Baixar Catálogo - Kafka e o Cinema

Transcrição

Baixar Catálogo - Kafka e o Cinema
Organização dos textos: Luiz Garcia e Lucas Murari
Ano de publicação: 2016
KAFKA E O CINEMA
Mostra Kafta e o Cinema
Luiz Garcia e Lucas Murari (orgs)
1ª Edição
Maio de 2016
ISBN: 978-85-69488-02-6
Todos os direitos reservados.
É proibida a reprodução deste livro
ou de parte de seu conteúdo sem
prévia autorização da organizadora.
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KAFKA E O CINEMA
ÍNDICE
Apresentação
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Introdução, por Lucas Murari e Luiz Garcia
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Kaftka: Metamorfoses da Leitura, por Maria
Cristina Franco Ferraz
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O Profeta e os Fantasmas, por Luís Alberto
Rocha Melo
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Filmar Kafka, por Cédric Anger
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Kafka na Tela: Transduções Cinematográficas,
por Hernán Ulm
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Franz Kafka e o Cinema: O Tesouro Revelado,
por Luiz Soares Júnior
43
Abecedário Kafkaniano Segundo Kundera, por
Milan Kundera
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Biografias
59
Filmes
60
Créditos
82
Parceiros
84
KAFKA E O CINEMA
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A
CAIXA Cultural tem a honra de apresentar ao público a
mostra Kafka e o Cinema. Os projetos que ocupam os espaços da CAIXA Cultural são escolhidos através de seleção
pública, uma opção da CAIXA para tornar mais democrática e acessível a participação de produtores e artistas de todo o
país, e mais transparente para a sociedade o investimento dos recursos da empresa em patrocínio.
A mostra Kafka e o Cinema coloca em evidência filmes relacionados à vida e à obra de um dos mais importantes escritores do
século XX, Franz Kafka. É uma oportunidade do público conhecer
e refletir a influência desse autor no campo do cinema. A mostra
apresentará filmes de diferentes épocas e países, entre ficções, documentários e animações, destacando a multiplicidade de abordagens que o texto kafkiano suscita.
A CAIXA é reconhecida como uma das empresas que mais investem
e apóiam a cultura no Brasil, com um investimento superior a R$
60 milhões de seu orçamento em patrocínio a projetos culturais.
O patrocínio a esse projeto é mais um meio de proporcionar a reflexão e o entretenimento aos visitantes de seus espaços culturais,
porque a vida pede mais que um banco.
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KAFKA E O CINEMA
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INTRODUÇÃO
Lucas Murari
Luiz Garcia
(...) agradeço-te sinceramente, meu caro max,
só que a falta de clareza dos fatos me é ainda
mais clara do que tua explicação. a única coisa
que posso dizer com convicção nisso tudo é que
teremos de fazer visitas mais demoradas e numerosas ao cinema, à sala das máquinas e às gueixas, para poder compreender esse assunto, não
só para nós, mas para o mundo.
Kafka, Carta a Max Brod, 22 de Agosto de 1908
F
ranz Kafka (1883 – 1924), escritor da língua alemã, nascido
em Praga, capital da República Checa, é um dos autores estrangeiros mais conhecidos no Brasil. Seus livros vêm sendo
publicados há décadas, despertando o interesse contínuo de
novos leitores e influenciando várias gerações. Sua importância é
tanta que o termo “kafkiano” é utilizado frequentemente como
conceito, adjetivo para o ininteligível, labiríntico, características
recorrentes em sua obra. Ele busca um texto claro e realista, mas
que oculta uma atmosfera opaca e enigmática. A interpretação direta recai naquilo que o crítico literário Harold Bloom denomina
como “armadilha de sua fuga idiossincrática da interpretabilidade”. Escreveu romances, contos, diários, cartas, aforismos, alguns
desses inacabados. São narrativas sobre um mundo em crise, que
muitas vezes figuram a opressão, o totalitarismo e a burocratização da vida. É um escritor essencial para compreender algumas
das mudanças na literatura, no meio artístico e no pensamento
das últimas décadas.
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KAFKA E O CINEMA
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A mostra Kafka e o Cinema nasceu da constatação de olhares cinematográficos heterogêneos sobre seu legado. Foram selecionados curtas, longas-metragens, documentários e animações, que
expõem a pluralidade de abordagens que foram dadas ao seu rico
universo. Modesto Carone, tradutor brasileiro de Kafka e um dos
especialistas em sua obra, no ensaio Alguns comentários pessoais sobre a tradução literária, publicado em seu livro Lição de Kafka (Companhia das Letras, 2009), argumenta sobre a dificuldade da tradução do idioma original do autor em questão. O célebre início de A
Metamorfose, no original, utiliza três negações representadas pelo
prefixo alemão "un": "unruhig" (in-tranquilo), "ungeheuer" (enorme,
gigantesco, monstruoso) e "Ungeziefer" (inseto daninho que ataca
pessoas, animais, plantas e provisões). Das três expressões, apenas
uma foi possível de traduzir literalmente, a de “unruhig”, aqui traduzido por “intranquilo”. Por mais penoso que seja essa adaptação
linguística, Carone vem realizando um trabalho formidável como
tradutor de Kafka. Também buscamos que os filmes selecionados
para essa mostra estejam além da fidedignidade dos textos publicados por ele. Foi valorizado o trânsito entre as diferentes expressões artísticas. A mostra buscou ressaltar como o escritor foi visto
por cineastas transnacionais no decorrer da história do cinema.
São adaptações, transposições ou obras que se inserem naquilo
que denominamos como sensibilidade kafkiana.
KAFKA: METAMORFOSES
DA LEITURA
Maria Cristina Franco Ferraz
J
udeu habitante de Praga, Franz Kafka projetou uma visada
oblíqua sobre o universo e a cultura alemães, criando mundos
bizarros e inquietantes. Seus relatos construíram espaços, seres e experiências tão precisas e realisticamente traçados quanto
mais aparentemente “irrealistas” e labirínticos, delineados com a
surpreendente nitidez e objetividade que em geral caracterizam os
pesadelos. Esse efeito de “irrealização” não deve, entretanto, nos
extraviar: não corresponde de modo algum a um descolamento
com relação a processos históricos efetivamente em curso à época. Opera, ao contrário, uma lúcida e irônica desmontagem de mecanismos de poder, de regimes de valores efetivamente presentes.
De início, cabe explicitar, de modo breve, a perspectiva de leitura
adotada. Com esse fim, retomo a seguir algumas observações de
Gilles Deleuze e Félix Guattari que confluem com a deste artigo.
No livro Kafka: Por uma literatura menor, os autores afastam o escritor da neutralização efetuada por interpretações que insistem
em considerá-lo afastado do “real”, lendo-o como um escritor intimista, simbolista, alegórico ou absurdo. Segundo Deleuze e Guattari, Kafka – tal como Nietzsche e Beckett, um “autor que ri” – é
um escritor sobretudo “político, adivinho do mundo futuro” (Deleuze e Guattari, 1975, p. 75). Eis o que os autores escrevem em um
pé de página esclarecedor:
“Cólera de Kafka quando era tratado como um escritor intimista: assim, desde o início das cartas a
Felícia, sua reação violenta contra os leitores ou os
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KAFKA E O CINEMA
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críticos que falam, antes de mais nada, em vida interior. (…) Não é por acaso que toda interpretação
de tendência neurótica insiste ao mesmo tempo em
um lado trágico e angustiado e em um lado apolítico. A alegria de Kafka, ou do que Kafka escreve, não
é menos importante que sua realidade e seu cunho
políticos. (…) Não dispomos de outro critério para o
gênio senão a política que o atravessa e a alegria que
ele comunica. Chamamos de interpretação vil, ou
neurótica, toda leitura que transforma a genialidade em angústia, em trágico, em ‘assunto ou questão
individual’. Por exemplo, Nietzsche, Kafka, Beckett,
tanto faz: os que não os leem com muitos risos involuntários e com frêmitos políticos, deformam tudo.”
(Deleuze e Guattari, 1975, p. 75-76)
A alegria referida pelos autores nessa citação pode ser aproximada
da concepção nietzschiana do trágico, remetida à força afirmativa que não se esquiva do aspecto problemático da vida; antes,
o acentua, intensifica e celebra, liberando o riso. Não se trata de
uma gargalhada tola, mas de algo como o que Nietzsche chamou
de “riso de ouro dos deuses”, impregnado de uma distância salutar
com relação à comédia da existência e atravessado por uma agudeza capaz de liberar o vivente de pressões esmagadoras.
Ainda segundo Deleuze e Guattari, Kafka se pretendia menos um
espelho – metáfora privilegiada tanto do mimético, do ficcional,
quanto do modelo de identidade prevalecente - do que um “relógio
que avança” (Deleuze e Guattari, 1975, p. 107). Em seus textos, o
escritor promove uma aceleração do pensamento e da percepção
que põe a nu mecanismos políticos ainda não claramente identificáveis para os que recobrem o que aí está com amortecedoras
camadas de senso comum. Em O processo, por exemplo, segundo
Deleuze e Guattari, a máquina literária kafkiana procede a uma
desmontagem efetiva e potente da máquina da lei, acoplada à da
representação. Os autores esclarecem:
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“Esse método da desmontagem ativa não passa pela crítica, que
ainda pertence à representação. Consiste, antes, em prolongar, em
acelerar todo um movimento que já atravessa o campo social: ele
incide em um virtual já real sem ser atual (as potências diabólicas
do futuro que, por ora, somente batem à porta).” (Deleuze e Guattari, 1975, pp. 88-89).
A partir de Henri Bergson - autor muito presente no pensamento
deleuzeano -, o real não se confunde com o visível, mas contém
uma grande parcela de virtualidade, aninha camadas de virtualidade1. É na aceleração ficcional da realidade, por vezes ainda em
estado de virtualidade, que reside a potência política e cômica da
obra de Kafka. Imprimindo um ritmo mais acelerado ao relógio,
suas obras dão a ver processos efetivamente em curso, em geral
ainda não evidentes sob o modo de estados de coisas historicamente configurados. Tais processos são constante e insidiosamente neutralizados, naturalizados pelos hábitos e pelo senso comum.
Assim é que certas “potências diabólicas do futuro” que na época
apenas batiam à porta (fascismo, americanismo, burocracia) precipitam-se nos textos alquímicos de Kafka, minuciosamente esquadrinhadas, surpreendidas antes mesmo de alcançarem nitidez
e até mesmo consistência histórica.
A ficção revolucionária de Kafka nada tem, portanto, de absurda.
Ela produz uma aceleração do real que termina por decodificar
e desmontar-lhe as ardilosas engrenagens. Só na medida em que
se confunde realidade com estados de coisa, na medida em que
não se pressentem suas camadas de virtualidade é que se tende a
inscrever a literatura de Kafka no confortável lugar do absurdo, no
zoológico do onírico, desativando sua função corrosiva como dispositivo de desmonte de relações de poder e valores efetivamente
operantes no mundo.
Prova dessa eficácia e inserção política residiria, como veremos,
em um dos textos mais conhecidos de Franz Kafka, não por acaso
1 A noção de virtualidade, definida como “real sem ser atual”, remete diretamente
à obra de Bergson (Bergson, 2006). No sentido filosófico, “virtual” não se opõe a
real, mas a “atual”, tal como, por exemplo, na palavra da língua inglesa actual.
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um dos mais lidos na chave do absurdo ou do pesadelo: A metamorfose. Cabe assinalar que não estou pleiteando aqui uma leitura mais “verdadeira” de Kafka ou que tais interpretações estejam
equivocadas. O que está em jogo não é a verdade, mas, ao que me
parece, algo mais grave: o interesse da literatura para nós, sua potência de falar sobre este mundo. A fim de destacar a contundência política que também atravessa A metamorfose, retomo, a seguir, uma de suas expressões mais significativas, a rigor intraduzível em português, em todas as suas nuances. Trata-se justamente
do inseto carapacento em que Gregor Samsa se vê (ou melhor, se
percebe) metamorfoseado logo no início da novela. Na competente tradução de Modesto Carone (Kafka, 2011), o que se lê é “inseto
monstruoso”; em alemão ungeheures Ungeziefer (Kafka, 1999).
Em uma conferência proferida em 1983 e publicada em uma coletânea de textos de Kafka, Modesto Carone ressalta a dificuldade
da tradução desses termos. Destaca, inicialmente, o adjetivo ungeheuer, que significa de fato “monstruoso” e que, na forma substantivada, das Ungeheuer, equivale a “monstro”. O tradutor acrescenta: “etimologicamente, ‘aquilo que não é familiar, aquilo que
está fora da família, infamiliaris”, que se opõe a geheuer, o que é
‘manso, amistoso, conhecido, familiar’” (Kafka, 2011, p. 223). Esse
sentido corrobora, portanto, de saída a situação tragicômica de
Gregor Samsa, bom filho, cumpridor de deveres, que trabalhava
para sustentar a família e resgatar dívidas dos pais. E que acorda
transmutado em um antifamiliar Ungeheur.
Tal sentido, no entanto, não esgota a expressão utilizada, pois vem
acoplado a outra palavra repleta de historicidade. Vejamos algumas implicações do termo alemão usado para o inseto em que
Gregor Samsa se transforma uma manhã em que despertara de
sonhos inquietos. Na mesma conferência, o tradutor lembra o
sentido original pagão de Ungeziefer: “animal inadequado ou que
não se presta ao sacrifício”. Esclarece, por fim, que esse conceito
alargou-se, passando “a designar animais nocivos, principalmente
insetos, em oposição a animais domésticos como cabras, carneiros
etc. (Geziefer)” (ibd., p. 223). A justaposição dos dois termos intensifica, assim, o aspecto não familiar e indomesticável que se torna,
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certo dia, destino do obediente e torturado Gregor Samsa, que fica
de início, comicamente, mais preocupado em perder o trem e a
hora de ir trabalhar do que com sua estranha nova condição. Logo
ele, que se sacrificava tanto pela família, se torna um inseto vil,
sujo, ser abjeto e insacrificável.
É inevitável articular, contemporaneamente, o sentido de “insacrificável” às teses de Giorgio Agamben a respeito da “vida nua”.
Agamben recupera um velho conceito jurídico romano, o de
“homo sacer”, remetido àquele que, sendo por demais vil para ser
sacrificado, ficava à mercê de qualquer homem, que poderia matá-lo sem ser punido. Agamben lembra igualmente a diferença grega
entre bios, vida politicamente qualificada, e zoé, vida nua, humanamente desqualificada. O autor vincula tal categoria a modos
de vida modernos e contemporâneos, tanto no caso dos campos
de concentração quanto no do prolongamento tecnologicamente equipado de “vidas vegetativas”, configurando o que chama de
“neomortos”, seres ligados a máquinas que habitam CTI’s. A vida
politicamente desqualificada, a vida nua, pautada mais no corpo
biológico (com ênfase no cérebro, em hormônios e genes) do que
no sujeito da ação coletivamente determinada, também está expressa no termo utilizado por Kafka (Ungeziefer), não deixando,
portanto, de ter sido apontada e antecipada em A metamorfose.
É entretanto ainda em outra direção que podemos atestar as camadas de virtualidade e a aceleração do relógio que se manifestam nessa novela de Kafka. Com efeito, a palavra Ungeziefer teve
uma trajetória ominosa no século XX2, tornando-se atualmente
um termo tabu, evitado por alemães politicamente conscientes
ou corretos. Com efeito, esse era um termo recorrente no que se
costuma chamar de “Retórica da violência”, acionada por Hitler e
pela propaganda nazista, para desqualificar em especial os judeus:
palavras como Parasit (parasita), Wanze (percevejo), Spulwurm
(lombriga) e Ungeziefer (inseto).
Trata-se, portanto, de um sentido mais do que pejorativo, aviltante, equivalendo a “praga”, menos que escória, e sugerindo uma
2 Devo tais indicações a meu professor Carlos Abbenseth.
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espécie de ser que deveria ser eliminada, erradicada. A associação
nazista entre o judeu e o inseto insacrificável cristalizou-se historicamente pelo menos de dois modos precisos: o gás utilizado nos
campos de concentração era o Ziklon B, um inseticida; a redução à
mais radical vida nua efetivava o processo de eliminação da humanidade daqueles confinados nos campos de concentração (como
atualmente, em novos campos3). Aliás, também nesse sentido outro texto de Kafka apresenta uma cena antecipatória: no final de A
colônia penal, o estrangeiro que foge da colônia tropical, pulando
em um barco, rechaça violentamente com uma corda dois habitantes da ilha (o sentenciado e o guarda) que queriam escapar com
ele dali4.
A contaminação entre praga, verme, inseto e vida nua não deixa,
evidentemente, de se manifestar na cultura e na história do Brasil.
Nossos Ungeziefer são, em geral, negros e índios, favelados, pobres
ou nordestinos. Em uma entrevista concedida ao finado Caderno
Prosa e Verso do jornal O Globo, publicado em 12/04/2014, Maria
Rita Kehl lembra que, embora evidentemente não haja confirmação oficial, durante a construção da BR-174 (Manaus-Boa Vista), no
período da ditadura militar, os índios relatavam que aviões passavam jogando “uma coisa que não queimava o mato, mas queimava
a gente por dentro”. Maria Rita Kehl acrescenta: “Obviamente não
há documentos oficiais sobre isso, mas, pelos relatos, podia ser
pesticida.” (Kehl, 2014, p. 3). Interpretar portanto o monstruoso
inseto kafkiano sobretudo na chave do onírico ou do absurdo é
desconhecer os ominosos crimes cotidianamente perpetrados, em
geral contando com nossa conivência ou indiferença. Indiferença,
aliás, claramente expressa no personagem do Pesquisador estrangeiro que visita a anacrônica colônia penal para relatar o que vê,
agindo apenas de um modo: fugindo (Ferraz, 2015, p. 70).
Em uma perspectiva mais diretamente ligada ao mundo em que
Kafka viveu, assinalemos que a palavra Ungeziefer era utilizada de
3 Agamben considerou o “estado de exceção” como regra da política.
4 Ver, a esse respeito, o capítulo 4 (“Na colônia penal: uma leitura dos trópicos”)
do livro Ruminações: cultura letrada e dispersão hiperconectada (Ferraz, 2015, p.
61-77).
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uma maneira específica na sociedade alemã, mesmo na Praga do
tempo de Kafka ou (suprema ironia) entre judeus alemanizados.
Vejamos, por exemplo, um trecho da Carta ao pai (Kafka, 2007)
em que o missivista relata de que modo o pai destratava e aviltava
seus amigos, judeus mais pobres, atores:
“Bastava que eu demonstrasse um pouco de interesse por uma pessoa – o que não acontecia com muita
freqüência, devido a meu modo de ser - para que,
sem qualquer consideração por meu sentimento
ou respeito por meu julgamento, você viesse com
insultos, calúnias e aviltamento. Pessoas infantis e
inocentes, como por exemplo o ator ídiche Löwy, tinham de pagar caro por isso. Sem conhecê-lo, você
o comparava, de uma maneira tão terrível que eu já
tinha esquecido, a um Ungeziefer (inseto), e assim
como tão frequentemente com relação a pessoas que
me eram caras, você tinha automaticamente à mão
provérbios sobre cães e pulgas.” (Kafka, 2007, p. 13,
tradução minha).
Por esse exemplo, pode-se constatar tanto a difícil tradutibilidade do termo empregado por Kafka em A metamorfose quanto
sua pregnância política e social. Nesse sentido, o autor realizou
na novela um verdadeiro golpe de mestre, metamorfoseando um
alemão bom filho, obediente e cioso de seus deveres no monstruoso inseto, fazendo com que incorporasse efetivamente um dos
termos mais usados para desqualificar o outro. Ao mesmo tempo,
revela de que modo a família, estrutura política de base, mostra
toda a sua crueldade ante as transformações radicais, perante as
possíveis viradas dos filhos. Mesmo a irmã, inicialmente próxima
a Gregor Samsa metamorfoseado em inseto, e a mãe, de início
conivente com sua alimentação, só ficam aliviadas e descortinam
um nova vida, banhada de sol, depois que o Ungeziefer está morto,
eliminado, em conseqüência da agressão (com uma maçã que se
incrusta na carapaça) direta do pai. Eis assim mais um pesadelo
que teima em se concretizar na história humana.
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Referências Bibliográficas
AGAMBEN, Giorgio. O poder soberano e a vida nua – Homo Sacer.
Lisboa: Editorial Presença, 1998.
BERGSON, Henri. Matéria e memória. São Paulo: Martins Fontes,
2006.
DELEUZE, Gilles e GUATTARI, Félix. Kafka (pour une littérature mineure). Paris: Minuit, 1975.
FERRAZ, Maria Cristina Franco. Ruminações: cultura letrada e dispersão hiperconecada. Rio de Janeiro: Ed. Garamond, 2015.
KAFKA, Franz. Brief an den Vater. 2007. Frankfurt: Fischer Taschenbuch Verlag, 2007.
______. Die Verwandlung. Frankfurt: Suhrkamp, 1999.
______. Essencial Franz Kafka. Seleção, introdução e tradução de
Modesto Carone. São Paulo: Penguin Classics Companhia das Letras, 2011.
KEHL, Maria Rita. Entrevista ao Caderno Prosa e Verso “Violações
de ontem e hoje”. Jornal O Globo, 12/04/2014.
O PROFETA E
OS FANTASMAS
Luís Alberto Rocha Melo
N
o futuro indeterminado em que se passa Quem é Beta?
(Nelson Pereira dos Santos, 1973), uma guerra devastou a
civilização e o mundo está dividido entre duas categorias
de seres humanos: os contaminados e os não-contaminados. Enquanto estes se protegem em abrigos e trincheiras, aqueles
vagam pela terra como zumbis, clamando por comida e água em
meio a uma paisagem tropical exuberante. Vestem-se com trapos
e panos coloridos, são magros e depauperados, andam a esmo,
em bandos, e se tornam presas fáceis das balas disparadas pelos
não-contaminados.
No Brasil em preto e branco de O profeta da fome (Maurice Capovilla), cravado no ano de 1969, o horror é a medida de todas as
relações. Num circo de arrabalde, um recurso extremo: a grande
atração é o homem que come gente. Só assim o público pagante
aumenta. A audiência exige o macabro espetáculo, mas um incêndio destrói o circo. Enquanto astronautas pousam na Lua, os lixões
proliferam, os homens se matam por um pedaço de pão ou um
naco de carne e um artista de circo descobre que só será possível
escapar da miséria ganhando dinheiro com a própria fome.
O profeta da fome estreou nas salas paulistanas em junho de 1970,
durante a Copa do Mundo, um dos períodos mais tétricos da ditadura militar. Segundo o próprio Capovilla, “passou serenamente
pela censura” e “não foi mal de bilheteria” (MATTOS, Carlos Alberto, 2006, p. 135). Quem é Beta? foi exibido na Quinzena dos Realizadores em Cannes e em seguida lançado em um único cinema
no Rio de Janeiro (o Cinema-1), em abril de 1973, sendo friamente
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recebido pela crítica e pelo público. Em um caso como no outro,
verifica-se o descompasso entre o engajamento político, a necessidade de comunicação com o grande público e a fabulação alegórica como escape à atmosfera opressiva em que o meio cultural
estava imerso.
Ao mesmo tempo em que volta seu olhar para o passado recente,
especificamente para o Cinema Novo e o fracasso de um projeto
nacional-popular abortado pelo golpe de 1964, O profeta da fome
incorpora os sinais de uma renovação latente no cinema brasileiro
pós-1968 – seja a partir da presença de José Mojica Marins (então
famosíssimo como o Zé do Caixão) interpretando o faquir Ali Khan,
seja absorvendo na equipe técnica alguns dos primeiros alunos do
curso de cinema da Escola de Comunicações e Artes da USP, como
Roman Stulbach, Plácido de Campos Jr. e Aloysio Raulino.
Não por acaso, o próprio Capovilla dirá que o filme, ao estrear em
1970, já chegaria “defasado em dois anos com relação às mudanças
de linguagem no cinema brasileiro”, embora compartilhasse com
outros filmes daquele momento o desencanto em relação à capacidade de mobilização popular. “Em seguida ao AI-5”, prossegue o
cineasta, “vivíamos um processo tão destrutivo e sem esperanças
que só me restava fazer um filme que jogasse tudo para o ar. Não
mais adiantava louvar o revolucionário. A alegoria era uma forma
de fugir ao confronto” (MATTOS, Carlos Alberto, 2006, pp. 135-136).
Quem é Beta? era outra resposta às “mudanças de linguagem no
cinema brasileiro” de que fala Capovilla. Atento ao trabalho de cineastas mais jovens como Rogério Sganzerla, Julio Bressane, Luiz
Rosemberg Filho, Geraldo Veloso, Neville D’Almeida e Andrea Tonacci, entre outros, mas também dialogando com os companheiros da geração anterior – Paulo César Saraceni, Walter Lima Jr. e
Joaquim Pedro de Andrade, por exemplo –­ , o realizador de Rio, 40
graus e Vidas secas sabia perfeitamente que o discurso cinemanovista havia entrado em curto-circuito e os instrumentos de análise
da situação política brasileira estavam sendo implodidos por uma
nova massa crítica, teórica e conceitual.
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Quem é Beta? aceita o desafio contemporâneo, apostando em um
curioso atravessamento da cultura pop pelos novos paradigmas filosóficos e históricos que então ecoavam da Europa para o mundo.
Nada melhor do que o gênero da ficção-científica para estabelecer
esse cruzamento – além, é claro, das mensagens cifradas para consumo local, recurso no entanto ironicamente negado pelo diretor
desde o prólogo do filme, quando a tela preta e a voz over do próprio Nelson advertem1:
Não procurem mensagem neste filme; se alguma
houver será sempre contribuição de sua parte. Não
acreditem no que os atores estão fazendo em cena.
Nunca foi de nossa intenção dar realismo ao comportamento dos personagens, porque tudo acontece
como numa história em quadrinhos: sem compromisso, absolutamente sem compromisso [...] Por isto
encontrem uma posição confortável na sua poltrona, desatem os músculos, deixem a cabeça livre e os
olhos também, como aliás deverão fazer em todo e
qualquer filme. (AVELLAR, José Carlos, 1973, p.2)
Em O profeta da fome a consciência do drama reflui em sentimento
de horror e dilaceração, apenas em parte atenuado pelos elementos cômicos, aqui e ali sublinhados no roteiro. No mergulho existencial de Capovilla, a seriedade tem um peso trágico. É um fardo
levado às costas, ainda que prestes a ser atirado no primeiro terreno baldio à sombra dos arranha-céus. Nelson Pereira dos Santos,
por sua vez, olha de lado e sorri para o bode em que o Brasil havia
se tornado. Inviável o projeto nacional-popular – aliás, retomado
em nova chave no excepcional O amuleto de Ogum (1974) –, Nelson
realiza com Quem é Beta? um filme ambíguo, irregular, balbuciante, absurdo, precário, sombrio. E no entanto, surpreendentemente
bem-humorado.
Tanto em O profeta da fome quanto em Quem é Beta? verifica-se
uma violenta tensão entre o espetáculo do corpo aprisionado e
1 A cópia restaurada em 2007 e exibida no Canal Brasil não contém esse prólogo,
constante da versão em 35mm lançada comercialmente na época.
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o desejo de mobilidade e prazer. Para manter o interesse de um
público cada vez mais escasso, Ali Khan aceita mastigar cacos de
vidro e pregos enferrujados, enfiar espadas em seu corpo, ser enterrado vivo e até mesmo ensaiar comer a carne tenra de uma
criança. Com exceção da antropofagia, que lhe provoca repulsa,
todos os outros desafios o faquir cumpre com a máxima competência. A dor não o intimida, as vaias não o incomodam. Ali Khan
é um despossuído de si próprio: alvo dos olhares de admiração ou
desprezo, seu corpo ao mesmo tempo frágil e resistente é oferecido em sacrifício, já que todo sacrifício é também um espetáculo.
Até aqui, a lógica do aprisionamento ainda é sutil: o circo, com
sua lona esfarrapada e seu picadeiro miserável, é a arena na qual o
artista a cada noite desfaz-se de sua própria identidade. Alienação
consentida, porque parte necessária do jogo. Mas é contra essa
espécie de prisão que Ali Khan lentamente se insurge.
Após o incêndio no circo, O profeta da fome retoma a clássica trajetória do migrante: ao lado de sua companheira Maria (Júlia Miranda) e do domador de feras (Maurício do Valle), Ali Khan encontra
um cego nordestino (Adauto Santos), mistura de oráculo e violeiro
cantador. O grupo segue por uma floresta envolta em neblina; a
canção-cordel cantada pelo cego que os acompanha narra toda a
travessia. Por um pedaço de pão, o faquir perde um olho, extraído
pela ponta da faca do cruel domador. Quando está prestes a ceder
o outro olho, Maria atinge com uma enorme pedra a cabeça do
domador, que morre.
Ali Kahn, agora cego de um olho, resolve montar com a ajuda de
Maria um espetáculo em uma cidadezinha do interior – curiosamente indefinida em termos regionais –, no qual ele é crucificado.
O povo da cidade começa a peregrinar até o monte em que o faquir
se exibe na cruz, e ele passa a incomodar a igreja e o coronel. Ali
Khan e Maria são presos. Sozinho em sua cela, tendo pão e água
como únicos alimentos oferecidos, Ali Khan passa os dias deitado,
jejuando. Aos poucos, em aparente delírio, toma consciência de
sua fome e percebe nela a única arma para superar a miséria. É então que se torna o “artista da fome”, sendo exibido nas ruas de São
Paulo em uma urna, chegando mesmo a ganhar o reconhecimento
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das autoridades. O paradoxo é duplamente irônico: para ganhar
dinheiro e se livrar da fome, Ali Khan precisa cultivar o jejum; para
libertar-se do imobilismo servil como empregado do circo, torna-se um corpo imóvel e aprisionado.
Aqui verifica-se a ideia de resistência como resultado do cruzamento entre a conscientização do “personagem popular” – subtraída
a revolta romântica – e a solidão torturada do herói de Um artista
da fome. Nesse conto de Franz Kafka, no qual o roteiro de Maurice
Capovilla e Fernando Peixoto foi parcialmente inspirado, o faquir
busca superar sua própria perfomance como uma secreta resposta
ao desprezo de que passa a ser alvo. Ir além significa ultrapassar o
próprio corpo, desligar-se de um passado de glórias minado pelos
novos tempos de consumo imediato e reificação. É esse cruzamento entre a tradição cinemanovista e o expressionismo kafkiano
que faz de Ali Khan, magistralmente interpretado por José Mojica
Marins, um personagem incomum no cinema brasileiro dos anos
1960-70.
A capacidade de resistir é portanto um dado que não deve ser menosprezado na construção narrativa de O profeta da fome, e que
também está presente em Quem é Beta?. No filme de Nelson Pereira dos Santos, o conflito que se estabelece entre os contaminados
e os não-contaminados aponta, por um lado, para o abismo entre as classes sociais; por outro, para a dominação dos miseráveis
pelos quem detêm a competência técnica e tecnológica. Os não-contaminados fazem parte desse último grupo. Possuem armas
e radiotransmissores, alimentando com eles a máquina do poder.
Mas também são vítimas desse sistema, já que se mantêm enclausurados em abrigos, em uma ilusória vantagem em relação aos
contaminados.
A forma arquitetônica desses abrigos – ou pelo menos do abrigo
em que se instalam os não-contaminados Maurício (Frédéric de
Pasquale), Regina (Regina Rozemburgo), Gama (Jean-Dominique
Ruhle) e Beta (Sylvie Fennec) – é moderna, circular, arejada e bem
iluminada, com grandes portas e janelas delimitando os territórios interior e exterior, não a partir da osbtrução de um ou de ouKAFKA E O CINEMA
21
tro lado, mas da quase total visibilidade que permite enxergar o
“dentro” e o “fora” sem obstáculos significativos. Os habitantes
desse abrigo são, por sua vez, monitorados por invisíveis estações
de controle, acessadas pelos radiotransmissores. Aparentemente,
os não-contaminados dominam o território, expulsando ou eliminando a tiros os contaminados. Mas na verdade são os não-contaminados que se encontram sitiados, peças de uma engrenagem de
vigilância e autovigilância ininterrupta, introjetada e tanto mais
eficaz quanto menos discernível.
Não é difícil reconhecer aí a sociedade panóptica formulada por
Michel Foucault em Vigiar e punir, que teria no projeto arquitetônico de Jeremy Bentham seu modelo inspirador:
[...] se é verdade que a vigilância repousa sobre indivíduos, seu funcionamento é o de uma rede de relações
de alto a baixo, mas também até um certo ponto de
baixo para cima e lateralmente; essa rede “sustenta”
o conjunto, e o perpassa de efeitos de poder que se
apoiam uns sobre os outros; fiscais perpetuamente
fiscalizados. (FOUCAULT, Michel. 2009, p.170)
As bases dessa vigilância são a visibilidade e o anonimato. Por isso,
ver sem ser visto é tão necessário para os que de fato estão no
controle do sistema. Os não-contaminados acreditam ocupar o lugar de mando, de quem vê sem ser visto, ou seja, daqueles que
vigiam e estão sempre prontos a eliminar o perigo e a reinstituir a
ordem – um perigo que de fato não os ameaça, e uma ordem que
também não lhes interessa, mas que cultivam como escravos sem
correntes. O preço dessa ilusão é o despertar compulsório e o ataque sem tréguas ao potencial subversivo das temporalidades subjetivas – incluindo aí a memória, os sonhos, os desejos. O ontem
ou o amanhã deixam assim de fazer sentido. A perda da memória
e a destruição das utopias são decorrências diretas de um presente
intensificado e sempre renovado, ou seja, constantemente defasado. Eis a perversidade da operação: a ideia de passado é substituída pela fórmula do eterno atraso; o futuro torna-se sincronia
impossível. Condenados ao presente e à visibilidade constantes,
22
KAFKA E O CINEMA
os não-contaminados são apenas intermediários entre as torres de
controle – verdadeiras instituições disciplinares ocultas pelas ondas de transmissão sonora – e as hordas de desnutridos que vagam
pelo mundo.
A ideia de uma sociedade panóptica é comum a Foucault e a Kafka,
bastando citar em relação ao segundo os romances O processo e
O castelo. Como salienta Margareth Rago a propósito de Vigiar e
punir e do conto Um relatório para uma Academia, em Foucault e
Kafka “o homem aparece como uma triste figura da Modernidade,
pois sua origem, que tem uma data e uma história, advém de um
encarceramento relativamente recente” e “resulta da supressão da
liberdade animal, do confinamento em jaula, da territorialização.”
(RAGO, Margareth, 2005, p.42).
O faquir Ali Kahn e os não-contaminados pertencem a essa espécie de “humanos enjaulados”, como demonstram as semelhanças
entre a circularidade do palco circense e a arquitetura panóptica
do esconderijo futurista – ambas sublinhadas, aliás, no uso expressionista da lente grande-angular pelos fotógrafos Jorge Bodanzky
e Dib Lutfi –, ou entre as estruturas devassadas da urna em que se
imobiliza o jejuador e do abrigo em que se escondem os não-contaminados. A urna transparente e o abrigo exposto à luz solar e aos
holofotes de segurança impõem a seus habitantes o regime das
noites brancas, a vigilância incontornável, a atualização incessante
do presente – seja no exercício de concentração que administra a
fome, seja na paranoia que disciplina os corpos em guerra. Nesse
processo, o apagamento do passado é etapa fundamental para a
sobrevivência diária e para a docilidade dos subordinados.
A representação da sociedade disciplinar contida em O profeta da
fome e em Quem é Beta? se mantém atual e ecoa na formulação de
Jonathan Crary a respeito do novo estágio da economia capitalista
contemporânea, que o autor denomina de “24/7”, e que pressupõe,
entre outras coisas, o trabalho e o consumo sem pausas em uma
sociedade altamente informatizada:
Um mundo 24/7 é desencantado, sem sombras nem
KAFKA E O CINEMA
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obscuridade ou temporalidades alternativas. É um
mundo idêntico a si mesmo, um mundo com o mais
superficial dos passados, e por isso sem espectros.
Mas a homogeneidade do presente é um efeito da
luminosidade fraudulenta que pretende se estender
a tudo e se antecipar a todo mistério ou ao desconhecido. Um mundo 24/7 produz uma equivalência
aparente entre o que está imediatamente disponível,
acessível ou inutilizável e o que realmente existe. O
espectral é, de alguma maneira, a intrusão ou irrupção no presente por algo que está fora do tempo e
pelos fantasmas do que não foi descartado pela modernidade, de vítimas que não serão esquecidas, da
emancipação não realizada. (CRARY, Jonathan, 2014,
p.29)
Como foi dito acima, o ato de resistir, evidente em O profeta da
fome, também está presente no filme de Nelson Pereira. As “temporalidades alternativas” e os “fantasmas” de que falam Jonathan
Crary surgem em Quem é Beta? de maneira cristalina. No primeiro caso, a irrupção do passado se torna possível quando Maurício
apresenta a Regina um aparelho que ele mesmo construiu, em seus
mínimos detalhes, e que consegue materializar “os pensamentos
da cuca”. Maurício projeta as imagens desse aparelho em uma tela
de fumaça. As imagens projetadas são as memórias afetivas dos
personagens. O potencial transformador desse aparelho está no
entanto limitado ao abrigo em que se encerram os não-contaminados e portanto tem um alcance ainda diminuto. Mas quando Beta,
a personagem-chave do filme, se introduz no cotidiano de Maurício e Regina, não só o aparelho passa a ser usado como registro
de um projeto futuro (Beta “grava”, nele, seu desejo de partir e de
viver novas aventuras), como as imagens projetadas ultrapassam
os limites do abrigo: quando ela parte, leva também as memórias
de Maurício e Regina em sua bolsa.
De certa forma, Beta é um fantasma, um espectro que desestabiliza a homogeneidade do presente, e o espectro é outra figura
desafiadora e recorrente em Kafka. Beta é um fantasma como
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KAFKA E O CINEMA
também o são os contaminados, mas sua capacidade de romper as
fronteiras eugênicas a singulariza em relação aos demais. Talvez
uma questão de classe? O fato é que quando Beta retorna ao abrigo, Maurício dispara em sua imagem, mas ela reaparece duplicada nela mesma e em outra mulher, grávida (Ana Maria Miranda),
lembrando o sol duplo de A máquina fantástica, de Adolfo Bioy Casares – romance com o qual, aliás, Quem é Beta? também guarda
forte identidade. Beta e a mulher grávida são imagens produzidas
e reproduzidas no interior/exterior dos desejos e das lembranças,
passado/futuro eclipsando o presente, bomba-relógio de efeito
desconhecido. Uma descontinuidade, um ruído na luminosidade
opressora, interstício por onde penetra aquilo que ainda virá.
Em Quem é Beta?, a capacidade inerente ao cinema de registrar a
vida e transformar esses registros em fantasmas do passado que assombram o presente não deixa de ser vista como um instrumento
de libertação. Outras possibilidades de resistência se apresentam
no filme, a exemplo da comunidade hippie com a qual Maurício e
Beta interagem. Os integrantes dessa comunidade procuram, subvertendo a temporalidade normativa, reconectar-se com a natureza e a espiritualidade, isto é, com um passado pré-industrial no
presente da devastação capitalista. Curiosamente, essa comunidade alternativa também utiliza o aparelho de projetar memórias
para se comunicar com um de seus membros (Arduíno Colasanti),
que se encontra exilado.
Mas não sejamos ingênuos: o aparelho que capta e reproduz imagens é similar ao fuzil. O olho que materializa os sonhos é o mesmo que mira impiedosamente nos contaminados. O simples gesto
de fechar um olho e manter o outro aberto não deixa de reproduzir
em escala mínima a tensão proposta por Capovilla e Nelson Pereira entre a vigília e a impossibilidade do sono, entre o autocontrole e a vigilância exterior, entre a subjetividade e a sujeição, entre
aquilo que se vê e aquilo que não se pode (ou não se deve) projetar.
Nesse sentido, o tapa-olho de Ali Khan é quase uma gag: em terra
de cego, quem tem um olho é rei.
A amargura de O profeta da fome e o humor quase cínico de Quem
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é Beta? talvez não tenham sido devidamente valorizados ou compreendidos em sua época. Mas como objetos fantasmáticos, viajaram no tempo e chegaram até nós luminosos, desconcertantes
e inspiradores.
FILMAR KAFKA
Cédric Anger1
Referências Bibliográficas
AVELLAR, José Carlos. “As memórias na fumaça”. Jornal do Brasil
(Caderno B). Rio de Janeiro: 13 jun 1973.
CRARY, Jonathan. 24/7: Capitalismo tardio e os fins do sono. São
Paulo: Cosac Naify, 2014.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes, 2009.
MATTOS, Carlos Alberto. Maurice Capovilla: A imagem crítica. São
Paulo: Imprensa Oficial, 2006.
RAGO, Margareth. “Rir das origens”. In: SILVEIRA, Rosa Maria Hessel [org.]. Cultura, poder e educação: um debate sobre estudos culturais em educação. Canoas: Ed. ULBRA, 2005.
A
obra literária de Franz Kafka não é as das mais adaptadas
para o cinema. Errado. Além dos formidáveis O Processo (Le Procès, 1962) de Orson Welles e Relações de Classe
(Klassenverhältnisse, 1984) de Jean-Marie Straub e Danièle Huillet, os cineastas da Europa Central de todas as épocas
não param de se debruçarem sobre o seu trabalho. Muitos outros
diretores, anglo-saxônicos e nórdicos, russos e sul-americanos
são também inspirados pelo genial autor tcheco e fazem seus o
mundo sufocante e absurdo pleno de questões sobre o indivíduo,
a justiça, a lei e a culpabilidade. Suas adaptações ficam para serem
descobertas. Enquanto aguardamos, vamos revisitar algumas ilustres adaptações de cineastas que têm introduzido em seus filmes
textos do nosso autor, ou mesmo filmado o próprio escritor ou
alguém muito próximo a ele.
Filmar Kafka
O Processo de Orson Welles.
De todas as adaptações cinematográficas das obras de Kafka, O
Processo de Orson Welles permanece a mais célebre e fiel ao espírito do livro que o originou. Que conta o romance? A história da
angústia que um ser alimenta, preza, provoca, permanecendo até
a autoculpabilidade mental. Esse desenvolvimento somente leva a
um processo fatal que o indivíduo provoca em si mesmo. Joseph K.
1 Este texto foi publicado originalmente em BAX, Dominique. Théâtres au cinéma
n. 8 – Milos Forman, Franz Kafka. Collection Magic Cinéma 1997. Todos os direitos
reservados. Republicado com permissão dos detentores dos direitos autorais.
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KAFKA E O CINEMA
KAFKA E O CINEMA
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é a pura inteligência dilacerada entre a culpabilidade que ela se faz
e a inocência que ela mesma procura provar. Alguém que se faz a
cada vez seu próprio juiz e advogado, duplo que se torna cada vez
mais arrepiante e monstruoso, pois, amando sua angústia como
ele faz, K. não pode mais e nem quer mais, provar sua inocência.
28
de Orsay a Zagrebe, o cenário denota sistematicamente um espaço
que não é preenchido, e não é por acaso que está sempre completamente vazio (só a sala do tribunal será um “lugar cheio”, mas
totalmente desiquilibrada). Onde nos espantamos com as cenas
finais entre Orson Welles e Perkins até o apagar da lanterna mágica. Permanece somente a grande tela vazia que chega a ser mais
preenchida. Essa noção de vazio atrai a personagem e o obriga a
se perder. O Processo é a encenação de uma perdição pelo vazio.
K. vai em direção ao seu próprio vazio, a busca, a alimentação e a
concretização para mergulhar de corpo e alma. Como sempre em
Welles, o vazio e o desvario são também sonoros. As personagens
nunca param de falar, são verdadeiros “moinhos de palavras”, provocando um tipo de desvario sonoro que leva K. em direção a sua
perda. Homem de rádio, Welles trabalha bastante a diferenciação
de voz, das sonoridades das cordas vocais e implantando um jogo
de interação entre as vozes que se sucedem e se sobrepõem, se
entrelaçam até perturbar e distorcer os pontos da percepção da
ação (não sabemos mais quem fala)2.
Como diz o advogado, “Os acusados são atraídos”. Em outras palavras, a personagem aqui é vítima do fenômeno da atração para
a culpabilidade e angústia. O filme de Welles será antes de tudo
a análise clínica da paranoia que segue tal situação. A paranoia é
projetar sua angústia sobre o mundo para provar finalmente que
é o mundo que está enfermo e não si mesmo. Assim, o primeiro
plano do filme mostra como o mundo é visto pelo olho do paciente. Este será o desafio do filme: como o paciente vai criar uma
objetividade para a sua doença e como vai procurar para provar
que realmente é o mundo, o universo que está realmente doente e
não ele. O Processo se desenrola nesse discurso mental doentio de
um ser que se sente culpado e fabrica em seu espírito acusações e
contra-acusações. O desenvolvimento mental de seu pensamento
o faz culpar-se sempre um pouco mais, até que seja totalmente
dominado, sugado, por essa culpabilidade que ele criou. O Processo
mergulha em um espaço mental que se alimenta de sua própria
angústia e prova de uma necessidade vital de alimentar-se desse
medo. Inevitavelmente, esse espaço cerebral não pode ser preenchido permanentemente, pelo movimento até a angústia, é preciso esvaziar toda possibilidade de estabilidade de reintroduzir permanentemente a inquietude pelo vazio e pelo desvario. A direção
de Welles nunca trabalha com o espaço pleno, não há sensação
de plenitude, ao contrário, permanentemente o espaço está vazio.
O estilo de Welles, na sua própria maneira de interpretar, Cidadão
Kane (Citizen Kane, 1941) até A Marca da Maldade (Touch of Evil,
1958), geralmente “embaralha o espaço”. Ao escolher o magro e
elegante Anthony Perkins para interpretar Joseph K. e a maneira que ele ocupa o plano/quadro dá repentinamente a impressão
de um espaço que está constantemente vazio, de uma superfície
que nunca chega a ser preenchida. Tal é a sensação trabalhada no
filme: A impossibilidade de ter um espaço ocupado. O Processo é
para Orson Welles o filme da perda do espaço. Do hall da estação
2 Invenção sonora que será repetida e retrabalhada mais tarde por Godard, cineasta moderno que costuma quebrar os marcadores comuns dos espaços visuais
e sonoros.
KAFKA E O CINEMA
KAFKA E O CINEMA
Welles encontra também um equivalente cinematográfico ao deslocamento espacial Kafkiano utilizando metodicamente a focal
curta que alonga as perspectivas e dá a impressão que o fundo do
plano é muito mais distante do que é realmente. Em O Processo
quando uma personagem vem do fundo, nos dá a sensação dela
vir muito mais rápido que o normal uma vez que ela absorve toda
distância ótica que a focal curta revela. Assim, temos a impressão
da velocidade acelerada a cada deslocamento das protagonistas,
a sensação de distorção permanente do espaço. Como todos os
grandes cineastas, o procedimento técnico é para acentuar e reforçar o tema do filme (a sensação psicológica): traçando a impossibilidade de estar de qualquer maneira que seja estável. O espaço
está permanentemente entrecortado.
O cineasta, desse modo, traduz espacialmente as consequências
da doença mental e das angústias (agorafobia e claustrofobia) de
29
K. Onde quer que vá, Joseph se sente aprisionado e procura escapar deste aprisionamento através de um movimento incessante.
Daí a extrema mobilidade do filme e a descontinuidade resultante
da narrativa. O filme funciona como uma viagem, e cada sequência é tratada como uma etapa dessa viagem. Não esqueçamos que
o puzzle, presente desde Cidadão Kane, é o recurso principal da
construção dos filmes de Welles que não trabalha a história continuamente, mas, rompe-a constantemente. Welles é o cineasta da
continuidade quebrada, da ruptura dentro da continuidade.
Influenciado principalmente pelo expressionismo, o seu sistema
também é baseado no tratamento particular de luz e sombra. Para
o autor de Mr. Arkadin (1955), a sombra é a zona onde reside o espaço do poder. Toda pessoa que deseja o poder, coloca-se na sombra
e lá permanece. Assim, o cineasta liga a noção de poder com aquele mau. O poder, a sombra em Welles, antes de tudo é o dinheiro
(como em Balzac) sempre obscuro e escondido. Lembremos em
Cidadão Kane a cena chave das memórias do banqueiro Thatcher
que nos mergulha em um tipo de fortificação com entrada subterrânea onde o que se esconde são lembranças financeiras, como
chega o dinheiro, se faz e o fabrica. Essa ideia do dinheiro ligado
ao poder é o coração de toda a obra de Welles, baseada na noção
de corrupção e de deterioração do poder. O Processo não foge a
esta fascinação de decrepitude na cena muito bonita com Suzanne
Flon, que interpreta a mulher que carrega a mala. Aqui é retomada
a atração de Welles por tudo o que é degradação corporal sempre
associado, por ele, a perda do poder (A Marca da Maldade) onde
o constante trabalho do autor-ator sobre a deformidade física, a
desgraça física se opõe a tudo o que é sedutor.
Mas, retornemos a essa vontade de poder que anima a todos os
personagens de Welles e trair fazendo sua impotência profunda.
Pois, a encenação do poder implica outro tanto da impotência. O
imaginário do nosso autor, se baseia na lógica dialética da oposição permanente entre poder e impotência como entre o negro e
o branco. O poder projeta a impotência assim como o negro projeta o branco. De onde o combate no final do filme entre Welles e
Perkins, aqui será mais da sombra em relação à Fautre. Aqui tere30
KAFKA E O CINEMA
mos menos luz, tão exposto e vulnerável. Pois a luz revela as pessoas, as fazem sair da sombra, as colocam em posição de se expor
e daí perdem o poder. No início do filme, K. está totalmente na
sombra, ele tem o poder de imaginar que se coloca em atividade
e deslancha o fenômeno da culpabilização. À medida que o filme
avança, Perkins vai saindo da sombra, se expondo cada vez mais,
pois dominado pelas forças das sombras e seu poder. Welles apresenta a paranoia de K. até no seu sistema expressionista. Se toda
angústia projetar outra nova, todo poder, toda sombra projeta luz
e outro poder que vem destruí-los. Assim, o fim do filme será do
modo contrário ao início, fazendo K. passar da sombra para a luz.
Tudo é invertido, mesmo o comportamento da personagem é mudado, o pijama negro, agora dá lugar a uma camisa branca...
Quando o filme começa, Joseph K. tem o poder, ele esconde sua
angústia e sua culpabilidade. Ele desencadeia a narrativa. Assim K.
prepara o primeiro policial, os três colegas de escritório... No fim,
ele vai esconder um sistema, mesmo que mental, que vai estar
preso no poder desta paranoia e totalmente dominado, absorvido
por ela. Pode-se dizer que a primeira parte, subjetiva, do Processo nos mostra K. amando sua angústia, tendo prazer em ter uma
profunda emoção sobre seu próprio caso e que a segunda parte é
a objetivação desse medo. De um só golpe, esse mundo secretamente existe e ele não passa de uma engrenagem desse sistema.
Nesse momento a música cessa, aliás, deixa de ser uma melodia
xaroposa para tornar-se completamente dramática. Esta encenação da paranoia será, também, reforçada por todo um trabalho
de oposição entre os diferentes olhares das personagens do filme.
Entre os olhares quase icônicos, fixos daqueles que o julgam, e o
de Perkins, agudo, inquieto e retrocedente, rápido em relação aos
olhos fixos das garotas. Tudo se passa como se fosse espionado
permanentemente e não pudesse escapar desses olhares que lhe
fitam.
O Processo se desenrola como um diálogo interior, que mostra um
ser que faz e responde questões, juiz e advogado. O filme é somente a encenação de uma projeção abstrata que uma personagem
faz sobre o mundo, e nos faz entrar no sistema onde o principio da
KAFKA E O CINEMA
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lógica é se autodestruir. No centro do sistema, do modo de pensar,
de uma inteligência doente que adora sua angústia e tem necessidade dessa angústia destrutiva para existir. É aqui que o filme restitui de maneira única, o imaginário de Kafka, nesta encenação de
um processo mental que esconde o medo, o apreço, e o alimenta
permanentemente até que ela o leve à ruína.
Relações de Classe de Jean-Marie Straub e Danièle Huillet
Com os Straub e a adaptação de Amérique, rebatizado Relações de
Classe, um novo horizonte se desenha quanto à maneira de compreender a obra de Kafka. Para ver o filme (filme singular dentro
de sua obra, sem ser um produto, no entanto, fundamentalmente estranha a ela) diremos que não é aqui uma questão de uma
boa ou ruim adaptação ou de uma boa ou ruim leitura de Kafka,
mas de uma intimidade maior entre os dois autores, um acordo
mais profundo, tanto de tema como de escrita. E as adaptações
são tão belas quanto ao do escritor original, essa proximidade essencial pode-se dar o nome de ressonância estética. Ela existe em
Bresson e Bernanos ou Mizoguchi e Dostoievski, aqui ela se impõe
com evidência entre Straub e Kafka. É de tal modo evidente, que
pensamos que os cineastas mais próximos a Kafka (apesar da boa
vontade dos autores) são quase, apesar deles mesmos, por atavismo. Portanto, O Processo de Orson Welles (também poderoso)
não constitui o melhor filme e nem a melhor adaptação de Kafka.
Se não for para ser ressonância estética, na obra dele, isso é em
Shakespeare, do qual fez seus melhores filmes, salvo Mr. Arkadin
e A Marca da Maldade. Welles tem certeza de um demiurgo amarrado à mesma ideia do labirinto, a mesma noção de absurdo que
Kafka, mas permanece, contudo, como um ogro que abraça toda
a desordem do mundo. Ele é o castelo, por si só, um castelo ainda
muito habitado para ser unicamente Kafkiano, mesmo em relação
à arquitetura. O imaginário de Kafka e de Welles encontrou as leis
geométricas similares para exprimir estados ainda distintos (o totalmente cheio reúne-se ao vazio, e Deus a Marx). Os Straub, ao
contrário desse mágico, tomam Kafka pela outra extremidade. Eles
não mistificam, ao contrário, desmistificam, e encontram Kafka
onde ele está, na matéria. Eles têm uma expressão que é adaptada
32
KAFKA E O CINEMA
de Kafka ao seu trabalho: “É preciso mostrar as coisas como estranhas”. Fazer as coisas à sua estranheza, ir em direção à atribuição
e a dissonância em vez do acordo perfeito onde persiste a nos dizer
que é harmonioso e natural, ao mesmo tempo em que caracteriza
o materialismo dos Straub e de Kafka. Estranho, definitivamente, é o mundo que Karl Rossmann, jovem alemão de boa família,
encontra chegando a América. E não são somente os seus olhos,
ainda mais estranhamente, os habitantes dessa América industrial
do começo do século se ofuscando da selvageria das relações de
poder. E é somente pelo olhar de Rossmann e também, por aquele
que o Outro leva sobre ele, que se revela, em sua verdadeira luz,
a monstruosidade desse mundo. Rossmann é um corpo exposto
e tomado como refém, submisso a todos os desejos e abusos aos
corpos estranhos que vêm cristalizar todas as paixões humanas.
Tomado, alternadamente, no funcionamento de um hotel e sob
o jugo de uma mulher auxiliada por dois bandidos, sua consciência triunfante de intelectual acaba mal, até o inconsciente (como
na bela cena onde Rossmann mora, preso na varanda) pouco a
pouco dá lugar a uma serena lucidez do desastre. Poderíamos nos
estender sobre o título do filme. Por que os Straub substituíram o
título do romance para Relações de Classe? Ainda que as confrontações de classes não sejam estranhas ao mundo de Kafka – cada
um afirma exclusivamente sua posição sobre o problema social,
e todo ato é, antes de tudo, uma maneira de reivindicação – esta
focalização dos Straub rever diretamente a ideia que eles fazem de
cinema: no cinema não se trapaceia. O julgamento não pode ser
colocado em suspenso porque um plano é imediatamente político,
imediatamente um assunto distante. E essa distância ao qual colocamos o sujeito é inexoravelmente um ângulo de ataque pessoal
em relação à obra de Kafka. Discursar, para os Straub, da condição
humana não é suficiente, há montagem mais perversa entre o homem e aquele que o produz (que já escapou) a justiça em O Processo ou o capitalismo aqui, mais abstrato, mas as consequências
bem concretas: As relações de classes. E os Straub as fazem existir.
Une villa aux environs de New York de Benoît Jacquot
Cineasta da angústia visceral e íntima, Benoît Jacquot se confronta
KAFKA E O CINEMA
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à América. Seu episódio da série “Télévision de chambre”, Une villa
aux environs de New York (1983), filmado em 1982, é a adaptação fiel
do terceiro capítulo do romance de Kafka. Com base na exploração
de um local, a “vila” do título, o filme desenrola toda a narrativa
labiríntica onde Karl Rossman (Nicolas Baby) se perde nos longos
corredores do lugar, corredores escuros, pouco claros, em inúmeros quartos e salas contíguas...
Precisa, a direção de Jacquot estuda minuciosamente, como um
microscópio, os sinais e pistas da angústia que gradativamente
cresce resultante de divagações e desregramentos do jovem em
um lugar misterioso e pouco a pouco maléfico (o tratamento
espacial e labiríntico da vila já evoca o estabelecimento no qual
evoluirá alguns anos mais tarde em La Fille Seule (1995). A direção
despojada, apurada ao máximo, e sua exploração inquieta e angustiante desse lugar que parece sem limites, faz nascer pouco a
pouco e sem “efeitos” um tipo de fantástico inédito que pinta toda
a adaptação literária do texto de Kafka de um onirismo frio e seco
próprio do estilo de Jacquot.
Entrevista de Federico Fellini
Ainda se trata de América em Entrevista (Intervista, 1987) de Federico Fellini. O mestre italiano se prepara para filmar uma adaptação
do romance de Kafka que ele não escolheu por acaso: Entrevista retoma a crítica kafkiana ao capitalismo americano e o aplica ao declínio fatal do cinema. Fellini faz assim uma viagem nostálgica nas
antigas mitologias do grande cinema que se passava alegremente
da América (aqui nos grandes estúdios italianos, o planeta cinecittà) longe do caos sem graça do audiovisual ocidental. Ele relata a
um canal de televisão japonês que chega ao set de filmagem, o que
era o cinema, e o que era o imaginário coletivo que ele divulgava.
A narrativa de Entrevista apresenta também, várias analogias com
aquelas de América: mesma construção em capítulos sem ligações
lógicas, alternância de cenas fantásticas e oníricas com outras realistas e descritivas, bifurcações repentinas em direção ao imaginário e a digressão permanente, viagem no espaço (do estúdio do
34
KAFKA E O CINEMA
filme para a América do romance) personagens transportados ao
longo de uma viagem inicial. Fellini, desse modo, justapõe tempo e
ação, testemunha de um cinema do passado do qual ele é um dos
últimos representantes.
Milena de Véra Belmont e Kafka de Steven Soderbergh
As adaptações ou citações colocadas à parte, alguns cineastas tiveram a ideia de trabalhar as personagens reais próximos ao escritor. Assim, Véra Belmont se lança em 1990 na direção arriscada e
perigosa sobre a vida de Milena Jesenska e saindo-se muito bem.
O filme nos leva na Europa central do início do século e toma partido, conseguindo sucesso da seguinte forma: mostrar Milena como
uma mulher simples e uma personagem normal de ficção para fora
de toda consideração literária e mitológica. Comunista, feminista,
resistente clandestina na ocupação nazista, Véra Belmont poderia
ter feito facilmente de Milena uma figura histórica exemplar. Mas,
não. Crítica, tradutora, confidente e depois amante de Kafka, envolvida em escândalos por ser usuária de drogas e seus costumes,
teria sido muito fácil criar uma lenda artística e sentimental. Mas,
a cineasta não caiu nem nas armadilhas da reconstrução histórica
e nem na mitologia literária. O sucesso de Milena (1991) detém, a
sua maneira, de acabar em cena uma história banal de amor e sua
aventura física sem se preocupar com a figura central de Lettres à
Milena de Franz Kafka.
O escritor e sua musa nos parecem assim surpreendentemente autênticos e liberados do fardo do destino literário que pesam sobre
eles. O filme não ignora a história para tanto, e evoca fielmente
o espírito da época, as conversas entre intelectuais tchecos eslovacos e austríacos. É necessário tomar o filme de Véra Belmont
como o retrato de um ser e de sua personalidade, uma tentativa
bem sucedida de fazer viver plenamente uma personagem que não
existe somente em relação a outro (“mulher de...”). Assim, Milena
escapa aos arquétipos e convenções de uma biografia santificada.
Não se pode dizer, infelizmente, muito de Kafka (1991) de Steven
Soderbergh. Nem biográfico, nem filme de gênero, o filme, forKAFKA E O CINEMA
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çado a hesitar entre as duas opções, os mistura curiosamente em
uma só: mergulha Kafka em um thriller-catálogo de seus temas
mais evidentes (o sufocamento, as alucinações, a perda da lucidez...). Assim, o escritor sofre uma série de aventuras em um universo de pesadelo que inunda sob os pés de numerosas referências cinéfilas do cineasta, de Welles a Murnau, do expressionismo
ao cinema fantástico. Steven Soderbergh não traz assim grande
coisa para o conhecimento do autor do qual ele guarda somente
a imagem oficial e reduzida. Seu Kafka e seus numerosos efeitos
(mistura cor e preto e branco, clichés expressionistas, piruetas no
roteiro) propõem somente ao espectador, como um guia turístico,
“um pequeno mundo kafkiano”, um antiquado que nunca passa
do imaginário convencional.
© Cédric Anger, Janeiro de 1997
Tradução: João Ulisses de Melo Filho
KAFKA NA TELA:
TRANSDUÇÕES
CINEMATOGRÁFICAS 1
Hernán Ulm
A distância inacessível
T
alvez uns dos rasgos mais notados pelos críticos de Kafka
seja o caráter inconcluso da “obra” (mas há uma “obra”
kafkiana ou, na verdade, o trabalho de Kafka impugna precisamente esse conceito?). Ao longo de breves relatos, aforismos, correspondências e romances inacabados, o escritor checo
parece afirmar, em cada momento, o caráter peremptoriamente
incompleto da literatura. Mas também, rabiscada no umbral do
que somos, esse trabalho afirmaria – em sua insistência não conclusiva – o caráter radicalmente fragmentário da experiência de
nossa contemporaneidade: a recusa da totalidade não seria, na
verdade, o índice da impotência de escrita, mas a única possibilidade que cabe a quem quer escrever. Desse modo, a incompletude
não assinalaria tanto para a incapacidade da literatura para fazer
um mundo fechado (como almejava a velha teoria romântica das
artes), mas para a revelação de um mundo que tem explodido e do
qual apenas ficam cacos. A escrita kafkiana vem a oferecer o testemunho do limite no qual a narração esbarra contra ela mesma
e, assim, seria a constatação de que a unidade das coisas tem se
quebrado: os fragmentos não seriam já as “partes” de uma “tota-
1 O conceito de “transdução” foi criado por Gilbert Simondon como um modo de
pensar a evolução dos objetos técnicos. Segundo o filósofo francês tais objetos,
para além da oposição entre continuidade e descontinuidade, evoluem segundo
um processo pelo qual parte de um objeto passa a funcionar num outro modificando-o e permitindo a criação de novas funções que não estavam pensadas
no objeto anterior. As relações entre literatura e cinema poderiam desse modo
compreender-se como transduções: alguma coisa da literatura é apropriada pelo
cinema e configurada numa lógica que não é já a literária.
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KAFKA E O CINEMA
KAFKA E O CINEMA
37
lidade” perdida ou de uma “totalidade por vir” (e que o livro viria
a restituir). Os fragmentos não são as “partes” de uma unidade
quebrada, mas a afirmação de que já não pertencemos a unidade
nenhuma. Eminência dos fragmentos que constituem a condição
do que somos e do que temos que confrontar. Já não há “partes”
(já não “fazemos parte”: não se trata da “partilha” do sensível e
dos que não “fazem parte” dessa partilha): se há fragmentação é
porque cada pedaço do que experimentamos se apresenta isolado
e incongruente; sem relação com os outros, afirmando sua “in-comunidade”. E, por isso, entre fragmento e fragmento tem se
aberto uma distância irreversível, irrevogável, não ultrapassável.
Distância pela qual os fragmentos, por mais próximos que eles pudessem estar, aparecem sempre na forma de uma exterioridade radical. Voltados para um Exterior que não é possível já interiorizar,
um Exterior sem intimidade, esses fragmentos se instalam numa
distância sem medidas, sem mesura (nem jurídica, nem territorial,
nem moral, nem afetiva): Distância Pura e Inacessível na que o
mundo agora torna-se o Desmesurado.
No caso de Welles, o caráter desmesurado das distâncias fica indicado pelas desproporções das relações. Tudo parece ficar fora
das medidas certas. As portas, as chaves, os casacos, os ambientes no escritório e no departamento e nas ruas, mas também os
afetos, os amores, os desejos repentinos e também os esforços
por levar um baú, por alcançar a uma mulher, por encontrar um
expediente... Nada parece ter uma “boa medida”. Mas também há
a desproporção dos meios cinematográficos que acrescentam a
distância entre o olho e o que a imagem dá a ver: desmesura da
profundidade de campo que alonga os planos de referência desde
onde e para onde as personagens se afundam na procura do que
não podem encontrar, excentricidade dos pontos de vista pelo qual
Essa ausência de referência, essa desorganização dos espaços é
também parte central do filme de Haneke, na procura de um mundo em que a distância tem se feito distância pura: se o Agrimensor
não tem o que medir, não é apenas por falta dos instrumentos
necessários para executar a tarefa, mas porque ele não tem um
espaço de referência com o qual se confrontar (não há visão possível do Castelo, mas também não há visão possível do vilarejo,
nem das casas que o compõem, nem dos interiores das casas, nem
dos objetos que fazem parte das casas. Não tendo espaço de referência, o filme se desenvolve ao redor da não comunicabilidade
dos espaços, de sua não presença comum, de sua recíproca não
proporcionalidade (os espaços, sem medida comum, não podem
se comparar e, assim, cada um deles se fecha sobre si mesmo cancelando também a oposição entre interior e exterior): inútil o ir
e vir do mensageiro, inúteis as comunicações telefônicas, inútil
as pesquisas entre a multidão dos expedientes. E até os corpos,
na proximidade de uma intimidade iminente, parecem se afastar
sempre que alguma coisa ameaça atingi-los. Nesse mundo da incomunicabilidade, não há como desenhar um plano desse território despido de uma marca unificadora. Assim, na ausência de uma
imagem que outorgue consistência à entidade mágica que regulamenta nossas vidas, se faz impossível toda e qualquer identidade
dos espaços. Desse modo, ora estamos no interior de um estábulo, ora atravessamos uma paisagem invernal; ora assistimos uma
festa no interior de uma taverna, ora estamos na sala de aulas da
escola. Espaços todos que são utilizados de modos diversos e não
acabam de dar unidade ao frio drama do Agrimensor. Este, por sua
vez, perambula entre esses espaços sem encontrar nunca a passagem que o conduza às portas de O Castelo ou, no mínimo, ante
a porta que permita que ele finalmente consiga estabelecer uma
ligação com Aquele. Tudo, a escola, a casa do prefeito, a taverna,
KAFKA E O CINEMA
KAFKA E O CINEMA
Esse mundo desmesurado e fragmentário, esse mundo sem unidade, parece ser o alvo das transduções cinematográficas da escrita
kafkiana nos filmes de Orson Welles (O Processo, 1962) e Michael
Haneke (O Castelo, 1997). Esses realizadores, por meios nem sempre semelhantes, teriam feito dessa distância inacessível o objeto
de suas apresentações.
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a câmera produz uma visibilidade impossível, estranhamento das
organizações das sequências por uma montagem que tende a se
contrapor à intensidade do drama. Tudo isso faz com que se apaguem as referências que organizariam os espaços que percorrem
as personagens: estamos sempre no meio de um labirinto cujas
portas não param de se abrir para locais inesperados.
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tudo está numa relação de desconexão. Tudo tem se desligado.
Nessa solidão, nessa não ligadura, a imagem cinematográfica se
deixa desligar ela também da história do protagonista.
A mesma ausência de imagem percorre O Processo de Welles: no
filme, não temos nunca a possibilidade de organizar a unidade dos
espaços que K tem que atravessar na procura de uma chave que
o absolva de uma acusação que ignora. E, assim, na ausência de
uma imagem que ajude a dar ideia totalizante do espaço, de cena
em cena se elabora uma lógica que, se alguns críticos interpretam
como a figuração de um espaço onírico, bem poderia se interpretar como a inquietação desse mundo alucinado onde não temos
referências para nos encontrarmos. Assim, a decisão sobre os acusados é perpetuamente adiada porque o espaço no qual transitamos está perpetuamente deslocado: o estrado judicial conduz
para a casa do advogado que, por sua vez conduz para o ateliê do
pintor que, por sua vez conduz para o estrado. Por sua vez, o edifício de oficinas tem um quarto para punir alguns oficiais de justiça
sobre os quais não há acusação concreta nenhuma. Mais uma vez,
os espaços são desmesurados pela ausência de um lugar comum:
eles resultam incomparáveis porque cada um deles se apresenta
afastado dos demais e sem comunicação (ou numa relação na qual
toda comunicação fracassa ou é inventada). Essa incongruência
espacial provoca a sensação de que, na verdade, tudo é um grande
erro, tudo é uma grande errância: mas isso é assim porque o próprio espaço tem se constituído como errância: errar não é um acaso, senão a condição da vida na era da fragmentação cinematográfica. Mais uma vez, teremos que perambular (nós, os personagens,
a câmera) por entre um espaço descontínuo e fragmentário que,
para além de toda lógica administrativa, para além de toda causalidade, se parece bem mais com os corredores dispersos de uma
toca: espaço não euclidiano da exclusão contemporânea que não
permite a conclusão dos processos e segundo a qual todos somos
culpados. Essa descontinuidade dos espaços, essa continuidade
ilógica, garante, no final das contas, a impossibilidade de conectar, de aproximar o crime da punição, a falta da culpa, o afeto do
amor, a amizade da traição (disjunção que é acrescentada no filme
do Haneke pelos cortes entre as cenas que desligam as relações
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KAFKA E O CINEMA
quebrando a continuidade das ações das personagens).
Nesse mundo feito de distâncias inacessíveis não adianta querer
fugir. Não há onde voltar (O Castelo); não há para onde ir (O Processo). Aos poucos, os filmes vão descobrindo que tanto faz correr
como ficar aguardando num lugar: os movimentos, as corridas, as
tentativas conduzem sempre à mesma ausência de centro. Talvez
por isso não nos surpreenda que tanto no filme de Haneke como
no de Welles, nos deparamos com personagens que parecem estar numa perpétua espera. Eles estão lá aguardando. Só isso. Uma
sentença, uma absolvição, alguma coisa que eles mesmos já nem
sabem: não importa o que poderiam fazer; sempre estarão na espera de alguma coisa que não vai acontecer. O quanto se espera?
Ninguém sabe: o tempo já não é o “número do movimento” porque todos os movimentos, por mais esforçados que eles sejam,
conduzem-nos a uma repetição infinita do sempre já feito. O tempo da espera: “faz muito tempo”. Tempo que só permite envelhecer e, na maior das liberdades, morrer.
Por isso, nesse mundo de distância pura, de puro Exterior, a única coisa que acontece é a extrema banalidade. Mundo niilista e
sem crença. Mundo no qual não importam os fatos que se sucedem. Em O Castelo, essa banalidade se apresenta como indiferença
diante dos fatos, marcado pela persistência da fria dramaticidade
que rodeia todo o filme (do clima, da atmosfera, dos relacionamentos, da ambiência): nem nós, nem a câmera, nem os personagens nos encontramos concernidos pelos acontecimentos que se
desenvolvem nas imagens: nem o amor, nem a amizade, nem os
ódios parecem nos atingir (a voz em off que acompanha o desenvolvimento da trama parece acrescentar ainda mais esse efeito).
Banalidade do processo que ficará adiado infinitamente no filme
de Orson Welles e que só acabará como morte indiferente da personagem: a este já nem cabe a honra de uma morte sacrificial,
pessoal, direta: os carrascos são tão indiferentes como o próprio K
perante o final imediato. Até a morte foi atingida pela banalidade
do cotidiano inacessível. Nessa extrema banalidade, todas as coisas parecem ter perdido a noção de justiça. Num mundo feito de
cinza e escuridão, a luz nos coloca sob suspeita.
KAFKA E O CINEMA
41
********
Há alguma coisa mais fragmentária que a experiência cinematográfica? Não são os filmes o resultado dessa fragmentação pela
qual a obra é sempre adiada na montagem e, aí, sempre dissolvida
em outras montagens? Não são os filmes a recusa da totalidade?
Diante da tela, como diante da lei, estamos aí, na espera disso que
foi nos destinado e que nos recusa (nas cenas que antecedem o
final de O Processo K, frente as imagens de “Ante a lei” que abriu
o filme, é interrogado pelo juiz e acossado pelo advogado – o próprio Welles –, mas K. já não pode nem sequer ingressar nesse
reino de luzes cinematograficamente preparado – toda a cena, se
parece com um estudo de cinema que vira catedral quando K. foge
dele: eis o mistério do cinema para Welles, sua incongruência, sua
banalidade: se converter num estranho lugar de culto onde nada
acontece? Quanto mais nos aproximamos da imagem, mas ela nos
afasta delas próprias. Quanto mais nos aprofundamos em sua luz,
mais ficamos fora do visível que ela dá a ver. Distância inacessível
ante a lei. Distância pura do inacessível ante a imagem do cinema. Nem a câmera pode ultrapassar essa distância feita de luz.
E, pelo contrário, tudo indica que ele mesmo (que o cinema) cria
essa distância entre nós e as imagens. Assim, o cinema de Welles
e Haneke (se compondo na transdução kafkiana) teria nos dito:
“ante as imagens vocês não entrarão” “vocês ficarão sempre fora
das imagens”. E, talvez: “essas imagens foram feitas para vocês, e
agora elas se apagarão”.
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KAFKA E O CINEMA
FRANZ KAFKA E O
CINEMA: O TESOURO
REVELADO
Luiz Soares Júnior
A
obra de Franz Kafka e o cinema em suas origens tem em
comum a assombração recíproca entre o realismo e o expressionismo; no caso do cinema, essa conflagração irreconciliada se manifesta na oposição, nunca inteiramente
resolvida, entre o “olhar ontológico”, dito documental, dos irmãos
Lumière e o cinema artificial, efeito de prestidigitações (truques
de câmera, montagem) de Georges Méliès. O expressionismo foi
um movimento que deu, nos primórdios dessa arte, as cartas de
nobreza a um mágico “de feira” como Méliès, por suas referências
pictóricas e literárias evidenciadas na forma do filme, seu verniz
decadentista de “arte pela arte”,e essas talvez sejam paradoxalmente as razões do movimento passar hoje a impressão de ser
uma arte “fanada”, excessivamente calculada, cuidadosa de seus
efeitos.
Kafka, à sua maneira, foi um intérprete do expressionismo: a importância do Gesto, a iconicidade de suas imagens, devedora segundo Panofsky dos alto-relevos das catedrais medievais; o stacatto do encadeamento das sequências, que cristaliza as durações em
imagens fulminantes; mas também um credor do realismo, embora seja necessário encarecer ambas as expressões com o devido
cuidado, pois um grande artista como esse não se deixa facilmente
aprisionar em categorias a priori ou horizontes de significação delimitados de antemão. O realismo de Kafka, chamado por Gunther
Anders de “cara de pau”, aparece nas situações cotidianas (devidamente destacadas por um excesso de burocratismo, levado ao
pé da letra, o que lhes dá uma aura de unheimlich freudiano), no
uso taquigráfico da linguagem e na forma como os personagens
KAFKA E O CINEMA
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tentam excessivamente se explicar, se justificar perante uma impossível Lei que os acabrunha. Tais injunções de poder nunca revelam diretamente os princípios de seu funcionamento, deixando
portanto as tentativas de subtração e refutação a elas, empreendidos pelos personagens, adquirirem um ar espectral, surrealista (no
sentido de supra-realista, para além do realismo): se a Lei contra a
qual me oponho a rigor não existe, não possui uma res (afinal, saio
e entro em casa todos os dias sem sequer dar por isto; vou a jantares e bibliotecas e ninguém me impede), agir sob seus vaticínios
ou opor-se a ela, que não possui nenhuma substância ou poder
objetivo de coerção, é o cúmulo do absurdo.
Mas a base de seu “trabalho” é realista: um realismo expressionista, um realismo eivado de detalhes, de ícones, de rubricas expressionistas. Mas de um expressionismo que se libertou da retórica
extremamente codificada, simbolista, do expressionismo originário, e adquiriu diapasão cartorialmente moderno. É nesse sentido
que o cinema pode abordar Kafka: na medida em que é uma arte
eminentemente materialista, com um fundo realista “de base” devido aos seus meios fotográficos de apreensão do mundo, o cinema se serve do realismo de Kafka como de um dado infra-estrutural sobre o fundo do qual é possível enfileirar seus personagens e
situações metafóricos sem perverter as características ontológicas
dessa arte: realismo e artifício em Kafka não se opõem, pois as
figuras de retórica de que se serve se situam em um cenário realista rigorosamente detalhado. Nesse sentido, a adaptação de seus
textos para o cinema se torna um paradigma do uso do fora de
quadro e do fora de campo (memória, imaginação), por exemplo,
na medida em que reivindicam uma posição ativa por parte do
espectador, que deve ser o encarregado de traduzir em sua tela
mental as potentes metáforas estruturantes da maquinaria kafkiana: qual grande cinema não vive da utilização do fora de quadro,
e sobretudo do fora de campo para a emissão de significação cinematográfica específica? A literatura de Kafka também exige esse
domínio, por parte do decifrador de seus encadeamentos causais
nonsense, do fora de campo do imaginário. Esse é um rincão particularmente apto a suscitar a invenção fantasista cinematográfica,
pois o cinema é uma arte que se destina exemplarmente a uma
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KAFKA E O CINEMA
vocação, digamos, erótica, na medida em que o seu materialismo
de princípio é ativado retrospectivamente por uma relação com o
invisível do fora de campo, engendrando assim um jogo de desvelamento e ocultação que é característico, na visão de Barthes, da
“fresta cintilante” da mise en scène erótica, na qual tudo o que nos
aparece se encontra situado em um Todo que se oculta, e tão mais
atraente se nos afigura justamente na medida em que oblitera ou
vela partes de um Organismo maior, que jamais vai se revelar inteiramente, imantando de Eros por essa precisa razão à superfície do
que vem à luz. Como a literatura de Kafka, portanto, os acidentes
de percurso da carne e da luz, manifestos no plano cinematográfico, nada seriam sem as anfractuosidades do imaginário e da sombra, os declives do não-ser, da potência ou do virtual, recolhidos na
camara obscura do Desejo do leitor e do espectador; as parábolas
alegóricas de Kafka tem no leitor um parceiro essencial, rabino
oculto cuja função é decodificar o sentido críptico de seus itinerários, traduzindo o alegórico para o existencial, convertendo a letra
para o espírito, precisamente como em um teorema espiritual, no
qual substituímos devidamente as letras por números que irão iluminar significativamente o que antes se comprazia no hermetismo de seus imbróglios secretos, tesouro a que enfim é oferecida a
dádiva da Revelação.
A colônia penal (Raul Ruiz, La Colonia Penal, 1970) e Relações de
classe (Jean-Marie Straub e Danièle Huillet, Klassenverhältnisse,
1985) trabalham, o primeiro segundo uma forma ludicamente performática, o segundo sob um prisma “expressionista-classicista”,
esse dualismo, tão fecundo para o cinema e a obra de Kafka, entre
quadro e fora de quadro, campo e fora de campo, Matéria e Imaginário, Significante e Significado. São velhas querelas metafísicas
que no grande cinema são destinadas a se encarnar em inflexões
de gestos, posições e contraposições de corpos, embates entre a
luz e a sombra; mas o que nos importa é designar a forma como
esses dualismos, de que o cinema como o teatro e a pintura são
herdeiros, em ambos os filmes se manifesta e se vela de maneira
absolutamente idiossincrática, servindo ambos como ilustrações
excelentemente demonstrativas de como a obra de Kafka, por se
centrar justamente nesse flexível jogo entre “revelação e ocultaKAFKA E O CINEMA
45
mento”, pode inspirar no cinema obras tão diversas quanto essenciais, em matéria de gênio cognitivo, visual e fantasmático.
A colônia penal: A sombria ludicidade da viagem
Raul Ruiz a princípio naturaliza Kafka, apresentando-nos o que
parece ser um documentário de montagem acidentada sobre um
país de terceiro mundo; mas à medida em que a metáfora vai se
clarificando- e percebemos que se trata de uma alegoria minimalista sobre o Chile conflagrado de Allende-, a clareza da linha
diretiva documental vai sendo nublada pelo humor sombrio que
é o ponto de vista do carrasco, e que alitera o filme em performances mortificadas, intromissões duramente nevrálgicas do teatro da tortura na transparência do documento. Ruiz, em muitos
pontos de sua carreira e de sua reflexão sobre arte em geral, é um
humorista- e por que não ver aí um ponto de contato com Swift
e Kafka, para quem a condição humana, traduzida em metáforas
sub e supra-humanas, sempre apresentou-se singularmente como
um exercício do patético? A colônia penal pega aquela que talvez
seja uma das novelas mais sombriamente góticas do escrevente
de Praga- em todo caso, o marco através do qual as fantasmagorias ligadas ao Pai vão se institucionalizando, se objetivando em
um sistema de mundo- e a devolve com um olhar macerado pelo
zeitgeist corrupto e dolorido dos golpes que assolavam a América
latina à época, apresentando uma cartografia do Chile que estrutura o psiquismo daquele estado de coisas, objetivando-o (como
a novela original) em um palimpsesto no qual se estratificam o
ego da evidência documental com o submundo “id” das câmaras
de tortura e delação, chanchada sinistra onde a Verdade inconsciente da nação e a presciência do artista (estamos em 1970, e o
horror só viria a eclodir atualmente em 73) se aliam em um cristal
de ressonâncias furtivas e rimas intimidantes: o longa complexifica, com seu imbroglio de fake documentário e alegoria realista, os
princípios dados em Militarismo e tortura (Raul Ruiz, Militarismo
y tortura, 1969).
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metáforas coercitivas, nó górdio da frase- de que algo de mal se
engendra nas caves do plano e do país, e esse mal vai progressivamente infectando o olhar da viajante, emergindo à superfície,
como em um processo químico a que só o tempo do plano sequência pode deflagrar devidamente; o país visitado ainda vive sob
os auspícios de sua função de prisão, o seu fantasma institucional
fascista: o passado ainda se presentifica como um corpus de regras
e de práxis vigentes na “República liberal” que o país atualmente promulga existir em seus domínios; e o passado é Brincadeira,
Jogo, Significante, mortíferos embora: as mises en scènes fantasistas dos “porões”. É a ficção que se encarrega de manifestar o verdadeiro sentido do que se passa ali, pois Ruiz nos apresenta o factício e o irreal (o discurso oficial de que o país “é” uma República
democrática) com o realismo do aparente documentário: voz off
das entrevistas, câmera na mão. E reserva a encenação fantasmática para traduzir a Verdade subterrânea do país (o lugar ainda “é”
uma colônia penal, embora se diga república democrática); assim
como é jogando que a criança se liberta das agruras da existência
deficitária a que é condenada pelas limitações da linguagem, e adquire Ser e Nada ricamente significativos, é ao encenar os informes
relatoriais e os interrogatórios seviciantes dos porões que Ruiz nos
dá a ver a Colônia penal sob a República democrática, o id sob o
ego como a mise en scène sob o filme documental- e quem disse
que a Verdade não está sempre sob o invólucro do Significante,
como o verme sob o fruto no dito de Jesus, filho de Sirach? À imagem do psiquismo freudiano, um estágio ou estrato se funda sobre
outro mais antigo (mítico, arquetípico), que estrutura seus prolongamentos como o Mesmo dos dialetas às suas circunvoluções
diferenciais, que carregam a cicatriz de sua origem onipresente.
A performance “marcial”no filme de Ruiz, severamente codificada
por um plano fixo inquisitorial, é o révelateur- como em Kafka as
Mas para Ruiz e Kafka, ao contrário da tendência presente nos
primórdios realistas do cinema, é a ficção que suscita a Verdade:
a encenação, o jogo, o traço são o mesmo, e o documento verossímil seu prolongamento exterior, a “verdade superficial para um
outro”, que antes mascara que revela, acoberta que expõe. Nesse
sentido, A colônia penal é uma lição, pois nos habilita a ver sob a
superfície superfluida do olhar documental o núcleo irredutível de
uma essência que, paradoxalmente, só se mostra sob os auspícios
KAFKA E O CINEMA
KAFKA E O CINEMA
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daquilo que na metafísica ocidental era o opróbrio da falsidade
ou da ilusão: o simulacro. É no teatrinho dos porões que a colônia
penal (sob a República) ainda vige, e aparece enquanto tal; é a este
fora de campo, encarnado na simulação primordial, que o documental se submete como o invisível, o ocluso, o recalcado a que
todo visível, demasiado visível, terá de prestar contas como sendo
o âmago de sua radical veracidade.
Relações de classe: o gesto cindido
Em algum momento de Relações de Classe, o jovem exilado Karl
Rossmann tem a boca tapada pelo servo Delamarche, em advertência e admoestação para que se cale, mas este gesto violento
é a estrutura atômica em torno do qual se organizam os contracampos do filme, súbita invocação do gesto como cisão ou fratura irremediável que exprime formalmente a comunhão entre a
démarche materialista straubiana e a expressionista de Kafka: irreconciliação. Esse gesto que cinde o campo e o contracampo é
a transposição, em uma arte de princípio materialista e “a posteriori” imaginária, da iconicidade estatuária do gesto em Kafka,
sempre detalhado com um tal rigor de insert compositivo na cena
que nos chama a atenção para o seu caráter não apenas expositivo
mas nuclear, essencial à pregnância da mesma. Os Straub concentram no contracampo repentino, onde o gesto se imprime (tanto
mais repentino se pensarmos que a maior parte do filme se funda
sobre linhas retas e raccords diretivos antes clássicos),o conjunto
metódico de descrições kafkianas, Summa instantânea onde tudo
converge para o cristal imagético.
O gesto é um elemento de choque que reconfigura o classicismo
do filme sob o signo da ruptura, infiltrando portanto a violência
das “relações de classe” – e em um sentido maior, sociais e de
enunciação: tomar a palavra do outro, falar em nome do outro,
como acontece com frequência com Karl e com o foguista, no início- no espaço intersticial de significação do cinema: o inter-planos. O contracampo, demarcado em sua distância de significante
pelo gesto, é no filme dos Straub uma intrusão de rubrica modernista na clareza e distinção cartesianas do campo, mas sobretu48
KAFKA E O CINEMA
do um abalo sísmico em sua monumentalidade clássica; alguma
diferença irredutível se instalou aqui, e aquele mundo senhorial
e cartográfico dos pais substitutos (o Tio, a senhoria) e dos burocratas inflexíveis não será mais o mesmo: o final de Relações de
classe transcorre em uma paisagem totalmente outra (a natura),
com outro corpus comunitário (os artistas) e regrado pelo diapasão de um silêncio primordial entre Karl e o jovem groom, que
talvez demarque enfim o espaço de uma possível reconciliação,
com o mundo e pelo outro.
Relações de classe é, aqui como em Kafka, um romance de formação (Bildungsroman) clássico pervertido por sinais de pontuação
modernistas e raccords transgressores (pelo menos nos momentos decisivos com personagens “privilegiados”, que determinam
uma evolução ou inserem uma dissidência na maneira com que
Karl se relaciona com seu meio, modulando o Eu de acordo com a
melodia do mundo: o tio, a senhoria,Thèrese).O Whilhelm Meister
de Goethe, romance de formação paradigmático do romantismo,
e portanto de nossa representação subjetivista, também se encerrava com a integração do jovem no mundo artístico, um espaço de
aprendizado menos sequioso da letra que do espírito, mais hermenêutico que ontológico: o teatro de Oklahoma aqui é uma citação
do livro de Goethe, e a forma peremptória com que Straub filma o
cartaz do anúncio - plano fixo avidamente atencioso na decifração
de sua inscrição em letra senhorial, música barroca de parada - nos
mostra que chegamos ao porto da linguagem, lugar de onde pelo
menos se pode ascender ao promontório de vidência da mediação,
e adquirir sobre a vida um ponto de vista mais distanciado que é
tudo o que teremos para nomeá-la: o teatro de Oklahoma é o começo da vida adulta para Karl, e é por isto que ele anuncia o fim do
filme, com a bem-aventurada conquista do silêncio reconciliado.
Se a cena Mutual Comedy1 da perseguição do policial suprassumia
cem anos de comédia física em um par de campos e contracampos eriçados pelas arestas do Gestus brechtiano, é porque o genealogista Straub viu no cinema humorístico primitivo a oportu1 Nota dos editores: Mutual Comedy é uma referência a produtora responsável
por alguns curtas-metragens de Charles Chaplin.
KAFKA E O CINEMA
49
nidade de uma síntese primorosa: os encontros que perfazem o
itinerário “Bildungsroman” de Karl não constituem exatamente
um aprendizado, mas um movimento desarrazoado, feito de diferenças, desacordes de tom e de dicção, como se Kafka estivesse
interessado em uma paródia do romance de aprendizado, na qual
não assistimos uma evolução (um movimento ascendente em direção ao conhecimento de si mesmo), mas as agruras de um “ser
lançado” (Geworfenheit), objeto para forças contraditórias que o
jogam para cá e para lá, sem jamais assinalar um rumo ou estágio
“superior”; o Karl de Kafka, ao contrário do modelo clássico, não
se altera/alteriza por intercessão dos encontros com o outro, não
sai do lugar: ele é meramente o plano de front contra o qual se
projetam as relações de força (de classe, de enunciação, de poder
simplesmente) que os personagem protagonizam, contracampo
com a boca tapada, os olhos cativos ou a ausculta apassivadora do
discurso. O tom monocórdico e a impassibilidade keatoniana do
“modelo” Christian Heinisch mostram-no justamente como este
móbil “situado”,cadenciado por percussões de ser que não são as
suas, que jamais serão suas; é por isto que o final parece nos deixar
entrever o começo de uma reconciliação consigo mesmo, diferida
ao longo de sua trajetória abortada de aprendizado, na medida em
que o personagem finalmente conhece o luxo de assenhorar-se de
uma paisagem e do próprio silêncio. Todo um mundo parece enfim
solevar-se sob o influxo deste silêncio, que Straub distribui ao longo da paisagem conquistada por Karl: a natura revelada, como o
campo pelo fora de campo, a música pelo silêncio e o menino pelo
homem (Wordsworth). Kafka, em Ruiz e em Straub, encontrou no
cinema um lócus de manifestação privilegiado para seus fantasmas, ditos como oclusos.
ABECEDÁRIO
KAFKIANO SEGUNDO
KUNDERA 1
Milan Kundera
A. Autonomia
O encontro do universo real dos estados totalitários e do “poema”
de Kafka manteve sempre algo de misterioso, e demonstrou que o
ato do poeta, pela sua própria essência, é incalculável e paradoxal;
a enorme porta social, política, “profética” dos romances de Kafka
consistem justamente em seu “não-engajamento”, isso quer dizer na sua total autonomia no que se refere a todos os programas
políticos, conceitos, ideologias, prognósticos futurológicos. Se eu
me ater calorosamente ao legado de Kafka, se eu o defendo como
meu legado pessoal, não é porque creio ser imitar o inimitável (e
de descobrir mais uma vez o kafkiano), mas por causa desse maravilhoso exemplo de autonomia radical do romance (da poesia que
é o romance). Através dele, Franz Kafka disse sobre nossa condição
humana (como ela se revela em nosso século) o que nenhuma reflexão sociológica ou política não poderá nos dizer.
B. Bobeira
Segundo Kafka, encoberto por uma manta de mistério, a bobeira adquire ares de uma parábola metafísica. Ela intimida. Em suas
ações, em suas palavras ininteligíveis, Joseph K. se esforçou a
todo custo a decifrar um sentido. Pois se é terrível ser condenado
à morte, é absolutamente insuportável ser condenado por nada,
como um mártir do nonsense. K, logo, consentirá sua culpa e buscará sua falha. No último capítulo, ele protegerá seus carrascos
1 Este texto foi publicado originalmente em BAX, Dominique. Théâtres au cinéma
n. 8 – Milos Forman, Franz Kafka. Collection Magic Cinéma 1997. Todos os direitos
reservados. Republicado com permissão dos detentores dos direitos autorais.
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KAFKA E O CINEMA
KAFKA E O CINEMA
51
contra o olhar da polícia municipal (que poderiam tê-lo salvado)
e, segundos antes de sua morte, ele se culpará de não ter forças o
suficiente para se matar e lhes poupar o trabalho sujo.
C. Cômico
Quando Kafka leu para seus amigos o primeiro capítulo de O Processo, todos riram, inclusive o autor. Eles simplesmente riram: o
cômico é inseparável da própria essência do Kafkiano. No mundo
Kafkiano, o cômico não apresenta um contraponto ao trágico (o
tragi-cômico) como é o caso em Shakespare; ele não está lá para
fazer o trágico mais suportável graças a leveza do tom; ele não
acompanha o trágico, não, ele destrói pela raiz privando as vítimas
do único consolo que ainda podem ter esperança: aquilo se encontra na grandeza (verdadeira ou suposta) da tragédia. O engenheiro
perdeu sua pátria e todos no auditório riram.
D. Densidade
É bastante difícil de descrever, definir, de nomear este tipo de imaginação com a qual Kafka nos envolve. Fusão de sonho e realidade,
esta fórmula que Kafka, com certeza, não conheceu me parece iluminadora. Da mesma forma que outra frase cara aos surrealistas,
aquela de Lautréamont sobre a beleza do encontro fortuito de um
guarda-chuva e uma máquina de costura: quanto mais as coisas
são estranhas entre elas, mais mágica é a luz que se encarrega de
promover o seu contato. Eu gostaria de falar de uma poética da
surpresa; ou da beleza como um assombro perpétuo. Ou então
utilizar como critério de valor a noção de densidade, densidade da
imaginação, densidade dos encontros inesperados.
F. Fantástico
Graças ao fantástico que ele soube perceber no mundo burocrático, Kafka conseguiu o que pareceria impensável antes dele: transformar uma matéria profundamente antipoética, a da sociedade
burocratizada ao extremo, em grande poesia de romance; transformar uma história extremamente banal, a de um homem que
não pode obter o cargo prometido (que é realmente a história de O
Castelo), em mito, epopeia, em beleza jamais vista.
H. Vergonha (honte)
O último substantivo de O Processo: a vergonha. Sua última imagem: rostos estranhos, perto de seu rosto, quase se tocando, observando o estado mais íntimo de K., sua agonia. No último substantivo, na última imagem, a situação fundamental de todo romance
é condensado: ser, a qualquer momento, acessível em seu quarto
a deitar; tomar o café da manhã; estar disponível, dia e noite, para
ser chamado à intimação; se ver confiscar as cortinas que cobrem
a janela; não poder frequentar o que se quer; não mais pertencer
a si mesmo; perder o status de indivíduo. Sobre esta transformação de um homem de sujeito em objeto, é possível experimentá-la
como uma vergonha.
I. Imaginação
Segundo Kafka, tudo é claro: o mundo Kafkiano não se parece com
nenhuma realidade conhecida, é uma possibilidade extrema e não
realizada do mundo humano. É verdade que essa possibilidade se
espelha atrás do nosso mundo real e parece prefigurar nosso futuro. É por isso que estamos a falar da dimensão profética de Kafka.
A imaginação kafkiana, revelada por esta “velocidade metódica”,
curta como um rio, rio onírico que encontra pausa apenas no final de um capítulo. Este longo suspiro de imaginação se reflete
na característica da sintaxe: nos romances de Kafka, existe uma
quase-ausência de dois pontos (exceto quando de rotina para introduzir o diálogo) e uma presença excepcionalmente modesta de
ponto e vírgula.
KAFKA E O CINEMA
KAFKA E O CINEMA
E. Existência
52
Mas mesmo que seus romances não tivessem nada profético, eles
não perderiam o seu valor, porque eles inserem uma possibilidade
de existência (possibilidade do homem e de seu mundo) e nos fazem assim ver o que somos e do que somos capazes.
53
J. Joia
A joia erótica de América é Brunelda. Ela fascinou Federico Fellini.
Desde muito tempo, ele sonha em fazer de América um filme, e
em Intervista ele nos fez ver a cena de seleção do elenco para esse
filme-sonho: produzem-se várias candidatas incríveis para o papel
de Brunelda, escolhidas por Fellini com este prazer exuberante que
nós conhecemos. (Mas insisto: este prazer exuberante, também foi
aquele de Kafka. Porque Kafka não sofreu por nós. Ele se divertiu
por nós!)
K. Kafka
Que ele se chame Joseph K., Rohan, Samsa, o Agrimensor, Bendemann, Josefina - a cantora, o andarilho ou o Trapezista, o herói
dos livros não é outro senão o próprio Kafka. A biografia é a chave
principal para a compreensão do sentido da obra. Pior: o único
sentido da obra é de ser uma chave para compreender a biografia.
L. Labirinto
O engenheiro é confrontado com o poder que tem o caráter de um
labirinto a perder de vista. Ele nunca chegará ao fim de seus corredores infinitos e não conseguirá jamais encontrar quem formulou
a sentença fatal. Portanto, se encontra na mesma situação que
Joseph K. diante da tribunal ou o agrimensor K. diante do castelo. Estão todos no meio de um mundo que é apenas um só, uma
imensa instituição labiríntica à qual não podem escapar e não podem compreender.
N. Nome
K. no texto de O Castelo não é nunca nada além do que K. No diálogo os outros podem o chamar de “o agrimensor”, e talvez mesmo
de outra forma ainda, mas o próprio Kafka, o narrador, nunca designou K por palavras: estrangeiro, recém-chegado, jovem homem
ou não sei o que. K é apenas K. E não só ele, mas todos os personagens de Kafka, sempre tem apenas um nome, uma só designação.
O. Sombras (ombres)
No mundo Kafkiano o arquivo se parece com a ideia platônica.
Representa a verdadeira realidade, enquanto que a existência física
do homem é apenas um reflexo projetado sobre a tela das ilusões.
Na verdade, o agrimensor e o engenheiro de Praga são apenas as
sombras de seus registros. E eles são ainda muito menos que isso:
eles são as sombras de um erro em um dossiê, isto é, as sombras
não tendo mesmo o direito a sua existência enquanto sombra. Mas
se a vida do homem é apenas uma sobra e se a verdadeira realidade se encontra inacessível em outro lugar, no inhumano e no
sobre-humano, entramos instantaneamente pela teologia.
P. Privado – Público
M. Metáfora
É preciso corrigir a ideia afirmando que Kafka não gostava de metáforas, ele não gostava de metáforas de um certo gênero, mas foi
um dos grandes criadores da metáfora que qualifico de existencial
ou fenomenológica. Quando Verlaine disse: “a esperança brilha
como uma palha no estábulo”, é uma imaginação lírica soberba.
Ela é no entanto impensável na prosa de Kafka. Pois, o que, cer54
tamente, Kafka não gostava era o lirismo da prosa romanesca. A
imaginação metafórica de Kafka não era menos rica que a de Verlaine ou de Rilke, mas não era lírica, a saber: ela era animada exclusivamente pelo desejo de decifrar, de compreender, de colocar
o sentido da ação dos personagens, o sentido das situações onde
eles se encontram.
KAFKA E O CINEMA
Nos perguntamos às vezes se os romances de Kafka são a projeção
dos conflitos mais pessoais e privados do autor, bem descrito como
a “máquina social” objetiva. O Kafkiano não se limita nem à esfera
íntima, nem à esfera pública; ele engloba ambas. O público é o espelho do privado, o privado reflete o público.
KAFKA E O CINEMA
55
R. Real/Sonho
A imaginação adormecida do século XIX foi subitamente acordada
por Frankz Kafka, que conseguiu o que os surrealistas postularam
depois dele sem verdadeiramente realizar: a fusão de sonho e real.
Essa grande descoberta é menos o encerramento de uma grande
evolução do que uma abertura inesperada que dá a saber que o romance é o lugar onde a imaginação pode explodir como um sonho
e que o romance pode se libertar do imperativo aparentemente
inevitável da verossimilhança.
redito em uma só noite, sem interrupção, ou seja, em uma velocidade extraordinária, deixando-se levar por uma imaginação quase
incontrolada. A velocidade que se tornou mais tarde para os surrealistas o método programático (escritura automática), permitindo liberar o subconsciente do monitoramento da razão e fazendo
explodir a imaginação, teve mais ou menos um papel semelhante
em Kafka.
Tradução: Lucas Murari
Revisão de tradução: Leonardo Esteves
S. Sexualidade
Nas primeiras décadas do século XX, a sexualidade veio das névoas
da paixão romântica. Kafka foi um dos primeiros (assim como Joyce, certamente) a tê-la descoberto em seus textos. Ele não revela a
sexualidade como um terreno de jogo destinado aos pequenos círculos de libertinagem (à maneira do século XVII), mas como uma
realidade por sua vez banal e fundamental da vida de cada um. Kafka apresenta os aspectos existenciais da sexualidade: sexualidade
se opondo ao amor; a estranheza do outro como condição, como
exigência da sexualidade; a ambiguidade da sexualidade: seus aspectos excitantes que ao mesmo tempo causam repugnância; sua
terrível insignificância que não diminui o seu poder assustador,
etc.
T. Tribunal
O tribunal: não se trata da instituição jurídica destinada a punir
aqueles que transgrediram as leis de um Estado; o tribunal no sentido dado por Kafka é uma força que julga, e que julga porque é
força; é essa força e nada mais que confere legitimidade ao tribunal; quando ele vê os dois intrusos entrarem em seu quarto, K. reconhece essa força desde o primeiro momento e se submete a ela.
V. Veredito/Velocidade
Pelas suas próprias palavras, Kafka escreveu sua longa novela O Ve56
KAFKA E O CINEMA
KAFKA E O CINEMA
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BIOGRAFIAS
Cédric Anger
é cineasta e roteirista francês. Colaborou com a revista Cahiers du
Cinéma entre 1993 e 2001.
Hernán Ulm
é professor e mestre em Filosofia pela Universidade Nacional de
Salta, Argentina e Doutor em Literatura pela Universidade Federal
Fluminense de Rio de Janeiro. É professor de Estética e História
das Artes. Publicou os livros “Cuestión de imagen” e “Historia ética y actualidad em Michel Foucault” e vários artigos sobre temas
relativos às relações entre estética e política no pensamento contemporâneo. É coordenador da Área de Experimentação em Arte e
Cultura da Universidade Nacional de Salta.
Lucas Murari
pesquisador, doutorando do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Mestre em Comunicação pela mesma instituição. Atua como programador e curador de cinema. Membro do núcleo de cinema experimental Risco Cinema.
Luís Alberto Rocha Melo
é cineasta, pesquisador e professor adjunto do Curso de Cinema e
Audiovisual e do Programa de Pós-Graduação em Artes, Cultura e
Linguagens no Instituto de Artes e Design da Universidade Federal
de Juiz de Fora (MG), onde desenvolve pesquisas sobre História
do Cinema Brasileiro. É produtor, diretor, roteirista e montador de
filmes independentes.
Luiz Soares Júnior
nascido em Recife em 1976. Formado em Filosofia pela Universidade Federal de Pernambuco em 2004; mestrado com a tese “O
advento da Verdade na obra de arte heideggeriana”. Escreve na revista eletrônica Cinética e no site português À pala de Walsh; tem
textos publicados no site da revista Lumière. Mantém um blog de
tradução de crítica francesa de cinema, o Dicionários de cinema
(http://dicionariosdecinema.blogspot.com.br/).
Maria Cristina Franco Ferraz
é professora titular de Teoria da Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, doutora em Filosofia pela Sorbonne, com
três estágios de pesquisa pós-doutoral em Berlim. Pesquisadora do
CNPq, foi professora visitante nas universidades de Paris 8-Saint-Denis e Perpignan (França), Richmond (EUA), Nova de Lisboa (Portugal) e Saint Andrews (Escócia).
Milan Kundera
é pesquisador, doutorando do Programa de Pós-graduação da Universidade Federal Fluminense, com doutorado sanduíche na Sor-
é um dos maiores escritores do pós-guerra. Nascido em Brno, na
região da Morávia, antiga Tchecoslováquia (hoje República Tcheca). Refugiou-se em Paris em 1975, onde lecionou a disciplina arte
do romance na École des Hautes Études en Sciences Sociales. É
autor de “A Brincadeira” (1967), “Risíveis Amores” (1970), “A Insustentável Leveza do Ser” (1984), entre outros.
KAFKA E O CINEMA
KAFKA E O CINEMA
Luiz Garcia
58
bonne Nouvelle - Paris 3 (bolsa CAPES), mestre em Comunicação
pela UFF (2012). Desenvolve atualmente pesquisa sobre reemprego
de imagens no cinema experimental, é um dos idealizadores do
projeto “Inventar com a Diferença: Cinema e Direitos Humanos”
(2013-2014), realizado pela UFF e a Secretaria Nacional dos Direitos
Humanos, do projeto “Experimentar o cinema” (UFF/Faperj, 20122013). Membro do núcleo de cinema experimental Risco Cinema.
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FILMES
A METAMORFOSE
DO SR. SAMSA
RT
CU
Sinopse: animação baseada no conto A Metamorfose.
Quando certa manhã Gregor Samsa acordou de
sonhos intranquilos, encontrou-se em sua cama
metamorfoseado num inseto monstruoso.
AS
The Metamorphosis of Mr. Samsa
Canadá/Estados Unidos, cor, 1978, 10 min
Formato original: 35mm
Direção e Roteiro: Caroline Leaf
Som: Michel Descombes, Normand Roger
Animação: Caroline Leaf
60
KAFKA E O CINEMA
KAFKA E O CINEMA
61
RT
AS
Direção: Claudinei Morais
Roteiro/animação/edição/Som: Claudinei Morais
62
KAFKA E O CINEMA
Sinopse: Curta-metragem baseado em trecho de
conto homônimo de Franz Kafka.
AS
CU
Sinopse: curta-metragem de animação baseado no
conto A Ponte, do escritor tcheco Franz Kafka. O
filme é um tributo pessoal ao autor, concebido a
partir de uma interpretação imagética e literal da
obra.
Schakale und Araber
Suíça, cor, 2011, 11min
Formato original: Vídeo
RT
Brasil, cor, 2014, 7min
Formato original: Animação em digital 3D
CHACAIS E
ÁRABES
CU
A PONTE
Direção: Jean-Marie Straub
Fotografia: Christophe Clavert
Elenco: Giorgio Passerone, Barbara Ulrich, JeanMarie Straub (voz)
KAFKA E O CINEMA
63
AS
KAFKA E O CINEMA
Sinopse: curta-metragem inspirado no conto A
Metamorfose, de Franz Kafka.
Direção e Roteiro: Fran Estévez
Produção: Casimiro Estévez; Fernando Marcote;
Manuel Pena
Música: Fran Estévez
Fotografia: David Hernández
Montagem: Fran Estévez
Direção de arte: Hugo Gonzalez
Elenco: Nacho Castaño; Cristal Álvarez
KAFKA E O CINEMA
AS
RT
64
Direção e Roteiro: Ebbëto
Produção: Ebbëto
Montagem: Cláudio Dillitzer Perricelli – PIMENTA STUDIO
Fotografia: Ebbëto
Assistente de Direção: Antônio Paschoalique
Assistente de Produção: Sidnei Amaral
Animação 3D: Renato Sbardelotto
Editor de Som e compositor: Celio Barros – PCM Studios
Música: Celio Barros com STRANGE MEETINGS
Produtor Executivo: Elim Dutra
Elenco: Nathalie Fari
Metamorfosis
Espanha, P&B, 2004, 20 min
Formato original: Vídeo
RT
CU
Sinopse: um filme preto e branco que se aproxima de um
mundo misterioso por meio dos pesadelos e experiências
de uma mulher no banheiro. “E como não pintar monstros
se o sono da razão gera-os e com eles preenche o mundo”
Giulio Carlo Argan.
METAMORFOSE
CU
LAGARTIJA NIKA
Brasil, P&B, 2004, 21min
65
CU
RT
AS
66
Direção e Roteiro: Sibel
Guvenc
Produção: Hartley Gorenstein;
Murat Guvenc; Sibel Guvenc;
Francesco Mozzone
Música: Sibel Guvenc; Sevgi
Karacasulu
Fotografia: Tico Poulakakis
Montagem: Sibel Guvenc
Direção de arte: Tamara
Rushlow
Assistente de Direção: Mark
Wilson; Anthony Wong
Som: Steven Budd; Shari Cain;
Sarah Clark; Alan Code; Steve
Dranitsaris
Efeitos especiais: Nathan
Ouwehand
Música: Magdalena Balint;
Ludger Bockenhoff; Sevgi
Karacasulu
Elenco: Steve Rankine,
Rachelle Benzce, Eran
Schwartz, Balazs Hollosy,
Ilayda Sezer, Umit Eseryel, Ege
Eseryel, Lukazs Orwinski
KAFKA E O CINEMA
Sinopse: por toda sua vida, um homem esperou do lado de
fora de uma porta. O que está por trás? Ele busca a verdade ou
outra porta?
AS
Sinopse: uma mulher é convidada para uma colônia penal
para investigar o sistema de justiça, onde o condenado é
executado sem qualquer defesa.
L’homme qui attendait/The Man Who Waited
Canadá, cor/P&B, 2006, 7 min
Formato original: Digital (sugerindo técnica da lineogravura)
RT
In the Penal Colony
Canadá, cor, 2006, 24 min
Formato original: Vídeo
O HOMEM QUE
ESPERA
CU
NA COLÔNIA PENAL
Direção: Theodore Ushev
Roteiro: Chloé Cinq-Mars
Produção: Marc Bertrand; Susan Fuda; Robert Bruce Johnson
Animação: Theodore Ushev
Elenco: Pierre Lebeau (narrador); Tony Robinow (narrador)
KAFKA E O CINEMA
67
AS
A Country Doctor/Inaka Isha
Japão, cor, 2007, 21min
Formato original: Animação em digital 2D
Sinopse: São Paulo, 1969. Um rapaz leva um frango assado para um
colega. Lá encontra dois homens que fazem perguntas que ele não
pode responder.
Sinopse: adaptação do conto “Um Médico Rural”, de Franz Kafka.
Narra a história de um médico que, numa fria noite de inverno,
recebe um chamado para socorrer um garoto do outro lado da
aldeia. É nesse ambiente que ele é levado a pensar sobre os mais
diversos aspectos de sua profissão, de seu paciente e da sociedade
local. A história, contada totalmente do ponto de vista do médico,
introduz elementos surrealistas para melhor descrever como o
homem vê o mundo e as pessoas ao seu redor.
Direção e Roteiro: Bruno de André
Produção: Carla Kohn Sprinz;
Selda Honda
Direção de Produção: Michael
Ruman
Produção executiva: Bruno de
André
Montagem: Bruno de André
Direção de arte e cenografia:
Antonio de Freitas
Figurinos: Alexandre Cunha
Story-board: José Marcio Nicolosi
Direção de fotografia e câmera:
Adrian Cooper
Assistência de câmera: Cristiano
Conceição
Trucagens: Rudi Böhm; Wanderlei
Gomes
Mixagem e montagem de Som:
José Luiz Sasso
Operador de microfone: Gabriela
Cunha
Arranjos musicais: José Augusto
Mannis
Música: Peter Roloff
Elenco: Roberto Bonfim (O gordo),
André Guerreiro Lopes (Carlos
Pereira), Jesse James (Garcia)
KAFKA E O CINEMA
AS
RT
Die Genossen
Brasil/Alemanha, cor, 1997, 15min
Formato original: 35mm
RT
CU
68
UM MÉDICO RURAL
CU
OS CAMARADAS
Direção e Roteiro: Koji Yamamura
Produção: Mariko Seto; Fumi Teranishi
Distribuidora: Shochiku
Música: Hitomi Shimizu
Montagem: Koji Yamamura
Som: Koji Kasamatsu
Elenco (vozes): Sensaku Shigeyama; Shigeru Shigeyama; Doji
Shigeyama
KAFKA E O CINEMA
69
NG
AS
Direção e Roteiro: Vladimír Michálek
Produtor: Jaroslav Boucek
Fotografia: Martin Duba; Pavel Brynych
Montagem: Jirí Brozek
Figurino: Petra Jachimová; Vera Linhartova; Ivana Rezacova
Direção de arte: Jaroslav Róna
Música: Michael Dvorak; David Koller; Radim Hladík Jr.
Elenco: Olga Charvatova; Martin Dejdar; Oldrich Kaiser;
Katerina Kozakova
70
KAFKA E O CINEMA
Sinopse: homem religioso vai para o Vaticano na tentativa
de um encontro particular com papa para lhe fazer uma
pergunta. A partir daí ele é constantemente impedido pela
burocracia e pela hierarquia da igreja.
Direção: Marco Ferreri
Argumento: Rafael Azcona; Marco Ferreri
Roteiro: Dante Matelli; Marco Ferreri
Produtor: Franco Cristaldi
Música: Teo Usuelli
Fotografia: Mario Vulpiani
Câmera: Mario Bagnato; Filippo Neroni
Montagem: Giuliana Trippa
Assistente de Direção: Verena D’Alessandro; Michele Guidugli
Arte: Paolo Zacchia
Som: Carlo Diotallevi; Adriano Taloni
Elenco: Enzo Jannacci; Claudia Cardinale; Ugo Tognazzi; Michel
Piccoli; Vittorio Gassman; Alain Cuny; Daniele Dublino
KAFKA E O CINEMA
AS
LO
Sinopse: Karl Rossmann, jovem emigrante europeu de 16
anos, é forçado a emigrar para Nova York para escapar do
escândalo de sua sedução por uma empregada doméstica.
Quando o navio chega à América, ele se torna amigo do
funcionário responsável por alimentar o fogo das caldeiras
de máquina a vapor, que está prestes a ser demitido.
Baseado em um romance inacabado de Franz Kafka.
L’Udienza
Itália/França, cor, 1971, 110 min
Formato original: 35mm
NG
República Checa, cor, 1994, 87 min
Formato original: 35mm
A AUDIÊNCIA
LO
AMERIKA
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NG
AS
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Direção: Martin Scorsese
Roteiro: Joseph Minion
Produção: Robert F. Colesberry; Griffin Dunne; Amy Robinson;
Fotografia: Michael Ballhaus
Montagem: Thelma Schoonmaker
Direção de arte: Stephen J. Lineweaver
Assistente de Direção: Sarah M. Brim; Christopher Griffin; Stephen
Lim; Tomaz Remec; Jeffrey Townsend
Música: Howard Shore
Som: Michael Berenbaum; Louis Bertini; Marko A. Costanzo; Tom
Fleischman;
Elenco: Griffin Dunne, Rosanna Arquette, Verna Bloom, Tommy
Chong, Linda Fiorentino, Teri Garr, John Heard, Cheech Marin,
Catherine O’Hara, Dick Miller
KAFKA E O CINEMA
Sinopse: Henry Spencer tenta sobreviver da indústria
de vírus, de sua raivosa namorada e dos gritos de seu
filho, um bebê mutante.
Direção e Roteiro: David Lynch
Produção executiva: Fred Baker
Fotografia: Herbert Cardwell, Frederick Elmes
Assistente de câmera: Catherine E. Coulson
Assistente de Direção: Catherine E. Coulson
Montagem: David Lynch
Direção de arte: David Lynch
Música: David Lynch
Efeitos especiais: Frederick Elmes; David Lynch
Elenco: Jack Nance, Charlotte Stewart, Allen Joseph,
Jeanne Bates, Laurel Near, Jack Fisk, Jean Lange, Darwin
Joston
KAFKA E O CINEMA
AS
LO
Sinopse: Paul, um operador de computador, conhece e sai com uma
garota estranha, que mora no bairro do Soho, em Nova York. Após o
encontro, ele passa por uma série de imprevistos e situações que o
impedem de voltar para casa.
ERASERHEAD
Estados Unidos, P&B, 1977, 89 min
Formato original: 35mm
NG
After Hours
Estados Unidos, cor, 1985, 97 min
Formato original: 35mm
LO
DEPOIS DE HORAS
73
AS
Casting: Susie Figgis
Efeitos especiais: Philip Elton;
Terry Glass; Jirí Matolín; Ian
Wingrove
Efeitos visuais: Mike Heaviside;
Brian Orris; Charles Staffell
Direção de arte: Leslie Tomkins
Música: Cliff Martinez
Elenco: Jeremy Irons, Theresa
Russell, Joel Grey, Ian Holm,
Jeroen Krabbé, Armin MuellerStahl, Alec Guinness, Brian Glover,
Keith Allen, Simon McBurney
KAFKA E O CINEMA
Sinopse: a escalada de uma imensa escadaria composta pelos
mais variados degraus. Cenas simbólicas ocorrem em diferentes
níveis em que personagens parecem ser prisioneiros de seus atos
e de suas próprias insensatezes. Ataques, explosões maníacas
e a busca desesperada; objetos que se movem independentes:
paredes, pisos e tetos se formam e dispersam. A escadaria
íngreme leva pouco a pouco para as zonas da grande luz, onde
seres humanos e não-humanos se encontram.
AS
NG
74
Direção: Steven Soderbergh
Roteiro: Lem Dobbs
Produção: Harry Benn; Stuart
Cornfeld
Produção executiva: Mark
Johnson; Barry Levinson; Paul
Rassam
Direção de Fotografia: Walt Lloyd
Montagem: Steven Soderbergh
Assistente de Direção: Lee Cleary;
Steve Harding; Zbynek Honzík;
Nick Laws; Mirek Lux; Jirí Ostry;
Alice Ronovska; Guy Travers
L’ange
França, cor, 1982, 64 min
Formato original: 35mm
NG
LO
Sinopse: Praga, 1919. Num castelo que pende para a cidade, numerosas
experiências efetuadas em cobaias humanas inspiram o terror. Kafka,
um modesto funcionário do estado de dia e escritor à noite, leva uma
vida monótona até que seu colega e amigo Eduard Raban some e ele
decide investigar o que está por trás desse desaparecimento.
O ANJO
LO
KAFKA
Estados Unidos/França, P&B, 1991, 98 min
Formato original: 35mm
Direção: Patrick Bokanowski
Produção: Jean-Daniel Yver; Claude Nessi; Christian Daninos; Guy
Coda; Patrick Bokanowski
Assistente de Direção: Jacques Faure; Michel Monteaux
Fotografia e Montagem: Patrick Bokanowski
Música: Michèle Bokanowski
Elenco: Maurice Baquet, Jean-Marie Bon, Martine Couture,
Jacques Faure, Mario Gonzáles, René Patrignani, Rita Renoir
KAFKA E O CINEMA
75
Sinopse: K. é um agrimensor enviado a um vilarejo, a
trabalho. Lá, descobre a existência de um castelo misterioso,
ao qual apenas alguns privilegiados têm acesso. Ele decide
conhecer o lugar a todo custo, mas logo percebe que a tarefa
não será fácil.
Sinopse: numa certa manhã, Josef K. é acusado de um crime
que, supostamente, sequer sabe que cometeu. Porém luta
para se defender.
AS
KAFKA E O CINEMA
Direção: Orson Welles
Adaptação: Pierre Cholot
Roteiro: Orson Welles
Produção: Robert Florat;
Alexander Salkind; Michael
Salkind
Música: Jean Ledrut
Direção de Fotografia: Edmond
Richard
Operador de câmera: Adolphe
Charlet
Montagem: Yvonne Martin;
Frederick Muller; Orson Welles
(não creditado)
Direção de arte: Jean Mandaroux
Assistente de Direção: Marc
Maurette; Sophie Becker; Paul
Seban
Arte: Jean Bourlier; Jacques
Brizzio; Madame Brunet; Jean
Charpentier
Som: Jacques Lebreton; Guy
Villette; Julien Coutelier; Urbain
Loiseau; Guy Maillet
Efeitos especiais: Denise Baby
Elenco: Anthony Perkins, Arnoldo
Foà, Jess Hahn, Billy Kearns,
Madeleine Robinson, Jeanne
Moreau, Maurice Teynac, Romy
Schneider, Orson Welles
KAFKA E O CINEMA
AS
NG
Le Procès
França, Itália e Rep. Federal da Alemanha, P&B, 1962, 118 min
Formato original: 35mm
NG
LO
Das Schloß
Alemanha/Áustria, cor, 1997, 123 min
Formato original: 35mm
Direção e Roteiro: Michael Haneke
Produção: Veit Heiduschka; Christina Undritz
Fotografia: Jirí Stibr
Montagem: Andreas Prochaska
Casting: Sabine Schroth
Assistente de Direção: Hanus Polak Jr.
Arte: Peter Ecker; Hans Wagner
Som: Hannes Eder; Hubert Henle; Hans-Walter Kramski; Marc
Parisotto; Andreas Schneider; Max Vornehm
Elenco: Ulrich Mühe, Susanne Lothar, Frank Giering, Felix
Eitner, Nikolaus Paryla
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O PROCESSO
LO
O CASTELO
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NG
AS
Direção: Maurice Capovilla
Argumento e Roteiro: Maurice Capovilla; Fernando Peixoto
Direção de Produção: Hamilton de Almeida
Produtor associado: Odécio Lopes dos Santos
Assist. de Produção: Roman Stulbach; Jan Koudela; Alexandre Solnick
Assistência de Direção: Hermano Penna
Direção de Fotografia: Jorge Bodanzky
Câmera: Jorge Bodanzky
Montagem: Sylvio Renoldi
Técnico de Som: Julio Peres Cabalar
Figurinos e Cenografia: Flávio Império
Elenco: José Mojica Marins, Maurício do Valle, Júlia Miranda, Sérgio
Hingst, Jofre Soares, Flávio Império, Silvio Evangelista, Fuxico.
KAFKA E O CINEMA
Brasil/França, cor, 1972, 85 min
Formato original: 35mm
Sinopse: um casal vive uma estranha e indecifrável aventura,
mesclado de drama e comédia, em lugar e época indeterminados,
após uma catástrofe que modificou o estado natural do mundo e
destruiu até o último vestígio a sociedade humana.
Direção e Roteiro: Nelson Pereira dos Santos
Argumento: Gerald Levy-Clerc; Nelson Pereira dos Santos
Direção de Produção: Carlos Alberto Diniz
Produção executiva: Ariane Lopez Huici
Assistência de Direção: Pierre-Henry Deleau; Luiz Carlos Lacerda de
Freitas
Direção de Fotografia: Dib Lutfi
Assistência de câmera: Antônio Luiz Soares
Técnico de Som: Nelson Ribeiro
Sonoplastia: Geraldo José
Montagem: André Delage
Elenco: Frédéric de Pasquale, Sylvie Fennec, Regina Rosemburgo,
Jean-Dominique Ruhle, Noelle Adam, Manfredo Colasanti, Arduíno
Colasanti
KAFKA E O CINEMA
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Sinopse: a história de um faquir que trabalha em um circo paupérrimo
do interior. Quando o circo pega fogo ele inicia com sua mulher uma
longa caminhada acompanhado pelo domador do circo, um homem
violento e mau. Ao chegar em uma cidade em festa ele apresenta um
número sensacional: o de um crucificado vivo. Ele atrai muita gente
com o espetáculo mas é preso, e na prisão descobre a chave do sucesso:
o jejum.
QUEM É BETA?
NG
Brasil, P&B, 1969, 93 min
Formato original: 35mm
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O PROFETA DA FOME
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Klassenverhältnisse
República Federal da Alemanha/França, P&B, 1984, 130 min
Formato original: 35mm
Sinopse: documentário sobre Franz Kafka narrado por alguns de
seus melhores amigos, usando atores para interpretar pessoas
que o conheciam, incluindo Max Brod, Milena, Felice Bauer,
Gustav Janouch, entre outros.
Sinopse: baseado em O Desaparecido ou Amerika, obra inacabada de Franz
Kafka, trata das relações de classe e da sociedade criada pelo capitalismo
— cruel, caprichosa e absurda. Um burguês alemão é forçado a sair de
sua terra após um escândalo, mudando-se para a Amerika. No entanto,
é incapaz de se adaptar à realidade do trabalho, no novo continente
alegórico construído por Kafka.
Direção e Roteiro: Richard Dindo
Produtora: Lea Produktion GmbH, Les Films d’Ici, Schweizer Radio und
Fernsehen, ARTE France – Unité de Programmes Documentaires
Produção executiva: Richard Dindo, Serge Lalou
Fotografia: René Baumann
Montagem: Anne Lecour; René Zumbühl
Som: Martin Witz; Dieter Meyer; Florian Eidenbenz;
Música: Maurice Ravel
Casting: Corinna Glaus
Elenco: Alexander Wachholz (Max Brod), Carl Achleitner (Gustav
Janouch), Irene Kugler (Felice Bauer), Peter Kaghanovitch (Max Pulver),
Hana Militká (Milena Jesenská), Renata Stachowicz (Dora Diamant)
KAFKA E O CINEMA
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Wer War Kafka?
Suíça / França, cor, 2006, 96 min
Formato original: 35mm
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RELAÇÕES DE CLASSE
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QUEM FOI KAFKA?
Direção: Jean-Marie Straub e Danièle Huillet
Argumento baseado em “O Desaparecido ou Amerika”, de Franz Kafka
Montagem: Jean-Marie Straub e Danièle Huillet
Assistência de Direção: Klaus Feddermann; Alf Olbrisch; Berthold
Schweiz; Manfred Sommer
Câmera: Caroline Champetier; William Lubtchansky; Christophe Pollock
Som: Manfred Blank; Louis Hochet; Georges Vaglio
Elenco: Christian Heinisch, Nazzareno Bianconi, Mario Adorf, Laura
Betti, Harun Farocki, Manfred Blank, Reinald Schnell, Anna Schnell, Klaus
Traube
KAFKA E O CINEMA
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CRÉDITOS
Realização
Insensatez Audiovisual
Luzes da Cidade – Grupo de
Cinéfilos e Produtores Culturais
Tradução dos textos
João Ulisses de Melo Filho
Leonardo Esteves
Lucas Murari
Curadoria
Lucas Murari
Luiz Garcia
Revisão de Textos
Lucas Murari
Coordenação de Produção
Aleques Eiterer
Marília Lima
Pedro Nogueira
Produção de Cópias
Raquel Rocha
Editoração do Catálogo
Lucas Murari
Luiz Garcia
Textos
Cédric Anger
Hernán Ulm
Luís Alberto Rocha Melo
Luiz Soares Júnior
Maria Cristina Franco Ferraz
Milan Kundera
Mesa de debates
Hernani Heffner
Lucas Murari
Maria Cristina Franco Ferraz
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Tradução e Legendagem dos Filmes
Felipe Gonçalves
Projeto Gráfico, Web Designer e
Vinheta
Inhamis Studio
Assessoria de Imprensa
Isabelle Lindote
Redes Sociais e e Assistência de
Produção
Fausto Junior
Registro Fotográfico e Videográfico
Louise Ralola
Pedro Nogueira
Projecionista
Luiz Guilherme Richard
Fotografias
Divulgação
KAFKA E O CINEMA
Agradecimentos
Alex Sandro Martoni
Amandine Claude
Amélie Rayroles
Amy Solan
Antonio Laurindo
Arndt Röskens
Barbara Ulrich
Bernard Payen
Christian Caselli
Daniel Pérez
Diana
Dominique Bax
Eleni Gioti
Eliška Kaplicky Fuchsova
Éric Séguin
Fabricio Felice
Flávio Pougy
Francesca Tripodi
Guelfo Ascanelli
Hernani Heffner
Juliana Azzouz
Karen Lima
Louise Ralola
Marcia Pereira dos Santos
Margot Rossi
Maria Chiaretti
Mariana Marques
Marine Goulois
Mark Johnson
Massimo Cristaldi
Mateus Araújo Silva
Renato Bissa
Vanda Eiterer
Zeudi Araya Cristaldi
e os cineastas com filmes presentes
na mostra e todas outras pessoas
que nos ajudaram neste projeto
KAFKA E O CINEMA
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Cuide da natureza. Recicle!
Alvará de Funcionamento da CAIXA Cultural RJ: nº 041667, de 31/03/2009, sem vencimento.
Acesse caixacultural.gov.br
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Baixe o aplicativo CAIXA Cultural
#ZikaZero. Um mosquito não é mais forte que um país inteiro.
Participe da luta contra o Aedes aegypti.
Realização
Apoio
Patrocínio
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