o hiv/aids e a teoria de securitização

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o hiv/aids e a teoria de securitização
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CURSO DE GRADUAÇÃO EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS
LUCAS VIEIRA DOS SANTOS
O HIV/AIDS E A TEORIA DE SECURITIZAÇÃO: A EPIDEMIA COMO UM
PROBLEMA DE SEGURANÇA INTERNACIONAL
FLORIANÓPOLIS
2013
2 LUCAS VIEIRA DOS SANTOS
O HIV/AIDS E A TEORIA DE SECURITIZAÇÃO: A EPIDEMIA COMO UM
PROBLEMA DE SEGURANÇA INTERNACIONAL
Monografia submetida ao curso de Relações
Internacionais da Universidade Federal de Santa
Catarina, como requisito obrigatório para a obtenção
do grau de Bacharelado.
Orientadora: Profª. Drª. Juliana Lyra Viggiano Barroso
______________________________
FLORIANÓPOLIS
2013
3 UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CURSO DE GRADUAÇÃO EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS
A Banca Examinadora resolveu atribuir a nota 9,0 (nove) ao aluno
Lucas Vieira dos Santos na disciplina CNM 7280 – Monografia, pela
apresentação do trabalho O HIV/AIDS E A TEORIA DE
SECURITIZAÇAO: A EPIDEMIA COMO PROBLEMA DE
SEGURANÇA INTERNACIONAL
Banca Examinadora:
___________________________
Profª. Drª. Juliana Lyra Viggiano Barroso (orientadora)
___________________________
Profª. Drª. Graciela de Conti Pagliari
___________________________
Prof. Dr. Felipe Amin Filomeno
FLORIANÓPOLIS, 18 de novembro de 2013
4 Dedico este trabalho a todas às pessoas que, de alguma maneira, lutam pelo fim da epidemia
de AIDS
5 AGRADECIMENTOS
Agradeço, primeiramente, à minha família, pelo apoio irrestrito e pelos valores a mim
passados.
Agradeço à minha orientadora, Professora Juliana, pelas correções oportunas e pelas críticas
sempre construtivas.
Agradeço aos pesquisadores citados neste trabalho, por me permitirem tomar emprestado seu
conhecimento para redigir esta monografia.
Agradeço aos novos amigos que fiz durante a graduação, pelas risadas e pelo
companheirismo, e lhes desejo toda a sorte do mundo.
Agradeço a todos os meus professores, pelo conhecimento transmitido.
Agradeço, por fim, a Deus, por estar sempre presente.
6 Os maiores aliados da AIDS são a ignorância, preconceito e discriminação. É a partir da
renovação e sustentação dos compromissos de enfrentamento à epidemia, do investimento
efetivo e eficiente de recursos, da utilização de evidências e respeito aos direitos humanos
que poderemos vislumbrar o fim da AIDS.
(Relatório UNAIDS – A ONU e a resposta à AIDS no Brasil)
7 RESUMO
Entrando agora em sua quarta década, ainda sem uma cura conhecida, a epidemia de
HIV/AIDS tem tudo para se tornar a mais devastadora pandemia da história moderna e uma
dos maiores desafio já enfrentados pela comunidade médico-científica. Todavia, suas
implicações vão muito além da questão de saúde pública, constituindo uma contundente
ameaça à estabilidade em algumas regiões do planeta, não respeitando fronteiras e pondo em
risco, diariamente, diversos grupos humanos. Dessa forma, o presente trabalho procura
analisar por que o HIV/AIDS pode ser visto como um assunto de segurança internacional, isto
é, como um tema da nova agenda internacional, entendida como um reflexo da necessidade de
ampliação do escopo de análise diante do vácuo deixado pelo fim da Guerra Fria. Para tal
análise, utilizar-se-á do arcabouço teórico relacionado à teoria da securitização da Escola de
Copenhague e de dados relativos ao perfil global e regional da epidemia, bem como suas
ramificações nos ambitos da segurança humana e nacional.
Palavras-chave: Segurança internacional. Securitização. Segurança humana. HIV/AIDS.
8 ABSTRACT
Now entering its fourth decade, with no known cure, HIV/AIDS is well poised to become the
most devastating pandemic in modern human history and one of the biggest challenges faced
by the medical and scientific communities. However, its implications go far beyond the public
health domain, constituting a blunt threat to stability in some regions of the planet, with no
regards to boundaries and endangering many human groups. Therefore, this paper seeks to
analyze why HIV/AIDS can be seen as a matter of international security, i.e., as a subject of
the new international agenda, understood as a reflection of the need to expand the scope of
analysis as a result of the vacuum left by the end of the Cold War. For this analysis, we will
use the theoretical framework related to securitization theory of the Copenhagen School, data
on regional and global profile of the epidemic and its ramifications for the areas of human and
national security.
Key-words: International security. Securitization. Human security. HIV/AIDS.
9 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ACNUR
Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados
AGNU
Assembleia Geral das Nações Unidas
AIDS
Síndrome da Imunodeficiência Adquirida
CDC
Centro de Controle e Prevenção de Doenças
CIA
Agência Central de Inteligência
CSNU
Conselho de Segurança das Nações Unidas
EUA
Estados Unidos da América
GT
Grupos Temáticos
HIV
Vírus da Imunodeficiência Humana
OIT
Organização Internacional do Trabalho
ODM
Objetivos do Milênio
OMS
Organização Mundial da Saúde
ONU
Organização das Nações Unidas
PCB
Junta de Coordenação de Programas
PEPFAR
President’s Emergencial Plan for AIDS Relief
PMA
Programa Alimentar Mundial
PNUD
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
SIV
Vírus da Imunodeficiência Símia
UNAIDS
Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS
UNESCO
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
UNFPA
Fundo de População das Nações Unidas
UNGASS
Sessão Especial da Assembleia Geral das Nações Unidas
UNICEF
Fundo das Nações Unidas para a Infância UNODC
Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime
10 SUMÁRIO
1
INTRODUÇÃO........................................................................................................... 11
2 SEGURANÇA INTERNACIONAL: ABORDAGENS TEÓRICAS..................... 17
2.1 AS ABORDAGENS TRADICIONAIS E ALTERNATIVAS EM SEGURANÇA
INTERNACIONAL...................................................................................................... 19
2.2 A ANÁLISE CONCEITUAL DE SEGURANÇA E SECURITIZAÇÃO: A
ESCOLA DE COPENHAGUE.................................................................................... 22
3
A EPIDEMIA DE HIV/AIDS E SUAS IMPLICAÇÕES PARA A
SEGURANÇA HUMANA E PARA A SEGURANÇA NACIONAL....................
3.1 OS NÚMEROS DA AIDS: ORIGEM E EVOLUÇÃO..............................................
3.2 O HIV/AIDS NO ÂMBITO DA SEGURANÇA HUMANA.....................................
3.3 O HIV/AIDS NO ÂMBITO DA SEGURANÇA NACIONAL..................................
28
29
35
39
4
4.1
4.2
4.3
4.4
A SECURITIZAÇÃO DA EPIDEMIA DE HIV/AIDS.........................................
A SECURITIZAÇÃO DO HIV/AIDS NOS ESTADOS UNIDOS............................
A SECURITIZAÇÃO DENTRO DO CONSELHO DE SEGURANÇA...................
A SECURITIZAÇÃO NA ASSEMBLEIA GERAL..................................................
O PAPEL DO UNAIDS..............................................................................................
42
44
50
52
57
5
CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................
63
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................
65
11 1 INTRODUÇÃO
A noção de segurança em relações internacionais sempre foi bastante controversa,
permeada por uma infinidade de debates não resolvidos acerca de seu verdadeiro significado.
As principais correntes de pensamento dessa área podem ser divididas em dois grupos: o
primeiro é composto por acadêmicos que interpretam a segurança do ponto de vista da
segurança estatal, isto é, o medo de possíveis ameaças militares entre Estados. Essa escola de
pensamento tem como base central a tradição realista das relações internacionais. A visão
realista do problema de segurança nacional é exemplificada pela ideia do dilema de segurança
(BAYLIS, 2005), ou seja, a noção de que as necessidades de segurança de um Estado
obrigatoriamente resultarão em insegurança para outros Estados, conforme cada Estado
interpreta o comportamento alheio como potencialmente ameaçador ou perigoso (BUZAN,
1991). Para os realistas, o sistema internacional é anárquico, o que implica na ausência de
uma autoridade central que restrinja o comportamento dos atores – no caso, os Estados. Nesse
ambiente naturalmente hostil, os atores acabarão por desenvolver capacidades militares como
meio de defesa.
Essa
visão
pessimista
da
segurança
internacional
é
compartilhada
pelos
contemporâneos neorrealistas, como Kenneth Waltz e John Mearsheimer, que identificam a
balança de poder como a característica central do sistema internacional (WALTZ, 1979;
MEARSHEIMER, 1990). Particularmente, Waltz teve uma importância fulcral para o campo
de estudos em segurança internacional: sua teoria neorrealista argumenta que o Estado é a
unidade de análise mais importante para as relações internacionais e que o objetivo central
dos Estados é a autopreservação – “since no one can be relied on to do it for them” (WALTZ,
1979, p. 109) – e que as características estruturais do sistema internacional moldam o
comportamento estatal. Nesse sentido, alega que as unidades do sistema anárquico são
funcionalmente iguais, sendo diferenciadas, portanto, por suas maiores ou menores
capacidades de realizar a mesma tarefa. Segundo Vieira (2007), isso significa que a estrutura
de um sistema em particular é definida pela distribuição de capacidades entre unidades
semelhantes e não através de diferenças no seu caráter e funções. Assim, para Waltz e para
uma boa parte dos teóricos neorrealistas, a segurança só pode ser alcançada através de um
equilíbrio das capacidades de poder entre as unidades mais importantes do sistema.
Desde o início dos anos 1980, entretanto, a conceitualização neorrealista do padrão de
segurança internacional vem sendo questionada por um número crescente de autores que
fazem parte de uma segunda corrente de pensamento, que procura elaborar uma maneira
12 alternativa de compreender a segurança. Essas novas abordagens passaram a incluir na análise
da segurança atores não exclusivamente estatais e ameaças não exclusivamente militares
como definidoras do comportamento de tais atores. Ullman (1983) argumenta que a segurança
nacional pode ser solapada por eventos que não vêm da jurisdição militar, em uma definição
não convencional de ameaça à segurança nacional, que passa a incluir uma série de eventos –
não necessariamente militares – que afetam a qualidade de vida da população ou que limitam
as opções políticas disponíveis para um governo ou para uma entidade não governamental. Na
mesma tendência, Buzan (1991) tornou claras as diferenças entre ameaças de segurança
econômica, política, ambiental, societal e militar que poderiam afetar do mesmo modo estados
e atores não-estatais.
A subsequente emergência da noção de segurança humana está intimamente ligada ao
desenvolvimento da literatura construtivista de Relações Internacionais. Essa escola de
pensamento acredita que são as ideias e não o poder que moldam as relações entre os Estados
(WENDT, 1992). Os construtivistas sociais evitam a visão limitada de segurança dos estudos
tradicionais e voltam-se para a ampliação do foco para uma análise mais compreensiva da
segurança humana. Para os teóricos dessa corrente, essa mudança de foco demonstra
claramente o poder que as ideias exercem na formulação de um novo entendimento de
segurança, que passa a englobar a segurança de grupos humanos que não estão sob ameaças
militares, mas sim sob outros tipos de ameaça como doenças, degradação ambiental,
instabilidade socioeconômica etc.
A introdução dessa nova agenda de segurança no campo acadêmico foi acompanhada
por tendência, advinda do fim da Guerra Fria, de mudar o objeto de referência do Estado para
o indivíduo (VIEIRA, 2007). Nesse sentido, as Nações Unidas encabeçaram estiveram no
centro dessa nova dinâmica. Em 1992, a pedido do Conselho de Segurança, o então
Secretário-Geral Boutros Boutros-Ghali escreveu uma série de documentos que tratavam da
mudança que vinha ocorrendo na ordem da segurança internacional. A Agenda para a Paz de
Boutros-Ghali delineou a lógica por trás da mudança em direção a uma segurança mais
centrada no indivíduo (BOUTROS-GHALI, 1992).
Seguindo essa perspectiva, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
(PNUD) foi a primeira iniciativa a “abraçar” oficial e institucionalmente essa noção de
segurança do indivíduo. Em 1994, foi lançado o Relatório de Desenvolvimento Humano, que
listava as diferentes categorias nas quais a segurança humana poderia estar em risco
(segurança alimentar, econômica, pessoal, comunitária, ambiental, política etc.) e que
propunha uma série de medidas com o objetivo de institucionalizar de fato o conceito de
13 segurança humana e a necessidade de respostas globais aos mais diversos problemas
suscitados por esse “novo” conceito.
Essa noção de segurança humana ilustra um caso de securitização de novos temas,
algo que foi proposto pelos pensadores da Escola de Copenhague. A securitização e os
critérios de securitização, segundo o grupo de Copenhague, são práticas intersubjetivas, por
meio das quais um agente securitizador procura estabelecer socialmente a existência de uma
ameaça à sobrevivência de uma unidade do sistema internacional (DUQUE, 2008). Para esses
teóricos, portanto, a agenda de segurança internacional deve, também, abarcar temas que vão
além da alçada militar.
Nessa agenda ampliada, a epidemia global de HIV/AIDS claramente está enquadrada
nessa definição mais recente e ampla de segurança. Governos, agências multilaterais, a mídia
e a academia, todos passaram a levantar questões a respeito dos impactos econômicos da
doença, de como a epidemia está deixando milhões de crianças órfãs, se ela pode vir a se
tornar uma ameaça à segurança alimentar, como ela está relacionada à escalada da
criminalidade nos países em desenvolvimento e subdesenvolvidos e as implicações da
epidemia para as estruturas de governança e para o desenvolvimento econômico
(KRISTOFFERSON, 2000; ELBE 2005, 2006; PIOT et al., 2004; DE WAAL, 2003).
Na tentativa de conter o avanço da doença e de seus efeitos devastadores, diversos
programas foram lançados, em especial capitaneados por organismos do Sistema ONU, de
modo a melhorar a conjugação das políticas dos governos nacionais e mobilizar forças
internacionais em torno de políticas e objetivos comuns.
Em 1994, o Conselho Econômico e Social das Nações Unidas lançou o UNAIDS –
Joint United Nations Programme on HIV and AIDS – cuja missão era aprimorar, reforçar e a
expandir a resposta dos governos locais ao HIV, com o intuito de evitar que a epidemia de
HIV/AIDS se tornasse uma verdadeira pandemia.
Reconhecendo as implicações para a segurança internacional, o Conselho de
Segurança das Nações Unidas fez história em janeiro de 2000 ao debater pela primeira vez em
seu plenário um assunto de saúde pública. Ao adotar a Resolução 1308, as nações
reafirmaram a ameaça potencial à segurança internacional que a epidemia impõe,
especialmente em locais envolvidos em conflitos, e deram um passo fundamental para a
securitização do HIV/AIDS, reconhecendo que “Se não for controlada, a pandemia de
HIV/AIDS pode se tornar um risco à estabilidade e segurança” (RESOLUÇÃO 1308 DO
CSNU, 2000, p. 1).
14 A própria Assembleia Geral das Nações Unidas, diante do crescimento do número de
casos da doença, adotou, em 27 de junho de 2001, a Declaração de Comprometimento com o
HIV/AIDS. Nela os líderes mundiais reconhecem que “a epidemia global de HIV/AIDS [...]
constitui uma emergência global e um dos mais formidáveis desafios para a vida humana e
para a dignidade” (DECLARATION OF COMMITMENT ON HIV/AIDS, 2001, p. 1).
Agora em sua quarta década, o vírus do HIV/AIDS se mostra como a mais
devastadora pandemia da história moderna. O HIV/AIDS é hoje uma das principais causas de
insegurança ao redor do mundo – e em especial nas regiões mais pobres do planeta – exigindo
uma resposta incisiva, conjunta e global dos diferentes atores envolvidos (ELBE, 2006).
As proporções atingidas pela doença são tão grandes que acadêmicos e policy makers
já reconhecem que, nos países mais afetados, os efeitos a longo do prazo do HIV/AIDS não
estão confinados apenas aos indivíduos portadores do vírus; nesses mesmos países a doença
trará – e já esta trazendo, como destaca Elbe (2002) – uma miríade de ramificações
econômicas, políticas e sociais que precisarão de respostas incisivas e conjuntas, não restritas
a um único Estado.
Sendo assim, faz-se necessário estudar os aspectos de internacionalização e
securitização de um tema que atinge milhões de pessoas ao redor do mundo já que, dentre as
ramificações supracitadas, estão as dimensões emergentes da segurança humana, nacional e
internacional de doença. É preciso que sejam estudadas e reconhecidas tais dimensões com o
intuito de ampliar o entendimento sobre a natureza de epidemias globais, de modo que a
resposta dada ao problema seja proporcional à extensão do desafio à segurança global e
humanitária imposto pela pandemia de AIDS e, especialmente porque o campo da segurança
pode contribuir de maneira sensível com os esforços internacionais de prevenção e redução do
número de casos globais de HIV (ELBE, 2002).
Assim, o que o presente trabalho procura entender é como a noção de segurança
mudou ao longo das últimas duas décadas de modo a permitir a inclusão de um tema de saúde
como uma das principais ameaças à estabilidade de algumas regiões do planeta, algo
impensável dentro de uma agenda de segurança estritamente militar.
O objeto de estudo do presente trabalho, portanto, está centrado na temática do
HIV/AIDS e como ela se enquadra no âmbito da segurança internacional. Mais
especificamente, o estudo procurará responder por que e epidemia de HIV/AIDS passou ser
vista como um problema de segurança internacional em especial pelos Estados Unidos e pela
ONU, que passaram a empreender grandes esforços para elevar o tema à alçada da segurança
internacional, principalmente com a chegada do novo milênio, período em que o número
15 global de casos da doença chegou ao ápice. Para tal, utilizar-se-á do arcabouço teórico
supracitado, proporcionado pelo grupo de Copenhague.
Para a consecução da presente pesquisa, tratar-se-á de revisar a literatura especializada
sobre o tema do HIV/AIDS, precisamente àquele relativo à securitização do assunto. Apesar
de ser uma doença relativamente nova, seu grande impacto sobre a sociedade abriu espaço
para uma bibliografia extensa sobre as inúmeras dimensões da epidemia, tanto da perspectiva
biológica quanto da análise histórico-sociológica.
Inicialmente, procurar-se-á revisar a literatura clássica consolidada de relações
internacionais sobre o processo de securitização e de consolidação da agenda de segurança
internacional. Em seguida, recorrer-se-á à leitura de autores mais específicos sobre o impacto
gerado no campo da segurança internacional pela epidemia e sobre a dimensão desse impacto
que acabou levando à inclusão do tema na nova agenda de segurança – como evidenciado, por
exemplo, pelo tratamento inédito dado à epidemia pelo Conselho de Segurança das Nações
Unidas, no início do novo milênio.
Como já existem dados sobre a epidemia de HIV/AIDS e seu processo securitização, o
método utilizado como linha de orientação do presente trabalho será o interpretativo-dedutivo.
Segundo Dias e Silva (2002), pelo método interpretativo se busca entender o processo pelo
qual o fenômeno influencia o seu contexto e assim como ele é influenciado, ao passo que o
caráter dedutivo implica em utilizar uma teoria geral – no caso, a teoria construtivista dentro
do campo das relações internacionais – para tentar elucidas as questões específicas da
securitização dessa doença em particular. Dentro dessa perspectiva, a consecução dos
objetivos baseia-se em pesquisa bibliográfica de livros e periódicos, em meio impresso e
eletrônico, discursos e publicações oficiais de órgãos envolvidos diretamente com o tema (e
aqui se destacam os inúmeros reports e press releases publicados pelo UNAIDS e por outras
entidades do sistema ONU), além de pareceres e boletins informativos do Ministério da Saúde
– e do seu braço dedicado ao tratamento de DST, o Departamento de DST, AIDS e Hepatites
virais – e de agências não governamentais e representantes da sociedade civil.
Estruturalmente, o presente trabalho, além da introdução e da conclusão, conta com
três capítulos. Após esta breve introdução, no segundo capítulo, será debatida a evolução do
conceito de segurança, bem como suas abordagens tradicionalistas e abrangentes dentro do
campo de Relações Internacionais. Focar-se-á na perspectiva de segurança e securitização
proposta pelos teóricos da Escola de Copenhague, que teve por base a linha de raciocínio
construtivista e desenvolveu uma conceituação ampliada da segurança, com a inclusão dos
campos econômico, societal e ambiental.
16 Uma vez estabelecidos os pressupostos teóricos, no terceiro capítulo serão
apresentados os dados relativos aos perfis global e regional da epidemia – de modo a agregar
concretude à análise do objeto de estudo – bem como a nova abordagem em segurança
humana e os espraiamentos da doença dentro desse âmbito que permitiram mudar o modo
como a epidemia passou a ser vista – como uma ameaça real à segurança humana, à segurança
nacional e à estabilidade regional e global.
A partir daí, o quarto capítulo delineia algumas ideias a respeito da securitização do
HIV/AIDS nas arenas de altas políticas, especialmente no âmbito político norte-americano e
na jurisdição de alguns organismos do Sistema das Nações Unidas, considerando a teoria de
securitização da Escola de Copenhague. Por fim, a última seção alinha algumas ideias à título
de conclusão.
17 2. SEGURANÇA INTERNACIONAL: ABORDAGENS TEÓRICAS
Vladimir Šulović (2010) afirma que desde o seu surgimento, os estudos de segurança
representaram o core dos estudos de Relações Internacionais, tratando predominantemente
das questões ligadas à guerra e à paz. Nos anos posteriores à Segunda Guerra Mundial, os
estudos em segurança passaram a fazer parte do léxico dos estudos estratégicos, ou seja,
aqueles com um foco particular no setor militar. Todavia, a crescente complexidade da agenda
de Relações Internacionais ao longo das últimas décadas, notadamente com a emergência de
novos riscos, ameaças e desafios nos mais variados âmbitos – ambiental, econômico, social
entre outros – tornou a visão tradicional de segurança, em sua essência, muito restrita.
Nesse breve capítulo, abordar-se-ão os conceitos teóricos relevantes para a
compreensão posterior do objeto de pesquisa. Antes dessa abordagem acerca dos paradigmas
convencionais e alternativos nos estudos de segurança internacional, faz-se necessário
esclarecer o que significa “segurança”, um conceito tão caro e ao mesmo tempo tão frágil para
os estudiosos da área. Huysmans (1998) sugere que definir o significado de uma categoria (no
caso, segurança) é condensá-la em uma sentença, de modo que não haja dúvidas para o leitor
sobre o conteúdo do texto. A análise conceitual, do mesmo modo, também condensa o
significado de segurança para que se possa estabelecer um caminho mais ou menos comum
dentro das futuras pesquisas na área, porém faz-se isso de modo muito mais complexo do que
apenas reunir um conceito em uma frase.
Para Šulović (2010), a suposição inicial de uma análise conceitual é a de que o
significado do objeto que está sendo examinado é mais ou menos familiar, mas tal
significado, geralmente, não se manifesta de maneira explícita. Como diz Panić (2009, p. 29,
tradução nossa): “quando falamos de segurança, geralmente assumimos que sabemos bem o
que de fato é segurança. Usamos ‘segurança’ como uma palavra cujo significado é geralmente
conhecido e não pensamos duas veze-s antes de entrar em um debate sobre segurança”.
Tornar esse significado explícito ao eliminar suas inconsistências e ambiguidades é o
propósito de se fazer uma análise conceitual, de modo que se possa achar um denominador
comum que expresse distinções conceituais comuns que perpassam as diferentes concepções
de segurança (BALDWIN, 1997).
O conceito de segurança, de fundamental importância para as Relações Internacionais,
traz em seu bojo noções tão essenciais como paz, guerra, poder, liberdade e sobrevivência.
Para Neves (2011, p. 18) “segurança não diz respeito só ao homem individualmente, mas sfaz
18 sentir na vida em sociedade, assim como na existência dos Estados e do próprio sistema
internacional”.
O Dicionário da Academia Brasileira de Letras nos diz que segurança é “o ato ou
efeito de tornar seguro; ato ou efeito de assegurar; proteção, defesa”. Essa definição
denotativa, não contempla, todavia, os diversos fatores que devem ser considerados ao se falar
em segurança, dependo do propósito, do ponto de análise e da própria formação pessoal.
Mesmo para os estudiosos do assunto, o tema de segurança mostra-se bastante
complexo e avesso a uma definição monolítica. Em Baylis (2005) encontramos três definições
de segurança:
Uma nação está segura na medida em que não esteja correndo risco de sacrificar
valores centrais se deseja evitar a guerra e seja capaz, caso desafiada, de mantê-los
por meio da vitória em tal guerra1.
Segurança, em um sentido objetivo, mede a ausência de ameaças a valores
adquiridos, e em um sentido subjetivo mede a ausência do medo de que tais valores
serão alvo de ataque2.
Segurança estável só pode ser alcançada por pessoas e grupos se eles não privarem
outros dela mesma; isso pode ser alcançado se a segurança for concebida como um
processo de emancipação3.
A primeira definição nos traz uma visão mais tradicional ligada ao conceito de defesa
de valores centrais, se necessário, através do uso da força. A segunda apreciação introduz à
análise o conceito de valores, que podem ser atacados por outros. A terceira conceituação
apresenta segurança como um processo emancipatório, de maneira que os grupos não se
privem de suas necessidades. Para Buzan (1991, p. 432, tradução nossa) “segurança é […] a
busca pela liberdade de ameaças e a capacidade dos Estados e sociedades de manter sua
identidade independente e sua integridade funcional”. Em uma visão mais holística, Baldwin
(1997), ao longo de seu artigo, se pergunta segurança para quem, segurança por quais valores,
segurança de quais ameaças, por quais meios, a que custo, em que período de tempo?
Dessa forma, percebe-se que não há um conceito firmado sobre o que seja segurança.
No sistema internacional, o conceito de segurança, além de toda sua abrangência, está
atrelado ao debate entre as visões tradicionais, herdeiras da tradição realista, e as visões mais
1
LIPPMANN apud BAYLIS, 2005, p. 255, tradução nossa.
WOLFERS apud BAYLIS, 2005, p. 255, tradução nossa.
3
BOOTH & WHEELER apud BAYLIS, 2005, p. 255, tradução nossa. 2
19 abrangentes. Não há uma definição única de segurança que guie o trabalho de todos os
especialistas na área, e isso representa uma dificuldade quando se quer demonstrar que
determinado tema é um assunto de segurança internacional.
Desse modo, antes de passar à análise sobre a noção de securitização que tornou
possível a inclusão da epidemia de HIV/AIDS como um tema tão sensível à nova agenda de
segurança internacional, abordaremos brevemente as visões tradicionais e alternativas
predominantes (nomeadamente, o realismo e o construtivismo) em segurança internacional.
2.1 AS ABORDAGENS TRADICIONAIS E ALTERNATIVAS EM SEGURANÇA
INTERNACIONAL
Dentro do campo das Relações Internacionais, os estudos de segurança consolidaramse no decorrer do século XX, tendo como pontos fulcrais, a Segunda Guerra Mundial, a
Guerra Fria e o pós-Guerra Fria. Desde o surgimento e a consolidação do campo como
relevante para o debate em Relações Internacionais até os dias de hoje, ocorreram mudanças
sensíveis tanto nas configurações e arranjos internacionais quanto nas perspectivas de estudo
utilizadas.
A primeira corrente de pensamento que ganhou destaque no campo da segurança foi a
tradicionalista, herdeira da tradição realista dos estudos em relações internacionais.
Estudiosos tradicionalistas definem segurança como a “liberdade de qualquer ameaça objetiva
militar à sobrevivência do estado em um sistema anárquico internacional” (ŠULOVIĆ, 2009,
p.2, tradução nossa). Tal corrente de pensamento encontrou consonância com a conjuntura
internacional da época4: em fim dos anos 70 e começo dos anos 80, a invasão soviética no
Afeganistão e a eleição de Reagan para a presidência dos EUA reacenderam a dinâmica das
competições militares entre as duas superpotências da época, levando a uma repaginação da
perspectiva realista na forma do neorrealismo ou realismo estrutural.
Com o declínio da economia norte-americana, os sucessivos choques do petróleo e o
esfacelamento dos impérios coloniais5, alguns estudiosos passaram a questionar o escopo
restrito do conceito tradicional de segurança internacional, passando a demandar a inclusão de
outros temas na agenda: ameaças não-militares e internas (ULLMAN, 1983); recursos, meio
ambiente e demografia (MATHEWS, 1989); economia, ecologia, fatores domésticos da
segurança e ameaças transnacionais (KEOHANE, 1984; HAFTENDOR, 1991).
4
5
HOBSBAWM, 1995, p. 393-419, passim.
Ibid., p. 393-446 passim.
20 Essas novas perspectivas6, chamadas de “abrangentes”, passaram a desafiar a
concepção tradicional de segurança ao alagar e aprofundar os estudos de segurança, tanto
horizontal quanto verticalmente. Horizontalmente, os estudiosos abrangentes acreditam que,
de fato, o conceito de segurança expandiu-se de uma jurisdição exclusivamente militar para
outros setores tais como ambiental, econômico, societal e político. Verticalmente, esse novo
escopo de segurança internacional deve estar aberto a objetos referentes7 que não sejam
exclusivamente o Estado – grupos humanos, indivíduos, a humanidade como um todo
(BUZAN et al., 1998).
As novas linhas de pensamento dentro do campo de relações (e segurança)
internacionais passaram, portanto, a incluir na análise da segurança atores não exclusivamente
estatais e ameaças não exclusivamente militares como definidoras do comportamento dos
atores. Tendo em vista a dimensão horizontal, esses novos pensadores acreditam que, na
verdade, o conceito de segurança expandiu-se: a noção de que as relações internacionais são
afetadas por mais fatores do que a política de poder dos Estados deu origem a uma abordagem
teórica mais ampla, que tem se tornado cada vez mais relevante nos círculos acadêmicos.
Essas abordagens teóricas alternativas encontram suporte no arcabouço construtivista,
que vinha sendo lentamente construído desde a década de 1980. Essa escola de pensamento
acredita que são as ideias e não o poder que moldam as relações entre os Estados (WENDT,
1992).
A partir de uma combinação de abordagens sociológicas e teoria crítica
(McDONALD, 2008a), os teóricos construtivistas argumentam que a realidade mundial é
socialmente construída através de interações subjetivas e que fatores ideacionais – tais como
normas, identidades, e ideias – são essenciais para a construção e mutação da política mundial
(BAYLIS, 2005; McDONALD, 2008a).
Conforme ressalta Baylis (2005), os teóricos construtivistas têm um modo de pensar a
política internacional bastante diferente daquele neorrealista. Para os construtivistas sociais, a
estrutura é produto de relações sociais compostas de elementos como recursos materiais,
conhecimento compartilhado e práticas. Adler (1999, p. 205) ressalta que o construtivismo é a
perspectiva “segundo a qual o modo pelo qual o mundo material forma a, e é formado pela,
6
Duque (2009, p. 33) e Neves (2011, p. 21) informam que, além da corrente tradicionalista e da abordagem
abrangente, há uma terceira abordagem denominada crítica, que considera que a ameaça e os objetos de
segurança são socialmente construídos, tomando uma postura mais inquisitiva em relação à estrutura de
segurança, considerando que a segurança do indivíduo (segurança humana) é mais importante do que a estatal.
7
Objetos referentes: “things that are seen to be existentially threatened and that have a legitimate claim to
survival” (BUZAN et al., 1998, p. 36).
21 ação e interação humana depende de interpretações normativas e epistêmicas dinâmicas do
mundo material8”.
A ênfase na estrutura de conhecimento compartilhado é de importância central para o
pensamento construtivista. As estruturas sociais incluem elementos materiais, tais como
armamentos e recursos econômicos (para referir-se a termos do campo da segurança), mas
estes apenas adquirem significado através da estrutura de conhecimento compartilhado do
qual eles fazem parte.
Isto significa que o que confere sentido aos elementos materiais do mundo da política
e da segurança internacional são fatores ideacionais, em especial as normas. Para McDonald
(2008a, p. 63, tradução nossa), “normas podem ser definidas como expectativas
compartilhadas sobre comportamentos apropriados ou legítimos por atores com uma
identidade particular”. Com isso, os construtivistas opõem-se a definições abstratas ou
universais de segurança.
Nessa linha de raciocínio, os construtivistas afirmam que a interação entre os atores no
sistema internacional não se dá, necessariamente, através de padrões repetitivos e previsíveis,
por isso uma análise objetiva dessas relações incorreria em falhas. Deve-se contextualizar os
fatos, envolvendo conhecimento e contato, abarcando as subjetividades presentes no processo.
Opondo-se à tradição que se prende ao racionalismo instrumental, os construtivistas revelam o
quão importante é a análise do comportamento dos Estados em determinada realidade social,
uma vez que levam em conta as condições históricas e o aprendizado resultante das relações
neste processo, considerando que os Estados são atores sociais que interagem entre si. A
identidade, a racionalidade, os interesses e as preferências são construídos socialmente, o que
mostra que uma análise de cunho sociológico pode compreender a dinâmica que esse processo
adquire (MACIEL, 2009).
O construtivismo, em oposição ao realismo ou ao liberalismo, não é uma teoria da
política per se (ADLER, 1999; McDONALD, 2008a). Ele é na realidade, uma teoria social na
qual as teorias construtivistas de política internacional – por exemplo, sobre a guerra, sobre a
paz, sobre a cooperação internacional – se baseiam. Como o construtivismo lançou luz sobre
características da política internacional antes consideradas como dadas e imutáveis, ele
acabou por permitir uma apreciação mais empírica e prática do sistema internacional.
É desse modo que o construtivismo perpassa a criação da Escola de Copenhague9 e sua
“teoria de securitização”: a Escola considera que as ameaças são socialmente construídas, ao
8
Para detalhes sobre considerações epistemológicas e ontológicas a respeito do construtivismo, consultar Wendt
(1992) e Adler (1999).
22 contrário do ideário tradicionalista que as toma como algo objetivo. A securitização e seus
critérios, para os pensadores da Escola de Copenhague, são atividades intersubjetivas, por
meio das quais um dado ator procura identificar a existência de uma ameaça à sobrevivência
de um objeto referente (BUZAN et al., 1998). Isto será detalhado mais adiante, mas essa
breve introdução já demonstra como os alicerces construtivistas – e sua posterior utilização
pelos autores de Copenhague - são de fundamental importância para se entender a inclusão de
temas de saúde pública, como o HIV/AIDS, na agenda de segurança internacional.
2.2 A ANÁLISE CONCEITUAL DE SEGURANÇA E SECURITIZAÇÃO: A ESCOLA DE
COPENHAGUE
O desenvolvimento da teoria da securitização da Escola de Copenhague tem início
com dois artigos de Ole Wæver, publicados em meados da década de 1990, que culminaram
no livro escrito em parceira com Barry Buzan e Jaap de Wilde: Security: A New Framework
For Analysis, de 1998 que, por sua vez, através da teoria de securitização e do conceito de
setores de segurança, acabou dando novos rumos para os estudos de segurança. O conceito de
setores de segurança significou a expansão do conceito de segurança de modo a incluir não
apenas circunstâncias militares, mas também aspectos políticos, econômicos, societais,
ambientais etc. O fim da Guerra Fria e o término do conflito entre duas superpotências
deixaram para trás um vácuo que foi sendo paulatinamente preenchido por assuntos e
circunstâncias envolvendo segurança antes marginalizados e que necessitavam de explicações
teóricas ainda fora do mainstream dos círculos acadêmicos (PANIĆ, 2009).
Em A New Framework For Analysis, os autores descrevem seu projeto “de modo a
explorar a lógica da segurança em si para descobrir o que diferencia a segurança [...] daquilo
que é meramente político” (BUZAN et al., 1998, tradução nossa). Eles argumentam que
denominar um assunto como sendo de segurança o retira do campo do discurso político
habitual e permite que medidas excepcionais sejam tomadas em relação a esse assunto.
Sinteticamente, “um assunto se torna um problema de segurança [...] não
necessariamente porque existe uma ameaça real, mas porque esse assunto é apresentado como
uma ameaça” (BUZAN et al., 1998, tradução nossa). O processo pelo qual isso acontece é
chamado de securitização:
9
A Escola de Copenhague foi o nome dado ao projeto de pesquisa coletivo de vários acadêmicos do extinto
Copenhagen Peace Research Institute, na Dinamarca, centrado em torno dos trabalhos de Barry Buzan e Ole
Wæver (McDONALD, 2008a).
23 o posicionamento, através de atos de fala (geralmente por um líder político), sobre
um assunto em particular como uma ameaça à sobrevivência, que, por sua vez (com
o consentimento de uma público relevante),
torna possível tomar medidas
emergenciais e a suspensão das ‘políticas normais’ que lidam com tal assunto
(McDONALD, 2008b, p. 7, tradução nossa).
É a (re)apresentação de um assunto como uma ameaça existencial que faz um “ato de
fala” (speech act) um movimento de securitização. Como nota Ciutǎ (2009) a palavra
“segurança” não é, portanto, necessária, para que um ato de fala se constitua em um
movimento de securitização, nem o uso da palavra “segurança” torna um ato de fala um
movimento de securitização.
No centro da teoria da securitização está aquilo que Stritzel (2007) chamou de trilogia:
ato de fala, agente securitizador e audiência10. Segundo a Escola de Copenhague, palavras que
fazem referência a ameaças à existência de uma unidade, além de não serem apenas signos
linguísticos, trazem consigo a necessidade de tomar medidas que contraponham-se às
ameaças (DUQUE, 2009).
Segundo Buzan et al. (1998), portanto, para se estudar a securitização, é necessário
estudar os discursos de securitização, que possuem uma estrutura retórica específica. Nesse
tipo de discurso, o agente securitizador faz referência não só à sobrevivência de uma unidade,
como também à prioridade de ação para conter uma ameaça à existência da unidade – sem
necessariamente utilizar a palavra “segurança”. Segundo os autores, o significado da
securitização não é fixo, mas se baseia em seu uso por parte dos agentes securitizadores
(CIUTĂ, 2009).
O discurso de securitização, no entanto, não acarreta a securitização automática de um
tema; ele é apenas uma iniciativa de securitização que pode ou não ser aceita. A securitização
só é efetivada quando a audiência a quem ela é dirigida considera legítima a demanda do
agente securitizador, e a ameaça é estabelecida com força suficiente para que se justifique a
quebra das regras normais da política com vistas a contrabalançar essa ameaça (BUZAN et
al., 1998).
Para Buzan et al. (1998), existem três condições facilitadoras que são identificadas
para tornar efetivamente securitizador um ato de fala:
1. deve seguir a linguagem própria da segurança (isto é, usar terminologia e conceitos
aceitos)
10
Do original: speech act, securitizing actor, audience (STRITZEL, 2007).
24 2. deve vir de um ator em uma posição de autoridade no campo da segurança
3. ajuda se o objeto puder ser tomado como ameaçador
Satisfazer essas condições não garante por si que um assunto será securitizado; o
sucesso de todo o processo também depende do convencimento do público. Naturalmente, é
mais fácil de convencer uma determinada audiência se as condições facilitadoras forem
cumpridas, mas a securitização envolve ainda argumentação e persuasão.
Seguindo essa linha, os autores acabaram desenvolvendo uma abordagem
multissetorial da segurança, que forneceu a base teórica para o alargamento da concepção de
segurança para além da agenda estreita que se concentrava nas relações político-militares. Na
abordagem da Escola nórdica, realiza-se uma distinção analítica entre cinco setores - militar,
político, econômico, societal e ambiental - nos quais pode ocorrer securitização, e que são
definidos de acordo com os objetos referentes possíveis em cada um (DUQUE, 2009).
•
Campo militar: apesar de mais abrangente, a abordagem da Escola de
Copenhague atribui grande importância às analises do campo militar (TANNO,
2003). Para Buzan et al. (1998) o campo militar é o mais institucionalizado
dentre os cinco. Sendo o Estado o principal objeto referente11 da segurança
nesse setor, ele mantém instituições preparadas para atuar, quando necessário,
de modo a garantir a integridade de seu território e de sua população. Com essa
legitimidade do uso da força, as elites governamentais tornaram-se os
principais agentes securitizadores das ameaças a sua segurança.
Segundo Buzan et al. (1998), as variáveis históricas e geográficas têm
grande importância nesse setor, determinando, respectivamente, padrões de
amizade e inimizade entre Estados e padrões de percepção de ameaças tendo
em vista de questões de terreno, distância e topografia. A agenda militar tem
sua própria lógica, porém ela não opera isoladamente, sendo dependente das
relações políticas que ocorrem nos diferentes níveis de análise. Desse modo,
uma miríade de entidades podem ser objetos de ameaças militares, tais como a
sociedade internacional, os regimes internacionais (de contenção de armas
químicas, por exemplo), os sistemas de segurança coletiva, as alianças, entre
outros (NEVES, 2011).
11
Admite-se, também, a possibilidade de o objeto referente ser as Forças Armadas.
25 •
Campo econômico: a segurança no campo econômico é especialmente
complicada e peculiar, particularmente dependente da ideologia que conduz a
política econômica definidora do objeto referente de segurança. Para os autores
de Copenhague, a insegurança econômica só constitui ameaça a partir do
momento em que se estendem para além do âmbito econômico, chegando às
esferas militar e política. Segundo essa visão, as ameaças econômicas se
configuram naquelas que visam os setores que são fundamentais para a
sobrevivência do ator estatal (TANNO, 2003).
•
Campo societal: conforme apontado por Neves (2011, p. 29), o campo societal
volta-se para a “identidade de uma coletividade, que pode existir independente
do Estado. O conceito é decorrente da percepção que um grupo qualquer
constitui uma identidade e pode ser considerada um ator ou mesmo objeto
referente”. As ameaças societais concretizam-se quando tais (id)entidades12
correm o risco de serem extintas e tendem a se fazer mais presentes em Estados
mais fracos, menos institucionalizados, nos quais o próprio governo pode ser
fonte de ameaça para as entidades ou coletividades opositoras13.
•
Campo ambiental: este setor trata da relação entre as atividades humanas e o
meio ambiente. Segundo Buzan et al. (1998), a tentativa de securitizar os
valores ambientais é relativamente recente pois, embora o ser humano venha
interferindo na natureza há milhares de anos, somente há pouco percebeu-se
que as atividades humanas não eram somente interferentes, mas também
condicionadoras do ambiente. Além disso, o campo ambiental á bastante
complexo graças a um número muito grande de aspectos que podem concorrer
para o processo de securitização: desflorestamento, extinção de fauna de flora,
buraco na camada de ozônio, fontes energéticas, problemas populacionais
(fome, pobreza, epidemias, migrações, urbanização desenfreada), sendo que,
muitas vezes, esses fatores encontram-se correlacionados de maneira
indissociável.
12
Identidade é definida por Panić (2009, p. 31) como “um conjunto de ideias e práticas que identifica
determinados indivíduos como membros de um grupo social”.
13
Para Tanno (2003), o incremento das relações entre os Estados no sistema internacional implica em ameaças
tanto para os Estados quanto para as próprias comunidades que os compõem e, portanto, a globalização pode ser
vista como fonte de ameaças societais, tais como a migração relacionada com atividades criminosas, o ciclo de
pobreza que força os movimentos populacionais em direção ao Norte rico; a “ocidentalização”.
26 Podem-se perceber dois principais objetos referentes nesse setor: o
meio ambiente e a qualidade de vida do ser humano. Tais questões têm alto
grau de politização, porém baixo nível de securitização, especialmente porque
suas consequências só são sentidas no longo prazo (NEVES, 2011). Ainda, os
processos de securitização no setor ambientam enfrentam dificuldades pela
existência de duas agendas distintas e por vezes contraditórias, a científica e a
política, que se confrontam em relação ao tratamento do Estado e do público
dos aspectos científicos da agenda ambiental, a aceitação da responsabilidade
política para lidar com esses aspectos e a gestão das questões que devem ser
resolvidas (BUZAN et al., 1998).
Ademais, Tanno (2003) aponta outro fator que contribui para a
volatilidade do setor ambiental: os processos de securitização são normalmente
feitos por estruturas políticas e sociais também bastante diversas14 – e muitas
vezes não suficientemente organizadas – tais como organizações internacionais
(como Organização Mundial da Saúde e a Organização das Nações Unidas
para a Alimentação e Agricultura) e movimentos não governamentais (como o
Greenpeace15 e o World Wildlife Fund16).
•
Campo político: para os teóricos da Escola de Copenhague, o âmbito político é
o de maior abrangência, uma vez que a securitização em si não deixa de ser um
ato político, como bem exposto por Neves (2011). Todavia, Buzan et al. (1998)
consideram que as ameaças políticas tem como objetivo único, a estabilidade
da organização do Estado, podendo atingir os três componentes estatais mais
proeminente, quais sejam, suas instituições, sua base física e suas ideias. Tais
ameaças podem ser intencionais, quando não reconhecem a legitimidade de um
Estado, ou estruturais, quando resultado de choques dentro da própria estrutura
organizacional do Estado; e, de uma forma geral, voltam-se à soberania do
14
Isto é bastante sensível na temática do HIV/AIDS: foi só a partir de 1994, com a criação do UNAIDS, que os
esforços para o combate à doença puderam ser concentrados e institucionalizados de maneira mais efetiva, o que
contribuiu para a securitização do assunto no fim da década de 1990.
15
De acordo com o website da organização, o Greenpeace evoluiu dos protestos antinucleares que ocorreram no
fim dos anos 1960 no Canadá. Atualmente, a missão da instituição, pautada pelos valores de “independência, não
violência, confronto pacífico e engajamento” é de “investigar, expondo e confrontando crimes ambientais,
desafiando os tomadores de decisão a reverem suas posições e adotarem novos conceitos”. Para mais
informações, consultar: http://www.greenpeace.org/brasil/pt/.
16
Segundo o website da instituição, a Rede WWF foi fundada em 1961, com a missão global de “conter a
degradação do meio ambiente e construir um futuro em que o homem viva em harmonia com a natureza através
da: (i) conservação da diversidade biológica mundial; (ii) garantia da sustentabilidade dos recursos naturais
renováveis e (iii) promoção da redução da poluição e do desperdício”. Para mais informações, consultar:
http://www.wwf.org.br/wwf_brasil/wwf_mundo/.
27 Estado e manifestam-se de diversas formas, como iniciativas de golpes,
secessão, revoltas, tomada de medidas políticas17.
Em decorrência da natureza dos objetos referentes18 – em geral, não relacionados
diretamente com o Estado – pode-se notar que os setores econômico, societal e ambiental
afastam-se da agenda tradicional dos estudos de segurança (DUQUE, 2009; PLANIĆ, 2009).
Para Buzan et al. (1998), o que determina quais serão os setores analisados não é uma
concepção acadêmica do que deveria ser a segurança internacional, e sim a utilização do
termo por parte dos atores do sistema internacional, o que requer a aceitação de iniciativas de
securitização, em cada setor, por parte do público. Com a expansão da agenda de pesquisa em
segurança internacional, por meio da adoção de uma abordagem multissetorial, a Escola de
Copenhague pretende argumentar que a concepção de segurança internacional é um processo
dinâmico, uma construção social que depende da ação de agentes e estruturas, em
consonância com as linhas gerais do construtivismo social (DUQUE, 2009).
No caso do HIV/AIDS, independentemente de qualquer agenda que tenha sido
socialmente construída em torno da doença, as mortes em larga escala continuam ocorrendo.
Todavia, “somente” as mortes em si não demonstram que o HIV/AIDS seja um problema de
segurança internacional no sentido estrito de segurança nacional/internacional que foi
abordado pelo Conselho de Segurança em 2000, conforme exposto na introdução. De fato, o
movimento de securitização intencionado pelo Conselho foi feito em termos tradicionais de
peacekeeping, estabilidade estatal e efetivos militares e não em termos de segurança humana.
Conforme advertem McInnes e Rushton (2012), a securitização do HIV/AIDS foi uma
tentativa explícita de mudar o status dessa doença, tirando-a do domínio da “política normal”
e colocando-a como uma ameaça excepcional aos Estados; e essa mudança só foi possível
através de sucessivas tentativas de atores em remodelar a compreensão global sobre a doença
por meio de um movimento de securitização (para usar os termos de Buzan, Wæver e de
Wilde).
Os aspectos de securitização da epidemia de HIV/AIDS serão abordados com mais
detalhes nos capítulos seguintes.
17
O objeto referente central no campo político é indubitavelmente, o Estado e as relações da alçada política com
os demais setores dão-se, normalmente, por congruência de princípios. Para Neves (2011, p. 30), “elas ocorrem
quando outros atores, dentro do mesmo regime de princípios, assumem posições em função de seus interesses,
tomando partido para alcançar um resultado específico ou para se valer dos efeitos desses princípios”.
28 3 A EPIDEMIA DE HIV/AIDS E SUAS IMPLICAÇÕES PARA A SEGURANÇA
HUMANA E PARA A SEGURANÇA NACIONAL
Há 32 anos, em meio à Guerra Fria, em meio às tensões nucleares, uma nova doença
surgiu e rapidamente passou a afetar pessoas em todas as regiões do planeta: a AIDS, ou
Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, que mina as defesas do organismo e abre espaço
para infecções oportunistas. Como ressaltado por Prins (2004) e Gündüz (2006), antes
encarada como uma doença de grupos marginalizados, rapidamente a AIDS espalhou-se entre
todos os grupos populacionais. Inicialmente, a questão do HIV/AIDS foi tratada em seu
sentido estrito, ou seja, uma questão de saúde e, portanto, longe das arenas políticas. Poucos
políticos além daqueles ligados às áreas da saúde de seus respectivos países demonstraram
interesse por uma doença que, em três décadas, já infectou 60 milhões de pessoas, matou 20
milhões e permanece como a quarta maior causa de morte em todo o mundo (UNAIDS
GLOBAL REPORT, 2010).
Antes de adentrar na análise das possíveis relações entre o HIV/AIDS e a teoria de
securitização – objeto de estudo do capítulo seguinte – são apresentados dados a respeito do
surgimento e da evolução da doença, bem como seus números atuais nas diferentes regiões do
planeta, de acordo com a divisão proposta pelo UNAIDS19. A observação dos dados ajuda a
revelar, em termos mais concretos e palpáveis do que abstrações teóricas, as dimensões nas
quais o HIV atinge os grupos sociais e como o vírus impõe-se como um problema que vai
além do âmbito da saúde pública. Em especial destacam-se os dados do continente africano,
que concentra altos índices de infecção pelo vírus.
Após a apresentação dos dados, faz-se uma breve análise a respeito das implicações
sobre o panorama da segurança nacional e da segurança humana trazidas no bojo da
epidemia20 e que muito contribuíram para tornar o assunto uma questão de segurança
internacional. Em especial, as ramificações suscitadas em países da África subsaariana que,
19
Cabe ressaltar que os dados, tomados como referência e que representam a mais ampla compilação feita por
órgãos da ONU, são, em sua maioria, estimativas e não representações exatas. Como bem destacado por Elbe
(2002), tais dados estão sujeitos à pressões políticas e dificuldades logísticas muito além do controle da ONU e
do UNAIDS e, portanto, devem ser vistos indicadores gerais das tendências da epidemia em cada região
considerada (ELBE, 2002, p. 3-8, passim).
20
Segundo o Dicionário da Academia Brasileira de Letras, epidemia é a “incidência de doença ou de outro mal
que se propaga com rapidez, afetando temporária e simultaneamente um grande número de pessoas de uma
mesma população” e pandemia é “doença que se estende a muitos países, ou que atinge muitas pessoas numa
zona geográfica”. No presente trabalho, optou-se por utilizar os vocábulos com significados intercambiáveis
devido à dificuldade de se separar o léxico englobado por ambos. A própria OMS tem um programa que trata
conjuntamente de doenças de amplo alcance intitulado PED (Pandemic & Epidemic Diseases).
29 por concentrarem um número desproporcional de casos, acabaram por colocar o continente no
centro da questão HIV/AIDS-segurança internacional.
3.1 OS NÚMEROS DA AIDS: ORIGEM E EVOLUÇÃO
Em 1981, o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos EUA deparou-se
com uma nova síndrome que matava rapidamente através de infecções oportunistas. Os casos
iniciais foram registrados entre usuários de drogas injetáveis e homens homossexuais com
nenhum histórico de problemas no sistema imunológico, que apresentavam sintomas de uma
pneumonia chamada PCP, uma infecção bacteriana oportunista conhecida por afetar,
sobretudo, pessoas com deficiências imunológicas. Meses depois, um número alto de
homossexuais do sexo masculino passou a desenvolver um tipo até então raro de câncer de
pele conhecido como sarcoma de Kaposi, o que alarmou os pesquisadores do CDC.
Inicialmente, o centro não tinha um nome específico para a doença, referindo-se a ela por
meio dos sintomas apresentados.
No mesmo ano, o CDC cunhou a frase “doença dos 4H”, uma vez que a síndrome
parecia atingir “imigrantes haitianos, homossexuais, hemofílicos e usuários de heroína”.
Todavia, em setembro de 1982, depois do registro de casos em outros grupos populacionais, o
termo “doença dos 4H” foi abandonado em favor de um termo mais geral: AIDS (na sigla em
inglês) ou Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, causada por um retrovírus21 até então
desconhecido.
Pesquisas22 em 1983 e 1984 acabaram por identificar o agente causador da doença, que
acabou ganhando a alcunha de HIV (também na sigla em inglês) ou Vírus da
Imunodeficiência Humana. O vírus, que apresenta duas variantes conhecidas, HIV-1 e HIV-2,
21
Retrovírus refere-se a uma família de vírus chamada Retroviridae que possui apenas um segmento de RNA em
seu código genético, utilizando RNA para produzir DNA e então reproduzir-se dentro da célula infectada
(SHARP & HAHN, 2011).
22
Para Prins (2004), uma das razões para a resposta lenta à doença nos anos iniciais deveu-se à disputa
Gallo/Montagnier em relação à descoberta do vírus. Em nota 1984, o americano Gallo – e alguns colegas –
publicaram um artigo na revista Science afirmando que o retrovírus HIV, identificado em pacientes pelo francês
Montagnier e seus colegas no Instituto Pasteur de Paris, era o agente causador da AIDS. Seguiu-se uma disputa
sobre qual grupo havia feito a descoberta primeiro e qual era, então, o proprietário legal dos direitos de patente
sobre o teste ELISA (de detecção do HIV em amostras de sangue). Essas incertezas no meio científico
impediram, em parte, a busca de uma resposta mais rápida à nova doença em seus anos iniciais. Hoje, reconhecese que enquanto Montagnier e seus colegas reportaram o HIV primeiro, Gallo e seus colegas demonstraram a
relação causal HIV-AIDS. Através de uma “fórmula política” desenhada pelo então presidente norte-americano
Reagan e pelo então primeiro-ministro francês Jacques Chirac, os dois pesquisadores são reconhecidos como
“codescobridores” (PRINS, 2004, em nota).
30 é um lentivírus23, originado em primatas não-humanos em alguma região da África central que
acabou sendo transferido para seres humanos em meados do século XX, provavelmente
através da prática da caça e do consumo de carne de símios, muito comuns nessa região.
O recém-descoberto vírus, que parecia atingir homossexuais e usuários de drogas
injetáveis, passou a apresentar taxas de infecção de crescimento exponencial nos mais
diversos segmentos populacionais e por todas as parte do mundo, tornando-se uma doença
global, controlável através de uma gama de medicamentos, porém sem cura conhecida (até o
presente momento).
Segundo dados do UNAIDS24, havia 35,3 milhões de adultos e crianças vivendo com o
HIV em 2012, uma prevalência de 0,8% do total mundial, com 2,3 milhões de novas
infecções, também em 2012. As figuras abaixo ilustram, respectivamente, o perfil global da
doença em termos absolutos e relativos:
Figura 1 – Número de casos de HIV no mundo (2011)
Fonte: UNAIDS, 2012
Figura 2 – Porcentagem de adultos infectados pelos vírus HIV (2011)
Fonte: UNAIDS, 2012
23
Por seu longo período de incubação, que pode chegar a mais de 10 anos (SHARP & HAHN, 2011).
Dados acessados em setembro/outubro de 2013 em: http://www.unaids.org/en/dataanalysis/datatools/aidsinfo/
24
31 a. América Latina e Caribe25
Em 2011, um número estimado de 1,4 milhão de pessoas estava vivendo com o HIV
na América Latina, com 83.000 novas infecções no mesmo ano. Entre 2005 e 2001, o número
de pessoas que morreram em decorrência da doença caiu de 60.000 para 54.000.
Na região do Caribe, o número de infectados em 2011 era de 230.000, um dado baixo
em termos absolutos, porém alto em termos relativos: uma prevalência de 1% do total da
população da região, porcentagem maior que em qualquer outra região do mundo, com
exceção da África subsaariana. O número de mortes relacionadas à doença na região caiu de
20.000 em 2005 para 10.000 em 2011.
b. América do Norte, Europa Ocidental e Europa Central26
Na América do Norte, o número de infectados pelo HIV em 2011 chegou a 1,4 milhão,
um acréscimo de 300.000 pessoas se comparado a 2001. Em 2011, o número de novas
infecções foi de 51.000 (50.000 em 2001) e o número de mortes relacionadas à doença, de
21.000 (20.000 em 2005).
Na Europa Ocidental e Central, o número de pessoas vivendo com o vírus foi de
900.000 em 2011, também maior do que a taxa de 2001, 640.000. Em 2011, houve 7.000
mortes relacionadas à infecção, um decréscimo em relação a 2001 (7.800 mortes) e 30.000
novas infecções, um leve acréscimo em relação a 2001 (29.000 novas infecções).
c. Oriente Médio e África do Norte27
Entre 2001 e 2011, o número estimado de pessoas vivendo com o HIV no Oriente
Médio e norte da África subiu de 210.000 para 300.000. Nesse mesmo período, o número de
novas infecções cresceu 35% (de 27.000 para 37.000). A taxa de mortes relacionadas à
doença também cresceu, chegando a 23.000 mortes em 2011.
A cobertura do tratamento ainda é muito baixa nessa região (cerca de 15%). Muitos
números dessa região podem ser subestimados, uma vez que o estigma e o preconceito
parecem afetar sobremaneira os soropositivos dessa parte do mundo, composta por países de
25
Dados retirados do UNAIDS REGIONAL FACT SHEET 2012 – LATIN AMERICA AND THE
CARIBBEAN.
26
Dados retirados do UNAIDS REGIONAL FACT SHEET 2012 – NORTH AMERICA, WESTERN AND
CENTRAL EUROPE.
27
Dados retirados do UNAIDS REGIONAL FACT SHEET 2012 – MIDDLE EAST AND NORTH AFRICA.
32 costumes morais e religiosos muito fortes. Muitos desses países impõem barreiras – totais ou
parciais – à entrada de pessoas que tenham a doença, estabelecendo quarentenas, proibições
de voos e testes obrigatórios para certos grupos de migrantes.
d. Ásia região do Pacífico28
Cerca de cinco milhões de pessoas viviam com o vírus do HIV na Ásia29, em 2011.
No sul e sudeste asiáticos, o número total é de quatro milhões de infectados, com
280.000 novas infecções em 2011 (marca menor do que a de 2001, que foi de 370.000) e
250.000 mortes relacionadas à doença (também menor do que o registrado em 2005, 290.000
mortes).
Na Ásia oriental, cerca de 830.000 pessoas estavam infectadas pelo HIV em 2011, um
aumento significativo quando comparado ao número de infectados em 2001, 390.000. Tanto o
número de novos casos quanto o de mortes relacionadas à infecção em 2011 (89.000 e 59.000,
respectivamente) representam um aumento preocupante em relação a números passados –
75.000 novos casos em 2001 e 39.000 mortes em 2005.
Na Oceania, em 2011, havia 53.000 portadores do vírus, com 2.900 novas infecções e
1.300 mortes relacionadas à doença. Em 2001 esses números eram, respectivamente, 38.000,
3.700 e 2.300.
e. Leste europeu e Ásia Central30
Entre 2001 e 2011, o número estimado de infectados na região subiu de 970.000 para
1,4 milhão e o número de novas infecções, de 130.000 para 140.000. Houve um aumento de
21% no número de mortes relacionadas à síndrome: de 76.000 (2005) para 92.000 (2011). O
tratamento antirretroviral estava disponível para 25% da população contaminada, sendo que
apenas dois países da região, Geórgia e Romênia, contavam com uma porcentagem de
cobertura de tratamento (60%) maior do que a média global.
28
Dados retirados do UNAIDS REGIONAL FACT SHEET 2012 – ASIA AND THE PACIFIC.
Ásia refere-se ao sul, sudeste e leste asiáticos, excluindo-se a região da Ásia Central e o Oriente Médio.
30
Dados retirados do UNAIDS REGIONAL FACT SHEET 2012 – EASTERN EUROPE AND CENTRAL
ASIA.
29
33 f. África subsaariana31
Tanto em números relativos quanto em números absolutos, a parte do continente
africano localizada abaixo do deserto do Saara é a mais afetada epidemia de HIV/AIDS. O
número de infecções cresceu exponencialmente desde a década de 1980, conforme
demonstrado pela figura a seguir:
Figura 3 – Número de pessoas vivendo com HIV/AIDS na África subsaariana
Fonte: UNAIDS
Desde o ano de 2001, um conjunto vigoroso de esforços multinacionais fez com que o
número de infecções na região caísse para pouco mais de 23 milhões. Ainda assim, essa área
contabiliza 69% de todos os casos de HIV do planeta, além de 70% de todas as mortes
relacionadas à doença. Em 2011, 92% das mulheres grávidas soropositivas estavam
localizadas na região, bem como 90% das crianças que adquiriram o vírus.
Mais ao sul do continente, encontramos países com alarmantes taxas de infecção
relativas ao total da população: 10% (Malauí); 11,3% (Moçambique); 12,5% (Zâmbia); 13,4%
(Namíbia); 14,9% (Zimbábue); 17,3% (África do Sul); 23,3% (Lesoto); 23,4% (Botsuana) e
26% (Suazilândia).
O mapa a seguir (Figura 3) indica os percentuais relativos de incidência do vírus em
cada país do continente (incluindo a região do Magreb):
31
Dados retirados do UNAIDS REGIONAL FACT SHEET 2012 – SUB-SAHARAN AFRICA.
34 Figura 4 – Percentual da população infectada pelo HIV no continente africano
Fonte: UNAIDS
Considerando os números apresentados até aqui, percebe-se que o HIV constitui sério
problema de saúde em escala global. Dentro dos estudos de relações internacionais, todavia,
os números por si só não explicam o tratamento de segurança dado à epidemia. Assim, faz-se
necessária uma análise das ramificações trazidas pela doença aos âmbitos estudados pelos
teóricos de segurança. No presente trabalho, apresentam-se tais ramificações subdivididas
entre o mais recente escopo da segurança humana e o bojo tradicional da segurança, que é á
segurança nacional. Deve-se notar que muitos dos problemas advindos da infecção pelo HIV
são completamente inter-relacionáveis e mutuamente dependentes, apresentando-se tanto
como problemas para a segurança humana quanto para a segurança nacional.
35 3.2 O HIV/AIDS NO ÂMBITO DA SEGURANÇA HUMANA
Um dos aspectos sobre os quais o HIV apresenta consequências relacionadas à
segurança é o da “segurança humana” (ELBE, 2002). O fim da Guerra Fria acabou por revelar
um mundo que, ao contrário do que se esperava, era muito mais volátil e mutante. Em vez da
divisão bipolar, com sua corrida armamentista e nuclear, gradualmente conflitos territoriais,
guerras civis, querelas étnico-religiosas acabaram por se materializar, chegando ao extremo
em Ruanda e nos Bálcãs, durante a primeira metade dos anos 1990, “tornando cada vez mais
tênue a linha entre riscos militares e não-militares, como na caso do terrorismo e do crime
organizado” (GÜNDÜZ, 2006, p. 50, tradução nossa). Além disso, o aumento da
interdependência e da complexidade das relações no sistema internacional criou – ou pelo
menos trouxe à tona – ameaças de segurança internacional antes marginalizadas. A
propagação de doenças infecciosas, movimentos populacionais imensos, poluição e desastres
ambientais, colapsos estatais, tudo isso demandava uma nova agenda política e acadêmica
para lidar com esses “novos” problemas.
“A introdução dessa nova agenda de segurança na academia foi acompanhada por uma
forte tendência, com o fim da Guerra Fria, de mudar o objeto referente da segurança dos
Estados para os indivíduos” (VIEIRA, 2007, p. 144, tradução nossa). Na linha de frente dessa
mudança estava a ONU, cujo Programa para o Desenvolvimento (PNUD) lançou uma série de
relatórios conhecidos como Relatórios de Desenvolvimento Humano, que tinham o objetivo
de “colocar as pessoas de volta ao centro do processo de desenvolvimento” (PNUD, 2013).
Em seu relatório pioneiro de 1994, a ONU introduziu um novo conceito, fazendo
emergir uma nova maneira de pensar (VIEIRA, 2007). O relatório recomendava uma
transição conceitual da “segurança nuclear”, ou seja, militarizada, para a “segurança humana”.
De acordo com o PNUD, para a maioria das pessoas, a insegurança resulta muito “mais de
preocupações da vida cotidiana do que da possibilidade de um evento cataclísmico”
(RELATÓRIO PNUD, 1994, p. 22). Segurança humana passa a ser definida como “segurança
contra ameaças crônicas como fome, doença e repressão” bem como “proteção contra
mudanças repentinas e aflitivas nos padrões da vida cotidiana – seja em casa, no trabalho ou
em comunidades” (idem, p. 23). Os dois principais constituintes da segurança humana, de
acordo com o relatório, seriam “freedom from fear” e “freedom from want” (idem, p. 24); esse
ideal duplo de proteção e empoderamento simbolizava os princípios que guiariam a busca e a
garantia da sobrevivência, das necessidades básicas e da dignidade humana.
36 As dimensões de segurança elencadas pelo Relatório são as que seguem (idem, p.2533, passim):
•
segurança econômica (pobreza, desemprego, falta de moradia);
•
segurança alimentar (desnutrição, fome, inanição);
•
segurança sanitária (epidemias, câncer, sistemas de saúde inadequados);
•
segurança ambiental (degradação de ecossistemas, poluição, desastres
naturais);
•
segurança pessoal (tortura, guerra, crime, violência urbana);
•
segurança comunitária (tensões étnicas, discriminação, opressão) e
•
segurança política (repressão, tortura, violações de direitos humanos).
Para Gündüz (2006) e Vieira (2007), esse inovador conceito centrado no indivíduo
trouxe mudanças na concepção de segurança nos círculos políticos e acadêmicos “de uma
ênfase exclusiva em segurança territorial para uma ênfase maior na segurança da população” e
“de segurança através de armamentos para segurança através de desenvolvimento humano
sustentável” (RELATÓRIO PNUD, 1994, p. 24).
Nesse contexto, a preocupação com o HIV/AIDS foi reformulada, uma vez que
epidemia atinge justamente grupos humanos. Sendo assim, se a abordagem de segurança
humana preocupa-se não somente com a sobrevivência estatal, mas também com a
sobrevivência e bem-estar do ser humano, então o HIV/AIDS claramente se impõe como um
tópico importante de segurança nessa estrutura (ELBE, 2002).
Quantitativamente, na África, o vírus não só é a principal causa de morte, como
também se calcula que cause dez vezes mais mortes que conflitos armados (BARKSRUGGLES, 2001) Ademais, qualitativamente, o HIV/AIDS também afeta, praticamente,
todos os componentes da segurança humana destacados no relatório. Em seu nível primário, a
AIDS é um doença letal para aqueles que não têm acesso às terapias antirretrovirais, muitas
vezes caras e protegidas por direitos de patentes de gigantes farmacêuticas32. Como resultado,
a expectativa de vida em muitos países africanos tende a cair em mais de 20 anos nas
próximas décadas (BARKS-RUGGLES, 2001). De acordo com o CIA Factbook (2012), nos
países com taxas de incidência de HIV acima de 10%, a expectativa de vida caiu para
32
Para um debate sobre a questão dos antirretrovirais e os direitos de patente da indústria farmacêutica, consultar
Access to Affordable HIV/AIDS Drugs: The Human Rights Obligations of Multinational Pharmaceutical
Corporations (FERREIRA, 2002).
37 patamares abaixo daqueles registrados no inicio do século XX, como pode ser visualizado na
tabela e na figura a seguir:
Tabela 1 – Expectativa de vida em países com alta incidência de HIV
País
Incidência de HIV no total
Expectativa de vida em
da população (%)
2012 (total da população,
em anos)
Quênia
6,2
63,2
Uganda
7,2
53,9
Malauí
10
52,7
Moçambique
11,3
52,2
Zâmbia
12,5
51,5
Namíbia
13,4
52
Zimbábue
14,9
53,8
África do Sul
17,3
49,4
Lesoto
23,3
52,3
Botsuana
23,4
54,4
Suazilândia
26
50
Fonte: elaborada pelo autor a partir de dados do UNAIDS e do CIA Factbook (2012)
Figura 5 – Expectativa de vida ao nascer na África (2005)
Fonte: UNESCO, 2004.
38 Além das tragédias individuais, o HIV/AIDS também tem consequências significativas
sobre famílias e comunidades atingidas pela doença. Para Elbe (2002), ao contrário de outras
doenças como infarto, câncer e acidente vascular, relacionadas à idade, a AIDS e as doenças a
ela relacionadas33 atingem grupos populacionais muito mais produtivos.
Os principais efeitos, sob a perspectiva econômica, são bem resumidos por Cepaluni &
Shimabukuro (2006):
A perda de enormes parcelas da população em idade para trabalhar também põe em
risco a capacidade de desenvolver suas economias e suas sociedades. A perda de
professores [por conta do vírus] e o aumento de órfãos que abandonam a escola
comprometerão ainda mais o já debilitado sistema educacional dos países [mais]
pobres. Jovens e adultos com idade para trabalhar, ao ficarem doentes e morrerem,
representam uma enorme perda em experiência e treinamento fundamentais para o
desenvolvimento e crescimento [...]; essa perda generalizada também coloca em
risco a produção de alimentos (CEPALUNI & SHIMABUKURO, 2006, p. 76).
Finalmente, dentro do espectro da segurança humana, a segurança dos indivíduos
também pode ser afetada de maneira mais intangível, por meio de preconceito, estigma social
e exclusão:
[...] a epidemia de HIV/AIDS se tornou um problema social e uma arma política na
África. Socialmente, o vírus carrega consigo um severo estigma social que aflige os
infectados. Isolamento e exclusão são geralmente resultados de ser diagnosticado
como HIV positivo [...] pior ainda são os assassinatos de pessoas que se acredita
estarem contaminadas. Esse poderoso estigma provê “armamento” político àqueles
dispostos a empregar a AIDS como ferramenta política na África (OSTERGARD,
2002, p. 341-342, tradução nossa).
Quando analisado da perspectiva da segurança humana, portanto, o HIV/AIDS é um
problema de segurança de proporções alarmantes e isso representa uma das maneiras pelas
quais a questão tem sido levada à tona nas arenas da segurança internacional. Todavia, em
países com alta prevalência de infectados, nota-se também implicações dentro das noções
mais tradicionais de segurança e que se configuram em possíveis ameaças a países mais
desenvolvidos, conforme será exposto na seção seguinte.
33
É de extrema importância notar que, por enfraquecer o sistema imunológico, o HIV abre caminho para
infecções oportunistas. Na África e no sudeste asiático, isso acabou se traduzindo num aumento do número de
casos de tuberculose e malária, doenças endêmicas dessas regiões (BARKS-RUGGLES, 2001).
39 3.3 O HIV/AIDS NO ÂMBITO DA SEGURANÇA NACIONAL
Dentro de uma perspectiva estadocêntrica em segurança internacional, o HIV/AIDS,
que tem impactos diretos nas Forças Armadas nacionais, acaba contribuindo para perturbar a
estabilidade política dos países mais afetados e também de seus vizinhos fronteiriços. Assim,
a partir de efeitos spill over, a epidemia tem ramificações significativas para o campo da
segurança nacional (ELBE, 2002; ELBE, 2006), apresentadas a seguir.
Primeiramente, as Forças Armadas são um grupo central na epidemia global de AIDS.
Há uma variedade de fatores que expõem contingentes militares a níveis de contaminação
pelo HIV mais altos: os soldados costumam encontrar-se em idade sexualmente ativa; muitos
tendem a apresentar comportamentos violentos e de risco; têm oportunidades para manter
relações sexuais casuais e deslocam-se de tempos em tempos em função das missões, o que
facilita a transmissão da doença (OSTERGARD, 2002; DE WALL, 2003).
Não por acaso, Ministérios da Defesa de diversos países africanos vêm registrando
altos índices de HIV entre suas Forças Armadas. A tabela 2 dá uma noção da dimensão do
problema em números:
Tabela 2 – Porcentagem estima de soropositivos entre militares
País
Taxa de infecção (%)
Angola
50
Botsuana
33
Camarões
14
Congo
50
Malauí
75
África do Sul
40
Uganda
66
Zimbábue
80
Fonte: OSTERGARD, 2002.
Para Elbe (2002), esses índices têm impacto em pelos menos quatro áreas que são
essenciais para a eficácia das Forças Armadas: primeiro, geram uma necessidade adicional de
recursos para treinamento e recrutamento de novos soldados para substituir os doentes ou os
mortos; recursos extras também são necessários para cuidar dos membros das Forças
Armadas que estão doentes ou moribundos. Segundo, afetam o alistamento, já que altas taxas
40 de HIV diminuem o número de pessoas disponíveis a serem alistadas e aumentam as mortes
entre membros mais treinados ou em posição mais alta na cadeia de comando, que não podem
ser substituídos tão facilmente. Em terceiro lugar, a AIDS tem implicações na capacidade de
cumprimento de tarefas militares, com níveis de abstenção altos e mais encargos sobre
soldados saudáveis. Além disso, o medo de contaminação ao auxiliar soldados feridos e a
questão de como garantir e lidar com o estoque de sangue durante as missões têm sido
assuntos cada vez mais importantes dentro do setor. Por fim, o HIV/AIDS, gera novos
desafios políticos e legais para as relações militares-civis em termos de como lidar com o HIV
nas fileiras dos exércitos e como tratar aqueles que estão vivendo com o vírus.
Ademais, a doença ainda tem impactos diretos e indiretos sobre a estabilidade política
das nações mais afetadas. Para Ostergard (2002) e Elbe (2002), o HIV/AIDS contribui para o
processo de colapso dos Estados à medida que exacerba os custos sociais e econômicos dos
governos, contribuindo para a intensificação de conflitos sobre disputa de recursos entre
grupos sociais distintos. De acordo com o um estudo publicado em 1997 sob a chefia do exSecretário-Geral da ONU, Kofi Annan, em sete dos dezesseis países africanos analisados,
mais de 2% do PIB já estava sendo usado no combate ao HIV/AIDS. Tais países costumam
gastar não mais do que 5% de suas receitas totais em saúde e quase metade desses gastos
estava indo para a luta contra uma única doença (ELBE, 2002).
Nesse aspecto, a doença ainda facilita tensões políticas a respeito de decisões do tipo
“quem terá acesso ao tratamento antirretroviral”. Com aponta Elbe (2002), se apenas as elites
se beneficiarem dos gastos públicos, é muito provável que haverá aprofundamento das
polarizações sociais. Nas palavras de Randy Cheek (2001):
Perturbações sociais levam a padrões de comportamento de risco e forças militares
móveis servem como vetores para a transmissão do vírus entre fronteiras e grupos
demográficos [...] a distribuição desigual do tratamento essencial contra o HIV
baseada em critérios sociais, étnicos ou políticos pode muito bem colocar pressões
enormes sobre estruturas sociais e políticas, ameaçando a estabilidade de regimes
por todo o sul da África. (CHEEK, 2001, p. 1, tradução nossa).
O impacto do HIV/AIDS nas Forças Armadas vai além do âmbito doméstico, uma vez
que essas mesmas forças contribuem regularmente para operações internacionais de
manutenção da paz voltadas para mitigar os efeitos ou evitar a ocorrência de conflitos
armados (ELBE, 2002; OSTERGARD, 2002; GÜNDÜZ, 2006). O vírus impõe problemas
logísticos e políticos à medida que se torna conhecido o fato de que os peacekeepers tem um
risco mais elevado de contrair e espalhar o vírus de acordo com os locais das missões. Citando
41 Elbe (2002 apud HOLBROOKE, 2000, p. 23, tradução nossa) “aqui entramos em uma das
verdades mais escabrosas [...] sobre a AIDS: ela é disseminada por peacekeepers da ONU”.
Desse modo, criam-se problemas em cadeia, uma vez países que solicitam tropas para a ONU
podem ficar receosos de receberem efetivos com altos índices de infecção pelo HIV, ao
mesmo tempo em que outras nações citam esse fato como base para recusar tais missões
(CEPALUNI & SHIMABUKURO, 2006).
Além disso, essa razão também pode contribuir para a impopularidade de futuras
missões de paz entre os países que fornecem pessoal para a tropa de peacekeepers da ONU.
Ademais, missões de paz tendem a se concentrar em regiões nas quais o número de
profissionais do sexo é alto, criando um link entre dois dos maiores grupos de risco da doença.
Assim, países podem ficar relutantes em contribuir para as missões se eles perceberam que
alguns dos soldados enviados poderão retornar soropositivos (ELBE, 2002, 2006; GÜDÜNZ,
2006).
Seguindo essa linha de raciocínio, é na transmissão da doença entre os participantes
das missões de paz que se revela o aspecto mais importante para a segurança internacional,
pelo menos no âmbito das Nações Unidas. Foi isso que motivou o CSNU a passar uma
Resolução que tratava a epidemia de HIV/AIDS em termos mais tradicionais se segurança,
ligando-a às missões de paz e aos cuidados com os peacekeepers.
O texto da Resolução “expressa preocupação com o impacto potencial que o
HIV/AIDS pode ter sobre a saúde de peacekeepers” e “reconhece os esforços dos Estadosmembros que têm desenvolvido estratégias apropriadas, a longo prazo,
relacionadas à
educação, prevenção, aconselhamento e triagem voluntários e tratamento do HIV/AIDS entre
tropas de peacekeeping”, além de “encorajar os Estados-membros a ampliar a cooperação
internacional para a execução de políticas de prevenção, aconselhamento e triagem
voluntários e de tratamento de pessoal a ser empregado em futuras missões” (RESOLUÇÃO
1308 DO CSNU, 2000, p.2-3).
Todavia, essa Resolução não representou o início do processo de securitização, com
defendem alguns autores, mas sim um continuum de um processo que já vinha se alinhando
nos círculos políticos, principalmente os norte-americanos, ao menos uma década antes. Esse
movimento de securitização iniciado nos EUA possibilitou a chegada do tema à mesa do
CSNU que, por sua vez, influi para que outros atores do sistema ONU tomassem medidas
mais incisivas no combate à epidemia. Esta questão será tratada com mais detalhes no
capítulo seguinte.
42 4. A SECURITIZAÇÃO DA EPIDEMIA DE HIV/AIDS
Uma das principais características da pandemia de HIV é sua “excepcionalidade”.
Nesse aspecto, não é tanto sua escala que tem sido excepcional, mas sim seu imenso impacto
sobre as práticas de saúde publica ao redor do mundo, sobre os direitos humanos e sobre a
segurança internacional (MATIC, 2006).
Ao longo da história, o ser humano defrontou-se com uma diversidade de doenças
infecciosas, que algumas vezes tomaram proporções de epidemia e pandemia, custando a vida
de milhares de pessoas nas mais diferentes partes do mundo, muitas vezes causando
profundas transformações econômicas, políticas e sociais. A descoberta de antibióticos, o
desenvolvimento de vacinas e seu uso em campanhas de alcance global, a criação da
Organização Mundial da Saúde (OMS) e o progresso quanto às questões sanitárias em geral
sinalizavam uma nova era, na qual seria cada vez mais raro morrer por uma doença
infectocontagiosa.
Para Matic (2006), ao fim da Segunda Guerra Mundial era impensável imaginar que os
maiores responsáveis pelas mortes globais ao fim do século seriam seres microscópicos e não
arsenais nucleares; todavia:
[...] até 2010, o número de mortes pelo HIV/AIDS foi maior do que o número total
de mortos na Primeira e Segunda Guerras Mundiais, na Guerra do Vietnã e da
Coreia, na Guerra Civil Americana, na Revolução Bolchevique, na Guerra Civil
Espanhola, na Primeira Guerra Comunista da China, na Rebelião Taiping, na Guerra
do Paraguai e na independência da Índia combinados (MATIC, 2006, p.2)
Seguindo essa linha de pensamento, Fidler (2004) considera a pandemia de HIV/AIDS
um exemplo preocupante de um problema de política externa de segurança criado por
“doenças infecciosas emergentes”, definidas pelo CDC como “doenças de origem infecciosa
cuja incidência em humanos cresceu nas últimas duas décadas ou ameaça crescer num futuro
próximo34”. Nos anos 90, doenças infecciosas emergentes tornaram-se um assunto de saúde
pública importante, como evidenciado pelo aviso da OMS de 1996, de que “o mundo
confrontava uma crise com a ressurgência de doenças infecciosas” (WORLD HEALTH
REPORT, 1996, p. 105-109).
34
Addressing Emerging Infectious Disease Threats: A Prevention Strategy for the United States, 1994.
Disponível em: http://wonder.cdc.gov/wonder/prevguid/m0031393/m0031393.asp#Table_B1.
43 Para McInnes (2008), há três razões que explicam o porquê de as doenças infecciosas
despertarem preocupação na comunidade de segurança internacional: (i) a disseminação
dessas doenças pode representar uma ameaça direta à saúde e ao bem-estar dos indivíduos que
deveriam ser protegidos pelo ente estatal e, pela primeira vez em pelo menos meio século,
isso inclui populações de Estados ricos e poderosos; (ii) uma pandemia pode causar
perturbações sociais e ameaçar a estabilidade de um Estado, diminuindo a confiança na
capacidade do Estado de prover um nível mínimo de proteção contra a doença e acentuando
diferenças sociais, especialmente quando o tratamento disponível tem custo elevado e, por
fim, (iii) uma epidemia em larga escala também pode contribuir para um declínio econômico
generalizado, retirando pessoas do mercado de trabalho, forçando o governo a direcionar
maior parcela dos recursos para a área da saúde, aumentando os custos do seguros de saúde e
reduzindo o investimento externo.
O próprio McInnes considera e pandemia de HIV/AIDS como um dos três pilares que
“contribuíram para a emergência da saúde na agenda de segurança, sendo os outros dois as
doenças infecciosas em geral e o bioterrorismo” (McINNES, 2008, p. 278). No centro dessa
tendência de considerar o HIV/AIDs como uma questão de segurança está o fortalecimento do
conceito de segurança humana, também observado nos anos 1990, como apresentado no
capítulo anterior. Sendo a AIDS uma doença que já ceifou mais vidas do que os maiores
conflitos armados do último século, sendo o HIV um vírus que não respeita fronteiras e sendo
o HIV/AIDS uma condição para a qual não se desenvolveu vacina ou cura, torna-se clara a
relação entre a pandemia e a segurança internacional. Contudo, o processo de securitização da
doença nas arenas políticas internacionais não encontrou apoio imediato e ainda hoje a real
efetivação desse processo é questionada pela literatura (PRINS, 2004; BARNETT & PRINS,
2006; GÜNDÜZ, 2006, RUSHTON, 2010; MCINNES & RUSHTON, 2012).
Como tais considerações fogem ao escopo do trabalho, o que esse capítulo pretende
demonstrar é que foi alcançado, de fato, algum grau de securitização em torno da epidemia de
HIV/AIDS e que, ainda que esse processo careça de aprofundamento, ele foi de extrema
importância para abrir os olhos do mundo à necessidade de se investir tempo, pesquisa e
recursos no combate à doença que “nos últimos vinte anos matou mais do que qualquer outra
doença na história da humanidade” (BARKS-RUGGLES, 2001, p. 1, tradução nossa).
44 4.1 A SECURITIZAÇÃO DO HIV/AIDS NOS ESTADOS UNIDOS
A política de segurança estadunidense após o fim da Guerra Fria sofreu modificaçoes
ao aumentar a relevância de temas não estatais e transnacionais na sua agenda, dos quais se
destaca o HIV/AIDS e outras doenças infecciosas. O processo da identificação deste
fenômeno e das suas correspondentes ameaças à segurança nacional dos Estados Unidos deve
ser entendido como parte do conceito de “ato de fala”, definido pela Escola de Copenhagen.
“Esta referência teórica, que destaca a importância do discurso como ação política, não deve
deixar de fora as condições que lhe propiciaram ter a anuência dos grupos sociais, ou seja, as
condições que tornaram possível o convencimento da audiência a que se referia” (PEREIRA,
2011, p. 72).
Prins (2004) afirma que o primeiro passo para a securitização formal do HIV/AIDS
dentro dos EUA foi dado pelo ex-embaixador norte-americano Richard Holbrooke. Durante
uma viagem a Zâmbia, em 1999, ainda durante a administração Clinton, o emissário deparouse com diversas crianças que moravam nas ruas de Lusaka (capital do país) e soube que elas
eram, em sua maioria, órfãos de pais que haviam morrido em decorrência da AIDS. Conta a
autora, que na viagem de volta aos EUA, Holbrooke ligou para o ex-secretário-Geral da ONU,
Kofi Annan, e disse “precisamos de uma reunião do Conselho de Segurança sobre o HIV. O
Secretário-Geral então lhe respondeu ‘não podemos fazer isso, a AIDS não é um problema de
segurança’” (PRINS, 2004, p. 941).
Apoiado, então, pelo ex-vice-presidente Al Gore que presidia o Conselho de
Segurança à época, Holbrooke trouxe o assunto à tona na reunião de 10 de janeiro de 2000 do
CSNU, uma reunião considerada histórica (ELBE, 2002; GÜNDÜZ, 2006), pois pela primeira
vez o órgão das Nações Unidas dedicado à segurança – em seu escopo mais amplo – tratou de
uma doença como uma potencial ameaça à paz e à estabilidade internacionais (GÜNDÜZ,
2006).
Nessa reunião, conforme ressaltado por Prins (2004), Al Gore apresentou uma
abordagem de três pontos acerca do problema:
(i) primeiro, o foco da agenda de segurança é proteger vidas; (ii) segundo, quando
uma única doença ameaça tudo, da capacidade econômica até a manutenção da paz,
estamos lidando, claramente, com uma ameaça de segurança da maior magnitude
(iii) terceiro, é uma crise de segurança porque ameaça não apenas os cidadãos
isoladamente, mas as próprias instituições que definem e defendem a sociedade
(PRINS, 2004, p. 941, tradução nossa).
45 Em seu discurso de abertura da reunião, o ex-vice-presidente americano ressaltou:
Devemos entender que o velho conceito de segurança global – com seu foco
exclusivo em exércitos, ideologias e geopolítica – precisa ser ampliado. Precisamos
mostrar que somos capazes não somente de conter agressões, prevenir a guerra e
mediar conflitos, mas que também podemos trabalhar em conjunto para antever e
responder a um novo século com seus novos imperativos globais (NOTAS DO
DISCURSO DE ABERTURA, REUNIÃO DO CONSELHO DE SEGURANÇA
DAS NAÇÕES UNIDAS DE 10 DE JANEIRO DE 2000, tradução nossa).
Assim, na reunião de 17 de julho do mesmo ano, o CSNU aprovou por unanimidade a
Resolução 1308 On the responsibility of the Security Council in the maintenance of
international peace and security: HIV/AIDS and international peacekeeping operations,
também considerada histórica, por ter sido a primeira Resolução do órgão a tratar de um
assunto “não tradicional” dentro do campo da segurança.
A Resolução 1308, todavia, foi um estágio daquilo que pode ser entendido como um
processo de securitização de diferentes níveis: “de fato, o HIV/AIDS só chegou à agenda do
CSNU como uma consequência de um movimento de securitização anterior feito no interior
da comunidade política, especialmente a norte-americana” (McINNES & RUSHTON, 2012,
p. 123).
Já em 1987, quando a AIDS estava longe de ser manchete em noticiários
internacionais, um relatório da CIA que examinou em detalhe as implicações da doença,
especialmente para a África subsaariana:
Um número estimado de 50.000 africanos já morreu em decorrência da AIDS. Dos 2
a 5 milhões atualmente infectados com o vírus, um mínimo entre 400.000 e 1,5
milhão pode desenvolver sintomas clínicos da AIDS até 1992 [...] como uma
revolução médica relacionada à prevenção, supressão ou cura ou uma mutação
benigna da doença são improváveis, as mortes anuais na África em decorrência da
AIDS depois de 1992 provavelmente continuarão a contar-se aos milhões (SUBSAHARAN AFRICA: IMPLICATIONS OF THE AIDS PANDEMIC, 1987, p. 3,
tradução nossa).
Além disso, cita-se um substancial relatório35 feito pelo Conselho de Inteligência
Nacional (NIC, na sigla em inglês), em 1990, que descrevia a AIDS como uma “bomba
35
The Global AIDS Disaster: Implication
tc.pbs.org/wgbh/pages/frontline/aids/docs/statedept.pdf
for
the
1990s.
Disponível
em:
http://www-
46 relógio”, com severas implicações econômicas, políticas e militares36. A parte inicial do
relatório já aponta números projetados alarmantes para a virada do milênio:
O vírus da Imunodeficiência Humana (HIV) [...] terá infectado mais de 45 milhões
de pessoas ao redor do mundo até o ano 2000. Casos mundiais de AIDS também
crescerão rapidamente durante os anos 1990, de cerca de 2 milhões agora para um
total acumulado de mais de 10 milhões nos próximos oito anos [...] por qualquer
parâmetro – mortes, número de pessoas infectadas, custo econômico – o impacto da
AIDS será muito maior na década de 90 do que na década de 80 (THE GLOBAL
AIDS DISASTER: IMPLICATION FOR THE 1990s, 1990, p. 3, tradução nossa)
A partir daí, a relação entre HIV/AIDS e a segurança tornou-se cada vez mais
proeminente dentro dos círculos políticos norte-americanos e, durante essa década, nota-se a
mobilização de alguns “atos de fala” e agentes securitizadores em torno da questão do HIV,
que acabariam culminando com a Resolução 1308 (McINNES & RUSHTON, 2012).
Em 1992, o Institute of Medicine37 lançou um relatório intitulado Emerging Infections:
Microbial Threats to Health in the United States, que reconhecia de antemão o problema que
a transmissão de HIV poderia representar para os interesses norte-americanos38:
Como a pandemia do vírus da imunodeficiência humana (HIV) certamente nos deve
ter ensinado, no contexto de doenças infecciosas, não há lugar no mundo que seja
remoto e não há ninguém com quem não estejamos conectados. Consequentemente,
algumas doenças infecciosas que agora afetam pessoas em outras partes do mundo
representam potenciais ameaças aos EUA, em razão da interdependência global,
meios de transporte modernos, comércio e mudança nos padrões sociais e culturais
(LEDERBERG et al., 1992, p. 5, tradução nossa)
Em 1996, o então presidente Bill Clinton lançou uma Diretiva Presidencial exigindo
um maior grau de coordenação dentro da resposta do governo americano às ameaças
representadas pelas doenças infecciosas. Como parte dos esforços, o NIC editou em 1999 um
report intitulado The Global Infectious Disease Threat and Its Implications for the United
36
O relatório, feito antes de o primeiro caso da doença ter completado 10 anos, aponta para a insuficiência de
dados precisos sobre número de infectados, já que a doença ainda não havia se tornado um problema de saúde
tão serio e avisa que melhorias na coleta de dados provavelmente revelaria uma crise de magnitude ainda maior
do que a apresentada no documento.
37
O Institute of Medicine pode ser considerado um agente securitizador de grande influência na área médica,
chegando a ser classificado pelo The New York Times como “o conselheiro mais estimado do país em assuntos
de saúde e medicina, cujos relatórios podem transformar o pensamento médico ao redor do mundo” (The New
York Times, 2011, Vaccine Cleared Again as Autism Culprit).
38
O relatório não aborda somente o HIV, mas uma variedade de doenças infecciosas que podem ser relacionadas
à questões de segurança – tais como poliomielite, varíola, tuberculose e gripe – principalmente quando se
consideram os interesses norte-americanos em diversas partes do globo
47 States que, embora tivesse um escopo mais amplo do que somente o HIV/AIDS, trazia a
epidemia como um dos temas centrais:
embora a ameaça imposta por doenças infecciosas nos EUA permaneça
relativamente modesta quando comparada à de doença não infecciosas [...] as
doenças infecciosas conhecidas que têm a probabilidade de ameaçar os EUA nas
próximas duas décadas serão o HIV/AIDS, a hepatite C, a tuberculose e novas
variantes mais letais do influenza (THE GLOBAL INFECTIOUS DISEASE
THREAT AND ITS IMPLICATIONS FOR THE UNITED STATES, 2000, p. 2,
tradução nossa, grifo nosso)
Além dos esforços governamentais, a mídia norte-americana também desempenhou
um papal importante no processo de securitização, ao auxiliar na disseminação da percepção
da ameaça frente à população. Um exemplo fulcral foi a reportagem do jornal norteamericano Washington Post, que tratou do assunto em sua edição de 30 de abril de 2000,
destacando:
Convencida de que a disseminação global da AIDS está atingindo dimensões
catastróficas, a administração Clinton designou formalmente a doença, pela primeira
vez, como uma ameaça à segurança nacional norte-americana, que pode derrubar
governos estrangeiros, desencadear conflitos étnicos e desfazer década de esforços
na construção de democracias de livre mercado no exterior (WASHINGTON POST,
2000, tradução nossa).
Além disso, a reportagem ainda cita uma declaração de Leon Fuerth, conselheiro de
segurança nacional do ex-vice-presidente Al Gore, que atenta para a necessidade de tratar o
tema como um assunto de segurança nacional:
O número de pessoas que estão morrendo, o impacto nas elites, como o exército, as
pessoas alfabetizadas, os professores, é bastante severo [...] No fim, foi como uma
destruição em câmera lenta de tudo que nós [...] vínhamos tentando construir e que
afetaria a viabilidade dessas sociedades, afetaria a estabilidade da região. No mundo
que vivemos, o destino do continente africano importa. E não é como se a doença
estivesse restrita à África subsaariana (WASHINGTON POST, 2000, tradução
nossa).
Desde então, para Gündüz (2006) os governos norte-americanos passaram a ver a
AIDS não só como um perigo à saúde das pessoas, mas como uma ameaça à segurança
nacional. Para Cepaluni & Shimabukuro (2006), o que explica esse cenário é a crescente
interdependência registrada no sistema internacional:
48 As ameaças provocadas por doenças infecciosas, como o HIV/AIDS só podem ser
entendidas dentro de um quadro de interdependência, pois na medida em que os
interesses nacionais norte-americanos coincidem com os de outros países, é
necessário cooperação para se atingir ganhos mútuos (CEPALUNI & E
SHIMABUKURO, 2006, p. 72).
Sendo assim, a interdependência potencializa um crescente número de doenças que
encontram um ambiente favorável para se desenvolver ou sofrer mutações genéticas. E
embora o número de mortes provocadas por patologias infecciosas em território americano
seja relativamente baixo quando comparado aos óbitos relacionados à doenças nãoinfecciosas (NATIONAL INTELLIGENCE COUNCIL, 2000), o que explica a relação dessas
doenças com a securitização do tema é que muitas dessas enfermidades, apesar de terem se
originado no exterior, acabaram sendo introduzidas nos EUA por viajantes internacionais,
imigrantes, animais e produtos importados e por militares norte-americanos que retornam de
missões além-mar, “configurando um cenário de interdependência que, embora necessário,
pode trazer problemas aos norte-americanos” (CEPALUNI & E SHIMABUKURO, 2006, p.
73).
Além de levantar questões sobre imigração e também preconceitos raciais39 e sexuais40
(CEPALUNI & SHIMABUKURO, 2006), a principal ameaça suscitada pelo HIV/AIDS nos
EUA, em termos de segurança, é o risco para as Forças Armadas em missões internacionais: a
maioria dos soldados é recrutada em idade de grande atividade sexual e durante as missões,
não sofrem controles societários ou comportamentais, além de estarem sob constante estresse
e longe de suas famílias e parceiros sexuais regulares. Além disso, os soldados trabalham
dentro de uma instituição que, por vezes, encoraja comportamentos de risco, levando a certas
atitudes que deixam de lado métodos de prevenção (SINGER, 2002; ELBE, 2006;
CEPALUNI & SHIMABUKURO, 2006).
Por fim, a preocupação com a segurança internacional relacionada à doenças
infecciosas – dentre as quais o HIV/AIDS é de maior destaque no cenário atual – advém do
fato de que o crescimento e a proliferação dessas doenças obstaculiza o crescimento
econômico e social dos países mais atingidos, o que pode resultar em declínio econômico,
39
Enquanto afrodescendentes representavam 14% da população americana, eles representavam 46% de todos os
infectados pelo HIV (2008) e 44% das novas infecções pelo vírus (2009). Latino-americanos – 16% do total da
população – representavam 17% dos infectados (2008) e 20% das novas infecções pelo vírus (2009), de acordo
com dados do CDC.
40
Nos EUA, homossexuais e bissexuais do sexo masculino representavam apenas 2% da população total, mas
contabilizavam 49% do número total de infectados (2008) e 61% de todas as novas infecções pelo HIV (2009),
de acordo com dados do CDC. 49 fragmentação social e desestabilização política, afetando, por conseguinte, interesses norteamericanos em outros continentes (NATIONAL INTELLIGENCE COUNCIL, 2000;
SINGER, 2002; DE WALL, 2003; CEPALUNI & SHIMABUKURO, 2006).
Aliada a esses fatores, a ciência do fato que “um americano adquire o vírus do HIV a
cada nove minutos e meio” (NATIONAL HIV/AIDS STRATEGY FOR THE UNITED
STATES, 2010, p. 7) impulsionou os esforços nas arenas políticas norte-americanas e, em
torno desse movimento de securitização, vieram programas e projetos, de alcance
internacional, dotados de orçamentos e objetivos vultosos (FIDLER, 2004).
Primeiramente, os EUA comprometeram-se a continuar apoiando o Global Fund to
FIght AIDS, Tuberculosis and Malaria, uma instituição multilateral de financiamento criada
em 2002 com o objetivo de “aumentar drasticamente a quantidade de recursos na luta contra
essas três pandemias, através de parcerias entre governos, sociedade civil, setor privado e as
comunidades que convivem com as doenças41”.
Unilateralmente, ainda em 2002, o então presidente Bush anunciou o aporte de 500
milhões de dólares ao Mother and CHild HIV Prevention Initiative, criado com o objetivo
“prevenir a transmissão do HIV/AIDS da mãe para o filho e melhorar o atendimento médico
na África e na região do Caribe”, na tentativa de atingir um milhão de mulheres anualmente e
reduzir a transmissão vertical42 em 40% dentro dos cinco primeiros anos do programa43.
No ano seguinte, foi desenvolvido o President's Emergency Plan for AIDS Relief
(PEPFAR), que disponibilizou 15 bilhões de dólares, entre 2003 e 2008, para a luta contra a
pandemia global. Em consonância com a noção de que a doença representava uma ameaça à
segurança internacional, a maioria dos fundos do programa foi destinada a um grupo de 15
países44 com altas taxas de infecção pelo HIV. A estratégia adotada pelo PEPFAR ficou
conhecida como 2-7-10: “garantir tratamento antirretroviral para 2 milhões de pessoas em
localidades de baixa renda; prevenir 7 milhões de novas infecções e garantir cuidado para 10
milhões de pessoas até 2010” e foi considerado o “maior comprometimento internacional de
uma nação para combater uma única doença45”.
41
Informações retiradas do site da instituição. Trabalhando com experts locais, o fundo é uma mostra de
comprometimento internacional em matéria de saúde e segurança, tendo garantido tratamento a 5,3 milhões de
soropositivos e 11 milhões de tuberculosos, além de ter distribuído mais de 340 milhões de redes contra o
mosquito transmissor da malária. Disponível em: http://www.theglobalfund.org/en/about/
42
Da mãe para o feto.
43
Informações retiradas do President Bush’s International Mother and Child HIV Prevention Initiative.
Disponível em: http://georgewbush-whitehouse.archives.gov/news/releases/2002/06/20020619-1.html
44
Botsuana, Costa do Marfim, Etiópia, Quênia, Namíbia, Moçambique, Ruanda, África do Sul, Tanzânia,
Uganda, Zâmbia, Nigéria, Guiana, Haiti e Vietnã.
45
Informações retiradas do The President's Emergency Plan for AIDS Relief (PEPFAR) Blueprint: Creating an
AIDS-free Generation Fact Sheet, 2012. Disponível em: http://www.state.gov/r/pa/prs/ps/2012/11/201195.htm.
50 Também em 2003, foi aprovado no Congresso americano o projeto de lei HR 129846,
intitulado United States Leadership Against HIV/AIDS, Tuberculosis and Malaria Act of
2003, cujo propósito era fortalecer a liderança e a efetividade da resposta estadunidense a
certas doenças infecciosas. No core do texto estava o reconhecimento das implicações da
epidemia para os diversos setores sociais em econômicos em nível internacional:
o HIV/AIDS solapa a segurança econômica de um país e negócios individuais nesse
país ao enfraquecer a produtividade e a longevidade da força de trabalho em
diferentes setores econômicos e ao reduzir o potencial de crescimento econômico no
longo prazo [...] o HIV/AIDS desestabiliza comunidades ao atingir os membros mais
letrados da sociedade, muitos dos quais são responsáveis pela segurança em nível
local e pela e pela governança em nível nacional e subnacional, à medida que
diversos professores, profissionais da área da saúde e outros trabalhadores
comunitários são afetados [...] o HIV/AIDS enfraquece as defesas de países
severamente afetados através de altos níveis de infecção entre membros das Forças
Armadas e voluntários de operações de paz (UNITED STATES LEADERSHIP
AGAINST HIV/AIDS, TUBERCULOSIS AND MALARIA ACT OF 2003, 2003,
p.2-3, tradução nossa).
O grande aporte47 e o apoio técnico prestado pelos EUA apontam para o
reconhecimento do governo americano a respeito da necessidade de lidar com a epidemia
como um tema da agenda de segurança para evitar, justamente, futuros problemas de
segurança (FIDLER, 2004).
4.2 A SECURITIZAÇÃO DENTRO DO CONSELHO DE SEGURANÇA
Cientes da potencial ameaça representada pelo HIV, os representantes norteamericanos foram os primeiros a capitanear os esforços para que o assunto fosse tratado
dentro dos fóruns das Nações Unidas, de modo a abrir os olhos de outros países para o
problema. Mcinnes & Rushton (2012) afirma que, à época em que se iniciaram as discussões
sobre uma possível sessão do CSNU sobre HIV/AIDS, o assunto já tinha sido securitizado
dentro dos EUA, com um grande número de figuras do alto escalão já tendo sido convencidas
do fato, conforme visto na seção anterior.
46
Texto integral da lei disponível em: http://www.gpo.gov/fdsys/pkg/BILLS-108hr1298enr/pdf/BILLS108hr1298enr.pdf. 47
Esse aporte também revela uma importante dimensão material do processo de securitização do tema, ponto
importante da teoria de securitização.
51 Contudo, apesar da posição norte-americana, há uma literatura (PRINS, 2004;
RUSHTON, 2010) que sugere que o mais difícil seria convencer os representantes dos outros
membros permanentes do Conselho, indispensável para que o movimento de securitização
avançasse.
Para Rushton (2010), China, Rússia e França foram os Estados48 que impuseram
obstáculos ao tratamento da questão no âmbito do CSNU. Ainda, Mcinnes e Rushton (2012)
citam pequenas divergências de opinião até mesmo por parte dos britânicos, que foram os
maiores aliados dos norte-americanos em conseguir aprovar uma Resolução. Nesse aspecto,
outro movimento de securitização pode ser identificado justamente na tentativa de
convencimento do embaixador Holbrooke (PRINS, 2004). Ressaltando a importância da
natureza do agente securitizador, Holbrooke e sua equipe conseguiram superar a oposição
daqueles que não achavam que a epidemia merecia uma sessão do CSNU. Graças “à
personalidade persuasiva [de Holbrooke], a disposição de experts no assunto em dar apoio ao
movimento de securitização [...] e ao status especial do HIV/AIDS como um assunto global”
(McINNES & RUSHTON, 2012, p. 125), as vozes de oposição foram persuadidas49 a aprovar,
de forma unânime, a Resolução 130850, que representou o tratamento de uma questão de saúde
pública num fórum acostumado a lidar com temas mais “tradicionais” de segurança.
Ainda, como foi mencionado no capítulo anterior, a Resolução aponta para o fato
paradoxal de que as missões de paz das Nações Unidas contribuem, muitas vezes, para a
disseminação do vírus HIV e que, por isso, o tema mereceria um apreço maior pelo CSNU.
Nesse sentido, Prins (2004) destaca que a Resolução aponta para dois fatos estruturais
que tornam mais forte a relação entre HIV/AIDS e segurança internacional e que vão além
desse paradoxo. O primeiro é uma característica dessa onda de HIV que se espalhou pelo
continente africano nos anos 90: a AIDS tem se disseminado pela guerra e, num contrassenso,
pelo fim da guerra:
os contatos sanguíneos, em consequência do uso de armas pontiagudas [...] no
genocídio de Ruanda e a maneira como a guerra na Guiné-Bissau serviu para
acelerar a transmissão da variante 2 do HIV ilustram o primeiro caso. O segundo é
48
Dentre aqueles com assento permanente no CSNU.
Importante notar que o uso dessa palavra, feito com muita propriedade por McInnes & Rushton (2012), revela
um relativo sucesso de um processo de securitização, nos termos dos estudiosos da Escola de Copenhague:
através de “atos de fala”, aqueles que se opuseram foram convencidos de que seria negativo opor-se
publicamente a uma catástrofe humanitária de tamanhas proporções (McINNES & RUSHTON, 2012, p. 125).
50
Em referência à Resolução, há poucos anos, vem desenvolvendo-se um debate acerca da real efetivação desse
particular processo de securitização; em outras palavras, alguns autores questionam se a aprovação da Resolução
1308 representa de fato uma securitização concreta e completa do HIV/AIDS. Esse, todavia, não é o foco do
presente trabalho. Mais aspectos dessa discussão podem ser encontrados em Prins,(2004) Gündüz (2006),
Rushton (2010) e, especialmente, em Barnett & Prins (2004) e McInnes & Rushton (2012). 49
52 verificado pelo fim da guerra entre Etiópia e Eritreia, que possibilitou a soldados das
linhas de batalha retornar para casa, o que ajudou a acelerar a transmissão da
variante [do vírus] predominante naquela região (PRINS, 2004, p. 942-943).
O segundo fato estrutural diz respeito a uma falha na construção do aparato estatal no
período pós-colonial na maior parte da África subsaariana, o que contribuiu para tornar a
região particularmente vulnerável a doenças infecciosas. O frágil aparato desses Estados
recém-independentes foi forjado através de golpes militares que subordinavam todas as
esferas governamentais a famílias de militares que se sucediam – e se sucedem – no poder.
“Isso, naturalmente, torna central a ligação entre AIDS e Forças Armadas; e enquadra-se em
uma parte da relação maior entre HIV/AIDS e segurança internacional” (PRINS, 2004, p.
943). Já fragilizados por turbulentos processos de descolonização, esses Estados governados
por “homens de armas” (nos termos usados por HOBSBAWM, 1995) não dispunham de
recursos para construir sistemas de saúde muito sofisticados e contavam com uma população
majoritariamente rural e analfabeta, com pouquíssimo conhecimento sobre modos de
transmissão e prevenção de doenças.
Analisar a Resolução em uma amplitude maior revela, portanto, que ela foi
fundamental para o processo de securitização, ao enquadrar-se como um ato de fala altamente
politizado e que mobilizou representantes que foram “persuadidos” a encarar a epidemia de
HIV/AIDS como uma ameaça à paz e à estabilidade internacionais.
Para agradar a todos os membros, a Resolução teve, de fato, que ser redigida de forma
a abarcar termos tradicionais51 do campo da segurança internacional52; todavia, ela também
amplia seu escopo ao reconhecer “que a transmissão do HIV/AIDS pode ter um impacto
devastador único sobre todos os setores e níveis da sociedade” (RESOLUÇÃO 1308 DO
CSNU, 2000, p.1). Outrossim, a Resolução abriu as portas para que o HIV/AIDS fosse tratado
em outro foro dentro da ONU, a Assembleia Geral, e ganhasse contornos mais humanitários.
4.3 A SECURITIZAÇÃO NA ASSEMBLEIA GERAL
Apesar de ser considerada por alguns como um simples “local de conversa” a AGNU
de fato trouxe significativas contribuições ao tema HIV/AIDS, dentre as quais merecem
destaque duas.
51
Reconhecido por Buzan et al. (1998) como uma condição facilitadora do processo de securitização.
Na Resolução, que tem pouco mais de 2 páginas, o termo peacekeeping (e suas variações) encontra-se
mencionado 7 vezes. 52
53 A primeira foi a adoção dos Objetivos do Milênio (OM), cujo sexto objetivo é
“combater o HIV/AIDS, a malária e outras doenças”, na primeira sessão plenária do novo
milênio, em setembro de 2000. Para Rushton (2010), apesar do elevado grau de ceticismo
com que muitos têm observado a viabilidade dos oito objetivos, o mérito dos OM reside no
fato de que eles ao menos focaram a atenção internacional aos desafios incluídos nos
objetivos e acentuaram os possíveis custos políticos que poderiam advir caso os governos
resolvessem deixar tais assuntos marginalizados. Quando se fala das ideias por trás dos OM53,
claramente a motivação primária foi o desenvolvimento internacional e não a segurança
internacional; todavia, eles têm impacto na agenda de segurança quando se admite que “o
desenvolvimento pode reduzir a probabilidade ocorrência de conflitos e ampliar a segurança
internacional” (RUSHTON, 2010, p. 499).
O segundo momento dedicado exclusivamente ao HIV/AIDS foi a realização, em
junho de 2001, de uma Sessão Especial da Assembleia Geral das Nações Unidas (UNGASS).
Tais sessões são relativamente raras e geralmente efetuadas entre os níveis políticos mais altos
– isto é, muitos dos representantes são chefes de Estado ou de governo ou Ministros da área
em questão – o que demonstra a importância que os membros da AGNU conferiram à
pandemia de AIDS. Durante três dias, 182 representantes – estadistas, Ministros da Saúde e
do Desenvolvimento – discursaram, ao lado do ex-secretário-geral Kofi Annan e de
representantes de 20 organizações internacionais, sociedade civil, organizações regionais e
agências de ONU (RUSHTON, 2010), culminando com a Declaração de Comprometimento
sobre HIV/AIDS, um longo documento que descreve a extensão da epidemia, seus efeitos e as
principais maneiras de combatê-la.
Para Vieira (2007), ainda que a Declaração não tenha caráter impositivo como as
decisões do CSNU, ela pode ser entendida como uma dimensão da securitização do
HIV/AIDS uma vez que estabelece normativas e justifica ações estatais, sendo uma afirmação
clara dos governos a respeito do que a doença representa e quais os caminhos a serem
tomados para revertê-la. Assim, apesar de Rushton (2010) considerar que o framework por
trás da Declaração tenha sido muito mais pautado por noções de direitos humanos e
desenvolvimento humano em geral do que pelo discurso da segurança, ela pode ser vista
como mais um passo da securitização do tema já que “[...] garante prioridades políticas
acordadas entre os Estados. Tais políticas são um elemento básico para aprimorar a
53
Em sua totalidade os Objetivos do Milênio para 2015 são: 1) redução da pobreza; 2) atingir o ensino básico
universal; 3) igualdade entre os sexos e a autonomia das mulheres; 4) reduzir a mortalidade infantil; 5) melhorar
a saúde materna; 6) combater o HIV/AIDS, a malária e outras doenças; 7) garantir a sustentabilidade ambiental;
8) estabelecer uma Parceria Mundial para o Desenvolvimento. (PNUD, 2013).
54 coordenação entre parceiros e mecanismos de financiamento em nível estatal” (VIEIRA,
2007, p. 156, tradução nossa).
Como tal, “a Declaração é uma ferramenta poderosa com a qual se pode guiar a
garantir ação, comprometimento, apoio e recursos para todos aqueles que lutam contra a
epidemia, tanto dentro quanto fora do governo” (UNAIDS, 2002, p. 4). Em seu preâmbulo, os
representantes já advertem para a urgência do tema:
Nós, chefes de Estado e de governo e representantes de Estados e de governos,
reunidos nas Naçoes Unidas, em questão de urgência, para tratar do problema do
HIV/AIDS em todos os seus aspectos e para garantir um comprometimento global
para combatê-lo de uma maneira abrangente, declaramos solenemente nosso
compromisso em tratar da crise de HIV/AIDS [...] (UNAIDS, 2002, p. 5, tradução
nossa).
As premissas básicas da Declaração54 envolvem 11 áreas que, de maneira direta ou
indireta, afetam ou são afetadas pela agenda de segurança internacional:
Liderança55: uma liderança forte em todos os níveis da sociedade é essencial para uma
resposta efetiva à epidemia, o que representa a busca por uma resposta urgente, coordenada e
sustentada à doença, através das experiências e lições adquiridas nos últimos 20 anos.
Não temos escolha a não ser contemplar medidas excepcionais para conter a
disseminação e a devastação causadas pelo HIV/AIDS. E tais medidas devem ser
abrangentes e totais em todos os níveis – nacional, regional e global (trecho do
discurso do ex-presidente da Nigéria, Sr. Olusegun Obasanjo – UNAIDS, 2002, p. 6,
tradução nossa).
Prevenção56: a prevenção deve ser o pilar central da resposta à epidemia. Prevenção,
cuidado, apoio e tratamento são elementos que se reforçam mutuamente e devem estar
integrados em uma resposta abrangente contra a doença.
Enfatizar a prevenção é uma estratégia de suma importância para o controle do
HIV/AIDS, particularmente para países em desenvolvimento, cujos recursos são
insuficientes. Somente através de um melhor trabalho de prevenção poderemos
livrar o grande contingente de pessoas das ameaças do HIV/AIDS, minimizar seu
impacto no desenvolvimento socioeconômico e proteger os interesses das
comunidades, famílias e indivíduos (trecho do discurso do ex-ministro da Saúde da
China, Sr. Zhang Wenkang – UNAIDS, 2002, p. 8, tradução nossa).
54
Texto integral disponível em: http://www.un.org/ga/aids/docs/aress262.pdf.
UNGASS Declaration of Commitment on HIV/AIDS, p. 5-7.
56
Ibid., p.7-8.
55
55 Cuidado, apoio e tratamento57: estratégias efetivas de prevenção, cuidado e tratamento
requerem mudanças comportamentais, ampliação do acesso a vacinas, camisinhas,
lubrificantes, seringas descartáveis, meios de diagnóstico e medicamentos – incluindo drogas
antirretrovirais, além da ampliação da pesquisa e desenvolvimento.
Pessoas vivendo com o HIV/AIDS em países pobres devem ter acesso a tratamento
e apoio eficazes. Aqueles infectados precisam de nossa ajuda para prolongar sua
expectativa de vida e para garantir-lhes uma vida com a dignidade e o respeito que
merecem [...] Governos, agências de desenvolvimento, o setor privado e
organizações civis precisam trabalhar juntos para superar os obstáculos à provisão
de cuidado e tratamento aos doentes (trecho do discurso do ex-primeiro-ministro da
Irlanda, Sr. Patrick Bertie Ahern – UNAIDS, 2002, p. 10, tradução nossa).
HIV/AIDS e direitos humanos58: o estigma, o silêncio, a discriminação, a negação e a
falta de confidencialidade minam a prevenção e o tratamento do HIV, e aumentam o impacto
da epidemia em indivíduos, famílias e países.
A aplicação das leis de direitos humanos a pacientes de AIDS é de vital importância.
Nós, como governos e organizações voluntárias, devemos trabalhar em conjunto
para implementar o principio mais básico nesse quesito, qual seja, o tratamento dos
pacientes de maneira humanizada, garantindo aconselhamento e assegurando
confidencialidade (trecho do discurso do chefe da delegação da Jordânia, Sua
Majestade o Príncipe Zeid Bin Raad – UNAIDS, 2002, p. 12, tradução nossa).
Reduzindo a vulnerabilidade59: os governos reconhecem que todas as pessoas – ricas,
pobres, jovens, velhas, homens, mulheres – são afetadas pelo HIV/AIDS, mas as populações
de países em desenvolvimento são afetadas ainda mais, sendo que as mulheres e as
populações mais jovens encontram-se no maior grau de vulnerabilidade à infecção.
A luta contra a AIDS sempre foi adiada e impedida pelo estigma relacionado à
doença e pelo fato de que a discussão sobre os grupos mais vulneráveis, sobre as
formas de transmissão e sobre os padrões de comportamentos que favorecem o vírus
envolvem questões que ainda são tabus para muitos. Mas não podemos deixar que a
sensibilidade da questão nos silencie, feche nossos olhos e tolha nossos braços
diante do insidioso avanço da epidemia (trecho do discurso do ex-presidente de
Portugal, Sr. Jorge Sampaio – UNAIDS, 2002, p. 14, tradução nossa).
57
Ibid., p. 8. Ibid., p. 9.
59
Ibid, p. 9-10.
58
56 Crianças órfãs e vulnerabilizadas pelo HIV/AIDS60: é necessário prestar assistência
especial às crianças afetadas, direta ou indiretamente, pela epidemia, através da nãodiscriminação, proteção dos direitos humanos e políticas de redução do estigma.
Gerações futuras dependem de nossas decisões. O sucesso de nossa luta contra o
HIV/AIDS depende sobremaneira de nossa vontade e liderança política, tanto em
nível nacional quanto internacional. Nós, os líderes aqui reunidos, temos os meios
para garantir um futuro promissor e seguro para nossas crianças (trecho do discurso
do ex-primeiro-ministro de Moçambique, Sr. Pascoal Mocumbi – UNAIDS, 2002, p.
16, tradução nossa).
Mitigar o impacto social e econômico61: avaliar os impactos da epidemia e desenvolver
estratégias para dirigir-se a eles, incluindo erradicação da pobreza e outras voltadas para
mulheres, idosos, famílias e comunidades, bem como políticas de desenvolvimento para
conter o impacto do vírus sobre o crescimento econômico, força de trabalho e recursos
públicos.
Eu digo a vocês, caros membros: meu povo está morrendo. Ele está morrendo antes
de seu tempo, deixando para trás crianças e órfãos, e uma nação em permanente
estado de luto (trecho do discurso do chefe de Estado da Suazilândia, Sua Alteza
Real, o Rei Mswati III – UNAIDS, 2002, p. 17, tradução nossa).
Pesquisa e desenvolvimento62: garantir o apoio ao desenvolvimento de uma
infraestrutura de pesquisa, capacidade laboratorial, sistemas de detecção, coleta e
disseminação de dados, treinamento de pesquisadores, cientistas sociais, técnicos e pessoal
médico, especialmente nos países mais afetados pela doença.
Qual juízo as futuras gerações farão do mundo de hoje, no qual impressionantes
potencialidades técnicas e científicas coexistem com grandes parcelas da população
vivendo na mais abjeta pobreza? (trecho do discurso do ex-primeiro-ministro de
Burkina Faso, Sr. Paramanga Ernest Yonli – UNAIDS, 2002, p. 18, tradução nossa).
HIV/AIDS em regiões afetadas por conflitos ou desastres63: implementar estratégias
que incorporem a consciência sobre a prevenção, cuidado e tratamento do HIV/AIDS aos
programas de assistência internacional, considerando que conflitos armados e desastres
naturais aceleram a disseminação do HIV.
60
Ibid, p. 10.
Ibid, p. 11. 62
Ibid., p. 11-12.
63
Ibid, p. 12.
61
57 Uma ameaça à segurança humana dessa magnitude, em qualquer outra esfera do
esforço humano, inspiraria uma vasta mobilização e recursos financeiros e
institucionais. Nada menos do que isso é exigido agora para pôr fim e reverter a
difusão do HIV/AIDS (trecho do discurso do ex-primeiro-ministro de Barbados, Sr.
Owen Arthur – UNAIDS, 2002, p. 19, tradução nossa).
Recursos64: as capacidades nacionais e regionais devem ser fortalecidas para que se
combata o HIV de maneira eficaz, isso demandará recursos humanos financeiros e técnicos
através de cooperação e planos de ação nacionais, regionais e internacionais.
No século XXI, nós sabemos mais. Nós sabemos que um vírus causa a AIDS. E nós
sabemos como prevenir sua disseminação. Tratamentos foram desenvolvidos. A
ciência nos forneceu esperanças de uma vacina e, em ultima instancia, de uma cura.
Tudo isso é sabido. Todavia, até o momento, nossa resposta global a esse crescente
flagelo tem sido lamentavelmente inadequada (trecho do discurso do ex-secretário
de Estado dos EUA, Sr. Colin Powell – UNAIDS, 2002, p. 20, tradução nossa).
Uma análise desses pontos centrais da Declaração e dos breves trechos de discursos
apresentados revela que a documento constituiu-se num importante instrumento de
mobilização e viabilização de atores e políticas internacionais em torno da questão do
HIV/AIDS e que a AGNU, apesar de não ter o “peso” que possui o CSNU, foi um foro
importante para o processo de securitização da epidemia de HIV.
4.4 O PAPEL DO UNAIDS
Para finalizar, é importante ressaltar também, como apontam alguns autores (PIOT,
2004; VIEIRA, 2007; ROLLANSON, 2012), outro agente securitizador pode ser identificado:
na tentativa de conter o avanço da doença e de seus efeitos devastadores e de modo a
melhorar a conjugação das políticas dos governos nacionais e mobilizar forças internacionais
em torno de políticas e objetivos comuns, o Conselho Econômico e Social (ECOSOC) lançou,
em 1996, o UNAIDS – Joint United Nations Programme on HIV and AIDS – cuja missão era
aprimorar, reforçar e a expandir a resposta dos governos locais ao HIV, com o intuito de
evitar que a epidemia de HIV/AIDS se tornasse uma verdadeira pandemia.
Vieira (2007) ressalta que a capacidade incomparável desse programa em adquirir e
divulgar uma ampla quantidade de informações e expertise técnica sobre a evolução da
64
Ibid, p. 13-14. 58 epidemia de HIV/AIDS é de fundamental importância “em termos de construção de
legitimidade” o que confere ao UNAIDS “uma grande parcela de ‘poder simbólico’ para
influenciar as políticas nacionais dos Estados” (VIEIRA, 2007, p. 157-158).
O UNAIDS65 funciona essencialmente como um corpo de coordenação, cuja estrutura
burocrática é composta de um Secretariado permanente, com sede em Genebra, onde divide
algumas instalações com a OMS. É guiado por uma Junta de Coordenação de Programas
(PCB), com representantes de 22 governos de todas as regiões geográficas, além das Agências
copatrocinadoras – Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), Banco
Mundial, Organização Internacional do Trabalho (OIT), Organização Mundial da Saúde
(OMS), Programa Alimentar Mundial (PMA), Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento (PNUD), Organização das Nações Unidas para a educação, a ciência e a
cultura (UNESCO), Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), Fundo das Nações
Unidas para a Infância (UNICEF) e o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime
(UNODC) e do Secretariado do UNAIDS e cinco representantes de organizações não
governamentais, incluindo associações de pessoas vivendo com HIV (UNAIDS, 2010).
No nível estatal, o UNAIDS opera através de Grupos Temáticos (GT), nos quais os
representantes das organizações parceiras podem compartilhar informações, planejar e
monitorar ações coordenadas e decidir sobre o financiamento de atividades relacionadas ao
combate à AIDS em apoio aos governos nacionais. O principal objetivo dos GT é fornecer
suporte ao país que o recebe na busca de uma resposta abrangente ao HIV/AIDS (VIEIRA,
2007). Até 2002, cerca de 100 Estados já haviam criado estratégias nacionais contra a doença
seguindo as recomendações de GT locais, o que demonstra a capacidade do UNAIDS em criar
normas e difundi-las através de sua altamente reconhecida autoridade pelos governos e pela
sociedade civil, o que coloca o programa como peça central na securitização da epidemia.
Rollanson (2012) aponta que o UNAIDS (sob o comando de seu primeiro diretor,
Peter Piot) foi de extrema importância para fazer com o HIV/AIDS fosse considerado pelo
CSNU. Nesse sentido, foi preciso abordar a epidemia global em termos de interesses mais
gerais, para além da dimensão sanitária. “Os links estabelecidos entre desenvolvimento,
pobreza e saúde foram úteis ao facilitar a securitização do vírus, que já havia transcendido o
65
Quanto ao financiamento, o maior doador do UNAIDS é o governo norte-americano, seguido dos Países
Baixos, Reino Unido, Suécia, Noruega e Dinamarca. Outras agências da ONU como o Banco Mundial também
garantem financiamento direto, assim como instituições privadas. O atual diretor executivo da UNAIDS, Michel
Sidbé, conta com a ajuda de personalidades de fama internacional – que são a princesa Mette-Merit da Noruega,
a cantora britânica Annie Lennox, a atriz australiana Naomi Watts, a artista indiana Aishwarya Rai, a princea
Stephanie de Mônaco, o ex-jogador de futebol sul-coreano Hong Myung-Bo, o ex-jogador de futebol alemão
Michael Ballack e o músico Toumani Diabaté, do Mali – que agem como Embaixadores e auxiliam a tornar
público o papel do órgão (UNAIDS, 2010).
59 domínio de ser meramente uma questão de saúde” (ROLLANSON, 2012 p. 7 apud van
Donks, 2008, p. 245).
O próprio Piot discursou no CSNU em 2005, abordando os benefícios de se tratar a
AIDS como um assunto de segurança:
Quando olhamos para a história da luta contra a AIDS, não há dúvida que de
a Resolução 1308 é um marco na resposta à epidemia. Por enfatizar o fato de que a
transmissão do HIV, se não for controlada, pode representar um risco à estabilidade
e segurança, o Conselho de Segurança [...] transformou o modo como o mundo vê a
AIDS. Eu digo ‘transformou’ porque muitos agora veem a AIDS como uma ameaça
a segurança e estabilidade nacionais, assim como uma ameaça ao desenvolvimento e
à saúde pública em si (UNITED NATIONS SECURITY COUNSIL REPORT,
2005, p. 5, tradução nossa).
Rushton (2010) destaca que o movimento de securitização intentado pelo UNAIDS foi
feito no sentido de construir uma percepção de emergência acerca da doença e dos riscos que
ela representa. Vieira (2007) concorda com essa noção e reafirma o papel do órgão em criar
regras internacionais que estimulam e modificam o comportamento dos agentes, em
consonância com a teoria de securitização e, essencialmente, com o arcabouço construtivista
nas relações internacionais:
O UNAIDS tem liderado a resposta global ao HIV/AIDS, definindo novos
conceitos e prioridade políticas que são adotadas pelos atores estatais e não-estatais.
Nesse sentido, [...] o comportamento do UNAIDS na pode ser visto simplesmente
como um compromisso entre seus membros mais poderosos; ao contrário, ele
produz um tipo de interpretação social e científica autônoma que tem se mostrado
forte o suficiente para impor-se como a visão dominante em relação à epidemia
(VIEIRA, 2007, p. 158).
A estratégia atual do UNAIDS – CHEGANDO A ZERO66 (zero novas infecções, zero
mortes relacionadas à AIDS, zero discriminação) representa a centralização dos esforços dos
diversos países no combate à pandemia em suas diversas faces, sob os auspícios do UNAIDS,
o que evidencia o caráter de norm leader do órgão e seu papel na securitização do tema. O
quadro a seguir mostra a abordagem multifacetada proposta pelo UNAIDS como resposta à
pandemia global de HIV/AIDS:
66
CHEGANDO A ZERO – Estratégia para 2011 a 2015. Texto integral
http://www.unaids.org.br/biblioteca/Plano%20Estrat%E9gico%20do%20UNAIDS%2020112015_PORTUGU%CAS.pdf (UNAIDS, 2010).
disponível
em:
60 Quadro 1 – CHEGANDO A ZERO
DIRETRIZ
VISÃO
Revolucionar
Zero novas
a prevenção
infecções
METAS PARA 2015
•
Reduzir pela metade a transmissão sexual do HIV,
inclusive entre jovens, homens que fazem sexo com
do HIV
homens e a transmissão no contexto do trabalho
sexual;
•
Eliminar a transmissão vertical do HIV, e reduzir pela
metade a mortalidade materna relacionada à AIDS;
•
Prevenir todas as novas infecções pelo HIV entre
pessoas que usam drogas.
Catalisar a
Zero mortes
próxima fase
relacionadas
de
à AIDS
•
Acesso universal à terapia antirretroviral por pessoas
vivendo com HIV com indicação de tratamento;
•
tratamento,
Reduzir pela metade as mortes por tuberculose entre
pessoas vivendo com HIV;
atenção e
•
apoio
Ter as pessoas vivendo com HIV e os domicílios
afetados pelo HIV contemplados por todas as
estratégias nacionais de proteção social e com acesso
a serviços essenciais de atenção e apoio.
Avançar com
Zero
Reduzir pela metade o número de países com leis e
os direitos
discriminação
práticas punitivas relativas à transmissão do HIV, ao
humanos e a
trabalho
igualdade de
homossexualidade;
gênero na
•
resposta ao
sexual,
ao
uso
de
drogas
ou
à
Reduzir pela metade o número de países que
restringem a entrada, a estada e a residência de
HIV
pessoas com HIV em seu território;
•
Ter as necessidades específicas de mulheres e meninas
relativas ao HIV contempladas em pelo menos a
metade de todas as respostas nacionais ao HIV
Fonte: elaborado pelo autor a partir de dados do UNAIDS.
61 Assim, em conexão com os objetivos do trabalho, esse capítulo pretendeu demonstras
as relações entre o HIV/AIDS e a segurança internacional a partir do framework
proporcionado pela teoria da securitização da Escola de Copenhague. O início da
securitização no cenário norte-americano fez o problema chegar aos fóruns e agências das
Nações Unidas, o que foi essencial para trazer visibilidade internacional ao tema e colocá-lo
como uma ameaça efetiva (para usar os termos do grupo de Copenhague) à segurança
internacional.
Apesar de fugir do escopo do presente trabalho, cabe citar brevemente o papel do
Brasil no tocante à epidemia de HIV/AIDS. Desde a Constituição de 1988, que declarava a
saúde como um direito de todos e uma responsabilidade do Estado, o Ministério da Saúde do
Brasil empenhou-se em garantir amplo acesso ao tratamento antirretroviral. Diante do
crescimento do número de casos, foi lançado um programa inédito e com uma amplitude
nunca antes vista, tanto em âmbito nacional quanto em âmbito internacional: o acesso gratuito
a um coquetel de medicamentos antirretrovirais a todos os cidadãos portadores do vírus,
garantido pela Lei no 9.313, de 13 de novembro de 1996. A maior faceta desse programa é a
distribuição de medicamentos totalmente subsidiados pelo Tesouro Nacional. Entretanto, vem
ganhando destaque também os incentivos à produção nacional de medicamentos, apresentada
como uma estratégia fundamental para a manutenção do programa de distribuição nacional.
Além disso, destaca-se no Brasil o papel da sociedade civil na mobilização em prol de um
tratamento mais digno àqueles afetados pela doença.
A importância dessa contribuição advinda do setor civil é ressaltada por diversos
autores. Terto afirma que:
A participação da sociedade civil foi fundamental para incluir a solidariedade, o
respeito pelos direitos humanos e a luta contra o preconceito e a discriminação como parte da
resposta contra a AIDS. Esses aspectos foram fundamentais para ampliar a noção de saúde
para além da busca pelo bem estar físico e de medidas técnicas focadas apenas no tratamento
do individuo. Nesse sentido, a demanda por tratamento gratuito e universal deve ser vista
como uma questão que tornou real o direito à vida e o respeito aos direitos humanos mais
básicos das pessoas vivendo com HIV/AIDS no Brasil. (Terto, 2003).
Nessa mesma linha, Piot et. al. diz que:
A epidemia de HIV está correlacionada com a exclusão social – populações
marginalizadas são as mais vulneráveis à infecção; e as pessoas que estão infectadas
com o vírus, qualquer que tenha sido o meio de contaminação, são tratadas com a
mesma abjeção por parte da sociedade. Quebrar o ciclo vicioso imposto pela
62 exclusão social é, portanto, crucial para tanto interromper a transmissão da doença
quanto maximizar o cuidado e o apoio àquelas que já vivem com HIV/AIDS. Esse é
talvez o ponto central do impacto advindo da decisão brasileira de 1996 de garantir
constitucionalmente o acesso à terapia com antirretrovirais. Não só essa decisão
quadruplicou o número de brasileiros com acesso aos medicamentos, como também
sinalizou que as pessoas infectadas pelo HIV também são cidadãos de valor, cujo
cuidado era uma questão de princípios e não de privilégio. (Piot, et. al., 2004,
tradução nossa).
Garantir melhor acesso à terapia antirretroviral em países de baixa renda não é apenas
imperativo do ponto de vista humanitário, mas também uma estratégia viável e
financeiramente justificável em termos de custo econômico x benefícios sociais. A iniciativa e
o pioneirismo brasileiro vieram a demonstrar isso na prática e acabaram por despertar uma
maior consciência global a respeito do tema.
O modelo brasileiro e outras iniciativas nesse sentido continuarão servindo como
exemplo – considerando-se, obviamente, as potencialidades e capacidades de cada país ou
região – a um mundo que assiste ao crescimento alarmante da pandemia de AIDS. Garantir o
acesso a medicamentos de ponta e a transferência de tecnologias impor-se-ão como desafios
não só para aqueles envolvidos com o HIV/AIDS, mas também para o setor da saúde pública
como um todo, gerando questões práticas e teóricas que estão longe de ter uma resposta
definitiva.
63 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho propôs-se a analisar as condições que tornaram possível a inclusão
da epidemia de HIV/AIDS – que já atingiu proporções de pandemia – no panorama da
segurança internacional.
Considerando o arcabouço histórico e teórico, exposto no segundo capítulo, dentro dos
estudos de relações internacionais, o campo da segurança internacional sempre esteve mais
ligado às ameaças militares, vistas tradicionalmente como as únicas capazes de desestabilizar
o sistema internacional. O fim da Guerra Fria evidenciou as limitações dessa abordagem
quase que unidimensional e, a partir de esforços tanto por parte de acadêmicos, quanto por
parte de governos e organizações internacionais – em particular, a ONU – foi-se moldando
um conceito de segurança mais amplo. Apesar de ainda ser fator de desequilíbrio, as
potencialidades militares agora dividem lugar na agenda com a segurança humana, ou seja,
aquela segurança centralizada na figura do indivíduo como referente. As ameaças
configuram-se, portanto, em número muito maior do que simplesmente quantidade armas ou
ogivas nucleares: insegurança alimentar, poluição ambiental, desastres naturais, imigração em
massa, fome, conflitos étnicos, pobreza, insegurança econômica, doenças.
Esse contexto coincidiu com a emergência da teoria de securitização proposta por
alguns estudiosos da Escola de Copenhague. O processo de securitização de um tema envolve
atos de fala que, ao convencer um público específico, situam um assunto em particular como
uma ameaça à sobrevivência, o que faz com que sejam tomadas medidas emergenciais e por
vezes vultosas em relação ao assunto securitizado.
Dentro dessa perspectiva, o terceiro capítulo demonstrou que o vírus HIV, causador da
doença conhecida como AIDS, é uma das maiores ameaças à segurança e à estabilidade
internacionais e é possível enxergar um vigoroso movimento de securitização em torno da
doença nas arenas internacionais. Ao debilitar e levar à morte grandes parcelas da população
de alguns Estados, o HIV/AIDS gera instabilidade política, econômica e social, criando
condições para o enfraquecimento de muitos Estados, especialmente no continente africano, o
mais assolado pela epidemia. Além disso, o vírus impõe especial ameaça às Forças Armadas,
não só dos Estados mais atingidos, mas também daquelas envolvidas em missões de
estabilização e paz.
Essa miríade de potenciais ameaças tornou a temática do HIV/AIDS, particularmente
sensível aos EUA que, desde o fim dos anos de 1980 – década do surgimento da doença –
vêm empreendendo esforços para tornar a questão um problema internacional. Se no círculo
64 político norte-americano a questão já encontrou avanços em seu processo de securitização,
como demonstrado no quarto capítulo, foi mais difícil levá-la à apreciação de organismos
internacionais. Todavia, a envergadura e a insidiosa evolução do número de casos globais e
das mortes associadas à doença abriram os olhos de líderes internacionais que, sob os
auspícios da ONU, deram início a um movimento de securitização de caráter internacional em
torno da doença, o que acabou culminando com a com a criação do UNAIDS – um importante
norm leader e articulador de políticas locais e globais para uma resposta mais abrangente
contra o vírus; com a aprovação unânime da Resolução 1308 no Conselho de Segurança – que
reconheceu formalmente os impactos para a segurança internacional que a síndrome impõe; e
com a assinatura da Declaração de Comprometimento pela Assembleia Geral, que representou
uma ampliação do movimento de securitização e constituiu-se num importante instrumento de
mobilização e viabilização de atores e políticas internacionais em torno da questão do
HIV/AIDS.
Cumpre destacar, como ressaltado por Elbe (2002) a importância do reconhecimento
das dimensões de segurança engendradas pelo HIV/AIDS para a luta contra a doença.
Primeiramente, a percepção de tais dimensões é um passo necessário para se alcançar uma
maior compreensão acerca da natureza e da extensão dessa pandemia contemporânea.
Também, faz-se necessário reconhecer essas dimensões emergentes para que os níveis de
comprometimento e resposta internacional sejam proporcionais ao tamanho do desafio
imposto pela doença. Esforços e recursos internacionais terão que ser intensificados com o
objetivo de fazer frente a essas dimensões de segurança, bem como à catástrofe humanitária
que a epidemia representa. E finalmente, as dimensões de segurança devem ser entendidas
como reflexo da epidemia porque o próprio setor de segurança, sendo um grupo de alto risco
de contaminação e transmissão do vírus, deve prover, com o auxilio da comunidade
internacional, uma contribuição responsável e adequada aos esforços internacionais de
combate ao vírus.
Com o presente trabalho, o autor espera ter enriquecido a literatura acerca do tema e
almeja ter contribuído, ainda que modestamente, para suprir a falta de literatura nacional, no
campo da segurança internacional, sobre a epidemia. Ainda, em sede de considerações finais,
o autor espera que os objetivos ambiciosos de erradicação da epidemia propostos por
governos e instituições ao longo das últimas duas décadas se concretizem em um futuro
próximo, no qual o vírus do HIV não represente fator de insegurança para ninguém.
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