar, vivia mastigando
suspiro, deitado na frente da tevê. No
entanto, há umas semanas o pobre
conhecera uns rapazes no bilhar.
Ofereceramo fumo que o coitado nunca
mais largou, ela disse, chorando ainda mais
nessa parte da história. Desde então, o
viciado passara a levar tapa na orelha dos
policiais do postinho, bem na subida do
morro. Era o pedágio que devia pagar para
subir de volta pra casa. Às vezes,os
policiaistiravam os únicos dois mirreis do
bolso do coitado. Ele vivia entrincheirado,
como se em guerra, mudara pra chuchu,
declarou a jovem madama. Não trabalha
mais, não come mais, não dorme mais,
nunca mais pediu suspiro depois da janta,
nem mesmo do feijão com linguiça dos
sábados ele comentava nas conversas da
semana.
Não estava preparada para cuidar
sozinha do lar, enviuvar, essas coisas,
choramingava ela, na minha presença, mais
uns seis ou sete, que ali estavam para ouvila. Nesse dia, meio sem querer, passeia a
me afeiçoar pela mulher. Diana Cristina.
Tão nova, tão sofrida.
Eu, da minha parte, bem que tentei
não tomar partido, mas, a cada vez que via
o Saci sair, mancando, os olhos
esbugalhados, o negócio aceso na boca, eu
arrumava o cabelo, colocava brilho,
espirrava a colônia e ia... Batia na porta dos
dois cômodos do casal.
Da primeira vez, a vizinha
estranhou. Sempre tão quieto o senhor,
disse. Da segunda, chegou a dar uma
risada. Da terceira vez, serviu café com
rapadura. Da quarta, eu a convidei para o
baile do sábado, no morro do Adeus. Mas
antes da valsa, praticamente me mudei
para a casa dos meus vizinhos. Fiquei
tarado pelo corpo da Diana Cristina, tarado
de pular dentro de um vulcão, sabe,
doutor?
Acontecia, vez em quando, de eu
estar lá, esparramado na cama, no que
ouvia o Saci chegar. Passava o braço e
pegava as peças soltas pelo quarto, meias,
cueca, sutiã, calcinha. Cheguei a mergulhar
para debaixo da cama. Sempre dava um
jeito de esticar a audição, com a qual ouvia
as malcriações do marido traído.
Eu já era de casa quando percebi
que a minha vizinha apanhava do
homem em forma de Saci. Todos os dias,
doutor. Acontecia de eu dormir na casa
do casal, quando a besta-fera não
aparecia. Eu fazia carinho, cafuné,
coçava as costas dela, com a mão bem
leve e a ponta dos dedos, como ela me
pedia,essas coisas todas de um casal
apaixonado... Lavava a louça da janta,
esticava panos no botijão, colocava bala
pros passarinhos na beirada da janela do
quarto. Para retribuir, ela fazia cocada
de forno, cocada queimada, com
manteiga e...
A fé, pobrezinha. Daiana Cristina
perdia a fé. Pensava em vender o barraco
no morro, 20 mil, falava. Fugir dali para
se esconder do moleque do marido. Mas
e eu? E a nossa amizade? A amizade
colorida? Eu me pegava perguntando
para a jovem senhora. O senhor é
aposentado, ela respondia. Vive do
depósito do governo. Podemos vender os
dois barracos e comprar um canto num
outro morro, um morro distante, vida
digna.
Resumir ainda mais a história,
senhor escrivão? Bem, o pobre do Saci
nunca se referiu a mesmo a mim. Nem
eu a ele. Sua voz eu ouvia sempre do
debaixo da cama. Parecia um moleque.
Mas, em vez de cocada, ele pedia a alma
da Diana Cristina, doutor. Queria que ela
pagasse com a sua vida as suas saídas.
A preta nunca foi de brincar. Nem
eu, homem apaixonado. Admito que,
sozinho, apressei a sua morte, seu
doutor. Eu comprei o veneno. Eu
misturei na feijoada. Eu obriguei o
homem a comer. Tão magrinho, eu
falava. Ouça o seu vizinho. Eu dei
comida na boca dele, doutor, colherada
depois de colherada. Na mesma noite
ouvi o malandro estrebuchar. Eu estava
deitado no quarto do casal, esperava a
sua morte, quando ele deu o último
suspiro.
A preta saiu correndo, quase
pelada, e, em vez de anunciar cocada,
disse que um homem abria um buraco
no chão da cozinha para enterrar o corpo
do finado marido.
A preta mexe com a minha cabeça
pra chuchu, doutor. O meu grau de
luxúria para com ela é alto, grande.
Agora não sei se a vejo mais. Será que
um dia vai se lembrar do cafuné que eu
fazia nas suas costas? Será que um dia,
mexendo o tacho com cocada doce,
pensará em mim?
M’saho
Agosto de 2013
05
Crítica
QUESTÕES DE NOSSO TEMPO
Guido Bilharinho
O
Brasil foi tomado
no mês de junho
último
por
manifestações de
insatisfação,
protesto e reivindicações de proporções
inéditas até então.
A palavra chave do fenômeno é
insatisfação. Insatisfação generalizada
contra o estado das coisas no país. Se há
(e há) progressos, instalações e
condições inimagináveis até mesmo há
trinta ou quarenta anos atrás (imaginese antes!) , os desmando s, a
incompetência, a desonestidade, o
oportunismo, a falta de caráter, a carga
tributária, a burocracia, a violência e a
insegurança também multiplicaram-se,
permeando e afetando o tecido social.
Os manifestantes que foram às
ru as para expo r essa legítima
insatisfação, além de merecerem todos
os elogios, exceto, obviamente, os
baderneiros, os vândalos e os meliantes,
nem sentiram ainda, pela idade da
maioria, a tragédia de um país injusto e
engessado.
Se percebem que, com
exceção de poucas e sofridas entidades
culturais e assistenciais privadas, a
maioria absoluta das organizações
partidárias, sindicais e ongs de diversas
matizes pautam-se por interesses
particulares de seus dirigentes, ou,
quando menos, por ideologia, não
representando senão a si mesmas, ainda
não enfrentaram as angustiantes filas
dos atendimentos públicos. Se acham
absurdos os gastos com estádios,
futuros elefantes brancos a darem só
despesas (mas, contraditoriamente,
muitos são contra seu arrendamento a
particulares), não tiveram de amargar
meses para simples averbação em
registro público e nem pagar taxas
exorbitantes só para registrar mera ata
de eleição de diretoria de entidade
cultural absolutamente destituída de
finalidade lucrativa.
Se, com sobeja razão, repudiam a
maioria dos candidatos e dos eleitos
pela sociedade (e não políticos, que são
outra coisa, rara no Brasil atual) para os
executivos e legislativos, nunca
atentaram que eles têm de gastar
fortunas nas campanhas eleitorais
(talvez, em média, uns três milhões de
reais para deputado federal), ainda
correndo o risco (certo para a maioria)
de não serem eleitos. Então, como
candidamente pretender que só
idealistas se candidatem e como exigir
A insatisfação nas ruas os manifestantes ainda não viram tudo
que quem paga ou tem de obter meios de
custear os gastos de sua eleição vá
representar o ―povo‖? Sobre isso, aliás,
ninguém fala! Por quê? Como também
pouco se fala e se escreve contra os
excrescentes fundo partidário e imposto
sindical.
Ao contrário, investem até contra
o fundo público eleitoral, que deverá ser
gerido e aplicado pela Justiça Eleitoral e
não pelos partidos, proibidas totalmente
outras fontes de custeio e outros gastos,
oriundos até mesmo dos próprios
candidatos, com o que, e só assim,
haverá a decantada democracia no país,
possibilitando a candidatura de todo
cidadão no gozo de seus direitos e a ser
exercitada em campanhas eleitorais
regulamentadas.
Nada há, no
momento, mais
autêntica,
legítima e motivada do que a
insatisfação
generalizada
Se os manifestantes externam
legítima insatisfação contra a corrupção,
o sobrefaturamento e os desvios de
recursos em obras públicas e contra os
gastos estatais com a Copa, não
atentaram, ainda, para os permanentes,
inconstitucionais e fabulosos gastos
publicitários das administrações e dos
legislativos federais, estaduais e
municipais em rádios, TVs, internet,
jornais, folhetos e catálogos para se
autoelogiarem.
Essa juventude tão justamente
insatisfeita nem ainda enfrentou o
engessamento do país em todas as áreas,
com multiplicidade de exigências formais
e burocráticas de toda ordem e espécie,
como, por exemplo, em relação ao meio
ambiente, a respeito do qual o Brasil tem
a legislação mais draconiana do mundo,
com imposições cerceadoras que
nenhuma
out ra
nação
t em,
desequilibrando os índices de custos e
produtividade e enfraquecendo o país na
competição internacional, quando o
correto e cientifico é se ter legislação
uniforme para todos os países, visto que
a questão ambiental é planetária.
Além
de
tantos
outros
descabimentos, distorções e deturpações,
essa juventude ainda nem enfrentou o
confisco representado pela alta carga de
impostos do país, a ponto de um
profissional autônomo pagar, só do soidisant imposto “de renda” e
sofismaticamente ―outros proventos‖,
praticamente um terço de seu ganho
bruto, nem atentou, também, para a
imensa injustiça tributária que obriga o
assalariado do mínimo pagar, de imposto
de consumo, a mesma percentagem de
um milionário.
E, ainda, nem conhece a sangria a
que é submetido o país com a absurda
remessa às matrizes das multinacionais
de lucros, royalties, dividendos e
rendiment o s
diverso s.
Como
demonstrado pelo departamento
(ministério) de Comércio dos E.E.U.U.,
de 1990 a 2000 a América Latina enviou
para aquele país a esses títulos nada
menos de UM TRILHÃO DE DÓLARES
(Folha de S. Paulo, de 10/02/2003), fora
o que remeteu para a Europa, Coreia do
Sul e Japão.
Nada há, no momento, mais
autêntica, legítima e motivada do que a
insatisfação generalizada no país com o
estado (geral e particular) das coisas (de
todas as coisas), como, por exemplo, o
aposentado pelo INSS não poder auferir
mais do que R$4.150,00 (que é o teto
fixado), enquanto os servidores públicos
aposentam-se com vencimentos
integrais, de R$ 12.000,00, R$ 15.000,00
ou mais de R$ 20.000,00, havendo, pois,
defasagem absurda entre esses regimes de
aposentadoria, que alguns querem
uniformizar, mas, para baixo, já que
necessário sobrar recursos para as
mordomias oficiais, os palácios luxuosos,
as viagens, nacionais e internacionais,
constantes e caríssimas, a maioria delas,
notadamente de congressistas, meras (não
inúteis, mas, nocivas) vilegiaturas
turísticas, enquanto o povo aufere o
mínimo (e é o mínimo mesmo) e rala nos
ônibus precários e nos metrôs e trens
suburbanos superlotados das grandes
cidades.
Por isso e por muito mais, o Brasil
necessita ser passado a limpo,
reorganizado de cima a baixo, para que
suas instituições públicas (e as privadas
também) passem efetivamente a
contribuir para o progresso e bem-estar
dos brasileiros e não sejam entraves à boa
administração e ao desenvolvimento do
país, como o é o caótico sistema político
organizado, dirigido e mantido por
grandes conglomerados empresariais,
diret amen t e ou
po r meio
de
representantes.
Por fim, é de se observar e atentar
que a causa maior, se não a única, de toda
a precariedade (e ponha precariedade
nisso) das instituições públicas e privadas
brasileiras decorre, fundamental e
principalmente, da permanente abstenção
da sociedade, de sua não participação, de
sua carência de espírito crítico, combativo,
organizacional e, em decorrência, de sua
falta de exigência, de seu alheamento,
descaso, comodismo e abulia.
Por isso, alvíçaras para as
manifestações. Mas que não se fique só
nelas e que tenham, sempre, espírito
crítico e combativo, mas, construtivo,
escoimados das manifestações os
recalques, as invejas e as abomináveis
unilateralidades ideológicas, sempre
obnubiladoras da mente e limitadoras do
raciocínio e da percepção da realidade.
Guido Bilharinho é advogado atuante em Uberaba/Brasil, foi candidato ao Senado
Federal e editor da revista internacional de poesia Dimensão, de 1980 a 2000, sendo
autor de livros de literatura, cinema, história do Brasil e regional.
M’saho
Agosto de 2013
06
Poesia
Angola
Angola
E A TERRA PARIU
clamam por ti
as minhas lágrimas
UMA MULHER:
louca de desejo
de te ver
só ver-te
Poemas do Exílio
por ter-te perdido
louca de sentir-te
e sentir-me em ti
quando ! quando,
o teu céu
é tão diferente
o luar
é mais cândido
o mar
o nosso mar
há quanto tempo não o vejo
quanto
se não chega depressa
a aurora morrerei de desgosto
de saber-te perdida
oh ! minha terra
onde a gente é pura
inocente
vazia de mágoas
vítima de potências
doente
por não compreender
humilde como Cristo
pobre
muito rico
por seres assim
é que eu sofro
por ti
Dye Kassembe é
Amélia de Fátima Cardoso nasceu em Angola. Aluna exemplar, foi noviça no convento de
São José de Cluny onde fez
todo ensino secundário.
Licenciada em Ciências Humanas, opção Filosofia Política do
Desenvolvimento, na Universidade de Paris VIII St. Denis –
França, onde vive há trinta
anos.
Também tem o Curso Geral de
Enfermagem, feito na França,
profissão que exerceu por mais
de 20 anos.
Escritora desde os anos 70. Dìa
Kassembe é o nome do avô materno, e também do sobado que
pertence ao reino da Kissama.
18 Março 1978
Depois da Guerra
Na luz
Na escuridão
Do silêncio
Na madrugada menina
Nada
No esplendor
Do sol
Raiando alegria
No júbilo de corações
No paraíso dos amores
No entardecer
Nada
No viver da ilusão
No sentir-se feliz
Na solidão
Nada
Ah ! solidão
Mantenha-me assim
No vácuo do regaço
Ah ! solidão
Me queres sem limites
Fazes-me sofrer
Sem alívio
Ah solidão!
22 Agosto 1977
Vácuo
O esqueleto apareceu
Risonho
Medonho
A criancinha morreu
O crime aparece
Triunfante
Heroicamente
A criancinha morreu
A vida desapareceu
Acabrunhada
Envergonhada
A criancinha morreu
O ódio cresceu
Fecundo
imundo
a criancinha morreu
o pecado apareceu
temeroso
poderoso
o esqueleto sorriu
a criancinha morreu
o mundo se extinguiu
9 Maio 1978
O retrato da vida
Lágrima, correntes
Opressão, revolta
Gargalhada
Risos tristes
Sorrisos imaculados
de amor chegando
Olhares sem mágoas
Olhares inquietos
Olhos suplicando
Um pouco do nada
Bocas sedentas
talvez de beijos
rostos radiantes
cheios de esperanças
caminhões chegando,
barcos, aviões
vozes
gritos
berros
murmúrios
choros, soluços
hospitais,
crianças
armas, fome
lágrimas, correntes
parte-se
regressa-se
morre-se
quatro letras
e já no infinito
VIDA
Tu vais partir
Amanhã tu partirás
A angústia esmaga
o coração
amanhã não estarás
se ao menos
eu pudesse chorar
mas estou tão vazia
amanhã não estarás
que farei
para quem serei bela
para quem sorrir
a quem falar
amanhã tu não estarás
meu amor
tenho medo da noite
da noite longa
meu amor
tenho medo do silêncio
do silêncio que vem
a cada instante
me falar de ti
meu amor
tenho medo da vida
esta vida
que nos espera
sem promessas
cheia de dúvidas
sem esperanças
cheia de desesperos
16 Fevereiro 1978
meu amor
tenho medo
Exilada
Como vivo morta
Sem morrer
Com desejo de te ver
E não poder
Que negro é
O sepulcro desta vida
Em terras estranhas
De alma perdida
Este vazio
Esta ansiedade
Esta dor e saudade
Esta raiva
Que treslouca
E consome a carne
Já tão pouca
Não é senão
O querer voltar
Voltar e não poder
O ter de ficar
Ficar e não querer
de ti
que és tu?
25 Outubro 1979
Não é mais
Que a ausência do mar
Da minha ilha
Nas noites de luar
Do muceque Rangel
Sambizanga
Bairro operário
Marçal
Cazenga
BASTA !
Recordar o que é
Viver para que é
Se a alma já a perdi
E a vida a não vivi
15 Abril 1976
M’saho
Agosto de 2013
07
Poesia
CARTAS AO MUNDO
Moçmbique
Poesia de
Bonde
Eduardo Quive
[email protected]
Há tal soturnidade, há tal melancolia.
Que as sombras, o bulício, o Tejo, a maresia
Despertam-me um desejo absurdo de sofrer.
A
Cesário Verde (O Sentimento dum Ocidental)
D
ispo o silêncio que assola o âmago da
noite. Dispo o sol adormecido entre as
nuvens sangrentas de um céu que nesta
noite não cospe estrelas. Há uma chuva
embebedada que se destroça entre os
escombros perdidos desse céu ensanguentado. Esse céu que já
não é de deus nenhum. É dos homens. É nosso. Por isso o dispo como dispo o silêncio das coisas a volta. Uma janela com
vidro partido pela lateral; uma cortina branca com pintas de
preto apodrecido pelo rio que escorre a parede quando o zinco
não prende as águas amargas desse céu melancólico; na parede
à rosa, manchas pretas fazem a decoração entre as gotas vermelhas de sangue dos mosquitos sofridos na última noite saciada; uma porta que tranca-se com o sacrifício das mãos que
empreendem a força; uma lâmpada de 100W colada à parede
que contrasta um quadro pintado por um artista mal afamado;
uma estante com livros inclinados, CD‘s espalhados pela superfície, preservativos selados que esperam utilidade desde a última noite de volúpia a oito meses que a Ermelinda foi desvirginada; dessa orgia não restou lembrança alguma, senão a dúvida de porquê ela nunca mais voltou a pôr os pés nesse quarto
amelado entre memórias e escombros, espólios de uma vida
monótona; acento à essa estante, um computador enrugado faz
tempo à espera de transcrever um poema sarcástico como sempre desconseguido; uma caixa de madeira, inventa uma cabeceira onde adormece uma carapaça de um cágado com dez
anos de vida, um boneco de cavalo nas costas de um pequeno
vazo feitio de uma pata sem cabeça, um relógio com Nossa
Senhora por dentro, repousa avariado nessa cabeceira inventada; páginas de jornais e livros desfazem a beleza dessa cabeceira e outros papéis de urgente aquisição; no chão cheio de areia
e folhas de mafurreira, um balde e uma bacia apontadas aos
buracos das chapas de zinco, esperam uma chuva que não chega, aquietada, um tapete estendido adormece envelhecido nesse chão; uma cama a cair aos pedaços finge-se de sobrevivente
das dormidas à rasca, das fornicações que jazem a oito meses
que a Ermelinda foi desvirginada; a almofada, com as fronhas
sujas desde os oito meses, se quer reclamam alguma limpeza,
as pintas de sangue e bolor não clamam lavagem; a cama que
acolhe lençóis imundos, é constantemente abrigada por livros,
jornais do dia e outras publicações, uma roupa suja e uma pasta, são habitantes inevitáveis dessa madeira com molas e
esponjas gastas de orgias à muito havidas. É assim o paraíso.
Nenhum mais inglório, além de mim, habita esse repositório de
moribundos; nenhum outro povo, haveria de aceitar tamanha
imundice, que o silêncio empobrecido de uma madrugada que
ameaça cessar sem tecer as últimas considerações. Que seriam?
A vida, por si, é um rio descorrente.
Urlima de Andrade
Amiga Urlima, os ventos nesta urbe jantam o resto dos nossos atormentados desejos, a mesma audácia dos carrinhos de mão, de meninos nos bairros periféricos da
nossa cidade em queixume. Querias ter no brando olhar, a nostalgia dos tempos da
bola, as bonecas cansadas da espera nas vitrinas da rua que não chega ao fim. O
sonho não é para quem anseia a fome mortal, mas sim para as causas da genialidade,
o tédio das noites mal-encaradas, os beijos esquecidos nos processos criativos.
Há um céu que chora o segredo dos vocábulos nocturnos da baixa, há uma hora que
sente na epiderme a falta de angústia nos trilhos do café, há na solidão das ruas
estreitas a confidência dos poemas verticais da Noémia, e um imaginário banco de
jardim vestido de negro com a Florbela Espanca. As cores fogem do que não se pode
afastar, do que é impossível diagnosticar, do que… como nas manhãs frias de Junho
tiram a alegria estampada nos olhares satíricos da falta de pão.
Sobre o crepúsculo dorme o sol das
angústias; Transpiram na sonolência as
feridas do agreste olhar diante do inesperado cansaço. Tu que foste outrora cavaleiro dos oprimidos, o Sansão para os
guerreiros da verdade, agora cambaleias
no horizonte invisível, sem a glória apetecível dos frutos verdes de Outubro. O
nublar da vida repele de si o astro entediado, a voraz sagacidade de paragens
secretas, para que o hemisfério sul se
compadeça com os delírios da admirável
civilização sulista.
Não grite somente ao anoitecer da aurora, faça de si um vulto invisível, um ser
gregário da civilização que desanda de si,
um caixeiro-viajante das horas mortas
(Ganhamos e perdemos o pudor das coisas com a saciedade do conhecimento
endógeno, o fio condutor do nirvana. A
geração passada deixou-nos de braços
atados para o futuro que não chega, criou
em nós a preguiça da espera, o calor da
transpiração à hora da criação). Não sendo o afamado Buda, percorres os montes
Himalaias do amor em brasa, com que
não olhas para o céu-da-boca seca dos
odores do verão. O amor que sonhas é o
mesmo que viverias na constância das
palavras?
Última Hora
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32
“NINGUÉM
MATOU
ALEXANDRIA
FERREIRA”
Era uma vez um artista, um dos bons escultores moçambicanos, foi morto
barbaramente, confundido com um dos elementos da gang criminosa que
tem vindo a atemorizar a província e cidade de Maputo.
com ferro de engomar e até matando.
Cesário Matias
[email protected]
P
arece realmente um
princípio de uma
história de ficção,
mas é a verdade nua
e crua que chocou a
comunidade artística
na manhã deste domingo, dia 11 de
Agosto.
Alexandria Ferreira, morreu dois
anos mais velho que Cristo, aos 35 anos
de
idade.
Do
seu
leito
―desamamentaram-se‖ dois filhos. O
caso sinistro deu-se na madrugado deste
domingo enquanto o escultor zelava
pela segurança no bairro onde residia,
no Posto Administrativo da Matola Rio,
província de Maputo. Alexandria fazia
patrulha com mais dois companheiros,
segundo contou ao NÓS o pai do artista
contactado na manhã desta segundafeira.
Pelo que conta ainda o progenitor, Alexandria, fazia a ronda pelo
quarteirão com dois companheiros,
quando de repente cruzaram-se com um
outro grupo, maior, que fazia também a
caça ao G20, como são conhecidos os
homens que tem semeado terror nos
bairros periféricos da província e cidade
de Maputo, torturando as suas vítimas
A marcha de Alexandria que não
tinha outro intento, se não o de salvaguardar a sua integridade e dos demais moradores da sua área, ficou interrompida quando a população dum outro
quarteirão encetou uma ofensiva contra
os três. O artista e os dois companheiros
apercebendo-se do facto, acorreram à
esquadra da polícia mais próxima, no
bairro de Quilómetro 16, a fim de pedir
protecção. Tal protecção não foi dada
pelos homens da lei ordem. A desordem
se instalou a população supostamente
movida com o espírito de ―justiça com
próprias mãos‖ tirou a vida de um
proeminente escultor da mais nova ordem de artistas moçambicanos.
A continuidade na área de Alexandria Ferreira vai abalando-se. o presidente do Núcleo de Arte, agremiação em
que fazia parte o malogrado, fala de uma
perda irreparável, ao retratar-se da
morte de Alexandria Ferreira. ―Foi-se
um artista de mão cheia e que o seu
espólio faz parte do inigualável trajecto
cultural do país‖ – disse Nyonguene.
A acção da polícia, segundo o líder
do Núcleo de Arte, demonstra a situação
de insegurança em que todo o cidadão
está exposto, mesmo diante de quem
devia trazer segurança.
Nasceu a 08 de Dezembro de 1978
em Maputo. Até à sua morte, assumia-se
como artista e da arte das suas mãos,
vivia, e os seus companheiros, já deixam
mensagens de dor e consternação na sua
página na do facebook. Uma delas é da
consagrada cantora moçambicana Chude
Mondlane. Também o conhecido produtor
Pablo Ribeiro reagiu dizendo ―estás aqui,
em cada um de nós, nas tuas criações e
mensagens que elas transmitem‖
Uta Santana afirmou ―Nunca tive
tanto ódio e desprezo de ser moçambicano
e de ter sido parido num país acorrentado
pela injustiça onde a própria população
tornou-se assassina de si mesma. Homens
equipados (população) preparados para
matar, catanar, linchar ao seu próprio irmão… tudo isto por culpa da actual situação que se vive em Moçambique num governo inapto, corrupto e fraudulento…‖.
Entre toda consternação e intranquilidade que toda comunidade artística
sente, nenhuma pode tirar o facto de que o
país está dentro de uma grande crise de
segurança. Hoje foi um artista alvo desse
povo com fúria de justiça. A Polícia da
República de Moçambique continua inoperativa. Um homem de arte viu a morte nas
mãos dos homens da lei e ordem. E porque
quando é o povo que mata, mesmo sob a
responsabilidade do governo, é mesmo que
dizer ―NINGUÉM MATOU ALEXANDRIA
FERREIRA‖. Ninguém foi penalizado, ninguém será penalizado e porquê o fariam.
Até o dia que este povo, com a mesma sede
de paz e sossego terá a cabado a si próprio
de mortes confundidas.
“
A acção da
polícia, segundo
o líder do Núcleo
de Arte, demonstra a situação
de insegurança
em que todo o
cidadão está exposto, mesmo
diante de quem
devia trazer
segurança.

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