8º Encontro da Associação Brasileira de Ciência Política, Gramado

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8º Encontro da Associação Brasileira de Ciência Política, Gramado
8º Encontro da Associação Brasileira de Ciência Política, Gramado, RS, 1-4 ago. 2012
Violência contra a mulher: de ícone do patriarcado a paradoxo da democratização? 1
Nathalie Reis Itaboraí (Doutoranda em Sociologia – IESP/UERJ)
Em memória de Adelaine Silva Damasceno e Leila Bramusse e em
solidariedade a seus familiares e amigos.2
1
Resta esse constante esforço para caminhar dentro do labirinto
Esse eterno levantar-se depois de cada queda
Essa busca de equilíbrio no fio da navalha
Essa terrível coragem diante do grande medo, e esse medo
Infantil de ter pequenas coragens. (O haver, Vinicius de Moraes)
Resumo: Analisam-se mudanças no significado da violência contra a mulher a partir de dados
históricos e estatísticos. Dos “crimes de honra” do início do século XX aos feminicídios do
início do século XXI a única constante é o fato de que as vítimas são mulheres. No passado, a
dependência econômica das mulheres e os estereótipos que as prendiam à vida familiar
favoreciam o silenciamento da violência, naturalizada quando rotineira e justificada quando
fatal. Hoje, a escolarização e profissionalização femininas e a diversificação dos arranjos
familiares tendem a colocá-las em condições mais favoráveis na balança de poder dos casais
(hoje menos hierárquicos quanto à educação, renda, idade etc.), além do que novos marcos
regulatórios incitam a denúncia e punem a violência contra a mulher, levando a interpretar sua
persistência como uma reação extrema justamente ao empoderamento feminino em curso.
Apresentação
Tema central da agenda feminista, a violência contra a mulher tem muitas faces.
Dos feminicídios (ou femicídios), nova e debatida nomenclatura que enfatiza o fato da mulher
ser morta por sua condição de gênero, passando pelos crimes sexuais e a violência doméstica
cotidiana, a “violência contra a mulher” é sim um termo de mobilização feminista empunhado
com força desde os anos 1970 no Brasil, quando muitos assassinos de mulheres ficavam
impunes apoiados em argumentos – que persistem com variações desde o período colonial –
de honra ou outros estereótipos sociais que justificavam a arbitrariedade da dominação
masculina.
Se a gênese da violência contra a mulher é eminentemente um problema de
gênero, sua solução deve ser pensada simultaneamente como um problema de segurança
1
Agradeço ao professor Gláucio Soares pelo exemplo intelectual e humano, além do incentivo e preciosas
recomendações que me levaram a esse primeiro exercício de investigação na área da violência contra a mulher.
Sou grata também aos colegas do IESP Andréia Cidade, Daniel Biagioni, Rodrigo Cantu, Marília Márcia C. da
Silva e Vinícius Werneck B. Diniz, que me disponibilizaram bancos de dados ou me fizeram valiosas sugestões.
Agradeço ainda a Korey de Santiago Correa (UNAM Aguascalientes) e Cristina Herrera (Instituto Nacional de
Salud Pública de México) que generosamente compartilharam suas ideias e pesquisas.
2
Por duas vezes tentei, sem êxito, escrever sobre violência contra a mulher diante de dois crimes que me
comoveram profundamente, pois, embora não conhecesse pessoalmente as vítimas, mantinha laços de amizade
com seus familiares. Meu silêncio naqueles momentos não deixou, todavia, de ser um reconhecimento de que
qualquer Sociologia é inútil diante de dor tão terrível.
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pública e de saúde pública. É essa dupla inserção que se reivindica aqui, considerando que
compreender as relações de gênero que subjazem tantas vidas perdidas - e tantas mulheres
mortas em vida com a violência que perpassa o cotidiano das relações de gênero - é um
esforço fundamental para diagnosticar e buscar estratégias para transformar um triste quadro
em que “amor” rima com dor. Pensar as relações de gênero é importante para diagnosticar
porque pode se supor que a maior parte da violência contra a mulher fique invisível às
estatísticas oficiais – por medo, vergonha, desconhecimento de direitos etc. Pensar as relações
de gênero é importante também para buscar estratégias porque há que diferenciar os vários
tipos de violência – como dito, insuficientemente diagnosticadas – para buscar diferentes
abordagens preventivas e punitivas de forma a resolver um problema de segurança pública e
reduzir seus impactos na saúde pública – em especial, mas não só, na saúde das mulheres.
O artigo está dividido em quatro partes. Na primeira, busca-se uma breve análise
histórica para mostrar a longevidade do problema no país e deixar claro que há novidades e
continuidades na história da violência contra a mulher. Estatísticas contemporâneas são
apresentadas a seguir de forma a evidenciar o quadro atual da violência contra as mulheres,
comparando sua especificidade em relação à violência experimentada pelos homens, bem
como os diferentes perfis das vítimas femininas conforme os tipos de crime. A seguir, discutese a relação entre violência contra a mulher e dominação masculina, pensando as raízes de sua
persistência em meio à melhoria na posição relativa das mulheres na sociedade nas últimas
décadas. Por fim, sugerem-se algumas possíveis estratégias para dar visibilidade, melhor
diagnosticar e buscar estratégias para talvez alcançar uma sociedade em que as relações de
gênero sejam menos objeto de dor e mais de alegria.
Violência contra a mulher numa perspectiva histórica: de ícone do patriarcado a tema
da agenda feminista
No Brasil da colonização portuguesa, violência e desigualdade de gênero se
conjugavam, num contexto em que o poder dos homens sobre as mulheres era bastante
institucionalizado. Trata-se de uma história não só de controle do corpo feminino – e da
sexualidade em especial – mas também de controle da circulação no espaço público e da
autonomia de decisão feminina em geral.
Não se pode olvidar que, desde sempre, as desigualdades de gênero misturam-se
com outras hierarquias sociais, em especial as socioeconômicas. Nas camadas superiores, o
controle masculino era bastante claro. Primeiro, o pátrio poder, resguardado pelo Estado, se
exercia no controle das jovens e na necessidade de autorização paterna para se casar.
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Pressupunha-se da mulher casadoura a virgindade e, para garantia de sua honra, se preciso, a
aprisionavam em conventos ou recolhimentos. Depois de casada, cobrava-se a fidelidade
feminina, sendo o adultério passível de ser punido com a morte: seguramente a da esposa
“adúltera” e também a do “sedutor”, caso esse não fosse de condição social superior a do
marido traído3. A violência doméstica era aceita, sendo reconhecido o direito do marido
“corrigir” a esposa, servindo apenas os casos excessivos como justificativa para separações. A
violência que excedia a correção socialmente permitida e o adultério masculino, sendo a
primeira a mais citada e eficaz, eram as justificativas utilizadas pelas mulheres, cansadas de
viverem subjugadas, para solicitar a separação aos tribunais eclesiásticos. A credibilidade da
solicitante dependia, de preferência, da acusação de sevícias implicar risco de vida para a
mulher.
O controle sobre as mulheres era geral, mas atingia mais fortemente as de melhor
posição social. Nas camadas superiores, a concepção de honra familiar era resguardada pela
restrição da autonomia das mulheres, praticamente enclausuradas no espaço familiar ou
espaços externos direcionados a esse fim (recolhimentos e conventos). As mulheres da
população pobre livre e as escravas de ganho usufruíam de maior liberdade, com uniões
geralmente consensuais e precários trabalhos remunerados, mas com os estigmas
correspondentes4. “Mulheres seduzidas” e mães abandonadas presentes nessas camadas, em
situação de empobrecimento e fragilidade social, eram frequentes. “Se o casamento era então
coisa de elite, a promessa de casamento circulava de alto a baixo na sociedade colonial”
(PRIORE, 1995, p. 72). Promessas de casamento eram correspondidas com dádivas amorosas,
muitas vezes culminando em processos nos tribunais eclesiásticos – mais tarde nos civis,
como com as “meninas perdidas” analisadas no contexto da Primeira República por Esteves
(1989) – exigindo reparação quando o amor passa a ser percebido como exploração sexual, o
que deixa claro que as mulheres eram capazes de usar as instituições em seu benefício, como
3
A estratificação manifesta-se no Direito Penal da tradição portuguesa transplantado para o Brasil,
particularmente ilustrativo no caso do adultério: “A distinção fundamental é, porém, a que opõe o peão à pessoa
de mor qualidade, ou seja, aos clérigos e aos nobres. O clero tem foro privativo; o fidalgo quando é preso, é-o no
castelo, com menagem, ao passo que o comum vai para a cadeia da cidade – tronco [...] A variação da natureza
da pena ou a sua proporcionalidade consoante a qualidade, estado e condição do criminoso, do autor do delito ou
infractor mantém-se para todos os crimes, delitos e infracções. Ao açoite tratando-se de peão, corresponde o
degredo em pessoa de mor qualidade. [...] O adultério é punido (a menos de perdão do marido) com execução
capital dos dois culpados; mas se o adúltero for de mor condição que o marido, por exemplo, aquele fidalgo e
este cavaleiro ou escudeiro, ou aquele cavaleiro e escudeiro e este peão, a sentença não será executada sem
confirmação régia [...] ao marido que encontrar a mulher em adultério é lícito matar o adúltero, mas não se este
for fidalgo, cavaleiro ou de semelhante qualidade. Estas medidas revelam bem o sentido hierárquico da
sociedade e quanto o poder está a serviço da preservação dessa hierarquia.” (GODINHO, 1971, p. 59-61).
4
A Igreja rotulava de prostituição as formas não-ortodoxas de relações extra-conjugais encontradas nas camadas
menos favorecidas, bem como, para a opinião pública, as mulheres pobres que saíam a noite eram vistas como
prostitutas.
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resistência à ordem patriarcal. Na proteção destas mulheres pela Igreja expressava-se um
propósito tanto de repúdio a transgressão quanto de disciplinamento. “Ajudando, por assim
dizer, tais mulheres, a Igreja possivelmente as controlava melhor.” (PRIORE, 1995, p. 75).
Tal desejo de controle eclesiástico somava-se aos interesses das mulheres num mundo em que
sua estabilidade e proteção passavam pelo casamento – certamente contrastando com a visão
masculina (muitas vezes desejosos de esquivarem-se de responsabilidades familiares), num
conflito de gênero mediado por instituições que atravessa os séculos.
Mais pesada era a opressão sobre as mulheres escravas, que eram objeto de
violência sexual dos homens brancos, com a sifilização das escravas e de seus filhos pardos,
violência física das senhoras pelas rivalidades surgidas do comportamento de seus maridos,
negação de sua maternidade e apropriação de sua capacidade de amamentar e cuidar. A
historiografia cuida de demonstrar que, mesmo nessas situações extremas, a violência não foi
aceita passivamente, entre “as formas de resistência que desenvolveram estas escravas contra
a sua incorporação forçada à casa de seus senhores [incluíam-se] fugas, crimes, mas também a
pequena e incontrolável sabotagem quotidiana” (GIACOMINI, 1988, p. 62-63).
Intensas transformações na vida das mulheres começam a se desenhar no século
XIX e mais intensamente no século XX. O declínio do patriarcado e a redução das restrições
sobre as mulheres são tratados em Sobrados e Mucambos, onde Freyre contrapõe a lenta
desintegração dessa ordem ao desenvolvimento do Estado Brasileiro, a partir da vinda da
corte portuguesa para o Brasil. A urbanização em curso caminha pari passu com o declínio da
autoridade patriarcal, enquanto uma série de instituições modernas – a escola e a medicina em
especial - começam a se consolidar com efeitos visíveis sobre a posição das mulheres e dos
filhos nas famílias senhoriais.
Num ambiente de mudança os crimes contra os costumes proliferam: processos de
atentado ao pudor, estupro e rapto revelam depoimentos de ofendidas que precisam convencer
juristas e policiais – sempre reticentes sobre as jovens das camadas baixas, vistas como
“meninas perdidas” - de que possuíam um conceito de honra vinculado à virgindade e ao
casamento regular, numa realidade em tudo distinta. Sabidamente honra tinha significado
diferente para as mulheres pobres que declaravam conquistas, tinham relações sexuais,
circulavam nas ruas, procuravam prazer e lazer, e cujos parentes não tinham tempo de
controlar suas condutas até porque as jovens precisavam trabalhar (ESTEVES, 1989).
Analisando também as intensas transformações do Rio de Janeiro entre 1890 e
1920, Soihet mostra que as mulheres de classe baixa, que sempre usufruíram de maior
liberdade de circulação, inclusive se envolvem em crimes como agressoras, sobretudo
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reagindo à violência ou infidelidade de seus companheiros. Embora considerando a tese de
uma maior violência nas classes baixas como um extravasamento masculino compensatório
de sua submissão em outras esferas, a autora destaca a menor assimetria dos casais que
implicava negação do modelo de homem dominador e mulher submissa próprio da classe
dominante.
5
Algumas reagiam à violência física contra elas desencadeada por seus
companheiros, rejeitando a tradicional postura de aceitá-la submissa e passivamente.
Outras recusaram-se a suportar situações humilhantes chegando mesmo a abrir mão
do matrimônio, instituição que, como vimos, era altamente valorizada para a mulher,
na época. As condições concretas de existência dessas mulheres, com base no
exercício do trabalho, partilhando com seus companheiros da luta para a
sobrevivência, contribuem para o desenvolvimento de um forte sentimento de autorespeito, o que lhes permite reivindicar uma relação mais simétrica [...] (SOIHET,
1989, p. 268-269)
Nas classes superiores o menor controle sobre as mulheres, já não enclausuradas,
deu margem à afirmação de sua afetividade e sexualidade inclusive em relações não
conjugais. A trágica história envolvendo o escritor Euclides da Cunha, sua esposa e o amante
desta demonstra que os então chamados crimes de honra eram a parte de sombra dos não tão
eufóricos anos da Belle Époque. Matar, mesmo que para defender-se de uma tentativa de
homicídio, um escritor do porte de Euclides da Cunha, não é um crime qualquer e custou caro
a Dilermando de Assis, jovem militar amante de Dona Saninha, esposa de Euclides, deixando
claro que o sistema de honra que subjaz o patriarcado oprime homens e mulheres de
diferentes – mas igualmente intensas – formas.
Oprimidos pelas regras de então, com a indissolubilidade do matrimônio –
passível de uma separação amigável pela alegação de incompatibilidade que Dona Saninha
chegou a tentar, na sua situação extrema de ter engravidado de Dilermando numa das
prolongadas ausências do escritor – e um pesado sistema de honra que praticamente exigia,
como reparação, punir com a morte o amante e a esposa adúltera, a situação obrigou, em
distintos momentos, Euclides pai e Euclides filho a encontrar a morte (ambos pelas mãos de
Dilermando) em suas tentativas de lavar a honra familiar, o que era plenamente justificado
pelos valores de então.
Não havia nada pior para um homem casado do que uma esposa adúltera. A
vergonha era abissal. No círculo de amigos do escritor, pairava um silêncio sobre o
assunto “família”. O patriarcalismo não era violento só com as mulheres. Com os
homens também. Por um lado acusava-se a mulher. E por outro, entre risos e
chacotas, discutia-se o desempenho ineficiente do corno. [...] Havia quem matasse
até por “desconfiar da fidelidade” da esposa. Não só o desamor no casamento levava
a abusos e agressões. A ameaça da quebra da supremacia do poder masculino era
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fator corriqueiro de desentendimento. O marido reagia ao ver os valores tradicionais
abalados. (PRIORE, 2009, p. 21, 23)
De sedutora a seduzida, de ativa a passiva, a desconstrução da ação de Dona
Saninha – do que ela mesma aproveitou-se, num primeiro momento, em sua defesa: “a
‘histeria’ cabia como uma luva em Dona Saninha” (p. 85) –, reitera os estereótipos da
fragilidade feminina presente na sociedade brasileira do início do século XX, cabendo a culpa
ao jovem Dilermando (que só encontrou defesa e absolvição através do advogado Evaristo de
Morais). A batalha de significados se travou nos jornais, com forte influencia dos defensores
de Euclides, numa sociedade em que honra ou boa fama eram centrais na construção da
imagem pública. “Afinal, nestes tempos, a difamação era um esporte, prevenia João do Rio.
[...] O Rio de Janeiro era a capital do mexerico e da calúnia.” (PRIORE, 2009, p. 75). Vencido
o processo judicial, restou, portanto, a ira da sociedade. Dilermando e Saninha, casados e com
filhos da união anterior dela e de sua atual união, eram vistos como delinquentes em sua
exceção aos modelos familiares, o que lhes restringia o espaço público, físico ou simbólico,
dada a campanha difamatória nos jornais – “Se antes ela [Dona Saninha] parecia ‘protegida’
por sua histeria, era agora taxada de ‘transviada’”(PRIORE, 2009, p. 105)5.
A despeito da intensificação das mudanças no século XX, que permitiram as
mulheres usufruir da sociabilidade urbana e de novos espaço de escolarização e trabalho, a
ocupação feminina do espaço público e a liberalização dos costumes não foi jamais
conquistada plenamente. As mudanças nas mentalidades no que diz respeito às relações de
gênero comportam ambiguidade suficiente para que persistam ainda no século XXI não só a
violência de gênero como também a absolvição dos homens sob o antigo argumento da defesa
da honra. A sobrevivência de brechas legais que permitem esse tratamento, a discriminação e
violência de gênero institucional presente na interpretação e aplicação da lei nos tribunais, as
decisões dos tribunais de júri6 permeadas de um imaginário de honra são uma clara indicação
de que séculos de patriarcado não se dissolvem facilmente, fazendo com que, em prejuízo dos
direitos humanos femininos, a alegada honra masculina se sobreponha a integridade física e
5
Não menos dura era a opinião pública com Dilermando, perseguido inclusive nas oportunidades profissionais a
despeito de ser exímio militar, culpado com a hemiplegia e posterior suicídio de seu irmão causada por um tiro
recebido de Euclides, chegou a escrever um livro com sua defesa e versão dos fatos. “Aos 27 anos, pai de cinco
filhos, arrimo do irmão doente, casado com uma mulher que tinha que esconder, Dilermando lutava contra o
inexorável: a opinião pública, a imprensa, a mentalidade machista que ao mesmo tempo incentivava e condenava
o acerto de contas” (PRIORE, 2009, p. 134).
6
Cuja competência é objeto de debate, já que mesmo quando os jurados absolvem o homicida em decisão
contrária às provas dos autos, os Tribunais de Justiça dos Estados apenas podem anular a decisão dos jurados e
determinar a realização de um novo julgamento pelo Tribunal de Júri, com novos jurados, que pode acabar por
absolver novamente o homicida.
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liberdade sexual das mulheres7. Como demonstram Pimentel, Pandjiarjian e Belloque (2006,
p. 94), “a cultura da sociedade brasileira, que ingressa no século XXI, ainda entende como
não recriminável a conduta de homens que matam ou ferem suas esposas, companheiras ou
namoradas em nome de uma suposta honra conjugal ou familiar”8, numa atitude de proteção
da família patriarcal em detrimento de seus integrantes, além do reforço ao sentimento
machista de propriedade sobre a mulher. Argumentando sobre a atualidade do paradigma
ibérico da honra na cultura latino-americana, León Galarza (2006) também demonstra que
este continua atuando como um classificador nas hierarquias de gênero, mesmo que não na
forma pura da matriz ancestral vigente anteriormente9.
Os “crimes de honra” mantêm-se importantes, mas a mobilização feminista contra
eles se fez cada vez mais sentir, como nos casos analisados por Eluf na obra A paixão no
banco de réus. Casos célebres de assassinato de mulheres e seu impacto no imaginário social
ilustram as resistências da sociedade e dos próprios operadores do direito (com o bastante
analisado reforço institucional aos valores patriarcais) e a reação feminista, que culminará na
criação de uma agenda política em torno da violência contra a mulher que é inseparável da
história do feminismo no Brasil.
Um exemplo foi o caso do assassinato de Ângela Diniz por Doca Street, absolvido
no primeiro julgamento, mas que sofreu a pressão do movimento feminista para sua efetiva
condenação, bem como teve repercussão na visibilidade de outras denúncias10.
7
Liberdade sexual afirmada mais fortemente desde os ventos contraculturais dos anos 1960, mas ainda hoje não
plenamente aceita, dados os preconceitos e estereótipos femininos ainda existentes.
8
Note-se que a doutrina e a jurisprudência brasileira não reconhecem a honra conjugal ou da família, sendo a
honra um atributo próprio e personalíssimo. Embora o Código Penal de 1940 continue em vigor, a Lei 11.106, de
28 de março de 2005 veio a alterar diversos artigos referentes aos crimes sexuais, pondo fim à figura penal do
adultério, bem como a admissão do casamento com a vítima como reparação à violência sexual. Cai por terra
também a figura da “mulher honesta” ou “mulher virgem” que representavam um desrespeito à liberdade sexual
da mulher.
9
“Hacia el siglo XVIII, el sentido de honor que estaría vigente en los códigos culturales criollos comprendía los
siguientes parámetros sociales: valor de la propia persona, a partir de su prudencia, ánimo, justicia y valentía;
hacienda, nobleza y antigüedad de los antepasados; dignidad u oficio honroso, buen apellido y gracioso nombre;
buen atavío de la persona. (Caro Baroja, 1968) Estos parámetros del prestigio y más valer se complementaban
con la virtud sexual – virginidad o castidad – y vergüenza de las mujeres del clan familiar; siendo todo esto
referido al honor del grupo de parentesco y en especial de los deudos varones (León, 1997: 49-54), siendo esto
un fenómeno muy fuertemente expresado en la esfera criolla.” (LEÓN GARLARZA, 2006, p. 215).
10
Parece ser típico do Brasil o uso de casos exemplares para mobilizar o restante da sociedade, como ocorreu
com o aumento de denúncias de abusos de crianças após o relato da apresentadora de TV Xuxa recentemente.
Outra faceta dessa personalização que permite uma identificação com casos individuais é o emprego de nomes
de vítimas de violência nas leis: é o caso não só de Maria da Penha, mas também da nadadora Joanna Maranhão
que dá seu nome a lei 12.650, que altera as regras sobre a prescrição do crime de pedofilia, estupro e atentado
violento ao pudor praticados contra crianças e adolescentes, cujos parzos agora só começam a ser contados
quando a vítima completa 18 anos (caso o Ministério Público não tenha antes aberto ação penal contra o
agressor). Trata-se de uma estratégia política interessante em seus efeitos, ao mostrar que mesmo ilustres passam
por tais violências.
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Os movimentos feministas fizeram grandes protestos, a acusação recorreu e Doca foi
novamente levado a julgamento, dois anos depois, em novembro de 1981. [...] Dessa
segunda e última vez, Doca foi condenado, por homicídio qualificado, a quinze anos
de reclusão. O júri entendeu, por 5 votos a 2, que ele não agiu em legítima defesa de
direito algum, muito menos de sua honra ferida.
Conforme registrado pela revista Veja de 11-11-1981, depois da absolvição de Doca
Street em seu primeiro julgamento, “a organização feminista SOS Mulher catalogou
722 crimes impunes de homens contra mulheres por questões de ciúmes [...]”
(ELUF, 2003, p. 69)
Dessa mobilização, constam também as faixas dos piquetes feministas na frente
dos fóruns com o slogan “Quem ama não mata”, verdadeiro marco nas campanhas contra a
violência infringida às mulheres. Igualmente importante foi a mobilização em torno da morte
da atriz Daniella Perez, pois “deve-se a um movimento liderado pela mãe de Daniella, Gória
Perez, a inclusão do homicídio qualificado no rol dos crimes hediondos, previstos na Lei n.
8.072/90.” (ELUF, 2003, p. 92), com tratamento legal mais severo, não havendo possibilidade
de fiança, nem de cumprir a pena em regime aberto ou semi-aberto.
Tais crimes famosos foram mobilizados pelo movimento feminista na construção
da noção de violência contra a mulher e de violência doméstica como crime11. Nota-se que do
relacionamento entre movimento feminista e Estado emerge uma agenda em torno da
violência contra a mulher, com uma evidente evolução da legislação e da infraestrutura pública e da sociedade civil - para enfrentar a violência contra mulher.
A atuação do movimento feminista segue em especial através de ONGs dedicadas
a questão da violência, cujo número hoje é expressivo12. Ao mesmo tempo, as instituições
públicas vêm ganhando maior força e organização. Pasinato e Santos (2008) mostram a
evolução das Delegacias Especializadas no Atendimento à Mulher (DEAMs) no Brasil,
tratando-as dentro do quadro da evolução geral da legislação a respeito da violência contra a
mulher. Se as delegacias são uma iniciativa do Estado, não deixam de ser uma interlocução –
e não apenas uma resposta – à militância feminista.
Considerada hoje a principal política pública de atendimento à mulher vítima de
violência, as DEAMs surgem favorecidas pelo contexto da Segunda Onda do Feminismo e da
11
Uma opção muito preliminar de medir isso seria verificar a repercussão dos casos de violência contra a mulher
através da menção a temas chave em jornais e revistas de circulação nacional.
12
Para um levantamento ver os sites da Abong (http://www.abong.org.br/) ou do Observatório da Violência de
Gênero da Agência Patrícia Galvão (http://www.agenciapatriciagalvao.org.br/). Interessante notar o potencial de
diálogo interclasses que as Ongs possibilitam. A atuação da Ong Feminista gaúcha Themis (BONETTI, 2001) na
capacitação de promotoras legais cria uma forma nova de participação política, integrando mulheres de camadas
sociais diferentes, com recursos de conhecimentos e experiências variáveis quanto a violência de gênero.
Demonstra ainda os desafios deste diálogo, como a compreensão das perspectivas e anseios variados, diálogo
sem o qual se corre o risco muito comum de impor às classes populares uma agenda alienígena – seja ela,
feminista, jurídica ou estatal.
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redemocratização do país, tendo a primeira DEAM sido criada em 1985 em São Paulo como
iniciativa do governo de Franco Montoro (MDB, 1982-1985), que havia também criado um
Conselho Estadual da Condição Feminina em 1983. Desde então as alianças entre os
movimentos de mulheres e partidos no poder13 desenvolveram em torno da viabilização de
medidas em relação ao quadro denunciado pelas feministas desde os anos 1970 de
impunidade de assassinos e agressores e de descaso da polícia quanto à violência contra as
mulheres. A despeito de que não havia antes delegacias especializadas que reconhecessem a
vulnerabilidade de determinado grupo e sua dificuldade de acesso à justiça, a DEAM foi
rapidamente legitimada pela expressiva demanda, o que incentivou a criação de outras
DEAMs pelo país.
Como expõem Pasinato e Santos, a presença das delegacias especializadas tornase crescente na sociedade brasileira. As DEAMs passam de 125 em 1993 para 307 em 2001 e,
finalmente, 403 em 2007. Críticas persistem, uma vez que as demandas feministas de
capacitação dos profissionais das DEAMs para uma perspectiva de gênero no atendimento
sempre foram recebidas com resistências. O atendimento não é feito exclusivamente por
mulheres como esperado, assim como não cessaram as falas machistas e grosseiras dos
policiais (não necessariamente dos policiais homens). Outras demandas como Casas Abrigo
ou assistência psicológica e social apontam para a necessidade de uma rede articulada de
serviços que nem sempre funciona bem ou é concentrada em determinadas áreas reforçando
as desigualdades sociais e espaciais no país.
Uma pesquisa da Secretaria Nacional de Segurança Pública, citada por Pasinato e
Santos permite visualizar o aparato institucional que responde hoje pela violência contra a
mulher e realça onde caminhou ou não a integração da DEAM ao restante dessa estrutura de
atendimento.
A articulação entre as delegacias da mulher, os Institutos Médico-Legais, o
Judiciário (Juizados Especiais, Varas da Infância e Juventude, Varas de Família,
Ministério Público e Defensorias) e serviços de saúde da rede pública e Conselhos
Tutelares foi considerada como ótima ou boa por mais de 60% das delegacias
pesquisadas. No extremo oposto dessa avaliação –ou seja, casos em que a
articulação é péssima ou nem mesmo existe– encontram-se Casas Abrigo, Núcleos e
Postos de Atendimento à Mulher, ONGs e Conselhos de Direitos da Mulher. A
avaliação como péssima ou inexistente também apareceu para mais de 60% das
delegacias que participaram da pesquisa (2008, p. 29).
A articulação entre segurança pública e saúde é outra dimensão promissora,
fortalecida pela tendência de absorção do problema da violência pelas ONGs feministas
13
Aliança muito menos difícil que outros temas da agenda feminista como os direitos reprodutivos (em especial,
o direito ao aborto), visto que há um relativo consenso quanto a não desejabilidade da violência contra a mulher.
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dedicadas à questão de saúde, bem como a pesquisa científica que vem favorecendo o
reconhecimento da violência como um problema de saúde pública (SCHRAIBER;
D’OLIVEIRA, 1999), diante dos impactos da violência na saúde física e psicológica das
mulheres, com custos inclusive econômicos (faltas ao trabalho, por exemplo). Além disso, a
atuação do Ministério da Saúde somou-se à luta contra a violência.
Contribuem também para esse cenário os programas e políticas traçados pelo
Ministério da Saúde, que desde os anos 1990 tem formulado ações de intervenção
nacional. Entre as políticas na área da saúde destacam-se a edição de duas normas: a
Norma Técnica de Prevenção e Tratamento dos Agravos Resultantes da Violência
Sexual contra Mulheres e Adolescentes (1999) e a Norma Técnica de Atenção
Humanizada ao Aborto (2005). Outra referência importante nessa área é a Lei
10.778/2003, que instituiu a notificação compulsória de casos de violência contra as
mulheres atendidas em serviços de saúde públicos e privados.
Os serviços de saúde –hospitais e postos de saúde– representam uma importante
porta de acesso à justiça, em sua concepção mais ampla, para as mulheres em
situação de violência. Essa entrada caracteriza-se particularmente por duas
situações: mulheres vítimas de violência doméstica que não desejam acionar o
serviço policial e judicial; mulheres vítimas de violência sexual (principalmente
aquela praticada por autores desconhecidos) que se sentem envergonhadas perante a
autoridade policial, mas procuram os serviços de saúde para fazer a profilaxia de
DST/AIDS e de contracepção de emergência (PASINATO; SANTOS, 2008, p. 30).
No entanto, até recentemente não havia uma padronização das DEAMs – algo que
vem sendo buscado pela Secretaria de Política para as Mulheres a partir de 2005 – sendo
debatido e variando na prática aspectos como o tipo de serviço prestado (apenas policial ou
também assistência psicológica, social e jurídica, em geral obtida através de voluntariado ou
convênios com universidades); o papel dos serviços policiais (apenas investigação ou também
mediação, aconselhamento e/ou conciliação); e o tipo de crime atendido (apenas violência
doméstica ou qualquer violência contra a mulher, como homicídio, crimes sexuais etc.).
Desde o processo de democratização do país, diversos presidentes participam
desse processo de institucionalização de direitos das mulheres na questão da violência de
gênero. Se Sarney cria o primeiro Conselho Nacional da Condição da Mulher, Collor o deixa
desativado. A Fernando Henrique Cardoso é creditado o avanço na adoção de diretrizes
internacionais na área de Direitos Humanos, enquanto Luiz Inácio Lula da Silva foi quem
criou a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, a partir da qual articula-se de fato
uma política nacional de enfrentamento da violência contra a mulher, com implicações
inclusive para o apoio e a padronização das DEAMs.
Duas mudanças foram decisivas, segundo Pasinato e Santos, para o enfrentamento
da violência contra a mulher. Em primeiro lugar, a reforma do Código Penal aboliu
expressões discriminatórias, como “mulher honesta”; revogou arcaísmos sexistas como os
delitos de adultério, sedução e rapto, além de artigos que extinguiam a punibilidade mediante
10
8º Encontro da Associação Brasileira de Ciência Política, Gramado, RS, 1-4 ago. 2012
o casamento com a vítima; e tipificou o assédio sexual e a violência doméstica. Por outro
lado, a Lei Maria da Penha apresenta-se como um marco no enfrentamento da violência
contra a mulher na sociedade brasileira. Pasinato e Santos realçam dois eventos que ajudaram
a impulsionar a criação da Lei Maria da Penha. Em primeiro lugar, surgiram muitos protestos
contra a banalização da violência contra a mulher a partir da lei dos Juizados Especiais
Criminais, de 1995, pois tais violências foram tratadas como de menor potencial ofensivo e os
agressores “punidos” com penas como cestas básicas ou multas irrisórias. Outro fator foi o
fato de, em 2001, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos ter responsabilizado o
governo brasileiro no caso de Maria da Penha – vítima de violência do marido cuja história a
erigiu em ícone de uma luta e nome de uma lei – primeiro caso de aplicação da Convenção de
Belém que criou um importante precedente na luta pela defesa dos direitos femininos no
continente americano.
O quadro a seguir sumariza alguns dos principais marcos na evolução da
legislação brasileira e das convenções internacionais sobre violência contra a mulher.
Quadro 1 – Violência contra a mulher: evolução da legislação brasileira14 e das convenções
internacionais assinadas pelo Brasil
Alguns marcos
1983 – Conselho Estadual da Condição Feminina de São Paulo; Centro de Orientação Jurídica e
Encaminhamento à Mulher para atender mulheres em situação de violência.
1985 – Conselho Nacional da Condição da Mulher.
1988 – Constituição Federal incorpora muitas demandas feministas.
1990 – Lei 8.072 inclui o estupro entre os crimes hediondos.
1991 – STF decide pela não aceitabilidade da tese da legítima defesa da honra
1994 – Governo Brasileiro retira reservas da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação Contra as Mulheres, adotada pela ONU em 1979.
1994 - Governo Brasileiro ratifica a Convenção Americana dos Direitos Humanos.
1994 – Lei 8.930 inclui o atentado violento ao pudor entre os crimes hediondos.
1995 - Brasil ratifica a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a
Mulher, conhecida como “Convenção de Belém do Pará”, adotada pela Organização dos Estados
Americanos em 1994.
1995 – Brasil assina a Plataforma de Ação da IV Conferência Mundial sobre as Mulheres, adotada pela
ONU no mesmo ano.
1995 – Lei 9.099, cria os Juizados especiais - JECRIM tem competência para julgar violência contra a
mulher15.
2001 – Brasil assina o Protocolo Facultativo à Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação contra as Mulheres, adotado pela ONU em 1999 e ratificado pelo Congresso Nacional em
2002.
2001 – Lei 10.224, define o tipo penal do assédio sexual.
2002 – Lei 10.445, determina o afastamento do agressor do lar, domicílio ou local de convivência com a
vítima.
2003 – Lei 10.714 autoriza o poder executivo a disponibilizar no território nacional número telefônico
gratuito para denúncias de violência contra as mulheres (Disque 180).
2003 – Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres.
14
Além da legislação federal, há constituições estaduais que incorporaram artigos que tratam, por exemplo, da
criação de unidades especializadas no atendimento de mulheres (PASINATO; SANTOS, 2008, p. 21).
15
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9099.htm>. Acesso em: 16 jun. 2012.
11
8º Encontro da Associação Brasileira de Ciência Política, Gramado, RS, 1-4 ago. 2012
2003 – Novo Código Civil.
2003 – Política Nacional de Prevenção, Enfrentamento e Erradicação da Violência contra a Mulher
2003 – Lei 10.778 determina a notificação compulsória no território nacional dos casos de violência
contra mulheres atendidas pelos serviços de saúde públicos e privados.
2004 – Lei 10.886 cria a figura penal da violência doméstica.
2005 – Norma Técnica de Padronização das Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher,
definindo sua infraestrutura, recursos humanos e materiais.
2006 – Lei 11.340, Lei Maria da Penha16.
2007 – Pacto Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres.
2007 – Observatório da Lei Maria da Penha.
2007 – Presidente Lula ingressa com ação judicial com vistas à declaração de constitucionalidade da Lei
Maria da Penha.
2012 – STF reafirma constitucionalidade da Lei Maria da Penha e decide pela ação pública
incondicionada (independe da representação da vítima) 17.
Fonte: Elaboração a partir de informações disponíveis principalmente em Pasinato e Santos (2008).
Atualmente uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito para o tema da
Violência Contra a Mulher viaja pelo país verificando a adequação da estrutura disponível
para a correta aplicação da Lei Maria da Penha. Espera-se que as recomendações da CPMI
ajudem a aprimorar a aplicação da nova lei. Todavia, se a evolução da legislação e a
afirmação da violência contra a mulher como um tema da agenda política criaram um clima
propício para a denúncia - ao contrário da relativa aceitação do passado – a realidade ainda é
muito lamentável, como se observa a seguir.
Violência contra mulher no período recente: entre o geral e o específico
Em que a violência contra a mulher difere da violência em geral? Em que difere
da violência contra homens? O que permanece dos estereótipos do passado? Uma primeira
questão que precisa ser pensada é a vitimização diferenciada de homens e mulheres. Pesquisas
de vitimização são empregadas de forma a contornar os problemas de subenumeração (que se
devem a diferentes causas, como dificuldade de acesso, desconfiança ou descrédito com a
polícia) de casos nas estatísticas oficiais.
Pode-se começar a aproximar-se dessas questões a partir alguns dados sobre
vitimização e percepção sobre a violência de pesquisa realizada no Distrito Federal em 1997199818. Embora não se pretenda generalizar estes resultados para o Brasil, não há razões para
supor que o caso do Distrito Federal seja muito distinto de outras cidades de grande porte no
16
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm>. Acesso em: 16
jun. 2012.
17
Disponível em: <http://www12.senado.gov.br/noticias/materias/2012/02/09/lei-maria-da-penha-stf-decideque-agressor-pode-ser-processado-mesmo-se-vitima-retirar-queixa>. Acesso em: 16 jun. 2012.
18
Os resultados da pesquisa foram analisados em Soares (1998).
12
8º Encontro da Associação Brasileira de Ciência Política, Gramado, RS, 1-4 ago. 2012
país, sendo aqui pensado como um caso ilustrativo ou “bom para pensar” as mentalidades e
práticas brasileiras.
Pela tabela 1, observa-se que os homens são mais vitimados por violência do que
as mulheres nos distintos tipos de agressões que lhes acometem desde a infância. Apanhar
quando criança é uma experiência quase universal, mas experimentada por 85,9% dos homens
19
e 78,3% das mulheres . A experiência de violência policial é três vezes maior entre homens
do que entre mulheres, ser roubado é quase o dobro, ser ferido por arma branca é 60% maior,
por arma de fogo seis vezes mais e envolver-se em brigas três vezes mais que as mulheres.
Tabela 1 – Vitimização de diferentes tipos por sexo, Distrito Federal, 1997-1998
Homens
Mulheres
Apanhava quando criança
85,9%
78,3%
Violência policial
17,9%
6,2%
Roubo
19,1%
10,7%
Arma branca
4,9%
3,0%
Arma de fogo
6,1%
1,1%
Brigas
29,6%
9,9%
Fonte: Pesquisa O povo e a PM, Distrito Federal, 1997-1998.
A pesquisa também permite analisar alguns aspectos sobre como as pessoas
percebem a violência (tabela 2), legitimando-a ou não em determinadas situações. A prática
de dar palmadas para educar filhos era socialmente aceita em 1997-8 por 65% dos homens e
70% das mulheres, o que demonstra a naturalização do uso de violência entre parentes na
esfera familiar. A pesquisa também revelou que a violência é mais ou menos condenável
conforme o valor social concedido à vítima: embora o número seja pequeno, há quem aceite
mais a violência contra gays e prostitutas. Ainda que consideremos a hipótese de que a
diferença se deva ao fato de que o estupro seria um crime menos grave que o homicídio, é
interessante a maior aceitação de tratamento discriminatório para prostitutas que a gays, o que
pode sugerir um imaginário que persiste fortemente condenatório com as mulheres
consideradas desviantes. Igualmente a aceitação de crime para “lavar a honra” persiste
bastante alta já que um quarto da população manifesta aprovação ao pai que mate quem
violentou a filha dele. O “direito” de fazer justiça com as próprias mãos diante da ineficiência
policial recebe aprovação semelhante demonstrando que ainda há expressivo espaço para a
vendeta privada no Brasil.
19
Dependendo do grau da violência, os efeitos sobre a reprodução do mesmo comportamento no futuro são
constatáveis. Em análise em duas escolas de Porto Alegre, constatou-se que 53,9% dos alunos sofreram punição
física grave, frequente ou ocasional, 37% na escola particular e 67% na escola pública. A relação entre
agressividade na adolescência e punição física grave foi estatisticamente significativa, demonstrando que
adolescentes agressivos foram mais punidos que os não agressivos e que a punição física é um comportamento
bastante difundido na sociedade. (MENEGHEL; GIUGLIANE; FALCETO, 1998)
13
8º Encontro da Associação Brasileira de Ciência Política, Gramado, RS, 1-4 ago. 2012
Tabela 2 - Opiniões20 sobre violência por sexo, Distrito Federal, 1997-1998
Homens
Mulheres
Para educar uma criança é necessário bater
64,5%
69,5%
Se a polícia falhar, concorda que as pessoas têm o direito de fazer
26,1%
23,5%
justiça com as próprias mãos
Aprova se o pai mata quem violentou a filha dele
29,3%
24,4%
A pena para quem assassina um gay deve ser menor do que a do
2,2%
1,8%
assassino de um não-gay
A pena de quem estupra uma prostituta deve ser menor que a do
9,4%
8,4%
estuprador de uma virgem
Fonte dos dados brutos: Pesquisa O povo e a PM, Distrito Federal, 1997-1998 (SOARES, 1998).
Os dados nacionais mais recentes sobre vitimização provêm da Pesquisa Nacional
de Amostra de Domicílios (PNAD) de 2009. Analisados por sexo, permitem notar a
diversidade da experiência da violência para homens e mulheres. Quando se analisa o
sentimento de segurança no domicílio, no bairro e na cidade por sexo (tabela 3), observa-se
que, a despeito de serem menos vitimadas, em todas os espaços analisados, as mulheres
relatam menos sentimento de segurança que os homens: seria uma expressão da esperada
fragilidade feminina ou um reconhecimento da maior vulnerabilidade – a determinados tipos
de agressão - por gênero?
Tabela 3 – Sentimento de segurança por sexo, Brasil, 2009
Homens
Há sentimento de segurança no próprio domicílio
80,2%
Há sentimento de segurança no próprio bairro
69,4%
Há sentimento de segurança na própria cidade
55,2%
Fonte dos dados brutos: IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, 2009.
Mulheres
77,2%
65,0%
50,5%
Observando agora as características da vitimização por agressão física por sexo
(tabela 4), uma primeira diferença é que embora as mulheres sejam menos frequentemente
vítimas de agressão, quando se considera o número de vezes em que foram agredidas no ano
de referência da pesquisa, nota-se que o são de forma mais intensa.
Nota-se ainda que os homens são mais agredidos por pessoas desconhecidas
(46%), seguidos de pessoas conhecidas (39,3%) e policiais (6%), enquanto as mulheres são
agredidas em primeiro lugar por pessoas conhecidas (32,2%), seguidas de pessoas
desconhecidas (29%) e de cônjuge ou ex-cônjuge (26%). Considerando que a categoria pessoa
conhecida pode abranger parceiro íntimo que não seja cônjuge e ex-conjuge, somando
também parentes, chega-se ao fato de que 70% das agressões sofridas pelas mulheres provêm
de suas relações pessoais, enquanto para os homens o número seriam 47%.
20
Foi verificado se os entrevistados manifestaram concordância total ou parcial com as seguintes afirmações:
14
8º Encontro da Associação Brasileira de Ciência Política, Gramado, RS, 1-4 ago. 2012
Tabela 4 – Características da vitimização por agressão física por sexo, Brasil, 2009
Homens
1,8%
77,0%
Mulheres
1,3%
68,6%
Vítima de agressão por duas vezes
Vítima de agressão por três ou mais vezes
O agressor na última vez foi pessoa desconhecida
O agressor na última vez foi policial
O agressor na última vez foi segurança privada
O agressor na última vez foi cônjuge/ex-cônjuge
O agressor na última vez foi parente
O agressor na última vez foi pessoa conhecida
O local da última agressão foi própria residência
O local da última agressão foi residência de terceiros
O local da última agressão foi estabelecimento comercial
O local da última agressão foi via pública
O local da última agressão foi estabelecimento de ensino
O local da última agressão foi transporte coletivo
O local da última agressão foi ginásio ou estádios esportivos
O local da última agressão foi outro
Após a última agressão procurou a polícia
Principal motivo pelo qual não procurou a polícia foi falta de provas
12,4%
10,6%
46,4%
6,0%
,7%
2,0%
5,6%
39,3%
12,3%
3,6%
11,3%
56,4%
9,4%
1,2%
1,5%
4,4%
38,9%
6,8%
14,0%
17,4%
29,1%
1,3%
,2%
25,9%
11,3%
32,2%
43,1%
6,2%
3,8%
36,8%
6,9%
1,2%
,3%
1,8%
51,5%
7,1%
Principal motivo pelo qual não procurou a polícia foi não era importante
Principal motivo pelo qual não procurou a polícia foi não acreditava na
polícia
Principal motivo pelo qual não procurou a polícia foi não queria envolver a
polícia
Principal motivo pelo qual não procurou a polícia foi medo de represália
Principal motivo pelo qual não procurou a polícia foi recorreu a terceiros
Principal motivo pelo qual não procurou a polícia foi resolveu sozinho(a)
Principal motivo pelo qual não procurou a polícia foi outro
Foi feito registro da última agressão em delegacia de polícia (inclui
Delegacia Virtual)
Principal motivo pelo qual não registrou foi falta de provas
20,8%
13,9%
13,7%
11,3%
14,6%
19,6%
15,2%
4,8%
20,0%
3,8%
86,1%
18,8%
4,6%
18,6%
6,3%
87,7%
11,9%
8,4%
Foi vitima de agressão física no ano de referência
Vítima de agressão por uma vez
Vitimização
Frequência de
vitimização
Agressor
Local
Recurso à polícia
Razão do não
recurso à polícia
Registro na
polícia
Razão do não
registro na polícia
Principal motivo pelo qual não registrou foi não era importante
9,3%
Principal motivo pelo qual não registrou foi não acreditava na
13,0%
polícia/desistiu
Principal motivo pelo qual não registrou foi não queria envolver a polícia
8,1%
Principal motivo pelo qual não registrou foi medo de represália
12,7%
Principal motivo pelo qual não registrou foi a polícia não quis fazer o
20,2%
registro
Principal motivo pelo qual não registrou foi o registro foi feito em outro
,7%
órgão
Principal motivo pelo qual não registrou foi recorreu a terceiros
2,8%
Principal motivo pelo qual não registrou foi resolveu sozinho
13,1%
Principal motivo pelo qual não registrou foi outro
8,3%
Fonte dos dados brutos: IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, 2009.
8,8%
7,1%
5,5%
11,9%
24,7%
1,3%
2,8%
16,3%
13,2%
A observação do local da agressão reforça o fato de que as mulheres
experimentam violência no espaço privado e os homens no público, já que a metade das
agressões se passa em sua residência ou na de terceiros, enquanto para os homens mais da
15
8º Encontro da Associação Brasileira de Ciência Política, Gramado, RS, 1-4 ago. 2012
metade ocorre em via pública. Todavia, as mulheres procuram mais a polícia do que os
homens (51,5% contra 38,9%) e quando não procuram as razões principais são não querer
envolver a polícia na questão (19,6%) ou ter medo de represália (18,8%). Homens e mulheres
quando recorrem à polícia em quase 90% dos casos fazem registro da queixa e quando não
um quarto dos casos de deve a inação da polícia, tendo sido importante também a opção de
resolver sozinho ou medo de represálias (para os homens o descrédito com a polícia pesa mais
do que entre as mulheres).
Comparados os dados de 2009 com a pesquisa anterior (1988) do IBGE para o
Brasil, nota-se que houve crescimento (ou maior declaração?21) do percentual de pessoas que
sofreram agressão. Segundo a PNAD 1988, apenas 1% dos homens e 0,6% das mulheres
haviam relatado ter sido vítima de agressão. Embora nem todos os tópicos investigados se
repitam, vale a pena comparar (tabela 5) os dados sobre quem foi o agressor e o local onde
ocorreu a agressão nas duas datas22. Embora haja uma relativa estabilidade no padrão mulher
vitimada no privado e homem no público, nota-se um crescimento desta polarização, já que as
mulheres são em 2009 um pouco mais vitimadas em residências23 e somados as duas
categorias de agressor24 (para evitar o risco da diferença ser devida à forma de classificação
do ex-cônjuge) e também mais vitimadas por pessoas próximas, enquanto entre os homens
decresce claramente as duas categorias.
Tabela 5 – Vitimização na esfera privada por sexo, Brasil, comparação 1988-2009
Homens
Homens
Mulheres
Mulheres
1988
2009
1988
2009
Agressor foi parente
10,6%
7,6%
31,5%
37,2%
Agressor foi pessoa conhecida
43,4%
39,3%
33,4%
32,2%
Agressão ocorreu em residência
18,1%
15,9%
47,5%
49,3%
Fonte dos dados brutos: IBGE. Pesquisas Nacionais por Amostra de Domicílios, 1988 e 2009.
Após diferenciar homens e mulheres, importa diferenciar as mulheres entre si,
identificando quais estão mais vulneráveis à violência e, por outro lado, como varia seu
acesso à justiça. De forma exploratória, analisamos as variáveis região, cor, renda familiar e
idade. Como demonstrado na tabela 6 (e nos gráficos apresentados no apêndice),
21
É preciso estar atento ao fato de que em vinte anos a percepção individual e coletiva sobre o que é ser vítima
de agressão possa ter mudado.
22
A pesquisa também contém dados sobre judicialização das relações familiares – como ação judicial de
separação e alimentos – que vale a pena analisar de uma perspectiva de gênero. Outra possibilidade interessante
de análise que as PNADs permitem são as variações por cor, escolaridade e renda entre outros.
23
Para residência, agregou-se a própria com a de terceiros que não estavam detalhadas na pesquisa de 1988.
24
Para a comparação foi preciso agregar como violência por parentes em 2009 as agressões por cônjuges e excônjuges, agregação muito imperfeita já que um ex-cônjuge não é um parente, mas que nos pareceu preferível do
que passar os cônjuges para a categoria de pessoa conhecida, sobretudo se supomos que a agressão por cônjuge
seja mais frequente que por ex-cônjuge dada a maior exposição ao risco pela convivência.
16
8º Encontro da Associação Brasileira de Ciência Política, Gramado, RS, 1-4 ago. 2012
vulnerabilidade à agressão e recurso à polícia estão em certa medida em relação inversa (se
bem que não de forma linear) sobretudo quando se consideram alguns marcadores habituais
de desigualdades como cor, região e idade (resta, como veremos, uma relação mais complexa
quanto à renda). Ou seja, o não acesso à justiça é uma mais frequente em segmentos em
alguma medida mais marginalizados ou vulneráveis (OEA, 2007).
Tabela 6 – Vitimização por agressão física e recurso à polícia entre mulheres por região, cor,
renda familiar e idade
Vítima de agressão
Recurso à polícia
Regiões
Nordeste
1,4%
43,5%
Norte
1,5%
52,6%
Centro-oeste
1,4%
56,1%
Sudeste
1,2%
54,9%
Sul
1,1%
57,0%
Cor
Preta
2,0%
48,8%
Parda
1,4%
49,8%
Branca
1,1%
53,8%
Percentis de renda familiar
Percentil 1
2,1%
53,4%
Percentil 2
1,9%
53,1%
Percentil 3
1,3%
50,0%
Percentil 4
1,4%
51,4%
Percentil 5
1,1%
51,5%
Percentil 6
1,1%
51,9%
Percentil 7
1,1%
54,2%
Percentil 8
1,0%
58,3%
Percentil 9
1,0%
46,0%
Percentil 10
1,0%
45,6%
Idade
15 a 19 anos
1,9%
42,3%
20 a 24 anos
1,9%
47,1%
25 a 29 anos
1,7%
54,6%
30 a 34 anos
1,8%
65,3%
35 a 39 anos
1,3%
51,5%
40 a 44 anos
1,2%
60,8%
45 a 49 anos
1,2%
51,6%
50 a 54 anos
1,0%
60,0%
55 a 59 anos
,7%
62,0%
60 ou mais
,4%
63,6%
Fonte dos dados brutos: IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, 2009.
Nota-se que a incidência de agressão física contra mulheres tende a ser maior nas
regiões mais pobres, entre os grupos de cor mais vulneráveis (pretos seguidos de pardo), nos
percentis de renda mais baixos e entre as mulheres mais jovens. O recurso à polícia, como
indicador inicial de acesso à justiça, tende ser o oposto da vitimização, visto que são as
mulheres que vivem nas regiões mais ricas e brancas que recorrem mais à polícia. Quanto à
renda, nota-se que as camadas mais altas além de declarar menos vitimização também
17
8º Encontro da Associação Brasileira de Ciência Política, Gramado, RS, 1-4 ago. 2012
recorrem menos à polícia, reforçando a ideia de que há um viés de classe – que pode se dever
a subdeclaração ou busca de outras formas mais terapêuticas e menos judiciais para lidar com
situações de violência nos níveis mais altos de renda – nas estatísticas de violência contra a
mulher. Quanto à idade, nota-se a maior vulnerabilidade das mulheres mais jovens que além
de sofrer mais agressões acessam menos a justiça.
A questão da agressão física
25
pode conter vários tipos de violência contra a
mulher, cabe agora detalhar um pouco o que se conhece a respeito dos crimes específicos e
suas vítimas típicas, uma vez que variam os perfis das vítimas26 de cada tipo de crime assim
como o tratamento a elas dado pelo sistema de justiça.
Desde 1996 as taxas de homicídio de mulheres estão em torno de 4,5 em cada 100
mil mulheres27. Um dado que reitera a dimensão privada dessas mortes é o fato de que “entre
os homens, só 14,7% dos incidentes aconteceram na residência ou habitação. Já entre as
mulheres, essa proporção eleva-se para 40%” (WAISELFISZ, 2012, p. 7). Outra característica
é que o homicídio de mulheres concentra-se na faixa dos 15 aos 29 anos de idade, com
preponderância para o intervalo de 20 a 29 anos. A taxa de homicídio feminino brasileira é
considerada alta, uma vez que “com uma taxa de 4,4 homicídios em 100 mil mulheres, o
Brasil ocupa a sétima posição no contexto dos 84 países do mundo com dados homogêneos da
OMS compreendidos entre 2006 e 2010” (WAISELFISZ, 2012, p. 11). Os dados sobre mortes
provêm do Sistema de Informações de Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde.
Os dados sobre crimes sexuais, por sua vez, provêm de ocorrências policiais e
processos judiciais. Embora o quadro institucional tenha se aprimorado, os crimes sexuais
ainda são vistos com desconfiança pelos órgãos do judiciário, o que provavelmente afeta tanto
sua declaração quanto seu processamento pelo sistema de justiça. Como mostram Pimentel,
Schritzmeyer e Pandjiarjian (1998) se para a doutrina penal é a liberdade sexual da mulher
que é protegida independente da moralidade, na prática a moralidade feminina afeta a
possibilidade de fazer valer sua versão dos fatos e garantir a proteção de seus direitos. A
25
Definição de agressão física do manual da pesquisa PNAD 2009: “Toda agressão física resulta em lesão
corporal [...], ou seja, a vítima teve a integridade de seu corpo atingida pelo agressor, seja em que nível for: do
tapa no rosto ao espancamento, do soco ao estupro, usando a força do próprio corpo ou objetos (facas, pedras,
tocos de madeira); se a integridade corporal de uma pessoa foi atingida, afirma-se
que ela foi vítima de agressão física.” (p. 14)
26
Inclusive pode-se diferenciar as violências por parceiro íntimo sofridas pelas mulheres segundo seu estado
conjugal, como na análise do Instituto Aguascalentense de las Mujeres (2008).
27
Pasinato (2011) questiona o uso da categoria femicídio, realçando que é mais importante desagregar do que
agregar (estratégia usual do feminismo em busca de legitimidade para o problema da violência contra a mulher)
os tipos de mortes de forma a restituir-lhes o sentido.
18
8º Encontro da Associação Brasileira de Ciência Política, Gramado, RS, 1-4 ago. 2012
discriminação de gênero pelos operadores do Direito implicaria assim uma “duplicação” da
violência vivida.
Uma breve exposição das características do crime sexual de estupro pode ser feita
a partir do estudo de Bandeira (1999) sobre o Distrito Federal. Dentre as constatações sobre a
incidência de estupro, destacam-se a não distinção de classe e cor, ainda que atinjam mais
mulheres jovens e solteiras. Ocorre com mais frequência no período noturno e nos finais de
semana e o fato de ter ocorrido em espaço público ou privado afeta a credibilidade da vítima,
pois em caso de residência de vítima ou do agressor supõe-se algum consentimento. Afeta
ainda a credibilidade a presença ou não de marcas físicas que atestem que a vítima reagiu. A
hierarquia das mulheres vítimas de estupro é sobretudo quanto a sua credibilidade junto à
policia, sendo maior conforme o grau de qualificação profissional e o status familiar, tendo
mais credibilidade solteiras e casadas do que mulheres unidas consensualmente ou separadas.
Os perfis variam: se as mulheres mais jovens e solteiras estão mais expostas a crimes sexuais,
as mulheres casadas são as vítimas usuais da violência doméstica.
Na última década, muitas pesquisas (para uma síntese delas, ver quadro 228)
buscaram dar visibilidade à violência contra a mulher, que, conforme pergunta estimulada da
pesquisa da Fundação Perseu Abramo, atinge 43% das mulheres brasileiras. Por sua vez,
segundo Pesquisa do Instituto Avon, 27% das mulheres declararam ter sofrido agressão grave.
Os tipos variam, com forte presença da agressão física – a mais claramente nominada como
violência – mas com crescente declaração de outras formas de violência que deixam marcas
menos visíveis, sobretudo a psicológica. Por sua vez, pesquisa realizada pela Subsecretaria de
Pesquisa e Opinião Pública do Senado Federal em 2005, mostra que cerca de 40% das
entrevistadas já presenciaram algum ato de violência contra outras mulheres, sendo em 80%
dos casos violências físicas. Na tipificação da violência doméstica cometida contra as
mulheres entrevistadas, perguntou-se se já sofreu violência alguma vez na vida (e não em um
ano de referência, como é habitual nas pesquisas de vitimização): 17% responderam que sim,
sendo que “o maior agressor das mulheres no ambiente doméstico é o marido ou
companheiro, com 65% das respostas. Em seguida, o namorado passa a ser o potencial
agressor, com 9% e o pai, com 6%” (p. 12). Ao dar destaque também à percepção das
entrevistadas sobre a discriminação feminina na sociedade, a pesquisa do Senado revelou que
28
As metodologias das pesquisas variam muito não permitindo comparações ou esforços para definir qual seriam
os números corretos, sobretudo por se tratar de um evento que tende – por vergonha, medo etc. – a ser
subdeclarado.
19
8º Encontro da Associação Brasileira de Ciência Política, Gramado, RS, 1-4 ago. 2012
56% das entrevistadas acham que, no Brasil, a mulher não é tratada com respeito e 81%
acham que as mulheres não recebem o mesmo tratamento que os homens em nosso país.
Se a maior parte das pesquisas inquire apenas sobre a violência sofrida, uma
proposta interessante de análise foi a tradução para o português e a aplicação de um
instrumento americano que mensura a violência intrafamiliar considerando simultaneamente a
29
agressão cometida e a recebida do parceiro íntimo . O instrumento epidemiológico de
identificação da violência familiar denominado Revised Conflict Tactics Scales (CTS2)
pergunta por uma série de comportamentos rotineiros que denotam a agressividade na vida do
casal, inferindo daí a existência de violência. Esse formato mais sutil e relacional permite ver
a violência como um evento interativo e possibilita constatar também a violência da mulher
contra o homem, embora a reversa seja mais severa. Suas conclusões conclamam a diferenciar
o grau da violência buscando medidas criminais e/ou de saúde conforme seja o caso.
At any rate, one cannot hastily conclude that violence involving intimate partners is
quantitatively and qualitatively symmetrical in relation to gender. Power structures
and domination must be contemplated and discussed, since the potential for hurting
and severely injuring the other is not reciprocal. The second point is that there are
different scenarios for clashes. Some are alarming, calling the attention of the media
and the general public and having been traditionally portrayed as “spouse abuse” or
“wife battering”. However, others are much subtler and can easily be fit into the
“normalcy” of relational cohabitation. Although severely victimized women require
unconditional support and such cases demand firm and immediate action, measures
should also be contemplated in the sphere of daily routine procedures in the health
sector, allowing to deal with the more common and less severe situations, but which
nevertheless are not harmless in terms of proper functioning of families and the
well-being of their members (REICHENHEIM et al., 2006, p. 434).
O apelo para reunir esforços de saúde e segurança pública30 fica sugerido na
proposta pelos autores de uma estratégia tripla que inclua monitoração por pesquisas das
situações de violência, melhorias na legislação e redes integradas de ação entre os setores de
justiça e de saúde para lidar com um problema que não é raro, trivial, nem efêmero
(REICHENHEIM et al., 2006, p. 435).
29
“A CTS2 faz parte de um conjunto de instrumentos de identificação de violência na família, que vem sendo
elaborado pelo Family Research Laboratory nos Estados Unidos da América há cerca de duas décadas. [...] A
CTS2 é um desses instrumentos e foi concebida especificamente para identificação da violência entre indivíduos
que tenham uma relação de namoro, casamento ou afins. Como os outros, é estruturado e multidimensional. [...]
A CTS2 contém, ao todo, 78 itens que descrevem possíveis ações do respondente e, reciprocamente, de seu
companheiro. Estes formam cinco escalas que representam as respectivas dimensões. Três delas são abordadas
por itens abarcando táticas de resolução de conflitos através de negociação, agressão psicológica e violência
física. As outras duas informam sobre as possíveis conseqüências da violência na saúde individual do
respondente e de seu companheiro(a) e a existência de coerção sexual no relacionamento do casal.” (MORAES;
HASSELMANN; REICHENHEIM, 2002, p. 164)
30
Há um protocolo de cooperação entre os Ministérios da Saúde e da Justiça para ações conjuntas no Programa
Nacional de Direitos Humanos e dos Programas de Agentes Comunitários de Saúde e de Saúde da Família.
20
8º Encontro da Associação Brasileira de Ciência Política, Gramado, RS, 1-4 ago. 2012
Quadro 2 – Síntese dos dados de algumas pesquisas sobre violência contra as mulheres
Ano
Universo
Amostra
Metodologia
Se já
sofreu e o
tipo de
violência34
Perseu Abramo
2001
Mulheres com 15
anos ou mais
2502 entrevistas
estratificadas, áreas
urbanas e rurais em
187 municípios, sendo obrigatórios capitais e cidades com
mais de 500 mil hab.
Questionário
estruturado,
entrevistas pessoais e
domiciliares por
pesquisadoras.
Já sofreu violência:
Espontânea: 19%
Estimulada: 43%
Tipos:
Violência psíquica:
27%
Ameaça/cerceamento
: 24%
Agressão: 22%
Estupro/abuso sexual:
13%
Assédio sexual: 11%
IDCRMARNT31
2002/2003
Mulheres de 15 a 69
anos em um relacionamento heterossexual
estável33
6774 entrevistas em
15 capitais de estados
e o Distrito Federal.
Senado
200532
Mulheres com 16
anos ou mais
Avon
2011
Homens e mulheres com 16
anos e mais.
815 entrevistas nas
27 capitais
brasileiras, com
cotas proporcionais,
sendo cada uma das
capitais uma cota.
1800 entrevistas em 70
municípios e 5 regiões.
Entrevistas individuais
de preferência em
local reservado, por
entrevistadoras
mulheres.
Questionários
estruturados com
perguntas fechadas
aplicados em
pesquisa telefônica,
mediante sorteio
aleatório dos
números
telefônicos.
Já sofreu algum tipo
de violência
doméstica em suas
vidas: 17%
Tipos:
Violência física :
55%
Violência
psicológica: 24%
Violência moral:
14%
Violência sexual:
7%
Aplicação de questionário
estruturado por meio de
entrevistas pessoais e
domiciliares. Emprego de
autopreenchimento nas
respostas referentes à
experiência pessoal.
Agressão verbal
78,3%
Abuso físico leve:
21,5%
Abuso físico severo
12,9%
27% das mulheres
declararam ter sofrido
agressão grave.
Quais agressões graves:
Agressão física: 47%
Humilhação: 44%
Ameaça: 33%
Chantagem: 23%
Difamação: 18%
Perseguição: 17%
Forçada a fazer sexo: 15%
Forçada a dar pertences: 9%
Sem acesso a pertences: 7%
Obrigada a fazer um aborto:
4%
Não informou a agressão:
29%
Não desagregou os dados
por condições
socioeconômicas, mas traz
informações sobre motivos
da agressão na visão de
homens e mulheres,
percepções sobre tipos de
violência e conhecimento da
Lei Maria da Penha.
Maior prevalência
Maior prevalência em
Não explora
nas faixas mais
cidades do Norte e
dimensões de
baixas de renda, na
Nordeste, em
desigualdades.
faixa etária de 25 a
mulheres com menos
44 anos, entre
de 25 anos e com
mulheres de cor
menos de 8 anos de
negra, e entre
estudo.
mulheres em união
consensual ou
separadas/divorciadas
Fonte: Elaborado a partir de VENTURI; RECAMÁN; OLIVEIRA, 2004; REICHENHEIM et al., 2006;
BRASIL, 2005; INSTITUTO AVON, IPSOS, 2011.
Desigualdades
31
Inquérito Domiciliar sobre Comportamentos de Risco e Morbidade Referida de Agravos não Transmissíveis.
Como o relatório não informou a data do campo, indicamos aqui a data do relatório.
33
Inclui casadas, unidas ou que tiveram um parceiro íntimo por um mês ou mais no último ano.
34
Algumas pesquisas fazem a perguntam em geral e outras só apresentam valores detalhados por tipo de
agressão.
32
21
8º Encontro da Associação Brasileira de Ciência Política, Gramado, RS, 1-4 ago. 2012
Dentre os estudos sem cobertura nacional, destaca-se o estudo transversal Multicountry Study on Women`s Health and Domestic Violence against women, com amostras em
São Paulo e na zona da mata pernambucana. Analisado por D`Oliveira et al. (2009) permite
pensar a multi-causalidade da gênese da violência entre parceiros íntimos, bem como a
interferência contexto-específica de aspectos como a autonomia financeira da mulher – que é
fator de proteção em São Paulo, mas de risco na Zona da Mata de Pernambuco – diante de
contextos em que as normas de gênero são menos ou mais (respectivamente) tradicionais.
Além disso, evidenciou-se a transmissão geracional da violência contra a mulher, uma vez
que fatores importantes de risco foram ter sido a mãe agredida pelo parceiro e o abuso sexual
na infância, experiências que reiteram a “naturalidade” da violência e reduzem a capacidade
das mulheres de se protegerem no futuro.
Além das pesquisas que diagnosticam a situação da violência doméstica no país,
já há alguns estudos que avaliam, embora sem conclusões definitivas, o impacto da Lei Maria
da Penha35. O fato da lei prever que não se pode retirar a queixa para interromper o processo a
menos que se faça em presença do juiz em seção específica para tal levou a questionamentos
sobre o desejo ou não das mulheres de levar seus parceiros íntimos aos tribunais, diante da
antiga prática de usar a polícia para “dar um susto”no parceiro e assim encontrar alguma
mediação para relações familiares agressivas. Outras dimensões da lei são juizados próprios –
reagindo às críticas ao uso do JECrim, agora expressamente proibido para esses casos – além
de medidas protetivas como o afastamento do agressor do lar, a proibição de aproximação da
mulher, a possibilidade de prisão em fragrante e em caráter preventivo, e o agravamento da
pena de privação de liberdade.
O maior rigor da nova lei gerou dúvidas sob qual seria o seu impacto no número
de denúncias: as mulheres deixariam de denunciar dada a ambiguidade de seu desejo de punir
ou não os companheiros? Ou as mulheres se sentiriam incentivadas pela maior visibilidade da
nova lei e sua maior eficácia para dar fim à situação de violência vivida? No entanto, uma
pesquisa mostra que, mesmo com o advento da nova Lei, parece não ter desaparecido o uso
seletivo da DEAM e sua manipulação para mediar36 – ao invés de punir em definitivo – os
parceiros agressores.
35
O impacto da Lei Maria da Penha no imaginário social pode ser suposto de forma muito preliminar por sua
divulgação na mídia. No entanto, a Pesquisa do Instituto Avon notou que, apesar de muito falada, a lei é pouco
conhecida em seu conteúdo.
36
Como mostrou Brandão (1998, p. 67-68), com trabalho de campo em DEAM entre 1995 e 1996, cerca de 70%
das queixas eram retiradas porque a finalidade não era processar o parceiro, mas sim que a autoridade policial
funcionasse como uma autoridade masculina superior (o tráfico também poderia representar este submeter o
parceiro a uma “força masculina” superior) para exercer um limite à autoridade masculina doméstica: na fala de
22
8º Encontro da Associação Brasileira de Ciência Política, Gramado, RS, 1-4 ago. 2012
Há casos de mudança de decisão da mulher quanto à queixa prestada. Essa situação
quase sempre ocorre após conversa com o policial sobre as consequências do
registro. Muitas preferem que não seja caracterizado o flagrante e que o marido não
seja preso. Vários policiais se queixam de que as mulheres se arrependem de dar
queixa de seus companheiros, só querem “usar” a polícia. A expressão “dar um
susto no marido”, utilizada pelas usuárias, pode ser entendida como uma forma de
tentativa de empoderamento para lidar com o companheiro violento [...]”
(ABDALA; SILVEIRA; MINAYO, 2011, p. 590).
Se a Lei Maria da Penha aprofunda e torna mais complexa a compreensão da
violência psicológica e danos morais, há que notar que estas formas menos evidentes de
violência ainda encontram resistência dos policiais. Além disso, mostra-se que o debate sobre
os possíveis impactos da Lei Maria da Penha no montante de denúncias coloca a questão não
muito fácil da tensão entre o que as feministas querem e o que as mulheres comuns querem.
Não se pode esquecer que a lei é em grande medida uma resposta à crítica feminista aos
Juizados Especiais Criminais de que estes descriminalizaram e trivializaram a violência contra
as mulheres, ademais do efeito de reprivatização e invisibilização (SANTOS, 2010). O debate
sobre criminalizar ou não, judicializar mais ou menos, as relações familiares e de gênero
(DEBERT; GREGORI, 2008) supõe na verdade a compreensão das raízes da violência contra
a mulher, suas causas profundas e quais as estratégias que levariam à sua efetiva redução.
Tema reconhecidamente complexo, mas ao qual se tenta adentrar a seguir37.
Violência e relações de gênero: herança patriarcal ou paradoxo da democratização?
O patriarcado historicamente assentou-se em uma profunda desigualdade de
gênero, reforçada institucionalmente por uma legislação que assegurava o poder masculino,
sobretudo do chefe de família. Além das mudanças legais, as condições estruturais das
relações de gênero mudaram muito nas últimas décadas, reduzindo as bases da dominação
dita patriarcal.
Considerando as mulheres em situação de casal – as mais vulneráveis à violência
doméstica (gráfico 1) – constata-se um crescente empoderamento nas últimas décadas, aqui
medidos pelo percentual de mulheres que trabalhavam ou tinham algum tipo de renda, o que
sugere que a dependência econômica tradicional venha se reduzindo, a despeito das
desigualdades salariais por gênero e outros mecanismos discriminatórios do mercado de
trabalho, os quais aliás tem se reduzido na dimensão de gênero (SOARES, 2000). Nota-se um
uma entrevistada “o companheiro não seria ‘tão macho’ diante da polícia” (p. 67). Brandão defende que se
considere o universo cultural das classes baixas para entender as formas de enfrentamento da violência de gênero
mobilizadas pelas mulheres e sua noção de autonomia que se diferencia do ideário das classes superiores.
37
O debate sobre violência de gênero em geral prioriza a violência entre parceiros íntimos, mas, como visto, há
muitas formas de violência contra a mulher fora do espaço privado, incluindo a violência institucional e outras
formas como o tráfico de pessoas, violência em conflitos armados, sobre mulheres encarceradas etc.
23
8º Encontro da Associação Brasileira de Ciência Política, Gramado, RS, 1-4 ago. 2012
movimento progressivo, entre 1976 e 2006, de incorporação das mulheres ao mercado de
trabalho e de conquista de mais autonomia financeira, processo que se espalha, com graus
variáveis, por todas as classes sociais, a despeito das classes baixas urbanas paradoxalmente
(considerada a maior autonomia do passado) serem as que apresentam menor presença
feminina no mercado do trabalho hoje38. Processo de crescimento progressivo também
acontece com o percentual de mulher que tem renda de alguma fonte, o que certamente
também reflete benefícios de políticas públicas, como a previdência rural e o Programa Bolsafamília39.
Gráfico 1. Percentual de mulheres unidas que trabalham e que têm renda por classe social
familiar40, 1976-2006
Percentual de mulheres que trabalham
Percentual de mulheres que têm renda
80,00%
80,00%
70,00%
70,00%
60,00%
60,00%
1976
50,00%
1986
40,00%
1996
30,00%
2006
1976
50,00%
1986
40,00%
1996
30,00%
20,00%
20,00%
10,00%
10,00%
2006
0,00%
0,00%
Classe Classe Classe Classe Classe Classe Classe Classe
1
2
3
4
5
6
7
8
Classe Classe Classe Classe Classe Classe Classe Classe
1
2
3
4
5
6
7
8
Fonte: Pesquisas Nacionais por Amostra de Domicílios, 1976, 1986, 1996 e 2006.
Poderia se esperar que tais mudanças, somadas aos avanços legais, gerariam um
quadro perfeito para o fim da violência conjugal. No entanto, a literatura registra que a lógica
da violência de gênero demanda intervenções complexas – por envolver dimensões
psicológicas, culturais e sociais – e não apenas jurídicas e econômicas, já que o que ata
relações violentas é muitas vezes a dependência afetiva da mulher, agravada pela perda de
38
O que pode estar relacionado não apenas a menores oportunidades associadas a sua escolaridade, quanto a
racionalidade e ideal familiar de que poupar a mãe de um trabalho remunerado pouco rentável e muito cansativo
é também uma forma de garantir melhor condição de vida para todo o domicílio através dos cuidados domésticos
da mulher (DURHAN, 1980).
39
Tais programas provavelmente ajudaram a reverter a desigualdade antes existente no acesso a renda entre
mulheres da classe de trabalhadores rurais e de profissionais de nível superior.
40
A medida de classe familiar foi construída a partir do método de dominância de Erikson (1984), que considera
a posição mais alta entre os cônjuges, e pela agregação das categorias ocupacionais propostas por Valle Silva
(2003). O esquema ocupacional resultante é composto pelas seguintes classes: Classe 1 - Trabalhadores rurais,
classe 2 - Trabalhadores na indústria tradicional, nos serviços pessoais e domésticos, Classe 3 - Trabalhadores
nos serviços gerais e vendedores ambulantes, Classe 4 - Trabalhadores na indústria moderna, Classe 5 Empresários por conta-própria, Classe 6 - Ocupações não-manuais - técnicas, artísticas, de rotina e supervisão,
Classe 7 - Proprietários e dirigentes, Classe 8 - Profissionais de nível superior. Realçamos que, neste e em todos
os gráficos seguintes onde consta um eixo de classes sociais, este tem caráter arbitrário, devendo a linha entre os
pontos ser entendida como simples recurso visual para tornar nítido como os diferenciais por classe se
comportam, aumentando quando há uma inclinação na linha (inclinação que pode indicar que um
comportamento aumenta a medida em que se observam classes cada vez mais altas, ou vice-versa), ou
reduzindo-se (ou seja, homogeneização de comportamentos) se a linha torna-se mais horizontal.
24
8º Encontro da Associação Brasileira de Ciência Política, Gramado, RS, 1-4 ago. 2012
autoestima decorrente da própria experiência de violência, processos esses alimentados por
valores culturais que consagram estereótipos de gênero.
O reconhecimento da complexidade das situações de violência é favorecido pela
Lei Maria da Penha. A definição legal de violência contra a mulher foi ampliada com a nova
legislação, gerando uma definição capaz de abarcar diferentes situações de vulnerabilidade,
passível de ser combatida por diferentes tipos de empoderamento, de ordem psicológica e
material41. Mas a relação entre empoderamento feminino e violência é complexa. Se a renda e
o trabalho vêm reduzindo a dependência feminina das relações de dádiva, a redução da
violência familiar é mais complexa, podendo o poder de decisão das mulheres estar
relacionado tanto com o aumento (reação masculina à autonomização feminina) quanto com a
diminuição (capacidade de saída de relações danosas) da vulnerabilidade à violência
intrafamiliar (CASIQUE, 2010).
Como domínio central da violência de gênero, a família e a violência doméstica
(que vitimiza também crianças, idosos etc.) tem sido pensada sob diferentes prismas. O
argumento usual retoma o conceito de dominação masculina (BOURDIEU, 1999), sendo a
violência pensada como uma forma dos homens buscarem afirmar ou restaurar suas
prerrogativas de poder. Como afirmação, trata-se da questão antiga – como no breve histórico
– de controle sobre o tempo, a liberdade de movimento e a sexualidade feminina: exigências
sobre atividades domésticas, proibições de sair, ciúmes etc. são dimensões comuns nos
conflitos cotidianos e nas situações de violência no Brasil e em outras sociedades latinoamericanas (HERRERA; AGOFF, 2012). Como restauração, trata-se de questão
estruturalmente nova, já que foi nas últimas décadas que cresceu a capacidade das mulheres
em geral – já que avanços individuais ou de grupos específicos sempre existiram – de se
autoproverem e assumirem maior independência material e emocional. É comum o emprego
do termo empoderamento para referir-se a estes avanços femininos.
O empoderamento pode ser pensado numa perspectiva de equilíbrio de poder,
poder de barganha ou capacidade de “saída” (HIRSCHMAN, 1973) de uma relação afetiva
danosa. Mas há a visão correlata de que o empoderamento feminino é gerador de tensão, num
círculo complexo de reação masculina às mudanças nas relações de gênero em curso.
Schraiber et al. argumentam que os avanços femininos podem ser contrarrestados por
41
Descarta-se aqui a compreensão de empoderamento como uma espécie de autoajuda (bastante criticada no
campo de estudos de violência de gênero, por supor um aparentemente simples fortalecimento individual para a
mulher ser capaz de resistir à violência) e propõe-se uma visão mais estrutural do mesmo, como mudança no
equilíbrio de poder de gênero.
25
8º Encontro da Associação Brasileira de Ciência Política, Gramado, RS, 1-4 ago. 2012
violência como forma de restaurar um modelo mais tradicional de relações familiares e de
gênero.
Trata-se do fato de que, tendo ocorrido grandes mudanças sociais no mundo de hoje,
alguns fatores tradicionais de sustentação da autoridade na família, como é o caso da
renda que se consegue pelo trabalho, ou da escolaridade conquistada, bem como
ocupações de prestígio social, fatores esses tradicionalmente conseguidos pelos
homens, passaram a ser por vezes até mais acessíveis às mulheres. O conflito das
relações que daí advém, assumindo a configuração de crise das relações de gênero,
bem como a falta de um melhor caminho para lidar com tais experiências totalmente
novas, pode resultar na violência como tentativa de restaurar as antigas posições nas
relações interpessoais (SCHRAIBER et al., 2005, p. 17-18).
Essa leitura inclui um novo elemento não previsto na noção de equilíbrio de poder
de Elias (1987), porque a violência seria uma forma de “restaurar sua autoridade, prestígio ou
estatuto social, que julgou perdido” (SCHRAIBER et al., 2005, p. 68). Dentre as mudanças
nas relações familiares, os autores citam fatores culturais como a crescente individualização e
autonomia das mulheres e a separação entre sexualidade e reprodução que leva a novos
padrões de formação de famílias e expressão da sexualidade fora de seus domínios, além de
fatores socioeconômicos como a crescente participação feminina no mercado de trabalho e os
incrementos na escolarização (SCHRAIBER et al., 2005, p. 83). Portanto, a violência contra
a mulher pode ser uma resposta aos avanços na condição feminina justamente pelos novos
ajustes nos papéis de gênero que tais avanços requerem. Dado que os rearranjos de gênero
instauram conflitos, abre-se espaço para a manifestação da violência: é a hipótese de Muszkat
et al., que apresentam uma proposta da mediação familiar transdisciplinar para lidar com os
conflitos de gênero, buscando reequilibrar poderes, empoderando mulheres e revendo
modelos de masculinidade. As autoras sugerem que o problema é mais grave nas famílias de
classes baixas: “são nas famílias com baixo nível socioeconômico que mais se encontram as
ambiguidades resultantes da passagem da organização familiar hierárquica para a mais
igualitária” (MUSZKAT et al., 2008, p. 36).
Por outro lado, Schraiber et al. levantam a questão de porque as mulheres
permanecem em relações íntimas violentas, resposta que encontram menos no equilíbrio de
poder – sendo mencionado como fator facilitador para a saída da relação violenta, as
condições materiais e econômicas favoráveis, juntamente com apoio de pessoas próximas e
serviços e informações de qualidade, entre outros fatores do próprio agravamento da situação
de violência para si e para os filhos – e mais nas razões culturais e subjetivas.
É importante lembrarmos aqui o que já discutimos: que as escolhas de cada
indivíduo dependem não apenas de sua consciência e vontade individual vistas
isoladamente, mas da cultura, da situação social, do acesso a serviços, da opinião da
comunidade, amigos e familiares, aspectos que fazem parte da construção e
reconstrução cotidiana desses indivíduos. Até hoje, a violência do marido contra a
26
8º Encontro da Associação Brasileira de Ciência Política, Gramado, RS, 1-4 ago. 2012
esposa, como visto, pode ser percebida por homens e mulheres como um
acontecimento dentro do usual, banal, que não demandaria nenhuma providência,
exceto talvez, em casos de grande gravidade e risco de vida. Mas como precisar esse
momento em situações de desrespeito e violência cotidiana?
Parece-nos que a agressão por parceiro íntimo é sempre percebida, por quem a sofre,
como situação indesejável, que não deveria ocorrer. Entretanto diversas razões
dificultam a saída da situação e o pedido de apoio, algumas relacionadas à dinâmica
própria do “ciclo de violência”, outras relacionadas ao estigma associado à condição
de vítima de violências, além da importância do casamento e do cuidado dos filhos
como projeto de vida para as mulheres. A mulher pode sentir-se culpada, pode ter
vergonha, medo, temer por sua segurança e a de seus filhos; pode achar que, se for
melhor esposa e mãe, o marido vai mudar, como prometeu; pode amar o parceiro,
sentir-se incapaz de sobreviver sozinha, pensar que o que sofre é banal e que
ninguém daria importância (SCHRAIBER et al., 2005, p. 122-123).
As tão analisadas barreiras de acesso à justiça (SADEK et al., 2001) parecem ser mais
pesadas no caso das mulheres. A não procura de ajuda está em grande parte associada à
naturalização da violência doméstica não percebida como uma violação dos direitos humanos
das mulheres e muitas vezes categorizada como agressão ou outro termo, pois violência é uma
nomenclatura aplicada a eventos na esfera pública: “a ideia de que a violência é normal, quase
um destino a que se deve suportar calada, em nome da união e da manutenção da família,
segue sendo uma concepção de muita força” (SCHRAIBER et al., 2005, p. 142).
Além das concepções de feminilidade que não mudaram tanto assim, a violência
segue sendo um componente da visão de masculinidade. Como nas análises que tratam do
“ethos guerreiro”, a construção da masculinidade envolve certo grau de agressividade. Em seu
estudo sobre os diferentes estilos de masculinidade nas camadas baixas e médias, Cecchetto
realça que o comportamento masculino violento não é universal, bem como recusa a conexão
usual entre masculinidade, violência e pobreza. Realçando singularidades, diferenças e
especificidades, considera que dependendo do contexto e das noções locais de masculinidade,
a força física e o confronto podem ser considerados ora fonte de prestígio, ora fonte de
inferioridade. O contraste proposto pela autora abrange diferentes classes sociais e diferentes
estilos de masculinidade, incluindo funkeiros, praticantes de jiu-jitsu e freqüentadores de baile
charme. Cecchetto nota, no caso do mundo funk, as transformações nas quais as relações de
gênero, que ganham visibilidade nas letras de música e na expressão do ethos guerreiro. O
declínio do funk bandido, talvez como reação a sua criminalização pela mídia e pelas
autoridades, tem levado a uma mudança de ênfase passando da destruição entre homens à
conquista de mulheres42.
42
Nesse contexto, mudam os interlocutores, que já não são apenas homens, mas homens que falam com
mulheres, bem como estas passam a ter voz e querer dar o troco, rebatendo os homens em suas canções, de
formas igualmente incisivas e desafiadoras do que é um ícone a DJ Tati “Quebra-Barraco”. Composições em que
a sexualidade é instrumentalizada e a afetividade quase inexistente são agora cantadas por um eu feminino ou
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Uma questão complexa e bem difícil de mensurar é, portanto, a onipresença da
violência no imaginário de gênero, sobretudo na configuração do “erotismo à brasileira”43.
Talvez o pioneiro nas análises brasileiras da dominação masculina tenha sido Gilberto Freyre
que demonstra, em Casa-grande & senzala, as conexões profundas entre patriarcalismo e
escravidão, com imagens fortes sobre a presença de violência no imaginário erótico brasileiro.
Seguindo as pistas da análise de Bocayuva (2001) pode-se refletir sobre a presença desse
imaginário na música popular brasileira, que também contribui para uma visão da violência
como um componente naturalizado das relações afetivas e eróticas.
Para sair um pouco do já documentando – e estigmatizado – caso do funk (cuja
canção “Um tapinha não dói” foi objeto de protestos e análises), temos também canções
sertanejas extremamente populares que apresentam sentimentos ambíguos, como sofrer e
querer um amor doentio e a fórmula máxima “entre tapas e beijos” 44, bem como a não
assertividade nas relações de gênero, na prática de dizer uma coisa e querer exatamente o
oposto, como na canção “Evidências”45. Músicas que expressam um jogo erótico que abre
espaço para a naturalização da violência nas relações de gênero como um componente
sensual, algo evidentemente menos sutil e mais complexo que o coquetismo analisado por
Simmel (1993).
Também não desapareceu a dramatização de crimes passionais na mídia,
sobretudo audiovisual. Pesquisa de Blay em 2003 (portanto, antes da nova lei) sobre a forma
como é tratado os crimes contra a mulher nas instituições e na mídia mostra que, a despeito de
uma relativa politização na mídia impressa e de trinta anos de militância feminista, a
continuidade era patente, requerendo uma ação conjunta para uma mudança efetiva.
masculino, subvertendo a dicotomia tradicional que relegava a instrumentalidade aos homens e a afetividade as
mulheres. Como realça Cecchetto, “o que mais chama a atenção no pornofunk é o abalo que as narrativas
femininas causam no modelo tradicional [...] evocam a atividade sexual de maneira direta, sem eufemismos,
muitas vezes grotescamente, assumindo portanto a dicotomia masculina citada entre sentimento e sexualidade”
(2004, p. 234).
43
Trata-se aqui de um simples esforço de contextualização de um problema – violência de gênero – que é
reconhecidamente mundial e não específico ao Brasil. Ainda assim, importa realçar que a compreensão histórica
e cultural das variações entre países quanto às taxas de violência contra a mulher pode ser instrutiva para pensar
como diferentes sociedades experimentam e buscam soluções para o mesmo problema.
44
“Pergutaram pra mim / Se ainda gosto dela / Respondi tenho ódio / E morro de amor por ela [...] Separando e
voltando /A gente segue andando / Entre tapas e beijos [...] Entre tapas e beijos / É ódio, é desejo / É sonho, é
ternura / Um casal que se ama / Até mesmo na cama / Provoca loucuras / E assim vou vivendo / Sofrendo e
querendo / Esse amor doentio” (Entre tapas e beijos, Leonardo).
45
“Quando eu digo que deixei de te amar / É porque eu te amo / Quando eu digo que não quero mais você / É
porque eu te quero / Eu tenho medo de te dar meu coração / E confessar que eu estou em tuas mãos [...] Eu me
afasto e me defendo de você / Mas depois me entrego. [...] Eu entrego a minha vida / Pra você fazer o que quiser
de mim” (Evidências, Chitãozinho e Xororó).
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Depois de trinta anos de feminismo, que impôs à sociedade o "quem ama não mata"
como repulsa ao assassinato justificado pelo "matar por amor" e de consistentes
mudanças na posição socioeconômica e nos valores relativos à relação homem x
mulher, como explicar que crimes de gênero continuem a ocorrer? Reunindo-se os
vários dados analisados, depreende-se que essa contradição perdura por várias
razões, tais como: a persistente cultura de subordinação da mulher ao homem de
quem ela é considerada uma inalienável e eterna propriedade; uma recorrente
dramatização romântica do amor passional, sobretudo na televisão e no rádio, em
que realidade e imaginário se retro-alimentam; na facilidade com que os
procedimentos judiciais permitem a fuga dos réus; na pouca importância que as
instituições do Estado dão à denúncia e ao julgamento dos crimes contra as mulheres
e meninas. Para enfrentar esta cultura machista e patriarcal são necessárias políticas
públicas transversais que atuem modificando a discriminação e a incompreensão de
que os Direitos das Mulheres são Direitos Humanos. Modificar a cultura da
subordinação de gênero requer uma ação conjugada (BLAY, 2003, p. 96).
Em análise da cobertura sobre violência contra a mulher na imprensa brasileira
(monitoramento de 16 jornais impressos no ano de 2010) notou-se que este é um tema hoje
frequente, mas com uma cobertura policialesca que pouco contribui para fazer a população
refletir sobre o assunto, ajudar a monitorar e cobrar mais eficiência quanto à infraestrutura de
atendimento de vítimas ou mesmo orientar outras vítimas sobre onde e como buscar ajuda.
Embora haja cuidado na linguagem para não infringir o artigo oitavo da Lei Maria da Penha
que determina que os meios de comunicação coíbam papéis estereotipados46 que legitimem ou
exacerbem a violência doméstica ou familiar, pouco se contribui para estimular uma reflexão
crítica e bem informada a respeito (SANEMATSU, 2011). Se mudanças no imaginário social
são processos lentos e que não se resolvem “por decreto”47, resta pensar o que se pode fazer –
com pesquisa e militância - diante do quadro apresentado.
Desafios para dar visibilidade à violência de gênero
Como demonstra Gláucio Soares, pensar em termos de mudança histórica é
sempre complexo, diante das dificuldades de dados, métodos e interpretações. Uma hipótese
para a tendência de longa duração nos últimos séculos é de que “os homicídios entre estranhos
decresceram muito e os homicídios na família e entre conhecidos, mais difíceis de evitar,
decresceram pouco” (SOARES, 2008, p. 14). No entanto, a mudança mais recente de
incorporação das mulheres ao mercado de trabalho levaria a crer em uma redução da violência
experimentada na esfera privada, lugar principal de sua vitimização: “ao ficar mais tempo fora
46
Neste sentido, é fortemente defensável a punição de piadas sexistas (além das piadas racistas e homofóbicas),
sobretudo em apresentações públicas. A esse respeito, ver, por exemplo, as polêmicas em torno de alguns
humoristas:<http://www.jornaldocampus.usp.br/index.php/2011/10/quando-a-piada-perde-a-graca-e-viraofensa/>. Acesso em: 20 jun. 2012.
47
Programas educacionais, nas escolas e na sociedade em geral, também estão previstos na Lei Maria da Penha,
assim como a possibilidade do juiz determinar a participação do réu em programas de recuperação e reeducação
de agressores. Portanto, a nova lei não é apenas punitiva, mas tem um forte componente pedagógico, restando
saber o quanto está sendo implementado.
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de casa (e fora do alcance de seu parceiro), a mulher reduziu sua exposição à violência
doméstica (provavelmente aumentando sua exposição à violência externa)” (SOARES, 2008,
p. 177). Como não dispomos, todavia, de dados seguros para testar estas hipóteses
temporalmente, nossas sugestões caminharão, por hora, num sentido mais especulativo sobre:
quanto se avançou e quanto falta avançar para reduzir a violência contra a mulher?
Do ponto de vista penal, avança-se muito com a Lei Maria da Penha, cuja
constitucionalidade foi recentemente reafirmada48 e cuja implementação uma CPMI busca
neste momento estratégias para aprimorar. Falta, no entanto, caminhar na forma de
julgamento de crimes contra a mulher, considerando a inadequação do tribunal de júri:
antidurkheimiano, muitas vezes consagra uma consciência coletiva ainda muito sexista,
quando a concepção de direitos e dignidade humana das mulheres seria talvez melhor
protegida por profissionais do direito (ainda que o judiciário continue sexista). Além disso, o
tribunal de júri mostra-se anti-eficiente e injusto, já que faz novos julgamentos quando a
decisão é contrária a provas e, caso a decisão sexista prevaleça no segundo julgamento, ficará
valendo mesmo contra as provas.
Ainda que o rigor penal seja desejável por sua capacidade fática e simbólica –
punir e definir que a violência contra a mulher é crime – há que reconhecer a heterogeneidade
das situações e o espaço para outras ações preventivas e de mediação. Como realça Bárbara
Soares (2009), os dados que temos são insuficientes para compreender as dinâmicas da
violência nas relações de gênero, que aqui supomos cada vez mais complexas com o
empoderamento feminino. Esta autora, ao levantar a questão da violência também de
mulheres contra homens – menos gravosa certamente – incita a uma perspectiva mais holista
que trate da violência familiar como um todo. Neste sentido, necessitam-se pesquisas sobre
violência familiar em geral, contra crianças, pessoas com necessidades especiais, idosos e
inclusive homens.
Bárbara Soares teve a ousadia de demonstrar a complexidade da violência
conjugal e familiar, praticada por homens e mulheres. Nesse sentido, a maior denúncia
feminina deve-se a maior gravidade da agressão masculina (inclusive pelos diferenciais de
força física entre os sexos), capaz de causar maiores danos, assim como a não denúncia
masculina deve-se em parte aos estereótipos de gênero que tornam inadmissível ou
vergonhoso que um homem “apanhe de mulher”. Contra os estereótipos de vítima e agressor,
afirma-se de maneira justa a dimensão relacional do gênero e das situações de violência, mas
48
Todavia, cremos que esta ou outra lei poderia contemplar a violência doméstica em geral de forma a dar
visibilidade e reconhecimento legal a outras formas de vitimização na vida privada.
30
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há que se ter cuidado com os impactos políticos de nossas falas – diante do claro viés
patriarcal e machista da violência de gênero que claramente penaliza muito mais intensamente
as mulheres – sob o risco de retroceder no esforço de reconhecimento da violência contra a
mulher como comportamento social indesejável e como crime.
Embora muito bem-vinda a tendência de passar da análise da polaridade agressorvítima para a compreensão de relações conjugais violentas, há que enfatizar que reconhecer a
dimensão cultural da violência de gênero deve levar a atuar considerando-a. Essa
complexidade exige sim ouvir a díade conjugal, mas com a clareza de que há um equilíbrio
desigual de forças (físicas, econômicas e até psíquicas dado o impacto da violência sobre a
saúde emocional e a autoestima das vítimas) que vulnerabiliza diferentemente as pessoas.
A análise relacional evidencia que o fenômeno da violência entre casais é muito
mais complexo do que simplesmente a busca de vítimas e algozes.
Os homens são prisioneiros da perspectiva dominante de machos viris, agressivos e
provedores assim como se espera socialmente que as mulheres sejam cuidadoras,
submissas e passivas. Ambos estão submetidos a expectativas construídas no meio
em que se inserem e ambos as reproduzem “com naturalidade” no cotidiano das
relações e das práticas sociais. (ABDALA; SILVEIRA; MINAYO, 2011, p. 572)
São comuns as constatações de que, ao ouvir o casal, há versões distintas do
ocorrido: como poderia ser diferente?49 Como não esperar que o agressor minimize e o
agredido maximize os “fatos”? Sem um acompanhamento profissional – psicológico e
jurídico – corre-se o risco de apenas ficar em uma palavra contra a outra.
Se a judicialização da família e dos conflitos domésticos é uma evolução muito
bem-vinda, há limites para ações puramente jurídicas. Por isso, afirma-se a importância de um
tratamento da violência contra a mulher como questão de segurança e saúde pública, cuja
especificidade precisa ser considerada, abrangendo ações para prevenção, para diagnóstico e
denúncia50 (dar-lhe visibilidade) e ações de enfrentamento por mediação de conflito e
punição.
49
Como mostram Deeke et al. (2009, p. 251), que pesquisaram a dinâmica de violência doméstica em 30 casais:
“Era comum, para os homens, justificar que atos de agressão física e verbal são comuns entre casais, que a
denúncia era injusta e que as parceiras também os agridem.”
50
Como mostra Brandão (1998), a denúncia pode ser um passo difícil por romper valores culturais e
expectativas de reciprocidade familiar que possuem muita força sobretudo nas camadas populares, menos
influenciadas por valores individualistas. A lém disso, as mulheres analisadas demonstram capacidade de reação
aos conflitos domésticos por outros meios, inclusive uso contra o parceiro de violência física ou verbal, como
greve de atividades domésticas e de sexo. O recurso à polícia seria uma forma de buscar restabelecer um ideal
familiar, demanda que se faz, como no passado, apoiada em estereótipos femininos – “caseira”, “anda na linha
direitinha” ou “boa dona-de-casa” – e masculinos – “gênio muito forte” ou “atacado” ao invés de
“trabalhadores” e “bons pais” – que ainda supõem que os direitos a integridade física e moral são merecidos por
alguns perfis de pessoas e não um direito humano em geral. Inclusive “é significativo que a categoria ‘violência’
31
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Evidentemente, soluções por mediação e encaminhamento a programas de
reeducação de agressores, possibilidade prevista em lei, só são cabíveis em casos de realmente
menor potencial ofensivo. A solução punitiva continuará existindo e seu rigor é condição de
possibilidade para que a violência doméstica, historicamente tão banalizada e naturalizada,
seja efetivamente percebida como crime. O que se reclama aqui é que o encaminhamento de
51
questão tão complexa não seja exclusiva ou prioritariamente penal . Tornar o quadro mais
complexo não deve significar jamais deixar de lado o reconhecimento da dominação
masculina e seus pressupostos culturais e históricos que levam ao silêncio e submissão
femininos, como o peso da responsabilidade pelo outro52, a autoresponsabilização pelo
comportamento alheio e pelo sucesso do relacionamento, todos os estereótipos sexistas que a
cultura faz pesar sobre mulheres e homens, mas sobretudo sobre as mulheres. É esse quadro
complexo do relacionamento entre parceiros íntimos que nos faz lembrar que, para dar
visibilidade a violência doméstica, exige-se metodologia capaz de captá-la melhor como nos
questionários autopreenchidos das pesquisas de vitimização do Instituto Avon, reconhecendo
que as dificuldades de declaração são agravadas pela afirmação na frente do entrevistador
(sendo inclusive preferível entrevistadoras) e pela presença de outras pessoas no momento da
entrevista. Estatísticas são necessárias para dar mais visibilidade ao problema, pois “lo que no
se contabiliza no se nombra, y sobre aquello que no se nombra, no se actúa” (GHERARDI,
2012, p. 32)
No âmbito do atendimento às vítimas, muito resta por fazer vencer as barreiras de
acesso das mulheres à justiça, incluindo a percepção de que foram vítimas de violência
(requer conscientização), a formulação pública de sua demanda (denúncia, recurso à delegacia
especializada), e o apoio psicológico e social para seguir em frente em sua demanda judicial e
encontrar novas alternativas de vida. Há também que fortalecer as medidas não penais de
proteção à mulher em situação de violência (como as previstas nos artigos 9, 22 e 23 da Lei
Maria da Penha), assim como não se pode menosprezar as possibilidades de programas de
recuperação e reeducação de agressores (artigos 30 e 45).
Sem esquecer o forte impacto simbólico da Lei Maria da Penha na
conscientização dos homens – “se eu agredir, eu vou preso” – é preciso reconhecer que sem
apareça citada poucas vezes. As categorias nativas que identificam os atos agressivos dos parceiros são ‘as
ignorância’, ‘as graças’ ou ‘gracinhas’[...]” (p. 65).
51
O texto de Bárbara Soares (1999) que figura em destaque na contracapa de seu livro é ilustrativo deste dilema:
“É preciso sinalizar para a sociedade que a violência doméstica é inaceitável, mas não se pode apenas reforçar as
providencias punitivas. É preciso entender que a cidadania não pode acabar na porta de casa.”
52
Exemplo marcante dessas desigualdades de compromisso com o outro são as atitudes de homens e mulheres
diante de parceiros encarcerados: muito frequentemente, presas são abandonadas e presos recebem visitas de
companheiras, mães e outros membros femininos da família.
32
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um forte trabalho preventivo que ofereça (sobretudo para as camadas mais baixas, que
dispõem de menos recursos para buscá-los por conta própria) serviços de apoio psicológico,
social e jurídico, a solução penalista reforçará estigmas que já recaem sobre os homens de
classe baixa, que crescentemente são mortos ou encarcerados no Brasil, negando – agora
indiretamente (o que se faz há séculos e de diferentes formas) – o direito das camadas baixas
ao convívio familiar.
Mesmo que haja menor incidência (e em parte subdeclaraçao) de violência contra
a mulher nas camadas superiores, não se pode olvidar que os membros dessas camadas estão
em melhores condições de buscar outras alternativas para mediar seus conflitos (como
terapias de casal, separação conjugal consensual ou litigiosa etc.). No passado, podia-se supor
que a legislação dava margem para que as mulheres de classe baixa usassem a polícia e os
JECrim como mediadores e aconselhadores na ausência de outros serviços de apoio
psicossocial. Fechada essa porta pelo maior rigor da Lei Maria da Penha é bom que se abram
outras portas de solução não apenas penal dos conflitos familiares. Neste sentido, se o
combate à violência de gênero é potencialmente beneficiado pelas políticas sociais que
empoderem de maneira especial as mulheres de classe baixa para sair das situações de
violência e igualmente as iniciativas que pretendem oferecer reeducação (alternativa prevista
em lei) para homens agressores.
Uma alternativa de atuação preventiva é utilizar o sistema de saúde – em especial,
o Programa de Saúde da Família – com equipes multiprofissionais incluindo atendimento
psicológico, jurídico e social, de forma a prevenir a violência doméstica em geral – incluindo
não apenas mulheres, mas também crianças, idosos, pessoas com necessidades especiais etc. –
permitindo diagnóstico, mediação e encaminhamento legal sempre que preciso. Esta seria
uma forma de estender de forma democratizada o acesso das camadas baixas a outras formas
de solução de conflitos – tal como dispõem as camadas mais altas – não restando outras
alternativas, como de costume no país, do que a fórmula “aos pobres à polícia”53.
53
Algo grave, sobretudo diante das muitas indicações de que se tem um sistema de justiça desigual pelo qual “se
o crime não é privilégio de classe, a punição parece sê-lo (ADORNO, 1994, p. 149), o que tem raízes profundas
no senso comum difundido entre os operadores do direito: “A criação judiciária contém igualmente um peso não
desprezível de incontáveis preconceitos que grassam sobre a população suspeita de ser perigosa e violenta.
Algumas dessas teorias parecem mesclar-se com a interpretação racional dos códigos. Conversas informais com
promotores públicos e magistrados permitem identificar três dessas teorias: a dos três pés, a do MIB e a da
nordestinidade. Pela primeira, réus são preferencialmente recrutados entre pobres, pretos e prostitutas. Pela
segunda, o que leva as pessoas a delinquir são a miséria, a ignorância e a bebida. Pela terceira, os réus e vítimas
são infelizes migrantes nordestinos que não conseguem se adaptar aos padrões civilizatórios da
metrópole”(1994, p. 140).
33
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Como feminista sei bem do risco de minha fala54, mas como estudiosa de
desigualdades sociais é impossível não reconhecer que há um problema de classe – não na
gênese, já que a violência de gênero existe em todas as classes, mas no tratamento dado à
questão – junto com o problema de gênero aqui. Como socióloga que estuda família –
inclusive com uma passagem muito salutar por um curso de terapia de casal e grupo familiar
em que tive a oportunidade de conviver com psicólogos e assistentes sociais que atendiam
famílias em situação de violência – impossível não reconhecer a complexidade das situações
de violência familiar e os desafios para alcançar novos equilíbrios de poder e novas – e não
violentas – formas de comunicação. Como cidadã que abraça uma perspectiva de direitos
humanos, impossível não desejar soluções que beneficiem o maior número de pessoas e
construam solidariedade social – por mais difícil que por vezes seja e reconhecendo a
impossibilidade de uma solução não punitiva em boa parte dos casos – ao invés de reforçar os
estigmas que pesam há séculos sobre a população – e neste caso os homens – de classe baixa.
Dado meu ideário feminista quando propus este trabalho eu tinha outra visão da questão e
confesso que saio com uma perspectiva muito mais nuançada do problema. Minha única
certeza é que os desafios de pesquisa, militância e política pública são muitos: que tenhamos a
pequena coragem de dar continuidade e tornar mais complexo este debate.
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54
Bárbara Soares (1999, p. 121) aponta que, nos Estados Unidos, o debate em torno da violência da mulher opõe
feministas ancoradas na ideia de vitimização e terapeutas que defendem a mediação de conflitos. Se os primeiros
usam o termo “violência contra a mulher” para referir-se ao exercício de poder masculino e são céticos quanto às
possibilidades de recuperação de agressores, os segundos falam em violência família ou doméstica para tratar em
geral de um conjunto de ações violentas no mundo privado. Não creio que o debate seja tão polarizado no Brasil,
visto que muitas feministas incorporam a crítica à noção de vitimização, até pelas implicações de congelamento
da compreensão de possíveis mudanças na violência de gênero (PASINATO, 2011 é um exemplo). Talvez por
ter passado por ambas as socializações, estou assumindo aqui uma posição intermediária. Ademais, minha
posição é muito marcada pelo fato de, além de estudar família e gênero, eu ter sempre mantido uma forte
preocupação com as desigualdades de classe.
34
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Apêndice A – Gráficos de vitimização por agressão física e de recurso à polícia entre
mulheres por região, cor, percentis de renda familiar e idade
Vítima de agressão por região
39
1,60%
1,40%
1,20%
1,00%
0,80%
0,60%
0,40%
0,20%
0,00%
Nordeste
Norte
Centro-oeste
Sudeste
Sul
Recurso à polícia por região
60,00%
50,00%
40,00%
30,00%
20,00%
10,00%
0,00%
Nordeste
Norte
Centro-oeste
Sudeste
Sul
Vítima de agressão por cor
2,50%
2,00%
1,50%
1,00%
0,50%
0,00%
Preta
Parda
Branca
8º Encontro da Associação Brasileira de Ciência Política, Gramado, RS, 1-4 ago. 2012
Recurso à polícia por cor
55,00%
54,00%
53,00%
52,00%
40
51,00%
50,00%
49,00%
48,00%
47,00%
46,00%
Preta
Parda
Branca
Vítima de agressão por percentis de
renda familiar
2,50%
2,00%
1,50%
1,00%
0,50%
0,00%
Recurso à polícia por percentis de
renda familiar
70,00%
60,00%
50,00%
40,00%
30,00%
20,00%
10,00%
0,00%
8º Encontro da Associação Brasileira de Ciência Política, Gramado, RS, 1-4 ago. 2012
Vítima de agressão por grupos de
idade
2,00%
1,50%
41
1,00%
0,50%
0,00%
15 a 19 20 a 24 25 a 29 30 a 34 35 a 39 40 a 44 45 a 49 50 a 54 55 a 59 60 ou
anos anos anos anos anos anos anos anos anos mais
Recurso à polícia por grupos de idade
70,00%
60,00%
50,00%
40,00%
30,00%
20,00%
10,00%
0,00%
15 a 19 20 a 24 25 a 29 30 a 34 35 a 39 40 a 44 45 a 49 50 a 54 55 a 59 60 ou
anos anos anos anos anos anos anos anos anos mais