All Good Things

Transcrição

All Good Things
All
Good
Things...
de carlos cardoso
Uma aventura trekker
All Good Things...
por Carlos Cardoso
“Never Give Up,
Never Surrender”
Cmdr. Peter Quincy Taggart
“Do, or do not.
There is no try”
Yoda
Este texto narra os percalços, alegrias e
aventuras de um casal de trekkers que
recebeu uma proposta indecente; ir ao
casamento de um amigo que nunca tinham
visto pessoalmente, em outro país, 12 mil km
de onde estavam. Era ilógico, insensato,
dispendioso, complicado e fora de propósito.
Diante disso, não tínhamos como não aceitar.
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A LONG TIME AGO...
Humm, isso é outro filme, mas tudo bem. Recebi o convite a long
time ago, parece hoje que foi em outra vida, de tão distante.
Estava eu tranqüilo em meus afazeres, bundeando pela Internet,
quando o ICQ piscou. Era o Hilton, meu consultor de áudio e cupimde-Ferro1 de plantão:
"Quebrou o quê dessa vez?", pensei em perguntar. Mas ele não estava pedindo socorro, parecia bem alegre.
"Eu e a Patrícia vamos casar em outubro, no Star Trek Experience
em Las Vegas, queremos que você venha”.
Levando-se em conta que eu mal fui à Bahia (você não foi, nego?
Então vá!) e estava mal começando a equilibrar minha saúde financeira, não seria uma coisa muito inteligente adicionar uma viagem
internacional ao saldo negativo do banco. Também não tinha passaporte, garantia de que estaria no emprego e sequer havia consultado minha querida namorida sobre a possibilidade de fazer um passeio desses.
Sendo assim, topei na
hora. Questão de lógica.
Agora era só fazer as
malas, certo?
Não exatamente. Havia o
detalhe do passaporte.
Enquanto Claudia dava
foto 1 Star Trek Experience - Las Vegas
entrada com três ou quatro
xeroxes e uma foto, eu descobria que havia perdido meu certificado
de reservista da aeronáutica.
Nossa gloriosa burocracia estatal só é superada por nossa gloriosa
burocracia militar. Nisso somos sensacionais.
1
Cupim-de-ferro: Nome dado a cidadãos, geralmente trabalhando na área tecnológica, notórios destruidores de equipamentos. Na maior das intenções formatam HDs, queimam fontes, invertem polaridades e envelhecem em questão de dias qualquer peça.
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Não, eu não podia tirar uma cópia pela internet, e não, o III COMAR
no Centro do Rio NÃO emite segunda via. Só quem emite é o Órgão
onde você se alistou. Centralização, alguém?
Eu saí de São Cristóvão, a 4 min do Centro do Rio, para o Campo
dos Afonsos, a maldita base aérea onde me alistei, e se você não
soltou um "caracoles", é porque não é do Rio.
São mais de 70 km, ida e volta. De manhã, enfrentando o trânsito
de ida pro trabalho de um razoável percentual da população.
Claro, seria mais gratificante se ao chegar lá o posto de alistamento
não estivesse fechado.
Tudo bem, amanhã é outro dia.
Não, Scarlett, amanhã não, só funcionam 2as 4as e 6as.
Nisso estou perdendo dias de trabalho, coisas se acumulando, Claudia em cima de mim... Pra piorar o carro começa a dar problemas,
coisa que nunca fez. Droga, funcionou tão bem nos últimos cinco
anos, porque dar problema logo agora?
Acabo achando um dia para resolver a coisa de vez, vou lá na 6a,
mesmo sem ar-condicionado. Respirar a poluição da Avenida Brasil
só vai me tirar uns cinco ou seis anos mesmo, espero que sejam os
reservados ao Alzheimer.
Fechado, desculpe. 5a foi feriado e o pessoal enforcou.
Pombas, é uma BASE AÉREA, se entrarmos em guerra vai ser só em
horário comercial? Se tivermos que resistir em uma posição, os soldados vão cobrar hora-extra?
Certo, na 2a eu volto.
Volto, mas antes eu ligo. Estão abertos?
"Sim, hoje funcionamos de 14 as 17”.
E na quarta?
"Quarta é até 11"
Quarta então. Ligando no dia, confirmando que está aberto (Aqui é
Cardoso -militar se pela de um sobrenome- com quem falo?) e ti-
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rando o carro
condicionado).
da
oficina
(uma
semana
consertando
o
ar-
O carro fica pronto na 4a cedo, despenco pela Avenida Brasil em
dobra nove (na Avenida Brasil isso é o limite, 100 km/h, e de qualquer forma uma UNO não dá muito mais que isso).
Chego na junta com TUDO pronto. Foto, documentos... Um soldadinho de chumbo me empurra um formulário, depois de tentar me
despachar dizendo que não achou meus registros. Diante da minha
expressão Charles Bronson, ele decidiu procurar melhor. Bom pra
ele.
Preencho o maldito formulário. O Soldadinho diz que tenho que pagar uma taxa. Carteira sacada -nos correios- carteira guardada.
Vou correndo até a agência próxima (1 km de caminhada) e depois
de uma pequena fila (seis pessoas) volto esbaforido.
Quando vejo, o soldadinho está datilografando uma carteirinha 0
km para mim. Estico a digital, assino, ele cola a foto... Perfeito, maravilhoso. Eficiência de primeiro mundo! Teço vários elogios mentais
ao serviço, quando o soldadinho me chama ao guichê, com a carteira na mão. "Receberei a danada, amanhã dou entrada no passaporte", pensei tolamente.
"Agora só falta a assinatura do oficial. São 15 a 20 dias úteis, mas é
bom ligar antes. Obrigado”.
"Meu mundo caiu" diz algo para vocês?
Foram loooongos 15 dias, mas pelo menos foram 15, não 20, muito
menos um "e olhe lá", como ficou implícito.
Ao final do prazo, saí do Campo dos Afonsos triunfante. Algum oficial anônimo entediado tascou um jamegão, tornando oficial um pedaço de papel que diz ser eu. Bem... Pra que serve aquilo mesmo?
O caso seguinte era o passaporte. Sei que desobedeci à regra número 1 instituída por Felipe Barreto, Odete Roitman e tantos outros
vilões: Tenha sempre um passaporte à mão, se for preciso sumir de
uma hora pra outra.
Ainda bem que a Policia Federal não descobriu minhas falcatruas
com as ações da TCA, senão estaria preso como todos os outros
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corrup.. É, pensando bem grande vilão no Brasil só usa passaporte
pra ir pra Disney mesmo.
Como estou no Programa Cardoso de Milhagem, escolhi tirar o passaporte no posto do Shopping Via Parque. Publicamente expliquei
que como o shopping ficava na Barra, mas perto da Linha Amarela,
para mim era mais rápido.
De posse dos documentos, fotos, formulários e cópias, despenquei
pra Barra. Coisa simples, vou no horário de almoço, é uma repartição perdida, no meio de um shopping que ninguém visita, deve estar vazio. Sem contar a crise que assola o país, ninguém tem dinheiro pra nada, bla, bla, bla.
Acreditei tanto no discurso acima que nem me preocupei em levar
Palm, Livros, Revistas, Gibis, palavras-cruzadas...
Foram duas horas entediantes enquanto três (sim havia bastante
gente) agentes atendiam os usuários. Tinha de tudo. Da dona que
não levou os documentos do pai e queria tirar os filhos do país até
uma coroa perua que queria porque queria tirar o visto pros Estados
Unidos, mesmo o Agente insistindo que eles não eram o Consulado
dos EUA.
Tudo entregue, mais prazos (not) made in brazil:
"15 dias úteis, mas para garantir o senhor espere mais um ou dois
dias, assim não vêm à toa”.
Claro, enquanto isso Hilton já estava subindo pelas paredes, faltavam menos de dois meses pro casamento. Os parágrafos acima resumiram meses de viagens, contra-viagens, etc., etc.
Passados os 16 dias regulamentares, fui buscar o passaporte. Surpreendentemente, tudo correu bem, o danado estava pronto. Não
erraram o nome, não colaram uma foto do Yasser Arafat no lugar
da minha, nem me incluíram na lista de procurados da INTERPOL
sem querer.
Nesse meio tempo, Claudia já havia tirado seu passaporte, tirou até
cidadania portuguesa. Sim, a suprema humilhação, pois como Portugal é quase Europa, ela pode entrar nos EUA sem visto. Já imaginaram a cena, não?
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Eu sendo conduzido para uma sala com placa "body cavity search",
enquanto ela é paparicada. "Mais um cafezinho, querida aliada histórica?"
Prevendo isso, não insisti muito na idéia do passaporte euro-digo,
português dela. Serve o brasileiro mesmo, assim teríamos 50/50 de
chance de um dos dois ser escolhido pro cavity search.
A parte fácil terminada, agora o bicho iria começar a pegar. Em
tempos pós-11 de Setembro, conseguir Visto pros EUA não é mais
aquela moleza Vovó Estela dos bons tempos. É preciso uma boa dose de convencimento, demonstrando que você é um cara legal, e
não pretende explodir nada.
Visitando o site do consulado dos EUA, descobri os passos; o processo todo envolvia algum papel e uma boa quantidade de dinheiro.
Não sei se isso espanta os imigrantes em potencial, ou só aumenta
nossa dívida externa, ao fazer com que essa gente viaje deixando
contas que não irão pagar.
O passo inicial foi pagar a taxa de solicitação de visto. Gloriosos 100
dólares que poderiam ser torrados na Fry's (voltarei a isso em breve) foram pro bolso do Tio Sam. Malditos burocratas...
De posse dessa taxa você faz... Nada. É, a taxa isolada de nada
serve. É preciso marcar uma entrevista no Consulado, para dar entrada no pedido de visto.
A entrevista (R$35) pode ser paga via boleto, cartão, cheque, depósito, conchinhas, orelhas de talibãs, você escolhe. Tudo online, com
direito a agendamento eletrônico, tudo muito chique.
Escolhi o dia mais próximo, duas semanas adiante.
Hilton já saltitava de parede em parede, soltando um "você não
vem, eu sabia, eu sabia”.
Sabia não, nem sabia que pra piorar as coisas o Galileo, meu fiel
carrinho, estava nas últimas. Após morrer de vez nos deixando na
mão nos cafundós da Barra, decidimos trocá-lo.
Esperto como sou me enfio numa concessionária pra comprar carro,
às portas de uma viagem internacional.
Saímos da concessionária de carro novo, uma bela dívida debaixo
do braço e despesas extras por pelo menos alguns meses. Com mi-
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nha sorte típica, isso era indicação de que a entrevista correria
bem.
Primeiros Passos em território americano
No dia da entrevista fomos munidos dos formulários devidamente
preenchidos, inclusive as perguntas que questionavam nosso conhecimento de armas químicas e nucleares, nosso passado pregresso traficando escravas brancas, e nossa intenção de cometer atos
terroristas em território americano2.
Na calçada do Consulado, uma série de parasitas infestava o local.
Eram candidatos a despachante, oferecendo preenchimento de formulários, formulários e mesmo fotos, além da taxa de cem dólares.
Acho que se você vai pra uma entrevista marcada, tem que ter planejado minimamente sua vida, e se esqueceu de um detalhe tão
"insignificante" quanto uma taxa de cem dólares alardeada em todos os materiais relativos ao visto, tem mais que se ferrar e pagar o
quanto o cambista quisesse pelo papel.
Colocamos todos os endereços e telefones da Patrícia e do Hilton,
hotéis e similares. Imaginei uns Homens de Preto batendo na porta
deles, atrás de confirmações. Infelizmente não aconteceu, teria sido
divertido. Hehe. Cavity Search.
Na hora marcada, entramos, passamos por um detector de metais,
Claudia deixou o celular na portaria (tinha câmera) e fomos para
um... Auditório.
Pois é, pelo menos umas 50 pessoas faziam fila lá, se cada uma pagou US$100, consulados são no mínimo auto-suficientes financeiramente.
O horário da entrevista já havia passado, mas a bagunça reinante
demonstrava claramente que tudo estava bem, mesmo com o cheiro de algo errado.
Aos poucos as cadeiras foram esvaziando, à medida que os funcionários (até agora todos brasileiros) do consulado verificavam os papéis, faziam alterações de última hora ou despachavam que não estava com o mínimo de documentação.
2
Não estou brincando, no formulário perguntam isso mesmo.
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Meu formulário estava quase perfeito, só errei ao não preencher um
pequeno campo... "País emissor do passaporte". Poxa, pergunta difícil não vale, eu estava preocupado com a pergunta sobre minha
participação em genocídios...
A essa altura, fomos tocados do salão para os guichês A e B. No
guichê uma funcionária, também brasileira, pegou os papéis de
Claudia, perguntou se tinha emprego, contracheque, etc. Na minha
vez ela apenas pegou os papéis e mandou-me para outra sala.
Já estava claro que o foco deles era pegar terroristas, sabotadores,
dissidentes do regime e marias-chuteiras com perspectiva de fazer
a América de cama em cama. Claudia não gostou muito quando
percebeu isso, mas achou melhor ficar quieta; fora os cem dólares,
um escândalo ali poderia render um passeio para Guantânamo.
No outro outro guichê (já em outra sala) esperamos um bom tempo, enquanto todos eram chamados para a humilhante e desnecessária coleta indolor e incolor de digitais via scanner eletrônico. Oh
que horror, maldito Bush, nos submetendo a tal indignidade e...
Bem, já percebeu que é ironia, né?
Nesse meio-tempo, senti o chamado da natureza. Bem, os ianques
podem me ceder um banheiro. Tudo bonitinho, limpinho, nada demais. Pensei em falar na lapela algo como "base Moscou, aqui BigBear, I’m in!", mas me refreei.
Após terminar o que fui fazer (calma, foi só o número 1) reparei na
pia.
"Uau, que chique! Primeiro mundo mesmo, a torneira é automática,
é só chegar a mão perto que ela liga. Eles gostam mesmo de se
amostrar"
Só então notei a marca da torneira: "Fabrimar"
Do lado de fora, nada da fila andar. A atendente (ainda brasileira)
interrogava pacientemente um garotinho que dizia estudar em uma
escola bilingüe. Como boa cria do Tom Clancy, ela trocou de idiomas no meio da frase, e o garoto não se abalou. Nos bons tempos
eu diria que era um anão habilmente treinado em Vladivostok.
Chegando nossa vez, tudo se resumiu a botar o dedinho no sensor,
muito obrigado, have a nice day, bla bla, fuck off.
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A espera seguinte era a última, seria a famigerada entrevista, que
separa os homens dos meninos, o momento crucial onde poríamos
tudo a perder, gritando um "Inshalah" ou algo que o valha.
Seria o interrogador altamente treinado? Teríamos direito a um advogado? O quanto poderíamos nos comprometer, sem querer? Como agir? Sério demais demonstraria preocupação e ensaio prévio.
Despojado demais demonstraria nervosismo e negação. Uma atuação em meio-termo demonstraria o quê? Treinamento e frieza de
um profissional de inteligência?
E como mentiríamos? Nunca vi a fuça do Hilton, só vi uma imagem
dele, mesmo assim só prestei atenção à ruiva de uniforme trek.
O quanto iriam checar antecedentes? Será que naquele momento
havia agentes entrevistando meus antigos professores, meus antigos colegas de trabalho? O que diriam ao descobrir que eu já trabalhei pros comunistas? (note bem, PARA OS, não JUNTO COM).
Meu cérebro voava, contrabalançando uma vida de filmes exaltando
a CIA, FBI e outras agências oniscientes e infalíveis com a dura realidade de 11 de Setembro e "não temos verba pra isso".
Também fiquei com medo de me acharem candidato a imigrante.
Solteiro (tecnicamente), sem bens, passaporte virginal como a Doris
Day na 2a metade da carreira... Suspeito, muito suspeito.
É isso, vão me mandar pra Caixa, vou ficar numa sala com o Samuel Jackson e o Andy Sipowickz, até me fazerem confessar, do Jimmy
Hoffa à Macarena.
"Tartitri"
É isso, sou eu.
Entro na sala, fico de frente para um guichê com um gringo torto;
nas mãos ele examina meus formulários. A história combinada pisca
em minha mente. Todos os detalhes forjados, eventos inexistentes
e falsa familiaridade. Tudo para não revelar a história verdadeira,
que não me garantiria visto nem para o ponto de ônibus:
"Esse maluco vai casar; nunca o vi antes, nem sequer falei com ele.
Muito menos a noiva, que eu nem sabia ser noiva. Conheço os dois
de uma lista de internet, e como é Star Trek achamos que isso justifica viajar 12 mil km, nos endividar até os pentelhos sobressalen-
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tes e visitar um parquinho. Tudo isso em quatro ou cinco corridos
dias"
"Trabalha lá há quanto tempo?"
Ahn? Ah, sim, a entrevista começou. Bolas, isso está no papel. Três
anos, cacete. Só não pergunte POR FAVOR, o dia em que comecei
no emprego. 11/9/2001 não tem como não soar provocação.
"Tem um contracheque recente?"
Tenho, meu caro, tenho. PQP, aquelas noites em claro brincando
com o computador valeram à pena; todos aqueles livros, Julio Verne, Carl Sagan, o amor pela ciência, aquela coisa Star Trek de aprender, explorar, finalmente aquilo se pagou. Enfiei um contracheque bem gordo pelo escaninho. O gringo olhou, pelo visto gostou.
Esticou uma senha, avisando:
"Pegar passaporte 2a Feira, 3 da tarde”.
Como assim? Pegar, o visto saiu, não saiu, o que houve?
"Pegar passaporte 2a Feira, 3 da tarde”.
A mentalidade burocrática é a única constante do Universo... Era
hora de sair dali, antes que o Norman começasse a fumegar.
O final de semana, claro, foi uma sucessão de dúvidas e preocupações. E agora? Se sair? Se não sair? Quanto custa?
Não podemos comprar passagens sem saber se o visto sairá, ninguém quer um mico de US$1000 nas mãos. O jeito foi ir pro bar,
nada como uma boa cerveja para fazer o tempo passar.
Em uma prova do cuidado e atenção dispensados aos nossos passaportes, qualquer um poderia retirá-los, mediante apresentação de
um pedacinho de papel vermelho com um número. Way to go,
America. Segurança Máxima.
No dia marcado, Claudia saiu do almoço mais cedo na Petrobrás, e
foi até o Consulado. CONSEGUIMOS! persuadimos a maior potência
militar da História de que éramos dignos de confiança, e aptos a
adentrar seguramente o território americano! (isso por si só explica
muita coisa)
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Por telefone, ela pedia instruções. Ora bolas, tenho que pensar em
tudo? Compre as passagens e alguns dólares, uai.
Seguindo recomendações do Hilton, ela foi até a Sky Turismo, no
Centro do Rio. MUITO BEM ATENDIDA, escolheu de uma série de alternativas, desencavadas sabe-se lá como por nossa agente de viagens. Incrível, faltando dois ou três dias e ainda podíamos escolher
o vôo.
Para quem achava que iríamos pela empresa aérea do Jack Dalton,
aquele amigo do mcGyver, foi surpreendente ter opções. Escolhi um
vôo Rio-SP-Newark-Las Vegas. Havia opção com parada de 5h em
Miami, mas entre 5 horas em Miami ou 1h em Newark, não há nem
dúvida. Fora que um vôo costa-a-costa não iria fazer mal a meu pacote de milhagem.
Após os detalhes fechados, seguiu-se um ritual onde meu cartão de
crédito foi cruelmente sodomizado. Resistiu resignado, bravamente.
Palmas pro Amex.
Enquanto Claudia se divertia gastando dinheiro dos outros (mesmo
sabendo que iria pagar a parte dela, meter duas passagens internacionais no MEU cartão foi bem divertido pra ela) eu contava as boas
novas pro Hilton.
Para comemorar, ele me pediu uma encomenda. Duas caixas de Antártica. Claro, afinal de contas cerveja americana é uma droga, nada mais justo que levar pra ele cerveja brasileira ruim, que mesmo
assim deve ser melhor que o mijo de camelo que ele é forçado a
tomar naquela terra de infiéis... (o parágrafo acima será tratado na
seção Mythbusters)
Ah, mais uma coisinha. Ele mandou fazer umas plaquinhas pra dar
de brinde, em uma fábrica de São Cristóvão. Claro, é pertinho da
minha casa, posso sim levar pra você.
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foto 2 - A placa comemorativa. Show!
Como diz o Batman, toda boa ação tem sempre uma punição.
As placas em questão pesam quase 1 kg cada uma. Eram 40, mas
negociamos para ficarem cinco por aqui, seriam entregues por mim.
Quando o material chegou lá em casa, foi um choque. Um caixote
ENORME, absolutamente inviável levar aquilo sem ser de navio. Tirei uma foto, mandei pros noivos...
A alternativa foi desembrulhar as placas das caixas, enrolar no plástico bolha e enfiar numa mala. Uma GRANDE mala, uma mala de
proporções jaldomíricas.
Ah sim, sobraram algumas, foram na outra mala.
Carregar aquele estorvo de um lado pro outro (38 kg) valeu pela
cara dos noivos e convidados. Foi, com certeza, o brinde de casamento mais original que já vi. Hoje a minha figura com orgulho na
parede. Duvido que alguém faça isso com aqueles arranjos bregas
ou vasinhos de "prástico".
Na hora de fazer as malas, a preocupação principal: Não despertar
a atenção da segurança. Em tempos de Osame-o ou Deixe-o, não é
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bom andar com material suspeito, como canivetes, espadas samurais (viu, Uma?) facas Olfa e isqueiros em formato de granada.
Fiquei triste em deixar meu cortador de unha para trás, até perceber que nunca o usei. Idiota, carregando aquilo à toa...
Preparei a maleta High-Tech (com bastante equipamento para controlar um Jumbo, mas os caras se preocupam com canivetes) levando pilhas sobressalentes, carregadores de Palm, celular, câmera,
as câmeras em si, teclado, cabos, muitos cabos. Um legítimo geek
como eu não poderia ficar longe e seus brinquedos. Ou poderia?
A última providência foi adestrar a babá dos gatos, com instruções
sobre comida, telefones de todo mundo, datas e horários. Os gatos
em si não reclamaram muito. Sem gente em casa eles não precisariam fingir que estão acordados por duas ou 3 horas, dormindo 24/7
se sentem bem mais... Gatos.
foto 3 - Messias não estava preocupado com a viagem.
Dólares no bolso, cartão de crédito na carteira, táxi na porta, o que
parecia impossível acontecia com uma velocidade impressionante.
Um dia, estávamos tomando cerveja na Cinelândia, no outro...
THUNDERBIRDS ARE GO!
No dia da viagem fui trabalhar normalmente, para dar uma adiantada no serviço, já que estava me ausentando descaradamente fora
de período de férias. Ter chefe trekker ajuda, claro.
Na metade do expediente já não conseguia fazer nada de útil; todo
mundo me perguntava a mesma coisa: Que diabos eu ainda estava
fazendo ali?
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Seguindo conselhos coletivos, despenquei pra casa. Últimas baterias
carregadas, livros e revistas selecionados, uma cópia do "Como dominar um seqüestrador fundamentalista islâmico maluco for dummies", e táxi.
É muito estranha a sensação ao dizer "internacional", quando o motorista pergunta qual setor. Para uma
minhoca da terra como eu, foi algo
totalmente inédito.
Depois de despachar as malas, fomos tomar um chope no Palheta,
aguardando a hora de embarcar.
Aproveitei para checar os emails,
peruar no ICQ e me despedir do
pessoal. Fascinante como mesmo
em um ambiente cosmopolita como
um aeroporto, um Palm e Teclado
chamam atenção dos passantes.
foto 4 - Palm, Chopp, Viagem. Tá bom né?
A Íris Letieri chamou o vôo: "Continental Flight." era hora! Descemos para o embarque, um raio-X básico das bolsas, um detector de metais que não pegaria o Robocop
escondido dentro de um Cilônio, mais carimbos e conferidas, e
quando percebi, estávamos no ar!
O 767 é um bicho danado de grande, com duas turbinas que parecem ter sido feitas pra empurrar aquele monstro pra frente. Chegamos a São Paulo antes que eu pudesse entender a lógica de sair
do Rio, fazer escala e SP e voltar pro norte.
Rodamos uns 40 minutos em Guarulhos, que é uma espécie de aeroporto de Congonhas, mas em outro lugar. Na verdade queríamos
embarcar logo, a ansiedade era palpável.
Quando o portão abriu, fomos ávidos, só para receber uma lição sobre hierarquia; primeiro os passageiros da Primeira Classe, depois
os da Executiva, só depois que vinha o povão. Um absurdo, uma
discriminação, puro preconceito, vício capitalista de tratar as pessoas de acordo com o que elas pagam! Quero ver se em Cuba fazem
assim... Duvido! Todo cubano é tratado da mesma forma, quando
viaja de avião para outros países!
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(A "mesma forma" citada no parágrafo anterior é a esposa cutucando o cidadão. "Acorde, Juan, você está sonhando de novo").
Na pista, nosso ritual particular em decolagens; assim que o piloto
joga 100% de potência e toca o bicho pra frente, olhamos um para
o outro e falamos baixinho "engage!”.
Assim que atingimos altitude real (de cruzeiro é coisa antiga) embicamos pro noroeste, em direção a Brasília. Por que todos os vôos
passam ali, mesmo sem pousar, é um mistério. Deve ser pra aumentar as chances de cair um 747 no Congresso Nacional.
Passado o "jantar", vamos futucar. Para quem está acostumado
com os 737 da ponte aérea, aquele avião era um mundo, com entretenimento para a viagem toda. Canais de áudio, uma telinha de
cristal líquido no encosto com dez canais diferentes, filmes, seriados, controle remoto que também era controle do videogame, chique mesmo. Dava pra jogar os maiores sucessos de 1985...
Assisti uns cinco episódios de CSI, para me familiarizar com a cidade, mas fiquei preocupado. Las Vegas é um lugar muito violento e
perigoso, tantas mortes, tantos tiros... Que saudade do meu Rio de
Janeiro!
Passamos pela Amazônia, mas verde escuro à noite e preto é a
mesma coisa, então nada vimos. Só começou a aparecer uma luz
ou outra depois das Guianas, já quase Caribe. Excitante saber que
aquelas luzes não eram a baía de Guanabara, e sim Curaçao, Aruba,
Haiti.. Humm. Tá, Haiti não é tão bom.
Ao largo de Cuba, fui dar uma banana simbólica pro Fidel, mas não
consegui sequer achar a ilha, estava tudo escuro. Uns dizem que
era Apagão, mas os aliados do Comandante explicarão que não passou de um black-out controlado pra evitar uma invasão imperialista.
Tentei assustar a Claudia avisando que estávamos no meio do Triângulo das Bermudas, mas anos de Discovery Channel estragaram
essa menina. Não deu a menor bola.
A costa da Flórida se aproximava, mas felizmente mantivemos uma
distância segura. Miami é uma cidade que não me atrai. É como diz
o Veríssimo, "Angra dos Pobres".
Subimos mais alguns estados, passando por Baltimore, casa do Tom
Clancy, e por Washington (Hi, Georgie...). Mesmo visto de cima, é
outro país!
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Como gostam de luz, aqueles caras. Toda praça é iluminada, toda
rua perfeitamente visível, instalações públicas como casas de força
ficam iluminadas toda a noite. Deve ser uma droga ser astrônomo
amador lá.
O planejamento urbano também é completamente diferente. Como
a maioria das cidades é em grade, com ruas cortando avenidas em
90 graus, o padrão artificial se destaca. Do alto, à noite, parece que
estamos chegando em uma cidade Borg. Só que Borgs não pedem
green card ;)
Na aproximação final em Newark, preenchemos os formulários de
imigração, repetindo mais uma vez os objetivos da viagem, o que
portávamos, etc. Declarei as placas como presente, com um valor
compatível com a nota fiscal. Ficou bem acima do máximo permitido, mas Tio Sam sabe que dinheiro que ENTRA não faz mal.
Desembarcamos, seguindo o fluxo de passageiros até a Imigração.
Lá, lendo os cartazes, descobri que se tudo corresse bem eu seria
um "visiting alien". Como bom trekker, não me ofendi de maneira
alguma em ser chamado de alienígena. Conhecendo nossa espécie,
acho que a ofensa maior é ser chamado de Humano...
Claro, lembrei de todas aquelas histórias na Internet (e se está na
Internet é verdade) sobre brasileiros humilhados, presos, deportados, trancados em salas sem poder sentar, expulsos para casa após
serem forçados a assinar declarações de culpa... Lembrei da história
da filha adolescente do casal que foi revistada nua por um grupo de
guardas sádicos, lembrei da história de que nenhum vôo mais de
brasileiros está entrando nos EUA, lembrei do email explicando que
como aeroporto é território internacional, os passageiros não têm
qualquer direito, e são abusados pelos malignos agentes de segurança...
"Boa noite"
"Boa noite"
"Passaporte, por favor?"
tlectlectcletlectlectlec
"Olhe para a câmera. Obrigado. Coloque o indicador esquerdo no
sensor. Agora o direito. Obrigado."
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tlectlectlectlectlec
"Qual o objetivo de sua viagem?"
"Vim para o casamento de um amigo"
"Vai ficar quanto tempo?"
"Uns cinco ou seis dias"
CAPLAFT (não sei onomatopéia de carimbo)
"OK, obrigado. Bem-vindo aos Estados Unidos”.
"Obrigado. Hei, minha namorada não fala inglês, posso ficar para
ajudá-la se necessário?"
"Se quiser..."
A vez da Claudia foi mais rápida ainda. Quase um "está com ele?
Então vai".
Procurei ainda as salas de tortura e interrogatório, mas deve ficar
no porão. Sorte nossa. Vamos para a conexão, antes que mudem
de idéia.
Despachadas as malas (por algum mistério logístico a conexão em
Newark é a única em que as malas precisam ser mudadas manualmente de um vôo para outro) esperamos a saída do avião, vendo o
Sol nascer pelas janelas do saguão. Caramba, estávamos ali, entramos, conseguimos!
foto 5 - Newark, finalmente!
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É bobo, mas é uma sensação boa, conseguir entrar, mesmo com
toda a torcida contra criada por terroristas malucos e aqueles fracassados de Governador Valadares, que não conseguem sucesso no
Brasil e vão tentar a sorte no país mais competitivo do mundo.
Assumimos a única postura segura para um turista nos EUA: "Sou
visitante, vim gastar. Se não me respeita, respeite meu dinheiro".
Funciona.
Na hora de embarcar, finalmente um pouco da boa e velha Homeland Security. Passamos (todos, não só os aliens) por detectores de
metal, colocamos mochilas e pertences no raio-x (sapatos inclusive)
e fomos liberados sem qualquer problema. Os funcionários eram
simpáticos e profissionais, com aquela segurança de quem sabe que
em 3 min teria o local cheio de fuzileiros, se fosse necessário.
Felizmente não foi, e embarcamos.
O vôo Newark-Las Vegas foi um tédio. Aviação interna nos EUA é
uma droga, tudo "Peanut Airlines". O que muita gente reclama da
Gol aqui, lá é serviço padrão. Claro, os preços compensam, mas
brasileiro sempre associou avião com coisa de rico, e cobrou serviço
condizente. O cara passa 2h no engarrafamento pro aeroporto, mas
reclama que não tem sanduíche, só amendoim e Coca-Cola em um
vôo de 40 min.
Depois de 4h lendo revistas e acompanhando um grupo de turistas
americanos típicos (com bonés dos Yankees e tudo) chegamos a Las
Vegas. A geografia do local é completamente alienígena, é tudo
marrom, seco, a luz é amarelada. Parece Vulcano.
Só que Vulcano não tem pirâmides.
Nem caça-níqueis no aeroporto.
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foto 6 - Las Vegas tem pirâmides
Que a cidade era movida a jogo, eu já sabia, só não imaginava algo
tão... Natural. Sendo criado com a idéia de que jogo era errado,
tendo cassinos no Brasil apenas como curiosidade histórica, associando o ato de jogar com Raul Capitão e outros banqueiros do Jogo
do Bicho, foi muito, muito estranho desembarcar vendo pessoas
normais passando o tempo colocando moedas em máquinas.
Confesso que meu lado Liberal foi tomado por uma dose de moralismo que me deixou, por alguns segundos, pensando quase em voz
alta slogans da TFP. Mas passou;)
Ligamos pra Patrícia e pro Hilton, avisando que chegamos. Eles ainda estavam em Houston, viriam mais tarde. Sugeriram que fossemos pro Hotel, onde estávamos pré-registrados como hóspedes adicionais, fizéssemos o check-in, abandonássemos as malas e ficássemos passeando até eles chegarem.
Por mim...
Chegar ao Hotel já foi outra aventura. TEORICAMENTE bastaria tomar um shuttle, mas primeiro precisava descobrir ONDE pegar o bicho. Nem foi difícil, na porta de saída havia um quiosque "shuttles,
vans, limos". Comprei dois tickets de shuttle (micro-ônibus seria o
termo correto, mas shuttle é mais trek) e fui até a mocinha que direcionava o pessoal.
Ela nos apontou para um espaço vazio onde deveria haver um carro. Parou, pensou, olhou pro lado, chamou um sujeito que estava
fumando perto, e perguntou:
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foto 7 - Limusine. Que chique!
Bubba (ele tinha cara de Bubba, não lembro o nome real) quer pegar? Um pro Flamingo, dois pro Ceasar, dois pro Hilton.
Bubba disse que sim, nos chamou "vem comigo" e pensei: Pronto,
ferrou. No mínimo é táxi pirata.
Não era, Bubba dirigia uma limusine. Quando vimos, estávamos rodando em Las Vegas, num ENORME carro preto, junto com um casal
de Arkansas e um sujeito comendo pipoca.
Só não aproveitamos mais, porque andar de limusine em Las Vegas
não é vantagem nenhuma, o aluguel por hora sai a US$20, e as
passagens que pagamos foram US$5,75. MUITO barato comparado
com uma corrida de táxi no Rio ou em SP, isso se o taxista não tentar te roubar no preço.
Havia uma convenção nacional de garis na cidade, ao menos parecia. Também estavam fazendo um concurso de melhor asfaltador de
rua. Agora entendi por que todo carro importado tem que ser "tropicalizado", com reforços de suspensão. Carros lá são feitos para
andar em ruas absolutamente lisas, sem o relevo do rosto do Lucio
Mauro na adolescência, como nossas estradas.
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foto 8 - Veja que sujeira esse pátio...
A educação (ou o medo da multa, o resultado é o mesmo) fazia com
que as ruas ficassem impecáveis. Sem papéis, lixos, jornais, latinhas e similares. Também é estranho a um brasileiro a ausência de
camelôs.
Ar-condicionado no carro, lá, é obrigatório, mas não foi novidade,
pra mim também é essencial.
Passamos por vários hotéis na "Strip", como chamam a rua principal
da cidade. Perto do Hilton um totem enorme anunciava as atrações,
com destaque para um símbolo da Frota e o Star Trek Experience.
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Foto 9 - Nunca esse logo teve tanto destaque
Na margem da Strip, nos acompanhava o trilho da mais nova atração da cidade, um monotrilho interligando as maiores atrações e
hotéis. Só que como ele vivia quebrado, de monorail o pessoal já
chamava de monofail.
Passamos
por
uma
placa,
indicando
que
havíamos
chegado ao Hilton (o hotel, não
o noivo). Continuamos andando.
O carro fazia voltas, dobrava em
esquinas,
passava
por
gramadinhos, e nada do negócio
chegar. Ao fundo, o prédio,
enorme.
Só paramos na
Foto 10 - O Monofail
portaria depois do que pareceram
Na portaria, um ligeiro problema de comunicação. O atendente não
conseguia entender o número da reserva, e não localizou o Hilton
no banco de dados. Talvez ele não soubesse escrever esses nomes
brasileiros estranhos...
Para ser um pouco sincero, o problema de comunicação foi meu.
Não conseguia dizer direito o número da reserva. Nada a ver com
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inglês, minha letra que é um lixo mesmo. "7, 7, acho que é um sete. Com certeza é um sete, mas tente um".
Foto 11 - Na Portaria do Hilton
Do Hilton ligamos pro Hilton, para confirmar o número da reserva
(no Hilton). Confirmamos, abandonamos as bolsas e fomos passear,
esperando nossos anfitriões.
Da área de recepção descortina-se o saguão principal do hotel, que
nada mais é que um casino. Literalmente centenas de caça-níqueis,
com moças (e umas não tão moças) circulando, com drinques de
cortesia.
O truque é simples: Você fica jogando. Uma menina chega, te oferece um drinque. Você dá um dólar de gorjeta. Bebe por US$1 (e
nos EUA isso é complicado de conseguir) e perde MUITO mais que
isso, nos jogos. Quanto mais cachaça nas idéias, mais ousado se
torna seu jogo. Não há como perder! (O casino, claro).
Na parte de trás do salão principal havia um palco; na verdade uma
casa de shows completa. Naquela semana, quem se apresentava
era o ZZ Top. As atrações em Las Vegas são soberbas, parece Copa
do Mundo. Em uma esquina tem show da Celine Dion, na outra do
David Copperfield, na outra do Blue Men Group...
Mais para o fundo ficava o casino de temática espacial. Genérico,
pois ficaria muito caro licenciar Star Trek para um casino inteiro. À
noite vi algumas mesas com croupiês usando camisas da série clássica. De deixar qualquer xiita defensor dos Ideais de Roddenberry
tendo acessos de fúria.
Ao fundo do casino espacial, temos... O Star Trek Experience! Uma
escada desce para o Quark's e as lojas, enquanto uma rampa leva
ao mezanino com o Museu de Star Trek e os passeios.
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Foto 12 - Pra ser sincero, desnecessário.
Resistimos à tentação de ir ao Experience sem nossos anfitriões,
queríamos estar junto deles ao entrarmos em tal Templo Sagrado
dos trekkers. Preferimos rodar pelo hotel. Há corredores e corredores de lojas de lembranças, lanchonetes, bares e cafeterias. Após
uma investigação preliminar, encontramos uma lanchonete pequena
e simpática. Era hora de um bom lanche, se bem que o fuso horário
estava tão zoneado que nada mais fazia sentido. Certo, o simples
fato de estarmos ali NÃO fazia sentido. Minha sorte normal não deveria ter permitido uma viagem dessas.
Compramos nossos lanches, cientes das dificuldades do idioma. Cookies, por exemplo, em inglês é "cookies", já Coca-Cola é Coca-Cola
mesmo, mas pronuncia-se "Coke".
Depois do lanche fui conhecer o banheiro. Como discípulo de Al
Bundy, considero essencial; a prova da superioridade de uma civilização é a forma com que cuidam de seus banheiros. No caso, foram
mais que aprovados. Todos os banheiros que fui nos EUA eram limpíssimos, todos com descargas automáticas com sensor infravermelho, a maioria com torneiras automáticas e um, no aeroporto de
Houston, com direito a dispenser de sabão automático também. Só
queria saber pra quê servia o botão R.A.M3. em um dos reservados,
mas não tive tempo de ler as instruções.
3
Removedor Automático de Modess, uma velha piada.
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Circulando pelo hotel, chegamos a um cantinho quase deslocado,
prosaico mesmo: Um... BINGO. Isso mesmo, umas 15 cadeiras,
uma bancada, uns dois telões... Levando-se em conta tudo em volta, um bingo ali seria mais ou menos como deixar um exemplar da
Playboy em uma poltrona nas Termas Aeroporto.
Além do bingo havia um espaço aberto que chamou nossa atenção.
Uma grande, enorme área quase em formato de domo; em toda
uma parede, telões, acompanhando a curvatura. Todas telas de alta
definição, exibindo os mais variados eventos esportivos. Espalhadas
pelo salão, poltronas pra lá de confortáveis. Parecia a sala do NORAD (do filme Jogos de Guerra, não a patética sala verdadeira), só
que muito maior.
Descobrimos que aquele era considerado o maior bar de esportes
do mundo. Eu acredito.
Foto 13 - O Sports Bar. Perceba a escala.
Treinando seus conhecimentos
lingüísticos, Claudia deu uma saída, e voltou com um daqueles típicos copos de café de seriado de
TV. "queria um café que nem a
Ally mcBeal". Também não foi difícil, café em inglês é “cafe’”. Coffee é coisa de americano pobre.
Mais tarde não resisti e fui a uma das dezenas de lojinhas, pedi um
mega-expresso supersized cream/sugar/flavored 2000. Ou algo assim. Saí com um copo de tamanho descomunal. O melhor de tudo:
O café deles é delicioso. Moído na hora, expresso, o creme é ótimo,
super-aerado, assim não afunda e mistura logo. Um dos mitos destruídos na viagem é o de que café americano é ruim. Podem tomar
chafé em casa, mas na rua tomam excelentes cafés. E olha que
nem fui num Starbucks.
Após algum tempo e vários telefonemas, finalmente encontramos
nossos anfitriões. Acho que só acreditaram que estávamos lá depois
de nos ver. Não podemos culpá-los por isso.
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Foto 14 - Só as da Patrícia
Arrumamos um bell-boy (no caso uma menina, uma bell-boya) para
levar as malas, e nos dirigimos ao quarto. Lá, as trocas de presentes de praxe; mostramos as famigeradas placas, entreguei as latas
de cerveja (viajar com 40 kg de placas tudo bem, mas levar duas
caixas de Antártica foi uma violência contra meus princípios) e começamos a futucar o quarto.
Desistimos quando a TV deu GPF. Tecnologia é isso, erro de Windows, direto na sua televisão. Que inveja do 1o Mundo ;)
Foto 15 - TV com GPF...
Nessa hora Patrícia e Hilton foram resolver os últimos detalhes do
casamento, e nós aproveitamos para um merecido banho. Mais de
15 horas dentro de avião, ainda por cima em classe econômica acaba com o parfum de qualquer um.
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Aguardamos a volta deles, enquanto observávamos a paisagem alienígena. Como todo quarto de hotel americano, havia um neon
vermelho na janela.
Foto 16 - Naves iluminadas
Depois de reunidos, descemos para finalmente conhecer o Star Trek
Experience. Passamos pelo corredor de entrada principal, chegamos
ao Portal. A arquitetura de Star Trek se evidenciava em cada coluna. No alto, réplicas das principais naves, iluminadas contra um teto
de estrelas.
Nas paredes, telões passando clipes e episódios, de todas as séries. Logo na entrada um manequim com uma klingon de
uniforme, não sei qual das Irmãs Duras.
Naquele momento tudo se revelou. Era
verdade, eu estava ali. O mais próximo
possível de Star Trek. No coração mundial da franquia. Se eu soubesse, ou tivesse o direito, faria uma prece, mas ajoelhar e começar a rezar em árabe não
era uma boa pedida no momento.
Descemos as escadas devagar. Do lado
direito, uma estátua de um Gorn. Descortinando-se diante de nós, o Quark's
com sua decoração DS9, mesas com regeneradores Borg, e alienígenas. Sim,
Sempre se encontra pelo Quark's ao mePágina 28 de 63
Foto 17 - Uma das irmãs Duras
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nos um Klingon, um Ferengi e um Borg. Fora os brasileiros.
Não fomos direto para lá. Antes era preciso visitar os vendilhões do
templo. E que vendilhões! De fazer qualquer convenção da Frota se
sentir em final de feira. Um arco com umas quatro lojas oferecia de
tudo; de equipamentos usados nas séries (sim, da lira vulcana original do Spock) a... Pingos.
Havia quadros de parede, toda sorte de camisetas, umas jaquetas
lindas (e caras) e canecas. Americano adora caneca, mas não posso
culpá-los. Minha caneca da NX-01 ocupa lugar de honra na estante.
Foto 18 - Isso mesmo, um ursinho Borg.
O lugar é de deixar trekkers endinheirados preocupados com o a fatura do cartão de crédito. Mesmo que você não compre um feiser
original (US$450) ou o cajado do Grande Nagus (US$750) ainda há
muita coisa pequena para levar seu dinheiro. O que é pior são as
coisas abaixo de 200 dólares, que despertam o "é, dá...". Quase levei, por duzentos e pouco, um daqueles cubos de acrílico com um
holograma dentro. Poxa, o holograma era do Doutor da Voyager,
fazia ou não fazia sentido?
Havia casacos, uniformes prontos de todas as séries, inclusive do
universo alternativo. Quem quisesse brincar de Kirk malvado, era só
se servir. Spock malvado também. Orelhas à venda, barbicha por
sua conta.
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Uma das lojas tinha uma enorme sessão de chaveiros. Dos mais elaborados, como o que comprei com o símbolo da Frota, até um ridículo dadinho de nomes escrito "Kirk". Compreensivelmente, chaveiros de "Nêmesis" estavam em promoção. Comprei vários para os
não-trekkers que iriam querer lembranças.
Também não consegui resistir a uma squish-squish (ou chupachupa, uma garrafa pra água, sei lá) Borg.
Andávamos pelas lojas como crianças em uma loja de doces. Bolas,
ÉRAMOS crianças e eles tinham pirulitos no formato do símbolo da
Frota e da Federação, além de barras de chocolate-latinum.
Depois das lojas, fomos para o Quark's. Incrível como os garçons
eram educados, parecia coisa de outro mundo (e nem estou dizendo
o 1o). Sem aquela falsa gentileza de restaurantes caros brasileiros,
todos pareciam genuinamente satisfeitos de trabalhar ali.
Aliás, abrindo um parêntese, essa foi uma das coisas que reparei
nos EUA: Todos, do gerente do Experience ao faxineiro mexicano
interagiam com os clientes com dignidade. Algo como "sou um profissional e estou feliz em sê-lo, reconheça isso e o tratarei muito
bem".
Ninguém leva desaforo pra casa, mas ninguém ataca sem provocação, também. Claro, há babacas, como em qualquer lugar, a Patrícia botou pra correr um bell-boy idiota que sumiu com nossa malas,
mas o que sempre tratei como regra, lá foi exceção.
Os garçons do Experience conseguiam serem profissionais, simpáticos, ágeis e ainda conheciam o produto! Sim algo inédito para o padrão brasileiro, eles efetivamente SABIAM o que vendiam, não tinham apenas decorado o cardápio, como é comum no Brasil. "O que
vem no filé da casa?" "Vem batata-frita, cebola, ervilha, provolone e
leite de pato bla bla bla".
Dito com uma voz monocórdia, no menor tempo possível.
No Experience o próprio cardápio é uma atração à parte. Todos os
pratos são relacionados com Star Trek, principalmente as bebidas.
Tomei muita cerveja romulana, e a ressaca nem de longe foi nos níveis do Kirk. Chegamos inclusive a ousar. Eu e Claudia dividimos
um... Warp Core Breach.
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Como descrever? É um aquário. Cheio de gelo, de tom vinho claro,
com alguns litros de provavelmente todas as bebidas disponíveis.
Complementando, gelo seco, para esfumaçar e dar o efeito sombrio
de plasma de dobra vazando. Um ser humano normal é incapaz de
beber um negócio daquele sozinho. As conseqüências seriam terríveis.
Foto 19 - Eugenio e seu Warp Core Breach
Hilton e Patrícia tomavam uma coisa dourada chamada "Klingon
Warnog", que também era muito boa. Tanto que chamou a atenção
de... Um Klingon!
Sim, do nada um guerreiro klingon apareceu, puxando assunto, fazendo gracinhas (gracinhas klingon, claro) e deixando os convidados à vontade.
A maquiagem era perfeita, assim como a caracterização. O sujeito devia ter
uns 2m de altura, e ainda usava saltos! Quem acha que não ficaria intimidado diante de um Klingon, pode tirar o cavalinho da chuva.
Foto 20 - Borg dando idéia nas meninas
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Também impressionava um Borg que circulava pelos arredores.
Sem falar nada, apenas olhando, inspecionando, extraindo risinhos
nervosos das meninas. Das meninas, leiam-se as adolescentes que
estavam no bar, Claudia e Patrícia são carne de pescoço, se o Borg
se engraçasse iriam repetir a cena "assimilate this", do Worf.
Lá pelas tantas, Hilton faz uma oferta irrecusável: Estava com alguns dos convites para as atrações. Queríamos fazer os passeios
agora, ou só dali a dois dias, com o resto dos convidados?
Antes de ele terminar já estávamos pagando a conta, e subindo para o promenade principal. Após a bilheteria, há uma área circular
(promenade, pros íntimos) com o Museu Star Trek. Do lado esquerdo do corredor, um interminável painel mostrava a cronologia de
Star Trek, com os principais eventos vídeos, gráficos em movimento... Mas a graça mesmo estava do lado direito.
Começando com uma miniatura da Apollo XI e do shuttle Enterprise, seguia-se um kit lindo da Phoenix de Zefran Cochrane. Dali era
tudo festa. Material para trekker nenhum botar defeito.
Foto 21 - Roupa da janeway, foto do cachorro, etc
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Monitores da Enterprise de Archer, pistolas de fase, comunicadores,
uniformes. Tudo original, usado nas séries.
Passando o Século XXII, chegamos ao território clássico. Estava tudo lá. Uniforme do Kirk, tricorders, o Nômade, a harpa do Spock.
Tudo ao vivo, nada de fotos!
Uma vitrine guardava o tricorder que Spock fez com pouco mais que
barro fofo e pedra lascada, no Cidade à Beira da Eternidade! Outra
vitrine trazia as botas magnéticas usadas no Terra Desconhecida, as
algemas do McCoy, a roupa do Khan. Pingos... Muitos pingos...
Dá pra passar horas ali, associando cada objeto a seu filme de origem. Bolas, até o Macintosh do Scotty no ST-IV estava lá, como
"ancient computer".
Foto 22 - O Caixão de Spock
Também estava em exposição o torpedo fotônico Mark IV que serviu de caixão para Spock. Tocá-lo me trouxe muitos sentimentos
contraditórios.
A parte da Nova Geração era igualmente interessante. Podia escolher, desde chapéus da Guinan até a flauta do Picard no Inner Light.
A ala de Voyager tinha até a caneca da Janeway, a de DS9, o balde
do Odo!
Na próxima volta do corredor, as roupas de Sarek e Amanda em
Amok Time. Vida Longa e próspera, mr Lenard.
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Foto 23 - Sarek e Amanda
Uma coleção de armas klingon que faria qualquer um pensar em
besteira ocupava uma das paredes. Ah, se eu corresse o bastante...
Se bem que dificilmente uma Bath'let passaria despercebida pela
segurança do aeroporto.
Adiante, um funcionário com uniforme da Frota carimbava com tinta
ultravioleta nossas mãos, para que pudéssemos ir aos passeios
mais de uma vez. Os participantes começavam a se aglomerar. Um
outro funcionário pedia desculpas pelo atraso. No fundo, uma voz
poderosa interrompeu: "qual o problema?”.
Era o Klingon. O atendente explicou que havia um problema com o
passeio, mas o klingon interrompeu dizendo que era incompetência
dele.
Depois de um delicioso diálogo, onde o Klingon reduziu o cara a cinzas, ele recebe um empurrão de cair no chão. O klingon vai embora, somos levados para um corredor com uma TV passando um documentário sobre ST, e aparentemente o passeio começa.
Ficamos em uma sala vazia, com ordens de permanecer no centro.
Especula-se se virá algum monstro da porta dos fundos, aberta de
forma suspeita. É exibido um vídeo de segurança, mas no meio do
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vídeo a imagem treme, as luzes se apagam, um estranho vento toma conta do ambiente, junto com um zumbido agudo muito alto.
Logo antes de se tornar insuportável, o zunido cede. As luzes se acendem e... Tudo mudou!
Sim, você não saiu do lugar, mas a impressão é que está em outra
sala. As paredes são diferentes, o teto é diferente, o CHÃO é diferente (esse truque é genial, mas não vou contar como é feito) e onde havia a parede da frente há...
Um console de teletransporte!
Operando o console, um oficial da Frota Estelar, bem confuso. Enquanto ele interage com o guia do passeio, percebemos que estamos na... Sala de transporte da Enterprise!
Aparentemente fomos pegos em uma anomalia temporal. Comandante Riker fala com o nosso oficial de transporte, pelo intercom.
Diz que não tem tempo para explicar, mas precisamos ir até a Ponte.
Como se fosse preciso convite! A suspensão de incredulidade está
em 100%, naquela hora nós ESTAMOS na Enterprise. Nem os risinhos nervosos típicos dessas atrações são ouvidos. Nosso guia da
Frota pede que o sigamos. Passamos por vários corredores (sim, da
Enterprise D!) e, do nada, damos de cara com... A Ponte. Sim, aquela lendária ponte de comando. Com oficiais nas cadeiras, gráficos passando nas várias telas, um oficial de comando no local, falando com Riker na tela principal. Ele está na Engenharia, com Geordi. Precisa consertar o reator, mas também precisa de nós.
Riker começa a explicar que Picard simplesmente desapareceu. Um
klingon renegado tentou capturar um grupo de turistas terrestres do
Século XXI, dentre os quais estava um antepassado de Picard. Não
sabiam quem exatamente, por isso interceptaram o feixe de transporte do Klingon e trouxeram todos pra Enterprise.
Agora precisávamos achar a anomalia temporal e voltar para nosso
tempo, ou então Picard nunca teria existido.
Enquanto Riker fala com os oficiais da Ponte, as telas mudam,
mesmo pequenas imagens de fundo, onde ninguém olha, mudam,
em associação com o que está acontecendo.
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Assim que começamos a relaxar e olhar em volta (sim, está tudo lá,
até a placa comemorativa) os Klingons atacam. Entramos em alerta
vermelho, precisamos correr para o hangar e fugir em um shuttle,
Geordi irá em outro, nos escoltando.
Vamos para um turboelevador. Uma tenente (Lt Expendable, eu acho) aciona o mesmo. O chão treme, as luzes piscam, por um minuto você acha que está se movendo, mas é só um truqTudo pisca, as luzes apagam, o chão treme descontroladamente!
Estamos em um turboelevador em queda livre!
Você instintivamente se segura em quem estiver próximo... As luzes
mais e mais rápidas, a tenente mexendo nos consoles... A nave sem
energia... Riker dando ordens, redireciona força auxiliar para o turboelevador... No último minuto somos salvos. A porta se abre e...
Estamos no hangar! Caixas de suprimentos, estrelas nas vigias de
observação, gruas e guindastes... Droga, como fizeram isso?
É hora de outro guia. Vamos para os cuidados de um oficial que nos
coloca em fila ao lado de um shuttle da Federação. Começa um vídeo de segurança, primeiro em uma língua alienígena. Ele pede
desculpas, retorna para inglês e continua.
São as medidas de sempre. Se passar mal peça socorro, nada e
mãos pro alto, etc., etc. Entramos ansiosos no shuttle. Como não
podia deixar de ser, eu me enrolo com o cinto. O cara aproveita para dar uma sacaneada.
"É só puxar devagar, funciona como um cinto de segurança do Século XX”.
A porta lateral é fechada. Estamos diante de uma grande tela, cobrindo mais de 270 graus. Em uma tela de serviço, aparece Geordi.
Nosso piloto está em sua cabine, isolada de nós. Ele e Geordi combinam o que farão.
Não há tempo nem energia para despressurizar o hangar, é preciso
explodir as portas, Segurem-se!
A tela principal é ativada. Estamos no hangar da Enterprise, saímos
junto com os destroços, tudo tremendo e balançando.
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Quando passamos pelas naceles de dobra e parece que vamos reto,
um enorme tremor nos joga longe; uma ave de rapina klingon passa raspando na nave!
Começa um jogo de gato e rato com o melhor que se pode esperar
de um simulador; uma história com contexto!
Passamos várias vezes pela Enterprise, atiramos nos klingons, eles
atiram em nós, batemos neles, conseguimos espaço, fugimos.
Somos antepassados do Picard, fuga e rendição estão no nosso
sangue ;)
A mais impressionante estrutura que já vi em Star Trek aparece,
depois que saímos de dobra. Passamos pelos anéis de um irmão de
Saturno, descemos em sua atmosfera até uma infinidade de passagens e corredores.
Por pouco não esbarramos na Millenium Falcon, tal era a sensação
de Estrela da Morte.
Geordi, na frente, localiza um gerador de camuflagem klingon, ele
está impedindo que encontremos a Anomalia. Geordi tenta destruílo, não consegue e pede ajuda. Nós, de novo, fazemos algumas
manobras bruscas para chegar perto e detonar os feisers em sincronia.
Fugimos de lá cavalgando a explosão. Já sem controle, entramos na
anomalia. Mais alguns sacolejos em voltamos ao Século XXI. Mais
precisamente, voltamos para... LAS VEGAS!
Exato, nossa aventura espacial agora é um passeio pelo céu noturno da cidade, voando rasante entre os prédios. Identificamos o ponto focal, um grupo de brinquedos de simulador de vôo, no... Las
Vegas Hilton!
Só que antes que façamos um pouso suave, os klingons voltaram!
Nossa nave e a de Geordi se envolvem em uma escaramuça nos
céus de Las Vegas, com uma Ave de Rapina Klingon! Abalroamos
eles, sentimos os arranhões, somos jogados para trás quando Geordi é capturado num raio trator... Na manobra final, nós também
somos.
Parece que é o fim, a Ave de Rapina nos pegou, estamos de frente
pro banco disruptor dela, que começa a brilhar, mas eis que...
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Ela toma três tiros certeiros e é jogada longe! É a Enterprise! Nos
seguiu até ali, botando os klingons para correr!
Nosso piloto aproveita para embicar em direção ao hotel. Descemos
por um longo duto de ventilação, até pousar onde deveria haver um
dos brinquedos.
Enquanto a nave vai se desligando, Picard fala conosco pelo rádio.
Agradece por termos salvado sua existência, faz mais alguns comentários engrandecedores na melhor tradição Trek, e pede que
mantenhamos tudo em segredo.
Quando a porta se abre, um mecânico da manutenção fica doidinho.
O que estão fazendo ali? Como o brinquedo desceu um andar? Ele
ia ser despedido se soubessem. Vamos, fora...
Passamos por um corredor de manutenção. Enquanto esperamos o
elevador, uma TV na parede passa as notícias. Parece que vários
UFOs foram vistos voando rasante por sobre Las Vegas, mas o oficial da Força Aérea dando entrevista explica que foi só... Gás do pântano ;)
Pegamos um elevador, subimos um nível e saímos de volta no promenade, na porta do Quark's, ainda embevecidos. Foram pouco
menos de 20 minutos, mas a sensação era de uma vida em um segundo. Agora sei como Picard se sentiu em Inner Light.
Passamos nas lojinhas de novo, compramos mais quinqui-digo, adoráveis artefatos trekkers, e voltamos pro quarto.
Como TODO quarto de hotel americano, havia um neon vermelho
na janela. Era o enorme totem da entrada, agora iluminado. Antes
de abraçar Morpheus Hilton foi até o corredor, atrás da máquina de
gelo (outro clichê de filmes). Voltou, com a lata de lixo cheia pela
metade. Colocou lá umas Antárticas, deixando gelar um pouco.
A ironia era tão óbvia que nem me dei ao trabalho de comentar o
quão adequado para Antártica era uma lata de lixo... Mas como
bom bebedor após algumas doses de coisa boa, bebe o que tiver,
mandei ver na cerveja mais viajada que já tomei.
No dia seguinte, foi hora de organizar os times. Um pessoal estava
chegando ao Aeroporto, nós tínhamos que ir para a casa alugada
para o evento, mas antes precisávamos pegar o carro alugado, no
aeroporto. Patrícia conseguiu uma carona com a locadora. Uma mi-
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nivan dirigida por um mexicano apareceu, e rodamos um pouco,
vendo a cidade enquanto pegávamos outros hóspedes.
Um detalhe impressionante é que parece que você está no Admirável Mundo Novo, do Huxley. A sociedade é mais estratificada que a
indiana. TODOS os serviços básicos são feitos por mexicanos. Não
vi um faxineiro que não fosse latino.
Mais impressionante ainda é ver como esses latinos trabalham com
uma eficiência, cortesia e presteza bem maiores do que em seus
próprios países de origem.
Manuel (não sei se esse era o nome, para mim todos eram Manuel.
Reclamem com Basil Fawlty) nos deixou (e as malas, muitas malas,
Patrícia parecia que ia para uma lua de mel, sei lá. Haja mala!) e
ficamos aguardando a liberação do carro.
Nessa hora, realizei um pequeno desejo pessoal... Dando uma de
Forrest Gump, comprei um Dr. Peppers... O que posso dizer? Tem
gosto de uma bala antiga, vêm ao limiar da memória e vai embora,
você SABE o que é, mas não consegue expressar.
Minha conclusão é que Dr. Peppers deve ser experimentado. Uma
vez. Não é ruim o bastante para não gostar, nem bom o bastante
para gostar. Isso não é bom, você pode acabar bebendo por inércia,
como aquela namorada chatinha que você ficava, porque morava
perto da sua casa.
Foto 24 - Life is a box of chocolates...
No sol do deserto, sai a Patrícia serelepe com as chaves na mão.
"Vamos, vou pegar o carro". Perguntei qual era.
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"Qualquer um, o cara disse pra escolher, estão todos com a chave,
é pegar e sair”.
Aquele enorme pátio não era estacionamento, era uma prateleira...
Patrícia volta, dirigindo algo mais pra ônibus do que pra carro. Uma
minivan enorme, Dodge Caravan, mas não as Caravans que estamos acostumados. Comportou todas as nossas malas, com sobra.
De lá, fomos para a tal casa, a Alameda Evergreen, ou algo assim.
Segundo os folhetos, ficava a 5 min da Strip.
5 min em dobra Nove. Com trânsito e usando meios de transporte
do século XXI, coloque aí uns 10, com sorte.
Claro, nosso navegador conseguiu se perder com um mapa e uma
cidade planejada com ruas perpendiculares, mas era de se esperar.
Nota: Surpreendentemente o navegador não era eu, mas ainda teria minha chance.
As ruas coloridas e prédios grandiosos ocupavam todo o campo de
visão. Aos poucos o que parecia o resultado de uma convenção
mundial de arquitetos bêbados viajantes do tempo deu lugar a estradas maiores (sempre com um asfalto maravilhoso. Amortecedor
deve ser opcional por lá) e a um cenário mais... Amarelado.
Depois de alguns bulevares, chegamos a um bairro na beira do deserto. Na verdade, tudo ali ERA deserto, mas a cidade se firmou
com uma resolução de adolescente em fila de show do Felipe Dylon.
Foto 25 - Na garagem da casa, em Twin Peaks.
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A sensação era, mais uma vez, de estar em um filme. Várias temporadas de CSI e Arquivo X me deixaram meio apreensivo, mas só
alguns dias não eram suficientes para atrair a atenção da vizinha
satanista ou do vizinho psicopata... "Passe o creme! Ou vou usar a
mangueira de novo!".
Dobrando uma esquina, achamos nossa casinha. Em termos, pois
embora fosse uma típica casa de classe-média americana, era excelente para os padrões cariocas.
Branquinha, com uma grande garagem e nenhuma cerca ou muro,
como qualquer fã de Dawson's Creek iria reconhecer.
Ficamos preocupados, pois os outros convidados deveriam estar ali,
mas tudo era silêncio. Digitamos o código do alarme e nada aconteceu. Tudo bem, melhor assim do que um ED-209 sair da garagem
dizendo "Drop your weapon's you have 20 seconds to comply.
*clang* you have 10 seconds.."
A última opção se mostrou a mais eficiente: Campainha.
Abre a porta um dos sujeitos mais desvirtuados que conheço, e olha
que conheço muito sujeito desvirtuado. Eugênio (ou como diz o pai
do Hilton, ELEgênio).
Eles haviam chegado, digitaram o código e nada aconteceu, esperaram um pouco, apareceu um carro da cia. de segurança, abriram a
casa, entregaram chaves, instruções, etc., welcome home, querida,
cheguei!
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Foto 26 - HDTV.. mnham....
Entramos direto pro ar-condicionado. A casa inteira tinha ar, um
enorme (e silencioso) aparelho central transformava aquela fornalha
em um agradável templo de consumo europeu.
Claudia ficou de casaco o tempo todo.
Conhecemos os outros convidados, o Pai do Hilton, sua irmã (do Hilton, não do pai) e o Eugênio.
Foto 27 - Patrícia, Hilton, Irmã e (quase) Eugênio
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ELE(gênio) já havia saído, andado, passado em uma loja de grosserias (Groceries, se você é iletrado e só fala português) e comprado... CERVEJA!
Atacamos a Miller com gosto (ao menos nós tínhamos gosto, a Miller era igual a daqui, água amarelada).
Depois
das
apresentações
(cardoso==>cerveja,
cerveja==>cardoso) fomos conhecer a casa. Se fosse ruim, poderia dizer
que era um clichê, um grande clichê ambulante (tá, casas não ambulam) (Tá, a da Babba Yagga ambula, mas isso é outra história).
Foto 28 - Momento família - entrega da placa
A porta da frente dava para uma sala com mesa de sinuca e um
quarto, na direção da escada. Essa sala da sinuca era dividida por
uma parede de pouco mais de um metro com a sala principal, dando pros fundos da casa. Nessa ficavam os sofás e a TV de 53 polegadas e alta definição. E a lareira.
Atrás do sofá lateral, ficava a mesa de jantar e a porta de vidro para o quintal dos fundos. Á esquerda a escada para o segundo andar,
um banheiro e mais um quarto. No cômodo principal, a cozinha,
sem separação da sala.
Aqui as mulheres brasileiras torceram o nariz. Por não estarem acostumadas a exaustores, imaginam naturalmente que tudo se torna uma gordura só, cozinhando junto à sala. Ledo engano.
A cozinha era típica, com um refrigerador de portas duplas, microondas, tritura dor de alimentos, muitos e muitos armários e uma
janelinha diante da pia, por onde o psicopata de plantão vigia a mocinha, mas ninguém acredita nela.
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No andar de cima, mais três quartos, sendo um suíte, os outros dois
dividindo um banheiro, por entradas independentes.
A tarefa de desarrumar as malas foi passada ás mulheres, eu e Hilton precisávamos ativar a rede sem-fio, checar emails, etc. Depois
de meia-hora, quase desistindo, percebemos que o roteador sem-fio
precisa ficar ligado por fio ao cable modem (ok, estava), mas o cable modem sozinho não faz nada, precisa estar ligado a algum maldito cable (não estava).
Ligamos, funcionou, mas ninguém ficou muito interessado em email. Queríamos sair, comprar comida, beber, etc.
Fomos ao WALMART, impressionados pelo tamanho do bicho. Um
supermercado que vendia literalmente de tudo. De telescópios e
modelos de foguetes, até a máscara do Jason (essa eu comprei).
Passamos rapidamente pela sessão de carnes, mas os cortes são
completamente alienígenas, não dá pra fazer analogia com nada
conhecido. Até as lingüiças são diferentes, compramos uma temperada com. erva doce! (e era boa).
Foto 29 - Note os gêneros de primeira necessidade
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Depois do avião cobrando US$5 por bebida alcoólica, e dos preços
do Quark's (dentro da realidade, mas a realidade DELES) eu e Eugênio nos surpreendemos com o preço do uísque.
Compramos MUITA bebida, além de cerveja das mais variadas procedências. Desde uma Samuel Adams deliciosa recomendada pelo
Hilton até uma Guiness escolhida por mim.
Bacon era essencial, não dá pra se sentir nos EUA sem bacon, então
Patrícia escolheu um "bife de batata" empanado com bacon pra lá
de interessante. Também levamos suco de laranja em galão de um
galão. Daqueles de beber no gargalo, olhar a data de validade vencida, etc.
Hilton planejava fazer um churrasco, então adquiriu um saco de
carvão. Preferi não comentar que nossa churrasqueira era a gás.
Gaúcho é bicho muito enciumado de suas tradições, se começasse a
apontar problemas, ele poderia querer se afirmar, ia pegar as três
facas, aí já viu...
Voltamos pra casa, arrumamos as compras e bebemos o resto da
tarde, até dar hora de sair e ir beber.
Voltamos ao Hilton, para beber no Quark's, jantar e comprar mais
coisinhas legais de Star Trek. Como já conhecíamos o básico, foi hora de experimentar. Foi da Klingon warnog até o Deeana Troi's Chocolate Madness (ou algo assim). Quem também resolveu experimentar foi o Eugênio.
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Foto 30 - Paris, alguém?
Ao voltar do banheiro, encontrou na sua frente um Warp Core Breach, e não se fez de rogado. Tentou explicar que era grande, e precisava de ajuda. Como ninguém se dispôs, assumiu todos os canudinhos ele mesmo. As imagens dizem mais ou menos o resultado da
brincadeira.
Depois disso ele curiosamente não bebeu mais nada ;)
No dia seguinte fomos passear onde interessava: Eu e Hilton no
Fry’s, as meninas nos Malls (shopping-center em inglês é mall).
O Fry’s é uma experiência religiosa. Uma loja do tamanho dos maiores hipermercados brasileiros, só de coisas eletrônicas. De CDs a
telas de plasma e HDTV’s. Cartões de memória, Palms e resistores.
TUDO. Você anda com seu carrinho de compras, escolhe seu fone
Bluetooth e coloca no carrinho. Assim.
Pinto no lixo é pouco. Eu queria tudo, tudo, my precious!
Claro, foi dia de reconhecimento, não compramos nada. Melhor ver
tudo depois voltar com calma. Ainda tínhamos que rodar pela Strip,
ver os hotéis, procurar Elvis...
Confesso que fiquei com pena de ter passado na frente do museu
Liberacce e não ter entrado.
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Nossa casa fria no deserto, que tinha até aspersor automático de
perfume agora estava bem ocupada. A Cris, uma amiga da Patrícia,
tinha chegado. Um amor de menina, malvada como a amiga.
Voltamos ao WALMART pra comprar material pro churrasco. Lingüiça é fácil, dá pra identificar, mesmo que seja temperada com coisas
exóticas. Já as carnes...
Acabamos levando o que era visualmente atraente, rezando pra dar
certo no fogo. Refizemos o estoque de cerveja (Viva a Samuel Adams) e saímos para a mais complicada operação que fizemos em
território americano: Comprar sal grosso.
Inicialmente eu não lembrava de como era Sal Grosso em inglês,
mas recordando de meu porta-condimentos em casa, recordei que
era “Rock Salt”, mas todos concordaram que “Rude Salt” ficaria melhor.
No WALMART não tinha. Segundo Hilton, Sal Grosso é usado para
amaciar a água, que costuma vir com poucos sais minerais. Fomos
a lojas de implementos agrícolas, também não tinha. Estavam quase desistindo quando eu lembrei que sal moído na hora era coisa de
gourmet.
Fomos a um mercado menor, mais metido a sofisticado. Encontramos! Eu sou demais...
Final de noite falando besteira, bebendo em quantidades industriais
e vendo Canal SciFi em HDTV. Podia ser pior... Como ficamos com
um dos quartos superiores, para chegar à sala tinha que descer a
escada. Uma hora pedi que aplaudissem minha entrada, pois estava
praticamente em uma sitcom.
Nosso café da manhã era super-saudável: Ovos, Bacon, Lingüiça
aperitivo, os deliciosos bifes de batata... Mal sobrava espaço pro
almoço. E como turista come bem por lá. Muito condimento, quase
uma Bahia. EU gostei.
Só não gostei quando Patrícia resolve comunicar que como no dia
seguinte ela iria passar a maior parte do tempo se emperiquitando
pro casamento, EU seria o designated driver para passear com o
pessoal.
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Foto 31 - Sr Volante.
Antes que pudesse reclamar, já estava no Lido (acho que é ele, o
Hotel Francês) dando meu nome e sendo registrado. EU que não
gosto de dirigir fora do meu bairro... Quando vi já estava com a
chave daquele ÔNIBUS nas mãos, e um grupo de insatisfeitos me
mandando tomar uma atitude.
A primeira imagem que me veio à mente foi clara: Vou ficar famoso, vou aparecer ao vivo no helicóptero da Fox, igual ao OJ.
O primeiro desafio foi tirar o carro do lugar. CLARO que eu conhecia
os princípios teóricos, mas é como sexo com a Luciana Vendramini,
por mais que eu saiba o que fazer tenho certeza de que vou me enrolar.
Eugenio ajudou. Pra soltar carro com transmissão automática, pise
no freio.
Muito sentido, pisa no freio que o carro anda. CLARO.
Andou. Andou e a curva de aprendizado foi de 5 segundos. É delicioso, não quero outra coisa na vida. Você tem umas oito coisas a
menos pra se preocupar. Devia ser obrigatório em todos os carros,
principalmente veículos comerciais.
E lá fui eu, tirando onda nas estradas... Tivesse tempo embicaria
em direção a San Francisco pra tentar achar o Bagdá Café, mas
provavelmente foi bombardeado preventivamente.
Não preciso dizer que me perdi, né?
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Eu e a irmã do Hilton, em um canto ermo dos fundos de algum hotel, sem saber voltar pra Strip ou pra rua principal. Paro um cara
pra pedir informação, ele mal consegue se expressar.
Maldição. Um mexicano com inglês ruim. Sempre tem um cucaracho
latino pra me aporrinhar...
Conseguimos voltar pra casa. O tempo estava correndo, e não tínhamos feito compras. Aproveitamos que Patrícia estava entretida e
sumimos com a peça menos importante da cerimônia, o Noivo.
Fomos pro Fry’s.
Lá Claudia se maravilhou. Começou a encher o carrinho com as tralhas tecnológicas que adoramos. Comprou seu fone Bluetooth que
tanto queria, acessórios pro Palm, presentinhos pros sobrinhos e
pra ela mesma...
Eu queria levar um RobotSapiens, mas acabei medrando. Me contentei com minha placa de vídeo, um DVD que toca Divx (sim, na
época era novidade, no Brasil nem pensar) por US$69, um Airport
pra um baiano chato que tinha encomendado, um cartão WIFI e um
SD de 1GB pra mim... fora o que não me lembro.
Foi uma facada, mas graças à tecnologia, as transações foram aprovadas, deu tempo de sair, descobrir que o celular do Hilton não
pegava dentro da loja e a Patrícia estava subindo pela paredes, mas
não da forma que se imagina uma noiva subindo pelas paredes em
sua noite de núpcias.
Era fato, ela queria me matar, mas como ainda precisava de mim,
eu teria algumas horas de vida. Ufa. Só que eu não iria dirigir. Fato.
Nem morto. Levo na ida, mas na volta não. Eu hein, viajar 12 mil
km pra um casamento e NÃO beber?
Claro, no Brasil eu fatalmente tomaria alguns chopes, pegaria o carro e iria pra casa, mas lá não. Vi episódios demais do World Wildest
Police Vídeos pra saber o que me espera. Comigo não. Eu hein, começar ouvindo um “step out of the car, sir” e depois um ‘respect my
authorataaahhh”..
Na noite anterior todos compraram uniformes, para entrar no clima.
O pai do Hilton e a Claudia ficaram especialmente bem com a farda
de gala da Nova Geração. Cris resolveu usar um modelito do Uni-
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verso Paralelo, já a Irmã do Hilton caprichou, botou até orelhas
pontudas.
Foto 32 - Quantos trekkers sonharam sentar ali...
Nos reunimos no promenade, esperando a hora. Os casamentos são
realizados entre um passeio e outro, tudo cronometrado. Quando o
mestre de cerimônias chamou, fomos os convidados, levados para o
cenário principal, a Ponte de Enterprise!
O melhor: Fomos pelos bastidores, pudemos ver vários dos truques
do passeio que tanto nos fascinou, desta vez por trás das cortinas.
Mas na hora de entrar na Ponte, foi pela entrada principal mesmo.
Aproveitamos para fuçar tudo, olhar os dioramas, atentar aos detalhes. Até o seqüencial clássico debaixo da tela estava lá. Um loop de
estrelas passava, como se a nave estivesse em dobra. Os painéis,
claro, não funcionavam, mas os da Enterprise “de verdade” também
não funcionam, então nossa réplica era bem verossímil em relação
à original.
Vários convidados estavam à paisana, mas era quase impossível
achar um sorriso de reprovação. No mínimo achavam bem pitoresco
e diferente, aquele casamento. Até o ex-chefe do Hilton na Dolby
estava lá, com direito a uniforme e tudo.
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Quietinho no meu canto me surpreendeu quando os noivos nos chamaram para ficar perto deles, junto dos padrinhos. Uma honra e
tanto.
O juiz de paz estava vestido como capitão da Série Clássica. Fez as
brincadeiras de sempre, depois proferiu uma homilia muito, muito
legal. Melhor que qualquer outra cerimônia que eu já tenha participado. Efetivamente queria escutar, era interessante!
Foto 33 - Eugenio em boa companhia
Naquele momento eu fiquei genuinamente com inveja. Inveja positiva, claro. Orgulho de estar ali, de ter tido aquela sorte, mas parte
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(ok, tudo) de mim queria estar ali no lugar deles. Eu tinha planos de
casar com a Claudia de farra em uma daquelas capelas do Elvis,
mas depois daquela cerimônia seria uma piada sem-graça.
Até eu sou forçado a reconhecer que me emocionei. Era a realização
de muitos sonhos. Os dois se conheceram e se uniram em volta de
uma paixão em comum, o amor deles por Star Trek era palpável.
Estarem ali era mais que justo, era essencial. Isso eu podia entender. Sem dogmas, sem crenças enfiadas de cima para baixo, toda
aquela cerimônia acontecia por livre e espontânea vontade dos envolvidos.
Na tradição dos velhos barcos de madeira...
Pensei o quanto meus próprios atos haviam sido influenciados por
Star Trek. Muitos, muitos. Desde pequenas coisas no dia-a-dia, até
estar ali, naquele momento. Olhava orgulhoso minha cria; mesmo
sendo uma trekker por assimilação, Claudia via tudo fascinada. Naquela época já estava mais que familiarizada, já podia andar solta
no meio de trekkers e ser uma deles. Ela também entendia.
Estávamos naquele pequeno instante vivendo em nosso mundo ideal, onde
o talento é reconhecido, a inteligência é valorizada e não somos perseguidos por preconceitos nem nossas deficiências apontadas com risadas. Um
mundo onde todo mundo é feliz com o que faz, buscando crescer sempre.
Sem inveja, intriga, maldade ou traição.
É uma visão ingênua? É. Mas... E daí? Contos de fadas não precisam ser realistas. Amamos Star Trek mesmo em seus momentos
menos nobres, como na série Enterprise onde ninguém é Polyanna,
mas nos reservamos o direito de ter um pensamento feliz, seguir a
segunda estrela à direita até o amanhecer e ir pra Terra do Nunca
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de vez em quando. Bolas, há gente que se explode, pois acha que
assim acordará cercado de 72 virgens. Quem é mais ingênuo?
À nossa volta dois klingons e um ferengi faziam das suas. O ferengi era engraçadíssimo, tentou roubar bolsas das convidadas, ofereceu 50% para o
noivo se ele não contasse, tentou comprar a irmã do Hilton... O klingon estava sério, bem dentro do papel. Já a klingon fêmea era uma baixinha linda. Fiquei com vontade de rosnar pra ela.
Deixar a Ponte da Enterprise foi algo que fizemos com relutância,
mas tínhamos que comer, bolas.
Foto 34 - Patrícia pensou duas vezes antes de interpelar o penetra.
Uma área do Quark’s foi fechada para a recepção. Um belo buffet
foi servido, com sirloin (não é comida klingon, é um medalhão metido à besta) e coquetel de camarão. Claudia não entendeu nada, eu
estava comendo o camarão. Ela me avisou que estava cru, mas
mesmo assim eu não desisti. Era uma época de inéditos, eu tinha
que fazer algo diferente nesse campo também.
Os atores passeavam entre nós. O klingon piadista estava com a
corda toda. Passou horas falando do ferengi, que ele era seu conselheiro financeiro, que ele tinha investido o dinheiro em uma empresa terrestre, uma tal de Enron...
O ferengi tirava fotos, brincava, tentava negociar... Impressionante
como eles nunca saem do personagem.
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Foto 35 - 50/50?
Hilton e Patrícia compraram várias máquinas descartáveis, para os
convidados tirarem fotos. Uma hora o Ferengi começou a recolher
todas elas, veio perguntar se valiam alguma coisa...
A entrega das placas foi outro belo momento. Ninguém acreditava.
Quase 1 kg, madeira de verdade, longe daqueles malditos copinhos
e sabonetes embrulhados em papel-alumínio com flores espetadas.
As bebidas estavam liberadas, então enchi a caveira de cerveja romulana. Quando estávamos quase acabando, Hilton descobriu que
tinha alguns convites sobrando, começou a fazer as contas se conseguiria levar todos os convidados nos passeios. Não dava.
Não pensei duas vezes. Peguei os convites, passei o cartão e completei as entradas que faltavam. Não foi um grande presente de casamento, mas foi o que mais me orgulhei de ter dado, e o único que
dei sem ficar contrariado, achando que poderia ter comprado algo
para mim.
Foi a vez dos dois desabarem. Hehehe eu tenho meus momentos.
Fizemos o passeio da Nova Geração e o passeio da Voyager. Esse
segundo não tem a mesma emoção do primeiro, mas tecnicamente
é mais impressionante.
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Nele somos levados para uma estação espacial, onde o médico holográfico de Voyager está fazendo uma pesquisa, precisa do DNA da
gente para produzir a cura de uma doença, ou algo assim. Ele fala
com a platéia por meio de monitores, como os personagens do passeio da Nova Geração.
Durante a apresentação a estação é atacada por Borgs. Paredes
quebram, chão treme, tiros de feiser... Quando soam alerta para
evacuar o local, um grupo de tripulantes presentes nos guia. Desta
vez eles estão com rifles-feiser e tudo.
Um ambiente de penumbra, flashes e fumaça, além da ambientação
sonora perfeita deixa a coisa assustadora. Vemos Borgs surgindo ao
fundo do corredor, seus lasers oculares marcando a fumaça... Um
tripulante à nossa frente é agarrado por um drone Borg para dentro
de um alçapão... Outro é puxado para o teto em uma cena digna de
Aliens.
O tripulante restante nos leva para a nave de escape. Um anfiteatro
enorme, com poltronas espaçosas. Entramos, colocamos óculos 3D
e tudo começa a se mexer.
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Não há uma movimentação tão radical quando no passeio anterior,
mas as cenas são pensadas levando isso em conta. Nossa nave é
capturada pelos Borgs. Drones de vários tipos flutuam em nossa direção (o efeito 3D é quase tão velho quanto o cinema, mas continua
funcionando).
A Rainha Borg aparece, resistance is futile. Os drones continuam
passando por perto, então eles lançam as nano sondas. Metade da
platéia solta um gritinho. Quando o modelo 3D flutuando diante de
seus olhos solta a nuvem de micromáquinas, um dispositivo oculto
espirra uma nuvem de água na direção do seu rosto, perfeitamente
sincronizado.
Pra piorar, um dispositivo Borg aparece, com dois sinistros tentáculos injetores, como os mostrados em Primeiro Contato. Quando os
contatos vão em sua direção, no encosto da cadeira duas superfícies
pontudas forçam suas costas.
Ta, confesso, me assustei. Não esperava...
Alto-falantes nos encostos da cadeira começam a reverberar sons e
vozes, dando uma idéia do que é ser assimilado pelos Borgs, ouvir
os pensamentos da espécie inteira ao mesmo tempo. Quando a coisa começa a ficar insuportável, somos surpreendidos pelo Dr. Ele se
materializa na plataforma externa, começa a tirar nos drones. A rainha tenta impedir, na última hora a Voyager invade a nave Borg,
nos prende em um raio-trator e nos tira dali.
Janeway faz um discurso enaltecedor dentro dos melhores ideais de
Star Trek, saímos e devolvemos os óculos 3D ;)
Eu gostei de ver como ninguém é espírito de porco. Já vi atrações
no Brasil serem canceladas, pois algum idiota se recusava a entrar
no clima da brincadeira e achava mais divertido ridicularizar os atores.
Despedidas dos convidados, hora de voltar pra casa. Nosso churrasco comemorativo em petit-comitê.
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A vizinha
Os vizinhos não deviam estar entendendo nada. Um bando de gente
falando português, fazendo churrasco de verdade, ao invés de grelhar civilizados hambúrgueres, ainda por cima colocando carvão em
uma churrasqueira de propano. Hank Hill morreria de vergonha.
Fomos dormir o sono dos justos. Estávamos estourados, mas felizes. Que conste nos autos que ninguém consumou nada naquela
noite, e se o Hilton consumou foi baixinho pra não acordar a Patrícia.
Na manhã seguinte, nosso último dia em território americano... Era
hora de fazer as malas, guardas as muambas, passar as fotos pro
notebook do Hilton (eu AMO tecnologia. Imagine revelar tudo, esperar, envelopar... ah, cansei), trocar telefones com todo mundo...
Entrar no Galileo (como batizei nosso shuttle particular) e seguir pro
aeroporto. A troupe toda. A família do Hilton mais Eugênio e Cris iriam para Houston, eu e Claudia iríamos para o Brasil, com escala
em Houston. Todos no mesmo vôo. Que festa.
Claro que rolou encrenca. O GÊNIO do Eugênio (sim, ele é físico nuclear) conseguiu despachar a mala com a passagem dentro. Teve
que usar de todo o jeitinho brasileiro pra entrar na área da Homeland security e pegar a passagem.
A irmã do Hilton estava levando... Panelas. SIM, panelas. Não me
perguntem. Nossa mala estava atulhada de coisas, mas só de não
estar carregando as placas já parecia tudo mais leve.
Consegui ir na janela dessa vez. Céus, parecia que estava no Afeganistão. Como um país pode ser tão rico se 90% dele é deserto?
Saindo de Lãs Vegas, deserto. Passa-se por horas de terra desolada, até começar a aparecer um ou outro pingo de verde na paisagem.
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Foto 36 - Las Vegas do Alto
Não se engane, o deserto é lindo, só parece fora de propósito.
Em Houston, nenhum problema.
Pousamos, despachamos as malas e fomos peruar um pouco. Em
uma lojinha de souvenires, o que vejo? Uma seção da NASA. Ora
bolas, moi vou estar em Houston e não comprar algo da NASA?
90 dólares mais pobre, fui encontrar a Claudia em uma lojinha de
doces. Lá acabei comprando outra camiseta, a “Don’t Mess With Texas”, uma das minhas preferidas.
Não achei as canecas Bush e Kerry que tanto desejei comprar pra
implicar com todo mundo ao mesmo tempo.
Esperando o tempo passar, subimos para um restaurante, que se
revelou um belo bar. Uma ou duas Heinekens depois, acabei fazendo um discurso meio desastrado meio emocionado sobre o quanto
aquilo tudo foi importante para mim. Mostrei no Palm a música que
simbolizava aquela nossa jornada. Apropriadamente, o tema da série Star Trek: Enterprise:
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Faith of the Heart
Rod Stewart and Dianne Warren
It's been a long road
Getting from there to here
It's been a long time
But my time is finally near
And I can feel the change in the wind right now
Nothings in my way
And they're not gonna hold me down no more
No there not gonna hold me down
Cause I've got faith of the heart
I'm going where my heart will take me
I've got faith to believe
I can do anything
I've got strength of the soul
And no one's gonna bend or break me
I can reach any star
I've got faith
I've got faith
Faith of the heart
It's been a long night
Trying to find my way
Been through the darkness
Now I finally have my day
I will see my dream come alive at last
I will touch the sky
And they're not gonna hold me down no more
No there not gonna change my mind
Cause I've got faith of the heart
I'm going where my heart will take me
I've got faith to believe
I can do anything
I've got strength of the soul
And no one's gonna bend or break me
I can reach any star
I've got faith
Faith of the heart
I've known a wind so cold and seen the darkest days
But now the winds I feel are only winds of change
I've been through the fire and I've been through the rain
But I'll be fine
Cause I've got faith of the heart
I'm going where my heart will take me
I've got faith to believe
I can do anything
I've got strength of the soul
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And no one's gonna bend or break me
I can reach any star
I've got faith
Faith of the heart
Faith of the heart
I'm going where my heart will take me
I've got faith to believe
That no one's gonna bend or break me
I can reach any star
I've got faith
I've got faith
Faith of the heart
Its been a long road
Também não consegui achar meu boné dos Yankees. Oh dor. Tive
que me contentar com um USA genérico. Mais os da NASA, claro.
Despedidas e recomendações feitas, é hora de ir pra casa. Conferimos os vistos, o papelzinho vale-saída que avisam pra você não
perder nunca ou coisas horríveis acontecerão, check-in e vamos
lá...
Foto 37 - Adios, Vegas
No embarque, um guarda acompanha os passageiros que passam
pelo detector de metal. Figuraça. Sorriso de orelha pra orelha, uma
daqueles negros gordinhos bonachões que são a alegria da festa.
Deixo tudo de metal na bandeja, faço rápido contato visual, ele continua rindo. Eu passo no detector só com o passaporte na mão e...
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BIP-BIP-BIP
Tomo um leve susto. Não há nada comigo que possa ativar o alarme, e o som estava meio estranho eEu olho pra ele, rio, ele ri também.
“Quase me pegou, hein?”
Ele ri de novo, não é comum os passageiros perceberem de cara
que ele fez aquele barulho.
“Você é esperto” – olha o passaporte na minha mão – “é de onde?”
“Brasil” – mostro a capa do documento – “estou voltando pra casa”
“Ah, que legal. Boa viagem pra você”
Mal me afasto, ouço o barulho real do detector. O guarda muda
completamente, agora ele é todo business com o passageiro atrás
de mim.
Alguns minutos depois estamos na fila de embarque da Continental,
respondendo às perguntas de praxe, sobre gente que teria pedido
para levarmos pacotes e outras coisas que as pessoas são idiotas o
bastante para fazer.
Embarcamos para uma viagem de volta super-rápida, como todas
as viagens de volta. Mal conseguimos conversar, um interrompendo
o outro, tentando colocar em sincronia as experiências. Foi a primeira viagem internacional para os dois, além de muito corrida. Mal
tivemos tempo de planejar as atividades. Foi tudo no susto. O que
não deixa de ser uma abordagem válida.
Dormi e li muito, esqueci de dar banana pro Fidel, e sequer reclamei
do comissário chato que odiava Coca-Light. Quando vi já estávamos
em São Paulo. Trocamos de avião, baldeamo-nos pro Galeão (Tom
Jobim é o cacete, duvido que ele aceitasse a troca).
No Rio, descobrimos que estávamos de volta ao Brasil. Uma eternidade para termos nossos passaportes carimbados. Qualquer país do
mundo facilita a burocracia pros nativos, no Brasil todos são iguais
perante a Lei.
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All Good Things...
por Carlos Cardoso
Depois de um atendente mal-humorado, foi a vez da famigerada
Luz Vermelha.
Não estávamos levando nada acima da cota, nem com toneladas de
microondas e caixas de uísque, ainda mais nosso vôo de origem era
Houston. Ninguém queria atrapalhar a vida dos passageiros trabalhando, então passamos direto. IUPI! Meu DVD de sonho era legalmente meu! Próximo passo arrumar um táxi, abraçar os gatos, que
estávamos tronxos de saudade, e desfazer as malas. Mandando
também um milhão de emails contanto a novidade.
Algumas Coisas que descobri nesta viagem:
1 – A América é igualzinha aos filmes
Verdade. A gente fica achando que Hollywood exagera, idealiza e
altera o dia-a-dia das pessoas, mas o que pudemos ver é que tudo
funciona exatamente como no cinema e na TV. Um fã de seriados
se sente mais à vontade em uma cidade americana do que em casa
de tia.
2 – Estrangeiro a passeio não é ameaça
O tratamento é completamente diferente. Você senta, consome,
paga, é bem-tratado. Não sofremos nenhum tipo de discriminação,
todos que nos atenderam, da taxista ao helpdesk de TI do hotel foram gentis. Os garçons são caso à parte. Rivalizam com os melhores daqui.
3 – O café deles é delicioso
Desculpe, periferia, mas aquela porcaria de botequim não presta.
Qualquer birosca lá vende café de gourmet, com zilhões de variações. Aqui no máximo você consegue um pingado. Agora, com o
Fran’s é que começamos a ter mais variedades, mesmo assim ainda estamos longe de um Starbuck’s da vida.
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4 – Come-se muito bem por lá
Me recusei a chegar perto de mcDonald’s, e não fez falta. Claro, em
cidades normais a comida boa é muito cara, mas em Vegas temos
comida boa E barata. O Sirloin que comemos lá até hoje dá saudades. Pra quem curte pimenta então, é show.
5 – A cerveja americana é um lixo
Verdade. Se você considera Bud Light como a única cerveja produzida lá. Tome uma Samuel Adams e depois a gente conversa.
6 – Brasileiros achacados nos aeroportos
Todo mundo que vi atendendo público em aeroportos e similares
era extremamente reativo. Ou seja: Quer ser bem tratado, me trate bem. Por mim, excelente. Não vejo problema em começar uma
frase com “bom dia, por favor...”
7 – Querem roubar a Amazônia
O americano médio nem sabe onde fica Amazônia. Está se lixando
pra Amazônia, não e deslumbra com turista e só quer levar a vidinha dele em paz. A chance de um americano médio saber onde fica
a Amazônia é a mesma de um brasileiro médio saber a capital da
Califórnia
EPÍLOGO
Nossa primeira viagem internacional foi um sucesso. Já estávamos
planejando a próxima. Ano que vem, 20 dias, Europa, amigos e parentes espalhados, Fly & Drive, pacote completo. Uma viagem de
exploração de novos povos, novas culturas, audaciosamente indo
onde jamais estivemos.
congelemos esta cena. Rick Blaine e o Capitão Renault sumindo na
névoa, Butch e Sundance saindo pra enfrentar os bolivianos, Telma
e Louise de mãos dadas saltando o abismo. Não sabemos, não temos certeza, mas como espectadores, no fundo de nossas almas
nós desejamos o melhor. Ainda que improvável. Nos sentimos bem
dormindo com essa confiança oculta. “ah, eles escaparam. Com certeza”. Toda história tem um final feliz, é só saber quando parar. Agora parece um bom momento.
FIM
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